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Processo Penal

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Processo HC 903268 SP HABEAS CORPUS 202401167863 Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ 1158 Órgão Julgador T6 SEXTA TURMA Data do Julgamento 03092024 Data da PublicaçãoFonte DJe 06092024 Ementa HABEAS CORPUS ROUBO IDENTIFICAÇÃO FEITA PELA VÍTIMA ESPONTANEAMENTE POR MEIO DE REDE SOCIAL ÚNICA PROVA FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS PARA A CONDENAÇÃO PROVAS DEFENSIVAS QUE INFIRMAM A VERSÃO ACUSATÓRIA RISCO DE FALSA MEMÓRIA E ERRO HONESTO ABSOLVIÇÃO ORDEM CONCEDIDA 1 A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça por ocasião do julgamento do HC n 598886SC Rel Ministro Rogerio Schietti realizado em 27102020 conferiu nova interpretação ao art 226 do CPP a fim de superar o entendimento até então vigente de que referido o artigo constituiria mera recomendação e como tal não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos 2 Posteriormente em sessão ocorrida no dia 1532022 a Sexta Turma desta Corte por ocasião do julgamento do HC n 712781RJ Rel Ministro Rogerio Schietti avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n 598886SC e decidiu à unanimidade que mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal art 226 do CPP o reconhecimento pessoal embora seja válido não tem força probante absoluta de sorte que não pode induzir por si só à certeza da autoria delitiva em razão de sua fragilidade epistêmica se porém realizado em desacordo com o rito JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 4 previsto no art 226 do CPP o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar 3 Segundo se depreende dos autos a vítima foi roubada por dois indivíduos em uma moto e acionou imediatamente a polícia Os agentes conseguiram capturar um dos criminosos motorista mas o outro garupa se evadiu A vítima então decidiu investigar os fatos sozinha e descobrir quem seria o comparsa que escapou razão pela qual localizou o perfil do corréu preso na rede social Facebook e começou a vasculhar a lista de amigos dele até encontrar o paciente o qual afirma reconhecer como o outro roubador por meio das fotos que viu na rede social Posteriormente na delegacia foi formalizado o ato de reconhecimento em desacordo com os requisitos previstos no art 226 do CPP Em juízo o reconhecimento foi repetido novamente sem observância do art 226 do CPP 4 No caso a primeira identificação do acusado foi feita pela vítima de forma espontânea por meio de pesquisa que ela própria realizou na lista de amigos do corréu preso em flagrante na rede social Facebook Assim para esse ato específico não havia como exigir a aplicação do procedimento previsto no art 226 do CPP Isso todavia não significa que a condenação possa subsistir em virtude da manifesta fragilidade do conjunto probatório baseado somente na indicação fotográfica que a vítima fez por meio da lista de amigos do corréu no Facebook posteriormente confirmada por dois reconhecimentos formais ilegais 5 Assim como o reconhecimento formal de pessoas a identificação feita pela vítima em varredura na lista de amigos do corréu no Facebook também se baseia apenas na memória visual dela sobre a fisionomia de alguém que viu em situação de grande tensão emocional e por apenas poucos segundos o que conforme demonstram inúmeros estudos científicos mencionados à exaustão nos precedentes sobre a matéria pode levar e frequentemente leva a identificações equivocadas razão pela qual por si só não é suficiente para comprovar com segurança a autoria delitiva 6 Cabe destacar a propósito que segundo o acórdão a defesa apresentou documentos comprovando que o réu havia sofrido acidente de carro um mês antes do crime com fratura na perna e esteve afastado do trabalho pelo INSS de fevereiro até maio dois meses depois do crime Ademais uma testemunha afirmou haver visto o réu JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 4 com bota ortopédica na véspera dos fatos elementos que contrastam com a narrativa da vítima de que o criminoso haveria descido da moto para anunciar o assalto e depois ainda haveria empreendido fuga correndo rapidamente a ponto de não haver sido capturado pela polícia 7 Não se trata de insinuar que a vítima mentiu ao dizer que reconheceu o acusado Chamase a atenção nesse ponto para o fundamental conceito de erros honestos trazido pela psicologia do testemunho Para este ramo da ciência o oposto da ideia de mentira não é a verdade mas sim a sinceridade Quando se coloca em dúvida a confiabilidade do reconhecimento feito pela vítima mesmo nas hipóteses em que ela diga ter certeza absoluta do que afirma não se está a questionar a idoneidade moral daquela pessoa ou a imputarlhe máfé vale dizer não se insinua que ela esteja mentindo para incriminar um inocente O que se pondera apenas é que não obstante subjetivamente sincera a afirmação da vítima pode eventualmente não corresponder à realidade porque decorrente de um erro honesto causado pelo fenômeno das falsas memórias 8 Ordem concedida para ratificar a liminar deferida e absolver o paciente Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Sexta Turma por unanimidade conceder o habeas corpus nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Antonio Saldanha Palheiro Otávio de Almeida Toledo Desembargador Convocado do TJSP e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr Ministro Relator Ausente justificadamente o Sr Ministro Og Fernandes Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00226 LEGFED RES000484 ANO2022 ART00001 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CNJ JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 4 Jurisprudência Citada RECONHECIMENTO PESSOAL INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DO ART 226 DO CPP OUTROS MEIOS DE PROVA STJ HC 712781RJ JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 4 de 4 Processo AREsp 2408401 PA AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 202302426616 Relator Ministro RIBEIRO DANTAS 1181 Órgão Julgador T5 QUINTA TURMA Data do Julgamento 02042024 Data da PublicaçãoFonte DJe 10042024 Ementa PROCESSUAL PENAL AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL REVISÃO CRIMINAL NA ORIGEM CRIME DE ROUBO MAJORADO ESTUPRO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO CRIMINAL ART 621 III DO CPP NOVA PROVA REVISÃO CRIMINAL POSSIBILIDADE DÚVIDA QUANTO À AUTORIA PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO VALOR PROBATÓRIO DO DEPOIMENTO DA VÍTIMA O IMPACTO DAS FALSAS MEMÓRIAS NO RECONHECIMENTO PESSOAL PROCEDIMENTO DO ART 226 DO CPP NULIDADE AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL 1 No cerne desta deliberação jurídica o agravo em recurso especial desafia a condenação por roubo majorado estupro e estupro de vulnerável ancorandose na admissibilidade de nova prova sob a égide do art 621 III do CPP e questiona a legalidade do reconhecimento pessoal efetuado previsto no art 226 do CPP 2 Este Superior Tribunal de Justiça possui entendimento segundo o qual a retratação de vítimas em delitos sexuais durante audiência de justificação não implica automaticamente a absolvição do acusado devendo ser analisada em conjunto com o acervo probatório disponível 3 A retratação da vítima e as falhas no procedimento de reconhecimento especialmente a discrepância física entre os apresentados e o acusado motivam a reavaliação da condenação A análise se debruça sobre a valoração do depoimento da vítima em JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 3 consonância com o corpus probatório e os princípios do in dubio pro reo enfatizando a influência das falsas memórias na identificação do acusado e a necessidade de alinhamento do procedimento de reconhecimento às diretrizes do art 226 do CPP 4 Teses fixadas 41 Em delitos sexuais a retratação da vítima autoriza a revisão criminal para absolvição do réu quando o conjunto probatório se limita à sua declaração e a testemunhos sem outras provas materiais 42 O procedimento de reconhecimento de pessoas para sua validade deve assegurar a semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos apresentados conforme estabelece o art 226 II do CPP evitandose sugestões que possam influenciar a decisão da testemunha e comprometer o reconhecimento 5 Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial e absolver o recorrente Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Turma por unanimidade conhecer do agravo para dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Joel Ilan Paciornik Messod Azulay Neto Daniela Teixeira e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr Ministro Relator Informações Complementares à Ementa em face de atos teratológicos ou de flagrante ilegalidade processual em matéria penal o STJ tem a prerrogativa de conceder habeas corpus de ofício reafirmando seu compromisso com a proteção dos direitos fundamentais e com a correção de erros processuais graves Essa atuação embora excepcional reflete a sensibilidade do tribunal à necessidade de intervenção imediata em casos de violações evidentes dos princípios de justiça e legalidade o Superior Tribunal de Justiça tem consolidado o entendimento de que a descoberta de novas provas de inocência conforme estabelecido no art 621 inciso III do CPP necessita de comprovação por meio de justificação criminal ambas as Turmas que compõe a Terceira Seção deste JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 3 Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que o reconhecimento de pessoa presencialmente ou por fotografia realizado na fase do inquérito policial apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial sob o crivo do contraditório e da ampla defesa Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00226 INC00002 ART00621 INC00003 ART00626 Jurisprudência Citada REVISÃO CRIMINAL DÚVIDA RAZOÁVEL STANDARD PROBATÓRIO STJ REsp 2042215PE HABEAS CORPUS ATO TERATOLÓGICO STJ REsp 1458386PA ESTUPRO DE VULNERÁVEL REVISÃO CRIMINAL AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO CRIMINAL RETRATAÇÃO DA VÍTIMA STJ AgRg no AREsp 2462400SC AgRg no AREsp 2222222MT RECONHECIMENTO PESSOAL PROCEDIMENTO LEGAL OBSERVÂNCIA STJ HC 598886SC RECONHECIMENTO PESSOAL OUTROS ELEMENTOS DE PROVA CORROBORAÇÃO STJ HC 652284SC RHC 139037SP REVISÃO CRIMINAL NOVAS PROVAS DE INOCÊNCIA JUSTIFICAÇÃO CRIMINAL STJ AgRg no AgRg no AREsp 1443970SP JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 3 Processo HC 832556 SP HABEAS CORPUS 202302118653 Relator Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT 8420 Órgão Julgador T6 SEXTA TURMA Data do Julgamento 05122023 Data da PublicaçãoFonte DJe 07122023 Ementa HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA ACOLHIMENTO RECONHECIMENTO VICIADO QUE NÃO PODE SER CONVALIDADO EM JUÍZO AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE COMPROVAM A AUTORIA DO DELITO 1 A Corte de origem invocou fundamentos para condenar o paciente que estão em contraste com o atual entendimento deste Tribunal Superior cuja jurisprudência se consolidou no sentido de que as normas do art 226 do CPP não são meras recomendações legais devendo ser objeto de observância pelas autoridades investigativas com vistas a evitar a criação de falsas memórias na vítima do delito como resta evidente neste caso tanto que o magistrado de piso que possui melhores condições de aferir as provas constantes dos autos absolveu o paciente 2 Ao contrário do aventado pela Corte de origem não compete ao acusado a comprovação de sua inocência mas sim ao órgão ministerial a demonstração de sua culpabilidade dada a presunção relativa de inocência erigida a garantia constitucional sendo certo que o reconhecimento fotográfico realizado ao arrepio das disposições constantes do art 226 do CPP ainda que ratificado em juízo não legitima a condenação de alguém à mingua de outros elementos probatórios além do depoimento da vítima notadamente porque a res furtiva sequer foi apreendida na posse do paciente JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 2 3 No caso dos autos resta evidente a indução da vítima E C C em reconhecer fotos extraídas do perfil da rede social eletrônica Facebook dos acusados que sequer foram confirmados em sua totalidade sob o crivo do contraditório judicial o que ensejou o pedido de absolvição pelo Parquet em relação aos corréus do ora paciente tornando imperativo o restabelecimento da sentença absolutória que bem afirmou que Não há prova de que teria sido feito de forma correta e ao que tudo indica poderia ter induzido a vítima Edmilson a apontar o réu Rafael como um dos participantes do evento noticiado na denúncia fl 85 4 Habeas corpus concedido para restabelecer a sentença absolutória nos autos da ação penal n 15033020520208260602 Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Sexta Turma por unanimidade conceder o habeas corpus nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Sebastião Reis Júnior Rogerio Schietti Cruz Antonio Saldanha Palheiro e Teodoro Silva Santos votaram com o Sr Ministro Relator Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00226 Jurisprudência Citada ART 226 DO CPP INOBSERVÂNCIA INEXISTÊNCIA DE PROVA VÁLIDA ABSOLVIÇÃO STJ HC 835651RJ JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 2 Processo HC 769783 RJ HABEAS CORPUS 202202853462 Relatora Ministra LAURITA VAZ 1120 Órgão Julgador S3 TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 10052023 Data da PublicaçãoFonte DJe 01062023 RMPRJ vol 91 p 387 Ementa HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO DEPOIMENTO DA VÍTIMA RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E PESSOAL ÚNICOS ELEMENTOS DE PROVA CONTRADIÇÕES E INCONSISTÊNCIAS AFERÍVEIS PRIMO ICTU OCULI DESNECESSIDADE DE REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO DÚVIDA RAZOÁVEL IN DUBIO PRO REO ORDEM CONCEDIDA 1 Desde que respeitadas as exigências legais o reconhecimento de pessoas pode ser valorado pelo Julgador Isso não significa admitir que em todo e qualquer caso a afirmação do ofendido de que identifica determinada pessoa como o agente do crime seja prova cabal e irrefutável Do contrário a função dos órgãos de Estado encarregados da investigação e da acusação Polícia e Ministério Público seria relegada a segundo plano O Magistrado por sua vez estaria reduzido à função homologatória da acusação formalizada pelo ofendido 2 Consoante jurisprudência desta Corte o reconhecimento positivo que respeite as exigências legais portanto é válido sem todavia força probante absoluta de sorte que não pode induzir por si só à certeza da autoria delitiva em razão de sua fragilidade epistêmica STJ HC n 712781RJ relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Sexta Turma julgado em 1532022 DJe de 2232022 3 O reconhecimento de pessoas que obedece às disposições legais o JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 4 que não as observa é nulo consoante jurisprudência pacífica desta Corte não prepondera sobre quaisquer outros meios de prova confissão testemunha perícia acareação etc ao contrário deve ser valorado como os demais 4 Há diferentes graus de confiabilidade de um reconhecimento Se decorrido curto lapso temporal entre o crime e o ato e se a descrição do suspeito é precisa isenta de contradições e de alterações com o passar do tempo o que não ocorre no caso em tela a prova de fato merece maior prestígio No entanto em algumas hipóteses o reconhecimento deve ser valorado com maior cautela como por exemplo nos casos em que já decorrido muito tempo desde a prática do delito quando há contradições na descrição declarada pela vítima e até mesmo na situação em que esse relato porventura não venha a corresponder às reais características físicas do suspeito apontado 5 A confirmação em juízo do reconhecimento fotográfico extrajudicial por si só não torna o ato seguro e isento de erros involuntários pois uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito há tendência por um viés de confirmação a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto STJ HC n 712781RJ relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Sexta Turma julgado em 1532022 DJe de 2232022 6 No caso é incontroverso nos autos que i a condenação do Paciente encontrase amparada tão somente no depoimento da Vítima e nos reconhecimentos realizados na fase extrajudicial e em juízo ii não foram ouvidas outras testemunhas de acusação iii a res furtiva não foi apreendida em poder do Acusado iv o Réu negou a imputação que lhe foi dirigida 7 Constatase primo ictu oculi e sem a necessidade de incursão aprofundada no acervo probatório que há diversas inconsistências e contradições nas descrições feitas pela Vítima a respeito dos aspectos fisionômicos do suspeito o que indica a possibilidade de reconhecimento falho dado o risco de construção de falsas memórias O fenômeno não está ligado à ideia de mentira ou falsa acusação mas sim a de um erro involuntário a que qualquer pessoa pode ser acometida 8 Em audiência a Ofendida nem mesmo afirmou que havia reconhecido o Paciente em sede policial com absoluta certeza Ao contrário alegou que naquela ocasião após visualizar as fotos apenas JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 4 sinalizou que possivelmente o Réu seria o autor do crime 9 Não se desconhece que na origem o Paciente responde por dezenas de acusações relativas à suposta prática de roubo A própria Defesa com nítida boafé enuncia tal fato na inicial porém alerta que em vários deles já foi absolvido em razão de vícios do ato de reconhecimento e de falta de certeza quanto à autoria delitiva fl 34 O alerta defensivo é corroborado pelo substancioso estudo anexado aos autos pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa Márcio Thomaz Bastos informando que o Paciente já foi absolvido em 17 ações penais nas quais o próprio Ministério Público opinou pela improcedência e por isso também não interpôs recurso e que o principal motivo das absolvições foi a ausência de ratificação em Juízo do reconhecimento policial Portanto as graves incongruências no reconhecimento do ora Paciente não podem ser sanadas apenas em razão quantidade de vezes em que este foi reconhecido em outros feitos 10 Considerando que o decreto condenatório está amparado tão somente nos reconhecimentos formalizados pela Vítima e ainda as divergências e inconsistências na referida prova aferíveis de plano e sem a necessidade de incursão no conjunto fáticoprobatório concluo que há dúvida razoável a respeito da autoria delitiva razão pela qual é necessário adotar a regra de julgamento que decorre da máxima in dubio pro reo tendo em vista que o ônus de provar a imputação recai sobre a Acusação 11 Ordem de habeas corpus concedida para absolver o Paciente com fundamento no art 386 inciso VII do Código de Processo Penal Concedido habeas corpus ex officio para determinar a soltura imediata do Paciente em relação a todos os processos cabendo aos Juízos e Tribunais nas ações em curso e aos Juízos da Execução Penal nas ações transitadas em julgado aferirem se a dinâmica probatória é exatamente a mesma repelida nestes autos Determinada a expedição de ofício comunicando a íntegra desse julgado à Corregedoria de Polícia do Estado do Rio de Janeiro para apuração de eventuais responsabilidades Acórdão Vistos e relatados estes a utos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Terceira Seção por unanimidade conceder a ordem para absolver o Paciente da imputação que lhe foi dirigida na Ação Penal n 0133737420208190008 com fundamento JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 4 no art 386 inciso VII do Código de Processo Penal e conceder ordem de ofício para determinar sua soltura imediata em relação a todos os processos cabendo aos Juízos e Tribunais nas ações em curso e aos Juízos da Execução Penal nas ações transitadas em julgado aferirem se a dinâmica probatória é exatamente a mesma repelida nestes autos e determinar a expedição de ofício comunicando a íntegra desse julgado à Corregedoria de Polícia do Estado do Rio de Janeiro para apuração de eventuais responsabilidades nos termos do voto da Sra Ministra Relatora Os Srs Ministros Sebastião Reis Júnior Rogerio Schietti Cruz Reynaldo Soares da Fonseca Antonio Saldanha Palheiro Messod Azulay Neto Jesuíno Rissato Desembargador Convocado do TJDFT e João Batista Moreira Desembargador convocado do TRF1 votaram com a Sra Ministra Relatora Ausente justificadamente o Sr Ministro Joel Ilan Paciornik Presidiu o julgamento o Sr Ministro Ribeiro Dantas Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00226 ART00227 ART00228 ART00386 INC00007 LEGFED RES000484 ANO2022 ART00007 INC00001 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CNJ Jurisprudência Citada RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO MEIO DE PROVA INEXISTÊNCIA DE CARÁTER ABSOLUTO STJ HC 712781RJ AgRg no HC 730232SP AgRg no REsp 1969149RS MEIO DE PROVA CONTRADIÇÕES DÚVIDA RAZOÁVEL IN DUBIO PRO REO STJ AgRg no AREsp 1722914DF HC 706735RS HC 674139SP HC 664537RJ HC 698058SP STF HC 170117 JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 4 de 4 Processo HC 712781 RJ HABEAS CORPUS 202103979528 Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ 1158 Órgão Julgador T6 SEXTA TURMA Data do Julgamento 15032022 Data da PublicaçãoFonte DJe 22032022 RSTJ vol 265 p 1010 Ementa HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENORES RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART 226 DO CPP PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA ORDEM CONCEDIDA 1 A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça por ocasião do julgamento do HC n 598886SC Rel Ministro Rogerio Schietti realizado em 27102020 conferiu nova interpretação ao art 226 do CPP a fim de superar o entendimento até então vigente de que referido o artigo constituiria mera recomendação e como tal não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos Na ocasião foram apresentadas as seguintes conclusões 11 O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime 12 À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 6 13 Pode o magistrado realizar em juízo o ato de reconhecimento formal desde que observado o devido procedimento probatório bem como pode ele se convencer da autoria delitiva com base no exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento 14 O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografias ao reconhecedor a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e portanto não pode servir como prova em ação penal ainda que confirmado em juízo 2 Necessário e oportuno proceder a um ajuste na conclusão n 4 do mencionado julgado Não se deve considerar propriamente o reconhecimento fotográfico como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal mas apenas como uma possibilidade de entre outras diligências investigatórias apurar a autoria delitiva Não é necessariamente a prova a ser inicialmente buscada mas se for produzida deve vir amparada em outros elementos de convicção para habilitar o exercício da ação penal Segundo a doutrina especializada o reconhecimento pessoal feito na fase préprocessual ou em juízo após o reconhecimento fotográfico ou mesmo após um reconhecimento pessoal anterior como uma espécie de ratificação encontra sérias e consistentes dificuldades epistemológicas 3 Se realizado em conformidade com o modelo legal art 226 do CPP o reconhecimento pessoal é válido sem todavia força probante absoluta de sorte que não pode induzir por si só à certeza da autoria delitiva em razão de sua fragilidade epistêmica Se todavia tal prova for produzida em desacordo com o disposto no art 226 do CPP deverá ser considerada inválida o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime mesmo que de forma suplementar Mais do que isso inválido o reconhecimento não poderá ele servir nem para lastrear outras decisões ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido tais como a decretação de prisão preventiva o recebimento de denúncia e a pronúncia 4 Em julgamento concluído no dia 2322022 a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n 206846SP Rel Ministro Gilmar Mendes para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 6 condenação Reportandose ao decidido no julgamento do referido HC n 598886SC no STJ foram fixadas três teses 41 O reconhecimento de pessoas presencial ou por fotografia deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa 42 A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo Se declarada a irregularidade do ato eventual condenação já proferida poderá ser mantida se fundamentada em provas independentes e não contaminadas 43 A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem ainda que em juízo de verossimilhança a autoria do fato investigado de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias que potencializam erros na verificação dos fatos 5 Na espécie a leitura da sentença condenatória e do acórdão impugnado além da análise do contexto fático já delineado nos autos pelas instâncias ordinárias permitem inferir que o paciente foi condenado exclusivamente com base em reconhecimento fotográfico realizado pela vítima e sem que nenhuma outra prova apreensão de bens em seu poder confissão relatos indiretos etc autorizasse o juízo condenatório 6 Mais ainda a autoridade policial induziu a vítima a realizar o reconhecimento tornandoo viciado ao submeterlhe uma foto do paciente e do comparsa adolescente de modo a reforçar sua crença de que teriam sido eles os autores do roubo Tal comportamento por óbvio acabou por comprometer a mínima aproveitabilidade desse reconhecimento 7 Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o showup conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita ou sua fotografia e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é ou não autora do crime por incrementar o risco de falso reconhecimento O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor porquanto se estabelece uma percepção precedente ou seja um préjuízo acerca de quem seria o autor do crime que acaba por contaminar e comprometer JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 6 a memória Ademais uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito há tendência por um viés de confirmação a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto 8 Em verdade o resultado do reconhecimento formal depende tanto da capacidade de memorização do reconhecedor quanto de diversos aspectos externos que podem influenciálo como o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor tempo de duração do evento criminoso a gravidade do fato as condições ambientais tais como visibilidade do local no momento dos fatos aspectos geográficos etc a natureza do crime com ou sem violência física grau de violência psicológica o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento etc 9 Sob um processo penal de cariz garantista é dizer conforme aos parâmetros e diretrizes constitucionais e legais buscase uma verdade processualmente válida em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional 10 Adotada assim a premissa de que a busca da verdade no processo penal se sujeita a balizas epistemológicas e também éticas que assegurem um mínimo de idoneidade às provas e não exponham pessoas em geral ao risco de virem a ser injustamente presas e condenadas é de se refutar que essa prova tão importante seja produzida de forma totalmente viciada Se outros fins que não a simples apuração da verdade são também importantes na atividade investigatória e persecutória do Estado algum sacrifício epistêmico como alerta Jordi FerrerBeltrán pode ocorrer especialmente quando o processo penal busca também a proteção a direitos fundamentais e o desestímulo a práticas autoritárias 11 Impõe compreender que a atuação dos agentes públicos responsáveis pela preservação da ordem e pela apuração de crimes deve darse em respeito às instituições às leis e aos direitos fundamentais Ou seja quando se fala de segurança pública esta não se pode limitar à luta contra a criminalidade deve incluir também a criação de um ambiente propício e adequado para a convivência pacífica das pessoas e de respeito institucional a quem se vê na situação de acusado e antes disso de suspeito 12 Sob tal perspectiva devem as agências estatais de investigação e persecução penal envidar esforços para rever hábitos e acomodações funcionais de sorte a utilizar instrumentos para JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 4 de 6 maximizar as probabilidades de acerto na decisão probatória em particular aqueles que visam a promover a formação de um conjunto probatório o mais rico possível quantitativa e qualitativamente FerrerBeltrán 13 Convém ainda lembrar que as prescrições legais relativas às provas cumprem não apenas uma função epistêmica i e de conferir fiabilidade e segurança ao conteúdo da prova produzida mas também uma função de controlar o exercício do poder dos órgãos encarregados de obter a prova para uso em processo criminal visàvis os direitos inerentes à condição de suspeito investigado ou acusado Nesse sentido é sempre oportuna a lição de Perfécto Ibañez que divisa na exigência de cumprimento das prescrições legais relativas à prova uma função implícita a saber a de induzir os agentes estatais à observância dessas normas o que se perfaz com a declaração de nulidade dos atos praticados de forma ilegal 14 O zelo com que se houver a autoridade policial ao conduzir as investigações determinará não apenas a validade da prova obtida sem bons ingredientes não haverá forma de fazer um bom prato como metaforicamente lembra Jordi FerrerBeltrán mas a própria legitimidade da atuação policial e sua conformidade ao modelo legal e constitucional Sem embargo conquanto as instituições policiais figurem no centro das críticas não são as únicas a merecêlas É preciso que todos os integrantes do sistema de justiça criminal se apropriem de técnicas pautadas nos avanços científicos para interromper e reverter essa preocupante realidade quanto ao reconhecimento pessoal de suspeitos Práticas como a evidenciada no processo objeto deste writ só se perpetuam porque eventualmente encontram respaldo e chancela tanto do Ministério Público a quem como fiscal do direito custos iuris compromissado com a verdade e com a objetividade de atuação cabe velar pela higidez e pela fidelidade da investigação dos fatos sob apuração ao propósito de evitar acusações infundadas quanto do próprio Poder Judiciário ao validar e acatar medidas ilegais perpetradas pelas agências de segurança pública 15 Sob tais premissas e condições não é possível ratificar a condenação do acusado visto que apoiada em prova absolutamente desconforme ao modelo legal sem a observância das regras probatórias próprias e sem o apoio de qualquer outra evidência produzida nos autos 16 Ordem concedida para absolver o paciente em relação à prática JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 5 de 6 dos delitos de roubo e de corrupção de menores objetos do Processo n 00145525920198190014 da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes RJ ratificada a liminar anteriormente deferida a fim de determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor se por outro motivo não estiver preso Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça por unanimidade conceder o habeas corpus nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Antonio Saldanha Palheiro Olindo Menezes Desembargador Convocado do TRF 1ª Região Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr Ministro Relator Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00155 ART00226 Jurisprudência Citada RECONHECIMENTO DE PESSOAS REQUISITOS FORMAIS STJ HC 598886SC JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 6 de 6 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ NOME DOA ALUNOA TÍTULO DO TRABALHO SUBTÍTULO CURITIBA 20 nome doA alunoA TÍTULO DO TRABALHO SUBTÍTULO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito Orientadora Profa DraMsc CURITIBA 20 TERMO DE APROVAÇÃO NOME DOA ALUNOA TÍTULO DO TRABALHO Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao curso de Graduação em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito Profa DraMsc Orientadora Profa DraMsc Professora Avaliadora Profa DraMsc Professora Avaliadora Curitiba de de 20 DEDICATÓRIA FACULTATIVO Forma livre AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS FACULTATIVO Forma livre EPÍGRAFE FACULTATIVO Forma livre TÍTULO DESTE ARTIGO EM PRIMEIRA LÍNGUA TITLE OF THIS ARTICLE IN ENGLISH OR SECOND LANGUAGE RESUMO Devese ressaltar de forma clara e sintética a natureza e o objetivo do trabalho o método que foi empregado os resultados e as conclusões mais importantes seu valor e originalidade O resumo escrito na língua original entre 150 e 250 palavras bem como de sua tradução para o inglês Palavraschave Palavras Resumo Palavras Resumo Palavras ABSTRACT O texto do resumo na versão em Inglês ou Espanhol Keywords Slovy Vysnovy Slovy Vysnovy Slovy SUMÁRIO 1 Introdução 2 Fundamentação teórica desenvolvimento 3 Considerações Finais 4 Referências 1 INTRODUÇÃO Iniciase a introdução com uma contextualização do tema Na introdução devese expor a finalidade e os objetivos do artigo de modo que o leitor tenha uma visão geral do tema abordado São elementos da introdução o tema problema de pesquisa objetivos geral e específicos hipóteses se houver e justificativas O texto deve ser apresentado em Times New Roman tamanho 12 espaçamento 115 de no mínimo 20 páginas e no máximo 25 incluindose as notas e referências O texto que exceder o número de páginas definido para a seção será devolvido para adequação As Normas Técnicas da UTP devem ser utilizadas como padrão para a formatação e desenvolvimento do trabalho científico httpstuiutiedubrwpcontentuploads202409e bookNTUTP20241pdf 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DESENVOLVIMENTO Parte principal e mais extensa do trabalho deve apresentar a fundamentação teórica a metodologia os resultados e a discussão Dividese em seções e subseções conforme as Normas Técnicas da UTP Tabela 1 Tabela do exemplo Coluna Coluna Coluna Coluna Coluna Linha 1 1 1 1 Linha 1 1 1 1 Linha 1 1 1 1 Fonte Autores 2018 Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Quadro 1 Quadro do exemplo Coluna Coluna Coluna Linha Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Linha Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Linha Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Fonte Xyvxyv 2017 Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem As citações longas 3 linhas ou mais devem ser redigidas em fonte tamanho 10 com espaçamento simples 10 recuo de 4cm à esquerda e não deve conter indicações gráficas de citação tais como aspas Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Figura 1 Figura do exemplo Fonte Xysran 2017 Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem REFERÊNCIAS Todos os documentos citados devem ser apresentados ao final do artigo com o título Referências sem distinções entre livros periódicos documentos etc As Normas Técnicas da UTP devem ser utilizadas como regra httpstuiutiedubrwpcontentuploads202409e bookNTUTP20241pdf Nas referências devese utilizar o título em negrito e não sublinhado Todos os autores citados no texto devem ser incluídos na lista de referências em ordem alfabética Devem ser alinhadas à margem esquerda do texto com espaço simples e separadas umas das outras por um espaço simples Usar o mesmo tipo e tamanho de fonte do texto do artigo Times New Roman tamanho 12 Não deve ser numerada EXEMPLOS ANDRADE M M Introdução à Metodologia do Trabalho Científico 9ed São Paulo Atlas 2009 AZEVEDO L A SHIROMA E O COAN M As políticas públicas para a educação profissional e tecnológica sucessivas reformas para atender a quem B Téc Senac a R Educ Prof Rio de Janeiro v 38 n 2 p 2740 2012 Processo AgRg no HC 522499 SC AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 201902119613 Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ 1158 Órgão Julgador T6 SEXTA TURMA Data do Julgamento 28082023 Data da PublicaçãoFonte DJe 30082023 Ementa AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PARA DEMONSTRAR A AUTORIA DELITIVA ABSOLVIÇÃO AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO 1 A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça por ocasião do julgamento do HC n 598886SC Rel Ministro Rogerio Schietti realizado em 27102020 conferiu nova interpretação ao art 226 do CPP a fim de superar o entendimento até então vigente de que referido o artigo constituiria mera recomendação e como tal não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos 2 Em julgamento concluído no dia 2322022 a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n 206846SP Rel Ministro Gilmar Mendes para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação Reportandose ao decidido no julgamento do referido HC n 598886SC no STJ foram fixadas pelo STF três teses 21 O reconhecimento de pessoas presencial ou por fotografia deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 4 verificação dos fatos mais justa e precisa 22 A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo Se declarada a irregularidade do ato eventual condenação já proferida poderá ser mantida se fundamentada em provas independentes e não contaminadas 23 A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem ainda que em juízo de verossimilhança a autoria do fato investigado de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias que potencializam erros na verificação dos fatos 3 Posteriormente em sessão ocorrida no dia 1532022 a Sexta Turma desta Corte por ocasião do julgamento do HC n 712781RJ Rel Ministro Rogerio Schietti avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n 598886SC e decidiu à unanimidade que mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal art 226 do CPP o reconhecimento pessoal embora seja válido não tem força probante absoluta de sorte que não pode induzir por si só à certeza da autoria delitiva em razão de sua fragilidade epistêmica se porém realizado em desacordo com o rito previsto no art 226 do CPP o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar 4 No caso em 662015 as vítimas sofreram um roubo praticado por duas pessoas ocasião em lhes foram subtraídos aparelhos celulares documentos pessoais mochila com objetos pessoais valores em dinheiro R 120000 e R 3500 e um veículo utilizado pelos agentes para empreender fuga Na fase policial apresentaram fotografias dos réus às ofendidas que os reconheceram O reconhecimento do ora paciente não foi realizado nessa fase pois não encontrado Em juízo narraram como se deu o ato de reconhecêlos Ao contrário do alegado pela defesa não houve desrespeito ao procedimento previsto no art 226 do CPP nos reconhecimentos porquanto houve prévia descrição das características dos suspeitos e foram exibidas quatro fotografias de indivíduos semelhantes imagens estas que foram juntadas aos autos 5 Todavia a leitura do acórdão permite inferir que a condenação se baseou a rigor apenas no reconhecimento fotográfico feito no inquérito policial uma vez que o paciente não foi localizado nessa fase e supostamente repetido em juízo também por fotografias JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 4 Ademais a vítima Amanda realizou o reconhecimento pessoal de Brayan mas vítima Gabriela manifestou dúvida ao apontálo como autor do delito em audiência Vale dizer apesar de haver sido observado o rito legal nos reconhecimentos não foi apontado nenhum outro elemento concreto que pudesse corroborar tal prova a qual por si só não é suficiente para um decreto condenatório em razão de sua fragilidade epistêmica 6 Não se trata de insinuar que a vítima mentiu ao dizer que reconheceu o acusado Chamase a atenção nesse ponto para o fundamental conceito de erros honestos trazido pela psicologia do testemunho Para este ramo da ciência o oposto da ideia de mentira não é a verdade mas sim a sinceridade Quando se coloca em dúvida a confiabilidade do reconhecimento feito pela vítima mesmo nas hipóteses em que ela diga ter certeza absoluta do que afirma não se está a questionar a idoneidade moral daquela pessoa ou a imputarlhe máfé vale dizer não se insinua que ela esteja mentindo para incriminar um inocente O que se pondera apenas é que não obstante subjetivamente sincera a afirmação da vítima pode eventualmente não corresponder à realidade porque decorrente de um erro honesto causado pelo fenômeno das falsas memórias 7 Uma vez que o reconhecimento do agravado é nulo visto que foi realizado em desconformidade com o disposto no art 226 do CPP deve ser proclamada a sua absolvição ante a inexistência como se deflui da sentença condenatória e do acórdão impugnado de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado 8 Agravo regimental não provido Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça em sessão virtual de 22082023 a 28082023 por unanimidade negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Laurita Vaz Sebastião Reis Júnior Antonio Saldanha Palheiro e Jesuíno Rissato Desembargador Convocado do TJDFT votaram com o Sr Ministro Relator Presidiu o julgamento a Sra Ministra Laurita Vaz Referência Legislativa JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 4 LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00155 ART00226 Jurisprudência Citada RECONHECIMENTO ART 226 DO CPP VALOR PROBANTE ABSOLUTO AUSÊNCIA STJ HC 712781RJ JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 4 de 4 LILIAN MILNITSKY STEIN E COLABORADORES FALSAS MEMÓRIAS FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS E SUAS APLICAÇÕES CLÍNICAS E JURÍDICAS Sapere aude artmed Sapere aude Exemplar genérico conhecimento específico FALSAS MEMÓRIAS F197 Falsas memórias recurso eletrônico fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Lilian Milnitsky Stein et a lj Dados eletrônicos Porto Alegre Artmed 2010 Editado também como livro impresso em 2010 ISBN 9788536321530 1 Psicologia cognitiva Memória 2 Falsas memórias I Stein Lilian Milnitsky CDU 1599533 Catalogação na publicação Renata de Souza Borges CRB101922 LILIAN MILNITSKY STEIN E COLABORADORES FALSAS MEMÓRIAS FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS E SUAS APLICAÇÕES CLÍNICAS E JURÍDICAS 2 0 1 0 Artmed Editora SA 2010 Capa Paola Manica Imagem da capa istockphotocomferrantraite Phototrolley Preparação do original Marcelo Viana Soares Leitura final Rafael Padilha Ferreira Editora sênior Saúde Mental Mônica Ballejo Canto Editora responsável por esta obra Carla Rosa Araújo Projeto e editoração Armazém Digital Editoração Eletrônica Roberto Carlos Moreira Vieira Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à ARTMED EDITORA SA Av Jerônimo de Orneias 670 Santana 90040340 Porto Alegre RS Fone 51 30277000 Fax 51 30277070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume no todo ou em parte sob quaisquer formas ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição na Web e outros sem permissão expressa da Editora SÃO PAULO Av Angélica 1091 Higienópolis 01227100 São Paulo SP Fone 11 36651100 Fax 11 36671333 SAC 0800 7033444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL A todas as pessoas que ajudaram a construir esses 10 anos de história do nosso Grupo de Pesquisa AUTORES Lilian Milnitsky Stein org PhD em Cognitive Psychology pela University o f Arizona EUA Mestre em Applied Cognitive Psychology pela University of Toronto Canadá Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Professora adjunta da Pontifícia Univer sidade Católica do Rio Grande do Sul e Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Pro cessos Cognitivos do Programa de PósGraduação em Psicologia da PUCRS Bolsista produtividade em pesquisa do CNPq Atua nas áreas de falsas memórias emoção e memória e Psicologia do Testemunho Anna Virginia Williams Doutoranda e pesquisadora associada do Institute of Psychiatry Kings College Lon don Inglaterra Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Carlos Falcão de Azevedo Gomes Graduando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul onde é bolsista de iniciação científica do CNPq no Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos do Programa de PósGraduação em Psicologia Carmem Beatriz Neufeld Doutora e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicóloga graduada pela Universidade da Região da Campanha Professora Dou tora do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Psicoterapeuta Cognitiva Carmen Lisbôa Weingãrtner Welter Doutoranda em Psicologia Forense pela Universidade de Coimbra Portugal Especia lista em Psicoterapia de Crianças e Adolescentes pelo CEAPIA Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Psicóloga do Ministério Público do Rio Grande do Sul V iií Autores Giovanni Kuckartz Pergher Mestre em Psicologia Social e da Personalidade Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Professor das Faculdades Integradas de Taquara Diretor da WP Centro de Psicoterapia CognitivoComportamental Psicote rapeuta CognitivoComportamental Gustavo Rohenkohl Doutorando no Departamento de Psicologia Experimental da University o f Oxford Inglaterra Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Juliana da Rosa Pureza Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul onde é bolsista de iniciação científica do CNPq no Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos do Programa de PósGraduação em Psicologia Leandro da Fonte Feix Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Professor do curso de Psi cologia do Centro Universitário Metodista IPA e coordenador do curso de Noções de Terapia CognitivoComportamental com Indivíduos e Casais do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo Psicoterapeuta CognitivoComportamental Luciana Moreira de Ávila Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicóloga graduada pela Universidade Católica de Pelotas Pro fessora da Universidade da Região da Campanha Luciano Haussen Pinto Mestre em Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Especialista em Terapia CognitivoComportamental pela WP Centro de Psicoterapia CognitivoComportamental Psicólogo clínico Luiza Ramos Feijó Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul onde é bolsista de iniciação científica do CNPq no Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos do Programa de PósGraduação em Psicologia Márcio Englert Barbosa Mestre em Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Especialista em Terapia CognitivoComportamental pela WP Centro de Psicoterapia CognitivoComportamental Psicólogo clínico e consultor em Psicologia do Esporte Autores ix Priscila Goergen Brust Mestranda em Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Renato Favarin dos Santos Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicólogo graduado pela Universidade Federal de Santa Maria Psicólogo da Universidade Federal de Roraima e professor da Faculdade Cathedral de Boa VistaRR Rodrigo GrassiOliveira Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Médico psiquiatra graduado pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Research Fellow do Departamento de Psiquiatria da Harvard Medicai School EUA Professor adjunto da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Coordenador do Grupo de Pesquisa Neurociência Cognitiva do Desenvolvimento Ronie Alexsandro Teles da Silveira Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Mes tre em Filosofia Transcendental e Dialética pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás Professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia onde desenvolve investigações sobre a memória e suas implicações filosóficas Rosa Helena Delgado Busnello Doutoranda e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran de do Sul Especialista em Psicologia das Organizações e em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Licenciada em Letras Portu guêsFrancês pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 13 PREFÁCIO 15 C J Brainerd PARTE I Fundamentos científicos 1 COMPREENDENDO O FENÔMENO DAS FALSAS M EM Ó RIA S 21 Carmem Beatriz Neufeld Priscila Goergen Bruste Lilian Milnitsky Stein 2 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS NA INVESTIGAÇÃO DAS FALSAS M EM Ó RIAS42 Priscila Goergen Brust Carmem Beatriz Neufeld Luciana Moreira de Ávila Anna Virginia Williams e Lilian Milnitsky Stein 3 NEUROCIÊNCIA COGNITIVA DAS FALSAS M EM Ó R IA S 69 Rodrigo GrassiOliveira e Gustavo Rohenkohl PARTE II Tópicos especiais 4 EMOÇÃO E FALSAS M EM Ó RIA S 87 Gustavo Rohenkohl Carlos Falcão de Azevedo Gomes RonieAlexsandro Teles da Silveira Luciano Haussen Pinto e Renato Favarin dos Santos 5 FALSAS MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS101 Giovanni Kuckartz Pergher 6 MEMÓRIA IMPLÍCITA PRIMING E FALSAS MEMÓRIAS 117 Rosa Helena Delgado Busnello 12 Sumário 7 FALSAS MEMÓRIAS E DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 133 Márcio Englert Barbosa Luciana Moreira de Ávila Leandro da Fonte Feix e Rodrigo GrassiOliveira PARTE III Aplicações clínicas e jurídicas 8 FALSAS MEMÓRIAS SUGESTIONABILIDADE E TESTEMUNHO INFANTIL 157 Carmen Lisbôa Weingartner Weltere Leandro da Fonte Feix 9 RECORDAÇÃO DE EVENTOS EMOCIONAIS REPETITIVOS MEMÓRIA SUGESTIONABILIDADE E FALSAS M EM Ó RIA S 186 Carmen Lisbôa Weingärtner Welter 1 0 MEMÓRIA EM JULGAM ENTOTÉCNICAS DE ENTREVISTA PARA MINIMIZAR AS FALSAS M EM Ó RIA S 209 Leandro da Fonte Feix e Giovanni Kuckartz Pergher 1 1 IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DAS FALSAS M EM Ó RIAS 228 Giovanni Kuckartz Pergher e Rodrigo GrassiOliveira 1 2 SÍNDROME DAS FALSAS M EM Ó RIAS 240 Luciano Haussen Pinto Juliana da Rosa Pureza e Luiza Ramos Feijó ÍNDICE 260 APRESENTAÇÃO E s ta obra é fruto do trabalho do Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos PósGraduação em Psicologia PUCRS Há dez anos iniciamos pesquisas pio neiras no país no campo das falsas memórias buscando trazer para nossa reali dade um conhecimento científico consolidado em nível internacional e que por alguma razão ainda não havia chegado ao nosso continente No mundo afora principalmente na América do Norte e na Europa por quase três décadas os psi cólogos e neurocientistas têm buscado decifrar este fenômeno do funcionamento normal da memória humana que são as falsas memórias ou seja as lembranças de eventos específicos como se tivessem realmente ocorrido quando de fato não ocorreram Hoje o tema das falsas memórias já é bem mais conhecido na América La tina em especial por suas implicações no campo forense Todavia ainda existe um longo caminho a percorrer se compararmos com os avanços das pesquisas sobre falsas memórias em diversos países europeus norteamericanos e da Ocea nia Nesses países os avanços científicos também têm impactado áreas aplicadas como a da Psicologia do Testemunho por exemplo nas práticas de entrevistas para obtenção de testemunhos e nas técnicas de reconhecimento de suspeitos Tais impactos levaram a mudanças na legislação desses países tanto em relação a essas práticas quanto a outras questões acerca da apreciação dos depoimentos de testemunhas Além disso várias técnicas psicoterapêuticas estão sendo revis tas em função do que se sabe hoje sobre os mecanismos que podem reduzir ou aumentar as falsas memórias A proposta deste livro está sintonizada com o objetivo perseguido desde o início dos nossos trabalhos como Grupo de Pesquisas de disponibilizar à comuni dade científica e profissional tanto da Psicologia e Psiquiatria quanto do Direito o acesso a uma literatura atualizada e em língua portuguesa sobre as falsas m e mórias e seus desdobramentos para áreas aplicadas Assim nasceu o projeto deste livro alicerçado por nossa consolidada experiência de estudos e pesquisas com falsas memórias Engendrado e desenvolvido de forma colaborativa pelos seus autores para que com nossas diferentes trajetórias profissionais e conhecimentos pudéssemos levar adiante o desafio de tom ar o texto ao mesmo tempo acessível e completo para alunos de graduação e para o público em geral este livro quanto aprofundado é interessante para pósgraduandos e profissionais experientes 1 4 Lilian Milnitsky Stein cols Esta obra está organizada em três partes Na primeira intitulada Funda mentos Científicos no Capítulo 1 apresentamse conceitos e teorias explica tivas das falsas memórias que servirão de base para a compreensão dos temas desenvolvidos nos demais capítulos do livro Ainda nessa primeira parte são in troduzidos os principais métodos de investigação experimental que norteiam as pesquisas nesta área Capítulo 2 bem como os avanços que as neurociências têm propiciado para o estudo desse fenômeno Capítulo 3 Os outros dois grandes focos do livro alimentamse desses fundamentos para apontar como o conheci mento científico sobre as falsas memórias tem sido direcionado tanto para alguns Tópicos Especiais quanto para Aplicações Clínicas e Jurídicas Com relação aos Tópicos Especiais destacamos o campo da emoção e falsas memórias Capítulo 4 e de com o a memória autobiográfica pode não estar imu ne a elas Capítulo 5 além do fato de que as falsas memórias podem ser influen ciadas por nossos processos cognitivos não conscientes ou implícitos Capítulo 6 ou por fatores relativos às diferenças individuais Capítulo 7 Na terceira parte do livro as aplicações dos estudos das falsas memórias na esfera jurídica são tratadas com ênfase especial para a Psicologia do Testemunho tanto no que tange ao depoimento infantil Capítulos 8 e à recordação de eventos emocionais repetitivos Capítulo 9 quanto sobre técnicas para oitiva de testemunhas e víti mas que buscam minimizar as falsas memórias Capítulo 10 Além das questões jurídicas discutemse as implicações das falsas memórias para as psicoterapias Capítulo 11 e os desafios impostos à prática clínica pela chamada Síndrome das Falsas Memórias Capítulo 12 A partir desta obra esperamos que estudantes e profissionais das mais di versas áreas possam se beneficiar dos conhecimentos científicos acerca das falsas memórias aprimorando suas pesquisas e práticas profissionais Lilian Milnitsky Stein PREFÁCIO K pouco menos de duas décadas no começo da década de 1990 houve um notável crescimento das pesquisas sobre a memória humana falsa ou seja pes quisas sobre as circunstâncias em que pessoas normais lembram de fatos espe cíficos como se tivessem ocorrido durante determinados episódios de suas vidas quando de fato não ocorreram naquele momento ou jamais ocorreram Até então o estudo das falsas memórias estava restrito principalmente a duas áreas da Psicologia Forense identificação de suspeitos por testemunhas e entrevistas sugestivas de testemunhas e suspeitos Isso se deu porque embora as falsas m e mórias que ocorrem no dia a dia sejam inofensivas o mesmo não se aplica ao campo jurídico De fato talvez seja nesta arena jurídica em que os efeitos das falsas memórias podem ser verdadeiramente danosos Em um julgamento civil ou penal a maioria das evidências apresentadas são testemunhos juramentados de modo que as evidências somente são verdadeiras até o momento em que as recordações da testemunha estiverem corretas Todavia quando as recordações da testemunha são incorretas é difícil refutar os erros da memória com base em evidências forenses inquestionáveis p ex impressões digitais testes de DNA re cibos financeiros e outros documentos físicos pois apenas em uma porcentagem mínima dos casos menos de 10 dos delitos graves nos Estados Unidos podem ser obtidas evidências forenses desse tipo O rápido aumento das pesquisas sobre as falsas memórias no começo da década de 1990 originouse de outra fonte dentro do campo forense falsas m e mórias em testemunhos de crianças As memórias das crianças testemunhas têm sido o foco de interesse científico desde os primórdios do século XX Os traba lhos pioneiros de pesquisadores como Binet Small Stem Varendonck e Whipple levaram à conclusão de que as memórias de crianças pequenas são tão frágeis e pouco confiáveis mesmo para acontecimentos de grande significado pessoal que o testemunho infantil é definitivamente prejudicial consequentemente nos Estados Unidos o testemunho de crianças foi banido por lei Essa situação mudou radicalmente nas décadas de 1970 e 1980 quando antigos obstáculos legais a tes temunhos de crianças começaram a ser derrubados e evidências obtidas através deles se tomaram frequentes em alguns tipos de casos As Federal Rules o f Evi dence 601 por exemplo ampliaram a admissibilidade do testemunho de crianças 16 Lilian Milnitsky Stein cols e permitiram que os jurados decidissem quanto peso deviam dar a ele Os tipos mais comuns de casos em que crianças se tornaram testemunhas frequentes são crimes domésticos em que elas são normalmente as vítimas p ex abuso e negli gência e crimes domésticos em que são testemunhas p ex violência conjugal produção de substâncias ilegais O uso crescente de evidências fornecidas por crianças nesses casos levou a algumas consequências problemáticas que levantaram antigas preocupações sobre a confiabilidade das memórias delas Especificamente durante o final da década de 1980 e início da de 1990 houve uma série de crimes muito sérios nos quais os réus foram julgados por várias acusações de abuso sexual de crianças consistindo às vezes de atos bizarros e exóticos levantandose sérias questões sobre a fidedignidade das memórias em que foram baseados os testemunhos das vítimas Um exemplo típico desses casos foi o do Estado de Nova Jersey versus Mi chaels Na posição de réu estava uma atriz de 26 anos que trabalhava como pro fessora de uma préescola Com base no testemunho das crianças da préescola ela foi condenada por 115 acusações de abuso sexual envolvendo 20 vítimas e foi sentenciada a 47 anos de prisão Todavia as alegações de muitas das crianças pareciam bastante improváveis diziam que a professora Michaels tocava piano nua inseria facas e garfos nas cavidades do corpo das crianças e fazia com que elas comessem fezes Houve uma apelação da sentença e um grupo de 46 cien tistas do qual participei apresentou voluntariamente um relatório que mostrava que as crianças haviam sido submetidas a procedimentos de entrevista altamente sugestivos concluindo que seus relatos de abuso podiam ter sido contaminados por falsas memórias criadas por esse processo Embora a condenação de Michaels tenha sido revertida pela Suprema Corte de Nova Jersey ela já havia passado quatro anos na prisão quando a decisão saiu Como não é de surpreender casos desse tipo estimularam pesquisas sobre as falsas memórias de crianças que resultaram na produção de uma literatura muito expressiva literalmente centenas de experimentos foram publicados Como essas pesquisas surgiram a partir de casos de grande repercussão suas descobertas rece beram bastante atenção fora da comunidade científica Ao final da década de 1990 a pesquisa sobre as falsas memórias havia se alastrado para além da Psicologia Forense para a Psicologia Experimental e a Psicologia Clínica e uma expressiva li teratura descrevendo novos procedimentos experimentais foi se acumulando rapi damente Em meados desta década a pesquisa sistemática sobre as falsas memórias havia se disseminado na Neurodência Cognitiva e na Psicologia do Envelhecimento Mais uma vez uma vasta literatura começou a se acumular com o emprego de pro cedimentos experimentais que são específicos desses domínios Portanto nos dias de hoje a dência das falsas memórias é um vasto campo de pesquisas engloban do em grandes subliteraturas sobre tópicos como as falsas memórias das crianças falsas memórias na psicoterapia falsas memórias em populações especiais como idosos e padentes neurológicos e os lócus cerebrais das falsas memórias Embora a literatura sobre as falsas memórias seja vasta ela tem uma limita ção crucial praticamente todas as pesquisas foram realizadas nos Estados Unidos em inglês e publicadas em periódicos e livros de língua inglesa Existem poucas Falsas Memórias 17 pesquisas de países europeus como a França a Alemanha e Portugal Para que a ciência das falsas memórias alcance todo seu potencial obviamente é essencial que se realizem estudos sistemáticos em países além dos Estados Unidos e em idiomas que não o inglês Neste contexto esta obra da Dra Lilian M Stein e colaboradores é bastante bemvinda e oportuna O grupo de pesquisas da Dra Stein é o único em uma universidade sulamericana que realiza estudos sistemáticos sobre falsas memó rias sendo todas essas pesquisas feitas em português Além disso as pesquisas no laboratório da Dra Stein tem um alcance bastante amplo enfocando crianças adultos questões aplicadas e básicas e falsas memórias emocionais e não em o cionais Deste modo ela e seus colaboradores estão na posição singular de terem produzido um livro excelente abrangendo vários temas importantes na pesquisa contemporânea das falsas memórias Embora como falei a pesquisa sobre as falsas memórias tenha sido identifi cada por muito tempo como uma área da Psicologia Aplicada a pesquisa moder na sobre as falsas memórias tem sido fortemente motivada por questões teóricas e tem produzido distinções cruciais entre diferentes tipos de falsas memórias Assim é muito acertado que este livro comece com uma síntese das principais teo rias sobre as falsas memórias Construtivismo Teoria do Traço Difuso e o M odelo do Monitoramento da Fònte e com a distinção entre falsas memórias espontâ neas e sugeridas O restante da primeira parte do livro Fundamentos Científicos trata das metodologias comportamentais básicas que tem sido empregadas para colocar o estudo das falsas memórias sob o rigor do controle experimental Ca pítulo 2 e também das técnicas básicas da neurociência p ex IRMfj EEG que são usadas para identificar os mecanismos cerebrais associados a distorções da memória Capítulo 3 Na Parte II Tópicos Especiais os capítulos cobrem quatro dos tópicos mais importantes no estudo das falsas memórias o papel da emoção Capítulo 4 falsas memórias autobiográficas Capítulo 5 falsas memórias im plícitas Capítulo 6 e diferenças individuais Capítulo 7 O Capítulo 4 discute a questão de estar correta ou não a visão tradicional de que as memórias acer ca de eventos emocionais seriam altamente resistentes à distorção O Capítulo 5 explora como as falsas memórias autobiográficas dominadas por abordagens como a Teoria dos Esquemas e o M odelo do Monitoramento da Fonte podem se beneficiar com a aplicação das ideias de processos oponentes que evoluíram a partir da experimentação no laboratório O Capítulo 6 considera o fato das falsas memórias também poderem ser detectadas com os tipos de procedimentos que têm sido utilizados há alguns anos para estudar a memória implícita Finalmente o Capítulo 7 analisa a questão fundamental de se existirem diferenças individuais estáveis na susceptibilidade à distorção da memória concluindo que a resposta é sim para sujeitos de diferentes idades pex crianças vs adultos jovens idosos vs adultos jovens e para sujeitos que possuem certos traços de personalidade pex ansiedade neuroticismo A Parte III Aplicações Clínicas e Jurídicas retoma as raízes da pesquisa sobre as falsas memórias na Psicologia Aplicada abordando o testemunho infantil Capítulo 8 as formas em que a repetição pode proteger as memórias das crian 18 Lilian Milnitsky Stein cols ças da distorção Capítulo 9 a questão de como as falsas memórias podem ser minimizadas em casos legais Capítulo 10 a maneira como as memórias dos pa cientes podem ser distorcidas durante a psicoterapia Capítulo 11 e a chamada síndrome da falsa memória que é associada à terapia com memórias recuperadas Capítulo 12 Os autores do Capítulo 8 enfatizam que é preciso entender as características singulares da memória das crianças para avaliar a potencial vulne rabilidade delas como testemunhas à distorção da memória A autora do Capítulo 9 relata que a repetição pode ter efeitos diferentes sobre a distorção da memória podendo reduzila para certos aspectos dos acontecimentos enquanto simulta neamente aumentar a distorção para outros No Capítulo 10 discutese uma das técnicas para reduzir erros na investigação de crimes a Entrevista Cognitiva de Fisher e colaboradores e analisase o potencial para introduzir essa técnica investigativa no Brasil Por fim no Capítulo 12 são revisadas pesquisas sobre a controversa síndrome da falsa memória uma condição clínica em que pacientes adultos em psicoterapia lembram de incidentes de abuso sexual em sua infância que antes não haviam sido recordados Enfim este livro deve ser reconhecido como uma importante contribuição à literatura psicológica em língua portuguesa Apresenta uma abordagem escla recedora de muitos dos temas centrais da ciência moderna das falsas memórias juntamente com discussões criteriosas sobre como os resultados das pesquisas sobre as falsas memórias podem ser aplicados nas esferas clínica e jurídica C J Brainerd Professor ofH um an Development and Law Comell University PARTE I Fundamentos científicos 1 COMPREENDENDO O FENÔMENO DAS FALSAS MEMÓRIAS Carmem Beatriz Neufeld Priscila Goergen Brust Lilian Milnitsky Stein A diferença entre as falsas memórias e as verdadeiras é a mesma das jóias são sempre as falsas que parecem ser as mais reais as mais brilhantes Salvador Dali comentando sua obra A persistência da memória de 1931 em seu livro SecretLife citado por Cockburn 1998 confiável é a memória humana Você julgaria possível que a memória alguns fatos relevantes da sua história seja falsa Uma jovem americana perde sua mãe afogada na piscina de casa aos 14 anos Passados 30 anos um tio comenta em uma reunião de família que a jovem foi a primeira a encontrar a mãe boiando na piscina A partir deste momento ela passa a lembrar vividamente a impactante cena que teria presenciado Alguns dias depois ela recebe um telefonema do irmão desculpandose pelo tio infor mando que ele havia se confundido e que na realidade quem encontrou a mãe na piscina fora sua tia A jovem em questão é hoje uma renomada pesquisadora na área de falsas me mórias FM chamada Elisabeth Loftus Em uma entrevista à revista Psychology Today Neimark 1996 Loftus comenta que a ideia mais assustadora é que aquilo em que nós acreditamos com todo nosso coração pode não ser necessariamente a verdade O fato de podermos lembrar eventos que na realidade não ocorreram as FM motivou um crescimento da literatura internacional sobre esse tópico nas últimas décadas buscando explicar como se dá esse processo de distorção da memória Em especial as questões relacionadas à habilidade de crianças em relatar fidedig namente os fatos testemunhados tanto como vítimas de abusos físicos ou sexuais quanto como testemunhas oculares de contravenções em geral influenciaram e incentivaram os estudos científicos na área das FM principalmente nos Estados Unidos Stein e Neu feld 2001 Os relatos sobre a recuperação de FM traumáticas ver Capítulo 5 como o evento ocor rido com Loftus ilustram a frase mencionada por Salvador Dali no que tange a vividez das falsas lembranças As FM podem parecer muito brilhan tes contendo mais detalhes ou até mesmo mais As falsas memórias po dem parecer muito bri lhantes contendo mais detalhes ou até mesmo mais vívidas do que as memórias verdadeiras 22 Lilian Milnitsky Stein cols vívidas do que as memórias verdadeiras M V Além disso as implicações de tais estudos na Psicologia Clínica e na Psicologia Jurídica têm levado a um expressivo avanço das pesquisas sobre FM p ex Nygaard Fèix e Stein 2006 Pergher Stein e Wainer 2004 ver também os capítulos da Parte III deste livro As FM podem apresentar consequências decisivas na vida dos indivíduos Loftus 1997 relata alguns exemplos de casos de recuperação de recordações de abusos infantis Nesses casos os acusados de abusos foram julgados e condena dos no entanto posteriormente outras evidências apontaram que as acusações eram baseadas em falsas recordações ver Capítulo 12 Portanto a mesma m e mória que é responsável pela nossa qualidade de vida uma vez que é a partir dela que nos constituímos como indivíduos sabemos nossa história reconhecemos nossos amigos apresenta erros e distorções que podem mudar o curso de nossas ações e reações e até mesmo ter implicações sobre a vida de outras pessoas Ve jamos um exemplo baseado em um caso real Chamado para fazer uma corrida um taxista foi vítima de um assalto no qual sofreu ferimentos e foi levado ao hospital O investigador do caso mostrou ao taxista que ainda estava em fase de recuperação duas fotografias de suspei tos O taxista não reconheceu os homens apresentados nas fotos como sendo algum dos assaltantes Passados alguns dias quando foi à delegacia para realizar o reconhecimento dos suspeitos ele identificou dois deles como sendo os auto res do assalto Os homens identificados positivamente eram aqueles mesmos das fotos mostradas no hospital Os suspeitos foram presos e acusados pelo assalto Ao ser questionado em juízo sobre seu grau de certeza de que os acusados eram mesmo os assaltantes o taxista declarou eu tenho mais certeza que foram eles do que meus filhos são meus filhos Todavia alguns meses depois dois rapazes foram presos por assalto em uma cidade vizinha quando interrogados confessa ram diversos delitos incluindo o assalto ao taxista Como isso é possível O que ocorre na memória que motiva essas distor ções O presente capítulo visa a responder essas questões por meio da apresen tação de um breve histórico e do panorama geral dos estudos sobre as FM Além disso este capítulo se propõe a familiarizar o leitor com os diferentes tipos de FM e com as principais teorias científicas que têm sido utilizadas para explicar esse fenômeno Cabe ressaltar que as FM não são mentiras ou fantasias das pessoas elas são semelhantes às MV tanto no que tange a sua base cognitiva quanto neurofi siológica ver Capítulo 3 No entanto diferenciamse das verdadeiras pelo fato de as FM serem compostas no todo ou em parte por lembranças de informações ou eventos que não ocorreram na realidade As FM são frutos do funcionamento normal não patológico de nossa memória HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE FALSAS MEMÓRIAS O conceito de FM foi sendo construído desde o final do século XIX e início do século XX a partir de pesquisas pioneiras realizadas em alguns países euro Falsas Memórias 23 peus Quando surgiu em Paris o caso de um homem de 34 anos chamado Louis com lembranças de acontecimentos que nunca haviam ocorrido os cientistas fica ram intrigados O caso de Louis passou a ser de grande interesse para psicólogos e psiquiatras levando Theodule Ribot em 1881 a utilizar pela primeira vez o termo falsas lembranças conform e citado por Schacter 2003 Já no início do século XX os erros de memória foram estudados também por Freud 19101969 ao revisar sua teoria da repressão Segundo essa teoria as memórias de eventos traumáticos da infância seriam esquecidas isto é reprimi das podendo em ergir em algum momento da vida adulta através de sonhos ou sintomas psicopatológicos No entanto Freud abandona a ideia de que as memó rias para eventos traumáticos seriam necessariamente verdadeiras Em uma carta a Fliess em 21 de setembro de 1897 Freud descreve sua descoberta de que as lembranças de suas pacientes poderiam ser recordações não de um evento mas de um desejo primitivo ou de uma fantasia da infância e portanto seriam falsas recordações Masson 1986 Os primeiros estudos específicos sobre as FM versavam sobre as caracte rísticas de sugestionabilidade da memória ou seja a incorporação e a recorda ção de informações falsas sejam de origem interna ou externa que o indivíduo lembra como sendo verdadeiras Essas pesquisas sobre a sugestão na memória foram conduzidas por A lffed Binet 1900 na França Uma das importantes con tribuições deste pesquisador foi categorizar a sugestão na memória em dois tipos autossugerida isto é aquela que é fruto dos processos internos do indivíduo e deliberadamente sugerida isto é aquela que provém do ambiente As distorções mnemónicas advindas desses dois processos foram posteriormente denominadas de FM espontâneas e sugeridas Loftus M iller e Bums 1978 Em uma de suas pesquisas com crianças Binet investigou os efeitos de uma entrevista nas respostas de crianças para seis objetos apresentados por dez se gundos As memórias das crianças foram acessadas comparando recordação livre perguntas diretas perguntas fechadas sim ou não ou perguntas sugestivas Os resultados da pesquisa indicaram que as recordações livres produziram o mais alto índice de respostas corretas enquanto as perguntas sugestivas foram respon sáveis pelos mais altos índices de erros Os estudos de Binet foram replicados por Stem 1910 na Alemanha Em uma de suas primeiras pesquisas sobre memória mostrou aos participantes uma figura por um certo tempo e logo após a memória para esta figura foi testada por meio de recordação livre Então foi solicitado aos participantes que respondessem perguntas sobre informações que estavam na figura e sobre outras que não esta vam Os resultados do estudo corroboraram aqueles obtidos por Binet mostrando que os participantes de 7 a 18 anos que tiveram suas memórias acessadas por recordação livre foram os que produziram menos erros Já as perguntas com sugestão de falsa informação produziram mais erros Em relação a estudos sobre as FM com adultos cabe destacar as pesquisas pioneiras de Bartlett 1932 na Inglaterra Ele foi o primeiro a estudar as FM utilizando materiais com m aior grau de complexidade para memorização Seus estudos foram precursores da Teoria dos Esquemas discutida mais adiante neste 24 Lilian Milnitsky Stein cols capítulo Bartlett descreveu a recordação como sendo um processo reconstru tivo baseado em esquemas mentais e no conhecimento geral prévio da pessoa salientando o papel da compreensão e a influência da cultura nas lembranças Ele ressaltou a importância das expectativas individuais para o entendimento dos fatos e como as lembranças poderiam ser afetadas por essas expectativas No seu clássico experimento Bartlett 1932 apresentou a um grupo de universitários ingleses uma lenda dos índios norteamericanos A Guerra dos Fantasmas do inglês The War o f the Ghosts contendo fatos não familiares à cultura inglesa Os alunos foram solicitados a ler duas vezes o material Em um teste 15 minutos após a leitura da lenda ou em testes posteriores que variaram de algumas horas e dias até anos os participantes foram solicitados a reproduzir por escrito a lenda que haviam lido anteriormente Bartlett constatou que os alunos reconstruíram a história com base em expectativas e suposições frutos de sua experiência de vida adicionando à história original fatos inexistentes mas que eram relacionados à sua própria cultura ao invés de lembrála literalmente como havia sido apresen tada Por exemplo ainda que na lenda original o texto relatasse que dois jovens tinham ido caçar focas no teste de memória muitos alunos lembravam ter lido que dois jovens tinham ido pescar Em 1959 Deese ofereceu uma importante contribuição ao estudo das FM ao propor um procedimento com uma série de listas com palavras semanticamen te associadas a uma palavra que não era incluída no material de estudo p ex para a palavra dormir a lista de palavras apresentadas para estudo incluía cama descanso acordar sonho noite etc O objetivo era verificar se a associação entre as palavras estudadas produzia efeitos diferentes na sua recuperação e em possíveis intrusões isto é recordar informações novas que não estavam nas listas originais A o testar a memória dos participantes para as listas Deese constatou que muitas delas produziam altos índices de falsa recordação da palavra asso ciada mas não apresentada na lista original p ex dorm ir Anos mais tarde Roediger e McDermott 1995 retomaram o trabalho de Deese e adaptaram 24 listas com o objetivo de verificar a criação de FM Este procedimento experimen tal é atualmente conhecido pelas iniciais dos três autores como Paradigma DRM Stein Feix e Rohenkohl 2006 ver Capítulo 2 Retomando os estudos sobre sugestão inicialmente propostos por Binet no final da década de 1970 um novo procedim ento foi introduzido para o estudo das FM em adultos chamado de Procedim ento de Sugestão de Falsa Inform a ção ou Sugestão Loftus 1979 Loftus et al 1978 Loftus e Palmer 1974 Esse procedim ento foi uma adaptação do clássico paradigma da interferência Mül ler e Schumann 1894 Underwood 1957 em que uma informação interfere ou atrapalha a codificação e posterior recuperação de outra O experimento constituíase de uma cena original apresentada aos participantes em que ocor ria um acidente de carro devido ao avanço inapropriado de um dos motoristas que não obedecia a uma placa de parada obrigatória Numa segunda etapa o experim entador sugeria alterações quanto ao que havia sido visto na cena original p ex dizer ao participante que havia sido apresentada uma placa de dê a preferência ao invés de parada obrigatória Em um terceiro momento Falsas Memórias 25 quando questionados quanto à cena original os participantes respondiam de acordo com a sugestão da informação falsa ou seja afirmavam terem visto a placa de dê a preferência apesar de terem sido instruídos a responderem com base na cena original As autoras observaram que a memória poderia ser distor cida quando uma informação semelhante à informação original era apresentada posteriormente Mais detalhes sobre esse procedim ento podem ser encontrados no Capítulo 2 Embora as primeiras pesquisas sobre FM datem do final do século XIX mui to dos avanços na área ocorreram somente entre os anos de 1970 e 1990 As contribuições desses pesquisadores pioneiros foram as de lançar as bases para a diferenciação entre os tipos de FM e suas teorias explicativas TAXONOMIA DAS FALSAS MEMÓRIAS As FM podem ocorrer tanto devido a uma distorção endógena quanto por uma falsa informação oferecida pelo ambiente externo Loftus e Binet por exemplo realizaram estudos em que apresentaram deliberadamente uma infor mação falsa após a apresentação do evento origi nal Estudos como esses levaram a conclusão que a memória pode sofrer distorções tanto fruto de processos internos quanto externos Assim as FM passaram a ser classificadas conforme a origem do processo de falsificação da memória sendo deno minadas FM espontâneas e FM sugeridas As FM espontâneas são resultantes de distorções endógenas ou seja inter nas ao sujeito Essas distorções também denominadas de autossugeridas ocor rem quando a lembrança é alterada internamente fruto do próprio funcionamen to da memória sem a interferência de uma fonte externa à pessoa Neste caso uma inferência ou interpretação pode passar a ser lembrada como parte da infor mação original e comprometer a fidedignidade do que é recuperado Um exemplo baseado em uma situação real aconteceu com uma colega de trabalho que tinha certeza de ter trazido seus óculos de grau presos a um cordão no pescoço já que lembrava vividamente ter ajeitado os óculos no cordão quando saía do seu carro ao chegar à universidade Não conseguindo encontrar seus óculos depois de frustradas buscas pelos caminhos que teria passado naquele dia ela resolveu arcar com o prejuízo e comprar óculos novos Alguns dias depois um outro pro fessor encontrou os óculos perdidos em sua sala onde a colega havia estado para uma reunião alguns dias antes Neste exemplo a colega falsamente lembrou que estaria com os óculos ao chegar naquele dia na universidade uma vez que tinha certeza de têlo ajeitado no cordão ao sair do carro Outra distorção endógena comum é recordar de uma informação que se refere a um determinado evento como pertencente a outro Por exemplo lembrar que um amigo contou uma história quando na verdade as informações são provenientes de um programa de televisão que você assistiu ou então lembrar que colocou um A memória pode sofrer distorções tanto fruto de processos internos quanto externos 26 Lilian Milnitsky Stein cols objeto em determinada gaveta na segundafeira quando na verdade você guardou outro objeto naquela mesma gaveta no dia anterior No que tange as FM sugeridas elas advêm da sugestão de falsa informa ção externa ao sujeito ocorrendo devido à aceitação de uma falsa informação posterior ao evento ocorrido e a subsequente incorporação na memória original Loftus 2004 Esse fenômeno denominado efeito da sugestão de falsa informa ção pode ocorrer tanto de forma acidental quanto de forma deliberada Nas FM sugeridas após presenciar um evento transcorrese um período de tempo no qual uma nova informação é apresentada como fazendo parte do evento origi nal quando na realidade não faz Essa informação sugerida pode ou não ser apresentada deliberadamente com o intuito de falsificar a memória O efeito da falsa informação tende a produzir uma redução das lembranças verdadeiras e um aumento das FM Brainerd e Reyna 2005 Uma situação que ilustra bem o efeito da sugestão de falsa informação ocor reu com uma amiga quando ela ainda estava na faculdade Certa noite chegando de uma festa esta amiga esbarrou em um vaso de bronze que ficava em cima de uma mesinha no hall do apartamento desta forma arranhando a parede Alguns dias depois sua mãe lhe perguntou se foi ela a responsável pelo arranhão Ela ne gou dizendo que a mãe estava equivocada e que foi a própria mãe a responsável pelo arranhão quando na semana anterior deixou ali as compras do supermer cado antes de irem à missa para a qual já estavam atrasadas A mãe reluta em acreditar mas lembrase de que realmente um dia saíram apressadas para a missa e que quando voltaram lembrou que algumas compras realmente estavam no chão supondo então que tivessem caído e arranhado a parede Semanas depois a mãe recebe uma prima para um chá e fala de sua tristeza por ter arranhado a parede do apartamento recentemente reformado Neste caso a filha sugeriu deliberadamente a sua mãe uma falsa informação que era condizente com outras lembranças que a mãe mantinha em sua memória tom ando a falsa informação plausível Desta forma a falsa informação foi incorporada à memória da mãe que passou a lembrar ter arranhado a parede do apartamento Isto significa dizer então que nossas memórias são passíveis de serem in fluenciadas pelas outras pessoas Informações que recebemos depois do evento que vivenciamos podem interferir na nossa m e mória As respostas para estas perguntas são afir mativas Nossa memória é suscetível à distorção mediante sugestões de informações posteriores aos eventos Além disso outras pessoas suas per cepções e interpretações podem sim influenciar a forma como recordamos dos fatos Portanto o efeito da sugestionabilidade na memória pode ser definido como uma aceitação e subsequente incorporação na memória de falsa informação pos terior a ocorrência do evento original Gudjonson 1986 Essa definição implica alguns pressupostos quanto à sugestão tais como a não consciência do processo bem como o fato de ela ser resultado de uma informação apresentada posterior mente ao evento em questão ver Capítulo 2 A memória é suscetível à distorção mediante sugestões de infor mações posteriores aos eventos Falsas Memórias 27 Assim a FM sugerida ou espontânea é um fenômeno de base mnemónica ou seja uma lembrança e não de base social como uma mentira ou simulação por pressão social Mas como isso é possível Como podemos distorcer nossas lembranças espontaneamente de forma a se tom arem muitas vezes quantitativa e qualitativamente diferentes do que realmente experienciamos Como podemos incorporar à nossa memória informações recebidas do m eio e que não corres pondem ao evento vivido A seguir serão apresentadas as principais teorias que buscam explicar como isso é possível TEORIAS EXPLICATIVAS DAS FALSAS MEMÓRIAS Ao estudar um fenômeno é necessário explicar como este ocorre na busca por fazer novas predições a respeito dele Brainerd e Reyna 2005 Três modelos teóricos têm sido utilizados para elucidar os mecanismos responsáveis pelas FM 1 Paradigma Construtivista que compreende a memória como um sistema unitário por meio de duas abordagens explicativas Construtivista e dos Esquemas 2 Teoria do Monitoramento da Fonte que enfatiza o julgamento da fonte de informação de uma memória 3 Teoria do Traço Difuso que considera a memória como sendo constituí da por dois sistemas independentes de armazenamento e recuperação da informação Para uma visão geral acerca dos fundamentos teóricos que compõem esses três modelos o Quadro 11 apresenta uma comparação geral das principais teo rias que buscam explicar as FM Paradigma Construtivista O Paradigma Construtivista concebe a memória como um sistema único que vai sendo construído a partir da interpretação que as pessoas fazem dos eventos Assim a memória resultante do processo de construção seria aquilo que as pes soas entendem sobre experiência seu significado e não a experiência propria mente dita Bransford e Franks 1971 Segundo esse Paradigma a memória é construtiva cada nova informação é compreendida e reescrita ou reconstruída com base em experiências prévias A partir desses pressupostos duas teorias pro curam dar conta do fenômeno das FM a Teoria Construtivista e a Teoria dos Esquemas A Teoria Construtivista entende que uma informação nova é integrada a informações prévias que o indivíduo O Paradigma Construtivista concebe a memória como um sistema único que vai sendo construído a partir da interpretação que as pessoas fazem dos eventos 28 Lilian Milnitsky Stein cols QUADRO 11 Comparação entre as principais teorias explicativas das falsas memórias Teorias Pressupostos teóricos Limitações Construtivista Há um único sistema de memória Memória é construída com base no significado FM são frutos do processo de interpretação da informação Somente uma memória é construída sobre a experiência Informações literais são perdi das no processo de interpreta ção da informação Monitoramento da Fonte FM são atribuições errôneas da fonte da informação lembrada por erro de julgamento e não fruto de uma distorção da memória É uma teoria de julgamento e tomada de decisão sobre a fonte da memória recuperada FM somente para informações sobre a fonte Teoria do Traço Difuso Modelo dos Múltiplos Traços Mais de um sistema de memória Memórias literal e de essência armazenadas em traços indepen dentes e em paralelo Teoria mais complexa Não explica os erros de julga mento da fonte de experiên cias diferentes possui podendo distorcer ou sobreporse à memória inicial e assim gerar uma FM Seguindo os mesmos pressupostos a Teoria dos Esquemas explica as FM como resultado do processo de compreensão de uma nova informação conforme os esquemas mentais préexistentes em cada indivíduo Esses esquemas funcio nam como pacotes de informação sobre temas genéricos que podem ser generali zados buscando adaptar e compreender o significado da experiência Teoria Construtivista Para esta Teoria o indivíduo incorpora na memória a compreensão de novas informações extraindo o seu significado e reestruturandoas de forma coerente com seu entendimento Bransford e Franks 1971 Na tentativa constante de entender o que é visto ouvido e sentido os indivíduos reconstroem o significado de suas vivências A memória portanto passa a ser uma única interpretação da experiência vivida reunindo informações que realmente estavam presentes no evento original e interpretações feitas a partir deles A construção de uma única memória é o fundamento da Teoria Construtivista Gallo e Roediger 2003 Lof tus 1995 Segundo esse modelo a memória deve ser entendida como inacurada por natureza estando constantemente suscetível a interferências Alba e Hasher 1983 As FM tanto as espontâneas quanto as sugeridas ocorreriam devido ao fato de eventos realmente vividos serem influenciados pelas inferências de cada Falsas Memórias 29 indivíduo ou seja interpretações baseadas em experiências e conhecimentos pré vios As inferências que vão além da experiência integramse à memória sobre o evento vivido podendo modificálo Portanto a memória específica e literal sobre a experiência vivenciada já não existe mais apenas o entendimento e a interpre tação que foi feita dela Bartlett 1932 Gallo Weiss e Schacter 2004 Podese citar um exemplo aplicado ao contexto clínico Se um paciente rela ta uma experiência que é desgastante ou estressante na interpretação do terapeu ta mesmo que ele não tenha se referido à experiência de tal forma o terapeuta pode passar a lembrar e relatar essa experiência como estressante Para o Cons trutivismo o que fica registrado na memória do terapeuta é sua interpretação do que o paciente falou sendo que o que foi falado exatamente pelo paciente se perderá As implicações para prática clínica desse tipo de situação na recuperação de falsa informação serão discutidas nos Capítulos 11 e 12 A Teoria Construtivista recebeu uma série de críticas em função de sua con cepção de que somente o significado de uma experiência seria armazenado na m e mória e as informações específicas dessa experiência não seriam memorizadas Muitas dessas informações referiamse a detalhes que não eram imprescindíveis para a extração do significado da situação isto é superficiais Alguns estudos subsequentes no entanto demonstraram que embora a informação exatamente como foi experienciada é mais facilmente esquecida ela pode ser mantida na memória ou seja ela pode ser recuperada um longo tempo após ter ocorrido Já a memória para informações a respeito do significado da experiência como um todo tende a ficar acessível mesmo com o passar do tempo Reyna e Kieman 1994 Essa natureza dual da memória em traços específicos e outros da essência da experiência contradiz a Teoria Construtivista que pressupõe uma memória única construída e assim recuperada Teoria dos Esquemas A Teoria dos Esquemas partilha com a Teoria Construtivista seus pressupostos fundamentais no entanto ela preconiza que a memória é construída com base em esquemas mentais Os esquemas são representações mentais que reúnem conceitos gerais sobre o que esperar em cada situação Bartlett 1932 Pozo 1998 Uma nova informação é classificada e enquadrada em um determinado esquema para ser armazenada conforme as experiências prévias relativas a essa situação Chi e Glaser 1992 Portanto a memória passa a representar o conhecimento adquirido organizandoo de forma significativa em unidades relacionadas que são os esque mas mentais Stemberg 2000 formando categorias semânticas que auxiliam a diminuir a complexidade do mundo e fazem com que saibamos o que esperar de diferentes ambientes e situações Para a Teoria dos Esquemas as FM tanto espontâneas quanto sugeridas ocorrem devido a um processo de construção informações novas vão sendo in terpretadas à luz dos esquemas já existentes e integradas aos mesmos conforme a categoria a qual pertencem Portanto nas FM espontâneas o próprio processo 30 Lilian Milnitsky Stein cols de interpretação em que inferências são geradas com base em informações do evento podem gerar distorções internas Retomando o exemplo da colega que lembrava ter trazido os óculos à universidade levar os óculos todos os dias era consistente com seu esquema de ir à universidade Sendo assim lembravase com elevado grau de certeza de que havia levado seus óculos para o trabalho naquele dia Já nas FM sugeridas como no estudo sobre a cena com o acidente de carro informações que não estavam presentes no momento da codificação do evento a falsa informação da placa de dê a preferência mas que são consistentes com o esquema do evento no caso placas de trânsito podem gerar lembranças falsas a partir da sugestão externa ao indivíduo Paris e Carter 1973 A principal crítica à Teoria dos Esquemas também se refere à concepção unitária da memória ou seja tanto as informações verdadeiras como as falsas têm a mesma base representativa e portanto seriam armazenadas e recuperadas como uma única informação Reyna e Lloyd 1997 Esse caráter construtivo da memória pressupõe que as informações específicas dos eventos não existiriam mais apenas o entendimento e a interpretação que foi feita dela tendo por base os esquemas mentais Todavia resultados de diversos estudos como o aumento das FM e a recuperação das MV dias após o evento não corroboram este pres suposto Por exemplo Reyna e Kiernan 1994 compararam a recuperação de duas frases relacionadas p ex o pássaro está dentro da gaiola e a gaiola está sobre a mesa com uma inferência que pode ser extraída do contexto p ex o pássaro está sobre a mesa Os resultados mostraram que as informações tanto literais como as geradas a partir de inferências foram recuperadas separadamen te evidenciando a dissociação entre os diferentes tipos de memória que estariam envolvidos nas lembranças das inferências e das informações literais Resultados como esses não corroboram a hipótese de um sistema de memória unitário Como consequência dessas críticas alguns artigos foram publicados ressal tando que a memória pode ser construída com base em inferências mas às vezes não é assim que ocorre Loftus 1995 Todavia o poder explanatório de uma teoria deve dar conta de predições mais precisas do que essas Portanto destacase a fragilidade de ambas as teorias do Paradigma Construtivista em explicar o fenô meno das FM Neste sentido duas outras teorias tentaram esclarecer as FM buscando ultra passar essa fragilidade explicativa do Paradigma Construtivista A primeira teoria referese ao Monitoramento da Fonte de informação que enfatiza que as falhas da memória seriam consequência de um julgamento errôneo da fonte da informação lembrada Portanto tanto a memória para as informações originais quanto para as advindas dos processos de integração na memória poderiam manterse intactas e separadas e ser igualmente recuperadas Johnson Hashtroudi e Lindsay 1993 A segunda teoria denominada Teoria do Traço Difuso TTD é uma teoria que des taca justamente que a memória não é um sistema unitário mas sim de múltiplos traços sistemas A TTD ressalta o caráter independente do armazenamento e re cuperação de representações mentais acerca da mesma experiência sejam de seus aspectos literais ou de essência Para esta Teoria os erros de memória estariam vin culados à falha de recuperação de memórias precisas e literais acerca de um evento Falsas Memórias 31 sendo as FM baseadas em traços que traduzem somente a essência semântica do que foi vivido Brainerd e Reyna 1995 Teoria do Monitoramento da Fonte A partir dos anos de 1970 Mareia Johnson e alguns colegas iniciaram uma série de pesquisas sobre a confiabilidade da memória para estímulos advindos de diferentes fontes sensoriais p ex visual auditivo gustativo O intuito principal dessas pesquisas era estudar a influência da fonte de uma informação na pro babilidade de recuperação da memória acerca dessa informação Esses estudos serviram como base para o desenvolvimento de uma teoria a qual chamaram de Monitoramento da Fonte Johnson et al 1993 A fonte referese ao local pessoa ou situação de onde uma informação é advinda Segundo a Teoria do Monitoramento da Fonte distinguir a fonte de uma informação implica processos de monitoramento da realidade vivenciada Portanto as FM ocorrem quando cometemos erros no monitoramento ou quando são realizadas atribuições equivocadas de fontes que podem ser resultado da interferência de pen samentos imagens ou sentimentos que são erro neamente atribuídos à experiência original A ênfase dessa Teoria centrase no julgamento da diferenciação entre a fonte verdadeira da memó ria recuperada e outras fontes que podem ser inter nas isto é pensamentos imagens e sentimentos ou externas isto é outros eventos vivendados Mitchell e Johnson 2000 Um exemplo de FM provocada por um erro de monitoramento da fonte pode ser exemplificado no caso do taxista relatado na introdução do presente capítulo Ele passou a lem brar os homens das fotos apresentadas no hospital como sendo os assaltantes Isso pode ter ocorrido devido a uma falha no monitoramento da fonte da informação Nesse caso embora o taxista tenha provavelmente armazenado na memória in formações sobre os distintos eventos por ele vividos ou seja sobre os assaltantes e os homens das fotos no momento de fazer sua identificação na delegacia ou em juizo ele falhou em monitorar a fonte de suas lembranças passando a lembrarse dos homens das fotos como sendo os verdadeiros assaltantes Embora as pessoas estejam algumas vezes conscientes dos processos de m o nitoramento da fonte que deu origem a suas memórias a maior parte das atribui ções da fonte de nossas memórias é feita rápida e automaticamente De acordo com a Teoria do Monitoramento da Fonte Lindsay e Johnson 2000 as FM ocor rem quando pensamentos imagens e sentimentos oriundos de uma fonte são atri buídos erroneamente a outra fonte Isso pode ocorrer devido a dois fatores prin cipais Primeiro porque um evento recordado possui características semelhantes a outro no exemplo do taxista os assaltantes e os homens das fotos possuíam características similares O segundo diz respeito a quanto uma situação demanda um cuidadoso monitoramento da fonte das lembranças recuperadas Para a Teoria do Monitoramento da Fonte as falsas memó rias ocorrem quando há falhas no monitoramento da fonte de nossas memórias 32 Lilian Milnitsky Stein cols Assim é mais provável que as FM ocorram em situações em que a atribuição da fonte de uma informação deve ser feita rapidamente já que a atenção está focada em outros aspectos da tarefa que está sendo executada Situações em que se realizam simultaneamente duas ou mais tarefas prejudicam o armazenamento e consequentemente a recuperação de uma informação específica A atenção do indivíduo está focada em diversos aspectos de ambas as tarefas impedindo uma identificação confiável da origem da informação Um julgamento rápido da fonte da informação contribui para um erro de atribuição ou seja para a formação de FM O taxista provavelmente esteve submetido a tarefas de atenção dividida durante o assalto já que enquanto ouvia as ameaças continuava dirigindo e pres tando atenção no caminho que estava fazendo Assim o julgamento da fonte de suas memórias sobre quem eram os assaltantes também pode ter ficado prejudi cado Mesmo em situações que exigem uma criteriosa discriminação da fonte da memória como no caso do taxista de prestar um depoimento em juízo podem existir fatores que enviesem essa atribuição de tal modo que qualquer pensamen to ou imagem que venha a cabeça é atribuído a uma fonte equivocada p ex suspeitos da foto são erroneamente relacionados ao assalto A possibilidade de discriminar a fonte da informação lembrada também é suscetível à interferência da sugestão de falsa informação tanto acidental como deliberada Nesses casos a recuperação precisa da informação é influenciada por informações geradas antes durante ou após este evento A recuperação er rônea da fonte da informação está vinculada à incorporação de múltiplas fontes Johnson et al 1993 que distorcem e atualizam a memória para a informação original Quando um evento acontece repetidas vezes como na maioria dos casos de abuso sexual ver Capítulo 9 as informações para a experiência são generaliza das e a cada nova repetição comparadas com as representações já armazenadas sobre o que esperar em cada situação Essas experiências podem ser unidas em uma única memória a respeito dos eventos por meio da elaboração de imagens mentais familiares Nesse caso distinguir informações específicas sobre um de terminado evento tomase mais difícil Detalhes específicos não familiares são muitas vezes esquecidos ou atribuídos falsamente a experiências reais quando na verdade resultam da imaginação Johnson et al 1993 Algumas críticas são feitas à Teoria do Monitoramento da Fònte baseadas em resultados de pesquisa sobre as FM que não podem ser explicados pelos pres supostos aqui descritos A principal crítica devese à noção geral de monitoramen to que está fundamentado na decisão a respeito da fonte de origem de uma de terminada informação que é lembrada pela pessoa ou seja o monitoramento da fonte seria um processo de julgamento que envolve a avaliação de características da informação e não uma distorção da memória Brainerd e Reyna 2005 Outra crítica está relacionada à concepção da memória como dependente da fonte já que respostas a respeito da fonte real ou imaginária da informação estão asso ciadas a um único julgamento de memória Nesse sentido há uma aproximação da compreensão unitária do Paradigma Construtivista nesse caso através de um único sistema de julgamento da fonte da informação No entanto como discuti Falsas Memórias 33 do anteriormente pesquisas experimentais têm mostrado haver uma dissociação entre a recuperação de MV e FM como sendo dois tipos de memórias com carac terísticas distintas Reyna 2000 Reyna e Lloyd 1997 A Teoria do Traço Difiiso que compreende a memória por meio de múltiplos traços pretende dar conta dessas críticas feitas à Teoria do Monitoramento da Fonte na explicação das FM principalmente por considerar as memórias verda deira e falsa para a mesma experiência como codificadas em paralelo e armaze nadas em separado Reyna e Lloyd 1997 Teoria do Traço Difuso A explicação do fenômeno da falsificação da memória toma novos contornos a partir de pressupostos de múltiplos traços de memória As diversas teorias dessa abordagem oferecem explicações contemporâneas e consistentes para a investi gação das FM ver Brainerd e Reyna 2005 Uma teoria explicativa das FM com traços oponentes foi proposta por Reyna e Brainerd 1995 a Teoria do Traço Difuso TTD no original em inglês Fuzzy Trace Theory A TTD busca responder algumas das críticas e lacunas identificadas nos modelos do Construtivismo e do Monitoramento da Fonte Duas considerações foram importantes para expandir o campo explicativo da TTD a primeira referese à relação entre aspectos semân ticos e processos de memória e a segunda surgiu em função da base consistente de resultados de pesquisas sobre o desenvolvimento do raciocínio humano e as diferenças nas habilidades de memória O m odelo de memória da TTD formouse a partir da década de 1980 Embo ra tenha sido inicialmente desenvolvida para dar conta de processos de raciocínio e de julgamento e tomada de decisão também direcionou seus estudos para o desenvolvimento das FM e do esquecimento Reyna e Brainerd 1995 Em con traste com o ponto de vista sobre o pensamento computacional visão formalista ou com operações lógicas visão logicista a TTD traz o intuitivo como metáfora principal para o funcionamento cognitivo Brainerd e Reyna 1990 Como in tuicionismo os autores entendem que ao contrário do que teorias tradicionais preconizavam o nosso processamento cognitivo busca caminhos que facilitem e agilizem a compreensão Dessa forma as pessoas preferem a simplificação de trabalhar com o que é essencial da experiência o significado por traz do fato em vez de ter de processar informações específicas e detalhadas Segundo esta Teo ria como o próprio nome difuso sugere o intuitivo o não delimitado especifica mente o não lógico é a base do raciocínio Reyna e Brainerd 1992 A TTD propõe que a memória é composta por dois sistemas distintos a memória de essência e a memória literal Segundo essa Teoria as pessoas armazenam separadamente representações literais e de essência de uma mesma experiência as lite rais capturam os detalhes específicos e superficiais A Teoria do Traço Difuso propõe que a memória é composta por dois sistemas distintos a memória de essência e a memória literal 34 Lilian Milnitsky Stein cols p ex bebeu um guaraná comeu um hambúrguer com queijo e as de essên cia registram a compreensão do significado da experiência que pode variar em nível de generalidade p ex bebeu um refrigerante comeu um sanduíche comeu um lanche As taxas de esquecimento são diferentes para cada tipo de representação sendo as memórias de essência mais estáveis ao longo do tempo do que as literais Brainerd e Reyna 2005 Portanto diferentemente das outras teorias abordadas até agora para a TTD a memória não é um sistema unitário e sim composta por dois sistemas nos quais o armazenamento e a recuperação das duas memórias são dissociados As FM espontâneas referemse a um erro de lembrar algo que é consistente com a essência do que foi vivido mas que na verdade não ocorreu Já as FM su geridas são erros de memória que surgem a partir de uma falsa informação que é apresentada após o evento Assim adultos e crianças podem lembrar coisas que de fato não ocorreram baseados na recuperação de uma FM espontânea ou sugerida No que tange as FM sugeridas a TTD p ex Brainerd e Reyna 19931998 Reyna e Brainerd 1995 propõe que a sugestão de uma falsa informação gera efeitos diferentes nas M V e FM A sugestão p ex placa de dê a preferência interfere e enfraquece a MV placa de parada obrigatória podendo também dificultar sua recuperação Assim a recuperação de traços literais das falsas in formações sugeridas pode produzir dois efeitos tanto a redução das MV quanto o aumento das FM sugeridas Por outro lado somente a lembrança de traços de essência do que foi sugerido p ex placa de trânsito levaria somente ao segundo efeito ou seja um aumento das FM já que esses traços de essência são consistentes tanto com o significado geral da experiência vivida quanto com a essência da falsa informação Para ilustrar esses efeitos no caso da parede arranhada no dia em que mãe e filha chegaram em casa vindas do supermercado e saíram logo depois para a missa a mãe deve ter armazenado dois traços de memória distintos Um traço literal armazenou o local exato onde as compras foram deixadas no hall de en trada No retorno da missa também foram armazenadas em sua memória literal quais compras haviam caído no chão Ao mesmo tempo em outra memória esta vam sendo armazenados os traços de essência sobre o quanto essa experiência foi uma correria para não se atrasarem para a missa e ainda que ao voltarem para casa ainda havia compras a organizar Portanto a mãe armazenou ao mesmo tempo informações distintas de um mesmo evento em duas memórias indepen A situação adm a pode também exem plifi car os cinco princípios básicos da TTD Brainerd e Reyna 2005 postulam como o primeiro prin cípio o caráter paralelo de armazenamento da in formação Portanto ambas as memórias literal e de essência se originam do mesmo evento e são processadas ao mesmo tempo diferente do que dentes literal e de essência As memórias literal e de essência se originam do mesmo evento e são processadas em paralelo e independentemente Falsas Memórias 35 propõem as teorias do Paradigma Construtivista em que a memória é vista como unitária O segundo princípio está ancorado no primeiro visto que um armazena mento separado leva a uma recuperação independente do que foi registrado na memória Nesse caso é plausível compreender que um detalhe literal não leva a recuperação de um aspecto de essência e viceversa mas que são memórias recuperadas de forma independente Reyna e Kieman 1994 Sendo assim se a mãe armazenou informações diferentes sobre o evento em memórias separadas quando ela recuperar informações sobre a essência da experiência daquele dia não necessariamente recuperará os detalhes sobre o que exatamente havia ocor rido com as compras e a parede por exemplo Brainerd e Reyna 2002 colocam ainda que as FM tanto espontâneas quan to sugeridas podem ocorrer por dois motivos distintos que tem como base os dois primeiros princípios ou seja o armazenamento e a recuperação indepen dente e paralela dos traços literais e de essência No caso acima ocorreu uma distorção exógena já que a mãe recebeu a informação falsa de que ela é que havia arranhado a parede apresentada pela filha após o evento Na visão da TTD duas explicações são possíveis para as FM sugeridas A primeira delas é que a mãe manteve acesso apenas ao traço de essência que era a confusão e a correria do dia do evento No momento em que ela recebe a sugestão de falsa informação de sua filha a informação é condizente com a essência e como ela já havia esqueci do os detalhes precisos do que havia ocorrido passa a lembrar que foi ela quem arranhou a parede com as compras A outra explicação das FM sugeridas decorre da lembrança literal da sugestão de falsa informação ou seja como a informação falsa sugerida isto é a mãe arranhou a parede com as compras é congruente com a memória essência do evento além de mais recente e talvez até mais impac tante a memória literal da falsa sugestão é lembrada pela mãe ao contar para a prima o que havia ocorrido Mas no caso da professora da universidade que não foi sugerido nenhuma falsa informação e mesmo assim ela passou a lembrar que tinha trazido os seus óculos naquele dia Se a distorção tivesse ocorrido de forma endógena qual seria a explicação da TTD para tal fenômeno As FM espontâneas ocorrem devido à inacessibilidade ou perda da informação literal sobre os eventos sucedidos Brai nerd e Reyna 2002 A professora provavelmente tinha uma memória genérica de que sempre levava seus óculos para o trabalho Devido a interferências de novas informações que ela mesma produziu por exemplo de que ela não sairia de casa sem levar seus óculos para o trabalho ela passou a lembrarse de têlos trazido pois a informação é condizente com a memória de essência que ela mantinha Já o terceiro princípio da TTD referese ao julgamento das informações quando expostos a tarefa de recordação ou reconhecimento Brainerd Reyna Wright e Mojardin 2003 preconizam que haveria um julgamento da veracidade do traço de memória recuperado de tal forma que traços literais são recuperados corretamente por um processo de julgamento da identidade da informação in duzindo a uma rejeição da informação de essência p ex lembro que comi um 36 Lilian Milnitsky Stein cols hambúrguer com queijo e não um cachorro quente ainda que ambos sejam essen cialmente lanches No entanto em alguns casos a informação literal pode levar a uma recuperação de essência especialmente quando há uma semelhança ou familiaridade entre as informações A recuperação da essência das informações originais em função da familiaridade ou da associação semântica ocorre por meio de um processo de julgamento de semelhança Parece que foi exatamente o que ocorreu com a mãe de minha amiga quando esta lhe ofereceu a sugestão de falsa informação A mãe já mantinha na memória apenas a informação de essência ou seja lembrava a correria e a confusão gerada pelas compras que caíram Sendo assim a informação de que fora ela que arranhara a parede com as compras era plausível e fez com que ela recuperasse pelo traço literal das compras espalhadas pelo chão ou seja uma informação de essência auxiliou por familiaridade no equivocado julgamento da veracidade do traço literal da falsa informação suge rida A quarta premissa versa sobre a comparação entre traços literais e traços de essência em termos da sua manutenção na memória ao longo do tempo ou seja que representações literais e de essência diferem em durabilidade A memória lite ral é mais suscetível a efeitos de interferência do que a memória de essência sendo que esta última é mais robusta mantendose na memória mesmo com a passagem do tempo Esse princípio explica porque a mãe apenas algumas semanas depois do evento já não lembrava mais os detalhes daquele dia Além disso explica igual mente porque a base de memória se torna mais rapidamente inacessível para a MV do que para as FM com o passar do tempo Brainerd e Reyna 2002 Neste caso o caráter instável das representações literais de uma experiência se caracteriza pela desintegração ou gradual fragmentação dos traços levando ao esquecimento E como aspectos de uma mesma experiência podem ficar dissociados uns dos outros a estabilidade das representações de essência é responsável pela persistência das FM Reyna e Titcomb 1996 já que estas são em sua maioria embasadas em m e mórias de essência O quinto e último princípio referese à habilidade dos indivíduos de recupe rar os traços de memória Segundo a TTD as memórias tanto para traços literais como para traços de essência são aperfeiçoadas ao longo do desenvolvimento Assim crianças pequenas apresentam maior dificuldade de trabalhar com tra ços de essência do que com traços literais No entanto à medida que crescemos nos tornamos mais eficientes em utilizar estratégias de memória e portanto há um aumento na habilidade de lembrarmos uma informação tanto em termos de memória literal quanto em termos de memória de essência Alguns estudos Brai nerd e Reyna 1998 sugerem que a habilidade de recuperar traços literais decai com o avanço da idade ver Capítulo 7 Apesar da consistência dos resultados experimentais com os pressupostos teóricos da TTD três críticas foram feitas A primeira delas diz respeito à dificul dade de avaliar casos em que as FM são resultado de processos mais abstratos e reflexivos que seriam explicadas pelo caráter difuso do traço de essência Nesse mesmo sentido a segunda crítica refere que pouco se explora à respeito dos erros Falsas Memórias 37 subjacentes à confusão de memória para detalhes superficiais de duas fontes de informação A terceira e mais importante crítica questiona a divisão da memória em tra ços ressaltando estudos em que há recuperação de detalhes perceptuais duradou ros fato esse que vai de encontro ao princípio de durabilidade dos traços literais e de falsas recordações baseadas em aspectos semânticos e perceptualmente vívi dos fato que vai de encontro com o caráter difuso da teoria Lindsay e Johnson 2000 A respeito da última crítica cabe ressaltar que o caráter extraordinário dos exemplos é portanto uma exceção à regra básica de durabilidade dos traços de memória Como esse fato também não foi explicado pelo Paradigma Constru tivista ou pela Teoria do Monitoramento da Fonte uma explicação alternativa foi encontrada na literatura sobre FM e é utilizada para explicar esse fenômeno pelos três paradigmas teóricos qual seja a Heurística da Distintividade que é a tendência de recordar mais facilmente informações extraordinárias e rejeitar FM Schacter Israel e Racine 1999 Segundo essa visão a memória é recuperada com mais precisão quando um detalhe inesperado é observado em uma situação comum Por exemplo se no caso do taxista um dos assaltantes tivesse um sotaque inglês muito acentuado provavelmente esse detalhe seria lembrado pelo fato de ser muito distinto para tal situação CONSIDERAÇÕES FINAIS Com frequência utilizamos o fato de lembrarmos algo com vividez e certeza de ter ocorrido como um argumento ou até mesmo uma indicação inexorável de que nossa memória retrata um fato que realmente aconteceu dessa forma Dificil mente contraargumentamos com alguém que lembra de um evento com certeza absoluta e com riqueza de detalhes Todavia o avanço das pesquisas sobre FM de monstra que o ser humano é capaz de lembrar de forma espontânea ou sugerida eventos que nunca aconteceram instiga a questionarmos sobre os li mites entre o falso e o verdadeiro No entanto não é intenção desta obra dar a impressão ao leitor de que todas as nossas memórias são falsas Apesar da nossa memória ser passível de ser distorcida há uma gama de lembranças que retratam fatos realmente ocorridos Porém nem tudo que lembramos ocorreu necessariamente da forma como lembramos e é possível sim apresentar erros de memória As FM são hoje reconhecidas como um fenômeno que se materializa no dia a dia das pessoas têm sua base no funcionamento saudável da memória e não são a expressão de patologia ou distúrbio Pensando nisso os estudos têm avançado no sentido de explicar as bases cognitivas e neurofuncionais desse fenômeno Não obstante ainda há um longo caminho a ser percorrido pois alguns mecanismos das FM permanecem como um campo a ser explorado Apesar de a nossa memória ser passível de ser distorcida há uma gama de lembranças que retratam fielmente fatos realmente ocorridos 38 Lilian Milnitsky Stein cols O fenômeno das FM tem provocado o interesse da comunidade científica desde o início do século passado A trajetória dessas pesquisas foi sendo ampliada para dar conta da realidade de suas implicações nas mais diversas áreas da Psi cologia como a Jurídica e a Clínica bem como em outras disciplinas das áreas humanas e da saúde No meio jurídico os estudos de FM obtiveram destaque principalmente re lacionados à fidedignidade no relato de testemunhas de contravenções em geral Stein e Nygaard 2003 ver Capítulos 8 9 e 10 Considerando o exemplo do taxista aumenta a preocupação com a confiabilidade do relato de testemunhas uma vez que com base em FM dois indivíduos inocentes foram acusados de um crime que não cometeram Já na clínica as sessões terapêuticas normalmente giram em tom o de ex periências emocionalmente significativas para o paciente e que geralmente parti lham de uma mesma essência p ex brigas com a m ãe Diversos casos relatados na literatura Andrews et al 1999 Loftus 1997 de recuperação de lembranças falsas fruto de procedimentos utilizados por terapeutas que parecem desconhe cer como a memória humana funciona têm preocupado os pesquisadores Os terapeutas podem ter lembranças falsas sobre o relato de seus pacientes ou até mesmo baseados em suas interpretações do que está ocorrendo com o paciente podem prover sugestão de falsa informação ao longo das sessões psicoterápicas ver Capítulos 11 e 12 O estudo dos mecanismos envolvidos nesse processo pode auxiliar no desenvolvimento e aprimoramento de técnicas de entrevista e de intervenção terapêutica que minimizem a ocorrência ou o impacto dos erros de memória Na atualidade os estudos sobre a memória têm se voltado cada vez mais a buscar elucidar a interação das FM com outros fenômenos como por exemplo as diferenças individuais Capítulo 7 as variáveis emocionais Capítulo 4 ou até mesmo questões neurológicas Capítulo 3 ou psicopatológicas Capítulo 11 Além disso parece já existirem evidências de que as FM podem ser influenciadas por nossos processos cognitivos mesmo de maneira não consciente ou seja de forma implícita Capítulo 6 e que as memórias sobre nossa história pessoal não estão imunes às FM Capítulo 5 Tais conhecimentos sobre as FM têm contribuí do para o aprimoramento de técnicas de trabalho para as mais diversas áreas tanto na Psicologia quanto fora dela Capítulo 10 REFERÊNCIAS Alba J W Hasher L 1983 Is memory schematic Psychological Bulletin 93 203 231 Andrews B Brewin C R Ochera J Morton J Bekerian D A Davis G M Mollon R 1999 Characteristics context and consequences of memory recovery among adults in therapy The British Journal of Psychiatry 2752 141146 Bartlett F C 1932 Remembering A study in experimental and social psychology 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década de 1970 Brainerd e Reyna 2005 Ao longo do desenvolvimento dos estudos sobre FM os pesquisadores perceberam que alguns elementos influenciavam as lembranças de fatos que nunca ocorreram Stein e Neufeld 2001 A partir dessas observações surgiram pesquisas sobre as diferen tes formas de se avaliar a produção de FM e seus efeitos Inicialmente os estudos sobre FM eram realizados buscando o máximo con trole sobre o ambiente p ex temperatura luminosidade e ruído e sobre o ma terial apresentado p ex imagens e sons e por isso foram chamados de estudos de laboratório Esses fatores de um experimento que podem ser manipulados ou mantidos sob o controle do pesquisador são chamados variáveis Kantowitz Roe diger e Elmes 2006 O controle experimental visa a impedir que variáveis não relacionadas ao objetivo da pesquisa interfiram ou influenciem os resultados Um exemplo de controle experimental no estudo das FM pode ser observado nos estudos que utilizam o Procedimento de Palavras Associadas Stein Feix e Ro henkohl 2006 que envolve a apresentação de listas de palavras semanticamente associadas a um mesmo tema p ex dedos sapato unha Quando a memória é testada solicitase que os participantes recuperem exatamente essas palavras estudadas Caso os participantes lembrem equivocadamente a palavratema à qual a lista se refere p ex pé como tendo sido apresentada no material origi nal considerase que essa resposta é baseada em uma FM Pesquisas desse tipo também denominadas básicas ou de laboratório possibilitam a identificação da causa de um determinado efeito porque apresentam condições para avaliar cada variável isoladamente ou seja comparam situações que diferem apenas pela ma nipulação da variável que se quer estudar Nesse exemplo é possível controlar a quantidade de palavras apresentadas e a frequência que essas palavras são utili zadas na língua materna dos participantes Em suma conhecer as variáveis que Falsas Memórias 43 podem interferir no resultado do experimento permite que o pesquisador possa estabelecer uma relação de causa e efeito Kantowitz et al 2006 Contudo os fatores explicados pelas pesquisas básicas raramente ocorrem na prática de forma isolada A partir das dificuldades de aplicação dos resultados na prática alguns pesquisadores passaram a estudar situações reais solicitando aos participantes que lembrassem informações autobiográficas ou seja eventos relacionados à sua própria experiência de vida Esse tipo de pesquisa denomina da naturalística ou ecológica busca estabelecer uma relação mais direta dos re sultados com o que realmente ocorre no cotidiano Loftus 1983 Woll 2002 Por exemplo estudase a recuperação de uma experiência que já foi vivenciada pelo participante da pesquisa ao invés de informações fornecidas pelo pesquisador como na pesquisa básica No entanto uma série de críticas podem ser levantadas como o pesquisador não ter certeza da veracidade dos fatos recuperados pois não possui registro e não estava presente quando da vivência desse evento original ver Capítulo 5 Além disso pesquisas naturalísticas não permitem a determi nação específica da causalidade devido a possíveis interações entre variáveis que não foram controladas como a quantidade de vezes que o evento ocorreu ou que o participante já lembrou e relatou esse mesmo evento As abordagens básica e naturalística trazem contribuições relevantes ao estudo das FM en quanto as pesquisas básicas permitem a observa ção mais controlada dos efeitos de manipulações de variáveis as naturalísticas possibilitam a con firmação em situações mais próximas da vida real dos resultados obtidos em laboratório Contudo para que seja possível compreender melhor as técnicas de pesquisa naturalística é necessário conhecer alguns pressupostos para o estudo das FM que foram esta belecidos pela pesquisa básica Neste capítulo serão explorados os principais métodos de investigação ex perimental das FM tendo como referência a pesquisa básica Para tanto serão apresentadas as possíveis manipulações das variáveis em cada etapa de um ex perimento sobre FM bem como os principais efeitos decorrentes de tais manipu lações Outros procedimentos serão discutidos mais adiante neste livro as con tribuições da neurociência cognitiva incluindo investigações de neuroimagem e psicobiologia no Capítulo 3 e pesquisas naturalísticas na Parte III MÉTODO EXPERIMENTAL PARA INVESTIGAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS Um experimento para a investigação da memória e suas distorções pode ser dividido em três etapas primeiro a informação é adquirida em seguida deve ser armazenada para posteriormente ser recuperada Lockhart 2000 Neufeld e Stein 2001 Conforme apresentado na Figura 21 na primeira etapa denomi nada fase de estudo ocorre a aquisição da informação que deve ser memorizada isto é materialalvo A segunda etapa envolve um intervalo de retenção ou de As pesquisas básicas possibilitam a iden tificação da causa de um determinado efeito 44 Lilian Milnitsky Stein cols armazenamento dessa informação Nesse intervalo o participante pode ou não realizar algumas tarefas Algumas dessas tarefas têm a função de incentivar o esquecimento da informação do materialalvo enquanto outras visam a induzir o participante a armazenar informações falsas por meio da apresentação de um material de sugestão Para finalizar há a fase de teste na qual a informação ori ginal apresentada na fase de estudo que não foi esquecida é recuperada pelo participante por meio da realização de um teste de memória O teste é o que possibilita ao pesquisador observar a qualidade da memória que foi recuperada se verdadeira ou falsa Esse procedimento experimental é utilizado em pesquisas sobre FM tanto espontâneas quanto sugeridas As FM espontâneas ocorrem de maneira inter na à pessoa por meio de autossugestão e as sugeridas são produzidas quando uma informação falsa é acrescentada ao procedimento levando o participante a acreditar que a falsa informação estava presente no materialalvo Neste caso a implantação de falsa informação ocorre de maneira externa à pessoa durante o intervalo de retenção ver Capítulo 1 As três etapas de um experimento para o estudo das FM espontâneas podem ser observadas no trabalho de Stein e colaboradores 2006 Com o objetivo de estudar a criação de FM os pesquisadores adaptaram para a realidade brasileira o Procedimento de Palavras Associadas desenvolvido originalmente por Deese em 1959 e aperfeiçoado por Roediger e McDermott 1995 Esse procedimento é muito utilizado para o estudo das FM e ficou conhecido na literatura estran geira como Paradigma DRM devido às iniciais dos três autores Deese Roediger e McDermott O procedimento consiste na apresentação de listas de palavras semanticamente associadas como a da Figura 22a para avaliação das FM Na fase de estudo os participantes escutam uma série de palavras materialalvo dedos sapato unha etc todas estão associadas a uma palavra não apresentada distrator crítico nesse caso pé No intervalo de retenção os participantes rea FIGURA 21 Procedimento básico utilizado no estudo experimental das falsas memórias Falsas Memórias 45 lizam uma tarefa de distração composta por exercícios matemáticos simples que visa a impedir que o participante mantenha as palavrasalvo ativas na memória gerando esquecimento Por fim na fase de teste os participantes devem tentar recuperar todas as palavras que lembram ter escutado na fase de estudo Quando uma palavra do materialalvo p ex dedos é corretamente lembrada no teste de memória considerase uma resposta baseada em uma memória verdadeira Já uma FM espontânea ocorre quando o participante lembra ter escutado uma palavra que não foi apresentada na fase de estudo p ex pé ainda que esta possua uma relação semântica com palavras do materialalvo O estudo das FM sugeridas pode ser ilustrado pelo Procedimento de Sugestão de Falsa Informa ção introduzido por Loftus Miller e Bums 1978 ilustrado na Figura 22b Na fase de estudo os participantes assistem a uma sequência de slides sobre um acidente de carro ocorrido devido ao avanço inapropriado de um dos motoristas ante uma placa de parada obrigatória Para observar o efeito da sugestão de falsa informação na memória durante o intervalo de retenção da informação o experimentador faz algumas perguntas a respeito da história para o participante introduzindo informações falsas que não estavam presentes na história original isto é sugerindo que a placa seria de dê a preferência Na fase de teste os participantes são instruídos a responder com base na história apresentada na fase de estudo Os resultados de pesquisas com o Procedimento de Sugestão de Falsa Informação revelam que muitos participantes respondem de acordo com a sugestão lembrando efetivamente ter visto na fase de estudo a placa de dê a preferência isto é uma FM sugerida e não a placa de parada obrigatória isto é memória verdadeira Embora seja possível compreender grande parte dos estudos sobre FM a partir das Figuras 21 e 22 cada fase de um experimento apresenta algumas características específicas que podem impactar de maneira distinta na memória RichardsonKlavehn e Bjork 1988 Essas características estão vinculadas a ma nipulações de variáveis como as sintetizadas no Quadro 21 que serão apresenta das a seguir conforme as fases do procedimento experimental de investigação das FM em que se encontram Fase de estudo A fase de estudo é a primeira etapa de um experimento de FM Figura 21 Nesta fase é apresentada a informação a ser memorizada pelos participantes o materialalvo ou materialoriginal A informação do materialalvo deve ser com preendida pelo participante por meio de um processo de codificação Esse processo depende de algumas variáveis como características do material formas de apre sentação e instruções sobre a aquisição das informações Uma falsa memória es pontânea ocorre quando o participante lembra ter escutado uma palavra que não foi apresentada na fase de estudo 46 Lilian Milnitsky Stein cols a Fase de estudo Dedos Sapato Unha Chulé Meia Calçado Tênis Sustentação Chinelo Calo Base Calcanhar Corpo Chute Pisar Intervalo de retenção Tarefa de distração Exercícios matemáticos Fase de teste Distrator crítico PÉ Não é apresentado na fase de estudo Falsas memórias espontâneas Itensalvo Memória São apresentados na fase de estudo verdadeira b Fase de estudo Intervalo de retenção Fase de teste Falsa informação sugerida É apresentada entre a fase de estudo e a fase de teste Falsas memórias sugeridas Placa parada obrigatória Placa dê a preferência Itemalvo É apresentado Memória verdadeira na fase de estudo FIGURA 22 Exemplos de procedimentos utilizados no estudo experimental das falsas memórias a es pontâneas Stein et al 2006 e b sugeridas Loftus et al 1978 Características do materialalvo Dois tipos de materialalvo são empregados em estudos sobre FM verbais e não verbais For exemplo na Figura 22a o material é constituído por palavras que são informações verbais As informações verbais também podem ser pseudopalavras frases passagens mais longas como histórias ver respectivamente Zeelenberg Boot Falsas Memórias 47 e Pecher 2005 Reyna e Kieman 1994 Fèix 2008 ou sequência de números Pesta Sanders e Murphy 2001 Já o materialalvo não verbal pode ser apresentado sob a forma de fotos como na Figura 22b figuras abstratas alimentos ou até encena ções de situações ver respectivamente Slotnick e Schactei 2004 Morris et al 2006 Geddie Fradin e Beei 2000 O materialalvo verbal do Procedimento de Palavras Associadas apresenta do na Figura 22a é um dos mais utilizados em estudos de pesquisa básica sobre FM por gerar efeitos robustos Neste caso o materialalvo é constituído pelas lis tas de palavras associadas e os experimentos têm utilizado características dessas listas tais como associação semântica emocionalidade concretude e frequência de uso na língua do participante características que já possuem normas estabelecidas no Brasil Stein e Gomes no prelo Essas características do materialalvo verbal e não verbal podem ser mani puladas experimentalmente no estudo das FM de acordo com os objetivos do pesquisador A associação semântica é o grau de aproxi mação do significado das palavras que compõem QUADRO 21 Variáveis relacionadas a cada fase de um experimento sobre falsas memórias Fase de estudo Intervalo de retenção Fase de teste Características do Tarefa de distração Tipos de teste de memória materialalvo Não tem ligação com Recordação Natureza da informação materialalvo Natureza e apresentação Reconhecimento Apresentação do diferentes do materialalvo Apresentação do teste de materialalvo memória Modalidade de apresenta Sugestão de falsa Modalidade de apresenta ção da informação informação ção do teste Tempo de exposição da Natureza e apresentação Momento da testagem informação similares ao materialalvo Repetição da testagem Quantidade de informação Instruções sobre o material de sugestão Instruções sobre o teste de Instruções sobre o memória materialalvo Instrução geral Nível de aprendizagem Esquecimento dirigido Medidas do teste de memória Avaliação do teste Tempo de reação Grau de certeza Vividez As características do materialalvo podem ser manipuladas experimentalmente no estudo das falsas memó rias de acordo com os objetivos do pesquisador 48 Lilian Milnitsky Stein cols a listaalvo p ex dedos sapato unha e o distrator crítico p ex pé Várias pesquisas têm mostrado que quanto mais as palavras dedos e sapato estão associa das à palavra não apresentada na fase de estudo no caso pé mais falsamente esta palavra será lembrada no teste de memória Roediger et al 2001 Outra característica do materialalvo verbal é a emoção No Procedimento de Palavras Associadas desenvolvido no Brasil Stein et al 2006 as listas de palavras foram avaliadas quanto ao seu grau de emocionalidade nas dimensões valência e alerta Santos et al no prelo A valência se refere à quão agradável positivo ou desagradável negativo um material é percebido pela pessoa Por exemplo uma das listas de palavras com conteúdo desagradável como escuro morte e solidão está associada ao distrator crítico medo Já o alerta se refere à intensidade de excitação que cada palavra da lista desperta que varia de estimu lante à relaxante As palavras da lista semanticamente associada à palavra medo foram avaliadas como estimulantes Listas de palavras com conteúdo emocional desagradável e estimulante têm produzido taxas de FM mais altas em compara ção a listas agradáveis e relaxantes Brainerd et al 2008 Os efeitos da emoção na produção de FM serão mais explorados no Capítulo 4 Também têm merecido a atenção dos pesquisadores de FM as características relativas ao grau de concretude e à frequência de uso das palavras que compõem o materialalvo A concretude é a correspondência de uma palavra com sua re presentação material ou sensorial Janczura et al 2007 Algumas pesquisas que se valem do Procedimento de Palavras Associadas mostram que listas de palavras mais concretas como dedos e sapato produzem menos FM do que listas de pala vras mais abstratas PérezMata Read e Diges 2002 Com relação à frequência de uso das palavras na língua materna do participante diversos estudos destacam que quanto menor a frequência de uso das palavras do materialalvo como dedos e sapato mais falsamente o distrator crítico pé será lembrado em um teste de memória Monaco Abbott e Kahana 2007 O efeito de outras características do materialalvo verbal tem sido investi gado no desempenho da memória como a associação fonológica e a ortográfica A associação fonológica referese ao grau de semelhança do som das palavras que compõem o materialalvo p ex cão e pão As pesquisas sugerem que pa lavras não apresentadas na fase de estudo mas fonologicamente relacionadas ao materialalvo p ex m ão são falsamente lembradas na fase de teste Sommers e Lewis 1999 Já a associação ortográfica se refere à semelhança na escrita das palavras Neste caso palavras não apresentadas no materialalvo p ex fase serão falsamente lembradas no teste de memória quando associadas a palavras cuja grafia é parecida p ex face e fale Masson e MacLeod 2002 Semelhanças ortográficas e fonológicas também estão presentes no estudo de pseudopalavras ou não palavras que são estímulos caracterizados pela ausên cia de significado p ex m ada embora possam assemelharse a uma palavra p ex mata Nestes casos as FM são fruto da recuperação da palavra real mata à qual as pseudopalavras estão associadas Zeelenberg et al 2005 Ainda que todos os exemplos citados utilizem listas de palavras como mate rialalvo verbal o que se procurou destacar até aqui é que elas possuem caracte Falsas Memórias 49 rísticas que podem impactar de maneira distinta no desempenho da memória As diferentes características das palavras podem ser portanto controladas e mani puladas mesmo quando o materialalvo é composto por passagens mais longas como frases e histórias O mesmo rigor no controle das manipulações experimentais deve ser consi derado quando o materialalvo não é verbal como no exemplo da Figura 22b Neste caso o materialalvo é constituído pelas fotografias do acidente de carro e da placa de sinalização de trânsito parada obrigatória Loftus et al 1978 Os experimentos com materialalvo não verbal têm investigado características das imagens como significado familiaridade complexidade e emocionalidade As FM podem ser produzidas quando duas informações são semelhantes em conteúdo ou significado como as placas de parada obrigatória e dê a pre ferência da Figura 22b que se referem à regulamentação de trânsito Alguns estudos têm mostrado que a semelhança de sig nificado entre as imagens ambas são placas de sinalização de trânsito pode levar à falsa lem brança da placa de dê a preferência como tendo sido apresentada na fase de estudo Koutstaal e Schacter 1997 Da mesma forma o desempenho da memória é suscetível a quão familiar uma ima gem é para os participantes do estudo Seamon et al 2000 Neste caso imagens não apresentadas no materialalvo p ex a placa de dê a preferência serão falsamente lembradas na fase de teste por participantes familiarizados com a si nalização de trânsito Outra característica que influencia o desempenho da memória é a complexi dade das imagens que compõe o materialalvo A complexidade se refere à quan tidade de elementos interligados de uma imagem Por exemplo na Figura 22b quanto mais elementos forem inseridos junto à imagem da placa de parada obrigatória como carros e pessoas mais falsamente algum detalhe da imagem será recuperado Seamon et al 2002 Em alguns casos pode ser apresentada apenas parte das imagens como o formato da placa de parada obrigatória sem a inscrição pare Resultados de pesquisas sugerem que imagens parciais não apresentadas na fase de estudo são falsamente lembradas na fase de teste Foley et al 2007 O efeito do caráter emocional do materialalvo não verbal também tem sido investigado no desempenho da memória Um dos instrumentos mais utilizados para avaliação do desempenho da memória emocional é o International Affective Picture System IAPS Lang Bradley e Cuthbert 1999 Lang e Ohman 1988 O IAPS é um banco de imagens como armas bebês e paisagens combinando dife rentes níveis de alerta e valência Várias pesquisas têm mostrado que imagens estimulantes com conteúdo emocional desagradável como armas têm produzido taxas de FM mais altas em comparação a imagens relaxantes com conteúdo em o cional agradável como bebês FemándezRey e Redondo 2007 Recentemente foram desenvolvidas normas brasileiras do IAPS para valência e alerta Ribeiro Pompéia e Bueno 2004 Embora ainda sejam escassos os estudos que utilizem As falsas memórias podem ser produzidas quando duas informa ções são semelhantes em conteúdo ou significado 50 Lilian Milnitsky Stein cols imagens do IAPS para testar FM resultados de pesquisas mostraram que as ima gens não apresentadas na fase de estudo são falsamente lembradas na fase de teste Pinto 2008 Outras formas de apresentação do materialalvo não verbal também podem incluir estímulos gustativos e olfativos Por exemplo alguns pesquisadores obser varam a produção de FM para o gosto de alimentos ingeridos antes dos 10 anos Morris et al 2006 Ainda que tanto o materialalvo verbal como o não verbal permitam um controle experimental das variáveis em foco a utilização de estímulos não ver bais torna o materialalvo mais verossímil e por isso mais próximo de pesquisas naturalísticas Apresentação do materialalvo Basicamente duas formas de apresentação do materialalvo são utilizadas em estudos sobre FM visual e auditiva A escolha da forma de apresentação de pende da natureza do materialalvo quando ele é verbal como na Figura 22a os participantes podem ler ou escutar a lista de palavras quando o materialalvo é não verbal como na Figura 22b os participantes apenas visualizam as ima gens Os estudos que apresentam visualmente a informação podem ser feitos em uma tela de computador em uma folha de papel ou projetada por meio da utili zação de recursos multimídia O desempenho da memória para o materialalvo verbal pode ser influen ciado por características específicas da forma de apresentação visual como a for matação da letra em função da fonte ou da cor Estudos nessa área destacam que quando cada palavra de uma lista é apresentada em um formato diferente diminui a probabilidade da produção de FM Israel e Schacter 1997 Quando a informação verbal é auditiva os estudos podem utilizar um ou mais narradores durante as fases de estudo e de teste As pesquisas têm mostrado que mais FM são produzidas quando um narrador lê as palavras na fase de estudo e outro na fase de teste Geiselman e Glenny 1977 Quando comparadas as duas modali dades de apresentação visual e auditiva alguns estudos têm destacado que a apresentação auditi va do materialalvo tende a produzir mais FM que a apresentação visual do mesmo material Smith e Hunt 1998 A apresentação do materialalvo não verbal pode ser associada a informações verbais O expe rimento da Figura 22b ilustra essa combinação ao vincular as imagens de placas de sinalização de trânsito com a narrativa do acidente Algumas pesquisas têm mostrado que a combinação de estímulos ver A apresentação auditiva do materialalvo tende a produzir maís falsas memórias que a apre sentação visual do mesmo material Falsas Memórias 51 bais e não verbais no materialalvo pode levar ao aumento da produção de FM Bloem e La Heij 2002 Esses experimentos que combinam a apresentação de imagens e narrativas aproximamse mais de pesquisas naturalísticas visto que se assemelham às experiências de vida das pessoas Kensinger e Schacter 2008 Neufeld Brust e Stein 2008 Existem outras variáveis que podem afetar a codificação da informação du rante a fase de estudo como o tempo de apresentação do materialalvo Huang e Janczura 2008 O tempo de apresentação se refere à quantidade de tempo que uma informação é exposta ao participante para codificação e interpretação duran te a fase de estudo Esse tempo pode variar de alguns segundos a apenas milis segundos Algumas pesquisas utilizando o Procedimento de Palavras Associadas têm mostrado que quando o tempo de exposição de cada palavra de uma lista é rápido p ex 20ms e 250ms mais FM são produzidas para listas apresentadas a 250ms do que a 20ms McDermott e Watson 2001 Contudo a partir de certo ponto quando o tempo de exposição de cada palavra passa a ser relativamente mais longo p ex lOOOrns e 5000ms menos FM são produzidas para listas apresentadas a 5000ms do que a lOOOrns Outra característica que tem merecido a atenção dos pesquisadores de FM é a quantidade de informação incluída no materialalvo também chamada de volu me de retenção A versão brasileira do Procedimento de Palavras Associadas por exemplo contém 44 listas com 15 palavras cada mas nem todas as listas ou pala vras são apresentadas em um mesmo experimento A quantidade de listas depen de do objetivo do estudo caso o interesse seja estudar a diferença do conteúdo emocional das listas um experimento poderia contar com três listas agradáveis três neutras e três desagradáveis Quando Roediger e McDermott 1995 compa raram a apresentação de 6 e 16 listas de palavras semanticamente associadas os resultados do teste de memória indicaram que a apresentação de mais listas leva ao aumento da produção de FM A quantidade de palavras por lista também pode ser diferente Por exemplo um estudo poderia utilizar oito listas de sete ou de 14 palavras semanticamen te associadas a um distrator crítico Neste caso quanto m aior a quantidade de palavras em uma lista p ex 14 palavras mais FM são produzidas Sugrue e Hayne 2006 Quando a informação é não verbal a variação da quantidade de imagens que compõem o materialalvo também deve ser controlada em fimção das características das imagens Neste caso quanto mais imagens de uma mesma categoria são apresentadas na fase de estudo mais FM são produzidas Koutstaal e Schacter 1997 Em suma o que se procurou destacar nesta seção é que a forma de apresen tação do materialalvo tanto verbal como não verbal podem impactar de manei ra distinta no desempenho da memória Em função das especificidades de cada tipo de material suas formas de apresentação devem ser levadas em consideração na fase de estudo 52 Lilian Milnitsky Stein cols Instruções sobre o materialalvo As instruções que acompanham o materialalvo indicam aos participantes como esta informação deve ser estudada Existem diferentes tipos de instruções para a apresentação do materialalvo que têm sido empregadas em estudos sobre FM Essas instruções podem ser manipuladas experimentalmente em função do nível de aprendizagem da informação do materialalvo que pode ser intencional acidental ou com advertência A apresentação do materialalvo em procedimentos experimentais para in vestigação das FM geralmente envolve a instrução para uma aprendizagem in tencional ou seja para que o participante preste atenção na informação na fase de estudo pois sua memória será testada posteriormente No entanto em alguns casos o teste de memória é surpresa e o participante não sabe que sua memória será testada A instrução para uma aprendizagem acidental ou não intencional envolve o desenvolvimento de alguma atividade com a inform ação do material alvo como identificar a cor com a qual a palavra está escrita ou nomear os objetos presentes na imagem As pesquisas utilizando palavras semanticamente associa das têm mostrado que uma aprendizagem intencional da informação do material alvo produz mais FM que uma aprendizagem acidental Lampinen Copeland e Neuschatz 2001 Os estudos sobre aprendizagem acidental têm uma implicação importante para as pesquisas naturalísticas uma vez que em situações reais as pessoas não sabem que sua memória será avaliada posteriormente para uma si tuação específica Uma tarefa muito utilizada para avaliação da aprendizagem acidental ou não intencional é a de gerar informação ou seja de produzir a informação a ser memorizada Os estudos com materialalvo verbal que utilizam palavras são os mais utilizados em estudos sobre o chamado efeito de geração McCabe e Smith 2006 Neste caso o processo de aquisição da informação do materialalvo requer um envolvimento ativo do participante que deve formar as palavras a serem m e morizadas como sapato seja completando as lacunas em sapto ou organizando letras do anagrama stapao As pesquisas têm destacado que gerar a informação do materialalvo produz menos falsas lembranças na fase de teste O efeito da inclusão de uma advertência acerca das possíveis distorções da memória para a informação do materialalvo durante a fase de estudo tem sido investigado como uma forma de diminuir as FM Na instrução de advertência o participante é estimulado a desenvolver estratégias visando a uma codificação fidedigna do material a ser armazenado durante o processo de aquisição da informação Quando a instrução tem um caráter preventivo no sentido de advertir o participante sobre as possibilidades de distorção da memória as FM tendem a dim i nuir embora não desapareçam Eakin Schreiber e SergentMarshall 2003 O estudo das FM também pode ser observado em tarefas em que o partici pante deve prestar atenção em duas atividades simultaneamente Por exemplo Quando a instrução da fase de estudo tem um caráter preventivo as falsas memórias tendem a diminuir Falsas Memórias 53 durante a visualização das listas de palavras do Procedimento de Palavras As sociadas o participante pode ser instruído a diferenciar entre letras e números apresentados auditivamente Esse estudo foi desenvolvido por PérezMata e co laboradores 2002 e mostrou que quando a atenção está dividida na fase de estudo os participantes produzem mais FM Ainda as instruções que introduzem o materialalvo podem impactar de maneira distinta no desempenho da memória dependendo do nível de envolvi mento do participante na tarefa Alguns autores associam a aprendizagem ao ní vel de processamento da informação durante a fase de estudo Craik e Lockhart 1972 as informações adquiridas em um nível de processamento profundo en volvem mais esforço cognitivo em tarefas de nomear uma categoria semântica p ex partes do corpo humano em comparação a informações adquiridas em um nível superficial sem elaboração da informação como em tarefas de contar as vogais de uma palavra p ex a palavra dedos tem duas vogais As pesquisas têm mostrado que instruções que induzem um nível profundo de processamento produzem mais FM em comparação a instruções que induzem um nível superficial Rhodes e Anastasi 2000 A primeira etapa do procedimento experimental para avaliação das FM por tanto envolve uma série de variáveis que podem impactar na aquisição da infor mação a ser memorizada O controle das variáveis durante a fase de estudo permite que o pesquisador observe os efeitos da manipulação experimental das característi cas do materialalvo de suas formas de apresentação ou instruções Intervalo de retenção O intervalo de retenção é a segunda etapa do procedimento experimental de investigação das FM Figura 21 Nesta etapa a informação do materialalvo deve ser armazenada Durante esse período de tempo duas tarefas podem ser realizadas pelos participantes visando ou não a interferir no armazenamento da informação a tarefa de distração e a sugestão de falsa informação O intervalo de retenção da informação do materialalvo pode variar de uma fração de segundo a 50 anos Lockhart 2000 Tarefa de distração A tarefa de distração tem o objetivo de impedir que as informações do materialalvo mantenhamse facilmente acessíveis à memória Brown e Gorfein 2004 Ela consiste numa atividade que não possui relação com o materialalvo tanto em termos de forma de apresentação como de conteúdo por exemplo se o materialalvo é constituído por listas de palavras o material de distração pode envolver atividades com imagens resolução de problemas matemáticos ou testes psicométricos 54 Lilian Milnitsky Stein cols A instrução que geralmente acompanha a apresentação da tarefa de distra ção busca envolver o participante para que desenvolva a atividade da melhor for ma possível a fim de não perceber que esta é uma mera tarefa interpolada entre as fases de estudo e de teste O envolvimento do participante nessa tarefa desvia a atenção do materialalvo e leva ao esquecimento da informação que foi codificada Brown 1958 Peterson e Peterson 1959 A realização de uma tarefa de distra ção permite ao pesquisador observar o efeito produzido pela manipulação de uma variável específica sem a interferência de outros fatores como a manutenção ativa das informações do materialalvo na memória geraria os efeitos de primazia e recência Atkinson e Shiffrin 1968 Estudos que utilizam uma tarefa de distra ção geralmente têm um intervalo de retenção da informação relativamente curto pois quando o teste de memória é realizado dias após a apresentação do material alvo as atividades diárias do participante servem como atividades distratoras Um exemplo de tarefa de distração que pode ser utilizada quando o ma terialalvo envolve palavras ou imagens é o span de dígitos subteste da escala Wechsler de inteligência para adultos 3a edição WAISIII Nascimento 2004 A atividade consiste em que o participante repita uma sequência de números aleatórios apresentados pelo experimentador Os números podem ser repetidos verbalmente ou escritos em uma folha de papel na mesma ordem ou na ordem inversa em que foram escutados A quantidade de números aumenta gradati vamente até atingir oito ou 10 dígitos O span de dígitos pode ser aplicado em experimentos com materialalvo tanto verbal como não verbal desde que este não envolva números Sugestão de falsa informação Quando o objetivo da pesquisa envolve a avaliação das FM sugeridas um material de sugestão de falsa informação geralmente é apresentado durante o intervalo de retenção da informação A sugestão de falsa informação pode ocorrer imediatamente após uma tarefa de distração ou dias e até meses após a apresen tação do materialalvo As pesquisas têm mostrado que quanto maior é o intervalo entre a fase de estudo e a de sugestão mais as informações sugeridas serão falsa mente lembradas na fase de teste Warren e Lane 1995 O material de sugestão tem o objetivo de interferir no armazenamento cor reto da informação do materialalvo isto é memória verdadeira O impacto da sugestão de falsa informação depende de algumas variáveis como as características do material sua forma de apresentação e suas instruções As características do material de sugestão são manipuladas com o intuito de deliberadamen te distorcer o armazenamento da informação do materialalvo O material de sugestão portanto pode apresentar características semelhantes ao A apresentação da suges tão de falsa informação produz maiores taxas de falsas memórias su geridas do que de falsas memórias espontâneas no teste de memória Falsas Memórias 55 materialalvo em conteúdo e forma Um grande progresso dos estudos sobre FM sugeridas ocorreu na década de 1970 com a introdução do Procedimento de Sugestão de Falsa Informação apresentado na Figura 22b Loftus 1975 Loftus et al 1978 Esse procedimento representa bem a relação entre as características do materialalvo e de sugestão as duas placas são de regulamentação do trânsito Neste caso a placa de dê a preferência isto é informação sugerida é falsa mente lembrada no teste de memória como sendo verdadeira Algumas pesquisas têm mostrado que apresentação da sugestão de falsa informação produz maiores taxas de FM sugeridas do que de FM espontâneas no teste de memória Pezdek e Roe 1995 Outra característica que tem merecido a atenção nos estudos de FM su geridas é a modificação ou distorção da informação do materialalvo durante a repetição do mesmo As repetições do materialalvo no entanto não são sempre exatamente iguais embora a essência permaneça a mesma Quando é apresen tada uma lista de palavras semanticamente associadas como a da Figura 22a por exemplo o material de sugestão pode ser introduzido durante a repetição da apresentação da lista por meio da inserção de novos itens como a palavra pegada Quando o desempenho da memória é avaliado somente para a primeira das apre sentações a recuperação da palavra pegada representa uma FM sugerida Embora a repetição da lista fortaleça a memória para as palavras do materialalvo que permanecem iguais as pesquisas têm mostrado que as palavras sugeridas durante a repetição são falsamente lembradas na fase de teste Loehr e Marche 2006 O Capítulo 9 discute os efeitos da repetição e suas implicações jurídicas Outra variável que envolve a implantação de falsa informação para encorajar uma recordação equivocada sobre o evento original é a imaginação Imaginar é pro duzir uma representação mental de uma informação Por exemplo durante a fase de estudo os participantes podem imaginar detalhadamente cenas para situações como quebrar um palito de dente Várias pesquisas têm mostrado que quando os partici pantes tentam recuperar informações sobre a situação original lembram falsamente as informações imaginadas como tendo sido vivendadas G off e Roedigei 1998 A sugestão de falsa informação também pode ser introduzida no experi mento em função do contato com o pesquisador Especialmente com crianças as pesquisas têm mostrado que o pesquisador exerce um papel de autoridade se melhante ao papel dos pais ou professores e afirmações ou perguntas sugestivas feitas por ele podem levar à distorção da informação verdadeira Ceei Huffman e Smith 1994 Os efeitos dessas manipulações podem ser observados em con textos naturalísticos quando o papel de autoridade é exercido pelo terapeuta que pode distorcer a informação para o evento original Um dos métodos muitas vezes utilizado na clínica psicoterápica e que pode ser sugestivo é a interpretação dos sonhos Algumas pesquisas indicam que interpretar sonhos pode ser uma manei ra de direcionar a criação de lembranças sobre eventos que não aconteceram ou seja de FM M azzoni et al 1999 Outros capítulos deste livro discutem o impacto das técnicas sugestivas e do papel do terapeuta na recuperação de falsa informação Capítulos 11 e 12 56 Lilian Milnitsky Stein cols Quando o materialalvo é autobiográfico a sugestão de falsa informação geralmente envolve o preenchimento de um inventário de cenas da vida em que são inseridas informações falsas Garry et al 1996 Por exemplo em um experi mento de sugestão de falsa informação a fase de estudo era a própria experiência prévia do participante Wade et al 2002 Durante a fase de teste era solicitado que o participante relatasse lembranças de sua história de vida correspondentes a situações apresentadas por meio de fotografias Algumas fotografias foram forne cidas pelos pais dos participantes enquanto uma imagem foi produzida por meio de um programa de edição de imagens representando um evento que não havia acontecido passear em um balão de ar Para que a descrição fosse considerada uma FM não bastava que os participantes dissessem que se lembravam do acon tecimento era necessário que descrevessem o evento que nunca havia ocorrido com informações que não constavam na fotografia p ex descrever ações ou sensações sobre a situação Os resultados indicaram que 50 dos participantes recordaram ter passeado em um balão de ar com grande riqueza de detalhes apesar de isso nunca ter acontecido As pesquisas destacadas nesta seção ilustram como a influência dos eventos ocorridos entre a etapa de aquisição e a de recuperação da informação pode afe tar o desempenho da memória Loftus 1979 A sugestão de falsa informação é um procedimento muito utilizado para estudar experimentalmente o que ocorre por vezes dentro de delegacias de polícia tribunais e inclusive dentro de con sultórios psicoterápicos As implicações práticas desse efeito de sugestão serão discutidas na última parte deste livro Em suma é durante o intervalo de tempo para retenção da informação do materialalvo que a informação é distorcida armazenada ou esquecida depen dendo do objetivo das tarefas realizadas no estudo das FM enquanto a tarefa de distração permite o controle sobre o armazenamento da informação desviando a atenção do materialalvo e buscando produzir algum esquecimento a sugestão de falsa informação visa a distorcer a informação originalmente estudada Fase de teste A testagem da memória é a última etapa de um experimento de investigação das FM Nesta fase é avaliado o desempenho da memória para as informações ad quiridas durante a fase de estudo e armazenadas durante o intervalo de retenção A avaliação é feita por meio da realização de um teste de memória No teste a informação do ma terialalvo deve ser recuperada A recuperação da informação depende de algumas variáveis como os diferentes tipos de teste de memória suas formas de apresentação de instrução e de mensuração No teste de memória a informação do materialalvo deve ser recuperada Falsas Memórias 57 Dois tipos de teste são utilizados para avaliação do desempenho da memó ria recordação e reconhecimento Brainerd e Reyna 2002 Lockhart 2000 No teste de recordação o participante deve relatar todas as informações que consegue lembrar sobre o materialalvo já no teste de reconhecimento alguns itens são apresentados ao participante que deve decidir quais correspondem ao material alvo estudado anteriormente Cada tipo de teste possui algumas características específicas que influenciam o desempenho da memória O teste de memória de recordação pode ser de dois tipos livre ou com pis tas O teste de recordação livre envolve a reprodução da informação do material alvo conforme o participante consegue lembrar Assim as lembranças vão sendo relatadas à medida que são recuperadas independente da ordem em que foram apresentadas na fase de estudo Por exemplo para o materialalvo da Figura 22 b um teste de recordação livre envolve a descrição de todas as informações que são lembradas Já no teste de recordação com pistas são oferecidas pistas para auxiliar o participante na recuperação das informações do materialalvo Uma pista para o exemplo da Figura 22a pode ser por exemplo uma indicação de que as palavras remetem a partes do corpo humano Para a recordação do materialalvo não verbal uma pista pode ser a visualização parcial da imagem As pesquisas têm destacado que um teste de recordação livre produz mais FM do que um teste de recordação com pistas Reysen e Naim e 2002 O teste de memória de reconhecimento também pode ser apresentado de duas maneiras dependendo da forma de escolha da resposta simples ou múlti pla Em ambos os casos o participante recebe uma lista de informações em forma de itens e deve decidir se cada item foi ou não apresentado na fase de estudo Quando o teste é de escolha simples os itens são compostos por palavras ou afir mativas como a palavra dedos para da figura 22a para o materialalvo verbal ou por uma sequência de imagens para o materialalvo não verbal Quando o teste é de reconhecimento de múltipla escolha diversas alternativas respondem a pergunta sobre qual a placa de sinalização de trânsito apresentada no experi mento da Figura 22b p ex parada obrigatória dê a preferência ou pista irregular e o participante deve assinalar apenas aquele item que corresponde à placa que viu na fase de estudo Um teste de memória de múltipla escolha muito conhecido é a prova de vestibular realizada nas universidades brasileiras Quando comparadas as duas formas de teste de reconhecimento alguns estudos têm des tacado que os testes de múltipla escolha produzem menos FM que os de escolha simples Bastin e Van der Linden 2003 Em síntese os dois tipos de teste de memória são utilizados para investiga ções experimentais das FM Os tipos de itens do teste de memória e como é feita a aferição das FM serão discutidos na seção medidas do teste de memória Existem algumas vantagens na utilização de um ou de outro o teste de reconhecimento Tipos de teste de memória 58 Lilian Milnitsky Stein cols destacase na rapidez de aplicação e na facilidade de correção dos dados pois o participante deve apenas decidir se uma informação do teste foi ou não apresen tada na fase de estudo do experimento enquanto o teste de recordação envolve um processo mais complexo de recuperação da informação pois o participante deve lembrar a informação decidir sobre a veracidade desta e ainda reproduzi la seja por escrito ou oralmente Watkins e Gardiner 1979 As pesquisas têm mostrado que testes de recordação produzem menos FM do que testes de reco nhecimento M eode e Roediger 2006 Apresentação do teste de memória Os testes de memória podem ser realizados de forma oral ou escrita Quan do o teste é de recordação livre ou com pistas em uma apresentação oral o par ticipante deve narrar uma história ou responder a perguntas que serão gravadas em áudio ou vídeo Já em uma apresentação escrita o participante escreve suas respostas em uma folha de papel Recentes estudos destacam que o teste de re cordação oral tende a produzir mais falsas lembranças do que o escrito Kellogg 2007 Quando o teste é de reconhecimento em uma apresentação oral o partici pante indica verbalmente se uma informação apresentada como um dos itens do teste corresponde ao materialalvo por exemplo falando sim ou não e sua res posta é anotada pelo pesquisador Na apresentação escrita o participante assinala a resposta desejada em uma folha de papel Os testes de reconhecimento escritos tendem a produzir mais FM do que os orais M aylor e Mo 1999 Pesquisas têm sugerido uma relação entre as modalidades de apresentação do teste de memória e do materialalvo de forma que quando os materiais são apresentados na mesma modalidade p ex materialalvo auditivo e teste oral menos FM são produzidas Nelson Balass e Perfetti 2005 Existem outras variáveis que podem afetar a recuperação da informação duran te a fase de teste como o momento da testagem e a repetição do teste A primeira dessas variáveis se refere ao momento em que o teste de memória é realizado que pode ser imediatamente após a apresentação do materialalvo isto é teste imediato ou horas dias e até meses ou anos depois isto é teste posterior Quando o teste de memória é ime diato geralmente ele é precedido de uma tarefa de distração Alguns estudos têm destacado que quan do o teste é posterior as informações não apresen tadas no materialalvo serão mais falsamente lem bradas Roediger e McDermott 1995 isso porque as FM são mais estáveis com o passar do tempo e se mantém com maior facilidade do que as memórias verdadeiras M V que são mais facilmente esquecidas Brainerd e Reyna 2005 As falsas memórias são mais estáveis com o passar do tempo e se mantém com maior facilidade do que as memórias verdadeiras Falsas Memórias 59 A outra variável que interfere na recuperação da informação do material alvo é a repetição da testagem da memória Neste caso o objetivo do estudo pode ser a investigação do desempenho da memória ao longo do tempo e o mes mo participante responde a dois ou mais testes de memória Quando a memória é avaliada duas vezes para a mesma informação as informações não apresentadas na fase de estudo têm mais probabilidade de serem falsamente lembradas no segundo teste especialmente se foram lembradas no primeiro Brainerd e Rey na 1996 As pesquisas têm mostrado que quando ocorre esse efeito da mera testagem as FM se tom am mais consistentes ao longo dos testes Reyna et al 2006 Em suma as formas de apresentação do teste de memória tanto de recorda ção como de reconhecimento influenciam de maneira distinta no desempenho da memória A decisão sobre qual modalidade do teste de memória deve ser apresen tada em um experimento para investigação das FM depende de algumas variáveis do próprio experimento como diferenças individuais dos participantes Por exem plo um teste de memória oral é preferível no caso de um estudo com crianças pequenas ou participantes impossibilitados de escrever Outras variáveis relativas ao impacto das diferenças individuais nas FM serão discutidas no Capítulo 7 Instruções sobre o teste de memória As instruções que acompanham o teste de memória envolvem orientações diretas do pesquisador sobre o que deve ser feito durante a fase de teste Em pro cedimentos experimentais para investigação das FM os testes de recordação e de reconhecimento diferem quanto à instrução geral devido às suas características es pecíficas mas usualmente envolvem instruções para que o participante recupere somente informações que realmente estavam presentes no materialalvo Brainerd Reyna e Ceei 2008 Quando o teste é de recordação livre o participante deve rela tar todas as informações que conseguir lembrar a respeito do materialalvo Quan do é de recordação com pistas podem ser feitas perguntas abertas sobre detalhes específicos do materialalvo Por exemplo uma pergunta do teste para a história da Figura 22b poderia indicar que havia uma placa de regulamentação de trânsito quando o carro estava dobrando a esquina e solicitar que o participante lembrasse que placa era essa Quando o teste é de reconhecimento de escolha simples o participante deve marcar sim para aqueles itens que estavam presentes no materialalvo e não para os itens que não estavam presentes Acrescentase ainda à instrução para que o participante não faça uma escolha aleatória ao acaso ou seja não tente adivi nhar chutar uma resposta mas sim responder com base no que lembra que foi apresentado na fase de estudo Já quando o teste é de múltipla escolha uma per gunta referente ao materialalvo é feita e diversas alternativas são apresentadas como possíveis respostas para cada item Neste caso o participante deve decidir 60 Lilian Milnitsky Stein cols qual o item que responde à pergunta Ambos os testes de reconhecimento seja de escolha simples ou múltipla apresentam itens com informações que estavam presentes no materialalvo isto é verdadeiras e outras que não foram apresen tadas isto é falsas Outra forma de testar o desempenho da memória é o método de esqueci mento dirigido do inglês direct forgetting Neste caso o participante é instruído a recuperar apenas parte da informação esquecendo o restante Por exemplo quando são apresentadas duas listas de palavras semanticamente associadas como a da Figura 22a os participantes podem ser instruídos a esquecer a pri meira e lembrar apenas a segunda lista de palavras Resultados de pesquisas têm destacado que as palavras que deveriam ser esquecidas lista 1 são falsamente lembradas na fase de teste Bjork e Bjork 1996 As implicações desses estudos podem ser observadas na tentativa de esquecer uma informação autobiográfica aversiva ver Capítulo 5 Em síntese as instruções sobre o teste de memória buscam respostas baseadas em lembranças da informação do materialalvo No entanto não necessariamente é sempre isso que ocorre muitas vezes as pessoas recuperam informações que não estavam presentes na fase de estudo mas que acreditam ser verdadeiras as FM Medidas do teste de memória As respostas do teste de memória podem ser de três tipos verdadeiras fal sas ou de viés A recuperação de cada um dos tipos de informação serve de base para a avaliação do desempenho da memória Outras medidas também podem ser avaliadas na recuperação da informação do materialalvo tais como o tempo de reação do participante para responder a um item do teste de memória o grau de certeza da resposta bem como a avaliação da qualidade da memória isto é vividez com base na qual está sendo emitida a resposta A avaliação das respostas do teste de memória depende da relação com o materialalvo Quando o teste de memória é de recordação livre ou com pistas as informações recordadas são agrupadas conforme seu grau de relação com o materialalvo as verdadeiras se referem às informações recuperadas que são exa tamente iguais ao materialalvo as FM se referem às informações relacionadas de alguma forma ao materialalvo semântica fonológica ortográfica ou visual mente e as intrusões ou respostas de viés são informações inconsistentes com o materialalvo e portanto sem base na memória Quando o teste é de reconhecimento as respostas verdadeiras referemse a aceitação correta dos itensalvo como reconhecer as palavras dedos e sapa to do exemplo da Figura 22a e da placa de parada obrigatória da Figura 22b As FM são avaliadas pelo falso reconhecimento dos itens distratores críticos ou distratores relacionados representados pela palavra pé no exemplo da Figura 22a quando são FM espontâneas e pela placa de dê a preferência no exem plo da Figura 22b quando são FM sugeridas Já as respostas de viés são a aceitação no teste de itens que não possuem relação com o materialalvo Falsas Memórias 6 1 como a palavra mesa para o exem plo da Figura 22a e uma placa que indica o nome de uma cidade para o exem plo da Figura 22b O desempenho da memória para o teste de recordação é avaliado por meio da quantidade de informações corretas que o participante lembra a respeito do materialalvo para o cálculo de memória verdadeira e da quantidade de infor mações relacionadas para o cálculo de FM Brainerd et al 2008 No teste de reconhecimento esse desempenho é avaliado por m eio do cálculo da média das respostas de cada um dos tipos de informação recuperados quanto mais itens alvo os participantes lembram maior o índice de memória verdadeira e quanto mais distratores relacionados ou informações sugeridas m aior o índice de FM Roediger e McDermott 1995 Em experimentos de memória esperase baixos índices de respostas de viés pois são respostas sem base mnemónica e sua recu peração geralmente devese à falta de motivação do participante ou à falha em compreender as instruções do teste As pesquisas destacam que a memória dos participantes é mais precisa quando altos índices de MV são recuperados associa dos a baixos índices de FM Coane e McBride 2006 Outra medida do teste de memória que pode ser considerada para a ava liação das FM é o tempo de reação que se refere à quantidade de tempo que o participante leva para responder às perguntas do teste de recordação ou assinalar uma alternativa do teste de reconhecimento Pesquisas utilizando o Procedimento de Palavras Associadas como a de Coane e colaboradores 2007 têm mostrado que no teste de reconhecimento os participantes levam mais tempo para reagir frente a distratores relacionados em comparação a itensalvos A avaliação do desempenho da memória também pode considerar o grau de certeza que os participantes têm em suas respostas O grau de certeza pode ser avaliado em uma escala contínua que varia de nenhuma certeza a absoluta certeza Para cada item do teste de memória o participante deve optar pela alternativa que melhor qualifica a recuperação de uma informação seja ela apenas resultado de uma simples lembrança isto é nível baixo de certeza seja de uma sensação de o item realmente ter sido apresentado durante a fase de estudo isto é nível alto de certeza As pesquisas têm mostrado que as FM são recuperadas com altos índices de certeza Lampinen et al 2005 Alguns estudos solicitam que o participante avalie as características da qualidade de sua m e mória ao responder o teste utilizando as opções de lembrar saber do inglês remember know TUlving 1985 No Procedimen to de Palavras Associadas por exemplo lembrar uma palavra significa mental mente reviver o momento de codificação lembrando outras palavras que foram apresentadas juntamente com a palavra recuperada ou o que se estava fazendo quando leu ou ouviu a palavra e saber envolve uma sensação de confiança que determinada palavra foi apresentada no materialalvo embora seja impossível reexperienciar lem brar o momento de codificação Os estudos que utilizam esse paradigma destacam que as FM são geralmente resultado de julgamentos de lem brar Roediger e McDermott 1995 As falsas memórias são recuperadas com altos índices de certeza 62 Lilian Milnitsky Stein cols Em suma a avaliação do desempenho da memória permite ao pesquisador observar o impacto da manipulação de cada variável do estudo no desempenho da memória Para que esse impacto seja compreendido é necessário conhecer as medidas do teste de memória tanto de recordação como de reconhecimento A fase de teste portanto envolve informações imprescindíveis para a compreensão dos efeitos de cada manipulação do procedimento experimental para investigação das FM uma vez que permite ao pesquisador medir as diferenças de recuperação da informação tanto verdadeiras quando falsas CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente capítulo descreveuse os elementos essenciais do procedimen to experimental de investigação das FM bem como algumas variáveis que podem estar envolvidas nesse procedimento A investigação do fenômeno das FM é cons tituída essencialmente por três fases igualmente importantes a fase de estudo na qual o materialalvo é apresentado para o participante o intervalo para retenção ou armazenamento da informação e a fase de teste na qual a informação estu dada deve ser recuperada Em cada fase variáveis específicas podem ser mani puladas considerando os efeitos de cada uma sobre o desempenho da memória Buscouse ilustrar os avanços mais representativos de cada aspecto da manipula ção experimental no estudo das FM ainda que esses dados não esgotem todas as manipulações possíveis É necessário portanto considerar as possíveis interações que possam existir entre as variáveis descritas no Quadro 21 bem como entre outras variáveis específicas Conforme foi destacado ao longo do capítulo a escolha das variáveis depen de do objetivo de cada estudo e deve estar apoiada em informações já existentes na literatura Porque o propósito de uma pesquisa básica sobre FM é observar o efeito de uma variável na produção de distorções da memória a escolha de qual variável será manipulada é fundamental para o experimento Martin 2000 Por exemplo se o interesse é observar o efeito da variável emoção na produção de FM é fundamental considerar seus dois aspectos valência e alerta Um pes quisador pode escolher manipular apenas um desses aspectos como a valência apresentando estímulos desagradáveis neutros e agradáveis Para que os resul tados do experimento sejam mais fidedignos devese controlar o nível de alerta dos estímulos utilizando apenas informações estimulantes por exemplo Nesse caso podese inferir uma relação de causalidade da dimensão emocional valência no desempenho da memória independentemente da dimensão alerta Kensinger 2009 Capítulo 4 O controle experimental no estudo das FM em pesquisa básica estendese a outras variáveis que podem interferir diretamente nos resultados como as dife renças individuais dos participantes Esse tema será foco da discussão do Capí tulo 7 Uma característica que distingue um participante de outro é a idade por exemplo As pesquisas que se valem do Procedimento de Palavras Associadas têm Falsas Memórias 63 mostrado que adolescentes produzem mais FM e são mais suscetíveis à sugestão de falsa informação em comparação a crianças Brainerd Reyna e Forrest 2002 O resultado sugere que a faixa etária interfere na produção de FM Um exemplo de estudo que visou a destacar as características para um materialalvo gerar FM proporcionalmente em crianças e adolescentes foi a adaptação do Procedi mento de Palavras Associadas conforme a idade dos participantes por Carneiro Albuquerque Femandez e Esteves 2007 Neste estudo foram elaboradas listas com diferentes quantidades de palavras semanticamente associadas para testar a memória de crianças em idade préescolar e de adolescentes A pesquisa mostrou que os participantes produziam mais FM quando as listas eram específicas para sua idade O controle e as manipulações experimentais permitem o estabelecimento de parâmetros para o desempenho da memória possibilitando a gene ralização dos efeitos desse estudo para situações reais como a capacidade da criança e do adoles cente de armazenar informações aprendidas em sala de aula As possibilidades de aplicação das pesquisas básicas sobre FM em diferentes áreas da Psicologia como a Clínica e a Forense apóiam a relevância dos estudos em laboratório com o in tuito de fornecer continuamente subsídios para as investigações naturalísticas No âmbito da Psicologia Clínica normalmente as sessões terapêuticas desenvolvemse em tom o de uma temática central p ex um trauma emocional ou físico em que as experiências trazidas pelo paciente são exploradas em relação ao tema principal As perguntas do terapeuta podem servir como sugestão de falsa informação e a repetição da discussão sobre o mes mo tema em sessões diferentes pode produzir um efeito de mera testagem Esse tema será retomado nos Capítulos 11 e 12 No que concerne a situações forenses também os procedimentos de perícia psicológica e os questionamentos feitos a testemunhas versam sobre um tópico central p ex situação que está sendo in vestigada Em ambos os casos a forma como é feita a entrevista com vítimas ou testemunhas oculares pode ser responsável pela falsificação da memória para o evento original por sugestão de falsa informação ou viés na testagem Tais impli cações serão mais exploradas nos Capítulos 8 9 e 10 Considerando a diversidade de variáveis que podem ser investigadas e a relevância dos estudos básicos para contextos aplicados ainda há várias questões a serem exploradas Esperase portanto que este capítulo possa incentivar o de senvolvimento de pesquisas experimentais para investigação das FM Alguns pro cedimentos de pesquisa sobre as FM já foram adaptados para a língua portuguesa Feix 2008 Neufeld et al 2008 Neufeld e Stein 2003 Nygaard Feix e Stein 2006 Pinto 2008 Stein et al 2006 Investigações futuras podem propiciar o desenvolvimento de outros instrumentos e procedimentos experimentais a fim de elucidar os processos responsáveis pela produção de FM e seu desenvolvimento O controle e as manipulações expe rimentais permitem o estabelecimento de parâmetros para o de sempenho da memória possibilitando a genera lização dos efeitos para situações reais 64 Lilian Milnitsky Stein cols REFERÊNCIAS Atkinson R C Shiffrin R M 1968 Human memory A proposed system and its con trol processes 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really lives next door Creating false memories with phonological neighbors Journal of Memory and Language 401 83108 Stein L M Feix L F Rohenkohl G 2006 Avanços metodológicos no estudo das falsas memórias Construção e normatização do procedimento de palavras associadas Psi cologia Reflexão e Crítica 192 166176 Stein L M Gomes C E A no prelo Normas brasileiras para listas de palavras associadas Associação semântica concretude freqüência e emocionalidade Psicologia Teoria e Pesquisa Stein L M Neufeld C B 2001 Falsas memórias Porque lembramos de coisas que não aconteceram Arquivos de Ciência Saúde Unipar 52 179186 Sugrue K Hayne H 2006 False memories produced by chüdren and adults in the DRM Paradigm Applied Cognitive Psychology 205 625631 Tlilving E 1985 Memory and Consciousness Canadian Psychology 261 112 Wade K A Garry M Read J D Lindsay D S 2002 A picture is worth a thousand lies Using false photographs to create false childhood memories Psychonomic Bulletin Review 93 597603 Warren A R 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comportamentais A neurociênda cogni tiva tenta responder como as funções psicológicas e cognitivas são produzidas por circuitos neurais Seus métodos de investigação se dão por meio de instrumentos não invasivos prin dpalmente métodos de imagem cerebral funcional registro de imagens da atividade do cérebro em funcionamento empregados durante atividades cognitivas Processos psicológicos básicos como percep ção e memória já foram considerados localizados em regiões cerebrais específicas Neste sentido uma das contribuições mais importantes dos estu dos de neuroimagem diz respeito ao fato de clara mente indicarem que tais processos psicológicos e comportamentais não podem ser mapeados em centros específicos e identificáveis Schacter e Slotnick 2004 Pelo contrário cada processo parece estar associado a uma série de regiões cerebrais bem dis tribuídas e interconectadas Isso implica no fato de os processos psicológicos básicos parecerem ser agora entendidos como produtos de atividades de redes neurais amplamente distribuídas O que parecia anteriormente ser um conceito delimitado e singular p ex m emória quando examinado em conjunto com evidências neurológicas estudos de lesão cerebral ou neuroimagem revela uma organização mais complexa e diversificada p ex processos de memória declara tiva e procedural Por outro lado o que pareciam ser conceitos distintos p ex memória de curto e longo prazo podem necessitar ser reconsiderados frente às novas evidências neurocientíficas Desta maneira a neuroimagem e a neurociên d a estão remodelando os conceitos que foram utilizados para construir as teorias psicológicas Uma metáfora para isso seria o fato de na metade do século XVII se A Neurodência Cogni tiva consiste no campo de estudo que tem como objetivo inves tigar os mecanismos biológicos subjacentes da cognição com um enfoque específico para os substratos neurais dos processos mentais e de suas manifestações comportamentais 70 Lilian Milnitsky Stein cols acreditar que a célula seria a menor partícula do corpo humano e posteriormente com a sofisticação das tecnologias cada vez mais partículas que form avam ou tras partículas que formavam outras partículas e assim por diante foram sendo descobertos átomos elétrons prótons quarks bósons leptons Outra analogia interessante para explicar como a combinação de diferentes componentes neurais produz diferentes processos psicológicos seria o brinquedo Lego Nesse brinquedo há varias peças que são fixas blocos assim diferentes peças e configurações desses blocos seriam os diferentes processos psicológicos Uma explicação alternativa seria a tabela periódica da química assim o processo de diferentes componentes neurais poderia ter diferentes propriedades e afini dades cuja função computação dependeria da rede de combinação das áreas envolvidas O principal objetivo deste capítulo é apresentar os principais achados da neurodência cognitiva relacionados ao fenômeno de falsas memórias FM Para que tais resultados sejam compreendidos é necessária uma breve revisão sobre os principais métodos de pesquisa não invasivos usados nos estudos de neurociênda cognitiva das FM Assim a primeira parte deste capítulo apresenta ao leitor es ses métodos Como os achados desses estudos diferem em relação aos processos de codificação armazenamento e recuperação da memória ver Capítulo 2 a segunda parte do capítulo é composta por estudos de FM realizados durante as etapas de codificação e armazenamento e os achados relacionados às etapas de recuperação da informação MÉTODOS DE PESQUISA A Ressonância Magnética R M é um exame seguro pois não utiliza radia ção ionizante que possibilita obter cortes tomográficos em muitos e diferentes planos do cérebro dando uma visão panorâmica da área cerebral de interesse além de mostrar características dos diferentes tecidos do corpo O paciente entra em um campo magnético que vai alinhar os spim dos átomos de hidrogênio do seu corpo Após ondas de rádio frequência são aplicadas pulsatilmente para de salinhar novamente os spins Um computador cria as imagens a partir do tempo e das coordenadas que foram utilizados no desalinhamento A RM é uma técni ca apropriada para estudar estruturas neurológicas porém quando o objetivo é poder estudar a função das estruturas necessitase de outros exames de imagem Attwell e Iadecola 2002 A Ressonância Magnética Funcional R M f é uma técnica que utiliza a RM associada a percepção de respostas hemodinâmicas relacionados a atividade ce Quantidade de energia e de momento que flui de uma partícula em uma determinada direção Falsas Memórias 71 rebral Logothetis et al 2001 O método BOLD ibloodoxygenlevel dependent permite a observa ção de quais áreas do cérebro estão ativas em um determinado momento Em virtude dos neurônios não possuírem uma reserva própria de energia na forma de glicose ou oxigênio cada vez que eles disparam ou seja tomamse ativos há uma mobi lização rápida de energia Por meio de um proces so chamado resposta hemodinâmica ocorre um aumento da taxa de disponibili zação de oxigênio no sangue nas áreas ativas em relação às áreas inativas Assim podese observar uma diferença na susceptibilidade magnética entre oxihemoglo bina e desoxihemoglobina ou seja há uma variação no sinal magnético entre o sangue oxigenado e o desoxigenado detectável pela ressonância magnética Por meio da repetição de pensamentos ações ou experiências métodos estatísticos podem determinar quais áreas do cérebro manifestaram m aior diferença entre as taxas e quais áreas estariam mais ativas durantes tal pensamento ação ou expe riência Bénar Gross e Wang 2002 A Tomografía por Emissão de Pósitron positron emission tomography PET avalia o fluxo sanguíneo e o metabolismo cerebral Nas áreas cerebrais em que existe maior atividade neuronal identificase um m aior consumo de glicose e um aumento do fluxo sanguíneo cerebral Isso faz com que as taxas de glicose san guínea diminuam nessas áreas por isso a PET avalia a função cerebral em tempo real Durante o exame injetase água radioativa H 2 0 1 5 j para se avaliar o fluxo sanguíneo e a glicose radioativa 18F 2 fluoro2desoxiglicose ou FDG para se avaliar o metabolismo cerebral Essas substâncias emitem pósitrons que colidem com os elétrons do cérebro criando duas bandas de luz que são emitidas e assim captadas por uma câmera O computador usa essas informações para reconstruir uma imagem do metabolismo cerebral ou dos padrões de perfusão sanguínea Potenciais Relacionados a Evento eventrelated potential ERP não é exa tamente um exame de imagem porém serve para localizar regiões cerebrais de maior ou menor atividade e a partir disso gerar uma representação gráfica dessa atividade neural O ERP consiste em qualquer resposta eletrofísiológica estereoti pada frente a um estímulo interno ou externo pensamento ou percepção Ele é medido utilizandose a eletroencefalografía EEG um procedimento que detecta a atividade elétrica no cérebro através do couro cabeludo Em relação a RMf o ERP possui uma melhor resolução temporal mas é superado por ela em virtude da pouca resolução espacial De m odo geral a RM f vem sendo a técnica mais comumente empregada na neurociência cognitiva Não há necessidade de se saber exatamente os processos físicoquímicos que ocorrem durante tal método porém a noção de que se cons titui em um método capaz de avaliar as mudanças nos gradientes físicoquímicos associadas com atividade neural seria o mais importante O método BOLD bloodoxygenlevel dependent permite a observação indireta de quais áreas do cérebro estão ativas em um de terminado momento 72 Lilian Milnitsky Stein cols FALSAS MEMÓRIAS E PROCESSOS DE CODIFICAÇÃO E ARMAZENAMENTO Até recentemente os estudos de neuroimagem das distorções mnemónicas buscavam investigar quase que exclusivamente o processo de recuperação das FM Cabeza et al 2001 Okado e Stark 2003 Schacter et al 1996 von Zerssen et al 2001 deixando a codificação e o armazenamento em segundo plano Essa ne gligência com a investigação da formação das FM é parcialmente compreendida uma vez que os resultados de estudos que investigam as bases neurais da falsa recuperação possuem uma aplicabilidade mais direta como será visto na seção seguinte Entretanto evidências oriundas de pesquisa básica em Psicologia Cognitiva Gallo Roediger e McDermott 2001 Rhodes e Anastasi 2000 indicam que a codificação de um evento é determinante para a sua posterior recuperação sendo ela verdadeira ou falsa Desta forma o estudo das bases neurais da formação das FM se tornou mais recentemente um dos grandes desafios nas neu rociências Esse tipo de pesquisa deverá dar conta de algumas questões fundamentais para a com preensão das FM como por exemplo investigar possíveis diferenças de áreas cerebrais envolvidas no processamento de memórias verdadeiras M V e FM e também explorar quais são as áreas responsáveis pela formação das FM Um dos primeiros estudos sobre as bases neurais da formação das FM foi realizado por Gonsalves e Paller 2000 Neste estudo os participantes liam uma lista de substantivos p ex gato chapéu etc na tela de um computador e eram instruídos a imaginar o objeto descrito pela palavra enquanto a mesma palavra era apresentada na tela Entretanto para metade das palavras também era apre sentada uma imagem referente ao substantivo p ex a fotografia de um gato enquanto para outra metade era apresentada apenas uma tela em branco p ex chapéu ver Figura 31 Posteriormente já na fase de teste os participantes ouviam outra lista de palavras e eram instruídos a indicar se eles haviam ima ginado ou realmente visto o objeto descrito pela palavra Desta maneira foram consideradas FM quando os participantes afirmavam terem visto a fotografia de um objeto que eles anteriormente haviam apenas imaginado Ou seja algumas pessoas lembravam de ter visto uma fotografia de um chapéu enquanto elas ha viam apenas imaginado Todos os participantes tiveram sua atividade cerebral gravada através de EEG durante a apresentação de cada palavra no computador enquanto eles ainda não sabiam se haveria ou não uma fotografia associada Os autores então compararam o potencial evocado por palavras que não possuíam uma imagem associada p ex chapéu que produziram FM com as que não pro duziram Os resultados indicaram que as palavras que produziram FM induziram um padrão de ondas cerebrais distintas quando comparadas com as que não pro duziram observadas principalmente nas regiões occiptal e parietal Como essas áreas são sabidamente relacionadas a formação de imagens mentais os autores sugeriram que a ativação encontrada indicava uma maior vividez visual dos obje A codificação de um evento é determinante para a sua posterior recuperação sendo ela verdadeira ou falsa Falsas Memórias 73 Fase de estudo estímulo visual Maçã Chapéu Cérebro Fase de teste estímulo auditivo Martelo Maçã Gato 2500 ms I I 1800 ms I Gato Cérebro Chapéu FIGURA 31 Procedimento Experimental Na fase de estudo palavras figuras e retângulos apareciam por 300 ms cada de maneira constante Foram aplicados quatro testes palavra figura apenas palavra apenas palavra e palavra figura Na fase de teste as palavras foram apresentadas de maneira constante mas a duração de cada palavra falada variava de 240690 ms média 475 ms Gonsalves e Paller 2000 tos imaginados de tal maneira que posteriormente as imagens eram falsamente reconhecidas como tendo sido apresentadas como fotografias Entretanto como visto anteriormente o ERP é uma técnica que não pos sui uma boa resolução espacial tom ando muito difícil afirmar quais partes do cérebro estão envolvidas em um determinado fenômeno neste caso a criação de FM Desta maneira em um estudo mais recente Gonsalves e colaboradores 2004 utilizaram o mesmo procedimento do estudo anterior para investigar por meio de RMf quais áreas cerebrais estariam envolvidas na formação de FM Os resultados indicaram principalmente um aumento na ativação de áreas como o precuneus e o córtex parietal inferior durante a apresentação das palavras que depois seriam falsamente reconhecidas Novamente essas regiões são conhecidas por entre outras funções serem responsáveis pela imaginabilidade visual Portan to os achados corroboram os dados da pesquisa anterior e ambos apontam que os itens que levaram a um maior índice de FM induziram uma m aior vividez dos objetos imaginados dificultando a distinção entre o que foi imaginado e o que foi visto realmente Kim e Cabeza 2007a realizaram um experimento para investigar em que medidas as áreas cerebrais responsáveis pela formação de FM e das M V seriam so brepostas ou distintas Para tanto os autores utilizaram uma adaptação do proce dimento de palavras associadas ver Capítulo 2 Nesse experimento a atividade cerebral dos participantes era medida por meio de R M f enquanto eles estudavam 72 listas de quatro palavras associadas p ex cavalo galinha ovelha e cabra pertencentes a uma categoria semântica p ex animais de fazenda que eram apresentadas simultaneamente Além disso também foram incluídas 10 listas 74 Lilian Milnitsky Stein cols com apenas três palavras relacionadas e uma palavra que não apresentava asso ciação semântica com a lista p ex cavalo galinha pedra cabra O total de 82 listas foi apresentado de forma aleatória e os participantes deveriam responder se a lista continha três ou quatro palavras associadas Dez minutos após o térm i no do estudo das listas os participantes realizavam um teste de reconhecimento Esse teste era composto de 288 palavras estudadas p ex galinha 144 palavras novas relacionadas p ex porco e 144 palavras novas não relacionadas p ex árvore Os participantes então respondiam se a palavra estava ou não presente nas listas apresentadas na fase anterior e também deveriam avaliar o quanto tinham certeza de que sua resposta estava correta grau de confiança em suas respostas Assim foi possível estabelecer duas medidas de codificação das listas baseadas na recuperação e no grau de confiança das palavras estudadas medida de M V e palavras novas relacionadas medida de FM As medidas de atividade cerebral durante a apresentação das listas possibilitariam a distinção entre ativa ção do cérebro para MV e FM durante a fase de codificação das listas O principal resultado encontrado foi uma dissociação entre a ativação de áreas visuais En quanto áreas responsáveis pelo processamento visual secundário p ex córtex ociptotemporal e ociptoparietal bilateral aparentaram estar envolvidas tanto na formação de MV quanto de FM áreas de processamento visual primário p ex pólo ocipital bilateral foram responsáveis apenas pela formação de MV Essa dissociação parece indicar que para a formação de FM é necessário um proces samento perceptual mais elaborativo Os autores então sugeriram que a formação de FM é uma consequência involuntária resultante da elaboração semântica de processos de codificação dos estímulos visuais Levando em conta os estudos apresentados até aqui podese concluir que a atividade cerebral durante o processo de codificação pode ser determinante na produção de FM Os resultados indicam que as FM podem ser o resultado de um processamento mais elaborativo durante a codificação de eventos quando comparados com MV Apesar desses estudos terem produzido achados extre mamente relevantes ainda são necessárias mais pesquisas nesta área para que possamos avançar na compreensão do fenôm eno da produção de FM FALSAS MEMÓRIAS E PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO É possível afirmar se um evento realmente aconteceu por meio da observa ção da recuperação da memória dele Certamente essa é uma das questões mais recorrentes no estudo das FM De imediato o que podemos afirmar com certeza é que a resposta para essa pergunta não é tão simples quanto possa parecer Pesquisadores vêm estudando os fenômenos envolvidos na recuperação das FM sob as mais diversas perspectivas no sentido de elucidar essa questão Uma das abordagens se dá por meio da observação dos processos neurais subjacentes a recuperação de uma memória Resultados de estudos comportamentais Mather Henkel e Johnson 1997 Norman e Schacter 1997 Schooler Gerhard e Loftus 1986 indicam que a recu Falsas Memórias 75 peração de MV é acompanhada por uma m aior quantidade de detalhes perceptu ais sensoriais quando comparadas às FM Com base nesses resultados surgiu a hipótese da Reativação Sensorial ver Schacter e Slotnick 2004 Essa hipótese sugere que se as MV são acompanhadas de uma m aior quantidade de detalhes perceptuais a sua recuperação deve vir acompanhada de uma maior ativação de áreas cerebrais ligadas ao processamento sensorial quando comparada a recupe ração de FM As primeiras tentativas de discriminação entre a recuperação verdadeira e falsa por meio da observação de suas bases neurais surgiram na segunda m e tade da década de 1990 D iizel et al 1997 Johnson et al 1997 Schacter et al 1996 Schacter Buckner Koutstaal Dale e Rosen 1997 Schacter e colabo radores 1996 realizaram o primeiro estudo de neuroimagem comparando reconhecimento ver dadeiro e falso Para tanto os autores utilizaram uma versão apresentada em áudio do Procedimen to de Palavras Associadas DRM ver Capítulo 2 enquanto os participantes tinham sua atividade cerebral medida durante o teste de reconhecimen to por m eio de PET Os resultados indicaram que tanto o reconhecimento verdadeiro quanto o falso provocaram um aumento na ativação em várias regiões do cérebro que comumente eram ativadas em experimentos de memória episódica córtex préfrontal dorsolateralanterior córtex parietal medial e regiões temporais mediais Andreasen et al 1995 Buckner e TUlving 1995 Nyberg et al 1995 Além disso observouse apenas durante o falso reconhecimento a ativação de regiões frontais do cérebro lobo frontal córtex órbitofrontal e re gião frontal anterior direita Essas áreas têm sido relacionadas com a dificuldade de recuperação de um evento Kapur et al 1995 Nyberg et al 1995 Schacter et al 1996 portanto tal atividade deve estar relacionada com o esforço dos participantes em lembrar se uma palavra não estudada anteriormente distrator crítico foi ou não apresentada na fase de estudo Já áreas ligadas ao processa mento auditivo como a região têmporoparietal esquerda pareceram ser ativa das somente durante o reconhecimento de itens que haviam sido apresentados isto é quando o reconhecimento era verdadeiro Esse achado indica que apenas o reconhecimento verdadeiro é associado ao processamento sensorial neste caso auditivo corroborando a hipótese da Reativação Sensorial Essa foi a primeira indicação de que talvez fosse possível distinguir a recuperação de MV e FM sim plesmente pela observação de atividade neural Uma das limitações dos estudos em PET é que os estímulos precisam ser apresentados em blocos agrupados de acordo com a sua condição No caso do estudo de Schacter e colaboradores 1996 o teste de reconhecimento foi divi dido em só alvos só distratores críticos e só distratores não relacionados Cada parte do teste foi apresentada separadamente com um intervalo de 10 minutos A hipótese de motivação sensorial postula que se as memórias verdadei ras são acompanhadas de uma maior quantida de de detalhes percep tuais a sua recuperação deve vir acompanhada de uma maior ativação de áreas cerebrais liga das ao processamento sensorial quando com parada a recuperação de falsas memórias 76 Lilian Milnitsky Stein cols entre elas Em um estudo similar Schacter e colaboradores 1997 utilizaram os mesmos procedimentos do estudo anterior Schacter et al 1996 porém dessa vez usando R M f em vez de PET A utilização de R M f permite que os itens do teste de reconhecimento isto é Alvos Distratores Críticos e Distratores não relacio nados sejam apresentados de forma aleatória ao contrário do PET aumentando o controle experimental Os resultados indicaram que o aumento na ativação de áreas relacionadas à memória episódica tanto para M V quanto para FM per maneceram significativas Entretanto dessa vez não foi observada nenhuma di ferença na ativação em áreas auditivas para MV em comparação com as FM conforme resultados do estudo anterior Paralelo a isso Diizel e colaboradores 1997 realizaram um estudo com procedimento de Palavras Associadas e ERP e seus resultados também foram contrários aos achados de Schacter e colabora dores 1996 De acordo com Diizel e colaboradores 1997 a atividade cerebral durante o reconhecimento verdadeiro e falso segue um padrão altamente similar Nesse momento parecia que a diferenciação entre a recuperação verdadeira e falsa por meio da observação de atividade neural era improvável Porém como é comum em ciência não demorou muito para que novas pesquisas surgissem e os achados de Schacter e colaboradores 1997 e Düzel e colaboradores 1997 começassem a ser postos à prova Em um estudo mais recente Fabiani Stadler e Wessels 2000 realizaram um experimento utilizando ERP e listas de palavras associadas DRM porém com algumas alterações em relação ao estudo de Düzel e colaboradores 1997 Nesse experimento as palavras das listas de palavras associadas foram apresenta das uma a uma e enquanto metade das listas tinha suas palavras apresentadas no lado esquerdo da tela do computador a outra metade foi apresentada no lado direito As palavras do teste de reconhecimento eram todas apresentadas no cen tro do monitor Esse é um procedimento de apresentação de estímulos bastante comum em estudos de ER e o resultado observado é o de que quando o estí mulo é apresentado no lado esquerdo do monitor há um aumento da atividade no hemisfério direito do cérebro e viceversa Luck Heinze Mangun e Hillyard 1990 Os resultados indicaram que a atividade na região parietal foi maior na recuperação de itens verdadeiros quando comparados aos falsos Essa região vem sendo associada à memória perceptual W ilding 2000 Além disso a atividade ocorria no hemisfério contralateral à posição das palavras isto é se a palavra havia sido apresentada no lado esquerdo do monitor a atividade era observada no lobo parietal do lado direito e viceversa O efeito parietal contralateral indica uma reativação de áreas visuais do cérebro apenas durante o reconhecimento de itens que haviam sido apresentado anteriormente reforçando novamente a ideia de uma reativação sensorial na MV e não na FM Como já foi descrito regiões como lobo temporal medial p ex hipocampo e giro parahipocampal são sistematicamente relacionadas ao processo de recupera ção de memórias tanto verdadeiras quanto falsas Schacter et al 1996 Schacter et al 1997 Porém de que forma essa região pode estar envolvida na discriminação entre MV e FM é uma questão ainda em aberto Para tentar respondela Cabeza e colaboradores 2001 utilizaram uma versão modificada do procedimento de pala Falsas Memórias 77 vras associadas aumentando a codificação de detalhes perceptuais das listas Nesse estudo as listas eram lidas por locutores um homem caucasiano ou uma mulher asiática apresentadas através de uma televisão em seguida os participantes eram instruídos a lembrar não apenas das palavras mas também de qual locutor havia ditado a lista Posteriormente os participantes realizaram um teste de reconheci mento enquanto era medida sua atividade cerebral por RMf Os resultados indi caram que regiões anteriores do lobo temporal medial como o hipocampo foram mais ativas tanto durante o reconhecimento verdadeiro quanto falso Por outro lado regiões posteriores do lobo temporal medial como o giro parahipocampal mostraramse mais ativas apenas durante o reconhecimento verdadeiro indicando um aumento na recuperação de informações sensoriais Além disso uma porção do córtex frontal foi mais ativada apenas durante o falso reconhecimento sugerindo novamente o envolvimento dessa área no esforço empregado na recuperação da palavra semanticamente associada Figura 32 Em 2004 Slotnick e Schacter criaram um novo procedimento para investi gar as possíveis diferenças da atividade neural no reconhecimento falso e verda deiro Nesse experimento os participantes primeiramente estudavam 114 figuras abstratas e posteriormente um teste de reconhecimento era aplicado constituí do de 96 figuras 32 idênticas às figuras apresentadas anteriormente M V 32 Hipocampo Giro parahipocampal Verdadeiro novo Verdadeiro Falso FIGURA 32 Dissociação entre duas regiões do lobo temporal medial Cabeza et al 2001 78 Lilian Milnitsky Stein cols figuras relacionadas às estudadas FM e 32 figuras completamente novas Figura 33 No teste de reconhecimento a tarefa dos participantes era de identificar se as imagens já haviam sido apresentadas anteriormente ou eram inéditas enquanto a atividade cerebral era medida por RMf O fato de terem sido encontrados altos índices de falso reconhecimento de figuras relacionadas indica que o procedimen to foi eficiente na produção de FM Os resultados apontaram que no reconhe cimento de figuras anteriormente apresentadas na fase de estudo M V houve um aumento na ativação de áreas visuais ventrais do cérebro quando comparada ao reconhecimento de figuras relacionadas FM As áreas cerebrais responsá veis pelo processamento visual secundário foram igualmente ativadas durante Fase de estudo FIGURA 33 Figuras do estudo de Slotnick e Shacter 2004 Falsas Memórias 79 os reconhecimentos verdadeiro e falso Novamente os resultados confirmam a predição da hipótese da reativação sensorial na recuperação de M V uma vez que apenas quando há o reconhecimento de figuras que haviam sido apresentadas observase um aumento na ativação da região responsável pelo processamento visual primário indicando a recuperação de aspectos sensoriais visuais do item Um aspecto das FM que ainda não havia sido investigado até pouco tempo atrás é de que para diferentes tipos de falsos reconhecimentos houvesse possí veis diferenças entre padrões de ativação de regiões cerebrais específicas Dentre algumas diferenciações que podem ser feitas uma delas é a separação de falsos reconhecimentos em conceituais e perceptuais Os falsos reconhecimentos con ceituais podem ser entendidos como aqueles provindos de processos associativos e semânticos como por exemplo o falso reconhecimento de distratores críticos no procedimento DRM Por falso reconhecimento perceptual podese entender aquele resultante de similaridades perceptuais p ex visual fonológica entre os itens estudados e os itens testados GaroffEaton Kensinger e Schacter 2007 GaroffEaton Kensinger e Schacter 2007 realizaram um estudo com a in tenção de investigar se os dois tipos de falso reconhecimento compartilhavam ou não a mesma base neural Para tanto os pesquisadores criaram pequenas listas contendo sete palavras Cada lista consistia em uma palavra crítica p ex pato três palavras conceitualmentes associadas à palavra crítica bloco conceituai p ex galinha ganso marreco e três palavras perceptualmente relacionadas a palavra crítica bloco perceptual p ex fato chato jato A cada participante eram apresentados 42 blocos de três palavras 21 conceituais e 21 perceptuais de maneira que se um bloco conceituai pertencente a uma lista fosse apresentado não seria apresentado o bloco perceptual da mesma lista Após a apresentação dos blocos foi aplicado um teste de reconhecimento enquanto os participantes estavam dentro do escâner de RMf O principal resultado desse estudo indicou que apesar de haver similaridades entre o falso reconhecimento conceituai e perceptual houve um aumento na atividade do córtex frontal o qual se mostrou mais ativo apenas durante o falso reconhecimento conceituai O resultado sugere que há um aumento do processamento semântico relacionado ao falso reconhe cimento conceituai Por outro lado quando o reconhecimento perceptual verda deiro foi comparado ao falso não se observou nenhuma diferença de ativação cerebral indicando que o correlato neural do reconhecimento perceptual tanto falso quanto verdadeiro deve ser mais similar do que o reconhecimento concei tuai verdadeiro e falso Como é possível perceber estabelecer diferenças claras de padrões de ativi dades neurais que diferenciem o reconhecimento verdadeiro do falso não é uma tarefa tão fácil quanto pode se pensar à primeira vista Apesar de muitos estudos citados até aqui terem contribuído bastante para a compreensão do falso reconhe cimento ainda não se pode afirmar com segurança a origem de uma memória se verdadeira ou falsa apenas observadose a atividade cerebral durante a recupe ração da memória Todavia um estudo relevante para avanço nessa direção foi realizado por Kim e Cabeza 2007b Esses pesquisadores se basearam na ideia de que embora a confiança grau de certeza na resposta e a acurácia assertivida 80 Lilian Milnitsky Stein cols de de uma memória sejam correlacionadas Lindsay Read e Sharma 1998 em muitas situações podemos nos lembrar com muita confiança de eventos que não ocorreram Schacter 2001 Uma das hipóteses levantadas pelos autores é de que a confiança em MV e FM possuem bases neurais distintas Para investigar tal hi pótese os pesquisadores utilizaram uma adaptação do Procedimento de Palavras Associadas Durante o teste de reconhecimento os participantes eram instruídos a classificar o quão confiantes eles estavam de que as palavras haviam sido previa mente apresentadas ou não Isso possibilitou aos autores verificassem a atividade cerebral R M f apenas dos itens verdadeiros e falsos em que os participantes afirmavam com alto grau de certeza que haviam lido aquela palavra Regiões do lobo temporal medial mostraram um aumento de atividade neural para reconhe cimento verdadeiro quando os participantes afirmavam ter certeza da resposta Por outro lado quando os participantes afirmavam ter certeza de que uma pa lavra havia sido apresentada anteriormente mas na verdade não havia FM apenas as regiões frontoparietais tiveram sua atividade neural aumentada Assim Kim e Cabeza 2007b demonstraram que quando analisadas apenas respostas com alta confiança os correlatos neurais de MV e FM são claramente distintos CONSIDERAÇÕES FINAIS Evidências advindas de estudos em Neuropsicologia indicam que a ação do córtex préfrontal na fase de recuperação pode limitar a produção de FM Por exemplo Melo Winocur e Moscovitch 1999 demonstraram que pacientes não amnésicos com lesão nos lobos frontais produziram mais falsos reconhecimentos do que participantes saudáveis ambos testados por meio do Procedimento de Palavras Associadas D RM Os autores interpretaram esses resultados em termos de defeitos nos processos de monitora mento da fonte nesses pacientes Norman e Schac ter 1997 mostraram que pacientes idosos foram relativamente mais suscetíveis a falsos reconheci mentos do que adultos jovens Os pesquisadores atribuíram esses resultados a uma diminuição das funções préfrontais Estudos recentes utilizando recursos de neuroimagem com amostras de pacientes com lesões préfrontais têm mostrado que o córtex préfrontal desempenha um papel fundamental para a ocorrência de FM Dobbins Simons e Schacter 2004 As pesquisas em neurociência cognitiva sugerem alguns mecanismos neu rais responsáveis pela produção de FM A região mais envolvida na elaboração de FM é o lobo temporal medial em específico o hipocampo Inclusive há alguns estudos relacionando à memória de essência ver Capítulo 1 a essa região cere bral Schacter e Slotnick 2004 No entanto estudos recentes que utilizam uma variedade de amostras clínicas p ex pacientes com provável demência do tipo Alzheim er e amnésicos têm sugerido a participação de outras regiões do cérebro Evidências advindas de estudos em Neuropsicologia indicam que a ação do córtex préfrontal na fase de recuperação pode limitar a produção de falsas memórias Falsas Memórias 81 na produção de FM Um exemplo seria o fato de que os pacientes com a doença de Alzheim er D A apresentam prejuízos em tarefas relacionadas à memória de essência em função do comprometimento do lobo temporal medial Sendo assim esses pacientes constituem uma interessante amostra para a compreensão do fe nômeno das FM mesmo se considerarmos que o prejuízo anatômicofisiológico observado nesses pacientes não se limita exclusivamente a essa região neural Pacientes com DA e amnésicos tipicamente exibem desempenho similar e apresentam acentuados déficits na produção de FM quando comparados com o grupocontrole de idosos saudáveis Budson et al 2003 Isso ocorre porque esses pacientes possuem déficits no armazenamento de memórias de essência Simons et al 2005 Assim sendo seria esperado que eles apresentassem menores índi ces de FM já que como é postulado pela Teoria do Traço Difiiso ver Capítulo 1 sua base é precisamente a memória de essência Há contudo algumas condições nas quais amnésicos e pacientes DA mostram mais falsos reconhecimentos do que os controles Por exemplo quando as listas de palavras do procedimento DRM são repetidamente apresentadas e testadas os sujeitos do grupocontrole conseguem construir memórias detalhadas e específicas das palavras apresentadas assim seus índices de FM diminuem em comparação aos índices dos pacientes amnési cos e DA Budson et al 2000 Isso ocorre porque com a repetição os pacientes conseguem construir memórias de essência mais robustas mas não conseguem obter memórias detalhadas como o grupocontrole Os achados revelam a parti cipação de outras regiões cerebrais na produção de FM Verfaelie et al 2004 Dentre elas investigase a hipótese de regiões adjacentes ao hipocampo e córtex préfrontal responsável pelo monitoramento no momento da recuperação Em suma a atividade na cauda esquerda do hipocampo e no córtex periri nal está associada com o sucesso na codificação de um item na memória indepen dente se a memória formada for verdadeira ou falsa Todavia naqueles indivíduos que formam FM há uma diminuição da atividade em áreas préfrontais Essa atividade préfrontal estaria relacionada com a codificação da fonte ou contexto da memória Assim tal diminuição préfrontal durante uma situação favorável a distorções da memória com o o Procedimento de Palavras Associadas aumenta ria a possibilidade de FM ocorrerem Além disso outro achado importante seria de que durante a recuperação de uma M y há uma reativação das áreas sensoriais ativadas durante a codificação assinatura sensorial mas isso não aconteceria durante a recuperação de FM Por fim a neuroimagem parece contribuir significativamente no estudo das FM principalmente nos aspectos de diferenciação dos processos neurofuncionais subjacentes ao processamento de informações verdadeiras e falsas REFERÊNCIAS Andreasen N C 0 Leary D S Arndt S Cizadlo T Hurtig R Rezai K Watkins G L et al 1995 Shortterm and longterm verbal memory A positron emission tomography study Proceedings ofthe National Academy of Sciences USA 92 51115115 82 Lilian Milnitsky Stein cols Attwell D Iadecola C 2002 The neural basis of functional brain imaging signals Trends in Neurosciences 2512 621625 Bdnar CG Gross D W Wang Y Petre V Pike B Dubeau F Gotman J 2002 The BOLD response to interictal epileptiform discharges Neuroimage 17 11821192 Buckner R L Hilving E 1995 Neuroimaging studies of memory Theory and recent PET results In F Boiler J Grafman J Eds Handbook of neuropsychology pp 439 466 Amsterdam Elsevier Cabeza R Rao S M Wagner A D Mayer A R Schacter D L 2001 Can medial temporal lobe regions distinguish true from false An eventrelated functional RM study of veridical and illusory recognition memory Proceedings of the National Academy of Sciences USA 98 48054810 Diizel E Yonelinas A R Mangun G R Heinze H J Hilving E 1997 Eventrelated brain potential correlates of two states of conscious awareness in memory Proceedings of the National Academy of Sciences USA 94 59735978 Fabiani M Stadler M A Wessels R M 2000 True but not false memories produce a sensory signature in human lateralized brain potentials Journal of Cognitive Neuroscience 126 941949 Gallo D A Roediger H L Ill McDermott K B 2001 Associative false recognition occurs without strategic criterion shifts Psychonomic Bulletin Review 83 579586 GaroffEaton R J Kensinger E A Schacter D L 2007 The neural correlates 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of confidence in veridical versus illusory memories Journal of Neuroscience 2745 12190 12197 Lindsay D S Read J D Sharma K 1998 Accuracy and confidence in person iden tification The relationship is strong when witnessing conditions vary widely Psychological Science 9 215218 Logothetis N K Pauls J Augath M Trinath T Oeltermann A 2001 Neurophysio logical investigation of the basis of the fMRI signal Nature 4126843 150157 Luck S J Heinze H J Mangun G R Hillyard S A 1990 Visual eventrelated potentials index focused attention within bilateral stimulus arrays II Functional dissocia Falsas Memórias 83 tion of PI and N1 components Electroencephalography Clinical Neurophysiology 756 528542 Mather M Henkel L A Johnson M K 1997 Evaluating characteristics of false me mories Rememberknow judgments and memory characteristics questionnaire compared Memory Cognition 256 826837 Norman K A Schacter D L 1997 False recognition in younger and older adults Exploring the characteristics of illusory memories Memory Cognition 256 838848 Nyberg L Rilving E Habib R Nilsson LG Kapur S Houle S Cabeza R et al 1995 Functional brain maps of retrieval mode and recovery of episodic information Neuroreport 71 249252 Okado Y Stark C 2003 Neural processing associated with true and false retrieval Cognitive Affective Behavioral Neuroscience 34 323334 Rhodes M G Anastasi J S 2000 The effects of a levelsofprocessing manipulation on false recall Psychonomic Bulletin Review 71 158162 Schacter D L 2001 The seven sins of memory How the mind forgets and remembers Bos ton Houghton Mifflin Schacter D L Buckner R L Koutstaal W Dale A M Rosen B R 1997 Late onset of anterior prefrontal activity during true and false recognition An eventrelated fMRI study Neuroimage 64 259269 Schacter D L Reiman E Curran T Yun L S Bandy D McDermott K B Roediger H L III 1996 Neuroanatomical correlates of veridical and illusory recognition memory Evidence from positron emission tomography Neuron 172 267274 Schacter D L Slotnick D S 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científico sempre veio acompanhada por muita controvérsia Possivelmente o primeiro estudo científico das emoções tenha sido realizado por Charles Darwin Em 1872 Darwin publicou 34 anos de pesquisa sobre o tema em um livro intitulado A expressão das emoções no homem e nos animais Darwin 18722000 Comparando centenas de fotografias de expressões emocionais em humanos e animais Darwin apresentou evidências de que a emoção não é uma característica exclusiva dos humanos e mais ainda a forma com que expressamos algumas emoções são semelhantes à de outras espécies portanto inata Na época Darwin utilizou esses resultados para reforçar sua teoria recém criada de que todos os seres vivos evoluíram de um ancestral comum Atualmente esse livro é considerado um marco no estudo das emoções não apenas pelo pioneirismo dos métodos utilizados e pela importância de seus achados mas também por ser uma das primeiras aproximações feitas entre a Biologia e a Psicologia Depois de 18 anos W illiam James 1890 em Princípios de Psicologia escreve sobre a relação da emoção e da memória Para James uma experiência emocional se forte o suficiente produziria uma espécie de cicatriz no tecido cerebral tomandoa mais resistente ao esquecimento A ideia de que a emoção e a cognição são processos distintos e de que o estudo científico da interação entre esses dois processos é muito difícil parece ter dominado a Psicologia durante a m aior parte do século XX Oliva et al 2006 Para muitos cientistas a inclusão do estudo da emoção era desnecessária e atra palharia o curso da Psicologia no campo das ciências Gardner 1985 p 6 expõe essa ideia de forma bastante clara há a decisão deliberada de diminuir a ênfase de certos fatores que podem ser importantes para o funcionamento cognitivo mas 88 Lilian Milnitsky Stein cols cuja inclusão nesse momento complicaria de forma desnecessária o empreendimento científicocognitivo Esses fatores incluem a influência de fatores afetivos ou emoções Desta forma a relação entre emoção e cognição não constituiu um objeto legítimo das ciências da mente sob a alegação de que ambas se encontravam em poios opostos da experiência humana Damásio 1996 Contudo recentemente esse tema tem atraído um crescente interesse da comunidade científica Influen ciados por um novo Zeitgeist psicólogos psiquiatras neurologistas e biólogos têm proposto novas linhas de pesquisa que consideram a emoção e a cognição como domínios complementares Dalgleish 2004 Atualmente as emoções são definidas como coleções de respostas cognitivas e fisiológicas acionadas pelo sistema nervoso que preparam o organismo para comportarse frente a determ ina das situações Damásio 2000 Lang 1995 Laza rus 1994 Várias pesquisas vêm sendo desenvol vidas para identificar os padrões das interações entre emoção cognição e comportamento Com o surgimento desse interesse em como a em o ção interage com a cognição e o comportamen to em ergiram inúmeros estudos relacionando emoção e memória desde m odelos animais até a pesquisa em seres humanos Adolphs Tranel e Buchanan 2005 Cahill et al 1996 Dolcos LaBar e Cabeza 2004 Kensinger e Schacter 2006a LaBar e Cabeza 2006 SotresBayon Cain e Ledoux 2006 De uma maneira geral os resultados indicam que lembramos mais de eventos emocionais do que não emocionais ver Buchanan e Adolphs 2002 Esse padrão é consistentemente encontrado em pesquisas utilizando diversos tipos de estímulos como lista de palavras frases fotos e narrativas p ex Bradley et al 1992 Cahill Babinsky Markowitsch e McGaugh 1995 Kensinger Brierley M edford Growdon e Corkin 2002 Recentemente alguns estudos vêm descrevendo o efeito da em oção na falsificação da memória Ken singer e Corkin 2004 Kensinger e Schacter 2006b PernotMarino Danion e Hedelin 2004 Neste momento o leitor poderá estar se perguntando por que estudar fal sas memórias FM para eventos emocionais Eu sei que quando alguma coisa realmente importante acontecer como em uma situação emocional por exemplo vou lembrar exatamente de tudo o que aconteceu De fato acabamos de escre ver no parágrafo adm a que as pesquisas que estudam a interação entre memória e emoção apontam que nós lembramos mais de eventos emocionais do que não emocionais Entretanto estudos mais recentes também vêm indicando que es pecialmente em se tratando de eventos emocionais o aumento no índice de m e mória verdadeira M V pode vir acompanhado por um aumento no índice de FM Brainerd et al 2008 Em outras palavras o fato de lembrarmos mais de eventos emocionais não significa que essas lembranças sejam imunes à distorção As emoções são defini das como coleções de respostas cognitivas e fisiológicas acionadas pelo sistema nervoso que preparam o organis mo para comportarse frente a determinadas situações Falsas Memórias 89 Imagine a seguinte situação você e um amigo estão em um ônibus voltando para casa depois do último dia de aula do ano São duas horas da tarde e como é comum nesse horário o movimento é grande e o ônibus está trancado em um engarrafamento Vocês estão conversando quando seu amigo olha para fora e re para que na frente da porta de um banco há uma pessoa de óculos escuros boné e jaqueta na qual ele mantém uma das mãos escondida entre o fecho semiaberto O homem parece bastante agitado e caminha de um lado para o outro em passos curtos porém rápidos Vocês então ficam observando o que está acontecendo De repente três homens encapuzados e com armas saem correndo de dentro do banco e entram todos em um carro que estava parado na rua Como o trânsito está parado o motorista do carro sobe na calçada e arranca em alta velocidade atropelando dois pedestres que estavam na parada de ônibus O carro segue pela calçada e dobra à esquerda na esquina seguinte fugindo do movimento Muitas pessoas se agrupam na rua para ver o que aconteceu e para ajudar os dois pe destres que foram atingidos pelo carro Então o ônibus começa a se movimentar lentamente até o ponto em que vocês não conseguem mais enxergar a cena na frente do banco Vocês comentam quase que ao mesmo tempo que ainda estão tremendo de assustados pelo que acabaram de presenciar e ficam conversando sobre o que aconteceu durante todo o trajeto até que você desce do ônibus na sua parada e vai para casa Depois disso você viaja para as férias e não conversa mais com seu amigo sobre o acontecido Passamse três meses de férias e vocês se reencontram Na primeira semana de aula vocês estão com um grupo de colegas e seu amigo está contando a história do que aconteceu Você estava só ouvindo e concordando com o que estava sendo descrito até que seu amigo diz então eles entraram num carro branco e sairam dirigindo pela calçada atropelando duas pessoas Então você interrompe e diz não tenho certeza de que o carro era azul um azul bem forte tipo marinho Vocês discutem por alguns minutos até que decidem que não terão como chegar a um acordo Não há dúvida de que se fosse realidade o evento descrito acima seria alta mente emocional No entanto vocês possuem memórias completamente distintas acerca de um dos aspectos da cena Como é possível isso acontecer Afinal de contas vocês estavam juntos lado a lado quando tudo aconteceu Obviamente a história descrita acima é fictícia porém infelizmente poderia ter acontecido Esse é apenas um dos tipos de distorção de memórias emocionais dos muitos quem vêm sendo descritos na literatura Estudos demonstram que esse tipo de distorção é possível de acontecer não apenas em eventos negativos como descrito acima ou ainda em casos de abuso sexual Loftus 2002 mas também em eventos posi tivos como a memória do jogo em que seu time ganhou o campeonato nacional Kensinger e Schacter 2006c No decorrer deste capítulo descreveremos aspectos históricos de como a emoção tomouse objeto de estudo da Psicologia Experimental Falaremos tam bém do que se entende por emoção atualmente e como ela pode ser estudada Além disso descreveremos pesquisas e os principais achados sobre o efeito da emoção nas distorções mnemónicas 90 Lilian Milnitsky Stein cols COMO ESTUDAR O EFEITO DA EMOÇÃO NAS FALSAS MEMÓRIAS O estudo da emoção nas FM traz consigo muitos obstáculos Voltando ao exemplo do assalto ao banco visto pela janela de um ônibus Obviamente o estu do do evento descrito não é viável sob o ponto de vista científico Principalmente porque seus resultados seriam altamente questionáveis devido à falta de controle das variáveis que podem interagir com a emocionalidade do evento Por exemplo a diferença entre as cenas que cada participante presenciou a distância em que o evento foi observado o tempo de duração a quantidade de detalhes em cada cena o quão emocional realmente foi a cena seriam apenas algumas das críticas apontadas Quando um pesquisador planeja um experimento ele necessita ter claro qual é a variável ou variáveis que ele deseja estudar para assim tentar fazer com que todas as outras variáveis se mantenham constantes Só assim é possível afirmar que o efeito encontrado é devido à manipulação da variável desejada ver Capítulo 2 Digamos que um pesquisador queira então investigar o efeito da emoção na memória utilizando uma lista de palavras Nesse caso seria preciso que ele tivesse no mínimo duas listas de palavras por exemplo uma com carga emocional e outra neutra Além disso todas as outras características das listas que pudessem influenciar a memória precisariam ser equilibradas entre as listas emocionais e neutras como por exemplo o número de palavras em cada lista a frequência de uso das palavras na língua a associação que as palavras de cada lista possuem entre si etc Se o pesquisador fizer isso poderá afirmar com certo grau de confiabilidade que a diferença observada na memória para as palavras estudadas foi devido apenas à diferença na emocionalidade das listas O controle das variáveis em estudos de Psicologia Experimental porém nem sempre é tão simples Uma questão bastante básica nos estudos de emoção é como sabemos que um estímulo é de fato emocional Mais ainda como sabe mos o quão emocional é um estímulo Possivelmente todos concordem que exis tem eventos que são muito negativos e alguns outros que são apenas um pouco negativos Por exemplo um jogo em que o time de futebol para o qual você torce perde em casa a final do campeonato para seu principal rival e um jogo perdido no início do campeonato para um time qualquer certamente possuem níveis dife rentes de emocionalidade apesar de ambos serem negativos Então como pode mos classificar os níveis de um estímulo emocional Uma das ideias mais aceitas na literatura atual é a classificação da emoção em duas dimensões isto é alerta e valência e é sobre isso que trataremos no próximo tópico Alerta e valência A emoção pode ser entendida como uma disposição para a ação Lang 1995 Embora a discussão sobre o conceito de emoção apresente um enorme espectro de posições diferentes Ekman e Davidson 1994 Power e Dalgleish 1997 essa definição fornece à pesquisa empírica um ganho m etodológico funda Falsas Memórias 91 mental Com base nessa ideia Lang Bradley e Cuthbert 1990 criaram uma escala conhecida como SAM SelfAssesment M anikin permitindo que qualquer estímulo possa ser classificado quanto a sua emocionalidade Por meio da escala SAM a emoção é dividida em duas dimensões principais valência e alerta De acordo com esse modelo a valência constituise como uma variável contínua que vai do agradável valência positiva ao desagradável valência negativa passan do por valores intermediários valência neutra O alerta referese a um espectro que varia de relaxante baixo alerta à estimulante alto alerta ver Figura 41 A possibilidade da introdução da variável emoção foi um passo importante na busca de uma maior validade ecológica na investigação em Psicologia Experi mental Desde os primeiros estudos com pseudopalavras de Ebbinghaus 1855 a pesquisa vem se desenvolvendo no sentido de tom ar o material utilizado nos testes de memória tão próximo às nossas experiências cotidianas quanto possível Nessa perspectiva utilizar material emocional em estudos sobre a memória é um importante avanço se considerarmos que na vida cotidiana todas as nossas recor dações são dotadas de alguma conotação emocional A introdução da emoção na investigação sobre a memória é o reconhecimento de que ela é um componente essencial da experiência humana em geral e da memória em particular Dolan 2002 Valência positiva Dormir Pássaro 1 1 1 Abrjaço 11 11 11 11 1 Prazer Noiva Preguiça togão 1 11 1 Ansioso 1 1 1 1 1 Tumba i 1 Briga Entediado 1 Pobfeza Estupro 0 01 1F t sr Valência negativa FIGURA 41 Distribuição de palavras de acordo com sua valência e alerta Valores aproximados de valência e alerta obtidos da ANEW Bradley e Lang 1999 92 Lilian Milnitsky Stein cols Entretanto apenas a classificação de estímulos quanto a sua emocionalida de não é o suficiente para dar conta de todas as possibilidades no estudo de em o ção A escala SAM e a divisão da emoção em valência e alerta embora tenham permitido um aumento no controle de estímulos emocionais não dão conta de todo espectro e possibilidades de estudos envolvendo aspectos emocionais Emoção humor e temperamento Uma das dificuldades básicas da pesquisa sobre a emoção está ligada à dis tinção entre emoção humor e temperamento A emoção entendida como uma disposição para a ação consiste em uma reação automática sem a necessidade de um processamento cognitivo mais profundo O sucesso de uma reação de fuga diante de um predador por exemplo pode depen der do ganho de tempo em função do automatis m o emocional Entretanto possuímos outras características afetivas Eventualmente justificamos algumas de nossas ações matinais menos simpáticas pelo fato de termos acordado de mau humor Com isso descrevemos uma disposição afetiva para ter um tipo de reação específica É como se o mau humor nos inclinasse a um mesmo padrão de ações A diferença entre o humor e a emoção é que esta última nos predispõe para uma ação específica e ins tantânea Já o humor nos torna aptos a um padrão geral de respostas Portanto a diferença consiste na duração temporal da disposição subjetiva que adotamos a emoção é imediata e o humor nos predispõe a uma série de ações ao longo de certo período de tempo Davidson 1994 O que chamamos de temperamento consiste em um traço de personalidade afetivo ainda mais duradouro que o humor e muito mais que a emoção Kagan 1994 É como se fosse uma espécie de estilo afetivo que marca um grande con junto de nossas respostas ao meio externo O que há de comum entre os três tipos de categorias afetivas é o fato de que elas se constituem como reações ou padrões de reações como disposições mais ou menos automáticas a situações do meio ambiente A diferença entre essas categorias afetivas diz respeito à duração de cada uma das disposições que elas geram Entretanto nem sempre podemos demarcar claramente se a reação a um estímulo se deve a nossa emoção a nosso humor ou ao nosso temperamento Também não está claro nas pesquisas atuais como esses três construtos afetivos interagem entre si e com os outros processos cognitivos Aparentemente alguns processos cognitivos ocupam uma dimensão temporal mais ampla e seria de se esperar que fossem mais afetados pelo temperamento e pelo humor do que pela emoção Outro tipo de problema ainda em debate é com relação à influência bioló gica sobre esses três construtos afetivos Como a emoção possui um claro papel em estratégias de sobrevivência em função da economia no tempo obtida pelo Uma das dificuldades bá sicas da pesquisa sobre a emoção está ligada à distinção entre emoção humor e temperamento Falsas Memórias 93 automatismo da reação ela parece mais propensa a ter sido moldada pela seleção natural do que o temperamento embora isso ainda seja objeto de polêmica Da vidson 1994 Kagan 1994 É preciso deixar claro que a diferenciação que estabelecemos aqui entre emoção humor e temperamento não é consensual na literatura recente Como a emoção consiste em uma reação a um estímulo específico ela também pode ser entendida como um estado intencional da mente Frijda 1994 Isto é ela possui um conteúdo particular determinado Por exemplo digo que ontem vi uma cobra e tive m edo Nesse caso o medo possui um objeto específico uma cobra Pelo contrário o humor e o temperamento não possuem um conteúdo de terminado e não se constituem como estados intencionais da mente humana Já que não visam a nada de específico ambos não se referem a um evento particular A caracterização alternativa dos construtos afetivos indica a existência de uma discussão ligada à definição do que é estável e instável com relação à emoção humana Lazarus 1994 Apesar do debate sobre o que são as emoções ainda estar presente na comunidade científica no presente capítulo optamos por adotar a definição clássica e mais aceita da emoção como um conjunto de respostas cog nitivas e fisiológicas frente a um estímulo específico Portanto é a esse conceito que nos referimos sempre que o termo emoção for citado especialmente na investigação do seu efeito sobre FM O QUE SABEMOS SOBRE O EFEITO DA EMOÇÃO NAS FALSAS MEMÓRIAS Ao longo deste livro o leitor irá notar que diversas características de uma determinada in formação podem influenciar na capacidade de alguém se lembrar posteriormente dela de ma neira precisa Dentre essas características está a emocionalidade da informação a ser recuperada visto que estímulos emocionais sejam eles verbais Brierley et al 2007 ou não verbais Harris e Pashler 2005 são lembrados em m aior quanti dade do que estímulos neutros ver Buchanan 2007 Esse padrão de respostas poderia levar à crença de que eventos emocionais por serem mais memoráveis do que eventos neutros também seriam mais resistentes à distorção Entretanto os resultados dos estudos que apresentaremos a seguir geralmente apontam para outra direção Como visto no Capítulo 2 o estudo experim ental das FM espontâneas não só perm ite que o pesquisador controle diversas variáveis que estejam as sociadas ao fenôm eno de interesse mas que tam bém manipule a influência dessas variáveis em diferentes fases experim entais isto é fase de estudo intervalo e teste A manipulação dessas variáveis levará a diferentes padrões de resposta pois envolvem três aspectos distintos do processo de memorização Diversas características de uma determinada informação podem influenciar na capacidade de alguém se lembrar posteriormente dela de maneira precisa 94 Lilian Milnitsky Stein cols sendo eles 1 a codificação de um estímulo 2 a capacidade de reter o estímu lo ao longo do tempo e 3 de lembrar se ele foi estudado ou não A seguir serão apresentados estudos que investigaram os efeitos da emoção nas FM bem como seus principais resultados e limitações o que por vezes pode levar a conclusões equivocadas Utilizando um paradigma análogo ao DRM Deese 1959 Roediger e McDer mott 1995 ver Capítulo 2 Pesta Murphy e Sanders 2001 investigaram se os participantes ao estudarem listas não emocionais de palavras ortograficamente re lacionadas p ex luta bruta juta e chuta poderiam falsamente reconhecer uma palavra que não foi estudada mas de ortografia parecida com a daquelas estudadas e de conotação emocional p ex puta isto é reconhecer distratores críticos emo cionais isto é palavras que não foram estudadas mas possuem uma associação com a lista apresentada de maneira que quando incluída no teste de reconhecimento muitas vezes são recuperadas como se tivessem sido estudadas ou seja a medida de FM Os resultados de Pesta e colaboradores mostraram que esses distratores críticos emocionais foram falsamente reconhecidos em menor proporção do que os distrato res críticos não emocionais sugerindo que a emotionalidade de um estímulo tomao mais distintivo comparado com neutros fazendo com que fossem mais facilmente rejeitados durante o teste de reconhecimento reduzindo os índices de FM Posteriormente Kensinger e Corkin 2004 mostraram que esse resultado não era específico da amostra de adultos utilizados por Pesta e colaboradores mas que idosos também mostravam o mesmo padrão de resposta N o entanto os distratores críticos emocionais utilizados por Pesta e colaboradores e Kensinger e Corkin eram em geral palavras tabus p ex pênis vadia prostituta cadela inferno e estupro o que pode ter aumentado os níveis de discriminação dessas palavras no teste de reconhecimento Então Huang e Yeh 2006 verificaram se esses resultados poderiam ser corroborados utilizando palavras emocionais porém não tabus Os autores mostraram que distratores críticos emocionais mas não tabus foram falsamente reconhecidos em menor proporção do que distrato res críticos neutros experimento la um resultado equivalente àquele reportado por Pesta e colaboradores Dessa forma o achado convergente nesses três estudos é de que a emoção poderia servir como fator protetor contra a distorção mnemó nica resultando assim numa diminuição nos índices de FM Apesar dos estudos anteriormente citados corroborarem a ideia de que estí mulos emocionais são menos suscetíveis a distorção mnemónica algumas ressal vas devem ser feitas O principal aspecto a ser salientado é que nesses estudos os estímulos emocionais eram incluídos apenas na fase de teste ou seja os partici pantes jamais estudavam estímulos emocionais Se tentarmos traçar um paralelo com o exemplo do assalto ao banco seria como se o observador tivesse apenas visto algumas pessoas saindo do banco em uma cena cotidiana e posteriormen te corretamente não lembrasse que algumas das pessoas carregavam armas A apresentação de estímulos emocionais somente na fase de teste não investiga os possíveis efeitos da valência na codificação e no armazenamento de um estímu lo Contudo a investigação dos efeitos da codificação de estímulos emocionais possui relevância tanto para pesquisa básica p ex quais mecanismos de m e Falsas Memórias 95 mória estão envolvidos no processamento de informações emocionais quanto aplicada p ex o quão preciso é o relato de uma testemunha que presenciou um evento emocional como um assalto Afinal o que as pesquisas que utilizaram a apresentação de estímulos com carga emocional nas fases de estudo e teste têm apontado sobre a interação entre emoção e FM Dependendo da valência do estímulo os resultados têm sugerido um padrão inverso ao anteriormente reportado ou seja estímulos emocionais são recuperados em maior quantidade mas também podem ser mais falsamente reconhecidos Maratos e colaboradores 2000 realizaram uma pesquisa em que apresen tavam 224 palavras aos participantes das quais metade possuía valência negativa e a outra metade neutra Imediatamente após a fase de estudo os participantes realizavam um teste de reconhecimento Os resultados indicaram que o índice de reconhecimento verdadeiro de itens negativos foi superior ao encontrado para os itens neutros Além disso o índice de FM para itens negativos também foi supe rior ao obtido para itens neutros Os autores sugeriram que esse resultado poderia ser decorrente da associação semântica isto é o quão forte é a associação dos sentidos das palavras em uma lista compartilhada entre as palavras emocionais e não de sua carga emocional propriamente dita Com o objetivo de dissociar o possível efeito da valência e da associação semântica na produção de FM M cNeely e colaboradores 2004 experimento 2 realizaram um experimento em que apresentavam a palavras de valência neu tra b palavras de valência neutra e fortemente associadas entre si associação semântica c palavras de valência negativa Posteriormente no teste de reconhecimento o índice de MV para palavras negativas foi superior àquele encontrado para as neutras Já a taxa de FM produ zida para palavras negativas foi superior tanto à taxa de FM para palavras neutras sem associação semântica quanto para palavras neutras semanticamente asso ciadas Com base nesses resultados os pesquisadores sugeriram que a valência emocional negativa poderia induzir um aumento nas taxas de FM independente mente da associação semântica Entretanto como visto anteriormente neste capítulo uma emoção pode ser descrita por meio de um m odelo bidimensional de valência negativa à positiva e alerta relaxante à estimulante ver Scherer 2005 porém os estímulos utiliza dos nas pesquisas anteriores não foram classificados quanto à dimensão de alerta sendo esta uma possível fonte de viés na interpretação dos resultados A o planejar um experimento se o pesquisador não controlar o maior número de variáveis que podem interagir com a variável de interesse os resultados desse experimento serão de difícil interpretação No caso do estudo de M cNeely e colaboradores 2004 em que não foi controlado o alerta das listas não é possível afirmar que as diferenças nos índices de FM ocorreram devido ao fato das listas possuírem conteúdo negativo valência ou apenas porque além de negativas as listas tam bém eram mais estimulantes alerta quando comparadas às listas neutras Estímulos emocionais são recuperados em maior quantidade mas também podem ser mais falsamente reconhecidos 96 Lilian Milnitsky Stein cols Recentemente Brainerd e colaboradores 2008 realizaram um estudo em que foram utilizadas listas de palavras associadas D RM de valência negativa neutras e positivas com os mesmos índices de alerta Dessa maneira foi possí vel investigar a o efeito da valência emocional independente do alerta na produção de FM b as possíveis diferenças na qualidade da recuperação desses estímulos p ex vívida recuperação do distrator crítico como se tivesse sido apresentado na fase de estudo ou a recuperação de um estímulo baseado apenas na sensação de familiaridade entre ele e os estímulos apresentados na fase de estudo No que diz respeito ao item a os resultados de Brainerd e colaboradores indicaram um padrão consistente da influência da valência na produção de FM maiores taxas de FM para itens negativos comparados com os itens neutros e que por sua vez foram maiores do que os itens positivos Com relação ao item b da investigação foi observado que as FM para itens negativos advém da sensação de familiaridade entre o distrator crítico e as palavras apresentadas na fase de estu do De forma geral os resultados de Brainerd e colaboradores sugerem que as FM para estímulos com valências emocionais distintas apresentam tanto diferenças quantitativas taxas de falso reconhecimento quanto qualitativas vividez nos padrões de resposta Cabe ressaltar que apesar dos estudos apresentados até o momento utilizarem apenas estímulos verbais experimentos com diferentes tipos de estímulos corro boram os resultados dos experimentos já apresentados Pesquisas realizadas com imagens negativas p ex figuras de animais peçonhentos e neutras p ex figuras de utensílios domésticos também apontaram um aumento nos índices de falso reconhecimento para imagens negativas em comparação com imagens neutras Marchewka et al 2008 Pinto 2009 realizaram um experimento utilizando uma versão análoga ao procedimento de palavras associadas entretanto em vez de palavras foram apresentadas imagens As fotografias foram extraídas de um banco de imagens existente na literatura Lang Bradley e Cuthbert 2008 e categorizadas de acordo com seu conteúdo As categorias eram compostas de oito fotos coloridas das quais seis foram utilizadas como materialalvo na fase de estudo e as outras duas fotos como distratores relacionados na fase de teste Os resultados corroboram os achados de Brainerd e colaboradores 2008 em que os índices de falso reconhecimento de estímulos negativos foram superiores ao de positivos Assim como no estudo de Brainerd e colaboradores 2008 o indíce de alerta das imagens também foi controlado Quando estudamos a influência da emoção nas FM apresentando material emocional na fase de estudo os resultados de estudos recentes em FM têm convergido para aqueles apresentados por Brainerd e colaboradores 2008 principalmente no que tange aos efeitos da valência negativa sobre as FM Marchewka et al 2008 Pinto 2009 Portanto voltando à questão formulada no início do capítulo sobre a possível resistência das memórias emocionais contra a distorção poderíamos afirmar que estímulos emocionais também podem produzir FM Ainda mais estímulos negativos parecem ser mais suscetíveis à produção de FM Finalmente no exemplo do assalto ao banco poderíamos dizer que é possível Falsas Memórias 97 que a nossa lembrança de eventos emocionais como esse seja distorcida e ao contrário do que se poderia pensar memórias emocionais não são mais confiáveis e precisas do que memórias de eventos não emocionais CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos envolvendo emoção e FM são muito recentes na literatura e por isso constituem uma área de pesquisa promissora No presente capítulo apre sentamos apenas alguns dos achados da área que em nosso julgamento foram fundamentais no avanço dos estudos das FM emocionais Entretanto apesar dos esforços recentes algumas questões importantes ain da continuam em aberto no estudo das FM emocionais Notase principalmente uma carência de estudos que investiguem o efeito do alerta nas FM Alguns estu dos têm sugerido que o alerta reforça a codificação de aspectos centrais do estí mulo por meio de mecanismos de atenção não intencionais ao mesmo tempo em que tende a diminuir a codificação de detalhes periféricos dos estímulos Burke Heuer e Reisberg 1992 Christianson e Loftus 1991 Entretanto ainda não se tem clara a influência do alerta na produção de FM A falta de estudos sobre o efeito do alerta é parcialmente compreensível uma vez que a manipulação dessa variável precisaria transpor algumas limitações metodológicas importantes como a dificuldade de produzir estímulos de valência neutra e alto alerta Outra questão ainda pouco estudada diz respeito às bases neurais subjacen tes à produção de FM emocionais Pesquisas de neuroimagem têm revelado que a ação do alerta está estreitamente relacionada à ativação da amígdala Phelps 2006 enquanto o processamento da valência estaria associado a subregiões do córtex orbitofrontal p ex Lewis et al 2007 Esses achados sugerem que as bases neurais envolvidas na produção de FM emocionais podem ser dependentes da característica do estímulo seja de valência ou alerta Os desafios e as questões que ainda se encontram em aberto no campo das FM emocionais devem servir como estímulo para fomentar mais pesquisas na área Os achados apresentados neste capítulo foram fundamentais para a for mação de uma base na área das FM emocionais Tal base permite que pesquisas futuras possam explorar com mais profundidade e segurança a interação entre emoção e FM REFERÊNCIAS Adolphs R Tranel D Buchanan T W 2005 Amygdala damage impairs emotional memory for gist but not details of complex stimuli Nature Neuroscience 84 512518 Bradley M M Greenwald M K Petry M C Lang R J 1992 Remembering pictures Pleasure and arousal in memory Journal of Experimental Psychology Learning Memory Cognition 182 379390 98 Lilian Milnitsky Stein cols Bradley M M Lang RJ 1999 Affective norms for English words ANEW Stimuli 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você Independente da sua resposta uma coisa é certa essa questão só pode ser respondida a partir do acesso a informações armazenadas na sua m e mória Mais especificamente você precisou acessar sua Memória Autobiográfica M A que é o sistema de memória responsável pelo registro da sua história de vida Como o próprio nome sugere as M A são as lembranças memórias que o indivíduo possui sobre sua própria auto história de vida biográfica A nossa M A está repleta de dados acerca de nosso passado Nosso primeiro dia na escola nosso primeiro beijo e a briga que um dia tivemos com uma pessoa querida são exemplos de eventos registrados em nossa MA Não importa se é um evento remoto p ex a mudança de casa que fizemos quando tínhamos 4 anos ou recente p ex o passeio que fizemos no último final de semana eles são igualmente armazenados nela A M A registra tanto os acontecimentos neutros p ex uma reunião normal de trabalho quanto aqueles emocionalmente marcan tes positivos p ex aprovação no vestibular ou negativos p ex envolvimento em um acidente de carro Apesar da M A registrar eventos dos mais distintos momentos de vida e de diferentes tipos existe um ponto comum a todos eles somos nós os protagonis tas de tais eventos Dito de maneira diferente o nosso eu é o eixo central em tom o do qual as M A são estruturadas Essa característica levou os pesquisadores a definirem as M A como aquelas lembranças experimentadas como sendo autor referentes Dado que as M A são estruturadas em tom o do meu eu então elas são representações precisas dos eventos que vivenciamos certo Errado Hoje em dia os pesquisadores são unânimes em afirmar que as lembranças que temos sobre nosso passado não são um retrato fiel dos fatos Diferentemente de um registro em uma foto ou um filme nossas lembranças de vida estão su jeitas a distorções É possível que nos recordemos de situações que absolutamente não ocorreram um fenômeno conhecido como falsas memórias FM Este fenômeno o das FM autobiográficas é o tema principal do presente capítulo Os pesquisadores são unânimes em afirmar que as lembranças que temos sobre nosso pas sado não são um retrato fiel dos fatos 102 Lilian Milnitsky Stein cols PESQUISANDO AS MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS E SUAS DISTORÇÕES O interesse em pesquisar a M A de maneira sistemática é relativamente recen te no contexto do estudo científico da memória Embora a investigação científica da memória tenha sido inaugurada ainda no século XIX Ebbinghaus 1885 foi apenas nos anos de 1970 que a M A passou a receber maior atenção por parte dos pesquisadores Certamente não é à toa que a M A não se constituiu como um foco importante de investigação por quase 100 anos Existem muitas dificuldades em pesquisála e é preciso toda uma engenhosidade experimental para contornálas Segundo Woll 2002 os principais problemas no estudo da M A podem ser agrupa dos em cinco grandes categorias as quais são apresentadas no Quadro 51 Dadas as dificuldades inerentes às pesquisas envolvendo a MA foi preciso que houvesse uma grande mudança no pensamento científico para que o tópico se tornasse alvo de pesquisas sistemáticas Esse movimento de mudança teve seu início nos anos de 1970 momento no qual passou a haver uma preocupação maior com a aplicação prática do conhecimento científico Em outras palavras os pesquisadores passaram a abrir mão do rígido controle de variáveis proporciona do pelas condições de laboratório buscando estudar os processos cognitivos tais como eles ocorrem no dia a dia Woll 2002 Métodos para o estudo das falsas memórias autobiográficas Especificamente no que diz respeito ao estudo das FM autobiográficas a pri meira dificuldade apontada no Quadro 51 é de especial importância pois como visto nos Capítulos 1 e 2 só é possível sabermos se o participante está recuperando uma FM se pudermos comparar seu relato sobre um determinado evento com aqui QUADRO 51 Dificuldades inerentes às pesquisas sobre a memória autobiográfica 1 O pesquisador raramente tem acesso ao evento concreto vivenciado pela pessoa tornan do difícil avaliar a acurácia das lembranças relatadas 2 Existem inúmeras variáveis que podem afetar a memória p ex significado pessoal do evento emoção associada à lembrança número de vezes que o episódio foi relatado as quais não são passíveis de controle por parte do pesquisador 3 Diversas situações de vida ocorrem repetidamente p exv festas reuniões passeios etc tornando nebulosa a distinção entre a memória para um evento específico daquela relati va a um conjunto de eventos semelhantes 4 Os resultados de pesquisa sobre a MA obtidos a partir de diferentes métodos de pesqui sa nem sempre são comparáveis entre si 5 Na prática as lembranças que o indivíduo possui sobre seu passado se misturam com sua visão de si suas crenças pessoais e com as crenças impostas por outras pessoas Falsas Memórias 103 lo que realmente aconteceu Frente a essa dificulda de os pesquisadores desenvolveram procedimentos criativos os quais possibilitam que as lembranças dos participantes sejam comparadas direta ou indi retamente aos fatos originais Tais procedimentos podem ser divididos em três grandes categorias quais sejam 1 aqueles nos quais é o pesquisador quem apresenta o evento 2 aqueles em que se buscam fontes independentes de informação sobre os eventos relatados 3 aqueles em que as lembranças dos participantes são comparadas com registros que eles mesmos fizeram anteriormente A primeira forma de estudar as distorções de memória para eventos auto biográficos segue a tradição experimental de controle e manipulação de variáveis descrita no Capítulo 2 Nessa abordagem o pesquisador expõe os participantes a um determinado evento p ex uma encenação com atores uma visita a um museu testando posteriormente suas lembranças para essa situação Com esse procedimento o pesquisador tem controle sobre o evento original é ele quem determina os estímulos que serão apresentados ao participante sobre o tempo transcorrido entre a vivência da situação e o teste de memória bem como sobre o que acontece nesse intervalo de tempo entre a vivência da situação e o teste de memória p ex o pesquisador pode sugerir uma falsa informação ao participan te Loftus 1996 Uma vantagem dessa primeira abordagem é que ela possibilita uma com paração fidedigna entre o evento original e o relato do participante Com isso é possível identificar com precisão as distorções da MA Além disso o controle do experimentador sobre variáveis tais como o tempo transcorrido entre a exposição ao evento original e o teste de memória a exposição a eventos interferentes ocor ridos durante esse intervalo de tempo permite a investigação do efeito provocado por estas variáveis sobre a formação das FM Por outro lado a principal desvantagem da primeira abordagem de estu do das FM autobiográficas está relacionada à questão da validade ecológica A questão da validade ecológica diz respeito ao quanto as situações criadas pelo pesquisador assemelhamse àquelas que as pessoas vivenciam na vida real Nas pesquisas dentro da primeira abordagem que seguem a tradição experimental o evento fabricado pelo pesquisador possivelmente não esteja tão carregado de significado pessoal quanto aqueles que o indivíduo vivência espontaneamente Assim a questão que permanece é essas distorções de memória para eventos vivenciados numa situação artificial de pesquisa também ocorrem para eventos significativos naturalmente experenciados Para lidar com o problema da validade ecológica os pesquisadores desen volveram uma outra forma de averiguação das FM autobiográficas Essa segunda Os pesquisadores das falsas memórias auto biográficas desenvol veram procedimentos criativos para poder comparara lembrança dos participantes aos eventos originais 104 Lilian Milnitsky Stein cols abordagem é menos robusta em termos de controle experimental quando com parada com a primeira Contudo esse é o preço a ser pago por sua principal van tagem a possibilidade de estudar a M A para eventos que as pessoas vivenciam espontaneamente A ideia básica aqui é buscar por outras fontes de informação acerca dos eventos vivenciados ou não vivenciados pelos participantes o que permite a comparação entre as lembranças relatadas e os fatos realmente vividos Loftus 1997 Uma maneira para obter fontes independentes de informação sobre deter minado fato é questionar os pais dos participantes de uma pesquisa sobre even tos por eles vividos na infância Em um estudo clássico Loftus e Pickrell 1995 entrevistaram os pais dos participantes sobre eventos ocorridos na infância de seus filhos Nessas entrevistas os pesquisadores registraram três fatos que fize ram parte da vida dos participantes Posteriormente os participantes receberam uma carta em suas casas Nessa correspondência havia uma explicação sobre os objetivos da pesquisa estudar por que as pessoas conseguem lembrar alguns eventos na infância e outros não Além da apresentação dos objetivos da pesquisa a carta continha quatro breves descrições de eventos supostamente ocorridos com os participantes na sua infância Dos quatro eventos três ocorreram de fato pelo menos segundo o relato dos pais Um deles contudo foi criado pelos pesquisadores que o participante havia se perdido em um shopping quando tinha em tom o de 5 anos obviamente os pesquisadores se certificaram junto aos pais de que isso não havia ocorrido A carta instruía os participantes a escreverem tudo que se lembravam sobre cada episódio fazendo a ressalva de que poderiam escrever eu não me lembro disso quando apropriado Em entrevistas posteriores sobre os eventos da infân cia os pesquisadores detectaram que 25 dos participantes aceitaram a sugestão de falsa informação ou seja lembraram ter ficado perdidos no shopping algo que em princípio nunca aconteceu Se você está se perguntando por que os outros 75 não sucumbiram diante da sugestão talvez a leitura do Capítulo 7 sobre FM e diferenças individuais possa lhe ajudar Uma ramificação da estratégia de buscar por fontes independentes de in formação envolve questionar os participantes sobre eventos que necessariamente não ocorreram Em um estudo bastante criativo Braun Ellis e Loftus 2002 en trevistaram participantes que tinham visitado o parque temático da Disneylândia quando crianças Durante as entrevistas os pesquisadores sugeriam que os parti cipantes haviam interagido com o Pemalonga durante a visita ao parque Embora pareça plausível isso é impossível de ter acontecido pois o Coelho Pemalonga é um personagem da Warner e não da Disney O procedimento de sugerir a ocorrência de eventos impossíveis trouxe novas evidências sobre a possibilidade de falsificar memórias autobiográficas Os resul tados de Braun ElHs e Loftus 2002 indicaram que os participantes que recebe ram a sugestão de terem encontrado o Coelho Pem alonga em sua visita à Disney incorporaram essa falsa informação às suas lembranças Em um teste posterior o gm po que recebeu a sugestão quando comparado ao grupo controle que não recebeu falsa informação mostrouse mais confiante em relação a ter encontrado Falsas Memórias 105 o personagem da Warner Mais do que isso 16 dos participantes submetidos à sugestão relataram lembrarse de ter apertado a mão do Coelho Pemalonga ao passo que apenas 7 dos participantes do grupo controle fizeram referência a este episódio impossível de ter ocorrido A terceira forma de investigar as distorções da M A envolve o uso de diários White 1989 Nesse procedimento os participantes devem realizar durante deter minado período de tempo 3 meses por exemplo registros diários das situações que vivendam Esses registros ficam então em posse do pesquisador de modo que o partidpante deixa de ter acesso a eles Após os participantes terminarem seus regis tros o pesquisador testa suas memórias para as situações vividas Dessa maneira distorções na M A podem ser detectadas por meio da análise da correspondência entre as lembranças relatadas no teste de memória ocorrido meses após o evento e os registros nos diários realizados no mesmo dia em que o participante vivenciou o evento Conway et al 1996 Embora o uso de diários deixe dúvidas sobre a exatidão do primeiro registro em relação ao evento original pois entre a vivência do evento e seu registro a memória do participante já pode ter sido distorcida é indubitável a capacidade desses procedimentos no sentido de evidenciar que as memórias podem ser al teradas com o passar do tempo Barclay e Wellman 1986 A observação de que a memória sofre distorções ao longo do tempo é possível ao se comparar as lem branças dos participantes no teste de memória com os registros que estes fizeram dos eventos originais Brainerd e Reyna 2005 TEORIAS EXPLICATIVAS DAS FALSAS MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS As evidências científicas disponíveis não deixam dúvida as lembranças que temos de nossa história de vida não são um retrato fiel dos eventos vividos em nosso passado A pergunta agora é por que isso acontece Para responder a essa pergunta os cientistas lançam mão das chamadas teorias explicativas De ma neira simples as teorias explicativas são tentativas de explicar os mecanismos responsáveis pela manifestação de um determinado fenômeno Uma concepção comum às teorias que buscam explicar as FM autobiográfi cas é a de que as nossas lembranças são em grande parte uma reconstrução do passado Conway 1997 Ao contrário do que ocorre com o computador nós não temos um mecanismo que arquiva armazena e recupera dados de maneira fiel Com o computador você não precisa se preocupar se existem centenas de arqui vos em uma mesma pasta Quando você clicar em um determinado arquivo para abrilo seu conteúdo não vai se misturar com o dos outros arquivos Além disso cada arquivo específico está gravado em um único lugar ou seja as informações que ele contém não estão distribuídas ao longo de diferentes lugares no compu tador De maneira semelhante se você tentar gravar em uma mesma pasta dois arquivos com o mesmo nome o sistema operacional do computador perguntará se ele deve fazer uma substituição Nesse caso cabe a você tomar a decisão cons ciente de confirmar a substituição ou não 106 Lilian Milnitsky Stein cols Na nossa memória contudo o processo é bastante diferente os arquivos da nossa memória denominados traços de m emória gravados nas pastas mentais acabam se misturando Além disso as informações de um arquivo em particular estão espalhadas em diversos lugares de modo que temos que juntar todas essas partes quando precisamos lembrar as informações E ainda para poder recuperar as informações do arquivo quando lembramos de um evento o nosso software não nos pergunta nada antes de substituir um arquivo por outro Isso significa que o conteúdo de nossas recordações sofre interferência de uma ampla gama de variá veis tanto internas quanto externas tanto atuais quanto pregressas Em outras palavras reconstruí mos nosso passado influenciados por diversos fa tores e fazemos isso na maioria das vezes sem nos darmos conta Ceei e Bruck 1995 A maior parte das nossas reconstruções são acuradas e não poderia ser diferente afinal de contas a nossa cognição se desenvolveu para nos tom ar mais adaptados ao ambiente Schacter 1995 Por outro lado conforme a Figura 51 uma série de variáveis leva a tendenciosidades no processo de recons trução do passado dando origem às distorções de memória A tarefa das teorias explicativas portanto é explicar os mecanismos por meio dos quais tais variáveis dão origem às FM Stein e Neufeld 2001 Embora diversos pesquisadores tenham lançado mão de distintas teorias ex plicativas sobre as FM autobiográficas o presente capítulo abordará apenas duas delas as quais têm sido mais amplamente debatidas na comunidade científica A primeira teoria explicativa é a Teoria dos Esquemas a qual postula que as FM ocorrem em função de o indivíduo distorcer a informação a fim de acomodála aos seus esquemas mentais prévios A segunda teoria abordada é a Teoria do FIGURA 51 Variáveis que influenciam no processo de reconstrução das lembranças Reconstruímos nosso passado influenciados por diversos fatores e fazemos isso na maioria das vezes sem nos darmos conta Falsas Memórias 107 Monitoramento da Fonte De acordo com essa teoria as FM ocorrem quando a pessoa comete um erro no processo de identificar a origem de suas lembranças Cada uma dessas teorias é apresentada a seguir Teoria dos Esquemas Para explicar a natureza construtiva da memória diversos autores lançam mão da noção de esquemas mentais A utilização do conceito de esquemas para com preender as distorções de memória foi proposta inicialmente por Bartlettt 1932 Embora não se trate de um conceito recente seu poder explicativo para diversos fenômenos da memória é tão robusto que quase um século depois continua sendo intensamente debatido na comunidade científica Bower 2000 Embora não exista na literatura uma única e precisa definição para esque mas podemos entendêlos como abstrações de experiências repetidas que sin tetizam nosso conhecimento sobre determinada área Uma vez formados os es quemas geram expectativas diante das situações que vivenciamos e desta forma guiam por vezes de maneira tendenciosa nosso processamento de informação Hirt McDonald e Markman 1998 A influência dos esquemas sobre a memória se dá tanto no momento da codificação quanto da recuperação da informação Neuschatz et al 2002 Os esquemas podem ser de qualquer abrangência ou seja podem ser alta mente específicos em relação a um tema em particular ou mais gerais Barclay 1986 Por exemplo você pode ter um esquema específico relativo ao seu profes sor de estatística Isso quer dizer que baseado na experiência prévia você sabe que ele vai entrar na aula falar sobre o conteúdo novo fazer cálculos no quadro e por fim vai pedir para que a turma se reúna em pequenos grupos para comple tarem exercícios Seu esquema sobre o professor de estatística pode incluir outras características dele tais como divertido ou exigente Por outro lado além do esquema específico você provavelmente possui um esquema mais amplo relativo a professores Com base nesse esquema mais abrangente você tem a expectativa geral de que ao entrar na sala de aula um professor conduzirá as atividades jun to à turma fará explanações sobre os conteúdos aplicará provas etc Da mesma forma que os esquemas podem variar em sua abrangência eles também podem versar sobre virtualmente qualquer tema Brewer 2000 Por exemplo posso ter esquemas que sintetizam o conhecimento que possuo sobre mim mesmo p ex sou honesto sou péssimo em matemática sobre outras pessoas p ex fulana é egoísta beltrano é irresponsável e sobre o mundo em geral p ex o Rio de Janeiro é uma cidade violenta Além disso os esque mas estão na base dos nossos preconceitos p ex as mulheres não têm capaci dade de exercer cargos de chefia e estereótipos p ex surfistas usam drogas pessoas religiosas são corretas os quais mostramse como uma fonte potente de distorções na memória Kleider et al 2008 Em se falando de distorções da memória autobiográfica os esquemas que possuímos sobre nós mesmos isto é que formam nosso senso de self são de 108 Lilian Milnitsky Stein cols especial relevância Ao recuperarmos nosso passado faremos isso de tal forma que nossas lembranças sejam compatíveis com a visão que temos de nós mesmos no momento da recuperação Ross 1989 Consequentemente se mudarmos os esquemas que temos a nosso próprio respeito as memórias do nosso passado podem acompanhar essa mudança Oakes e Hyman 2001 Segundo a Teoria dos Esquemas nossas lem branças sobre o passado são uma espécie de mescla entre o que realmente aconteceu e nosso conheci mento esquemático Alba e Hasher 1983 Mais especificamente essa perspectiva postula que as informações exatas sobre os eventos em si perdem se já no momento da codificação uma vez que es tas acabam sendo acomodadas aos nossos esquemas Hirt McDonald e Markman 1998 Nesse sentido nossa memória é por natureza distorcida Para exem plificar como a abordagem dos esquemas explica as distorções da memória suponha que um amigo lhe pergunte como foi seu desempenho na disciplina de estatística na faculdade Ao recuperar da memória as informações relevantes para responder à pergunta você não vai simplesmente acessar as notas que obteve no boletim Ao invés disso seu conhecimento esquemático sobre o professor ele era exigente e sobre você mesmo sou péssimo em matemática estará atrelado às lembranças de seu desempenho Lampinen et al 2000 Consequentemente você pode dizer ao seu amigo nossa por pou co não tive que repetir essa disciplina lembrando que tirou notas bem piores daquelas que realmente obteve quando na verdade suas notas permitiramlhe passar com relativa folga Apesar da Teoria dos Esquemas ser uma maneira interessante de explicar as distorções da MA ela não é livre de críticas Possivelmente o maior alvo de críti cas à Teoria dos Esquemas recaia sobre o seu pressuposto de que a memória é um sistema unitário Em outras palavras esta teoria postula que existe apenas uma memória Além disso essa memória é distorcida por natureza uma vez que ela está acomodada aos esquemas do indivíduo Esse pressuposto não está de acordo com uma série de estudos recentes que indicam que a memória é constituída por múltiplos sistemas e que podemos ter lembranças literais não distorcidas dos acontecimentos Brainerd e Reyna 2005 Teoria do monitoramento da fonte Quando vivenciamos um determinado evento nossa memória não codifi ca apenas os dados sobre o fato em si também codificamos informações acer ca das circunstâncias em que tal informação foi adquirida Em outras palavras armazenamos dados referentes à fonte na qual os eventos foram originalmente experenciados Schacter 2003 Por exemplo você pode se lembrar de que seu irmão caiu um tombo na pista de dança evento em si na festa de casamento de Segundo a Teoria dos Esquemas nossas lembranças sobre o pas sado são uma espécie de mescla entre o que realmente aconteceu e nosso conhecimento esquemático Falsas Memórias 109 seu primo fonte Você pode se lembrar da fisionomia de uma pessoa e de seu comportamento agressivo evento em si ao assaltar a loja em que você estava no momento do crime fonte Segundo a Teoria do Monitoramento da Fonte o processo de construção e reconstrução das lembranças por si só não explica todos os tipos de distorções da memória Mitchell e Johnson 2000 Johnson Hashtroudi e Lindsay 1993 lançam mão da ideia de que as FM dependem de um equívoco no processo de atribuição da fonte das representações mentais que são ativadas no momento da recuperação Dessa forma as construções que fazemos sobre o passado só acarretarão em FM se estas forem avaliadas como memórias acuradas Dito de outra maneira as FM envolvem representações que o indivíduo adquiriu em um contexto fonte diferente daquele para o qual está sendo questionado Crombag Wagenaar e Koppen 1996 Vamos retom ar ao exemplo do assalto à loja Suponha que a polícia tenha detido alguns suspeitos e solicitado que você fizesse o reconhecimento Você com parece à delegacia e observa aqueles homens enfileirados Olha para o primeiro mas não o reconhece como o autor do assalto Olha para o segundo e não faz o reconhecimento novamente Observa cada um dos demais mas o assaltante parece não estar ali Depois de concluir a primeira tentativa você na melhor das intenções tenta uma outra vez Nessa segunda tentativa você olha novamente para o primeiro da fila e pensa esse rosto não me é estranho acho que foi ele Essa situação hipotética revela um equívoco na avaliação da fonte da infor mação Você de fato tinha um registro do suspeito número 1 em sua memória mas esse registro foi adquirido na delegacia não na loja Esse fenômeno no qual o indivíduo sem se dar conta comete um erro na atribuição da fonte da fami liaridade de um rosto é conhecido por transferência inconsciente Ross et al 1994 O exemplo anterior mostra como uma informação adquirida em um acon tecimento externo a fisionomia do primeiro suspeito na linha de identificação pode ser inadequadamente atribuída a uma outra fonte o assalto na loja Con tudo os problemas no monitoramento da fonte não param por aí Existem pesqui sas indicando que representações mentais construídas internamente p ex ima ginação processamento esquemático podem ser erroneamente avaliadas como tendo sido adquiridas em um contexto externo Foley Wozniak e Gillum 2006 Nesse sentido estamos falando de um processo de monitoramento da realidade que envolve a habilidade para discriminar se uma determinada representação mental foi adquirida por meio da experiência ou criada internamente Johnson e Raye 1981 Um dos pressupostos da Teoria do Monitoramento da Fonte é o de que dis tintas fontes geram representações mentais com características próprias Esses atributos específicos de cada representação por sua vez são utilizados como pis tas no processo de atribuição de sua fonte Henkel e Coffman 2004 Por exem plo eventos que vivendam os na realidade comparados aqueles que somente ima ginamos ou seja que foram gerados internamente tendem a ser mais ricos em 110 Lilian Milnitsky Stein cols detalhes perceptuais e recuperados com maior facilidade Bam ier et al 2005 Logo se acessamos uma representação mental rica em características sensoriais e fazemos isso com relativa facilidade nossa tendência é de acreditar que essa re presentação se trata de uma lembrança de um evento que de fato ocorreu Sporer e Sharman 2006 Essa estratégia de tomar as características da representação como base para atribuir sua fonte geralmente funciona bem ou seja na maioria das vezes avalia mos corretamente a origem das nossas represen tações mentais Contudo em algumas circunstân cias as características das representações mentais produzidas em uma fonte p ex imaginação assemelhamse aquelas tipicamente associadas à outra fonte p ex vivência do fato favorecendo as confusões no processo de atribuição Davis e Loftus 2006 Pesquisas que manipulam as operações men tais realizadas pelos participantes p ex imagi nar vividamente um evento versus pensar sobre um evento oferecem evidências empíricas para a hipótese dos problemas de m o nitoramento da fonte Paddock et al 1998 Em alguns estudos por exemplo os pesquisadores manipulam o processamento cognitivo dos participantes solicitan do que formem imagens mentais extremamente vívidas e detalhadas sobre even tos que nunca ocorreram Garry et al 1996 Com esse tipo de procedimento as representações geradas internamente pelos participantes isto é via imaginação assemelhamse àquelas advindas de fontes externas isto é pela vivência do even to Arbuthnott 2005 Conforme predição da abordagem do monitoramento da fonte quando o indivíduo cria imagens mentais ricas em detalhes sobre eventos que lhe foram sugeridos ele terá uma maior propensão a ter FM para estes even tos imaginados Drivdahl e Zaragoza 2001 Em suma a Teoria do Monitoramento da Fonte tem se mostrado como uma forma interessante de explicar as FM autobiográficas A ideia básica que embasa a teoria é simples as FM ocorrem quando o indivíduo se engana ao identificar a origem em que adquiriu uma determinada lembrança Apesar de simples a Teoria do Monitoramento da Fonte é capaz de explicar uma ampla gama de fenômenos de distorção da MA IMPLICAÇÕES DOS ESTUDOS SOBRE FALSAS MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS A parte final deste livro é dedicada especificamente às implicações práti cas dos estudos sobre as distorções da memória Desse modo limitaremosnos a apresentar aqui uma síntese das implicações envolvendo as pesquisas sobre as FM autobiográficas Duas grandes áreas aplicadas serão abordadas quais sejam a Psicoterapia e a Psicologia do Testemunho Em algumas circunstân cias as características das representações mentais produzidas em uma fonte assemelhamse àquelas tipicamente associadas à outra fonte favorecendo as confusões no processo de atribuição Falsas Memórias 111 Poucos profissionais da área da saúde mental discordariam que a memória é a principal função da qual a psicoterapia depende TUdo que os pacientes relatam aos seus terapeutas é baseado em suas lembranças Isso por si só constitui um ótimo motivo para que os terapeutas de qualquer abordagem teórica conheçam um pouco sobre o funcionamento da memória Wainer Fergher e Piccoloto 2004 Talvez o ponto mais central a ser reconhecido pelos psicoterapeutas é o de que a memória pode ser distorcida esse ponto central tem diversas implicações Em primeiro lugar o relato do paciente sobre sua história de vida está longe de ser um retrato fiel dos fatos vivenciados Conforme visto anteriormente neste ca pítulo existem diversos fatores que determinam o que será recordado esquemas crenças sobre si mesmo estado emocional sugestões externas entre outros Consequentemente para que um terapeuta consiga conhecer em profundidade a história de vida de seus pacientes ele deve ser perspicaz o suficiente para reduzir a contaminação provocada pelos fatores que interferem no processo de recorda ção ao coletar informações sobre seus passados Jones 1999 O fato da memória poder ser distorcida também é crítico quando o assunto são as intervenções psicoterapêuticas Por exemplo vieses nas memórias de pa cientes depressivos que tendem a recordar eventos negativos podem desarmar um terapeuta iniciante desavisado A o tratar um paciente depressivo uma im portante tarefa do terapeuta é a de mudar a forma negativa pela qual o paciente percebe a realidade Para tanto o terapeuta pode questionar o paciente quanto às evidências que confirmam ou desconfirmam suas percepções negativas No contexto da psicoterapia obviamente não existem evidências materiais todas as evidências trazidas pelo paciente são na verdade lembranças que este possui Assim no processo de busca pelas evidências que apóiam ou contradizem as crenças do paciente o terapeuta depende de uma certa imparcialidade por parte da memória dele e isso raramente está presente A tendência é de que o paciente venha a recordar apenas de eventos que confirmem seu pensamento depressivo ou então distorça as evidências que apoiariam um pensamento mais otimista Pergher GrassiOHveira Ávila e Stein 2006 Nesse sentido o conhe cimento das distorções e tendenciosidades da memória é vital para o sucesso da psicoterapia pois sem esse conhecimento o terapeuta fica incapaz de ver um lado da moeda que não necessariamente aquele trazido pelo paciente Pergher Stein e Wainer 2004 Não podemos perder de vista que a psicoterapia depende também da m e mória do terapeuta Dito de maneira diferente os terapeutas por serem seres humanos não se lembram literalmente das verbalizações de seus pacientes Em vez disso suas recordações acerca dos assuntos discutidos nas sessões anteriores estão sujeitas à influência de todos os fatores que sabidamente são fontes de distorção da memória Lembranças distorcidas sobre o paciente possivelmente levarão a intervenções clínicas imprecisas e talvez prejudiciais ao bom andamento do processo terapêutico Falsas memórias autobiográficas e psicoterapia 112 Lilian Milnitsky Stein cols Tendo em vista que são as lembranças do terapeuta que guiam suas inter venções quando estas memórias são fortemente influenciadas por crenças distor cidas por parte do terapeuta há o risco de que este venha a adotar uma postura tendenciosa em sua atuação Em especial o clínico pode passar a assumir um viés confirmatório ou seja buscar apenas por informações que venham a confirmar suas crenças Suponha que um terapeuta acredite que os sintomas apresentados pelo pa ciente são decorrentes deste ter sido vítima de abuso sexual na infância Baseado nesse pressuposto o terapeuta passa a questionar o paciente sobre como era seu relacionamento com pessoas próximas buscando por situações nas quais ele ti nha trocas afetivas íntimas demais Ao procurar por esses exemplos o terapeuta pode dar a entender que elas ocorreram de fato sem que o paciente as tenha mencionado inicialmente Como consequência o terapeuta pode acabar sugestio nando implantando FM em seus pacientes sem se dar conta disto dando origem por exemplo a uma memória recuperada Pergher e Stein 2005 As estratégias que os terapeutas podem utilizar para reduzir o risco de serem sugestivos são discutidas no Capítulo 11 Falsas memórias autobiográficas no contexto forense A segunda grande área beneficiada com os estudos sobre as distorções da memória autobiográfica é a Psicologia do Testemunho Em diversas situações a única prova de que a justiça dispõe é o depoimento de uma testemunha Sob outro ponto de vista a única prova de que a justiça dispõe são as lembranças armazenadas pela testemunha acerca dos fatos Por conseguinte o estudo da Psi cologia do Testemunho é indissociável do estudo da memória autobiográfica e suas distorções Nos crimes em que não há evidências materiais físicas com o ocorre em muitas situações de abuso sexual uma prova consistente implica uma entrevista bem conduzida com a testemunha Nesse sentido técnicas de entrevista baseadas nos conhecimen tos científicos sobre o funcionamento da memória são poderosas ferramentas na coleta de informa ções detalhadas e acuradas as quais permitirão a efetiva aplicação da lei Philippon et al 2007 Esse tema é o foco do Capítulo 10 Não podemos deixar de lado também os vie ses apresentados pela figura do entrevistador As sim como um terapeuta um investigador pode ter uma hipótese sobre os fatos acontecidos e com isso corre o risco de adotar um viés confirmatório em suas entrevistas A consequência potencialmente danosa Técnicas de entrevista baseadas nos conheci mentos científicos sobre o funcionamento da memória são poderosas ferramentas na coleta de informações detalhadas e acuradas Um terapeuta pode implantar falsas memórias em um pacien te sem se dar conta Falsas Memórias 113 dessa postura é evidente o investigador pode sugestionar a testemunha implan tando lembranças sobre fatos que não ocorreram Fisher Brennan e McCauley 2002 CONSIDERAÇÕES FINAIS As FM autobiográficas constituemse num tema que apenas recentemente se tom ou alvo de investigação sistemática por parte dos pesquisadores Em ou tras palavras o estudo das FM autobiográficas ainda está dando seus primeiros passos Em qualquer área da ciência quando um novo tema passa a ser estudado pela comunidade científica é natural que os primeiros momentos sejam marcados por incertezas e falta de consensos Consequentemente é inevitável que muitas perguntas sejam lançadas mas poucas respostas sejam obtidas No caso do estudo das FM autobiográficas as principais questões que permanecem não respondidas giram em tom o das seguintes temáticas Qual teoria é capaz de explicar mais sa tisfatoriamente os dados obtidos em pesquisa Quais são os métodos de pesquisa mais adequados para o estudo das FM autobiográficas Apesar de ainda restarem muitas perguntas a serem respondidas existem dois pontos em que parece haver um consenso na comunidade científica 1 a memória autobiográfica pode sofrer distorções 2 o estudo das FM autobiográficas tem importantes implicações para di versas áreas aplicadas Tomados em conjunto esses consensos apontam numa só direção existe muito trabalho pela frente Dito de maneira diferente para que possamos ter uma compreensão mais ampla e precisa do fenômeno das FM autobiográficas é necessário um contínuo processo de pesquisa e de discussão na comunidade cien tífica Embora esse processo seja lento e cercado de obstáculos ele certamente é recompensador À medida que aumentarmos o conhecimento sobre a maneira pela qual lembramos de nosso próprio passado melhoraremos a compreensão que temos de nós mesmos REFERÊNCIAS Alba J W Hasher L 1983 Is memory schematic Psychological Bulletin 93 203 231 Arbuthnott K D 2005 The effect of repeated imagery on memory Applied Cognitive Psychology 19 843866 Barclay C R 1986 Schematization of autobiographical memory In D C Rubin Ed Autobiographical memory pp8299 New York Cambridge University Press Barclay C R Wellman H M 1986 Accuracies and inaccuracies in autobiographical memories Journal of Memory and Laguage 251 93103 114 Lilian Milnitsky Stein cols Bamiei A J Sharman S J McKay L Sporer S L 2005 Discriminating adults ge nuine imagined and deceptive accounts of positive and negative childhood events Applied Cognitive Psychology 19 9851001 Bartlettt F C 1932 Remembering Cambridge England Cambridge University Press Bower G H 2000 A brief history of memory research In E Hilving F I M Craik Eds The Oxford handbook of memory pp 332 New York Oxford University Press Brainerd C J Reyna V E 2005 The science of false memory New York Oxford Uni versity Press Braun K A Ellis R Loftus E F 2002 Make my memory How advertising can chan ge our memories of the past Psychology and Marketing 191 123 Brewer W F 2000 Bartlettt funcionalism and modem schema theories The Journal of Mind and Behavior 21 12 3744 Ceci S J Bruck M 1995 Jeopardy in the courtroom A Scientific analysis of childrens testimony Washington American Psychological Association Conway M A 1997 Introduction What are memories In M A 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Vrij A 2007 Earwitness identification perfor mance The effect of language target deliberate strategies and indirect measures Applied Cognitive Psychology 214 539550 Ross D F Ceci S J Dunning D Toglia M R 1994 Unconscious transference and mistaken identity When a witness misidentifies a familiar but innocent person Journal of Applied Psychology 79 918930 Ross M 1989 Relation of implicit theories to the construction of personal histories Psychological Review 96 341357 Schacter D L 1995 Memory distortion History and current status In D L Schacter Ed Memory distortion How minds brains and societies reconstruct the past pp 143 Cambridge Harvard University Press 116 Lilian Milnitsky Stein cols Schacter D L 2003 Os sete pecados da memória Como a mente esquece e lembra Rio de Janeiro Rocco Sporer S L Sharman S J 2006 Should I believe this Reality monitoring of accounts of selfexperienced and invented recent and distant autobiographical events Applied Cog nitive Psychology 20 837854 Stein L M Neufeld C B 2001 Falsas memórias Por que lembramos de coisas que não aconteceram Arquivos de Ciências da Saúde Unipar 52 179186 Wainer R Pergher G K Piccoloto N M 2004 Psicologia e terapia cognitiva Da pes quisa experimental à clínica In P Knapp Ed Terapia cognitivocomportamental na prática psiquiátrica pp89100 Porto Alegre Artmed White R T 1989 Recall of autobiographical events Applied Cognitive Psychology 3 127 135 Woll S 2002 Everyday thinking Memory reasoning and judgment in the real world Mahwah Lawrence Erlbaum 6 MEMÓRIA IMPLÍCITA PRIMING E FALSAS MEMÓRIAS Rosa Helena Delgado Busnello AL ciências cognitivas entendese a mente humana por meio de duas grandes divisões no que tange ao processamento de informações Primeiro há processos cognitivos que são conscientes e outros que não segundo há memórias que são conscientemente evocadas em um processo controlado as memórias explícitas ou declarativas enquanto outras informações são acessadas pela memória sem que haja consciência dessa atividade Estas últimas são as memórias implícitas também chamadas de não declarativas as quais se referem à recorda ção implícita de algo que realmente armazena mos p ex o aprendizado procedural de andar de bicicleta acessado sem consciência enquanto pedalamos ou ao que não armazenamos mas que reconhecemos como tal Neste último caso evidenciase o efeito de falsas memórias implícitas FM I O presente capítulo tem como objetivo apresentar primeiramente no ções teóricas e experimentais concernentes à memória implícita e na sequência aquelas centradas na investigação das FMI As memórias implícitas M I evidenciamse de várias formas na vida diá ria Dentre elas temos por exemplo os hábitos p ex escovar os dentes após as refeições e as habituações Estas últimas dizem respeito aos processamentos cognitivos que são efetuados a fim de que o indivíduo aprenda a ignorar cer tos estímulos reconhecendoos implicitamente como sem importância Assim por exemplo ao trabalhar ou morar perto de um aeroporto o sujeito tende a se acostumar ao ruído forte dos motores de avião mesmo enquanto executa suas funções profissionais ou dorme Essas duas formas de M I os hábitos adquiridos e as habituações aos estímulos externos são as primeiras a se desenvolver nos seres humanos provavelmente por serem as de processamento cognitivo menos complexo Schacter 1987 Squire 1986 Existem ainda outras MI além dos hábitos e das habituações Segundo Da másio 2004 e Squire 1986 os sentimentos são memórias desse tipo pois se baseiam em experiências vividas ou imaginadas Tomando como exemplo as fo As memórias explícitas são conscientemente evocadas As memórias implícitas entretanto são acessadas sem que haja consciência desse processo 118 Lilian Milnitsky Stein cols bias Squire 1986 considera que certas experiências codificadas e armazenadas implicitamente emergem como o medo exagerado a um estímulo ainda que este não ofereça um risco imediato O medo de altura por exemplo pode ser oriundo de uma experiência na qual o indivíduo ainda criança sentiu fortemente algum desamparo associado ao medo de cair Posteriormente essa experiência não será recordada como um fato mas como um sentimento de morte ou aniquilação implicitamente codificado como se fosse a própria experiência Damásio 2004 por seu lado ao examinar a origem e o papel dos sen timentos na vida humana afirma que todos os indivíduos dirigem seu sistema cognitivo para a autopreservação formando primeiramente os mapas mentais Os mapas são caminhos ou padrões neurais não conscientes implicitamente codificados armazenados e ativados Sua existência permite a noção de autoevi dência e de estabilidade em relação ao mundo percebido chegando à consciência como sentimentos Segundo Damásio são os sentimentos que nos permitem o reconhecimento e a avaliação imediatos do ambiente pois um estímulo ao ser considerado perigoso imediatamente ativará sentimentos de alerta direcionando a ação para que nos mantenhamos a salvo Damásio considera portanto que a ação p ex luta fuga ocorre a partir da ativação dos sentimentos e só depois deles Neste caso sentimos e depois pensamos e não o contrário E sentimos por que possuímos armazenamentos implícitos M I rapidamente acionados Além dos hábitos das habituações e dos sentimentos também são M I os aprendizados emocionais p ex os valores morais as habilidades motoras e sensoriais p ex dirigir bicicletas ou automóveis ou identificar a presença de alguém pelo perfum e os condicionamentos p ex atender ao telefone sem pen sar no que aquele sinal sonoro significa ou parar o carro no sinal verm elho e os estereótipos p ex avaliar alguém ou um grupo de pessoas a partir da ativação implícita de conceitos associados a alguma característica percebida MEMÓRIA IMPLÍCITA NAS CIÊNCIAS COGNITIVAS Os estudos focados na MI possuem diversas abordagens teóricas e m etodo lógicas tais como as da Psicologia Cognitiva da Psicolinguística da Psicologia Evolucionista e da Neuropsicologia Na presente seção serão abordados aqueles campos de estudo nos quais a M I tem sido objeto de pesquisa experimental a fim de que se sintetize a contribuição de cada um deles no entendimento dos aspectos funcionais desse tipo de processamento de memória Na Psicologia Cognitiva entendese que MI são aquelas memórias que vêm à tona quando a evocação não é intencional ou consciente não havendo portan to um esforço controlado para que a recordação ocorra Metaforicamente esse ramo da Psicologia entende que o processamento dos vários tipos de M I é como o uso que fazemos da energia gerada por uma hidrelétrica a qual nos permite a utilização de lâmpadas elétricas eletrodomésticos computadores e elevadores Da mesma forma a M I alimenta diferentes processamentos cognitivos investi Falsas Memórias 119 gados experimentalmente em diferentes paradigmas Murphy e Zajonc 1993 Nosek 2007 Oliveira e Janczura 2004 Squire 1986 A Psicologia Evolucionista por sua vez entende que as funções não cons cientes de aprendizagem e memória devem ter precedido as funções conscientes por um período considerável de tempo Reber 1993 aponta evidências biológi cas de que os processos cognitivos implícitos especificamente a aprendizagem implícita apresentam propriedades que os diferenciam dos processos explícitos São eles robustez isto é as memórias implícitas perduraram mais do que as explícitas independência de idade pois não existem diferenças marcantes no processamento de MI entre jovens e idosos neurologicamente saudáveis inde pendência do nível de inteligência e generalização do processo isto é o proces samento de MI é universal sendo também observado em pacientes com lesões neurológicas e variabilidade individual pois os estudos apontam diferenças individuais na aprendizagem e na recordação implícitas Já a Neuropsicologia busca avaliar os aspectos anatômicos e funcionais das MI utilizando por exemplo a técnica de neuroimagem Dehaene et al 2001 Schacter Gallo e Kensinger 2007a Schacter W igg e Stevens 2007b Whalen et al 1998 ver Capítulo 3 Os estudos com essa técnica evidenciaram que a MI é inicialmente processada pelo hipocampo sendo em seguida assumida pelo núcleo caudado e pelo cerebelo com suas respectivas conexões Nesse proces samento ocorre o aperfeiçoamento do circuito responsável pela recuperação das informações codificadas de forma que a recordação implícita se dá o mais rápido possível Entendese assim que os circuitos neurais utilizados na recordação implícita são mais resu midos do que os das memórias explícitas e que por isso efetuam o processamento das informa ções mais rápida e eficientemente Mas por que os circuitos implícitos se mostram mais eficien tes Segundo Schacter e colaboradores 2007b quanto mais longo é um circuito nervoso maior é a chance de que ocorram falhas em seu processa mento A causa dessas falhas possivelmente se deve ao fato de que cada sinapse isto é a transmissão de informações entre os neurônios é sempre um elo frágil em potencial no encadeamento de informações Assim as MI mostramse mais duradouras rápidas e eficientes do que as memórias explícitas em razão de seus circuitos neurais mais resumidos Ainda com relação aos aspectos neurofuncionais das MI entendese que tal como ocorre na memória explícita a neuroquímica também faz parte de seu processo de aprendizagem e consolidação pela ação dos neurotransmissores ver Capítulo 3 Nas desordens de ansiedade por exemplo os fatores ambientais ou contextuais implicitamente armazenados em uma situação de risco contribuem para a generalização dos temores do indivíduo mesmo em relação a outros estí mulos como é o caso do transtorno de estresse póstraumático TEPT A Neuropsicologia entende que em razão de seus circuitos neurais mais resumidos as memórias implícitas são mais duradouras rápidas e eficientes do que as memórias explícitas 120 Lilian Milnitsky Stein cols Como exemplo de investigação neuropsicológica Kroeze e seus colegas 2005 estudando os fatores precoces desencadeadores do transtorno de pânico examina ram a diferença de processamento de palavras que sugerem sufocação testando um grupo de pacientes com transtorno de pânico e um grupocontrole isto é um grupo de pessoas sem o diagnóstico de transtorno de pânico A tarefa do experimento pedia que os participantes enchessem os pulmões de ar enquanto olhavam para a tela do computador Logo em seguida tinham de categorizai em teclas previamente combinadas a valência positiva negativa de palavras que apareciam na tela A lista de palavras utilizada por Kroeze e colaboradores 2005 foi dividida em três categorias de estímulos palavras com valência a positiva b negativa relacionadas aos fatores possivelmente desencadeadores do transtorno de pânico e c palavras com valência positiva mas não relacionadas a esses fatores Como os pacientes relatavam o medo de sufocação durante suas crises as palavras positivas eram associadas ao bemestar p ex alívio aéreo as negativas ao malestar p ex sufocar asma e as positivas não relacionadas serviam como um controle às duas categorias p ex férias música formando uma linha de base para a comparação dos resultados A hipótese de pesquisa foi a de que os pacientes com transtorno de pânico processariam as palavras com valência negativa mais rapidamente do que os indivíduos do grupocontrole além de também processálas mais rapidamente do que aquelas de valência positiva relacionadas ao bemestar Os resultados obtidos por Kroeze e colaboradores 2005 confirmaram a hipótese da pesquisa demons trando que em pacientes clínicos com transtorno de pânico a simples exposição a palavras que ativem memórias implícitas ligadas a emoções negativas já determina uma prontidão de resposta Para revisão específica de estudos de MI com pacientes clínicos veja Pause et al 2004 e Scott M ogg e Bradley 2001 Além da Psicologia Cognitiva da Evolucionista e da Neuropsicologia outro campo de estudos das M I é a Psicolinguística Foster 1999 Segui 2004 Taylor 2002 Nesta área de pesquisa de MI considerase que a aprendizagem e o re gistro mnemónico da língua materna ocorrem de forma implícita bem como o da gramática artificial isto é a representação grafêmica dos sons por meio das consoantes e vogais A Psicolinguística explora o chamado acesso lexical ou seja a decodifícação de inputs linguísticos os estímulos relacionados à linguagem tanto na língua falada como na escrita Entendese que o léxico é um banco de MI no qual se encontram arquivados os morfemas isto é as menores unidades de significado como a sílaba e as palavras com suas relações fonológicas or tográficas semânticas e sintáticas isto é o significado das palavras e a ordem interna das frases Observase portanto que codificamos armazenamos e recordamos implici tamente vários tipos de informações sendo esse fenômeno estudado sob diferentes abordagens O processamento implícito por sua vez pode ser relativo à recordação de informações verdadeiras ou reais ou a recordações falsas Neste último caso observase o fenômeno das FMI foco principal do presente capítulo Antes de abordar as FMI no entanto devese entender como se estuda uma memória que não é conscientemente recordada Qual é afinal o paradigma m e Falsas Memórias 121 todológico que os pesquisadores usam para demonstrar as MI sejam elas verda deiras ou falsas MEMÓRIA IMPLÍCITA E O EFEITO DE PRIMING Historicamente a M I não foi facilmente aceita pela comunidade científica como uma forma de memória independente da explícita até então conhecida e estudada As evidências empíricas de que havia mais de um sistema de armazena mento e recuperação de informações entretanto começaram a surgir a partir dos anos de 1960 em estudos com pacientes amnésicos Pesquisando a capacidade de aprendizagem do paciente HM portador de amnésia severa Milner Corking e Teuber 1968 relataram que este era capaz de adquirir novas habilidades mo toras tal como aprender a desenhar o contorno de um objeto observado pelo espelho embora não fosse capaz de recordar desse aprendizado ou mesmo de haver realizado o desenho As evidências apontadas por M ilner e colaboradores 1968 levaram outros pesquisadores à busca de paradigmas metodológicos que lhes permitissem inves tigar se haveria mais de um sistema de memória sendo um deles independente da consciência objetiva isto é a M I O objetivo principal dessas pesquisas foi encontrar tarefas capazes de evidenciar aprendizados e recordações implícitos não apenas em pacientes amnésicos mas também em pessoas neurologicamente sadias Como resultado de seus esforços os pes quisadores constataram que o paradigma experi mental que melhor permitia uma observação rigo rosa da M I era o prim ing Prim ing é o fenômeno cognitivo observado quando um estímulo prévio o prim e percebido brevemente usualmente de quatro milissegundos a dois segundos facilita o processamento de uma informação idêntica ao prime ou de alguma forma associada a ele per cebida logo a seguir Squire Shinamura e Graf 1985 Inicialmente as tarefas experimentais no paradigma de priming que melhor evidenciaram a MI foram as de complementação de radicais e de lacunas de pala vras p ex CASA CA C S em estudos com pacientes amnésicos grupo experimental e com indivíduos neurologicamente saudáveis grupocontrole Tomando como exemplo a tarefa de complementação de radicais imagine que um participante amnésico leu uma lista de palavras na qual aparecia a palavra CASA Ainda que esse paciente não possuísse posteriormente nenhuma recorda ção da leitura da lista quando o pesquisador lhe pediu para preencher as lacunas de CA ele realizou a tarefa mais rápida e corretamente do que ao preencher uma palavra que não estava na lista p ex MEIA ME Isso ocorre porque a memória da palavra lida se mantém ativada durante algum tempo favorecendo Priming é o fenômeno cognitivo observado quando um estímu lo prévio o prime percebido brevemente facilita o processamen to de uma informação subsequente idêntica ou associada ao prime 122 Lilian Milnitsky Stein cols a complementação de uma lacuna ou de um radical mesmo quando não há recor dação explícita da palavra ou de sua leitura Esse é o prim ing a facilitação de um processamento p ex a complementação do radical por meio da préativação automática de um armazenamento p ex uma palavra lida na lista Assim a partir de experimentos de prim ing foi possível comprovar a dis sociação entre dois sistemas de memória o explícito e o implícito tanto nos pa cientes amnésicos como em indivíduos neurologicamente saudáveis Graf Squire e Mandler 1984 Schacter 1987 Squire et al 1985 Tais experimentos também evidenciaram que os indivíduos amnésicos apresentavam um nível de acerto qua se idêntico ao do grupocontrole no paradigma de priming Os pesquisadores con sideraram então que o efeito de prim ing é independente das regiões cerebrais que processam as memórias controladas pela recordação voluntária isto é as memórias explícitas concluindo que o cérebro organizou sua capacidade de pro cessamento de informações em sistemas de memória distintos e independentes Posteriormente em estudos de prim ing com neuroimagens Dehaene et al 2001 Farah e McClelland 1991 Schacter et al 2007b Whalen et al 1998 observouse que o prim ing ocorre no córtex préfrontal e em suas áreas asso ciativas sendo seu funcionamento observado de duas formas Em uma delas o sistema cognitivo utiliza pistas como por exemplo as primeiras sílabas do hino nacional ou as primeiras palavras de um ditado popular a fim de recordar todo o resto Na outra forma de processamento ele recupera automaticamente todo um conjunto de informações ligadas ao estímulo inicial tal como ocorre por exem plo ao iniciarmos um percurso habitual cujo trajeto não necessita de raciocínio para ser completado Mas como se explica esse tipo de recuperação Um modelo explicativo para o efeito de prim ing é a abordagem conexionista de Anderson 1983 Esse autor apresentou a chamada hipótese de propagação da ativação preconizando que o conhecimento é armazenado na memória em no dos associativos formando redes de informação que são por sua vez interligadas Quando um nodo recebe um input p ex a leitura da palavra CASA seu nível de ativação aumenta distribuindose propagandose em rede e ativando as memórias associadas a ele no exemplo aqui utilizado as associações semânticas fonológicas eou ortográficas relacionadas à palavra CASA A hipótese de Anderson 1983 foi assumida por diferentes autores princi palmente a partir das evidências obtidas em neuroimagens durante a execução de tarefas Dehaene et al 2001 Schacter et al 2007a Tais evidências apontam o fato de que as MI são armazenadas e recuperadas como representações os no dos distribuídas por todo o neocórtex Isso significa que os nodos de informação são processados em várias áreas interligadas envolvendo desde as regiões que codificam a informação perceptiva p ex a cor ou a forma de um objeto até as áreas cujos nodos são de alguma forma associados à nova informação como por exemplo a utilidade desse objeto a semelhança com outro já conhecido ou a recordação concomitante de uma pessoa que possui um objeto idêntico Mas como os pesquisadores estudam o priming Existem basicamente dois paradigmas experimentais utilizados em pesquisas sobre o efeito de prim ing o direto e o indireto Falsas Memórias 123 Priming direto e indireto Usualmente o prim ing direto também chamado de idêntico ou de repeti ção é utilizado para demonstrar a ativação de processamento do sistema cogni tivo após a percepção de um estímulo sensorial como por exemplo uma palavra ou um símbolo visual Nesse tipo de pesquisa há a exposição prévia de um estí mulo inicial o prim e idêntico ao alvo o qual tem a função de preparar o sistema cognitivo para o processamento subsequente daquela mesma informação A ocor rência do fenômeno de prim ing direto é inferida a partir da comparação entre as condições de teste com e sem a apresentação de primes bem como pela m aior rapidez de resposta ou de reação ob servada na condição de teste na qual prime e alvo são idênticos Os primes podem ser apresentados acima ou abaixo do limiar de consciência do participante Quando são apresentados abaixo caracterizase o efeito de prim ing subliminar O tempo de exposição de um estímulo subliminar varia Palavras por exemplo são processadas subliminarmente entre 25 e 50 milissegundos m s de exposição Busnello Stein e Salles 2008 Foster 1999 enquanto símbolos gráficos fotos de faces ou figuras geométricas são percebidos préconscientemente a partir de 4 ms Murphy e Zajonc 1993 Observe na Figura 61 um exemplo de teste de priming subliminar direto em uma tarefa de complementação de radicais Na primeira condição de teste a pala vra ARM A é apresentada como prime na tela do computador abaixo do limiar de A ocorrência do fenôme no de priming é inferida a partir da comparação entre as condições de teste com e sem a apresentação de primes a b arma 40 ms 500 ms AR alvo casa 40 ms 500 ms i AR alvo 500 ms 500 ms AR alvo FIGURA 61 Exemplos de condições de teste de priming subliminar direto em tarefa de complementação de radicais a prime e alvo idênticos b prime e alvo não relacionados c alvo sem prime 124 Lilian Milnitsky Stein cols consciência do participante por 40 ms Isso quer dizer que ao olhar a tela ele vê somente a máscara visual logo substituída após 500 ms pelo alvo Usual mente o prime é apresentado em minúsculas e o alvo em maiúsculas No exemplo aqui utilizado o alvo percebido é a primeira sílaba de uma palavra A tarefa do participante é preencher as lacunas o mais rápido possível Como hipótese de pesquisa considerase que o alvo apresentado após um prime idêntico ainda que subliminar será preenchido mais rápida e corretamente do que em outras condições de teste A fim de corroborar essa hipótese os pesqui sadores apresentam então o mesmo alvo ARM A em outras duas condições de teste com um prime não relacionado casa sem nenhum prime As três condições de teste são apresentadas a diferentes participantes do experimento escolhidos aleatoriamente A medida de M I obtida é o tempo de reação TR menor na condição de identidade Por isso na instrução para a fase de teste o pesquisador informa ao participante de que este deverá realizar a ta refa o mais rápido possível pois a medida de TR serve para aferição do efeito de priming Já o efeito de prim ing indireto também chamado de associativo ou semân tico ocorre quando ao se perceber ou pensar sobre um conceito observase uma facilitação no processamento de outros conceitos a ele relacionado Por exemplo caso o indivíduo perceba o prime hospital processará o alvo MÉDICO mais rapidamente do que o alvo ÁRVORE uma vez que as duas primeiras palavras estão associadas semanticamente O TR nesse caso será menor do que na condi ção de teste em que não há associação Assim entendese que as tarefas que evidenciam o efeito de priming indire to buscam determinar se e o quanto um prime relacionado ao alvo influencia no processamento deste último Tal como ocorre no prim ing direto a investigação do efeito de prim ing indireto pode ocorrer de forma subliminar ou aparente Para uma revisão desse tópico veja também Salles Jou e Stein 2007 PRIMING INDIRETO NAS FALSAS MEMÓRIAS IMPLÍCITAS Como você leu no Capítulo 1 as FM ocorrem quando recordamos ou reco nhecemos o que não aconteceu Schacter et al 2007a Tratase de um fenôm e no testado de forma explícita no qual o indivíduo declara após ler uma lista de palavras assistir a um filme ou testemunhar sobre um crime o que viu e o que não viu ou o que recorda ou não ter acontecido E as FMI como ocorrem Como são estudadas O estudo da FMI ainda é incipiente Surgiu a partir das evidências obtidas nos experimentos de FM com listas de palavras associadas tais como no Paradigma DRM descrito no Capítulo 2 Dee O estudo da falsas me mórias implícitas ainda é incipiente Surgiu a partir das evidências obtidas nos experimen tos de falsas memórias com listas de palavras associadas tais como o Paradigma DRM Falsas Memórias 125 se 1959 ao testar a memória declarativa isto é de reconhecimento eou de recordação livre de listas de palavras semanticamente associadas p ex cama travesseiro lençol observou que os participantes além de recordarem palavras não apresentadas na lista de estudo tinham certeza de têlas lido No exemplo uti lizado o participante lembraria falsamente a leitura da palavra sono Deese chamou esse fenômeno de efeito de intrusão Roediger e McDermott 1995 retomaram o trabalho de Deese ampliando o paradigma de estudo das FM e estabelecendo o Paradigma DRM O efeito de intrusão foi então considerado como a evidência da falsa recuperação de uma palavra não lida na fase de estudo ou simplificando como uma FM A fim de explicar o efeito de intrusão relatado por Deese 1959 Underwood 1965 propôs a hipótese da ativação implícita preconizando que ao estudar uma palavra o indivíduo ativa automaticamente seus associados ou a rede semânti ca apresentada por Anderson 1983 A hipótese da ativação implícita também explicaria a recordação da essência em lugar do traço literal de memória propos ta pela Teoria do Traço Difuso Reyna e Brainerd 1998 abordada no Capítulo 1 Nessa teoria o traço literal de memória seria mais facilmente esquecido do que o traço de essência isto é o semântico e este último serviria de base para as FM As listas de palavras associadas e o estudo das Falsas Memórias Implícitas No estudo da FMI utilizamse usualmente as mesmas listas de palavras asso ciadas presentes nos estudos de FM Stein Fèix e Rohenkohl 2006 ver Capítulo 2 Até o presente momento considerase que a diferença entre a investigação de FM e de FMI reside no fato de que na segunda o par ticipante não tem consciência de estar recuperando memórias codificadas na fase de estudo dos expe rimentos Outra diferença reside no fato de que o efeito de FM parece ser melhor observado quan do a fase de estudo de experimento é feita acima do limiar de consciência do participante Huang e Janczura 2008 uma vez que os índices de falsos reconhecimentos aumentam de acordo com o au mento do tempo de exposição às listas de palavras A diferença entre FM e FMI portanto está vinculada à manipulação por parte do pesquisa dor da atenção e da consciência do participante do experimento e não ao conteúdo da recordação pois este seria o mesmo Como explicação Schacter e colaboradores 2007a entendem que os resultados de FMI obtidos em estudos com palavras associadas ocorrem devido à diminuição do campo de ação do mecanismo consciente de recordação Esse mecanismo entre tanto não é observado em indivíduos com lesões neurológicas uma vez que estes não possuem a capacidade de associar memórias de diferentes regiões cerebrais A diferença entre a investigação de falsas memórias e de falsas memórias implícitas com as listas de palavras associadas é que na segunda o participante não tem consciência de estar recuperando memórias baseadas na fase de estudo dos experimentos 126 Lilian Milnitsky Stein cols Assim para evidenciar o efeito de FMI o pesquisador a manipula o tempo no qual o estímulo é exposto b manipula a atenção do participante do experimento a fim de que este não tenha consciência de que realiza um teste de memória c utiliza tarefas com medidas implícitas de memória tais como a com plementação de fragmentos de palavras o preenchimento de lacunas a escolhacega ou a decisão lexical Em suma entendese que o mecanismo subjacente às FMI é o efeito de pri ming indireto ou semântico Como exemplo de um experimento de FMI com palavras associadas exa minaremos o seguinte procedimento utilizando uma mesma lista de palavras associadas p ex a lista fruta o pesquisador pode examinar tanto o efeito de FM como o de FMI Para tanto num experimento de FM o participante fará a leitura da lista de palavras no caso banana maçã uva pera mamão melão abacaxi com a instrução de prestar atenção pois mais tarde fará um teste de memória com este conteúdo Como visto no Capítulo 2 a FM é obtida quando o participante recorda na fase de teste do experimento uma palavra que não foi lida p ex m orango A fase de teste no experimento de FM utilizará medidas explícitas de memória tais como Fase de teste com medidas de memória explícita para evidenciar FM da palavra morango FIGURA 62 Medidas explícitas de memória Recordação livre O que você se lembra de ter lido na lista Recordação com pistas Quais palavras estavam na lista Reconhecimento Você leu a palavra morango Sim ou não Ao investigar o efeito de FMI com listas de palavras associadas no entanto o pesquisador na fase de estudo fará com que o participante leia as listas sem que tenha consciência de que terá sua memória testada posteriormente Um procedi mento usual nesse caso é fazer com que o participante leia as palavras contando o número de sílabas por exemplo a fim de que julgue realizar uma tarefa cognitiva Na fase de teste por sua vez o pesquisador também fará com que o participante realize uma tarefa sem notar que sua memória está sendo avaliada Como Voltando ao exemplo apresentado no estudo de FM imagine então que o participante de nosso experimento lerá a lista de frutas mas em uma fase de estudo muito breve p ex cada palavra da lista poderá ser apresentada por 20 ms ou contando as vogais de cada palavra lida Na instrução da tarefa ele será Falsas Memórias 127 informado por exemplo de que realiza um teste de processamento cognitivo de palavras sem que haja qualquer referência à sua memória Na fase de teste ele poderá realizar diferentes tarefas que demonstrem uma FMI do distrator crítico tais como FIGURA 63 Medidas implícitas de memória Nos dois primeiros exemplos o participante escreveria a palavra morango mais rapidamente do que a palavra mortadela Por quê Porque teria lido uma lista de frutas anteriormente à tarefa e assim sua tendência de resposta seria a FMI da palavra morango e não de uma palavra não relacionada à lista estudada No terceiro exemplo a tarefa de decisão lexical pede que o participante decida o mais rápido que puder se o que vê na tela do computador é ou não uma palavra Tendo percebido uma palavra da lista antes do alvo p ex o prime maçã o par ticipante fará essa decisão mais rápida e corretamente do que em uma condição de teste de linha de base na qual não haja a apresentação prévia de primes Na fase de teste além das medidas implícitas de memória o participante de um experimento de FMI deve realizar a tarefa proposta o mais rápido possível pois se espera que a palavra relacionada p ex m orango seja processada mais rapidamente do que uma não relacionada p ex janela Igualmente entendese que na escolhacega isto é falar ou escrever a primeira palavra vinda à mente sem tempo para pensar o participante gerará tanto palavras realmente percebi das na fase de estudo maçã banana como a palavra morango caracterizando assim a ocorrência de uma FMI pela ativação da rede semântica Caso não haja o controle experimental na manipulação da consciência dos participantes no entanto o resultado obtido não evidenciará uma FMI mas uma FM Por exemplo McBride Coane e Raulerson 2006 buscaram evidenciar o efeito de FMI mas não obtiveram os resultados esperados Em seu experimento os participantes leram 15 listas de palavras associadas uma palavra por vez du rante 3 segundos Ainda que os pesquisadores tenham utilizado medidas implíci tas de memória na fase de teste isto é o preenchimento de lacunas e a escolha cega os resultados não poderiam evidenciar FMI pois o tempo de exposição das palavras na fase de estudo foi muito alto 3 segundos Dessa forma fica claro o quanto a manipulação da consciência do participante é um fator determinante na pesquisa de FMI Realize a tarefa a seguir o mais rápido possível Preenchimento de lacunas M AN J ou Complementação do radical MO ou Decisão lexical MORANGO XTOLANGO ou Escolhacega escreva a primeira fruta que lhe venha à mente 128 Lilian Milnitsky Stein cols Alguns exemplos de estudos com listas de palavras associadas cujos resulta dos evidenciaram a ocorrência de FMI são a Seamon Luo e Gallo 1998 apresentaram subliminarmente 16 listas de palavras associadas 20 ms para cada palavra da lista enquanto os participantes ouviam sequêndas aleatórias de números em fones de ouvido antes e depois da apresentação das listas Para distraílos ainda mais os pesquisadores informaramlhes que posteriormente deveriam recordar os números ouvidos em sua ordem de apresentação b McKone e Murphy 2000 apresentaram ao mesmo tempo oito listas com 15 palavras associadas 30 s cada lista com a hipótese corrobo rada de que o acúmulo de itens apresentados em um curto espaço de tempo diminuiria a consciência das palavras lidas favorecendo FMI na fase de teste c Hicks e Stams 2005 disseram aos participantes que realizariam duas tarefas para medida de habilidades cognitivas na primeira fase do expe rimento Assim um grupo fez a contagem de letras das palavras apresen tadas na tela do computador e o outro efetuou a avaliação da valênda positiva negativa das listas de palavras associadas Na fase de teste os dois grupos tiveram de completar fragmentos com a primeira palavra que lhes viesse à mente escolhacega também apresentando FMI d Outra forma de testar FMI foi apresentada por Gallo e Seamon 2004 Na fase de estudo desse experimento os participantes leram 36 listas de palavras associadas com uma exposição de 20 ms para cada lista Entre estas ainda havia uma máscara visual de 80 ms a fim de que o participante só lembrasse da percepção desse estímulo visual e não das listas de palavras Na fase de teste desse experimento em lugar de uma medida implícita tais como as já descritas os participantes tiveram de escrever as palavras que lembrassem ter lido Todos afirmaram que isso seria impossível e assim os pesquisadores disseramlhes que tentassem adivinhar palavras que poderiam terlhes sido apresentadas naqueles breves 20 ms Como resultado além de escreverem algumas palavras realmente estudadas os participantes também escreveram palavras rela cionadas a elas isto é distratores críticos como morango evidenciando FMI Mais uma vez fica aqui reiterada a importância da manipulação da consciência dos participantes do experimento a fim de que se obtenha FM ou FMI como é o caso do experimento desses pesquisadores e Estendendo a abrangência das redes associativas no estudo das FMI pes quisadores como Lenton Blair e Hastie 2001 Blair 2002 e Akrami Ekehammar e Araya 2006 utilizaram listas de palavras associadas para observar a ativação implícita de estereótipos e preconceitos Estereótipos são representações cognitivas de ideias fatos ou imagens associadas a um grupo social Segundo Blair 2002 e Nosek 2007 a função prim or dial do armazenamento de representações por meio de estereótipos é a de facilitar o processamento dos estímulos ambientais obtendose rapi Falsas Memórias 129 dez e eficiência Assim há palavras denotando estereótipos de gênero de nacionalidade de papel social de etnia de grupo político religioso ou social Investigando a ativação implícita de estereótipos no efeito de FM Len ton e suas colaboradoras 2001 observaram que palavras com estereo tipia consistente de gênero masculino e fem inino e de papel social p ex mecânico juiz bailarina professora produzem mais FM em um teste de recordação do que palavras sem estereotipia p ex alegre pontual feliz normal Segundo as autoras esses resultados evidenciam uma associação direta entre as FM e a ativação de MI codificadas como estereótipos f Na mesma linha de pesquisa Akram i e colaboradores 2006 inves tigando preconceitos ligados a estereótipos de imigrantes na Suécia também obtiveram resultados semelhantes aos de Lenton e colabora doras 2001 No estudo sueco observouse que a ativação implícita de palavras relacionadas ao preconceito de nacionalidade isto é palavras com estereotipia consistente de im igrantes produziu mais FM do que as palavras neutras Apesar das evidências de ativação implícita da rede semântica a partir de palavras com estereotipia consistente no entanto a investigação de es tereótipos e preconceitos ainda é incipiente fazendo parte de uma linha de pesquisa da Psicologia denominada de Cognição Social Os experi mentos nessa área ainda que promissores não comportam uma análise consistente do efeito de FMI devendo ser melhor explorados em estudos futuros CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente capítulo teve por objetivo apresentar noções teóricas e ex perimentais concernentes à MI e ao efeito de prim ing enfocando na sequência os estudos de FMI Observouse que o processamento cognitivo subjacente ao fenôm eno das FMI é o prim ing indireto no qual há a ativação de uma rede as sociativa Dada essa característica intrínseca ao fenôm eno de FMI ele vem sen do investigado com listas de palavras associadas tais como o paradigm a DRM Deese 1959 Huang e Janczura 2008 Roediger e McDermott 1995 Stein et al 2006 Como explicação para o efeito de FMI Schacter e colaboradores 2007a entendem que os resultados obtidos em estudos com palavras associa das ocorrem devido à diminuição do campo de ação do mecanismo conscien te de recordação Esse mecanismo não é observado em indivíduos com lesões neurológicas pois eles não podem associar memórias codificadas em diferentes regiões cerebrais A diferença fundamental entre FM e FMI reside nos controles experimentais adotados pelo pesquisador na fase de estudo eou de teste dos experimentos Assim no estudo da FMI o pesquisador 130 Lilian Milnitsky Stein cols a manipula o tempo no qual o estímulo é exposto b manipula a atenção do participante a fim de que este não perceba que realiza um teste de memória c utiliza medidas implícitas de memória em tarefas como a complemen tação de radicais ou de fragmentos de palavras o preenchimento de lacunas a decisão lexical ou a escolhacega Observase entretanto que apesar dos controles experimentais e das evi dências obtidas os estudos com foco nas FMI ainda são poucos e muitas são as questões em aberto Não se sabe por exemplo se existem diferenças entre a quantidade de FM e de FMI com relação aos mesmos estímulos ou no quanto as FMI são moduladas pela emoção Além disso os paradigmas de investigação do efeito de FMI ainda necessitam ser refinados como no caso do processamento de estereótipos e preconceitos Sendo assim concluise o presente capítulo apontando mais perguntas do que respostas acerca do que falta saber a respeito da FMI De que maneira estudar esse efeito isto é em que outros paradigmas além dos já conhecidos e quais fatores podem impactar na evidenciação dessas memórias são questões ainda a ser respondidas quiçá em um futuro próximo REFERÊNCIAS Anderson J R 1983 A spreading activation theory of memory Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior 223 261295 Akrami N Ekehamar B Araya T 2006 Category and stereotype activation revisited Scandinavian Journal of Psychology 476 513522 Blair I V 2002 The malleability of automatic stereotypes and prejudice Personality and Social Psychology Review 63 242261 Busnello R H D Stein L M Salles J F 2008 Efeito de priming de identidade subli minar na 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adapta ção dos modelos às diferenças individuais Como visto nos capítulos anteriores as FM são lembranças de fatos que na realidade não aconteceram ou que ocorreram de forma diferente da recordada Essas distorções da memória ocorrem porque determinadas infor mações armazenadas nela são recordadas como se tivessem sido realmente vivi das Esse fenômeno vem sendo observado em pesquisas experimentais no âmbito da Psicologia Clínica Lindsay e Read 1994 e da Psicologia Forense Stein e Nygaard 2003 assim como em situações do cotidiano Roediger e McDermott 2000 Schacter 2003 Os diversos estudos do fenômeno das FM têm provocado abalos na concep ção sobre a memória humana lançando questionamentos tanto no campo teórico quanto no aplicado No campo teórico cientistas têm se esforçado para oferecer modelos explicativos sobre a natureza da memória humana de modo a contem plar este fenômeno No campo aplicado as FM têm posto em causa por exemplo a validade dos relatos testemunhais muitas vezes conduzidos de formas inapro priadas acabando por interferir nos processos mnemónicos tema detalhado no Capítulo 8 A Psicologia Clínica por sua vez é fundamentalmente embasada As falsas memórias não ocorrem de forma idêntica nos diferentes indivíduos 134 Lilian Milnitsky Stein cols em memórias que tem maiores chances de virem a ser distorcidas caso o terapeu ta se utilize intencionalmente ou não de técnicas sugestivas Na década de 1990 houve diversos casos que se tornaram populares principalmente nos Estados Uni dos de pessoas que se recordaram em contexto psicoterapêutico de ter sofrido abuso sexual quando crianças o que após investigação judicial concluiuse que não havia ocorrido ver Capítulos 11 e 12 Ainda que uma série de pessoas acabe gerando FM após serem expostas a técnicas inadequadas de entrevista terapêutica ou não com outras isto não ocorre mesmo quando expostas às mesmas técnicas Da mesma forma duas pes soas podem presenciar um mesmo evento e apenas uma gerar FM O que faz uma pessoa apresentar uma FM acerca de uma determinada situação e outra não Isso pode ser explicado por questões situacionais como estar mais ansioso ou cansado naquele momento ou seriam estas pessoas mais suscetíveis às FM Até o momento atual a m aior parte dos estudos sobre FM vêm sendo realizados com populações homogêneas e principalmente com a participação de estudantes universitários o que indica uma menor preocupação com as di ferenças individuais Porém Blair Lenton e Hestie 2002 demonstraram que as pessoas diferem quanto à produção de FM entre si e que isso é algo estável ao longo do tempo ou seja não se deve apenas às diferenças situacionais Os autores testaram a m emória dos participantes em dois momentos diferentes separados por duas semanas e verificaram que os níveis de FM dos indivíduos diferiram entre si mas não diferiram significativamente com o passar do tempo quando comparados com eles mesmos Aqueles indivíduos que se mostraram mais propensos a apresentar FM no primeiro teste de memória também o foram no segundo duas semanas depois O mesmo padrão de estabilidade foi observa do nos participantes que apresentaram menores índices de FM Tais resultados evidenciam que determinadas pessoas têm uma m aior suscetibilidade a gerar FM do que outras todavia esse estudo não explica quais diferenças individuais impactam no processamento mnemónico As diferenças individuais são objeto de estudo de um campo da Psicologia denominado Psicologia Diferencial Os pesquisadores que estudam as diferenças individuais buscam compreender como cada pessoa se desenvolve de forma dife rente ou seja direcionando suas pesquisas para a variabilidade do ser humano O objetivo fundamental dessa área no âmbito das FM é a compreensão das relações entre as diferenças psicológicas de cada pessoa e a produção de FM Os estudos nessa área podem ser utilizados para predizer o quão confiável é a memória de uma pessoa em uma determinada situação como um testemunho por exemplo O presente capítulo apresenta características individuais que têm sido mais frequentemente relacionadas às FM bem como as suas hipóteses explicativas Inicialmente serão abordadas as diferenças na produção de FM ao longo de dife rentes etapas do desenvolvimento humano As crianças pequenas apresentam al gumas características específicas em seu funcionamento mnemónico que as levam a ter menores índices de FM do que adultos Além disso também será discutida Falsas Memórias 135 a influência de experiências traumáticas ao longo da infância e seu impacto no desenvolvimento neurofuncional e neuroanatômico Crianças expostas a traumas não apresentam alterações de memória durante essa etapa do desenvolvimen to porém quando adultas observase a presença de déficits mnemónicos que acabam por reduzir os índices de FM se comparados com os de adultos que não sofreram trauma na infância Olhando para o outro extremo do desenvolvimento humano os idosos apre sentam um declínio em sua memória verdadeira M V o que não ocorre com suas FM Estas se tom am mais frequentes com o passar dos anos e com o declínio de determinadas funções cerebrais e estratégias cognitivas O funcionamento das FM em crianças e idosos tem sido avaliado de forma comparativa a adultos sau dáveis Outra característica frequentemente relacionada com as FM são as diferen ças de sexo todavia os estudos na área não vêm demonstrando diferenças sig nificativas entre FM de homens e de mulheres Por fim o capítulo abordará as relações entre características de personalidade e FM Características dissociativas de personalidade têm sido amplamente relacionadas na literatura com maiores índices de FM Outras pesquisas apontam o neuroticismo que é um traço estável de personalidade e que está ligado a uma tendência em experenciar emoções negativas e aflitivas como responsável por levar essas pessoas a confiarem menos em suas memórias aumentando a possibilidade de as distorcerem A ansiedade como traço de personalidade assim como o neuroticismo também parece levar as pessoas a ter menos credibilidade em suas memórias aumentando sua susce tibilidade às FM DESENVOLVIMENTO HUMANO E FALSAS MEMÓRIAS A etapa do desenvolvimento humano é um dos aspectos que diferencia um indivíduo de outros e por isso também pode ser considerada uma diferença in dividual A idade influencia de forma significativa os processos cognitivos como a memória e consequentemente as FM Sendo assim o estudo das relações entre desenvolvimento humano e FM pode contribuir para a compreensão das diferen ças entre os indivíduos no que concerne às distorções mnemónicas Os estudos indicam que as M V aumentam desde o nascimento até a idade adulta e começam a decair na terceira idade juntamente com mudanças nos me canismos cerebrais e estratégias cognitivas fundamentais para a memória Gallo 2006 O mesmo não ocorre com as FM que assim como as verdadeiras aumentam da infância para a idade adulta mas que crescem ainda mais na velhice Além des sas questões esta seção também abordará o impacto no adulto causado por trau mas vividos na infância Esses traumas fazem com que essas crianças quando adul tas apresentem défidts em determinados sistemas de memória gerando menores índices de FM do que em adultos que não experendaram o traumas nesta etapa 136 Lilian Milnitsky Stein cols Falsas memórias em crianças Sob o prisma das diferenças individuais muitos pesquisadores vêm bus cando compreender como as fases do desenvolvimento humano interferem na produção das FM Neste tópico serão apresentadas as particularidades do desen volvim ento das FM em crianças fase na qual alguns estudos têm demonstrado a existência de distorções mnemónicas Bjorklund 2000 Sabese que crianças desde muito cedo recordam de eventos que de fato nunca aconteceram Essas falsas recordações não podem ser confundidas com simulações isto é mentiras ou fantasias que frequentemente acontecem nesta fase Os primeiros estudos sobre distorção mnemónica realizados com crianças datam do final do século XIX e início do século XX quando alguns psicólogos europeus começaram a se interessar pelo testemunho infantil no contexto foren se Dentre esses cientistas destacase A lffed Binet 1900 que a partir dos seus estudos concluiu que as crianças distorciam as lembranças sobre um evento a partir da sugestão do pesquisador Stern 1910 também observou que entrevista dores simplesmente por fazerem perguntas muitas vezes são responsáveis pela produção de FM em crianças Além disso Stern apontou que as FM em crianças também ocorrem pelo fato delas confundirem fantasia com realidade Binet e Stern trouxeram importantes contribuições no entendimento da suscetibilidade das crianças às FM A questão das FM sugeridas em crianças será discutida no Ca pítulo 8 Em virtude disso o foco da presente subseção será nas FM espontâneas em crianças De Binet e Stern até os dias de hoje a ciência sobre memória vêm trabalhando na tentativa de compreender as distorções mnemónicas em crianças e suas parti cularidades Pesquisas recentes Brainerd et al 2006 Brainerd e Reyna 2007 Sugrue e Hayne 2006 indicam que existem diferenças no que se refere às FM quando são comparados crianças e adultos assim como entre crianças de diferentes faixas etárias De um modo geral as pesquisas têm demonstrado que quanto maior a idade maior a produção de FM Portanto crianças com idade escolar próximas dos 11 anos apresentam maiores índices de FM se comparadas com crianças pré escolares entre 5 e 6 anos Brainerd Reyna e Forrest 2002 Uma questão a ser considerada portanto é por que as crianças mais velhas teriam uma maior propensão a apresentarem FM que as mais novas Uma possível explicação reside no fato das crianças mais velhas serem mais capazes de extrair a essência dos eventos que seria necessária para gerar FM quando comparadas com as crianças menores Brainerd et al 2002 Por outro lado as mais novas teriam proporcionalmente mais lembranças de informações literais referentes aos detalhes das situações Nessa perspectiva as FM aumentariam com o avanço da idade até a vida adulta da mesma forma que ocorre com as MV Sugrue e Hayne 2006 Essa hipótese do desenvolvimento das FM está fundamentada na Teoria do Traço Difuso TTD Brainerd e Reyna 2005 discutida no Capítulo 1 que sustenta a existência de dois sistemas de memória independentes os quais operam em paralelo Brainerd e Reyna 2002 A memória de essência é respon sável pelas lembranças mais centrais e genéricas ou do significado sendo mais Falsas Memórias 137 estável e duradoura e portanto menos suscetível à interferência Por outro lado a memória literal corresponde às lembranças dos detalhes ou seja a aspectos específicos da situação vivenciada A m e mória literal é mais frágil e está mais sujeita aos efeitos da interferência e ao esquecimento De acordo com a TTD as FM ocorrem porque os traços de essência se so brepõem aos traços literais no momento da recuperação Assim a memória de essência é responsável por recordações e reconhecimentos falsos ao passo que a memória literal corresponde aos detalhes precisos e portanto às lembranças verdadeiras Brainerd e Reyna 2005 Desse modo as crianças préescolares por terem um predomínio da memória literal apresentam mais esquecimento e menos FM que as crianças com idade escolar Esse fenômeno ocorre devido ao desenvolvimento tardio da memória de essência Dessa forma as crianças mais velhas por possuírem uma memória de essência mais desenvolvida não demons tram dificuldade em extrair o significado do evento vivenciado essência Em função dessas particularidades do desenvolvimento da memória tomam se necessárias algumas adaptações nos instrumentos de pesquisa para estudar o fenômeno das FM em crianças menores isto é materiais em que o contexto é facilmente compreendido pela criança Entretanto muitas pesquisas realizadas que estudam FM com crianças baseiamse na mesma m etodologia utilizada com adultos principalmente por m eio de procedimento DeeseRoedigerMcDermott DRM H ow e 2002 O DRM é um procedimento utilizado em diversos estudos sobre FM tendo em vista a robustez dos resultados obtidos Roediger e McDermott 1995 Stein Feix e Rohenkohl 2006 Ele consiste na apresentação de listas de palavras se manticamente associadas Cada lista tem um distrator crítico uma palavra que traduz a essência semântica da lista O distrator crítico não é apresentado na fase de aprendizagem da lista mas no momento em que se testa a memória quando o participante se recorda deste distrator crítico considerase isso uma FM Os estudos com crianças que utilizaram o procedim ento DRM têm encon trado que as M Y bem como as FM aumentam em função da idade Brainerd et al 2002 Howe 2005 Howe et al 2004 Os resultados dessas pesquisas são exemplificados em um gráfico teórico Figura 71 Todavia esses estudos sobre o desenvolvim ento da m em ória têm recebido algumas críticas no que concerne o material utilizado por esses pesquisadores Sabese que as crianças apresen tam dificuldades em extrair o significado das listas DRM o que é necessário para a produção de FM H ow e 2002 Portanto o DRM não parece ser o proce dimento mais adequado para a compreensão do fenôm eno do desenvolvim ento das FM Buscando minimizar essas limitações com o uso do DRM Dewhurst Purs glove e Lewis 2007 investigaram o falso reconhecimento em crianças de 5 8 e 11 anos usando além da versão padrão do DRM uma versão alternativa em que as listas de palavras foram transformadas em pequenas histórias Como o espe rado na versão padrão as crianças pequenas apresentaram menores índices de As falsas memórias assim como as verdadeiras au mentam com o avanço da idade até a vida adulta 138 Lilian Milnitsky Stein cols FM MV FIGURA 71 Desenvolvimento das Falsas Memórias FM Falsas Memórias MV Memórias Verdadeiras FM em comparação aos dois outros grupos de crianças Porém quando as listas de palavras foram transformadas em histórias as crianças menores apresentaram mais falsos reconhecimentos enquanto os níveis de FM nas crianças com 8 e 11 anos não foram afetados pelo formato do material de estudo De acordo com os autores o contexto da história aumentou a habilidade das crianças menores em fazer inferências baseadas no tema geral do estímulo história Assim quando o contexto é compreendido pela criança ela é capaz de extrair o significado geral da situação vivenciada Essa condição favorece o processamento de essência e portanto pode produzir mais FM A memória das crianças apresenta peculia ridades que a diferem da memória dos adultos esse dado deve ser levado em consideração desde situações corriqueiras como ouvir o relato do dia dela na escola até em casos especiais como em depoimentos jurídicos A memória das crianças é confiável desde que sejam usados métodos adequados naquelas situações em que se deseja ter acesso às recordações sobre determinada situação Os estudos sobre FM em crianças têm levado os pesquisadores não apenas a aprofundar o conhecimento sobre a memória nessa etapa do desenvolvimento hu mano mas também à compreensão do fenômeno de forma mais ampla Pesquisas Quando o contexto é compreendido pela criança ela é capaz de extrair o significado geral da situação vivenciada favorecendo o processamento de essência e podendo produzir mais falsas memórias Falsas Memórias 139 vêm sendo realizadas e novos materiais vêm sendo construídos e adaptados para que possam ser geradas hipóteses explicativas cada vez mais robustas O avanço desses estudos resulta no desenvolvimento de técnicas de entrevista apropriadas para que profissionais do campo forense e clínico possam minimizar os efeitos da sugestão de falsa informação Os estudos referidos apontam para as habilidades das crianças mostrandonos que mesmo crianças muito pequenas são capazes de recordar quantidades significativas de informações sobre eventos Por outro lado esses mesmos estudos mostram a fragilidade da memória das crianças Desenvolvimento trauma e falsas memórias Na subseção anterior foi visto que as distorções de memória apresentam diferentes características em crianças e em adultos Essas modificações ocorrem como parte do desenvolvimento humano porém crianças expostas a traumas acabam quando adultas apresentando um funcionamento cognitivo diferente no que se refere às FM em relação àquelas não expostas GrassiOliveira e Stein 2008 verificaram que quando adultos com história de trauma na infância foram comparados com adultos sem esse tipo de história os primeiros manifestavam menores taxas de FM Não houve nenhuma diferença entre esses dois grupos no que diz respeito ao reconhecimento de informações verdadeiras Os resultados demons traram que no paradigma DRM o grupo com trau ma mostrou prejuízo no processamento da memó ria de essência o que levou a uma discriminação melhor entre MV e FM do que outros grupos É importante lembrar que no para digma DRM a capacidade de reconhecer uma palavra que não foi apresentada durante a fase de estudo mas que está semanticamente associada à outra palavra apresentada na fase de teste é o que se chama de associação semântica Corroborando a predição de que o grupo com trauma é menos afetado pelo efeito semântico da associação os participantes foram significativamente menos inclinados a usar suas memórias de essência nos julgamentos de reconhecimento das palavras apresentadas no teste de reconhecimento do que os participantes dos grupos sem trauma Dessa maneira os dados sugerem que o processamento da memória de essência estaria prejudicado enquanto os traços literais permane ceriam mais preservados Traumas na infância impactam o desenvolvimento neurológico principal mente em áreas de associação interhemisfericas Teicher et al 2004 Assim os mecanismos envolvidos no prejuízo da memória de essência poderiam ser ex plicados numa perspectiva neurobiológica Pacientes com lesões no hipocampo mostram um desempenho prejudicado em testes de memória verbal incluindo testes de recordação de um parágrafo ou aprendizagem de uma lista de palavras além desses prejuízos de memória correlacionaremse com o grau de diminuição volumétrica hipocampal e perda neuronal Sass et al 1992 Adultos com história de trauma na infância apre sentam menos falsas memórias que aqueles sem esse histórico 140 Lilian Milnitsky Stein cols Verificase que mulheres com história de abuso sexual na infância e sin tomas de Transtorno de Estresse PósTraumático TE PT quando submetidas a um exame de Tom ografia por Emissão de Pósitrons ver Capítulo 3 mostram falhas na ativação do hipocampo durante um teste de memória verbal Além disso os exames de Ressonância Magnética dessas mesmas mulheres apresen tam uma redução de 16 no volum e hipocampal em relação ao grupo com história positiva para abuso sexual sem TEPT Quando comparadas com um grupocontrole sadio a redução no volum e do hipocampo é de 19 em média Bremner et al 2003 Essa atrofia hipocampal pode estar relacionada com uma série de alterações imunoendrocrinológicas Uma das hipóteses aventadas seria a de que altos níveis de glicocorticóides cortisol seriam liberados duran te uma situação de trauma o que resultaria em dano neurológico já que esse horm ônio é capaz de danificar as células nervosas quando em altas quantidades Sapolsky et al 1990 A exposição a altos níveis de cortisol de form a crônica resultaria então na diminuição da arborização dendrítica e na perda neuronal Bremner et al 2003 Essa perda neuronal impactaria mais drasticamente as regiões préfrontais e mediais considerando o fato de essas regiões assumirem um papel crucial na gê nese das distorções de memória Schacter e Slotnick 2004 é interessante repor tar dois estudos que utilizam o DRM para investigar a presença de FM em adultos com maustratos na infância Um desses estudos Bremner Shobe e Kihlstrom 2000 teve por objetivo avaliar a capacidade de recordação e reconhecimento e também a produção de FM em mulheres vítimas de maustratos e TEPT Tal pesquisa identificou um aumento significativo na produção de falsos reconheci mentos no grupo que reportou TEPT e abuso sexual na infância além de prejuízo na capacidade de recordação Também ocorreu uma diminuição da capacidade de reconhecimento das palavras estudadas nas mulheres com sintomas de TEPT quanto maior a severidade dos sintomas mais prejudicado foi o reconhecimento Se compararmos o fato do aumento de FM em adultos com história de abuso sexual com a diminuição de FM em adultos com história de negligência supõese que o tipo de experiência estressante na infância possa impactar diferentemente os sistemas relacionados à memória de essência Da mesma forma outro estudo utilizando o DRM comparou quatro grupos 1 recuperado mulheres que lembraram quando adultas que foram abusa das na infância 2 reprimido mulheres que achavam que tinham sido abusadas na infân cia mas que não se lembravam de nada 3 contínuo mulheres que sempre tiveram memória de terem sido abusa das quando criança 4 controles mulheres sem nenhuma lembrança de abuso e nem achavam que isso ocorreu Clancy et al 2000 Os resultados indicaram que o grupo recuperado foi mais suscetível que os outros grupos a exibir falsos reconhecimentos de associados semânticas Toda Falsas Memórias 141 via antes de qualquer conclusão é importante salientar que o grupo recuperado diferia estatisticamente dos outros grupos em relação aos sintomas de TEPT e depressão o que deve ser encarado como um fator de confusão importante Por outro lado os três grupos com história de abuso mostraram índices de falsos re conhecimentos superiores aos do grupocontrole Diferenças no DRM parecem ser específicas para a vida adulta já que em crianças com história de maustratos a produção de FM não é diferente da ob servada naquelas que não sofreram maustratos H ow e et al 2004 Esse achado é condizente com as hipóteses desenvolvimentais as quais postulam que os efeitos do trauma preco ce seriam percebidos somente em etapas desen volvimentais posteriores De Bellis 2005 Teicher et al 2004 Uma das explicações possíveis seria a de que indivíduos vítimas de eventos traumáti cos desenvolveriam déficits gerais nos processos de monitoramento da fonte A Teoria do Monito ramento da Fonte Johnson Hashtroudi e Lindsay 1993 abordada com maior profundidade no Ca pítulo 1 propõe que as FM ocorrem a partir da dificuldade do indivíduo em iden tificar a fonte correta da codificação da informação lembrança de como quando e onde a memória foi adquirida Isso faria com que a memória de eventos per cebidos pudesse ser confundida com a memória de eventos imaginados o que levaria a uma suscetibilidade de produção de FM Clancy et al 2000 Zoellner et al 2000 O monitoramento da fonte envolve os processos de julgamento e tomada de decisão processos relacionados ao lobo préfrontal Schacter e Slotnick 2004 Assim qualquer alteração no neurodesenvolvimento dessa estrutura poderia es tar relacionada com um aumento de FM Outra explicação para a produção de FM é a existência de danos em estruturas têmporomediais o que prejudicaria o armazenamento da informação de essência ou pelo menos poderia prejudicar a recuperação dessa essência Dessa forma as pesquisas na área têm demonstrado que traumas na infância acabam por modificar o desenvolvimento de determinadas estruturas cerebrais o que resulta em prejuízos no processo de recordação baseado na capacidade de associação semântica Falsas memórias em idosos Com o passar do tempo as crianças saudáveis tendem a ter um aumento tanto no que se refere às M V quanto às FM chegando ao seu ápice na idade adul ta Porém com o passar dos anos os adultos começam a apresentar peculiarida des referentes à sua faixa etária em especial quando se compara adultos jovens com idosos Ainda que haja divergência quanto à delimitação dessas faixas etá rias as pesquisas têm considerado como adultos jovens aqueles que se encontram A produção de falsas me mórias de crianças que sofreram maustratos não difere daquelas que não sofreram pois os efeitos do trauma preco ce seriam identificados somente em etapas evolutivas posteriores 142 Lilian Milnitsky Stein cols entre os 18 e os 31 anos enquanto na maior parte dos estudos revisados foram considerados idosos aqueles indivíduos com 61 anos ou mais Diversos estudos têm indicado que as M V dos idosos diminuem em função da idade Entretanto o mesmo não ocorre em relação às FM que atingem índices mais elevados em idosos longevos Balota et al 1999 Dehon e Brédart 2004 Dennis Kim e Cabeza 2007 Mitchell Johnson e Mather 2002 Roediger e Gerad 2007 Watson McDermott e Ba lota 2004 Segundo a TTD os idosos apresentam um déficit no sistema de memória literal que faz com que suas MV diminuam o sistema de memória de essência porém se mantém intacto Devido ao prejuízo na memória literal os idosos aca bam se engajando mais em processamentos de essência que como visto ante riormente se sobrepõe aos traços de memória literal que são responsáveis por armazenar os detalhes mais precisos das situações vivenciadas Devido ao déficit no armazenamento de detalhes precisos no sistema de memória literal e ao maior engajamento no sistema de memória de essência os idosos acabam tendo m eno res índices de MV e maiores de FM recordandose mais frequentemente do que os adultos jovens de informações que não foram vividas mas que são coerentes com o contexto das situações vivenciadas Dennis et al 2007 Outra teoria que busca explicar o aumento nas FM em idosos é a Teoria do Monitoramento da Fonte Segundo esta abordagem os idosos apresentam um déficit no monitoramento da fonte da informação o que os torna mais suscetíveis às FM do que adultos jovens Essa dificuldade dos idosos em identificar a fonte da informa ção também parece estar relacionada com menores recordações no que concerne a informações perceptuais e temporais fazendo com que tenham recordações menos vívidas levandoos a confiar menos em suas memórias Mitchell et al 2002 Apesar desse déficit no monitoramento da fonte os idosos se mostraram capazes de diminuir significativamente seus índices de FM em um estudo Watson et al 2004 quando avisados sobre a possibilidade de estarem presentes em um teste de reconhecimento itens que não haviam sido apresentados anteriormente mas que estariam relacionados semanticamente com estes Neste mesmo estudo outro ponto que colaborou para a diminuição das distorções mnemónicas em ido sos foi o aumento do tempo para a codificação das informações na fase de estudo de um dos experimentos Isso indica que apesar de apresentarem um déficit no monitoramento da fonte os idosos são capazes de utilizar algumas estratégias que o atenuam colaborando para um melhor funcionamento mnemónico Além de serem mais suscetíveis a gerar FM espontaneamente os idosos também são mais fa cilmente sugestionáveis que adultos jovens Dehon e Brédart 2004 Sua maior dificuldade em m o nitorar a fonte os tom a mais propensos a aceita Idosos que apresentam prejuízos no lobo frontal gerados pelo avanço da idade ou por doenças neurode generativas são mais suscetíveis à sugestão de falsa informação As memórias verdadei ras diminuem em função da idade Entretanto as falsas memórias atingem índices mais elevados em idosos Falsas Memórias 143 rem informações sugeridas como verdadeiras Sendo assim cabe aqui retomar a questão da importância das entrevistas com idosos também serem conduzidas por técnicas adequadas tanto no âmbito forense quanto psicoterapêutico para minimizar a possibilidade de lembranças baseadas em FM A sugestionabilidade às FM é mediada pelo funcionamento neuropsicológico Dessa forma idosos que apresentam um bom funcionamento do lobo frontal tem índices de FM muito mais próximos aos de adultos jovens Em contrapartida idosos que apresentam prejuízos no lobo frontal gerados pelo avanço da idade ou por doenças neurode generativas p ex Doença de Alzheim er se tom am mais suscetíveis à sugestão Roediger e Geraci 2007 Butler e colaboradores 2004 realizaram uma bateria de testes capazes de avaliar o funcionamento do lobo frontal Os autores dividiram os idosos de acordo com os resultados nos testes em dois grupos Um grupo era composto por aqueles que apresentaram melhor desempenho nos testes enquanto o outro era composto por aqueles com pior desempenho havia ainda um grupocontrole composto por adultos jovens saudáveis O grupo composto por idosos com melhor desem penho apresentou maiores índices de recordação de MV e menores índices de FM Além disso os idosos com melhor desempenho não diferiram do grupocontrole quanto às MV nem quanto às FM O grupo de idosos com pior desempenho como esperado apresentou menores índices de M V e maiores índices de FM que os outros dois grupos Esses resultados indicam que não é apenas o avanço da idade o responsável pelas diferenças encontradas entre a memória de adultos jovens e idosos mas que o funcionamento do lobo frontal tem um papel importante neste processo Ainda que possam existir défícits no funcionamento mnemónico dos idosos a maior parte dos indivíduos em idade avançada apresenta um bom funciona mento no dia a dia pois os eventos cotidianos são significativamente distintos o que facilita sua recuperação pela memória gerando menores prejuízos para os idosos Gallo et al 2007 Além disso a menor necessidade de se recordar com precisão de detalhes das situações faz com que os idosos não sejam expostos com grande frequência a situações exigentes à memória como as realizadas nas pes quisas da área Consideradas as questões discutidas nesta seção é possível afirmar que o desenvolvimento humano impacta diretamente no funcionamento das FM O pas sar dos anos leva a um aprimoramento do sistema de memória de essência o que aumenta o número de MV e FM e chega ao auge na idade adulta Com o avanço da idade começam a ocorrer déficits no lobo frontal que acarretam maiores índi ces de FM Duas robustas hipóteses tentam explicar esse aumento de FM 1 a TTD propõe que há um declínio no sistema de memória literal o que faz com que os idosos se engajem mais em processamentos de essência 2 a Teoria do Monitoramento da Fonte sugere que há um déficit no m o nitoramento da fonte da informação que faz com que os idosos tenham maior dificuldade em distinguir processos cognitivos internos de estímu los observados por meio dos sentidos 144 Lilian Milnitsky Stein cols Atualmente podese dizer que é consenso entre os estudiosos das FM que idosos são mais suscetíveis a esse fenômeno comparativamente com adultos jo vens ou em sua geração espontânea ou por sugestão externa Isso se deve princi palmente ao declínio das funções do lobo frontal que são comuns nesta etapa do desenvolvimento Porém esse declínio não ocorre de forma uniforme variando de pessoa para pessoa o que não nos permite dizer que todos os idosos apresenta rão maiores índices de FM que adultos jovens ainda que esta seja uma tendência Esses dados apontam para a necessidade da elaboração de técnicas de entrevistas específicas para a população que considerem sua maior propensão à sugestionabi lidade especialmente em contextos forenses como testemunhas ou vítimas Em síntese podese dizer que as FM espontâneas tendem a aumentar da infância até a velhice porém isso não ocorre com pessoas que sofreram traumas durante a infância Essas pessoas apresentam um desenvolvimento mnemónico dentro do esperado durante a infância mas na idade adulta acabam apresentan do índices de FM menores do que de adultos sem história de trauma Isso ocorre devido a prejuízos em regiões do cérebro como o hipocampo que são gerados a partir de situações traumáticas prejudicando o funcionamento da memória O sexo do indivíduo e as falsas memórias As diferenças no funcionamento cognitivo entre os sexos são um tema que suscita o interesse de muitos daqueles que se propõem a estudar a cognição hu mana Homens e mulheres diferem quanto a uma série de aspectos que vão do sistema reprodutivo à maior ou menor propensão para adquirir determinadas doenças Porém no que tange a distorções mnemónicas os estudos até aqui realizados não têm indicado o sexo como uma característica capaz de influenciar a produ ção de FM Bauste e Ferraro 2004 Smeets Jelicic e Merckelbach 2005 inves tigaram a influência do sexo do indivíduo nas dis torções mnemónicas os resultados indicam que o sexo não se mostrou impactante nas FM Nesse estudo os participantes eram instruídos a ler 12 listas de palavras DRM e depois a escrever as palavras de que se recordavam Após recordarem li vremente as palavras apresentadas os participantes respondiam a um teste de re conhecimento no qual identificavam palavras como vistas anteriormente ou não Tanto homens como mulheres apresentaram índices de FM congruentes com a literatura da área e não divergentes entre si A única diferença observada entre os sexos foi que homens apresentaram mais erros de comissão quando instruídos a recordar livremente das palavras anteriormente apresentadas Isso significa que comparativamente às mulheres os homens lembraramse de mais palavras que não haviam sido apresentadas anteriormente e que não tinham nenhuma relação semântica com as listas de palavras apresentadas É importante ressaltar que ain da que erros de comissão sejam falhas na memória estes não são FM Os estudos até aqui realizados não têm indicado o sexo como uma característica capaz de influenciar na produ ção de falsas memórias Falsas Memórias 145 Em outro estudo Kreiner et al 2004 também foram utilizadas listas DRM porém as listas foram apresentadas por m eio de uma narração gravada pre viam ente por um hom em e por uma mulher e reproduzida para cada um dos participantes em um aparelho de som Os participantes foram divididos a fim de que aproximadamente a metade deles ouvisse as listas narradas por uma voz masculina e outra metade por uma feminina sendo que metade dos par ticipantes ouviu a voz congruente com o seu sexo enquanto a outra metade ouviu a voz divergente A hipótese dos autores era de que quem ouvisse uma voz correspondente ao seu sexo teria maiores dificuldades no monitoramento da fonte e consequentemente apresentaria maiores índices de FM Porém os resultados não apontaram nenhuma interação entre o sexo do narrador e o sexo do participante Ainda que com o nos trabalhos citados acima a literatura não venha de monstrando diferenças entre o sexo dos participantes e a quantidade de FM produzidas Barbosa 2008 desenvolveu um estudo visando avaliar MV e FM de homens e mulheres para informações centrais e periféricas de uma história emocional Foram consideradas informações centrais as que não poderiam ser substituídas ou alteradas sem que se modificasse o sentido da história e periféri cas as referentes aos detalhes que não são fundamentais para a compreensão da mesma A hipótese de que o falso reconhecimento de informações centrais e perifé ricas de histórias emocionais para homens e mulheres não seria igual foi formu lada a partir de estudos que apresentaram diferenças entre os sexos no reconheci mento para os dois tipos de informação Cahill e van Stegeren 2003 Estudos de neuroimagem também apontaram que homens apresentam uma m aior ativação da amígdala direita e mulheres da amígdala esquerda no momento da codificação de informações emocionais de uma história o que pode estar relacionado com o tipo de informação recordada Porém os resultados encontrados por Barbosa 2008 não indicaram diferenças entre FM para informações centrais ou periféri cas de homens e mulheres ocorrendo o mesmo com as MV Esses resultados cor roboram a literatura da área que vem sugerindo que o sexo não é uma diferença individual capaz de influenciar no fenômeno das FM PERSONALIDADE E FALSAS MEMÓRIAS Estudos que relacionam diferenças indivi duais e FM procuram responder o que tom a al gumas pessoas mais suscetíveis do que outras na produção e aceitação de falsas informações Essa questão demonstra que a vulnerabilidade da m e mória em apresentar distorções é um fenômeno complexo e cercado de inúmeras variáveis dentre elas as características de personalidade Vários autores Ávila e Stein 2006 Eisen e Lynn 2001 As diferenças indivi duais especialmente certos tipos de traços de personalidade podem exercer influência signi ficativa na precisão dos processos de memória 146 Lilian Milnitsky Stein cols Porter Birt Yuille e Lehman 2000 têm sugerido que as diferenças individuais especialmente certos tipos de traços de personalidade podem exercer influência significativa na precisão dos processos de memória Certas pessoas podem criar FM para eventos completos descrevendo com detalhes experiências que nunca foram realmente vividas Brainerd et al 2006 Loftus e Davis 2006 Sabese que as FM incluem distorções na recuperação da memória armazenada incluindo interpretações e inferências dos indivíduos O sujeito acredita sinceramente que a sua recordação é verdadeira podendo tra zer uma riqueza de detalhes impressionante McBride Coane e Raulerson 2006 Stein e Neufeld 2001 Tanto é assim que na maioria das vezes tornase ex tremamente difícil diferenciar FM de MV sem a corroboração de outros dados Loftus 1997 Considerando o fenômeno das FM surge o interesse em responder o que tom a algumas pessoas mais suscetíveis a aceitação e a produção de FM do que outras As características pessoais de cada indivíduo podem influenciar na sus cetibilidade para FM e se podem quais são elas Essas questões começam a ser respondidas à medida que surgem novos estudos que procuram apontar quais características e traços individuais estão diretamente relacionados com a susceti bilidade às FM Os primeiros estudos associando características de personalidade com FM surgiram com o interesse em entender erros de memória em entrevistas com tes temunhas Gudjonsson 1983 1988 Procuravase predizer quais pessoas seriam mais suscetíveis à sugestionabilidade ou seja quão sugestionável é um indivíduo em aceitar falsas informações por meio de perguntas feitas durante interrogatório policial Gudjonsson 1983 mediu pela Escala de Inteligência Wechsler para Adul tos o quociente intelectual dos participantes da pesquisa e concluiu que pessoas com uma menor capacidade intelectual apresentaram uma maior suscetibilidade para FM já que pessoas com essa característica confiavam menos em seus próprios julgamentos No mesmo estudo pôdese observar que as pessoas que possuíam for te necessidade em se apresentarem de forma favorável e com tendência a agradar aos outros isto é necessidade de desejabilidade social possuíam maior tendência às FM já que por desejarem aceitação por parte de outros acabavam sendo mais suscetíveis a erros de memória Wilkinson e Hyman 1998 Os efeitos das estratégias de coping na sugestionabilidade de falsas informa ções em um interrogatório também foi outro fator investigado por Gudjonsson 1988 Estratégias de coping podem ser definidas como um conjunto de técnicas utilizadas pelas pessoas para adaptaremse a circunstâncias adversas ou estres santes D ellA glio e Hutz 2002 Sendo assim a sugestionabilidade de uma pes soa pode ser influenciada pelas estratégias de enfrentamento que usa já que em situações de estresse p ex em depoimentos ou testemunhos os indivíduos es tão lidando com incertezas e expectativas Pessoas que possuem boas estratégias de coping gerando atitudes de análise crítica da situação e uma boa capacidade de resolução de problemas são menos sugestionáveis às falsas informações Já estratégias de coping típicas de pessoas altamente sugestionáveis às FM incluem Falsas Memórias 147 características como fornecer respostas que pareçam plausíveis e consistentes com pistas recebidas por outras pessoas Gudjonsson 1988 Uma das variáveis de personalidade mais amplamente associada à susce tibilidade às FM é a dissociação Candel Merckelbach e Kuijpeis 2003 Hyman e Billings 1998 Merckelbach et al 2000 Winograd Peluso e Glover 1998 Segundo o DSMIVTR 2002 a característica essencial do Transtorno Dissocia tivo é uma perturbação nas funções habitualmente integradas de consciência memória identidade ou percepção do ambiente A frequência dessas experiên cias dissociativas pode ser uma importante variável para que se possa entender a suscetibilidade em apresentar FM Uma das hipóteses para essa relação é que as experiências dissociativas são uma resposta co mum ao trauma e portanto indivíduos com dis sociação tendem a ser menos confiantes a respeito de suas recordações e além disso a confiança que possuem é mais vulnerável aos efeitos de sugestão de falsas informações Eisen e Carlson 1998 Os indivíduos com características de personalidade mais dissociativas tendem a apresentar uma falha em integrar memórias consciência e fantasias Outra hipótese está ligada ao fato de que em um esforço de ignorar eventos traumáticos de vida o indivíduo produz informações inexatas p ex FM acerca de alguma experiên cia para que estas se encaixem melhor em seu senso de self e em sua percepção de mundo Eisen e Lynn 2001 Outra direção dos estudos na área de características de personalidade e FM procura relacionar traços de personalidade baseados no modelo dos Cinco Grandes Fatores com a tendência em produzir FM Ávila e Stein 2006 Porter et al 2000 Quas et al 1997 Esse modelo entende a personalidade a partir de cinco fatores independentes Extroversão Socialização Realização Neurotidsmo e Abertura Es sas dimensões referemse ao modo pelo qual indivíduos diferem em suas emoções atitudes e motivações McCrae e Costa 1997 Um dos primeiros traços do m odelo dos Cinco Grandes Fatores associados às FM foi o neuroticismo Gudjonsson 1983 Peiffer e Trull 2000 Porter et al 2000 O neuroticismo é mais que um estado em otivo passageiro sendo consi derado um traço ou tendência estável da personalidade ligado a uma ampla gama de diferenças individuais incluindo a tendência a experienciar emoções desagradáveis e aflitivas Costa e McCrae 1987 Pessoas com altos níveis de neuroticismo apresentam características como instabilidade emocional baixa autoestima depressão vulnerabilidade além de afetos negativos e respostas de coping maladaptadas características associadas a uma maior suscetibilidade em apresentar distorções de memória Essas distorções ocorrem já que pessoas com essas particularidades possuem dificuldades em estabelecer avaliações críticas e apresentam uma necessidade de reduzir sensações de incerteza demonstrando menor confiança em suas próprias recordações As experiências dissociativas são uma resposta comum ao trauma e portanto pessoas com essa característica tendem a ser menos confiantes a respeito de suas recordações 148 Lilian Milnitsky Stein cols Ávila e Stein 2006 investigaram a influência do traço neuroticismo na suscetibilidade às FM Para isso testaram em estudantes universitários o efeito do traço de personalidade neuroticismo baseado no m odelo dos Cinco Grandes Fatores na suscetibilidade às FM Foram utilizadas como instrumentos a Escala Fatorial de Ajustamento EmocionalNeuroticismo Hutz e Nunes 2001 e a ver são brasileira do procedimento das listas de Palavras Associadas Stein Feix e Rohenkhol 2006 contendo palavras de cunho neutro e emocional positivo e negativo Os resultados mostraram que pessoas com alto neuroticismo apresentaram maior núme ro de FM e uma melhor lembrança para palavras de valência emocional negativa Assim como o neuroticismo as pesquisas apontam que a ansiedade também pode levar a uma maior probabilidade de uma pessoa apresen tar FM Estudos Gudjonsson 1983 1988 Kizil bash Vanderploeg e Curtiss 2002 Roberts 2002 demonstram que a presença da ansiedade como traço de personalidade faz com que as pessoas se tom em apreensivas diante de várias situações apresentando baixa autoestima e vulnerabilidade características também presentes no neuro ticismo no m odelo dos Cinco Grandes Fatores Pessoas com essas características apresentam dificuldades em depositar certeza e confiança nas suas memórias podendo assim facilitar o surgimento dos erros mnêmicos como as FM Outra explicação é a de que indivíduos ansiosos possuem menor capacidade de atenção para tarefas e portanto apresentam um pior desempenho em atividades que possuam uma demanda substancial da memória de trabalho predispondo a falsi ficações de memória Kizilbash et al 2002 Outra variável que parece também contribuir na suscetibilidade às FM par tiu de uma pesquisa de Loftus Levidow e Duensing 1992 Neste estudo os au tores apontaram que determinadas características responsáveis pela ocupação escolhida por cada pessoa podem ser fatores importantes para as FM Artistas e arquitetos mostraramse mais suscetíveis a FM por sugestão de informações en ganosas Os autores sugeriram como possível razão para esses resultados que as maiores habilidades imaginativas necessárias a essas profissões podem fazer com que para esses indivíduos as informações errôneas pareçam mais reais resultando em um número maior de FM Seguindo a mesma direção estudos apontam que a suscetibilidade em apre sentar FM depende diretamente da tendência de cada pessoa em gerar versões de fatos baseadas em alta capacidade criativa e imaginativa Drivdahl e Zaragoza 2001 Eisen e Lynn 2001 Heaps e Nash 1999 Indivíduos com maior capacida de de absorção isto é tendência em tornarse profundamente absorto em tarefas do dia a dia maior envolvimento imaginativo e criatividade possuem maior ca pacidade de envolverse profundamente em atividades podendo estar mais pre dispostos a gerar e criar construções mentais de eventos p ex FM As diferenças individuais são vistas hoje como contribuições relevantes para o entendimento do processo de criação das FM Algumas pessoas podem ser mais Pessoas com alto neuroticismo apresen tam maior número de falsas memórias e uma melhor lembrança para palavras de valência emocional negativa Falsas Memórias 149 suscetíveis às FM pela demanda social outras podem apresentar uma maior ten dência em engajaremse em processos construtivos de memória devido a suas capa cidades imaginativas Também características pessoais tais como baixa autoestima ansiedade estratégias de coping maladaptadas e traços mais acentuados de neuro ticismo podem levar a uma maior tendência às FM Conhecer a influência dos traços de personalidade na suscetibilidade para as FM pode ajudar os terapeutas a adequar suas práticas para cada tipo de paciente considerando os riscos que existem em determinadas técnicas utilizadas para a recuperação de memórias como por exemplo a hipnose e a imaginação respon sáveis muitas vezes por trazer à consciência FM até mesmo de supostos abusos ocorridos durante a infância A Psicologia Forense também pode se beneficiar desse conhecimento pois as memórias das testemunhas poderiam ser interpre tadas e ganhar m aior nível de confiabilidade de acordo com as características individuais de cada uma delas CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda que as FM sejam um fenômeno normal da memória e portanto pre sente em toda a população suas manifestações podem ser influenciadas pelas diferenças individuais Determinados indivíduos são mais suscetíveis a distorções mnemónicas do que outros sendo essa uma característica que se mostra estável ao longo do tempo Para a compreensão de quais características interferem na produção de FM é necessária a integração de duas áreas da Psicologia quais sejam a Psicologia Cognitiva área que tem estudado a memória e a Psicologia Diferencial que busca compreender o que leva as pessoas a se desenvolverem de forma diferente A literatura científica que busca estabelecer essa relação entre a Psicologia Diferencial e a memória ainda é escassa mas cada vez mais estudos têm apontado que características como etapas de desenvolvimento e traços de personalidade exercem impacto sobre o funcionamento mnemónico e suas distorções Ao longo do desenvolvimento humano as FM espontâneas aumentam idosos apresentam mais FM que adultos jovens que por sua vez as apresentam mais do que crianças Porém sugestões externas de falsas informações são mais facilmente incorpora das à memória por crianças assunto aprofundado no Capítulo 8 e por idosos do que por adultos jovens Entretanto indivíduos vítimas de trauma na infância sofrem alterações em seu desenvolvimento resultando em alterações no seu sistema mnemónico Essas pessoas acabam apresentando quando adultas menores índices de FM do que aquelas que não sofreram trauma Outra característica associada às FM são as características de personalidade Pessoas com acentuados traços de personalidade de neuroticismo ou ansiedade têm se mostrado mais suscetíveis às FM Isso parece ocorrer porque pessoas com esses traços tendem a confiarem menos em suas memórias 150 Lilian Milnitsky Stein cols O sexo da pessoa é outro fator frequente mente associado à performance da memória mas diferentemente das características anteriormente citadas este não vem demonstrando capacidade de influenciar as FM No presente capítulo buscouse abordar aqueles fatores que têm sido mais estudados no que tange à influência das diferenças individuais nas FM Porém não se deve descartar possíveis in fluências de outras características que ainda care cem de maiores estudos O contexto cultural a memória grupai e as psicopatolo gias são exemplos de diferenças individuais que ainda não tem sua relação com as FM bem esclarecida Diferenças quanto ao processamento de informação como por exemplo pessoas que têm uma melhor memória visual ou fotográfica ou fa cilidade para se recordar de sons também são frequentemente alvo de curiosida de dos interessados na área porém ainda há muita dificuldade em se encontrar literatura sobre este tema sendo um campo aberto para novos estudos Quanto mais se avança no conhecimento sobre a influência das diferen ças individuais nas FM mais embasamento há para que se possa avaliar o quão confiáveis são memórias recuperadas por pessoas que apresentam determinadas características e em situações específicas como testemunhos ou em psicoterapia REFERÊNCIAS American Psychiatric Association 2002 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 4 ed Rev Porto Alegre Artmed Ávila L M Stein L M 2006 A 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Development of the false memory illusion Development Psychology 425 962979 Não se deve descartar possíveis influências de outras características que ainda carecem de maiores estudos sobre as falsas memórias como o contexto cultu ral a memória grupai e as psícopatologias Falsas Memórias 151 Brainerd C J Reyna V F 2002 Fuzzytrace theory and false memory Current Direc tions in Psychological Science 11 5 164168 Brainerd C J Reyna V F 2005 The science of false memory New York Oxford Brainerd C J Reyna V F 2007 Explaining developmental reversals in false memory Psychological Science 185 442448 Brained C J Reyna V F Fòrrest T J 2002 Are young children susceptible to the falsememory illusion Child Development 785 13631377 Bremner J D Shobe K K Kihlstrom J F 2000 False memories in women with self reported childhood sexual abuse an empirical study Psychological Science A Journal of the American PsychologicalSociety 11 4 333337 Bremner J D Vythilingam M Vermetten E Southwick S M McGlashan T Staib 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os dados sobre esse tipo de violên cia são coletados nem sempre são registrados de modo completo consistente e transparente Pinheiro 2006 É pois nesse contexto que se insere no presente capítulo a discussão sobre o complexo tema do testemunho infantil entendido como forma de prom over a proteção das crianças e da própria sociedade na m e dida em que pode tom ar visível e audível tal violência Em sua maioria as crianças que testemunham estão envolvidas em situa ções de violência e seus relatos dizem respeito a lembranças de experiências muitas vezes traumáticas Frequentemente na ausência de outros indícios o relato da criança tom ase a única evidência num processo criminal Na verdade a m aior parte dos abusos e maustratos contra crianças não deixa vestígios em seus corpos e nem sempre resulta invariavelmente em danos psíquicos Um estudo prospectivo realizado nos Estados Unidos ao lon go de cinco anos com 2384 crianças que haviam buscado atendimento hospitalar em decorrência de possível abuso sexual mos trou que somente 4 delas apresentou algum tipo de anormalidade no exame físico Mesmo quando o abuso havia sido severo incluindo penetração anal ou vaginal o número de crianças que evidenciou algum achado positivo no exame físico chegou a apenas a 55 H eger et al 2002 Ainda estudos sobre os O relato de uma criança pode ser a única evidência num processo criminal 158 Lilian Milnitsky Stein cols efeitos da vivência de situações de estresse crônico p ex como casos de maus tratos no desenvolvim ento neurológico das crianças apontam que os efeitos desse tipo de estresse nem sempre são detectáveis durante o período da infân cia tomandose observáveis somente numa fase posterior já na vida adulta ver Howe Chichetti e Toth 2006a e Capítulo 5 Em virtude de uma série de fatores tais como as características individuais da criança um adequado supor te materno o grau de violência envolvido o grau de vinculação com a figura do agressor e o tem po transcorrido desde a ocorrência do evento entre outros é possível que uma criança se mantenha protegida do desenvolvim ento de psi copatologias em decorrência de uma situação de abuso sexual Por outro lado a falta de indícios psicopatológicos não pode ser interpretada como evidência negativa da ocorrência de uma situação de violência da qual a criança foi vítim a Alberto 2004 2006 Além disso o fato de ser constatada determinada sintomatologia na criança ainda que possa sinalizar a associação a uma situação traumática com o nos ca sos dos transtornos de estresse póstraumático não é indício suficiente para nos informar acerca de uma contingência concreta sobre uma determinada situação de violência tal qual é necessário para que um caso possa ser efetivamente en caminhado para a justiça Com o propósito de chegarem a conclusões confiáveis os profissionais envolvidos na avaliação de casos de maustratos com crianças de vem reunir o maior número de elementos disponíveis sobre a suspeita levantada o que inclui o relato da criança sobre o episódio vivenciado o exame de suas con dições físicas e psicológicas bem como entrevistas com as pessoas responsáveis pelos seus cuidados registros escolares etc Deste modo o técnico estará reali zando uma avaliação adequada e protetora da criança visto que busca diminuir a possibilidade de erro presente nessa situação p ex tomando uma situação falsa como verdadeira ou o contrário o que pode trazer graves repercussões para a vida da criança de sua família e da sociedade de modo geral A presença das crianças nos tribunais tem sido registrada historicamente de longa data e especialmente nas últimas décadas tem se tom ado cada vez mais frequente em diversos países Ceei e Bruck 1995 M alloy et al 2007 e também no Brasil Tal fato tem levantado importantes questionamentos tanto à Psicologia quanto ao Direito Por parte do Direito há o crescente reconhecimento da criança como um indivíduo em formação e portanto com capacidades e necessidades distintas dos adultos Além disso como já foi referido anteriormente grande par te das crianças que chega a depor em um tribunal está recordando e relatando experiências difíceis e constrangedoras pois evolvem muitas vezes informações relativas às suas vidas íntimas Mais recentemente alguns projetos têm sido de senvolvidos na justiça brasileira particularmente no Rio Grande do Sul com a intenção de contemplar as peculiaridades dos depoimentos infantis ver Cezar 2007 Dobke 2001 Do lado da Psicologia deve haver o reconhecimento do âmbito judicial como um contexto distinto com objetivos muito claros e muito diversos de outras áreas do conhecimento psicológico como por exemplo a Psicologia Clínica Embora no Brasil existam poucos estudos científicos no campo da Psicologia Forense rela Falsas Memórias 159 donados ao testemunho a comunidade científica internacional vem debatendo e pesquisando há muito tempo formas de responder às demandas criadas pela es pecificidade do contexto jurídico tanto com crianças quanto com adultos Eisen Quas e Goodman 2002 Pesquisas naturalísticas e experimentais têm sido de senvolvidas com o objetivo de conhecer a capacidade das crianças de recordarem eventos passados Além disso no campo forense importa saber não apenas sobre 0 que as crianças são capazes de recordar mas é imprescindível avaliar o quão precisas e confiáveis podem ser as recordações delas ou de um adul to ou seja saber o quanto o relato de uma crian ça sobre a lembrança de um determinado episódio corresponde com exatidão aos fatos que se passa ram E comum que juizes de direito promotores de justiça delegados de polícia e advogados de defesa entre outros perguntem aos psicólogos se podem confiar no que uma criança diz se podem tomar seu relato como expressão da realidade concreta do que efetivamente ocorreu de forma distinta da fantasia A questão da precisão ou da confiabilidade da memória nos leva necessa riamente a considerar as vulnerabilidades às quais naturalmente a memória hu mana está sujeita seja em crianças ou em adultos Como já foi visto no Capítulo 1 desta obra as Falsas Memórias FM são antes de tudo fenômenos que podem ocorrer espontaneamente entretanto é no contexto forense que nos deparamos com grande frequência com um dos fenômenos mais comprometedores da pre cisão da memória a sugestionabilidade Holliday Brainerd e Reyna 2008 Na Psicologia Forense é fundamental conhecer de que formas e sob que condições a memória pode ser distorcida tomandose mais suscetível à produção de FM O conhecimento sobre as distorções da memória pode nos apontar os caminhos a serem evitados e aqueles que devem ser perseguidos quando se tem por objetivo a coleta de um relato preciso e confiável capaz de aumentar o valor e a consis tência de uma prova testemunhal Do ponto de vista científico a discussão acerca do testemunho infantil deve incluir tanto a consideração das competências da criança quanto as vulnerabi lidades inerentes ao processo de recordação No presente capítulo pretendese mostrar com base em estudos científicos recentes o que a criança é capaz de recordar e a partir de que idade se pode esperar que ela recorde e relate uma experiência de sua vida Num segundo momento serão apontadas as vulnerabi lidades delas ao recordarem eventos enfatizandose o problema da sugestiona bilidade Têmse como objetivo principal ressaltar que a qualidade da memória não é um produto cognitivo puro independente do contexto no qual a pessoa é solicitada a realizar a tarefa de lembrar e contar o que aconteceu Ou seja a forma como a criança é questionada e o m odo como é entrevistada incluindo o próprio ambiente físico onde isso acontece e o número de entrevistas realizadas entre outros podem ser fatores determinantes para a qualidade de sua memória e de seu relato A partir de casos concretos são apresentadas algumas reflexões sobre o impacto que a pesquisa científica em Psicologia tem gerado em sistemas A avaliação da precisão de um recordação é imprescindível no campo forense 160 Lilian Milnitsky Stein cols judiciais de diversos países no que se refere ao testemunho de crianças bem como as lacunas existentes na realidade brasileira O QUE AS CRIANÇAS CONSEGUEM RECORDAR A presença cada vez mais frequente das crianças em contextos jurídicos fez com que os pesquisadores da memória focassem a atenção na capacidade delas para recordarem eventos O relato de uma criança ouvida como testemunha tem como base a recordação de acontecimentos vivenciados por ela De modo especial é importante saber como elas recordam eventos traumáticos uma vez que os processos judiciais frequentemente envolvem situações desse tipo Nesta seção serão apresentados alguns elementos sobre o funcionamento da memória de crianças muito pequenas antes dos 2 anos Posteriormente trataremos a ques tão da amnésia infantil e finalmente abordaremos a capacidade das crianças préescolares e escolares de recordarem eventos emocionalmente estressantes enfatizandose alguns estudos relevantes As primeiras lembranças Sabese que crianças muito pequenas mesmo antes da aquisição da lingua gem evidenciam capacidade de recordação episódica isto é lembranças sobre eventos quando avaliadas por medidas não verbais adequadas Bauer 1996 por meio de um procedimento designado como imitação evocada de sequências de ações obteve evidências de que crianças de 13 a 20 meses conseguiam re cordar eventos específicos por exemplo uma sequência de ações que consistia em colocar um ursinho de pelúcia para dormir mesmo após longos intervalos de tempo oito meses Da mesma forma Fivush e colaboradores 2002a empreenderam uma série de estudos longitudinais sobre a capacidade das crianças pequenas recordarem eventos autobiográficos Para tanto os pesquisadores solicitavam a crianças com idades entre 2 e 3 anos que recordassem um evento passado que fosse altamente distintivo como por exemplo uma visita a um parque temático Em síntese os resultados demonstraram que elas desde muito cedo em seu desenvolvimento eram capazes de recordar e expressar verbalmente detalhes de experiências pes soais e ainda continuavam a lembrar tais experiências muito tempo após terem ocorrido Mas será que podemos esperar que nós adultos recordemos fatos que acon teceram tão cedo em nossas vidas Apesar das evidências de que muito preco cemente mesmo antes do desenvolvimento da linguagem podemos codificar armazenar e recuperar episódios específicos estudos com adultos demonstram que as primeiras recordações que temos da infância situamse ao redor dos 2 e 3 anos Wang 2003 Como destacam Brown Goldstein e Bjorklund 2000 há Falsas Memórias 161 um consenso na literatura científica contemporâ nea de que as memórias que possam vir a se formar em períodos muito precoces provavelmente não permanecem acessíveis em períodos posteriores da infância e da vida adulta As memórias formadas em períodos preco ces não permanecem acessíveis em períodos posteriores da infância e na vida adulta A amnésia infantil Desde Freud 19891905 a incapacidade dos adultos para relembrar as experiências autobiográficas dos primeiros anos de vida tem sido conhecida como amnésia infantil De acordo com a teoria psicanalítica a explicação da amnésia infantil residiria no conteúdo sexual de tais memórias Atualmente com os avan ços das pesquisas da Psicologia Cognitiva outras explicações têm sido oferecidas para a compreensão desse fenômeno destacandose a perspectiva sociolinguística Nelson e Fivush 2000 e a perspectiva da formação do self cognitivo H owe 2000 Na perspectiva sociolinguística o desenvolvimento da linguagem que ocor re ao longo dos primeiros anos de vida produz um novo m odo de organização da memória marcando o início da memória autobiográfica visto que permite situar um acontecimento dentro de uma história uma narrativa que poderá permane cer memorável Segundo essa abordagem a memória autobiográfica se desenvol ve no contexto das interações sociais comumente por meio das conversas entre os pais e as crianças Assim o m odo como os pais estruturam sua conversa sobre os eventos passados tem um efeito decisivo na forma como as crianças desenvolvem suas capacidades narrativas Pelas conversas as crianças não apenas aprendem o que lembrar mas também como lembrar ou ainda como organizar e relatar um acontecimento vivenciado pessoalmente numa forma narrativa Nelson e Fivush 2000 De acordo com Fivush 2002a a capacidade de abstração que se desen volve com a linguagem permite que a criança dispense a presença de objetos con cretos como estímulos para recordação de um evento Além disso a linguagem é a principal forma pela qual os acontecimentos vivenciados no passado podem ser comunicados partilhados e conhecidos Diferentemente da abordagem sociolinguística na concepção do desenvol vimento do self é a emergência do self cognitivo que ocorre ao final do segundo ano de vida que marca o início da memória autobiográfica H ow e 2000 Nessa perspectiva a importância da linguagem é reconhecida preponderantemente na capacidade de maior retenção de informação autobiográfica e não propriamente como fator propulsor da formação do sistema de memória De acordo com Howe Courage e Edison 2003 embora antes dos 2 anos um bebê seja capaz de formar memórias estas não se tom am parte de sua memória autobiográfica até o de senvolvimento do self cognitivo quando uma criança é capaz de reconhecer que aquilo que aconteceu o episódio aconteceu com igo Somente então as crian ças são capazes de organizar as memórias dos acontecimentos em memórias de 162 Lilian Milnitsky Stein cols fatos que foram pessoalmente vivenciados Embora a formação do self cognitivo delimite a idade mínima a partir da qual uma criança é capaz de evidenciar m e mória autobiográfica isso não garante que as memórias estarão disponíveis pos teriormente visto que uma série de outros fatores relativos aos processos básicos de memória assim como outros fatores cognitivos neurobiológicos e afetivos irão mediar a manutenção e a recuperação dessas memórias H ow e et al 2003 A fragilidade das memórias adquiridas na infância precoce é explicada em parte por elas serem codificadas e processadas prioritariamente de forma literal Bjorklund 2000a Como já foi explicado no Capítulo 1 os traços literais cor respondem a aspectos exatos e específicos da nossa experiência mas por outro lado são aqueles que mais rapidamente esquecemos Com o avanço da idade a criança vai desenvolvendo a habilidade de extrair o significado geral das expe riências e consequentemente aprimorando a memória de essência sendo esta mais duradoura Tomados em conjunto os resultados dos estudos sobre as pri meiras memórias indicam que embora as crianças tenham capacidade de recor dação episódica desde muito cedo as recordações não permanecem acessíveis até o desenvolvimento mais organizado da linguagem A memória das crianças para eventos estressantes A recordação de eventos emocionalmente estressantes e negativos reveste se de particular interesse para a Psicologia Forense uma vez que como foi referido na introdução deste capítulo a m aior parte das crianças que presta depoim ento está envolvida em situações de violência e trauma De m odo geral a pesquisa científica sobre os efeitos da emoção na m emória tem sido marcada por resultados incongruentes Dentre as razões para explicar essa incongruência destacamse principalmente imprecisão dos conceitos utilizados isto é em o ção estresse trauma bem como algumas divergências m etodológicas A m e mória das crianças para acontecimentos estressantes tem sido estudada pelos pesquisadores por m eio de duas m etodologias distintas estudos naturalísticos e experimentais Os estudos naturalísticos têm como propósito estudar in loco os efeitos da emoção na memória em sujeitos que de fato tenham vivenciado alguma experiên cia traumática p ex memória para procedimentos médicos desastres naturais eventos violentos Por outro lado os estudos experimentais se utilizam de instru mentos e situações emocionais análogas a situações traumáticas p ex vídeos histórias e encenações mantendo maior controle das variáveis ver Capítulo 2 De um lado os resultados dos estudos naturalísticos têm demonstrado que as pessoas recordam mais informações de eventos emocionais por outro os estudos experimentais têm mostrado que o incremento da memória para eventos em ocio nais pode ocorrer às custas da perda da qualidade das recordações que se tor nam mais imprecisas Ressaltase que a precisão da memória não é avaliada nos estudos naturalísticos devido à própria impossibilidade de se obter um registro objetivo do evento Falsas Memórias 163 Os estudos longitudinais realizados com crianças têm demonstrado que es tas são capazes de recordar e relatar por longos períodos de tempo quantidades substanciais de informação sobre eventos sejam eles relativos a acontecimentos agradáveis e positivos ou estressantes e negativos ver Pezdek e Taylor 2002 Além disso é sabido que a emoção afeta a memória tanto em crianças como em adultos sendo observada uma tendência geral a recordarmos melhor even tos com alguma carga emocional positiva ou negativa do que eventos neutros Kensinger 2004 Terr 19791983 no final da década de 1970 entrevistou crianças que fo ram sequestradas de um ônibus escolar Mesmo depois de decorridos cinco anos essas crianças eram capazes de recordar de forma vívida tanto informações gené ricas sobre o evento como de detalhes particulares Resultados como esses suge rem que crianças em situações de estresse ou seja com alto teor emocional com valência negativa e com alto nível de alerta geralmente apresentam uma melhora da memória para o evento em comparação com outras situações emocionalmente neutras Dessa maneira parece que eventos estressantes são melhor memorizados que eventos emocionalmente neutros Entretanto nos estudos de Terr também foram observados claros padrões de falibilidade da memória das crianças porém tais falhas envolviam a recordação de detalhes do evento referindose a informa ções periféricas tais como a data o tempo e a duração do evento Esses achados foram consistentes com os apresentados posteriormente por Howe Courage e Pe terson 1994 que sustentaram que tal como ocorre em eventos não emocionais a memória para detalhes periféricos em eventos traumáticos está mais suscetível ao esquecimento e distorções Bahrick Parker Levitt e Fivush 1998 examinaram a memória de crianças com idades entre 3 e 4 anos que haviam sofrido em graus variados o impacto da destruição causada pelo furacão Andrew em 1992 na Flórida Seis anos após o evento as crianças foram capazes de recordar com detalhes o fato vivenciado Fivush et al 2004 É interessante observar que as crianças que haviam expe rimentado o grau mais elevado de estresse recordaram a menor quantidade de informação na primeira entrevista comparadas às crianças que pertenciam aos grupos de estresse moderado e baixo Entretanto após seis anos ainda que essas crianças tenham sido as que demandaram maior número de perguntas durante a entrevista seus relatos foram os que apresentaram o maior grau de consistência especialmente em relação às informações relativas à tempestade Para as autoras esses resultados podem indicar uma maior dificuldade em recuperar lembranças de eventos demasiadamente estressantes ou ainda uma menor disposição em relatar esse tipo de experiência Concluem de m odo geral que experiências es tressantes podem ser particularmente bem lembradas ao longo do tempo mesmo por crianças pequenas Fivush et al 2004 Ainda sobre a recordação de eventos traumáticos Peterson e Whalen 2001 examinaram a memória de crianças que tinham entre 2 e 13 anos quando preci saram de atendimento hospitalar de emergência em virtude de ferimentos sérios p ex lacerações que necessitavam de sutura fraturas queimaduras de segundo grau mordidas de cães etc Essas crianças foram entrevistadas sobre o feri 1 6 4 Lilian Milnitsky Stein cols mento e sobre o atendimento hospitalar em intervalos de tempos diferentes uma semana após o ferimento seis meses um ano dois anos e finalmente dnco anos depois As crianças mantiveram a recordação de alguns aspectos do evento mesmo após cinco anos 80 das informações centrais sobre o ferimento com 80 de precisão As informações centrais acerca do ferimento foram melhor re cordadas para todas as idades enquanto a recordação sobre o hospital sofreu um decréscimo em número de detalhes lembrados e precisão especialmente para os detalhes periféricos As crianças maiores recordaram maior número de informa ções mas as crianças que tinham 2 anos à época do evento também exibiram bons resultados recordando mais de 50 de informações sobre o ferimento com 70 de precisão Com base nesses resultados as auto ras concluíram que altos níveis de estresse estão associados a altos índices de recordação especial mente para os aspectos centrais da experiência Estudos de campo realizados por equipes es pecializadas em avaliar crianças vítimas de situa ções de abuso sexual e violência também indicam boa recordação das crianças para esse tipo de episódio Entretanto a qualidade da memória para o evento é prejudicada pelo tempo transcorrido entre a ocorrên cia do evento e a entrevista investigativa Quanto mais demora há em realizar a entrevista com as crianças maior perda de informações relevantes sobre o evento é observada Lamb Sternberg e Esplin 2000 Além disso nos casos específicos de abuso sexual é preciso que se ressalte que o não relato de uma experiência ou um relato muito pouco informativo do ponto de vista de uma investigação legal pode ocorrer por outros fatores de ordem emocional e social que não se relacionam diretamente com a memória Em outras palavras é possível que uma criança falhe em relatar um episódio de violência sexual não porque não consiga lembrar bem a experiência vivida mas sim por não ter disposição para relatála em função de sentimentos de medo vergonha ou culpa por exemplo Ghetti et aL 2006 Os estudos até aqui referidos buscaram avaliar a memória das crianças para eventos emocionalmente estressantes e negativos com base em procedimentos metodológicos naturalísticos As principais críticas a esses estudos referemse às dificuldades de se estabelecer adequados controles experimentais p ex o regis tro do evento a ser recordado o que pode vir a comprometer a generalização dos seus resultados Outra forma utilizada pelos pesquisadores para avaliar a memória para eventos emocionalmente negativos é a utilização de procedimen tos experimentais mais rigorosos que ofereçam melhores parâmetros de controle como por exemplo a criação de eventos em laboratório ou a utilização de outros materiais tais como listas de palavras e histórias emocionais sendo estes últimos mais utilizados para o estudo das FM espontâneas A crítica aos estudos expe rimentais reside exatamente em sua suposta distância da realidade concreta A esse respeito convém lembrar a observação de Reyna e colaboradores 2007 que ressaltam que ironicamente a pesquisa básica desenvolvida em laboratório tem se mostrado mais aplicada à compreensão de casos legais concretos do que Crianças são capazes de recordar aconteci mentos agradáveis ou estressantes por longos períodos de tempo Falsas Memórias 165 a pesquisa que tenta mimetizar a vida real Passaremos a expor alguns estudos experimentais sobre a memória das crianças para eventos estressantes Existem poucos estudos experimentais com o objetivo de avaliar a memória das crianças para eventos emocionais negativos devido aos motivos éticos uma vez que seria inconcebível expor crianças a algum tipo de estresse desnecessário Além disso verificase uma dificuldade de se adaptar materiais adequados aos objetivos dos estudos para esse grupo etário Num desses estudos um experimento foi realizado com crianças de 6 a 8 anos que participaram de uma simulação de roubo A simulação do evento envolvia a entrada de uma pessoa estranha numa sala onde um grupo de crian ças estava jogando cartas Inicialmente essa pessoa distraía as crianças e depois roubava uma caixa contendo dinheiro Peters 1991 Outro grupo de crianças apenas recebeu a visita de uma pessoa estranha na sala enquanto brincavam sem que essa pessoa simulasse o roubo Imediatamente após o experimentador e os pais entravam na sala e avaliavam o grau de ansiedade da criança Em seguida o experimentador mostrou uma série de fotos e pediu para que as crianças fizessem um reconhecimento do suspeitopessoa estranha Os resultados mostraram que as crianças do grupo de simulação do roubo evidenciaram mais ansiedade que as do grupocontrole Nesse estudo ao contrário dos anteriores nos quais a emoção parece ter fortalecido a memória a presença do fator emocional prejudicou a m e mória para o reconhecimento do suspeito Apenas 33 das crianças pertencentes ao grupo de simulação reconheceram corretamente a fotografia do suspeito ao passo que no grupocontrole o índice chegou a 83 Dent e Stephenson 1979 mostraram um filme sobre o suposto fiirto de um objeto de um carro para crianças de 10 e 11 anos elas foram testadas para três condições recordação livre recordação com perguntas gerais e recordação com perguntas específicas após um intervalo de dois meses Os resultados mostraram que as crianças submetidas à condição de recordação livre produziram menos respostas de modo geral tanto corretas quanto incorretas Quanto ao tipo de informação recordada foi observado que as crianças lembraram maior quanti dade de informações sobre as ações do suspeito do que sobre suas características físicas De fato a maioria dos erros cometidos pelas crianças se referiu à descrição física do suspeito De um modo geral os resultados desse experimento indicaram que testes de recordação livre produzem relatos mais acurados porém mais in completos Em um outro experimento List 1986 participantes de três grupos divi didos por idade estudantes da 59 série do ensino fundamental universitários e idosos assistiram a um vídeo sobre uma simulação de assalto a uma loja Um estudo piloto foi conduzido previamente para identificar que tipos de de talhes os participantes esperavam encontrar num assalto a uma loja Com base nas expectativas deles o cenário do crime foi elaborado incluindo detalhes que variavam de muito consistentes p ex encontrar uma arma no local do crime a pouco consistentes a um evento dessa natureza p ex encontrar um ramalhete de flores no chão da loja Uma semana depois de assistirem ao vídeo as pessoas foram entrevistadas sobre o filme que viram A entrevista incluiu um período de 166 Lilian Milnitsky Stein cols recordação livre p ex Conteme tudo o que você lembra sobre isso e depois um teste de reconhecimento com perguntas fechadas sobre os detalhes consis tentes p ex Havia uma arma no local do crime e inconsistentes p ex Havia um ramalhete de flores no local do crime presentes no filme visto Os resulta dos indicaram que os universitários obtiveram maior precisão e lembraram uma maior quantidade de informação em comparação com os outros grupos Todos os participantes cometeram erros de memória sendo que foi observada uma menor precisão para os detalhes inconsistentes Em outras palavras os erros cometidos ocorreram devido às expectativas prévias dos participantes sobre o evento em questão Segundo o autor as pessoas tentavam ajustar a memória de acordo com um esquema préexistente do evento o que contribui para a imprecisão durante a recuperação da informação Por exemplo um assalto usualmente inclui uma arma de fogo ou seja as pessoas tenderão a recordar de uma arma mesmo em um assalto em que não foi usada uma arma de fogo Vimos que as crianças são capazes de recordar eventos passados mesmo quando se tratam de eventos emocionalmente negativos ainda que os detalhes possam não ser mantidos na memória O conhecimento científico acumulado até o presente momento sugere que a emoção eleva a memória para os aspectos cen trais essenciais do evento não ocorrendo o mesmo efeito com os detalhes mais periféricos específicos que muitas vezes são fundamentais no âmbito forense Reisberg e Heuer 2007 Entretanto lembrar uma maior quantidade de informações emocionais não é garantia de uma recordação com boa qualidade isto é de uma recordação precisa e confiável necessária para a descrição correta por exemplo de uma ação criminosa ou de um suspeito como veremos a seguir Para além das falhas naturais às quais a memória humana está sujeita nossa capacidade de recordação pode ser influenciada e distorcida por fatores relati vos ao contexto externo Passaremos a examinar o fenômeno da sugestionabilidade que é um dos principais problemas e encontrado mais frequentemente em contextos forenses especialmente quando se tem por objetivo a coleta do testemunho de uma criança Holliday Brainerd e Reyna 2008 O QUE PODE PREJUDICAR A MEMÓRIA DAS CRIANÇAS Em contextos de entrevistas e depoimento de crianças um dos maiores problemas encontrados se refere ao fenômeno da sugestionabilidade infantil Na presente seção serão apresentados o conceito de sugestionabilidade bem como os fatores que contribuem para esse fenômeno ressaltandose os aspectos rela cionados às características das crianças e aqueles relacionados ao contexto da entrevista Recordar maior quantidade de informações emocionais não é garantia de recordação confiável e precisa Falsas Memórias 167 0 que é a sugestionabilidade O estudo das FM tem gerado importantes questionamentos a campos teó ricos e aplicados da Psicologia No plano teórico as FM colocaram em xeque o m odelo de memória como um gravador que apenas reproduzia literalmente a experiência vivenciada Em campos aplicados as FM têm levantado dúvidas acerca da confiabilidade dos relatos de experiências passadas tanto em contextos jurídicos quanto clínicos As FM podem ser geradas espontaneamente decorren tes do funcionamento endógeno normal da memória o que tem sido amplamente demonstrado por estudos que se utilizam do paradigma DRM para explicações mais detalhadas sobre as FM e os métodos de estudo deste fenômeno consultar os Capítulos 1 e 2 Assim como nos adultos as FM espontâneas também são encontradas em crianças obedecendo a padrões de desenvolvimento específicos conforme já foi visto no Capítulo 7 Todavia as FM também podem ser provocadas a partir da sugestão de in formações falsas que são apresentadas aos sujeitos deliberadamente ou não como fazendo parte da experiência real vivenciada De acordo com descrição de Schacter 1999 a sugestionabilidade consiste na tendência de um indivíduo em incorporar informações distorcidas oriundas de fontes externas às suas recor dações pessoais sendo que essas informações podem ser apresentadas de forma intencional ou acidental Apesar do francês Alfred Binet em 1900 ser referido como um dos pri meiros autores a investigar os efeitos da sugestionabilidade sobre as memórias infantis o estudioso W illiam Stem na Alemanha é considerado o primeiro a desenvolver uma perspectiva mais aplicada e com maior validade ecológica sobre esse tema Brown Goldstein e Bjorklund 2000 Juntamente com sua esposa Clara Stem W illiam Stem publicou em 1909 em alemão uma das primeiras obras especificamente sobre o testemunho infantil traduzida posteriormente para o inglês com o título Recollection Testemony and Lying in Early Childhood Recordação Testemunho e Mentira na Infância Precoce Muitos dos conceitos e ideias que atualmente são foco da investigação científica podem ser encontrados nessa obra pioneira tais como a ideia de que a sugestionabilidade pode se originar tanto a partir de mecanismos cognitivos quanto a partir de m e canismos sociais ou ainda de que a recordação livre produz menos erros do que as respostas do tipo sim e não dadas a perguntas fechadas Ceei e Bruck 1999 À medida que as crianças foram sendo cha madas e ouvidas nos tribunais como vítimas ou como testemunhas a Psicologia e de forma parti cular os pesquisadores da memória foram sendo chamados a responder a uma série de questões relevantes nesse contexto Quanto pode lembrar uma criança Há diferenças relativas à idade O relato de uma A sugestionablidade consiste na tendência de um indivíduo em incorporar informações distorcidas provindas de fontes externas de forma intencional ou acidental às suas recordações pessoais 168 Lilian Milnitsky Stein cols criança que tenha sido testemunha ou vítima de um evento é confiável Qual a melhor forma de abordarquestionar uma criança numa entrevista que tenha por objetivo obter uma prova testemunhal válida Após pouco mais de duas décadas em que centenas de estudos na área da sugestionabilidade infantil foram desenvolvidos já é possível identificarmos com segurança alguns fatores que contribuem para esse fenômeno complexo De modo geral os fatores primários que influenciam a sugestionabilidade infantil são classificados em duas grandes categorias a fatores relacionados às características das próprias crianças fatores cog nitivos b fatores relacionados ao contexto da entrevista ou fatores sociais Ceei Bruck e Battin 2000 Ceei et al 1998 Melnyk Crossman e Scullin 2007 A sugestionabilidade da memória das crianças é resultado da interação des ses fatores Ceei et al 2007 Nesta seção serão examinados alguns dos princi pais fatores que contribuem para a sugestionabilidade infantil Os aspectos rela cionados ao estilo particular de entrevistar como o tipo de perguntas utilizadas a repetição de perguntas e de entrevistas entre outros são descritos de modo mais detalhado no Capítulo 10 que trata especificamente sobre as técnicas de entrevistas Sugestionabilidade e características das crianças Entre os principais fatores que contribuem para a sugestionabilidade infantil destacamse aqueles relacionados às características das crianças incluindo os fa tores desenvolvimentais e os fatores individuais Os fatores desenvolvimentais se referem a características comuns encontradas em crianças de uma mesma idade Já os fatores individuais dizem respeito a características subjetivas de cada crian ça independente de sua idade Fatores desenvolvimentais Com relação ao desenvolvimento é sabido que crianças em idade préescolar são mais suscetíveis aos efeitos da interferência externa aceitando a sugestão de uma falsa informação e portanto apresentando maior possibilidade de distorcer o seu relato em comparação a crianças mais velhas adolescentes e adultos Ceei e Bruck 1995 Ceei et al 1998 Chae e Ceei 2006 Entretanto como assinalam Ceei e colaboradores 2007 muito embora a su gestionabilidade seja um problema primariamente Crianças em idade préescolar são mais sugestionáveis do que crianças mais velhas adolescentes e adultos Falsas Memórias 169 das crianças pequenas todos os grupos de idade são suscetíveis aos efeitos das mais variadas técnicas sugestivas incluindo os adultos Além disso o fato de as crianças pequenas serem mais vulneráveis aos efeitos da sugestão não significa que elas não possam recordar eventos corretamente ou que irão assentir a todas as sugestões falsas que receberem Ao contrário as crianças tendem a não aceitar falsa informação quando esta é muito diferente do contexto vivenciado ou teste munhado Pipe et al 2004 Com base nos estudos conduzidos no âmbito da Psicologia do Desenvolvi mento Saywitz e Lyon 2002 associam a especial vulnerabilidade das crianças pequenas aos efeitos da sugestionabilidade a três fatores 1 crianças pequenas têm dificuldades em tarefas de recordação livre quan do são solicitadas a lembrarem um evento sem qualquer estímulo ou pista 2 crianças pequenas são deferentes tendendo a respeitar e se submeter às vontades dos adultos 3 as crianças possuem dificuldades em identificar a fonte da informação recordada se foi algo que elas viram ou que ouviram alguém dizer por exemplo Quanto ao primeiro fator sabese que crianças pequenas entre 2 e 5 anos falam muito pouco quando são solicitadas a relatar livremente um determinado acontecimento Vejamos um exemplo Luiz e João com 4 e 9 anos respectivamente foram assistir a um espetáculo de mágica com os avós Tratavase de um famoso mágico cujo espetáculo incluía apresentações com animais selvagens água e fogo Ao chegarem em casa os pais curiosos queriam saber como havia sido o espetáculo e pedi ram aos filhos que contassem Luiz o mais novo contou à mãe que o mágico pegou as cobras e depois brincou com o fogo comentando que tinha sido muito assustador João com mais idade explicou que no primeiro núme ro o mágico chamava cobras com uma flauta As cobras iam saindo de um cesto de palha e se enroscando no corpo do homem Complementou que as cobras tinham um tom de verde com manchas marrons João disse que o número mais impressionante havia sido quando o mágico acorrentou o pró prio corpo com ajuda de uma mulher e entrou num tanque cheio de água Depois a mulher colocou fogo sobre o tanque que era transparente e assim todos podiam ver o mágico João prossegue dizendo que após um tempi nho o mágico conseguiu se libertar das correntes e sair de dentro do tanque sem se queimar Com este exemplo podemos perceber que embora o que Luiz contou fosse correto seu relato é muito breve centrado nos elementos principais Por sua vez João consegue fazer um relato mais completo incluindo detalhes da apresenta ção do mágico O processo de recuperação livre de uma informação na memória é particularmente difícil para uma criança préescolar uma vez que exige um maior 170 Lilian Milnitsky Stein cols empenho do sistema cognitivo na busca da informação armazenada Bjorklund 2000b O mesmo não é válido em tarefas de reconhecimento nas quais a criança só precisa comparar a informação oferecida com aquela registrada previamente na sua memória e decidir se confere com a anterior Todavia como é abordado no Capítulo 10 particularmente em contexto forense sabese que o testemunho colhido por meio de questões de reconhecimento com respostas do tipo sim e não pode ter sua precisão comprometida uma vez que esse tipo de questio namento produz altos índices de FM especialmente em crianças pequenas Por outro lado embora os relatos livres das crianças em comparação a respostas a perguntas diretas e fechadas sejam mais precisos é importante destacar que isso não os tom a completamente isentos de erros e distorções Ceei et al 2007 No que diz respeito ao segundo fator associado à vulnerabilidade a suges tão sobre a deferência aos adultos observase que desde muito cedo a criança aprende e supõe que os adultos possuem mais conhecimento do que elas O exem plo abaixo poderá tom ar mais claro a compreensão da deferência Paula com 6 anos é acompanhada pela avó até uma delegacia de polícia es pecializada em crimes contra crianças A avó conta ao policial que um vizinho seu foi visto passando as mãos no corpo da menina O policial que veste o uniforme de sua corporação chama o delegado Entre si os adultos se tratam por doutor Paula observa atentamente os adultos e ao ser encaminhada para a entrevista com uma policial ela mantém a cabeça baixa e também chama a entrevistadora de doutora Ao ser questionada se sabe por que es tava ali a menina diz que não mas que a doutora sabia A entrevistadora diz que quer saber o que o vizinho da avó havia feito com ela se havia tocado em seu corpo A menina responde que sim ele sempre a pegava no colo para brincar É importante lembrar que as crianças se mostram sensíveis não apenas às demonstrações dos adultos dirigidas diretamente a elas mas também às manifes tações de deferência dos adultos entre si como por exemplo a reverência pres tada a juizes médicos peritos e outros A deferência tom a as crianças pequenas particularmente vulneráveis às sugestões apresentadas pelos adultos enquanto as crianças mais velhas mostramse mais resistentes a esse fator Em virtude da de ferência os adultos podem facilmente transmitir sua própria visão de um evento pela forma como formulam uma questão a uma criança ou fazem algum comentário Ceei Bruck e Battin 2000 Saywitz e Lyon 2002 No exemplo acima a m e nina se mostra bastante sensível à autoridade dos adultos A entrevistadora ao perguntar o que o vizinho havia feito com ela transmite à criança a ideia de que o vizinho de fato fez alguma coisa algo sobre tocar no corpo sem ainda saber do que se trata Por fim as crianças pequenas antes dos 6 anos evidenciam especial dificul dade na identificação das origens de suas lembranças uma vez que a capacidade Os adultos podem facilmente transmitir sua própria visão de um evento pela forma como formulam uma questão a uma criança Falsas Memórias 171 de monitoramente da fonte encontrase em desenvolvimento nessa fase Roberts e Blade 1999 O monitoramento da fonte é uma capacidade cognitiva que nos permite discriminar se as recordações que temos acerca de um acontecimento qualquer são provenientes de experiências externas ou seja de acontecimentos vivendados ou de experiências internas isto é de acontecimentos imaginados sonhados ou pensados O monitoramento da fonte nos permite ainda discriminar entre diferentes tipos de experiências externas o que nos possibilita saber se aquilo que estamos recordando foi algo que vimos ou que ouvimos se foi algo que alguém nos contou ou um film e a que assistimos na televisão Os erros do monitoramento da fonte são responsáveis pela produção de alguns tipos de FM e sendo a capacidade de monitoramento pouco desenvolvida no período inicial da infância constituise num dos fatores que contribuem para a maior suscetibi lidade das crianças dessa idade aos efeitos da sugestionabilidade C ed Bruck e Battin 2000 Fatores individuais Para além dos aspectos relativos à idade ou à fase de desenvolvimento na qual se encontra uma criança os pesquisadores têm se interessado em explicar as diferenças na propensão à sugestionabilidade observadas em crianças de uma mesma faixa etária Por que algumas crianças mostramse mais sugestionáveis do que outras com a mesma idade e o mesmo nível educacional Acreditase que crianças de um mesmo grupo etário podem apresentar maior ou menor propen são à sugestionabilidade em virtude de uma variabilidade individual no funciona mento cognitivo e no funcionamento psicossocial Bruck e Melnyk 2004 Chae e Ceei 2006 Salmon e Pipe 2000 A consideração das características individuais associadas à sugestionabilida de seria de extrema relevância no contexto forense uma vez que permitiria iden tificar e predizer quais as crianças seriam mais suscetíveis aos efeitos da sugestão independentemente da idade Chae e Ceei 2006 O conhecimento desses fatores implicaria diretamente a escolha das técnicas de entrevista forense Entretanto numa revisão de 69 estudos realizados com o propósito de examinar as relações entre fatores cognitivos e sociais e a sugestionabilidade infantil Bruck e Melnyk 2004 não encontraram o perfil da criança altamente sugestionável Ainda assim é possível identificar alguns fatores individuais que têm sido relacionados a sugestionabilidade da memória das crianças tais como a inteli gência verbal e as habilidades linguísticas o autoconceito e a autoconfiança o temperamento o tipo de vínculo afetivo estabelecido entre a criança e seus pais e o estilo de copirig De forma mais consistente a inteligência verbal e as habilidades linguísticas aparecem inversamente associadas à sugestiona bilidade enquanto os demais fatores necessitam ainda de mais investigação científica Ceei et al 2007 Alguns fatores indivi duais têm sido relaciona dos à sugestionabilidade da memória das crianças 172 Lilian Milnitsky Stein cols Crianças com melhores capacidades de inteligência verbal e melhores habi lidades linguísticas mostramse menos propensas à sugestão do que crianças com habilidades mais precárias ver Chae e Ceei 2006 Em sua revisão Bruck e Melnyk 2004 apontam que crianças com retardo mental bem como crianças mais cria tivas são mais sugestionáveis comparadas a crianças da mesma faixa etária Chae e Ceei 2006 destacam que alguns estudos têm oferecido suporte empírico para a hipótese de que um elevado autoconceito ou seja a avaliação positiva que a criança faz de si mesma em diferentes contextos está associado a uma menor sugestionabilidade da memória Vrij e Bush 2000 verificaram que a autoconfiança estava associada inversamente com a sugestionabilidade em crian ças de 5 a 11 anos Esperase portanto que crianças com melhor autoconceito sintamse mais capazes e confiantes no contexto de uma entrevista tenham uma certeza maior acerca da precisão de suas memórias e sintam menos os efeitos da pressão social para concordarem com um entrevistador quando este está errado Ao lado da inteligência verbal e do autoconceito outros fatores individuais associados à sugestionabilidade começaram a ser investigados tais como o tem peramento e o tipo de vínculo estabelecido entre os pais e a criança Alguns in vestigadores levantam a possibilidade de que características do temperamento possam afetar o relato de uma criança durante uma entrevista apontando que crianças mais tímidas e com menor capacidade de adaptação mostramse mais sugestionáveis Endres Poggenpohl e Erben 1999 Da mesma forma o tipo de vínculo estabelecido entre a criança e seus pais tem sido objeto de algumas pes quisas Os resultados desses estudos têm indicado que a insegurança dos pais no vínculo com seus filhos está associada a um aumento da sugestionabilidade das crianças em situações com maiores níveis de estresse ver Chae e Ced 2006 Apesar desses resultados o temperamento e o tipo de vínculo ainda precisam ser objetos de mais pesquisas cientificas O estilo de coping tem sido apontado como uma das variáveis sociais e da personalidade a ser incluída na explicação da variabilidade individual da suges tionabilidade Pipe e Salmon 2002 De acordo com esses autores o coping é um conceito complexo que diz respeito à capacidade da criança de lidar com situações de estresse por meio da regulação e modulação das emoções tanto no momento em que transcorre o episódio estressante quanto depois da sua ocor rência O modo de lidar com situações com elevados níveis de estresse tem sido apontado em diversos estudos como um dos fatores que afetam a capacidade de uma criança recordar um evento De um modo geral níveis superiores de recor dação têm sido associados entre outros aspectos a um maior senso de controle e confiança frente a uma situação com maiores níveis de estresse tais como resistir a pressões durante uma entrevista Sugestionabilidade e contexto da entrevista A importância dada à entrevista reside no fato de que é por meio dela que os depoimentos são coletados sejam de crianças ou de adultos Desse modo tanto Falsas Memórias 173 o tipo de entrevista que é realizada como a forma e as circunstâncias em que é conduzida são determinantes para a qualidade de um testemunho É no contex to da entrevista que costuma ser observado o fenômeno da sugestionabilidade embora não exclusivamente Como salientam Ceei e colaboradores 2007 a ex posição da criança a rumores e comentários feitos pelos pais por outras crianças ou por outras pessoas pode ser suficiente para gerar FM Por exemplo em um estudo conduzido por Príncipe e colaboradores 2006 crianças que simplesmen te ouviram repetidas vezes as conversas e os comentários de outras crianças e de adultos sobre um show de mágicas durante o qual um coelho fugiu afirmaram falsamente ter visto essa cena tanto quanto as crianças que realmente vivencia ram o evento Ceei Bruck e Battin 2000 referem três formas pelas quais um entrevistador pode vir a sugerir um padrão de respostas a crianças durante uma entrevista 1 por meio do estilo particular de perguntar o que inclui o tipo de pergun tas utilizadas p ex perguntas fechadas e sugestivas a repetição das perguntas a repetição das entrevistas entre outros 2 por meio das características globais e da atmosfera emocional gerada na entrevista o que compreende os aspectos relativos ao tom geral da entrevista a indução de estereótipos quando uma ideia sobre uma pessoa é transmitida previamente à criança a pressão exercida pelos pares 3 por meio da utilização de determinadas técnicas que se valem de recur sos específicos tais como bonecos anatômicos com o objetivo suposta mente de facilitar a recordação e o relato de experiências vivenciadas pela criança Porquanto consideram o estilo de perguntar do entrevistador como uma forma mais direta e explícita de sugestão Ceei Bruck e Battin 2000 salientam que a sugestão durante uma entrevista pode ocorrer de forma mais sutil e indi reta por meio das características globais e do clima emocional gerado durante a entrevista que pode assumir um tom mais neutro ou mais acusatório Situações de alta pressão emocional com perguntas feitas de modo ameaçador além de au mentarem o estresse da criança que está testemunhando poderão comprometer a qualidade de seu relato M alloy et al 2007 Davis e Bottoms 2002 ressaltam com base em evidências científicas que as crianças têm aumentada a sua capacidade de resistir a perguntas sugestivas e de aceitar informações falsas quando recebem adequado suporte social de um en trevistador ou seja quando estabelecem com este uma forma de comunicação se gura que lhes proporcione bemestar Entretanto os autores alertam que o suporte oferecido não pode ser utilizado como reforço positivo de certos tipos de respostas ao dizer muito bem após uma resposta da criança o que pode comprometer a precisão dos relatos infantis Da mesma forma Ceei Bruck e Battin 2000 também chamam a atenção para alguns problemas que podem acontecer em contextos ju 174 Lilian Milnitsky Stein cols diciais quando o entrevistador presume estar construindo uma relação de suporte mas de fato está expondo suas crenças pelo uso implícito ou explícito de ameaças subornos ou recompensas Quando o entrevistador diz Não tenha medo de dizer o que aconteceu por exemplo supõe implicitamente que há algo que aconteceu que dever ser dito sem ainda saber se este é o caso Outra forma sutil de contaminar o clima da entrevista ocorre quando o entrevistador aumen ta seu status de desigualdade em relação à crian ça Com relação à demonstração de desigualdade pelo entrevistador Ceei Bruck e Battin 2000 lembram como já foi visto anteriormente que as crianças são especialmente deferentes aos adultos tendendo a respeitar e a se submeter aos desejos deles sendo este fator uma das causas mais importantes da alta suscetibilidade à sugestão evidenciada nas crianças Isso pode acontecer quando a criança entra em uma sala de audiências e senta em frente ao juiz ao promotor de justiça ao advogado de defesa ou a ou tras autoridades judiciais geralmente numa cadeira posicionada de forma isolada e por vezes situada num piso inferior em relação aos outros lugares A partir do reconhecimento de que a organização do espaço físico pode ser além de geradora de estresse para a criança comprometedora de sua recordação e de seu relato em muitos países como Estados Unidos Inglaterra Escócia Noruega e Espanha reformas legais têm sido propostas com base nas pesquisas científicas na área da sugestionabilidade infantil Nesses países as crianças usualmente são entrevista das por um profissional treinado em técnicas de entrevista investigativas cienti ficamente validadas para esse grupo etário As entrevistas são gravadas e podem ser realizadas em sala de espelho uniderecional ou através de circuito televisivo evitandose que a criança submetase à pressão natural de uma sala de audiências comum M alloy et al 2007 Tais modificações na forma de conduzir o depoi mento de uma criança são medidas que visam a diminuir o estresse da criança na entrevista e também melhorar sua capacidade de recordação além de diminuir a sugestionabilidade Westcott 2008 Outra forma sutil de sugestão mas poderosa é a indução de estereótipos que ocorre quando se transmite previamente à criança uma ideia ou uma ca racterização sobre uma pessoa ou sobre um determinado acontecimento antes da entrevista Ceei Bruck e Battin 2000 C ed et al 1998 Leitchtman e Ceei 1995 conduziram um dos estudos mais referidos sobre os efeitos da indução de estereótipos com o uso repetitivo de questões sugestivas o qual ficou conhetido como Sam Stone No experimento um estranho chamado Sam Stone visitou crian ças entre 3 e 6 anos enquanto estavam na escola A visita de Sam Stone durou tão somente dois minutos Um grupo de crianças recebeu previamente a informa ção de que Sam Stone era um sujeito gentil mas muito desajeitado já o grupo controle não recebeu qualquer informação prévia Posteriormente as crianças foram entrevistadas várias vezes em intervalos de tempo variados Durante as A sugestão pode ocorrer de forma indireta atra vés do clima emocional gerado durante a entrevista Falsas Memórias 175 entrevistas após um período de recordação livre o entrevistador fazia perguntas sobre fatos que não tinham acontecido durante a visita de Sam Stone como por exemplo Sam arrancou páginas do livro e puxou o braço do ursinho de pelúcia Os resultados demonstraram que no grupocontrole nenhuma criança produziu um relato falso durante a narrativa livre Em resposta às perguntas sugestivas 10 das crianças de 3 e 4 anos aderiu à sugestão enquanto nenhuma criança mais velha entre 5 e 6 anos aceitou a informação sugerida Em contrapartida no grupo experimental 46 das crianças mais jovens e 30 das crianças mais velhas disseram recordarse de um ou dos dois eventos não ocorridos envolvendo Sam Stone durante a livre narrativa que incluíam ainda uma quantidade rele vante de informação perceptual ou seja descrição de detalhes do que as crianças diziam terem visto ouvido sentido etc Nas respostas às perguntas sugestivas o número de crianças mais jovens que aderiu à sugestão chegou a 72 Vejamos um exemplo de indução de estereótipo Durante um depoimento um entrevistador buscava saber o que havia acon tecido entre Ana com 7 anos e seu tio uma vez que a mãe havia feito uma denúncia de que ele tinha abusado sexualmente da menina Os supostos abusos ocorriam na casa dos tios quando a menina os visitava Entrevistador Então Ana a tua tia parece gostar muito de ti eu acho que ela te ama porque ela gosta que tu a visites ela disse que sempre foi uma alegria as tuas visitas ela compra presentes para ti O que tu achas da tua tia Ana Ela gosta de mim Eu também gosto dela Entrevistador E o teu tio ele é uma pessoa que trabalha bastante e também gosta muito de ti Ana Ele gosta Entrevistador Os adultos às vezes pegam as crianças no colo beijam e não tem nada de mal nisso Tu achas que tem algum mal nisso Ana Não Entrevistador Eu também não acho nada de mal que um adulto uma pessoa que goste da criança queira pegar ela no colo O que acontecia quando tu ias visitara tua tia Ana O tio Jonas me pegava no colo Entrevistador E tinha mal nisso Ana Não Entrevistador E acontecia alguma coisa de mal Ana Não Nesse exemplo o entrevistador comunica claramente à Ana o seu juízo acer ca dos tios da menina bem como o que pensa sobre as atitudes de um adulto para com uma criança A menina se submete facilmente às ideias do entrevistador que ao tecer seus comentários à criança pressiona para que ela diga o que ele quer ouvir A menina desse modo adota de forma natural a tese do entrevistador 176 Lilian Milnitsky Stein cols sobre os fatos supostamente ocorridos Ficará difícil depois de uma abordagem desse tipo saber o que realmente aconteceu entre Ana e seu tio Outro modo sutil de sugestão acontece quando o entrevistador diz que outras crianças já lhe falaram sobre o evento determinado invocando a pressão dos pares como forma de induzir a criança a produzir a resposta que ele deseja Daniel Maurício e Douglas com 6 anos todos residentes em um abrigo para crianças vítimas de violência são entrevistados acerca da conduta de um dos monitores que supostamente teria abusado sexualmente de algumas crianças abrigadas Individualmente Daniel e Maurício relatam atos abusivos cometidos pelo monitor contra eles Douglas se mantém silencioso e retraí do durante a entrevista Para estimular o menino a falar o entrevistador co menta Então Douglas sabes que hoje os teus amigos Daniel e Maurício já estiveram aqui conversando comigo e já me contaram tudo que o tio André fazia com eles Podes me contar também não tenha medo assim como os teus amigos não tiveram Douglas então passa a relatar alguns comporta mentos do tio André idênticos aos relatados pelas outras crianças os quais refere também terem acontecido com ele O problema desse tipo de abordagem é que muitas vezes a criança pode vir a dar a resposta que pensa que o entrevistador deseja ouvir mesmo que seja fal sa simplesmente pelo desejo de se sentir parte do grupo C ed Bruck e Battin 2000 Esse tipo de resposta tem sido observada tanto no âmbito das pesquisas científicas quanto em situações reais Ceei e colaboradores 2007 referem o caso de um jovem que quando criança afirmou falsamente ter sido abusado por um professor Quando adulto ao ser perguntado se lembrava o que o motivou a fazer a falsa dedaração o jovem rapaz disse não saber ao certo comentando que todos os outros colegas haviam dito o mesmo tendo pensado que era aquilo que o entrevistador queria ouvir Ainda Ceei Bruck e Battin 2000 conside ram o uso de determinadas técnicas durante uma entrevista como sendo em sua natureza sugestivas tais como o uso dos bonecos anatômicos e as téc nicas que estimulam a imaginação das crianças p ex jogos em geral desenhos técnicas de visualização etc Para esses pesquisa dores tais técnicas geram experiências artificialmente fabricadas Nessa seção optouse por discutir em maior profundidade o uso dos bonecos anatômicos uma vez que tal recurso é frequentemente mencionado como uma técnica apropria da para a investigação de casos de abuso sexual infantil Os bonecos anatômicos são bonecos cujos corpos são detalhados incluindo os órgãos genitais Embora alguns autores defendam que se usados de modo adequado na au sência de perguntas sugestivas os bonecos anatômicos podem ser úteis no incre mento da recordação das crianças Everson e Boat 2002 os resultados da maior parte dos estudos científicos que avaliaram o uso dessa técnica com o objetivo de facilitar a recordação e o relato das crianças indicam uma série de problemas em A criança pode vira dar uma resposta falsa simplesmente pelo desejo de se sentir parte do grupo Falsas Memórias 177 sua utilização desaconselhando seu uso em entrevistas investigativas com crian ças Bruck Ceei e Francouer 2000 Bruck et al 1995 Goodman et al 1997 Thierry et al 2005 Ainda que as crianças menores possam relatar maior quantidade de infor mação quando os bonecos anatômicos são utilizados numa entrevista o que os estudos de modo geral têm demonstrado é que o aumento da quantidade de informações vem acompanhado da perda de qualidade dos relatos infantis que se tom am mais imprecisos com maior quantidade de informações incorretas falsas e inconsistentes Bruck Ceei e Francouer 2000 Bmck et al 1995 Goodman et al 1997 Thieny et al 2005 Por exemplo no es tudo de Bmck e colaboradores 1995 crianças de 3 anos foram entrevistadas com o uso de bonecos anatômicos acerca de um exame médico pediá trico Os resultados mostraram que as crianças apresentavam tanto erros de omissão ou seja ne gavam procedimentos que haviam de fato aconte cido durante o exame quanto erros de comissão isto é relatavam experiências que não haviam acontecido ao longo da avaliação médica Especificamente algumas crianças relatavam com o uso dos bonecos que o médico teria inserido os dedos ou outro instrumento p ex uma colher um palito em suas cavidades anais e genitais o que não aconteceu Entre as explicações para a maior imprecisão dos relatos das crianças quan do entrevistadas com o recurso dos bonecos anatômicos os pesquisadores assi nalam que eles estimulam o brinquedo e a fantasia tom ando mais difícil para a criança a tarefa de diferenciar entre fantasia e realidade Além disso a criança pequena teria especial dificuldade em utilizar o boneco como um símbolo de si mesma e dessa forma como um representante do que aconteceu com ela na rea lidade externa Bmck et al 1995 Ceei e Bmck 1995 Thierry et al 2005 Ao oferecer os bonecos anatômicos o entrevistador estará disponibilizando à criança uma nova fonte de experiências dificultando ainda mais o processo de monitoramento da origem de suas recordações por meio do qual como já vimos ela deve julgar se sua lembrança é fruto de uma experiência vivenciada ou fruto da sua imaginação Desse modo o uso dos bonecos tom a mais confuso para o entrevistador e para a criança saber se aquilo que ela está mostrando aconteceu na experiência com determinada pessoa suposto abusador ou na experiência com o boneco Ceei Bmck e Battin 2000 Pelas mesmas razões que levaram os pesquisadores a desaconselhar o uso dos bonecos anatômicos em entrevistas com crianças para investigar abuso sexual é recomendado cautela com o uso de outras técnicas interpretativas durante uma entrevista investigativa como o uso de desenhos brinquedos e jogos em geral Teresa tia de Juliana de apenas 3 anos é responsável por cuidar da sobrinha durante o dia quando a mãe da menina sai para trabalhar Ela relata des confiar que a menina tenha sido abusada sexualmente por um exnamorado da mãe de Juliana Enquanto a tia fala à entrevistadora a menina brinca li O uso de bonecos anatômicos numa entrevista investigativa torna os relatos infantis mais imprecisos 178 Lilian Milnitsky Stein cols vremente com alguns bonecos de pano e outros brinquedos Juliana despe os bonecos e os faz se abraçarem A entrevistadora percebendo o jogo da menina pergunta o que ela estava mostrando ela apenas ri e nada diz con tinuando a brincar É possível que Juliana esteja mostrando por meio dos jogos e do brinquedo uma experiência por ela vivenciada Sim é possível Entretanto o maior proble ma desse tipo de técnica em uma entrevista investigativa é que inexiste na lite ratura científica evidência de que o brinquedo de uma criança possa ser tomado com alto grau de confiabilidade como indicador da vivência de uma experiência real Howe Cichetti e Toth 2006a 2006b Poucos meses depois a entrevistado ra recebe uma informação de que Teresa a tia de Juliana sofre de uma doença mental e já teve várias internações psiquiátricas Quando doente é comum que seus delírios tenham um conteúdo sexual Como saber com a certeza necessária numa investigação legal se o brinquedo de Juliana mostrava o suposto abuso ou os delírios da tia ou ainda apenas um jogo A sugestionabilidade da memória das crianças é um dos fatores de maior relevância em termos das limitações do testemunho infantil Isso ocorre como vimos nesta seção pelo indiscutível potencial destruidor que esse fenômeno pode ter sobre a memória de uma testemunha podendo tornar seu relato completa mente inválido além dos danos subjetivos que pode causar para os indivíduos sejam estes crianças ou adultos Alguns estudos têm mostrado que as pessoas demonstram maior dificuldade em esquecer FM do que memórias verdadeiras Pitarque et al 2003 O problema do ponto de vista subjetivo e ético ocorre quando uma sugestão se transforma em uma FM o que pode trazer imenso sofri mento psíquico para a criança crente de que algo lhe aconteceu até mesmo um episódio de violência sexual quando de fato não aconteceu CONSIDERAÇÕES FINAIS N o final do ano de 2000 em uma pequena cidade do norte da França Ou treau um menino de 9 anos revelou a uma assistente social ser vítima de repe tidos estupros e outras formas de violência sexual além de diversas agressões Seus três irmãos menores confirmaram os relatos dele e também afirmaram se rem vítimas dos mesmos crimes Os pais das crianças Myriam Badaoui e Thierry Delay juntamente com outro casal foram apontados como os autores das agres sões contra seus filhos assim como de outras crianças À época dessas primei ras denúncias Myriam Badaoui dtou o nome de outras 14 pessoas que também estariam envolvidas em atos criminosos contra crianças revelando desta forma a existência de uma suposta rede de pedofilia cujos crimes praticados envolviam tortura prática de bestialismo realização de filmes pornográficos e assassinatos As crianças filhos de Myriam Badaoui confirmaram as denúncias da mãe Por conta das acusações de Myriam Badaoui e dos relatos das crianças 17 pessoas foram presas acusadas da prática de pedofilia Eram pessoas que viviam Falsas Memórias 179 e trabalhavam na comunidade local entre essas um motorista de táxi um pa deiro um padre um advogado e dois pedreiros todos conhecidos da família Os relatos das crianças assim como da mãe foram considerados credíveis por um psicólogo perito da justiça francesa O juiz que presidia o caso empenhouse por um julgamento rápido e condenou os acusados que permaneceram presos Porém passados alguns anos em 2004 Myriam Badaoui admitiu perante o tribunal ter acusado falsamente as 14 pessoas Eu sou uma mulher doente e uma mentirosa Adm itiu que somente ela o marido e o outro casal estavam efetivam ente envolvidos nos crimes A retratação de Myriam gerou uma crise sem parâmetros no sistema judicial francês colocando em pauta a questão do depoim ento das crianças a avaliação do perito e a form a como o juiz havia conduzido o processo criminal Esse foi considerado um dos mais escandalosos erros judiciais da França e levou o Ministro da Justiça o Prim eiro Ministro e o próprio Presidente da República na época a pedirem publicamente desculpas aos injustamente condenados e aos cidadãos franceses Entretanto os danos causados para as 14 pessoas que permaneceram presas durante cerca de quatro anos cumprindo pena por crimes que não haviam come tido já eram irreversíveis Alguns dos condenados ficaram afastados dos próprios filhos por cerca de três anos tendo suas crianças algumas muito pequenas com 1 2 anos sido encaminhadas aos cuidados de instituições Uma dessas pessoas cometeu suicídio na prisão muitos adoeceram foram humilhados perderam suas famílias e seus empregos Outros países também se viram envolvidos em casos jurídicos semelhantes ao Caso Outreau na França Basta que se recorde no Brasil o caso da Escola de Base ocorrido em São Paulo em 1994 quando denúncias de abusos sexuais supostamente cometidos por donos e funcionários da escola contra os alunos es tamparam por algum tempo as páginas dos principais jornais e revistas do país Algumas pessoas foram presas a escola foi depredada e saqueada Poucos meses depois foi verificado que as denúncias eram infundadas e o caso foi arquivado Vejamos um último caso Marina aos 9 anos estava dormindo quando seu padrasto deitouse em sua cama e passou as mãos em seu corpo Marina conta essa história inúmeras vezes para a mãe para a avó no Conselho Tutelar na Delegacia de Polícia no Ministério Público no Centro de Saúde sendo que em alguns desses lugares ela retom a mais de uma vez Sua história é sempre a mes ma contada em detalhes O padrasto admitiu seus atos e reconheceu sua culpa perante à menina e à família Ao ser encaminhada para um atendimento psicoló gico para tratar as possíveis consequências psicológicas decorrentes do episódio de abuso a menina já com 13 anos não é avaliada relativamente à sua saúde mental mas é solicitada a repetir sua história mais uma vez Na segunda consul ta Marina afirma ao psicólogo que nada havia se passado que havia sido coisa da sua cabeça e que gostaria mesmo de prosseguir sua vida e não voltar mais às consultas Se de um lado temos casos escandalosos de falsas denúncias de abusos se xuais de outro temos incontáveis casos de crianças vítimas de variadas formas de violência que por sua vez têm suas palavras desacreditadas e desmerecidas 180 Lilian Milnitsky Stein cols Além das crianças já terem que lidar com a pressão usualmente exercida pelos seus agressores é difícil encontrarem um ambiente adequado para serem ouvi das E isto acontece em regra não porque as crianças não saibam ou não consi gam falar mas sim porque quase sempre os adultos que as questionam não sa bem como perguntar Muitas dessas crianças são abordadas de formas impróprias tanto com relação à sua condição de sujeitos em desenvolvimento com perguntas que não compreendem quanto com relação à sua condição de sujeitos que foram vítimas de violência com perguntas desnecessárias intrusivas e constrangedoras Um longo período de tempo transcorrido até que sejam ouvidas perguntas inade quadas altamente sugestivas repetidas inúmeras vezes em momentos variados por diferentes técnicos terminam por comprometer não apenas a qualidade de seus relatos enquanto prova testemunhal como também contribuem para a reviti mização das crianças numa situação abusiva A questão do testemunho de crianças é um tema extremamente sério e com plexo que deve antes de tudo ser discutido dentro do âmbito técnico e científico das diversas áreas de conhecimento tais como o Direito a Psicologia a Psiquiatria a Sociologia entre outros Com o foi ressaltado na introdução des te capítulo do ponto de vista legal o testemunho de crianças é muitas vezes uma necessidade de m odo especial quando não restam outras evidências da ocorrência de um crime algo tão comum em situações de violência sexual em que a palavra da vítima tornase o principal e por vezes único m eio de prova Entretanto no campo jurídico não basta apenas lembrar o que aconteceu sendo de fundamental importância saber se os fatos narrados por uma vítim a ou tes temunha correspondem ao que aconteceu real mente se são precisos e confiáveis Do ponto de vista da Psicologia o testemunho de crianças é possível mas exige das pessoas incumbidas de entrevistar conhecimento sobre o funcionamento da m emória e treinamento técnico especializado em técnicas de entrevista investigativa Como vimos ao longo deste capítulo a pesquisa científica em Psicologia Cognitiva particularmente os estudos sobre a memória mostranos que as crian ças são capazes de recordar experiências que tenham vivenciado mesmo quando se tratam de episódios estressantes e traumáticos Porém também vimos que a recordação é um processo inerentemente sujeito a falhas como perdas por esque cimentos e distorções sendo as crianças um grupo especialmente vulnerável aos efeitos da sugestionabilidade Vimos que a propensão à sugestionabilidade de uma criança é determinada conjuntamente por fatores contextuais relativos principalmente à entrevista e diferenças individuais incluindo fatores cognitivos e de personalidade Isso sig nifica que é possível mas não provável que uma criança seja entrevistada de forma sugestiva e ainda assim apresente um relato preciso isento de distorções O testemunho de crian ças exige das pessoas encarregadas de condu zir a entrevista conhe cimento e treinamento técnico especializado Falsas Memórias 181 Ceei et al 2007 Já um depoimento colhido livremente na ausência de suges tão não garante invariavelmente um relato preciso livre de erros e distorções Em situações judiciais concretas que envolvem crianças vítimas ou testemunhas uma análise cuidadosa de cada caso em particular deve ser feita tendo como compromisso maior a busca da verdade objetivo que em sua natureza é efeti vamente protetor daqueles que se encontram em meio a procedimentos legais sejam crianças ou adultos Se de um lado é preciso reconhecer a inexistência de 100 de certeza na avaliação dos relatos testemunhais por outro é indiscutível o considerável avan ço na pesquisa científica sobre a sugestionabilidade infantil que tem contribuído imensamente para o conhecimento desse fenômeno Os resultados das pesquisas sistematicamente replicados têm permitido com alto grau de confiabilidade que se identifique procedimentos adequados para entrevistar crianças em situações judiciais bem como as técnicas que devem ser evitadas Em muitos países os re sultados da investigação científica sobre o testemunho infantil têm impulsionado mudanças importantes no sistema legal em diferentes fases do processo judicial de modo a prom over a proteção ampla e efetiva da criança vítima eou teste munha bem como de preservar a qualidade do relato como evidência criminal Westcott 2008 Por exemplo na Escócia em abril de 2004 foi aprovada uma lei sobre como coletar o testemunho de vítimas vulneráveis incluindo crianças e adultos portadores de necessidades especiais Scotland 2004 Em conjunto com autoridades de diversas instituições jurídicas e pesquisadores da Psicologia foi elaborado um manual de orientações técnicas para entrevistar este grupo especial de testemunhas De acordo com essas orientações o depoimento de uma criança é obtido numa sala reservada com a presença de um profissional capacitado em técnicas de entrevista investigativa p ex Entrevista Cognitiva O depoimento é filmado e transmitido para as autoridades judiciais através de um circuito interno de televisão No Brasil a questão do testemunho infantil usualmente não tem sido dis cutida em fóruns científicos da Psicologia bem como não tem sido objeto de pesquisas e estudos Isso reflete em parte o próprio estado da Psicologia Forense em nosso país ainda restrita à prática individual de cada técnico que se encontra atuando nessa área São raros os currículos de graduação e pósgraduação em Psicologia que incluam a disciplina forense e é comum que os profissionais que atuem em contextos judiciais adotem modelos de trabalho adequados a outras áreas da Psicologia como a Clínica mas que podem não ser apropriados aos pro pósitos específicos da Psicologia Forense Considerase que é somente pelo caminho do conhecimento construído em sólidas bases científicas de modo que possa ser replicado testado e refutado que se poderá impulsionar a exemplo do que ocorreu em outros países algumas mudanças na realidade do sistema judicial brasileiro especialmente quando se pretende receber crianças em nossos tribunais buscandose a proteção ampla e efetiva dessas pequenas vítimas e testemunhas 182 Lilian Milnitsky Stein cols REFERÊNCIAS Alberto I M 2004 Maltrato e trauma na Infância Coimbra Almedina Alberto I M 2006 Abuso sexual de crianças O psicólogo na encruzilhada da ciência com a justiça In A C Fònseca M R 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Act 2004 Terr L C 1979 Children of Chowchilla a study of psychic trauma Psychoanalytic Study of the Child 34 547623 Terr L C 1983 Chowchilla revisited The effects of psychic trauma four years after a schoolbus kidnapping American Journal of Psychiatry 14012 15431550 Thierry K L Lamb M E Orbach Y Pipe M E 2005 Developmental differences in the function and the use of anatomical dolls during interviews with alleged sexual abuse victims Journal of Consulting and Clinical Psychology 736 11251134 Vrij A Bush N 2000 Differences in suggestibility between 56 and 1011 year olds The relationship with self confidence Psychology Crime and Law 6 127138 Wang Q 2003 Infantile amnesia reconsidered A crosscultural analysis Memory 11 1 6580 Westcott H L 2008 Safeguarding witnesses In G Davies C Hollin R Bull Forensic Psychology pp 185208 Chichester Wiley 9 RECORDAÇÃO DE EVENTOS EMOCIONAIS REPETITIVOS MEMÓRIA SUGESTIONABILIDADE E FALSAS MEMÓRIAS Carmen Lisbôa Weingärtner Weiter AL restam dúvidas de que a repetição facilita a memória em geral Gazzaniga e Heatherton 2005 Por exemplo se você ler várias vezes o conteúdo de uma matéria para estudar para uma prova e além disso se o fizer com concentração ou elaborar a informação que você está lendo de alguma forma p ex fazendo um resumo muito provavelmente você irá memorizar o conteúdo de forma mais efetiva do que se você o lesse uma única vez Entretanto lembrar o conteúdo de uma prova é muito diferente do que lembrar uma experiência de vida de um epi sódio passado Podese esperar que a repetição também melhore o tipo de m em ó ria Em outras palavras uma pessoa que vivenciou algo repetidas vezes terá uma memória melhor desses episódios do que uma pessoa que teve uma experiência única Poderia a repetição tom ar nossa memória imune aos erros e distorções aos quais naturalmente estamos sujeitos Acontecimentos que se repetem costumam ser bem lembrados Por exemplo você conseguirá se lembrar da última vez que foi ao seu restaurante predileto de lanches rápidos Possivelmente lembrará que esperou numa fila fez seu pedido no caixa para uma das atendentes e poucos minutos depois saiu com o seu lan che Entretanto será mais difícil lembrar detalhes específicos tais como qual era o penteado da pessoa do caixa como estavam vestidas as pessoas que estavam à sua frente na fila ou qual era a cor da embalagem de seu sanduíche Ou seja por um lado a repetição terá melhorado sua memória para as informações centrais que fazem parte desse acontecimento ir a um restaurante Por outro detalhes de um episódio específico a última vez que você foi ao restaurante serão mais difíceis de serem recordados Qual a importância de se saber o que acontece com a memória quando se vivência experiências repetidas Lembrar acontecimentos rotineiros comuns tais como ir frequentemente ao mesmo restaurante é muito diferente de lembrar acontecimentos repetitivos que sejam carregados de emoção e especialmente quando se trata de emoção negativa Lembrar acontecimentos traumáticos que tenham ocorrido muitas vezes ao longo de determinado período da vida é in Falsas Memórias 187 felizmente uma realidade para muitas pessoas que foram vítimas de diversos modos de violência crônica ou seja uma forma de violência repetitiva e dura doura que persiste ao longo do tempo Especialmente em contextos forenses tem sido fundamental saber se as pessoas que foram vítimas de repetidos episó dios de violência irão recordar e relatar esses episódios da mesma forma como o fazem as pessoas que foram vítimas de uma única ocorrência Isso porque as características qualitativas da memória ou seja se há riqueza de detalhes e quais os tipos de detalhes descritos têm sido utilizadas como critérios diferendadores de relatos verdadeiros e falsos em instrumentos de avaliação de credibilidade de depoimentos de testemunhas ver Johnson et al 1988 Vrij 1998 Tal questão é ainda mais delica da quando estamos diante de vítimas vulneráveis como crianças e adultos com necessidades espe dais envolvidos em situações de abusos sexuais e outras formas repetidas de violência A presença cada vez mais frequente de crianças nos tribunais em virtude de casos de denúncias de abusos sexuais foi um dos fatores que impulsionou a pesquisa científica sobre a m emória das crianças nos anos de 1980 e 1990 especialmente nos Estados Unidos e nos países europeus ver Brown Goldstein e Bjorklund 2000 Stein e Nygaard 2003 Buscando respon der a questões advindas de outros campos particularmente do campo jurídico os pesquisadores têm buscado compreender o funcionamento da memória infantil bem como os tipos de erros de memória aos quais as crianças se mostram particu larmente mais suscetíveis uma vez que a precisão das recordações é uma quali dade indispensável para que um relato seja considerado como uma evidência em contextos forenses A precisão como já visto no Capítulo 8 diz respeito ao quanto o relato de uma criança corresponde com exatidão aos fatos que se passaram De modo geral estudos naturalísticos realizados com crianças que foram vítimas de algum acontecimento traumático Fivush et al 2004 Peterson e Wha len 2001 têm sugerido que as crianças guardam boa memória desse tipo de evento p ex um acidente ou desastre natural conservando ao longo do tem po a memória para os aspectos centrais da experiência e tendendo a esquecer dos detalhes periféricos H ow e 1998 Pezdek e Taylor 2002 Entretanto alguns estudos experimentais p ex Peters 1991 nos quais as crianças são solicitadas a recordar um evento emocional que foi dramatizado p ex um roubo simula do ou de algum outro tipo de material emocional p ex uma história têm indicado que o incremento da memória para acontecimentos emocionais pode vir acompanhado da perda da qualidade dessas recordações que se tom am mais im precisas visto que apresentam mais erros e distorções Ainda assim esses estudos se referem à memória para acontecimentos naturais ou simulados que ocorreram uma única vez Podemos esperar que a memória das crianças para um acontecimento único seja similar à memória das crianças que vivenciaram acontecimentos repetidos Que efeitos a repetição de uma experiência terá na memória das crianças O que Saber se há diferenças qualitativas entre a memória para episódios repetidos de violência e a memória para uma única ocorrência é importante para contextos forenses 188 Lilian Milnitsky Stein cols se pode esperar que uma criança lembre de repetidos episódios de abuso sexual Deverá apresentar recordações ricas em detalhes Ou apresentará tão somente lembranças genéricas sem detalhes específicos Será mais resistente a informa ções sugestivas e à criação de falsas memórias FM Ou será mais suscetível aos erros e distorções que comumente a memória humana está sujeita A repetição poderia nos imunizar contra os erros comuns da memória O presente capítulo tem como objetivo abordar essas e outras importantes questões acerca da memória das crianças para eventos repetitivos tratandose de um tema muito específico dentro do campo científico da investigação da m e mória Curiosamente esse é um tema muito frequente em áreas aplicadas da Psicologia como a Psicologia Forense e a Clínica A exemplo dos estudos sobre a memória para episódios únicos os pesquisadores interessados em estudar a m e mória das crianças para acontecimentos repetidos têm utilizado duas abordagens metodológicas distintas o método naturalístico e o método experimental ver Capítulo 2 No campo da memória para eventos repetidos estudos naturalísticos têm sido realizados usualmente com vítimas de situações de violência crônica p ex abuso sexual agressões físicas etc Já os estudos experimentais envolvem a participação repetida das crianças numa série de atividades planejadas pela equi pe de pesquisadores p ex uma série de jogos e brincadeiras Num primeiro momento serão apresentados os principais resultados encon trados em estudos experimentais recentes sobre a memória de crianças para expe riências repetidas Esses estudos têm focalizado seus objetivos especialmente na compreensão da sugestionabilidade infantil associada à vivência de experiências repetidas fenômeno que assume grande relevância no âmbito da Psicologia Fo rense principalmente em contextos de entrevistas investigativas com vítimas e testemunhas de atos criminosos ver Capítulo 8 Num segundo momento serão apresentados os resultados dos estudos de campo realizados com vítimas de situa ções de violência crônica enfatizandose os resultados sobre a memória dessas pessoas para as experiências traumáticas repetitivas Ao final apresentase algu mas reflexões sobre as implicações dos achados científicos sobre a memória para experiências repetidas para contextos aplicados da Psicologia em particular para a Psicologia Forense A MEMÓRIA DAS CRIANÇAS PARA EVENTOS REPETITIVOS Apenas mais recentemente em especial a partir da década de 1990 houve um interesse maior pela memória das crianças para eventos repetitivos o que m o tivou a realização de novos estudos experimentais A possibilidade de um controle mais efetivo sobre os diversos elementos que possam estar afetando esse tipo de memória tem permitido que os pesquisadores verifiquem com maior segurança quais os fatores que influenciam mais fortemente a memória para eventos que se repetem Por isso esses estudos têm sido importantes visto que oferecem bases para a compreensão da memória de crianças vítimas de situações traumáticas crônicas como nos casos de abuso sexual e maustratos Além disso os resultados Falsas Memórias 189 dos estudos experimentais têm oferecido contribuições relevantes para campos aplicados da Psicologia como por exemplo a construção de técnicas e orienta ções específicas para entrevistar crianças que tenham vivenciado episódios repe tidos de abuso sexual Pow ell e Thomson 2003 Powell Thomson e Ceei 2003 Roberts e Powell 2006 Stem berg et al 2002 Nesses estudos grupos de crianças são comparados de acordo com a condi ção experimental se participaram da experiência uma única vez ou repetidas ve zes em geral são realizadas de quatro a seis repetições Os pesquisadores criam um evento que envolve a realização de uma série de atividades e jogos p ex realizar alguma atividade física construir um quebracabeças fazer uma dobra dura pintar um desenho etc sendo alguns aspectos mantidos fixos p ex reali zar uma atividade física ao longo das repetições e outros sendo variáveis p ex correr bater palmas pular dançar etc A ideia de manter alguns detalhes fixos e outros variáveis é explicada pelo fato de que quando vivenciamos um aconte cimento repetidas vezes em nossas vidas dificilmente um episódio é exatamente igual ao outro sendo que alguns aspectos se mantém fixos ou seja se apresen tam sempre da mesma form a e outros são variáveis Com isso os pesquisadores buscam compreender a complexidade envolvida na memória para eventos repeti tivos bem como aumentar a validade ecológica de seus experimentos de modo a potencializar a generalização dos seus resultados para situações reais Os estudos experimentais sobre a m emória das crianças para eventos re petitivos têm apontado para alguns resultados consistentes e outros contro versos Há evidências de que as crianças que vivenciam um evento repetidas vezes relatam m aior quantidade informações de m odo geral M cNichol Shute e Tucker 1999 Strõmwall et al 2004 Entre tanto os principais objetivos das pesquisas têm sido avaliar não a quantidade de informação re cordada mas principalmente a qualidade dessas recordações se são precisas os tipos de erros de memória bem com o a m aior ou m enor susceti bilidade das crianças à falsa sugestão quando vi venciam uma situação repetitiva em comparação com a experiência de um único episódio Connolly e Lindsay 2001 Connolly e Price 2006 Pow ell e Thomson 1996 Pow ell et al 1999 Price e Connolly 2004 Price e Connolly 2007 A sugestionabilidade consiste na tendência de um indivíduo em incorporar informações distorcidas e falsas provindas de fon tes externas de forma intencional ou acidental às suas recordações pessoais Schacter 1999 Para uma revisão mais aprofundada do tem a da sugestiona bilidade infantil e suas implicações para o testemunho de crianças indicase a leitura do Capítulo 8 De forma consistente tem sido observado que as crianças recordam m e lhor com m aior precisão e mostram maior resistência à sugestão de informações falsas para os aspectos do evento que permanecem fixos ao longo de sucessivas repetições em comparação com as crianças que vivenciam o mesmo episódio uma única vez Connolly e Lindsay 2001 McNichol Shute e Tlicker 1999 Powell e Crianças que vivenciam um evento repetidas vezes relatam maior quantidade de informações de modo geral 190 Lilian Milnitsky Stein cols Thomson 1996 Powell Thomson e Dietze 1997 Powell et al 1999 Roberts e Powell 2001 Ou seja a repetição invariável de um determinado aspecto dentro de um evento que acontece várias vezes melhora a memória para esse tipo de informação Vejamos um exemplo Marta 9 anos foi vítima de abusos sexuais repetidos perpetrados pelo pa drasto Ao relatar os episódios a menina refere que estes aconteciam sempre do mesmo jeito A mãe saía para trabalhar depois do almoço e Marta ia lavar a louça O padrasto pegava a bíblia de capa de couro vermelha e folhas dou radas sentavase à mesa sempre no mesmo lugar e lia algum trecho Depois disso chamava Marta para sentar no seu colo e dava início aos atos abusivos Marta não consegue lembrar um trecho específico que o padrasto tenha lido comentando que eram sempre diferentes Lembrase de algumas frases bíbli cas soltas sem saber precisar se as ouviu no último episódio de abuso sofrido ou em outro qualquer ou ainda durante as missas dominicais Observamos nesse exemplo que Marta manteve uma boa memória de as pectos invariáveis ao longo dos episódios que tudo começava sempre no mesmo horário que o padrasto pegava a bíblia que a bíblia tinha a capa vermelha com folhas douradas etc Com base nos resultados dos estudos experimentais so bre a memória das crianças para eventos repetitivos poderíamos supor que uma criança que tivesse vivenciado um único episódio desse tipo poderia apresentar maior dificuldade para recordar a cor da capa da bíblia ou de outros aspectos mais específicos Pesquisadores como Connolly e Lindsay 2001 Powell e colaboradores 1999 e Price e Connolly 2007 têm explicado este incremento da memória isto é a maior riqueza de detalhes e a maior precisão das recordações em decor rência da repetição invariável com base entre outras na Teoria do Traço Difuso Reyna e Brainerd 1995 já abordada no Capítulo 1 que concebe a memória a partir de um m odelo de representação dual de traços literais verbatim e traços de essência gist Os traços literais que contêm informações exatas detalhes pre cisos e específicos de um determinado evento são esquecidos mais rapidamente do que os traços de essência que contêm informações relativas ao significado ge ral do evento Brainerd e Reyna 2005 A repetição tom aria os traços literais dos aspectos invariáveis ao longo das sucessivas ocorrências mais fortes na memória e por sua vez mais resistentes ao esquecimento bem como à sugestionabilidade e à produção de FM Já a Teoria dos Esquemas Alba e Hasher 1983 que tem suas bases numa concepção constmtivista da memória ver Capítulo 1 também prevê que os as pectos fixos de um evento que se repete serão melhor recordados do que os aspec tos variáveis Segundo essa teoria quando uma pessoa vivência uma experiência repetidas vezes ela forma um esquema cognitivo dessa experiência isto é ela constrói um conhecimento generalizado sobre a experiência vivendada repetida mente Por exemplo ao consultar um mesmo médico diversas vezes a pessoa vai construindo um roteiro isto é um script dessa experiência Esse roteiro conterá informações gerais sobre o tipo de informação que se espera encontrar em tais Falsas Memórias 191 situações há um médico uma secretária uma sala de espera esperase um tem po lêse jornais ou revistas etc e igualmente informações específicas acerca do evento que irá ocorrer p ex a roupa que a secretária está vestindo naquele dia a mudança da cor de cabelo da médica a reportagem que você leu nas revistas da sala de espera etc Ao recordar uma experiência repetitiva a pessoa tende a basear sua lembrança mais no conhecimento genérico isto é no esquema cons truído ao longo das repetições do que em informações específicas vivenciadas em determinado episódio tendo maior facilidade para recordar aquilo que é comum ao longo das repetições A construção de esquemas é uma capacidade extremamente importante na cognição humana que se desenvolve ao longo da infância e nos permite organi zar e recuperar a informação armazenada na memória de forma rápida e econô mica sem demandar grande esforço cognitivo Gazzaniga e Heatherton 2005 Há evidências de que após experiências repetidas as crianças conseguem formar esquemas que as permitem organizar e recuperar a informação comum ao longo das várias ocorrências embora as crianças pequenas préescolares levem mais tempo para criar um esquema uma vez que suas habilidades cognitivas ainda estão em desenvolvimento Farrar e Goodman 1992 Farrar e BoyerPennington 1999 Fivush 1998 Price e Goodman 1990 Roberts 2002 A principal crítica à Teoria dos Esquema se refere à ideia de que ao longo de sucessivas repetições de um evento as informações específicas literais seriam perdidas na memória restando apenas o significado geral da experiência o que como salientam Brai nerd e Reyna 2005 não têm sido confirmado pela pesquisa científica uma vez que estudos têm demonstrado que as informações literais podem ser mantidas na memória por longos períodos de tempo Reyna e Kieman 1994 Brainerd e Mojardin 1998 Powell e colaboradores 1999 observaram ainda que além de aumentar a precisão das informações que permaneceram fixas ao longo de sucessivos episó dios a repetição atenuou o efeito de fatores que tipicamente estão associados com a menor preci são da memória como a menor idade da criança e um maior intervalo de tempo entre a ocorrência do evento e o teste de memória Em seu experi mento as crianças de 3 a 5 anos que participaram de uma série de atividades lúdicas repetidas vezes recordaram mais informações fixas corretas do que as crianças de mesma idade que participaram de um episódio único Igualmente as crianças na condição de repetição que foram testadas somente após três semanas recordaram mais infor mações fixas corretas em comparação com as crianças na condição de episódio único que foram testadas após esse mesmo intervalo de tempo Entretanto como vimos no exemplo de Marta os aspectos que se apresen taram variáveis p ex o conteúdo da bíblia que era lido ao longo dos episódios repetidos de abuso sexual foram mais difíceis de serem recordados pela menina De fato alguns estudos têm apontado que as crianças que vivenciam experiências repetidas apresentam mais dificuldades para recordar os aspectos variáveis ao As crianças se mostram mais resistentes à sugestão com relação às informações fixas de um evento repetitivo 192 Lilian Milnitsky Stein cols longo das repetições apresentando mais incorreções e maior aceitação de infor mações falsamente sugeridas para esse tipo de informação quando comparadas a crianças que vivenciaram um episódio único Connolly e Lindsay 2001 Price e Connolly 2004 Price e Connolly 2007 Porém outros estudos Pow ell e Roberts 2002 Powell e Thomson 1996 Powell et al 1999 não têm encontrado diferen ças na memória de informações variáveis de episódios únicos e repetidos quando a memória das crianças era testada por meio de perguntas abertas e diretas Tais resultados controversos indicam que nem sempre as crianças que vi venciam experiências repetidas serão mais sugestionáveis para os aspectos va riáveis do evento do que as crianças que tiveram uma única experiência Dife renças relativas ao tipo de teste de memória utilizado p ex recordação livre ou reconhecimento o tipo de sugestão apresentada p ex se consistente com o significado geral do evento ou se discrepante ou ainda a frequência da apre sentação da informação sugerida são fatores que também influenciam a maior ou menor sugestionabilidade evidenciada na memória para eventos repetidos Price e Connolly 2004 Roberts e Pow ell 2006 por exem plo apresentaram para crianças de 6 e 7 anos informações sugestivas sobre um evento um conjunto de atividades que havia sido vivenciado uma única vez por um grupo e quatro vezes por outro grupo M etade das informações sugeridas eram consistentes com o significado principal da experiência e portanto plausíveis de terem acontecido Por exem plo uma das atividades consistia em pedir que a criança sentasse sempre ao nível do chão sobre uma sacola plástica ou sobre uma almofada etc O experi m entador sugeria Qual era a cor do papel sobre o qual você sentou naquele dia Embora o papel seja um item falso tratase de uma informação consisten te com a ação de sentar ao nível do chão assim como a sacola plástica O res tante das informações sugeridas era inconsistente com o significado principal da experiência sendo menos plausível de ter acontecido Seguindo o exem plo aci ma o experimentador sugeria Qual era a cor do sofá que você sentou naquele dia O sofá além de ser um item falso difere tanto da informação verdadeira quanto da sugestão consistente por se tratar um objeto sobre o qual a criança senta acima do nível do chão que ocupa mais espaço etc Como resultado os pesquisadores descobriram que as crianças que haviam realizado as atividades repetidas vezes mostravamse mais sugestivas em comparação com aquelas que haviam realizado tais atividades uma única vez somente quando as inform a ções sugeridas eram consistentes com o significado principal da experiência Ao contrário quando as informações sugeridas eram inconsistentes as crianças na condição de repetição rejeitavam mais facilmente esse tipo de item mostrando se mais resistentes à sugestão do que as crianças no grupocontrole Os resultados do estudo de Roberts e Powell 2006 estão em consonância com as hipóteses teóricas apresentadas pela Teoria dos Esquemas e pela Teoria do Traço Difuso Segundo a Teoria dos Esquemas após experiências repetitivas as pessoas se mostram mais sugestionáveis para as informações falsas que forem consistentes com o esquema construído e de forma oposta mais resistentes à sugestão de informações falsas que se desviarem do esquema Farrar e Goodman Falsas Memórias 193 1992 A Teoria do Traço Difuso também prevê que quando as informações su gestivas forem consistentes com o significado principal da experiência esperase uma produção maior de FM Brainerd e Reyna 2005 Num outro estudo que também teve como objetivo investigar os fatores que poderiam explicar a maior sugestionabilidade das crianças para as informações variáveis das experiências repetitivas Connolly e Price 2006 apresentaram a crianças préescolares e escolares que haviam participado de uma série de ativi dades uma ou quatro vezes o mesmo tipo de informação sugestiva após o mes mo intervalo de tempo A manipulação experimental foi realizada sobre o tipo de informação que era apresentada às crianças que participavam da experiência repetida sendo que alguns dos itens variáveis do evento repetitivo apresentavam alto grau de associação semântica p ex a criança era solicitada a fazer de conta que era um jogador de futebol um jogador de tênis um jogador de basquete e um jogador de vôlei e outros não p ex a criança era solicitada a fazer de conta que era um cachorro um avião uma maçã e uma montanha As crianças escolares que haviam realizado as atividades quatro vezes recordaram mais FM sugeridas relativamente aos itens com alto grau de associação semântica em comparação às crianças escolares que realizaram a atividade uma única vez Esse efeito não foi encontrado nas crianças préescolares o que é consistente com os resultados de estudos sobre FM espontâneas com crianças Brainerd Reyna e Forrest 2002 nos quais as crianças mais velhas justamente por possuírem m aior capacidade de estabelecer asso ciações semânticas que as a crianças mais novas apresentam mais FM do que as crianças menores em idade préescolar ver Capítulo 7 De acordo com a Teoria do Traço Difuso tanto a produção de FM espontâneas geradas in ternamente quanto de FM sugeridas induzidas externamente estão associadas ao enfraqueci mento dos traços literais da informação original codificada Em situações repetidas é provável que os traços literais dos aspectos variáveis enfraqueçam mais rapidamente tom ando esse tipo de informação mais suscetível aos efeitos da sugestão Powell et al 1999 Além disso sabese que a produção de FM é maior quando as informações a serem recordadas são alta mente relacionadas semanticamente e fortemente associadas ao significado geral do evento sendo este efeito ainda mais proeminente quanto maior o intervalo de tempo transcorrido entre o evento e o teste de memória Brainerd e Reyna 2005 Assim indivíduos que vivenciam múltiplos e significativos eventos rela cionados podem relatar incorretamente detalhes consistentes com o significado geral da experiência Reyna et al 2007 Muito embora não seja propriamente uma teoria sobre o funcionamento da memória a Teoria do Monitoramento da Fonte Johnson e Raye 1981 também tem oferecido explicações para a maior sugestionabilidade das crianças com rela ção às informações variáveis de um evento repetitivo Segundo essa concepção a aceitação de uma informação falsa isto é a produção de uma FM sugerida As crianças que vivenciaram experiên cias repetidas tendem a ser mais sugestionáveis para os aspectos variá veis do evento do que as crianças que tiveram uma única experiência 1 9 4 Lilian Milnitsky Stein cols ocorre não propriamente em virtude de um erro de memória força do traço por exem plo mas sim em decorrência de erros nos processos de julgamento Dessa forma uma FM resultaria da atribuição incorreta de uma memória à determinada fonte o que se torna ainda mais difícil quanto maior for a similaridade entre as fontes das informações como acontece nas experiências repetidas Voltando ao exemplo de Marta observamos que a menina não conseguia discriminar se os textos bíblicos que lhe vinham à memória tinham sido ouvidos em algum episó dio específico dos abusos sofridos ou mesmo nas missas dominicais Sabese que tarefas que exigem a discriminação da fonte das recordações são especialmente difíceis para crianças pequenas uma vez que o monitoramento da fonte é uma capacidade que se desenvolve à medida que as habilidades de memória e os pro cessos cognitivos estratégicos são construídos ao longo do crescimento infantil Johnson e Raye 1981 Johnson Hashtroudi e Lindsay 1993 Lindsay e Johnson 1987 Roberts 2002 Os pesquisadores têm evidenciado consistentemente que o tipo de erro de memória mais frequentemente encontrado em crianças que vivenciam experiên cias repetitivas é o erro de intrusão interna ou seja quando a criança recorda que algum aspecto do evento aconteceu num episódio específico p ex o último episódio mas este de fato ocorreu em outro episódio da série de repetições Ainda assim tratase de algo que a criança em algum momento realmente vi venciou Nos estudos realizados muito dificilmente essas crianças apresentam erros de intrusão externa isto é quando a criança recorda de um aspecto que de fato não aconteceu em qualquer dos episódios da série de repetições Powell e Thomson 1996 Powell et al 1999 Price e Connolly 2004 Price e Connolly 2007 Powell Roberts Thomson e Ceei 2007 Num estudo recente Powell e colaboradores 2007 constataram que as crianças com experiências repetitivas aceitavam mais facilmente as sugestões de aspectos que haviam sido efetivamen te vivenciados em algum momento da série de repetições do que as sugestões de aspectos que não haviam sido vivenciados em qualquer das ocorrências da experiência Ainda que os erros de monitoramento da fonte possam explicar alguns tipos de FM nem to das elas ocorrem por erros de discriminação entre fontes como salientam Brainerd e Reyna 2005 Estes autores lembram que existem FM que ocor rem exclusivamente com base em erros de fami liaridade A noção de familiaridade está associada ao conhecimento de base previamente existente que a pessoa vai adquirindo ao longo da vida e que pode decorrer da repetição da experiência mas também de outras fontes de conhecimento como a discussão de um determinado evento com outras pesso as leituras de livros programas televisivos etc Assim algo que pareça familiar a uma criança poderá ser incorretamente relatado como algo vivenciado fruto de uma FM baseada no sentimento de familiaridade isto é oriunda do seu co nhecimento prévio Roberts e Powell 2001 chamam a atenção que o relato de As crianças envolvidas em experiências repetidas aceitam mais informação falsa sobre aspectos realmente vivenciados ao longo das ocorrências do que para aspectos não vivenciados Falsas Memórias 195 crianças que vivenciaram experiências repetidas de um evento como nos casos de abuso sexual crônico pode ser contaminado pela experiência de outros eventos relacionados p ex múltiplas entrevistas sobre os incidentes A maior imprecisão da recordação de aspectos variáveis de um acontecimen to repetitivo bem como as evidências de maior propensão à sugestionabilidade para esse tipo de informação tem levado os pesquisadores a reconhecerem que as crianças que vivenciam experiências repetitivas apresentam grande dificuldade em discriminar detalhes variáveis que aconteceram numa série de experiências repetitivas Connolly e Price 2006 Powell e Thomson 1996 Powell et al 1997 Powell et a l 1999 Price e Connolly 2004 Price e Connolly 2007 Roberts e Powell 2001 Roberts e Powell 2006 Notese que muito embora a Teoria dos Esque mas a Teoria do Traço Difuso e a Teoria do Monitoramento da Fonte ofereçam explicações distintas para os tipos de erros de memória observados em estudos sobre a memória para eventos repetidos tais abordagens entretanto não diferem relativamente à constatação de que as experiências repetitivas prom ovem a recor dação de algumas informações as informações fixas e prejudicam a recordação de outras as informações variáveis As principais diferenças entre os referidos aportes teóricos residem nos mecanismos explicativos para tal fenômeno o que pressupõe distintos modelos de funcionamento da memória ver Capítulo 1 e Neufeld e Stein 2001 Além da questão da precisão da memória e da sugestionabilidade algu mas poucas pesquisas Strõmwall et al 2004 têm procurado investigar outras características qualitativas dos relatos de memórias de eventos repetitivos em comparação com um evento único O interesse dos pesquisadores pela qualidade das memórias tem sido motivado entre outros fatores pela possibilidade de que algumas características qualitativas possam servir como indicadoras da veracidade de uma recordação A possibilidade de discriminar entre relatos baseados em memórias verdadeiras M V relatos baseados em FM e mentiras é um achado de grande relevância para a Psicologia Forense Pezdek e Taylor 2000 Embora MV e FM possam apresentar algumas similitudes estudos que comparam recordações de eventos vivenciados com eventos imaginados ou simulados têm demonstra do um número maior de detalhes relatados nos primeiros do que nos últimos Além disso o tipo de informação relatada p ex informação contextuai como a descrição do lugar ou a hora do dia informação sensorial tais como a descrição de sensações de calor ou de dor informação afetiva tais como a descrição de sentimentos de medo ou raiva também têm sido associados à veracidade de uma lembrança Bam ier et al 2005 Johnson et al 1988 Sporer e Sharman 2006 Vrij Akehurst Saukara e Buli 2004 Strõmwall e colaboradores 2004 conduziram um estudo com 87 crianças entre 10 e 13 anos cujo evento a ser recordado foi um exame médico simulado Um grupo de crianças foi examinado uma ou quatro vezes enquanto o outro foi convidado a imaginarse num exame médico igualmente uma ou quatro ve zes Os resultados apontaram para um efeito principal da repetição da experiên cia tanto na extensão quanto na qualidade dos relatos dos eventos vivenciados e imaginados examinadas por meio de critérios presentes em dois instrumentos de 196 Lilian Milnitsky Stein cols avaliação de credibilidade Ou seja comparados aos relatos das crianças que tiveram uma única ex periência independentemente se os eventos foram vivenciados ou imaginados as crianças que foram examinadas ou que imaginaram o exame quatro vezes evidenciaram relatos que continham maior número de palavras indicando maior quantidade de detalhes abrangendo maior número de infor mações qualitativamente diferentes p ex informações temporais espaciais Estudos como o relatado acima que se propõe a verificar os efeitos da re petição na qualidade da memória são relevantes uma vez que se sabe que a repetição da experiência é uma das formas de se adquirir familiaridade com um evento Isso é importante porque os estudos sobre a avaliação de credibilidade de relatos têm apontado que eventos familiares à criança apresentam mais caracte rísticas qualitativas do que eventos não familiares alcançando assim altas pontu ações nestes instrumentos Vrij 1998 O grande problema entretanto têm sido detectar se a familiaridade com o evento exibida pela criança teve como fonte a experiência repetida ou como vimos anteriormente outras fontes de conheci mento com o conversas programas televisivos etc Alguns estudos têm alertado que crianças que de alguma forma estão familiarizadas com o evento a ser re cordado p ex por orientações verbais apresentam relatos com características qualitativas muito semelhantes às das crianças que vivenciaram efetivamente o evento Pezdek et al 2004 BlandonGitlin et al 2005 Comparadas a outras áreas de pesquisa sobre a memória constatase um número relativamente pequeno de estudos experimentais sobre a memória de crianças para eventos repetitivos o que se deve entre outros fatores à comple xidade m etodológica geralmente envolvida em estudos desse tipo Em face dessa realidade de poucos estudos e ao mesmo tempo da grande relevância desse tema para a Psicologia Forense que está em desenvolvimento no Grupo de Pesquisas em Processos Cognitivos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em conjunto com a Universidade de Coimbra Portugal uma pesquisa so bre os efeitos da repetição na memória de crianças Nesse estudo pretendese verificar que efeitos a repetição de um estímulo emocional negativo isto é uma história comparada à repetição de um estímulo neutro terá na memória para informações centrais e periféricas de crianças entre 6 e 12 anos Welter 2009 Ao longo desta seção observase que a repetição de uma experiência parece tom ar mais complexa a tarefa de recordar e relatar um evento desse tipo Há evi dências que nos permitem afirmar que a recordação de um evento repetido difere da recordação de um episódio único A suposição simples de que uma criança que sofreu repetidas experiências de violência lembrará mais e melhor os episódios vivenciados não se confirma com base nas evidências científicas até aqui acu muladas Os estudos experimentais sobre a memória das crianças para eventos repetitivos indicam que a repetição de uma experiência produz efeitos distintos na qualidade das recordações conforme o tipo de informação que está sendo Estudos sugerem que características qualitativas da memória podem servir como indicadoras da veracida de de uma recordação Falsas Memórias 197 lembrada A recordação de aspectos invariáveis do evento tem sido observada como um tipo de memória mais acurado e mais resistente à aceitação de informa ções falsas Já a recordação precisa de aspectos variáveis de um evento repetido parece ser mais difícil para uma criança e mais suscetível aos efeitos da sugestio nabilidade É comum que essas crianças relatem detalhes de suas experiências embora não saibam determinar a fonte de suas recordações É pouco comum que essas crianças relatem detalhes que de fato não ocorreram ao longo das sucessi vas ocorrências embora isso não possa ser interpretado como uma garantia de precisão uma vez que os estudos apontam que FM sugeridas são mais prováveis de serem produzidas quando a informação falsa apresentada é consistente com o significado geral do evento Como vimos uma série de fatores pode interferir na qualidade da recordação de experiências múltiplas de um evento relacionado o que implica m aior cautela e maior preparo técnico quando se pretende entrevistar crianças que vivenciaram episódios de violência crônica bem como na avaliação de seus relatos Algumas críticas têm sido levantadas aos estudos experimentais sobre a m e mória para eventos repetitivos uma vez que como assinalaram Roberts e Powell 2001 obviamente por razões éticas as crianças que participaram desses estu dos não vivenciaram qualquer tipo de experiência traumática similar por exem plo às crianças que são vítimas de maustratos e abusos crônicos para as quais pretendese generalizar os resultados encontrados Entretanto um estudo mais recente de Price e Connolly 2007 que envolveu a participação das crianças de 4 e 5 anos numa atividade potencialmente mais estressante aulas de natação e que buscou maior controle do grau de ansiedade experimentado pelas crianças não apontou para resultados diferentes daqueles evidenciados em estudos nos quais as crianças participaram de atividades lúdicas repetitivas não estressantes isto é a repetição da experiência prejudicou a qualidade da memória das in formações variáveis A única exceção do padrão de resultados encontrada no estudo de Price e Connolly 2007 foi o fato das crianças ansiosas se mostrarem menos sugestionáveis na recordação livre isto é recordaram menos informações falsas do que as crianças classificadas como não ansiosas Além dos estudos experimentais as pesquisas com pessoas que foram ví timas de formas crônicas de violência como repetidos maustratos e abusos se xuais também têm contribuído para a compreensão dos efeitos da repetição de experiências emocionalmente negativas na memória desse tipo de evento Na se ção seguinte serão apresentados alguns estudos sobre a memória de adultos e crianças para experiências traumáticas repetitivas A MEMÓRIA PARA EXPERIÊNCIAS TRAUMÁTICAS REPETITIVAS Outra forma de se conhecer os efeitos da repetição de uma experiência na memória é por m eio de estudos de campo conduzidos com adultos e crianças que foram vítimas de situações de estresse crônico como experiências repetidas 198 Lilian Milnitsky Stein cols de abusos sexuais ou agressões físicas O objetivo desses estudos é saber o que acontece com a memória de pessoas para esse tipo de evento Esperase que essas pessoas lembrem bem e relatem em detalhes suas experiências repetidas de abuso sexual Esperase que esqueçam e que omitam detalhes Em sua maioria tratamse de estudos realizados com adultos que são soli citados a responder a perguntas sobre os episódios passados de abuso sexual vi venciados durante a infância Suas respostas são comparadas a registros original mente feitos em hospitais ou delegacias de polícia documentados há muitos anos p ex períodos de 12 17 20 anos ou mais Os pesquisadores bus cam avaliar entre outros fatores a consistência e a completude dos relatos de episódios repetidos de abuso sexual A consistência diz respeito ao quanto um relato feito em determinado momen to depois de transcorrido um período de tempo continua a conter o mesmo tipo de informações Já a completude se refere ao quanto um relato feito há algum tempo continua a apresentar a mesma quantidade de informações ou se ocorrem omissões Lem bremos do exemplo da seção anterior de Marta e suponhamos que por algum motivo passados 10 anos do depoimento feito na delegacia ela volte a relatar os episódios sofridos Vejamos o que aconteceu com o relato da moça Marta conta que foi vítima de abusos sexuais repetidos quando criança per petrados pelo padrasto Recorda que os atos abusivos aconteciam logo após a mãe sair para trabalhar que o padrasto lia a bíblia e a chamava para que sentasse no seu colo dando início aos abusos Neste exemplo ao comparar o primeiro relato feito na delegacia e o relato posterior podemos observar que as informações relatadas pela jovem seguem sendo as mesmas sendo estas as informações centrais do episódio vivendado Ou seja o relato de Marta após 10 anos é consistente com o relato feito na delega cia Entretanto o relato da jovem é menos completo apresentando a omissão de uma série de detalhes p ex que os fatos aconteciam após o almoço quando ela ia lavar a louça que a bíblia tinha capa de couro vermelha com folhas douradas etc Como veremos mais adiante a omissão de informações em casos de violên cia pode ser resultado do esquecimento ou da disposição a não relatar esse tipo de informação muitas vezes constrangedora e dolorosa A possibilidade de lembrar ou esquecer experiências traumáticas de modo geral incluindo as experiências repetidas de abuso sexual tem sido investigada e debatida entre os pesquisadores da memória ver Brewin 2007 Schooler e Eich 2000 Alguns estudos apontam que as vítimas de abusos sexuais na infância podem vir a esquecer dessas experiências na vida adulta W idom e Morris 1997 Williams 1994 Williams 1994 por exemplo entrevistou 129 mulheres que quando crianças haviam sido atendidas em um hospital em decorrência de abu Estudos com vítimas de estresse crônico têm aju dado a compreender os efeitos da repetição de experiências emocionais sobre a memória para esse tipo de evento Falsas Memórias 199 sos sexuais sofridos tendo encontrado que 38 dessas mulheres não relataram a experiência abusiva que havia sido documentada no passado Estudos mais recentes entretanto apontam que adultos que foram vítimas de abuso sexual na infância em sua maioria recordam consistentemente as expe riências de violência sofrida Alexander et al 2005 Ghetti et al 2006 Goodman et al 2003 Por exemplo Goodman e colaboradores 2003 entrevistaram 175 adultos com história documentada de abuso sexual infantil tendo encontrado que 81 dos participantes recordaram e relataram suas experiências abusivas Fatores como a idade mais avançada à época que os abusos cessaram o suporte materno e o grau de severidade dos abusos sofridos m edido pela gravidade dos sintomas psicológicos apresentados em decorrência da situação abusiva mostra ramse positivamente relacionados com a revelação de tais experiências A discrepância entre os resultados desses estudos mais recentes Ghetti et al 2006 Goodman et al 2003 Alexander et al 2005 e os estudos anteriores W idom e Morris 1997 Williams 1994 tem sido explicada principalmente em razão de diferenças metodológicas Para Ghetti e colaboradores 2006 no que tange particularmente aos estudos com vítimas de abuso sexual é importante saber diferenciar entre medidas de esquecimento subjetivas p ex quan do o sujeito diz que não lembra e objetivas p ex quando o sujeito demonstra que não lembra por algum parâmetro de m em ória uma vez que outros fatores sociais e emocionais que não a fal ta de memória podem concorrer para a não revelação de uma experiência desse tipo Os pesquisadores assinalam que é importante ter cautela ao interpretar as falhas de memória apontadas em alguns estudos como evidência de esqueci mento uma vez que pode se tratar de uma falha em relatar e revelar tais infor mações e não propriamente em recordar os episódios vivenciados Além da consistência e da completude dos relatos de experiências traumá ticas sejam estas episódios únicos ou repetidos existem estudos Peace e Porter 2004 Porter e Birt 2001 Porter e Peace 2007 que buscam avaliar outros aspec tos qualitativos das memórias autobiográficas traumáticas que incluem fatores como o grau de vivacidade das recordações a presença de informação sensorial e emocional entre outros Nesses estudos os participantes são solicitados a ava liarem suas recordações com base em critérios selecionados de acordo com os objetivos da pesquisa p ex avaliar o quão clara é sua memória para o evento determinado Como já foi referido anteriormente pesquisas sobre características qualitativas da memória têm contribuído para a construção e o aprimoramento de instrumentos de avaliação de credibilidade de relatos É importante ressaltar que o fato de que as memórias traumáticas sejam usualmente bemlembradas e mostremse consistentes ao longo do tempo ao menos quanto aos aspectos centrais da experiência não significa que sejam ga rantidamente precisas ou imunes aos processos de deterioração da memória En tre outros estudos Pezdek 2003 na área das memórias flashbulb por exemplo Adultos que vivenda ram abusos sexuais na infância recordam consistentemente essas experiências 200 Lilian Milnitsky Stein cols têm demonstrado que a despeito do alto grau de vivacidade de tais memórias e de consistência temporal estas podem conter incorreções e distorções manti das consistentemente ao longo dos sucessivos testes de memória Christianson e Lindholm 1998 Laney e Loftus 2005 No exemplo que vimos anteriormente embora o relato de Marta se mostre coerente e ao longo do tempo consistente não há como se afirmar com absoluta confiança que se trata de um relato 100 preciso livre de distorções Schelach e Nachson 2001 analisaram a precisão e outras características da memória de cinco sobreviventes do campo de concentração de Auschwitz com idades entre 58 e 74 anos tendo permanecido aprisionados por períodos de 3 a 27 meses As memórias dos sobreviventes foram comparadas a duas fontes baseadas em registros documentais confiáveis O nível geral de precisão das m e mórias do campo de concentração foi de 60 Os autores concluíram que embora eventos extremamente traumáticos como a permanência em um campo de con centração tendam a ser bemlembrados com bom nível de precisão mesmo por longos períodos de tempo mais de 50 anos depois detalhes importantes podem ser esquecidos No presente estudo por exemplo a memória para o tipo de comi da servida o layout do campo e as condições das instalações foi pobre Da mes ma forma o desempenho relativamente ao reconhecimento de faces foi bastante baixo sendo que nenhum dos sobreviventes reconheceu a figura do comandante do campo Rudolf Hõss e somente dois reconheceram o famoso Dr M engele que em Auschwitz fazia a triagem dos novos prisioneiros que chegavam ao campo direcionandoos à câmara de gás ou aos alojamentos Existem poucos estudos acerca da memória de experiências repetidas de abuso sexual ou outras formas de violência com crianças e adolescentes Orbach e colaboradores 2000 avaliaram os relatos de 96 crianças entre 4 e 13 anos ví timas de abuso sexual Ao comparar os relatos feitos pelas crianças sobre os even tos traumáticos vivenciados os pesquisadores descobriram que as que haviam sido vítimas de abusos sexuais múltiplos apresentavam relatos que continham um número significativamente maior de detalhes do que crianças que haviam sido vítimas de um episódio único Em outro estudo Ghetti e colaboradores 2002 avaliaram a consistência dos relatos de abuso sexual e físico de 222 crianças entre 3 e 16 anos que estavam participando de uma investigação criminal Os relatos de abuso sexual apresentaram maior consistência que os relatos de abuso físico As crianças maiores foram mais consistentes isto é relataram em momentos diferentes as mesmas informações para ambos os tipos de abusos As meninas foram mais consistentes que os meninos nos relatos de abuso sexual Particular mente em relação às experiências repetidas os autores observaram que as crian ças tendiam a ser menos consistentes isto é relatar em momentos diferentes informações diferentes quando haviam sofrido múltiplas experiências abusivas e por diferentes perpetradores Com o objetivo de identificar fatores que pudessem predizer o esquecimento ou a recordação de episódios de violência familiar Greenhoot McCloskey e Glisky 2005 buscaram examinar as relações entre a memória para esses episódios de Falsas Memórias 201 violência familiar e a memória para outros tipos de eventos e circunstâncias da vida ocorridos na in fância Para tanto entrevistaram 153 adolescentes entre 12 e 18 anos que seis anos antes haviam par ticipado de um estudo mais amplo sobre violência doméstica Esses jovens haviam sido testemunhas ou vítimas de dois tipos de agressão ocorridas fre quentemente agressão dirigida à mãe eou agres são e abusos dirigidos a si próprios A maior parte dos adolescentes lembrou e relatou episódios de violência familiar vivendados na infância como vítima eou testemunha 66 dos adolescentes que haviam testemu nhado atos de agressão contra suas mães e 80 dos adolescentes que foram vítimas de agressão e abuso relataram algum episódio de violêntia Ainda assim muitos detalhes de suas histórias passadas de agressão e abuso não foram bemmantidas especialmente nas situações em que a mãe foi o alvo da agressão Além disso os adolescentes se mostraram mais resistentes à sugestão de in formações incorretas quando haviam sido vítima das agressões Ao analisar a pre valência do esquecimento completo em função do grau de violência associado aos episódios de agressão foi observada uma tendência a não relatar formas mais severas de violência em comparação a formas moderadas Essa tendência foi ainda mais acentuada nas situações em que a agressão foi diretamente dirigida aos ado lescentes 82 dos adolescentes que quando crianças foram vítimas de violência severa falharam em relatar tais experiências O esquecimento de outros eventos não relacionados à violência familiar p ex mudança de escola ou de residência morte ou tentativa de suicídio de um membro da família alcançou índices compa ráveis aos observados em diferentes formas de agressão dentro da família enquan to o esquecimento de episódios de agressão severa sofridos dentro da família foi o evento esquecido com maior frequência Greenhoot et al 2005 Todavia como assinalam Ghetti e colaboradores 2006 é preciso ter cau tela ao interpretar as falhas de memória presentes em estudos desse tipo Gre enhoot et al 2005 como evidência de esquecimento uma vez que como já foi enfatizado anteriormente pode se tratar de uma falha em relatar tais informa ções o que não resulta necessariamente de falhas de memória GoodmanBrown Edelstein e colaboradores 2003 por exemplo observaram que em um grupo de 218 crianças e adolescentes entre 2 e 16 anos que haviam sido sexualmen te abusadas fatores como a idade da criança o tipo de abuso sofrido intra ou extrafamiliar o medo das consequências negativas após uma revelação e o sen timento de ter sido responsável pela situação abusiva influenciavam a disposição de uma criança para revelar e relatar uma experiência desse tipo Crianças mais velhas vítimas de abusos intrafamiliares crianças que demonstraram um temor maior das consequências negativas após uma revelação e crianças que se sentiram responsáveis pelo abuso tendem a tardar a revelação dos episódios A tendência a não revelar detalhes de violência sexual também tem sido encontrada em outros estudos Leander Granhag e Christianson 2005 pude Críanças que foram vítimas de abusos sexuais repetidos apresentam relatos mais detalhados e menos consistentes do que crianças que vivencia ram um episódio único 202 Lilian Milnitsky Stein cols ram comparar os relatos feitos na polícia por 64 crianças entre 8 e 16 anos que haviam atendido a telefonemas obscenos às gravações encontradas no compu tador do abusador Os pesquisadores constataram que todas as crianças nesse estudo omitiram grande parte das afirmações e perguntas feitas pelo abusador que se relacionavam a conteúdos sexuais relatando menos de 10 desse tipo de informação Em contrapartida as crianças puderam relatar cerca de 70 das perguntas neutras de conteúdo não sexual feitas pelo autor das ligações Além disso os pesquisadores encontraram alto grau de precisão nas respostas dadas pelas crianças atingindo índices por exemplo de 889 de respostas corretas para perguntas neutras feitas pelo abusador p ex Onde você mora ou Você tem irmãos 833 para perguntas relacionadas a conteúdos sexuais de forma geral p ex Você sabe o que é sexo ou Você acha que beijar é a mesma coisa que fazer sexo e 757 para perguntas de conteúdo sexual diretamente diri gidas à criança p ex Como você sabe quando você está excitado ou Você gostaria de fazer sexo com seu irmão Em outro estudo semelhante Leander Christianson e Granhag 2007 en trevistaram oito crianças que no passado foram vítimas de um único episódio de abuso sexual perpetrado por um estranho tendo a polícia encontrado na casa do criminoso fotos nas quais as crianças apareciam nuas eou em situações suges tivas de abuso As crianças haviam sido entrevistadas pela polícia e examinadas por um médico à época dos abusos Apesar de relatarem inúmeros detalhes do que aconteceu antes e depois do ataque sofrido o que evidencia boa memória as crianças relataram poucos detalhes relativos à violência sexual em si estes com puseram apenas 76 do total sendo que cinco crianças não relataram qualquer detalhe sexual Em contrapartida essas crianças expressaram em 97 ocasiões sua relutância em descrever esse tipo de detalhes Em ambos os estudos descritos acima Leander et al 2005 2007 os pes quisadores concluíram que a omissão de informação especificamente sexual não se devia ao esquecimento já que as crianças mostravam muito boa memória para outros tipos de informação mas sim a uma disposição a não falar sobre esse tipo de assunto Mesmo se tratando de episódios únicos de abuso sexual os resultados dos estudos são importantes pois nos alertam que ao relatar uma experiência de abuso sexual uma criança não está apenas recordando uma experiência única ou repetida mas também está falando sobre algo do qual ela usualmente não quer falar por medo sentimento de culpa ou outros fatores E é justamente por isso pelo fato de se tratar de um assunto delicado e difícil para uma criança falar que a forma como uma criança é questionada e entrevistada é de extrema relevân cia não apenas por motivos técnicos no sentido de se obter um relato de melhor qualidade mas especialmente por motivos éticos no sentido de se proteger a criança de questionamentos abusivos muitas vezes desnecessários e tecnicamente pouco válidos A técnica de entrevista utilizada para cole tar o depoimento de uma criança vítima de abusos sexuais pode ser um dos fatores que contribuem A tendência a não relatar experiências de abuso sexual não pode ser interpretada como decorrente de falha de memória Falsas Memórias 203 para aumentar a resistência da criança a falar sobre o que aconteceu A inexistên cia de uma fase preparatória de entrevista de um ambiente adequando para falar e especialmente a falta de treinamento adequado do entrevistador pode compro meter a qualidade do relato testemunhal além de constranger a criança que está testemunhando gerandolhe mais sofrimento ver Capítulos 8 e 10 Em síntese os estudos realizados com adultos que na infância vivenciaram experiências traumáticas crônicas sugerem que as pessoas conservam boa m e mória para esse tipo de acontecimento apresentado alto grau de consistência Observase entretanto que por se tratarem de estudos naturalísticos é muito difícil que se possa avaliar o grau de precisão dessas recordações consistentes uma vez que naturalmente na maioria das vezes não há um registro do evento original Os estudos realizados com crianças vítimas têm demonstrado que estas recordam com riqueza de detalhes experiências repetidas de abusos sexuais em bora tendam a ser menos consistentes do que as crianças que foram vítimas de um episódio único Além disso crianças vítimas de abusos sexuais evidenciaram uma tendência a serem precisas quando questionadas livremente na ausência de perguntas sugestivas Entretanto embora os estudos naturalísticos ofereçam contribuições valiosas para a compreensão da memória de crianças e adultos que vivenciaram experiências traumáticas repetitivas a impossibilidade de um con trole m etodológico m aior limita o potencial explicativo dos resultados encontra dos uma vez que não permite que possamos isolar e testar fatores que poderiam explicar os resultados encontrados CONSIDERAÇÕES FINAIS A repetição de uma experiência imuniza nossa memória contra os erros e distorções que naturalmente está sujeita Estaríamos diante de uma vacina contra a produção de FM A resposta a essas questões não é simples única ou definitiva Com base na revisão da literatura científica apresentada ao longo deste capítulo podemos responder sim e não a tais perguntas Sim vimos que há evidências científicas consistentes indicando que a repetição melhora a memória dos aspectos invariáveis presentes ao longo de uma série de ocorrências de um determinado evento Ou seja com relação a esse tipo de informação a repetição melhora a precisão da memória e a tom a mais resistente aos efeitos da suges tionabilidade e à produção de FM E não a repetição além de não imunizar a memória contra erros e distorções pode tomála ainda mais imprecisa e mais suscetível à sugestionabilidade quando estamos recordando os aspectos variáveis de um evento repetitivo Tais achados científicos são importantes porque nos alertam para a comple xidade envolvida na memória para experiências repetidas ainda mais quando se tratam de crianças e especialmente quando estas foram vítimas de violência crôni ca É provável que uma criança nessa situação possa recordar de muitos detalhes de sua experiência Mas também é possível e esperado que ela apresente erros e falhas de memória sem que isto necessariamente comprometa a credibilidade 204 Lilian Milnitsky Stein cols da totalidade de seu relato Além disso como já vimos neste capítulo é possível e frequente que uma criança relute em relatar experiências de violência direta mente dirigidas a ela de modo especial quando a violência é de natureza sexual Isso acontece não porque a criança não lembra o que aconteceu pelo contrário estudos naturalísticos e experimentais sugerem que as crianças conseguem lem brar experiências traumáticas por longos períodos de tempo Isso acontece muito provavelmente porque a criança não se dispõe a falar sobre o que aconteceu por sentimentos variados como medo constrangimento e culpa Por isso conhecer os problemas envolvidos na recordação de experiências repetidas pode ser útil e valioso para o campo da Psicologia Forense O estudo da sugestionabilidade infantil presente nesse tipo específico de memória bem como as condições nas quais as crianças se mostram mais suscetíveis à criação de FM espontâneas e induzi das tem impulsionado pesquisadores a desenvol verem técnicas específicas de entrevistas de modo a minimizar seus efeitos deletérios sobre a qua lidade da memória A o preservar a qualidade de um relato estamos não apenas agregando valor ao testemunho como evidência criminal mas principalmente preservando as crianças de questionamentos pouco recomendáveis dos pontos de vista técnico e ético REFERÊNCIAS Alba J W Hasher L 1983 Is memory schematic Psychological Bulletin 93 203231 Alexander K W Quas J A Goodman G S Ghetti S Edelstein R S Redlich A D Cordon I M et al 2005 Traumatic impact preditcs longterm memory for documented child sexual abuse Psychological Science 16 3340 Bamiei A J Sharman S J McKay L Sporer S L 2005 Discriminating adults ge nuine imagined and deceptive accounts of positive and negative childhood events Applied Cognitive Psychology 198 9851002 BlandonGitlin I Pezdek K Rogers M Brodie L 2005 Detecting deception in chil dren An experimental study of the effect of the event familiarity on CBCA ratings Law and Human Behavior 292 187197 Brainerd C J Mojardin A H 1998 Childrens and adults spontaneous false memories Longterm persistence and meretesting effects Child Development 685 13611377 Brainerd C J Reyna V F 2005 The science of false memory New 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ratings Applied Cogni tive Psychology 186 653668 Vrij A 1998 Verbal communication and credibility Statement validity In A Memon A Vrij R Bull Psychology and law Truthfulness accuracy and credibility pp 331 London McGrawHill Vrij A Akehurst L Saukara S Bull R 2004 Let me inform you how to tell a convincing story CBCA and reality monitoring scores as a function of age coaching and deception Canadian Journal of Behavioral Science 36 113126 Welter C L W 2009 A repetição de um evento emocional Lembrar do quê Esquecer do quê Dissertação de Doutorado Manuscrito em preparação Universidade de Coimbra Coimbra Portugal Widom C S Morris S 1997 Accuracy of adult recollections of childhood victimiza tion Part 2 Childhood sexual abuse Psychological Assessment 91 3446 William L M 1994 Recall of childhood trauma A prospective study of womens memo ries of child sexual abuse Journal of Consulting and Clinical Psychology 626 11671176 10 MEMÓRIA EM JULGAMENTO TÉCNICAS DE ENTREVISTA PARA MINIMIZAR AS FALSAS MEMÓRIAS Leandro da Fonte Feix Giovanni Kuckartz Pergher Capítulo 8 abordou os fatores cognitivos especialmente aqueles ligados ao funcionamento da memória que permeiam a Psicologia do Testemunho Infantil Conforme foi visto é grande as demandas cognitiva e emocional que recai sobre uma testemunha no momento do depoimento sendo ela criança ou adulta Stein e Nygaard 2003 Isso ocorre porque a maioria das pessoas não está habituada a descrever em detalhes as situações que vivenciam O momento de tomada do depoimento de uma testemunha ou vítima pode ser entendido como um teste de memória para o evento em questão Sendo assim o uso de técnicas inadequadas para a coleta das informações contidas na memória da testemunha pode resultar em problemas à qualidade do depoimento Diversas pesquisas sobre o funcionamento da memória têm mostrado que ao vivenciar uma situação as pessoas focam apenas alguns aspectos do evento Logo não armazenam na memória todas as partes informações dessa situação Assim ao tentar recordar as informações sobre o fato que realmente estão regis tradas é impossível lembrar todos os detalhes que ocorreram Consequentemen te o indivíduo pode acrescentar novas informações às lembranças ou seja falsas memórias FM Em virtude disso o papel do entrevistador investigativo o profissional que irá obter o relato da testemunha é crucial pois ele precisará enga jála no processo de busca de informações precisas contidas na sua memória Em outras palavras ele necessita lançar mão de estratégias para motivar e auxiliar o indivíduo a descre ver o evento de interesse em detalhes e com a m aior precisão possível pois sem o seu esforço provavelmente poucas informações serão obtidas Poole e Lamb 1998 Existem evidências científicas mostrando que a postura do entrevistador bem como suas crenças e hipóteses a respeito do evento investigado podem in fluenciar significativamente o comportamento da testemunha podendo levar a distorções no depoimento Ceei e Bruck 1995 Com relação a técnicas utilizadas Os depoimentos podem estar baseados em falsas memórias 2 1 0 Lilian Milnitsky Stein cols por muitos entrevistadores forenses Memon 2007 aponta as dez falhas mais comuns detectadas em entrevistas Quadro 101 Todas as falhas se referem ao uso de técnicas de entrevista inadequadas bem como à postura do entrevistador e podem ser minimizadas e até mesmo neutralizadas a partir do uso de técnicas mais apropriadas de entrevista investigativa Visando a minimizar erros como esses cometidos por entrevistadores fo renses mesmo os mais experientes muitas técnicas têm sido desenvolvidas com o objetivo de obter informações mais verossímeis Este capítulo apresentará uma das técnicas de coleta de testemunho mais pesquisada ao redor do mundo a En trevista Cognitiva EC Fisher e Geiselman 1992 Cabe ressaltar que a EC não é a única técnica de coleta de testemunho disponível Além dela existem outras ferramentas que estão a serviço do profissional como por exemplo a Entrevis ta Estruturada Porém estudos experimentais comparando a efetividade desses procedimentos de coleta de informações vêm demonstrando uma considerável vantagem da EC principalmente com adultos M em on e Higham 1999 Nygaard Feix e Stein 2006 A Entrevista Cognitiva histórico e caracterização A EC é uma técnica que foi desenvolvida originalmente em 1984 por Ro nald Fisher e Edward Geiselman a pedido de policiais e operadores do Direito norteamericanos para maximizar a quantidade e a precisão das informações colhidas de testemunhas ou vítimas de crimes M em on 1999 Na época em uma pesquisa realizada no Departamento de Polícia de Miami Estados Unidos foram constatados diversos problemas no interrogatório policial que conduziam a uma deficiente comunicação entre a testemunha e o policial limitando o resultado da entrevista Fisher Geiselman e Raymond 1987 Anos mais tarde o mesmo padrão de erros foi detectado nos policiais de Londres Inglaterra George 1991 citado em Memon 1999 As principais falhas apontadas pelos autores estão pre sentes no Quadro 101 O principal objetivo da EC é obter melhores depoimentos ou seja ricos em detalhes e com maior quantidade e precisão de informações A EC baseiase nos conhecimentos científicos de duas grandes áreas da Psicologia Psicologia Social e Psicologia Cognitiva No que concerne a Psicologia Social integram os conhecimentos das relações humanas particularmente o modo de se comunicar efetivamente com uma teste munha e no campo da Psicologia Cognitiva somamse os saberes que os psicólo gos adquiriram sobre a maneira como nos lembramos das coisas ou seja como a nossa memória funciona O conhecimento científico sobre o funcionamento da memória não deixa dúvidas todos nós somos suscetíveis a distorcer nossas lembranças incluindo os próprios entrevistadores Ainda que a EC esteja centrada em técnicas para lidar A Entrevista Cognitiva utiliza os conhecimentos científicos sobre a memó ria para obter depoi mentos mais precisos Falsas Memórias 211 QUADRO 101 Dez falhas mais comuns dos entrevistadores forenses 1 Não explicar o propósito da entrevista 2 Não explicar as regras básicas da sistemática da entrevista 3 Não estabelecer rapport 4 Não solicitar o relato livre 5 Basearse em perguntas fechadas e não fazer perguntas abertas 6 Fazer perguntas sugestivas confirmatórias 7 Não acompanhar o que a testemunha recém disse 8 Não permitir pausas 9 Interromper a testemunha quando ela está falando 10 Não fazer o fechamento da entrevista com as falhas da memória da testemunha as possíveis distorções das lembranças do entrevistador também devem ser levadas em consideração Dessa forma faz parte da técnica que todo o procedimento de entrevista seja registrado em vídeo se não for possível pelo menos audiogravado de modo que qualquer profissional envolvido com a investigação possa ter acesso direto às informações literais do depoimento Aversão original da EC desenvolvida em meados dos anos 1980 era basica mente um conjunto de quatro estratégias cognitivas específicas para melhorar a recordação das pessoas para os eventos testemunhados Com o avanço das pes quisas em laboratório e dos estudos de campo sobre o funcionamento da memória a e dinâmica da comunicação o procedimento passou por uma revisão em 1992 Fisher e Geiselman 1992 Essa versão aperfeiçoada da EC enfoca fortemente técnicas de comunicação e dinâmica social além daquelas técnicas cognitivas da primeira versão e é um procedimento em que os componentes cognitivos e de comunicação operam conjuntamente Após passar por esse aperfeiçoamento uma série de estudos M em on e Hi gham 1999 com a EC apontaram para uma mesma direção a técnica da EC aumenta o número de informações relatadas e a qualidade isto é a precisão de detalhes recordados pelas testemunhas Contudo aqueles que trabalham direta mente com a apuração e o julgamento de crimes colocaram a seguinte questão a EC auxilia a coletar mais informações das testemunhas mas essas informações adicionais são úteis para nós Para responder a esta questão Roberts e Higham 2002 obtiveram avalia ções da relevância forense de detalhes trazidos pelas testemunhas na EC solici tando que policiais e membros do Conselho da Coroa do Reino Unido classificas sem a relevância de cada detalhe tanto para a investigação policial quanto para a fase processual isto é quando o caso vai a julgam ento A EC obteve maiores índices de informação juridicamente relevante considerada pelos especialistas forenses em comparação com outras formas de entrevista 2 1 2 Lilian Milnitsky Stein cols Em um estudo desenvolvido no Brasil realizado com uma população com baixos índices de escolaridade e nível socioeconômico também foram encontra dos resultados similares com relação à efetividade da EC Nygaard Feix e Stein 2006 A EC se mostrou mais eficaz na produção de informações juridicamente relevantes com alto grau de precisão em comparação a uma entrevista padrão Achados como esses parecem apontar para uma efetividade da EC em diferentes países e populações Embora o principal uso da EC seja no contexto forense ela tem sido imple mentada ainda em caráter experimental em outros âmbitos como por exemplo para melhorar a qualidade das informações obtidas em pesquisas de opinião De simone e Le Floch 2004 e no âmbito organizacional para investigar situações de violência no local de trabalho Wacdington Badger e Buli 2006 Apesar das am plas possibilidades de aplicação da EC ela é contraindicada em entrevistas investi gativas com suspeitos Essa contraindicação está relacionada às distintas naturezas entre as entrevistas com vítimas e testemunhas e as entrevistas com suspeitos Via de regra ao se entrevistar um suspeito este tende a ser pouco colaborativo o que prejudica o uso das técnicas da EC Memon 1999 Logo a entrevista com suspei tos requer o uso de técnicas especificamente voltadas para essa população as quais diferem daquelas utilizadas na EC Memon Vrij e Buli 1998 ETAPAS DA ENTREVISTA COGNITIVA A EC envolve uma abordagem organizada em torno de cinco etapas cada qual com seus fundamentos e objetivos específicos Um resumo das etapas é apre sentado no Quadro 102 As duas primeiras etapas da EC construção do rapport e recriação do con texto original referemse ao estabelecimento de uma condição favorável para que o entrevistado possa acessar as informações registradas na memória Na terceira etapa o entrevistado relata livremente a situação testemunhada A fase seguinte envolve o uso de técnicas de questionamento baseado somente nas informações trazidas no relato livre do entrevistado visando à obtenção de maiores detalhes e esclarecimentos A última etapa diz respeito ao fechamento da entrevista em que o entrevistador fornece uma síntese dos dados obtidos nas etapas anteriores com o objetivo de conferir com o entrevistado a precisão dos mesmos O detalhamento de cada etapa da EC é descrito nas próximas subseções Primeira etapa construção do rapport Ao iniciar a tomada de depoimento é importante que o entrevistador cons trua um ambiente acolhedor demonstrando empatia em relação à testemunha já que esta possivelmente tenha vivenciado uma situação atípica muitas vezes traumática ou dolorosa e que terá que falar sobre ela com uma pessoa estranha entrevistador Dentro dessa perspectiva é relativamente fácil perceber a im Falsas Memórias 213 QUADRO 102 Etapas da Entrevista Cognitiva Etapa Objetivos 1 Construção do Rapport Personalizar a entrevista Construir um ambiente acolhedor Discutir assuntos neutros Explicar os objetivos da entrevista Transferir o controle para o entrevistado II Recriação do contexto original Restabelecer mentalmente o contexto no qual a situação ou crime ocorreu Recriar o contexto ambiental perceptual e afetivo III Narrativa Livre Obter o relato livre da testemunha sem interrupções IV Questionamento Realizar o questionamento compatível com o nível de compreensão da testemunha Priorizar o uso de perguntas abertas Obter esclarecimentos e detalhamento do relato Possibilitar múltiplas recuperações V Fechamento Realizar o fechamento da entrevista Fornecer o resumo das informações obtidas Discutir tópicos neutros Estender a vida útil da entrevista portância que adquirem as habilidades de comunicação e de interação social do entrevistador Devese estabelecer uma relação interpessoal na qual a testemunha sintase suficientemente confortável para falar sobre um evento emocionalmente carregado e é justamente esse um dos objetivos da primeira etapa da EC M e mon e Buli 1999 Para que uma relação comunicativa possa funcionar ela deve ser genuína ou seja o entrevistador realmente precisa se interessar pelo que a testemunha tem a dizer tanto no que diz respeito ao fato em questão quanto em relação ao seu estado emocional Nessa etapa o entrevistador deverá buscar desenvolver uma atmosfera psicológica favorável para que a testemunha consiga relatar minuciosa mente determinado evento Para que se estabeleça um ambiente emocional adequado o entrevista dor utilizase do princípio da sincronia Segundo esse princípio em uma relação interpessoal as pessoas tendem a agir de maneira semelhante ao seu interlocutor M em on e Buli 1999 Portanto O entrevistador deve desenvolver uma atmosfera psicológica favorável para que a testemunha consiga relatar minuciosamente o evento vivido 214 Lilian Milnitsky Stein cols quando uma testemunha que está ansiosa interage com um entrevistador que ofereça uma postura de suporte tranquilizadora e segura esta tenderá a com portarse de forma semelhante A partir dessa mudança em seu comportamento o entrevistado passará também por uma mudança em sua experiência emocional subjetiva Fisher e Geiselman 1992 Faz parte da natureza do ser humano o desejo de ser acolhido e sentirse im portante para outras pessoas Gilbert 2004 Nesse sentido é recomendado ini ciar o rapport com um agradecimento autêntico pela participação da testemunha o que transmite desde os primeiros momentos a mensagem de que sua presença é importante Além do agradecimento o entrevistador deve iniciar com pergun tas sobre alguns assuntos neutros sem relação direta ou indireta com o evento em questão Adotando essa atitude ele demonstrará interesse pelas informações trazidas pela testemunha o que reforça a mensagem acerca de sua importância Adicionalmente a postura de escuta ativa e empática auxilia na construção de uma relação suficientemente calorosa que favorecerá posteriormente a introdu ção de assuntos mais delicados ou emocionalmente carregados Além de construir uma atmosfera psicológica favorável o rapport serve para outros importantes propósitos Em primeiro lugar ele permite que o entrevistador tenha alguma noção sobre o nível cognitivo e de desenvolvimento da linguagem do entrevistado o que permitirá a este ajustar a sua própria linguagem ao comu nicarse com a testemunha Por exemplo ao entrevistar uma adolescente o entre vistador adulto pode conhecer as gírias utilizadas e avaliar o vocabulário da en trevistada bem como a velocidade de expressão verbal A partir dessa avaliação ele tem condições de aproximar a sua linguagem à utilizada pela entrevistada O formato do diálogo inicial determina o ritmo que terá o resto da entrevista O ritmo que o entrevistador deve estabelecer é aquele no qual a testemunha fale com fluência afinal de contas ela é a detentora de informações relevantes sobre o fato em questão Fisher Brennan e McCauley 2002 Desse modo o entrevista dor não deve interromper o entrevistado enquanto ele fala pois tal atitude além de comunicar implicitamente um desinteresse no que a testemunha tem a dizer também acaba por prejudicar o acesso às informações na memória da testemunha interrompendo a fluidez do relato O tempo de duração do rapport não é determinado uma vez que depende das características da testemunha e outros fatores circunstanciais presentes no momento do relato Via de regra essa primeira etapa da entrevista vai durar tanto tempo quanto for necessário para que a testemunha sintase suficientemente à vontade e tranquila para conversar com o entrevistador De maneira semelhan te o rapport pode ser retomado a qualquer momento da entrevista caso seja necessário lidar com mudanças no estado emocional do entrevistado Fisher e Geiselman 1992 Outro ponto chave para o estabelecimento e a manutenção de uma atmos fera favorável diz respeito ao conhecimento por parte da testemunha sobre o funcionamento da EC Na maioria das vezes a testemunha desconhece as cir cunstâncias nas quais o depoimento é obtido e embora o entrevistador tenha Falsas Memórias 215 conhecimento sobre os objetivos e os papéis que cada um tem a desempenhar o entrevistado não o possui e esse desequilíbrio precisa ser minimizado Assim é tarefa do entrevistador compartilhar com a testemunha de maneira direta e explícita o objetivo daquele momento e o papel que cada um deve cumprir para seu alcance Fisher e Sdireiber 2006 Esse momento é descrito como as regras básicas ground m ies ou seja as instruções acerca do funcionamento da entrevista A primeira dessas instru ções referese a uma abordagem das possíveis crenças distorcidas da testemunha decorrentes das distintas posições hierárquicas ocupadas por cada membro da dupla entrevistador e entrevistado Os estudos advindos da Psicologia Social in dicam que o entrevistador exerce um papel de autoridade e a testemunha prin cipalmente se for criança pode confundir essa autoridade com onisciência Dito de maneira diferente a testemunha pode acreditar que o entrevistador já sabe tudo o que tom aria seu depoimento sem importância Esse fenômeno é conheci do como efeito do status do entrevistador Zaragoza et al 1995 Tendo em vista esse efeito provocado pelas distintas posições hierárquicas faz parte do protocolo da EC que o entrevistador esclareça ao entrevistado que ele não presenciou o evento em questão portanto não pode saber o que aconteceu As informações relevantes sobre o fato estão registradas na memória da testemu nha Em outras palavras a testemunha é estimulada a exercer um papel ativo na entrevista e esse processo é chamado de transfe rência do controle Nessa perspectiva o papel que o entrevistador deve assumir é o de facilitador es cutando o que a testemunha tem a dizer Além de expressar a necessidade de um pa pel ativo por parte da testemunha a transferência do controle envolve a explici tação de que o entrevistador não tem a expectativa de que o entrevistado tenha as respostas para todas as suas perguntas O entrevistador portanto comunica que a testemunha não precisa tentar fazer qualquer tipo de adivinhação pois não haverá problema nenhum em dizer que não sabe responder ou não se lembra de informações relativas a quaisquer perguntas Esse esclarecimento quanto às expectativas reforça ainda mais que é o entrevistado quem está no controle da situação M em on e Stevenage 1996 Adicionalmente ao serem abordadas as re gras básicas é garantido à testemunha que ela pode contar aquilo que se lembra da sua própria maneira e seguindo seu próprio ritmo tomando o cuidado para não editar as informações já que tudo é importante Outra instrução fornecida à testemunha é a de que ela tem o direito e o dever de dizer não entendi diante de questões de difícil compreensão feitas pelo entrevistador Nessa mesma linha é requerido à testemunha que corrija o entrevistador caso este fale algo que este ja em desacordo com seu relato Poole e Lamb 1998 Como mencionado anteriormente as pessoas não estão habituadas a re latar em detalhes os eventos que vivenciam Para lidar com essa tendência as instruções da EC contêm uma solicitação explícita de que a testemunha relate tudo o que conseguir se lembrar pois todos os detalhes são importantes É re A testemunha é estimu lada a exercer um papel ativo na entrevista 216 Lilian Milnitsky Stein cols querido que não deixe de relatar nada por achar que não é relevante ou seja ela não deve editar o relato suprimindo partes Da mesma forma é solicitado que relate quaisquer fragmentos de memória que possuir mesmo não tendo uma lem brança total sobre aquele aspecto Esse relato de detalhes parciais tem um duplo benefício além de fornecer informações parciais que podem ser relevantes para investigação quando cruzadas com outras o simples fato da testemunha acessar um fragmento de memória pode funcionar como uma pista para o acesso a outras lembranças Fisher Brennan e McCauley 2002 O Quadro 103 apresenta uma síntese dos principais aspectos que o entre vistador deve abordar com a testemunha na primeira etapa da EC Segunda etapa recriação do contexto original A segunda etapa consiste no uso da estratégia da recriação do contexto original que tem sido indicada como aquela mais poderosa para maximizar a quantidade de informações relatadas pela testemunha M em on e Higham 1999 Os dois postulados teóricos que fundamentam a técnica da recriação do contex to são a Teoria da Especificidade da Codificação Brown e Craik 2000 Túlving 1972 e a Teoria dos Múltiplos Traços Bower 1967 Esses postula dos afirmam que ao invés da memória ser compos ta por registros isolados e não conectados nossas lembranças são formadas por uma rede de asso ciações Dessa forma existem diversos caminhos pelos quais uma lembrança pode ser recuperada Em essência as informações armazenadas na m e mória estão associadas ao contexto no qual foram aprendidas Em decorrência dis so o acesso ao contexto em que algo foi aprendido isto é codificado na memória funciona como uma pista para recuperar as demais informações armazenadas A recriação do contexto original portanto tem por objetivo fornecer pistas à memó QUADRO 103 Principais aspectos na abordagem da testemunha O entrevistador não estava lá é a testemunha que detém todas as informações Liberdade da testemunha para descrever o evento da sua maneira e no seu ritmo Instrução para descrever todos os detalhes Instrução para não editar o relato Direito e dever de dizer não sei Direito e dever de dizer não entendi Responsabilidade de corrigir o entrevistador A recriação do contexto tem sido indicada como a estratégia mais pode rosa para maximizar a quantidade de infor mações relatadas pela testemunha Falsas Memórias 217 ria da testemunha auxiliandoa a recordar o maior número de informações sobre o evento que ela presencia Fisher e Geiselman 1992 O entrevistador salienta que recordar um evento em detalhes não é uma tarefa simples e exigirá muito esforço por parte da testemunha Em razão dessa dificuldade será função do entrevistador ajudála nesse processo O entrevistado é então convidado a mentalmente colocarse de volta na situação em questão O entrevistador dá orientações explícitas para que ele recrie o contexto original onde o evento em foco ocorreu utilizando todos os sentidos possíveis isto é visuais auditivos táteis olfativos e gustativos Quanto mais sentidos forem ex plorados pela testemunha maiores as chances de que sejam fornecidas pistas sig nificativas à sua memória Um exemplo de instrução para a aplicação da técnica da recriação do contexto pode assim ser colocado Neste momento eu gostaria de te ajudar a lembrar tudo o que conseguir sobre referir o evento em questão Você pode fechar os olhos se preferir Tente voltar mentalmente ao exato momento em que aconteceu essa situa ção pausa Você não precisa me dizer nada ainda apenas procure observar o local ao seu redor pausa O que você consegue ver pausa Que coisas você consegue escutar pausa Que coisas passam pela sua cabeça pausa Como você está se sentindo pausa Como está o clima nesse momento pausa Tem algum cheiro que você consiga sentir pausa Quando você achar que estiver pronto pode contar tudo que conseguir se lembrar sobre o que aconteceu do jeito que achar melhor As instruções referentes à recriação do contexto original necessitam ser da das pelo entrevistador de forma lenta e pausada Isso se tom a importante porque o processo de reconstruir as circunstâncias do evento demanda grande empenho cognitivo por parte da testemunha Fecher Zeelenberg e Barsalou 2003 O uso de pausas portanto auxilia na reconstrução do contexto original uma vez que elas fornecem mais tempo para o entrevistado acessar as informações sobre o evento Caso o entrevistador desrespeite esse princípio fornecendo as instruções muito rápido e sem pausas muito provavelmente o entrevistado não conseguirá formar uma imagem da situação suficientemente rica em pistas tom ando a téc nica infrutífera Essa técnica tem se mostrado um dos componentes mais efetivos da EC para maximizar a quantidade de informações relatadas pela testemunha M em on e Higham 1999 Contudo a técnica da recriação do contexto é mais difícil de ser implementada com crianças pequenas visto que seus procedimentos exigem alta demanda cognitiva Poole e Lamb 1998 Terceira etapa narrativa livre A terceira etapa da EC é aquela na qual a testemunha irá fornecer seu relato sobre o fato em questão Uma vez tendo sido recriado mentalmente o contexto a testemunha é convidada a relatar tudo o que conseguir se lembrar e esse momen 218 Lilian Milnitsky Stein cols to é chamado de narrativa livre ou relato livre Por narrativa livre entendese que o entrevistado tem a liberdade para contar da sua maneira todas as informações que puder acessar na memória sem interrupções Ao escutar a testemunha certamen te o entrevistador ficará com dúvidas sobre vários aspectos do relato Contudo quaisquer perguntas ou esclarecimentos devem ser reservados para um momento posterior da entrevista Durante o relato livre o entrevistador mantém uma postura de interesse atenção e escuta ao que a testemunha está dizendo fa zendo breves anotações sobre os tópicos que precisará retomar em seguida Ceei e Bruck 1995 Nessas anotações é importante que os mesmos termos e informa ções trazidas pela testemunha sejam mantidos sem acréscimos e edições por parte do entrevistador Tendo em vista que o acesso aos detalhes armazenados na memória repre senta uma grande demanda cognitiva é natural que o entrevistado faça pausas durante o seu relato Nesses momentos é fundamental que o entrevistador per mita a ocorrência das pausas ou seja que permaneça em silêncio mantendo sua postura de escuta É um erro muito comum o entrevistador interpretar uma pausa no relato como um indicativo de que a testemunha não tem mais nada a dizer e em função disso interrompêla com perguntas Quando a testemunha faz uma pausa mais longa ou indica que concluiu sua descrição o entrevistador questiona se há algo mais que consegue se lembrar e só depois disso passará para a etapa seguinte de questionamento Quarta etapa questionamento Terminado o relato livre da testemunha começa a fase do questionamen to na qual o entrevistador fará perguntas baseadas nas informações trazidas no relato livre buscando coletar informações adicionais O entrevistador inicia o questionamento agradecendo à testemunha pela quantidade de informações re latadas bem como pelo esforço até aquele momento Esse enaltecimento por seu esforço é importante para manter a testemunha engajada na tarefa Antes de fazer qualquer pergunta o entrevistador antecipa que haverá uma nova etapa da entrevista na qual ele fará perguntas sobre alguns pontos de modo a compreender melhor o que ocorreu na situação em questão Além de avisar sobre as perguntas o entrevistador retoma algumas das regras básicas Em particular reforça que a testemunha pode dizer não sei ou não entendi diante de quaisquer questões Também enfatiza que ela deve corrigilo caso fale algo que esteja em desacordo com seu relato Um exemplo da introdução à etapa de questionamento pode ser descrito assim bom agora eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas para me certificar que entendi bem o que aconteceu Só que antes de eu fazer as perguntas A testemunha tem a liberdade para contar da sua maneira todas as informações que puder acessar na memória sem interrupções Falsas Memórias 219 quero lembrar algumas coisas importantes Pode acontecer de eu perguntar algo que você não saiba Se isso acontecer por favor diga simplesmente eu não sei ou então eu não lembro Não tem problema nenhum de você não saber algo o importante é que você não tente adivinhar a resposta Pode acontecer também de eu fazer uma pergunta que você não consiga enten der Nesse caso diga que você não entendeu e tentarei me expressar melhor Só mais uma coisa às vezes eu posso ter entendido errado as coisas que você falou Assim se eu disser qualquer coisa que não corresponda com o que você disse por favor me corrija Tudo bem Bom então a primeira coisa que eu gostaria de perguntar é Ao fazer as perguntas o entrevistador deve estar especialmente atento ao chamado questio namento compatível com a testemunha O ques tionamento compatível com a testemunha é basea do no princípio de que cada testemunha possui uma representação mental única do evento Memon Vrij e Buli 1998 Logo as perguntas devem ser formuladas a partir do relato que o entrevistado fez sobre o fato e não com base em protocolos préestabelecidos Fisher e Schreiber 2006 Tendo em vista que a lembrança de detalhes requer grande esforço por parte da testemunha o entrevistador deve ter em mente que seu questionamento não pode sobrecarregar os recursos cognitivos da testemunha Caso o entrevistador não respeite esse princípio a testemunha pode não conseguir articular os recursos mentais necessários para o processo de recordação Para evitar essa sobrecarga o questionamento compatível com a testemunha preconiza que as perguntas por parte do entrevistador sempre devem ser relativas à representação mental que o entrevistado tem ativada no momento ou seja devem fazer referência aos con teúdos que o entrevistado está relatando Por exemplo se a testemunha estiver descrevendo a fisionomia do suspeito as perguntas devem ser dirigidas a esta ca racterística do suspeito e não a outras tais como sua altura ou vestuário Somen te após o entrevistador obter todas as informações sobre determinado aspecto do evento é que se passa para o próximo Pecher Zeelenberg e Barsalou 2003 O questionamento compatível com a testemunha também funciona como um lembrete de cautela para o entrevistador Ao formular perguntas estas de vem ser baseadas naquilo que a testemunha informou respeitando a linguagem e os termos utilizados por ela e não naquilo que o entrevistador acredita que aconteceu Em outras palavras o questionamento compatível com a testemunha ressalta que o entrevistador não deve ser sugestivo em suas indagações Ele não pode introduzir elementos não reportados pelo entrevistado uma vez que isso au mentaria as chances de provocar distorções nas lembranças da testemunha sobre o fato Davis e Loftus 2007 É natural do ser humano dirigir sua atenção para evidências que corrobo rem suas próprias crenças Em função disso os entrevistadores podem acabar assumindo um viés confirmatório na etapa de questionamento ou seja podem somente fazer perguntas que venham a apoiar suas hipóteses sobre o ocorrido Hall 2002 Consequentemente fazse necessário que o entrevistador monitore Cada testemunha possui uma representação men tal única do evento 220 Lilian Milnitsky Stein cols se constantemente durante a entrevista ele deve coletar todas as informações possíveis e não apenas aquelas compatíveis com a sua versão do que pode ter ocorrido Tipos de perguntas O formato no qual as perguntas são formuladas é decisivo para o sucesso da etapa de questionamento O Quadro 104 ilustra os principais tipos de perguntas em um contexto de entrevista A literatura científica tem mostrado reiteradamen te que as questões devem ser formuladas sempre de maneira aberta As perguntas fechadas sugestivas e confirmatórias devem ser evitadas uma vez que tendem a contaminar o relato da testemunha Roberts Lamb e Stemberg 2004 Os fun damentos que embasam a opção por perguntas abertas residem no fato de que as questões abertas favorecem a recuperação na memória da testemunha de um maior número de informações Por outro lado os outros tipos de perguntas lim i tam a resposta a uma única palavra ou pior podem conduzir a testemunha para uma determinada resposta Q UAD RO 104 Caracterização dos tipos de perguntas em uma entrevista investigativa Tipo de pergunta Definição Exemplo Abertas Permitem que a pessoa que O que você viu quando entrou na está respondendo dê mais informações loja Fechadas Propiciam que o entrevistado Era manhã tarde ou noite quando o responda apenas sim não ou escolha entre uma alternativa crime aconteceu Perguntas múltiplas Várias questões colocadas Você viu o rosto do assaltante Ele simultaneamente foi agressivo O que ele falou Tendenciosas sugestivas Expressam implícita ou Tendo em vista que o Borracha é explicitamente a opinião do um bandido foragido e no momento entrevistador conduzindo a do feto estava nas imediações você testemunha a uma determinada não acha que ele possuía algum resposta envolvimento com o crime Confirmatórias inquisitivas Procuram confirmar aquilo que Então você está me dizendo que foi dito ou uma hipótese levan viu aquele seu vizinho no local do tada pelo entrevistador crimequando a testemunha falou apenas que a pessoa do local do crime lembrava o vizinho Falsas Memórias 221 Para questionar adequadamente o entrevis tador deve estar atento para seguinte regra geral dar sempre prioridade para as perguntas abertas baseadas nas informações já relatadas pelo entre vistado em detrimento das fechadas Perguntas fechadas devem ser colocadas apenas quando a informação desejada não foi obtida por meio das perguntas abertas Além de priorizar as questões abertas o entrevistador deve conduzir a etapa de questionamento de modo que suas indagações façam uma espécie de afunilamen to As perguntas iniciam bastante amplas p ex o que aconteceu nesse momen to passando progressivamente para a abordagem de detalhes específicos p ex qual era o carro que ele dirigia Fisher e Geiselman 1992 Outro princípio adotado nessa etapa é o das múltiplas recuperações Esse princípio é baseado na ideia de que uma informação não recuperada da memó ria em um primeiro momento não necessariamente foi esquecida ela pode es tar apenas temporariamente inacessível Schacter 2003 Portanto informações adicionais não trazidas durante o relato livre ou na etapa de questionamento podem ser obtidas ao se ajudar a testemunha com novas pistas de memória que podem ser obtidas ao se estimular o entrevistado a lembrarse do evento a partir de uma outra perspectiva Gilbert e Fisher 2006 O entrevistador pode obter mais detalhes simplesmente incentivando a testemunha que pensa ter recordado tudo sobre um evento a ter uma outra oportunidade para lembrar Porém isso não significa que o entrevistador deva repetir as mesmas perguntas A repetição de perguntas pode interferir no bom andamento da entrevista uma vez que a testemunha pode interpretar que o entrevistador não confia nas informações que ela está fornecendo As principais técnicas utilizadas para oferecer pistas adicionais à memória envolvem solicitar à testemunha que relate o evento de trás para frente ordem reversa ou que procure descrever os fatos como se estivesse na posição de uma outra pessoa presente na cena mudança de perspectiva Na ordem reversa a testemunha deve identificar a última coisa que aconteceu e a partir daí contar o que ocorreu imediatamente antes e assim sucessivamente Já na mudança de perspectiva o entrevistado é instruído a assumir um ponto de vista alternativo isto é outra testemunha ou o próprio criminoso descrevendo o que esta pessoa supostamente teria observado Fisher e Geiselman 1992 A relação custobenefício das técnicas de mudança de perspectiva e inver são da ordem temporal são bastantes questionáveis Além de dados de pesquisas levantarem dúvidas sobre sua real efetividade na obtenção de novas informações tais técnicas podem levar a testemunha a criar detalhes não presentes na situação original diminuindo a precisão das informações oferecidas M em on et al 1997 Isso pode ocorrer principalmente quando a testemunha não compreende exa tamente a instrução fornecida pelo entrevistador p ex na técnica de mudança de perspectiva quando ela tenta imaginar o que teria visto e ouvido caso fosse outra pessoa presente na situação O questionamento sobre a necessidade de O entrevistador deve estar atento para a seguinte regra geral dar sempre prioridade para as perguntas abertas em detrimento das fechadas 222 Lilian Milnitsky Stein cols utilização da técnica de mudança de perspectiva é reforçado pelas evidências que indicam que a EC é efetiva mesmo sem o uso das técnicas mnemónicas adicionais Stein e Memon 2006 Portanto os entrevistadores devem ser cautelosos na utilização das instru ções de mudança de perspectiva e inversão da ordem temporal Todavia segundo alguns autores M em on et al 1997 a mudança de perspectiva poderia ser even tualmente interessante em casos de situações traumáticas em que as testemunhas sentemse bastante mobilizadas com a lembrança do evento podendo achar mui to estressante ter que relatar a partir da sua própria perspectiva Talvez a melhor opção seja a de esperar que pesquisas mais conclusivas sejam realizadas antes de utilizar as técnicas de reversão de ordem temporal e mudança de perspectiva como procedimentos padrão Quinta etapa fechamento A última etapa da EC inclui a síntese dos dados levantados bem como o fechamento da entrevista A o certificarse do entendimento dos dados relatados o entrevistador deve oferecer à testemunha uma última oportunidade naquela entrevista de lembrarse de detalhes adicionais Pinho 2006 Antes de iniciar sua síntese o entrevistador instrui a testemunha a interrom pêlo imediatamente se 1 ela identificar quaisquer distorções presentes no resumo fornecido 2 lembrarse de detalhes anteriormente não relatados Fisher e Schreiber 2006 Ao final do resumo é retomado o rapport e algumas questões de ordem formal são abordadas p ex informações de rotina tais como o preenchimento de dados adicionais de formulários Além disso dois outros aspectos devem ser abordados na etapa de fechamento da entrevista estender a vida funcional da entrevista e criar uma última impressão positiva Fisher e Geiselman 1992 Estender a vida funcional da entrevista signi fica deixar aberto um canal de comunicação com o entrevistado no caso de ele lembrarse de detalhes não relatados durante a entrevista Para tanto o entrevistador oferece seus números de contato e colocase à disposição para escutálo novamente na eventualidade de ele ter algo novo a dizer Por fim o entrevistador deve encerrar com uma atmosfera positiva É bastante possível que o entrevistado ao falar sobre o evento principalmente se tiver sido a vítim a fique emocionalm ente m obilizado e não convém que a entrevista acabe com O entrevistador deverá deixar aberto um canal de comunicação com o entrevistado no caso de ele lembrarse de detalhes não relatados durante a entrevista Falsas Memórias 2 2 3 a testemunha nesse estado emocional Assim antes de despedirse o entrevis tador demonstra interesse pelo bem estar do entrevistado e retoma assuntos neutros CONSIDERAÇÕES FINAIS Possivelmente a EC seja um dos melhores exemplos das contribuições que os conhecimentos científicos advindos de pesquisas no âmbito da Psicologia do Testemunho e sobre a memória podem oferecer à sociedade em geral Graças ao empenho de pesquisadores perspicazes toda uma bagagem de teorias e pesquisas sobre a memória e sobre a dinâmica social de comunicação foi transformada em técnicas de entrevista investigativa Com isso testemunhas e vítimas de delitos das mais diversas naturezas podem ser ouvidas por meio de técnicas que ao mes mo tempo estão em consonância com os direitos humanos e favorecem a efetiva aplicação da lei A EC é uma poderosa ferramenta para minimizar um problema muito co mum em situações de investigação e julgamento de casos contra a lei a reviti mização daqueles que prestam depoimentos Quando uma vítima ou testemunha é entrevistada de maneira inadequada é natural que permaneçam dúvidas eou lacunas sobre certos aspectos do crime Consequentemente tomase necessário ouvir a pessoa outra vez obrigandoa a lembrarse novamente de situações dolo rosas Se essa nova entrevista também for mal conduzida surgirá a necessidade de outra e assim por diante Essa exposição repetida da pessoa às lembranças negativas poderia ser evitada se a primeira entrevista fosse suficientemente com pleta e gravada como acontece em outros países Além disso a EC oferece as ferramentas necessárias para que os depoimentos obtidos sejam tão completos quanto possível respeitando as condições tanto cognitivas quanto psicológicas da pessoa entrevistada Além da revitimização as entrevistas repetidas acarretam outra questão delicada o aumento das chances de contaminação dos relatos com FM Natural mente esse problema será minimizado à medida que for reduzido o número de entrevistas Para que isso aconteça contudo é necessário que essas poucas en trevistas sejam muito bem conduzidas de modo a fornecer todas as informações necessárias à condução da investigação em busca de provas e para a aplicação da lei A EC reduz as chances de FM não apenas pelo favorecimento da redução delas pois de nada adiantaria a redução da quantidade de entrevistas se elas fossem conduzidas de maneira sugestiva Nesse sentido a prática da EC dimi nui as chances de sugestionabilidade por parte dos entrevistadores uma vez que eles são treinados para monitorar suas condutas durante a oitiva da testemunha evitando o uso de perguntas fechadas e outras intervenções potencialmente ten denciosas 2 2 4 Lilian Milnitsky Stein cols Embora sejam muitas as vantagens da EC em relação às técnicas de entrevis ta padrão existem algumas limitações práticas para sua efetiva utilização Dentre elas citaremos as três principais 1 necessidade de treinamento extensivo e dispendioso 2 necessidade de condições físicas e tecnológicas adequadas 3 necessidade de um certo nível de capacidades cognitivas por parte do entrevistado para aplicação dessas técnicas Em primeiro lugar é preciso que os entrevis tadores passem por um extenso treinamento que os habilite a conduzir a técnica apropriadamente Tendo em vista que a EC é uma técnica apoiada nos conhecimentos científicos sobre a memória e sobre a dinâmica da comunicação interpessoal é necessário que os entrevistadores conheçam pelo menos os elementos básicos desses fundamentos e isso demanda um envolvimento considerável com o processo de aprendizagem Além disso os pesquisadores que trabalham com a formação de entrevistadores cognitivos são taxativos um único treinamento mesmo que seja intensivo não é suficiente para que a EC seja praticada de maneira consistente Wells Memon e Penrod 2006 Ao invés disso o treinamento intensivo inicial na técnica deve ser seguido por um período de acompanhamento no qual os entrevistadores serão supervisionados e receberão feedback sobre seu desempe nho Caso esse período de acompanhamento não ocorra a tendência é de que os entrevistadores retom em às suas velhas práticas e vícios tom ando o treinamento inicial praticamente inútil Westcott Kynan e Few 2006 A segunda limitação prática para o uso da EC diz respeito às condições nas quais as entrevistas investigativas geralmente ocorrem O uso efetivo da EC re quer que determinados prérequisitos sejam observados Um deles diz respeito ao tempo que deve ser disponibilizado para realização da entrevista Via de regra a EC é mais demorada que outros tipos de entrevista consequentemente durante um expediente normal de trabalho um entrevistador que utiliza a EC conseguirá escutar menos pessoas em relação a outro que trabalhe com outra técnica Em locais sobrecarregados de investigações que têm uma quantidade muito grande de testemunhas para serem ouvidas pode parecer problemático o uso da EC In felizmente a necessidade de maior disponibilidade de tempo para o emprego da EC não é um aspecto que possa ser flexibilizado Porém esse dispêndio de tempo inicial com o uso da técnica de EC ainda que pareça problemático na realidade contribui para uma significativa economia de tempo e recursos financeiros Isso ocorre porque tanto as investigações policiais quanto as produções de provas dos processos judiciais poderiam ser realizadas com base em evidências mais con clusivas e mais confiáveis tornandose um procedimento mais ágil eficaz e em última análise resultando em uma economia de tempo Apesar das vantagens da entrevista cognitiva sua utilização é limitada devido às necessidades de treinamento exten sivo condições físicas e tecnológicas e recursos cognitivos do entrevis tado para as técnicas cognitivas Falsas Memórias 225 Outro prérequisito da EC tem a ver com o ambiente físico e com a apare lhagem necessária A EC foi criada para ser conduzida em uma sala confortável e silenciosa livre de interferências externas Adicionalmente faz parte da técnica que as entrevistas sejam gravadas preferencialmente em áudio e vídeo Tais con dições físicas e tecnológicas infelizmente estão muitas vezes ausentes nos locais designados para a oitiva de testemunhas e vítimas A terceira limitação para o uso da EC tem a ver com as condições do entrevis tado para o uso das técnicas cognitivas Em especial a utilização efetiva das técni cas cognitivas requer que o entrevistado possua um certo nível de desenvolvimento cognitivo e apresente um nível de inteligência compatível com a compreensão e com o seguimento das instruções fornecidas pelo entrevistador Consequentemente a EC pode ser contraindicada para entrevistar crianças préescolares e indivíduos com recursos cognitivos limitados Zaragoza et al 1995 Apesar das limitações apontadas uma coisa é certa é possível substituir as antigas formas de entrevista pela EC Se não fosse possível essa mudança não teria ocorrido em diversos países tais como no Reino Unido O Brasil já co meça a demonstrar algum interesse por essa mudança Algumas pesquisas têm sido produzidas em nosso país Nygaard Feix e Stein 2006 bem como alguns treinamentos dirigidos a policiais promotores de justiça psicólogos psiquiatras e assistentes sociais forenses têm sido realizados com o objetivo de ensinar a téc nica da EC Quando pesquisadores e profissionais que trabalham com entrevistas investigativas unem esforços os frutos são extremamente recompensadores REFERÊNCIAS Bower G 1967 A multicomponent theory of memory trace In K W Spence J T Spen ce Eds The psychology of learning and motivation vol 1 New York Academic Press Brown S C Craik F I M 2000 Encoding and retrieval of information In E TUlving F I M Craik The Oxford handbook of memory pp 93107 New York Oxford University Press Ceci S J Bruck M 1995 Jeopardy in the courtroom A scientific analysis of children s testimony Washington American Psychological Association Davis D Loftus E E 2007 Internal and external sources of misinformation in adult witness memory In M R Toglia J D Read D F Ross R C L Lindsay Eds The Handbook of eyewitness psychology Vol 1 Memory for events pp 195237 New Jersey Lawrence Erlbaum 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Psychology Crime Law 121 7796 Zaragoza M S Graham J R Hall G C N Hirschman R BenPorath Y S 1995 Memory and testimony in the child witness Thousand Oaks Sage 11 IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DAS FALSAS MEMÓRIAS Giovanni Kuckartz Pergher Rodrigo GrassiOliveira P ara reconhecer o papel exercido pela memória no contexto da psicoterapia con sidere a pergunta feita frequentemente pelos terapeutas ao verem um paciente pela primeira vez o que levou você a procurar terapia Diante dessa pergunta diversas respostas tais como eu tenho baixa autoestima ou perdi a vontade de viver des de a morte da minha esposa há dois anos são comuns O que essas respostas têm em comum De maneira mais saliente esses exemplos de motivações de busca por terapia também chamados de queixas implicam um desejo de mudança Em um nível mais sutil contudo as queixas podem ser traduzidas fazendose referência a mecanismos de memória A afirmação eu tenho baixa autoestima é sinônimo de as lembranças que utilizo para formar a minha autoimagem são em sua maioria negativas e isso me traz uma sensação de que eu não tenho valor De maneira semelhante perdi a vontade de viver desde a morte da minha esposa há dois anos pode ser entendido como minha esposa está presente em todas as minhas lembranças de felicidade e a vida parece perder o sentido quando me dou conta que jamais terei isso novamente As mudanças que as pessoas buscam com a psicoterapia podem ser referentes a qualquer tempo passado p ex quero parar de me culpar pelos erros que eu co meti presente p ex quero reavivar o meu casamento ou futuro p ex bus co me preparar emocionalmente para assumir um cargo de chefia Independente mente da localização temporal da mudança desejada passado presente ou futuro a memória está sempre envolvida Williams 1996 Uma vez que a psicoterapia se propõe a trabalhar com a memória dos pacientes está implícita a ideia de que esta última é maleável pois caso não fosse não seria possível trabalhála para buscar gerar as mudanças desejadas pelo paciente Perghei Stein e Wainer 2004 Este é o lado positivo da maleabili dade da memória uma vez que permite que as melhoras terapêuticas ocorram Por outro lado essa mesma maleabilidade que possibilita mudanças pode levar a um fenômeno indesejável as Falsas Memórias FM Os motivos de busca por psicoterapia sempre possuem relação com a memória Falsas Memórias 229 Tendo em vista que a memória está amplamente envolvida em todo pro cesso psicoterápico é razoável supor que um terapeuta deva conhecêla suficien temente bem para que possa ajudar seus pacientes a alcançarem as mudanças desejadas Wainer Pergher e Piccoloto 2004 Nesse sentido o presente capítu lo aborda questões relativas ao papel exercido pela memória e suas distorções como as FM no processo de psicoterapia Esperamos que as informações aqui apresentadas possam auxiliar terapeutas formados ou em formação em sua prá tica clínica Os termos distorções de memória vieses de memória tendenciosidades da me mória e falsas memórias serão utilizados como sinônimos Contudo o termo falsas memórias será reservado para situações mais específicas nas quais a lembrança do paciente pode ser seguramente rotulada como falsa No contexto da psicotera pia a distinção entre uma MV e uma FM pode ser nebulosa Não raras vezes as lembranças relatadas pelos pacientes contêm tanto elementos verdadeiros quanto falsos Por exemplo suponha que uma paciente faça o seguinte relato sobre seu ambiente de trabalho eu sempre tive problemas de relacionamento com meu chefe Nesse caso a ocorrência dos problemas de relacionamento com a chefia pode ser verdadeira No entanto a afirmação de que esses problemas sempre existiram pode não corresponder à realidade Assim é difícil classificar esse relato como sendo baseado em uma FM Por outro lado é possível afirmar com maior segurança que se trata de um relato baseado em lembranças distorcidas tenden ciosas ou enviesadas A VISÃO DO PACIENTE DA SUA PRÓPRIA HISTÓRIA Toda pessoa que busca ajuda via psicoterapia não escapa de um constante exercício falar sobre si mesma Quando um terapeuta procura conhecer seu pa ciente ele faz perguntas sobre sua história de vida investigando diversos aspec tos relacionamentos familiares desempenho acadêmico vida social e afetiva ati vidades de lazer e assim por diante À primeira vista a tarefa do paciente parece simples ele só precisa acessar a memória em busca das informações solicitadas e responder às perguntas Contudo uma análise mais cautelosa evidencia que o processo de buscar informações sobre o próprio passado não é tão simples assim Lembrar o pró prio passado é muito mais do que simplesmente procurar documentos em um arquivo Quando um paciente relata quaisquer informações sobre si mesmo ou sobre eventos que lhe aconteceram ele não está apenas acessando lembranças de mom ento anteriores Thomas Hannula e Loftus 2007 Mais do que isso ele está reeditando seus registros do passado a partir da situação presente e esse processo de reedição pode levar a distorções da memória Fleming Heikkinen e Dowd 2002 230 Lilian Milnitsky Stein cols O paciente em psicoterapia suas crenças suas lembranças As pesquisas sobre a cognição humana não deixam dúvidas o ser humano não é um proces sador passivo de informação Pelo contrário so mos sempre ativos ao entrarmos em contato com o mundo seja ele externo ou interno A forma ativa pela qual um indivíduo se relaciona com o am biente está diretamente relacionada a suas expec tativas Em outras palavras as expectativas que a pessoa possui sobre o mundo influenciarão na sua maneira de vivenciálo Con sequentemente sua experiência do ambiente será enviesada de m odo que esteja em maior consonância com suas expectativas podendo dar origem às distorções de memória Hirt McDonald e Markman 1998 Tendo em vista o papel das expectativas no processo de moldar a experiên cia é legítimo questionar de onde vêm as expectativas que o indivíduo formula sobre o mundo A resposta para essa pergunta está nas vivências passadas do indivíduo que estão armazenadas em sua memória as quais levam à estruturação de um conjunto de crenças Tal conjunto pode ser compreendido como um grupo de convicções sobre os diversos aspectos da realidade Essas crenças por sua vez indicam o que o indivíduo deve esperar em cada um de seus contatos com o mun do sendo ele interno ou externo Beck e Alford 2000 Como pode ser observado na Figura 111 as crenças da pessoa estão direta mente relacionadas com suas lembranças uma vez que são o alicerce sobre o qual As pesquisas sobre a cognição humana não deixam dúvidas o ser humano não é um processador passivo de informação FIGURA 111 Relação entre a história de vida do indivíduo suas crenças expectativas e distorções da memória Falsas Memórias 231 as expectativas são formuladas As expectativas vale ressaltar não dizem respeito apenas ao ambiente externo elas também determinam o que a pessoa espera encontrar dentro de si mesma na sua própria memória A relação entre crenças e lembranças é tão próxima que na prática é impossível separálas Jones 1999 Em decorrência dessa relação íntima é razoável supor que mudanças nas crenças levarão a alterações correspondentes na memória e existem diversas evidências empíricas que apóiam essa hipótese Hirt McDonald e Markman 1998 O sofrimento psicológico apresentado pelos pacientes que procuram psico terapia pode ser entendido como uma decorrência de suas convicções crenças disfuncionais Por exemplo um paciente se tiver a convicção de ser um fracasso terá grandes chances de sofrer de alguma perturbação emocional Logo a psico terapia é em grande medida uma ferramenta para mudar crenças disfuncionais propiciando assim maior conforto e bemestar emocional às pessoas que buscam esse tipo de ajuda Beck e Alford 2000 Uma vez que a psicoterapia visa a reestruturar as crenças dos pacientes ela pode constituirse em um cenário propício para distorções de memória Conforme vimos recentemente mudanças nas crenças levam a mudanças nas expectativas as quais por sua vez levam a vieses na memória O paciente em psicoterapia portanto percorre um contínuo pro cesso de revisão das próprias convicções fazendo com que ele passe a olhar seu passado de uma ma neira diferente Brainerd e Reyna 2005 Lembranças e sua influência no comportamento Diante de cada situação que o indivíduo vivência existem infinitas manei ras pelas quais ele poderia se comportar Dadas as múltiplas possibilidades de comportamentos alternativos para cada situação uma pergunta de especial im portância é a seguinte por que a pessoa escolhe justamente o comportamento x se inúmeros outros seriam possíveis Mais uma vez a resposta recai sobre a memória Dito de maneira diferente as lembranças que o indivíduo acessa em determinada circunstância influenciarão seu comportamento nessa situação Considere o papel exercido pela memória na seguinte situação clínica crise conjugal Em casais que apresentam relacionamentos conflituosos as distorções de memória contribuem para a perpetuação de brigas e discussões Graças à m e mória situações prévias independente de serem recentes ou distantes são trazi das à tona nos momentos de desentendimento É comum que tais situações sejam recordadas de maneira distorcida durante a discussão recebendo o colorido do momento ou seja as situações passadas parecem mais estressantes no momen to da briga do que realmente foram quando aconteceram Consequentemente o m otivo imediato desencadeador da discussão acaba sendo recoberto por uma quantidade de outros problemas tom ando impossível uma abordagem objetiva e resolutiva do conflito Não raras vezes durante uma briga a quantidade de epi Uma vez que a psicoterapia visa a reestruturar as crenças dos pacientes ela pode constituirse em um cenário propício para distorções de memória 2 3 2 Lilian Milnitsky Stein cols sódios estressantes do passado que é recordada é tão grande que o casal sequer consegue lembrar a razão pela qual iniciou a discussão Pergher GrassiOliveira Ávila e Stein 2006 A memória também influencia os conflitos conjugais na medida em que leva a vieses na interpretação que cada parceiro faz do comportamento do ou tro Considere a seguinte situação em um domingo depois do almoço o marido avisa a esposa que vai sair para jogar futebol com os amigos A esposa fica então esperando em casa pois gostaria de fazer um passeio com o marido na parte da tarde Contudo o tempo vai passando e o marido chega em casa perto do anoi tecer e isso funciona como um gatilho para uma discussão calorosa que avança até a madrugada Será que a esposa tem justificativa para ficar braba com essa situação Cer tamente Entretanto a intensidade da sua indignação que fez com que a dis cussão se estendesse por horas não foi causada apenas pela situação em si Ela reagiu com furia quando interpretou o atraso do marido como ele sempre me deixa em segundo plano Em outras palavras a memória da esposa funcionou de maneira tendenciosa só foram recordadas as situações em que o marido não a colocou em primeiro plano Gelder 1997 Essa recuperação seletiva por sua vez causou a impressão de que o marido era extremamente distante e ausente no relacionamento algo que nesse exemplo não correspondia à realidade objetiva dos fatos Um padrão semelhante de tendendosidades da memória também é obser vado em relações conflituosas de outras naturezas entre pais e filhos entre professor e aluno entre chefe e subordinado e assim por diante Em todos esses casos uma verdadeira avalanche de lembranças do passado é cuidadosamente seledonada editada e acrescida à situação imediata tornando suas proporções muito maiores do que realmente deveriam ser Beck 1999 COMPREENDENDO O CASO CLÍNICO O PACIENTE SOB A ÓTICA DO TERAPEUTA A discussão até o momento focouse nos vieses de memória apresentados pelos pacientes em uma variedade de situações clínicas Conforme já apontado a memória do paciente é um elemento central de qualquer psicoterapia Contudo não podemos nos esquecer que os terapeutas também possuem crenças e m em ó rias e estas estão igualmente sujeitas à distorção Dessa forma um terapeuta bem preparado deve estar ciente de seus próprios vieses pois isso o habilita a reduzir os efeitos indesejados por eles provocados Pergher e Stein 2005 Esta seção do capítulo será dedicada a uma discussão acerca da influência que as crenças e lembranças do tera peuta exercem sobre o processo de psicoterapia Um terapeuta bem preparado deve estar ciente de seus próprios vieses pois ísso o habili ta a reduzir os efeitos indesejados por eles provocados Falsas Memórias 2 3 3 Considere o seguinte exemplo um terapeuta está tentando ajudar uma pa ciente que apresenta queixas de ordem sexual Mais especificamente ela possui um transtorno da excitação sexual ou seja ela é incapaz de atingir ou manter as respostas corporais de excitação sexual que possibilitam uma relação prazerosa Ao investigar as dificuldades da paciente o terapeuta questiona como ela se sente du rante as preliminares e no intercurso do ato em si Prontamente ela responde não sei parece que eu me sinto usada por ele como se eu estivesse sendo abusada Na tentativa de conhecer em maior profundidade as dificuldades da pa ciente o terapeuta investiga se a sensação de estar sendo usada está ocorrendo apenas agora com seu atual namorado ou se é um sintoma de mais tempo Prontamente mais uma vez ela responde com convicção eu nunca dormi com alguém sem me sentir usada O terapeuta detectou acertadamente uma provável causa das dificuldades de excitação da paciente a percepção que ela tem de estar sendo usada e tam bém identificou que estas ocorreram com todos os seus parceiros desde que ini ciou sua vida sexual Além disso um contato com a ginecologista da paciente descartou que quaisquer causas orgânicas pudessem explicar o quadro por ela apresentado O problema começa a surgir quando o terapeuta busca de forma tendencio sa as origens das sensações de abuso relatadas pela paciente No entendimento de um terapeuta pouco preparado as sensações descritas pela paciente só pode riam ter uma explicação ela foi abusada sexualmente na infância Isso faz muito sentido ao considerarmos o seguinte raciocínio uma criança não está preparada para uma situação que envolva estimulação sexual Portanto se uma pessoa teve algum tipo de experiência sexual na infância ela foi vítima de abuso Consequen temente é natural esperar que essa pessoa desenvolva uma associação entre a atividade sexual e a vivência de uma situação abusiva Esse raciocínio parece bastante razoável em princípio não existe nada de errado com ele Indivíduos que foram abusados sexualmente na infância de fato estão propensos a desenvolver problemas sexuais na vida adulta Por outro lado é um equívoco grosseiro acreditar que todos os adultos que apresentam proble mas sexuais foram vítimas de abuso sexual na infância KendallTackett Williams e Finkelhoi 1993 Rind Tromovich e Bauserman 1998 Infelizmente se um tera peuta ou qualquer outro profissional possui crenças falaciosas como essa ficam aumentadas as chances de que ele mesmo na me lhor das intenções venha a implantar FM em seus pacientes Davis e Loftus 2006 As crenças distorcidas dos terapeutas podem levar a uma sugestão de falsa informação visto que levam a um viés confirmatório C ed e Bruck 1995 O viés confirmatório pode ser definido como uma tendênda do entrevistador a buscar e Convicções do terapeuta e indução de falsas memórias As crenças distorcidas dos terapeutas podem levar a uma sugestão de falsa informação visto que levam a um viés confirmatório 2 3 4 Lilian Milnitsky Stein cols valorizar apenas as informações compatíveis com suas hipóteses em vez de inves tigar objetivamente todos os fatos No exemplo anterior o terapeuta poderia ter assumido um viés confirmatório ao questionar sua paciente de maneira tenden ciosa com perguntas sistematicamente direcionadas para encontrar indícios de que ela foi abusada sexualmente na infância Ao assumir um viés confirmatório o terapeuta poderia por exemplo questionar me explica melhor como era esse jeito malicioso que o teu tio falava contigo quando na sessão a paciente referiu apenas que não gostava na maneira que o tio falava com ela Na verdade o viés confirmatório está presente em praticamente todas as situações em que uma pessoa faz uma busca por informações como por exemplo quando um profissional da área forense entrevista uma testemunha Entretanto em grande parte das vezes as hipóteses que o indivíduo levanta são adequadas de modo que o viés confirmatório leva a confirmação de informações que são corretas de fato O problema maior ocorre quando o viés confirmatório é calcado em crenças ou hipóteses equivocadas pois estas favorecem a sugestão de falsa informação Pergher e Stein 2005 O viés confirmatório é um processo que opera automaticamente sem que as pessoas se deem conta Loftus Feldman e Dashiell 1995 Dito de maneira diferente não percebemos que direcionamos nossas perguntas para confirmar as hipóteses que possuímos Antes disso acreditamos que estamos fazendo uma investigação objetiva e imparcial dos fatos Mesmo entrevistadores experientes apresentam uma tendência a buscar seletivamente por dados que apóiem suas versões sobre os fatos Hall 2002 Muitas são as fontes das crenças distorcidas que levam a vieses confirma tórios potencialmente danosos Essas fontes podem advir do ambiente externo Os estereótipos sociais p ex membros de torcidas organizadas são indivíduos violentos e o senso comum p ex quem ama seus filhos jamais faria algo que pudesse prejudicálos são bons exemplos de possíveis origens de crenças fala ciosas Por outro lado a própria história de vida do terapeuta pode constituirse numa fonte de vieses Jackson e Nuttall 1993 No Quadro 111 são apresentadas algumas concepções errôneas que podem conduzir o terapeuta a assumir um viés confirmatório Os pressupostos apontados no quadro são considerados errôneos visto que não são apoiados por evidências científicas Portanto caso um terapeuta utilize algum desses pressupostos para guiar suas intervenções ele corre o risco de implantar FM em seus pacientes A possibilidade de um terapeuta implantar FM em seus pacientes não ocorre apenas quando este adota um viés confirmatório sugestionando direta e ati vamente alguma falsa informação Determinados pressupostos como aqueles apresentados no Quadro 111 por si só são sugestivos por natureza Em outras palavras quando um terapeuta compartilha determinadas concepções falaciosas com seus pacientes estas podem induzir FM por m eio da autossugestão Ou seja o paciente passa a sugestionar a si próprio baseado em pressupostos errôneos que aprendeu com o terapeuta Nesses casos o terapeuta não sugere uma falsa in formação diretamente mas cria uma atmosfera favorável à distorção mnemónica Falsas Memórias 235 QUADRO 111 Crenças falaciosas que podem levar terapeutas a induzirem falsas memórias Um terapeuta experiente é capaz de distinguir as memórias verdadeiras das falsas memó rias em seus pacientes é possível a partir do desenho de uma criança saber se ela foi abusada sexualmente Comportamento sexualizado em crianças é uma evidência inequívoca de que ela foi ou está sendo abusada sexualmente Qualquer memória pode ser recuperada intacta se forem adequadamente trabalhados os mecanismos de defesa que impedem sua lembrança As lembranças recuperadas sob hipnose são livres de distorções A confiança que a pessoa possui na exatidão das suas lembranças está positivamente correlacionada com a sua precisão objetiva Sintomas psicopatológicos são consequências de memórias reprimidas as quais quando recuperadas e trabalhadas levarão à cura dos sintomas Se a recuperação de uma lembrança leva a uma melhora terapêutica isso é um sinal de que a referida lembrança é verdadeira Brainerd e Reyna 2005 A sugestão é pois indireta As vias de sugestão direta e indireta são representadas graficamente na Figura 112 Suponha que um terapeuta faça a seguinte afirmação durante uma sessão de psicoterapia Temos que buscar a origem ou seja a real causa dos pensamentos obsessivos que estão lhe pertur bando Esses pensamentos não saem da sua cabe ça porque eles estão a serviço de algo eles impe dem que você recorde algo de que você não quer se lembrar Porém quando você conseguir acessar e encarar essas lembranças os pensamentos obsessivos que tanto lhe atrapalham não terão mais razão de existir Essa busca pode ser longa e dolorosa mas só as sim você poderá se libertar para sempre dessa prisão de obsessões Nesse exemplo o terapeuta não fez uma sugestão direta ao seu paciente pois não citou nenhum evento específico que poderia ter ocorrido em seu pas sado Contudo ao compartilhar suas crenças falaciosas o terapeuta transmitiu três ideias que atuando em conjunto potencializam as chances do paciente se autossugerir As três mensagens transmitidas foram 1 os sintomas estão diretamente associados a lembranças que o paciente não está conseguindo acessar no momento 2 tais lembranças podem ser recuperadas 3 a cura definitiva depende da recuperação das lembranças A indução de falsas memórias por parte do terapeuta pode se dar pela sugestão direta ou indireta de falsa informação 236 Lilian Milnitsky Stein cols FIGURA 112 Fontes das crenças falaciosas dos terapeutas e sua relação com a sugestão de falsa informação Para perceber a maneira pela qual mensagens como essas criam um am biente favorável à autossugestão por parte do paciente basta fazer um raciocínio simples A pessoa que procura terapia está em busca de alguma mudança e confia que o terapeuta irá ajudála nesse processo visto que possui em princípio as competências para tal Essa confiança no saber do terapeuta leva a uma dispo sição a seguir suas orientações Logo se o terapeuta afirma que é preciso recu perar memórias reprimidas para alcançar as mudanças desejadas o paciente vai engajarse no processo de busca dessas memórias mesmo que elas não existam Schacter 1996 Para evitar as consequências destrutivas potenciais de crenças enganadoras recomendamos que os terapeutas façam o uso de uma regra simples porém muito poderosa Essa regra um tanto quanto trabalhosa mas importante envolve o seguinte especificar para si mesmo inicialmente todos os pressupostos em que sua prática clínica se baseia Depois disso diante de cada pressuposto listado per guntarse conheço evidências científicas que sustentem essa convicção Outra pergunta útil para avaliar seus próprios pressupostos é eu saberia indicar uma referência de pesquisa científica em que esteja descrito isso que eu afirmo ser ver dadeiro Ao fazer esse exercício o terapeuta estará menos propenso a conduzir o processo de psicoterapia de maneira enviesada Williams et al 1997 Outro exercício útil para minimizar a indução de FM envolve a busca cons tante por hipóteses alternativas em relação ao que está ocorrendo com o paciente Determinado sintoma apresentado pelo paciente poderia ser explicado pela cau sa A Esse mesmo sintoma contudo poderia também ter sido provocado pelas causas B ou C Assim antes que o terapeuta comece a desenvolver uma linha de trabalho baseada na hipótese A é importante que investigue outras hipóteses Falsas Memórias 2 3 7 alternativas possíveis Com esse exercício ficam reduzidas as chances de que sua intervenção seja tendenciosa o que poderia causar a implantação de FM É tarefa do terapeuta avaliar a acurácia da memória de seus pacientes A ideia de que o processo terapêutico poderia precipitar a recuperação de memórias traumáticas é extensamente difundida porém não parece encontrar fundamentação científica Por exemplo Herman e Harvey 1997 realizaram uma pesquisa com 77 pacientes ambulatoriais de um serviço de saúde mental os quais reportavam terem sido vítimas de experiências traumáticas na infância Em seu estudo identificaram que na maioria dos casos a psicoterapia não foi o fator que levou ao desbloqueio de memórias reprimidas Antes disso foi justamente a presença de lembranças dolorosas que levou os pacientes a buscarem ajuda psicoterapêutica Os resultados de Herman e Harvey 1997 sugerem que a maior parte dos pacientes com história de traumas não procura psicoterapia para recuperar mais memórias Pelo contrário os pacientes querem é ganhar mais controle sobre as lembranças intrusivas e involuntárias e tentar clarificar e entender possíveis em o ções e comportamentos disfuncionais vinculados a essas memórias Contudo du rante o processo de psicoterapia o conteúdo das memórias pode sofrer edições levando a criação de FM O terapeuta portanto deve ser cauteloso ao tentar averiguar a acurácia das memórias recuperadas no contexto da psicoterapia Conforme as evidências científicas sugerem é impossível avaliar com segurança a veracidade de uma lembrança sem que existam fontes independentes de informação que confirmem essas memórias Loftus 1993 Nesse sentido os terapeutas trariam um benefício muito maior aos seus pacientes se centrassem seus esforços em não sugerir FM em vez de tentarem constatar a veracidade das lembranças relatadas no decorrer da terapia MartinezTaboas 1996 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora a memória seja um elemento central em todas as abordagens de psi coterapia o estudo desse aspecto da cognição raramente recebe a devida ênfase nos cursos voltados à formação de psicoterapeutas tanto em nível de graduação como de pósgraduação Tendo em vista essa falta de tradição no estudo da memória por par te dos futuros psicoterapeutas diversos profissionais recebem habilitação legal para oferecerem serviços de psicoterapia apesar de possuírem uma importante lacuna em termos de conhecimentos científicos relevantes a esta prática Jones 1999 A desinformação a respeito da memória pode se tom ar especialmente pro blemática quando os terapeutas confundem a eficácia de uma determinada técni ca com sua capacidade de ajudar o paciente a recuperar memórias acuradas Em outras palavras os terapeutas estarão mais propensos a implantarem FM em seus 238 Lilian Milnitsky Stein cols pacientes se mantiverem a crença falaciosa de que uma técnica que leva ao insight produz uma melhora dos sintomas na medida em que tal procedimento permite que o paciente tenha acesso a memórias anteriormente indisponíveis à consciên cia Alternativamente os benefícios proporcionados pela psicoterapia podem ser melhor compreendidos como o resultado de uma nova perspectiva de olhar para o passado e não como frutos da descoberta de um novo passado Nas palavras de Nash aquilo que nós chamamos de insight pode ser mais um processo de criação do que um processo de descoberta 1998 p 94 As evidências científicas disponíveis até o momento permitem que seja dito muito pouco sobre a relação exata entre a precisão das memórias recuperadas na psicoterapia e a melhora no quadro apresentado pelo paciente Nesse sentido o questionamento acerca da veracidade das memórias recuperadas por meio da utilização de qualquer técnica psicoterápica não é sinônimo de questionar sua utilidade do ponto de vista terapêutico Mesmo que evidências científicas indi quem que determinada técnica não é capaz de levar à recuperação de lembran ças acuradas isso por si só não diz nada a respeito de sua eficácia e não torna a técnica contraindicada É sempre bom reforçar a eficácia terapêutica de uma técnica e sua capacidade de levar à recuperação de lembranças precisas são atributos diferentes e independentes O presente capítulo não se propôs a fazer nenhum tipo de avaliação sobre a utilidade clíni ca de qualquer técnica psicoterápica A intenção foi a de alertar terapeutas atuantes e em formação sobre a possibilidade de distorções das memórias recuperadas no contexto da psicoterapia Em síntese a importância clínica de uma lembrança é indubitável sua verdade histórica porém deve ser alvo de questionamentos REFERÊNCIAS Beck A T 1999 Prisoners of hate The cognitive basis of anger hostility and violence New York Harper Collins Beck A T Alford B 2000 O poder integrador da terapia cognitiva Porto Alegre Artmed Brainerd C J Reyna V E 2005 The science of false memory New York Oxford Uni versity Press Ceci S J Bruck M 1995 Jeopardy in the courtroom A Scientific analysis of childrens testimony Washington American Psychological Association Davis D Loftus E E 2006 Internal and external sources of misinformation in adult witness memory In M P Toglia J D Read D F Ross R C L Lindsay Eds The Handbook of Eyewit ness Psychology Vol 1 Memory for Events pp 195237 New Jersey Lawrence Erlbaum Fleming K Heikkinen R Dowd E T 2002 Cognitive therapy The repair of memory In R L Leahy E T Dowd Eds Clinical advances in cognitive psychotherapy Theory and application pp 148169 New York Springer A importância clínica de uma lembrança é indubitável sua verdade histórica porém deve ser alvo de questionamentos Falsas Memórias 239 Gelder M 1997 The scientific foundations of cognitive behaviour therapy In D M Cla rk C G Fairbum Eds Science and practice of cognitive behaviour therapy pp 2746 Oxford Oxford University 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uma família maravilhosa e ter tido uma ótima infância Entretanto nos dois anos e meio seguintes de terapia Beth começou com a ajuda da terapeuta a recu perar memórias de ter sido repetidamente abusada sexualmente por seu pai dos 7 aos 14 anos sendo a mãe cúmplice segurandoa Ela então acusou seu pai publicamente de ter abusado dela além de têla engravidado duas vezes e a feito abortar com agulhas de tricô Rutherford 1998 caso acima ilustra um fenômeno surgido no início dos anos de 1990 nos Estados Unidos quando muitos casos de pessoas adultas acusando seus pais de têlas abusado sexualmente na infância começaram a aparecer de repente Vários desses casos foram parar nos tribunais e na imprensa Essas pessoas haviam pas sado anos de suas vidas sem recordar os abusos até que muitos anos após via psicoterapia as lembranças afloraram Entretanto apesar de não serem histórias inventadas mas sim recordadas foi provado em muitos casos que nenhum abu so havia ocorrido de fato pois essas recordações tratavamse de falsas memórias FM Esta situação chamou a atenção de pesquisadores da área da memória e passou a ser bastante investigada e o fenômeno ficou então conhecido popular mente como Síndrome das Falsas Memórias SFM Davis 2005 O tópico da SFM se distingue um pouco dos demais temas referidos ao longo dos capítulos anteriores por situarse em um terreno repleto de debates polêmicos e acirrados Além da carência de evidências científicas consistentes não há consenso nem mesmo quanto à designação do termo síndrome dada ao fenômeno Discussão sobre o termo síndrome O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSMIVTR APA 2002 p 772 define síndrome como um agrupamento de sinais e sintomas com base em sua frequente coocorrência que pode sugerir uma patogênese bá Falsas Memórias 241 sica curso padrão fam iliar ou tratamento comuns O fenômeno discutido neste capítulo não implicaria necessariamente na existência de uma síndrome visto que não há dados científicos suficientes que o sustentem como tal Existem poucos estudos acerca do assunto que se arriscam a sugerir sem ressalvas a existência de uma SFM Gleaves et al 2004 Sendo assim muitos estudiosos argumentam não ser possível legitim ar a SFM como um constructo a ser considerado no meio científico Para estes a SFM seria portanto uma denominação pseudocientífica criada com a finalidade de defender pessoas de acusações injustas ou não de abuso infantil Dallam 2001 A utilização do termo síndrome contudo é defendida por outros auto res Kaplan e Manicavasagar 2001 que propõem que a SFM seja diagnosticada como tal quando memórias de abuso sexual surgem no contexto da terapia na ausência de qualquer outra evidência Esses autores também salientam que o uso do termo síndrome não é exclusivo da medicina e deste modo sua definição m é dica não necessitaria ser literal Kihlstrom 1998 Apesar da controvérsia sobre o termo ele tem sido utilizado para definir a lembrança que um indivíduo traz acerca de um abuso sexual cometido contra ele na infância sendo que posteriormente verificase que tal abuso não aconteceu Raitt e Zeedyk 2003 Geralmente a pessoa afli gida pelas lembranças acaba tendo sua identidade e seus relacionamentos interpessoais abalados de vido à recuperação dessa traumática e falsa m e mória e que crê fortemente ser verdadeira Uma forma de terapia praticada nos Estados Unidos que ficou especialmente conhecida por centrar seu tratamento na recuperação de memórias esqueci das por um longo período de tempo foi a Tera pia de Memórias Recuperadas Recovered Memory Therapy Kaplan e Manicavasagar 2001 Essa terapia ganhou maior destaque de um modo geral porque passou a ser vinculada à produção de FM E na ver dade acabou sendo ela a principal origem do que depois ficou sendo chamado de SFM COMO SURGIU A SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS Terapia das memórias recuperadas Do que se trata a Terapia de Memórias Recuperadas TM R O que seria exa tamente uma memória recuperada A memória recuperada referese à memória de abuso sexual na infância esquecida por um longo intervalo de tempo que somente na fase adulta é evocada Kaplan e Manicavasagar 2001 Essas memó rias podem tanto ser verdadeiras quanto falsas Gleaves et al 2004 Entretanto haveria maiores chances da memória ser falsa quando recuperada durante um tratamento psicoterápico quando o indivíduo não possui nenhuma memória pré A Síndrome das Falsas Memórias diz respeito a lembranças que um indivíduo traz acerca de um abuso sexual cometido contra ele na infância mas que na verdade não aconteceu 2 4 2 Lilian Milnitsky Stein cols via de abuso e no entanto ela inesperadamente emerge no transcorrer da terapia Wilsnack et al 2001 Foi o caso de Beth Rutherford o exemplo descrito no início do capítulo no qual ela durante muitos anos não tinha memória alguma de abuso até submeterse à TMR A TM R buscou embasamento nos estudos de Freud sobre histeria nos quais ele apontava que as memórias traumáticas eram reprimidas ao Incons ciente por serem muito dolorosas Freud 18961995 Foi chamada de Teoria da Sedução a ideia de que a histeria seria causada por memórias reprimidas de um abuso sexual verdadeiro sofrido na infância Posteriormente Freud abando nou essa teoria por concluir entre outras coisas que o trauma também poderia originarse de fantasias isto é de situações não vivenciadas concretamente A TM R postula que os eventos traumáticos de abuso sexual na infância levariam a uma dissociação na consciência As informações sobre o evento se fragmentariam e assim impediriam a criação de uma representação mental do mesmo Esse con teúdo seria então reprimido para o Inconsciente e por consequência não ficaria acessível à livre recordação Entretanto essas memórias traumáticas não seriam apagadas permanecendo somente inacessíveis à consciência até que por decor rência de algum processo psicoterápico pudessem vir à tona Koriat Goldsmith e Pansky 2000 Técnicas polêmicas para recuperação de memórias Os terapeutas que aplicavam a TM R nas décadas de 1980 e 1990 possuíam crenças que iam ao encontro da antiga Teoria da Sedução pois partiam do pressu posto que problemas como depressão alcoolismo transtornos sexuais ou alimen tares assim como uma gama de outros quadros psicológicos e somáticos seriam originados de um abuso sexual sofrido no passado Baseados nessa premissa os terapeutas passaram a implementar várias técnicas as quais julgavam serem ca pazes de potencializar a memória e assim alcançar as remotas lembranças do suposto abuso que presumivelmente seriam essenciais para a resolução dos pro blemas do paciente Davis 2005 Gleaves et al 2004 Kaplan e Manicavasagar 2001 Algumas dessas técnicas eram as seguintes Hipnose técnica que tem sido identificada como potencialmente propí cia para a produção de FM Loftus 1997 Regressão técnica em que o paciente retorna à idade em que o abuso teria ocorrido Técnicas de imaginação ativa reviver eventos traumáticos para pode rem ser melhor elaboradosassimilados pelo paciente A memória recuperada referese à memória de um abuso sexual na infância esquecido por um longo tempo que somente na fase adulta é evocada Falsas Memórias 2 4 3 Uso de drogas alucinatórias com o o amital sódico vulgo soro da ver dade Essas técnicas todavia trazem consigo o risco de confundir memórias reais com confabulações ideias criadas e se utilizadas de maneira errada podem gerar FM Goldstein 1997 Mem on e Stevenage 1996 Cabe ressaltar que desde 1995 a Associação Americana de Psicologia APA adverte que não há nenhuma evidência científica comprovando que um conjunto de sintomas seja capaz de indicar que uma pessoa foi abusada se xualmente na infância No exemplo do início deste capítulo a terapeuta de Beth utilizava hipnose interpretação de sonhos e regressão para trazer à tona memórias de abuso Beth relatou que a terapeuta lhe dizia que seus sonhos eram característicos de uma pessoa abusada se xualmente e que ela possuía diversos sintomas condizentes com isso portanto ela com certeza fora abusada quando criança Nessa época início dos anos de 1990 a TM R tomouse muito popular nos Estados Uni dos Diversos livros sobre o tema foram lançados incluindo até mesmo livros com checklists para sintomas que serviriam como indicadores da ocor rência de algum abuso sexual anterior Um desses livros The courage to heal A coragem de curar defendia que se uma pessoa tem sensações desconfortáveis sobre seu próprio passado então deveria investigar a possibilidade de haver uma história de abuso sexual em sua infância Bass e Davis 1994 Muitas pessoas sugestionáveis que apresentavam algum tipo de sofrimento psicológico e nunca haviam sido abusa das começaram a acreditar que seus problemas eram causados por algum abuso esquecido inconsciente Essas pessoas conseguiram recuperar tais memórias coincidentemente logo após lerem livros e assistirem programas de televisão so bre o tema eou de terem se submetido a terapias alternativas M cNally et al 2000 Foi nesse contexto que muitos terapeutas do abuso surgiram Não significa dizer que eram malintencionados porém eram profissionais malorientados que não tinham a preocupação de estudar a memória de forma científica como parte de sua formação Portanto sem qualquer base na ciência acreditavam que em tom o da metade das pessoas que haviam sofrido abuso sexual quando crianças teria uma amnésia sobre o fato e que estas memórias poderiam e deveriam ser recuperadas por meio de terapia para solução de seus problemas ou sintomas atuais Além disso apoiavam a ideia de que os abusadores deveriam ser con frontados pelas vítimas Davis 2005 Kaplan e Manicavasagar 2001 No caso de Beth a terapeuta argumentou que ela só conseguiria conquistar sua plena saúde mental quando confrontasse os pais com suas memórias recuperadas Em A Associação America na de Psicologia APA adverte que não há evidências científicas comprovando que um conjunto de sintomas possa indicar que uma pessoa foi abusada se xualmente na infância 2 4 4 Lilian Milnitsky Stein cols seu relato Beth admitia se sentir de algum modo pressionada pela terapeuta a tomar tal atitude Com a intenção de contestar terapeutas da TM R que orientavam seus pa cientes a rever antigos álbuns de fotos de família para assim poderem detectar pistas e suspeitas de memórias reprimidas de abuso na infância Lindsay e cola boradores 2003 realizaram um estudo com 45 universitários baseado em foto grafias antigas Os estudantes foram perguntados sobre três eventos vividos na in fância um inventado e dois verdadeiros segundo os pais dos participantes Dos 45 universitários 23 ainda tiveram a oportunidade de ter acesso às fotografias da época dos eventos como pistas para suas memórias Como resultado a taxa de FM relatadas foi mais elevada entre aqueles que tiveram a condição de olhar as fotos do que os que não viram foto alguma Esses resultados sugerem que fotografias antigas podem trazer recordações de fatos realmente vividos já praticamente es quecidos mas podem também quando combinadas com sugestões e influências internas eou externas contribuir para a formação de FM O estudo evidencia o quão perigoso pode ser uma técnica como essa de insistir com o paciente que investigue em antigos álbuns de família possíveis fatos suspeitos do passado Fundação Síndrome das Falsas Memórias Neste cenário criado principalmente pela crescente prática da TMR que muitos casos de acusações de abuso sexual na infância por parte de adultos prin cipalmente mulheres atraíram as atenções nos Estados Unidos Diversos casos sustentados apenas por relatos de memórias recuperadas foram a julgamento muitos resultaram em condenações dos pais mesmo sem existir qualquer pro va contundente apenas a memória recuperada recentemente pelo paciente e o testemunho de seu terapeuta Kaplan e Manicavsagar 2001 Após famílias sofre rem fortes abalos os pais acusados por seus filhos as começaram a comunicar se e a buscar descobrir o que afinal estava acontecendo Das reuniões nasceu em 1992 a False Memory Syndrome Foundation Fundação Síndrome das Falsas Memórias uma organização norteamericana que fornece apoio a famílias que sofreram eou sofrem com casos de SFM e que procura intervir e prevenir o pro blema CARACTERÍSTICAS DA SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS Apesar de não ser possível fazer um checklist para identificar se uma pessoa sofreu abuso na infância como referido anteriormente seria possível apontar características que se reunidas potencializariam a identificação do fenômeno da SFM Kaplan e Manicavasagar 2001 Pope 1996 Foram identificados alguns critérios em relação à veracidade das m em ó rias que por muito tempo foram utilizados na avaliação de denúncias de abuso Falsas Memórias 245 sexual no contexto de terapia Pope 1996 Um desses critérios tem o foco na análise das reações e comportamentos das pessoas que vivenciam memórias de abuso sexual Fatores considerados indicadores de SFM seriam não encontrar outras evidências que corroborem a memória recordar ter sido queimada com cigarros e não ter nenhuma cicatriz por exem plo sentir uma espécie de mistura entre fantasia e realidade em suas memórias admitir memórias não plausíveis com o contexto real de suas vidas ou seja com muito pouca probabilidade de se rem realmente verídicas como recordar ter sido obrigada pelos pais a participar de rituais satânicos sendo que os pais são extremamente religiosos e mudanças rele vantes na vida da pessoa desde a evocação da memória alterações significativas de humor ansiedade eou comportamento Outros critérios adotados para classificar memórias como provavelmente falsas seriam a vítima não possuir nenhuma me mória de abuso antes da terapia e ausência no acusado de qualquer outro indício que sugerisse alguma tendência à pedofilia Pope 1996 A diretora atual da Fun dação Síndrome das Falsas Memórias Pámela Freyd defende ainda que entrevistar as famílias somente com as técnicas estritamente adequadas também serviria como um importante critério para ser utilizado pois des sa forma as informações colhidas seriam provavel mente mais fidedignas Cabe ressaltar que esses critérios para identificar a SFM foram desenvolvi dos tendo por base pesquisas realizadas por essa fundação americana Assim sendo temse o risco de uma possível tendenciosidade dos resultados o que os invalidaria cientificamente Kaplan e Manicavasagar 2001 a partir de uma série de casos estudados agruparam algumas outras características que seriam indicativas da SFM que também ainda não possuem legitimação científica 1 Recuperação durante a terapia de memória inédita de abuso se xual na infância sem qualquer lembrança prévia 2 Recuperação súbita de memórias anteriores aos 4 anos 3 Alegar participação em rituais satânicos 4 Lembrança de um abuso sexual no qual não há nenhuma outra pessoa ou qualquer evidência que o ratifique 5 Ausência de confirmação médica eou forense do abuso 6 Presença de somatização Transtorno de Personalidade Borderline ou Transtorno Dissociativo 7 Possíveis métodos de sugestão durante terapia uso de hipnose e ou técnicas similares 8 Crença de que o suposto abusador era algum familiar próximo 9 Crença de que alguns membros da família facilitaram o abuso se xual eou foram negligentes 10 Crença de que o abuso é o m otivo para todos os problemas da vida da pessoa A partir de uma série de casos estudados foram agrupadas característi cas que seriam indica tivas da Síndrome das Falsas Memórias 246 Lilian Milnitsky Stein cols É possível constatar a partir dessa última seção que existem algumas ten tativas na literatura para formalizar critérios sinalizadores da SFM mesmo que mais comprovações ainda sejam necessárias Para que esses critérios possam ser adotados de fato é preciso que mais estudos investigando essas características mais a fundo sejam desenvolvidos A seguir serão descritos dois casos de SFM os quais serão relacionados com algumas das 10 características listadas acima Descrição de casos Alguns casos retratados na literatura são bastante ilustrativos para uma m e lhor compreensão da SFM utilizandose os critérios antes mencionados Loftus 1997 relata o caso de uma enfermeira americana que procurou terapia Ao longo do processo psicoterápico a enfermeira passou a acreditar que havia sido abusada sexual e psicologicamente e que também havia participado de rituais satânicos em seu passado Seu terapeuta utilizava técnicas sugestivas como a hipnose Resumindo após algum tempo a enfermeira percebeu que os eventos que compunham as lembranças eram falsos e processou o terapeuta Neste caso podese identificar a característica número 1 apresentada na lista de critérios ou seja de que a enfermeira recuperou essas memórias de abuso no contexto tera pêutico sem possuir nenhuma recordação prévia dos acontecimentos Também notase a característica 3 pois ela trouxe memórias relacionadas a rituais satâni cos Observase na literatura uma correlação entre a SFM e afirmações referindo participação em rituais desse gênero denotando a importância investigar com cuidado casos de memórias que tragam esse tipo de conteúdo Kaplan e Manica vasagar 2001 Além disso houve também uso de técnicas sugestivas hipnose tal como é descrita a característica 7 Para melhor compreender a SFM e suas repercussões abaixo há uma des crição mais detalhada do caso envolvendo Beth Rutherford FMSF Newsletter 1998 seguida de uma análise a partir das características relacionadas por Kaplan e Manicavasagar 2001 Beth Rutherford buscou terapia por motivos de ansiedade e estresse Já nas primeiras sessões a terapeuta perguntou a ela se alguma vez havia sido abu sada sexualmente quando criança ao que Beth respondeu perplexa que não A terapeuta explicou que havia uma lista de sintomas de abuso sexual e que Beth se encaixava em vários deles característica número 10 da lista de critérios crença de que todos os problemas do paciente provêm de um abuso O poder de sugestão da terapeuta era grande logo Beth começou a relatar sonhos que tinha com seu pai A terapeuta afirmava que os sonhos eram na realidade memórias e a análise destes reforçava sua suspeita de abuso sexual Beth questionava o motivo para ela não se lembrar de nada daquilo e a terapeuta lhe dizia que reprimir aquelas lembranças fora a única maneira de conseguir sobreviver já que eram muito dolorosas Mas daquele momen to em diante Beth só seria uma pessoa completa se recuperasse todas as Falsas Memórias 2 4 7 memórias e as trabalhasse para então elaborálas de maneira sadia caracterís tica 7 evidência de sugestão durante te rapia Outra técnica utilizada pela tera peuta era desqualificar e distorcer todas as lembranças boas da infância de Beth Por exemplo ela dizia que o incentivo dos pais de Beth para que ela fosse bem na escola era apenas uma forma de se sentirem menos culpados pelo que haviam lhe causado Após algum tempo Beth começou a acreditar que tinha memórias erradas de sua infância e que a visão da terapeuta era a correta pois lhe foi dito que pessoas com histórico de abuso tendem a distorcer a realidade Após as sessões de hipnose a tera peuta relatava para Beth os eventos de abuso que ela havia contado durante o transe característica 7 risco de sugestionabilidade na utilização de hipnose Havia momentos em que Beth chegava até mesmo a sentir dor física decor rente da recordação de um determinado episódio de abuso Foi assim que ela passou a acreditar que havia sido abusada sexualmente pelo pai com a cumplicidade da mãe e engravidado duas vezes no período dos seus 7 aos 14 anos características 148 e 9 recuperação de memória de abuso durante terapia abuso recorrente sem conhecimento de mais ninguém e sem evidências validando a crença de que o abuso foi praticado eou facilitado por algum fami liar próximo Um grande laço emocional se formou entre Beth e a terapeuta e então Beth foi convencida de que deveria denunciar seus pais e se afastar da fa mília Assim ela procedeu passando muitos meses distante da família bem como da terapia até começar a ter sentimentos estranhos Beth começou a achar que havia algo de errado com aquelas lembranças de abuso e ao re tomar contato com seus pais gradualmente foi convencendose de que as memórias de abuso haviam sido implantadas pela terapeuta Realizouse um exame pericial no qual ficou provado que Beth era virgem e que nunca havia engravidado característica 5 ausência de confirmação médica ou forense do abuso Beth Rutherford e sua família processaram a terapeuta e receberam 1 milhão de dólares como indenização Ainda que tenha sido descrito o fenômeno da SFM em seus aspectos mais característicos com o a utilização da Terapia de Memórias Recuperadas é impor tante ressaltar que a sugestão e a indução de FM por parte de terapeutas também podem ocorrer de formas bastante sutis e em qualquer abordagem psicoterápica Mazzoni Lombardo Malvagia e Loftus 1999 postulam que a posição de po der em que o terapeuta se encontra e o pressuposto de ter o poder de mudar as pessoas poderiam por si só influenciar nas crenças pessoais do paciente A hipótese de que uma interpretação de sonho feita por um terapeuta poderia in cutir FM no paciente foi testado em um estudo Experimentos foram realizados sessões de miniterapia com estudantes universitários nas quais o terapeuta fazia uma interpretação deliberada dos sonhos dos participantes Os resultados A terapeuta afirmava que seus sonhos eram na realidade memórias e a análise destes reforçava a suspeita de abuso sexual 248 Lilian Milnitsky Stein cols apontaram que tais interpretações relativas aos sonhos geraram novas crenças nos participantes As novas crenças por sua vez poderiam eventualmente causar FM M azzoni et al 1999 Este é apenas um exemplo de um estudo indicando o quanto a aplicação de certas técnicas em terapia podem ser sugestivas e capazes de induzir FM Até mes mo um terapeuta bem orientado e treinado pode incorrer em erros e influenciar negativamente a vida do seu paciente mais sobre o assunto no Capítulo 11 FATORES ASSOCIADOS A SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS O impacto do fenômeno da SFM representado pelo grande número de pes soas afetadas por ela chegou a atingir proporções tão altas no final da década de 1990 que na época foi calculado que 4 dos casos envolvendo abuso sexual infantil nos Estados Unidos eram de SFM Gow 1998 Mas por que essas pesso as estariam apresentando a SFM Que fatores específicos estariam relacionados ao seu aparecimento Apesar da literatura reforçar a ideia de que essa síndrome surge basicamente no contexto da terapia muitos pesquisadores têm se mostrado atentos a outros possíveis fatores e situações de predisposição fora da terapia que possam estar relacionados ao desenvolvimento da SFM A influência de aspectos individuais e ambientais Diversos aspectos tanto individuais quanto sociais exercem influência no desenvolvimento da SFM Em 1998 Gow realizou uma revisão de alguns desses aspectos Em relação às características do paciente que seriam mais suscetíveis à SFM identificouse a vulnerabilidade à sugestionabilidade episódios de dissocia ção da consciência pensamento crítico pouco desenvolvido propensão à fantasia e expectativas distorcidas quanto à terapia As pessoas seriam mais sugestionáveis no ambiente do consultório do terapeuta do que em outras situações M azzoni et al 1999 É importante destacar a influência de determinadas crenças que o paciente geralmente traz consigo quando inicia uma terapia Muitas dessas crenças dizem respeito ao poder que os sonhos teriam de revelar sobre a vida das pessoas A dinâmica fam iliar também pode ser considerada um outro fator importante a ser considerado pois situações familiares em que o paciente apresenta sentimentos de raiva dor de cepção e ressentimento com o progenitor antes de chegar à terapia teriam o po tencial para desencadear uma FM de abuso como canalizadora desse sentimento As pessoas também podem ser influenciadas pela mídia e pela literatura existente sobre o assunto p ex crenças relacionadas aos sintomas indicativos de abuso sexual a partir da leitura de Hvros como o citado anteriormente A Coragem de As pessoas seriam mais sugestionáveis no ambiente do consultório do terapeuta do que em outras situações Falsas Memórias 249 Curar Há algumas situações que aparentemente estariam correlacionadas ao surgimento da SFM como divórcios disputa de custódia e desemprego Psicopatologias específicas estariam também associadas à SFM Estes são os principais transtornos que parecem ter alguma relação Transtorno do Estresse PósTraumático TEPT Transtornos de Personalidade Histriónica e Borderline principalmente Transtornos Dissociativos e Transtornos Alimentares Segundo Gardner 2004 muitas pessoas que relataram uma falsa experiência de abuso sexual apresentavam manifestações características do Transtorno de Personali dade Histriónico tais como passar a ver perigo onde não existe comportamen tos objetivando chamar a atenção para si demasiada instabilidade emocional e diminuição do julgamento racional O autor também ressalta que os sintomas se assemelhariam àqueles que compõem o diagnóstico para TEPT Este transtorno se caracteriza por recorrentes e intrusivos pensamentos relacionados a um even to traumático repetidos esforços na tentativa de suprimir tais intrusões e evitar situações que de algum m odo possam propiciar lembranças do trauma DSM IVTR 2002 Da mesma forma muitos pacientes com Transtorno de Identidade Dissociativa antes denominado Transtorno de Múltiplas Personalidades podem apresentar já adultos uma memória de abuso sexual infantil no contexto da te rapia que pode não ser verdadeira Merskey 1995 É importante ressaltar que os terapeutas devem atentar não somente para os Transtornos Dissociativos mas também a outros transtornos nos quais podem ocorrer processos dissociativos p ex abuso e dependência de drogas Transtornos Alimentares Transtorno de Ftersonalidade Borderline pois nessas situações uma FM tenderia a ter maiores chances de ser produzida Chefetz 2006a 2006b Em relação aos aspectos do terapeuta as próprias crenças deste sobre a ocor rência da repressão de memórias traumáticas como também na possibilidade de haver ocorrido um abuso sexual com aquele paciente irão determinar sua escolha sobre quais técnicas terapêuticas utilizar Esse aspecto relacionado às crenças do terapeuta é explorado no Capítulo 11 sobre as implicações clínicas das FM que aborda a importância do tema para a prática clínica no campo das psicoterapias A título de síntese o Quadro 121 apresenta os fatores que aparecem na literatura como associados ao desenvolvimento da SFM Vale salientar que esses aspectos que de alguma forma estariam relacionados à SFM não podem ser considerados determinantes para causar a síndrome Mes mo que possam haver correlações relevantes ainda não há dados científicos consis tentes que permitam validálos Logo é necessária extrema cautela na avaliação de cada caso principalmente naqueles envolvendo quadros psicopatológicos A Síndrome de Alienação Parental Quando se levanta os possíveis fatores relacionados à SFM outro fenômeno controverso aparece a Síndrome de Alienação Parental SAP Diante de uma si tuação de abuso sexual muitas vezes notamse características muito semelhantes 250 Lilian Milnitsky Stein cols Q UAD RO 121 Fatores associados à síndrome das falsas memórias Fatores do paciente Vulnerabilidade propensão à fantasia crenças equivocadas sobre o que é uma terapia sugestionabilidade dinâmica familiar problemática influência da mídia e da literatura relacionadas ao tema Situações ambientais Situações de divórcio disputa de custódia Psicopatologias Transtorno do Estresse PósTraumático Transtornos de Personalida de Histriónica e Borderline Transtornos Dissociativos eTranstornos Alimentares Fatores do terapeuta Abordagem e estratégia terapêutica tendenciosa crenças pessoais sobre a existência de alta incidência de abuso sexual na infância técnicas inadequadas entre a SFM e a SA gerando um grau de confusão que pode provocar graves con sequências Gardner 2004 Por isso uma clara distinção entre as duas síndromes precisa ser feita visto que principalmente profissionais da área forense nem sem pre corretamente informados podem conduzir equivocadamente um caso devido a essa confusão de conceitos Podese dizer que a SAP consiste em uma verdadeira campanha que um dos progenitores faz com o objetivo de desmoralizar o outro Dias 2006 Como previsível essa situação aparece geralmente em casos de separação brigas de custódia situações em que na maioria das vezes a mãe intencionalmente passa a influenciar o a filho a na ânsia de vencer a disputa pela sua guarda A mãe procura incutir na criança a ideia de que ela não deve de forma alguma manterse próxima ao pai uma vez que este teria cometido abusos contra ela ou então po deria vir a cometer Vale a ressalva de que o inverso também pode acontecer ou seja a mãe ser vítima de acusações do pai Ainda que haja características em comum entre a SAP e a SFM como a firme crença de ter sofrido abuso de um membro próximo da família quando era menor eou a recordação desse fato na terapia a SFM é primariamente uma síndrome da idade adulta enquanto a SAP classificase como uma síndrome da infância uma vez que não se trata de uma FM recuperada na fase adulta Gardner 2004 Uma outra diferença fundamental é que a SFM surge a partir do contexto da terapia ao passo que a SAP usualmente surge a partir de um contexto de desavença familiar Uma cuidadosa avaliação de cada caso é essencial pois situações delicadas como essas podem ter implicações cruciais na vida das pessoas Como já visto uma FM de abuso sexual trazida por meio de terapia pode chegar aos tribunais seja para acusar o suposto abusador ou mesmo para processar o próprio terapeuta por ter induzido uma FM no caso relatado em que Beth Rutherford recebeu cerca Falsas Memórias 251 de 1 milhão de dólares de indenização no processo que moveu contra seu terapeuta No âmbito jurí dico configurase uma situação complicada para os juizes visto que possuem a responsabilidade de to mar uma decisão imediata sobre algo tão delicado e que pela sua peculiaridade mobiliza sobremaneira as pessoas Dias 2006 O histórico mostra que a palavra da vítima tem um papel determinante na maioria dos processos de crimes contra a liberdade sexual já que em muitos casos o seu testemunho é a única prova de incriminação do réu No entanto sabese que esse testemunho pode não estar refletindo a realidade Pisa e Stein 2007 Conforme visto no capítulo sobre memórias autobiográficas Capítulo 5 é sabido que inclusive as memórias mais vívidas de eventos da nossa vida podem conter distorções ou até mesmo serem falsas independentemente do grau de certeza que se tem sobre delas Esse dado dificulta ainda mais a análise de memórias baseadas exclusivamente em relatos individuais e aumenta as chances de que graves equívo cos possam ocorrer em julgamentos criminais PESQUISAS LIMITAÇÕES E MITOS DA ÁREA Uma das críticas à SFM diz respeito à validade das pesquisas sobre o tema mas como realizar pesquisas ética e metodologicamente adequadas capazes de obter resultados válidos sobre um tema tão intrincado A o longo dos últimos anos foram desenvolvidas diversas metodologias experimentais de pesquisa em laboratório para in vestigar as FM em diversos contextos Mas uma crítica à generalização dos resultados dos estudos se refere à dúvida sobre se seria cabível a compa ração dos estímulos utilizados nas pesquisas com uma memória de abuso sexual As pesquisas com memórias recuperadas de abuso assim sendo tra zem consigo limitações importantes visto que se tom a complexa muitas vezes impossível a mani pulação de contextos compatíveis a uma situação de abuso devido a questões fundamentalmente éticas p ex é totalmente inconcebível recriar em laboratório uma situação de abuso sexual Dessa forma as pesquisas realizadas até agora abordando a SFM contêm um enfoque mais naturalístico deixando portanto uma carência em pesquisas básicas de laboratório As pesquisas de laboratório são importantes pois de acordo com o que foi discutido no Capítulo 2 controlam va riáveis que as pesquisas naturalísticas quase sempre são incapazes de controlar Uma possibilidade que vem sendo cada vez mais utilizada por alguns pes quisadores como Howe 2007 para o estudo de memórias de abuso sexual é a manipulação de variáveis emocionais como a valência e o alerta de um estímulo ver Capítulo 4 Dessa forma tentase recriar um contexto em que ocorra a suges As pesquisas com me mórias recuperadas de abuso têm muitas limi tações visto que se tor na complexa às vezes impossível a manipula ção de contextos devido a questões éticas A Síndrome das Falsas Memórias surge a partir do contexto da terapia enquanto a Síndrome de Alienação Parental a partir de um contexto de desavença familiar 252 Lilian Milnitsky Stein cols tão de uma informação falsa emocionalmente negativa e de alto alerta como fosse uma memória de abuso sexual por exem plo Por meio da verificação e aná lise dos resultados tornase possível aproximarse de uma melhor compreensão sobre os fatores que influenciariam o desenvolvimento da SFM Os pesquisadores interessados em investigar a SFM devem sempre buscar desenvolver aprimorar e questionar as metodologias de pesquisa para que mais confiabilidade possa ser concedida aos resultados obtidos Somente assim pode ser que os pontos hoje ainda duvidosos eou desconhecidos sejam devidamente desvendados Foram estimadas em 5000 o número de ações legais movidas desde 1997 contra terapeutas nos Estados Unidos Destas 800 são de famílias ou pacientes que acusam seus terapeutas de lhes implantar FM Gow 1998 Em 1992 a Fundação Síndrome das Falsas Memórias publicou um estudo descritivo reali zado com famílias relatando que 90 das pessoas que apresentavam SFM eram mulheres Em uma pesquisa com quase 900 terapeutas dos Estados Unidos e da Inglaterra foi identificado que 25 deles acreditavam que a recuperação de memórias esquecidas seria uma importante etapa da terapia e que eles po deriam identificar memórias que estavam ocultas até mesmo em uma sessão inicial Além disso ainda reportaram usar uma ou mais técnicas para ajudar os pacientes a recordar memórias suspeitas de abuso sexual Poole et al 1995 Esses dados reforçam o quanto crenças sem fundamento científico estão dis seminadas entre terapeutas Com o tempo imprudentemente pressuposições assim vão se estabelecendo e ganhando ares de verdade Atualmente esperase que com os avanços das pesquisas sobre o tema essa situação possa ter se m o dificado no sentido de entre outras coisas os terapeutas terem adotado pos turas mais cautelosas quanto às técnicas terapêuticas que utilizam bem como uma m aior conscientização quanto as suas próprias crenças e a influência que elas podem exercer em uma psicoterapia Todos os casos reportados e os estudos realizados até aqui dizem respeito a situações de SFM nos Estados Unidos e na Inglaterra No Brasil ainda não exis tem pesquisas ou ocorrências que evidenciem casos de SFM Segundo Callegaro 2006 os casos envolvendo os implantes de memória estão todos inseridos em um único tópico o das FM que ainda permanece muito pouco estudado e debatido no Brasil Nos últimos anos o tema da Síndrome de Alienação Parental SAP se tornou foco de atenção de muitos profissionais que trabalham na área forense Dias 2006 Entretanto não encontramos discussões sobre a relação da SAP com a SFM Embora o número de casos nos Estados Unidos tenha diminuído drasticamente desde o começo do século em função do conhecimento gerado pelas pesquisas realizadas na área das FM e do nú mero de processos jurídicos contra terapeutas não há dados sobre sua real incidência no Brasil Cal legaro 2006 salienta que esse desconhecimento pode acarretar sérias implicações éticas e técnicas para os profissionais envolvidos na recuperação de memórias em tratamento de transtornos psicológi cos eou no âmbito jurídicoforense No Brasil a temática das falsas memórias ainda é pouco debatida sendo que não há casos ou estudos que evidenciem a Síndrome das Falsas Memórias Falsas Memórias 253 As divergências dúvidas e polêmicas entre os que de algum modo se relacio nam com a temática das FM e em especial com a SFM levaram leigos recém ini ciados no assunto e pessoas com uma visão parcial a criar e fomentar confusões entre o que seriam FM e o que seriam as memórias recuperadas Com o passar do tempo verdadeiros mitos difundiramse sobre essas questões por isso alguns esclarecimentos se fazem necessários De acordo com a Sociedade Britânica de Falsa Memória British False M emory Society 2008 os principais mitos seriam os seguintes apresentados a seguir no Quadro 122 Observando o Quadro 122 notase o quão antagônicas podem ser as inter pretações sobre um mesmo fato e como situações podem ser distorcidas a ponto de tomaremse para algumas pessoas verdades e pressupostos inquestionáveis O fato é que às vezes o debate acerca das memórias recuperadas e das FM é tra tado de uma maneira mais pessoal do que científica Isso porque existem pessoas que tendem a preferir a ficção à realidade ou seja o que é mais fantasioso e espe tacular não raramente atinge m aior poder de impacto do que o que está no plano real Porém não se deve perder de vista a diferença fundamental que há entre opiniãocrença e ciência Por isso a recomendação de quando da defesa de uma teoria apoiarse sempre em pesquisas de caráter idôneo e científico Scheflin 1999 Somente pesquisas deste gênero possuem a capacidade de enfraquecer mi tos e ideias preconcebidas que ao longo do tempo vão sendo criados sobre temas importantes como nesse caso a memória Com o intuito de enriquecer o debate que parece infindável acerca das m e mórias recuperadas de abuso sexual e à SFM McNally e Geraerts 2009 recen temente propõem uma terceira interpretação para esse tipo de memória Nessa visão eles evitam se debruçar inteiramente sobre os dois constructos divergentes repressão e FM Resumidamente eles postulam que de fato podem haver m e mórias recuperadas de abuso genuínas que não seriam FM no entanto elas tampouco estariam vinculadas a mecanismos de defesa inconscientes repressão São propostos uma série de fatores que aumentariam as chances de uma memória recuperada de abuso sexual ser verídica a pessoa trazer à tona a experiência como algo confuso nojento ou as sustador porém não como um trauma terrível insuportável na época a experiência não foi processada como sexualabusiva não sendo também traumática ao longo do tempo a pessoa foi bemsucedida em evitar pensar no fato ocorrido provavelmente o abuso aconteceu somente uma ou poucas vezes e a posterior ausência de coisas que a fizessem lembrar promoveu o esque cimento a recordação ocorre espontaneamente em resposta a algum estímulo fil me reportagem fora da psicoterapia Corroborando este último fator Geraerts e colaboradores 2009 recentemen te investigaram o perfil cognitivo de pessoas que recuperaram memórias de abuso 254 Lilian Milnitsky Stein cols QUADRO 122 Explicações a respeito dos mitos existentes no debate entre falsas memórias e memórias recuperadas Mito Explicação Apenas terapeutas inexperientes eou malpreparados podem provocar FM em seus pacientes Casos de abuso sexual raramente têm condições de serem comprovados por meio de provas concretas então não haveria problema em memórias recuperadas também não possuírem tais comprovações Quando recuperadas fora do consul tório propriamente dito as memórias adquirem maior confiabilidade Qualquer profissional que já parta do princípio que os problemas do paciente se originam de um abuso sexual está correndo o risco de gerar falsas memó rias independente de sua experiência abordagem teórica eou competência Existem muitos casos de abuso que foram compro vados por meio de outras evidências fotos eou gravações de vídeos obscenos confissões Nesses casos não há notícia do envolvimento de memórias recuperadas Não há como ter total garantia acerca da veracidade de memórias recuperadas em qualquer contexto Outros estímulos como televisão livros de autoa juda conversas com pessoas que tenham crenças favoráveis a memórias recuperadas entre outros podem predispor o indivíduo a recuperar falsas memórias Não é possível as pessoas imaginarem algo tão sério como um abuso sexual se não houvesse realmente acontecido Apenas a imaginação pode sim gerar a sensação e a memória de que algo aconteceu de verdade Além disso imaginar frequentemente um mesmo conteúdo gera uma sensação de familiaridade capaz de influir no julgamento sobre se o conteúdo é real ou imaginário Recuperar memórias de forma frag mentada é um processo característico de lembranças de abuso sexual na infância As memórias de abuso seriam evocadas dessa forma justamente devido ao seu conteúdo traumático Lembrarse do passado pode resultar na recupera ção de memórias que possuem lacunas O contínuo esforço em completálas aliado a outras influências externas pode levar a confabulações distorções e ou falsas memórias Memórias que despertam muita angústia ansiedade eou sofrimento possuem mais chances de serem verdadeiras Como já foi visto no Capítulo 14 a emoção não fun ciona como uma medida de acurácia da memória o que ela indica é o tipo de sentimento que uma determinada memória proporciona para quem a lembra continua Falsas Memórias 255 QUADRO 122 Explicações a respeito dos mitos existentes no debate entre falsas memórias e memórias recuperadas continuação Mito Explicação Se alguém sempre lembrou de um abuso então memórias recuperadas referentes a um outro abuso provavel mente são verdadeiras Se outro membro da família também recupera memórias então é provável que as memórias sejam verdadeiras Muitas pessoas que têm falsas memórias podem lembrar episódios de abuso que de fato ocorreram Porém incentivadas por terapeutas a recordar outros possíveis episódios semelhantes podem aumentar a extensão do abuso real ou até mesmo recordar outros que não aconteceram As memórias recuperadas não podem ser tachadas como verdadeiras baseadas nessa premissa uma vez que o fato de uma pessoa recuperar tais memó rias pode influenciar e até mesmo disparar o mesmo processo em outro familiar sexual na infância Os pesquisadores verificaram o fato de indivíduos que recupera ram tais memórias gradualmente durante terapia com técnicas sugestivas mostra remse significativamente mais propensos à produção de FM ao contrário daqueles que recordaram o abuso de forma espontânea fora da terapia e daqueles que nunca se esqueceram do fato Esse dado sugere que pessoas que trazem memórias recupe radas em terapias que buscam reconstruir o passado possuem uma tendência a incorporar a suas experiências passadas eventos que na realidade nunca viveram Realmente parece que memórias recuperadas de abuso podem em alguns casos serem genuínas contudo elas não requerem o pressuposto de um evento traumático reprimido pressuposto que até agora não resistiu ao escrutínio de estudos empíricos Eventos percebidos como traumáticos ao contrário são alta mente memoráveis muitas vezes tão dramaticamente a ponto de instalar o Trans torno do Estresse PósTraumático psicopatologia amplamente conhecida tratada e investigada por psiquiatras e psicólogos Sendo assim recuperar uma memória remota não é sinônimo de recordar um trauma que fora reprimido devido a sua extrema gravidade e intensidade De qualquer modo o ponto de vista dos autores contribui no sentido de evitar uma interpretação dicotômica sobre o assunto e agrega informações importantes a serem levadas em conta nos casos de memórias de abuso sexual recuperadas após longo tempo CONSIDERAÇÕES FINAIS Como se pode observar pela leitura deste livro os diversos achados da Psi cologia Experimental têm mostrado que a implantação de FM é um fenômeno 256 Lilian Milnitsky Stein cols relativamente fácil de ser produzido sob determinadas circunstâncias Tendose por base esse conhecimento e por todas as questões discutidas até aqui causa certa estranheza o número de terapeutas que ainda utilizam técnicas como da revivência de fatos passados interpretações de sonhos memórias recuperadas entre outras como procedimentos centrais de sua prática clínica Por outro lado também não significa que as FM sejam um fenômeno corriqueiro tampouco de vem ser usadas indiscriminadamente como alegação de defesa para acusados de abuso sexual Sendo assim tratase de uma total falta de informação e até uma ir responsabilidade a adoção categórica de posturas radicais e simplistas tais como eu acredito em FM ou eu acredito em memórias recuperadas Não se pretende afirmar que as memórias recuperadas sejam sempre falsas no entanto com o suporte das muitas evidências apresentadas ao longo deste li vro fica claro que a memória comete falhas por natureza Erros de memória acon tecem com todas as pessoas frequentemente mas de modo geral eles não causam grandes transtornos cabendo lembrar inclusive que as FM não devem ser deli beradamente associadas sempre a eventos negativos eou traumáticos visto que muitas vezes envolvem também conteúdos neutros eou positivos Jones 1999 Logo sabendose das imperfeições inerentes à memória humana devese ter o cuidado em não assumir posições completamente fechadas e definitivas sobre questões que a circundam Quando se trata de lidar com o testemunho de alguém sobre um crime por exemplo uma distorção de memória pode levar uma pessoa inocente à prisão Loftus 2003 Portanto é de bom senso pensar sobre o quão perigoso e injusto pode ser julgar e traçar o destino de um indivíduo baseado somente em memórias recuperadas sem outras evidências que venham a convergir e sus tentar essas memórias Inegavelmente juizes diante de casos en volvendo a alegação de abuso sexual nos quais não existem outras evidências periciais além da palavra da vítima acabam ficando numa posição extremamente complicada Os juizes promotores advogados que estão a par dos conhecimentos científicos pro duzidos nos últimos anos na área da Psicologia do Testemunho sabem que uma acusação apoiada somente em memórias não deve configurarse em uma prova cabal capaz de definir um caso por si só Dias 2005 Por outro lado tratase de um erro sério incorrer no exagero de atribuir FM como primeira possibilidade sempre que um relato não possui outras evidências comprobatórias concretas Nesses casos ocorre o que poderia se chamar de falsas FM ou seja prontamente tachar de FM depoimentos que pouco ou mal foram investigados Utilizandose desse artifício é que muitos operadores da lei começaram a recorrer ao constructo das FM para argumentar em defesa de criminosos Alguns profissionais da área após tomarem conhecimento do fenômeno apenas superficialmente passaram mesmo de forma não intencional a adotar a equivocada posição de superestimar a frequência o poder e as repercussões das FM São estes que frente a um caso de abuso logo já sugerem a suspeita de mais uma ocorrência de FM Crenças e No testemunho de alguém sobre um crime uma distorção de me mória pode levar uma pessoa inocente à prisão Falsas Memórias 257 posturas como essas proporcionam grande prejuízo ao tema como um todo pois banalizam o fenômeno e sobretudo terminam afetando de forma dramática a vida das pessoas envolvidas Além disso também alimentam antagonismos ra dicais e colaboram para que informações se difundam de maneira deturpada terminando até por retirar um pouco da credibilidade das relevantes descobertas científicas referentes ao tema Enquanto persistir a disseminação de terapias alternativas p ex regressão a vidas passadas reencarcionista aromaterapia cromoterapia etc e as pessoas seguirem desinformadas quanto aos avanços da ciência sobre o funcionamento da memória é provável que o fenômeno da SFM prossiga ocorrendo Como to das as pessoas são sugestionáveis em algum grau tomase presumível que essa combinação terapias alternativas pessoas altamente sugestionáveis conti nue gerando a chamada SFM Também a crença inabalável de muitos terapeutas em memórias reprimidas de abuso que só tardiamente são recuperadas parece que por enquanto não perderá força devido ao amplo espectro em que se alas trou O que se pode concluir é que danos importantes como os ocorridos a Beth Rutherford e sua família não podem seguir sendo repetidos e tolerados ainda mais em tempos de informação vasta disseminada e acessível A utilização adequada da ciência possui entre vários de seus fins o propósito de minimizar erros de julgamento e de interpretação da realidade não permitindo assim que pessoas sejam vítimas nem que outras se aproveitem da falta ou da distorção do conhecimento científico REFERÊNCIAS American Psychiatric Association 2002 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 4 ed Revisada Porto Alegre Artmed American Psychology Association 1995 Questions and answers about memories of chil dhood abuse Acessado em 29 abr 2008 de httpwwwapaorgpubinfomemhtml Bass E Davis L 1994 The courage to heal 3rd ed New York Harper Row British False Memory Society 2008 Twelve myths about false memories 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ÍNDICE FM falsas memórias MA memória autobiográfica Abuso sexual 32 89112134140157 158 164 176 177179 180 187191 195 197203 233 241256 Acurácia da memória 79 102 237 254 Alerta 4850 629092 9597 118 163 251 Amnésia infantil 160162 Amnésicos 80 81121122 Armazenamento 30 32 3435 44 53 54 56 62 70 72 81 94118 121122 128 141 141 Associação semântica 36 47 74 95139 141193 Autobiografia e FM Ver Falsas memórias autobiográficas Ciências cognitivas 117121 Codificação 24 30 45 51 52 61 70 72 74 77 81 94 97 107108 120141 142 145 216 230 Controle experimental 42 50 62 76 104 127 Crenças 93 102106111 112174 209 215 219 230236 238 242 245250 252254 256 257 Crianças e FM 136139 157181 188197 Ver também Diferenças individuais e FM Depoimentos de crianças 202 209 Ver também Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Depoimentos técnicas para minimizar FM Ver Técnicas de entrevista para minimizar FM Desempenho da memória 4851 53 5557 5963 Desenhos 121176 177 189 235 Desenvolvimento humano e FM 135145 Ver também Diferenças individuais e FM Diários 105 Diferenças individuais e FM 133150 abusos 133 140141149 associação semântica 139 141 distorção da memória 136 e desenvolvimento humano 135145 e sexo do indivíduo 144145 e trauma 139141 em crianças 136139 em idosos 141144 DRM 137139141144145 e personalidade 145149 erros de comissão 144 estratégias de coping 146 149 FM espontâneas 136144149 FM sugeridas 136143 memória literal 137 142 memória de essência 136137139140142143 modelo dos Cinco Grandes Fatores 147 148 neuroticismo 135 147149 Psicologia Diferencial 134149 teoria do traço difuso 133136 teoria do monitoramento da fonte 133 141143145 Direito e 157257 Distorção da memória 22 23 25 26 28 30 32 35 43 52 55 62 72 81 88 89 93 94 96 101103 105113133135 136 139140142 144147 149 159163170180 181 186188 200 203 211 219 229232 234 235 238 251 254 256 257 Distrator crítico 44 46 48 51 60 61 75 76 79 94 96 127128 137 Distrator não relacionado 75 76 Efeito de geração 52 Efeito de mera testagem 59 63 Emoção e falsas memórias 48 62 8797102 130 162 163165166 186 254 alerta 9092 9597 ANEW91 associação semântica 95 atenção mecanismos de 97 bases neurais 97 características 9397 carga emocional 9095 cognição 87 88 distratores críticos 94 96 índice 261 DRM 94 96 emocionalidade 9094 esquecimento 87 estudo da 9093 alerta e valência 9092 emoção humor e temperamento 9293 eventos emocionais 88 93 97 eventos negativos 87 eventos positivos 89 fases experimentais 93 FM espontâneas 93 humor 9293 245 lista de palavras 88 90 modelo bidimensional 95 Psicologia Experimental 8991 processo de memorização 93 resposta fisiológica 88 93 SAM 91 92 seleção natural 93 sistema nervoso 88 temperamento 9293 valência 9092 9497 Zeitgeist 88 Entrevista cognitiva 181 210223 Entrevistas técnicas para minimizar FM Ver Técnicas de entrevista para minimizar FM Entrevista com crianças 172178 Erros de comissão 144 177 Erros de memória 23 30 34 37 38 146166 187189 194195 256 tipos de 187 189 195 Esquecimento 33 34 36 44 45 47 54 56 60 87 137163 180 190198202 253 Esquecimento dirigido 47 60 Estereótipos 106 107118 128130 173175 234 236 Estratégias de coping 146 149 Eventos emocionais repetitivos 186204 abuso sexual 187191 195 197203 avaliação de credibilidade 187196 199 completude dos relatos 198 199 consistência dos relatos 200 credibilidade de relatos 196199 distorções 186188 200 203 erros de memória 187 189195 tipos de 187 189 195 esquemas 190191 falhas de memória 199 201 202 204 familiaridade 194196 maustratos 188197 memória das crianças para 188197 memória para experiências traumáticas repetitivas 197203 precisão 187189 190191 195197 200 202 203 Psicologia Forense 188195 204 qualidade da memória 196197 qualidade do relato 203 monitoramento da fonte 193195 sugestionabilidade infantil 188193195197204 teoria do traço difuso 190 192 193195 teoria dos esquemas 190 192195 traços literais 190 traços de essência 190 violência crónica 187 188197 203 Expectativas 24106 107146 165 166 215 230 231 248 Falhas de memória 199 201 202 204 Falsas memórias autobiográficas 101113 implicações dos estudos sobre 110113 falsas MA e psicoterapia 111112 falsas MA no contexto forense 112113 pesquisa da MA e suas distorções 102105 métodos de estudo 102105 teorias explicativas das 105110 modelo dos múltiplos traços 28 teoria do monitoramento da fonte 108110 julgamento da fonte 32 teoria dos esquemas 107108 espontâneas 25 28 29 34 354446 5455 60 93136144149164167193 204 implícitas 117 120124130 sugeridas 23 25 26 2830 3435 4446 54 55 60 61 136143192 193 197 False Memory Syndrome Foundation Ver Fundação Síndrome das Falsas Memórias Fase de estudo 4363 73 75 78 93 95 96 125129 139142 Fase de teste 4450 52 5462 72 73 78 94 96 124126128139 Fenômeno das falsas memórias conceitualização 2138 histórico dos estudos 2225 efeito da sugestão de falsa informação 23 24 26 32 35 36 38 sugestionabilidade 23 teoria dos esquemas 23 taxonomia do 2527 sugestionabilidade 25 26 teorias explicativas 2737 paradigma construtivista 2731 teoria construtivista 2829 teoria dos esquemas 2931 teoria do monitoramento da fonte 3133 teoria do traço difuso 3337 memória de essência 33 35 36 memória literal 3336 traço de memória 35 Fundação Síndrome das Falsas Memórias 245 Grau de certeza 22 30 47 60 61 79 80 251 Histórico dos estudos sobre FM 2225 Humor 9293 245 Idosos e FM 141144 Ver também Diferenças individuais e FM Imaginação 3255109110149176177 243 254 Implicações clínicas das FM 228238 o paciente sob a ótica do terapeuta 232237 convicções do terapeuta e indução de falsas memórias 233237 avaliação da acurácia da memória dos pacientes 237 visão do paciente da sua própria história 229 262 índice crenças e lembranças do paciente em psicoterapia 230231 lembranças e sua influência no comportamento 231232 Interação 38 87 8895 97145 168 213 Intervalo de retenção da informação 45 53 54 Investigação das falsas memórias 4263 armazenamento 44 53 54 56 62 codificação 45 51 52 61 controle experimental 42 50 62 desempenho da memória 485153 55575963 distrator crítico 44 46 48 51 60 61 efeito de geração 52 efeito de mera testagem 59 63 esquecimento dirigido 47 60 grau de certeza 47 60 61 imaginação 55 intervalo de retenção da informação 45 53 54 itemalvo 46 lembrar saber 61 manipulação experimental 53 62 materialalvo 4363 material de sugestão 44 47 54 55 materialoriginal Ver Materialalvo método experimental para 4362 fase de estudo 45 apresentação do materialalvo 5051 características do materialalvo 4550 instruções sobre o materialalvo 5253 fase de teste da memória 56 apresentação do teste 5859 instruções sobre o teste 5960 medidas do teste 6062 tipos de teste 5758 intervalo de retenção 5356 sugestão de falsa informação 5456 tarefa de distração 5354 panorama geral dos estudos 4243 momento da testagem 47 58 nível de aprendizagem 47 52 paradigma DRM 24 44 pesquisa básica 43 47 62 pesquisa de laboratório 42 43 63 pesquisa naturalística 43 5052 63 Procedimento de Palavras Associadas 42 44 47 48 51 53 6163 Procedimento de Sugestão de Falsa Informação 45 55 procedimentos experimentais 52 59 63 recuperação de experiências palavras informações 43 48 5562 span de dígitos 54 sugestão 44 45 47 5356 63 tarefa de distração 45 47 5354 56 58 tempo de reação 47 60 61 teste de memória 44 45 47 48 51 52 5462 reconhecimento 47 5762 7480 9496 139 142 144166 escolha simples 57 59 60 múltipla escolha 57 59 recordação 47 5762 129 139 com pistas 5760 livre 5760 vividez da memória 47 60 Itemalvo 46 Julgamento da fonte 32 Julgamentos e 157257 Lembrar Saber 61 Lista de palavras 24 42 44 4751 53 55 60 72 76 81 88 90 96 120121 124129137139144 148 164 Manipulação experimental 53 62193 Materialalvo 4363 96 Material de sugestão 44 47 54 55 Materialoriginal Ver Materialalvo Maustratos 140 141 157158 188 197 Medidas explícitas de memória 126 Medidas implícitas de memória 126128 130 Memória de crianças 63136 139 187197 203 Ver também Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Memória de essência 33 35 36 8081 136137 139 140142143 162 Memória de eventos traumáticos 23 141147160 163 200 242 243 Memória explícita 119 126 Memória literal 3336 137142143 Memória implícita e priming 117130 acesso lexical 120 amnésicos 121122 aprendizado da língua materna 120 aprendizados emocionais 118 atenção manipulação da 125 cerebelo 119 ciências cognitivas 117121 complementação de palavras 121123 126 127130 condicionamentos 118 conexionismo 122 consciência limiar de 123 125 controle experimental 127129 130 córtex préfrontal 122 decisão lexical 126 127 130 efeito de intrusão 125 emoções 120 escolhacega 126128130 estereótipos 118128130 falsas memórias implícitas 117120124130 fase de estudo 125129 fase de teste 126128 fobias 117 gramática artificial 120 grupocontrole 120122 grupo experimental 121 habilidades motoras e sensoriais 118 121 hábitos e habituações 117 118 hipocampo 119 hipótese da ativação implícita 125 hipótese de propagação da ativação 122 lesões neurológicas 119 125129 listas de palavras 120 121124129 mapas mentais 118 medidas explícitas de memória 126 medidas implícitas de memória 126128 130 índice 263 memória explícita 119126 memória implícita e o efeito de priming 121124 memória procedural 117 neuropsicologia 118120 neuroquímica 119 núcleo caudado 119 prime 121 123 124127 memória implícita nas ciências cognitivas 118121 paradigma experimental 121 paradigma DRM 124125 129 preconceito 128130 priming direto e indireto 123124 priming indireto nas FMI 124129 listas de palavras associadas e o estudo das FMI 125129 priming subliminar 123124 processamento cognitivo 117127 129 processamento controlado 117 psicolinguística 118 120 Psicologia Cognitiva 118 120 Psicologia Evolucionista 118120 reconhecimento 118 125126 recordação livre e com pistas 125126 rede semântica ou associativa 125 127129 representação cognitiva 128 sentimentos 117 118 sistemas de memória 122 tempo de exposição do estímulo 123 transtorno de estresse póstraumático TEPT 119 transtorno de pânico 120 valência 120128 Memória não declarativa Ver Memória implícita e priming Memória procedural 69117 Memórias autobiográficas falsas Ver Falsas memórias autobiográficas Memórias precoces 160161 Memórias recuperadas 28 31 35112150 237 238 241242 244 247 251 253256 Memórias verdadeiras 21 22 58 72 75 138142 178195 235 Método BOLD 71 Modelo dos Cinco Grandes Fatores 147148 Modelo dos múltiplos traços 28 Momento da testagem da memória 47 58 Monitoramento da fonte teoria do Ver Teoria do monitoramento da fonte Neurociência cognitiva das FM 6981 atividade neural 71 757780 codificação 70 72 81 córtex 7375 77 7981 córtex parietal inferior 73 córtex préfrontal 75 80 81 imagem cerebral 69 lobo temporal 76 77 80 81 métodos de pesquisa 7071 método BOLD 71 monitoramento da fonte teoria do 80 neuroimagem 69 72 75 80 81 Potenciais Relacionados a Evento 71 73 76 precuneus 73 processamento auditivo 75 processos de codificação e armazenamento das falsas memórias 7274 reativação sensorial 75 76 79 recuperação de falsas memórias processos de 7480 ressonância magnética 70 71 ressonância magnética funcional RMf 70 71 73 7680 tomografia por emissão de pósitron 71 Neuroimagem 43 69 72 75 80 81 97119 145 Neuropsicologia 80118120 Neuroticismo 135 147149 Nível de aprendizagem 47 52 167189 acidental 26 32 52 167 189 advertência 52 intencional 52167 189 Paradigma construtivista 2731 32 35 37 Paradigma experimental 121 Paradigma DRM 2444 7576 798194 96124 125129137139141144145167 Perguntas abertas 59192 211 213 220 221 confirmatórias 211 220 fechadas 23166 167170 173 211 220 221 223 múltiplas 57 29 60 220 sugestivas 23 55173176180 203 211 220 Personalidade e FM 145149 Ver também Diferenças individuais e FM Pesquisa básica 43 47 62 72 94 164 Ftesquisa de laboratório 4243 63102164 211 251 Pesquisa naturalística 43 5052 63 159 251 PDtenciais Relacionados a Evento 71 73 76 Precisão da memória Ver Acurácia da memória Primeiras lembranças 160161 Priming Ver Memória implícita e priming Procedimento de Palavras Associadas 42 44 47 48 51 53 6163 73 757780 81 96 Procedimento de Sugestão de Falsa Informação 24 45 55 Procedimentos experimentais 52 59 63 164 Ver também Investigação das falsas memórias Processamento cognitivo 3392110117127129 Processamento controlado 117 Processos criminais e 157257 Psicologia Diferencial 134149 Psicologia Forense 133149 158159 162 181 188195 204 Psicoterapia 111112150 228 229232 235238 240242 245253 255 Qualidade da memória 44 60 159164196 197 Rapport 211214 222 Recovered Memory Therapy Ver Terapia de Memórias Recuperadas Recriação de contexto 212 213 216217 Recuperação de falsas memórias processos de 7480 Relato livre 170 212 213 218 221 Relatos infantis Ver Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Repetição da testagem 47 59 264 índice Repressão 23 249 253 Ressonância magnética 70 71 73 7680140 ressonância magnética funcional RMf 70 71 73 7680 Sexo do indivíduo e FM 144145 Ver também Diferenças individuais e FM Síndrome de alienação parental 249252 Síndrome das falsas memórias 240257 características 244248 descrição de casos 246248 discussão sobre o termo 240241 fatores associados 248251 influência de aspectos individuais e ambientais 248249 síndrome de alienação parental 249252 memórias recuperadas 241242 244 247 251 253256 pesquisas limitações e mitos 251255 surgimento 241244 Fundação síndrome das falsas memórias 244 técnicas polêmicas para recuperação de memórias 242244 terapia das memórias recuperadas 241242 Síndrome do pânico SP 120 Sistema de memória 28101 121122 135 136 142 143 161 Span de dígitos 54 Sugestão de falsa informação 23 24 26 32 35 36 38 45 47 53 5456 63 104 106 139 142 233 234 236 Sugestionabilidade 23 25 26 143 144146 188190192193 195197 203 204 223 247 248 250 Ver também Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Tarefa de distração 45 47 5354 56 58 Taxonomia das falsas memórias 2527 Técnicas de entrevista para minimizar FM 209225 38112139144 171174180181 entrevista cognitiva 210212 etapas 212223 construção do rapport 212216 fechamento 222223 narrativa livre 217218 questionamento 218222 recriação do contexto original 216217 histórico e caracterização 210212 Temperamento 9293 171172 Tempo de reação 47 60 61 124 Tendenciosidade 106 111 229 232 245 Teoria construtivista 2829 Teoria do monitoramento da fonte 27 283033 37 80 107110 133 141143 145 171 193195 Teoria do traço difuso 38 30 3337 81125 133 136 190 192193 195 Teoria dos esquemas 23 2931106 107108 190 192 195 Terapia de Memórias Recuperadas 241242 247 Teste de memória 244445474851 525462 74 80 9496126129139142144166 reconhecimento 47 5762 7480 9496 139 142144 166 escolha simples 57 59 60 múltipla escolha 57 59 recordação 47 5762 129 139 com pistas 5760 livre 5760 Testemunho infantil 136 209 Ver também Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Testemunho infantil sugestionabilidade e FM 157181 abuso sexual 157 158 164 176 177 179 180 amnésia infantil 160162 bonecos anatômicos 173 176177 capacidade das crianças para recordar eventos 160166 contribuições da psicologia ao direito 157160 deferência 170 depoimentos 158 162166 172174175 179181 emoção 162163 165166 estereótipos 173175 evidência criminal 181 maustratos 157158 memória de crianças 160162178 memória de eventos estressantes 162166 memória de eventos traumáticos 160163 memórias precoces 160161 precisão da memória 159162164166170172 pressão dos pares 176 primeiras lembranças 160161 proteção de crianças 157181 Psicologia Forense 158 159162 181 relatos infantis 157160163165 167170 172181 sugestionabilidade infantil 166178 e características das crianças 168172 fatores desenvolvimentais 168171 fatores individuais 171172 e entrevista 172178 violência contra crianças 157 158 162164 176 178 180 Ver também Eventos emocionais repetitivos Tomografia por emissão de pósitron 71 140 Traço de memória 35106 Transferência do controle 215 Transtorno de estresse póstraumático TEPT 119 140 158 249 250 255 Trauma e FM 139141 Ver também Diferenças individuais e FM Tribunais e 157257 Valência 4850 62 9092 9497120 128 148 163 251 Validade ecológica 91103 167189 Viés 32 60 61 63 95 111113 219 229234 236 Violência contra crianças 157158 162 164176 178 180 Ver também Eventos emocionais repetitivos Vividez da memória 2137 47 60 72 7396 Sapere aude Exemplar genérico conhecimento específico Direito Processual Penal AURY LOPES JR 11ª edição saraiva ANOS ISBN 9788502221581 Lopes Jr Aury Direito processual penal Aury Lopes Jr 11 ed São Paulo Saraiva 2014 1 Processo penal Brasil I Título II Série CDU343181 Índice para catálogo sistemático 1 Brasil Processo penal Direito penal 343181 Diretor editorial Luiz Roberto Curia Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues Assistente editorial Sarah Raquel Silva Santos Produtora editorial Clarissa Boraschi Maria Preparação de originais Ana Cristina Garcia Bernardete de Souza Maurício Daniel Pavani Naveira Projeto gráfico Mônica Landi Arte e diagramação Isabela Agrela Teles Veras Revisão de provas Ana Beatriz Fraga Moreira Albertina Pereira Leite Piva Cecília Devus Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva Tatiana dos Santos Romão Capa Casa de Ideias Daniel Rampazzo Produção gráfica Marli Rampim Produção eletrônica Ro Comunicação Data de fechamento da edição 2122013 Para o velho Aury pelo exemplo de vida e de superação Para minha mãe simplesmente por tudo Faltam palavras que deem conta da complexidade dos sentimentos que me unem a vocês Agradeço a Deus Ele sabe por quê Thaisa e Carmella Por vocês conseguiria até ficar alegre Pintaria todo o céu de vermelho Eu teria mais herdeiros que um coelho Eu aceitaria a vida como ela é Viajaria a prazo pro inferno Eu tomaria banho gelado no inverno Eu mudaria até o meu nome Eu viveria em greve de fome Desejaria todo dia A mesma mulher Por VocêBarão Vermelho Maíra Já me acostumei com a tua voz Com teu rosto e teu olhar Me partiram em dois E procuro agora o que é minha metade Quando não estás aqui Sinto falta de mim mesmo E sinto falta do meu corpo junto ao teu Sete CidadesLegião Urbana Sumário Nota do Autor à 11ª Edição Capítulo I Um Processo Penal Para Quêm Buscando o Fundamento da sua Existência 1Breve Análise da História da Pena de Prisão e do Processo Penal 11Breve História da Pena de Prisão 12Da Autotutela ao Processo Penal 2 Constituindo o Processo Penal desde a Constituição A Crise da Teoria das Fontes A Constituição como Abertura do Processo Penal 3Superando o maniqueísmo entre interesse público versus interesse individual Inadequada Invocação do Princípio da Proporcionalidade 4Princípio da Necessidade do Processo Penal em Relação à Pena 5Instrumentalidade Constitucional do Processo Penal 6Quando Cinderela terá suas Próprias Roupas Respeitando as Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal ou Abandonando a Teoria Geral do Processo Síntese do Capítulo Capítulo II Teorias Acerca da Natureza Jurídica do Processo Penal 1Introdução As Várias Teorias 2Processo como Relação Jurídica A Contribuição de Bülow 3 Processo como Situação Jurídica ou a Superação de Bülow por James Goldschmidt 4 Quando Calamandrei Deixa de Ser o Crítico e Rende Homenagens a Un Maestro di Liberalismo Processuale O Risco Deve Ser Assumido A Luta Pelas Regras do Jogo 5Processo como Procedimento em Contraditório o contributo de Elio Fazzalari Síntese do Capítulo Capítulo III Sistemas Processuais Penais Inquisitório e Acusatório Superando o Reducionismo Ilusório do Sistema Misto 1Sistema Acusatório 2Sistema Inquisitório 3 O Reducionismo Ilusório e insuficiente do Conceito de Sistema Misto a Gestão da Prova e os Poderes Instrutórios do Juiz 31A Falácia do Sistema Bifásico 32 A Insuficiência da Separação Inicial das Atividades de Acusar e Julgar 33Identificação do Núcleo Fundante a Gestão da Prova 34 O Problema dos Poderes Instrutórios JuízesInquisidores e os Quadros Mentais Paranoicos 35RePensando os Sistemas Processuais em Democracia a Estafa do Tradicional Problema Inquisitório Acusatório Síntese do Capítulo Capítulo IV ReConstrução Dogmática do Objeto do Processo Penal A Pretensão Acusatória Para Além do Conceito Carneluttiano de Pretensão 1Introdução ou a Imprescindível PréCompreensão 11 Superando o Reducionismo da Crítica em Torno da Noção Carneluttiana de Pretensão Pensando Para Além de Carnelutti 12Teorias Sobre o Objeto do Processo Penal 2Estrutura da Pretensão Processual Acusatória 21Elemento Subjetivo 22Elemento Objetivo 23Declaração Petitória 3 Conteúdo da Pretensão Jurídica no Processo Penal Punitiva ou Acusatória Desvelando mais uma Inadequação da Teoria Geral do Processo 4Consequências Práticas dessa Construção ou Por que o Juiz Não Poderia Condenar Quando o Ministério Público Pedir a Absolvição Síntese do Capítulo Capítulo V Introdução ao Estudo dos Princípios Constitucionais do Processo Penal 1Jurisdicionalidade Nulla poena nulla culpa sine iudicio 11A Função do Juiz no Processo Penal 12A Toga e a Figura Humana do Julgador no Ritual Judiciário da Dependência à Patologia 13A Garantia da Imparcialidade Objetiva e Subjetiva do Julgador RePensando os Poderes InvestigatóriosInstrutórios Fundamentação Finalmente Adotada pelo Supremo Tribunal Federal HC 94641BA 14O Direito de Ser Julgado em um Prazo Razoável art 5º LXXVIII da CF o Tempo como Pena e a DeMora Jurisdicional 141 Introdução Necessária Recordando o Rompimento do Paradigma Newtoniano 142Tempo e Penas Processuais 143 A DeMora Jurisdicional e o Direito a um Processo sem Dilações Indevidas 144A Recepção pelo Direito Brasileiro 145A Problemática Definição dos Critérios A Doutrina do Não Prazo ou a ineficácia de prazos sem sanção 146Nulla Coactio Sine Lege a Urgente Necessidade de Estabelecer Limites Normativos 147 Aplicação Prática Algumas Decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos da Corte Americana de Direitos Humanos e de Tribunais Brasileiros 148Em Busca de Soluções Compensatórias Processuais e Sancionatórias 149Concluindo o Difícil Equilíbrio entre a DeMora Jurisdicional e o Atropelo das Garantias Fundamentais 2Princípio Acusatório Separação de Funções e Iniciativa Probatória das Partes A Imparcialidade do Julgador 3Presunção de Inocência ou um Dever de Tratamento 4Contraditório e Ampla Defesa 41Direito ao Contraditório 42Direito de Defesa Técnica e Pessoal 421Defesa Técnica 422A Defesa Pessoal Positiva e Negativa 4221Defesa Pessoal Positiva 4222Defesa Pessoal Negativa Nemo Tenetur se Detegere 5Motivação das Decisões Judiciais Superando o Cartesianismo Síntese do Capítulo Capítulo VI Lei Processual Penal no Tempo e no Espaço 1Lei Processual Penal no Tempo 11A Leitura Tradicional Princípio da Imediatidade 12Uma ReLeitura Constitucional Retroatividade da Lei Penal e Processual Penal Mais Benéfica 2Lei Processual Penal no Espaço Síntese do Capítulo Capítulo VII Sistemas de Investigação Preliminar Breve Análise a partir de SujeitosObjetoAtos 1Introdução 2Análise dos Sistemas de Investigação Preliminar 21Problema Terminológico 22Caracteres Determinantes Instrumentalidade e Autonomia 23Fundamento da Existência da Investigação Preliminar 231 Busca do Fato Oculto e a Criminal Case Mortality 232Função Simbólica 233Evitar Acusações Infundadas Filtro Processual 3 Órgão Encarregado Investigação Policial Juiz Instrutor ou Promotor Investigador 31Investigação Preliminar Policial 32Investigação Preliminar Judicial Juiz Instrutor 33Investigação Preliminar a Cargo do Ministério Público Promotor Investigador 4Objeto e Grau de Cognição na Investigação Preliminar 5Forma dos Atos da Investigação Preliminar Síntese do Capítulo Capítulo VIII A Investigação Preliminar Brasileira O Inquérito Policial e sua Crise 1Considerações Prévias Natureza Jurídica 2Órgão Encarregado Atuação Policial e do Ministério Público 3A Posição do Juiz Frente ao Inquérito Policial O Juiz como Garantidor e não como Instrutor 4Objeto e sua Limitação 41Limitação Qualitativa 42Limitação Temporal Prazo Razoável Prazo Sanção Ineficácia 5Análise da Forma dos Atos do Inquérito Policial 51Atos de Iniciação Art 5º do CPP 511De Ofício pela Própria Autoridade Policial 512Requisição do Ministério Público ou Órgão Jurisdicional 513Requerimento do Ofendido Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada 514Comunicação Oral ou Escrita de Delito de Ação Penal de Iniciativa Pública 515Representação do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada 516Requerimento do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Privada 52Atos de Desenvolvimento Arts 6º e 7º do CPP 53 A Conclusão do Inquérito Policial A Impossibilidade de Arquivamento pela Polícia Arquivamento Implícito ou Tácito 6 Estrutura dos Atos do Inquérito Policial Lugar Tempo e Forma Segredo e Publicidade 7Valor Probatório dos Atos do Inquérito Policial 71A Equivocada Presunção de Veracidade 72Distinção entre Atos de Prova e Atos de Investigação 73O Valor Probatório do Inquérito Policial 731Valor das Provas Repetíveis Meros Atos de Investigação 732Provas Não Repetíveis Necessidade do Incidente de Produção Antecipada de Provas 733Contaminação Consciente ou Inconsciente do Julgador e a Necessidade da Exclusão Física das Peças do Inquérito Policial 8O Indiciado no Sistema Brasileiro alterações introduzidas pela Lei n 128302013 9Direito de Defesa e Contraditório no Inquérito Policial 10Garantias do Defensor O Acesso do Advogado aos Autos do Inquérito Contraditório Limitado O Problema do Sigilo Interno do Inquérito Policial 11A Título de Conclusão A Opacidade da Discussão em Torno do Promotor Investigador Mudem os Inquisidores mas a Fogueira Continuará Acesa Síntese do Capítulo Capítulo IX Ação Processual Penal RePensando Conceitos e Condições da Ação 1Esclarecimentos Iniciais 2Ação Processual Penal Ius ut Procedatur Desde a Concepção de Pretensão Acusatória Por que não existe trancamento da ação penal 3Natureza Jurídica da Ação Processual Penal 31Caráter Público 32 Direito Potestativo em Relação ao Imputado e Subjetivo Frente ao EstadoJuiz 33 Ação como Direito Autônomo e Abstrato eou como Direito Concreto A Necessidade do Entreconceito Conexo Instrumentalmente ao Caso Penal 4Condições da Ação Penal 41Quando se pode falar em condições da ação 42Crítica à Importação de Conceitos do Processo Civil 43Em Busca das Condições da Ação Processual Penal Definições a Partir de suas Categorias Jurídicas Próprias 431Prática de Fato Aparentemente Criminoso Fumus Commissi Delicti 432Punibilidade Concreta 433Legitimidade de Parte 434Justa Causa 4341Justa Causa Existência de Indícios Razoáveis de Autoria e Materialidade 4342Justa Causa Controle Processual do Caráter Fragmentário da Intervenção Penal 44Outras Condições da Ação Processual Penal 45O DesControle das Condições da Ação nos Juizados Especiais Criminais 5Ação Penal de Iniciativa Pública 51Introdução e Cuidados Necessários 52Regras da Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada ou Incondicionada 521Oficialidade ou Investidura 522Obrigatoriedade ou Legalidade 523Indisponibilidade 524Indivisibilidade 525Intranscendência 53Espécies de Ação Penal de Iniciativa Pública 531Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada 532Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada 533Ação Penal de Iniciativa Pública Extensiva e a Problemática em Torno da Ação Penal nos Crimes Contra a Dignidade Sexual Lei n 120152009 6Ação Penal de Iniciativa Privada 61Regras que Orientam a Ação Penal de Iniciativa Privada 62Titularidade Querelante e o Prazo Decadencial 621Procuração com Poderes Especiais A Menção ao Fato Criminoso 63Espécies de Ação Penal de Iniciativa Privada 64Ação Penal nos Crimes Praticados Contra a Honra de Servidor Público 65Renúncia Perdão e Perempção 7 Aditamentos Próprios e Impróprios na Ação Penal de Iniciativa Pública ou Privada Interrupção da Prescrição Falhas e Omissões na QueixaCrime 71Aditamentos da Ação Penal de Iniciativa Pública 72Falhas e Omissões na QueixaCrime Existe Aditamento na Ação Penal de Iniciativa Privada 8Da Rejeição da Denúncia ou Queixa Análise do Art 395 do CPP Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP 81Rejeição Inépcia da Denúncia ou Queixa 82Rejeição Falta de Pressuposto Processual ou Condição da Ação 83Rejeição Falta de Justa Causa Condição da Ação 84Rejeição Parcial da Denúncia Abusiva Aplicação do Art 383 Quando do Recebimento da Acusação 85Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP 9Fixação de Valor Indenizatório na Sentença Penal Condenatória e os Casos de Ação Civil Ex Delicti Síntese do Capítulo Capítulo X Jurisdição Penal e Competência De PoderDever a Direito Fundamental 1Princípios da Jurisdição Penal 11Princípio da Inércia da Jurisdição 12Princípio da Imparcialidade 13Princípio do Juiz Natural 14Princípio da Indeclinabilidade da Jurisdição 2A Competência em Matéria Penal 21Qual é a Justiça Competente Definição da Competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e Comuns Federal e Estadual 211Justiça Especial Militar Federal 212Justiça Especial Militar Estadual 213Justiça Especial Eleitoral 214Justiça Comum Federal 215Justiça Comum Estadual 22Qual é o Foro Competente Local 23Qual é a Vara o Juízo Competente 24O Julgamento Colegiado para os Crimes Praticados por Organização Criminosa Lei n 126942012 25Competência em Razão da Pessoa A Prerrogativa de Função 251Algumas Prerrogativas Importantes 252Alguns Problemas em Torno da Competência Constitucional do Tribunal do Júri 253Prerrogativa de Função para Vítima do Crime 3Causas Modificadoras da Competência Conexão e Continência 31Conexão 32Continência 33Regras para Definição da Competência nos Casos de Conexão ou Continência 34Cisão Processual Obrigatória e Facultativa 4Crítica ao Tratamento das InCompetências Absoluta e Relativa 41InCompetência Absoluta e Relativa Inadequada Transmissão das Categorias do Processo Civil Manipulação dos Critérios de Competência em Matéria Penal Varas Especializadas 42Por Uma Leitura Constitucional do Art 567 do CPP 5Case Study Para Facilitar a Compreensão Síntese do Capítulo Capítulo XI Das Questões e Processos Incidentes 1Das Questões Prejudiciais 2Dos Processos Incidentes 21Das Exceções Processuais 211 Exceção de Suspeição 212Exceção de Suspeição por Violação da Garantia da Imparcialidade do Julgador e do Sistema Acusatório Poderes Instrutórios do Juiz e Prejulgamentos 213Exceção de Incompetência 214Exceção de Litispendência 215Exceção de Ilegitimidade de Parte 216Exceção de Coisa Julgada 22Conflito de Jurisdição e de Competência Síntese do Capítulo Capítulo XII Teoria Geral da Prova no Processo Penal 1Conceito e Função da Prova 11O Ritual de Recognição 12Função Persuasiva da Prova Crença Fé e Captura Psíquica 2Provas e Modos de Construção do Convencimento ReVisitando os Sistemas Processuais 3Principiologia da Prova 31Garantia da Jurisdição Distinção entre Atos de Investigação e Atos de Prova 32Presunção de Inocência 33Carga da Prova e In Dubio Pro Reo Quando o Réu Alega uma Causa de Exclusão da Ilicitude Ele Deve Provar 34In Dubio Pro Societate DesVelando um Ranço Inquisitório 35Contraditório e Momentos da Prova 36Provas e Direito de Defesa o Nemo Tenetur se Detegere 37 Valoração das Provas Sistema Legal de Provas Íntima Convicção e Livre Convencimento Motivado 38O Princípio da Identidade Física do Juiz 4O Problema da Verdade no Processo Penal 41Verdade Real Desconstruindo um Mito Forjado na Inquisição Rumo à Verdade Processual 42Desvelando o Mito da Verdade no Processo Penal Rumo à Assunção da Sentença como Ato de Convencimento mas sem Cair no Relativismo Cético e Incidir no Erro do Decisionismo 43Para Refletir A Íntima Relação Entre Sistema Processual Inquisitório Gestão da Prova nas Mãos do Juiz e a Busca da Verdade 5Dos Limites à Atividade Probatória 51Os Limites Extrapenais da Prova 52Provas Nominadas e Inominadas 53Limites à Admissibilidade da Prova Emprestada e à Transferência de Provas 54Limites Impostos ao Substancialismo Inquisitorial Obtenção de Prova de Crime Diverso Desvio da Vinculação Causal Princípio da Especialidade da Prova 55Limites à Licitude da Prova Distinção entre Prova Ilícita e Prova Ilegítima 56Teorias Sobre a Admissibilidade das Provas Ilícitas 561Admissibilidade Processual da Prova Ilícita 562Inadmissibilidade Absoluta 563Admissibilidade da Prova Ilícita em Nome do Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade 564Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo 57Prova Ilícita por Derivação 571O Princípio da Contaminação e sua Relativização Independent Source e Inevitable Discovery 572Visão Crítica Superando o Reducionismo Cartesiano 6A Produção Antecipada de Provas no Processo Penal Síntese do Capítulo Capítulo XIII Das Provas em Espécie 1Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito 11Contraditório e Direito de Defesa na Prova Pericial 12Perícia Particular Possibilidade de Contraprova Pericial Limitações da Fase PréProcessual 13O Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto 14Intervenções Corporais e os Limites Assegurados pelo Nemo Tenetur se Detegere A Extração Compulsória de Material Genético Alterações Introduzidas pela Lei n 126542012 15Valor Probatório da Identificação do Perfil Genético É a Prova Técnica a Rainha das Provas 2Interrogatório 21A Defesa Pessoal Positiva 22A Defesa Pessoal Negativa Direito de Silêncio O Nemo Tenetur se Detegere 23Interrogatório do Corréu Separação Perguntas da Defesa do Corréu Repetição do Interrogatório 24O Interrogatório por Videoconferência 3Da Confissão 4Das Perguntas ao Ofendido 5Da Prova Testemunhal 51A Polêmica em Torno do Art 212 e a Resistência da Cultura Inquisitória 52Quem Pode Ser Testemunha Restrições Recusas Proibições e Compromisso Contraditando a Testemunha 53Classificando as Testemunhas Caracteres do Testemunho 54A Ilusão de Objetividade do Testemunho Art 213 do CPP 55Momento de Arrolar as Testemunhas Limites Numéricos Substituição e Desistência Pode o Assistente da Acusação Arrolar Testemunhas Oitiva por Carta Precatória e Rogatória 56Falsas Memórias e os Perigos da Prova Testemunhal O Paradigmático Caso Escola Base 6Reconhecimento de Pessoas e Coisas 61 InObservância das Formalidades Legais Número de Pessoas e Semelhança Física 62Reconhecimento por Fotografia ImPossibilidade de Alteração das Características Físicas do Imputado Novas Tecnologias 63Breve Problematização do Reconhecimento desde a Psicologia Judiciária 64RePensando o Reconhecimento Pessoal Necessidade de Redução de Danos Reconhecimento Sequencial 7Reconstituição do Delito Reprodução Simulada 8Acareação 9Da prova documental 91Conceito de Documento Abertura e Limites Conceituais 92Momento da Juntada dos Documentos Exceções Cautelas ao Aplicar o Art 479 do CPP 93Autenticações Documentos em Língua Estrangeira Recusa ao Ativismo Judicial O que são PúblicasFormas 10Dos Indícios 11Da Busca e da Apreensão 111Distinção entre os Dois Institutos Finalidade Direitos Fundamentais Tensionados 112Momentos da Busca e da Apreensão 113Da Busca Domiciliar Conceito de Casa Finalidade da Busca 114Busca Domiciliar Consentimento do Morador Invalidade do Consentimento Dado por Preso Cautelar Busca em Caso de Flagrante Delito 115Requisitos do Mandado de Busca A Ilegalidade da Busca Genérica A Busca em Escritórios de Advocacia 116Busca Domiciliar Requisitos para o Cumprimento da Medida Judicial Dia e Noite Realização Pessoal da Busca pelo Juiz Violação do Sistema Acusatório 117Apreensão Formalização do Ato Distinção entre Apreensão e Medidas Assecuratórias Sequestro e Arresto 118O Problemático Desvio da Vinculação Causal Aplicação do Princípio da Especialidade da Prova 119Da Busca Pessoal Vagueza Conceitual da Fundada Suspeita Busca em Automóveis Prescindibilidade de Mandado Possibilidades e Limites Busca Pessoal não se Confunde com Intervenção Corporal 12Restituição das Coisas Apreendidas Perda e Confisco de Bens Síntese do Capítulo Capítulo XIV Sujeitos e Partes do Processo A Comunicação dos Atos Processuais ao Acusado Inatividade Processual Do Assistente da Acusação 1Sujeitos Processuais e a Problemática em Torno da InExistência de Partes no Processo Penal 2Do Acusado Citação Notificação e Intimação como Manifestações do Direito Fundamental ao Contraditório e à Ampla Defesa Ausência Processual e Inadequação da Categoria Revelia 21A Comunicação dos Atos Processuais como Manifestação do Contraditório e da Ampla Defesa 22A Citação do Acusado Garantia do Prazo Razoável Requisitos e Espécies Citação por Carta Precatória e Rogatória Citação do Militar do Servidor Público e do Réu Preso 221Concessão ao Acusado do Tempo e dos Meios Adequados para a Preparação de sua Defesa 23Citação Real e Ficta Edital 24Citação com Hora Certa 25ReDefinindo Categorias Inatividade Processual Real e Ficta do Réu Ausência e Não Comparecimento Réu não Encontrado 26Aplicação do Art 366 do CPP 261Não Comparecimento Suspensão do Processo e da Prescrição Problemática 2611Aplicação Literal do Art 366 Suspendendo o Processo e a Prescrição por Tempo Indeterminado Recurso Cabível 2612Crítica à Suspensão Indefinida da Prescrição Da Inconstitucionalidade à Ineficácia da Pena O Esquecimento Ameaçador mas Necessário A Prescrição como Direito ao Esquecimento Programado 2613Em Busca do Limite à Suspensão da Prescrição As Diferentes Posições Teóricas e a Súmula 415 do STJ 262A Injustificável Exclusão de Incidência do Art 366 do CPP na Lei n 961398 Nova Redação Dada pela Lei n 126832012 263Não Comparecimento Prisão Preventiva Produção Antecipada de Provas 27Aplicação do Art 367 do CPP Ausência A Condução Coercitiva do Art 260 do CPP Exigência de Ordem Judicial Fundamentada 28Inadequação da Categoria Revelia no Processo Penal 29Notificação e Intimação do Acusado Contagem de Prazos 3Assistente da Acusação 31Natureza Jurídica Legitimidade Capacidade e Interesse Processual Pode o Assistente Recorrer para Buscar Aumento de Pena Crítica à Figura do Assistente da Acusação 32Corréu Não Pode Ser Assistente Risco de Tumulto e Manipulação Processual 33Momento de Ingresso do Assistente Iniciativa Probatória Pode o Assistente Arrolar Testemunhas 34Assistente Habilitado e Não Habilitado Recursos que Pode Interpor Prazo Recursal Síntese do Capítulo Capítulo XV Prisões Cautelares e Liberdade Provisória A InEficácia da Presunção de Inocência 1Presunção de Inocência e Prisões Cautelares a Difícil Coexistência 2Teoria das Prisões Cautelares 21Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora A Impropriedade desses Termos Categorias do Processo Penal Fumus Commissi Delicti e Periculum Libertatis 22Medidas Cautelares e Não Processo Cautelar 23Inexistência de um Poder Geral de Cautela Ilegalidade das Medidas Cautelares Atípicas 3 Principiologia das Prisões Cautelares 31Jurisdicionalidade e Motivação 32Contraditório 33Provisionalidade 34Provisoriedade Falta de Fixação do Prazo Máximo de Duração e do Reexame Periódico Obrigatório 35Excepcionalidade 36Proporcionalidade 4Da Prisão em Flagrante Medida de Natureza PréCautelar Análise das Espécies Requisitos e Defeitos Garantias Processuais e Constitucionais 41Por que a Prisão em Flagrante não Pode por si só Manter Alguém Preso Compreendendo sua PréCautelaridade 42Espécies de Flagrante Análise do Art 302 do CPP 43Flagrante em Crime Permanente A Problemática do Flagrante nos Crimes Habituais 44ILegalidade dos Flagrantes Forjado Provocado Preparado Esperado e Protelado ou Diferido Conceitos e Distinções Prisão em Flagrante e Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada e Pública Condicionada à Representação 45Síntese do Procedimento Atos que Compõem o Auto de Prisão em Flagrante 46Garantias Constitucionais e Legalidade da Prisão em Flagrante Análise do Art 306 do CPP 47A Decisão Judicial Sobre o Auto de Prisão em Flagrante Aspectos Formais e Análise da Necessidade da Decretação da Prisão Preventiva 48A Separação dos Presos Provisórios e a Prisão em Flagrante de Militar Art 300 parágrafo único 49Refletindo sobre a Necessidade do Processo Ainda que Exista Prisão em Flagrante Contaminação da Evidência Alucinação e Ilusão de Certeza 410Relação de Prejudicialidade Prestação de Socorro Art 301 da Lei n 950397 e Prisão em Flagrante 5Da Prisão Preventiva Do Senso Comum à Análise dos Defeitos Fisiológicos 51Momentos da Prisão Preventiva Quem Pode Postular seu Decreto Ilegalidade da Prisão Preventiva Decretada de Ofício Violação do Sistema Acusatório e da Garantia da Imparcialidade do Julgador 52Requisito da Prisão Preventiva Fumus Commissi Delicti Juízo de Probabilidade de Tipicidade Ilicitude e Culpabilidade 53Fundamento da Prisão Preventiva Periculum Libertatis Análise a partir do Senso Comum Doutrinário e Jurisprudencial 54Análise dos Arts 313 e 314 do CPP Casos em que a Prisão Preventiva Pode ou Não ser Decretada 55Análise Crítica do Periculum Libertatis Resistindo à Banalização do Mal Controle Judicial da Substancial Inconstitucionalidade da Prisão para Garantia da Ordem Pública e da Ordem Econômica Defeito Genético 56Prisão para Garantia da Ordem Pública O Falacioso Argumento da Credibilidade ou Fragilidade das Instituições Risco de Reiteração Crítica Exercício de Vidência Contraponto Aceitação no Direito Comparado 57Desconstruindo o Paradigma da Cruel Necessidade Forjado pelo Pensamento Liberal Clássico Alternativas à Prisão por Conveniência da Instrução Criminal e para o Risco para Aplicação da Lei Penal 58Das Medidas Cautelares Diversas ou Medidas Alternativas à Prisão Preventiva 581Requisito Fundamento e Limites de Incidência das Medidas Cautelares Diversas 582Espécies de Medidas Cautelares Diversas 59Da Prisão Cautelar Domiciliar 510Decretação ou Manutenção da Prisão Preventiva quando da Sentença Penal Condenatória Recorrível ou da Decisão de Pronúncia 511Prisão Preventiva e Recursos Especial eou Extraordinário Inexistência de Prisão Obrigatória Ausência de Efeito Suspensivo e a Inadequada Transmissão de Categorias do Processo Civil 6Da Prisão Temporária 61Duração da Prisão Temporária Prazo com Sanção 62Especificidade do Caráter Cautelar Análise do Fumus Commissi Delicti e do Periculum Libertatis Crítica à Imprescindibilidade para as Investigações Policiais 7Prisão Especial Especificidades da Forma de Cumprimento da Prisão Preventiva Inexistência de Prisão Administrativa e Prisão Civil 8Liberdade Provisória O Novo Regime Jurídico da Fiança 81Definindo Categorias Relaxamento Revogação da Prisão Cautelar e Concessão da Liberdade Provisória 82Regime Jurídico da Liberdade Provisória 83Da Fiança 84Valor Reforço Dispensa Destinação Cassação Quebramento e Perda da Fiança 85Crimes Inafiançáveis e Situações de Inafiançabilidade Ausência de Prisão Cautelar Obrigatória Concessão de Liberdade Provisória sem Fiança e com Imposição de Medidas Cautelares Diversas 86Ilegalidade da Vedação à Concessão de Liberdade Provisória Possibilidade em Crimes Hediondos e Equiparados Nova Lei de Tóxicos Estatuto do Desarmamento e Lei n 9613 Lavagem de Dinheiro Capítulo XVI Das Medidas Assecuratórias ou das Medidas Cautelares Reais 1Explicações Iniciais 2Do Sequestro de Bens Imóveis e Móveis 21Requisito Legitimidade Procedimento Embargos do Imputado e de Terceiro 22Distinção entre Sequestro de Bens Móveis e a Busca e Apreensão A Confusa Redação do Art 132 do CPP 3Hipoteca Legal e Arresto Prévio de Imóveis Bens de Origem Lícita 4Arresto de Bens Móveis Origem Lícita Art 137 do CPP 5Medidas Cautelares Reais Demonstração da Necessidade e da Proporcionalidade Problemática Não Enfrentada Capítulo XVII Morfologia dos Procedimentos 1Introdução Sumária ReCognição da Santa Trindade do Direito Processual Penal 2Tentando Encontrar uma Ordem no Caos 3Análise da Morfologia dos Principais Procedimentos 31Rito Ordinário 311Considerações Gerais Morfologia Quando Ocorre o Recebimento da Acusação Ou a Mesóclise da Discórdia 312A Audiência de Instrução e Julgamento 32Rito Sumário 33Rito Especial Crimes Praticados por Servidores Públicos Contra a Administração em Geral 34Rito Especial Crimes Contra a Honra 35Rito Especial da Lei de Tóxicos Lei n 113432006 36Os Juizados Especiais Criminais JECrim e o Rito Sumaríssimo da Lei n 9099 361Competência dos Juizados Especiais Criminais Estaduais e Federais 362Limite de Pena e Competência do JECrim Causas de Aumento e de Diminuição de Pena Concurso de Crimes Material Formal e Continuado 363Composição dos Danos Civis e suas Consequências 364Transação Penal 3641E se o Ministério Público Não Oferecer a Transação Penal 3642Cabimento da Transação Penal em Ação Penal de Iniciativa Privada 3643Descumprimento da Transação Penal 365Suspensão Condicional do Processo 3651Considerações Introdutórias sobre a Suspensão Condicional do Processo 3652Alcance e Aplicação da Suspensão Condicional do Processo Cabimento em Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada Requisitos Momento de Oferecimento 3653Suspensão Condicional do Processo e a Desclassificação do Delito Aplicando a Súmula n 337 do STJ 3654O Período de Provas e o Cumprimento das Condições Causas de Revogação da Suspensão Condicional do Processo 3655Procedimento no Juizado Especial Criminal 36551Fase Preliminar Alteração da Competência Quando o Acusado Não é Encontrado Demais Atos 36552Rito Sumaríssimo 36553Recursos e Execução 37Crítica ao Sistema de Justiça Negociada 38Rito dos Crimes da Competência do Tribunal do Júri 381Competência e Morfologia do Procedimento 382O Procedimento Bifásico Análise dos Atos 3821Primeira Fase Atos da Instrução Preliminar 38211Decisão de Pronúncia Excesso de Linguagem O Problemático In Dubio Pro Societate Princípio da Correlação Crime Conexo Prisão Cautelar Intimação da Pronúncia 38212Decisão de Impronúncia Problemática Situação de Incerteza 38213Absolvição Sumária Própria e Imprópria 38214Desclassificação na Primeira Fase Própria e Imprópria e em Plenário 3822Segunda Fase Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário Relatório Crítica a que Qualquer Juiz Presida o Feito Alistamento dos Jurados 38221Do Desaforamento e Reaforamento Dilação Indevida e DeMora Jurisdicional Pedido de Imediata Realização do Julgamento 38222Obrigatoriedade da Função de Jurado Isenção Alegação de Impedimento Recusa de Participar e Ausência na Sessão Serviço Alternativo Problemática 38223A Sessão do Tribunal do Júri Constituição do Conselho de Sentença Direito de Não Comparecer Recusas e Cisão Instrução em Plenário Leitura de Peças e Proibições Uso de Algemas Debates 38224Juntada de Documentos para Utilização em Plenário Antecedência Mínima O Problema das Manobras e Surpresas 38225Considerações Sobre os Quesitos Teses Defensivas Desclassificação Própria e Imprópria 38226Da Sentença Condenatória e Absolutória Problemas em Torno dos Efeitos Civis A Prisão Preventiva 39Crítica ao Tribunal do Júri da Falta de Fundamentação das Decisões à Negação da Jurisdição Síntese do Capítulo Capítulo XVIII Decisões Judiciais e sua Necessária Motivação Superando o Paradigma Cartesiano Princípio da Correlação Congruência Coisa Julgada 1Dikelogía La Ciencia de la Justicia 2Controle da Racionalidade das Decisões e Legitimação do Poder 21Invalidade Substancial da Norma e o Controle Judicial 22A Superação do Dogma da Completude Jurídica Quem nos Protege da Bondade dos Bons 23À Guisa de Conclusões Provisórias Rompendo o Paradigma Cartesiano e Assumindo a Subjetividade no Ato de Julgar Mas Sem Cair no Decisionismo 3Decisão Penal Análise dos Aspectos Formais 4Princípio da Congruência ou Correlação na Sentença Penal 41A Imutabilidade da Pretensão Acusatória Recordando o Objeto do Processo Penal 42Princípio da Correlação ou Congruência Princípios Informadores A Importância do Contraditório e do Sistema Acusatório 43A Complexa Problemática da Emendatio Libelli Art 383 do CPP Para Além do Insuportável Reducionismo do Axioma Narra Mihi Factum Dabo Tibi Ius Rompendo os Grilhões Axiomáticos 44É Possível Aplicar o Art 383 Quando do Recebimento da Denúncia 45Mutatio Libelli Art 384 do CPP O Problema da Definição Jurídica Mais Favorável ao Réu e a Ausência de Aditamento 46Mutações de Crime Doloso para Culposo Consumado para Tentado Autor para Partícipe e ViceVersa Necessidade de Mutatio Libelli 47As Sentenças Incongruentes As Classes de Incongruência Nulidade 48Poderia o Juiz Condenar Quando o Ministério Público Requerer a Absolvição O Eterno Retorno ao Estudo do Objeto do Processo Penal e a Necessária Conformidade Constitucional A Violação da Regra da Correlação 5Coisa Julgada Formal e Material 51Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada 52Algumas Questões em Torno da Abrangência dos Limites da Coisa Julgada Circunstâncias e Elementares não Contidas na Denúncia O Problema do Concurso de Crimes Concurso Formal Material e Crime Continuado Crime Habitual Consumação Posterior do Crime Tentado Síntese do Capítulo Capítulo XIX Atos Processuais Defeituosos e a Crise da Teoria das Invalidades Nulidades A Forma como Garantia 1Introdução Meras Irregularidades e Atos Inexistentes 2Nulidades Absolutas e Relativas Construção dos Conceitos a Partir do Senso Comum Teórico e Jurisprudencial 21Nulidades Absolutas Definição 22Nulidades Relativas Definição 23A Superação da Estrutura Legal Vigente Nulidades Cominadas e Não Cominadas Arts 564 566 e 571 do CPP 24Teoria do Prejuízo e Finalidade do Ato Cláusulas Genéricas Manipulação Discursiva Crítica 3Análise a Partir das Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal e da Necessária Eficácia do Sistema de Garantias da Constituição 31Crítica à Classificação em Nulidades Absolutas e Relativas 32A Serviço de Quem Está o Sistema de Garantias da Constituição A Tipicidade do Ato Processual A Forma como Garantia Convalidação Nulidade Não é Sanção 33RePensando Categorias a Partir dos Conceitos de Ato Defeituoso Sanável ou Insanável Sistema de Garantias Constitucionais Quando o Feito com Defeito tem de ser Refeito 34Princípio da Contaminação Defeito por Derivação A Indevida Redução da Complexidade Arts 573 e 567 do CPP 35Atos Defeituosos no Inquérito Policial Novamente a Excessiva Redução de Complexidade a Serviço da Cultura Inquisitória Síntese do Capítulo Capítulo XX Teoria dos Recursos no Processo Penal ou as Regras para o Juízo sobre o Juízo 1Introdução Fundamentos Conceitos e Natureza Jurídica 2O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição Direito Fundamental InAplicabilidade nos Casos de Competência Originária dos Tribunais 3Classificando os Recursos Ordinários e Extraordinários Totais e Parciais Fundamentação Livre ou Vinculada Verticais e Horizontais Voluntários e Obrigatórios Crítica ao Recurso de Ofício 4Efeitos Devolutivo e Suspensivo Conceitos e Crítica Inadequação de Categorias Diante dos Valores em Jogo no Processo Penal 5Regras Específicas do Sistema Recursal 51Fungibilidade 52Unirrecorribilidade 53Motivação dos Recursos 54Proibição da Reformatio in Pejus e a Permissão da Reformatio in Mellius Problemática em Relação aos Julgamentos Proferidos pelo Tribunal do Júri 55Tantum Devolutum Quantum Appellatum 56Irrecorribilidade dos Despachos de Mero Expediente e das Decisões Interlocutórias Simples 57Complementaridade Recursal 58InDisponibilidade dos Recursos 59Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos 6Interposição Tempestividade Preparo na Ação Penal de Iniciativa Privada Deserção 7Requisitos Objetivos e Subjetivos dos Recursos Crítica à Transposição das Condições da Ação e Pressupostos Processuais 8Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito 9Para Refletir O DesCabimento da Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau Síntese do Capítulo Capítulo XXI Dos Recursos no Processo Penal Espécies 1Do Recurso em Sentido Estrito 11Requisitos Objetivos e Subjetivos do Recurso em Sentido Estrito 111Requisitos Objetivos Cabimento Adequação Tempestividade e Preparo 1111 Cabimento e Adequação 1112Tempestividade e Preparo 112Requisitos Subjetivos Legitimação e Gravame 12Efeitos do Recurso em Sentido Estrito 13Aspectos Relevantes do Procedimento Efeitos 2Do Recurso de Apelação 21Requisitos Objetivos e Subjetivos da Apelação 211Requisitos Objetivos e Subjetivos 2111Cabimento e Adequação 2112Tempestividade Legitimidade Gravame Preparo Processamento da Apelação 22Efeitos Devolutivo e Suspensivo O Direito de Apelar em Liberdade 3Embargos Infringentes e Embargos de Nulidade 31Requisitos Objetivos e Subjetivos 32O Problema da Divergência Parcial Interposição Simultânea do Recurso Especial e Extraordinário 33Efeitos Devolutivo e Suspensivo 4Embargos Declaratórios 41Requisitos Objetivos e Subjetivos 42Efeitos Devolutivo Suspensivo e Modificativo Infringentes 5Do Agravo em Execução Penal 51Requisitos Objetivos e Subjetivos 52Aspectos Procedimentais Formação do Instrumento e Efeito Regressivo 53Efeito Devolutivo e Suspensivo 6Da Carta Testemunhável 7Dos Recursos Especial e Extraordinário 71Requisitos Objetivos e Subjetivos 711Cabimento e Adequação no Recurso Especial 712Cabimento e Adequação no Recurso Extraordinário 713Demais Requisitos Recursais Tempestividade Preparo Legitimidade e Interesse Recursal Gravame 72A Exigência do Prequestionamento 73A Demonstração da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Reprodução em Múltiplos Feitos 74Efeito Devolutivo e Suspensivo Um Reducionismo a Ser Superado Prisão Automática nos Recursos Especial e Extraordinário por Ausência de Efeito Suspensivo 75Do Recurso Extraordinário com Agravo Do Agravo em Recurso Especial Síntese do Capítulo Capítulo XXII Ações de Impugnação Revisão Criminal Habeas Corpus Mandado de Segurança 1Revisão Criminal 11Cabimento Análise do art 621 do CPP 12Prazo Legitimidade Procedimento 13Limites da Decisão Proferida na Revisão Criminal Da Indenização 2Habeas Corpus 21Uma ReLeitura Histórica do Habeas Corpus Os Antecedentes do Direito Aragonês 22Antecedentes Históricos no Brasil e Considerações Iniciais 23Natureza Jurídica e a Problemática em Torno da Limitação da Cognição 24Objeto 25Cabimento Análise dos arts 647 e 648 do CPP Habeas Corpus Preventivo e Liberatório 251O Habeas Corpus como Instrumento de Collateral Attack 252O Habeas Corpus Contra Ato de Particular 253Habeas Corpus Preventivo 26Competência Legitimidade Procedimento 27Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus 3Mandado de Segurança em Matéria Penal 31Considerações Prévias 32Natureza Jurídica 33Objeto e Cabimento Direito Líquido e Certo 34Legitimidade Ativa e Passiva Competência 35Breves Considerações sobre o Procedimento Síntese do Capítulo Nota do Autor PARA A 11ª EDIÇÃO Novamente tenho o prazer de trazer ao leitor mais uma edição atualizada da obra que foi inteiramente revisada e pontualmente atualizada Corrigi uma omissão importante no estudo da natureza jurídica do processo ao incluir ainda que resumidamente a concepção de Elio Fazzalari processo como procedimento em contraditório Há anos que venho estudando o pensamento do autor italiano e agora decidi incluílo ainda que não veja na sua teoria uma evolução relevante em relação a Goldschmidt Mas a omissão foi corrigida atendendo ao pedido de alguns leitores No ano de 2013 não tivemos alterações legislativas de envergadura então a atualização ficou mais centrada na revisão de posições teóricas e evolução jurisprudencial Em relação à jurisprudência extremamente volátil e casuística esta foi atualizada especialmente na parte dos recursos Privilegiamos as decisões dos tribunais superiores STJ e STF mas sem desconsiderar inovadores acórdãos de Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais que não raras vezes sinalizam com acerto novos rumos Iniciamos uma inovação no formato do livro sempre buscando melhor atender o leitor Gradativamente vamos incorporar ao final de cada capítulo uma síntese dos principais temas e tópicos tratados A intenção é facilitar a consulta e o manuseio da obra reforçandosintetizando os aspectos mais relevantes os conceitos imprescindíveis Percebemos esse anseio por parte da comunidade acadêmica e também dos profissionais que manuseiam diariamente o livro Sem embargo visando manter o tamanho da obra para não tornála excessiva no volume e no preço retiramos alguns fragmentos de menor importância ou repetições Com isso abriuse espaço para inclusões e atualizações mantendo a proposta inicial Por fim agradecemos a excelente receptividade que a obra tem no meio acadêmico e profissional Um especial agradecimento aos professores que indicam a obra principalmente porque comprometidos com um processo penal democrático e constitucional e conscientes da importância da docência e da responsabilidade de abrir e formar cabeças pensantes Agradeço ainda às dezenas de emails que recebo aurylopesterracombr com críticas e sugestões e convido você leitora a ser meuminha seguidora no facebook httpwwwfacebookcomaurylopesjr e a participar das interessantíssimas discussões e debates que lá travamos Grande abraço e obrigado pela confiança Aury Lopes Jr Capítulo I UM PROCESSO PENAL PARA QUÊM BUSCANDO O FUNDAMENTO DA SUA EXISTÊNCIA 1 Breve Análise da História da Pena de Prisão e do Processo Penal Por que estudar a evolução histórica da pena de prisão em um livro de Direito Processual Penal Eis um questionamento que pode surgir até porque tem passado ao largo de muitos estudiosos do processo penal Mais não se trata de abordar a evolução do Direito Penal senão da pena de prisão Porque pensamos o processo penal a partir do princípio da necessidade que como será explicado na continuação considera que o processo penal é um caminho necessário para alcançarse a pena e principalmente um caminho que condiciona o exercício do poder de penar essência do poder punitivo à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal ou se preferirem são as regras do jogo se pensarmos no célebre trabalho Il processo come giuoco de CALAMANDREI1 Daí por que é imprescindível uma rápida panorâmica da evolução da pena de prisão para chegarse à compreensão da própria evolução do processo penal Feita essa ressalva vamos ao tema 11 Breve História da Pena de Prisão A história das penas aparece numa primeira consideração como um capítulo horrendo e infamante para a humanidade e mais repugnante que a própria história dos delitos Isso porque o delito constituise em regra numa violência ocasional e impulsiva enquanto a pena não tratase de um ato violento premeditado e meticulosamente preparado É a violência organizada por muitos contra um A Antiguidade desconhecia a privação de liberdade como sanção penal O encarceramento existe desde muito tempo mas não com a natureza de pena senão para outros fins Até finais do século XVIII2 a prisão servia somente com a finalidade de custódia ou seja contenção do acusado até a sentença e execução da pena até porque nessa época não existia uma verdadeira pena pois as sanções se esgotavam com a morte e as penas corporais e infamantes A prisão tinha inicialmente a função de lugar de custódia3 e tortura Na época prémoderna Idade Média tampouco existia a pena privativa de liberdade como sanção penal A prisão mantinha o caráter de lugar de custódia pois as penas eram bárbaras como a amputação de braços pernas olhos língua e outras mutilações A prisão canônica é um importante antecedente da prisão moderna pois é lá que se encontram os princípios de uma pena medicinal com o objetivo de levar o pecador ao arrependimento e à ideia de que a pena não deve servir para destruição do condenado senão para seu melhoramento4 Inclusive na inquisição a diferença do sistema vigorante até então conheceu a pena privativa de liberdade ao lado da prisão de natureza processual ou preventiva5 Até então séculos XVI e XVII havia o uso generalizado da pena de morte sendo que a forma de execução mais frequente era a forca Ao lado dela eram recorrentes os açoites a deportação e os atos causadores de vergonha pública Mas a pena capital começa a ser questionada pois não demonstrava ser um instrumento eficaz diante do aumento da criminalidade É quando começa a surgir a ideia da prisão como pena privativa de liberdade6 Na segunda metade do século XVII inicia na Europa um movimento fundamental para o desenvolvimento da pena privativa de liberdade7 com a construção de prisões organizadas para a correção dos apenados através do trabalho e da disciplina8 A principal causa da transformação da prisãocustódia em prisãopena foi a necessidade de que não se desperdiçaria mão de obra e também para controlar sua utilização conforme as necessidades de valorização do capital Existe uma forte influência do modelo capitalista implantado nessa época É o controle da força de trabalho da educação e da domesticação do trabalhador Essa era a síntese dos princípios que orientavam as workhouses inglesas e também as rasphuis para os homens e as spinhis para as mulheres em Amsterdã Somente no século XVIII surge a privação de liberdade como pena9 e apenas no século XIX a pena de prisão convertese na principal das penas substituindo progressivamente as demais Convém destacar que o Direito Penal nasce não como evolução senão como negação da vingança daí por que não há que se falar em evolução histórica da pena de prisão Não se trata de continuidade senão de descontinuidade A pena não está justificada pelo fim de vingança senão pelo de impedir por completo a vingança No sentido cronológico a pena substituiu a vingança privada não como evolução mas como negação pois a história do Direito Penal e da pena é uma longa luta contra a vingança10 Como explica ARAGONESES ALONSO11 podese resumir a evolução da pena da seguinte forma inicialmente a reação era eminentemente coletiva e orientada contra o membro que havia transgredido a convivência social A reação social é na sua origem basicamente religiosa e só de modo paulatino se transforma em civil O principal é que nessa época existia uma vingança coletiva que não pode ser considerada como pena pois vingança e pena são dois fenômenos distintos A vingança implica liberdade força e disposições individuais a pena a existência de um poder organizado Com a evolução da estrutura e da organização da coletividade surge o sistema de composição sucedâneo à vingança e consiste no pagamento de um determinado valor à comunidade No princípio eram os parentes da vítima que tinham o direito de aplicar essas sanções e aceitar os pagamentos Depois o Estado assume essa tarefa A partir desse momento começa a interessar para o processo penal pois ao assumir o Estado sai fortalecido seu poder desligando progressivamente a vítima do manejo da pena para transferir essa atividade ao juiz imparcial Assim surge a graduação das penas impostas pelo Estado que com a ideia eclesiásticoreligiosa do Talião dá ao instinto de vingança uma medida e um objeto O terceiro estágio de evolução da pena agora como pena pública vem marcado pela limitação jurídica do poder estatal pois o delito é considerado como uma transgressão da ordem jurídica e a pena uma reação do Estado contra a vontade individual oposta à sua Aqui a pena adquire seu caráter verdadeiro como pena pública pois o Estado vence a atuação familiar vingança do sangue e composição e impõe sua autoridade determinando que a pena seja pronunciada por um juiz imparcial cujos poderes são juridicamente limitados Assim a titularidade do direito de penar por parte do Estado surge no momento em que se suprime a vingança privada e se implantam os critérios de justiça O Estado como ente jurídico e político chama para si o direito e também o dever de proteger a comunidade e inclusive o próprio delinquente À medida que o Estado se fortalece consciente dos perigos que encerra a autodefesa assumirá o monopólio da justiça produzindose não só a revisão da natureza contratual do processo senão também a proibição expressa para os indivíduos de tomar a justiça por suas próprias mãos12 A relação entre o processo e a pena corresponde às categorias de meio e de fim Assim nasce o processo penal 12 Da Autotutela ao Processo Penal Ao suprimir a vingança privada e avocar o poder de punir nasce o processo penal como caminho necessário para que o Estado legitimamente imponha uma pena Como muito bem explica ARAGONESES ALONSO13 o processo penal visto como instituição estatal é na realidade a única estrutura que se reconhece como legítima para a satisfação da pretensão acusatória e a imposição da pena ao contrário do que ocorre no processo civil em que se pode lograr extraprocessualmente a satisfação da pretensão sem que necessariamente se tenha que acudir ao processo Com o delito surgem o conflito social e a pena pública como resposta estatal em nome da coletividade ao autor da conduta Mas esse poder de punir não é puro arbítrio do Estado mas sim um poder condicionado A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a própria evolução da pena refletindo a estrutura do Estado em um determinado período ou como prefere J GOLDSCHMIDT14 los princípios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Partiendo de esta experiencia la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso Como explica ARAGONESES ALONSO15 o processo evolui em linhas coerentes com a pena Inicia com a autotutela ou defesa privada em que por meio da coação particular o sujeito agredido resolve ou tenta resolver de forma direta o conflito impondo a sua vontade Nessa modalidade de autotutela simples prevalece a força das partes e não existe um juiz distinto São exemplos que ainda perduram no Direito Penal como no caso da legítima defesa e o estado de necessidade Superada essa fase passase à autotutela processualizada momento em que já existe uma estrutura formal semelhante à instituição do processo Tratase de uma figura pseudoprocessual16 que encobre no fundo um reparto unilateral e coativo O processo penal inquisitório é em certo sentido uma autotutela processualizada através da qual o juiz atua como parte Outros exemplos de conflitos estatais resolvidos assim são aqueles em que a administração da Justiça Penal se dá por meio de Tribunais de Adversários como ocorreu em Nuremberg A autocomposição surge dentro da evolução dos meios de solução de conflitos como uma forma mais civilizada Ambas as partes mediante acordo mútuo ou pela resignação de uma delas decidem colocar fim ao conflito17 A repartição de justiça se faz por exclusiva atividade das partes pois ainda que possa existir a intervenção de um terceiro prevalece a vontade das partes Nesse caso é um sistema de distribuição de justiça de forma autônoma pois o terceiro atua interpartes e não suprapartes Diferencia se da autotutela porque o conflito se resolve pelo convencimento e acordo e não pela força das partes O chamado reparto heterônomo18 pode ser obtido mediante19 a atuação de um terceiro parcial ou imparcial A heterotutela consiste na atuação de um terceiro a favor de uma das partes intervenientes O clássico exemplo citado pela doutrina espanhola e pouco explorado no Brasil é o da legítima defesa de terceiros que apesar de constituir uma variação da legítima defesa prevista no Direito Penal configura em um tema de Direito Processual pois uma pessoa que não um juiz estatal intervém para solução do conflito A despeito disso distinguese da autocomposição exatamente porque a distribuição de justiça não se realiza pela vontade consensual das partes interessadas e também da autotutela porque o terceiro não está interessado na repartição da justiça senão que atua no interesse de outro Por fim a heterocomposição cuja principal figura é a arbitragem pois a atuação de um terceiro imparcial retira a autonomia das partes e com isso impede o uso da força No processo penal contudo não existe possibilidade de arbitragem pois a natureza pública da pena conduziu o Estado a avocar o poder punitivo Daí por que em sendo a pena pública não há como se ter um processo de natureza privada Assim nessa classificação das formas de distribuição da justiça o processo penal surge com a pena pública e assume a estrutura de um sistema de reparto heterônomo por um terceiro imparcial público e com sua competência previamente fixada em lei juiz Impõese a necessidade da utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado processo judicial através da qual é designado um terceiro imparcial juiz pertencente à Administração pública da Justiça cuja designação deve ser previamente estabelecida por lei não cabendo à acusação ou à defesa sua escolha Resulta de uma imposição da estrutura institucional adotada O exercício do poder punitivo está condicionado e é condicionante da atuação estatal O processo penal como instituição estatal é a única estrutura que se reconhece como legítima para imposição da pena O Direito Penal contrariamente ao Direito Civil não permite em nenhum caso que a solução do conflito mediante a aplicação de uma pena se dê pela via extraprocessual Pedida a atuação do Estado através da acusação esse poder de atuar se transforma em dever de prestar de forma efetiva a tutela jurisdicional A palavra processo vem do verbo procedere que significa avançar caminhar em direção a um fim e por isso envolve a ideia de temporalidade de um desenvolvimento temporal desde um ponto inicial até alcançarse o ponto desejado Para CARNELUTTI20 o processo no significado originário não quer dizer outra coisa que desenvolvimento algo que se opera no tempo No processo penal a parte acusadora titular da pretensão acusatória invoca por meio da acusação ação penal que o juiz exerça a jurisdição e ao final se comprovada a tese acusatória exerça o poder de punir do Estado No momento em que o Estado substitui as partes e impede a autotutela nasce também um dever correlato de atuar quando a intervenção seja solicitada O instrumento por meio do qual se concretiza e se pode exercer o poderdever punitivo é o processo penal 2 Constituindo o Processo Penal desde a Constituição A Crise da Teoria das Fontes A Constituição como Abertura do Processo Penal A primeira questão a ser enfrentada por quem se dispõe a pensar o processo penal contemporâneo é exatamente rediscutir qual é o fundamento da sua existência por que existe e por que precisamos dele A pergunta poderia ser sintetizada no seguinte questionamento um Processo Penal para quêm Buscar a resposta a essa pergunta nos conduz à definição da lógica do sistema que vai orientar a interpretação e a aplicação das normas processuais penais Noutra dimensão significa definir qual é o nosso paradigma de leitura do processo penal buscar o ponto fundante do discurso Nossa opção é pela leitura constitucional e dessa perspectiva visualizamos o processo penal como instrumento de efetivação das garantias constitucionais J GOLDSCHMIDT21 a seu tempo22 questionou Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo Se o ius puniendi corresponde ao Estado que tem o poder soberano sobre seus súditos que acusa e também julga por meio de distintos órgãos perguntase por que necessita que prove seu direito em um processo A resposta passa necessariamente por uma leitura constitucional do processo penal Se antigamente o grande conflito era entre o direito positivo e o direito natural atualmente com a recepção dos direitos naturais pelas modernas constituições democráticas o desafio é outro dar eficácia a esses direitos fundamentais Como aponta J GOLDSCHMIDT23 os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa do que segmento da sua política estatal em geral e o processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da sua Constituição A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário utilitarista eficiência antigarantista Contudo a uma Constituição democrática como a nossa necessariamente deve corresponder um processo penal democrático visto como instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir logo consciência de que ela constituiaação é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através da sua instrumentalidade constitucional Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição Cremos que o constitucionalismo exsurgente do Estado Democrático de Direito pelo seu perfil compromissário dirigente e vinculativo constituiaação do Estado24 Com a precisão conceitual que lhe caracteriza JUAREZ TAVARES 25 ensina que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação em face de sua evidência Parece essa uma afirmação simples despida de maior dimensão Todo o oposto A perigosa viragem discursiva que nos está sendo imposta atualmente pelos movimentos repressivistas e as ideologias decorrentes faz com que cada vez mais a liberdade seja provisória até o CPP consagra a liberdade provisória e a prisão cautelar ou mesmo definitiva uma regra Ou ainda aprofundamse a discussão e os questionamentos sobre a legitimidade da própria liberdade individual principalmente no âmbito processual penal subvertendo a lógica do sistema jurídicoconstitucional Essa perigosa inversão de sinais exige um choque à luz da legitimação a priori da liberdade individual e a discussão deve voltar a centrarse no ponto correto muito bem circunscrito por TAVARES26 o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado e esta legitimação não pode resultar de que ao Estado se lhe reserve o direito de intervenção Destaquese o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir é a intervenção estatal e não a liberdade individual Mais essa legitimação não poderia resultar de uma autoatribuição do Estado uma autolegitimação que conduza a uma situação autopoiética portanto Mas essa já seria outra discussão em torno da própria legitimidade da pena que extravasa os limites deste trabalho A liberdade individual por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana está amplamente consagrada no texto constitucional e nos tratados internacionais sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos Essa é uma premissa básica que norteia toda a obra questionar a legitimidade do poder de intervenção por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal Nem mesmo o conceito de bem jurídico pode continuar sendo tratado como se estivesse imune aos valores do Estado Democrático Como adverte TAVARES 27 a questão da criminalização de condutas não pode ser confundida com as finalidades políticas de segurança pública porque se insere como uma condição do Estado democrático baseado no respeito dos direitos fundamentais e na proteção da pessoa humana E segue o autor apontando que em um Estado Democrático o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política de segurança pública reforçado pela atuação do judiciário como órgão fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de agentes merecedores de pena em face da respectiva atuação do Legislativo ou do Executivo Sem dúvida aqui reside o verdadeiro divisor de águas de cunho ideológico até se preferirem entre o discurso contido neste livro e muito do que continua sendo difundido pelo senso comum teórico e jurisprudencial ainda vitimados por um baixo nível de constitucionalização EINSTEIN tinha razão Que época triste essa nossa em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo Atualmente existe uma inegável crise da teoria das fontes em que uma lei ordinária acaba valendo mais do que a própria Constituição não sendo raros aqueles que negam a Constituição como fonte recusando sua eficácia imediata e executividade Essa recusa é que deve ser combatida A luta é pela superação do preconceito em relação à eficácia da Constituição no processo penal O processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo Direito Penal senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade e jamais se defendeu isso O processo penal é um caminho necessário para chegarse legitimamente à pena Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas as regras do devido processo legal Assim existe uma necessária simultaneidade e coexistência entre repressão ao delito e respeito às garantias constitucionais sendo essa a difícil missão do processo penal como se verá ao longo da obra No processo penal a Constituição ainda representa uma abertura um algo a ser buscado como ideal É avanço em termos de fortalecimento da dignidade da pessoa humana de abertura democrática rumo ao fortalecimento do indivíduo Nesse sentido nossa preocupação com a instrumentalidade constitucional e o caráter constituidor da Carta GERALDO PRADO28 destaca a importância da Constituição na perspectiva de fixar com clareza as regras do jogo político e de circulação do poder e assinala indelevelmente o pacto que é a representação da soberania popular e portanto de cada um dos cidadãos É a Constituição um locus prossegue Geraldo de onde são vislumbrados os direitos fundamentais estabelecendo um nexo indissolúvel entre garantia dos direitos fundamentais divisão dos poderes e democracia de sorte a influir na formulação das linhas gerais da política criminal de determinado Estado Finalizando lembra o autor que o espaço comum democrático é construído pela afirmação do respeito à dignidade humana e pela primazia do Direito como instrumento das políticas sociais inclusive a Política Criminal Partimos da mesma premissa de PRADO29 a Constituição da República escolheu a estrutura democrática sobre a qual há que existir e se desenvolver o processo penal forçado que está pois modelo préconstituição de 1988 a adaptarse e conformarse a esse paradigma Então não basta qualquer processo ou a mera legalidade senão que somente um processo penal que esteja conforme as regras constitucionais do jogo devido processo na dimensão formal mas principalmente substancial resiste à filtragem constitucional imposta Feito isso é imprescindível marcar esse referencial de leitura o processo penal deve ser lido à luz da Constituição e não ao contrário Os dispositivos do Código de Processo Penal é o que deve ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Carta sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal de 1941 3 Superando o maniqueísmo entre interesse público versus interesse individual Inadequada Invocação do Princípio da Proporcionalidade Argumento recorrente em matéria penal é o de que os direitos individuais devem ceder e portanto serem sacrificados frente à supremacia do interesse público É uma manipulação discursiva que faz um maniqueísmo grosseiro senão interesseiro para legitimar e pretender justificar o abuso de poder Inicialmente há que se compreender que tal reducionismo público privado está completamente superado pela complexidade das relações sociais que não comportam mais essa dualidade cartesiana Ademais em matéria penal todos os interesses em jogo principalmente os do réu superam muito a esfera do privado situandose na dimensão de direitos e garantias fundamentais portanto público se preferirem Na verdade são verdadeiros direitos de todos e de cada um de nós em relação ao abuso de poder estatal Já em 1882 MANUEL ALONSO MARTÍNEZ afirmava na Exposición de Motivos de la Ley de Enjuiciamiento Criminal que sagrada es sin duda la causa de la sociedad pero no lo son menos los derechos individuales W GOLDSCHMIDT30 explica que os direitos fundamentais como tais dirigemse contra o Estado e pertencem por conseguinte à seção que trata do amparo do indivíduo contra o Estado O processo penal constitui um ramo do Direito Público e como tal implica autolimitação do Estado uma soberania mitigada Ademais existe ainda o fundamento históricopolítico para sustentar a dupla função do moderno processo penal que foi bem abordado por BETTIOL31 A proteção do indivíduo também resulta de uma imposição do Estado Democrático pois a democracia trouxe a exigência de que o homem tenha uma dimensão jurídica que o Estado ou a coletividade não pode sacrificar ad nutum O Estado de Direito mesmo em sua origem já representava uma relevante superação das estruturas do Estado de Polícia que negava ao cidadão toda garantia de liberdade e isso surgiu na Europa depois de uma época de arbitrariedades que antecedeu a Declaração dos Direitos do Homem de 1789 A democracia enquanto sistema políticocultural que valoriza o indivíduo frente ao Estado manifesta se em todas as esferas da relação Estadoindivíduo Inegavelmente leva a uma democratização do processo penal refletindo essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal Podese afirmar com toda ênfase que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes débil ou seja o processo penal como direito protetor dos inocentes e todos os a ele submetidos o são pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em julgado pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de inocência prevista no art 5º LVII da Constituição O objeto primordial da tutela no processo penal é a liberdade processual do imputado o respeito a sua dignidade como pessoa como efetivo sujeito no processo O significado da democracia é a revalorização do homem en toda la complicada red de las instituciones procesales que sólo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad el hombre32 Não se pode esquecer como explica SARLET33 que a dignidade da pessoa humana é um valorguia não apenas dos direitos fundamentais mas de toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional razão pela qual para muitos se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológicavalorativa Inclusive na hipótese de conflito entre princípios e direitos constitucionalmente assegurados destaca SARLET34 o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por justificar e até mesmo exigir a imposição de restrições a outros bens constitucionalmente protegidos Isso porque como explica o autor existe uma inegável primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito da arquitetura constitucional Algumas lições por sua relevância merecem ser repetidas nesta obra É melhor pecar pela repetição do que correr o risco de perdêla por uma leitura pontual que nossos leitores eventualmente façam Assim nunca é excesso repetir uma lição magistral de JUAREZ TAVARES 35 que nos ensina que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação em face de sua evidência Destaquese o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir é a intervenção estatal e não a liberdade individual A liberdade individual por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana está amplamente consagrada no texto constitucional e nos tratados internacionais sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos Não há que se pactuar mais com a manipulação discursiva feita por alguns autores e julgadores que acabam por transformar a liberdade em provisória até o CPP consagra a liberdade provisória como se ela fosse precária e por outro lado a prisão cautelar ou mesmo definitiva uma regra Essa perigosa inversão de sinais exige um choque à luz da legitimação a priori da liberdade individual e a discussão deve voltar a centrarse no ponto correto muito bem circunscrito por TAVARES36 o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado Essa é uma premissa básica que norteia toda a obra questionar a legitimidade do poder de intervenção por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal Entendemos que sociedade base do discurso de prevalência do público deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência e não mais como um ente superior de que dependem os homens que o integram Inadmissível uma concepção antropomórfica na qual a sociedade é concebida como um ente gigantesco onde os homens são meras células que lhe devem cega obediência Nossa atual Constituição e antes dela a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior essa visão antropomórfica que corresponde a um sistema penal autoritário37 Na mesma linha BOBBIO38 explica que atualmente impõese uma postura mais liberal na relação Estadoindivíduo de modo que primeiro vem o indivíduo e depois o Estado que não é um fim em si mesmo O Estado só se justifica enquanto meio que tem como fim a tutela do homem e dos seus direitos fundamentais porque busca o bem comum que nada mais é do que o benefício de todos e de cada um dos indivíduos Por isso FERRAJOLI fala da ley del más débil39 No momento do crime a vítima é o débil e por isso recebe a tutela penal Contudo no processo penal operase uma importante modificação o mais débil passa a ser o acusado que frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do processo e posteriormente da pena O sujeito passivo do processo aponta GUARNIERI40 passa a ser o protagonista porque ele é o eixo em torno do qual giram todos os atos do processo AMILTON B DE CARVALHO 41 questionando para quem serve a lei aponta que a lei é o limite ao poder desmesurado leiase limite à dominação Então a lei eticamente considerada é proteção ao débil Sempre e sempre é a lei do mais fraco aquele que sofre a dominação Nessa democratização do processo penal o sujeito passivo deixa de ser visto como um mero objeto passando a ocupar uma posição de destaque enquanto parte42 com verdadeiros direitos e deveres43 É uma relevante mudança decorrente da constitucionalização e democratização do processo penal Muito preocupante por fim é quando esse discurso da prevalência do interesse público vem atrelado ao Princípio da Proporcionalidade fazendo uma viragem discursiva para aplicálo onde não tem legítimo cabimento Nesse tema é lúcida a análise do Min EROS GRAU no voto proferido no HC 950094SP página 44 e ss44 Em suma nesse contexto políticoprocessual estão superadas as considerações do estilo a supremacia do interesse público sobre o privado As regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas e obviamente constitucionais muito além dessa dimensão reducionista de públicoprivado Tratase de direitos fundamentais obviamente de natureza pública se quisermos utilizar essa categoria limitadores da intervenção estatal 4 Princípio da Necessidade do Processo Penal em Relação à Pena A titularidade exclusiva por parte do Estado do poder de punir ou penar se considerarmos a pena como essência do poder punitivo surge no momento em que é suprimida a vingança privada e são implantados os critérios de justiça O Estado como ente jurídico e político avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e também o próprio réu como meio de cumprir sua função de procurar o bem comum que se veria afetado pela transgressão da ordem jurídicopenal por causa de uma conduta delitiva45 À medida que o Estado se fortalece consciente dos perigos que encerra a autodefesa assume o monopólio da justiça ocorrendo não só a revisão da natureza contratual do processo senão a proibição expressa para os particulares de tomar a justiça por suas próprias mãos Frente à violação de um bem juridicamente protegido não cabe outra atividade46 que não a invocação da devida tutela jurisdicional Impõese a necessária utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado o processo penal em que mediante a atuação de um terceiro imparcial cuja designação não corresponde à vontade das partes e resulta da imposição da estrutura institucional será apurada a existência do delito e sancionado o autor O processo como instituição estatal é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena Isso porque o Direito Penal é despido de coerção direta e ao contrário do direito privado não tem atuação nem realidade concreta fora do processo correspondente No direito privado as normas possuem uma eficácia direta imediata pois os particulares detêm o poder de praticar atos jurídicos e negócios jurídicos de modo que a incidência das normas de direito material sejam civis comerciais etc é direta As partes materiais em sua vida diária aplicam o direito privado sem qualquer intervenção dos órgãos jurisdicionais que em regra são chamados apenas para solucionar eventuais conflitos surgidos pelo incumprimento do acordado Em resumo não existe o monopólio dos tribunais na aplicação do direito privado e ni siquiera puede decirse que estatísticamente sean sus aplicadores más importantes47 Por outro lado totalmente distinto é o tratamento do Direito Penal pois ainda que os tipos penais tenham uma função de prevenção geral e também de proteção não só de bens jurídicos mas também do particular em relação aos atos abusivos do Estado sua verdadeira essência está na pena e a pena não pode prescindir do processo penal Existe um monopólio da aplicação da pena por parte dos órgãos jurisdicionais e isso representa um enorme avanço da humanidade Para que possa ser aplicada uma pena não só é necessário que exista um injusto culpável mas também que exista previamente o devido processo penal A pena não só é efeito jurídico do delito48 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo A pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal posto que se o processo termina antes de desenvolverse completamente arquivamento suspensão condicional etc ou se não se desenvolve de forma válida nulidade não pode ser imposta uma pena Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito pena e processo de modo que são complementares Não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena Assim fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao Direito Penal e à pena pois o processo penal é o caminho necessário para a pena É o que GÓMEZ ORBANEJA49 denomina principio de la necesidad del proceso penal amparado no art 1º da LECrim50 pois não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal São três51 os monopólios estatais a Exclusividade do Direito Penal b Exclusividade pelos Tribunais c Exclusividade Processual Como explicamos atualmente a pena é estatal pública no sentido de que o Estado substituiu a vingança privada e com isso estabeleceu que a pena é uma reação do Estado contra a vontade individual Estão proibidas a autotutela e a justiça pelas próprias mãos A pena deve estar prevista em um tipo penal e cumpre ao Estado definir os tipos penais e suas consequentes penas ficando o tema completamente fora da disposição dos particulares vedada assim a justiça negociada52 LAURIA TUCCI53 aponta para a imposição de uma autolimitação do interesse punitivo do Estado administração que somente poderá realizar o Direito Penal mediante a ação judiciária dos juízes e tribunais Entendemos que a exclusividade dos tribunais em matéria penal deve ser analisada em conjunto com a exclusividade processual pois ao mesmo tempo em que o Estado prevê que só os tribunais podem declarar o delito e impor a pena também prevê a imprescindibilidade de que essa pena venha por meio do devido processo penal Ou seja cumpre aos juízes e tribunais declararem o delito e determinar a pena proporcional aplicável e essa operação deve necessariamente percorrer o leito do processo penal válido com todas as garantias constitucionalmente estabelecidas para o acusado Aos demais Poderes do Estado Legislativo e Executivo está vedada essa atividade Não obstante como destaca MONTERO AROCA54 absurdamente se constata día a día que las leyes van permitiendo a los órganos administrativos imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud muchas veces que ni siquiera pueden ser impuestas por los tribunales como penas Da mesma forma na execução penal constatase uma excessiva e perigosa administrativização em que faltas graves apuradas em procedimentos administrativos inquisitivos geram gravíssimas consequências55 Por fim destacamos que o processo penal constitui uma instância formal de controle do crime56 e para a Criminologia é uma reação formal ao delito e também pode ser considerado como um instrumento de seleção principalmente nos sistemas jurídicos que adotam princípios como o da oportunidade plea bargaining e outros mecanismos de consenso Ademais da mesma forma que o Direito Penal é excludente tanto quanto a sociedade o processo e seu conteúdo aflitivo só agravam a exclusão eis que se trata de inegável cerimônia degradante que possui seus clientes preferenciais 5 Instrumentalidade Constitucional do Processo Penal Estabelecido o monopólio da justiça estatal e do processo trataremos agora da instrumentalidade Desde logo não devem existir pudores em afirmar que o processo é um instrumento o problema é definir o conteúdo dessa instrumentalidade ou a serviço de quem ela está e que essa é a razão básica de sua existência Ademais o Direito Penal careceria por completo de eficácia sem a pena e a pena sem processo é inconcebível um verdadeiro retrocesso de modo que a relação e interação entre Direito e Processo é patente A strumentalità57 do processo penal reside no fato de que a norma penal apresenta quando comparada com outras normas jurídicas a característica de que o preceito tem por conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo e a sanção tem por destinatário aquele poder do Estado que é chamado a aplicar a pena Não é possível a aplicação da reprovação sem o prévio processo nem mesmo no caso de consentimento do acusado pois ele não pode se submeter voluntariamente à pena senão por meio de um ato judicial nulla poena sine iudicio Essa particularidade do processo penal demonstra que seu caráter instrumental é mais destacado que o do processo civil É fundamental compreender que a instrumentalidade do processo não significa que ele seja um instrumento a serviço de uma única finalidade qual seja a satisfação de uma pretensão acusatória Ao lado dela está a função constitucional do processo como instrumento a serviço da realização do projeto democrático como muito bem adverte GERALDO PRADO58 Nesse viés inserese a finalidade constitucionalgarantidora da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais em especial da liberdade individual Ademais a Constituição constitui logo necessariamente orienta a instrumentalidade do processo penal O termo instrumentalidade que sempre remeteu a algumas lições parciais de RANGEL DINAMARCO59 deve ser revisitado Claro que nunca pactuamos com qualquer visão eficientista ou de que o processo pudesse ser usado como instrumento político de segurança pública ou defesa social Resulta imprescindível visualizar o processo desde seu exterior para constatar que o sistema não tem valor em si mesmo senão pelos objetivos que é chamado a cumprir projeto democráticoconstitucional Sem embargo devemos ter cuidado na definição do alcance de suas metas pois o processo penal não pode ser transformado em instrumento de segurança pública Nesse contexto por exemplo inserese a crítica ao uso abusivo das medidas cautelares pessoais especialmente a prisão preventiva para garantia da ordem pública Tratase de buscar um fim alheio ao processo e portanto estranho à natureza cautelar da medida Trataremos novamente desse tema quando analisarmos a presunção de inocência e as prisões cautelares Nesse sentido importante é a análise de MORAIS DA ROSA60 quando sublinha o perigo de a transmitirse mecanicamente para o processo penal as lições de Rangel Dinamarco pautar a instrumentalidade pela conjuntura social e política demandando um aspecto ético do processo sua conotação deontológica expressão de Rangel Dinamarco Explica MORAIS DA ROSA que esse chamado exige que o juiz tenha os predicados de um homem do seu tempo imbuído em reduzir as desigualdades sociais baseandose nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado Social mas vinculada a uma posição especial do juiz no contexto democrático dandolhe poderes sobrehumanos na linha de realização dos escopos processuais com forte influência da superada filosofia da consciência deslizando no Imaginário e facilitando o surgimento de Juízes Justiceiros da Sociedade E conclui o autor afirmando que a pretensão de Dinamarco de que o juiz deve aspirar aos anseios sociais ou mesmo ao espírito das leis tendo em vista uma vinculação axiológica moralizante do jurídico com o objetivo de realizar o sentimento de justiça do seu tempo não mais pode ser acolhida democraticamente Nenhuma dúvida temos do enorme acerto e valor dessas lições e de que esse perigo denunciado por MORAIS DA ROSA é concreto e encontra em movimentos repressivos como lei e ordem tolerância zero e direito penal do inimigo um terreno fértil para suas nefastas construções Ainda mais danosas são as viragens linguísticas os giros discursivos pregados por lobos que em pele de cordeiro e alguns ainda dizem falar em nome da Constituição seduzem e mantêm em crença uma multidão de ingênuos cuja frágil base teórica faz com que sejam presas fáceis iludidos pelo discurso pseudoerudito desses ilusionistas Cuidado leitor mais perigosos do que os inimigos assumidos e por essa assunção até mereceriam algum respeito são os que falando em nome da Constituição operam num mundo de ilusão de aparência para seduzir os incautos Como diz JACINTO COUTINHO61 parecem pavões com belas plumas multicoloridas mas os pés cheios de craca Em suma nossa noção de instrumentalidade tem por conteúdo a máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição pautandose pelo valor dignidade da pessoa humana submetida à violência do ritual judiciário Voltando ao binômio Direito PenalProcessual a independência conceitual e metodológica do Direito Processual em relação ao direito material foi uma conquista fundamental Direito e processo constituem dois planos verdadeiramente distintos no sistema jurídico mas estão relacionados pela unidade de objetivos sociais e políticos o que conduz a uma relatividade do binômio direitoprocesso substance procedure Respeitando sua separação institucional e a autonomia de seu tratamento científico o processo penal está a serviço do Direito Penal ou para ser mais exato da aplicação dessa parcela do direito objetivo62 Por esse motivo não pode descuidar do fiel cumprimento dos objetivos traçados por aquele entre os quais está o de proteção do indivíduo A autonomia extrema do processo com relação ao direito material foi importante no seu momento e sem ela os processualistas não haveriam podido chegar tão longe na construção do sistema processual Mas isso já cumpriu com a sua função A acentuada visão autônoma está em vias de extinção e a instrumentalidade está servindo para relativizar o binômio direitoprocesso para a liberação de velhos conceitos e superar os limites que impedem o processo de alcançar outros objetivos além do limitado campo processual A ciência do processo já chegou a um ponto de evolução que lhe permite deixar para trás todos os medos e preocupações de ser absorvida pelo direito material assumindo sua função instrumental sem qualquer menosprezo O Direito Penal não pode prescindir do processo pois a pena sem processo perde sua aplicabilidade Com isso concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de sua existência mas com uma especial característica é um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais É uma especial conotação do caráter instrumental e que só se manifesta no processo penal pois se trata de instrumentalidade relacionada ao Direito Penal e à pena mas principalmente um instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais Está legitimado enquanto instrumento a serviço do projeto constitucional Tratase de limitação do poder e tutela do débil a ele submetido réu por evidente cuja debilidade é estrutural e estruturante do seu lugar Essa debilidade sempre existirá e não tem absolutamente nenhuma relação com as condições econômicas ou sociopolíticas do imputado senão que decorre do lugar em que ele é chamado a ocupar nas relações de poder estabelecidas no ritual judiciário pois é ele o sujeito passivo ou seja aquele sobre quem recaem os diferentes constrangimentos e limitações impostos pelo poder estatal Essa é a instrumentalidade constitucional que a nosso juízo funda sua existência 6 Quando Cinderela terá suas Próprias Roupas Respeitando as Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal ou Abandonando a Teoria Geral do Processo Era uma vez três irmãs que tinham em comum pelo menos um dos progenitores chamavamse a ciência do Direito Penal a ciência do Processo Penal e a ciência do Processo Civil E ocorreu que a segunda em comparação com as demais que eram belas e prósperas teve uma infância e uma adolescência desleixada abandonada Durante muito tempo dividiu com a primeira o mesmo quarto A terceira bela e sedutora ganhou o mundo e despertou todas as atenções Assim começa CARNELUTTI que com sua genialidade escreveu em 1946 um breve mas brilhante artigo infelizmente pouco lido no Brasil intitulado Cenerentola63 a Cinderela da conhecida fábula infantil O processo penal segue sendo a irmã preterida que sempre teve de se contentar com as sobras das outras duas Durante muito tempo foi visto como um mero apêndice do Direito Penal Evolui um pouco rumo à autonomia é verdade mas continua sendo preterido Basta ver que não se tem notícia na história acadêmica de que o processo penal tivesse sido ministrado ao longo de dois anos como costumeiramente o é o Direito Penal Se compararmos com o processo civil então a distância é ainda maior Mas em relação ao Direito Penal a autonomia obtida é suficiente até porque como define CARNELUTTI delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda Como o são Direito Penal e Processual Penal Recordese o que falamos sobre o princípio da necessidade Mas o problema maior está na relação com o processo civil O processo penal como a Cinderela sempre foi preterido tendo de se contentar em utilizar as roupas velhas de sua irmã Mais do que vestimentas usadas eram vestes produzidas para sua irmã não para ela A irmã favorita aqui corporificada pelo processo civil tem uma superioridade científica e dogmática inegável Tinha razão BETTIOL como reconhece CARNELUTTI64 de que assistimos inertes a um pancivilismo E isso nasce na academia com as famigeradas disciplinas de Teoria Geral do Processo tradicionalmente ministradas por processualistas civis que pouco sabem e pouco falam do processo penal e quando o fazem é com um olhar e discurso completamente viciado Nessa linha no Brasil entre os pioneiros críticos está TUCCI que principia o desvelamento do fracasso da Teoria Geral do Processo a partir da desconstrução do conceito de lide e sua consequente irrelevância para o processo penal passando pela demonstração da necessidade de se conceber o conceito de jurisdição penal para além das categorias de jurisdição voluntária e litigiosa e o próprio repensar a ação ação judiciária e ação da parte Aponta o autor ainda criticando a Teoria Geral do Processo que esse aliás foi um dos poucos raros aspectos negativos da grandiosa obra de JOSÉ FREDERICO MARQUES ao transplantar sem ou às vezes com modestos avaros retoques institutos de processo civil para o processo penal numa nítida adaptação dos Elementos de direito processual penal às Instituições de direito processual civil incorporandose numa prolixa e confusa concepção que poderia ser denominada teoria civil do processo penal 65 Como adverte COUTINHO66 outro antigo crítico da Teoria Unitária teoria geral do processo é engodo teoria geral é a do processo civil e a partir dela as demais Ou seja pensam tudo desde o lugar do processo civil com um olhar viciado que conduz a um engessamento do processo penal nas estruturas do processo civil O problema é grave mais grave ainda quando assistimos à imensa parcela da doutrina e por consequência do ciclo vicioso senão incestuoso também da jurisprudência falando em fumus boni iuris e periculum in mora para as prisões cautelares defendendo que o objeto do processo penal é a pretensão punitiva erro histórico de Binding como explicaremos invocando o pomposo mas absolutamente inadequado para nós no processo penal pas nullité sans grief para tratar das nulidades bem como fazer inadequadas relativizações negando efeito suspensivo ao Recurso Especial e Extraordinário por culpa de uma famigerada Lei n 8038 pensada para o processo civil relativizando a competência esquecendo que no processo penal o juiz natural é garantia fundante atribuindo poderes instrutórios ao juiz ativismo judicial e lecionando que as condições da ação processual penal são as mesmas do processo civil e por aí vai Todo um erro de pensar que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categorias do processo civil como se fossem as roupas da irmã mais velha cujas mangas se dobram para caber na irmã preterida É a velha falta de respeito a que se referia GOLDSCHMIDT às categorias jurídicas próprias do processo penal Contudo há chegado o momento e se vão mais de 60 anos do trabalho de CARNELUTTI de desvelar a diversidade fenomenológica e metodológica das duas irmãs processuais67 e compreender que o processo penal possui suas categorias jurídicas próprias sua diversidade inerente e que não mais se contenta em usar as vestes da irmã Como explica CARNELUTTI o processo civil é nove de cada dez vezes um processo de sujeitos que têm e quando um dos dois não tem aspira muito ter É o processo do meu e do teu o que está em jogo é a propriedade é uma relação coisificada diria SIMMEL68 muito antes e muito além dos juristas O processo civil é o cenário da riqueza de quem possui ao passo que no processo penal cada vez mais é o processo de quem não tem do excluído Isso contribui para o estigma da gata borralheira mas não justifica No processo penal em radical câmbio do que estamos tratando Não é do ter mas sim da liberdade No lugar da coisa pensase na liberdade de quem tendo está na iminência de perder ou que já não tendo pode recuperála ou perdêla ainda mais Tratase de voltar para casa ou ser encarcerado Como adverte CARNELUTTI é com a liberdade o que verdadeiramente se joga no processo penal Al juez penal se le pide como al juez civil algo que nos falta y de lo cual no podemos prescindir y es mucho más grave el defecto de libertad que el defecto de propiedad Significa dizer que ao juiz penal não se pede como ao juiz civil algo que nos falta o tal bem da vida como se referem os civilistas É a própria vida que está em jogo Para o autor tanto ao juiz penal como ao juiz civil compete dar a cada um o seu A imensa diferença está em que no penal é dispor do próprio ser ao passo que no civil é o ter Não se pode esquecer ainda como adverte certeiramente CIRINO DOS SANTOS69 que o processo penal não se constitui processo de partes livres e iguais como o processo civil por exemplo dominado pela liberdade de partes em situação de igualdade processual mas uma relação de poder instituída pelo Estado com a finalidade de descobrir a verdade de fatos criminosos e punir os autores considerados culpados São a ausência de liberdade e a relação de poder instituída em contraste com a liberdade e a igualdade os elementos fundantes de uma diferença insuperável entre o processo civil e o penal Cinderela é uma boa irmã adverte o mestre italiano e não aspira a uma superioridade em relação às outras senão unicamente a uma afirmação de paridade O processo civil ao contrário do que sempre se fez não serve para compreender o que é o processo penal serve para compreender o que não é Daí por que basta de teoria geral do processo 1 CALAMANDREI Piero Il processo come giuoco Rivista di Diritto Processuale v 5 parte I Padova 1950 2 Como explica BITENCOURT Cezar Roberto na excelente obra Falência da Pena de Prisão São Paulo Revista dos Tribunais 1993 p 14 e ss na Grécia antiga Platão defendia a existência de três tipos de prisão uma na praça do mercado para a custódia outra denominada de sofonisterium no interior da cidade servia para correção e uma terceira com a finalidade de causar o suplício estava situada em um lugar isolado afastado da cidade e tinha a função de amedrontar Mas a única que efetivamente era utilizada era a de custódia Os romanos também só conheceram a prisão com o fim de custódia É o famoso texto de Ulpiano Carcer enin ad continendo homines non ad puniendo haberit debit Digesto 48 cap 9º 3 RIVERA BEIRAS Iñaki La Cárcel en el Sistema Penal 2 ed Barcelona Bosh 1996 p 40 4 BITENCOURT Cezar Roberto A Falência da Pena de Prisão p 22 5 RIVERA BEIRA Iñaki op cit p 45 6 RIVERA BEIRA Iñaki op cit p 47 7 Como explica BITENCOURT A Falência da Pena de Prisão p 23 a origem desse movimento foi a pobreza que se estendeu pela Europa nesse período originando uma importante camada da população composta por pobres e miseráveis contribuindo para o surgimento de uma grande quantidade de mendigos e ladrões Diante da impossibilidade de enforcar a todos surgem a necessidade do encarceramento e a construção das prisões para a correção por meio do trabalho Nada muito diferente do que assistimos atualmente registrese principalmente se considerarmos a opção pela gestão penal da pobreza e também o quão rentável pode ser o mercado da privatização do sistema carcerário Sobre o tema na atualidade imprescindível a leitura de LOIC WACQUANT especialmente na obra As Prisões da Miséria publicada pela editora Jorge Zahar 8 Sobre o tema recomendase a leitura de Michel FOUCAULT Vigiar e Punir Petrópolis Editora Vozes 9 RIVERA BEIRAS Iñaki op cit p 46 10 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 333 11 No Prefácio da sua obra Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 12 PINA Rafael e CASTILLO LARRAÑAGA José Instituciones de Derecho Procesal Civil México Editorial Porrua 1961 p 26 13 No Prefácio da sua obra Instituciones de Derecho Procesal Penal 14 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosh 1935 p 67 15 De forma resumida no prefácio da obra Instituciones de Derecho Procesal Penal e com mais profundidade no capolavoro Proceso y Derecho Procesal 16 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal p 87 17 GIMENO SENDRA José Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 23 18 Eis aqui um problema linguístico Em espanhol é de uso corrente a expressão reparto heterónomo sendo esse último vocábulo empregado no sentido de algo que depende de algum poder alheio estranho que impede seu desenvolvimento normal Etimologicamente hetero vem de outro e do grego nómos significa lei costume segundo o Clave Diccionario de uso del español actual Madrid 1997 Assim a expressão heterônomo será empregada para definir um sistema de administração de justiça em que se exige por lei a intervenção de um terceiro imparcial 19 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal p 93 20 CARNELUTTI Francesco Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonso México Episa 1997 p 12 21 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 7 22 Logo considerando que todo saber é datado interessanos mais a pergunta do que a resposta dada pelo autor naquele momento 23 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 67 24 STRECK Lenio Jurisdição Constitucional e Hermenêutica Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 p 19 25 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal 3 ed Belo Horizonte Del Rey 2003 p 162 26 Op cit p 162 27 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal p 200 28 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 16 29 PRADO Geraldo Sistema Acusatório p 44 30 La Ciencia de la Justicia Dikelogía p 201 31 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal Trad Faustino GutiérrezAlviz y Conradi Barcelona Bosh 1976 p 54 e ss 32 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal p 174 33 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 74 34 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana cit p 115 35 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal cit p 162 36 Op cit p 162 37 ZAFFARONI Eugenio Raúl e PIERANGELI José Henrique Manual de Direito Penal Brasileiro 2 ed São Paulo RT 1999 p 96 38 No prólogo da obra de FERRAJOLI Derecho y Razón p 18 39 FERRAJOLI Luigi Derechos y Garantias La ley del más débil Trad Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi Madri Trotta 1999 40 GUARNIERI Jose Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México Jose M Cajica 1952 p 272 41 Lei Para Quem In WUNDERLICH Alexandre Coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 56 e ss 42 É complexa a problemática doutrinária acerca da existência de partes no processo penal Não sendo o momento oportuno para enfrentála limitamonos a esclarecer que quando falamos em partes estamos aludindo a um processo penal de partes que trata o sujeito passivo não mais como um mero objeto 43 Ou cargas expectativas e perspectivas se adotarmos a Teoria do Processo como Situação Jurídica de James Goldschmidt 44 Tenho criticado aqui e o fiz ainda recentemente ADPF 144 a banalização dos princípios entre aspas da proporcionalidade e da razoabilidade em especial do primeiro concebido como um princípio superior aplicável a todo e qualquer caso concreto o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de corrigir o legislador invadindo a competência deste O fato no entanto é que proporcionalidade e razoabilidade nem ao menos são princípios porque não reproduzem as suas características porém postulados normativos regras de interpretaçãoaplicação do direito No caso de que ora cogitamos esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual não há direitos absolutos E tal como tem sido em nosso tempo pronunciada dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional Deveras a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe sim mas não é absoluto porquanto não se aplica ao caso E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer de súditos cidadãos Diante do inquisidor não temos qualquer direito Ou melhor temos sim vários mas como nenhum deles é absoluto nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudirnos Primeiro essa gazua em seguida despencando sobre todos a pretexto da necessária atividade persecutória do Estado a supremacia do interesse público sobre o individual Essa premissa que se pretende prevaleça no Direito Administrativo não obstante mesmo lá sujeita a debate aqui impertinente não tem lugar em matéria penal e processual penal Esta Corte ensina HC 80263 relator Ministro ILMAR GALVÃO que a interpretação sistemática da Constituição leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar Essa é a proporcionalidade que se impõe em sede processual penal em caso de conflito de preceitos prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie grifo nosso 45 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 7 46 Salvo aquelas protegidas pelas causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade juridicamente reconhecidas pelo Direito Penal 47 MONTERO AROCA Juan Principios del Proceso Penal una explicación basada en la razón Valencia Tirant lo Blanch 1997 p 15 48 Como explica GOMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosh 1951 t I p 27 e ss 49 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 27 50 Norma processual penal espanhola Ley de Enjuiciamiento Criminal 51 Seguindo MONTERO AROCA Principios del Proceso Penal p 16 e ss 52 Apesar disso cumpre destacar que o monopólio estatal de perseguir e punir está sendo questionado a cada dia com mais força com o implemento de princípios como oportunidade e conveniência da ação penal aumento do número de delitos de ação penal privada ou pública condicionada e com as possibilidades de transação penal plea bargaining A justiça negociada configura uma perigosa e equivocada alternativa ao processo penal conforme explicaremos na continuação 53 LAURIA TUCCI Rogério Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 25 54 Principios del Proceso Penal p 19 55 Sobre o tema consultem os diversos trabalhos constantes na obra Crítica à Execução Penal organizada por Salo de Carvalho e publicada pela Editora Lumen Juris 56 Conforme explicam FIGUEIREDO DIAS Jorge e COSTA ANDRADE Manuel na obra Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 365 e ss 57 Como explica LEONE Giovanni Elementi di Diritto e Procedura Penale 5 ed Napoli Jovene 1981 p 189 58 Imprescindível a leitura de GERALDO PRADO na excepcional obra Sistema Acusatório publicada pela Editora Lumen Juris para aprofundar o estudo 59 RANGEL DINAMARCO Candido A Instrumentalidade do Processo São Paulo Malheiros 1990 60 MORAIS DA ROSA Alexandre Direito Infracional garantismo psicanálise e movimento antiterror Florianópolis Habitus 2005 p 135 e ss 61 No Prefácio da nossa obra Introdução Crítica ao Processo Penal Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional publicada pela Editora Lumen Juris 62 OLIVA SANTOS na obra coletiva Derecho Procesal Penal p 6 63 Originariamente publicado na Rivista di Diritto Processuale v 1 parte 1 p 7378 Em espanhol foi publicado com o título La Cenicienta na obra Cuestiones sobre el Proceso Penal p 1521 64 CARNELUTTI teve uma produção científica bastante ampla prolixa até escrevendo do Direito Comercial ao Direito Penal passando pelo Processo Civil e pelo Processo Penal Natural que cometesse como de fato cometeu diversos tropeços nessa longuíssima caminhada dogmática Também caiu diversas vezes em contradição Em casos assim é preciso conhecer também o autor das obras para não fazer equivocados juízos a priori Fazemos essa advertência porque em que pese no final da vida ter feito verdadeiras declarações de amor ao Direito Penal e ao Processo Penal lutando por sua evolução e valorização também foi ele um defensor da equivocada Teoria Unitária Teoria Geral do Processo pensando ser o conceito de lide algo unificador Logo la cenicienta deve ser compreendida nesse contexto e nesses conflitos científicos que ele mesmo vivia 65 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 54 66 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 p 119 67 No mesmo sentido ANDRES DE LA OLIVA SANTOS na obra coletiva Derecho Procesal Penal p 51 68 Aqui estamos fazendo alusão ao complexo pensamento de SIMMEL quando já em 1896 escreveu sobre O dinheiro na cultura moderna demonstrando o processo de coisificação da humanidade Importante ainda a leitura de RUTH GAUER O Reino da Estupidez e o Reino da Razão p 146 e ss quando abordando SIMMEL explica que a morte do homem foi diagnosticada quando o autor analisou o papel do dinheiro na sociedade e a separação entre as culturas subjetiva e objetiva Essa coisificação do ser humano levou ao domínio da coisa sobre o homem Como explica GAUER o dinheiro é o Deus moderno onipotente e onipresente uma unidade e referência que une a todos Sua busca é a sua falta produz o ritmo nervoso e o estresse da vida moderna Que novo tipo de vida o dinheiro constitui 69 CIRINO DOS SANTOS Juarez Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 655 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO É imprescindível compreender a evolução da pena de prisão para chegarse ao nascimento e evolução do processo penal O direito penal nasce não como evolução mas como negação da vingança privada Até então não se tem processo penal que nasce quando o Estado assume a tarefa de punir pena pública A relação entre o processo e a pena corresponde às categorias de meio e de fim O processo penal deve se constitucionalizar ser lido à luz da Constituição Logo ele funciona como um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da Constituição O processo deve se democratizar e ser constituído a partir da Constituição Por instrumentalidade constitucional se entende a concepção do processo em conformidade com a Constituição democrática sendo considerado como um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo Existe uma crise na teoria das fontes que se manifesta no momento em que erroneamente a uma lei ordinária como o Código Penal ou Processual Penal é atribuído maior valor normativo que à Constituição É o erro de negar à Constituição o status de fonte primeva É imprescindível fazerse uma leitura inversa em que toda a legislação infraconstitucional deve passar por uma filtragem constitucional É o processo penal que deve ser lido à luz da Constituição e não o inverso Não se pode confundir garantias processuais com impunidade É necessária a coexistência entre garantir e punir de modo que se pode garantir para punir e punir garantindo Estão superadas as considerações do estilo a supremacia do interesse público sobre o privado As regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas e obviamente constitucionais muito além dessa dimensão reducionista de públicoprivado Tratase de direitos fundamentais obviamente de natureza pública se quisermos utilizar essa categoria limitadores da intervenção estatal Princípio da Necessidade o direito penal é despido de poder coercitivo direto somente se efetivando através do processo Por isso o processo penal é um caminho necessário para chegarse a uma pena Inexiste possibilidade de aplicação de pena sem prévio processo penal Nulla poena et nulla culpa sine iudicio É necessário pensarse o processo penal a partir de suas categorias jurídicas próprias fazendo uma recusa à teoria geral do processo pois constituem um equívoco as analogias e importações de conceitos do direito processual civil dadas as especificidades do processo penal Capítulo II TEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO PENAL 1 Introdução As Várias Teorias Questão muito relevante é compreender a natureza jurídica do processo penal o que ele representa e constitui Tratase de abordar a determinação dos vínculos que unem os sujeitos juiz acusador e réu bem como a natureza jurídica de tais vínculos e da estrutura como um todo Analisando a história do processo ARAGONESES ALONSO1 divide as diferentes teorias em três grandes grupos a saber 1 Teorias que utilizam categorias de outros ramos do direito 11 Teorias de direito privado 111 Processo como contrato 112 Processo como quase contrato 113 Processo como acordo 12 Teorias de direito público 121 Processo como relação jurídica BÜLOW 122 Processo como serviço público JÈZE e DUGUIT 123 Processo como instituição GUASP 2 Teorias que utilizam categorias jurídicas próprias 21 Processo como estado de ligação KISCH 22 Processo como situação jurídica GOLDSCHMIDT 3 Teorias Mistas2 31 Teoria da vontade vinculatória autárquica da lei PODETTI 32 Processo como relação que se desenvolve em situações ALSINA 33 Processo como entidade jurídica complexa FOSCHINI As teorias de direito privado contrato quase contrato e acordo foram sendo completamente abandonadas até o final do século XIX quando o processo civil e penal deixa de ser considerado um mero apêndice do direito privado para adquirir sua autonomia Na esfera penal influência decisiva para o abandono das teorias privadas foi o fato de a pena passar ao estágio de pena pública como explicado anteriormente exigindo que a Administração da Justiça fosse exercida pelo Estado pois ele passou a deter o poder de punir com o abandono e a proibição da vingança privada Dentre as teorias de direito público foi a noção de processo como relação jurídica de Oskar von BÜLOW a que teve e tem maior aceitação até os dias de hoje As demais processo como serviço público JÈZE e DUGUIT e processo como instituição GUASP tiveram pouca aceitação e apenas contribuíram para enriquecer a discussão e evolução do processo mas não foram adotadas Da mesma forma os estudos de KISCH PODETTI ALSINA e FOSCHINI Foi sem dúvida alguma JAMES GOLDSCHMIDT o maior e único opositor à altura da tese de BÜLOW com sua teoria do processo como situação jurídica Mais do que estruturar uma nova leitura da complexa fenomenologia do processo GOLDSCHMIDT mostra os graves equívocos e a insustentabilidade da noção de processo como relação jurídica Assim considerando os limites do presente trabalho nos centraremos nessas duas teorias 2 Processo como Relação Jurídica A Contribuição de Bülow A obra de BÜLOW La teoría de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesales publicada em 18683 foi um marco definitivo para o processo pois estabeleceu o rompimento do direito material com o direito processual e a consequente independência das relações jurídicas que se estabelecem nessas duas dimensões É o definitivo sepultamento das explicações privativistas em torno do processo A teoria do processo como uma relação jurídica é o marco mais relevante para o estudo do conceito de partes principalmente porque representou uma evolução de conteúdo democráticoliberal do processo em um momento em que o processo penal era visto como uma simples intervenção estatal com fins de desinfecção social ou defesa social4 Como aponta CHIOVENDA la sencillísima pero fundamental idea notada por HEGEL afirmada por BETHMANNHOLLWEG y desenvuelta principalmente por BÜLOW y más tarde por KOHLER y por otros muchos incluso en Italia5 el proceso civil contiene una relación jurídica criou um novo marco na doutrina processual civil e também no processo penal Na realidade não se pode afirmar que BÜLOW criou a teoria da relação jurídica pois como aponta ARAGONESES ALONSO6 o tema já havia sido aludido por BETHMANNHOLLWEG anteriormente Ademais existem antecedentes históricos nos juristas italianos medievais como BÚLGARO7 que ao afirmar que judicium est actus trium personarum judicis actoris rei contemplava no processo as três partes o juiz que julgue o autor que demande e o réu que se defenda Contudo foi ele quem racionalizou a teoria e principalmente a desenvolveu sistematicamente frente ao processo A partir daí não só o processo se desenvolve como instituição senão que a ação processual passa a adquirir uma nova dimensão que conduz a importantes estudos e evolução científica e dogmática de conceitos COUTURE aponta que para a ciência do processo a separação entre direito e ação constituiu um fenômeno análogo ao que representou para a física a divisão do átomo Para BÜLOW o processo é uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes MP e réu e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais Sua natureza pública decorre do fato de o vínculo se dar entre as partes e o órgão público da Administração de Justiça numa atividade essencialmente pública Nesse sentido o processo é uma relação jurídica de direito público autônoma e independente da relação jurídica de direito material No processo penal representou um avanço no tratamento do imputado que deixa de ser visto como um mero objeto do processo para ser tratado como um verdadeiro sujeito com direitos subjetivos próprios e principalmente que pode exigir que o juiz efetivamente preste a tutela jurisdicional solicitada como garantidor da eficácia do sistema de garantias previsto na Constituição Segundo BÜLOW8 o processo é um conjunto de direitos e obrigações recíprocos isto é uma relação jurídica Tal relação é pública posto que os direitos e as obrigações processuais se dão entre os funcionários do Estado e os cidadãos desde o momento em que se trata no processo da função dos agentes públicos É ainda uma relação contínua pois avança gradualmente e se desenvolve passo a passo numa sequência de atos logicamente concatenados Desenvolvese ainda de modo progressivo entre o tribunal e as partes Para isso é necessário saber entre que pessoas pode se estabelecer a que objeto se refere que ato ou fato é necessário para seu nascimento e quem é capaz ou está facultado para realizar tal ato Para BÜLOW os elementos constitutivos da relação jurídicoprocessual são pessoas matéria atos e momento em que se desenvolvem Assim chegamos a outra preciosa contribuição do autor para a ciência do processo a Teoria dos Pressupostos Processuais9 que surge basicamente da distinção entre a relação jurídica de direito material e a relação jurídicoprocessual e procura definir quais são os pressupostos de validade e existência do processo Com base nos pressupostos processuais foi possível compreender a existência do processo e entre outras coisas desenvolver uma teoria sobre as nulidades processuais com fundamento mais adequado Essa relação jurídicoprocessual é triangular como explica WACH 10 seguindo a BÜLOW e dada sua natureza complexa se estabelece entre as partes e entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações Negar isso é o mesmo que voltar à ideia de um Estado totalitário em que não existe o binômio poderdever jurisdicional O processo é uma via de mão dupla em que as partes têm direito à tutela jurisdicional e o juiz o dever de conduzir o processo até alcançar a sentença Quando verificamos que existe uma relação de direitos e deveres recíprocos entre acusador e acusado como ocorre em relação aos direitos fundamentais não se pode negar que exista uma verdadeira relação jurídica complexa entre eles Graficamente a teoria pode ser representada da seguinte forma Partindo dos fundamentos apontados por BÜLOW aperfeiçoados por WACH 11 e posteriormente por CHIOVENDA podese afirmar que o processo penal é uma relação jurídica pública autônoma e complexa pois existem entre as três partes verdadeiros direitos e obrigações recíprocos Somente assim estaremos admitindo que o acusado não é um mero objeto do processo tampouco que o processo é um simples instrumento para a aplicação do jus puniendi estatal O acusado é parte integrante do processo em igualdade de armas com a acusação seja ela estatal ou não e como tal possuidor de um conjunto de direitos subjetivos dotados de eficácia em relação ao juiz e à acusação Mesmo entre os seguidores de BÜLOW não existe acordo entre quem se estabelece a relação processual Para alguns se estabelece entre as partes e o juiz HELLWIG para outros somente entre as partes KOHLER e finalmente existem aqueles que concebem a relação como triangular WACH Na Itália a base da teoria da relação jurídica foi adotada entre outros por CARNELUTTI12 CHIOVENDA13 BETTIOL e ROCCO A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas tanto na sua aplicação para o processo civil como também para o processo penal mas em que pese sua insuficiência e inadequação acabou sendo adotada pela maior parte da doutrina processualista A crítica mais contundente e profunda veio sem dúvida de GOLDSCHMIDT através de sua tese de que o processo é uma situação jurídica como se verá na continuação 3 Processo como Situação Jurídica ou a Superação de Bülow por James Goldschmidt A noção de processo como relação jurídica estruturada na obra de BÜLOW14 foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres estabelecidos entre as partes e entre as partes e o juiz O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma efetiva relação jurídica com um autêntico processo de partes Com certeza foi muito sedutora a tese de que no processo haveria um sujeito que exercitava nele direitos subjetivos e principalmente que poderia exigir do juiz que efetivamente prestasse a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de resistência defesa Apaixonante ainda a ideia de que existiria uma relação jurídica obrigatória do juiz com relação às partes que teriam o direito de lograr através do ato final um verdadeiro clima de legalidade e restabelecimento da paz social Foi JAMES GOLDSCHMIDT e sua Teoria do Processo como Situação Jurídica tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage publicada em Berlim em 1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor15 quem melhor evidenciou as falhas da construção de BÜLOW mas principalmente quem formulou a melhor teoria para explicar e justificar a complexa fenomenologia do processo Para o autor o processo é visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes atravessam caminham em direção a uma sentença definitiva favorável Nega ele a existência de direitos e obrigações processuais e considera que os pressupostos processuais de BÜLOW são na verdade pressupostos de uma sentença de fundo GOLDSCHMIDT ataca primeiramente os pressupostos da relação jurídica em seguida nega a existência de direitos e obrigações processuais ou seja o próprio conteúdo da relação e por fim reputa definitivamente como estática ou metafísica a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos Nesse sentido os pressupostos processuais não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídicoprocessual para serem concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito Interessanos pois a crítica pelo viés da inércia e da falsa noção de segurança que traz ínsita a teoria do processo enquanto relação jurídica Foi GOLDSCHMIDT quem evidenciou o caráter dinâmico do processo ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Na síntese do autor durante a paz a relação de um Estado com seus territórios de súditos é estática constitui um império intangível Sem embargo ensina GOLDSCHMIDT quando a guerra estoura tudo se encontra na ponta da espada os direitos mais intangíveis se convertem em expectativas possibilidades e obrigações e todo direito pode se aniquilar como consequência de não ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação como pelo contrário a guerra pode proporcionar ao vencedor o desfrute de um direito que não lhe corresponde16 Essa dinâmica do estado de guerra é a melhor explicação para o fenômeno do processo que deixa de lado a estática e a segurança controle da relação jurídica para inserirse na mais completa epistemologia da incerteza O processo é uma complexa situação jurídica na qual a sucessão de atos vai gerando situações jurídicas das quais brotam as chances que bem aproveitadas permitem que a parte se liberte de cargas probatórias e caminhe em direção favorável Não aproveitando as chances não há a liberação de cargas surgindo a perspectiva de uma sentença desfavorável O processo enquanto situação em movimento dá origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas Do aproveitamento ou não dessas chances surgem ônus ou bônus As expectativas de uma sentença favorável irão depender normalmente da prática com êxito de um ato processual anterior realizado pela parte interessada liberação de cargas Como explica o autor17 se entiende por derechos procesales las expectativas posibilidades y liberaciones de una carga procesal Existen paralelamente a los derechos materiales es decir a los derechos facultativos potestativos y permisivos Las llamadas expectativas son esperanzas de obtener futuras ventajas procesales sin necesidad de acto alguno propio y se presentan rara vez en el desenvolvimiento normal del proceso pueden servir de ejemplo de ellas la del demandado de que se desestime la demanda que padezca de defectos procesales o no esté debidamente fundada As posibilidades surgem de uma chance são consideradas como la situación que permite obtener una ventaja procesal por la ejecución de un acto procesal18 Como esclarece ARAGONESES ALONSO19 a expectativa de uma vantagem processual e em última análise de uma sentença favorável à dispensa de uma carga processual e a possibilidade de chegar a tal situação pela realização de um ato processual constituem os direitos em sentido processual da palavra Na verdade não seriam direitos propriamente ditos senão situações que poderiam denominarse com a palavra francesa chances20 Diante de uma chance a parte pode liberarse de uma carga processual e caminhar em direção a uma sentença favorável expectativa ou não se liberar e com isso aumentar a possibilidade de uma sentença desfavorável perspectiva Assim sempre que as partes estiverem em situação de obter por meio de um ato uma vantagem processual e em última análise uma sentença favorável têm uma possibilidade ou chance processual O produzir uma prova refutar uma alegação juntar um documento no devido momento são típicos casos de aproveitamento de chances Tampouco incumbem às partes obrigações mas sim cargas processuais entendidas como a realização de atos com a finalidade de prevenir um prejuízo processual e consequentemente uma sentença desfavorável Tais atos se traduzem essencialmente na prova de suas afirmações É importante recordar que no processo penal a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória denúncia ou queixa mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência Infelizmente diuturnamente nos deparamos com sentenças e acórdãos fazendo uma absurda distribuição de cargas no processo penal tratando a questão da mesma forma que no processo civil Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na falta de provas da tese defensiva como se o réu tivesse que provar sua versão de negativa de autoria ou da presença de uma excludente É um erro Não existe uma distribuição senão que a carga probatória está inteiramente nas mãos do Ministério Público O que sim podemos conceber indo além da noção inicial de situação jurídica é uma assunção de riscos Significa dizer que à luz da epistemologia da incerteza que marca a atividade processual e o fato de a sentença ser um ato de convencimento como explicaremos a seu tempo a não produção de elementos de convicção para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu acabe potencializando o risco de uma sentença desfavorável Não há uma carga para a defesa mas sim um risco Logo coexistem as noções de carga para o acusador e risco para a defesa Carga é um conceito vinculado à noção de unilateralidade logo não passível de distribuição mas sim de atribuição No processo penal a atribuição da carga probatória está nas mãos do acusador não havendo carga para a defesa e tampouco possibilidade de o juiz auxiliar o MP a liberarse dela recusa ao ativismo judicial A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória Assim quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance logo assunção do risco de uma sentença desfavorável Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio calcado no nemo tenetur se detegere Não gera um prejuízo processual pois não existe uma carga Contudo potencializa o risco de uma sentença condenatória Isso é inegável Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um prejuízo imediato e tampouco possui um dever de liberação A questão deslocase para a dimensão da assunção do risco pela perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz O réu que cala assume o risco decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da veracidade de sua tese Mas voltando à concepção goldschmidtiana a obrigação processual carga é tida como um imperativo do próprio interesse da parte diante da qual não há um direito do adversário ou do Estado Por isso é que não se trata de um dever O adversário não deseja outra coisa senão que a parte se desincumba de sua obrigação de fundamentar provar etc Com efeito há uma relação estreita entre as obrigações processuais e as possibilidades direitos processuais da mesma parte uma vez que cada possibilidade impõe à parte a obrigação de aproveitar a possibilidade com o objetivo de prevenir sua perda21 A liberação de uma carga processual pode decorrer tanto de um agir positivo praticando um ato que lhe é possibilitado como também de um não atuar sempre que se encontre numa situação que le permite abstenerse de realizar algún acto procesal sin temor de que le sobrevenga el perjuicio que suele ser inherente a tal conducta22 Já a perspectiva de uma sentença desfavorável irá depender sempre da não realização de um ato processual em que a lei imponha um prejuízo pela inércia A justificativa encontrase no princípio dispositivo A não liberação de uma carga acusação leva à perspectiva de um prejuízo processual sobretudo de uma sentença desfavorável e depende sempre que o acusador não tenha se desincumbido de sua carga processual23 Na síntese de ARAGONESES ALONSO24 al ser expectativas o perspectivas de un fallo judicial futuro basadas en las normas legales representan más bien situaciones jurídicas lo que quiere decir estado de una persona desde el punto de vista de la sentencia judicial que se espera con arreglo a las normas jurídicas Assim o processo deve ser entendido como o conjunto dessas situações processuais e concebido como um complexo de promessas e ameaças cuja realização depende da verificação ou omissão de um ato da parte25 Outra categoria muito importante na estrutura teórica do autor é a de derecho justicial material Nessa visão o Direito Penal é um Derecho Justicial Material posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à Justiça Mas principalmente as normas que integram o derecho justicial são medidas para o juízo do juiz regras de julgamento e condução do processo gerando para as partes o caráter de promessas ou de ameaças de determinada conduta do juiz Os conceitos de promessas ou de ameaças devem ser vistos numa lógica de ônus e bônus logo promessas de benefícios sentença favorável etc diante de determinada atuação ou ainda ameaças de prejuízos processuais pela não liberação de uma carga por exemplo Essa rápida exposição do pensamento de GOLDSCHMIDT serve para mostrar que o processo assim como a guerra está envolto por uma nuvem de incerteza A expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença desfavorável está sempre pendente do aproveitamento das chances e liberação da carga Em nenhum momento temse a certeza de que a sentença será procedente A acusação e a defesa podem ser verdadeiras ou não uma testemunha pode ou não dizer a verdade assim como a decisão pode ser acertada ou não justa ou injusta o que evidencia sobremaneira o risco no processo O mundo do processo é o mundo da instabilidade de modo que não há que se falar em juízos de segurança certeza e estabilidade quando se está tratando com o mundo da realidade o qual possui riscos que lhe são inerentes É evidente que não existe certeza segurança nem mesmo após o trânsito em julgado pois a coisa julgada é uma construção técnica do direito que nem sempre encontra abrigo na realidade algo assim como a matemática na visão de EINSTEIN26 É necessário destacar que o direito material é um mundo de entes irreais uma vez que é construído à semelhança da matemática pura enquanto o mundo do processo como anteriormente mencionado identificase com o mundo das realidades concretização pelo qual há um enfrentamento da ordem judicial com a ordem legal A dinâmica do processo transforma a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Para GOLDSCHMIDT27 a incerteza é consubstancial às relações processuais posto que a sentença judicial nunca se pode prever com segurança A incerteza processual justificase na medida em que coexiste em iguais condições a possibilidade de o juiz proferir uma sentença justa ou injusta Não se pode supor o direito como existente enfoque material mas sim comprovar se o direito existe ou não no fim do processo Justamente por isso é que se afirma que o processo é incerto inseguro A visão do processo como guerra evidencia a realidade de que vence alcança a sentença favorável aquele que lutar melhor que melhor souber aproveitar as chances para libertarse de cargas processuais ou diminuir os riscos Entretanto não há como prever com segurança a decisão do juiz E esse é o ponto crucial aonde queríamos chegar demonstrar que a incerteza é característica do processo considerando que o seu âmbito de atuação é a realidade 4 Quando Calamandrei Deixa de Ser o Crítico e Rende Homenagens a Un Maestro di Liberalismo Processuale O Risco Deve Ser Assumido A Luta Pelas Regras do Jogo É importante destacar que GOLDSCHMIDT sofreu duras e injustas críticas até porque muitos não compreenderam o alcance de sua obra Parte dos ataques deve ser atribuída ao momento político vivido e à ilusão de direitos que BÜLOW acenava contrastando com a dura realidade espelhada por GOLDSCHMIDT que chegou a ser rotulado de teórico do nazismo Uma imensa injustiça repetida até nossos dias por pessoas que conhecem pouco a obra do autor e desconhecem completamente o autor da obra28 Inclusive é interessante como a história demonstrou que as 3 principais críticas estamos sintetizando é claro29 feitas a essa concepção acabaram se transformando em demonstrações de acerto e da genialidade do autor Vejamos as críticas principalmente de CALAMANDREI 1 A de que a teoria da situação jurídica estava estruturada em categorias de caráter sociológico expectativas perspectivas chances etc GOLDSCHMIDT refutou apontando que o Direito Civil sempre trabalhou com o conceito de expectativa de direito conhecido e reconhecido há muito tempo E seguiu mostrando que tais concepções eram pouco sociológicas Há que se compreender à luz da racionalidade da época Hoje a discussão estaria noutra dimensão sem medo de assumir o caráter sociológico e demonstrar sua absoluta necessidade E assim a crítica se revelou infundada na medida em que atualmente a complexidade que marca as sociedades contemporâneas evidenciou a falência do monólogo científico especialmente o jurídico Ou seja a complexidade social exige um olhar interdisciplinar que transcenda as categorias fechadas como as tradicionalmente concebidas no direito para colocar os diferentes campos do saber para dialogar em igualdade de condições e assim construir uma nova linguagem Ou seja GOLDSCHMIDT já percebia a insuficiência do monólogo jurídico e a necessidade de uma abertura dialogando com a sociologia para com ela construir uma nova linguagem que desse conta da complexa fenomenologia do processo Logo um grande acerto que por ser além do seu tempo não foi compreendido Hoje atualíssimo 2 A segunda crítica foi a de que ele estava rompendo com a unidade processual CALAMANDREI afirmou que essa concepção não era conveniente nem científica nem didaticamente e que a visão do autor fazia com que o processo parecesse não mais uma unidade relação jurídica mas uma sucessão de situações distintas GOLDSCHMIDT respondeu afirmando que a unidade do processo é garantida por seu objeto e que na relação jurídica a unidade maior é só em aparência É o objeto a pretensão processual acusatória que explicaremos na continuação que mantém a unidade pois tudo a ele converge Toda a atividade processual recai sobre um objeto comum fazendo com que para nós a unidade seja mantida por imantação Mais do que isso recorremos novamente ao conceito de complexidade para demonstrar que a tal unidade processual remonta um pensamento cartesiano que não compreende a abertura e uma dose de superação do binômio abertofechado Logo novo acerto pela superação do sistema simples e unitário 3 Por fim foi criticado por ter uma concepção anormal ou patológica do processo Ora esse foi sem dúvida o maior acerto do autor ao lado da dinâmica da situação jurídica Ele já em 1925 incorporou no processo a epistemologia da incerteza influenciado quem sabe30 pelos estudos de EINSTEIN em torno da relatividade 1905 e 1916 e do quanta Infelizmente ainda está por ser escrito um trabalho que investigue a influência einsteiniana nos grandes juristas da época Mas GOLDSCHMIDT estava certo tão certo que CALAMANDREI retifica sua posição e críticas para assumir a noção de processo como jogo O que o jurista alemão estava desvelando é que a incerteza é constitutiva do processo e nunca se pode prever com segurança a sentença judicial Alguém duvida disso Elementar que não Como assumiu anos mais tarde CALAMANDREI para obterse justiça não basta ter razão senão que é necessário fazêla valer no processo utilizando todas as armas manobras e técnicas obviamente lícitas e éticas para isso Assim no plano jurídicoprocessual CALAMANDREI foi um opositor à altura Inclusive as três críticas anteriormente analisadas foram pontos focados no sugestivo artigo El proceso como situación jurídica de onde outros tantos aderiram Contudo após as críticas iniciais todas refutadas CALAMANDREI perfilouse ao lado de GOLDSCHMIDT no célebre trabalho Il Processo Come Giuoco31 Posteriormente escreveu Un Maestro di Liberalismo Processuale32 em sua homenagem Podem até dizer que não se tratava de uma plena concordância é verdade mas sim de uma radical mudança de crítico visceral a pequenas divergências periféricas com as homenagens pelo reconhecimento do acerto substancial Na sua visão do processo como um jogo CALAMANDREI explica que as partes devem em primeiro lugar conhecer as regras do jogo Logo devem observar como funcionam na prática eis que a atividade processual trabalha com a realidade Além disso é preciso experimentar como se entendem e como as respeitam os homens que devem observálas contra que resistências correm risco de se enfrentar e com que reações ou com que tentativas de ilusão têm que contar33 Entretanto para se obter justiça não basta tão somente ter razão O triunfo do processo depende outrossim de sabêla expor encontrar quem a entenda e a queira dar e por último um devedor que possa pagar34 Nesse jogo o sujeito processual ou o ator como denomina o próprio CALAMANDREI movimenta se a fim de obter uma sentença que acolha seu direito muito embora o resultado procedência não dependa unicamente de sua demanda considerando que nesse contexto inserese a figura do juiz Assim o reconhecimento do direito do ator depende necessariamente da busca constante da convicção do julgador fazendoo entender a demanda Ou nas palavras de CALAMANDREI35 O êxito depende por conseguinte da interferência destas psicologias individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo demandante consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na consciência do julgador Contudo o árbitro juiz não é livre para dar razão a quem lhe dê vontade pois se encontra atrelado à pequena história retratada pela prova contida nos autos Logo está obrigado a dar razão àquele que melhor consiga através da utilização de meios técnicos apropriados convencêlo Por conseguinte as habilidades técnicas são cruciais para fazer valer o direito considerando sempre o risco inerente à atividade processual Afortunada coincidência é a que se verifica quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso Entretanto quando não há tal coincidência o processo de instrumento de justiça criado para dar razão ao mais justo passe a ser um instrumento de habilidade técnica criado para dar vitória ao mais astuto36 A sentença na visão de CALAMANDREI deriva da soma de esforços contrastantes ou seja das ações e das omissões das astúcias ou dos descuidos dos movimentos acertados e das equivocações considerando que o processo nesse ínterim vem a ser nada mais que um jogo no qual há que vencer37 Elementar que afirmações assim lidas apressadamente e de forma superficial podem causar algum choque Mas destaquese não estamos criando nada e tampouco se trata de questões novas Se pudéssemos sintetizar advertindo sobre o risco e o dano da síntese os dois pontos mais importantes do pensamento de GOLDSCHMIDT para o processo destacaríamos 1 O conceito aplicado de fluidez movimento dinâmica no processo que incorpora a concepção de situações jurídicas complexas Essa alternância de movimentos inerente ao processo é um genial contraste e evolução quando comparado com a inércia da relação jurídica Foi ele quem melhor percebeu e explicou através da sua teoria a essência do procedere que imprime a marca do processo judicial 2 O abandono da equivocada e perigosamente sedutora ideia de segurança jurídica que brota da construção do processo como relação jurídica estática com direitos e deveres claramente estabelecidos entre as partes e o juiz É um erro pois o processo se move num mundo de incerteza Mais é uma noção de segurança construída erroneamente a partir da concepção estática do processo Não que se negue a necessidade de segurança mas ela somente é possível quando corretamente percebido e compreendido o próprio risco Segurança se desenha a partir do risco e principalmente do risco que brota da própria incerteza do movimento e da dinâmica do processo É segurança na incerteza e no movimento Logo o que nos sobra é lutar pela forma ou seja um conceito de segurança que se estabeleça a partir do respeito às regras do jogo Essa é a segurança que se deve postular e construir Detalhe importante obviamente não foi GOLDSCHMIDT quem criou a insegurança e a incerteza38 mas sim quem as desvelou Elas lá sempre estiveram39 pois são inerentes ao processo e à justiça Houve sim um encobrimento na teoria de BÜLOW da incerteza a partir de todo um contexto histórico processual e social Era uma visão muito sedutora principalmente naquele momento histórico Mas a razão está com GOLDSCHMIDT o processo se move no mundo de incerteza onde as chances devem ser aproveitadas para que as partes possam se liberar das cargas probatórias e caminhar em direção a uma sentença favorável A única segurança que se postula é a da estrita observância das regras do jogo a forma como garantia e mais anterior a ela no conteúdo axiológico da própria regra O maior mérito do autor infelizmente ainda a ser reconhecido foi ter evidenciado o fracasso da unidade epistemológica do direito processual com a inserção de categorias sociológicas expectativas perspectivas chances a epistemologia da incerteza e a imprevisibilidade do processo a noção de fluidez dinâmica e movimento e ter denunciado o fracasso da teoria geral do processo o erro da transmissão mecânica de categorias Por fim ao incorporar o risco muito antes de BECK GIDDENS e todos os sociólogos do risco evidencia a falácia da noção tradicional de segurança jurídica fomentada pela inércia da relação jurídica de BÜLOW É interessante como a tradição resiste ao novo principalmente quando é desorganizador da ilusória tranquilidade do status quo Se compararmos com a receptividade até nossos dias da concepção de BÜLOW veremos que foi quantitativamente bem superior do que a aceitação da revolucionária tese de GOLDSCHMIDT Possivelmente entre outros fatores porque foi pouco compreendida sua complexa noção de processo Contudo como muito bem define GIMENO SENDRA40 a crítica que realizou GOLDSCHMIDT à relação jurídica processual foi tão sólida que seus defensores atuais foram obrigados a adotar uma dessas três posições 1 pretender defender a conciliação da teoria da relação jurídica com a da situação jurídica41 2 estender o conceito de relação jurídica a limites inimagináveis e insustentáveis como são as tentativas de darlhe dinamicidade fluidez e complexidade 3 esvaziar o conteúdo da relação jurídica substituindo os direitos e obrigações processuais pelas categorias goldschmidtianas de possibilidades e cargas e às vezes até de expectativas chances processuais etc o que significa esvaziar completamente o núcleo fundante da tese de Bülow Em todos os casos devese ter muita atenção pois estamos diante de um autor e posições teóricas que para tentar salvar a relação jurídica não fazem mais que matála Tudo para manter a tradição e pseudossegurança de conceitos ou ainda por força da lei do menor esforço É chegada ou já passada a hora de compreender e assumir a incerteza característica do processo A balança oscila tanto pende igualmente para um lado como para outro Está lançada a sorte Se retomando EINSTEIN até Deus joga dados com o universo seria muita arrogância senão alienação pensar que no processo seria diferente Seria como dizer a concepção de universo em constante mutação incorpora como elemento fundamental o princípio da incerteza mas isso só se aplica ao universo não ao direito processual Sabese que EINSTEIN falhou42 ao não considerar o princípio da incerteza na Teoria da Relatividade Geral pois o universo pode ser imaginado como um gigantesco cassino43 com dados sendo lançados e roletas girando por todos os lados e em todos os momentos O detalhe fundamental é que os donos de cassinos não abrem as portas para perder dinheiro pois eles sabem que quando se lida com um grande número de apostas a média dos ganhos e perdas atinge um resultado que pode ser previsto E eles se certificam de que a média das vantagens esteja a favor deles obviamente O crucial é que se a média de um grande número de movimentos pode ser prevista o resultado de qualquer aposta individual não Esse é o ponto Logo no processo a situação é igual Na média podese afirmar que a justiça e o acerto dos resultados estão presentes Ou seja como existem muitos milhares de lançamentos de dados diariamente distribuição tramitação e julgamento podese prever que a média será de acerto das decisões senão a justiça como os donos de cassino não teria funcionado por tantos séculos mas o resultado concreto de um determinado processo aposta individual na roleta é completamente incerto e imprevisível Essa é uma equação que precisa ser compreendida principalmente pelos ingênuos apostadores Somente a partir da compreensão dessas categorias podemos construir um sistema de garantias sem negar o risco para o réu no processo penal deixando de lado as ilusões de segurança e principalmente abandonando a ingênua crença na bondade dos bons44 Essa crença infantil de que o processo e o juiz são capazes de revelar a verdade e que a justiça para quem será efetivamente feita impede a percepção do que está realmente por de trás daquele ritual il giuoco Mas o mais grave impede que se duvide da bondade do juiz do promotor e do próprio ritual e que se questione a própria legitimidade do poder Tanto no jogo como na guerra importam a estratégia e o bom manuseio das armas disponíveis Mas acima de tudo são atividades de alto risco envoltas na nuvem de incerteza Não há como prever com segurança quem sairá vitorioso Assim deve ser visto o processo uma situação jurídica dinâmica inserida na lógica do risco e do giuoco Reina a mais absoluta incerteza até o final A luta passa a ser pelo respeito às regras do devido processo e obviamente antes disso por regras que realmente estejam conforme os valores constitucionais A assunção desses fatores é fundamental para compreender a importância do estrito cumprimento das regras do jogo ou seja das regras do due process of law Tratase de lutar por um sistema de garantias mínimas Não é querer resgatar a ilusão de segurança mas sim assumir os riscos e definir uma pauta mínima de garantias formais das quais não podemos abrir mão Tratase de reconstruir a noção de segurança garantia a partir da assunção do risco ou seja perceber que a garantia somente se constitui a partir da assunção da falta de É partir da premissa de que a garantia está na forma do instrumento jurídico e que no processo penal adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo Não se trata de mero apego incondicional à forma senão de considerála como uma garantia do cidadão e fator legitimante da pena ao final aplicada Mas é importante destacar não basta apenas definir as regras do jogo Não é qualquer regra que nos serve pois como sintetiza JACINTO COUTINHO45 devemos ir para além delas regras do jogo definindo contra quem se está jogando e qual o conteúdo ético e axiológico do próprio jogo Nossa análise situase nesse desvelar do conteúdo ético e axiológico do jogo e de suas regras indo muito além do mero paleopositivismo Em definitivo é importante compreender que repressão e garantias processuais não se excluem senão que coexistem Radicalismos à parte devemos incluir nessa temática a noção de simultaneidade em que o sistema penal tenha poder persecutóriopunitivo e ao mesmo tempo esteja limitado por uma esfera de garantias processuais e individuais Mesma simultaneidade necessária para pensarse a garantia processual sem negar o risco Coexistência e simultaneidade de conceitos são imperativos da complexidade que nos conduzem inclusive a trabalhar no entrelugar no entreconceito Considerando que risco violência e insegurança sempre existirão é sempre melhor risco com garantias processuais do que risco com autoritarismo A segurança jurídica só pode ser concebida a partir da assunção da insegurança do risco e da imprevisibilidade Não se constrói um conceito que dê conta ainda que minimamente pois a plenitude é ideal sem a consciência da sua falta pois a falta é constitutiva Logo segurança jurídica se constrói a partir da assunção da insegurança do desvelamento do risco e da incerteza sem deixar de lado a subjetividade que os recepciona e por eles é constituído Em última análise pensamos desde uma perspectiva de redução de danos na qual os princípios constitucionais não significam proteção total até porque a falta ensina LACAN é constitutiva e sempre lá estará sob pena de incidirmos na errônea crença na tradicional segurança Tratase assim de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente do exercício abusivo ou não do poder Uma verdadeira política processual de redução de danos pois repitase o dano como a falta sempre lá estará Para que isso seja possível é preciso abandonar a ilusão de segurança da teoria do processo como relação jurídica para assumilo na sua complexa e dinâmica situação jurídica desvelando suas incertezas e perigos 5 Processo como Procedimento em Contraditório o contributo de Elio Fazzalari Estruturada pelo italiano Elio FAZZALARI 19242010 a teoria do processo como procedimento em contraditório pode ser considerada como uma continuidade dos estudos de James GOLDSCHMIDT processo como situação jurídica ainda que isso não seja assumido pelo autor nem pela maioria dos seus seguidores mas é notória a influência do professor alemão Basta atentar para as categorias de posições subjetivas direitos e obrigações probatórias que se desenvolvem em uma dinâmica através do conjunto de situações jurídicas nascidas do procedere e que geram uma posição de vantagem proeminência em relação ao objeto do processo etc para verificar que as categorias de situação jurídica chances aproveitamento de chances liberação de cargas processuais expectativas e perspectivas de GOLDSCHMIDT foram internalizadas conceitualmente por FAZZALARI que também é um crítico da teoria de BÜLOW cuja teoria rotula de vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale46 ou seja um velho e inadequado clichê pandetístico A perspectiva tradicional da relação jurídica traz uma série de problemas tão bem denunciados por GOLDSCHMIDT e após por FAZZALARI entre eles está o de conceber o processo como um conjunto de atos preordenados desenvolvidos sob a presidência de um juiz até a sentença O procedimento ou rito fica reduzido ao mero conceito de caminho de concatenação burocrática de atos sob uma perspectiva meramente formal O senso comum teórico pouca atenção deu ao conteúdo e menos ainda à axiologia desse procedere Não sem razão explodiu a teoria das nulidades pois ao despir os atos procedimentais de seu real valor alcance e significado acabou relativizando tudo em nome da instrumentalidade47 das formas A forma reduzida a mero instrumento para atingir a sentença Esse isolamento formal retirou o valor da tipicidade processual da forma enquanto garantia limite de poder que tanto nos preocupamos em resgatar ao trabalhar a Teoria das Invalidades nulidades Processuais O processo visto como procedimento em contraditório supera essa visão formalistaburocrática do procedimento até então reinante Resgata a importância do estrito respeito às regras do jogo especialmente do contraditório elegido a princípio supremo O procedimento se legitima através do contraditório e deixa de ser uma mera concatenação de atos formalmente estruturados para tomar uma nova dimensão O núcleo fundante do pensamento de FAZZALARI está na ênfase que ele atribui ao contraditório com importante papel na democratização do processo penal na medida em que desloca o núcleo imantador não mais a jurisdição mas o efetivo contraditório entre as partes A sentença provimento final deve ser construída em contraditório e por ele legitimada Não mais concebida como simples ato de poder e dever a decisão deve brotar do contraditório real da efetiva e igualitária participação das partes no processo Isso fortalece a situação das partes especialmente do sujeito passivo no caso do processo penal O contraditório na concepção do autor deve ser visto em duas dimensões no primeiro momento é o direito à informação conhecimento no segundo é a efetiva e igualitária participação das partes É a igualdade de armas de oportunidades Existem outros tipos de processo como o legislativo o tributário e o administrativo que nem sempre são realizados em contraditório Mas procedimento só existe em contraditório entre os interessados ou seja as partes no processo jurisdicional É uma teoria que cria condições de possibilidade para uma maior eficácia dos direitos e garantias fundamentais no processo penal alinhada com a busca pela democratização do processo penal na medida em que maximiza a importância das partes especialmente do indivíduoréu e o necessário tratamento igualitário O contraditório visto como a imposição de igualdade de tratamento e de oportunidades bem como de efetiva participação em todos os atos do procedimento conduz a um processo penal mais democrático e constitucional Neste ponto o pensamento do autor é de grande valia para a evolução do processo penal rumo à plena eficácia do sistema acusatório A concepção de FAZZALARI é publicística e reforça a unidade do processo Vislumbramos um grande valor na concepção de que o procedimento e todos os atos que o integram unidos pelo contraditório constante se desenvolve sempre mirando o provimento final Como explica Aroldo PLINIO GONÇALVES o excelente professor mineiro foi um dos pioneiros no estudo de Fazzalari no Brasil a atividade preparatória do provimento é o procedimento que normalmente chega a seu termo final com a edição do ato por ele preparado por isso esse mesmo ato de caráter imperativo geralmente é a conclusão do procedimento o seu ato final48 Para FAZZALARI49 os atos do procedimento são pressupostos para o provimento final sentença ao qual são chamados a participar os interessados as partes em contraditório A essência do processo está nisto é um procedimento do qual além do autor do ato final juiz participam em contraditório entre si os interessados ou seja as partes que são os destinatários dos efeitos da sentença O professor italiano ainda faz um interessante deslocamento de conceitos invertendo a relação processoprocedimento ao afirmar que da soggiungere che la enucleazione del processo dal genere procedimento consente di comprendere e valutare appieno quel principio costituzionale mortificato nello schema del mero procedimento50 Ou seja sustenta a superação do mero procedimentalismo para identificar o processo como espécie do gênero procedimento o que permite valorar plenamente o princípio constitucional do contraditório É o contraditório efetivo que legitima o processo e o provimento final operandose um deslocamento muito importante em relação ao mero procedimentalismo ou instrumentalismo tradicional bem como uma evolução da maior significância em relação à estrutura piramidal de BÜLOW centrada na figura do juiz Outra contribuição digna de nota feita por FAZZALARI está na revaloração da jurisdição na estrutura processual O juiz51 que apesar de sujeito processual não é parte não assume uma função de contraditor mas de garantidor do contraditório É responsável pela regularidade na produção dos significantes probatórios e não da prova recusa ao juizator ao ativismo judicial Adoção desta postura representa uma recusa à supremacia do poder na concepção de jurisdição No senso comum teórico é disseminada a visão de jurisdição como poderdever conduzindo à deisificação do poder jurisdicional e ao ativismo judicial Na superada visão inquisitória o juiz deveria ter pleno protagonismo no processo podendo prender de ofício ou mesmo ter inciativa probatória tudo em nome da mitológica verdade real Infelizmente essa é a realidade e a matriz do atual Código de Processo Penal brasileiro reforçando a importância da abertura constitucional que proporciona a visão de FAZZALARI O juiz não é mais visto como o responsável pela limpeza social que tudo pode e em torno do qual tudo orbita O giro se dá na medida em que FAZZALARI coloca como núcleo imantador e conceitual o contraditório que reforça automaticamente a posição das partes Sendo o processo um procedimento em contraditório o protagonismo não é judicial mas das partes interessadas Ao juiz se lhe reserva um papel de garantidor da eficácia do contraditório e não de contraditor como juizator como juiz inquisidor É uma mudança total de paradigmas Como explica PLINIO GONÇALVES52 há processo sempre onde houver o procedimento realizandose em contraditório entre os interessados e a essência deste está na simétrica paridade da participação nos atos que preparam o provimento daqueles que nele são interessados porque como seus destinatários sofrerão seus efeitos O contraditório núcleo da concepção fazzalariana se exterioriza em dois momentos informazione e reazione Às partes são assegurados em igualdade de tratamento o direito à informação a saber o que está acontecendo e se desenvolvendo no processo Com o conhecimento a acessabilidade dos atos documentos provas enfim tudo o que ingressar e se produzir no procedimento criamse as condições de exercício das posições jurídicas as mesmas situações jurídicas que geram expectativas ou perspectivas no pensamento de Goldschmidt em face das normas processuais A reazione não é uma obrigação processual ou carga no léxico goldschmidtiano mas uma faculdade uma oportunidade de movimento processual em seu benefício É a igualdade de armas de reação de atuação processual Brota da igualdade de tratamento que gera igualdade de oportunidades probatórias Inclusive apenas para demonstrar a relevância desta concepção do contraditório em FAZZALARI é que afirmamos a existência de contraditório no inquérito policial restrito ao primeiro momento qual seja da informazione Inviável o pleno contraditório por restrições na dimensão da reazione mas isso não impede que se afirme que na investigação preliminar existe contraditório no seu primeiro momento Entre as várias contribuições que podemos extrair do pensamento de FAZZALARI para a construção de um processo penal democrático está a relevância que o autor confere ao vínculo que une os diferentes atos desenvolvidos ao longo do procedimento Como explica o autor cada norma que concorre para constituir a sequência que estrutura o procedimento descreve uma certa conduta e qualifica como direito ou como obrigação A estrutura do procedimento é dada por uma série de normas que o regulam até o ato final o provimento final sentença mas que exigem como pressuposto de aplicação o cumprimento de uma atividade regulada por uma outra norma da série ato antecedente O procedimento é uma sequência de atos que estão previstos e valorados pelas normas Mas é importante compreender que o procedimento não é uma atividade que se esgota se realiza em um único ato senão que exige toda uma série de atos e de normas que os disciplinam conexamente vinculadas que definem a sequência do seu desenvolvimento E aqui está um ponto crucial para estruturar um sistema democrático e constitucional de nulidades processuais e repensar o princípio da contaminação cada um dos atos está ligado ao outro como consequência do ato que o precede e pressuposto daquele que o sucede Os atos processuais miram o provimento final e estão interrelacionados de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente E da validade de todos eles depende a sentença Logo ainda que o efeito jurídico decorra do provimento final que é resultado do procedimento esse provimento final somente será considerado válido se for precedido de uma sequência de atos válidos vuol dire piuttosto che tale atto non è da considerarsi valido e che lefficacia per avventura svolta può essere paralizzata se e quando ad esso non si sai pervenuti attraverso la sequenza di atti determinati dalla legge53 Concluindo entendemos que o pensamento de FAZZALARI é da maior relevância para a construção de um processo penal democrático na medida em que reforça a necessidade de estrito respeito às regras do jogo e fortalece as partes relegando a jurisdição a um segundo plano Contudo sozinho não dá conta de explicar a complexa fenomenologia do processo penal pois FAZZALARI é um processualista civil e desde esse lugar estrutura sua teoria com ambição de também dar conta da complexidade do processo penal Esse é o maior equívoco da construção É um grande autor mas não conseguiu superar a genialidade de James GOLDSCHMIDT incorrendo ainda no grave erro da teoria geral do processo O melhor caminho pensamos é compreender o fenômeno do processo penal desde uma perspectiva de situação jurídica desde GOLDSCHMIDT conscientes da epistemologia da incerteza da complexa dinâmica procedimental das categorias de chances expectativas e perspectivas Assumir os riscos e caminhar no sentido do fortalecimento das regras do jogo Neste ponto entra FAZZALARI como um contributo à tese de GOLDSCHMIDT inserindo a noção de procedimento em contraditório enfatizando a importância do contraditório pleno até a construção em contraditório do provimento final reforçando a importância dos atos procedimentais forma e vínculo entre os atos para a reconstrução da teoria das nulidades Significa dizer que a tese de FAZZALARI sozinha não dá conta do objeto processo penal mas tem muito a contribuir para sua democratização e evolução É possível conciliar os conceitos de processo como situação jurídica e processo como procedimento em contraditório com os devidos ajustes chegando assim ao nível necessário de eficácia constitucional das regras do jogo 1 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal introducción 2 ed Madrid Edersa 1997 p 199 e ss 2 As teorias mistas pretendem compatibilizar e conciliar principalmente as teorias da relação de Bülow e da situação jurídica de Goldschmidt 3 Posteriormente BÜLOW voltou ao tema perfeccionando sua teoria frente às críticas que sucederam sua primeira exposição mas manteve a linha básica Segundo CHIOVENDA Güiseppe La Acción en el Sistema de los Derechos Trad Santiago Sentís Melendo Bogotá Temis 1986 p 41 em maio de 1903 na obra Klage und Urteil BÜLOW volta ao tema para rechaçar as críticas de WACH sobre a ação e entre outros pontos aceita a teoria da ação como direito potestativo defendida por CHIOVENDA 4 BETTIOL Guiseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal Trad Faustino GutiérrezAlviz y Conradi Barcelona Bosh 1976 p 243 5 Sem embargo como destaca ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto Proceso Autocomposición y Autodefensa México 1947 p 118119 la concepción del proceso como relación jurídica es genuinamente alemana alemanes son HEGEL que la vislumbra BETHMANNHOLLWEG que la sustenta y OSKAR BÜLOW que en 1868 publica en Giessen su célebre monografía Ademais segue o autor foram os alemães quem a adaptaram aos distintos ramos do processo e também quem mais duramente a combateram chegando a propor sua substituição através de J GOLDSCHMIDT Nada menos que 35 anos depois do livro de BÜLOW e 18 depois do Handbuch de WACH CHIOVENDA lê em Bolonha sua lição inaugural sobre Lazione Tal esclarecimento está justificado frente a alguns equívocos doutrinários como o cometido por JIMENEZ ASENJO Enrique Derecho Procesal Penal Madrid Revista de Derecho Privado s d v 1 p 68 que depois de analisar as posições de HELLWIG KOHLER e J GOLDSCHMIDT afirma que finalmente CHIOVENDA con la opinión dominante estima una relación trilateral entre demandante demandado y el tribunal esquecendose por completo da doutrina alemã que já a havia concebido com anterioridade 6 Proceso y Derecho Procesal p 206 7 Tratando dos antecedentes históricos nos juristas medievais italianos Niceto AlcaláZamora e Aragoneses Alonso afirmam que Búlgaro era de Sassoferrato lição que confiamos e acolhemos Contudo não se desconhece haver autores que afirmam que Búlgaro era de Bolonha Fica a advertência 8 La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad Miguel Angel Rosas Lichtschein do original de 1868 Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1964 p 2 ss 9 Sem rechaçar sua importância mas tampouco concordando com a teoria MANZINI entende como concepto nebuloso y de expresión exótica la de presupuestos procesales MANZINI Vincenzo Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 5 t v 1 p 117 Tal conceito dos pressupostos processuais também foi duramente atacado por GOLDSCHMIDT 10 No seu Manual de Derecho Procesal Civil v 1 11 Sem embargo no processo penal WACH nega a existência de partes por considerar o acusado um meio de prova e não sujeito da relação jurídicoprocessual Infelizmente algumas vezes ocorre que um excelente processualista civil quando incursiona pelo processo penal não o faz com similar brilho A negação de WACH é um inegável reflexo do verbo totalitário no processo penal 12 Para quem o processo no puede ser una relación jurídica sino que genera una red por no decir una maraña de relaciones jurídicas e por isso deve ser concebido como um complejo de relaciones jurídicas Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal p 243 e ss 13 Ao contrário de CARNELUTTI vislumbra uma única relação jurídica mas complexa 14 Desenvolvida na obra La Teoría de las Excepciones Dilatórias y los Presupuestos Procesales publicada original em alemão em 1868 15 Para compreensão da temática consultamos as seguintes obras de James Goldschmidt Derecho Procesal Civil Principios Generales del Proceso Derecho Justicial Material Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal e a recente tradução brasileira Princípios Gerais do Processo Civil Destaquese ainda a magistral análise feita por Pedro Aragoneses Alonso na obra Proceso y Derecho Procesal p 235 e ss especialmente no que se refere à crítica feita por Piero Calamandrei e à resposta de Goldschmidt que levou o processualista italiano a nos últimos anos de vida retificar sua posição e admitir o acerto da teoria do processo como situação jurídica 16 Princípios Gerais do Processo Civil p 49 17 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 194 e ss 18 Derecho Procesal Civil cit p 195 19 Proceso y Derecho Procesal cit p 241 20 1 Maneira favorável ou desfavorável segundo a qual um acontecimento se produz álea acaso potência que preside o sucesso ou insucesso dentro de uma circunstância fortuna sorte 2 Possibilidade de se produzir por acaso eventualidade probabilidade 3 Acaso feliz sorte favorável felicidade fortuna Na definição do dicionário Le Petit Robert Paris Dictionnaires Le Robert 2000 p 383 tradução nossa 21 Princípios Gerais do Processo Civil p 66 22 Idem ibidem 23 Idem p 68 24 Proceso y Derecho Procesal cit p 241 25 Princípios Gerais do Processo Civil p 57 26 Ensina EINSTEIN Vida e Pensamento São Paulo Martin Claret 2002 p 6668 que o princípio criador reside na matemática a sua certeza é absoluta enquanto se trata de matemática abstrata mas diminui na razão direta de sua concretização as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e enquanto certas não se relacionam com a realidade 27 Princípios Gerais do Processo Civil p 50 28 A família GOLDSCHMIDT fez história no Direito e suas obras são de leitura imprescindível para quem queira estudar com seriedade não apenas o direito processual civil e penal mas também a filosofia do direito com as obras de Werner Dikelogia la ciencia de la justicia e também Filosofia del Derecho James e seus dois filhos Roberto e Werner eram judeus alemães nascidos em Berlim e com a ascensão do nazismo no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial passaram a sofrer uma cruel perseguição evidenciando o grave erro histórico de alguns críticos da teoria do processo como situação jurídica pois é elementar que James Goldschmidt jamais pactuou com o pensamento jurídiconazista da época tanto que foi forçado ao exílio Obrigados a abandonar a Alemanha buscaram refúgio na Espanha onde James proferiu as famosas Conferências na Universidad Complutense de Madrid entre 1934 e 1935 publicadas na obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal daí o agradecimento dele a Francisco Beceña que lhe cedeu a cátedra de Enjuiciamiento Criminal Mas a permanência na Espanha não foi fácil e explorados pela Falange Espanhola buscaram o asilo definitivo na América Latina James Goldschmidt faleceu no dia 28 de junho de 1940 no seu exílio em Montevidéu 29 Baseamonos na sistematização de ARAGONESES ALONSO op cit p 243 e ss 30 Até porque como homem de ciência que era não estaria à margem da revolução científica que se produzia naquela época com os estudos de EINSTEIN sobre a relatividade e o quanta e também de HEISENBERG incerteza MAX PLANCK MACH KEPLER MAXWELL BORN e outros 31 Rivista di Diritto Processuale v 5 parte I 1950 Padova p 23 e ss Também publicado nos Scritti in onere del prof Francesco Carnelutti 32 Rivista di Diritto Processuale v 1 parte I Padova 1951 p 1 e ss Também publicado no número especial da Revista de Derecho Procesal em memória de James Goldschmidt 33 Idem ibidem p 221 34 CALAMANDREI Piero Direito Processual Civil Campinas Bookseller 1999 v 3 p 223 35 Idem ibidem v 3 p 223 36 Idem ibidem v 3 p 224 37 Idem ibidem v 3 p 224 38 Recordemos que a relatividade geral falhou ao tentar descrever os momentos iniciais do universo porque não incorporava o princípio da incerteza o elemento aleatório da teoria quântica a que EINSTEIN tinha se oposto a pretexto de que Deus não joga dados com o universo Entretanto como explica HAWKING Stephen O Universo numa Casca de Noz 2 ed São Paulo Mandarim 2002 p 79 tudo indica que Deus é um grande jogador Nessa discussão enorme relevância tem o físico alemão WERNER HEISENBERG que formulou o famoso princípio da incerteza a partir da observação da hipótese quântica de MAX PLANCK Em apertadíssima síntese a partir de HAWKING op cit p 42 significa dizer que PLANCK em 1900 afirmou que a luz sempre vem em pequenos pacotes que ele denominou quanta Essa hipótese quântica explicava claramente as observações da taxa de radiação de corpos quentes mas a plena compreensão da extensão de suas implicações somente foi possível por volta de 1920 quando HEISENBERG demonstra que quanto mais se tenta medir a posição de uma partícula menos exatamente se consegue medir a sua velocidade e viceversa E aqui o que nos interessa mostrou que a incerteza na posição de uma partícula multiplicada pela incerteza de seu momento deve ser sempre maior do que a constante de PLANCK uma quantidade aproximadamente relacionada ao teor de energia de um quantum de luz Assim reina a incerteza em detrimento de qualquer visão determinista Tudo isso constituía o auge da discussão científica mundial neste período de 19001930 sem negar o antes e o depois é claro contemporânea então com o auge da produção intelectual de JAMES GOLDSCHMIDT que publica seu capolavoro Prozess als Rechtslage em Berlim em 1925 39 Pensamos que é importante atentar para o símbolo da justiça do caso concreto que é a Dikè Dikelogia la ciencia de la justicia intitula Werner Goldschmidt Ela carrega a espada que pende sobre a cabeça do réu e corresponde ao direito potestativo de penar e na outra mão está a balança À primeira vista e também última para muitos a balança simboliza o equilíbrio a ponderação e até a supremacia da razão dentro de uma racionalidade moderna superada portanto Mas para muito além disso ela simboliza a incerteza característica da administração da justiça no caso concreto Corresponde a incerteza característica do processo Ela oscila tanto pende igualmente para um lado como para outro Está lançada a sorte 40 GIMENO SENDRA José Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 170 41 Entre esses devese destacar a qualificada posição de WERNER GOLDSCHMIDT no Prólogo da primeira edição da obra Proceso y Derecho Procesal de ARAGONESES ALONSO p 35 de que tais teorias relação e situação não podem ser consideradas como inconciliáveis senão como complementárias Nessa linha defende que mientras la teoría de la situación destaca lo que ocurre en el Derecho cuando éste opera en el plano dinámico del proceso la teoría institucional señala ARAGONESES ALONSO se mueve en el mundo abstracto de los conceptos Por ello estas dos posiciones no sólo se ofrecen como incompatibles sino como complementarias de la misma forma que pueden concebirse como complementarias la teoría de la relación Somente com a integração desses conceitos é que podemos ou poderíamos compreender como nasce o processo e qual é o fundamento metafísico da sua existência teoria da instituição o objeto real do processo tal como se desenvolve na vida e sua contínua relação teoria da situação jurídica e finalmente qual é a força que une os diversos sujeitos que nele operam teoria da relação jurídica 42 Pois na origem do universo bigbang quando ele era minúsculo o número de lançamentos de dados era pequeno e o princípio da incerteza proporcionalmente maior 43 Como explica HAWKING op cit p 80 44 Ou melhor quem nos protege da bondade dos bons no célebre questionamento de Agostinho Ramalho Marques Neto a partir de Freud 45 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO Jacinto Org Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 47 46 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 75 47 Apenas para esclarecer não se pode confundir a teoria civilista da instrumentalidade das formas com nosso conceito de instrumentalidade constitucional São coisas absolutamente distintas Nunca fomos adeptos da tradicional teoria da instrumentalidade todo o oposto Nossa posição é absolutamente antagônica porque estabele um conteúdo axiológico ao conceito de instrumentalidade vinculandoo ao sistema de garantias da Constituição Por isso concebemos o processo penal como um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais e a forma como limite de poder É uma leitura crítica e constitucionalizada do processo e do procedimento com ênfase no respeito ao devido processo legal ou seja o estrito respeito às regras do jogo sem descuidar do conteúdo ético dessas regras 48 PLINIO GONÇALVES Aroldo Técnica Processual e Teoria do Processo São Paulo Aidê 1992 p 103 49 FAZZALARI Elio Op cit p 8 50 Idem ibidem p 14 e ss 51 Conforme explicam Alexandre MORAIS DA ROSA e Sylvio Lourenço da SILVEIRA FILHO na obra Para um Processo Penal Democrático Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social p 77 e ss 52 PLINIO GONÇALVES Aroldo Op cit p 115 53 FAZZALARI Op cit p 78 e 79 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Dentre as diversas teorias que buscaram explicar a natureza jurídica do processo as mais relevantes são A Teoria da relação jurídica estruturada por Oskar von Bülow consagrada em trabalho publicado em 1868 foi importante para o rompimento entre direito material e direito processual através da concepção de que existe uma relação jurídica de direito material e outra de direito processual autônomas e independentes Demarca a superação das teorias de direito privado que concebiam o processo como contrato quase contrato ou acordo onde o processo era um mero apêndice do direito privado sem qualquer autonomia Com Bülow a concepção muda radicalmente sendo o processo visto como uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais A natureza pública decorre do fato de que existe um vínculo entre as partes e um órgão público da administração da justiça numa atividade essencialmente pública Nessa linha o processo é concebido como uma relação jurídica de direito público autônoma e independente da relação jurídica de direito material O réu passa a ser visto como um sujeito de direitos e deveres processuais É uma relação jurídica triangular como explica Wach Teoriza a existência de pressupostos processuais que podem ser de existência ou de validade que seriam pressupostos para seu nascimento ou desenvolvimento válido B Processo como situação jurídica estruturada por James Goldschmidt em obra publicada em 1925 surge como uma crítica à teoria anterior demonstrando sua insuficiência conceitual O processo passa a ser visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes atravessam em direção à sentença definitiva favorável Nega a existência de direitos e obrigações processuais e considera um erro a teoria dos pressupostos processuais de Bülow pois seriam meros pressupostos para uma sentença de mérito Ademais os pressupostos de validade se confundem com a teoria das nulidades e não seriam propriamente pressupostos para o nascimento ou desenvolvimento do processo Goldschmidt faz uma completa desconstrução da teoria da relação jurídica demonstrando sua incapacidade de explicar corretamente o processo Demonstra o erro da visão estática de Bülow ao evidenciar que o processo é dinâmico e pautado pelo risco e a incerteza O processo é uma complexa situação jurídica cuja a sucessão de atos vai gerando chances que bem aproveitadas permitem que a parte se libere das cargas por exemplo probatórias e caminhe em direção a uma sentença favorável expectativas O não aproveitamento de uma chance e a não liberação de uma carga geram uma situação processual desvantajosa conduzindo a uma perspectiva de sentença desfavorável Às partes não incumbem obrigações mas cargas processuais sendo que no processo penal não existe distribuição de cargas probatórias na medida em que toda a carga de provar o alegado está nas mãos do acusador Destacamse no pensamento do autor as noções de dinâmica movimento e fluidez do processo bem como o abandono da equivocada e sedutora ideia de segurança jurídica que brota da teoria de Bülow Ao assumir a epistemologia da incerteza e o risco inerente ao processo o pensamento do autor permite reforçar o valor e a eficácia das regras do devido processo penal O maior crítico da teoria foi Calamandrei que atacou o caráter sociológico do pensamento de Goldschmidt o rompimento da unidade processual e a concepção anormal ou patológica do processo Todas as críticas foram refutadas pelo autor C Processo como procedimento em contraditório teoria desenvolvida por Elio Fazzalari 19242010 sustenta que o processo é um procedimento em contraditório Situase numa linha de continuidade do pensamento de Goldschmidt Supera a visão formalistaburocrática da concepção de procedimento até então vigente resgatando a importância do contraditório que deve orientar todos os atos do procedimento até o provimento final sentença construído em contraditório núcleo imantador e legitimador do poder jurisdicional O contraditório é visto em duas dimensões informazione e reazione como direito a informação e reação igualdade de tratamento e oportunidades Todos os atos do procedimento são pressupostos para o provimento final ao qual são chamados a participar todos os interessados partes A essência do processo está na simétrica paridade da participação dos interessados reforçando o papel das partes e do contraditório Os atos do procedimento miram o provimento final e estão interrelacionados de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente e da validade de todos eles depende a sentença Isso reforça a unidade do processo e exige repensar a teoria das nulidades Com Fazzalari o conceito e a amplitude da teoria da contaminação adquire outra dimensão à luz da unidade processual por ele concebida e o atrelamento de todos os atos ao provimento final havendo uma relação de prejudicialidade na dimensão da validade entre eles Também existe uma revaloração da jurisdição na estrutura processual pois permite superar a concepção tradicional de poderdever jurisdicional para a dimensão de poder condicionado ao contraditório além de situar o juiz como garantidor do contraditório e não de contraditor fazendo uma recusa ao ativismo judicial característico do sistema inquisitório A teoria de Fazzalari deve ser pensada em conjunto com o pensamento de Goldschmidt contribuindo decisivamente para a construção de um processo penal democrático e constitucional que preze pelo contraditório e as demais regras do jogo devido processo O maior inconveniente é que Fazzalari é um processualista civil e como tal sua obra alinhase na Teoria Geral do Processo tão combatida por nós Daí por que podemos trabalhar com Fazzalari no Processo Penal desde que respeitadas as categorias jurídicas próprias do processo penal e feitas as devidas correções com a concepção de Goldschmidt Capítulo III SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS INQUISITÓRIO E ACUSATÓRIO SUPERANDO O REDUCIONISMO ILUSÓRIO DO SISTEMA MISTO Na história do Direito se alternaram as mais duras opressões com as mais amplas liberdades É natural que nas épocas em que o Estado viuse seriamente ameaçado pela criminalidade o Direito Penal tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse que ser também inflexível1 Os sistemas processuais inquisitivo e acusatório são reflexos da resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época Atualmente o law and order é mais uma ilusão de reduzir a ameaça da criminalidade endurecendo o Direito Penal e o processo Na lição de J GOLDSCHMIDT2 los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Partiendo de esta experiencia la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso El predominio de uno u otro de estos principios opuestos en el derecho vigente no es tampoco más que un tránsito del derecho pasado al derecho del futuro Nessa linha MAIER3 explica que no Direito Penal a influência da ideologia vigente ou imposta pelo efetivo exercício do poder se percebe mais à flor da pele que nos demais ramos jurídicos E esse fenômeno é ainda mais notório no processo penal na medida em que é ele e não o Direito Penal que toca no homem real de carne e osso Como afirmamos anteriormente o Direito Penal não tem realidade concreta fora do processo penal sendo as regras do processo que realizam diretamente o poder penal do Estado Por isso conclui MAIER é no Direito Processual Penal que as manipulações do poder político são mais frequentes e destacadas até pela natureza da tensão existente poder de penar versus direito de liberdade No processo o endurecimento manifestase no utilitarismo judicial em atos dominados pelo segredo forma escrita aumento das penas processuais prisões cautelares crimes inafiançáveis etc algumas absurdas inversões da carga probatória e principalmente mais poderes para os juízes investigarem Podese constatar que predomina o sistema acusatório nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática Em sentido oposto o sistema inquisitório predomina historicamente em países de maior repressão caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo em que se fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais Cronologicamente em linhas gerais4 o sistema acusatório predominou até meados do século XII sendo posteriormente substituído gradativamente pelo modelo inquisitório que prevaleceu com plenitude até o final século XVIII em alguns países até parte do século XIX momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos A doutrina brasileira majoritariamente aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto predomina o inquisitório na fase préprocessual e o acusatório na processual Ora afirmar que o sistema é misto é absolutamente insuficiente é um reducionismo ilusório até porque não existem mais sistemas puros são tipos históricos todos são mistos A questão é a partir do reconhecimento de que não existem mais sistemas puros identificar o princípio informador de cada sistema para então classificálo como inquisitório ou acusatório pois essa classificação feita a partir do seu núcleo é de extrema relevância Antes de analisar a situação do processo penal brasileiro contemporâneo vejamos sumariamente algumas das características dos sistemas acusatório e inquisitório 1 Sistema Acusatório A origem do sistema acusatório remonta ao Direito grego o qual se desenvolve referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves qualquer pessoa podia acusar e acusação privada para os delitos menos graves em harmonia com os princípios do Direito Civil No Direito romano da Alta República5 surgem as duas formas do processo penal cognitio e accusatio A cognitio era encomendada aos órgãos do Estado magistrados Outorgava os maiores poderes ao magistrado podendo este esclarecer os fatos na forma que entendesse melhor Era possível um recurso de anulação provocatio ao povo sempre que o condenado fosse cidadão e varão Nesse caso o magistrado deveria apresentar ao povo os elementos necessários para a nova decisão Nos últimos séculos da República esse procedimento começou a ser considerado como insuficiente escasso de garantias especialmente para as mulheres e para os que não eram cidadãos pois não podiam utilizar o recurso de anulação e acabou sendo uma poderosa arma política nas mãos dos magistrados Na accusatio a acusação polo ativo era assumida de quando em quando espontaneamente por um cidadão do povo Surgiu no último século da República e marcou uma profunda inovação no Direito Processual romano Tratandose de delicta publica a persecução e o exercício da ação penal eram encomendados a um órgão distinto do juiz não pertencente ao Estado senão a um representante voluntário da coletividade accusator Esse método também proporcionava aos cidadãos com ambições políticas uma oportunidade de aperfeiçoar a arte de declamar em público podendo exibir para os eleitores sua aptidão para os cargos públicos Como notas características destacamos a a atuação dos juízes era passiva no sentido de que eles se mantinham afastados da iniciativa e gestão da prova atividades a cargo das partes b as atividades de acusar e julgar estão encarregadas a pessoas distintas c adoção do princípio ne procedat iudex ex officio não se admitindo a denúncia anônima nem processo sem acusador legítimo e idôneo d estava apenado o delito de denunciação caluniosa como forma de punir acusações falsas e não se podia proceder contra réu ausente até porque as penas são corporais e acusação era por escrito e indicava as provas f havia contraditório e direito de defesa g o procedimento era oral h os julgamentos eram públicos com os magistrados votando ao final sem deliberar6 Mas na época do Império o sistema acusatório foi se mostrando insuficiente para as novas necessidades de repressão dos delitos ademais de possibilitar com frequência os inconvenientes de uma persecução inspirada por ânimos e intenções de vingança Por meio dos oficiais públicos que exerciam a função de investigação os denominados curiosi nunciatores stationarii etc eram transmitidos aos juízes os resultados obtidos A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes invadissem cada vez mais as atribuições dos acusadores privados originando a reunião em um mesmo órgão do Estado das funções de acusar e julgar A partir daí os juízes começaram a proceder de ofício sem acusação formal realizando eles mesmos a investigação e posteriormente dando a sentença Isso caracterizava o procedimento extraordinário que ademais introduziu a tortura no processo penal romano E se no início predominava a publicidade dos atos processuais isso foi sendo gradativamente substituído pelos processos à porta fechada As sentenças que na época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do tribunal no Império assumem a forma escrita e passam a ser lidas na audiência Nesse momento surgem as primeiras características do que viria a ser considerado como um sistema o inquisitório Também o processo penal canônico antes marcado pelo acusatório contribuiu definitivamente para delinear o modelo inquisitório mostrando na Inquisição Espanhola sua face mais dura e cruel Finalmente no século XVIII a Revolução Francesa e suas novas ideologias e postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório Na atualidade a forma acusatória caracterizase pela a clara distinção entre as atividades de acusar e julgar b a iniciativa probatória deve ser das partes decorrência lógica da distinção entre as atividades c mantémse o juiz como um terceiro imparcial alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova tanto de imputação como de descargo d tratamento igualitário das partes igualdade de oportunidades no processo e procedimento é em regra oral ou predominantemente f plena publicidade de todo o procedimento ou de sua maior parte g contraditório e possibilidade de resistência defesa h ausência de uma tarifa probatória sustentandose a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional i instituição atendendo a critérios de segurança jurídica e social da coisa julgada j possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição É importante destacar que a principal crítica que se fez e se faz até hoje ao modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz imposição da imparcialidade pois este deve resignarse com as consequências de uma atividade incompleta das partes tendo que decidir com base em um material defeituoso que lhe foi proporcionado Esse sempre foi o fundamento histórico que conduziu à atribuição de poderes instrutórios ao juiz e revelouse através da inquisição um gravíssimo erro O mais interessante é que não aprendemos com os erros nem mesmo com os mais graves como foi a inquisição Basta constatar que o atual CPP atribui poderes instrutórios para o juiz a maioria dos tribunais e doutrinadores defende essa postura ativa por parte do juiz muitas vezes invocando a tal verdade real esquecendo a origem desse mito e não percebendo o absurdo do conceito proliferam projetos de lei criando juízes inquisidores e juizados de instrução etc Não podemos reincidir em erros históricos dessa forma pois como diria TOCQUEVILLE uma vez que o passado já não ilumina o futuro o espírito caminha nas trevas O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal frente à atual estrutura social e política do Estado Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal Também conduz a uma maior tranquilidade social pois se evitam eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz apaixonado pelo resultado de seu labor investigador e que ao sentenciar olvidase dos princípios básicos de justiça pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação Em decorrência dos postulados do sistema em proporção inversa à inatividade do juiz no processo está a atividade das partes Frente à imposta inércia do julgador se produz um significativo aumento da responsabilidade das partes já que têm o dever de investigar e proporcionar as provas necessárias para demonstrar os fatos Isso exige uma maior responsabilidade e grau técnico dos profissionais do Direito que atuam no processo penal Também impõem ao Estado a obrigação de criar e manter uma estrutura capaz de proporcionar o mesmo grau de representação processual às pessoas que não têm condições de suportar os elevados honorários de um bom profissional Somente assim se poderá falar de processo acusatório com um nível de eficácia que possibilite a obtenção da justiça Frente ao inconveniente de ter que suportar uma atividade incompleta das partes preço a ser pago pelo sistema acusatório o que se deve fazer é fortalecer a estrutura dialética e não destruíla com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz O Estado já possui um serviço público de acusação Ministério Público devendo agora ocuparse de criar e manter um serviço público de defesa tão bem estruturado como o é o Ministério Público É um dever correlato do Estado para assim assegurar um mínimo de paridade de armas e dialeticidade Tratase de repensar a questão a partir de DUSSEL7 da necessidade de criar um terreno fértil para que o réu tenha condições de fala e possa realmente ter fala Ou seja adotar uma ética libertatória no processo penal e não voltar à era da escuridão com um juizinquisidor Em última análise é a separação de funções e por decorrência a gestão da prova na mão das partes e não do juiz que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive Somente no processo acusatóriodemocrático em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das partes é que podemos ter a figura do juiz imparcial fundante da própria estrutura processual Não podemos esquecer ainda da importância do contraditório para o processo penal e que somente uma estrutura acusatória o proporciona Como sintetiza CUNHA MARTINS8 no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório somente possível no sistema acusatório 2 Sistema Inquisitório O sistema inquisitório na sua pureza é um modelo histórico9 Até o século XII predominava o sistema acusatório não existindo processos sem acusador legítimo e idôneo A acusação era apresentada por escrito indicando as provas que se utilizariam para demonstrar a veracidade dos fatos Estava apenado o delito de calúnia como forma de punir as acusações falsas Não se podia atuar contra um acusado ausente As transformações ocorrem ao longo do século XII até o XIV quando o sistema acusatório vai sendo paulatinamente substituído pelo inquisitório Essa substituição foi fruto basicamente dos defeitos da inatividade das partes levando à conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada nas mãos dos particulares pois isso comprometia seriamente a eficácia do combate à delinquência Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser exercida conforme os limites da legalidade Também representou uma ruptura definitiva entre o processo civil e penal10 A mudança em direção ao sistema inquisitório começou com a possibilidade de junto ao acusatório existir um processo judicial de ofício para os casos de flagrante delito Os poderes do magistrado foram posteriormente invadindo cada vez mais a esfera de atribuições reservadas ao acusador privado até o extremo de se reunir no mesmo órgão do Estado as funções que hoje competem ao Ministério Público e ao juiz As vantagens desse novo sistema adotado inicialmente pela Igreja impuseramse de tal modo que foi sendo incorporado por todos os legisladores da época não só para os delitos em flagrante mas para toda classe de delito11 O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado com igualdade de poderes e oportunidades se transforma em uma disputa desigual entre o juizinquisidor e o acusado O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor atuando desde o início também como acusador Confundemse as atividades do juiz e acusador e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação Frente a um fato típico o julgador atua de ofício sem necessidade de prévia invocação e recolhe também de ofício o material que vai constituir seu convencimento O processado é a melhor fonte de conhecimento e como se fosse uma testemunha é chamado a declarar a verdade sob pena de coação O juiz é livre para intervir recolher e selecionar o material necessário para julgar de modo que não existem mais defeitos pela inatividade das partes e tampouco existe uma vinculação legal do juiz12 O juiz atua como parte investiga dirige acusa e julga Com relação ao procedimento sói ser escrito secreto e não contraditório É da essência do sistema inquisitório um desamor total pelo contraditório Originariamente com relação à prova imperava o sistema legal de valoração a chamada tarifa probatória A sentença não produzia coisa julgada e o estado de prisão do acusado no transcurso do processo era uma regra geral13 O processo inquisitório se dividia em duas fases14 inquisição geral e inquisição especial A primeira fase geral estava destinada à comprovação da autoria e da materialidade e tinha um caráter de investigação preliminar e preparatória com relação à segunda especial que se ocupava do processamento condenação e castigo No transcurso do século XIII foi instituído o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício para reprimir a heresia e tudo que fosse contrário ou que pudesse criar dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica Inicialmente eram recrutados os fiéis mais íntegros para que sob juramento se comprometessem a comunicar as desordens e manifestações contrárias aos ditames eclesiásticos que tivessem conhecimento Posteriormente foram estabelecidas as comissões mistas encarregadas de investigar e seguir o procedimento Na definição de JACINTO COUTINHO15 tratase sem dúvida do maior engenho jurídico que o mundo conheceu e conhece Sem embargo de sua fonte a Igreja é diabólico na sua estrutura o que demonstra estar ela por vezes e ironicamente povoada por agentes do inferno persistindo por mais de 700 anos Não seria assim em vão veio com uma finalidade específica e porque serve e continuará servindo se não acordarmos mantémse hígido Para compreender a inquisição é necessário situála num espaçotempo considerando o comportamento da Igreja Tratase de um sistema fundado na intolerância derivada da verdade absoluta de que a humanidade foi criada na graça de Deus Explica BOFF16 que a humanidade com Adão e Eva perdeu os dons sobrenaturais graça e mutilou os dons naturais obscureceu a inteligência e enfraqueceu a vontade À medida que a humanidade se afasta e não consegue mais ler a vontade de Deus surgem as escrituras sagradas que contêm um alfabeto sobrenatural que permite ter acesso às verdades divinas Contudo nasce um novo problema o livro pode ser lido de diferentes maneiras Surgem então os Bispos e o Papa máximos intérpretes e representantes da vontade de Deus Mas isso não é suficiente pois eles são humanos e podem errar Era necessário resolver essa questão e Deus então se apiedou da fragilidade humana e concedeu a seus representantes um privilégio único a infalibilidade Nesse momento reforçase o mito da segurança oriundo da verdade absoluta que não é construída senão dada pelos concílios encíclicas e outros instrumentos nascidos sob a assistência divina Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição A verdade absoluta é sempre intolerante sob pena de perder seu caráter absoluto A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e nessa estrutura a heresia era o maior perigo pois atacava o núcleo fundante do sistema Fora dele não havia salvação Isso autoriza o combate a qualquer custo da heresia e do herege legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregada A maior crueldade não era a tortura em si mas o afastamento do caminho para a eternidade17 Como explica BOFF18 qualquer experiência ou dado que conflita com as verdades reveladas só pode significar um equívoco ou um erro um obstáculo ou desvio no caminho da eternidade O crime não é problema nesse trilhar para a eternidade pois para o arrependido sempre há o perdão divino O problema está na heresia na oposição ao dogma pois isso sim fecha o caminho para a eternidade esse é o maior perigo de todos Como tal exige o máximo rigor na repressão O Manual dos Inquisidores escrito pelo catalão Nicolau Eymerich em 1376 posteriormente revisto e ampliado por Francisco de la Peña em 1578 deve ser lido nesse contexto pois somente assim podemos compreender sua perfeição lógica BOFF19 explica que igual raciocínio deve ser empregado para a compreensão da tortura e repressão dos regimes militares latinoamericanos pois perfeitamente encaixados na ideologia da segurança nacional assimilada na plenitude pelos torturadores e mandantes ou ainda na limpeza genética levada a cabo pelo nazifascismo O herege explica BOFF20 não apenas se recusa a aceitar o discurso oficial senão que cria novos discursos a partir de novas visões por isso está mais voltado para a criatividade e o futuro do que para a reprodução e o passado É o que BOFF define como congelamento da história O buscar a verdade significa dinâmica movimento O movimento de buscar a verdade evidencia a inércia de quem presume havêla encontrado Como admitir que alguém busque enquanto fico inerte Então estou em erro e portanto correndo o risco de afastarme da salvação Isso conduz aos processos de exclusão Explica BOFF que nos primeiros séculos o divergente era excomungado uma questão intraeclesial Sem embargo quando o Cristianismo assume o status de religião oficial do Império a questão vira política e a divergência afeta a coesão e união política Nesse contexto a punição sai da esfera eclesial e legitima uma severa repressão pois se insere na mesma linha das ideologias de segurança nacional o metafísico interesse público legitimador das maiores barbáries21 O primeiro passo foi o abandono do princípio ne procedat iudex ex officio inclusive para permitir a denúncia anônima pois o nome do acusador era mantido em segredo Surgiram em determinados lugares especialmente nas igrejas gavetas ou caixas22 destinadas a receber as denúncias anônimas de heresia O que se buscava era exclusivamente punir o pecado e a heresia em uma concepção unilateral do processo O actus trium personarum já não se sustenta e como destaca JACINTO COUTINHO23 ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar transformandose o imputado em mero objeto de verificação razão pela qual a noção de parte não tem nenhum sentido Com a Inquisição são abolidas a acusação e a publicidade O juizinquisidor atua de ofício e em segredo assentando por escrito as declarações das testemunhas cujos nomes são mantidos em sigilo para que o réu não os descubra O Directorium Inquisitorum Manual dos Inquisidores do catalão NICOLAU EYMERICH24 relata o modelo inquisitório do Direito Canônico que influenciou definitivamente o processo penal o processo poderia começar mediante uma acusação informal denúncia de um particular ou por meio da investigação geral ou especial levada a cabo pelo inquisidor Era suficiente um rumor para que a investigação tivesse lugar e com ela seus particulares métodos de averiguação A prisão era uma regra porque assim o inquisidor tinha à sua disposição o acusado para torturálo25 até obter a confissão Bastavam dois testemunhos para comprovar o rumor e originar o processo e sustentar a posterior condenação As divergências entre duas pessoas levavam ao rumor e autorizava a investigação Uma única testemunha já autorizava a tortura A estrutura do processo inquisitório foi habilmente construída a partir de um conjunto de instrumentos e conceitos falaciosos é claro especialmente o de verdade real ou absoluta Na busca dessa tal verdade real transformase a prisão cautelar em regra geral pois o inquisidor precisa dispor do corpo do herege De posse dele para buscar a verdade real pode lançar mão da tortura que se for bem utilizada conduzirá à confissão Uma vez obtida a confissão o inquisidor não necessita de mais nada pois a confissão é a rainha das provas sistema de hierarquia de provas Sem dúvida tudo se encaixa para bem servir ao sistema A confissão era a prova máxima suficiente para a condenação e no sistema de prova tarifada nenhuma prova valia mais que a confissão O inquisidor EYMERICH fala da total inutilidade da defesa pois se o acusado confirmava a acusação não havia necessidade de advogado Ademais a função do advogado era fazer com que o acusado confessasse logo e se arrependesse do erro para que a pena fosse imediatamente aplicada e iniciada a execução Tendo em vista a importância da confissão o interrogatório era visto como um ato essencial que exigia uma técnica especial Existiam cinco tipos progressivos de tortura e o suspeito tinha o direito a que somente se praticasse um tipo de tortura por dia Se em 15 dias o acusado não confessasse era considerado como suficientemente torturado e era liberado Sem embargo os métodos utilizados eram eficazes e quiçá alguns poucos tenham conseguido resistir aos 15 dias O pior é que em alguns casos a pena era de menor gravidade que as torturas sofridas A inexistência da coisa julgada era característica do sistema inquisitório EYMERICH alertava que o bom inquisidor deveria ter muita cautela para não declarar na sentença de absolvição que o acusado era inocente mas apenas esclarecer que nada foi legitimamente provado contra ele Dessa forma mantinha se o absolvido ao alcance da Inquisição e o caso poderia ser reaberto mais tarde pelo tribunal para punir o acusado sem o entrave do trânsito em julgado O sistema inquisitório predominou até finais do século XVIII início do XIX momento em que a Revolução Francesa26 os novos postulados de valorização do homem e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiam no processo penal removendo paulatinamente as notas características do modelo inquisitivo Coincide com a adoção dos Júris Populares e se inicia a lenta transição para o sistema misto que se estende até os dias de hoje Como explica HEINZ GOESSEL27 o antigo processo inquisitório deve ser visto como uma expressão lógica da teoria do Estado de sua época28 como manifestação do absolutismo que concentrava o poder estatal de maneira indivisível nas mãos do soberano quem legibus absolutus não estava submetido a restrições legais No sistema inquisitório os indivíduos são reduzidos a mero objeto do poder soberano Não existe dúvida de que a ideia do Estado de Direito influi de forma imediata e direta no processo penal Por isso podese afirmar que quando se inicia o Estado de Direito é quando principia a organização do procedimento penal29 Em definitivo o sistema inquisitório foi desacreditado principalmente por incidir em um erro psicológico30 crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar acusar defender e julgar 3 O Reducionismo Ilusório e insuficiente do Conceito de Sistema Misto a Gestão da Prova e os Poderes Instrutórios do Juiz Com o fracasso da inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório o Estado seguia mantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia abandonar em mãos de particulares esse poder e a função de persecução Logo era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas Nesse novo modelo a acusação continua como monopólio estatal mas realizada através de um terceiro distinto do juiz Aqui nasce o Ministério Público Por isso existe um nexo entre sistema inquisitivo e Ministério Público como aponta CARNELUTTI31 pois essa necessidade de dividir a atividade estatal exige naturalmente duas partes Quando não existem devem ser fabricadas e o Ministério Público é uma parte fabricada Surge da necessidade do sistema acusatório e garante a imparcialidade do juiz Eis aqui outro erro histórico a pretendida imparcialidade32 do MP É lugarcomum na doutrina processual penal a classificação de sistema misto com a afirmação de que os sistemas puros seriam modelos históricos sem correspondência com os atuais Ademais a divisão do processo penal em duas fases préprocessual e processual propriamente dita possibilitaria o predomínio em geral da forma inquisitiva na fase preparatória e acusatória na fase processual desenhando assim o caráter misto Outros preferem afirmar que o processo penal brasileiro é acusatório formal incorrendo no mesmo erro dos defensores do sistema misto BINDER33 corretamente afirma que o acusatório formal é o novo nome do sistema inquisitivo que chega até nossos dias Nós preferimos fugir da maquiagem conceitual para afirmar que o modelo brasileiro é neoinquisitório para não induzir ninguém a erro Historicamente o primeiro ordenamento jurídico que adotou esse sistema misto foi o francês no Code dInstruction Criminalle de 1808 pois foi pioneiro na cisão das fases de investigação e juízo Posteriormente difundiuse por todo o mundo e na atualidade é o mais utilizado Nessa linha o critério definidor de um sistema ou outro seria a separação das funções de acusar e julgar presente apenas no modelo acusatório Para GIMENO SENDRA34 o simples fato de estar o processo divido em duas fases préprocessual e processual em sentido próprio ou estrito e que se encomende cada uma a um juiz distinto juiz que instrui não julga bastaria para afirmar que o processo está regido pelo sistema acusatório No mesmo sentido ARMENTA DEU35 entende que em determinado sentido bastaria afirmar que o processo acusatório se caracteriza pelo fato de ser imprescindível uma acusação levada a cabo por um órgão ou agente distinto do julgador ne procedat iudex ex officio A classificação de sistema misto peca por insuficiência em dois aspectos Considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos sem correspondência com os atuais a classificação de sistema misto não enfrenta o ponto nevrálgico da questão a identificação do núcleo fundante A separação inicial das atividades de acusar e julgar não é o núcleo fundante dos sistemas e por si só é insuficiente para sua caracterização Não se pode desconsiderar a complexa fenomenologia do processo de modo que a separação das funções impõe como decorrência lógica que a gestãoiniciativa probatória seja atribuída às partes e não ao juiz por elementar pois isso romperia com a separação de funções Mais do que isso somente com essa separação de papéis mantémse o juiz afastado da arena das partes e portanto é a clara delimitação das esferas de atuação que cria as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial Portanto é reducionismo pensar que basta ter uma acusação separação inicial das funções para constituirse um processo acusatório É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz E por fim ninguém nega a imprescindibilidade do contraditório ainda mais em democracia e ele somente é possível numa estrutura acusatória na qual o juiz mantenhase em alheamento e como decorrência possa assegurar a igualdade de tratamento e oportunidade às partes Retomamos a lição de CUNHA MARTINS no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório já o modelo acusatório constitui uma declaração de amor pelo contraditório 31 A Falácia do Sistema Bifásico Sobre a falácia do sistema bifásico do Código Napoleônico de 1808 com a fase préprocessual inquisitória e a fase processual supostamente acusatória ensina JACINTO COUTINHO36 É isso que JeanJacquesRégis de Cambacérés faz passar no Código napoleônico de 17111808 Segundo HÉLIE Traité I 178 539 é la loi procédure criminelle la moins imperfaite du mond Enfim monstro de duas cabeças acabando por valer mais a prova secreta que a do contraditório numa verdadeira fraude Afinal o que poderia restar de segurança é o livre convencimento ou seja retórica e contraataques basta imunizar a decisão com um belo discurso Em suma serviu a Napoleão um tirano serve a qualquer senhor não serve à democracia É necessário ler com muita atenção para compreender o alcance desse fenômeno pois ele reflete exatamente o que temos no sistema brasileiro O monstro de duas cabeças inquérito policial totalmente inquisitório e fase processual com ares de acusatório outro engodo ensinará JACINTO na continuação é a nossa realidade diária nos foros e tribunais do País inteiro No mesmo sentido FERRAJOLI37 diz que o Código Napoleônico de 1808 deu vida a um monstruo nacido de la unión del proceso acusatorio con el inquisitivo que fue el llamado proceso mixto A fraude reside no fato de que a prova é colhida na inquisição do inquérito sendo trazida integralmente para dentro do processo e ao final basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão Esse discurso vem mascarado com as mais variadas fórmulas do estilo a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada cotejando a prova policial com a judicializada e assim todo um exercício imunizatório ou melhor uma fraude de etiquetas para justificar uma condenação que na verdade está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisição O processo acaba por converter se em uma mera repetição ou encenação da primeira fase Ademais mesmo que não faça menção expressa a algum elemento do inquérito quem garante que a decisão não foi tomada com base nele A eleição culpado ou inocente é o ponto nevrálgico do ato decisório e pode ser feita com base nos elementos do inquérito policial e disfarçada com um bom discurso Ora ou alguém imagina que Napoleão aceitaria o tal sistema bifásico se não tivesse certeza de que era apenas um mudar para continuar tudo igual Como bom tirano jamais concordaria com uma mudança dessa natureza se não tivesse certeza de que continuaria com o controle total através da fase inquisitória de todo o processo Enquanto não tivermos um processo verdadeiramente acusatório do início ao fim ou ao menos adotarmos o paliativo da exclusão38 física dos autos do inquérito policial de dentro do processo as pessoas continuarão sendo condenadas com base na prova inquisitorial disfarçada no discurso do cotejando corrobora e outras fórmulas que mascaram a realidade a condenação está calcada nos atos de investigação naquilo feito na pura inquisição Isso porque como concluiu JACINTO COUTINHO39 il sistema inquisitorio non può convivere con il sistema accusatorio non solo perché la contaminatio è irragionevole sul piano logico ma anche perché la pratica sconsiglia una commistione del genere Ou seja uma mistura de tal natureza inquisitório e acusatório é irracional e a prática desaconselha tal mescla Cumpre por fim refletir sobre a última frase de JACINTO se tal sistema serviu a Napoleão um tirano serve a qualquer senhor obviamente não serve à democracia E basta 32 A Insuficiência da Separação Inicial das Atividades de Acusar e Julgar Apontada pela doutrina como fator crucial na distinção dos sistemas a divisão entre as funções de investigaracusarjulgar é uma importante característica do sistema acusatório mas não é a única e tampouco pode por si só ser um critério determinante quando não vier aliada a outras como iniciativa probatória publicidade contraditório oralidade igualdade de oportunidades etc Dada a sua complexidade como conjunto de atos concatenados o processo é formado por toda uma cadeia de circunstâncias que se interrelacionam e influem no resultado final Basta analisar o sistema inquisitório para ver que ao lado da acumulação de funções investigar acusar e julgar existe toda uma gama de princípios que juntos compõem e dão conteúdo ao todo Especial atenção merece o contraditório pois existe uma acertada tendência de considerálo fundamental para a própria existência do processo enquanto estrutura dialética Com relação à separação das atividades de acusar e julgar tratase realmente de uma nota importante na formação do sistema Contudo não basta termos uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação e depois ao longo do procedimento permitir que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora como por exemplo permitir que o juiz de ofício converta a prisão em flagrante em preventiva art 310 pois isso equivale a prisão decretada de ofício ou mesmo decrete a prisão preventiva de ofício no curso do processo o problema não está na fase mas sim no atuar de ofício uma busca e apreensão art 242 o sequestro art 127 ouça testemunhas além das indicadas art 209 proceda ao reinterrogatório do réu a qualquer tempo art 196 determine diligências de ofício durante a fase processual e até mesmo no curso da investigação preliminar art 156 incisos I e II reconheça agravantes ainda que não tenham sido alegados art 385 condene ainda que o Ministério Público tenha postulado a absolvição art 385 altere a classificação jurídica do fato art 383 etc Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se depois o juiz assume um papel claramente inquisitorial O juiz deve manter uma posição de alheamento afastamento da arena das partes ao longo de todo o processo Daí por que é reducionista alguma doutrina que focada exclusivamente no aspecto histórico da separação de funções ne procedat iudex ex officio aí ancora passando a criticar aqueles que propõem a superação de tais reducionismos e posturas mitológicas Pensamos que se originariamente o sistema acusatório teve por núcleo a separação de funções o nível atual de desenvolvimento e complexidade do processo penal não admite mais tais simplificações Não há mais espaço compreendida a complexidade do processo penal voltamos a repetir para que alguém se esconda atrás de categorias estéreis e de arqueologia histórica desconectando institutos dentro do processo compartimentalizandoos A concepção de sistema acusatório está íntima e indissoluvelmente relacionada na atualidade à eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade princípio supremo do processo penal recordemos Portanto pensar sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório é incorrer em grave reducionismo É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz A separação de funções do sistema acusatório está a serviço do quê Por que existe Por que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em diversas oportunidades tem decidido que o juiz que atua como investigador na fase préprocessual não pode ser o mesmo que no processo julgue Todas essas questões giram em torno do binômio sistema acusatório e imparcialidade porque a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade Como explica J GOLDSCHMIDT40 no modelo acusatório o juiz se limita a decidir deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material àqueles que perseguem interesses opostos isto é às partes O procedimento penal se converte desse modo em um litígio e o exame do processado não tem outro significado que o de outorgar audiência Parte do enfoque de que a melhor forma de averiguar a verdade e realizarse a justiça é deixar a invocação jurisdicional e a coleta do material probatório àqueles que perseguem interesses opostos e sustem opiniões divergentes Devese descarregar o juiz de atividades inerentes às partes para assegurar sua imparcialidade Com isso também se manifesta respeito pela integridade do processado como cidadão Para além disso recordemos que o processo tem por finalidade além do explicado no Capítulo I buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova na forma pela qual ela é realizada identifica o princípio unificador41 como explicaremos na continuação 33 Identificação do Núcleo Fundante a Gestão da Prova Ainda que todos os sistemas sejam mistos não existe um princípio fundante misto O misto deve ser visto como algo que ainda que mesclado na essência é inquisitório ou acusatório a partir do princípio que informa o núcleo Então no que se refere aos sistemas o ponto nevrálgico é a identificação de seu núcleo ou seja do princípio informador pois é ele quem vai definir se o sistema é inquisitório ou acusatório e não os elementos acessórios oralidade publicidade separação de atividades etc Como afirmamos anteriormente o processo tem por finalidade além do explicado no Capítulo I buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova é erigida à espinha dorsal do processo penal estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores conforme ensina JACINTO COUTINHO Princípio dispositivo42 funda o sistema acusatório a gestão da prova está nas mãos das partes juizespectador Princípio inquisitivo a gestão da prova está nas mãos do julgador juizator inquisidor por isso ele funda um sistema inquisitório Daí estar com plena razão JACINTO COUTINHO43 quando explica que não há e nem pode haver um princípio misto o que por evidente desconfigura o dito sistema Para o autor os sistemas assim como os paradigmas e os tipos ideais não podem ser mistos eles são informados por um princípio unificador Logo na essência o sistema é sempre puro E explica na continuação que o fato de ser misto significa ser na essência inquisitório ou acusatório recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos todos secundários que de um sistema são emprestados ao outro J GOLDSCHMIDT44 ao tratar dos princípios fundamentais do procedimento explica que el principio contrario al dispositivo lo forma el de la investigación que domina el procedimiento penal y que recibe también los nombres de principio inquisitivo de instrucción ou principio del conocimiento de oficio principio de la verdad material Compreendase o sistema inquisitório é fundado pelo princípio inquisitivo ou seja de instrução e conhecimento de ofício pelo juiz na busca da verdade material É tudo o que não se quer no atual nível de evolução civilizatória do processo penal Isso não significa que ao lado desse núcleo inquisitivo derivado do princípio inquisitivo em que a gestão da prova está nas mãos do juiz não possam orbitar características que geralmente circundam o núcleo dispositivo que informa o sistema acusatório Em outras palavras o fato de um determinado processo consagrar a separação inicial de atividades oralidade publicidade coisa julgada livre convencimento motivado etc não lhe isenta de ser inquisitório É o caso do sistema brasileiro de núcleo inquisitório ainda que com alguns acessórios que normalmente ajudam a vestir o sistema acusatório mas que por si sós não o transformam em acusatório A seleção dos elementos teoricamente essenciais para cada sistema explica FERRAJOLI45 está inevitavelmente condicionada por juízos de valor por conta do nexo que sem dúvida cumpre estabelecer entre sistema acusatório e modelo garantista e por outro lado entre sistema inquisitório modelo autoritário e eficácia repressiva Nesse contexto dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios como o famigerado art 156 incisos I e II do CPP externam a adoção do princípio inquisitivo que funda um sistema inquisitório pois representam uma quebra da igualdade do contraditório da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminam a principal garantia da jurisdição que é a imparcialidade do julgador Está desenhado um processo inquisitório A posição do juiz é o ponto nevrálgico da questão na medida em que ao sistema acusatório lhe corresponde um juizespectador dedicado sobretudo à objetiva e imparcial valoração dos fatos e por isso mais sábio que experto o rito inquisitório exige sem embargo um juizator representante do interesse punitivo e por isso um enxerido46 versado no procedimento e dotado de capacidade de investigação47 O tema também está intimamente relacionado com a questão da verdade no processo penal No sistema inquisitório nasce a inalcançável e mitológica verdade real em que o imputado nada mais é do que um mero objeto de investigação detentor da verdade de um crime48 e portanto submetido a um inquisidor que está autorizado a extraíla a qualquer custo Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição A verdade absoluta é sempre intolerante sob pena de perder seu caráter absoluto A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e nessa estrutura a heresia era o maior perigo pois atacava o núcleo fundante do sistema Fora dele não havia salvação Isso autoriza o combate a qualquer custo da heresia e do herege legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregadas A maior crueldade não era a tortura em si mas o afastamento do caminho para a eternidade49 A matéria raramente é objeto de análise por nossos tribunais e mais raro ainda é ser devidamente tratada Sem embargo merecem transcrição as acertadas decisões50 abaixo que bem demonstram a importância da questão51 CORREIÇÃO PARCIAL O órgão acusador parte que é e poderes que tem não pode exigir que o Judiciário requisite diligências quando o próprio Ministério Público pode fazêlo O mito de que o processo penal mira a verdade real está superado A busca é outra julgamento justo ao acusado lições de Adauto Suannes e Lugi Ferrajoli O papel do juiz criminal é de equidistância a aproximação entre acusador e julgador é própria do medieval inquisitório Correição parcial improcedente 5ª Câmara Criminal do TJRS Correição Parcial 70002028041 Rel Des Amilton Bueno de Carvalho 20122000 Dessarte fica fácil perceber que o processo penal brasileiro tem uma clara matriz inquisitória e que isso deve ser severamente combatido na medida em que não resiste à necessária filtragem constitucional Ou seja a estrutura do Código de Processo Penal de 1941 deve ser adequada e portanto deve ser conformada à nova ordem constitucional vigente cujos alicerces demarcam a adoção do sistema acusatório É uma imposição de conformidade das leis processuais penais à Constituição e portanto ao sistema acusatório como tão bem definiu GERALDO PRADO52 Sempre se reconheceu o caráter inquisitório da investigação preliminar e da execução penal encobrindo o problema da inquisição na fase processual Mas compreendidos os sistemas e os princípios que os estruturam a conclusão só pode ser uma como claramente aponta JACINTO COUTINHO53 O sistema processual penal brasileiro é na sua essência inquisitório porque regido pelo princípio inquisitivo já que a gestão da prova está primordialmente nas mãos do juiz Nos tribunais superiores a questão já começa a ser vista com outros olhos Nessa linha destacamos a decisão proferida pelo STJ no RHC 23945RJ Rel Min Jane Silva Desembargadora convocada julgado em 05022009 MAGISTRADO PARCIALIDADE Na espécie ainda na fase de investigação preliminar antes que fosse oferecida a denúncia o juiz por entender que a causa era complexa iniciou a realização do interrogatório de alguns réus O referido procedimento não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio o que tornam nulos não apenas os atos decisórios mas todo o processo O juiz não pode realizar as funções do órgão acusatório ou de Polícia Judiciária fazendo a gestão da prova pois seria retornar ao sistema inquisitivo Assim a Turma por maioria deu provimento ao recurso para declarar a nulidade de todo o processo não apenas dos atos decisórios bem como dos atos praticados pelo juiz durante a fase das investigações preliminares determinando que os interrogatórios por ele realizados nesse período sejam desentranhados dos autos de forma que não influenciem a opinio delicti do órgão acusatório na propositura da nova denúncia RHC 23945RJ Rel Min Jane Silva Desembargadora convocada do TJMG j 05022009 grifo nosso Compreendida a questão e respeitada a opção acusatória feita pela Constituição são substancialmente inconstitucionais todos os artigos do CPP que atribuam poderes instrutórios eou investigatórios ao juiz 34 O Problema dos Poderes Instrutórios JuízesInquisidores e os Quadros Mentais Paranoicos Compreendida a necessidade de buscar o núcleo fundante de um sistema a partir da gestão da prova resta verificar a problemática e inquisitiva atribuição de poderes instrutóriosinvestigatórios ao juiz Atribuir poderes instrutórios a um juiz em qualquer fase54 é um grave erro que acarreta a destruição completa do processo penal democrático Ensina CORDERO55 que tal atribuição de poderes instrutórios conduz ao primato dellipotesi sui fatti gerador de quadri mentali paranoidi Isso significa que se opera um primado prevalência das hipóteses sobre os fatos porque o juiz que vai atrás da prova primeiro decide definição da hipótese e depois vai atrás dos fatos prova que justificam a decisão que na verdade já foi tomada O juiz nesse cenário passa a fazer quadros mentais paranoicos Na mesma linha JACINTO COUTINHO56 afirma que abrese ao juiz a possibilidade de decidir antes e depois sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a sua versão isto é o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário ao qual toma como verdadeiro É evidente que o recolhimento da prova por parte do juiz antecipa a formação do juízo Como explica GERALDO PRADO57 a ação voltada à introdução do material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos rumos que o citado material se efetivamente incorporado ao feito possa determinar O juiz ao ter iniciativa probatória está ciente prognóstico mais ou menos seguro de que consequências essa prova trará para a definição do fato discutido pois quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso em termos de processo penal condenatório representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador58 Mais do que uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora tratase de sepultar definitivamente a imparcialidade do julgador Nessa matéria não existe investigador imparcial seja ele juiz ou promotor O modelo acusatório garantista traz na sua essência a necessidade de um amplo debate sobre a hipótese acusatória Para tanto FERRAJOLI59 define as seguintes garantias secundárias publicidade oralidade legalidade do processo e motivação da decisão judicial Tais garantias são condições necessárias para que o debate transcorra com transparência e igualdade de oportunidades ou seja no ambiente que se espera da estrutura dialética do processo Sempre que se atribuem poderes instrutórios ao juiz60 destróise a estrutura dialética do processo o contraditório fundase um sistema inquisitório e sepultase de vez qualquer esperança de imparcialidade enquanto terzietà alheamento É um imenso prejuízo gerado pelos diversos préjuízos que o julgador faz Não só diversos modelos contemporâneos demonstram isso basta estudar as reformas da Alemanha em 1974 Itália e Portugal em 198788 e também as mudanças levadas a cabo na Espanha pela LO 788 feita às pressas para adequarse à Sentença do Tribunal Constitucional n 14588 mas também a história do Direito Processual especialmente o erro iniciado no sistema acusatório romano de atribuir poderes instrutórios ao juiz que acabou levando ao sistema inquisitório Como explicamos anteriormente a imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Essa questão foi muito bem tratada pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 36 e ss61 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos há muito tempo e em diversas oportunidades tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial em situações assim destacando ainda uma especial preocupação com a aparência de imparcialidade a estética de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados especialmente na esfera penal Mas realmente a interiorização dos postulados constitucionais é sempre lenta e não raras vezes nunca se efetiva Ainda é possível encontrarmos prisões preventivas decretadas de ofício pelo mesmo juiz que depois irá julgar a causa Nessa linha decidiu o TJRS no HC 70016461592 Sétima Câmara Criminal Rel NEREU GIACOMOLLI publicado em 31 de agosto de 2006 HABEAS CORPUS RECEPTAÇÃO Sentença Condenatória Recorrível Ordem Pública Prisão de Ofício 1 2 3 Além de a segregação cautelar ter ferido frontalmente o sistema acusatório pois a decretação foi de ofício prática rejeitada pela Constituição de 1988 foi totalmente desnecessária tendo em vista que os pronunciamentos no âmbito da Casa Legislativa onde o paciente é vereador criticando instituições não ameaçam a ordem do Estado de Direito cuja artificial reason transcende aos limites da urbe localizada 4 LIMINAR CONFIRMADA ORDEM CONCEDIDA grifo nosso No corpo do voto do relator Des NEREU GIACOMOLLI encontramos importante lição no sentido de que mesmo diante da ausência de requerimento o julgador a quo decretou a segregação cautelar de ofício Após o advento da Constituição de 1988 a qual adotou o sistema acusatório caracterizado essencialmente pela distinção entre as atividades de acusar e julgar imparcialidade do juiz contraditório e ampla defesa motivação das decisões judiciais livre convencimento motivado entre tantas outras totalmente descabida qualquer decretação ex officio A acusação nos termos do art 129 da Constituição está totalmente a cargo do Ministério Público constituindose em ilegalidade a decretação de prisão de ofício Como sintetiza a Exposição de Motivos do CódigoModelo para IberoAmérica e nunca é demais recordar o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor Por fim pergunta que pode surgir é que instrumento processual penal pode ser utilizado quando nos deparamos com um juiz inquisidor na condução do processo Elementar que cada situação apresentará suas peculiaridades e complexidades Em linhas gerais pensamos que se o processo está em desenvolvimento poderá ser arguida a exceção de suspeição demonstrando a partir da análise do discurso ou atos praticados que houve uma quebra da garantia da imparcialidade recordese sempre que ela é o princípio supremo do processo Quando tratarmos da exceção de suspeição a seu tempo voltaremos ao tema Contudo já existindo uma sentença condenatória a situação fica mais difícil mas em tese deve ser arguida a violação da imparcialidade e consequente nulidade dos atos em preliminar de apelação 35 RePensando os Sistemas Processuais em Democracia a Estafa do Tradicional Problema Inquisitório Acusatório Historicamente os sistemas se distinguiam pela mera separação inicial das funções de acusar e julgar sendo isso suficiente para o nível de evolução civilizatória atingida Posteriormente se desvelou a insuficiência de tal concepção na medida em que o núcleo fundante do processo é a gestão da prova tudo gira em torno da prova enquanto instrumento de recognição e captura psíquica do juiz Superouse a visão tradicional de que o sistema estava demarcado pela separação inicial das funções repensando o próprio alcance do ne procedat iudex ex officio Ademais imprescindível afastar o juiz da iniciativa probatória em nome do contraditório e da necessária imparcialidade do julgador O problema é que estamos no século XXI e a complexidade das sociedades contemporâneas exige um constante ajuste e adaptação do Direito e do Processo Esse é um dos maiores erros de algum setor da doutrina que arraigada em conceitos do século XVIII e até antes não percebe a superação do discurso empregado Dessarte pensamos que é o momento de passar para uma terceira fase na concepção de sistemas processuais No primeiro momento bastou a mera separação inicial das funções de acusar e julgar para dizer que o sistema era acusatório e portanto suficiente No segundo momento compreendida a superação dessa visão por ser reducionista e não dar conta do restante da fenomenologia processual sustentouse que o núcleo fundante era a gestão da prova se nas mãos das partes o processo era acusatório se admitida a produção da prova de ofício o processo seria marcadamente inquisitório Mas está no momento de partir para uma terceira fase inclusive com o abandono dos termos acusatório e inquisitório pois excessivamente rotulados arraigados em visões tradicionais e lutas conceituais infindáveis Sem falar no eterno problema da ambição de verdade KHALED62 no processo com a maquiagem conceitual que representou o giro da verdade real absurda para a verdade formal ilusória Considerando que ainda subexistem autores e atores judiciários que sustentam a mitológica verdade real para justificar suas práticas autoritárias e muitos que acreditam resolver o problema partindo para a verdade processualformal é bastante complicado fazêlos compreender que o problema está na verdade e não no adjetivo que a ela se una Carnelutti O eterno debate verdade possível verdade inalcançável arrastase sem solução e nenhum avanço relevante gera para o processo penal É preciso pensar um processo liberto do peso da verdade como explicaremos ao tratar da prova penal no qual a decisão penal é construída em contraditório dentro das regras do jogo demarcada pela prova licitamente produzida A verdade é contingencial e não fundante Mas isso é outra grande revolução que se deve operar no senso comum teórico Por outro lado chama a atenção o completo abandono dessa discussão sistemas processuais na doutrina estrangeira pois superadas as premissas que a fundam Atualmente debruçamse os autores noutra problemática eficácia ou ineficácia do sistema de garantias da Constituição e também das convenções internacionais de direitos humanos Não se podem mais ficar debatendo de forma estéril e às vezes histérica conceitos e concepções do século XVIII ou ainda mais remotas deixando de lado as novas exigências sociais processuais e principalmente democráticas e constitucionais É preciso como explica CUNHA MARTINS63 fazer um deslocamento prévio dos pressupostos da discussão sob pena de esbarrar no eterno redizer da centralidade e escassear as possibilidades de efetiva reconsideração do problema A nova ordem democrática exige um rompimento pois cria um verdadeiro obstáculo epistemológico Daí o valor do critério de democraticidade de CUNHA MARTINS64 pois dizer democrático é dizer o contrário de inquisitivo é dizer o contrário de misto e é dizer mais do que acusatório O processo penal de inspiração democrática e constitucional tem apenas um princípio unificador a democraticidade Um sistema não pode ser inquisitório porque substancialmente inconstitucional como o são diversos dispositivos do CPP tampouco pode ser misto pois admitiríamos que ao menos metade dele é inconstitucional Pode ser acusatório por elementar pois conforme a Constituição Mas o problema é isso basta E novamente o que se entende por acusatório Por isso mais do que acusatório deve ser democrático deve ser um instrumento de garantia da democracia Partindo da necessidade de termos um processo penal democrático e constitucional precisamos observar se o sistema vigente tem democraticidade se cria as condições necessárias para a efetivação das regras do jogo especialmente do contraditório e por conseguinte da ampla defesa e imparcialidade do juiz Mais do que isso são garantias processuais umbilicalmente relacionadas de modo que somente um sistema que assegure pleno contraditório permitirá a ampla defesa e ambos asseguram a imparcialidade do julgador O sistema processual penal democrático impõe a máxima eficácia das garantias constitucionais e está calcado no amor ao contraditório É aquele que partindo da Constituição cria as condições de possibilidade para a máxima eficácia do sistema de garantias fundamentais estando fundado no contraditório efetivo para assegurar o tratamento igualitário entre as partes permitir a ampla defesa afastar o juizator e o ativismo judicial para garantir a imparcialidade No modelo fundado na democraticidade há um fortalecimento do indivíduo um fortalecimento das partes processuais A decisão na linha de Fazzalari é construída em contraditório não sendo mais a jurisdição o centro da estrutura processual e tampouco o poder jurisdicional se legitima por si só Recordemos que o conceito de democracia é multifacetário mas sem dúvida tem como núcleo imantador o fortalecimento do indivíduo em todo feixe de relações que ele mantém com o Estado Fortalecer o sujeito de direitos dentro e fora do processo é uma marca indelével do modelo democrático que não pactua com a coisificação do ser É verificar se o processo efetivamente serve de limite ao exercício de poder punitivo É condicionar o exercício do poder de punir ao estrito respeito das regras do jogo Por fim além da oxigenação e filtragem constitucional é necessário problematizar acerca do controle de convencionalidade das leis processuais penais ou seja será que o CPP resiste a uma filtragem à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos Esses são os desafios do processo penal do século XXI Um sistema processual deve dar o máximo de respostas afirmativas à pergunta o modelo é compatível com o cenário democráticoconstitucional vigente Esse é o ponto nevrálgico da virada paradigmática Noutra dimensão o sistema processual penal antidemocrático parte do desamor ao contraditório estabelecendo os contornos de um processo que autoriza o ativismo judicial com o juizator buscando a prova de ofício art 156 decretando prisões cautelares também de ofício art 311 condenando sem pedido art 385 rompendo a igualdade de tratamento e de oportunidades Em decorrência também fulmina a garantia da imparcialidade do juiz pois é flagrante a contaminação A legitimação da decisão se dá pelo fato de ser um ato de poder e não construída em contraditório como no modelo anterior As partes no processo não são os protagonistas senão que o é o juiz dono e senhor da relação jurídica Bülow Em última análise o desamor ao contraditório determina a antidemocraticidade de um processo penal Nessa linha o processo penal brasileiro ainda tem um longo caminho a percorrer para ser considerado um sistema processual penal democrático sendo necessário fazer um deslocamento do foco da discussão tradicional acusatório inquisitório pois não há paz conceitual para uma mudança Não existe consenso sobre esses conceitos e muitas são as vozes que sustentam ser o processo brasileiro acusatório dando portanto um falso ponto final na discussão Precisamos retomar a partir da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos para alinhar o Código de Processo Penal na perspectiva de um sistema processual penal democrático 1 BELING Ernst Derecho Procesal Penal Trad Miguel Fenech Barcelona Labor 1943 p 21 2 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosh 1935 p 67 3 MAIER Julio B J Derecho Procesal Penal fundamentos 2 ed Buenos Aires Editorial Del Puerto 2002 t I p 260 4 Nosso objeto de estudo está circunscrito à estrutura dos sistemas buscando definir suas notas processuais características Por esse motivo o aspecto histórico ainda que extremamente relevante será tratado com bastante superficialidade Recomendamos para aprofundar o estudo a leitura entre outras das seguintes obras Julio Maier Derecho Procesal Penal fundamentos especialmente o Capítulo II 5º Vicenzo Manzini Derecho Procesal Penal t I Alfredo Vélez Mariconde Derecho Procesal Penal t I Ernst Beling Derecho Procesal Penal Franco Cordero Procedimiento Penal ou na obra Guida alla Procedura Penale José Henrique Pierangelli Processo Penal evolução histórica e fontes legislativas e Geraldo Prado Sistema Acusatório a conformidade constitucional das leis processuais penais 5 GIMENO SENDRA Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 190 6 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 39 e ss 7 DUSSEL Enrique especialmente na obra Filosofia da Libertação Crítica à ideologia da exclusão São Paulo Paulus 1995 8 CUNHA MARTINS Rui O Ponto Cego do Direito The Brazilian Lessons Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 9 É importante destacar que o sistema inquisitório permanece em sua mais radical constituição no Direito Canônico com todo vigor em pleno século XXI Como questiona o teólogo HANS KÜNG Preguntas sobre la Inquisición publicado no jornal espanhol EL PAÍS em 160298 de que serve abrirse os arquivos da Inquisição dos séculos XVI a XIX se mantêmse fechados e inacessíveis os arquivos da Inquisição do século XX que já não culmina com a queima física senão psíquica e moral Para continuar exercendoa diariamente em escala global no século XXI O próprio autor relata que leva mais de 40 anos tentando conseguir o que em uma sociedade democrática se concede sem o menor esforço a qualquer acusado direito à vista dos autos No mesmo sentido outro exemplo vivo dessa queima psíquica e moral nos dá LEONARDO BOFF que relata no Prefácio que faz à tradução brasileira do Manual dos Inquisidores p 24 e ss que ainda perduram o processo de delação a negação ao acesso às atas dos processos a inexistência de um advogado e a impossibilidade de apelação A mesma instância acusa julga e pune Isso é uma perversidade jurídica em qualquer Estado de Direito pagão ateu ou cristão Não há a salvaguarda suficiente do direito de defesa Punido pela moderna Inquisição com entre outras penas a imposição de um silêncio obsequioso BOFF relata como se leva a cabo a morte psicológica do condenado Pressiona os acusados até o limite da suportabilidade psicológica São desmoralizados fazse perder a confiança em sua pessoa e palavra por isso proíbese que sejam convidados para conferências assessorias e retiros espirituais muitos são transferidos para outros países são forçados a tomar anos sabáticos eufemisticamente quer dizer devem deixar as cátedras pressionamse as editoras a não publicar seus escritos e proíbemse as livrarias religiosas de expor e de vender seus escritos Em definitivo quando se afirma que o modelo inquisitório pleno não existe mais devese ressalvar exceto no Direito Canônico em que permanece em seu estado puro 10 Cf MONTERO AROCA na obra coletiva Derecho Jurisdiccional v III Proceso Penal p 15 11 FENECH Miguel Derecho Procesal Penal 3 ed Barcelona Labor 1964 v 1 p 83 12 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 67 e ss 13 Cf ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 42 14 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 v 1 p 52 e ss 15 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Processo Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 18 16 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir In Directorium Inquisitorum Manual dos Inquisidores Nicolau Eymerich Brasília Rosa dos Tempos 1993 p 9 e ss 17 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir In Directorium Inquisitorum Manual dos Inquisidores cit p 9 e ss 18 Idem ibidem p 10 19 Idem ibidem p 11 20 Idem ibidem p 12 21 A lógica da inquisição era irretocável e com certeza serviu de inspiração para muitos ditadores Aponta BOFF op cit p 20 que quem pensasse a fé já era suspeito de heresia e sujeito à repressão pois pensar significa discutir e por consequência questionar Pergunta com acerto o autor não pensavam assim os agentes da repressão militar em regime de segurança nacional quem discutir publicamente política é já suspeito de subversão e logo de sequestro de tortura e de cárcere Mudem os sinais mas não a lógica de um sistema totalitário e por isso repressivo de toda e qualquer diferença A intolerância e o discurso do interesse público também vão conduzir ao conhecido e atual tolerância zero legitimando as maiores barbáries em relação aos direitos e garantias fundamentais sob a mesma lógica 22 As chamadas bocas de leão ou bocas da verdade que até hoje podem ser encontradas nas antigas igrejas espanholas 23 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O Papel do Novo Juiz no Processo Penal cit p 23 24 Algumas informações sobre a vida do inquisidor podem ser encontradas no trabalho Vita di Nicolas Eymerich disponível na internet no seguinte endereço eletrônico wwwdelosfantascienzacom 25 Como explica MANZINI op cit p 8 foi o procedimento extraordinário que introduziu a tortura entre os institutos processuais romanos Por longo tempo a tortura foi estranha ao processo penal romano enquanto estava em uso por todas as partes inclusive na Grécia Posteriormente foi transformada em um poderoso instrumento nas mãos dos inquisidores 26 Na realidade alguns câmbios iniciaram antes mesmo da Revolução Francesa impelidos pelo clima reformista e os ideais que predominavam na época e que posteriormente foram tomando força até culminar com a efetiva luta armada 27 HEINZ GOESSEL Karl El Defensor en el Proceso Penal Trad R Domínguez Munich Bogotá Temis 1989 p 15 e ss 28 Convém recordar que a inquisição é fruto de sua época marcada pela intolerância crueldade e pela própria ignorância que dominava Não deve ser lida ou julgada a partir dos parâmetros atuais pois impregnada de toda uma historicidade que não pode ser afastada 29 Segundo RISSEL na tese doutoral Die Verfassungsrechtliche Stellung des Rechtsanwalts Marburgo 1980 p 48 Apud HEINZ GOESSEL op cit p 17 30 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 29 31 Mettere il Publico Ministerio al suo Posto Rivista di Diritto Processuale v VIII parte I 1953 p 18 e ss Também em espanhol Poner en su Puesto al Ministerio Público In Cuestiones sobre el Proceso Penal p 209 e ss 32 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem CARNELUTTI Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v 2 p 99 explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para J GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar e defender Não há que confundir imparcialidade com estrita observância da legalidade e da objetividade 33 BINDER Alberto M Descumprimento das Formas Processuais p 51 34 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 83 Mas em sua obra anterior Fundamentos del Derecho Procesal cit p 189 considera como insuficiente essa afirmação que imputa a um grupo de autores alemães Schmidt e Roxin 35 Principio Acusatorio realidad y utilización RDP Madrid n 2 1996 p 272 36 Correspondência eletrônica particular de maio2003 cujos ensinamentos de Jacinto Coutinho foram por nós utilizados na Palestra Reformas Penais Juizado de Instrução Criminal proferida no dia 30 de maio de 2003 no Auditório Externo do Superior Tribunal de Justiça em Brasília 37 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibañez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 566 38 Explicamos isso no livro Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal a partir do sistema italiano Contudo recordanos JACINTO COUTINHO o antigo Código do Distrito Federal Decreto n 16751 de 31121924 art 243 Os autos de inquirição apensos aos de investigação nos termos dos arts 241 e 242 servirão apenas de esclarecimento ao Ministério Público não se juntarão ao processo quer em original quer por certidão e serão entregues após a denúncia pelo representante do Ministério Público ao cartório do juízo em invólucro lacrado e rubricado a fim de serem arquivados à sua disposição 39 Conclusão n 3 de sua Tese Doutoral conforme correspondência eletrônica de maio2003 40 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 69 e ss 41 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 p 28 42 Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias para evitar perigosas e muitas vezes errôneas analogias com o processo civil que foram e são feitas até hoje Com uma justificada preocupação J GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 28 e ss destaca que a construção do modelo acusatório no processo penal deve ser distinta daquela aplicável ao processo civil uma concepção distinta do princípio dispositivo pois a situação jurídica da parte ativa é completamente diferente que a do autor processo civil O Ministério Público não faz valer no processo penal um direito próprio e pede a sua adjudicação como o autor no processo civil senão que afirma o nascimento de um direito judicial de penar e exige o exercício desse direito que ao mesmo tempo representa um dever para o Estado titular do direito de penar e que realiza seu direito no processo não como parte mas como juiz Para compreender esse pensamento é imprescindível partir da premissa de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória ius ut procedatur A título de ilustração uma má interpretação do que seja o modelo acusatório e uma errada analogia com o processo civil leva alguns sistemas como o espanhol a permitir que a acusação peça uma determinada quantidade de pena x anos e mais errado ainda é pensar que esse pedido vincule o juiz Outro erro que diariamente vem sendo cometido é afirmar que a chamada justiça negociada plea negotiation é uma manifestação do modelo acusatório quando na verdade se trata de uma degeneração completa do processo penal e uma distorcida visão do que seja um processo de partes o sistema acusatório ou mesmo o verdadeiro objeto do processo penal Para compreensão leiase na continuação nossa abordagem sobre ReConstrução Dogmática do Conteúdo do Processo Penal 43 Em diversos trabalhos mas especialmente no artigo Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais cit 44 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 82 45 Derecho y Razón cit p 563 46 Toda tradução encerra imensos perigos por isso para evitar equívocos destacamos que a palavra empregada pelo autor foi leguleyo que em espanhol possui um sentido despectivo de persona que se ocupa de cuestiones legales sin tener el conocimiento o la especialización suficientes Cf Clave Diccionario de uso del español actual O texto original de Luigi Ferrajoli na obra Derecho y Razón p 575 é al sistema acusatorio le corresponde un juez espectador dedicado sobre todo a la objetiva e imparcial valoración de los hechos y por ello más sabio que experto el rito inquisitivo exige sin embargo un juez actor representante del interes punitivo y por ello leguleyo versado en el procedimiento y dotado de capacidad de investigación 47 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 575 48 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro cit p 28 49 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição cit p 9 e ss 50 Extraídas da obra de BUENO DE CARVALHO Amilton Garantismo Penal Aplicado Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 147150 e 183188 51 Na mesma linha destacamos a acertada decisão da 5ª Câmara Criminal do TJRS cujo acórdão é da lavra do Des ARAMIS NASSIF proferida na Correição Parcial 70014869697 julgada em 1º de junho de 2006 CORREIÇÃO PARCIAL DECISÃO EX OFFICIO BAIXA DOS AUTOS À DP PARA EFEITOS DE RECONHECIMENTO DO RÉU VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO O Juiz não pode pena de ferir o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal de 1988 determinar diligências policiais especialmente reconhecimento do acusado pelas vítimas No sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de direitos devendo ter portanto suas garantias individuais constitucionais respeitadas A regra é clara e comum O Estado acusador através do agente ministerial manifesta a pretensão ao agente imparcial que é o Estadojuiz Essa imparcialidade que se apresenta mais nítida agora com a definição constitucional dos papéis processuais é a plataforma na construção de uma ciência processual penal democrática vedando a iniciativa ex officio na produção da prova Correição acolhida 52 PRADO Geraldo na excelente obra Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 53 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução cit p 29 54 A crítica serve tanto para a atribuição de poderes instrutórios na fase processual como ocorre no art 156 como também quando ela é feita na fase préprocessual admitindo que o juiz pratique atos de investigação Com mais razão somos completamente contrários aos chamados Juizados de Instrução sistema de JuizInstrutor conforme exaustivamente explicado na obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal e cujas tentativas de inserção no Brasil nos causam profunda preocupação 55 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino Utet 1986 p 51 56 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução cit p 37 57 PRADO Geraldo Sistema Acusatório cit p 158 58 Idem ibidem 59 Derecho y Razón cit p 606 60 Sobre o tema vejase nosso artigo Juízes Inquisidores E paranóicos Uma crítica à prevenção a partir da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim do IBCCrim n 127 junho de 2003 p 1112 61 nos Estados de direito há à disposição dos cidadãos um Poder Judiciário independente com a função de arbitrar esses conflitos declarando ao indivíduo quais constrangimentos o ordenamento jurídico o obriga a suportar quais os que se não lhe pode impor Isso tem sido no entanto ignorado nos dias que correm de sorte que alguns juízes se envolvem direta e pessoalmente com os agentes da Administração participando do planejamento de investigações policiais que resultam em ações penais de cuja apreciação e julgamento eles mesmos serão incumbidos superpondo os sistemas inquisitório e misto a um tempo só recusando o sistema acusatório Basta tanto para desmontar as estruturas do Estado de direito disso decorrendo a supressão da jurisdição O acusado já então não se verá face a um Juiz independente e imparcial Terá diante de si uma parte acusadora um inquisidor a dizerlhe algo como já o investiguei colhi todas as provas já me convenci de sua culpa não lhe dou crédito algum mas estou a sua disposição para que me prove que estou errado E isso sem sequer permitir que o acusado arrisque a sorte em ordálias Perdoemme por falar em interesses das partes e em conflito no processo penal mas desejo vigorosamente afirmar que a independência do juiz criminal impõe sua cabal desvinculação da atividade investigatória e do combate ativo ao crime na teoria e na prática Contra bandidos o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem à margem da lei fazendo mossa da Constituição E tudo com a participação do juiz ante a crença generalizada de que qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem judicial Juízes que se pretendem versados na teoria e prática do combate ao crime juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um pedaço de papel sem utilidade prática como diz FERRAJOLI Ou em papel pintado com tinta uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma qual nos versos de FERNANDO PESSOA grifo nosso 62 KHALED JR Salah H Ambição de Verdade no Processo Penal Salvador JusPodivm 2009 63 Conforme explica RUI CUNHA MARTINS op cit p 81 Contudo sublinhamos que a obra de CUNHA MARTINS serviu de inspiração para a integralidade deste tópico 64 O Ponto Cego do Direito cit p 92 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO A estrutura do processo penal variou ao longo dos séculos conforme o predomínio da ideologia punitiva ou libertária Goldschmidt afirma que a estrutura do processo penal de um país funciona como um termômetro dos elementos democráticos ou autoritários de sua Constituição Em linhas gerais o sistema acusatório predomina até meados do século XII sendo posteriormente substituído gradativamente pelo modelo inquisitório que prevalece até parte do século XIX Nasceria então essencialmente com o Código Napoleônico de 1808 o chamado sistema misto que seria o modelo contemporâneo na medida em que predominam os traços do sistema inquisitório na fase préprocessual e as características do acusatório na fase processual especialmente com a separação das funções de acusar e julgar O processo penal brasileiro para muitos seria misto sendo a fase processual acusatória Mas essa é uma concepção muito criticada como explicamos Em linhas gerais os sistemas processuais inquisitório e acusatório se caracterizam por SISTEMA INQUISITÓRIO gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz figura do juizator e do ativismo judicial princípio inquisitivo ausência de separação das funções de acusar e julgar aglutinação das funções nas mãos do juiz violação do princípio ne procedat iudex ex officio pois o juiz pode atuar de ofício sem prévia invocação juiz parcial inexistência de contraditório pleno desigualdade de armas e oportunidades procedimento escrito e secreto sistema de prova tarifada com a confissão sendo a rainha das provas prisão cautelar é uma regra até porque autorizada a tortura para obter a confissão que é a rainha das provas ausência de coisa julgada e restrições ao duplo grau de jurisdição SISTEMA ACUSATÓRIO gestãoiniciativa probatória nas mãos das partes juizespectador princípio acusatório ou dispositivo radical separação das funções de acusar e julgar durante todo o processo observância do princípio ne procedat iudex ex officio juiz imparcial pleno contraditório igualdade de armas e oportunidades tratamento igualitário procedimento regido pela publicidade e oralidade princípio do livre convencimento motivado nenhuma prova nem mesmo a confissão tem maior valor ou prestígio prisão cautelar é medida excepcional e atende a critérios de necessidade processual coisa julgada e duplo grau de jurisdição SISTEMA MISTO e o problema do CPP brasileiro nasce com o Código Napoleônico de 1808 e a divisão do processo em duas fases fase préprocessual e fase processual sendo a primeira de caráter inquisitório e a segunda acusatória É a definição geralmente feita do sistema brasileiro misto pois muitos entendem que o inquérito é inquisitório e a fase processual acusatória pois o MP acusa Para os que sustentam isso bastaria a mera separação inicial das funções de acusar e julgar para caracterizar o processo acusatório Esse pensamento tradicional de sistema misto que é criticado por nós deve ser revisado porque é reducionista na medida em que atualmente todos os sistemas são mistos sendo os modelos puros apenas uma referência histórica por ser misto é crucial analisar qual o núcleo fundante para definir o predomínio da estrutura inquisitória ou acusatória ou seja se o princípio informador é o inquisitivo ou o acusatório a noção de que a mera separação das funções de acusar e julgar seria suficiente e fundante do sistema acusatório é uma concepção reducionista na medida em que de nada serve a separação inicial das funções se depois se permite que o juiz tenha iniciativa probatória determine de ofício a coleta de provas ver crítica ao art 156 decrete de ofício a prisão preventiva ou mesmo condene diante do pedido de absolvição do Ministério Público problemática do art 385 a concepção de sistema processual não pode ser pensada de forma desconectada do princípio supremo do processo que é a imparcialidade pois existe um imenso prejuízo que decorre dos préjuízos conferir decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos mencionadas isto é juiz que vai de ofício atrás da prova está contaminado e não pode julgar pois ele decide primeiro quebra da imparcialidade e depois vai atrás da prova necessária para justificar a decisão já tomada quebra da concepção de processo como procedimento em contraditório também é incompatível com a visão de Fazzalari na medida em que o ativismo judicial quebra o imprescindível contraditório e o provimento judicial deixa de ser construído em contraditório para ser um mero ato de poder decisionismo por isso ainda que se diga que o sistema brasileiro é misto a fase processual não é acusatória mas inquisitória ou neoinquisitória na medida em que o princípio informador é o inquisitivo pois a gestão da prova está nas mãos do juiz diante dos inúmeros traços inquisitórios do processo penal brasileiro é necessário fazer uma filtragem constitucional dos dispositivos incompatíveis com o princípio acusatório como os arts 156 385 e outros apontados pois são substancialmente inconstitucionais importante compreender o conceito de substancial inconstitucionalidade PARA REPENSAR O PROBLEMA propomos deslocar o foco da discussão acerca da tradicional classificação de sistema inquisitório e acusatório utilizando o critério de democraticidade pois dizer democrático é dizer o contrário de inquisitório o contrário de misto e mais do que acusatório A distinção deve ser feita a partir da capacidade ou incapacidade de o sistema processual dar respostas afirmativas à compatibilidade com o cenário democráticoconstitucional vigente Nessa linha o processo penal brasileiro préconstituição é antidemocrático e precisa ser constantemente adequado à Constituição e à Convenção Americana de Direitos Humanos para atingir o nível de democraticidade necessário para ser considerado um sistema processual penal democrático Capítulo IV RECONSTRUÇÃO DOGMÁTICA DO OBJETO DO PROCESSO PENAL A PRETENSÃO ACUSATÓRIA PARA ALÉM DO CONCEITO CARNELUTTIANO DE PRETENSÃO 1 Introdução ou a Imprescindível PréCompreensão Partindo de GUASP1 entendemos que objeto do processo é a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que integram o processo e não se confunde com a causa ou princípio nem com o seu fim Por isso não é objeto do processo o fundamento a que deve sua existência instrumentalidade constitucional nem a função ou fim a que ainda que de forma imediata está chamado a realizar a satisfação jurídica da pretensão ou resistência Também não se confunde com sua natureza jurídica situação processual Até as edições anteriores tratamos dessa questão a título de conteúdo mas estamos revisando nossa posição para regressar à matriz teórica de GOLDSCHMIDT por entendermos mais adequado Feito esse breve esclarecimento continuemos Como já explicamos anteriormente o processo penal é regido pelo princípio da necessidade ou seja é um caminho necessário para chegar a uma pena Irrelevante senão inadequada a discussão em torno da existência de uma lide no processo penal até porque ela é inexistente Isso porque não pode haver uma pena sem sentença pela simples e voluntária submissão do réu O conceito de lide deve ser afastado do processo penal pois o poder de penar somente se realiza no processo penal por exigência do princípio da necessidade Inclusive nosso legislador constituinte não acolheu a ideia de lide penal2 tanto que no art 5º LV da Constituição consta que aos litigantes litigantes lide processo civil e aos acusados em geral acusados pretensão acusatória processo penal são assegurados o contraditório e a ampla defesa Do contrário não faria tal distinção entre litigantes e acusados em geral destaquese para desde logo avisar que também incide na fase préprocessual A discussão em torno do objeto conteúdo para alguns do processo nos parece fundamental na medida em que desvela um grave erro histórico derivado da concepção de KARL BINDING a ideia de pretensão punitiva e que continua sendo repetida sem uma séria reflexão O principal erro que será abordado na continuação está em transportar as categorias do processo civil para o processo penal colocando o Ministério Público como verdadeiro credor de uma pena como se fosse um credor do processo civil postulando seu bem jurídico Mas essa questão para ser compreendida precisa de uma abordagem mais ampla como se fará na continuação 11 Superando o Reducionismo da Crítica em Torno da Noção Carneluttiana de Pretensão Pensando Para Além de Carnelutti O problema da construção de BINDING e seguida majoritariamente até hoje inicia pela identificação com o conceito carneluttiano diante da analogia com o processo civil agravando a crise ao definir seu conteúdo como punitivo o que significou colocar o Ministério Público como credor de uma pena um grave erro como se explicará adiante A crítica em relação ao conteúdo punitivo será feita na continuação Agora precisamos esclarecer que o conceito de pretensão pode perfeitamente ser utilizado desde que no sentido desenhado por GUASP GOLDSCHMIDT ou GÓMEZ ORBANEJA nunca na acepção civilista3 de CARNELUTTI A essa pretensão devese perquirir o conteúdo à luz da especificidade do processo penal Então uma advertência é fundamental principalmente para os críticos4 antigos ou novos de nossa posição o conceito de pretensão não se reduz à construção carneluttiana5 Ou seja existe vida inteligente para além do conceito de Carnelutti que é apenas um ponto de partida não de chegada ou conclusão Como dito estamos trabalhando com a doutrina pós e além Carnelutti de GUASP GOLD SCHMIDT e GÓMEZ ORBANEJA Ademais quando falamos de pretensão acusatória estamos aludindo à concepção de GOLDSCHMIDT que dando um giro no conceito de pretensão o concebe apenas como uma potestas agendi Não se trata de uma pretensão que nasce de um conflito de interesses mas sim do direito potestativo de acusar Estadoacusação decorrente do ataque a um bem jurídico e cujo exercício é imprescindível para que se permita a efetivação do poder de penar Estadojuiz tudo isso em decorrência do princípio da necessidade inerente à falta de realidade concreta do Direito Penal Tratase de construir uma estrutura jurídicoprocessual pretensão processual acusatória que tenha condições de abarcar a complexidade que envolve o como atua o poder punitivo do Estado através desse instrumento e caminho necessário que é o processo penal Esse é o ponto nevrálgico do porquê não nos serve o caso penal ou a mera ação penal como conteúdo por sua insuficiência Ademais o crime nos conduz ao conflito social e é de lá que se extrai a pretensão com a roupagem jurídica que o processo penal lhe dá É uma inafastável diante do princípio da necessidade juridicização e institucionalização do conflito Não é a pena o conteúdo ou o objeto do processo penal senão sua consequência Daí por que o processo penal desenvolvese em torno da acusação pensada na sua complexidade como verdadeira pretensão acusatória Se acolhida abrese a possibilidade de o juiz exercer o poder de punir Se não acolhida impedese a punição Não é o caso penal o conteúdo do processo pois ele sozinho não é capaz de fazer nascer ou desenvolver o processo O caso penal é fundamental pois elemento objetivo e estruturante da acusação mas que precisa de uma efetiva invocação declaração petitória para que o processo nasça e se desenvolva Logo ele é conteúdo mas da pretensão acusatória JAIME GUASP em rara mas preciosa incursão no Direito Processual Penal instado que foi a fazer uma resenha6 da obra Lezioni sul processo penale 4 volumes 1946 a 1949 de CARNELUTTI retoma a discussão sobre a pretensão processual7 para explicar que o objeto do processo penal é a matéria que suporta a atividade dos diversos sujeitos processuais sendo portanto uma pretensão processual penal ou pretensão penal É expressa la necesidad de la existencia de una pretensión para que el proceso exista Sin pretensión podrá haber conflictos de la índole que se quiera o cuestión penal como dice Carnelutti pero no hay proceso penal en modo alguno Sublinhamos que a cuestión penal a que se refere Carnelutti nada mais é do que o caso penal Daí por que na esteira de GUASP estamos convencidos da insuficiência do caso penal como objeto do processo pois seguindo o mestre complutense há que se dar um passo a mais na construção lógica do conceito afirmando que o processo penal recai não em uma matéria qualquer senão precisamente sobre essa pretensão que alguém formula frente ao órgão jurisdicional para submeter outra pessoa ao processo e à pena Mas sublinhese não somos contrários aos que definem o caso penal como objeto do processo senão que pensamos ser ele insuficiente para por si só justificar a complexa fenomenologia do processo Claro que a discussão aqui remonta a uma nova dimensão de continente e conteúdo onde não há uma efetiva oposição O continente que encerra o conteúdo caso penal é mais amplo e é a ele que nos referimos Ou seja a pretensão acusatória é conteúdo em relação ao processo continente mas noutra dimensão passa a ser continente do caso penal seu conteúdo pois visto como elemento objetivo da pretensão Assim pensamos que nossa posição pode coexistir com aquela defendida por JACINTO COUTINHO no capolavoro A Lide e o Conteúdo do Processo Penal desde que compreendidas essas distintas dimensões de recorte O Estado possui um poder condicionado de punir que somente pode ser exercido após a submissão ao processo penal Então no primeiro momento o que o acusador exerce é um poder de proceder contra alguém submeter alguém ao processo penal É o poder de submeter alguém a um juízo cognitivo Não há lide ou conflito de interesses8 até porque a liberdade do réu não constitui um direito subjetivo mas um direito fundamental o que também transcende a noção de direito público subjetivo Mais não há conflito de interesses porque a lesão ao bem jurídico não gera um direito subjetivo que possa ser exercido exigência punitiva pois não existe punição fora do processo penal novamente o princípio da necessidade O que sim nasce é a pretensão acusatória o poder de proceder contra alguém de submeter ao juízo cognitivo Alheia a toda essa complexidade parte da doutrina brasileira segue adotando conceitos inadequados e passando à margem da problemática Nessa linha entre outros MIRABETE9 e CAPEZ10 não só defendem a existência de lide penal como também a existência de uma pretensão punitiva e para ambas invocam expressamente MIRABETE e sem citar mas usando os conceitos CAPEZ inadequadamente os conceitos civilistas de CARNELUTTI desconhecendo também as alterações que o próprio CARNELUTTI fez ao longo de sua vasta produção Por fim MIRABETE mete no imbróglio gente que lá nunca deveria estar como é o caso da citação inadequada de JACINTO COUTINHO que além de ser contrário à existência de uma pretensão nega completamente a noção de lide penal Voltando ao foco é importante que se compreenda que não existe uma exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo penal logo não existe o conflito de interesses Não existe um direito para adjudicar como no cível fora do processo penal que possa produzir a lide pelo conflito de interesses Existe sim no processo uma tensão entre acusação e defesa resistência não uma lide ou menos ainda uma controvérsia Daí por que com todo acerto GOLDSCHMIDT descola do conceito de lide para afirmar que o poder judicial de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para que se possa aplicar a pena Mais é um poder condicionado à existência de uma acusação Essa construção é inexorável se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da Constituição Significa dizer aqui está um elemento fundante do sistema acusatório No processo tudo gira em torno do binômio acusaçãodefesa logo toda a cognição desenvolvida recai sobre a pretensão acusatória e os elementos que a integram Claro que aqui nos aproximamos do conceito de ação como direito concreto Mas é uma aproximação não identificação Isso porque no processo penal é fundamental a demonstração da justa causa do fumus commissi delicti para que a acusação seja recebida Não podemos lidar com a abstração máxima do processo civil nem com a plena noção de direito concreto CHIOVENDA Voltaremos a essa questão ao tratar das condições da ação processual penal Há que se atentar para as necessidades próprias do processo penal Novamente reforçamos a crença no acerto do conceito de pretensão acusatória que inclui no seu elemento objetivo e subjetivo a fumaça do crime e da autoria ambos necessários para que a acusação seja recebida É uma verdadeira carga processual no léxico goldschmidtiano conforme explicamos ao tratar do processo como situação jurídica Acertada a afirmação de COUTINHO de que se trata de um direito instrumental mas conexo à sua causa que é concreta11 Mais há que se considerar que o fenômeno do processo penal novamente é diverso do processo civil agora no que tange ao seu escalonamento Explica GÓMEZ ORBANEJA12 puede afirmarse que a diferencia del proceso civil que se constituye de una vez y definitivamente con unos límites objetivos y subjetivos inalterables mediante la presentación de la demanda el proceso penal se desenvuelve escalonadamente El fundamento de la persecución o inversamente de su exclusión puede depender tanto de razones substantivas como procesales Conforme explicamos em outro momento13 o processo penal é um sistema escalonado e como tal para cada degrau é necessário um juízo de valor Essa escada é triangular pois pode ser progressiva como também regressiva A situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva com a sentença condenatória ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvição Inclusive é possível chegarse a um juízo definitivo de caráter negativo em que se reconhece como certa a não participação do agente no delito Por tudo isso define PASTOR LÓPEZ14 que a situação jurídica do sujeito passivo é contingente provisional e de progressiva ou regressiva determinação Disso tudo se compreende então que o fenômeno do processo penal é completamente diverso do processo civil pois ab initio deve o acusador demonstrar o fumus commissi delicti para que o processo inicie situação completamente diversa do processo civil Feitas essas advertências introdutórias que esperamos sejam suficientes para superação de eventuais resistências decorrentes de préconceitos muitas vezes reducionistas sigamos o estudo 12 Teorias Sobre o Objeto do Processo Penal Buscando explicar o verdadeiro objeto do processo na verdade historicamente não houve uma preocupação específica com o processo penal eis um inconveniente debatese a doutrina em teorias que podem ser sistematizadas em três grupos fundamentais15 Teorias Sociológicas conflito de interesses de vontades e de opiniões Teorias Jurídicas subjetiva e objetiva Teoria da Satisfação Jurídica das Pretensões e Resistências É essa última a que melhor explica o verdadeiro objeto do processo penal pois resulta da fusão das duas teorias anteriores Corresponde a GUASP16 o acerto de fazer da pretensão o conceito fundamental da ideia do processo de modo que o objeto do processo penal é uma pretensão processual e a sua função é a satisfação jurídica das pretensões Aponta o jurista espanhol que se considerarmos que o objeto não é o princípio ou causa de que parte o processo nem o fim mais ou menos imediato que tende a obter mas sim a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que o integram parece evidente que tendo em vista que o processo se define como uma instituição jurídica destinada à satisfação de uma pretensão é esta pretensão mesma que cada um dos sujeitos processuais desde seu peculiar ponto de vista trata de satisfazer o que determina o verdadeiro objeto processual17 Como esclarece ARAGONESES ALONSO18 a pretensão entendida como conduta de um sujeito juridicamente atuada para a obtenção de um reparto que se afirma como justo sobre a base de critérios normativos preestabelecidos constitui sem dúvida o objeto sobre o qual gira a atividade processual Como a tese em qualquer tipo de controvérsia é o objeto da discussão e não o é a discussão em si mesma Para explicar a essência do processo não há como considerar mais que um elemento objetivo básico e necessário a acusação que se dirige contra alguém e que se exerce diante de um juiz Em torno dessa acusação giram todas e cada uma das vicissitudes processuais O início da investigação do próprio processo e seu desenvolvimento e sobretudo da decisão têm uma exclusiva referência a ela Como essa acusação não é juridicamente outra coisa que a pretensão processual acusatória que figura no conceito do processo mesmo não há como extrair outra conclusão Para definir o objeto do processo devese encontrar uma dupla base19 de um lado a base sociológica que proporcione o dado conflito social ao qual o processo está devidamente vinculado e de outro lado uma base jurídica que recolhendo o material sociológico esclareça o tratamento peculiar que o Direito lhe proporciona A pretensão jurídica é reflexo ou uma substituição da pretensão social que nasce exatamente do delito visto como um conflito problema ou fato social pois a conduta típica e ilícita representa um ataque a determinados bens jurídicos que o Direito entendeu necessário tutelar O delito ataca um sentimento básico da comunidade e gera uma reação social Por isso podemos afirmar que no plano fático a ilicitude material antecede cronologicamente à própria tipicidade que nasce a partir do desvalor social de determinada conduta Em outras palavras primeiro uma conduta é reprovada socialmente e a partir desse juízo de desvalor social surge a necessidade de coibir tais atos através de uma norma isto é da pressão ou necessidade social advém a atividade legislativa que cria o tipo penal Não há que se perder de vista nunca o valor bem jurídico Explica GUASP que o direito se aproxima da sociologia sempre da mesma maneira tomalhe os problemas cuja solução postula à comunidade e estabelece um esquema de instituições artificiais em que buscam substituir as estruturas e funções puramente sociais do fenômeno e realiza um trabalho de alquimia para criar novas fórmulas mas se despreocupa depois do material social Na síntese do autor o direito para salvar a sociologia não tem mais remédio que matála20 A conclusão final é que a pretensão jurídica é um produto que o direito retira da pretensão social O delito é um fenômeno social exteriorizado pelo ataque aos sentimentos e valores básicos da comunidade e que gera uma reação social O direito retira a questão do âmbito social em que aparece cravada e cria no lugar da figura sociológica que suscita o problema uma forma jurídica específica que pretende refletir aquela Mas como vimos anteriormente no fundamento da existência do processo penal o Direito Penal não é autoexecutável e por isso necessita de um instrumento para realizarse Por isso o processo deve buscar a satisfação jurídica da pretensão O único reparo ou melhor complemento que nos parece necessário fazer à tese de GUASP é considerar também como função do processo a satisfação de resistências21 A tensão ou choque entre a pretensão acusatória e a resistência do acusado no processo que não se confunde com lide é o que deve ser resolvido pelo juiz na sentença e a ele corresponde se acolher a pretensão acusatória do autor considerando suficientemente provada a ocorrência do delito aplicar a pena que lhe pertence pois o poder de penar é do Estadojuiz não do acusador Ou ainda acolher a resistência do acusado absolvendoo A resistência vem materializada no exercício do direito de defesa com todos os instrumentos processuais que lhe oferece o ordenamento jurídico Especificamente no processo penal a satisfação da resistência resulta em um imperativo do contexto políticoconstitucional e dos postulados de garantia do indivíduo que apontamos anteriormente Por isso é inegável que em pé de igualdade com a pretensão se encontra a resistência oferecida pela defesa e a função do processo penal estará igualmente satisfeita com a condenação ou a absolvição Como sintetiza GIMENO SENDRA22 a função do processo penal não pode limitarse a aplicar o poder de penar pela simples razão de que também está destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente O processo penal constitui um instrumento neutro23 da jurisdição cuja finalidade consiste tanto em atuar o poder de penar e a função punitiva como também em declarar de forma ordinária pela sentença ou restabelecer pontualmente a liberdade A existência de um fundamento jurídico injusto penal qualifica de jurídica a pretensão articulada Sem embargo a veracidade do alegado não é uma conditio sine qua non sob pena de incorrermos no erro da ação como direito concreto pois se consideram existentes a pretensão acusatória e o próprio processo penal ainda que absolvido o réu Isso não significa que a acusação possa ser manifestamente infundada ou sem uma causa que a justifique mas apenas que não se adota o conceito de ação como direito concreto Devese exigir no processo penal para admissão da acusação um fumus commissi delicti amparado por um suporte probatório suficiente levando o órgão jurisdicional a uma provisória e sumária incursão na prova da existência do delito e da autoria Isso decorre do escalonamento característico do processo penal a que nos referimos no início deste tópico Como isso chamamos a atenção para a importância da decisão que recebe rejeita ou não recebe a denúncia ou queixa pois como verdadeiro juízo de pré admissibilidade da acusação deve estar amparado por uma decisão fundamentada Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão processual24 acusatória e a sua função imediata é a satisfação jurídica de pretensões e de resistências 2 Estrutura da Pretensão Processual Acusatória A pretensão processual é uma declaração petitória25 ou afirmação26 de que o autor tem direito a que se atue a prestação pedida É no processo penal uma declaração petitória de que existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Por isso é uma pretensão acusatória conforme explicaremos mais detidamente na continuação Não é um direito subjetivo mas uma consequência jurídica de um estado de fato lesão ao bem jurídico ou um estado de fato com consequências jurídicas Mais é um direito potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus commissi delicti A existência da justa causa é fundamental Nesse sentido a nova redação do art 395 do CPP determina que a denúncia ou queixa será rejeitada quando não houver justa causa ou faltar condição para o exercício da ação penal fumus commissi delicti Ademais se o fato narrado evidentemente não constituir crime determina o art 397 nova redação que o juiz deverá absolver sumariamente o acusado Em definitivo ao contrário do que acontece no processo civil no penal o juiz deve verificar se a acusação tem verossimilitude e indica um suporte probatório mínimo para admitila Tratase de um juízo de probabilidade que reveste uma importância fundamental pois o processo penal em si mesmo já é uma pena É inegável que o processo penal significa um etiquetamento com clara estigmatização social e por isso o juízo de préadmissibilidade da acusação é tão importante Infelizmente no processo penal brasileiro não existe uma clara fase intermediária e contraditória De forma precária ao invés de realizar uma audiência optou o legislador brasileiro por uma resposta escrita consultemse o art 396 cuja sistemática se aplica aos procedimentos comum ordinário e sumário bem como o disposto na Lei n 9099 e também na Lei n 11343 Por fim cumpre destacar na doutrina brasileira o estudo levado a cabo por BADARÓ27 cuja posição em que pese não ser absolutamente coincidente não contém uma divergência nuclear senão periférica em relação à nossa Explica o autor após estudar as diferentes nuances da lide e da pretensão que o objeto do processo penal é uma pretensão processual penal Inclusive também enfrenta a questão do conteúdo da pretensão para afastar a noção de pretensão punitiva Isso porque explica BADARÓ a manifestação da pretensão punitiva é uma consequência do concreto direito de punir do Estado mas que a exigência de que o autor se submeta à pena somente pode ser feita através do processo ou seja sempre nasce insatisfeita Seria a pretensão punitiva uma pretensão material anterior e extraprocessual Contudo no processo o que existe é uma pretensão processual que possui como parte de seu fundamento os elementos que compunham a pretensão material punitiva Mas se trata de um mesmo fenômeno pretensão material e processual apenas visto em momentos diferentes A pretensão processual é aquela veiculada em juízo através da ação da acusação Com isso verificase que existe muito mais coincidência do que divergência circunscrevendose essas as divergências a algumas categorias muito específicas e que decorrem da diferença histórica entre escolas processuais Para compreender melhor o tema é importante analisar ainda que brevemente os três elementos28 que compõem a pretensão processual subjetivo objetivo e modificador da realidade ou de atividade 21 Elemento Subjetivo O elemento subjetivo se refere aos entes que figuram como titulares o pretendente e aquele contra quem se pretende fazer valer essa pretensão No processo penal quem formula a pretensão titular ativo pode ser o próprio Estadoacusador representado institucionalmente pelo Ministério Público ou o acusador privado delitos de ação penal privada No polo passivo da relação jurídica está o acusado a pessoa contra quem é formulada a pretensão A esses sujeitos acrescenta o ordenamento um terceiro supraordenado a quem se confere a função de receber as pretensões e proceder a sua satisfação Esse terceiro é o órgão jurisdicional Estadojuiz No processo penal o elemento subjetivo determinante é exclusivamente a pessoa do acusado pois não vige a doutrina de tripla identidade da coisa julgada civil Dessa forma nem o pedido que será sempre de condenação nem a identidade da parte acusadora é essencial para a eficácia da pretensão Mas sim é fundamental a clara individualização e determinação do sujeito passivo uma tarefa que será tanto mais clara quanto mais eficaz for a investigação preliminar Não existe processo penal sem sujeito passivo mas sim pode existir sem a sua presença física situação de ausência prevista no art 367 do CPP 22 Elemento Objetivo O elemento objetivo da pretensão no processo penal é o fato aparentemente punível aquela conduta que reveste uma verossimilitude de tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma é o fumus commissi delicti Desde logo é importante esclarecer que o fato aparentemente punível não é o objeto do processo mas um elemento integrante da pretensão É preciso esclarecer porque uma respeitável e numerosa doutrina contagiada pela importância do elemento objetivo considera que o objeto do processo é o fato punível29 esquecendose de que isso por si só não tem aptidão para fazer nascer o processo Não basta a existência de um fato delituoso é imprescindível o exercício de uma pretensão acusatória através da declaração petitória Daí por que não pode ser o caso penal o objeto do processo pois sem a acusação formalizada não se constitui o suporte jurídico para que o processo nasça e se desenvolva O objeto do processo é a acusação como um todo logo a pretensão acusatória da qual o caso penal é elemento integrante como elemento objetivo Para GUASP e os seguidores dessa corrente o fato que compõe a pretensão é o natural factae nudae visto como a soma de acontecimentos concretos históricos despidos da qualificação jurídica O que importa é a identidade do fato histórico individualizado em sua unidade natural e não jurídico penal30 Nessa linha segue o sistema brasileiro o princípio jura novit curia amparado pela regra do narra mihi factum dabo tibi jus ao acusador cabe narrar o fato para que o juiz diga o direito aplicável Contudo nesse ponto divergimos Pensamos que a dicotomia entre fato natural e qualificação jurídica é em termos processuais ingênua e perigosa É ingenuidade senão até reducionismo interesseiro afirmar que o réu se defende dos fatos naturais mas que por outro lado e aqui reside o problema o juiz poderá dar ao fato a definição jurídica que lhe pareça mais adequada como prevê nosso mofado art 383 do CPP Mesmo tendo sido alterado pela Lei n 117192008 a lógica superada continua a mesma a ingênua crença de que o réu se defende dos fatos podendo o juiz dar a eles a definição jurídica que quiser sem nenhum prejuízo para a defesa Ora isso é uma visão bastante míope da complexidade que envolve a defesa e a própria fenomenologia do processo penal É elementar que o réu se defende do fato e ao mesmo tempo incumbe ao defensor também debruçar se em limites semânticos do tipo possíveis causas de exclusão da tipicidade ilicitude culpabilidade e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal É óbvio que a defesa trabalha com maior ou menor intensidade dependendo do delito nos limites da imputação penal considerando a tipificação como a pedra angular onde irá desenvolver suas teses Daí por que aqui nos serve o conceito de caso penal na medida em que engloba o injusto penal O problema da visão ingênua do elemento objetivo cobra seu preço no momento em que se lida com a correlação entre acusação e sentença com o estudo da emendatio e da mutatio libelli que serão objeto de análise posterior Esse caso penal funcionará como delimitador da imputação não como cimento em que se embasa mas como muros que a delimitam31 É importante destacar que a constatação de que o objeto do processo penal é uma pretensão processual acusatória e que o seu elemento objetivo é o caso penal não significa que as partes sejam inteiramente donas de sua aportação ao processo de maneira tal que estejam autorizadas a efetuar uma introdução fragmentária no processo No processo penal diferentemente do civil vigora o princípio de indisponibilidade e de indivisibilidade da ação penal pública de modo que o MP está obrigado arts 24 e 42 a oferecer a denúncia quando o fato narrado na notíciacrime revista uma verossimilitude mínima de tipicidade ilicitude e culpabilidade A denúncia ou queixa deverá descrever o fato criminoso com todas as suas circunstâncias art 41 Isso significa não só a obrigação de acusar por todos os fatos que revistam aparência de delito senão também a obrigação de trazer para dentro do processo todas as circunstâncias fáticas que tenha conhecimento e que possam apresentar alguma relevância para a instrução e o julgamento Interpretamos o art 41 a partir de uma visão constitucional e por isso entendemos que ele também estabelece uma obrigação por parte do MP de incluir na denúncia os fatos e circunstâncias que beneficiem o acusado Isto é não só os elementos de cargo mas também de descargo não só para inculpar mas também para exculpar Corrobora esse entendimento a construção do Ministério Público como órgão público guiado pela legalidade e o sentido de justiça sem que isso corresponda a uma equivocada visão do Ministério Público como parte imparcial o que constitui um erro histórico e uma violência semântica Ademais existindo concurso de pessoas deverá o MP velar pela indivisibilidade da ação penal privada e com mais razão na pública art 48 acusando a todos aqueles sujeitos sobre os quais existam indícios suficientes de responsabilidade penal Os eventualmente não denunciados mas que tenham sido objeto de imputação na notíciacrime ou resultem suspeitos na investigação policial deverão ser excluídos pela via do pedido de arquivamento art 28 Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o sistema é distinto e está regido pela oportunidade e conveniência do titular que poderá acusar renunciar o exercício do direito de queixa art 49 perdoar art 51 ou ainda desistir da ação penal art 60 conforme o momento processual e as circunstâncias em que se produz o ato Sem embargo a titularidade da pretensão penal acusatória não significa um puro poder de vingança e por isso também está submetida ao Princípio de Indivisibilidade cabendo ao Ministério Público velar pela sua eficácia A nosso juízo o art 48 deve ser interpretado de forma que a omissão na queixa de um dos agentes signifique a renúncia tácita em relação a ele e que deverá ser estendida a todos arts 49 e 57 Caberá ao MP velar pela indivisibilidade da ação penal privada manifestandose no sentido da extinção da punibilidade a todos Em síntese no processo penal o pedido contido na ação penal será sempre de condenação pela prática de um injusto penal que deverá ser descrito e imputado a um ou alguns agentes definidos e individualizados Não se exige que a acusação expressamente solicite a imposição de uma determinada pena ou que proponha um determinado regime de cumprimento O julgador decide com base no seu livre convencimento motivado e será sua função exclusiva individualizar e aplicar uma pena proporcional ao fato narrado 23 Declaração Petitória O terceiro elemento da pretensão processual é o ato capaz de causar a modificação da realidade que a pretensão leva consigo É o conteúdo petitório a declaração de vontade que pede a realização da pretensão Estamos de acordo com GUASP32 quando afirma que tal ato poderia receber o nome técnico de ação terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe corresponde mas isso poderia induzir a confusões por ir de encontro a uma tradição secular que se esforçou em averiguar a essência do poder jurídico a que dita ação está vinculada e não a sua verdadeira função Sem dúvida que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual buscando explicar o fundamento do qual emana o poder afastandose do instrumento propriamente dito Feito esse esclarecimento empregamos o termo ação no sentido literal de instrumento portador de uma manifestação de vontade por meio do qual se narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada É a ação como poder jurídico de acudir ante los órganos jurisdiccionales33 Em alguns sistemas como por exemplo o espanhol ainda que dividido em duas fases investigação preliminar e juízo oral34 existe certo confusionismo sobre o momento exato que se exerce a ação penal porque a investigação preliminar está a cargo de um juiz que investiga de ofício ou mediante invocação A divisão entre as duas fases é tênue ainda que felizmente marcada pela separação das tarefas de investigarjulgar O fato de o juiz instrutor atuar de ofício e decretar o processamento do imputado muito antes de dar vista ao MP para formalmente exercer a ação penal é um dos fatores que contribui para a confusão Ademais o particular vítima ou qualquer pessoa pelo sistema de ação popular pode exercer uma notíciacrime qualificada querella e com isso habilitarse desde o início da investigação para exercer a acusação Felizmente no Direito brasileiro a divisão entre as duas fases é clara e inequívoca O processo penal só começa pelo exercício e a admissão de uma ação penal pública ou privada conforme o caso No processo penal o conteúdo do pedido é sempre igual A atuação que se pede será especificamente a condenação do acusado pelo fato narrado e conforme a pena estabelecida no respectivo tipo penal abstrato Por isso o pedido não constitui um elemento essencial da pretensão35 pois no processo penal não vige plenamente o princípio dispositivo mas o da indisponibilidade da pretensão que junto com a indivisibilidade do fato aparentemente punível erigese em notas definidoras da pretensão A declaração36 petitória contida na ação penal solicitará que o órgão jurisdicional37 declare a existência do fato narrado afirmando sua tipicidade ilicitude e culpabilidade declare a responsabilidade penal do acusado pelos fatos narrados e provados condene o acusado pela prática do fato típico e imponha a respectiva pena ou medida de segurança aplicável determine a execução da pena ou medida de segurança imposta 3 Conteúdo da Pretensão Jurídica no Processo Penal Punitiva ou Acusatória Desvelando mais uma Inadequação da Teoria Geral do Processo Delimitado que o objeto do processo penal é a pretensão acusatória ainda resta fazer uma nova análise que busque dentro dela a sua essência ou seja o conteúdo do próprio objeto punitiva ou acusatória A determinação do conteúdo da pretensão jurídica gravita em torno da existência do poder de punir e da função punitiva do Estado38 Esse poder nasce com a ocorrência do delito e é exercido contra o autor do injusto penal depois que sua responsabilidade penal foi reconhecida no processo pois como apontamos anteriormente o processo penal é o caminho necessário para a pena Para a construção dogmática do objeto do processo penal a teoria dominante é a de BINDING que parte do conceito de uma exigência punitiva pretensão punitiva que o Estado deve fazer valer por meio do processo penal Dessa forma o processo é uma exigência para que o Estado efetive seu direito subjetivo de punir como uma construção técnica artificial Ademais de titular de um direito de punir o Estado aparece no processo como titular da jurisdição e muitas vezes também como titular da ação penal através do Ministério Público Segundo BINDING o Estado é titular de um triplo direito direito punitivo direito de ação penal e direito ao pronunciamento da sentença penal39 Dessa forma a tese do autor é a de que o juiz penal encontrase frente ao Estado titular do direito punitivo na mesma posição que o juiz civil frente ao credor titular de uma pretensão de direito privado O grande mérito da teoria de BINDING foi o de isolar o conceito de ação penal como um instituto independente do direito de punir Por isso é considerado o fundador da Teoria da Ação Penal como Direito Abstrato Apesar da valiosíssima contribuição a teoria de BINDING está imperfeita como muito bem demonstrou GOLDSCHMIDT40 para quem a construção anteriormente explicada representa uma transmissão mecânica das categorias do processo civil ao penal pois o Estado está concebido de forma igual ao indivíduo que comparece ante o Tribunal para pedir proteção Isto é para BINDING o Estado comparece no processo penal através do MP da mesma forma que o particular no processo civil como se a exigência punitiva fosse exercida no processo penal de igual modo que no processo civil atua o titular de um Direito privado Aqui está o núcleo do erro pensar o acusador como credor No Direito Civil existe a exigência jurídica pois existe a possibilidade de efetivação do Direito Civil fora do processo civil ao contrário do Direito Penal que só possui realidade concreta através do processo penal e a pretensão só nasce quando há a resistência a lide Logo o autor no processo civil verdadeiro credor na relação de direito material pede ao juiz a adjudicação de um direito próprio que diante da resistência ele não pode obter Essa exigência jurídica existe antes do processo civil e nasce da relação do sujeito como bem da vida Isso não existe no processo penal Não há tal exigência jurídica que possa ser efetivada fora do processo penal O Direito Penal não tem realidade concreta fora do processo penal Logo não preexiste nenhuma exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo E o Ministério Público ou querelante não pede a adjudicação de um direito próprio porque esse direito potestativo de punir não lhe corresponde está nas mãos do juiz O Estado realiza seu poder de punir não como parte mas como juiz Não existe relação jurídica entre o Estadoacusador e o imputado simplesmente porque não existe uma exigência punitiva nas mãos do acusador e que eventualmente pudesse ser efetivada fora do processo penal o que existe é um poder de penar e dentro do processo Aqui está o erro de pensar a pretensão punitiva como objeto do processo penal como se aqui o fenômeno fosse igual ao do processo civil Essa concepção é datada e portanto não se mostra mais adequada ao nível de evolução do processo penal contemporâneo em que se operou ou ao menos deveria ter havido uma radical separação do processo civil para assumir e exigir a estrita observância de suas categorias jurídicas próprias Eis aqui mais um erro que se pode atribuir à equivocadíssima noção de teoria geral do processo Como explica GOLDSCHMIDT41 no processo penal a pretensão acusatória do Ministério Público ou acusador privado é a afirmação do nascimento de um direito judicial de penar e a solicitação de que exerça esse direito E posteriormente explica o autor que a pena se impõe mediante um processo porque é uma manifestação da justiça e porque o processo é o caminho da mesma a jurisdição penal é a antítese da jurisdição civil porque ambas representam os dois ramos da justiça estabelecidos por Aristóteles justiça distributiva jurisdição penal e corretiva jurisdição civil42 Como a pena é uma manifestação da justiça corresponde o poder de penar ao próprio Tribunal isto é o direito de penar essência do punir coincide com o poder judicial de condenar o culpável e executar a pena A concepção da exigência punitiva BINDING desconhece que o Estado titular do direito de penar realiza seu poder no processo não como parte mas como juiz O poder de condenar o culpado é um direito potestativo anterior ao processo porque nasce do delito conforme a lei penal Por isso o conteúdo da pretensão jurídica no processo penal é acusatório e não punitivo O poder punitivo não é outra coisa que o poder concreto da Justiça Penal personificado no juiz de condenar o culpado e executar a pena O titular da pretensão acusatória acusador exige que a Justiça Penal exerça o poder punitivo e não que se atribua a ele mesmo ou a um terceiro como ocorre no processo civil Não existe pedido de adjudicação alguma por parte do acusador pois não lhe corresponde o poder de penar Por isso o acusador detém o poder de acusar não de penar Logo jamais poderia ser uma pretensão punitiva Por isso GOLDSCHMIDT considera que o Direito Penal é um Derecho Justicial Material posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à Justiça Existe dessa forma uma relação jurídica entre a justiça estatal e o indivíduo O Direito Processual Penal também é um derecho justicial formal pois existe no processo uma relação jurídica entre o tribunal e as partes Partindo da teoria proposta por GOLDSCHMIDT fica assim representada EstadoTribunal titular da jurisdição penal e do poder de penar Acusação direito potestativo de acusar poder de penarcondenarexecutar derecho justicial material43 Titular da pretensão acusatória Estado ou particular Acusado O poder jurisdicional de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para constituir uma situação nova de condenado que permite aplicar a pena ao réu Depois de a sentença penal condenatória transitar em julgado criamse as condições para o exercício do poder de punir Ademais de julgar e determinar a pena também corresponde ao poder jurisdicional a função de executar44 a pena Não devemos esquecer a lição de GOLDSCHMIDT de que o símbolo da justiça não é só a balança mas também a espada que pende sobre a cabeça do réu e está nas mãos do juiz É o juiz quem detém o poder condicionado de punir Nessa linha de raciocínio o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória pois a ação penal deve ser vista como um direito ao processo45 ius ut procedatur distinto do poder nascido do delito de impor a pena mediante a sentença condenatória e tornála efetiva mediante a execução O direito do particular ou do Estadoacusador através do Ministério Público é um direito ao processo completamente distinto do poder de punir que corresponde exclusivamente ao Estadojuiz Dessa forma continuase entendendo que a ação é um direito abstrato que existe ainda que não exista o poder de penar A ação penal é vista como um poder jurídico de iniciativa processual como instrumento de invocação que gera o poderdever do órgão jurisdicional de comprovar a situação do fato que lhe é submetido à análise para declarar a existência ou não de um delito Afirmando a existência do delito poderá exercer o poder de penar Sem embargo é importante esclarecer que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não a ação penal Na estrutura da pretensão anteriormente explicada podese comprovar que a ação penal corresponde à declaração petitória Ou seja é um mero poder político de invocação da tutela jurisdicional que corresponde a uma declaração petitória Tratase de mero poder político constitucional de invocação da tutela jurisdicional através da acusação formalizada na denúncia ou queixa Uma vez exercido e iniciado o processo não há mais que se falar em ação Claro que isso pode causar alguma resistência pois vivemos num País em que são impetrados habeas corpus para trancamento de ação penal Ora é um erro processual inequívoco Não se tranca ação penal Exercese o poder de acusar e uma vez exercido e iniciado o processo não há mais como se trancar a ação pois ela já se esgotou nesse exercício O que se tranca é o processo O tal trancamento nada mais é do que uma forma de extinção anormal do processo não da ação por óbvio Noutra dimensão como ao acusador corresponde um mero direito potestativo de acusar não lhe cabe pedir uma pena em concreto e tampouco negociála com o acusado pois a pena é uma manifestação da função punitiva que é uma exclusividade do Estadotribunal Então as formas de plea negotiation não são consequências de uma correta concepção do objeto do processo penal Evidenciase aqui o erro de pensar que o objeto do processo penal é o ius puniendi não incumbe ao Ministério Público punir pois não lhe pertence esse poder ou mesmo direito O poder de punir é do juiz condicionado ao exercício integral e procedente da acusação São elementos distintos o acusar e o punir Em definitivo a pena está fora do poder das partes Como disse CARNELUTTI46 ao acusador não lhe compete a potestas de castigar mas só de promover o castigo Destaquese que o principal erro de BINDING e condutor de toda uma equivocada noção de teoria geral do processo é o de colocar o acusador na mesma situação do credor do processo civil como se o Ministério Público detivesse o poder punitivo Errado assim afirmarse que o objeto do processo é o ius puniendi Em síntese no processo penal existem duas categorias distintas o acusador exerce o ius ut procedatur o direito potestativo de acusar pretensão acusatória contra alguém desde que presentes os requisitos legais e de outro lado está o poder do juiz de punir Contudo o poder de punir é do juiz lembrese o símbolo da justiça é a balança mas também é a espada que está nas mãos do juiz e pende sobre a cabeça do réu e esse poder está condicionado pelo princípio da necessidade ao exercício integral e procedente da acusação Ao juiz somente se abre a possibilidade de exercer o poder punitivo quando exercido com integralidade e procedência o ius ut procedatur Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória vista como a faculdade de solicitar a tutela jurisdicional afirmando a existência de um delito para ver ao final concretizado o poder punitivo estatal pelo juiz através de uma pena ou medida de segurança O titular da pretensão acusatória será o Ministério Público ou o particular Ao acusador público ou privado corresponde apenas o poder de invocação acusação pois o Estado é o titular soberano do poder de punir que será exercido no processo penal através do juiz e não do Ministério Público e muito menos do acusador privado 4 Consequências Práticas dessa Construção ou Por que o Juiz Não Poderia Condenar Quando o Ministério Público Pedir a Absolvição As consequências práticas dessa discussão são inúmeras a começar pela superação da noção de teoria geral do processo e o respeito às categorias próprias do processo penal e de sua complexa fenomenologia Mas vamos além Dessa forma nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Estado realiza dois direitos distintos acusar e punir através de dois órgãos diferentes Ministério Público e Julgador Essa duplicidade do Estado como acusador e julgador é uma imposição do sistema acusatório separação das tarefas de acusar e julgar e não encontra nenhum obstáculo nos princípios de Direito Público e tampouco na lógica É a mesma duplicidade que permite ao Estado aceitar as leis emanadas de si mesmo executálas e julgar a sua correta aplicação Nessa linha de raciocínio na ação penal de iniciativa pública Ministério Público é o titular da pretensão acusatória Por questão de política criminal o modelo brasileiro adota o princípio da legalidade e indisponibilidade agora mitigados nos crimes de menor potencial ofensivo e não oportunidade Por esse motivo o MP não possui plena disposição sobre a pretensão acusatória quando na verdade deveria ter É inerente à titularidade de um direito o seu pleno poder de disposição Não há argumento que não uma pura opção política que justifique tais limitações impostas pela legalidade e indisponibilidade da ação penal de iniciativa pública Sem embargo de tais limitações entendemos que se o MP pedir a absolvição já que não pode desistir da ação a ela está vinculado o juiz O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP através do exercício da pretensão acusatória Logo o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória isto é o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém Como consequência não pode o juiz condenar sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo Como disse CARNELUTTI47 ao acusador não lhe compete a potestas de castigar mas só de promover o castigo Para evitar repetições remetemos o leitor para o final desta obra no capítulo destinado ao estudo das Decisões Judiciais e sua necessária Motivação onde faremos a crítica ao art 385 do CPP Noutra dimensão nos delitos de ação penal de iniciativa privada o senso comum teórico manualístico segue repetindo que instituise a ação penal privada uma das hipóteses de substituição processual em que a vítima defende interesse alheio direito de punir em nome próprio48 Tratase de um erro imperdoável de quem partiu de uma premissa equivocada Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o particular é titular de uma pretensão acusatória e exerce o seu direito de ação sem que exista delegação de poder ou substituição processual Em outras palavras atua em direito próprio o de acusar da mesma forma que o faz o Ministério Público nos delitos de ação penal de iniciativa pública Ao ser regida pelos princípios da oportunidadeconveniência e disponibilidade se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória deverá o juiz extinguir o feito sem julgamento do mérito ou pela sistemática do CPP declarar a extinção da punibilidade pela perempção art 60 do CPP Como se vê a sistemática do CPP está em plena harmonia no que tange à ação penal privada com a posição aqui defendida Igualmente perigosa é a inadequada utilização dos institutos da emendatio libelli previstos no art 383 do CPP pois é uma falácia a construção de que o réu se defende dos fatos decorrente do narrame o fato que te direi o direito Não é verdade O juiz ao mudar a classificação jurídica do delito dando a ele a tipificação que lhe pareça mais adequada principalmente quando isso signifique uma pena mais grave comete uma violenta afronta ao sistema acusatório e ao direito de defesa Ademais preocupante desvio do conteúdo da pretensão acusatória podendo representar uma errônea postura de assumir os rumos da acusação Concluindo se no processo civil o conteúdo da pretensão é a alegação de um direito próprio e o pedido de adjudicação do mesmo no processo penal é a afirmação do nascimento de um direito judicial de penar e a solicitação de que o Estado exerça esse direito potestas O acusador tem exclusivamente um direito de acusar afirmando a existência de um delito e em decorrência disso pede ao juiz Estado tribunal que exercite o seu poder de condenar o culpado e executar a pena O Estado realiza seu poder de penar no processo penal não como parte mas como juiz e esse poder punitivo está condicionado ao prévio exercício da pretensão acusatória A pretensão social que nasceu com o delito é elevada ao status de pretensão jurídica de acusar para possibilitar o nascimento do processo Nesse momento também nasce para Estado o poder de punir mas seu exercício está condicionado à existência prévia e total do processo penal Se o acusador deixar de exercer a pretensão acusatória desistindo ou pedindo a absolvição cai por terra a possibilidade de o Estadojuiz atuar o poder punitivo e a extinção do feito é imperativa 1 GUASP Jaime La Pretensión Procesal In ALONSO Pedro Aragoneses Coord Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 593 e ss 2 Como bem adverte TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 176 3 Assim concordamos com a afirmação de TUCCI op cit p 35 quando aponta que é de todo inadequada e por que não dizer inaceitável delineiase a transposição do conceito civilístico de pretensão para o processo penal Partimos dessa mesma premissa para pensar e construir um conceito de pretensão com GUASP GOLDSCHMIDT e GÓMEZ ORBANEJA para o processo penal da mesma forma que se construiu o conceito de ação processual penal jurisdição penal etc 4 Nenhuma censura em relação à crítica pois ela é sempre bemvinda desde que bem amparada o que não costuma ocorrer nessa matéria até pela sua grande complexidade teórica Noutra dimensão com posições em sentido diverso daquele aqui pensado por nós com maior ou menor intensidade de divergência mas com muito substrato teórico recomendamos a leitura de dois excelentes trabalhos COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 e BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Correlação entre Acusação e Sentença São Paulo RT 2001 Em relação a BADARÓ pensamos que a divergência existe mas não é nuclear na medida em que o autor admite a pretensão processual como objeto do processo penal como abordaremos na continuação Já em relação à posição de JACINTO COUTINHO que sustenta ser o caso penal o conteúdo do processo é preciso compreender que pensamos ser o caso penal insuficiente para por si só justificar a complexa fenomenologia do processo Mas não há incompatibilidade senão que a discussão remonta a uma nova dimensão de continente e conteúdo como explicaremos nas próximas páginas Assim pensamos que nossa posição pode coexistir com aquela defendida pelo autor desde que compreendidas essas distintas dimensões de recorte 5 Como explica CARNELUTTI em diversas obras aqui utilizamos Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonzo México Episa 1987 p 40 aquí se encara en primer lugar el concepto de pretensión también ésta es una palabra que los juristas emplean desde hace largo tiempo aunque es más reciente su precisión como exigencia de la subordinación del interés ajeno al interés propio A esse conceito imprescindível agregarse outro conceito estruturante e muito marcante na vida de CARNELUTTI o de lide Tratase de um conceito que sofreu diferentes modificações nas sucessivas respostas que ele dava aos seus críticos e que foi muito bem tratado por BADARÓ na obra Correlação entre Acusação e Sentença cit p 62 e ss Interessanos aqui apontar a noção de lide como o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida Como explica BADARÓ os conceitos de interesse pretensão e resistência foram sendo trabalhados ao longo das obras do autor O que importa é a imprestabilidade do conceito de lide para o processo penal e esse foi o germe do ataque ao conceito de pretensão 6 Na Revista de Derecho Procesal Madrid 1949 Também publicado na obra Jaime Guasp Delgado Pensamiento y Figura da coleção Maestros Complutenses de Derecho organizada por Pedro Aragoneses Alonso publicada em Madrid 2000 7 Imprescindível a leitura portanto do trabalho La Pretensión Procesal publicado entre outros na obra Estudios Jurídicos organizada por Pedro Aragoneses Alonso e publicada pela Editora Civitas em Madrid 1996 8 O próprio CARNELUTTI acaba por desenhar o conceito de controvérsia para o processo penal pois na sua visão haveria um conflito de opiniões em torno de um mesmo fato delituoso mas comungando as partes de um mesmo interesse O interesse comum compartilhado portanto pela acusação e defesa brotaria da visão da pena como remédio da alma Platão a cura para a doença Nessa linha defende que no processo penal a jurisdição é voluntária A visão do autor é completamente equivocada nesse ponto bastando por desvelar a ilusão platônica de que a pena cura Além da metafísica concepção de cura da alma a pena e o sistema carcerário estão muito longe de representar algum remédio Por fim sustenta CARNELUTTI que a jurisdição no processo penal seria voluntária o que não concordamos conforme se verá na exposição mas também pela própria incidência do princípio da necessidade 9 MIRABETE Julio Fabbrini Processo Penal São Paulo Atlas 2004 p 28 10 CAPEZ Fernando Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 p 2 11 A Lide e o Conteúdo do Processo Penal cit p 145 12 GÓMES ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosch 1951 t I p 37 13 Na nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 14 El Proceso de Persecución Valencia Universidad de Valencia 1979 p 90 15 Seguindo a sistemática de ARAGONESES ALONSO Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 158 e ss 16 Sem embargo a tese não é inédita pois como reconhece o próprio autor a doutrina alemã de ROSENBERG e italiana de CARNELUTTI já haviam dado mostras do conceito de pretensão mas não com plenos frutos Podese afirmar que a base jurídica da teoria foi dada por ROSENBERG e o aspecto sociológico do conflito foi dado por CARNELUTTI no seu estudo sobre a lide Como explica GUASP Pretensión Procesal cit p 587 nota de rodapé n 44 seu conceito pode ser concebido como uma fusão das ideias básicas de ROSENBERG e CARNELUTTI tomando del primero el estricto carácter procesal no material de la reclamación y del segundo su desvinculación de la idea del derecho que tampoco es contradicho por aquél Mas é preciso continuar a desenvolver esse conceito pois como explicamos no início ele supera e transcende a noção carneluttiana 17 GUASP Jaime Derecho Procesal Civil 4 ed revisada e adaptada por Pedro Aragones Alonso Madrid Civitas 1998 v 1 p 201 e ss 18 Proceso y Derecho Procesal cit p 184 19 GUASP Jaime Na continuação analisaremos os fundamentos expostos pelo autor no trabalho La Pretensión Procesal 20 Por vezes as instituições artificiais que utilizam o direito penal e o processo penal acabam por criar um problema do ponto de vista sociológico de igual ou até maior gravidade que o próprio delito Nesse sentido está o problema da pena de prisão um sistema falido da reinserção social do presidiário a estigmatização social e jurídica que causa a pena e o próprio processo penal as chamadas penas processuais etc 21 FAIREN GUILLEN Victor El Proceso como Función de Satisfacción Jurídica Revista de Derecho Procesal Iberoamericana Madrid n 1 1969 p 1795 22 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ Valentin Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 26 23 Não confundir com juiz neutro algo que não existe Instrumento neutro de jurisdição significa que a atividade se realiza plenamente tanto com a sentença condenatória como também absolutória É a equivalência axiológica entre condenar e absolver 24 É a nosso juízo a opinião dominante na melhor doutrina Vejamse entre outros GUASP ARAGONESES ALONSO GOMEZ ORBANEJA FENECH FAIREN GUILLEN ASCENCIO MELLADO JAMES GOLDSCHMIDT AFRANIO SILVA JARDIM e MANZINI nas obras citadas Contrários a nossa posição entre outros BELING fato da vida OLIVA SANTOS fato criminoso GOMEZ COLOMER direito de ação ALMAGRO NOSETE e TOME PAULE thema decidendi 25 GUASP Jaime La Pretensión Procesal cit p 604 26 ROSENBERG Leo Tratado de Derecho Procesal Civil Trad Angela Romera Vaz Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa America 1955 v 2 p 27 e ss 27 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Correlação entre Acusação e Sentença cit p 76 e ss 28 Seguindo a GUASP La Pretensión Procesal cit p 600 e ss 29 FLORIAN Elementos de Derecho Procesal Penal Trad Prieto Castro Barcelona Bosh 1933 p 49 entende que o objeto fundamental do processo penal é uma determinada relação de direito penal que surge de um fato que se considera como delito Nessa linha BELING Derecho Procesal Penal Trad Miguel Fenech Barcelona Labor 1943 p 79 assinala que o assunto da vida constitui o objeto do processo É importante destacar que FREDERICO MARQUES Elementos de Direito Processual Penal Campinas Bookseller 1996 v 1 p 68 ao falar na finalidade e objetivo do processo penal pois não trata claramente do objeto cita BELING e lhe imputa uma frase Donde dizer ERNST BELING que o objeto do processo é a tutela da lei penal Realmente BELING diz isso mas em outro contexto ao comentar la función general políticojurídica del derecho procesal penal e para definir a função institucional do processo penal Sobre o objeto dedica um capítulo específico onde desde o início define como el asunto de la vida causa res en torno del cual gira el proceso y cuya resolución mediante decisión sobre el fondo constituye la tarea propia del proceso los merita causae o materialia causae en la terminología de la ciencia pandectista Ademais de tirar uma frase do contexto FREDERICO MARQUES incide no grave erro de identificar finalidade com objeto 30 GÓMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit v 1 p 51 e ss 31 A expressão é de GUASP na obra citada com a importante distinção de que ele defende o fato natural 32 La Pretensión Procesal cit p 588 33 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil 3 ed Buenos Aires Depalma 1990 p 61 34 O termo juicio oral é empregado no sentido de fase processual em sentido estrito Não é adotado o termo fase judicial como no Brasil porque na Espanha a investigação preliminar está a cargo de um juiz instrutor logo tem natureza judicial ainda que não jurisdicional 35 GIMENO SENDRA Vicente et al Derecho Procesal Penal cit p 216 36 Seguindo a Classificação Quinária de PONTES DE MIRANDA cabe recordar que a sentença ademais de declaratória constitutiva e condenatória também será mandamental e executiva 37 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 7 e ss 38 O que segue vejase GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 22 e ss e também Derecho Justicial Material Trad Catalina Grossman Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1959 p 54 e ss 39 Como explica GOLDSCHMIDT Derecho Justicial Material cit p 52 e ss ao analisar a obra de BINDING Handbuch des Strafrechts v I 1885 p 189 e ss 40 Ao longo da magistral obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit 41 Op cit p 58 42 Isso porque como explica ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 3 para GOLDSCHMIDT a retribuição é o regulador fundamental da vida social Daí por que se necessita da justiça distributiva para regular os sentimentos de prazer e dor significa dizer o estar dos homens conforme seus méritos diante do Direito isto é da justiça penal 43 Pois se trata do direito material de penar que somente pode ser realizado através do processo após o pleno exercício da acusação com a sentença condenatória 44 Como toda teoria por óbvio que não é perfeita e acabada daí por que muitas acomodações e atualizações foram feitas por nós Entre as revisões de conceitos há que se pensar a execução da pena em GOLDSCHMIDT com outros olhos pois na concepção do autor o poder de executar a pena também estaria a cargo do juiz Isso conduziria a um processo de execução penal de cunho inquisitório com o qual não concordamos Daí por que pensamos que na execução devese construir uma estrutura dialética com o Ministério Público invocando o juiz para o início e nos diferentes incidentes Um verdadeiro processo de execução 45 Esse tema foi muito bem tratado por GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit v 1 p 187 e ss em cuja lição nos baseamos na continuação Também é importante esclarecer que a identificação da concepção de GÓMEZ ORBANEJA com a de GOLDSCHMIDT foi expressamente admitida pelo primeiro na obra com HERCE QUEMADA Derecho Procesal Penal 90 quando explica que aunque hayamos llegado a él por caminos distintos este concepto coincide en esencia con el de GOLDSCHMIDT v su obra en castellano y sobre el proceso penal español Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona 1935 GOLDSCHMIDT se basa en su concepción personal del derecho penal como derecho justicial material acerca de la cual nada vamos a decir aquí Pero aun cuando se prescinda e incluso se disienta de tal teoría nos parece que el concepto de acción exposto es el que mejor se compagina con la verdadera naturaleza del proceso criminal 46 Derecho Procesal Civil y Penal cit p 301 47 Derecho Procesal Civil y Penal cit p 301 48 MIRABETE Julio Fabbrini Processo Penal cit p 117 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 OBJETO é a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que integram o processo e não se confunde com a causa ou princípio nem com seu fim O fundamento da existência do processo penal é a instrumentalidade constitucional e a sua função é a satisfação jurídica de pretensão ou resistência A natureza jurídica é a de ser uma situação jurídica processual adotando a teoria de Goldschmidt ou um procedimento em contraditório Fazzalari 2 LIDE PENAL não existe lide penal na medida em que não existe um conflito de interesses mas sim um crime e tampouco há possibilidade de satisfação de pretensões fora do processo penal princípio da necessidade não há pena sem prévio processo Não há possibilidade de se exigir a subordinação do interesse alheio ao próprio ou seja não pode o Estado exigir que o réu cumpra espontaneamente uma pena sem prévio processo 3 TEORIAS SOBRE O OBJETO DO PROCESSO para explicar o objeto do processo existem três concepções teóricas sociológicas jurídicas e a teoria da satisfação jurídica das pretensões e resistências adotada 4 CONTEÚDO DA PRETENSÃO considerando que o acusador exerce uma pretensão processual cumpre questionar qual o seu conteúdo havendo duas posições sobre o tema punitiva visão tradicional de Binding que coloca o Ministério Público como detentor da pretensão punitiva agindo em nome do Estado e acusatória concepção mais adequada ao processo penal segundo a qual o Ministério Público exerce o poder de acusar cabendo ao juiz exercer o poder de punir 5 ELEMENTOS DA PRETENSÃO PROCESSUAL ACUSATÓRIA o conceito de pretensão processual não se esgota na visão tradicional de Carnelutti devendo ser pensada a partir dos estudos de Jaime Guasp que aponta como elementos estruturantes da pretensão a elemento objetivo é o caso penal ou seja o fato aparentemente punível praticado b elemento subjetivo composto por aquele que exerce a pretensão acusador e contra quem se pretende fazer valer essa pretensão acusado c elemento de atividade ou declaração petitória não basta a existência de um fato aparentemente punível daí a insuficiência daqueles que sustentam ser o caso penal o objeto do processo penal é necessário que exista uma declaração de vontade que peça a satisfação da pretensão É por meio da ação penal enquanto poder político constitucional de invocação do poder jurisdicional que será realizada a acusação que dará causa ao nascimento do processo No processo penal o Ministério Público ou querelante exerce uma pretensão acusatória isto é o poder de proceder contra alguém ius ut procedatur cabendo ao juiz acolhendo a acusação exercer o poder de punir 6 EQUÍVOCO DA CONCEPÇÃO DE PRETENSÃO PUNITIVA o erro está em considerar que o objeto do processo é uma pretensão punitiva pois isso significaria dizer que o Ministério Público atuaria no processo penal da mesma forma que o credor no processo civil O Ministério Público não exerce pretensão punitiva porque não detém o poder de punir tanto que não pode pedir determinada quantidade de pena senão apenas a condenação No processo penal quem detém o poder de punir é o juiz e não o Ministério Público Ao contrário do processo civil no penal o autor Ministério Público não pede a adjudicação de um direito de punir pois não lhe corresponde esse poder que está nas mãos do juiz Ao acusador não compete o poder de castigar mas apenas o de promover o castigo Por isso no processo penal o acusador exerce uma pretensão acusatória ius ut procedatur o poder de proceder contra alguém que é uma condição indispensável para que ao final o juiz exerça o poder de punir São dois os poderes exercidos no processo penal a pretensão acusatória acusador e o poder de punir juiz O poder de punir é condicionado ao integral exercício do poder de acusar pois somente se criam as condições de possibilidade de punição por parte do juiz quando o acusador tiver êxito na prova da acusação Entre outras consequências da correta compreensão do objeto do processo penal estão a impossibilidade de o juiz condenar se o Ministério Público pedir a absolvição do réu erro do art 385 b corrigir a equivocada construção de substituto processual usada na ação penal privada c repensar os limites do princípio da correlação d redefinir o campo de incidência da emendatio libelli do art 383 do CPP e compreender que não se tranca ação penal mas sim o processo Capítulo V INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL Como já foi exposto até aqui pensamos ser imprescindível que o processo penal passe por uma constitucionalização sofra uma profunda filtragem constitucional estabelecendose um inafastável sistema de garantias mínimas Como decorrência o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático é sua instrumentalidade constitucional ou seja o processo enquanto instrumento1 a serviço da máxima eficácia de um sistema de garantias mínimas Ou ainda pensamos o processo penal desde seu inegável sofrimento a partir de uma lógica de redução de danos Todo poder tende a ser autoritário e precisa de limites controle Então as garantias processuais constitucionais são verdadeiros escudos protetores2 contra o abuso do poder estatal Lidamos com o processo penal desde um olhar constitucional buscando efetivar a filtragem que o Código de Processo Penal exige para ter aplicação conforme a Constituição Nessa tarefa existem princípios que fundam a instrumentalidade constitucional e conduzem a uma releitura de todos os institutos do processo penal brasileiro Significa dizer que não se pode mais por exemplo pensar a prisão cautelar senão à luz da presunção constitucional de inocência o princípio da jurisdição exige a observância do subprincípio do juiz natural o inquérito policial deve ser constitucionalizado para permitir certo nível de contraditório e direito de defesa e assim por diante Superado o tradicional conflito entre direito naturaldireito positivo tendo em vista a constitucionalização dos direitos naturais pela maioria das constituições modernas o problema centrase agora na divergência entre o que o Direito é e o que deve ser no interior de um mesmo ordenamento jurídico ou ainda na busca da máxima eficácia da Constituição Na doutrina espanhola ARAGONESES ALONSO3 explica que a Constituição da Espanha de 1978 consagrou os princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos que por sua vez vêm a coincidir com os também revelados pela doutrina pontifícia como direito natural Com isso o problema foi transferido e não está mais no plano da existência jurídica mas no da eficácia das garantias A eficácia da proteção está em grande parte pendente da atividade jurisdicional principal responsável por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais Como consequência o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor dos direitos do acusado no processo penal Quando se lida com o processo penal devese ter bem claro que aqui forma é garantia Por se tratar de um ritual de exercício de poder e limitação da liberdade individual a estrita observância das regras do jogo4 devido processo penal é o fator legitimante da atuação estatal Nessa linha os princípios constitucionais devem efetivamente constituir o processo penal Esse sistema de garantias está sustentado a nosso juízo por cinco princípios básicos que configuram antes de mais nada um esquema epistemológico que conduz à identificação dos desvios e abusos de poder Inclusive entendemos que uma obra de processo penal deveria ter uma organização diferenciada estruturandose a partir dos princípios constitucionais para só então desenvolver os diferentes institutos que compõem o processo penal Ensaiamos isso na nossa obra Introdução Crítica ao Processo Penal Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional ou garantista dependendo da edição em que se priorizou o estudo dos princípios constitucionais formadores E mais o estudo dos princípios não pode ficar compartimentalizado deve permear toda a obra e todo o discurso Portanto agora apenas introduziremos o estudo dos princípios pois eles serão presenças constantes ao logo de toda a obra Daí porque para facilitar a compreensão mas sem abrir mão de nossa convicção faremos a seguir uma sumária exposição dos cinco princípios que fundam e constituem o processo penal constitucional sem prejuízo de eventuais repetições ao longo do texto para enfatizar o valor da principiologia Antes de ingressar especificamente nos princípios cumpre para espantar qualquer dúvida destacar que os princípios gozam de plena eficácia normativa pois são verdadeiras normas Os princípios especialmente os constitucionais são normas fundamentais ou gerais do sistema São fruto de uma generalização sucessiva e constituem a própria essência do sistema jurídico com inegável caráter de norma Ainda que não seja objeto desta obra a conceituação de princípios garantias e regras vejamos o que ensina ÁVILA5 sobre o conceito de princípio são normas imediatamente finalísticas primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção BOBBIO6 é categórico Para mim não há dúvida os princípios gerais são normas como todas as outras E dá o seu clássico exemplo se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos através de um procedimento de generalização sucessiva não se vê por que não devam ser normas também eles se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais e não flores ou estrelas Em segundo lugar a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas isto é função de regular um caso É importante compreender ainda que os princípios não ficam na dependência de humores ou preferências pessoais para sua realização senão que instituem adverte ÁVILA7 um dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou inversamente instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários ainda que de forma indireta e regressiva Mesmo que aparentemente indeterminados não o são pois ainda que exista alguma incerteza quanto ao conteúdo do comportamento a ser adotado não o há em relação à sua espécie o que for necessário para promover o fim é devido8 Assim considerando que em geral os destinatários dos princípios no processo penal são os juízes e tribunais pois acima de tudo nos interessam os princípios que constituem regras de julgamento devem eles fazer todo o necessário para promover o fim devido ou seja buscar incessantemente a máxima eficácia dos princípios constitucionais do processo penal Compreendida a importância dos princípios passemos ao estudo daqueles que informam o processo penal 1 Jurisdicionalidade Nulla poena nulla culpa sine iudicio A garantia da jurisdição significa muito mais do que apenas ter um juiz exige ter um juiz imparcial natural e comprometido com a máxima eficácia da própria Constituição Não só como necessidade do processo penal mas também em sentido amplo como garantia orgânica da figura e do estatuto do juiz Também representa a exclusividade do poder jurisdicional direito ao juiz natural independência da magistratura e exclusiva submissão à lei Ainda que o princípio da jurisdicionalidade tenha um importante matiz interno exclusividade dos tribunais para impor a pena e o processo como caminho necessário ela não fica reclusa a esses limites Fazendo um questionamento mais profundo FERRAJOLI vai se debruçar nos diversos princípios que configuram um verdadeiro esquema epistemológico de modo que a categoria de garantia sai da tradicional concepção de confinamento para colocarse no espaço central do sistema penal Como aponta IBÁÑEZ9 não se trata de garantir unicamente as regras do jogo mas sim um respeito real e profundo aos valores em jogo com os que agora já não cabe jogar A garantia da jurisdicionalidade deve ser vista no contexto das garantias orgânicas da magistratura de modo a orientar a inserção do juiz no marco institucional da independência pressuposto da imparcialidade que deverá orientar sua relação com as partes no processo Ademais o acesso à jurisdição é premissa material e lógica para a efetividade dos direitos fundamentais O juiz assume uma nova posição10 no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um ainda que para isso tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas plenas e legais abandono completo do mito da verdade real BUENO DE CARVALHO 11 questionando para quem serve a lei aponta que a a lei é o limite ao poder desmesurado leiase limite à dominação Então a lei eticamente considerada é proteção ao débil Sempre e sempre é a lei do mais fraco aquele que sofre a dominação Nesse contexto inserese o juiz Em última análise c umpre ao juiz buscar a máxima eficácia da ley del más débil12 No momento do crime a vítima é o débil e por isso recebe a tutela penal Contudo no processo penal operase uma importante modificação o mais débil passa a ser o acusado que frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do processo e posteriormente da pena O sujeito passivo do processo aponta GUARNIERI13 passa a ser o protagonista porque ele é o eixo em torno do qual giram todos os atos do processo Esse princípio impõe ainda a inderrogabilidade do juízo no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade da jurisdição Ademais o acesso à jurisdição é premissa material e lógica para a efetividade dos direitos fundamentais 11 A Função do Juiz no Processo Penal Não basta apenas ter um juiz devemos perquirir quem é esse juiz que garantias ele deve possuir e a serviço de quem ele está Centraremonos agora em definir a função do juiz no processo a serviço de quem ele está Inicialmente cumpre recordar a garantia do juiz natural enquanto portadora de um tríplice significado14 a somente os órgãos instituídos pela Constituição podem exercer jurisdição b ninguém poderá ser processado e julgado por órgão instituído após o fato c há uma ordem taxativa de competência entre os juízes préconstituídos excluindose qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja Tratase de verdadeira exclusividade do juiz legalmente instituído para exercer a jurisdição naquele determinado processo sem que seja possível a criação de juízos ou tribunais de exceção art 5º XXXVII da CB Considerando que as normas processuais não podem retroagir para prejudicar o réu é fundamental vedarse a atribuição de competência post facto evitandose que a juízes ou tribunais sejam especialmente atribuídos poderes após o fato para julgar um determinado delito Por fim a ordem taxativa de competência é indisponível não havendo possibilidade de escolha O princípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um verdadeiro pressuposto para a sua própria existência Nesse tema imprescindível a leitura de ADELINO MARCON15 que considera o Princípio do Juiz Natural como um princípio universal fundante do Estado Democrático de Direito Consiste na síntese do autor no direito que cada cidadão tem de saber de antemão a autoridade que irá processálo e qual o juiz ou tribunal que irá julgálo caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento jurídicopenal Importante que MARCON sublinha o necessário deslocamento do nascimento da garantia para o momento da prática do delito e não para o do início do processo como o fazem outros Isso significa uma ampliação na esfera de proteção evitando manipulações nos critérios de competência bem como a definição posterior ao fato mas antes do processo do juiz da causa Elementar que essa definição posterior afetaria também a garantia da imparcialidade do julgador que será tratada no próximo tópico Quando se questiona a serviço de quem está o juiz transferimos a discussão para outra esfera a das garantias orgânicas da magistratura FERRAJOLI16 chama de garantias orgânicas aquelas relativas à formação do juiz e sua colocação funcional em relação aos demais poderes do Estado independência imparcialidade responsabilidade separação entre juiz e acusação juiz natural obrigatoriedade da ação penal etc Considera como garantias processuais aquelas relativas à formação do processo isto é à coleta da prova exercício do direito da defesa e à formação da convicção do julgador contraditório correlação carga da prova etc Dentro das garantias orgânicas nos centraremos agora na independência pois para termos um juiz natural imparcial e que verdadeiramente desempenhe sua função de garantidor no processo penal deve estar acima de quaisquer espécies de pressão ou manipulação política Não que com isso estejamos querendo o impossível um juiz neutro17 senão um juiz independente alguém que realmente possua condições de formar sua livre convicção Essa liberdade é em relação a fatores externos ou seja não está obrigado a decidir conforme queira a maioria ou tampouco deve ceder a pressões políticas A independência deve ser vista como a sua exterioridade ao sistema político e num sentido mais geral como a exterioridade a todo sistema de poderes18 O juiz não tem por que ser um sujeito representativo posto que nenhum interesse ou vontade que não seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juízo nem sequer o interesse da maioria ou inclusive a totalidade dos lesados Ao contrário do Poder Executivo ou do Legislativo que são poderes de maioria o juiz julga em nome do povo mas não da maioria para a tutela da liberdade das minorias A legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição e não da vontade da maioria O juiz tem uma nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais É uma legitimidade democrática fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial Contudo a independência não significa uma liberdade plena arbitrária pois sua decisão está limitada pela prova produzida no processo com plena observância das garantias fundamentais entre elas a vedação da prova ilícita e devidamente fundamentada motivação enquanto fator legitimante do poder Não significa possibilidade de decisionismo Não está o juiz obrigado a decidir conforme deseja a maioria pois a legitimação de seu poder decorre do vínculo estabelecido pelo caráter cognoscitivo da atividade jurisdicional Então no Estado Democrático de Direito se o juiz não está obrigado a decidir conforme deseja a maioria qual é o fundamento da independência do Poder Judiciário O fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor da eficácia do sistema de direitos e garantias fundamentais do acusado no processo penal O juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor não devendo julgar conforme deseja a maioria e não podendo fica inerte diante de violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados ou que brotem dos tratados e convenções firmados pelo Brasil Assume assim uma nova posição no Estado Democrático de Direito sem que com isso sua atuação seja política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um ainda que para isso tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas absolvendo sempre que não existirem provas plenas e legais de sua responsabilidade penal Como define FERRAJOLI19 o objetivo justificador do processo penal é a garantia das liberdades dos cidadãos Por enquanto fiquemos por aqui mas aqueles que quiserem aprofundar o estudo do papel do juiz e da decisão penal remetemos para o capítulo destinado ao estudo das Decisões Penais e sua necessária motivação 12 A Toga e a Figura Humana do Julgador no Ritual Judiciário da Dependência à Patologia No estudo do papel do juiz evidenciase uma vez mais a falência do monólogo científico e a necessidade de buscar na interdisciplinaridade o instrumental capaz de alcançar a superação do antagonismo entre sujeitoobjeto ou ainda entre conhecimento e objeto a ser conhecido20 Por mais que o Direito crie estruturas teóricas um grave problema está noutra dimensão para além do Direito Está na figura humana do juiz Também devemos nos preocupar com esse fator quando se pensa em sistema de garantias É elementar que estamos nos referindo a uma minoria aos casos patológicos mas é em relação a esses que o sistema de garantias deve se ocupar De nada adianta independência se o juiz é totalmente dependente do paitribunal sendo incapaz de pensar ou ir além do que ele diz É preocupante o nível de dependência que alguns juízes criam em relação ao entendimento deste ou daquele tribunal e o que é pior a sujeição de alguns tribunais ao que dizem outros tribunais superiores Quando uma decisão vale porque proferida por este ou aquele tribunal e não porque é uma boa decisão passase a ser um mero repetidor acrítico e autofágico impedindo qualquer espécie de evolução Alguns além de seguir cegamente o paitribunal sentemse protegidos pela vinculação aos tribunais superiores Mais tranquilizador impossível principalmente para juízes inseguros Sobre a relação do juiz com a jurisprudência é interessantíssima a abordagem de BUENO DE CARVALHO21 quando analisa a troca de dogma da lei pelo pensamento dos tribunais uma cruel forma de inibir a criatividade do operador jurídico Segundo o autor na relação com a comunidade o juiz acaba assumindo no inconsciente do povo a figura do pai e às vezes passando pelo papel de juiz divindade pois ele é aquele que pune que repreende que autoriza o casamento ou determina a separação É a figura do paijulgador Nessa mesma linha MORAIS DA ROSA22 prossegue para apontar que o Direito age em nome do Pai e por mandato operando na subjetividade humana ditando a lei como capaz de manter o laço social sob a utilitária promessa de felicidade Não raro os juízes assumem o papel de cavaleiros da prometida plenitude na expressão do autor ou completude lógica noutra dimensão e a partir dessas crenças congregam em si o poder de dizer o que é bom para os demais mortais neuróticos por excelência surgindo daí um objeto de amor capaz de fazer amar ao chefe censurador tido como necessário para manutenção do laço social Portanto o amor mantém a crença pela palavra do poder as quais serão objeto de amor Agrava a situação aponta ALMEIDA PRADO23 o desejo de uma excessiva estabilidade jurídica por parte das pessoas que possuem um anseio mítico de segurança e buscam essa segurança no substituto do pai no juizinfalível agravando com isso o quadro clínico do julgador Interessante como é bastante comum que os demais atores do ritual judiciário também adotem o discurso de que somente querem cumprir a lei MORAIS DA ROSA24 desvela essa subserviência alienada e apaixonada para explicar que isso lhes concederia um lugar ao lado do Outro Mas isso não é amor adverte o autor senão uma identificação identificar ficar idem com o poder do líder que tudo pode pois o mundo está dividido lacanianamente falando entre ele e os castrados e ao se identificar com ele surge a ilusão de não ser castrado faltoso numa relação dialética de amoescravo E o Outro tanto pode ser o juiz que aplica a lei como o legislador que elabora a lei conforto para o desalento constitutivo Mas essa relação entre paifilho que se opera entre juizjurisdicionado também se reproduz entre juiz tribunal Podemos identificar na lição do autor o juiz que está na infância tendo o pai como ídolo Seu desejo é agradar o pai e para isso nada melhor do que aderir ao seu saber expresso nos acórdãos Para tanto transcreve sempre a vontadejurisprudência do seu superior Essa relação neurótica perdura quando esse juiz chega ao tribunal pois espera que os outros filhos sigam seu caminho copiandoo Pior esse juiz mata o que há de mais digno na atividade judicante o sentire25 Em vez de proferir a sentença a partir da sua percepção da prova ele se reduz a um mero burocrata repetidor de decisões alheias26 com a finalidade de aderir à maioria ou ao paitribunal Em outros casos encontramos o juiz adolescente que na sua rebeldia quer destruir o pai O culpado é sempre o tribunal que lhe persegue e protege sempre o outro Este filho mantém a lógica da família doentia élhe reservado o papel de ovelha negra do grupo familiar O número não é significativo Outros ainda citando Amilton Bueno de Carvalho porém alcançam a maturidade o tribunal é apenas o tribunal Tem defeitos como também virtudes como qualquer grupo humano Dele emergem decisões preciosas que merecem ser seguidas e outras não Esse é o juiz independente disposto a ousar e a criar quer o pai aplauda quer não Seu compromisso não é com a carreira ou agradar o pai mas sim colocar sua atuação a serviço do jurisdicionado Claro que esse juiz pode acabar causando um malestar no pai neurótico tribunal que não compreende a liberdadematuridade do filho O grande problema é que como conclui BUENO DE CARVALHO como a maioria encontrase e parece sem condições de sair dali na fase da infância fácil é perceber como a jurisprudência que emergente do pai tem cunho de dogma e é entorpecedora da criatividade Daí por que não se concorda com Carlos Maximiliano quando diz que o julgador copia acórdão pela lei do menor esforço entendo que o motivo é outro agradar o órgão censorpai Além da independência só um juiz consciente de seu papel de garantidor e que acima de tudo tenha a dúvida como hábito profissional e como estilo intelectual é merecedor do poder que lhe é conferido Aqui está outro grave problema o juiz que assume uma cultura subjacente de forte conotação de defesa social27 incrementada pela ação persistente dos meios de comunicação reclamando menos impunidade e maior rigor penal derivada por sua vez de uma cultura geral política autoritária como a herdada nos países latinoamericanos28 que afeta o juiz enquanto homem político e social impõe uma concepção de processo menos dialética e igualitária para as partes É aquele juiz que absorve esse discurso de limpeza social e assim passa a atuar colocandose no papel de defensor da lei e da ordem verdadeiro guardião da segurança pública e da paz social A situação é grave na medida em que tudo isso se reflete no ato decisório pois a sentença é reflexo da eleição de uma das teses a ele submetidas acusação e defesa bem como de um juízo axiológico da prova e da lei aplicável ao caso Esse juiz representa uma das maiores ameaças ao processo penal e à própria Administração da Justiça pois é presa fácil dos juízos apriorísticos de inverossimilitude das teses defensivas é adepto da banalização das prisões cautelares da eficiência antigarantista do processo penal dos poderes investigatóriosinstrutórios do juiz do atropelo de direitos e garantias fundamentais especialmente daquela tal presunção de inocência da relativização das nulidades pro societate é adorador do rótulo crime hediondo pois a partir dele pode tomar as mais duras decisões sem qualquer esforço discursivo ou mesmo fundamentação introjeta com facilidade os discursos de combate ao crime como paleopositivista acredita no dogma da completude do sistema jurídico não sentindo o menor constrangimento em dizer que algo é injusto mas é a lei e como tal não lhe cabe questionar sentese à vontade no manejo dos conceitos vagos imprecisos e indeterminados do estilo prisão para garantia da ordem pública homem médio crimes de perigo abstrato etc pois lhe permitem ampla manipulação etc Mas principalmente esse juiz transforma o processo numa encenação inútil meramente simbólica e sedante pois desde o início já tem definida a hipótese acusatória como verdadeira Logo invocando uma vez mais CORDERO esse juiz ao eleger de início a hipótese verdadeira não faz no processo mais do que uma encenação destinada a mascarar a hábil alquimia de transformar os fatos em suporte da escolha inicial Ou seja não decide a partir dos fatos apresentados no processo senão da hipótese inicialmente eleita como verdadeira A decisão não é construída a partir da prova pois ela já foi tomada de início É o prejuízo que decorre do préjuízo A situação é mais grave recordando a lição de JACINTO COUTINHO29 na medida em que o que poderia restar de segurança é o livre convencimento ou seja retórica e contraataques basta imunizar a decisão com um belo discurso Mudando o enfoque devemos sublinhar que a legitimidade da decisão de um juiz decorre da razão30 e não do poder Infelizmente até porque são seres humanos com suas falhas e limitações alguns jamais atingem essa consciência ou mesmo superam o que SOUZA NETO define como juizite31 uma patologia que não possui ainda CID em que pese ser constatada com razoável frequência Ao lado dela igualmente estão a promotorzite e advogadite sendo esta última não tão comum até porque carecedor de poder A juizite é um consagrado bordão explica SOUZA NETO que pretende exprimir que o cargo ocupou a pessoa de tal maneira que se tornou aquele ser alguém prepotente e arrogante a mandar sempre É o espelho de Machado de Assis em que ao olharse diante do espelho não sabe mais se é um ser com um cargo ou um cargo com um ser Justifica o autor explanando que tão logo de posse da carteirinha de juiz de promotor de advogado tanto faz passa a receber o tratamento de doutor Vêm portanto a pompa e a circunstância Daí para o uso dos verbos mais drásticos como o eu exijo ou o emprego do tradicional você sabe com quem está falando a distância é pequena A juizite vem acompanhada pelo desejo de poder e como explica ALMEIDA PRADO32 pode ocorrer como expressão da tentativa de recompor o arquétipo cindido O arquétipo33 do juiz como de qualquer pessoa tem dois polos Não há um arquétipo de juiz e outro de infrator pois cada um deles seria uma das extremidades de uma mesma situação arquetípica Na atividade do juiz pode ocorrer uma ruptura entre os polos arquetípicos em que um deles permanece consciente e o outro é reprimido fica no inconsciente e é projetado sobre as partes no processo É a situação do juiz que acredita que o crime não tem nada em comum consigo como se ele e todos nós não fôssemos delinquentes e que o mal só existe no réu uma criatura que habita um mundo totalmente diverso do seu Ele esquece que tem como possibilidade um réu dentro de si34 e passa a se considerar a própria justiça encarnada Esse fenômeno chamase inflação da persona35 que ocorre quando os magistrados de tal forma se identificam com as roupas talares toga que não mais conseguem desvestilas nas relações familiares ou sociais Falta a esse juiz a consciência de sua própria sombra36 a capacidade de ser ao mesmo tempo julgadorjulgado É também um exercício de abstração ou mesmo de altruísmo de respeitar o outro na sua diversidade e assumir seu local de fala absolutamente imprescindível para o exercício da magistratura mas que infelizmente não tem sido devidamente exercitado A atividade judicante pode ser essencialmente projetiva na medida em que o julgador tira de si e coloca no mundo externo em outro ou em alguma coisa os próprios sentimentos desejos e demais atributos tidos como indesejáveis Daí ser muito importante que o juiz mais talvez do que qualquer outro profissional aponta ALMEIDA PRADO37 entre em contato com seus conteúdos sombrios trazendoos à consciência para com isso projetálos menos Como aponta a autora isso ocorrerá se buscar entender o significado desse possível infrator que como todo ser humano tem dentro de si reconhecendoo com tal No viés psiquiátrico ZIMERMAN38 aponta para os problemas de uma personalidade narcisista que com crescente frequência tem se manifestado Segundo o autor em uma exagerada figura retórica pode se dizer que eles sofrem de um complexo de deus quando então o sujeito narcisista sentese como se fosse o Sol enquanto configura aos demais como sendo seus planetas e satélites que devem orbitar em torno dele Muitas vezes pagam um preço por essa ânsia de brilhatura porque seguidamente são vítimas de outro tipo de complexo que podemos denominar como complexo de mariposa isto é tal como esses insetos são atraídos pela luminosidade e brilho das lâmpadas que acabam se queimando nelas Contribui ainda para o agravamento do quadro clínico o fato de o julgamento ser um imenso ritual com a peculiar arquitetura do templotribunal39 com suas estátuas sua sequência de atos sua linguagem e também suas vestes A aproximação com o simbólico da divindade é evidente Nesse cenário a toga inserese como instrumento imprescindível40 no ritual de purificação pois ao mesmo tempo em que é um escudo protetor subtrai o sujeito da sua condição de mortal purificao como explica GARAPON41 Sem o ritual e a toga como dois discursos poderiam ser ao mesmo tempo contraditórios e legítimos Como acusador e defensor poderiam atuar com hostilidade e agressividade ao longo do processo É o ritual e a toga que permitem a socialização dessa violência discursiva pois a verdadeira ameaça aponta GARAPON42 só pode vir do exterior desse círculo vestimentário Também serve como marco divisor entre a violência correta e a incorreta permitindo que a violência correta seja exercida sem sequer sujar as mãos de quem a exerce pois autorizado pelo tribunal e munido do escudo protetor Obviamente que essa proteção pode gerar algumas vezes um inadmissível sentimento de superioridade em relação às partes até porque a toga prolonga a cancella marca a separação Tem razão TOCQUEVILLE43 quando diante de um magistrado que trata rispidamente as partes encolhe os ombros perante os meios de defesa ou sorri com complacência em face da enumeração das acusações protesta com indignação gostaria que alguém se dispusesse a retirarlhes a toga para saber se uma vez vestidos como simples cidadãos isso não lhes traria à memória a dignidade natural da espécie humana A toga é a marca da superioridade da instituição sobre o homem pois já não é ele que habita a sua veste mas sim esta que o habita a ele44 A toga permite o refúgio na generalidade da função impessoalizando a decisão e também a acusação e a defesa A assunção desse papel conduz ao afastamento do eu levando a que não raras vezes o acusador acuse estando convicto do contrário ou o que é pior o juiz julgue em que pese a consciência da injustiça da decisão É a conhecida desculpa sinto muito é injusto mas é a lei então a culpa é da toga e não minha Essa é a togamáscara de GARAPON coerente com o resto do ritual judiciário pura exterioridade em que a nova pele faz com que seu portador possa praticar a violência sem correr riscos e exercer a vingança sem recear represálias Da boca da toga sai o discurso que se convencionou ser o verdadeiro é a verdade institucional Obviamente que essa maneira de esconder o juiz é falsa mas é fundamental para a mistificação da justiça pois como só lidam com ciências imaginárias veemse forçados a fazer uso desses instrumentos fúteis que impressionam a imaginação com a qual contactam E a verdade é que com isso conseguem incutir respeito45 O juiz consciente de seu mister não se pode deixar despir de sua natureza humana pela toga Precisa racionalizar inclusive seus medos Deve ter presente a função democráticogarantidora que lhe atribui a Constituição especialmente no processo penal jamais assumindo o papel de justiceiro de responsável pelo sistema imunológico da sociedade com uma posição mais policialesca que a própria polícia mais persecutória46 que o próprio acusador oficial Tolerância humanidade humildade são atributos que não podem ser despidos pela toga e tampouco asfixiados pelo poder Devemos assumir as subjetividades e a existência de espaços impróprios que permitem excessiva discricionariedade Vamos descobrir47 as patologias admitindo que elas estão em todas as esferas O ritual judiciário é inafastável pois o rito até certo ponto é garantia fundamental Mas existe um limite para o ritual que uma vez superado faz com que ele sufoque conduza à alienação dos atores judiciários no sentido de que aliénada e ao autismo jurídico Um afastamento tal da realidade é o que pode ser presenciado em muitos julgamentos absolutamente imersos em frágeis categorias artificialmente criadas pelo Direito e que não encontram a mínima legitimação externa Tratase de um erro gravíssimo mas bastante comum na Justiça Criminal excessivamente contaminada pelas equivocadas ideologias do repressivismo saneador a crença de que o simbólico da lei penal irá resolver o problema real e concreto que está por trás da violência urbana Como adverte SCHMIDT48 chegase ao absurdo de esquecer aquilo que o crime ainda deve possuir em sua essência o seu caráter antropológico o caráter humano do Direito Penal O processo precisa libertarse de alguns rituais para a justiça tornarse mais íntima e menos intimidante49 Somente assim é que a real dimensão e importância das garantias constitucionais e processuais serão finalmente compreendidas É por isso que não podemos abrir mão de um sistema de garantias mínimas capazes de remediar pelo controle ou ao menos amenizar o imenso prejuízo causado pela patologia judicial Recordemos CARNELUTTI50 que do alto de sua genialidade ensinava Nenhum homem se pensasse no que ocorre para julgar um outro homem aceitaria ser juiz Contudo achar juízes é necessário O drama do Direito é isto Um drama que deveria estar presente a todos dos juízes aos jurisdicionados no ato no qual se exalta o processo O Crucifixo que graças a Deus nas cortes judiciárias pende ainda sobre a cabeça dos juízes seria melhor se fosse colocado defronte a eles a fim de que ali pudessem com frequência pousar o olhar este a exprimir a indignidade deles e não fosse outra a imagem da vítima mais insigne da justiça humana Somente a consciência da sua indignidade pode ajudar o juiz a ser menos indigno 13 A Garantia da Imparcialidade Objetiva e Subjetiva do Julgador RePensando os Poderes InvestigatóriosInstrutórios Fundamentação Finalmente Adotada pelo Supremo Tribunal Federal HC 94641BA Mas não basta a garantia da jurisdição não é suficiente ter um juiz é necessário que ele reúna algumas qualidades mínimas para estar apto a desempenhar seu papel de garantidor A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo do processo51 e como tal imprescindível para o seu normal desenvolvimento e obtenção do reparto judicial justo Sobre a base da imparcialidade está estruturado o processo como tipo heterônomo de reparto Aponta CARNELUTTI52 que el juicio es un mecanismo delicado como un aparato de relojería basta cambiar la posición de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequilibrado e comprometido Seguindo WERNER GOLDSCHMIDT53 o termo partial expressa a condição de parte na relação jurídica processual e por isso a impartialidade do julgador constitui uma consequência lógica da adoção da heterocomposição por meio da qual um terceiro impartial substitui a autonomia das partes Já a parcialidade significa um estado subjetivo emocional um estado anímico do julgador A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà54 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de JACINTO COUTINHO55 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas Por isso W GOLDSCHMIDT56 sintetiza que la imparcialidad del juez es la resultante de las parcialidades de los abogados ou das partes Mas tudo isso cai por terra quando se atribuem poderes instrutórios ou investigatórios ao juiz pois a gestão ou iniciativa probatória é característica essencial do princípio inquisitivo que leva por consequência a fundar um sistema inquisitório57 A gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz conduz à figura do juizator e não espectador núcleo do sistema inquisitório Logo destróise a estrutura dialética do processo penal o contraditório a igualdade de tratamento e oportunidades e por derradeiro a imparcialidade o princípio supremo do processo Essa posição ativa pode ser assumida pelo juiz em dois momentos poderes investigatórios exercidos na investigação preliminar fase préprocessual poderes instrutórios exercidos no processo Distinguimos poderes investigatóriosinstrutórios a partir da separação58 que fazemos entre atos de prova realizados na fase processual com todas as garantias inerentes e atos de investigação realizados na fase inquisitorial tendo portanto valor reduzido diante de sua função endoprocedimental Recordemos que não se pode pensar sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório sob pena de incorrer em grave reducionismo A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor poderes investigatórios ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Centraremonos na problemática figura do juiz com poderes instrutóriosinvestigatórios cujo núcleo está não só no famigerado art 156 do CPP mas também na possibilidade de o juiz de ofício converter a prisão em flagrante em prisão preventiva o que representa o mesmo que poder decretar a prisão de ofício art 310 do CPP determinar o sequestro de bens art 127 do CPP decretar a busca e apreensão art 242 do CPP ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes art 209 do CPP condenar ainda que o Ministério Público tenha pedido a absolvição art 385 etc Especificamente no que tange ao art 156 do CPP a questão é ainda mais sensível O art 156 sempre foi um grande problema especialmente para aqueles comprometidos com o sistema acusatórioconstitucional Incrivelmente com a reforma pontual operada pela Lei n 116902008 ficou ainda pior É insuficiente pensar que o sistema acusatório se funda a partir da separação inicial das atividades de acusar e julgar Isso é um reducionismo que desconsidera a complexa fenomenologia do processo penal De nada basta uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação se depois ao longo do procedimento permitirmos que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora Nesse contexto o art 156 do CPP funda um sistema inquisitório pois representa uma quebra da igualdade do contraditório da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminam a principal garantia da jurisdição que é a imparcialidade do julgador Está desenhado um processo inquisitório A nova redação além de incorrer no erro de manter a figura do juizator foi mais longe permitindo no inciso I que o juiz de ofício ordene mesmo antes de iniciada a ação penal a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes observando a necessidade adequação e proporcionalidade da medida Pronto consagraram o juizinstrutorinquisidor com poderes para na fase de investigação preliminar colher de ofício a prova que bem entender para depois no processo decidir a partir de seus próprios atos Decide primeiro a partir da prova que ele constrói e depois no golpe de cena que se transforma o processo formaliza essa decisão Tampouco os critérios de necessidade adequação e proporcionalidade legitimam tal ativismo judicial pois são vagos imprecisos e manipuláveis O juiz deve manterse afastado da atividade probatória para ter o alheamento necessário para valorar essa prova A figura do juizespectador em oposição à figura inquisitória do juizator é o preço a ser pago para termos um sistema acusatório conforme explicamos quando da análise dos sistemas Inquisitório e Acusatório e cuja compreensão é pressuposto para a presente conclusão Mais do que isso é uma questão de respeito às esferas de exercício de poder São as limitações inerentes ao jogo democrático Nesse sentido acertada a decisão da 5ª Câmara Criminal do TJRS cujo acórdão é da lavra do Des ARAMIS NASSIF proferida na Correição Parcial n 70014869697 julgada em 01 de junho de 2006 CORREIÇÃO PARCIAL DECISÃO EX OFFICIO BAIXA DOS AUTOS À DP PARA EFEITOS DE RECONHECIMENTO DO RÉU VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO O Juiz não pode pena de ferir o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal de 1988 determinar diligências policiais especialmente reconhecimento do acusado pelas vítimas No sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de direitos devendo ter portanto suas garantias individuais constitucionais respeitadas A regra é clara e comum O Estado acusador através do agente ministerial manifesta a pretensão ao agente imparcial que é o Estadojuiz Essa imparcialidade que se apresenta mais nítida agora com a definição constitucional dos papéis processuais é a plataforma na construção de uma ciência processual penal democrática vedando a iniciativa ex officio na produção da prova Correição acolhida Como explicamos no estudo dos sistemas inquisitório e acusatório a transição para a inquisição começou exatamente com a insatisfação com a atividade incompleta das partes Como decorrência abandonouse o princípio do ne procedat iudex officio corolário da inércia judicial para paulatinamente forjarse o juiz inquisidor Enfrentando esses resquícios inquisitórios o Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH especialmente nos casos Piersack de 011082 e de Cubber de 26101984 consagrou o entendimento de que o juiz com poderes investigatórios é incompatível com a função de julgador Ou seja se o juiz lançou mão de seu poder investigatório na fase préprocessual não poderá na fase processual ser o julgador É uma violação do direito ao juiz imparcial consagrado no art 61 do Convênio para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950 Segundo o TEDH a contaminação resultante dos préjuízos conduzem à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva Desde o caso Piersack de 1982 entendese que a subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto que conhece de um determinado assunto e desse modo a sua falta de préjuízos Já a imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz se encontrar em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade Em ambos os casos a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições Não basta estar subjetivamente protegido é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial é a visibilidade Seguindo essas decisões do TEDH aduziu o Tribunal Constitucional espanhol STC 14588 entre outros fundamentos que o juizinstrutor não poderia julgar pois violava a chamada imparcialidade objetiva aquela que deriva não da relação do juiz com as partes mas sim de sua relação com o objeto do processo Ainda que a investigação preliminar suponha uma investigação objetiva sobre o fato consignar e apreciar as circunstâncias tanto adversas como favoráveis ao sujeito passivo o contato direto com o sujeito passivo e com os fatos e dados pode provocar no ânimo do juizinstrutor uma série de pré juízos e impressões a favor ou contra o imputado influenciando no momento de sentenciar Destaca o Tribunal uma fundada preocupação com a aparência de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos justiçáveis especialmente na esfera penal Dessa forma há uma presunção de parcialidade do juizinstrutor que lhe impede julgar o processo que tenha instruído59 Outra decisão sumamente relevante que vai marcar uma nova era no processo penal europeu foi proferida pelo TEDH no caso CastilloAlgar contra España STEDH de 281098 na qual declarou vulnerado o direito a um juiz imparcial o fato de dois magistrados que haviam formado parte de uma Sala que denegou um recurso interposto na fase préprocessual também terem participado do julgamento Essa decisão do TEDH levará a outras de caráter interno nos respectivos tribunais constitucionais dos países europeus e sem dúvida acarretará uma nova alteração legislativa Frisese que esses dois magistrados não atuaram como juízes de instrução mas apenas haviam participado do julgamento de um recurso interposto contra uma decisão interlocutória tomada no curso da instrução preliminar pelo juiz instrutor Isso bastou para que o TEDH entendesse comprometida a imparcialidade deles para julgar em grau recursal a apelação contra a sentença Imaginem o que diria o TEDH diante do sistema brasileiro em que muitas vezes os integrantes de uma Câmara Criminal irão julgar do primeiro habeas corpus interposto contra a prisão preventiva passando pela apelação e chegando até a decisão sobre os agravos interpostos contra os incidentes da execução penal Mas não apenas os espanhóis enfrentaram esse problema Seguindo a normativa europeia ditada pelo TEDH o art 34 do Códice de Procedura Penal prevê entre outros casos a incompatibilidade do juiz que ditou a resolução de conclusão da audiência preliminar para atuar no processo e sentenciar Posteriormente a Corte Constituzionale através de diversas decisões60 declarou a inconstitucionalidade por omissão desse dispositivo legal por não haver previsto outros casos de incompatibilidade com relação a anterior atuação do juiz na indagine preliminare Em síntese consagrou o princípio anteriormente explicado de que o juiz que atua na investigação preliminar está prevento e não pode presidir o processo ainda que somente tenha decretado uma prisão cautelar Sentença da Corte Constituzionale n 432 de 15 de setembro de 1995 No Brasil a questão começa a ser tratada para além do reducionismo de sempre Conforme o Informativo do STF n 528 de novembro de 2008 o Supremo Tribunal Federal no HC 94641BA Rel orig Min Ellen Gracie Rel p o acórdão Min Joaquim Barbosa julgado em 11112008 a Turma por maioria concedeu de ofício habeas corpus impetrado em favor de condenado por atentado violento ao pudor contra a própria filha para anular em virtude de ofensa à garantia da imparcialidade da jurisdição o processo desde o recebimento da denúncia No caso no curso de procedimento oficioso de investigação de paternidade Lei n 856092 art 2º promovido pela filha do paciente para averiguar a identidade do pai da criança que essa tivera surgiram indícios da prática delituosa supra sendo tais relatos enviados ao Ministério Público O parquet no intuito de ser instaurada a devida ação penal denunciara o paciente vindo a inicial acusatória a ser recebida e processada pelo mesmo juiz daquela ação investigatória de paternidade Entendeuse que o juiz sentenciante teria atuado como se autoridade policial fosse em virtude de no procedimento preliminar de investigação de paternidade em que apurados os fatos ter ouvido testemunhas antes de encaminhar os autos ao Ministério Público para a propositura de ação penal grifo nosso Verificase que o ponto fundamental para a anulação foi viola a garantia da imparcialidade o fato de o juiz ter realizado atos de natureza instrutória de ofício apurando fatos e ouvindo testemunhas No mesmo processo o votovista do Min Cezar Peluso concluiu que pelo conteúdo da decisão do juiz restara evidenciado que ele teria sido influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar Dessa forma considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada imparcialidade objetiva do magistrado cuja falta incapacitao de todo para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida Esclareceu que a imparcialidade denominase objetiva uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa sejam partes ou não imparcialidade dita subjetiva mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa no sentido de que não haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicção ou juízo prévio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir Assim sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional Observou por último que mediante interpretação lata do art 252 III do CPP Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que III tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão mas conforme com o princípio do justo processo da lei CF art 5º LIV não pode sob pena de imparcialidade objetiva e por consequente impedimento exercer jurisdição em causa penal o juiz que em procedimento preliminar e oficioso de investigação de paternidade se tenha pronunciado de fato ou de direito sobre a questão grifo nosso Finalmente parece que os julgadores brasileiros especialmente os tribunais superiores abriram os olhos para algo que já é falado há mais de duas décadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e que temos insistido desde nossa primeira obra em 2001 juiz que vai atrás da prova está prevento e não pode julgar Interessante ainda como o voto do Min Cezar Peluso menciona exatamente os mesmos fundamentos de imparcialidade objetiva e subjetiva empregados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos desde o Caso Piersack de 1982 e constantemente por nós referidos inclusive neste tópico Em definitivo pensamos que a prevenção deve ser uma causa de exclusão da competência O juiz instrutor é prevento e como tal não pode julgar Sua imparcialidade está comprometida não só pela atividade de reunir o material ou estar em contato com as fontes de investigação mas pelos diversos prejulgamentos que realiza no curso da investigação preliminar61 como na adoção de medidas cautelares busca e apreensão autorização para intervenção telefônica etc O problema é importante destacar não está apenas nas decisões que profere mas sim no fato de ir atrás da prova e assim permite o art 156 do CPP especialmente problemático é o inciso I sublinhese e depois decidir sobre o material que ele mesmo colheu Essa é a duplicidade perigosa e que deve ser analisada no caso concreto São esses processos psicológicos interiores que levam a um préjuízo sobre condutas e pessoas O problema é definir se o juiz tem condições de proceder ao que se chama de uma ideia sobre a pequena história do processo sem intensidade suficiente para condicionar ainda que inconscientemente e ainda que seja certeiramente a posição de afastamento interior que se exige para que comece e atue no processo Como aponta OLIVA SANTOS 62 essas ideias preconcebidas até podem ser corretas fruto de uma especial perspicácia e melhores qualidades intelectuais mas inclusive nesse caso não seria conveniente iniciar o processo penal com tal comprometimento subjetivo Crer na imparcialidade de quem está totalmente absorvido pelo labor investigador é o que J GOLDSCHMIDT63 denomina erro psicológico Foi essa incompatibilidade psicológica que levou ao descrédito do modelo inquisitório Sem dúvida chegou o momento de repensar a prevenção e também a relação juizinquérito pois em vez de caminhar em direção à figura do juiz garante ou de garantias alheio à investigação e verdadeiro órgão suprapartes está sendo tomado o caminho errado do juizinstrutor JACINTO COUTINHO64 aponta o erro da visão tradicional que tem a larga desvantagem de desconectar a matéria referente à competência do princípio do juiz natural Devese descortinar essa cruel estrutura e assumir o problema Não basta apenas definir as regras do jogo mas ir além delas definindo contra quem se está jogando e qual o conteúdo ético e axiológico do próprio jogo65 Esquecemos os erros do passado e tampouco olhamos para os lados Como sintetiza a Exposição de Motivos do CódigoModelo para IberoAmérica o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor Sequer isso é lido Não só estamos na contramão da evolução querendo ressuscitar a superada figura do juiz de instrução como nos negamos a evoluir repensando a prevenção diante da necessidade de proteção da posição do julgador Em momentos como esse parece que não somos mais capazes de repensar o pensamento e acima de tudo somos incapazes de repensar o próprio pensar Como já advertiu CORDERO66 nessa estrutura domina o primato dellipotesi sui fatti gerador de um quadri mentali paranoidi O cenário é doentio devemos nos preparar para atuar com juízes fazendo quadros mentais paranoicos67 14 O Direito de Ser Julgado em um Prazo Razoável art 5º LXXVIII da CF o Tempo como Pena e a DeMora Jurisdicional 141 Introdução Necessária Recordando o Rompimento do Paradigma Newtoniano O tempo mereceria ainda que a título de introdução uma obra que o tivesse como único objeto Nossa intenção nos estreitos limites do presente trabalho é fazer um pequeno recorte dessa ampla temática Para um estudo mais aprofundado desse direito fundamental recomendamos a leitura de nossa obra Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável escrita em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e publicada pela Editora Lumen Juris na qual esta e outras questões são tratadas com mais detalhamento Num proposital salto histórico recordemos que para NEWTON o universo era previsível um autômato representado pela figura do relógio Era a ideia do tempo absoluto e universal independente do objeto e de seu observador eis que considerado igual para todos e em todos os lugares Existia um tempo cósmico em que Deus era o grande relojoeiro do universo Tratavase de uma visão determinista com a noção de um tempo linear pois para conhecermos o futuro bastava dominar o presente Com EINSTEIN e a Teoria da Relatividade68 operase uma ruptura completa dessa racionalidade com o tempo sendo visto como algo relativo variável conforme a posição e o deslocamento do observador pois ao lado do tempo objetivo está o tempo subjetivo Sepultouse de vez qualquer resquício dos juízos de certeza ou verdades absolutas pois tudo é relativo a mesma paisagem podia ser uma coisa para o pedestre outra coisa totalmente diversa para o motorista e ainda outra coisa diferente para o aviador A percepção do tempo é completamente distinta para cada um de nós A verdade absoluta somente poderia ser determinada pela soma de todas as observações relativas69 HAWKING70 explica que EINSTEIN derrubou os paradigmas da época o repouso absoluto conforme as experiências com o éter e o tempo absoluto ou universal que todos os relógios mediriam Tudo era relativo não havendo portanto um padrão a ser seguido Outra demonstração importante é o chamado paradoxo dos gêmeos onde se um dos gêmeos a parte em uma viagem espacial próximo à velocidade da luz enquanto seu irmão b permanece na Terra em virtude do movimento do gêmeo a o tempo flui mais devagar na espaçonave Assim ao retornar do espaço o viajante a descobrirá que seu irmão b envelheceu mais do que ele Como explica HAWKING71 embora isso pareça contrariar o senso comum várias experiências indicam que nesse cenário o gêmeo viajante realmente voltaria mais jovem O tempo é relativo à posição e velocidade do observador mas também a determinados estados mentais do sujeito como exterioriza EINSTEIN72 na clássica explicação que deu sobre Relatividade à sua empregada quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita durante uma hora tem a impressão de que passou apenas um minuto Deixeo sentarse sobre um fogão quente durante um minuto somente e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora Isso é relatividade Até EINSTEIN consideravamse apenas as três dimensões espaciais de altura largura e comprimento pois o tempo era imóvel Quando se verificou que o tempo se move no espaço surge a quarta dimensão o espaçotempo NORBERTO ELIAS73 considera como a dimensão social do tempo em que o relógio é uma construção do homem a partir de uma convenção de uma medida adotada Isso está tão arraigado que não imaginamos que o tempo exista independentemente do homem Sem embargo o paradoxo do tempo é o fato de o relógio marcar 2h ontem e hoje novamente quando na verdade as duas horas de ontem jamais se repetirão ou serão iguais às 2h de hoje Na perspectiva da relatividade podemos falar em tempo objetivo e subjetivo mas principalmente de uma percepção do tempo e de sua dinâmica de forma completamente diversa para cada observador Como dito anteriormente vivemos numa sociedade regida pelo tempo em que a velocidade é a alavanca do mundo contemporâneo VIRILIO Desnecessária maior explanação em torno da regência de nossas vidas pelo tempo principalmente nas sociedades contemporâneas dominadas pela aceleração e a lógica do tempo curto Vivemos a angústia do presenteísmo buscando expandir ao máximo esse fragmento de tempo que chamamos de presente espremido entre um passado que não existe uma vez que já não é um futuro contingente que ainda não é e que por isso também não existe Nessa incessante corrida o tempo rege nossa vida pessoal profissional e como não poderia deixar de ser o próprio direito No que se refere ao Direito Penal o tempo é fundante de sua estrutura na medida em que tanto cria como mata o direito prescrição podendo sintetizarse essa relação na constatação de que a pena é tempo e o tempo é pena74 Punese através da quantidade de tempo e permitese que o tempo substitua a pena No primeiro caso é o tempo do castigo no segundo o tempo do perdão e da prescrição Como identificou MESSUTI75 os muros da prisão não marcam apenas a ruptura no espaço senão também uma ruptura do tempo O tempo mais que o espaço é o verdadeiro significante da pena O processo não escapa do tempo pois ele está arraigado na sua própria concepção enquanto concatenação de atos que se desenvolvem duram e são realizados numa determinada temporalidade O tempo é elemento constitutivo inafastável do nascimento desenvolvimento e conclusão do processo mas também na gravidade com que serão aplicadas as penas processuais potencializadas pela demora jurisdicional injustificada Sem embargo gravíssimo paradoxo surge quando nos deparamos com a inexistência de um tempo absoluto tanto sob o ponto de vista físico como também social ou subjetivo frente à concepção jurídica de tempo O Direito não reconhece a relatividade ou mesmo o tempo subjetivo e como define PASTOR76 o jurista parte do reconhecimento do tempo enquanto realidade que pode ser fracionado e medido com exatidão sendo absoluto e uniforme O Direito só reconhece o tempo do calendário e do relógio juridicamente objetivado e definitivo E mais para o Direito é possível acelerar e retroceder a flecha do tempo a partir de suas alquimias do estilo antecipação de tutela e reversão dos efeitos em manifesta oposição às mais elementares leis da física No Direito Penal em que pese as discussões em torno das teorias justificadoras da pena o certo é que a pena mantém o significado de tempo fixo de aflição de retribuição temporal pelo mal causado Sem dúvida que esse intercâmbio negativo na expressão de MOSCONI77 é fator legitimante e de aceitabilidade da pena ante a opinião pública O contraste é evidente a pena de prisão está fundada num tempo fixo78 de retribuição de duração da aflição ao passo que o tempo social é extremamente fluido podendo se contrair ou se fragmentar e está sempre fugindo de definições rígidas É uma concepção vinculada à ideia de controle e segurança jurídica que como apontamos no capítulo anterior deve ser repensada à luz da sociologia do risco e da própria teoria da relatividade Interessanos agora abordar o choque entre o tempo absoluto do direito e o tempo subjetivo do réu especialmente no que se refere ao direito de ser julgado num prazo razoável e à demora judicial enquanto grave consequência da inobservância desse direito fundamental 142 Tempo e Penas Processuais A concepção de poder passa hoje pela temporalidade na medida em que o verdadeiro detentor do poder é aquele que está em condições de impor aos demais o seu ritmo a sua dinâmica a sua própria temporalidade Como já explicamos em outra oportunidade o Direito Penal e o processo penal são provas inequívocas de que o EstadoPenitência usando a expressão de LOÏC WACQUANT já tomou ao longo da história o corpo e a vida os bens e a dignidade do homem Agora não havendo mais nada a retirar apossase do tempo79 Como veremos quando a duração de um processo supera o limite da duração razoável novamente o Estado se apossa ilegalmente do tempo do particular de forma dolorosa e irreversível E esse apossamento ilegal ocorre ainda que não exista uma prisão cautelar pois o processo em si mesmo é uma pena Já advertimos do grave problema que constitui o atropelo das garantias fundamentais pelas equivocadas políticas de aceleração do tempo do direito Agora interessanos o difícil equilíbrio entre os dois extremos de um lado o processo demasiadamente expedito em que se atropelam os direitos e garantias fundamentais e de outro aquele que se arrasta equiparandose à negação da tutela da justiça e agravando todo o conjunto de penas processuais ínsitas ao processo penal A visibilidade da pena processual é plena quando estamos diante de uma prisão cautelar em que a segregação é prévia ao trânsito em julgado da sentença Nesse caso dúvida alguma paira em torno da gravidade dessa violência que somente se justifica nos estritos limites de sua verdadeira cautelaridade como se verá em tópico específico quando analisaremos as prisões cautelares Mas a questão da dilação indevida do processo também deve ser reconhecida quando o imputado está solto pois ele pode estar livre do cárcere mas não do estigma e da angústia É inegável que a submissão ao processo penal autoriza a ingerência estatal sobre toda uma série de direitos fundamentais para além da liberdade de locomoção pois autoriza restrições sobre a livre disposição de bens a privacidade das comunicações a inviolabilidade do domicílio e a própria dignidade do réu O caráter punitivo está calcado no tempo de submissão ao constrangimento estatal e não apenas na questão espacial de estar intramuros Com razão MESSUTI80 quando afirma que não é apenas a separação física que define a prisão pois os muros não marcam apenas a ruptura no espaço senão também uma ruptura do tempo A marca essencial da pena em sentido amplo é por quanto tempo Isso porque o tempo mais que o espaço é o verdadeiro significante da pena O processo penal encerra em si uma pena la pena de banquillo81 ou conjunto de penas se preferirem que mesmo possuindo natureza diversa da prisão cautelar inegavelmente cobram seu preço e sofrem um sobrecusto inflacionário proporcional à duração do processo Em ambas as situações com prisão cautelar ou sem ela a dilação indevida deve ser reconhecida ainda que os critérios utilizados para aferila sejam diferentes na medida em que havendo prisão cautelar a urgência se impõe a partir da noção de tempo subjetivo A perpetuação do processo penal além do tempo necessário para assegurar seus direitos fundamentais se converte na principal violação de todas e de cada uma das diversas garantias que o réu possui A primeira garantia que cai por terra é a da Jurisdicionalidade insculpida na máxima latina do nulla poena nulla culpa sine iudicio Isso porque o processo se transforma em pena prévia à sentença através da estigmatização82 da angústia prolongada83 da restrição de bens e em muitos casos através de verdadeiras penas privativas de liberdade aplicadas antecipadamente prisões cautelares É o que CARNELUTTI84 define como a misure di soffrenza spirituale ou di umiliazione O mais grave é que o custo da penaprocesso não é meramente econômico mas social e psicológico Na continuação é fulminada a Presunção de Inocência pois a demora e o prolongamento excessivo do processo penal vão paulatinamente sepultando a credibilidade em torno da versão do acusado Existe uma relação inversa e proporcional entre a estigmatização e a presunção de inocência na medida em que o tempo implementa aquela e enfraquece esta O direito de defesa e o próprio contraditório também são afetados na medida em que a prolongação excessiva do processo gera graves dificuldades para o exercício eficaz da resistência processual bem como implica um sobrecusto financeiro para o acusado não apenas com os gastos em honorários advocatícios mas também pelo empobrecimento gerado pela estigmatização social Não há que olvidar a eventual indisponibilidade patrimonial do réu que por si só é gravíssima mas que se for conjugada com uma prisão cautelar conduz à inexorável bancarrota do imputado e de seus familiares A prisão mesmo cautelar não apenas gera pobreza senão que a exporta a ponto de a intranscendência da pena não passar de romantismo do Direito Penal A lista de direitos fundamentais violados cresce na mesma proporção em que o processo penal se dilata indevidamente Mas o que deve ficar claro é que existe uma pena processual mesmo quando não há prisão cautelar e que ela aumenta progressivamente com a duração do processo Seu imenso custo será ainda maior a partir do momento em que se configurar a duração excessiva do processo pois então essa violência passa a ser qualificada pela ilegitimidade do Estado em exercêla 143 A DeMora Jurisdicional e o Direito a um Processo sem Dilações Indevidas85 BECCARIA86 a seu tempo já afirmava com acerto que o processo deve ser conduzido sem protelações Demonstrava a preocupação com a demora judicial afirmando que quanto mais rápida for a aplicação da pena e mais perto estiver do delito mais justa e útil ela será Mais justa porque poupará o acusado do cruel tormento da incerteza da própria demora do processo enquanto pena Explica que a rapidez do julgamento é justa ainda porque a perda da liberdade em sede de medida cautelar já é uma pena E enquanto pena sem sentença deve limitarse pela estrita medida que a necessidade o exigir87 pois segundo o autor88 um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo e os mais antigos detidos têm o direito de ser julgados em primeiro lugar Cunhamos a expressão demora jurisdicional porque ela nos remete ao próprio conceito em sentido amplo da mora na medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento da obrigação de prestação jurisdicional Daí por que nos parece adequada a construção demora judicial no sentido de não cumprimento de uma obrigação claramente definida que é a da própria prestação da tutela jurisdicional devida Cumpre agora analisar os contornos e os problemas que rodeiam o direito de ser julgado num prazo razoável ou a um processo sem dilações indevidas 144 A Recepção pelo Direito Brasileiro A demora na prestação jurisdicional constitui um dos mais antigos problemas da Administração da Justiça Contudo como aponta PASTOR89 somente após a Segunda Guerra Mundial é que esse direito fundamental foi objeto de uma preocupação mais intensa Isso coincidiu com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 10121948 especialmente no art 10 que foi fonte direta tanto do art 61 da Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais CEDH como também dos arts 75 e 81 da CADH O núcleo do problema da demora como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 451990 está em que quando se julga além do prazo razoável independentemente da causa da demora se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido e por isso a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição muito menos da falaciosa reinserção social Tratase de um paradoxo temporal ínsito ao ritual judiciário um juiz julgando no presente hoje um homem e seu fato ocorrido num passado distante anteontem com base na prova colhida num passado próximo ontem e projetando efeitos pena para o futuro amanhã Assim como o fato jamais será real pois histórico o homem que praticou o fato não é o mesmo que está em julgamento e com certeza não será o mesmo que cumprirá essa pena e seu presente no futuro será um constante reviver o passado91 O Estado resulta como sintetiza PEDRAZ PENALVA 92 no principal obrigado por esse direito fundamental na medida em que cria deveres para o juiz impulso oficial bem como para o Estado legislador promulgação de um sistema normativo material processual e mesmo orgânico para uma efetiva Administração da Justiça sem esquecer os meios materiais e pessoais93 Tampouco se pode exigir cooperação do imputado na medida em que protegido pelo nemo tenetur se detegere Ademais os arts 75 e 81 da CADH não exigem tal participação ativa junto às autoridades judiciais ou policiais Processualmente o direito a um processo sem dilações indevidas inserese num princípio mais amplo o de Celeridade Processual Não obstante uma vez mais evidenciase o equívoco de uma Teoria Geral do Processo na medida em que o dever de observância das categorias jurídicas próprias do processo penal impõe uma leitura da questão de forma diversa daquela realizada no processo civil No processo penal o princípio de celeridade processual deve ser reinterpretado à luz da epistemologia constitucional de proteção do réu constituindo portanto um direito subjetivo processual do imputado Sua existência fundase na garantia de que los procesos deben terminar lo más rápidamente que sea posible en interés de todos pero ante todo en resguardo de la dignidad del imputado 94 Somente em segundo plano numa dimensão secundária a celeridade pode ser invocada para otimizar os fins sociais ou acusatórios do processo penal sem que isso jamais implique sacrifício do direito de ampla defesa e pleno contraditório para o réu Quanto à recepção pelo direito brasileiro cumpre sublinhar que esse direito fundamental já estava expressamente assegurado nos arts 75 e 81 da CADH95 recepcionados pelo art 5º 2º da Constituição A Emenda Constitucional n 45 de 08 de dezembro de 2004 não inovou em nada com a inclusão do inciso LXXVIII no art 5º da Constituição apenas seguiu a mesma diretriz protetora da CADH com a seguinte redação LXXVIII a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação Importa destacar que o tema em questão não se confunde com uma eventual constitucionalização de prazos senão como ensina a STC 58596 que o constitucionalizado é o direito fundamental como um todo no sentido de que uma pessoa tem direito a que seu processo seja objeto de manifestação jurisdicional num tempo razoável A mera e isolada inobservância de algum prazo por si só não conduz automaticamente à violação do direito fundamental em análise 145 A Problemática Definição dos Critérios A Doutrina do Não Prazo ou a ineficácia de prazos sem sanção Tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos como a Constituição não fixaram prazos máximos para a duração dos processos e tampouco delegaram para que lei ordinária regulamentasse a matéria Adotou o sistema brasileiro a chamada doutrina do não prazo persistindo numa sistemática ultrapassada e que a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem há décadas debatendo O fato de o Código de Processo Penal fazer referência a diversos limites de duração dos atos vg arts 400 412 531 etc não retira a crítica posto que são prazos despidos de sanção Ou seja aplicase aqui a equação prazosanção ineficácia Portanto quando falamos em não prazo significa dizer ausência de prazos processuais com uma sanção pelo descumprimento Dessa forma a indeterminação conceitual do art 5º LXXVIII da Constituição nos conduzirá pelo mesmo tortuoso caminho da jurisprudência do TEDH e da CADH sendo importante explicar essa evolução para melhor compreensão da questão Foi no caso Wemhoff97 STEDH de 27061968 que se deu o primeiro passo na direção da definição de certos critérios para a valoração da duração indevida através do que se convencionou chamar de doutrina dos sete critérios Para valorar a situação a Comissão sugeriu que a razoabilidade da prisão cautelar e consequente dilação indevida do processo fosse aferida considerandose98 a a duração da prisão cautelar b a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito à pena fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação c os efeitos pessoais que o imputado sofreu tanto de ordem material como moral ou outros d a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo e as dificuldades para a investigação do caso complexidade dos fatos quantidade de testemunhas e réus dificuldades probatórias etc f a maneira como a investigação foi conduzida g a conduta das autoridades judiciais Tratavase de critérios que deveriam ser apreciados em conjunto com valor e importância relativos admitindose inclusive que um deles fosse decisivo na aferição do excesso de prazo Mas a doutrina dos sete critérios não restou expressamente acolhida pelo TEDH como referencial decisivo mas tampouco foi completamente descartada tendo sido utilizada pela Comissão em diversos casos posteriores e servido de inspiração para um referencial mais enxuto a teoria dos três critérios básicos a saber a a complexidade do caso b a atividade processual do interessado imputado c a conduta das autoridades judiciárias Esses três critérios têm sido sistematicamente invocados tanto pelo TEDH como também pela Corte Americana de Direitos Humanos Ainda que mais delimitados não são menos discricionários O ideal seria a clara fixação da duração máxima do processo e da prisão cautelar impondo uma sanção em caso de descumprimento extinção do processo ou liberdade automática do imputado Para falarse em dilação indevida é necessário que o ordenamento jurídico interno defina limites ordinários para os processos um referencial do que seja a dilação devida ou o estándar medio admisible para proscribir dilaciones más allá de él99 Mas não foi essa a opção ao menos por ora do legislador brasileiro cabendo a análise da demora processual ser feita à luz dos critérios anteriormente analisados e acrescido do princípio da razoabilidade O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade100 é critério inafastável na ponderação dos bens jurídicos em questão Mas uma advertência deve ser feita nesse momento O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade aqui não estamos adotando a distinção feita por parte da doutrina por sua abertura conceitual deve no processo penal estar necessariamente conectado ao princípio da dignidade da pessoa humana como bem adverte SARLET101 e pensado como proibição de excesso de intervenção Na lição de SARLET102 não se pode esquecer nunca que a dignidade da pessoa atua simultaneamente como limite dos direitos e limite dos limites isto é barreira última contra a atividade restritiva dos direitos fundamentais Feita essa advertência para evitar a subversão do princípio continuemos a problemática em discussão A questão pode ser ainda abordada desde uma interpretação gramatical como o faz GIMENO SENDRA103 em que deverá haver em primeiro lugar uma dilação e em segundo lugar que essa dilação seja indevida Por dilação entendese a demora o adiamento a postergação em relação aos prazos e termos inicialfinal previamente estabelecidos em lei sempre recordando o dever de impulso oficial atribuído ao órgão jurisdicional o que não se confunde com poderes instrutóriosinquisitórios Incumbe às partes o interesse de impulsionar o feito enquanto carga no sentido empregado por James Goldschmidt e um dever jurisdicional em relação ao juiz Já o adjetivo indevida que acompanha o substantivo dilação constitui o ponto nevrálgico da questão pois a simples dilação não constitui o problema em si eis que pode estar legitimada Para ser indevida devese buscar o referencial devida enquanto marco de legitimação verdadeiro divisor de águas para isso é imprescindível um limite normativo conforme tratado na continuação GIMENO SENDRA104 aponta que a dilação indevida corresponde à mera inatividade dolosa negligente ou fortuita do órgão jurisdicional Não constitui causa de justificação a sobrecarga de trabalho do órgão jurisdicional pois é inadmissível transformar em devido o indevido funcionamento da Justiça Como afirma o autor lo que no puede suceder es que lo normal sea el funcionamiento anormal de la justicia pues los Estados han de procurar los medios necesarios a sus tribunales a fin de que los procesos transcurran en un plazo razonable SSTEDH Bucholz cit Eckle S 15 julio 1982 ZimmermanSteiner S 13 julio 1983 DCE 798477 11 julio SSTC 2231988 371991 Em síntese o art 5º LXXVIII da Constituição adotou a doutrina do não prazo fazendo com que exista uma indefinição de critérios e conceitos Nessa vagueza cremos que quatro deverão ser os referenciais adotados pelos tribunais brasileiros a exemplo do que já acontece nos TEDH e na CADH complexidade do caso atividade processual do interessado imputado que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria demora a conduta das autoridades judiciárias como um todo polícia Ministério Público juízes servidores etc princípio da razoabilidade Ainda não é o modelo mais adequado mas enquanto não se tem claros limites temporais por parte da legislação interna já representa uma grande evolução 146 Nulla Coactio Sine Lege a Urgente Necessidade de Estabelecer Limites Normativos O ideal seria abandonar a noção newtoniana de tempo absoluto à qual o direito ainda está vinculado para reconduzir o tempo ao sujeito por meio da concepção de tempo subjetivo A ponderação deveria partir do tempo subjetivo colocando esse poder de valoração nas mãos dos tribunais Mas se por um lado não seria adequado cientificamente definir rigidamente um tempo universal e absoluto para o desenvolvimento do processo penal recusa einsteiniana por outro a questão não pode ficar inteiramente nas mãos dos juízes e tribunais pois a experiência com a ampla discricionariedade judicial contida na doutrina do não prazo não se mostrou positiva A principal crítica em relação às decisões do TEDH e também da Corte Americana de Direitos Humanos sobre a matéria está calcada no inadequado exercício da discricionariedade jurisdicional com os tribunais lançando mão de um decisionismo arbitrário e sem critérios razoáveis PASTOR105 critica o entendimento dominante do não prazo106 como o adotado pelo art 5º LXXVIII da Constituição brasileira pois se inteligentemente não confiamos nos juízes a ponto de delegarlhes o poder de determinar o conteúdo das condutas puníveis nem o tipo de pena a aplicar ou sua duração sem limites mínimos e máximos nem as regras de natureza procedimental não há motivo algum para confiar a eles a determinação do prazo máximo razoável de duração do processo penal na medida em que o processo penal em si mesmo constitui um exercício de poder estatal e igual à pena às buscas domiciliares à interceptação das comunicações e todas as demais formas de intervenção do Estado deve estar metajudicialmente regulado com precisão e detalhe Assim como o Direito Penal está estritamente limitado pelo princípio da legalidade e o procedimento pelas diversas normas que o regulam também a duração dos processos deve ser objeto de regulamentação normativa clara e bem definida Na falta de bom senso por parte dos responsáveis em reconduzir o tempo ao sujeito devemos partir para uma definição normativa107 do tempo máximo de duração do processo a exemplo da pena de prisão O Princípio da Legalidade muito bem explicado por CLÁUDIO BRANDÃO108 surge para romper com esse terror e dar como consequência uma outra feição ao Direito Penal A partir dele o Direito Penal se prestará a proteger o homem não se coadunando com aquela realidade pretérita Ademais é importante destacar que se o legislador interno fixar limites inadequados ou abusivos cumprirá à Corte Americana de Direitos Humanos apontar a violação da CADH por parte da legislação interna reconduzindoa a limites razoáveis Então não é qualquer limite normativo que devemos aceitar mas somente aquele que estiver em conformidade com o direito de ser julgado no prazo razoável assim previsto na CADH A partir da definição de limites temporais máximos de duração dos procedimentos definidos a partir de suas especificidades abrese a possibilidade de exigir a priori a observância do direito fundamental e não apenas ter de contentarse com uma discussão posterior109 cuja consequência será o absurdo de criar outro prazo também razoável para sanar a dilação No Brasil a situação é gravíssima Não existe limite algum para a duração do processo penal não se confunda isso com prescrição110 e o que é mais grave sequer existe limite de duração das prisões cautelares especialmente a prisão preventiva mais abrangente de todas A Lei n 117912008 que alterou os procedimentos no processo penal estabeleceu os seguintes limites a no rito comum ordinário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada no prazo máximo de 60 dias contados da data do recebimento da denúncia ou queixa art 399 2º cc art 400 b no rito comum sumário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada no prazo máximo de 30 dias contados da data do recebimento da denúncia ou queixa art 399 2º cc art 531 c no rito relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri a primeira fase do procedimento deve encerrarse no prazo máximo de 90 dias art 412 Contudo persistem duas graves lacunas não existe a definição do prazo máximo de duração do processo até a sentença de primeiro grau e depois até o trânsito em julgado não existe uma sanção processual pela violação do prazo fixado em lei Assim se a instrução não for realizada no prazo fixado qual é a sanção aplicável Nenhuma Portanto estamos diante de prazo sem sanção o que conduz a ineficácia do direito fundamental Noutra dimensão persiste a completa ausência de fixação do prazo máximo de duração da prisão cautelar especialmente a prisão preventiva pois a temporária está tem sua duração fixada na Lei n 796089 Essa é outra lacuna inadmissível A Lei n 124032011 alterou o regime jurídico das prisões cautelares mas não resolveu o problema da duração indeterminada da prisão preventiva pois teve seus dispositivos disciplinadores da duração infelizmente vetados Deveria o legislador estabelecer de forma clara os limites temporais das prisões cautelares e do processo penal como um todo a partir dos quais a segregação é ilegal bem como deveria consagrar expressamente um dever de revisar periodicamente a medida adotada igualmente constante no PL 42082001 e vetado na Lei n 124032011111 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR112 é categórico ao afirmar a necessidade de a lei estipular prazos claros e objetivos para a prisão cautelar Cumpre esclarecer que não basta fixar limites de duração da prisão cautelar Sempre destacamos a existência de penas processuais para além da prisão cautelar punição processual mais forte mas não única e que resultam de todo o conjunto de coações que se realizam no curso do processo penal Essa é uma questão inegável e inerente ao processo penal Então as pessoas têm o direito de saber de antemão e com precisão qual é o tempo máximo que poderá durar um processo penal ou prisão cautelar sendo isso o reconhecimento de uma dimensão democrática da qual não podemos abrir mão O direito à jurisdição como bem recorda o Tribunal Constitucional espanhol113 no puede entederse como algo desligado del tiempo en que debe prestarse por los órganos del Poder Judicial sino que ha de ser comprendido en el sentido de que se otorgue por éstos dentro de los razonables términos temporales en que las personas lo reclaman en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos Um bom exemplo de limite normativo interno encontramos no Código de Processo Penal do Paraguai Ley n 128698 que em sintonia com a CADH estabelece importantes instrumentos de controle para evitar a dilação indevida O prazo máximo de duração do processo penal será de 4 anos114 após o qual o juiz o declarará extinto adoção de uma solução processual extintiva Também fixa um limite para a fase pré processual115 a investigação preliminar que uma vez superado impedirá o futuro exercício da ação penal pela perda do poder de proceder contra alguém ius ut procedatur Por fim cumpre destacar a resolução ficta insculpida nos arts 141 e 142116 do CPP paraguaio através da qual em síntese se um recurso contra uma prisão cautelar não for julgado no prazo fixado no Código o imputado poderá exigir que o despacho seja proferido em 24h Caso não o seja se entenderá que lhe foi concedida a liberdade Igual sistemática resolutiva operase quando a Corte Suprema não julgar um recurso interposto no prazo devido Se o recorrente for o imputado uma vez superado o prazo máximo previsto para tramitação do recurso sem que a Corte tenha proferido uma decisão entenderseá que o pedido foi provido Quando o postulado for desfavorável ao imputado recurso interposto pelo acusador superado o prazo sem julgamento o recurso será automaticamente rechaçado O Código de Processo Penal paraguaio é sem dúvida um exemplo a ser seguido neste ponto pois em harmonia com as diretrizes da CADH Definida assim a necessidade de um referencial normativo claro da duração máxima do processo penal e das prisões cautelares bem como das soluções adotadas em caso de violação desses limites passemos agora a uma rápida análise de decisões do TEDH da Corte Americana e de uma pioneira decisão do TJRS 147 Aplicação Prática Algumas Decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos da Corte Americana de Direitos Humanos e de Tribunais Brasileiros Como já destacamos além de firmatário da CADH o Brasil é passível de ser demandado junto à Corte Americana de Direitos Humanos que previsivelmente importa muitos dos entendimentos do TEDH que acabarão por via transversa afetando nossa jurisprudência interna como já ocorreu na pioneira decisão do TJRS a seguir analisada O direito a um processo sem dilações indevidas ou de ser julgado num prazo razoável é jovem direito fundamental ainda pendente de definições e mesmo de reconhecimento por parte dos tribunais brasileiros em geral bastante tímidos na recepção de novos e também de velhos direitos fundamentais mas que já vem sendo objeto de preocupação há bastante tempo por parte do Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH e dos sistemas processuais europeus117 Diante dessa tradição europeia na questão e a inegável influência que as decisões do TEDH exercem sobre a Corte Americana de Direitos Humanos e ela sobre o sistema interno brasileiro é importante analisar a doutrina construída em torno do art 61 da CEDH118 também fonte de inspiração da CADH A essa altura o leitor pode estar questionando quanto tempo é necessário para constituir a dilação indevida nos casos submetidos ao TEDH Como já foi apontado não há um critério único rígido senão uma análise do caso em concreto doutrina do não prazo Feita essa ressalva apenas como ilustração vejamos alguns exemplos119 de condenações por violação ao direito de ser julgado num prazo razoável Caso Metzger contra Alemanha STEDH 31052001 delito contra o meio ambiente cujo processo durou cerca de 9 anos Só a investigação preliminar demorou cerca de 4 anos e 8 meses Caso Milasi contra Itália STEDH 25061987 delitos de natureza política com sentença absolutória em virtude de um decreto de anistia cuja duração total foi de cerca de 9 anos e 7 meses Caso Deumeland contra Alemanha STEDH 29051986 delitos de natureza previdenciária tendo o processo durado cerca de 10 anos e 7 meses Caso Zimmermann e Steiner contra Suíça STEDH 13071983 esse caso é de natureza administrativa mas considerando que o direito a um processo sem dilações indevidas está inserido no princípio geral de celeridade também é invocável sua violação Tratase de uma ação de reparação de danos promovida contra o Estado suíço tendo como objeto de reclamação junto ao TEDH a demora de aproximadamente 3 anos e meio para julgamento de um recurso junto ao Supremo Tribunal Federal suíço A dilação 120 foi considerada indevida e o Estado condenado a indenizála Caso Foti e outros contra Itália STEDH 10121982 envolvia delitos praticados em uma rebelião popular envolvendo porte ilegal de armas resistência e obstrução de vias públicas Foi considerado que o procedimento mais rápido durou três anos e o mais longo 5 anos e 10 meses tendo o TEDH condenado a Itália por violação ao art 61 da CEDH direito a um processo sem dilações indevidas na medida em que havia longos lapsos mortos de tempo em que os procedimentos ficaram injustificadamente sem atividade Na esfera da Corte Americana de Direitos Humanos a garantia prevista nos arts 75 e 81 da CADH já foi objeto de decisão em algumas oportunidades121 No Brasil o tema é novo e os tribunais excessivamente tímidos no trato da matéria É comum encontrarmos acórdãos que tratem de duração razoável em prisões cautelares concedendo a liberdade diante do excesso de prazo Contudo tratando especificamente da dilação indevida de processo penal em que não se discuta a questão da duração da prisão cautelar é muito raro Entre as poucas decisões há uma que chama atenção pelo acerto e pioneirismo na aplicação de uma das soluções compensatórias cabíveis Entendeu a 5ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul na Apelação 70007100902 Rel Des Luis Gonzaga da Silva Moura j 17122003 Penal Estupro e Atentado violento ao pudor Autoria e materialidade suficientemente comprovadas Condenação confirmada Redimensionamento da pena Atenuante inominada do artigo 66 do Código Penal caracterizada pelo longo e injustificado tempo de tramitação do processo quase oito anos associado ao não cometimento de novos delitos pelo apelante Hediondez afastada Provimento parcial Unânime No caso em questão o réu foi acusado pelo delito de atentado violento ao pudor arts 214 cc 224 alínea a 225 inciso II e 226 inciso II na forma do art 70 parágrafo único do CP sendo ao final condenado a uma pena de 17 anos e seis meses de reclusão no regime integralmente fechado Em grau recursal o TJRS redimensionou a pena considerando entre outros elementos a ocorrência de dilação indevida na medida em que o processo tramitou por quase oito anos sem justificativa Ponderou o relator dois aspectos Um que a excessiva duração da demanda penal como na espécie presente por culpa exclusiva do aparelho judicial viola direito fundamental do homem o de ter um julgamento rápido artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem da Virgínia pelo que tal situação deve ser valorada no momento da individualização da pena Aliás já há na jurisprudência europeia decisões no sentido de atenuar o apenamento em razão da exorbitante duração do processo criminal ver Daniel R Pastor in El Plazo Razonable en el Processo del Estado de Derecho pág 177180 Dois se a pena tem na prevenção e retribuição seus objetivos é de se concluir que na hipótese a finalidade preventiva restou atendida só pelo moroso tramitar da lide penal sem sentido se falar em prevenção de novos delitos quando durante os quase oito anos de andamento do processo o apelante não cometeu nenhum novo crime E se isto aconteceu evidente que em respeito ao princípio da proporcionalidade e necessidade tal deve refletir na definição do apenamento a ser imposto ao acusado Interessanos especificamente o reconhecimento por parte do Tribunal da existência recepção do direito fundamental de ser julgado num prazo razoável e sua incidência no processo penal brasileiro Invocou o relator a incidência do princípio da proporcionalidade na medida em que as funções de prevenção e retribuição da pena foram atendidas pela morosa tramitação do feito Destacou que a função de prevenção de novos delitos acabou por perder seu objeto considerando que durante os oito anos de duração do processo o imputado não cometeu nenhum novo crime Ao redimensionar a pena o Tribunal lançou mão de uma solução compensatória de natureza penal explicaremos as soluções na continuação reduzindo a pena aplicada através da incidência da atenuante inominada do art 66 do CP para um quantitativo inferior ao mínimo legal desprezando acertadamente o disposto na Súmula n 231 do STJ Admitida ainda a continuidade delitiva a pena tornouse definitiva em 8 anos de reclusão no regime semiaberto porque também foi afastada a incidência da Lei n 8072 naquela época o regime integralmente fechado ainda era aplicado Até onde tivemos notícia esse foi o primeiro acórdão a enfrentar a violação do direito de ser julgado num prazo razoável adotando com precisão uma das soluções compensatórias cabíveis no caso a atenuante inominada do art 66 do CP com real eficácia posto que a pena foi substancialmente reduzida e a punição como um todo compensada pela pena processual longa e injustificada tramitação do feito Concluindo os exemplos citados demonstram que a demora não precisa ser tão longa como se imagina e que na maioria dos casos sequer se operaria a prescrição mesmo pela pena aplicada Saindo da esfera penal e ingressando no universo de demandas ajuizadas por particulares contra a União ou Estados o direito a um julgamento sem dilações indevidas teria um imenso campo de incidência ainda completamente inexplorado Mas o caso mais relevante foi a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso XIMENES LOPES Em 1º de outubro de 1999 o senhor DAMIÃO XIMENES LOPES que já apresentava um histórico de doença mental teve uma crise e foi internado na Casa de Repouso de Guararapes município de Sobral estado do Ceará que mantinha leitos para atender pelo SUS Em 3 de outubro em surto de agressividade teria entrado em um dos banheiros da clínica e de lá se recusado a sair tendo os funcionários da clínica o imobilizado e o retirado à força A vítima foi espancada e sedada com os medicamentos Haldol e Fenargan No dia seguinte 4 de outubro às 9h sua mãe foi visitálo e o encontrou sangrando com diversas lesões e hematomas a roupa rasgada sujo de fezes e com as mãos amarradas nas costas Segundo seu depoimento a vítima apresentava dificuldades para respirar e agonizava pedindo que chamasse a polícia Ela então saiu para buscar ajuda entre os enfermeiros e médicos da clínica Às 11h30min daquele mesmo dia Damião Ximenes Lopes estava morto Segundo narra a sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos os médicos da clínica atestaram que houve morte natural por parada cardiorrespiratória A necropsia foi extremamente falha tendo concluído que a causa da morte foi indeterminada Detalhe interessante como destaca a sentença é que o mesmo médico da clínica também atuava no IML Instituto Médico Legal onde foi feita a necropsia ainda que firmada por outro médico Muito tempo depois já no processo foi realizada a exumação do cadáver mas pouco foi apurado Nos dias posteriores ao ocorrido a família especialmente a irmã da vítima Irene Ximenes Lopes Miranda inconformada com o ocorrido fez notíciacrime junto à autoridade policial denúncia na Secretaria da Saúde e também na Comissão de Direitos Humanos do Ceará O inquérito policial foi instaurado e em 27 de março de 2000 oferecida denúncia pelo Ministério Público O processo foi extremamente tumultuado e censurada pela Corte Interamericana a forma como foi conduzido A denúncia foi incompleta obrigando a que houvesse posterior aditamento para inclusão de mais réus gerando inegável tumulto processual como apontou a Comissão Incrivelmente até o dia 04 de julho de 2006 quando o Brasil foi condenado na Corte Interamericana não havia sequer sentença de primeiro grau na esfera penal No cível a ação de indenização ajuizada pela família da vítima em 1999 também não havia sido sentenciada Logo após o fato a irmã da vítima percebendo a ineficácia da justiça brasileira apresentou uma petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos122 contra o Brasil através de uma ONG Centro por la Justicia Global O feito tramitou na Comissão etapa prévia ao processo na Corte e foi solicitado ao Estado brasileiro que informasse se foram esgotados os recursos e as vias judiciárias internas O Brasil ignorou o pedido Foram colocados instrumentos para solução amistosa e o Brasil não se manifestou Finalmente a Comissão entendeu a partir dos documentos juntados pela peticionária que haviam sido violados os arts 4º direito à vida 5º direito à integridade física 8º direito às garantias judiciais e 25 direito à proteção judicial da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica A Comissão123 recomendou ao Estado brasileiro uma série de medidas para sanar essas violações e fixou o prazo de 2 meses para que o país informasse as medidas tomadas Só então o país se manifestou postulando prorrogação desse prazo e após de forma absolutamente intempestiva contestou Diante das graves violações praticadas e a inércia do País em 30 de setembro de 2004 a Comissão decidiu submeter o caso à Corte Interamericana e no dia 04 de julho de 2006 o País foi condenado por violação do direito a vida integridade física e negação de jurisdição pela demora violação do direito de ser julgado no prazo razoável Interessanos neste tópico destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos também considerou que houve uma injustificada demora na prestação da tutela penal e cível Para tanto a Corte analisou três elementos124 em absoluta sintonia com os critérios por nós apontados complexidade do caso atuação do Estado atuação processual dos interessados125 Censurando a indevida dilação que o processo penal teve no caso em tela a Corte proferiu a primeira sentença condenatória por violação do disposto no art 81 da Convenção e também consagrado no art 5º LXXVIII da Constituição brasileira Em que pese não se tratar de uma demanda por violação exclusiva desse direito e tampouco ter como reclamante o réu mas sim a família da vítima a condenação é um marco histórico na matéria Sinaliza ainda os critérios para aferirse a violação do direito ao processo penal no prazo razoável Ao final o Brasil foi condenado a pagar126 a 125 mil dólares a título de compensação financeira à família b mais 10 mil dólares a título de ressarcimento das despesas processuais c o País deverá pagar esses valores no prazo máximo de 1 ano a contar da data da intimação da sentença d sobre esse valor não podem incidir impostos de qualquer natureza e em caso de atraso incidem juros moratórios bancários Em até 1 ano o Brasil deverá informar os pagamentos e cumprimento das demais determinações da sentença127 Ainda no prazo de 6 meses deverá publicar no Diário Oficial e em outro jornal de circulação nacional o capítulo VII da sentença relativo aos fatos provados da sentença e a parte dispositiva Mesmo que o valor da indenização seja baixo para quem recebe os familiares da vítima e irrisório para o país condenado a sentença é de um valor imensurável em termos de conquista de eficácia dos direitos humanos e fundamentais constitucionalmente previstos como o direito de ser julgado no prazo razoável 148 Em Busca de Soluções Compensatórias Processuais e Sancionatórias Reconhecida a violação do direito a um processo sem dilações indevidas devese buscar uma das seguintes soluções128 1 Soluções Compensatórias na esfera do Direito Internacional podese cogitar de uma responsabilidade por ilícito legislativo pela omissão em dispor da questão quando já reconhecida a necessária atividade legislativa na CADH que está incorporada ao sistema normativo interno Noutra dimensão a compensação poderá ser de natureza civil ou penal Na esfera civil resolvese com a indenização dos danos materiais eou morais produzidos devidos ainda que não tenha ocorrido prisão preventiva Existe uma imensa e injustificada resistência em reconhecer a ocorrência de danos e o dever de indenizar pela mera submissão a um processo penal sem prisão cautelar e que deve ser superada129 Já a compensação penal poderá ser através da atenuação da pena ao final aplicada aplicação da atenuante inominada art 66 do CP ou mesmo concessão de perdão judicial nos casos em que é possível vg art 121 5º art 129 8º do CP Nesse caso a dilação excessiva do processo penal uma consequência da infração atingiu o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária Havendo prisão cautelar a detração art 42 do CP é uma forma de compensação ainda que insuficiente 2 Soluções Processuais a melhor solução é a extinção do feito130 mas encontra ainda sérias resistências131 Ao lado dele alguns países preveem o arquivamento vedada nova acusação pelo mesmo fato ou a declaração de nulidade dos atos praticados após o marco de duração legítima132 Como afirmado no início a extinção do feito é a solução mais adequada em termos processuais na medida em que reconhecida a ilegitimidade do poder punitivo pela própria desídia do Estado o processo deve findar Sua continuação além do prazo razoável não é mais legítima e vulnera o Princípio da Legalidade fundante do Estado de Direito que exige limites precisos absolutos e categóricos incluindose o limite temporal ao exercício do poder penal estatal Também existe uma grande resistência em compreender que a instrumentalidade do processo é toda voltada para impedir uma pena sem o devido processo mas esse nível de exigência não existe quando se trata de não aplicar pena alguma Logo para não aplicar uma pena o Estado pode prescindir completamente do instrumento absolvendo desde logo o imputado sem que o processo tenha que tramitar integralmente Finalizando também são apontados como soluções processuais possibilidade de suspensão da execução ou dispensabilidade da pena indulto e comutação 3 Soluções Sancionatórias punição do servidor incluindo juízes promotores etc responsável pela dilação indevida Isso exige ainda uma incursão pelo Direito Administrativo Civil e Penal se constituir um delito A Emenda Constitucional n 45 além de recepcionar o direito de ser julgado em um prazo razoável também previu a possibilidade de uma sanção administrativa para o juiz que der causa à demora A nova redação do art 93 II e determina que e não será promovido o juiz que injustificadamente retiver autos em seu poder além do prazo legal não podendo devolvê los ao cartório sem o devido despacho ou decisão Cumpre agora esperar para ver se a sanção ficará apenas nessa dimensão simbólica ou se os tribunais efetivamente aplicarão a sanção Na atual sistemática brasileira não vemos dificuldade na aplicação das soluções compensatórias de natureza cível devidas ainda que não exista prisão cautelar bem como das sancionatórias A valoração das consequências da dilação indevida pode ser considerada quando da quantificação da medida reparatória contudo é importante destacar que a responsabilidade estatal independe dos efeitos causados pela dilação Em outras palavras a reparação é devida pelo atraso injustificado em si mesmo independentemente da demonstração de danos às partes até porque presumidos Também haverá na prática dois sérios inconvenientes a dificuldade que os tribunais têm de reconhecer e assumir o funcionamento anormal da justiça resistência corporativa bem como a imensa timidez dos valores fixados sempre muito aquém do mínimo devido por uma violência dessa natureza Na esfera penal não compreendemos a timidez em aplicar a atenuante genérica do art 66 do CP Assumido o caráter punitivo do tempo não resta outra coisa ao juiz que além da elementar detração em caso de prisão cautelar compensar a demora reduzindo a pena aplicada pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo Para tanto formalmente deverá lançar mão da atenuante genérica do art 66 do Código Penal É assumir o tempo do processo enquanto pena e que portanto deverá ser compensado na pena de prisão ao final aplicada Já em 1995 com inegável pioneirismo BADARÓ defendia que a duração irrazoável do processo que por certo constitui uma espécie de sanção antecipada pela incerteza que tal estado acarreta bem como pelos danos morais patrimoniais e jurídicos deve ser considerada circunstância relevante posterior ao crime caracterizandose como circunstância atenuante inominada nos termos do art 66 do Código Penal Para além dessa indiscutível incidência somos partidários de que a atenuante pode reduzir a pena além do mínimo legal estando completamente equivocada a linha discursiva norteada pela Súmula n 231 do STJ133 A aplicação da atenuante terá ainda conforme o caso caráter decisivo para a ocorrência da prescrição tornando a redução um fator decisivo para fulminar a própria pretensão punitiva a solução mais adequada em termos processuais Ainda que o campo de incidência seja limitado não vislumbramos nenhum inconveniente na concessão do perdão judicial nos casos em que é possível vg art 121 5º art 129 8º do CP pois a dilação excessiva do processo penal é uma consequência da infração que atinge o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária Mas na esteira de PASTOR134 o fato de apontarmos soluções compensatórias não significa que toleramos pacificamente as violações do Estado senão que elas são um primeiro passo na direção da efetivação do direito de ser julgado num processo sem dilações indevidas A flecha do tempo é irreversível e o tempo que o Estado indevidamente se apropriou jamais será suficientemente indenizado pois não pode ser restituído As soluções compensatórias são meramente paliativas uma falsa compensação não só por sua pouca eficácia limites para atenuação mas também porque representam um retoque cosmético como define PASTOR135 sobre uma pena inválida e ilegítima eis que obtida através de um instrumento processo viciado Ademais a atenuação da pena é completamente ineficiente quando o réu for absolvido ou a pena processual exceder o suplício penal Nesse caso o máximo que se poderá obter é uma paliativa e quase sempre tímida indenização Em relação à indenização pela demora evidenciase o paradoxo de obrigar alguém a cumprir uma pena considerada legítima e conforme o Direito e ao mesmo tempo gerar uma indenização pela demora do processo que impôs essa pena processo esse em consequência ilegítimo e ilegal Quanto às soluções processuais o problema é ainda mais grave O sistema processual penal brasileiro está completamente engessado e inadequado para atender às diretrizes da CADH Não dispõe de instrumentos necessários para efetivar a garantia do direito a um processo sem dilações indevidas Sequer possui um prazo máximo de duração das prisões cautelares O ideal seria uma boa dose de coragem legislativa para prever claramente o prazo máximo de duração do processo e das prisões cautelares fixando condições resolutivas pelo descumprimento Na fase de investigação preliminar devese prever a impossibilidade de exercício da ação penal após superado o limite temporal ou no mínimo fixar a pena de inutilidade para os atos praticados após o prazo razoável Também é preciso que se compreenda a instrumentalidade do processo penal de modo que para não aplicar uma pena o Estado pode prescindir completamente do instrumento absolvendo desde logo o imputado sem que o processo tenha que tramitar integralmente Isso permite que se exija por exemplo o pronto reconhecimento da prescrição pela provável pena a ser aplicada como imediata extinção do feito Devese voltar os olhos para os sistemas europeus mas também para o Código de Processo Penal paraguaio que acertadamente consagra um instrumento que efetivamente assegura a eficácia do direito fundamental de ser julgado num prazo razoável resolução ficta em favor do imputado Se diante de um recurso contra decisões definitivas ou mesmo interlocutórias interposto pelo réu o tribunal competente não se manifestar no prazo legal marco normativo do prazo razoável entendese automaticamente concedidos os direitos pleiteados É óbvio que o imputado que já está sofrendo todo um feixe de penas processuais não está obrigado a suportar o sobrecusto da demora na prestação jurisdicional Essa é a verdadeira compreensão do que seja a demora judicial E não se diga por favor que isso justificará decisões apressadas e sem a devida motivação pois um direito fundamental ser julgado no prazo razoável não legitima o sacrifício de outros autônomos e igualmente imperativos para o Estado O Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer nesse terreno Outra questão de suma relevância brota da análise do Caso Metzger da lúcida interpretação do TEDH no sentido de que o reconhecimento da culpabilidade do acusado através da sentença condenatória não justifica a duração excessiva do processo É um importante alerta frente à equivocada tendência de considerar que qualquer abuso ou excesso está justificado pela sentença condenatória ao final proferida como se o fim justificasse os arbitrários meios empregados Desnecessária qualquer argumentação em torno do grave erro desse tipo de premissa mas perigosamente difundida atualmente pelos movimentos repressivistas de lei e ordem tolerância zero etc 149 Concluindo o Difícil Equilíbrio entre a DeMora Jurisdicional e o Atropelo das Garantias Fundamentais Até aqui nos ocupamos do direito de ser julgado num prazo razoável seu fundamento recepção pelo sistema jurídico brasileiro dificuldade no seu reconhecimento e os graves problemas gerados pela demora jurisdicional O processo nasceu para retardar e dilatar o próprio tempo da reação Mas ao lado dessa regra basilar devemos também considerar que o processo que se prolonga indevidamente conduz a uma distorção de suas regras de funcionamento136 e as restrições processuais dos direitos do imputado que sempre são precárias e provisórias já não estão mais legitimadas na medida em que adquirem contornos de sobrecusto inflacionário da pena processual algo intolerável em um Estado Democrático de Direito Contudo não se pode cair no outro extremo no qual a duração do processo é abreviada aceleração antigarantista não para assegurar esses direitos senão para violálos atropelando as garantias fundamentais Como define PASTOR137 não existe nada mais demonstrativo da arbitrariedade de um procedimento que os juízos sumários ou sumaríssimos em matéria penal pois eles impedem que o imputado possa exercer todas as faculdades próprias de um processo penal adequado à Constituição democrática Isso nos remete a um primeiro ponto de partida que é analisar o problema a partir da perspectiva dos direitos do imputado O processo penal reclama tempo suficiente para satisfação com plenitude de seus direitos e garantias processuais Nesse sentido a CADH prevê no seu art 8º 2 c que 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade às seguintes garantias mínimas c concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa grifo nosso A CADH não se contentou em prever o direito aos meios adequados de defesa senão que consagrou de forma cumulativa conjunção aditiva e a garantia de concessão ao acusado de tempo Tratase de garantir o tempo da defesa na medida em que a eficácia dessa garantia está pendente de tempo para seu preparo Temse assim uma clara orientação a ser seguida em caso de dúvida o tempo está a favor do acusado138 Isso implica vedação ao atropelo das garantias fundamentais aceleração antigarantista e ao mesmo tempo negação à dilação indevida do processo penal Devemos considerar ainda que existe uma clara relação entre o aumento do número de processos com a duração que eles acabarão tendo de modo que a panpenalização gerada por movimentos como law and order e tolerância zero sobrecarrega a Justiça Penal muitas vezes com condutas que deveriam ser penalmente irrelevantes eis que passíveis de resolução em outras esferas como cível e direito administrativo sancionador entupindo juízes e tribunais com volumes absurdos de trabalho e em última análise aumentando a duração dos processos De nada servirá um simplório senão simbólico aumento de pessoal pois o volume de processos criminais gerados pela maximização do Direito Penal é inalcançável ainda mais para um Estado que tende cada vez mais a ser mínimo É interessante o infindável ciclo que se estabelece o Estado se afasta completamente da esfera social explode a violência urbana Para remediar tratamento penal para a pobreza Diante da banalização do Direito Penal maiores serão a ineficiência do aparelho repressor e a própria demora judicial em relação a todos os crimes mas especialmente dos mais graves que demandam maior dose de tempo diante de sua complexidade Entulhamse as varas penais e evidenciase a letargia da Justiça Penal Nada funciona A violência continua e sua percepção ampliase diante da impunidade que campeia Que fazer Subministrar doses ainda maiores de Direito Penal E o ciclo se repete É consequência natural da complexidade onde os diversos elementos atuam em rede numa permanente relação e interação sendo inviável pensar em compartimentos estanques e herméticos que permitam tratamentos isolados Mas a situação pode ficar ainda mais grave quando o tratamento vem acompanhado por doses de utilitarismo processual pois também devese acelerar o processo para tornálo ainda mais eficiente Começa então o sacrifício lento e paulatino dos direitos fundamentais É o óbito do Estado Democrático de Direito e o nascimento de um Estado Policial autoritário O resto da história é por todos conhecida Vimos assim os dois extremos da questão tempo no processo penal aceleração antigarantista e dilação indevida Em ambos temos a negação da jurisdição pois não basta qualquer juiz e qualquer julgamento isto é a garantia da tutela jurisdicional exige qualidade e nesse tema ela está no equilíbrio do direito a ser julgado num prazo razoável139 enquanto recusa os dois extremos A condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Ximenes Lopes é um marco em termos de eficácia do sistema internacional de proteção aos direitos humanos e mesmo não tendo por objeto específico a dilação indevida dela tratou e censura fez ao funcionamento da Justiça nacional Ao reconhecer a violação dos direitos à vida integridade e também ao processo no prazo razoável condenando o País a indenizar os afetados sinalizou a Corte que não tolerará o anormal funcionamento da Justiça brasileira Constitui assim um marco da maior relevância Dessarte pensamos que a Deve haver um marco normativo interno de duração máxima do processo e da prisão cautelar construído a partir das especificidades do sistema processual de cada país mas tendo como norte um prazo fixado pela Corte Americana de Direitos Humanos Com isso os tribunais internacionais deveriam abandonar a doutrina do não prazo deixando de lado os axiomas abertos para buscar uma clara definição de prazo razoável ainda que admitisse certo grau de flexibilidade atendendo às peculiaridades do caso Inadmissível é a total abertura conceitual que permite ampla manipulação dos critérios b São insuficientes as soluções compensatórias reparação dos danos e atenuação da pena sequer aplicada pela imensa maioria de juízes e tribunais brasileiros pois produz pouco ou nenhum efeito inibitório da arbitrariedade estatal É necessário que o reconhecimento da dilação indevida também produza a extinção do feito enquanto inafastável consequência processual O poder estatal de perseguir e punir deve ser estritamente limitado pela Legalidade e isso também inclui o respeito a certas condições temporais máximas Entre as regras do jogo também se inclui a limitação temporal para exercício legítimo do poder de perseguir e punir Tão ilegítima como é a admissão de uma prova ilícita para fundamentar uma sentença condenatória é reconhecer que um processo viola o direito de ser julgado num prazo razoável e ainda assim permitir que ele prossiga e produza efeitos É como querer extrair efeitos legítimos de um instrumento ilegítimo voltando à absurda máxima de que os fins justificam os meios c O processo penal deve ser agilizado Insistimos na necessidade de acelerar o tempo do processo mas desde a perspectiva de quem o sofre enquanto forma de abreviar o tempo de duração da pena processo Não se trata da aceleração utilitarista como tem sido feito através da mera supressão de atos e atropelo de garantias processuais ou mesmo a completa supressão de uma jurisdição de qualidade como ocorre na justiça negociada senão de acelerar através da diminuição da demora judicial com caráter punitivo É diminuição de tempo burocrático verdadeiros tempos mortos através da inserção de tecnologia e otimização de atos cartorários e mesmo judiciais Uma reordenação racional do sistema recursal dos diversos procedimentos que o CPP e leis esparsas absurdamente contemplam e ainda na esfera material um repensar os limites e os fins do próprio Direito Penal absurdamente maximizado e inchado Tratase de reler a aceleração não mais pela perspectiva utilitarista mas sim pelo viés garantista o que não constitui nenhum paradoxo Atento à questão CARVALHO 140 leciona que a legislação seja aperfeiçoada no sentido do estabelecimento de prazos razoáveis às decisões judiciais em sede executiva mas apreendendo os valores ínsitos ao Pacto de São José sejam criadas técnicas judiciais idôneas a uma célere decisão sobre os incidentes de execução penal Ainda que estivesse se ocupando da execução penal sem dúvida um ponto sensível da questão sua acertada indicação encontra plena ressonância em todo o processo penal especialmente a resolução ficta que SALO busca inspiração no Código de Processo Penal Paraguaio no sentido da concessão automática dos direitos pleiteados em caso de omissão dos poderes jurisdicionais Em suma um capítulo a ser escrito no processo penal brasileiro é o direito de ser julgado num prazo razoável num processo sem dilações indevidas mas também sem atropelos Não estamos aqui buscando soluções ou definições cartesianas em torno de tão complexa temática senão dando um primeiro e importante passo em direção à solução de um grave problema e isso passa pelo necessário reconhecimento desse jovem direito fundamental 2 Princípio Acusatório Separação de Funções e Iniciativa Probatória das Partes A Imparcialidade do Julgador Para compreensão dessa garantia é imprescindível a leitura dos capítulos anteriores quando tratamos dos Sistemas Processuais Penais Inquisitório e Acusatório Partindo dos conceitos lá definidos cumpre agora destacar alguns aspectos Inicialmente não prevê nossa Constituição expressamente a garantia de um processo penal orientado pelo sistema acusatório Contudo nenhuma dúvida temos da sua consagração que não decorre da lei mas da interpretação sistemática da Constituição Para tanto basta considerar que o projeto democrático constitucional impõe uma valorização do homem e do valor dignidade da pessoa humana pressupostos básicos do sistema acusatório Recordese que a transição do sistema inquisitório para o acusatório é antes de tudo uma transição de um sistema político autoritário para o modelo democrático Logo democracia e sistema acusatório compartilham uma mesma base epistemológica Para além disso possui ainda nossa Constituição uma série de regras que desenha um modelo acusatório como por exemplo titularidade exclusiva da ação penal pública por parte do Ministério Público art 129 I contraditório e ampla defesa art 5º LV devido processo legal art 5º LIV presunção de inocência art 5º LVII exigência de publicidade e fundamentação das decisões judiciais art 93 IX Essas são algumas regras inerentes ao sistema acusatório praticamente inconciliáveis com o inquisitório que dão os contornos do modelo acusatório constitucional Compreendese assim que o modelo constitucional é acusatório em contraste com o CPP que é nitidamente inquisitório O problema situase agora em verificar a falta de conformidade entre a sistemática prevista no Código de Processo Penal de 1941 e aquela da Constituição levando a que afirmemos desde já que todos os dispositivos do CPP que sejam de natureza inquisitória são substancialmente inconstitucionais e devem ser rechaçados Para tanto recordemos que não apenas o Ministério Público é o agente exclusivo da acusação garantindo a imparcialidade do juiz e submetendo sua atuação à prévia invocação por meio da ação penal mas principalmente que a carga probatória é inteiramente do acusador e que o juiz não deve ter qualquer tipo de ativismo probatório A imparcialidade do julgador decorre não de uma virtude moral mas de uma estrutura de atuação141 Não é uma qualidade pessoal do juiz mas uma qualidade do sistema acusatório Por isso a importância de mantêlo longe da iniciativa probatória pois quando o juiz atua de ofício funda uma estrutura inquisitória A gestão da prova deve estar nas mãos das partes mais especificamente a carga probatória está inteiramente nas mãos do acusador assegurandose que o juiz não terá iniciativa probatória mantendo se assim suprapartes e preservando sua imparcialidade Nesse contexto dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios como o famigerado art 156 do CPP devem ser expurgados do ordenamento ou ao menos objeto de leitura restritiva e cautelosa pois é patente a quebra da igualdade do contraditório e da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminada está a principal garantia da jurisdição a imparcialidade do julgador O sistema acusatório exige um juizespectador e não um juizator típico do modelo inquisitório Como ensina JACINTO COUTINHO142 se o processo tem por finalidade entre outras a reconstituição do crime enquanto fato histórico através da instrução probatória é a gestão da prova o princípio unificador que irá identificar se o sistema é inquisitório ou acusatório Se a gestão da prova está nas mãos do juiz como ocorre no nosso sistema à luz do art 156 entre outros estamos diante de um sistema inquisitório juizator Contudo quando a gestão da prova está confiada às partes está presente o núcleo fundante de um sistema acusatório juizespectador Assim ao contrário do afirmado por muitos nosso sistema é inquisitório JACINTO COUTINHO ensina que não existe um sistema misto porque não há mais sistema processual puro razão pela qual temse todos como sistemas mistos Não obstante não é preciso grande esforço para entender que não há e nem pode haver um princípio misto o que por evidente desfigura o dito sistema Assim para entendêlo fazse mister observar o fato de que ser misto significa ser na essência inquisitório ou acusatório recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos todos secundários que de um sistema são emprestados ao outro Logo devem ser considerados substancialmente inconstitucionais todos os dispositivos do CPP como os arts 5º 127 156 209 234 311 383 385 etc que violem as regras do sistema acusatório constitucional 3 Presunção de Inocência ou um Dever de Tratamento A presunção de inocência remonta ao Direito romano escritos de Trajano mas foi seriamente atacada e até invertida na inquisição da Idade Média Basta recordar que na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve Era na verdade uma presunção de culpabilidade No Directorium Inquisitorum EYMERICH orientava que o suspeito que tem uma testemunha contra ele é torturado Um boato e um depoimento constituem juntos uma semiprova e isso é suficiente para uma condenação A presunção de inocência e o princípio de jurisdicionalidade foram como explica FERRAJOLI143 finalmente consagrados na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 A despeito disso no fim do século XIX e início do século XX a presunção de inocência voltou a ser atacada pelo verbo totalitário e pelo fascismo a ponto de MANZINI chamála de estranho e absurdo extraído do empirismo francês Como já explicamos em outra oportunidade144 doutrinariamente pela mão de Vincenzo Manzini há um esvaziamento da tutela da inocência no processo penal justamente pela crítica que fora oposta à democracia francesa Como assevera Manzini la pseudo democracia de tipo francés superficial gárrula y confucionista en todo ha cometido también aquí el desacierto de enturbiar los conceptos afirmando que la finalidad del proceso penal es principalmente la de tutelar la inocencia o que ella se asocia a la de la represión de la delincuencia finalidades jurídicas agregando también la intención finalidad política de dar al pueblo la garantia de la exclusión del error y de la arbitrariedad145 E percebese uma inversão muito sutil nos argumentos trazidos a lume por Manzini até mesmo por se tratar de argumentos próprios da escolástica como a distinctio a divisio e a subdivisio Alude Manzini segundo o operar normal das coisas natureza das coisas é de se presumir o fundamento da imputação e a verdade da decisão e não o contrário taxando o processualista de irracional e paradoxal a defesa do princípio da presunção de inocência Manzini se apropria aqui da doutrina de Perego para quem a presunção de inocência surgiu como uma verdadeira atenuação da presunção de culpabilidade implícita na tautologia de que a ação penal nasce do delito146 No mesmo sentido é possível se acrescentar aqui as palavras de Ferrari147 e de Vitali148 Partindo de uma premissa absurda MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade O raciocínio era o seguinte como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo não há o que justifique a proteção e a presunção de inocência Com base na doutrina de Manzini o próprio Código de Rocco de 1930 não consagrou a presunção de inocência pois era vista como um excesso de individualismo e garantismo No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia Tal é sua relevância que AMILTON B DE CARVALHO149 afirma que o Princípio da Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum é pressuposto para seguir Eros nesse momento histórico da condição humana A presunção de inocência é ainda decorrência do princípio da jurisdicionalidade como explica FERRAJOLI150 pois se a jurisdição é a atividade necessária para obtenção da prova151 de que alguém cometeu um delito até que essa prova não se produza mediante um processo regular nenhum delito pode considerarse cometido e ninguém pode ser considerado culpado nem submetido a uma pena Segue o autor152 explicando que é um princípio fundamental de civilidade fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes ainda que para isso tenhase que pagar o preço da impunidade de algum culpável Isso porque ao corpo social lhe basta que os culpados sejam geralmente punidos pois o maior interesse é que todos os inocentes sem exceção estejam protegidos Se é verdade que os cidadãos estão ameaçados pelos delitos também o estão pelas penas arbitrárias fazendo com que a presunção de inocência não seja apenas uma garantia de liberdade e de verdade senão também uma garantia de segurança ou de defesa social153 enquanto segurança oferecida pelo Estado de Direito e que se expressa na confiança dos cidadãos na Justiça É uma defesa que se oferece ao arbítrio punitivo Destarte segue FERRAJOLI o medo que a Justiça inspira nos cidadãos é signo inconfundível de perda da legitimidade política da jurisdição e ao mesmo tempo de sua involução irracional e autoritária Assim cada vez que un imputado tiene razón para temer a un juez quiere decir que éste se halla fuera de la lógica del estado de derecho el miedo y también la sola desconfianza y la no seguridad del inocente indican la quiebra de la función misma de la jurisdicción penal y la ruptura de los valores políticos que la legitiman154 BECCARIA155 a seu tempo já chamava a atenção para o fato de que um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida Sob a perspectiva do julgador a presunção de inocência deveria ser um princípio da maior relevância principalmente no tratamento processual que o juiz deve dar ao acusado Isso obriga o juiz não só a manter uma posição negativa não o considerando culpado mas sim a ter uma postura positiva tratandoo efetivamente como inocente Podemos extrair da presunção de inocência156 que a formação do convencimento do juiz deve ser construído em contraditório Fazzalari orientandose o processo portanto pela estrutura acusatória que impõe a estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento rechaço à figura do juizinquisidor com poderes investigatóriosinstrutórios e consagração do juiz de garantias ou garantidor Na mesma linha VEGAS TORRES157 abordando o art 242 da Constituição Espanhola explica que tal garantia estende sua eficácia além do processo penal incluindo os demais ramos da jurisdição e mais além inclusive do campo propriamente jurisdicional pois alcança até a atividade administrativa sancionadora A partir da análise constitucional e também do art 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão158 de 1789 VEGAS TORRES159 aponta para as três principais manifestações não excludentes mas sim integradoras da presunção de inocência a É um princípio fundante em torno do qual é construído todo o processo penal liberal estabelecendo essencialmente garantias para o imputado160 frente à atuação punitiva estatal b É um postulado que está diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante o processo penal segundo o qual haveria de partirse da ideia de que ele é inocente e portanto deve reduzir se ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo incluindose é claro a fase préprocessual c Finalmente a presunção de inocência é uma regra diretamente referida ao juízo do fato que a sentença penal faz É sua incidência no âmbito probatório vinculando à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação impondose a absolvição do imputado se a culpabilidade não ficar suficientemente demonstrada Por fim numa análise sistemática quando a Constituição ordena que todos sejam julgados pelo juiz natural predeterminado por lei que aos acusados em geral estão assegurados o contraditório e a ampla defesa que os atos processuais são públicos que ao imputado está assegurado o direito de silêncio e o de não fazer prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere a garantia da presunção de inocência enfim ao assegurar todas as garantias inerentes ao devido processo legal não está dizendo outra coisa segundo CARRARA161 que Haced esto porque el hombre de quien vosotros sospecháis es inocente y no podéis negarle su inocencia mientras no hayáis demostrado su culpabilidad y no podeis llegar a esa demostración si no marcháis por el camino que os señalo Com acerto ADAUTO SUANNES162 chama a atenção para o fato de que por aplicação elementar do princípio constitucional da isonomia e do ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus não existem pessoas mais presumidas inocentes e pessoas menos presumidas Todos somos presumidamente inocentes qualquer que seja o fato que nos é atribuído Em sendo assim e só pode ser assim afirma categoricamente SUANNES163 nada justifica que alguém simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa deixe de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige Nem mesmo sua condenação definitiva o excluirá do rol dos seres humanos ainda que em termos práticos isso nem sempre se mostre assim Qualquer distinção portanto que se pretenda fazer em razão da natureza do crime imputado a alguém inocente contraria o princípio da isonomia pois a Constituição Federal não distingue entre maisinocente e menos inocente O que deve contar não é o interesse da sociedade que tem na Constituição Federal que prioriza o ser humano o devido tratamento mas o respeito à dignidade do ser humano qualquer seja o crime que lhe é imputado Por tudo isso a presunção de inocência enquanto princípio reitor do processo penal deve ser maximizada em todas suas nuances mas especialmente no que se refere à carga da prova regla del juicio e às regras de tratamento do imputado limites à publicidade abusiva estigmatização do imputado e à limitação do abuso das prisões cautelares A presunção de inocência afeta diretamente a carga da prova inteiramente do acusador diante da imposição do in dubio pro reo a limitação à publicidade abusiva para redução dos danos decorrentes da estigmatização prematura do sujeito passivo e principalmente a vedação ao uso abusivo das prisões cautelares Voltaremos a essas questões quando tratarmos desses institutos Em suma a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente que atua em duas dimensões interna ao processo e exterior a ele Na dimensão interna é um dever de tratamento imposto primeiramente ao juiz determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador pois se o réu é inocente não precisa provar nada e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição ainda na dimensão interna implica severas restrições ao abuso das prisões cautelares como prender alguém que não foi definitivamente condenado Externamente ao processo a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do réu Significa dizer que a presunção de inocência e também as garantias constitucionais da imagem dignidade e privacidade deve ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência 4 Contraditório e Ampla Defesa 41 Direito ao Contraditório O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade fundandose não mais sobre um juízo potestativo mas sobre o conflito disciplinado e ritualizado entre partes contrapostas a acusação expressão do interesse punitivo do Estado e a defesa expressão do interesse do acusado e da sociedade em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo O ato de contradizer164 a suposta verdade afirmada na acusação enquanto declaração petitória é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mútuas das partes na forma dialética Por isso está intimamente relacionado com o princípio do audiatur et altera pars pois obriga que a reconstrução da pequena história do delito seja feita com base na versão da acusação vítima mas também com base no alegado pelo sujeito passivo O adágio está atrelado ao direito de audiência no qual o juiz deve conferir a ambas as partes sobre pena de parcialidade Para W GOLDSCHMIDT 165 também serve para justificar a face igualitária da justiça pois quien presta audiencia a una parte igual favor debe a la otra O juiz deve dar ouvida a ambas as partes sob pena de parcialidade na medida em que conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido Considerando o que dissemos acerca do processo como jogo das chances e estratégias que as partes podem lançar mão legitimamente no processo o sistema exige apenas que seja dada a oportunidade de fala Ou seja o contraditório é observado quando se criam as condições ideais de fala e oitiva da outra parte ainda que ela não queira utilizarse de tal faculdade até porque pode lançar mão do nemo tenetur se detegere166 O contraditório é uma nota característica do processo uma exigência política e mais do que isso se confunde com a própria essência do processo Como define RANGEL DINAMARCO167 claramente inspirado em Elio Fazzalari o conceito moderno de processo necessariamente deve envolver o procedimento e o contraditório sem o que não existe processo A interposição de alegações contrárias frente ao órgão jurisdicional a própria discussão explica GUASP168 não só é um eficaz instrumento técnico que utiliza o direito para obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo senão que se trata de verdadeira exigência de justiça que nenhum sistema de Administração de Justiça pode omitir É autêntica prescrição do direito natural dotada de inevitável conteúdo imperativo Talvez seja o princípio de direito natural mais característico entre todos os que fazem referência à Administração da Justiça Não podemos esquecer que Ministério Público e Defesa estão feitos para contraditaremse a ponto de CARNELUTTI169 afirmar que la loro contraddizione è necessária al giudice come lossigeno nellaria che respira Il dubbio è un passaggio obbligato sulla via della verità guai al giudice che non dubita Non tanto la possibilita quanto la effettività del contraddittorio sono una garanzia imprescindibile della istruzione Tanto più vale codesta garanzia quanto più siano equilibrate le forze dei due lottatori Numa visão moderna o contraditório engloba o direito das partes de debater frente ao juiz mas não é suficiente que tenham a faculdade de ampla participação no processo é necessário também que o juiz participe intensamente não confundir com juizinquisidor ou com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz respondendo adequadamente às petições e requerimentos das partes fundamentando suas decisões inclusive as interlocutórias evitando atuações de ofício e as surpresas Ao sentenciar é crucial que observe a correlação acusaçãodefesasentença170 Contudo contraditório e direito de defesa são distintos pelo menos no plano teórico PELLEGRINI GRINOVER171 explica que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório No mesmo sentido LEONE172 faz a distinção e afirma que não se pode identificar contraditório e direito de defesa pois o último pode ser exercido sem que seja instaurado o contraditório Para o autor o contraditório consiste na participação contemporânea e contraposta de todas as partes no processo Ademais destaca que o contraditório é da essência da estrutura dialética sobre a qual deve estruturarse o processo penal Assim o contraditório deve ser visto basicamente como o direito de participar de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental A relevância da distinção reside na possibilidade de violar um deles sem a violação simultânea do outro com reflexos no sistema de nulidades dos atos processuais É possível cercear o direito de defesa pela limitação no uso de instrumentos processuais sem que necessariamente também ocorra violação do contraditório A situação inversa é teoricamente possível mas pouco comum pois em geral a ausência de comunicação gera a impossibilidade de defesa Destacamos que na teoria é facilmente apontável a distinção entre contraditório e direito de defesa Sem embargo ninguém pode omitir que o limite que separa ambos é tênue e na prática às vezes quase imperceptível Desse modo entendemos que não constitui pecado mortal afirmar que em muitos momentos processuais o contraditório e o direito de defesa se fundem e a distinção teórica fica isolada diante da realidade do processo Nessa linha parte da doutrina não faz uma distinção clara entre ambos e MANZINI173 chega inclusive a afirmar que a defesa é um elemento do contraditório Os dois polos da garantia do contraditório são informação e reação A efetividade do contraditório no Estado Democrático de Direito está amparada no direito de informação e participação dos indivíduos na Administração de Justiça Para participar é imprescindível ter a informação A participação no processo se realiza por meio da reação vista como resistência à pretensão jurídica acusatória e não punitiva174 articulada e isso expressa a dificuldade prática em certos casos de distinguir entre a reação e o direito de defesa Assim o contraditório é essencialmente o direito de ser informado e de participar no processo É o conhecimento completo da acusação o direito de saber o que está ocorrendo no processo de ser comunicado de todos os atos processuais Como regra não pode haver segredo antítese para a defesa sob pena de violação ao contraditório Tratase contraditório e direito de defesa de direitos constitucionalmente assegurados no art 5º LV da CB Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes A partir desse postulado vejamos agora algumas questões em torno do direito de defesa técnica e pessoal positiva e negativa e após a incidência juntamente com o contraditório nas fases pré processual processual e de execução penal 42 Direito de Defesa Técnica e Pessoal 421 Defesa Técnica A defesa técnica supõe a assistência de uma pessoa com conhecimentos175 teóricos do Direito um profissional que será tratado como advogado de defesa defensor ou simplesmente advogado Explica FENECH176 que a defesa técnica é levada a cabo por pessoas peritas em Direito que têm por profissão o exercício dessa função técnicojurídica de defesa das partes que atuam no processo penal para pôr de relevo seus direitos A justificação da defesa técnica decorre de uma esigenza di equilibrio funzionale177 entre defesa e acusação e também de uma acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal em igualdade de condições técnicas com o acusador Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo promotor policial ou mesmo juiz Pode existir uma dificuldade de compreender o resultado da atividade desenvolvida na investigação preliminar gerando uma absoluta intranquilidade e descontrole Ademais havendo uma prisão cautelar existirá uma impossibilidade física de atuar de forma efetiva Para FOSCHINI178 a defesa técnica é anche una esigenza della società perchè la regiudicanda penale implica non solo una responsabilità individuale ma anche una responsabilità della collettività sociale Prossegue o autor afirmando que limputato infatti alla stregua dei propri criteri potrebbe anche difendersi poco o non difendersi o addirittura ammettere la propria certamento negativo se alla stregua dei valori sociali tradotti nellordinamento giuridico è da ritenere che il fatto non constituisca reato o che non sai fonte di responsabilità ad es perchè constituisce unazione bellica o perchè commesso in stato di necessità Isso significa que a defesa técnica é uma exigência da sociedade porque o imputado pode a seu critério defenderse pouco ou mesmo não se defender mas isso não exclui o interesse da coletividade de uma verificação negativa no caso do delito não constituir uma fonte de responsabilidade penal A estrutura dualística do processo expressase tanto na esfera individual como na social O direito de defesa está estruturado no binômio defesa privada ou autodefesa defesa pública ou técnica exercida pelo defensor Por esses motivos apontados por FOSCHINI a defesa técnica é considerada indisponível pois além de ser uma garantia do sujeito passivo existe um interesse coletivo na correta apuração do fato Tratase ainda de verdadeira condição de paridade de armas imprescindível para a concreta atuação do contraditório Inclusive fortalece a própria imparcialidade do juiz pois quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficará o julgador terzietà alheamento No mesmo sentido MORENO CATENA179 leciona que a defesa técnica atua também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual penal estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética processual e da igualdade das partes É na realidade uma satisfação alheia à vontade do sujeito passivo pois resulta de um imperativo de ordem pública contido no princípio do due process of law O Estado deve organizarse de modo a instituir um sistema de Serviço Público de Defesa tão bem estruturado como o Ministério Público com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor Assim como o Estado organiza um serviço de acusação tem esse dever de criar um serviço público de defesa porque a tutela da inocência do imputado não é só um interesse individual mas social180 Nesse sentido a Constituição garante no art 5º LXXIV que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos Para efetivar tal garantia o sistema brasileiro possui uma elogiável instituição a Defensoria Pública prevista no art 134 da CB como instituição essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados A necessidade da defesa técnica está expressamente consagrada no art 261 do CPP onde se pode ler que nenhum acusado ainda que ausente ou foragido será processado ou julgado sem defensor No âmbito internacional o art 82 da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê o direito do acusado de defenderse pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor Também garante o direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei No inquérito policial a defesa técnica está limitada pois limitada está a defesa como um todo Ainda que o direito de defesa tenha expressa previsão constitucional como explicamos anteriormente na prática a forma como é conduzido o inquérito policial quase não deixa espaço para a defesa técnica atuar no seu interior Por isso dizse que a defesa técnica na fase préprocessual tem uma atuação essencialmente exógena através do exercício do habeas corpus e do mandado de segurança que em última análise corporificam o exercício do direito de defesa fora do inquérito policial Dentro do inquérito basicamente só existe a possibilidade de solicitar diligências nos estreitos limites do art 14 do CPP Contudo é errado dizerse que não existe direito de defesa no inquérito Existir existe desde 1941 ainda que não tenha a eficácia que a Constituição exija É imprescindível que seja nomeado um defensor quando não constituído permitindolhe em caso de prisão que converse prévia e reservadamente com o sujeito passivo antes de ser ouvido Ademais o defensor poderá solicitar diligências à autoridade policial art 14 que poderão ser realizadas ou não Tendo em vista que o art 5º XXXV da CB prevê que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário uma lesão ou ameaça a um direito a injusta negativa por parte da autoridade policial deverá ser objeto de impugnação pela via do habeas corpus mandado de segurança ou reclamação conforme o caso Outra importante garantia que deve ser observada desde a investigação preliminar é evitar a colidência de teses defensivas A impossibilidade de que um mesmo defensor possa defender dois ou mais imputados pode ser classificada em Impossibilidade absoluta é o sistema previsto na StPO que impede a figura do defensor comum sem levar em consideração se existe ou não um conflito de interesses ou de teses defensivas colidência Impossibilidade relativa nesse sentido dispõe o art 106 do CPP italiano que a defesa de vários imputados pode ser assumida por um defensor comum sempre que as diversas posições da defesa não sejam incompatíveis entre si Também é a posição do CPP português art 65 que possibilita a defesa de vários arguidos por um único advogado sempre que não contrarie a função da defesa No Brasil não existe previsão legal e a jurisprudência foi encarregada de consolidar uma impossibilidade relativa de que um mesmo advogado atue na defesa de dois ou mais acusados Para tanto firmou entendimento de que é inviável quando existir colidência de teses defensivas capaz de gerar uma deficiência do direito de defesa Na atualidade a presença do defensor deve ser concebida como um instrumento de controle da atuação do Estado e de seus órgãos no processo penal garantindo o respeito à lei e à Justiça Se o processo penal deve ser um instrumento de proteção dos direitos fundamentais do sujeito passivo o defensor deve ajustarse a esse fim atuando para sua melhor consecução Está intimamente vinculado ao direito fundamental da salvaguarda da dignidade humana obrigando o defensor a uma atividade unilateral somente a favor daquele por ele defendido O defensor unicamente tem que vigiar o processo penal para evitar infrações da lei ou injustiças contra seu cliente sem é claro atuar fora da legalidade Por fim devese destacar que o advogado finalmente deixou de ser uma figura dispensável no interrogatório ou quando presente um mero convidado de pedra A teor da nova redação dos arts 185 e 188 do CPP não só o advogado deve estar presente no interrogatório judicial ou policial como ainda poderá ao final formular perguntas ao imputado 422 A Defesa Pessoal Positiva e Negativa 4221 Defesa Pessoal Positiva Junto à defesa técnica existem também atuações do sujeito passivo no sentido de resistir pessoalmente à pretensão estatal Através dessas atuações o sujeito atua pessoalmente defendendo a si mesmo como indivíduo singular fazendo valer seu critério individual e seu interesse privado181 A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifestase de várias formas mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância Classificamos a autodefesa a partir de seu caráter exterior como uma atividade positiva ou negativa O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva comissão expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria ou de materialidade do fato que se lhe imputa Ao lado deste atuar que supõe o interrogatório também é possível uma completa omissão um atuar negativo através do qual o imputado se nega a declarar Não só pode se negar a declarar como também pode se negar a dar a mínima contribuição para a atividade probatória realizada pelos órgãos estatais de investigação como ocorre nas intervenções corporais reconstituição do fato fornecer material escrito para a realização do exame grafotécnico etc Também a autodefesa negativa reflete a disponibilidade do próprio conteúdo da defesa pessoal na medida em que o sujeito passivo pode simplesmente se negar a declarar Se a defesa técnica deve ser indisponível a autodefesa é renunciável A autodefesa pode ser renunciada pelo sujeito passivo mas é indispensável para o juiz de modo que o órgão jurisdicional sempre deve conceder a oportunidade para que aquela seja exercida cabendo ao imputado decidir se aproveita a oportunidade para atuar seu direito de forma ativa ou omissiva A autodefesa positiva deve ser compreendida como o direito disponível do sujeito passivo de praticar atos declarar constituir defensor submeterse a intervenções corporais participar de acareações reconhecimentos etc Em suma praticar atos dirigidos a resistir ao poder de investigar do Estado fazendo valer seu direito de liberdade Mesmo no interrogatório policial o imputado tem o direito de saber em que qualidade presta as declarações182 de estar acompanhado de advogado e ainda de reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao IP O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade Nesse sentido expressamente prevê o art 186 do CPP Art 186 Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa A presença do defensor no momento das declarações do suspeito frente à autoridade judiciária ou policial é imprescindível não só pela exigência constitucional mas também por força do disposto no art 185 do CPP inteiramente aplicável ao inquérito policial Como já afirmado agora não mais será o advogado um convidado de pedra senão que poderá participar ativamente do interrogatório Art 188 Após proceder ao interrogatório o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante Com relação ao valor probatório do interrogatório propugnamos que o interrogatório seja orientado pela presunção de inocência visto assim como o principal meio de exercício da autodefesa e que tem por isso a função de dar materialmente vida ao contraditório permitindo ao sujeito passivo refutar a imputação ou aduzir argumentos para justificar sua conduta183 Especificamente na investigação preliminar o interrogatório deve estar dirigido a verificar se existem ou não motivos suficientes para a abertura do processo criminal Dentro da lógica que orienta a fase pré processual a eventual confissão obtida nesse momento tem um valor endoprocedimental como típico ato de investigação e não ato de prova servindo apenas para justificar as medidas adotadas nesse momento e justificar o processo ou o não processo PELLEGRINI GRINOVER184 explica que através do interrogatório o juiz e a polícia pode tomar conhecimento de elementos úteis para a descoberta da verdade mas não é para essa finalidade que o interrogatório está orientado Pode constituir fonte de prova mas não meio de prova Em outras palavras o interrogatório não serve para provar a verdade mas para fornecer outros elementos de prova que possam conduzir à verdade juridicamente válida e perseguida no processo penal A própria Exposição de Motivos do CPP ao falar sobre as provas diz categoricamente que a própria confissão do acusado não constitui fatalmente prova plena de sua culpabilidade Todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outra Em suma a confissão não é mais felizmente a rainha das provas como no processo inquisitório medieval Não deve mais ser buscada a todo custo pois seu valor é relativo e não goza de maior prestígio que as demais provas O interrogatório deve ser um ato espontâneo livre de pressões ou torturas físicas ou mentais É necessário estabelecer um limite máximo para a busca da verdade e para isso estão os direitos fundamentais Por isso hoje em dia o dogma da verdade material cedeu espaço para a verdade juridicamente válida obtida com pleno respeito aos direitos e garantias fundamentais do sujeito passivo e conforme os requisitos estabelecidos na legislação Como consequência os métodos tocados por um certo charlatanismo como classifica GUARNIERI185 devem ser rejeitados no processo penal Assim não deve ser aceito o interrogatório mediante hipnose pois é um método tecnicamente inadequado e inclusive perigoso pois estando o hipnotizado disposto a aceitar qualquer sugestão direta ou indireta do hipnotizador não pode ser considerado digno de fé inclusive porque pode ser conduzido para qualquer sentido Também devem ser rechaçados por insuficientes e indignos de confiança os métodos químicos ou físicos No primeiro grupo encontramse os chamados soros da verdade que como explica GUARNIERI são barbitúricos injetados intravenosamente juntamente com outros estupefacientes anestésicos ou hipnóticos que provocam um estado de inibição no sujeito permitindo que o experto mediante a narcoanálise conheça o que nele existe de reprimido ou oculto Como método físico os detectores de mentira são aparelhos mecânicos que marcam o traçado do batimento cardíaco e da respiração e conforme o tempo de reação às perguntas dirigidas ao interrogando permitiriam assinalar as falsidades em que incorreu Conforme o intervalo das reações o experto poderia definir em linhas gerais um padrão de comportamento para as afirmações verdadeiras e outro para as supostas mentiras Ambos os métodos não são dignos de confiança e de credibilidade de modo que não podem ser aceitos como meios de prova juridicamente válidos Ademais são atividades que violam a garantia de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante prevista no art 5º II da CB Concluindo e sempre buscando um modelo ideal melhor que o atual entendemos que o interrogatório deve ser encaminhado de modo a permitir a defesa do sujeito passivo e por isso submetido a toda uma série de regras de lealdade processual186 que pode ser assim resumida a deve ser realizado de forma imediata ou ao menos num prazo razoável após a prisão b presença de defensor sendolhe permitido entrevistarse prévia e reservadamente com o sujeito passivo c comunicação verbal não só das imputações mas também dos argumentos e resultados da investigação e que se oponham aos argumentos defensivos d proibição de qualquer promessa ou pressão direta ou indireta sobre o imputado para induzilo ao arrependimento ou a colaborar com a investigação e respeito ao direito de silêncio livre de pressões ou coações f tolerância com as interrupções que o sujeito passivo solicite fazer no curso do interrogatório especialmente para instruirse com o defensor g permitirlhe que indique elementos de prova que comprovem sua versão e diligenciar para sua apuração h negação de valor decisivo à confissão 4222 Defesa Pessoal Negativa Nemo Tenetur se Detegere O interrogatório deve ser tratado como um verdadeiro ato de defesa em que se dá oportunidade ao imputado para que exerça sua defesa pessoal Para isso deve ser considerado como um direito e não como dever assegurandose o direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo sem que dessa inércia resulte para o sujeito passivo qualquer prejuízo jurídico Além disso entendemos que deve ser visto como um ato livre de qualquer pressão ou ameaça Quando o imputado submetese a algum ato destinado a constituir uma prova de cargo colaborando com a acusação essa atividade não deve ser considerada como autodefesa positiva mas sim como renúncia à autodefesa negativa pois nesse caso o imputado deixa de exercer seu direito de não colaborar com a atividade investigatória estatal e a própria acusação em última análise O direito de silêncio está expressamente previsto no art 5º LXIII da CB o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado Parecenos inequívoco que o direito de silêncio aplicase tanto ao sujeito passivo preso como também ao que está em liberdade Contribui para isso o art 82 g da CADH onde se pode ler que toda pessoa logo presa ou em liberdade tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a declararse culpada Ao estar assegurado o direito de silêncio sem qualquer reserva na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos por lógica jurídica o sistema interno não pode atribuir ao seu exercício qualquer prejuízo Daí surgiu a alteração com bastante atraso registrese do art 186 do CPP que agora possui a seguinte redação Art 186 Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias passa a existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório Sublinhese do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado Com explica FERRAJOLI187 o princípio nemo tenetur se detegere é a primeira máxima do garantismo processual acusatório enunciada por Hobbes e recepcionada a partir do século XVII no Direito inglês Dele seguemse como corolários na lição de FERRAJOLI a a proibição da tortura espiritual como a obrigação de dizer a verdade b o direito de silêncio assim como a faculdade do imputado de faltar com a verdade nas suas respostas c a proibição pelo respeito devido à pessoa do imputado e pela inviolabilidade da sua consciência não só de arrancar a confissão com violência senão também de obtêla mediante manipulações psíquicas com drogas ou práticas hipnóticas d a consequente negação de papel decisivo das confissões e o direito do imputado de ser assistido por defensor no interrogatório para impedir abusos ou quaisquer violações das garantias processuais Não podemos concordar com NUCCI188 quando ao comentar o art 260 do CPP afirma que apenas o direito de silêncio é absoluto e não produz nenhum prejuízo para a defesa sendo que a recusa em submeterse ao reconhecimento por exemplo não teria a mesma proteção Completamente equivocada a construção do autor que conduz a um reducionismo substancialmente inconstitucional e de notada matriz autoritária e inquisitória Mais grave ainda quando afirma que a recusa em submeterse ao reconhecimento pessoal formase indício negativo à sua defesa Não está obrigado a se colocar lado a lado com terceiros para ser identificado mas o juiz pode levar tal recusa em consideração para a formação do seu convencimento Não podemos pactuar com tal reducionismo e compressão da esfera constitucional de proteção O direito de silêncio é muito mais amplo e inscrevese na dimensão do princípio do nemo tenetur se detegere Conjugandose com a presunção constitucional de inocência bem como com a necessária recusa a matriz inquisitória é elementar que o réu não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminálo ou prejudicar sua defesa Mais frisese a recusa não autoriza qualquer presunção ou mesmo indício de culpa Dessarte o imputado não pode ser compelido a participar de acareações reconstituições fornecer material para realização de exames periciais exame de sangue DNA escrita etc etc Por elementar sendo a recusa um direito obviamente não pode causar prejuízos ao imputado e muito menos ser considerado delito de desobediência Mas é importante sublinhar a Lei n 12654 de 28 de maio de 2012 entrada em vigor dia 28 de novembro de 2012 prevê a coleta de material genético como forma de identificação criminal tendo mudado radicalmente a situação jurídica do sujeito passivo no processo penal acabando com o direito de não produzir este tipo de prova contra si mesmo A nova lei altera dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 72101984 LEP que regula a Execução Penal Portanto em duas situações investigado e apenado o sujeito passivo está obrigado a submeterse a intervenção corporal voluntariamente ou mediante coerção para fornecimento de material genético Com isso fulminase a tradição brasileira de respeitar o direito de defesa pessoal negativo nemo tenetur se detegere em relação a esse tipo de prova Voltaremos a tratar da problemática em torno das intervenções corporais quando formos tratar das provas no processo penal 5 Motivação das Decisões Judiciais Superando o Cartesianismo A motivação das decisões judiciais é uma garantia expressamente prevista no art 93 IX da Constituição e é fundamental para a avaliação do raciocínio desenvolvido na valoração da prova Serve para o controle da eficácia do contraditório e de que existe prova suficiente para derrubar a presunção de inocência Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder principalmente se foram observadas as regras do devido processo penal Tratase de uma garantia fundamental e cuja eficácia e observância legitimam o poder contido no ato decisório Isso porque no sistema constitucionaldemocrático o poder não está autolegitimado não se basta por si próprio Sua legitimação se dá pela estrita observância das regras do devido processo penal entre elas o dever garantia da fundamentação dos atos decisórios O processo está destinado a comprovar se um determinado ato humano realmente ocorreu na realidade empírica Com isso o saber enquanto obtenção de conhecimento sobre o fato é o fim a que se destina o processo que deverá ser um instrumento eficaz para sua obtenção O juiz é um ser ontologicamente concebido para ser ignorante pois ele ignora o fato Por isso explica MIRANDA COUTINHO189 falar de processo todavia é antes de tudo falar de atividade recognitiva a um juiz com jurisdição que não sabe mas que precisa saber dáse a missão mais preciso seria dizer Poder com o peso que o substantivo tem de dizer o direito no caso concreto com o escopo da sua parte pacificador razão por que precisamos da coisa julgada A dimensão do poder considerado como coação que afeta o sujeito passivo da atuação processual necessário para atingir esse saber tem que ocupar um lugar secundário e permanecer sujeito a regras muito estritas presididas pelos princípios da necessidade e respeito aos direitos fundamentais e proporcionalidade racionalidade na relação meiofim FERRAJOLI defende não só a humanização do poder mas também uma importante inversão do paradigma clássico eis que agora o saber deve predominar O poder somente está legitimado quando calcado no saber judicial de modo que não mais se legitima por si mesmo Isso significa uma verdadeira revolução cultural como define IBÁÑEZ190 por parte dos operadores jurídicos e dos atores processuais Nesse contexto a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Mais a fundamentação não deve estar presente apenas na sentença mas também em todas as decisões interlocutórias tomadas no curso do procedimento especialmente aquelas que impliquem restrições de direitos e garantias fundamentais como os decretos de prisão preventiva interceptação das comunicações telefônicas busca e apreensão etc Como define IBÁÑEZ191 o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicaçãoexplicação um exercício de poder fundado em um saber consistente por ser demonstradamente bem adquirido Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para a legitimidade do atuar jurisdicional No modelo constitucional não se admite nenhuma imposição de pena sem que se produza a comissão de um delito sem que ele esteja previamente tipificado por lei sem que exista necessidade de sua proibição e punição sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros sem o caráter exterior ou material da ação criminosa sem a imputabilidade e culpabilidade do autor e sem que tudo isso seja verificado através de uma prova empírica levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público contraditório com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido A dúvida sobre a verdade jurídica exige a intervenção de instituições como a presunção de inocência do imputado até a sentença definitiva a carga da prova a cargo da acusação o princípio in dubio pro reo a absolvição em caso de incerteza sobre a verdade fática e por outro lado a analogia in bonam partem e a interpretação restritiva dos pressupostos típicos penais e extensiva das circunstâncias eximentes ou atenuantes A dúvida deve ser resolvida sempre pela aplicação do princípio in dubio pro reo critério pragmático de solução das incertezas jurisdicionais e pela manutenção da presunção de inocência A única certeza que se pretende no processo penal está relacionada com a existência dos pressupostos que condicionam a pena e a condenação e não com os elementos para absolver Também cumpre apontar a importância do desvelamento da mitológica verdade real Essa verdade real ou substancial será desconstruída quando tratarmos da sentença mas cumpre destacar aqui que ela é impossível de ser obtida Pior ainda ao ser perseguida fora das regras e controles e sobretudo de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação degenera o juízo de valor amplamente arbitrário de fato assim como o cognoscitivismo ético sobre o qual se embasa o substancialismo penal e resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal192 Também é chegado o momento de resgatar a subjetividade e compreender recordando as lições de ANTÓNIO DAMÁSIO que a racionalidade é incompleta e resulta seriamente prejudicada quando não existe nenhuma ligação com o sentimento O dualismo cartesiano separa a mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção O erro está na separação abissal entre o corpo e a mente193 É essa a racionalidade que queremos transcender na esteira de ANTÓNIO DAMÁSIO e dos presentes estudos sobre neurociência e também neuropsicanálise Rompeuse a separação cartesiana entre razão e sentimento Para DAMÁSIO o fenômeno é exatamente oposto àquele descrito por Descartes na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser O penso logo existo deve ser lido como existo e sinto logo penso num assumido anticartesianismo É a recusa a todo discurso científico incluindo o positivismo o mito da neutralidade etc baseado na separação entre emoção sentire e razão A questão interessanos e muito porque quando os seres humanos não conseguem ver a tragédia inerente à existência consciente sentemse menos impelidos a fazer algo para minimizála e podem mostrar menos respeito pelo valor da vida Talvez a coisa mais indispensável que possamos fazer no nosso dia a dia enquanto seres humanos seja recordar a nós próprios e aos outros a complexidade fragilidade finitude e singularidade que nos caracteriza194 A sentença sublinha BOSCHI195 é mais do que o resultado do simples ajustamento da lei à fattispecie mas como objeto cultural é uma obra humana impregnada de valores e de ideologias enfim uma criação da inteligência e da vontade do juiz como bem declarou Couture que integra o rol de seus deveres institucionais e funcionais Voltaremos à questão da Decisão Penal mais adiante quando do estudo da sentença 1 Importante que o leitor tenha compreendido a dimensão com que empregamos a expressão instrumentalidade do processo anteriormente explicado 2 A expressão é de BINDER Introdução ao Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 85 3 Na Nota para la Segunda Edición da obra Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 28 4 Com toda a seriedade que o termo exige e sempre remetendo à clássica concepção de CALAMANDREI desenvolvida no texto Il Processo Come Giuoco Revista di Diritto Processuale Padova 1950 v 5 parte I 5 Sobre o tema entre outros é imprescindível a leitura de ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4 ed São Paulo Malheiros 2005 Especificamente p 78 6 BOBBIO Norberto Teoria do Ordenamento Jurídico Trad Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Brasília Polis 1991 p 158 7 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos cit p 80 8 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios cit p 80 9 IBÁÑEZ Andrés Perfecto Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada n 2 Granada 1999 p 49 10 SILVA FRANCO Alberto O Juiz e o Modelo Garantista In Doutrina do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais disponível no site do Instituto wwwibccrimcombr em março de 1998 11 Lei Para Quem In WUNDERLICH Alexandre Coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 56 e ss 12 Na clássica expressão de FERRAJOLI Luigi Derechos y Garantias La Ley del más Débil Trad Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi Madrid Trotta 1999 13 GUARNIERI Jose Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Queirós México Jose M Cajica 1952 p 272 14 BONATO Gilson Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 138 15 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal Curitiba Juruá 2004 p 47 e ss 16 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 539 17 Da mesma forma quando tratarmos da imparcialidade objetiva e subjetiva não estaremos aludindo a um juiz neutro 18 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 580 19 Derecho y Razón cit p 546 20 Como muito bem destaca ALMEIDA PRADO Lídia Reis na excelente obra O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial Campinas Millenium 2003 p 2 21 O Juiz e a Jurisprudência um desabafo crítico In Garantias Constitucionais e Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 912 22 MORAIS DA ROSA Alexandre Direito Infracional garantismo psicanálise e movimento antiterror Florianópolis Habitus 2005 p 85 23 O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial cit p 18 24 MORAIS DA ROSA Alexandre Direito Infracional cit p 8485 25 Mas não estamos reduzindo a sentença a um mero ato de sentimento nada disso Não pactuamos com decisionismo Sobre o tema vejase o Capítulo destinado ao estudo das Decisões Judiciais 26 No mesmo sentido ALMEIDA PRADO op cit p 21 27 O autor está se referindo à Teoria da Defesa Social de Marc Ancel nascedouro de outras como lei e ordem tolerância zero etc 28 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 46 29 Correspondência eletrônica particular de maio2003 30 Mas é importante destacar que empregamos razão não no sentido cartesiano dualismo tradicional senão naquele desvelado por DAMÁSIO António O Erro de Descartes São Paulo Companhia das Letras 1996 de que não existe racionalidade sem sentimento emoção A subjetividade e a emoção são inerentes e inafastáveis da racionalidade e esta não existe sem aquelas 31 SOUZA NETO João Baptista de Mello Conflito de Gerações entre Colegas ou Conflito de Egos In ZIMERMAN David COLTRO Antônio Mathias Orgs Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica Campinas Millenium 2002 p 132 32 O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial cit p 45 33 Sintetiza ALMEIDA PRADO op cit que o arquétipo equivale ao padrão de comportamento e de uma forma bastante simplificada podese dizer que são formas de agir pensar sentir recorrentes e típicas comuns à humanidade 34 ALMEIDA PRADO op cit p 45 35 Explica ALMEIDA PRADO que a palavra persona tem origem latina e designa a máscara usada pelos atores teatrais Por isso persona é o arquétipo que se refere à face que colocamos para enfrentar a vida social Segundo Jung não passa de um compromisso entre o indivíduo e a sociedade acerca do que alguém parece ser pai filho possuidor de um título detentor de um cargo etc O problema é quando existe uma inflação da persona e o cargo passa a ocupar a pessoa Advirtase que outros autores preferem falar em inflação do ego 36 Enquanto a representação do nosso lado esquecido desvalorizado ou reprimido assim como todas as possibilidades de desenvolvimento rejeitadas pelo indivíduo ALMEIDA PRADO op cit 37 ALMEIDA PRADO op cit p 49 38 A Influência dos Fatores Psicológicos Inconscientes na Decisão Jurisdicional In Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica cit p 110 111 39 Notamos isso com clareza nos tribunais clássicos cuja arquitetura em muito se assemelha ao de um imenso templo com suas estátuas divinas vestes pretas e todo um simbolismo a nos recordar constantemente que o binômio crimepecado nunca foi superado 40 Como regra a toga é imprescindível para o ritual judiciário pois como explica GARAPON Antoine Bem Julgar Ensaio sobre o Ritual Judiciário Lisboa Piaget 1997 p 73 os professores universitários já abandonaram a toga em 1968 os médicos cada vez vestem menos a bata e os padres já estão dispensados do uso da sotaina pelo Concílio Vaticano II É o mais antigo uso civil ainda em vigor O abandono da toga seria uma hipótese interessante na medida em que significaria o rompimento com a tradição da impessoalidade um verdadeiro descobrir o manto protetor da togamáscara para sinalizar uma nova postura de comprometimento e assunção de responsabilidades pessoais de ideologias e também de falibilidade Isso é fundamental para a humanização da justiça para que se torne mais íntima e menos intimidante CARBONNIER 41 GARAPON op cit p 85 e ss 42 Idem ibidem p 88 43 Apud GARAPON op cit p 86 44 Idem ibidem 45 PASCAL citado por GARAPON op cit p 87 46 Não apenas no sentido processual com a figura do juizator que não se contenta com a necessária inércia e vai atrás da prova mas também no sentido psiquiátrico de alguém que possui transtorno delirante de tipo persecutório a anteriormente chamada paranoia É a situação descrita por KAPLAN SADOCK e GREBB Compêndio de Psiquiatria 7 ed São Paulo Artmed 2003 p 486 em que o foco do delírio é alguma injustiça que deve ser reparada diante da ação legal paranoia querelante e o indivíduo afetado frequentemente engaja se em tentativas repetidas de obter satisfação por apelos a tribunais e outras agências governamentais Em se tratando de um juiz o problema é muito mais grave pois ele não precisa buscar a ação legal através do processo ele é a lei 47 No sentido de retirar o manto a cobertura 48 SCHMIDT Andrei Zenkner Exclusão da Punibilidade em Crimes de Sonegação Fiscal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 introdução p XVII 49 Como sintetiza JEAN CARBONNIER no Prefácio da obra de GARAPON Bem Julgar Ensaio sobre o Ritual Judiciário cit p 15 50 Do capolavoro As Misérias do Processo Penal Brasil Conan 1997 p 33 51 A expressão é de PEDRO ARAGONESES ALONSO na obra Proceso y Derecho Procesal cit p 127 52 Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonzo México Episa 1997 p 342 53 No magistral trabalho La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 e ss 54 Para FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 55 O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 11 56 Introducción Filosófica al Derecho p 321 57 Consultemse os diversos trabalhos de JACINTO COUTINHO especialmente o artigo Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez n 1 2001 e também o Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 58 Trataremos do tema na continuação quando analisarmos a prova no processo penal 59 É importante destacar que existiu uma posterior oscilação na jurisprudência do TEDH especialmente na década de 90 no sentido de relativizar essa presunção recorrendo à análise do caso concreto entre outros Casos Hauschild SainteMarie vs França e Padovani vs Itália Essa variação é perfeitamente compreensível na medida em que como qualquer tribunal o TEDH está suscetível de mudanças de humor em razão dos influxos e pressões que sofre Ademais há que se compreender que os casos citados Piersack 1982 e De Cubber vs Bélgica 1984 são do início da década de 80 momento sensível no que tange ao processo penal europeu onde o modelo de juizado de instrução juiz instrutorinquisidor ainda era predominante e começava a ser seriamente questionado Era o modelo em que um mesmo juiz investigava e julgava na maior parte dos países e esse sistema estava em crise Basta recordar que a Alemanha fez uma grande reforma em 1974 para abandonar o juizado de instrução substituído pelo promotor investigador seguida posteriormente por Itália 1988 e Portugal 1988 Portanto as decisões proferidas nesses casos refletem uma preocupação que não mais existe atualmente nos principais sistemas processuais penais europeus seja pelo completo abandono do modelo de juizado de instrução vg Alemanha Itália e Portugal seja pela vedação completa de que o juiz que instrui possa julgar como é o caso do modelo espanhol Inobstante o Brasil segue uma perigosa tendência de retrocesso com a constante atribuição de mais poderes instrutórios aos juízes como se vê na nova redação do art 156 I do CPP que consagra um absurdo cenário de juiz instrutorinquisidor Diante disso é de extrema importância toda a doutrina construída pelo TEDH em torno do caso Piersack e De Cubber pois se na Europa a matéria já está consolidada a ponto de poderse recorrer a eventuais relativizações no Brasil o problema é grave e longe de atingirse uma solução satisfatória Daí por que aqui precisamos sim de todo o rigor da regra o juiz que investiga não pode julgar pois temos por culpa do art 156 e de uma forte cultura inquisitória um cenário bastante perigoso e que exige uma postura intransigente 60 Decisões 49690 40191 50291 12492 18692 39992 43993 43295 entre outras 61 OLIVA SANTOS Andrés Jueces Imparciales Fiscales Investigadores y Nueva Reforma para la Vieja Crisis de la Justicia Penal Barcelona PPU 1988 p 30 62 Idem ibidem p 30 44 e ss 63 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 64 O Papel do Novo Juiz no Processo Penal cit p 12 65 Idem ibidem p 47 66 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino Utet 1986 p 51 67 Mantivemos o termo paranoico de origem grega significando ao lado de e mente para ser fiel ao empregado por CORDERO Contudo KAPLAN SADOCK e GREBB Compêndio de Psiquiatria cit p 482487 explicam que atualmente a psiquiatria prefere tratar como transtorno delirante pois nem sempre tais delírios são de conteúdo persecutório Seria um transtorno delirante de tipo persecutório mas não no sentido de estar sendo perseguido senão de que deve perseguir para reparar a injustiça sofrida pela vítima paranoia querelante A questão poderia ainda ser tratada não no campo da patologia mas como sentimentos persecutórios De qualquer forma são evidentes os prejuízos decorrentes dos préjuízos para a imparcialidade subjetiva e o afastamento que deve guardar o julgador imparcialidade objetiva 68 Composta pela Teoria da Relatividade Especial desenvolvida no artigo Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento publicado no dia 5 de junho de 1905 na Revista Annalen der Physik e posteriormente complementada pela Teoria da Relatividade Geral no texto Teoria da Relatividade Geral publicado em Berlim no ano de 1916 cujo reconhecimento culminou com o recebimento do Nobel de Física em 1921 mas pelo trabalho realizado em 1905 pois a relatividade geral ainda enfrentava muita resistência No texto publicado em 1905 Einstein demonstra que a ideia do éter experimento de Fitzgerald e Lorentz era supérflua e que as leis da ciência deveriam parecer as mesmas para todos os observadores em movimento livre Eles deveriam medir a mesma velocidade da luz sem importar o quão rápido estivessem se movendo pois a velocidade da luz é independente do movimento deles sendo a mesma em todas as direções Isso exigia o abandono da ideia de que existe uma quantidade universal chamada tempo que todos os relógios mediriam Ao contrário explica HAWKING Stephen O Universo numa Casca de Noz 2 ed São Paulo Mandarim 2002 p 9 cada um teria seu tempo pessoal Os tempos de duas pessoas coincidiriam se elas estivessem em repouso uma em relação à outra mas não se estivessem em movimento Vários experimentos foram feitos incluindo uma versão do paradoxo dos gêmeos feita com dois relógios de alta precisão viajando a bordo de aviões que voavam em direções opostas ao redor do mundo Eles retornavam mostrando horas ligeiramente diferentes demonstrando que o tempo era relativo variável conforme a posição e o deslocamento do observador Mas foi em 1916 com a Teoria da Relatividade Geral que Einstein rompe a base da teoria newtoniana do tempo absoluto demonstrando a superação das três dimensões altura largura e comprimento para acrescentar o tempo enquanto quarta dimensão 69 EINSTEIN Vida e Pensamentos São Paulo Martin Claret 2002 p 1618 70 HAWKING op cit p 11 71 HAWKING op cit p 11 72 EINSTEIN op cit p 100 73 Especialmente na obra Sobre o Tempo Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1998 74 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho Buenos Aires Ad Hoc 2002 p 85 75 MESSUTI Ana O Tempo como Pena São Paulo RT 2003 p 33 76 PASTOR Daniel Op cit p 79 77 MOSCONI Giuseppe Tiempo Social y Tiempo de Cárcel In Secuestros Institucionales y Derechos Humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas Iñaki Rivera Beiras e Juan Dobon org Barcelona Bosch 1997 p 91103 78 Devemos considerar que o Direito construiu seus instrumentos artificiais de aceleração buscando amenizar a rigidez do tempo carcerário Exemplo típico é a remição comutação e o próprio sistema progressivo como um todo Contudo ao lado do critério temporal estão os requisitos subjetivos fazendo com que a aceleração dependa do mérito do apenado Poderíamos até cogitar de uma teoria da relatividade na execução penal onde 10 anos de pena para um não é igual a 10 anos de pena para outro O problema são os critérios que o Direito utiliza para imprimir maior fluidez ao tempo carcerário 79 Parecer tempo e direito Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM n 122 janeiro2003 p 669 80 MESSUTI Ana Op cit p 33 81 Ilustrativa é a expressão pena de banquillo consagrada no sistema espanhol para designar a pena processual que encerra o sentarse no banco dos réus É uma pena autônoma que cobra um alto preço por si mesma independentemente de futura pena privativa de liberdade que não compensa nem justifica senão que acresce o caráter punitivo de todo o ritual judiciário 82 O termo estigmatizar encontra sua origem etimológica no latim stigma que alude à marca feita com ferro candente o sinal da infâmia que foi com a evolução da humanidade sendo substituída por diferentes instrumentos de marcação Atualmente não há como negar que o processo penal assume a marca da infâmia e a função do ferro candente A Criminologia crítica aponta para o labeling approach FIGUEIREDO DIAS Jorge e COSTA ANDRADE Manuel Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 42 como essa atividade de etiquetamento que sofre a pessoa e tal fenômeno pode ser perfeitamente aplicado ao processo penal O labeling approach como perspectiva criminológica entende que o self a identidade não é um dado uma estrutura sobre a qual atuam as causas endógenas ou exógenas mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de interação entre o sujeito e os demais Nesse panorama o processo penal assume a atividade de etiquetamento retirando a identidade de uma pessoa para outorgarlhe outra degradada estigmatizada É claro que essa estigmatização é relativa e não absoluta na medida em que varia conforme a complexidade que envolve a situação do réu o observador na visão da relatividade de EINSTEIN e a própria duração do processo Não há dúvida de que tanto maior será o estigma quanto maior for a duração do processo penal especialmente se o acusado estiver submetido a medidas cautelares O processo penal constitui o mais grave statusdegradation ceremony Como explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade Criminologia cit p 350 o conceito de cerimônia degradante foi introduzido em 1956 por H Garfinkel como sendo os processos ritualizados em que uma pessoa é condenada e despojada de sua identidade e recebe outra degradada O processo penal é a mais expressiva de todas as cerimônias degradantes 83 A expressão stato di prolungata ansia resume esse fenômeno Foi empregada na Exposição de Motivos do atual Código de Processo Civil italiano para justificar a crise do procedimento civil ordinário e a necessidade de implementar formas de tutela de urgência mas encontra no processo penal um amplo campo de aplicação levando em conta a natureza do seu custo Como explicamos em outra oportunidade Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal p 54 o processo penal submete o particular a uma instituição que em geral lhe é absolutamente nova e repleta de mistérios e incógnitas A profissionalização da justiça e a estrutura burocrática que foi implantada devido também à massificação da criminalidade fazem com que o sujeito passivo tenha que se submeter a um mundo novo e desconhecido Isso sem considerar o sistema penitenciário que sem dúvida é um mundo à parte com sua própria escala e hierarquia de valores linguagem etc Esse ambiente da justiça penal é hostil complexo e impregnado de simbolismos Para o sujeito passivo todo o cenário revela um mistério que somente poderá compreender depois de submeterse a toda uma série de cerimônias degradantes A arquitetura das salas dos tribunais configura um plágio das construções religiosas com suas estátuas e inclusive com um certo vazio onde deverá ser exposto o acusado Tudo isso traduz em última análise que o binômio crimepecado ainda não foi completamente superado pelo homem Os membros do Estado juízes promotores e auxiliares da justiça movemse em um cenário que lhes é familiar com a indiferença de quem só cumpre mais uma tarefa rotineira Utilizam uma indumentária vocabulário e todo um ritualismo que contribui de forma definitiva para que o indivíduo adquira a plena consciência de sua inferioridade Dessa forma o mais forte é convertido no mais impotente dos homens frente à supremacia punitiva estatal Tudo isso acrescido do peso da espada de Dâmocles que pende sobre sua cabeça leva o sujeito passivo a um estado de angústia prolongada Enquanto dura o processo penal dura a incerteza e isso leva qualquer pessoa a níveis de estresse jamais imaginados Não raros serão os transtornos psicológicos graves como a depressão exógena O sofrimento da alma é um custo que terá que pagar o submetido ao processo penal e tanto maior será sua dor quanto maior seja a injustiça a que esteja sendo submetido 84 Lezioni sul Processo Penale Roma Edizioni DellAteneo 1946 v I p 67 e ss 85 Para um estudo mais aprofundado desse direito fundamental recomendamos a leitura de nossa obra Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável escrita em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e publicada pela Editora Lumen Juris 86 BECCARIA Cesare Dos Delitos e das Penas p 59 87 Essa é a base do pensamento liberal clássico nas prisões cautelares a cruel necessidade Acompanhada do caráter de excepcionalidade e brevidade provisoriedade 88 Não concordamos contudo quando o autor p 42 distingue duas espécies de delitos e a eles atribui regras de probabilidade para diferenciar a duração dos processos Afirma Beccaria que os crimes mais graves são mais raros deve diminuirse a duração da instrução e do processo porque a inocência do acusado é mais provável do que o crime Devese porém prolongar o tempo da prescrição Ao contrário nos delitos menos consideráveis e mais comuns é preciso prolongar o tempo dos processos porque a inocência do acusado é menos provável e diminuir o tempo fixado para a prescrição porque a impunidade é menos perigosa Tratase de uma premissa equivocada e de uma relação nunca demonstrada Sem embargo isso em nada prejudica o brilhantismo da obra pois devemos considerar o espaçotempo em que ela foi concebida Itália 176465 bem como a importância de seu conjunto 89 PASTOR Daniel Op cit p 103 90 Es indudable y resulta obvio que cuando se juzga más allá de un plazo razonable cualquiera que sea la causa de la demora se está juzgando a un hombre distinto en sus circunstancias personales familiares y sociales por lo que la pena no cumple ni puede cumplir con exactitud las funciones de ejemplaridad y de reinserción social del culpable que son fines justificantes de la sanción como con fina sensibilidad dice la Sentencia de 2661992 Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas In COLOMER JuanLuis Gómez CUSSAC José Luis Gonzáles Coords La Reforma de la Justicia Penal Publicações da Universitat Jaume I 1997 p 387 91 Pois uma função inerente à pena de prisão é obrigar a um constante reviver o passado no presente Devemos recordar ainda que o cárcere é um instrumento de caricaturização e potencialização de distintos aspectos da sociedade de modo que a dinâmica do tempo também vai extremarse no interior da instituição total levando ao que denomino patologias de natureza temporal Isso significa em apertada síntese que o tempo de prisão é tempo de involução que a prisão gera uma total perda do referencial social de tempo pois a dinâmica intramuros é completamente desvinculada da vivida extramuros onde a sociedade atinge um nível absurdo de aceleração em total contraste com a inércia do apenado Existe uma clara defasagem entre o tempo social e o tempo do cárcere como bem percebeu MOSCONI Tiempo Social y Tiempo de Cárcel In Secuestros Institucionales y Derechos Humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas p 91103 A prisão possui um tempo mumificado pela instituição em contraste com a dinâmica e complexidade do exterior Assim essa ruptura de existências e significados de potencialidades identidades e perspectivas causa um sofrimento muito maior do que antigamente Isso exige um repensar a proporcionalidade e adequação da pena a partir de outro paradigma temporal aliado à velocidade do tempo externo e o congelamento do tempo interno Não há dúvida de que o tempo da prisão é muito mais lento e longo do que há algum tempo O choque não está apenas no tempo subjetivo do apenado e no sofrimento mas também na inutilidade da pena diante do contraste com o tempo social É por isso que afirmamos que a pena de prisão é tempo de involução o apenado não sairá do cárcere em condições de acompanhar o tempo social pois está literalmente à margem por isso novamente marginalizado dessa dinâmica Eis aqui mais um elemento a evidenciar a falácia ressocializadora Com razão MOSCONI op cit quando conclui apontando a necessidade de reduzir ao máximo a duração da pena de prisão para evitar um prejuízo ainda maior A pena enquanto resposta à inadequação social é obsoleta e igualmente inadequada pois em conflito com o pluralismo dinâmico da atual complexidade social Para o autor o tempo da prisão deverá pluralizarse e diferenciarse necessariamente inclusive com várias formas de experiência que abandone qualquer resíduo ideológico ou rigidez preconcebida Ademais essa defasagem temporal se transforma em fonte de somatização e enfermidade de modo que o uso prolongado da instituição penitenciária somente poderá produzir novas patologias sociais daí novamente a necessidade de redução do tempo de duração da pena de prisão 92 PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 401 93 Interessante a argumentação que o Estado alemão invocou no caso Bock STEDH 29031984 conforme aponta PEDRAZ PENALVA op cit p 402 de que nenhum Estado pode garantir a infalibilidade de seus tribunais pois o erro judicial cometido por um juiz pode provocar um recurso e por conseguinte prolongar o procedimento Se isso significa uma violação do direito a um prazo razoável se estará reconhecendo o direito a decisões judiciais impecáveis tradução nossa Tal argumento ainda que sedutor carece de qualquer fundamento legítimo pois como bem respondeu o TEDH um erro imputável a um Tribunal entranhado de um atraso oriundo da necessidade de atacálo pode quando combinado com outros fatores ser considerado para a apreciação do caráter razoável do prazo do art 61 da CEDH Não se trata de buscar decisões judiciais impecáveis obviamente impossíveis senão de reconhecer a responsabilidade do Estado pelo erro crasso ou excessiva demora por parte do tribunal em remediar um equívoco evidente quando forem causadores de longa demora estamos diante de uma dilação indevida O que não se pode admitir é que além do erro seja ele qualificado pela demora em remediar seus efeitos 94 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 100 95 O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969 através do Decreto n 678 de 6 de novembro de 1992 96 STC 585 El art 242 no ha constitucionalizado el derecho a los plazos ha constitucionalizado como un derecho fundamental con todo lo que ello significa el derecho de toda persona a que su causa sea resuelta dentro de un tiempo razonable Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 392 97 Cf PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 111 e ss 98 a La duración de la detención e sí misma b La duración de la prisión preventiva con relación a la naturaleza del delito a la pena señalada y a la pena que debe esperarse en caso de condena c Los efectos personales sobre el detenido tanto de orden material como moral u otros d La conducta del imputado en cuanto haya podido influir en el retraso del proceso e Las dificultades para la investigación del caso complejidad de los hechos cantidad de testigos e inculpados dificultades probatorias etc f La manera en que la investigación ha sido conducida g La conducta de las autoridades judiciales 99 PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 395 100 Com base na razoabilidade já decidiram o TEDH e a Corte Americana que uma prisão cautelar supere o prazo fixado no ordenamento jurídico interno e ainda assim esteja justificada a partir da complexidade da conduta do imputado da proporcionalidade etc No Caso Firmenich versus Argentina a Corte Americana de Direitos Humanos entendeu que uma prisão cautelar que havia durado mais de 4 anos estava justificada ainda que superasse o prazo fixado pelo ordenamento interno 2 anos 101 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 118 e também na p 136 102 Idem ibidem p 123 103 GIMENO SENDRA Vicente et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 108 e ss 104 Idem ibidem p 109 105 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 60 106 Tratase da doutrina do não prazo explicada no tópico anterior no sentido de que compete aos juízes aferir em cada caso e ex post se houve violação da garantia em questão 107 Não somos adeptos do dogma da completude lógica e ainda que a lei defina limites atendendo a certos critérios é elementar que o reconduzir o tempo ao sujeito exige uma significativa carga de sentire por parte do julgador Mas essa operação deve realizarse a partir de certos parâmetros para não cair numa tal abertura conceitual que conduza à ineficácia do direito fundamental Daí a necessidade de fixação em lei de limites temporais ainda que com certa margem de adequação às especificidades de cada caso 108 BRANDÃO Cláudio Introdução ao Direito Penal Rio de Janeiro Forense 2002 p 10 109 PEDRAZ PENALVA El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 392 aponta que um dos requisitos considerados indispensáveis pelo Tribunal Constitucional da Espanha para o reconhecimento da dilação indevida é que a parte manifeste seu protesto e postule a resolução do feito antes de sua conclusão Tal entendimento visa a permitir que o próprio julgador sane o problema remediando a dilação com a prática da atividade devida Tal exigência é corretamente criticada pelo autor p 386 na medida em que isso cria um outro prazo também razoável para sanar a dilação gerando ao final uma soma cronológica irracional e muito além do tempo final aceitável De qualquer forma a decisão prolatada tardiamente não repara a dilação já ocorrida pois não se opera qualquer tipo de saneamento como muito bem entendeu o Tribunal Constitucional da Espanha STC 101991 Ninguna influencia tiene a la ora de ponderar la pervivencia de la lesión constitucional el que la inactividad judicial haya cesado después de interpuesto el recurso de amparo 110 No Brasil os prazos previstos para a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena aplicada ou in abstrato são inadequados para o objeto em questão pois excessivos principalmente pela pena em abstrato Ainda que se cogite de prescrição pela pena aplicada tal prazo em regra está muito além do que seria uma duração razoável do processo penal Devemos considerar ainda diante da imensa resistência dos tribunais em reconhecer a prescrição antecipada que o imputado terá de suportar toda a longa duração do processo para só após o trânsito em julgado buscar o reconhecimento da prescrição pela pena concretizada 111 A duração da prisão provisória é pautada pela necessidade e manutenção dos pressupostos que a originaram Na Espanha o Tribunal Constitucional STC 17885 definiu que a duração deve ser tão somente a que se considere indispensável para conseguir a finalidade pela qual foi decretada No mesmo sentido também já tem decidido o Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos casos Weinhoff junho68 Neumeister junho68 Bezicheri out85 entre outros Para evitar abusos o art 174 da Constituição da Espanha dispõe que por lei irá se determinar o prazo máximo de duração da prisão provisória O regramento do dispositivo constitucional encontrase no art 504 da LECrim com a nova redação dada pela LO 132003 que disciplina o prazo máximo de duração dessa medida cautelar levandose em consideração a pena abstratamente cominada no tipo penal incriminador Assim a prisão cautelar poderá durar no máximo até 1 ano se a pena cominada for até 3 anos até 2 anos se a pena cominada for superior a 3 anos É possível a prorrogação em situações excepcionais por mais 6 meses no primeiro caso e até 2 anos no segundo Se o imputado for condenado e recorrer da sentença a prisão cautelar poderá estenderse até o limite de metade da pena imposta Interessante ainda que se a prisão cautelar foi decretada para tutela da prova não poderá durar mais do que 6 meses Por fim atento ao direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável o legislador espanhol alterou a redação do art 507 para estabelecer que o recurso de apelação contra a decisão que decreta prorrogue ou negue o pedido de prisão provisória deverá ser julgado no prazo máximo de 30 dias Na Alemanha StPO 121 a regra geral é a de que a prisão provisória não possa durar mais de 6 meses salvo quando a especial dificuldade a extensão da investigação ou outro motivo importante não permita prolatar a sentença e justifique a manutenção da prisão Em caso de prorrogação se poderá encomendar ao Tribunal Superior do Land que faça um exame sobre a necessidade de manutenção da prisão no máximo a cada 3 meses dever de revisar periodicamente Em Portugal o juiz tem a obrigação de revisar a cada 3 meses a medida cautelar decretada verificando se ainda permanecem os motivos e pressupostos que a autorizaram art 2131 Além disso se passados 6 meses da prisão ainda não tiver sido iniciado o processo com efetiva acusação o imputado deverá ser colocado em liberdade salvo situação de excepcional complexidade Também como regra geral o CPP português prevê que se passados 18 meses sem sentença ou 2 anos sem trânsito em julgado deve o acusado ser posto em liberdade salvo se a gravidade do delito ou sua complexidade justificar a ampliação do prazo Na Itália o CPP utiliza o critério de quantidade da pena em abstrato para determinar o tempo máximo de duração da prisão cautelar e para isso existe uma grande variedade de prazos conforme a gravidade do delito e a fase em que se encontra o processo É importante ressalvar que o legislador italiano determinou que os prazos devem ser considerados independentes e autônomos para cada fase do processo É óbvio que a duração fixada pode ser considerada dependendo do caso excessiva mas ao menos existe um referencial normativo para orientar a questão e até mesmo definir o objeto da discussão O que é inadmissível é a inexistência total de limites normativos como sucede no sistema brasileiro Outra questão muito relevante é que em observância à provisionalidade da prisão cautelar são situacionais existe em alguns países europeus um dever de revisar a medida adotada após determinado lapso de tempo Na Itália art 2943 do Codice de Procedura Penale o juiz deverá revisar a decisão que determinou a prisão em no máximo 5 dias desde que se iniciou seu cumprimento Na Alemanha StPO 122 o exame sobre se a prisão deve ser mantida ou não deverá ser revisada no máximo a cada 3 meses Em Portugal art 2131 do CPP também a cada 3 meses no máximo deverá o juiz revisar a medida e decidir sobre a necessidade de sua manutenção Esse é um exemplo que deveria ser seguido no Brasil para evitar a triste realidade daqueles juízes que simplesmente esquecem do réu preso recordando o suplício narrado por BECCARIA De los Delitos y de las Penas p 61 Cuál contraste más cruel que la indolencia de un juez y las angustias de un reo Las comodidades y placeres de un magistrado insensible de una parte y de otra las lágrimas y la suciedad de un encarcelado 112 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração Rio de Janeiro Renovar 2003 p 235 e ss 113 STC 2481 Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 404 114 Artículo 136 DURACIÓN MÁXIMA Toda persona tendrá derecho a una resolución judicial definitiva en un plazo razonable Por lo tanto todo procedimiento tendrá una duración máxima de cuatro años contados desde el primer acto del procedimiento Este plazo sólo se podrá extender por seis meses más cuando exista una sentencia condenatoria a fin de permitir la tramitación de los recursos La fuga o rebeldía del imputado interrumpirá el plazo de duración del procedimiento Cuando comparezca o sea capturado se reiniciará el plazo Artículo 137 EFECTOS Vencido el plazo previsto en el artículo anterior el juez o tribunal de oficio o a petición de parte declarará extinguida la acción penal conforme a lo previsto por este código Cuando se declare la extinción de la acción penal por morosidad judicial la víctima deberá ser indemnizada por los funcionarios responsables y por el Estado Se presumirá la negligencia de los funcionarios actuantes salvo prueba en contrario En caso de insolvencia del funcionario responderá directamente el Estado sin perjuicio de su derecho a repetir Artículo 138 PRESCRIPCIÓN La duración del procedimiento no podrá superar el plazo previsto para la prescripción de la acción penal cuando este sea inferior al máximo establecido en este capítulo 115 Artículo 139 PERENTORIEDAD EN LA ETAPA PREPARATORIA Cuando el Ministerio Público no haya acusado ni presentado otro requerimiento en la fecha fijada por el juez y tampoco haya pedido prórroga o ella no corresponda el juez intimará al Fiscal General del Estado para que requiera lo que considere pertinente en el plazo de diez días Transcurrido este plazo sin que se presente una solicitud por parte del Ministerio Público el juez declarará extinguida la acción penal sin perjuicio de la responsabilidad personal del Fiscal General del Estado o del fiscal interviniente 116 Artículo 141 DEMORA EN LAS MEDIDAS CAUTELARES PERSONALES RESOLUCIÓN FICTA Cuando se haya planteado la revisión de una medida cautelar privativa de libertad o se haya apelado la resolución que deniega la libertad y el juez o tribunal no resuelva dentro de los plazos establecidos en este código el imputado podrá urgir pronto despacho y si dentro de las veinticuatro horas no obtiene resolución se entenderá que se ha concedido la libertad En este caso el juez o tribunal que le siga en el orden de turno ordenará la libertad Una nueva medida cautelar privativa de libertad sólo podrá ser decretada a petición del Ministerio Público o del querellante según el caso 117 Também está consagrado em diversas Constituições europeias entre elas destacamos a espanhola tradução nossa Art 241 Todas as pessoas têm direito a obter a tutela efetiva dos juízes e tribunais no exercício de seus direitos e interesses legítimos em que em nenhum caso possa produzirse cerceamento de defesa 2 De igual forma todos têm direito ao juiz ordinário predeterminado por lei à defesa e à assistência de advogado a ser informado da acusação formulada contra si a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias a utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa a não declarar contra si mesmo a não confessar sua culpa e à presunção de inocência grifo nosso 118 Art 61 Toda persona tiene derecho a que su causa sea oída equitativa públicamente y dentro de un plazo razonable por un tribunal independiente e imparcial establecido por la ley que decidirá sobre sus derechos y obligaciones de carácter civil o sobre el fundamento de cualquier acusación que en materia penal se dirija contra ella 119 Exemplos extraídos das obras de Daniel Pastor e Ernesto Pedraz Penalva anteriormente citadas 120 Para os padrões brasileiros uma demora de apenas três anos e meio junto ao STF numa ação de natureza reparatória contra a União seria realmente anormal mas em sentido inverso ao caso citado 121 Conforme exemplos extraídos de PASTOR Daniel op cit p 208 e ss Caso Gimenez contra Argentina sentença prolatada em 01031996 o réu foi condenado por delitos de roubo a uma pena de 9 anos de prisão Cautelarmente ficou detido por cerca de 5 anos A Corte expressou seu reconhecimento pelo avanço legislativo daquele país que havia promulgado lei estabelecendo o limite de duração da prisão preventiva 2 anos Destacou a possibilidade de uma cautelar exceder o prazo fixado no sistema jurídico interno 2 anos sem com isso ser considerado automaticamente como indevido ao mesmo tempo em que uma prisão cautelar poderia ser vista como excessiva ainda que sua duração fosse inferior ao prazo de 2 anos No caso em questão a partir da doutrina dos três critérios entendeu que houve dilação indevida do processo e excesso na duração da prisão cautelar Caso Bronstein e outros contra Argentina sentença de 29011997 foram reunidas 23 reclamações de excesso de prazo da prisão preventiva em diferentes processos penais As detenções variavam de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 9 meses e 11 imputados ainda se encontravam presos quando do julgamento na Corte A Comissão entendeu que havia uma denegação de justiça em relação aos reclamantes e dos demais que se encontravam em situação similar na Argentina Destacou que o poder estatal de deter uma pessoa a qualquer momento ao longo do processo penal constitui ao mesmo tempo o fundamento do dever de julgar tais casos dentro de um prazo razoável Em decisão única a Corte entendeu que a Argentina violou em relação a todos os peticionários o direito a um processo sem dilações indevidas assim como o direito à presunção de inocência Caso Garcés Valladares contra Equador sentença de 13041999 a ré foi detida e acusada por prática de atividades vinculadas ao tráfico de substâncias entorpecentes tendo permanecido em prisão cautelar ao longo de 5 anos e 11 meses Ao final foi absolvida de todas as acusações e colocada em liberdade A Comissão entendeu que houve violação do direito ao julgamento em um prazo razoável e da presunção de inocência Recomendou que o Estado Equador efetuasse uma reparação pecuniária pelas violações cometidas 122 Sobre o funcionamento e estrutura da Comissão e da Corte Interamericana recomendamos a leitura da obra que escrevemos em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ intitulada Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável cit 123 Sobre a violação das garantias judiciais destacamos o seguinte trecho da manifestação da Comissão a en el caso sub judice la falta de efectividad del proceso interno puede ser demostrada de dos formas por las omisiones de las autoridades que dejaron de realizar acciones e investigaciones fundamentales para recolectar todas las pruebas posibles a fin de determinar la verdad de los hechos así como por las deficiencias y fallas en las acciones que fueron efectuadas b los errores en la investigación evidencian que las autoridades del Estado no buscaron efectivamente dilucidar la verdad sobre la muerte de la presunta víctima a través de una investigación inmediata seria y exhaustiva c la notitia criminis sobre la muerte de la presunta víctima llegó a conocimiento de las autoridades policiales el mismo día a través de su familia Sin embargo el Comisiario de Policía de Sobral no instauró inmediatamente la investigación policial sino que lo hizo 35 días después el 9 de noviembre de 1999 Según la Comisión esa demora afectó de forma crucial la eficacia de la investigación d el Ministerio Público presentó la denuncia el 27 de marzo de 2000 en la cual tipificó la muerte por golpes del señor Damião Ximenes Lopes como una muerte por omisión o privación de cuidados indispensables y alternativamente concluyó que si la muerte hubiera sido causada por golpes el artículo 136 del Código Penal continuaría siendo la tipificación adecuada e en el presente caso la actividad procesal de los familiares de la presunta víctima no es relevante para analizar el plazo razonable En consecuencia las alegaciones del Estado de que las deficiencias de la investigación y en la producción de prueba podrían haber sido suplidas por la madre del señor Damião Ximenes Lopes como asistente de la acusación en la acción penal n 67400 carecen de fundamento f el presente caso no puede ser considerado complejo como lo alegó el Estado por el supuesto gran número de testimonios La conducta negligente e injustificada de las autoridades estatales llevaron a la demora del proceso interno ya que tardaron en iniciar las investigaciones realizar y comparecer en las audiencias expedir intimaciones comisiones y exhortaciones necesarias Las autoridades se dedicaron a dictar meros autos interlocutorios sin motivación y por meses no se procedió a la ejecución de decisión o diligencia alguna El volumen de trabajo del Juzgado de la Tercera Sala de la Secretaría de Sobral no puede servir de excusa para la demora y los lapsos de inercia estatal y g la inexistencia de una sentencia de primera instancia después de seis años de la muerte violenta del señor Damião Ximenes Lopes y el estado actual del proceso penal interno aún en la fase de instrucción indican que los familiares de la presunta víctima se encuentran en una situación de denegación de justicia por parte de las autoridades estatales 124 Destacamos os seguintes tópicos da sentença 195 El artículo 81 de la Convención establece como uno de los elementos del debido proceso que los tribunales decidan los casos sometidos a su conocimiento en un plazo razonable La razonabilidad del plazo se debe apreciar en relación con la duración total del procedimiento penal En materia penal este plazo comienza cuando se presenta el primer acto de procedimiento dirigido en contra de determinada persona como probable responsable de cierto delito y termina cuando se dicta sentencia definitiva y firme 196 Para examinar si en este proceso el plazo fue razonable según los términos del artículo 81 de la Convención la Corte tomará en consideración tres elementos a la complejidad del asunto b la actividad procesal del interesado y c la conducta de las autoridades judiciales 203 El plazo en que se ha desarrollado el procedimiento penal en el caso sub judice no es razonable ya que a más de seis años o 75 meses de iniciado todavía no se ha dictado sentencia de primera instancia y no se han dado razones que puedan justificar esta demora Este Tribunal considera que este período excede en mucho el principio de plazo razonable consagrado en la Convención Americana y constituye una violación del debido proceso 204 Por otra parte la falta de conclusión del proceso penal ha tenido repercusiones particulares para las familiares del señor Damião Ximenes Lopes ya que en la legislación del Estado la reparación civil por los daños ocasionados como consecuencia de un hecho ilícito tipificado penalmente puede estar sujeta al establecimiento del delito en un proceso de naturaleza criminal por lo que en la acción civil de resarcimiento tampoco se ha dictado sentencia de primera instancia Es decir la falta de justicia en el orden penal ha impedido que las familiares del señor Ximenes Lopes en particular su madre obtengan una compensación civil por los hechos del presente caso 205 Por lo expuesto la Corte considera que el Estado no dispuso de un recurso efectivo para garantizar en un plazo razonable el derecho de acceso a la justicia de las señoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda madre y hermana respectivamente del señor Damião Ximenes Lopes con plena observancia de las garantías judiciales grifo nosso 125 Desde a primeira edição da obra Introdução Crítica ao Processo Pena l em 2003 e também no livro Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável em coautoria com Gustavo Henrique Badaró publicado em 2006 126 Convém sublinhar que todos esses valores já foram pagos nos termos da decisão e sem serem submetidos ao regime de precatórios no ano de 2007 127 São várias mas destacamos que a Corte faz a seguinte advertência e determinação ao País 247 En el presente caso la Corte estableció que transcurridos más de seis años de los hechos los autores de los tratos crueles inhumanos y degradantes así como de la muerte del señor Damião Ximenes Lopes no han sido responsabilizados prevaleciendo la impunidad 248 La Corte advierte que el Estado debe garantizar que en un plazo razonable el proceso interno tendiente a investigar y sancionar a los responsables de los hechos de este caso surta sus debidos efectos dando aplicabilidad directa en el derecho interno a la normativa de protección de la Convención Americana E na parte dispositiva El Estado debe garantizar en un plazo razonable que el proceso interno tendiente a investigar y sancionar a los responsables de los hechos de este caso surta sus debidos efectos en los términos de los párrafos 245 a 248 de la presente Sentencia 128 A classificação é de PASTOR Daniel op cit p 504538 129 Tal dano é substancialmente ampliado pela necessidade de um novo e demorado processo agora de natureza civil onde esse dano será longamente discutido e debatido para após novo processo agora de execução No mínimo o dano processual deve ser triplicado pela necessidade de a parte suportar dois processos de conhecimento o penal gerador do dano inicial seguido do processo de conhecimento na esfera civil e um de execução da sentença condenatória proferida pelo juízo cível Em última análise a violação do direito de ser julgado num prazo razoável conduz à reiteração da violação do mesmo direito pois novamente o imputado terá de suportar a longa demora judicial agora na esfera cível 130 É o melhor sistema adotado pelo Código de Processo Penal do Paraguai tanto para o processo penal como um todo como também para a ação penal se a investigação preliminar exceder o prazo fixado A questão está disciplinada nos arts 136 a 139 anteriormente transcritos quando tratamos do tópico Nulla coactio sine lege ao qual remetemos o leitor para evitar repetições 131 Adotando uma inédita solução processual extintiva diante da violação do direito de ser julgado em um prazo razoável proferiu o TJRS em acórdão da lavra do Rel Des Nereu GIACOMOLLI 6ª Câmara Criminal Apelação 70019476498 j 14062007 a seguinte decisão absolutória ROUBO TRANSCURSO DE MAIS DE SEIS ANOS ENTRE O FATO E A SENTENÇA PROCESSO SIMPLES EM COMPLEXIDADE ABSOLVIÇÃO 1 O tempo transcorrido no caso em tela sepulta qualquer razoabilidade na duração do processo e influi na solução final Fato e denúncia ocorridos há quase sete anos O processo entre o recebimento da denúncia e a sentença demorou mais de cinco anos Somente a intimação do Ministério Público da sentença condenatória tardou quase de cinco meses Aplicação do artigo 5º LXXVIII Processo sem complexidade a justificar a demora estatal 2 Vítima e réu conhecidos réu que pede perdão à vítima já na fase policial réu vítima e testemunha que não mais lembram dos fatos 3 Absolvição decretada Da leitura do acórdão percebese claramente que o relator decidiu pela absolvição do réu tendo como fundamento a dilação indevida e diante da inexistência de uma solução processual extintiva no sistema brasileiro revestiua do caráter absolutório Sem dúvida uma decisão inovadora e muito relevante para a problemática em tela 132 Similar à pena de inutilizzabilità prevista no art 4073 do CPP italiano mas apenas em relação aos atos da investigação preliminar Art 407 Termini di durata massima delle indagini preliminari 3 Salvo quanto previsto dallart 415bis qualora il pubblico minitero non abbia esercitato lazione penale o richiesto larchiviazione nel termine stabilito dalla legge o prorogato dal giudice gli atti di indagine compiuti dopo la scadenza del termine non possono essere utilizzati 408 411 Para assegurar a eficácia da limitação temporal fixada para a fase préprocessual indagini preliminari o CPPI determina que se o MP não exercitar a ação penal ou solicitar o arquivamento no prazo estabelecido na lei ou prorrogado pelo juiz os atos de investigação praticados depois de expirado o prazo dilação indevida não poderão ser utilizados no processo É o que a doutrina define como pena de inutilizzabilità pena de inutilidade em clara alusão à ineficácia jurídica desses atos 133 Nesse sentido a Súmula 231 do STJ reflete a posição hoje majoritária Contudo a nosso juízo tratase de entendimento equivocadamente pacificado na medida em que constitui um despropositado preciosismo além de substancialmente inconstitucional como muito bem identificou o então Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro em saudosas decisões prolatadas no STJ vg RESP 681200MG cuja ementa é RESP PENAL PENA INDIVIDUALIZAÇÃO ATENUANTE FIXAÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL O Princípio da individualização da pena Const art 5º XLVI materialmente significa que a sanção deve corresponder às características do fato do agente e da vítima enfim considerar todas as circunstâncias do delito A cominação estabelecendo grau mínimo e grau máximo visa a esse fim conferindo ao juiz conforme o critério do art 68 CP fixar a pena in concreto A lei trabalha com o gênero Da espécie cuida o magistrado Só assim terseá direito dinâmico e sensível à realidade impossível de formalmente ser descrita em todos os pormenores Imposição ainda da justiça do caso concreto buscando realizar o direito justo Na espécie sub judice a penabase foi fixada no mínimo legal Reconhecida ainda a atenuante da confissão espontânea CP art 65 III d Todavia desconsiderada porque não poderá ser reduzida Essa conclusão significaria desprezar a circunstância Em outros termos não repercutir na sanção aplicada Ofensa ao princípio e ao disposto no art 59 CP que determina ponderar todas as circunstâncias do crime Infelizmente tal posição encontrou sérias resistências a ponto de culminar com a publicação da Súmula n 231 do STJ 134 El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit especialmente no Capítulo V 135 Idem ibidem p 513 136 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 53 137 Idem ibidem p 51 138 Idem ibidem p 89 139 Ou ainda no mesmo sentido o direito a um processo sem dilações indevidas 140 CARVALHO Salo Pena e Garantias 2 ed Rio de janeiro Lumen Juris 2003 p 208 141 BINDER Alberto B O Descumprimento das Formas Processuais p 49 142 MIRANDA COUTINHO Jacinto Nelson de Introdução aos Princípios cit p 2 143 Derecho y Razón cit p 550 144 Na obra Investigação Preliminar 5ª edição em coautoria com Ricardo Jacobsen Gloeckner publicada pela editora Saraiva 145 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal t I Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 p 252 146 Para Perego duas são as presunções que movimentam a dinâmica do processo a de culpabilidade e a de inocência Para o autor dentro da lógica não é possível que ambas emirjam simultaneamente Isso somente pode ocorrer quando uma presunção seja racional e a outra intuitiva ou sentimental uma vez que a concorrência da razão e do sentimento é justamente o que compõe o juízo Todavia Perego nega que seja possível filosoficamente uma presunção ser sentimental O indiciado portanto não passa de um indiciado culpável caso contrário não se procederia contra ele mas não um presumível culpado ou inocente PEREGO Luigi I Nuovi Valori Filosofici e Il Diritto Penale Milano Società Editrice Libraria 1918 p 198 147 FERRARI Ubaldo La Verità Penale e la sua Ricerca nel Diritto Processuale Penale Italiano Milano Inst Ed Scientifico 1927 148 VITALI Giovanni Sul Principio della Presunzione di Colpa DellImputato In Cassasione Unica XXVII 1916 p 1009 149 CARVALHO Amilton Bueno de Lei para quem In WUNDERLICH Alexandre coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 51 150 Derecho y Razón cit p 549 151 Daí a importância da distinção entre atos de prova praticados durante a fase processual e atos de investigação colhidos na inquisição do inquérito e sem a observância da jurisdicionalidade posto que somente os primeiros podem justificar uma sentença condenatória 152 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 549 153 Não confundir essa concepção com aquela dada por Marc Ancel 154 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 550 155 Dos Delitos e das Penas p 35 156 Baseamonos na divisão de Perfecto Andrés Ibáñez Garantismo y Proceso Penal cit p 53 157 VEGAS TORRES Jaime Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal Madrid La Ley 1993 p 14 e ss 158 Art 9º Todo homem presumese inocente enquanto não houver sido declarado culpado por isso se se considerar indispensável detêlo todo rigor que não seria necessário para a segurança de sua pessoa deve ser severamente punido pela lei 159 VEGAS TORRES Jaime op cit p 35 e ss 160 Utilizamos a expressão imputado para designar o acusado em geral a que se refere o art 5º LV da Constituição Logo tal tratamento inclui tanto o formalmente acusado fase processual como também aquele que na fase préprocessual figura como sujeito passivo de uma notíciacrime ou foi indiciado Sobre o tema vejase nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal p 271 e ss 161 CARRARA Derecho Penal y Procedimiento Penal p 15 Apud VEGAS TORRES op cit p 38 162 SUANNES Adauto Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal São Paulo RT 1999 p 232 163 Idem ibidem 164 A relação inafastável entre contraditório e o ato de contradizer explica porque J GOLDSCHMIDT utiliza como sinônimos as expressões ao definir como principio de controversia o contradicción Sobre o tema vejase sua obra Derecho Procesal Civil p 82 165 GOLDSCHMIDT Werner La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 189 166 Direito de silêncio nada a temer por se deter Será tratado na continuação 167 A Instrumentalidade do Processo São Paulo Malheiros 1990 p 177 168 Administración de Justicia y Derechos de la Personalidad In Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 182 e ss 169 CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli 1960 p 139 170 Entre as questões mais complexas do processo penal está o alcance do Princípio da Correlação intimamente vinculado ao objeto e à eficácia do contraditório Para evitar repetições veja adiante estudo detalhado desta problemática 171 PELLEGRINI GRINOVER Ada SCARANCE FERNANDES Antônio e GOMES FILHO Antônio Magalhães As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 172 Elementi di Diritto e Procedura Penale 5 ed Napoli Jovene 1981 p 212 173 Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 1 p 281 174 Isso porque seguimos a lição de JAMES GOLDSCHMIDT para quem o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva como entendia BINDING Sobre o tema consultese o capítulo específico sobre o Objeto do Processo Penal 175 Na Espanha utilizase a expressão letrado em clara alusão ao presumido conhecimento que o advogado deve ter não só técnico jurídico mas também de outras áreas 176 Derecho Procesal Penal 3 ed Barcelona Labor 1960 v I p 458 177 FOSCHINI Gaetano LImputato Milano Dott A Giuffrè 1956 p 26 178 Idem ibidem p 27 e ss 179 La Defensa en el Proceso Penal Madrid Civitas 1982 p 112 180 GUARNIERI op cit p 116 181 FOSCHINI Gaetano LImputato cit p 27 182 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É patente a violação do contraditório e da ampla defesa nesses casos 183 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 608 184 Pareceres Processo Penal In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 343 e ss 185 Las Partes en el Proceso Penal cit p 299 186 Em alguns pontos nos baseamos em FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 608 187 Derecho y Razón cit p 608 188 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2006 p 547 189 Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os Operadores do Direito cit p 176 190 Garantismo y Proceso Penal cit p 55 191 Idem ibidem p 59 192 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 44 e ss 193 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 280 194 Idem ibidem p 282 195 BOSCHI José Antônio Paganella A Sentença Penal Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez n 5 2002 p 65 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Os Princípios Constitucionais do Processo Penal são constitutivos das chamadas regras do jogo ou do devido processo due process of law servindo ao mesmo tempo como mecanismos de limitação e legitimação do poder de punir Pensamos o processo penal a partir da instrumentalidade constitucional ou seja um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição e um caminho necessário para chegarse a uma pena ou não pena permeado por regras que limitam o exercício do poder punitivo Os princípios gozam de plena eficácia normativa pois são verdadeiras normas Bobbio 1 JURISDICIONALIDADE decorre da exclusividade do órgão jurisdicional para impor a pena através do devido processo penal Não basta ter um juiz é necessário que seja imparcial natural e comprometido com a máxima eficácia da própria Constituição 11 O subprincípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um pressuposto de sua existência É necessária a existência de um juiz com competência preestabelecida por lei sendo que o nascimento desta garantia se dá com a prática do delito e não com o início do processo 12 A imparcialidade é outro pressuposto de sua existência sendo uma construção teórica do processo para exigir o estranhamento o alheamento terzietà do julgador A imparcialidade somente existe em uma estrutura processual acusatória que mantenha o juiz afastado das atividades que são inerentes às partes Por isso não deve o juiz ter iniciativa probatória não deve determinar de ofício a produção de provas pois ao fazer isso ele quebra o equilíbrio entre as partes fere de morte o contraditório e fulmina a imparcialidade dado que é inafastável o imenso prejuízo que decorre dos préjuízos Quem procura procura algo Logo quando o juiz vai atrás da prova de ofício ele decide primeiro e sai em busca dos elementos que justificam a decisão já tomada Devem ser evitados os atos que impliquem pré julgamento Grave problema do processo penal brasileiro decorre dos inúmeros dispositivos que permitem o ativismo judicial com sacrifício da garantia da imparcialidade e do sistema acusatório exigindo portanto uma filtragem constitucional Outro grave equívoco é a figura da prevenção onde o juiz que primeiro examinou a questão fica prevento e irá julgar o caso Conforme pacífica jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos juiz prevento é juiz contaminado que não pode julgar 13 O direito de ser julgado em um prazo razoável também se vincula à garantia da jurisdição Para seu estudo é necessário compreender o rompimento do paradigma newtoniano e o caráter punitivo do tempo Ser processado já é uma punição que vai agravada pela demora jurisdicional O ideal é a fixação do prazo máximo de duração do processo e também das prisões cautelares definindo assim claramente até que ponto a demora é legítima e quando passa a ser indevida No processo penal brasileiro existem muitos prazos mas sem sanção prazo sanção ineficácia por isso afirmamos que adotou a teoria do não prazo Na falta de um prazo máximo de duração do processo o TEDH e a CADH adotam a teoria dos três critérios ou seja analisando o caso concreto a complexidade do caso b atividade processual do interessado c conduta das autoridades judiciárias polícia Ministério Público juízes e tribunais Esses três elementos devem passar pelo filtro da Razoabilidade para afirmarse se houve uma dilação indevida ou não Foi analisando esses referenciais que a CADH no caso Ximenes Lopes condenou o Brasil entre outras pela violação do direito de ser julgado em um prazo razoável Reconhecida a demora jurisdicional devese aplicar uma solução que poderá ser a compensatória cível fixação de uma indenização b compensatória penal atenuação da pena perdão judicial etc c processual a melhor solução seria a extinção do feito mas não há previsão legal no CPP d sancionatória punição administrativa do servidor público responsável pela dilação indevida Devese buscar o difícil equilíbrio evitando a demora excessiva no processo mas também não admitindo o atropelo das garantias fundamentais em nome da pressa em punir A solução passa por a definição de um marco normativo interno que defina a duração máxima do processo e da prisão cautelar b as soluções compensatórias são insuficientes e produzem pouco efeito inibitório devendo se estabelecer uma solução processual extintiva c devese agilizar o processo penal com a diminuição dos tempos mortos de tempos burocráticos através da inserção de tecnologia e otimização dos atos cartorários 2 PRINCÍPIO ACUSATÓRIO para consagração do sistema processual acusatório na linha da Constituição mantendo a iniciativa e gestão da prova nas mãos das partes e evitando o ativismo judicial Postulase pela máxima eficácia do ne procedat iudex ex officio para garantia da imparcialidade do julgador e do contraditório Remetemos o leitor para o Capítulo anterior onde tratamos dos sistemas processuais 3 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA consagrada no art 5º LVII da Constituição é um princípio reitor do processo penal e seu nível de eficácia denota o grau de evolução civilizatória de um povo Do não tratar o réu como condenado antes do trânsito em julgado podemos extrair que a presunção de inocência é um dever de tratamento processual que estabelece regras de julgamento e de tratamento no processo e fora dele Manifestase numa dupla dimensão a interna estabelecendo que a carga da prova seja integralmente do acusador impondo a aplicação do in dubio pro reo limitando o campo de incidência das prisões cautelares b externa exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do acusado assegurando a imagem dignidade e privacidade do réu 4 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA previstos no art 5º LV da CB são princípios distintos mas dada a íntima relação e interação estudados juntos 41 O contraditório nos remete às lições de Fazzalari em suma de igualdade de tratamento e oportunidades no processo O contraditório tem dois momentos informação e reação É essencialmente o direito de ser informado e de participar do processo com igualdade de armas É possível o contraditório no inquérito policial mas restrito ao seu primeiro momento informação 42 O direito de defesa é concebido numa dupla dimensão a defesa técnica ninguém pode ser acusado ou julgado sem defensor constituído ou dativo exercida por advogado habilitado diante da presunção absoluta de hipossuficiência técnica do réu arts 261 do CPP 5º LXXIV e 134 da CB 82 da CADH b defesa pessoal ou autodefesa exercida pelo próprio acusado A defesa pessoal subdividese ainda em positiva quando o réu presta depoimento ou tem uma conduta ativa frente a determinada prova vg participando do reconhecimento acareação etc ou negativa utiliza o direito de silêncio ou se recusa a participar de determinada prova concretizando o princípio do nemo tenetur se detegere nada a temer por se deter do art 5º LXIII da CB art 186 do CPP e 82 g da CADH Importante destacar o disposto na Lei n 126542012 que estabelece a coleta compulsória de material genético do suspeito ou condenado excepcionando assim o direito de silêncio 5 MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS expressamente prevista no art 93 IX da CB essa garantia processual permite o controle da racionalidade e da legalidade das decisões sendo exigível inclusive nas decisões interlocutórias É necessário superar a visão cartesianista moderna juiz boca da lei e assumir a subjetividade no ato de decidir mas sem cair no outro extremo que é o decisionismo onde o juiz diz qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck Nesse ponto remetemos o leitor para Capítulo posterior onde tratamos da Decisão Penal Capítulo VI LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO 1 Lei Processual Penal no Tempo 11 A Leitura Tradicional Princípio da Imediatidade Ensina a doutrina tradicional que o processo penal é guiado pelo Princípio da Imediatidade art 2º do CPP de modo que as normas processuais penais teriam aplicação imediata independente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu tão logo passasse a vacatio legis sem prejudicar contudo os atos já praticados eis que não retroagiria jamais Para tanto é recorrente a seguinte distinção1 leis penais puras leis processuais penais puras leis mistas A lei penal pura é aquela que disciplina o poder punitivo estatal Dispõe sobre o conteúdo material do processo ou seja o Direito Penal Diz respeito à tipificação de delitos pena máxima e mínima regime de cumprimento etc Para essas valem as regras do Direito Penal ou seja em linhas gerais retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa A lei processual penal pura regula o início desenvolvimento ou fim do processo e os diferentes institutos processuais Exemplo perícias rol de testemunhas forma de realizar atos processuais ritos etc Aqui vale o princípio da imediatidade onde a lei será aplicada a partir dali sem efeito retroativo e sem que se questione se mais gravosa2 ou não ao réu Assim se no curso do processo penal surgir uma nova lei exigindo que as perícias sejam feitas por três peritos oficiais quando a lei anterior exigia apenas dois devese questionar a perícia já foi realizada Se não foi quando for levada a cabo deverá sêlo segundo a regra nova Mas se já foi praticada vale a regra vigente no momento de sua realização A lei nova não retroage Por fim existem as leis mistas ou seja aquelas que possuem caracteres penais e processuais Nesse caso aplicase a regra do Direito Penal ou seja a lei mais benigna é retroativa e a mais gravosa não Alguns autores chamam de normas mistas com prevalentes caracteres penais3 eis que disciplinam um ato realizado no processo mas que diz respeito ao poder punitivo e à extinção da punibilidade Exemplo as normas que regulam a representação ação penal queixacrime perdão renúncia perempção etc Seguindo essa doutrina se alguém comete um delito hoje em que a ação penal é pública incondicionada e posteriormente passa a ser condicionada à representação o juiz deverá abrir prazo para que a vítima querendo represente sob pena de extinção da punibilidade É retroativa porque mais benéfica para o réu Foi o que aconteceu com a Lei n 909995 e a representação nos delitos de lesões leves e culposas Os processos que não tinham transitado em julgado baixaram para a vítima representar e se não o fizesse extinguia a punibilidade Por outro lado se quando o crime é cometido existe uma lei que diga que a ação penal é privada e posteriormente vem outra dizendo que a ação penal é pública incondicionada a ação continuará sendo privada porque isso é melhor para o réu ultraatividade da lei mais benigna Essa problemática se repetiu em 2009 com o advento da Lei n 120152009 que alterou o regime da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual como explicaremos a seguir 12 Uma ReLeitura Constitucional Retroatividade da Lei Penal e Processual Penal Mais Benéfica Pensamos que o Princípio da Imediatidade contido no art 2º do CPP assim aplicado não resistiria a uma filtragem constitucional ou seja quando confrontado com o art 5º XL da Constituição A questão foi muito bem tratada por PAULO QUEIROZ e ANTONIO VIEIRA 4 que lecionam que a irretroatividade da lei penal deve também compreender pelas mesmas razões a lei processual penal a despeito do que dispõe o art 2º do Código de Processo Penal que determina como regra geral a aplicação imediata da norma uma vez que deve ser reinterpretado à luz da Constituição Federal Isso porque não há como se pensar o Direito Penal completamente desvinculado do processo e vice versa Recordando o princípio da necessidade não poderá haver punição sem lei anterior que preveja o fato punível e um processo que o apure Tampouco pode haver um processo penal senão para apurar a prática de um fato aparentemente delituoso e aplicar a pena correspondente Assim essa íntima relação e interação dão o caráter de coesão do sistema penal não permitindo que se pense o Direito Penal e o processo penal como compartimentos estanques Logo as regras da retroatividade da lei penal mais benéfica devem ser compreendidas dentro da lógica sistêmica ou seja retroatividade da lei penal ou processual penal mais benéfica e vedação de efeitos retroativos da lei penal ou processual penal mais gravosa ao réu Portanto impõese discutir se a nova lei processual penal é mais gravosa ou não ao réu como um todo Se prejudicial porque suprime ou relativiza garantias vg adota critérios menos rígidos para a decretação de prisões cautelares ou amplia os seus respectivos prazos de duração veda a liberdade provisória mediante fiança restringe a participação do advogado ou a utilização de algum recurso etc limitarseá a reger os processos relativos às infrações penais consumadas após a sua entrada em vigor Afinal também aqui advertem os autores é dizer não apenas na incriminação de condutas mas também na forma e na organização do processo a lei deve cumprir sua função de garantia de sorte que por norma processual menos benéfica se há de entender toda disposição normativa que importe diminuição de garantias e por mais benéfica a que implique o contrário aumento de garantias processuais Então a lei processual penal mais gravosa não incide naquele processo mas somente naqueles cujos crimes tenham sido praticados após a vigência da lei Por outro lado a lei processual penal mais benéfica poderá perfeitamente retroagir para beneficiar o réu ao contrário do defendido pelo senso comum teórico Como explicam PAULO QUEIROZ e ANTONIO VIERA sempre que a lei processual dispuser de modo mais favorável ao réu vg passa a admitir a fiança reduz o prazo de duração de prisão provisória amplia a participação do advogado aumenta os prazos de defesa prevê novos recursos etc terá aplicação efetivamente retroativa E aqui se diz retroativa advertindose que nestes casos não deverá haver tão somente a sua aplicação imediata respeitandose os atos validamente praticados mas até mesmo a renovação de determinados atos processuais a depender da fase em que o processo se achar Por fim concluem os autores quando estivermos diante de normas meramente procedimentais que não impliquem aumento ou diminuição de garantias como sói ocorrer com regras que alteram tão só o processamento dos recursos a forma de expedição ou cumprimento de cartas rogatórias etc terão aplicação imediata CPP art 2º incidindo a regra geral porquanto deverão alcançar o processo no estado em que se encontra e respeitar os atos validamente praticados Também tratando desse tema CIRINO DOS SANTOS5 explica que o princípio constitucional da lei penal mais favorável condiciona a legalidade processual penal sob dois aspectos primeiro o primado do direito penal substancial determina a extensão das garantias do princípio da legalidade ao subsistema de imputação assim como aos subsistemas de indiciamento e de execução penal porque a coerção processual é a própria realização da coação punitiva segundo o gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei penal processual regidas pelo mesmo princípio fundamental Assim voltando aos exemplos anteriores em nada afetará os casos de leis mistas O reflexo mais efetivo ocorrerá nas leis processuais penais puras pois agora deveremos discutir se houve ampliação ou restrição da esfera de proteção O princípio da imediatidade segue tendo plena aplicação nos casos de leis meramente procedimentais de conteúdo neutro a ser aferido no caso concreto na medida em que não geram gravame para a defesa E nessa situação é necessário analisarse o caso em concreto não havendo possibilidade de criarse uma estrutura teórica que dê conta da diversidade e complexidade que a realidade processual pode produzir Assim por exemplo a indenização a ser fixada na sentença art 387 inovação introduzida pela reforma de 2008 somente pode ser aplicada pelo juiz em relação aos fatos ocorridos após 23082008 Tratase de lei processual penal mais gravosa e que não pode retroagir Ademais especificamente nesse caso há dois outros graves inconvenientes não ter havido pedido de indenização na denúncia e tampouco contraditório em relação a essa questão Quando o juiz fixa um valor indenizatório mínimo nos termos do art 387 IV em casos penais ocorridos antes da vigência da Lei n 117192008 o faz de forma ilegal na medida em que está dando um indevido efeito retroativo a uma lei processual penal mais gravosa Ademais devese atentar para o fato de certamente não ter havido pedido do Ministério Público até porque se a denúncia é anterior à lei nem cabia tal pedido violando assim o princípio da correlação 2 Lei Processual Penal no Espaço Ao contrário do que ocorre no Direito Penal onde se trava longa e complexa discussão sobre a extraterritorialidade da lei penal no processo penal a situação é mais simples Aqui vige o princípio da territorialidade As normas processuais penais brasileiras só se aplicam no território nacional não tendo qualquer possibilidade de eficácia extraterritorial A questão da territorialidade está vinculada ao fato de a jurisdição constituir um exercício de poder Portanto poder condicionado aos limites impostos pela soberania ou como prefere SARA ARAGONESES6 el ejercicio de la Jurisdicción penal es una manifestación de la soberanía del Estado Assim o poder jurisdicional brasileiro somente pode ser exercido no território nacional Eventualmente no campo teórico especialmente nas pirotecnias surreais que costumam produzirse em alguns concursos públicos criamse complexas questões envolvendo a prática de atos processuais no exterior como por exemplo o cumprimento de uma carta rogatória Em síntese o questionamento é ainda que realizado no exterior o ato processual a oitiva de uma testemunha vítima etc deve observar a forma e o ritual exigido pelo nosso CPP Se for praticado de outra forma segundo as regras do sistema daquele país o ato é nulo A resposta é não O ato processual será realizado naquele país segundo as regras lá vigentes Não têm nossas leis processuais penais extraterritorialidade para regrar os atos praticados fora do território nacional Tampouco há que se falar de nulidade Ao necessitar da cooperação internacional deve o País conformarse com a forma como é exercido lá o poder jurisdicional Como explica ARAGONESES ALONSO7 as normas processuais de um país se aplicam sempre pelos tribunais de dito país e adverte mais do que no princípio de territorialidade devese falar no princípio da lex fori isto é a aplicação das normas processuais corresponde ao país a que esse tribunal serve 1 Entre outros adotam essa posição Fernando da Costa Tourinho Filho Processo Penal 26 ed São Paulo Saraiva 2004 v 1 p 110 e ss e PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 14 2 A questão de ser ou não mais gravosa para o réu deve ser compreendida de forma ampla à luz dos princípios fundantes do processo penal e que foram por nós analisados no início desta obra Não basta verificar apenas se houve cerceamento de defesa ou não Não é apenas a ampla defesa que funda a instrumentalidade constitucional do processo penal senão também a garantia da jurisdição do sistema acusatório do contraditório da presunção de inocência e da motivação das decisões judiciais Daí por que não concordamos com a construção de Tourinho Filho que além de ser paradoxal é reducionista pois limita a problemática da gravosidade à questão de se houve ou não cerceamento de defesa Ademais em que pese demonstrar posteriormente alguma preocupação com o cerceamento de defesa o que é insuficiente possui ela uma premissa completamente equivocada e descolada da Constituição de 1988 Não concordamos com TOURINHO FILHO Processo Penal cit v 1 p 112 quando afirma que essa regra é plenamente justificável posto que o Estado disciplina a administração da justiça da maneira que lhe parece a mais acertada e devese presumir que a nova lei seja melhor que a anterior não para o interesse coletivo como também para os interesses individuais reconhecidos e protegidos pelo Direito Público em geral grifo nosso Tratase a nosso ver de uma visão superada autopoiética até Defende o autor que os atos do Estado na Administração da Justiça se legitimam por si só pelo simples fato de emanarem do Estado desconsiderando completamente a necessidade de uma legitimação constitucional A noção de sistema fechado não superação do dogma de completude lógica e paleopositivismo permeia o discurso Elementar que o Estado não pode administrar a justiça da maneira que lhe pareça mais acertada Tampouco pode ser produzida uma legislação processual como pareça mais acertado para o Estado Para além disso estão as regras do devido processo penal constitucional e a necessidade de uma substancial conformidade com a Constituição que como dito vai muito além do cerceamento de defesa Devese ter muito cuidado com discursos estruturados dentro de uma racionalidade préConstituição Democrática pois vêm eles muitas vezes impregnados do verbo autoritário E quando tentam uma abertura geram paradoxos e contradições 3 Quem emprega expressão quase idêntica mas em espanhol prevalentes caracteres de derecho penal material e entre aspas é TOURINHO FILHO op cit p 115 Infelizmente o autor não indica a fonte de onde extraiu a expressão 4 No excelente trabalho Retroatividade da Lei Processual Penal e Garantismo publicado no Boletim do IBCCrim n 143 de outubro de 2004 5 Com a mesma autoridade com que leciona sobre Direito Penal o excepcional jurista JUAREZ CIRINO DOS SANTOS também muito nos ensina em Direito Processual Penal Daí por que imprescindível a leitura entre outras da obra Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 Especificamente nessa citação vejase p 53 6 Na obra coletiva Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 82 7 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 61 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO 1 Princípio da Imediatidade art 2º do CPP segundo o qual as normas processuais penais têm aplicação imediata independentemente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu sem efeito retroativo É a posição tradicional sendo que os doutrinadores recorrem à seguinte distinção 11 Leis Penais Puras disciplinam o poder punitivo estatal que diz respeito à tipificação de delitos penas regimes etc Aplicamse os princípios do direito penal retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa 12 Leis Processuais Penais Puras regulam o início o desenvolvimento e o fim do processo penal como perícias rol de testemunhas ritos etc Aplicase o princípio da imediatidade e não têm efeito retroativo 13 Leis Mistas possuem caracteres penais e processuais visto que disciplinam um ato do processo mas que diz respeito ao poder punitivo Exemplos normas que regulam ação penal representação perdão renúncia perempção causas de extinção da punibilidade etc Aplicase a regra do direito penal da retroatividade da lei mais benigna 2 ReLeitura Constitucional do Princípio da Imediatidade o art 2º do CPP deve ser lido à luz do art 5º XL da CB Não se pode pensar o direito penal desconectado do processo penal e viceversa devendo ser feita uma análise à luz do sistema penal O gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei penal processual regidas pelo mesmo princípio constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa e retroatividade da lei mais benigna O caráter mais benigno ou mais gravoso é feito a partir da ampliação ou compressão da esfera de proteção constitucional As normas meramente procedimentais que não impliquem aumento ou diminuição de garantias são consideradas de conteúdo neutro sendo regidas então pelo princípio da imediatidade LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO Vige o princípio da territorialidade do art 1º do CPP não havendo a mesma problemática do direito penal que admite a extraterritorialidade Assim a lei penal pode ser aplicada fora do território nacional nos casos do art 7º do CP mas as leis processuais penais não podem pois não possuem extraterritorialidade Capítulo VII SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR BREVE ANÁLISE A PARTIR DE SUJEITOSOBJETOATOS Neste capítulo faremos uma rápida análise dos sistemas de investigação preliminar no processo penal do qual o inquérito policial é apenas uma espécie que será objeto de estudo no próximo tópico Será uma análise sumária diante dos limites da presente obra Para aprofundamento remetemos os leitores para nosso livro Investigação Preliminar no Processo Penal1 onde a abordagem é muito mais ampla e detida Mas antes de estudar o inquérito que é apenas uma espécie frisese é fundamental compreender o que é a fase préprocessual qual o fundamento da sua existência e que modelos de investigação preliminar vigem hoje no mundo Essa questão assume ainda maior relevância quando nos deparamos com a reducionista discussão que se trava hoje no Brasil sobre a investigação a cargo do Ministério Público O erro está exatamente nesse reducionismo de discutir apenas o sujeito ativo da investigação esquecendose de que muito mais importante do que mudar o sujeito é analisar o objeto e a forma dos atos Em última análise como explicaremos ao final muito mais importante do que discutir quem será o inquisidor é discutir como será a própria inquisição 1 Introdução A investigação preliminar é uma peça fundamental para o processo penal No Brasil provavelmente por culpa das deficiências do sistema adotado o famigerado inquérito policial tem sido relegada a um segundo plano Apesar dos problemas que possam ter a fase préprocessual inquérito sumário diligências prévias investigação etc é absolutamente imprescindível pois um processo penal sem a investigação preliminar é um processo irracional uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados básicos do processo penal constitucional Para visualizar melhor o tema podemos fazer a seguinte representação gráfica Não se deve começar um processo penal de forma imediata Em primeiro lugar devese preparar investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou o não processo É um grave equívoco que primeiro se acuse para depois investigar e ao final julgar O processo penal encerra um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto nevrálgico seja saber se deve ou não acusar Atualmente existe um consenso o inquérito policial está em crise Os juízes apontam para a demora e a pouca confiabilidade do material produzido pela polícia que não serve como elemento de prova na fase processual Os promotores reclamam da falta de coordenação entre a investigação e as necessidades de quem em juízo vai acusar O inquérito demora excessivamente e nos casos mais complexos é incompleto necessitando de novas diligências com evidente prejuízo à celeridade e à eficácia da persecução Por outro lado os advogados insurgemse com muita propriedade da estrutura inquisitória negando um mínimo de contraditório e direito de defesa ainda que assegurados no art 5º LV da Constituição Em torno ao tema proliferam trabalhos jurídicos A despeito da qualidade de muitos em geral pecam em um mesmo aspecto foram pontuais limitados a analisar apenas o sujeito ou seja se o Ministério Público deve ou não ser a autoridade encarregada do inquérito policial Por questão de simetria2 o problema jurídicoprocessual é melhor analisado quando decomposto em três partes No processo o trinômio sujeito objeto e atos permite estudar o fenômeno em toda sua dimensão Por isso entendemos que carece a doutrina atual de um enfoque que observe o problema na sua complexidade e que analise a investigação de forma sistemática não só a partir do sujeito mas também e principalmente sob o ponto de vista do objeto e dos atos Assim para melhor compreensão do inquérito policial modelo brasileiro e também para que existam condições de possibilidade para uma discussão em torno de qualquer reforma nessa matéria é imprescindível uma noção mínima da estrutura e dos sistemas de investigação preliminar existentes 2 Análise dos Sistemas de Investigação Preliminar 21 Problema Terminológico Para definir essa atividade prévia ao processo com uma clara conotação instrumental os legisladores adotam diversos nomes jurídicos Assim denominase inquérito policial no Brasil sumario diligencias previas ou instrucción complementaria na Espanha indagine preliminare na Itália inquérito preliminar em Portugal vorverfahrem e ermittlungsverfahren na Alemanha lenquete preliminaire e linstruction na França procedimiento preparatorio no Código de Processo Penal Modelo para Ibero América apenas para citar alguns exemplos Ao pretender fazer uma análise sistemática impõese por questão de método e rigor científico a adoção de um termo que seja suficientemente amplo para abranger a diversidade de sistemas existentes A expressão que nos parece mais adequada é a de instrução preliminar O primeiro vocábulo instrução alude ao fundamento e à natureza da atividade desenvolvida Faz referência ao conjunto de conhecimentos adquiridos no sentido jurídico de atividade de cognição e reflete a existência de uma concatenação de atos logicamente organizados um procedimento Para uma análise de sistemas abstratos é melhor utilizar o termo instrução do que investigação não só pela maior abrangência do primeiro pois pode referirse tanto a uma atividade judicial juiz instrutor como também a uma sumária investigação policial mas também porque seria uma incoerência lógica falar em investigação preliminar quando não existe uma investigação definitiva O termo instruir vem do latim instruere que significa ensinar informar Por isso ao vocábulo instrução devese acrescentar o preliminar para distinguir da instrução realizada também na fase processual instrução definitiva e apontar para o caráter prévio com que é levada a cabo Preliminar vem do latim prefixo pre antes e liminaris umbral da porta expressando claramente que essa instrução vem antes da porta antes do processo penal Sem embargo no Brasil é tradicional o emprego de investigação criminal A doutrina brasileira prefere utilizar investigação reservando instrução para a fase processual A nosso juízo o termo instrução pode ser utilizado desde que acompanhado do adjetivo preliminar evitando assim qualquer confusão com a instrução definitiva realizada na fase processual Contudo vencidos pela tradição brasileira tivemos que adotar a designação de investigação preliminar Por tudo isso em definitivo utilizaremos indistintamente as expressões investigaçãoinstrução preliminar atendendo à natureza do inquérito policial e à terminologia adotada no Brasil Chamaremos de investigaçãoinstrução preliminar o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado a partir de uma notíciacrime com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso com o fim de justificar o processo ou o não processo 22 Caracteres Determinantes Instrumentalidade e Autonomia A autonomia vem dada pela natureza dos atos levados a cabo na instrução preliminar bem distintos daqueles praticados no processo penal principalmente no que se refere à natureza da intervenção dos sujeitos não existem partes ao objeto notíciacrime e não a pretensão acusatória e à forma dos atos predomínio da escritura e do segredo Assim a autonomia está no fato de que o procedimento pré processual pode não originar um processo penal casos de arquivamento prévio ao exercício da ação penal e naqueles em que o processo penal pode nascer e se desenvolver sem a prévia instrução sistemas de instrução preliminar facultativa como no modelo brasileiro Ao seu lado a instrumentalidade fundamenta porque a instrução existe Já explicamos no início desta obra que o fundamento da existência do processo penal é a sua instrumentalidade constitucional na medida em que o processo penal é um caminho necessário para a efetivação da pena mas principalmente está a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias previstos na Constituição A investigação preliminar não tem por fundamento a pena e tampouco a satisfação de uma pretensão acusatória Não faz em sentido próprio justiça senão que tem por objetivo imediato garantir a eficácia do funcionamento da Justiça Por isso tratase de uma instrumentalidade qualificada pois a instrução preliminar está a serviço do instrumentoprocesso Nesse sentido podese perfeitamente aplicar a doutrina de CALAMANDREI3 de que estamos ante uma instrumentalidade eventual e qualificada por assim dizer elevada ao quadrado É eventual porque predomina nos sistemas modernos o caráter facultativo da investigação É de segundo grau porque não é um fim em si mesma mas um instrumento a serviço do instrumentoprocesso Considerando que a investigação preliminar serve lato sensu ao processo entendemos que seu objetivo estará cumprido tanto quando se produzir a acusação como também quando não se produzir non procedere 23 Fundamento da Existência da Investigação Preliminar O fundamento da existência do processo penal é a instrumentalidade constitucional e desse marco a investigação preliminar não se pode afastar CARNELUTTI4 defende que a encuesta preliminar no se hace para la comprobación del delito sino solamente para excluir una acusación aventurada Explica o autor que para evitar equívocos a função do procedimento preliminar não deve ser entendida no sentido de uma preparação ao procedimento definitivo mas ao contrário no sentido de um obstáculo a superar antes de poder abrir o processo penal Também colocando em relevo a finalidade de proteção LEONE5 afirma que a instrução preliminar tem duas finalidades assegurar a máxima genuinidade do material probatório evitar que o imputado inocente seja submetido ao processo que com sua publicidade ainda que se conclua favoravelmente a ele constitui uma causa de grave descrédito e humilhação Partindo daí e considerando a instrumentalidade constitucional entendemos que das funções de averiguar e comprovar a notíciacrime justificar o processo ou o não processo e proporcionar uma resposta estatal imediata ao delito cometido podemse extrair as três razões que fundamentam a instrução preliminar 231 Busca do Fato Oculto e a Criminal Case Mortality O ponto de partida da investigação preliminar é a notitia criminis e por consequência o fumus commissi delicti Essa conduta delitiva é geralmente praticada de forma dissimulada oculta de índole secreta basicamente por dois motivos para não frustrar os próprios fins do crime e para evitar a pena como efeito jurídico Por isso o autor do delito buscará ocultar os instrumentos meios motivos e a própria conduta praticada Existe uma clara relação entre a eficácia da instrução preliminar e a diminuição dos índices de criminal case mortality de modo que quanto mais eficaz é a atividade destinada a descobrir o fato oculto menor é a criminalidade oculta ou latente ou ainda as cifras de la ineficiencia de la justicia como prefere FERRAJOLI6 Em síntese quanto menor é a diferença entre a criminalidade real e a criminalidade conhecida pelos órgãos estatais de investigação mais eficaz será o processo penal como instrumento de reação e controle formal da criminalidade Como explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE 7 o Estado seja por meio da polícia do Ministério Público ou dos órgãos jurisdicionais juiz de instrução não atua em regra pelo sistema de selfstarter mas sim através de uma reação a uma notitia criminis Para ilustrar essa realidade segundo dados fornecidos pelos autores nos Estados Unidos e Alemanha calculase que o início das investigações depende em cerca de 85 a 95 da iniciativa dos particulares Isso leva a que os índices de criminalidade oculta estejam relacionados com a sociologia da denúncia8 cujos elementos a considerar são9 a Índole secreta do crime pela própria expressão material e fática da conduta pode evitar por completo a observação Também nos delitos sem vítima concreta como os delitos contra a saúde ou fé pública a perseguição penal fica prejudicada b Razões da vítima a vítima é considerada a mais decisiva instância não formal de seleção pois cerca de 90 da delinquência oficial são introduzidos pela vítima Logo podem existir razões específicas que a impeçam de noticiar o fato como a falta de confiança nas instâncias formais do Estado o desejo de evitar os incômodos resultados aleatórios o medo de represálias o desejo de evitar a publicidade abusiva dos atos processuais etc c Tolerância social é a capacidade da sociedade de absorver determinadas taxas de criminalidade e certas modalidades de delitos Como destacam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE tanto maior será a tolerância da sociedade quanto menor seja a correspondência entre as normas penais e as representações axiológicas da coletividade d Reações privadas existe uma tendência crescente de utilizar formas privadas de resposta ao delito revelando a falta de confiança nos instrumentos formais de controle da criminalidade Essas reações vão desde as manifestações mais simples de autotutela até as reações parainstitucionais aplicadas por empresas supermercados e grandes centros comerciais Frente a essa realidade o Estado deve dispor de instrumentos eficazes para descobrir o fato e não permitir que se elevem os índices de criminal case mortality que geram o descrédito dos sistemas formais de controle e uma insegurança social Nesse tema a investigação preliminar desempenha um papel relevantíssimo e sua eficácia está não só no resultado final senão também nas formas de starter Para isso alguns sistemas como o espanhol por exemplo preveem ao lado da obrigatoriedade da investigação ex officio nos delitos públicos a chamada denúncia obrigatória10 Através dela qualquer cidadão que tenha conhecimento da prática de um delito tem o dever legal de noticiálo à autoridade competente O processo é um caminho necessário que poderá levar à pena ou não dependendo da efetividade da acusação que deverá vencer a luta contra o ocultamento do injusto penal Inclusive a absolvição em muitos casos deve ser interpretada como o reconhecimento de um erro judiciário e reflexo do mau funcionamento da Justiça pois o processo poderia ter sido evitado se o sistema fosse dotado de um eficaz filtro contra as acusações infundadas e a investigação preliminar tivesse aportado suficientes elementos para levar ao não processo Por último devese considerar que o processo penal se desenvolve de forma escalonada11 que leva a uma progressiva ou regressiva concreção dos elementos objetivos e subjetivos que sustentam a imputação Necessariamente no processo penal existem juízos escalonados de valoração de modo que o fumus commissi delicti necessário para dar origem à instrução preliminar é distinto daquele necessário para adotar uma medida cautelar ou para admitir a acusação formal Ademais o processo penal não é de sentido único progressivo senão que também pode ser um juízo regressivo de culpabilidade A investigação preliminar é o primeiro degrau da escada e através dela se chegará a uma gradual concreção do sujeito passivo Com base nos elementos fornecidos pela investigação preliminar serão realizados esses diferentes juízos de valor imprescindível para chegar ao processo ou ao não processo Se para a instauração da investigação preliminar basta existir a possibilidade para a adoção de medidas cautelares e a admissão da ação penal é necessário um grau maior de segurança é imprescindível um juízo de probabilidade da autoria e da materialidade Dadas a relevância e as dificuldades que encerram a investigação do delito essa atividade não pode ser deixada nas mãos do particular como no processo civil e exige a intervenção do Estado por meio de seus órgãos oficiais 232 Função Simbólica A investigação preliminar também atende a uma função simbólica poderíamos dizer até de natureza sociológica ao contribuir para restabelecer a tranquilidade social abalada pelo crime Significa que numa dimensão simbólica contribui para amenizar o malestar causado pelo crime através da sensação de que os órgãos estatais atuarão evitando a impunidade Essa garantia de que não existirá impunidade manifestase também através da imediata atividade persecutória estatal Essa dimensão simbólica é reforçada pelo caráter oficial da investigação pois ampara os indivíduos frente às ações delitivas máxima expressão das condutas antissociais procurando sua justa punição São imprescindíveis a intervenção e o controle estatal pois frente à natureza dos atos a investigar é necessária a adoção de determinadas medidas que só incumbe aos órgãos estatais praticar Ademais as atuações preliminares a cargo da Polícia Judicial servem como estímulo negativo para a prática de novas infrações Inclusive a pronta intervenção policial pode evitar a consumação de uma conduta criminosa em desenvolvimento Nesse sentido os arts 73 e 232 do CódigoModelo para Ibero América contêm de forma expressa o mandamento de imediata intervenção da polícia e do Ministério Público para impedir que los tentados o cometidos sean llevados a consecuencias ulteriores Também a investigação preliminar atua como um freio aos excessos da perseguição policial ou mesmo do Ministério Público pois a rápida formalização da investigação permite a intervenção do juiz de garantias A investigação preliminar ainda desempenha uma função cautelar que adquire distintos contornos conforme a necessidade da tutela pois podem ser adotadas medidas que tenham natureza pessoal patrimonial ou probatória A produção antecipada de provas pertence à classe das medidas de proteção da prova pois visa assegurar provas técnicas ou testemunhais Sem embargo não é esta a única manifestação da função cautelar As medidas cautelares patrimoniais têm por objeto garantir o pagamento das custas do processo eou o ressarcimento dos prejuízos causados pelo delito ou seja basicamente assegurar a eficácia da sentença condenatória com relação às responsabilidades civis Isso também contribui para manter a confiança no funcionamento da Justiça 233 Evitar Acusações Infundadas Filtro Processual A função de filtro processual contra acusações infundadas incumbe especialmente à chamada fase intermediária que serve como elo entre a investigação preliminar e o processo ou o não processo Sem embargo esse é apenas um momento procedimental em que se realiza um juízo de valor mais especificamente de préadmissibilidade da acusação com base na atividade desenvolvida anteriormente e no material recolhido É inegável que o êxito da fase intermediária depende inteiramente da atividade preliminar de modo que transferimos a ela o verdadeiro papel de evitar as acusações infundadas Como explica CANUTO MENDES12 se a instrução definitiva prova ou não prova que existe crime ou contravenção a instrução preliminar prova ou não prova se existe base para a acusação Seu primeiro benefício é proteger o inculpado O processo penal é um processo formal de seleção atuando a instrução preliminar como um sistema de filtros desde onde se vai destilando a notitia criminis até chegar ao processo penal os elementos de fato que verdadeiramente revistam caracteres de delito com o prévio conhecimento dos supostos autores13 Ao lado da cifra da ineficiência que corresponde ao número de culpáveis que submetidos a juízo restam impunes ou são ignorados está a cifra da injustiça relacionada aos ainda mais graves casos de inocentes processados e às vezes condenados Se a primeira pode ser justificada pela absoluta impossibilidade da total enforcement e até mesmo tolerada até porque a sociedade é criminógena todos delinquimos a cifra da injustiça resulta absolutamente injustificável É sobretudo produto das carências normativas ou da ineficácia prática das garantias penais e processuais dispostas precisamente como diques contra as arbitrariedades e o erro e é tanto maior quanto mais cresce o poder judicial de disposição14 poder esse ilegítimo juridicamente e politicamente injustificável A nosso juízo a função de evitar acusações infundadas é o principal fundamento da investigação preliminar pois em realidade evitar acusações infundadas significa esclarecer o fato oculto juízo provisório e de probabilidade e com isso também assegurar à sociedade de que não existirão abusos por parte do poder persecutório estatal Se a impunidade causa uma grave intranquilidade social mais grave é o mal causado por processar irresponsavelmente um inocente Consideramos que essa atividade de filtro processual resta plenamente concretada se levarmos em consideração três fatores o custo do processo o sofrimento que causa para o sujeito passivo estado de ânsia prolongada e a estigmatização social e jurídica que gera o processo penal Já dizia CARNELUTTI15 com absoluta razão que ao Direito Processual Penal e não ao Direito Penal Material corresponde em primeiro lugar a pena pois a pena si risolve nel giudizio e il giudizio nella pena Não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar Por isso entendemos que o processo é uma pena em si mesmo e que existem penas de autêntica natureza processual16 Nesse sentido explica FERRAJOLI17 existe um amplo rol de sanções ante extra ou ultra delictum e ante extra ou ultra iudicium incluindo com especial destaque as prisões cautelares e toda série de medidas de garantia da ordem pública que é atribuída ao instrutor juiz promotor ou polícia Não só o processo é uma pena em si mesmo senão que existe um sobrecusto do desenvolvimento inflacionário do processo penal na moderna sociedade das comunicações de massas Sem dúvida que se usa a incriminação como um instrumento de culpabilidade preventiva e de estigmatização pública A proliferação de milhões de processos a cada ano não seguidos de nenhuma pena somente com o fim de gerar certificados penais e degradados status jurídicosociais de reincidente perigoso ou à espera de juízo etc18 é sinal do grau de degeneração que alcançou o instrumento A expressão stato di prolungata ansia foi empregada na Exposição de Motivos do atual Código de Processo Civil italiano para justificar a crise do procedimento civil ordinário e a necessidade de implementar formas de tutela de urgência Não obstante encontra no processo penal um amplo campo de aplicação levando em conta a natureza do seu custo O processo penal submete o particular a uma instituição que em geral lhe é absolutamente nova e repleta de mistérios e incógnitas A profissionalização da justiça e a estrutura burocrática que foi implantada devido também à massificação da criminalidade fazem com que o sujeito passivo tenha que se submeter a um mundo novo e desconhecido Isso sem considerar o sistema penitenciário que sem dúvida é um mundo à parte com sua própria escala e hierarquia de valores linguagem etc Esse ambiente da Justiça Penal é hostil complexo e impregnado de simbolismos Também deve ser considerada a estigmatização gerada pelo processo penal O termo estigmatizar19 encontra sua origem etimológica no latim stigma que alude à marca feita com ferro candente o sinal da infâmia que foi com a evolução da humanidade sendo substituída por diferentes instrumentos de marcação O processo penal em geral e a acusação formal em especial são hoje manifestações da infâmia tendo sido o ferro candente substituído pela denúncia ou queixa abusiva e infundada A Criminologia Crítica aponta para o labeling approach20 como sendo essa atividade de etiquetamento que sofre a pessoa e tal fenômeno pode ser perfeitamente aplicado ao processo penal O labeling approach como perspectiva criminológica entende que o self a identidade não é um dado uma estrutura sobre a qual atuam as causas endógenas ou exógenas mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de interação entre o sujeito e os demais21 Nesse panorama o processo penal representa a retirada da identidade de uma pessoa e a outorga de outra degradada estigmatizada Em definitivo o processo penal é uma clara atividade de etiquetamento 3 Órgão Encarregado Investigação Policial Juiz Instrutor ou Promotor Investigador A investigação preliminar está nas mãos do Estado que poderá realizála através da Polícia Judiciária de um Juiz Instrutor ou do Ministério Público promotor investigador Qualquer dos três órgãos encarregados apresenta vantagens e inconvenientes que devem ser sopesados segundo as variáveis próprias de cada Estado isto é segundo os aspectos estruturais e de política interna de um país A construção de um modelo ideal necessariamente deve partir do reconhecimento das vantagens e inconvenientes de cada um dos sistemas 31 Investigação Preliminar Policial É o modelo adotado pelo Direito brasileiro que atribui à polícia a tarefa de investigar e averiguar os fatos constantes na notíciacrime Essa atribuição é normativa22 e a autoridade policial atua como verdadeiro titular da investigação preliminar No modelo agora analisado a polícia não é um mero auxiliar senão o titular com autonomia para decidir sobre as formas e os meios empregados na investigação e inclusive não se pode afirmar que exista uma subordinação funcional em relação aos juízes e promotores São vantagens da investigação policial 1 A abrangente presença e atuação policial que lhe permitem atuar em qualquer rincão do País dos grandes centros aos povoados mais isolados Tal caráter confere à polícia principalmente em países de grandes dimensões territoriais uma nota de eficácia da perseguição pois a polícia está em todos os lugares e sua atividade é mais ampla e penetrante que a dos juízes de investigação ou promotores Esse foi o principal argumento dos legisladores brasileiros de 1941 Exposição de Motivos do CPP para justificar a manutenção do inquérito policial Segundo eles a realidade brasileira da época e as grandes dimensões territoriais impossibilitariam que o juiz de investigação pudesse atuar de forma rápida e eficaz nos mais remotos povoados a grandes distâncias dos centros urbanos que exigiam vários dias de viagem 2 A polícia está mais próxima ao povo está em todos os lugares e por isso dispõe de meios mais rápidos e eficazes para conduzir a investigação 3 Partindo de um enfoque puramente econômico o sistema de investigação preliminar policial é muito mais barato para o Estado Com o salário de um juiz ou promotor o Estado pode manter quase uma equipe policial inteira 4 Por fim para o governo a investigação policial é mais vantajosa porque o Poder Executivo dispõe totalmente do poder de mando e desmando sem que se precise explicar o alcance negativo desse fato para a sociedade Como argumentos contrários entre outros apontamos 1 A polícia é o símbolo mais visível do sistema formal de controle da criminalidade e em regra representa a firstline enforcer23 da norma penal Por isso dispõe de um alto grau de discricionariedade de fato para selecionar as condutas a serem perseguidas Esse espaço de atuação está muitas vezes na zona cinza no sutil limite entre o lícito e o ilícito 2 Por vezes a eficácia da atuação policial está associada a grupos diferenciais isto é a polícia mostrase mais ativa quando atua contra determinados escalões da sociedade os inferiores e distribui impunidade em relação à classe mais elevada Também a subcultura policial possui seus próprios modelos preconcebidos estereótipo de criminosos potenciais e prováveis vítimas com maior ou menor verossimilitude delitos que podem ou não ser esclarecidos etc O tratamento do imputado é diferenciado e conforme ele se encaixe ou não no perfil prefixado o tratamento policial será mais brando e negligente ou mais rigoroso Essa última situação é constantemente noticiada em que a polícia frente ao perfil de autor ideal daquela modalidade de delito atua com excessivo rigor 3 A polícia está muito mais suscetível de contaminação política especialmente os mandos e desmandos de quem ocupa o governo e de sofrer a pressão dos meios de comunicação Isso leva a dois graves inconvenientes a possibilidade de ser usada como instrumento de perseguição política e as graves injustiças que comete no afã de resolver rapidamente os casos com maior repercussão nos meios de comunicação 4 A subordinação política da polícia a torna mais vulnerável à pressão de grupos políticos e econômicos bem como a fragiliza diante da pressão midiática Em que pese a profunda evolução pósconstituição no sistema concursos públicos para os diferentes cargos na estrutura policial há ainda uma parcela que resiste à oxigenação constitucional Significa dizer que existe dificuldade de implementação da esfera de proteção dos direitos fundamentais do suspeito que de antemão já é considerado como culpado diante dos estereótipos preestabelecidos pela prática policial Por fim a credibilidade de sua atuação é às vezes colocada em dúvida por denúncias de corrupção e abuso de autoridade Com relação ao nosso inquérito policial podese afirmar ademais de todas as críticas anteriormente feitas que Desagrada o MP pois ao ser levado a cabo por uma autoridade diversa daquela que irá exercer a ação penal não atende a suas necessidades Além disso não raro é o descompasso na relação promotorpolicial Não serve para a defesa pois em geral lhe é negada qualquer possibilidade de participar da investigação e solicitar diligências de descargo Diante da estrutura inquisitória e das limitações do valor probatório pouco serve para o juiz na sentença até pela acertada vedação do art 155 do CPP Por isso entendemos que existe uma crise da investigação policial e mais concretamente do nosso inquérito policial exigindo uma imediata revisão de sua estrutura e titularidade Para isso contribuirá a análise dos modelos de investigação preliminar a cargo do juiz e do promotor como se verá na continuação 32 Investigação Preliminar Judicial Juiz Instrutor O juiz instrutor é o principal protagonista nesse modelo de investigação preliminar e detém todos os poderes necessários para levar a cabo toda a investigação que buscará aportar os elementos necessários para o processo ou o não processo Ao contrário do que pensam alguns defensores do modelo nesse sistema a prova não é apenas produzida na presença do juiz instrutor senão que é colhida e produzida por ele mesmo O juiz de instrução obra como um verdadeiro investigador atuando de ofício e sem estar submetido ou vinculado a petições do Ministério Público ou da defesa que são meros colaboradores Caberá a ele decidir sobre a utilidade das diligências solicitadas para os fins da investigação denegando as que a seu juízo forem desnecessárias Para levar a cabo essa atividade de investigação é imprescindível que à sua disposição esteja a polícia judiciária totalmente dependente no aspecto funcional Cumpre destacar que nos delitos públicos o juiz de instrução poderá atuar de ofício inclusive para adotar medidas cautelares pessoais ou reais ainda que contra a vontade do Ministério Público Dessa forma o instrutor poderá investigar mesmo que o titular da futura ação penal entenda que não existem motivos razoáveis para isso Em síntese o juiz de instrução é o titular da investigação preliminar e cabe a ele receber direta ou indiretamente a notíciacrime buscar as fontes de informação e investigar os fatos apontados Dirigirá de perto a atividade policial e atuará pessoalmente indo ao local do delito determinando as perícias necessárias interrogando os suspeitos ouvindo a vítima e testemunhas etc Antes de apontar as vantagens e os inconvenientes desse sistema cumpre destacar o grave problema que representa essa figura do juizinvestigador para a imparcialidade Atualmente na maior parte dos países em que é adotado esse sistema existe uma presunção absoluta de parcialidade do instrutor de modo que o juiz que instrui jamais poderá julgar24 a causa Os diversos prejulgamentos que ele efetua no curso da investigação levam à prevenção como causa de exclusão de sua competência para julgar o futuro processo Principais vantagens do sistema judicial de investigação preliminar 1 A imparcialidade e independência do juiz instrutor é uma garantia de que a investigação preliminar não servirá por exemplo como instrumento de perseguição política por parte do Poder Executivo 2 O fato de ser a investigação conduzida por um órgão suprapartes 3 Maior efetividade da investigação e qualidade credibilidade do material recolhido 4 O produto final poderá servir tanto para a acusação como também à defesa pois advém de um órgão imparcial e preocupado em aclarar o fato tanto buscando as provas de cargo como também as de descargo 5 Garantia de que o juiz que instrui não julga e a observância do princípio de nullum iudicium sine accusatione 6 Na investigação é necessário adotar medidas que limitam direitos fundamentais cautelares busca e apreensão etc e que por essa razão necessitam que sejam adotadas por um órgão com poder jurisdicional Logo nada melhor que seja o próprio titular da investigação dotado desse poder Alguns dos graves inconvenientes que apresenta o juiz de instrução 1 É um modelo superado e intimamente relacionado à figura histórica do juiz inquisidor pois sua estrutura outorga a uma mesma pessoa as tarefas de ex officio investigar proceder à imputação formal o que representa uma acusação lato sensu e inclusive defender Isso levou a uma crisis de la instrucción preparatoria y del juez instructor25 pois esse modelo é apontado como o mais grave impedimento à plena consolidação do sistema acusatório 2 O grave inconveniente que representa o fato de uma mesma pessoa decidir sobre a necessidade de um ato de investigação e valorar a sua legalidade26 Nesse sentido a Exposição de Motivos do Código Processual Modelo para IberoAmérica aponta que não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e ao mesmo tempo em um guardião zeloso da segurança individual o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor 3 Transforma o processo penal lato sensu em uma luta desigual entre o inquirido o juizinquisidor o promotor e a polícia judiciária Essa patologia judicial27 acaba por criar uma grave situação de desamparo pois se o juiz é o investigador quem atuará como garante 4 Por vício inerente ao sistema a investigação judicial tende a transformarse em plenária comprometendo seriamente a celeridade que deve nortear a fase préprocessual 5 Representa uma gravíssima contradição28 lógica pois o juiz investiga para o promotor acusar e o pior muitas vezes contra ou em desacordo com as convicções do titular da futura ação penal Em definitivo se a investigação preliminar é uma atividade preparatória que deve servir basicamente para formar a opinio delicti do acusador público deve estar a cargo dele e não de um juiz que não pode e não deve acusar 6 Gera uma confusão entre as funções de acusar e julgar com inegável prejuízo para o processo penal 7 Por fim outro grave problema da investigação judicial está no fato de converter a investigação preliminar em uma fase geradora de provas algo absolutamente inaceitável frente ao seu caráter inquisitivo A maior credibilidade que normalmente gera os atos do juiz instrutor pode levar a que a prova não seja produzida no processo mas meramente ratificada O resultado final é a monstruosidade jurídica de valorar na sentença elementos recolhidos em um procedimento preliminar em que predominam o segredo e a ausência de contraditório e defesa Não se pode olvidar que a investigação preliminar serve para aclarar o fato em grau de probabilidade e está dirigida a justificar o processo ou o não processo jamais para amparar um juízo condenatório Inequivocamente este é à luz da Constituição e do nível de evolução do processo penal o pior modelo de todos 33 Investigação Preliminar a Cargo do Ministério Público Promotor Investigador Atualmente existe uma tendência de outorgar ao Ministério Público a direção da investigação preliminar de modo a criar a figura do promotor investigador que poderá obrar pessoalmente eou por meio da Polícia Judiciária necessariamente subordinada a ele A investigação preliminar a cargo do MP tem sido adotada nos países europeus como um substituto ao modelo de investigação judicial anteriormente analisado Nesse sentido a reforma alemã de 1974 suprimiu a figura do juiz instrutor para dar lugar ao promotor investigador A partir de então outros países com maior ou menor intensidade foram realizando modificações legislativas nessa mesma direção como sucedeu vg na Itália 1988 e em Portugal 1987 e novamente em 1995 Na Espanha a Lei Orgânica LO n 788 que instituiu o procedimento abreviado deu os primeiros passos nessa direção ao outorgar ao fiscal maiores poderes na investigação preliminar Sem embargo é fundamental frisar ao contrário do que afirma equivocadamente alguma doutrina brasileira mal informada na Espanha ainda vigora o sistema de juiz instrutor pois as alterações legislativas ao mesmo tempo em que atribuíam mais poderes ao promotor não romperam com a tradição da investigação judicial O que existe na atualidade é que o promotor até pode iniciar e praticar atos de investigação mas a partir do momento em que o juiz de instrução passar a atuar ele automaticamente assume o mando29 total da investigação preliminar devendo o fiscal remeter para ele todas as informações obtidas e cessar sua intervenção Apesar de existir uma tendência de implementar os poderes da Fiscalia a figura do juez de instrucción não foi abandonada Nesse modelo de investigação o promotor é o diretor da investigação cabendolhe receber a notícia crime diretamente ou indiretamente através da polícia e investigar os fatos nela constantes Para isso poderá dispor e dirigir a atividade da Polícia Judiciária dependência funcional de modo que tanto poderá praticar por si mesmo as diligências como determinar que as realize a polícia segundo os critérios que ele promotor determinou Assim formará sua convicção e decidirá entre formular a acusação ou solicitar o arquivamento visto como não processo em sentido lato Em regra e assim é aconselhável que seja dependerá de autorização judicial para realizar determinadas medidas limitativas de direitos fundamentais como podem ser as medidas cautelares entradas em domicílios intervenções telefônicas etc Caberá ao juiz da instrução que não se confunde com a anterior figura do juiz instrutor decidir sobre essas medidas Esse juiz atua como um verdadeiro órgão suprapartes pois não investiga senão que intervém quando solicitado como um controlador da legalidade e não da conveniência dos atos de investigação levados a cabo pelo promotor A essa figura denominamos juiz garante da investigação preliminar Para seus defensores o sistema de promotor investigador surge como uma salvação ante a crise e a superação do modelo de juiz instrutor Como principais vantagens da investigação preliminar a cargo do Ministério Público destacamos 1 Representa uma aproximação à estrutura dialética do processo apesar de algumas naturais limitações da publicidade e do contraditório que seriam inerentes à própria natureza da investigação preliminar 2 Essa investigação preliminar do acusador é uma imposição do sistema acusatório pois mantém o juiz longe da investigação e garante a sua imparcialidade30 ao juiz cabe julgar e não investigar Com isso cumprese com os postulados garantistas do nullum iudicium sine accusatione e ne procedat iudex ex officio Em última análise o sistema fortalece a figura do juiz cuja atividade na investigação fica reservada a julgar decidindo sobre as medidas restritivas e a admissão da própria acusação 3 A imparcialidade do MP leva à crença de que a investigação buscará aclarar o fato a partir de critérios de justiça de modo que o promotor agirá para esclarecer a notíciacrime resolvendo justa e legalmente se deve acusar ou não Inclusive deverá diligenciar para obter também eventuais elementos de descargo que favoreçam a defesa31 Na síntese de GUARNIERI32 o Ministério Público constituye una figura que si bien tiene el cuerpo de parte ofrece el alma de juez 4 A própria natureza da investigação preliminar como atividade preparatória ao exercício da ação penal deve necessariamente estar a cargo do titular da ação penal Por isso deve ser uma atividade administrativa dirigida por e para o Ministério Público sendo ilógico que o juiz ou a polícia em descompasso com o MP investigue para o promotor acusar Em resumo melhor investiga quem vai acusar e melhor acusa quem por si mesmo investigou ou comandou a investigação 5 Como atividade destinada a formar um juízo sobre o processo ou o não processo a investigação preliminar a cargo do MP tende a ser verdadeiramente uma cognição sumária Com isso também se evita que os atos de investigação sejam considerados como atos de prova e por consequência valorados na sentença 6 A impossibilidade de que o MP adote medidas restritivas de direitos fundamentais distribui melhor o poder antes concentrado nas mãos do juiz instrutor e permite criar a figura do juiz garante da investigação como instância judicial de controle da legalidade dos atos de investigação Em suma representa uma melhor distribuição do poder e com isso beneficia a situação jurídica do sujeito passivo e evita o autoritarismo típico da estrutura inquisitiva do juiz instrutor Como argumentos contrários a esse sistema de investigação preliminar podemos apontar 1 Historicamente o modelo está associado ao utilitarismo judicialpunitivismo o combate da criminalidade a qualquer custo pretendendo o Estado justificar os fins com o uso abusivo dos meios Nesse sentido a reforma processual levada a cabo na Alemanha em 197433 foi produto da pressa do legislador em combater o terrorismo do grupo BaaderMeinhof O que importava era dar armas para a acusação aumentando a eficácia da investigação quanto ao fim punitivo pretendido ainda que com claros prejuízos para o sujeito passivo No mesmo sentido a Itália do pósguerra estava completamente assolada pela corrupção dos órgãos públicos a máfia e o crime organizado A reforma realizada em 1988 pretendia de uma vez por todas mudar esse panorama a qualquer custo E os frutos não tardaram Já em 1992 quando o promotor Antonio di Pietro começa a investigar um caso de menor importância culmina por colocar em relevo um escândalo de corrupção política sem precedentes tangentópolis A partir de então a operazione mani pulite inicialmente levada a cabo por sete promotores de Milão e posteriormente por uma ampla equipe processa em menos de um ano seis ministros e mais de uma centena de parlamentares e os dirigentes das mais importantes empresas da Itália Em 1997 esse número é elevado a cinco mil pessoas os interrogatórios passam de vinte mil e as cartas rogatórias a outros países superam as quinhentas34 São números elevados e preocupantes não só pelo nível de criminalidade que representam mas principalmente porque por trás deles está uma elevada cifra da injustiça pessoas inocentes injustamente submetidas ao processo O que parece ser a supremacia da lei reflete na realidade o império do Ministério Público As cifras indicam não só uma suposta eficácia da perseguição mas também reais e elevadas cifras dos casos de abuso de autoridade perseguição política desnecessária estigmatização e todo tipo de prepotência Em síntese é um modelo típico de utilitarismo judicial de um Estado de Polícia e não de um Estado de Direito 2 Levada ao extremo a transferência de poderes faz com que o juiz instrutor deixe de ser o temível e passa a sêlo o promotor gerando a não menos criticável inquisição do próprio acusador35 3 O argumento da imparcialidade do MP é uma frágil construção técnica facilmente criticável pois é contrário à lógica pretender a imparcialidade de uma parte Provavelmente o maior crítico foi CARNELUTTI36 que frisava a impossibilidade da quadratura do círculo Não é como reduzir um círculo a um quadrado construir uma parte imparcial Para o autor o MP é um juiz que se faz parte mas ao invés de ser uma parte que sobe é um juiz que baixa Em outra passagem CARNELUTTI37 explica que se o MP exercita verdadeiramente a função de acusador querer fazer dele um órgão imparcial não representa no processo mais que una inútil y hasta molesta duplicidad Além disso o MP é uma parte fabricada para cumprir com os requisitos do sistema acusatório para ser o contraditor natural do imputado Só assim nasce o conflito do qual brota a luz da verdade para o juiz Logo a pretendida imparcialidade do MP vai de encontro à necessidade natural de sua existência Como golpe derradeiro J GOLDSCHMIDT38 explica que essa exigência de imparcialidade dirigida a uma parte acusadora cae en el mismo error psicológico que ha desacreditado el proceso inquisitivo A pergunta que surge é em que difere a inquisição do promotor daquela realizada pelo juiz instrutor Que mecanismos subjetivos de proteção tem o promotor e de que carece o juiz instrutor Em síntese o argumento da imparcialidade de uma parte acusadora não se sustenta 4 Somente um Ministério Público institucionalmente calcado na independência em relação ao Poder Executivo e sem que exista hierarquia funcional interna pode ser o titular da investigação preliminar sob pena de contaminar politicamente o processo penal com os mandos e desmandos do governo E isso nos leva a um questionamento se para atribuir a investigação ao MP é necessário dotálo das garantias de um autêntico juiz por que não encarregar logo a um juiz instrutor 5 Na prática o promotor atua de forma parcial e não vê mais que uma direção Como afirma GUARNIERI39 por sua própria índole o promotor está inclinado a acumular tão somente provas contra o imputado Ao transformar a investigação preliminar numa via de mão única estáse acentuando a desigualdade das futuras partes com graves prejuízos para o sujeito passivo É convertêla em uma simples e unilateral preparação da acusação uma atividade minimalista e reprovável com inequívocos prejuízos para a defesa 6 Por fim cumpre destacar que o fato de atribuir normativamente a investigação preliminar ao MP não significa que ela será efetivamente levada a cabo pelo parquet eterna luta entre normatividade e efetividade Como foi constatado em um estudo realizado pelo Instituto MaxPlanck de Freiburg em 197840 nos países cuja investigação preliminar está nas mãos do MP como na Alemanha na grande maioria dos casos ela realmente havia sido realizada inteiramente pela Polícia Judiciária sem qualquer intervenção do MP O promotor só toma conhecimento depois que as atuações policiais já estão conclusas e como já está acabado o trabalho caráter inibitório ele não investiga e se conforma com o material apresentado Como aponta ARMENTA DEU 41 constitui uma prática habitual que a investigação recaia exclusivamente sobre a polícia limitandose o MP a uma mera revisão formal posterior Em definitivo representa uma volta ao sistema de investigação preliminar policial É um modelo bastante disseminado e que apresenta algumas vantagens relevantes em comparação ao modelo policial mas está muito longe de ser perfeito ou mesmo insuscetível de críticas Inclusive talvez como maior inconveniente desequilibra radicalmente a estrutura dialética do processo que já começa com o olhar viciado e manipulado pelo próprio acusador E não raras vezes conduz a uma via de mão única prevalência com gravíssimos inconvenientes para uma justa apuração dos fatos 4 Objeto e Grau de Cognição na Investigação Preliminar O objeto42 da investigação preliminar não é o seu fim mas sim a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que a integram isto é os fatos narrados na notitia criminis ou obtidos ex officio43 pelos órgãos de investigação estatal Delimitado o objeto cumpre verificar o nível ou grau de conhecimento que se pretende obter com a investigação preliminar Para isso devemos levar em consideração seu caráter instrumental e preparatório em relação ao processo penal isto é que a investigação não é um fim em si mesma Ademais existe uma íntima relação entre o nível de conhecimento que se busca e a natureza dos atos que devem ser praticados para alcançar esse conhecimento Outra importante vinculação está entre o grau da cognição e a natureza do juízo que se pretende juízo de verossimilhança ou de certeza Assim classificamos a investigação preliminar em 1 Plenária é aquela que se produz nos sistemas em que o conteúdo da fase processual não é outro que o mero controle do material recolhido na investigação preliminar pois é nesta última que se esgota totalmente a coleta da prova Nesse sistema a investigação preliminar não prepara o processo penal mas objetivamente prepara a sentença e o processo existe exclusivamente para impor a sanção penal Dessa forma a fase préprocessual acaba por converterse no verdadeiro juízo com o gravame de que em regra não são observados o contraditório e as garantias fundamentais do sujeito passivo É um retrocesso ao sistema inquisitivo Nesse modelo a investigação tem por objeto uma cognição total plena que pretende um juízo de segurança e não de verossimilhança Em síntese transforma a investigação não em um meio mas sim um fim em si mesma 2 Sumária44 a summaria cognitio significa uma limitação na atividade instrutória que deve responder a uma indagine limitata o superficiale45 O nível de conhecimento é limitado pois se busca um juízo de verossimilhança e não de certeza Posteriormente no processo a cognição será plena suprindo as limitações da atividade anterior Esse juízo de verossimilitude é provisional podendo ser alterado pelo posterior processo plenário Inclusive na expressão de CALAMANDREI o procedimento sumário è dunque un provvedimento provvisorio che aspira a diventar definitivo Ela está limitada ao imprescindível46 já que reserva para o processo propriamente dito a investigação dos dados complementares assim como a sua verificação proporcionando ao julgador o convencimento quanto à exatidão e certeza dos mesmos Interessanos a investigação sumária mais adequada aos fins da fase préprocessual e aos postulados do moderno processo penal A sumariedade implica uma limitação que poderá operar no plano qualitativo ou quantitativo ou ainda em ambos A limitação qualitativa pode atuar em dois planos vertical eou horizontal47 No processo penal entendemos que no plano horizontal está o campo probatório ou seja os dados acerca da situação fática descrita na notíciacrime e sobre os quais irá recair a atividade de averiguação e comprovação Uma limitação dessa natureza impede o instrutor juiz promotor ou polícia de analisar a fundo a notícia crime de comprovar de forma plena todos os elementos necessários para emitir um juízo de certeza sobre a materialidade e a autoria No plano vertical está o direito visto como os elementos jurídicos referentes à existência formal do crime tipicidade ilicitude e culpabilidade Logo a limitação qualitativa significa que o instrutor está limitado a comprovar a verossimilhança do fato isto é a probabilidade do fumus commissi delicti A antítese dessa cognição seria no plano horizontal a certeza sobre o fato e no plano vertical a certeza sobre a tipicidade ilicitude e culpabilidade Em definitivo significa que a investigação preliminar está limitada à atividade mínima48 de comprovação e averiguação da materialidade e da autoria necessária para justificar o exercício ou o não exercício da ação penal isto é para decidir sobre o processo ou o não processo A limitação quantitativa está refletida na adoção de um critério temporal isto é impor uma limitação temporal para a duração49 da investigação preliminar Não se trata propriamente de sumariedade mas sim de celeridade e a limitação da cognição resulta da restrição temporal e não das técnicas de sumarização horizontal e vertical É uma forma de evitar que as investigações sejam eternas ou se prolonguem excessivamente no tempo Todavia como critério único é imperfeito O sistema misto50 surge como o mais adequado pois limita a investigação preliminar em dois aspectos grau da cognitio sumariedade e tempo de duração da atividade É em síntese o resultante da aplicação concomitante dos dois métodos anteriormente analisados 5 Forma dos Atos da Investigação Preliminar Em termos processuais os atos devem ser analisados segundo o lugar o tempo e a forma Na investigação preliminar o lugar e o tempo não oferecem maiores problemas O ponto nevrálgico está na forma e nela nos centraremos A investigação poderá ser obrigatória ou facultativa segundo condicione o exercício da ação penal à sua prévia existência ou não Também é possível conceber um sistema misto em que a investigação preliminar seja obrigatória para os delitos graves e facultativa para os de menor potencial lesivo A produção dos atos de investigação poderá ser levada a cabo oralmente ou por escrito Como explica J GOLDSCHMIDT51 a oralidade deve ser vista como o principio de que la resolución judicial puede basarse sólo en material procesal proferido oralmente e mantém uma íntima relação com as formas de publicidadesegredo e imediaçãomediação O contraste está na forma escrita em que a decisão se baseia na matéria reduzida por escrito nos autos A investigação preliminar está dirigida a uma decisão o juízo de préadmissibilidade da acusação isto é o momento em que o juiz decide se recebe ou não a ação penal com base nos elementos recolhidos na investigação preliminar Por suposto uma investigação verdadeiramente oral só pode existir nos sistemas em que exista uma fase intermediária contraditória A investigação preliminar poderá ser ainda dominada pela publicidade ou pelo segredo52 dos atos No plano doutrinal explica ARAGONESES ALONSO53 propugnase por um sistema misto em que sejam secretas as primeiras investigações ou nos delitos graves e nos demais casos deve prevalecer a publicidade principalmente a interna Ainda deverá ser observado se o segredo é interno atingindo os sujeitos do procedimento ou externo atingindo aquelas pessoas que não são sujeitos do procedimento e total ou parcial Sumamente importante é definir claramente a eficácia probatória dos atos da investigação preliminar Para isso o sistema pode considerar a atividade desenvolvida na investigação preliminar como atos de prova ou atos de investigação Os primeiros apesar de produzidos na fase préprocessual integram os autos do processo e podem servir para o convencimento do juiz na sentença juízo de certeza Em síntese podem amparar um juízo condenatório ou absolutório sem necessidade de repetição em juízo Infelizmente na prática sob o argumento de que foram cotejados com as demais provas os atos do nosso inquérito54 acabam por converterse em atos de prova pois costumeiramente são valorados na sentença É um grave erro Outros sistemas atribuem ao material recolhido na investigação preliminar o valor de meros atos de investigação limitando sua eficácia aos limites da investigação Dessa forma os atos de investigação servem apenas para formar um juízo de probabilidade e não de certeza sobre a acusação e por isso não estão dirigidos à sentença Por isso consideramos que sua função é endoprocedimental55 no sentido de que esses atos têm eficácia interna somente servindo para amparar as decisões interlocutórias tomadas nessa fase como medidas cautelares busca e apreensão etc e a decisão sobre a admissibilidade da acusação Ainda no que se refere à eficácia probatória destacamos a importância da produção antecipada da prova como um instrumento processual destinado a disciplinar a reprodução ante a impossibilidade de repetição dos atos Infelizmente o instrumento está parcamente disciplinado no processo penal brasileiro art 225 do CPP e exige uma urgente reformulação Em suma essa rápida panorâmica dos sistemas de investigação preliminar serve de necessária introdução ao estudo do nosso modelo o inquérito policial a seguir exposto 1 LOPES JR Aury e GLOECKNER Ricardo Jacobsem Investigação Preliminar no Processo Penal 5 ed São Paulo Saraiva 2013 2 Esse fenômeno foi muito bem observado por CARNELUTTI Metodologia del Diritto Padova CEDAM 1939 p 94 e ss 3 Introduzioni allo Studio Sistematico dei Provedimento Cautelari Padova CEDAM 1936 especialmente p 21 e ss 4 Derecho Procesal Civil y Penal trad Enrique Figueroa Alfonzo México Episa 1997 p 338 e 346 5 Tratado de Derecho Procesal Penal trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires EJEA 1963 v 2 p 84 e ss 6 Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 210 7 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 133 8 O termo denúncia é o empregado pelos autores no sentido de notitia criminis e foi mantido conscientemente Cabe recordar que a expressão denúncia é empregada na maior parte dos sistemas jurídicos europeus para denominar a atividade de um particular de noticiar a ocorrência de um delito perseguível de ofício público Denúncia como nome da peça que materializa o exercício da ação penal pública é uma particularidade do Direito brasileiro 9 Seguindo FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE Criminologia cit p 135 e ss 10 Prevista no art 259 da LECrim Também dispõe da ação popular art 125 da Constituição e 101 da LECrim por meio da qual qualquer pessoa e não apenas a vítima poderá exercer a acusação em um delito público independente da atividade do Ministério Público 11 Esse fenômeno foi muito bem observado por GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosh 1951 v I p 37 e ss 12 A Contrariedade na Instrução Criminal São Paulo 1937 p 12 e ss 13 GIMENO SENDRA Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 196 14 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 210 15 Lezioni sul Processo Penale Roma Edizione DellAteneo 1946 v I p 3435 16 Na Espanha existe uma expressão muito adequada e representativa dessa situação la pena de banquillo O fato de uma pessoa sentarse no banco destinado aos acusados já é uma pena em si mesmo com profundos reflexos sociais econômicos e psicológicos 17 Derecho y Razón cit p 25 18 Sobre o tema consultese FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 730 e ss 19 Sobre o estigma é imprescindível a leitura de GOFFMAN Erwing Estigma Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada Rio de Janeiro Guanabara 1988 e da obra de BACILA Carlos Roberto Estigmas Um estudo sobre os preconceitos Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 20 FIGUEIREDO DIAS Jorge e COSTA ANDRADE Manuel Criminologia cit p 42 21 Idem ibidem p 50 22 Não se trata da degeneração que explicaremos na continuação conversão do sistema judicial ou a cargo do MP em policial que se opera no plano da efetividade Aqui a titularidade é normativa 23 Como explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE Criminologia cit Coimbra 1992 p 443 24 Como já explicamos a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos desde os casos Piersack de 01101982 e de Cubber de 26101984 no início da década de 80 tem decidido sistematicamente que juiz com poderes instrutórios é juiz prevento e que portanto não pode julgar Violada está nesses casos a garantia da imparcialidade do julgador verdadeiro princípio supremo do processo Isso conduziu a importantes e significativas alterações legislativas principalmente na Espanha e outros países que adotam o sistema de juizado de instrução como a França 25 ARMENTA DEU Teresa Criminalidad de Bagatela y Principio de Oportunidad Barcelona PPU 1991 p 149 26 Como chama a atenção GÓMEZ COLOMER no artigo La Instrucción del Proceso Penal por el Ministerio Fiscal aspectos estructurales a la luz del derecho comparado In La Reforma de la Justicia Penal estudios en homenaje al Prof Klaus Tiedmann Universidad Jaume I 1996 p 490 27 Como define com muita propriedade CARNELUTTI Derecho Procesal Civil y Penal cit p 336 destacando que los errores técnicos no son nunca inocuos éste de que el juez se vea constreñido a hacerse parte consecuencia inevitable de haber puesto un procedimiento jurisdiccional en lugar de un procedimiento administrativo constituye ciertamente una de las calamidades más dolorosas del procedimiento penal tal como está actualmente ordenado Nesse momento aludia o autor ao sistema que anteriormente vigorava na Itália atualmente substituído pela indagine preliminare a cargo do MP 28 No mesmo sentido GÓMEZ COLOMER op cit p 485 aponta para essa contradição entre a atividade do juiz e a de instruir porque instruyendo no juzga y porque sobretodo queda encuadrado dentro de un estatuto orgánico y dentro de un Poder del Estado el Judicial que no le corresponde ya que no siendo juicio la instrucción la investigación de un crimen es actividad administrativa y no judicial en el sentido referido a Justicia 29 Basta ler o art 785 bis3 da LECrim cesará el fiscal en sus diligencias tan pronto como tenga conocimiento de la existencia de un procedimiento judicial sobre los mismos hechos 30 Por suposto esse juiz da instrução e não de instrução não será o mesmo que julgará a causa Quando muito além de decidir sobre essas medidas restritivas presidirá a fase intermediária decidindo se recebe ou não a acusação Entendemos ser um grave erro considerar a prevenção como critério definidor da competência quando claramente deveria ser uma causa de exclusão A nosso juízo comprometese a imparcialidade ao permitir que o mesmo juiz que homologou uma prisão em flagrante ou decretou a prisão temporária ou preventiva no curso do inquérito seja o que irá receber e julgar a causa Isto é o juiz prevenido tem sua imparcialidade fulminada pelos prejulgamentos que realizou e não pode ser o que sentencia Em excelente monografia sobre o tema OLIVA SANTOS Andrés Jueces Imparciales Fiscales Investigadores y Nueva Reforma para la Vieja Crisis de la Justicia Penal Barcelona PPU 1988 p 81 e ss destaca que a prevenção deriva mais da natureza das decisões que o juiz adota como nas medidas cautelares do que propriamente dos atos de reunir material ou estar em contato com as fontes de prova Na síntese do autor o juiz que não conhece a investigação determinará sistematicamente o que o promotor propuser ou examinará os autos para decidir segundo seu próprio critério Neste último caso ele se converteria em juiz prevento inapto para o processo e a sentença No primeiro caso não é necessário dizer que a reprovação é patente 31 Apesar da duvidosa eficácia algumas legislações impõem um dever legal de apurar também os elementos que favoreçam a defesa Nesse sentido destacamos o art 358 do CPP italiano e o 1602 da StPO alemã 32 Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México 1952 p 43 33 Como destaca a própria doutrina alemã Apud GÓMEZ COLOMER La Instrucción del Proceso Penal por el Ministerio Fiscal aspectos estructurales a la luz del derecho comparado cit nota ao pé da página 469 34 Dados proporcionados por DÍAZ HERRERA José e DURÁN Isabel na obra El Secuestro de la Justicia Cuando el Poder se Enfrenta a los Tribunales Madri Temas de Hoy 1997 especialmente o Capítulo IX 35 Como destaca ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madri Rubí Artes Gráficas 1984 p 225 e ss 36 Em diversos momentos critica duramente essa criação artificial do MP imparcial mas destacamos especialmente o trabalho Poner en su puesto al Ministerio Público In Cuestiones sobre el Proceso Penal trad Sentís Melendo Buenos Aires El Foro 1960 p 214 Também com o título Mettere il Publico Ministerio al suo Posto na Rivista di Diritto Processuale v 8 parte I 1953 p 18 e ss 37 Lecciones sobre el Proceso Penal trad Sentís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v 2 p 99 38 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 39 Las Partes en el Proceso Penal cit p 320 40 Citado por ARMENTA DEU op cit nota ao pé da página 174 41 Idem ibidem 42 Partimos do conceito de objeto de GUASP Jaime Derecho Procesal Civil 4 ed revisada e adaptada por Pedro Aragoneses Alonso Madrid Civitas 1998 v 1 p 203 adaptandoo às particularidades da investigação preliminar 43 Nesse sentido ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 230 classifica as fontes de conhecimento direto em a voz pública b notoriedade e c flagrância 44 Cumpre destacar que sumariedade e celeridade são coisas distintas A primeira significa uma limitação na cognição ao passo que a segunda identificase com o fator tempo logo com a maior ou menor exiguidade com que devem ser praticados os atos processuais procedimentos acelerados 45 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 13 e ss 46 Como explica ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 223 47 Para estudar as Técnicas de Sumarização é necessário recorrer à doutrina processual civil especialmente BAPTISTA DA SILVA Ovidio A Curso de Processo Civil 2 ed Porto Alegre S A Fabris 1991 v 1 p 108 CHIOVENDA Giuseppe Instituições de Direito Processual Civil São Paulo Saraiva 1942 v 1 p 237 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários ao Código de Processo Civil de 1939 2 ed Rio de Janeiro Forense 1958 v 8 p 183 e RANGEL DINAMARCO Cândido A Instrumentalidade do Processo 6 ed São Paulo Malheiros 1990 nota ao pé da p 372 n 7 48 Na Espanha o art 7893 da LECrim estabelece que as diligências prévias só serão realizadas se as informações constantes no termo de ocorrência policial não forem suficientes para formular a acusação e nesse caso só devem ser praticadas as diligências essenciais Também o CPP italiano art 326 limita a indagine às investigações e averiguações necessárias para o exercício da ação penal No mesmo sentido o 160 da StPO alemã e o art 262 do CPP português limitam a instrução aos atos necessários para decidir sobre o exercício da ação penal Também é essa a posição do nosso CPP ao considerar facultativo o inquérito quando a notíciacrime vier suficientemente instruída e com a sua exclusão nos delitos de menor potencial lesivo submetidos ao regime da Lei n 909995 49 Como regra geral passível de prorrogação poderá durar no máximo um mês na Espanha art 324 de la LECrim seis meses na Itália art 4052 do CPP e até um ano nos delitos de criminalità mafiosa seis ou oito meses conforme exista ou não uma prisão cautelar em Portugal art 276 do CPP Esses prazos possuem duas variáveis importantes existência ou não de prisão cautelar e gravidadecomplexidade do fato 50 É o adotado entre outros por Brasil Itália Espanha e Portugal 51 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 84 e ss Também na sua magistral obra Derecho Procesal Civil Barcelona Labor 1936 p 86 e ss 52 Sobre a complexa problemática do binômio publicidadesegredo interno eou externo consultese nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 onde analisamos detidamente a questão 53 Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 224 54 Ainda mais grave é a situação dos processos levados a julgamento pelo Tribunal do Júri em que os jurados decidem por íntima convicção e sem qualquer forma de controle da racionalidade Nestes processos nada impede que o réu seja condenado exclusivamente pela prova produzida no inquérito sem contraditório direito de defesa ou publicidade 55 Na obra coletiva Manuale Pratico del Nuovo Processo Penale 4 ed Padova CEDAM 1995 p 474 e ss STEFANO DRAGONE fala em função endoprocessuale Apesar de seguirmos sua lição preferimos o termo endoprocedimental porque reflete com mais propriedade a natureza jurídica desta fase um procedimento preparatório e não um processo Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 CONCEITO A investigação preliminar situase na fase préprocessual sendo o gênero do qual são espécies o inquérito policial as comissões parlamentares de inquérito sindicâncias etc Constitui o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado a partir de uma notíciacrime com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso com o fim de justificar o processo ou o não processo 2 CARACTERES a Autonomia em relação ao processo pois a investigação preliminar pode ou não gerar um processo penal bem como pode haver processo sem prévia investigação b Instrumentalidade é um instrumento a serviço do instrumento processo por isso é uma instrumentalidade qualificada ou elevada ao quadrado 3 FUNDAMENTO DA EXISTÊNCIA a Busca do fato oculto o crime na maior parte dos casos é total ou parcialmente oculto e precisa ser investigado para atingirse elementos suficientes de autoria e materialidade fumus commissi delicti para oferecimento da acusação ou justificação do pedido de arquivamento b Função simbólica a visibilidade da atuação estatal investigatória contribui no plano simbólico para o restabelecimento da normalidade social abalada pelo crime afastando o sentimento de impunidade c Filtro processual a investigação preliminar serve como filtro processual para evitar acusações infundadas seja porque despidas de lastro probatório suficiente seja porque a conduta não é aparentemente criminosa O processo penal é uma pena em si mesmo pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar pois é gerador de estigmatização social e jurídica etiquetamento e sofrimento psíquico Daí a necessidade de uma investigação preliminar para evitar processos sem suficiente fumus commissi delicti 4 ANÁLISE DOS SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR SUJEITOOBJETOATOS 41 Sujeito Ativo órgão encarregado poderá ser investigação policial como no Brasil juiz instrutor Espanha França e Uruguai entre outros ou promotor investigador Portugal Itália e Alemanha entre outros Todos os modelos possuem vantagens e inconvenientes sendo completamente superada a figura do juiz instrutor e uma tendência o modelo de promotor investigador 42 Objeto e grau de cognição o objeto da investigação é o fato aparentemente criminoso narrado na notíciacrime ou obtido pela autoridade de ofício Quanto ao nível ou grau de conhecimento da matéria a investigação poderá ser plenária ou sumária que é a regra buscando assim um juízo de verossimilhança e não de certeza Poderá haver uma limitação qualitativa sumarização vertical eou horizontal eou quantitativa critério temporal de duração O sistema misto conjuga limitação qualitativa e quantitativa 43 Forma dos atos é o mais importante definir como será feita a investigação Nessa linha poderá ser obrigatória ou facultativa oral ou escrita secreta ou pública e ainda quanto à eficácia probatória podem constituir atos de prova ou atos de investigação valor probatório limitado Capítulo VIII A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR BRASILEIRA O INQUÉRITO POLICIAL E SUA CRISE O inquérito policial foi mantido no CPP de 1941 pois entendeu o legislador da época que o ponderado exame da realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repúdio ao sistema vigente Naquele momento histórico o sistema de juiz de instrução era amplamente adotado principalmente na Europa onde vivia momentos de glória em países como Espanha França Itália e Alemanha O Brasil ao contrário seguia com a superada investigação preliminar policial Passados mais de 70 anos quando o juiz de instrução foi e está sendo abandonado pela constatação de sua ineficiência e inúmeros inconvenientes alguma doutrina brasileira menos autorizada propugna sua adoção no nosso país em completo descompasso com a evolução do Direito e na contramão da história Na continuação analisaremos o inquérito policial e ao final definiremos algumas linhas básicas do que consideramos um modelo ideal para a realidade brasileira Salientamos ainda a importância da leitura do item anterior pois somente o estudo atento da estrutura teórica da investigação preliminar anteriormente exposta permitirá a exata compreensão dos fundamentos do inquérito policial Não é demais recordar que o inquérito policial é apenas um dos sistemas de investigação preliminar hoje existente e que por isso deve ser estudado dentro da lógica que orienta os sistemas de investigação preliminar 1 Considerações Prévias Natureza Jurídica Inquérito é o ato ou efeito de inquirir isto é procurar informações sobre algo colher informações acerca de um fato perquirir O CPP de 1941 denomina a investigação preliminar de inquérito policial em clara alusão ao órgão encarregado da atividade O inquérito policial é realizado pela polícia judiciária que será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria art 4º Merece destaque o substantivo feminino utilizado pelo art 4º para designar a atividade que será levada a cabo apuração O substantivo deriva do verbo apurar que no seu sentido etimológico deriva de puro e significa purificar aperfeiçoar conhecer o certo Não existe um dispositivo que de forma clara e satisfatória defina o inquérito policial pelo que devemos recorrer a uma leitura pelo menos dos arts 4º e 6º do CPP Quanto à natureza jurídica do inquérito policial vem determinada pelo sujeito e pela natureza dos atos realizados de modo que deve ser considerado como um procedimento administrativo pré processual A atividade carece do mando de uma autoridade com potestade jurisdicional e por isso não pode ser considerada como atividade judicial e tampouco processual até porque não possui a estrutura dialética do processo Como explica MANZINI1 só pode haver uma relação de índole administrativa entre a polícia que é um órgão administrativo igual ao MP quando vinculado ao Poder Executivo e aquele sobre quem recaia a suspeita de haver cometido um delito 2 Órgão Encarregado Atuação Policial e do Ministério Público Como determina o art 4º do CPP e o próprio nome indica o inquérito é realizado pela polícia judiciária Essa foi desafortunadamente a opção mantida pelo legislador de 1941 justificada na Exposição de Motivos como o modelo mais adequado à realidade social e jurídica daquele momento Sua manutenção era segundo o pensamento da época necessária atendendo às grandes dimensões territoriais e às dificuldades de transporte Foi rechaçado o sistema de instrução preliminar judicial ante a impossibilidade de que o juiz instrutor pudesse atuar de forma rápida nos mais remotos povoados a grandes distâncias dos centros urbanos e que às vezes exigiam vários dias de viagem Mas o inquérito não é necessariamente policial Nesse sentido dispõe o parágrafo único do art 4º determinando que a competência da polícia não exclui a de outras autoridades administrativas que tenham competência legal para investigar Dessa forma é possível que outra autoridade administrativa vg nas sindicâncias e processos administrativos contra funcionários públicos realize a averiguação dos fatos e com base nesses dados seja oferecida a denúncia pelo Ministério Público Da mesma forma um delito praticado por um militar será objeto de um inquérito policial militar e ao final concluindo a autoridade militar que o fato não é crime militar mas sim comum ou ainda que foram praticados crimes militares e comuns2 deverá remeter os autos do IPM ao Ministério Público que poderá diretamente oferecer a denúncia Também pode a investigação ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissões Parlamentares de Inquérito Segundo o art 58 4º da CB as CPIs têm poderes de investigação e são criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal em conjunto ou separadamente mediante requerimento de um terço de seus membros para a apuração de fato determinado e por prazo certo sendo que suas conclusões quando afirmarem a existência de um delito serão remetidas ao Ministério Público para que promova diretamente se entender viável a respectiva ação penal Não obstante nosso estudo está limitado ao inquérito policial realizado pela polícia judiciária e nele nos centraremos Tratase de um modelo de investigação preliminar policial de modo que a polícia judiciária leva a cabo o inquérito policial com autonomia e controle Contudo depende da intervenção judicial para a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais A polícia brasileira desempenha dois papéis nem sempre distintos a polícia judiciária e a polícia preventiva A polícia judiciária está encarregada da investigação preliminar sendo desempenhada nos estados pela Polícia Civil e no âmbito federal pela Polícia Federal Em regra nenhum problema existe no fato de a polícia civil estadual investigar um delito de competência da Justiça Federal como o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e demais delitos previstos no art 109 da Constituição ou de a polícia federal realizar um inquérito para apuração de um delito de competência da Justiça Estadual Contudo em geral a atuação de cada polícia tende a limitarse ao âmbito de atuação da respectiva Justiça Federal ou Estadual Já o policiamento preventivo ou ostensivo é levado a cabo pelas Polícias Militares dos estados que não possuem atribuição como regra para realizar a investigação preliminar Em se tratando de inquérito policial está ele a cargo da polícia judiciária não cabendo à polícia militar realizálo salvo nos crimes militares definidos no Código Penal Militar Quanto à atuação do Ministério Público está o parquet legalmente autorizado a requerer abertura como também acompanhar a atividade policial no curso do inquérito Contudo por falta de uma norma que satisfatoriamente defina o chamado controle externo da atividade policial subordinação ou dependência funcional da polícia em relação ao MP não podemos afirmar que o Ministério Público pode assumir o mando do inquérito policial mas sim participar ativamente requerendo diligências e acompanhando a atividade policial Em definitivo não pairam dúvidas de que o Ministério Público poderá requisitar a instauração do inquérito eou acompanhar a sua realização Mas sua presença é secundária acessória e contingente pois o órgão encarregado de dirigir o inquérito policial é a polícia judiciária Quanto aos poderes investigatórios do Ministério Público a questão ainda é bastante discutida não havendo paz conceitual sobre sua constitucionalidade Mas o STF já decidiu algumas vezes sobre o tema e sinaliza no sentido de sua possibilidade mas não houve manifestação do órgão plenário sobre a constitucionalidade3 Importante destacar a preocupação muito pertinente por sinal do Min CELSO DE MELLO em definir a esfera de proteção do imputado que não poderá ser objeto de desprezo por parte do Ministério Público no âmbito de sua própria investigação Para evitar repetições remetemos o leitor para o final deste capítulo onde trataremos A Título de Conclusão a opacidade da discussão em torno do promotor investigador mudem os inquisidores mas a fogueira continuará acesa Nesse ponto demonstraremos como existem questões complexas e da maior relevância em termos de investigação preliminar e que não serão resolvidas com a mera substituição do inquisidor Concluindo4 entendemos que a legislação existente sobre o chamado controle externo da atividade policial é insatisfatória e minimalista limitandose a definir meros instrumentos de controle da legalidade Permanece a lacuna e não se pode afirmar que com a atual legislação o MP possa assumir o controle do inquérito policial Quanto aos poderes para levar a cabo sua própria investigação a questão ainda é objeto de muita divergência mas um ponto é pacífico falta uma definição em lei de como será feita essa investigação Esse é o maior problema 3 A Posição do Juiz Frente ao Inquérito Policial O Juiz como Garantidor e não como Instrutor A efetividade da proteção está em grande parte pendente da atividade jurisdicional principal responsável por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais Como consequência o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor5 dos direitos do acusado no processo penal O juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor que não pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados como no superado modelo positivista O juiz assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um Essa é a posição que o juiz deve adotar quando chamado a atuar no inquérito policial como garante dos direitos fundamentais do sujeito passivo Para evitar repetições remetemos o leitor ao início do trabalho quando definimos a instrumentalidade constitucional como fundamento da existência do processo penal A atuação do juiz na fase préprocessual seja ela inquérito policial investigação pelo MP etc é e deve ser muito limitada O perfil ideal do juiz não é como investigador ou instrutor mas como controlador da legalidade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo É também a posição mais adequada aos princípios que orientam o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo penal Tradicionalmente no processo penal brasileiro o juiz mantémse afastado da investigação preliminar como autêntico garantidor limitandose a exercer o controle formal da prisão em flagrante e a autorizar aquelas medidas restritivas de direitos cautelares busca e apreensão intervenções telefônicas etc O alheamento é uma importante garantia de imparcialidade e apesar de existirem alguns dispositivos que permitam a atuação de ofício os juízes devem condicionar sua atuação à prévia invocação do MP da própria polícia ou do sujeito passivo O juiz não orienta a investigação policial e tampouco presencia seus atos mantendo uma postura totalmente suprapartes e alheia à atividade policial No sistema brasileiro o juiz não investiga nada não existe a figura do juiz instrutor e por isso mesmo não existe a distinção entre instrutor e julgador Daí por que nosso profundo rechaço ao disposto no inciso I do art 156 nova redação dada pela Lei n 116902008 que permite ao juiz de ofício ordenar antes de iniciada a ação penal logo na investigação preliminar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes observando a necessidade adequação e proporcionalidade da medida Como se percebe além de caminhar em direção ao passado juizinstrutor a reforma pontual maquiou o problema utilizando critérios vagos e imprecisos necessidade e adequação para que e para quem e o manipulável princípio da proporcionalidade que com certeza será utilizado a partir da falaciosa dicotomia entre o sagrado interesse público e o sempre sacrificável direito individual do imputado Nenhum problema existe na produção antecipada de provas na fase préprocessual mas desde que o juiz atue como julgador mediante prévia e fundamentada invocação do Ministério Público Não como juiz inquisidor atuando de ofício e produzindo sua própria prova Noutra dimensão no Tribunal do Júri ou ainda nos processos em que a prerrogativa de função do acusado desloca a competência para os Tribunais de Apelação não existe instrução6 preliminar judicial Isso porque a fase préprocessual é inteiramente realizada sob a forma de inquérito policial sendo a polícia judiciária o órgão encarregado da investigação Somente com o exercício da ação penal e o início da fase processual dáse a necessária intervenção judicial Mas frisese já estamos na fase processual É importante destacar que a instrução do relator é uma atividade da fase processual instrução definitiva e sempre será posterior à conclusão do inquérito esse sim uma instrução preliminar e ao oferecimento da ação penal Da mesma forma o juiz singular nos processos de competência do Júri preside uma instrução definitiva processual Não existe nenhum caso de instrução preliminar judicial e tampouco o nosso sistema consagra a figura do juizinstrutor Fazemos essa advertência porque uma leitura apressada de alguns dispositivos legais vg art 2º da Lei n 803890 onde se lê será o juiz da instrução deveria estar será o juiz da instrução definitiva ou processual pode induzir ao erro de imaginar que nos processos de competência do Tribunal do Júri ou originária dos tribunais existiria uma instrução preliminar judicial Por último a intervenção do órgão jurisdicional é contingente e excepcional Isso porque o inquérito policial pode iniciar desenvolverse e ser concluído sem a intervenção do juiz Ele não é um sujeito necessário na fase préprocessual e será chamado quando a excepcionalidade do ato exigir a autorização ou controle jurisdicional ou ainda quando o sujeito passivo estiver sofrendo restrições no seu direito de defesa à prova acesso aos autos etc por parte do investigador Sem embargo existem quatro aspectos que julgamos problemáticos o problema da prevenção como critério definidor da competência a tendência de algumas leis atuais em colocar o juiz na posição de investigador a ausência de uma fase intermediária e os perigos que encerram uma denúncia imediata sem prévia investigação e oitiva do sujeito passivo o recebimento da acusação sem a devida fundamentação Os dois primeiros pontos foram tratados e criticados no tópico destinado ao estudo dos sistemas processuais acusatório e inquisitório ao qual remetemos para necessária leitura O terceiro problema situase na falta de uma fase intermediária entre o encerramento do inquérito policial e o início do processo em que de forma contraditória e preferencialmente oral o que nos conduziria a ter uma audiência prévia o acusador justifica o exercício da pretensão acusatória e a defesa demonstra porque o processo não deve ser iniciado Isso para alguns existe timidamente no sistema brasileiro no rito da nova lei de tóxicos Lei n 11343 e no antigo rito dos crimes praticados por servidores públicos mas infelizmente optaram por estabelecer uma resposta escrita Por que insistir no ranço da forma escrita Quando a oralidade sairá do discurso para entrar efetivamente no processo Essa sistemática só serve para alimentar os defensores do utilitarismo processual que preocupados com a máxima celeridade argumentarão que tal resposta escrita é excessivamente demorada e irá retardar a repressão penal Infelizmente o maior erro da Lei n 117192008 que alterou os procedimentos foi ter inserido a mesóclise da discórdia no art 396 que não constava no projeto de Lei n 42072001 e gerou grande surpresa e decepção pois foi modificado às vésperas da promulgação da nova lei O projeto desenhava uma fase intermediária há muito reclamada pelos processualistas de modo que a admissão da acusação somente ocorreria após o oferecimento da defesa o ideal seria uma audiência regida pela oralidade Era um juízo prévio de admissibilidade da acusação para dar fim aos recebimentos automáticos de denúncias infundadas inserindo um mínimo de contraditório nesse importante momento procedimental Por isso o art 399 estabelece aqui foi mantida a redação do projeto de 2001 que recebida a denúncia ou queixa demarcando que o recebimento da acusação deveria ocorrer no momento após a defesa escrita Mas infelizmente foi inserida no art 396 a mesóclise recebêlaá e mantevese a redação do projeto no que se refere ao art 399 gerando uma dicotomia aparente dois recebimentos Com isso o recebimento da denúncia é imediato e ocorre nos termos do art 396 Esse é o marco interruptivo da prescrição e demarca o início do processo que se completa com a citação válida do réu art 363 Tanto que o réu é citado nesse momento para apresentar sua resposta e posteriormente intimado para audiência de instrução logo intimado também para o interrogatório que lá será realizado Ademais a absolvição sumária art 397 em que pese recorrer àquilo que consideramos serem as condições da ação processual penal pressupõe a existência do processo Como absolver antes do início do processo A absolvição mesmo sumária somente é possível após o recebimento da acusação Antes desse recebimento da acusação o que pode haver é rejeição não absolvição Quanto ao art 399 nada mais faz do que remeter para o recebimento anterior sendo a expressão recebida desnecessária Mas já que lá está deve ser interpretada como uma remissão ao recebimento já realizado e não uma nova decisão Em suma a mesóclise da discórdia demarca a manutenção do sistema de recebimento imediato da acusação antes do oferecimento da resposta da defesa Era e continua sendo fundamental o estabelecimento de uma fase intermediária que se caracterize por uma audiência contraditória máxima oralidade ante um juiz que em alguns sistemas será o mesmo que presidirá o processo ao passo que em outros é um juiz distinto às vezes o próprio instrutor Nessa audiência formulará o Ministério Público ou o particular delitos privados a respectiva acusação que será contraditada pela defesa Ambas as partes poderão inclusive aportar provas e ouvir testemunhas número reduzido sem esquecer que se trata de uma cognição sumária restrita a verificar a probabilidade do fumus commissi delicti Após caberá ao juiz realizar um juízo de préadmissibilidade da acusação recebendoa ou determinando o arquivamento Predominam a oralidade e a concentração dos atos de modo que não há qualquer prejuízo para a celeridade Na essência a função é a mesma mas a forma dos atos oralidade ou escrita é completamente distinta e afeta em última análise a máxima eficácia do direito de defesa Do contrário teremos um ato simbólico de pouca ou nenhuma eficácia para a defesa e que servirá apenas para municiar o discurso utilitarista E isso nós ainda não temos O último problema apontado é a falta de fundamentação da decisão interlocutória é verdade que recebe a denúncia ou queixa violando o art 93 IX da Constituição e a própria garantia da motivação das decisões judiciais 4 Objeto e sua Limitação O objeto da investigação preliminar7 é o fato constante na notitia criminis isto é o fumus commissi delicti que dá origem à investigação e sobre o qual recai a totalidade dos atos desenvolvidos nessa fase Toda a investigação está centrada em esclarecer em grau de verossimilitude o fato e a autoria sendo que esta última autoria é um elemento subjetivo acidental da notíciacrime Não é necessário que seja previamente atribuída a uma pessoa determinada A atividade de identificação e individualização da participação será realizada no curso da investigação preliminar Destarte o objeto do inquérito policial será o fato ou fatos constante na notíciacrime ou que resultar do conhecimento adquirido através da investigação de ofício da polícia No que se refere ao quanto de conhecimento cognitio do fato deverá ser alcançado no inquérito o modelo brasileiro adota o chamado sistema misto estando limitado qualitativamente e também no tempo de duração 41 Limitação Qualitativa O inquérito policial serve essencialmente para averiguar e comprovar os fatos constantes na notitia criminis Nesse sentido o poder do Estado de averiguar as condutas que revistam a aparência de delito é uma atividade que prepara o exercício da pretensão acusatória que será posteriormente exercida no processo penal É importante recordar que para a instauração do inquérito policial basta a mera possibilidade de que exista um fato punível A própria autoria não necessita ser conhecida no início da investigação Sem embargo para o exercício da ação penal e a sua admissibilidade deve existir um maior grau de conhecimento exigese a probabilidade de que o acusado seja autor coautor ou partícipe de um fato aparentemente punível Logo o inquérito policial nasce da mera possibilidade mas almeja a probabilidade Para atingir esse objetivo o IP tem seu campo de cognição limitado No plano horizontal está limitado a demonstrar a probabilidade da existência do fato aparentemente punível e a autoria coautoria ou participação do sujeito passivo Essa restrição recai sobre o campo probatório isto é os dados acerca da situação fática descrita na notitia criminis O que se busca é averiguar e comprovar o fato em grau de probabilidade No plano vertical está o direito isto é os elementos jurídicos referentes à existência do crime vistos a partir do seu conceito formal fato típico ilícito e culpável O IP deve demonstrar a tipicidade a ilicitude e a culpabilidade aparente também em grau de probabilidade A antítese será a certeza sobre todos esses elementos e está reservada para a fase processual Para compreender melhor vejamos a seguinte representação gráfica iniciando pela fase processual processo penal de conhecimento Notase que na fase processual as partes podem discutir toda a matéria fática prova de autoria e materialidadeexistência do fato e jurídica possibilidade de discussão sobre todos e cada um dos elementos do conceito analítico de crime ou seja tipicidade ilicitude e culpabilidade A cognição é plenária e permite o exaurimento de todas as teses e argumentos O resultado final é a sentença onde se profere uma tutela de segurança resultado da plena discussão de todo o caso penal Situação completamente distinta ocorre na investigação preliminar onde a cognição é limitada sumária Reparem que o conhecimento das questões fáticas plano horizontal e jurídicopenais plano vertical são limitados não se permitindo a ampla discussão sobre elas Empregase uma limitação nas duas dimensões fazendo com que a cognição seja limitada mera tutela de aparência É por isso que o inquérito policial busca apenas a verossimilhança do crime a mera fumaça fumus commissi delicti não havendo possibilidade de plena discussão das teses pois a cognição plenária fica reservada para a fase processual Esclarecido isso prossigamos O inquérito policial não é obrigatório e poderá ser dispensado sempre que a notíciacrime dirigida ao MP disponha de suficientes elementos para a imediata propositura da ação penal Da mesma forma se com a representação art 39 5º do CPP forem aportados dados suficientes para acusar o MP deverá propor a denúncia no prazo de 15 dias Isso porque o IP está destinado apenas a formar a convicção do MP que poderá acusar desde que disponha de suficientes elementos para demonstrar a probabilidade do delito e da autoria O problema de ordem prática está na efetividade da sumariedade que é sistematicamente negada pela polícia que investiga até que ela entenda provado o fato quando na verdade a convicção deve partir do titular da ação penal Ademais o fato não deve estar provado senão demonstrado em grau de probabilidade Uma das maiores críticas que se faz ao IP é a repetição na produção da prova O inquérito policial é normativamente sumário inclusive com limitação quantitativa ou temporal mas o que sucede na prática é que ele se transforma de fato em plenário Essa conversão de normativamente sumário em efetivamente plenário é uma gravíssima degeneração A polícia demora excessivamente a investigar investiga mal e por atuar mal acaba por alongar excessivamente a investigação O resultado final é um inquérito inchado com atos que somente deveriam ser produzidos em juízo e que por isso desborda os limites que o justificam Parte da culpa vem dada pela má valoração dos atos realizados pois se realmente fossem considerados meros atos de investigação não haveria justificativa em estender uma atividade que esgota sua eficácia no oferecimento da ação penal O problema nasce no momento em que o inquérito acompanha e integra os autos do processo e passa a ser valorado na sentença ainda que sob a fórmula de cotejado com a prova judicial Esse equivocado entendimento do valor probatório dos atos do inquérito é mais uma causa justificadora da dilação da investigação Em suma a cognição deve ser limitada Atingido um grau de convencimento tal que o promotor possa oferecer a denúncia com suficientes elementos probabilidade do fumus commissi delicti ele deverá determinar a conclusão do inquérito e exercer a ação penal Ou então não se chega ao grau de probabilidade exigido para a admissão da acusação e a única alternativa é o pedido de arquivamento 42 Limitação Temporal Prazo Razoável Prazo Sanção Ineficácia Normativamente o IP é célere tendo em vista a limitação temporal que lhe é imposta pela lei Adotando o sistema misto o Direito brasileiro limita o inquérito policial tanto qualitativamente como também quantitativamente É importante destacar que não assiste à polícia judiciária o poder de esgotar os prazos previstos para a conclusão do IP principalmente existindo uma prisão cautelar O inquérito deverá ser concluído com a maior brevidade possível e em todo caso dentro do prazo legal Ademais não há que se esquecer do direito de ser julgado no prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição e já explicado anteriormente em tópico específico cuja incidência na fase préprocessual é imperativa e inafastável Assim como regra geral o inquérito policial deve ser concluído no prazo de 10 dias indiciado preso ou 30 dias no caso de não existir prisão cautelar art 10 do CPP Esse prazo de 10 dias será computado a partir do momento do ingresso em prisão pois o que se pretende limitar é que a prisão se prolongue além dos 10 dias Quando o sujeito passivo estiver em liberdade atendendo à complexidade do caso difícil elucidação o prazo de 30 dias poderá ser prorrogado a critério do juiz competente para o processo art 10 3º do CPP desde que existam motivos razoáveis para isso O que não se pode admitir como destaca ESPÍNOLA FILHO8 é que a dilatação fique ao arbítrio ou critério da autoridade policial A lei é clara e exige a concorrência de dois fatores fato de difícil elucidação indiciado solto Por conseguinte a complexidade do fato não justifica a prorrogação do IP quando o indiciado estiver preso Nos processos de competência da Justiça Federal prevê o art 66 da Lei n 501066 que o prazo de conclusão do IP quando o sujeito passivo estiver em prisão será de 15 dias prorrogáveis por mais 15 Nesse caso a polícia deverá apresentar o preso ao juiz e a decisão judicial deverá ser fundamentada levandose em consideração a gravidade da medida adotada Mantémse o limite de 30 dias quando o sujeito passivo estiver em liberdade Nos delitos de tráfico de entorpecentes o art 51 da Lei n 113432006 prevê que o inquérito será concluído no prazo de 30 dias se o indiciado estiver preso e de 90 dias se estiver solto Esses prazos substancialmente maiores do que aqueles previstos no CPP poderão ainda ser duplicados pelo juiz Destaquese a possibilidade de um inquérito durar até 60 dias com indiciado preso o que dependendo das circunstâncias do caso pode constituir uma violação do direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Essa sistemática segue a diretriz anteriormente definida pela problemática Lei n 807290 que prevê no seu art 2º 3º que a prisão temporária terá o prazo de 30 dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade Aqui nada dispõe sobre o prazo de duração do inquérito policial Por isso devemos analisar o tema a partir do fundamento da existência da prisão temporária pois ela serve para possibilitar as investigações do inquérito policial Tem um claro caráter instrumental em relação ao IP não podendo subsistir uma prisão dessa natureza após o oferecimento da denúncia Por isso sua duração é curta 5 dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade Conjugando esses elementos identificase mais uma grave medida criada pela hedionda Lei n 8072 um inquérito policial com indiciado preso cuja duração pode ser de 30 dias ou mais Ainda que a lei preveja a possibilidade de prorrogação por igual período entendemos que na prática ela jamais deveria ocorrer O prazo inicial já é excessivamente longo muito além do necessário para que a polícia realize as diligências imprescindíveis que exijam a prisão do imputado É inegável que ocorrendo uma excepcionalíssima situação de extrema e comprovada necessidade o MP ou a polícia deverá solicitar uma prisão preventiva cabendo ao juiz decidir de forma fundamentada Caso decida pela prisão imediatamente o preso deve ser trasladado da respectiva delegacia para o estabelecimento prisional adequado não ficando mais à disposição da polícia e das suas práticas investigatórias Também é prudencial que o MP ou a defesa solicite ao juiz fixar um prazo exíguo para a conclusão do IP ou mesmo a sua imediata conclusão e remessa Novamente o que se vê é uma situação violadora do direito ao processo penal no prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Para concluir destacamos que a regra geral é o descumprimento sistemático dos prazos reforçando a crítica que fizemos ao tratar do direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável em relação à teoria do não prazo e à falta de sanção processual Ou seja pensamos que os prazos do inquérito devem ser fixados categoricamente e a partir de critérios mais razoáveis Descumprido o prazo fixado em lei deveria haver uma sanção algo inexistente como a pena de inutilidade dos atos praticados depois de esgotado o prazo ou mesmo a perda do poder de acusar do Estado pelo decurso do tempo 5 Análise da Forma dos Atos do Inquérito Policial 51 Atos de Iniciação Art 5º do CPP O inquérito policial tem sua origem na notitia criminis ou mesmo na atividade de ofício dos órgãos encarregados da segurança pública Formalmente o IP inicia com um ato administrativo do delegado de polícia que determina a sua instauração através de uma portaria Sem embargo a relevância está no ato que dá causa à portaria que em última análise carece de importância jurídica Por isso dispõe o art 5º do CPP que o IP será iniciado 511 De Ofício pela Própria Autoridade Policial A própria autoridade policial em cuja jurisdição territorial ocorreu o delito que lhe compete averiguar em razão da matéria tem o dever de agir de ofício instaurando o inquérito policial É uma verdadeira inquisiti ex officio A chamada cognição direta pode surgir como aponta ARAGONESES ALONSO9 por informação reservada em virtude da situação de flagrância por meio da voz pública através da notoriedade do fato Na realidade excetuandose o flagrante são raros os casos de selfstarter da polícia que em geral só atua mediante invocação Como explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE 10 o Estado seja por meio da polícia do Ministério Público ou dos órgãos jurisdicionais juiz de instrução não atua em regra pelo sistema de selfstarter mas sim através de uma reação a uma notitia criminis Para ilustrar essa realidade segundo dados fornecidos pelos autores nos Estados Unidos e Alemanha calculase que o início das investigações depende em cerca de 85 a 95 da iniciativa dos particulares 512 Requisição do Ministério Público ou Órgão Jurisdicional Quando chega ao conhecimento de algum desses órgãos a prática de um delito de ação penal de iniciativa pública ou se depreende dos autos de um processo em andamento a existência de indícios da prática de uma infração penal de natureza pública a autoridade deverá diligenciar para sua apuração Decorre do dever dos órgãos públicos de contribuir para a persecução de delitos dessa natureza Em sendo o possuidor da informação um órgão jurisdicional deverá enviar os autos ou papéis diretamente ao Ministério Público art 40 para que decida se exerce imediatamente a ação penal requisite a instauração do IP ou mesmo solicite o arquivamento art 28 A Constituição ao estabelecer a titularidade exclusiva da ação penal de iniciativa pública esvaziou em parte o conteúdo do artigo em tela Em que pese o disposto no art 5º II do CPP entendemos que não cabe ao juiz requisitar abertura de inquérito policial não só porque a ação penal de iniciativa pública é de titularidade exclusiva do MP mas também porque é um imperativo do sistema acusatório Inclusive quando a representação é feita ao juiz art 39 4º entendemos que ele não deverá remeter à autoridade policial mas sim ao MP Não só porque é o titular da ação penal mas porque o próprio 5º do art 39 permite que o MP dispense o IP quando a representação vier suficientemente instruída e quem deve decidir sobre isso é o promotor e não o juiz Em definitivo não cabe ao juiz requisitar a instauração do IP em nenhum caso Mesmo quando o delito for aparentemente de ação penal privada ou condicionada deverá o juiz remeter ao MP para que este solicite o arquivamento ou providencie a representação necessária para o exercício da ação penal Se for o próprio MP quem tomar conhecimento da existência do delito deverá exercer a ação penal no prazo legal requisitar a instauração do IP ou solicitar o arquivamento Quem deve decidir sobre a necessidade de diligências e quais é o titular da ação penal que poderá considerarse suficientemente instruído para o imediato oferecimento da denúncia Tudo isso sem esquecer que o próprio MP poderá instaurar um procedimento administrativo préprocessual destinado a aclarar os pontos que julgue necessário prescindindo da atuação policial Em sentido estrito a requisição é uma modalidade de notíciacrime qualificada tendo em vista a especial condição do sujeito ativo e a imperatividade pois dá notícia de um acontecimento com possível relevância jurídicopenal e determina a sua apuração De qualquer forma recebendo a requisição a autoridade policial deverá imediatamente instaurar o inquérito policial e praticar as diligências necessárias e as eventualmente determinadas pelo MP O 2º do art 5º referese exclusivamente ao requerimento do ofendido não se aplicando à requisição Como aponta ESPÍNOLA FILHO11 ainda muito antes de a Constituição falar em controle externo da atividade policial é de toda evidência que recebendo requisição dos órgãos da Justiça para abertura de um inquérito à autoridade policial cumpre darlhe imediata satisfação sem se justificar qualquer dúvida pois à polícia não cabe discutir determinações judiciárias Por fim os requisitos previstos no art 5º II 1º não se aplicam à requisição mas somente ao requerimento do ofendido Sem embargo por imposição lógica a requisição deverá descrever o fato aparentemente delituoso a ser investigado cabendo ao promotor indicar aqueles elementos que já possui e que possam facilitar o trabalho policial Nada obsta a que o MP reservese o poder de não informar aquilo que julgar desnecessário ou mesmo que não deva ser informado à polícia para não prejudicar o êxito da investigação principalmente quando o segredo for imprescindível e existir a possibilidade de publicidade abusiva por parte da polícia ou que pela natureza do fato a reserva de informação esteja justificada 513 Requerimento do Ofendido Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada É uma notíciacrime qualificada pois exige uma especial condição do sujeito ser o ofendido que ademais de comunicar a ocorrência de um fato aparentemente punível requer que a autoridade policial diligencie no sentido de apurálo No sistema adotado pelo CPP nos delitos de ação penal de iniciativa pública a fase préprocessual está nas mãos da polícia e a ação penal com o Ministério Público Sem embargo cabe à vítima atuar em caso de inércia dos órgãos oficiais da seguinte forma requerendo a abertura do IP se a autoridade policial não o instaurar de ofício ou mediante a comunicação de qualquer pessoa exercer a ação penal privada subsidiária da pública em caso de inércia do Ministério Público art 5º LIX da CB cc art 29 do CPP Ao lado desses mecanismos de impulso em caso de inércia a vítima poderá acompanhar a atividade dos órgãos públicos da seguinte forma solicitando diligências no curso do inquérito art 14 que poderão ser realizadas ou não a juízo da autoridade policial12 bem como facilitando dados documentos e objetos que possam contribuir para o êxito da investigação no processo habilitandose como assistente da acusação e dessa forma propondo meios de prova requerendo perguntas às testemunhas13 participando do debate oral e arrazoando os recursos interpostos pelo MP ou por ele próprio nos termos dos arts 268 e seguintes do CPP O art 5º II 1º enumera determinados requisitos que conterão sempre que possível o requerimento O primeiro é de ordem lógica pois necessariamente deve descrever um fato ainda que não o faça com todas as circunstâncias até porque um dos fundamentos da existência do inquérito policial como instrução preliminar é apurar as circunstâncias do fato A letra b referese à indicação da autoria cabendo ao ofendido facilitar à polícia os dados que possua e fundamentar sua suspeita Mas tampouco é imprescindível pois outra das funções do IP é exatamente a sua determinação A nomeação das testemunhas com dados que permitam identificálas sendo desnecessário indicar a profissão O que pretende a lei é que o ofendido indique dados que permitam à autoridade identificar e contatar as testemunhas Tampouco poderá ser indeferido o requerimento por falta de indicação de testemunhas Em síntese o que deve ficar claro é que se trata de um delito de ação penal de iniciativa pública e que a polícia tem a obrigação de apurar seja através do conhecimento de ofício através de notíciacrime realizada pela vítima ou por qualquer pessoa Para atender aos requisitos legais o requerimento deverá ser feito por escrito e firmado pela vítima ou seu representante legal até porque a falsa comunicação ou imputação contida no requerimento poderá configurar o delito do art 340 ou do art 339 do CP Não existe um prazo fixado em lei mas deverá ser feita antes da prescrição pela pena abstratamente cominada Prevê o 2º do art 5º que do despacho que indeferir o requerimento de abertura do inquérito policial caberá recurso para o chefe de polícia É um recurso inominado de caráter administrativo e de pouca ou nenhuma eficácia Vislumbramos outras duas alternativas impetrar um Mandado de Segurança contra o ato do delegado levar ao conhecimento do Ministério Público oferecendolhe todos os dados disponíveis nos termos do art 27 Especialmente na segunda opção quiçá a melhor se o MP insistir no sentido do arquivamento das peças de informação nada mais poderá ser feito Poderá sim repetir o pedido de abertura se surgirem novos elementos que possam justificar uma mudança de opinião 514 Comunicação Oral ou Escrita de Delito de Ação Penal de Iniciativa Pública É a típica notíciacrime em que qualquer pessoa sem um interesse jurídico específico comunica à autoridade policial a ocorrência de um fato aparentemente punível Inclusive a vítima poderá fazer essa notíciacrime simples quando comunica o fato sem formalizar um requerimento O IP somente poderá formalmente ser instaurado se for um delito de ação penal de iniciativa pública e a autoridade policial verificar a procedência das informações Caso a comunicação tenha por objeto um delito de ação penal de iniciativa privada não terá eficácia jurídica para dar origem ao inquérito policial pois exige o art 5º 5º que a vítima ou quem tenha qualidade para representála apresente um requerimento No Brasil como regra a notíciacrime é facultativa pois aos cidadãos assiste uma faculdade e não uma obrigação de denunciarem a prática de um delito que tenham presenciado ou que sabem ter ocorrido Em sentido oposto está a notíciacrime obrigatória14 que no nosso sistema é uma exceção Como exemplos de notíciacrime obrigatória citamos o art 66 da Lei n 368841 segundo o qual constitui a contravenção de omissão de comunicação de crime o ato de deixar de comunicar à autoridade competente crime de ação penal de iniciativa pública incondicionada de que teve conhecimento no exercício de função pública O inciso II do referido dispositivo prevê a punição de quem teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária de um crime de ação penal pública incondicionada e cuja comunicação não exponha o cliente a procedimento penal Logo a regra é que qualquer pessoa pode faculdade e não um dever comunicar a ocorrência de um delito de ação penal de iniciativa pública cabendo à polícia verificar a procedência da delatio criminis e instaurar o inquérito policial que uma vez iniciado não poderá ser arquivado salvo quando assim o requerer o MP ao juiz competente Ainda que não possua forma ou qualquer requisito salvo o de ser um delito de ação penal de iniciativa pública é importante documentar essa comunicação reduzir a termo quando feita oralmente ou anexar ao inquérito o documento escrito que a materializou Na polícia essa notíciacrime simples assume a forma de Boletim ou Termo de Ocorrência Ademais de consignar o fato e as suas circunstâncias é importante conforme o caso questionar sobre os motivos que levaram a realizar a notíciacrime pois podem interessar à investigação principalmente quando motivada por vingança ou uma forma dissimulada de pressionar ou constranger A comunicação de um delito em que caiba ação penal de iniciativa pública também poderá ser realizada diretamente ao Ministério Público a teor do art 27 cabendo ao promotor decidir entre oferecer a denúncia com base nos dados fornecidos em se tratando de um delito de ação penal de iniciativa pública condicionada poderá oportunizar15 à vítima para que querendo ofereça a representação se não for ela mesma quem noticia o fato instaurar um procedimento administrativo préprocessual de caráter investigatório com o fim de apurar o fato e a autoria noticiada requisitar a instauração do inquérito policial solicitar o arquivamento das peças de informação Se a notícia do delito tiver como destinatário o órgão jurisdicional deverá este remetêla imediatamente ao MP pois como vimos não cabe ao juiz requisitar a abertura do IP Quando falsa a comunicação possui relevância jurídicopenal Destarte poderá adequarse à conduta descrita no art 340 do CP aquele que der causa à instauração do inquérito policial por meio de uma falsa comunicação de crime ou contravenção Exige o tipo penal que o agente atue dolosamente com plena consciência da falsidade que comete Quando ademais de comunicar a existência de um delito imputao a uma pessoa determinada o delito será o de denunciação caluniosa art 339 do CP exigindo o tipo penal a presença do dolo pois deve imputar a conduta a uma pessoa determinada e que sabe ser inocente 515 Representação do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada Quando se tratar de um delito de ação penal de iniciativa pública condicionada a teor do art 5º 4º sequer poderia ser iniciado o IP sem a representação da vítima Cumpre advertir que com o advento da Lei n 909995 e a posterior alteração do art 61 pela Lei n 113132006 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Não existe mais nenhuma restrição aos crimes a que a lei preveja procedimento especial como na redação original da Lei n 9099 Com isso diminuiu sensivelmente a incidência de inquérito policial em crimes dessa natureza posto que nesses casos não haverá inquérito policial mas mero termo circunstanciado Contudo para os demais casos não sujeitos à competência dos Juizados Especiais Criminais a representação segue sendo normalmente utilizada para abertura do inquérito e em relação à ação penal como uma condição de procedibilidade É na verdade uma notíciacrime qualificada Isso porque exige uma especial qualidade do sujeito que a realiza Ademais ao mesmo tempo em que dá notícia de ter sido ofendido por um delito demonstra a intenção de que o Estado inicie a perseguição Vejamos agora a representação numa análise sistemática Sujeito a vítima ou seu representante legal cônjuge ascendente descendente ou irmão A representação poderá ainda ser prestada através de procurador com poderes especiais Com o advento do novo Código Civil entendemos que desapareceu a legitimidade concorrente16 antes adotada quando o ofendido tinha entre 18 e 21 anos de modo que ou o ofendido tem menos de 18 anos e a representação deve ser feita pelo representante legal ou ele é maior de 18 anos situação em que somente ele poderá representar desaparece a possibilidade de o representante o fazer Sem entrar na infindável discussão sobre o alcance da Súmula n 594 do STF destacamos apenas que a nosso juízo tratase de um único direito Logo se o menor de 18 anos levar ao conhecimento do representante legal o prazo de 6 meses começa a fluir Se o responsável legal não representar não poderá o menor ao atingir a maioridade fazer a representação pois o direito em tela terá sido atingido pela decadência Contudo se o menor não levar ao conhecimento do representante legal contra ele não flui o prazo eis que menor e contra o representante também não pois não tem ciência Logo quando completar a maioridade poderá representar dentro do limite de 6 meses Objeto os objetos da representação são o fato noticiado e a respectiva autorização para que o Estado proceda contra o suposto autor Não é necessário que a representação venha instruída com prova plena da autoria e da materialidade mas sim que sejam apresentadas informações suficientes para convencer que há um crime a apurar A própria indicação do autor não é imprescindível pois uma das finalidades do IP é descobrilo Sem embargo deverá conter todas as informações que possam servir para que a autoridade policial esclareça o ocorrido Atos a representação está sujeita a requisitos de ordem formal e deverá ser feita obedecendo ao a Lugar poderá ser oferecida ao juiz ao órgão do MP ou à autoridade policial No primeiro caso o juiz deverá encaminhar diretamente ao MP que deverá decidir entre denunciar pedir o arquivamento investigar por si mesmo ou requisitar a instauração do IP Entendemos que o art 39 4º do CPP não se coaduna com os poderes conferidos pela Constituição de 1988 que outorga ao MP a titularidade exclusiva da ação penal pública ademais de poderes investigatórios e de controle externo da atividade policial como apontamos anteriormente Quando oferecida a representação diretamente à polícia deverá esta apurar a infração penal apontada através do IP b Tempo o prazo para representar é decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser interrompido ou suspenso Realizada no prazo legal será irrelevante que a denúncia seja oferecida após os 6 meses pois o prazo decadencial está atrelado exclusivamente à representação e uma vez realizada esta não se fala mais em decadência A representação poderá ser oferecida a qualquer dia e hora junto à autoridade policial e nos dias e horas úteis ao juiz ou promotor c Forma a representação é facultativa cabendo ao ofendido valorar a oportunidade e a conveniência da persecução penal podendo inclusive preferir a impunidade do agressor à difamação e humilhação gerada pela publicidade do fato no curso do processo Não poderá haver qualquer forma de pressão ou coação para que a vítima represente pois deve ser um ato de livre manifestação de vontade O vício de consentimento anula a representação e leva à ilegitimidade ativa falta a condição legitimadora exigida pela lei do MP para promover a ação penal Poderá ser prestada oralmente ou por escrito No primeiro caso será reduzida a termo pela autoridade no segundo poderá ser manuscrita ou datilografada mas deverá ter a firma reconhecida por autenticidade Quando não cumprir esse requisito legal a autoridade que a recebeu deverá intimar a vítima para que compareça querendo a fim de representar oralmente reduzindose a escrito Outra solução tendo em vista a tendência em flexibilizar os requisitos formais da representação é solicitar a ratificação no momento em que a vítima for ouvida desde que o faça antes de oferecida a denúncia A jurisprudência amenizou muito a rigidez da forma da representação e atualmente entendese que a mera notíciacrime já é suficiente para implementarse o requisito legal Prevalece a doutrina da instrumentalidade das formas com uma flexibilização dos requisitos formais17 A representação atende essencialmente aos interesses do ofendido que conforme seus critérios de conveniência e oportunidade pode impedir que a perseguição estatal agrave ainda mais a sua situação Por se tratar de um delito de natureza pública ainda que a ação penal seja condicionada havendo qualquer forma de concordância do ofendido poderá o Ministério Público exercer a pretensão acusatória A tendência jurisprudencial é no sentido de que a manifestação de vontade do ofendido deve ser interpretada de forma ampla quando o objetivo for autorizar a perseguição e de forma estrita quando dirigida a impedila Para o exercício do direito de representação basta a manifestação de vontade do ofendido em querer ver apurado o fato apontado como delituoso Como decidiu o Tribunal de Alçada de São Paulo18 não se deve chegar ao ponto da exigência de uma representação com formalismo que a própria legislação persecutória penal não exige Sabidamente a Lei Processual não estabelece fórmula específica para a representação basta que ela contenha a manifestação de vontade do ofendido em querer ver apurado o fato apontado como delituoso podendo ser escrita ou oral Ainda no que se refere ao aspecto formal o STJ19 firmou entendimento de que no crime de lesão corporal culposa atingido pela vigência da Lei n 909995 a representação como condição de procedibilidade prescinde de rigor formal Dessa forma o boletim de ocorrência lavrado por delegado de polícia supre a exigência do art 88 da citada lei demonstrando a intenção da vítima de responsabilizar o autor do delito precedentes citados RHC 7706SP no STF HC 732267 HC 7771SP Rel Min Gilson Dipp julgado em 03121998 Havendo concurso de agentes basta o envolvimento no fato noticiado Nesse sentido decidiu o STF20 Representação Ação Penal Pública Condicionada Baliza Subjetiva A interpretação sistemática dos artigos 39 do Código de Processo Penal e 225 do Código Penal é conducente a concluirse pela possibilidade de a denúncia alcançar pessoa não mencionada na representação Indispensável é tão somente que esteja envolvida no mesmo fato motivador da iniciativa do ofendido ou de quem o represente Por fim se existe uma flexibilização da forma o mesmo não ocorre com o prazo para o oferecimento da representação que é decadencial de 6 meses e não será suspenso ou interrompido pela abertura do inquérito 516 Requerimento do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Privada Inicialmente destacamos que com o advento da Lei n 909995 e a posterior alteração do art 61 pela Lei n 113132006 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Com isso esvaziaramse as possibilidades de a vítima fazer um requerimento e a autoridade policial instaurar o inquérito policial Isso porque nos delitos de menor potencial ofensivo não haverá inquérito policial mas um mero termo circunstanciado Não obstante cumpre enfrentar o tema Nos casos em que o ofendido não possuir o mínimo de prova necessário para justificar o exercício da ação penal queixa o CPP permitelhe recorrer à estrutura estatal investigatória através do requerimento de abertura do inquérito policial O requerimento pode ser classificado como uma notíciacrime qualificada pelo especial interesse jurídico que possui o ofendido e pelo claro caráter postulatório Não existe uma forma rígida mas deverá ser escrito dirigido à autoridade policial competente razão da matéria e lugar e firmado pelo próprio ofendido seu representante legal arts 31 e 33 ou por procurador com poderes especiais Como determina o art 5º 1º o requerimento deverá conter a a narração do fato com todas as circunstâncias b a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração ou os motivos de impossibilidade de o fazer c a nomeação das testemunhas com indicação de sua profissão e residência Se indeferido pela autoridade policial aplicase o 2º do art 5º cabendo recurso para o chefe de polícia É um recurso inominado de caráter administrativo e de pouca ou nenhuma eficácia Não existe um prazo definido para formular o requerimento mas sim para o exercício da ação penal Tendo sempre presente que o prazo para o ajuizamento da queixa é decadencial de 6 meses e como tal não é interrompido ou suspenso pela instauração do inquérito sendo o requerimento indeferido deverá o ofendido analisar se o melhor caminho não é acudir diretamente ao Mandado de Segurança até porque não necessita esgotar a via administrativa para utilizar o writ Caso o problema seja a dilação da investigação policial o ofendido deverá estar atento para evitar a decadência inclusive ajuizando a queixa antes da conclusão do IP juntando os elementos que dispõe e postulando a posterior juntada da peça policial 52 Atos de Desenvolvimento Arts 6º e 7º do CPP Com base na notíciacrime a polícia judiciária instaura o inquérito policial isto é o procedimento administrativo préprocessual Para realizar o IP praticará a polícia judiciária uma série de atos arts 6º e seguintes do CPP que de forma concatenada pretendem proporcionar elementos de convicção para a formação da opinio delicti do acusador Na tarefa de apurar as circunstâncias do fato delitivo e da autoria determina o art 6º que a polícia judiciária deverá 1 Dirigirse ao local providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais Não por acaso esse é o primeiro inciso pois na prática esta deve ser a primeira providência a ser tomada pela polícia dirigirse ao local e isolálo Isso porque o local do crime será uma das principais fontes de informação para reconstruir a pequena história do delito e desse ato depende em grande parte o êxito da investigação Como explica ESPÍNOLA FILHO21 daí a conveniência de transportarse a própria autoridade dirigente do inquérito ou auxiliares por ela designados ao local da ocorrência que lhe ou lhes proporcionará um contato vivo com a ainda palpitante verdade de um fato anormal quente na sua projeção através dos objetos e das pessoas Para efeito de exame do local do delito a autoridade policial providenciará imediatamente que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos oficiais ou nomeados para o ato que poderão instruir seus laudos com fotografias desenhos ou esquemas elucidativos art 164 registrando ainda no laudo as alterações do estado das coisas e a consequência dessas alterações na dinâmica dos fatos 2 Apreender os objetos que tiverem relação com o fato após liberados pelos peritos criminais Entre os efeitos jurídicos do inquérito policial está o de gerar uma sujeição de pessoas e coisas A apreensão dos instrumentos utilizados para cometer o delito bem como dos demais objetos relacionados direta ou indiretamente com os motivos meios ou resultados da conduta delituosa é imprescindível para o esclarecimento do fato Da sua importância probatória decorre ainda a obrigatoriedade de que esses objetos acompanhem os autos do inquérito art 11 Também é importante que se fixe com exatidão o lugar onde foram achados com as circunstâncias em que se verificou o encontro22 Para apreender deve se proceder a buscas e dependendo da situação será necessário que a autoridade policial solicite a correspondente autorização judicial nos termos dos arts 240 e seguintes do CPP cc art 5º XI da CB 3 Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias Decorrência lógica da natureza da atividade de investigação que busca esclarecer o fato e sua autoria Se o inciso anterior está voltado aos objetos e instrumentos o presente referese aos demais meios de informação como por exemplo à declaração de testemunhas presenciais É de destacarse atendendo ao caráter sumário do inquérito policial que a polícia não deve perder tempo com testemunhas meramente abonatórias ou que não tenham realmente presenciado o fato e que por isso limitemse a transmitir o que lhes foi contado 4 Ouvir o ofendido Quando possível a oitiva da vítima do delito é uma importante fonte de informação para o esclarecimento do fato e da autoria devendo o ato ser realizado nos termos do art 201 5 Ouvir o indiciado com observância no que for aplicável do disposto no Capítulo III do Título VII deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por 2 duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura Há alguma controvérsia em torno da natureza jurídica deste ato Para CIRILLO DE VARGAS 23 não existe interrogatório no inquérito pois o interrogatório é um ato privativo do juiz Logo seria uma mera oitiva do suspeito sem nenhum valor probatório e sem poder de coerção Por outro lado a criticável redação do dispositivo que fala em ouvir ao mesmo tempo em que remete para os arts 185 e seguintes que disciplinam o interrogatório judicial suscita dúvidas e serve de fundamento para que alguma doutrina fale em interrogatório policial Independente do nome que se dê ao ato interrogatório policial declarações policiais etc o que é inafastável é que ao sujeito passivo devem ser garantidos os direitos de saber em que qualidade presta as declarações24 de estar acompanhado de advogado e que se quiser poderá reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao inquérito policial O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade Ademais não há como negar a necessidade da presença do advogado bem como a possibilidade de participação da defesa à luz da nova redação dos arts 185 186 188 e ss do CPP O dispositivo exige ainda que o ato seja praticado com observância das disposições legais que disciplinam o interrogatório judicial e que o termo seja firmado por duas testemunhas de leitura Essas testemunhas não necessitam presenciar o ato em si mesmo de modo que não são fontes dignas para saber se o ato foi realizado com as devidas garantias e respeito ao imputado ou não É importante levar isso em consideração naqueles interrogatórios que se produzem sem a presença de defensor e são muitos os casos Simplesmente testemunham que ouviram a leitura na presença do sujeito passivo do termo do interrogatório Tampouco são raros os casos em que as assinaturas são colhidas posteriormente de pessoas que não presenciaram a leitura ou mesmo que pertencem aos quadros da polícia As agressões à forma e às garantias do sujeito passivo ainda hoje acontecem porque existe o discutível e perigoso entendimento de que eventuais irregularidades do inquérito não alcançam o processo O problema está em que na sentença esse ato irregular influi no convencimento do juiz até porque integra os autos do processo e pode ser cotejado com a prova judicialmente colhida em claro prejuízo para o acusado Mais grave ainda é a situação do preso temporário que fica à disposição da polícia por um longo período em que o cansaço o medo o desânimo levam a uma situação de absoluta hipossuficiência Inegavelmente a confissão obtida em uma situação como essa exige um mínimo de sensibilidade e bom senso do juiz que deve valorar este ato com suma cautela Inclusive entendemos que um juiz consciente deveria considerar tal confissão como juridicamente imprestável pois é patente o vício de vontade25 Ademais o interrogatório policial está dentro do que anteriormente definimos como meros atos de investigação sem valor probatório no processo De qualquer forma para evitar repetições remetemos o leitor para o Capítulo destinado ao estudo das provas especialmente dos comentários que fizemos sobre o interrogatório pois é inteiramente aplicável ao inquérito policial Outro aspecto criticável é utilizar o termo indiciado quando ainda não se produziu o indiciamento Isso é decorrência em realidade da grave lacuna legislativa sobre a figura do indiciamento gerando o mais absoluto confusionismo sobre o momento em que se produz e que efeitos jurídicos gera direitos e cargas O sistema jurídico brasileiro não define claramente quando como e quem faz o indiciamento 6 Proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações Para proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas deverá a autoridade policial orientarse pelo disposto nos arts 226 e seguintes Não apenas o suspeito pode ser objeto de reconhecimento mas também todas as pessoas envolvidas ativa ou passivamente no fato inclusive testemunhas Da mesma forma são passíveis de reconhecimento todos os objetos que interessarem à investigação do delito Apesar de ser um importante elemento de convicção a costumeira falta de observância dos requisitos legais por parte da polícia faz com que a nosso juízo o ato deva ser visto com reservas Ademais quando repetido em juízo é cometida uma grave falha descumprimento do disposto no art 226 II Das duas uma ou os juízes não colocam o réu ao lado de outras pessoas que com ele tiverem qualquer semelhança ou convidam pessoas diversas daquelas que participaram do reconhecimento policial Em ambos os casos o reconhecimento é induzido No primeiro porque o réu é o único presente no segundo porque ele é o único visto pela vítima tanto na polícia como em juízo Sem alongar a exposição até porque voltaremos a essa questão quando tratarmos das provas em espécie poderíamos citar outros inúmeros exemplos práticos de reconhecimentos sem valor posto que induzidos consciente ou inconscientemente pela autoridade uso de algemas tratamento diferenciado etc O perigo do reconhecimento também mereceu a atenção de CARNELUTTI26 que apontou para o problema da sugestão gerada pela situação de prisão do acusado Se a pessoa ou coisa a reconhecer está atualmente em poder do juiz ou da polícia não será naturalmente aquela que lhe interessa Como poderia ocorrer que aquele homem estivesse no cárcere se não fosse ele quem cometeu o delito Esses são questionamentos que o chamado a reconhecer se faz Por tais inconvenientes explica CORTÉS DOMINGUEZ27 que o direito espanhol admite o reconhecimento reconocimiento en rueda apenas na fase préprocessual pois por seu próprio caráter é uma prova inidônea e atípica para ser praticada em juízo Por isso deve ser colhida no incidente de produção antecipada de provas Ademais como advertiu o Tribunal Constitucional STC de 16011992 a pessoa que realizou o reconhecimento deve comparecer ao processo como testemunha ou vítima para que o acusado possa interrogála garantindose assim o direito de perquirir quem declarou ou produziu prova contra ele art 63d do Convênio Europeu de Direitos Humanos Ainda mais censurável é o reconhecimento por fotos pois como bem aponta ESPÍNOLA FILHO28 existe a possibilidade de erros tanto mais frequentes quanto os truques fotográficos operam prodígios de fantasia Demais principalmente quando se trata do reconhecimento de pessoas é preciso atender à grande influência que representa para o reconhecimento observar as manifestações de vida andar gesto fala mudanças de expressão Isso tudo sem mencionar a maior carga de sugestividade desse tipo de reconhecimento Mas o vício é maior o reconhecimento por fotografias não é uma prova válida eis que não foi expressamente contemplado no sistema processual penal brasileiro Como muito o reconhecimento fotográfico é um ato preparatório do reconhecimento direto e substitui a descrição prevista no inciso I do art 226 do CPP De qualquer forma remetemos o leitor ao Capítulo das Provas quando abordaremos essa questão A acareação instituto completamente diverso dos anteriores está disciplinada nos arts 229 e seguintes do CPP Para LEONE29 a acareação consiste no contraditório instituído entre pessoas já examinadas testemunhas ou interrogadas imputados O nosso CPP permite a acareação entre acusados acusados e testemunhas acusados ou testemunhas e a pessoa ofendida entre as vítimas ou ainda entre as testemunhas A finalidade básica do ato é explicar os pontos em desarmonia pôr termo à divergência30 Por fim destacamos que a nosso juízo o sujeito passivo não pode ser compelido a participar do reconhecimento ou acareação eis que lhe assiste o direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere como explicamos anteriormente ao tratar do princípio do direito de defesa 7 Determinar se for caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias O exame de corpo de delito pode ser realizado tanto na vítima como também no autor do delito conforme o caso e assegurandose ao último o direito de não se submeter a tal exame como uma manifestação do direito de autodefesa negativo O ponto nevrálgico da questão está nas consequências jurídicas da recusa em submeterse a uma intervenção corporal que foi tratado quando analisamos nos Princípios da Instrumentalidade Constitucional o direito de defesa negativo Também recomendamos a leitura do Capítulo destinado ao estudo das provas no processo penal 8 Ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico e também coleta de DNA se for o caso se possível e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes A identificação criminal prevista no art 5º LVIII da CB foi regulamentada pela Lei n 120372009 e constitui o gênero do qual são espécies a identificação datiloscópica a identificação fotográfica e a coleta de material genético modificação introduzida pela Lei n 126542012 A regra é que o civilmente identificado não seja submetido à identificação criminal ou seja nem datiloscópica nem fotográfica nem coleta de material genético definindo a lei que a identificação civil pode ser atestada por qualquer dos seguintes documentos carteira de identidade carteira de trabalho carteira profissional passaporte carteira de identificação funcional outro documento público que permita a identificação do indiciado A lei equipara aos documentos civis os de identificação militar Quanto à extração de material genético trataremos no final deste tópico de forma separada Não sendo apresentado qualquer desses documentos será o suspeito submetido à identificação criminal A lei não menciona prazo mas se recomenda que seja concedido pelo menos 24 horas para apresentação do documento Em caso de prisão em flagrante deverá o detido identificarse civilmente até a conclusão do auto de prisão Contudo estabelece o art 3º que mesmo apresentando o documento de identificação poderá ocorrer identificação criminal quando I o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação II o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado III o indiciado portar documentos de identidade distintos com informações conflitantes entre si IV a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa V constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações VI o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais Destacamos a abertura feita pelo inciso IV que permite a identificação criminal do civilmente identificado quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais Portanto a identificação criminal ficará a livre critério do juiz bastando apenas uma maquiagem argumentativa para fundamentar a decisão Isso poderá servir como forma de negar eficácia ao direito de não produzir prova contra si mesmo quando por exemplo o imputado se recusa a fornecer suas digitais para confrontação com aquelas encontradas no local do delito Diante da recusa determina o juiz a identificação criminal e o material necessário para a perícia datiloscópica é extraído compulsoriamente burlando a garantia constitucional do nemo tenetur se detegere Igualmente censurável é a possibilidade de que tal ato seja determinado de ofício pelo juiz em censurável ativismo probatórioinvestigatório como já criticado tantas vezes ao longo desta obra Noutra dimensão é salutar a possibilidade de que a identificação criminal seja solicitada pela própria defesa como forma de evitar investigações e até prisões cautelares em relação a uma pessoa errada Não são raros os casos de perda de documentos que acabam sendo utilizados e falsificados por terceiros para a prática de delitos Tempos depois é expedido mandado de prisão em relação à pessoa errada pois o responsável pelo crime apresentou um documento falso A identificação datiloscópica eou por fotografia pode auxiliar a evitar situações dessa natureza A identificação criminal que inclui o processo datiloscópico e o fotográfico deverá ser feita da forma menos constrangedora possível art 4º e deverá ser juntada aos autos da comunicação da prisão em flagrante ou do inquérito policial ou outra forma de investigação art 5º não devendo ser mencionada em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória art 6º Outra inovação importante foi inserida no art 7º da Lei n 120372009 Art 7º No caso de não oferecimento da denúncia ou sua rejeição ou absolvição é facultado ao indiciado ou ao réu após o arquivamento definitivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo desde que apresente provas de sua identificação civil O art 7º cria a possibilidade de que o interessado postule a retirada da identificação fotográfica dos autos do inquérito ou processo devendo tal pedido ser formulado à autoridade policial no caso do inquérito ou ao juiz do processo quando há absolvição ou rejeição da denúncia Ainda que o dispositivo fale em não oferecimento da denúncia devese compreender tal menção ao arquivamento pois a rigor ao Ministério Público somente são oferecidas três possibilidades oferecer denúncia postular diligências ou pedir o arquivamento Não há a opção de simplesmente não oferecer a denúncia Portanto devese ali considerar a situação do arquivamento pedido e deferido Havendo recusa por parte da autoridade policial ou judiciária pensamos que o melhor caminho será a impetração do mandado de segurança pois desenhado o direito líquido e certo do interessado em ver retirada sua identificação fotográfica Não se desconhece a eventual possibilidade de utilização do habeas corpus mas pensamos não ser o melhor caminho na medida em que não existe uma efetiva restrição à liberdade de locomoção Contudo em sendo eleita a via do habeas corpus o fundamento será o do art 648 IV do CPP quando houver cessado o motivo que autorizou a coação A redação do artigo limita a retirada da identificação dos autos do inquérito policial ou processo mas não resolve um antigo problema que é a dificuldade de retirar a identificação fotográfica dos arquivos policiais bancos de dados em caso de absolvição arquivamento ou rejeição da denúncia Infelizmente é disseminada a práxis policial de seguir utilizando a foto do imputado não condenado ou mesmo não denunciado para o reconhecimento por fotografias por parte de vítimas e testemunhas de outros crimes Com isso potencializase o estigma e a ilegítima perseguição policial com a indevida utilização de sua identificação criminal e até o induzimento ao reconhecimento em fatos posteriores A principal inovação neste tema diz respeito à coleta de material genético DNA introduzida pela Lei n 126542012 A nova lei altera dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 72101984 LEP que regula a Execução Penal Portanto em duas situações investigado e apenado o sujeito passivo está obrigado a submeterse a intervenção corporal voluntariamente ou mediante coerção para fornecimento de material genético Em linhas gerais coletado o material será armazenado no banco de dados de perfis genéticos de onde poderá ser acessado pelas polícias estaduais eou federal mediante prévia autorização judicial A extração se dará de forma adequada e indolor e não poderá revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas exceto a determinação genética de gênero Os dados coletados integrarão o banco de dados de perfis genéticos assegurandose o sigilo dos dados Para fins probatórios o código genético será confrontado com as amostras de sangue saliva sêmen pelos etc encontradas no local do crime no corpo da vítima em armas ou vestes utilizadas para prática do delito por exemplo A partir da comparação será elaborado laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado que analisará a coincidência ou não A lei disciplina como dito antes duas situações distintas a do investigado e a do apenado A finalidade da coleta do material biológico atenderá a diferentes fins para o investigado destinase a servir de prova para um caso concreto e determinado crime já ocorrido já em relação ao apenado a coleta se destina ao futuro a alimentar o banco de dados de perfis genéticos e servir de apuração para crimes que venham a ser praticados e cuja autoria seja desconhecida Interessanos neste momento a coleta de material genético do suspeito do crime e dele iremos nos ocupar É inserido parágrafo único no art 5º da Lei n 12037 para prever a inclusão da coleta de material genético na situação descrita no art 3º IV ou seja a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa Aproveitou a novatio legis a abertura do inciso IV de modo que embora o suspeito apresente documento de identidade poderá ser feita a identificação criminal e a extração compulsória de material genético sempre que for essencial às investigações policiais e houver decisão judicial Ou seja poderá o juiz determinar a extração coercitiva de material genético de ofício ou mediante representação da autoridade policial do ministério público ou da defesa neste último caso não vemos necessidade de ser compulsória a extração A lei exige a concorrência de dois requisitos nesta situação a necessidade para as investigações Ainda que a redação seja genérica subordinando apenas ao interesse da autoridade policial é necessário que o pedido venha fundamentado e efetivamente demonstrada no caso concreto a imprescindibilidade deste tipo de prova Considerando a gravidade da intervenção corporal e a restrição da esfera de privacidade do sujeito deverá a autoridade policial demonstrar a impossibilidade de obter a prova da autoria de outro modo constituindo a coleta de material genético a ultima ratio do sistema Não se pode tolerar uma banalização da intervenção corporal visto que representa uma grave violação da privacidade integridade física e dignidade da pessoa humana além de ferir de morte o direito de silêncio negativo direito de não produzir prova contra si mesmo Vários problemas brotam desta disciplina Inicia por recorrer a fórmula genérica e indeterminada de essencial às investigações policiais sem sequer definir em que tipos de crimes isso seria possível situação diversa daquela disciplinada para o apenado em que há um rol de crimes Dessarte basta uma boa retórica policial e uma dose de decisionismo judicial para que os abusos ocorram Como se não bastasse poderá o juiz atuar de ofício rasgando tudo o que se sabe acerca de sistema acusatório e imparcialidade A lei não diz e nem precisaria mas em caso de recusa do imputado em fornecer o material genético poderá a autoridade fazêlo compulsoriamente ou seja à força A única garantia é o emprego de técnica adequada e indolor A lei disciplina a retirada coercitiva porque voluntariamente sempre esteve autorizada e nem precisaria de qualquer disciplina legal integra o direito de defesa positivo b autorização judicial A matéria exige a reserva de jurisdição ou seja considerando que representa uma grave restrição de direitos fundamentais é necessária autorização judicial Portanto a decisão que autoriza a intervenção corporal deverá ser precedida de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público Infelizmente em mais uma grave violação do sistema acusatórioconstitucional e da própria estética de imparcialidade exigida do julgador permite a lei que a extração do DNA seja determinada de ofício pelo juiz Existe ainda uma grave incompatibilidade do agir de ofício do juiz neste caso que é o requisito de necessidade para as investigações Ora se a investigação é levada a cabo pela polícia ou Ministério Público quem define a imprescindibilidade para a investigação é o investigador e não o juiz Ao juiz cabe julgar ou seja analisar o pedido e decidir e não tomar qualquer iniciativa investigatória ou imiscuirse em área que lhe é completamente estranha Portanto por qualquer ângulo que se analise é um erro a atuação de ofício do juiz nessa seara Diante do pedido de intervenção corporal para extração do DNA deverá o juiz decidir de forma fundamentada avaliando a real necessidade do ato bem como a impossibilidade de se constituir aquela prova por outro meio menos lesivo e gravoso Tratase de ponderar e justificar a necessidade e adequação da medida evitando sua banalização e distorção Sustentamos ainda a existência de uma vinculação causal Princípio da Especialidade ou seja a prova genética somente poderá ser utilizada naquele caso penal e o material poderá ser utilizado até a prescrição daquele crime Tanto há essa vinculação causal que o legislador define como limite de disponibilidade do material genético a prescrição do crime Ou seja o uso está relacionado a este crime e a disponibilidade temporalmente regulada pela prescrição ou a absolvição definitiva como explicaremos a seguir A nosso juízo incidem aqui portanto os limites do princípio da especialidade da prova adiante tratado no Capítulo das Provas limitando o nexo causal legitimante ao caso penal investigado Diversa é a situação do apenado submetido à extração compulsória de material genético onde se busca a constituição do banco de dados para o futuro de forma aberta e indeterminada Outro aspecto relevante é que a lei neste caso em que se tutela o interesse da investigação não define um rol de crimes nos quais poderia ser feita a extração de material genético ao contrário da situação jurídica do condenado em que há uma definição taxativa dos crimes Com isso abrese a possibilidade de que a intervenção ocorra em qualquer delito desde que necessário para comprovação da autoria exigindo por parte da autoridade judiciária suma cautela e estrita observância da proporcionalidade especialmente no viés de necessidade e adequação Não se pode pactuar com a banalização de tão grave medida restritiva de direitos fundamentais para delitos de pouca gravidade e complexidade probatória O fornecimento do material será feito de forma voluntária ou coercitiva Se o imputado se dispuser a fornecer o material genético será ele colhido e enviado para análise e armazenamento no banco de dados Se houver recusa poderá a autoridade policial empregar a força necessária para o cumprimento da ordem como sói ocorrer em situações assim Com o fim do direito de não produzir provas contra si está o suspeito compelido a submeterse a intervenção corporal assegurandose apenas que empregue uma técnica adequada e indolor Por fim é perfeitamente aplicável aqui por analogia o disposto no art 7º da Lei n 12037 anteriormente abordado Significa dizer que rejeitada a denúncia em relação ao investigado ou absolvido sumariamente ou absolvido ao final do processo poderá o interessado não mais réu pois absolvido ou nem recebida a acusação em relação a ele solicitar a retirada do processo criminal da perícia que utilizou seu material genético e ainda a retirada do seu material genético e respectivos registros do banco de dados Não se justifica que nessas situações se constranja alguém a figurar eternamente no banco de dados genético Haveria uma absurda e indeterminada subordinação ao poder de polícia do Estado uma injustificável estigmatização violadora da presunção de inocência e demais direitos da personalidade Excetuase neste caso a situação do arquivamento pois a teor da Súmula 524 do STF a contrario sensu poderá ser proposta a ação penal em caso de novas provas Tal situação deve ser tratada à luz do novo art 7ºA da Lei n 12037 9 Averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condição econômica sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter A disposição legal é absurda como absurdo é imaginarse que um juiz ao fixar a pena art 59 do CP poderá desvalorar conduta social e personalidade do agente A principal justificativa do dispositivo é servir de base para o juiz quando da análise dos requisitos do art 59 do CP Contudo juízes não são antropólogos ou sociólogos e mesmo que fossem não possuem elementos para fazer tal avaliação No que se refere à personalidade do agente não existe a menor possibilidade de tal avaliação se realizar e muito menos ter valor jurídico Não existe a menor possibilidade salvo os casos de vidência e bola de cristal de uma avaliação segura sobre a personalidade de alguém até porque existem mais de 50 definições diferentes sobre a personalidade É um dado impossível de ser constatado empiricamente e tão pouco demonstrável objetivamente para poder ser desvalorado O diagnóstico da personalidade é extremamente complexo e envolve histórico familiar entrevistas avaliações testes de percepção temática e até exames neurológicos e não se tem notícias de que a polícia ou os juízes tenham feito isso Não podemos admitir um juízo negativo sem fundamentação e base conceitual e metodológica Com a consequente adoção do modelo acusatório exigese a plena refutabilidade das hipóteses e o controle empírico da prova e da própria decisão que só pode ser admitida quando motivada por argumentos cognoscitivos seguros e válidos A decisão do juiz sempre deve ser verificável pelas partes e refutável bem como devese compreender o processo de racionalização por ele desenvolvido e isso é impossível na avaliação da personalidade de alguém Passando para a análise do art 7º a polícia poderá ainda recorrer à reprodução simulada dos fatos para melhor instruir a investigação A também chamada reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o fato e tanto pode ser realizada na fase préprocessual como também em juízo neste último caso sob a presidência do juiz Mas a reconstituição possui dois limites normativos não contrariar a moralidade ou a ordem pública respeitar o direito de defesa do sujeito passivo O primeiro limite vem dado pelo próprio art 7º que recorre a fórmulas jurídicas abertas como moralidade ou ainda a mais indeterminada de ordem pública Sobre eles já se escreveu o suficiente Apenas gostaríamos de destacar um aspecto pouco valorado pela doutrina Quando o CPP estabelece o limite da moralidade devemos considerar não só a moral pública mas também a inviolabilidade da honra e a imagem das pessoas um direito fundamental previsto no art 5º X da Constituição que também assiste ao sujeito passivo Dessa forma entendemos que o conceito de moralidade deve ser considerado a partir de um duplo aspecto público e privado sujeito passivo cabendo ao sujeito passivo impugnar31 a decisão da autoridade policial que determine a realização de uma reconstituição que ofenda a sua própria moralidade O segundo limite está na própria Constituição art 5º LV e na CADH que assegura no seu art 82g o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a declararse culpado O direito de defesa do sujeito passivo será objeto de estudo específico a seu tempo mas desde logo cumpre destacar que o referido dispositivo constitucional e o do pacto internacional são inteiramente aplicáveis à fase pré processual ainda que alguns insistam no rançoso discurso de fase inquisitiva Não é a Constituição que tem de ser adaptada ao CPP senão todo o contrário a legislação ordinária é que deve adequarse à nova Carta Magna e também à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Com essa série de atos poderá a polícia judiciária averiguar o fato e o grau de participação do sujeito passivo proporcionando os elementos necessários para que o Ministério Público ofereça a ação penal ou solicite o arquivamento Ademais conforme a necessidade poderá a polícia solicitar ao juiz a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais como as cautelares pessoais ou reais a busca e apreensão domiciliar escutas telefônicas etc Em suma o inquérito policial tem por finalidade o fornecimento de elementos para decidir entre o processo ou o não processo assim como servir de fundamento para as medidas endoprocedimentais que se façam necessárias no seu curso 53 A Conclusão do Inquérito Policial A Impossibilidade de Arquivamento pela Polícia Arquivamento Implícito ou Tácito O procedimento finalizará por meio de um relatório art 10 1º e 2º através do qual o delegado de polícia fará uma exposição objetiva e impessoal do que foi investigado remetendoo ao foro para ser distribuído Acompanharão o IP os instrumentos utilizados para cometer o delito e todos os demais objetos que possam servir para a instrução definitiva processual e o julgamento Tendo havido prevenção será encaminhado para o juiz correspondente Recebido o IP pelo juiz dará este vista ao MP Uma vez mais a teor do art 129 I da CB o melhor seria que o inquérito fosse distribuído diretamente ao Ministério Público Recebendo o IP o promotor poderá oferecer a denúncia pedir o arquivamento solicitar diligências ou realizar diligências Estando o IP suficientemente instruído o promotor poderá com base nele oferecer a denúncia no prazo legal art 46 No relatório não é necessário que a autoridade policial tipifique o delito apontado mas se o fizer essa classificação legal não vincula o promotor Nem mesmo as conclusões da autoridade policial vinculam o promotor que poderá denunciar ou pedir o arquivamento ainda que em sentido completamente contrário ao que aponta o delegado Uma vez iniciado formalmente o IP a teor do art 17 do CPP não poderá a autoridade policial arquiválo pois não possui competência para isso O arquivamento somente será decretado por decisão do juiz a pedido do MP Não concordando com o pedido de arquivamento caberá ao juiz aplicar o art 2832 enviando os autos ao Procurador Geral A decisão que decreta o arquivamento do IP não transita em julgado Nesse sentido a Súmula n 524 do STF acertadamente afirma que arquivado o inquérito policial por despacho do juiz a requerimento do promotor de justiça não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas Destarte a autoridade policial pode seguir investigando a fim de obter novos elementos de convicção capazes de justificar o exercício da ação penal art 18 Mas nada impede que o MP solicite novamente o arquivamento O art 16 do CPP dispõe que o Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial senão para novas diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia Uma leitura constitucional do dispositivo processual levanos inegavelmente à conclusão de que a teor dos diversos incisos do art 129 da CB em conjunto com as Leis n 7593 e n 862593 especialmente o disposto nos arts 7º e 8º da primeira e 26 da segunda o MP poderá requisitar diretamente da autoridade policial a prática de novos atos de investigação ou praticar ele mesmo os atos que julgue necessários Não cabe ao juiz decidir sobre a imprescindibilidade das diligências e tampouco a sua pertinência Nem mesmo justificase a sua intervenção nesse momento tendo em vista que o MP ademais de titular da ação penal poderá determinar a instauração do IP o todo a prática de diligências ou mesmo prescindir do inquérito e instruir seu próprio procedimento Por fim poderá o MP optar por realizar ele mesmo aquelas diligências que julgue imprescindíveis pois se possui poderes para instruir todo o procedimento préprocessual com mais razão para praticar determinadas diligências destinadas a complementar o IP Noutra dimensão situase o chamado arquivamento implícito ou tácito Se o inquérito policial apura que determinado injusto penal foi praticado por A B e C e o Ministério Público oferecer denúncia apenas contra A e B não incluindo na acusação e tampouco pedindo o arquivamento em relação ao C caberá ao ofendido oferecer a queixacrime subsidiária ação penal privada subsidiária da pública em face do imputado C pois houve inércia do MP em relação a ele a aplicação por parte do juiz do art 28 do CPP por analogia pois estamos diante de um arquivamento implícito em relação ao indiciado C Como explica JARDIM33 o arquivamento implícito decorre da má sistematização da matéria por parte do CPP de modo que se o MP deixar de incluir na denúncia algum fato ou indiciado sem expressa fundamentação terá se operado a omissão que o constitui Assim se o juiz também não se manifestar sobre o fato ou sujeito estará consolidado o arquivamento Daí por que o arquivamento é na verdade tácito decorrendo da omissão do MP e da inércia do juiz que poderia ter utilizado o art 28 remetendo para o procuradorgeral caso não concordasse A matéria é extremamente relevante na medida em que operado o arquivamento tácito ou implícito não caberá aditamento ou nova denúncia em relação àquele fato ou autor salvo se existirem novas provas pois assim aponta acertadamente a Súmula n 524 do STF Contudo é fundamental destacar que a aplicação da teoria do arquivamento implícito não é pacífica e ao contrário há muita resistência na sua aplicação inclusive no STF34 Como se vê além de não acolher a tese do arquivamento implícito o STF também relativiza o princípio da indivisibilidade da ação penal pública o que nos parece um paradoxo principalmente quando interpretado de forma sistemática à luz dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade Sendo obrigatória e indisponível a ação pública não vemos como sustentar sua divisibilidade No fundo essa posição não é técnica mas de política processual pois o que está a legitimar é a possibilidade de não denunciar alguém ou algum delito neste momento para fazêlo posteriormente atendendo ao interesse e a estratégia do acusador É com base nesta relativização do princípio da obrigatoriedade que também estão fulminando as regras da conexão e continência para separar aqueles que possuem prerrogativa de função dos demais sem essa prerrogativa da seguinte forma o MP denuncia junto ao juízo de primeiro grau aqueles que não possuem prerrogativa de função e posteriormente aqueles agentes políticos com prerrogativa junto ao respectivo tribunal violando assim a unidade de processo e julgamento imposta pelos arts 76 e 77 do CPP Ademais a decisão do STF desconsidera um aspecto muito importante que não foi tratado no caso em tela os limites objetivos da coisa julgada Sobre isso remetemos o leitor para o Capítulo no qual tratamos da Decisão Penal e os limites objetivos da coisa julgada na continuidade delitiva Mudando o enfoque nos delitos cuja ação penal é de iniciativa privada em que foi requerido e instaurado o IP uma vez concluído os autos do inquérito serão remetidos para o juízo competente ficando à disposição do ofendido ou mesmo entregues mediante traslado Poderá o MP solicitar vista do IP para avaliar se não existe algum delito de ação penal pública e se for o caso oferecer a denúncia com base nesses elementos ou solicitar novas diligências desde que destinadas a apurar um delito de ação penal pública Ainda que o IP tenha sido instaurado o ofendido não está obrigado a exercer a ação penal Inclusive um dos motivos que pode têlo levado a requerer a instauração do procedimento policial pode ter sido exatamente a dúvida vg sobre a autoria que uma vez não dirimida impediria o exercício da queixa Não é necessário que o ofendido solicite o arquivamento bastando deixar fluir o prazo decadencial Sem embargo tendo em vista a situação de pendência que cria e o stato di prolungata ansia que gera no sujeito passivo imputado entendemos que o ofendido deverá desde logo oferecer a renúncia expressa É importante que o ofendido pelo delito e que tenha requerido a instauração do IP seja responsável e não utilize o inquérito como forma de coação ou para constranger o suposto agressor Por isso uma vez concluído o inquérito desde que aponte a materialidade e a autoria o ofendido deverá exercer a queixa ou desde logo renunciar expressamente ao exercício da ação penal Não caberá a ele utilizar o tempo como um instrumento para causar a intranquilidade do sujeito passivo da investigação Não se pode permitir que o ofendido por um delito de mínima importância abuse do seu direito de ação para punir ao largo de 6 meses o suposto autor É inegável que o IP gera no mínimo uma intranquilidade real e inequívoca para o sujeito passivo que pode ser inclusive mais grave que a pena eventualmente aplicável ao caso Em suma não pode o ofendido avocarse um poder punitivo que não lhe compete Por tudo isso entendemos que uma vez requerido o inquérito apurados suficientemente o fato e a autoria e não exercida e tampouco renunciada a ação penal privada caberia em tese uma ação de indenização contra aquele que abusou do seu direito 6 Estrutura dos Atos do Inquérito Policial Lugar Tempo e Forma Segredo e Publicidade A estrutura do inquérito policial no que se refere ao lugar tempo e forma dos atos de investigação é a seguinte a Lugar As normas processuais penais brasileiras são inteiramente aplicáveis a todo o território nacional conforme determina o art 1º e ressalvados os casos previstos nos incisos do referido dispositivo Especificamente no caso do inquérito policial art 4º do CPP as atividades da polícia judiciária serão exercidas no território de suas respectivas circunscrições No inquérito policial o critério para definir a competência atribuição policial fazse em razão da matéria ou pelo critério territorial Em razão da matéria devese considerar que a polícia judiciária é exercida pela polícia federal e pela polícia civil conforme a situação que se apresente Podese afirmar que à polícia federal incumbe nos termos do art 144 1º da CB competência em razão da matéria a Apurar as infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme b Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins o contrabando e o descaminho c Exercer as funções de polícia marítima aérea e de fronteiras d Exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União Ademais partindo do caráter instrumental da investigação preliminar podemos afirmar que no que se refere à matéria o critério adotado para definir a autoridade policial competente para investigar deverá ser o mesmo que utilizaremos para definir o juiz competente para processar Se o inquérito policial é um instrumento preparatório e a serviço do processo o lógico é que se oriente pelos critérios de competência processual Por isso se desde logo podemos identificar que se trata de um crime de competência da Justiça Federal art 109 da CB quem deve investigar é a polícia federal A polícia civil dos estados atua com caráter residual isto é a ela incumbe a apuração das infrações penais que não sejam de competência da polícia federal e que não sejam consideradas crimes militares situação em que o inquérito policial militar será conduzido pela respectiva autoridade militar Por exclusão às polícias civis dos estados corresponde a apuração de todos os demais delitos Fora desses casos Justiça Federal e Militar será a polícia civil a encarregada de apurar a infração penal Dentro da polícia civil ainda será possível encontrar setores especializados roubos e furtos homicídios tóxicos crime organizado etc a quem conforme as diretrizes internas caberá a apuração daquela espécie de delito A regra geral é que o inquérito seja realizado pela autoridade policial cujas atribuições guardem simetria com a respectiva justiça e os critérios de competência em razão da matéria e do lugar Definida a competência em razão da matéria cabe agora estabelecer a competência territorial O tema não apresenta maior complexidade porque a competência em razão do lugar é relativa e nessa matéria eventuais irregularidades do IP não contaminam o processo Os atos são praticados nas dependências policiais mas atendendo às peculiaridades da instrução preliminar muitos são praticados no local do delito na residência do suspeito e em outros lugares que possam oferecer elementos que permitam esclarecer o fato Por fim nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial a autoridade que preside o inquérito poderá ordenar diligências em circunscrição de outra independentemente de precatórias ou requisições art 22 do CPP b Tempo O fator tempo pode ser concebido em dois aspectos a habilidade do tempo dias hábeis para realizar os atos e a duração do ato ou da fase procedimental Pela natureza dos atos praticados na investigação preliminar e a necessidade de que sejam realizados no preciso momento em que se considere necessário conduz a eximir legalmente do requisito de realizar se em dia e horas hábeis35 Nesse sentido o sistema brasileiro não prevê limitação de hora ou dia para a prática dos atos até porque os principais atos de investigação são realizados logo após o descobrimento do delito seja sábado domingo feriado noite madrugada etc Inobstante de forma subsidiária e na medida do possível deve ser seguido o critério definido nos arts 172 e seguintes do CPC para que os atos sejam realizados em dias úteis não o são os domingos e os feriados declarados por lei art 175 do CPC das 6h às 20h O fator tempo também está relacionado com a duração do inquérito e os instrumentos de limitação da cognição Essa matéria deve ser pensada à luz do direito de ser julgado em um prazo razoável ao qual remetemos o leitor para evitar repetições Ademais existem normas que disciplinam o tempo de determinados atos que integram o IP como aqueles que limitam direitos fundamentais Nesse sentido vg a busca domiciliar art 5º XI da CB sem o consentimento do morador pode ser realizada durante o dia ou à noite em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro Fora desses casos somente poderá ser realizada durante o dia e por determinação judicial à noite nem com ordem judicial c Forma O IP é facultativo para o MP pois pode prescindir 36 dele mas é obrigatório para a polícia judiciária que ante uma infração ou notíciacrime por delito de ação penal pública está obrigada a investigar e não poderá arquivar o IP uma vez instaurado Vige a forma escrita e nos termos do art 9º todos os atos do IP devem ser reduzidos a escrito e documentados pois tanto o MP como o juiz que recebe a acusação têm um contato indireto com o material recolhido na investigação A falta de imediação sacrifica a oralidade O inquérito é secreto no plano externo e assim dispõe o art 20 do CPP devendo a polícia judiciária assegurar o sigilo necessário para esclarecer o fato No plano interno pode ser determinado o segredo interno parcial impedindo que o sujeito passivo presencie determinados atos Sem embargo o segredo interno não alcança o defensor isto é o segredo interno pode ser parcial mas não total Nesse sentido o art 7º XIV da Lei n 890694 Estatuto da Advocacia e a Súmula Vinculante n 14 do STF asseguram que o defensor poderá examinar em qualquer distrito policial inclusive sem procuração os autos da prisão em flagrante e do inquérito acabado ou em trâmite ainda que conclusos à autoridade policial podendo tirar cópias e tomar apontamentos Sobre o acesso do advogado aos autos do inquérito remetemos o leitor para o tópico específico na continuação onde trataremos da defesa técnica O segredo externo e igualmente o interno parcial não têm sua duração e limites estabelecidos na norma dependendo da discricionariedade policial o que sem dúvida merece censura Por fim destacamos que a nosso juízo o art 21 do CPP está revogado pelo art 136 3º IV da CB posto que se está vedada a incomunicabilidade em uma situação de excepcionalidade com muito mais razão está proibida a incomunicabilidade em uma situação de normalidade constitucional 7 Valor Probatório dos Atos do Inquérito Policial A valoração probatória dos atos praticados e elementos recolhidos no curso do inquérito policial é extremamente problemática Por isso antes de entrar no tema analisaremos a doutrina que defende que os atos do IP valem até prova em contrário recordaremos a fundamental distinção entre atos de prova e atos de investigação e concluiremos com uma exposição sobre o valor que entendemos devam merecer os atos do IP 71 A Equivocada Presunção de Veracidade Alguma doutrina aponta que os atos do inquérito policial valem até prova em contrário estabelecendo uma presunção de veracidade não prevista em lei O art 12 do CPP estabelece que o IP acompanhará a denúncia ou queixa sempre que servir de base a uma ou outra Qual o fundamento de tal disposição Não é atribuir valor probatório aos atos do IP todo o contrário Por servir de base para a ação penal ele deverá acompanhála para permitir o juízo de préadmissibilidade da acusação Nada mais do que isso Servirá para que o juiz decida pelo processo ou não processo pois na fase processual será formada a prova sobre a qual será proferida a sentença Considerável doutrina e jurisprudência acabaram por criar a nosso juízo equivocadamente uma falsa presunção a de que os atos de investigação valem até prova em contrário Essa presunção de veracidade gera efeitos contrários à própria natureza e razão de existir do IP fulminando seu caráter instrumental e sumário Também leva a que sejam admitidos no processo atos praticados em um procedimento de natureza administrativa secreto não contraditório e sem exercício de defesa Antes da promulgação do atual CPP alguns códigos estaduais como o da Capital Federal segundo aponta ESPÍNOLA FILHO37 previam que o inquérito policial acompanharia a denúncia ou queixa incorporandose ao processo e merecendo valor até prova em contrário Provavelmente está aqui o vício de origem dessa rançosa doutrina e jurisprudência que seguiu afirmando esse valor aos atos do IP quando o CPP não mais o contemplava Claro está que se o legislador de 1941 quisesse conferir aos atos do IP esse valor probatório teria feito de forma expressa a exemplo da legislação anterior Outro aspecto que reforça nosso entendimento é a natureza instrumental da investigação preliminar Serve ela para provisionalmente reconstruir o fato e individualizar a conduta dos possíveis autores permitindo assim o exercício e a admissão da ação penal No plano probatório o valor exaurese com a admissão da denúncia Servirá sim para indicar os elementos que permitam produzir a prova em juízo isto é para a articulação dos meios de prova Uma testemunha ouvida no inquérito e que aportou informações úteis será articulada como meio de prova e com a oitiva em juízo produz uma prova Em efeito o inquérito filtra e aporta as fontes de informação úteis Sua importância está em dizer quem deve ser ouvido e não o que foi declarado A declaração válida é a que se produz em juízo e não a contida no inquérito Em síntese o CPP não atribui nenhuma presunção de veracidade aos atos do IP Todo o contrário atendendo a sua natureza jurídica e estrutura esses atos praticados e os elementos obtidos na fase pré processual devem acompanhar a ação penal apenas para justificar o recebimento ou não da acusação É patente a função endoprocedimental dos atos de investigação Na sentença só podem ser valorados os atos praticados no curso do processo penal com plena observância de todas as garantias 72 Distinção entre Atos de Prova e Atos de Investigação Como explica ORTELLS RAMOS38 uma mesma fonte e meio podem gerar atos com naturezas jurídicas distintas e no que se refere à valoração jurídica podem ser divididos em dois grupos atos de prova e atos de investigação Sobre os atos de prova podemos afirmar que a estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação b estão a serviço do processo e integram o processo penal c dirigemse a formar um juízo de certeza tutela de segurança d servem à sentença e exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação f são praticados ante o juiz que julgará o processo Substancialmente distintos os atos de investigação instrução preliminar a não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese b estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos c servem para formar um juízo de probabilidade e não de certeza d não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidas e servem para a formação da opinio delicti do acusador f não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento g também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação indiciamento e adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional h podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Partindo dessa distinção concluise facilmente que o IP somente gera atos de investigação e como tais de limitado valor probatório Seria um contrassenso outorgar maior valor a uma atividade realizada por um órgão administrativo muitas vezes sem nenhum contraditório ou possibilidade de defesa e ainda sob o manto do segredo 73 O Valor Probatório do Inquérito Policial Como regra geral podese afirmar que o valor dos elementos coligidos no curso do inquérito policial somente serve para fundamentar medidas de natureza endoprocedimental cautelares etc e no momento da admissão da acusação para justificar o processo ou o não processo arquivamento Também se impõe essa conclusão se considerarmos que é inviável pretender transferir para o inquérito policial a estrutura dialética do processo e suas garantias plenas da mesma forma que não se pode tolerar uma condenação baseada em um procedimento sem as mínimas garantias Como equacionar o problema Valorando adequadamente os atos do inquérito policial e nas situações excepcionais em que a repetição em juízo seja impossível transferindose a estrutura dialética do processo à fase pré processual através do incidente de produção antecipada de provas Seguindo os fundamentos anteriormente expostos os elementos fornecidos pelo inquérito policial têm o valor de meros atos de investigação não servindo para justificar um juízo condenatório Sem embargo devemos destacar que apesar de informativo os atos do inquérito servem de base para restringir a liberdade pessoal através das prisões cautelares e a disponibilidade de bens medidas cautelares reais como o arresto sequestro etc Ora se com base nos elementos do inquérito o juiz pode decidir sobre a liberdade e a disponibilidade de bens de uma pessoa fica patente sua importância Ademais por utilitarismo judicial e até mesmo contaminação inconsciente do julgador os atos do inquérito podem adquirir uma transcendência valorativa incompatível com sua natureza Outra situação importante é a urgência e a impossibilidade de repetição de um ato que em regra é repetível vg uma prova testemunhal Vejamos agora os problemas que podem suscitar essas questões 731 Valor das Provas Repetíveis Meros Atos de Investigação O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados em uma estrutura tipicamente inquisitiva representada pelo segredo a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório Destarte por não observar os incisos LIII LIV LV e LVI do art 5º e o inciso IX do art 93 da nossa Constituição bem como o art 8º da CADH o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação Ademais é absolutamente inconcebível que os atos praticados por uma autoridade administrativa sem a intervenção do órgão jurisdicional tenham valor probatório na sentença Não só não foram praticados ante o juiz senão que simbolizam a inquisição do acusador pois o contraditório é apenas aparente e muitas vezes absolutamente inexistente Da mesma forma a igualdade sequer é um ideal pretendido muito pelo contrário de todas as formas se busca acentuar a vantagem do acusador público Não é necessário maior esforço para concluir que o IP carece das garantias mínimas para que seus atos sirvam mais além do juízo provisional e de verossimilitude necessários para adotar medidas cautelares e decidir sobre a abertura ou não do processo penal Como explica TOVO39 as provas repetíveis ou renováveis enquanto inquisitoriais têm valor meramente informativo os chamados atos de investigação não podendo servir de base ou sequer apoiar subsidiariamente o veredicto condenatório mas nada impede que sirvam de alicerce ao veredicto absolutório As provas renováveis como a testemunhal acareações reconhecimentos etc devem para ingressarem no mundo dos elementos valoráveis na sentença necessariamente ser produzidas na fase processual na presença do juiz da defesa e da acusação com plena observância dos critérios de forma que regem a produção da prova no processo penal Eventualmente poderseia argumentar que deveriam os atos de investigação servir para a sentença podendo assim justificar uma condenação sob pena de esterilizar o ordenamento processual penal e subministrar na prática uma patente impunidade ignorando os direitos da sociedade40 Essa não é a nossa opinião mas nem por isso podemos deixar de enfrentar a crítica É uma discussão que se situa no conflito entre a estrita observância das garantias constitucionais e a eficácia da repressão à criminalidade Ou ainda em outros termos se o sacrifício dos meios justificaria os fins A resposta vem dada por FERRAJOLI41 de que na jurisdição o fim nunca justifica os meios dado que os meios isto é as regras e as formas são as garantias da verdade e da liberdade e como tais têm valor para os momentos difíceis mais que para os fáceis em câmbio o fim não é já o êxito a todo custo sobre o inimigo senão a verdade processual obtida só por seu meio e prejulgada por seu abandono Todos os elementos de convicção produzidosobtidos no inquérito policial e que se pretenda valorar na sentença devem ser necessariamente repetidos na fase processual Para aqueles que por sua natureza sejam irrepetíveis ou que o tempo possa tornar imprestáveis existe a produção antecipada de provas Com essas duas possibilidades repetição e produção antecipada da prova o argumento da impunidade fica esvaziado meramente retórico Por repetição entendemos a nova realização ou declaração de algo que já se disse ou se fez A repetição exige que a pessoa que originariamente praticou o ato volte a realizálo da mesma forma No sentido processual somente pode ser admitida a repetição vg de uma prova testemunhal quando a testemunha volte a declarar sobre o mesmo fato isto é deve estar presente o trinômio mesma pessoa sobre o mesmo objeto e praticando o mesmo ato em sentido físico Não configura repetição a mera leitura do testemunho anteriormente realizado seja pelo juiz ou pelas partes Isso é reprodução e não repetição A única forma hábil de ser valorada pela sentença é a que permita o acesso do juiz e das partes mediante um contato direto com a pessoa e o conteúdo de suas declarações Logo somente por meio da repetição podem ser observados os princípios constitucionais referentes ao tema Isso significa em última análise chamar novamente a mesma pessoa para que pratique o mesmo ato sobre o mesmo tema e ante o órgão jurisdicional e as partes processuais A única reprodução processualmente válida é aquela que deriva de uma produção antecipada de provas ou seja quando na fase processual é lido ou reproduzido em vídeo ou aparelho de áudio o depoimento prestado na fase préprocessual Isso porque a produção antecipada está justificada pelos indícios de provável perecimento e cercada de todas as garantias de jurisdicionalidade imediação contraditório e defesa Tampouco pode ser considerada repetição a ratificação do depoimento anteriormente prestado A testemunha não só deve comparecer senão que deve declarar de forma efetiva sobre o fato permitindo a plena cognitio do juiz e das partes ademais de permitir identificar eventuais contradições entre as versões anterior e atual A oralidade garante a imediação e ilumina o julgador que com o contato direto dispõe de todo um campo de reações físicas imprescindíveis para o ato de valorar e julgar O ato de confirmar o anteriormente dito sem efetivamente declarar impede de alcançar os fins inerentes ao ato A ratificação ou retificação deve ser aferida ao final após a declaração integral pelo confronto com a anterior O simples fato de dizer ratifico o anteriormente alegado é em síntese um nada jurídico e uma reprovável negação de jurisdição Ou seja o juiz que assim procede não faz jus ao poder que lhe foi outorgado Com isso podemos afirmar que o inquérito policial somente gera atos de investigação com uma função endoprocedimental no sentido de que sua eficácia probatória é limitada interna à fase Servem para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso como fundamentar o pedido de prisão temporária ou preventiva e para fundamentar a probabilidade do fumus commissi delicti que justificará o processo ou o não processo 732 Provas Não Repetíveis Necessidade do Incidente de Produção Antecipada de Provas As provas não repetíveis ou não renováveis são aquelas que por sua própria natureza têm que ser realizadas no momento do seu descobrimento sob pena de perecimento ou impossibilidade de posterior análise Na grande maioria dos casos tratase de provas técnicas que devem ser praticadas no curso do inquérito policial e cuja realização não pode ser deixada para um momento ulterior já na fase processual Pela impossibilidade de repetição em iguais condições tais provas deveriam ser colhidas pelo menos sob a égide da ampla defesa isto é na presença fiscalizante da defesa técnica posto que são provas definitivas e via de regra incriminatórias exemplos exame de corpo de delito apreensão de substância tóxica em poder do autor do fato42 Nesse sentido é importante permitir a manifestação da defesa para postulação de outras provas solicitar determinado tipo de análise ou de meios bem como formular quesitos aos peritos cuja resposta seja pertinente para o esclarecimento do fato ou da autoria O incidente de produção antecipada da prova é uma forma de jurisdicionalizar a atividade probatória no curso do inquérito através da prática do ato ante uma autoridade jurisdicional e com plena observância do contraditório e do direito de defesa A publicidade ou ausência de segredo externo poderia ser limitada atendendo às especiais características do ato tendo em vista o momento em que se realiza e o interesse em evitar prejuízos para a investigação e a prematura estigmatização social do sujeito passivo Em regra a prova testemunhal bem como acareações e reconhecimentos pode ser repetida em juízo e na prática é em torno desse tipo de prova que gira a instrução definitiva Excepcionalmente frente ao risco de perecimento e o grave prejuízo que significa a perda irreparável de algum dos elementos recolhidos no inquérito policial o processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente essa prova através de um incidente produção antecipada de prova Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido como mero ato de investigação e posteriormente repetido em juízo para ter valor de prova poderá ser realizado uma só vez na fase préprocessual e com tais requisitos formais que lhe permitam ter o status de ato de prova é dizer valorável na sentença ainda que não colhido na fase processual No CPP o incidente de produção antecipada de provas está parcamente disciplinado no art 225 e necessita urgentemente ser revisado Poderíamos recorrer ao instituto da justificação do processo civil arts 846 a 851 do CPC mas isso representaria uma perigosa analogia sem atender às categorias jurídicas próprias do processo penal O incidente de produção antecipada da prova somente pode ser admitido em casos extremos em que se demonstra a fundada probabilidade de que será inviável a posterior repetição na fase processual da prova Ademais para justificálo deve estar demonstrada a relevância da prova para a decisão da causa Em síntese são requisitos básicos a relevância e imprescindibilidade do seu conteúdo para a sentença b impossibilidade de sua repetição na fase processual amparado por indícios razoáveis do provável perecimento da prova Presentes os requisitos o incidente deve ser praticado com a mais estrita observância do contraditório e direito de defesa logo43 a em audiência pública salvo o segredo justificado pelo controle ordinário da publicidade dos atos processuais b o ato será presidido por um órgão jurisdicional c na presença dos sujeitos futuras partes e seus respectivos defensores d sujeitandose ao disposto para a produção da prova em juízo ou seja com os mesmos requisitos formais que deveria obedecer o ato se realizado na fase processual e deve permitir o mesmo grau de intervenção a que teria direito o sujeito passivo se praticada no processo Destarte desde o ponto de vista do sujeito passivo estão garantidos o contraditório e o direito de defesa de modo que a prática antecipada da prova não supõe em princípio nenhum prejuízo No caso da prova testemunhal é importante que ela seja fielmente reproduzida utilizandose para isso dos melhores meios disponíveis especialmente a filmagem e a gravação Diante da impossibilidade de repetir a reprodução deve ser a melhor possível Concluindo a produção antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional justificada por sua relevância e impossibilidade de repetição em juízo A nosso juízo a única forma de valorar na sentença condenatória um ato do inquérito dessa natureza sem que tenha sido repetido em juízo é através da produção antecipada que opera como um instrumento para jurisdicionalizar e concederlhe o status de ato de prova Resumindo a produção antecipada de provas tem sua eficácia condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade contraditório possibilidade de defesa e fiel reprodução na fase processual 733 Contaminação Consciente ou Inconsciente do Julgador e a Necessidade da Exclusão Física das Peças do Inquérito Policial O art 155 do CPP estabelece que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação ressalvadas as provas cautelares não repetíveis e antecipadas grifo nosso O artigo inicia bem quando diz que a decisão deve ter por base a prova produzida em contraditório o que nos remete para a correta definição de que prova é aquilo produzido em juízo na fase processual O grande erro da reforma pontual Lei n 116902008 foi ter inserido a palavra exclusivamente Perdeuse uma grande oportunidade de acabar com as condenações disfarçadas ou seja as sentenças baseadas no inquérito policial instrumento inquisitório e que não pode ser utilizado na sentença Quando o art 155 afirma que o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente com base no inquérito policial está mantendo aberta a possibilidade absurda de os juízes seguirem utilizando o inquérito policial desde que também invoquem algum elemento probatório do processo Mantevese assim a autorização legal para que os juízes e tribunais sigam utilizando a versão dissimulada que anda muito em voga de condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito Na verdade essa fórmula jurídica deve ser lida da seguinte forma não existe prova no processo para sustentar a condenação de modo que vou me socorrer do que está no inquérito Isso é violar a garantia da própria jurisdição e do contraditório Tampouco é difícil encontrar decisões baseadas pasmem na confissão policial cotejada com uma parca prova judicial Como aponta GOMES FILHO44 nem sempre a repulsa à confissão obtida in tormentis é incisiva como deveria ser Mesmo admitindo que é essa a sistemática coativa dos inquisidores policiais45 a jurisprudência tende a aceitar a prova se confirmada por outros elementos especialmente a apreensão da res furtiva em certos casos chegouse mesmo a assentar que eventuais maustratos impostos ao réu não infirmam o valor probante da confissão que os demais elementos de convicção demonstram ter sido veraz 46 Em suma já se chegou ao absurdo de aceitar a confissão policial obtida sob tortura como prova válida para condenar cotejando com os demais elementos Atualmente isso também acontece ainda que não seja assumido Claro está que só a prova judicial é válida pois o que se pretende não é a mitológica verdade real obtida a qualquer custo mas sim a formalmente válida produzida no curso do processo penal Ou há prova suficiente no processo para condenar e o veredicto deve ser esse ou permanece a dúvida e a absolvição é o único caminho Recordemos que a dúvida falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõe a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual às hipóteses acusatórias Ainda mais grave é a situação que se produz diariamente no Tribunal do Júri em que os jurados julgam por livre convencimento com base em qualquer elemento contido nos autos do processo incluindose nele o inquérito sem distinguir entre ato de investigação e ato de prova A situação é ainda mais preocupante se considerarmos que na grande maioria dos julgamentos não é produzida nenhuma prova em plenário47 mas apenas é realizada a mera leitura de peças Com isso verificase que na prática o inquérito policial pode ter relevância no convencimento dos juízes e dos jurados PELLEGRINI GRINOVER48 aponta duas razões para esse fenômeno a em primeiro lugar porque quem realiza o juízo de préadmissibilidade da acusação é o mesmo juiz que proferirá a sentença no processo exceto no caso do Júri b em segundo lugar porque os autos do inquérito são anexados ao processo e assim acabam influenciando direta ou indiretamente no convencimento do juiz O primeiro problema está intimamente relacionado com a ausência de uma verdadeira fase intermediária e já foi objeto de crítica anteriormente Sem dúvida é imprescindível instaurar uma fase intermediária contraditória presidida por um juiz distinto daquele que irá sentenciar Esse juiz poderia ser aquele que denominamos juiz garante da investigação preliminar ou seja aquele que atua na instrução preliminar para autorizar ou denegar a prática das medidas que limitem direitos fundamentais Sempre recordando que o juiz garante ou de garantias não atua no processo preservando assim a imparcialidade do julgador O segundo problema apontado levanos a defender como única solução uma reforma urgente que determine a exclusão física do inquérito policial dos autos do processo evitando o que o legislador espanhol de 1995 definiu como indesejáveis confusões de fontes cognoscitivas atendíveis contribuindo assim a orientar sobre o alcance e a finalidade da prática probatória realizada no debate ante os jurados É uma técnica que também utiliza o sistema italiano eliminando dos autos que formarão o processo penal todas as peças da investigação preliminar indagine preliminare com exceção do corpo de delito e das antecipadas produzidas no respectivo incidente probatório Como explicam DALIA e FERRAIOLI49 um dos motivos da clara distinção entre o procedimento per le indagini preliminari e o processo é exatamente evitar a contaminação do juiz pelos elementos obtidos na fase préprocessual O objetivo é a absoluta originalità do processo penal de modo que na fase préprocessual não é atribuído o poder de aquisição da prova Ela somente deve recolher elementos úteis à determinação do fato e da autoria em grau de probabilidade para justificar a ação penal A efetiva coleta da prova está reservada para a fase processual giudice del dibattimento cercada de todas as garantias inerentes ao exercício da jurisdição A originalidade é alcançada principalmente porque se impede que todos os atos da investigação preliminar sejam transmitidos ao processo exclusão de peças de modo que os elementos de convencimento são obtidos da prova produzida em juízo Com isso evitase a contaminação e garantese que a valoração probatória recaia exclusivamente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias Somente através da exclusão do inquérito dos autos do processo é que se evitará a condenação baseada em meros atos de investigação ao mesmo tempo em que se efetivará sua função endoprocedimental Enquanto isso não ocorrer entendemos que os elementos oferecidos pelo IP à exceção das provas técnicas e das produzidas através do incidente de produção antecipada ante o juiz não devem ser valorados na sentença e tampouco servir de base para uma condenação ainda que sob o manto falacioso do cotejando com a prova judicial Sempre cabe recordar as palavras de FERRAJOLI50 de que a única prova válida para uma condenação é a prueba empírica llevada por una acusación ante un juez imparcial en un proceso público y contradictorio con la defensa y mediante procedimientos legalmente preestablecidos Infelizmente na reforma do CPP a matéria não está sendo bem disciplinada O art 7º parágrafo único do Projeto n 42092001 diz que esses elementos do inquérito não poderão constituir fundamento da sentença ressalvadas as provas produzidas cautelarmente ou irrepetíveis que serão submetidas a posterior contraditório Ora isso é simbólico e fadado ao fracasso pois não evita a contaminação consciente ou inconsciente do julgador Os elementos do inquérito continuam dentro do processo e a vedação apenas fará com que os juízes lancem mão de um exercício de retórica para condenar com base no inquérito sem dizêlo de forma clara Ademais o problema continua intocável no júri pois lá os leigos não fundamentam Logo não há fundamento Eles julgam de capa a capa e por íntima e infundada convicção Reforça nossa crítica a nova redação dada ao art 155 que simplesmente limitase a dizer que o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação Logo legitima a prática do cotejando corrobora e outras tantas manipulações discursivas para disfarçar a condenação fundada no inquérito policial Por isso se realmente houver empenho em resolver o problema não há outra saída que a exclusão física dos autos do inquérito de dentro do processo Em síntese a regra geral é que os atos da investigação preliminar sejam como tais considerados meros atos de investigação com uma limitada eficácia probatória pois a produção da prova deve estar reservada para a fase processual É a função endoprocedimental dos atos do inquérito no sentido de que sua eficácia é interna à fase para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso Para evitar a contaminação o ideal é adotar o sistema de eliminação do processo dos atos de investigação excetuandose as provas técnicas e as irrepetíveis produzidas no respectivo incidente probatório 8 O Indiciado no Sistema Brasileiro alterações introduzidas pela Lei n 128302013 Entre os maiores problemas do inquérito policial estava a falta de um indiciamento formal com momento e forma estabelecidos em lei A Lei n 12830 de 20 de junho de 2013 dispôs sobre a investigação criminal dirigida pelo Delegado de Polícia trazendo previsões legais para situações já conhecidas através de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais Interessanos neste momento o 6º do art 3º que toca em um instituto relevante dentro do contexto da investigação policial o indiciamento Com o advento desta Lei a autoridade policial passou a possuir maior responsabilidade quando do ato de indiciamento devendo realizar uma análise mais ampla do fato adentrando nas questões técnico jurídicas do crime de modo a basearse em circunstâncias coerentes que expressem a materialidade e a autoria do delito não bastando a mera transcrição do tipo penal O 6º em comento reflete uma postura um pouco mais cuidadosa visto que a análise técnicojurídica do fato afastará os casos de indiciamento em situações por exemplo em que o fato é atípico ou quando já se operou a prescrição Muito embora tal inovação legislativa contribua para um rascunho do que se entende por indiciamento ainda subsiste uma grande e problemática lacuna jurídica acerca deste procedimento Explica MORAES PITOMBO51 que o indiciamento deve resultar do encontro de um feixe de indícios convergentes que apontam para certa pessoa ou determinadas pessoas supostamente autoras da infração penal Declara uma autoria provável CANUTO MENDES DE ALMEIDA52 aponta que o corpo de delito evidencia a existência do crime e os indícios apontam o delinquente O indiciamento pressupõe um grau mais elevado de certeza da autoria que a situação de suspeito53 Nesse sentido recordamos as palavras de MORAES PITOMBO de que o suspeito sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração tem que ser indiciado Já aquele que contra si possui frágeis indícios ou outro meio de prova esgarçado não pode ser indiciado Mantémse ele como é suspeito O indiciamento é assim um ato posterior ao estado de suspeito e está baseado em um juízo de probabilidade e não de mera possibilidade O indiciamento deve resultar do instante mesmo em que no inquérito policial instaurado verificouse a probabilidade de ser o agente o autor da infração penal e como instituto jurídico deverá emergir configurado em ato formal de polícia judiciária54 Logo o indiciado é sujeito passivo em sede préprocessual Uma vez realizado o indiciamento o sujeito só deixará o estado de indiciado quando da decisão de arquivamento do inquérito policial a pedido do Ministério Público ou quando do recebimento da denúncia momento em que passará a ser chamado de acusado ou réu Este instituto jurídico pressupõe a existência de indícios de autoria em um grau mais elevado do que na condição de mero suspeito refletindo uma probabilidade de o indiciado ser o agente do crime Indícios são provas circunstanciais sinais aparentes e prováveis de que uma coisa existe Se antes já se repudiava o indiciamento quando resultante de ato arbitrário da autoridade policial porém sem nenhuma previsão formal agora o Delegado de Polícia possui o encargo legal de fundamentar de forma coerente o ato de indiciamento mostrando as provas e circunstâncias que apontam para a comprovação da materialidade e da provável autoria Do flagrante delito emerge a relativa certeza visual ou presumida da autoria Por isso o flagrante válido impõe o indiciamento Da mesma forma a prisão preventiva pois exige indícios suficientes da autoria e a temporária fundadas razões de autoria É importante frisar que o indiciamento só pode produzirse quando existirem indícios razoáveis de probabilidade da autoria e não como um ato automático e irresponsável da autoridade policial Destaca LAURIA TUCCI55 que indiciamento e qualificação direta ou indireta são institutos distintos e inconfundíveis O indiciamento é a indicação do autor da infração A qualificação diz respeito à individuação de pessoa indiciado ou outrem mencionada de qualquer maneira no desenrolar da investigação criminal A qualificação direta ou indireta é consequência do indiciamento uma forma estabelecida pelo legislador de estabelecer a identidade do indiciado Mas não é o indiciamento em si mesmo Ainda que a Lei n 128302013 tenha melhorado um pouco o cenário ao exigir o indiciamento formal e fundamentado ainda existe uma gravíssima lacuna legal em que momento deve ocorrer o ato de indiciamento O momento e a forma do indiciamento deveriam estar disciplinados claramente no CPP exigindo um ato formal da autoridade policial e a imediata oitiva do sujeito passivo que na qualidade de indiciado está sujeito a cargas mas a quem também assistem direitos Entre eles o principal é saber em que qualidade declara evitandose assim o grave inconveniente de comparecer como testemunha quando na verdade deveria fazêlo na qualidade de suspeito que está na iminência de ser indiciado A título de ilustração trazemos à colação o art 118 da LECrim espanhola cuja redação é elogiável56 Toda pessoa a quem se impute57 um ato punível poderá exercitar o direito de defesa atuando no procedimento qualquer que seja este desde que se lhe comunique sua existência tenha sido objeto de detenção ou de qualquer outra medida cautelar A admissão de uma notíciacrime ou qualquer atuação policial58 ou do Ministério Público da qual resulte a imputação de um delito contra uma pessoa ou pessoas determinadas será levada imediatamente ao seu conhecimento Para exercitar o direito de defesa59 a pessoa interessada deverá designar um defensor e não o fazendo deverá serlhe nomeado um que a assistirá em todos os atos da instrução preliminar Considerando que o indiciamento constitui uma carga para o sujeito passivo mas que também marca o nascimento de direitos entre eles o de defesa é fundamental definir o momento em que deve ocorrer pois também é uma garantia para o sujeito passivo Devese vedar uma acusação de surpresa mas também deve ser censurada a prática policial de intimar o suspeito para comparecer como testemunha ou informante quando na realidade é o principal suspeito Na prática infelizmente o indiciamento como ato em si muitas vezes não existe sendo erroneamente substituído pelo interrogatório e por um formulário destinado a qualificar o sujeito Uma lamentável degeneração Alguma doutrina brasileira com a qual não estamos de acordo afirma que o indiciamento não produz nenhuma consequência pois o indiciado de hoje não é necessariamente o réu de amanhã60 Discordamos porque concebemos o processo penal como um sistema escalonado conforme explicamos anteriormente de modo que esse escalonamento não é de trajetória fixa mas sim progressivo ou regressivo de culpabilidade A situação de indiciado supõe um maior grau de sujeição à investigação preliminar e aos atos que compõem o inquérito policial Também representa uma concreção da autoria que será de grande importância para o exercício da ação penal Logo é inegável que o indiciamento produz relevantes consequências jurídicas Ademais o indiciado de hoje não é necessariamente o acusado de amanhã Nada impede que o indiciamento feito hoje seja tornado sem efeito amanhã tendo em vista o desaparecimento dos indícios de autoria ou materialidade conforme o caso Portanto não há qualquer obstáculo ao desindiciamento ou seja o desfazimento do ato uma vez desaparecido o suporte fático ou jurídico que o sustentava E isso segue sendo uma prerrogativa da autoridade policial pois o indiciamento é situacional A nova lei garante ao investigado que o indiciamento seja motivado só ocorrerá quando e se forem colhidos indícios de sua autoria ou participação e produzidas provas suficientes da existência materialidade da infração penal Desaparecidos os indícios o indiciamento deve ser tornado sem efeito com a declaração formal de desindiciamento Corrobora nosso entendimento o disposto por exemplo no art 17D da Lei n 961398 modificado pela Lei n 126832012 Art 17D Em caso de indiciamento de servidor público este será afastado sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei até que o juiz competente autorize em decisão fundamentada o seu retorno Significa dizer que o indiciamento é um ato relevante e que deveria estar claramente disciplinado no Código de Processo Penal As medidas cautelares não podem ser consideradas efeito do indiciamento senão geradoras da situação de indiciado Quando são adotadas depois do indiciamento terão como requisito o fumus commissi delicti e como fundamento o periculum libertatis Destarte o fato de ser indiciado não gera a prisão cautelar mas pode contribuir para isso pois o próprio indiciamento supõe um fumus commissi delicti mínimo derivado da imputação Não existe uma prisão cautelar automática com fundamento exclusivo no indiciamento Em definitivo é claro que o status de indiciado gera um maior grau de sujeição à investigação preliminar e com isso nasce para o sujeito passivo uma série de direitos e também de cargas de caráter jurídicoprocessual 9 Direito de Defesa e Contraditório no Inquérito Policial É lugarcomum na doutrina a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial61 Está errada a afirmação pecando por reducionismo Basta citar a possibilidade de o indiciado exercer no interrogatório policial sua autodefesa positiva dando sua versão aos fatos ou negativa usando seu direito de silêncio Também poderá fazerse acompanhar de advogado defesa técnica que poderá agora intervir no final do interrogatório Poderá ainda postular diligências e juntar documentos art 14 do CPP Por fim poderá exercer a defesa exógena através do habeas corpus e do mandado de segurança Então não existe direito de defesa Claro que sim E o contraditório Veremos na continuação O verdadeiro problema nasce daqui Existe é exigível mas sua eficácia é insuficiente e deve ser potencializada É uma potencialização por exigência constitucional O ponto crucial nessa questão é o art 5º LV da CB que não pode ser objeto de leitura restritiva A postura do legislador foi claramente protetora e a confusão terminológica falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial até porque o próprio legislador ordinário cometeu o mesmo erro ao tratar como Do Processo Comum Do Processo Sumário etc quando na verdade queria dizer procedimento Tampouco pode ser alegado que o fato de mencionar acusados e não indiciados é um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar Sucede que a expressão empregada não foi só acusados mas sim acusados em geral devendo nela ser compreendidos também o indiciamento e qualquer imputação determinada como a que pode ser feita numa notíciacrime ou representação pois não deixam de ser imputação em sentido amplo Em outras palavras qualquer forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo Por isso o legislador empregou acusados em geral para abranger um leque de situações com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal vinculada ao exercício da ação penal e com um claro intuito de proteger o sujeito passivo No mesmo sentido LAURIA TUCCI62 afirma que de modo também induvidoso reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes estendendo sua incidência expressamente aos procedimentos administrativos ora assim sendo se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento nele se encarta à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e consequentemente a de procedimento administrativopersecutório de instrução provisória destinado a preparar a ação penal que é o inquérito policial É importante destacar que quando falamos em contraditório na fase préprocessual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento da informação Isso porque em sentido estrito não pode existir contraditório pleno no inquérito porque não existe uma relação jurídicoprocessual não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo Não há o exercício de uma pretensão acusatória Sem embargo esse direito de informação importante faceta do contraditório adquire relevância na medida em que será através dele que será exercida a defesa Esclarecedoras são as palavras de PELLEGRINI GRINOVER63 no sentido de que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório Logo o contraditório se manifesta não na sua plenitude no inquérito policial através da garantia de acesso aos autos do inquérito e à luz do binômio publicidadesegredo como explicaremos na continuação Voltando ao direito de defesa cumpre sublinhar que a ampla defesa está consagrada no art 5º LV da Constituição no art 82 da CADH e também no CPP que dedica o Capítulo III do Título VIII do Livro I ademais de diversos dispositivos ao longo de todo o Código É interessante destacar que a Constituição utiliza o adjetivo ampla defesa enfatizando o alcance da proteção de modo que deve ser exercida com todos os meios e recursos a ela inerentes O direito de defesa é um direitoréplica que nasce com a agressão que representa para o sujeito passivo a existência de uma imputação ou ser objeto de diligências e vigilância policial Nessa valoração reside um dos maiores erros de alguma doutrina brasileira que advoga pela inaplicabilidade do art 5º LV da CB ao inquérito policial argumentando simploriamente que não existem acusados nessa fase eis que não foi oferecida denúncia ou queixa Ora qualquer notíciacrime que impute um fato aparentemente delitivo a uma pessoa constitui uma imputação no sentido jurídico de agressão capaz de gerar no plano processual uma resistência Da mesma forma quando da investigação ex officio realizada pela polícia surgem suficientes indícios contra uma pessoa a tal ponto de tornarse o alvo principal da investigação imputado de fato devem ser feitos a comunicação e o chamamento para ser interrogado pela autoridade policial Em ambos os casos inegavelmente existe uma atuação de caráter coercitivo contra uma pessoa determinada configurando uma agressão ao seu estado de inocência e de liberdade capaz de autorizar uma resistência em sentido jurídicoprocessual Nunca é demais recordar que o texto constitucional é extremamente abrangente protegendo os litigantes tanto em processo judicial como em procedimento administrativo Não satisfeito o legislador constituinte ainda incluiu para evitar dúvidas a expressão e aos acusados em geral assegurandolhes o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes Não há como afastar o sujeito passivo da investigação preliminar da abrangência da proteção pois é inegável que ele encaixa na situação de acusados em geral pois a imputação e o indiciamento são formas de acusação em sentido amplo O direito de defesa é um direito natural imprescindível para a Administração da Justiça Não obstante exige especial atenção o grave dilema que pode gerar o direito de defesa sem qualquer limite pois poderia criar um sério risco para a própria finalidade da investigação preliminar Por outro lado a absoluta inexistência de defesa viola os mais elementares postulados do moderno processo penal É um dilema sério e uma vez mais devemos encontrar um meiotermo pois como aponta GUARNIERI64 la defensa en el período instructório es indudable que presenta defectos pero sus ventajas son mucho mayores y no sirven para obscurecerlas las objeciones de sus enemigos Para complementar remetemos o leitor para a exposição que fizemos anteriormente ao tratar do direito de defesa e do contraditório Em suma existe direito de defesa técnica e pessoal positiva e negativa e contraditório no sentido de acesso aos autos O desafio é darlhes a eficácia assegurada pela Constituição 10 Garantias do Defensor O Acesso do Advogado aos Autos do Inquérito Contraditório Limitado O Problema do Sigilo Interno do Inquérito Policial Para exercer sua atividade com plena eficácia o defensor deve atuar rodeado de uma série de garantias que lhe permita uma completa independência e autonomia em relação ao juiz promotor e à autoridade policial Nesse sentido a Constituição brasileira dispõe no art 133 que o advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei A regulamentação do dispositivo constitucional encontramos na Lei n 890694 que disciplina a atividade profissional do advogado Entre outras importantes garantias destacamos algumas contidas no art 7º comunicarse com seus clientes pessoal e reservadamente mesmo sem procuração quando estes se acharem presos detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares ainda que considerados incomunicáveis ingressar livremente nas salas e dependências de audiências secretarias cartórios ofícios de Justiça serviços notariais e de registro e no caso de delegacias e prisões mesmo fora da hora de expediente e independente da presença de seus titulares examinar em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo ou da Administração Pública em geral autos de processos findos ou em andamento mesmo sem procuração quando não estejam sujeitos a sigilo assegurada a obtenção de cópias podendo tomar apontamentos examinar em qualquer repartição policial mesmo sem procuração autos de flagrante e de inquérito findos ou em andamento ainda que conclusos à autoridade podendo copiar peças e tomar apontamentos Destacamos que não existe sigilo para o advogado no inquérito policial e não lhe pode ser negado o acesso às suas peças nem ser negado o direito à extração de cópias ou fazer apontamentos Desde a Constituição que já superou a maioridade e permanece uma ilustre desconhecida para muitos temos afirmado que não pode ser vedado o acesso do advogado ao inquérito sob pena de violação do contraditório direito de informação e do direito de defesa técnica assegurados no art 5º LV Posteriormente com o advento da Lei n 890694 reforçamos a crença no acerto da posição Contudo infelizmente os tribunais continuavam fazendo pouco caso da Constituição e da Lei n 8906 Mas a autoridade do argumento não era reconhecida e tanto a Constituição quanto a Lei n 8906 eram simplesmente afastadas pelo pacífico entendimento dos tribunais e a melhor doutrina manualística Finalmente em 02022009 foi editada pelo STF a Súmula Vinculante n 14 com o seguinte teor É direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo aos elementos de prova que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária digam respeito ao exercício do direito de defesa Assim vejamos alguns aspectos interessantes É um direito do defensor portanto pode ser mantido o sigilo externo para os meios de comunicação por exemplo No interesse do representado logo pode ser exigida procuração para comprovação da outorga de poderes e também justificar a restrição de acesso aos elementos que sejam do interesse de outros investigados não representados por aquele defensor isso pode ser relevante na restrição de acesso aos dados bancários ou fiscais de outros investigados que não são representados por aquele advogado Esse interesse é jurídico e vinculado à plenitude do direito de defesa Ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados o acesso é irrestrito aos atos de investigação há uma histórica confusão conceitual pois não são propriamente atos de prova mas meros atos de investigação desde que já documentados Com isso preservase o necessário sigilo aos atos de investigação não realizados ou em andamento como por exemplo a escuta telefônica em andamento ou um mandado de prisão ou busca e apreensão ainda não cumprido Procedimento Investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária o mandamento dirigese obviamente à polícia judiciária e aos atos realizados no curso do inquérito policial Contudo vislumbramos plena aplicação nas eventuais investigações feitas pelo Ministério Público ou mesmo no âmbito de CPIs65 ou sindicâncias administrativas Significa dizer que o acesso deve ser garantido a qualquer procedimento investigatório ainda que realizado por outras autoridades mas que naquele ato equiparamse à polícia judiciária no que diz respeito ao conteúdo e finalidade dos atos praticados Não haveria sentido algum em assegurar acertadamente o acesso do advogado aos autos do inquérito policial mas não ao procedimento investigatório similar realizado pelo Ministério Público apenas porque a investigação preliminar é levada a cabo por outro agente estatal Mas e se ainda assim for denegado o pedido de vista do inquérito policial o que deve fazer o advogado Por se tratar de decisão que nega eficácia à Súmula Vinculante o remédio processual adequado é a Reclamação feita diretamente ao STF nos termos dos arts 102 I l e 103A 3º da Constituição Mas nada impede que o defensor interponha primeiramente Mandado de Segurança junto ao juízo de primeiro grau quando a negativa de acesso for da autoridade policial ou ao respectivo tribunal quando o ato coator emana de juiz Ainda que historicamente o STF e o STJ tenham felizmente admitido o habeas corpus para uma tutela dessa natureza entendemos que o desrespeito às prerrogativas profissionais do advogado deve ser remediado através de mandado de segurança instrumento mais adequado para tutelar tal pretensão Sem embargo sublinhamos que a cada dia vem tomando força a aceitação do HC diante da flagrante ilegalidade e cerceamento de defesa Ademais perfeitamente invocável a fungibilidade entre as ações constitucionais para que uma seja conhecida no lugar da outra O que importa nesse momento é a eficácia da tutela jurisdicional Essa opção pelo mandado de segurança ou HC para alguns antes de ingressar com a Reclamação no STF é viável e está justificada pela facilidade de acesso aos órgãos locais e em momento algum impede a posterior Reclamação no STF caso persista a recusa em dar acesso aos autos Com a possibilidade de Reclamação superase o obstáculo criado pela famigerada Súmula n 691 do STF Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer do habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar pois não é mais necessário esperar a decisão de mérito pelo tribunal de origem para ingressar com novo HC Agora pela via da Reclamação o acesso ao STF é direto 11 A Título de Conclusão A Opacidade da Discussão em Torno do Promotor Investigador Mudem os Inquisidores Mas a Fogueira Continuará Acesa Assistimos ultimamente a uma ferrenha polêmica em torno da possibilidade ou não de o Ministério Público realizar a investigação preliminar A questão não é nova O que sim nos causa muito espanto e preocupação é a dimensão que a discussão tomou de um reducionismo sem igual Ficou limitada a uma questão pontual e que não é a mais relevante Ministério Público ou Polícia Pode o Ministério Público investigar ou não Talvez parte da opacidade da discussão derive da velocidade e da urgência marcas indeléveis das sociedades complexas contemporâneas e que também afetam os juristas e o direito na medida em que o presenteísmo e a cultura da urgência fazem com que até inconscientemente não queiramos perder tempo com longas e profundas análises verdadeira anamnese A ditadura da urgência é terreno fértil para discussões superficiais reducionistas e soluções epidérmicas e sedantes Mas uma coisa é certa não se estrutura nenhuma modificação legislativa sólida e progressista sem uma discussão séria profunda e que transcenda questões pontuais Basta de reformas pontuais e visões minimalistas Partindo da categoria órgão encarregado como explicamos podem ser encontrados atualmente três sistemas de investigação preliminar investigação policial juiz instrutor ou promotor investigador Está mais do que constatada a falência do inquérito policial e do sistema de investigação a cargo da polícia O próprio exemplo brasileiro é uma demonstração inequívoca disso Quanto ao juizinstrutor a situação é ainda mais grave Se o modelo policial agoniza o juiz de instrução já está morto Há séculos Ressuscitálo hoje seria um imenso retrocesso Recordemos que esse é um erro histórico no qual não podemos voltar a incidir Basta lembrar da barbárie iniciada no século XII quando começou a transferência de poderes instrutórios para o juiz e que culminou com a inquisição e toda uma era de escuridão jurídica Ainda que se diga que a situação seria diferente talvez porque as fogueiras seriam simbólicas na essência o problema permaneceria a falha está na estrutura do sistema Mudem os nomes as aparências mas o cerne continua igualmente ruim Que o digam os mais de trinta anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos ou os quadros mentais paranoicos dos juízes com poderes investigatóriosinstrutórios tão bem descritos por CORDERO ao apontar para o predomínio das hipóteses sobre os fatos Sobra então literalmente a figura do promotor investigador Sempre dissemos que essa era a opção menos problemática principalmente quando comparada com as demais policial e judicial Basta analisar as vantagens e os inconvenientes de sua estrutura bem como o funcionamento em sistemas concretos Itália Alemanha Portugal e os híbridos Espanha e França para concluir que a investigação a cargo do Ministério Público é aquela em que os inconvenientes igualmente existentes são mais facilmente contornáveis e passíveis de superação Mas isso não significa que sejamos defensores ferrenhos do promotor investigador Estamos muito longe disso e sempre tivemos uma posição de desconfiança em relação ao acusador oficial até porque ele não passa disso uma parte acusadora cuja tal imparcialidade só é alardeada por quem não sabe o que fala Por quem não sabe o que é imparcialidade e desconhece a origem do Ministério Público que nasce como contraditor natural do imputado e imposição do sistema acusatório Nessa matéria estamos com GUARNIERI66 quando afirma que acreditar na imparcialidade do Ministério Público é uma ilusão A mesma ilusão de confiar ao lobo a melhor defesa do cordeiro No campo da patologia é elementar que elas existem como em toda e qualquer atividade Ninguém nega a existência e a gravidade de alguns bizarros espetáculos levados a cabo por promotores e procuradores autoritários e prepotentes verdadeiros justiceiros da sua ideologia de lei e ordem Também existem os amantes do holofote adeptos da maior eficiência da imputação midiática Mas tudo isso também ocorre nessa mesma dimensão patológica é claro na investigação policial E não raro temse notícia de que a polícia foi ainda mais longe nos abusos alcançando terrenos ainda não galgados pelo Ministério Público e esperase que nunca cheguem lá Ora ainda que a discussão equivocadamente seja reduzida ao campo da patologia também nisso a investigação policial é mais fértil a práticas abusivas Não obstante desde que desveladas algumas hipocrisias e falácias discursivas a investigação a cargo do Ministério Público é o caminho natural diante do fracasso dos demais sistemas Mas isso está ainda muito longe de qualquer evolução significativa pois o problema não se encerra no órgão encarregado Vai muito além Aqui reside nossa inconformidade muito mais importante do que decidir quem vai fazer a inquisição MP ou Polícia está em definir como será a inquisição sempre mantendo o juiz obviamente bem longe de qualquer iniciativa investigatória A discussão em torno da autoridade encarregada é reducionista e minimalista pois deixa de lado aspectos verdadeiramente fundamentais tais como 1 Definir a função do juiz na investigação bem como sua esfera de atuação Deverá ter uma postura ativa mas não como inquisidor ou investigador o que significa a mesma coisa mas sim como garantidor da máxima eficácia dos direitos fundamentais do imputado sempre pronto para mediante invocação da defesa fazer cessar ou impor limites ao abuso do poder investigatório do Ministério Público ou da polícia 2 Repensar a prevenção pois é óbvio que ela deve ser uma causa de exclusão da competência e não de fixação como temos hoje pois em nenhum caso esse juiz da fase préprocessual poderá ser o mesmo que irá instruir e julgar o processo Juiz prevento é juiz contaminado e pois jamais poderá julgar Essa é a lição de mais de 20 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos 3 Definir claramente o controle externo da atividade policial talvez através das instruções gerais e específicas que continua um ilustre desconhecido no Brasil que polícia judiciária é essa que não está subordinada ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público 4 Jamais poderá se admitir que medidas restritivas de direitos fundamentais prisões cautelares busca e apreensão interceptações telefônicas etc sejam empregadas pelo investigador sem prévia autorização judicial Tampouco é admissível à luz do constitucional sistema acusatório que o juiz o faça de ofício 5 É fundamental definir o objeto da investigação preliminar e os limites da cognição para termos uma fase préprocessual verdadeiramente sumária e jamais plenária como se converteu na prática 6 Definir o prazo máximo da investigação preliminar adotando uma resolução ficta quando superado o limite CPP paraguaio ou uma pena de inutilidade inutilizzabilità do sistema italiano dos atos praticados após o término do prazo legal Nessa matéria de nada serve a definição de um prazo sem a correspondente sanção processual pela violação como explicamos anteriormente ao falarmos do prazo razoável no processo penal 7 Determinar a situação jurídica do sujeito passivo bem como a necessária incidência do contraditório e do direito de defesa diante da inafastável aplicação do art 5º LV da Constituição na investigação preliminar É imprescindível responder aos seguintes questionamentos a partir de que momento alguém deve ser considerado como sujeito passivo Que circunstâncias devem concorrer para que se produza a situação de imputado De que forma se deve formalizar essa situação Que consequências endoprocedimentais produz o indiciamento Que cargas assumem o sujeito passivo Que direitos lhe correspondem 8 Adotar o sistema de exclusão física dos autos da investigação de dentro do processo excetuandose as provas técnicas e aquelas produzidas no respectivo incidente judicializado de produção antecipada de provas Isso significa fortalecer a sumariedade da cognição limitada ao fumus commissi delicti e a função endoprocedimental dos atos de investigação Mas principalmente acaba com o absurdo das sentenças condenatórias baseadas no cotejo com os elementos do inquérito Ainda que a sentença não indique é inegável a contaminação do julgador por esses elementos colhidos na fase inquisitorial Sem mencionar o Tribunal do Júri onde os leigos julgam de capa a capa e mesmo fora da capa e sem fundamentar 9 Definir o alcance do segredo interno e externo da investigação bem como sua duração e requisitos para decretação O art 20 do CPP não regula absolutamente nada e o pouco que diz não resiste a uma filtragem constitucional A questão assume uma relevância ainda maior na medida em que alguns tribunais equivocadamente estão vedando o acesso de advogados aos autos de inquérito policial em flagrante violação ao disposto na Lei n 8906 e no art 5º LV da Constituição 10 Prever os requisitos e a forma como será realizado o incidente de produção antecipada de provas respeitando as categorias jurídicas próprias do processo penal diante da evidente inadequação das analogias com o processo civil Essas são questões muito mais relevantes e que deixam em segundo plano a rasteira discussão em torno da autoridade encarregada da investigação Diante delas por exemplo pouco importa ou nada importa o que diga o STF sobre a possibilidade de o MP investigar ou não Problemas muito mais graves permanecerão intocados Inclusive se o STF entender que os atos investigatórios levados a cabo pelo MP são ilegais terá de ser reconhecida a nulidade de toda a investigação e do processo contaminação por derivação Ou será que continuarão fechando os olhos para a contaminação consciente ou inconsciente do julgador pela prova ilícita e com isso avalizando as ilegalidades cometidas pelo Estado e repetindo o superado discurso da não contaminação do processo pelas irregularidades do inquérito Enfim é preocupante o reducionismo da discussão que deixa de lado questões muito mais graves do que definir quem será o inquisidor O problema está na própria inquisição Mudem ou mantenham os inquisidores pois a fogueira continuará acesa Só não vê quem não conhece ou pior não quer que isso seja percebido 1 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v I p 120 2 Nesse caso cumpre recordar que crime militar e comum não se misturam sendo cada um julgado na sua respectiva jurisdição conforme determina o art 79 I do CPP 3 HABEAS CORPUS CRIME DE TORTURA ATRIBUÍDO A POLICIAL CIVIL POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDO AGENTE POLICIAL VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA AO POLICIAL TORTURADOR LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO PARQUET TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS CASO McCULLOCH V MARYLAND 1819 MAGISTÉRIO DA DOUTRINA RUI BARBOSA JOHN MARSHALL JOÃO BARBALHO MARCELO CAETANO CASTRO NUNES OSWALDO TRIGUEIRO vg OUTORGA AO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DO PODER DE CONTROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO HABEAS CORPUS INDEFERIDO Habeas Corpus 89837DF 2ª Turma Rel Min Celso de Mello j 20102009 4 Sobre o tema para aprofundamento consultese nosso livro Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 5 Utilizamos indistintamente as expressões juiz garante e juiz de garantias 6 Não confundir instrução preliminar fase préprocessual com instrução definitiva ou processual 7 Não há que se confundir objeto da investigação preliminar com objeto do processo que como vimos é a pretensão acusatória Na investigação não existe pretensão e tampouco processo É um procedimento administrativo préprocessual 8 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v I p 297 9 Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 230 10 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 133 11 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 277 12 Em caso de indeferimento poderá o ofendido reiterar o pedido junto ao MP Se o promotor concordar com os motivos alegados irá requisitar à autoridade policial que necessariamente deverá cumprir com o requerido pois não existe poder discricional do delegado ante um requerimento do MP 13 Eis mais um dos muitos problemas das reformas pontuais altera um artigo e mantém outro que a ele faz referência sem a devida reformulação A Lei n 11689 que alterou completamente o procedimento do tribunal do júri extinguiu a figura do libelo e contralibelo de modo que o art 268 faz menção a um ato procedimental que não mais existe 14 Em alguns países a regra geral é a notíciacrime obrigatória numa tentativa de alcançar o total enforcement através da obrigação legal de todos os indivíduos noticiarem os fatos delituosos que tenham presenciado ou que tenham conhecimento por outras fontes de cognição Na Espanha onde vigora o sistema de notíciacrime obrigatória prevê o art 259 da LECrim que a pessoa que presenciar a prática de qualquer delito público está obrigada a leválo imediatamente ao conhecimento do juiz de instrução do MP ou da polícia no lugar mais próximo ao que se encontre sob pena de incidir no delito previsto no art 450 do CP Estão excluídos dessa obrigação os incapazes cônjuge do delinquente ascendentes descendentes etc previstos nos arts 260 e 261 da LECrim 15 A representação é um ato jurídico regido por critérios de oportunidade e conveniência de quem tem legitimidade e capacidade para realizá lo O MP poderá sem qualquer tipo de pressão dar oportunidade para que o ofendido querendo represente Jamais poderá exigir É prudente que comunique a situação de pendência em que se encontra o processo e o prazo legal disponível para querendo representar 16 O mesmo raciocínio aplicase a todos os casos em que o CPP prevê uma legitimidade concorrente entre o menor com mais de 18 e menos de 21 anos e o representante legal para a prática de algum ato processual como por exemplo na renúncia ou no perdão 17 Contudo merece especial atenção o disposto no art 569 do CPP pois a possibilidade de suprimento das omissões da denúncia queixa ou representação deve ser interpretada de forma restritiva Nesse sentido explica TOURINHO FILHO Comentários v II p 253 que As omissões a que se refere o texto são apenas pequenos erros materiais como dia local e hora do fato correção do nome ou qualificação do réu da vítima valor da res nos crimes contra o patrimônio Quando a omissão se referir a outras condutas delituosas o instrumento legal para emendar a inicial é o aditamento Tratandose de ação penal privada o suprimento da omissão da queixa poderá ser feito a todo tempo Quando a omissão referirse à descrição do fato delitivo ou irregularidades no instrumento procuratório deverá ser sanada antes de esgotado o prazo decadencial 18 RSE 11109579 Santos 15ª Câmara Rel Juiz Fernando Matallo julgado no dia 25021999 19 Noticiado no Informativo do STJ n 2 dezembro1998 20 HC 77356RJ Rel Min Marco Aurélio Noticiado no Informativo 120 e 125 21 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 280 22 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 281 23 CIRILO DE VARGAS Juarez CIRILLO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 1992 p 115 24 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É uma patente violação do contraditório direito a ser informado e do direito de defesa Ambos estão previstos no art 5º LV e se aplicam ao inquérito policial 25 Com muita razão CIRILLO DE VARGAS op cit p 267 critica a prisão temporária e afirma Na prática durante dez dias o juiz está permitindo que um suspeito fique sujeito a toda sorte de maustratos Maustratos sim porque se não houvesse para a Polícia a necessidade deles por que requerer a prisão Preso por ordem judicial o cidadão está sujeito a suplícios que não deixam vestígios sendo de valia nenhuma o exame médico para constatar violências Na realidade a prisão temporária serve exclusivamente à busca da confissão ou delação premiada sendo esses os objetivos reais ainda que não assumidos que a motivam 26 Lecciones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Bosch 1950 v IV p 35 27 Na obra coletiva Derecho Procesal Penal p 419 28 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v III p 143 29 Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1963 v II p 248249 30 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v III p 147 31 Como instrumentos de impugnação consideramos tanto a possibilidade de utilizar o habeas corpus pela coação em sua liberdade de locomoção eou ilegalidade se a medida atentar contra a inviolabilidade da honra e imagem do sujeito passivo como também do Mandado de Segurança tendo em vista que se dirige contra ato da autoridade policial que viola a honra e imagem ou mesmo o direito de defesa autodefesa negativa O primeiro está muito difundido mas no curso do IP somos favorá veis a uma atuação processual com maior critério pois em muitos dos casos em que se utiliza o habeas corpus na verdade o instrumento adequado é o Mandado de Segurança De qualquer forma remetemos o leitor para o capítulo em que tratamos dessas ações de impugnação 32 A teor do que dissemos anteriormente sobre os poderes do MP na fase préprocessual o modelo acusatório e o papel constitucional do juiz no processo penal seria aconselhável um câmbio legislativo pois a sistemática do art 28 está ultrapassada Não cabe ao juiz esse tipo de atividade quase recursal como a prevista pelo art 28 O ideal seria instituir uma fase intermediária com uma estrutura dialética onde os possíveis interessados sujeito passivo do IP e vítima se manifestassem sobre o pedido de arquivamento e dispusessem de uma via recursal adequada para impugnar a decisão oriunda desse pedido 33 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal Rio de Janeiro Forense 1999 p 176 e ss 34 EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL COMETIMENTO DE DOIS CRIMES DE ROUBO SEQUENCIAIS CONEXÃO RECONHECIDA RELATIVAMENTE AOS RESPECTIVOS INQUÉRITOS POLICIAIS PELO MP DENÚNCIA OFERECIDA APENAS QUANTO A UM DELES ALEGAÇÃO DE ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO QUANTO AO OUTRO INOCORRÊNCIA PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE INEXISTÊNCIA AÇÃO PENAL PÚBLICA PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE RECURSO DESPROVIDO I Praticados dois roubos em sequência e oferecida a denúncia apenas quanto a um deles nada impede que o MP ajuíze nova ação penal quanto delito remanescente II Incidência do postulado da indisponibilidade da ação penal pública que decorre do elevado valor dos bens jurídicos que ela tutela III Inexiste dispositivo legal que preveja o arquivamento implícito do inquérito policial devendo ser o pedido formulado expressamente a teor do disposto no art 28 do Código Processual Penal IV Inaplicabilidade do princípio da indivisibilidade à ação penal pública Precedentes V Recurso desprovido RHC 951410 Rel Min Ricardo Lewandowski j 06102009 35 ORTELLS RAMOS Manuel MONTERO AROCA Juan GÓMEZ COLOMER JuanLuiz MONTON REDONDO Alberto Derecho Jurisdiccional proceso penal Barcelona Bosch 1996 v III p 122 36 Nesse sentido entre outras citamos a seguinte decisão do STF noticiada no Informativo n 111 EMENTA Habeas corpus A inexistência de inquérito policial não impede a denúncia se a Promotoria dispõe de elementos suficientes para a formalização da demanda penal Existência no caso de indícios suficientes para afastar a alegação de falta de justa causa para a denúncia Habeas corpus indeferido HC 709915 Rel Min Moreira Alves 37 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 256 38 Na obra coletiva Derecho Jurisdiccional Proceso Penal cit v III p 151 e ss Também no artigo Eficacia Probatoria del Acto de Investigación Sumarial Estudio de los Artículos 730 y 714 de la LECrim Revista de Derecho Procesal Iberoamericana ano 1982 n 23 p 365427 39 Democratização do Inquérito Policial In Estudos de Direito Processual Penal Porto Alegre Livraria do Advogado 1999 v II p 201 e ss 40 LADRÓN DE GUEVARA Juan Burgos El Valor Probatorio de las Diligencias Sumariales en el Proceso Penal Español Madrid Civitas 1992 p 196 41 Derecho y Razón teoría del garantismo penal 2 ed Madrid Trotta 1997 p 830 42 TOVO Paulo Cláudio Democratização do Inquérito Policial In Estudos de Direito Processual Penal cit v II p 201 e ss O autor também aponta para as provas prontas como aquelas que estão acabadas mesmo antes da instauração de qualquer persecução penal de modo que não há como exigir quanto à sua formação a observância do contraditório e da defesa técnica 43 Em alguns pontos nos baseamos em VEGAS TORRES Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal Madrid La Ley 1993 p 96 e ss 44 Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1997 p 115 e ss 45 Cita o autor uma expressiva ementa de acórdão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo na Ap 35377 Rel Carlos Ortiz Não se discute que a confissão extrajudicial possa alicerçar a condenação do confitente desde que harmônica com os demais elementos de convicção carreados para os autos Mas se essa confissão permanecer isolada sem razoável subsídio probatório temerário seria nela assentar decreto condenatório uma vez que não se desconhece a sistemática coativa dos inquisidores policiais com algumas exceções altamente honrosas v RT 4363823 1972 46 O destaque é nosso O trecho em vermelho citado por Magalhães Gomes Filho foi extraído de um acórdão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo Ap Crim 44124 j 18031965 Rel Azevedo Franceschini Julgados do Tribunal de Alçada de São Paulo 13 1967 47 Exceção feita ao interrogatório do acusado que decorre de uma imposição legal Mas tampouco o interrogatório deve ser considerado um puro ato de prova senão mais bem de defesa e de prova com claro predomínio do primeiro caráter 48 Influência do CódigoModelo de Processo Penal para IberoAmérica na Legislação LatinoAmericana Convergências e Dissonâncias com os Sistemas Italiano e Brasileiro In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 239 49 Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 568 e ss Também sobre a eliminação de peças vide PELLEGRINI GRINOVER Influência do CódigoModelo op cit p 227 50 Derecho y Razón cit p 103 104 e 106 51 O Indiciamento como Ato de Polícia Judiciária Revista dos Tribunais n 577 p 313316 52 Princípios Fundamentais do Processo Penal São Paulo 1973 n 37 p 41 apud ROGÉRIO LAURIA TUCCI Indiciamento e Qualificação Indireta Revista dos Tribunais n 571 p 292 53 Vejase o que dissemos anteriormente sobre Terminologia utilizada para designar o sujeito passivo 54 MORAES PITOMBO Sérgio Marcos O Indiciamento como Ato de Polícia Judiciária cit p 315 55 Indiciamento e Qualificação Indireta cit p 291294 56 O que segue não é uma tradução literal até porque seria inviável ante a existência de alguns instrumentos não contemplados no nosso sistema ou com sentido completamente diverso como o auto de procesamiento a querella denuncia procurador y letrado etc 57 O termo imputar deve ser interpretado de forma ampla e por isso mesmo abrange toda e qualquer forma de notíciacrime ou acusação formal 58 O original fala em processual porque assim são considerados por parte da doutrina os atos levados a cabo pelo juiz de instrução Adaptandose à nossa realidade o melhor é utilizar o termo policial 59 O direito de silêncio está assegurado no art 242 da Constituição da Espanha 60 A afirmação é de FAUZI HASSAN CHOUKR na sua excelente obra Garantias Constitucionais na Investigação Criminal 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 165 Apesar de divergirmos passamos a compreender melhor a posição do autor quando participamos do painel Investigação Criminal no Seminário A Reforma do Processo Penal Brasileiro realizado no dia 25 de março de 2002 na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro Naquela oportunidade FAUZI HASSAN explicou que negava consequências jurídicas ao indiciamento para não potencializar a magnitude social e a estigmatização causada pelo ato Assim considerando a rotulação gerada prefere negar efeitos para evitar um prejuízo ainda maior para a imagem do sujeito passivo Nesse ponto temos que concordar com o autor pois efetivamente o indiciamento tem sido usado como instrumento de estigmatização social Sem embargo entendemos que a leitura pode ser outra o indiciamento como garantia Em que pese a rotulação ônus entendemos que a garantia de ter uma posição definida no procedimento justifica bônus a carga assumida O problema da estigmatização social é uma preocupação fundada da qual partilhamos mas entendemos que deve ser resolvida de outra forma limitando a publicidade abusiva 61 Alheios à complexidade que iremos enfrentar na continuação negam a existência de defesa e contraditório sequer como direito de informação no inquérito policial entre outros FERNANDO CAPEZ Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 p 79 e MIRABETE Processo Penal São Paulo Atlas 2004 p 82 para quem o réu sic imputado é simples objeto de um procedimento administrativo grifo nosso 62 LAURIA TUCCI Rogério CRUZ E TUCCI José Rogério Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional São Paulo RT 1993 p 25 e ss 63 PELLEGRINI GRINOVER et al As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 64 Las Partes en el Proceso Penal México Jose M Cajica 1952 p 361 65 Antes mesmo da edição da Súmula n 14 já estava pacificada essa posição Comissão Parlamentar de Inquérito Advogado Direito de ver respeitadas as prerrogativas de ordem profissional instituídas pela Lei n 890694 Medida liminar concedida A Comissão Parlamentar de Inquérito como qualquer outro órgão do Estado não pode sob pena de grave transgressão à Constituição e às leis da República impedir dificultar ou frustrar o exercício pelo Advogado das prerrogativas de ordem profissional que lhe foram outorgadas pela Lei n 890694 O desrespeito às prerrogativas que asseguram ao Advogado o exercício livre e independente de sua atividade profissional constitui inaceitável ofensa ao estatuto jurídico da Advocacia pois representa na perspectiva de nosso sistema normativo um ato de inadmissível afronta ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado Medida liminar deferida MS 23576DF Rel Min Celso de Mello publicada no DJU 07121999 e no Informativo do STF n 174 66 GUARNIERI José Las Partes en el Proceso Penal cit p 285 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO O modelo brasileiro de investigação preliminar é policial a autoridade encarregada é a polícia judiciária e destinase à apuração das infrações penais e da sua autoria art 4º do CPP Quanto à natureza jurídica é um procedimento administrativo préprocessual 1 ÓRGÃO ENCARREGADO o inquérito policial é um típico modelo de investigação preliminar policial de modo que a polícia judiciária realiza a investigação com autonomia e controle dependendo de intervenção judicial apenas para adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais vg interceptações telefônicas busca e apreensão prisão cautelar etc O Ministério Público pode requerer a abertura do inquérito acompanhar sua realização e fazer ainda o controle externo da atividade policial É bastante discutida a chamada investigação direta pelo Ministério Público ou seja se o modelo brasileiro admite a figura do promotorinvestigador Existem algumas manifestações favoráveis por parte do STF mas a questão não é pacífica ainda Quanto à posição do juiz no inquérito é a de garantidor e não de instrutor inquisidor O juiz no modelo brasileiro não é encarregado da investigação e somente atua quando invocado para autorizar ou não as medidas restritivas de direitos fundamentais É uma intervenção excepcional contingencial Sublinhese contudo que a redação do art 156 I do CPP permite que o juiz de ofício determine a realização de provas urgentes e relevantes ainda na fase préprocessual Tal dispositivo é objeto de severas críticas pois viola a garantia do sistema acusatório e quebra a imparcialidade do julgador 2 OBJETO E SUA LIMITAÇÃO o inquérito busca investigar o fato aparentemente criminoso constante na notíciacrime ou descoberto de ofício pela autoridade policial O inquérito nasce no campo da possibilidade de que exista um fato punível e pretende atingir o grau de probabilidade fumus commissi delicti para que acusação seja exercida É normativamente sumário ainda que às vezes degenere para um modelo plenário prolongandose excessivamente Ainda que exista limitação temporal art 10 do CPP tratase de prazo sem sanção o que significa ineficácia 3 FORMA DOS ATOS o início do inquérito se dará nos termos do art 5º do CPP podendo ser de ofício mediante requisição do MP a requerimento do ofendido por comunicação oral ou por escrito notíciacrime por representação nos crimes de ação penal pública condicionada ou a requerimento da vítima nos crimes de ação penal de iniciativa privada Quanto ao desenvolvimento no curso do inquérito são praticados diversos atos previstos nos arts 6º e 7º do CPP inclusive a problemática coleta de DNA Lei n 12654 A conclusão do inquérito será através de relatório da autoridade policial não podendo esta arquivar os autos do inquérito policial art 17 do CPP Concluído será enviado para o Ministério Público que poderá oferecer denúncia requisitar diligências complementares art 16 do CPP ou requerer ao juiz o arquivamento Se o juiz concordar o inquérito será arquivado não podendo ser reaberto sem novas provas Súmula n 524 do STF Discordando do pedido de arquivamento o juiz remeterá os autos para o órgão superior do Ministério Público nos termos do art 28 do CPP A figura do arquivamento tácito ou implícito não é pacífica ocorrendo quando o Ministério Público deixa de oferecer denúncia mas também não pede expressamente o arquivamento em relação a algum dos imputados do inquérito Ainda em relação à forma dos atos o inquérito é facultativo escrito secreto no plano externo ver Súmula Vinculante n 14 e também o art 20 do CPP tendo seus atos limitado valor probatório 4 VALOR PROBATÓRIO os atos do inquérito policial têm limitado valor probatório não servindo por si só para justificar uma condenação art 155 do CPP Para tanto devese compreender a distinção entre atos de investigação feitos no inquérito e atos de prova realizados no processo Atos de investigação a não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese b estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos c servem para formar um juízo de probabilidade e não de certeza d não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidos e servem para a formação da opinio delicti do acusador f não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento g têm função endoprocedimental isto é interna ao procedimento para legitimar os atos da própria investigação indiciamento eou adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional h podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Atos de prova a estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação b estão a serviço do processo e integram o processo penal c dirigemse a formar um juízo de certeza tutela de segurança d exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação e servem à sentença logo são destinados ao julgador f destinados a formar o convencimento do juiz para condenar ou absolver o réu g a produção da prova é essencial para o processo destinandose à recognição do juiz acerca do crime fato passado para formar sua convicção função persuasiva h são praticados pelas partes em contraditório perante o juiz que julgará o processo É fundamental compreender que a garantia da jurisdicionalidade assegura o direito de ser julgado com base na prova produzida no processo à luz do contraditório e perante o juiz competente Excepcionalmente as provas técnicas irrepetíveis produzidas no inquérito exame de corpo de delito necropsia etc serão submetidas a contraditório posterior não sendo repetidas por absoluta impossibilidade Todas as demais provas repetíveis testemunhal acareações etc devem ser jurisdicionalizadas Havendo risco de perecimento de uma prova testemunhal poderá ser feito o incidente de produção antecipada de provas art 255 do CPP cc os arts 846 a 851 do CPC 5 CONTAMINAÇÃO DO JULGADOR E EXCLUSÃO FÍSICA DOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO considerando que o inquérito policial ingressa inteiramente no processo é inegável a contaminação consciente ou inconsciente do julgador O art 155 do CPP estabelece que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente com base no inquérito O ideal seria a exclusão física dos autos do inquérito mas isso não está previsto no sistema brasileiro para assegurar a máxima originalidade do julgamento isto é convicção formada a partir da prova produzida originariamente no processo mantendose apenas as provas técnicas irrepetíveis e as produzidas no incidente de produção antecipada O problema está na falta de previsão da exclusão física e na possibilidade de o juiz condenar utilizando também os elementos do inquérito sem contraditório efetivo 6 INDICIADO o indiciamento é um ato formal e fundamentado através do qual a autoridade policial afirma a existência de um feixe de indícios convergentes que apontam para certa pessoa como autora de um fato aparentemente criminoso Erroneamente não há previsão no CPP do momento no qual deve ocorrer o indiciamento se no final do inquérito no relatório ou no curso da investigação tão logo surjam elementos que apontem concretamente para alguém O indiciamento é situacional provisório pois o indiciado de hoje pode não ser acusado depois no processo e tampouco vincula o Ministério Público 7 DIREITO DE DEFESA E CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO é um reducionismo afirmar que no inquérito não existem defesa e contraditório Não há plenitude mas é possível o direito de defesa pessoal positiva ou negativa bem como a presença de advogado Quanto ao contraditório é restrito ao primeiro momento qual seja o da informação art 5º LV da CB 82 da CADH e Súmula Vinculante n 14 do STF Denegado o pedido de vista do inquérito poderá a defesa utilizar a reclamação art 102 I l da CB ou ainda Mandado de Segurança a ser interposto em primeiro grau quando a recusa for da autoridade policial 8 CONCLUSÕES SOBRE O INQUÉRITO é um modelo em crise e ultrapassado Tampouco resolverá o problema a simples mudança no órgão encarregado admitindose o promotor investigador Isso porque muito mais importante do que definir quem será o inquisidor é definir como será a investigação É reducionista a discussão que se limite a problematizar em torno do sujeito ativo pois o problema está na forma dos atos Capítulo IX AÇÃO PROCESSUAL PENAL REPENSANDO CONCEITOS E CONDIÇÕES DA AÇÃO 1 Esclarecimentos Iniciais Inicialmente como advertem GÓMEZ ORBANEJA e HERCE QUEMADA1 é importante destacar que o conceito de ação penal é privativo do processo penal acusatório Isso significa no sólo que la acción es una cosa y otra diferente el derecho de penar sino que la acción es un concepto puramente formal Mas também se deve sublinhar que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual buscando explicar o fundamento do qual emana o poder afastandose do instrumento propriamente dito Assim hoje podemos claramente compreender que esse desvio conduziu a que fossem gastas milhares e milhares de folhas para discutir uma questão periférica principalmente para o processo penal regido pelo princípio da necessidade e com uma situação jurídica complexa completamente diversa daquela produzida no processo civil É sempre importante evitar longas citações literais para não cansar o leitor e truncar a exposição Mas a lição de ALCALÁZAMORA2 exige um tratamento diferenciado dada sua importância possivelmente a verdadeira índole da ação houvesse sido dilucidada já há bastantes anos se os processualistas tivessem se preocupado um pouco menos com o direito romano para ocuparse um pouco mais da realidade processual Por quê Simplesmente porque a ação não é mais uma figura pertencente a arqueologia jurídica para cujo conhecimento devase remontar a sistemas pretéritos nem tampouco uma instituição que atualmente surja em raríssimas ocasiões senão que é um fenômeno diário que se oferece em todos os países com um mínimo de organização de justiça não em milhares mas sim em milhões de processos dos mais variados gêneros e espécies Então ao não faltar material vivo por assim dizer para a observação direta deveriam os processualistas prestar uma atenção muito maior do que aquela dedicada Isto é se não houvessem se involucrado no estudo histórico do que a ação foi mas sim com o estudo do que a ação é ou em outros termos se a primeira indagação houvesse sido reservada a romanistas e historiadores do direito e sobre a segunda tivessem consagrado suas energias os processualistas provavelmente o avanço teria sido mais profundo e mais firme em ambas as direções não só por razões de especialização ainda que sendo excelentes romanistas muitos dos processualistas que sobre a ação trabalharam senão pelas incertezas que em torno de certos textos do direito romano suscitam suas lacunas ou a crítica interpolacionista e sobretudo porque como antes dissemos a propósito das interpretações privatistas acerca da natureza do processo a marcha do processo romano clássico era distinta do tipo normal de processo de nossos dias A gravitação romanistas em relação à ação deve ser advertida ademais em outros sentidos por exemplo na persistência com que se segue falando de ação em hipóteses onde o termo correto a empregar seria o de pretensão ou ainda na quase incomovível fidelidade com que legisladores e práticos e até alguns docentes seguem estimando como classificação processual das ações aquela que as divide em pessoais reais e mistas ou em mobiliárias e imobiliárias tradução nossa Com acerto JARDIM3 afirma que modernamente a teoria da ação deixou de ser o polo metodológico da ciência do processo estando os estudiosos mais preocupados com o objeto do processo e a demanda como categorias centrais de todo o sistema processual Destaca ainda na esteira de Tornaghi que tal perspectiva já vinha de há muito sendo utilizada pelos processualistas alemães Para GUASP tais teorias buscam explicar a essência jurídica do poder em virtude do qual as partes engendram objetivamente um processo o direito que justifica a atuação destas partes e o porquê jurídico que leva um particular a colocar em marcha validamente o órgão jurisdicional A multiplicidade de acepções do vocábulo ação também foi um fator relevante na infindável discussão existente em torno do seu conceito Chamando a atenção para tal fenômeno ALCALÁ ZAMORA4 aponta que a rigor no processo penal devemos falar em ação processual penal para não confundir com a ação punível ou delitiva objeto do Direito Penal e não do processo penal Grave problema é o fato de que pouco se escreveu ou pensou sobre ação processual penal ou seja muitos autores preferem passar à margem da temática limitandose a explicar a ação penal pública condicionada e incondicionada e a ação penal privada na sistemática do CPP Outros até enfrentam o problema mas incidindo no erro da teoria geral do processo explicam toda a evolução da discussão em torno da ação pública abstrata concreta etc utilizando todos os conceitos e construções do processo civil ou seja a velha historinha da Cinderela La Cenerentola de Carnelutti e as roupas velhas da irmã Não se nega a importância das longas polêmicas travadas pelos processualistas civis mas falta uma estruturação de conceitos desde as categorias jurídicas próprias do processo penal Daí por que nossa tarefa além de complexa é extremamente perigosa na medida em que saindo da tranquilidade do lugar comum já desenhado pelo processo civil nos dispomos a pensar a ação processual penal a partir das concepções de pretensão acusatória e processo como situação jurídica Elementar que a compreensão dessa matéria pressupõe a précompreensão do conceito de pretensão acusatória desenvolvido em capítulo anterior Isso explica porque não faremos a tradicional evolução a partir da ação no processo civil O ponto nuclear e determinante da diversidade de concepção já foi exposto e definido quando abordamos o conceito de pretensão acusatória ao qual remetemos o leitor 2 Ação Processual Penal Ius ut Procedatur Desde a Concepção de Pretensão Acusatória Por que não existe trancamento da ação penal Estamos de acordo com GUASP5 quando afirma que a declaração petitória contida no conceito de pretensão acusatória poderia receber o nome técnico de ação terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe corresponde Exigese contudo cuidado para ter presente que essa concepção representa uma recusa à tradição secular que se esforçou em averiguar a essência do poder jurídico a que dita ação está vinculada e não à sua verdadeira função A pretensão acusatória é uma declaração petitória6 ou afirmação7 de que o autor tem direito a que se atue a prestação pedida É no processo penal uma declaração petitória Não é um direito subjetivo mas um direito potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus commissi delicti A isso corresponde o conceito de ação que não pode ser confundido com o de acusação instrumento formal Recordemos que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva e sua função é a satisfação jurídica das pretensões ou resistências conforme foi explicado anteriormente Na estrutura da pretensão encontramos elementos subjetivos objetivos e de atividade declaração petitória Como explicamos ao tratar do objeto no processo penal o fenômeno é diverso do processo civil e não há que se falar em pretensão punitiva O acusador detém um direito potestativo de acusar que nasce com o delito e é dirigido ao tribunal De outro lado existe o poder de punir do tribunal corresponde ao juiz e não ao acusador que é condicionado ao exercício e admissão da pretensão acusatória Nessa linha a declaração petitória corresponde ao que entendemos por acusação É importante destacar que tal conceito vai ser empregado no sentido literal de instrumento portador de uma manifestação de vontade por meio do qual se narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada No sistema brasileiro corresponderá à denúncia ou queixa Mediante a acusação se cumpre a jurisdição se realiza efetivamente o direito Ademais principalmente no processo penal a ação como invocação corporificada na acusação leva à estrita observância do princípio nemo iudex sine actore corolário do sistema acusatório Sobre o confusionismo que impera em torno do tema COUTURE esclarece que a ambiguidade do vocábulo foi fator definitivo Especificamente em sentido processual o que já exclui uma diversidade de outras COUTURE8 aponta para três acepções a Como sinônimo de direito é o sentido que tem o vocábulo quando se diz que o autor é carecedor de ação ou prospera a exceptio sine actione agit b Como sinônimo de pretensão este é o sentido mais usual do vocábulo principalmente na doutrina e na legislação que utilizam ainda expressões como ação pessoal e real ação civil e ação penal etc Nesses casos a ação é a pretensão de que se tem um direito válido e em nome do qual se promove a demanda respectiva A excessiva valoração da ação também levou a que alguma doutrina a apontasse como o objeto do processo c Como sinônimo de faculdade de provocar a tutela jurisdicional Falase no poder jurídico que tem o indivíduo como tal e em nome do qual lhe é possibilitado acudir aos tribunais É o poder jurídico de invocação da tutela jurisdicional Nessa concepção por nós utilizada o fato de ser essa pretensão fundada ou infundada não afeta a natureza do poder jurídico de acionar É a mera faculdade de invocar a tutela jurisdicional por meio da acusação formalizada na denúncia ou queixa ius ut procedatur Assim retomando o desvio histórico pensamos que o conceito de ação processual penal na estrutura da pretensão acusatória circunscrevese a um poder jurídico constitucional de invocação da tutela jurisdicional e que se exterioriza por meio de uma declaração petitória acusação formalizada de que existe o direito potestativo9 de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Por fim recordemos a pergunta feita no título desse tópico por que não existe trancamento da ação penal Porque sendo a ação um poder político constitucional de invocação não há que se falar em trancamento da ação um erro que decorre da constante confusão entre ação e pretensão Inclusive há quem empregue o vocábulo ação como sinônimo de pretensão Contudo a rigor ação é o poder jurídico de acudir aos tribunais para ver satisfeita uma pretensão Logo não há que se falar de trancamento do poder que já foi exercido Daí por que a boa técnica aconselha a que se fale em trancamento do processo penal pois é o curso dele processo que se quer fazer parar Ou seja o trancamento do processo não da ação corresponde a uma forma de extinção anormal prematura do processo Ninguém jamais falou em extinção prematura da ação pois o que impede o prosseguimento é o processo penal Em suma podemos resumir da seguinte forma a íntima relação dos conceitos de ação pretensão e acusação demanda para facilitar a compreensão 1 Ação direito potestativo ou poder se preferirem concedido pelo Estado ao particular ou a um determinado órgão do Estado Ministério Público de acudir aos tribunais para formular a pretensão acusatória É um direito potestativo constitucionalmente assegurado de invocar e postular a satisfação de pretensões Vedada a autodefesa estatal ou privada o direito de ação encontra abrigo na nossa atual Constituição onde o art 5º XXXV assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito Mais específico o art 129 I da Constituição assegura a poder exclusivo do Ministério Público de exercer a ação penal melhor a acusação pública É uma garantia constitucional que assegura o acesso ao Poder Judiciário ALCALÁZAMORA10 define como el poder jurídico de promover la actuación jurisdiccional a fin de que el juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular de aquélla reputa constitutivos de delito medio de provocar el ejercicio del derecho de penar 2 Pretensão Acusatória é uma declaração petitória de que existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Tratase de um direito potestativo por meio do qual se narra um fato com aparência de delito fumus commissi delicti e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determina É composta por elementos subjetivo objetivo fato e de atividade declaração petitória como explicamos em capítulos anteriores 3 Acusação declaração petitória é o ato típico e ordinário de iniciação processual que assume a forma de uma petição através da qual a parte faz uma declaração petitória solicitando que se dê vida a um processo e que comece sua tramitação11 No processo penal brasileiro corresponde aos instrumentos denúncia nos crimes de ação penal de iniciativa pública e queixa delitos de iniciativa privada É na verdade o veículo que transportará a pretensão sem deixar de ser um dos seus elementos 3 Natureza Jurídica da Ação Processual Penal 31 Caráter Público Sem esquecer das ressalvas anteriormente feitas após seculares discussões pensamos que foi fundamental para o desenvolvimento científico do processo o reconhecimento da ação e das relações de direito material e processual Discussão hoje superada é o caráter público ou privado da ação processual penal Se no processo civil alguma razão existia no processo penal o caráter público é evidente COUTURE12 conceitua ação como o poder jurídico que tem todo sujeito de direito de acudir aos órgãos jurisdicionais para reclamarlhes a satisfação de uma pretensão É um poder jurídico que compete ao indivíduo É um atributo de sua personalidade Esse é um conceito rigorosamente privado que não pode ser aplicado ao processo penal de forma automática mas que coloca em relevo a ação como poder jurídico e como tal perfeitamente compatível com o conceito de GOLDSCHMIDT de pretensão acusatória ius ut procedatur anteriormente explicado Explica ainda COUTURE que a ação tem ao mesmo tempo na efetividade desse exercício um interesse da comunidade que lhe confere o caráter público Através da pretensão acusatória o Estado poderá atuar o poder de penar em relação ao que cometeu um injusto típico instrumentalizando o próprio Direito Penal direito público ALCALÁZAMORA e LEVENE13 explicam que quando se aponta o caráter público da ação penal se quer dizer que ela serve para a realização de um direito público qual seja o de provocar a atuação do poder punitivo do Estado Os autores advirtase perfilamse entre aqueles que como GOLDSCHMIDT negam a pretensão punitiva e atribuem ao acusador o poder de proceder contra alguém poder diverso daquele de punir que corresponde ao Estadojuiz A acusação vista como instrumento portador do direito potestativo de proceder contra alguém gera uma obrigação do órgão jurisdicional de manifestarse até por consequência do princípio da necessidade Para LEONE14 a ação penal investe o órgão da jurisdição o qual por efeito dessa investidura está obrigado a emitir uma decisão Ao direito de ação corresponde a obrigação da prestação da tutela jurisdicional Tratase de um evidente caráter público da ação Por tudo isso a rigor constitui uma impropriedade falar em ação penal pública e privada eis que toda ação penal é pública posto que é uma declaração petitória que provoca a atuação jurisdicional para instrumentalizar o Direito Penal e permitir a atuação da função punitiva estatal Seu conteúdo é sempre de interesse geral O correto é classificar em acusação pública e acusação privada ou se preferirem seguir classificando a partir do crime teremos ação penal de iniciativa pública e ação penal de iniciativa privada Contudo no Brasil o rigor técnico foi deixado de lado e já está consagrada a terminologia delitos de ação penal pública e delitos de ação penal privada A justificativa está na adoção do critério de legitimidade de agir será pública quando promovida pelo Ministério Público através da denúncia e privada quando couber à vítima exercêla através de queixa 32 Direito Potestativo em Relação ao Imputado e Subjetivo Frente ao EstadoJuiz A lição de CHIOVENDA ação como direito potestativo15 deve ser adequada à realidade do processo penal e ao princípio da necessidade veja o que explicamos anteriormente sobre o fundamento da existência do Processo Penal de modo que a ação penal em relação ao imputado gera uma situação de sujeição O simples exercício da ação processual penal ius ut procedatur coloca o sujeito passivo numa nova posição jurídica a de submetido a um processo penal Com isso estará sujeito à incidência das normas e institutos processuais penais como prisão preventiva liberdade provisória com fiança dever de comparecimento aos atos do processo etc Adotamos assim a posição de LEONE16 em relação ao binômio direito subjetivopotestativo Para o autor a posição mista decorre da necessidade de adotar um novo caminho que represente a confluência das concepções distintas mas não opostas de ação como direito subjetivo e ação como direito potestativo Em definitivo o nascimento do processo penal estabelece uma nova situazione giuridica subjettiva que acarreta e reflete um maior grau de diminuição do status libertatis do sujeito passivo A ação é ao mesmo tempo um direito subjetivo em relação ao EstadoJurisdição e direito potestativo em relação ao imputado17 No primeiro caso corresponde à obrigação da prestação da tutela jurisdicional e de emitir uma decisão no segundo há uma sujeição do imputado às consequências processuais produzidas pela ação Aqui destaquese para evitar críticas fundadas na incompreensão dessa construção que não existe sujeição do imputado em relação ao acusador sob pena de voltarmos à equivocada concepção de exigência punitiva mas sim em relação à situação jurídica processual nascida do exercício da ação processual penal Não se sujeita o réu ao acusador mas ao processo e ao conjunto de atos nele desenvolvido 33 Ação como Direito Autônomo e Abstrato eou como Direito Concreto A Necessidade do Entreconceito Conexo Instrumentalmente ao Caso Penal Infelizmente no processo penal especialmente entre os adeptos da teoria geral do processo é recorrente a transmissão mecânica de categorias do processo civil sem maior reflexão Assim entre outros CAPEZ18 aponta como características da ação penal ser um direito autônomo abstrato subjetivo e público Mas a problemática é bem mais complexa Quanto ao direito subjetivo a que alude o autor o erro está no fato de ele defender a existência de lide penal e de pretensão punitiva Um duplo e grave equívoco conceitual que já foi desvelado quando abordamos o objeto do processo penal Quanto ao caráter público é inegável senão elementar O problema é a autonomia e a abstração Aqui há muito que refletir e o autor citado passa completamente à margem dessa complexidade A polêmica discussão entre as concepções de WINDSCHEID e de MUTHER19 estabelecida nos anos de 1856 e 1857 sobre a actio romana contribuiu definitivamente para a separação do direito processual do direito material e por consequência conferiu à ação um caráter autônomo em relação ao direito material e a pretensão de direito material que não se confunde com o conceito de pretensão processual acusatória desenvolvido anteriormente Assim em relação à autonomia da ação processual penal atualmente nenhuma dúvida paira O problema acaba se centrando no caráter abstrato ou concreto do direito de ação Defendendo o caráter autônomo e abstrato da ação DEGENKOLB e depois PLÓSZ foram os marcos teóricos dos quais se estruturaram outros estudos Para os defensores dessa posição a ação é autônoma e abstrata no sentido de que é independente do direito material em discussão de modo que a ação poderá ser exercida e o processo nascer e se desenvolver ainda que o autor não tenha razão Ou seja mesmo que a sentença negue o postulado a ação terá sido exercida pois a existência dela não está vinculada a uma sentença favorável de mérito Para essa corrente a ação como direito abstrato tem sua existência prévia ao nascimento do processo É um direito que existe e pode ser exercido ainda que a ação seja julgada improcedente Têm ação aqueles que promovem a demanda ainda que sem direito válido a tutelar Explica COUTURE20 com deliberado exagero como ele mesmo esclarece que a ação é um direito dos que têm razão e ainda dos que não têm razão Tratase de um direito inerente à própria personalidade das pessoas Posteriormente WACH aperfeiçoando a concepção do processo como relação jurídica de BÜLOW defende a tese de que a ação é um direito autônomo até porque a relação jurídica de direito processual independe da relação jurídica de direito material mas concreto pois somente haverá ação quando o autor obtiver uma sentença favorável daí por que é o direito a uma sentença favorável na acepção do autor Em oposição à abstração a teoria do direito concreto sustenta em suma que a ação somente compete aos que têm razão Na síntese de COUTURE21 a ação não é o direito mas não há ação sem direito Mas a concepção de ação como direito concreto acabou não vingando especialmente porque era incapaz de justificar toda a situação criada e a jurisdição movimentada quando a sentença não fosse favorável Significaria dizer apontam os críticos que se a sentença fosse improcedente absolutória a ação não teria existido e o processo tampouco como poderia haver processo sem ação Então como explicar toda a atividade desenvolvida até então Inclusive com manifestação e exercício da jurisdição No processo penal igualmente afirmase a autonomia da ação processual penal até porque como explicamos ao abordar o objeto o direito potestativo de acusar não se confunde com o poder de punir direito material Ou seja o acusador não exerce nenhuma pretensão material punitiva senão uma pretensão processual acusatória Contudo como fica o caráter abstrato ou concreto Não há como aceitar integralmente a ação como direito concreto na medida em que o poder jurídico constitucional de proceder contra alguém ius ut procedatur existiu e foi realizado ainda que a sentença seja absolutória Isto é a pretensão acusatória pode ser exercida originar um processo penal que se desenvolva de forma válida e ao final o réu ser absolvido porque sua conduta é atípica ou lícita Com isso a pretensão acusatória foi realizada ainda que o Estadojuiz não tenha podido atuar o poder de penar Esse caráter fica ainda mais evidente quando se compreende o objeto do processo penal explicado anteriormente onde se vê que não tem o acusador uma pretensão punitiva pois não lhe compete o poder de punir mas sim uma pretensão acusatória que é diversa do poder punitivo que é do Estado que o exerce no processo como juiz Ainda tendo em vista que adotamos como função do processo a satisfação jurídica de pretensões eou resistências nenhuma dúvida existe de que o processo também terá cumprido sua função em caso de sentença absolutória Por outro lado não se pode olvidar o princípio da necessidade em que se a pretensão acusatória é autônoma não o é o poder de punir que só existe no processo e somente pode se efetivar quando a acusação for integralmente levada a cabo e acolhida Ou seja o poder do juiz de penar está condicionado ao exercício integral da pretensão acusatória Não é esse poder de punir autônomo mas totalmente condicionado Mas também não satisfaz no processo penal a plena abstração da ação penal acusatória em relação ao fato criminoso Isso porque como explica GÓMEZ ORBANEJA22 puede afirmarse que a diferencia del proceso civil que se constituye de una vez y definitivamente con unos límites objetivos y subjetivos inalterables mediante la presentación de la demanda el proceso penal se desenvuelve escalonadamente El fundamento de la prosecusión o inversamente de su exclusión puede depender tanto de razones substantivas como procesales Está correto No processo civil o início e desenvolvimento dependem exclusivamente de critérios formais de natureza processual O processo civil se desenvolve através de decisões interlocutórias de conteúdo puramente processual formal sem entrar na questão de fundo que deve ficar reservada para a sentença Por isso em geral até a sentença o juiz cível somente terá aplicado normas processuais23 Situação completamente diversa ocorre no processo penal em que as condições de punibilidade podem confundirse com os pressupostos processuais e principalmente para que o processo penal possa iniciar e desenvolverse é imprescindível que fique demonstrado o fumus commissi delicti Ou seja no processo penal desde o início é imprescindível que o acusador público ou privado demonstre a justa causa os elementos probatórios mínimos que demonstrem a fumaça da prática de um delito não bastando o cumprimento e critérios meramente formais Não há como no processo civil a possibilidade de deixar a análise da questão de fundo mérito para a sentença pois desde o início o juiz faz juízo provisório de verossimilhança sobre a existência do delito É importante destacar que o processo penal adota um sistema escalonado que vai refletir o grau de sujeição do imputado e de diminuição do seu status libertatis O processo penal é um sistema escalonado e como tal para cada degrau é necessário um juízo de valor Essa escada é triangular pois pode ser progressiva como também regressiva de culpabilidade no sentido de responsabilidade penal A situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva com a sentença condenatória ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvição Inclusive é possível chegar a um juízo definitivo de caráter negativo em que se reconhece como certa a não participação do agente no delito Por tudo isso define PASTOR LÓPEZ24 que a situação jurídica do sujeito passivo é contingente provisional e de progressiva ou regressiva determinação Com a sentença penal condenatória iniciase uma nova etapa a execução da pena A absolvição não cria uma situação nova senão que restabelece com plenitude o estado de inocente O sujeito passivo não perde o status de inocente no curso do processo mas sem dúvida que ele vai se debilitando Se com a condenação definitiva o estado de inocência acaba com a absolvição é restabelecido com sua máxima plenitude Concordamos com GÓMEZ ORBANEJA25 quando define a ação penal como o direito meramente formal de acusar na qual não se faz valer uma exigência punitiva senão que se criam os pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à averiguação do delito e de seu autor O acusador não exerce o poder de punir nisso reside a autonomia que também constitui um recorte de abstração senão que afirmando seu nascimento e postula a efetivação do poder de punir que é do Estadojuiz que exercerá pela primeira vez na sentença Mas pensamos que no processo penal o conceito adequado está no entrelugar ou melhor no entreconceito Os conceitos tradicionais de abstração de um lado e de direito concreto de outro não satisfazem a necessidade do processo penal Há que buscar o entreconceito entre o abstrato e o concreto É algo a ser construído à luz da especificidade do processo penal26 Nessa linha COUTINHO27 inspirado em Liebman desenvolve a concepção de direito conexo instrumentalmente ao caso penal Adverte que o fato de ser um direito abstrato não significa que seja ilimitado e incondicionado Deve ser dosado e condicionado somente podendo exercêlo aquele que preencher determinadas condições Está vinculado a um caso concreto determinado e exatamente individuado Assim a abstração é admitida pois não há como negar que a ação existe e foi devidamente exercida ainda que a sentença seja absolutória bem como a autonomia pois o direito potestativo28 de acusar não se confunde com poder material de punir mas ambas são atenuadas aproximandose do conceito de direito concreto na medida em que se exige que a ação processual penal demonstre uma conexão instrumental em relação ao caso penal visto aqui como elemento objetivo da pretensão acusatória conforme conceitos desenvolvidos anteriormente quando do estudo do objeto do processo Também dessa concepção se aproxima TUCCI29 ao definir a ação processual penal como um direito subjetivo de índole processual instrumentalmente conexo a uma situação concreta A conexão instrumental é uma exigência do princípio da necessidade em que o delito somente pode ser apurado no curso do processo pois o Direito Penal não tem realidade concreta nem poder coercitivo fora do instrumento processo Também se vincula à noção de instrumentalidade constitucional anteriormente desenvolvida pois o processo é um instrumento para apuração do fato mas estritamente condicionado pela observância do sistema de garantias constitucionais Na ação processual penal o caráter abstrato coexiste com a vinculação a uma causa que é o fato aparentemente delituoso Logo uma causa concreta Existe assim uma limitação e vinculação a uma causa concreta que deve ser demonstrada ainda que em grau de verossimilhança ou seja de fumus commissi delicti Assim entendemos que a ação processual penal é um direito potestativo de acusar público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal 4 Condições da Ação Penal 41 Quando se pode falar em condições da ação Segundo o pensamento majoritário as condições da ação não integram o mérito da causa mas são condições para que exista uma manifestação sobre ele Assim questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva negativa de autoria não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevemse às situações previstas no art 395 II do CPP impedindo a manifestação sobre o caso penal mérito 30 em julgamento Também encontramos a ausência de condições da ação nas causas de absolvição sumária no art 397 demonstrando o quão próximo estão do mérito ou seja do caso penal elemento objetivo da pretensão acusatória Antes de entrar nessas questões é importante fazer um questionamentoadvertência é correto falar em condições da ação processual penal Existem condições que efetivamente condicionem o exercício da ação processual Ora se como afirmado anteriormente a ação é um poder político constitucional de invocar a tutela jurisdicional e encontra sua base no art 5º XXXV da Constituição como se pode falar em condições onde a Constituição não condiciona Para chegarse à resposta é necessário compreender que o direito de ação é um direito de dois tempos31 No primeiro momento estamos na dimensão constitucional do poder de invocar a tutela estatal Esse poder ius ut procedatur é completamente incondicionado Ou seja não existem condições para que a parte o exerça e tampouco possibilidades de impedir seu exercício Não há como proibir ou impedir alguém de ajuizar uma queixacrime ou de o Ministério Público oferecer uma denúncia32 Essa é a dimensão constitucional abstrata e incondicionada desse direito O mestre complutense JAIME GUASP33 comentando o pensamento de CARNELUTTI na obra Lezioni sul processo penale afirma que ação é um direito público subjetivo que expulsa en realidad el concepto de acción del campo del derecho procesal para encajarlo en el campo del derecho público ou seja como poder políticoconstitucional de invocação Mas existe o segundo momento de natureza não mais constitucional mas sim processual penal É no plano processual que se pode efetivar ou não a tutela postulada obter ou não a resposta jurisdicional almejada movimentar ou não a máquina estatal Aqui sim podemos falar em condições da ação no sentido de que constituem condições que subordinam o nascimento do processo Na síntese de JARDIM34 as condições da ação não são condições para a existência do direito de agir mas sim para o seu regular exercício Mais regular nascimento do processo Considerando o custo que encerra o processo e o fato de não haver possibilidade de a qualquer momento ser extinto sem julgamento de mérito a análise das condições da ação como requisitos a serem preenchidos para o nascimento do processo e obtenção da tutela pedida é fundamental Feita essa advertência sublinhese ainda que não há dúvida de que o juiz fará uma sumária incursão pelo mérito da causa e ainda que teoricamente seja clara a separação entitativa entre a esfera regida pelo direito material e a situação processual é evidente que no plano ontológico do processo existe uma profunda interação entre elas Como aponta TOURINHO FILHO35 queiram ou não as condições da ação servem de cordão umbilical entre a causa petendi e o exercício do direito de ação Como poderá o juiz apreciar a legitimatio ad causam senão em face da causa petendi Vejamos agora as condições da ação no processo penal 42 Crítica à Importação de Conceitos do Processo Civil Quanto às condições da ação a doutrina costuma dividilas em legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido O problema está em que na tentativa de adequar ao processo penal é feita uma verdadeira ginástica de conceitos estendendoos para além de seus limites semânticos O resultado é uma desnaturação completa que violenta a matriz conceitual sem dar uma resposta adequada ao processo penal Vejamos por que a Legitimidade esse é um conceito que pode ser aproveitado pois se trata de exigir uma vinculação subjetiva pertinência subjetiva para o exercício da ação processual penal Apenas como explicaremos na continuação não há que se falar em substituição processual no caso de ação penal de iniciativa privada e tampouco é de boa técnica em que pese a consagração legislativa e dogmática a divisão em ação penal pública e privada Como visto toda ação é pública por essência Não existe ação processual penal ou processual civil privada Tratase de um direito público O problema costuma ser contornado através da inserção de iniciativa pública ou privada b Interesse para ser aplicado no processo penal o interesse precisa ser completamente desnaturado na sua matriz conceitual Lá no processo civil é visto como utilidade e necessidade do provimento Tratase de interesse processual de obtenção do que se pleiteia para satisfação do interesse material É a tradicional concepção de LIEBMAN do binômio utilidade e necessidade do provimento No processo penal alguns autores identificam o interesse de agir com a justa causa de modo que não havendo um mínimo de provas suficientes para lastrear a acusação deveria ela ser rejeitada art 395 III CRÍTICA Pensamos que se trata de categoria do processo civil que resulta inaplicável ao processo penal Isso porque o processo penal vem marcado pelo princípio da necessidade algo que o processo civil não exige e portanto desconhece Se o interesse civilisticamente pensado corresponde à tradicional noção de utilidade e necessidade do provimento não há nenhuma possibilidade de correspondência no processo penal O princípio da necessidade impõe para chegarse à pena o processo como caminho necessário e imprescindível até porque o Direito Penal somente se realiza no processo penal Está relacionado à impossibilidade de autocomposição isto é a partir do momento em que o Estado chamou para si o poderdever jurisdicional e a exclusividade da aplicação da lei penal o processo passou a ser o caminho necessário para imposição da pena É através do processo penal que a parte exerce uma pretensão acusatória que irá permitir ao Estado atuar seu poder de penar A pena não só é efeito jurídico do delito36 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo Por isso a pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito pena e processo de modo que são complementares Não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena É o que GÓMEZ ORBANEJA37 denomina principio de la necesidad del proceso penal amparado no art 1º da LECrim38 pois não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal Então ele é inerente à ação processual penal não cabendo a discussão em torno do interesse Tanto o Ministério Público nos crimes de ação penal de sua iniciativa pública como nos crimes de iniciativa privada o interesse é inerente a quem tiver legitimidade para propor a ação pois não há outra forma de obter e efetivar a punição Então o que faz a doutrina processual penal para aproveitar essa condição da ação processual civil Entulhamento conceitual A intenção é boa e isso não se coloca em dúvida mas o resultado final se afasta muito do conceito primevo Pegam um conceito e o entulham de definições que extrapolam em muito seus limites culminando por gerar um conceito diverso mas com o mesmo nome que não mais lhe serve por evidente Nessa linha costumam tratar como interesse questões que dizem respeito à punibilidade concreta tal como a inexistência de prescrição ou mesmo de justa causa como o princípio da insignificância c Possibilidade Jurídica do Pedido quanto à possibilidade jurídica do pedido cumpre inicialmente destacar39 que o próprio LIEBMAN na terceira edição do Manuale di diritto processuale civile aglutina possibilidade jurídica do pedido com o interesse de agir reconhecendo a fragilidade da separação Como conceber que um pedido é juridicamente impossível de ser exercido e ao mesmo tempo proveniente de uma parte legítima e que tenha um interesse juridicamente tutelável Ou ainda como poderá uma parte legítima ter um interesse juridicamente tutelável mas que não possa ser postulado São questões que só podem ser respondidas de forma positiva através de mirabolantes exemplos que jamais extrapolam o campo teórico onírico de alguns Assim frágil a categorização mesmo no processo civil e principalmente no processo penal Superada essa advertência inicial o pedido da ação penal no processo penal de conhecimento será sempre de condenação exigindo um tratamento completamente diverso daquele dado pelo processo civil pois não possui a mesma complexidade Logo não satisfaz o conceito civilista de que o pedido deve estar autorizado pelo ordenamento até porque no processo penal não se pede usucapião do Pão de Açúcar típico exemplo dos manuais de processo civil A doutrina que adota essa estrutura civilista costuma dizer que para o pedido de condenação obviamente ser juridicamente possível a conduta deve ser aparentemente criminosa o que acaba se confundindo com a causa de absolvição sumária do art 397 III do CPP não pode estar extinta a punibilidade nova confusão agora com o inciso IV do art 397 ou ainda haver um mínimo de provas para amparar a imputação o que na verdade é a justa causa CRÍTICA Na verdade o que se verifica é uma indevida expansão dos conceitos do processo civil para ilusoriamente atender à especificidade do processo penal Em suma o que se percebe claramente é a inadequação dessas categorias do processo civil cabendo nos então encontrar dentro do próprio processo penal suas condições da ação como se fará na continuação 43 Em Busca das Condições da Ação Processual Penal Definições a Partir de suas Categorias Jurídicas Próprias Agora diante da necessidade de respeitaremse as categorias jurídicas próprias do processo penal devemos buscar as condições da ação dentro do próprio Processo Penal a partir da análise das causas de rejeição da acusação Para tanto devese partir do revogado art 43 do CPP a contrário senso Assim vejamos como dispunha o art 43 do CPP antes de ser revogado pela Lei n 117192008 Art 43 A denúncia ou queixa será rejeitada quando I o fato narrado evidentemente não constituir crime II já estiver extinta a punibilidade pela prescrição ou outra causa III for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal Parágrafo único Nos casos do n III a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição Daí podemos extrair as condições da ação penal40 prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa Em que pese a revogação do artigo que muito bem dispunha da matéria as condições da ação processual penal permanecem inalteradas A Lei n 11719 revogou o art 43 e modificou a redação do art 395 para estabelecer as seguintes causas de rejeição liminar como define o art 396 Art 395 A denúncia ou queixa será rejeitada quando I for manifestamente inepta II faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou III faltar justa causa para o exercício da ação penal A nova redação tem suas vantagens mas também seus inconvenientes pois mistura categorias e gera dúvidas Para evitar repetições apenas citaremos o artigo deixando a análise específica de cada um desses incisos para o final deste Capítulo quando abordaremos as decisões de rejeição e absolvição sumária Vejamos agora sucintamente cada uma das condições da ação processual penal 431 Prática de Fato Aparentemente Criminoso Fumus Commissi Delicti Tradicionalmente entendeuse que evidentemente não constituir crime significava apenas atipicidade manifesta Contudo este não é um critério adequado Inicialmente deve considerar que o inciso III do art 397 do CPP fala em crime Ainda que se possa discutir se crime é fato típico ilícito e culpável ou um injusto típico ninguém nunca defendeu que o conceito de crime se resumia à tipicidade Logo atendendo ao referencial semântico da expressão contida no CPP devese trabalhar com o conceito de crime e depois de evidentemente Quanto ao conceito de crime nenhuma dúvida temos de que a acusação deve demonstrar a tipicidade aparente da conduta São os clássicos exemplos do folclore manualístico de denúncia por incesto furto de coisa própria etc São situações em que é patente a atipicidade da conduta imputada e por isso deve a acusação ser rejeitada41 Como muito bem destacou JARDIM não nos parece correta a afirmativa de que para a sua admissibilidade basta que a denúncia esteja lastreada em prova da autoria e materialidade Se examinarmos tais elementos ao nível da dogmática penal vamos constatar que autoria e materialidade não chegam sequer a configurar um juízo de tipicidade na medida em que as normas penais incriminadoras têm outros elementos essenciais quer subjetivos descritivos ou normativos Não existe nenhuma presunção de veracidade da peça acusatória seja ela denúncia ou queixa e todos os fatos alegados devem ser demonstrados em grau de probabilidade para a admissão Para além disso das duas uma ou se aceita o conceito de tipo de injusto na esteira de CIRINO DOS SANTOS em que se exige que além dos fundamentos positivos da tipicidade também deve haver a ausência de causas de justificação excludentes de ilicitude ou se trabalha com os conceitos de tipicidade e ilicitude desmembrados Em qualquer caso se houver elementos probatórios de que o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve a denúncia ou queixa ser rejeitada como base no art 395 II pois falta uma condição da ação A problemática situase na demonstração manifesta da causa de exclusão da ilicitude É uma questão de convencimento do juiz Mas uma vez superada essa exigência probatória se convencido de que o acusado agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve o juiz rejeitar a acusação Caso esse convencimento somente seja possível após a resposta do acusado a decisão passará a ser de absolvição sumária nos termos do art 397 Superada essa questão tipicidade e ilicitude surge o questionamento e se o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da culpabilidade pode o juiz rejeitar a acusação Pensamos que sim O problema todo circunscrevese não à culpabilidade elemento necessário e imprescindível para a moderna teoria jurídica do delito mas ao caráter probatório e seu nível de exigência A causa de exclusão deve ser manifesta para que o fato narrado evidentemente não constitua crime Assim havendo prova da causa de exclusão da culpabilidade como o erro de proibição por exemplo préconstituída na investigação preliminar está o juiz autorizado a rejeitar a acusação O que nos importa agora é que uma vez demonstrada e convencido o juiz está ele plenamente autorizado a rejeitar a denúncia ou queixa Ou ainda atender ao pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público Por fim a exigência de que a acusação demonstre a verossimilhança da tipicidade antijuridicidade e culpabilidade também decorre da exigência constitucional da Proporcionalidade vista como proibição de excesso de intervenção em que o custo social e jurídico do processo penal fazem com que ele não se contente com a mera tipicidade se for manifesta a presença de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade Ademais devese recordar que a ação processual penal constitui um direito potestativo público autônomo abstrato mas que exige a demonstração de uma conexão instrumental em relação ao caso penal Nesse ponto aproximase do conceito de direito concreto para exigir já nas condições da ação um mínimo de vislumbre da concretude do direito material cujo reconhecimento se busca42 A denúncia deverá ser rejeitada nos termos do art 395 II do CPP com plena produção dos efeitos da coisa julgada formal e material Em suma com a modificação estabelecida pela Lei n 117912008 a questão deve ser analisada da seguinte forma a se a causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade estiver demonstrada no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa poderá o juiz rejeitála com base no art 395 II falta uma condição da ação penal qual seja a prática de um fato aparentemente criminoso b se o convencimento do juiz sobre a existência da causa e exclusão da ilicitude ou da culpabilidade somente for atingido após a resposta do acusado já tendo sido a denúncia ou queixa recebida portanto a decisão será de absolvição sumária art 397 432 Punibilidade Concreta Exigia o antigo e já revogado art 43 II do CPP que não se tenha operado uma causa de extinção da punibilidade cujos casos estão previstos no art 107 do Código Penal e em leis especiais para que a ação processual penal possa ser admitida Agora essa condição da ação também figura como causa de absolvição sumária prevista no art 397 IV do CPP Mas isso não significa que tenha deixado de ser uma condição da ação processual penal ou que somente possa ser reconhecida pela via da absolvição sumária Nada disso Deve o juiz rejeitar a denúncia ou queixa quando houver prova da extinção da punibilidade A decisão de absolvição sumária fica reservada aos casos em que essa prova somente é produzida após o recebimento da denúncia ou seja após a resposta escrita do acusado Quando presente a causa de extinção da punibilidade como a prescrição decadência e renúncia nos casos de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada ou o réu absolvido sumariamente conforme o momento em que seja reconhecida Entre os casos disciplinados por leis especiais destacamos a título de exemplo e sumária análise o tratamento dado aos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n 813790 Havendo o pagamento do tributo devido antes do exercício da ação penal ou durante o processo após exercida e admitida a ação extinguese o poder punitivo do Estado impedindo assim o exercício da pretensão acusatória Logo deve a denúncia ser rejeitada ou absolvido sumariamente o réu O parcelamento não é causa extintiva da punibilidade mas de suspensão da pretensão acusatória e também da prescrição nos termos do art 9º da Lei n 10684 impedindo o prosseguimento do processo criminal Nesse caso havendo o integral cumprimento do parcelamento haverá a extinção da punibilidade e do processo Caso o réu não cumpra com as condições estabelecidas o processo criminal prosseguirá Destaquese que a Lei n 10684 emprega a expressão pretensão punitiva quando o correto seria pretensão acusatória incidindo no erro histórico anteriormente denunciado Desde a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no HC 81611 está consolidado o entendimento de que não pode ser admitida a ação penal antes do lançamento definitivo do débito fiscal com o esgotamento da esfera administrativa Assim verificando o juiz a existência de procedimento de natureza administrativofiscal deverá receber a ação penal mas suspender o processo até o julgamento definitivo na esfera administrativa ou o que nos parece mais correto suspender o próprio ato decisório Não agindo assim caberá habeas corpus no tribunal respectivo visando à suspensão do processo até o julgamento definitivo do procedimento administrativo Em qualquer caso de suspensão do feito também haverá a suspensão da prescrição Caso esteja suspensa a decisão que recebe ou rejeita a denúncia e sobrevenha decisão favorável ao contribuinte com a procedência o recurso fiscal não haverá débito ou exigibilidade Nesse caso deverá ser rejeitada a denúncia por falta de condição da ação penal nos termos do art 395 II Caso já tenha sido admitida a ação processual penal suspenso portanto estará o processo penal deverá o juiz absolver sumariamente o réu com base no art 397 IV do CPP 433 Legitimidade de Parte Dessa forma nos processos que tenham por objeto a apuração de delitos perseguíveis através de denúncia ou de ação penal de iniciativa pública o polo ativo deverá ser ocupado pelo Ministério Público eis que nos termos do art 129 I da Constituição é o parquet o titular dessa ação penal Nas ações penais de iniciativa privada caberá à vítima ou seu representante legal arts 30 e 31 do CPP assumir o polo ativo da situação processual A doutrina brasileira na sua maioria entende que nessa situação ocorre uma substituição processual verdadeira legitimação extraordinária nos termos do art 6º do CPC na medida em que o querelante postularia em nome próprio um direito alheio ius puniendi do Estado É um erro bastante comum daqueles que sem atentar para as categorias jurídicas próprias do processo penal ainda pensam através das distorcidas lentes da teoria geral do processo Contudo infelizmente também incide nele gente historicamente comprometida com a recusa à teoria unitária como é o caso de TUCCI43 que talvez não tenha percebido o erro da construção de Binding fazendo com que o acusador seja colocado no processo penal em posição similar a de credor do processo civil como explicamos anteriormente ao tratar do objeto do processo penal Compreendido que o Estado exerce o poder de punir no processo penal não como acusador mas como juiz tanto o Ministério Público como o querelante exercitam um poder que lhes é próprio ius ut procedatur pretensão acusatória ou seja o poder de acusar Logo não corresponde o poder de punir ao acusador seja ele público ou privado na medida em que ele detém a mera pretensão acusatória Assim em hipótese alguma existe substituição processual no processo penal Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo específico sobre o objeto do processo penal onde explicamos porque não há que se falar em substituto processual mais um típico exemplo de inadequada transmissão de categorias do processo civil para o processo penal Recordemos ainda que tecnicamente é errado falar em ação penal pública pois como visto toda ação é um direito público Falemos pois em ação penal de iniciativa pública ou de iniciativa privada Também podem ser utilizadas as expressões delitos perseguíveis mediante denúncia e delitos perseguíveis através de queixa A legitimidade deve ser assim considerada Legitimidade ativa está relacionada com a titularidade da ação penal desde o ponto de vista subjetivo de modo que será o Ministério Público nos delitos perseguíveis mediante denúncia e do ofendido ou seu representante legal nos delitos perseguíveis através de queixa É ocupada pelo titular da pretensão acusatória Especificamente no processo penal a legitimidade decorre da sistemática legal adotada pelo legislador brasileiro e não propriamente do interesse Por imperativo legal nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Ministério Público será sempre legitimado para agir Já nos delitos de ação penal de iniciativa privada somente o ofendido ou seu representante legal poderá exercer a pretensão acusatório através da queixacrime Legitimidade passiva decorre da autoria do injusto típico O réu pessoa contra a qual é exercida a pretensão acusatória deve ter integrado a situação jurídica de direito material que se estabeleceu com o delito autorvítima Em outras palavras a legitimação passiva está relacionada com a autoria do delito Também não se podem desconsiderar os limites impostos pela culpabilidade penal especialmente no que se refere à inimputabilidade decorrente da menoridade em que o menor de 18 anos e de nada interessa eventual emancipação civil é ilegítimo para figurar no polo passivo do processo penal A imputação deve ser dirigida contra quem praticou o injusto típico Não se deve esquecer que nesse momento não pode ser feito um juízo de certeza mas sim de mera probabilidade verossimilhança da autoria A probabilidade da autoria vem dada pelos elementos de convicção que devem acompanhar a denúncia ou queixa Não existe qualquer presunção de veracidade no afirmado pelo acusador até porque iria de encontro à presunção de inocência do réu Assim é imprescindível que a peça acusatória venha instruída com elementos suficientes para demonstrar o fumus commissi delicti em grau de probabilidade isto é elementos cognoscitivos seguros e válidos Daí a importância da investigação preliminar do inquérito policial para fornecimento desses dados A ilegitimidade ativa ou passiva leva à rejeição da denúncia ou queixa nos termos do art 395 II do CPP ou ainda permite o trancamento do processo através de habeas corpus eis que se trata de processo manifestamente nulo art 648 IV por ilegitimidade de parte art 564 II A ilegitimidade de parte permite que seja promovida nova ação eis que tal decisão faz apenas coisa julgada formal Corrigida a falha a ação pode ser novamente intentada É o que acontece vg quando o ofendido ajuíza a queixa em delito de ação penal pública A rejeição da queixa não impede que o Ministério Público ofereça a denúncia Por fim destaquese que a rejeição da denúncia ou queixa por ilegitimidade de parte não faz coisa julgada material mas meramente formal não impedindo o ajuizamento de nova ação observado em caso de queixacrime o prazo decadencial de 6 meses contados da data do fato ou do dia em que vier o querelante a saber quem é o autor pois esse prazo não se interrompe nem suspende 434 Justa Causa Prevista no art 395 III do CPP a justa causa é uma importante condição da ação processual penal Em profundo estudo sobre o tema ASSIS MOURA44 adverte sobre a indefinição que paira em torno do conceito na medida em que causa possui significado vago e ambíguo enquanto que justo constitui um valor E prossegue45 lecionando que a justa causa exerce uma função mediadora entre a realidade social e a realidade jurídica avizinhandose dos conceitosválvula ou seja de parâmetros variáveis que consistem em adequar concretamente a disciplina jurídica às múltiplas exigências que emergem da trama do tecido social Mais do que isso figura como um antídoto de proteção contra o abuso de Direito46 Evidencia assim a autora que a justa causa é um verdadeiro ponto de apoio topos para toda a estrutura da ação processual penal uma inegável condição da ação penal que para além disso constitui um limite ao abuso do ius ut procedatur ao direito de ação Considerando a instrumentalidade constitucional do processo penal conforme explicamos anteriormente o conceito de justa causa acaba por constituir numa condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar A justa causa não está apenas para condicionar a ação penal mas também deve ser considerada quando do decreto de uma prisão cautelar e mesmo sentença penal condenatória no caso concreto Como explica ASSIS MOURA a base para o exame será sempre a mesma e a resposta deverá resultar da verificação de tais situações específicas porque obviamente cada uma delas exige o preenchimento de determinados e específicos requisitos A justa causa identificase com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação e a própria intervenção penal Está relacionada assim com dois fatores existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e de outro com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal 4341 Justa Causa Existência de Indícios Razoáveis de Autoria e Materialidade Deve a acusação ser portadora de elementos geralmente extraídos da investigação preliminar inquérito policial probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais Caso os elementos probatórios do inquérito sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal deve o juiz rejeitar a acusação Não há que se confundir esse requisito com a primeira condição da ação fumus commissi delicti Lá exigimos fumaça da prática do crime no sentido de demonstração de que a conduta praticada é aparentemente típica ilícita e culpável Aqui a análise deve recair sobre a existência de elementos probatórios de autoria e materialidade Tal ponderação deverá recair na análise do caso penal à luz dos concretos elementos probatórios apresentados A acusação não pode diante da inegável existência de penas processuais ser leviana e despida de um suporte probatório suficiente para à luz do princípio da proporcionalidade justificar o imenso constrangimento que representa a assunção da condição de réu É o lastro probatório mínimo a que alude JARDIM47 exigido ainda pelos artigos 12 39 5º 46 1º e 648 I a contrário senso do Código de Processo Penal 4342 Justa Causa Controle Processual do Caráter Fragmentário da Intervenção Penal Como bem sintetiza BITENCOURT48 o caráter fragmentário do Direito Penal significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes É ainda um corolário do princípio da intervenção mínima e da reserva legal como aponta o autor A filtragem ou controle processual do caráter fragmentário encontra sua justificativa e necessidade na inegável banalização do Direito Penal Quando se fala em justa causa está se tratando de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas processuais que ele contém Inclusive se devidamente considerado o princípio da proporcionalidade visto como proibição de excesso de intervenção pode ser visto como a base constitucional da justa causa Deve existir no momento em que o juiz decide se recebe ou rejeita a denúncia ou queixa uma clara proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual de um lado e o custo do processo penal de outro Nessa dimensão situamos as questões relativas à insignificância ou bagatela Considerando que toda categorização implica reducionismo e frágeis fronteiras à complexidade não negamos que a insignificância possa ser analisada na primeira condição fumaça de crime na medida em que incide diretamente na tipicidade Contudo para além das infindáveis discussões teóricas no campo da doutrina penal nenhum impedimento existe de que o juiz analise isso à luz da proporcionalidade da ponderação dos bens em jogo ou ainda da própria estrutura do bem jurídico e da missão do Direito Penal E quando fizer isso estará atuando na justa causa para a ação processual penal49 Quanto à decisão que reconhece a falta de justa causa devese considerar que a No primeiro caso falta de suporte probatório suficiente a acusação deverá ser rejeitada sem que essa decisão implique julgamento de mérito Logo enquanto não extinta a punibilidade poderá ser proposta nova ação penal desde que surjam novas e relevantes provas que modifiquem a situação50 Contudo uma vez iniciado o processo é mais benéfico para o réu que se produza uma decisão antecipada de mérito absolvendoo com base no art 386 do CPP dependendo da fundamentação utilizada pelo juiz b No segundo caso controle processual do caráter fragmentário do Direito Penal a falta de justa causa conduzirá a um julgamento antecipado de mérito com a absolvição sumária do réu nos termos do art 397 III atipicidade da conduta Haverá assim a produção de plenos efeitos da coisa julgada impedindose novo processo contra o mesmo réu por esse fato Gravíssima lacuna existe no art 397 pois não prevê como causa de absolvição sumária a falta de justa causa A infeliz mesóclise do art 396 fez com que o juiz recebesse a denúncia ou queixa antes da defesa preliminar cabendo após esse ato a absolvição sumária que não contempla a falta de justa causa como seu fundamento Dessa forma todas as demais condições da ação podem ser analisadas em dois momentos quando da decisão de rejeição liminar ou após em sede de absolvição sumária Dependendo do caso é perfeitamente possível que o juiz se convença após a defesa escrita e portanto após o recebimento da acusação que não há justa causa O que deverá fazer Pensamos que as seguintes decisões são possíveis a anular a decisão de recebimento e logo a seguir decidir pela rejeição da denúncia art 395 III b ou em sendo adotado o entendimento de que não cabe rejeição após o recebimento da acusação não se desconhece a histórica divergência teórica deve ser proferida a decisão de absolvição sumária aplicando o art 397 III do CPP por analogia c ou ainda deverá proferir uma decisão de extinção do feito sem julgamento do mérito Como regra sugerimos que seja tomada a primeira decisão pois processualmente é mais adequada ao sistema legal Quando o juiz após a resposta do réu convencese de que não existe justa causa em qualquer das duas dimensões apontadas poderá perfeitamente desconstituir o ato de recebimento anulandoo para a seguir proferir uma decisão de rejeição liminar Isso porque não existe preclusão pro iudicato ou seja nada impede que o juiz desconstitua seu ato e a seguir pratique aquele juridicamente mais adequado Por fim ainda resta o habeas corpus para trancamento do processo por falta de justa causa art 648 I do CPP Há que se destacar a equivocada leitura feita por alguns tribunais brasileiros em torno da sumariedade da cognição do habeas corpus Não se pode confundir dilação probatória como análise do suporte probatório necessário para a ação penal A primeira realmente vedada pela própria essência do writ impede que se instaure uma verdadeira instrução com produção de provas oitiva de testemunhas realização de perícias etc no trâmite dessa ação constitucional Isso está correto Completamente diferente é analisar e cotejar os elementos contidos no inquérito policial com o suporte probatório exigido para que a acusação seja recebida Isso sim pode e deve ser feito no bojo do habeas corpus Como adverte ASSIS MOURA51 no âmbito do habeas corpus deve ser realizado o cotejo dos elementos colhidos na fase préprocessual ainda que documentalmente deve ser prova préconstituída com a acusação formulada em juízo sob pena de perpetuarse a coação ilegal com a manutenção do processo sem justa causa cometendo notória injustiça E mais adverte a autora em preciosa lição que impossibilitar a análise da prova significa impedir no caso concreto o reexame da decisão que recebe a denúncia ou a queixa além de tornar letra morta o art 5º LXVIII da CF que garante o instrumento do writ para pôr termo à violência decorrente de ilegalidade ou de abuso de poder Deflui mais que desprezar a análise da ilegalidade sob o argumento de que a prova não pode ser examinada no âmbito do habeas corpus é inquestionavelmente forma de denegação de justiça grifo nosso 44 Outras Condições da Ação Processual Penal Para além das enumeradas e explicadas anteriormente existem outras condições que igualmente condicionam a propositura da ação processual penal Alguns autores chamam de condições específicas em contraste com as condições genéricas anteriormente apontadas Mais usual ainda é a classificação de condições de procedibilidade especificamente em relação à representação e à requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação penal pública condicionada Contudo razão assiste a TUCCI quando esclarece que tais classificações não possuem sentido de ser na medida em que tanto a representação como a requisição do Ministro da Justiça nada mais são do que outras condições para o exercício do direito à jurisdição penal52 Mas para além da representação e da requisição do Ministro da Justiça existem outras condições da ação exigidas pela lei penal ou processual penal como por exemplo enumeração não taxativa a poderes especiais e menção ao fato criminoso na procuração que outorga poderes para ajuizar queixacrime nos termos do art 44 do CPP b a entrada no agente no território nacional nos casos de extraterritorialidade da lei penal para atender à exigência contida no art 7º do Código Penal c o trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento no crime do art 236 parágrafo único do CP d prévia autorização da Câmara dos Deputados nos crimes praticados pelo Presidente ou Vice Presidente da República bem como pelos Ministros de Estado nos termos do art 51 I da Constituição Em qualquer desses casos a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art 395 II do CPP Caso não tenha sido percebida a falta de uma das condições da ação e o processo tenha sido instaurado deve ser trancado o processo através de habeas corpus ou extinto pelo juiz decisão meramente terminativa Quanto aos efeitos da decisão não haverá julgamento de mérito podendo a ação ser novamente proposta desde que satisfeita a condição enquanto não se operar a decadência no caso da representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa ou a prescrição 45 O DesControle das Condições da Ação nos Juizados Especiais Criminais Em que pese os Juizados Especiais Criminais serem objeto de estudo específico mais adiante cumpre agora desvelar mais um dos seus graves inconvenientes a falta de controle sobre as condições da ação quando do recebimento das denúncias e queixas Inicialmente criados para desafogar as varas criminais retirando delas uma série de crimes de menor potencial ofensivo cujo erro já começa pela errônea escolha do critério quantitativo de pena para a seletividade a crise dos JECs principia com o fracasso nessa missão Não houve o tal desafogo e no seu lugar surgiu uma demanda nova e imensa uma verdadeira enxurrada de novas acusações criminais por condutas absolutamente irrelevantes e insignificantes para o Direito Penal Pior ressuscitou no imaginário coletivo todo um rol de condutas absolutamente irrelevantes para a Justiça Penal que não deveriam mais ser objeto de tutela penal trazendo ainda de volta toda a lei de contravenções penais Isso agudizou a crise identitária do Direito Penal e por consequência a própria crise do bem jurídico Processualmente absurdos atropelos de direitos e garantias fundamentais são cometidos em nome da informalidade e eficiência leiase utilitarismo antigarantista Mais grave ainda é a relativização da presunção de inocência e de todo rol de direitos e garantias que fundam o devido processo penal Em geral os juízes e turmas recursais operam a partir de uma equivocada e inconstitucional lógica de que se o fato é de menor gravidade e a sanção também haveria um menor nível de exigência probatória e rigor formal Isso está completamente errado A presunção de inocência não admite essa relativização e tampouco pode ser ressuscitado o sistema de prova tarifada do processo inquisitório sendo que para um delito grave exigiase prova plena mas para os delitos menos graves a prova poderia ser semiplena Isso não existe mais advirtase Daí por que no lugar onde mais deveria se realizar a filtragem processual com uma enxurrada de ações penais sendo rejeitadas ou não recebidas é exatamente onde menos se controlam as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa O fato de sua competência ser restrita aos crimes de menor potencial ofensivo não dispensa a demonstração e análise das condições da ação especialmente a exigência de demonstração da fumaça do crime e da justa causa Ainda que se trate de crime de menor potencial ofensivo devese verificar se há relevância jurídicopenal na conduta Em se tratando de conduta insignificante sob ponto de vista jurídicopenal deve a denúncia ou queixa ser rejeitada Da mesma forma se não vier instruída com um mínimo de elementos probatórios da tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma as condições da ação também são exigidas no Juizado Especial Criminal ainda que em geral os que lá atuam disso se tenham olvidado ou assim façam parecer pelo encobrimento gerado pelo utilitarismo estruturante do discurso da informalidade 5 Ação Penal de Iniciativa Pública 51 Introdução e Cuidados Necessários Na sistemática brasileira para saber de quem será a legitimidade ativa para propor a ação penal devese analisar qual é o delito ainda que em tese praticado verificando no Código Penal a disciplina definida para a ação processual penal Mas não basta analisar o tipo penal supostamente praticado deve se verificar todo o Capítulo e às vezes até o Título no qual estão inseridos o capítulo e a descrição típica Exemplo do perigo que encerra uma análise apressada nos dá o delito estupro previsto no art 213 do CP O tipo penal não faz nenhuma referência à ação penal conduzindo à equivocada conclusão de que seria de iniciativa pública incondicionada Errado a disciplina dessa matéria em relação ao delito de estupro e todos os demais elencados naquele capítulo e seguintes está prevista no art 225 do CP Outra questão que costuma surpreender os concursantes pois na realidade isso não é nada comum diz respeito ao delito de furto praticado em prejuízo do cônjuge divorciado ou judicialmente separado irmão legítimo ou ilegítimo tio ou sobrinho com quem o agente coabita Pela sistemática do art 155 e seguintes do Código Penal a ação penal é de iniciativa pública incondicionada Contudo nesses casos encontramos lá no art 182 do CP disciplina diferente nesses casos a ação é de iniciativa pública mas condicionada à representação do ofendido Esses exemplos servem apenas de advertência de que a análise deve ser cautelosa antes de afirmarse qual é a legitimidade ativa da ação processual penal Contudo se verificada a disciplina do Código Penal nenhuma referência existir em relação à ação processual penal significa que ela será de iniciativa pública e incondicionada cabendo ao Ministério Público exercêla Por outro lado será de iniciativa pública condicionada quando o tipo penal expressamente disser que somente se procede mediante representação ou que somente se procede mediante requisição do Ministro da Justiça vg art 145 parágrafo único do CP Por fim será de iniciativa privada pois todas as ações são públicas como explicado anteriormente quando o Código Penal disser expressamente que somente se procede mediante queixa Assim a regra é que os delitos sejam objeto de ações penais de iniciativa pública e incondicionada As exceções iniciativa privada ou pública condicionada são expressamente previstas na lei 52 Regras da Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada ou Incondicionada Definidas essas advertências iniciais cumpre analisar as regras para alguns autores princípios que norteiam a ação penal de iniciativa pública seja ela condicionada ou incondicionada 521 Oficialidade ou Investidura A ação penal de iniciativa pública é atribuição exclusiva do Ministério Público nos termos do art 129 I da Constituição Significa que somente os membros do Ministério Público estadual ou federal devidamente investidos no cargo é que podem exercêla através da denúncia 522 Obrigatoriedade ou Legalidade A ação penal de iniciativa pública está regida pelo princípio da obrigatoriedade no sentido de que o Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia sempre que presentes as condições da ação anteriormente apontadas prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta justa causa A legitimidade é inequívoca diante da titularidade constitucional para o exercício da ação penal nos delitos de iniciativa persecutória pública Não estando presentes essas condições deverá o promotor postular o arquivamento do inquérito policial ao juiz Não poderá o promotor arquivar o inquérito menos ainda a polícia nos termo do art 17 do CPP senão postular seu arquivamento ao juiz Em última análise a decisão de arquivamento é de competência do juiz A obrigatoriedade não consagrada expressamente53 mas extraída da leitura do art 24 e do seu caráter imperativo encontra sua antítese nos princípios da oportunidade e conveniência não adotados no Brasil na ação de iniciativa pública em que caberia ao Ministério Público ponderar e decidir a partir de critérios de política criminal com ampla discricionariedade Em nosso sistema isso não existe e estando presentes os requisitos legais para o exercício da ação penal deverá54 o Ministério Público oferecer a denúncia O dever de agir faz com que não exista margem de atuação entre denunciar pedir diligências complementares ou postular arquivamento Ou denuncia se presentes as condições da ação ou pede diligências complementares nos termos do art 16 ou postula de forma fundamentada o arquivamento Mesmo postulando o arquivamento haverá sobre ele um controle jurisdicional pois determina o art 28 que em não concordando o juiz com as razões apontadas pelo Ministério Público no pedido de arquivamento encaminhará o inquérito ou peças de convicção para o procuradorgeral cabendo a este decidir entre oferecer denúncia designar outro promotor para analisar o caso55 ou insistir no pedido de arquivamento quando estará então o juiz obrigado a acolhêlo56 pois não pode ele juiz acusar ou iniciar o processo sem prévia acusação Quanto à rigidez do princípio concordamos com RANGEL57 no sentido de que a Lei n 9099 a amenizou mas não muito em relação aos delitos de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxima não supere 2 anos58 Isso porque nesses delitos poderá o Ministério Público deixar de propor a ação penal e em seu lugar ofertar a transação penal art 76 da Lei n 9099 Tratase de relativização do princípio da obrigatoriedade ou ainda de uma nova concepção a ser incorporada no sistema processual penal brasileiro discricionariedade regrada Mas é importante destacar está muito longe de qualquer consagração de oportunidade e conveniência Tratase apenas de situações muito restritas e devidamente disciplinadas em que o Ministério Público tem uma pequena e bem circunscrita esfera de negociação com o imputado dentro de rígidos critérios legais 523 Indisponibilidade Não apenas está o MP obrigado a denunciar ou pedir o arquivamento senão que uma vez iniciado o processo não pode ele desistir dispor da ação penal Tratase de uma medida de política criminal que a nosso ver deveria ser repensada à luz do que explicamos ao tratar do objeto do processo penal e da pretensão acusatória Mas enquanto isso não for feito a indisponibilidade segue vigorando Não pode o Ministério Público desistir da ação penal que tenha interposto art 42 ou mesmo do recurso art 576 do CPP Não se confunde com a indisponibilidade e tampouco a viola o fato de o Ministério Público pedir a absolvição do réu em plenário no júri ou no debate oral do rito ordinário e sumário Tampouco significa que seja o MP uma parte imparcial até porque tal monstro de duas cabeças é um absurdo juridicamente No processo penal o MP não é e nunca foi uma parte imparcial até porque se é parte jamais seria imparcial A imparcialidade é atributo do juiz pois ele não é parte Logo seria o mesmo que tentar reduzir a quadratura ao círculo na célebre crítica de CARNELUTTI Ademais tal construção desconsidera ou desconhece que o Ministério Público é uma parte artificialmente construída para ser o contraditor natural do sujeito passivo e que nasce na superação do sistema inquisitório como uma forma de retirar poderes do juiz instrutorinquisidor Logo construído para ser parte e assegurar a imparcialidade do juiz o único verdadeiramente concebido para ser imparcial Então quando o MP pede a absolvição não o faz por imparcialidade e tampouco por dispor da ação penal senão que como agente público está obrigado à estrita observância dos princípios da objetividade impessoalidade e principalmente legalidade Logo é absolutamente ilegal acusar alguém ou pedir a condenação no final do processo quando não existe justa causa punibilidade concreta ou prova suficiente de autoria e materialidade Nessa seara situase a discussão Por fim na mesma linha argumentativa da regra anterior a Lei n 9099 amenizou também o rigor dessa regra criando uma disponibilidade ou discricionariedade regrada Não se trata de ampla disposição mas de situações devidamente disciplinadas em que a regra é atenuada Nesse sentido a suspensão condicional do processo art 89 da Lei n 9099 cria uma situação em que uma vez aceita suspende o processo e cumpridas as condições extinguese a própria punibilidade Tratase de situação devidamente disciplinada que timidamente atenua o rigor da obrigatoriedade e da indisponibilidade Não é propriamente uma exceção à regra senão de tênue diminuição do seu rigor Na mesma dimensão situase a transação penal prevista no art 76 da referida Lei 524 Indivisibilidade O princípio da indivisibilidade tem aplicação pacífica na ação penal de iniciativa privada mas não nos crimes de ação penal pública Contrários à aplicação do princípio da indivisibilidade encontramos algumas decisões do STJ e do STF Entre outras citamos a proferida no RHC 951410 Rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 06102009 que rechaçou a tese do arquivamento implícito e relativizou o princípio da indivisibilidade da ação penal pública59 Essa é a posição dos tribunais superiores mas com a qual não concordamos pois estabelece um paradoxo principalmente quando interpretado de forma sistemática à luz dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade Sendo obrigatória e indisponível a ação pública não vemos como sustentar sua divisibilidade No fundo essa posição não é técnica mas de política processual pois o que está a legitimar é a possibilidade de não denunciar alguém ou algum delito neste momento para fazêlo posteriormente atendendo ao interesse e à estratégia do acusador É com base nesta relativização do princípio da obrigatoriedade que também estão fulminando as regras da conexão e continência para separar aqueles que possuem prerrogativa de função dos demais sem essa prerrogativa da seguinte forma o MP denuncia junto ao juízo de primeiro grau aqueles que não possuem prerrogativa de função e posteriormente aqueles agentes políticos com prerrogativa junto ao respectivo tribunal violando assim a unidade de processo e julgamento imposto pelos arts 76 e 77 do CPP Tratase de decorrência natural e lógica das regras anteriores ou seja se a ação penal é obrigatória e indisponível como explicado obviamente é indivisível no sentido de que deve abranger a todos aqueles que aparentemente tenham cometido a infração Possível aqui uma analogia com o art 48 pois se a ação penal de iniciativa privada que é disponível e facultativa é indivisível com mais razão é a de iniciativa pública Procurase evitar aqui uma escolha abusiva por parte de quem acusa para impedir se a eleição de réus A acusação deverá abranger a todos aqueles que tenham concorrido para o delito desde que presentes as condições da ação Com a devida vênia pensamos não ser acertado o argumento de que somente a ação penal de iniciativa privada seria indivisível pois o art 48 não faz menção à de iniciativa pública O art 48 não faz e nem deveria fazer menção à indivisibilidade da ação penal pública porque ela a indivisibilidade é uma condição de possibilidade das anteriores obrigatoriedade e indisponibilidade Tampouco há que se argumentar em torno do aditamento como sintoma de uma suposta divisibilidade São situações completamente distintas O aditamento é uma ampliação complementação da acusação quando surgirem fatos ou provas novas Não existe uma faculdade do MP de ao denunciar escolher fatos eou pessoas para depois aditar e incluir os faltantes Elementar que não O aditamento é um instrumento excepcional para incluir fatos ou pessoas que quando do oferecimento da denúncia não tinham elementos probatórios suficientes A ação penal de iniciativa pública é regida pelo princípio da indivisibilidade disso não temos dúvida Contudo há que se destacar um problema de eficácia se o MP não denunciar a todos qual é a sanção processual Nenhuma Não existe como na ação de iniciativa privada a sanção prevista no art 49 extinção da punibilidade para todos Esse é o problema e que gera algumas interpretações no sentido de que o princípio da indivisibilidade não vigeria na ação pública Entendemos que ele vige mas não tem uma sanção processual pela sua inobservância Mas isso não é novidade pois inúmeros outros casos de princípios sem sanção existem no processo penal brasileiro a começar pela falta de sanção pela inobservância dos prazos de duração do inquérito da instrução etc como explicamos ao tratar do prazo razoável Mas por honestidade acadêmica devemos destacar que nosso entendimento não encontra guarida nas decisões do STF e do STJ ao menos por ora Noutra dimensão recordemos que não havendo suficiente fumus commissi delicti legitimidade passiva ou justa causa o MP deverá pedir o arquivamento em relação àqueles fatos imputados Em nada resta violada a regra da indivisibilidade nesses casos Se o inquérito policial apurar que determinado injusto penal foi praticado por A B e C e o Ministério Público oferecer denúncia apenas contra A e B não incluindo na acusação e tampouco pedindo o arquivamento em relação ao C caberá a ao ofendido oferecer a queixacrime subsidiária ação penal privada subsidiária da pública em face do imputado C pois houve inércia do MP em relação a ele b a aplicação por parte do juiz do art 28 do CPP por analogia pois estamos diante de um arquivamento implícito em relação ao indiciado C Como explica JARDIM60 o arquivamento implícito decorre da má sistematização da matéria por parte do CPP de modo que se o MP deixar de incluir na denúncia algum fato ou indiciado sem expressa fundamentação terá se operado a omissão que o constitui Assim se o juiz também não se manifestar sobre o fato ou sujeito estará consolidado o arquivamento Daí por que o arquivamento é na verdade tácito decorrendo da omissão do MP e da inércia do juiz que poderia ter utilizado o art 28 remetendo para o procuradorgeral caso não concordasse A matéria é extremamente relevante na medida em que operado o arquivamento tácito ou implícito não caberá aditamento ou nova denúncia em relação àquele fato ou autor salvo se existirem novas provas pois assim aponta acertadamente a Súmula n 524 do STF Novamente destacamos como já feito anteriormente no capítulo destinado ao estudo do inquérito policial quando tratamos do arquivamento que a teoria do arquivamento implícito não é de pacifica aplicação tendo inclusive resistência no STF em admitilo como se viu no acórdão acima citado Por fim como aponta RANGEL61 nas infrações penais de menor potencial ofensivo cujo tratamento processual vem dado pela Lei n 9099 a transação penal poderá atenuar o princípio da indivisibilidade da ação penal Assim se em determinada infração penal de menor potencial ofensivo forem apontados três autores e dois deles aceitarem a transação penal a denúncia será oferecida apenas em relação ao que não aceitou O processo assim será instaurado não contra os três autores da infração mas apenas em face daquele que não transacionou rompendo assim com a regra da indivisibilidade da acusação 525 Intranscendência Da mesma forma que a pena não pode passar da pessoa do condenado não pode a acusação passar da pessoa do imputado A regra não possui maior relevância processual pois a situação vem circunscrita previamente pelo Direito Penal A acusação está limitada na sua abrangência subjetiva aos limites impostos pelo Direito Penal no que se refere à autoria coautoria e participação Não havendo o vínculo concursal não há que se falar em transcendência da pena ou da acusação Assim a acusação somente pode recair sobre autor coautor ou partícipe do delito 53 Espécies de Ação Penal de Iniciativa Pública 531 Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada É a regra geral do sistema penal brasileiro no qual os delitos são objeto de acusação pública formulada portanto pelo Ministério Público estadual ou federal conforme seja a competência da Justiça Comum Estadual ou Comum Federal Essa ação será exercida através de denúncia instrumento processual específico da ação penal de iniciativa pública e de atribuição exclusiva do Ministério Público art 129 I da Constituição Daí por que é necessário advertir o processo penal somente poderá iniciar por denúncia do Ministério Público ou por queixa do ofendido ou representante legal nos crimes de iniciativa privada Não há exceção estando revogado o art 26 do CPP que previa a possibilidade de a ação penal nas contravenções ser iniciada pelo auto de prisão em flagrante ou por portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial Isso não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e no caso de contravenção penal a acusação será feita por denúncia do Ministério Público A denúncia deverá conter como exige o art 41 a exposição do fato criminoso descrição da situação fática com todas as suas circunstâncias logo tanto as circunstâncias que aumentemagravem a pena como também as que diminuamatenuem a pena a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo algo impensável atualmente pois o inquérito policial serve para apurar a autoria e permitir a perfeita identificação do imputado a classificação do crime sua tipificação legal até porque é ingenuidade senão máfé afirmar que o réu se defende dos fatos como explicaremos ao tratar da correlação e do art 383 do CPP e quando necessário sempre será salvo situação excepcionalíssima o rol de testemunhas o que será sempre necessário salvo situação excepcionalíssima até porque a pobreza dos meios de investigação e a falta de cientificidade da cultura investigatória fazem com que no Brasil a prova seja essencialmente testemunhal Quanto à clara exposição do fato criminoso além da necessidade de plena compreensão por parte do juiz e da defesa como se defender de uma acusação incompreensível exigese ainda que em caso de concurso de agentes eou crimes exista uma clara definição de condutas e agentes Ou seja inadmissível uma denúncia genérica que não faça a individualização da conduta praticada por cada réu62 Quanto à prova testemunhal é importante frisar que o momento para que o Ministério Público arrole sob pena de preclusão é o da denúncia bem como em se tratando de ação penal de iniciativa privada as testemunhas devem ser arroladas na queixa também sob pena de preclusão e impossibilidade de posterior postulação dessa prova A ausência dos elementos do art 41 especialmente a clara exposição do fato criminoso a identificação do réu e a classificação do crime que são elementos imprescindíveis conduz à inépcia da inicial acusatória devendo o juiz rejeitála conforme determina o art 395 I do CPP Essa decisão produz apenas coisa julgada formal não impedindo nova acusação desde que satisfeito o requisito Com relação à ausência das circunstâncias agravantes ou atenuantes bem como de eventuais causas de aumento ou diminuição ou mesmo a indicação do rol de testemunhas desde que exista suporte probatório documental para demonstrar a justa causa a denúncia deverá ser recebida Mas nesses casos operase contudo a preclusão em relação à prova testemunhal da acusação e à incidência dos limites decorrentes do princípio da correlação em relação às causas de aumentodiminuição agravantesatenuantes conforme explicaremos ao tratar desse tema Inclusive em relação a agravantes não contidas na acusação operase a impossibilidade de reconhecimento por parte do juiz diante da manifesta inconstitucionalidade do art 385 do CPP bem como incompatibilidade com o objeto do processo penal pretensão acusatória Quanto ao número de testemunhas recordando que a vítima não é testemunha e que portanto não integra o limite numérico63 temos como regra geral 8 testemunhas para o rito comum ordinário art 401 e 5 para o rito comum sumário art 532 Essa é uma regra geral permeada por exceções previstas em leis especiais como por exemplo o limite de 5 testemunhas para os delitos de tráfico de substâncias entorpecentes art 55 1º da Lei n 11343 A denúncia deverá ser oferecida como regra no prazo de 5 dias se o acusado estiver cautelarmente preso ou de 15 dias se estiver solto Esse prazo nos termos do art 46 contase da data em que o MP receber os autos do inquérito policial outro instrumento de investigação preliminar ou outras peças de convicção até porque o inquérito não é obrigatório Considerando que o sistema processual brasileiro não adota a estrutura de prazo com sanção pouca consequência prática terá o descumprimento desses limites temporais Estando o imputado solto a violação do prazo acarreta apenas o nascimento do direito de o ofendido ajuizar a queixa subsidiária E até quando poderá o MP ajuizar a denúncia Em tese até a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato calculada pela maior pena prevista no tipo penal a partir da análise dos prazos previstos no art 109 do CP Para nós cuja posição é minoritária a prescrição pela possível pena a ser aplicada prescrição em perspectiva pois não vislumbramos justa causa ou punibilidade concreta nesses casos Ademais há que se considerar o direito ao julgamento no prazo razoável redimensionando a questão do tempo do direito e seu abuso por parte da acusação sem perder de vista ainda a falta de credibilidade de uma prova produzida muitos anos depois do fato bem como a própria ineficácia da sanção penal tão descolada temporalmente do fato criminoso Mas esse entendimento é minoritário e não tem acolhida nos tribunais Estando o imputado preso a situação é muito mais crítica e a violação desse prazo deveria conduzir inexoravelmente à liberdade do imputado sem prejuízo de posterior oferecimento da denúncia e se necessária nova prisão cautelar atendendo ao caráter provisional das prisões preventivas consagrado no art 316 do CPP Mas infelizmente a jurisprudência brasileira tem sido extremamente complacente com a violação dos prazos processuais e não há notícias de habeas corpus interposto e acolhido pela violação dos 5 dias para oferecimento da denúncia Em geral como veremos ao tratar do writ os prazos não são computados de forma isolada para constituição do constrangimento ilegal da prisão senão globalmente de modo que somente após superado um limite muito mas muito maior de tempo é que se cogita de excesso de prazo e consequente soltura do imputado 532 Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada O diferencial nuclear dessa ação em relação à anterior está na exigência legal de que o ofendido ou representante legal faça a representação ou requisição do Ministro da Justiça quando a lei exigir para que o Ministério Público possa oferecer a denúncia É uma ação de iniciativa pública mas que está condicionada a uma espécie de autorização do ofendido para que possa ser exercida Essa autorização é a representação ou nos delitos praticados contra a honra do Presidente da República a requisição do Ministro da Justiça art 145 parágrafo único do CP Para nós é uma condição da ação mas alguns autores definem como condição de procedibilidade De qualquer forma o que importa é que o MP não pode proceder contra alguém sem que exista essa autorização do ofendido nem mesmo o inquérito pode ser formalmente instaurado sem ela diante da exigência do art 5º 4º do CPP Vejamos numa análise sistemática os requisitos da representação 1 Quanto ao Sujeito quem faz a representação é a vítima ou seu representante legal cônjuge ascendente descendente ou irmão art 24 1º A representação poderá ainda ser prestada através de procurador com poderes especiais art 39 Se o ofendido for 11 Menor de 18 anos quem faz a representação é seu representante legal pai mãe avós maternos ou paternos irmão maior de 18 anos e até mesmo os tios que detenham a guarda legal Quanto à problemática Súmula n 594 do STF entendemos que se trata de direito único mas com dois titulares de modo que uma vez operada a decadência estará fulminado o direito Assim quando a vítima for menor de 18 anos poderá ocorrer uma dessas situações 111 Se o menor leva ao conhecimento do representante legal o delito do qual foi vítima começa a correr o prazo de 6 meses para que seja feita a representação Não sendo realizada operase a decadência 112 Se o menor não conta para o representante legal quando completar 18 anos terá o prazo de 6 meses para fazer a representação Isso porque contra o menor de 18 anos não corre prazo e em relação ao representante legal também não pois não tinha conhecimento do ocorrido 12 Maior de 18 anos e menor de 21 até o advento do Código Civil cuja vigência é de 2003 a sistemática do CPP era de legitimidade concorrente pois a representação e uma série de outros institutos como o perdão e a renúncia poderia ser feita pela vítima ou pelo representante legal pois ela era considerada relativamente capaz para a prática dos atos da vida civil Contudo com o novo Código Civil operouse uma mudança no que se refere ao tratamento da capacidade Assim uma pessoa é plenamente capaz aos 18 anos Logo acabou toda e qualquer capacidade concorrente seja para representar perdoar ou renunciar quando a vítima tiver mais de 18 anos pois ela passou a ser plenamente capaz não havendo mais a possibilidade de o ascendente por exemplo representar por ele salvo se for constituído como seu procurador através de procuração com poderes especiais64 Para evitar qualquer confusão é importante destacar que essa alteração da legislação civil não afeta o Direito Penal de modo que o agente que possua entre 18 e 21 anos segue gozando de tratamento diferenciado como por exemplo com a incidência da atenuante da menoridade e a redução do prazo prescricional Isso porque na esfera penal vale o critério etário Já para o processo penal o critério utilizado é a capacidade para a prática dos atos da vida No que se refere ao polo passivo da representação autor do delito devese esclarecer que a representação não precisa identificar o imputado até porque essa identificação pode depender da investigação policial a ser realizada a partir dela Daí porque processualmente irrelevante é a representação que não identifique o autor do fato ou mesmo identifique parcialmente os agressores como pode ocorrer em caso de concurso de agentes Assim se a representação imputar a A a prática do fato e a investigação apurar que o delito foi praticado em coautoria ou com a participação de B a denúncia deverá ser formulada contra ambos princípio da indivisibilidade ainda que a representação tenha mencionado apenas um deles Isso porque a representação é uma autorização para que o Estado possa apurar a prática de um delito de ação penal pública condicionada incluindo aí todas as pessoas cuja responsabilidade penal venha a ser apurada Contudo se a intenção é fazer a representação diretamente no MP sem prévio inquérito o que é possível em tese mas pouco usual a questão muda radicalmente de tratamento devendo ela conter todos os elementos necessários para a formulação da denúncia 2 Quanto ao Objeto a representação tem por objeto um fato acrescida da autorização para que o Estado possa proceder no sentido de apurar e acusar a todos os envolvidos nesse fato delituoso 3 Forma dos Atos em que pese a relativização da forma da representação atualmente consagrada na jurisprudência existem alguns elementos básicos que devem constar 31 Quanto ao Lugar a representação poderá ser feita diretamente ao juiz MP ou na polícia Sendo feita ao juiz deverá ele encaminhála imediatamente ao Ministério Público e não à polícia como prevê o art 39 4º do CPP pois à luz do sistema acusatório constitucional não incumbe ao juiz determinar a abertura de inquérito policial senão encaminhar para o titular da ação penal pública Ministério Público para que ele decida entre denunciar direto pedir arquivamento investigar por si mesmo pedir diligência à polícia ou requisitar a instauração do IP Quando oferecida a representação diretamente à polícia deverá esta apurar a infração penal apontada através do IP 32 Tempo a representação deverá ser feita no prazo decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber65 quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser prorrogado interrompido ou suspenso Realizada no prazo legal será irrelevante que a denúncia seja oferecida após os 6 meses pois o prazo decadencial está atrelado exclusivamente à representação e uma vez realizada esta não se fala mais em decadência A representação poderá ser oferecida a qualquer dia e hora junto à autoridade policial e nos dias e horas úteis ao juiz ou promotor Importante destacar que o prazo decadencial não se prorroga logo se acabar no domingo por exemplo não se estende para segundafeira devendo a representação ser feita na polícia no domingo Quanto à forma de contagem do prazo aplicase a regra do art 10 do Código Penal de modo que o dia do começo incluise no cômputo do prazo Assim para saber o dia final basta projetar até seis meses depois e retroceder um dia Exemplo se tomou conhecimento no dia 0302 a representação poderá ser feita até o dia 0208 às 23h59min No primeiro minuto do dia 0308 terá se operado a decadência Importante destacar que a requisição do Ministro da Justiça não tem prazo para ser oferecida não se aplicando portanto ao prazo decadencial de 6 meses previsto para a representação Não há que se falar em analogia por inexistência de lacuna e principalmente porque não se pode por analogia criar uma causa de extinção desse ou de qualquer direito Assim a requisição e a posterior denúncia poderá ser feita até a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato ou como pensamos até a prescrição pela possível pena a ser aplicada prescrição em perspectiva pois não vislumbramos justa causa ou punibilidade concreta nesses casos 33 Forma art 39 e seus incisos 331 É facultativa estando subordinada a critérios de oportunidade e conveniência A vítima não está obrigada a representar e recordese sem sua autorização não pode o Estado proceder contra o autor do delito 332 Deve ser um ato de livre manifestação de vontade do ofendido O vício de consentimento anula a representação e leva à ilegitimidade ativa falta a condição da ação exigida pela lei do MP para promover a ação penal 333 Poderá ser prestada oralmente ou por escrito No primeiro caso será reduzida a termo pela autoridade no segundo poderá ser manuscrita ou datilografada mas deverá ter a firma reconhecida por autenticidade Quando não cumprir esse requisito legal a autoridade que o recebeu deverá intimar a vítima para que compareça querendo a fim de representar oralmente reduzindose a escrito Outra solução tendo em vista a tendência em flexibilizar os requisitos formais da representação é solicitar a ratificação no momento em que a vítima for ouvida desde que o faça antes de oferecida a denúncia e dentro do prazo decadencial de 6 meses A jurisprudência amenizou muito a forma prescrita no art 39 e atualmente entendese que a mera notíciacrime já é suficiente para implementarse o requisito legal Prevalece a doutrina da instrumentalidade das formas com uma flexibilização dos requisitos formais Assim importa mais o conteúdo manifestação de vontade da vítima no sentido de autorizar a apuração e acusação pelo Estado do que a forma66 A representação não é obrigatória e poderá haver retratação do ofendido Como prevê o art 25 a representação será irretratável depois de oferecida a denúncia logo perfeitamente retratável até o oferecimento da denúncia Retratarse aqui é retirar a autorização dada voltar atrás na representação Exige atenção o termo final da retratação oferecimento da denúncia Não é recebimento pelo juiz mas o mero oferecimento pelo Ministério Público E como se comprova o oferecimento da denúncia Pelo registro feito no livro carga Saindo das mãos do Ministério Público com a denúncia ofertada já não caberá a retratação A retratação poderá ser parcial Não é geral atingindo a todos os fatos cuja ação seja pública condicionada e todos os envolvidos Surge como uma decorrência da indivisibilidade da ação penal seja ela pública ou privada uma regra básica nessa matéria Inclusive em caso de concurso de pessoas em delito de ação penal pública condicionada havendo a retratação em relação a um dos agentes opera se a renúncia que a todos se estende art 49 por analogia É possível a retratação da retratação E como ela é feita Sim é possível a retratação da retração e ela se dá através de nova representação Ou seja a vítima faz a representação e se arrepende Desde que não tenha sido oferecida a denúncia ela pode se retratar voltar atrás e retirar a autorização que deu para o Estado atuar ou seja a representação Contudo pode ocorrer que após a retratação ela mude novamente de opinião e se arrependa agora da retratação feita Resolve que deseja ver o agressor submetido ao processo penal Então o que ela deve fazer Uma nova representação Logo a retratação da retração se dá através de nova representação desde que e isso é fundamental não tenham se passados os 6 meses entre a data do fato ou dia em que vier a saber quem é o autor e essa nova representação Isso porque a primeira representação feita e que foi objeto da retratação desaparece e o prazo segue correndo Contudo em sentido diverso opina TOURINHO FILHO67 com propriedade afirmando que a retratação da representação equivale a uma renúncia e portanto gera a extinção da punibilidade Logo ao se retratar estaria o ofendido renunciando ao direito de representação sendo incabível uma nova representação em momento posterior E nos crimes contra a honra de servidor público caberá retratação Com certeza Inserese na regra geral do art 25 Ademais a Súmula n 714 do STF consagrou a legitimidade concorrente entre o ofendido através de queixa e o Ministério Público condicionada a ação à representação do servidor Logo se representou pode se retratar desde que antes de oferecida a denúncia Se optou pela queixa tanto poderá renunciar se ainda não a exerceu como poderá ofertar o perdão ou mesmo desistir e dar lugar à perempção se já exerceu a queixa É possível retratação da requisição do Ministro da Justiça Entendemos que sim na mesma linha de PACELLI68 pois é submetida aos mesmos critérios de oportunidade e conveniência da vítima aqui especialmente à conveniência e ao interesse político tendo em vista a especial qualidade do ofendido Sem olvidar contudo que a retratação somente poderá se produzir quando feita antes de oferecida a denúncia Por fim antes de encerrar este tópico é importante destacar a alteração realizada pela Lei n 117052008 que modificou o art 291 do Código de Trânsito Brasileiro que passou a ter a seguinte redação Art 291 1º Aplicase aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts 74 76 e 88 da Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 exceto se o agente estiver I sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência II participando em via pública de corrida disputa ou competição automobilística de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor não autorizada pela autoridade competente III transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 kmh cinquenta quilômetros por hora 2º Nas hipóteses previstas no 1º deste artigo deverá ser instaurado inquérito policial para a investigação da infração penal Com isso presentes algumas daquelas situações previstas nos incisos I a III a ação penal passa a ser de iniciativa pública incondicionada Até o advento dessa Lei a ação penal nos crimes de trânsito de lesões corporais culposas era condicionada à representação Agora é incondicionada Também por força da nova lei nessas situações não se aplicam os institutos da composição dos danos civis e da transação penal previstos nos arts 74 e 76 da Lei n 9099 Feita essa ressalva finalizamos este tópico deixando claro que uma vez feita a representação desaparece a condição impeditiva da atuação por parte do Ministério Público A partir daí incidem todas as regras anteriormente explicadas sobre a ação penal de iniciativa pública oficialidade obrigatoriedade indisponibilidade indivisibilidade e intranscendência 533 Ação Penal de Iniciativa Pública Extensiva e a Problemática em Torno da Ação Penal nos Crimes Contra a Dignidade Sexual Lei n 120152009 Para os crimes contra os costumes designação utilizada até 2009 praticados até o advento da Lei n 120152009 prevalecia o entendimento de que a ação penal seguia as seguintes regras a como regra a ação penal é de iniciativa privada queixacrime b a lesão corporal leve é inerente ao tipo e não altera a natureza da ação penal ou seja segue sendo privada c será pública incondicionada quando ocorrer o resultado morte ou lesão corporal grave ou gravíssima Súmula n 608 do STF d a ação será pública condicionada à representação quando a vítima ou seus pais não puderem prover as despesas do processo sem privarse de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família antiga redação do art 225 do CP e será pública incondicionada quando o crime é cometido com abuso do pátrio poder ou da qualidade de padrasto tutor ou curador f sendo a violência presumida a ação penal é de iniciativa privada exceto quando ocorrer alguma das situações anteriormente descritas Para os crimes contra a dignidade sexual praticados após o advento da Lei n 120152009 o cenário é completamente distinto pois não mais haverá ação penal privada Com isso nos termos da nova redação do art 225 do Código Penal a como regra geral a ação penal será pública condicionada à representação b a ação penal será pública incondicionada se a vítima for menor de 18 anos c a ação penal será pública incondicionada se a vítima estiver em situação de vulnerabilidade ou seja for menor de catorze anos ou alguém que por enfermidade ou deficiência mental não tiver o necessário discernimento para a prática do ato ou que por qualquer outra causa não puder oferecer resistência d será pública incondicionada quando ocorrer o resultado morte ou lesão corporal grave ou gravíssima aplicação da Súmula n 608 do STF e as regras do crime complexo art 101 do CP Portanto a regra agora é que a ação penal seja de iniciativa pública mas condicionada à representação da vítima ou ao seu representante legal Excepcionalmente a ação penal será pública incondicionada vítima menor de 18 anos em situação de vulnerabilidade ou na situação da Súmula n 608 do STF violência que resulte lesão corporal grave gravíssima ou morte Não há mais hipóteses de cabimento da ação penal de iniciativa privada exceto a ação penal privada subsidiária da pública que como veremos na continuação é uma situação de legitimação extraordinária em caso de inércia do Ministério Público mas que não transforma a ação penal em privada ela continua sendo pública e regida por suas respectivas regras e princípios Importante esclarecer que a Súmula n 608 do STF segue com plena eficácia com a seguinte redação Súmula n 608 do STF No crime de estupro praticado mediante violência real a ação penal é pública incondicionada E não poderia ser diferente pois o estupro com resultado morte ou lesão corporal grave ou gravíssima é um crime complexo sendo nesse caso a ação penal pública incondicionada Aplicase nesses casos a regra contida no art 101 do Código Penal que determina que a ação penal será pública quando a lei considerar como elementar ou circunstância do tipo legal fatos que por si mesmos constituam crimes de ação penal pública como o resultado morte ou lesão corporal grave ou gravíssima Contudo chamamos a atenção do leitor para a ação penal no caso de estupro de vulnerável Com a promulgação da Lei n 120152009 a regra passou a ser a ação penal pública condicionada à representação abrindose a possibilidade do ajuizamento de ação penal pública incondicionada nos casos envolvendo menores de 14 anos ou pessoas em situação de vulnerabilidade Art 225 Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título procedese mediante ação penal pública condicionada à representação Parágrafo único Procedese entretanto mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 dezoito anos ou pessoa vulnerável Essa vulnerabilidade no entanto não se confunde com as hipóteses de incidência do crime do art 217A do CP estupro de vulnerável uma vez que a incapacidade hábil a fazer incidir o delito pode ser transitória e a vítima não mais se encontrar em situação de vulnerabilidade no momento da manifestação do desejo de representar estava vulnerável mas não é pessoa vulnerável A doutrina inclusive dá o exemplo às avessas do psicótico que medicado não era vulnerável no momento dos fatos sendo vítima de crime de estupro comum e não do crime de estupro de vulnerável No caso temse situação oposta em que a vítima muito embora em tese se encontrasse em situação de vulnerabilidade no momento dos fatos não é pessoa vulnerável para o fim de manifestar o desejo de representar A ideia é muito simples o caput do art 225 do CP estabelece que a regra é a ação pública condicionada à representação tanto para os crimes do Capítulo I crimes contra a liberdade sexual quanto do Capítulo II crimes sexuais contra vulnerável A exceção está no parágrafo único que prevê ação pública incondicionada para os crimes sexuais estejam eles previstos no Capítulo I ou II perpetrados contra menor de 18 anos ou pessoa vulnerável Art 225 Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título procedese mediante ação penal pública condicionada à representação Parágrafo único Procedese entretanto mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 dezoito anos ou pessoa vulnerável O vulnerável de que trata o dispositivo é a pessoa que de forma perene encontrase em situação de vulnerabilidade seja em razão da idade ou de enfermidade mental ou mesmo um coma estendido que não permita à sedizente vítima declarar sua vontade Assim como o psicótico que se medicado estiver não vai ser vulnerável para fins de definição do crime embora o seja para fins de definição da ação penal cabível pois se parar de tomar os remédios não terá condições de manifestar o desejo de representar a suposta vítima que se encontre vulnerável no momento da perpetração do delito não necessariamente se encontrará nesse estado quando da manifestação do desejo de representar essa a razão aliás pela qual existem duas disposições distintas nesse sentido uma no caput e outra no parágrafo único A vulnerabilidade de que trata a nova redação do art 225 parágrafo único in fine do CP é a do menor impúbere ou do enfermo mental que por circunstâncias perenes a menoridade ou a situação incapacitante perdurável é incapaz de manifestar vontade mesmo muito tempo depois de transcorridos os supostos fatos Não abrange a situação do indivíduo momentaneamente alcoolizado ou incapaz por qualquer outra razão de expressar vontade em toda a sua dimensão mas que se encontra no pleno gozo de suas faculdades mentais logo após o ocorrido Daí por que se afirmar que no que tange ao crime do art 217A supostamente perpetrado em desfavor de pessoa que no momento dos fatos se encontrava em situação transitória de vulnerabilidade estava vulnerável mas não é vulnerável a ação continua seguindo a regra geral do CP sendo pública condicionada à representação EM SUMA a vulnerabilidade tem duas dimensões a Vulnerabilidade penal é a dimensão penal do tipo que aumenta o juízo de desvalor da conduta e se justifica diante da necessidade de punir mais severamente quem se aproveita daquela situação de hipossuficiência da incapacidade da vítima para praticar o crime Pode assim ser uma vulnerabilidade transitória ou permanente não importando a questão temporal mas apenas a vulnerabilidade no momento do crime b Vulnerabilidade processual atende a critérios de caráter processual onde o referencial é a ação penal e as condições da ação O ponto crucial é a capacidade ou incapacidade postulatória para o processo para fazer ou não a representação no prazo de 6 meses Deve transcender o momento do crime não podendo ser transitória porque tem que se prolongar até o momento do exercício da condição de procedibilidade Portanto uma vítima embriagada pode estar vulnerável para o direito penal e a incidência do tipo mais grave e não ser vulnerável para o processo penal São dimensões diferentes que atendem a critérios e necessidades distintos A vítima após passar o estado de embriaguez que é temporário poderá exercer o direito de representação no prazo legal Se não o fizer haverá decadência pois a ação penal é pública condicionada a representação Isso porque o art 225 parágrafo único do CP que autoriza ação penal pública incondicionada não abrange a pessoa que ocasional e temporariamente se encontra nessa situação Neste sentido acertada a decisão do TJRS nos Embargos Infringentes n 70054018346 4º Grupo j 23082013 que fez a distinção entre vulnerabilidade permanente e transitória para fins processuais penais e definição da natureza da ação penal69 6 Ação Penal de Iniciativa Privada A ação penal será de iniciativa privada quando o Código Penal disser que somente se procede mediante queixa Como explicamos anteriormente ao tratar do objeto do processo penal nos delitos de ação penal de iniciativa privada o senso comum teórico segue repetindo que instituise a ação penal privada uma das hipóteses de substituição processual em que a vítima defende interesse alheio direito de punir em nome próprio70 Tratase de um erro imperdoável de quem partiu de uma premissa equivocada Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o particular é titular de uma pretensão acusatória e exerce o seu direito de ação sem que exista delegação de poder ou substituição processual Em outras palavras atua um direito próprio o de acusar da mesma forma que o faz o Ministério Público nos delitos de ação penal de iniciativa pública Ao ser regida pelos princípios da oportunidadeconveniência e disponibilidade se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória deverá o juiz extinguir o feito sem julgamento do mérito ou pela sistemática do CPP declarar a extinção da punibilidade pela perempção art 60 do CPP Como se vê a sistemática do CPP está em plena harmonia no que tange à ação penal de iniciativa privada com a posição aqui defendida Assim não há que se falar em substituição processual senão que o ofendido atua no processo penal uma pretensão acusatória que lhe é própria e não se confunde com o poder de penar que está a cargo do Estadojuiz A ação penal de iniciativa privada será exercida pelo ofendido ou seu representante legal através de queixacrime A queixa deverá conter os mesmos requisitos da denúncia pois assim exige o art 41 do CPP razão pela qual remetemos o leitor ao que foi explicado anteriormente Também deverá o juiz observar quando do oferecimento da queixa se estão presentes as condições da ação previstas no art 395 e anteriormente explicadas Não estando deverá rejeitála A esses requisitos do art 41 e condições da ação art 395 acrescentamos a necessidade de dar um valor à causa de alçada pois a queixa paga custas processuais conter procuração com poderes especiais nos termos do art 44 a descrição do fato constitui uma garantia contra uma eventual responsabilidade por denunciação caluniosa em relação ao advogado ainda que não seja um requisito imprescindível deverá o querelante pedir a condenação do querelado ao pagamento das custas e honorários advocatícios pois incide nesse tipo de ação salvo se for pedida e concedida a assistência judiciária gratuita 61 Regras que Orientam a Ação Penal de Iniciativa Privada Também na ação penal de iniciativa privada existem regras alguns consideram princípios que norteiam seu exercício e desenvolvimento a Oportunidade e conveniência a vítima não está obrigada a exercer a ação penal pois ao contrário da ação penal de iniciativa pública não há obrigatoriedade senão plena faculdade Caberá ao ofendido analisar o momento em que fará a acusação desde que respeitado o prazo decadencial de 6 meses bem como a conveniência de submeter seu caso penal ao processo ponderando as vantagens e desvantagens b Disponibilidade ao contrário da ação penal de iniciativa pública a ação penal de iniciativa privada é plenamente disponível no sentido de que poderá o ofendido renunciar ao direito de ação desistir do processo dando causa à perempção art 60 bem como perdoar o réu mas somente produzirá efeito em caso de aceitação c Indivisibilidade em que pese a facultatividade e disponibilidade por opção políticoprocessual a ação penal privada é indivisível no sentido de que não poderá o querelante escolher em caso de concurso de agentes contra quem irá oferecer a queixa Evitando um claro caráter vingativo através da escolha define o art 48 que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos e o Ministério Público velará por sua indivisibilidade A questão a saber é como se dará o controle da indivisibilidade por parte do MP Há quem entenda que não incluindo o querelante algum dos autores do fato e para tanto deve o inquérito ou contexto probatório demonstrar isso o MP poderia aditar a queixa para incluir o coautor ou partícipe excluído interpretação do art 45 Não concordamos Não tem o Ministério Público legitimidade para acusar alguém pela prática de um crime de iniciativa privada É manifesta a ilegitimidade Pensamos que o MP deve zelar pela indivisibilidade da ação através da aplicação do art 49 ou seja manifestandose pela extinção da punibilidade em relação a todos pois houve renúncia tácita Como muito seguindo a sugestão de NUCCI71 o Ministério Público invocará o querelante para que faça o aditamento sob pena de em não o fazendo terse como renunciado o direito a queixa em relação a todos Essa é a intervenção que o Ministério Público está legitimado a fazer E se na instrução surgirem novas provas indicando novos autores do delito caberá aditamento por parte do Ministério Público Seguimos entendendo que não por manifesta ilegitimidade Nesse caso recordemos o disposto no art 38 o qual dispõe que o prazo de seis meses para oferecimento da queixa começa a correr do dia em que vier a saber quem é o autor do crime Logo não houve renúncia pois o querelante não sabia quem era o coautor ou partícipe Então terá o querelante o prazo de 6 meses contados da data da audiência ou ato processual que definiu essa nova autoria para ajuizar a queixacrime No caso se ainda estiver tramitando o primeiro processo deverá haver reunião para julgamento simultâneo tendo em vista a existência de continência art 77 I Voltaremos a essa questão a seguir quando tratarmos do aditamento na queixacrime onde explicamos que o único aditamento possível tanto pelo MP como pelo querelante é o impróprio que não inclui fato ou sujeitos no processo mas apenas faz a correção material de dados da situação fática descrita d Intranscendência remetendo o leitor ao que dissemos anteriormente ao tratar da ação penal de iniciativa pública a acusação não poderá passar da pessoa do autor do fato 62 Titularidade Querelante e o Prazo Decadencial Quanto ao titular da queixacrime recebe o nome de querelante sendo o réu designado querelado O querelante é o ofendido pelo delito art 30 sendo que em caso de morte ou ausência declarada por decisão judicial o direito de prosseguir na ação passará ao cônjuge ascendente descendente ou irmão Se o ofendido for menor de 18 anos ou mentalmente enfermo não poderá ele fazer a queixacrime por lhe faltar capacidade postulatória Nos termos do art 33 caberá ao seu representante legal postular devidamente representado por advogado é claro salvo se estiver habilitado para o exercício da advocacia Havendo divergência entre o interesse do menor ou incapaz e o do representante legal caberá ao juiz nomear um curador que não está obrigado a ajuizar a queixacrime pois ela não é obrigatória senão que deverá ponderar a conveniência e oportunidade para o menor Repetese aqui a problemática em torno da Súmula n 594 do STF onde Se o ofendido for menor de 18 anos quem faz a queixa é o seu representante legal mas recordemos tratase de direito único mas com dois titulares de modo que uma vez operada a decadência estará fulminado o direito Assim quando o ofendido for menor de 18 anos poderá ocorrer uma destas situações 1 Se o menor leva ao conhecimento do representante legal o delito do qual foi vítima começa a correr o prazo de 6 meses para que seja feita a queixa Não sendo realizada operase a decadência 2 Se o menor não conta para o representante legal quando completar 18 anos terá o prazo de 6 meses para fazer a queixa Isso porque contra o menor de 18 anos não corre prazo e em relação ao representante legal também não pois não tinha conhecimento do ocorrido Em relação ao ofendido maior de 18 anos e menor de 21 até o advento do Código Civil cuja vigência é de 2003 a sistemática do CPP era de legitimidade concorrente art 34 pois a queixa e uma série de outros institutos como o perdão e a renúncia poderia ser feita pela vítima ou pelo representante legal pois ela era considerada relativamente capaz para a prática dos atos da vida civil Contudo com o novo Código Civil operouse uma mudança no que se refere ao tratamento da capacidade Agora uma pessoa é plenamente capaz aos 18 anos Logo acabou toda e qualquer capacidade concorrente seja para representar fazer a queixacrime perdoar ou renunciar quando a vítima tiver mais de 18 anos pois ela passou a ser plenamente capaz não havendo mais a possibilidade concorrente de o ascendente por exemplo fazer a queixa Quanto ao prazo a queixa deverá ser feita no prazo decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber72 quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser prorrogado interrompido ou suspenso Importante destacar que o prazo decadencial não se prorroga logo se acabar no domingo por exemplo não se estende para segundafeira devendo a queixa ser distribuída na sextafeira anterior ou no plantão de domingo Quanto à forma de contagem do prazo não se conta o dia da ciência e se inclui o do término Assim para saber o dia final basta projetar até seis meses depois e retroceder um dia Exemplo se tomou conhecimento no dia 0302 a queixa poderá ser feita até o dia 0208 às 23h59min No primeiro minuto do dia 0308 terá se operado a decadência do direito de queixa 621 Procuração com Poderes Especiais A Menção ao Fato Criminoso O querelante somente pode postular em juízo através de advogado cuja procuração deverá conter poderes especiais e fazer a menção ao fato criminoso Inicialmente cumpre destacar o erro de alguns advogados que insistem em utilizar na esfera penal procuração com os poderes gerais para o foro previstos no art 38 do CPC Ora nada mais inadequado do que no processo penal receber poderes para reconvir intervir como terceiro proceder a retificação de registros civis transigir desistir receber e dar quitação prestar compromisso de inventariante prestar primeiras e últimas declarações etc e não ter poderes para defender o réu em processocrime interpor recursos ou na matéria em questão deixar de consignar a outorga de poderes para requerer abertura de inquérito policial ajuizar queixacrime oferecer perdão e atos típicos do processo penal Mais do que uma procuração adequada para os atos a serem praticados no processo penal deve ela conter o nome do querelante pois é o outorgante dos poderes e do querelado o réu O art 44 do CPP menciona querelante o que está incorreto pois este obviamente deverá estar sempre na procuração senão não se opera a outorga de poderes Logo deve ser lido querelado no art 44 Atenção especial merece a exigência de menção do fato criminoso Durante muito tempo se entendeu que significava a descrição do fato na procuração em que o querelante outorgava poderes aos advogados outorgados para ajuizarem queixacrime contra o agressor querelado porque no dia tal às tantas horas teria proferido as palavras então se descreve a situação fática que constitui o crime A descrição do fato criminoso era considerada fundamental para assegurar que o advogado quando da elaboração da queixa ficaria protegido de uma eventual acusação de denunciação caluniosa por parte do querelado Atualmente até por força das prerrogativas asseguradas na Lei n 8906 têm os tribunais73 entendido que por menção ao fato criminoso compreendese a mera indicação dos crimes praticados Assim bastariam os poderes especiais para oferecer queixacrime contra fulano querelado porque no dia tal às tantas horas teria praticado os delitos de injúria e difamação por exemplo Toda a problemática em torno da menção ao fato criminoso cai por terra quando o ofendido assina juntamente com seu advogado a queixacrime Como nela existirá a plena descrição do fato criminoso e também a fundamentação jurídica acerca da tipicidade da conduta praticada assinando o querelante a inicial estará ratificando todo o afirmado por seu procurador Por fim caso o ofendido não tenha condições econômicas de constituir um advogado prevê o art 32 que o juiz lhe nomeará um advogado para promover a ação penal 63 Espécies de Ação Penal de Iniciativa Privada A ação penal de iniciativa privada poderá ser a Originária ou comum tratase da ação penal de iniciativa privada tradicional sem qualquer especificidade podendo ser ajuizada através da queixa no prazo decadencial de 6 meses pelo ofendido ou seu representante legal b Personalíssima é uma ação penal de iniciativa privada e mais do que isso restrita à iniciativa pessoal da vítima Atualmente com a revogação do delito de adultério art 240 do CP pela Lei n 111062005 persiste em nosso ordenamento apenas um delito de iniciativa personalíssima o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento previsto no art 236 do CP Nesse crime exige o parágrafo único do art 236 que a ação penal somente poderá ser ajuizada pelo contraente enganado Significa que não se opera a sucessão prevista no art 31 do CPP e por consequência com a morte do ofendido extinguemse a punibilidade e a ação penal Ademais se o cônjuge enganado for menor de 18 anos a queixa somente poderá ser prestada após cessada a menoridade Isso porque a emancipação pelo casamento não gera nenhum efeito no processo penal nem para tornálo imputável nem para lhe outorgar capacidade para exercer a ação penal c Subsidiária da pública também chamada de queixa substitutiva exige uma atenção maior pois se trata de uma legitimação extraordinária para o ofendido exercer ação penal em um crime que é de iniciativa pública Está consagrada constitucionalmente no art 5º LIX e também nos arts 29 do CPP e 100 3º do CP Assim se recebido o inquérito policial ou peças de informação suficientes para oferecer a denúncia ou pedir o arquivamento ou ainda postular diligências o Ministério Público ficar inerte poderá o ofendido superado o prazo concedido para o MP denunciar 5 dias se o imputado estiver preso ou 15 dias se estiver solto oferecer uma queixa subsidiária dando início ao processo e assumindo o polo ativo como acusador Por inércia do MP compreendese o fato de ele não acusar nem pedir diligências e tampouco o arquivamento Caso tenha pedido diligências ou o arquivamento mesmo que a vítima não concorde não há que se falar em inércia e portanto inviável a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública O prazo para o ofendido exercer essa ação penal inicia com o término do prazo concedido ao Ministério Público logo no 6º dia estando o imputado preso ou no 16º dia estando ele em liberdade findando 6 meses após conforme disciplina o art 38 do CPP Importante destacar que é uma legitimidade extraordinária nascida da inércia do MP mas que não transforma a ação em privada Ela segue sendo de iniciativa pública regida pelas regras anteriormente expostas de obrigatoriedade indisponibilidade indivisibilidade e intranscendência Assim não há que se falar em disposição perdão ou perempção Contudo em tese pode o ofendido renunciar ao seu direito de oferecer a queixa subsidiária mas isso em nada afetará o direito de o Ministério Público oferecer a denúncia a qualquer tempo desde que antes de extinta a punibilidade por óbvio Em que pese a iniciativa do ofendido exercendo a acusação não há que se esquecer que estamos diante de um delito de ação penal de iniciativa pública e cuja titularidade constitucional é do Ministério Público Daí por que para além das possibilidades de aditar repudiar e oferecer a denúncia poderá o MP intervir em todos os termos do processo devendo ser intimado dos atos portanto bem como retomar a qualquer tempo como parte principal Nesse caso o ofendido poderá permanecer no processo mas como assistente da acusação devendo habilitarse para tanto nos termos do art 268 e ss do CPP Quanto à discussão acerca da expressão no caso de negligência do querelante retomar a ação como parte principal contida na última parte do art 29 pensamos que ela deve ser relida a partir da legitimidade constitucional do MP Havendo negligência do querelante o que poderia conduzir a uma perempção sem contudo produção dos efeitos diante da regra da obrigatoriedade já descumprida pela inércia inicial do MP deverá o promotor retomar a ação Não há possibilidade de perempção de ação pública Nesse caso existe um dever legal de agir Contudo não é apenas em caso de negligência que o MP pode retomar a ação pois sendo ele o titular constitucional art 129 I da Constituição poderá fazêlo a qualquer tempo e não apenas em caso de negligência 64 Ação Penal nos Crimes Praticados Contra a Honra de Servidor Público Nos crimes contra a honra de servidor público praticado em razão do ofício ou função desempenhados ou seja propter officium a legitimidade ativa é atualmente considerada concorrente entre o ofendido servidor e o Ministério Público condicionada à representação Nesse sentido está posta a Súmula n 714 do STF É concorrente a legitimidade do ofendido mediante queixa e do Ministério Público condicionada à representação do ofendido para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções Então nesses delitos a ação poderá ser de iniciativa privada ou pública condicionada à representação do ofendido Contudo há que se ter muito cuidado pois eleita uma via está fechada a porta para a outra74 No caso em tela além da preclusão de uma via quando eleita outra logo ou o ofendido representa e com isso a ação será pública e a cargo do MP ou assume integralmente o polo ativo através do oferecimento de queixa aponta o STF para o descabimento de ação penal privada subsidiária quando o MP pede diligências à polícia no caso abertura de inquérito na mesma linha do que afirmamos anteriormente Por fim repetindo lição anterior se o ofendido optar por fazer a representação poderá ele se retratar Com certeza Inserese na regra geral do art 25 Logo se representou pode se retratar desde que antes de oferecida a denúncia Se optou pela queixa tanto poderá renunciar se ainda não a exerceu como poderá ofertar o perdão ou mesmo desistir e dar lugar à perempção se já exerceu a queixa 65 Renúncia Perdão e Perempção São causas de extinção da punibilidade previstas no art 107 do Código Penal operandose da seguinte forma a Renúncia a renúncia ao direito de queixa também possível em relação ao direito de representação é um ato unilateral do ofendido que não necessita de aceitação do imputado para produção de efeitos Somente se pode falar em renúncia antes do exercício do direito de queixa ou de representação Poderá ser expressa por escrito art 50 ou tácita art 104 parágrafo único do CP quando houver a prática de ato incompatível com a intenção de acusar alguém admitindose qualquer meio de prova para sua demonstração art 57 do CPP Para além dos exemplos surreais de alguns manuais vg quando o ofendido convida o agressor para ser padrinho do casamento de sua filha e coisas do gênero é extremamente relevante e corriqueira a questão da indenização paga pelo ofensor à vítima A regra geral prevista no art 104 parágrafo único do Código Penal é a de que não implica renúncia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime Contudo tal regra foi excepcionada pelo art 74 parágrafo único da Lei n 9099 que passou a dispor da seguinte forma tratandose de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação Foi então revogado o art 104 do Código Penal75 Pensamos que não A questão situase noutro nível76 no da qualificação jurídica das infrações penais e na esfera de competência do Juizado Especial Criminal Nos crimes de competência dos Juizados delitos cuja pena máxima não seja superior a 2 anos conforme a nova definição da Lei n 102592001 o acordo acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação Nos demais casos que excedem a competência do Juizado segue valendo o art 104 do CP Nos crimes de competência do JEC o acordo homologado além de gerar um título executivo judicial acarreta inexoravelmente a renúncia do direito de queixa ou de representação no caso de ação penal pública condicionada Tal situação é extremamente comum em acidentes de trânsito com a produção de lesões culposas Se antes a indenização não implicava renúncia agora conduz a ela quando homologada em juízo E se a composição dos danos e pagamento forem efetuados antes da audiência preliminar do JEC é salutar que o causador dos danos faça juntamente com o recibo uma renúncia expressa da vítima para evitar discussões posteriores Essa nova disciplina da Lei n 9099 adquire fundamental importância se considerarmos que a imensa maioria senão totalidade dos delitos de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação hoje é de competência dos JECs Também deve ser considerado como renúncia o pedido de arquivamento do inquérito policial instaurado para apuração de um delito de iniciativa privada feito pelo ofendido ao juiz Isso porque nos termos do art 19 do CPP nos crimes em que não couber ação pública os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal ou serão entregues ao requerente se o pedir mediante traslado Assim não havendo previsão legal de pedido de arquivamento do inquérito pelo ofendido eventual manifestação sua nesse sentido deve ser recebida como renúncia até porque é mais favorável também para o sujeito passivo pois a decisão de extinção da punibilidade faz coisa julgada formal e material Noutra dimensão sendo o ofendido menor de 18 anos a renúncia do seu representante legal conduz à extinção da punibilidade Em tese havendo divergência entre a vontade do menor e a do representante legal aplicase o art 33 podendo ser nomeado um curador especial Sendo o ofendido maior de 18 anos é plenamente capaz para fazer a queixa ou a representação bem como renunciar ou perdoar Destaquese ainda a revogação do art 50 parágrafo único pois não existe mais essa legitimidade concorrente o maior de 18 anos é plena e soberanamente capaz para decidir entre renunciar ou não Por fim a renúncia em relação a qualquer dos autores do crime em caso de concurso de agentes a todos se estenderá mesmo que assim não o deseje o ofendido art 49 por imposição da regra da indivisibilidade da ação penal b Perdão tratase de ato bilateral na medida em que o ofendido deve oferecer no curso do processo e o réu aceitar É possível a partir do recebimento da queixa antes o que pode haver é renúncia até que ocorra o trânsito em julgado da sentença art 106 2º Ainda que isso cause estranheza o processo penal pode nascer se desenvolver e quando estiver em julgamento o último recurso cabível o ofendido poderá oferecer o perdão e o imputado aceitar extinguindose o feito É a máxima manifestação da disponibilidade da ação penal privada Mas advirtase é um ato bilateral logo não havendo aceitação do réu nenhum efeito se produz Interessante ainda é que em caso de concurso de agentes o perdão oferecido a um dos réus a todos aproveita significa que o ato de oferecimento é estendido a todos os réus art 51 do CPP mesmo que não queira o ofendido influência da regra a indivisibilidade coexistindo com a disponibilidade Contudo somente em relação aos que aceitarem se produzem os efeitos Logo num processo em que foi oferecida queixa contra A B e C o perdão oferecido ao réu A a todos os demais é estendido podendo os corréus B e C aceitarem conduzindo à extinção do processo e da punibilidade e o processo continuar em relação ao A que não aceitou No plano teórico tanto o oferecimento como a aceitação podem ser tácitos como no hediondo exemplo do convite para padrinho de crisma do filho do ofendido oferta de perdão tácito que foi aceito pelo imputado aceitação tácita gostaríamos de saber se o juiz terá poderes mediúnicos para saber de tudo isso e extinguir expressamente o feito Elementar que isso tudo somente existirá por escrito no processo penal sendo lógico que assim se proceda a oferta e aceitação ou recusa Por fim novamente desapareceu a legitimidade concorrente no caso de ofendido maior de 18 anos e menor de 21 estando revogados os arts 52 e 54 do CPP c Perempção é uma penalidade sanção de natureza processual imposta ao querelante negligente e que conduz à extinção do processo e da punibilidade Os casos de perempção estão previstos no art 60 do CPP Expressamente não está consagrada a desistência do querelante mas ela poderá ser considerada uma causa supralegal de perempção Feita a desistência de forma expressa pelo querelante capaz o juiz tem duas alternativas espera o implemento da circunstância fática prevista no art 60 I deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos ou do inciso III deixar de comparecer sem motivo justificado77 ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais ou desde logo extingue a punibilidade pela perempção Não se confunde o pedido de desistência com a renúncia pois a desistência ocorre no processo e a renúncia somente é possível antes de recebida a queixa Tampouco se confunde com o perdão ato bilateral a seguir exposto Por sua própria natureza operandose a perempção inclusive através da desistência o querelante arcará com as custas processuais e os honorários advocatícios do querelado Destaquese ainda a situação descrita no art 60 III última parte Ocorre a perempção quando o querelante deixar de pedir nas alegações finais a condenação do querelado Pode parecer algo surreal mas isso acontece com alguma frequência diante da mania de alguns advogados de nas alegações finais pedir ao final a mais lídima e costumeira justiça Além de ser um jargão mofado e inútil senão de mau gosto conduz à perempção pois pedir justiça às vezes se dão ao trabalho de escrever em escadinha não significa pedir a condenação Logo deixemse as fórmulas inúteis e bolorentas de lado como também de lado devem ser deixados os livros de modelinhos de petições que as consagraram para centrarse na técnica processual e na correta formulação do pedido obviamente de condenação nas sanções dos delitos praticados bem como no pagamento das custas e honorários advocatícios incidentes na ação penal privada 7 Aditamentos Próprios e Impróprios na Ação Penal de Iniciativa Pública ou Privada Interrupção da Prescrição Falhas e Omissões na QueixaCrime 71 Aditamentos da Ação Penal de Iniciativa Pública Aditar significa acrescentar ampliar incluir dados fáticos que tinham sido omitidos por desconhecimento do acusador quando do oferecimento da ação penal O princípio da indivisibilidade da ação penal bem como da obrigatoriedade impõe ao Ministério Público a carga processual de proceder em relação a todos os fatos e todos os agentes Contudo situações existem em que o acusador quando do oferecimento da denúncia desconhecia a prática de outros fatos correlatos ou da participação de outros agentes o que somente vem a ocorrer após iniciado o processo penal Como essa questão do aditamento está relacionada à problemática em torno da mutatio libelli prevista no art 384 eis que guarda íntima relação com o princípio da correlação faremos agora uma sumária análise remetendo o leitor para o capítulo posterior correspondente a essa matéria Tratando dessa questão RANGEL78 explica que existem dois tipos de aditamento o próprio e o impróprio O aditamento próprio pode ser real ou pessoal conforme sejam acrescentados fatos real ou acusados pessoal cuja existência era desconhecida quando do oferecimento da denúncia Em geral as informações surgem na instrução em que a prova demonstra que existiram mais fatos criminosos não contidos na acusação ou mais pessoas envolvidas e que também não haviam sido acusadas Exemplo em determinado processo o réu Mané é denunciado por evasão de divisas art 22 da Lei n 7492 No curso da instrução é apurado que também houve sonegação fiscal dos valores evadidos Nesse caso estamos diante de um aditamento próprio real pois deverá o Ministério Público aditar a denúncia para incluir o fato novo circunstância fática e com isso permitir que o réu se defenda e o juiz ao final possa julgálo pelos dois delitos Se não for feito o aditamento não poderá o juiz julgar a sonegação fiscal não poderá condenar nem absolver pois não está sob julgamento esse fato Já o aditamento pessoal ocorre quando é denunciado um agente e na instrução apurase que houve a participação de mais duas pessoas Nesse caso deverá o Ministério Público aditar para incluir os demais atento ao princípio da indivisibilidade da ação penal Já o aditamento impróprio ocorre quando explica RANGEL embora não se acrescente fato novo ou sujeito corrigese alguma falha na denúncia retificando dados relativos ao fato Também pode ocorrer que a alteração da competência do juiz conduza à necessidade de ratificação de todos os atos inclusive os praticados por um promotor agora considerado sem atribuições para tanto É a situação prevista no art 108 1º do CPP Em qualquer caso o aditamento sempre deverá ser feito antes da sentença assegurandose o contraditório e o direito de manifestação da defesa sobre a questão aditada por mais simples que seja O que não se admite em hipótese alguma é inovação acusatória e decisão sem prévia manifestação do réu E por que aditar Por força da conexão ou continência cujas regras serão explicadas ao tratarmos da competência e que conduzem a um julgamento simultâneo único para evitar decisões conflitantes e também por economia processual e melhor aproveitamento da instrução Se não for feito o aditamento deveráia o Ministério Público oferecer nova denúncia para apurar em novo processo os fatos não contidos naquele que está em andamento ou em face de novos agentes não acusados originariamente para apurar suas responsabilidades penais Quanto à iniciativa do aditamento estabelece o art 384 do CPP Art 384 Encerrada a instrução probatória se entender cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 cinco dias se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública reduzindose a termo o aditamento quando feito oralmente 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento aplicase o art 28 deste Código 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento 3º Aplicamse as disposições dos 1º e 2º do art 383 ao caput deste artigo 4º Havendo aditamento cada parte poderá arrolar até 3 três testemunhas no prazo de 5 cinco dias ficando o juiz na sentença adstrito aos termos do aditamento 5º Não recebido o aditamento o processo prosseguirá NR A iniciativa do aditamento deve ser inteiramente do Ministério Público não cabendo ao juiz como costumavam fazer a partir de uma míope leitura do antigo art 384 invocar o acusador para que aditasse À luz do sistema acusatório constitucional não cabe ao juiz invocar a atuação do MP sob pena de completa subversão da lógica processual regida pela inércia do juiz O juiz é quem sempre deve ser invocado a atuar jamais ter ele uma postura ativa de pedir para o promotor acusar e ele poder julgar Isso conduz a uma quebra do sistema acusatório e dependendo da situação fulmina com a imparcialidade do julgador diante do préjuízo Logo a iniciativa do aditamento deve ser do próprio Ministério Público Quando muito poderá o juiz em caso de inércia do MP art 384 1º utilizar o art 28 remetendo os autos ao procuradorgeral para que este ofereça o aditamento ou designe outro órgão do Ministério Público para oferecêlo Caso insista em não oferecer o aditamento estará o juiz obrigado a aceitar a decisão do Ministério Público Quanto à interrupção da prescrição recordemos que o art 117 I do Código Penal estabelece que o recebimento da denúncia ou queixa constitui um marco interruptivo Como fica essa situação se houver aditamento A questão foi bem sistematizada por RANGEL79 distinguindo entre aditamento próprio real e pessoal e impróprio No aditamento impróprio nenhuma alteração substancial é feita logo vale a data do recebimento da denúncia Já no aditamento próprio real existe a inclusão de fato novo Nesse caso se o fato novo constituir um delito a interrupção da prescrição em relação a esse delito será a data em que for admitido o aditamento Nesse caso o aditamento nada mais é do que uma nova denúncia constituindose o marco interruptivo quando do seu recebimento Em se tratando de aditamento próprio pessoal com a inclusão de corréu ou partícipe precisamos fazer um esclarecimento Para RANGEL o que prescreve é o fato logo a inclusão de um agente não alteraria o marco interruptivo da prescrição que continuaria sendo a denúncia inicialmente feita e não o aditamento Nesse ponto discordamos Pensamos que não há como descolar o fato do autor do autor do fato de modo que o aditamento para incluir um coautor ou partícipe equivale a uma denúncia por aquele fato contra aquela pessoa Se não fossem as regras da continência e da conexão haveria a abertura de um novo processo com a prescrição correndo até o momento do recebimento dessa nova denúncia Assim para o corréu que não havia sido acusado o aditamento marca o seu ingresso no processo e não pode ele ser prejudicado pelo efeito retroativo do marco interruptivo da prescrição pelo recebimento de uma denúncia que não era contra ele Essa situação de aditamento próprio pessoal ou subjetivo pode ocorrer anos depois de iniciado o processo tendo graves consequências no cômputo do prazo prescricional considerar a prescrição interrompida em relação a quem não havia sido acusado ainda Nessa matéria não há que se fazer analogias ou interpretações extensivas pois em se tratando de exercício do poder punitivo a matéria vem rigidamente disciplinada pelo princípio da reserva legal Logo devemos considerar que o aditamento é uma nova denúncia excepcionalmente admitida dentro de um processo em andamento sendo inafastável então a incidência da regra do art 117 I do CPP Em suma quando o aditamento for para inclusão de novo fato o prazo prescricional desse novo crime somente é interrompido na data em que for recebido o aditamento quando o aditamento for subjetivo em relação àquele agente o prazo prescricional é interrompido quando admitido o aditamento que o incluiu no processo Por fim quanto ao recurso que pode surgir dessas decisões relacionadas ao aditamento pensamos que não cabe recurso contra a decisão que recebe o aditamento pois como ocorre na denúncia a única via possível seria a do habeas corpus que não é recurso se rejeitado o aditamento nos casos do art 395 aplicado por analogia caberá o recurso em sentido estrito 72 Falhas e Omissões na QueixaCrime Existe Aditamento na Ação Penal de Iniciativa Privada Como regra geral eventuais omissões da queixa podem ser supridas a todo tempo desde que antes da sentença como determina o art 569 do CPP Contudo a omissão não pode representar violação ao princípio da correlação prejudicando a defesa Logo resumese a suprir falhas em torno da correta descrição do fato ou da tipificação legal mas sem maior relevância e que não conduzam a uma inovação na tese acusatória Cabe aditamento em ação penal de iniciativa privada O aditamento próprio real para inclusão de fato novo não pode ocorrer por absoluta ausência de previsão legal O aditamento na ação pública existe essencialmente para assegurar a eficácia do princípio da obrigatoriedade Mas a ação penal de iniciativa privada é regida pelos princípios da oportunidade e da conveniência não havendo qualquer tipo de obrigação de acusar Assim se o autor souber de fato novo no curso do processo cuja ação penal seja igualmente de iniciativa privada deverá ajuizar nova queixacrime em relação a esse fato observado o prazo decadencial nos termos do art 38 do CPP pagando as custas e instruindo com procuração que contenha os poderes especiais exigidos pelo art 44 Quanto ao aditamento próprio subjetivo para inclusão de coautor ou partícipe devese ter muito cuidado com a incidência do princípio da indivisibilidade art 48 Se havia elementos indicando a presença de coautores ou partícipes e eles não foram incluídos na queixa não há que se falar em aditamento mas sim em extinção da punibilidade para todos diante da renúncia tácita art 49 Mas quando não existirem elementos probatórios prévios ao oferecimento da queixa e somente no curso da instrução o querelante tomar conhecimento dos demais autores ou partícipes o caminho a ser tomado não é o aditamento Ele deverá formular nova queixa sob pena de violar a indivisibilidade arts 48 e 49 pagando custas processuais e juntando procuração com poderes especiais art 44 dentro do prazo de 6 meses contados do dia em que vier a saber quem são os coautores do fato art 38 Essa nova queixa pode por força da conexão ou continência conforme o caso ser reunida com o processo que já está tramitando para julgamento simultâneo Essa reunião é feita posteriormente Pensamos que não é caso de simples aditamento diante da necessidade do pagamento das custas juntada de procuração e eventual possibilidade de conciliação conforme o rito ou mesmo transação penal ou suspensão condicional nos termos da Lei n 9099 Ademais como não há a incidência do princípio da obrigatoriedade como se procederia no processo que está em curso Teria de ficar suspenso pelo prazo de 6 meses prazo decadencial de que dispõe a vítima para proceder contra o agressor até que fosse feito ou não o aditamento Pensamos que não é esse o caminho O processo originário continua e se for oferecida a nova queixa antes de proferida a sentença reúne se os processos Mas e se o querelante não oferecer essa nova queixa ocorre uma renúncia tácita Sim ocorre uma renúncia tácita Nesse caso a qualquer momento deve ser extinta a punibilidade no processo originário nos termos do art 49 do CPP O único aditamento cabível na ação penal de iniciativa privada seria o impróprio É a esse que se refere o art 45 do CPP pois constitui uma flagrante ilegitimidade de parte permitir que o MP adite a queixa para incluir fatos eou pessoas O aditamento impróprio nada mais é do que uma mera correção material na descrição dos fatos como datas lugares circunstâncias etc Não existe inclusão de fato novo coautor ou partícipe Mas entre as falhas na queixacrime desde que não conduzam à inépcia está a falta de procuração com os poderes especiais ou que contenha a menção ao fato criminoso art 44 conforme explicamos anteriormente Nesse caso se a queixa foi recebida pois deveria ter sido rejeitada o suprimento dessa exigência deve ser feito antes da sentença ser prolatada e ainda antes de decorrido o prazo decadencial de 6 meses contados da data do fato art 38 do CPP Tratase de grave defeito que compromete a validade da queixa e da decisão que a recebeu devendo ser sanada dentro do prazo decadencial de 6 meses pois esse prazo somente é considerado cumprido quando a queixa é regular e válida 8 Da Rejeição da Denúncia ou Queixa Análise do Art 395 do CPP Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP Da decisão que recebe a denúncia ou queixa como regra não cabe recurso algum Tratase de grave lacuna ou melhor de uma opção autoritária de um Código de 1941 que desconsidera a lesividade e o gravame gerado pelo recebimento de uma acusação que trará inegavelmente um imenso rol de penas processuais estigmatização social e jurídica angústia e sofrimento psíquico constrangimento inerente à submissão ao exercício do poder estatal etc Na falta de previsão legal de recurso o imputado poderá ajuizar habeas corpus que não é recurso senão uma ação para o trancamento do processo e não da ação como costumeiramente se afirma desde que inequivocamente falte justa causa ou qualquer das condições da ação nos termos do art 648 do CPP Há que se destacar que o habeas corpus é um instrumento de cognição sumária limitada não admitindo grandes incursões pelo caso penal ou dilação probatória como explicaremos mais adiante ao tratar dessa ação constitucional Contudo seguindo a lógica do Código de Processo Penal de prever recurso para todas as decisões que de qualquer forma beneficiem o réu o oposto não é verdadeiro como vimos quando a denúncia ou queixa for rejeitada ou o réu absolvido sumariamente sempre caberá recurso A Lei n 117192008 alterou substancialmente os procedimentos comuns ordinário e sumário bem como o rito do Tribunal do Júri criando uma nova situação de rejeição da acusação e inserindo uma inovadora decisão de absolvição sumária desconhecida até então nos ritos comuns ordinário e sumário Nos ritos comuns oferecida a denúncia ou queixa o art 396 determina que poderá o juiz rejeitála liminarmente antes mesmo de citar o acusado para oferecer resposta quando os casos estão definidos no art 395 I for manifestamente inepta II faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou III faltar justa causa para o exercício da ação penal Vejamos agora cada um dos casos de rejeição liminar e depois de absolvição sumária 81 Rejeição Inépcia da Denúncia ou Queixa O inciso I denúncia ou queixa inepta deve ser lido juntamente com o art 41 do CPP Art 41 A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo a classificação do crime e quando necessário o rol das testemunhas Mas entre os elementos descritos no art 41 nem todos conduzem rejeição da acusação Assim por exemplo se faltar o rol de testemunhas do acusador em relação a um delito cuja autoria e materialidade estão demonstradas por vasta prova documental deverá a acusação ser recebida Quanto à qualificação do acusado devese considerála à luz da legitimidade passiva de modo que identificando o acusado está cumprido o requisito Quanto à classificação do crime pensamos ser um dado muito relevante pois define os contornos jurídicos da acusação e pauta o trabalho da defesa Isso porque não podemos mais a essa altura da complexidade que envolve a vida social o ritual judiciário e a própria Administração da Justiça seguir com a ingênua crença de que o réu se defende dos fatos narrados e não da tipificação legal Voltaremos a essa questão quando tratarmos da correlação entre acusação e sentença no capítulo destinado ao estudo da Decisão Penal Assim entendemos que a denúncia ou queixa não deve ser recebida quando não contiver a classificação do crime ou ainda quando o contexto fático destoar completamente da tipificação feita pelo acusador Contudo temos que advertir que predomina o entendimento com o qual não concordamos de que o juiz não está vinculado à classificação jurídica feita pelo acusador podendo corrigila nos termos do art 383 do CPP antes de proferir a sentença Logo ele recebe e posteriormente quando da sentença corrige Pensamos que a única forma de salvar essa posição seria admitir a aplicação do art 383 já no momento do recebimento da denúncia com o juiz dizendo claramente que recebo a denúncia mas não pelo delito previsto no art X senão pelo descrito no art Y Como isso o processo seria instruído e a defesa estruturada a partir dessa definição jurídica do delito evitando a surpresa e o claro cerceamento de uma nova classificação feita apenas quando da sentença Para aplicação do art 383 no momento da sentença deveria se observar o contraditório com abertura de prazo para manifestação da defesa Infelizmente isso não é feito Sem dúvida o ponto mais sensível na questão da inépcia diz respeito à exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias As consequências dessa exigência são importantes A começar pela necessidade de o acusador descrever todas as circunstâncias não apenas as que aumentem a pena mas também aquelas que a diminuam como a existência de tentativa privilegiadora crime continuado ou concurso formal Em geral isso não é observado com a devida seriedade Mas o problema mais grave situase nos casos penais complexos que envolvem concurso de pessoas e de delitos principalmente nos chamados crimes econômicos Diante da natural dificuldade em circunscrever adequadamente qual ou quais condutas cada um dos agentes de forma individualizada praticou recorrem alguns acusadores à chamada denúncia genérica A nosso juízo é inadmissível mesmo nos crimes mais complexos Incumbe à investigação preliminar esclarecer ainda que em grau de verossimilhança o fato delitivo buscando individualizar as condutas de modo que a denúncia seja determinada e certa no sentido da individualização das responsabilidades penais a serem apuradas no processo Contudo por lealdade acadêmica destacamos que a jurisprudência brasileira tem oscilado muito predominando o entendimento de que em situações excepcionais diante da gravidade e complexidade objetiva situação fática e subjetiva número de agentes do fato devese admitir a denúncia genérica que não individualiza plenamente a conduta de cada agente desde que não inviabilize o direito de defesa eis aqui o problema Mas se a denúncia genérica poderia ser admitida em casos complexos e excepcionais a denúncia alternativa deve ser plenamente vedada pois ela inequivocamente impossibilita a plenitude da defesa Não há como se defender sem saber claramente do que Constituiria ela numa imputação alternativa do estilo requerse a condenação pelo delito x ou em não sendo provido seja condenado então pelo delito y só falta dizer ou por qualquer outra coisa o que importa é condenar No mesmo sentido contrário à denúncia alternativa NUCCI80 explica que se o órgão acusatório está em dúvida quanto a determinado fato ou quanto à classificação que mereça deve fazer sua opção antes do oferecimento mas jamais apresentar ao juiz duas versões contra o mesmo réu deixando que uma delas prevaleça ao final Ademais não se pode esquecer que o MP dispõe da investigação preliminar inquérito policial para realizar todas as diligências e atos investigatórios necessários para sanar sua dúvida É flagrante a desigualdade de armas em situações como esta violando de morte o princípio do contraditório e por consequência da ampla defesa81 Para encerrar a questão em torno da denúncia alternativa verdadeira metástase inquisitorial concordamos com DUCLERC82 quando sintetiza que acima das exigências do princípio da obrigatoriedade está sem dúvida o princípio da ampla defesa a impedir segundo pensamos que qualquer pessoa seja acusada senão por fatos certos determinados e descritos de forma clara e objetiva pelo acusador Quanto à queixa considerando o rol de delitos cuja perseguição é de iniciativa privada dificilmente teríamos uma situação com tal complexidade objetiva e subjetiva que justificasse a queixa genérica Menos ainda a alternativa Daí por que a queixa tem de ser sempre certa e determinada não se admitindo acusação privada de cunho genérico ou alternativo Caso seja rechaçada a possibilidade de denúncia ou queixa genérica ou alternativa deve a acusação ser considerada inepta proferindo o juiz uma decisão de rejeição com base no art 395 I do CPP Essa decisão não faz coisa julgada material mas apenas formal na medida em que não existe análise da questão de fundo Diante dela poderá o acusador oferecer nova denúncia ou queixa se for o caso mas sem descuidar do prazo decadencial descrevendo e individualizando claramente as condutas praticadas por cada agente recorrer em sentido estrito nos termos do art 581 I do CPP Por fim esclarecemos que até o advento da Lei n 11719 havia uma divergência muitos entendiam que a inobservância do disposto no art 41 conduzia à decisão de não recebimento cabendo recurso em sentido estrito art 581 I ou o novo ajuizamento desde que satisfeitos os requisitos Outros não faziam distinção alguma em relação à rejeição anteriormente prevista no art 43 Agora não há mais espaço para a discussão a decisão é de rejeição e cabível o recurso em sentido estrito art 581 I do CPP 82 Rejeição Falta de Pressuposto Processual ou Condição da Ação O inciso II remete ao nebuloso conceito de pressuposto processual e condições para o exercício da ação penal O problema dos pressupostos processuais é que como bem apontou GOLDSCHMIDT eles não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídica processual para serem concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito Enfim refuta a teoria dos pressupostos processuais posição com a qual concordamos especialmente no processo penal Também rechaçando o conceito de BÜLOW que concebeu os pressupostos processuais no bojo da teoria do processo como relação jurídica MANZINI83 define como concepto nebuloso y de expresión exótica De qualquer forma para aqueles que admitem a teoria dos pressupostos processuais o que não é o nosso caso são eles com alguma variação de autor para autor divididos em pressupostos de existência necessários para o nascimento da relação processual e de validade necessários para o regular desenvolvimento do processo Os pressupostos de existência seriam partes juiz devidamente investido e demanda no processo penal uma acusação Sem eles não haveria o nascimento da relação processual Já os chamados pressupostos de validade costumam ser apontados como a necessidade de ter juiz competente imparcial ausência de causas de suspeição ou impedimento capacidade para prática dos atos processuais legitimidade postulatória citação válida e outros elementos cuja inobservância conduziria à nulidade do feito Não é necessário maior esforço para ver a imprestabilidade especialmente para o processo penal dos pressupostos de validade na medida em que se confundem com a teoria das nulidades dos atos processuais Com razão AFRÂNIO JARDIM84 quando afirma que a rigor inexistem os chamados pressupostos de validade do processo O exame da questão há de ser deslocado para a eficácia dos diversos atos processuais eficácia esta que depende mais da invalidação do que do próprio vício ou defeito destes atos Significa dizer que não são pressupostos pois enquanto não forem desconstituídos seguem gerando efeitos Ademais ainda que reconhecida uma nulidade não haverá necessariamente a nulidade do processo como um todo ab initio Como regra anulase o ato e os derivados mantendose o processo no seu todo na medida em que desconstituise uma microrrelação que pertencia ao feixe de relações menores que compõem a relação processual não se desfaz a relação jurídica processual como um todo85 Na mesma linha segundo BOSCHI86 parecenos que é rigorosamente correto dizer que os pressupostos de validade terminam confundindose com as regras e princípios que dispõem sobre as nulidades Já os pressupostos processuais de existência partes juiz e acusação são de nenhuma aplicabilidade prática Mas numa dimensão completamente irreal não pode nascer um processo sem que exista um réu diante de um juiz devidamente investido não confundir isso com incompetência que é questão completamente diversa e sem prévia acusação imagine um juiz começando um processo de ofício ou formulando ele a acusação Já as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade de parte e justa causa são fundamentais Como já explicamos no início deste capítulo e aqueles conceitos devem estar sedimentados para compreensão das decisões de rejeição e absolvição sumária a acusação deve possuir fumus commissi delicti descrevendo um fato aparentemente criminoso portando um mínimo de provas de tipicidade ilicitude e culpabilidade não pode ter operado alguma causa de extinção da punibilidade art 107 do Código Penal e em leis especiais as partes ativa e passiva devem ser aparentemente legítimas e por fim deve haver justa causa para o exercício da ação penal vista como indícios razoáveis de autoria e materialidade bem como permitir o controle processual do caráter fragmentário do Direito Penal Mas ao lado destas existem outras condições da ação tais como a poderes especiais e menção ao fato criminoso na procuração que outorga poderes para ajuizar queixacrime nos termos do art 44 do CPP b a entrada do agente no território nacional nos casos de extraterritorialidade da lei penal para atender à exigência contida no art 7º do Código Penal c o trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento no crime do art 236 parágrafo único do CP d prévia autorização da Câmara dos Deputados nos crimes praticados pelo Presidente ou Vice Presidente da República bem como pelos Ministros de Estado nos termos do art 51 I da Constituição Nesses casos a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art 395 II do CPP mas não existe julgamento de mérito e portanto poderá a acusação ser novamente exercida desde que satisfeita a condição sem descuidar da decadência nos casos de representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa ou recorrer em sentido estrito art 581 I Caso a denúncia ou queixa tenha sido recebida e somente em momento posterior o juiz verificar a falta de alguma das condições da ação especialmente as chamadas condições de procedibilidade para nós apenas outras condições da ação poderá haver a extinção do processo sem o julgamento do mérito No mesmo sentido posicionase PACELLI87 advertindo ainda que a não aceitação dessa construção teórica conduziria o juiz a ter de percorrer um caminho muito mais longo teria de anular todos os atos com base no art 564 II do CPP inclusive a decisão de recebimento para então rejeitar a acusação por ilegitimidade de parte por exemplo Por fim destacamos o disposto na Súmula n 707 do STF no sentido de que constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia não a suprindo a nomeação de defensor dativo Tratase de antiga reivindicação e que finalmente foi considerada pelo STF para garantia da eficácia do contraditório e ampla defesa antes mesmo do nascimento do processo penal Também deve ser considerado que o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia recebendoa portanto passa a ser o marco para fins de prescrição e duração do processo Nesse sentido dispõe a Súmula n 709 do STF ressalvando o caso de nulidade da decisão de primeiro grau E a ressalva é necessária porque em sendo anulada a decisão determinará o tribunal o retorno dos autos à comarca de origem para que nova decisão seja proferida no juízo a quo Essa nova decisão passará a ser o marco interruptivo da prescrição 83 Rejeição Falta de Justa Causa Condição da Ação O inciso III invoca o conceito de justa causa a nosso ver já abrangido pelo inciso II Contudo a previsão legal mais do que uma mera repetição é importante para reforçar a importância da justa causa como condição da ação processual penal Sepultase de vez qualquer discussão sobre a necessidade de o juiz analisar quando do recebimento da acusação se existe ou não justa causa Para evitar repetições inúteis remetemos o leitor à exposição anteriormente feita dentro das condições da ação sobre a justa causa Estando presente qualquer das situações previstas no art 395 deverá o juiz rejeitar liminarmente a denúncia ou queixa impedindo o nascimento do processo Da decisão de rejeição por falta de justa causa entendemos que caberá o recurso em sentido estrito art 581 I Quando a rejeição por falta de justa causa tiver por fundamento a ausência de provas suficientes de autoria e materialidade pensamos que essa decisão produzirá apenas coisa julgada formal Havendo novos elementos nada impede que a acusação seja novamente formulada 84 Rejeição Parcial da Denúncia Abusiva Aplicação do Art 383 Quando do Recebimento da Acusação A maioria da doutrina mas está mudando costuma passar ao largo dessa discussão para sem muita análise afastar a incidência do art 383 sob o argumento de que tal correção da tipificação por parte do juiz somente pode ocorrer no momento da sentença Mas se olharmos com mais atenção poderemos argumentar que uma correção a priori literalmente no sentido kantiano de antes da experiência da imputação colocaria em risco a imparcialidade do julgador na medida em que estaria fazendo um préjuízo com o consequente prejuízo do caso penal e ainda afastando a eficácia da presunção de inocência Com isso estamos de acordo Contudo há que se considerar que atualmente existe muito abuso do poder de acusar Desconsiderar isso é uma ingenuidade Numa dimensão patológica é cada vez mais comum vermos nos fóruns acusações visivelmente abusivas com a clara intenção de estigmatizar Muitas vezes fazem verdadeiras manobras de ilusionismo jurídico para por exemplo denunciar por homicídio doloso dolo eventual qualificado recurso que impossibilitou a defesa da vítima o condutor de um automóvel que dirigia em velocidade excessiva ou estava embriagado por exemplo Elementar que estamos diante de um crime grave mas jamais nem por mágica acusatória podemos transformar um homicídio culposo culpa grave consciente até se quiserem em doloso e qualificado Esse absurdo serve para quêquem Para criar o rótulo de crime hediondo com toda a carga que isso representa Sem falar no que representa o deslocamento de competência para o Tribunal do Júri com o imenso risco que representa e constitui essa forma de administração da injustiça Em outras situações para afastar do Juizado Especial e de seus institutos mais benéficos Ou ainda para desde logo criar a imagem com todo significado psicanalítico que isso representa em relação ao juiz É o que ocorre ainda na acusação por tráfico quando é evidente que se trata de posse para consumo receptação dolosa quando é claramente culposa ou ainda tipos qualificados em situações em que a qualificadora inequivocamente não é aplicável Pensamos que em situações assim superando a mofada construção de que o réu se defende apenas dos fatos como se isso fosse possível o juiz poderia rejeitar a denúncia conforme o caso Se ele pode o mais que é rejeitar integralmente por que não poderia o menos que seria uma rejeição parcial Assim em situações excepcionais em que está evidente o abuso acusatório poderá o juiz proferir uma decisão de recebo parcialmente a denúncia não pelo delito de homicídio doloso mas sim de homicídio culposo por exemplo Da mesma forma recebo a denúncia mas afasto desde logo a qualificadora por ausência de justa causa em relação a ela As condições da ação devem estar presentes em relação a todos os delitos imputados e no caso de tipo penal qualificado imprescindível a demonstração de fumus commissi delicti em relação à qualificadora Sem isso não se pode denunciar e tampouco o juiz receber No mesmo sentido DUCLERC88 analisa com muito acerto a problemática e como nós advertindo dos riscos reconhece ainda que em alguns casos pode não haver exatamente uma tipificação equivocada mas apenas a carência de justa causa para algumas circunstâncias ou elementares ou qualificadoras que uma vez afastadas poderiam reduzir a acusação a um tipo subsidiário ou a forma simples de um tipo qualificado Inclusive se na instrução for produzida a prova necessária para o tipo qualificado nada impede que se faça o aditamento nos termos do art 384 Assim preferimos correr o risco de um aditamento para incluir uma circunstância ou elementar inicialmente afastada pois naquele momento não existia o mínimo de provas exigido do que trabalhar com o binário reducionista de receber como está ou rejeitar toda a acusação Em suma em que pese os argumentos expostos no início contrários à aplicação do art 383 do CPP quando do recebimento da denúncia pensamos que nos casos e pelos argumentos anteriormente expostos há que se admitir tão excepcional medida diante do custo maior de admitirse uma acusação claramente abusiva 85 Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP Decisão diversa é a de absolvição sumária prevista no art 397 Art 397 Após o cumprimento do disposto no art 396A e parágrafos deste Código o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente salvo inimputabilidade III que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou IV extinta a punibilidade do agente Como se percebe da simples leitura o artigo em questão acaba por arrolar duas condições da ação que bem poderiam estar no art 395 que se opera em momento posterior quando a denúncia ou queixa já foi recebida Os quatro incisos do art 397 nada mais fazem do que reproduzir duas condições da ação prática de fato aparentemente criminoso e punibilidade concreta Os incisos I e II causas de exclusão da ilicitude e culpabilidade são meros desdobramentos da condição prevista no inciso III fato narrado evidentemente não constituir crime Já o inciso IV é a conhecida condição da punibilidade concreta prevista no antigo art 43 II do CPP E por que essas condições da ação estão no art 397 como causas de absolvição sumária Porque são questões intimamente vinculadas ao mérito ao elemento objetivo da pretensão acusatória e dizem respeito a interesse da defesa que como regra acabam sendo alegados e demonstrados depois na resposta preliminar do art 396A Dificilmente o juiz tem elementos para analisar a existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade mesmo que manifesta quando do oferecimento da denúncia ou queixa mas se tiver deverá rejeitála Por outro lado após a resposta da defesa novos elementos podem ser trazidos ao feito permitindo essa decisão No fundo apenas se retirou um pseudoobstáculo a que o juiz rejeite a acusação mesmo já a tendo recebido Como a jurisprudência erroneamente não admitia esse tipo de decisão abriuse a possibilidade através da absolvição sumária Ademais por serem questões vinculadas ao mérito e que portanto geram coisa julgada material a absolvição sumária é uma decisão adequada para esse fim E qual será o recurso cabível dessa decisão Da decisão que absolve sumariamente ao réu caberá o recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Respondendo à pergunta inicial a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 III é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Advertimos ainda que as situações descritas no art 397 do CPP já foram devidamente analisadas quando do estudo das condições da ação para onde remetemos o leitor Assim com a modificação estabelecida pela Lei n 117912008 a questão deve ser analisada da seguinte forma a se a causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade estiver demonstrada no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa poderá o juiz rejeitála com base no art 395 II falta uma condição da ação penal qual seja a prática de um fato aparentemente criminoso b se o convencimento do juiz sobre a existência da causa e exclusão da ilicitude ou da culpabilidade somente for atingido após a resposta do acusado o processo já terá completado a sua formação eis que realizada a citação do acusado art 363 do CPP proferindo o juiz a decisão de absolvição sumária art 397 Situação recorrente e que pode gerar alguma dúvida é a seguinte e se o juiz se convence após a resposta à acusação que falta justa causa para a ação como deve proceder As condições da ação são analisadas no momento em que o juiz recebe a denúncia ou queixa para recebêla ou rejeitála Uma vez recebida abrese a possibilidade de oferecimento da resposta à acusação onde o réu poderá alegar todas as questões de fato e de direito que entender necessárias e pertinentes neste momento Não raras vezes demonstra na resposta à acusação a falta de justa causa ou de ilegitimidade da acusação Considerando que esta condição da ação não está no rol das hipóteses de absolvição sumária do art 397 estabelecese a dúvida As demais condições da ação punibilidade concreta e exigência de fato aparentemente criminoso autorizam quando verificadas após o recebimento a absolvição sumária Mas a justa causa e a ilegitimidade não estão neste rol Durante muito tempo antes da reforma processual de 2008 predominou o entendimento de que uma vez recebida a denúncia ou queixa não mais poderia o juiz rever essa decisão Era uma posição com a qual não concordávamos mas que predominava Após a reforma processual de 2008 pensamos que a solução deve tomar um novo rumo poderá o juiz rever a decisão de recebimento à luz dos argumentos trazidos na resposta à acusação e rejeitála Sustentamos que o juiz poderá desconstituir o ato de recebimento anulandoo para a seguir proferir uma nova decisão agora de rejeição liminar Não existe preclusão pro iudicato e nada impede que o juiz desconstitua seu ato e a seguir pratique aquele juridicamente mais adequado até porque se o ato foi feito com defeito pode e deve ser refeito regra básica do sistema de invalidades processuais89 Dessarte nenhum óbice existe em o juiz revisar a decisão que recebeu a denúncia para à luz dos argumentos e provas trazidos na resposta do réu rejeitála 9 Fixação de Valor Indenizatório na Sentença Penal Condenatória e os Casos de Ação Civil Ex Delicti Ainda que as esferas da ilicitude civil e penal sejam distintas há situações em que uma mesma ação ou omissão gera efeitos nos dois civil ou penal ou três campos administrativo Tratase de efeitos civis da sentença penal condenatória posto que as esferas de ilicitude são relativamente independentes Isso porque em muitos casos o delito gera também uma pretensão de natureza indenizatória pois é igualmente um ato ilícito para o Direito Civil nos termos do art 186 do CCB É o que sucede por exemplo com um delito de homicídio doloso ou mesmo culposo Um mesmo ato é considerado ilícito na esfera penal e civil E se estivermos diante de um homicídio culposo ocorrido em um acidente de trânsito poderá haver ainda reflexos na esfera administrativa com a suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor art 293 da Lei n 9503 Mas pode ocorrer que um delito não gere nenhum efeito na esfera cível como sucede por exemplo nos crimes contra a paz pública tráfico de substâncias entorpecentes etc Nesses casos a sentença penal condenatória não gera qualquer efeito cível até porque não existe uma vítima determinada A Lei n 117192008 rompendo com uma tradição de separação das esferas inseriu o seguinte parágrafo único no art 63 Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido E no art 387 que trata da sentença penal condenatória foi inserido o inciso IV IV fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido Como explicamos anteriormente de forma híbrida o legislador brasileiro permite cumular frente ao juiz criminal uma pretensão acusatória e outra indenizatória Condenando o réu deverá o juiz fixar um valor mínimo para fins de reparação dos danos causados pela infração sendo que essa reparação feita na esfera penal não impede que a vítima busque na esfera cível um montante maior posto que o fixado na sentença penal é considerado o valor mínimo da indenização Dispõe o art 935 do CCB que a responsabilidade civil é independente da criminal ainda que não se possa mais discutir a existência do fato ou quem seja o seu autor quando essas questões se acharem decididas no crime É o efeito de tornar certa a obrigação de indenizar a que alude o art 91 I do CP De qualquer forma pelo menos a liquidação de sentença e a execução não incumbem ao juiz penal o que já é uma grande vantagem Essa cumulação é uma deformação do processo penal que passa a ser também um instrumento de tutela de interesses privados Não está justificada pela economia processual e causa uma confusão lógica grave tendo em vista a natureza completamente distinta das pretensões indenizatória e acusatória Representa uma completa violação dos princípios básicos do processo penal e por consequência de toda e qualquer lógica jurídica que pretenda orientar o raciocínio e a atividade judiciária nessa matéria Desvirtua o processo penal para buscar a satisfação de uma pretensão que é completamente alheia a sua função estrutura e princípios informadores Como exemplo dessa errônea privatização do processo penal o próprio Direito Penal nos oferece as absurdas condenações penais disfarçadas de absolvição de fato Ocorrem quando alguém é condenado a uma insignificante pena de multa responsabilidade penal quando o que se pretende na realidade é uma substancial indenização na esfera cível responsabilidade civil utilizando a sentença penal condenatória como título executivo judicial Para amparar esse tipo de direito existem vias próprias e para isso está o processo civil Cada coisa no seu devido lugar Infelizmente a reforma levada a cabo pela Lei n 11719 misturou os interesses Mas voltando ao art 387 do CPP para que o juiz penal possa fixar um valor mínimo para reparação dos danos na sentença é fundamental que 1 exista um pedido expresso na inicial acusatória de condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo para reparação dos danos causados sob pena de flagrante violação do princípio da correlação 2 portanto não poderá o juiz fixar um valor indenizatório se não houve pedido sob pena de nulidade por incongruência da sentença 3 a questão da reparação dos danos deve ser submetida ao contraditório e assegurada a ampla defesa do réu90 4 somente é cabível tal condenação em relação aos fatos ocorridos após a vigência da Lei n 117192008 sob pena de ilegal atribuição de efeito retroativo a uma lei penal mais grave como explicado anteriormente ao tratarmos da Lei Processual Penal no Tempo Compreendido isso vejamos agora sistematicamente as três situações que podem ocorrer 1 Havendo uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado nesse caso a sentença penal constitui um título executivo judicial na esfera cível nos termos do art 475N II do CPC nova redação dada pela Lei n 112322005 de modo que a parte interessada vítima do delito ou seu representante legal poderá ajuizar ação de execução na jurisdição cível Neste momento há que se distinguir o seguinte a em relação ao valor já fixado na sentença penal haverá uma execução por quantia certa b se o valor fixado é o valor mínimo for insuficiente deverá a vítima postular a liquidação da sentença sem que se discuta mais a causa de pedir mas apenas o quantum a mais da indenização pois assim autoriza o caput do art 63 do CPP e também o parágrafo único 2 Ação Ordinária de Indenização poderá o interessado ajuizar antes durante ou até mesmo depois de findo o processo penal uma ação de indenização na esfera cível nos termos do art 64 do CPP Art 64 Sem prejuízo do disposto no artigo anterior a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível contra o autor do crime e se for caso contra o responsável civil Parágrafo único Intentada a ação penal o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta até o julgamento definitivo daquela Havendo necessidade a ação cível poderá ser ajuizada antes de iniciado ou mesmo durante o processo penal É o caso por exemplo da vítima de erro médico lesões corporais culposas que necessite de recursos para custear seu imprescindível tratamento Esperar até que o processo penal termine para então providenciar a execução é inviável diante da urgência dos recursos financeiros Nessa situação ajuizará a ação de indenização postulando a antecipação de tutela art 273 do CPC Dependendo da situação concreta poderá o juiz aplicar o disposto no parágrafo único do art 64 suspendendo o processo cível sem prejuízo da antecipação de tutela anteriormente mencionada Em qualquer caso a suspensão do processo cível não poderá exceder o prazo de 1 ano91 nos termos do art 265 IV 5º do CPC Não há que se pensar numa regra absoluta até porque tudo é relativo desde Einstein ainda mais numa sociedade complexa como a nossa que imponha um dever de suspender o feito Há que se considerar a especificidade de cada caso a fase processual em que cada um deles se encontra eventuais prejuízos irreparáveis para a vítima etc Mas depois de encerrado o processo penal em que casos a parte interessada poderia ajuizar ação de indenização e não execução Primeiro a execução exige uma sentença penal condenatória transitada em julgado Sem ela não há que se falar em execução Logo estamos diante de uma sentença penal absolutória ou declaratória da extinção da punibilidade Nesse caso devemos distinguir Se a sentença é declaratória da extinção da punibilidade nenhum efeito produz na esfera cível ou seja não constitui um título que lá possa ser executado92 mas tampouco impede o nascimento de uma pretensão indenizatória que somente pode ser satisfeita através da ação ordinária de indenização Assim disciplina o art 67 II Art 67 Não impedirão igualmente a propositura da ação civil II a decisão que julgar extinta a punibilidade Em se tratando de uma sentença penal absolutória ainda assim será possível a ação de indenização Depende do fundamento da absolvição Vejamos os casos em que o réu ainda que absolvido na esfera penal poderá ser condenado na esfera cível a indenizar a vítima mas para tanto é necessário analisar o art 386 do CPP Art 386 O juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva desde que reconheça I estar provada a inexistência do fato II não haver prova da existência do fato III não constituir o fato infração penal IV estar provado que o réu não concorreu para a infração penal V não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal VI existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena arts 20 21 22 23 26 e 1º do art 28 todos do Código Penal ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência VII não existir prova suficiente para a condenação Quando o réu for absolvido com base no art 386 I não será possível à vítima demandálo na esfera cível pois incide o disposto no art 66 do CPP que dispõe Art 66 Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato Tendo sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato está inviabilizada a ação de indenização pois um fato fato natural não o fato jurídico não pode categoricamente não existir e existir ao mesmo tempo Logo a afirmação de sua inexistência produz coisa julgada na esfera cível para não permitir mais a discussão sobre isso A busca aqui é pela coerência lógica e credibilidade do sistema jurídico impedindo decisões com tamanha contrariedade Situação completamente diversa ocorre na absolvição com base no inciso II do art 386 Aqui não há a afirmação categórica da inexistência do fato senão que a prova produzida não é suficiente para ensejar a sentença condenatória na esfera penal mas pode ser perfeitamente válida e suficiente para o processo civil É importante compreender que nesse caso a discussão se situa no maior nível de exigência probatória do processo penal em relação ao processo civil Princípios como a presunção de inocência e o in dubio pro reo somente incidem no processo penal não tendo nenhuma aplicação no processo civil Logo a mesma prova que no processo penal é insuficiente para derrubar a presunção de inocência pode na esfera cível ser mais do que suficiente para a procedência do pedido do autor Então a absolvição no processo penal com base nesse inciso não impede que a vítima ou representante legal ajuíze a respectiva ação de indenização na esfera cível Quanto ao inciso III do art 386 a absolvição penal por ser o fato atípico não impede que a vítima ajuíze a respectiva ação de indenização Nem todo ato danoso atinge um bem jurídicopenal pois são esferas distintas de proteção Uma conduta penalmente atípica pode constituir um ato ilícito para o Direito Civil nem que seja a título de dano moral Essa é a previsão do art 67 III do CPP Art 67 Não impedirão igualmente a propositura da ação civil III a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime Quando o réu é absolvido com base no art 386 IV estar provado que o réu não concorreu para infração penal estabelecese uma situação similar àquela descrita anteriormente para o inciso I Ou seja a absolvição no processo penal por existir prova categórica de que o réu não concorreu para infração impede a ação civil de indenização pois essa decisão faz coisa julgada na esfera cível não permitindo mais a discussão sobre o caso Tratase entre outros de um argumento de lógica jurídica e credibilidade das decisões judiciais como alguém pode não ser categoricamente o autor de um fato para o juiz penal e na esfera cível ser considerado o autor do mesmo fato Diversa é a situação da absolvição com base no inciso V em que o réu é absolvido porque não há prova de que ele tenha concorrido para a infração penal A questão aqui é de prova insuficiente para o juízo penal condenatório Logo a absolvição penal decorre da fragilidade da prova da autoria ou participação diante do nível de exigência probatória no processo penal Daí por que essa decisão não impede a ação de indenização na esfera cível pois o nível de exigência probatória no processo penal é muito maior do que aquele feito no processo civil No inciso VI o réu foi absolvido porque existem circunstâncias que excluem o crime ou isentam o réu de pena ou mesmo exista fundada dúvida sobre sua existência Nesse caso como regra geral estará impedida a pretensão indenizatória na esfera cível Nesse sentido dispõe o art 65 do CPP Art 65 Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade em legítima defesa em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito A expressão faz coisa julgada no cível significa que não poderá ser novamente discutida pois é imutável a decisão Contudo essa regra possui duas exceções relevantes em que a absolvição na esfera criminal não impede a demanda cível a estado de necessidade agressivo arts 929 e 930 do CCB tratase de uma situação de perigo em que é sacrificado o bem de um terceiro diverso daquele causador do perigo Como exemplo de estado de necessidade agressivo podemos pensar numa situação em que A para defenderse de uma situação de perigo causada por B acaba sacrificando um bem de C Logo poderá ser absolvido no processo penal e condenado na esfera cível ação de indenização tendo porém direito regressivo contra B b legítima defesa real e aberratio ictus art 73 do CP É o caso em que A agride injustamente B que para se defender atira e vem a ferir C Nesse caso B poderá ser absolvido na esfera penal mas isso não impede a ação indenizatória a ser ajuizada por C cabendo em caso de condenação direito de regresso contra A E quanto à legítima defesa ou estado de necessidade putativos Pensamos que essa decisão não faz coisa julgada na esfera cível e portanto não impede a ação de indenização A figura da descriminante putativa é essencialmente penal não prejudicando eventual indenização Concordamos assim com PACELLI93 quando afirma que o art 65 do CPP não faz nenhuma referência às descriminantes putativas e que seria inconveniente melhor inconsistente qualquer argumentação no sentido de uma interpretação extensiva ou analógica em tema dessa magnitude Como estender os efeitos da coisa julgada por analogia Inviável Por fim quando o réu for absolvido com base no art 386 VII não existir prova suficiente para a condenação nenhum impedimento existirá para a ação de indenização Isso porque novamente a questão se situa no maior nível de exigência probatória no processo penal de modo que a mesma prova reputada insuficiente para a condenação criminal pode ser mais do que suficiente para a condenação cível E se o réu foi absolvido sumariamente nos termos do art 397 do CPP Depende do fundamento Vejamos agora cada um dos incisos do art 397 I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato quando o réu é absolvido sumariamente porque praticou o fato ao abrigo de causa de exclusão da ilicitude como regra geral estará impedida a pretensão indenizatória na esfera cível como determina o art 65 do CPP Pensamos contudo que se aplicam aqui as duas exceções anteriormente explicadas do estado de necessidade agressivo e da legítima defesas real e aberractio ictus Nesses dois casos a vítima poderá postular na esfera cível o valor correspondente aos danos sofridos II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente salvo inimputabilidade nesse caso a absolvição penal não impede a propositura da ação indenizatória III que o fato narrado evidentemente não constitui crime é uma situação similar àquela prevista no art 386 III do CPP de modo que essa decisão não impede a propositura de ação indenizatória art 67 III do CPP IV extinta a punibilidade do agente não impede a propositura de ação civil a decisão que julgar extinta a punibilidade do agente conforme determina o art 67 II do CPP 3 Composição dos Danos Civis no Juizado Especial Criminal nos termos do art 74 da Lei n 9099 o acordo civil gera título executivo no juízo cível além de extinguir a punibilidade na esfera penal Voltaremos a esse tema quando tratarmos dos juizados especiais criminais 1 GÓMEZ ORBANEJA Emilio e HERCE QUEMADA Vicente Derecho Procesal Penal 10 ed Madrid Agesa 1997 p 86 2 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto Estudios de Teoría General e Historia del Proceso 19451972 México UNAM 1974 v 1 p 324325 3 JARDIM Afrânio Direito Processual Penal Rio de Janeiro Forense 1999 p 88 e ss 4 Como explica NICETO ALCALÁZAMORA Y CASTILLO na obra Estudios de Teoría General e Historia del Proceso 19451972 cit v 1 p 325326 5 La Pretensión Procesal In ALONSO Pedro Aragoneses Coord Estudios Juridicos Madrid Civitas 1996 p 588 6 Idem ibidem p 604 7 ROSENBERG Leo Tratado de Derecho Procesal Civil Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1955 v 2 p 27 e ss 8 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil 3 ed Buenos Aires Depalma 1990 p 60 e ss 9 Será explicado alcance dessa definição na continuação 10 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto e LEVENE Ricardo Derecho Processal Penal Buenos Aires Editorial Guillermo Kraft Ltda sd t II p 62 e 63 Adverte o autor com acerto que a ação pena não se dirige contra o sujeito passivo senão ao tribunal para que como detentor do poder de punir o exerça uma vez acolhida a pretensão acusatória 11 GUASP Jaime Derecho Procesal Civil 4 ed Madrid Civitas 1998 v 1 p 281 12 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil cit p 57 e ss 13 Derecho Procesal Penal cit t II p 67 14 Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 v 1 p 132 15 Negando o caráter potestativo no processo penal ALCALÁZAMORA Y CASTILLO e LEVENE Derecho Procesal Penal cit t II p 67 apontam que a obrigatoriedade por parte do Ministério Público afastaria o caráter facultativo de ser ou não exercida Em parte procede a crítica dos autores mas pensamos que o conceito deve ser aceito ainda que com essas adequações que nada mais são do que fruto de uma política criminal adotada pois não há nenhuma razão verdadeiramente processual para justificar o princípio da obrigatoriedade Daí porque é uma questão secundária que deve ser considerada mas não com a relevância processual que os autores lhe dão 16 Na obra Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 1 p 130 e ss No Brasil destacamos a lição de AFRÂNIO SILVA JARDIM Direito Processual Penal cit p 88 e ss que aborda a problemática acerca da natureza jurídica da ação penal com muito acerto 17 Advirtase que parte da doutrina concebe como direito público subjetivo e não potestativo 18 Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 p 111 19 Que pode ser conhecida através da compilação feita na obra Polémica sobre la Actio de Bernard WINDSCHEID e de Theodor MUTHER cuja versão espanhola foi publicada em Buenos Aires pela Editora EJEA em 1974 20 Fundamentos del Derecho Procesal Civil cit p 64 21 Idem ibidem 22 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosh 1951 t I p 37 23 PASTOR LÓPEZ Miguel El Proceso de Persecución Valencia Universidad de Valencia Secretariado de Publicaciones 1979 p 149 24 El Proceso de Persecución cit p 90 25 Na obra com HERCE QUEMADA Derecho Procesal Penal cit p 89 26 Partindo de uma preocupação diversa da nossa mas igualmente atento às categorias jurídicas próprias do processo penal ROGÉRIO LAURIA TUCCI Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 7476 propõe uma conciliação entre as teorias da ação como direito abstrato e em senso concreto partindo para a distinção entre ação judiciária e ação da parte sendo a primeira atinente aos atos praticados pelos órgãos jurisdicionais e a segunda conferida aos sujeitos parciais da relação jurídica cuja definição e concretização lhes são solicitadas e que naquela naturalmente se subsumem Importante ainda na estrutura teórica do autor a seguinte distinção o direito subjetivo material em referência é o direito à jurisdição correntemente denominado direito de ação e o direito processual consubstancia se na ação propriamente dita que se caracteriza pela efetivação o exercício do direito à jurisdição Assim para TUCCI op cit p 80 ação é um direito abstrato em linha e princípio até porque com ela se concretiza autônomo público genérico e subjetivo qual seja o direito à jurisdição Quanto ao binômio concretoabstrato núcleo de nossa discussão aqui TUCCI propõe a seguinte construção é abstrato porque independente de ser fundada ou não a postulação do titular do direito material ao qual é porém conectado E concreto na medida em que ganha efetividade com o aforamento da ação Nesse ponto especialmente no que se refere ao conectado ao direito material pensamos haver uma coincidência entre nossa posição e a construção de TUCCI 27 A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 p 145 e ss 28 Sublinhese que nós adotamos parte do conceito de JACINTO COUTINHO que diverge de nossa posição em outros aspectos referentes ao objeto do processo penal ou objeto como classificam alguns autores 29 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 84 Pensamos que as condições da ação devem ser repensadas efetivamente à luz do processo penal pois é frágil a construção de que por exemplo a atipicidade ou a licitude da conduta não envolveria uma incursão no mérito Ademais destaquese que na prática diária dos tribunais brasileiros uma vez recebida a denúncia ou queixa alegase que não se pode mais falar em rejeição de modo que os juízes ainda que manifesta a ilegitimidade passiva não sendo o réu o autor do fato culminam por proferir uma sentença absolutória com base no art 386 IV ou V Pensamos que nada impede o juiz de uma vez recebida a denúncia decretar a nulidade dessa decisão e rejeitar ou seja não existe preclusão para o juiz e ele pode a qualquer tempo reconhecer uma nulidade absoluta e refazer o ato 30 A expressão é de JACINTO COUTINHO 31 No que tange à ação de iniciativa pública o poder político constitucional nasce do art 129 I da Constituição e considerando a obrigatoriedade para o MP da ação penal nesses crimes estamos diante de um poderdever De qualquer forma feita essa ressalva é perfeitamente aplicável a teoria do direito de dois tempos exposta pois no primeiro momento estamos na dimensão constitucional e no segundo na processual penal onde então podemos falar em condições da ação 32 Na Revista de Derecho Procesal Madrid 1949 Também publicado na obra Jaime Guasp Delgado Pensamiento y Figura da coleção Maestros Complutenses de Derecho organizado por Pedro Aragoneses Alonso publicada em Madrid 2000 33 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal cit p 95 34 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal 26 ed São Paulo Saraiva 2004 v 1 p 494 35 Como explica GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit t I p 27 e ss 36 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit t I p 27 37 Norma processual penal espanhola Ley de Enjuiciamiento Criminal 38 Como bem adverte TUCCI na obra Teoria do Direito Processual Penal cit p 92 39 Em que pese nossa divergência parcial em relação à primeira condição da ação partimos da estrutura definida com anterioridade por JACINTO COUTINHO op cit p 145 Também se recomenda a leitura de Marco Aurélio NUNES DA SILVEIRA cuja obra A Tipicidade e o Juízo de Admissibilidade da Acusação Lumen Juris 2005 analisa com acerto a temática 40 Os autores que trabalham com a civilista e inadequada categoria de possibilidade jurídica do pedido costumam empregar exemplos como esses para demonstrar situações em que o pedido de condenação seria juridicamente impossível Na verdade a questão situase noutra esfera qual seja na exigência de que o fato seja aparentemente criminoso 41 MACHADO Luiz Alberto Prefácio à obra A Lide e o Conteúdo do Processo Penal de Jacinto Coutinho cit p XI 42 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A lide e o conteúdo do processo penal cit p 96 43 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha de Justa Causa para a Ação Penal São Paulo RT 2001 p 97 Importante destacar que utilizaremos diversos conceitos da autora mas há uma divergência nuclear para ela a justa causa não é uma condição da ação senão que a falta de qualquer uma das apontadas condições implica falta de justa causa idem ibidem p 221 Nossa divergência situase na recusa às categorias de interesse e possibilidade jurídica que fazemos bem como na recepção da justa causa como uma verdadeira condição da ação processual penal em sentido oposto à autora Mas isso não impede o reconhecimento do valor e acerto dos conceitos por ela desenvolvidos 44 ASSIS MOURA op cit p 99 45 Idem ibidem p 119 46 Idem ibidem p 173 47 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal cit p 99 48 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Penal São Paulo RT 2005 v 1 p 19 49 Nesse sentido destacamos a decisão proferida pelo TJRS Ap Crime 70014922850 Sétima Câmara Criminal publicado em 31082006 Rel Des NEREU GIACOMOLLI APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE R 2500 NOS IDOS DE 2003 HÁ MAIS DE TRÊS ANOS OFENSIVIDADE DENÚNCIA REJEITADA 1 A infração penal não é mera violação da norma É mais que isto é violação do bem jurídico numa perspectiva de resultado e de relevância da ofensa ao bem jurídico protegido 2 Quando não há lesão ou perigo concreto a um bem jurídico o fato não se reveste de tipicidade no plano concreto A ofensividade a um bem jurídico integra o tipo penal de modo que além da previsão abstrata da conduta da causa do resultado o tipo se perfectibiliza na vida dos fatos se houver ofensa relevante a um bem jurídico 3 No caso em tela a ré teria sacado R 2500 com um cartão cuja senha a vítima havia fornecido sem entregar a importância à filha da vítima quem foi deixada pela mãe na casa da acusada por ter arranjado um companheiro no interior do município APELO MINISTERIAL DESPROVIDO grifo nosso 50 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito penal cit v 1 p 292 51 Op cit p 9798 52 LAURIA TUCCI op cit p 97 53 Diante do princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público pensamos que esse novo promotor não estará obrigado a oferecer denúncia como parece indicar o art 28 do CPP Esse novo promotor ou procurador se for Ministério Público Federal fará uma análise e decidirá entre postular novas diligências oferecer denúncia ou insistir no pedido de arquivamento Nesse último caso poderá o procuradorgeral acolher a manifestação vinculando então o juiz à decisão de arquivamento denunciar ele mesmo ou ainda em casos extremos designar um outro membro do Ministério Público para analisar o caso 54 Chamando a atenção para esse fato de que a obrigatoriedade não está consagrada expressamente JACINTO COUTINHO A Natureza Cautelar da Decisão de Arquivamento do Inquérito Policial Revista de Processo n 70 p 51 explica que esse princípio é uma criação doutrinária e jurisprudencial que visa proteger a independência do MP principalmente contra ingerências estranhas mormente de natureza política 55 Partindo desse tipo de controle que o MP pode fazer deixando o juiz sem opção que não o arquivamento concordamos com JACINTO COUTINHO A Natureza Cautelar da Decisão de Arquivamento do Inquérito Policial cit p 52 quando chama a atenção de que o art 28 abre espaço ao princípio da oportunidade devendo ser feita uma releitura ou nova visão do princípio da obrigatoriedade diversa daquela propalada pela imensa maioria da doutrina brasileira Isso sem falar na possibilidade de manipulação do arquivamento do inquérito bastando que os órgãos de primeiro grau promotor e juiz se coloquem de acordo sobre o arquivamento de determinado tipo de delito para que isso passe a ocorrer sistematicamente e sem qualquer controle 56 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 192194 57 A ampliação do conceito de crimes de menor potencial ofensivo se deu em razão da Lei n 102592001 como se verá ao tratarmos dos Juizados Especiais Criminais 58 É o que nos parece ter ocorrido no seguinte acórdão do STJ HC 27119RS Ministro Gilson Dipp DJ 25082003 p 341 É descabido o argumento de contradição entre o princípio da indivisibilidade da ação penal e a conexão ocorrida no processo criminal instaurado em desfavor do paciente pois referido princípio é atinente à ação penal privada que não é a hipótese dos autos Não se vislumbra omissão no acórdão atacado no que se refere ao exame de alegações a respeito de cerceamento de defesa se evidenciada a devida apreciação pelo Relator do writ originário ainda que de forma condensada Na ação penal pública vigoram os princípios da obrigatoriedade e da divisibilidade da ação penal os quais respectivamente preconizam que o Ministério Público não pode dispor do objeto ou a conveniência do processo Porém não é necessário que todos os agentes ingressem na mesma oportunidade no polo passivo da ação podendo haver posterior aditamento da denúncia Ordem denegada O fato de o MP poder oferecer nova denúncia ou aditar não significa que não exista a indivisibilidade pois ela vai muito além da indivisibilidade no processo admitindo que a acusação ocorra em outro processo O que não se admite é dividir para deixar de acusar pois incide conjuntamente a obrigatoriedade onde um princípio assegura o outro 59 EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL COMETIMENTO DE DOIS CRIMES DE ROUBO SEQUENCIAIS CONEXÃO RECONHECIDA RELATIVAMENTE AOS RESPECTIVOS INQUÉRITOS POLICIAIS PELO MP DENÚNCIA OFERECIDA APENAS QUANTO A UM DELES ALEGAÇÃO DE ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO QUANTO AO OUTRO INOCORRÊNCIA PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE INEXISTÊNCIA AÇÃO PENAL PÚBLICA PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE RECURSO DESPROVIDO I Praticados dois roubos em sequência e oferecida a denúncia apenas quanto a um deles nada impede que o MP ajuíze nova ação penal quanto ao delito remanescente II Incidência do postulado da indisponibilidade da ação penal pública que decorre do elevado valor dos bens jurídicos que ela tutela III Inexiste dispositivo legal que preveja o arquivamento implícito do inquérito policial devendo ser o pedido formulado expressamente a teor do disposto no art 28 do Código Processual Penal IV Inaplicabilidade do princípio da indivisibilidade à ação penal pública Precedentes V Recurso desprovido RHC 951410 Rel Min Ricardo Lewandowski j 06102009 60 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal cit p 176 e ss 61 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 199 62 Também analisando bem a questão EMENTA HABEAS CORPUS DELITO SOCIETÁRIO CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA LEI N 813790 QUOTISTA MINORITÁRIO 1 DAS QUOTAS SOCIAIS INEXISTÊNCIA DE PODER GERENCIAL E DECISÓRIO IMPOSSIBILIDADE DE INCRIMINAR QUOTISTA SEM A EFETIVA COMPROVAÇÃO DE CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO DELITUOSO INSUBSISTÊNCIA DA CONDENAÇÃO PENAL DECRETADA PEDIDO DEFERIDO PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA O sistema jurídico vigente no Brasil tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório hoje impregnado em sua estrutura formal de caráter essencialmente democrático impõe ao Ministério Público a obrigação de expor de maneira precisa objetiva e individualizada a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal a fim de que o Poder Judiciário ao resolver a controvérsia penal possa em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do due process of law ter em consideração sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal a conduta individual do réu a ser analisada em sua expressão concreta em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS SOCIETÁRIOS SÓCIO QUOTISTA MINORITÁRIO QUE NÃO EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS CONDENAÇÃO PENAL INVALIDADA O simples ingresso formal de alguém em determinada sociedade civil ou mercantil que nesta não exerça função gerencial e nem tenha participação efetiva na regência das atividades empresariais não basta só por si especialmente quando ostente a condição de quotista minoritário para fundamentar qualquer juízo de culpabilidade penal A mera invocação da condição de quotista sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que vincule o sócio ao resultado criminoso não constitui nos delitos societários fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório A circunstância objetiva de alguém meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não se revela suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa e menos ainda para justificar como efeito derivado dessa particular qualificação formal a decretação de uma condenação penal HC 73590SP Min Celso de Mello DJ 13121996 p 50162 grifo nosso 63 Também não são computadas as que não prestam compromisso de dizer a verdade as testemunhas referidas e as que nada souberem sobre o caso penal arts 208 209 1º e 2º Esses limites numéricos poderão ainda sofrer um alargamento pela incidência do art 209 do CPP que permite ao juiz ouvir outras testemunhas além daquelas arroladas pelas partes podendo ser interpretado assim como testemunhas além do limite numérico das partes 64 Mas essa alteração não afeta o Direito Penal de modo que o agente que possua entre 18 e 21 anos segue gozando de tratamento diferenciado como por exemplo com a incidência da atenuante da menoridade e a redução do prazo prescricional Isso porque na esfera penal vale o critério etário Já para o processo penal o critério utilizado é a capacidade para a prática dos atos da vida Nesse sentido decidiu acertadamente o STJ no HC 40041MS Rel Min Nilson Naves j 17032005 65 Concordamos com Fernando da Costa TOURINHO FILHO Processo Penal v 1 p 362 quando afirma que se a representação regra também aplicável à queixa crime frisese for feita após o prazo de 6 meses da data do fato sob o argumento de que somente em momento posterior o ofendido veio a saber quem era o autor do delito a carga dessa prova lhe incumbe Ou seja é carga probatória do ofendido demonstrar a data em que veio a saber quem era o autor do delito quando esta não coincide com a data da ocorrência do fato Daí por que como essa é uma prova muito difícil na dúvida é sempre melhor representar ou apresentar a queixa dentro dos 6 meses posteriores ao fato ainda que isso represente um encurtamento do prazo em caso de posterior descoberta da autoria 66 Nesse sentido EMENTA HABEAS CORPUS ESTUPRO CONTRA MENOR DE QUATORZE ANOS AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA EXAURIMENTO DO PRAZO DECADENCIAL TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL MISERABILIDADE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA REPRESENTANTE DA OFENDIDA A declaração de miserabilidade feita pela representante legal da ofendida e a vontade inequívoca de processar o autor do crime de estupro manifestada à autoridade policial imediatamente aos fatos elidem por completo a tese de expiração do prazo decadencial do que decorreria o trancamento da ação penal É da jurisprudência dessa Corte que a representação nos crimes de ação penal pública condicionada prescinde de qualquer formalidade bastando o elemento volitivo ainda que manifestado na fase policial Ordem denegada HC 86122SC Rel Min Eros Grau 1ª Turma DJ 17032006 grifo nosso 67 Processo Penal v 1 p 354 68 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 118 69 EMBARGOS INFRINGENTES RECURSO EM SENTIDO ESTRITO ART 217A 1º DO CP VÍTIMA IMPOSSIBILITADA DE OFERECER RESISTÊNCIA VULNERABILIDADE MOMENTÂNEA AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO Segundo elementos colhidos na fase investigativa durante o crime a vítima encontravase sedada sem condições de oferecer resistência Contudo recuperado seu estado normal tinha plena capacidade de exercer seu direito de representação contra o agente o que efetivamente fez todavia muito tempo depois de findo o prazo legal para tanto Decorrido o prazo previsto no art 38 do CPP ocorreu a decadência devendo ser mantida a decisão do primeiro grau de jurisdição que declarou extinta a punibilidade do réu com relação ao terceiro fato descrito na denúncia Prevalência do voto minoritário Embargos Infringentes acolhidos por maioria TJRS Embargos Infringentes 70054018346 4º Grupo Criminal Rel Des Carlos Alberto Etcheverry j 23082013 70 MIRABETE Julio Fabbrini Processo Penal São Paulo Atlas 2004 p 117 71 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado São Paulo RT 2006 p 171 72 Recordando a explicação anterior sobre a representação também a queixa quando feita após o prazo de 6 meses da data do fato sob o argumento de que somente em momento posterior o ofendido veio a saber quem era o autor do delito a carga dessa prova lhe incumbe Ou seja é carga probatória do ofendido demonstrar a data em que veio a saber quem era o autor do delito quando esta não coincide com a data da ocorrência do fato Daí por que como essa é uma prova muito difícil na dúvida é sempre melhor apresentar a queixa dentro dos 6 meses posteriores ao fato ainda que isso represente um encurtamento do prazo em caso de posterior descoberta da autoria 73 Mas a questão não é pacífica como se depreende da decisão proferida pelo STF no RHC 105920RJ rel Min Celso de Mello julgado em 08052012 em que a 2ª Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para invalidar desde a origem procedimento penal instaurado contra o recorrente e declarar a extinção da punibilidade por efeito da consumação do prazo decadencial No caso fora oferecida queixacrime por suposta ocorrência de crime de injúria sem que na procuração outorgada pelo querelante ao seu advogado constasse o fato criminoso de maneira individualizada Reputouse que a ação penal privada para ser validamente ajuizada dependeria dentre outros requisitos essenciais da estrita observância por parte do querelante da formalidade imposta pelo art 44 do CPP Esse preceito exigiria constar da procuração o nome do querelado e a menção expressa ao fato criminoso de modo que o instrumento de mandato judicial contivesse ao menos referência individualizadora do evento delituoso e não apenas o nomen iuris Asseverouse por outro lado não ser necessária a descrição minuciosa ou a referência pormenorizada do fato Observouse ainda que embora a presença do querelante na audiência de conciliação possibilitasse suprir eventual omissão da procuração judicial a regularização do mandato somente ocorreria se ainda não consumada a decadência do direito de queixa Sucede que decorrido in albis o prazo decadencial sem a correção do vício apontado impor seia o reconhecimento da extinção da punibilidade do querelado 74 Assim decidiu o STF no HC 84659MS Rel Min Sepúlveda Pertence j 29062005 EMENTA I Ação Penal Crime Contra a Honra do Servidor Público Propter Officium legitimação concorrente do MP mediante representação do ofendido ou deste mediante queixa se no entanto opta o ofendido pela representação ao MP ficalhe preclusa a ação penal privada electa una via II Ação Penal privada subsidiária descabimento se oferecida a representação pelo ofendido o MP não se mantém inerte mas entendendo insuficientes os elementos de informação requisita a instauração de inquérito policial 75 Art 104 O direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente Parágrafo único Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercêlo não a implica todavia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime 76 No mesmo sentido PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 131 77 Importante destacar aqui que o não comparecimento do querelante em eventual audiência conciliatória não pode ser considerado perempção pois ele não está obrigado a comparecer Sua ausência deve ser vista como uma recusa a qualquer possibilidade de consenso ou acordo jamais como desídia ou negligência processual 78 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 265 79 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 268 80 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado cit p 152 81 Ainda assim em sentido contrário ao nosso admitindo a denúncia genérica Afrânio SILVA JAR DIM Direito Processual Penal cit p 121122 82 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 1 2 ed p 203 83 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v 1 p 117 84 Direito Processual Penal cit p 5657 85 Idem ibidem p 57 86 BOSCHI José Antonio Paganella Nulidades In Código de Processo Penal Comentado Marcus Vinicius Boschi org Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 445 87 No mesmo sentido é apontada a possibilidade de aplicação analógica do art 267 IV do CPC Eugênio PACELLI DE OLIVEIRA Curso de Processo Penal cit p 169 88 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal cit v 1 p 250 89 Neste sentido parecenos muito acertada a decisão tomada pela 7ª Turma do TRF da 4ª Região Rel Des Federal TAADAQUI HIROSE no RSE 200971020004500 julgado em 26052009 DJ 08072009 PENAL E PROCESSO PENAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DENÚNCIA INICIALMENTE ADMITIDA À LUZ DO ART 43 DO CPP LEI 117192008 REFORMA PROCESSUAL PENAL PROCESSO EM CURSO ARTIGOS 395 E 397 DO CPP NOVA ANÁLISE DA JUSTA CAUSA APÓS A RESPOSTA PRELIMINAR POSSIBILIDADE REJEIÇÃO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA CABIMENTO 1 Com o advento da Lei 11719 de 20 de junho de 2008 o denunciado somente será submetido a persecutio criminis in judicio quando houver plausibilidade da acusação a qual vale dizer deverá estar lastreada ao menos na prova da existência de infração penal sob pena de constrangimento ilegal 2 Nessa linha a partir das alterações processuais produzidas pela aludida Lei após o oferecimento da peça acusatória não sendo caso de rejeição liminar art 395 cabe ao juiz propiciar a apresentação de resposta por escrito oportunidade em que o denunciado poderá alegar tudo o que interesse à sua defesa art 396 e 396A Dessa forma os fatos narrados na peça incoativa passam a ser examinados em cotejo com os argumentos apontados pela defesa art 397 para somente assim sob os auspícios do contraditório e da ampla defesa aferir o julgador se efetivamente há justa causa para a ação penal iniciandoa se for o caso com o recebimento da denúncia 3 Portanto não há mácula na decisão que após a apresentação das respostas preliminares realiza novo juízo de prelibação para revendo decisão anterior concluir pela ausência de justa causa ao exercício da ação penal Até porque inexiste utilidade no prosseguimento do feito quando não evidenciado um suporte probatório mínimo acerca da autoria e da materialidade delitivas atribuídas aos ora recorridos TRF4 RSE 200971020004500 7ª Turma Relator Taadaqui Hirose j 26052009 DJ 08072009 grifamos E ainda no mesmo sentido também se posicionou o TRF da 1ª Região no RSE 200838000151631 3ª Turma Rel Des Federal TOURINHO NETO julgado em 15022011 PENAL PROCESSO PENAL NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL LEI 117192008 IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA LEI 813790 SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA LEI 1068403 ART 9º FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO ARTS 299 E 304 CP ABSORÇÃO DENÚNCIA REJEIÇÃO 1 A Lei 1171908 inovou o processo penal ao introduzir a possibilidade de absolvição sumária do réu Em sendo assim tornouse perfeitamente factível que o Juiz reveja a decisão pela qual recebeu a denúncia para rejeitála em seguida quando sua convicção é modificada por algum elemento trazido pela defesa em sua resposta escrita grifamos 2 3 4 Não há justa causa para continuidade da presente persecução penal pois o crime de uso e documento falso foi absorvido pelo delito tributário Lei n 813790 e este teve suspensa a pretensão punitiva nos termos do art 9º caput e 1º da Lei 1068403 em razão do parcelamento do crédito tributário 5 Recurso em sentido estrito não provido TRF1 RSE 200838000151631 3ª Turma Rel Juiz Tourinho Neto j 15022011 eDJF1 28022011 p 64 90 Neste sentido muito bem decidiu o STJ no REsp 1185542RS Rel Min GILSON DIPP 5ª Turma julgado em 14042011 DJe 16052011 PENAL RECURSO ESPECIAL HOMICÍDIO REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA ART 387 IV DO CPP PEDIDO FORMAL E OPORTUNIDADE DE PRODUÇÃO DE CONTRAPROVA AUSÊNCIA OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA RECURSO DESPROVIDO I O art 387 IV do Código de Processo Penal na redação dada pela Lei 11719 de 20 de junho de 2008 estabelece que o Juiz ao proferir sentença condenatória fixará um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido II Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a aplicação do valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima porque a questão não foi debatida nos autos III Se a questão não foi submetida ao contraditório tendo sido questionada em embargos de declaração após a prolação da sentença condenatória sem que tenha sido dada oportunidade ao réu de se defender ou produzir contraprova há ofensa ao princípio da ampla defesa IV Recurso desprovido A decisão abordou exatamente a nulidade decorrente da violação do contraditório ausência de debate sobre a questão e também o consequente cerceamento de defesa onde o valor fixado não decorreu de pedido contraditório e decisão 91 Já na primeira sentença em que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Ximenes Lopes versus Brasil j 4 de julho de 2006 foi constatada entre outras a violação do direito de ser julgado no prazo razoável Lá também houve uma censura a essa sistemática de suspensão da ação de indenização pois acabou durando muito mais do que o prazo de 1 ano Em última análise a suspensão representa uma negação ao direito de tutela jurisdicional ainda que na esfera cível no prazo razoável 92 Em decisão isolada e contrária a nossa posição chamamos a atenção para o esse julgado do STJ EXECUÇÃO SENTENÇA CRIMINAL PRESCRIÇÃO RETROATIVA O recorrente foi condenado em razão da prática de lesões corporais de natureza grave perpetrada contra o recorrido porém após o trânsito em julgado viu declararse extinta a punibilidade em razão da prescrição retroativa regulada pela pena in concreto O recorrido então ajuizou ação de liquidação daquela sentença que foi julgada procedente condenando o recorrido ao pagamento de indenização pelos danos emergentes e moral Porém ao extrair carta de sentença e requerer a execução surpreendeuse com sua extinção por falta justamente de título executivo Frente a isso a Turma entendeu que o reconhecimento da prescrição nesses moldes não descaracteriza a sentença condenatória penal como título executivo no âmbito cível art 584 II do CPC a ensejar a pretendida reparação dos danos pois é certo que por aquele motivo não desapareceram o fato a autoria e a culpa já reconhecidos Precedentes citados REsp 163786SP DJ 29061998 e REsp 166107MG DJ 17112003 REsp 722429RS Rel Min Jorge Scartezzini julgado em 13092005 Nossa discordância referese ao fato de que não existe uma sentença condenatória mas sim declaratória da extinção da punibilidade Daí por que não há que se falar em título executivo judicial por carecer a decisão declaratória de força executiva suficiente para tanto Impedida está a execução por falta de título Contudo nada impede a parte interessada de buscar na via ordinária ação civil de indenização a satisfação dessa pretensão indenizatória Com essa sentença condenatória terá então um título para promover a execução 93 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 183 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 AÇÃO PROCESSUAL PENAL é o poder político constitucional de invocar a atuação jurisdicional Constitui o elemento de atividade declaração petitória da pretensão acusatória Não é adequado falarse trancamento da ação penal pois a ação não é trancável ela não possui um prolongamento no tempo É um poder político constitucional de invocação que não poder ser obstaculizado O que se tranca é o processo que nasce com admissão da ação penal e se prolonga no tempo através do procedimento do rito Logo é trancamento do processo 2 NATUREZA JURÍDICA toda ação processual tem caráter público porque se estabelece entre o particular e o Estado para realização do direito penal que é público É autônomo e abstrato pois independe da relação jurídica de direito material Por isso a ação é um direito dos que têm razão e também dos que não a têm Haverá ação ainda que ao final o réu seja absolvido abstração e autonomia Contudo no processo penal não se admite a plena abstração pois para a acusação ser exercida e admitida dando início ao processo é imprescindível que fique demonstrado o fumus commissi delicti Assim entendemos que a ação é um direito potestativo e acusar é um direito público autônomo e abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal 3 CONDIÇÕES DA AÇÃO são condições para que a acusação ação seja admitida dando início ao processo e permitindo que exista uma manifestação judicial sobre o mérito da causa São condições que subordinam o nascimento do processo É importante compreender que ação é um direito de dois tempos ou seja a no primeiro momento estamos na dimensão constitucional do poder de acusar ius ut procedatur que é completamente incondicionado e não existem condições para seu exercício b já a ação no seu segundo momento situase na dimensão processual penal e aqui se situam as condições da ação 4 QUAIS SÃO AS CONDIÇÕES DA AÇÃO Neste ponto é crucial compreender a crítica que fazemos à teoria geral do processo e à importação de conceito do processo civil Muitos sustentam a partir da equivocada concepção de teoria geral do processo que as condições da ação processual penal seriam legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido Os dois últimos interesse e possibilidade jurídica são absolutamente inadequados para o processo penal e por isso são vítimas de entulhamento conceitual ou seja pegam o conceito e o entulham de definições que extrapolam seus limites Para o processo penal são condições da ação processual penal a prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti b punibilidade concreta c legitimidade ativa e passiva d justa causa na sua dupla dimensão de existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade e controle processual do caráter fragmentário do direito penal Ao lado dessas existem outras condições da ação vg representação requisição procuração com poderes especiais para queixa crime etc 5 AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA 51 Regras a oficialidade ou investidura b obrigatoriedade ou legalidade c indisponibilidade d indivisibilidade há divergências sobre sua incidência e intranscendência 52 Espécies 521 Ação Penal de iniciativa pública incondicionada é a regra geral sendo exercida através de denúncia do MP prazo 5 dias em caso de acusado preso e 15 se estiver solto 522 Ação Penal de iniciativa pública condicionada neste caso a acusação depende de representação da vítima ou representante legal constituindo uma condição de procedibilidade A representação é uma autorização que a vítima concede para que o Estado possa acusar por isso é uma condição para que o Estado possa proceder contra alguém Quanto à representação a sujeito vítima ou representante legal art 24 1º e art 39 b objeto um fato aparentemente criminoso acrescido da autorização para que o Estado possa proceder c lugar na polícia MP ou para o juiz art 39 4º d tempo deverá ser feita no prazo decadencial logo não se interrompe suspende ou prorroga de 6 meses contados nos termos do art 38 do CPP Ainda destacamos que a representação é facultativa oral ou por escrito e não tem forma rígida bastando a simples notícia crimeboletim de ocorrência Retratação é possível nos termos do art 25 do CPP 6 AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA 61 Regras oportunidade e conveniência disponibilidade indivisibilidade art 48 intranscendência 62 Titularidade e Prazo o querelante é o ofendido pelo delito a vítima ou seu representante legal art 30 Problemática da vítima menor de 18 anos Súmula n 594 do STF Quanto ao prazo será decadencial de 6 meses art 38 não se interrompendo suspendendo ou prorrogando A procuração deverá conter a exposição sucinta dos fatos criminosos e ter poderes especiais art 38 cc o art 44 do CPP 63 Espécies a originária ou comum b personalíssima c subsidiária da pública art 5º LIX da CB art 29 do CPP e art 100 3º do CP Em relação à ação penal privada subsidiária ou substitutiva cumpre esclarecer que é uma legitimação extraordinária para que a vítima possa exercer a acusação em um crime de ação penal pública diante da inércia do MP Ainda que tenha essa legitimidade extraordinária a ação segue as regras da ação penal pública Crimes praticados contra a honra de servidor público propter officium legitimidade concorrente do ofendido através de queixa ou do Ministério Público mediante representação nos termos da Súmula n 714 do STF 64 Renúncia perdão e perempção são todas causas de extinção da punibilidade 641 Renúncia é possível a renúncia ao direito de queixa e também de representação se for o caso de forma unilateral pelo ofendido podendo ser expressa ou tácita arts 49 e 50 do CPP 104 parágrafo único do CP e 57 do CPP É feita antes de a parte exercer o direito de representação ou de queixa 642 Perdão ato bilateral que ocorre durante o processo penal e que deve ser aceito pelo querelado para surtir efeitos Pode ser oferecido a partir do recebimento da queixa e até que ocorra o trânsito em julgado art 106 2º do CP O perdão oferecido a um dos réus a todos aproveita mas só produz efeito em relação aos que o aceitarem art 51 do CPP Pode ser expresso ou tácito tanto o oferecimento quanto a aceitação Não existe mais legitimidade concorrente no caso de ofendido maior de 18 anos e menor de 21 estando revogados os arts 52 e 54 do CPP 643 Perempção art 60 do CPP É uma sanção de natureza processual imposta ao querelante negligente e que conduz à extinção do processo e da punibilidade 7 Aditamento na ação penal de iniciativa pública aditar é ampliar a acusação acrescentar incluir novos fatos aditamento próprio real eou pessoas aditamento próprio pessoal não contidos na denúncia Está vinculado à mutatio libelli do art 384 do CPP Aditamento impróprio é quando não se acrescenta fato novo ou pessoas mas se retifica uma falha da denúncia Qualquer aditamento deve ser feito antes da denúncia e exige contraditório conhecimento e manifestação da defesa Quanto à interrupção da prescrição em se tratando de aditamento real o prazo prescricional do novo crime se dará na data em que for recebido o aditamento No aditamento pessoal em relação àquele agente o prazo prescricional é interrompido com o recebimento do aditamento Não cabe recurso da decisão que recebe mas pode caber por analogia recurso em sentido estrito da decisão de rejeição art 395 8 Aditamento em ação penal de iniciativa privada não cabe aditamento próprio real devendo o querelante ingressar com uma nova queixacrime Quanto ao aditamento próprio pessoal pode ser caso de renúncia tácita art 49 Se não tinha conhecimento da participação de outras pessoas deverá ajuizar nova queixacrime devendose ter cuidado com a decadência art 38 que poderá ou não ser reunida por força da conexão ou continência É cabível o aditamento impróprio ou seja a mera correção na descrição dos fatos datas lugares etc Falha na procuração a falta de procuração com poderes especiais art 44 pode ser suprida no prazo decadencial de 6 meses art 38 9 Rejeição da denúncia ou queixa da decisão que recebe a denúncia ou queixa não cabe recurso pode caber habeas corpus que não é recurso para trancamento do processo A acusação será rejeitada nos casos do art 395 a Inépcia nos casos do art 41 a contrario sensu especialmente quando não houver a exposição clara e direta do fato criminoso com todas as suas circunstâncias pois não se admite acusação genérica ou alternativa Rejeitada a denúncia ou queixa o recurso cabível é o RSE art 581 I b Falta de pressuposto processual ou condição da ação a teoria dos pressupostos processuais não é de aceitação pacífica mas em sendo admitida os pressupostos seriam de existência ou validade e sua ausência acarretaria a rejeição da acusação Já as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade de parte e justa causa foram estudadas anteriormente e sua ausência acarreta a rejeição O recurso cabível é o RSE art 581 I c Falta de justa causa é um conceito já abrangido pelo inciso anterior pois se trata de uma condição da ação cuja falta acarreta a rejeição recurso cabível RSE art 581 I Rejeição Parcial é ainda minoritária a corrente doutrinária que admite a rejeição parcial da denúncia ou queixa aplicando o art 383 no momento do recebimento Seria para situações excepcionais buscando ser corrigida a acusação abusiva desde o início evitando um desenvolvimento procedimental defeituoso 10 Absolvição sumária está prevista no art 397 do CPP e ocorre após o recebimento da denúncia ou queixa e da resposta à acusação Os quatro incisos nada mais fazem do que criar desdobramentos de duas condições da ação fato aparentemente criminoso e punibilidade concreta São todas decisões de mérito que atuam afastando a ilicitude ou a culpabilidade ou negando a tipicidade Da decisão que absolve sumariamente nos casos dos incisos I II e III caberá recurso de apelação art 593 I do CPP Quando a absolvição sumária se fundar no inciso IV o recurso cabível é o recurso em sentido estrito art 581 VIII Justa causa não está entre as causas de absolvição sumária Caso seja reconhecida a falta de justa causa após a resposta à acusação entendemos mas não é pacífico que o juiz pode desconstituir o recebimento e rejeitar a acusação pois não existe preclusão para o juiz em relação à decisão de rejeição 11 Valor Indenizatório a sentença penal condenatória poderá fixar um valor indenizatório mínimo que não exclui a possibilidade de a vítima postular na esfera cível um complemento art 387 IV Mas para isso é necessário que a exista pedido expresso na inicial b exista contraditório c fato criminoso tenha ocorrido após a vigência da Lei n 117192008 12 Ação Civil Ex Delicti são três as situações possíveis 121 Com sentença penal condenatória transitada em julgado a sentença penal constitui um título executivo judicial art 475N II do CPC podendo ser executada no cível 122 Ação ordinária de indenização poderá a vítima ou representante legal ajuizar antes durante ou até mesmo após o processo penal ação de indenização art 64 do CPP Sendo ajuizada antes ou durante o processo criminal poderá ser suspensa sua tramitação art 64 parágrafo único A sentença penal absolutória impede ação civil de indenização nos casos do art 386 I e IV Nos incisos II III V e VII do art 386 a sentença penal absolutória não impedirá a demanda cível No caso de absolvição com base no art 386 VI como regra geral impede ação civil de indenização art 65 do CPP exceto nos casos de absolvição por estado de necessidade agressivo arts 929 e 930 do CCB e legítima defesa real e aberratio ictus art 73 do CP situações em que o réu mesmo absolvido poderá ser demandado no cível Legítima defesa ou estado de necessidade putativo não impede ação de indenização Nos casos de absolvição sumária art 397 nas situações dos incisos II III e IV não impede ação de indenização A situação do inciso I causas de exclusão da ilicitude como regra impede ação civil exceto nos casos de estado de necessidade agressivo e legítima defesa real e aberratio ictus 123 Composição dos danos civis JECrim nos termos do art 74 da Lei n 909995 gera título executivo no cível e extingue a punibilidade penal Capítulo X JURISDIÇÃO PENAL E COMPETÊNCIA DE PODERDEVER A DIREITO FUNDAMENTAL O conceito de jurisdição deve iniciar pelo abandono da estéril discussão para o processo penal entre jurisdição voluntária e contenciosa Isso porque no processo penal não existe lide Assim com razão TUCCI1 quando explica que a jurisdição penal deve ser concebida como poderdever de realização de Justiça Estatal por órgãos especializados do Estado Tratase de decorrência inafastável da incidência do princípio da necessidade peculiaridade do processo penal inexistente no processo civil Para tanto é uma jurisdição cognitiva destinada a conhecer da pretensão acusatória e de seu elemento objetivo o caso penal para em acolhendoa exercer o poder de penar que detém o Estadojuiz Assim é lugarcomum na doutrina vincular o conceito de jurisdição ao de poderdever Não negamos que seja um poderdever mas pensamos que a questão exige à luz da Constituição um deslocamento Assim pensamos que jurisdição é um direito fundamental tanto que ao tratarmos dos princípiosgarantias do processo penal o primeiro a ser analisado é exatamente esse a garantia da jurisdição Ou seja o direito fundamental de ser julgado por um juiz natural cuja competência está prefixada em lei imparcial e no prazo razoável É nessa dimensão que a jurisdição deve ser tratada como direito fundamental e não apenas como um poderdever do Estado Significa descolar da estrutura de pensamento no qual a jurisdição é um poder do Estado e que portanto pode pelo Estado ser utilizado e definido segundo suas necessidades Ao desvelarmos a jurisdição como direito fundamental consagrado que está na Constituição ela passa a exigir uma nova estrutura de pensamento como instrumento a serviço da tutela do indivíduo recordemos la ley del más débil como sintetizou FERRAJOLI Com razão JACINTO COUTINHO2 quando afirma que a jurisdição a par de ser um poder e como tal deve ser estudado com proficiência é uma garantia constitucional do cidadão da qual não se pode abrir mão grifo nosso O que se evidencia é a coexistência dos conceitos Não se nega o caráter de poderdever mas acima de tudo é um direito fundamental do cidadão E a ação como visto é a invocação necessária para obtenção desse direito fundamental jurisdição Essa concepção decorre ainda do princípio da necessidade do processo em relação à pena pois como visto não há pena sem processo anterior Logo ação jurisdição e processo formam um núcleo de direitos fundamentais que impedem a aplicação imediata e ilegítima da pena Como consequência a própria conceituação de competência também é afetada A competência ao mesmo tempo em que limita o poder cria condições de eficácia para a garantia da jurisdição juiz natural e imparcial Como explica TAORMINA3 a disciplina da competência deriva do fato de que a jurisdição penal ordinária se articula em uma multiplicidade de órgãos devendo se verificar a repartição das tarefas judiciárias Resultaria extremamente perigoso se não fossem previstos rígidos mecanismos de identificação prévia do juiz competente pois antes de tudo está a garantia da precostituzione per legge del giudice que deverá ser prima del fatto commesso A competência impõe severos limites ao poder jurisdicional es la medida de la jurisdicción sintetiza LEONE4 e por sua vez está estreitamente disciplinada por regras que em última análise asseguram a própria qualidade e legitimidade da jurisdição Ao final de tudo está a garantia de ter um juiz natural imparcial e cuja competência está claramente definida por lei anterior ao fato criminoso Nessa dimensão de poder mas principalmente de direito fundamental a jurisdição e portanto as regras de competência cuja coexistência nem sempre é respeitada e corretamente tratada abordaremos o tema da competência 1 Princípios da Jurisdição Penal Em relação aos princípios da jurisdição penal5 destacamos de forma sintética 11 Princípio da Inércia da Jurisdição Como decorrência do sistema acusatório anteriormente explicado e para garantia da imparcialidade princípio supremo do processo a inércia da jurisdição significa que o poder somente poderá ser exercido pelo juiz mediante prévia invocação Vedada está a atuação ex officio do juiz daí o significado do adágio ne procedat iudex ex officio Com isso a jurisdição somente se põe em marcha quando houver uma prévia invocação declaração petitória feita por parte legítima No que tange ao processo penal a jurisdição somente pode ser exercida quando houver o exercício da pretensão acusatória através de queixacrime se a iniciativa da ação penal for privada ou da denúncia oferecida pelo Ministério Público nos termos do art 129 I da Constituição nos delitos cuja ação penal é de iniciativa pública Portanto fazendo uma leitura constitucional revogado está o art 26 do CPP6 pois não existe mais processo penal iniciando por meio de prisão em flagrante ou mesmo portaria da autoridade judiciária ou policial 12 Princípio da Imparcialidade Considerando o que já explicamos sobre a imparcialidade do julgador no tópico destinado à Jurisdição nos princípios fundantes da instrumentalidade constitucional do processo penal cumpre agora apenas recordar algumas nuances de forma sumária Desde logo reforçamos que imparcialidade não tem absolutamente nada a ver com neutralidade pois juiz neutro não existe Pelo fato de o juiz sernomundo bem como já ter sido superada a noção cartesiana que separava razão de emoção dicotomizando sujeito e objeto não se questiona mais que o ato de julgar reflete um sentimento uma eleição de significados válidos na norma e das teses apresentadas Basta recordar que sentenciar vem de sententiando gerúndio do verbo sentire Logo existe um conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar e que impedem qualquer construção que envolva a tal neutralidade A imparcialidade é uma construção do Direito que impõe a ele um afastamento estrutural um alheamento terzietà em relação à atividade das partes acusador e réu Como meta a ser atingida o processo deve criar mecanismos capazes de garantila evitando principalmente atribuir poderes instrutórios ao juiz Como explicamos anteriormente a imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor e a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia O Tribunal Europeu de Direitos Humanos há muito tempo e em diversas oportunidades tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial em situações assim destacando ainda uma especial preocupação com a aparência de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados especialmente na esfera penal Novamente a complexidade do processo exige uma visão mais ampla pois a imparcialidade é garantida pela adoção do sistema acusatório e ambos pela inércia da jurisdição Existe assim uma íntima relação e interação entre esses institutos Daí por que viola a garantia da imparcialidade entre outros a atribuição de poderes instrutórios para o juiz poderes para produzir a prova de ofício decretação de ofício de prisões provisórias medidas cautelares reais etc Esse ativismo judicial como o previsto no art 156 do CPP fere de morte o sistema acusatório e a garantia da imparcialidade A questão é complexa e para melhor compreensão do que estamos falando remetemos o leitor para o que explicamos anteriormente sobre os sistemas processuais e os princípios fundantes da instrumentalidade constitucional do processo penal O que não se pode mais é ter uma visão ingênua dessa matéria como tradicionalmente tem sido feito no Brasil 13 Princípio do Juiz Natural O princípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um verdadeiro pressuposto para a sua própria existência Como explicamos anteriormente na esteira de MARCON7 o Princípio do Juiz Natural é um princípio universal fundante do Estado Democrático de Direito Consiste no direito que cada cidadão tem de saber de antemão a autoridade que irá processálo e qual o juiz ou tribunal que irá julgálo caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento jurídicopenal O nascimento da garantia do juiz natural dáse no momento da prática do delito e não no início do processo Não se podem manipular os critérios de competência e tampouco definir posteriormente ao fato qual será o juiz da causa Elementar que essa definição posterior afetaria também a garantia da imparcialidade do julgador como visto anteriormente Importa afastar a criação de tribunais de exceção post factum e extinguir os privilégios das justiças senhorais foro privilegiado Na clara definição de COUTINHO8 tratase de definir qual é o meu juiz pois todos passam a ser julgados pelo seu juiz cuja competência é previamente estabelecida por uma lei vigente antes da prática do crime A consagração Constitucional vem dada pelo texto do art 5º LIII da Constituição Destaquese ainda essa correta análise feita pelo STF sobre o alcance do dispositivo em questão O postulado do juiz natural representa garantia constitucional indisponível assegurada a qualquer réu em sede de persecução penal mesmo quando instaurada perante a Justiça Militar da União O postulado do juiz natural em sua projeção políticojurídica revestese de dupla função instrumental pois enquanto garantia indisponível tem por titular qualquer pessoa exposta em juízo criminal à ação persecutória do Estado e enquanto limitação insuperável representa fator de restrição que incide sobre os órgãos do poder estatal incumbidos de promover judicialmente a repressão criminal HC 81963 Rel Min Celso de Mello DJ 28102004 No mesmo sentido HC 79865 DJ 06042001 Por fim destacamos que não se pode mais desconectar a garantia do juiz natural das regras de competência Assim devese dar um basta às verdadeiras manipulações feitas nos critérios de competência a partir de equivocadas analogias com o processo civil o costumeiro desrespeito às categorias jurídicas próprias do processo penal permitindo que se desloquem processos da cidade onde ocorreu o crime para outras atendendo a duvidosos e censuráveis critérios de maior eficiência no combate ao crime mas ferindo de morte a garantia constitucional Em geral isso é feito sob o argumento de que a competência em razão do lugar é relativa uma construção civilista inadequada ao processo penal Como explica COUTINHO isso abre a possibilidade de escolher um juiz mais interessante para quem para o julgamento de determinados casos atendendo a critérios pessoais mais liberal ou mais conservador por exemplo Nenhuma dúvida existe de que essas manipulações violam a garantia da imparcialidade e do juiz natural Mas para além disso eles estão comprometendo a credibilidade da Justiça Voltaremos a essa questão da manipulação dos critérios de competência no final deste capítulo em tópico destinado à crítica da adoção dos critérios civilistas de incompetência absoluta e relativa e sua manipulação 14 Princípio da Indeclinabilidade da Jurisdição Nenhuma das garantias anteriores teria eficácia se fosse permitido ao juiz declinar ou subtrairse do dever de julgamento do processo A garantia da jurisdição careceria de sentido se fosse possível sua fungibilidade A inderrogabilidade é garantia que decorre e assegura a eficácia da garantia da jurisdição no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade do juízo assegurando a todos o livre acesso ao processo e ao poder jurisdicional Logo o juiz natural não pode declinar ou delegar a outro o exercício da sua jurisdição até porque existe uma exclusividade desse poder de modo a excluir a de todos os demais Visto assim o presente princípio não dá a noção da problemática que pode surgir se o levarmos a sério algo que não tem sido feito no sistema brasileiro Por exemplo como admitir a chamada prorrogatio fori tão utilizada pela Justiça brasileira Inadmissível pois incompatível com esse princípio A prorrogatio fori ocorre quando um juiz que não é competente em razão do lugar acaba tendo sua competência ampliada prorrogada Tal alquimia somente é possível pelo fato de a competência pelo local do crime ser considerada relativa e se não arguida pelo réu na resposta escrita à acusação art 396A é prorrogada pela preclusão transformando em competente quem inicialmente era incompetente Esse é o entendimento majoritário com o qual não concordamos Noutra linha também vemos dificuldades na coexistência entre a garantia da indeclinabilidade da jurisdição e a chamada justiça negociada A lógica da plea negotiation conduz a um afastamento do Estadojuiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote ao conflito A negotiation viola desde logo esse pressuposto fundamental pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo juiz que erroneamente limitase a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal conduzindo a uma espécie de fungibilidade da jurisdição Voltaremos a essa crítica quando abordarmos os Juizados Especiais Criminais 2 A Competência em Matéria Penal A competência é um conjunto de regras que asseguram a eficácia da garantia da jurisdição e especialmente do juiz natural Delimitando a jurisdição condiciona seu exercício Como regra um juiz ou tribunal somente pode julgar um caso penal quando for competente em razão da matéria pessoa e lugar Sem negar as críticas que fizemos no princípio da indeclinabilidade da jurisdição seguiremos o pensamento majoritário que costuma afirmar que a competência em razão da matéria e pessoa é absoluta ao passo que o critério local do crime seria relativo Logo a violação das regras de competência para matéria e pessoa por ser absoluta não se convalida jamais não há preclusão ou prorrogação de competência e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal em qualquer fase do processo Com relação à competência em razão do lugar ao compreendermos que a jurisdição é uma garantia não pode ela ser esvaziada com a classificação civilista de que é relativa Ou seja a eficácia da garantia do juiz natural não permite que se relativize a competência em razão do lugar Assim também consideramos a competência em razão do lugar absoluta Contudo até por honestidade acadêmica destacamos que não é essa a posição majoritária na jurisprudência brasileira Predomina a noção civilista de que a competência em razão do lugar do crime é relativa Desde a mera leitura do CPP defendem que a incompetência em razão do lugar do crime deve ser arguida pelo réu no primeiro momento em que falar no processo sob pena de preclusão e prorrogação da competência do juiz prorrogatio fori O julgador que inicialmente era incompetente em razão do lugar adquire competência pela preclusão da via impugnativa Somente o réu pode alegar a incompetência em razão do lugar pois o Ministério Público ao eleger o local onde ofereceu a denúncia fez sua opção e portanto preclusa a via para ele Contudo ao contrário de alguma doutrina que não descola das categorias do processo civil pensamos que a incompetência em razão do lugar pode também ser conhecida pelo juiz de ofício Isso porque o art 109 do CPP não faz nenhuma restrição todo oposto Art 109 Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente declaráloá nos autos haja ou não alegação da parte prosseguindose na forma do artigo anterior Assim poderá o juiz de ofício e até a prolação da sentença declinar de sua competência inclusive em razão do lugar A distinção está em que na incompetência em razão da matéria e pessoa por serem critérios absolutos e indisponíveis não se opera nenhuma espécie de convalidação Inclusive em grau recursal pode ser declarada a incompetência do juiz Já em relação ao lugar ou a defesa alega através da respectiva exceção ou ela se prorroga Nesse caso somente o juiz poderá fazêlo até a sentença nos termos do art 109 Voltando ao tema principal a disciplina feita pelo Código de Processo Penal nessa matéria e em outras é péssima sem uma sistemática clara e coerente Dispõe o art 69 do CPP Art 69 Determinará a competência jurisdicional I o lugar da infração II o domicílio ou residência do réu III a natureza da infração IV a distribuição V a conexão ou continência VI a prevenção VII a prerrogativa de função Desde logo advertimos que não existe nenhuma hierarquia ou ordem entre os incisos e qualquer tentativa de extrair uma regra de aplicação a partir daí esbarrará em tantas exceções que a regra se diluirá Propomos definir a competência a partir de três perguntas básicas 1ª Qual é a Justiça e órgão competente Aqui se discutem os critérios relativos à matéria e pessoa considerando a existência de 1 Justiças Especiais 11 Justiça Militar 111 Justiça Militar Federal 112 Justiça Militar Estadual 12 Justiça Eleitoral 2 Justiças Comuns 21 Justiça Comum Federal 22 Justiça Comum Estadual Sempre para definição da Justiça competente devese considerar a matéria em julgamento e começar a análise pela esfera mais restrita das Justiças Especiais começando pela Justiça Militar Federal depois Estadual e por fim a Eleitoral para por exclusão chegar às Justiças Comuns Primeiro a Federal para só então chegar à Justiça mais residual de todas a Justiça Comum Estadual Assim um crime somente será de competência da Justiça Comum Estadual quando não for de competência de nenhuma das anteriores No próximo ponto definiremos as competências das Justiças Especiais e Comuns mas antes é preciso esclarecer mais alguns aspectos Definida a Justiça devese analisar ainda em qual será o nível da jurisdição que terá atuação originária pois pode ocorrer que por exemplo em virtude do cargo que o réu ocupe o processo já nasça no Tribunal de Justiça no Superior Tribunal de Justiça ou mesmo no Supremo Tribunal Federal Assim para encontrar o órgão julgador devemos considerar a existência dos seguintes níveis de jurisdição Justiça Comum9 10 11 Mas o problema poderá não estar resolvido ainda com a mera definição da Justiça e órgão julgador Em se tratando de primeiro grau de jurisdição devese ainda definir qual é o foro competente passando então à segunda pergunta 2ª Qual é o foro competente local Quando em razão da natureza do delito matéria e qualidade do agente pessoa o julgamento for de competência da Justiça de primeiro grau devese ainda definir qual será o foro competente lugar atendendo nesse caso às regras dos arts 70 e 71 do CPP Excepcionalmente dependendo da situação poderá ser necessário recorrer às regras dos arts 88 a 90 quando o delito for cometido a bordo de navio ou aeronave como explicaremos na continuação 3ª Qual é a vara ou juízo Ainda que respondidas as duas perguntas anteriores pode a competência não estar definida como ocorre por exemplo com um crime de roubo cometido na cidade de Porto Alegre A Justiça será a comum estadual diante da não incidência das demais o órgão é o juiz de direito primeiro grau e o local será a comarca de Porto Alegre Contudo ainda assim quantos juízes igualmente competentes em razão da matéria pessoa e lugar existem nessa cidade Dezenas Logo qual deles irá julgar Deveremos recorrer aos critérios da prevenção art 83 ou da distribuição conforme o caso Finalmente após responder corretamente a essas três perguntas teremos a exata definição do juiz ou tribunal competente para o julgamento do processo penal Mas como advertimos no início esse é um tema bastante complexo e ainda que tudo isso tenha sido definido a ocorrência de conexão ou continência pode alterar substancialmente a resposta final como veremos Vejamos agora que definições nos permitirão responder a essas três perguntas começando pela análise da competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral para depois explicar a competência das Justiças Comuns Federal e Estadual 21 Qual é a Justiça Competente Definição da Competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e Comuns Federal e Estadual Nesse ponto precisamos analisar a natureza da infração a matéria eou a pessoa Em primeiro lugar devemos questionar se o crime é da competência da Justiça Especial Militar cujo campo é o mais restrito federal e depois estadual depois se não for de competência da Justiça Militar devemos questionar se é de competência da Justiça Eleitoral Somente com a negativa a ambas as perguntas é que podemos passar para a escolha da Justiça Comum federal ou estadual que irá julgar É sempre uma análise que parte do mais restrito para o mais residual Justiça Comum Estadual Assim comecemos definindo a competência da Justiça Militar 211 Justiça Especial Militar Federal À Justiça Militar Federal compete o julgamento dos militares pertencentes às forças armadas exército marinha e aeronáutica que possuem atuação em todo o território nacional Essa Justiça está constituída da seguinte forma 1º grau auditorias e conselhos permanentes de justiça e conselho especial de justiça 2º grau é o Superior Tribunal Militar A competência dessa Justiça Especial está prevista no art 124 da Constituição Art 124 À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei Ao falar em crimes militares definidos em lei a Constituição acaba por remeter para o Código Penal Militar cujo art 9º define o que é um crime militar12 Para tanto é necessário que seja uma conduta tipificada no Código Penal Militar pois somente assim teremos um crime militar esteja presente uma daquelas situações descritas no art 9º do Código Penal Militar por fim a jurisprudência tem buscando claramente restringir a competência da Justiça Militar passado a exigir uma situação de interesse militar Isso porque a atuação da Justiça Militar deve ser excepcional somente nos casos de efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos das Forças Armadas13 Tratase de construção jurisprudencial de natureza subjetiva que deve ser analisada caso a caso Somente quando concorrerem todos esses elementos teremos um crime de competência da Justiça Militar Federal Assim afastase a competência da Justiça Militar por falta de uma situação de interesse militar quando o réu militar chegando em casa surpreende sua esposa com o amante e utilizando artefatos militares causa lesões corporais em ambos Ainda que o agente esteja fardado resida numa das muitas vilas militares espalhadas pelo País utilize equipamento militar e pratique uma conduta prevista no Código Penal Militar lesões corporais dolosas a tendência é a de que seja julgado na Justiça Comum e não na especial militar Isso porque falta o real interesse militar numa situação assim pois o crime não foi praticado em razão de seu ofício ou em atividade inerente ao trabalho militar Assim quando não estiver presente o interesse militar ou não for a conduta inerente à função militar a competência da Justiça Militar Federal ou Estadual será afastada14 Um questionamento importante pode um civil ser julgado pela Justiça Militar Federal Antes da Constituição de 1988 não havia essa possibilidade porque era adotado um critério objetivo e subjetivo exigiase que o agente fosse militar e tivesse praticado um crime militar Após a Constituição de 1988 a situação mudou num grave retrocesso por vacilo do legislador constituinte Como o art 124 da Constituição remete para crimes militares definidos em lei acaba por transferir para o art 9º do Código Penal Militar a definição da matéria e pessoa e como o art 9º prevê a possibilidade de um civil cometer um crime militar15 a resposta agora é sim pode um civil ser julgado na Justiça Militar Federal desde que presentes as situações previstas no art 9º do CPM Exemplo há alguns anos um grupo de pescadores foi surpreendido dentro de uma área militar exército Foram julgados e condenados pela Justiça Militar Federal pela prática do delito de ingresso clandestino em área de manobras militares art 302 do CPM Essa é a competência da Justiça Militar Federal Quando a situação não se encaixar nessas condições explicadas passase então para a análise da competência da Justiça Eleitoral e depois das Justiças Comuns 212 Justiça Especial Militar Estadual A competência da Justiça Militar Estadual está prevista no art 125 4º da Constituição Art 125 Os Estados organizarão sua Justiça observados os princípios estabelecidos nesta Constituição 3º A lei estadual poderá criar mediante proposta do Tribunal de Justiça a Justiça Militar estadual constituída em primeiro grau pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e em segundo grau pelo próprio Tribunal de Justiça ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar singularmente os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares cabendo ao Conselho de Justiça sob a presidência de juiz de direito processar e julgar os demais crimes militares A competência da Justiça Militar Estadual também remete ao conceito de crime militar do art 9º do CPM exigindo assim que seja uma conduta tipificada no Código Penal Militar pois somente assim teremos um crime militar esteja presente uma daquelas situações descritas no art 9º do Código Penal Militar que o agente seja militar do Estado ou seja membro da polícia militar estadual polícia rodoviária estadual ou bombeiro como explicado na Justiça Militar Federal também na estadual a jurisprudência tem exigido a presença de um real interesse militar na atuação ou seja que a atividade tenha sido propter officium Isso porque também a atuação da Justiça Militar Estadual deve ser excepcional somente nos casos de efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos militares Trata se por evidente de uma questão a ser analisada caso a caso fazendo com que exista grande oscilação das decisões nessa matéria Sinalizando essa preocupação com o interesse militar cumpre ler a Súmula n 06 do STJ Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade Considerando que lesões corporais culposas ou mesmo homicídio culposo quando decorrentes de acidente de trânsito não são inerentes e peculiares à atividade militar todo o oposto Assim a súmula restringe a competência da Justiça Militar aos casos em que ambos autor e vítima são militares em situação de atividade Com isso se a vítima do acidente de trânsito for um civil situação bastante comum a competência será da Justiça Comum Estadual Quanto à possibilidade de o civil ser julgado na Justiça Militar Estadual ao contrário da federal aqui a Constituição adotou um critério objetivosubjetivo Ou seja deve ser crime militar praticado por militar do Estado descartando completamente a possibilidade de um civil ser julgado na Justiça Militar Estadual Assim somente quando concorrerem esses dois elementos militar crime militar poderemos ter um crime de competência da Justiça Militar Estadual Nessa linha está a desnecessária Súmula n 53 do STJ que apenas repete a disciplina constitucional Importante destacar nessa esfera que somente os crimes militares devidamente previstos no Código Penal Militar serão julgados nessa Justiça Logo o crime de abuso de autoridade Lei n 4898 por exemplo não será julgado na Justiça Militar seja ela federal ou estadual ainda que praticado por militar em situação de atividade pois não está previsto no CPM mas apenas em lei especial Por fim sublinhamos que se o policial militar estadual cometer um crime doloso contra a vida de civil tentado ou consumado será julgado na Justiça Comum federal se presente alguma das circunstâncias do art 109 da Constituição ou estadual nos demais casos pelo Tribunal do Júri Em que pese ser considerado crime militar previsto no CPM a Lei n 929996 deslocou a competência para o Tribunal do Júri com a assumida intenção de subtrair do julgamento da Justiça Militar Estadual Essa regra foi recepcionada e incluída no texto constitucional Apenas quando cometido por militar contra militar é que o crime doloso contra a vida será julgado na Justiça Militar Estadual Situação interessante pode ocorrer se no plenário do júri operarse uma desclassificação própria com o afastamento da figura dolosa Nesse caso pensamos que não poderá o juiz presidente proferir decisão pois se o homicídio doloso contra a vida de um civil não é de competência da Justiça Militar o crime culposo permanece sendo Logo deverá ele redistribuir o processo para a Justiça Militar Estadual a quem competirá o processo e julgamento do militar que pratique um crime culposo contra a vida de um civil se presente é claro o interesse militar e demais circunstâncias do art 109 do CPM Não há que se falar em prorrogação da competência nesse caso pois se trata de competência absoluta em razão da matéria logo improrrogável Quanto à sua estrutura em primeiro grau os crimes serão julgados pelos juízes de direito do juízo militar desde que praticados contra civis Quando for crime militar praticado contra militar caberá a competência ao Conselho de Justiça presidido pelo juiz de direito militar Em segundo grau o julgamento caberá aos Tribunais de Justiça Militar ou na sua falta aos Tribunais de Justiça dos estados 213 Justiça Especial Eleitoral Ao lado da Militar a Eleitoral é a outra Justiça Especial Não existe uma hierarquia entre a Justiça Militar e a Eleitoral pois elas atuam em esferas distintas Não se trata assim de prevalência mas de cisão Já na relação da Justiça Eleitoral com as Justiças Comuns Federal e Estadual existe uma prevalência da Especial sobre a Comum art 78 IV do CPP Devese destacar que o art 78 IV deve sempre ser lido junto com o art 79 I do CPP para compreenderse que a Justiça Especial Eleitoral prevalece sobre as Justiças Comuns mas que a Militar art 79 I não prevalece ela cinde separa A competência da Justiça Eleitoral está prevista no art 121 da Constituição cuja redação não é das melhores Sua competência diante da lacunosa previsão constitucional acaba sendo dada pelo Código Eleitoral que prevê ainda quais são os crimes eleitorais16 Assim sempre que tivermos um crime eleitoral conexo com um crime comum previsto no Código Penal a competência para julgamento de ambos reunião por força da conexão será da Justiça Eleitoral art 78 IV Os únicos crimes em que tal reunião dá ensejo a grande discussão são aqueles de competência do Tribunal do Júri previstos no art 74 1º do CPP especialmente o de homicídio doloso Nesses casos tem prevalecido atualmente a posição de que quando o crime eleitoral for conexo com o homicídio doloso ou outro de competência do júri haverá cisão o crime eleitoral será julgado na Justiça Eleitoral e o homicídio no Tribunal do Júri Isso porque a competência do júri é constitucional prevalecendo sobre o disposto em leis ordinárias como o Código Eleitoral e o CPP Em primeiro grau a Justiça Eleitoral é composta pelos juízes eleitorais que são na verdade juízes estaduais investidos temporariamente dessa função Em segundo grau estão os Tribunais Regionais Eleitorais e acima deles o Tribunal Superior Eleitoral 214 Justiça Comum Federal A competência da Justiça Federal é residual em relação às especiais sendo sua atuação restrita aos crimes que não sejam de competência daquelas Por outro lado prevalece sobre a outra Justiça Comum a Estadual pois é considerada mais graduada nos termos do art 78 III do CPP O primeiro passo para verificar se um crime é ou não de competência da Justiça Federal é fazer uma atenta leitura do art 109 da Constituição17 Na esfera penal interessa o inciso IV e seguintes No primeiro caso art 109 IV da CF o crime será de competência da Justiça Federal quando for praticado em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas Assim qualquer delito que atinja bens jurídicos sobre os quais recaia esse interesse será de competência da Justiça Federal o seu processo e julgamento Importante que a Constituição excluiu da competência da Justiça Federal as contravenções mesmo quando praticadas em detrimento de bens serviços ou interesses da União autarquias ou empresas públicas Nessa linha repetindo apenas o que está na Constituição inserese a Súmula n 38 do STJ18 Também ressalta a Constituição que a competência da Justiça Federal somente pode incidir quando não for de um crime de competência da Justiça Militar ou Eleitoral E não poderia ser diferente A Justiça Federal é residual em relação às duas especiais que prevalecem sobre ela conforme explicamos anteriormente Excluídas as contravenções e respeitada a prevalência das duas Justiças Especiais incumbe à Justiça Federal o julgamento dos crimes que se encaixem nos casos previstos no art 109 da Constituição Mas a interpretação não pode ser extensiva ou por analogia diante do princípio da reserva legal e a garantia do juiz natural Logo quando a Constituição fala em empresa pública por exemplo não se pode ampliar para alcançar as empresas de economia mista Assim os crimes praticados em detrimento da Caixa Econômica Federal por exemplo serão julgados na Justiça Federal Contudo o mesmo delito de roubo praticado contra o Banco do Brasil será julgado na Justiça Estadual pois se trata de empresa de economia mista Pertinente é o disposto na Súmula n 42 do STJ Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento Nesse sentido essa decisão do STJ em que pese entendermos estar equivocada a invocação do inciso I do art 109 No caso deve ser utilizado o inciso IV do art 109 da Constituição que é específico para a competência penal CRIMINAL HC ROUBO QUALIFICADO DELITO PRATICADO EM DETRIMENTO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO NULIDADE ABSOLUTA HABEAS CORPUS REVISÃO CRIMINAL FUNGIBILIDADE CABIMENTO MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA INOCORRÊNCIA ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA Restando configurada a ofensa a bens e interesses da União pois o crime de roubo qualificado foi praticado em detrimento da Caixa Econômica Federal deve ser aplicada a regra do art 109 inciso I da Constituição Federal da qual sobressai a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito Precedentes Cabe habeas corpus contra sentença transitada em julgado que se encontra eivada de nulidade absoluta por incompetência de juízo tendo em vista tratarse de matéria de ordem pública Precedentes Possuindo o habeas corpus e a revisão criminal a natureza de ação nada impede a aplicação do princípio da fungibilidade Determinada a anulação da ação penal instaurada contra o paciente por incompetência absoluta a prescrição será analisada a partir da pena em abstrato não se aplicando o princípio da ne reformatio in pejus Ordem concedida para anular o processo criminal instaurado em desfavor do paciente a fim de que os autos sejam remetidos à Justiça Federal HC 34853SP 5ª Turma Rel Min Gilson Dipp DJU 20092004 Quanto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos eventual delito praticado em seu detrimento será de competência da Justiça Federal Contudo quando estivermos diante de uma loja franqueada dos correios a situação muda completamente cabendo à Justiça Estadual o processo e julgamento pois não há prejuízo efetivo da União mas do particular que adquiriu a franquia19 Mais complexa é a definição da competência da Justiça Federal a partir do interesse federal ou interesse da União Considerando que eventuais alterações nos critérios de definição da competência podem violar a garantia constitucional do juiz natural a questão passa a ser mais sensível e complexa Pensamos que somente o interesse federal decorrente de lei ou diretamente revelado quando da prática do crime a partir da efetiva lesão do bem jurídico tutelado justifica a incidência da Justiça Federal Nessa linha os arts 20 e 21 da Constituição podem constituir elementos sinalizadores da competência da Justiça Federal Contudo não estamos afirmando que exista uma aplicação automática dos artigos mencionados É um critério subsidiário que deve ser analisado com suma cautela no caso concreto Assim por exemplo nenhuma dúvida existe de que o delito de falsificação de moeda é de competência da Justiça Federal pois sua emissão é uma competência exclusiva da União art 21 VII da Constituição Em que pese o art 26 da Lei n 7492 prever que os crimes contra o sistema financeiro são de competência da Justiça Federal essa atribuição já existiria por força do art 21 VIII da Constituição que prevê a competência da União para administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira Quanto ao delito de lavagem de capitais a Lei n 961398 modificada pela Lei n 126832012 define que Art 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta lei I obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes punidos com reclusão da competência do juiz singular II independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes ainda que praticados em outro país cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento III são da competência da Justiça Federal a quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas b quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal Redação dada pela Lei n 12683 de 2012 Portanto em síntese será de competência da Justiça Federal quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal e quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico financeira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas a lei repete aqui a redação do art 109 da Constituição Com isso é possível processar e julgar um delito de lavagem de dinheiro na Justiça Estadual como por exemplo na ocultação dos valores obtidos com o pagamento de resgate no crime de extorsão mediante sequestro ou dos valores obtidos com o tráfico interno de entorpecentes etc Noutra dimensão não há que se esquecer que o INSS é uma autarquia federal e que os crimes praticados em seu detrimento são de competência da Justiça Federal inclusive os relativos à apropriação e sonegação de contribuições previdenciárias arts 168A e 337A do CP Por fim nesse inciso deve ser considerada a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime que tiver como autor ou vítima um servidor público federal no exercício de suas funções Nessa linha inserese a Súmula n 147 do STJ Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal quando relacionados com o exercício da função É patente o interesse da União na correta e efetiva prestação de seus serviços cabendo à Justiça Federal o julgamento dos crimes praticados por servidor público ou que o tenham como vítima desde que em ambos os casos fique demonstrado que foi propter officium ou seja em razão da função exercida Não há que se esquecer que na estrutura da Justiça Federal de primeiro grau existe Tribunal do Júri de modo que se o delito praticado pelo servidor ou contra ele for um crime doloso contra a vida tentado ou consumado a competência será do Tribunal do Júri Federal Quanto ao inciso V serão de competência da Justiça Federal os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando iniciada a execução no País o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente20 Nessa situação encontramse entre outros o tráfico de mulheres e crianças e o delito de tráfico de substâncias entorpecentes que merecerá uma análise mais detida Quando presente a internacionalidade do tráfico de drogas a competência é da Justiça Federal do contrário é da Justiça Estadual21 Na mesma linha está a Súmula n 522 do STF salvo ocorrência de tráfico com o exterior quando então a competência será da Justiça Federal compete à Justiça dos estados o processo e o julgamento dos crimes relativos a entorpecentes Importante destacar que não se pode presumir a internacionalidade do tráfico e que a competência somente será da Justiça Federal quando estiver comprovado nos autos que a substância veio do exterior ou para lá se destinava Assim não importa a quantidade nem mesmo a natureza da substância entorpecente Não se pode presumir que uma carga de 150 kg de cocaína seja tráfico internacional nem por ser cocaína substância que aqui não é produzida nem pela vultosa quantidade Destacamos o novo tratamento dado pela Lei n 113432006 ao crime de tráfico de drogas e outros com ele relacionados arts 33 a 37 da Lei n 11343 Determina o art 70 da nova Lei de Tóxicos que nesses delitos estando caracterizado o ilícito transnacional a competência será da Justiça Federal Até aqui nada de novo em relação ao que já vinha desde a Lei n 636876 e da Lei n 10409 A inovação está no parágrafo único do art 70 da nova Lei os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede da vara federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva A diferença está em que até essa mudança legislativa o art 27 da Lei n 6368 previa que o processo e o julgamento do crime de tráfico com exterior caberão à Justiça Estadual com interveniência do Ministério Público respectivo se o lugar em que tiver sido praticado for município que não seja sede de vara da Justiça Federal com recurso para o Tribunal Regional Federal Agora se o município em que for praticado o crime não for sede de vara da Justiça Federal haverá um deslocamento para a cidade mais próxima cuja Justiça Federal tenha circunscrição sobre aquela na qual foi apreendida a droga Isso serve para assegurar que a Justiça será efetivamente a Federal ainda que para tanto tenhase que arcar com o ônus de tramitar um processo a quilômetros do local do crime e da cidade onde muitas vezes residem os réus com claro prejuízo para a coleta da prova e a duração do processo com expedição de cartas precatórias Essa disciplina vale apenas para os delitos previstos nos arts 33 a 37 da Lei n 11343 quando houver prova de se tratar de delito transnacional Nos demais casos a competência é da Justiça Estadual Em se tratando de tráfico frisamos se não ficar comprovada a internacionalidade a competência é da Justiça Estadual independente da natureza ou quantidade da substância apreendida O inciso VA foi inserido pela Emenda Constitucional n 45 com uma redação bastante infeliz O incidente de deslocamento da competência gera um imenso perigo de manipulação política e teatralização de um julgamento Também peca pela abertura conceitual pois qualquer homicídio é uma grave violação de direitos humanos Agrava o quadro o fato de a fórmula utilizada pelo legislador ser vaga imprecisa e indeterminada colocando em risco o princípio da legalidade e conduzindo a uma flagrante violação da garantia do juiz natural Por fim a tal avocatória prevista no 5º representa um grave retrocesso antidemocrático prestandose também de instrumento para a molesta intervenção do Poder Executivo na jurisdição algo inaceitável sem falar na quebra do pacto federativo De qualquer forma o inciso VA está na mesma linha do disciplinado no 5º de modo que considerada a grave violação de direitos humanos a competência é da Justiça Federal A primeira decisão do STJ ocorreu no famoso crime da Irmã Dorothy negando em que pese a imensa pressão midiática o deslocamento da competência22 Mas no IDC n 02 Rel Ministra LAURITA VAZ j 27102010 a Terceira Seção do STJ acolheu o pedido da Procuradoria Geral da República e determinou que o crime praticado contra o advogado e defensor dos direitos humanos Manoel Mattos assassinado em 2009 na Paraíba fosse o primeiro a ser federalizado no País devendo o feito ser deslocado para a Justiça Federal O inciso VI referese aos crimes de competência da Justiça Federal por expressa previsão legal quais sejam os crimes contra a organização do trabalho sistema financeiro nacional Lei n 7492 e a ordem econômicofinanceira Leis ns 8078 8137 e 8176 Os crimes contra a organização do trabalho estão previstos nos arts 197 a 207 do CP mas somente serão de competência da Justiça Federal quando afetarem as instituições do trabalho ou coletivamente os trabalhadores Nessa linha quando o crime afetar direito individual dos trabalhadores a competência é da Justiça Estadual23 Destaquese que nos crimes contra a ordem tributária Lei n 8137 a competência somente será da Justiça Federal se houver a supressão ou redução de tributos federais do contrário a competência é da Justiça Estadual Quanto à lavagem ou ocultação de bens direitos e valores a competência será da Justiça Federal nos casos previstos no art 2º III da Lei n 9613 alterada pela Lei n 126832012 quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas ou quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal art 2º III b Também com competência federal expressamente determinada está o art 26 da Lei n 7492 cuja redação é Art 26 A ação penal nos crimes previstos nesta lei será promovida pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal Mas nem sempre a questão é tão simples havendo divergência no que se refere por exemplo à ordem econômicofinanceira e à aplicação da Lei n 817624 Cumpre ainda advertir que a competência da Justiça Federal não se presume Deve estar expressamente prevista no art 109 da Constituição Tampouco se confunde a competência da Justiça Federal com eventuais atribuições da Polícia Federal Ou seja o fato de a prisão eou inquérito terem sido realizados pela Polícia Federal não basta por si só para legitimar a competência da Justiça Federal Devese analisar sempre o art 109 da Constituição Da mesma forma nenhum problema existe se o inquérito foi elaborado pela polícia civil do estado e demonstrada a internacionalidade do tráfico de drogas por exemplo distribuído para a Justiça Federal Lá deverá tramitar o processo Nessa linha é absolutamente irrelevante em matéria de competência penal o disposto na Lei n 10446 A referida Lei determina que a Polícia Federal deverá proceder a investigação dos casos de repercussão interestadual ou internacional dos delitos de sequestro cárcere privado extorsão mediante sequestro se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima formação de cartel violação de direitos humanos furto roubo ou receptação de cargas quando houver indícios de ser crime interestadual ou ainda outros crimes desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro da Justiça cláusula genérica Essas são novas atribuições da Polícia Federal mas não acarretam ampliação da competência da Justiça Federal Voltamos a destacar para evitar dúvidas que a competência da Justiça Federal está exaustivamente prevista no art 109 da Constituição e lá não estão previstos esses crimes Logo ainda que investigados pela Polícia Federal serão julgados na Justiça Comum Estadual Quanto aos incisos VII e VIII caberá à Justiça Federal o julgamento do habeas corpus nos casos em que o constrangimento ilegal decorrer de autoridade federal exemplo polícia federal ou disser respeito à matéria criminal de sua competência ainda que a investigação esteja a cargo de autoridade estadual exemplo investigação pelo delito de tráfico internacional de drogas feita pela polícia estadual situação em que caberá ao juiz federal apreciar o HC Em se tratando de Mandado de Segurança em matéria criminal a competência será da Justiça Federal atentandose para a competência do respectivo Tribunal Regional Federal quando tiver por objeto ato coator emanado de autoridade federal Os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves serão de competência da Justiça Federal respeitandose sempre a competência da Justiça Militar para processar e julgar os crimes militares nas situações do art 9º do Código Penal Militar anteriormente vista Mas e o que se entende por navio e aeronave Eis o problema de se utilizar uma cláusula genérica A jurisprudência ao longo dos anos vem construindo esses conceitos para justificar a intervenção da Justiça Federal apenas quando estivermos diante de navios ou aeronaves de grande porte Não se tratando de navio com capacidade para navegação em altomar em águas internacionais potencial de deslocamento internacional25 ou avião de grande porte com autonomia para viagens internacionais ou ao menos deslocamento por longas distâncias cruzando mais de um Estado da Federação a competência é da Justiça Estadual Também pode ser utilizada como critério para definir esse interesse federal a fiscalização feita pela ANAC Agência Nacional de Aviação Civil de modo que somente as aeronaves que estejam realizando transporte aéreo entre aeroportos efetivamente fiscalizados pela ANAC interessariam à Justiça Federal Nessa matéria devese ainda atentar para o disposto nos arts 89 e 90 do CPP26 No inciso X está prevista a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento dos crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro bem como a execução de carta rogatória após o exequatur e de sentença estrangeira após a homologação Por fim o inciso XI ao falar em disputa sobre direitos indígenas está tratando de jurisdição cível não penal Com isso iniciamos o tratamento da competência nos crimes ambientais Como decidiu a Terceira Seção do STJ Informativo do STJ 23092002 como regra geral a competência para processar e julgar os crimes contra o meio ambiente é da Justiça Estadual salvo os que vierem a lesar bem serviço ou interesse da União ou suas entidades de acordo com o art 109 IV da Constituição Federal Se o crime ocorrer por exemplo em Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN a competência é da Justiça Federal Assim o crime ambiental é de competência da Justiça Estadual salvo quando praticado em detrimento de bens serviços ou interesses da União suas autarquias ou Empresa Pública situação em que será de competência da Justiça Federal mas não por força do inciso XI senão pela incidência do inciso IV do art 109 da Constituição É o caso dos crimes ambientais praticados no interior de áreas de proteção ambiental parques eou reservas nacionais situação em que a competência será da Justiça Federal Há que se advertir da necessidade de uma leitura atenta do art 225 4º da Constituição Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 4º A Floresta Amazônica brasileira a Mata Atlântica a Serra do Mar o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização farseá na forma da lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais Assim crimes ambientais praticados em detrimento da Floresta Amazônica brasileira da Mata Atlântica da Serra do Mar do Pantanal MatoGrossense e da Zona Costeira deverão ser julgados na Justiça Federal pois se trata de patrimônio nacional Mas a questão não é pacífica e existe entendimento diverso na jurisprudência no sentido de que o interesse da União tem de ser direto e específico não sendo considerado o interesse genérico Nesta linha Não é a Mata Atlântica que integra o patrimônio nacional a que alude o art 225 4º da CF bem da União Por outro lado o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art 109 IV da Carta Magna tem de ser direto e específico e não como ocorre no caso interesse genérico da coletividade embora aí também incluído genericamente o interesse da União RE 300244 Rel Min Moreira Alves julgamento em 20112001 1ª Turma DJ 19122001 No mesmo sentido RE 349184 Rel Min Moreira Alves julgamento em 03122002 1ª Turma DJ 07032003 Ainda no mesmo sentido atribuindo à Justiça Estadual PROCESSO PENAL CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA DESMATAMENTO FLORESTA AMAZÔNICA DANO OCORRIDO EM PROPRIEDADE PRIVADA ÁREA DE PARQUE ESTADUAL COMPETÊNCIA ESTADUAL 1 Não há se confundir patrimônio nacional com bem da União Aquela locução revela proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais ingerências estrangeiras Tendo o crime de desmatamento ocorrido em propriedade particular área que já pertenceu hoje não mais a Parque Estadual não há se falar em lesão a bem da União Ademais como o delito não foi praticado em detrimento do IBAMA que apenas fiscalizou a fazenda do réu ausente prejuízo para a União 2 Conflito conhecido para julgar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE CEREJEIRASRO suscitante STJ CC 99294 RO 200802206105 Ministra Maria Thereza de Assis Moura 3ª Seção DJe 21082009 Também já se decidiu pelo interesse da União quando o crime ambiental afetou um rio interestadual deslocando a competência para a Justiça Federal Nesse sentido decidiu o TRF 3ª Região 1ª Turma Recurso em Sentido Estrito n 200261020029042SP Rel Des Vesna Kolmar j 13022007 PROCESSO PENAL COMPETÊNCIA CRIME AMBIENTAL ART 34 DA LEI 960598 RIO INTERESTADUAL Tratandose de rio interestadual presente o interesse direto e específico da União no julgamento dos crimes que venham a causar potencial lesão a seus bens A competência da Justiça Federal se impõe sempre que houver interesse da União Federal nos termos do art 109 inciso IV da CF Recurso provido para determinar o regular processamento do feito perante a 7ª Vara Federal de Ribeirão PretoSP Quanto ao índio seja ele autor do delito ou vítima a tendência é pela aplicação da Súmula n 140 do STJ verbis Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figura como autor ou vítima Mas a matéria tem sido objeto de constante debate com forte tendência a passar para a competência da Justiça Federal pois toda a estrutura da Constituição coloca o índio sua cultura terras direitos e interesses como sendo de interesse da União Basta atentar para o art 231 da Constituição cujo caput prevê Art 231 São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens Ademais se no caso concreto o crime for praticado dentro de uma reserva indígena e se entender que houve violação de bens serviços ou interesses da União ou de suas autarquias a competência será da Justiça Federal por força do inciso IV Feita essa ressalva por enquanto segue sendo aplicado majoritariamente o disposto na Súmula n 140 do STJ Por fim chamamos a atenção para os crimes praticados fora do território nacional mas com a incidência da Lei Penal brasileira art 7º do Código Penal Qual Justiça será competente para julgálos Vejamos um exemplo hipotético o casal Mané e Tícia residentes em Campinas em viagem de luade mel a Punta del Este Uruguai discute violentamente Após Mané mata a esposa e a enterra em território uruguaio De volta ao Brasil o agressor é preso pela polícia federal brasileira que em comunhão de esforços com a polícia uruguaia havia apurado a prática do delito Estamos diante de um caso de extraterritorialidade da lei penal brasileira art 7º II b do Código Penal Não se trata de crime militar ou eleitoral pelo que desde logo afastamos a incidência da Justiça Especial Diante das residuais Justiça Comum Federal e Estadual qual delas será a competente para julgar o réu pelos delitos de homicídio e ocultação de cadáver A Justiça Comum Estadual Por quê Porque a situação não se encontra naquelas previstas no art 109 da Constituição O simples fato de um crime ter sido praticado no exterior não desloca a competência para a Justiça Federal Para uma resposta completa além da Justiça Estadual devemos apontar que o órgão será o Tribunal do Júri nos termos do art 74 1º do CPP da comarca de São Paulo art 88 do CPP27 pois é a capital do Estado onde por último residia o imputado Agora se o crime praticado no exterior for em detrimento de bens28 serviços ou interesses da União a competência será da Justiça Federal mas não porque foi praticado no exterior senão porque está presente a situação do art 109 IV da Constituição Quanto à estrutura recordemos que a Justiça Federal está dividida da seguinte forma Em primeiro grau está organizada em Juizados Especiais Criminais Federais Juízes Federais e Tribunal do Júri Em segundo grau estão os Tribunais Regionais Federais Por fim cumpre tecer algumas considerações sobre o Juizado Especial Criminal Federal cuja competência está prevista no art 2º da Lei n 102592001 posteriormente alterada pela Lei n 11313 Art 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo respeitadas as regras de conexão e continência Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis A referida Lei apenas define a competência dos JECs federais cabendo à Lei n 9099 disciplinar a estrutura funcionamento e institutos aplicáveis Trataremos dessas questões posteriormente Agora nos interessa apenas a questão da competência Para que um crime seja de competência dos JECs federais deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da Justiça Federal logo que se encaixe numa daquelas situações previstas no art 109 da Constituição que o crime tenha uma pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JEC federal É o que ocorre com o delito de dano contra o patrimônio da União ou qualquer crime praticado por ou contra servidor público federal no exercício de suas funções e cuja pena não seja superior a 2 anos tais como peculato culposo art 312 2º prevaricação art 319 condescendência criminosa art 320 advocacia administrativa art 321 resistência art 329 desobediência art 330 desacato art 331 entre outros No seu parágrafo único prevê a lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JEC e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JEC mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de ameaça e outro de homicídio praticados contra servidores públicos federais no exercício de suas funções haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito de ameaça art 147 cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se fosse outro delito que comportasse deveria ser permitida a composição dos danos Por fim quanto ao funcionamento e institutos dos JECs remetemos o leitor para tópico posterior específico onde analisamos essas questões 215 Justiça Comum Estadual É a mais residual de todas Um crime somente será julgado na Justiça Comum Estadual quando não for de competência das Especiais Militar e Eleitoral nem da comum federal Inclusive é importante destacar em eventual conflito entre a Justiça Federal e a Estadual prevalece a Federal nos termos do art 78 III do CPP No mesmo sentido sinaliza a Súmula n 122 do STJ Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual não se aplicando a regra do artigo 78 II a do Código de Processo Penal Assim tratase de competência alcançada por exclusão Quanto à estrutura da Justiça Estadual cumpre recordar que ela está organizada em Primeiro Grau Tribunal do Júri Juízes de Direito Juizados Especiais Criminais Segundo Grau Tribunais de Justiça Chegandose à competência da Justiça Estadual devese ter muita atenção na definição do órgão encarregado e principalmente com a competência prevalente do Tribunal do Júri em razão da matéria em relação aos demais órgãos de primeiro grau Para evitar dúvidas a competência do Júri vem expressamente prevista no art 74 1º do CPP Art 74 A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária salvo a competência privativa do Tribunal do Júri 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts 121 1º e 2º 122 parágrafo único 123 124 125 126 e 127 do Código Penal consumados ou tentados Esse rol é taxativo e evita erros como o de considerar que um crime qualificado pelo resultado morte como latrocínio estupro ou extorsão mediante sequestro com resultado morte etc seja de competência do Júri Não A competência para o processo e julgamento desses crimes é do juiz de direito No que se refere aos Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Estadual sua competência em razão da matéria é para o processo e julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo nos termos do art 61 da Lei n 9099 alterado pela Lei n 11313 Art 61 Consideramse infrações penais de menor potencial ofensivo para os efeitos desta Lei as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 dois anos cumulada ou não com multa Para que um crime seja de competência dos JECs estaduais deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da Justiça Estadual residual em relação às demais que o crime ou contravenção tenha pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JEC Chamamos a atenção para o disposto no parágrafo único do art 60 da Lei n 9099 Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis No seu parágrafo único prevê a lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JEC e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JEC mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de lesões corporais leves e outro de homicídio haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito lesões corporais leves cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se for o caso a composição dos danos Por fim quanto ao funcionamento e institutos dos JECs remetemos o leitor para tópico posterior específico onde analisaremos essas questões Com esses dados podese responder à primeira pergunta anteriormente feita qual é a Justiça competente Agora cumpre seguir a análise para definir qual é o foro competente lugar 22 Qual é o Foro Competente Local Definida a Justiça competente a partir dos critérios anteriormente explicados devese ainda apontar qual é o foro competente competência em razão do lugar Prevalece o entendimento jurisprudencial e doutrinário de que a competência em razão do lugar é relativa com o que não concordamos conforme explicado anteriormente devendo ser arguida no primeiro lugar em que a defesa se manifestar nos autos sob pena de preclusão prorrogatio fori Nessa perspectiva somente a defesa poderá alegála não podendo ser conhecida pelo juiz de ofício e tampouco pode ser alegada pelo Ministério Público na medida em que o promotor ao oferecer a denúncia faz sua opção Para tanto utilizamse as regras dos arts 70 e 71 do CPP Iniciemos pelo critério do art 70 onde o lugar da infração é aquele em que se consumar a infração ou no caso de tentativa o lugar em que for praticado o último ato de execução Quando o CPP emprega essas categorias consumação e tentativa devese utilizar o Código Penal como norma completiva na medida em que tais conceitos são estranhos para o processo penal No art 14 do CP está definido que Art 14 Dizse o crime I consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal II tentado quando iniciada a execução não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente Assim o conceito de lugar do crime identificase com aquilo que o Direito Penal define como local da consumação ou em caso de tentativa aquele onde for praticado o último ato de execução Vejamos uma situação bastante comum na cidade de Canoas interior do Rio Grande do Sul ocorre um atropelamento A vítima é conduzida para um hospital de Porto Alegre com mais recursos onde dias depois vem a falecer em decorrência das lesões sofridas O processo penal pelo delito de homicídio culposo irá tramitar em que comarca Considerando que o crime de homicídio culposo consumase no lugar em que a vítima vier a falecer a competência para o julgamento será da Justiça Comum estadual do foro de Porto Alegre lugar da consumação Contudo não é esse o entendimento predominante nos tribunais brasileiros diante de um crime plurilocal ação em um lugar e resultadoconsumação em outro Partindo de uma necessidade probatória temse feito uma ginástica jurídica criandose um conceito de consumação para o processo penal que não corresponde àquele previsto no Código Penal adotando se na prática a teoria da atividade Nessa linha lugar da infração passou a ser visto como aquele onde se esgotou o potencial lesivo da infração ainda que distinto do resultado Isso atende a uma necessidade probatória pois todos os elementos do crime estão na cidade onde ocorreu o atropelamento e não onde a vítima morreu Lá está o lugar do crime atropelamento para ser periciado lá será feita a reconstituição simulada e lá residem as testemunhas presenciais do fato No nosso exemplo o réu será julgado na comarca de Canoas lugar onde se esgotou o potencial lesivo da infração Esse entendimento também tem sido empregado para o crime de homicídio doloso e outros nos quais a ação criminosa se desenvolve integralmente numa cidade e apenas o resultado se dá em outra Noutra dimensão é importante não esquecer do art 71 do CPP Quando forem vários os crimes praticados em diferentes cidades mas que pelas circunstâncias de tempo lugar e modo de execução constituam uma continuidade delitiva art 71 do Código Penal a competência pelo lugar da infração será definida a partir da prevenção A mesma regra também se aplica quando for um crime permanente praticado em território de duas ou mais jurisdições Nesses dois casos será competente o juiz que tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório como o recebimento da denúncia Mas também será competente em razão da prevenção aquele que tiver praticado na fase préprocessual algum ato decisório como a homologação da prisão em flagrante a decretação da prisão preventiva ou temporária ou ainda tiver decidido sobre alguma medida assecuratória ou mesmo busca e apreensão E nos crimes contra a honra praticados pela imprensa é o local onde ocorreu a impressão ou no caso de reportagem veiculada pela internet no local onde se encontra o responsável pela veiculação Nesta linha sinaliza a decisão proferida pelo STJ no Conflito de Competência n 106625DF Rel Min Arnaldo Esteves Lima julgado em 12052010 Neste caso a Seção entendeu lastreada em orientação do STF que a Lei de Imprensa Lei n 525067 não foi recepcionada pela CF1988 Assim nos crimes contra a honra aplicamse em princípio as normas da legislação comum quais sejam o art 138 e seguintes do CP e o art 69 e seguintes do CPP Logo nos crimes contra a honra praticados por meio de publicação impressa em periódico de circulação nacional devese fixar a competência do juízo pelo local onde ocorreu a impressão uma vez que se trata do primeiro lugar onde as matérias produzidas chegaram ao conhecimento de outrem de acordo com o art 70 do CPP Quanto aos crimes contra a honra praticados por meio de reportagens veiculadas na internet a competência fixase em razão do local onde foi concluída a ação delituosa ou seja onde se encontra o responsável pela veiculação e divulgação das notícias indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores ou sua efetiva visualização pelos usuários Precedentes citados do STF ADPF 130DF DJe 06112009 do STJ CC 29886SP DJ 1º022008 Nos crimes praticados fora do território nacional mas em que incida a regra da extraterritorialidade da lei penal será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado e caso ele nunca tenha residido no Brasil será julgado em Brasília nos termos do art 88 do CPP Recordemos que o simples fato de o crime ter sido praticado no exterior não significa que será julgado na Justiça Federal Todo o oposto A regra é o julgamento pela Justiça Estadual salvo se estiver presente alguma das causas do art 109 da Constituição conforme explicado anteriormente Nos crimes praticados a bordo de navios ou aeronaves incidem as regras dos arts 89 e 90 com a ressalva de que somente será de competência da Justiça Federal quando se tratar de navio ou aeronave de grande porte conforme explicado no item anterior Por fim devemos sublinhar que o critério de domicílio ou residência do réu art 72 do CPP é considerado o mais subsidiário de todos pois somente pode ser utilizado quando desconhecido o lugar do crime Existe ainda um único caso de eleição de foro no processo penal previsto no art 73 do CPP e somente aplicável no caso de ação penal privada Segundo o art 73 o querelante poderá optar pelo foro de domicílio ou residência do réu ainda que conhecido o lugar da infração É o único caso em que o autor pode eleger o foro onde a ação penal privada será processada e julgada 23 Qual é a Vara o Juízo Competente Definida a competência em razão da matéria Justiça Estadual Federal etc e o lugar cidade resta saber dentro daquela Justiça naquela cidade qual vai ser o juiz competente para o julgamento pressupondo que existam vários igualmente competentes em razão da matéria pessoal e lugar A questão aqui será resolvida a partir da prevenção ou distribuição Nos termos do art 83 será competente o juiz que tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório como o recebimento da denúncia Mas também será competente em razão da prevenção aquele que tiver praticado na fase préprocessual algum ato decisório como a homologação da prisão em flagrante a decretação da prisão preventiva ou temporária ou ainda tiver decidido sobre alguma medida assecuratória ou mesmo busca e apreensão Caso nenhum juiz esteja prevento será empregado o sistema de distribuição art 75 uma escolha aleatória entre os juízes igualmente competentes definindo assim qual deles será então o competente para o processo e julgamento 24 O Julgamento Colegiado para os Crimes Praticados por Organização Criminosa Lei n 126942012 A Lei n 12694 sancionada em 24 de julho de 2012 criou uma nova figura na estrutura jurisdicional o chamado órgão colegiado de primeiro grau Segundo a nova lei nos processos de conhecimento e respectivo procedimento ou de execução que tenha por objeto crimes praticados por organizações criminosas29 o juiz natural do caso penal poderá decidir pela formação de um órgão colegiado composto por mais dois juízes para a prática de qualquer ato processual Segundo o art 1º da lei esse colegiado poderá decidir especialmente portanto o rol é exemplificativo sobre I decretação de prisão ou de medidas assecuratórias II concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão III sentença IV progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena V concessão de liberdade condicional VI transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima e VII inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado A lei enumera exemplificativamente algumas decisões de maior envergadura tomadas nos processos de conhecimento São decisões sobre prisão e liberdade provisória onde agudizase o tensionamento do poder punitivo com a liberdade individual e a própria sentença ato jurisdicional por excelência Depois segue tratando de decisões interlocutórias tomadas no curso do processo de execução onde tensionase novamente o direito de liberdade aqui não mais em sede cautelar mas já na execução da pena privativa de liberdade aplicada Portanto a abrangência da lei vai desde antes do recebimento da denúncia até após o trânsito em julgado ou seja tanto a fase préprocessual inquérito policial como também o processo de conhecimento e a execução da pena Inclusive não se exclui a possibilidade de ser instaurado o colegiado para proceder a instrução e as audiências necessárias O art 1 da lei determina que o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual logo nada impede que esse colegiado presida a instrução A primeira ressalva que se faz é acerca da possibilidade de um juiz decidir sobre a criação de órgão colegiado com poder decisório Tratase de uma autorização legal até então desconhecida pelo sistema nacional e que tem sido objeto de severas críticas na medida em que pode representar a violação da garantia do juiz natural Isso porque o órgão julgador tem que ser definido previamente à prática do crime Ou seja é a garantia de ser julgado por um juiz cuja competência é preestabelecida em lei e não por um órgão colegiado criado ad hoc ou seja para aquele caso penal e aquele ato procedimental conforme a discricionariedade de um outro juiz Tratase de uma medida de duvidosa constitucionalidade no mínimo A competência deste órgão colegiado está limitada ao ato para o qual foi convocado art 1º 3º da Lei n 12694 o que acaba gerando um grave problema ao longo de um mesmo processo poderá haver diferentes colegiados proferindo decisões interlocutórias e ao final um outro colegiado decidindo ou apenas o juiz singular sentenciando É ainda incompatível com a regra da Identidade Física do Juiz art 399 2º do CPP Para além da violação desta regra devese considerar que a promiscuidade jurisdicional criada acarretará grave prejuízo para a qualidade da decisão Por elementar que o julgamento em colegiado é mais qualificado mas não desta forma onde diversos colegiados podem atuar no mesmo processo e no final o julgamento poderá ser feito por outro grupo de juízes ou apenas pelo juiz singular Essa oscilação na estrutura do órgão jurisidicional sacrifica a qualidade do julgamento final O juiz da causa poderá instituir esse colegiado indicando os motivos e as circunstâncias que segundo seu juízo acarretam riscos à sua integridade física através de decisão fundamentada da qual será dado conhecimento ao órgão correicional Dois pontos merecem ser destacados neste 1º do art 1º o juiz valora os riscos para sua integridade física e decide em seu próprio interesse ou seja ele decide em causa própria e o segundo aspecto é que essa decisão será objeto de mera comunicação para o órgão correicional corregedoria da magistratura Não se trata de a corregedoria analisando o pedido do juiz decidir sobre a necessidade ou não da criação do órgão colegiado senão de o juiz decidindo a partir daquilo que ele reputa risco à sua integridade física Considerando o risco de violação de diversas garantias constitucionais a formação de órgão colegiado deve ser considerada uma medida extrema reservada para situações realmente graves Por isso a decisão do juiz pela composição do órgão colegiado deverá ser fundamentada em motivos reais concretos e não fruto de ilações fantasmagóricas Há que se demonstrar a existência de suporte fático suficiente e não meras conjecturas ou presunções Por outro lado o excesso de eloquência por parte do juiz ao decidir pela formação do órgão colegiado pode representar um préjuízo ou seja um prejuízo processual grave decorrente do préjulgamento Não se descarta o uso da exceção de suspeição em caso de evidente préjulgamento e consequente violação da garantia da imparcialidade do julgador desvelada pela própria fundamentação do juiz singular Há previsão de recurso para a decisão de instauração do órgão colegiado Não há previsão de recurso mas poderá a parte interessada interpor habeas corpus ou mandado de segurança especialmente o Ministério Público poderá manejálo diante da impossibilidade de usar o HC conforme o caso e a fundamentação Esse colegiado será composto pelo juiz do processo e por outros 2 dois juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles que possuam competência criminal em primeiro grau Caberá aos tribunais de justiça ou regionais federais expedir normas regulamentando a composição deste colegiado e os procedimentos a serem adotados para seu funcionamento incluindose a forma deste sorteio eletrônico Novamente aqui o legislador delega para os tribunais a disciplina de questões atinentes a sua estrutura e funcionamento atendendo as peculiaridades regionais Tratase de uma delegação que a lei faz para que os tribunais regulem esse procedimento de formação dos colegiados mas a decisão sobre a instauração é do juiz da causa Importante destacar que esse colegiado poderá ser implantado em processos de competência da justiça estadual ou federal pois o único requisito exigido pela lei é a ocorrência de crime praticado por organização criminosa Uma pergunta que pode surgir pode ser instaurado o colegiado no procedimento do tribunal do júri Sim desde que os crimes de competência do júri tenham sido praticados por organização criminosa como pode ocorrer nos homicídios perpetrados por grupos de extermínio e respeitada a soberania dos jurados ou seja pode haver atuação do colegiado de juízes na fase préprocessual inquérito policial e durante a primeira fase do procedimento do júri e na execução da pena No plenário em tese pode haver decisão por parte desse colegiado mas respeitada a competência constitucional dos jurados O órgão colegiado somente poderá agir na esfera de atuação que compete ao juiz presidente do júri Assim o julgamento através dos quesitos será feito pelos jurados e se condenados os réus a dosimetria da pena então será objeto de atuação do juiz presidente ou do órgão colegiado se assim for o caso Uma vez decidida a instauração do colegiado será realizado o sorteio conforme discipline o respectivo tribunal entre os juízes de primeiro grau com competência criminal sem limitação geográfica ou seja poderá o colegiado ser composto por juízes de comarcas diversas Novamente aqui sacrificase a garantia da jurisdição ou seja da garantia de ser julgado por um juiz competente em razão da matéria pessoa e lugar Infelizmente ainda predomina o entendimento equivocado como já explicamos de que a competência em razão do lugar é relativa e por isso poderá ser manipulada conforme os interesses de modo que juízes de outras cidades poderão atuar no feito uma vez que passem a integrar o colegiado As reuniões poderão ser feitas de forma eletrônica videoconferência emails msn etc e serão sigilosas quando a publicidade gerar risco para a eficácia da decisão O meio eletrônico justificase na medida em que juízes de cidades diferentes poderão integrar o colegiado dificultando a reunião no mesmo lugar físico Seguindo o mandamento constitucional art 93 IX da CF as decisões serão fundamentadas e firmadas por todos os integrantes sendo publicadas O maior problema está na parte final do art 1º 6º da Lei n 126942012 as decisões serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro Aqui andou muito mal o legislador É direito das partes terem integral conhecimento da decisão de cada um dos membros do colegiado e de todos os fundamentos utilizados para acolher ou rechaçar o pedido Decorre da garantia da motivação das decisões previsto no art 93 IX da Constituição De nada serviria o mandamento constitucional de que todas as decisões devem ser fundamentadas se as partes não tivessem amplo acesso à fundamentação Ademais determina o mesmo dispositivo legal que todos os julgamentos serão públicos Mais do que uma mera publicidade do ato no sentido de acessabilidade física o que está determinando a Constituição é a possibilidade do conteúdo do julgamento As decisões devem ser motivadas e acessíveis os fundamentos para os interessados Não há como conciliar a garantia constitucional com essa ocultação do voto divergente Dessarte é a fundamentação das decisões o mais importante instrumento de legitimação do poder exercido na medida em que permite controlar a racionalidade e legalidade da própria decisão e dos motivos que a suportam É através da fundamentação que se permite reduzir os danos do decisionismo Portanto omitir as razões do voto divergente é uma clara violação da garantia da fundamentação das decisões e por via reflexa da garantia da jurisdicionalidade Subtrair a integralidade da decisão também é uma grave violação ao direito de defesa na medida em que o réu tem o direito de conhecer integralmente o conteúdo da decisão para dela poder se defender Portanto sem dúvida o voto vencido é fundamental para lastrear a impugnação feita pela defesa ao respectivo tribunal O voto vencido não raras vezes como se percebe nos embargos infringentes acaba sendo a espinha dorsal da impugnação defensiva que poderá reforçar a fundamentação do julgador minoritário Partir do argumento de autoridade para buscar a decisão favorável é um importante espaço defensivo que não pode ser subtraído pela lei Por derradeiro é gravemente prejudicado o duplo grau de jurisdição na medida em que se subtrai do tribunal ad quem a integralidade dos fundamentos decisórios dando a errônea percepção de que naquilo se exaurem as razões de decidir Não se desconhece que muitos julgadores de segundo grau privilegiam a manutenção das decisões em nome do prestígio e da proximidade do julgador de primeiro grau em relação aos fatos Daí por que é fundamental saber da existência e dos fundamentos do voto vencido pois ele pode desvelar outra face da questão objeto da decisão interlocutória ou mesmo sentença Em suma por qualquer ângulo que se analise o disposto no art 1º 6º a crítica é inevitável No restante a Lei n 126942012 segue disciplinando diversas medidas de segurança para os prédios da justiça e os juízes bem como altera os arts 91 do Código Penal e 144A do Código de Processo Penal para disciplinar a perda de bens e a alienação antecipada de todos os bens e valores equivalentes ao produto ou proveito do crime Também modifica as Leis n 950397 Código de Trânsito e 108262003 com vistas a ampliar a segurança dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público 25 Competência em Razão da Pessoa A Prerrogativa de Função Algumas pessoas por exercerem determinadas funções têm a prerrogativa não é um privilégio mas prerrogativa funcional de serem julgadas originariamente por determinados órgãos Tratase ainda de assegurar a independência de quem julga Compreendese facilmente a necessidade dessa prerrogativa quando imaginamos por exemplo um juiz de primeiro grau julgando um Ministro da Justiça ou mesmo um desembargador Daí por que para garantia de quem julga e também de quem é julgado existem certas regras indisponíveis Ademais é equivocada a ideia de que a prerrogativa de função constitui um grande benefício para o réu Nem sempre O argumento de que ser julgado por um tribunal composto por juízes em tese mais experientes o que não significa maior qualidade técnica do julgamento é uma vantagem que esbarra na impossibilidade de um verdadeiro duplo grau de jurisdição Assim um deputado estadual julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça somente terá recurso especial e extraordinário dessa decisão e em ambos está vedado o reexame da prova do processo limitandose a discutir eventual violação de norma federal ou constitucional essas questões serão vistas posteriormente Imaginese então quem é julgado originariamente pelo Supremo Tribunal Federal o duplo grau de jurisdição é inexistente Considerada como uma regra absoluta em termos de competência ao lado da matéria o fato de o agente exercer determinada função quando da prática do delito pode alterar radicalmente a aplicação dos critérios anteriormente vistos Prevalece sempre em relação ao lugar do crime até porque em geral o julgamento caberá a um tribunal e em alguns casos também altera a própria competência em razão da matéria como veremos na continuação Mas antes de vermos quais são as funções que asseguram a prerrogativa de julgamento originário por um tribunal devemos esclarecer a questão temporal Quando alguém tem passa a ter ou perde essa prerrogativa Vejamos a Se alguém comete um delito antes de ser investido e após toma posse como deputado estadual ou é investido no cargo de juiz ou promotor por exemplo ele adquire a prerrogativa de ser julgado por determinado Tribunal nos casos exemplificados será o Tribunal de Justiça O processo e julgamento desse caso penal competirão a esse tribunal Tratase de assegurar a tranquilidade e a independência de quem julga pois seria impensável um juiz julgando outro juiz por exemplo Contudo em se tratando de cargo eletivo caso cesse o mandato antes do julgamento leiase antes da decisão recorrível cessa a prerrogativa sendo remetido o processo para o juiz de primeiro grau competente para o julgamento em razão da matéria e lugar b Se o delito é praticado durante o exercício do mandato eletivo ou depois de devidamente investido no cargo que está exercendo o agente tem a prerrogativa logo será julgado no respectivo tribunal Contudo se perder o cargo ou o mandato antes da sentença recorrível perde a prerrogativa e será julgado por um juiz de primeiro grau c Por fim se pratica o delito após cessado o exercício efetivo do cargo ou do mandato eletivo o réu não tem nenhuma prerrogativa É o que dispõe a Súmula n 451 do STF A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional Nessa matéria existe ainda uma situação histórica muito relevante para compreensão do atual estágio de tratamento da prerrogativa de função Até 09112001 estava em vigor a Súmula n 394 do STF com a seguinte redação Cometido o crime durante o exercício funcional prevalece a competência especial por prerrogativa de função ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício Dessa forma se o crime fosse cometido enquanto o agente estava no exercício do mandato de deputado prefeito senador etc ele permanecia com a prerrogativa de ser julgado por um determinado tribunal ainda que cessado o exercício do mandato Essa súmula foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal por ser inconstitucional Com isso todos aqueles que se encontravam respondendo a processos criminais nos tribunais por crimes cometidos durante o exercício dos cargos ou funções tiveram seus processos redistribuídos para a Justiça competente e o respectivo órgão de primeiro grau Contudo para surpresa da comunidade jurídica nacional em 24 de dezembro de 2002 entra em vigor a Lei n 10628 alterando a redação do art 84 do CPP para ressuscitar o núcleo da extinta Súmula n 394 logo mantendo a prerrogativa de foro em relação aos crimes praticados durante o exercício do mandato ainda que o inquérito ou processo sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública Mais do que isso incluiu na prerrogativa os atos de improbidade administrativa que agora também passavam a ser julgados no respectivo tribunal Os processos que com a revogação da Súmula n 394 tinham caído ou seja redistribuídos para juízes de primeiro grau foram novamente encaminhados para os tribunais assegurados pela prerrogativa de foro Mas como era previsível em 15092005 o Supremo Tribunal Federal dando provimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade n 2797 declara a inconstitucionalidade do art 84 1º e 2º do CPP Novamente os processos são redistribuídos e voltam para as respectivas Justiças de primeiro grau Ou seja um imenso sobe e desce Um imbróglio que só serve para demonstrar o quanto se manipulam os critérios de competência nesse país e que a garantia do juiz natural é apenas um adereço teórico Em suma agora que foi declarada a inconstitucionalidade a situação fica assim crime cometido antes da posse adquire a prerrogativa quando assumir o cargo crime cometido durante o exercício do cargo ou função pública o agente tem a prerrogativa em qualquer caso cessado o exercício do cargo ou função termina a prerrogativa e o processo será remetido para a Justiça competente no primeiro grau de jurisdição não existe qualquer prerrogativa em relação à improbidade administrativa que será sempre julgada em primeiro grau de jurisdição A decisão do Supremo norteia a ideia de que vigora o princípio da atualidade do exercício da função ou seja só tem a prerrogativa enquanto estiver exercendo a função Cessada a função cessa a prerrogativa Nessa linha chamamos a atenção para a decisão proferida no HC 89677ES Relatora Min MARCO AURÉLIO julgado em 11092007 pela 1ª Turma do STF EMENTA COMPETÊNCIA PRERROGATIVA DE FORO APOSENTADORIA CESSAÇÃO Uma vez implementada a aposentadoria do agente público descabe cogitar de prerrogativa de foro Decisão A Turma concedeu a ordem nos termos do voto do Relator Unânime No caso em questão tratavase da discussão em torno da manutenção ou não da prerrogativa de foro de um juiz de direito que se aposentou no curso do processo Entendeu o STF que com a aposentadoria perdia o juiz a prerrogativa de foro em sintonia com o princípio da atualidade do exercício da função Outra decisão que causou muita polêmica foi proferida pelo STF na Ação Penal Originária AP 333PB relator Min JOAQUIM BARBOSA julgada pelo Tribunal Pleno em 05122007 na qual um parlamentar federal com prerrogativa de ser julgado pelo STF estava sendo acusado da prática de crime doloso contra a vida Às vésperas do julgamento pelo STF o parlamentar renuncia ao mandato fazendo com que o processo seja redistribuído para o juízo de primeiro grau gerando em tese a extinção da punibilidade pela prescrição Em que pese a manobra processual as regras de julgamento devem ser mantidas30 Importante destacar que em 28102010 na Ação Penal Originária n 396 rel Ministra CÁRMEN LÚCIA o STF mudou de entendimento e manteve sua competência para julgar um deputado federal que renunciara na véspera do julgamento Afirmando se tratar de uma fraude processual inaceitável uma vez que a renúncia teria em primeiro lugar o objetivo de fugir à punição pelo crime de formação de quadrilha que prescreveria em poucos dias afirmou a Ministra que se tratava de um abuso de direito ao qual não dá guarida o sistema constitucional vigente Estabeleceuse ainda uma discussão sobre qual seria o parâmetro para impossibilitar a transferência de julgamentos semelhantes para instância inferior tendo o Min Dias Toffoli proposto a data em que o processo for colocado em pauta Em sentido diverso o Min Joaquim Barbosa sugeriu que a data limite para renúncia fosse a do encaminhamento dos autos conclusos para o relator Contudo não houve consenso nesta questão e tampouco fixação de um limite para efetivação da renúncia Sublinhese a radical mudança de entendimento deste julgamento em relação àquele proferido na AP 333 anteriormente referido Pensamos que a regra da atualidade do exercício da função segue valendo tendo o STF ao que tudo indica relativizado para evitar o abuso de direito que acarretaria a prescrição e a impunidade Tratase pois de uma decisão casuística que não afasta regra geral da atualidade do exercício do cargo ou função de modo que diante da renúncia ou perda do cargo cessa a prerrogativa funcional Por fim tendo em vista a possibilidade de modificação da competência tanto pela assunção de uma prerrogativa até então inexistente deslocando então para um tribunal como pela perda da prerrogativa e consequente deslocamento da competência para o primeiro grau de jurisdição devese analisar o valor dos atos praticados Pensamos que a situação aqui é diversa daquela que iremos criticar ao final desse tópico quando analisamos o art 567 do CPP Assim a Quando o processo inicia e se desenvolve frente a um juiz incompetente e em grau recursal é reconhecida a incompetência pensamos que o processo deve ser anulado ab initio com repetição de todos os atos Somente assim se assegura a eficácia do princípio do devido processo legal vinculado que está à garantia do juiz natural b Situação completamente diversa é quando surge uma causa modificadora da competência seja pela aquisição de uma prerrogativa funcional quando assume um cargo público ou toma posse como juiz promotor etc seja pela perda do cargo e consequente perda da prerrogativa Nesses casos os atos praticados são válidos e podem ser aproveitados Como o tempo rege o ato tempus regit actum naquele momento os atos estavam sendo praticados pelo juiz natural e competente e a posterior ocorrência de uma causa modificadora não tem efeito retroativo31 251 Algumas Prerrogativas Importantes Inicialmente há que se frisar o esvaziamento revogados portanto dos arts 86 e 87 do CPP pois os casos de prerrogativa de foro estão agora previstos na Constituição Ocuparemonos da competência penal logo para julgamento das infrações penais comuns na linguagem da Constituição Estão fora do nosso estudo os crimes de responsabilidade que como explica PACELLI32 não configuram verdadeiramente infrações penais senão infrações de natureza política submetidos portanto à jurisdição política e não penal Feitos esses esclarecimentos vejamos algumas prerrogativas importantes STF se qualquer das pessoas33 do art 102 I b c da Constituição cometer um crime comum eleitoral ou militar será julgado pelo STF Prevalece a prerrogativa sobre qualquer outra Justiça ou grau de jurisdição STJ se qualquer das pessoas34 previstas no art 105 I a da Constituição cometer um crime comum militar ou eleitoral será julgado no STJ Como no caso anterior também prevalece a competência do STJ sobre qualquer outra Justiça ou grau de jurisdição salvo a do STF por elementar Tribunais de Justiça dos Estados o art 96 III da Constituição prevê a prerrogativa dos TJs para o julgamento dos juízes estaduais e do Distrito Federal bem como dos membros do Ministério Público dos Estados Contudo a Constituição faz uma ressalva expressa de modo que se qualquer desses agentes praticar um crime eleitoral será julgado pelo TRE órgão de segundo grau da Justiça Eleitoral Assim eles estão vinculados a um Tribunal de Justiça do respectivo estado e mesmo que cometa o agente um delito de competência da Justiça Federal35 uma das situações do art 109 da CF temse entendido que prevalece a prerrogativa de ser julgado pelo seu TJ36 Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri continua prevalecendo a prerrogativa de função pois assegurada na Constituição Ademais um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Importante recordar ainda que nos casos de competência originária dos Tribunais de Justiça o rito do processo será aquele previsto na Lei n 8038 por expressa delegação da Lei n 8658 Tribunais Regionais Federais em simetria os juízes federais militares e da Justiça do Trabalho e membros do MP da União serão julgados nas mesmas condições mas pelo respectivo Tribunal Regional Federal art 108 I a da Constituição Também existe a ressalva em relação aos crimes eleitorais de modo que se um desses agentes cometer um crime dessa natureza será julgado pelo órgão de segundo grau da Justiça Eleitoral ou seja o TRE Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri prevalece a competência do TRF Deputado Estadual tem a prerrogativa de ser julgado pelo mais alto tribunal do estado ao qual está vinculado Logo se cometer um crime de competência da Justiça Comum Estadual será julgado pelo Tribunal de Justiça em se tratando de crime de competência da Justiça Federal será julgado no TRF por fim sendo crime eleitoral será julgado no TRE Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri continua prevalecendo a prerrogativa de função pois está assegurada na Constituição sendo julgado no Tribunal de Justiça37 ou TRF se for o caso de competência federal Ademais um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Prefeitos o tratamento dado pelo art 29 X da Constituição é pouco representativo do alcance da prerrogativa Assim se o prefeito cometer um crime de competência da Justiça Comum Estadual será julgado no Tribunal de Justiça mesmo que se trate de um crime de competência do Tribunal do Júri Contudo se for um crime eleitoral será julgado pelo TRE Se o delito for de competência da Justiça Federal será julgado pelo TRF Nesse sentido afirma a Súmula n 702 do STF a competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringese aos crimes de competência da Justiça Comum Estadual nos demais casos a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau Importante ainda nessa matéria consultar as Súmulas ns 208 e 209 do STJ Vereadores não foram contemplados com nenhuma prerrogativa de foro pela Constituição Possuem apenas a imunidade por palavras opiniões e votos no exercício do mandato nos termos do art 29 VIII da Constituição Contudo chamamos a atenção para a seguinte decisão do STJ que está a sinalizar uma mudança de rumo no tratamento dos vereadores AÇÃO PENAL VEREADOR FORO PRIVILEGIADO Prosseguindo o julgamento verificado empate prevaleceu a decisão mais favorável ao réu para atribuir foro privilegiado por prerrogativa de função a vereador pela prática de crime cominado nos arts 312 cc 71 e 327 2º do CP ao argumento de que vereadores senadores deputados estaduais e federais por simetria são representantes do povo dentro dos limites das respectivas esferas governamentais estabelecidas No caso cuidase de competência originária para o processo e julgamento pelo TJRJ de vereador por força dos arts 102 I b e 125 1º da CF1988 e 161 IV d III da Constituição estadual do Estado do Rio de Janeiro HC 40388RJ Rel originário Min Gilson Dipp Rel para acórdão Min Arnaldo Esteves Lima j 13092005 Essa decisão do STJ é uma inovação no tratamento da matéria cumpre agora ficar atento à receptividade dessa postura que somente vingará se houver uma consagração nas Constituições dos estados Assim pensamos que naqueles estados onde a Constituição não consagra nenhuma prerrogativa o que é a regra vale o afirmado anteriormente ou seja que eles não possuem nenhuma prerrogativa de foro Por fim há que se mencionar a Súmula n 245 do STF para evitar interpretações equivocadas Diz a Súmula A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa Vejamos o seguinte caso se um deputado estadual comete o delito de peculato junto com um particular mediante prévio ajuste a continência art 77 I fará com que ambos os agentes sejam reunidos no mesmo processo para julgamento simultâneo Mesmo quem não tenha a prerrogativa passará a têla por extensão cabendo ao Tribunal de Justiça o julgamento dos dois agentes Não há qualquer violação da Súmula n 245 porque o que se estende é a prerrogativa de foro e não a imunidade parlamentar o particular não necessita de autorização da Casa Legislativa para ser julgado Também entende o Supremo Tribunal Federal como demonstra a Súmula n 704 do STF que não viola as garantias do juiz natural da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados Contudo a reunião para julgamento simultâneo entre a autoridade com prerrogativa de foro e um particular esbarra na competência do Tribunal do Júri como se verá na continuação 252 Alguns Problemas em Torno da Competência Constitucional do Tribunal do Júri O primeiro problema é se uma pessoa com prerrogativa de foro cometer um crime de competência do Tribunal do Júri será julgado por quem Em que pese a competência do júri ser constitucional se a prerrogativa de foro também estiver prevista na Constituição prevalece a prerrogativa de função Isso porque quando ambas as competências forem constitucionais prevalece a jurisdição superior do tribunal Nesse caso um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Mas destaquese a prerrogativa deve estar prevista na Constituição Federal Se a prerrogativa estiver em Constituição estadual ou lei ordinária o cenário muda radicalmente prevalece a competência constitucional do Júri38 Nessa mesma linha foi editada a Súmula n 721 do STF A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual O segundo problema surge na incidência da conexão e a continência Como veremos na continuação exigem quando presente uma delas que exista um julgamento simultâneo reunindo todos os fatos ou todas as pessoas no mesmo processo Quando isso ocorre e uma das pessoas possui a prerrogativa de foro surge a dúvida quem julgará todos os agentes o que tem a prerrogativa de foro e os que não a têm Se um particular comete um crime em concurso de pessoas com alguém que possui uma prerrogativa funcional todos serão julgados pelo tribunal respectivo Ou seja prevalece a competência do tribunal nos termos do art 78 III do CPP O problema aparece quando o crime é de competência do Tribunal do Júri pois por ser o Júri um órgão da jurisdição de primeiro grau não poderia prevalecer sobre o Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal por exemplo Mas por outro lado a competência do Júri é constitucional e deve ser respeitada Eis o problema O STF no HC 693253GO decidiu que se um particular praticar um crime de competência do Tribunal do Júri juntamente com alguém que tenha prerrogativa de foro haverá uma cisão processual Por exemplo se um particular comete um crime doloso contra a vida a mando de um juiz de direito haverá uma continência nos termos do art 77 I do CPP A prerrogativa do juiz de ser julgado pelo Tribunal de Justiça do seu estado é constitucional como também o é a do Júri Contudo havendo essa igualdade de tratamento constitucional prevalece a competência do TJ por ser o Tribunal um órgão de jurisdição superior art 78 III do CPP Então o juiz será julgado no TJ E o particular Haverá uma cisão sendo ele julgado pelo Tribunal do Júri Isso porque a regra da conexão decorre de lei ordinária que não pode prevalecer sobre a competência do Júri que é constitucional Mas a matéria não é pacífica e o STF também já decidiu que valem as regras da conexão mesmo em se tratando de crime de competência do Júri e que todos os agentes devem ser julgados no tribunal daquele que ostenta a prerrogativa de foro Vejamos a seguinte decisão do STF COMPETÊNCIA CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA ATRAÇÃO POR CONEXÃO DO CORRÉU AO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO 1 Tendo em vista que um dos denunciados por crime doloso contra a vida é desembargador detentor de foro por prerrogativa de função CF art 105 I a todos os demais coautores serão processados e julgados perante o Superior Tribunal de Justiça por força do princípio da conexão Incidência da Súmula 704STF A competência do Tribunal do Júri é mitigada pela própria Carta da República Precedentes 2 HC indeferido HC 83583PE Rel Min Ellen Gracie j 20042004 Órgão Julgador 2ª Turma Em que pese não sermos defensores do Júri há que se respeitar a Constituição e não nos parece que essa última interpretação dada pelo STF seja a melhor Assim pensamos que 1 A prerrogativa constitucional para julgamento originário no STF STJ TJs e TRFs prevalece sobre o Tribunal do Júri não havendo possibilidade de um juiz procurador ou promotor ser julgado no Júri 2 Quanto aos deputados estaduais federais e senadores enquanto exercerem a função não estarão sujeitos ao Tribunal do Júri mas cessado o cargo perdem a prerrogativa e podem ser julgados no Tribunal do Júri em consequência da revogação da Súmula n 394 do STF 3 Quanto ao partícipe ou coautor sem essa prerrogativa ou ainda nos casos de prerrogativa de foro estabelecida nas Constituições estaduais prevalece a competência constitucional do Tribunal do Júri O agente com prerrogativa de foro constitucional será julgado pelo respectivo tribunal operandose uma cisão processual para que o particular sem a prerrogativa seja julgado pelo Tribunal do Júri Por fim recordemos que se a conexão se estabelecer entre um crime eleitoral e outro de competência do Tribunal do Júri haverá cisão o crime eleitoral será julgado na Justiça Eleitoral e o homicídio ou qualquer outro de competência do Tribunal do Júri no Tribunal do Júri Isso porque a competência do Júri é constitucional prevalecendo sobre o disposto em leis ordinárias como o Código Eleitoral e o CPP 253 Prerrogativa de Função para Vítima do Crime Como regra a prerrogativa de foro é destinada ao autor do crime que o pratica no exercício de alguma função pública relevante e que a Constituição assim disciplina Contudo existe uma situação muito peculiar em que a qualidade funcional da vítima acaba conduzindo a uma modificação da competência e que vem disciplinada no art 85 do CPP Art 85 Nos processos por crime contra a honra em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação àquele ou a estes caberá o julgamento quando oposta e admitida a exceção da verdade Vejamos agora sua incidência num exemplo hipotético O empresário Manoel dono de um supermercado de pequena cidade do interior divulga amplamente em seu estabelecimento que recebeu um cheque sem provisão de fundos do juiz de direito da comarca Sentindose ofendido pela falsa imputação de um delito o de estelionato art 171 VI do CP o magistrado ajuíza uma queixacrime39 em face do empresário acusandolhe da prática do crime de calúnia previsto no art 138 do CP Recebida a queixa no prazo legal o empresário faz a exceção da verdade propondose a demonstrar a veracidade do alegado e portanto afastando a incidência do crime de calúnia Nesse momento existe uma inversão interessante no processo pois o querelado empresário passa para o polo ativo na exceção da verdade e o querelante juiz passa a ser então o imputado do crime de estelionato Logo o juiz do processo não pode julgar a exceção da verdade pois em última análise estaria julgado outro juiz Assim diante da exceção da verdade a prerrogativa de função do querelante vítima do delito de calúnia exige que essa exceção seja encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado órgão competente para julgamento originário dos juízes de direito que a julgará Importante que nesse momento com a exceção quem passa a ser julgado é o juiz de direito por isso o deslocamento da competência para o tribunal competente para julgálo Nesse julgamento pode ocorrer que a exceção da verdade seja rejeitada posto que não comprovada a veracidade do alegado pelo empresário logo não houve a emissão de cheque sem provisão de fundos Nesse caso após essa decisão a exceção volta para a comarca de origem para continuação do julgamento da queixacrime a exceção da verdade é acolhida nesse caso o empresário logrou demonstrar que o juiz efetivamente emitiu um cheque sem provisão de fundos logo deve ser extinto o processo iniciado pela queixacrime pois não houve a calúnia O fato atribuído ao juiz era verdadeiro Mas nesse momento apurouse que o juiz praticou o delito de estelionato do art 171 VI do CP Diante disso deverá o desembargador relator encaminhar cópia dos autos para o Ministério Público art 40 do CPP para que seja investigada a prática do delito de estelionato se necessários maiores elementos de convicção ou diretamente oferecida a denúncia com base nos elementos já apurados na exceção da verdade Esse processo tramitará originariamente no Tribunal de Justiça do Estado Assim eis uma situação excepcional em que o detentor da prerrogativa de foro inicialmente vítima do crime passa a ser a imputada de outra infração Para que a conduta criminosa a ela atribuída possa ser apreciada é fundamental o encaminhamento da exceção para o órgão competente para julgála Por fim sublinhamos que muitas dúvidas pairam sobre o processamento da exceção da verdade no tribunal diante da lacuna legislativa Pensamos que o melhor procedimento é a apresentação da exceção junto com a resposta à acusação em primeiro grau Obedecendo ao disposto no art 523 do CPP deve o juiz abrir vista para manifestação do querelante contestação diz a lei no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas Após preenchidos os requisitos legais de admissibilidade cabimento legal da exceção da verdade e tempestividade deverá o juiz a quo processar a exceção em autos apartados e enviálos para o tribunal competente para o julgamento em razão da prerrogativa de função da vítima É importante destacar que a prova da exceção da verdade inclusive a testemunhal deverá ser produzida no tribunal e não no órgão de primeiro grau Caberá ao tribunal o processamento e julgamento da exceção da verdade incluindo a coleta da prova até mesmo por imposição do princípio da identidade física do juiz em que o órgão que assistir a coleta da prova deverá julgar logo incumbe ao tribunal providenciar a coleta da prova e posteriormente julgar a exceção 3 Causas Modificadoras da Competência Conexão e Continência Todas as regras anteriormente explicadas podem ser profundamente alteradas ou mesmo negadas quando estivermos diante de conexão ou continência verdadeiras causas modificadoras da competência e que têm por fundamento a necessidade de reunir os diversos delitos conexos ou os diferentes agentes num mesmo processo para julgamento simultâneo Na conexão o interesse é evidentemente probatório pois o vínculo estabelecido entre os delitos decorre da sua estreita ligação Já na continência o que se pretende é diante de um mesmo fato praticado por duas ou mais pessoas manter uma coerência na decisão evitando o tratamento diferenciado que poderia ocorrer caso o processo fosse desmembrado e os agentes julgados em separado 31 Conexão Os casos de conexão estão previstos no art 76 do CPP sendo ela responsável por unir crimes em um mesmo processo A conexão é importante que se fixe isso exige sempre a prática de dois ou mais crimes Pode haver ou não pluralidade de agentes mas não existe conexão quando o crime é único Com ela reúnese tudo para julgamento in simultaneus processus O problema vai ser decidir quem irá julgar Justiça e órgão e onde mas isso já veremos ao tratar das regras do art 78 do CPP Vejamos a redação do art 76 do CPP Art 76 A competência será determinada pela conexão I se ocorrendo duas ou mais infrações houverem sido praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas ou por várias pessoas em concurso embora diverso o tempo e o lugar ou por várias pessoas umas contra as outras II se no mesmo caso houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas III quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração No inciso I temse uma conexão intersubjetiva mas que terá algumas variações pois o artigo engloba três situações diferentes a Intersubjetiva ocasional ou por simultaneidade quando duas ou mais infrações forem praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas Mas esse termo reunidas não se confunde com o concurso de agentes que estará presente na próxima modalidade Aqui a reunião das pessoas é totalmente por acaso ou seja ocasional Não existe prévio ajuste A situação faz a conexão com várias pessoas cometendo vários crimes Exemplo numa pacífica manifestação de protesto pela alta dos preços da cesta básica promovida pela associação das donas de casa na frente de um supermercado a situação começa a fugir do controle Algumas senhoras mais exaltadas incitam as demais a fazerem uma invasão que obviamente não era a intenção inicial do movimento Eis que uma delas mais agressiva joga uma pedra na porta do supermercado dando início a uma invasão Assim na mesma circunstância de tempo e lugar várias pessoas cometem vários delitos danos furtos ameaças e até lesões corporais constituindose uma conexão intersubjetiva ocasional e implicando o julgamento simultâneo de todas as delinquentes e de todos os delitos praticados b Intersubjetiva concursal quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas em concurso ainda que diversos o tempo e o lugar Nesse caso existe concurso de pessoas com liame subjetivo e prévio ajuste Daí por que dispensa o Código que os crimes sejam praticados no mesmo tempo e lugar A conexão se estabelece a partir da pluralidade de crimes praticados por um grupo de pessoas previamente ajustadas Essa conexão é bastante rotineira basta termos por exemplo uma quadrilha que para praticar um roubo a banco furta ou rouba dois veículos em dias diferentes para finalmente cometer o roubo ao banco Assim temos duas ou mais infrações cometidas por várias pessoas em concurso Todos os crimes e pessoas serão reunidos no mesmo processo para julgamento simultâneo c Intersubjetiva por reciprocidade quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas umas contra as outras Não se pode esquecer que a conexão exige duas ou mais infrações devendo ser afastada desde logo a ideia do crime de rixa pois é um crime só Aqui os crimes plural são praticados por várias pessoas umas contra as outras existe uma reciprocidade das agressões Exemplo briga entre torcidas de futebol na saída do estádio vários crimes de lesões corporais leves algumas graves e até gravíssimas ameaças etc ou ainda entre diferentes gangs de jovens No inciso II abandonase a noção de intersubjetividade pois pode ser apenas uma pessoa ou várias sendo por isso chamada de conexão objetiva ou teleológica em razão da existência de crime anterior Mas continua existindo a pluralidade de crimes unidos nessa espécie pelo fato de que um crime é praticado para facilitar ou ocultar os outros ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a eles Exemplo tradicional é o homicídio seguido de ocultação de cadáver ou ainda quando após o roubo a banco a quadrilha mata um dos membros para assegurar maior vantagem econômica ou mesmo garantir a impunidade No inciso III existe um vínculo probatório ou instrumental entre as duas ou mais infrações Importa aqui essa relação de natureza probatória a prova de um crime influi na prova do outro ou de prejudicialidade quando a existência de um crime depende da existência prévia de outro Isso pode ocorrer entre os crimes de furto e de receptação mas também entre o crime antecedente cujo rol está no art 1º da Lei n 961340 e a lavagem ou ocultação de bens direitos e valores Essa é sem dúvida a conexão mais ampla pois o interesse probatório vai muito além de qualquer relação de prejudicialidade penal Importa aqui a relação probatória em que uma mesma prova pode servir para o esclarecimento de ambos os crimes Demonstrado esse interesse probatório devese relativizar a questão da prejudicialidade e reunir tudo para julgamento e instrução único 32 Continência A continência está prevista no art 77 do CPP Art 77 A competência será determinada pela continência quando I duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração II no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts 70 73 e 74 do Código Penal A continência assim no inciso I une as pessoas acusadas de uma mesma infração para julgamento simultâneo Não há pluralidade de crimes mas de pessoas Quando duas ou mais pessoas cometerem um delito haverá a reunião de todas no mesmo processo A questão terá um complicador quando qualquer delas tiver uma prerrogativa de função como explicamos anteriormente Nesse caso como regra geral todos serão julgados no respectivo tribunal competente para processar o detentor do cargo ofício ou função ressalvada a competência do Tribunal do Júri nos casos anteriormente explicados No inciso II existe uma unidade delitiva por ficção normativa São os casos em que as várias ações são consideradas pelo Direito Penal como um delito só por ficção legal Isso ocorre quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes constituindo o concurso formal art 70 do CP ou ainda nos casos de erro na execução art 73 do CP e resultado diverso do pretendido art 74 do CP 33 Regras para Definição da Competência nos Casos de Conexão ou Continência Na conexão existe sempre uma pluralidade de infrações muitas vezes praticadas em diferentes cidades mas que devem ser reunidas para julgamento simultâneo Em outros casos o problema não é apenas as diferentes cidades mas também o concurso entre crimes comuns e militares ou ainda eleitorais Na continência a questão complica quando um dos agentes tiver uma prerrogativa de foro por exemplo Enfim quem será o competente para o julgamento de todos os crimes eou pessoas nesses casos Para isso o art 78 estabelece uma série de regras Contudo antes de analisar as regras do art 78 recordemos que na conexão não se pode esquecer que se for considerado crime continuado o critério definidor da competência será o da prevenção nos termos do art 71 Assim cuidado antes de aplicar as regras do art 78 devese ver se não é caso de crime continuado Se for será competente o juiz prevento Contudo problemas concretos nessa matéria podem surgir quando estivermos diante de vários crimes praticados em várias cidades Eventual continuidade delitiva reconhecida após o processo já ter sido reunido e instaurado em outra cidade segundo a posição majoritária não acarretará a nulidade Isso porque a competência em relação ao lugar é relativa Feita essa advertência inicial vejamos o art 78 e suas regras Art 78 Na determinação da competência por conexão ou continência serão observadas as seguintes regras I no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum prevalecerá a competência do júri II no concurso de jurisdições da mesma categoria a preponderará a do lugar da infração à qual for cominada a pena mais grave b prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações se as respectivas penas forem de igual gravidade c firmarseá a competência pela prevenção nos outros casos III no concurso de jurisdições de diversas categorias predominará a de maior graduação IV no concurso entre a jurisdição comum e a especial prevalecerá esta Essa é a regra do CPP mas não podemos seguir essa ordem pois ela não está correta Inicialmente há que se ter bem claras as regras anteriormente expostas principalmente as competências das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e comuns federal e estadual Propomos que a definição da competência em caso de conexão ou continência seja feita após as seguintes perguntas nessa ordem 1ª Algum dos crimes praticados é de competência da Justiça Militar Se for positiva a resposta deve se recordar que o crime militar cinde art 79 I separa daqueles crimes que não são militares Logo crime militar será julgado na Justiça Militar Federal ou Estadual conforme o caso e os demais crimes comuns na Justiça Comum Será na Justiça Comum Federal se estiver presente alguma das circunstâncias do art 109 da Constituição ou na Justiça Comum Estadual residual em relação a todas as demais nos demais casos Se a resposta for negativa passamos para a segunda pergunta 2ª Algum dos crimes praticados é eleitoral Nesse caso a Justiça Eleitoral prevalece sobre as demais salvo a militar que cinde atraindo tudo para a Justiça Eleitoral art 78 IV Se a resposta for negativa passemos para a terceira pergunta 3ª Algum dos agentes tem prerrogativa de ser julgado por tribunal Isso conduz à aplicação do inciso III do art 78 pois a jurisdição de maior categoria dos tribunais prevalece sobre os órgãos de primeiro grau Há que se considerar aqui a problemática em torno da competência do Tribunal do Júri anteriormente explicada Caso não exista uma situação de concurso de agentes com alguém detentor de uma prerrogativa de foro passemos à próxima questão 4ª Não sendo de competência das Justiças Especiais algum dos crimes é de competência da Justiça Federal art 109 da Constituição Se algum dos crimes for de competência da Justiça Comum Federal e isso só ocorre se não for de competência da Justiça Militar nem Eleitoral incide o art 78 III prevalecendo ela sobre a Justiça Comum Estadual Caso não seja de competência da Justiça Comum Federal e já afastadas as Especiais Militar e Eleitoral estamos diante de um caso de competência da Justiça Comum Estadual caráter residual A resposta a essa última questão evidencia que a competência é da Justiça Comum Federal ou Estadual Se algum dos crimes se encaixar em uma das situações do art 109 da Constituição anteriormente analisadas a competência é da Justiça Federal e ela prevalece sobre a Estadual Pois bem afastada a incidência dos incisos IV e III do art 78 é porque estamos diante de crimes submetidos a jurisdição de mesma categoria Ou seja ou todos os crimes são de competência da Justiça Federal ou todos são de competência da Justiça Estadual Não há mais jurisdições de diferentes níveis em conflito Eis um ponto a ser compreendido os incisos I e II somente incidem no conflito entre jurisdições de mesma categoria Agora passemos a uma última pergunta Algum dos crimes é de competência do Tribunal do Júri art 74 1º Caso algum dos crimes seja de competência do Júri todos os crimes irão para o Tribunal do Júri Isso é a vis atractiva do Júri Mais do que atrair a competência constitucional do Júri prevalece sobre os demais órgãos de primeiro grau juiz ou juizado especial Assim no conflito entre juízes e Tribunal do Júri ganha sempre o Tribunal do Júri incidindo o art 78 I do CPP Caso nenhum dos delitos seja de competência do Tribunal do Júri passemos então para o inciso II Assim compreendese que o inciso II é o último a ser considerado Somente quando tivermos um conflito entre juízes igualmente competentes em razão da matéria e pessoa ou seja de mesma categoria é que devemos finalmente analisar os incisos esses sim rigorosamente na ordem do Código Depois dessas explicações fica mais fácil compreender que o art 78 deveria ser lido em ordem completamente diversa daquela prevista no CPP Seus incisos devem ser lidos nessa ordem Art 78 IV Primeiro devese verificar se há crime eleitoral pois a competência da justiça especial eleitoral prevalece sobre as demais Se houver crime militar incide o art 79 I ocorrendo a cisão processual III Não sendo caso de crime eleitoral ou militar analisase o inciso III Aqui a jurisdição federal prevalece sobre a estadual Súmula n 122 do STJ Se algum dos agentes tiver prerrogativa de foro prevalece a jurisdição de segundo grau tribunais sobre as de primeiro grau juiz júri juizado especial com as ressalvas feitas anteriormente I Não sendo resolvida a questão com as regras anteriores devese perguntar algum dos crimes é de competência do júri Caso afirmativo todos os crimes e todas as pessoas serão julgados no Tribunal do Júri vis atractiva e prevalente II Se nenhum dos incisos anteriores resolver a questão é porque estamos diante de vários juízes de mesmo nível de jurisdição igualmente competentes Então passemos para os critérios definidos nesse último inciso necessariamente nessa ordem a Prepondera o lugar da infração mais grave para tanto analisase a pena em abstrato mínima e máxima Mas e se um crime tiver uma pena de 1 a 6 anos e o outro de 2 a 4 anos qual é a mais grave Aquele cuja pena mínima é mais elevada Se esse critério não resolver comparamse os regimes de cumprimento da pena em que os delitos apenados com reclusão são mais graves que os apenados com detenção Outro ponto a ser comparado é a existência ou não de pena de multa pois pena multa é mais grave b Havendo empate na letra a prevalece o lugar onde for praticado o maior número de infrações Logo o juiz em cuja cidade tiver sido praticado o maior número de delitos será competente para o julgamento c Se houver empate em todos os critérios anteriores prevalecerá a competência do juiz prevento Ou seja aquele que primeiro receber a denúncia ou que na fase préprocessual tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório será finalmente o competente Finalizando esse tópico devemos esclarecer que se houverem sido praticados crimes conexos nas cidades A B e C e erroneamente tiver sido instaurado em cada cidade um processo pelo delito lá praticado deverá o juiz com competência prevalente segundo os critérios que acabamos de explicar avocar os demais processos para fazer valer a regra do julgamento simultâneo Assim determina o art 82 do CPP Art 82 Se não obstante a conexão ou continência forem instaurados processos diferentes a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes salvo se já estiverem com sentença definitiva Neste caso a unidade dos processos só se dará ulteriormente para o efeito de soma ou de unificação das penas O que se entende por sentença definitiva nesse artigo Significa a mera sentença penal recorrível ou seja de primeiro grau e passível de recurso A redação do Código é ruim e induz a pensar que somente depois do trânsito em julgado é que não poderá mais haver a avocação Errado Quando o juiz de primeiro grau der sentença não caberá mais outro juiz avocar pois a jurisdição de primeiro grau está exaurida Ilógico seria imaginar que um juiz de primeiro grau pudesse desconstituir a sentença já proferida por outro juiz ou ainda avocar o processo que está no tribunal para julgamento de recurso Havendo sentença ainda que recorrível a unificação ou soma das penas será posterior quando da execução criminal Nesse mesmo sentido e para finalizar vejase a Súmula n 235 do STJ A conexão não determina a reunião dos processos se um deles já foi julgado 34 Cisão Processual Obrigatória e Facultativa O art 79 do CPP prevê em que casos a cisão processual será obrigatória ainda que exista a conexão ou continência Art 79 A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento salvo I no concurso entre a jurisdição comum e a militar II no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores 1º Cessará em qualquer caso a unidade do processo se em relação a algum corréu sobrevier o caso previsto no art 152 2º A unidade do processo não importará a do julgamento se houver corréu foragido que não possa ser julgado à revelia ou ocorrer a hipótese do art 461 Como já explicado diversas vezes nos tópicos anteriores a Justiça Militar não prevalece ela cinde Ou seja se é crime militar vai para a Militar do contrário separa Para evitar repetições remetemos o leitor para a explicação anterior no tópico destinado à competência da Justiça Militar No inciso II está consagrada a lógica e necessária separação entre a jurisdição penal e aquela destinada à apuração dos atos infracionais praticados por crianças e adolescentes nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente Havendo um concurso de agentes entre imputáveis e inimputáveis menores de 18 anos os imputáveis cometem crime e respondem a processo penal Já em relação aos inimputáveis menores de 18 anos haverá uma separação com outro processo tramitando em vara especializada para apuração do ato infracional No 1º haverá a cisão quando em relação a algum dos corréus se verificar uma doença mental superveniente ao crime Nesse caso o processo é separado pois em relação a esse corréu o processo ficará suspenso nos termos dos arts 152 e ss do CPP Quando a doença é preexistente ao fato criminoso o réu é considerado inimputável art 26 do CP e o processo segue com a eventual pena sendo substituída por medida de segurança No 2º existem duas situações de cisão No primeiro caso o processo está suspenso porque um dos corréus está foragido e a sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri não pode ocorrer sem a sua presença ou ainda quando um dos réus é citado e o outro não Em relação ao citado o processo continua e em relação ao revel incide a suspensão do processo nos termos do art 366 do CPP A segunda situação era a cisão ocorrida no momento da composição do conselho de sentença Ocorre que esse mecanismo de cisão foi substancialmente alterado pela Lei n 116892008 Agora nos termos do art 469 somente haverá separação dos julgamentos se houver estouro de urna ou seja se em razão das recusas não for obtido o número mínimo de 7 jurados para compor o conselho de sentença Nesse caso será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou em caso de coautoria aplicase o critério de preferência disposto no art 429 As situações descritas no art 81 dizem respeito à desclassificação própria e imprópria no Tribunal do Júri Por fim prevê o art 80 a separação facultativa dos processos nos casos de crimes praticados em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes ou quando pelo número excessivo de acusados e para não prolongar a prisão provisória de qualquer deles o juiz reputar conveniente Aqui o Código deixa um amplo espaço para que o juiz decida pela cisão processual evitando o julgamento simultâneo decorrente da conexão ou continência 4 Crítica ao Tratamento das InCompetências Absoluta e Relativa 41 InCompetência Absoluta e Relativa Inadequada Transmissão das Categorias do Processo Civil Manipulação dos Critérios de Competência em Matéria Penal Varas Especializadas Como já mencionado no início deste capítulo e ao longo de toda a obra o processo penal tem sido vítima de frequentes transmissões mecânicas das categorias do processo civil e no tema analisado através da adoção da distinção entre competência absoluta e relativa Pensamos que o tratamento é inadequado e por se confundir com a própria problemática das nulidades faremos agora uma rápida crítica reservando a análise mais detida para momento posterior É recorrente a afirmação e as decisões dos tribunais brasileiros no sentido de que a competência em razão da matéria e pessoa é de natureza absoluta podendo ser conhecida de ofício e a qualquer momento Até aqui tudo bem O problema começa quando se considera a competência em razão do lugar como relativa Somente pode ser arguida pela defesa pois o MP já escolhe onde oferecer acusação logo preclusa para ele qualquer reclamação posterior e no primeiro momento em que fala no processo em geral na resposta escrita sob pena de preclusão preclusão aqui é sinônimo de prorrogação da competência ou seja prorrogatio fori Como explica HASSAN CHOUKR41 a natureza relativa da competência territorial não subsiste a um modelo processual acusatório Também considera o autor que se trata de uma aproximação indevida dos postulados do processo civil ao processo penal e finaliza afirmando com acerto que tal entendimento de relativização somente se mostra adequado quando se pensa no juiz natural apenas como um fenômeno de distribuição de poder ex parte principis e da sujeição das partes a esse poder Não se amolda contudo prossegue o autor com as premissas pelas quais o juiz natural é um direito fundamental e não cabe ao Estado flexibilizar ao seu talante a regra primária de fixação da competência Ademais como existe uma simetria no tratamento da incompetência com a questão das nulidades a discussão deslocase para o campo do prejuízo e daí é um passo para fulminar a garantia do juiz natural Isso porque como explicaremos no tema das nulidades o prejuízo é uma cláusula genérica aberta que encontra referencial semântico naquilo que bem entender o tribunal Na precisa lição de JACINTO COUTINHO42 prejuízo em sendo um conceito indeterminado como tantos outros dos quais está prenhe a nossa legislação processual penal vai encontrar seu referencial semântico naquilo que entender o julgador e aí não é difícil perceber manuseando as compilações de julgados que não raro expressam decisões teratológicas O que não percebem é que em matéria penal a competência tem outra dimensão completamente diversa daquela que lhe dá o processo civil Aqui vige o princípio supremo do juiz natural As pessoas têm o direito fundamental de serem julgadas por um juiz competente em razão da matéria pessoa e lugar e cujas regras estejam previamente estabelecidas Deslocar a competência de uma cidade para outra sem ver nisso uma violenta afronta à garantia do juiz natural é não enxergar a supressão do juiz que se opera nesse momento bem como a ilegal prorrogação da jurisdição A chamada prorrogatio fori ou ainda perpetuatio jurisdictionis é inconstitucional pois prorroga ou perpetua o que é improrrogável Sem falar que se trata de institutos do processo civil inadequados para o processo penal em que a questão da competência adquire uma dimensão muito maior em termos de eficácia de direitos fundamentais Não há como se admitir ainda que se modifique a competência em matéria penal através de portarias e resoluções sob pena de ignorar no mínimo a garantia da reserva legal em matéria penal Nessa linha é formal e substancialmente inconstitucional a nosso juízo a Resolução 517 de 30 de junho de 2006 do Conselho da Justiça Federal que atribui aos Tribunais Regionais Federais o poder de criar Varas Criminais Especializadas com competência exclusiva para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional lavagem de dinheiro ou ocultação de bens e os crimes praticados por organizações criminosas independentemente do caráter transnacional ou não das infrações Na dimensão da invalidade formal a inconstitucionalidade diz respeito ao descumprimento do regular processo legislativo necessário nessa matéria A Resolução no plano da fonte possui um vício gravíssimo o art 96 I d da Constituição referese à proposição de criação e não à criação pura e simples como adverte MARCON43 Cabe aos tribunais propor ao Poder Legislativo que as crie através de lei submetida ao regular processo legislativo Uma leitura ingênua não percebe que estão criando uma Vara especializada de combate ao crime como são chamadas como se direito e guerra combate fossem compatíveis com competência exclusiva para determinados crimes tratamento diferenciado quebra da igualdade de tratamento jurídico e que desloca a competência retirandoa do juiz do lugar do crime para atribuir a outro que melhor possa julgar Assim um crime desses que está no rol qual foi o critério utilizado para essa definição se praticado em qualquer cidade do Estado do Paraná por exemplo será necessariamente processado em julgado por um juiz especializado de Curitiba Mas o crime pode ter sido praticado a 500 km de distância numa cidade que seja sede da Justiça Federal por que esse deslocamento da competência Como justificar a retirada da garantia do juiz natural ou seja do meu juiz prefixado em lei através de uma Portaria do Tribunal Regional Federal cujos poderes foram delegados por uma Resolução do Conselho da Justiça Federal Sem lei formal emanada do Poder Legislativo competente e com estrita observância do regular processo legislativo não se pode admitir a alteração de competência material dos órgãos jurisdicionais Essa é a dimensão formal da invalidade Já na dimensão substancial a invalidade da Resolução e atos decorrentes manifestase na violação da garantia constitucional do juiz natural e da própria imparcialidade É incrível como numa só tacada cometemse monstruosidades jurídicas que vão da negação da garantia constitucional do juiz natural passando por atribuir poder legislativo em matéria processual penal ao Conselho da Justiça Federal para legislar através de uma Resolução que por sua vez permite que um Tribunal Regional Federal legisle através de uma portaria ou coisa do gênero para deslocar a competência de uma cidade para outra a belprazer de quem em última análise irá julgar em grau recursal Ou seja o mesmo tribunal que irá decidir em grau recursal já escolhe qual é o juiz que eles querem que julgue o caso penal em primeiro grau Abrese aqui um novo problema em torno da imparcialidade do juiz designado e também do próprio tribunal que o escolheu Como define MARCON44 é abrir as porteiras para a manipulação do juízo e por que não das decisões judiciais Afinal de contas o que se quer é a garantia da imparcialidade que tanto interessa ao jurisdicionado como ao Estado Democrático de Direito como sustentado Nessa linha HASSAN CHOUKR45 identifica com muito acerto que um dos mais graves problemas para efetivação do princípio do juiz natural está em descolarse a discussão sobre as regras de determinaçãomodificação de competência das leis de organização judiciária e os regimentos internos dos tribunais como se não fizessem parte desse tecido E como sintetiza o autor não apenas fazem como modificam substancialmente a forma de materialização do juiz natural Ora o que FAUZI está desvelando é que por trás de uma pseudoorganização judiciária estão eles legislando em matéria processual penal e alterando substancialmente a materialização do juiz natural Estão invadindo espaço legislativo que não lhes é próprio para no fundo negar eficácia à garantia do juiz natural manipulando os critérios de competência sob o argumento de que se trata de mera organização judiciária E isso também ocorre no âmbito das Justiças dos estados como demonstra HASSAN CHOUKR ao citar diversos casos em sua obra46 Em profundo estudo sobre o tema cuja leitura é imprescindível MARCON47 afirma categoricamente a inconstitucionalidade dessas varas especializadas A verdadeira manipulação em torno dos critérios de competência em matéria penal beira as raias do absurdo tendo por pano de fundo a relativização da competência em razão do lugar O que muitos não se dão conta ou porque se deram fazem isso é de que por trás de um conceito jurídico manipulado estão retirando o próprio juiz natural da causa 42 Por uma Leitura Constitucional do Art 567 do CPP O art 567 do CPP prevê que Art 567 A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios devendo o processo quando for declarada a nulidade ser remetido ao juiz competente Durante muito tempo seguiuse a letra do Código e quando reconhecida a incompetência do juiz era anulada apenas a sentença Um erro Atualmente consagrada que está a garantia do juiz natural e do devido processo legal uma vez reconhecida a incompetência do juiz deve ser anulado o ato decisório e principalmente todo o processo A anulação deve ser ab initio Não basta o juiz competente proferir uma nova sentença Isso é golpe de cena A garantia da jurisdição incluindo o juiz natural e do devido processo impõe que todo processo e todos os seus atos sejam praticados na frente do juiz natural competente e de forma válida Essas garantias não nascem na sentença mas no momento em que inicia o processo com o recebimento da acusação Logo desde o início o réu tem a garantia de que todos os atos serão praticados por um juiz competente Não é a mera garantia de prolação da sentença mas de jurisdição Felizmente essa é uma tendência claramente definida na jurisprudência ainda que muitos ainda resistam48 Assim reconhecida a incompetência absoluta do julgador há que se renovar todos os atos do processo e dependendo do caso até mesmo a acusação Como demonstrado no acórdão anterior não há como deixar uma denúncia oferecida por um promotor estadual em um processo que irá tramitar agora na Justiça Federal Assim até a acusação tem que ser novamente oferecida agora pelo respectivo procurador da República 5 Case Study Para Facilitar a Compreensão Em que pesem os inúmeros exemplos citados para facilitar a compreensão de tão complexas regras especialmente por parte dos estudantes que ainda possuem dificuldade em visualizar sua aplicação propomos o estudo e resolução de alguns casos bem sucintos advertindo que a intenção é apenas ilustrar a aplicação dessas regras CASO 1 Um policial civil estadual e um policial militar estadual em atividade conjunta das duas polícias cometem o delito de lesões corporais dolosas e de abuso de autoridade na cidade de Curitiba Supondo que esteja presente uma das situações de conexão previstas no art 78 do CPP qual será a Justiça e órgão competentes para o julgamento dos réus Seguindo a regra geral haveria a necessidade de reunião para julgamento simultâneo Contudo especificamente no caso de militar não haverá essa reunião de processos pois o art 79 I faz com que se opere uma cisão processual Militar e Civil não se misturam Diante da cisão imposta pelo art 79 I o policial militar será julgado na Justiça Militar Estadual pelo delito de lesões corporais crime militar praticado por militar em atividade militar e o policial civil na Justiça Estadual pelos dois crimes praticados Mas e o abuso de autoridade praticado pelo militar Não esse não é crime militar logo não será julgado na Justiça Militar Pelo crime de abuso de autoridade o policial militar será julgado na Justiça Comum Estadual pois não é crime militar juntamente com o policial civil união por força da conexão Incide no caso a conjugação das Súmulas ns 172 e 90 do STJ que definem 172 Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade ainda que praticado em serviço 90 Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática de crime militar e à Comum pela prática do crime comum simultâneo a aquele CASO 2 E se hipoteticamente além desses dois delitos lesões corporais dolosas e abuso de autoridade na mesma operação policial esses mesmos agentes cometessem ainda um delito de homicídio doloso contra um civil como ficaria a situação processual Partindo da premissa de que os crimes são conexos art 78 do CPP e de que está presente o peculiar interesse militar em relação aos crimes praticados pelo policial militar a competência para o julgamento ficará assim Policial Militar será julgado pelo delito de lesões corporais na Justiça Militar estadual Mas essa Justiça não tem competência para julgálo pelos delitos de abuso de autoridade pois não é crime militar e tampouco pelo delito de homicídio doloso praticado contra um civil pois a Lei n 9299 já incorporada à Constituição determina que os crimes dolosos49 contra a vida cometidos por militares contra civis serão julgados na Justiça Comum mesmo quando praticados em serviço com arma militar etc Sendo praticado por militar contra militar segue a competência da Justiça Militar Logo como fica o processo e julgamento por esses dois delitos homicídio doloso e abuso de autoridade Serão julgados na Justiça Comum estadual junto com o policial civil conforme será explicado abaixo Policial Civil será julgado na Justiça Comum Estadual no Tribunal do Júri a competência do Júri atrai o julgamento de todos os delitos pelos três crimes homicídio doloso lesões corporais dolosas abuso de autoridade A reunião dos processos para julgamento simultâneo decorre da conexão art 78 I Juntamente com o policial civil também na Justiça Comum Estadual no Tribunal do Júri será julgado o policial militar pelos delitos de homicídio doloso e abuso de autoridade O primeiro por imposição constitucional e o segundo por não ser um crime militar CASO 3 João Mané e Bráulio previamente ajustados subtraem em Porto Alegre três veículos com os quais na cidade gaúcha de Guaíba cometem um roubo a banco atingindo na fuga um policial militar que reagiu causandolhe a morte No outro dia na cidade de São Lourenço abordam um rapaz e para subtrair o veículo que ele conduzia matamno Finalmente semanas após em Camaquã são presos em cumprimento de mandado de prisão preventiva decretada pelo juiz estadual de São Lourenço todas as cidades estão no mesmo estado No momento da prisão também é lavrado o flagrante pelo porte de 800 g de maconha comprada com o dinheiro do roubo e destinada a venda O flagrante é homologado e dez dias depois o juiz de direito da comarca de Camaquã recebe a denúncia por tráfico de substância entorpecente a Explique se existe e qual a modalidade de conexão ou continência b Qual Justiça será competente para julgálos c Qual será o órgão d Onde foro serão julgados e O que deverá fazer o juiz com competência prevalente quando receber a denúncia e verificar a instauração de processocrime na cidade de Camaquã Vejamos a solução do caso a Existe conexão intersubjetiva concursal art 76 I devendo todos os crimes e pessoas ser reunidos para julgamento simultâneo b João Mané e Bráulio serão julgados por todos os delitos na Justiça Comum Estadual Atenção não é de competência da Justiça Militar Estadual ainda que um dos crimes tenha sido cometido contra militar pois a Justiça Militar Estadual nunca julga civis só militares art 125 4º da Constituição c Os crimes praticados são furto art 155 dois latrocínios art 157 1º e 3º e tráfico de substâncias entorpecentes art 14 da Lei n 11343 Não há crime de homicídio mas sim de latrocínio roubo impróprio pois a violência é empregada após a subtração para assegurar a posse ou impunidade por isso serão julgados pelo Juiz de Direito e não pelo Tribunal do Júri Se ao invés de latrocínio fosse homicídio a situação se alteraria completamente sendo todos os fatos e réus julgados no Tribunal do Júri d Quanto ao foro será competente o juiz da comarca de São Lourenço local da infração mais grave latrocínio art 78 II a e prevento art 78 II c Existe um empate no critério local da infração mais grave entre São Lourenço e Guaíba O desempate se dá pela utilização da alínea c ou seja a prevenção pois na primeira cidade existe um mandado de prisão expedido pelo juiz e Caso o processo tenha sido instaurado em diversas comarcas o juiz de São Lourenço competência prevalente deverá avocar os demais processos nos termos do art 82 CASO 4 Previamente ajustados João policial federal e Pedro policial militar estadual em serviço e com equipamento oficial exigem para si determinada importância indevida de uma pessoa que abordaram em São Paulo e ato contínuo ameaçamna caso relate o ocorrido Na continuação ao efetuarem outra prisão na cidade vizinha de Registro cometem o delito de abuso de autoridade Lei n 4898 e posteriormente matam outro detido em Campinas para assegurar a impunidade em relação aos delitos anteriores Responda a Há conexão ou continência Existe conexão intersubjetiva concursal e também objetiva conforme o caso Contudo haverá cisão nos termos do art 79 I pois a Justiça Militar irá julgar o policial militar pelos crimes militares separando o processo b Qual Justiça e órgão seráão competentes para julgar quem e por quais delitos Policial Militar será julgado na Justiça Militar Estadual pelos delitos de concussão art 305 do CPM e ameaça art 223 do CPM Não será julgado na Justiça Militar pelo crime de abuso de autoridade porque não é crime militar Quanto ao homicídio doloso praticado contra civil também não será julgado na Justiça Militar pois assim determina a Lei n 9299 já incorporada ao texto constitucional Policial Federal será julgado por todos os delitos na Justiça Comum Federal Súmula n 147 por analogia e art 109 IV da Constituição pois foram atos praticados em razão da função propter officium Quanto ao órgão será o Tribunal do Júri para todos os crimes da comarca de Campinas nos termos do art 78 I Importante considerar que o policial militar também será julgado na Justiça Federal no Tribunal do Júri de Campinas conjuntamente com o policial federal pelos crimes de abuso de autoridade e homicídio doloso recordemos que esses crimes não foram julgados na Justiça Militar Estadual porque não lhe competiam Com esses quatro exemplos básicos pensamos ser possível ter uma ideia de como incidem as regras da competência e como deve ser desenvolvido o raciocínio nessa matéria para não haver equívocos 1 Teoria do Direito Processual Penal cit p 46 e ss 2 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro In Separata do ITEC ano 1 n 4 janeirofevereiromarço de 2000 p 3 e ss 3 TAORMINA Carlo Diritto Processuale Penale Torino G Giappichelli Editore 1995 v 2 p 310 e ss 4 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1963 v 1 p 341 5 Baseamonos em grande parte nas lições de JACINTO COUTINHO Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro cit p 3 e ss 6 Art 26 A ação penal nas contravenções será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial 7 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal Curitiba Juruá 2004 p 47 e ss 8 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro cit p 5 9 Nesse mesmo nível estão ainda o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal Militar respectivamente jurisdições eleitoral e militar 10 Destaquese que em alguns Estados da Federação existiam ainda os Tribunais de Alçada órgãos de segundo grau da jurisdição estadual situados em posição inferior aos Tribunais de Justiça no que se referia à competência Ainda nessa dimensão de jurisdição encontramos atualmente na justiça eleitoral os Tribunais Regionais Eleitorais e na justiça militar estadual os Tribunais de Justiça Militar nos estados que não o possuam a competência para julgamento em 2º grau de jurisdição será dos Tribunais de Justiça nos termos do art 125 3º da Constituição 11 Em alguns estados ainda existe a figura do Pretor Tratase de carreira em extinção que não foi recepcionada pela Constituição Os pretores tinham uma competência limitada na esfera penal ao julgamento das contravenções e dos crimes apenados com detenção Com o advento da Lei n 9099 os Pretores restantes acabaram por atuar na presidência dos Juizados Especiais Criminais destinados ao processo e julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo 12 Art 9º Consideramse crimes militares em tempo de paz I os crimes de que trata este Código quando definidos de modo diverso na lei penal comum ou nela não previstos qualquer que seja o agente salvo disposição especial II os crimes previstos neste Código embora também o sejam com igual definição na lei penal comum quando praticados a por militar em situação de atividade ou assemelhado contra militar na mesma situação ou assemelhado b por militar em situação de atividade ou assemelhado em lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva ou reformado ou assemelhado ou civil c por militar em serviço ou atuando em razão da função em comissão de natureza militar ou em formatura ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva ou reformado ou civil d por militar durante o período de manobras ou exercício contra militar da reserva ou reformado ou assemelhado ou civil e por militar em situação de atividade ou assemelhado contra o patrimônio sob a administração militar ou a ordem administrativa militar f revogada III os crimes praticados por militar da reserva ou reformado ou por civil contra as instituições militares considerandose como tais não só os compreendidos no inciso I como os do inciso II nos seguintes casos a contra o patrimônio sob a administração militar ou contra a ordem administrativa militar b em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar no exercício de função inerente ao seu cargo c contra militar em formatura ou durante o período de prontidão vigilância observação exploração exercício acampamento acantonamento ou manobras d ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar em função de natureza militar ou no desempenho de serviço de vigilância garantia e preservação da ordem pública administrativa ou judiciária quando legalmente requisitado para aquele fim ou em obediência a determinação legal superior Crimes militares em tempo de guerra Parágrafo único Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum 13 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 2 p 12 14 Na jurisprudência é comum encontrarmos decisões afastando a competência da Justiça Militar como por exemplo COMPETÊNCIA CRIME PORTE ILEGAL ARMA DE FOGO PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA CRIME MILITAR DESCARACTERIZAÇÃO Compete à Justiça comum estadual processar e julgar crime tipificado na legislação castrense art 10 2º da Lei n 94371997 de porte ilegal de arma de procedência estrangeira de uso restrito sem autorização mantida acondicionada e oculta em armário onde o réu militar servia No caso a condição pessoal de militar não determina a competência da Justiça Militar CPM art 9º assim como o fato de a arma ser de fabricação estrangeira não basta para determinar a competência da Justiça Federal porquanto ausente qualquer lesão a bens ou interesse da União CC 28251RJ Rel Min Hélio Quaglia Barbosa j 28092005 Ainda A atividade desenvolvida por militar de policiamento naval exsurge como subsidiária administrativa não atraindo a incidência do disposto na alínea d do inciso III do artigo 9º do Código Penal Militar A competência da Justiça Militar em face da configuração de crime de idêntica natureza pressupõe prática contra militar em função que lhe seja própria Competência da Justiça Federal stricto sensu CC 7030 Rel Min Marco Aurélio DJ 31051996 15 Alguns penalistas distinguem crime militar próprio aqueles que somente podem ser praticados por militares dos militares impróprios que podem ser praticados por militares ou por civis 16 Pensamos que se o crime eleitoral tiver uma pena máxima inferior a 2 anos sendo considerado portanto um crime de menor potencial ofensivo são perfeitamente aplicáveis os institutos da Lei n 9099 incluindo a suspensão condicional do processo se preenchidos os requisitos legais do art 89 e seguintes da Lei n 9099 17 Art 109 Aos juízes federais compete processar e julgar I as causas em que a União entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras rés assistentes ou oponentes exceto as de falência as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho II as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País III as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional IV os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral V os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando iniciada a execução no País o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente VA as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5º deste artigo VI os crimes contra a organização do trabalho e nos casos determinados por lei contra o sistema financeiro e a ordem econômico financeira VII os habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição VIII os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal excetuados os casos de competência dos tribunais federais IX os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves ressalvada a competência da Justiça Militar X os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro a execução de carta rogatória após o exequatur e de sentença estrangeira após a homologação as causas referentes à nacionalidade inclusive a respectiva opção e à naturalização XI a disputa sobre direitos indígenas 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa ou ainda no Distrito Federal 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal e se verificada essa condição a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual 4º Na hipótese do parágrafo anterior o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos o ProcuradorGeral da República com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte poderá suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça em qualquer fase do inquérito ou processo incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal 18 Súmula n 38 do STJ Compete à Justiça Estadual Comum na vigência da Constituição de 1988 o processo por contravenção penal ainda que praticada em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades 19 Nessa linha decidiu com acerto o STJ COMPETÊNCIA ROUBO AGÊNCIA CORREIOS Tratase de paciente condenado pela prática de roubo contra a Empresa Brasileira de Correios Aduz o paciente que a ECT é empresa pública federal e os crimes praticados contra ela devem ser processados e julgados pela Justiça Federal sendo assim pugna ver reconhecida a nulidade do processo O Min Relator explicitou que este Tribunal tem posição definida quanto à competência fundandose as decisões na constatação da exploração direta da atividade pelo ente da administração indireta federal em que a competência é da Justiça Federal art 109 IV CF1988 ou se existe franquia que é a exploração dos serviços de correios por particulares quando a competência é da Justiça estadual Isso posto a Turma concedeu a ordem para declarar nulo todo o processo desde o recebimento da denúncia e remeter os autos para a vara criminal federal na qual a impetração indica haver a apuração inicial dos fatos Precedente citado CC 46791AL DJ 06122004 HC 39200SP Rel Min Hélio Quaglia Barbosa j 29112005 20 Interessante problemática se estabelece nos crimes praticados pela internet Recentemente o STJ divulgou a seguinte notícia decorrente da decisão proferida no Conflito de CompetênciaCC 112616 Crimes de difamação contra menores praticados pelo site de relacionamento Orkut devem ser julgados pela Justiça Federal Para decidir dessa forma a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça considerou que como esse tipo de crime fere direitos assegurados em convenção internacional e o site pode ser acessado de qualquer país cumpre o requisito da transnacionalidade da Justiça Federal Segundo o ministro Gilson Dipp relator do caso o Brasil é signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança que determina a proteção da criança em sua honra e reputação Além disso observou que o site não tem alcance apenas no território brasileiro e que esta circunstância é suficiente para a caracterização da transnacionalidade necessária à determinação da competência da Justiça Federal Dipp citou decisão da 6ª Turma do STJ no mesmo sentido No caso a corte entendeu que a competência da Justiça Federal é fixada quando o cometimento do delito por meio eletrônico se refere a infrações estabelecidas em tratados ou convenções internacionais constatada a internacionalidade do fato praticado O relator observou que a dimensão internacional do site precisa ser demonstrada porque segundo entendimento já adotado pelo STJ o simples fato de o crime ter sido praticado na internet não basta para determinar a competência da Justiça Federal No caso o perfil no Orkut de uma adolescente foi adulterado e apresentado como se ela fosse garota de programa com anúncio de preços e contato O crime foi cometido em um acesso no qual a senha escolhida pela menor foi trocada Na tentativa de identificar o autor agentes do Núcleo de Combate aos Cibercrimes da Polícia Civil do Paraná pediram à Justiça a quebra de sigilo de dados cadastrais do usuário mas surgiram dúvidas sobre quem teria competência para o caso se o 1º Juizado Especial Criminal de Londrina ou o Juizado Especial Federal de Londrina O Ministério Público opinou pela competência federal Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça CC 112616 21 Nessa linha decidiu com acerto o STJ em situação muito interessante COMPETÊNCIA DELITO DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE DESCLASSIFICAÇÃO PARA TRÁFICO INTERNO COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DA JUSTIÇA ESTADUAL ART 109 V DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PERPETUATIO JURISDICTIONIS INOCORRÊNCIA ORDEM CONCEDIDA PARA DECLARAR A NULIDADE DO PROCESSO DESDE SEU INÍCIO COM REMESSA DO EFEITO AO JUÍZO ESTADUAL CRIMINAL DA COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU E COLOCAÇÃO DO PACIENTE EM LIBERDADE Processo que se iniciou perante a Justiça Federal por ter entendido a denúncia se tratar de tráfico internacional de entorpecentes Posterior pedido de declinação da competência não aceito pelo Juízo processante que ao final condenou o paciente por tráfico interno Tratase in casu de competência absoluta da Justiça Estadual fixada pela Constituição Federal tornando incabível a aplicação analógica do princípio da perpetuatio jurisdictionis disciplinado no art 81 do CPP Existência de apenas um delito inocorrência de hipóteses de conexão ou continência Ordem concedida para que seja declarada a nulidade do efeito desde seu início com remessa imediata ao Juízo Estadual de Foz do Iguaçu PR Estando o paciente preso cautelarmente desde setembro de 2003 portanto há mais de dois anos determino seja colocado em liberdade se por outro motivo não estiver preso HC 37581PR 6ª Turma Rel Min Hélio Quaglia Barbosa j 29112005 vu DJU 19122005 p 474 22 COMPETÊNCIA DESLOCAMENTO JUSTIÇA FEDERAL CRIME HEDIONDO A Seção indeferiu o pedido no incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal do processo e julgamento do crime de assassinato da religiosa Irmã Dorothy Stang ocorrido em Anapu PA por considerar descabível a avocatória ante a equivocada presunção vinculada mormente pela mídia de haver por parte dos órgãos institucionais da segurança e judiciário do Estado do Pará omissão ou inércia na condução das investigações do crime e sua efetiva punição pela grave violação dos direitos humanos em prejuízo ao princípio da autonomia federativa EC n 452004 IDC 01PA Rel Min Arnaldo Esteves Lima j 08062005 23 Nesse sentido é tranquila a jurisprudência nacional CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVOFRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA COMPETÊNCIA FEDERALESTADUAL 1 A competência é federal quando se trata de ofensa ao sistema de órgãos e instituições que preservam coletivamente os direitos do trabalho 2 Na hipótese porém de ofensa endereçada a trabalhadores individualmente considerados a competência é estadual 3 Precedentes do STJ 4 Caso de competência estadual 5 Recurso ordinário provido ordem concedida declarados nulos somente os atos decisórios RHC 15755MT Ministro Nilson Naves 6ª Turma DJ 22052006 p 249 24 RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICOFINANCEIRA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL Nas razões do RE o recorrente sustenta ofensa ao art 109 inc IV da Constituição Federal Entende que o delito previsto no art 1º inc I da Lei n 81761991 afeta interesse direto da Agência Nacional do Petróleo e da União por se tratar de comercialização de combustível em desacordo com as normas instituídas pela autarquia no que diz respeito a crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira há regra específica de determinar a competência da justiça Federal de modo que sob o ângulo da especialidade a regra do inciso VI do art 109 da Carta Constitucional coloca em segundo plano a norma geral do inciso IV desse mesmo dispositivo No caso em concreto como visto o recorrente sustenta a competência do juízo Federal com base não no inciso específico inc VI do art 109 da CF mas sim no inciso IV do art 109 da Constituição Federal o que inviabiliza o trânsito do recurso extraordinário levando ao seu não conhecimento Quanto ao dispositivo no inc VI do art 109 da CF ainda que o presente recurso não o tenha por fundamento cumpre ressaltar que nem todos os crimes praticados contra o sistema financeiro nacional e a ordem econômicofinanceira são de competência da Justiça Federal mas somente aqueles definidos em lei por força da exigência constitucional art 109 inc VI que limita expressamente essa competência aos casos determinados por lei Na espécie o delito imputado é o previsto no art 1º inc I da Lei n 81761991 que Define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoque de Combustíveis O referido diploma legal entretanto não estabelece competir à Justiça Federal o processo e o julgamento das ações penais que envolvam essa espécie delativa Assim com base no inciso VI do art 109 da CF a competência no caso para processar o inquérito relativo ao crime de comercialização de combustível que se encontra fora dos padrões exigidos pela ANP art 1º inc I da Lei n 81761991 é da Justiça Estadual grifo nosso Em face ao exposto não conheço do recurso RE 4547350SP 2ª Turma Rel Min Ellen Gracie j 18102005 vu DJU 18112005 25 Esclarecedora a decisão do STJ no seguinte caso COMPETÊNCIA HOMICÍDIO CULPOSO LANCHA A questão consiste em saber se o crime ocorreu a bordo do navio ou não segundo a interpretação que se der à expressão a bordo de navio contida no art 109 IX da CF1988 No dizer do Min Relator essa expressão significa interior de embarcação de grande porte e numa interpretação teleológica a norma visa abranger as hipóteses em que tripulantes e passageiros pelo potencial marítimo do navio possam ser deslocados para águas territoriais internacionais No caso dos autos a vítima não chegou a ingressar no navio ocorrendo o acidente na lancha quando da tentativa de embarque Sendo assim à vítima não foi implementado esse potencial de deslocamento internacional pois não chegou a ingressar no navio e não se considera a embarcação apta a ensejar a competência da Justiça Federal Com esse entendimento a Seção declarou competente o juízo estadual suscitante Precedente citado CC 24249ES DJ 17042000 CC 43404SP Rel Min Arnaldo Esteves Lima j 14022005 26 Art 89 Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República ou nos rios e lagos fronteiriços bem como a bordo de embarcações nacionais em altomar serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação após o crime ou quando se afastar do País pela do último em que houver tocado 27 Art 88 No processo por crimes praticados fora do território brasileiro será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado Se este nunca tiver residido no Brasil será competente o juízo da Capital da República 28 COMPETÊNCIA ESTELIONATO FALSIFICAÇÃO DOCUMENTO PARTICULAR CONSULADO Compete à Justiça estadual processar e julgar crimes de estelionato e falsificação de documento particular praticado em detrimento de consulado estrangeiro sem prejuízo para a União autarquias federais ou empresas públicas federais Precedentes citados CC 30139SP DJ 12032001 e CC 12423PR DJ 05051997 CC 45650SP Rel Min Maria Thereza de Assis Moura julgado em 14032007 29 O conceito de organização criminosa vem dado pelo art 2º Art 2º Para os efeitos desta Lei considerase organização criminosa a associação de 3 três ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas ainda que informalmente com objetivo de obter direta ou indiretamente vantagem de qualquer natureza mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 quatro anos ou que sejam de caráter transnacional 30 EMENTA AÇÃO PENAL QUESTÕES DE ORDEM CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA IMPUTADO A PARLAMENTAR FEDERAL COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VERSUS COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI NORMA CONSTITUCIONAL ESPECIAL PREVALÊNCIA RENÚNCIA AO MANDATO ABUSO DE DIREITO NÃO RECONHECIMENTO EXTINÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF PARA JULGAMENTO REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU 1 O réu na qualidade de detentor do mandato de parlamentar federal detém prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal onde deve ser julgado pela imputação da prática de crime doloso contra a vida 2 A norma contida no art 5º XXXVIII da Constituição da República que garante a instituição do júri cede diante do disposto no art 102 I b da Lei Maior definidor da competência do Supremo Tribunal Federal dada a especialidade deste último Os crimes dolosos contra a vida estão abarcados pelo conceito de crimes comuns Precedentes da Corte 3 A renúncia do réu produz plenos efeitos no plano processual o que implica a declinação da competência do Supremo Tribunal Federal para o juízo criminal de primeiro grau Ausente o abuso de direito que os votos vencidos vislumbraram no ato 4 Autos encaminhados ao juízo atualmente competente Decisão Apreciando questão de ordem suscitada pelo Senhor Ministro Joaquim Barbosa Relator no sentido do prosseguimento da ação penal no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Cezar Peluso Carlos Britto e Eros Grau pediu vista dos autos a Senhora Ministra Cármen Lúcia Ausentes justificadamente os Senhores Ministros Celso de Mello Marco Aurélio Gilmar Mendes Ricardo Lewandowski e Menezes Direito Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie Plenário 05112007 Decisão Após o voto do Relator que resolvia a questão de ordem no sentido de que a competência do Tribunal do Júri cede diante da norma que fixa foro por prerrogativa de função no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Eros Grau e Carlos Britto pediu vista dos autos o Senhor Ministro Marco Aurélio Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie Plenário 07112007 Decisão O Tribunal à unanimidade afastou questão de ordem para firmar que a competência do Tribunal do Júri cede diante da norma que fixa foro por prerrogativa de função E relativamente à competência desta Casa ante a renúncia manifestada pelo parlamentar o Tribunal por maioria vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa Relator Cezar Peluso Carlos Britto e a Senhora Ministra Cármen Lúcia declinou da competência ao juízo criminal da Comarca de João PessoaPB Votou a Presidente Ministra Ellen Gracie Reajustou o voto proferido anteriormente o Senhor Ministro Eros Grau Revisor Plenário 05122007 31 Em que pese ser essa a nosso ver a melhor posição não está imune a críticas na medida em que tensiona com o princípio da identidade física do juiz art 399 2º do CPP 32 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 200 33 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe I processar e julgar originariamente b nas infrações penais comuns o Presidente da República o VicePresidente os membros do Congresso Nacional seus próprios Ministros e o ProcuradorGeral da República c nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica ressalvado o disposto no art 52 I os membros dos Tribunais Superiores os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente 34 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiça I processar e julgar originariamente a nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais 35 Como noticia PACELLI Curso de Processo Penal p 227 foi assim que decidiu o STF no HC 68846RJ em 09051995 no julgamento de ação penal proposta em face de crimes contra o INSS praticados por várias pessoas em concurso com um juiz de direito Juiz estadual acusado da prática de crimes previstos no art 109 da Constituição como sendo de competência da justiça federal quem deverá julgar o juiz e demais autores Entendeu o STF acertadamente que o juiz e demais agentes reunião pela conexão deveriam responder por todos os delitos no Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro A prerrogativa de foro do juiz prevalece sobre a regra geral da competência da justiça federal 36 Aproveitando o exemplo de PACELLI Curso de Processo Penal p 226227 situação complexa pode surgir quando tivermos um juiz estadual e um juiz federal acusados da prática do mesmo delito A continência exige a reunião de processos para julgamento simultâneo Quem julgará nesse caso Considerando que ambas as prerrogativas são igualmente constitucionais concordamos com o autor quando fundamenta no sentido da aplicação da Súmula n 122 do STJ com a prevalência da jurisdição federal sobre a estadual bem como pensamos nós a incidência do art 78 III do CPP Nessa linha pensamos que ambos deverão ser julgados no TRF Recordemos ainda que eventual conflito de competência surgido nesse caso entre o TJE e o TRF deverá ser resolvido pelo STJ 37 PROCESSO PENAL HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO DEPUTADO ESTADUAL FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TRIBUNAL DO JÚRI SIMETRIA CONSTITUCIONAL ABRANGÊNCIA DA PRERROGATIVA DE FORO NA EXPRESSÃO INVIOLABILIDADE E IMUNIDADE INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 721STF AOS DEPUTADOS ESTADUAIS EXTENSÃO DA GARANTIA DO ART 27 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ORDEM CONCEDIDA I Em matéria de competência penal o entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores é no sentido de que o foro por prerrogativa de função quando estabelecido na Constituição Federal prevalece mesmo em face da competência do Tribunal do Júri pois ambos encontramse disciplinados no mesmo diploma legislativo II De outro lado estabelecida a imunidade processual na Constituição do Estado esta competência não poderá prevalecer sobre a Carta Magna norma de grau hierárquico superior Inteligência da Súmula 721STF III A garantia do cidadão de ser julgado pelos seus pares perante o Tribunal do Júri prevalece sobre o foro especial por prerrogativa de função estabelecido em Constituição Estadual pois os direitos fundamentais inseridos no art 5º da Constituição Federal inalienáveis e indisponíveis não podem ser suprimidos nem mesmo pelo poder constituinte derivado pois alçado à condição de cláusula pétrea IV O verbete sumular n 721STF não conflita com a possibilidade de simetria que a Constituição Federal admite para a Organização da Justiça Estadual artigos 25 e 125 1º e nem com a aplicação extensiva do art 27 1º aos Deputados Estaduais em determinados temas particularmente no da inviolabilidade e da imunidade dos Deputados Federais V Abrangência da prerrogativa de cargo ou função na expressão inviolabilidade e imunidade art 27 1º da CF autorizando as Constituições Estaduais a estender aos Deputados Estaduais as mesmas imunidades e inviolabilidades aí compreendida a prerrogativa de foro VI Inaplicabilidade da Súmula 721STF aos Deputados Estaduais por extensão da garantia do art 27 1º da Constituição Federal VII Ordem concedida nos termos do voto do Relator HC 109941RJ Rel Min Gilson Dipp QUINTA TURMA julgado em 02122010 DJe 04042011 38 Inclusive assim já se manifestou o STF EMENTA Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2 Homicídio Competência do Tribunal do Júri para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida Art 5º XXXVIII d da Constituição Federal 3 Não prevalece na hipótese a norma constitucional estadual que atribui foro especial por prerrogativa de função a vereador para ser processado pelo Tribunal de Justiça 4 Matéria não enquadrável no art 125 1º da Carta Magna Cumpre observar ainda que a regra do art 29 X da Constituição Federal não compreende o vereador 5 Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento RHC 80477PI Relatora Min Néri da Silveira j 31102000 Órgão Julgador 2ª Turma Publicação DJ 04052001 39 Recordando que nos termos da Súmula n 714 o crime contra a honra de servidor público no exercício de suas funções poderá ser de ação penal pública condicionada à representação ou queixa Em ambos os casos se couber exceção da verdade e a autoridade pública tiver prerrogativa de foro deverá ela ser processada no respectivo tribunal 40 Cumpre apenas advertir que nos termos do art 2º da Lei n 9613 o processo e julgamento pelo crime de lavagem independerá do processo e julgamento do crime antecedente Contudo havendo processo em relação ao antecedente a conexão impõe a reunião de ambos para julgamento simultâneo 41 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 171 42 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 p 44 43 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal cit p 130 44 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal cit p 131 45 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial cit p 165 46 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial cit p 166 e ss 47 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal cit p 126 e ss 48 Sobre o tema vejamos algumas decisões HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO NULIDADES CITAÇÃO INVÁLIDA INOCORRÊNCIA TESTEMUNHA DE DEFESA ARROLADA E NÃO OUVIDA PRECLUSÃO PREJUÍZO À DEFESA NÃO COMPROVADO USO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DE TRIBUTO FEDERAL PARTICIPAÇÃO EM CERTAME LICITATÓRIO PROMOVIDO POR EMPRESA DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ESTADUAL INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR O DELITO AUSÊNCIA DE LESÃO A BENS SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO PRECEDENTES 1 2 3 4 Na hipótese o uso de falsa certidão negativa de débito de tributo federal com vistas à participação em concorrência pública da Companhia de Saneamento do Estado do Espírito Santo não causou prejuízo a ente federal mas sim potencial lesão ao interesse da referida empresa estadual de economia mista 5 Cabe à Justiça Estadual processar e julgar ação penal que cuida de crime de uso de certidões falsas perante autoridades estaduais ou municipais ainda que se trate de documento expedido pela União por não haver prejuízo a bens serviços ou interesses federais Súmula n 42 do STJ 6 Ordem parcialmente concedida para reconhecendo a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação penal declarar a nulidade ab initio do processocrime e por conseguinte determinar a remessa dos autos à Justiça Estadual STJ HC 29056ES Min Laurita Vaz Ainda esclarecendo a questão da competência da Justiça Federal para apurar os crimes cometidos contra a Caixa Econômica Federal Habeas Corpus Crime contra a Caixa Econômica Federal Condenação emanada da justiça local Incompetência Absoluta Invalidação do procedimento penal Ordem concedida A carta política ao definir a competência penal da justiça federal comum incluiu nas suas atribuições jurisdicionais dentre outras hipóteses os delitos cometidos contra bens serviços e interesses das empresas públicas federais A Caixa Econômica Federal que é ente revestido de paraestatalidade subsumese em função de explícita definição legal dl n 75969 a noção de empresa pública da União Incompetente assim ratione personae a justiça do estadomembro para processar e julgar crime de roubo cometido contra a Caixa Econômica Federal Disso resulta a nulidade absoluta da persecução penal instaurada contra o paciente a partir da denúncia inclusive oferecida pelo Ministério Público local STF HC 68020SP 1ª Turma Rel Min Celso de Mello DJU 26101990 grifo nosso 49 Se for homicídio culposo a competência será da justiça militar Assim caso o militar seja denunciado por homicídio doloso será julgado na justiça comum estadual no tribunal do júri Mas se em plenário ocorrer a desclassificação própria os jurados negarem o dolo na quesitação para homicídio culposo deverá o juiz presidente redistribuir o processo para a justiça militar estadual Isso porque a competência para julgar um militar que pratique um crime de homicídio culposo é da justiça especial que prevalece sobre a comum Aviso ao leitor A Compreensão Da Síntese Exige A Prévia Leitura Do Capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Jurisdição é tradicionalmente concebida como poderdever dizer o direito ao caso concreto mas para além disso é um direito fundamental uma garantia constitucional do cidadão de ser julgado por um juiz natural e imparcial Competência é a medida da jurisdição isto é um conjunto de regras que definem o limite ao poder jurisdicional criando condições de eficácia para a garantia da jurisdição juiz natural e imparcial condicionando seu exercício Princípios da Jurisdição a inércia b imparcialidade c juiz natural d indeclinabilidade 1 COMPETÊNCIA EM MATÉRIA PENAL Classificação A competência é regida por critérios de matéria pessoa e lugar O senso comum teórico costuma importando o regramento do processo civil considerar a competência em razão da matéria e pessoa como sendo absoluta e no que se refere ao lugar como relativa Sendo absoluta não se convalida jamais não haverá preclusão ou prorrogação e poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal em qualquer fase do processo Na competência relativa lugar deve ser arguida não pode ser reconhecida de ofício pelo réu no primeiro momento em que falar no processo resposta à acusação como regra sob pena de preclusão e prorrogação da competência Essa é a corrente ainda predominante Contudo nossa posição é diversa pensamos que jurisdição é garantia e que não pode ser esvaziada por critérios importados do processo civil Ademais o art 109 do CPP não faz nenhuma ressalva quanto a isso 2 DEFININDO A COMPETÊNCIA PENAL A PARTIR DE TRÊS PERGUNTAS 21 Qual é a Justiça e qual o órgão competente competência em razão da matéria e pessoa Para definição da justiça competente devese analisar a matéria começando pela mais restrita das justiças especiais justiça militar federal depois estadual e por fim a eleitoral para por exclusão chegar às justiças comuns primeiro a federal e finalmente a estadual mais residual de todas Para tanto é necessário saber a competência de cada uma das justiças Justiças Especiais 1 Justiça Militar Justiça Militar Federal art 124 da CB Crimes militares Justiça Militar Estadual art 125 4º da CB Crimes militares ser o agente militar do Estado Requisitos exigidos conduta tipificada no CPM Código Penal Militar situação do art 9º do CPM situação de interesse militar construção jurisprudencial Pode um civil ser julgado na Justiça Militar Na JMF sim desde que preenchidos os requisitos exigidos Já na JME não pois além dos requisitos exigidos deverá ser praticado por militar do Estado membro da polícia militar estadual polícia rodoviária estadual ou bombeiro Crime doloso contra a vida de civil tentado ou consumado Será de competência do Tribunal do Júri art 125 4º da CB ainda que praticado por militar em situação de atividade art 9º e exista interesse militar Se o militar for federal presente uma situação do art 109 da CB será Tribunal do Júri da Justiça Federal Súmulas importantes n 6 e n 53 do STJ 2 Justiça Eleitoral julga os crimes eleitorais previstos em lei art 121 da CB Código Eleitoral Problema crime eleitoral conexo com crime doloso contra vida Neste caso prevalece o entendimento de que haverá cisão o crime eleitoral será julgado na JE e o crime contra a vida no Tribunal do Júri Justiças Comuns 1 Justiça Federal situações previstas no art 109 inciso IV e seguintes da CB Prevalece sobre a justiça comum estadual art 78 III do CPP Súmula n 122 do STJ Nunca julga contravenções Súmula n 38 do STJ Crimes praticados em detrimento de empresas de economia mista Justiça Estadual Súmula n 42 do STJ Servidor público federal quando for vítima ou autor desde que propter officium é Justiça Federal Súmula n 147 do STJ Tráfico de entorpecentes Lei n 11343 Tráfico internacional Justiça Federal Tráfico interno Justiça Estadual Crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves competência da Justiça Federal exceto se for de competência da Justiça Militar art 109 IX da CB Crime ambiental regra geral Justiça Estadual Exceção quando presente uma das situações do art 109 da CB cuidado não se aplica o inciso XI que é para jurisdição cível como por exemplo os crimes ambientais praticados no interior de áreas de preservação ambiental parques eou reservas nacionais bem como nos casos do art 225 4º da CB Mas a matéria é controvertida Índio matéria também controvertida mas prevalece a aplicação da Súmula n 140 do STJ Crimes praticados fora do território nacional desde que presente uma situação de extraterritorialidade da lei penal art 7º do CP como regra será julgado na Justiça Estadual aplicandose o art 88 do CPP para definir o lugar Será de competência da Justiça Federal quando presente alguma das situações do art 109 da CB cuidado o inciso II não se aplica na jurisdição penal Tribunal do Júri art 74 do CPP situação do art 109 da CB JECrim Federal desde que presente uma das situações do art 109 da CB e o crime seja de menor potencial ofensivo nos termos da Lei n 909995 2 Justiça Estadual é a mais residual de todas somente julgando quando não for de competência de nenhuma das outras justiças Para definir o órgão julgador importante quando há prerrogativa de função STF STJ TRFs TJs Júri Júri Juiz Federal Juiz Estadual JECrim JECrim PRERROGATIVA DE FUNÇÃO pode modificar completamente os critérios de definição da competência Algumas pessoas em razão do cargo ou função desempenhada têm a prerrogativa de serem julgadas originariamente por determinados Tribunais Questão temporal Princípio da Atualidade do Exercício da Função a crime cometido antes da posse adquire prerrogativa quando assumir b crime cometido durante o exercício do cargo ou função o agente tem prerrogativa c crime cometido depois de cessado o exercício do cargo ou função cessa a prerrogativa e o processo é remetido para a justiça competente de primeiro grau Se o processo inicia e se desenvolve perante um juiz incompetente deve ser anulado desde o início Se ele inicia no juízo competente e depois surge uma causa modificadora da competência prerrogativa de função os atos praticados são válidos até ali Prerrogativas importantes previstas no art 102 I b e c da CB art 105 I a da CB art 96 III da CB art 108 I a da CB e art 29 X da CB Prerrogativa de Função versus Tribunal do Júri se alguém com prerrogativa de função prevista na Constituição cometer um crime doloso contra a vida competência do júri será julgado no Tribunal competente em razão da prerrogativa O júri órgão de primeiro grau perde no confronto com qualquer tribunal de segundo grau ou tribunal superior Essa regra não se aplica quando a prerrogativa não for estabelecida pela Constituição Federal ver Súmula n 721 do STF Prerrogativa de função conexãocontinência Tribunal do Júri matéria controvertida mas seguimos o entendimento de que haverá uma cisão processual Quem tem prerrogativa vai para o respectivo tribunal competente e o particular sem prerrogativa é julgado no Tribunal do Júri Súmulas importantes STF ns 245 704 702 721 STJ 208 e 209 Prerrogativa de Função para vítima de crime como regra não há qualquer alteração da competência pelo fato de a vítima ter prerrogativa de função Exceção quando se tratar de crime contra a honra em que o querelante autor tem prerrogativa de função e é oposta a exceção da verdade pelo querelado réu É a situação do art 85 do CPP em que a exceção da verdade será encaminhada para o tribunal que seria competente para julgar o detentor da prerrogativa de função 22 Qual é o foro competente Local Se em razão da natureza do crime e da qualidade do agente existência ou não de prerrogativa de função for de competência da justiça de primeiro grau devese definir qual é o foro competente a partir do disposto nos arts 70 e 71 ou ainda nos arts 88 a 90 do CPP Lugar do crimecrime plurilocal prevalece o entendimento de que o lugar da infração é aquele onde se esgotou o potencial lesivo ou ofensivo ainda que diverso daquele onde se consumou Vítima atropelada na cidade X é socorrida e falece na cidade Y local do crime para fins de competência será a cidade X onde se esgotou a agressão Crime continuadopermanente no caso do art 71 do CP aplicase a regra da prevenção art 71 do CPP Crime cometido no exterior aplicase a regra do art 88 do CPP Navios e aeronaves aplicamse as regras dos arts 89 e 90 do CPP Demais casos não resolvidos pelas regras dos arts 89 e 90 aplicase a prevenção art 91 Domicilio ou residência do réu é o último critério a ser usado quando não se souber o local do crime art 72 Ação penal de iniciativa privada art 73 do CPP é o único caso de eleição de foro do processo penal 23 Qual é a varajuízo Definido o foro pode haver mais de um juiz competente em razão de matéria pessoa e lugar situação em que se aplicará a regra de prevenção art 83 ou distribuição art 75 3 CAUSAS MODIFICADORAS DA COMPETÊNCIA CONEXÃO E CONTINÊNCIA Ambas implicam unidade de processo e julgamento ou seja julgamento in simultaneus processus sendo necessário definir quem são os agentes e onde os diferentes crimes serão julgados 31 Conexão prevista no art 76 do CPP exige sempre a prática de dois ou mais crimes Espécies art 76 I engloba três tipos de conexão a intersubjetiva ocasional ou por simultaneidade b intersubjetiva concursal c intersubjetiva por reciprocidade O art 76 II consagra a conexão objetiva ou teleológica e o inciso III a conexão probatória ou instrumental 32 Continência não existe pluralidade de crimes mas de pessoas art 77 I e II do CPP 33 Regras para definição da competência em caso de conexão ou continência é crime continuado Se for segue a regra do art 71 não sendo caso de crime continuado devemse resolver as seguintes questões para definir a justiça órgão foro e vara competentes em caso de conexão ou continência 1ª Algum dos crimes é de competência da Justiça Militar Se for militar cinde art 79 I Não sendo vamos para a próxima pergunta 2ª Algum dos crimes é eleitoral Se for a Justiça Eleitoral prevalece sobre as demais exceto a militar que cinde atraindoreunindo tudo na Justiça Eleitoral art 78 IV Não havendo segue para a próxima 3ª Algum dos agentes tem prerrogativa de função prevista na CF Neste caso reunir e aplicar art 78 III Cuidado com o júri divergência sobre reuniãocisão 4ª Não sendo de competência das justiças especiais algum dos crimes é de competência federal art 109 da Constituição Em caso positivo reúne tudo na Justiça Federal art 78 III e Súmula 122 do STJ que prevalece sobre a Justiça Estadual Não havendo crimes de competência da Justiça Federal o processo é de competência da Justiça Estadual residual 5ª Cuidado com a competência do Tribunal do Júri art 74 1º O júri prevalece sobre os órgãos de primeiro grau por força do art 78 I Logo reúne tudo no Tribunal do Júri vis attractiva 6ª Por fim quando houver conflito entre jurisdições órgãos de mesma categoria aplicase o inciso II do art 78 iniciando pela alínea a depois a b e finalmente a c Por tudo isso os incisos do art 78 devem ser lidos na seguinte ordem IV III I II a b c Crimes cometidos em várias cidades atentar para o art 82 do CPP que permite que o juiz de competência prevalente avoque os processos que corram perante outros juízes Cuidado sentença definitiva sentença recorrível Súmula 235 do STJ 4 CISÃO OBRIGATÓRIA E FACULTATIVA a separação cisão será obrigatória nos casos do art 79 e facultativa nas situações do art 80 do CPP 5 CRÍTICAS FINAIS A relativização da competência lugar é fruto da equivocada transmissão de categorias do processo civil sendo ainda criticáveis os institutos da prorrogatio fori e perpetuatio jurisdictionis pois prorroga ou perpetua o que é improrrogável Art 567 do CPP deve ser lido à luz da Constituição a partir da garantia de ser processado e julgado perante o juiz competente Por isso em caso de nulidade por incompetência do juiz o feito deve ser anulado desde o início ab initio Capítulo XI DAS QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES 1 Das Questões Prejudiciais As questões prejudiciais vêm previstas nos arts 92 e seguintes do CPP não sendo de competência do juiz penal decidir sobre elas mas apenas verificar o nível de prejudicialidade que elas têm em relação à decisão penal bem como decidir pela suspensão do processo penal até que elas sejam resolvidas na esfera cível tributária ou administrativa São prejudiciais exatamente porque exigem uma decisão prévia Para tanto é necessário que a solução da controvérsia afete a própria decisão sobre a existência do crime Cabe ao juiz analisar esse grau de prejudicialidade que deve ser em torno de uma questão séria e fundada sobre o estado civil das pessoas Em última análise a prova da existência do crime depende da solução na esfera cível dessa questão Nisso reside sua prejudicialidade na impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão A questão ainda que guarde estreitíssima relação com o estudo do objeto do processo penal geralmente é tratada na doutrina estrangeira como relação entre a jurisdição penal e outras jurisdições ou ainda como limites ou âmbito objetivo de ordem jurisdicional penal como prefere CORTES DOMINGUEZ1 Isso porque os fatos da vida não ocorrem respeitando os critérios e categorias abstratamente previstas pelo direito como adverte ARAGONESES ALONSO2 senão que sua complexidade permeia muitas vezes diferentes jurisdições Isso se reflete na natureza jurídica do instituto como se verá ao final Como explica LEONE3 existe uma tendência de concentração processual e de continuidade do processo atribuindo ao juiz da causa o máximo de poder para decidir sobre todas as questões suscitadas ou seja máxima expansión del poder jurisdiccional para resolver incidenter tantum as questões Parte dessa necessidade de reunião para julgamento simultâneo evitando decisões antagônicas sobre questões relacionadas entre si é resolvida através das regras da conexão Outra parte não abrangida pelas regras da conexão até porque envolve jurisdições diferentes e não apenas competências acabará sendo tratada nessa dimensão de prejudicialidade Assim há casos em que o juiz penal não pode decidir por mais que se aceite a expansão do poder jurisdicional Nesses casos a quem incumbe a decisão sobre a questão prejudicial Esse é um dos pontos a serem resolvidos Como explica TOURINHO FILHO4 o sistema brasileiro é misto pois há hipóteses em que o julgamento da prejudicial é do juízo penal em outros casos o juiz penal poderá aproveitar a decisão proferida na esfera cível e por fim há casos em que é de exclusiva competência do juízo cível a decisão Partindo disso as prejudiciais podem ser divididas em obrigatórias e facultativas A prejudicialidade obrigatória ocorre em situações em que a matéria objeto da controvérsia está completamente afastada alheia à esfera de atuação da jurisdição penal e que por sua relevância jurídica não pode ser objeto da expansão da jurisdição penal É o que ocorre no caso do art 92 em que a decisão sobre o estado civil das pessoas incumbe com exclusividade ao juízo cível Exemplo recorrente na doutrina até pela escassez de situações aplicáveis é o crime de bigamia art 235 do CP A constituição do crime de bigamia exige a existência de prévio casamento Da mesma forma não há que se falar em sonegação fiscal sem a constituição definitiva do débito ou seja sem o esgotamento das vias administrativas Tratase daquilo que o Direito Penal considera como elementar do tipo ou seja sem o qual o casamento anterior a conduta passa a ser atípica atipicidade absoluta Assim se em sede de defesa é arguida a nulidade ou inexistência do casamento anterior estado civil da pessoa o juiz penal deverá suspender o curso do processo penal até que na esfera cível seja a controvérsia dirimida por sentença transitada em julgado Essa decisão poderá ser proferida de ofício ou mediante expresso requerimento de qualquer das partes Durante essa suspensão poderá o juiz penal proceder a coleta da prova inquirição de testemunhas juntada de documentos etc e toda a instrução Destaquese ainda que a prescrição ficará suspensa como prevê o art 116 do Código Penal Art 116 Antes de passar em julgado a sentença final a prescrição não corre I enquanto não resolvida em outro processo questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime Noutra dimensão situamse as questões de prejudicialidade facultativa previstas no art 93 do CPP Art 93 Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior da competência do juízo cível e se neste houver sido proposta ação para resolvêla o juiz criminal poderá desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite suspender o curso do processo após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente Da previsão legal podemos extrair os requisitos da questão prejudicial facultativa 1 a questão deve versar sobre circunstância elementar relacionada à existência do crime 2 já existir ação civil sobre a matéria em andamento 3 deve versar sobre questão cível que não seja estado civil das pessoas e tampouco sobre direito cuja prova a lei civil limite 4 a questão deve ser de difícil solução Observados esses requisitos a ação penal que tenha por objeto a apuração de um delito de furto poderá ser suspensa quando tramitar no juízo cível ação na qual se discuta a posse ou propriedade da coisa móvel por exemplo Caberá ao juiz tendo em vista a necessária coerência da decisão judicial e observando esses requisitos determinar de ofício ou mediante requerimento de qualquer das partes a suspensão ou não do processo penal até que no juízo cível a questão seja resolvida Se decidir pela suspensão do processo penal deverá efetivála após a coleta da prova fixando o prazo dessa suspensão que poderá ser prorrogado Não há que se esquecer todavia o direito ao julgamento em um prazo razoável conforme anteriormente explicado Logo essa suspensão deve ser utilizada com suma prudência e sem perder de vista o direito fundamental previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Caso não decrete a suspensão o processo penal prosseguirá até o final do julgamento Grave prejuízo haverá caso exista incompatibilidade entre as decisões Dependendo do nível de incompatibilidade poderá a parte buscar via habeas corpus o trancamento do processo por atipicidade do fato Contudo se a questão for complexa e demandar uma análise mais detida cognição ampla o caminho a ser seguido será o da tortuosa e difícil revisão criminal nos termos do art 621 III do CPP Por fim quanto à natureza jurídica das questões prejudiciais estamos com LEONE5 quando aponta sua inegável vinculação com o mérito da causa afastando assim a natureza de condição da ação ou pressuposto processual para afirmar que ela se refere ao tema das relações entre jurisdições 2 Dos Processos Incidentes 21 Das Exceções Processuais Antes de analisar as exceções em espécie são necessários alguns esclarecimentos iniciais comuns a todas As exceções são formas de defesa indireta pois não atacam o núcleo do caso penal e na sistemática do CPP devem ser autuadas em apartado Determina o art 396A 1º que Art 396A Na resposta o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa oferecer documentos e justificações especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas qualificandoas e requerendo sua intimação quando necessário 1º A exceção será processada em apartado nos termos dos arts 95 a 112 deste Código Tradicionalmente e com clara inspiração em BÜLOW na clássica obra La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesales a doutrina costuma classificar as exceções em dilatórias ou peremptórias As exceções dilatórias são aquelas que não conduzem à extinção do processo senão que dilatam seu curso pela necessidade de resolução do ponto atacado Nessa linha situamse as exceções de suspeição ilegitimidade de parte e incompetência do juízo Tais questões apenas dilatam a discussão sem contudo conduzir à extinção do processo Noutra dimensão situamse as exceções peremptórias na medida em que uma vez acolhidas extinguem o processo São os casos de litispendência e coisa julgada A litispendência conduzirá inexoravelmente à extinção de um dos processos daí por que em que pese a possibilidade de uma dilação diante da necessidade de resolver quem é o juiz com competência prevalente ela é na verdade uma exceção peremptória Quanto à coisa julgada a situação é mais fácil e a extinção imediata desde que comprovada As exceções por sua natureza assumem um caráter de prejudicialidade em relação ao julgamento do mérito eis que exigem um julgamento anterior àquele de mérito Daí por que alguns preferem situar a questão numa dimensão de preliminar na medida em que etimologicamente o vocábulo preliminar vem do latim prefixo pre antes e liminaris algo que antecede de porta de entrada deixando em evidência seu caráter de porta de entrada em relação à questão de fundo mérito pela qual necessariamente devese passar no sentido de conhecer e decidir As exceções são essencialmente instrumentos de defesa Contudo como já advertia ESPÍNOLA FILHO6 nosso Código de Processo Penal rompe com essa estrutura ao permitir que elas sejam declaradas de ofício pelo juiz independente de serem dilatórias ou peremptórias As exceções processuais estão previstas no art 95 do CPP Art 95 Poderão ser opostas as exceções de I suspeição II incompetência de juízo III litispendência IV ilegitimidade de parte V coisa julgada Na sistemática do CPP existem dois tratamentos para as exceções um para a exceção de suspeição e outro para as demais exceções incompetência litispendência ilegitimidade e coisa julgada A exceção de suspeição por ter um tratamento especial será vista na continuação Quanto às demais exceções vigoram as seguintes regras podem ser opostas verbalmente ou por escrito devem ser apresentadas no prazo da resposta do acusado nos termos do art 396A 1º do CPP serão processadas em autos apartados e não suspenderão em regra o andamento do processo podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz em qualquer fase do processo Vejamos agora com mais detalhes cada uma das exceções 211 Exceção de Suspeição Determina o art 96 do CPP que a arguição de suspeição precederá a qualquer outra salvo quando fundada em motivo superveniente A suspeição cria um motivo para imediata cessação de toda interferência7 ou atuação daquela pessoa juiz promotor perito intérpretes serventuários ou funcionários da Justiça Tal sua relevância que ela precederá a toda e qualquer outra pois constitui uma questão a ser decidida imediatamente para só depois de resolvida haver a análise das demais A exceção de suspeição poderá ser oposta em relação ao julgador promotor perito intérpretes ou servidores da Justiça que tenham qualquer tipo de ingerência sobre aquele processo A questão é muito relevante pois envolve em última análise a própria credibilidade e legitimidade do sistema de administração da Justiça Os casos de suspeição e impedimento estão previstos nos arts 252 e ss Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que I tiver funcionado seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive como defensor ou advogado órgão do Ministério Público autoridade policial auxiliar da justiça ou perito II ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha III tiver funcionado como juiz de outra instância8 pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão IV ele próprio ou seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 253 Nos juízos coletivos não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes consanguíneos ou afins em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive Art 254 O juiz darseá por suspeito e se não o fizer poderá ser recusado por qualquer das partes I se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles II se ele seu cônjuge ascendente ou descendente estiver respondendo a processo por fato análogo sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia III se ele seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim até o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV se tiver aconselhado qualquer das partes V se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes VI se for sócio acionista ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade cessará pela dissolução do casamento que lhe tiver dado causa salvo sobrevindo descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes não funcionará como juiz o sogro o padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criála Iniciando pela suspeição do juiz cumpre destacar que ela poderá ser espontaneamente reconhecida de ofício portanto pelo juiz que o fará sempre de forma escrita e fundamentada art 93 IX da Constituição remetendo o feito imediatamente ao seu substituto intimandose as partes Não o fazendo o juiz qualquer das partes réu Ministério Público ou assistente da acusação poderá arguir a exceção de suspeição por escrito em petição assinada por ela ou por procurador com poderes especiais não bastando portanto a mera outorga de poderes feita quando do interrogatório A exceção deverá sempre ser fundamentada e instruída com a prova documental e indicação das testemunhas9 que a amparem Denominase excipiente aquela parte que faz a exceção e excepto o juiz objeto da exceção Diante dela um desses dois caminhos poderá tomar o juiz a Admitir a arguição suspendendo imediatamente o feito e declarandose suspeito Nesse caso juntará aos autos as provas produzidas e remeterá os autos ao substituto b Não admitir a exceção situação em que autuará em apartado a exceção dando sua resposta em três dias Poderá o juiz instruíla com documentos e também oferecer testemunhas determinando que os autos da exceção sejam remetidos ao tribunal a quem competir o julgamento Eventuais testemunhas arroladas serão ouvidas no tribunal10 pelo relator da exceção Considerando que a exceção tramita em autos apartados permitindo assim que o processo principal siga seu curso na origem pensamos que o excipiente poderá postular no tribunal que seja cautelarmente suspenso o seguimento do processo principal até o julgamento da exceção Isso porque o acolhimento da exceção acarretará a nulidade de todos os atos do processo conforme determina o art 101 do CPP sendo a suspensão uma salutar medida para evitarse um prejuízo processual muito maior depois com a anulação de todos os atos realizados Por outro lado caso seja denegada a exceção os prejuízos de uma eventual suspensão do trâmite do processo principal serão mínimos se comparados com aqueles gerados pela situação inversa Tal suspensão vem parcamente disciplinada no art 102 do CPP mas sua aplicação restritiva ou seja nos limites do texto conduz à mínima eficácia Daí por que pensamos que a suspensão deve considerar a relevância da matéria tratada e as graves consequências da não suspensão do processo principal sem limitarse a concordância ou não da parte contrária Inclusive a valer um mínimo de técnica processual é inegável que a suspensão é uma medida de natureza cautelar condicionada assim ao fumus boni iuris e ao periculum in mora11 Tal pedido e concessão deverá ser feito ao tribunal competente para o julgamento da exceção salvo no caso do art 102 em que caberá ao juiz a quo a decisão não sendo óbice a genérica disposição do art 111 do CPP Questão extremamente relevante mas pouco enfrentada pela doutrina e jurisprudência é a exceção de suspeição do juiz por violação da imparcialidade em virtude dos prejulgamentos Dada sua importância trataremos dela na continuação no próximo item Quanto à suspeição de promotores peritos intérpretes e serventuários da Justiça algumas questões devem ser destacadas O agente do Ministério Público poderá ser objeto de suspeição Os casos de suspeição e impedimento do Ministério Público estão previstos no art 258 do CPP complementado pelos arts 252 a 256 Art 258 Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive e a eles se estendem no que lhes for aplicável as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes Por se tratar de um órgão público sua atuação está vinculada aos princípios de legalidade e impessoalidade Contudo não há que se falar em imparcialidade da parte A exceção não tem por base a pseudoquebra da imparcialidade pois constitui uma aberração jurídica e semântica falar em imparcialidade do MP no processo penal A questão não é nova e já foi muito bem desvelada por CARNELUTTI12 ainda que muitos não tenham compreendido isso até hoje o que também não causa espanto considerando a quantidade de juristas que ainda falam em verdade real homem médio e coisas do gênero Como já explicamos não existe parte imparcial isso é uma construção equivocada e que não encontra qualquer amparo lógico ou semântico O MP é no processo penal uma parte artificialmente criada e construída para ser o contraditor natural do sujeito passivo retirando poderes do juiz para com isso criar condições de possibilidade para que se estabeleça uma estrutura dialética e um processo penal acusatório Na exata definição de WERNER GOLDSCHMIDT quanto mais parcial forem as partes mais imparcial é o juiz esse sim estruturado e constituído a partir da concepção jurídica de terzietàimparcialidade Sem esquecer ainda a precisa definição de GUARNIERI13 quando afirma que acreditar na imparcialidade do Ministério Público é uma ilusão A mesma ilusão de confiar ao lobo a melhor defesa do cordeiro Logo a suspeição do MP não tem por pressuposto a quebra da sua imparcialidade pois ele jamais foi concebido como parteimparcial notem a incompatibilidade semântica do termo A questão situase noutra dimensão Voltando à sistemática do CPP arguida a suspeição do Ministério Público caberá ao juiz decidir após ouvilo e produzir a prova eventualmente postulada Nada impede que o próprio promotorprocurador se dê por suspeito de ofício evitando assim grave prejuízo para o processo Considerando que ao juiz incumbe o papel de garantidor da máxima eficácia da Constituição e portanto do devido processo penal pensamos que a suspeição do Promotor ou Procurador da República também poderá ser suscitada pelo próprio juiz Nesse caso deverá instruir a exceção ouvindo o excepto e encaminhála ao respectivo Tribunal de Justiça ou Regional Federal a quem competirá o julgamento Então marquese a distinção quando a exceção de suspeição do MP for oposta pela defesa caberá ao juiz decidir por outro lado quando suscitada pelo juiz caberá ao tribunal o julgamento Por fim se acolhida a exceção os efeitos são aqueles previstos no art 101 ficarão nulos os atos do processo principal em que houver intervindo o promotorprocurador Muito cuidado devese ter em relação às nulidades por derivação de modo que devem ser anulados todos os atos praticados diretamente pelo promotorprocurador bem como todos aqueles em que ele tiver intervindo principalmente na instrução Para acima de qualquer frágil construção de economia processual ou instrumentalidade das formas está no processo penal a garantia constitucional do due process of law Também haverá exceção de suspeição de peritos intérpretes e serventuários da Justiça nos termos dos arts 105 274 e 281 do CPP Os casos de suspeição desses agentes são os mesmos previstos para os juízes nos arts 252 a 256 do CPP cuja leitura é imprescindível Em todos esses casos caberá ao juiz da causa decidir seguindo o mesmo procedimento anteriormente explicado Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito mas deverão elas declararse suspeitas quando ocorrer motivo legal prevê o art 107 do CPP A opção legal como sói ocorrer em tudo o que se relaciona ao inquérito policial é péssima Se o CPP cria um dever legal para que os policiais declaremse suspeitos obviamente deve haver um instrumento de controle do cumprimento desse dever Ou seja se a autoridade policial silenciar nada mais poderá ser feito o que constitui no mínimo uma aberração jurídica Entre os inúmeros equívocos doutrinários e jurisprudenciais que circundam o inquérito policial está a mais completa negação de eficácia do princípio da legalidade Ou seja ainda existem autores que defendem a superada ideia de que as nulidades do inquérito não contaminam o processo e que portanto lá não penetra o princípio da legalidade e toda a sistemática de garantias da Constituição É o inquérito verdadeira terra de ninguém onde não se deixa a Constituição efetivamente constituir Igualmente míope é a recorrente afirmação com maior ou menor pseudo cientificidade de que o inquérito é peça meramente informativa e que não serve para a formação da convicção do juiz quando da sentença O problema como já explicamos à exaustão é que os atos do inquérito não são atos de prova mas meros atos de investigação e que não podem ser utilizados na sentença mas que enquanto não se adotar o sistema de exclusão física eles continuarão contaminando o juiz Hoje no Brasil inúmeras pessoas são condenadas diariamente a partir dos elementos do inquérito pois os juízes e tribunais seguem recorrendo à fórmula mágica cotejando a prova policial com a judicial para condenar com base nos elementos da investigação preliminar Ademais não se pode esquecer que com base nos atos do inquérito policial podese privar uma pessoa de seus bens através das medidas assecuratórias e também de sua liberdade pessoal prisões cautelares Ou seja tiramos o eu e minhas circunstâncias diria Ortega y Gasset logo o todo Há que se tratar com mais seriedade técnica e menos reducionismo o inquérito policial entre outros para reconhecer a possibilidade de uma arguição para o juiz da suspeição da autoridade policial Enquanto a mudança legislativa e principalmente de mentalidade não vem essas questões acabam sendo tratadas de forma diluída no bojo dos habeas corpus e mandados de segurança impetrados para atacar os atos ilegais já praticados Às autoridades policiais aplicamse as mesmas causas de suspeição e impedimento que aos demais juízes promotores servidores peritos e intérpretes O problema é que o sistema não prevê um instrumento processual que dê eficácia a isso Em suma é completamente errada e ilegítima a vedação feita pelo CPP além de substancialmente inconstitucional por ir de encontro ao princípio do devido processo legal 212 Exceção de Suspeição por Violação da Garantia da Imparcialidade do Julgador e do Sistema Acusatório Poderes Instrutórios do Juiz e Prejulgamentos Inicialmente pensamos ser estéril a discussão sobre a taxatividade ou não do rol previsto no art 95 até porque remonta a uma racionalidade moderna e superada em que se busca a redução da complexidade criando uma ilusão de plenitude do sistema jurídico Situação bastante relevante e grave é a exceção de quebra da imparcialidade do julgador Ao não estar expressamente prevista acaba tendo de ser tratada no campo da suspeição conduzindo assim a uma nova problemática o rol do art 254 é taxativo Não não pode ser taxativo sob pena de absurdamente não admitirmos a mais importante de todas as exceções a falta de imparcialidade do julgador recordando que o Princípio Supremo do processo é a imparcialidade Feita essa ressalva vejamos o problema É cada dia mais frequente a assunção por parte de alguns julgadores de uma postura ideologicamente comprometida com o combate ao crime conduzindo a um abuso dos poderes investigatórios eou instrutórios que o CPP infelizmente consagra Nesse momento ferese de morte a estrutura dialética que constitui o processo e a imparcialidade que faz do juiz um juiz Ou seja é a imparcialidade que marca uma diferença fundante do processo Daí por que é ela o princípio supremo do processo penal ou civil que cai por terra quando o juiz deixa de ser juiz para ser um juizator ou inquisidor pois a relação que ele estabelece com a gestão da prova conduz a isso ainda que inconscientemente O instrumento processual adequado para resistir a isso é a exceção de suspeição pelos fundamentos que serão expostos a seguir complementados pelo que já explicamos acerca da imparcialidade do julgador As exceções devem ser arguidas pelos interessados na primeira oportunidade que falarem nos autos mas quando se trata de questão ligada ao devido processo legal no que toca à imparcialidade da jurisdição a suspeição ou impedimento ou incompatibilidade poderão ser reconhecidas mesmo após o trânsito em julgado da ação condenatória É que como prossegue o autor se cuida a toda evidência de matéria de ordem e interesse eminentemente públicos para muito além daquele das partes envolvidas no processo em que concretamente teria ocorrido a apontada causa14 Noutra dimensão considerando alguma divergência doutrinária acerca da tênue distinção entre suspeição e impedimento diante da péssima sistemática do CPP nessa matéria importa destacar que seja como for o que realmente importa é que em todas elas seja causa de suspeição seja de impedimento o que estará em risco é a imparcialidade do juiz colocando em risco o devido processo legal razão pela qual se permite às partes desde logo o afastamento do magistrado15 Ademais recordemos que o procedimento da exceção de impedimento art 112 do CPP por expressa determinação do Código de Processo Penal será o mesmo que aquele definido para a exceção de suspeição Logo ainda que se considere que os fatos narrados constituem impedimento e não propriamente suspeição não será esse o argumento que impedirá o conhecimento e acolhimento dessa exceção Noutra dimensão ainda que o art 254 do CPP não enumere a questão do prejulgamento como causa de exceção de suspeição existem precedentes jurisprudenciais no sentido de alargar a interpretação do art 254 do CPP na forma da ementa abaixo transcrita Embora se afirme que a enumeração do art 254 do Código de Processo Penal seja taxativa a imparcialidade do julgador é tão indispensável ao exercício da jurisdição que se deve admitir a interpretação extensiva e o emprego da analogia diante dos termos previstos no art 3º do Código de Processo Penal STJ REsp 6ª Turma Rel Vicente Leal 01102001 Rec Esp 200000049590 A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo do processo16 e como tal imprescindível para o seu normal desenvolvimento e obtenção do reparto judicial justo Sobre a base da imparcialidade está estruturado o processo como tipo heterônomo de reparto Aponta CARNELUTTI17 que el juicio es un mecanismo delicado como un aparato de relojería basta cambiar la posición de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequilibrado e comprometido Seguindo WERNER GOLDSCHMIDT18 o termo partial expressa a condição de parte na relação jurídica processual e por isso a impartialidade do julgador constitui uma consequência lógica da adoção da heterocomposição por meio da qual um terceiro impartial substitui a autonomia das partes Já a parcialidade significa um estado subjetivo emocional um estado anímico do julgador A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà19 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de JACINTO COUTINHO20 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz que dá inequívocos sinais de que já decidiu a causa Grave inconveniente reside em tais julgamentos a priori no sentido kantiano de antes da experiência na medida em que a decisão é tomada de forma precipitada antes da plena cognição do feito fulminando a própria dialética do processo e seu necessário contraditório Segundo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos principal fonte de inspiração da Corte Americana de Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário a contaminação resultante dos préjuízos conduz à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva Desde o caso Piersack de 1982 entendese que a subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto que conhece um determinado assunto e desse modo a sua falta de préjuízos Já a imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz encontrase em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade Em ambos os casos a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições Não basta estar subjetivamente protegido é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial é a visibilidade do afastamento Aqui encontramos o ponto nevrálgico da questão o juiz deve demonstrar equilíbrio e igualdade no tratamento das partes Deve essencialmente externar que está disposto a conhecer as teses apresentadas e as provas trazidas controlando e reservando a tomada de decisão para o momento oportuno a sentença É o que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos destaca como sendo a fundada preocupação com a aparência de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça A falta dessa visibilidade de imparcialidade afeta negativamente a confiança que os juízes e tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados especialmente na esfera penal Aqui se encontra o cerne da exceptio suspeicionis eis que quando a parte excipiente se depara com um julgador dotado de prejulgamentos já estabelecidos a faz saber o desenlace daquela contenda em que está envolvida antes mesmo do término da produção de provas Assim toda a prestação jurisdicional já está comprometida Em outros casos o prejuízo processual decorre do conteúdo de decisões interlocutórias geralmente no decreto de prisão preventiva em que o juiz desde logo demonstra os préjuízos Tratase de definir se o juiz tem condições de proceder ao que se chama de uma ideia sobre a pequena história do processo sem intensidade suficiente para condicionar ainda que inconscientemente e ainda que seja certeiramente a posição de afastamento interior que se exige para que comece e atue no processo Como aponta OLIVA SANTOS 21 essas ideias preconcebidas até podem ser corretas fruto de uma especial perspicácia e melhores qualidades intelectuais mas inclusive nesse caso não seria conveniente iniciar o processo penal com tal comprometimento subjetivo O processo penal transforma se apenas em encenação inútil e simbólica A hipótese acusatória já está previamente definida como verdadeira Como já advertiu CORDERO22 nesse cenário domina o primato dellipotesi sui fatti gerador de um quadri mentali paranoidi Ou seja o juiz já tomou a hipótese acusatória como verdadeira já decidiu e o resto do processo passa a ser uma mera encenação destinada a reforçar a decisão já tomada previamente A quebra do sistema acusatório também fica evidente eis que ao posicionar opinião favorável à tese de uma das partes antes até mesmo da fase probatória do processo o juízo excepto passa a figurar como portador do estandarte daqueles que produzem a prova contra o excipiente em questão Por fim remetendo ao que já escrevemos sobre a imparcialidade do juiz nunca é demais recordar que as decisões interlocutórias devem analisar o caso fundamentando a conclusão mas utilizando uma linguagem sóbria e comedida que externe a tranquilidade inerente de quem ainda não decidiu sem desconhecer que mesmo com todos esses cuidados ainda possa haver o prejulgamento Noutro extremo os excessos de linguagem demonstram os prejulgamentos e a adesão incondicional aos elementos probatórios que suportam a hipótese acusatória que desde logo já está sendo tomada como verdadeira Nesse caso o juiz deve ser declarado suspeito 213 Exceção de Incompetência Essa matéria está intimamente vinculada à questão da competência em matéria penal anteriormente analisada Assim recordando a sistemática do CPP a competência poderá ser considerada a partir da matéria pessoa e lugar sendo as duas primeiras consideradas absolutas e portanto passíveis de reconhecimento pelo juiz de ofício ou a requerimento das partes a qualquer tempo Quanto à incompetência em razão do lugar por ser considerada relativa deve ser arguida pela parte passiva pois o MP e o querelante já escolhem o lugar quando do oferecimento da denúncia havendo assim uma preclusão dessa matéria para eles no momento da resposta à acusação art 396A sob pena de preclusão e portanto prorrogatio fori Poderá ainda ser reconhecida pelo juiz de ofício nos termos do art 109 do CPP a qualquer tempo Em se tratando de competência absoluta não há que se falar em preclusão ou prorrogatio fori podendo a respectiva exceção de incompetência ser arguida a qualquer momento e em qualquer fase do processo Assim recebendo o juiz a denúncia ou queixa por julgarse competente em razão da matéria pessoa e lugar a exceção deve ser apresentada pela defesa na primeira oportunidade que se manifestar nos autos em regra na resposta escrita do art 396A Quando o próprio juiz entender não ser o competente declinará por isso é chamada declinatoria fori redistribuindo o feito para aquele que ele julgar ser o competente A exceção de incompetência poderá ser oposta pelo réu ou querelado bem como mediante invocação do Ministério Público nos crimes de ação penal privada em que esse órgão atua como fiscal da lei e não como autor23 Quanto ao processamento da exceção em linhas gerais a deverá ser oposta pela defesa b será por escrito ou se feita oralmente àquela forma será reduzida c deve ser apresentada no prazo da resposta à acusação ou no primeiro momento em que o rito permitir a manifestação da defesa técnica d será processada em autos apartados e não suspenderá o andamento do processo Oposta a exceção será ouvido o Ministério Público salvo quando ele é o proponente no caso de ação penal privada cabendo a seguir ao juiz proferir decisão Se julgar procedente a exceção declinará para o juiz que entenda ser o competente cabendo a ele ratificar os atos já praticados art 108 1º do CPP Dessa decisão caberá recurso em sentido estrito nos termos do art 581 II do CPP pela outra parte prejudicada acusador Devese considerar ainda nesse caso que o juiz que recebe o processo poderá se não concordar com a redistribuição suscitar o respectivo conflito negativo de competência ou jurisdição nos termos do art 113 e seguintes como será explicado na continuação Em não acolhendo a exceção afirmará sua competência e continuará presidindo o feito Infelizmente na sistemática do CPP a exceção não é remetida automaticamente para o respectivo tribunal Diante da ausência de recurso para atacar essa decisão denegatória poderá ser impetrado habeas corpus como instrumento de ataque colateral fundado na nulidade do processo por violação do devido processo legal e o direito ao juiz natural ou ainda deixar a matéria para ser objeto de arguição em preliminar da apelação quando da prolação da sentença final desfavorável 214 Exceção de Litispendência Inicialmente cumpre ressaltar a inadequação da expressão litispendência para o processo penal na medida em que resulta de uma transmissão mecânica de categorias do processo civil Como já explicado não existe lide no processo penal de modo que a noção de lides pendentes como definição de litispendência não nos serve24 Devese estruturar essa exceção a partir do conceito de acusações ou imputações repetidas igualmente pendentes de julgamento Tratase então de duplicidade de acusações em curso relativas ao mesmo réu pelo mesmo fato A litispendência então considerada na dimensão de imputação ou acusação repetida e pendente de julgamento no processo penal tem importância já na fase preliminar Isso porque não há que se admitir duas investigações preliminares tramitando em paralelo em diferentes órgãos em relação ao mesmo caso penal Com mais razão jamais se deve admitir o bis in idem duplicidade de acusações em relação ao mesmo fato aparentemente criminoso de modo que a exceção de litispendência conduzirá inexoravelmente à extinção de um dos feitos é uma exceção peremptória Permanecerá aquele cujo juiz tiver competência prevalente seja pela prevenção ou por qualquer dos critérios anteriormente expostos Para identificação da litispendência devese atentar para o fato natural que integra o caso penal bem como para o imputado Necessariamente deve haver pendência de duas acusações em relação ao mesmo fato natural ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em relação ao mesmo imputado Irrelevante no processo penal nesse caso a igualdade de partes pois o órgão acusador será sempre o mesmo Logo a relevância da análise está na legitimidade passiva o réu deve ser o mesmo nos dois processos Da mesma forma não há que se considerar o pedido como elemento identificador pois o pedido na ação processual penal é sempre igual de condenação25 Tal matéria poderá ser arguida sob a forma de exceção apresentada portanto na resposta à acusação sem nenhum impedimento a que seja impetrado habeas corpus para o trancamento do processo ou reconhecida de ofício a qualquer momento Como determina o CPP a exceção de litispendência seguirá o mesmo procedimento previsto para a exceção de incompetência com algumas especificidades a deverá ser oposta pela defesa pelo Ministério Público26 ou reconhecida de ofício a qualquer tempo b será por escrito ou se feita oralmente àquela forma será reduzida c não há prazo para essa exceção pois enquanto não for julgada a pretensão acusatória surgindo contra o mesmo réu pelo mesmo fato novo processo poderá ela ser arguida27 d será processada em autos apartados e não suspenderá o andamento do processo Se acolhida a exceção de litispendência o feito será extinto Dessa decisão caberá recurso em sentido estrito nos termos do art 581 III do CPP Em não sendo acolhida a exceção caberá à parte na ausência de previsão de recurso impetrar habeas corpus para o trancamento do processo instaurado em duplicidade 215 Exceção de Ilegitimidade de Parte Recordemos que a ação penal pública é de legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público Excepcionalmente poderá o ofendido ou seu representante legal em caso de inércia do MP ajuizar a ação penal privada subsidiária Fora desse caso em sendo oferecida uma queixacrime por parte da vítima em crime de ação penal pública deve o imputado opor a presente exceção Na prática forense por se tratar de manifesta ilegitimidade a via do habeas corpus para o trancamento do processo instaurado a partir da queixacrime é o caminho mais adequado até por sua celeridade Não obstante em tese nada impede a utilização da exceção de ilegitimidade tanto para atacar a ilegitimidade ad processum capacidade processual como também a ilegitimidade ad causam que nos remete à titularidade da ação conforme seja pública ou privada Inclusive devese considerar que o CPP não faz qualquer distinção entre elas nessa matéria ou mesmo quando no art 395 II disciplina a rejeição da acusação A ilegitimidade pode ser arguida pela parte passiva ou reconhecida pelo juiz a qualquer momento Quando reconhecida a ilegitimidade ad causam aquela relativa à titularidade da ação penal deverá o juiz rejeitar a denúncia ou queixa art 395 II do CPP ou caso já tenha sido recebida extinguir o feito sem julgamento do mérito Isso não impede que nova ação seja proposta desde que feita por parte legítima Em se tratando de ilegitimidade ad processum poderá igualmente ser arguida pela parte passiva ou reconhecida pelo juiz de ofício Nesse caso aplicase o disposto no art 568 do CPP Art 568 A nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser a todo tempo sanada mediante ratificação dos atos processuais Seguindo a sistemática das demais exceções poderá ser oposta verbalmente ou por escrito sendo no primeiro caso reduzida a termo Considerando que a ilegitimidade ativa conduz à nulidade absoluta não vemos qualquer possibilidade de fixação de um prazo preclusivo podendo assim ser aduzida a qualquer tempo Após a exceção apresentada pela defesa será dada vista para que o autor MP ou querelante se manifeste Como nas demais exceções será autuada em apartado Por fim se acolhida a exceção caberá o recurso em sentido estrito previsto no art 581 III do CPP Não sendo acolhida a exceção significa que o processo continuará com a parte ativa ilegítima E contra essa decisão não há previsão de recurso algum Daí por que caberá ao réu interpor habeas corpus art 648 VI do CPP para trancamento do processo por sua manifesta nulidade em virtude da ilegitimidade ativa Nada impede que a questão volte a ser ventilada em preliminar da apelação interposta contra a sentença condenatória ao final proferida 216 Exceção de Coisa Julgada Tratase de exceção peremptória pois se acolhida conduz à extinção do processo A exceção de coisa julgada terá por objeto a alegação de que o réu já foi definitivamente julgado condenado ou absolvido por aquele mesmo fato natural Deve haver identidade de sujeito passivo e fato entre o processo já encerrado e aquele que agora está em tramitação Como explica GÓMEZ ORBANEJA28 em posição compartilhada por ARAGONESES ALONSO a coisa julgada fica circunscrita subjetivamente pela identidade da pessoa do réu e objetivamente pela identidade do fato Como já explicamos ao tratar da litispendência cuja distinção fundamental é que na litispendência os dois processos estão tramitando ao passo que na exceção de coisa julgada um deles já foi definitivamente encerrado para identificação da duplicidade devese atentar para o fato natural que integra o caso penal bem como para o imputado Necessariamente deve haver uma nova acusação em relação ao mesmo fato natural29 ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em face do mesmo imputado que já foram objeto de processo anterior Novamente o que se busca é evitar um bis in idem de processos e de punições em relação ao mesmo fato Daí decorrem os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada Os limites objetivos dizem respeito ao fato natural objeto do processo e posterior sentença não interessando a qualificação jurídica que receba Como explica CORTÉS DOMINGUEZ30 o princípio do ne bis in idem é uma exigência da liberdade individual que impede que os mesmos fatos sejam processados repetidamente sendo indiferente que eles possam ser contemplados em ângulos penais formais e tecnicamente distintos Mas é importante compreender a vinculação entre os limites objetivos e os limites subjetivos da coisa julgada que vêm dados pela identidade do imputado ou imputados Ou seja impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Como explica MAIER31 para que a regra da coisa julgada funcione e produza seu efeito impeditivo característico a imputação tem de ser idêntica e isso somente ocorre quando tiver por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa Assim nada impede que outras pessoas sejam acusadas pelo mesmo fato seja porque se demonstrou a participação ou coautoria ou ainda porque o réu foi absolvido ou ainda que o réu seja novamente processado por outros fatos criminosos praticados Seguindo a clássica distinção a coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira Logo surge inicialmente a irrecorribilidade da decisão a preclusão coisa julgada formal e após a imutabilidade da decisão ou seja a produção exterior de seus efeitos coisa julgada material É a consagrada lição de LIEBMAN dos degraus da escada ou seja o primeiro degrau seria a produção da coisa julgada formal dentro do processo através da impossibilidade de novos recursos Superado o primeiro degrau pode a coisa julgada ser material atingindo o segundo degrau Nesse nível os efeitos vinculatórios da decisão extrapolam os limites do processo originário impedindo novos processos penais sobre o mesmo caso ou seja tendo por objeto o mesmo fato natural e o mesmo réu sendo assim imutável Explica ROXIN32 que com os conceitos de coisa julgada formal e material são descritos os diferentes efeitos da sentença sendo que a coisa julgada formal se refere à inimpugnabilidad de una decisión en el marco del mismo proceso denominado pelo autor efecto conclusivo ao passo que a coisa julgada material provoca que a causa definitivamente julgada não possa ser novamente objeto de outro procedimento pois o direito de perseguir penalmente está esgotado efeito impeditivo A coisa julgada no processo penal é peculiar pois somente produz sua plenitude de efeitos coisa soberanamente julgada quando a sentença for absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois nesses casos não se admite revisão criminal contra o réu ou pro societate ainda que surjam novas provas cabais da autoria e materialidade Tratase de uma opção democrática fortalecimento do indivíduo de cunho políticoprocessual de modo que uma vez transitada em julgado a sentença penal absolutória em nenhuma hipótese aquele réu poderá ser novamente acusado por aquele fato natural Já a sentença condenatória por ser passível de revisão criminal a qualquer tempo inclusive após a morte do réu art 623 do CPP jamais produzirá uma plena imutabilidade de seus efeitos Quando ocorre somente a coisa julgada formal dizse que houve preclusão já o trânsito em julgado conduz à coisa julgada material e somente se produz nos julgamentos de mérito As decisões de natureza processual como pronúncia impronúncia ou dependendo do caso de rejeição da denúncia art 395 do CPP por não implicarem análise de mérito somente conduzem à coisa julgada formal ou seja mera preclusão das vias recursais Mudando o enfoque quando estivermos diante de concurso formal material ou crime continuado a situação deve ser analisada à luz das regras de conexão ou continência conforme o caso para reunião e julgamento simultâneo Contudo quando os processos tramitarem em paralelo ou de forma sucessiva a soma concurso material ou unificação das penas concurso formal ou crime continuado deverá ocorrer na fase de execução penal art 82 Recordemos que tanto o concurso formal como o crime continuado são unidades delitivas por ficção normativa ou seja são um delito por ficção do direito penal pois são diferentes situações fáticas Assim se Mané mediante uma única ação praticar dois ou mais crimes nos termos do art 70 do Código Penal haverá continência art 77 II do CPP implicando julgamento simultâneo Contudo se por equívoco ou ausência de provas for ele acusado por apenas um dos crimes e após a sentença tanto faz condenatória ou absolutória forem descobertos os demais em relação a eles poderá o réu ser novamente processado pois não há identidade de fatos naturais para constituição da coisa julgada Se condenado a unificação das penas ocorrerá na fase de execução penal nos termos do art 82 do CPP Da mesma forma será o tratamento caso o réu seja processado por apenas um dos crimes e posteriormente vierem a ser descobertos outros praticados em continuidade delitiva ou concurso material Como são fatos diversos nada impedirá o nascimento de novo processo pois não há coisa julgada em relação a eles Não se desconhece a importância de uma análise específica para cada caso até porque tanto no crime continuado como no concurso formal dependendo do fundamento da sentença absolutória e do contexto probatório um novo processo por fato não incluído na acusação anterior pode ser completamente desnecessário Contudo isso será objeto de discussão noutra dimensão como falta de justa causa ou mesmo ausência de suficiente fumus commissi delicti Não se trata propriamente de coisa julgada pois o fato natural é diverso Quanto ao crime habitual em que sua constituição exige várias ações com uma unidade substancial de fatos caracterizada pela habitualidade há sim produção do efeito impeditivo da coisa julgada material Isoladamente os fatos são atípicos Daí por que se alguém for acusado de exercício ilegal da medicina art 282 do CP crime que exige a habitualidade para sua configuração e após a sentença penal condenatória transitar em julgado forem descobertos novos fatos ocorridos naquele mesmo período de tempo não poderá ser o agente novamente acusado O crime somente se configura se presente a habitualidade de modo que os fatos posteriormente descobertos mas ocorridos naquele mesmo período estão abrangidos pela punição Contudo se após a sentença o réu vier novamente a praticar habitualmente a conduta descrita no tipo esse novo conjunto de ações constituirá um novo crime não atingido pela coisa julgada Noutra dimensão devese analisar se a coisa julgada impede novo processo quando houver a produção posterior de resultado mais grave Por exemplo se A for acusado de tentativa de homicídio porque em determinado local e data desferiu tiros contra a vítima B não tendo o resultado morte se produzido por motivos alheios à sua vontade Se a vítima morrer em decorrência dos ferimentos e o réu ainda não tiver sido julgado deverá o Ministério Público promover o aditamento nos termos do art 384 do CPP Contudo quando sobrevier sentença transitada em julgado seja absolutória ou condenatória pensamos que a coisa julgada impedirá novo processo Haveria bis in idem em submeter o réu a novo processo e a exceção de coisa julgada deve ser oferecida pois há identidade substancial do fato natural e também do imputado Assim deve ser reconhecido o efeito impeditivo inerente à coisa julgada material pelos mesmos postulados de política processual que impedem revisão criminal pro societate e portanto contra o réu Do contrário estaria sendo criada uma situação de pendência na qual mesmo após o trânsito em julgado o réu poderia a qualquer tempo voltar a ser processado agora por delito consumado em caso de morte da vítima Os mesmos fundamentos da necessária estabilidade das decisões e de que as situações penais tenham uma solução definitiva fazem com que a coisa julgada produzida em relação ao delito tentado impeça novo processo em caso de posterior consumação Na mesma linha encontrase ainda a imutabilidade da sentença absolutória nula Como se verá ao tratar das nulidades a sentença penal absolutória mesmo que absolutamente nula uma vez transitada em julgado produz plenamente os efeitos da coisa julgada material não mais podendo ser alterada Por fim a coisa julgada poderá ser conhecida pelo juiz a qualquer tempo extinguindo o feito com a sua comprovação Não o sendo a exceção poderá ser arguida pela parte passiva no prazo da resposta à acusação do art 396A mas nada impede que o faça a qualquer tempo sendo processada em autos apartados nos termos do art 111 cc 396A 1º do CPP Da decisão que julgar procedente a exceção caberá recurso em sentido estrito art 581 III do CPP Em sendo reconhecida a coisa julgada de ofício pelo juiz o recurso cabível será a apelação art 593 II do CPP Sendo rejeitada a exceção de coisa julgada não caberá recurso algum Contudo nada impede que a parte interessada alegue a coisa julgada na preliminar do recurso de apelação interposto contra a sentença condenatória proferida em primeiro grau 22 Conflito de Jurisdição e de Competência Haverá conflito de jurisdição ou competência nos termos do art 114 do CPP quando Art 114 Haverá conflito de jurisdição I quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo fato criminoso II quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo junção ou separação de processos Haverá o conflito negativo de jurisdição ou de competência quando duas ou mais autoridades judiciárias se disserem igualmente incompetentes para o julgamento Será positivo o conflito quando dois juízes ou tribunais se acharem igualmente competentes para o julgamento do processo O conflito será de jurisdição quando ocorrer entre órgãos da jurisdição especial militar e eleitoral entre órgãos da jurisdição especial e comum federal ou estadual bem como entre órgãos da Justiça Comum Federal em relação a outro da Justiça Estadual Será de competência o conflito quando ocorrer entre órgãos julgadores pertencentes à mesma Justiça e vinculados ao mesmo tribunal Assim haverá conflito de jurisdição entre juiz eleitoral e juiz de direito ou entre juiz militar e um juiz federal por exemplo Também será de jurisdição o conflito entre juiz federal e juiz de direito estadual ou ainda entre juízes federais subordinados a diferentes Tribunais Regionais Federais Haverá conflito de competência quando for entre juízes de direito de diferentes cidades entre juiz e Tribunal do Júri entre juízes federais subordinados ao mesmo TRF etc Relevante nessa matéria é a definição do órgão competente para julgar o respectivo conflito positivo ou negativo que será sempre jurisdição superior àqueles entre os quais se estabeleceu o conflito Assim exemplificativamente se o conflito for entre juízes de direito estaduais competirá ao respectivo Tribunal de Justiça ao qual estão vinculados a decisão se forem juízes de diferentes estados caberá ao STJ o julgamento do conflito entre juízes federais caberá ao respectivo TRF ao qual eles estão vinculados mas se pertencerem a tribunais de regiões diferentes caberá ao STJ o julgamento do conflito Relevante ainda é o conflito positivo ou negativo de jurisdição que pode ocorrer entre um juiz de direito e um juiz federal Nesse caso caberá ao STJ o julgamento Inviável que o julgamento seja proferido pelo TJ pois a ele não está vinculado o juiz federal Na mesma dimensão também não poderá o conflito ser resolvido pelo TRF pois a ele não se vincula o juiz de direito Daí por que o órgão jurisdicional superior a ambos é o STJ cabendo a ele o julgamento do conflito Por fim ao lado dos conflitos de jurisdição e competência é possível ocorrer um conflito de atribuições entre autoridades administrativas como Ministério Público e Polícia Judiciária Nesses casos o conflito de poderes administrativos acabará sendo resolvido no âmbito da própria administração caso da polícia judiciária ou com a intervenção do poder jurisdicional 1 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ ValentínDerecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 236 2 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editora Rubí Artes Gráficas 1984 p 88 3 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa America 1963 v 1 p 300 e ss 4 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal São Paulo Saraiva v 2 p 548 5 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 340 6 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 2 p 252 7 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit p 253 8 Sobre essa situação interessante decisão do STF no HC 86963RJ Rel Min Joaquim Barbosa 12122006 HC 86963 publicado no Informativo do STF n 452 dezembro de 2006 IMPEDIMENTO DE MAGISTRADO E INSTÂNCIAS DIVERSAS O termo instância previsto no art 252 III do CPP Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no mesmo processo em que III tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão abrange as esferas administrativa e judicial Com base nesse entendimento a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática dos crimes de falsificação de documento público e de peculato que em julgamento de apelação criminal tivera como vogal o mesmo magistrado que anteriormente fora relator de recurso hierárquico por ele interposto em sede administrativa contra decisão que o demitira do cargo de serventuário da justiça v Informativo 432 Entendeuse violado o citado art 252 III do CPP em virtude do impedimento do magistrado Asseverouse que as considerações do desembargador no julgamento do recurso administrativo no mínimo tangenciaram o mérito da ação penal o que prenunciaria ao paciente que um dos votos de pronto lhe seria desfavorável Dessa forma restaria inobservado o princípio do devido processo legal Por fim salientouse que a presente hipótese seria semelhante àquela em que o magistrado na primeira instância não decide o mérito da ação penal mas adota medida que interfere na esfera jurídica do acusado vindo posteriormente a participar do julgamento no segundo grau de jurisdição HC deferido para declarando nulo o acórdão proferido determinar a realização de novo julgamento e ordenar a imediata soltura do paciente se por al não estiver preso 9 Quanto ao número de testemunhas TOURINHO FILHO Código de Processo Penal Comentado São Paulo Saraiva p 261 aponta para um limite de 3 que não poderia ser excedido Em que pese a razoabilidade da proposta há que se desvelar que tal limitação construída pelo autor não tem base legal na medida em que o CPP silencia completamente sobre a questão Assim baseados na experiência forense pensamos que a suspeição pode ser perfeitamente demonstrada com esse número de testemunhas Contudo nada impede que em situações excepcionais e complexas ele seja excedido pois não se pode limitar probatoriamente o reconhecimento de tão grave questão processual ainda mais sem expressa previsão legal Também não se pode olvidar do contraditório visto como igualdade de tratamento e oportunidades de modo que o mesmo número de testemunhas deve valer para excepto e excipiente Seria uma violenta afronta ao contraditório admitir que um deles arrolasse 5 testemunhas e o outro apenas 3 Há que se manter a simetria e paridade de tratamento 10 Eventualmente tais testemunhas poderão residir em cidades diversas daquela onde está situado o tribunal Nesse caso pensamos que poderá o relator aplicar por analogia o art 9º 1º da Lei n 8038 delegando a oitiva ao juiz da comarca onde resida a testemunha sempre tomando a cautela de que esse juiz não seja o mesmo objeto da exceção de suspeição ou seja o excepto por motivos evidentes 11 Tais conceitos fumus boni iuris e periculum in mora aqui são adequados pois efetivamente se trata de fumaça do direito arguido e dos graves prejuízos que a demora pode causar ao processo Inadequada é sua utilização nas prisões cautelares como explicaremos ao tratar dessa temática 12 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI Poner en su puesto al Ministerio Publico In Cuestiones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 211 e ss que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem Lecciones sobre el Proceso Penal v II p 99 CARNELUTTI explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar julgar e defender 13 GUARNIERI José Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México Jose M Cajica 1952 p 285 14 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 294 15 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 292 16 A expressão é de PEDRO ARAGONESES ALONSO na obra Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 127 17 Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonso México Episa 1997 p 342 18 No trabalho La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 e ss 19 Para FERRAJOLI Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 20 O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 11 21 Jueces Imparciales Fiscales Investigadores y nueva Reforma para la Vieja Crisis de la Justicia Penal Barcelona PPU 1998 p 30 44 e ss 22 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino Utet 1986 p 51 23 Daí por que não se deve admitir exceção de incompetência oposta pelo assistente do Ministério Público na medida em que se não é autorizada a medida para a parte principal MP não há que se aceitar sua interposição pela parte secundária ou acessória O campo de atuação do assistente vem primordialmente circunscrito pelo âmbito de atuação do MP de modo a não extrapolar os poderes da parte principal 24 Nesse erro incide entre outros FREDERICO MARQUES Elementos de Direito Processual Penal Campinas Bookseller 1996 v 2 p 244 ao afirmar que a litispendência é fenômeno resultante da apresentação de uma lide em juízo no processo penal tanto como no processo civil a litispendência consiste na pendência de aspirações e expectativas derivadas do litígio e também FERNANDO CAPEZ Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 São Paulo Saraiva 2006 p 379 Tratase de um erro bastante comum de quem pensa o processo penal desde a lente do processo civil desconsiderando assim sua especificidade e categorias jurídicas próprias 25 Assim equivocada a afirmação de CAPEZ op cit p 379 quando partindo do igualmente errôneo conceito de demanda afirma que os elementos que identificam a litispendência são pedido as partes em litígio e a causa de pedir Inclusive na continuação da exposição o próprio autor se contradiz ao afirmar em momento posterior agora sim com acerto que não importa também quem figura no polo ativo da ação penal tratandose do mesmo réu e do mesmo fato é cabível a exceção Por fim desconsidera que o pedido no processo penal assume uma dimensão completamente diferente e com muito menos relevância do que aquela que lhe é dada pelo processo civil 26 Na exceção de litispendência ao contrário do que ocorre com a exceção de incompetência não vemos qualquer óbice a que o Ministério Público tomando conhecimento da existência de outra acusação contra o mesmo réu pelo mesmo fato utilizea 27 Como adverte TOURINHO FILHO Código de Processo Penal Comentado cit v 1 p 282 28 GÓMEZ ORBANEJA Emilio HERCE QUEMADA Vicente Derecho Procesal Penal cit v II p 313 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal p 317 29 Aquilo que MAIER Julio B J Derecho Procesal Penal fundamentos 2 ed Buenos Aires Editorial Del Puerto 2002 v 1 p 606 chama de hecho como acontecimiento real circunscrito assim a um lugar e momento determinado 30 Com MORENO CATENA e GIMENO SENDRA na obra Derecho Procesal Penal cit p 626 31 MAIER Julio Derecho Procesal Penal cit p 606 32 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Trad Daniel Pastor e Gabriela Córdoba Buenos Aires Del Puerto 2000 p 434 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 QUESTÕES PREJUDICIAIS Questões Prejudiciais arts 92 e seguintes do CPP A prova da existência do crime depende de decisão prévia sobre uma questão controversa séria e fundada na esfera cível sobre o estado civil das pessoas A prejudicialidade reside nesta impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão Prejudicialidade obrigatória a existência do crime depende de prévia decisão de jurisdição extrapenal O processo penal será suspenso e a prescrição até que a controvérsia seja dirimida por sentença transitada em julgado art 116 Prejudicialidade facultativa o juiz poderá suspender o processo criminal quando a questão versar sobre circunstância ou elementar do crime que não seja estado civil das pessoas e tampouco sobre direito cuja prova a lei civil limite e de difícil solução 2 PROCESSOS INCIDENTES 21 Das Exceções Processuais Exceções são formas de defesa indireta que não atacam o núcleo do caso penal Estão previstas nos arts 95 a 112 do CPP e podem ser alegadas na resposta à acusação art 396A São autuadas em apartado podendo ser opostas por escrito ou verbalmente e como regra não suspendem o andamento do processo podendo ser conhecidas de ofício pelo juiz em qualquer fase do processo Podem ser opostas exceções de 211 Suspeição os casos de suspeiçãoimpedimento estão previstos nos arts 252 a 256 Acolhida o juiz suspende o feito e encaminha para outro juiz Não admitida será remetida ao tribunal que acolhendo determina a nulidade de todos os atos do processo art 101 Pode haver suspensão do feito art 102 Pode haver alegação de suspeição de membro do MP arts 258 252 a 256 e também de peritos intérpretes e serventuários da justiça arts 105 274 e 281 Não pode ser alegada suspeição de autoridades policiais mas deverão elas declararse suspeitas art 107 A exceção de suspeição do juiz por violação da imparcialidade não está expressamente definida mas o art 254 não é taxativo sendo admitida quando houver prejulgamento ou quebra da imparcialidade objetiva decorrente do ativismo judicial quando o juiz rompendo com a estrutura do sistema acusatório vai de ofício em busca de provas 212 Incompetência de juízo predomina o entendimento de que a competência em razão do lugar é relativa e deve ser alegada pelo réu na resposta à acusação sob pena de preclusão A competência em razão da pessoa e matéria é absoluta e pode ser conhecida inclusive de ofício e em qualquer fase do processo Se acolhida serão os autos encaminhados ao juiz competente Se rejeitada seguirá o processo e não há previsão de recurso 213 Litispendência quando há duplicidade de acusações contra o mesmo réu pelo mesmo fato Se acolhida o feito será extinto cabendo RSE art 581 III Não sendo acolhida não há recurso previsto podendo a parte impetrar HC para o trancamento do processo instaurado em duplicidade 214 Ilegitimidade de parte a exceção de ilegitimidade pode ser oposta pela defesa contra o acusador legitimidade ativa tanto para atacar a ilegitimidade ad processum capacidade processual como também ad causam remetenos para a titularidade da ação conforme seja pública ou privada Pode ser oposta pela defesa ou conhecida de ofício pelo juiz a qualquer momento Se acolhida caberá RSE art 581 III Não sendo acolhida não há previsão de recurso podendo ser interposto HC ou ventilada posteriormente em preliminar de apelação 215 Coisa julgada é uma exceção peremptória pois se acolhida conduz à extinção do processo É oposta quando o mesmo réu já foi julgado definitivamente pelo mesmo fato ne bis in idem A coisa julgada tem limites objetivos fato natural não interessando a qualificação jurídica e subjetivos identidade do imputado Poderá ser formal irrecorribilidade da decisão preclusão ou material imutabilidade da decisão produção exterior de seus efeitos sendo que a segunda pressupõe a primeira A coisa julgada no processo penal somente produz a plenitude de seus efeitos coisa soberanamente julgada em relação à sentença absolutória pois a sentença condenatória pode ser objeto de revisão criminal a qualquer tempo arts 621 e ss Pode ser alegada a qualquer tempo e também conhecida de ofício pelo juiz Se acolhida caberá RSE art 581 III Mas se for declarada de ofício caberá apelação art 592 II Se rejeitada não caberá recurso mas nada impede que seja impetrado HC ou alegada em preliminar de apelação 22 Conflito de jurisdição e competência está previsto no art 114 do CPP O conflito será de jurisdição quando ocorrer entre órgãos da jurisdição especial entre especial e comum ou entre órgãos da justiça comum federal ou estadual Será de competência quando ocorrer entre julgadores da mesma justiça vinculados ao mesmo tribunal O conflito será sempre resolvido por um órgão de jurisdição superior àqueles entre os quais se estabeleceu o conflito É possível o conflito de atribuições entre autoridades administrativas seja entre membros do Ministério Público da polícia ou entre MP e polícia judiciária Será negativo o conflito quando duas ou mais autoridades judiciárias se disserem incompetentes e positivo quando dois ou mais julgadores se acharem igualmente competentes para o julgamento do processo Capítulo XII TEORIA GERAL DA PROVA NO PROCESSO PENAL 1 Conceito e Função da Prova 11 O Ritual de Recognição O processo penal é um instrumento de retrospecção de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico Como ritual está destinado a instruir o julgador a proporcionar o conhecimento do juiz por meio da reconstrução histórica de um fato Nesse contexto as provas são os meios através dos quais se fará essa reconstrução do fato passado crime O tema probatório é sempre a afirmação de um fato passado não sendo as normas jurídicas como regra tema de prova por força do princípio iura novit curia1 Isso decorre do paradoxo temporal ínsito ao ritual judiciário um juiz julgando no presente hoje um homem e seu fato ocorrido num passado distante anteontem com base na prova colhida num passado próximo ontem e projetando efeitos pena para o futuro amanhã Assim como o fato jamais será real pois histórico o homem que praticou o fato não é o mesmo que está em julgamento e com certeza não será o mesmo que cumprirá essa pena e seu presente no futuro será um constante reviver o passado2 O processo penal inserido na complexidade do ritual judiciário busca fazer uma reconstrução aproximativa de um fato passado Através essencialmente das provas o processo pretende criar condições para que o juiz exerça sua atividade recognitiva a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença É a prova que permite a atividade recognoscitiva do juiz em relação ao fato histórico story of the case narrado na peça acusatória O processo penal e a prova nele admitida integram o que se poderia chamar de modos de construção do convencimento do julgador que formará sua convicção e legitimará o poder contido na sentença Assim a atividade do juiz é sempre recognitiva pois como define JACINTO COUTINHO a um juiz com jurisdição que não sabe mas que precisa saber dáse a missão de dizer o direito no caso concreto Daí por que o juiz é por essência um ignorante ele desconhece o fato e terá de conhecêlo através da prova Logo a prova para ele é sempre indireta A rigor a classificação entre provas diretas e indiretas é um desacerto pois como explica CORDERO3 excetuandose os delitos cometidos na sala de audiência4 todas as provas são indiretas pois consistem em signos do suposto fato Analisando a semiótica5 das provas verificase que as provas indiretas servem para através dos equivalentes sensíveis estabelecer se algo ocorreu6 As provas são signos do fato que se quer conhecer isto é uma relação semiótica configurável de diversos modos em que da correspondente análise surge a mais útil das possíveis classificações Instruere chegou a ser um verbo próprio da arquitetura significando construir edificar ordenar com método7 Trasladado ao Direito instruir corresponde à tarefa de recolher as provas que permitam uma aproximação do fato histórico Analisando o metabolismo do juízo histórico CORDERO8 afirma que os processos são máquinas retrospectivas que se dirigem a estabelecer se algo ocorreu e quem o realizou cabendo às partes formular hipóteses e ao juiz acolher a mais provável com estrita observância de determinadas normas trabalhando com base em um conhecimento empírico 12 Função Persuasiva da Prova Crença Fé e Captura Psíquica Nessa atividade a instrução preliminar ou processual e as provas nela colhidas são fundamentais para a seleção e eleição das hipóteses históricas aventadas9 As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das hipóteses com a finalidade de convencer o juiz função persuasiva10 Nesse mister persuasivo CORDERO aponta para uma palavrachave fé Os locutores pretendem ser acreditados e tudo o que dizem tem valor enquanto os destinatários crerem Os resultados dependem de variáveis relacionadas aos aspectos subjetivos e emocionais do ato de julgar crer fé O ritual judiciário está eivado de simbolismo sagrado As provas desempenham uma função ritual na medida em que são inseridas e chamadas a desempenhar um papel de destaque na complexidade do ritual judiciário Basta atentar para a arquitetura dos tribunais principalmente os mais antigos para verificar que são plágios das construções religiosas templos e igrejas com suas portas imensas estátuas por todos os lados crucifixo na sala de audiência pendendo sobre a cabeça do juiz etc Como se não bastasse os atores que ali circulam utilizam diversas expressões em latim e pasmem usam a toga preta Depois de tudo isso o depoente ainda presta o compromisso de dizer a verdade e em alguns sistemas presta o juramento colocando a mão no peito ou sobre a bíblia É todo um ritual de intimidação que reforça as relações de poder e de subordinação ao mesmo tempo em que deixa claro que o binômio crimepecado nunca foi superado No que se refere às provas o simbolismo também deve ser considerado na perspectiva da função persuasiva como atrativos para tentar uma captura psíquica CORDERO de quem está declarando e também dar maior credibilidade fé para quem julga Ademais como explica TARUFFO11 além da função persuasiva em relação ao julgador as provas servem para fazer crer que o processo penal determina a verdade dos fatos porque é útil que os cidadãos assim o pensem ainda que na realidade isso não suceda e quiçá precisamente porque na realidade essa tal verdade não pode ser obtida é que precisamos reforçar essa crença Mas para tanto o primeiro destinatário da crença é o juiz Com a costumeira precisão de seus conceitos ARAGONESES ALONSO12 nos ensina que o conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz É inafastável que o juiz elege versões entre os elementos fáticos apresentados e até o significado justo da norma Esse eleger também se expressa na valoração da prova crença e na própria axiologia incluindo a carga ideológica que faz da norma penal ou processual penal aplicável ao caso Em suma o processo penal tem uma finalidade retrospectiva em que através das provas pretendese criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado sendo que o saber decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença 2 Provas e Modos de Construção do Convencimento ReVisitando os Sistemas Processuais Ao longo da História diferentes modos de construção do convencimento ou da verdade para os que acreditam que o processo possa atingila foram admitidos pelo Direito Processual fazendo com que exista uma íntima relação e interação entre o regime legal das provas e o sistema processual adotado Até porque como bem explica JACINTO COUTINHO13 pelo conhecimento do fato tem um preço a ser pago pela democracia não avançar nos direitos e garantias individuais Isso demonstra ainda o acerto de GOLDSCHMIDT14 ao afirmar que a estrutura do processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua Constituição Partindo dessa experiência o predomínio de um ou outro sistema não é mais do que um trânsito do direito passado ao direito futuro Como afirmamos anteriormente o processo tem por finalidade buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova é erigida a espinha dorsal do processo penal estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores conforme ensina JACINTO COUTINHO15 Princípio dispositivo16 funda o sistema acusatório a gestão da prova está nas mãos das partes juizespectador Princípio inquisitivo a gestão da prova está nas mãos do julgador juizator inquisidor por isso ele funda um sistema inquisitório Não se pretende aqui definir os sistemas processuais senão recordar que a gestãoiniciativa probatória é fundante do próprio sistema e que atribuir a gestão e o poder de ter iniciativa probatória ao juiz funda um sistema inquisitório e como consequência afeta o próprio regime legal das provas Como explica CORDERO17 os processos inquisitórios são máquinas analíticas movidas por inesgotáveis curiosidades experimentais Isso retrata bem o substancialismo e a ausência de limites do sistema inquisitório que está por detrás da própria busca da mitológica e sempre inalcançável verdade real No processo penal inquisitório conta o resultado obtido condenação a qualquer custo ou de qualquer modo até porque quem vai atrás da prova e valora sua legalidade é o mesmo agente que ao final ainda irá julgar Não há nenhum exagero ao se afirmar que o sistema inquisitório busca um determinado resultado condenação Basta compreender como funciona sua lógica Ao atribuir poderes instrutórios a um juiz em qualquer fase18 operase o primato dellipotesi sui fatti gerador de quadri mentali paranoidi19 Isso significa que mentalmente e mesmo inconscientemente o juiz opera a partir do primado prevalência das hipóteses sobre os fatos porque como ele pode ir atrás da prova e vai decide primeiro definição da hipótese e depois vai atrás dos fatos prova que justificam a decisão que na verdade já foi tomada O juiz nesse cenário passa a fazer quadros mentais paranoicos Na certeira síntese de JACINTO COUTINHO20 abrese ao juiz a possibilidade de decidir antes e depois sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a sua versão isto é o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário ao qual toma como verdadeiro E como prova é crença fé obviamente ele crê no que buscou e produziu Na admissibilidade das provas também influi a opção pelo sistema acusatório ou inquisitório na medida em que intrinsecamente relacionado o trinômio admissibilidadelimitessistema adotado Basta atentar para a morfologia da admissão21 para constatar o quão íntima é a relação com o sistema processual vigente A admissão da prova incumbe ao juiz e no sistema inquisitório como a gestão da prova está igualmente nas mãos do juiz operase uma perigosíssima mescla entre aquisição da prova e sua admissão pois ambos os atos são feitos pela mesma pessoa Não existe a necessária separação entre o agente encarregado da aquisição e aquele que deve fazer o juízo de admissibilidade da prova no processo Quando um mesmo juiz vai atrás da prova é elementar que ele não pode valorar a licitude do próprio ato no momento da admissibilidade dessa mesma prova no processo contudo no sistema neoinquisitório como o nosso é assim que ocorre Foi exatamente isso que desacreditou o sistema inquisitório aponta GOLDSCHMIDT22 o erro psicológico de crer que uma mesma pessoa possa exercer funções antagônicas como acusar julgar e defender ou em termos probatórios ter iniciativa probatória realizar o juízo de admissibilidade e gerir sua produção A questão é de suma relevância quando compreendemos que o sistema processual brasileiro é neoinquisitório pois o art 156 e tantos outros atribui a iniciativa probatória ao juiz e que possui como agravante a prevenção como causa de fixação da competência de modo que o juizator da fase préprocessual será o mesmo que pela regra do art 83 do CPP irá atuar na fase processual admitindo portanto a prova que ele mesmo colheu Ao lado disso o sistema brasileiro admite algumas práticas probatórias absolutamente incompatíveis com um processo penal constitucional como os exames criminológicos os diagnósticos sobre a interioridade do agente como as pseudoavaliações sobre a personalidade a periculosidade etc e outras provas desse estilo Tratase de passatempos introspectivos neoinquisitoriais incompatíveis com um processo penal minimamente evoluído Classificamos de neoinquisitorial pois é uma inquisição reformada na medida em que ao manter a iniciativa probatória nas mãos do juiz observa o princípio inquisitivo que funda o sistema inquisitório Claro que não o modelo inquisitório historicamente concebido na sua pureza mas uma neoinquisição que coexiste com algumas características acessórias mais afins com o sistema acusatório como a publicidade oralidade defesa contraditório etc Não se trata de pósinquisitorial porque isso nos daria uma noção de superação do modelo anterior o que não é de todo verdade Já no sistema acusatório que se pretende o juiz mantém uma posição não meramente simbólica mas efetiva de alheamento terzietà em relação à arena das verdades onde as partes travam sua luta Isso porque ele assume uma posição de espectador sem iniciativa probatória Forma sua convicção através dos elementos probatórios trazidos ao processo pelas partes e não dos quais ele foi atrás Se no processo inquisitório explica CORDERO23 os inquisidores empreendem verdadeiras lutas contra o Diabo no processo acusatório o que se tem é uma pura operação técnica em que um resultado equivale ao outro tanto faz a condenação ou a absolvição ao contrário da lógica inquisitiva dirigida para a condenação O grande valor do processo acusatório está na justiça o que equivale a dizer no jogo limpo Literalmente afirma o autor que este modelo acusatório ideológicamente neutro reconoce un solo valor la justicia el juego limpio fair play Também GIMENO SENDRA24 para quem a função do processo penal não pode limitarse a aplicar o direito de penar pela simples razão de que também está destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente Assim o processo penal constitui um instrumento neutro da jurisdição cuja finalidade consiste tanto em atuar o poder de penar e a função punitiva como também em declarar de forma ordinária pela sentença ou restabelecer pontualmente a liberdade através do habeas corpus O direito à liberdade é um valor superior no ordenamento jurídico caput do art 5º da CB e inclusive ocupa graças à presunção de inocência uma posição preferente quando comparado ao poder de punir Esse é um aspecto que merece ser destacado até pela dificuldade de interiorização de seus postulados no processo penal um resultado equivale ao outro Significa o julgador aceitar que condenação ou absolvição são equivalentes axiológicos para o resultado do processo abandonando o ranço inquisitório de buscar a condenação até inconscientemente ou por força das metarregras que norteiam a atividade jurisdicional Não são raros os casos em que presenciamos julgadores tomados por um sentimento de fracasso diante da necessidade imperiosa de absolver como se a jurisdição só se efetivasse quando a sentença fosse condenatória Contribui para isso sem dúvida a expansão de um verdadeiro processo penal do inimigo25 que nega o réu como sujeito processual e por conseguinte todos os seus direitos e garantias fundamentais O processo penal do inimigo segue a mesma fórmula do simbolismo cada vez maior acrescentandose boas doses de utilitarismo aceleração antigarantista eficientismo que não se confunde com eficácia agravado pela perigosa mania dos tribunais de flexibilizar as formas processuais através da relativização das nulidades e consequente enfraquecimento das garantias do devido processo Aliada a esses fatores a imensa pressão midiática construída em torno de casos mais rumorosos onde se estabelecem verdadeiras campanhas demonizadoras lutas contra o diabo ou inimigo é o mesmo conduz a um clima propício para práticas inquisitórias Sem falar ainda na mitológica verdade real a seguir explicada que fortaleceu a cultura inquisitiva e implantou a ideia da necessidade de perseguição como meta principal do processo penal Claro que uma vez alcançado esse nível de maturidade jurídica poderíamos partir para uma nova etapa onde se daria a máxima eficácia à presunção de inocência juiz iniciando o processo penal convencido da inocência do réu Quando os juízes alcançarem esse grau de compreensão da garantia finalmente a carga probatória estará integralmente nas mãos do acusador de onde nunca deveria ter saído A presunção de inocência é uma barreira de contenção que somente superada pode legitimar uma condenação Exigiria inclusive uma resistência do próprio julgador na medida em que a prova da acusação deveria superar uma resistência natural de quem tem um convencimento inocência Mas isso seria querer um grau de compreensão do que seja conquista democrática e valor dos direitos fundamentais que dificilmente será alcançado Até lá já seria um avanço se compreendessem a equivalência axiológica entre condenação e absolvição Voltando para o processo acusatório existe um formalismo que deve ser sublinhado quanto menos espaço ocupa o órgão julgador juizespectador e não juizator tanto mais pesam os ritos não no sentido de procedimento mas sim de ritual e o valor da forma dos atos26 O ritual judiciário está constituído essencialmente por discursos e no sistema acusatório forma é garantia Como bem definiu OLIVEIRA27 não há que se confundir formalismos despidos de significados com significados revestidos de forma e emendamos não há que se transportar automaticamente categorias como a famigerada pas nullité sans grief do processo civil para o processo penal Forma é garantia e o estilo acusatório impõe severos rituais à palavra28 Inspirado na doutrina de JAMES GOLDSCHMIDT processo como situação jurídica a quem CORDERO define como última obra maestra de la ciencia procesal alemana afirma o autor que o processo é uma máquina verbal em contraste com o estilo inquisitório verdadeira máquina monologadora com seu automatismo teoricamente perfeito onde nada se deixa ao acaso pois se prevê tudo o que se préjulga No sistema inquisitório o instrutor trabalha solitário elabora hipóteses e as cultiva buscando as provas quando as descobre as colhe29 É um sistema que exclui os diálogos e quando muito monologam juiz e Ministério Público e essa simbiose entre o Ministério Público e o juiz com poderes instrutórios conduz a uma metástase inquisitorial30 Essas lições são fundamentais quando se trata de analisar o art 156 do CPP que absurdamente atribui poderes instrutórios ao juiz antes mesmo de haver processo fundando assim um sistema inquisitório substancialmente inconstitucional Nem mesmo entre os defensores dos poderes instrutórios do juiz com os quais não concordamos sublinhese o inciso I do art 156 do CPP foi bem recebido evidenciando o quão longe na trilha inquisitória o legislador foi na Lei n 116902008 Nessa linha ZILLI31 reconhece que indesejado entretanto é o poder inserto no inciso I do art 156 o qual permite a determinação de ofício mesmo antes de iniciada a ação penal da produção de provas antecipadas A previsão se mal conduzida pode levar o juiz ao perigoso terreno da atuação investigatória subvertendose assim o sentido de um processo penal de matriz acusatória Também SCHIETTI32 fazendo uma distinção entre o ativismo judicial no curso do processo por ele defendido e aquele previsto na nova redação do art 156 inciso I aponta que são impertinentes e atentatórias à imparcialidade e ao modelo acusatório as iniciativas judiciais tendentes a durante as investigações inquisitoriais e sem provocação do interessado buscar provas É elementar que atribuir poderes investigatórios ao juiz é violar de morte a garantia da imparcialidade sobre a qual se estruturam o processo penal e o sistema acusatório e ainda não existe qualquer possibilidade de bom uso de tais poderes pois eles somente serão invocados pelos inquisidores de plantão de quem da bondade sempre há que se duvidar Recordemos as palavras da Exposição de Motivos do Código Modelo de Processo Penal para Iberoamérica o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor33 São posturas incompatíveis Como bem pontuou GIACOMOLLI34 eventual erro na escolha da profissão não justifica o exercício ideológico de outra atividade Em síntese o sistema legal das provas varia conforme tenhamos um sistema inquisitório ou acusatório pois é a gestão da prova que funda o sistema Quando se atribuem poderes instrutórios ou investigatórios conforme a fase a um juiz criase a figura do juizator característico de modelos processuais inquisitórios ou neoinquisitórios como o nosso Por outro lado quando a gestão das provas está nas mãos das partes o juiz assume seu verdadeiro papel de espectador alheamento essencial para assegurar a imparcialidade e a estrutura do modelo processual acusatório Ademais o limite probatório também é dado pelo sistema processual Se por um lado o sistema inquisitório admite um substancialismo e uma relativização da garantia da forma em nome da verdade real inalcançável de outro o modelo acusatório pautase por um formalismo protetor respeitando a forma enquanto valor O grande valor do processo acusatório está no seu conteúdo ético externado no estrito respeito às regras do jogo forma e principalmente no fato de que condenação ou absolvição são equivalentes axiológicos para o resultado abandonando o ranço inquisitório de buscar a condenação 3 Principiologia da Prova Quando se está diante de uma lei processual penal como a nossa que remonta a uma racionalidade do final do século XIX início do século XX e que possui uma inspiração assumidamente fascista35 além de exalar um ranço autoritário os princípios constitucionais são imprescindíveis para através de uma releitura pelo foco constitucional tentar compatibilizála com as exigências atuais Tratase de uma complexa alquimia para que o CPP tente sobreviver a uma filtragem constitucional e isso somente é possível com a estrita observância dos seguintes princípios e garantias 31 Garantia da Jurisdição Distinção entre Atos de Investigação e Atos de Prova Considerando que a principal garantia que temos é a da jurisdição e como consectário lógico dela a de ser julgado com base na prova produzida dentro do processo com todas as garantias do due process of law é muito importante distinguir os atos verdadeiramente de prova daqueles meros atos de investigação produzidos na fase préprocessual Assim são atos de prova aqueles que 1 estão dirigidos a convencer o juiz de uma afirmação 2 estão a serviço do processo e integram o processo penal 3 dirigemse a formar a convicção do juiz para o julgamento final tutela de segurança 4 servem à sentença 5 exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação 6 são praticados ante o juiz que julgará o processo Substancialmente distintos os atos de investigação realizados na investigação preliminar 1 não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese 2 estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos 3 servem para formar um juízo de probabilidade e não a convicção do juiz para o julgamento 4 não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidas 5 servem para a formação da opinio delicti do acusador 6 não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento 7 também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação indiciamento e adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional 8 podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Partindo dessa distinção concluise facilmente que o inquérito policial somente gera atos de investigação e como tais de limitado valor probatório Seria um contrassenso outorgar maior valor a uma atividade realizada por um órgão administrativo muitas vezes sem nenhum contraditório ou possibilidade de defesa e ainda sob o manto do segredo Somente são considerados atos de prova e portanto aptos a fundamentarem a sentença aqueles praticados dentro do processo à luz da garantia da jurisdição e demais regras do devido processo penal 32 Presunção de Inocência A presunção de inocência foi motivo de burla por parte de VICENZO MANZINI para quem ela não passa de uma absurda teoria ideada pelo empirismo francês Partindo de uma premissa absurda MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade O raciocínio era o seguinte como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo não há o que justifique a proteção e a presunção de inocência Com base na doutrina de Manzini o próprio Código de Rocco de 1930 não consagrou a presunção de inocência pois era vista como um excesso de individualismo e garantismo Com razão CORDERO36 define MANZINI como xenófobo partidário da repressão defensor do glorioso passado inquisitório alheio a investigação do direito comparado para quem em seu exíguo opaco e fóbico universo mental filosofia significa vírus subversivo Isso é extremamente relevante se considerarmos que nosso atual Código de Processo Penal em sua Exposição de Motivos idolatra o Código de Rocco que por sua vez foi elaborado por ninguém menos que VICENZO MANZINI A consciência desse complexo contexto histórico é fundante de uma posição crítica e extremamente preocupada com os níveis de eficácia dos direitos fundamentais previstos na Constituição e de difícil implementação num Código como o nosso No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia Tal é sua relevância que AMILTON B de CARVALHO37 afirma que o Princípio da Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum é pressuposto para seguir Eros nesse momento histórico da condição humana A complexidade do conceito de presunção de inocência38 faz com que dito princípio atue em diferentes dimensões no processo penal Contudo a essência da presunção de inocência pode ser sintetizada na seguinte expressão dever de tratamento Esse dever de tratamento atua em duas dimensões interna e externa ao processo Dentro do processo a presunção de inocência implica um dever de tratamento por parte do juiz e do acusador que deverão efetivamente tratar o réu como inocente não abusando das medidas cautelares e principalmente não olvidando que a partir dela se atribui a carga da prova integralmente ao acusador em decorrência do dever de tratar o réu como inocente logo a presunção deve ser derrubada pelo acusador Na dimensão externa ao processo a presunção de inocência impõe limites à publicidade abusiva e à estigmatização do acusado diante do dever de tratálo como inocente Neste momento da exposição interessanos apenas a questão da carga da prova para empregar um léxico goldschmidtiano 33 Carga da Prova e In Dubio Pro Reo Quando o Réu Alega uma Causa de Exclusão da Ilicitude Ele Deve Provar A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente não lhe incumbe provar absolutamente nada Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador sem que o réu e muito menos o juiz tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução direito de silêncio nemo tenetur se detegere FERRAJOLI39 esclarece que a acusação tem a carga de descobrir hipóteses e provas e a defesa tem o direito não dever de contradizer com contrahipóteses e contraprovas O juiz que deve ter por hábito profissional a imparcialidade e a dúvida tem a tarefa de analisar todas as hipóteses aceitando a acusatória somente se estiver provada e não a aceitando se desmentida ou ainda que não desmentida não restar suficientemente provada É importante recordar que no processo penal não há distribuição de cargas probatórias a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória denúncia ou queixa mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência Erro crasso pode ser percebido quase que diariamente nos foros brasileiros sentenças e acórdãos fazendo uma absurda distribuição de cargas no processo penal tratando a questão da mesma forma que no processo civil Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na falta de provas da tese defensiva como se o réu tivesse que provar sua versão de negativa de autoria ou da presença de uma excludente O que podemos conceber como já explicamos ao tratar do pensamento de GOLDSCHMIDT é uma assunção de riscos A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória Assim quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance logo assunção do risco de uma sentença desfavorável Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio calcado no nemo tenetur se detegere Não gera um prejuízo processual pois não existe uma carga Contudo potencializa o risco de uma sentença condenatória Isso é inegável Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um prejuízo imediato e tampouco possui ela um dever de liberação A questão deslocase para a dimensão da distribuição do risco pela perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz O réu que cala assume o risco decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da veracidade de sua tese Com uma construção teórica um pouco distinta mas alcançando uma conclusão similar à nossa HUERTAS MARTIN40 afirma que no processo penal unicamente caberia se falar em carga da prova em sentido negativo não recai sobre o acusado em nenhum caso a carga de provar sua própria inocência que por outra parte se presume enquanto não exista uma atividade probatória suficiente de onde se possa depreender o contrário tradução nossa Interessante ainda é a afirmação de ILLUMINATI41 de que não há que se falar em carga da prova mas sim em regra de julgamento regla de juicio O processo penal define uma situação jurídica em que o problema da carga probatória é na realidade uma regra para o juiz proibindoo de condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente provada Ao lado da presunção de inocência como critério pragmático de solução da incerteza dúvida judicial o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada A única certeza exigida pelo processo penal referese à prova da autoria e da materialidade necessárias para que se prolate uma sentença condenatória Do contrário em não sendo alcançado esse grau de convencimento e liberação de cargas a absolvição é imperativa Isso porque ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua presunção até prova em contrário essa prova contrária deve aportála quem nega sua existência ao formular a acusação42 Tratase de estrita observância ao nulla accusatio sine probatione Devemos destacar que a primeira parte do art 156 do CPP deve ser lida à luz da garantia constitucional da inocência O dispositivo determina que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer Mas a primeira e principal alegação feita é a que consta na denúncia e aponta para a autoria e a materialidade logo incumbe ao MP o ônus total e intransferível de provar a existência do delito Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina e rançosa jurisprudência ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada excludente Nada mais equivocado principalmente se compreendido o dito até aqui A carga do acusador é de provar o alegado logo demonstrar que alguém autoria praticou um crime fato típico ilícito e culpável Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade a ilicitude e a culpabilidade e logicamente a inexistência das causas de justificação Essa é a regla de juicio ou seja a regra para o julgamento por parte do juiz No mesmo sentido GUARNIERI43 afirma categoricamente que incumbe a la acusación la prueba positiva no sólo de los hechos que constituyan el delito sino también de la inexistencia de los que le excluyan Explica JUAREZ TAVARES 44 ao tratar da complexidade que envolve o conceito de análise dialética do injusto que só haverá ilicitude quando esgotados todos os recursos em favor da prevalência da liberdade E como adverte o autor a operação mental que deve ser feita é exatamente inversa àquela que normalmente realiza a doutrina penal e advertimos nós também a processual penal Eis o pontochave em vez de perquirir se existe uma causa que exclua a antijuridicidade porque o tipo de injusto já a indicia o que constituiria uma presunção juris tantum de ilicitude devese partir de que só se autoriza a intervenção se não existir em favor do sujeito uma causa que autorize a conduta Isso porque o tipo penal não constitui indício da antijuridicidade mas uma etapa metodológica um requisito que deve ser perquirido para que a intervenção estatal possa efetivarse como adverte o autor Também chama a atenção para a influência da presunção de inocência uma preocupação rara entre os penalistas que erroneamente pensam que princípios como este não afetam o Direito Penal apenas o Processual É elementar que a presunção de inocência afeta a estrutura e as normas tanto do Direito Penal como também do Processual Penal Sempre atento ao primado da Constituição TAVARES 45 aponta que não se pode considerar indiciado o injusto pelo simples fato da realização do tipo antes que se esgote em favor do sujeito a análise das normas que possam autorizar sua conduta Então tanto pela compreensão da regra para o juiz como também pela dimensão de atribuição exclusiva da carga probatória ao acusador se o réu aduzir a existência de uma causa de exclusão da ilicitude cabe ao acusador provar que o fato é ilícito e que a causa não existe através de prova positiva46 Ao adotarmos a teoria do processo como situação jurídica de JAMES GOLDSCHMIDT entendemos que no processo penal o acusador inicia com uma imensa carga probatória constituída não apenas pelo ônus de provar o alegado autoria de um crime mas também pela necessidade de derrubar a presunção de inocência instituída pela Constituição Para chegar à sentença favorável acolhimento da tese acusatória sustentada ele deve aproveitar as chances do processo instrução etc para liberarse dessa carga À medida que o acusador vai demonstrando as afirmações feitas na inicial ele se libera da carga e ao mesmo tempo enfraquece a presunção inicial de inocência até chegar ao ponto de máxima liberação da carga e consequente desconstrução da presunção de inocência com a sentença penal condenatória Caso isso não ocorra a absolvição é um imperativo regra para o juiz Por fim outro aspecto que deve ser tratado neste momento é uma equivocada práxis de menor exigência probatória para os delitos de menor gravidade bastante difundida a partir da criação dos Juizados Especiais Criminais e que decorre também do baixo nível de qualidade da prestação jurisdicional lá efetivada Tratase de raciocínio rotineiramente empregado nos julgados vinculando o nível de exigência probatória à gravidade do delito de modo que para delitos de menor gravidade uma prova mais frágil serviria para amparar um juízo condenatório até porque a sanção penal seria mais branda Nada mais equivocado O nível de exigência probatória não varia Tratase de mais um resquício de práticas e de uma verdadeira racionalidade inquisitoriais ainda tão arraigadas no sistema contemporâneo e na forma de pensar de muitos daqueles que atuam no processo penal Não se pode relativizar a presunção de inocência e o in dubio pro reo a partir de uma pseudomenor gravidade do fato A proteção é processual e em relação ao exercício de poder corporificado na sentença condenatória e esse poder e consequente proteçãolimite não varia conforme a pena Tal erro histórico encontra definição naquilo que CORDERO47 chama de equação homeopática à plena probatio correspondem as penas ordinárias as semiplenae probationes implicam as penas diminuídas Essa era a lógica probatória do sistema inquisitório absolutamente incompatível por óbvio com o processo penal contemporâneo 34 In Dubio Pro Societate DesVelando um Ranço Inquisitório Importante destacar que a presunção de inocência e o in dubio pro reo não podem ser afastados no rito do Tribunal do Júri Ou seja além de não existir a mínima base constitucional para o in dubio pro societate quando da decisão de pronúncia é ele incompatível com a estrutura das cargas probatórias definida pela presunção de inocência A questão foi tratada com muito acerto por RANGEL48 que ao atacar tal construção afirma que o chamado princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito onde a dúvida não pode autorizar uma acusação colocando uma pessoa no banco dos réus O Ministério Público como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis não pode com base na dúvida manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal Com razão RANGEL destaca que não há nenhum dispositivo legal que autorize esse chamado princípio do in dubio pro societate O ônus da prova já dissemos é do Estado e não do investigado Por derradeiro enfrentando a questão na esfera do Tribunal do Júri segue o autor explicando que se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia sob o aspecto da autoria e materialidade não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado mandandoo a júri onde o sistema que impera lamentavelmente é o da íntima convicção A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação com base na dúvida Outro momento em que o famigerado in dubio pro societate cobra seu preço é na revisão criminal É lugarcomum o discurso de que nessa ação desconstitutiva incumbe ao réu a prova integral do fato modificativo sem que a revisão seja acolhida quando a questão não superar o campo da dúvida Essa problemática costuma aparecer quando o fundamento da revisão situase na dimensão probatória evidência dos autos novas provas de inocência depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos etc Nesses casos cumpre perguntar a onde está a previsão constitucional do tal in dubio pro societate b em que fase do processo e com base em que o réu perde a proteção constitucional c como justificar que no momento da decisão seja ela pelo juiz ou tribunal a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição mas essa mesma dúvida quando surgir apenas em sede de revisão criminal não autorize a absolvição d e se quando da decisão de primeiro grau ou mesmo em grau recursal mas antes do trânsito em julgado existir um contexto probatório que permita afastar a dúvida e alcançar um alto grau de probabilidade autorizador da condenação mas depois do trânsito em julgado surgir uma prova nova x que gere uma dúvida em relação ao suporte probatório existente por que devemos afastar o in dubio pro reo e como justificar que essa prova se tivesse sido conhecida quando da sentença implicaria absolvição mas agora porque estamos numa revisão criminal ela não mais serve para absolver Em suma nossa posição é a de que a sentença condenatória só pode manterse enquanto não surgir uma prova que crie uma dúvida fundada Logo o in dubio pro reo é um critério pragmático para solução da incerteza processual qualquer que seja a fase do processo em que ocorra O sistema probatório fundado a partir da presunção constitucional de inocência não admite nenhuma exceção procedimental inversão de ônus probatório ou frágeis construções inquisitoriais do estilo in dubio pro societate 35 Contraditório e Momentos da Prova O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade fundandose não mais sobre um juízo potestativo mas sobre o conflito disciplinado e ritualizado entre partes contrapostas a acusação expressão do interesse punitivo do Estado e a defesa expressão do interesse do acusado e da sociedade em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo O ato de contradizer 49 a versão afirmada na acusação enquanto declaração petitória é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mútuas das partes na forma dialética Por isso está intimamente relacionado com o princípio do audiatur et altera pars pois obriga que a reconstrução da pequena história do delito seja feita com base na versão da acusação vítima mas também com base no alegado pelo sujeito passivo O adágio está atrelado ao direito de audiência o qual o juiz deve conferir a ambas as partes sob pena de parcialidade Para W GOLDSCHMIDT 50 também serve para justificar a face igualitária da justiça pois quien presta audiencia a una parte igual favor debe a la otra O juiz deve dar ouvida a ambas as partes sob pena de parcialidade na medida em que conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido Considerando o que dissemos acerca do processo como jogo das chances e estratégias de que as partes podem lançar mão legitimamente no processo o sistema exige apenas que seja dada a oportunidade de fala Ou seja o contraditório é observado quando se criam as condições ideais de fala e oitiva da outra parte ainda que ela não queira utilizarse de tal faculdade até porque pode lançar mão do nemo tenetur se detegere51 O contraditório é uma nota característica do processo uma exigência política e mais do que isso confundese com a própria essência do processo Inspirado em ELIO FAZZALARI o conceito moderno de processo necessariamente deve envolver o procedimento e o contraditório sem o que não existe processo A interposição de alegações contrárias frente ao órgão jurisdicional a própria discussão explica GUASP52 não só é um eficaz instrumento técnico que utiliza o direito para obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo senão que se trata de verdadeira exigência de justiça que nenhum sistema de Administração de Justiça pode omitir É autêntica prescrição do direito natural dotada de inevitável conteúdo imperativo Talvez seja o princípio de direito natural mais característico entre todos os que fazem referência à Administração da Justiça Não podemos esquecer que Ministério Público e Defesa foram feitos para contraditaremse a ponto de CARNELUTTI53 afirmar que la loro contraddizione è necessária al giudice come lossigeno nellaria che respira Il dubbio è um passaggio obbligato sulla via della verità guai al giudice che non dubita Non tanto la possibilita quanto la effettività del contraddittorio sono una garanzia imprescindibile della istruzione Tanto più vale codesta garanzia quanto più siano equilibrate le forze dei due lottatori Numa visão contemporânea o contraditório engloba o direito das partes de debater perante o juiz mas não é suficiente que tenham a faculdade de ampla participação no processo é necessário também que o juiz participe intensamente não confundir com juizinquisidor ou com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz respondendo adequadamente às petições e requerimentos das partes fundamentando suas decisões inclusive as interlocutórias evitando atuações de ofício e as surpresas Ao sentenciar é crucial que observe a correlação acusaçãodefesasentença54 Contudo contraditório e direito de defesa são distintos pelo menos no plano teórico PELLEGRINI GRINOVER55 explica que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório No mesmo sentido LEONE56 faz a distinção e afirma que não se pode identificar contraditório e direito de defesa pois o último pode ser exercido sem que seja instaurado o contraditório Para o autor o contraditório consiste na participação contemporânea e contraposta de todas as partes no processo Ademais destaca que o contraditório é da essência da estrutura dialética sobre a qual deve estruturarse o processo penal Assim o contraditório deve ser visto basicamente como o direito de participar de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental A relevância da distinção reside na possibilidade de violar um deles sem a violação simultânea do outro com reflexos no sistema de nulidades dos atos processuais É possível cercear o direito de defesa pela limitação no uso de instrumentos processuais sem que necessariamente também ocorra violação do contraditório A situação inversa é teoricamente possível mas pouco comum pois em geral a ausência de comunicação gera a impossibilidade de defesa Destacamos que na teoria é facilmente apontável a distinção entre contraditório e direito de defesa Sem embargo ninguém pode omitir que o limite que separa ambos é tênue e na prática às vezes quase imperceptível Desse modo entendemos que não constitui pecado mortal afirmar que em muitos momentos processuais o contraditório e o direito de defesa se fundem e a distinção teórica fica isolada diante da realidade do processo Nessa linha parte da doutrina57 não faz uma distinção clara entre ambos chegando inclusive a afirmar que a defesa é um elemento do contraditório Os dois polos da garantia do contraditório são informação e reação A efetividade do contraditório no Estado Democrático de Direito está amparada no direito de informação e participação dos indivíduos na Administração de Justiça Para participar é imprescindível ter a informação A participação no processo se realiza por meio da reação vista como resistência à pretensão jurídica acusatória e não punitiva58 articulada e isso expressa a dificuldade prática em certos casos de distinguir entre a reação e o direito de defesa Assim o contraditório é essencialmente o direito de ser informado e de participar no processo É o conhecimento completo da acusação o direito de saber o que está ocorrendo no processo de ser comunicado de todos os atos processuais Como regra não pode haver segredo antítese para a defesa sob pena de violação ao contraditório Tratase contraditório e direito de defesa de direitos constitucionalmente assegurados no art 5º LV da CB Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes Especificamente em matéria probatória o contraditório deve ser rigorosamente observado nos quatro momentos da prova 1º Postulação denúncia ou resposta escrita contraditório está na possibilidade de também postular a prova em igualdade de oportunidades e condições 2 º Admissão pelo juiz contraditório e direito de defesa concretizamse na possibilidade de impugnar a decisão que admite a prova 3 º Produção instrução o contraditório manifestase na possibilidade de as partes participarem e assistirem a produção da prova 4 º Valoração na sentença o contraditório manifestase através do controle da racionalidade da decisão externada pela fundamentação que conduz à possibilidade de impugnação pela via recursal Sublinhese a imprescindibilidade do contraditório que deve permear todos os atos e momentos da prova Ademais contraditório é uma abertura necessária para evitar a manipulação da prova por parte do juiz ainda que inconscientemente Sua ausência além de constituir uma grave e insanável violação das regras do jogo forma enquanto garantia faz com que segundo CORDERO59 abramse as portas ao pensamento paranoide pois como dono do tabuleiro o juiz inquisidor dispõe das peças como lhe convém a inquisição é um mundo verbal semelhante ao onírico onde tempos lugares coisas pessoas e acontecimentos flutuam e se movem em quadros manipuláveis 36 Provas e Direito de Defesa o Nemo Tenetur se Detegere Em matéria probatória além do contraditório deve haver estrita observância do direito de defesa também presente nos quatro momentos anteriormente apontados tanto da defesa técnica como da defesa pessoal positiva ou negativa A defesa técnica obriga e garante a presença de defensor em todos os atos do processo principalmente em matéria probatória Não apenas a comunicação dos atos e oportunidade para que os exerça senão que a garantia da defesa também impõe a presença efetiva do defensor nos atos que integram a instrução sendo absolutamente ilegal a prática neoinquisitória de alguns prepotentes juízes que resolvem colher a prova sem a presença do réu e de seu defensor Nem o art 93 IX da Constituição nem o art 217 do CPP autorizam essa prática absurdamente ilegal A defesa técnica é indisponível e imprescindível decorre de uma esigenza di equilibrio funzionale60 entre defesa e acusação e também de uma acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal em igualdade de condições técnicas com o acusador Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo promotor policial ou mesmo juiz Pode existir uma dificuldade de compreender o resultado da atividade desenvolvida na investigação preliminar gerando absoluta intranquilidade e descontrole Ademais havendo uma prisão cautelar existirá uma impossibilidade física de atuar de forma efetiva Para FOSCHINI61 a defesa técnica é anche una esigenza della società perchè la regiudicanda penale implica non solo una responsabilità individuale ma anche una responsabilità della collettività sociale Prossegue o autor afirmando que limputato infatti alla stregua dei propri criteri potrebbe anche difendersi poco o non difendersi o addirittura ammettere la propria certamento negativo se alla stregua dei valori sociali tradotti nellordinamento giuridico è da ritenere che il fatto non constituisca reato o che non sai fonte di responsabilità ad es perchè constituisce unazione bellica o perchè commesso in stato di necessità Isso significa que a defesa técnica é uma exigência da sociedade porque o imputado pode a seu critério defenderse pouco ou mesmo não se defender mas isso não exclui o interesse da coletividade em uma verificação negativa no caso de o delito não constituir uma fonte de responsabilidade penal A estrutura dualística do processo expressase tanto na esfera individual como na social Assim defesa técnica é indisponível pois além de ser uma garantia do sujeito passivo existe um interesse coletivo na correta apuração do fato Tratase ainda de verdadeira condição de paridade de armas imprescindível para a concreta atuação do contraditório Inclusive fortalece a própria imparcialidade do juiz pois quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficará o julgador terzietà alheamento No mesmo sentido MORENO CATENA62 leciona que a defesa técnica atua também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual penal estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética processual e da igualdade das partes É na realidade uma satisfação alheia à vontade do sujeito passivo pois resulta de um imperativo de ordem pública contido no princípio do due process of law O Estado deve organizarse de modo a instituir um sistema de Serviço Público de Defesa tão bem estruturado como o Ministério Público com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor Assim como o Estado organiza um serviço de acusação tem o dever de criar um serviço público de defesa porque a tutela da inocência do imputado não é só um interesse individual mas social63 Já a defesa pessoal ou autodefesa é a possibilidade de o sujeito passivo resistir pessoalmente à pretensão acusatória seja através de atuações positivas ou negativas A autodefesa positiva deve ser compreendida como direito disponível do sujeito passivo de praticar atos declarar participar de acareações reconhecimentos submeterse a exames periciais etc A defesa pessoal negativa como o próprio nome diz estruturase a partir de uma recusa um não fazer É o direito de o imputado não fazer prova contra si mesmo podendo recusarse a praticar todo e qualquer ato probatório que entenda prejudicial à sua defesa direito de calar no interrogatório recusarse a participar de acareações reconhecimentos submeterse a exames periciais etc Contudo sublinhamos novamente a imensa restrição que o nemo tenetur se detegere sofreu com a promulgação da Lei n 126542012 que permite a extração compulsória de DNA do investigado Agora havendo necessidade para a investigação e autorização judicial poderá ser autorizada a extração compulsória de material genético do imputado para comprovação da autoria do crime não lhe assistindo mais o direito de não produzir prova contra si mesmo Trataremos novamente deste tema no Capítulo Das Provas em Espécie no tópico destinado a Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito 37 Valoração das Provas Sistema Legal de Provas Íntima Convicção e Livre Convencimento Motivado Sem pretender analisar a evolução histórica dos sistemas de valoração das provas faremos uma sumária exposição dos três mais relevantes No sistema legal de provas o legislador previa a priori a partir da experiência coletiva acumulada um sistema de valoração hierarquizada da prova estabelecendo uma tarifa probatória ou tabela de valoração das provas Era chamado de sistema legal de provas exatamente porque o valor vinha previamente definido em lei sem atentar para as especificidades de cada caso A confissão era considerada uma prova absoluta uma só testemunha não tinha valor etc Saltam aos olhos os graves inconvenientes de tal sistema na medida em que não permitia uma valoração da prova por parte do juiz que se via limitado a aferir segundo os critérios previamente definidos na lei sem espaço para sua sensibilidade ou eleições de significados a partir da especificidade do caso Na acertada síntese de BACILA64 tabelar significa cercear a capacidade de o julgador fazer uma análise mais inteligente no caso concreto É o medo da falha humana que fez com que este sistema falhasse como um todo Resquícios da estrutura lógica desse modelo podem ser observados no sistema brasileiro em que o art 158 do CPP exige que a prova nas infrações que deixam vestígios deve ser feita por exame de corpo de delito direto ou indireto não podendo suprilo a confissão do acusado É um exemplo de que a lógica do sistema legal de provas não foi completamente abandonada na medida em que existem limitações no espaço de decisão do juiz a partir de critérios previamente definidos pelo legislador na lei O princípio da íntima convicção surge como uma superação do modelo de prova tarifada ou tabelada O juiz não precisa fundamentar sua decisão e muito menos obedecer a critérios de avaliação das provas65 Estabelece aqui um rompimento com os limites estabelecidos pelo sistema anterior caindo no outro extremo o julgador está completamente livre para valorar a prova íntima convicção sem que sequer tenha de fundamentar sua decisão Para sair do positivismo do sistema anterior caiuse no excesso de discricionariedade e liberdade de julgamento em que o juiz decide sem demonstrar os argumentos e elementos que amparam e legitimam a decisão Evidentes os graves inconvenientes que traz esse sistema Contudo é adotado no Brasil até hoje no Tribunal do Júri onde os profanos julgam com plena liberdade sem qualquer critério probatório e sem a necessidade de motivar ou fundamentar suas decisões A íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento pois a supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da prova dos autos e até mesmo decidam contra a prova66 Isso significa um retrocesso ao direito penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu E tudo isso sem qualquer fundamentação A amplitude do mundo extraautos de que os jurados podem lançar mão sepulta qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar Como sistema intermediário em relação ao radicalismo dos dois anteriores o livre convencimento motivado ou persuasão racional é um importante princípio a sustentar a garantia da fundamentação das decisões judiciais estando previsto no art 157 do CPP Não existem limites e regras abstratas de valoração como no sistema legal de provas mas tampouco há a possibilidade de formar sua convicção sem fundamentála como na íntima convicção Cumpre então analisar mais detidamente o alcance dessa liberdade que o julgador tem para formar sua convicção Ela se refere à não submissão do juiz a interesses políticos econômicos ou mesmo à vontade da maioria A legitimidade do juiz não decorre do consenso tampouco da democracia formal senão do aspecto substancial da democracia que o legitima enquanto guardião da eficácia do sistema de garantias da Constituição na tutela do débil submetido ao processo Também decorre da própria ausência de um sistema de prova tarifada de modo que todas as provas são relativas nenhuma delas tem maior prestígio ou valor que as outras nem mesmo as provas técnicas a experiência já demonstrou que se deve ter cuidado com o endeusamento da tecnologia e da própria ciência Contudo essa liberdade não é plena na dimensão jurídicoprocessual pois como aponta LEONE67 não pode significar liberdade do juiz para substituir a prova e por conseguinte a crítica valoração dela por meras conjeturas ou por mais honesta que seja sua opinião Ainda que o juiz não esteja vinculado ou adstrito à vontade da maioria tampouco se deve avalizar uma decisão que reflita somente a opinião do juiz68 Daí a necessidade de que a decisão seja reconhecida como justa e por isso respeitada Não está legitimado o decisionismo por óbvio A convicção do julgador deve ainda respeito ao tempo do processo Não há que confundir economia processual com economia do seu próprio tempo ensina LEONE69 Não pode o juiz atropelar como vimos anteriormente a dinâmica da dialeticidade do processo cabendo a ele respeitar o tempo da acusação da defesa da prova e da própria maturação do ato decisório Deve o julgador ter a dúvida e a paciência de duvidar como hábito evitando ao máximo os juízos apriorísticos de inverossimilitude das circunstâncias ou fatos alegados Como sublinha LEONE70 la vida es demasiado variada demasiado rica en incógnitas en singularidades y hasta en rarezas para que pueda encerrársela en esquemas prefabricados a la realidad Em definitivo o livre convencimento é na verdade muito mais limitado do que livre E assim deve sêlo pois se trata de poder e no jogo democrático do processo todo poder tende a ser abusivo Por isso necessita de controle Não se pode pactuar com o decisionismo de um juiz que julgue conforme a sua consciência dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa STRECK Não se nega a subjetividade por elementar mas o juiz deve julgar conforme a prova e o sistema jurídico penal e processual penal demarcando o espaço decisório pela conformidade constitucional Voltaremos ao tema e para lá remetemos o leitor quando tratarmos das Decisões Judiciais 38 O Princípio da Identidade Física do Juiz Inovação inserida no CPP por força da Lei n 116902008 dispõe o art 399 2º o seguinte Art 399 Recebida a denúncia ou queixa o juiz designará dia e hora para a audiência ordenando a intimação do acusado de seu defensor do Ministério Público e se for o caso do querelante e do assistente 2º O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença grifo nosso Passa o sistema processual penal brasileiro a exigir que o mesmo juiz que colha a prova profira a sentença julgando o feito Para tanto a reforma nos procedimentos comuns ordinário e sumário veio no sentido de aglutinação de atos em uma única audiência onde a prova é produzida seguemse debates e sentença Determina o art 400 que Art 400 Na audiência de instrução e julgamento a ser realizada no prazo máximo de 60 sessenta dias procederseá à tomada de declarações do ofendido à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Código bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogandose em seguida o acusado 1º As provas serão produzidas numa só audiência podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes impertinentes ou protelatórias Após a coleta da prova ainda na mesma audiência serão realizados os debates orais e proferida a sentença Eventualmente se a complexidade do caso exigir os debates orais serão substituídos por memoriais A concentração dos atos necessários para a identidade física impõe que a instrução seja realizada em uma única audiência ou caso isso não seja possível em audiências realizadas em breve espaço de tempo O princípio da identidade física do juiz exige por decorrência lógica a observância dos subprincípios da oralidade concentração dos atos e imediatidade Foi seguindo essa lógica que se procedeu a alteração procedimental para criar condições de máxima eficácia dos subprincípios É um encadeamento sistêmico como define PORTANOVA 71 que começa com a necessidade de uma atuação direta e efetiva do juiz em relação à prova oralmente produzida sem que possa ser mediatizada através de interposta pessoa O princípio da identidade física traz vantagens e inconvenientes O juiz que presidiu a coleta da prova e teve contato direto com as testemunhas peritos vítimas e o imputado tem uma visão mais ampla do caso penal submetido a julgamento Essa é uma vantagem mas ao mesmo tempo pode ser um grave inconveniente Isso porque esse juiz pode estar contaminado seduzido pelos seus prejulgamentos e sem alheamento suficiente para ponderar a prova colhida e julgar com serenidade Esse pode ser um grave problema O princípio da identidade física afeta diretamente a maneira como o juiz sente a prova e os fatos reconstruídos no ritual recognitivo da instrução E isso pode ser positivo ou negativo Sem desconhecer os inconvenientes pensamos que as vantagens podem ser maiores na medida em que o processo penal é um instrumento no qual as partes lutam pela captura psíquica do juiz um ritual de recognição em que o importante é convencer o julgador Daí por que tudo pode ser em vão quando a decisão é proferida por alguém que não participou desse complexo ritual como ocorre nas sentenças proferidas por juízes que não participaram da coleta da prova PORTANOVA 72 também sublinha a vantagem do julgador que criou laços psicológicos com as partes e as testemunhas de modo que essas impressões podem contribuir para a melhor valoração da prova na sentença Constituem uma exceção ao princípio da identidade física as provas colhidas à distância tais como os depoimentos produzidos em outras comarcas através de carta precatória ou rogatória se for exterior Mas em que pese o referido dispositivo legal não fazer nenhuma exceção ao princípio da identidade física é recorrente a aplicação por parte dos tribunais da analogia com o art 132 do CPC que dispõe o seguinte Art 132 O juiz titular ou substituto que concluir a audiência julgará a lide salvo se estiver convocado licenciado afastado por qualquer motivo promovido ou aposentado casos em que passará os autos ao seu sucessor Parágrafo único Em qualquer hipótese o juiz que proferir a sentença se entender necessário poderá mandar repetir as provas já produzidas Dessarte por analogia consideram que não há violação do princípio da identidade física quando o juiz titular se afasta do processo no curso ou após a instrução por ter sido convocado licenciado afastado por qualquer motivo promovido ou aposentado situação em que o processo passará ao seu sucessor para conclusão da instrução se for o caso e prolação da sentença É aconselhável conforme a necessidade e complexidade da prova que o juiz determine a repetição da prova já produzida mas essa é uma faculdade do magistrado e não um direito subjetivo das partes 4 O Problema da Verdade no Processo Penal Aplicável aqui a célebre frase de JOSEPH GOEBBELS ministro de propaganda nazista de Hitler uma boa mentira repetida centenas de vezes acaba se tornando uma verdade e no caso do processo penal uma verdade real ou substancial Impressionante a crença nesse mito ardilosamente construído pelo substancialismo inquisitório e posteriormente repetido por muitos incautos e por outros nem tanto Quando se trata da prova no processo penal culminamos por discutir também que verdade foi buscada no processo Isso porque como explicamos anteriormente o processo penal é um modo de construção do convencimento do juiz fazendo com que as limitações imanentes à prova afetem a construção e os próprios limites desse convencimento Daí por que de nada serve lutar pela efetivação do modelo acusatório e a máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição quando tudo isso esbarra na atuação substancialista de quem busca uma inalcançável verdade real Mas tampouco representa algum avanço em termos de rigor científico a tal verdade processual ou a opção de CARNELUTTI pela certeza jurídica O ponto nevrálgico está na pretensão de verdade e o que isso representa em termos de estrutura do processo Mas para compreender esse complexo problema é necessária uma análise evolutiva que inicie pelo erro mais grosseiro a mitológica verdade real 41 Verdade Real Desconstruindo um Mito Forjado na Inquisição Rumo à Verdade Processual Quando se aborda a fundamentação das decisões judiciais em última análise está se discutindo também que verdade73 foi buscada e alcançada no ato decisório Eis aqui a relevância de desconstruir o mito da verdade real na medida em que é uma artimanha engendrada nos meandros da inquisição para justificar o substancialismo penal e o decisionismo processual utilitarismo típicos do sistema inquisitório Historicamente74 está demonstrado empiricamente que o processo penal sempre que buscou uma verdade mais material e consistente e com menos limites na atividade de busca produziu uma verdade de menor qualidade e com pior trato para o imputado Esse processo que não conhecia a ideia de limites admitindo inclusive a tortura levou mais gente a confessar não só delitos não cometidos mas também alguns impossíveis de serem realizados O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório com o interesse público cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades com sistemas políticos autoritários com a busca de uma verdade a qualquer custo chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos e com a figura do juizator inquisidor O maior inconveniente da verdade real foi ter criado uma cultura inquisitiva que acabou se disseminando por todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal A partir dela as práticas probatórias mais diversas estão autorizadas pela nobreza de seus propósitos a verdade Nessa linha sintetiza com acerto o autor que a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da ideia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição como meta principal do processo penal75 Noutra dimensão devemos sublinhar na esteira de FERRAJOLI76 que a verdade substancial ao ser perseguida fora das regras e controles e sobretudo de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação degenera o juízo de valor amplamente arbitrário de fato assim como o cognoscitivismo ético sobre o qual se embasa o substancialismo penal e resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal Dessarte há que se descobrir a origem e a finalidade do mito da verdade real nasce na inquisição e a partir daí é usada para justificar os atos abusivos do Estado na mesma lógica de que os fins justificam os meios Assim no processo penal só se legitimaria a verdade formal ou processual Tratase de uma verdade perseguida pelo modelo formalista como fundamento de uma condenação e que só pode ser alcançada mediante o respeito das regras precisas e relativas aos fatos e circunstâncias considerados como penalmente relevantes Relevante é a distinção entre a verdade construída no processo e fixada pelo juiz na sentença e a verdade científica ou histórica A primeira tem o juiz como investigador exclusivo77 ao passo que as demais não A competência para investigar esse fato histórico e julgar está fixada em lei como exclusividade para o juiz Logo uma vez alcançada essa decisão pela coisa julgada será em regra imutável78 Isso é grave principalmente quando em prejuízo do imputado Se na ciência toda teoria tem prazo de validade sendo verdadeira apenas até que outra demonstre sua falsidade no Direito o fenômeno é diverso e os prejuízos irreparáveis Daí a importância de um sistema de garantias que diminua ao máximo o risco de uma sentença injusta bem como possibilite um eficaz sistema de controle recursal Como explica FERRAJOLI79 a verdade processual não pretende ser a verdade Não é obtida mediante indagações inquisitivas alheias ao objeto processual mas sim condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e garantias da defesa A verdade formal é mais controlada quanto ao método de aquisição e mais reduzida quanto ao conteúdo informativo que qualquer hipotética verdade substancial Essa limitação se manifesta em 4 sentidos I a tese acusatória deve estar formulada segundo e conforme a norma II a acusação deve estar corroborada pela prova colhida através de técnicas normativamente preestabelecidas III deve ser sempre uma verdade passível de prova e oposição IV a dúvida falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõem a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual às hipóteses acusatórias O valor do formalismo está em presidir normativamente a indagação judicial protegendo a liberdade dos indivíduos contra a introdução de verdades substancialmente arbitrárias ou incontroláveis FERRAJOLI80 vai definir a verdade processual como uma verdade aproximativa aquela limitada por lo que sabemos e portanto sempre contingente e relativa Diferencia o autor a verdade processual fática da verdade processual jurídica A primeira é uma verdade histórica porque se refere a fatos passados Já a verdade processual jurídica é classificatória pois diz respeito à qualificação jurídica dos fatos passados a partir do rol de opções que as categorias jurídicas oferecem Essa distinção é relevante para definir como se dará a verificabilidade dessas proposições Os fatos passados não são passíveis de experiência direta senão verificados a partir de suas consequências de seus efeitos Tratase de interpretar os signos do passado deixados no presente O presente é experimentável O passado tem de ser provado Nessa atividade o juiz assemelhase ao historiador de modo que após um raciocínio indutivo chegará a uma conclusão que tem o valor de hipótese provável probabilidade Portanto quem fala em verdade real confunde o real com o maginário pois o crime é sempre um fato passado logo é história memória fantasia imaginação É sempre imaginário nunca é real Já a verdade processual jurídica está relacionada com a subsunção do fato à norma um procedimento classificatório A lógica aqui é dedutiva o conhecido silogismo que se realiza na sentença Claro que não se trata de mera adequação do fato à norma Permeia essa atividade uma série de variáveis de natureza axiológica inerentes à subjetividade específica do ato decisório até porque toda reconstrução de um fato histórico está eivada de contaminação decorrente da própria atividade seletiva desenvolvida Em suma a verdade real é impossível de ser obtida Não só porque a verdade é excessiva como se verá na continuação senão porque constitui um gravíssimo erro falar em real quando estamos diante de um fato passado histórico É o absurdo de equiparar o real ao imaginário O real só existe no presente O crime é um fato passado reconstruído no presente logo no campo da memória do imaginário A única coisa que ele não possui é um dado de realidade Mas desconstruir o mito da verdade real não é suficiente é necessário questionar também a verdade processual e principalmente a ambição de verdade 42 Desvelando o Mito da Verdade no Processo Penal Rumo à Assunção da Sentença como Ato de Convencimento mas sem Cair no Relativismo Cético e Incidir no Erro do Decisionismo Antes de expormos nossa posição cumpre explicar que existem em síntese três grandes linhas na discussão sobre a verdade e a função da prova no processo Partindo de TARUFFO81 vejamos a A primeira posição sustenta que as provas são uma espécie de nonsense ou algo que na realidade não existe e tampouco são um meio para determinar a verdade dos fatos É assim para todos os que pensam ser epistemologicamente ideologicamente ou por outros fatores impossível considerar que a verdade dos fatos é realmente estabelecida no processo de um modo racional Numa concepção irracionalista da decisão judicial não é possível atribuir qualquer significado à prova dos fatos O mesmo sucede no âmbito das ideologias para quem o processo não pode e não deve orientarse pela determinação da verdade Por fim assim também pensam os que consideram que o processo não é um instrumento idôneo para se alcançar a verdade diante do seu excesso epistêmico Nessa linha a verdade dos fatos passa a ser irrelevante ou ao menos contingencial para o processo No âmbito dessas teorias surge algumas vezes a ideia de que a prova tem uma função ritual Em síntese as provas não serviriam para determinar os fatos mas seus procedimentos como a cross examination constituiriam ritos destinados a reforçar na opinião pública o convencimento de que o sistema processual implementa e respeita valores positivos como a igualdade de armas a correção do litígio e a vitória de quem tem razão Assim a prova e seus respectivos procedimentos de obtenção seriam meios não orientados aos fins racionais internos ao processo mas sim para dar aparência de legitimidade racional a um mecanismo teatral na verdade ritual cuja função seria dissimular a realidade irracional e muitas vezes injusta das decisões judiciais Destaquese que TARUFFO ao rechaçar essa posição distorce alguns conceitos e faz um maniqueísmo com o qual não concordamos Mas a essência está correta É acertadíssima a afirmação final de que en ese sentido las pruebas servirían para hacer creer que el proceso determina la verdad de los hechos porque es útil que los ciudadanos lo piensen aunque en realidad eso no suceda y quizás precisamente porque en realidad eso no sucede Nessa linha realizadas algumas adequações em relação ao reducionismo do ritual é o nosso pensamento que vai complementado eis que compatível pela segunda concepção b A segunda concepção situa a prova no terreno da semiótica e das narrativas do processo A premissa fundamental é que o processo é uma situação situação jurídica GOLDSCHMIDT na qual se desenvolvem diálogos e se narram fatos Essas narrativas e diálogos melhor discursos têm relevância desde sua estrutura semiótica e linguística não sendo relevante a relação entre narrativa e realidade empírica Não existe uma determinação de veracidade ou melhor não é a verdade elemento fundante Cada prova é tomada como um fragmento da história o autor emprega a palavra story um pedaço da narrativa interessando pela dimensão linguística e semiótica do processo como uma das tantas ocorrências do debate As provas são utilizadas pelas partes para dar suporte à story of the case que cada advogado propõe ao juiz A decisão final é a adoção de uma ou outra das narrativas Fica excluída qualquer referência à veracidade das teses É em síntese uma função persuasiva da prova criticada pelo autor por uma suposta vagueza e incerteza de conceitos e limites Nessa dimensão dialógiconarrativa a única função que pode ser imputada à prova é a de avalizar a narrativa desenvolvida por um dos personagens do diálogo tornandoa idônea para ser assumida como própria por outro personagem o juiz TARUFFO ainda vinculado à razão moderna clássico racionalismo jurídico não admite essa corrente Elementar que superado o paradigma cartesiano assumida a subjetividade e o caráter inegável de ritual do processo judicial compreendese que o processo penal principalmente o acusatório é uma estrutura de discursos E o que o juiz faz ao final é exatamente a eleição dos significados de cada um deles para construção do seu sentença Daí por que nossa posição situase na coexistência dessas duas correntes c A terceira posição é o clássico discurso racionalista que defende a possibilidade de determinar a verdade no curso do processo Claro que seus adeptos se apressam em relativizar a verdade buscando abrigo na autista categoria de verdade judicial ou processual e acabam caindo no lugarcomum TARUFFO afirma que o termo provas faz referência sinteticamente ao conjunto de meios através dos quais aquela reconstrução dos fatos é elaborada verificada e confirmada como verdadeira Defende existir um nexo instrumental entre prova e verdade dos fatos constituindo nisso a base da concepção jurídica tradicional da prova Para tentar salvar a verdade judicial afirma que ela pode ter diferentes versões sem deixar de ser verdade em função da variação dos sistemas processuais e das opções epistemológicas Em outro momento confessa que só essa concepção é capaz de confirmar a ideologia legalracional da decisão judicial opção dele O maior inconveniente dessa posição é que estruturada desde o racionalismo moderno não consegue descolarse da noção de verdade para justificar a função da prova no processo Feita essa distinção pensamos que é o momento de retomando CARNELUTTI apenas como ponto de partida demonstrar que mesmo a verdade processual é igualmente inadequada Com razão CARNELUTTI quando dizia já em 1925 ser estéril a discussão a respeito de viger a verdade real material ou a verdade processual formal O problema é a verdade Para o autor inspirado em HEIDEGGER a verdade é inalcançável até porque a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós82 Além de inalcançável tampouco existem verdades absolutas como a própria ciência encarregouse de demonstrar pois todo o saber é datado e tem prazo de validade Einstein Uma teoria só vale até que outra venha para negála Logo a verdade está no todo e o todo é excessivo jamais pode ser alcançado pelo homem83 Então propõe CARNELUTTI o abandono da noção de verdade e sua substituição por certeza jurídica Mas isso resulta numa mera substituição por outra categoria igualmente excessiva certeza Com o atual nível de evolução da ciência especialmente da física quântica operouse o fim das certezas como definiu PRIGOGINE É chegado o momento de o direito reconhecer que a incerteza está tão arraigada nas diferentes dimensões da vida para tanto imprescindível a leitura da sociologia do risco especialmente em BECK que a discussão superou há muito o nível da certeza para situarse na probabilidade com forte tendência de rumar para a possibilidade ou ainda propensões Contudo não é nesse campo que opera o processo penal Nossa posição vai com CARNELUTTI até o abandono da verdade Dali em diante ele segue com a certeza categoria igualmente insatisfatória e nós propomos um giro no pensamento jurídico processual Retomemos a discussão no momento do abandono da verdade para construir nossa posição bem como demonstrar a relação dela com a construção dos modelos processuais inquisitório e acusatório Devemos considerar que o processo penal tem por finalidade através da prova fazer a reconstituição de um fato histórico crime e que a reconstrução de um fato histórico é sempre minimalista e imperfeita Não se trata de construir mas de reconstruir um fato passado no presente Ora basta isso para afirmar que não existe um dado de realidade para falar em verdade muito menos real É o absurdo de equiparar o real ao imaginário esquecendo que o passado só existe no imaginário na memória e que por isso jamais será real Sem falar que a flecha do tempo é irreversível de modo que o que foi real num fugaz presente nunca mais voltará a sêlo sempre necessária a leitura aqui de COMTESPONVILLE É preciso entender como aponta JACINTO COUTINHO84 que falar em processo é antes de tudo falar de atividade recognitiva de um juiz que não sabe mas que precisa saber Por isso se diz que o juiz é um ignorante pois ele ignora os fatos e necessita de alguém que tenha conhecimento do ocorrido cognitio para lhe permitir a recognitio É com certeza uma cognição bastante contaminada A título de ilustração pensemos na prova testemunhal mas poderia ser qualquer outra principal meio de prova utilizado no processo penal brasileiro graças à pobreza dos meios técnicos e à práxis policial Se imaginarmos a testemunha como o pintor encontramos em MERLEAUPONTY85 a lição magistral de que faltam ao olho condições de ver o mundo e faltam ao quadro condições de representar o mundo Isso porque ensina o autor a ideia de uma pintura universal de uma totalização da pintura de uma pintura inteiramente realizada é destituída de sentido Ainda que durasse milhões de anos para os pintores o mundo se permanecer mundo ainda estará por pintar findará sem ter sido acabado Ademais a verticalidade do homem o impede de conhecer a totalidade pois o mundo está em torno do homem e não diante dele Como animal vertical tem extrema dificuldade na percepção do horizontal Existe uma historicidade surda que avança no labirinto por desvios transgressões usurpação e pressões súbitas que impedem o pintor e a testemunha de retratar Isso não significa explica MERLEAUPONTY que o pintor não saiba o que quer mas sim que ele está aquém das metas e dos meios até pela impossibilidade de apreensão do todo e a verdade é o todo recordando CARNELUTTI O crime é história passado e como tal depende da memória de quem narra A fantasiacriação faz com que o narrador preencha os espaços em branco deixados na memória com as experiências verdadeiras mas decorrentes de outros acontecimentos A imaginação colore a memória com outros resíduos É o clássico exemplo do cubo podemos ver duas no máximo três faces O cubo só é real no imaginário86 pois somente assim se conhecem as seis faces Não há dúvida de que a imaginação não forma imagens mas deforma as cópias pragmáticas fornecidas pela percepção Isso sem considerar a intenção de deturpar pois parte da premissa da boa testemunha o que é uma ilusão Como não poderia deixar de ser o binômio tempovelocidade desempenha um relevante papel Não só pela memória que se perde com o passar do tempo mas também porque explica RUTH GAUER87 os acontecimentos desvanecemse perdemse pois já não há ideias em luta com os fatos Aparece então a negação do fato real Os acontecimentos não são apreendidos uma vez que as imagens não se fixam escapam pela fluidez da velocidade Em suma sob qualquer ângulo que se analise a questão o que se vê é um labirinto de subjetividade e contaminações que não permite atribuir ao processo a função de através da sentença revelar a verdade nem real nem processual pois o problema está na verdade Então pouca dúvida temos de que a verdade contém um excesso epistêmico principalmente para o processo melhor para o ritual judiciário Quando se argumenta que existe uma verdade da acusação outra da defesa e por fim outra que brota da sentença questionase quantas verdades contrapostas podem conviver legitimamente no processo penal E mais como admitir que a sentença seja uma outra verdade Em suma é verdade demais Ou de menos se pensarmos que quando tudo é verdade nada é verdade Existe uma insuperável incompatibilidade entre verdade e o paradoxo temporal ínsito ao ritual judiciário em que um juiz no presente julga um fato do passado gerando efeitos para o futuro O crime sempre é passado logo história fantasia imaginação Depende acima de tudo da memória Logo existe um obstáculo temporal insuperável para a tal verdade o fato de o crime ser sempre passado e depender da presentificação dos signos do passado da memória da fantasia e da imaginação Além disso o juiz no processo penal tem uma atividade similar à do historiador de modo que ele elimina dados consciente ou inconscientemente conserva outros o que nos conduz a questionar por que esses elementos são selecionados e também tem de conviver com uma infinidade de elementos fáticos que lhe são subtraídos quer pelas partes pois é elementar que elas trazem para o processo a parte da história do delito que lhes interessa algo similar ao antigo conceito de lide parcial de CARNELUTTI quer pela própria complexidade que não permite a apreensão do todo E tudo isso é feito dentro do ritual judiciário com seus limites e deformações A verdade na sentença é um mito enquanto revelação sagrada Daí a importância da compreensão do ritual judiciário com sua arquitetura eivada de estátuas a toga o latim a confissão atenuando a pena etc Ou seja o ritual e o seu caráter sacral reforça e presentifica o mito e sublinhese através dele o juiz passa a fazer parte do mito como alguém capaz de ser o portador da revelação É importante compreender que o rito e o ritual judiciário presentifica e reforça o mito da verdade O mito88 fundante do processo notoriamente o inquisitório é a verdade logo isso estrutura um ritual e um procedimento que dê conta dessa função Não sem razão vem todo o simbólico do sagrado no ritual judiciário arquitetura dos tribunais a toga o latim a confissão os juramentos etc para reforçar a crença de que a verdade é uma revelação sagrada Nesse contexto é necessário dotar o juiz de poderes instrutórios para que ele possa ir atrás de tudo aquilo que possa conduzir à revelação da sagrada verdade Como consequência fundase em nome da verdade um processo penal inquisitório com todos os graves inconvenientes que apontamos anteriormente quando explicamos os sistemas processuais No processo inquisitório antítese do acusatório reforçase o mito da verdade notoriamente a real e estruturase um procedimento que dá ao juiz a gestão da prova para ele atuar ativamente na busca da prova em nome de uma pseudoverdade Logo deixa de ser um procedimento em contraditório FAZZALARI No sistema acusatório a verdade não é fundante e não deve ser pois a luta pela captura psíquica do juiz pelo convencimento do julgador é das partes sem que ele tenha a missão de revelar uma verdade Logo com muito mais facilidade o processo acusatório assume a sentença como ato de crença de convencimento a partir da atividade probatória das partes dirigida ao juiz Essa luta de discursos para convencer o juiz marca a diferença do acusatório com o processo inquisitório À luz de tudo isso defendemos uma postura cética em relação à verdade no processo penal Mais negamos completamente a obtenção da verdade como função do processo ou adjetivo da sentença Não se nega que acidentalmente a sentença possa corresponder ao que ocorreu conceito de verdade como correspondente mas não se pode atribuir ao processo esse papel ou missão Não há mais como pretender justificar o injustificável nem mesmo por que aceitar o argumento de que ainda que não alcançável a verdade deve ser um horizonte utópico O pontochave é negar a verdade como função do processo até para fugir da armadilha do sistema inquisitório fundado na busca da verdade É uma ingenuidade que reflete a crença na onipotência do conhecimento jurídico moderno A equação até então éera razão moderna juiz ritual judiciário mito da verdade E o mito fundador da sentença e até do processo inquisitório é a verdade Daí por que desvelar é preciso inclusive para liberto da missão de revelador da verdade caminhar em direção ao processo penal acusatório e democrático Não se pode mais admitir que o processo penal sirva para fazer crer às pessoas que ele determina a verdade dos fatos Isso sempre serviu para legitimar o poder e buscar uma proteção para a razão moderna bem como reforçar o papel divino do juiz boca da lei Isso era e continua sendo útil porque é útil que os cidadãos assim o pensem ainda que na realidade isso não suceda e quiçá precisamente porque na realidade essa tal verdade não possa ser obtida é que se necessita reforçar a crença89 Ou seja a verdade no processo penal é inacessível mas conscientes disso eles montam uma estrutura que precisa legitimar a submissão ao poder através da afirmação de que a sentença e o juiz são portadores da revelação do sagrado verdade Esse é o engenho que não podemos mais tolerar pois também é pensado para negar a subjetividade e todos os diversos fatores psicológicos que afetam o ato de julgar persistindo no mundo onírico de um juiz foradomundo neutro boca da lei etc Então se não se pode afirmar que a sentença seja sempre reveladora da verdade ela é o quê Um ato de convencimento formado em contraditório e a partir do respeito às regras do devido processo Se isso coincidir com a verdade muito bem Importa é considerar que a verdade é contingencial e não fundante O juiz na sentença constrói pela via do contraditório a sua história do delito elegendo os significados que lhe parecem válidos dando uma demonstração inequívoca de crença O resultado final nem sempre é e não precisa ser a verdade mas sim o resultado do seu convencimento construído nos limites do contraditório e do devido processo penal Com a costumeira precisão de suas lições ARAGONESES ALONSO90 nos ensina que o conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz O determinante é convencer o juiz segundo as regras do devido processo penal É assim que funciona o sistema acusatório que liberto da verdade não permite que o juiz tenha atividade probatória recordemos o que já foi dito sobre os sistemas processuais Na instrução as provas nela colhidas são fundamentais para a seleção e eleição das hipóteses históricas aventadas91 As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das hipóteses com a finalidade de convencer o juiz função persuasiva92 Nesse mister persuasivo CORDERO aponta para uma palavrachave fé Os locutores pretendem ser acreditados e tudo o que dizem tem valor enquanto os destinatários crerem Os resultados dependem de variáveis relacionadas aos aspectos subjetivos e emocionais do ato de julgar crer fé As provas desempenham uma função ritual na medida em que inseridas e chamadas a desempenhar um papel de destaque na complexidade do ritual judiciário criando atrativos para tentar uma captura psíquica CORDERO93 de quem está declarando e também dar maior credibilidade fé para quem julga Em suma o processo penal tem uma finalidade retrospectiva em que através das provas produzidas em contraditório pretendese criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado As partes buscam sua captura psíquica para mantêlo em crença sendo que o saber decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença Ou seja o poder do juiz não precisa da verdade para se legitimar até porque sendo ela contingencial caso a sentença não corresponda à verdade o poder seria ilegítimo E isso não ocorre por quê Porque a legitimidade da decisão é dada pela estrita observância do contraditório e das regras do devido processo penal ao longo do ritual judiciário e não em nome de uma pseudoverdade nem sempre possível de ser obtida Logo diante do excesso epistêmico da verdade importa é o convencimento formado a partir do que está e ingressou legalmente no processo significa dizer com estrita observância das regras do due process of law vedandose por primário as provas ilícitas contra o réu e coisas do gênero regido pelo sistema acusatório devidamente evidenciado pela motivação da sentença para permitir o controle pela via recursal Por derradeiro já antecipandonos à crítica não estamos incidindo no erro do relativismo absurdo fruto do ceticismo extremado pois temos consciência de que isso abre um perigoso espaço para legitimar o decisionismo o que nos conduziria a um erro similar ao da verdade real Então é fundamental destacar que as regras do devido processo penal fundantes da instrumentalidade constitucional por nós defendida impõem os limites que devem impedir o decisionismo e o substancialismo Esse respeito às regras do jogo cria condições de possibilidade para o equilíbrio entre o relativismo cético e a mitológica verdade real Assim o processo não deixa de ser um método limitador e caminho necessário para a decisão Há que se encontrar o entrelugar onde se recuse a razão moderna e o dogmatismo oitocentista mas também o relativismo cético tipicamente pósmoderno Importante sublinhar nesse final que não negamos a verdade no processo penal Até porque seria um erro Negar a verdade é também pretender construir uma verdade que é falsa na sua essência Tampouco pensem que estamos negando a verdade e afirmando que a sentença diz uma mentira Elementar que não isso seria um reducionismo grosseiro como grosseira e errônea seria esse tipo de crítica à nossa posição O que propomos não é negar a verdade mas sim um deslocamento da discussão para outra dimensão onde a verdade é contingencial e não estruturante do processo Dessa forma não se nega a verdade mas tampouco a idolatramos evitando assim incidir no erro de dar ao processo a missão de revelar a verdade na sentença o que conduziria à matriz inquisitorial A verdade assim é contingencial e a legitimação da decisão se dá através da estrita observância do contraditório e das regras do devido processo São essas regras que estruturando o ritual judiciário devem proteger do decisionismo e também do outro extremo onde se situa o processo inquisitório e sua verdade real Para finalizar essa questão da verdade nada melhor que CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE94 A porta da verdade estava aberta mas só deixava passar meia pessoa de cada vez Assim não era possível atingir toda a verdade porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade E a segunda metade voltava igualmente com meio perfil E os meios perfis não coincidiam Arrebentaram a porta Derrubaram a porta Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos Era dividida em metades diferentes uma da outra Chegouse a discutir qual a metade mais bela Nenhuma das duas era totalmente bela E carecia optar Cada um optou conforme seu capricho sua ilusão sua miopia 43 Para Refletir A Íntima Relação entre Sistema Processual Inquisitório Gestão da Prova nas Mãos do Juiz e a Busca da Verdade A verdade no processo penal não pode ser vista como um objetivo a ser buscado a que custo muito menos como uma justificativa para as práticas invasivas e abusivas senão como um elemento contingente e até mesmo como um limite ao poder decisório do juiz A problemática busca da verdade no processo penal sempre caminhou junto com o poder especialmente com esse poder divino do juiz de revelar a verdade A verdade como revelação Essa estrutura fundou o sistema inquisitório que tanto devemos dele nos afastar Com CUNHA MARTINS95 compreendemos que a arquitetura do problema passa a contar com as seguintes plataformas uma determinada noção de processo uma determinada noção de sistema processual uma determinada noção de verdade enquanto elemento do sistema processual e uma determinada noção do modo como esse processofeitosistema elege os seus critérios de fundamentação É a íntima relação e interação entre processo sistema processual e busca ou não da verdade Essa ambição de verdade96 que nunca deixa de perigosamente rondar o processo penal deve ser limitada como limitado deve ser o poder ao qual ela adere para se realizar A ambição de verdade acaba por matar o contraditório e portanto o ponto nevrálgico do processo penal democrático e constitucional O Código Napoleônico de 1808 engendra um inteligente sistema bifásico em que a primeira fase investigação preliminar transcorre no sigilo da inquisição é o locus destinado a colher a prova do fato delitivo É ali que se faz o juízo dos fatos a reconstituição do passado a revelação da verdade dos fatos Esse é o momento crucial para definir a base fáticoprobatória sobre a qual irá se desenvolver o processo ou melhor a jurisdição na concepção tradicional e histórica de poder de dizer o direito Nessa estrutura brilhante digase de passagem o poder de revelar a verdade fática está nas mãos do inquisidor que a manipula no sigilo e no labor solitário da fase inquisitória pouco caso fazendo do contraditório inexistente aqui por suposto Quando se chega ao processo então ilusoriamente acusatório e contraditório a verdade histórica já foi definida Ao juiz cabe apenas aplicar o direito ao caso concreto dizer a lei juizbocadalei que deve incidir fazendo o famoso silogismo tão valioso para os modernos Por esse motivo a defesa do sistema misto é um engodo Nessa estrutura inquisitória o poder e o controle sobre a produção do saber não se veem diminuídos ou enfraquecidos pelo sistema acusatório que chega tarde demais quando todo o cenário já está montado Quando entra em cena o ingênuo julgador o cenário já está montado e o roteiro definido Então lhe são apresentadas a verdade histórica e o juízo de fato obtidos na fase inquisitória para que ele diga o direito aplicável ao caso O próprio contraditório passa a ser simbólico e não real e efetivo É exatamente esse o problema do inquérito policial brasileiro que ao integrar os autos do processo e poder ser utilizado como elemento de convencimento do julgador acaba por transformar o processo penal num jogo de cartas marcadas ou melhor dadas a critério do investigador Ingênuos são os juízes que com elas jogam sem darse conta disso A situação no Brasil é ainda mais grave na medida em que o sistema acusatório sequer chega na fase processual Sim pois o art 156 do CPP funda um sistema inquisitório ao atribuir ao juiz poderes instrutórios até mesmo na fase préprocessual É ainda necessário darse conta de que a gestão da prova está vinculada à noção de gestão do fato histórico e portanto deve estar nas mãos das partes Do contrário atribuindose ao juiz estamos incorrendo no erro psicológico da inquisição de permitirlhe reconstruir a história do crime da forma como lhe aprouver para justificar a decisão já tomada o já tratado primado das hipóteses sobre os fatos Permitir que o juiz seja o gestor do fato histórico é incorrer no mais grave dos erros aderir ao núcleo imantador do sistema inquisitório Pior é quando eles os juízes sequer se dão conta de quão genial e perverso por evidente é o engenho da inquisição que lhes faz agir como inquisidores sem se darem conta Isso quando não invocam a bondade bom para que e para quem A compreensão da insuficiência do sistema misto passa pelo desvelamento da ingênua ilusão de pensar que a pseudoacusatoriedade da fase processual dará conta de desfazer essa armadilha montada pela inquisição Esse sem dúvida é o grande golpe de cena do processo penal a que se refere Jacinto Coutinho Daí a importância de repensar a forma como é construído pelas partes em contraditório sistema acusatório ou dado sistema inquisitório o saber sobre o qual se funda o poder jurisdicional Cada vez mais estamos convictos de que o processo acusatório impõe um repensar a construção do saber jurisdicional desde a perspectiva do contraditório delimitando portanto o campo de exercício do poder Para tanto imprescindível que a gestão da prova esteja nas mãos das partes juizespectador e que para dar eficácia a esse princípio seja adotada a exclusão física dos autos do inquérito policial ou qualquer outra forma de investigação preliminar que se tenha garantindose assim a máxima originalidade do julgamento Para que o processo não seja apenas um golpe de cena com cenário e roteiro definidos pela inquisição préprocessual o juízo de fato deve ser feito originariamente no processo à luz do contraditório À fase préprocessual atribuise o importante papel de gerador de meros atos de investigação e não atos de prova de função endoprocedimental como anteriormente explicado Ficam no processo apenas as provas técnicas irrepetíveis e aquelas praticadas no incidente de produção antecipada que não pode ser fruto da iniciativa ex officio do juiz Enquanto não tivermos essa exclusão física aos juízes conscientes só lhes resta fazer o seguinte não ler o inquérito e por decorrência lógica não valorálo na sentença nem mesmo a título de cotejando Mas sublinhese o mais importante é juízes não leiam os autos do inquérito julguem a partir da prova colhida em contraditório E por fim vamos dar uma virada cultural abandonando essa cultura inquisitória tão arraigada Aos juízes não lhes compete o papel de inquisidores de guardiões da segurança pública e responsáveis pela limpeza social como muitos até inconscientemente pensam ser O papel do juiz no processo penal é de guardião da Constituição e da máxima eficácia dos direitos fundamentais do réu a ele submetido Daí por que não se lhes incumbe democraticamente a missão de reveladores da verdade Lutem contra essa ambição de verdade Julguem com tranquilidade com base na prova produzida no processo e absolvam sem culpa Por outro lado condenem é claro quando a prova produzida no processo for plena e disso estiverem realmente convencidos A dúvida deve dar lugar à absolvição não ao sofrimento Quem não for capaz de compreender isso está no lugar errado fazendo a coisa errada Do contrário seguiremos operando no onírico mundo de fantasias do processo penal brasileiro crendo ingenuamente que as coisas vão bem que o sistema misto é suficiente e que os juízes julgam com base na prova produzida no processo 5 Dos Limites à Atividade Probatória 51 Os Limites Extrapenais da Prova O art 155 parágrafo único do CPP expressa a existência de limites extrapenais da prova na medida em que remete à lei civil e exige que se observem as restrições que lá se fazem em relação à prova quanto ao estado das pessoas Diz o dispositivo legal que somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil Assim por exemplo para que incida a agravante do art 61 II e do CP deve haver a prova nos termos da lei civil de que o crime foi praticado contra ascendente descendente irmão ou cônjuge Tais circunstâncias de parentesco ou matrimônio devem ser provadas através da respectiva certidão de nascimento ou casamento conforme o caso Não se comprova o parentesco por prova testemunhal por exemplo de modo que na falta do documento civil respectivo não poderá tal circunstância ser provada de outro modo não incidindo portanto a agravante Na mesma linha a extinção da punibilidade por morte do agente somente pode ser declarada quando houver a prova civilmente prevista ou seja a certidão de óbito como prevê o art 62 do CPP e não poderia ser diferente a disciplina legal 52 Provas Nominadas e Inominadas Os sistemas processuais ao longo de sua evolução adotaram diferentes disciplinas em relação à taxatividade ou não dos meios de prova Na sistemática atual existe uma restrição inicial em relação aos limites da prova penal que vem imposto pela lei civil nos termos do art 155 do CPP anteriormente comentado Superada essa questão a pergunta agora é somente as provas previstas no CPP podem ser admitidas no processo penal O rol é taxativo Como regra sim é taxativo Entendemos que excepcionalmente e com determinados cuidados podem ser admitidos outros meios de prova não previstos no CPP Mas atentese com todo o cuidado necessário para não violar os limites constitucionais e processuais da prova sob pena de ilicitude ou ilegitimidade dessa prova conforme será explicado nos próximos itens Feita essa ressalva ao lado das provas nominadas previstas expressamente no CPP ou em legislação específica tais como a prova testemunhal documental acareações reconhecimentos interceptações telefônicas etc admitimos excepcionalmente a existência de outras inominadas não contempladas portanto na lei como a inspeção judicial Sobre as provas inominadas CORDERO97 defende a admissão de tudo aquilo que não for vedado afirmando que é admissível todo signo útil ao juízo histórico contanto que sua aquisição não viole proibições explícitas ou decorrentes do sistema de garantias Aceitase o reconhecimento olfativo sonoro táctil mas vedase a narcoanálise e o detector de mentira pois são cientificamente inadmissíveis além de violarem a dignidade98 do agente Partindo da compreensão de que somente podemos pensar em provas inominadas que estejam em estrita observância com os limites constitucionais e processuais da prova o processo penal excepcionalmente poderá admitir outros meios de demonstração de fatos ou circunstâncias não enumerados no CPP Isso em geral decorre da própria superação dos meios existentes na década de 40 quando entrou em vigor a legislação processual penal em vigor Se admitirmos que existam provas inominadas desde que observadas as regras de coleta admissão e produção em juízo e que outros importantes elementos de convicção possam ser obtidos com a utilização de outros sentidos que não o visual a questão passa a ter grande relevância Mas cuidado o fato de admitirmos as provas inominadas tampouco significa permitir que se burle a sistemática legal Assim não pode ser admitida uma prova disfarçada de inominada quando na realidade ela decorre de uma variação ilícita de outro ato estabelecido na lei processual penal cujas garantias não foram observadas Exemplo típico de prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia utilizado em muitos casos quando o réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal exercendo seu direito de silêncio nemo tenetur se detegere O reconhecimento fotográfico como explicaremos a seu tempo somente pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal nos termos do art 226 inciso I do CPP nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada Em suma como regra somente podem ser admitidas as provas tipificadas no CPP Excepcionalmente podem ser admitidas provas atípicas ou inominadas desde que não constituam subversão da forma estabelecida para uma prova nominada e ainda guardem estrita conformidade com as regras constitucionais e processuais atinentes à prova penal 53 Limites à Admissibilidade da Prova Emprestada e à Transferência de Provas Por prova emprestada entendese aquela obtida a partir de outra originariamente produzida em processo diverso Há que se distinguir as provas testemunhais e técnicas da mera prova documental Em relação à prova documental em que a parte se limita a fazer cópia de documento juntado em processo diverso para trasladálo ao processo atual não vemos maiores problemas Claro que estamos considerando documentos públicos ou particulares que não envolvam qualquer tipo de sigilo não se encaixando nessa situação cópias de extratos bancários documentos fiscais e outros protegidos até porque o traslado para outro processo implicaria um desvio da finalidade da prova A autorização judicial para quebra do sigilo bancário ou fiscal limitase ao processo em questão não os transformando em públicos para serem utilizados em outro processo criminal Feita essa ressalva como regra não há problema em utilizar documentos juntados em um processo para fazer prova em outro até porque não há qualquer prejuízo para a acusação ou defesa em havendo o tratamento deve ser diverso Questão complexa envolve a juntada de denúncias sentenças ou acórdãos proferidos em outros processos contra o mesmo réu Os inconvenientes situamse noutra dimensão na medida em que são documentos públicos e acessíveis A questão aqui é novamente a cultura inquisitória que ainda domina o ambiente jurídico O que se pretende na maior parte dos casos é mostrar a periculosidade do réu e sua propensão ao delito pior ainda quando argumentam em torno da personalidade voltada para o crime fomentando no juiz um verdadeiro direito penal de autor em oposição ao direito penal do fato para que o réu seja punido não pelo que eventualmente fez ou não naquele processo mas sim por sua conduta social vida pregressa e outras ilações do estilo Incumbe ao juiz considerar que tais documentos não interessam ao processo não contribuindo para averiguação daquele fato em julgamento e determinar o desentranhamento Inclusive invocando a lição de GOMES FILHO99 entendemos que existe um verdadeiro direito à exclusão das provas inadmissíveis impertinentes ou irrelevantes como o são essas que acabamos de referir Esse direito à exclusão é correlato ao direito à prova e serve como importante filtro para evitar o grave retrocesso de construir um processo penal para atender aos inquisitórios fins do direito penal do autor O instrumento adequado em não sendo atendido o pedido de desentranhamento é o Mandado de Segurança impetrado no tribunal com competência para revisar os atos daquele julgador de primeiro grau Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal conforme o coator seja juiz de direito ou juiz federal Quanto à prova testemunhal ou técnica tomada emprestada de processo diverso a limitação é insuperável Inicialmente cumpre perguntar por que trasladar uma prova testemunhal ou técnica de outro processo Porque existe um interesse probatório é a resposta comumente utilizada Pois bem eis aqui o primeiro obstáculo se realmente existisse tal interesse probatório ambos os processos deveriam ter sido reunidos para julgamento simultâneo por força da conexão probatória art 76 III do CPP se não o foram é porque a prova não tem essa importância comum Igualmente insuperável é o segundo aspecto a ser considerado a violação do contraditório e da ampla defesa dependendo do caso Não há como negar que a prova produzida em um processo está vinculada a um determinado fato e réu ou réus Daí por que ao ser trasladada automaticamente estáse esquecendo a especificidade do contexto fático que a prova pretende reconstruir É elementar que uma mesma prova sirva para reconstruir ainda que em parte é claro diferentes faces de um mesmo acontecimento Em outras palavras o diálogo que se estabelece com a prova é vinculado ao fato que se quer apurar ou negar Logo diferentes diálogos são estabelecidos com uma mesma prova quando se trata de apurar diferentes fatos É uma relação semiótica completamente diversa A prova emprestada desconsidera isso e causa sérios prejuízos para todos no processo penal 54 Limites Impostos ao Substancialismo Inquisitorial Obtenção de Prova de Crime Diverso Desvio da Vinculação Causal Princípio da Especialidade da Prova Questão muito complexa e nem sempre enfrentada com a devida profundidade diz respeito à inobservância da necessária vinculação causal que a prova deve guardar especialmente quando estamos diante de uma medida que restringe direitos fundamentais e portanto exige uma decisão judicial fundamentada É o caso da busca e apreensão de provas de um delito de tráfico de drogas em que também são apreendidos documentos relativos ao delito de sonegação fiscal ou a interceptação telefônica autorizada para a apuração de um determinado crime em que também surgem provas da prática de outro delito É válido esse desvio causal para que essa prova sirva para apuração de ambos os delitos Inicialmente é preciso compreender que o ato judicial que autoriza por exemplo a obtenção de informações bancárias fiscais ou telefônicas com o sacrifício do direito fundamental respectivo é plenamente vinculado e limitado Há todo um contexto jurídico e fático necessário para legitimar a medida que institui uma especialidade da medida Ou seja a excepcionalidade e lesividade de tais medidas exigem uma eficácia limitada de seus efeitos e mais ainda uma vinculação àquele processo Tratase de uma vinculação causal em que a autorização judicial para a obtenção da prova naturalmente vincula a utilização naquele processo e em relação àquele caso penal sendo assim ao mesmo tempo vinculada e vinculante Essa decisão ao mesmo tempo em que está vinculada ao pedido imposição do sistema acusatório é vinculante em relação ao material colhido pois a busca e apreensão interceptação telefônica quebra do sigilo bancário fiscal etc está restrita à apuração daquele crime que ensejou a decisão judicial Não há que se admitir o abuso do poder de polícia no cumprimento de medidas judicialmente determinadas e limitadas pois isso conduz à ilegalidade do excesso cometido Nessa linha ainda que faça um perigoso giro argumentativo ao tratar da criminalidade macroeconômica com o qual não concordamos PACELLI100 exemplifica a busca e apreensão para a busca de animais silvestres na qual os policiais passam a revirar as gavetas ou armários da residência Nesse caso posicionase o autor pela ilicitude das provas de infração penal que não estejam relacionadas com o mandado de busca e apreensão pois a ação policial fugiria do controle judicial configurando verdadeira ilegalidade por violação do domicílio no ponto em que para aquela finalidade o ingresso na residência não estaria autorizado Assim o chamado princípio da especialidade da prova situase numa linha de tensão com a chamada transferência de provas cuja discussão costuma aparecer no campo do Direito Penal econômico em que órgãos estatais como Receita Federal COAF BACEN etc fazem intercâmbio de documentos e provas A vinculação causal da prova especialidade é decorrência natural da adoção de um processo penal minimamente evoluído como forma de recusa ao substancialismo inquisitorial e às investigações abertas e indeterminadas Como decidiu o Tribunal Supremo da Espanha em 03101996 interpretando o art 579 da LECrim que disciplina a interceptação telefônica rige el llamado principio de especialidad que justifica la intervención solo al delito investigado Outro não pode ser o tratamento da prova que por limitar direitos fundamentais exige e impõe a reserva de jurisdição como garantia e limite ao exercício do poder Daí por que o problema situase a nosso juízo numa dimensão muito mais profunda Quando se desvia o foco da investigação de um fato certo e determinado para abranger qualquer tipo de ilícito que eventualmente tenha praticado o réu operase no campo do substancialismo inquisitorial Tratase de perquirir sem uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação o que resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal FERRAJOLI inserindose no referencial inquisitório o que constitui uma postura incompatível com os limites de um processo penal democrático e acusatório Constitui um absurdo obter por exemplo uma autorização judicial para realização de uma interceptação telefônica para apuração do delito de tráfico de substâncias entorpecentes e posteriormente utilizar esse material probatório para instauração de outro processo criminal pelo delito de sonegação fiscal Existe um ilegal desvio causal da prova autorizada para apuração de um crime e utilizada para punição de outro Tornase ainda mais grave a ilegalidade no exemplo citado se a prova for utilizada no segundo processo e este tiver sido instaurado para apuração do delito previsto no art 2º da Lei n 8137 apenado com detenção recordemos que o art 2º da Lei n 9296 veda a interceptação telefônica quando o fato for apenado com detenção Nem mesmo o CPP alemão StPO que não constitui nenhum exemplo de código democrático admite tal abertura Determina o 100b 5 que as informações pessoais obtidas pela intervenção telefônica somente podem ser utilizadas como prova em outro procedimento quando der elementos necessários para esclarecimento de um dos delitos constantes no taxativo rol do 100a Igualmente inadmissível é que seja determinada judicialmente a restrição de determinado direito fundamental do réu inviolabilidade do domicílio sigilo das comunicações telefônicas etc e essa prova venha a ser utilizada contra terceiros Imaginemos que em determinado processo seja autorizada a interceptação telefônica do réu A e na execução dessa medida venha a ser obtida uma conversa que incrimine um terceiro C por outro delito É válida essa prova em relação a C Em situação similar assim entendeu o STF 101 pois se a autorização judicial limitava o sigilo das comunicações de determinados réus permitindo a interceptação de suas conversas telefônicas parece nos óbvio que o sigilo de terceiros não está abrangido por essa medida pois a autorização judicial obviamente não os alcança Já constitui uma violência ilegítima mas inevitável diante da natureza do instrumento probatório empregado que terceiros tenham suas conversas com o réu gravadas Isso é inevitável compreendese Contudo é elementar que em relação a terceiros o produto dessa interceptação telefônica não possa ser utilizado pois viola a especialidade e vinculação da prova A questão assemelhase à da prova emprestada por nós rechaçada com a agravante de que normalmente referese a uma prova cuja obtenção tenciona direitos fundamentais exigindo assim autorização judicial Empregando raciocínio similar no âmbito da Cooperação Penal Internacional o princípio da especialidade é usado não no sentido estritamente probatório como estamos fazendo mas de forma parecida No Estatuto de Roma encontramos o princípio da especialidade no seu art 101 Art 101 Princípio da Especialidade 1 Um indivíduo entregue ao Tribunal em virtude do presente Estatuto não será processado punido ou detido por conduta anterior a sua entrega distinta da conduta que constitua a base dos crimes pelos quais houver sido entregue 2 O Tribunal poderá solicitar ao Estado que fez a entrega que o dispense do cumprimento dos requisitos estabelecidos no parágrafo 1º e se necessário fornecerá informações adicionais em conformidade com o artigo 91 Os Estadospartes estarão facultados a conferir essa dispensa ao Tribunal e deveriam procurar fazêlo Aqui a especialidade se refere à vinculação causal entre o crime que motivou a entrega do imputado ao tribunal e o julgamento a ser feito não podendo o tribunal processar por crime diverso daquele que tenha constituído a base causal do pedido A regra da especialidade102 também é adotada em matéria de extradição conforme dispõe o art 91 I da Lei n 681580 Ainda no campo da cooperação internacional é possível a invocação do princípio da especialidade da prova de modo que se a prova obtida através da cooperação foi pedida com fundamento em um determinado tipo penal corrupção sonegação fiscal etc não poderá ser utilizada para legitimar uma denúncia por tipo penal diverso Em suma essa é a nossa posição sem negar a possibilidade de que a prova obtida a partir do desvio causal sirva como starter da investigação do novo crime se preferir como notíciacrime103 sendo assim uma fonte de prova mas não como prova Não será a prova mas um elemento indiciário para o início da investigação de modo que nova investigação pode ser instaurada e novas buscas interceptações etc podem ser adotadas Mas a prova desse crime deve ser construída de forma autônoma Em que pese a maior parte da doutrina que trata do tema admitir que a prova obtida mediante desvio causal seja o starter de uma nova investigação há que se ponderar o seguinte se usarmos a prova obtida com desvio causal ainda que a título de conhecimento fortuito estaremos utilizando uma prova ilícita derivada Isso gera um paradoxo insuperável a prova é ilícita despida de valor probatório portanto em um processo mas valeria como notíciacrime em outro Ora partindo do Princípio da Legalidade a investigação tem que iniciar a partir de prova lícita e não de uma prova ilícita sob pena de contaminarmos todos os atos praticados na continuação Dessarte o tema é complexo e repleto de nuances exigindo muita cautela no trato Ainda noutra dimensão não há que se confundir o limite que defendemos com a possibilidade de prisãoapreensão em caso de flagrante delito ou mesmo de crime permanente até porque o flagrante é também permanente nesse caso Assim se ao ser realizada a busca e apreensão de documentos para apuração de um delito de evasão de divisas por exemplo forem encontradas armas ilegais ou drogas no local esses objetos poderão ser apreendidos sem qualquer problema pois constituem o próprio corpo de delito de outro crime Sublinhemos essa ressalva para evitar interpretações equivocadas da limitação causal que estamos defendendo Retomando o ponto principal da discussão existe outra posição diversa da nossa e que deve ser analisada com atenção Como cita SCARANCE FERNANDES104 ao tratar da interceptação telefônica mas o raciocínio pode ser empregado para outras provas parte da doutrina procura situar a questão num ponto médio admitindo a ilicitude por desvio do objeto da interceptação ou busca autorizada por exemplo mas considerando que nem toda prova obtida em relação a crime diverso daquele da autorização será ilícita Aponta o autor que essa corrente utiliza o critério da existência de nexo entre os dois crimes O critério do crime conexo até poderia ser adotado para permitir que a prova obtida a partir do desvio causal seja admitida desde que se refira a um crime conexo àquele que motivou o ato probatório busca e apreensão interceptação telefônica etc Contudo o problema passa a ser o seguinte o que se pode entender por crime conexo especificamente nessa matéria de especialidade da prova Serve a sistemática do art 76 do CPP Se considerarmos que a conexão implica reunião das infrações penais para julgamento simultâneo a prova passará a integrar o mesmo processo Logo se o caso penal de determinado processo é composto por dois crimes conexos ainda que a medida probatória restritiva de direitos fundamentais seja determinada para apurar apenas um dos crimes é inevitável que o material probatório ingresse no processo regido pelo princípio da comunhão da prova de modo que passará a ser prova do processo podendo ser utilizada por ambas as partes e em relação a todos os fatos lá apurados Nossa restrição diz respeito à abertura do conceito conexão na sistemática do CPP e aos eventuais abusos a que pode essa abertura dar azo Entre os incisos do art 76 do CPP por exemplo temos a chamada conexão probatória inciso III extremamente abrangente Nela o interesse probatório vai muito além de qualquer relação de prejudicialidade penal permitindo um amplo espaço de discricionariedade judicial Daí por que nesse ponto a leitura deve ser restritiva somente se admitindo o aproveitamento em casos de conexão evidente Na mesma linha leitura restritiva pensamos situarse a conexão objetiva ou teleológica do inciso II Outra espécie de conexão problemática nessa matéria é a intersubjetiva cujas modalidades estão no inciso I do CPP Como se percebe o núcleo imantador é além da pluralidade de crimes imprescindível para que se fale em conexão a existência de várias pessoas Ou seja a reunião se dá pela intersubjetividade Aqui a única conexão que pode interessar e ser admitida é a intersubjetiva concursal segunda modalidade do inciso I na qual há concurso de agentes para a prática de dois ou mais crimes Além de se reunirem os crimes também há reunião dos agentes tudo para simultaneidade de processo e julgamento Logo a busca e apreensão da casa de um dos corréus pode gerar material probatório em relação a todos reunidos por força do concurso de agentes Aqui precisamos abrir um parêntese seguindo essa linha quando dois ou mais agentes forem acusados pelo mesmo crime unidade delitiva haverá reunião de todos para julgamento simultâneo por força da continência art 77 I Portanto também a continência permite o desvio causal pois a prova obtida de um dos réus passará a integrar o processo no qual também figuram os corréus Recordemos e reforcemos nossa posição de que o terceiro não pode ser alcançado Mas no caso da conexão intersubjetiva concursal ou da continência do art 77 I o corréu não é terceiro mas sim parte no processo Por consequência a prova integrará o processo e poderá ser utilizada a favor ou contra ambos os réus Em suma há que se atentar para a vinculação causal da prova como forma de evitarse o substancialismo inquisitório e as investigações genéricas verdadeiros arrastões sem qualquer vinculação com a causa que os originou Todo ato judicial que autoriza por exemplo a obtenção de informações bancárias fiscais ou telefônicas com o sacrifício do direito fundamental respectivo é plenamente vinculado e limitado105 As regras da conexão podem ser admitidas como forma de relativizar o princípio da especialidade da prova mas exigem sempre uma leitura restritiva desse conceito bem como a demonstração da real existência dos elementos que a compõem O que não se pode tolerar é a fraude de etiquetas em que a conexão é engendrada para permitir o desvio da vinculação causal imposta pelo princípio da especialidade Ademais quando se trata de restrição de direitos fundamentais a leitura deve sempre ser restritiva e a aplicação devidamente legitimada pois não se presume a legitimidade da restrição todo o oposto A regra é a liberdade em sentido amplo ou seja el derecho al libre desarrollo de la personalidad sendo as formas de restrição exceções que devem sempre ser legitimadas e restritivamente aplicadas Por derradeiro respeitadas as ressalvas feitas em relação à conexão todo e qualquer desvio no nexo causal probatório conduz à ilicitude da prova por lesão do respectivo direito fundamental sigilo bancário inviolabilidade do domicílio sigilo das comunicações telefônicas etc como explicaremos a seguir 55 Limites à Licitude da Prova Distinção entre Prova Ilícita e Prova Ilegítima Intimamente relacionado com as questões anteriores especialmente a compreensão dos modos de construção do convencimento do juiz da eficácia da principiologia probatória e da superação do dogma da verdade real os limites à atividade probatória surgem como decorrência do nível de evolução do processo penal que conduz à valoração da forma dos atos processuais enquanto garantia a ser respeitada Assim a problemática em torno da prova ilícita e da prova ilegítima deve ser analisada nesse contexto Importante destacar novamente que não se podem fazer analogias ou transmissão mecânica das categorias do processo civil para o processo penal pois aqui partimos da inafastável premissa de que a forma dos atos é uma garantia na medida em que implica limitação ao exercício do poder estatal de perseguir e punir Portanto desde logo em que pesem as diversas manifestações do senso comum teórico e jurisprudencial devem ser repelidas as noções de prejuízo e finalidade que têm conduzido os tribunais brasileiros a absurdos níveis de relativização das nulidades e portanto das próprias regras e garantias do devido processo Feita essa ressalva introdutória passemos ao tema O cânon processual da admissibilidade pode ser sintetizado na seguinte negativa uma prova é admissível sempre que nenhuma norma a exclua106 CORDERO107 explica que existe uma relação de ato anterior a posterior Dessa forma a prova admitida deve ser produzida e a contrário senso somente pode ser admitida aquela prova que possa ser produzida No que se refere à contaminação uma prova ilicitamente admitida ainda que produzida segundo os cânones endoprocessuais será nula por derivação Por outro lado quando regularmente admitida mas com defeito na aquisição não haverá qualquer contaminação da decisão de admissão pois a contaminação não tem efeito retroativo que lhe permita alcançar o ato precedente Válida a admissão e defeituosa a produção repetese somente este último ato Já a problemática envolvendo a contaminação de outros atos probatórios será analisada na continuação A Constituição prevê no seu art 5º LVI que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos Estamos diante de uma norma geral que simplesmente menciona processo sem fazer qualquer distinção entre processo civil e penal exigindo assim uma interpretação adequada à especificidade do processo penal e às exigências das demais normas constitucionais que o disciplinam Inclusive nessa matéria a vedação absoluta deve em determinado caso ser relativizada como veremos na continuação Assim importantes limitações constitucionais ao direito à prova devem ser pontualizadas direito de intimidade inciso X inviolabilidade do domicílio inciso XI inviolabilidade do sigilo da correspondência e das telecomunicações inciso XII além da genérica inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos inciso LVI A Lei n 116902008 inseriu o tratamento da prova ilícita no Código de Processo Penal assim dispondo Art 157 São inadmissíveis devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais Devemse distinguir108 prova ilegal ilegítima e ilícita A prova ilegal109 é o gênero do qual são espécies a prova ilegítima e a prova ilícita Assim prova ilegítima quando ocorre a violação de uma regra de direito processual penal no momento da sua produção em juízo no processo A proibição tem natureza exclusivamente processual quando for imposta em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo110 Exemplo juntada fora do prazo prova unilateralmente produzida como o são as declarações escritas e sem contraditório etc prova ilícita é aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento da sua coleta anterior ou concomitante ao processo mas sempre exterior a este fora do processo Nesse caso explica MARIA THEREZA111 embora servindo de forma imediata também a interesses processuais é vista de maneira fundamental em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos independentemente do processo Em geral ocorre uma violação da intimidade privacidade ou dignidade exemplos interceptação telefônica ilegal quebra ilegal do sigilo bancário fiscal etc A questão é saber se uma prova legítima pois corretamente produzida no processo juntada no prazo etc mas ao mesmo tempo ilícita na medida em que houve a violação de uma norma de direito material ou da Constituição no momento de sua obtenção pode ser valorada pelo juiz no julgamento Infelizmente a redação do art 157 é confusa especialmente quando aponta que provas ilícitas seriam aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais Esse legais referese às normas materiais ou processuais Pensamos que apenas às normas materiais persistindo porque necessária a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas tendo o art 157 se ocupado das provas ilícitas obtidas em desconformidade com a Constituição ou leis materiais A rigor a prova ilegítima nem entra no processo ou se erroneamente admitida deve ser desentranhada Contudo quando a prova é produzida no processo com violação das normas processuais a ela atinentes a situação aproximase daquela questionada no parágrafo anterior cuja resposta vem dada pelas teorias a seguir analisadas A distinção112 é ainda mais relevante se considerarmos que as provas ilícitas inadmissíveis no processo portanto não são passíveis de repetição pois o vício vinculase ao momento em que foi obtida exterior ao processo Assim não havendo possibilidade de repetição devem as provas ilícitas ser desentranhadas dos autos e destruídas Noutra dimensão as provas ilegítimas em que o vício se dá na dimensão processual de ingresso ou produção há a possibilidade de repetição do ato Nesse caso o que foi feito com defeito pode ser refeito e portanto validado pela repetição 56 Teorias sobre a Admissibilidade das Provas Ilícitas Em ambos os casos o tratamento vem dado através de uma das seguintes posições chamadas de teorias das provas ilícitas mas que acabam servindo em determinados casos também às provas ilegítimas Em suma como bem sintetiza MARIA THEREZA ASSIS MOURA 113 são as seguintes posições que encontramos sobre o tema 561 Admissibilidade Processual da Prova Ilícita Para essa corrente a prova poderia ser admitida desde que não fosse vedada pelo ordenamento processual Não interessava a violação do direito material Para seus seguidores minoritários hoje o responsável pela prova ilícita poderia utilizála no processo respondendo em outro processo pela eventual violação da norma de direito material que poderia constituir um delito ou mesmo um ilícito civil Nessa linha CORDERO114 afirma que não interessa a violação de normas de direito material apenas a vedação processual Explica o autor que queda por decir cuándo una prueba es admisible y conviene decirlo por la negativa lo es siempre que ninguna norma la excluya Normas procesales claro está No importa que haya sido descubierta o establecida ilícitamente Un caso típico es la requisa no ordenada por el magistrado y realizada por la policía fuera de los casos previstos en el artículo 352 apartado 1 delito flagrante o evasión los que efectúan la requisa responden por el abuso CP art 609 pero si han decubierto cosas referentes al delito nada impide la convalidación del secuestro art 355 apdo 2 y lo hallado por ejemplo el arma homicida termina en los materiales destinados al debate art 431 letra f En el fondo es obvio hasta dónde las pruebas son admisibles fenómeno del proceso lo dicen reglas internas al sistema o sea procesales A crítica a essa corrente nasce exatamente dessa paradoxal situação criada um mesmo objeto diante da ilicitude com que foi obtido seria considerado como corpo de delito para ensejar a condenação de alguém e ao mesmo tempo seria perfeitamente válido para produzir efeitos no processo penal Como dito no Brasil hoje é uma posição que não encontra mais qualquer abrigo na jurisprudência 562 Inadmissibilidade Absoluta Defendem essa posição os que fazem uma leitura literal do art 5º LVI da Constituição onde está previsto que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos Tal teoria encontra eco principalmente nos casos em que na obtenção da prova ilícita são violados direitos constitucionalmente assegurados Partem ainda da premissa de que a vedação constitucional não admitiria exceção ou relativização É uma corrente que possui vários seguidores e que encontra algum abrigo na jurisprudência inclusive do STF A crítica é exatamente em relação à absolutização da vedação num momento em que a ciência desde a teoria da relatividade e o próprio direito constitucional negam o caráter absoluto de regras e direitos Para nós desde Einstein não há mais espaço para tais teorias que têm a pretensão de serem absolutas ainda mais quando é evidente que todo saber é datado e tem prazo de validade e principalmente que a Constituição como qualquer lei já nasce velha diante da incrível velocidade do ritmo social Logo a inadmissibilidade absoluta tem a absurda pretensão de conter uma razão universal e universalizante que poderia prescindir da ponderação exigida pela complexidade que envolve cada caso na sua especificidade 563 Admissibilidade da Prova Ilícita em Nome do Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade115 Para os seguidores dessa corrente a prova ilícita em certos casos tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido poderia ser admitida Abranda a proibição para admitir a prova ilícita em casos excepcionais e graves quando a obtenção e a admissão forem consideradas a única forma possível e razoável para proteger a outros valores fundamentais A intenção é evitar aqueles resultados repugnantes e flagrantemente injustos No Brasil é adotada com reservas sobretudo nas questões de direito de família Em matéria penal são raras as decisões que a adotam116 O perigo dessa teoria é imenso na medida em que o próprio conceito de proporcionalidade é constantemente manipulado e serve a qualquer senhor Basta ver a quantidade imensa de decisões e até de juristas que ainda operam no reducionismo binário do interesse público x interesse privado para justificar a restrição de direitos fundamentais e no caso até a condenação a partir da prevalência do interesse público É um imenso perigo grave retrocesso lançar mão desse tipo de conceito jurídico indeterminado e portanto manipulável para impor restrição de direitos fundamentais117 Recordemos que o processo penal é democratizado por força da Constituição e isso implica a revalorização do homem en toda la complicada red de las instituciones procesales que sólo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad el hombre118 E mais aqueles que ainda situam a discussão no campo público versus privado além de ignorarem a inaplicabilidade de tais categorias quando estamos diante de direitos fundamentais possuem uma visão autoritária do direito e equivocada do que seja sociedade e das respectivas categorias de interesse público coletivo etc Entendemos que sociedade deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência e não mais como um ente superior de que dependem os homens que o integram Inadmissível uma concepção antropomórfica na qual a sociedade é concebida como um ente gigantesco no qual os homens são meras células que lhe devem cega obediência Nossa atual Constituição e antes dela a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior essa visão antropomórfica que corresponde a um sistema penal autoritário119 Em suma no processo penal há que se compreender o conteúdo de sua instrumentalidade recusar tais construções 564 Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo Nesse caso a prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do réu Tratase da proporcionalidade pro reo em que a ponderação entre o direito de liberdade de um inocente prevalece sobre um eventual direito sacrificado na obtenção da prova dessa inocência Situação típica é aquela em que o réu injustamente acusado de um delito que não cometeu viola o direito à intimidade imagem inviolabilidade do domicílio das comunicações etc de alguém para obter uma prova de sua inocência Como explica GRECO FILHO120 uma prova obtida por meio ilícito mas que levaria à absolvição de um inocente teria de ser considerada porque a condenação de um inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admitida ainda que se sacrifique algum outro preceito legal Desnecessário argumentar que a condenação de um inocente fere de morte o valor justiça pois o princípio supremo é o da proteção dos inocentes no processo penal Ademais devese recordar que o réu estaria quando da obtenção ilícita da prova acobertado pelas excludentes da legítima defesa121 ou do estado de necessidade conforme o caso Também é perfeitamente sustentável a tese da inexigibilidade de conduta diversa excluindo agora a culpabilidade Tais excludentes afastariam a ilicitude da conduta e da própria prova legitimando seu uso no processo Na mesma linha RANGEL122 aponta o acerto da aplicação da chamada teoria da exclusão da ilicitude em que a conduta do réu ao obter a prova ilícita está amparada pelo direito causa de exclusão da ilicitude e portanto essa prova não pode mais ser considerada ilícita Assim por exemplo pode ser admitida a interceptação telefônica feita pelo próprio réu sem ordem judicial desde que destinada a fazer prova de sua inocência em processo criminal que busca sua condenação Ou ainda quando comete um delito de invasão de domicílio ou violação de correspondência para buscar elementos que demonstrem sua inocência estaria ao abrigo do estado de necessidade que excluiria a ilicitude de sua conduta e conduziria à admissão da prova Questão interessante que pode surgir é a seguinte se em determinado processo criminal admitese a prova ilícita porque benéfica ao réu proporcionalidade pro reo podese após utilizar essa prova para em outro processo penal punir terceiros Entendemos que não Essa prova ilícita que excepcionalmente está sendo admitida para evitar o absurdo que representa a condenação de um inocente não pode ser utilizada contra terceiro Ou seja a mesma prova que serviu para a absolvição do inocente não pode ser utilizada contra terceiro na medida em que em relação a ele essa prova é ilícita e assim deve ser tratada inadmissível portanto Não há nenhuma contradição nesse tratamento na medida em que a prova ilícita está sendo excepcionalmente admitida para evitar a injusta condenação de alguém proporcionalidade Essa admissão está vinculada a esse processo Não existe uma convalidação ou seja ela não se torna lícita para todos os efeitos senão que apenas é admitida em um determinado processo em que o réu que a obteve atua ao abrigo do estado de necessidade Ela segue sendo ilícita e portanto não pode ser utilizada em outro processo para condenar alguém sob pena de por via indireta admitirmos a prova ilícita contra o réu sim porque ele era terceiro no processo originário mas assume agora a posição de réu Tampouco pode ser invocada a proporcionalidade contra réu pelos motivos expostos na crítica à terceira corrente Em definitivo não pode ser utilizada contra terceiro pois frente a ele essa prova continua ilícita Com certeza diante das demais teorias expostas é a mais adequada ao processo penal e ao conteúdo de sua instrumentalidade na medida em que o processo penal é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição A jurisprudência não é pacífica mas há acórdãos acolhendo esse entendimento 57 Prova Ilícita por Derivação 571 O Princípio da Contaminação e sua Relativização Independent Source e Inevitable Discovery Definida a questão da admissibilidade ou não passemos ao problema da contaminação da prova ilícita sobre as demais Uma vez considerada ilícita a prova e não tendo sido ela admitida conforme as teorias anteriormente tratadas deve ser verificada a eventual contaminação que essa prova produziu em outras e até mesmo na sentença conforme exigência feita pelo art 573 1º do CPP Com o advento da Lei n 116902008 a problemática da contaminação foi assim disciplinada Art 157 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras 2º Considerase fonte independente aquela que por si só seguindo os trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível esta será inutilizada por decisão judicial facultado às partes acompanhar o incidente Desses enunciados extraemse algumas regras inadmissibilidade da prova derivada princípio da contaminação não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo de causalidade não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente daquela ilícita desentranhamento e inutilização da prova considerada ilícita Vejamos agora sucintamente algumas considerações sobre essas regras O princípio da contaminação tem sua origem no caso Silverthorne Lumber Co v United States em 1920 tendo a expressão fruits of the poisonous tree sido cunhada pelo Juiz Frankfurter da Corte Suprema no caso Nardone v United States em 1937 Na decisão afirmouse que proibir o uso direto de certos métodos mas não pôr limites a seu pleno uso indireto apenas provocaria o uso daqueles mesmos meios considerados incongruentes com padrões éticos e destrutivos da liberdade pessoal123 A lógica é muito clara ainda que a aplicação seja extremamente complexa de que se a árvore está envenenada os frutos que ela gera estarão igualmente contaminados por derivação Exemplo típico é a apreensão de objetos utilizados para a prática de um crime armas carros etc ou mesmo que constituam o corpo de delito e que tenham sido obtidos a partir da escuta telefônica ilegal ou através da violação de correspondência eletrônica Mesmo que a busca e apreensão seja regular com o mandado respectivo é um ato derivado do anterior ilícito Portanto contaminado está Voltando ao princípio da contaminação entendemos que o vício se transmite a todos os elementos probatórios obtidos a partir do ato maculado literalmente contaminandoos com a mesma intensidade Dessa forma devem ser desentranhados o ato originariamente viciado e todos os que dele derivem ou decorram pois igualmente ilícita é a prova que deles se obteve O maior inconveniente é a timidez com que os tribunais tratam da questão focando no nexo causal de forma bastante restritiva para verificar o alcance da contaminação Assim acabam tornando lícitas provas que estão contaminadas sob o argumento de que não está demonstrada claramente uma relação de causa e efeito Significa considerar que não existe conexão com a prova ilícita ou que essa conexão é tênue não se estabelecendo uma clara relação de causa e efeito Intimamente relacionada com a problemática em torno do nexo causal está a teoria da fonte independente Significa que as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas de outra maneira Falase no primeiro caso em independent source e no segundo na inevitable discovery Exemplo124 de aplicação da teoria da fonte independente independent source doctrine ocorreu no caso Murray v United States em 1988 em que policiais entraram ilegalmente em uma casa onde havia suspeita de tráfico ilícito de drogas e confirmaram a suspeita Posteriormente requereram um mandado judicial para busca e apreensão indicando apenas as suspeitas e sem mencionar que já haviam entrado na residência De posse do mandado realizaram a busca e apreenderam as drogas A Corte entendeu que a prova era válida e que não estava contaminada Isso porque no entendimento da Corte nesse caso o mandado de busca para justificar a segunda entrada seria obtido de qualquer forma apenas com os indícios iniciais Essa fonte era independente e préconstituída em relação à primeira entrada ilegal Já a exceção da descoberta inevitável inevitable discovery exception foi utilizada no caso Nix v Williams em 1984 para validarse a prova que poderia ser certamente obtida por qualquer outra forma No caso em julgamento125 o acusado havia matado uma criança e escondido seu corpo Foi realizada uma busca no município com 200 voluntários divididos em zonas de atuação Durante essa busca a polícia obteve ilegalmente a confissão do imputado o qual especificou o local onde havia ocultado o corpo tendo ele sido efetivamente encontrado no local indicado Contudo pela sistemática das buscas realizadas em poucas horas os voluntários também teriam encontrado o cadáver Logo a descoberta foi considerada inevitável e portanto válida a prova Em relação a essas teorias especialmente a última a Corte Suprema entendeu que a carga de provar que a descoberta era inevitável é inteiramente da acusação No Brasil o STF proferiu interessante decisão sobre a prova ilícita e especialmente sobre a independent source no julgamento do RHC 90376 RJ relator Min CELSO DE MELLO 2ª Turma julgado em 03042007126 No caso em comento em apertada síntese tratavase de uma busca e apreensão de materiais e equipamentos realizada em quarto de hotel sem o respectivo mandado judicial O STF entendeu que o quarto de hotel merece a mesma tutela de inviolabilidade que a casa art 5º XI da Constituição sendo ilícita a prova produzida sem a respectiva autorização judicial A seguir travouse a discussão acerca da contaminação dos atos subsequentes tendo o STF sustentado a necessidade de exclusão da prova originariamente ilícita e de todas aquelas posteriores que mesmo produzidas validamente estavam contaminadas pelo efeito da repercussão causal São igualmente ilícitos os elementos obtidos pelas autoridades estatais que somente a eles tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita Contudo e aqui se revela o problema da teoria da fonte independente se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita com esta não mantendo vinculação causal tais dados probatórios revelarseão plenamente admissíveis porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária Como construção teórica a tese da fonte independente e também do encontro inevitável é bastante clara e lógica mas revelase perversa quando depende da casuística e da subjetividade do julgador na medida em que recorre a conceitos vagos e imprecisos como o é a própria discussão em torno do nexo causal que geram um espaço impróprio para a discricionariedade judicial Ambas as teorias fonte independente e encontro inevitável atacam o nexo causal e servem para mitigar a teoria da contaminação restringindo ao máximo sua eficácia de modo que como sintetiza MARIA THEREZA127 se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada ou se esta derivar de fonte própria não fica contaminada e pode ser produzida em juízo O princípio da contaminação fruit of the poisonous tree constituiu um grande avanço no tratamento da prova ilícita mas que foi infelizmente atenuado a ponto de a matéria tornarse perigosamente casuística O tal raciocínio hipotético a ser desenvolvido para aferir se uma fonte é independente ou não conduz ao esvaziamento do princípio da contaminação Na mesma esteira ZILLI128 afirma que a operação proposta é perigosa podendo levar a um alargamento da tolerância judicial das provas derivadas desvirtuando o sentido da teoria da contaminação129 Assim predomina o entendimento nos tribunais superiores de que não se anula a condenação se a sentença não estiver fundada exclusivamente na prova ilícita Tampouco se anula a decisão condenatória em que pese existir uma prova ilícita se existirem outras provas lícitas aptas a fundamentar a condenação Por derradeiro a teoria da contaminação é bastante mitigada levada quase à ineficácia pela aplicação da teoria da fonte independente e suas variações Feita essa exposição do entendimento em vigor passemos à crítica 572 Visão Crítica Superando o Reducionismo Cartesiano O art 157 traz para o CPP alguma disciplina sobre as provas ilícitas A inovação que dará muita dor de cabeça para todos é a pouco clara disposição acerca do nexo causal que define a contaminação e ainda a chamada teoria da fonte independente Como regra são disposições vagas e imprecisas que recorrem a aberturas perigosas como trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal O que é isso Uma porta aberta para legitimar qualquer coisa que sirva à clara intenção de limitar ao máximo a eficácia do princípio da contaminação Mas tinha algo nesse projeto que representava uma grande evolução rumo ao desvelamento do infantil ou perverso cartesianismo vigente Era o 4º do art 157 cuja redação original era o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou o acórdão Quanto ao problema da contaminação do juiz que teve contato com a prova ilícita e que deveria ser impedido de julgar o veto ao 4º do art 157 deve ser analisado a partir de seus próprios fundamentos de que a exclusão desse juiz comprometeria a eficácia do processo penal gerando tumulto nas comarcas de juízo único Logo a contrário senso nas varas em que existam dois ou mais juízes não se justificaria a manutenção do juiz contaminado Não havendo o motivo apontado no veto não há mais o menor fundamento para erroneamente manter um juiz contaminado no processo proferindo sentença a partir da convicção formada com base na prova ilícita É óbvio que o juiz que conheceu a prova ilícita não pode julgar pois está contaminado Não basta desentranhar a prova devese desentranhar o juiz Mas para surpresa e decepção geral esse inciso foi vetado com uma pseudofundamentação calcada em risíveis argumentos No fundo venceu a ideologia punitivista e o substancialismo inquisitório daqueles que julgandose do bem não têm pudores em fazer o mal ao outro é claro custe o que custar A pergunta é isso é bom para quem Quem nos protege desse tipo de bondade A questão da contaminação da prova ilícita nos parece ser muito mais complexa do que costumeiramente tem sido tratada Iniciemos pela análise de duas premissas que nos parecem fundantes de qualquer posicionamento nessa matéria 1ª A noção de nexo causal em matéria de contaminação probatória exige uma análise séria e desapaixonada de modo que somente as provas absolutamente independentes podem permanecer 2ª O juiz que teve contato com a prova ilícita está contaminado e não pode julgar A primeira premissa exige uma mudança radical da leitura a partir da própria compreensão da instrumentalidade constitucional do processo penal A noção de nexo causal deve ser ampliada quando se trata de reconhecer a contaminação Ou seja até que se demonstre o contrário a prova produzida na continuação daquela ilícita deverá ser tida como contaminada desde que mantenha um mínimo de relação de causaefeito obviamente se ficar evidente a independência não há que se anularem as demais provas Isso significa uma inversão completa do tratamento do nexo causal em relação àquele empregado pelos tribunais em que a prova somente é anulada por derivação se ficar inequivocamente demonstrada a contaminação admitindose todo tipo de ginástica argumentativa para salvar a prova contaminada Defendemos exatamente o oposto salvo se ficar inequivocamente demonstrada a independência as provas subsequentes deverão ser anuladas por derivação É uma questão de respeito às regras do devido processo penal e principalmente dos valores em jogo Não se pode admitir que o processo penal vire um instrumento para legitimar a prática de atos ilegais por parte dos agentes do Estado isso é um absurdo E com certeza se não toda a imensa maioria das discussões travadas sobre a prova ilícita diz respeito a atos ilegais praticados por agentes do Estado E com isso não se pode pactuar Mas o problema vai além até porque a primeira premissa está intimamente relacionada com a segunda como se não bastasse a excessiva timidez mascarada no argumento do nexo causal a discussão em torno da contaminação desconsidera a questão nuclear do problema a cabeça do julgador E aqui grave erro foi o veto ao 4º do art 157 o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão A desconsideração de que se opera uma grave contaminação psicológica consciente ou inconsciente do julgador faz com que a discussão seja ainda mais reducionista Esse conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar130 deveria merecer atenção muito maior por parte dos juristas especialmente dos tribunais cuja postura até agora tem se pautado por uma visão positivista cartesiana até na medida em que separa emoção e razão o que se revela absolutamente equivocado no atual nível de evolução do processo Na mesma linha de redução do alcance da contaminação são comuns os acórdãos dos tribunais brasileiros que reconhecendo que no processo existe uma prova ilícita ou nulidade processual não anulam a sentença por entenderem que não ficou demonstrado que a decisão se baseou na prova ilícita Assim se o juiz não mencionou expressamente na fundamentação a prova demonstrando a importância na formação de sua convicção dificilmente a sentença será anulada Mais interessante ainda são as decisões131 que em que pese a prova ilícita existir e ter sido utilizada na sentença para condenação do réu argumentam subtraindo mentalmente aquela prova ilícita ainda subsistem elementos para justificar a condenação E assim mantêm a sentença condenatória avalizando as ilegalidades praticadas Não concordamos com o entendimento de que se no processo existir alguma prova ilícita a sentença condenatória somente será anulada se ficar demonstrado que ela se baseou exclusivamente nessa prova Tampouco podemos admitir a tal exclusão mental fruto de uma visão positivista e cartesiana como se o ato de julgar fosse algo compartimentalizado mecânico de que se pudesse excluir alguma peça sem comprometer o funcionamento do motor quando na verdade é todo o oposto A fundamentação nada mais é do que exercício retórico E mais recordemos que em processo penal forma é garantia e que essa conquista democrática não pode ser afastada sob pena de grave retrocesso O mais importante é o decidir que brota de um complexo conjunto de fatores psicológicos Assim a pergunta a ser feita é Quem nos garante que o juiz não está decidindo a partir da prova ilícita ainda que inconscientemente até porque a emoção é mais intensa e na fundamentação apenas cria uma blindagem argumentativa de que a decisão foi tomada com base na prova lícita A partir de uma reflexão sobre o alcance dessa pergunta parecenos que a questão inclusive do nexo causal deve ao menos ser tratada com muito mais cautela e compreensão de sua complexidade Em muitos casos a sentença deve ser anulada ainda que sequer mencione a prova ilícita pois não há nenhuma garantia de que a convicção foi formada exclusivamente a partir do material probatório válido A garantia da jurisdição vai muito além da mera presença de um juiz natural imparcial etc ela está relacionada com a qualidade da jurisdição A garantia de que alguém será julgado somente a partir da prova judicializada nada de condenações com base nos atos de investigação do inquérito policial132 e com plena observância de todas as regras do devido processo penal Sublinhamos o somente porque esse advérbio constitui na feliz definição de CORDERO133 um exorcismo verbal contra as espirais ad infinitum congênitas a fome desaforada da inquisição Daí por que não basta anular o processo e desentranhar a prova ilícita devese substituir o juiz do processo na medida em que sua permanência representa um imenso prejuízo que decorre dos pré juízos sequer é prejulgamento mas julgamento completo que ele fez Imaginese uma escuta telefônica que posteriormente vem a ser considerada ilícita por falha de algum requisito formal e a sentença anulada em grau recursal Basta remeter novamente ao mesmo juiz avisandolhe de que a prova deve ser desentranhada Elementar que não pois ele ao ter contato com a prova está contaminado e não pode julgar 6 A Produção Antecipada de Provas no Processo Penal Partindo da compreensão de que as regras do devido processo penal exigem que o julgamento recaia sobre provas e que somente são considerados atos de prova aqueles praticados em juízo é imprescindível tratar da produção antecipada de provas Frente ao risco de perecimento e o grave prejuízo que significa a perda irreparável de algum dos elementos recolhidos na investigação preliminar o processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente essa prova através de um incidente Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido como mero ato de investigação e posteriormente repetido em juízo para ter valor de prova poderá ser realizado uma só vez na fase préprocessual e com tais requisitos formais que lhe permitam ter o status de ato de prova isto é valorável na sentença ainda que não colhido na fase processual Infelizmente a matéria não está disciplinada no CPP mera menção no art 366 carecendo de limites de cabimento e forma de produção Diante da lacuna pensamos que o incidente de produção antecipada da prova somente pode ser admitido em casos extremos mas nunca de ofício pelo juiz em que se demonstra a fundada probabilidade de ser inviável a posterior repetição na fase processual da prova Ademais para justificála deve estar demonstrada a relevância da prova para a decisão da causa Em síntese são requisitos básicos a relevância e imprescindibilidade do seu conteúdo para a sentença b impossibilidade de sua repetição na fase processual amparado por indícios razoáveis do provável perecimento da prova Presentes tais requisitos o incidente deve ser praticado com a mais estrita observância do contraditório e direito de defesa Logo a prova antecipada deve ser produzida134 a em audiência pública salvo o segredo justificado pelo controle ordinário da publicidade dos atos processuais b o ato será presidido por um órgão jurisdicional nos sistemas de investigação policial e a cargo do MP presidirá o juiz garante c na presença dos sujeitos futuras partes e seus respectivos defensores d sujeitandose ao disposto para a produção da prova em juízo ou seja com os mesmos requisitos formais a que deveria obedecer o ato se realizado na fase processual e deve permitir o mesmo grau de intervenção a que teria direito o sujeito passivo se praticada no processo Dessa forma desde o ponto de vista do sujeito passivo está garantido o contraditório e o direito de defesa de modo que a prática antecipada da prova não supõe em princípio nenhum prejuízo Esses requisitos devem ser cumpridos para toda e qualquer modalidade de prova produzida antecipadamente No caso da prova testemunhal em que a falta de contato direto é mais relevante é importante que ela seja fielmente reproduzida utilizandose para isso os melhores meios disponíveis especialmente a filmagem e a gravação Diante da impossibilidade de repetir a reprodução deve ser a melhor possível Concluindo a produção antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional justificada por sua relevância e impossibilidade de repetição em juízo Sua eficácia estará condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade contraditório possibilidade de defesa e fiel reprodução na fase processual Por fim chamamos a atenção para a edição da Súmula n 455 do STJ com o seguinte verbete SÚMULA N 455 A decisão que determina a produção antecipada deve ser concretamente fundamentada não a justificando unicamente o mero decurso do tempo Reforça nossa posição de que a produção antecipada de provas é uma medida extrema que deve ser objeto de estrita fundamentação e que não pode basearse em argumentos vagos como o mero decurso do tempo Deve estar demonstrada sua necessidade e urgência 1 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 256 2 Pois uma função inerente à pena de prisão é obrigar a um constante reviver o passado no presente Devemos recordar ainda que o cárcere é um instrumento de caricaturização e potencialização de distintos aspectos da sociedade de modo que a dinâmica do tempo também vai extremarse no interior da instituição total levando ao que denominamos patologias de natureza temporal Isso significa em apertada síntese que o tempo de prisão é tempo de involução que a prisão gera uma total perda do referencial social de tempo pois a dinâmica intramuros é completamente desvinculada da vivida extramuros onde a sociedade atinge um nível absurdo de aceleração em total contraste com a inércia do apenado Existe uma clara defasagem entre o tempo social e o tempo do cárcere como bem percebeu MOSCONI Tiempo Social y Tiempo de Cárcel In BEIRAS Iñaki Rivera DOBON Juan Orgs Secuestros Institucionales y Dere chos Humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas Barcelona Bosch 1997 p 91103 A prisão possui um tempo mumificado pela instituição em contraste com a dinâmica e complexidade do exterior Assim essa ruptura de existências e significados de potencialidades identidades e perspectivas causa um sofrimento muito maior do que antigamente Isso exige um repensar a proporcionalidade e adequação da pena a partir de outro paradigma temporal aliado à velocidade do tempo externo e ao congelamento do tempo interno Não há dúvida de que o tempo da prisão é muito mais lento e longo do que há algum tempo O choque não está apenas no tempo subjetivo do apenado e no sofrimento mas também na inutilidade da pena diante do contraste com o tempo social É por isso que afirmamos que a pena de prisão é tempo de involução o apenado não sairá do cárcere em condições de acompanhar o tempo social pois está literalmente à margem por isso novamente marginalizado dessa dinâmica Eis aqui mais um elemento a evidenciar a falácia ressocializadora Com razão MOSCONI op cit quando conclui apontando a necessidade de reduzir ao máximo a duração da pena de prisão para evitar um prejuízo ainda maior A pena enquanto resposta à inadequação social é obsoleta e igualmente inadequada pois está em conflito com o pluralismo dinâmico da atual complexidade social Para o autor o tempo da prisão deverá pluralizarse e diferenciarse necessariamente inclusive com várias formas de experiência que abandonem qualquer resíduo ideológico ou rigidez preconcebida Ademais essa defasagem temporal se transforma em fonte de somatização e enfermidade de modo que o uso prolongado da instituição penitenciária somente poderá produzir novas patologias sociais daí novamente a necessidade de redução do tempo de duração da pena de prisão 3 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 2 p 3 4 Em casos assim em que o juiz tem a experiência direta do delito ele deixa de ser juiz e passa a ser testemunha ou vítima pois tal contaminação despojalhe das condições de necessário alheamento que o constituem juiz Ou seja o que constitui o juiz é a imparcialidade incompatível pois com o contato direto com o fato a ser julgado 5 A semiótica do grego semeiotiké é a ciência dos signos e sinais usados em comunicação Explica SAUSSURE que através do signo entidade psíquica de duas faces que cria uma relação entre um conceito significado e uma imagem acústica significante podemos conceber uma ciência que estude a vida dos sinais no seio da vida social envolvendo parte da psicologia social e por conseguinte da psicologia geral chamada de semiologia Tratase do estudo dos signos e das regras que os regem Os signos pertencem ao mundo da representação sendo compostos por significante a parte física do signo e pelo significado a parte mental o conceito A semiótica assim é a ciência dos signos ou seja do processo de significação ou representação na natureza e na cultura do conceito ou da ideia 6 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 11 7 Idem ibidem p 6 8 Idem ibidem v 2 p 7 9 Idem ibidem v 2 p 3 10 TARUFFO Michele La Prueba de los Hechos Madrid Trotta 2002 p 83 11 TARUFFO op cit p 81 12 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 251 13 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos 20012001 Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 177 14 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 67 15 Em diversos trabalhos mas especialmente no artigo Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 16 Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias para evitar perigosas e muitas vezes errôneas analogias com o processo civil que foram e são feitas até hoje Com uma justificada preocupação J GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 28 e ss destaca que a construção do modelo acusatório no processo penal deve ser distinta daquela aplicável ao processo civil uma concepção distinta do princípio dispositivo pois a situação jurídica da parte ativa é completamente diferente da do autor processo civil O Ministério Público não faz valer no processo penal um direito próprio e pede a sua adjudicação como o autor no processo civil senão que afirma o nascimento de um direito judicial de penar e exige o exercício deste direito que ao mesmo tempo representa um dever para o Estado titular do direito de penar e que realiza seu direito no processo não como parte mas como juiz Para compreender esse pensamento é imprescindível partir da premissa de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória ius ut procedatur A título de ilustração uma má interpretação do que seja o modelo acusatório e uma errada analogia com o processo civil leva alguns sistemas como o espanhol a permitir que a acusação peça uma determinada quantidade de pena x anos e mais errado ainda é pensar que esse pedido vincule o juiz Outro erro que diariamente vem sendo cometido é afirmar que a chamada justiça negociada plea negotiation é uma manifestação do modelo acusatório quando na verdade se trata de uma degeneração completa do processo penal e uma distorcida visão do que seja um processo de partes o sistema acusatório ou mesmo o verdadeiro objeto do processo penal 17 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 40 18 A crítica serve tanto para a atribuição de poderes instrutórios na fase processual como ocorre no art 156 como também quando ela é feita na fase préprocessual admitindo que o juiz pratique atos de investigação 19 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino Utet 1986 p 51 20 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro cit p 37 21 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 43 22 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 29 23 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 90 24 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 26 25 Fundado a partir das mesmas premissas contaminação do famigerado direito penal do inimigo defendido por Günter Jakobs e seguido por tantos outros incautos frágeis vítimas desse interesseiro e grosseiro maniqueísmo 26 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 88 27 OLIVEIRA Ana Sofia Schmidt de Resolução 052002 interrogatório online Parecer Boletim IBCCRIM São Paulo v 10 n 120 p 2 4 nov 2002 28 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 208 29 CORDERO op cit v 1 p 47 30 Idem ibidem p 322 31 ZILLI Marcos O Pomar e as Pragas Boletim do IBCCrim n 188 julho2008 p 2 32 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Com a palavra as partes Boletim do IBCCrim n 188 julho2008 p 18 33 Exposición de Motivos del Código Procesal Penal Modelo para Iberoamérica 34 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 86 35 Basta ler a Exposição de Motivos do CPP que idolatra o Código de Rocco para constatar isso Para além da mera citação do Código de Rocco a Exposição de Motivos contempla verdadeiras pérolas do estilo urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum O indivíduo principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídicopenal da vida em sociedade não pode invocar em face do Estado outras franquias ou imunidades O texto exala um profundo ranço autoritário incompatível com a democracia contemporânea e que exige uma imensa ginástica jurídica para tentar salvar algo de um código como o nosso 36 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 85 37 CARVALHO Amilton Bueno de Lei para quem In WUNDERLICH Alexandre coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 51 38 Estamos com CORDERO Procedimento Penal cit v 1 p 398 quando equipara as expressões presunção de inocência e não seja considerado culpado antes da sentença definitiva Para tanto utiliza a equivalência explícita de três famosas fórmulas art 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 everyone charged with a penal offence has the right to be presumed innocente until proved guilty art 2º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem Roma 1950 art 142 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos Nova York 1966 39 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 152 40 HUERTAS MARTIN Maria Isabel El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba Barcelona Bosch 1999 p 39 41 ILLUMINATI G La Presunzione dInocenza dellImputato p 107 Apud HUERTAS MARTIN op cit p 40 42 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 610 43 GUARNIERI Jose Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México José M Cajica 1952 p 305 44 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal 3 ed Belo Horizonte Del Rey 2003 p 166 45 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal cit p 166 46 Antes que algum incauto leitor pense que estamos exigindo a impossível prova negativa esclarecemos que não se trata disso Por exemplo se a defesa alega que o delito foi cometido ao abrigo da excludente da legítima defesa incumbe ao acusador provar que não houve a repulsa a uma injusta agressão logo provando que a agressão era justa ou que dita agressão não era atual ou iminente logo era passada ou futura que o réu não repeliu dita agressão usando moderadamente os meios necessários logo demonstrando o excesso enfim tratase de prova positiva que afaste a excludente 47 CORDERO Franco Procedimiento Penal v 2 cit p 273 48 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 79 49 A relação inafastável entre contraditório e o ato de contradizer explica por que J GOLDSCHMIDT utiliza como sinônimas as expressões ao definir como princípio de controvérsia o contradicción Sobre o tema vejase sua obra Derecho Procesal Civil cit p 82 50 GOLDSCHMIDT Werner La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 189 51 Direito de silêncio nada a temer por se deter 52 GUASP Jaime Administración de Justicia y Derechos de la Personalidad In ALONSO Pedro Aragoneses coord Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 182 e ss 53 CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli 1960 p 139 54 O conhecimento da acusação formulada nos leva à necessária correlação entre acusaçãodefesasentença A correlação fixa os limites da sentença e possibilita a resistência da parte passiva É importante destacar que o modelo acusatório não exige a vinculação do julgador à qualificação jurídica nem ao petitum das partes até porque ao acusador não incumbe pedir uma determinada pena pois a ele corresponde uma pretensão meramente acusatória ius ut procedatur Nesse sentido ARAGONESES MARTINEZ Del Principio Inquisitivo al Principio Dispositivo In XII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal p 1693 e 1698 sublinha que entender que la sentencia criminal debe guardar con la acusación la misma correlación que la sentencia civil con la demanda es una grave confusión entre el principio acusatorio con el dispositivo Como explica a autora como garantía esencial del moderno proceso penal debe dársele al acusado la posibilidad de ser oído respecto de todas y cada una de las cuestiones de trascendencia penal la calificación jurídica de los hechos el grado de participación y de ejecución la concurrencia de circunstancias eximentes atenuantes o agravantes de la responsabilidad etc A correlação exige que o julgamento recaia sobre o mesmo fato natural que integra a pretensão acusatória como seu elemento objetivo A correlação no processo penal está acima de tudo a serviço da defesa evitando o segredo e a surpresa 55 PELLEGRINI GRINOVER Ada SCARANCE FERNANDES Antonio e GOMES FILHO Antônio Magalhães As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 56 LEONE Giovanni Elementi di Diritto e Procedura Penale 5 ed Napoli Jovene 1981 p 212 57 Na esteira de MANZINI Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v 1 p 281 58 Isso porque seguimos a lição de JAMES GOLDSCHMIDT para quem o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva como entendia BINDING Sobre o tema consultese sua obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit 59 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 23 60 FOSCHINI Gaetano LImputato Milano Dott Q Giuffrè 1956 p 26 61 Idem ibidem p 27 e ss 62 La Defensa en el Proceso Penal p 112 63 GUARNIERI op cit p 116 64 BACILA Carlos Roberto Princípios de Avaliação das Provas no Processo Penal e as Garantias Fundamentais In BONATO Gilson Org Garantias Constitucionais e Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 100 65 BACILA op cit p 99 66 Basta que façam isso duas vezes Explicamos se alguém submetido a julgamento pelo tribunal do júri for condenado ou absolvido e entender que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos poderá apelar nos termos do art 593 III d do CPP Acolhido o recurso o Tribunal de Justiça determinará que o réu seja submetido a novo julgamento Contudo se nesse novo júri o réu for novamente condenado ou novamente absolvido e a decisão dos jurados for igualmente contrária à prova dos autos nada mais poderá ser feito pois o art 593 3º do CPP não permite nova apelação por esse motivo Logo se os profanos julgarem condenarem ou absolverem duas vezes contra a prova dos autos estará juridicamente avalizado o absurdo 67 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa America 1963 v II p 157 68 Idem ibidem p 158 69 Idem ibidem p 159 70 Idem ibidem p 159 71 PORTANOVA Rui Princípios do Processo Civil 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 1999 p 221 72 PORTANOVA op cit p 241 73 Sobre o tema recomendamos a leitura da obra de KHALED JR Salah H A Busca da Verdade no Processo Penal para além da ambição inquisitorial São Paulo Atlas 2013 74 IBÁÑEZ Perfecto Andrés Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada Granada n 2 1999 p 53 75 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 328 76 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 44 e ss 77 Idem ibidem p 57 78 Não desconhecemos a possibilidade da revisão criminal senão que somos bastante céticos em relação à sua eficácia real na medida em que seu cabimento é restrito aos casos previstos no art 621 do CPP Ademais na prática é bastante difícil obter êxito nesse tipo de ação desconstitutiva em virtude das limitações procedimentais e principalmente da imensa resistência por parte dos tribunais Isso tudo sem falar no famigerado in dubio pro societate absolutamente despido de suporte constitucional 79 Idem ibidem 80 Derecho y Razón cit p 50 81 O que segue é um resumo de Michele Taruffo La Prueba de los Hechos cit p 8087 82 CARNELUTTI Francesco Verità Dubbio e Certezza Rivista di Diritto Processuale v XX II serie 1965 p 49 83 CARNELUTTI Francesco Verità Dubbio e Certezza cit p 49 84 COUTINHO Jacinto Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário Ibero Americano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 175 e ss 85 MERLEAUPONTY Maurice O Olho e o Espírito Rio de Janeiro Grifo 1969 86 Sobre o tema DURAN Gilbert As Estruturas do Imaginário uma introdução à arquetipologia geral São Paulo Martins Fontes 1997 87 GAUER Ruth Falar em Tempo Viver o Tempo In GAUER Ruth m Chittó SILVA Mozart Linhares da Orgs TempoHistória Porto Alegre EDIPUCRS 1998 p 26 88 Nos limites da presente obra não há como aprofundar o estudo da antropologia de modo que remetemos o leitor para outras obras que poderão auxiliálo no estudo do mito e do rito LEVISTRAUSS Claude Mito e Significado Lisboa Edições 70 1987 LEVISTRAUSS Claude Mito e Linguagem Social Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1970 ELIADE Mircea Mito e Realidade São Paulo Perspectiva 2002 BARTHES Roland Mitologias São Paulo Difel 1980 PAZ Otávio Claude LéviStrauss ou o novo Festim de Esopo São Paulo Perspectiva 1977 SEGALEN Martine Ritos e Rituais Contemporâneos FGV 2002 e TURNER Victor W O Processo Ritual Petrópolis Vozes 1974 89 TARUFFO Michele La Prueba de los Hechos cit p 81 A posição é citada pelo autor mas não compartilhada por ele que se perfila entre aqueles que ainda acreditam na possibilidade de ser alcançada a verdade no processo 90 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 251 91 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 3 92 TARUFFO Michele La Prueba de los Hechos cit p 83 93 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 11 94 DRUMMOND DE ANDRADE Carlos Verdade In Corpo Novos Poemas Editora Record 95 O Ponto Cego do Direito p 82 96 Expressão que tomamos emprestada de KHALED JR Salah H A Busca da Verdade no Processo Penal para além da ambição inquisitorial cit 2013 97 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 98 Interessante exemplo de prova inominada mas que não pode ser aceita entre outros por violar a dignidade da pessoa humana nos traz a seguinte notícia UE CONDENA TESTES FALOMÉTRICOS PARA GAYS NA REPÚBLICA TCHECA Quem pedir asilo afirmando ser homossexual e por esse motivo perseguido em seu país de origem tem em alguns casos que passar por testes humilhantes na República Tcheca União Europeia critica agora o procedimento Nos assim chamados testes falométricos para gays requerentes de asilo na República Tcheca é acoplado ao candidato um aparelho que mede seu grau de estimulação sexual enquanto é obrigado a assistir vídeos pornôs heterossexuais Dessa forma as autoridades de imigração pretendem constatar se o solicitante é realmente homossexual ou se somente o afirma para obter asilo Caso mostre sinais de excitação seu pedido será possivelmente rejeitado À procura da verdade Ativistas tchecos de direitos humanos se mostram indignados Sabemos que aqui na República Tcheca este exame falométrico foi realizado até mesmo em casos em que os candidatos puderam comprovar através de documentos que eram por exemplo perseguidos no Irã devido a assim chamados atos imorais afirmou Martin Rozumek da organização de ajuda a refugiados OPU A agência de direitos fundamentais da União Europeia UE critica agora o fato de a República Tcheca ser o único país que aplica o controverso teste sexual A agência afirma que esse método não é confiável e que não leva a resultados evidentes Além disso tal ingerência na esfera íntima violaria os direitos humanos As acusações incomodaram o Ministério tcheco do Interior Entre 2008 e 2009 o exame teria sido aplicado menos de dez vezes explica Tomas Haismann responsável por questões de asilo e imigração no ministério Assim que a ONU nos criticou pela primeira vez paramos de realizar o teste Agora iremos ler o relatório da agência de direitos fundamentais da UE e tirar as devidas consequências Menos de dez testes Nos casos em que os testes foram aplicados os atingidos sempre deram seu aval por escrito assegurou o ministério tcheco O ministro do Interior Radek John afirmou até mesmo que os candidatos insistiram em fazer o exame Eles queriam provar de qualquer forma que eram realmente homossexuais John assumiu a pasta em julho último e desde então os testes não foram mais aplicados afirmou O caso veio à tona na Alemanha Um requerente de asilo iraniano fugiu da República Tcheca para a Alemanha após ser obrigado a fazer o teste Um tribunal do estado alemão de SchleswigHolstein rejeitou o pedido de recondução do requerente de asilo à República Tcheca alegando que o iraniano teria sido exposto a testes falométricos naquele país FONTE Deutsche Welle httpwwwdwdeuecondenatestes falomC3A9tricosparagaysnarepC3BAblicatchecaa6319792 Acesso em 18032013 99 GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1997 p 89 100 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 363364 Nossa reserva diz respeito ao fato de o autor fazer uma virada linguística para excluir dessa proteção a criminalidade organizada e macroeconômica Cita o exemplo da interceptação telefônica na qual é apurada a informação de outro crime e argumentando em torno dos perigos de que a teoria sirva para salvaguarda de atividades criminosas e também da excepcionalidade da interceptação telefônica conclui pela admissão dessa prova nesses casos Não concordamos com o tratamento diferenciado pois ele conduz a uma perigosa aproximação com o maniqueísmo e reducionismo do direito processual penal do inimigo cujas críticas são por todos conhecidas Também não supera a dicotomia ilusória e aparente entre garantias processuais versus repressão ao crime Como já explicamos no início deste trabalho elas devem coexistir ou seja respeitar as regras do jogo garantias processuais não significa e não se confunde com impunidade No que tange à excepcionalidade da interceptação telefônica infelizmente ela está muito longe de existir Atualmente a medida foi extremamente banalizada a ponto de primeiro haver a interceptação e depois a investigação Ou seja primeiro se grampeia e depois se pensa Por fim não aprofunda o autor em torno de que outro crime poderia ser alcançado pela medida Como explicamos há que se vedar essa extensão da prova por violar a necessária vinculação da medida Em casos excepcionais poderia ser admitida mas apenas em relação ao crime conexo conforme a problemática que explicaremos na continuação Esse limite crime conexo deve ser definido para não incidir no perigo da abertura conceitual que conduz à criação de espaços impróprios de discricionariedade judicial 101 Quebra de Sigilo Bancário e Direito à Intimidade O Tribunal por maioria deu parcial provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min Joaquim Barbosa relator proferida nos autos de inquérito instaurado para apurar a suposta prática dos crimes de quadrilha peculato lavagem de dinheiro gestão fraudulenta corrupção ativa e passiva e evasão de divisas pela qual deferira a quebra de sigilo bancário de conta de não residente da agravante utilizada por diversas pessoas físicas e jurídicas determinando a remessa de informações ao STF unicamente no que concerne aos dados dos titulares dos recursos movimentados na referida conta Entendeuse que em face do art 5º X da CF que protege o direito à intimidade à vida privada à honra e à imagem das pessoas a quebra do sigilo não poderia implicar devassa indiscriminada devendo circunscreverse aos nomes arrolados pelo Ministério Público como objeto de investigação no inquérito e estar devidamente justificada Recurso parcialmente provido para que fique autorizada a remessa relativa a duas pessoas físicas e uma pessoa jurídica deixando ao Ministério Público a via aberta para outros pedidos fundamentados Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa relator e Carlos Britto que negavam provimento ao recurso por considerar que o sigilo bancário apesar de constitucionalmente amparado não se reveste de caráter absoluto e pode ser afastado por ordem judicial desde que tal quebra seja concretamente necessária à apuração de fatos delituosos previamente investigados como no caso em que presentes fortes indícios da prática de ilícitos ressaltando ademais inexistir devassa haja vista que as informações cujo fornecimento a decisão agravada determina não incluem os valores movimentados grifo nosso 102 Nesse sentido entre as várias decisões proferidas pelo STF destacamos a seguinte Extradição 646extensão Rel Min Maurício Corrêa julgamento em 02091998 DJ de 02101998 PEDIDO DE EXTENSÃO DE EXTRADIÇÃO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE IMPUTAÇÃO DOS DELITOS DE RECEPTAÇÃO CONTRABANDO OU DESCAMINHO ESTELIONATO FALSIFICAÇÃO E SONEGAÇÃO FISCAL PRATICADOS ANTERIORMENTE AO PRIMEIRO PEDIDO MAS SÓ POSTERIORMENTE APURADOS PELO ESTADO REQUERENTE INEXIGIBILIDADE DE MANDADO DE PRISÃO O princípio da especialidade previsto expressamente na legislação de ambos os Países impede que o extraditado seja preso ou processado por fatos anteriores ao primeiro pedido art 91 I da Lei n 681580 e Código Penal eslovaco A prisão e o processo por outros delitos praticados pelo extraditado antes do primeiro pedido mas posteriormente apurados exigem autorização adicional do País requerido Por estas razões não se pode exigir que o pedido de extensão da extradição venha acompanhado de cópia de mandado de prisão arts 79 II e 80 caput da Lei n 681580 pois a lei não pode exigir que se faça aquilo que ela proíbe 103 Na Espanha sem excluir opiniões diversas mas minoritárias LÓPEZFRAGOSO citado na obra coletiva Ley de Enjuiciamiento Criminal y Ley del Jurado concordancias y comentarios a los procedimientos ordinario abreviado y ley del jurado com sua aplicación práctica p 407 esquematiza da seguinte forma o tratamento da problemática 1 se os fatos descobertos tiverem conexão art 17 da LECrim com os que são objeto da interceptação os descubrimientos ocasionales surtirão efeitos investigatórios e probatórios 2 se os fatos ocasionalmente conhecidos não tiverem essa conexão mas tiverem uma gravidade penal aparentemente suficiente para tolerar proporcionalmente sua adoção serão considerados meras notitia criminis para dar início às correspondentes investigações 104 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional São Paulo RT 1999 p 94 105 Não concordamos assim com a seguinte decisão do STJ ESCUTA TELEFÔNICA TERCEIRO MP DILIGÊNCIAS Desde que esteja relacionada com o fato criminoso investigado é lícita a prova de crime diverso obtida mediante a interceptação de ligações telefônicas de terceiro não arrolado na autorização judicial da escuta Outrossim é permitido ao MP conduzir diligências investigatórias para a coleta de elementos de convicção pois isso é um consectário lógico de sua própria função a de titular da ação penal LC n 7593 Precedentes citados HC 37693SC DJ 22112004 RHC 10974SP DJ 18032002 RHC 15351RS DJ 18102004 e HC 27145SP DJ 25082003 HC 33462DF Rel Min Laurita Vaz julgado em 27092005 A decisão peca por excessiva abertura sem vincular a prova sequer à demonstração de ser o crime conexo O risco dessa amplitude é admitir um substancialismo inquisitório em que se perquira sem qualquer limite objetivo ou subjetivo 106 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 107 Idem ibidem p 49 108 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha de A Ilicitude na Obtenção da Prova e sua Aferição Originais gentilmente cedidos pela autora 109 Também adota essa classificação SCARANCE FERNANDES Processo Penal Constitucional cit p 78 110 Conforme ASSIS MOURA op cit 111 Conforme ASSIS MOURA op cit 112 Conforme bem leciona Marcos ZILLI O Pomar e as Pragas cit p 2 113 ZILLI op cit 114 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 115 Importante destacar que não desconhecemos a divergência existente em torno da distinção ou não dos princípios da proporcionalidade Alemanha e razoabilidade Estados Unidos Contudo seguimos a corrente daqueles que como Suzana TOLEDO BARROS O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais Brasília Editora Brasília Jurídica 1996 não veem uma distinção nuclear relevante Sobre o tema e as diferentes posições teóricas leiase ainda SOUZA DE OLIVEIRA Fabio Correa Por uma Teoria dos Princípios O Princípio Constitucional da Razoabilidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 116 Noticia MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA op cit a existência de pelo menos duas decisões nessa linha proferidas pelo STJ a saber HC 3982 RSTJ 82322 e ss jun 1996 e HC 4138 RF 336394 outdez 1996 Em ambos os recursos foi relator o Ministro Adhemar Maciel 117 Eis dois casos em que se tentou fazer valer uma prova ilícita contra o réu em nome do interesse público e até da falaciosa verdade real tendo em ambos sido repelida a construção Da explícita proscrição da prova ilícita sem distinções quanto ao crime objeto do processo CF art 5º LVI resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca a qualquer custo da verdade real no processo consequente impertinência de apelarse ao princípio da proporcionalidade à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira para sobrepor à vedação constitucional da admissão da prova ilícita considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação HC 80949 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14122001 grifo nosso Objeção de princípio em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor com o fim de darlhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou em particular na de determinados crimes é que aí foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou em prejuízo se necessário da eficácia da persecução criminal pelos valores fundamentais da dignidade humana aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita De qualquer sorte salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência HC 79512 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 16052003 grifo nosso 118 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal Trad Faustino GutièrrezAlviz y Conradi Barcelona Bosch 1976 p 174 119 ZAFFARONI Eugenio Raúl e PIERANGELI José Henrique Manual de Direito Penal Brasileiro 2 ed São Paulo RT 1999 p 96 120 GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades p 112113 apud SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional cit p 81 121 Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há para essa utilização excludente da antijuridicidade Afastada a ilicitude de tal conduta a de por legítima defesa fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime é ela por via de consequência lícita e também consequentemente essa gravação não pode ser tida como prova ilícita para invocarse o artigo 5º LVI da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade art 5º X da Carta Magna HC 74678 Rel Min Moreira Alves DJ 15081997 122 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 431 123 Conforme PIEROBOM DE ÁVILA Thiago André Provas Ilícitas e Proporcionalidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 152 124 O exemplo é de PIEROBOM DE ÁVILA op cit p 154 125 PIEROBOM DE ÁVILA op cit p 158 126 EMENTA ILICITUDE DA PROVA INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA FRUITS OF THE POISONOUS TREE A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO Ninguém pode ser investigado denunciado ou condenado com base unicamente em provas ilícitas quer se trate de ilicitude originária quer se cuide de ilicitude por derivação Qualquer novo dado probatório ainda que produzido de modo válido em momento subsequente não pode apoiarse não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária A exclusão da prova originariamente ilícita ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do due process of law e a tornar mais intensa pelo banimento da prova ilicitamente obtida a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal Doutrina Precedentes A doutrina da ilicitude por derivação teoria dos frutos da árvore envenenada repudia por constitucionalmente inadmissíveis os meios probatórios que não obstante produzidos validamente em momento ulterior achamse afetados no entanto pelo vício gravíssimo da ilicitude originária que a eles se transmite contaminandoos por efeito de repercussão causal Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos pelo Poder Público em razão de anterior transgressão praticada originariamente pelos agentes da persecução penal que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar Revelamse inadmissíveis desse modo em decorrência da ilicitude por derivação os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita obtida como resultado da transgressão por agentes estatais de direitos e garantias constitucionais e legais cuja eficácia condicionante no plano do ordenamento positivo brasileiro traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos Se no entanto o órgão da persecução penal demonstrar que obteve legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita com esta não mantendo vinculação causal tais dados probatórios revelarseão plenamente admissíveis porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA AN INDEPENDENT SOURCE E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA DOUTRINA PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JURISPRUDÊNCIA COMPARADA A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA CASOS SILVERTHORNE LUMBER CO V UNITED STATES 1920 SEGURA V UNITED STATES 1984 NIX V WILLIAMS 1984 MURRAY V UNITED STATES 1988 vg Decisão A Turma por votação unânime deu provimento ao recurso ordinário nos termos do voto do Relator para restabelecer a sentença penal absolutória proferida nos autos do Processocrime 19980010827716 19ª Vara Criminal da Comarca do Rio de JaneiroRJ Ausente justificadamente neste julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes 2ª Turma 03042007 127 Op cit Importante destacar que a autora critica essa posição jurisprudencial advertindo que tal entendimento levado às últimas consequências tolheria a nosso ver inteiramente a eficácia da garantia constitucional É preciso ter muita cautela quando prova ilícita integrar o conjunto probatório 128 ZILLI Marcos O Pomar e as Pragas cit p 3 129 Nesse sentido a título de ilustração HC SIGILO TELEFÔNICO RENOVAÇÃO O paciente busca a anulação do processo alegando que a condenação seria baseada em prova ilícita Foi denunciado como incurso nos arts 12 e 14 da Lei n 63681976 em associação com outros dois réus Insurgese contra a quebra de seu sigilo telefônico o que afronta segundo ele o art 5º 1ª parte da Lei n 92961996 que estabelece o prazo máximo de quinze dias renovável por igual período para a interceptação telefônica A Turma denegou a ordem ao entendimento de que tal interceptação de fato não pode exceder os quinze dias Porém pode ser renovada por igual período não havendo qualquer restrição legal ao número de vezes em que possa ocorrer sua renovação desde que comprovada a necessidade A proclamação de nulidade do processo por prova ilícita se vincula à inexistência de outras provas capazes de confirmar autoria e materialidade em caso contrário deve ser mantido o decreto de mérito uma vez que fundado em outras provas HC 40637SP Rel Min Hélio Quaglia Barbosa j 06092005 grifo nosso 130 Nesse tema reputamos imprescindível a leitura pelo menos das obras de ALMEIDA PRADO Lídia Reis O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial Campinas Millenium 2003 e ZIMERMAN David A Influência dos Fatores Psicológicos Inconscientes na Decisão Jurisdicional In David Zimerman e Antônio Mathias Coltro Orgs Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica Campinas Millenium 2002 131 Entendemos que posições desse estilo devem ser revistas Por fim a jurisprudência da Corte é pacífica ao afirmar que não se anula condenação se a sentença condenatória não se apoia apenas na prova considerada ilícita Nesse sentido o decidido no HC 75611SP e no HC 82139BA AI 503617AgR Rel Min Carlos Velloso DJ 04032005 No mesmo sentido HC 84316 DJ 24082004 HC 77015 DJ 13111998 HC 76231 DJ 16101998 RHC 74807 DJ 20061997 HC 73461 DJ 13121996 HC 75497 DJ 09051993 132 Sobre o tema vejase a distinção que fizemos entre atos de prova e atos de investigação 133 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 47 134 Em alguns pontos baseamonos em VEGAS TORRES Jaime Presunción de Inocência y Prueba en el Proceso Penal Madrid La Ley p 96 e ss Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO O processo penal é um instrumento de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico máquina retrospectiva Cordero sendo as provas o meio através dos quais se fará essa reconstrução O juiz desempenha uma atividade recognitiva visto que é um ignorante ele ignora os fatos Sua cognitio se dará sempre de forma indireta mediante a prova testemunhal documental pericial etc Por meio das provas as partes buscam a captura psíquica do julgador O conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz O modo de construção do convencimento do juiz varia conforme se adote o sistema acusatório ou inquisitório pois no primeiro as partes produzem a prova em busca da formação do convencimento do juiz no segundo regido pelo princípio inquisitivo o juiz vai de ofício atrás da prova decidindo primeiro e buscando a seguir as provas que justificam a decisão já tomada primado das hipóteses sobre os fatos com inegável sacrifício da imparcialidade O modelo brasileiro é neoinquisitorial pois ao manter a iniciativa probatória nas mãos do juiz art 156 observa o princípio inquisitivo Considerando que a Constituição desenha um processo penal acusatório devese buscar a máxima conformidade constitucional afirmando a substancial inconstitucionalidade desses dispositivos que permitem a produção de provas de ofício pelo juiz 1 PRINCIPIOLOGIA DA PROVA 11 Garantia da Jurisdição significa o direito de ser julgado com base na prova produzida no processo em contraditório e perante o juiz natural com todas as garantias Neste ponto é fundamental compreender a distinção entre atos de investigação e atos de prova 12 Presunção de Inocência art 5º LVII da Constituição Decorre do nível de evolução civilizatória impondo um dever de tratamento que se manifesta na dimensão interna carga da prova nas mãos do acusador in dubio pro reo limitação da prisão cautelar e externa limite à publicidade abusiva e à estigmatização do imputado 13 In dubio pro reo no processo penal não há distribuição de cargas probatórias mas atribuição ao acusador que tem em mãos a carga integral de provar que alguém cometeu um crime É uma regra de julgamento para o juiz proibindoo de condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente provada nulla accusatio sine probatione Quando a defesa alega uma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade ou de atipicidade ainda existe uma parcela significativa da doutrina e jurisprudência sustentando que a carga da prova de excludente corresponderia à defesa Não é essa nossa posição entendemos que incumbe à acusação a prova positiva não só dos fatos que constituam o delito mas também da inexistência das causas de exclusão Quanto ao in dubio pro societate inexiste dispositivo legal ou constitucional que o recepcione 14 Contraditório e momento da prova é o direito de participar de todos os atos da instrução de manter uma contraposição em relação à acusação e de ser informado de todos os atos probatórios Engloba o direito de informação e reação O contraditório deve ser rigorosamente observado nos 4 momentos da prova a postulação b admissão c produção d valoração 15 Direito de defesa e o nemo tenetur se detegere a defesa técnica e pessoal também deve se fazer presente nos 4 momentos da prova A defesa técnica exercida por advogado é indisponível A defesa pessoal exercida pelo imputado é disponível e pode ser positiva fazerfalar ou negativa não fazercalar Grave problema encerra a Lei n 126542012 que permite a extração compulsória de DNA do acusado 16 Livre convencimento motivado os três principais sistemas de valoração da prova são A Sistema legal de provas em que o legislador fixa uma tabela de valoração das provas o peso de cada prova vem previsto em lei Com menor rigor é o art 158 do CPP que representa um resquício deste sistema O inconveniente do modelo é que retira a capacidade de valoração e avaliação do julgador caindo no erro de pretender uma objetividade matemática para a prova B Íntima convicção é a superação do modelo anterior mas caindo no outro extremo em que o julgador está completamente livre para valorar a prova e decidir É o erro do decisionismo permitindo uma decisão autoritária Ainda é adotado no Tribunal do Júri em que os jurados decidem por íntima convicção e sem fundamentar C Livre convencimento motivado ou persuasão racional é o modelo adotado art 157 do CPP Não há regras objetivas e critérios matemáticos de julgamento cabendo ao juiz formar sua convicção pela livre apreciação da prova sendo que nenhuma prova tem maior valor ou prestígio que as demais Todas são relativas Contudo não se pode cair no decisionismo A decisão do juiz ainda que liberta de tarifa probatória deve estar adstrita à prova válida lícita produzida em contraditório judicial bem como delimitada pela estrita legalidade Sobre o tema é importante complementar com o que explicaremos ao tratar das decisões judiciais 17 Identidade Física do Juiz prevista no art 399 2º do CPP segundo o qual o juiz que presidir a instrução deverá como regra ser o mesmo que irá proferir sentença Contudo tal regra passou a ser objeto de várias exceções por exemplo art 132 do CPC a ponto de enfraquecêlo substancialmente 2 PROBLEMA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL A visão de que o processo penal busca a mitológica verdade real é um ranço inquisitório superado há séculos Tratase de uma concepção vinculada ao sistema inquisitório e aos sistemas autoritários que em nome da busca da verdade legitimaram as maiores atrocidades que a história da humanidade conheceu Ademais é uma tese absurda na medida em que confunde o real com o imaginário pois o crime é sempre passado logo nunca é real É memória história imaginação É sempre imaginário nunca é real Superada a concepção de verdade real passouse a sustentar a existência de uma verdade processual condicionada pelos limites legais e do devido processo É a verdade possível de ser alcançada no processo É uma posição que tem muitos adeptos Nossa visão é mais crítica Seguindo Carnelutti pensamos que o problema está na verdade e não apenas no adjetivo que a ela se pretende unir real ou processual na medida em que a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós e demais para o processo A verdade contém um excesso epistêmico na perspectiva do processo Pensamos que a verdade não é fundante mas contingencial Não se trata de negar a verdade ou afirmar que a sentença é uma mentira Mas sim de retirar o peso da verdade do processo na medida em que a ambição de verdade é fundante de estruturas inquisitórias e do ativismo judicial juizator inquisidor Por isso sustentamos que as provas servem para obter dentro das regras do jogo o convencimento do juiz A sentença é um ato de convencimento de crença formado dentro do contraditório Não é a sentença ou o juiz o revelador da verdade senão que a decisão é uma manifestação do convencimento judicial formado em contraditório Se ela decisão corresponde ou se aproxima do que aconteceu ou não isso é contingencial não fundante ou legitimante O que legitima a decisão é o fato de ter sido construída em contraditório Fazzalari segundo as regras do devido processo penal Existe uma íntima relação entre sistema inquisitório gestão da prova nas mãos do juiz e a busca da verdade A ambição de verdade acaba por matar o contraditório e colocar o juiz na perspectiva do erro psicológico de acreditar que pode e deve buscar a prova e ainda julgar com imparcialidade O processo penal constitucional e acusatório impõe um afastamento do juiz da atividade probatória que é das partes juiz espectador e não ator concebendoo como destinatário da prova e do agir das partes na busca da sua captura psíquica convencimento 3 LIMITES À ATIVIDADE PROBATÓRIA 31 Limites extrapenais art 155 parágrafo único Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil assim por exemplo para incidir a agravante do art 61 II e do CP vg contra cônjuge é imprescindível a prova do matrimônio feita por meio de certidão de casamento 32 Provas Nominadas e Inominadas como regra o rol de provas do CPP é taxativo podendo excepcionalmente ser admitidos outros meios de prova não previstos desde que não violem os limites constitucionais e processuais da prova Não se pode admitir como inominada uma prova que constitua uma variação ilícita de outra prova prevista na lei processual penal exemplo o reconhecimento por fotografia 33 Prova emprestada e transferência de provas devese distinguir entre provas testemunhais técnicas e mera prova documental Transferir a prova testemunhal ou técnica de um processo para outro é bastante discutível na medida em que representa uma violação do contraditório e da ampla defesa pois a prova produzida em um processo está vinculada a um determinado caso penal e a determinada parte Já a transferência de documentos de um processo para outro inicialmente não representaria qualquer ilegalidade desde que não se trate de documentos protegidos por sigilo Mas a questão deve ser analisada em cada caso 34 Desvio Causal da Prova Princípio da Especialidade algumas provas implicam restrição de direitos fundamentais busca e apreensão quebra de sigilo bancário fiscal etc e exigem prévia autorização judicial para sua realização O problema surge quando há um desvio no nexo causal para que essa prova sirva para apuração de outro crime Entendemos que as medidas restritivas de direitos fundamentais são excepcionais e portanto vinculadas e limitadas A decisão judicial está vinculada ao pedido decorrente da investigação de um determinado delito e acaba por vincular a atividade policial que a cumprirá nos limites definidos sendo que o resultado está atrelado a determinado processo e caso penal respectivo É uma vinculação causal da prova Há um tensionamento entre o Princípio da Especialidade intervenção vinculada ao delito investigado e a transferência de provas entre processos Desta forma a prova obtida em situação de desvio causal seria no máximo admitida como starter de outra investigação fonte de prova e não prova Infelizmente a questão do compartilhamentotransferência de provas não está claramente disciplinada na lei e revelase bastante controvertida Situação diferente ocorre nos casos de crime permanente porte ilegal de armas ter em depósito substâncias entorpecentes ocultação de cadáveres etc em que predomina o entendimento de que não há desvio causal na medida em que a situação de flagrante permanente legitimaria o ato 35 Provas Ilícitas e Provas Ilegítimas Premissa básica forma é garantia e limite de poder Devemse observar as regras do devido processo sempre A violação da forma conduz à nulidadeilicitude da prova Prova Ilegítima é aquela que viola uma regra de direito processual no momento da sua produção em juízo no processo Ex juntada de prova fora do prazo após encerrada a instrução Prova Ilícita quando há violação de uma norma de direito material Código Civil Penal etc ou da Constituição no momento de sua coleta fora do processo Ex busca e apreensão em domicílio sem o respectivo mandado quebra ilegal de sigilo telefônico ou bancário confissão extraída mediante tortura ou ameaça etc 351 Teorias sobre a admissibilidade da prova ilícita art 157 do CPP a admissibilidade processual da prova ilícita posição superada que sustentava ser admissível a prova ilícita desde que legítima ou seja desde que observasse as regras do processo b inadmissibilidade absoluta decorre da literalidade do art 5º LVI da CB É uma corrente que encontra ainda muitos seguidores e decisões neste sentido A crítica que se faz a essa posição é a absolutização da vedação sem ponderar a gravidade ou as circunstâncias do caso c admissibilidade da prova ilícita em nome da proporcionalidade relativiza a posição anterior tomando como critério a lógica da ponderação proporcionalidade São poucas as decisões em matéria penal que a recepcionam A principal crítica reside na abertura conceitual da proporcionalidade permitindo manipulação discursiva para ser utilizada sem critério objetivo e claro Alberga o risco de decisionismo d admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo neste caso uma prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do réu Ademais o réu estaria acobertado pela legítima defesa ou estado de necessidade que são causas de exclusão da ilicitude da conduta Mas mesmo admitida naquele processo para defender um réu injustamente acusado não pode ser utilizada contra terceiros 36 Prova ilícita por derivação a redação dos 1º e 2º do art 157 estabelece as seguintes regras a inadmissibilidade da prova ilícita derivada princípio da contaminação b não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo causal c não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente daquela considerada ilícita d a prova ilícita deve ser desentranhada Vejamos agora as teorias da descoberta inevitável e da fonte independente Ambas atuam sobre o nexo causal e servem para mitigar o princípio da contaminação Teoria da fonte independente independent source doctrine é quando se demonstra que não há nexo causal entre as demais provas e aquela considerada ilícita A fonte de uma prova independente é geneticamente desvinculada da ilícita sendo portanto válida Não se estabelece um nexo de causa e efeito Teoria da descoberta inevitável inevitable discovery exception quando se demonstra que a prova poderia ser obtida por qualquer outra forma seria descoberta de outra maneira inevitavelmente Mas a carga de provar que a descoberta era inevitável é inteiramente da acusação CRÍTICA ambas as teorias recorrem a categorias vagas e manipuláveis gerando um perigoso alargamento da tolerância judicial em relação às provas ilícitas derivadas O maior inconveniente é a falta de critérios claros e precisos dando margem ao decisionismo espaços impróprios da discricionariedade judicial com os juízes e tribunais dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck Por fim é um grave erro manter o mesmo juiz no processo após ter sido reconhecida a ilicitude de uma prova na medida em que está contaminado e não pode mais julgar erro do cartesianismo 4 PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS quando na investigação preliminar surgir uma prova relevante e imprescindível que corra o risco de não poder ser repetida em juízo risco de perecimento deve ser colhida antecipadamente Não está disciplinada no CPP É uma medida excepcional e sua eficácia está condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade ser produzida na frente de um juiz preferencialmente o competente para o processo contraditório defesa e fiel reprodução na fase processual filmagem e gravação Capítulo XIII DAS PROVAS EM ESPÉCIE 1 Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito No sistema inquisitório o perito era o instrumento pensante do juiz subministravalhe conhecimentos Operase assim uma metamorfose do resíduo inquisitorial ao sistema acusatório o perito muda de identidade e se transforma em órgão útil para as partes antes que ao juiz Ele serve para aportar premissas necessárias para o debate acusatório1 Claro que isso não retira o valor probatório da perícia relativo como de todas as provas mas acima de tudo ele deve atender o interesse das partes antes que o do juiz Uma vez mais evidenciase que o caráter acusatório buscado no processo penal contemporâneo potencializa a atividade probatória das partes e restringe a iniciativa do juiz juizator nesse campo2 Assim a perícia subministra fundamentos para um conhecimento comum às partes e ao juiz sobre questões que estão fora da órbita do saber ordinário3 Quanto às perícias é importante afastar o endeusamento da ciência ainda com forte presença no Direito Como sublinhou DENTI4 o progresso da ciência não garante uma pesquisa imune a erros e seus métodos aceitos pela generalidade dos estudiosos em um determinado momento podem parecer errôneos no momento seguinte Tratase de uma afirmação inspirada numa das mais notórias bases do relativismo de Einstein e que devemos sempre recordar todo saber é datado e tem prazo de validade pois toda a teoria e conhecimento nasce para ser superada Assim nenhuma dúvida temos do valor do conhecimento científico mas não há que endeusálo com o absolutismo pois mesmo o saber científico é relativo e possui prazo de validade Dizemos isso para desde logo advertir que não existe a rainha das provas no processo penal e muito menos o é a prova pericial Uma prova pericial demonstra apenas um grau maior ou menor de probabilidade de um aspecto do delito que não se confunde com a prova de toda complexidade que envolve o fato Assim um exame de DNA feito a partir da comparação do material genético do réu A com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima demonstra apenas que aquele material coletado pertence ao réu Daí até provarse que o réu A violentou e matou a vítima existe uma distância imensa e que deve ser percorrida lançando mão de outros instrumentos probatórios Recordemos sempre a talvez mais lúcida passagem da exposição de motivos do CPP todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outras Também é importante recordar o disposto no art 182 do CPP Art 182 O juiz não ficará adstrito ao laudo podendo aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte Em suma o juízo feito pelo perito acerca do material examinado não vincula o julgador que continua livre para avaliar a perícia dentro do complexo contexto probatório formado por diferentes elementos de convicção O juiz é o peritus peritorum LEONE5 sem com isso admitir alguma presunçosa capacidade de onisciência por parte do julgador senão sua independência axiológica e ao mesmo tempo o correspondente dever de motivar6 sua decisão à luz da prova válida produzida no processo O perito por elementar não é meio de prova ou sujeito de prova sendo estéril senão descabida tal discussão É ele um auxiliar da Justiça na definição do Título VIII do CPP mas cuja produção laudo é sim um meio de prova A perícia explica LEONE7 é uma declaração técnica acerca de um elemento de prova A prova pericial é considerada uma prova técnica na medida em que sua produção exige o domínio de determinado saber técnico MORENO CATENA8 explica que o perito é uma pessoa com conhecimentos científicos ou artísticos dos quais o juiz por sua formação jurídica específica pode carecer É chamado para apreciar através das máximas da experiência próprias de sua especializada formação algum fato ou circunstância obtido anteriormente por outro meio de averiguação e que seja de interesse ou necessidade para a investigação ou processo O laudo na sistemática do CPP deve ser realizado por um perito oficial ou dois peritos nomeados como determina o art 159 do CPP e também a Súmula n 361 do STF Os peritos oficiais são servidores públicos de carreira devidamente concursados com conhecimento em determinada área havendo assim peritos médicos contadores químicos engenheiros etc Define o art 159 o seguinte Art 159 O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial portador de diploma de curso superior 1º Na falta de perito oficial o exame será realizado por 2 duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo 3º Serão facultadas ao Ministério Público ao assistente de acusação ao ofendido ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais sendo as partes intimadas desta decisão 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes quanto à perícia I requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 dez dias podendo apresentar as respostas em laudo complementar II indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência 6º Havendo requerimento das partes o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial que manterá sempre sua guarda e na presença de perito oficial para exame pelos assistentes salvo se for impossível a sua conservação 7º Tratandose de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado poderseá designar a atuação de mais de um perito oficial e a parte indicar mais de um assistente técnico Quando não houver perito oficial o exame deverá ser realizado por duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior escolhidas de preferência entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame como prevê o art 159 1º do CPP Nesse caso os peritos nomeados deverão prestar compromisso incorrendo inclusive nas sanções do art 342 do CP em caso de falsa perícia sanções também aplicáveis ao perito oficial O perito oficial ou os dois peritos nomeados deverão ter acesso ao lugar ou objeto a ser periciado e no prazo máximo de 10 dias podendo haver prorrogação em casos excepcionais art 160 parágrafo único do CPP deverão apresentar um laudo minucioso sobre o examinado bem como responderão os eventuais quesitos perguntas que lhes forem feitos pelo juiz MP ou querelante assistente da acusação e defesa Importante destacar que com o advento da Lei n 116902008 passou a admitirse no processo penal a figura do assistente técnico até então desconhecida Ainda que o 3º mencione que o ofendido possa formular quesitos e indicar assistente técnico não vislumbramos como processualmente isso possa ocorrer Para que a vítima possa atuar no processo é necessário que esteja devidamente habilitada como assistente da acusação postulando em juízo através de seu advogado Do contrário não tem capacidade postulatória e não poderá no processo requerer nada Assim além de formular quesitos para que o perito oficial ou os dois peritos nomeados responda poderão as partes indicar um assistente técnico que elaborará seu parecer Para tanto o material probatório que foi utilizado para a perícia será disponibilizado mediante requerimento das partes para que o assistente o examine e formule seu parecer Contudo esse material deverá ser disponibilizado no órgão oficial instituto geral de perícias instituto médico legal etc na presença do perito oficial Esse controle é para evitar a destruição manipulação ou uso inadequado do material probatório Quando os peritos forem nomeados caberá a eles definir o local em que o assistente técnico terá acesso ao material periciado O assistente técnico elabora seu parecer após o laudo apresentado pelo perito oficial ou pelos nomeados agindo com base no que foi por eles realizado Quando a perícia for complexa poderá o juiz nomear mais de um perito oficial e nesse caso a parte também poderá indicar mais de um assistente técnico havendo assim uma paridade Situações assim podem ocorrer quando a perícia exigir um conhecimento interdisciplinar em que uma junta de técnicos deve ser formada para uma análise mais completa do caso A qualidade da perícia depende em grande parte das condições em que estiver o lugar ou objeto a ser periciado Assim é imprescindível o cumprimento do disposto no art 6º do CPP especialmente o determinado no inciso I Art 6º I dirigirse ao local providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais Não por acaso esse é o primeiro inciso pois na prática esta deve ser a primeira providência a ser tomada pela polícia dirigirse ao local e isolálo Isso porque o local do crime será uma das principais fontes de informação para reconstruir a pequena história do delito e desse ato depende em grande parte o êxito da investigação Para efeito de exame do local do delito a autoridade policial providenciará imediatamente que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos oficiais ou nomeados para o ato que poderão instruir seus laudos com fotografias desenhos ou esquemas elucidativos art 164 registrando ainda no laudo as alterações do estado das coisas e a consequência dessas alterações na dinâmica dos fatos Por fim poderão as partes requerer a oitiva do perito oficial ou dos nomeados para esclarecer o laudo Para tanto devese atentar para o disposto no art 400 2º do CPP em que as partes deverão requerer a oitiva dos peritos que será realizada na audiência de instrução e julgamento O requerimento para a oitiva dos peritos deve ser realizado com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento nos termos do art 159 5º I do CPP 11 Contraditório e Direito de Defesa na Prova Pericial Como adverte GOMES FILHO9 é imperativa a incidência dos princípios constitucionais do contraditório e do direito de defesa na prova pericial de modo que a participação dos interessados é essencial também nesse tipo de prova seja através da possibilidade de crítica e pedidos de esclarecimento em relação aos laudos já apresentados seja pela formulação de quesitos antes da realização dos exames bem como com o advento da Lei n 116902008 indicar assistente técnico Sob inspiração de SCARANCE FERNANDES10 entendemos que assistem às partes os seguintes direitos em relação à prova pericial requerer sua produção apresentar quesitos com antecedência mínima de 10 dias da realização da perícia se possível pela natureza do ato acompanhar a colheita de elementos pelos peritos extração de sangue vestígios químicos no local etc manifestarse sobre a prova podendo requerer nova perícia sua complementação ou esclarecimento dos peritos indicar assistente técnico que elaborará parecer sobre a perícia realizada obter uma manifestação do juiz sobre a prova pericial realizada Com esses direitos em relação à prova pericial efetivase o contraditório e o direito de defesa havendo cerceamento e nulidade portanto quando injustificadamente lhe for negado 12 Perícia Particular Possibilidade de Contraprova Pericial Limitações da Fase PréProcessual Além da possibilidade de nomear assistente técnico que elaborará um parecer sobre a perícia oficial realizada nada impede11 que a parte interessada recorra a peritos particulares ou seja profissionais que possuam conhecimento técnico naquela área mas que não sejam peritos oficiais ou nomeados pelo juiz para fazer uma contraprova pericial Assim os peritos particulares poderão emitir pareceres técnicos que serão juntados ao processo como prova documental para serem avaliados pelo juiz Com isso havendo contradição entre a perícia oficial e a contraperícia particular poderá o juiz determinar a realização de uma nova perícia com outros profissionais que dê conta das contradições apontadas ou ainda aplicar o princípio do in dubio pro reo naquela matéria controvertida Situação sensível se apresenta na investigação preliminar anteriormente tratada em que o baixo nível de constitucionalização do inquérito aliado ao fato de que importantes provas periciais são feitas nessa fase até pela proximidade com o momento do delito conduz a uma perigosa negação de eficácia dos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa que como explicado anteriormente incidem também Daí por que seria razoável exigir que a autoridade policial quando da determinação da realização de perícias permitisse que o sujeito passivo12 pudesse requerer sua produção apresentar quesitos indicar assistente técnico se possível pela natureza do ato acompanhar a colheita de elementos pelos peritos extração de sangue vestígios químicos no local etc manifestarse sobre a prova podendo requerer nova perícia sua complementação ou esclarecimento dos peritos Tal participação no inquérito policial está perfeitamente autorizada não só pelos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa ambos com incidência nessa fase mas também pelo art 14 do CPP cabendo mandado de segurança contra o ato do delegado que injustificadamente recusar o pedido feito pela defesa Inclusive para aqueles que negam completamente a existência de contraditório e defesa no inquérito alegando que isso é fruto de interpretações excessivamente liberais pósConstituição recomendamos que se leia o art 14 vigente desde 1941 Contudo quando isso não for observado o que infelizmente é bastante comum pouco restará à defesa além de impugnar em juízo eventuais vícios formais da perícia e lutar pela repetição do ato o que nem sempre é possível à luz do contraditório 13 O Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto A mais importante das perícias é exatamente o exame de corpo de delito ou seja o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime portanto somente necessário nos crimes que deixam vestígios ou seja os crimes materiais13 O corpo de delito é composto pelos vestígios materiais deixados pelo crime É o cadáver que comprova a materialidade de um homicídio as lesões deixadas na vítima em relação ao crime de lesões corporais a coisa subtraída no crime de furto ou roubo a substância entorpecente no crime de tráfico de drogas o documento falso no crime de falsidade material ou ideológica etc Antes de tratar do tema devemos destacar que não se pode confundir o exame de corpo de delito com as perícias em geral O exame de corpo de delito é a perícia feita sobre os elementos que constituem a própria materialidade do crime Daí por que sua presença ou ausência afeta a prova da própria existência do crime e gera uma nulidade absoluta do processo art 564 III b Já as perícias em geral são feitas em outros elementos probatórios e sua presença ou ausência afetam apenas o convencimento do juiz sobre o crime Ou seja a falta de perícia no lugar do crime ou na arma utilizada não afeta sua materialidade existência O exame de corpo de delito diz respeito não apenas à materialidade do fato principal mas também às suas eventuais causas de aumento ou qualificadoras conforme o caso Nessa linha a título de exemplo verifiquese o disposto no art 171 do CPP Art 171 Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa ou por meio de escalada os peritos além de descrever os vestígios indicarão com que instrumentos por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado Assim sem que se efetive a respectiva perícia no lugar do crime para comprovação da qualificadora não poderá o réu ser condenado por essa figura típica mas apenas pelo tipo simples previsto no caput do art 155 considerando que o crime foi de furto Importante destacar que a confissão do acusado não é suficiente para comprovação da materialidade do delito sendo indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto sob pena de nulidade do processo art 564 III b do CPP Dizse que o exame de corpo de delito é direto quando a análise recai diretamente sobre o objeto ou seja quando se estabelece uma relação imediata entre o perito e aquilo que está sendo periciado O conhecimento é dado sem intermediações entre o perito e o conjunto de vestígios deixado pelo crime Essa é a regra a materialidade existência dos crimes que deixam vestígios deve ser comprovada através de exame de corpo de delito direto Mas em situações excepcionais em que o exame de corpo de delito direto é impossível de ser feito porque desapareceram os vestígios do crime o art 167 do CPP admite o chamado exame indireto O exame de corpo de delito indireto é uma exceção excepcionalíssima admitido quando os vestígios desapareceram e a prova testemunhal vai suprir a falta do exame direto Mas não só ela também pode haver a comprovação indireta através de filmagens fotografias14 gravações de áudio etc A rigor o exame indireto deveria corresponder à perícia feita pelos técnicos a partir de outros elementos que não o corpo de delito tais como depoimento de testemunhas fotografias filmagens etc Seria um laudo emitido a partir dessas informações Isso é tecnicamente o exame indireto Ocorre que na prática forense isso não é observado e o chamado exame indireto acaba sendo a produção de outras provas testemunhal fotografias etc para suprir a falta do exame direto Ou seja o chamado exame indireto não é tecnicamente um exame indireto senão o suprimento da falta de exame direto por outros meios de prova Tratase de se admitir que a materialidade de um delito seja demonstrada de outra forma Feita a ressalva analisemos o exame indireto A materialidade de um crime de roubo por exemplo se dá através da apreensão e avaliação dos objetos subtraídos Nesse caso o exame é direto Contudo se os autores do roubo venderem os objetos a um terceiro não identificado impossibilitando a apreensão da res ainda assim haverá a possibilidade de condenação por meio do exame dito indireto obtido através do conjunto probatório palavra da vítima prova testemunhal eventuais filmagens de circuito interno de TV etc Mas é importante destacar a regra é o exame direto sendo o indireto uma exceção Como muito bem sintetizou HASSAN CHOUKR15 cuja lição deve ser transcrita literalmente por representar exatamente o que pensamos deve ficar claro que a impossibilidade da realização do exame há de ser compreendida apenas pela inexistência de base material para a realização direta a dizer quando o exame não é realizado no momento oportuno pela desídia do Estado ou sua realização é imprestável pela falta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazêlo não há que onerar o réu com uma prova indireta em vez daquela que poderia ter sido imediatamente realizada grifo nosso Não deve ser admitida a banalização do exame indireto Assim quando a infração deixar vestígios sendo perfeitamente possível fazer o exame16 a prova testemunhal não pode suprir sua falta sob pena de nulidade art 564 III b Situação bastante complexa e que eventualmente ocupa os tribunais brasileiros é a impossibilidade de condenação pelo crime de homicídio quando não se encontra o cadáver da vítima corpo de delito A ocultação do cadáver muitas vezes levada a cabo pelo próprio autor do homicídio impossibilita o exame direto Contudo é predominante a jurisprudência brasileira no sentido de admitir o exame de corpo de delito indireto consubstanciado em prova testemunhal suficiente aliada em alguns casos à prova pericial feita em armas ou vestígios de sangue cabelos tecidos etc encontrados no local do crime ou até mesmo no carro utilizado pelo réu para transportar o corpo Nesse sentido entre outras17 citamos a seguinte decisão do STJ HC 33300RJ Rel Min Laurita Vaz 5ª Turma DJ 09052005 HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL JÚRI HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO EXAME DE CORPO DE DELITO NÃO REALIZADO PROVA TESTEMUNHAL SUPRIMENTO ART 167 DO CPP OFENSA AO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS TEORIA DAS NULIDADES PROCESSUAIS ARTS 563 E 565 DO CPP ARGUIÇÃO DE NULIDADE QUE NÃO APROVEITA AO RÉU AUSÊNCIA DE PREJUÍZO 1 A simples ausência de laudo de exame de corpo de delito da vítima não tem o condão de conduzir à conclusão de inexistência de provas da materialidade do crime se nos autos existem outros meios de prova capazes de convencer o julgador quanto à efetiva ocorrência do delito como se verifica na hipótese vertente Aplicação do art 167 do CPP Por fim existem crimes em que por sua própria natureza não se pode admitir o exame indireto em nenhuma hipótese E isso não tem absolutamente nenhuma relação com a gravidade do crime mas sim com sua natureza e o corpus delicti que o constituem É o que ocorre por exemplo nos delitos envolvendo substâncias entorpecentes Não é razoável um juízo condenatório pelo delito de tráfico de drogas sem o exame direto que comprove a natureza da substância por exemplo o princípio ativo tetrahidrocanabinol THC no caso da maconha Não bastam fotos ou depoimentos dizendo que a substância transportada por exemplo tinha cheiro e aspecto de maconha e que portanto era maconha A questão é técnica exige o exame químico sendo imprescindível o exame direto18 para verificar o princípio ativo Em suma concluindo esse tópico frisamos que nos crimes que deixam vestígios o exame de corpo de delito direto é imprescindível nos termos do art 158 Somente em situações excepcionais em que o exame direto é impossível de ser realizado por haverem desaparecido os vestígios é que se pode lançar mão do exame indireto prova testemunhal filmagens gravações etc nos termos do art 167 do CPP 14 Intervenções Corporais e os Limites Assegurados pelo Nemo Tenetur se Detegere A Extração Compulsória de Material Genético Alterações Introduzidas pela Lei n 126542012 Situação complexa é o ranço histórico de tratar o imputado seja ele réu ou mero suspeito ainda na fase préprocessual como um mero objeto de provas ou melhor o objeto do qual deve ser extraída a verdade que funda o processo inquisitório Com a superação dessa coisificação do réu e a assunção de seu status de sujeito de direito fundase o mais sagrado de todos os direitos o direito de não produzir prova contra si mesmo nada a temer por se deter nemo tenetur se detegere Desse verdadeiro princípio desdobramse importantes vertentes como o direito de silêncio e a autodefesa negativa Assim no processo penal contemporâneo com o nível de democratização alcançada o imputado pode perfeitamente recusarse a se submeter a intervenções corporais sem que dessa recusa nasça qualquer prejuízo jurídicoprocessual Essa é a premissa básica para discutirmos a problemática que será apresentada agora As provas genéticas desempenham um papel fundamental na moderna investigação preliminar e podem ser decisivas no momento de definir ou excluir a autoria de um delito Entretanto sua eficácia está condicionada em muitos casos a uma comparação entre o material encontrado e aquele a ser proporcionado pelo suspeito Não existe problema quando as células corporais necessárias para realizar vg uma investigação genética encontramse no próprio lugar dos fatos mostras de sangue cabelos pelos etc no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos Nesses casos poderão ser recolhidas normalmente utilizando os normais instrumentos jurídicos da investigação preliminar como a busca eou apreensão domiciliar ou pessoal Como aponta GÖSSEL19 a obtenção de células corporais na roupa do suspeito camisa manchada de sangue com cabelos ou a roupa interior com células de sêmen etc ou na sua casa por exemplo nas vestes mesmo que não utilizadas no momento do delito roupa de cama ou outros objetos de sua propriedade poderão ser obtidos sem problemas utilizando a busca eou apreensão previstas no art 240 e seguintes do CPP Portanto não há problema em obterse o material genético através da busca e apreensão de roupas travesseiros escova de cabelo e outros objetos do imputado e que possam ser encontrados em sua residência Da mesma forma havendo o consentimento do suspeito poderá ser realizada qualquer espécie de intervenção corporal pois o conteúdo da autodefesa é disponível e assim renunciável O problema está quando necessitamos obter as células corporais diretamente do organismo do sujeito passivo e este se recusa a fornecêlas Se no processo civil o problema pode ser resolvido por meio da inversão da carga da prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas no processo penal a situação é muito mais complexa pois existe um obstáculo insuperável o direito de não fazer prova contra si mesmo que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativo silêncio O sujeito passivo encontrase protegido pela presunção de inocência e a totalidade da carga probatória está nas mãos do acusador O direito de defesa especialmente sob o ponto de vista negativo não pode ser limitado principalmente porque a seu lado existe outro princípio básico muito bem apontado por CARNELUTTI20 a carga da prova da existência de todos os elementos positivos e a ausência dos elementos negativos do delito incumbe a quem acusa Por isso o sujeito passivo não pode ser compelido a auxiliar a acusação a liberarse de uma carga que não lhe incumbe Submeter o sujeito passivo a uma intervenção corporal sem seu consentimento é o mesmo que autorizar a tortura para obter a confissão no interrogatório quando o imputado cala ou seja um inequívoco retrocesso gerando assim uma prova ilícita Mas os direitos fundamentais não são absolutos e com o advento da Lei n 126542012 autorizou o legislador brasileiro a intervenção corporal sem o consentimento do imputado para obtenção de material genético TOLEDO BARROS21 explica que as normas que dispõem sobre os direitos fundamentais têm caráter principiológico atuando no campo das situações plausíveis e por isso os direitos fundamentais podem ser limitados pelo legislador ordinário A restrição pode darse de três formas distintas que a própria Constituição preveja a limitação de forma expressa que a Constituição outorgue o poder de restrição a uma norma ordinária que a Constituição não limite direta ou indiretamente o direito fundamental No nosso estudo sobre o tema interessa apenas o terceiro caso Explica a autora que existe a possibilidade de uma intervenção legislativa com caráter restritivo ainda que não exista outorga ou limitação constitucional Considera que os direitos fundamentais estabelecem posições jurídicas e por isso podem ser objeto de ponderação em caso de aparente conflito com outros direitos fundamentais Caberá ao órgão jurisdicional fazer a ponderação de bens e interesses para determinar a aplicação de um ou outro direito e por consequência limitar o alcance do direito sacrificado Na Espanha22 o Tribunal Constitucional STC 111981 adotou a Teoria de los Límites Innatos para explicar que frente a uma colisão de direitos devese ter em conta o conteúdo essencial de cada um deles e tratar de buscar sua coordenação evitando que um restrinja o outro porque a congruência e a completude são elementos essenciais do ordenamento jurídico Logo não existem conflitos de direitos fundamentais senão que uns devem prevalecer sobre outros É o que o Tribunal chamou de elasticidade dos direitos fundamentais segundo o interesse coletivo A ausência de estritos limites constitucionais para delimitar em que casos e como deve um direito fundamental prevalecer sobre outro outorga ao órgão jurisdicional esse poder de determinar ante um caso concreto como deve harmonizarse o sistema Em definitivo o direito fundamental poderia ser limitado por uma norma ordinária mas é imprescindível que exista uma norma processual penal que discipline a matéria Era neste ponto que esbarrava o sistema brasileiro Mas a situação foi substancialmente alterada com o advento da Lei n 126542012 que passou a disciplinar e autorizar a extração compulsória de material genético de forma similar ao disposto nos arts 171 do CPP português 244 e ss do CPP italiano e no 81 da StPO alemã Dispõe o 81 a da StPO que poderá ser determinada pelo juiz ou pelo Ministério Público em situação de urgência a extração de sangue sempre que seja de importância para o processo seja realizada por um meio segundo as regras do saber médico não exista nenhum perigo para a saúde do imputado O CPP português não dispõe acerca de nenhuma intervenção corporal específica senão que de forma genérica em seus arts 171 e 172 possibilita que mediante decisão da autoridade judicial competente sejam realizados exames em pessoas contra a sua vontade Também prevê o CPP italiano arts 244 e 245 que a intervenção será determinada por meio de uma decisão judicial motivada podendo ser efetuada por um médico assegurandose ao imputado a faculdade de ser assistido por uma pessoa de sua confiança e se realizará com respeito à dignidade e na medida do possível ao pudor de quem seja objeto da inspeção No Brasil a Lei n 12654 de 28 de maio de 2012 entrada em vigor dia 28 de novembro de 2012 prevê a coleta de material genético como forma de identificação criminal tendo mudado radicalmente a situação jurídica do sujeito passivo no processo penal acabando com o direito de não produzir prova contra si mesmo A nova lei altera dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 72101984 LEP que regula a Execução Penal Portanto em duas situações investigado e apenado o sujeito passivo está obrigado a submeterse a intervenção corporal voluntariamente ou mediante coerção para fornecimento de material genético Com isso fulminouse a tradição brasileira de respeitar o direito de defesa pessoal negativo nemo tenetur se detegere Em linhas gerais coletado o material será armazenado no banco de dados de perfis genéticos de onde poderá ser acessado pelas polícias estaduais eou federal mediante prévia autorização judicial A extração se dará de forma adequada e indolor e não poderá revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas exceto a determinação genética de gênero Os dados coletados integrarão o banco de dados de perfis genéticos assegurandose o sigilo dos dados Para fins probatórios o código genético será confrontado com as amostras de sangue saliva sêmen pelos etc encontradas no local do crime no corpo da vítima em armas ou vestes utilizadas para prática do delito por exemplo A partir da comparação será elaborado laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado que analisará a coincidência ou não A lei disciplina como dito antes duas situações distintas a do investigado e a do apenado A finalidade da coleta do material biológico será diferenciada para o investigado destinase a servir de prova para um caso concreto e determinado crime já ocorrido já em relação ao apenado a coleta se destina ao futuro a alimentar o banco de dados de perfis genéticos e servir de apuração para crimes que venham a ser praticados e cuja autoria seja desconhecida Vejamos cada caso 1 Suspeito do crime é inserido parágrafo único no art 5º da Lei n 12037 para prever a inclusão da coleta de material genético na situação descrita no art 3º IV ou seja quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa Aproveitou a novatio legis a abertura do inciso IV de modo que embora o suspeito apresente documento de identidade poderá ser feita a identificação criminal e a extração compulsória de material genético sempre que for essencial às investigações policiais e houver decisão judicial Ou seja poderá o juiz determinar a extração coercitiva de material genético de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa neste último caso não vemos necessidade de ser compulsória a extração A lei exige a concorrência de dois requisitos nesta situação a necessidade para as investigações ainda que a redação seja genérica subordinando apenas ao interesse da autoridade policial é necessário que o pedido venha fundamentado e efetivamente demonstrada no caso concreto a imprescindibilidade deste tipo de prova Considerando a gravidade da intervenção corporal e a restrição da esfera de privacidade do sujeito deverá a autoridade policial demonstrar a impossibilidade de obter a prova da autoria de outro modo constituindo a coleta de material genético a ultima ratio do sistema Não se pode tolerar uma banalização da intervenção corporal visto que representa uma grave violação da privacidade integridade física e dignidade da pessoa humana além de ferir de morte o direito de silêncio negativo direito de não produzir prova contra si mesmo Vários problemas brotam desta disciplina Inicia por recorrer a fórmula genérica e indeterminada de essencial às investigações policiais sem sequer definir em que tipos de crimes isso seria possível situação diversa daquela disciplinada para o apenado em que há um rol de crimes Dessarte basta uma boa retórica policial e uma dose de decisionismo judicial para que os abusos ocorram Como se não bastasse poderá o juiz atuar de ofício rasgando tudo o que se sabe acerca de sistema acusatório e imparcialidade A lei não diz e nem precisaria mas em caso de recusa do imputado em fornecer o material genético poderá a autoridade fazêlo compulsoriamente ou seja à força A única garantia é o emprego de técnica adequada e indolor A lei disciplina a retirada coercitiva porque voluntariamente sempre esteve autorizada e nem precisaria de qualquer disciplina legal integra o direito de defesa positivo b autorização judicial a matéria exige a reserva de jurisdição ou seja considerando que representa uma grave restrição de direitos fundamentais é necessária autorização judicial Portanto a decisão que autoriza a intervenção corporal deverá ser precedida de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público Infelizmente em mais uma grave violação do sistema acusatórioconstitucional e da própria estética de imparcialidade exigida do julgador permite a lei que a extração do DNA seja determinada de ofício pelo juiz É mais um sintoma da cultura inquisitória que ainda domina o processo penal brasileiro Existe ainda uma grave incompatibilidade do agir de ofício do juiz neste caso que é o requisito de necessidade para as investigações Ora se a investigação é levada a cabo pela polícia ou Ministério Público quem define a imprescindibilidade para a investigação é o investigador e não o juiz Ao juiz cabe julgar ou seja analisar o pedido e decidir e não tomar qualquer iniciativa investigatória ou imiscuirse em área que lhe é completamente estranha Portanto por qualquer ângulo que se analise é um erro a atuação de ofício do juiz nesta seara Diante do pedido de intervenção corporal para extração do DNA deverá o juiz decidir de forma fundamentada avaliando a real necessidade do ato bem como a impossibilidade de se constituir aquela prova por outro meio menos lesivo e gravoso Tratase de ponderar e justificar a necessidade e adequação da medida evitando sua banalização e distorção Sustentamos ainda a existência de uma vinculação causal Princípio da Especialidade ou seja a prova genética somente poderá ser utilizada naquele caso penal e o material poderá ser utilizado até a prescrição daquele crime Tanto há essa vinculação causal que o legislador define como limite de disponibilidade do material genético a prescrição do crime Ou seja o uso está relacionado a este crime e a disponibilidade temporalmente regulada pela prescrição ou a absolvição definitiva como explicaremos a seguir A nosso juízo portanto incidem aqui os limites do princípio da especialidade da prova limitando o nexo causal legitimante ao caso penal investigado Diversa é a situação do apenado submetido à extração compulsória de material genético onde se busca a constituição do banco de dados para o futuro de forma aberta e indeterminada Outro aspecto relevante é que a lei neste caso em que se tutela o interesse da investigação não define um rol de crimes nos quais poderia ser feita a extração de material genético ao contrário da situação jurídica do condenado em que há uma definição taxativa dos crimes Com isso abrese a possibilidade de que a intervenção ocorra em qualquer delito desde que necessário para comprovação da autoria exigindo por parte da autoridade judiciária suma cautela e estrita observância da proporcionalidade especialmente no viés de necessidade e adequação Não se pode pactuar com a banalização de tão grave medida restritiva de direitos fundamentais para delitos de pouca gravidade e complexidade probatória O fornecimento do material será feito de forma voluntária ou coercitiva Se o imputado se dispuser a fornecer o material genético será ele colhido e enviado para análise e armazenamento no banco de dados Se houver recusa poderá a autoridade policial empregar a força necessária para o cumprimento da ordem como sói ocorrer em situações assim Com o fim do direito de não produzir provas contra si está o suspeito compelido a submeterse a intervenção corporal assegurandose apenas que empregue uma técnica adequada e indolor Por fim é perfeitamente aplicável aqui por analogia o disposto no art 7º da Lei n 12037 no caso de não oferecimento da denúncia ou sua rejeição ou absolvição é facultado ao indiciado ou ao réu após o arquivamento definitivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo desde que apresente provas de sua identificação civil Significa dizer que rejeitada a denúncia em relação ao investigado ou absolvido sumariamente ou absolvido ao final do processo poderá o interessado não mais réu pois absolvido ou nem recebida a acusação em relação a ele solicitar a retirada do processo criminal da perícia que utilizou seu material genético e ainda a retirada do seu material genético e respectivos registros do banco de dados Não se justifica que nestas situações se constranja alguém a figurar eternamente no banco de dados genético Haveria uma absurda e indeterminada subordinação ao poder de polícia do Estado uma injustificável estigmatização violadora da presunção de inocência e demais direitos da personalidade Excetuase neste caso a situação do arquivamento pois a teor da Súmula 524 do STF a contrario sensu poderá ser proposta a ação penal em caso de novas provas Tal situação deve ser tratada à luz do novo art 7ºA da Lei n 12037 Quanto à extração de material genético do condenado por crime hediondo ou por crime doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa a situação é distinta Neste caso o material genético irá para o banco de dados visando ser usado como prova em relação a fatos futuros Aqui a intervenção corporal é obrigatória e não exige autorização judicial para obtenção apenas para o posterior acesso ao banco de dados A única restrição legal diz respeito a natureza do crime objeto da condenação Infelizmente parece que o legislador partiu de uma absurda presunção de periculosidade de todos os autores de determinados tipos penais abstratos Tratase de inequívoca discriminação e estigmatização desses condenados Optou o legislador por reestigmatizar os crimes hediondos e o chamado agora crime doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa O que é violência de natureza grave contra pessoa No mínimo crimes dolosos que resultem lesões graves gravíssimas ou morte da vítima Portanto violência real contra pessoa com resultado grave logo lesão grave gravíssima ou morte Mas antevemos uma grande discussão sobre os limites desta intervenção Ainda que a lei fale apenas em condenados considerando a gravidade da restrição de direitos fundamentais é imprescindível a existência de sentença condenatória transitada em julgado Não é proporcional e tampouco compatível com a presunção de inocência imporse tal medida em caso de sentença recorrível Uma vez colhido o material genético e incorporado ao banco de dados poderá ser acessado pela autoridade policial estadual ou federal mediante prévia autorização judicial Neste caso a lei não exige autorização judicial para a coleta do material mas sim para o acesso ao banco de dados Portanto para que a autoridade policial possa ter acesso aos dados genéticos do condenado e agora suspeito de novo delito deverá formular pedido fundamentado e demonstrar a imprescindibilidade deste tipo de prova Considerando a grave restrição de direitos fundamentais que representa esta prova somente poderá ser utilizada como ultima ratio quando demonstrada a impossibilidade de obter a prova da autoria de outro modo Por fim a lei não prevê por quanto tempo esses dados ficarão disponíveis neste caso Andou mal o legislador pois gera condições para um estigma de natureza perpétua Mas partindo de uma política de redução de danos no e do processo penal pensamos ser sustentável a aplicação por analogia do instituto da reabilitação arts 93 e ss do CP permitindose a retirada dos registros após decorridos dois anos do dia em que for extinta de qualquer modo a pena ou terminar sua execução Mas essa tese encontrará sérias resistências e tende a ser minoritária Uma vez coletado o material genético passará a integrar o banco de dados e poderá ser acessado por qualquer autoridade policial federal ou estadual mediante simples autorização judicial 15 Valor Probatório da Identificação do Perfil Genético É a Prova Técnica a Rainha das Provas Uma vez realizada a coleta de material genético e coincidindo com as amostras colhidas no local do crime terá essa prova técnica maior valor que as demais vg a testemunhal É definitiva Ou pode o juiz decidir contra o laudo O discurso científico é muito sedutor até porque em situação similar ao dogma religioso tem uma encantadora ambição de verdade Sob o manto do saber científico operase a construção de uma pseudoverdade com a pretensão de irrefutabilidade absolutamente incompatível com o processo penal e o convencimento do juiz formado a partir do contraditório e do conjunto probatório Não se nega o imenso valor do saber científico no campo probatório mas não existe a rainha das provas no processo penal Uma prova pericial como essa demonstra apenas um grau maior ou menor de probabilidade de um aspecto do delito que não se confunde com a prova de toda a complexidade que constitui o fato O exame de DNA por exemplo feito a partir da comparação do material genético do réu A com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima demonstra apenas que aquele material coletado pertence ao réu Daí até provar que o réu A violentou e matou a vítima existe uma distância que deve ser percorrida lançando mão de outros instrumentos probatórios Pode ainda ser estabelecida uma discussão sobre a validação científica dos métodos de análise ou seja discutir a validade dos testes a partir da natureza das amostras biológicas utilizadas por exemplo Não raras vezes as amostras são encontradas em superfícies não estéreis podendo sofrer danos após o contato com a luz solar microorganismos e solventes Isso pode levar a equívocos na interpretação Outro ponto fundamental é discutir o nexo causal ou seja como aquele material genético foi parar ali e até que ponto pode o réu ser responsabilizado penalmente pelo resultado pelo simples fato de ter estado com a vítima por exemplo Também não se pode desconsiderar a possibilidade de manipulação desta prova não apenas no sentido mais simples de falhas na cadeia de custódia da prova laudos falsos enxerto de provas etc mas também na possibilidade de fraudar o próprio DNA O conhecido periódico The New York Times 23 noticiou que cientistas israelenses divulgam em artigo a possibilidade de introduzir com certa facilidade em uma amostra qualquer de sangue ou saliva o código genético de qualquer pessoa a cujo perfil de DNA se tenha acesso sem que seja sequer necessário possuir uma amostra de seu material genético A notícia é bastante relevante no sentido de minar a infalibilidade com que são tratadas as evidências e provas baseadas em testes genéticos a partir dos procedimentos usuais de perícia forense E ainda as novas possibilidades de fraude que se abrem com o recurso a esta técnica podem aumentar os riscos potenciais do manejamento de informação genética com reflexos claros para a atual tendência à compilação de gigantescos bancos de dados genéticos Ainda que a questão esteja longe de qualquer pacificação pois estes estudos também estão sendo questionados não podemos esquecer que todo saber é datado e tem prazo de validade Uma teoria ou conhecimento reina até que venha outra teoria que a contrarie ou modifique Não sem razão a exposição de motivos do CPP é categórica todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que as outras Mais do que isso o juiz não está adstrito ao laudo podendo acolhêlo ou refutálo no todo ou em parte Do contrário teríamos a substituição do juiz pelo perito transformando o julgador num mero homologador de laudos e perícias algo absolutamente incompatível com a garantia da jurisdição e do devido processo penal Portanto o exame de DNA é muito importante e com certeza terá uma grande influência na formação da convicção do julgador mas é apenas mais uma prova sem qualquer supremacia jurídica sobre a prova testemunhal por exemplo Destarte duas lições são básicas nenhuma prova é absoluta ou terá por força de lei maior prestígio ou maior valor que as outras logo um exame de DNA que comprove a existência de material genético do réu no corpo da vítima não conduz inexoravelmente à sua condenação o juiz ou os jurados pode perfeitamente decidir contra o laudo isto é aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte art 182 pois vale o livre convencimento motivado e formado a partir do contexto probatório Em síntese a prova técnica por mais sedutor que possa parecer o discurso da verdade científica não é prova plena nem tem maior prestígio que as demais Deve ser analisada no contexto probatório e pode ser perfeitamente refutada no ato decisório 2 Interrogatório 21 A Defesa Pessoal Positiva Mesmo no interrogatório policial o imputado tem o direito de saber em que qualidade presta as declarações24 de estar acompanhado de advogado e ainda de reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao IP O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade A presença do defensor no momento das declarações do suspeito diante da autoridade judiciária ou policial é imprescindível pela agora expressa previsão no art 185 do CPP Art 185 O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária no curso do processo penal será qualificado e interrogado na presença de seu defensor constituído ou nomeado 1º O interrogatório do réu preso será realizado em sala própria no estabelecimento em que estiver recolhido desde que estejam garantidas a segurança do juiz do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato 2º Excepcionalmente o juiz por decisão fundamentada de ofício ou a requerimento das partes poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades I prevenir risco à segurança pública quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que por outra razão possa fugir durante o deslocamento II viabilizar a participação do réu no referido ato processual quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo por enfermidade ou outra circunstância pessoal III impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência nos termos do art 217 deste Código IV responder à gravíssima questão de ordem pública 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência as partes serão intimadas com 10 dez dias de antecedência 4º Antes do interrogatório por videoconferência o preso poderá acompanhar pelo mesmo sistema tecnológico a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts 400 411 e 531 deste Código 5º Em qualquer modalidade de interrogatório o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor se realizado por videoconferência fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum e entre este e o preso 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil 7º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos 1º e 2º deste artigo 8º Aplicase o disposto nos 2º 3º 4º e 5º deste artigo no que couber à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa como acareação reconhecimento de pessoas e coisas e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido 9º Na hipótese do 8º deste artigo fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor Como já afirmado agora não mais será o advogado um convidado de pedra senão que poderá participar ativamente do interrogatório Art 188 Após proceder ao interrogatório o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante Com relação ao valor probatório do interrogatório propugnamos por um modelo constitucional em que o interrogatório seja orientado pela presunção de inocência visto assim como o principal meio de exercício da autodefesa e que tem por isso a função de dar materialmente vida ao contraditório permitindo ao sujeito passivo refutar a imputação ou aduzir argumentos para justificar sua conduta25 Especificamente na investigação preliminar o interrogatório deve estar dirigido a verificar se existem ou não motivos suficientes para a abertura do processo criminal Dentro da lógica que orienta a fase pré processual a eventual confissão obtida nesse momento tem um valor endoprocedimental como típico ato de investigação e não ato de prova servindo apenas para justificar as medidas adotadas nesse momento e justificar o processo ou o não processo PELLEGRINI GRINOVER26 explica que através do interrogatório o juiz e a polícia pode tomar conhecimento de elementos úteis para a descoberta do delito mas não é para essa finalidade que o interrogatório está orientado Pode constituir fonte de prova mas não meio de prova Em outras palavras o interrogatório não serve para provar o fato mas para fornecer outros elementos de prova que possam conduzir à sua comprovação De qualquer forma é estéril aprofundar a discussão sobre a natureza jurídica do interrogatório como bem percebeu DUCLERC27 pois as alternativas meio de prova e meio de defesa não são excludentes senão que coexistem de forma inevitável Assim se de um lado potencializamos o caráter de meio de defesa não negamos que ele também acaba servindo como meio de prova até porque ingressa na complexidade do conjunto de fatores psicológicos que norteiam o sentire judicial materializado na sentença Noutra dimensão como explica LEONE28 o interrogatório também se destina a delimitar o âmbito da decisão do juiz no sentido de que ele não pode pronunciar uma decisão sobre um fato diferente do imputado Assim a correlação entre imputação e decisão se opera tanto no interior da instrução como também nas relações que se estabelecem entre a instrução e o julgamento e não apenas nessa segunda hipótese julgamento decisão Isso é fundamental para compreender que a correlação já se faz valer no momento do interrogatório e ao longo de toda a instrução A correlação na verdade não é apenas entre acusação e sentença mas entre acusação defesa instrução e sentença O interrogatório deve ser um ato espontâneo livre de pressões ou torturas físicas ou mentais Como consequência os métodos tocados por um certo charlatanismo como classifica GUARNIERI29 devem ser rejeitados no processo penal Assim não deve ser aceito o interrogatório mediante hipnose pois é um método tecnicamente inadequado e inclusive perigoso pois estando o hipnotizado disposto a aceitar qualquer sugestão direta ou indireta do hipnotizador não pode ser considerado digno de fé inclusive porque pode ser conduzido para qualquer sentido Também devem ser rechaçados por insuficientes e indignos de confiança os métodos químicos ou físicos No primeiro grupo encontramse os chamados soros da verdade que como explica GUARNIERI são barbitúricos injetados intravenosamente juntamente com outros estupefacientes anestésicos ou hipnóticos que provocam um estado de inibição no sujeito permitindo que o experto mediante a narcoanálise conheça o que nele existe de reprimido ou oculto Como método físico os detectores de mentira são aparelhos mecânicos que marcam o traçado do batimento cardíaco e da respiração e conforme o tempo de reação às perguntas dirigidas ao interrogando permitiriam assinalar as falsidades em que incorreu Conforme o intervalo das reações o experto poderia definir em linhas gerais um padrão de comportamento para as afirmações verdadeiras e outro para as supostas mentiras Ambos os métodos não são dignos de confiança e de credibilidade de modo que não podem ser aceitos como meios de prova juridicamente válidos Ademais são atividades que violam a garantia de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante prevista no art 5º II da CB O interrogatório deve ser encaminhado a permitir a defesa do sujeito passivo e por isso submetido a toda uma série de regras de lealdade processual30 que podem ser assim resumidas a deve ser realizado de forma imediata ou ao menos num prazo razoável após a prisão b presença de defensor sendolhe permitido entrevistarse prévia e reservadamente com o sujeito passivo c comunicação verbal não só das imputações mas também dos argumentos e resultados da investigação e que se oponham aos argumentos defensivos d proibição de qualquer promessa ou pressão direta ou indireta sobre o imputado para induzilo ao arrependimento ou a colaborar com a investigação e respeito ao direito de silêncio livre de pressões ou coações f tolerância com as interrupções que o sujeito passivo solicite fazer no curso do interrogatório especialmente para instruirse com o defensor g permitirlhe que indique elementos de prova que comprovem sua versão e diligenciar para sua apuração h negação de valor decisivo à confissão Quanto ao acusado menor com mais de 18 e menos de 21 anos a que se referia o art 194 do CPP esse tratamento foi completamente abandonado estando revogado assim o art 194 e diversos outros que tratem dessa forma a questão com o advento do novo Código Civil Assim como já explicamos anteriormente ao tratar da ação penal o agente com mais de 18 anos é plenamente capaz não se podendo mais exigir a presença de curador seja para o interrogatório ou qualquer outro ato processual 22 A Defesa Pessoal Negativa Direito de Silêncio O Nemo Tenetur se Detegere Como antítese à garantia do nemo tenetur se detegere CORDERO31 explica que na inquisição vigorava a fórmula do reus tenetur se detegere na medida em que o imputado era interrogado sob juramento e estava obrigado a descobrirse isto é sofria a intervenção corporal tortura para descobrir e eliminar a heresia que ocultava na sua alma32 até porque naquele marco cultural pessimista el animal humano nace culpable estando corrompido el mundo basta excavar en un punto culaquiera para que aflore el mal Tal racionalidade ainda que continue seduzindo alguns neoinquisidores de plantão é absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo O direito de silêncio está expressamente previsto no art 5º LXIII da CB o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado Parecenos inequívoco que o direito de silêncio se aplica tanto ao sujeito passivo preso como também ao que está em liberdade Contribui para isso o art 82 g da CADH onde se pode ler que toda pessoa logo presa ou em liberdade tem o direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declararse culpada Ao estar assegurado o direito de silêncio sem qualquer reserva na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos por lógica jurídica o sistema interno não pode atribuir ao seu exercício qualquer prejuízo Daí surgiu a alteração com bastante atraso registrese do art 186 do CPP que agora possui a seguinte redação Art 186 Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias passa a existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório Sublinhese do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado Como explica FERRAJOLI33 o princípio nemo tenetur se detegere é a primeira máxima do garantismo processual acusatório enunciada por Hobbes e recepcionada a partir do século XVII no Direito inglês Dele seguemse como corolários na lição de FERRAJOLI a a proibição da tortura espiritual como a obrigação de dizer a verdade b o direito de silêncio assim como a faculdade do imputado de faltar com a verdade nas suas respostas c a proibição pelo respeito devido à pessoa do imputado e pela inviolabilidade da sua consciência não só de arrancar a confissão com violência senão também de obtêla mediante manipulações psíquicas com drogas ou práticas hipnóticas d a consequente negação de papel decisivo das confissões e o direito do imputado de ser assistido por defensor no interrogatório para impedir abusos ou quaisquer violações das garantias processuais Destarte através do princípio do nemo tenetur se detegere o sujeito passivo não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminálo ou prejudicar sua defesa ressalvandose como explicado a extração de material genético Lei n 126542012 Especificamente no que tange ao exame de alcoolemia teste do bafômetro com as alterações inseridas pela Lei n 117052008 no Código de Trânsito há que se fazer um breve esclarecimento A nova política tolerância zero em relação à condução de veículo automotor sob influência de álcool sanciona administrativamente o condutor que se recusar a se submeter ao teste do bafômetro exame clínico ou de sangue Tratase de punir quem utilizar o direito de silêncio e de não produzir prova contra si mesmo Dois pontos devem ser esclarecidos a pensamos ser substancialmente inconstitucional tal sanção administrativa mas reconhecemos que nossa posição é minoritária b o exercício do direito de silêncio em nada prejudica o condutor no que tange à esfera penal ou seja o possível delito de dirigir embriagado art 306 do Código de Trânsito Com relação à sanção administrativa decorrente da recusa em submeterse ao exame de alcoolemia multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses pensamos que o argumento de substancial inconstitucionalidade encontrará muita resistência e as sanções serão aplicadas Completamente diversa é a situação penal Aqui a recusa não autoriza qualquer presunção e menos ainda punição O delito previsto no art 306 deverá ser apurado em devido processo penal onde caberá ao acusador fazer prova indireta da embriaguez e o exercício do direito de silêncio em nada prejudicará o acusado Feita essa ressalva continuemos Não é somente a legalidade estrita que deve nortear o processo penal e principalmente não é só ela que deve orientar a atuação dos órgãos públicos que nele intervêm desde a fase préprocessual com a atuação policial ministerial e jurisdicional até o trânsito em julgado e a própria execução da pena Ao lado dela é fundamental uma abertura para a dimensão substancial de validade das normas e do próprio proceder e a assunção de uma postura ética O Estado e seus agentes não só é uma reserva de legalidade mas principalmente é uma reserva ética Daí por que existem imperativos éticos não consagrados formalmente mas igualmente exigíveis que conduzem a uma necessária abertura conceitual do direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo Exemplo a ser seguido encontramos no art 63 do Codice di Procedura Penale da Itália Art 631 Se davanti allautorità giudiziaria o alla polizia giudiziaria una persona non impu7tata ovvero una persona non sottoposta alle indagini rende dichiarazioni dalle quali emergono indizi di reità a suo carico lautorità procedente ne interrompe lesame avvertendola che a seguito di tali dichiarazioni potranno essere svolte indagini nei suoi confronti e la invita a nominare un difensore Le precedenti dichiarazioni non possono essere utilizzate contro la persona che le há rese 2 Se la persona doveva essere sentita sin dallinizio in qualità di imputato o di persona sottoposta alle indagini le sue dichiarazioni non possono essere utilizzate Dessa forma o que se pretende evitar é que alguém não submetido à investigação ao declararse como testemunha por exemplo acabe por ter suas palavras utilizadas contra si mesmo Se de sua declaração emergirem indícios de culpabilidade sentido amplo a autoridade que está realizando o ato especialmente a policial dada a tradicional resistência ao sistema de garantias deve interrompêlo advertindoo de que a partir dali poderá utilizar seu direito de silêncio na medida em que suas palavras poderão dar origem a uma investigação contra si Imprescindível ainda é a nomeação de defensor e a garantia de que poderá entrevistarse reservadamente com ele antes de continuar a declarar analogia com o art 7º III da Lei n 8906 O dito nesse momento despido das garantias necessárias a quem é imputado não pode valer contra o declarante e tampouco justificar medidas cautelares pessoais ou outras decisões que de qualquer forma lhe prejudiquem E se dessas declarações obtidas sem o devido respeito ao direito de defesa incluindo o silêncio surgirem novas provas perfeitamente invocável a nulidade por derivação diante da manifesta contaminação Com isso o que se busca além de um mínimo de ética processual é a máxima eficácia do direito de silêncio pois de nada adianta assegurálo depois no processo ou investigação que decorreu da declaração quando o defeito está na origem de tudo até porque sempre haverá uma valoração sobre a declaração inicial ou ainda um juízo de desvalor diante da contradição entre ambas as declarações Em suma o direito de silêncio é uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório 23 Interrogatório do Corréu Separação Perguntas da Defesa do Corréu Repetição do Interrogatório No que tange à disciplina processual do ato cumpre destacar que havendo dois ou mais réus deverão eles ser interrogados separadamente como exige o art 191 do CPP Mas tanto a defesa como a acusação podem formular perguntas ao final Isso é manifestação do contraditório Nessa linha discutese a possibilidade de a defesa do corréu fazer perguntas no interrogatório Pensamos que principalmente se as teses defensivas forem colidentes deve o juiz permitir o contraditório pleno com o defensor do outro corréu também formulando perguntas ao final Ou seja deve o juiz admitir que o defensor do interrogando formule suas perguntas ao final mas também deve permitir que o advogado dos outros corréus o faça Contribui para essa exigência o fato de que à palavra do corréu é dado pela maioria da jurisprudência o valor probatório similar ao de prova testemunhal No mesmo sentido NUCCI34 sustenta que havendo delação quando um réu assume sua culpa e imputa também parte dela a outro corréu pode haver reperguntas do defensor do corréu delatado unicamente para aclarar pontos pertinentes à sua defesa Sugere ainda que o juiz assegure no interrogatório um momento adequado para que a outra defesa faça suas perguntas ou marque um novo interrogatório só para esse fim SCARANCE FERNANDES35 citando ainda GRINOVER explica que ofende à Constituição a proibição de reperguntas ao corréu que incriminem outro acusado Aduz corretamente que se a palavra de um acusado com relação aos demais é valorada como testemunho logo meio de prova é imprescindível o contraditório pois prova alguma pode ser colhida senão sob o pálio do contraditório Mais grave ainda é a situação do delator ou seja do corréu beneficiado pela delação premiada que ao assumir o papel de mais relevante testemunha da acusação ainda que tecnicamente não o seja é imprescindível estabelecerse o contraditório na sua oitiva com os demais corréus realizando perguntas Do contrário teremos um ato probatório nulo prova colhida ao arrepio do contraditório e ampla defesa e por consequência uma sentença absolutamente nula por derivação Problemática ainda no que tange à delação premiada é a possibilidade de utilização do direito de silêncio por parte do delator que está depondo Quando estiver depondo na condição de réu é inegável que está amparado pelo direito de silêncio e portanto não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz acusador ou demais corréus e que lhe possam prejudicar Mas em relação às perguntas que digam respeito às imputações que está fazendo o silêncio alegado deve ser considerado no sentido de desacreditar a versão incriminatória dos corréus É imprescindível muito cuidado por parte do juiz ao valorar essa prova pois não se pode esquecer que a delação nada mais é do que uma traição premiada em que o interesse do delator em se ver beneficiado costuma fazer com que ele atribua fatos falsos ou declare sobre acontecimentos que não presenciou com o inequívoco interesse de ver valorizada sua conduta e com isso negociar um benefício maior Contudo quando arrolado como testemunha da acusação36 não está protegido pelo direito de silêncio tendo o dever de responder a todas as perguntas como qualquer testemunha O art 196 permite que o interrogatório possa ser repetido a qualquer momento por iniciativa do juiz ou a pedido de qualquer das partes Até a reforma processual penal de 2008 tal possibilidade era muito importante na medida em que o interrogatório era o primeiro ato da instrução Agora com a reforma foi para seu devido lugar é o último ato da instrução Com isso o dispositivo perdeu muito de sua eficácia Mas continua vigendo e tem sido utilizado na transição do rito ordinário antigo para o novo De qualquer forma havendo necessidade o interrogatório pode ser repetido Por fim há que se recordar que o réu pode ter sido retirado da sala por força do disposto no art 217 não tendo assistido à coleta da prova testemunhal exigindo assim uma atenção especial do juiz em relação à situação criada O direito de defesa especialmente no seu viés de autodefesa deve ser observado quando é determinada a retirada do réu da sala de audiências com base no art 217 do CPP exigindo um especial cuidado para que o juiz não proceda imediatamente após a coleta da prova testemunhal ao interrogatório Ao réu é assegurado o direito a última palavra pressupondo sempre que tenha pleno conhecimento de todas as provas que foram produzidas contra si Desta forma se não presenciou algum depoimento porque foi determinada sua retirada da sala de audiências deverá o juiz garantirlhe acesso integral e pelo tempo que for necessário a esses depoimentos para somente após proceder ao interrogatório Neste sentido precisa é a assertiva de DEZEM37 de que deve o magistrado franquear o acesso aos termos de depoimentos das testemunhas para que apenas então o acusado possa ser interrogado Caso esse procedimento não seja efetivado e o interrogatório se dê sem o conhecimento do material probatório produzido sem a presença do acusado não se terá o interrogatório como meio de defesa desnaturandose sua natureza jurídica Na mesma linha desta problemática situase o interrogatório colhido por carta precatória que deverá ser instruída com todo o material probatório já colhido no juízo da causa ou em outras precatórias para só então com a ciência do réu de toda a prova produzida ser realizado o interrogatório 24 O Interrogatório por Videoconferência Até o advento da Lei n 119002009 prevalecia o entendimento da inconstitucionalidade da medida entre outros por ausência de previsão legal Mas o cenário mudou com a promulgação da Lei n 11900 de 8 de janeiro de 2009 que alterou o art 185 do CPP que passou a ter a seguinte redação Art 185 1º O interrogatório do réu preso será realizado em sala própria no estabelecimento em que estiver recolhido desde que estejam garantidas a segurança do juiz do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato 2º Excepcionalmente o juiz por decisão fundamentada de ofício ou a requerimento das partes poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades I prevenir risco à segurança pública quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que por outra razão possa fugir durante o deslocamento II viabilizar a participação do réu no referido ato processual quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo por enfermidade ou outra circunstância pessoal III impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência nos termos do art 217 deste Código IV responder à gravíssima questão de ordem pública 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência as partes serão intimadas com 10 dez dias de antecedência 4º Antes do interrogatório por videoconferência o preso poderá acompanhar pelo mesmo sistema tecnológico a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts 400 411 e 531 deste Código 5º Em qualquer modalidade de interrogatório o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor se realizado por videoconferência fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum e entre este e o preso 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil 7º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos 1º e 2º deste artigo 8º Aplicase o disposto nos 2º 3º 4º e 5º deste artigo no que couber à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa como acareação reconhecimento de pessoas e coisas e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido 9º Na hipótese do 8º deste artigo fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor NR O primeiro aspecto a ser abordado é o fato de o interrogatório por videoconferência ser uma medida excepcional somente aplicável nas hipóteses previstas no art 185 e para o interrogatório de réu preso não se justificando quando o imputado estiver em liberdade A regra conforme estabelecido no caput é que o interrogatório seja realizado no próprio estabelecimento prisional ou seja interrogatório presencial Para que o interrogatório seja realizado por videoconferência deve existir uma decisão judicial fundamentada da qual serão intimadas as partes com no mínimo 10 dias de antecedência Tratase de medida salutar para permitir o controle dos critérios de excepcionalidade e necessidade através das ações autônomas de impugnação do habeas corpus ou mandado de segurança conforme o caso e fundamentação Graves inconvenientes são as fórmulas abertas vagas e imprecisas utilizadas pelo legislador nos incisos do 2º do art 185 para definir os casos em que a oitiva por videoconferência estaria justificada A utilização de expressões como risco à segurança pública fundada suspeita relevante dificuldade e gravíssima questão de ordem pública cria indevidos espaços para o decisionismo e a abusiva discricionariedade judicial por serem expressões despidas de um referencial semântico claro Serão portanto aquilo que o juiz quiser que sejam O risco de abuso é evidente Com a mudança nos ritos sumário ordinário e do júri o interrogatório passou a ser o último ato da audiência de instrução e julgamento de modo que quando determinado o interrogatório por videoconferência do réu preso ele obviamente não poderá participar da instrução Eis um ponto importante quando se determina o interrogatório por videoconferência do réu preso ele não é conduzido à audiência e portanto é impedido de assistir a toda a instrução Mais do que lhe retirar a possibilidade de ser interrogado pessoalmente a medida impede sua participação em toda a instrução Esse grave prejuízo poderá ser atenuado quando interessante ironia não for observado o princípio da unidade da audiência de instrução e julgamento Somente assim o réu poderá participar e acompanhar alguns atos da instrução Do contrário quando a lei for cumprida e a audiência for única serlheá subtraída toda a possibilidade de participar do processo Portanto o 4º não cria nenhum benefício senão que estabelece o óbvio já que o preso não comparece à audiência e será interrogado por videoconferência o mínimo que se poderia fazer era permitirlhe acompanhar pelo monitor do computador a realização das oitivas O problema é como efetivar o contraditório e o direito de defesa nessas condições O 5º cria a entrevista prévia e reservada entre o réu e seu defensor também por videoconferência através de canais telefônicos reservados Ora não é necessário maior esforço para perceber os gravíssimos problemas gerados por essa sistemática Como confiar no caráter reservado dessa comunicação Com a banalização das escutas telefônicas não existe a menor possibilidade de confiar na bondade dos bons Pensar o contrário é ingenuidade Também existe uma duplicidade interessante há um defensor no presídio e um advogado na sala de audiência do fórum Mas e se o réu tem um advogado quem será o defensor que ficará no presídio acompanhandoo Um defensor público Mas isso é um absurdo de impor a presença de um defensor quando o imputado já possui um advogado constituído E o pior quem fica no presídio ao lado do preso não é o advogado mas sim um terceiro um defensor Esse paradoxo absurdo é uma tentativa de contornar um problema insolúvel da videoconferência onde fica o advogado do réu Na audiência com o juiz e o promotor mas longe de seu constituinte ou no presídio ao lado do preso mas longe e sem poder acompanhar efetivamente do juiz do promotor enfim da audiência Esse é um paradoxo inerente e insuperável da medida Por fim o 8º amplia substancialmente o campo de incidência da oitiva por videoconferência para abranger outros atos processuais que dependam da participação de pessoa presa que será ouvida como vítima ou testemunha bem como participar de acareação ou mesmo reconhecimento E ainda o novo 3º do art 222 vai além criando a possibilidade de oitiva de testemunhas residentes fora da comarca onde tramita o processo não mais por carta precatória mas também por videoconferência Enfim a medida foi criada com ampla abrangência para muito além do interrogatório online 3 Da Confissão A própria Exposição de Motivos do CPP ao falar sobre as provas diz categoricamente que a própria confissão do acusado não constitui fatalmente prova plena de sua culpabilidade Todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outra Em suma a confissão não é mais felizmente a rainha das provas como no processo inquisitório medieval Não deve mais ser buscada a todo custo pois seu valor é relativo e não goza de maior prestígio que as demais provas Como adverte HASSAN CHOUKR38 há que se fazer um ajustamento da confissão aos termos da Constituição e da CADH de modo que somente pode ser valorada a confissão feita com plena liberdade e autonomia do réu que ele tenha sido informado e compreendido substancialmente seus direitos constitucionais que ela tenha se produzido em juízo jurisdicionalizada e que tenha sido assistido por defensor técnico Com isso concordamos com o autor quando afirma que perdeu completamente o sentido a distinção entre confissão judicial e extrajudicial pois somente pode ser valorada a confissão feita em juízo Perdeu sentido assim o art 199 do CPP A confissão deve ser analisada no contexto probatório não de forma isolada mas sim em conjunto com a prova colhida de modo que sozinha não justifica um juízo condenatório39 mas por outro lado quando situada na mesma linha da prova produzida em conformidade e harmonia poderá ser valorada pelo juiz na sentença Devese insistir na necessidade de abandonarse o ranço inquisitório e a mentalidade nessa linha estruturada em que a confissão era considerada a rainha das provas pois o réu era portador de uma verdade que deveria ser extraída a qualquer custo No fundo a questão situavase e situase ainda no campo da culpa judaicocristã em que o réu deve confessar e arrependerse para assim buscar a remissão de seus pecados inclusive com a atenuação da pena art 65 III d do Código Penal Também é a confissão para o juiz a possibilidade de punir sem culpa É a possibilidade de fazer o mal através da pena sem culpa pois o herege confessou seus pecados Tudo isso deve ser abandonado rumo ao processo penal acusatórioconstitucional em que o interrogatório é acima de tudo um meio de defesa e a confissão apenas mais um elemento na axiologia probatória que somente pode ser considerado quando compatível e conforme o resto da prova produzida O art 198 do CPP deve ser lido à luz do direito constitucional de silêncio e em conformidade com a estrutura do devido processo Assim o silêncio não importará confissão e tampouco pode ser desvalorado pelo juiz Ou seja é substancialmente inconstitucional a última parte do referido artigo quando afirma que o silêncio do acusado poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz Não isso não sobrevive a uma filtragem constitucional Assim o silêncio não pode prejudicar em nenhuma hipótese o réu e tampouco pode ser utilizado como elemento para o convencimento do juiz Por fim apregoa o Código que a confissão é divisível e retratável A questão mais relevante diz respeito à confissão obtida na fase policial e posteriormente retratada em juízo Seguindo a linha de pensamento desenvolvida somente a confissão feita em juízo poderia ser utilizada no julgamento junto com as demais provas é claro Assim quando houver confissão na fase préprocessual e retratação na fase processual não existiu confissão alguma a ser valorada na sentença Advertimos contudo que ainda predomina o entendimento na jurisprudência de que o juiz pode formar seu convencimento a partir da confissão feita na fase policial o que nos parece um absurdo Mais absurdo ainda é o entendimento de que a confissão feita na fase policial vale como mais um elemento probatório para condenação do réu ainda que em juízo tenha se retratado mas a retratação afasta a incidência da atenuante Como a confissão policial pode valer como prova mas ao mesmo tempo não servir como causa de atenuação da pena ainda que assim disponha categoricamente o art 65 III d do Código Penal Eis a contradição Pensamos que ou a confissão policial quando o réu se retrata em juízo vale tanto em termos probatórios como também para atenuação da pena ou ela não vale nem como prova nem como atenuante O que não podemos admitir é essa construção híbrida vale para prejudicar mas não para beneficiar 4 Das Perguntas ao Ofendido Desenhar o papel da vítima no processo penal sempre foi uma tarefa das mais tormentosas Se de um lado pode ela ser portadora de diferentes tipos de intenções negativas vingança interesses escusos etc que podem contaminar o processo de outro não se pode deixála ao desabrigo e tampouco negar valor ao que sabe Na sistemática do CPP vítima ofendido não é considerada como testemunha tanto que merece tratamento diferenciado A vítima não presta compromisso de dizer a verdade e tampouco pode ser responsabilizada pelo delito de falso testemunho mas sim pelo crime de denunciação caluniosa art 339 do CP conforme o caso Também não é computada no limite numérico das testemunhas de modo que se estivermos diante de um delito apenado com detenção poderão ser arroladas como regra até cinco testemunhas pela acusação e igual quantidade pela defesa Nesse número não está incluída a vítima de modo que o MP poderá arrolar cinco testemunhas mais a vítima A vítima não pode negarse a comparecer para depor art 201 1º sob pena de condução inclusive na fase policial Poderá contudo pedir que o réu seja retirado da sala de audiências no momento em que for depor se a presença daquele influir no seu estado de ânimo ao depor art 217 por analogia Aplicase ainda por analogia o disposto nos arts 220 a 225 do CPP quando do depoimento da vítima Tampouco pode invocar direito de silêncio pois essa é uma garantia que apenas o imputado possui No seu depoimento poderão fazer perguntas tanto o acusador quanto os réus através de seus advogados A Lei n 116902008 alterou substancialmente o art 201 cuja redação passou a ser a seguinte Art 201 Sempre que possível o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração quem seja ou presuma ser o seu autor as provas que possa indicar tomandose por termo as suas declarações 1º Se intimado para esse fim deixar de comparecer sem motivo justo o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade 2º O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem 3º As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado admitindose por opção do ofendido o uso de meio eletrônico 4º Antes do início da audiência e durante a sua realização será reservado espaço separado para o ofendido 5º Se o juiz entender necessário poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar especialmente nas áreas psicossocial de assistência jurídica e de saúde a expensas do ofensor ou do Estado 6º O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade vida privada honra e imagem do ofendido podendo inclusive determinar o segredo de justiça em relação aos dados depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação O 2º estabelece que o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos à prisão ou liberdade do acusado Tratase de inovação pois até o advento da Lei n 11690 essa comunicação não existia e o ofendido para tomar conhecimento dos atos do processo deveria se habilitar como assistente da acusação O maior inconveniente é que esse tipo de comunicação servirá para aguçar eventuais atos de vingança Por outro lado a comunicação da sentença é importante principalmente para permitir o recurso do assistente da acusação não habilitado cujo prazo para interposição é de 15 dias art 598 parágrafo único do CPP Sublinhese que essa comunicação não se confunde com a intimação do assistente habilitado que por ser parte deverá ser intimado de todos os atos correndo da intimação o prazo de 5 dias para o recurso de apelação A vítima quando não estiver habilitada como assistente não é parte no processo e portanto não será intimada A inovação é essa comunicação da sentença que não altera em nada o prazo recursal do art 598 parágrafo único O 6º também representa uma inovação digna de nota Tratase de uma necessária proteção à intimidade vida privada honra e imagem da vítima podendo o juiz decretar o segredo de Justiça em relação aos dados que a identificam depoimentos prestados e demais informações relevantes Mas é importante frisar tal sigilo é para evitar sua exposição aos meios de comunicação Logo não existe qualquer tipo de segredo para as partes no processo seja acusador ou defesa É um típico caso de segredo no plano externo ou seja para os estranhos na expressão de VÉLEZ MARICONDE40 cujo objetivo é limitar a publicidade abusiva e o bizarro espetáculo dos meios de comunicação O ponto mais problemático é sem dúvida o valor probatório da palavra da vítima Devese considerar inicialmente que a vítima está contaminada pelo caso penal pois dele fez parte Isso acarreta interesses diretos nos mais diversos sentidos tanto para beneficiar o acusado por medo por exemplo como também para prejudicar um inocente vingança pelos mais diferentes motivos Para além desse comprometimento material em termos processuais a vítima não presta compromisso de dizer a verdade abrindose a porta para que minta impunemente Assim se no plano material está contaminada pois faz parte do fato criminoso e no processual não presta compromisso de dizer a verdade também não pratica o delito de falso testemunho é natural que a palavra da vítima tenha menor valor probatório e principalmente menor credibilidade por seu profundo comprometimento com o fato Logo apenas a palavra da vítima jamais poderá justificar uma sentença condenatória Mais do que ela vale o resto do contexto probatório e se não houver prova robusta para além da palavra da vítima não poderá o réu ser condenado Contudo a jurisprudência brasileira tem feito duas ressalvas crimes contra o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça roubo extorsão etc crimes sexuais Nesses casos considerando que tais crimes são praticados majoritariamente às escondidas na mais absoluta clandestinidade pouco resta em termos de prova do que a palavra da vítima e eventualmente a apreensão dos objetos com o réu no caso dos crimes patrimoniais ou a identificação de material genético nos crimes sexuais Nesses casos a palavra coerente e harmônica da vítima bem como a ausência de motivos que indicassem a existência de falsa imputação cotejada com o restante do conjunto probatório ainda que frágil têm sido aceitas pelos tribunais brasileiros para legitimar uma sentença condenatória Mas principalmente nos crimes sexuais o cuidado deve ser imenso Se de um lado não se pode desprezar a palavra da vítima até porque seria uma odiosa discriminação por outro não pode haver precipitação por parte do julgador pois a história judiciária desse país está eivada de imensas injustiças nesse terreno a recordar sempre entre centenas de outros o chamado Caso Escola Base em São Paulo 5 Da Prova Testemunhal Com as restrições técnicas que infelizmente a polícia judiciária brasileira em regra tem a prova testemunhal acaba por ser o principal meio de prova do nosso processo criminal Em que pese a imensa fragilidade e pouca credibilidade que tem ou deveria ter a prova testemunhal culmina por ser a base da imensa maioria das sentenças condenatórias ou absolutórias proferidas Quanto à ordem em que ocorrerá a inquirição no rito comum ordinário art 400 iniciase com a tomada de declarações do ofendido passandose em seguida à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa nessa ordem bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações reconhecimentos e por derradeiro com o interrogatório do acusado Nessa lógica quando a testemunha é arrolada pela acusação incumbe ao acusador fazer suas perguntas e após à defesa já em relação às testemunhas arroladas pela defesa incumbe a ela elaborar suas perguntas e após ao acusador Nenhuma regra é imposta ao juiz pode questionar qualquer testemunha a qualquer momento enquanto estiver esta depondo desde que o faça para complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos art 212 parágrafo único 51 A Polêmica em Torno do Art 212 e a Resistência da Cultura Inquisitória Com a Reforma Processual de 2008 o art 212 foi substancialmente alterado passando a ter a seguinte redação Art 212 As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente às testemunhas não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida Parágrafo único Sobre os pontos não esclarecidos o juiz poderá complementar a inquirição A mudança foi muito importante e adequada para conformar o CPP à estrutura acusatória desenhada na Constituição que como visto anteriormente ao tratarmos dos sistemas processuais retira do juiz o papel de protagonista da instrução Ao demarcar a separação das funções de acusar e julgar e principalmente atribuir a gestão da prova às partes o modelo acusatório redesenha o papel do juiz no processo penal não mais como juizator sistema inquisitório mas sim de juizespectador Tratase de atribuir a responsabilidade pela produção da prova às partes como efetivamente deve ser num processo penal acusatório e democrático Portanto o juiz deixa de ter o papel de protagonismo na realização das oitivas para ter uma função completiva subsidiária Não mais como no modelo anterior terá o juiz aquela postura proativa de fazer dezenas de perguntas esgotar a fonte probatória para só então passar a palavra às partes para que com o que sobrou complementar a inquirição Neste novo modelo o juiz abre a audiência compromissando ou não conforme o caso a testemunha e passa a palavra para a parte que a arrolou MP ou defesa Caberá à parte interessada na produção da prova efetivamente produzila sendo o juiz neste momento o fiscalizador do ato filtrando as perguntas ofensivas sem relação com o caso penal indutivas ou que já tenham sido respondidas pela testemunha Após caberá à outra parte fazer suas perguntas O juiz como regra questionará ao final perguntando apenas sobre os pontos relevantes não esclarecidos É claramente uma função completiva e não mais de protagonismo Sem embargo tal cenário está muito longe de colocar o juiz como uma samambaia na sala de audiência como chegaram a afirmar maldosamente alguns no pósreforma demonstrando a virulência típica daqueles adeptos da cultura inquisitória e resistentes à mudança alinhada ao sistema constitucional acusatório Nada disso O juiz preside o ato controlando a atuação das partes para que a prova seja produzida nos limites legais e do caso penal Ademais poderá fazer perguntas sim para complementar os pontos não esclarecidos Jamais se disse que o juiz não poderia perguntar para as testemunhas na audiência O ponto nevrálgico é poderá o juiz fazer perguntas para a testemunha mas não como protagonista da inquirição O mais difícil com certeza não é compreender a nova redação do artigo mas abandonar o ranço inquisitório que ainda domina o senso comum dos atores judiciários Gradativamente a jurisprudência dos tribunais vem se adequando à nova sistemática legal com alguma variação em relação às consequências desta violação para alguns nulidade absoluta para outros relativa41 Importanos neste tema o acerto da decisão ao afirmar a adoção do sistema de crossexamination com a assunção do papel de protagonismo das partes e subsidiário do juiz inclusive para garantia da imparcialidade do julgador e recordemos a íntima relação entre sistema acusatório e imparcialidade pois somente este modelo processual cria condições de eficácia da garantia da imparcialidade Noutra dimensão entendeu o STJ neste julgamento que a inversão da ordem de formulação das perguntas geraria uma nulidade relativa Mas em momento algum autorizouse o juiz a ter protagonismo na inquirição como no modelo anterior Todo o oposto basta ler os três primeiros pontos da ementa Na mesma linha de interpretação do art 212 mas reputando como absoluta a nulidade pela inversão da ordem de inquirição a decisão proferida pela 5ª Turma do STJ relatoria do Min FELIX FISCHER no HC 153140MG julgado em 1208201042 Neste caso além de reafirmar o papel subsidiário completivo da inquirição do juiz considerou o STJ como absoluta a nulidade pela inversão da ordem de formulação de perguntas Analisando a questão com absoluto acerto e rigor técnico está a excelente decisão proferida por maioria oriunda da 3ª Câmara Criminal do TJRS na Apelação n 70035510759 julgada em 14102010 que teve como relator do acórdão o Des NEREU GIACOMOLLI43 Mas é importante sublinhar ainda existe muita oscilação de humor na jurisprudência em relação ao tema Infelizmente tem predominado o entendimento de que a inversão conduziria a uma nulidade relativa exigindo a demonstração de prejuízo por parte da defesa Nesse sentido entre outros citamos trecho da ementa da decisão proferida pelo STJ no HC 151357 RJ 200902072901 Rel Min Og Fernandes julgamento em 2110201044 No mesmo sentido decidiu o STF no RHC 110623DF Rel Min Ricardo Lewandowski 13032012 em que a 2ª Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus no qual se pretendia fosse anulada audiência de instrução e julgamento em face de suposta inversão na ordem de perguntas formuladas às testemunhas em contrariedade ao que alude o art 212 do CPP As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida O Ministério Público Federal ora recorrente sustentava que a magistrada de 1º grau ao elaborar suas perguntas em primeiro lugar teria afrontado os princípios do devido processo legal do contraditório e da iniciativa daquele órgão para a ação penal pública além de causar constrangimento ilegal na liberdade de locomoção dos recorridos Asseverouse que conforme assentada jurisprudência deste Tribunal para o reconhecimento de eventual nulidade necessário demonstrarse o prejuízo por essa pretensa inversão no rito inaugurado por alteração no CPP o que não teria ocorrido Portanto há uma clara tendência em relativizar a nulidade decorrente da violação do art 212 tanto no STJ como no STF Situação distinta e mais grave se dá quando o Ministério Público não está na audiência e diante da ausência do acusador assume o juiz esse papel formulando as perguntas Neste caso mais do que protagonista o juiz assume uma postura substitutiva do acusador em flagrante incompatibilidade com o sistema acusatório a imparcialidade e a própria igualdade de armas Nesta situação a nulidade é inafastável como bem decidiu a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1259482 relator Min Marco Aurélio Bellizze O STJ anulou desde a audiência de instrução o processo contra um acusado de tráfico de drogas no qual o Ministério Público estava ausente na audiência e o juiz o substituiu formulando desde o início as perguntas Dessarte violou o caráter complementar da sua inquirição O processo já tinha sido anulado pelo TJRS por violação do art 212 e houve recurso do Ministério Público alegando que a nulidade é relativa e não teria ocorrido demonstração do prejuízo O Min Bellizze entendeu que a nulidade é relativa mas neste caso a inquirição pelo juiz não se deu em caráter complementar mas sim principal O descumprimento da ordem de inquirição do juiz não levou à nulidade mas a violação de seu caráter complementar diante da ausência do Promotor A sentença ainda condenou o réu com base nestas testemunhas arroladas pelo MP e para as quais o juiz formulou todas as perguntas Diante disso afirmou o Ministro que configura indisfarçável afronta ao sistema acusatório e evidencia o prejuízo efetivo O Ministro disse ainda que a anulação do processo não seria necessária caso a sentença condenatória tivesse se baseado em outros elementos de prova Fonte Assessoria de Imprensa do STJ em 18102011 Por último gostaríamos de destacar que a prova testemunhal é regida pelas regras da oralidade e imediatidade ou seja deve ser produzida oralmente e em audiência na frente do juiz que irá julgar regra da identidade física do juiz Portanto não se pode aceitar como válida a simples ratificação em juízo das declarações prestadas no inquérito Neste sentido é esclarecedora a decisão do STJ PROCESSO PENAL HABEAS CORPUS ROUBO AUDIÊNCIA DE TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO 1 ART 212 DO CPP ORDEM DAS PERGUNTAS MAGISTRADO QUE PERGUNTA PRIMEIRO NULIDADE RELATIVA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO ILEGALIDADE NÃO RECONHECIMENTO RESSALVA DE ENTENDIMENTO DA RELATORA 2 COLHEITA DE DEPOIMENTO LEITURA DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL RATIFICAÇÃO NULIDADE RECONHECIMENTO 1 O entendimento que prevaleceu nesta Corte é de que invertida a ordem de perguntas na colheita de prova testemunhal CPP art 212 redação conferida pela Lei n 116902008 temse caso de nulidade relativa a depender de demonstração de prejuízo o que não se apontou Ressalva de entendimento da Relatora 2 A produção da prova testemunhal é complexa envolvendo não só o fornecimento do relato oral mas também o filtro de credibilidade das informações apresentadas Assim não se mostra lícita a mera leitura pelo magistrado das declarações prestadas na fase inquisitória para que a testemunha em seguida ratifiquea 3 Ordem concedida para para anular a ação penal a partir da audiência de testemunhas de acusação a fim de que seja refeita a colheita da prova testemunhal mediante a regular realização das oitivas com a efetiva tomada de depoimento sem a mera reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial HC 183696 6ª Turma Rel Min Maria Thereza de Assis Moura DJe 27022012 A decisão é acertada pois partindo da necessária oralidade e imediação não se pode considerar lícita a mera leitura pelo juiz em audiência das declarações prestadas no inquérito para que a testemunha limitese a ratificar Isso não é produção de prova mas uma fraude processual Ainda no voto da relatora Min Maria Thereza de Assis Moura encontrase a seguinte lição O depoimento da testemunha ingressa nos autos de maneira oral de acordo com a própria dicção do Código de Processo Penal Art 203 A testemunha fará sob palavra de honra a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado devendo declarar seu nome sua idade seu estado e sua residência sua profissão lugar onde exerce sua atividade se é parente e em que grau de alguma das partes ou quais suas relações com qualquer delas e relatar o que souber explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliarse de sua credibilidade destaquei Deste comando retiramse em especial duas diretrizes A primeira ligada ao relato que será oral como reforça a regra do art 204 O depoimento será prestado oralmente não sendo permitido à testemunha trazêlo por escrito A segunda referese ao filtro de fidedignidade Tal peculiaridade relativa ao modo pelo qual a prova ingressa nos autos a meu sentir é a que foi maculada pelo modo como empreendida a instrução in casu O depoimento efetuado em sede policial é chancelado como judicial com uma simples confirmação Não há como se aferir penso credibilidade desta maneira E mais com a singela providência de ratificação estarseá a enfraquecer a norma do art 204 do CPP Por fim não podemos esquecer o magistério sempre autorizado de MAGALHÃES GOMES FILHO45 no sentido de que a observância ao contraditório na introdução da prova no processo assume seus contornos mais característicos em relação à inquirição das testemunhas pois se trata de prova de estrutura complexa em que se ressaltam dois componentes essenciais a narração do fato e o comportamento do depoente disso decorre a constatação de que a aquisição da prova não se limite à documentação de uma informação mas exige uma participação ativa de quem realiza a inquirição com o objetivo de se proceder concomitantemente a uma valoração sobre a idoneidade do testemunho 52 Quem Pode Ser Testemunha Restrições Recusas Proibições e Compromisso Contraditando a Testemunha Toda pessoa poderá ser testemunha afirma o art 202 do CPP Essa regra surge como recusa a discriminações historicamente existentes em relação a escravos mulheres e crianças ou ainda às chamadas pessoas de máreputação prostitutas drogados travestis condenados etc que ao longo da evolução do processo penal sofreram restrições em termos probatórios Da mesma forma não há que se falar em restrição ao depoimento dos policiais Eles podem depor sobre os fatos que presenciaram eou dos quais têm conhecimento sem qualquer impedimento Obviamente deverá o juiz ter muita cautela na valoração desses depoimentos na medida em que os policiais estão naturalmente contaminados pela atuação que tiveram na repressão e apuração do fato Além dos prejulgamentos e da imensa carga de fatores psicológicos associados à atividade desenvolvida é evidente que o envolvimento do policial com a investigação e prisões gera a necessidade de justificar e legitimar os atos e eventuais abusos praticados Assim não há uma restrição ou proibição de que o policial seja ouvido como testemunha senão que deverá o juiz ter muita cautela no momento de valorar esse depoimento A restrição não é em relação à possibilidade de depor mas sim ao momento de desvalorar esse depoimento Contudo é recorrente o Ministério Público arrolar como testemunhas apenas os policiais que participaram da operação e da elaboração do inquérito Busca com isso judicializar a palavra dos policiais para driblar a vedação de condenação exclusivamente art 155 do CPP com base nos elementos informativos colhidos na investigação Na continuação deparamonos com sentenças condenatórias em que são utilizados os elementos do inquérito e o depoimento dos policiais em juízo Isso é aceitável Claro que não No fundo é um golpe de cena um engodo pois a condenação se deu exclusivamente com base nos atos da fase préprocessual e no depoimento contaminado de seus agentes natural e profissionalmente comprometidos com o resultado por eles apontado violando o disposto no art 155 do CPP Portanto se não há impedimento para que os policiais deponham é elementar que não se pode condenar só com base nos seus atos de investigação e na justificação que fazem em audiência Continuemos Ao lado da regra geral de que toda pessoa poderá ser testemunha há que se fazer algumas observações O Código de Processo Penal ao referir pessoa46 está fazendo alusão à pessoa natural ao ser humano homem ou mulher Assim não há que se falar em pessoa jurídica como testemunha e para tanto sequer é preciso enfrentar a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica Quem depõe é uma pessoa natural ainda que o faça na qualidade de diretor sócio ou administrador de uma pessoa jurídica Não há a menor possibilidade de arrolarse a empresa como testemunha mas sim o empresário Como regra ninguém pode recusarse a depor Contudo prevê o art 206 do CPP que poderão recusarse a fazêlo o ascendente ou descendente o afim em linha reta o cônjuge ainda que desquitado o irmão e o pai a mãe ou o filho adotivo do acusado salvo quando não for possível por outro modo obterse ou integrarse a prova do fato e de suas circunstâncias O artigo constitui uma proteção para aquelas pessoas que em razão do parentesco e presumida proximidade não sejam obrigadas a depor A regra obviamente é coerente Contudo peca ao final quando define que esse direito de recusarse a depor não poderá ser exercido quando não for possível por outro modo obterse a prova do fato Isso cria situações constrangedoras e depoimentos despidos de qualquer credibilidade Exemplo típico é o do delito cometido no ambiente doméstico como no caso da mãe a que assiste a um filicídio onde o pai mata o próprio filho Obrigar essa mãe a depor é inútil Um depoimento voluntário é de grande valia mas de nada serve retirarlhe o direito de recusarse a depor Noutra dimensão estão as pessoas proibidas de depor Determina o art 207 do CPP que são proibidas de depor as pessoas que em razão de função ministério ofício ou profissão devam guardar segredo salvo se desobrigadas pela parte interessada quiserem dar o seu testemunho Aqui o objeto de tutela é o sigilo profissional reforçado pela proibição de que aqueles profissionais psiquiatra padre analista etc deponham sobre fatos envolvendo seus clientes réus no processo Por se tratar de um direito disponível excepciona o artigo permitindo que deponham desde que desobrigados pelo interessado Uma vez desobrigados pela parte interessada esses profissionais são obrigados a depor como qualquer testemunha Essa autorização para depor deve ser expressa exceto quando o profissional é arrolado como testemunha do próprio interessado situação em que a autorização é tácita decorrendo do próprio fato de ter sido arrolado como testemunha Quanto ao advogado deve ser considerado como alguém proibido de depor sobre aquilo de que teve conhecimento em razão de seu ofício nos termos do art 207 do CPP mas com um diferencial nem mesmo quando desobrigado pelo interessado ele pode depor Isso porque determina o art 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB Art 26 O advogado deve guardar sigilo mesmo em depoimento judicial sobre o que saiba em razão de seu ofício cabendo lhe recusarse a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte Assim a proibição decorre de imperativo ético da profissão e nem mesmo quando autorizado pelo interessado pode o advogado depor sobre os fatos de que teve conhecimento em processo no qual atuou ou deva atuar NUCCI47 adverte que a proibição dos juízes e promotores de depor em outro processo sobre os fatos de que tiveram conhecimento em razão da função logo colhido nos autos é indisponível pois existe um interesse público de que o magistrado e promotor preserve o sigilo profissional Assim mesmo que desobrigados pelo réu não poderão depor Mas isso não significa que juízes e promotores não possam ser testemunhas Eles poderão depor sobre fatos de que tenham conhecimento através de fontes externas ao feito logo extraautos estando contudo impedidos de atuarem profissionalmente por força dos arts 252 II e 258 do CPP Pertinente é a exigência de PACELLI48 de que deve ser levado em conta o nexo causal entre o conhecimento do fato criminoso e a relação profissional funcional ministerial etc mantida entre o acusado e a testemunha Significa que a proibição de depor fundase a partir de uma situação concreta e não hipotética ou genérica Assim além dos exemplos anteriormente referidos advogado analista psiquiatra etc pensamos que nos crimes de sonegação fiscal e demais delitos econômicos o contador da empresa independente do nome que a função receba também está proibido de depor Tratase aqui de analisar a atividade efetivamente exercida pela testemunha estabelecendose o nexo causal entre o crime fiscal ou econômico e o conhecimento profissional que a atividade proporciona É inadmissível que em um processo dessa natureza o contador seja obrigado a depor contra a empresa em decorrência dos conhecimentos obtidos pelo exercício de sua atividade profissional A situação é similar à do psiquiatra ou advogado São raras as decisões que analisam os limites do sigilo profissional imposto ao contador sendo relevante a proferida no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 17783SP 5ª Turma do STJ Rel Min FELIX FISCHER j 06042004 EMENTA PROCESSUAL PENAL TESTEMUNHA ESCUSA ART 207 DO CPP CONTADOR REALIZAÇÃO DE AUDITORIA QUESTÕES INTERNAS DA EMPRESA DEVER DE SIGILO I É possível a um contador prestar esclarecimentos sobre o método de realização de uma auditoria específica e o porquê das conclusões a que chegou sem que adentre a questões interna corporis da empresa auditada II Relevância do depoimento do experto porquanto os fatos por ele relatados em razão da feitura da auditoria é que levaram à instauração da persecutio criminis contra o recorrido diante da suposta prática de estelionato contra a empresa III Hipótese em que o acórdão recorrido resguardou o sigilo profissional em relação às questões internas da empresa contudo afastou a sua aplicação no tocante aos termos da perícia realizada Conclusões que levam na verdade a uma concessão parcial da segurança e não à sua denegação Recurso parcialmente provido É interessante que neste caso o contador ao qual se garantiu o sigilo profissional teria feito uma auditoria particular na empresa onde foi apurada a irregularidade praticada por um funcionário O contador atuou como perito particular e mesmo assim foi assegurada a proibição de depor art 207 em relação às questões internas da empresa de que teve conhecimento quando da análise dos dados contábeis e fiscais Portanto com muito mais razão o contador de uma empresa está proibido de depor sobre os fatos e informações contábeis e fiscais na medida em que somente teve acesso a tais dados em razão da profissão que exerce e da confiança estabelecida a partir da garantia do sigilo profissional Qual é a consequência de em que pese a proibição esse profissional depor Pensamos que se trata de uma prova ilícita com uma dupla ilegalidade violase a norma de direito material que impõe à profissão ofício ou função o sigilo e ao ser produzida em juízo descumprese a proibição imposta pela norma de direito processual Logo não pode ser valorada devendo ser desentranhada Caso isso não ocorra e a sentença condenatória a valore deverá a parte interessada arguir a nulidade em preliminar do recurso de apelação Para evitar repetições remetemos o leitor ao que foi explicado anteriormente sobre prova ilícita Sem esquecer que nenhuma nulidade ocorrerá se o profissional foi desobrigado pela parte interessada autorização expressa ou quando for arrolado como testemunha pelo próprio interessado Noutra dimensão o compromisso ou juramento a que alude o art 208 tem sua fórmula definida no art 203 quando define que a testemunha fará sob palavra de honra a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado Essa promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado constitui o compromisso É uma formalidade necessária ainda que não garanta por óbvio a veracidade do depoimento Trata se de mais um instrumento no complexo ritual de captura psíquica CORDERO que ocorre no processo de recognição instrução que atua numa dimensão simbólica Também devemos recordar que no Direito Penal alguma discussão ainda perdura sobre a necessidade do compromisso para a configuração do crime de falso testemunho art 342 do CP havendo parte da doutrina e da jurisprudência que somente aceita a prática desse delito quando a testemunha tiver sido formalmente compromissada Do contrário não há que se falar nesse delito Eis um efeito concreto do compromisso Determina o art 208 do CPP que não prestam compromisso de dizer a verdade sendo portanto meras testemunhas informantes os doentes e deficientes mentais os menores de 14 quatorze anos e as pessoas a que se refere o art 206 ascendente ou descendente o afim em linha reta o cônjuge ainda que desquitado o irmão e o pai a mãe ou o filho adotivo do acusado Essas pessoas não estão impedidas de depor contudo por não serem compromissadas suas declarações deverão ser vistas com reservas e menor credibilidade quando da valoração da prova na sentença Por fim prevê o art 214 a possibilidade de antes de iniciado o depoimento qualquer das partes contraditar a testemunha Tratase de uma forma de impugnar a testemunha apontando os motivos que a tornam suspeita ou indigna A contradita é um instrumento de controle da eficácia pelas partes das causas que geram a proibição art 207 ou impedem que a testemunha preste compromisso arts 208 e 206 Com essa impugnação deverá o juiz questionar a testemunha sobre a veracidade do arguido consignando tudo na ata da audiência A questão deverá ser resolvida em audiência com a exclusão da testemunha caso fique demonstrado que está ela proibida de depor ou com sua oitiva sem que preste compromisso nos casos dos arts 206 e 208 Daí por que é importante que a parte interessada na impugnação o faça antes de iniciado o depoimento e nesse momento apresente as eventuais provas da veracidade do alegado pois não há qualquer tipo de dilação probatória 53 Classificando as Testemunhas Caracteres do Testemunho Entre as diversas classificações possíveis à prova testemunhal destacamos 1 Testemunha presencial é aquela que teve contato direto com o fato presenciando os acontecimentos Sem dúvida é a testemunha mais útil para o processo 2 Testemunha indireta é aquela testemunha que nada presenciou mas ouviu falar do fato ou depõe sobre fatos acessórios HASSAN CHOUKR49 explica que a testemunha de ouvir dizer não está excluída do sistema probatório brasileiro sendo ouvida a critério do juiz o que constitui um erro pois se deve fortalecer o depoimento da testemunha presencial Pensamos que tais depoimentos devem ser valorados pelo juiz atendendo às restrições de sua cognição pois não se trata de uma testemunha presencial daí decorrendo um maior nível de desconhecimento do fato e portanto de contaminação 3 Informantes são aquelas pessoas que não prestam compromisso de dizer a verdade e portanto não podem responder pelo delito de falso testemunho até porque a rigor não são testemunhas mas meros informantes Por não prestarem compromisso não entram no limite numérico das testemunhas não sendo computadas Seu depoimento deve ser valorado com reservas conforme os motivos que lhes impeçam de ser compromissadas 4 Abonatórias as testemunhas abonatórias são aquelas pessoas que não presenciaram o fato e dele nada sabem por contato direto Servem para abonar a conduta social do réu tendo seu depoimento relevância na avaliação das circunstâncias do art 59 do CP Quando se tratar de alguma das pessoas previstas no art 206 não prestará compromisso de dizer a verdade A despeito da sua eficácia limitada as testemunhas abonatórias influem na aplicação da pena e devem ser ouvidas Constitui pensamos um ilegal cerceamento a prática de alguns juízes de limitar sua produção em juízo exigindo a substituição de seus depoimentos por declarações escritas o que acarreta a violação do contraditório por ser uma produção unilateral e fora da audiência e também da oralidade característica da prova testemunhal nos termos do art 204 do CPP 5 Testemunhas referidas são aquelas pessoas que foram mencionadas referidas por outras testemunhas que declaroudeclararam no seu depoimento a sua existência Logo elas não constavam no rol de testemunhas originariamente elencado Por terem sido citadas como sabedoras do ocorrido poderá melhor deverá o juiz ouvilas para melhor esclarecimento do fato Estabelece o art 209 1º que se ao juiz parecer conveniente serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem Deixa o Código a critério do juiz a valoração da necessidade e pertinência de ouvir a testemunha referida Sem embargo há que se analisar cada caso pois através do depoimento da testemunha originária podese ter noção da importância ou não da oitiva da pessoa referida Quando evidente essa relevância não deverá o juiz impedir a produção dessa prova Como aponta SCARANCE FERNANDES50 podemos extrair da sistemática do CPP três caracteres do testemunho oralidade determina o art 204 que os depoimentos deverão ser prestados oralmente não sendo permitido à testemunha trazêlo por escrito Está permitida entretanto a breve consulta a apontamentos principalmente quando a questão é mais complexa com vários fatos e agentes Constitui uma exceção a essa regra o disposto no art 221 1º do CPP51 que contudo deve ser uma prática desaconselhável52 pois ao permitir que essas pessoas deponham por escrito de forma unilateral e fora do processo violase a garantia da jurisdição e do contraditório pela impossibilidade de participação das partes na sua produção objetividade a objetividade está prevista no art 213 e exige uma abordagem crítica mais detida como faremos na continuação retrospectividade o delito é sempre um fato passado é história A testemunha narra hoje um fato presenciado no passado a partir da memória com todo peso de contaminação e fantasia que isso acarreta numa narrativa retrospectiva A atividade do juiz é recognitiva conhece através do conhecimento de outro e o papel da testemunha é o de narrador da historicidade do crime Não existe função prospectiva legítima no testemunho pois seu olhar só está autorizado quando voltado ao passado Daí por que não cabe à testemunha um papel de vidente nem exercícios de futurologia 54 A Ilusão de Objetividade do Testemunho Art 213 do CPP Com acerto CORDERO53 aponta que a objetividade do testemunho exigida pela norma processual art 213 do CPP é ilusória para quem considera a interioridade neuropsíquica na medida em que o aparato sensorial elege os possíveis estímulos que são codificados segundo os modelos relativos a cada indivíduo e as impressões integram uma experiência perceptiva cujos fantasmas variam muito no processo mnemônico memória E essa variação é ainda influenciada conforme a recordação seja espontânea ou solicitada principalmente diante da complexidade fática que envolve o ato de testemunhar em juízo fortissimamente marcado pelo ritual judiciário e sua simbologia As palavras que saem desse manipuladíssimo processo mental não raras vezes estão em absoluta dissonância com o fato histórico Se imaginarmos a testemunha como o pintor encontramos em MERLEAUPONTY54 a lição magistral de que falta ao olho condições de ver o mundo e falta ao quadro condições de representar o mundo Isso porque ensina o autor a ideia de uma pintura universal de uma totalização da pintura de uma pintura inteiramente realizada é destituída de sentido Ainda que durasse milhões de anos para os pintores o mundo se permanecer mundo ainda estará por pintar findará sem ter sido acabado Isso não significa explica MERLEAUPONTY que o pintor ou a testemunha em nosso caso não saiba o que quer mas sim que ele está aquém das metas e dos meios até pela impossibilidade de apreensão do todo Ademais a ideia de objetividade remonta ao equivocado dualismo cartesiano e à separação de mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção Especialmente com ANTÓNIO DAMÁSIO55 compreendemos o rompimento da separação cartesiana entre razão e sentimento operandose assim um fenômeno exatamente oposto àquele descrito por DESCARTES na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser O penso logo existo deve ser lido como existo e sinto logo penso num assumido anticartesianismo que recusa todo discurso científico incluindo o positivismo o mito da neutralidade da objetividade do observador em relação ao objeto etc baseado na separação entre emoção e razão O golpe final vem de um cânon antropológico o observador é parte integrante do objeto de estudo Logo uma testemunha assim como um antropólogo retratado por LAPLANTINE56 quando pretende uma neutralidade absoluta pensa ter recolhido fatos objetivos elimina dos resultados de sua pesquisa tudo o que contribui para a sua realização e apaga cuidadosamente as marcas de sua implicação pessoal no objeto de seu estudo é que ele corre o maior risco de afastarse do tipo de objetividade necessariamente aproximada e do modo de conhecimento específico de sua disciplina Se é necessário distinguir aquele que observa testemunha daquele ou daquilo que é observado é impensável dissociálos pois nunca somos testemunhas objetivas observando objetos e sim sujeitos observando outros sujeitos57 E ao final desse longo labirinto cognoscitivo a imagem mental se converte em palavra e novamente o resultado varia enormemente de locutor a locutor de sua capacidade de expressar o que viu ou melhor o que pensa que viu que não necessariamente corresponde ao ocorrido até porque o todo é demais para nós58 e de se fazer compreender E se o discurso não flui uma nova variável adquire grande relevância quem faz a inquirição E um novo campo se desvela para afastar ainda mais o testemunho da objetividade e obviamente de sua credibilidade Assim fica fácil compreender que o art 213 do CPP contém um obstáculo lógico evidente ao afirmar que o juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais salvo quando inseparáveis da narrativa do fato Eis uma assertiva tipicamente cartesiana superada como vimos pela impossibilidade de que exista uma narrativa do fato separada da apreciação pessoal A objetividade do testemunho deve ser conceituada a partir da assunção de sua impossibilidade reduzindo o conceito à necessidade de que o juiz procure filtrar os excessos de adjetivação e afirmativas de caráter manifestamente desvalorativo O que se pretende é um depoimento sem excessos valorativos sentimentais e muito menos um julgamento por parte da testemunha sobre o fato presenciado É o máximo que se pode tentar obter Isso nos dá uma pequena ideia da imensa dificuldade que encerra a questão da valoração da prova testemunhal Não existe nenhuma fórmula codificada que possa estabelecer até onde os testemunhos merecem crédito e isso contribui para a opção pelo princípio do livre convencimento motivado 55 Momento de Arrolar as Testemunhas Limites Numéricos Substituição e Desistência Pode o Assistente da Acusação Arrolar Testemunhas Oitiva por Carta Precatória e Rogatória As testemunhas devem ser arroladas no momento procedimental previsto sob pena de preclusão e recusa da produção de tal prova Assim as testemunhas da acusação devem necessariamente ser arroladas na denúncia crimes de ação penal de iniciativa pública ou na queixa ação penal de iniciativa privada conforme determina o art 41 do CPP No que se refere às testemunhas da defesa como regra devem ser arroladas na resposta escrita art 396A do CPP Na Lei n 11343 Lei de Tóxicos as testemunhas também devem ser arroladas na resposta escrita No Juizado Especial Criminal Lei n 9099 as testemunhas de defesa devem ser levadas diretamente à audiência de instrução e julgamento sem necessidade de prévia indicação portanto ou caso seja necessária a prévia intimação deverá o réu apresentar requerimento para intimação no mínimo 5 dias antes da realização dessa audiência art 78 1º da Lei n 9099 Devese atentar para o art 396A do CPP que passou a exigir que a defesa arrole suas testemunhas requerendo sua intimação quando necessário Até a reforma a regra era testemunha arrolada deveria ser intimada exceto se a parte expressamente dissesse que ela compareceria independente de intimação Isso mudou Uma leitura superficial conduziria à conclusão de que a defesa sempre deveria requerer expressamente a intimação sob pena de comprometerse a conduzir a testemunha E se não fizer esse pedido e no dia da audiência ninguém comparecer preclusa a via probatória Pensamos que não Isso porque não apenas o direito de ampla defesa impede que um processo tramite nessas condições senão porque o contraditório exige um tratamento igualitário Se o Ministério Público não está obrigado a pedir a intimação das testemunhas porque a defesa teria esse ônus Logo o tratamento igualitário conduz a que a regra siga sendo a mesma testemunha arrolada por qualquer das partes deverá ser intimada exceto se expressamente for dispensada a intimação Superado o momento procedimental definido a prova testemunhal não poderá mais ser requerida Contudo poderá a parte interessada invocar o art 209 do CPP sem contudo ter um verdadeiro direito público subjetivo de que tal prova seja produzida Tratase agora de faculdade do juiz No que se refere ao limite numérico temse por regra geral a crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade seguirá o rito comum ordinário podendo ser arroladas até oito testemunhas para cada parte não se computando as que não prestam compromisso e as referidas art 401 1º do CPP b crime cuja sanção máxima cominada for inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade seguirá o rito comum sumário podendo ser arroladas até cinco testemunhas para cada parte com as mesmas ressalvas do item anterior art 532 Há contudo exceções expressamente previstas em leis especiais como ocorre com a Lei n 11343 Lei de Tóxicos em que independente da pena o número de testemunhas é de apenas 5 cinco para cada parte No Tribunal do Júri na instrução primeira fase poderão ser ouvidas até 8 testemunhas para cada parte art 406 2º e 3º Contudo em plenário esse número é reduzido para 5 cinco nos termos dos art 422 do CPP Quanto à desistência da oitiva de testemunhas art 401 2º algumas considerações devem ser feitas As testemunhas uma vez arroladas são do processo e não mais da parte Daí por que até para evitar manobras fraudulentas não se deve admitir a possibilidade de desistência unilateral senão que necessariamente deve ser submetido ao contraditório o pedido de desistência e se não houver a concordância da outra parte não produz efeito Ainda que o 2º do art 401 afirme que a parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas tal dispositivo deve ser interpretado conforme a Constituição e a garantia do contraditório Em suma ainda que a parte possa desistir a qualquer tempo deverá o juiz dar vista para a outra parte e havendo discordância então e só nesse caso invocar o art 209 para ouvila Por exemplo se o Ministério Público arrola as testemunhas A B e C e posteriormente desiste da oitiva de A deverá o juiz intimar a defesa para que se manifeste Se concordar não se produzirá a coleta desse depoimento mas se insistir a testemunha deverá depor Isso porque a defesa poderá ter deixado de arrolar a testemunha A exatamente porque ela já tinha sido arrolada pela acusação Uma desistência unilateral seria muito prejudicial Quanto à aplicação do art 209 por indicação do art 401 2º também se devem fazer algumas considerações Inicialmente a matriz neoinquisitorial que infelizmente orienta nosso Código de Processo Penal estabelece no art 209 que o juiz poderá ouvir outras testemunhas além daquelas arroladas pelas partes Dessa disposição uma infeliz consagração do ativismo judicial tipicamente inquisitório extraem alguns autores e tribunais a possibilidade de o juiz ouvir testemunhas cujas partes tenham desistido de sua oitiva Tratase de uma leitura equivocada O art 209 não deveria ser aplicado mas se o for não admite interpretação extensiva O juiz poderia pois não concordamos com isso ouvir testemunhas não arroladas mas nunca testemunhas arroladas e posteriormente desistidas por ambas as partes Poderá sim utilizar o art 209 quando há desistência de uma parte e não existe concordância da outra Nesse caso o art 209 garante a eficácia do contraditório A substituição de testemunhas era uma possibilidade prevista no art 397 do CPP quando alguma das testemunhas não fosse encontrada Contudo a Lei n 11719 alterou substancialmente o procedimento estabelecendo na nova redação do artigo a possibilidade de absolvição sumária Analisando os demais dispositivos que disciplinam os procedimentos e também a prova testemunhal não se encontra previsão legal para a substituição Não se trata pensamos de mera omissão legislativa mas sim de uma decorrência da sistemática implantada que privilegiou a celeridade e a aglutinação dos atos em uma única audiência de modo que a substituição das testemunhas não encontradas prejudicaria a celeridade pretendida Mas impedir a substituição das testemunhas não encontradas desde que isso não constitua uma manobra para burlar a exigência dos arts 41 e 396A implica cerceamento de defesa ou limitação indevida do contraditório conforme o caso Para evitar isso devese permitir a substituição se possível antes da audiência de instrução e julgamento devendo a parte ser intimada quando do retorno do mandado Do contrário deve a audiência de instrução e julgamento ser suspensa permitindose a substituição da testemunha cuidando para não haver inversão na ordem das oitivas Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal noticiou Notícias do STF 23102008 que os ministros admitiram a substituição de testemunha não localizada no chamado Caso Mensalão Segundo informado os ministros entenderam que o ordenamento jurídico brasileiro admite a substituição de testemunha não localizada mesmo após a Lei n 117192008 tendo o Min Joaquim Barbosa destacado que não se pode concluir ter sido da vontade do legislador impedir eventuais substituições de testemunhas no curso da instrução criminal até porque não houve uma revogação direta expressa do antigo texto do artigo 397 mas sim uma reforma de capítulos inteiros do código por leis esparsas Prosseguiu explicando que não se pode imaginar que o processo guiado que deve estar para um provimento final que realmente resolva e pacifique a questão debatida exclua a possibilidade de substituição das testemunhas não encontradas por outras eventualmente existentes disse Por fim entendeu o Min Joaquim Barbosa que na hipótese pode ser aplicado o art 408 inciso III do Código de Processo Civil segundo o qual a parte só pode substituir a testemunha I que falecer II que por enfermidade não estiver em condições de depor III que tendo mudado de residência não for encontrada pelo oficial de justiça Assim em suma pensamos ser possível a substituição de testemunhas nos termos acima Outro questionamento pode surgir pode o assistente da acusação arrolar testemunhas Não pois é intempestivo tal pedido Ainda que o art 271 preveja que o assistente pode propor meios de prova isso não alcança a prova testemunhal por um detalhe muito importante o assistente somente pode ser admitido quando já houver uma acusação ou seja denúncia oferecida e recebida Logo o assistente ingressa no processo após o momento procedimental previsto para que o acusador arrole suas testemunhas que é na denúncia É assim intempestivo o pedido de oitiva de testemunhas por parte do assistente da acusação59 A única exceção diz respeito às testemunhas de plenário no rito do Tribunal do Júri em que o assistente já está habilitado e portanto poderia arrolálas Contudo nesse caso excepcional somente poderá fazêlo para complementar o rol do Ministério Público se ainda não houver completado o limite de 5 testemunhas Se o rol do Ministério Público já estiver completo não poderá o assistente indicar mais testemunhas de plenário Mudando o enfoque chamamos a atenção para o art 217 do CPP Art 217 Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido de modo que prejudique a verdade do depoimento fará a inquirição por videoconferência e somente na impossibilidade dessa forma determinará a retirada do réu prosseguindo na inquirição com a presença do seu defensor Parágrafo único A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo assim como os motivos que a determinaram A oitiva de vítima ou testemunha por videoconferência está autorizada mas em situações extremas Ou seja é uma medida excepcional e que deve ser utilizada com suma prudência pelo juiz e devidamente fundamentada expondo os motivos que efetivamente a exigiam De qualquer sorte com certeza pelos próximos anos a tendência será continuar simplesmente retirando o réu da sala até que se criem salas especiais nos foros criminais para realizar a videoconferência Mas quando o réu é retirado da sala de audiências com base no art 217 do CPP deve ter o juiz um especial cuidado não proceder imediatamente ao interrogatório Ao réu é assegurado o direito a última palavra pressupondo sempre que tenha pleno conhecimento de todas as provas que foram produzidas contra si Desta forma se não presenciou algum depoimento porque foi determinada sua retirada da sala de audiências deverá o juiz garantirlhe acesso integral e pelo tempo que for necessário a esses depoimentos para somente após proceder ao interrogatório Neste sentido repetimos a assertiva de DEZEM60 deve o magistrado franquear o acesso aos termos de depoimentos das testemunhas para que apenas então o acusado possa ser interrogado Caso esse procedimento não seja efetivado e o interrogatório se dê sem o conhecimento do material probatório produzido sem a presença do acusado não se terá o interrogatório como meio de defesa desnaturandose sua natureza jurídica Na mesma linha desta problemática situase o interrogatório colhido por carta precatória que deverá ser instruída com todo o material probatório já colhido no juízo da causa ou em outras precatórias para só então com a ciência do réu de toda a prova produzida ser realizado o interrogatório Feita essa ressalva continuemos As testemunhas residentes em outras comarcas serão ouvidas nas suas respectivas cidades por meio de carta precatória art 222 do CPP Art 222 A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência expedindose para esse fim carta precatória com prazo razoável intimadas as partes 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal 2º Findo o prazo marcado poderá realizarse o julgamento mas a todo tempo a precatória uma vez devolvida será junta aos autos 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real permitida a presença do defensor e podendo ser realizada inclusive durante a realização da audiência de instrução e julgamento NR Já as testemunhas residentes no exterior serão ouvidas por carta rogatória sendo necessário destacar a inovação inserida pela Lei n 119002009 no art 222 do CPP a saber Art 222A As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade arcando a parte requerente com os custos de envio Parágrafo único Aplicase às cartas rogatórias o disposto nos 1º e 2º do art 222 deste Código Exigese agora que a parte interessada demonstre previamente a imprescindibilidade da oitiva o que equivale a comprovar a pertinência e relevância para o caso penal em julgamento da prova postulada O risco de cerceamento na produção dessa prova é grande na medida em que a valoração dos critérios de utilidade e pertinência é atribuída ao juiz gerando inclusive um terreno fértil para os censuráveis prejulgamentos De qualquer forma o que se pretende impedir são as manobras procrastinatórias historicamente utilizadas para gerar grande atraso no julgamento o que é compreensível O problema é o risco concreto de cerceamento de defesa com o juiz filtrando a prova que a parte poderá ou não produzir Deverá ainda a parte passiva requerente arcar com os custos de envio exceto se beneficiada com a Justiça gratuita Novo desequilíbrio processual é gerado com essa exigência na medida em que não há custas processuais para o Ministério Público pois é o acusador estatal sendo um ônus exclusivo da defesa Logo o réu terá de pagar todas as despesas para que a carta rogatória seja cumprida ao passo que o Ministério Público está dispensado Por fim não há remissão ao 3º do art 222 logo incabível a realização por videoconferência 56 Falsas Memórias e os Perigos da Prova Testemunhal O Paradigmático Caso Escola Base A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo penal brasileiro e ao mesmo tempo o mais perigoso manipulável e pouco confiável Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo penal e do próprio ritual judiciário Diante dos limites desta obra pretendemos aqui apenas introduzir o leitor na perspectiva de um pensamento crítico e maduro que recuse a ingenuidade do senso comum teórico de muitos juristas ainda adeptos da razão moderna e que preferem em nome dessa crença alienarse da complexidade que marca as sociedades contemporâneas Entre as inúmeras variáveis que afetam a qualidade e confiabilidade da prova testemunhal propomos um recorte pouco comum na doutrina jurídica as falsas memórias As falsas memórias se diferenciam da mentira essencialmente porque nas primeiras o agente crê honestamente no que está relatando pois a sugestão é externa ou interna mas inconsciente chegando a sofrer com isso Já a mentira é um ato consciente em que a pessoa tem noção61 do seu espaço de criação e manipulação Ambos são perigosos para a credibilidade da prova testemunhal mas as falsas memórias são mais graves pois a testemunha ou vítima desliza no imaginário sem consciência disso Daí por que é mais difícil identificar uma falsa memória do que uma mentira ainda que ambas sejam extremamente prejudiciais ao processo É importante destacar que diferentemente do que se poderia pensar as imagens não são permanentemente retidas na memória62 sob a forma de miniaturas ou microfilmes tendo em vista que qualquer tipo de cópia geraria problemas de capacidade de armazenamento devido à imensa gama de conhecimentos adquiridos ao longo da vida É o que explica ANTÓNIO DAMÁSIO63 as imagens não são armazenadas sob forma de fotografias facsimilares de coisas de acontecimentos de palavras ou de frases O cérebro não arquiva fotografias Polaroid de pessoas objetos paisagens não armazena fitas magnéticas com música e fala não armazena filmes de cenas de nossa vida nem retém cartões com deixas ou mensagens de teleprompter do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida Se o cérebro fosse uma biblioteca esgotaríamos suas prateleiras à semelhança do que acontece nas bibliotecas Nessa complexidade inserese a questão da prova testemunhal e dos reconhecimentos pois em ambos os casos tudo gira em torno da falta de memória Provavelmente a maior autoridade nessa questão das falsas memórias na atualidade seja ELIZABETH LOFTUS64 cujo método revolucionou os estudos nessa área ao demonstrar a possibilidade de implantação das falsas memórias procedimento de sugestão de falsa informação Uma informação enganosa tem o potencial de criar uma memória falsa afetando nossa recordação e isso pode ocorrer até mesmo quando somos interrogados sugestivamente ou quando lemos e assistimos a diversas notícias sobre um fato ou evento de que tenhamos participado ou experimentado65 Em diversos experimentos LOFTUS e seus pesquisadores demonstraram que é possível implantar uma falsa memória de um evento que nunca ocorreu Mais do que mudar detalhes de uma memória o que não representa grande complexidade a autora demonstrou que é possível criar inteiramente uma falsa memória portanto de um evento que nunca ocorreu O estudo de perdido no shopping demonstra que é relativamente fácil implantar uma falsa memória de estar perdido chegando ao preocupante extremo de implantar uma falsa memória de ter sido molestado sexualmente na infância No primeiro caso foi montado um grupo de 24 indivíduos de idades variadas de 18 a 53 anos para tentarem recordar de eventos da infância que teriam sido contados aos pesquisadores por pais irmãos e outros parentes mais velhos Partindo daí foi confeccionada uma brochura pelos pesquisadores construindo um falso evento sobre um possível passeio ao shopping que comprovadamente nunca ocorreu onde o participante teria ficado perdido durante um período prolongado incluindo choro ajuda e consolo por uma mulher idosa e finalmente o reencontro com a família Após lerem o material foram submetidos a uma série de entrevistas para verificar o que recordavam Em suma sintetizando a experiência de LOFTUS ao final 29 dos participantes lembramse tanto parcialmente como totalmente do falso evento construído para eles Nas duas entrevistas seguintes 25 continuaram afirmando que eles lembravam do evento fictício Cita a autora as pesquisas de HYMAN também sobre a implantação de falsas memórias como a hospitalização à noite devido a uma febre alta e uma possível infecção de ouvido em que na primeira entrevista nenhum participante recordou o evento falso mas 20 disseram na segunda entrevista que se lembravam de algo sobre o evento falso Um dos participantes chegou ao extremo de lembrar de um médico uma enfermeira e de um amigo da igreja que veio visitálo Tudo fruto da implantação de uma falsa memória Ainda mais apavorantes são algumas técnicas terapêuticas empregadas no trato de vítimas de delitos sexuais ocorridos na infância O perigo está naquilo que LOFTUS chama de inflação da imaginação em que através de interrogatórios ou terapias utilizase de exercícios imagéticos para encorajar os praticantes a imaginar eventos infantis como forma de recuperar memórias supostamente escondidas As consequências de tais técnicas costumeiramente empregadas são trágicas A implantação da falsa memória é potencializada quando um membro da família afirma que o remoto incidente aconteceu Isso foi testado entre outros no caso perdidos no shopping e demonstrou que a confirmação do evento por uma pessoa é uma técnica poderosa para induzir a uma falsa memória Citando um estudo de KASSIN e COLLEGE ELIZABETH LOFTUS explica a grande influência que exerce uma falsa evidência na implantação de uma falsa memória Foram investigadas as reações de indivíduos inocentes acusados de terem danificado um computador apertando uma tecla errada Os participantes inocentes inicialmente negaram as acusações Contudo quando uma pessoa associada ao experimento disse que havia os visto executarem a ação muitos participantes assinaram a confissão absorvendo a culpa pelo ato Mais do que aceitarem a culpa por um crime que não cometeram chegaram a desenvolver recordações para apoiar esse sentimento de culpa A confusão sobre a origem da informação é um poderoso indutor da criação de falsas memórias e isso ocorre quando falsas recordações são construídas combinandose recordações verdadeiras como conteúdo das sugestões recebidas de outros explica a autora Mas é nos crimes sexuais o terreno mais perigoso da prova testemunhal e claro da palavra da vítima pois é mais fértil para implantação de uma falsa memória Os profissionais de saúde mental psicólogos psiquiatras analistas terapeutas etc têm um poder imenso de influenciar e induzir as recordações e eventos traumáticos Cita a autora que em 1986 Nadean Cool auxiliar de enfermagem de Wisconsin consultou um psiquiatra porque não conseguia lidar com as consequências de um acidente sofrido pela filha No tratamento foram utilizados pelo terapeuta técnicas de sugestão hipnose e outras Após algumas sessões explica LOFTUS Nadean se convenceu de que tinha sido usada na infância por uma seita satânica que a violentara a obrigara a manter relações sexuais com animais e a forçara a assistir ao assassinato de um amigo de 8 anos O psiquiatra acabou por fazêla acreditar que ela tinha mais de 120 personalidades em decorrência dos abusos sexuais e da violência sofridos quando criança Isso dá uma dimensão do que é possível criar em termos de falsas memórias e das graves consequências penais e processuais que elas podem gerar No caso narrado pela autora após compreender o que estava acontecendo a vítima processou o psiquiatra e em março de 1997 após cinco semanas de julgamento o caso foi resolvido fora do tribunal através do pagamento de uma indenização de 2 milhões e 400 mil dólares Situação similar também narrada por LOFTUS foi documentada em 1992 quando um terapeuta ajudou Beth Rutherford então com 22 anos a recordar que entre os 7 e os 14 anos havia sido violentada com regularidade pelo pai um pastor inclusive com a ajuda da mãe Recordou também a partir das técnicas de induzimento que havia ficado grávida duas vezes tendo realizado sozinha os abortos utilizando um cabide Finalmente exames médicos demonstraram que a jovem ainda era virgem e que nunca havia engravidado Ela processou o terapeuta e em 1996 recebeu 1 milhão de dólares de indenização Casos assim ocorrem com regularidade66 mas dificilmente são documentados e desmascarados Diferenciar lembranças verdadeiras de falsas é sempre muito difícil ocorrendo apenas quando se consegue demonstrar que os fatos contradizem às falsas lembranças Mas e nos demais casos As consequências são gravíssimas No Brasil ainda que não suficientemente estudado temos o paradigmático caso Escola Base em São Paulo que para além de demonstrar o despreparo de nossa polícia judiciária colocou na agenda pública a discussão sobre o papel da mídia sua postura aética e irresponsável bem como a mercantilização da violência e do medo Claro que muito ainda devese evoluir nessas duas dimensões preparo policial e responsabilidade midiática Em 199467 duas mães denunciam que seus filhos participavam de orgias sexuais organizadas pelos donos da Escola de Educação Infantil Base localizada no bairro da Aclimação em São Paulo Uma das mães disse que seu filho de 4 anos de idade lhe teria contado que havia tirado fotos em uma cama redonda que uma mulher adulta teria deitado nua sobre ele e lhe beijado A fantasia inicial toma contornos de rede de pedofilia e após um laudo não conclusivo sobre a violência sexual que o menino teria sofrido depois ficou demonstrado que tudo não passou de problemas intestinais é expedido um mandado de busca e apreensão que foi cumprido com irresponsável publicidade por parte da polícia Era o início de uma longa tragédia a que foram submetidos os donos da escola infantil A notícia correu o País e foi explorada de forma irresponsável senão criminosa por parte dos meios de comunicação encontrando no imaginário coletivo um terreno fértil para se alastrar até porque num país onde a cultura do medo é alimentada diariamente a possibilidade de que nossos filhos estejam sendo vítimas de abuso sexual na escola é o ápice do terror Chegouse ao extremo de em 31 de março um telejornal de penetração nacional noticiar o consumo de drogas e a possibilidade de contágio com o vírus da Aids Manchetes sensacionalistas inundavam o País Recorda DOMENICI68 títulos como Kombi era motel na escolinha do sexo Perua escolar levava crianças para orgia no maternal do sexo e Exame procura a Aids nos alunos da escolinha do sexo A revista Veja publicou em 6 de abril Uma escola de horrores Finalmente em junho de 1994 após o delegado ter sido afastado o inquérito policial foi arquivado pois nada foi demonstrado Ações de indenização contra o Estado de São Paulo pela absurda atuação policial e também contra diversos jornais e emissoras de televisão ainda tramitam nos tribunais superiores Para além dos graves erros cometidos pela polícia e pelos principais meios de comunicação do País evidenciase a implantação de falsas memórias nas duas crianças e também a manipulação dos depoimentos Impressiona a forma como foram conduzidos os depoimentos e a verdadeira indução ali operada As perguntas eram fechadas e induziam as respostas quase sempre dadas pela criança recordemos com 4 anos de idade através de monossílabos sim e não ou ainda respostas que consistiam na mera repetição da própria pergunta Naquele contexto onde a indução era constante e a pressão imensa é elementar que as duas crianças sob holofote fantasiavam e também buscavam corresponder às expectativas criadas pelos adultos e pelo contexto O caldo midiático criado e a desastrosa condução da investigação policial foram fundamentais para a inflação da imaginação das crianças e até das duas mães sendo que uma delas era a principal fonte de tudo A forma como foi conduzida a investigação policial especialmente na oitiva das crianças envolvidas serviu como um conjunto de exercícios imagéticos para alimentar as supostas vítimas As consequências foram trágicas Em outro processo69 Embargos Infringentes 70016395915 julgados pelo 3º Grupo Criminal do TJRS o réu foi acusado pelo delito de estupro reiteradas vezes Após a realização de exame de conjunção carnal constatando a virgindade da ofendida a investigação foi direcionada ao antigo delito de atentado violento ao pudor Descreveu a denúncia ter o denunciado colocado sem penetrar o pênis na vulva da vítima bem com obrigandoa a beijar seu órgão sexual Explica a autora que a menina vivia em um ambiente de promiscuidade sexual pois sua genitora se dedicava à prostituição e a menor frequentava a boate Daí advieram os estímulos erotizados inadequados à sua idade que acabaram contribuindo para a falsificação da memória Em juízo a menor descreveu a cobra colocada pelo réu em sua vagina tinha aproximadamente 120m era cinza com preto e branco tinha olhos mas não tinha boca tinha pés parecia uma lagartixa O pai encontrou a cobra enrolada no caule de uma árvore na frente de casa Ele desenrolou e passou a cobra na pexereca da depoente Em seguida a menina ainda sustentou ter o réu cortado a cobra em pedacinhos e preparado um risoto para ela comer Após criteriosa análise de todo o contexto fático no qual se inseriu a acusação conclui o tribunal pela inveracidade da imputação tendo o réu por maioria sido absolvido É um caso que demonstra claramente a existência de falsa memória infantil Na Apelação Crime 70017367020 julgada pela 5ª Câmara Criminal do TJRS na sessão do dia 27122006 foi mantida a absolvição do padrinho da suposta vítima por atentado violento ao pudor Explica DI GESU70 que as acusações começaram quando a menina de 8 anos assistia juntamente com sua mãe ao programa Globo Repórter o qual abordava a questão do abuso sexual contra crianças A vítima ficou impressionada com a história do pai que havia engravidado a própria filha e vivia maritalmente com ela Diante disso questionou se beijar na boca engravidava A mãe ficou nervosa e procurou esclarecer a questão e ao mesmo tempo procurou imputar a prática do delito a alguém Não incriminou o pai mas sim o padrinho da menor Como a genitora não conseguia falar sobre o assunto com a filha pediu para que esta escrevesse um bilhete contando o que havia ocorrido e num pedaço de papel a menina escreveu uma experiência de conotação sexual contudo ocorrida na creche onde estudava Lá as meninas teriam se beijado na boca e mostrado a bunda umas para as outras Além disso também teriam chamado os meninos e pegado no tico deles No bilhete não soube expressar se havia gostado ou não da experiência Esse fato não foi explorado na investigação somente o foi em juízo Associado a tudo isso descobriuse que a menina beijava o irmão na boca tinha visto acidentalmente um filme pornográfico na televisão a cabo bem como seu pai costumava andar nu pela casa Todo esse contexto foi fundamental para a decisão da causa pois ficou demonstrado que o ambiente era totalmente propício para a ocorrência das falsas memórias por indução da própria mãe da vítima a partir de uma experiência sexual vivenciada na escola Muita cautela devese ter diante do depoimento infantil especialmente nos crimes contra a liberdade sexual e mais ainda naqueles que não deixam vestígios em que a palavra da vítima acaba sendo a principal prova Não se trata de demonizar a palavra da vítima nada disso senão de acautelarse contra o endeusamento desta prova Devese com a maior amplitude possível trazer toda a complexidade do crime e das circunstâncias em que ele ocorreu para dentro do processo Algumas pessoas71 são mais suscetíveis à formação das falsas lembranças geralmente aquelas que sofreram algum tipo de traumatismo ou lapso de memória Contudo o terreno mais fértil é sem dúvida as crianças avaliadas como mais vulneráveis à sugestão Isto porque como explica a autora a tendência infantil é de justamente corresponder às expectativas do que deveria acontecer bem como às expectativas do adulto entrevistador Daí por que há um alerta geral para o depoimento infantil na medida em que72 a as crianças não estão acostumadas a fornecer narrativas sobre suas experiências b a passagem do tempo dificulta a recordação de eventos c há dificuldade de se reportar a informações sobre eventos que causem dor estresse ou vergonha d a criança raramente responde que não sabe e muda constantemente a resposta para agradar o adulto entrevistador A estrutura psíquica da criança é sabidamente mais frágil que a de um adulto sendo portanto mais facilmente violada ou contaminada sua memória Como explica PISA73 as crianças foram historicamente avaliadas como mais vulneráveis para a sugestão e aponta dois fatores a cognitivo ou autossugestão porque a criança desenvolve uma resposta segundo sua expectativa do que deveria acontecer b o desejo de se ajustar às expectativas ou pressões de um entrevistador A linguagem e o método do interrogador em situações assim são de grande relevância para preservação ou violação da memória da vítimatestemunha devendo por isso serem filmados todos os depoimentos prestados Buscase com isso avaliar principalmente o entrevistador Aponta ainda PISA74 que a memória não funciona como uma filmadora que grava a imagem e pode ser revista várias vezes Cada vez que recordamos interpretamos e agregamos ou suprimimos dados Daí por que na recuperação da memória de um evento distorções endógenas ou exógenas se produzirão As falsas memórias podem ser espontâneas ou autossugeridas ou ainda resultado de sugestão externa acidental ou deliberada Sempre recordando que a distorção consciente conduz à mentira As falsas memórias não são dominadas pelo agente e podem decorrer até mesmo de uma interpretação errada de um acontecimento Quanto às entrevistas realizadas com a vítimatestemunha por psicólogos psiquiatras e outros profissionais da área da saúde costumeiramente realizadas em processos que envolvam violência sexual devese atentar para dois fatores a necessidade de acompanhamento por parte de ambas as partes acusação e defesa vedandose completamente as entrevistas privadas por violação do contraditório75 e impossibilidade de controle b gravação de áudio e vídeo de todas as entrevistas e avaliações realizadas Finalizando devem os atores judiciários estar atentos para esse grave problema que ronda a prova testemunhal a palavra da vítima e os reconhecimentos buscando apurar técnicas de interrogatórios que reduzam a indução e facilitem a identificação das falsas memórias Por elementar o risco de tal problema jamais poderá ser eliminado O que se deve buscar são medidas de redução de danos com o abandono da cultura da prova testemunhal o emprego de técnicas não indutivas nos interrogatórios utilização de técnicas específicas nos interrogatórios de crianças vítimas ou testemunhas especialmente nos crimes sexuais a inserção de recursos tecnológicos gravação de áudio e vídeo de todos os depoimentos prestados para controle do tipo de interrogatório empregado e conhecimento científico na investigação preliminar Essas são algumas formas de reduzir os danos das falsas memórias no processo penal Sugeremse76 em síntese as seguintes medidas redutoras de danos 1 As contaminações a que está sujeita a prova penal podem ser minimizadas através da colheita da prova em um prazo razoável objetivando suavizar a influência do tempo esquecimento na memória 2 A adoção de técnicas de interrogatório e a entrevista cognitiva permitem a obtenção de informações quantitativa e qualitativamente superiores às entrevistas tradicionais altamente sugestivas 3 O objetivo é evitar a restrição das perguntas ou sua formulação de maneira tendenciosa por parte do entrevistador sugerindo o caminho mais adequado para a resposta 4 A gravação das entrevistas realizadas na fase préprocessual feitas por assistentes sociais e psicólogos permite ao juiz o acesso a um completo registro eletrônico da entrevista Isso possibilita ao julgador o conhecimento do modo como os questionamentos foram formulados bem como os estímulos produzidos nos entrevistados Assume especial importância não como indício de prova propriamente dito mas para que o magistrado aprecie como foi realizado o procedimento e que métodos foram utilizados a fim de avaliar o possível grau de contaminação dessa prova 5 Também é de grande valia que as entrevistas não explorem tão somente a versão acusatória É interessante que se faça uma abordagem de outros aspectos ofertados pelas vítimas pois é bastante comum que as vítimas crianças e adolescentes utilizem a acusação de abuso sexual para fazer cessar outras formas de violência física e psicológica Nesses casos a prisão do agressor pai ou padrasto representa o afastamento do lar Além disso denúncias de abuso sexual figuram como uma arma poderosa nas ações de separação ou divórcio em que há disputa pela guarda dos menores Como conclui a autora a prova testemunhal é sem dúvida o fator humanizante do processo e não pode ser abandonada mas somente através da inserção de novas tecnologias é que se poderão reduzir os danos decorrentes da baixa qualidade da prova produzida atualmente 6 Reconhecimento de Pessoas e Coisas 61 InObservância das Formalidades Legais Número de Pessoas e Semelhança Física O reconhecimento é um ato através do qual alguém é levado a analisar alguma pessoa ou coisa e recordando o que havia percebido em um determinado contexto compara as duas experiências77 Quando coincide a recordação empírica com essa nova experiência levada a cabo em audiência ou no inquérito policial ocorre o reconhecer Partimos da premissa de que é reconhecível tudo o que podemos perceber ou seja só é passível de ser reconhecido o que pode ser conhecido pelos sentidos Nessa linha o conhecimento por excelência é o visual assim previsto no CPP Contudo silencia o Código no que se refere ao reconhecimento que dependa de outros sentidos como o acústico olfativo ou táctil Carecemos de um dispositivo similar ao art 216 do Códice di Procedura Penale italiano que prevê Art 216 Altre Ricognizioni 1 Quando dispone la ricognizione di voci suoni o di quanto altro può essere oggetto di percezione sensoriale il giudice procede osservando le disposizioni dellart 213 que trata do reconhecimento de pessoas in quanto applicabili O reconhecimento de pessoas e coisas está previsto nos arts 226 e ss do CPP e pode ocorrer tanto na fase préprocessual como também processual O ponto de estrangulamento é o nível de inobservância por parte dos juízes e delegados da forma prevista no Código de Processo Penal Determina o art 226 Art 226 Quando houver necessidade de fazerse o reconhecimento de pessoa procederseá pela seguinte forma I a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida II a pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála III se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento por efeito de intimidação ou outra influência não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida a autoridade providenciará para que esta não veja aquela IV do ato de reconhecimento lavrarseá auto pormenorizado subscrito pela autoridade pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais Parágrafo único O disposto no n III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento Tratase de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e partindo da premissa de que em matéria processual penal forma é garantia não há espaço para informalidades judiciais Infelizmente prática bastante comum na praxe forense consiste em fazer reconhecimentos informais admitidos em nome do princípio do livre convencimento motivado É um absurdo quando um juiz questiona a testemunha ou vítima se reconhecem os réus ali presentes como sendo os autores do fato Essa simplificação arbitrária constitui um desprezo à formalidade do ato probatório atropelando as regras do devido processo e principalmente violando o direito de não fazer prova contra si mesmo Por mais que os tribunais brasileiros façam vista grossa para esse abuso argumentando às vezes em nome do livre convencimento do julgador a prática é ilegal e absurda78 É ato formal que visa a confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa O problema é a forma como é feito o reconhecimento Em audiência o código afasta apenas o inciso III que pode perfeitamente ser utilizado Logo não é reconhecimento quando o juiz simplesmente pede para a vítima virar e reconhecer o réu único presente e algemado pois descumpre a forma e é um ato induzido Contudo os juízes fazem a título de livre convencimento Tratase de um exemplo típico de violação de todas as regras processuais atinentes ao reconhecimento de pessoas mas bastante comum e aceito até porque quem tem a iniciativa probatória é quem a admite produção e valoração são feitos pela mesma pessoa o juiz Entendemos que tal prática constitui uma prova ilícita ou nula a exemplo do disposto no art 2133 do CPP italiano79 e que deve ser banida da prática forense e dos autos dos processos na medida em que viola o sistema acusatório gestão da prova nas mãos das partes quebra a igualdade de tratamento oportunidades e fulmina a imparcialidade constitui flagrante nulidade do ato na medida em que praticado em desconformidade com o modelo legal previsto e por fim nega eficácia ao direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo Em suma é uma teratologia judicial inadmissível80 Mas se feito reconhecimento com as devidas cautelas legais inclusive respeitando o direito do réu de não participar deverá o juiz ou autoridade policial se for o caso providenciar que o imputado seja colocado ao lado de outras pessoas fisicamente semelhantes Nesse ponto devese atentar para dois aspectos número de pessoas o Código é omisso nessa questão mas recomendase que o número não seja inferior a 5 cinco81 ou seja quatro pessoas mais o imputado82 para maior credibilidade do ato e redução da margem de erro semelhanças físicas questão crucial nesse ato é criar um cenário cujo nível de indução seja o menor possível daí por que deverá o juiz atentar para a formação de uma roda de reconhecimento com pessoas de características físicas similares estatura porte físico cor de cabelo e pele etc A questão da vestimenta também deverá ser observada pelo juiz para que não existam contrastes absurdos entre os participantes83 Tais cuidados longe de serem inúteis formalidades constituem condição de credibilidade do instrumento probatório refletindo na qualidade da tutela jurisdicional prestada e na própria confiabilidade do sistema judiciário de um país Quanto ao reconhecimento de coisas aplicase no que for cabível toda a explicação anteriormente feita Em geral fazse o reconhecimento de armas e demais objetos utilizados na prática do crime adequandose às formalidades do art 226 do CPP 62 Reconhecimento por Fotografia ImPossibilidade de Alteração das Características Físicas do Imputado Novas Tecnologias Noutra linha devese advertir que o fato de admitirmos as provas inominadas tampouco significa permitir que se burle a sistemática legal Assim não pode ser admitida uma prova rotulada de inominada quando na realidade ela decorre de uma variação ilícita de outro ato estabelecido na lei processual penal cujas garantias não foram observadas Exemplo típico de prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia utilizado em muitos casos quando o réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal exercendo seu direito de silêncio nemo tenetur se detegere O reconhecimento fotográfico somente pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal nos termos do art 226 inciso I do CPP nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada Assim o reconhecimento fotográfico pode decorrer de duas situações 1 É possível o reconhecimento de forma direta pois o imputado está presente e concorda é claro nesse caso o reconhecimento fotográfico é um ato preparatório do reconhecimento direto e substitui a descrição prevista no inciso I do art 226 do CPP Mas cuidado não se pode violar o direito de não produzir prova contra si mesmo Logo se o imputado não quiser se submeter ao reconhecimento não poderá ser feito o reconhecimento por fotografias sob pena de burlar a garantia constitucional bem como realizar o ato preparatório quando sabidamente não será realizado o ato final 2 Não é possível o reconhecimento direto pois o imputado está ausente considerando que se trata de prova preparatória para outro ato se esse ato posterior reconhecimento de pessoa não puder ser realizado não faz sentido o ato preparatório Ademais é importante destacar que a ausência do réu não conduz a uma perda do seu direito fundamental de não produzir prova contra si mesmo Dessa forma estando ausente não haverá o consentimento para o atofim e a realização do reconhecimento fotográfico de forma isolada implicaria contornar a garantia do não produzir prova contra si mesmo Quanto à identificação civil é importante a leitura da Lei n 120372009 que prevê a identificação datiloscópica e fotográfica daqueles agentes que não comprovem identificação civil carteira de identidade ou ainda nos demais casos previstos na referida Lei n 12037 Com base nesse diploma legal e mais alguma dose de manipulação na interpretação de seus dispositivos acabaram sendo ressuscitados os álbuns de identificação nas delegacias policiais brasileiras Em suma no que tange ao reconhecimento por fotografias somente poderá ser admitido como instrumentomeio substituindo a descrição prevista no art 226 I do CPP Nunca como ato probatório autônomo84 Mas a matéria não é pacífica e há decisões admitindo o reconhecimento por fotografia desde que seja observado o disposto no art 226 a questão a saber é como isso será feito85 Outra questão pouco discutida diz respeito à impossibilidade de alteração das características físicas do réu raspar a barba cortar o cabelo tingilo de outra cor etc86 vestirse com determinada roupa colocarse em determinada posição ficar de lado de costas deitado etc ou ainda falar ou emitir sons buscando maior aproximação daquilo visto ou ouvido pela vítima ou testemunha no cenário do crime A questão resolvese pela observância de uma das principais regras probatórias de nosso sistema respeitar o direito de silêncio e o de não produzir prova contra si mesmo que assistem ao réu Ele pode negarse a participar no todo ou em parte do ato sem que dessa recusa se presuma ou extraia qualquer consequência que lhe seja prejudicial nemo tenetur se detegere Por outro lado havendo a concordância válida e expressa do réu poderão ser praticados quaisquer dos atos acima citados A questão situase assim no campo do consentimento Por fim há que se considerar que ao tempo em que foi promulgado nosso CPP não existiam os meios científicos e técnicos de que dispomos atualmente Assim em que pese a lacuna devem ser admitidos no campo das perícias os exames de DNA dactiloscópicos87 e também alguns pouco conhecidos no Brasil como a palatoscopia estudo das rugosidades palatinais a queiloscopia estudo das impressões dos lábios marcas da mordida e características histológicas do dente e outros cujas modernas tecnologias e o conhecimento científico venham a desenvolver para auxiliar a identificação de pessoas Nessa linha o art 3492 do CPP italiano prevê que alla identificazione della persona nei cui confronti vengono svolte le indagini può procedersi anche eseguendo ove ocorra rilievi dattiloscopici fotografici e antropometrici nonché altri accertamenti notese que no final o legislador utiliza uma abertura conceitual algo como assim como outras formas de investigação Assim as formas de reconhecimento ou identificação do imputado que possam ser obtidas a partir de novas tecnologias inseremse no campo da prova pericial anteriormente analisada 63 Breve Problematização do Reconhecimento desde a Psicologia Judiciária Como visto anteriormente a prova testemunhal tem sua credibilidade seriamente afetada pela mentira e as falsas memórias Nessa mesma dimensão situase o reconhecimento do imputado cuja valoração probatória não pode desconsiderar esses fatores pois igualmente dependente da complexa variável memória Tomando por ponto de partida os estudos de REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ88 que necessariamente devem ser complementados pelas lições de LOFTUS89 devese considerar a existência de diversas variáveis que modulam a qualidade da identificação tais como o tempo de exposição da vítima ao crime e de contato com o agressor a gravidade do fato a questão da memória está intimamente relacionada com a emoção experimentada o intervalo de tempo entre o contato e a realização do reconhecimento as condições ambientais visibilidade aspectos geográficos etc as características físicas do agressor mais ou menos marcantes as condições psíquicas da vítima memória estresse nervosismo etc a natureza do delito com ou sem violência física grau de violência psicológica etc enfim todo um feixe de fatores que não podem ser desconsiderados A presença de arma distrai a atenção do sujeito de outros detalhes físicos importantes do autor do delito reduzindo a capacidade de reconhecimento O chamado efeito do foco na arma é decisivo para que a vítima não se fixe nas feições do agressor pois o fio condutor da relação de poder que ali se estabelece é a arma Assim tal variável deve ser considerada altamente prejudicial para um reconhecimento positivo especialmente nos crimes de roubo extorsão e outros delitos em que o contato agressorvítima seja mediado pelo uso de arma de fogo Também se devem considerar as expectativas da testemunha ou vítima pois as pessoas tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir Daí por que os estereótipos culturais como cor classe social sexo etc têm uma grande influência na percepção dos delitos fazendo com que as vítimas e testemunhas tenham uma tendência de reconhecer em função desses estereótipos exemplo típico ocorre nos crimes patrimoniais com violência roubo em que a raça e perfil socioeconômico são estruturantes de um verdadeiro estigma90 Ainda que o criminoso nato de LOMBROSO seja apenas um marco histórico da criminologia é inegável que ele habita o imaginário de muitos principalmente em países com profundos contrastes sociais baixo nível cultural e por consequência alto índice de violência urbana como o nosso Assim um dos estereótipos mais presentes apontam os autores é o de que lo que es hermoso es bueno Um rosto mais bonito e atraente possui aos olhos de muitos mais traços de uma conduta socialmente desejável e aceita do que uma cara feia Cicatrizes principalmente na face ou em lugares visíveis são consideradas anormais indicando uma conduta também anormal Elementar que tudo isso é um absurdo a nossos olhos mas basta que olhemos em volta para ver que tais pensamentos habitam o imaginário de muita gente Outra variável é a transferência inconsciente quando a testemunha ou vítima indica uma pessoa que viu em momento concomitante ou próximo àquele em que ocorreu o crime dentro do crime geralmente como autor Citam os autores91 o estudo de BUCKHOUT que simulou um roubo na frente de 141 estudantes e 7 semanas depois pediulhes que reconhecessem o assaltante em um grupo de 6 fotografias Sessenta por cento dos sujeitos realizaram uma identificação incorreta Entre eles 40 selecionaram uma pessoa que viram na cena do crime mas que era um inocente espectador LOFTUS obteve resultados similares em experiências do gênero O efeito compromisso GORENSTEIN y ELLSWORTH é definido quando ocorre uma identificação incorreta por exemplo quando a pessoa analisa muitas fotografias e elege erroneamente o sujeito e posteriormente realiza um reconhecimento pessoal Nesse caso o agente tende a persistir no erro advertindo os autores de que não se deve proceder ao reconhecimento pessoal depois do reconhecimento por fotografias pois há um risco muito grande de que ele mantenha o compromisso anterior ainda que tenha dúvidas Afirmam ainda que esto resulta muy peligroso dado que la policía en su pesquisa utiliza este tipo de estrategias con los testigos presenciales92 Muitas vezes antes da realização do reconhecimento pessoal a vítimatestemunha é convidada pela autoridade policial a examinar albuns de fotografia buscando já uma préidentificação do autor do fato O maior inconveniente está no efeito indutor disso ou seja estabelecese uma percepção precedente ou seja um préjuízo que acaba por contaminar o futuro reconhecimento pessoal Não há dúvida de que o reconhecimento por fotografia ou mesmo quando a mídia noticia os famosos retratos falados do suspeito contamina e compromete a memória de modo que essa ocorrência passada acaba por comprometer o futuro o reconhecimento pessoal havendo uma indução em erro Existe a formação de uma imagem mental da fotografia que culmina por comprometer o futuro reconhecimento pessoal Tratase de uma experiência visual comprometedora Portanto é censurável e deve ser evitado o reconhecimento por fotografia ainda que seja mero ato preparatório do reconhecimento pessoal dada a contaminação que pode gerar poluindo e deturpando a memória Ademais o reconhecimento pessoal também deve ter seu valor probatório mitigado pois evidente sua falta de credibilidade e fragilidade Elementar que a confiabilidade do reconhecimento também deve considerar a pressão policial ou judicial até mesmo manipulação e a inconsciente necessidade das pessoas de corresponder à expectativa criada principalmente quando o nível sociocultural da vítima ou testemunha não lhe dá suficiente autonomia psíquica para descolarse do desejo inconsciente de atender ou de não frustrar o pedido da autoridade paicensor Muitas pessoas creem que a polícia somente realiza um reconhecimento quando já tem um bom suspeito contribuindo para um reconhecimento positivo Mais grave ainda é a situação do reconhecimento feito em juízo pois nesse caso há a certeza da presença do acusado entre aquelas pessoas a serem reconhecidas MALPASS e DEVINE citados pelos autores realizaram uma simulação interessante Montado o reconhecimento foi informado aos presentes aqueles que deveriam proceder à identificação que o autor do delito estava provavelmente presente quando na verdade não estava Setenta e oito por cento dos sujeitos reconheceram erroneamente o agressor Mas quando avisaram que o autor podia não estar presente o índice de reconhecimento caiu para 33 Definitivamente a forma como é conduzido e montado o reconhecimento afeta o resultado final de forma muito relevante A situação é mais preocupante quando verificamos que a imensa parcela dos reconhecimentos no Brasil é feita sem a presença de advogado sem oportunidade de recusa por parte do imputado pois preso temporariamente ou até ilegalmente conduzido coercitivamente no interior de delegacias de polícia sem qualquer controle Não menos grave é a rotineira prática judicial de em audiência simplesmente perguntar à testemunhavítima a senhora reconhece o réu ali sentado como sendo o agressor O absurdo é total 64 RePensando o Reconhecimento Pessoal Necessidade de Redução de Danos Reconhecimento Sequencial Para além das ilegalidades costumeiramente realizadas no reconhecimento pessoal como anteriormente explicado é importante uma visão prospectiva mirando futuras reformas processuais Existem duas formas de reconhecimento pessoal simultâneo e sequencial Nosso Código de Processo Penal como visto optou pelo sistema simultâneo em que todos os membros são mostrados ao mesmo tempo Esse é o método mais sugestivo e perigoso Atualmente a psicologia judicial tem apontado para o reconhecimento sequencial como mais seguro e confiável Nesse modelo os suspeitos são apresentados um de cada vez Citando Lindasy e Wells WILLIAMS93 explica que no reconhecimento sequencial os suspeitos são apresentados um de cada vez e para cada um é solicitado à testemunha ou vítima que antes de ver o próximo suspeito responda se foi esse o autor do fato ou não Isso implica uma tomada de decisão por parte de quem está reconhecendo sem que saiba quantos participam do reconhecimento Diminuise assim o nível de indução e potencializase a qualidade do ato pois se no reconhecimento simultâneo a vítima ou testemunha faz um julgamento relativo no processo de tomada de decisão Wells 1984 isto é ela toma sua decisão julgando qual o membro mais semelhante ao culpado comparando os membros entre si no reconhecimento sequencial a testemunha faz um julgamento absoluto comparando cada membro do reconhecimento com a sua própria memória do culpado94 Devemse agregar ainda as variações de reconhecimento com suspeito presente e sem suspeito presente ou seja devese permitir que o reconhecimento seja feito de forma simultânea ou sequencial apenas com distratores pessoas que sabidamente não são autoras do crime O reconhecimento apenas com distratores sem autor presente evidencia como o sistema brasileiro atual é viciado pois tanto vítimas como testemunhas sabem que somente se procede ao reconhecimento quando existe um suspeito Essa précompreensão atua de forma indutiva encerrando graves índices de erro Aponta WILLIAMS que uma recente metaanálise com 25 estudos comparando reconhecimentos sequenciais e simultâneos indicou que o reconhecimento sequencial diminui a probabilidade de erro em quase metade nos estudos com o suspeito alvo ausente Steblay et al 2001 Assim uma cautela simples que deve ser incorporada à rotina de reconhecimentos pessoais tanto na fase policial como judicial ainda que mais eficiente na primeira é a de advertir a testemunha ou vítima de que o suspeito pode estar ou pode não estar presente Isso reduz a margem de erros de um reconhecimento feito a partir da précompreensão e indução ainda que endógena de que o suspeito está presente Mesmo sem qualquer alteração legislativa o que pode sim perfeitamente ser feito no sistema brasileiro é um teste de confiabilidade da testemunha ou vítima da seguinte forma apresentar primeiramente um reconhecimento somente com a presença de suspeitos distratores contudo não é dito a ela que será apresentado mais de um grupo de suspeitos Caso a testemunha faça alguma identificação nesse reconhecimento então ela pode ser descartada e caso a testemunha não faça nenhuma identificação no primeiro reconhecimento então pode ser dada continuidade ao procedimento apresentando o segundo reconhecimento com a presença do suspeito alvo Dados indicam que testemunhas que não fazem identificações no primeiro reconhecimento são muito mais confiáveis95 É um procedimento bastante simples e que pode ser perfeitamente incorporado ao método brasileiro de identificação sem a necessidade de qualquer alteração legislativa ou custo elevado A forma de atuar de quem coinduz o reconhecimento é fundamental Para além da possibilidade de criar falsas memórias falsos reconhecimentos de forma explícita também existe a indução involuntária através do comportamento verbal ou não verbal Sugerese assim que nos reconhecimentos feitos na fase policial o investigador do caso não esteja presente A pessoa que conduz o reconhecimento não pode fazer parte do grupo que realiza a investigação O que se pretende é criar condições para que a vítima ou testemunha sofra o menor nível de indução ou contaminação possível Quanto ao reconhecimento levado a efeito por crianças os problemas aqui são similares àqueles apontados anteriormente quando do estudo das falsas memórias Além da fragilidade psíquica há a necessidade de corresponder às expectativas criadas em torno do ato Como afirma WILLIAMS96 a performance do testemunho de crianças muito pequenas e longevos é significativamente pior do que o testemunho de adultos jovens Quando o culpado está presente no reconhecimento o testemunho de crianças é quase tão bom quanto o de adultos jovens Contudo quando o culpado está ausente no reconhecimento crianças têm taxas de falsa identificação mais altas do que os adultos jovens Pozzulo e Lindsay 1998 Em suma o problema das falsas memórias e dos falsos reconhecimentos é uma realidade inconteste que deve ser considerada pelos atores judiciários Por último de nada serve tamanha preocupação em bem realizar o reconhecimento pessoal quando previamente ao ato existe a excessiva exposição midiática com fotografias e imagens do suspeito Há nesse caso inegável prejuízo para o valor probatório do ato pois a indução é evidente Assim ao mesmo tempo em que se busca reduzir os danos processuais das falsas memórias na prova testemunhal e no reconhecimento pessoal há que se restringir a publicidade abusiva Pensamos estar seriamente comprometida a credibilidade e validade probatória do reconhecimento quando previamente ao ato há o induzimento decorrente da publicidade abusiva Daí a necessidade novamente evidenciada de dar um limite ao bizarro espetáculo midiático Nosso objetivo não é apontar soluções até porque não existem soluções simples para problemas complexos pois isso demandaria um amplo estudo interdisciplinar para muito além do saber jurídico mas problematizar para despertar a consciência do imenso perigo que encerra o reconhecimento pois da mesma forma que a prova testemunhal é de pouquíssima confiabilidade Devemos despertar do ingênuo sonho de que as coisas vão bem no processo penal brasileiro para através de mudanças legislativas ou mesmo através de pequenos cuidados perfeitamente incorporáveis ao formato existente buscaremse formas de redução dos danos e portanto redução da própria elevada cifra de injustiça 7 Reconstituição do Delito Reprodução Simulada A reconstituição do delito está prevista no art 7º do CPP inquérito policial mas não está disciplinada no Título VII do Código que se destina à disciplina Da Prova Isso gera uma lacuna pois o meio de prova está previsto logo é uma prova típica mas não regulado A também chamada reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o fato e tanto pode ser realizada na fase préprocessual como também em juízo nesse último caso sob a presidência do juiz Como sintetiza CORDERO97 a reconstituição dos fatos é útil quando surgem dúvidas sobre a compatibilidade de uma hipótese histórica com os marcos do fisicamente exigível ou aceitável A reconstituição possui dois limites normativos não contrariar a moralidade ou a ordem pública respeitar o direito de defesa do sujeito passivo O primeiro limite vem dado pelo art 7º que recorre a fórmulas jurídicas abertas como moralidade ou ainda a mais indeterminada de ordem pública Sobre eles já se escreveu o suficiente Apenas gostaríamos de destacar um aspecto pouco valorado pela doutrina Quando o CPP estabelece o limite da moralidade devemos considerar não só a moral pública mas também a inviolabilidade da honra e a imagem das pessoas um direito fundamental previsto no art 5º X da Constituição que também assiste ao sujeito passivo Dessa forma entendemos que o conceito de moralidade deve ser considerado a partir de um duplo aspecto público e privado sujeito passivo cabendo ao sujeito passivo impugnar a decisão da autoridade judiciária ou policial que determine a realização de uma reconstituição que ofenda a sua própria moralidade O segundo limite está na própria Constituição art 5º LV e na CADH que assegura no seu art 82g o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a declararse culpado O direito de não produzir prova já foi abordado quando tratamos do direito de defesa negativo Na falta de definição sobre a forma do ato devese ter especial cautela para que os princípios gerais da prova sejam plenamente assegurados Quando realizada na fase judicial é imprescindível a presença física do juiz acusador e defesa Somente assim haverá contraditório e direito de defesa eficazes É sempre recomendado ainda que não seja exigência legal que a reconstituição seja devidamente documentada através de uma ata circunstanciada contendo a descrição da atividade desenvolvida Também é importante que seja devidamente filmada pois se realizada na fase policial permitirá o controle e conhecimento por parte do juiz Quando feita na fase processual a filmagem permitirá uma melhor valoração no momento da sentença até porque é possível que o juiz sentenciante não seja o mesmo que presidiu o ato bem como na fase recursal para que o tribunal em sendo discutida a prova possa também valorála Importa assim documentar da melhor forma possível o ato para assegurar sua plena utilização pelas partes e controle posterior por parte do juiz ou tribunal Diante da lacuna legislativa é importante definir a forma bem como limites e garantias que o ato deve ter Ainda que não exista essa determinação expressa é imprescindível a prévia decisão sobre a produção da prova com indicação do dia hora e forma de realização Essa decisão tanto na fase policial como em juízo deve ser comunicada ao imputado permitindo assim o contraditório bem como assegurando seu direito de participar ou não do ato pois não se pode esquecer seu direito de não fazer prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere Certo andará o juiz que buscar a inspiração no art 150 do Código de Processo Penal português Art 150 1 Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma é admissível a sua reconstituição Esta consiste na reprodução tão fiel quanto possível das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo 2 O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto do dia hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação eventualmente com recursos a meios audiovisuais No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas 3 A publicidade da diligência deve na medida do possível ser evitada Na mesma linha dispõe o art 219 do Código de Processo Penal italiano 86 da StPO alemã e com mais detalhamento os arts 326 e seguintes da LECrim Espanha A rigor a inspeção ocular judicial não é tão complexa quanto a reconstituição e o CPP não regulamenta nenhuma delas na medida em que o ato busca apenas proporcionar o conhecimento direto do juiz em relação ao lugar do fato e não tanto do fato que teria ocorrido naquele lugar De qualquer forma além do contraditório devemse tomar as cautelas anteriormente referidas tanto para a mera inspeção ocular judicial como para a reconstituição Por fim pertinente a advertência de CORDERO98 se a reconstituição é feita quando há dúvidas sobre a possibilidade de que o crime tenha ocorrido de uma determinada forma o resultado positivo não demonstra que esse ato ocorreu mas apenas que era possível mas o resultado negativo decide a questão pois é impossível que tivesse ocorrido Ou seja a reconstituição demonstra que o crime poderia ter ocorrido daquela forma não que ocorreu assim pois essa possibilidade por si só não pode ser aceita como elemento fundante de uma condenação Há que se comprovar através de outros meios probatórios Contudo se a reconstituição demonstrar que fisicamente é impossível de ter ocorrido então a questão está decidida Daí por que a reconstrução negativa é muito mais útil pois se bem executadas acabam com hipóteses insustentáveis 8 Acareação A acareação que etimologicamente significa colocar cara a cara os acusados era um procedimento bastante utilizado pelos inquisidores como recorda CORDERO99 Está prevista no art 229 do CPP e será admitida entre os acusados entre acusados e testemunhas entre testemunhas entre acusado e vítima entre testemunha e vítima entre vítimas A acareação poderá ser realizada tanto na fase policial como judicial sempre se respeitando o direito do imputado de não participar do ato sempre que as declarações divergirem sobre fatos ou circunstâncias relevantes O ato deverá ser feito em audiência constando na ata a descrição das perguntas e respostas Para que a acareação seja feita devem concorrer os seguintes pressupostos100 a existência prévia de declarações ou seja que as pessoas que venham a participar da acareação tenham sido interrogadas antes b que entre as declarações exista divergência c que o fato ou circunstância que se pretende esclarecer seja relevante para o processo Na linha do que já explicamos sobre a função persuasiva da prova e a captura psíquica do julgador é patente que a acareação pode ser de grande valia para o convencimento do juiz pois representa a possibilidade de confrontar versões divergentes elegendo aquela que reputa mais verossímil Esse meio de prova não pode ser banalizado como adverte ESPÍNOLA FILHO101 não podendo o juiz ou autoridade policial submeter os inquiridos sempre que houver divergência entre suas declarações Somente se justifica quando o desacordo disser respeito a fatos e circunstâncias importantes ou seja pontos essenciais capazes de excluir ou modificar a acusação ou afetar a própria defesa na sua essência Ainda considerando nosso rechaço à iniciativa probatória do juiz e à necessidade de fortalecimento do sistema acusatório em que o juiz jamais pode assumir uma posição ativa ou seja é a recusa ao juiz ator a acareação deve depender de iniciativa das partes Não deve ser determinada de ofício pelo juiz até porque a dúvida impõe a absolvição jamais o autoriza a ir atrás da prova que obviamente seria para condenar pois se fosse para absolver não seria necessária a iniciativa probatória102 Nada impede que a acareação seja feita por precatória desde que as pessoas a acarear estejam no mesmo lugar mas fora da jurisdição do juiz onde tramita o processo Claro que nesse caso a falta de contato direto do juiz com as pessoas envolvidas diminui muito o caráter persuasivo mas ainda assim tem utilidade probatória na medida em que um dos envolvidos pode desdizerse Por fim chamamos a atenção para a crítica de PACELLI103 no sentido de que a acareação entre acusado e testemunhas pode se revelar sem sentido na medida em que as testemunhas prestam compromisso e o réu não tem qualquer compromisso com a verdade Mais complicada ainda pensamos pode ser a acareação entre acusado e vítima principalmente em delitos que envolvam violência ou grave ameaça Em ambos os casos não deve ser feito um juízo prematuro de recusa há que se ponderar as circunstâncias do caso concreto mas sem perder de vista a crítica pois é pertinente 9 Da Prova Documental 91 Conceito de Documento Abertura e Limites Conceituais O conceito de documento já foi bastante discutido no âmbito do Direito especialmente Civil e Penal mas para o processo penal documentos são quaisquer escritos instrumentos ou papéis públicos ou particulares como define o art 232 do CPP Diante da pobreza conceitual e da necessidade de permitir se a produção da prova há que se proceder uma abertura sem olvidar os limites da prova anteriormente referidos dessa categoria para fins processuais O art 164 do CPP português define documento como sendo a declaração sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico nos termos da lei penal O CPP italiano no seu art 234 prevê que poderá ser juntado ao processo scritti o di altri documenti che rappresentano fatti persone o cose mediante la fotografia la cinematografia la fonografia o qualsiasi altro mezzo Voltando para a sistemática do CPP brasileiro devemos trabalhar com a precisão de ARAGONESES ALONSO104 que partindo de GUASP ensinanos que a prova documental acaba por ser toda classe de objetos que tenham uma função probatória contanto que esses por sua índole sejam suscetíveis de ser levados ante a presença judicial isto é que documento é qualquer objeto móvel que dentro do processo possa ser utilizado como prova contrapondose neste sentido a prova de inspeção ocular que se pratica naqueles objetos que não possam ser incorporados ao processo Essa é uma definição perfeitamente aplicável ao sistema brasileiro Dessa maneira além de ser considerado documento qualquer escrito abrese a possibilidade da juntada de fitas de áudio vídeo fotografias tecidos e objetos móveis que fisicamente possam ser incorporados ao processo e que desempenhem uma função persuasiva probatória Em última análise ainda que não sejam documento no sentido estrito do termo acabam a ele se equiparando para fins de disciplina probatória objetos móveis que possam ser juntados ao processo que tenham uma função probatória Significa que tais objetos devem ser submetidos ao mesmo regime probatório dos documentos Sempre recordando o que já dissemos sobre os princípios gerais das provas não se pode fazer uma abertura conceitual para na verdade ludibriar as regras probatórias para inserir uma prova ilicitamente produzida ou ainda subverter a disciplina estabelecida para sua produção Nessa linha situamse os depoimentos de testemunhas colhidos fora do processo mesmo que feitos na presença de tabelião e simplesmente juntados ao processo Se o CPP prevê que a prova testemunhal tem de ser produzida em juízo à luz do contraditório de nada vale um depoimento colhido à margem da forma estabelecida Igualmente ilícita é a instrução paralela que às vezes é feita pelo Ministério Público com o auxílio ou não da polícia Explicamos Concluído o inquérito é remetido a juízo onde a denúncia é oferecida e o processo iniciado Paralelamente ao processo o Ministério Público continua colhendo depoimentos como se fosse possível uma sobrevida do inquérito policial após sua conclusão e remessa a juízo ludibriando assim a garantia da jurisdição pois é uma pretensa prova mas viciada por ser feita fora do processo quando neste obrigatoriamente deveria ter sido produzida e do contraditório pois elementar o caráter inquisitorial dado a esse proceder sem o comparecimento ou conhecimento do imputado Ao final da instrução processual o Ministério Público simplesmente junta como se documentos fossem diversos depoimentos colhidos nesse absurdo procedimento investigatório paralelo Tratase de uma prática ilegal e que não pode ser tolerada devendo ser imediatamente desentranhados 92 Momento da Juntada dos Documentos Exceções Cautelas ao Aplicar o Art 479 do CPP Quanto ao momento da juntada como regra os documentos podem ser juntados ao processo ou inquérito policial até o encerramento da instrução Há que se observar sempre a garantia do contraditório dando à outra parte a possibilidade de conhecer e impugnar Ainda que o CPP não o preveja e não é necessário diante do art 5º LV da Constituição sempre que o Ministério Público juntar um documento deverá o juiz dar vista para a defesa conhecer e manifestarse e a recíproca é verdadeira em um prazo razoável art 5º LXXVIII da Constituição A doutrina costuma sugerir usando o CPC por analogia o prazo de 5 dias mas nada impede que o prazo seja maior considerando a complexidade da questão trazida Exceção a essa regra está prevista no rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri art 479 do CPP Art 479 Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 três dias úteis dandose ciência à outra parte Parágrafo único Compreendese na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito bem como a exibição de vídeos gravações fotografias laudos quadros croqui ou qualquer outro meio assemelhado cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados Com tal dispositivo o que se pretende é evitar a prova surpresa no momento do plenário O Tribunal do Júri é um grande problema com uma especificidade que lhe torna extremamente sensível a começar pela decisão dos sete jurados que decidem sem qualquer fundamentação Daí por que a complexidade do seu ritual exige cuidados muito maiores do que aqueles que devemos ter nos julgamentos feitos por juiz singular Situação bastante problemática e que acabou se tornando comum na atualidade é a seguinte no curso do júri quando dos debates uma das partes postula ao juiz a utilização de um determinado documento que pelos mais variados motivos não pôde ser juntado com a antecedência legal de 3 dias O que fazem os juízes na sua maioria Questionam a outra parte se concorda com a produção Pronto está criado o problema Errou o juiz Nesse momento a parte adversa fica numa situação dificílima e que pode definitivamente comprometer o julgamento Se aceitar a produção estará em situação de desvantagem pela surpresa gerada que dependendo do conteúdo do documento será impossível de ser contraditado Está perdido o júri e uma grave injustiça pode se produzir Por outro lado se não aceitar a produção o estrago é ainda maior Basta que o adversário saiba explorar a curiosidade dos jurados fazendoos deslizar no imaginário para extrair de lá do imaginário lugar do logro portanto a decisão que pretende É até mais útil explorar o imaginário em torno do que não foi mostrado agravado pela recusa da outra parte logo se recusou é porque algo tinha para esconder do que trabalhar com a realidade do documento Isso é elementar basta saber lidar com a situação Daí por que das duas uma ou o juiz veda categoricamente a produção do documento sem questionar a outra parte para não comprometêla frente aos jurados e não permite qualquer menção a ele no julgamento ou verificando sua relevância dissolve o conselho de sentença determina a juntada do documento assegurando o necessário contraditório e após marca novo júri com novos jurados é claro sob pena de nulidade por violação da imparcialidade dos julgadores Assim relevante é a proibição do art 479 pois é uma garantia revestida de forma e firmeza devem demonstrar os juízes na sua aplicação evitando o comprometimento da outra parte com o ingênuo questionamento concorda com a leitura do documento Tal prática muitas vezes fundamentada na pseudogarantia do contraditório causa danos irreparáveis ao julgamento Por fim a juntada de documentos após a sentença é inviável pois implicaria supressão de um grau de jurisdição Mas isso não impede que seja produzida a prova até para demonstrar a falsidade do documento para posterior utilização em sede de revisão criminal como prevê o art 621 II 93 Autenticações Documentos em Língua Estrangeira Recusa ao Ativismo Judicial O que São PúblicasFormas Decorrência de termos um Código ultrapassado da década de 40 é para além de toda crítica feita termos de conviver com estruturas anacrônicas e instrumentos que não mais existem Por fotografia do documento leiase fotocópia que devidamente autenticada terá o mesmo valor do documento original Atualmente predomina o acertado entendimento de que as fotocópias não necessitam de autenticação exceto quando colocada em dúvida sua veracidade circunstância em que a parte interessada na produção dessa prova deverá providenciar os originais ou fotocópias autenticadas Quanto às cartas referidas no art 233 alguém ainda escreve cartas em plena era do email messenger e mensagens pelo celular destaquese a preexistência de um problema sua obtenção através da busca e apreensão Essa problemática será enfrentada na continuação quando tratarmos da busca e apreensão Dispõe o art 234 que o juiz quando tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou defesa providenciará de ofício sua juntada independentemente de qualquer requerimento das partes Novamente estamos diante do tão criticado juizator ou seja do ativismo probatório judicial que compromete seriamente a estrutura dialética do processo fulmina com o contraditório e com a própria imparcialidade do julgador E por favor não se argumente em torno da absurda verdade real Como já explicamos em diversos momentos ao longo desta obra não cabe ao juiz a iniciativa probatória no processo penal constitucionalacusatório Para evitar repetições remetemos o leitor ao que já foi dito sobre sistemas processuais imparcialidade e poderes instrutórios do juiz No que se refere a documentos em língua estrangeira podem ser eles imediatamente juntados mas é imprescindível que sejam traduzidos por tradutor juramentado Não havendo a tradução ou sendo ela objeto de impugnação deverá o juiz determinar que o faça um tradutor público Considerando que peritos e intérpretes são equiparados no art 281 não seria excesso que se observasse a regra geral das perícias prevista no art 159 do CPP nomeandose um tradutor público ou na sua falta duas pessoas idôneas e com reconhecido domínio do idioma Tal cautela especialmente quando o documento for de grande relevância para a constituição do crime como ocorre nas falsidades documentais ou prova de alguma de suas circunstâncias é sempre importante Os documentos da mesma forma que os objetos apreendidos poderão em regra ser restituídos quando não mais interessarem ao processo como preceitua o art 118 do CPP Por fim o que significa a expressão públicasformas prevista no art 237 Nada relevante apenas o resto anacrônico de um Código de 1940 ESPÍNOLA FILHO105 cuja obra é contemporânea a essas práticas explica que as públicasformas eram cópias literais avulsas de qualquer documento feito por oficial público Há décadas não se usam mais esses artifícios substituídos pelas fotocópias autenticadas 10 Dos Indícios Estabelece o art 239 que considerase indício a circunstância conhecida e provada que tendo relação com o fato autorize por indução concluirse a existência de outra ou outras circunstâncias Não há que se confundir indícios com provas ainda que toda prova seja um indício do que ocorreu106 ainda que o Código os tenha colocado dentro do Título VII muito menos quando se trata de valoração na sentença Ou seja ninguém pode ser condenado a partir de meros indícios senão que a presunção de inocência exige prova robusta para um decreto condenatório Pensar o contrário significa desprezar o sistema de direitos e garantias previstos na Constituição bem como situarse na contramão da evolução do processo penal perfilandose lado a lado com as práticas inquisitórias desenhadas por EYMERICH no famoso Directorium Inquisitorum Ademais o raciocínio dedutivo que suporta os indícios mostrase bastante superado como superada está a lógica cartesiana e o determinismo Então para que valem os indícios Para muito pouco É verdade que o CPP emprega a expressão indícios em diversos momentos mais especificamente nos arts 126 indícios veementes para o sequestro de bens 134 hipoteca legal 290 ao definir a perseguição do suspeito 312 para prisão preventiva e 413 pronúncia Contudo em todas elas o legislador emprega o termo indícios como uma prova menor um menor nível de verossimilhança Essa também é a acertada lição de DUCLERC107 afirmando que para decretar essas medidas o juiz não pode fazêlo de forma imotivada mas também não é preciso que tenha já em mãos um conjunto de informações que lhe permitiria exarar uma sentença condenatória Assim prossegue o autor a única diferença entre indícios e provas segundo pensamos tem a ver mesmo com menor ou maior grau de confiabilidade que os elementos de informação ofereçam ao juiz Por fim se os indícios de autoria justificam uma prisão cautelar na visão do senso comum teórico com a qual não concordamos ou um sequestro de bens pois a cognição é sumária e limitada ao fumus commissi delicti jamais legitimam uma sentença penal condenatória 11 Da Busca e da Apreensão 111 Distinção entre os Dois Institutos Finalidade Direitos Fundamentais Tensionados A sistemática do CPP não é tecnicamente a melhor pois mistura uma medida cautelar com meios de prova e ainda sob uma mesma designação dois institutos diversos busca de um lado e a apreensão de outro Contudo para seguir a estrutura do Código e facilitar o estudo vamos tratar da busca e da apreensão dentro deste capítulo cujo objeto são as provas em espécie Inicialmente há que se distinguir os dois institutos como bem ensina BASTOS PITOMBO108 Busca é uma medida instrumental109 meio de obtenção da prova que visa encontrar pessoas ou coisas Apreensão é uma medida cautelar probatória110 pois se destina à garantia da prova ato fim em relação à busca que é ato meio e ainda dependendo do caso para a própria restituição do bem ao seu legítimo dono111 assumindo assim uma feição de medida assecuratória Ainda não se pode deixar de lado que a apreensão decorra ela da busca ou não pode ainda atender a interesse assecuratório ou seja indisponibilizar o bem para posteriormente ser restituído à vítima São institutos diversos mas que foram tratados de forma unificada Nem sempre a busca gera a apreensão pois pode ocorrer que nada seja encontrado e nem sempre a apreensão decorre da busca pode haver a entrega voluntária do bem Feita essa distinção compreendese que a busca se destina a algo ou seja quem busca busca algo E esse algo será uma vez encontrado apreendido Logo a busca é uma medida instrumental cuja finalidade é encontrar objetos documentos cartas armas nos termos do art 240 com utilidade probatória Encontrado é o objeto apreendido para uma vez acautelado atender sua função probatória no processo A busca que pode ser domiciliar ou pessoal como se verá encontrase em constante tensão com os seguintes direitos fundamentais inviolabilidade do domicílio dignidade da pessoa humana intimidade e a vida privada incolumidade física e moral do indivíduo Mas os direitos fundamentais não são absolutos e podem ser restringidos A busca e apreensão trabalham nessa exceção da proteção constitucional São por isso medidas excepcionais Sempre recordando a magistral lição de JAMES GOLDSCHMIDT112 los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su politica estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Daí por que em uma Constituição democrática como a nossa há que se reconstruir o processo penal desde esse referencial calcado no respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão sem que isso se confunda com impunidade mas também sem jamais deixar escorregar para o abismo do estadodepolícia Ainda considerando a tensão gerada é importante recordar SARLET113 quando explica que a dignidade da pessoa humana é um valorguia não apenas os direitos fundamentais mas de toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional razão pela qual para muitos se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológicavalorativa Inclusive na hipótese de conflito entre princípios e direitos constitucionalmente assegurados destaca SARLET114 o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por justificar e até mesmo exigir a imposição de restrições a outros bens constitucionalmente protegidos Isso porque como explica o autor existe uma inegável primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito da arquitetura constitucional Dessarte não se deve pensar a busca e apreensão desconectada do direito fundamental da intimidade e vida privada art 5º X até porque a tutela do domicílio guarda uma conexão instrumental com esses direitos fundamentais e todos eles com o valor dignidade da pessoa humana Isso gera reflexos na eficácia dos limites legais estabelecidos para a busca e apreensão na medida em que não se tutela apenas o espaço físico ou a propriedade Também impõe entre outros limites à divulgação do material encontrado diga ele respeito ao fato investigado ou não Daí por que nessa matéria que deve ser pensada em conjunto com o que escrevemos sobre a investigação preliminar o sigilo externo é fundamental Não está autorizada a autoridade policial ou judicial a entrar no domicílio e expor a vida privada das pessoas senão apenas entrar e apreender objetos relacionados com a prova do delito Imprescindível então que a medida e seu resultado sejam mantidos em sigilo sem permitirse o bizarro espetáculo midiático tão prejudicial para a imagem e intimidade do imputado como também para a própria investigação Em se tratando de Direito Processual Penal e consequente restrição de direitos fundamentais como o é a inviolabilidade da casa a forma é garantia inarredável Há que se respeitar as regras do jogo Com acerto afirma BASTOS PITOMBO que a violação de direitos fundamentais no processo penal torna ineficaz eventual apreensão ou atos subsequentes ao encontro do que se procurou Assim o ato processual não pode produzir efeito Da ilicitude constitucional não pode advir licitude processual115 grifo nosso Por fim como bem adverte HINOJOSA SEGOVIA116 não se pode perder de vista o ideal de equilíbrio de ponderação entre os interesses em jogo através da incidência do princípio da proporcionalidade mas frisese no sentido de proibição de excesso de intervenção Tratase de ponderar a medida a partir de sua necessidade adequação e proporcionalidade em sentido estrito de modo que seja sempre uma medida excepcional não automática condicionada sempre às circunstâncias do caso concreto e proporcional ao fim que se persegue117 112 Momentos da Busca e da Apreensão Tanto a busca como a apreensão podem ocorrer no curso do inquérito policial ou durante o processo e excepcionalmente até na fase de execução da pena nos termos do art 145 da LEP A busca poderá ser domiciliar ou pessoal Iniciemos pela busca domiciliar prevista no art 240 1º do CPP que somente poderá ocorrer quando judicialmente autorizada Importante frisar a busca domiciliar somente poderá se realizar mediante mandado judicial118 sob pena de incorrer a autoridade policial no crime de abuso de autoridade Lei n 4898 e ser o resultado considerado prova ilícita O primeiro problema da busca domiciliar reside na expressão ambígua fundadas razões empregada no art 240 1º cuja abertura remete a um perigoso espaço de discricionariedade e subjetividade judicial Somente a consciência da gravidade e violência que significa a busca domiciliar permite compreender o nível de exigência que um juiz consciente deve ter ao decidir por uma medida dessa natureza Daí por que jamais poderá ser banalizada cabendo ao Poder Judiciário a posição de guardião dos direitos e garantias fundamentais filtrando os atos investigatórios cuja lesividade não esteja estritamente justificada Deve o juiz exigir a demonstração do fumus commissi delicti entendendose por tal uma prova da autoria e da materialidade com suficiente lastro fático para legitimar tão invasiva medida estatal A busca domiciliar deve estar previamente legitimada pela prova colhida e não ser o primeiro instrumento utilizado Para controle da observância desse requisito a fundamentação da decisão judicial é o segundo ponto a ser destacado Ao contrário do que se costuma ver a busca domiciliar não pode ser banalizada deve ter uma finalidade clara bem definida e estar previamente justificada pelos elementos da investigação preliminar 113 Da Busca Domiciliar Conceito de Casa Finalidade da Busca O primeiro problema que surge na análise da busca domiciliar é definir o que se entende por casa Tal conceito deve ser interpretado de forma ampla muito mais abrangente que o conceito do Código Civil brasileiro Assim deve abranger119 a habitação definitiva ou moradia transitória b casa própria alugada ou cedida c dependências da casa sendo cercadas gradeadas ou muradas pátio d qualquer compartimento habitado e aposento ocupado de habitação coletiva em pensões hotéis motéis120 etc f estabelecimentos comerciais e industriais fechados ao público g local onde se exerce atividade profissional não aberto ao público h barco trailer cabine de trem navio e barraca de acampamento i áreas comuns de condomínio vertical ou horizontal Ainda que a jurisprudência oscile bastante nesse tema a cabine de caminhão não tem merecido a proteção devida Claro estamos falando de transporte de longa distância e caminhões dotados de cabine com cama e espaço para o pernoite É interessante como se dá a proteção da casa para quartos de hotéis barcos e até para cabine de trem como se alguém viajasse em cabine de trem no Brasil mas não para a cabine de caminhão local onde os motoristas passam efetivamente mais tempo trabalhando e dormindo do que a maioria das pessoas passa em casa ou num quarto de hotel Assim segundo o entendimento majoritário a busca na cabine de um caminhão não necessita de mandado ainda que com isso não concordemos121 A busca domiciliar como especifica o Código de Processo Penal destinase a a Prender criminosos tratase aqui de buscar não para apreender mas sim para prender pessoas cuja prisão tenha sido previamente decretada O mandado de prisão por si só não autoriza o ingresso na casa de terceiros onde eventualmente o agente se esconda sendo necessária a duplicidade de mandados de prisão e de busca b Apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos as coisas achadas devem ser devolvidas ao seu legítimo proprietário ou entregues à autoridade policial sob pena de incorrer o agente nas sanções do art 169 do CP122 apropriação de coisa achada As coisas obtidas por meios criminosos por vezes confundemse com o próprio corpo de delito Assim as coisas subtraídas de alguém no crime de furto ou roubo quando há violência ou grave ameaça foram obtidas por meio criminoso devendo ser buscadas e apreendidas até para permitir a restituição a seu devido proprietário c Apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos o documento ou objeto que seja um falso material ou ideológico deve ser apreendido pois constitui o corpo de delito Também tipifica o Código Penal art 294 os petrechos de falsificação ou seja é crime a posse de instrumentos e objetos destinados à fabricação ou contrafação do falso Em ambos os casos está autorizada a busca e apreensão d Apreender armas e munições instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso claro que somente podem ser buscadas e apreendidas as armas e munições ilegais ou se legais tenham sido utilizadas para a prática de crime Mas não são apenas as armas utilizadas no crime que podem ser objeto de busca mas também instrumentos utilizados para sua prática como ferramentas carros disfarces computadores telefones celulares etc e Descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu a primeira parte é uma cláusula genérica onde os objetos devem ter uma conexão probatória com o crime Interessante ainda que seja de pouca eficácia prática é a possibilidade de busca no interesse da defesa do réu melhor seria imputado pois essa medida pode ser tomada na fase de investigação preliminar f Apreender cartas abertas ou não destinadas ao acusado ou em seu poder quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato o Código ainda está no tempo das cartas quando a problemática atual está por conta dos emails e messengers As cartas pela leitura do CPP podem ser objeto de busca judicialmente autorizada e assim defende a doutrina majoritária Contudo numa dimensão crítica e constitucional tal dispositivo não resiste a uma filtragem Nessa linha explica BASTOS PITOMBO123 que o art 5º XII da Constituição assegura a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal A Constituição excepciona apenas as comunicações telefônicas o último caso na expressão constitucional não a inviolabilidade de cartas e como não se admite analogia para ampliar a restrição de direitos fundamentais é inconstitucional essa medida Noutra dimensão autorizada que está a intervenção das comunicações de dados e telefônicas nenhum problema existe na apreensão judicialmente autorizada de computadores discos rígidos CDs contendo dados e mails etc g Apreender pessoas vítimas de crimes não se confunde com a prisão do imputado pois o dispositivo se refere à vítima logo será ela custodiada pelo Estado Na prática pouco uso tem esse dispositivo h Colher qualquer elemento de convicção típica cláusula genérica de perigosa abertura e indeterminação O problema é que dispositivos assim autorizam uma busca domiciliar sem um objetivo claramente definido dando espaço para o substancialismo inquisitorial e o autoritarismo judicial À luz da proteção constitucional do domicílio e da privacidade o mandado de busca deverá ser o mais específico possível evitando ao máximo as cláusulas genéricas ainda empregadas pelo CPP de 1941 Inclusive defendemos a ilegalidade da busca feita exclusivamente com base na alínea h pois implicaria inequívoca violação do art 5º incisos X e XI da Constituição Considerando a extensão do rol sua amplitude conceitual e a existência de cláusulas genéricas não vislumbramos possibilidade de interpretação extensiva ou mesmo analogias ainda mais em se tratando de medida restritiva de direitos fundamentais 114 Busca Domiciliar Consentimento do Morador Invalidade do Consentimento Dado por Preso Cautelar Busca em Caso de Flagrante Delito A busca domiciliar tem por pressupostos alternativos pois basta que um deles esteja presente a com consentimento válido do morador durante o dia ou noite b em caso de flagrante delito durante o dia ou noite c com ordem judicial somente durante o dia Os demais casos citados pela Constituição desastre e prestar socorro não se aplicam ao processo penal pois seria um contrassenso aceitar que a autoridade policial ingressasse numa residência a pretexto de prestar socorro e já aproveitar para fazer uma busca e apreender objetos e documentos que incriminem o imputado Com o consentimento válido do morador a autoridade policial poderá entrar na casa a qualquer hora do dia ou da noite e lá realizar a busca e posterior apreensão do que interessar ao processoinvestigação nos termos do art 240 mesmo sem mandado judicial Destaquese ainda que a qualquer momento pode o morador interromper o consentimento dado expulsando os agentes da autoridade de seu domicílio124 Esse consentimento deverá ser dado por pessoa capaz que compreenda perfeitamente o objeto do requerimento policial de forma expressa ainda que oralmente Situação essa que como adverte HINOJOSA SEGOVIA125 não ocorre quando se entrega um documento por escrito para um sujeito analfabeto ou estrangeiro que não compreenda a língua nacional A autoridade policial deve certificarse de que o sujeito que está autorizando o ingresso em sua residência tem plena consciência e compreensão do ato Inclusive considerando que o direito de silêncio inclui o de não produzir prova contra si mesmo de modo que ninguém está obrigado a consentir que a autoridade policial ingresse na sua residência sem mandado judicial é fundamental que o sujeito saiba as consequências que podem surgir dessa autorização Como dito esse consentimento deve ser expresso jamais presumido e prestado espontaneamente pelo agente Daí por que é nulo o consentimento e portanto a busca e eventual apreensão quando viciado como pode ocorrer quando os policiais não se identificam como tais induzindo o agente em erro126 Outra situação interessante surge quando o consentimento é dado por alguém que está submetido a uma prisão cautelar seja ela temporária ou preventiva Nesse caso perfeitamente aplicáveis aqui as lições contidas na Sentença do Tribunal Supremo da Espanha em 13 de junho de 1992127 no sentido de que o problema radica em saber se um detido ou preso está em condições de expressar sua vontade favoravelmente a busca e apreensão em razão precisamente da privação de liberdade a que está submetido o que conduziria a afirmar que se trata de uma vontade viciada por uma intimidação sui generis e dizemos sui generis porque o temor racional e fundado de sofrer um mal iminente e grave em sua pessoa e bens ou pessoa e bens de seu cônjuge descendentes ou ascendentes não nasce de um comportamento de quem formula o convite ou pedido de autorização para realizar a busca com o consentimento do agente senão da situação mesma de preso isto é de uma intimidação ambiental grifo nosso tradução nossa Corretíssima a decisão de modo que a busca e apreensão em domicílio de imputado cautelarmente preso somente pode ser realizada com mandado judicial pois é insuficiente o consentimento dado nessa situação por força da intimidação ambiental ou situacional a que está submetido o agente Acrescentese a isso o fato de que o direito de silêncio e de não produzir prova contra si mesmo reforça a proteção do domicílio estando todos eles à beira da ineficácia em caso de prisão do agente Ou seja a situação fática criada por força da prisão e a absoluta submissão do imputado ao poder estatal diluem as condições de possibilidade de pleno exercício de seus direitos fundamentais devendo mais do que nunca nesses casos ser colocado em dúvida senão invalidado qualquer tipo de consentimento ou confissão obtido no interior da cadeia ou delegacia de polícia Defender o contrário é ingenuidade de quem desconhece a realidade das delegacias e presídios brasileiros Ou mesmo manipulação discursiva de quem pactua com essa ilegítima violência institucionalizada Havendo flagrante delito art 302 do CPP poderá a autoridade policial ingressar na casa e proceder à busca dos elementos probatórios necessários Chamamos a atenção para os delitos permanentes em que o momento consumativo se prolonga no tempo pois nesses casos o flagrante é igualmente permanente art 303 Logo enquanto o delito estiver ocorrendo manter em depósito guardar ocultar etc poderá a autoridade policial proceder a busca a qualquer hora do dia ou da noite independente da existência de mandado judicial Apenas para esclarecer o flagrante permanente é aquele em que a infração está se consumando logo situação do art 302 I do CPP pois o agente está praticando o delito Jamais se pode falar em flagrante permanente nos demais casos do art 302 do CPP 115 Requisitos do Mandado de Busca A Ilegalidade da Busca Genérica A Busca em Escritórios de Advocacia Determina o art 243 que o mandado de busca deverá I indicar o mais precisamente possível a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador ou no caso de busca pessoal o nome da pessoa que terá de sofrêla ou os sinais que a identifiquem II mencionar o motivo e os fins da diligência III ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir 1º Se houver ordem de prisão constará do próprio texto do mandado de busca 2º Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado salvo quando constituir elemento do corpo de delito Por se tratar de uma grave violação de direitos fundamentais a busca deverá observar rigorosamente os limites formais estabelecidos para estar legitimada Até porque ontologicamente o que diferencia a busca de um crime patrimonial qualquer como furto ou até roubo praticado em uma residência Nada Em ambos existe a invasão do domicílio e a subtração de coisa alheia móvel A diferença se dá noutra dimensão na legitimidade ou ilegitimidade da violência praticada A busca é uma violência estatal legitimada mas que exige para isso a estrita observância das regras legais estabelecidas Então nessa matéria não há espaço para informalidades interpretações extensivas ou analogias A indicação da casa ou local onde a busca será realizada é imprescindível Não se justifica que a autoridade policial ou o MP postule a busca e apreensão como primeiro ato da investigação Não se busca para investigar senão que se investiga primeiro e só quando necessário postulase a busca e apreensão Logo inexiste justificativa para que uma busca seja genérica nesse requisito endereço correto Que primeiro a autoridade policial investigue e defina o que precisa buscar e onde Situação absurda que infelizmente tem se tornado comum são os mandados de busca e apreensão genéricos muitas vezes autorizando a diligência em quarteirões inteiros obviamente na periferia conjuntos residenciais ou mesmo nas favelas de tal ou qual vila Claro que os juízes somente expedem tais monstruosidades jurídicas quando se trata de barbarizar os clientes preferenciais do excludente sistema implantado aqueles para quem a proteção constitucional da casa e demais direitos fundamentais é ineficaz até porque favela e barraco não são casas e quem lá sobrevive não merece nenhuma proteção pois são os outros ou ainda a multidão de invisíveis É absolutamente inadmissível o mandado incerto vago ou genérico A determinação do varejamento ou da revista há de apontar de forma clara o local o motivo da procura e a finalidade bem como qual a autoridade judiciária que a expediu É importantíssima a indicação detalhada do motivo e os fins da diligência128 como determina o art 243 II do CPP É imprescindível para a validade do ato que o mandado de busca e apreensão e sua consequente execução tenha um foco claramente definido previamente Como ato decisório o mandado judicial deve ser devidamente fundamentado nos termos do art 93 IX da Constituição não bastando por elementar instrumentos padronizados ou formulários A decisão judicial que a decreta deve ser muito bem fundamentada apontando os elementos que a legitimam sua necessidade probatória e razões que amparam essa decisão A inobservância dessas regras conduz à ilicitude da prova obtida Como muito bem sintetiza BASTOS PITOMBO129 eventual resultado positivo da busca e da apreensão não torna válida decisão abusiva e ilegal Seguindo com a autora concluímos que mandado vazio é perigoso e difícil de debelarse Autoritário traz risco ínsito arraigado na forma Arbitrária e sem eficácia mostrase a busca que desatenda aos aludidos preceitos legais E sem serventia a apreensão dela decorrente Quanto ao motivo e fins da diligência exigese uma rigorosa fundamentação por parte da autoridade judiciária que a autoriza devendo para tanto apontar a necessidade e a finalidade da busca O motivo relacionase com a definição do fumus commissi delicti e a necessidade de obterse aquela prova para a investigação e posterior processo Exige ainda que não possa a prova ser obtida por outro meio menos violento devendo evidenciarse assim a imprescindibilidade da diligência Os fins da diligência impõem a clara definição de forma apriorística do que se busca Ou seja impedese a busca genérica de documentos e objetos Se possível deve ser delimitado o objeto ou objetos buscados para evitar um substancialismo inquisitório Se o que se busca é uma arma que se faça a busca direcionada para isso não estando a autoridade policial autorizada a buscar e apreender documentos cartas ou computadores Em muitos casos sabese de antemão o que se busca Logo que se defina Inclusive quando a busca é por documentos referentes a uma determinada pessoa mas que estão na posse de terceiros especialmente médicos psiquiatras psicólogos e até advogados explicaremos na continuação a busca em escritórios de advocacia o mandado deve ser estritamente delimitado e assim cumprido Explicamos Se estiver sendo investigada determinada pessoa cujos documentos estão em poder de um profissional a busca no consultório ou escritório deve limitarse a esses documentos referentes portanto apenas ao suspeito ou réu Não pode a autoridade apreender todos os documentos ou prontuários que o profissional detém pois isso seria uma ilegal violação da privacidade e intimidade de terceiros que nada têm a ver com o processo Imprescindível que o juiz tenha essa preocupação ao expedir o mandado advertindo expressamente os limites da atuação da autoridade policial Infelizmente o CPP contempla no art 240 1º e e h duas cláusulas genéricas que exigem uma restrição judicial até por imposição dos valores constitucionais em jogo Na alínea e prevê o Código que a busca pode ter por fim descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu Daí por que diante de um pedido de busca e apreensão deve o juiz restringir a finalidade do ato tendo por base a lógica correlação existente entre a natureza da infração e o tipo de prova Ou seja se a busca é pela arma utilizada no crime a apreensão de um computador não está na linha lógica da prova necessária para esse tipo de delito Assim somente os objetos verdadeiramente necessários e úteis à prova é que podem ser apreendidos Na segunda parte da alínea e abre o CPP a possibilidade de que a defesa peça uma busca e apreensão na casa de um terceiro desde que demonstre a necessidade do ato à luz da prova que se pretende produzir Tratase de medida pouco utilizada mas que em tese está perfeitamente autorizada Mas a pior abertura conceitual está no inciso h no qual se abre a possibilidade de que a autoridade policial ou o MP postule a busca e apreensão de qualquer elemento de convicção Pensamos que esse dispositivo não resiste a uma filtragem constitucional e não pode por si só justificar a busca A busca em Escritórios de Advocacia está prevista no art 243 2º do CPP É a apreensão de documentos em poder do defensor do acusado quando constituir elemento do corpo de delito Referese o Código aos casos em que o advogado é o depositário de documentos ou papéis que constituam a própria materialidade do crime vg no crime de falsidade material ou ideológica de documento público ou particular como também naqueles em que os documentos guardados são imprescindíveis para a comprovação do delito Mais grave ainda é a situação do advogado que guardar a arma do crime pois nesse caso além de sujeitarse a busca poderá incorrer nas sanções previstas na Lei n 108262003 Advirtase ainda que o STF julgando o mérito da ADIN 11278 em 17052006 declarou constitucional a exigência contida no art 7º II de que a busca e apreensão realizada em escritório de advocacia deva ser acompanhada de representante da OAB É importante esclarecer que tal exigência teve sua eficácia suspensa através de liminar concedida em 6 de outubro de 1994 mas por unanimidade quando do julgamento de mérito foi julgado improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade cassando portanto a liminar nessa parte Dessarte é necessário o acompanhamento do representante da OAB Infelizmente temse feito uma leitura restritiva dessa garantia com a autoridade policial munida do mandado judicial de busca simplesmente ligando para o representante da OAB já às portas de cumprir a ordem Com a pseudolegitimação decorrente da demora da chegada do representante da OAB a medida é cumprida sem observar a exigência legal burlando a prerrogativa funcional do advogado O problema da busca em Escritórios de Advocacia é que ela tem sido banalizada de forma perigosa muitas vezes com a encoberta intenção de intimidar ou mesmo humilhar e estigmatizar o profissional do que propriamente com fins realmente probatórios Elementar que não se pode confundir o advogado delinquente com o advogado do delinquente O primeiro por tornarse coautor ou partícipe está sujeito às mesmas medidas processuais e judiciais que seu cliente perdendo portanto as garantias inerentes à prerrogativa profissional Já o segundo desempenha um papel constitucional imprescindível para a correta Administração da Justiça Nisso fundamse as garantias e prerrogativas profissionais do advogado e que exigem respeito na mesma dimensão com que são respeitadas as prerrogativas dos juízes e membros do Ministério Público Não se pode esquecer ainda que a busca em escritório de advocacia significa a violação de mais um direito fundamental a ampla defesa prevista no art 5º LV da Constituição Afeta mais especificamente a garantia da defesa técnica que ao lado da defesa pessoal integralizam o direito de ampla defesa constitucionalmente assegurado 116 Busca Domiciliar Requisitos para o Cumprimento da Medida Judicial Dia e Noite Realização Pessoal da Busca pelo Juiz Violação do Sistema Acusatório Havendo mandado judicial de busca e apreensão ele somente poderá ser cumprido durante o dia É ilegal e viciado está o ato e seu resultado o cumprimento de ordem judicial à noite Isso conduz à discussão do que se entende por dia e noite em termos processuais Pensamos que o melhor nessa matéria é a aplicação analógica do art 172 do CPC sendo considerado noite o período compreendido entre 20h e 6h Logo o mandado judicial de busca deve ser cumprido entre 6h e 20h130 sendo que iniciado nesse marco temporal nada impede que se prolongue noite adentro O que importa é que o início do cumprimento do ato se dê nesse intervalo O que não se pode aceitar à luz dos direitos fundamentais tensionados é uma indeterminação tal que admita o cumprimento entre o alvorecer e o anoitecer131 pois isso abriria um perigoso espaço para arbitrariedades policiais bem como criaria um terreno fértil para infindáveis discussões em cada processo cuja busca se realizasse próxima a esses dois extremos Por anoitecer se entende o quê O pôr do sol basta E se o dia estiver nublado Quando se dá o amanhecer numa chuvosa manhã invernal na serra E a neblina como fica Enfim ficaríamos à mercê do que disser a autoridade policial É inconcebível tal abertura quando se trata de exercício de poder e restrição de direitos fundamentais sendo imperiosa a aplicação analógica para assegurar limites ao poder persecutório No mesmo sentido HINOJOSA SEGOVIA132 leciona que tendo em conta a variabilidade do final das horas diurnas luz do sol estações do ano localização geográfica e até costumes locais deixar tal valoração ao alvedrio da discricionariedade judicial quando da limitação de direitos fundamentais não é a melhor opção Daí por que sugere que tal definição deva ser sempre legalmente determinada a partir de critérios objetivos É isso o que buscamos suprir a lacuna legislativa do processo penal através da analogia com o art 172 do CPC Sem abrir mão de nossa postura crítica em relação ao emprego de analogias e à indevida utilização das categorias do processo civil no processo penal tratase de uma medida excepcional extrema mas necessária e adequada Nos termos do art 248 do CPP a busca como toda medida restritiva de direitos fundamentais deve ser realizada de forma menos invasiva ou prejudicial àquele que a suporta até porque ainda está sob a proteção da presunção de inocência sem esquecer dos demais direitos fundamentais já abordados Além das restrições de horário é necessário que a autoridade policial dê ciência ao morador apresentando e lendo o mandado dandolhe ainda oportunidade para que permita o acesso Ou seja a autoridade policial poderá arrombar a porta quando o morador não a abrir mas é necessário que se lhe permita franquear o acesso Não estando presente o morador ainda que a redação do Código não seja clara parecenos evidente que é imprescindível a presença de no mínimo duas testemunhas para validade da busca e respectiva apreensão Tratase de uma cautela necessária para a própria credibilidade e segurança dos policiais que cumprem a ordem Não sem razão exige o art 245 7º do CPP que duas testemunhas presenciais assinem o auto circunstanciado A diligência de busca e apreensão deverá sempre ser documentada através de relatório circunstanciado e pormenorizado elaborado pela autoridade que realizou o ato Não há espaço para informalidades O art 250 atualmente foi esvaziado pela ampla utilização das cartas precatórias ou seja com as novas tecnologias velocidade e diluição de fronteiras mandados de busca são deprecados entre cidades ou Estados da Federação com grande frequência sem falar na necessária cooperação existente entre as polícias e a ampla penetração da polícia federal Quanto ao art 241 algumas considerações devem ser feitas Após a Constituição de 1988 a busca e apreensão somente poderá ser realizada mediante prévia expedição de mandado por parte da autoridade judiciária competente determinação judicial diz a Constituição Assim não existe mais a possibilidade de a autoridade policial realizar pessoalmente a busca sem prévio mandado Em relação à formalização do ato é imprescindível que da busca resulte um relatório circunstanciado sendo ela exitosa caso em que também deverá haver o respectivo auto de apreensão dos objetos recolhidos ou não Não pode a autoridade policial realizar uma medida tão invasiva como essa sem plena formalização da diligência até porque às vezes pequenos detalhes podem ser úteis para a prova em juízo como a localização da coisa buscada as pessoas presentes e demais elementos que integraram o cenário do ato Quanto ao juiz pensamos que o tratamento é igual ou seja ainda que ele esteja presente na diligência deverá haver prévia expedição de mandado devidamente fundamentada essa decisão Existe ainda um diferencial importante Não cabe ao juiz na estrutura acusatória consagrada na Constituição realizar pessoalmente atos de natureza investigatória ou instrutória sob pena de grave retrocesso à figura do juizinquisidor fulminando a estrutura dialética o equilíbrio processual e principalmente a imparcialidade do julgador princípio supremo do processo recordando W GOLDSCHMIDT Dessarte é imprescindível a prévia e fundamentada expedição do mandado não a suprindo a presença física do juiz no ato o que a rigor não poderia acontecer pois não cabe ao juiz uma postura policialesca Por esses mesmos argumentos acrescidos do que dissemos anteriormente sobre o sistema acusatório e a imparcialidade do julgador é inconstitucional a busca e apreensão determinada ou realizada de ofício pelo juiz Tratase aqui de substancial invalidade da norma a exigir uma declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto que pode ser feita por qualquer tribunal ou juiz se fosse o caso pela via do controle difuso Caso a busca domiciliar seja ilegal além da contaminação da prova produzida poderão incorrer os agentes nas sanções do art 150 do CP ou art 3º b da Lei n 4898 que tipifica os delitos de abuso de autoridade 117 Apreensão Formalização do Ato Distinção entre Apreensão e Medidas Assecuratórias Sequestro e Arresto Ainda que possa haver busca sem apreensão quando o objeto não for encontrado e apreensão sem busca quando há a entrega voluntária ambos os institutos costumam guardar uma relação de meiofim É a apreensão que permitirá indisponibilizar a coisa com o fim de assegurála para o processo seja com fins probatórios ou mesmo para posterior restituição à vítima ou terceiro de boafé Quanto à metafísica natureza jurídica infelizmente uma concepção ainda tão arraigada no Direito como toda categorização esbarra na complexidade do instituto Ou seja a apreensão é suficientemente complexa para ser ao mesmo tempo um meio coercitivo de prova uma medida probatória e até mesmo uma medida cautelar real Tudo vai depender do caso concreto sem descartar a possibilidade de coexistência desses diferentes fins Daí por que é reducionista qualquer classificação fechada A apreensão dos objetos deve ser estritamente formalizada através de respectivo auto descritivo É fundamental a documentação do ato para permitir a correta utilização no processo daquele meio de prova ou ainda para permitir que a vítima terceiro de boafé ou até mesmo o imputado postule a sua restituição Por fim muito importante é não confundir o instituto da apreensão com as medidas assecuratórias previstas nos arts 125 a 144 especialmente o sequestro e arresto de bens móveis Voltaremos a essas questões ao tratar das medidas cautelares mas desde logo esclarecemos que a apreensão é sempre do objeto direto do crime ou seja do automóvel furtado roubado etc o sequestro de bens móveis do art 125 recai sobre todo e qualquer bem adquirido com os proventos da infração por exemplo sequestrase o carro adquirido com o dinheiro obtido no roubo de um banco as joias adquiridas com a venda de objetos anteriormente furtados etc o arresto do art 137 tem por objeto os bens móveis de origem lícita diversa do crime Assim no crime de homicídio por exemplo pode ser arrestado o automóvel do imputado tendo por fim resguardar os efeitos indenizatórios decorrentes da eventual sentença penal condenatória Exceção deve ser feita quando com os proventos da infração dinheiro eletrodomésticos etc o agente adquire coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito Exemplo com o dinheiro obtido no roubo ou com a venda dos objetos subtraídos o agente adquire substâncias entorpecentes cocaína maconha etc ou armas ilegais Nesse caso haverá apreensão do objeto ilícito Somente tendo presente essa distinção é possível compreender a confusa redação do art 132 do CPP quando diz que Art 132 Procederseá ao sequestro dos bens móveis se verificadas as condições previstas no art 126 não for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro Significa que caberá o sequestro quando não for caso de busca e apreensão ou seja quando o bem móvel é adquirido com os proventos da infração e portanto não é passível de busca e apreensão somente para objeto direto 118 O Problemático Desvio da Vinculação Causal Aplicação do Princípio da Especialidade da Prova Imaginese o caso em que é autorizada judicialmente a busca e apreensão de provas de um delito de tráfico de drogas mas também são apreendidos documentos relativos ao delito de sonegação fiscal É válido esse desvio causal para que essa prova sirva para apuração de ambos os delitos Inicialmente é preciso compreender que o ato judicial que autoriza a busca domiciliar é plenamente vinculado e limitado Há todo um contexto jurídico e fático necessário para legitimar a medida que institui uma especialidade de seus fins Ou seja a excepcionalidade e lesividade de tais medidas exigem uma eficácia limitada de seus efeitos e mais ainda uma vinculação àquele processo Tratase de uma vinculação causal em que a autorização judicial para a obtenção da prova naturalmente vincula a utilização naquele processo e em relação àquele caso penal sendo assim simultaneamente vinculada e vinculante Essa decisão ao mesmo tempo em que está vinculada ao pedido imposição do sistema acusatório é vinculante em relação ao material colhido pois a busca e apreensão interceptação telefônica quebra do sigilo bancário fiscal etc está restrita à apuração daquele crime que ensejou a decisão judicial Mas a questão é complexa sendo necessário para evitar repetições inúteis remeter o leitor para o tópico anterior onde tratamos dos Limites Impostos ao Substancialismo Inquisitorial Obtenção de Prova de Crime Diverso Desvio da Vinculação Causal Princípio da Especialidade da Prova 119 Da Busca Pessoal Vagueza Conceitual da Fundada Suspeita Busca em Automóveis Prescindibilidade de Mandado Possibilidades e Limites Busca Pessoal não se Confunde com Intervenção Corporal Ao lado da busca e apreensão domiciliar está a busca pessoal ou seja aquela que incide diretamente sob o corpo do agente Autoriza o art 240 2º que se proceda a busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior Assim a autoridade policial militar ou civil federal ou estadual poderá revistar o agente quando houver fundada suspeita Mas o que é fundada suspeita Uma cláusula genérica de conteúdo vago impreciso e indeterminado que remete à ampla e plena subjetividade e arbitrariedade do policial Pouco se tem manifestado a jurisprudência sobre o tema até mesmo pela dinâmica dos fatos que não permite uma pronta intervenção jurisdicional Mas é interessante a manifestação do STF no HC 81304 4Goiás da relatoria do Min Ilmar Galvão que determinou o arquivamento de termo circunstanciado realizado pela suposta prática do crime de desobediência O imputado negouse a submeterse a revista pessoal pela polícia militar tendo sido realizado termo circunstanciado Como apontou o Ministro a fundada suspeita prevista no art 244 do CPP não pode fundarse em parâmetros unicamente subjetivos exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista em face do constrangimento que causa Ausência no caso de elementos dessa natureza que não se pode ter configurado na alegação de que trajava o paciente blusão suscetível de esconder uma arma sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder Tratase de ranço autoritário de um Código de 1941 Assim por mais que se tente definir a fundada suspeita nada mais se faz que pura ilação teórica pois os policiais continuarão abordando quem e quando eles quiserem133 Elementar que os alvos são os clientes preferenciais do sistema por sua já conhecida seletividade Eventuais ruídos podem surgir quando se rompe a seletividade tradicional mas dificilmente se vai além de mero ruído Daí por que uma mudança legislativa é imprescindível para corrigir tais distorções Mas voltando ao mundo de fantasia do processo penal a busca pessoal somente poderia ser feita quando houver a fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou sem o porte regular ou ainda coisas achadas ou obtidas por meios criminosos instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos munições instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu apreender cartas abertas ou não destinadas ao acusado ou em seu poder quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato colher qualquer elemento de convicção Como se não bastasse a amplitude do dispositivo inclui ainda o legislador a alínea h dando uma abertura apavorante aos poderes de busca pessoal aos policiais A busca pessoal também vai legitimar a busca em automóveis não havendo qualquer necessidade de ordem judicial Assim a autoridade policial poderá proceder à revista pessoal e nos automóveis caminhões ônibus etc a qualquer hora do dia ou da noite sem a necessidade de mandado judicial bastando para tanto que alegue a fundada suspeita de que alguém possa estar ocultando quase que qualquer coisa Claro em tese há a possibilidade de o policial ser responsabilizado pelo crime de abuso de autoridade previsto na Lei n 4898 quando não houver fundada suspeita O problema é que ao darse tal abertura para o uso da autoridade fica extremamente difícil a demonstração de que houve abuso O que separa o uso do abuso quando há tal indefinição da lei O problema de medidas assim com amplo espaço para abusos poderia ser atenuado com maior rigor no preparo técnico dos policiais e principalmente efetivo controle da validade dos atos por parte dos juízes e tribunais Infelizmente nada disso ocorre e com ampla complacência dos julgadores os abusos são frequentes Não raras vezes os próprios juízes legitimam as buscas de arrastão e sem qualquer critério legítimo sob o argumento de que são meros dissabores justificados pelos altos índices de violência urbana claro até porque eles estão imunes a tais dissabores Outros ainda com precários subterfúgios discursivos recorrem à lógica de que os fins justificam a ilegalidade dos meios Reza ainda o art 249 que a busca pessoal em mulher deve ser realizada por outra mulher Nada mais natural ainda mais com os notórios abusos praticados nesse campo Mas o ranço autoritário do CPP relativiza até isso Art 249 A busca em mulher será feita por outra mulher se não importar retardamento ou prejuízo da diligência Basta que a autoridade policial executante da medida argumente que esperar até a chegada de outra mulher policial é claro implicaria retardamento ou prejuízo da diligência para que a pseudogarantia caia por terra Logo o caminho para a ineficácia do dispositivo é dado por ele mesmo Noutro campo a busca pessoal também está automaticamente autorizada quando realizada no bojo de uma busca domiciliar Essa disposição do art 244 é lógica e necessária para eficácia da própria busca domiciliar Aqui a situação é diferente pois foi judicialmente autorizada a busca domiciliar de modo que a revista dos presentes é englobada e imprescindível para a obtenção da prova buscada Ainda que não houvesse essa disposição expressa o art 240 2º h autorizaria a busca pessoal de quem na casa estivesse Por fim detalhe importante ocorre nos casos de tráfico de substância entorpecente em que o agente ingere a droga que irá transportar Será que a busca pessoal com o fim de apreender a substância pode autorizar uma intervenção corporal cirúrgica ou ministrando medicamento adequado para apreensão da substância Não salvo se houver o consentimento válido do agente Isso porque nesse caso a questão é deslocada para outra esfera a da intervenção corporal Como já explicamos anteriormente ao tratar do direito de silêncio e do nemo tenetur se detegere não existe a possibilidade de extração compulsória de fluidos sangue ou mesmo da substância entorpecente ingerida Não havendo consentimento e estando o agente cautelarmente preso deverá a autoridade aguardar até que ele naturalmente evacue expelindo de seu organismo a substância Claro que tal procedimento poderá ser abreviado se o imputado concordar com a ingestão de laxantes até para abreviar o inevitável e reduzir os riscos de rompimento dos invólucros onde a droga está acondicionada 12 Restituição das Coisas Apreendidas Perda e Confisco de Bens Questão intimamente relacionada com a apreensão de objetos é sua posterior restituição ou perda Dentro da lógica dos institutos a restituição pode ser estudada logo após a apreensão e a partir disso rompemos com a estrutura do Código de Processo Penal e criamos o fio condutor entre os arts 240 e ss com a restituição que está nos arts 118 a 124 do CPP Como explicado anteriormente ao longo da investigação preliminar processo ou mesmo execução pode haver a apreensão de coisas que interessem à prova ou mesmo à vítima ou terceiro de boafé que tenha sido prejudicado pelo delito Nesse tema há que se cotejar o art 118 do CPP com o art 91 do Código Penal Assim o art 118 lido a contrário senso permite a restituição das coisas que não interessem mais ao processo Mas essa regra deve ser lida em conjunto com o art 91 II do Código Penal Art 91 São efeitos da condenação I tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime II a perda em favor da União ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boafé a dos instrumentos do crime desde que consistam em coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito b do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso Logo duas variáveis iniciais devem ser ponderadas para que o objeto possa ou não ser restituído o interesse para o processo de cunho essencialmente probatório a natureza da coisa pois se for um instrumento cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito ou ainda noutra dimensão quando for produto do crime ou proveito auferido com o delito não haverá restituição A restituição pode ser pedida pelo terceiro de boafé ou até mesmo pelo imputado afetado pela apreensão sem perder de vista a natureza da coisa e a necessidade probatória Quando um carro moto carteira telefone ou qualquer objeto é furtado ou roubado por exemplo será ele objeto de apreensão pois é objeto direto do crime seu próprio corpo de delito Devidamente documentada a apreensão e avaliado o bem do valor econômico pois relevante para a dosimetria da pena poderá ele ser restituído à vítima pois não há necessidade processual de permanecer constrangido e tampouco é um objeto cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito Assume a restituição nesse caso uma eficácia reparadora do dano causado à vítima pelo delito Pode ocorrer que o bem apreendido seja algo cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito como uma substância entorpecente mas se o imputado ou o terceiro afetado tiver uma autorização para possuir a substância para fins de estudo pesquisa uso médico etc poderá ela ser restituída É o que ocorre no furto do consultório de um médico em que são subtraídos objetos e diversos medicamentos de venda restrita e uso controlado Estando o médico legitimado a possuir e armazenar tais medicamentos uma vez apreendidos poderão ser restituídos Especificamente nesse tema tóxicos deve ser lido o art 243 e seu parágrafo único da Constituição quando determina que Art 243 As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei Parágrafo único Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização controle prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias O art 243 e seu rigor devem ser reservados para os casos de tráfico de substâncias entorpecentes de modo que o pequeno cultivo destinado ao uso não justifica a perda da propriedade imóvel Deve haver um nexo com o delito de tráfico O parágrafo único contém uma abertura conceitual ao definir que todo e qualquer bem de valor econômico o que significa dizer qualquer coisa apreendido em decorrência do tráfico ilícito de drogas será confiscado mas isso não é automático e tampouco pode prescindir do devido processo Ou seja o confisco somente se efetiva após o devido processo penal como efeito da sentença penal condenatória transitada em julgado Situação bastante comum é a do automóvel ocupado por várias pessoas em que uma delas transporta uma quantidade tal de substâncias entorpecentes com a intenção de venda que se constitui o delito de tráfico O carro será apreendido e perdido em favor da União Depende Com acerto a jurisprudência tem feito uma interpretação restritiva do dispositivo de modo que o bem carro moto caminhão etc para ser confiscado deve ser utilizado com o fim específico de praticar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes A utilização isolada do bem sem uma destinação especial ou continuada não justifica o confisco Inclusive em processos dessa natureza em que são apreendidos veículos o próprio Laudo de Exame de Veículo Terrestre possui um item sobre alteração na estrutura original do veículo Tal quesito destinase a informar a existência de compartimentos ou qualquer outra alteração previamente preparada com a finalidade de ocultar produtos eou substâncias entorpecentes134 Assim não demonstrada essa especial destinação do bem seu nexo instrumental de uso para consecução do delito ou que tenha sido adquirido com recursos provenientes da atividade criminosa não há que se falar em confisco Mudando o enfoque quanto à arma apreendida seja porque estava no local onde foi realizada a busca seja porque foi utilizada no crime algumas considerações devem ser feitas Existem dois documentos distintos O registro da arma permite a sua propriedade lícita mas não sua utilização em vias públicas ou locais públicos O uso fica restrito ao domicílio do agente Já o porte pressupõe o registro e autoriza a pessoa a portar a arma junto ao corpo no carro etc em ambientes públicos É o que autoriza a circulação do agente armado fora da residência Assim pode ocorrer de alguém que tenha o registro da arma ser preso e a arma apreendida por portála em via pública sem a correspondente autorização porte ou ainda que a arma tenha sido apreendida porque foi utilizada na prática de um delito Em ambos os casos a propriedade é lícita e portanto quando não mais interessar ao processo poderá ser restituída ao agente ainda que ele tenha sido condenado Tratase de um instrumento do crime mas cuja propriedade está legitimada pelo registro Situação completamente diferente se daria caso a arma não fosse registrada pois inviabilizada estaria a restituição O pedido de restituição quando não houver dúvida sobre o direito de quem o fez pois perfeitamente demonstrada a propriedade lícita poderá ser concedido até mesmo pela autoridade policial Sempre será contudo certificado nos autos do inquérito Do contrário havendo a necessidade de uma cognição ou discussão mais apurada da questão deverá o pedido ser feito à autoridade judiciária ainda que na fase préprocessual a quem após a manifestação do Ministério Público caberá a decisão Não havendo mais a necessidade probatória e inexistindo dúvida sobre a legitimidade do proprietário os bens poderão ser restituídos Havendo dúvida o pedido de restituição será processado em autos apartados cabendo ao requerente no prazo de 5 dias demonstrar sua propriedade ou documentos que o autorizem a ter o objeto ou substância Quando a dúvida se estabelecer entre o terceiro de boafé e a vítima reclamante em torno de quem seja o verdadeiro dono o juiz deverá remeter as partes para o juízo cível como determina o art 120 4º do CPP determinando que o bem fique depositado até a resolução da questão Tratandose de coisas facilmente deterioráveis ou perecíveis serão elas avaliadas e vendidas em leilão público depositando se em juízo o valor apurado até que se defina quem é o legítimo proprietário 1 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 2 p 123 2 Idem ibidem p 123 3 Idem ibidem p 124 4 Citado por GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1997 p 155 5 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa America 1963 v 2 p 202 6 Para além do dever genérico de fundamentação no Brasil previsto no art 93 IX da Constituição o CPP português determina no art 1632 que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos deve aquele fundamentar a divergência 7 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 2 p 195 8 MORENO CATENA Victor et al Derecho Procesal Penal p 422 9 GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1999 p 157 10 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional p 76 11 Posição também compartilhada por SCARANCE FERNANDES na obra Processo Penal Constitucional cit p 76 12 O ideal seria o indiciado mas considerando que o indiciamento é geralmente postergado para o final com a clara intenção de subtrair os direitos inerentes a esse estado jurídico preferimos a categoria mais ampla de sujeito passivo incluindo aqui o já indiciado e o mero suspeito 13 Assim em se tratando de crimes formais ou de mera conduta tende a jurisprudência a não considerar necessário o exame de corpo de delito 14 HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL LESÃO CORPORAL GRAVE AUSÊNCIA DO EXAME DE CORPO DE DELITO EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE OUTRO ELEMENTO DE PROVA PROVA TESTEMUNHAL CAPAZ DE SUPRIR A REFERIDA AUSÊNCIA NULIDADE INOCORRÊNCIA A ausência de laudo pericial assinado por dois peritos não impede que seja reconhecida a materialidade das lesões Isso porque o art 158 do CPP prevê além do exame de corpo de delito direto o indireto que pode ser entre outros exame da ficha clínica do hospital que atendeu a vítima fotografias filmes atestados Nos delitos materiais a ausência do exame de corpo de delito pode ser suprida por outros meios de prova confissão prova testemunhal etc Precedentes Ordem denegada HC 37760RJ Ministro José Arnaldo da Fonseca 5ª Turma do STJ publicado no DJ 16112004 p 312 15 HASSANCHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 306 16 Nesse sentido FURTO TENTATIVA PROVA SUFICIENTE DA AUTORIA CONDENAÇÃO MANTIDA 1 ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO PERITOS POLICIAIS INVALIDADE DA PERÍCIA 2 CONCURSO DE AGENTES ISONOMIA COM A MAJORANTE DO ROUBO 3 READEQUAÇÃO DA PENA 4 EXCLUSÃO DA PENA DE MULTA IMPOSSIBILIDADE PRINCÍPIO DA INDERROGABILIDADE 5 SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS 1 A q ualificadora do rompimento de obstáculo à subtração da coisa exige exame pericial por ser ocorrência que deixa vestígios Inválido exame por falta de isenção dos peritos por serem policiais em razão da própria natureza de suas atividades Afastada a qualificadora Apelação Crime 70014649545 5ª Câmara Criminal Tribunal de Justiça do RS Relator Aramis Nassif julgado em 11102006 17 RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL PENAL HOMICÍDIO AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DO EXAME DE CORPO DE DELITO SUPRIMENTO AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS A PARTIR DAS DEMAIS PROVAS EXISTENTES NOS AUTOS RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO Trecho do Voto O exame de corpo de delito não é imprescindível tanto é assim que a própria lei adjetiva orienta como proceder em sua falta embora em verdade devase envidar todos os esforços possíveis para sua realização No caso em análise não houve desídia por parte da autoridade policial observandose que sempre se laborou no sentido da localização do corpo da vítima além de outras perícias Desde o início empreendeuse diligência com o fim de localizar o corpo de Alba seja na região de Campinas nos meses de fevereiro e maio de 1987 fls 58 e 83 seja no Estado de Mato Grosso do Sul nos meses de agosto de 1987 e junho de 1988 consoante os extensos e detalhados relatórios de fls 187195 e 392410 Em que pese todos os esforços nunca se localizou o corpo de Alba Entretanto a não localização do corpo da vítima ou da arma e consequente realização do exame pericial respectivo não acarreta a impossibilidade da persecutio criminis posto que sua falta conforme já frisado é suprida pela prova testemunhal e indiciária STJ REsp 618037SP Rel Min Arnaldo Esteves Lima DJU 10032006 18 Em sentido contrário ao nosso sublinhandose que se trata de situação muito peculiar TRÁFICO DE ENTORPECENTE EXAME TOXICOLÓGICO HIPÓTESE EM QUE ESSE EXAME PODE SER SUBSTITUÍDO PELA PROVA TESTEMUNHAL EMENDATIO LIBELLI Tráfico de entorpecente Quadrilha de policiais que subtraía substâncias entorpecentes de traficantes para comercialização e extorsão Impossibilidade óbvia do pretendido exame toxicológico cuja ausência é suprida pela prova testemunhal Precedente HC 78749 Desclassificação do crime de extorsão mediante sequestro para extorsão simples CP art 158 Hipótese de emendatio libelli e não de mutatio libelli HC indeferido RHC 83494 Relatora Min Ellen Gracie DJ 02042004 19 GÖSSEL KarlHeinz Las Investigaciones Genéticas como Objeto de Prueba en el Proceso Penal Revista del Ministerio Fiscal n 3 janeirojunho de 1996 p 147 20 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v II p 180 21 TOLEDO BARROS Suzana O Princípio da Proporcionalidade e o Controle da Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais Brasília Brasília Jurídica 1996 p 959 22 GIL HERNANDEZ Ángel Intervenciones Corporales y Derechos Fundamentales Madrid Colex 1995 p 26 e ss 23 Notícia publicada em 17082009 no site httpwwwnytimescom20090818science18dnahtml DNA EVIDENCE CAN BE FABRICATED SCIENTISTS SHOW By ANDREW POLLACK Published August 17 2009 Scientists in Israel have demonstrated that it is possible to fabricate DNA evidence undermining the credibility of what has been considered the gold standard of proof in criminal cases The scientists fabricated blood and saliva samples containing DNA from a person other than the donor of the blood and saliva They also showed that if they had access to a DNA profile in a database they could construct a sample of DNA to match that profile without obtaining any tissue from that person You can just engineer a crime scene said Dan Frumkin lead author of the paper which has been published online by the journal Forensic Science International Genetics Any biology undergraduate could perform this Dr Frumkin is a founder of Nucleix a company based in Tel Aviv that has developed a test to distinguish real DNA samples from fake ones that it hopes to sell to forensics laboratories The planting of fabricated DNA evidence at a crime scene is only one implication of the findings A potential invasion of personal privacy is another Using some of the same techniques it may be possible to scavenge anyones DNA from a discarded drinking cup or cigarette butt and turn it into a saliva sample that could be submitted to a genetic testing company that measures ancestry or the risk of getting various diseases Celebrities might have to fear genetic paparazzi said Gail H Javitt of the Genetics and Public Policy Center at Johns Hopkins University Tania Simoncelli science adviser to the American Civil Liberties Union said the findings were worrisome DNA is a lot easier to plant at a crime scene than fingerprints she said Were creating a criminal justice system that is increasingly relying on this technology John M Butler leader of the human identity testing project at the National Institute of Standards and Technology said he was impressed at how well they were able to fabricate the fake DNA profiles However he added I think your average criminal wouldnt be able to do something like that The scientists fabricated DNA samples two ways One required a real if tiny DNA sample perhaps from a strand of hair or drinking cup They amplified the tiny sample into a large quantity of DNA using a standard technique called whole genome amplification Of course a drinking cup or piece of hair might itself be left at a crime scene to frame someone but blood or saliva may be more believable The authors of the paper took blood from a woman and centrifuged it to remove the white cells which contain DNA To the remaining red cells they added DNA that had been amplified from a mans hair Since red cells do not contain DNA all of the genetic material in the blood sample was from the man The authors sent it to a leading American forensics laboratory which analyzed it as if it were a normal sample of a mans blood The other technique relied on DNA profiles stored in law enforcement databases as a series of numbers and letters corresponding to variations at 13 spots in a persons genome From a pooled sample of many peoples DNA the scientists cloned tiny DNA snippets representing the common variants at each spot creating a library of such snippets To prepare a DNA sample matching any profile they just mixed the proper snippets together They said that a library of 425 different DNA snippets would be enough to cover every conceivable profile Nucleixs test to tell if a sample has been fabricated relies on the fact that amplified DNA which would be used in either deception is not methylated meaning it lacks certain molecules that are attached to the DNA at specific points usually to inactivate genes 24 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É patente a violação do contraditório e da ampla defesa nesses casos 25 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 608 26 PELLEGRINI GRINOVER Ada Pareceres Processo Penal In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 343 e ss 27 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 2 p 252 28 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 2 p 252 29 GUARNIERI Jose Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Beraldo de Quirós México Jose M Cajica 1952 p 299 30 Em alguns pontos baseamonos em FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 608 31 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 22 32 Sobre o tema imprescindível a leitura do Directorium Inquisitorum escrito por NICOLAU EYMERICH em 1376 33 Derecho y Razón cit p 608 34 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado São Paulo RT 2006 p 446 35 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional cit p 72 36 Quando não houver a reunião de todos os réus no mesmo processo em que pese a conexão ou continência uma pessoa poderá ser arrolada como testemunha da acusação mascarando nesse caso sua verdadeira condição de corréu Explicamos melhor Um corréu jamais poderá ser ouvido como testemunha seja da acusação ou defesa Contudo quando os processos tramitam em paralelo com os réus A B e C sendo acusados no Processo 1234 e os réus M N e P no Processo 4567 poderá haver a delação premiada de um deles por exemplo do réu A No Processo 1234 A é corréu logo não é testemunha Sem embargo poderá ser arrolado como testemunha de acusação no Processo 4567 depondo como testemunha já que nesse processo ele não é formalmente réu 37 DEZEM Guilherme Madeira Produção da Prova Testemunhal e Interrogatório correlações necessárias Boletim do IBCCrim n 207 fevereiro de 2010 p 6 38 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial cit p 368 39 Questão tormentosa na história do processo penal é a confissão conduzindo sempre ao seguinte questionamento Por que um inocente confessa Ainda que o tema extrapole os limites do presente trabalho cumpre transcrever parte de um estudo divulgado no site wwwconjurcombr2012set08instituicaoestudaporquepessoasconfessamcrimesnaocometeram e que pode contribuir para a compreensão desta complexa problemática bem como advertir dos perigos da crença na confissão Um levantamento recente do Projeto Inocência revelou que de todos os prisioneiros libertados nos últimos anos com base em provas de DNA 25 foram presos porque se incriminaram fizeram confissões por escrito ou gravadas em fita cassete à polícia ou se declararam culpados Estudos de casos mostram que essas confissões não derivaram de conhecimento dos réus sobre o caso mas foram motivadas por influências externas Em princípio é difícil entender por que uma pessoa confessa um crime que não cometeu diz um artigo do Projeto Inocência Mas uma pesquisa psicológica forneceu algumas respostas Uma variedade de fatores pode contribuir para uma confissão falsa durante o interrogatório policial Os casos examinados no estudo mostram que há uma combinação dos seguintes fatores 1 pressão 2 coerção 3 embriaguez 4 capacidade reduzida 5 deficiência mental 6 desconhecimento da lei 7 medo de violência 8 sofrimento real infligido 9 ameaça de uma sentença mais dura 10 falta de compreensão da situação Algumas confissões falsas dizem os especialistas podem ser explicadas pelo estado mental do réu Confissões obtidas de crianças não são confiáveis diz o estudo do Projeto Inocência Crianças são facilmente manipuláveis E nem sempre têm noção clara do que está acontecendo Crianças e adolescentes são facilmente convencidas de que poderão voltar para casa assim que admitirem a culpa Pessoas com deficiência mental fazem confissões falsas porque de uma maneira geral são tentadas a conciliar e a concordar com autoridades especialmente as policiais Além disso os interrogadores policiais não têm qualquer tipo de treinamento para questionar suspeitos com deficiência mental Qualquer estado mental debilitado em razão de deficiência mental drogas bebidas alcoólicas pode provocar falsas admissões de culpa Adultos mentalmente capazes também fazem confissões falsas por uma variedade de fatores tais como excessiva duração do interrogatório exaustão ou pela falsa ideia de que se confessarem podem ser soltos e mais tarde provar sua inocência Seja qual for a idade a capacidade ou o estado mental das pessoas que confessam crimes que não cometeram normalmente elas têm a impressão comum a um certo ponto do processo de interrogatório de que a confissão será mais benéfica para elas do que continuar insistindo em suas inocências Algumas vezes investigadores usam táticas de interrogatório implacável que na prática equivalem à tortura ou chegam à beira da tortura Mas existem outras táticas menos abusivas fisicamente que também podem levar a confissões falsas Por exemplo alguns policiais altamente treinados em interrogatório convencidos da culpa do suspeito usam táticas tão persuasivas que uma pessoa inocente se sente compelida a confessar diz o artigo do Projeto Inocência O estudo mostrou que alguns suspeitos fizeram uma confissão falsa para evitar danos ou desconforto físico Outros são advertidos de que serão condenados com ou sem uma confissão e que a sentença será muito mais leve se confessarem Alguns são aconselhados a confessar porque essa seria a única maneira de evitar a pena de morte ou de prisão perpétua São muitos os casos de inocentes presos nos EUA Mas o Projeto Inocência elegeu o de Eddie Joe Lloyd o favorito para sua campanha para aperfeiçoar o sistema penal por duas razões Primeira a Promotoria de Detroit foi muito cooperativa com os advogados e com os estudantes de Direito que se empenhavam em provar a inocência de Lloyd reconhecendo as falhas de processo e se propondo a colaborar para desfazer um erro judicial A segunda razão é mais forte Depois de provada a inocência de Lloyd condenado graças a armações de policiais para levá lo a se incriminar a Polícia de Detroit pediu desculpas formais à família e prometeu que daí para a frente todos os interrogatórios policiais em casos que podem terminar em sentença de prisão perpétua seriam gravados em vídeo para serem apresentados nos tribunais Começou a fazer isso em 2006 Muitas jurisdições nos EUA seguiram o exemplo de Detroit 40 VÉLEZ MARICONDE Alfredo Derecho Procesal Penal 2 ed Buenos Aires Lerner 1969 v II p 393 41 Sublinhamos a decisão proferida pelo STJ 6ª Turma no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 27555PR da relatoria do Min OG FERNANDES julgado em 11052010 assim ementado PROCESSUAL PENAL RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS LEI N 1169008 INTERPRETAÇÃO DO ART 212 DO CPP INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS NULIDADE INOCORRÊNCIA 1 A Lei n 11690 de 9 de junho de 2008 alterou a redação do art 212 do Código de Processo Penal passandose a adotar o procedimento do direito norteamericano chamado crossexamination no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou facultada à parte contrária a seguir sua inquirição exame direto e cruzado e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização 2 A nova lei objetivou não somente simplificar a colheita de provas mas procurou principalmente garantir mais neutralidade ao magistrado e conferir maiores responsabilidades aos sujeitos parciais do processo penal que são na realidade os grandes interessados na produção da prova 3 No caso observase que o juiz de primeiro grau concedeu às partes a oportunidade de questionar as testemunhas diretamente A ausência dessa fórmula gera nulidade absoluta do ato pois se cuida de regramento jurídico cogente e de interesse público 4 Entretanto ainda que se admita que a nova redação do art 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas à luz de uma interpretação sistemática a não observância dessa regra pode gerar no máximo nulidade relativa por se tratar de simples inversão dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas ainda que subsidiariamente para o esclarecimento da verdade real sendo certo que aqui o interesse protegido é exclusivo das partes 5 Não se pode olvidar ainda o disposto no art 566 do CPP Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa 6 Recurso ordinário a que se nega provimento 42 PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO ART 33 4º DA LEI 1134306 INVERSÃO NA ORDEM DE QUEM FORMULA AS PERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS ART 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 116902008 NULIDADE ABSOLUTA ALEGAÇÕES DE POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE PLEITOS PREJUDICADOS EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DE NULIDADE PROGRESSÃO DE REGIME FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 114642007 LAPSO TEMPORAL PARA PROGRESSÃO DE REGIME NA FRAÇÃO DE 25 I O art 212 do Código de Processo Penal com redação dada pela Lei n 1169008 determina que as perguntas serão formuladas diretamente pelas partes às testemunhas possibilitando ao magistrado caso entenda necessário complementar a inquirição acerca de pontos não esclarecidos II Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato consignando que o Juízo Singular incorreu em error in procedendo caracteriza constrangimento por ofensa ao devido processo legal sanável pela via do habeas corpus o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade HC 121216DF 5ª Turma Rel Min Jorge Mussi DJe de 01062009 no mesmo sentido HC 137091DF 5ª Turma Rel Min Arnaldo Esteves Lima DJe de 13102009 III Anulada a audiência de instrução e julgamento realizada em desconformidade com a previsão contida no art 212 do Código de Processo Penal bem como os atos subsequentes perdeu o objeto o presente writ no que tange aos pleitos referentes à possibilidade de suspensão condicional da pena e direito de recorrer em liberdade IV V VI VII VIII Ordem parcialmente concedida apenas para anular a audiência de instrução e julgamento realizada em desconformidade com a previsão contida no art 212 do Código de Processo Penal bem como os atos subsequentes determinando que outra seja realizada consoante as disposições do referido dispositivo 43 APELAÇÃO TRÁFICO DE DROGAS PRELIMINAR NULIDADE ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 1 A nova sistemática adotada à inquirição das testemunhas pela legislação processual brasileira através da Lei n 11690 de 9 de junho de 2008 alterou substancialmente a metodologia da colheita da prova testemunhal Além da ordem da inquirição das testemunhas primeiro as arroladas pela acusação e após as arroladas pela defesa houve importante modificação no que tange à ordem de formulação do questionamento A literalidade legal é clara encontrando suporte e aderência constitucional 2 Segundo essa nova sistemática as partes formulam as perguntas antes do magistrado diretamente à pessoa que estiver prestando o seu depoimento pois a parte que arrolou o depoente através da iniciativa das perguntas demonstrará o que pretende provar Após a parte adversa exercitará o contraditório na metodologia da inquirição formulando as perguntas de seu interesse Porém antes das perguntas das partes a vítima ou a testemunha poderá narrar livremente o que sabe acerca dos fatos Com isso se garantem o equilíbrio e o contraditório na formação da prova através de uma previsão clara e objetiva nos moldes do adversary system com regramento acerca das funções entre os sujeitos processuais 3 Primeiramente a parte demonstra o que pretende provar com a inquirição de determinado sujeito em seguida garantese o contraditório e por último o magistrado realiza a complementação na esteira da situação processual formada com as perguntas com o objetivo de esclarecer situações que a seu juízo não restaram claras Caminhase na esteira de um sistema democrático ético e limpo de processo penal fair play Evitamse os intentos inquisitoriais o assumir o lugar da parte a parcialização do sujeito encarregado do julgamento 4 A nova sistemática exige a presença do acusador e do defensor na audiência e deste efetividade sob pena de ofensa às garantias constitucionais Não se retira o comando da audiência e a valoração da prova ao magistrado na medida em que este continua controlando as perguntas pois a prova se destina a seu convencimento podendo formular questões suplementares ao final Essa é a nova metodologia legal inserida no devido processo constitucional em seu aspecto formal e substancial a ser observado PRELIMINAR ACOLHIDA MÉRITO PREJUDICADO 44 3 A Lei n 11690 de 9 de junho de 2008 alterou a redação do art 212 do Código de Processo Penal passandose a adotar o procedimento do Direito NorteAmericano chamado crossexamination no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou facultada à parte contrária a seguir sua inquirição exame direto e cruzado e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização 5 Entretanto ainda que se admita que a nova redação do art 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas à luz de uma interpretação sistemática a não observância dessa regra pode gerar no máximo nulidade relativa por se tratar de simples inversão dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas ainda que subsidiariamente para o esclarecimento da verdade real sendo certo que aqui o interesse protegido é exclusivo das partes 6 Não se pode olvidar ainda o disposto no art 566 do CPP não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa 45 MAGALHÃES GOMES FILHO Antonio Direito à Prova no Processo Penal pp 92 e ss 46 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado cit p 444 47 NUCCI op cit p 460 e 463 48 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 410 49 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal cit p 382 50 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional cit p 71 51 Art 221 O Presidente e o VicePresidente da República os senadores e deputados federais os ministros de Estado os governadores de Estados e Territórios os secretários de Estado os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais os membros do Poder Judiciário os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União dos Estados do Distrito Federal bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz 1º O Presidente e o VicePresidente da República os presidentes do Senado Federal da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito caso em que as perguntas formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz Ihes serão transmitidas por ofício grifo nosso 52 No mesmo sentido NUCCI op cit p 480 53 CORDERO Franco Op cit p 55 54 MERLEAUPONTY Maurice O Olho e o Espírito Rio de Janeiro Grifo 1969 55 DAMÁSIO António O Erro de Descartes São Paulo Companhia das Letras 1996 p 280 e ss 56 LAPLANTINE François Aprender Antropologia trad MarieAgnès Chauvel 15 reimpressão da primeira edição São Paulo Brasiliense 2003 p 169 e ss 57 Muito relevante para o Direito é a consciência de que como ensina LAPLANTINE op cit p 171 e ss a ideia de que se possa construir um objeto de observação independentemente do próprio observador provém na realidade de um modelo objetivista que foi o da física até o final do século XIX mas que os próprios físicos abandonaram há muito tempo É a crença de que é possível recortar objetos isolálos e objetivar um campo de estudo do qual o observador estaria ausente ou pelo menos substituível Esse modelo de objetividade por objetivação é sem dúvida pertinente quando se trata de medir ou pesar pouco importa neste caso que o observador tenha 25 ou 70 anos que seja africano ou europeu socialista ou conservador Não pode ser conveniente para compreender comportamentos humanos que veiculam sempre significações sentimentos e valores 58 Célebre lição de CARNELUTTI de que a verdade é inalcançável até porque a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós tão bem analisada por JACINTO COUTINHO Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 175 e ss 59 Ainda que não concordemos podese argumentar em torno da aplicabilidade do art 209 do CPP Dessa forma o assistente poderia justificando para convencer arrolar testemunhas que não integraram o rol originário do MP invocando a aplicação do art 209 do CPP para que o juiz as ouça utilizando essa faculdade Se indeferido o pedido nenhum cerceamento poderia ser alegado Apenas sugerese que não se invoque a absurda verdade real como argumento 60 DEZEM Guilherme Madeira Produção da Prova Testemunhal e Interrogatório correlações necessárias cit p 6 61 Em que pese ser essa uma afirmação dos autores citados pensamos que ela deve ser esclarecida até porque é um erro pensar as dimensões do consciente e do inconsciente como estanques compartimentalizadas A linha é tênue se não indefinida Também se deve compreender que a falsa memória pode nascer de uma confusão mental de uma informação inicial verdadeira mas que sofre uma poluição em decorrência de um processo de mistura com o imaginário gerando uma confusão de dados por parte do sujeito que passa a tomar como verdadeiro o fato distorcido 62 Tratando da ação e esquecimento e sua relevância penal nos casos de omissão de atividade devida JUAREZ TAVARES traz importantes lições sobre a memorização declarativa e a memorização procedimental bem como dos processos de esquecimento Sobre o tema consultese a obra Direito Penal da Negligência Uma Contribuição à Teoria do Crime Culposo 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 221224 63 O Erro de Descartes cit p 128129 64 Professora de Psicologia e Direito na Universidade de Washington é PhD em Psicologia com dezenas de trabalhos publicados sobre o tema Nessa breve apresentação utilizamos os seguintes trabalhos Criando falsas memórias Artigo publicado na Scientific American em setembro de 1997 tradução pode ser obtida no site wwwgeocitiescomathensacropolis6634falsamemoriahtm As falsas memórias Revista Viver Mente Cérebro 65 Nesse sentido também DI GESU Cristina Prova penal e Falsas Memórias Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 66 Entre outros sugerimos o estudo dos seguintes casos Caso Frank Lee Smith condenado à morte nos Estados Unidos pelo homicídio de Sandra Whitehead Caso MacMartin ocorrido nos anos 80 no subúrbio de Los Angeles onde os empregados da préescola Virginia MacMartin foram acusados de violentar sexualmente um menino de 2 anos e meio Caso Friedman também ocorrido nos anos 80 nos Estados Unidos dando origem ao documentário Capturing the Friedmans de 2003 Caso Orteu considerado o Chernobyl Judiciário francês cujo processo iniciou em 2000 Caso da Casa Pia um internato de Lisboa cujas notícias iniciam em 2002 divulgando que crianças e adolescentes que lá residiam haviam sofrido abusos sexuais por parte de pessoas influentes e até um exministro português 67 Sobre o tema consultese o trabalho de THIAGO DOMENICI no site httpescolabasesitesuolcombrreushtml e também o videodocumentário O Caso da Escola Base Imprescindível ainda a leitura da obra Caso Escola Base os abusos da imprensa do jornalista ALEX RIBEIRO 68 httpescolabasesitesuolcombrreushtml 69 Citado por DI GESU Cristina Prova Penal e Falsas Memórias cit p 122 70 Idem ibidem p 199 e ss 71 DI GESU op cit p 120 72 Idem ibidem p 124 73 PISA Osnilda Psicologia do Testemunho os riscos na inquirição de crianças Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de PósGraduação em Psicologia da PUCRS Lílian Milnitsky Stein orientadora Porto Alegre julho de 2006 p 15 e ss Esse mesmo trecho também pode ser encontrado na sentença proferida pela Juíza Osnilda Pisa que foi transcrita no Acórdão 70017367020 5ª Câmara Criminal do TJRS Rel Des Amilton Bueno de Carvalho julgado em 27 de dezembro de 2006 74 PISA Osnilda Op cit p 15 e ss 75 Imprescindível aqui a estrita observância das regras da prova pericial conforme explicado anteriormente Não se pode admitir como prova atípica um ato que na verdade mascara uma prova típica mas produzida com defeito violação da forma prescrita 76 Conforme DI GESU op cit p 172 e ss 77 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 106 78 Na Espanha la diligencia de reconocimiento en rueda está previsto nos arts 368 e ss da LECrim e é considerada uma prova típica da fase préprocessual sendo atipica e inidónea para ser practicada en el plenário o acto del juicio oral as primeiras sentenças do Tribunal Supremo nesse sentido são de 07121984 e 05031986 Argumentam que a identificação do acusado é uma função típica da investigação preliminar sem a qual não se pode produzir a acusação Por outro lado há uma preocupação muito grande e incrivelmente desconsiderada pelo sistema judiciário brasileiro de que a repetição dessa prova em juízo é extremamente problemática pois é praticamente inviável repetir em juízo a roda de reconhecimento com as mesmas pessoas que estavam presentes na fase preliminar Logo a única pessoa cuja presença estaria sendo repetida em ambos os atos seria o réu e isso constitui um inequívoco induzimento ao reconhecimento Na sentença de 24061991 o Tribunal Supremo da Espanha alertou ainda da dificuldade de repetir o reconhecimento quando da primeira vez foi realizado de forma incorreta pois existe el grave peligro de que la persona que en la primera ocasión reconoció mal porque la rueda estaba mal constituída siga reconociendo no al participe del hecho criminal sino a quien ya fue defectuosamente identificado Tais questões são da maior relevância mas nunca mereceram qualquer atenção por parte da doutrina ou jurisprudência brasileira Daí por que há uma errônea cultura de simplificação das formas que ao informalizar o ato reduz a esfera de garantias fundamentais 79 O ideal é a pena de nulidade mas pelo menos em não sendo adotada essa sistemática que seja sancionada como não tendo valor probatório nos termos do art 1474 do CPP português 80 Contrastando com o atraso de nossas práticas judiciárias o Codice di Procedura Penale italiano prevê no seu art 213 um verdadeiro procedimento preliminar ao reconhecimento Sob pena de nulidade cominada art 2133 deverá o juiz convidar a vítima ou testemunha a descrever a pessoa indicando todas suas características perguntando ainda se já fez o reconhecimento anteriormente ou se já a viu anteriormente através de fotografias ou imagens bem como se existe alguma circunstância que possa influir no reconhecimento exatamente igual está disposto no art 147 do CPP português claramente inspirado nesse ponto no italiano Todas as perguntas e respostas deverão ser consignadas na ata da audiência por expressa determinação legal art 2132 Só então dará início ao reconhecimento Tais requisitos também deveriam ser observados no sistema brasileiro até porque em sentido similar dispõe o art 226 I ainda que de forma não tão completa 81 Entre 5 e 9 participantes é o número sugerido por REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ no trabalho Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación In Psicologia e Investigación Judicial Madrid Fundación Universidad Empresa 1997 p 93 e ss a partir de diversos estudos realizados no campo da psicologia judicial 82 Em sentido diverso e de forma insatisfatória pensamos o Codice di Procedura Penale italiano prevê no art 2141 um mínimo de duas pessoas além do réu para realização do reconhecimento Reproduzindo o sistema italiano também dispõe dessa forma o CPP português no seu art 1472 83 Como adverte HUERTAS MARTIN Maria Isabel El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba Barcelona Bosch 1999 p 263 o Código de Processo Penal Militar espanhol prevê no seu art 1552 que se o delito foi cometido com a utilização de uniforme militar todos os participantes do reconhecimento deverão vestirse do mesmo modo Iguais cautelas também deveríamos adotar no sistema brasileiro para melhor qualidade do material probatório produzido 84 Devese considerar ainda a advertência de HUERTAS MARTIN op cit p 243 de que o reconhecimento fotográfico deve ter sempre escassa validade probatória pois a experiência judicial demonstra que é um instrumento com grande propensão a erros A situação é agravada quando a fotografia do suspeito passa a ser amplamente difundida pelos meios de comunicação criando um clima de induzimento extremamente perigoso prova disso é a quantidade de pessoas que após a divulgação passam a afirmar terem visto o agente ao mesmo tempo em lugares completamente distantes e diversos 85 PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS REVISÃO CRIMINAL FURTO QUALIFICADO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO EM SEDE POLICIAL INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES CONTIDAS NO ART 226 DO CPP RECONHECIMENTO PESSOAL FEITO EM JUÍZO IRREGULARIDADE SANADA SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA PRECEDENTES DO STJ E DO STF ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E NESSA EXTENSÃO DENEGADA 1 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a possibilidade de reconhecimento do acusado por meio fotográfico desde que observadas as formalidades contidas no art 226 do Código de Processo Penal 2 Eventual irregularidade cometida no inquérito policial restou sanada na fase judicial porquanto o juiz processante ao realizar o reconhecimento pessoal do acusado na audiência de inquirição de testemunhas o fez sob o crivo do contraditório e da ampla defesa 3 Não tendo a controvérsia relativa à alteração do regime de cumprimento de pena sido objeto de debate e julgamento por parte do Tribunal de origem o exame da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de habeas corpus ocasionaria indevida supressão de instância 4 Ordem parcialmente conhecida e nessa extensão denegada HC 136147SP Rel Min Arnaldo Esteves Lima 5ª Turma j 06102009 DJe 03112009 86 A título de curiosidade nunca como exemplo a ser seguido no processo penal alemão 81b da StPO existe a possibilidade de modificar o aspecto físico do imputado cortar barba cabelo para permitir a identificação bem como obrigálo a deixarse fotografar para os álbuns da polícia ROXIN citado por HUERTAS MARTIN El Sujeto Pasivo p 223 adverte que essas medidas devem ser proporcionais e não estão permitidas se a identidade pode ser investigada de outra maneira mais fácil o que não atenua muito o absurdo dessas medidas 87 Como aponta HUERTAS MARTIN El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba cit p 224225 a lofoscopia consiste no estudo das impressões provenientes de qualquer parte da epiderme podendo distinguirse três ramos principais a datiloscopia que se ocupa das impressões digitais dos dedos das mãos a quiroscopia que se centra na palma das mãos e por último a pelmatoscopia cujo objeto de estudo é a planta dos pés 88 REAL MARTINEZ Santiago FARIÑA RIVERA Francisca e ARCE FERNANDEZ Ramón Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación cit p 93 e ss 89 Imprescindível nesse tema consultar o que explicamos anteriormente sobre as falsas memórias e os estudos realizados por ELIZABETH LOFTUS 90 Infelizmente vivemos uma realidade social em que o racismo entre outros constitui uma metarregra a orientar todo o sistema jurídico penal desde a abordagem policial passando pelo reconhecimento da vítima até chegar no momento da sentença em que o juiz não raras vezes julga a partir dessa metarregra ainda que inconscientemente é claro É uma triste realidade da qual temos muito de que nos envergonhar Sobre o tema sugerimos a leitura de BACILA Carlos Roberto Estigmas Um Estudo sobre os Preconceitos Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 91 REAL MARTINEZ Santiago FARIÑA RIVERA Francisca e ARCE FERNANDEZ Ramón Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación cit p 93 e ss 92 REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ op cit p 99 93 WILLIAMS Anna Virginia Implicações Psicológicas no Reconhecimento de Suspeitos avaliando o efeito da emoção na memória de testemunhas oculares Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Psicologia Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Orientador Celito Francisco Mengarda 2003 94 WILLIAMS op cit 95 Idem ibidem 96 WILLIAMS op cit 97 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 115 98 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 115 99 Idem ibidem p 103 100 MORENO CATENA Victor et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 415 101 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 3 p 149 102 Imprescindível para compreensão dessa afirmação a leitura do que explicamos anteriormente sobre sistemas processuais e a crítica feita ao art 156 do CPP 103 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 426 104 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 278 105 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 3 p 173 106 Isso porque como explicamos ao tratar da verdade no processo penal o crime é sempre um fato passado que será parcialmente reconstruído no presente através da prova São signos do passado avaliados no presente Logo como explica CORDERO Procedimiento Penal cit v 2 p 21 en el significado amplio y menos útil indica cualquier signo toda prueba es indicio ya que viene de indico indicare est manifestare detegere patefacere en los idiomas modernos dinunziare dévoiler descubrir anzeigen to disclose 107 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal cit v 2 p 271 108 BASTOS PITOMBO Cleunice Da Busca e da Apreensão no Processo Penal 2 ed São Paulo RT 2005 p 102 e ss 109 No sentido de ato de investigação que compromete direitos fundamentais diligencias de averiguación y comprobación restrictivas de derechos fundamentales como prefere SARA ARAGONESES MARTINEZ na obra coletiva Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 368 No mesmo sentido de ato de investigação mas sem enfatizar a tensão estabelecida com os respectivos direitos fundamentais HINOJOSA SEGOVIA Rafael La Diligencia de Entrada y Registro en Lugar Errado en el Proceso Penal Madrid Edersa 1996 p 49 110 Aspecto destacado por ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 405 ao analisar la perquisición domiciliaria com uma clara característica de medida assecuratória cautelar da prova 111 É o que ocorre quando se apreende o objeto direto do crime isto é por exemplo a coisa alheia móvel subtraída no crime de furto ou roubo Uma vez apreendido o bem poderá ser restituído ao seu legítimo proprietário nos termos dos arts 118 e ss do CPP 112 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 67 113 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 74 114 Idem ibidem p 115 115 BASTOS PITOMBO op cit p 89 116 HINOJOSA SEGOVIA op cit p 53 117 São palavras de SARA ARAGONESES MARTINEZ Derecho Procesal Penal cit p 389 para as medidas cautelares pessoais mas perfeitamente aplicáveis à busca e apreensão 118 Salvo nos casos de crime permanente em que a situação de flagrância é igualmente permanente art 303 do CPP Assim havendo flagrante delito o art 5º XI da Constituição permite a realização da busca independentemente da existência de mandado judicial 119 BASTOS PITOMBO op cit p 71 e ss 120 Nesse sentido interessante a decisão proferida no RHC 90376 RJ Relatora Min CELSO DE MELLO julgado pela 2ª Turma em 03042007 Órgão Julgador 2ª Turma cuja parte da ementa transcrevemos abaixo EMENTA PROVA PENAL BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS CF ART 5º LVI ILICITUDE ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO INADMISSIBILIDADE BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA SEM MANDADO JUDICIAL EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO IMPOSSIBILIDADE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO QUARTO DE HOTEL DESDE QUE OCUPADO COMO CASA PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL MESMO EM SUA FASE PRÉPROCESSUAL CONCEITO DE CASA PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CF ART 5º XI E CP ART 150 4º II AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA COMO POR EXEMPLO OS QUARTOS DE HOTEL PENSÃO MOTEL E HOSPEDARIA DESDE QUE OCUPADOS NECESSIDADE EM TAL HIPÓTESE DE MANDADO JUDICIAL CF ART 5º XI IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR PROVA ILÍCITA INIDONEIDADE JURÍDICA RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA COMO QUARTOS DE HOTEL SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO DESDE QUE OCUPADO AO CONCEITO DE CASA CONSEQUENTE NECESSIDADE EM TAL HIPÓTESE DE MANDADO JUDICIAL RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL 121 Também defendendo a proteção do veículo destinado à habitação do indivíduo como ocorre com os trailers cabine de caminhão barcos entre outros grifo nosso está NUCCI Código de Processo Penal Comentado p 511 122 Art 169 Apropriarse alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro caso fortuito ou força da natureza Pena detenção de 1 mês a 1 ano ou multa Parágrafo único Na mesma pena incorre Apropriação de tesouro I quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria no todo ou em parte da quota a que tem direito o proprietário do prédio Apropriação de coisa achada II quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria total ou parcialmente deixando de restituíla ao dono ou legítimo possuidor ou de entregála à autoridade competente dentro no prazo de 15 quinze dias 123 BASTOS PITOMBO op cit p 122 124 NUCCI op cit p 523 125 Idem ibidem p 74 126 Assim já decidiu o Tribunal Constitucional espanhol na STC n 34193 cujo acerto da decisão é perfeitamente aplicável em nosso sistema 127 Citada por HINOJOSA SEGOVIA op cit p 7576 128 BASTOS PITOMBO Cleunice A Desfuncionalização da Busca e da Apreensão Boletim do IBCCrim n 151 junho de 2005 p 2 129 BASTOS PITOMBO A Desfuncionalização da Busca e da Apreensão op cit p 2 130 Interessante como alguns juízes utilizam mandado de busca e apreensão padrão um formulário previamente preparado e que muitas vezes repete a redação antiga do art 172 do CPC definindo que a busca deva ser realizada entre 7h e 19h A rigor em que pese a inadequação técnica nenhuma nulidade pode ser apontada pois os limites são mais estreitos que aqueles fixados na nova redação O que não pode ocorrer sob pena de nulidade é que o mandado contenha limites de tempo mais amplos autorizando o ingresso antes das 6h ou após as 20h 131 Como sustenta NUCCI op cit p 522 132 HINOJOSA SEGOVIA op cit p 121 133 Exemplo típico desses abusos são as buscas pessoais feitas em ônibus urbanos especialmente nas periferias vilas e favelas das grandes cidades brasileiras Como sustentar que em relação a 50 pessoas desconhecidas muitas retornando para casa após uma longa jornada de trabalho existe fundada suspeita de que alguém oculte armas coisas achadas por meios criminosos etc Como justificar que todos tenham que descer ficar de costas com braços e pernas abertos para serem revistados muitas vezes sob a mira de armas com nervosos dedos no gatilho Ora nada mais é do que uma atitude calcada nas metarregras do sistema punitivo especialmente nas revoltantes discriminações raciais econômicas e sociais Imaginese um arrastão policial desse tipo feito na saída do aeroporto de Brasília São Paulo ou qualquer outra capital Ou mesmo num badalado shopping center Impensável Até porque após tamanho suicídio político cairia toda a cúpula da segurança pública É assim que nasce a seletividade penal tão bem explicada pelo labeling approach 134 Nesse sentido RECURSO ESPECIAL TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES CONDENAÇÃO REGIME INTEGRAL FECHADO SUBSTITUIÇÃO DE PENA INAPLICABILIDADE DA LEI N 971498 CONFISCO DE BENS MOTOCICLETA NECESSIDADE DA UTILIZAÇÃO DO BEM PARA O FIM ESPECÍFICO DE PRATICAR O CRIME 1 A Lei dos Crimes Hediondos porque faz incompatíveis os delitos de que cuida com as penas restritivas de direitos exclui a incidência da Lei n 971498 modificativa da parte geral do Código Penal por força do artigo 12 do próprio diploma penal material brasileiro As regras gerais deste Código aplicamse aos fatos incriminados por lei especial se esta não dispuser de modo diverso 2 O artigo 34 da Lei 636876 com redação dada pela Lei 980499 é claro ao determinar como requisito para o confisco do bem que o mesmo seja destinado à prática do crime sendo insuficiente para o recolhimento sua utilização eventual na prática do ato criminoso 3 Recurso conhecido e provido parcialmente REsp 407461 Min Hamilton Carvalhido DJ 17022003 Mais específica é a seguinte decisão do TRF da 4ª Região na Apelação 200572000024239 Rel ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO j 03052006 INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA TRÁFICO DE DROGAS PERDIMENTO TERCEIRO DE BOAFÉ AUTOMÓVEL COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ENTREGA MEDIANTE CAUÇÃO 1 Em face do artigo 243 da Constituição Federal e do art 46 da Lei 1040902 temse entendido cabível o perdimento de bens desde que comprovado o nexo de instrumento uso do bem para a consecução do ilícito ou de causa aquisição com recursos provenientes da atividade criminosa com a prática do tráfico de drogas 2 Contudo tais dispositivos devem ser mitigados quando confrontados com direito de terceiro de boafé 3 In casu o bem foi adquirido pelo réu mediante contrato de financiamento com alienação fiduciária em favor de instituição financeira Diante disso e inexistindo qualquer elemento indicando a participação do Banco nas atividades ilícitas perpetradas revelase plenamente caracterizada a figura do terceiro de boafé 4 Como a entrada e os primeiros pagamentos da dívida foram possivelmente efetuados com recursos provenientes da atividade ilícita o bem deve ser restituído mediante a prestação de caução ao juízo para garantir eventual medida de adotada na decisão de mérito 5 A diferença entre o valor da venda e o total da dívida garantida pelo automóvel deverá ser cobrada pela instituição financeira junto ao devedor pelos meios admitidos em direito Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 PROVA PERICIAL E EXAME DE CORPO DE DELITO A prova pericial é uma prova técnica mediante a qual são trazidos ao processo conhecimentos que estão fora do saber ordinário Contudo todas as provas são relativas e o juiz não ficará adstrito ao laudo podendo aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte art 182 do CPP O laudo deve ser realizado por um perito oficial ou dois peritos nomeados art 159 Admitese a figura do assistente técnico indicado por qualquer das partes que elaborará seu parecer após o laudo apresentado pelo perito oficial Poderá ser requerida a oitiva do perito oficial ou nomeado para esclarecer o laudo art 400 2º do CPP 11 Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto Não confundir exame de corpo de delito espécie com as perícias em geral gênero Corpo de delito são os vestígios materiais deixados pelo crime Exame de corpo de delito é o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime necessário nos crimes materiais Exame direto é quando a análise recai diretamente sobre o objeto uma relação imediata entre o perito e aquilo que está sendo periciado Exame indireto quando impossível de ser feito o exame direto por haverem desaparecido os vestígios do crime a prova testemunhal filmagens fotografias áudios etc podem suprirlhe a falta A regra é o exame direto sendo o indireto uma excepcionalidade Confissão do acusado não é suficiente para comprovar a materialidade do crime sendo indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto art 158 12 Intervenções Corporais e Extração de Material Genético Lei n 126542012 Está constitucionalmente assegurado o direito de silêncio e o direito de não produzir prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere A Lei n 126452012 é objeto de muita controvérsia pois permite a extração compulsória de material genético violando o direito de não produzir prova contra si mesmo Tem dois campos de aplicação na investigação preliminar e na execução penal 121 Coleta de material genético na investigação a lei da identificação criminal Lei n 12037 foi alterada permitindo agora que além da identificação criminal coleta de digitais e foto seja coletado coercitivamente se houver recusa material genético do suspeito em qualquer crime quando houver a necessidade para a investigação qualquer que seja o crime crítica proporcionalidade desde que demonstrada a imprescindibilidade para a investigação b autorização judicial reserva de jurisdição cabendo ao juiz decidir de forma fundamentada demonstrando a estrita necessidade e proporcionalidade da medida invasiva bem como a impossibilidade de constituirse a prova por outro meio menos lesivo e gravoso 122 Coleta de material genético do condenado autoriza a coleta compulsória de material genético do condenado definitivamente por crime hediondo ou doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa Não é necessária autorização judicial para coleta mas sim para acesso ao banco de dados 123 Valor probatório todas as provas são relativas e nenhuma delas terá valor decisivo ou maior prestígio que as outras Exposição de Motivos do CPP O juiz também não está adstrito ao laudo art 182 2 INTERROGATÓRIO arts 185 a 196 Momento em que poderá ser exercido o direito de defesa pessoal positivo ou negativo silêncio Imprescindível a presença de defensor que poderá fazer perguntas É um meio de defesa por excelência mas também tem valor probatório Havendo dois ou mais réus o interrogatório será realizado separadamente A defesa do corréu pode fazer perguntas bem como a acusação O interrogatório poderá ser repetido a qualquer momento art 196 por iniciativa do juiz ou a pedido das partes O art 217 permite que o réu seja retirado da sala se o juiz verificar que sua presença pode causar humilhação temor ou constrangimento à vítima ou testemunha permanecendo na sala o defensor Interrogatório por videoconferência art 185 É medida excepcional em caso de réu preso assegurado o direito a entrevista prévia e reservada com o defensor 3 CONFISSÃO arts 197 a 200 Tem valor relativo é divisível e retratável O art 198 deverá ser lido à luz do direito constitucional de silêncio de modo que o exercício do direito de silêncio não pode ser utilizado em prejuízo do réu 4 PERGUNTAS AO OFENDIDO art 201 Vítima não presta compromisso de dizer a verdade não é computada no limite numérico das testemunhas e não pode negarse a comparecer tampouco tem direito de silêncio Poderá requerer que o réu seja retirado da sala art 217 Problemática é a questão do valor probatório da palavra da vítima Como regra tem menor credibilidade pois está diretamente contaminada pelo caso penal além de não prestar compromisso de dizer a verdade Contudo a jurisprudência tem ressalvado os casos de crimes sexuais ou contra o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça em que a palavra da vítima passa a ter maior valor De qualquer forma isoladamente jamais poderá justificar uma sentença condenatória 5 PROVA TESTEMUNHAL arts 202 a 228 Art 212 com a nova redação consagra a cross examination ou seja as perguntas diretamente feitas pelas partes às testemunhas assegurando o protagonismo da coleta da prova às partes na perspectiva do sistema acusatório constitucional em que a gestãoiniciativa probatória é das partes e não do juiz cabendo ao juiz a função de presidir o ato e ao final sobre os pontos não esclarecidos complementar a inquirição A função do juiz na audiência é a de presidir o ato mas sem protagonismo no que tange à coleta da prova testemunhal A inversão nesta ordem com o juiz iniciando as perguntas viola a regra do art 212 mas tal nulidade tem sido considerada como relativa pelo STJ posição com a qual não concordamos Toda pessoa poderá ser testemunha art 202 Como regra não poderá recusarse a depor Art 206 poderão recusarse a depor o ascendente descendente afim em linha reta cônjuge ainda que separado ou divorciado irmão pai mãe ou o filho adotivo salvo quando impossível obterse a prova por outro modo Estão proibidas de depor art 207 aquelas pessoas que em razão de função ministério ofício ou profissão devam guardar segredo salvo se desobrigadas pela parte interessada quiserem dar seu testemunho ex psiquiatra psicólogo advogado padre contador etc Deve haver nexo causal entre o conhecimento do fato criminoso e a relação profissional Compromisso art 208 com a fórmula do art 203 onde a testemunha se compromete a dizer a verdade do que souber sob o risco de em tese incorrer no crime de falso testemunho do art 342 do CP Não prestam compromisso art 208 São meros informantes os doentes e deficientes mentais os menores de 14 anos e as pessoas referidas pelo art 206 Contraditar testemunha art 214 É uma forma de impugnar a testemunha apontando os motivos que a tornam suspeita ou indigna Classificação das testemunhas presenciais indiretas informantes abonatórias e referidas Caracteres do testemunho oralidade objetividade e retrospectividade Momento de arrolar Limite numérico Substituiçãodesistência Assistente as testemunhas da acusação devem ser arroladas na denúncia ou queixa art 41 O assistente não pode arrolar testemunhas pois ingressa no processo após a denúncia ter sido recebida preclusão para ele As testemunhas de defesa são arroladas na resposta à acusação art 396A Limite numérico até 8 testemunhas para o rito ordinário até 5 para o rito sumário Não são computadas as testemunhas que não prestam compromisso a vítima e as referidas Rito do júri 8 testemunhas na primeira fase e até 5 em plenário art 422 Desistência art 401 2º não sendo possível a desistência unilateral violação do contraditório Substituição de testemunhas art 397 Falsas memórias é possível a implantação de falsas memórias em adultos e especialmente em crianças O procedimento de sugestão de falsa informação pode gerar uma falsa recordação na qual a testemunhavítima acredita honestamente que tal fato tenha ocorrido sem que isso corresponda à realidade Isso pode acontecer por autossugestão ou por fator externo indução Existe um alerta geral sobre o depoimento infantil pois as crianças não estão acostumadas a fornecer narrativas sobre suas experiências a passagem do tempo dificulta a recordação há dificuldade de se reportar a eventos que causem dor estresse ou vergonha a criança raramente responde que não sabe e muda de resposta para corresponder à expectativa criada pelo entrevistador 6 RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS arts 226 a 228 Ato através do qual alguém é levado a analisar alguma pessoa ou coisa com a finalidade de recordar um fato criminoso e verificar se coincide com a recordação empírica É um ato formal previsto no art 226 Pode ocorrer no inquérito policial eou no processo criminal O Código de Processo Penal é omisso em relação ao número mínimo de participantes recomendase que não seja inferior a 5 Devese ter cuidado para que o nível de indução seja o menor possível características físicas similares Reconhecimento por fotografia não é pacífica sua aceitação Recomendase que seja ato preparatório atomeio e não um fim em si mesmo Falso reconhecimento problemática decorrente das falsas memórias e dos processos de indução O reconhecimento pessoal é um meio de prova bastante sensível à indução e aos falsos reconhecimentos devendo por isso ser realizado com suma prudência e cautela e valorado pelo juiz com reservas em conjunto com as demais provas nunca com valor decisivo ou única prova para legitimar a sentença condenatória 7 RECONSTITUIÇÃO DO DELITO prevista no art 7º a reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o caso penal podendo ser realizada na fase de inquérito ou processo desde que não contrarie a moralidade ou ordem pública e seja respeitado o direito de defesa positivo e negativo do sujeito passivo 8 ACAREAÇÃO arts 229 e 230 Pode ser realizada na fase processual ou préprocessual e consiste em colocar cara a cara duas pessoas que tenham prestado declarações divergentes e relevantes 9 PROVA DOCUMENTAL arts 231 a 238 Entendese por documento toda classe de objetos que tenham uma função probatória tais como escritos fitas de áudio vídeo fotografias tecidos e objetos móveis que possam ser incorporados ao processo e que desempenhem uma função persuasiva Os documentos podem ser juntados a qualquer momento até o encerramento da instrução Tribunal do Júri documentos devem ser juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis 10 INDÍCIOS art 239 São provas de menor nível de confiabilidade de verossimilhança que podem justificar uma medida cautelar mas jamais uma sentença condenatória 11 DA BUSCA E APREENSÃO arts 240 a 250 A busca é uma medida instrumental meio de obtenção de prova Apreensão é uma medida cautelar probatória pois se destina à garantia da prova ou como medida assecuratória São institutos diversos mas tratados de forma unificada Ainda que normalmente seja realizada na fase de investigação pode ser feita no curso do processo ou na execução penal Tensiona os seguintes direitos fundamentais inviolabilidade do domicílio dignidade da pessoa humana intimidade e vida privada incolumidade física e moral do indivíduo 111 Busca domiciliar art 240 Amplitude do conceito de casa O mandado de busca deverá atentar para os requisitos formais art 243 Exige uma decisão judicial fundamentada e que descreva os motivos e os fins da diligência finalidade específica Art 5º XI da CF busca domiciliar poderá ser feita a durante o dia art 172 do CPC das 6h às 20h com consentimento válido do morador em caso de flagrante delito ou com ordem judicial b durante a noite com consentimento válido do morador ou em caso de flagrante delito Não pode ser realizada busca domiciliar com ordem judicial à noite depois das 20h e antes das 6h Tratase de ato formal do qual dever resultar um relatório circunstanciado Problema do desvio causal da provaprincípio da especialidade Crime permanente flagrante permanente Art 303 112 Busca pessoal art 240 2º Vagueza conceitual fundada suspeita Não é necessário mandado judicial consentimento ou situação de flagrância basta fundada suspeita Também poderá ser realizada no curso de uma busca domiciliar Busca em mulher art 249 será feita por mulher se não importar retardamento ou prejuízo da diligência Carros caminhões ônibus e demais veículos entram no conceito de busca pessoal independendo de autorização judicial 12 RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS arts 118 a 124 91 do CP e 243 da CF Como regra todos os bens apreendidos podem ser restituídos desde que a não interessem mais ao processo necessidade probatória b não sejam bens cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito ou ainda que não sejam produto de crime ou proveito auferido com o delito A restituição atende a dois interesses probatório ou reparador dos danos Pedido de restituição pode ser feito no curso do inquérito ou do processo Capítulo XIV SUJEITOS E PARTES DO PROCESSO A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS AO ACUSADO INATIVIDADE PROCESSUAL DO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO 1 Sujeitos Processuais e a Problemática em Torno da InExistência de Partes no Processo Penal No processo penal intervêm três sujeitos juiz acusador e réu Quando falamos de um processo de partes estamos fazendo alusão a um processo penal de partes conforme os limites e categorias jurídicas próprias do processo penal Acima de tudo o que se busca é reforçar a posição da parte passiva fortalecendo o sistema acusatório com o estabelecimento da igualdade de armas do contraditório e por fim com o abandono completo de todo e qualquer resíduo do verbo totalitário Em última análise significa o abandono completo da concepção do acusado como um objeto considerandose agora no seu devido lugar como parte no processo penal Tanto mais forte será sua posição quanto mais clara for a delimitação da esfera jurídica de cada parte pois somente assim poderá efetivarse o contraditório O fortalecimento da estrutura dialética do processo beneficia a todos os intervenientes e principalmente contribui para uma melhor Administração da Justiça Devemos destacar que no processo penal o elemento subjetivo determinante do objeto é exclusivamente a pessoa do acusado1 pois não vige a doutrina das três identidades da coisa julgada civil pois nem o pedido nem a identidade das partes acusadoras são essenciais para a pretensão e a coisa julgada 2 Do Acusado Citação Notificação e Intimação Como Manifestações do Direito Fundamental ao Contraditório e à Ampla Defesa Ausência Processual e Inadequação da Categoria Revelia Na fase préprocessual inquérito policial não há que se falar em acusado ou réu senão em suspeito ou indiciado caso já tenha ocorrido o indiciamento O status de acusado ou réu somente é adquirido com o oferecimento da denúncia ou queixa nesse caso também poderá se falar em querelado Contudo há que se esclarecer que o tratamento constitucional de acusados em geral previsto no art 5º LV da CF é suficientemente amplo para alcançar tanto o inquérito policial como o processo A expressão abrange um leque de situações com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal vinculada ao exercício da ação penal e com um claro intuito de proteger também o suspeito ou indiciado No mesmo sentido LAURIA TUCCI e CRUZ E TUCCI2 afirmam que percebese desde logo sem mínimo esforço de raciocínio que o nosso legislador constituinte pontuou no primeiro dos incisos transcritos a real diferença entre o conteúdo do processo civil cuja já verificada finalidade é a compositiva de litígios e o do processo penal em que pessoa física integrante da comunidade é indiciada acusada e até condenada pela prática de infração penal Mais adiante ainda referindose à proteção constitucional apontam que de modo também induvidoso reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes estendendo sua incidência expressamente aos procedimentos administrativos ora assim sendo se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento nele se encarta à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e consequentemente a de procedimento administrativopersecutório de instrução provisória destinado a preparar a ação penal que é o inquérito policial É importante destacar que quando falamos em contraditório na fase préprocessual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento da informação Isso porque em sentido estrito não pode existir contraditório no inquérito porque não existe uma situação jurídicoprocessual não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo Não havendo o exercício de uma pretensão acusatória não pode existir a resistência Sem embargo esse direito à informação importante faceta do contraditório adquire relevância na medida em que será através dele que será exercida a defesa Ora não é preciso maior capacidade de abstração para verificar que qualquer notíciacrime que impute um fato aparentemente delitivo a uma pessoa determinada constitui uma imputação no sentido jurídico de agressão capaz de gerar no plano processual uma resistência Foi isso que o legislador constitucional protegeu com a expressão acusados em geral notese bem o texto constitucional não fala simplesmente em acusados o que daria abrigo a uma leitura mais formalista mas sim em acusados em geral o que sem dúvida é muito mais amplo e protecionista Feito esse esclarecimento nos ocuparemos agora especificamente do chamamento e presença ou ausência do acusado no processo 21 A Comunicação dos Atos Processuais como Manifestação do Contraditório e da Ampla Defesa Ainda que pertencentes ao gênero comunicação dos atos processuais notificação intimação e citação do acusado são institutos distintos com diferentes finalidades e consequências Contudo o mais importante é que são todos instrumentos a serviço da eficácia dos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa Não se pode mais pensar a comunicação dos atos processuais de forma desconectada do contraditório na medida em que como explicamos anteriormente é ele o direito de ser informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental A efetividade do contraditório no Estado Democrático de Direito está amparada no direito de informação e participação dos indivíduos na Administração de Justiça Para participar é imprescindível ter a informação A participação no processo se realiza por meio da reação vista como resistência à pretensão jurídica acusatória articulada e isso expressa a dificuldade prática em certos casos de distinguir entre a reação e o direito de defesa Maior é a relevância da comunicação dos atos processuais se considerarmos que o processo é um procedimento em contraditório sendo essa a nota distintiva entre o processo judicial e os demais tipos de processo administrativo legislativos etc como explica FAZZALARI Na lição do autor3 lessenza stessa del contraddittorio esige che vi partecipino almeno due soggetti un interessato e un controinteressato sulluno dei quali latto finale è destinato a svolgere effetti favorevoli e sullaltro affetti pregiudizievoli A igualdade de oportunidades e de tratamento ao longo do processo é imposição do contraditório que por sua vez é fundante do próprio conceito de processo Fazendo um recorte na imensa gama de consequências que a concepção de FAZZALARI traz para o processo penal contemporâneo o controle das partes sobre os atos do juiz é de sua importância e nesse aspecto sublinha PLINIO GONÇALVES4 a publicidade e a comunicação a cientificação do ato processual às partes que é também garantia processual é de extrema relevância A função do juiz é assegurar o contraditório logo para isso deve ter uma postura ativa sem contudo jamais colocarse como contraditor Não existe contraditório com o juiz senão contraditório assegurado pelo juiz Nessa linha PLINIO GONÇALVES explica que as partes não se colocam em combate com o juiz nem este em contraditório com as partes Para finalizar pontualiza com acerto o autor5 a partir da doutrina de FAZZALARI O contraditório realizado entre as partes não exclui que o juiz participe atentamente do processo mas ao contrário o exige porquanto sendo o contraditório um princípio jurídico é necessário que o juiz a ele se atenha adote as providências necessárias para garantilo determine as medidas adequadas para assegurálo para fazêlo observar para observálo ele mesmo Logo tem o juiz um dever de informar e de garantir que a informação seja dada às partes6 para que elas querendo possam intervir Não há que se pensar na existência de um dever de intervenção das partes senão de possibilidade e dependendo da situação jurídica de carga ou assunção de riscos na linha goldschmidtiana por nós adotada e anteriormente explicada Assim para o contraditório é essencial a eficácia da comunicação processual revestida da forma de citação intimação ou notificação conforme o caso A falha na comunicação processual viola o contraditório e conduz à nulidade absoluta na concepção tradicional melhor um defeito que poderá ser sanável ou insanável conforme o momento em que seja reconhecido O direito de defesa ainda que distinto do contraditório como explicamos anteriormente está a ele umbilicalmente ligado pois o contraditório cria condições de possibilidade para a defesa se efetivar E ambos dependem da eficácia da comunicação dos atos processuais Eis a íntima relação entre eles Nesse sentido com acerto RANGEL aponta que a citação é direito e garantia fundamental do indivíduo conforme consagrado na Constituição Federal e inerente ao postulado do devido processo legal cf art 5º LIV cc LV pois não poderá haver processo judicial válido privando o indivíduo da sua liberdade de locomoção sem que se lhe dê o direito de defesa e de contraditar a acusação Compreendida assim a vinculação dessa matéria com a eficácia do direito fundamental do contraditório e da ampla defesa vejamos agora os atos em espécie 22 A Citação do Acusado Garantia do Prazo Razoável Requisitos e Espécies Citação por Carta Precatória e Rogatória Citação do Militar do Servidor Público e do Réu Preso A citação no processo penal é um ato da maior importância pois dela depende diretamente a eficácia do direito fundamental do contraditório e posteriormente da ampla defesa Também a teor do art 363 do CPP o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado Tratase de comunicação ao réu da existência de uma acusação dandolhe assim a informação que caracteriza o primeiro momento do contraditório A partir dessa informação criase a necessária condição de possibilidade para eficácia do direito de defesa pessoal e técnica Até o advento da Lei n 117192008 que alterou os procedimentos no processo penal o réu era citado para ser interrogado Atualmente a citação é a comunicação da existência de uma acusação para que ele responda por escrito no prazo de 10 dias art 396 É citação para responder à acusação e não mais para ser interrogado De qualquer forma em nada diminui a importância do ato pois segue sendo um momento crucial para o direito de defesa Então mais do que um mero chamamento do réu a juízo para defender se é a citação uma manifestação do próprio direito fundamental do contraditório Daí por que é a citação uma garantia para o réu solto ou preso acarretando a invalidade processual art 564 III e do CPP qualquer violação à forma prescrita Se o réu devidamente citado não apresentar a resposta escrita no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para oferecêla concedendolhe vista dos autos por 10 dias art 396A 2º Também é importante atentar para o novo procedimento comum ordinário ou sumário que prevê a audiência de instrução e julgamento em que após a produção da prova será o réu interrogado arts 400 e 531 do CPP Para esse ato será o réu intimado mas com suficiente antecedência de modo a permitir que o réu e seu defensor possam preparar a defesa técnica e pessoal pois o réu será interrogado Integra o direito de ser julgado em um prazo razoável art 5º LXXVIII da Constituição anteriormente analisado a vedação ao atropelo procedimental Estabelece o art 82 alínea c da Convenção Americana de Direitos Humanos que toda pessoa tem direito às seguintes garantias mínimas 221 Concessão ao Acusado do Tempo e dos Meios Adequados para a Preparação de sua Defesa Nisso se inscreve a proibição de intimarse o réu na véspera da data do interrogatório7 ou com poucos dias de antecedência em complexo e volumoso processo Devese atentar para a razoável antecedência do ato de modo a permitir o pleno conhecimento e adequada preparação de sua defesa Como insistimos desde o início desta obra há que se respeitar as regras do jogo e isso o respeito às regras não se confunde com impunidade Todo o oposto É condição de legitimidade do processo e da eventual pena Feita essa ressalva voltemos à citação A citação no processo penal deve ser feita através de mandado cumprido por oficial de justiça devendo constar os requisitos previstos nos arts 352 e 357 do CPP Quando o réu residir em local diverso daquele onde tramita o processo a citação será feita através de carta precatória arts 353 e 354 do CPP ou rogatória se cumprida em outro país arts 368 e 369 O réu é citado para apresentar resposta à acusação Não residindo na comarca onde se desenvolve o processo poderá ser posteriormente deprecado seu interrogatório Falandose de carta precatória devese esclarecer que a chamada precatória itinerante nada mais é do que a possibilidade de uma precatória expedida em Porto Alegre para ser cumprida em Curitiba por exemplo seja redirecionada para Londrina onde está o réu Isso porque recebendo a carta precatória o juiz de Curitiba verifica pela certidão do oficial de justiça por exemplo que o réu se mudou para Londrina Então para evitar a inútil burocracia de devolver para Porto Alegre a carta precatória sem cumprimento por estar o réu em Londrina ele simplesmente redireciona para aquela comarca Evitase assim o inútil retorno à origem para nova emissão Nenhum problema Nada impede ainda o uso de fax ou mesmo email que deverá ser devidamente impresso para integrar os autos para o ágil cumprimento da carta precatória O art 356 do CPP como outros tantos deve ser relido à luz do nível atual de evolução tecnológica de modo que não se pode mais falar em via telegráfica e reconhecimento de firma do juiz Quanto à citação por carta rogatória por estar sabidamente o acusado no estrangeiro destacamos que a Lei n 927196 alterou a redação original para estabelecer que o prazo prescricional será suspenso até o seu cumprimento na verdade devolução com o devido cumprimento E se não for o réu encontrado no exterior Devolvida a carta rogatória com esse fundamento entendemos que deverá o juiz proceder à citação do réu por edital na comarca onde tramita o processo e após com o seu não comparecimento suspender o processo e a prescrição nos termos do art 366 do CPP Não poderá diretamente suspender o processo pois exige o art 366 a prévia citação por edital o que constitui uma cautela razoável e que deverá ser observada ainda que a citação por edital tenha pouca eficácia Voltando à questão da citação feita por mandado aos requisitos dos arts 352 e 357 devese acrescentar mais um a cópia da denúncia ou queixa O contraditório visto em seu primeiro momento que é o da informação exige que o réu saiba previamente o inteiro teor da acusação e para tanto deve serlhe entregue uma cópia da peça acusatória Não basta a mera leitura por parte do oficial de justiça Peculiar é a citação do militar e do servidor público No caso do militar a citação deverá ser feita através do chefe do respectivo serviço determina o art 358 Contudo há que se considerar ainda o disposto no art 221 2º que aponta a necessidade de que seja feita uma requisição à autoridade superior São dois instrumentos distintos o mandado de citação do militar contendo todos os requisitos legais art 352 e um ofício requisitando o comparecimento do militar no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento Aqui deve ser feito um esclarecimento até o advento da Lei n 11719 o réu era citado para ser interrogado de modo que junto com a citação requisitavase o militar para comparecer no dia do interrogatório Agora o réu é citado para apresentar resposta à acusação Ainda não existe data para o interrogatório que somente será efetivado após a resposta apresentada pela defesa se não houver absolvição sumária ou mesmo rejeição pois pensamos que não existe preclusão para o juiz em relação à análise das condições da ação previstas no art 395 Então o que se faz é comunicar que o militar deverá comparecer no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento onde também será interrogado Essa exigência do CPP decorre do fato de a estrutura militar ser rigidamente hierarquizada de modo que para um militar ausentarse do quartel para comparecer no fórum deve ser liberado pelo seu superior Assim se não for feita a citação através da autoridade superior mas o militar comparecer nenhum problema Contudo se não comparecer porque não foi liberado posto que não houve a devida comunicação ao superior hierárquico a citação será considerada nula e deverá ser repetida Não poderá o réu ser prejudicado devendo o ato ser repetido Situação similar ocorre na citação do servidor público Determina o art 359 que haverá além da citação do réu a notificação do chefe de sua repartição Os motivos são os mesmos viabilizar a presença do réu em juízo Mas atualmente essa dupla comunicação tanto no caso do militar como também do servidor público pode ser um perigoso gerador de estigma É elementar que o simples fato de estar sendo processado já é gerador de estigma social e jurídico conduzindo a uma rotulação do servidor público ou militar no seu local de trabalho Se considerarmos que tal comunicação ocorre em qualquer processo criminal independente do tipo penal imputado compreendese que ela poderá gerar um grande constrangimento para o réu no seu local de trabalho Daí por que não se pode desconsiderar seu direito a que a comunicação não se realize Explicamos pode o servidor público ou militar preferir tirar férias no período em que for realizada a audiência de instrução e julgamento ou mesmo preferir por sua conta faltar ao dia de trabalho Tudo isso para evitar a exposição de seu caso penal aos colegas de trabalho Assim em nome do direito ao respeito a sua dignidade imagem e vida privada poderá o réu peticionar previamente ao juiz para que seja feita apenas a sua citação sem a comunicação ao chefe da repartição ou instituição militar Claro Nesse momento está ele assumindo a responsabilidade de comparecimento ao ato não podendo depois alegar o defeito processual por falta de comunicação ao chefe Não sendo feito o pedido ainda assim deverá o juiz tomar certas cautelas como sugere PACELLI8 para que na notificação ou requisição se militar conste apenas e unicamente a existência do compromisso do funcionário público ou militar sem maiores referências à imputação penal para que se preserve o direito à intimidade e privacidade do acusado Noutra dimensão a citação do réu preso deverá ser feita pessoalmente Impedese com isso a mera requisição para o diretor do estabelecimento prisional providenciar a condução do réu para audiência Independente da requisição para condução do preso medida meramente administrativa tem ele o direito de ser citado pessoalmente recebendo cópia da denúncia Se não apresentar a resposta à acusação no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para fazê lo nos termos do art 396A 2º do CPP O art 360 do CPP modificado pela Lei n 107922003 foi alterado para adequarse à Súmula n 351 do STF que afirmava é nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em que o juiz exerce sua jurisdição Se a citação por edital já é uma frágil ficção de baixíssima eficácia completamente absurda era a citação por edital de réu preso Ora como admitir que o Estado não tenha controle de seus presos a ponto de citar por edital quem está em lugar muito certo e sem a menor possibilidade de ocultarse Então o réu preso deve sempre ser citado pessoalmente não cabendo a simples requisição ou a citação por edital Nesse sentido HC PACIENTE PRESO REVELIA O paciente na data do interrogatório judicial encontravase preso por outro crime Logo não poderia o juízo processante sem informações do paradeiro do acusado no inquérito determinar a citação por edital do réu sem tomar providência no sentido de localizálo Súmula n 351STF Outrossim decretou sua revelia e a produção antecipada de provas Somente após a decretação da sua prisão preventiva é que a defesa deu notícia do paradeiro do paciente ao pleitear a revogação do decreto prisional e nulidade da citação por edital que indeferidos ocasionaram a impetração do writ originário A Turma concedeu a ordem para anular os atos processuais desde a citação por edital bem como revogar o decreto de prisão preventiva HC 111704MG Rel Min Laurita Vaz j 16102008 Por fim chamamos a atenção para o fato de que o mandado de citação pode ser cumprido em qualquer dia e hora não se aplicando aqui as restrições do CPC Não fez o Código de Processo Penal as restrições existentes no art 217 do CPC não cabendo aqui analogia para limitar o cumprimento do ato citatório Havendo em qualquer caso recusa por parte do réu em assinar o mandado deverá ser devidamente certificado pelo oficial de justiça 23 Citação Real e Ficta Edital A citação real é aquela feita através de mandado cumprido por meio de oficial de justiça que comunica ao réu pessoalmente do inteiro teor da acusação e de que deverá responder à acusação por escrito no prazo de 10 dias É a efetiva comunicação da existência da acusação com a entrega de cópia da denúncia ou queixa Também a citação deprecada feita através de carta precatória para outra comarca é uma forma de citação real pois será cumprida através de oficial de justiça que comunicará pessoalmente ao réu da imputação e do prazo para apresentar defesa escrita Quando a citação for solicitada a juiz de outro país onde se encontra o réu se realizará através de carta rogatória arts 783 a 786 do CPP A citação ficta é aquela realizada através de edital e somente poderá ser utilizada quando esgotadas todas as possibilidades de encontrarse o réu para realizarse a citação real Inclusive caso não seja encontrado é recomendável que se oficie a órgãos públicos como a Justiça Eleitoral ou mesmo privados como empresas de telefonia fornecimento de água e energia elétrica para verificar se em seus registros não consta algum endereço onde possa ser encontrado o réu Então primeiro deverá ser procurado o réu em todos os endereços constantes nos autos e nas informações obtidas e somente quando esgotadas as possibilidades de encontrálo o que deve ser devidamente certificado pelo oficial de justiça podese lançar mão do edital É inegável que a citação por edital é uma ficção descolada da realidade pois ninguém acorda de manhã e lê o diário oficial ou procura nos principais jornais para ver se está sendo citado em algum edital Daí por que ciente disso deve a citação ficta ser verdadeiramente a última forma de comunicação do ato processual9 O art 361 determina que se o réu não for encontrado será citado por edital com o prazo de 15 dias Esse dispositivo deve ser lido junto com o art 396 parágrafo único Art 396 Nos procedimentos ordinário e sumário oferecida a denúncia ou queixa o juiz se não a rejeitar liminarmente recebêlaá e ordenará a citação do acusado para responder à acusação por escrito no prazo de 10 dez dias Parágrafo único No caso de citação por edital o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído Significa dizer que o réu é citado para no prazo de 15 dias comparecer pessoalmente no cartório ou através de defensor constituído Comparecendo pessoalmente ou através de defensor com procuração será citado e comunicado do inteiro teor da acusação abrindose então o prazo de 10 dias para apresentar resposta escrita Assim esse prazo para defesa escrita somente começa a fluir após o comparecimento Se o réu não comparecer aplicase o disposto no art 366 a seguir abordado No que tange à citação por edital há que se ter presente um princípio básico tratase de uma ficção jurídica com baixíssimo nível de eficácia e que deve ser a última ratio do sistema Quanto ao art 363 do CPP também foi afetado pela Lei n 117192008 passando a ter a seguinte redação Art 363 O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado I revogado II revogado 1º Não sendo encontrado o acusado será procedida a citação por edital 2º VETADO 3º VETADO 4º Comparecendo o acusado citado por edital em qualquer tempo o processo observará o disposto nos arts 394 e seguintes deste Código A reforma nesse ponto andou bem pois excluiu uma disciplina legal superada que previa a citação por edital e em caso de guerra epidemia etc ou seja algo absolutamente inútil O caput incursiona por um terreno teóricodoutrinário para afirmar que o processo terá completada sua formação com a citação válida faltou dizer isso do acusado que não sendo encontrado será citado por edital Por outro lado comparecendo o réu citado por edital será observada a disciplina específica do rito a ser seguido pelo processo Isso porque se o réu havia sido citado por edital e não compareceu o processo está suspenso art 366 Logo será citado para apresentar resposta à acusação e posteriores atos conforme o processo siga o rito comum ordinário sumário ou especial Por fim considerando a excepcionalidade da citação por edital deve sempre ser providenciada a publicação na imprensa e sua afixação no átrio do foro Após deve ser certificada a afixação no foro e juntado o exemplar do jornal onde constem a página e a data da publicação art 365 parágrafo único A falta de um deles conduz ao defeito processual da citação 24 Citação com Hora Certa O art 362 do CPP foi modificado pela Lei n 117192008 e passou a ter a seguinte redação Art 362 Verificando que o réu se oculta para não ser citado o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa na forma estabelecida nos arts 227 a 229 da Lei n 5869 de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil Parágrafo único Completada a citação com hora certa se o acusado não comparecer serlheá nomeado defensor dativo Em que pese a resistência dos processualistas penais a Lei n 11719 trouxe numa infeliz transmissão de categorias do processo civil a chamada citação por hora certa para o processo penal brasileiro É uma forma extremamente perigosa de comunicação ao réu da existência de uma acusação Com razão DELMANTO JUNIOR10 aponta que a citação por hora certa por acabar ressuscitando a possibilidade de haver processo sem o conhecimento da acusação nomeandose defensor dativo com base em critérios subjetivos do oficial de justiça de que ele tem ciência da acusação A isso se acrescente o perigo de confiar a um oficial de justiça o poder e consequente abuso de determinar a situação de inatividade processual do acusado com as graves consequências que pode gerar É uma imensa responsabilidade que se deposita nas mãos de um oficial de justiça e que deve ser estritamente controlada pelo juiz eis que se presta a todo tipo de manobra fraudulenta ou mesmo para prejudicar o réu Deverá ter o juiz extrema cautela em aceitar uma certidão com esse conteúdo sendo aconselhável a repetição do ato e se houver alguma suspeita sobre a veracidade do conteúdo substituir o servidor Não sem razão a jurisprudência construída em torno da citação por hora certa no processo civil aponta para a relativização da fé pública do oficial de justiça na medida em que cede diante de prova em contrário11 Com muito mais razão no processo penal diante dos valores em jogo Feita essa advertência diante da expressa remissão vejamos a disciplina da citação por hora certa no Código de Processo Civil Art 227 Quando por três vezes o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência sem o encontrar deverá havendo suspeita de ocultação intimar a qualquer pessoa da família ou em sua falta a qualquer vizinho que no dia imediato voltará a fim de efetuar a citação na hora que designar Art 228 No dia e hora designados o oficial de justiça independentemente de novo despacho comparecerá ao domicílio ou residência do citando a fim de realizar a diligência 1º Se o citando não estiver presente o oficial de justiça procurará informarse das razões da ausência dando por feita a citação ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca 2º Da certidão da ocorrência o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou com qualquer vizinho conforme o caso declarandolhe o nome Art 229 Feita a citação com hora certa o escrivão enviará ao réu carta telegrama ou radiograma dandolhe de tudo ciência Além de dirigirse por no mínimo três vezes ao domicílio do réu é importante que o oficial de justiça realize essas diligências em horários diferentes De nada vale a procura realizada sempre no mesmo horário na medida em que pode corresponder ao horário de trabalho do réu que naquelas condições nunca será encontrado e isso não significa que esteja se ocultando ainda que assim possa interpretar o oficial de justiça Deverá o oficial de justiça fazer uma certidão pormenorizada indicando os dias horários e principalmente os fundamentos da suspeita de que o réu estivesse se ocultando Também deverá apontar o nome completo do familiar e o grau de parentesco ou do vizinho com o endereço dessa pessoa com quem fez contato Por fim deverá comprovar nos autos que foi enviada ao réu carta ou telegrama ainda existe radiograma dandolhe ciência de que foi citado O ideal é que essa comunicação seja feita por carta com aviso de recebimento onde conste cópia integral da denúncia ou queixa Não vemos como isso possa ser feito por telegrama de modo que no processo penal devese exigir a carta com aviso de recebimento onde conste cópia integral da denúncia ou queixa Todo o procedimento de realização da citação com hora certa deve ser certificado pelo oficial de justiça pormenorizadamente para permitir o posterior controle de legalidade do ato por parte do juiz Nenhuma dúvida temos de que a ausência desses requisitos formais conduz a grave defeito processual ou na classificação tradicional a uma nulidade absoluta do processo sendo errônea a exigência de demonstração de prejuízo Tratase de prejuízo presumido ou manifesto que não precisa ser demonstrado pelo réu Considerando o juiz como válida a citação com hora certa se o acusado não apresentar resposta escrita ou constituir defensor serlheá nomeado defensor dativo Eis aqui o grande perigo dessa forma de citação ressuscita a possibilidade de haver processo sem o conhecimento do acusado Cabe ao juiz o controle da legalidade e da real necessidade do ato Quando não é apresentada a resposta à acusação mas o réu constitui defensor sendo juntada a respectiva procuração a citação pode ser considerada como válida O problema surge quando realizada a citação com hora certa não existe a resposta escrita nem a constituição de defensor Nesse caso pensamos que o juiz deve ser muito cauteloso e o melhor caminho é determinar a citação por edital e persistindo a inatividade processual do imputado determinar a suspensão do processo e da prescrição nos termos do art 366 do CPP No mesmo sentido MARQUES DA SILVA 12 ao comentar o 2º do art 396A afirma que essa regra deve ser válida apenas para os casos em que a citação se deu pessoalmente Agiu mal o legislador ao não especificar a modalidade de citação pois caso o réu seja citado por edital não comparecer nem constituir defensor o juiz não irá nomear defensor para o réu e sim aplicar a regra do art 366 do CPP preservada na base do veto presidencial suspendese o processo e a prescrição até que o réu seja encontrado grifo nosso Quanto à citação por hora certa o referido autor vai além de nossa crítica para afirmar sua inconstitucionalidade pois violadora do direito à ampla defesa e ao contraditório Para além da duvidosa constitucionalidade pensamos que em caso de citação por hora certa devese ter extrema cautela citandose o réu por edital para após suspenderse o processo e a prescrição É uma cautela adequada diante do imenso retrocesso de terse um processo penal sem que o acusado tenha ciência da imputação ressuscitando o instituto da revelia que felizmente foi sepultado em 1996 quando a Lei n 9271 alterou a redação dos arts 366 e 367 do CPP 25 ReDefinindo Categorias Inatividade Processual Real e Ficta do Réu Ausência e Não Comparecimento réu não encontrado Compreendido isso podese falar como muito bem leciona DELMANTO JUNIOR13 de inatividade processual real ou ficta conceitos vinculados aos de citação real e ficta14 A inatividade processual real gera a situação de ausência do réu Dizse ausente o réu que tendo conhecimento da acusação pois devidamente citado citação real não apresenta sua resposta escrita à acusação nem constitui defensor Nesse caso deve o juiz aplicar o art 367 cc 396A 2º nomeando um defensor para oferecêla e determinando o prosseguimento do feito em seus ulteriores termos Já a inatividade processual ficta sucede na citação editalícia conduzindo à situação de não comparecimento Nesse caso fracassam as tentativas de citação real não se encontrando o acusado Lançase mão então da citação ficta por edital Passado o prazo de 15 dias o réu não comparece em cartório para ser citado e tampouco apresenta resposta escrita ou constitui defensor Essa é a situação de não comparecimento cujos efeitos estão previstos no art 366 suspendemse o processo e a prescrição Apenas para esclarecer o não comparecimento é um estado processual que somente se perfaz quando o réu não é encontrado para ser citado e não surte eficácia a citação editalícia Tanto a ausência como o não comparecimento não podem gerar qualquer tipo de punição ou sanção processual como explicaremos na continuação 26 Aplicação do Art 366 do CPP 261 Não Comparecimento Suspensão do Processo e da Prescrição Problemática O art 366 do CPP disciplina a situação processual do não comparecimento do acusado Art 366 Se o acusado citado por edital não comparecer nem constituir advogado ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e se for o caso decretar prisão preventiva nos termos do disposto no art 312 1º REVOGADO 2º REVOGADO Nesse caso procurase o acusado em todos os endereços constantes no processo para a realização da citação real através de mandado cumprido por oficial de justiça Não sendo encontrado o réu passase então para a citação editalícia após a qual sem que o réu apresente sua resposta escrita à acusação ou constitua defensor situação em que não apresenta a resposta escrita por estratégia defensiva operase a inatividade processual ficta ou seja é considerado como réu não encontrado nos termos do art 366 suspendendose o processo e a prescrição Antes de entrar na problemática do sistema binário adotado suspensão do processo e da prescrição sublinhese que o art 366 somente tem incidência quando após a citação editalícia o réu não comparece pessoalmente ou através de advogado constituído para ser cientificado do inteiro teor da acusação A expressão não comparecimento prevista nos arts 366 e 367 deve ser lida à luz das reformas levadas a cabo pela Lei n 117192008 Até então o réu era citado para ser interrogado Agora é citado para apresentar resposta à acusação Logo esse não comparecimento significa que no prazo fixado no edital o réu não comparece no fórum para tomar ciência da acusação Caso o imputado não compareça pessoalmente mas fizerse presente seu advogado devidamente constituído através de instrumento procuratório haverá a citação e abertura do prazo de 10 dias para apresentação de resposta à acusação Comparecendo pessoalmente deverá indicar seu defensor ou se não tiver condições econômicas de constituir um advogado postular que lhe seja nomeado um defensor Mas voltando ao não comparecimento do réu citado por edital a suspensão do processo nesse caso é um imperativo lógico uma conquista democrática sem dúvida de que ninguém pode ser processado sem que tenha conhecimento da existência da acusação Incrivelmente até 1996 ainda existia no Brasil a possibilidade de processos em estado de revelia ou seja sem que o acusado tivesse sido citado citação real Eram processos nitidamente inquisitórios ou melhor ainda mais inquisitório que o atual em que se nomeava um defensor inativo na verdade um convidado de pedra absolutamente inativo e impossibilitado de produzir prova O contraditório era meramente aparente um engodo A defesa pessoal inexistente e a defesa técnica muito deficiente Anos depois muitas vezes já com mandado de prisão expedido o réu era encontrado O tormentoso caminho da revisão criminal quase sempre não acolhida era muitas vezes o desfecho de graves injustiças O chamado princípio de audiência15 é fundamental para existência do contraditório e por conseguinte para terse verdadeiramente um processo judicial eis que pensado a partir do conceito de processo como procedimento em contraditório FAZZALARI Assim é exigência do contraditório de que ninguém possa ser condenado sem ser ouvido ou ao menos sem que se lhe tenham oportunizado condições reais de ser ouvido inatividade processual real Não é suficiente portanto a mera citação ficta para o desenvolvimento do processo Quando não citado o réu pessoalmente não pode o processo continuar A exceção a essa regra fica agora com a perigosa e problemática citação com hora certa que demanda uma cautela ainda maior por parte dos juízes que na dúvida em relação ao certificado pelo oficial de justiça deve citar o réu por edital No Brasil foi adotado o criticado sistema binário suspendendo o processo e a prescrição sem limite de tempo até que o réu compareça Com a alteração legislativa um grande acerto e um grande erro o acerto de suspender o processo e o erro de também suspender a prescrição agravado pela ausência de limite temporal dessa suspensão como se verá na continuação 2611 Aplicação Literal do Art 366 Suspendendo o Processo e a Prescrição por Tempo Indeterminado Recurso Cabível Em que pese as críticas à suspensão da prescrição por tempo indeterminado como se verá na continuação muitos juízes e tribunais seguem aplicando o disposto no art 366 Alguns ainda operando na lógica paleopositivista do é a lei logo não me resta outra alternativa que aplicála Claro que essa é uma posição completamente superada incompatível com a posição do juiz no sistema jurídico contemporâneo Mas há aqueles que seguindo o STF não veem nenhum problema na aplicação do art 36616 Assim o STF afirmou a constitucionalidade da suspensão da prescrição por prazo indeterminado entendendo que ela não se confunde com a imprescritibilidade na medida em que apenas condiciona a evento futuro e incerto Ademais entendeu que a legislação ordinária poderia criar outras hipóteses de imprescritibilidade para além daquelas enumeradas no art 5º XLII e XLIV da Constituição Por fim entendeu o relator que não cabe sujeitar o período de suspensão de que trata o art 366 ao tempo da prescrição em abstrato Com a devida vênia não podemos concordar com essa posição Pensamos que se trata sim de criar uma categoria de crimes imprescritíveis pois estabelece essa possibilidade ou seja de não ocorrer nunca a prescrição O condicionar a evento futuro e incerto significa assumir como possível a inocorrência da condição e portanto como possível e válida a imprescritibilidade Também não podemos aceitar que o legislador ordinário crie crimes imprescritíveis diante da taxatividade constitucional Não houve uma delegação da Constituição para que lei ordinária determinasse quais crimes seriam imprescritíveis como ocorreu noutra dimensão em relação aos crimes hediondos senão o claro estabelecimento de um rol Considerando a gravidade da medida no que tange à limitação de direitos fundamentais inviável tal abertura Mas além disso existem outros fundamentos para não aceitar a aplicação incondicional do art 366 do CPP como explicaremos na continuação Igualmente complicada é a inserção das decisões de a suspensão do processo e da prescrição b revogação dessa decisão c omissão na determinação do lapso suspensivo da prescrição Como se verá ao final o sistema recursal brasileiro é bastante confuso e impreciso As decisões apontadas não são propriamente terminativas ou com força de terminativa para autorizar o recurso de apelação Tampouco sugerimos o uso do Recurso em Sentido Estrito pois seu rol de aplicação é taxativo para a maioria da doutrina e jurisprudência e não contempla nenhuma das decisões acima apontadas Logo concordando com HASSAN CHOUKR17 viável a utilização da Correição Parcial para atacar qualquer das três decisões desde que demonstrado o error in procedendo por parte do juiz no caso concreto Ainda dependendo do caso concreto e do conteúdo da decisão em tese é viável a utilização das ações impugnativas do habeas corpus e do Mandado de Segurança sempre ressalvada a necessidade de análise específica do conteúdo da decisão atacada bem como da demonstração do cabimento dessas ações segundo suas condições legais Em suma há que se demonstrar e convencer do cabimento do meio utilizado pois não há previsão legal de recurso específico Em relação à omissão de fixação do prazo da suspensão considerando que o CPP efetivamente não o faz a situação recursal é ainda mais difícil até porque a rigor não há ilegalidade alguma A fundamentação deve ser construída e o cabimento do recurso também Nesse caso o melhor é lançar mão inicialmente dos embargos declaratórios diante da omissão em fixar um prazo de suspensão e após da correição parcial 2612 Crítica à Suspensão Indefinida da Prescrição Da Inconstitucionalidade à Ineficácia da Pena O Esquecimento Ameaçador mas Necessário A Prescrição como Direito ao Esquecimento Programado Em caso de não comparecimento do réu citado por edital o processo ficará suspenso até que ele seja encontrado sem qualquer previsão de limite de tempo Inicialmente há um obstáculo constitucional como suportar uma nova categoria de crimes imprescritíveis à margem da previsão constitucional art 5º incisos XLII e XLIV e que pode alcançar até a mais leve das infrações penais Inviável Significa ainda uma violação ao princípio da proporcionalidade sob o viés de proibição de excesso pois constitui sem dúvida um excesso punitivo gerado pela imprescritibilidade Ainda na dimensão constitucional violase o direito de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Na verdade há que se compreender o alcance desse direito fundamental pois ele fundase no direito que as pessoas têm de que suas questões cíveis ou os casos penais sejam resolvidos judicialmente em um prazo razoável sem dilações indevidas Daí por que entre as soluções compensatórias adotadas está a extinção do processo diante da demora judicial O poder punitivo estatal também está condicionado no tempo seja pela prescrição seja pela duração razoável do processo Existe um verdadeiro direito a que as questões sejam resolvidas ou o acusado perdoado O tempo do direito estruturase a partir de um ligardesligar ou seja ensina OST18 a memória liga o passado e o perdão desliga o passado a promessa liga o futuro e o requestionamento desliga o futuro O esquecimento é ameaçador mas absolutamente necessário até porque seu reverso a memória também possui essa natureza ambígua necessária e perigosa19 Não há sinal mais revelador de um Estado totalitário do que um tribunal que não esquece nada explica OST invocando a célebre frase de KAFKA em O Processo O esquecimento é necessário para desligar do passado e ligar com o futuro através da promessa Nisso reside a imprescindibilidade do instituto da prescrição para o Direito em todas as suas áreas O esquecimento é fundamental para o sistema jurídico pois sem ele não há felicidade não há serenidade não há esperança não há orgulho não poderia existir fruição do instante presente20 Eis o valor do esquecimentoapaziguamento21 Sem desligar do passado não se vive o presente É ao mesmo tempo aquisição de liberdade e extinção do direito ou poder de alguém A prescrição atua como limite ao exercício do poder mas acima de tudo porque existe um verdadeiro direito ao esquecimento Mais a prescrição é um esquecimento programado22 e necessário para o Direito Com acerto afirma OST23 que o direito ao esquecimento surge como uma das múltiplas facetas do direito ao respeito da vida privada Em termos processuais de forma mais rasteira enquanto estivermos voltados para o passado desengavetando processos velhos produzindo provas frágeis pois o tempo as enfraquece e gerando penas inúteis não teremos tempo de nos ocupar do presente Ocupados que estamos com o velho permitimos que o novo também fique velho aumentando a dilação indevida dos casos penais Eis porque a demora gera ainda mais demora Dessarte sob o ponto de vista processual criase uma situação absurda e insustentável como reabrir um processo 30 ou 40 anos depois do fato Criará o Poder Judiciário bunkers climatizados para armazenamento dos autos E a prova como será conservada E a prova testemunhal que ainda é o principal meio probatório no sistema brasileiro como será conservada Ou sempre se lançará mão da produção antecipada de provas24 desvirtuando o instituto que é um ilustre desconhecido do CPP basta ver a imensa lacuna legislativa e ferindo de morte o contraditório e o direito de defesa Por fim desde o Direito Penal vem o questionamento como justificar e legitimar uma pena aplicada muitos anos depois do fato Como explicamos em outra oportunidade em conjunto com GUSTAVO BADARÓ 25 o núcleo do problema da demora como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 451926 está em que quando se julga além do prazo razoável independentemente da causa da demora se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido e por isso a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição muito menos da falaciosa ressocialização Para os que acreditam no caráter ressocializador da pena privativa de liberdade como legitimála tantos anos depois do fato Imaginamos a situação de alguém que aos 20 anos de idade comete um delito qualquer e após o fato muda de cidade Constitui família emprego enfim vira um homem médio figura clássica da mitologia penal e passados 30 anos volta às origens e se descobre réu Reabrese o processo a prova já foi colhida antecipadamente e sem a sua presença e a sentença condenatória surge quase que naturalmente Como legitimar uma pena de prisão sob o argumento da ressocialização num caso assim Impossível Então existem pelo menos três obstáculos à dupla suspensão processo e prescrição de ordem constitucional processual e penal Afastada a possibilidade de uma suspensão por prazo indeterminado devese buscar um limite como se fará na continuação 2613 Em Busca do Limite à Suspensão da Prescrição As Diferentes Posições Teóricas e a Súmula 415 do STJ Pelos argumentos expostos é imperioso que se estabeleça o prazo de duração da suspensão da prescrição O ideal é uma urgente mudança legislativa outra pois a Lei n 117192008 não resolveu o problema mas na falta dela cabe ao juiz fazer a filtragem constitucional do art 366 e não simplesmente atuar como juizbocadalei ainda mais quando a lei é substancialmente inconstitucional Entre as várias posições teóricas que buscam limite temporal para a suspensão da prescrição ressalvando a posição do STF anteriormente tratada no sentido de que a suspensão da prescrição pode ser indeterminada tem prevalecido aquela que defende a suspensão pelo tempo correspondente ao da prescrição pelo máximo da pena em abstrato voltando a correr após esse lapso Ou seja não comparecendo o réu após a citação editalícia deverá ser suspenso o processo e a prescrição sendo essa última suspensa pelo período de tempo correspondente ao da prescrição pela pena em abstrato para tanto devese verificar a pena máxima do tipo penal e buscar no art 109 do CP o respectivo lapso prescricional Após esse período a prescrição voltaria a correr de novo Suspende primeiro por um período de tempo e depois permanece suspenso o processo mas volta a fluir a prescrição O principal argumento utilizado pelos defensores dessa posição era a redação inserida no Projeto 42072001 de Reforma do CPP cujo art 363 2º inciso I previa que não comparecendo o acusado citado por edital nem constituindo defensor ficaria suspenso o curso do prazo prescricional pelo correspondente ao da prescrição em abstrato do crime objeto da ação art 109 do Código Penal após recomeçará a fluir aquele Infelizmente tal dispositivo foi vetado quando da promulgação da Lei n 117192008 Mas seguindo essa tendência doutrinária e jurisprudencial o STJ editou em 09122009 a Súmula 415 com o seguinte verbete O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada Passou o STJ assim a sustentar uma posição contrária àquela firmada no STF de que não se pode admitir essa suspensão indefinida da prescrição por diversos motivos entre eles em síntese cria uma situação em que qualquer crime para além dos casos previstos expressamente na Constituição pode ser considerado imprescritível até mesmo as mais leves infrações penais violando ainda o princípio da proporcionalidade viola o direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição cria imensos problemas de natureza probatória pois ou a prova é inutilmente colhida muitos anos depois do fato fragilizada portanto pelo decurso do tempo ou então é produzida antecipadamente sem a presença do réu ferindo de morte o contraditório e a ampla defesa deslegitima completamente a pena eventualmente aplicada ao final em caso de condenação pois nenhuma das pseudo funções de prevenção geral especial e mesmo retributiva é possível quando passados muitos anos ou até décadas do fato Essa posição já vinha sendo adotada pelo STJ entre outros no seguinte julgado RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL PENAL AÇÃO PENAL NÃO ATENDIMENTO À CITAÇÃO EDITALÍCIA REVELIA SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO CURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL ART 366 DO CPP EXISTÊNCIA DE LIMITE PARA DURAÇÃO DO SOBRESTAMENTO PRAZO REGULADO PELO PREVISTO NO ART 109 DO CP CONSIDERADA A PENA MÁXIMA APLICADA AO DELITO DENUNCIADO PRESCRIÇÃO EVIDENCIADA PROVIMENTO 1 Consoante orientação pacificada nesta Corte o prazo máximo de suspensão do lapso prescricional na hipótese do art 366 do CPP não pode ultrapassar aquele previsto no art 109 do Código Penal considerada a pena máxima cominada ao delito denunciado sob pena de terse como permanente o sobrestamento tornando imprescritível a infração penal apurada 2 Lapso prescricional referente ao delito denunciado preenchido 3 Recurso provido para restabelecer a sentença de Primeiro Grau que declarou extinta a punibilidade do acusado pela prescrição da pretensão punitiva REsp 1113583MG Rel Min Jorge Mussi Assim a valer esse entendimento não comparecendo o réu após a citação editalícia deverá ser suspenso o processo e a prescrição sendo essa última suspensa pelo período de tempo correspondente ao da prescrição pela pena em abstrato para tanto devese verificar a pena máxima do tipo penal e buscar no art 109 do CP o respectivo lapso prescricional Após esse período a prescrição voltaria a correr de novo Ou seja suspende primeiro por um período de tempo e depois permanece suspenso o processo mas volta a fluir a prescrição Por exemplo diante de um processo por um crime de furto cuja pena máxima é 4 anos a prescrição se opera em 8 anos art 109 IV do CP Significa que se o réu não for encontrado o prazo prescricional e o processo ficará suspenso por 8 anos voltando a correr normalmente a partir do implemento deste prazo Portanto a efetiva extinção da punibilidade somente ocorrerá após 16 anos o que nos parece outro problema É quase o mesmo que estabelecer uma prescrição em dobro Outro exemplo se alguém estiver sendo processado por roubo art 157 do CP cuja pena é de 4 a 10 anos a prescrição em abstrato será regida pelo máximo da pena ou seja 10 anos Verificando o art 109 II do CP constatase que um delito cuja pena é 10 anos prescreve em 16 anos Logo nos primeiros 16 anos o processo e a prescrição ficam suspensos Após permanece suspenso o processo mas a prescrição recomeça a fluir computandose o tempo decorrido entre o recebimento da denúncia e a decisão que decretou a suspensão pelo não comparecimento do réu gerando então a prescrição quando totalizar 16 anos Chamamos a atenção todavia para a distinção entre interrupção e suspensão O prazo é inicialmente interrompido zerado portanto quando a denúncia é recebida Mas entre o recebimento da denúncia e o esgotamento da via editalícia podem se passar vários meses Com a decisão que aplica o art 366 operase uma suspensão da prescrição de modo que quando o prazo prescricional voltar a fluir após os primeiros 8 anos no exemplo acima devemos retomar a contagem considerando aqueles meses de tramitação inicial do processo Isso porque quando se suspende o prazo ele volta a correr pelo tempo restante ou seja considerase o período entre o recebimento da denúncia e a decisão que determinou a suspensão Em suma a Súmula 415 do STJ segue uma posição doutrinária majoritária mas está por enquanto em contrariedade com a linha definida pelo STF Contudo pensamos que esse ainda não é o melhor tratamento da questão Em nossa opinião a Súmula 415 não resolve o problema por ainda serem excessivos os prazos uma prescrição em dobro na realidade27 bem como incorre no erro de substituir a atividade legislativa abrindo espaço para o decisionismo É um imenso perigo quando um juiz ou tribunal acaba substituindo a própria atividade legislativa criando prazo onde não há espaço na lei para isso o que não se confunde com a salutar filtragem constitucional Uma situação é negarse validade substancial a uma lei afastando sua incidência Outra é afastar a incidência e criar um limite quando a lei não o faz e tampouco existe lacuna para autorizar tal recurso hermenêutico Mais do que isso a posição do STJ cria a possibilidade de lapsos excessivos para a extinção do feito até 40 anos incompatíveis com o direito ao processo penal no prazo razoável Daí por que uma nova mudança legislativa é necessária E nesse caso pensamos que o melhor é buscar inspiração na Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola que no seu Título VII arts 834 a 846 disciplina o procedimento contra réus ausentes e também o instituto da rebeldia a nossa antiga revelia Não sendo encontrado o réu é expedida a requisitória espécie de edital e não comparecendo suspendese o processo Até aqui igual ao nosso sistema A diferença está no fato de que a prescrição é interrompida com o início do processo não correndo mais Quando declarada a rebeldia ou seja o não comparecimento o prazo prescricional volta a correr art 114 do Código Penal espanhol Significa dizer que a declaração judicial de não comparecimento é um marco interruptivo da prescrição que começa a correr nesse momento podendo perfeitamente operarse durante a suspensão do processo Essa é uma boa opção e que poderia ser adotada pelo legislador brasileiro O risco de impunidade sempre existe mas há um ponto a ser considerado Os crimes graves que exigem uma maior preocupação em relação à impunidade possuem longos prazos prescricionais basta olhar os prazos do art 109 do nosso Código Penal para verse que a prescrição ocorrerá em 12 16 ou 20 anos nos crimes graves Quanto aos crimes de menor gravidade em que o prazo prescricional também é menor é melhor correr se o risco de eventual prescrição do que suportar o ônus de processos eternos e crimes imprescritíveis Em resumo pensamos que a solução virá apenas com uma mudança legislativa que trate da questão com mais acerto que não nos parece ser criar uma prescrição em dobro não descuidando dos complicadores constitucionais direito de ser julgado em prazo razoável processuais produção probatória e penais deslegitimação da pena aplicada muitos anos depois do fato Nossa sugestão para uma reforma legislativa é no seguinte sentido uma vez declarada a ausência operase uma interrupção do prazo prescricional ou seja zera e começa a correr de novo Nada de suspensão da prescrição apenas do processo A prescrição é interrompida quando recebida a denúncia art 117 I do CP e novamente interrompida com a decisão de ausência após a citação editalícia ineficaz Após o processo fica suspenso e a prescrição flui Tratase de prescrição pela pena em abstrato regida pela pena máxima definida no tipo penal que se implementará no prazo fixado no art 109 do CP 262 A Injustificável Exclusão de Incidência do Art 366 do CPP na Lei n 961398 nova redação dada pela Lei n 126832012 Noutra dimensão equivocada nos parece a linha seguida pelo art 2º 2º da Lei n 961398 com a nova redação dada pela Lei n 126832012 ao determinar que Art 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei 2º No processo por crime previsto nesta Lei não se aplica o disposto no art 366 do DecretoLei n 3689 de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital prosseguindo o feito até o julgamento com a nomeação de defensor dativo Significa um retrocesso com inegável violação da garantia do devido processo penal permitir que o processo prossiga seu curso quando o acusado não é encontrado para ser citado Para todo e qualquer crime quando o réu citado por edital o que pressupõe o esgotamento das tentativas de citação real não comparece e nem constitui defensor suspendemse o processo e a prescrição Por que no crime de lavagem de dinheiro isso não se aplica Por tratarse de criminalidade econômica Não se justifica tal tratamento diferenciado28 Esse tipo de discurso a la esquerda punitiva é tão disparatado quanto os maniqueístas interesseiros do direito penal do inimigo ou do zero tolerance cujas bases já foram refutadas no início deste trabalho Também não podemos aceitar o argumento de que o tratamento diferenciado justificase pela necessidade de se bloquear e confiscar os bens ilícitos conseguidos através da lavagem de dinheiro29 Não é essa uma justificativa plausível pelo simples fato de que as medidas assecuratórias também podem ser decretadas bastando a presença de seus requisitos Logo não é esse um argumento jurídico válido Ademais a própria Lei n 9613 com a nova redação da Lei n 126832012 estabelece no art 4 3º que nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens direitos ou valores sem prejuízo do disposto no 1º Ou seja a questão patrimonial é tratada noutra dimensão e não justifica o afastamento da incidência do art 366 do CPP Enfim representa uma quebra da isonomia de tratamento processual do imputado sem qualquer argumento legitimante sendo portanto de discutível constitucionalidade Contudo por dever de lealdade acadêmica destacamos que tal dispositivo foi mantido na alteração legislativa ocorrida em 2012 com a Lei n 12683 e é aplicado sem restrições pela maioria dos juízes e tribunais 263 Não Comparecimento Prisão Preventiva Produção Antecipada de Provas A Lei n 117192008 revogou os 1º e 2º do art 366 que disciplinava no 1º a produção antecipada de provas e no 2º que comparecendo o acusado citado por edital prosseguirá o processo em seus ulteriores termos Essa revogação em nada afeta a sistemática legal Interessanos agora a previsão do art 366 no sentido de que pode o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e se for o caso decretar prisão preventiva nos termos do disposto no art 312 mas isso não significa uma ampliação das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva30 Mais não existe prisão cautelar obrigatória e tampouco qualquer tipo de presunção de fuga que conduza automaticamente à legitimidade de uma medida cautelar pessoal Quando o artigo diz se for o caso está remetendo para os casos do art 312 não ampliando ou facilitando a adoção da excepcionalíssima prisão preventiva Em suma a inatividade processual ficta não autoriza por si só a decretação da prisão preventiva Há que se demonstrar e fundamentar com argumentos cognoscitivos robustos e suporte probatório real a necessidade da prisão preventiva em igualdade de condições com os demais casos do art 312 do CPP Melhor teria andado o legislador se não tivesse feito qualquer menção no art 366 à prisão preventiva Isso porque ao dizer que cabe a prisão preventiva se for o caso nos termos do art 312 nada mudou apenas confundiu Tratase de lembrança inteiramente desnecessária pois é elementar que a prisão preventiva sempre terá cabimento nos casos previstos em lei ou seja se presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis exigidos pelo art 312 E mais devese atentar para os limites do art 313 I ou seja com o advento da Lei n 124032011 que inseriu o novo regime jurídico da prisão cautelar não cabe prisão preventiva quando a pena máxima cominada ao crime for igual ou inferior a 4 anos Assim pensamos que o art 366 tem que ser lido à luz dos arts 312 e 313 só tendo cabimento essa prisão preventiva se presentes o fumus commissi delicti o periculum libertatis e a pena cominada for superior a 4 anos Do contrário haverá apenas a suspensão do processo e da prescrição sendo ilegal a decretação de prisão preventiva Quanto à produção antecipada de provas muita cautela Colher antecipadamente uma prova sem a presença do réu ou seu defensor sim pois a defesa dativa nesse caso é meramente simbólica sem qualquer eficácia real é uma flagrante violação da garantia do contraditório e por contaminação do direito de defesa ambos assegurados no art 5º LV da Constituição Daí por que o ideal é que a produção antecipada seja reservada para casos extremos em que a prova efetivamente é relevante e sofre risco real de perecimento Ainda nesse caso devemse tomar todas as cautelas para documentar da forma mais ampla possível incluindo gravações de áudio e vídeo31 Posteriormente foi editada a Súmula 455 do STJ com o seguinte verbete A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada não a justificando unicamente o mero decurso do tempo Reafirmou assim o STJ o entendimento de que a produção antecipada de provas em caso de citação por edital e posterior suspensão do processo e da prescrição é uma medida excepcional em que deve ser demonstrado concretamente o risco de a prova não poder ser produzida mais tarde no processo Apenas as provas relevantes e urgentes podem ter sua produção antecipada realizada não sendo suficientes afirmações genéricas sobre o risco de perecimento e tampouco a mera argumentação em torno do decurso de tempo em virtude da suspensão do processo Entre os processos que serviram de precedentes para a nova súmula está o HC 67672 cujo relator Min Arnaldo Esteves Lima considerou que não ficou demonstrado o risco de a prova ser produzida mais tarde no processo sendo insuficientes afirmações genéricas sobre o perigo Em outro precedente HC 111984 o relator Min Felix Fischer apontou que o art 366 deve ser interpretado levandose em conta o art 225 do CPP de modo que teria cabimento a antecipação quando demonstrado que a testemunha irá ausentarse seja idosa ou doente De qualquer forma prosseguiu o relator a produção antecipada de provas não é obrigatória ou automática devendo ser vista como uma exceção 27 Aplicação do Art 367 do CPP Ausência A Condução Coercitiva do art 260 do CPP Exigência de Ordem Judicial Fundamentada Noutra dimensão está o tratamento jurídicoprocessual do acusado ausente Art 367 O processo seguirá sem a presença do acusado que citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato deixar de comparecer sem motivo justificado ou no caso de mudança de residência não comunicar o novo endereço ao juízo Aqui o réu foi encontrado e citado pessoalmente e não oferece resposta à acusação o que equivale ao não comparecimento do sistema anterior de forma injustificada inatividade real O processo continua com seu defensor se houver um constituído ou mediante a nomeação de defensor dativo Então duas situações podem ocorrer partindo da premissa de que houve citação válida a o acusado não oferece resposta escrita à acusação no prazo legal e tampouco constitui defensor b o acusado constitui defensor mas não apresenta resposta escrita à acusação No primeiro caso deverá o juiz nomear um defensor para que no prazo de 10 dias apresente a resposta à acusação e prossiga na defesa do réu ausente ao longo de todo o processo que portanto seguirá sem a presença do imputado que foi validamente citado No segundo caso há defensor constituído mas não é apresentada a resposta à acusação Essa inatividade poderia perfeitamente ser considerada uma mera opção da defesa que por alguma estratégia prefere silenciar nesse momento Contudo o art 396A 2º determina que não apresentada a resposta no prazo legal ou se o acusado citado não constituir defensor o juiz nomeará defensor para oferecêla concedendolhe vista dos autos por 10 dez dias Assim essa defesa preliminar é obrigatória e se não apresentada no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para oferecêla Após o processo continuará ainda que ausente o réu Mesma solução será adotada quando no curso da instrução o réu é intimado e não comparece ou ainda uma vez citado muda de residência sem comunicar ao juízo não sendo mais encontrado Em todas essas situações o processo seguirá com a ausência do réu Mas devese compreender a presença do réu no processo é um direito que lhe assiste e não um dever processual não é portanto carga senão assunção de risco Não está o juiz legitimado a praticar qualquer tipo de ato de reprovação sendo completamente errada a decisão de decretar a revelia do réu ausente à instrução como se isso fosse constitutivo de um novo estado jurídicoprocessual ou tivesse algum efeito prejudicial ao imputado32 Situação diversa operase quando o réu estiver descumprindo alguma das condições impostas em sede de liberdade provisória pois entre elas pode estar o dever de comparecer a todos os atos do processo ou qualquer outra medida cautelar prevista no art 319 do CPP Nesse caso poderá haver quebramento da fiança ou mesmo ser considerado que houve o descumprimento da medida cautelar diversa de modo que o não comparecimento do réu implicará revogação da liberdade provisória com a decretação da prisão preventiva Não ocorrendo essas situações o não comparecimento do réu não conduzirá a nenhum tipo de punição processual exceto o fato de o processo continuar seu curso em sua ausência Tendo em vista a estrita relação com a matéria ora abordada é importante analisar a condução coercitiva prevista no art 260 do CPP Além de completamente absurda no nível de evolução democrática alcançado é substancialmente inconstitucional por violar as garantias da presunção de inocência e do direito de silêncio Ora mais do que nunca é preciso compreender que o estar presente no processo é um direito33 do acusado nunca um dever Considerando que o imputado não é objeto do processo e que não está obrigado a submeterse a qualquer tipo de ato probatório pois protegido pelo nemo tenetur se detegere sua presença física ou não é uma opção dele Há que se abandonar o ranço inquisitório em que o juiz inquisidor dispunha do corpo do herege para dele extrair a verdade real O acusado tem o direito de silêncio e de não se submeter a qualquer ato probatório logo está logicamente autorizado a não comparecer Infelizmente esse é um nível de evolução democrática e processual ainda não alcançado por muitos juízes e tribunais que ainda operam na lógica inquisitória determinando a condução do imputado que não comparece Mais grave ainda são aqueles que admitem que a polícia possa fazer a condução coercitiva de suspeitos Ora a condução coercitiva é uma espécie de detenção pois há uma inegável restrição da liberdade de alguém que se vê cerceado em sua liberdade de ir e vir A Constituição somente admite a restrição da liberdade em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de um juiz competente é claro Portanto a condução coercitiva seja para prestar declarações na polícia ou em juízo somente poderia ser concebida em que pese nossa discordância pois pensamos ser em qualquer caso substancialmente inconstitucional por violar as garantias da presunção de inocência e do direito de silêncio quando precedida de ordem judicial devidamente fundamentada 28 Inadequação da Categoria Revelia no Processo Penal O primeiro ponto a ser destacado é que pela enésima vez advertimos o leitor da inadequação de analogias com o processo civil em quase todos os casos em que é feita Logo devese redefinir algumas categorias nesse tema No processo penal não existe distribuição de cargas pois o réu ao ser constitucionalmente presumidamente inocente não tem qualquer dever de atividade processual Mais do que isso da sua inércia nenhum prejuízo jurídicoprocessual pode brotar Assim toda carga está nas mãos do acusador De outro lado é inegável que existe por parte do réu a assunção de riscos decorrentes de sua inércia Explicamos Quando surge uma chance sempre na linha do léxico goldschmidtiano nas diferentes situações processuais que podem ser probatória ou defensiva não se lhe atribui qualquer carga ou ônus senão riscos O não agir probatório do réu que pode se dar por exemplo no exercício do direito de silêncio recusa em participar de acareações reconhecimentos etc não conduz a nenhum tipo de punição processual ou presunção de culpa senão na assunção do risco decorrente da perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz Não existe um dever de agir para o imputado para que se lhe possa punir pela omissão Inclusive quando o art 367 do CPP permite que o processo prossiga sem a presença do réu citado essa omissão processual gera apenas risco Não se trata de prejuízo processual pois não existe uma carga de modo que não se pode presumir nada em sentido diverso da sua inocência Mas inegavelmente essa omissão gera um imenso risco decorrente da perda de diversas chances de manter o juiz em crença ou seja na crença de que ele imputado é inocente diante da atuação do acusador que fará tudo para afastar essa crença e obter o convencimento do juiz da verossimilhança da tese acusatória É disso que se fala em relação ao réu assunção de risco É completamente diferente do fenômeno do processo civil em que se operam verdadeiras distribuições de cargas e a decorrente necessidade de liberarse delas Com a modificação levada a cabo pela Lei n 927196 finalmente abandonouse a revelia e os absurdos processos penais sem réu presente em caso de inatividade processual ficta Atualmente não há que se falar em revelia no processo penal ou pelo menos não no sentido próprio do termo o que significa dizer que a utilização seria sempre imprópria e inadequada pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual A contumácia ou revelia como explica DELMANTO JUNIOR34 é carregada de conotação negativa extremamente pejorativa significando ultraje desdém ilícito rebeldia35 etc daí por que como afirma o autor sua aplicação afigurase por si só totalmente incompatível com a concepção de que não há como dissociar a inatividade do acusado de um lado do exercício dos direitos a ele constitucionalmente assegurados da ampla defesa e do silêncio de outro Não existe censura ou verdadeiro prejuízo jurídico em relação à conduta do réu que não comparece ao interrogatório ou não permite que se lhe extraia material genético para realização de perícia Não existe no processo penal revelia em sentido próprio A inatividade processual incluindo a omissão e a ausência não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica Não conduz a nenhuma presunção exceto a de inocência que continua inabalável Nada de presumirse a autoria porque o réu não compareceu Jamais Também se deve ponderar que admitir a revelia e seus efeitos conduziria a admitir um processo penal contumacial absolutamente incompatível com o processo penal contraditório36 assegurado no art 5º LV da Constituição e também no art 261 do CPP Art 261 Nenhum acusado ainda que ausente ou foragido será processado ou julgado sem defensor A presença da defesa técnica ainda que o acusado esteja ausente ou seja citado não comparece nem constitui defensor é uma imposição inarredável fruto da opção constitucional por um procedimento em contraditório que impede a produção dos efeitos da revelia Em suma por qualquer lado que se aborde a revelia e a contumácia são incompatíveis com o processo penal brasileiro Infelizmente por falta de rigor técnico é bastante comum a utilização pelos tribunais brasileiros do termo revelia quando na verdade estamos diante de mera ausência 29 Notificação e Intimação do Acusado Contagem de Prazos Quando se analisa o nosso CPP passa a ser repetitiva a crítica de falta de sistematização confusão de critérios e pouco rigor técnico Aqui mais uma vez essa crítica se faz necessária pois o Código emprega os termos notificação e intimação com pouco rigor levando a que alguns autores concluam pela unificação dos conceitos Nenhuma censura a essa posição Contudo pensamos ser necessário fazer a distinção conceitual pois o Direito Processual Penal não se resume ao que está codificado A notificação é a comunicação da existência de uma acusação gerando a chance no léxico goldschmidtiano de oferecimento de uma defesa prévia ao recebimento da denúncia O art 55 da Lei n 11343 estabelece que oferecida a denúncia o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia por escrito no prazo de 10 dez dias No mesmo sentido o art 514 do CPP determina no rito dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos que o juiz ordenará a notificação do acusado para responder por escrito dentro do prazo de 15 quinze dias A intimação é a comunicação de determinado ato processual feita ao acusado testemunha ou pessoas que devam tomar conhecimento do ato como peritos intérpretes e demais auxiliares da justiça Em relação aos últimos testemunhas e demais pessoas que participem do processo a intimação poderá revestir um caráter coercitivo verdadeiro dever de agir ou comparecer Tal dever ou carga inexiste em relação ao imputado pelos motivos já explicados anteriormente A Lei n 117192008 que instituiu o novo rito comum ordinário criou uma nova sistemática de comunicação dos atos processuais a o imputado é citado para apresentar resposta escrita à acusação art 396 b recebida a denúncia é o réu intimado para a audiência de instrução e julgamento onde também será interrogado Antes da alteração legislativa o imputado era citado para ser interrogado e depois intimado das audiências de instrução Agora a citação é para apresentar a resposta escrita à acusação A intimação das testemunhas peritos intérpretes etc deverá ser feita pessoalmente através do respectivo mandado art 370 Já quanto à intimação dos defensores o CPP faz uma distinção no tratamento a Defensor constituído poderá ser intimado através de publicação no Diário da Justiça ou órgão incumbido da publicação ou caso não exista a intimação poderá ser através de mandado ou via postal Também é recomendável a intimação através da via postal quando o advogado constituído possui escritório profissional em unidade da federação diversa daquela onde tramita o feito Tal cautela é muito importante pois esse defensor poderá não ter acesso ao diário da justiça daquele estado frustrando a comunicação do ato Se considerarmos que a eficácia da intimação é condição de possibilidade para o exercício do contraditório e do direito de defesa concluise que todos os cuidados são úteis para evitar um ato processual que venha a ser considerado posteriormente defeituoso com sério risco de nulidade b Defensor nomeado poderá ser de duas categorias defensor público ou dativo O defensor público será sempre intimado pessoalmente em igualdade de tratamento com o Ministério Público atendendo assim ao chamado princípio da pessoalidade por força do art 5º 5º da Lei n 106050 Contudo quando a defesa for levada a cabo por defensor dativo ou por entidade de assistência jurídica gratuita os serviços de assistência judiciária de muitas faculdades de Direito por exemplo não se aplica essa regra e a intimação poderá ser feita através do diário da justiça Também em relação a eles não se contam em dobro os prazos pois tal prerrogativa somente é aplicável à defensoria pública oficial Como bem aponta HASSAN CHOUKR37 esse entendimento infelizmente pacificado no Supremo Tribunal Federal entre outros vejase HC 75707SP criou uma absurda desigualdade de tratamento em relação a defensores que estão em igual situação processual Pior os serviços de defensoria gratuita não oficial prestam um serviço de imensa utilidade pública pois cumprem um encargo que é do Estado Logo diante da evidente equivalência de serviço prestado necessária a igualdade de tratamento processual Por fim chamamos a atenção de que os prazos processuais nos termos do art 798 do CPP correm em cartório sendo contínuos e peremptórios não se interrompendo por férias domingo ou feriados Uma vez iniciada sua contagem não serão interrompidos Nesse cômputo não se considera o dia da intimação ou seja excluise o dia em que se dá a comunicação do ato começando a fluir no dia seguinte se útil Logo se a intimação ocorreu numa sextafeira o prazo começa a correr na segundafeira e não no sábado Da mesma forma quando um prazo terminar no sábado domingo ou feriado será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil art 798 3º do CPP Também é muito importante compreender que no processo penal ao contrário do que ocorre no processo civil os prazos começam a fluir a partir da realização da comunicação processual e não da juntada aos autos do mandado de intimação Nessa linha corretamente dispõe a Súmula n 710 do STF No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou carta precatória ou de ordem Assim nada de analogias com o processo civil 3 Assistente da Acusação Nos crimes em que a iniciativa da ação penal é privada a vítima ou seu representante legal assume no processo penal o polo ativo como parte acusadora principal Contudo nos crimes em que a ação penal seja de iniciativa pública a denúncia será oferecida pelo Ministério Público a quem competirá promover privativamente38 a ação penal Mas o sistema processual penal brasileiro contempla a possibilidade de o ofendido ingressar no polo ativo ao lado do Ministério Público auxiliandoo na acusação e também fiscalizando sua atuação Vejamos agora o instituto do assistente de acusação 31 Natureza Jurídica Legitimidade Capacidade e Interesse Processual Pode o Assistente Recorrer para Buscar Aumento de Pena Crítica à Figura do Assistente da Acusação O assistente da acusação é uma parte secundária acessória contingencial pois o processo independe dele para existir e se desenvolver É assim recorrente dizerse que sua natureza jurídica é a de parte contingente secundária É uma parte mas não principal pois sua atividade processual é acessória em relação àquela desenvolvida pela parte principal que é o Ministério Público Quanto à legitimidade estabelece o art 268 do CPP que poderá intervir como assistente o ofendido ou representante legal ou na falta qualquer das pessoas mencionadas no art 31 quais sejam cônjuge ascendente descendente ou irmão Excepcionalmente admitese que órgãos ou entidades sejam assistentes da acusação mas os casos são taxativamente previstos em lei Nessa linha nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional a Lei n 7492 no seu art 26 parágrafo único estabelece que sem prejuízo do disposto no art 268 do CPP será admitida a assistência da Comissão de Valores Mobiliários CVM quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa autarquia e do Banco Central do Brasil quando fora daquela hipótese houver sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização Nos crimes contra as relações de consumo determinam os arts 80 cc 82 III e IV ambos da Lei n 8078 que poderão intervir como assistente do Ministério Público as entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta ainda que sem personalidade jurídica especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código de defesa do consumidor e também as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código dispensada a autorização assemblear Comungamos ainda do entendimento de que não caberá a intervenção de pessoa jurídica de direito público como assistente Inicialmente porque a figura do assistente da acusação é geneticamente problemática e deveria ser abolida do processo penal brasileiro como explicaremos ao final desse tópico Mas enquanto permanece os casos e as possibilidades de intervenção devem ser lidos de forma restritiva Nessa linha a regra é a de que somente a vítima pessoa física ou seu representante legal possam intervir como assistentes Excepcionalmente isso é relativizado e quando ocorre é de forma expressa Nesse sentido os casos anteriormente referidos nas Leis ns 7492 e 8078 Ademais não há que se esquecer de que se o crime for praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União Estado e Município a ação penal será de iniciativa pública Logo quem defende em juízo os interesses do órgão público afetado é o Ministério Público sendo sem sentido salvo para gerar desequilíbrio processual e contaminar o processo com o sentimento de vingança admitirse a assistência Do contrário teríamos de admitir que o Ministério Público é negligente na tutela do patrimônio público o que seria um contrassenso Noutra dimensão não há que se confundir o assistente com o advogado que o representa Assistente é a vítima seu ascendente descendente ou irmão mas em qualquer caso necessita de advogado para postular em juízo capacidade postulatória O interesse de agir como explicado anteriormente não pode ser pensado desde a ótica do processo civil No processo penal vigora o princípio da necessidade ou seja é o processo penal o caminho necessário para chegarse à pena Logo não há que se questionar sobre o interesse muito menos sob a ótica civilista da necessidade e utilidade do provimento pois ele é inerente à ação processual penal No Ministério Público tanto nos crimes de ação penal de sua iniciativa pública como nos crimes de iniciativa privada o interesse é inerente a quem tiver legitimidade para propor a ação pois não há outra forma de obter e efetivar a punição Sem embargo o assistente é uma parte secundária que não dá o starter procedimental e tampouco sua presença é necessária O ne procedat iudex officium se realiza através da atividade do Ministério Público e não do assistente da acusação pois o assistente somente poderá ingressar após a denúncia ter sido oferecida e admitida não sendo ele o responsável pela invocação da tutela jurisdicional Então o que justifica sua intervenção Que interesses lhe motivam Deixando os frágeis argumentos teóricos de lado como regra a assistência da acusação é motivada por sentimento de vingança eou interesse econômico Bastante frágil é a alegação de que o assistente está interessado em fazer ou contribuir para a justiça pois que conceito de justiça é esse que somente se conforma com uma sentença condenatória Falar em sentença justa nesse caso é recorrer a um conceito vago que oculta no fundo uma visão unilateral e vingativa pois a tal sentença justa somente existe quando condenatória Sim porque ninguém se habilita como assistente para postular a absolvição do acusado Quanto ao interesse econômico recordemos as explicações que fizemos ao tratar da ação civil ex delicti anteriormente Há situações em que uma mesma ação ou omissão gera efeitos nos dois civil ou penal ou três campos civil penal e administrativo O assistente ingressa no processo penal para buscar uma sentença penal condenatória que além de fixar um valor mínimo a título de indenização para a vítima art 387 IV com o trânsito em julgado irá constituir um título executivo judicial na esfera cível nos termos do art 475N II do CPC nova redação dada pela Lei n 112322005 Com a sentença penal condenatória a vítima do delito ou seu representante legal poderá ajuizar ação de execução na jurisdição cível buscando o pagamento do valor fixado na sentença penal a título de indenização art 63 parágrafo único cc 387 IV do CPP Se a vítima entender ser insuficiente esse valor poderá postular a liquidação do dano obtendo com isso o restante devido Não se pode esquecer que o art 387 IV determina que o juiz penal fixe o valor mínimo não impedindo que a vítima postule no juízo cível um valor maior sem que se discuta mais a causa de pedir mas apenas quanto deverá ser o complemento Art 63 Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promoverlhe a execução no juízo cível para o efeito da reparação do dano o ofendido seu representante legal ou seus herdeiros Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido Antes de obter o título executivo poderá o assistente dentro do processo penal buscar a indisponibilidade patrimonial do réu por meio das medidas assecuratórias previstas no art 125 e ss do CPP Esse interesse econômico também pode vir noutra dimensão buscar uma sentença condenatória para ser utilizada na Justiça do Trabalho Não raras vezes o que busca o assistente é uma condenação penal que possa ser utilizada para justificar a despedida com justa causa gerando profundos reflexos trabalhistas Outra discussão que brota nesse momento é a seguinte pode o assistente da acusação recorrer postulando aumento da pena aplicada Se for defendida a existência de um interesse puramente econômico não está o assistente autorizado a recorrer para pedir um aumento de pena pois seu interesse se satisfaz com a constituição do título executivo que brota da sentença penal condenatória independente do quantum de pena aplicada Assim o título executivo buscado estará constituído com uma condenação a 1 mês de pena ou a 20 anos é irrelevante Daí por que não cabe o recurso para mero aumento de pena Contudo há quem entenda que o assistente é um auxiliar da acusação buscando uma sentença justa39 Para os seguidores dessa corrente admitese que o assistente recorra quando o Ministério Público não o fizer para buscar a exasperação da pena O argumento é o de que o assistente teria interesse na punição adequada e suficiente do réu de modo que uma pena baixa não seria justa Com vênia aos que assim pensam não podemos concordar com essa posição Com razão POLASTRI40 quando afirma que não poderá recorrer para pedir aumento de pena uma vez que o interesse do assistente é sempre embasado na futura responsabilidade civil do agente no que se refere à reparação do dano sendo a aplicação da pena de interesse do Estadoadministração através do Ministério Público Mas nada impede que o assistente recorra apenas do valor indenizatório fixado na sentença penal Com as alterações levadas a cabo pela Lei n 117192008 deverá o juiz criminal na sentença condenatória fixar um valor mínimo a título de indenização para a vítima Desse valor pode perfeitamente recorrer o assistente da acusação Feitas essas considerações passemos às principais críticas feitas pela doutrina ao instituto da assistência A principal crítica que se faz à figura do assistente da acusação brota exatamente do interesse que lhe motiva sentimento de vingança e interesse econômico privado O sentimento de vingança gera uma contaminação que em nada contribui para um processo penal equilibrado e ético Essa afirmativa não significa qualquer menoscabo ou desprezo pela figura da vítima todo o oposto Apenas queremos chamar a atenção para o fato de que um processo penal com tal dose de contaminação é um grave retrocesso que dificulta a serena administração da justiça Noutra dimensão o interesse econômico deve ser satisfeito com plenitude mas não no processo penal A mistura de pretensões acusatória e indenizatória gera uma grave confusão lógica e principalmente um hibridismo bastante perigoso e problemático que pode conduzir a condenações penais disfarçadas de absolvições fáticas ou seja condenase alguém na esfera penal a uma pena irrisória multa ou restritiva de direitos muitas vezes por delitos insignificantes pois no fundo o que se quer satisfazer é a pretensão indenizatória Isso representa um desvirtuamento completo do sistema jurídico penal para a satisfação de algo que é completamente alheio a sua função O processo penal não pode ser desvirtuado para ser utilizado a tais fins por mais legítimos que sejam pois o instrumento é inadequado Na expressão de BETTIOL41 isso constitui a derrocada completa do processo penal que deixa de ser portador de justiça para se converter em simples instrumento de tutela de interesses privados Há que se colocar as coisas no seu devido lugar GÓMEZ ORBANEJA42 também há muito tempo apontava para o perigo da privatización del proceso penal que segundo o autor é completamente incompatível com sua verdadeira finalidade e com o próprio caráter estatal da pena Mas isso não significa que a vítima deva ficar desamparada senão que corresponde ao processo civil a efetiva missão de satisfazer seus interesses econômicos Não o processo penal Por fim poderseia questionar ainda a inconstitucionalidade do instituto na medida em que o art 129 I da Constituição é categórico ao afirmar que compete ao Ministério Público promover privativamente a ação penal pública na forma da lei A única exceção também constitucional ao poder privativo de promoção da ação penal pública está no art 5º LIX na chamada ação penal privada subsidiária ou substitutiva da pública nos termos e na forma anteriormente explicada Logo como não é possível assistente da acusação na ação penal de iniciativa privada pois ele é o autor principal e na pública a promoção é de atribuição privativa do Ministério Público não estaria recepcionada pelo texto constitucional a figura do assistente da acusação sendo ilegítima sua intervenção Nesse sentido também se posiciona POLASTRI LIMA43 afirmando que ao dispor a Lei Maior que a promoção da ação penal pública é privativa do Ministério Público para nós derrogado estaria o Código de Processo Penal no que tange aos dispositivos atinentes à assistência ao parquet face à manifesta incompatibilidade Apesar das críticas à figura do assistente da acusação tratase de intervenção admitida no sistema processual penal brasileiro pela maioria dos tribunais44 32 Corréu Não Pode Ser Assistente Risco de Tumulto e Manipulação Processual Determina o art 270 do CPP que o corréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público Tratase de uma regra necessária e lógica para evitar a confusão processual de ter se uma pessoa ocupando polos completamente antagônicos de auxiliar da acusação e réu ao mesmo tempo pois isso gera evidentes riscos de manipulações e fraudes Para melhor compreensão pensemos na seguinte situação os réus Júlio Fernando e Guilherme após roubarem um banco encontramse num local ermo para fazer a repartição dos ganhos Para obter um lucro maior Júlio e Fernando agridem Guilherme até acreditarem têlo matado Milagrosamente ele sobrevive Os processos pelo roubo e pela tentativa de homicídio são reunidos por força da conexão Uma vez unificados Guilherme poderá habilitarse como assistente do Ministério Público Não pois com a reunião dos processos ele é corréu coautor do delito de roubo e portanto incide a vedação do art 270 do CPP Contudo se a qualquer momento ele deixar de ser corréu por extinção da punibilidade absolvição definitiva etc cessa o impedimento e pode o agente recorrer como assistente não habilitado por exemplo 33 Momento de Ingresso do Assistente Iniciativa Probatória Pode o Assistente Arrolar Testemunhas Como o próprio nome indica o assistente auxilia a acusação logo é pressuposto de sua intervenção a existência de uma acusação pública formalizada denúncia Assim o pedido de habilitação como assistente somente pode ser feito após o recebimento da denúncia Ainda que com pouco rigor técnico o art 268 corrobora esse entendimento ao afirmar que em todos os termos da ação pública poderá intervir como assistente do Ministério Público o ofendido Na verdade o assistente pode intervir no processo nascido do exercício de ação penal de iniciativa pública e não na ação Não há intervenção na ação mas no processo Mas isso não significa que a vítima não possa intervir na investigação preliminar pois recordando o teor do art 14 do CPP ela poderá requerer qualquer diligência que será realizada ou não a critério da autoridade policial Contudo essa intervenção epidérmica não constitui assistência da acusação Recebida a denúncia poderá o ofendido requerer através de advogado devidamente constituído procuração sua habilitação como assistente para ingressar no processo Não está o assistente assim autorizado a recorrer da decisão que rejeita liminarmente a denúncia Já da decisão de absolvição sumária art 397 poderá o assistente recorrer se assim não o fizer o Ministério Público O recurso cabível no caso de absolvição sumária é o de apelação como também o é no caso de absolvição sumária no rito do Tribunal do Júri art 416 com base no art 593 II do CPP Quando o assistente não for a vítima mas sim o cônjuge ascendente descendente ou irmão art 268 cc art 261 além da procuração deverá o pedido vir instruído do respectivo documento que comprove esse vínculo O Ministério Público será ouvido previamente sobre a admissão do assistente art 272 mas o pedido somente será indeferido em caso de ilegitimidade ou falta de procuração Da decisão que admite ou não o assistente não caberá recurso determina o art 273 mas poderá ser impetrado Mandado de Segurança conforme o caso Mas ingressando no processo devese atentar para a expressão contida no art 269 de que o assistente receberá a causa no estado em que se achar O que significa isso Significa que o assistente não pode pleitear a repetição ou pretender a realização de atos cujo momento processual já tenha passado A intervenção do assistente é para os atos subsequentes ao seu ingresso nunca antecedentes a ele Nunca é retroativa Há que se ter muito cuidado com o art 271 quando por exemplo autoriza o assistente a propor meios de prova Pode o assistente arrolar testemunhas Não Como o assistente recebe o processo no estado em que se achar e sua intervenção somente é possível após o recebimento da denúncia não poderá arrolar testemunhas pois o momento processual para realização desse ato já ocorreu as testemunhas da acusação devem ser arroladas na denúncia Irrelevante portanto se o Ministério Público arrolou testemunhas em número inferior ao permitido pois o problema não se situa na quantidade mas sim na preclusão dessa via Para tentar superar esse obstáculo procedimental alguns autores recorrem a outro artifício defendem a possibilidade de que o assistente arrole suas testemunhas e postule ao juiz que as ouça como testemunhas do juízo nos termos do art 209 do CPP Eis um caminho que nos parece igualmente equivocado pois o art 209 não resiste a uma filtragem constitucional pois viola claramente as regras do sistema acusatório constitucionalmente assegurado Situação completamente distinta ocorre com as testemunhas de plenário nos crimes de competência do Tribunal do Júri Nesse caso as testemunhas que serão ouvidas no plenário de julgamento devem ser arroladas no prazo do art 422 Ainda que o artigo em questão não diga pensamos que a intimação deve ser estendida ao assistente uma vez que habilitado é parte no processo Contudo o limite máximo de 5 testemunhas de plenário que pode arrolar a acusação não pode ser ultrapassado de modo que ao assistente somente incumbe arrolar testemunhas se o MP não apresentar um rol completo Em suma não pode o assistente da acusação arrolar testemunhas exceto nos processos por crime de competência do Tribunal do Júri em que poderá arrolar testemunhas de plenário desde que somadas ao rol do MP não exceda o limite legal Sem embargo poderá propor outros meios de prova e participar da produção em juízo da prova testemunhal requerendo perguntas às testemunhas e vítimas Ao assistente é permitido juntar documentos e postular perícias sendo sempre ouvido previamente o Ministério Público E até quando poderá ser admitido o assistente Até o trânsito em julgado da decisão É possível assim que o assistente venha ao processo apenas para recorrer sendo tratado como assistente não habilitado A expressão não habilitado deve se entendida como não habilitado até a sentença pois mesmo nesse caso seu ingresso deverá ser feito através de duas peças processuais o pedido de habilitação como assistente devidamente instruído com procuração e a prova do parentesco ou matrimônio se for o caso a ser feito junto ao juízo a quo e em peça separada o respectivo recurso interposto Em se tratando de processo por crime de competência do Tribunal do Júri devese atentar para a regra do art 430 segundo o qual a intervenção do assistente no plenário de julgamento deverá ser requerida com antecedência pelo menos de 5 cinco dias salvo se já tiver sido admitido anteriormente Essa é uma regra para o assistente que ingressa no processo apenas para intervir em plenário pois se já estava habilitado não há necessidade desse requerimento 34 Assistente Habilitado e Não Habilitado Recursos que Pode Interpor Prazo Recursal O assistente da acusação deve sempre postular seu ingresso no processo demonstrando sua legitimidade para que possa intervir A rigor sempre haverá um pedido de habilitação mesmo quando ele vem apenas para recorrer Então a expressão assistente habilitado serve para designar aquele que ingressa no processo até a prolação da sentença de primeiro grau De outro lado quando o ofendido ingressa após a prolação da sentença como um terceiro interessado em recorrer é considerado assistente não habilitado Quando o ofendido ingressa no curso do processo assistente habilitado passa a ser intimado de todos os atos inclusive da sentença pois recebe o tratamento de parte Os atos que pode o assistente praticar estão descritos no art 271 Art 271 Ao assistente será permitido propor meios de prova requerer perguntas às testemunhas aditar o libelo45 e os articulados participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele próprio nos casos dos arts 584 1º e 598 1º O juiz ouvido o Ministério Público decidirá acerca da realização das provas propostas pelo assistente 2º O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente quando este intimado deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou do julgamento sem motivo de força maior devidamente comprovado É sempre importante destacar que o assistente intervém como parte secundária auxiliando a acusação feita pelo Ministério Público nunca agindo como parte principal ou opondose àquele Há que se considerar para além do disposto no art 271 que existem limites à produção probatória pelo assistente como enumera HASSAN CHOUKR46 a limitação probatória cabível às partes no processo com a inadmissibilidade das provas ilícitas b compatibilidade do meio de prova requerido com o momento procedimental em que ele adentrou ao processo pois ele recebe o processo no estado em que se encontra sem possibilidade de repetição de atos ou postulação de prova fora do prazo estabelecido como ocorre com a prova testemunhal c concordância do Ministério Público No que tange aos recursos a regra geral é o assistente somente pode recorrer se o Ministério Público não o fizer ou seja sua atividade recursal é supletiva Quando o Ministério Público recorre o assistente poderá apenas arrazoar junto conforme o tipo de recurso utilizado Mas o assistente somente pode recorrer da impronúncia e da sentença final Sim Também pode em caso de inércia do Ministério Público recorrer em sentido estrito da decisão que declara a extinção da punibilidade pela prescrição ou outra causa art 581 VIII cc art 584 2º apelar como assistente não habilitado da decisão que absolve sumariamente o imputado art 397 apelar da sentença absolutória condenatória para majorar o valor da indenização fixado na sentença ou declaratória de extinção da punibilidade proferida por juiz singular utilizar o recurso de embargos declaratórios quando a decisão impugnada contiver obscuridade ambiguidade contradição ou omissão arts 382 e 619 ingressar com recurso especial e extraordinário nos casos dos arts 584 1º e 598 do CPP como define a Súmula n 210 do STF47 Quanto ao prazo recursal a regra geral é o assistente habilitado é uma parte ainda que secundária e o prazo recursal será o mesmo do Ministério Público Para tanto há que se recordar que o assistente só recorre se o Ministério Público não o fizer e seu prazo começa a correr após o encerramento do prazo concedido ao MP Mas há que se considerar o seguinte se o assistente é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele se o assistente é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente Completamente diverso é o tratamento concedido ao assistente não habilitado que vem ao processo apenas para recorrer Vejamos o disposto no art 598 do CPP Art 598 Nos crimes de competência do Tribunal do Júri ou do juiz singular se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art 31 ainda que não se tenha habilitado como assistente poderá interpor apelação que não terá porém efeito suspensivo Parágrafo único O prazo para interposição desse recurso será de 15 quinze dias e correrá do dia em que terminar o do Ministério Público A primeira pergunta que surge é por que o assistente não habilitado possui um prazo três vezes maior que aquele concedido às partes para apelar ou recorrer em sentido estrito Exatamente porque ele não é parte não está no processo e não é intimado o prazo para interposição do recurso apelação ou recurso em sentido estrito será maior Detalhe importante o prazo de 15 dias é para interposição Uma vez interposto e admitido o recurso o prazo para as razões será aquele definido no art 600 em caso de apelação ou no art 588 para o recurso em sentido estrito Apenas para esclarecer essa regra do prazo de 15 dias para interposição também se aplica ao assistente não habilitado que recorre em sentido estrito da decisão de impronúncia ou declaratória de extinção da punibilidade pois o art 584 1º remete para a regra do art 598 E como se conta esse prazo visto que o assistente não habilitado não é intimado Nos termos do disposto na Súmula n 448 do STF ou seja começa a correr automaticamente após o transcurso do prazo do Ministério Público Em relação aos demais recursos anteriormente apontados embargos declaratórios recurso especial e extraordinário o assistente não habilitado deverá interpôlos nos seus respectivos prazos legais sem qualquer diferença no tratamento dado às partes 1 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 209 2 LAURIA TUCCI Rogério e CRUZ E TUCCI José Rogério Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional São Paulo RT 1993 p 25 e ss 3 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 86 4 PLINIO GONÇALVES Aroldo Técnica Processual e Teoria do Processo São Paulo Aidê 1992 p 122 5 Idem ibidem p 122123 6 Idem ibidem p 126 7 Interessante decisão foi proferida nessa matéria pela 5ª Câmara Criminal do TJRS no Acórdão 70019067545 da lavra do eminente Desembargador ARAMIS NASSIF onde o processo foi anulado pela não concessão de tempo razoável para a elaboração da tese defensiva No caso o réu foi citado no dia 07 e ouvido no segundo dia após a citação ou seja no dia 9 Entendeu a câmara à unanimidade que é necessário prazo razoável desde a citação até o ato de interrogatório para que além da ciência da acusação possa preparar a defesa inclusive elaborando a tese pessoal e mantendo contato com o defensor de sua preferência tudo em nome da ampla defesa constitucionalmente assegurada O voto foi no sentido de anular o interrogatório e por consequência o encerramento da instrução renovando aquele ato com observância das garantias constitucionais do processo Após devem ser reabertos os prazos dos arts 499 e 500 do CPP rito antigo bem como proferida nova sentença 8 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 577 9 Inclusive com razão DELMANTO JUNIOR Roberto Inatividade no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2004 p 152 defende que seja abolida do ordenamento processual penal a citação por edital Sugere entre outras medidas a mudança legislativa para que os oficiais de justiça fiquem permanentemente com os mandados de citação a serem cumpridos podendo realizála por exemplo em épocas de eleição com a efetiva colaboração da Justiça Eleitoral citando os acusados quando fossem votar 10 DELMANTO JUNIOR op cit p 155 11 NERY JUNIOR Nelson e ANDRADE NERY Rosa Maria Código de Processo Civil Comentado 7 ed São Paulo RT 2003 p 609 12 MARQUES DA SILVA Ivan Luís Reforma Processual Penal de 2008 São Paulo RT 2008 p 37 13 DELMANTO JUNIOR op cit p 66 242 e 243 Tratase de obra imprescindível para a compreensão da problemática abordada cuja profundidade extravasa os limites de nosso trabalho cujo objeto aqui é a inatividade processual do acusado Assim recomendase a leitura integral da obra de DELMANTO JUNIOR para melhor compreensão das diferentes dimensões da inatividade no processo penal não apenas em relação ao imputado senão também em relação ao acusador público ou privado 14 DELMANTO JUNIOR op cit p 242243 15 MUERZA ESPARZA Julio et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madri Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 153 16 Ainda que não concordemos com essa corrente é importante trazêla à colação para que o leitor conheça a posição do STF nessa matéria especialmente dos fundamentos externados no RE 4609711 julgado em 13022007 Relator Min SEPÚLVEDA PERTENCE RE 460971 Ementa e Acórdão 2 EMENTA I Controle incidente de inconstitucionalidade reserva de plenário CF art 97 Interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos mantendoa com relação a outros não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o art 97 da Constituição cf RE 184093 Moreira Alves DJ 05091997 II Citação por edital e revelia suspensão do processo e do curso do prazo prescricional por tempo indeterminado C Pr Penal art 366 com a redação da L 927196 1 Conforme assentou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ext 1042 19122006 Pertence a Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição por prazo indeterminado na hipótese do art 366 do C Pr Penal 2 A indeterminação do prazo da suspensão não constitui a rigor hipótese de imprescritibilidade não impede a retomada do curso da prescrição apenas a condiciona a um evento futuro e incerto situação substancialmente diversa da imprescritibilidade 3 Ademais a Constituição Federal se limita no art 5º XLII e XLIV a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição sem proibir em tese que a legislação ordinária criasse outras hipóteses 4 Não cabe nem mesmo sujeitar o período de suspensão de que trata o art 366 do C Pr Penal ao tempo da prescrição em abstrato pois do contrário o que se teria nessa hipótese seria uma causa de interrupção e não de suspensão 5 RE provido para excluir o limite temporal imposto à suspensão do curso da prescrição 17 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 562563 18 OST François O Tempo do Direito Lisboa Piaget 1999 19 Idem ibidem p 162 e ss 20 Idem ibidem p 163 21 Idem ibidem p 171 22 Idem ibidem p 178 23 Idem ibidem p 170 24 Não se pode desprezar o fato de os 1º e 2º do art 366 do CPP terem sido revogados pela Lei n 117192008 Assim não existe mais autorização legal para a produção antecipada de provas no caso de suspensão do processo pela incidência do art 366 25 BADARÓ Gustavo Henrique Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável Monografia apresentada à Comissão de PósGraduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1995 p 14 26 Es indudable y resulta obvio que cuando se juzga más allá de un plazo razonable cualquiera que sea la causa de la demora se está juzgando a un hombre distinto en sus circunstancias personales familiares y sociales por lo que la pena no cumple ni puede cumplir con exactitud las funciones de ejemplaridad y de reinserción social del culpable que son fines justificantes de la sanción como con fina sensibilidad dice la Sentencia de 2661992 Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas In COLOMER JuanLuis Gómez CUSSAC JoséLuis González Coords La Reforma de la Justicia Penal Publicações da Universitat Jaume I 1997 p 387 27 Mais coerente com o direito a razoável duração do processo é sem dúvida a posição de FAUZI HASSAN CHOUKR Código de Processo Penal cit p 560 que também tomando como parâmetro o art 109 do Código Penal emprega a pena mínima e não a máxima que leva a prazos excessivamente longos Aduz o autor com acerto que a opção pelo mínimo da pena é decorrência da necessária coerência que o tema deve guardar com a razoável duração do processo assegurada pela Convenção Americana de Direitos Humanos e desde a Emenda Constitucional 45 também está assegurada pelo art 5º LXXVIII da Constituição Essa é sem dúvida uma posição muito mais coerente com a Constituição tendo em vista o direito ao processo penal no prazo razoável 28 No mesmo sentido mas com um pouco mais de cometimento DELMANTO JUNIOR aponta a ilogicidade e consequente inaplicabilidade do art 2º 2º e também do art 4º 3º da Lei n 9613 29 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado São Paulo RT 2006 p 655 30 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR op cit p 161 Contraditória é a posição de NUCCI op cit p 603 quando afirma que a prisão preventiva não pode ser decretada automaticamente sem a constatação dos requisitos previstos no art 312 do CPP Na continuação infelizmente o autor nega sua própria afirmação ao dizer que se a citação por edital ocorreu justamente porque o acusado ocultase ou fugiu do distrito da culpa duas perigosas aberturas conceituais é natural que possa ser decretada a prisão cautelar Ao naturalizar a prisão cautelar na citação por edital em duas situações de excessiva abertura conceitual acaba por avalizar a banalização da prisão preventiva e praticamente negar a afirmativa inicial 31 Nesse sentido com acerto decidiu o STJ no RHC 21519DF Rel Min MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA julgado em 27092007 RMS REVELIA ANTECIPAÇÃO PROVA TESTEMUNHAL Na espécie o recorrente responde pelo crime tipificado no art 157 2º I e II do CP e citado por edital não compareceu ao interrogatório marcado pelo juiz Diante desse fato o Ministério Público requereu a suspensão do processo e do prazo prescricional bem como a produção antecipada da prova testemunhal e a prisão preventiva do recorrente Daí o RMS postulado pela Defensoria Pública alegando a ilegalidade da decisão quanto à colheita antecipada da prova testemunhal Para a Min Relatora causa constrangimento a decisão que aceita a produção antecipada de provas e se limita somente a justificála em torno da alegação de temporalidade da memória Ressalta que a regra do art 366 do CPP com a redação dada pela Lei n 92711996 afirma que a determinação da colheita antecipada de prova deve vir lastreada por motivação eficiente demonstração de urgência o que equivale mutatis mutandis a compreendêla na linha de comprovação do pressuposto cautelar do periculum in mora Assim a produção antecipada exige mais que presunções deve susterse por meio de efetiva evidência de sua necessidade e utilidade Com esse entendimento a Turma deu provimento ao recurso concedeu a ordem para impedir a produção antecipada da prova testemunhal sem prejuízo de nova determinação caso exista motivação a comprovar a urgência do procedimento Precedentes citados HC 57241SP DJ 09102006 e HC 76831SP DJ 03092007 RHC 21519DF Rel Min Maria Thereza de Assis Moura j 27092007 32 No mesmo sentido NUCCI Código de Processo Penal Comentando cit p 656 Mas convém sublinhar a posição contraditória e equivocada do autor quando linhas antes dessa afirmação ao tratar da ausência do réu diz que é seu direito de audiência e não obrigação de estar presente salvo motivo imperioso como ocorre por exemplo quando há necessidade de reconhecimento ou para qualificação Equivocase o autor nesse último trecho ao negar ao réu o direito de ausência em caso de reconhecimento ou qualificação Com essa afirmação despreza o autor a eficácia do nemo tenetur se detegere e o direito fundamental que o imputado tem de não fazer prova contra si mesmo É assegurado ao réu o direito de silêncio englobando nisso o direito de não participar de reconhecimentos acareações ou qualquer ato probatório que lhe possa ser prejudicial 33 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR op cit p 162 34 DELMANTO JUNIOR op cit p 71 35 Expressão essa rebeldia escolhida pelo legislador espanhol na Ley de Enjuiciamiento Criminal para definir a situação jurídica do réu que não comparece no processo penal quando chamado 36 Conforme DELMANTO JUNIOR op cit p 373 37 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal cit p 567 38 Sem esquecer a possibilidade de que a vítima em caso de inércia do Ministério Público ofereça a queixa subsidiária ou substitutiva nos termos do art 29 do CPP conforme explicamos anteriormente ao tratar da Ação Processual Penal 39 Nesse sentido RESP RECURSO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO O Processo penal complexo de relações jurídicas que têm por objetivo a aplicação da lei penal Não há partes pedido ou lide nos termos empregados no processo civil Juridicamente acusação e defesa conjugam esforços decorrência do contraditório e defesa ampla para esclarecimento da verdade real Ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal O assistente também interessado na averiguação da verdade substancial O interesse não se restringe à aquisição de título executório para reparação de perdas e danos O direito de recorrer não o fazendo o Ministério Público se dá quando a sentença absolveu o réu ou postulado aumento da pena A hipótese não se confunde com a justiça privada A vítima como o réu tem direito à decisão justa A pena por seu turno a medida jurídica do dano social decorrente do crime REsp 135549 Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO DJ 26101998 40 POLASTRI LIMA Marcellus Manual de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 468 41 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Trad Faustino GutiérrezAlviz y Conradi Barcelona Bosch 1976 p 285 42 GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosch 1951 v II p 231 43 POLASTRI LIMA op cit p 464 44 Mas existem exceções como essa decisão proferida no julgamento da Apelaçãocrime 70019477199 5ª Câmara do Tribunal de JustiçaRS Rel Desa GENACÉIA DA SILVA ALBERTON j 05102007 ESTELIONATO APELAÇÃO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO FALTA DE LEGITIMIDADE Frente à disposição nas matérias do art 109 inc I da Constituição Federal é de ser reconhecida a ausência de legitimidade do assistente de acusação para recorrer APELO NÃO CONHECIDO VOTO VENCIDO No corpo do voto da ilustre relatora extraise a seguinte lição que merece ser transcrita A posição do assistente de acusação é polêmica frente à Constituição Federal Atentese que devemos evitar a comparação extrema de institutos de direito processual civil com aqueles semelhantes pertencentes ao direito processual penal Em alguns casos as configurações são diferenciadas Porém a título de raciocínio é possível admitir que antes da Constituição Federal o assistente de acusação poderia ser equiparado ao assistente litisconsorcial no direito processual civil ou seja um colegitimado para agir caso houvesse inércia do Ministério Público na propositura da ação penal pública e até mesmo recorrer independentemente daquele Porém com o advento da Constituição Federal de 1988 tendo em vista o disposto no art 129 inciso I que confere como função institucional do Ministério Público promover privativamente ação penal pública o assistente de acusação assumiu uma posição um tanto diferenciada mais próxima à figura do assistente simples do direito processual civil Permanece no sistema processual penal a legitimidade da ação de iniciativa privada nos crimes de ação pública se não houver denúncia no prazo legal arts 100 3º do Código Penal e 29 do Código de Processo Penal Essa ação penal privada subsidiária da ação pública se constitui em garantia constitucional art 5º inciso LIX da Constituição Federal Nessa hipótese o ofendido ou seu representante legal e no caso de morte deste aqueles elencados no art 31 do Código de Processo Penal podem promover a ação penal privada substitutiva da ação pública Esses são exatamente os legitimados para atuarem como assistente de acusação art 268 do Código de Processo Penal E nessa hipótese não falamos em assistente de acusação e sim em autor da ação penal Portanto os sujeitos arrolados nos arts 30 e 31 do Código de Processo Penal têm legitimidade para agir ou apenas para intervir Quando proposta ação pelo Ministério Público o assistente de acusação em face da legitimidade exclusiva daquele órgão será mero assistente simples atuando como auxiliar do órgão de acusação Entendo por isso que não terá o assistente de acusação legitimidade para recorrer se o Ministério Público não o fizer Somente neste aspecto por uma questão técnica de interpretação à luz da Constituição Federal e do direito processual Voto por isso no sentido de não conhecer do recurso interposto pela assistente de acusação 45 A figura processual do libelo não foi recepcionada pela Lei n 116892008 que modificou o procedimento do Tribunal do Júri 46 HASSAN CHOUKR op cit p 454 47 Noutra dimensão a Súmula n 208 do STF estabelece que o assistente do Ministério Público não pode recorrer extraordinariamente de decisão concessiva de habeas corpus Aviso ao leitor A Compreensão Da Síntese Exige A Prévia Leitura Do Capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO No processo intervêm três sujeitos juiz acusado e réu e duas partes acusador e acusado A comunicação dos atos processuais está a serviço da eficácia do contraditório primeiro momento da informação e do direito de defesa Não existe contraditório com o juiz mas contraditório assegurado pelo juiz 1 CITAÇÃO arts 351 a 369 comunicação ao réu da existência de uma acusação assegurando o contraditório informação para com isso criar as condições necessárias para eficácia do direito de defesa pessoal e técnica A citação é feita através de mandado cumprido por oficial de justiça com os requisitos previstos nos arts 352 e 357 Se residir em local diverso será por carta precatória arts 353 e 354 ou rogatória arts 368 e 369 Citação do militar arts 358 e 221 2º requisição à autoridade superior Citação do funcionário público art 359 notifica o chefe da repartição Citação do réu preso além da requisição para condução do preso feita para o diretor do estabelecimento é necessária a citação pessoal do réu É nula a citação feita por edital de réu preso na mesma unidade Súmula n 351 do STF 11 Citação real feita por mandado cumprido por meio de oficial de justiça que comunica ao réu pessoalmente 12 Citação ficta realizada através de edital e somente pode ser utilizada quando esgotadas todas as possibilidades de realizarse a citação real 13 Citação com hora certa inserida pelo art 362 tem seus requisitos legais previstos nos arts 227 a 229 do CPC Feita a citação com hora certa será nomeado defensor dativo Crítica risco de ressuscitar a possibilidade de processo sem conhecimento do acusado Sugestão após a citação com hora certa se o acusado não comparecer fazer citação por edital e se persistir a inatividade aplicar o art 366 14 Inatividade do réu Ausência e Não Comparecimento Inatividade Processual real Ausência gera a situação de ausência onde o réu foi devidamente citado mas não apresentou resposta à acusação aplicase o art 367 cc o art 396A 2º Na ausência réu foi encontrado e citado pessoalmente mas depois não oferece resposta à acusação ou não comparece na instrução de forma injustificada O processo continua com seu defensor constituído ou dativo sem que o réu seja novamente comunicado dos demais atos do processo Estar presente no processo é um direito do réu nunca um dever exceto no caso de liberdade provisória em que foi imposta essa condição Inatividade Processual Ficta Não Comparecimento Nesse caso fracassaram todas as tentativas de citação real não se encontrando o acusado que é citado por edital e não comparece Aplicase o art 396 suspendendo o processo e a prescrição Esgotadas as tentativas de citação real e também não tendo eficácia a citação por edital suspendese o processo e a prescrição até que o réu compareça Posição do STF é constitucional a suspensão indefinida do processo e da prescrição Posição do STJ Súmula n 415 considerando que a prescrição fica suspensa tomando como critério a pena máxima cominada depois volta a fluir Determinada a suspensão do processo e da prescrição pode ser decretada a prisão preventiva desde que presentes os requisitos autorizadores e a necessidade da medida Não é uma nova hipótese de prisão preventiva e tampouco existe prisão cautelar obrigatória A produção antecipada de provas é uma medida excepcional pois coloca em risco o contraditório e o direito de defesa ver Súmula n 455 do STJ 15 Inadequação do conceito de revelia no processo penal é inadequado utilizarse o termo revelia no processo penal pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual ou inversão de carga probatória como no processo civil No processo penal não há distribuição de cargas probatórias mas mera atribuição ao acusador A revelia ou contumácia são categorias processuais carregadas de conotação negativa pejorativa punitiva inadequadas ao processo penal na medida em que não existe a produção de seus efeitos O não comparecimento do réu devidamente citado é uma mera ausência que poderá acarretar a sua não intimação para os próximos atos mas segue o dever de comunicação ao defensor imprescindibilidade da defesa técnica art 261 Não gera qualquer inversão de carga probatória e tampouco uma tramitação do processo sem defesa 2 NOTIFICAÇÃO E INTIMAÇÃO Há muita confusão de conceitos e pouco rigor técnico no CPP Notificação é a comunicação da existência de uma acusação gerando uma chance de oferecimento de defesa Após a reforma de 2008 em que o réu é citado para apresentar resposta à acusação estabeleceuse uma confusão entre os conceitos de notificação e citação Intimação é a comunicação de determinado ato processual feita ao acusado testemunha ou pessoa que deva tomar conhecimento do ato 3 CONTAGEM DE PRAZO art 798 são contínuos e peremptórios começando a correr da data do ato e não da juntada aos autos do mandado Súmula n 710 STF Prazos processuais se prorrogam quando terminarem em dias não úteis ao contrário dos prazos decadenciais que não se prorrogam como acontece com o direito de queixa ou representação 4 ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO arts 268 a 273 É uma parte contingente secundária Legitimidade art 268 cc o art 31 Interesse predominantemente econômico mas há quem admita que recorra para buscar aumento de pena Pode recorrer para buscar aumento do valor indenizatório Corréu não pode ser assistente risco de tumulto e manipulação processual art 270 Ingressa no processo após ter sido recebida a denúncia no estado em que o feito se encontra art 269 não podendo pedir repetição de atos já realizados e até o trânsito em julgado Pode propor meios de provas e participar de vários atos do processo art 271 Poderá recorrer mas devese atentar para a situação de estar ou não habilitado nos autos Pode o assistente arrolar testemunhas Entendemos que não pois ingressa após o recebimento da denúncia portanto a via está preclusa Para tentar contornar isso poderia ser invocado o art 209 problema do ativismo judicial 41 Assistente habilitado está no processo é parte secundária será intimado das decisões e poderá recorrer em sentido estrito ou apelar no mesmo prazo das demais partes ou seja em 5 dias 42 Assistente não habilitado não se habilitou não está no processo e por isso não é intimado dos atos e decisões Vem apenas para recorrer art 598 parágrafo único Terá o prazo de 15 dias para interpor o recurso em sentido estrito ou apelação Contagem do prazo Súmula n 448 do STF Capítulo XV PRISÕES CAUTELARES E LIBERDADE PROVISÓRIA A INEFICÁCIA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 1 Presunção de Inocência e Prisões Cautelares a Difícil Coexistência No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia É fruto da evolução civilizatória do processo penal Parafraseando GOLDSCHMIDT se o processo penal é o termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de uma Constituição a presunção de inocência é o ponto de maior tensão entre eles É um princípio fundamental de civilidade1 fruto de uma opção protetora do indivíduo ainda que para isso tenhase que pagar o preço da impunidade de algum culpável pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes sem exceção estejam protegidos Essa opção ideológica pois eleição de valor em se tratando de prisões cautelares é da maior relevância pois decorre da consciência de que o preço a ser pago pela prisão prematura e desnecessária de alguém inocente pois ainda não existe sentença definitiva é altíssimo ainda mais no medieval sistema carcerário brasileiro Em suma a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente que atua em duas dimensões interna ao processo e exterior a ele Na dimensão interna é um dever de tratamento imposto primeiramente ao juiz determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador pois se o réu é inocente não precisa provar nada e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição ainda na dimensão interna implica severas restrições ao abuso das prisões cautelares como prender alguém que não foi definitivamente condenado Externamente ao processo a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do réu Significa dizer que a presunção de inocência e também as garantias constitucionais da imagem dignidade e privacidade deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência Para tanto iniciaremos pela teoria geral das prisões cautelares definindo conceitos comuns e principalmente a principiologia que norteia o sistema cautelar pois é a eficácia desses princípios que gera condições de coexistência das prisões cautelares com a presunção de inocência Após então passaremos para as medidas em espécie e ao final veremos o instituto da liberdade provisória 2 Teoria das Prisões Cautelares Como identificou J GOLDSCHMIDT2 grave problema existe no paralelismo entre processo civil e processo penal principalmente quando são buscadas categorias e definições do processo civil e pretendese sua aplicação automática no processo penal Assim vemos alguns conceitos erroneamente utilizados pelo senso comum teórico e também jurisprudencial em torno do requisito e fundamentos da prisão bem como de seu objeto 21 Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora A Impropriedade desses Termos Categorias do Processo Penal Fumus Commissi Delicti e Periculum Libertatis As medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e como consequência a eficaz aplicação do poder de penar São medidas destinadas à tutela do processo Filiamonos à corrente doutrinária3 que defende seu caráter instrumental em que las medidas cautelares son pues actos que tienem por objeto garantizar el normal desarrollo del proceso y por tanto la eficaz aplicación del jus puniendi Este concepto confiere a las medidas cautelares la nota de instrumentalidad en cuanto son medios para alcanzar la doble finalidad arriba apuntada4 Delimitado o objeto das medidas cautelares é importante frisar nossa discordância5 em relação à doutrina tradicional que ao analisar o requisito e o fundamento das medidas cautelares identificaos com o fumus boni iuris e o periculum in mora seguindo assim as lições de CALAMANDREI em sua célebre obra Introduzione allo studio sistematico dei provedimenti cautelari6 De destacarse que o trabalho de CALAMANDREI é de excepcional qualidade e valia mas não se podem transportar alguns de seus conceitos para o processo penal de forma imediata e impensada como tem sido feito O equívoco consiste em buscar a aplicação literal da doutrina processual civil ao processo penal exatamente em um ponto em que devemos respeitar as categorias jurídicas próprias do processo penal pois não é possível tal analogia Constitui uma impropriedade jurídica e semântica afirmar que para a decretação de uma prisão cautelar é necessária a existência de fumus boni iuris Como se pode afirmar que o delito é a fumaça de bom direito Ora o delito é a negação do direito sua antítese No processo penal o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado mas sim de um fato aparentemente punível Logo o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é a existência do fumus commissi delicti enquanto probabilidade da ocorrência de um delito e não de um direito ou mais especificamente na sistemática do CPP a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Seguindo a mesma linha de CALAMANDREI a doutrina considera equivocadamente o periculum in mora como outro requisito das cautelares Em primeiro lugar o periculum não é requisito das medidas cautelares mas sim o seu fundamento Em segundo lugar a confusão aqui vai mais longe fruto de uma equivocada valoração do perigo decorrente da demora no sistema cautelar penal Para CALAMANDREI7 o periculum in mora é visto como o risco derivado do atraso inerente ao tempo que deve transcorrer até que recaia uma sentença definitiva no processo Tal conceito se ajusta perfeitamente às medidas cautelares reais em que a demora na prestação jurisdicional possibilita a dilapidação do patrimônio do acusado Sem embargo nas medidas coercitivas pessoais o risco assume outro caráter Aqui o fator determinante não é o tempo mas a situação de perigo criada pela conduta do imputado Falase nesses casos em risco de frustração da função punitiva fuga ou graves prejuízos ao processo em virtude da ausência do acusado ou no risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta em relação à coleta da prova O perigo não brota do lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo Não é o tempo que leva ao perecimento do objeto O risco no processo penal decorre da situação de liberdade do sujeito passivo Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o periculum in mora no processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do processo perigo de fuga destruição da prova em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo Logo o fundamento é um periculum libertatis enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado É necessário abandonar a doutrina civilista de CALAMANDREI para buscar conceitos próprios e que satisfaçam plenamente as necessidades do processo penal recordando sempre que as medidas cautelares são instrumentos a serviço do processo para tutela da prova ou para garantir a presença da parte passiva8 22 Medidas Cautelares e Não Processo Cautelar A sistemática do Código de Processo Penal não contempla a existência de ação cautelar até porque no processo penal inexiste um processo cautelar Daí por que não concordamos com essa categorização de ação cautelar penal dada por alguma doutrina O processo penal pode ser de conhecimento ou de execução inexistindo um verdadeiro processo penal cautelar Logo não havendo processo penal cautelar não há que se falar de ação cautelar Essa questão foi muito bem tratada por TUCCI9 que categoricamente refuta a possibilidade de uma ação cautelar concebendo apenas ações cognitivas e executivas O que se tem são medidas cautelares penais a serem tomadas no curso da investigação preliminar do processo de conhecimento e até mesmo no processo de execução As prisões cautelares sequestros de bens hipoteca legal e outras são meras medidas incidentais ainda que na fase préprocessual onde se cogitaria de um pseudocaráter preparatório em que não há o exercício de uma ação específica que gere um processo cautelar diferente do processo de conhecimento ou que possua uma ação penal autônoma Assim não há que se falar em processo cautelar mas em medidas cautelares 23 Inexistência de um Poder Geral de Cautela Ilegalidade das Medidas Cautelares Atípicas Até o advento da Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 o sistema cautelar brasileiro era morfologicamente bastante pobre resumindose à prisão cautelar ou liberdade provisória Diante disso começaram a surgir decisões que por exemplo revogando uma prisão preventiva impunham condições ao imputado tais como entrega de passaporte restrição de locomoção dever de informar viagens etc No mais das vezes tais medidas vinham decretadas a título de poder geral de cautela invocando o art 798 do CPC Sustentávamos antes da Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 a ilegalidade de tais medidas por completa ausência de previsão legal A situação agora mudou em parte pela consagração de medidas antes desconhecidas mas a impossibilidade de medidas atípicas permanece No processo civil explica CALAMANDREI10 é reconhecido o poder geral de cautela potere cautelare generale confiado aos juízes em virtude do qual eles podem sempre onde se manifeste a possibilidade de um dano que deriva do atraso de um procedimento principal providenciar de modo preventivo a eliminar o perigo utilizando a forma e o meio que considerem oportunos e apropriados ao caso Significa dizer que o juiz cível possui amplo poder de lançar mão de medidas de cunho acautelatório mesmo sendo atípicas as medidas para efetivar a tutela cautelar Tanto que o processo civil além das medidas de antecipação da tutela consagra um rol de medidas cautelares nominadas e a aceitação das medidas inominadas em nome do poder geral de cautela que confere o art 798 do CPC Mas isso só é possível no processo civil No processo penal não existem medidas cautelares inominadas e tampouco possui o juiz criminal um poder geral de cautela No processo penal forma é garantia Logo não há espaço para poderes gerais pois todo poder é estritamente vinculado a limites e à forma legal O processo penal é um instrumento limitador do poder punitivo estatal de modo que ele somente pode ser exercido e legitimado a partir do estrito respeito às regras do devido processo E nesse contexto o Princípio da Legalidade é fundante de todas as atividades desenvolvidas posto que o due process of law estruturase a partir da legalidade e emana daí seu poder A forma processual é ao mesmo tempo limite de poder e garantia para o réu É crucial para compreensão do tema o conceito de fattispecie giuridica processuale11 isto é o conceito de tipicidade processual e de tipo processual pois forma é garantia Isso mostra novamente a insustentabilidade de uma teoria unitária infelizmente tão arraigada na doutrina e jurisprudência brasileiras pois não existe conceito similar no processo civil Como todas as medidas cautelares pessoais ou patrimoniais implicam severas restrições na esfera dos direitos fundamentais do imputado exigem estrita observância do princípio da legalidade e da tipicidade do ato processual por consequência Não há a menor possibilidade de tolerarse restrição de direitos fundamentais a partir de analogias menos ainda com o processo civil como é a construção dos tais poderes gerais de cautela Toda e qualquer medida cautelar no processo penal somente pode ser utilizada quando prevista em lei legalidade estrita e observados seus requisitos legais no caso concreto E agora como ficou a situação Nossa crítica ao poder geral de cautela não se esvaziou com o advento da Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 pois ela apenas ampliou o rol de medidas cautelares sem jamais contemplar uma cláusula geral deixando ao livrearbítrio do juiz criar outras medidas além daquelas previstas em lei A Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 instituiu um modelo polimorfo em que o juiz poderá dispor de um leque de medidas substitutivas da prisão cautelar Portanto hoje estão autorizadas apenas as medidas previstas no art 319 e 320 ou seja um rol taxativo de medidas cautelares diversas da prisão Claro que medidas necessárias para a implantação da cautelar podem ser adotadas inclusive porque possuem previsão legal É o caso da entrega do passaporte agora previsto no art 320 Qualquer restrição fora desses limites é ilegal Segue o juiz ou tribunal atrelado ao rol de medidas previstas em lei não podendo criar outras medidas além daquelas previstas no ordenamento 3 Principiologia das Prisões Cautelares A base principiológica é estruturante e fundamental no estudo de qualquer instituto jurídico Especificamente nessa matéria prisões cautelares são os princípios que permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em julgado com a garantia da presunção de inocência Vejamos as notas características dos princípios orientadores do sistema cautelar 31 Jurisdicionalidade e Motivação Toda e qualquer prisão cautelar somente pode ser decretada por ordem judicial fundamentada A prisão em flagrante é uma medida précautelar uma precária detenção que pode ser feita por qualquer pessoa do povo ou autoridade policial Neste caso o controle jurisdicional se dá em momento imediatamente posterior com o juiz homologando ou relaxando a prisão e a continuação decretando a prisão preventiva ou concedendo liberdade provisória Em qualquer caso fundamentando sua decisão nos termos do art 93 IX da Constituição e do novel art 315 do CPP Art 315 A decisão que decretar substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada O princípio da jurisdicionalidade está intimamente relacionado com o due process of law Como prevê o art 5º LIV ninguém será ou melhor deveria ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal Portanto para haver privação de liberdade necessariamente deve preceder um processo nulla poena sine praevio iudicio isto é a prisão só pode ser após o processo No Brasil a jurisdicionalidade está consagrada no art 5º LXI da CB segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de crime militar Assim ninguém poderá ser preso por ordem de delegado de polícia promotor ou qualquer outra autoridade que não a judiciária juiz ou tribunal com competência para tanto Eventual ilegalidade deverá ser remediada pela via do habeas corpus nos termos do art 648 III do CPP A nova redação do art 283 assim determina Art 283 Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva No caso de prisão em flagrante a comunicação ao juiz ocorre em dois momentos imediatamente após a detenção e ao final da lavratura do auto de prisão em flagrante quando então todas as peças são encaminhadas ao juiz A rigor cotejando os princípios da jurisdicionalidade com a presunção de inocência a prisão cautelar seria completamente inadmissível Contudo o pensamento liberal clássico buscou sempre justificar a prisão cautelar e a violação de diversas garantias a partir da cruel necessidade Assim quando ela cumpre sua função instrumentalcautelar seria tolerada em nome da necessidade e da proporcionalidade Mas infelizmente a prisão cautelar é um instituto que sofreu uma grave degeneração que dificilmente será remediada por uma simples mudança legislativa como a presente O maior problema é cultural é a banalização de uma medida que era para ser excepcional 32 Contraditório Falar em contraditório em sede de medida cautelar há alguns anos era motivo de severa crítica senão heresia jurídica Mas ele é perfeitamente possível e sempre reclamamos sua incidência Obviamente quando possível e compatível com a medida a ser tomada Ainda que seja um ilustre desconhecido do sistema cautelar brasileiro o contraditório é muito importante e perfeitamente compatível com algumas situações de tutela cautelar Nossa sugestão sempre foi de que o detido fosse desde logo conduzido ao juiz que determinou a prisão para que após ouvilo interrogatório decida fundamentadamente se mantém ou não a prisão cautelar Através de um ato simples como esse o contraditório realmente teria sua eficácia de direito à audiência e provavelmente evitaria muitas prisões cautelares injustas e desnecessárias Ou ainda mesmo que a prisão se efetivasse haveria um mínimo de humanidade no tratamento dispensado ao detido na medida em que ao menos teria sido ouvido pelo juiz Para os operadores do Direito já imunizados pela insensibilidade isso pode não representar muito mas com certeza para quem está sofrendo a medida é um ato da maior relevância Não sem razão o art 8º1 da CADH determina que toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente Embora não tenha sido esse o caminho seguido pela Comissão e pela posterior Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 a evolução é inegável Estabelece agora o art 282 3º do CPP Art 282 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida o juiz ao receber o pedido de medida cautelar determinará a intimação da parte contrária acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias permanecendo os autos em juízo Talvez cause algum malestar o 3º do art 282 que permite um tímido contraditório com a intimação da parte contrária assim que receber o pedido de medida cautelar desde que isso não prejudique a eficácia ou urgência da medida Primeira ressalva diz respeito à parte contrária o que significa isso Ora ali deveria constar indiciado ou acusado pois ainda não se tem notícia de réu pedindo a prisão preventiva de promotores Portanto é intimação do imputado Mas intimação para quê Para uma audiência Apresentar resposta escrita O dispositivo não diz Pensamos que o ideal seria o juiz à luz do pedido de adoção de alguma medida cautelar intimar o imputado para uma audiência onde sob a égide da oralidade se efetivaria o contraditório e o direito de defesa na medida em que o acusador sustentaria os motivos de seu pedido e o réu de outro lado argumentaria sobre a falta de necessidade da medida seja por fragilidade do fumus commissi delicti ou do periculum libertatis Tal medida é muito importante e contribui para a melhor decisão do juiz No mínimo deverá o juiz conceder um prazo razoável para que a defesa se manifeste sobre o pedido e produza sua prova para após decidir Inclusive para efetivação do contraditório pode ser necessária a realização de audiência para coleta de prova testemunhal Evidente que isso não se aplica em caso de prisão preventiva fundada em risco de fuga sob pena de ineficácia da medida Nesse caso ainda que a nova sistemática legal nada mencione o ideal seria o juiz decretar a prisão e marcar imediatamente a realização de uma audiência em que o imputado já submetido à medida cautelar poderia demonstrar a desnecessidade da medida Não vemos qualquer óbice a que isso ocorra no novel sistema vigente Tal contraditório dependerá das circunstâncias do caso concreto sendo delimitado pela urgência ou risco concreto de ineficácia da medida Terá difícil aplicação mas não impossível nos pedidos de prisão preventiva fundados no risco de fuga mas nada impede que o juiz decrete a medida e faça o contraditório posterior como por nós sugerido no início ou seja com a condução do réususpeito a sua presença para que seja ouvido sobre os motivos do pedido Após decidirá pela manutenção ou não da prisão Também quando o pedido tiver por fundamento o risco de perecimento da prova especialmente nos casos em que ao réususpeito é atribuída conduta inadequada em relação a testemunhas como pressão ou ameaça Neste caso nada impede que o juiz oportunize o contraditório e após decida Mas pensamos que o maior espaço para o contraditório surgirá nos casos em que é pedida a substituição cumulação ou mesmo revogação da medida e decretação da preventiva A suspeita de descumprimento de quaisquer das condições impostas nas medidas cautelares diversas previstas no art 319 exigirá como regra o contraditório prévio a substituição cumulação ou mesmo revogação da medida É necessário agora e perfeitamente possível que o imputado possa contradizer eventual imputação de descumprimento das condições impostas antes que lhe seja decretada por exemplo uma grave prisão preventiva Por fim a inobservância desta garantia constitucional art 5º LV acarretará a nosso juízo a nulidade da substituição cumulação ou revogação da medida cautelar remediável pela via do habeas corpus 33 Provisionalidade Nas prisões cautelares a provisionalidade é um princípio básico pois são elas acima de tudo situacionais na medida em que tutelam uma situação fática Uma vez desaparecido o suporte fático legitimador da medida e corporificado no fumus commissi delicti eou no periculum libertatis deve cessar a prisão O desaparecimento de qualquer uma das fumaças impõe a imediata soltura do imputado na medida em que é exigida a presença concomitante de ambas requisito e fundamento para manutenção da prisão O TEDH atento a essa constante inobservância por parte de diversos Estados europeus decidiu em algumas ocasiões vg Caso Ringeisen que a prisão cautelar era excessiva não tanto por sua duração como um todo senão pela manutenção da custódia cautelar após o desaparecimento das razões que a justificavam O desprezo pela provisionalidade conduz a uma prisão cautelar ilegal não apenas pela falta de fundamento que a legitime mas também por indevida apropriação do tempo do imputado O princípio da provisionalidade está consagrado no art 282 4º e 5º do CPP in verbis Art 282 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas o juiz de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público de seu assistente ou do querelante poderá substituir a medida impor outra em cumulação ou em último caso decretar a prisão preventiva art 312 parágrafo único 5º O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituíla quando verificar a falta de motivo para que subsista bem como voltar a decretála se sobrevierem razões que a justifiquem Portanto a prisão preventiva ou quaisquer das medidas alternativas poderão ser revogadas ou substituídas a qualquer tempo no curso do processo ou não desde que desapareçam os motivos que as legitimam bem como poderão ser novamente decretadas desde que surja a necessidade periculum libertatis Sublinhese que a provisionalidade adquire novos contornos com a pluralidade de medidas cautelares agora recepcionadas pelo sistema processual de modo a permitir uma maior fluidez na lida por parte do juiz dessas várias medidas Está autorizada a substituição de medidas por outras mais brandas ou mais graves conforme a situação exigir bem como cumulação ou mesmo revogação no todo ou em parte Por fim interessa destacar a distinção feita no 4º do art 282 no que tange à postura do juiz A crítica fica por conta do equívoco de pensar estar legitimado o ativismo do juiz no curso do processo e na fase de investigação O atuar de ofício por parte do juiz deve estar vedado em qualquer fase da persecução criminal O problema está no ativismo e não na fase em que ele é adotado Como já explicamos à exaustão não é papel do juiz à luz do sistema acusatório constitucional do princípio da inércia da jurisdição e dos postulados de imparcialidade sair decretando prisões ou medidas cautelares de ofício Sim porque o que o dispositivo em tela permite é inclusive que o juiz decrete uma prisão preventiva de ofício seja pela conversão do flagrante em preventiva art 310 ou pela possibilidade de decretação de ofício no curso do processo art 311 sem prévio pedido e isso é absolutamente incompatível com os princípios anteriormente referidos 34 Provisoriedade Falta de Fixação do Prazo Máximo de Duração e do Reexame Periódico Obrigatório Distinto do princípio anterior a provisoriedade está relacionada ao fator tempo de modo que toda prisão cautelar deveria ser temporária de breve duração Manifestase assim na curta duração que deve ter a prisão cautelar até porque é apenas tutela de uma situação fática provisionalidade e não pode assumir contornos de pena antecipada Aqui reside um dos maiores problemas do sistema cautelar brasileiro a indeterminação Reina a absoluta indeterminação acerca da duração da prisão cautelar pois em momento algum foi disciplinada essa questão Excetuandose a prisão temporária cujo prazo máximo de duração está previsto em lei12 a prisão preventiva segue sendo absolutamente indeterminada podendo durar enquanto o juiz ou tribunal entender existir o periculum libertatis Ao longo da tramitação do PL 42082001 tentouse fixar um prazo máximo de duração da prisão cautelar inclusive sendo redigido o art 315A que determinava que a prisão preventiva terá duração máxima de 180 dias em cada grau de jurisdição exceto quando o investigado ou acusado tiver dado causa à demora Infelizmente o dispositivo que pretendia fixar prazo máximo de duração da prisão preventiva acabou vetado na Lei n 12403 e um problema histórico não foi resolvido A jurisprudência tentou sem grande sucesso construir limites globais a partir da soma dos prazos que compõem o procedimento aplicável ao caso Assim resumidamente se superados os tais 81 dias o imputado continuasse preso e o procedimento ordinário não estivesse concluído leiase sentença de 1º grau haveria excesso de prazo remediável pela via do habeas corpus art 648 II A liberdade em tese poderia ser restabelecida permitindose a continuação do processo Algumas decisões até admitiram considerar o excesso de prazo de forma isolada a partir da violação do limite estabelecido para a prática de algum ato específico ex a denúncia deverá ser oferecida no prazo máximo de 5 dias quando o imputado estiver preso de modo que superado esse limite sem a prática do ato a prisão seria ilegal A Lei n 117192008 estabeleceu que no rito comum ordinário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada em no máximo 60 dias sendo o rito sumário esse prazo cai para 30 dias No rito do Tribunal do Júri a Lei n 116892008 alterando o art 412 fixou o prazo de 90 dias para o encerramento da primeira fase São marcos que podem ser utilizados como indicativos de excesso de prazo em caso de prisão preventiva Contudo são prazos sem sanção logo com um grande risco de ineficácia Dessarte concretamente não existe nada em termos de limite temporal das prisões cautelares impondose uma urgente discussão em torno da matéria para que normativamente sejam estabelecidos prazos máximos de duração para as prisões cautelares a partir dos quais a segregação seja absolutamente ilegal Enquanto isso não acontecer os abusos continuam como no caso abaixo felizmente remediado pelo STJ no RHC 20566BA Rel Min MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA julgado em 1206200713 Em que pese no caso específico terse operado uma necessária reinterpretação da Súmula n 52 do STJ14 ela infelizmente continua em vigor Como já explicamos em outra oportunidade em coautoria com GUSTAVO BADARÓ15 a súmula cria um termo final anterior à prolação da sentença que é incompatível com o direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável fixado no art 5º LXXVIII da Constituição Esse encurtamento do termo final ou seja a adoção de um termo a quo anterior ao julgamento em primeiro grau é incompatível com o direito ao processo penal em prazo razoável assegurado pelo art 5º inc LXXVIII da Constituição O direito à razoável duração do processo não pode ser reduzido ao direito à razoável duração da instrução O término da instrução não põe fim ao processo adverte BADARÓ Encerrada a instrução ainda poderão ser realizadas diligências complementares deferidas pelo juiz memoriais substitutivos dos debates orais e finalmente o prazo para a sentença No mesmo sentido completamente superada está a Súmula n 21 do STJ cujo verbete é pronunciado o réu fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo da instrução Como sublinha BADARÓ16 o procedimento do júri somente termina com o julgamento em plenário e não com a decisão de pronúncia Pronunciado o acusado terá fim apenas a primeira fase do processo mas não todo o processo Não há por que excluir do cômputo do prazo razoável toda a segunda fase do procedimento do júri Assim o termo final do direito à razoável duração do processo no procedimento do Júri deverá ser o fim da sessão de julgamento pelo Tribunal Popular sendo inadmissível novamente criarse um termo final para fins de análise do prazo razoável antes da prolação da sentença É chegado o momento de serem canceladas as Súmulas ns 52 e 21 do STJ pois incompatíveis com o direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável Voltando ao problema brasileiro com a reforma operada pela Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 perdeuse uma grande oportunidade de resolver o problema da falta de definição em lei17 da duração máxima da prisão cautelar e também da previsão de uma sanção processual em caso de excesso imediata liberação do detido O limite aos excessos somente ocorrerá quando houver prazo com sanção Do contrário os abusos continuarão Por fim há que se lamentar a não inclusão do 7º do art 282 que instituía o dever de reexaminar a prisão preventiva decretada a cada 60 dias ou em prazo menor se a situação exigisse para avaliar fundamentadamente se persistiam os motivos que a ensejaram Perdeuse uma grande oportunidade de caminhar rumo à eficácia do direito ao processo penal no prazo razoável Uma lástima 35 Excepcionalidade Determina o art 282 6º Art 282 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar art 319 O dispositivo é importante e consagra a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado enfatizando a necessidade de análise sobre a adequação e suficiência das demais medidas cautelares Igualmente importante é o disposto no inciso II do art 310 a saber Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Grifamos Portanto prisão preventiva somente quando inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão aplicadas de forma isolada ou cumulativa Nesta linha o art 282 I determina que as medidas cautelares devem atentar para a necessidade para aplicação da lei penal para a investigação ou a instrução criminal e nos casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais O art 282 menciona os princípios da Necessidade e da Adequação no fundo tratase do Princípio da Proporcionalidade das medidas cautelares e não apenas da prisão cautelar mas comete o primeiro tropeço ao remeter a um fundamento não consagrado na reforma qual seja o risco de reiteração para evitar a prática de infrações penais O art 312 mantém infelizmente os mesmos 4 fundamentos da prisão cautelar garantia da ordem pública da ordem econômica da instrução e da aplicação da lei penal e não consagra o risco de reiteração ao qual faz referência o art 282 A expressão para evitar a prática de infrações penais é o chamado risco de reiteração fundamento recepcionado em outros sistemas processuais como explicaremos ao tratar da prisão preventiva mas desconhecido pelo nosso pois não aceitamos a manipulação discursiva feita em torno da prisão para garantia da ordem pública com vistas a abranger uma causa reiteração que ali não pode estar Feita essa ressalva continuemos Neste terreno excepcionalidade necessidade e proporcionalidade devem caminhar juntas Ademais a excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência constituindo um princípio fundamental de civilidade fazendo com que as prisões cautelares sejam efetivamente a ultima ratio do sistema reservadas para os casos mais graves tendo em vista o elevadíssimo custo que representam O grande problema é a massificação das cautelares levando ao que FERRAJOLI denomina crise e degeneração da prisão cautelar pelo mau uso No Brasil as prisões cautelares estão excessivamente banalizadas a ponto de primeiro se prender para depois ir atrás do suporte probatório que legitime a medida Ademais está consagrado o absurdo primado das hipóteses sobre os fatos pois se prende para investigar quando na verdade primeiro se deveria investigar diligenciar para somente após prender uma vez suficientemente demonstrados o fumus commissi delicti e o periculum libertatis Com razão FERRAJOLI18 afirma que a prisão cautelar é uma pena processual em que primeiro se castiga e depois se processa atuando com caráter de prevenção geral e especial e retribuição Ademais diz o autor se fosse verdade que elas não têm natureza punitiva deveriam ser cumpridas em instituições penais especiais com suficientes comodidades uma boa residência e não como é hoje em que o preso cautelar está em situação pior do que a do preso definitivo pois não tem regime semiaberto ou saídas temporárias Na lição de CARNELUTTI19 as exigências do processo penal são de tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente análoga ao de condenado É necessário algo mais para advertir que a prisão do imputado junto com sua submissão tem sem embargo um elevado custo O custo se paga desgraçadamente em moeda justiça quando o imputado em lugar de culpado é inocente e já sofreu como inocente uma medida análoga à pena não se esqueça de que se a prisão ajuda a impedir que o imputado realize manobras desonestas para criar falsas provas ou para destruir provas verdadeiras mais de uma vez prejudica a justiça porque ao contrário lhe impossibilita de buscar e de proporcionar provas úteis para que o juiz conheça a verdade A prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência porque podem curar o enfermo mas também pode ocasionarlhe um mal mais grave quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia e sobretudo com a anestesia geral a qual é um meio indispensável para o cirurgião mas ah se este abusa dela Infelizmente as prisões cautelares acabaram sendo inseridas na dinâmica da urgência desempenhado um relevantíssimo efeito sedante da opinião pública pela ilusão de justiça instantânea O simbólico da prisão imediata acaba sendo utilizado para construir uma falsa noção de eficiência do aparelho repressor estatal e da própria justiça Com isso o que foi concebido para ser excepcional tornase um instrumento de uso comum e ordinário desnaturandoo completamente Nessa teratológica alquimia sepultase a legitimidade das prisões cautelares Concluise portanto que o problema não é legislativo mas cultural Vejamos agora se o novo dispositivo terá força suficiente para romper com a cultura inquisitória e a banalização da prisão preventiva 36 Proporcionalidade Definido como o princípio dos princípios a proporcionalidade20 é o principal sustentáculo das prisões cautelares As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico do difícil equilíbrio entre dois interesses opostos sobre os quais gira o processo penal o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos21 O Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Deverá valorar se esses elementos justificam a gravidade das consequências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá sofrer o acusado Jamais uma medida cautelar poderá se converter em uma pena antecipada sob pena de flagrante violação à presunção de inocência Ainda que tenham origens diferentes razoabilidade Estados Unidos e proporcionalidade Alemanha guardam entre si uma relação de fungibilidade como explica SOUZA DE OLIVEIRA22 para quem o princípio pode ser classificado em razoabilidade interna e externa A primeira diz respeito à lógica do ato em si mesmo enquanto a segunda exige consonância com a Constituição Divide o autor ainda em três subprincípios adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito A adequação informa que a medida cautelar deve ser apta aos seus motivos e fins Logo se quaisquer das medidas previstas no art 319 do CPP se apresentar igualmente apta e menos onerosa para o imputado ela deve ser adotada reservando a prisão para os casos graves como ultima ratio do sistema Nesta linha recordemos o disposto no art 282 II Art 282 II adequação da medida à gravidade do crime circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado Assim deve o juiz atentar para a necessidade do caso concreto ponderando sempre gravidade do crime e suas circunstâncias bem como a situação pessoal do imputado em cotejo com as diversas medidas cautelares que estão a seu dispor no art 319 do CPP Assim deverá optar por aquela ou aquelas que melhor acautelem a situação reservando sempre a prisão preventiva para situações extremas É uma típica regra para o julgamento do juiz Contudo condições pessoais do indiciado ou acusado pode se mal utilizado abrir um perigoso espaço para um retrocesso ao direito penal do autor com o desvalor de antecedentes por exemplo para adotar medidas mais graves como a prisão preventiva Com certeza os adeptos do discurso punitivo e resistente às novas medidas alternativas utilizarão as condições pessoais do indiciado para determinar a prisão preventiva infelizmente Dessarte ainda que o juiz não deva desconsiderar as condições do caso concreto há que se ter muito cuidado especialmente pela via do controle da legalidadenecessidade da prisão por parte dos tribunais para não fazer um giro discursivo rumo ao superado direito penal do autor Ainda atento à tradicional falta de proporcionalidade no uso da prisão preventiva o art 283 1º determina Art 283 1º As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade Significa dizer que o juiz deve sempre atentar para a relação existente entre a eventual sanção cominada ao crime em tese praticado e àquela imposta em sede de medida cautelar para impedir que o imputado seja submetido a uma medida cautelar que se revele mais gravosa do que a sanção porventura aplicada ao final É inadmissível submeter alguém a uma prisão cautelar quando a sanção penal aplicada não se constitui em pena privativa de liberdade E mais deve ainda o juiz estar atento para evitar uma prisão cautelar em crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa em que a eventual pena aplicada terá de ser necessariamente substituída por pena restritiva de direitos Neste sentido certeiras são as palavras de BADARÓ23 quando sintetiza que deverá haver uma proporcionalidade entre a medida cautelar e a pena a ser aplicada O juiz deverá também verificar a probabilidade de que ao final se tenha que executar uma pena privativa de liberdade Se a prisão preventiva ou qualquer outra prisão cautelar for mais gravosa que a pena que se espera ser ao final imposta não será dotada do caráter de instrumentalidade e acessoriedade inerentes à tutela cautelar Mesmo no que diz respeito à provisoriedade não se pode admitir que a medida provisória seja mais severa que a medida definitiva que a irá substituir e que ela deve preservar A necessidade preconiza que a medida não deve exceder o imprescindível para a realização do resultado que almeja24 Relacionase assim com os princípios anteriores de provisoriedade e provisionalidade A proporcionalidade em sentido estrito significa o sopesamento dos bens em jogo cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação De um lado o imenso custo de submeter alguém que é presumidamente inocente a uma pena de prisão sem processo e sem sentença e de outro lado a necessidade da prisão e os elementos probatórios existentes Devese considerar a imprescindível incidência do princípio da proporcionalidade sempre conectado que está ao valor dignidade da pessoa humana quando da aplicação da prisão cautelar Em suma diante da polimorfologia do sistema cautelar e das diversas medidas alternativas previstas no art 319 deverá o juiz agir com muita ponderação lançando mão de medidas cautelares isoladas ou cumulativas e reservando a prisão preventiva como verdadeira última ferramenta do sistema Feitas essas considerações sobre a principiologia vejamos agora as prisões cautelares e a pré cautelaridade do flagrante em espécie 4 Da Prisão em Flagrante Medida de Natureza PréCautelar Análise das Espécies Requisitos e Defeitos Garantias Processuais e Constitucionais 41 Por que a Prisão em Flagrante não Pode Por Si Só Manter Alguém Preso Compreendendo sua PréCautelaridade A doutrina brasileira costuma classificar a prisão em flagrante prevista nos arts 301 e seguintes do CPP como medida cautelar Tratase de um equívoco a nosso ver que vem sendo repetido sem maior reflexão ao longo dos anos e que agora com a reforma processual de 2011 precisa ser revisado Como explica CARNELUTTI25 a noção de flagrância está diretamente relacionada a la llama que denota con certeza la combustión cuando se ve la llama es indudable que alguna cosa arde Essa chama que denota com certeza a existência de uma combustão coincide com a possibilidade para uma pessoa de comproválo mediante a prova direta Como sintetiza o mestre italiano a flagrância não é outra coisa que a visibilidade do delito26 Na mesma linha é a advertência de CORDERO27 no sentido de que o flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem no particípio capta a sincronia fatopercepção como uma qualidade do primeiro Essa certeza visual da prática do crime gera a obrigação para os órgãos públicos e a faculdade para os particulares de evitar a continuidade da ação delitiva podendo para tanto deter o autor E por que é dada essa permissão Exatamente porque existe a visibilidade do delito o fumus commissi delicti é patente e inequívoco e principalmente porque essa detenção deverá ser submetida ao crivo judicial no prazo máximo de 24h Determina o art 306 do CPP Art 306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente ao Ministério Público e a família do preso ou à pessoa por ele indicada 1º Em até 24 vinte e quatro horas após a realização da prisão será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e caso o autuado não informe o nome de seu advogado cópia integral para a Defensoria Pública 2º No mesmo prazo será entregue ao preso mediante recibo a nota de culpa assinada pela autoridade com o motivo da prisão o nome do condutor e os das testemunhas Precisamente porque o flagrante é uma medida precária mera detenção que não está dirigida a garantir o resultado final do processo é que pode ser praticado por um particular ou pela autoridade policial Com esse sistema o legislador consagrou o caráter précautelar da prisão em flagrante Como explica BANACLOCHE PALAO28 o flagrante ou la detención imputativa não é uma medida cautelar pessoal mas sim précautelar no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo mas apenas destinase a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar Por isso o autor afirma que é uma medida independente frisando o caráter instrumental e ao mesmo tempo autônomo do flagrante A instrumentalidade manifestase no fato de a prisão em flagrante ser um strumenti dello strumento29 da prisão preventiva ao passo que a autonomia explica as situações em que o flagrante não gera a prisão preventiva ou nos demais casos em que a prisão preventiva existe sem prévio flagrante Destaca o autor que a prisão em flagrante en ningún caso se dirige a asegurar ni la eventual ejecución de la pena ni tampoco la presencia del imputado en la fase decisoria del proceso Não é diversa a lição de FERRAIOLI e DALIA30 larresto in flagranza é uma Misure Pre Cautelari Personali A prisão em flagrante está justificada nos casos excepcionais de necessidade e urgência indicados taxativamente no art 302 do CPP e constitui uma forma de medida précautelar pessoal que se distingue da verdadeira medida cautelar pela sua absoluta precariedade Neste mesmo sentido FERRAIOLI e DALIA afirmam que as medidas précautelares são excepcionais de assoluta precarietà che le connota come iniziative di brevissima durata31 Tratando especificamente da prisão em flagrante a cargo da Polícia Judiciária apontam que essa extensão do poder de iniciativa précautelar significou a aceitação do risco de privação temporária da liberdade pessoal do cidadão por razão de ordem política O instituto fermo di polizia marcou um pesado desequilíbrio na relação autoridadeliberdade e por isso deve ser analisado com sumo cuidado em um Estado Democrático de Direito como o nosso Ainda que utilize uma denominação diferente a posição de CORDERO32 é igual a nossa Para o autor a prisão em flagrante é uma subcautela na medida em que serve de prelúdio preludio subcautelar para eventuais medidas coativas pessoais garantindo sua execução Na essência a compreensão do instituto é a mesma A prisão em flagrante é uma medida précautelar de natureza pessoal cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h onde cumprirá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão agora como preventiva ou não A instrumentalidade manifestase no fato de o flagrante ser um strumenti dello strumento33 a prisão preventiva ao passo que a autonomia explica as situações em que o flagrante não gera a prisão preventiva ou nos demais casos em que a prisão preventiva existe sem prévio flagrante Por isso qualquer pessoa ou a autoridade policial podem prender em flagrante sem ordem judicial Exatamente nesta linha está a nova redação do art 310 do CPP Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Com isso sepultamse de vez as absolutamente ilegais prisões em flagrante que perduravam por vários dias muitas vezes até a conclusão do inquérito policial sem a necessária decretação e fundamentação da prisão preventiva Assim o juiz em até 24h após a efetiva prisão deverá receber o auto de prisão em flagrante e decidir entre o relaxamento conversão fundamentada é óbvio em prisão preventiva enfrentando e motivando o fumus commissi delicti e o periculum libertatis decretação de outra medida cautelar alternativa à prisão preventiva ou concessão da liberdade provisória com ou sem fiança Não existirá mais e juridicamente nunca existiu o manterse alguém preso além das 24h sem uma decisão judicial fundamentada decretando a prisão preventiva E mais essa prisão preventiva a nosso juízo somente poderá ser decretada se houver um pedido do Ministério Público ou autoridade policial pois constitucionalmente é inconcebível que o juiz o faça de ofício Infelizmente o CPP segue tolerando a prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz insistindo no ranço inquisitório Então se estiver presente o periculum libertatis poderá o juiz decretar a prisão preventiva mas mesmo que se admita a prisão de ofício é imprescindível que seja fundamentada Caso não esteja presente o periculum libertatis para justificar a prisão preventiva ou não sendo ela necessária e proporcional deverá o juiz conceder a liberdade provisória mediante fiança ou sem fiança conforme o caso e ainda se necessário cumular com uma ou mais medidas cautelares previstas no art 319 Qualquer que seja o caso o que resulta absolutamente inadmissível é a simples manutenção da prisão em virtude da mera homologação da prisão em flagrante Logo ninguém pode permanecer preso sob o fundamento prisão em flagrante pois esse não é um título judicial suficiente A restrição da liberdade a título de prisão em flagrante não pode superar as 24h prazo máximo para que o auto de prisão em flagrante seja enviado para o juiz competente nos termos do art 306 1º do CPP Por fim destacamos o acerto da Resolução n 66 do Conselho Nacional de Justiça publicada em 27 de janeiro de 2009 cujo art 1º prevê o seguinte Art 1º Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá imediatamente ouvido o Ministério Público nas hipóteses legais fundamentar sobre I a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança quando a lei admitir II a manutenção da prisão quando presentes os pressupostos da prisão preventiva sempre por decisão fundamentada e observada a legislação pertinente ou III o relaxamento da prisão ilegal A Resolução vem ao encontro da nova redação do art 310 do CPP orientando desde antes da reforma a que os juízes recebendo o auto de prisão em flagrante manifestemse sobre a concessão ou não de liberdade provisória e em caso de necessidade de manutenção da segregação decretem a prisão preventiva fundamentadamente Também deverão agora com a nova redação do art 319 fundamentar a substituição por uma ou mais medidas cautelares alternativas 42 Espécies de Flagrante Análise do Art 302 do CPP A Lei n 12403 nada alterou esse tema e as situações de flagrância estão previstas no art 302 do CPP Art 302 Considerase em flagrante delito quem I está cometendo a infração penal II acaba de cometêla III é perseguido logo após pela autoridade pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração IV é encontrado logo depois com instrumentos armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração O flagrante do inciso I ocorre quando o agente é surpreendido cometendo o delito significa dizer praticando o verbo nuclear do tipo Inclusive a prisão nesse momento poderá dependendo do caso evitar a própria consumação Como explica CARNELUTTI34 a noção de flagrância está diretamente relacionada a la llama que denota con certeza la combustión cuando se ve la llama es indudable que alguna cosa arde Coincide com a possibilidade para uma pessoa de comproválo mediante a prova direta Como sintetiza o mestre italiano a flagrância não é outra coisa que a visibilidad del delito35 Na mesma linha argumentativa recordemos a expressão de CORDERO36 no sentido de que o flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem no particípio capta a sincronia fatopercepção como uma qualidade do primeiro A prisão em flagrante nesse caso é detentora de maior credibilidade Ocorre quando o agente é surpreendido durante o iter criminis praticando a conduta descrita no tipo penal sem contudo têlo percorrido integralmente É o caso em que o agente é preso enquanto subtrai a coisa alheia móvel 155 do CP ou ainda no crime de homicídio está agredindo a vítima com a intenção de matála ou seja está praticando o verbo nuclear do art 121 do CP etc No inciso II o agente é surpreendido quando acabou de cometer o delito quando já cessou a prática do verbo nuclear do tipo penal Mas nesse caso o delito ainda está crepitando na expressão de Carnelutti pois o agente cessou recentemente de praticar a conduta descrita no tipo penal É considerado ainda um flagrante próprio pois não há lapso temporal relevante entre a prática do crime no sentido indicado pelo seu verbo nuclear e a prisão Dependendo da situação o imediato socorro prestado à vítima ainda poderá evitar a consumação mas diferenciase da situação anterior na medida em que aqui ele já realizou a figura típica e a consumação já pode inclusive ter ocorrido As situações de flagrância previstas nos incisos III e IV são mais frágeis daí por que a doutrina nacional denominaas quaseflagrante ou flagrante impróprio Pensamos que essas denominações não são adequadas na medida em que traduzem a ideia de que não são flagrantes Dizer que é quase flagrante significa dizer que não é flagrante e isso é um erro pois na sistemática do CPP esses casos são flagrante delito Da mesma forma o adjetivo impróprio traduz um antagonismo com aqueles que seriam os próprios logo a rigor deveria ser utilizado no sentido de recusa o que também não corresponde à sistemática adotada pelo CPP Contudo em que pese nossa discordância empregamos essas denominações por estarem consagradas na doutrina nacional Esses flagrantes dos incisos III e IV são mais fracos mais frágeis sob o ponto de vista da legalidade Isso é consequência do afastamento do núcleo imantador que é a realização do tipo penal refletindo na fragilidade dos elementos que os legitimam caso em que aumenta a possibilidade de serem afastados pelo juiz no momento em que recebe o auto de prisão em flagrante O inciso III do art 302 consagra a possibilidade de prisão em flagrante quando o agente III é perseguido logo após pela autoridade pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração Exigese a conjugação de 3 fatores 1 perseguição requisito de atividade 2 logo após requisito temporal 3 situação que faça presumir a autoria elemento circunstancial O conceito de perseguição pode ser extraído do art 290 do CPP especialmente das alíneas a e b do parágrafo primeiro que definem o seguinte Art 290 1º Entenderseá que o executor vai em perseguição do réu quando a tendoo avistado for perseguindoo sem interrupção embora depois o tenha perdido de vista b sabendo por indícios ou informações fidedignas que o réu tenha passado há pouco tempo em tal ou qual direção pelo lugar em que o procure for no seu encalço Logo a perseguição exige uma continuidade em que perseguidor autoridade policial vítima ou qualquer pessoa vá ao encalço do suspeito ainda que nem sempre tenha o contato visual Devese considerar ainda a necessidade de que a perseguição inicie logo após o crime Esse segundo requisito temporal deve ser interpretado de forma restritiva sem que exista contudo um lapso definido na lei ou mesmo na jurisprudência Exigese um lapso mínimo a ser verificado diante da complexidade do caso concreto entre a prática do crime e o início da perseguição Reforça esse entendimento o fato de que a perseguição na dimensão processual somente é considerada quando há o contato visual inicial ou ao menos uma proximidade tal que permita à autoridade ir ao encalço do agente Elementar portanto que para a própria existência de uma perseguição com contato visual ou quase ela deve iniciar imediatamente após o delito Não existirá uma verdadeira perseguição se a autoridade policial por exemplo chegar ao local do delito 1 hora depois do fato Assim logo após é um pequeno intervalo um lapso exíguo entre a prática do crime e o início da perseguição Também não há que se confundir início com duração da perseguição O dispositivo legal exige que a perseguição inicie logo após o fato ainda que perdure por muitas horas Isso pode ocorrer por exemplo em um crime de roubo a banco em que acionada a polícia chega imediatamente ao local ainda a tempo de sair em perseguição dos assaltantes Essa perseguição não raras vezes envolve troca de veículos novos reféns cercos policiais etc fazendo com que a efetiva prisão ocorra por exemplo 30 horas depois do fato Ainda haverá prisão em flagrante nesse caso pois a perseguição iniciou logo após o crime e durou ininterruptamente todas essas horas culminando com a prisão dos agentes Em suma para existir a prisão em flagrante desse inciso III a perseguição deve iniciar poucos minutos após o fato ainda que perdure por várias horas Por fim o inciso exige que o perseguido seja preso em situação que faça presumir ser autor da infração A rigor a disposição é substancialmente inconstitucional pois à luz da presunção de inocência não se pode presumir a autoria senão que ela deve ser demonstrada e provada Infelizmente o controle da constitucionalidade das leis processuais penais é incipiente muito aquém do necessário para um Código da década de 40 Assim a nefasta presunção da autoria é extraída de elementos como estar na posse dos objetos subtraídos com a arma do crime mediante reconhecimento da vítima etc A última situação de flagrância está prevista no art 302 inciso IV Art 302 IV é encontrado logo depois com instrumentos armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração Esse é o flagrante mais fraco mais frágil e difícil de se legitimar Para sua ocorrência exigese a presença desses três elementos encontrar requisito de atividade logo depois requisito temporal presunção de autoria armas ou objetos do crime O primeiro requisito é que o agente seja encontrado Fazendo uma interpretação sistemática em relação aos incisos anteriores podese afirmar que esse encontrado deve ser causal e não casual É o encontrar de quem procurou perseguiu e depois perdendo o rastro segue buscando o agente Não se trata de um simples encontrar sem qualquer vinculação previamente estabelecida em relação ao delito Assim não há prisão em flagrante quando o agente que acabou de subtrair um veículo é detido por acaso em barreira rotineira da polícia ainda que esteja na posse do objeto furtado Isso porque não existiu um encontrar de quem procurou causal portanto Não significa que a conduta seja impunível nada disso O crime em tese existe Apenas não há uma situação de flagrância para justificar a prisão com esse título Cuidado nesse caso para não incorrer na equivocada interpretação de que haveria crime permanente de receptação e que portanto haveria flagrância Errado A receptação efetivamente é um crime permanente e que justifica a incidência do art 303 do CPP Não existe crime de receptação quando o próprio autor do furto está na posse dos objetos subtraídos A posse é o exaurimento impunível do crime de furto Quanto ao requisito temporal ainda que a doutrina costume identificar as expressões logo após e logo depois no sentido de que representam pequenos intervalos lapsos exíguos entre a prática do crime e o encontro ou o início da perseguição no caso do inciso III pensamos que as situações são distintas Realmente estão na mesma dimensão de exiguidade temporal Contudo para que exista a perseguição do inciso III o espaço de tempo deve ser realmente breve pois a própria perseguição exige o sair no encalço do agente preferencialmente com contato visual Logo para que isso seja possível o intervalo deve ser bastante exíguo Já o requisito temporal do inciso IV pode ser mais dilatado Isso porque o ato de encontrar é substancialmente distinto do de perseguir Para perseguir há que se estar próximo Já o encontrar permite um intervalo de tempo maior entre o crime e o encontro com o agente Basta pensar no seguinte exemplo uma quadrilha rouba um estabelecimento comercial e foge Para existir perseguição a polícia deve chegar poucos minutos após a saída do estabelecimento pois somente assim poderá efetivamente perseguir no sentido empregado pelo art 290 Caso isso não seja possível diante da demora com que a polícia chegou ao local do crime passamos para a situação prevista no inciso IV quando são montadas barreiras policiais nas saídas da cidade e vias de acesso àquele local onde o crime foi praticado buscando encontrar os agentes Haverá prisão em flagrante se os autores do delito forem interceptados em uma barreira policial encontrar causal com as armas do crime e o dinheiro subtraído ainda que isso ocorra muitas horas depois do crime Daí por que pensamos que a expressão logo depois representa um período mais elástico que excede aquele necessário para que se configure o logo após do inciso III Por fim sublinhamos que não estando configuradas as situações anteriormente analisadas e preenchidos os requisitos de cada uma a prisão em flagrante é ilegal e deve ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária competente Ainda que ilegal o flagrante nada impede que seja postulada pelo Ministério Público a prisão preventiva ou temporária se for o caso que poderá ser decretada pelo juiz desde que preenchidos os requisitos a seguir analisados 43 Flagrante em Crime Permanente A Problemática do Flagrante nos Crimes Habituais Além das situações de flagrância previstas no art 302 devese atentar para o disposto no art 303 in verbis Art 303 Nas infrações permanentes entendese o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência Como explica ROXIN37 delitos permanentes são aqueles em que o crime não está concluído com a realização do tipo senão que se mantém pela vontade delitiva do autor por tanto tempo como subsiste o estado antijurídico criado por ele mesmo E prossegue o autor afirmando que os crimes permanentes são em sua maioria delitos de mera atividade mas também podem ser delitos de resultado no caso em que um determinado resultado constantemente volte a realizarse de novo mantendose o estado antijurídico CIRINO DOS SANTOS38 esclarece que os tipos permanentes não se completam na produção de determinados estados porque a situação típica criada se prolonga no tempo conforme a vontade do autor como o sequestro ou cárcere privado art 148 a violação de domicílio art 150 em que a consumação já ocorre com a realização da ação típica mas permanece em estado de consumação enquanto dura a invasão da área protegida pelo tipo legal São ainda exemplos de crimes permanentes a ocultação de cadáver art 211 do CP receptação na modalidade ocultar art 180 do CP ocultação de bens direitos e valores art 1º da Lei n 961398 evasão de divisas na forma da manutenção de depósitos não informados no exterior art 22 parágrafo único da Lei n 749286 etc Em todos esses casos a consumação se prolonga no tempo fazendo com que exista um estado de flagrância igualmente prolongado Enquanto durar a permanência pode o agente ser preso em flagrante delito pois considerase que o agente está cometendo a infração penal nos termos em que prevê o inciso I do art 302 Assim a descoberta de um cadáver ocultado ou de bens e valores no caso do delito de lavagem autoriza a prisão em flagrante do agente pois é como se o crime estivesse sendo praticado naquele momento Da mesma forma enquanto o agente tiver em depósito ou guardar drogas para entregar a consumo ou fornecer art 33 da Lei n 113432006 haverá uma situação de flagrante permanente É importante recordar que o crime permanente estabelece uma relação com a questão da prisão em flagrante e por consequência com a própria busca domiciliar anteriormente tratada Isso porque como já explicamos enquanto o delito estiver ocorrendo manter em depósito guardar ocultar etc poderá a autoridade policial proceder à busca a qualquer hora do dia ou da noite independente da existência de mandado judicial art 5º XI da Constituição Noutra dimensão os crimes habituais exigem a prática reiterada e com habitualidade daquela conduta descrita no tipo Como sublinha BITENCOURT39 ao comentar o delito de curandeirismo um exemplo claro de crime habitual a habitualidade é imprescindível para a caracterização do delito em qualquer de suas modalidades devendo o agente agir com a vontade consciente de praticar reiteradamente qualquer das condutas descritas no tipo penal no caso art 284 do CP Outros exemplos de crimes habituais são a manutenção de casa de prostituição art 229 do CP e o exercício ilegal da medicina art 282 do CP É possível a prisão em flagrante por crime habitual A pergunta somente pode ser respondida a partir da compreensão da íntima relação que se estabelece entre flagrante e os conceitos jurídicopenais de tentativa e consumação Somente podemos afirmar que alguém está cometendo um delito ou que acabou de cometêlo recorrendo aos conceitos de tentativa e consumação do Direito Penal Em outras palavras é analisando o iter criminis que se verifica quando o agente inicia a prática do verbo nuclear do tipo e quando o realiza inteiramente Isso é fundamental para o conceito de flagrante delito Daí por que a polêmica antes de ser processual é penal A maioria dos penalistas não aceita a tentativa de crime habitual Nessa linha BITENCOURT40 explica que é inadmissível a tentativa em razão de a habitualidade ser característica dessa infração penal Somente a prática reiterada de atos que isoladamente constituem indiferente penal é que acaba configurando essa infração penal Logo nessa linha de pensamento é inviável definirse quando o agente está cometendo a infração ou quando acabou de cometêla pois um ato isolado é um indiferente penal Se a polícia surpreende alguém cometendo um ato de curandeirismo isso é atípico e portanto não há flagrante delito O crime somente existirá quando habitualmente ele exercer essa atividade Essa é a posição majoritária no sentido de que não existe possibilidade de prisão em flagrante por crime habitual Contudo devese ter presente a lição de ZAFFARONI e PIERANGELLI41 que em linha diversa sustentam que o critério da inadmissibilidade da tentativa é válido quando se entende o crime habitual como delito constituído de uma pluralidade necessária de condutas repetidas Porém argumentam os autores não é aceitável conceberse assim o crime habitual porque não só não haveria tentativa senão sequer também haveria consumação Quando estaria consumado o delito habitual Na segunda na terceira na décima repetição da mesma conduta Esta dificuldade levou a doutrina moderna a considerar o crime habitual como um tipo que contém um elemento subjetivo diferente do dolo ou seja o delito habitual ficaria consumado com o primeiro ato mas que além do dolo exige a habitualidade como elemento do animus do autor Seguindo esse raciocínio os autores posicionamse no sentido de que haveria tentativa de curandeirismo na conduta de quem havendo instalado um consultório médico sem diploma e sem licença está examinando um paciente ainda que sequer tenha receitado qualquer medicamento e possui outros pacientes na sala de espera Quando atender a todos estaria consumado o delito de modo que a interrupção do iter criminis nesse momento constituiria a tentativa do crime Aceitandose essa tese podese sustentar a legalidade da prisão em flagrante neste momento Do contrário a conduta seria atípica e o flagrante ilegal 44 ILegalidade dos Flagrantes Forjado Provocado Preparado Esperado e Protelado ou Diferido Conceitos e Distinções Prisão em Flagrante e Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada e Pública Condicionada à Representação O flagrante forjado existe quando é criada forjada uma situação fática de flagrância delitiva para tentar legitimar a prisão Criase uma situação de fato que é falsa Exemplo típico é o enxerto de substâncias entorpecentes ou armas para a partir dessa posse forjada falsamente criada realizar a prisão em flagrante do agente É portanto um flagrante ilegal até porque não existe crime O flagrante provocado também é ilegal e ocorre quando existe uma indução um estímulo para que o agente cometa um delito exatamente para ser preso Tratase daquilo que o Direito Penal chama de delito putativo por obra do agente provocador BITENCOURT42 explica que isso não passa de uma cilada uma encenação teatral em que o agente é impelido à prática de um delito por um agente provocador normalmente um policial ou alguém a seu serviço É o clássico exemplo do policial que se fazendo passar por usuário induz alguém a venderlhe a substância entorpecente para a partir do resultado desse estímulo realizar uma prisão em flagrante que será ilegal É uma provocação meticulosamente engendrada para fazer nascer em alguém a intenção viciada de praticar um delito com o fim de prendê lo Penalmente considerase que o agente não tem qualquer possibilidade de êxito aplicandose a regra do crime impossível art 17 do CP Art 17 Não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto é impossível consumarse o crime É portanto ilegal o flagrante provocado O flagrante preparado é ilegal pois também vinculado à existência de um crime impossível Aqui não há indução ou provocação senão que a preparação do flagrante é tão meticulosa e perfeita que em momento algum o bem jurídico tutelado é colocado em risco Aplicase nesse caso o disposto na Súmula n 145 do STF Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação Noutra dimensão o flagrante esperado exige muito cuidado e tem sua legalidade ou ilegalidade aferida no caso concreto pois dependendo da situação estaremos diante de um crime impossível aplicandose o que dissemos no flagrante preparado e a incidência da Súmula n 145 do STF Mas nem todo flagrante esperado é ilegal pois nem sempre haverá crime impossível Assim quando a polícia não induz ou instiga ninguém apenas colocase em campana vigilância e logra prender o agressor ou ladrão a prisão é válida e existe crime É o que ocorre na maioria das vezes em que a polícia de posse de uma informação se oculta e espera até que o delito esteja ocorrendo para realizar a prisão Não se trata de delito putativo ou de crime impossível Exemplo recorrente é quando a polícia tem a informação de que esse ou aquele estabelecimento comercial ou bancário será alvo de um roubo e colocase em posição de vigilância discreta e logra surpreender os criminosos Não há ineficácia absoluta do meio empregado ou absoluta impropriedade do objeto para falarse em crime impossível Existe o crime inclusive dependendo do caso a atuação policial poderá impedir a consumação havendo apenas tentativa e a prisão em flagrante é perfeitamente válida Por fim o flagrante protelado ou diferido ação controlada na terminologia da Lei está previsto nos arts 8º e 9º da Lei n 128502013 e se aplica somente nos casos de organização criminosa Art 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que se for o caso estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público 2º A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada 3º Até o encerramento da diligência o acesso aos autos será restrito ao juiz ao Ministério Público e ao delegado de polícia como forma de garantir o êxito das investigações 4º Ao término da diligência elaborarseá auto circunstanciado acerca da ação controlada Art 9º Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto objeto instrumento ou proveito do crime Tal dispositivo somente pode ser aplicado aos casos de organização criminosa e autoriza a polícia a retardar sua intervenção prisão em flagrante para realizarse em momento posterior por isso diferido mais adequado sob o ponto de vista da persecução penal É uma autorização legal para que a prisão em flagrante seja retardada ou protelada para outro momento que não aquele em que o agente está cometendo a infração penal excepcionando assim as regras contidas nos arts 301 e 302 I do CPP Retardase a prisão em flagrante a lei infelizmente não define limite temporal para por exemplo uma semana depois da prática do crime Com isso a polícia mantém o suspeito sob monitoramento para ter acesso aos demais membros da organização criminosa bem como apurar a prática de outros delitos No momento mais oportuno realiza a prisão em flagrante de todos os agentes Por exemplo diante de uma complexa organização criminosa que tem por objeto o roubo de cargas e posterior distribuição a uma rede de fornecedores a polícia deixa de prender aqueles agentes que cometeram o roubo no momento em que o estão praticando para monitorandoos descobrir o local em que a carga é escondida e o caminhão desmontado para ser vendido em um desmanche ilegal De posse dessas informações descobre ainda quem são os receptadores e quando tiver provas suficientes dos crimes e da estrutura da organização criminosa realiza a prisão em flagrante de todos os agentes A rigor não haveria prisão em flagrante daqueles que cometeram o roubo pois passados muitos dias da sua ocorrência sendo inaplicável qualquer dos incisos do art 302 Contudo diante da autorização contida no art 2º II está legitimado o flagrante retardado ou protelado Tratase por outro lado de uma situação bastante perigosa sob o ponto de vista dos direitos e garantias individuais pois abre a possibilidade de abusos e ilegalidades por parte da autoridade policial Daí por que se trata de medida excepcional e que deve ser objeto de rigoroso controle de legalidade por parte do Ministério Público e do juiz competente que deverá fixar os limites temporais para essa ação controlada bem como amplamente documentada com filmagem fotos e todos os meios que permitam controlar a legalidade da atuação policial Havendo dúvida deve o flagrante ser relaxado por ilegal sem prejuízo de eventual prisão preventiva em caso de estarem presentes seus requisitos que são completamente diversos daqueles que disciplinam a prisão em flagrante Ao término da diligência deverá ser elaborado um auto circunstanciado contendo toda a descrição da ação controlada Importante destacar a posição de BADARÓ43 que em linha diametralmente oposta nega que o flagrante diferido ou retardado seja uma nova modalidade de prisão Entende que há apenas uma autorização legal para que a autoridade policial e seus agentes que a princípio teriam a obrigação de efetuar a prisão em flagrante CPP art 310 2ª parte deixem de fazêlo com vistas a uma maior eficácia da investigação E ainda explica que obviamente a autoridade policial no momento posterior quando descobrir os elementos mais relevantes não poderá realizar a prisão em flagrante pelo ato pretérito que foi tolerado com vista à eficácia da investigação Adotar a tese defendida por BADARÓ que nos parece bastante razoável ainda mais diante da nebulosidade e liquefação do conceito de flagrante diferido bem como pela ausência de uma clara definição do limite temporal em que ele pode ocorrer em nada prejudicaria a eficácia do sistema penal repressivo A autoridade policial está autorizada apenas a deixar de proceder naquele exato momento para que possa obter maiores informações que deem um lastro probatório mais robusto para a investigação Depois disso o que deverá ser feito em caso de necessidade demonstrada é representar pela prisão temporária ou preventiva Com isso o flagrante diferido não constitui uma nova modalidade de prisão senão um instrumentomeio com vistas à eficácia da investigação A partir das informações obtidas pelo não agir da polícia naquele momento instrumentalizase o posterior pedido de prisão temporária ou preventiva Mudando o enfoque apenas para não deixar passar sem qualquer comentário vejamos a problemática teórica em torno da prisão em flagrante por delito de ação penal de iniciativa privada e também quando a iniciativa é pública mas condicionada à representação Tratase de uma questão que atualmente revestese de pouca relevância prática pois esses delitos na sua imensa maioria e a quase totalidade daqueles de iniciativa privada são considerados de menor potencial ofensivo abrangidos portanto pela Lei n 909995 Determina o art 69 parágrafo único da Lei n 9099 que ao autor do fato que após a lavratura do termo circunstanciado for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer não se imporá prisão em flagrante Logo não existe prisão em flagrante em crime de menor potencial ofensivo esvaziando a discussão muito mais teórica do que prática em torno dos crimes de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação Excepcionalmente diante de um crime de ação penal pública condicionada a representação em que existe prisão em flagrante obviamente não se aplica o prazo decadencial de 6 meses devendo ela ser feita no prazo máximo de 24h que rege a confecção e conclusão do auto de prisão em flagrante Se o inquérito tem início com o auto de prisão em flagrante e se esse mesmo inquérito não pode iniciar sem a representação art 5º IV é óbvio que ela tem de ser feita neste momento Inclusive pensamos que deve ser relaxada a prisão em flagrante caso não venha devidamente acompanhada da representação da vítima 45 Síntese do Procedimento Atos que Compõem o Auto de Prisão em Flagrante Imediatamente após a detenção deverá o preso ser apresentado à autoridade policial A demora injustificada poderá constituir o crime de abuso de autoridade Lei n 4898 em se tratando de agentes do Estado ou caso a prisão tenha sido realizada por particular estaremos diante em tese dos delitos de constrangimento ilegal art 146 ou sequestro e cárcere privado art 148 conforme o caso Apresentado o preso à autoridade policial estabelece o art 304 do CPP44 que deverá esta ouvir o condutor ou seja aquele que realizou a prisão e conduziu o detido Na continuação ouvirá as testemunhas que presenciaram os fatos eou a prisão e ao final interrogará o preso Tudo isso deverá ser formalizado e devidamente assinado pela autoridade e as respectivas pessoas que prestaram as declarações Não havendo testemunhas da infração é claro que a manutenção da prisão em flagrante é muito mais problemática mas isso não impede que em tese seja realizada Determina o art 304 2º que nesse caso deverão assinar pelo menos duas pessoas que tenham testemunhado a apresentação do preso à autoridade São por assim dizer meras testemunhas de apresentação pois nada sabem do fato criminoso ou do ato da prisão Ao final será ouvido o preso Quanto ao seu interrogatório aplicase tudo o que já dissemos anteriormente quando abordamos o interrogatório no capítulo das Das Provas em Espécie Cumpre recordar apenas a imprescindível presença de defensor que se lhe deve assegurar o direito de conversar reservadamente com o preso o direito de silêncio enfim plena observância do disposto no art 185 do CPP Quanto à possibilidade de o advogado ao final formular perguntas ao detido ou seja sobre a incidência ou não do art 188 no interrogatório policial não vemos qualquer empecilho Inicialmente porque existe sim direito de defesa no inquérito policial pessoal e técnica e também contraditório no seu primeiro momento de informação Claro que os níveis de eficácia desses direitos são muito menores do que aqueles alcançáveis no processo isso é elementar Como também é elementar que o art 5º LV da Constituição deve ser realizado potencializandose o pouco de defesa e contraditório existentes Daí por que não vemos qualquer problema de ordem teórica ou prática em permitir que ao final o advogado faça perguntas para complementar o depoimento do preso O interrogatório será reduzido a termo e assinado pelo imputado seu advogado e claro pela autoridade policial Se o preso se recusar a assinar ou estiver impossibilitado de fazêlo por qualquer motivo o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas de leitura ou seja que tenham assistido à leitura do depoimento do preso e demais peças na presença dele Ao final será dada ao preso a nota de culpa com o motivo da prisão o nome do condutor e os das testemunhas assinando ele o recibo respectivo Caso se recuse a assinar esse recibo da nota de culpa ou estiver impossibilitado de fazêlo novamente deverá o delegado lançar mão de duas testemunhas que assinem comprovando a entrega Formalizado e finalizado assim o auto de prisão em flagrante deverá ser imediatamente remetido ao juiz competente Destaquese por último a nova redação do art 322 do CPP em que a autoridade policial poderá conceder fiança imediatamente e antes de enviar o autor de prisão em flagrante para o juiz nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 quatro anos 46 Garantias Constitucionais e Legalidade da Prisão em Flagrante Análise do Art 306 do CPP Inicialmente devese dar eficácia às seguintes garantias constitucionais previstas no art 5º da Constituição que vinculam a própria validade da prisão em flagrante para além das regras processuais Art 5º LXI ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei LXII a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada LXIII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado LXIV o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial LXV a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária LXVI ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança A regra do inciso LXI restringe a possibilidade de prisão a dois casos excetuando os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar flagrante delito ordem judicial escrita e fundamentada Com isso sepultouse a chamada prisão para averiguações e coisas do gênero pois somente haverá prisão nos dois casos mencionados Recordemos ainda que a prisão em flagrante é précautelar e sua precariedade exige que o auto de prisão em flagrante seja encaminhado em até 24h para o juiz que então de forma escrita e fundamentada irá enfrentar a possibilidade de concessão de liberdade provisória com ou sem aplicação de medidas cautelares diversas art 310 cc 319 ou se necessário e houver pedido por parte do Ministério Público ou da polícia decretará a prisão preventiva Então a manutenção da prisão agora como preventiva exigirá uma decisão escrita e fundamentada do juiz O inciso LXII impõe uma importante formalidade que é a dupla comunicação da prisão que deverá ser imediatamente levada ao conhecimento do juiz competente e também à família do preso ou pessoa por ele indicada Além dessas garantias constitucionais é muito importante o disposto no art 306 do CPP Art 306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente ao Ministério Público e à família do preso ou a pessoa por ele indicada 1º Em até 24h vinte e quatro horas após a realização da prisão será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e caso o autuado não informe o nome de seu advogado cópia integral para a Defensoria Pública 2º No mesmo prazo será entregue ao preso mediante recibo a nota de culpa assinada pela autoridade com o motivo da prisão o nome do condutor e o das testemunhas A nova redação dada pela Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 inseriu a imediata comunicação da prisão também ao Ministério Público até para que possa acompanhar o desenrolar da situação e postular a prisão preventiva ou alguma outra medida cautelar diversa Mas é fundamental sublinhar a necessidade de que o juiz seja imediatamente comunicado da prisão isso pode ser feito por fax independente da hora e dia em que ocorrer bem como ao Ministério Público e a pessoa indicada pelo preso seja enviado ao juiz em até 24h45 depois da prisão o auto de prisão em flagrante completo no mesmo prazo caso o preso não indique um advogado que o acompanhe não basta a mera indicação de nome deverá estar efetivamente acompanhado deverá ser enviada cópia integral para a defensoria pública A inobservância dessa regra conduz à ilegalidade da prisão em flagrante cabendo ao juiz quando receber os autos e verificar que não houve a comunicação imediata ao juiz plantonista à família do preso e ao Ministério Público deixar de homologar o auto de prisão em flagrante relaxando a prisão por ilegalidade formal Igual postura deverá adotar quando verificar a inobservância do disposto nos incisos LXIII e LXIV relaxando a prisão em flagrante por ilegalidade Menciona ainda o art 306 que ao preso será dada nota de culpa nesse mesmo prazo máximo de 24h A nota de culpa explica ESPÍNOLA FILHO46 é uma grande conquista para desterrar o antigo segredo com que se oprimia o indiciado Tem como efeito tornar definido o motivo da prisão dando notícia da causa determinante de tal medida com a indicação dos elementos de acusação que a sustentam referindo os nomes dos condutores e testemunhas cujos depoimentos ampararam a realização do auto de prisão em flagrante Portanto dois momentos devem ser rigidamente observados a comunicação imediata da prisão ao juiz e demais pessoas indicadas no art 306 e a necessária conclusão do auto de prisão em flagrante expedição da nota de culpa e o encaminhamento para a autoridade judiciária em até 24h Tudo isso sob pena de ilegalidade formal da prisão em flagrante e consequente relaxamento 47 A Decisão Judicial Sobre o Auto de Prisão em Flagrante Aspectos Formais e Análise da Necessidade da Decretação da Prisão Preventiva Recebendo o auto de prisão em flagrante deverá o juiz proceder nos termos do art 310 ou seja 1º Momento analisar o aspecto formal do auto de prisão em flagrante bem como a legalidade ou ilegalidade do próprio flagrante através da análise dos requisitos do art 302 do CPP Se legal homologa se ilegal nos casos de flagrante forjado provocado etc deverá relaxála 2º Momento homologando a prisão em flagrante deverá sempre enfrentar a necessidade ou não da prisão preventiva a concessão da liberdade provisória com ou sem fiança e a eventual imposição de medida cautelar diversa No primeiro momento o que faz o juiz é avaliar a situação de flagrância se realmente ocorreu alguma das situações do art 302 ou 303 anteriormente analisados e ainda se todo o procedimento para elaboração do auto de prisão em flagrante foi devidamente desenvolvido especialmente no que tange à comunicação imediata da prisão ao juiz a entrega da nota de culpa ao preso e a remessa ao juízo no prazo de 24 horas É em última análise a fiscalização da efetivação do disposto no art 306 Superada a análise formal vem o ponto mais importante a decretação de alguma das medidas cautelares pessoais É importante recordar o que dissemos anteriormente sobre a précautelaridade da prisão em flagrante ou seja o flagrante não prende por si só e tampouco mantém alguém preso além das 24h necessárias para sua elaboração Logo para que o agente permaneça preso ou submetido a qualquer medida cautelar é imprescindível uma decisão judicial fundamentada Recordemos o teor do art 310 Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação A conversão da prisão em flagrante em preventiva não é automática e tampouco despida de fundamentação E mais a fundamentação deverá apontar além do fumus commissi delicti e o periculum libertatis os motivos pelos quais o juiz entendeu inadequadas e insuficientes as medidas cautelares diversas do art 319 cuja aplicação poderá ser isolada ou cumulativa O fumus commissi delicti não constitui o maior problema na medida em que o próprio flagrante já é a visibilidade do delito ou seja já constitui a verossimilhança de autoria e materialidade necessárias neste momento O ponto nevrálgico é a avaliação da existência de periculum libertatis ou seja a demonstração da existência de um perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo previsto no CPP como o risco para a ordem pública ordem econômica conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal São conceitos que pretendem designar situações fáticas cuja proteção se faz necessária constituindo assim o fundamento periculum libertatis sem o qual nenhuma prisão preventiva poderá ser decretada Tais situações para a decretação da prisão são alternativas e não cumulativas de modo que basta uma delas para justificarse a medida cautelar Qualquer que seja o fundamento da prisão é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis ou seja não bastam presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida Sem o periculum libertatis a prisão preventiva ou qualquer outra medida cautelar art 319 não poderá ser decretada ainda que se tenha a fumaça do crime Mas mesmo que se tenha uma situação de perigo a ser cautelarmente tutelado é imprescindível que o juiz o analise à luz dos princípios da necessidade excepcionalidade e proporcionalidade anteriormente explicados se não existe medida cautelar diversa que aplicada de forma isolada ou cumulativa se revele adequada e suficiente para tutelar a situação de perigo Com a nova redação do art 319 do CPP e a consagração de diversas medidas cautelares diversas da prisão preventiva deverá o juiz verificar se o risco apontado não pode ser tutelado por alguma delas Assim por exemplo se o risco apontado é o de fuga do agente poderá o juiz determinar cumulativamente pagamento de fiança comparecimento periódico em juízo até mesmo diariamente em situações excepcionais e proibição de ausentarse da comarca ou país com a respectiva entrega de passaporte art 319 IV cc art 320 Da mesma forma poderá determinar o pagamento de fiança e a submissão a monitoramento eletrônico ou mesmo monitoramento eletrônico com o dever de recolhimento domiciliar noturno art 319 V Enfim um leque de opções está ao alcance do juiz para tutelar o risco de liberdade do imputado devendo a prisão preventiva ser efetivamente reservada para situações de real excepcionalidade Por último vejamos a regra contida no art 310 parágrafo único Art 310 Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o preso praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decreto Lei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Tal regra já existia mas ocupava o caput do art 310 e vem na mesma linha do art 314 de que a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I II e III do art 23 do Código Penal ou seja ao abrigo de uma das causas de exclusão da ilicitude Não se pode exigir para tanto prova plena da excludente mas apenas uma fumaça suficiente sendo inclusive neste momento invocável o in dubio pro reo Considerando que a prisão preventiva é medida extremamente grave e último instrumento a ser utilizado havendo indícios mínimos de ter o agente cometido o delito em legítima defesa por exemplo não é necessária nem proporcional a prisão Tampouco pode ser decretada a prisão preventiva porque por exemplo a legítima defesa ou qualquer outra excludente não restou suficientemente provada Ao imputado não se lhe atribui qualquer carga probatória no processo penal sendo descabida a exigência de que ele prove que agiu ao abrigo da excludente Basta que exista a fumaça da excludente para enfraquecer a própria probabilidade da ocorrência de crime sendo incompatível com a prisão cautelar ainda que em sede de probabilidade todos esses elementos sejam objeto de análise e valoração por parte do juiz no momento de aplicar uma medida coercitiva de tamanha gravidade Por fim atendendo às peculiaridades do caso e à necessidade nada impede que o juiz conceda liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo como determina o dispositivo legal e cumule com uma medida cautelar diversa prevista no art 319 como proibição de ausentarse da comarca ou país dever de comparecimento periódico etc 48 A Separação dos Presos Provisórios e a Prisão em Flagrante de Militar Art 300 parágrafo único Estabelece o art 300 que os presos provisórios deverão ficar separados daqueles que já estiverem definitivamente condenados Não se trata de uma inovação propriamente mas sim de reforçar uma regra já existente desde 1984 na Lei de Execuções Penais e pouco observada É uma tentativa de dar eficácia a uma norma préexistente e que nunca funcionou No fundo deveríamos ter realmente casas prisionais distintas para presos cautelares e definitivamente condenados ou no mínimo alas e galerias completamente separadas para reduzir o nível de violência e submissão e ainda a negativa promiscuidade que se estabelece Mas uma regra verdadeiramente nova é a estabelecida no art 300 parágrafo único Art 300 Parágrafo único O militar preso em flagrante delito após a lavratura dos procedimentos legais será recolhido a quartel da instituição a que pertencer onde ficará preso à disposição das autoridades competentes Tendo em vista o gradativo esvaziamento da justiça militar nas últimas décadas limitandoa ao julgamento dos crimes militares praticados por militar nas situações do art 9º do Código Penal Militar e ainda exigindo a jurisprudência que seja demonstrado o peculiar interesse militar47 pensamos que essa regra só pode encontrar sentido nesta perspectiva Considerando que o dispositivo é completamente novo e estranho ao sistema processual vigente pensamos que a jurisprudência deverá definir os limites de aplicação da regra mas arriscamos a opinião no sentido de uma interpretação ampla ou seja de que o militar deverá ser recolhido ao quartel tanto nos crimes militares como também nos crimes comuns Quando o militar for preso em flagrante em razão de sua atividade propter oficium por crime de competência da justiça militar como a situação do desertor e do insubmisso apontado no artigo inequivocamente deverá ser recolhido ao quartel da instituição a que pertence Já nas situações de crimes comuns o recolhimento ao quartel é necessário para assegurar a integridade física do militar Colocar policiais militares em um estabelecimento penal comum é inviável Contudo é prematuro fazer uma afirmação categórica neste sentido cabendo aos tribunais brasileiros definirem os limites de incidência da norma 49 Refletindo sobre a Necessidade do Processo Ainda que Exista Prisão em Flagrante Contaminação da Evidência Alucinação e Ilusão de Certeza Como já explicamos o tempo e a aceleração norteiam nossas vidas e por consequência afetam o direito e nossa relação com ele É inevitável a comparação e insatisfação da dinâmica social com o tempo do direito conduzindo a uma busca incessante por mecanismos de aceleração do tempo do processo numa desesperada tentativa de aproximação com o imediatismo que vivemos Sempre que uma pessoa é surpreendida cometendo um delito art 302 I ou quando acabou de cometêlo art 302 II existe o que se chama de visibilidade ou seja uma certeza visual que decorre da constatação direta Os demais casos incisos III e IV são construções artificiais do processo penal e que na realidade estão fora do que realmente seja o flagrante Imediatamente a partir das imagens o sujeito tem certeza de que aquela pessoa cometeu um delito A partir disso surge automaticamente uma questão por que precisamos de um longo processo para discutir o que já está provado Será que o flagrante não autorizaria um juízo imediato Partindo da premissa de que o flagrante é a evidência a questão é definir a necessidade ou não de buscar uma verdade no processo ou ainda quais são os níveis de contaminação da evidência sobre a verdade A questão é complexa mas foi muito bem apresentada por RUI CUNHA e FERNANDO GIL48 para quem a evidência não basta para afirmação da verdade ainda que exista uma proximidade fortíssima entre verdade e evidência A verdade processual ou formal necessita desprenderse da evidência para ser construída Ela não é dada pela evidência senão que terá de ser descoberta no curso do processo Como explica FERNANDO GIL49 há na evidência um excesso epistêmico diante da posição do sujeito em face do conhecimento A evidência significa agora presentificação do sentido e da verdade como autossuficientes e autoposicionandose como sugere a expressão index sui Uma verdade índice de si mesma é excessiva por natureza Existe um claro caráter alucinatório na evidência que conduz a um contágio dela sobre a verdade Isso porque a verdade evidente é vista com os olhos da mente e não se pode dizer de outro modo E a evidência contagia a verdade na medida em que o desprendimento da evidência que falava há um instante nunca pode ser completo tal significaria que o sujeito deixaria de ser sujeito que a primeira pessoa se transformaria na terceira pessoa50 A questão nuclear é que a verdade deve ser construída não se constituindo apenas pela evidência Deve desprenderse da evidência relativizandoa e submetendoa a certas exigências A verdade exige certos critérios e a própria racionalidade critica a evidência pelo inerente caráter alucinatório e as projeções imaginárias que são vividas na atualidade do conhecer51 Há que distinguir na esteira de RUI CUNHA e FERNANDO GIL52 verdade da evidência e verdade da prova A primeira verdade da evidência é alheia à ideia de processo pois ela constitui o que se chama o desdobramento do sentido na indicação da própria verdade pondose por si Já a verdade da prova mais adequada à verdade processual necessita de dispositivos exteriores de avaliação e comprovação Isso porque trabalha de modo não alucinatório Aqui está a questão fundamental bem identificada pelos autores o processo e a prova nele colhida servem para de alguma maneira corrigir esse caráter alucinatório da evidência Logo o processo é um instrumento de correção do caráter alucinatório da evidência Devese considerar ainda que a convicção como o saber é datada Isso porque uma convicção hoje pode cair perfeitamente por terra amanhã quando repousarmos um olhar mais tranquilo e distante do acontecimento e da imagem Para ter uma verdade processual a evidência deve passar pelos filtros do processo somente resistindo se conseguir provar que não é uma ilusão uma fabricação ou uma alucinação Por isso o processo deve alcançar um alto grau de correção da alucinação inerente à evidência Maior cuidado devese ter ainda com a evidência midiática ou seja com as imagens captadas pelos meios de comunicação de um flagrante delito Essa exige maior cuidado porque a mídia como um todo e a imagem em específico possuem um imenso déficit de correção e por isso está muito mais próxima da evidência e da alucinação Não há dúvida de que existe ainda um sobrecusto alucinatório derivado do filtro do cronista que se interpõe entre o fato e o espectador a manipulação de imagens e os naturais interesses econômicos aferidos nos indicadores de audiência FERNANDO GIL destaca ainda que a mídia está com certeza fora da verdade da prova Não é apta a corrigir o caráter alucinatório da imagem gerada pela evidência senão que se contenta em excitar o afeto e a comover Segundo o autor tratase de uma patologia da pura retórica não da argumentação dialética ou da demonstração53 Em definitivo não há que se iludir com a evidência e tampouco deixála contaminar excessivamente a verdade que deve ser construída e buscada no processo verdadeiro instrumento de correção da alucinação e da comoção Para os autores o maior receio do garantismo é que o momento decisório assentimento do juiz onde ele aceita ou não as teses apresentadas ocorra cedo demais situandose assim ao nível da respectiva temporalidade O garantismo seria assim um sistema de limite de constrangimento à evidência na medida em que a submete ao tempo do processo com suas etapas de investigação acusação defesa e decisão Isso serve para evitar os juízos imediatos realizados ainda no calor da irracional emoção e contaminados pelo sentimento de vingança Como conclui FERNANDO GIL a verdade não tem pedra de toque Ou se quiser a sua única pedra de toque é a convicção não apressada54 Por tudo isso o flagrante não basta por si só É necessário que seja devidamente provado no processo segundo suas regras 410 Relação de Prejudicialidade Prestação de Socorro Art 301 da Lei n 950397 e Prisão em Flagrante Até a entrada em vigor da Lei n 124032011 o art 317 do CPP disciplinava a apresentação espontânea fator impeditivo da prisão em flagrante mas não de eventual prisão temporária ou preventiva Isso porque se o réu se apresentasse espontaneamente à autoridade policial narrando e reconhecendo a autoria de um fato criminoso muitas vezes desconhecido pela própria polícia não haveria motivo para lavrarse o auto de prisão em flagrante Tratavase de uma postura incompatível com a intenção de fugir ou ocultarse esvaziando os motivos da prisão em flagrante É uma incompatibilidade genética Não obstante com o advento da Lei n 124032011 os arts 317 e 318 foram revogados e agora esses dispositivos disciplinam a prisão domiciliar Assim o instituto da apresentação espontânea deixou formalmente de existir Mas havendo uma situação fática na qual o imputado se apresenta espontaneamente à polícia ainda que seja formalizada a prisão flagrante desde que exista uma das situações do art 302 anteriormente explicadas pensamos que tal circunstância deverá ser bem sopesada pelo juiz ao receber o auto de prisão em flagrante nos termos do art 310 do CPP Ou seja o fato de o imputado comparecer pessoalmente e espontaneamente à autoridade policial e reconhecer a prática de um crime recém ocorrido afasta completamente o periculum libertatis esvaziando o cabimento de eventual prisão preventiva No mesmo sentido não vislumbramos sentido em decretarse eventual prisão temporária Quanto às medidas cautelares diversas art 319 não podemos esquecer que são medidas substitutivas alternativas à prisão preventiva E se não cabe prisão preventiva não há sentido como regra em decretarse uma medida cautelar diversa Em síntese há uma incompatibilidade genética entre a apresentação espontânea e a prisão cautelar Por fim em se tratando de delito de trânsito interessanos o disposto no art 301 da Lei n 950397 Art 301 Ao condutor de veículo nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima não se imporá a prisão em flagrante nem se exigirá fiança se prestar pronto e integral socorro àquela Tratase de um estímulo para que as pessoas envolvidas em acidentes de trânsito prestem socorro à vítima sem receio de serem presas por isso É inteligente o dispositivo até porque estamos diante de um crime culposo onde sequer é possível a prisão preventiva não existe prisão preventiva em crime culposo pois exige o art 313 que o delito seja doloso Ademais a conduta do agente que presta socorro é geneticamente incompatível com o fundamento da existência da prisão em flagrante 5 Da Prisão Preventiva Do Senso Comum à Análise dos Defeitos Fisiológicos 51 Momentos da Prisão Preventiva Quem Pode Postular seu Decreto Ilegalidade da Prisão Preventiva Decretada de Ofício Violação do Sistema Acusatório e da Garantia da Imparcialidade do Julgador A prisão preventiva pode ser decretada no curso da investigação preliminar ou do processo inclusive após a sentença condenatória recorrível Ademais mesmo na fase recursal se houver necessidade real poderá ser decretada a prisão preventiva com fundamento na garantia da aplicação da lei penal A prisão preventiva somente pode ser decretada por juiz ou tribunal competente em decisão fundamentada a partir de prévio pedido expresso requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial Estabelece ainda o art 311 que caberá a prisão preventiva a partir de requerimento do querelante o que pode induzir o leitor em erro Não se pode esquecer do disposto no art 313 I ou seja do não cabimento de prisão preventiva quando a pena for igual ou inferior a 4 anos Portanto incompatível com os crimes em que cabe ação penal privada nos quais o apenamento é inferior ao exigido pelo art 313 I Então que querelante é esse Pensamos que só pode ser o querelante de ação penal privada subsidiária da pública art 29 do CPP em que a situação do querelante é similar àquela ocupada pelo Ministério Público que por inércia não está ali podendo perfeitamente requerer a prisão preventiva demonstrando seus fundamentos Infelizmente insiste o legislador brasileiro em permitir a prisão preventiva decretada de ofício sem suficiente compreensão e absorção das regras inerentes ao sistema acusatório constitucional e a própria garantia da imparcialidade do julgador A nova redação do art 311 não representou avanço significativo pois segue permitindo a prisão preventiva de ofício desde que no curso da ação penal O erro é duplo primeiro permitir a atuação de ofício juiz ator ranço inquisitório conforme exaustiva crítica feita e em segundo lugar por empregar a expressão no curso da ação penal quando tecnicamente o correto é no curso do processo Ação processual penal é um poder político constitucional de invocação da atividade jurisdicional que uma vez invocada e posta em movimento dá origem ao processo O que se move tem proceder é o processo e não a ação penal Nesta linha consultese a crítica que fizemos anteriormente ao igualmente errado trancamento da ação penal Talvez o maior problema do ativismo judicial é a violação da imparcialidade uma garantia que corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà55 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de JACINTO COUTINHO56 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor poderes investigatórios ou pior quando ele assume uma postura inquisitória decretando de ofício a prisão preventiva É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do inquisidor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Assim ao decretar uma prisão preventiva de ofício assume o juiz uma postura incompatível com aquela exigida pelo sistema acusatório e principalmente com a estética de afastamento que garante a imparcialidade Infelizmente com a histórica conivência dos tribunais brasileiros insiste o legislador em permitir a prisão preventiva decretada de ofício 52 Requisito da Prisão Preventiva Fumus Commissi Delicti Juízo de Probabilidade de Tipicidade Ilicitude e Culpabilidade Novamente evidenciase o equívoco da teoria geral do processo e a errônea transmissão das categorias do processo civil para o processo penal Como explicamos no início deste Capítulo é no mínimo inadequado falarse em fumus boni iuris e periculum in mora pois o fenômeno da prisão cautelar é completamente diverso das medidas cautelares do processo civil Compreendida a inadequação dos conceitos do processo civil vejamos agora o requisito e os fundamentos da prisão preventiva à luz das categorias jurídicas próprias do processo penal e do disposto no art 312 do CPP cujo caput infelizmente permaneceu inalterado na Reforma de 2011 Art 312 A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública da ordem econômica por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria Parágrafo único A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares art 282 4º O fumus commissi delicti é o requisito da prisão preventiva exigindose para sua decretação que existam prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Mas esse é um conceito por demais relevante para ficarmos apenas com a letra da lei que pouco diz exigindo uma interpretação sistemática e constitucional A fumaça da existência de um crime não significa juízo de certeza mas de probabilidade razoável57 A prisão preventiva deve ter por base la razonada atribución del hecho punible a una persona determinada58 É antes de tudo uma prognose sobre a questão de fundo59 uma metáfora que designa os sintomas de uma situação jurídica no léxico goldschmidtiano É simétrico ao fumus boni iuris do processo civil mas com ele não se confunde A identidade está na prognose não na essência do conceito O fumus commissi delicti exige a existência de sinais externos com suporte fático real extraídos dos atos de investigação levados a cabo em que por meio de um raciocínio lógico sério e desapaixonado permita deduzir com maior ou menor veemência a comissão de um delito cuja realização e consequências apresentam como responsável um sujeito concreto60 Para CARNELUTTI61 quando se diz que para emitir um mandado de prisão é necessário que existam indícios suficientes de culpabilidade não se está dizendo nada A proposição indícios suficientes não diz nada Como questiona o mestre italiano devem ser suficientes isso é óbvio mas para quê Sem indícios suficientes sequer uma acusação pode ser formulada Qual é o valor das provas de culpabilidade exigido para que o imputado possa ser detido Será aquele mesmo que é necessário para ser processado Para responder a essa indagação devese distinguir entre juízo de probabilidade e juízo de possibilidade posto que em sede de cautelar não se pode falar em juízo de certeza Seguindo a lição de CARNELUTTI62 existe possibilidade em lugar de probabilidade quando as razões favoráveis ou contrárias à hipótese são equivalentes O juízo de possibilidade prescinde da afirmação de um predomínio das razões positivas sobre as razões negativas ou viceversa Para o indiciamento seria suficiente um juízo de possibilidade posto que no curso do processo deve o Ministério Público provar de forma plena robusta a culpabilidade do réu Já para a denúncia ou queixa ser recebida entendemos que deve existir probabilidade do alegado A sentença condenatória ainda que seja um ato de convencimento do juiz somente se legitima quando calcada em um alto grau de probabilidade Caso contrário a absolvição é imperativa Para a decretação de uma prisão preventiva ou qualquer outra prisão cautelar diante do altíssimo custo que significa é necessário um juízo de probabilidade um predomínio das razões positivas Se a possibilidade basta para a imputação não pode bastar para a prisão preventiva pois o peso do processo agravase notavelmente sobre as costas do imputado A probabilidade significa a existência de uma fumaça densa a verossimilhança semelhante ao vero verdadeiro de todos os requisitos positivos e por consequência da inexistência de verossimilhança dos requisitos negativos do delito Interpretando as palavras de CARNELUTTI requisitos positivos do delito significam prova de que a conduta é aparentemente típica ilícita e culpável Além disso não podem existir requisitos negativos do delito ou seja não podem existir no mesmo nível de aparência causas de exclusão da ilicitude legítima defesa estado de necessidade etc ou de exclusão da culpabilidade inexigibilidade de conduta diversa erro de proibição etc No mesmo sentido CIRILO DE VARGAS 63 explica que no momento da análise sobre o pedido de prisão preventiva o juiz deve considerar que o crime é ação a que se juntam os atributos da tipicidade da ilicitude e da culpabilidade Logo não haverá prisão preventiva sem a prova desses três elementos bastaria no entanto que o juiz se convencesse da inexistência do dolo para não decretála Sem dúvida que a análise do elemento subjetivo do tipo é crucial até porque sua ausência conduz à atipicidade da conduta sem crime não há que se falar em prisão preventiva ou à desclassificação para o tipo culposo e não cabe prisão preventiva por crime culposo Logo a análise do dolo é fundamental Dessarte o primeiro ponto a ser demonstrado é a aparente tipicidade da conduta do autor Esse ato deve amoldarse perfeitamente a algum dos tipos previstos no Código Penal mesmo que a prova não seja plena pois o que se exige é a probabilidade e não a certeza Em síntese deverá o juiz analisar todos os elementos que integram o tipo penal ou seja conduta humana voluntária e dirigida a um fim presença de dolo ou culpa resultado nexo causal e tipicidade Mas não basta a tipicidade pois o conceito formal de crime exige a prática de um ato que além de típico seja também ilícito e culpável Deve existir uma fumaça densa de que a conduta é aparentemente típica aparentemente ilícita e aparentemente culpável É imprescindível que se demonstre que a conduta é provavelmente ilícita por ausência de suas causas de justificação bem como a provável existência dos elementos que integram a culpabilidade penal e a consequente ausência das causas de exclusão Mas como sublinha CIRILO DE VARGAS 64 se o fato não fosse típico por outra razão estranha ao dolo falharia a ilicitude sem possibilidade da custódia preventiva porque em matéria criminal a ilicitude é tipificada Especificamente no que se refere à ilicitude não se pode olvidar do disposto no art 314 do CPP em que havendo fumaça de que o agente praticou o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude não pode ser imposta a prisão preventiva sem prejuízo da imposição de medidas cautelares diversas da prisão art 319 Basta que exista a fumaça da excludente para enfraquecer a própria probabilidade da ocorrência de crime sendo incompatível com a prisão cautelar ainda que em sede de probabilidade todos esses elementos sejam objeto de análise e valoração por parte do juiz no momento de aplicar uma medida coercitiva de tamanha gravidade Para tanto é necessário que o pedido venha acompanhado de um mínimo de provas mas suficientes para demonstrar a autoria e a materialidade do delito e que a decisão judicial seja fundamentada Concluindo a prisão preventiva possui como requisito o fumus commissi delicti ou seja a probabilidade da ocorrência de um delito Na sistemática do Código de Processo Penal art 312 é a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Além do fumus commissi delicti a prisão preventiva exige uma situação de perigo ao normal desenvolvimento do processo representada pelo periculum libertatis como veremos na continuação 53 Fundamento da Prisão Preventiva Periculum Libertatis Análise a partir do Senso Comum Doutrinário e Jurisprudencial Analisaremos agora à luz do senso comum doutrinário e jurisprudencial as diferentes situações que constituem o periculum libertatis sublinhando que nossa crítica será feita depois Primeiro há que se construir para depois desconstruir Retomando o art 312 do CPP lá encontramos que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública da ordem econômica por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria Primeiro ponto a ser sublinhado a Lei n 124032011 não evoluiu em nada E mais representou inclusive um retrocesso à luz do Projeto de Lei n 42082001 originariamente apresentado cuja redação era muito melhor e abandonava as categorias ordem pública e ordem econômica Portanto considerando que nada mudou neste tema podemos perfeitamente empregar a doutrina e jurisprudência construída até então São conceitos que pretendem designar situações fáticas cuja proteção se faz necessária constituindo assim o fundamento periculum libertatis sem o qual nenhuma prisão preventiva poderá ser decretada Tais situações para a decretação da prisão são alternativas e não cumulativas de modo que basta uma delas para justificarse a medida cautelar Assim podese considerar que o periculum libertatis é o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo previsto no CPP como o risco para a ordem pública ordem econômica conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal Vejamos agora resumidamente cada uma das situações previstas no art 312 do CPP a Garantia da ordem pública por ser um conceito vago indeterminado prestase a qualquer senhor diante de uma maleabilidade conceitual apavorante como mostraremos no próximo item destinado à crítica Não sem razão por sua vagueza e abertura é o fundamento preferido até porque ninguém sabe ao certo o que quer dizer Nessa linha é recorrente a definição de risco para ordem pública como sinônimo de clamor público de crime que gera um abalo social uma comoção na comunidade que perturba a sua tranquilidade Alguns fazendo uma confusão de conceitos ainda mais grosseira invocam a gravidade65 ou brutalidade do delito como fundamento da prisão preventiva Também há quem recorra à credibilidade das instituições como fundamento legitimante da segregação no sentido de que se não houver a prisão o sistema de administração de justiça perderá credibilidade A prisão seria um antídoto para a omissão do Poder Judiciário Polícia e Ministério Público É prender para reafirmar a crença no aparelho estatal repressor Quanto à prisão cautelar para garantia da integridade física do imputado diante do risco de linchamento atualmente predomina o acertado entendimento de que é incabível Prender alguém para assegurar sua segurança revela um paradoxo insuperável e insustentável Por fim há aqueles que justificam a prisão preventiva em nome da credibilidade da justiça pois deixar solto o autor de um delito grave geraria um descrédito das instituições e ainda no risco de reiteração de condutas criminosas Esse último caso se daria quando ao agente fossem imputados diversos crimes de modo que a prisão impediria que voltasse a delinquir Com maior ou menor requinte as definições para garantia da ordem pública não fogem muito disso b Garantia da ordem econômica tal fundamento foi inserido no art 312 do CPP por força da Lei n 888494 Lei Antitruste para o fim de tutelar o risco decorrente daquelas condutas que levadas a cabo pelo agente afetam a tranquilidade e harmonia da ordem econômica seja pelo risco de reiteração de práticas que gerem perdas financeiras vultosas seja por colocar em perigo a credibilidade e o funcionamento do sistema financeiro ou mesmo o mercado de ações e valores Tal situação além da crítica que faremos ao final teve e tem pouquíssima utilização forense A magnitude da lesão prevista no art 30 da Lei n 7492 quando invocada em geral o é para justificar o abalo social da garantia da ordem pública vista no item anterior e não para tutelar a ordem econômica c Conveniência da instrução criminal tutela da prova é empregada quando houver risco efetivo para a instrução ou seja conveniência é um termo aberto e relacionado com ampla discricionariedade incompatível com o instituto da prisão preventiva pautada pela excepcionalidade necessidade e proporcionalidade sendo portanto um último instrumento a ser utilizado Feita essa ressalva a prisão preventiva para tutela da prova é uma medida tipicamente cautelar instrumental em relação ao instrumento processo Aqui o estado de liberdade do imputado coloca em risco a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do processo seja porque ele está destruindo documentos ou alterando o local do crime seja porque está ameaçando constrangendo ou subornando testemunhas vítimas ou peritos Também se invoca esse fundamento quando o imputado ameaça ou intimida o juiz ou promotor do feito tumultuando o regular andamento do processo Por fim não se justifica a prisão do imputado em nome da conveniência da instrução quando o que se pretende é prendêlo para ser interrogado ou forçálo a participar de algum ato probatório acareação reconhecimento etc Isso porque no primeiro caso interrogatório o sujeito passivo não é mais visto como um objeto de prova fazendo com que o interrogatório seja essencialmente um momento de defesa pessoal Logo absurdo prenderse alguém para assegurar o seu direito de defesa No segundo caso a prisão para obrigálo a participar de determinado ato probatório é também ilegal pois viola o direito de silêncio e principalmente o nemo tenetur se detegere Daí por que é incabível a prisão preventiva com esses fins em que pese o emprego por parte de alguns d Assegurar a aplicação da lei penal em última análise é a prisão para evitar que o imputado fuja tornando inócua a sentença penal por impossibilidade de aplicação da pena cominada O risco de fuga representa uma tutela tipicamente cautelar pois busca resguardar a eficácia da sentença e portanto do próprio processo O risco de fuga não pode ser presumido tem de estar fundado em circunstâncias concretas Não basta invocar a gravidade do delito ou a situação social favorável do réu É importante o julgador controlar a projeção mecanismo de defesa do ego para evitar decisões descoladas da realidade fática e atentar para o que realmente está demonstrado nos autos Explicamos é bastante comum que alguém tomando conhecimento de determinado crime praticado por esse ou aquele agente decida a partir da projeção isto é a partir da atribuição ao agente daquilo que está sentindo quando se coloca em situação similar Logo é comum juízes presumirem a fuga pois inconscientemente estão se identificando ficaridem com o imputado e a partir disso pensam da seguinte forma se eu estivesse no lugar dele tendo praticado esse crime e com as condições econômicas que tenho ele tem eu fugiria Ora por mais absurdo que isso pareça é bastante comum e recorrente A decisão é tomada a partir de ilações e projeções do juiz sem qualquer vínculo com a realidade fática e probatória Por fim sempre qualquer que seja o fundamento da prisão é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis ou seja não bastam presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida Toda decisão determinando a prisão do sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor jamais fruto de ilações ou criações fantasmagóricas de fuga ou de qualquer dos outros perigos Devese apresentar um fato claro determinado que justifique o periculum libertatis Por fim como bem explicou o Min EROS GRAU a custódia cautelar voltada à garantia da ordem pública não pode igualmente ser decretada com esteio em mera suposição vocábulo abundantemente usado na decisão que a decretou de que o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinquindo Seria indispensável também aí a indicação de elementos concretos que demonstrassem cabalmente a necessidade da medida extrema66 É imprescindível um juízo sério desapaixonado e acima de tudo calcado na prova existente nos autos A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter um primor de fundamentação não bastando a invocação genérica dos fundamentos legais Deve o juiz demonstrar com base na prova trazida aos autos a probabilidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Importante ainda recordar o art 312 parágrafo único em que a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares art 319 nos termos do art 282 4º do CPP As medidas cautelares diversas estabelecidas no art 319 são importantes alternativas à prisão preventiva mas pressupõem a observância de todas as condições estabelecidas Mas por outro lado mesmo em caso de descumprimento de alguma das condições decorrentes da medida cautelar diversa é fundamental o juiz atentar para a proporcionalidade no momento da modificaçãorevogação pois dependendo do caso a situação pode ser igualmente tutelada sem que se recorra a prisão preventiva Daí por que deve sempre preferir a cumulação de medidas ou adoção de outra mais grave reservando a prisão preventiva como ultima ratio do sistema 54 Análise dos Arts 313 e 314 do CPP Casos em que a Prisão Preventiva Pode ou Não ser Decretada Além da existência do fumus commissi delicti e do periculum libertatis a prisão preventiva somente poderá ser decretada nos crimes dolosos Não existe possibilidade de prisão preventiva em crime culposo ainda que se argumente em torno da existência de quaisquer dos requisitos do art 312 Isso porque para além do princípio da proporcionalidade o art 313 inicia por uma limitação estabelecida no inciso I crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 quatro anos Viola qualquer senso mínimo de proporcionalidade ou necessidade além do caráter excepcional da medida a imposição de prisão preventiva em crime culposo Além do fumus commissi delicti e do periculum libertatis deverá o juiz observar os limites de incidência da prisão preventiva que estão enumerados no art 313 do CPP e que serão agora analisados um a um Art 313 Nos termos do art 312 deste Código será admitida a decretação da prisão preventiva I nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 quatro anos COMENTÁRIO Não cabe prisão preventiva por crime culposo em nenhuma hipótese Sendo doloso o critério de proporcionalidade vem demarcado pela lei a pena máxima cominada deve ser superior a 4 anos Isso dá margem de plano ao seguinte questionamento e nos muitos tipos penais em que a pena máxima é igual a 4 anos e não superior como nos crimes de furto art 155 apropriação indébita art 168 contrabando ou descaminho art 334 e tantos outros O dispositivo é claro e não dá margem para interpretação extensiva sempre vedada em matéria penal Mas esse limite de pena do art 313 I não se aplica às medidas cautelares diversas do art 319 Recordemos a seguinte regra nos crimes dolosos cuja pena máxima é superior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis poderão ser utilizadas as medidas cautelares diversas ou se inadequadas e insuficientes a prisão preventiva nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis somente poderá haver decretação de medida cautelar diversa nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos em que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis e exista uma das situações dos incisos II ou III do art 313 poderá ser decretada medida cautelar diversa ou excepcionalmente a prisão preventiva nestes casos é imprescindível uma leitura sistêmica e principalmente à luz da proporcionalidade como explicaremos ao tratar desses incisos na continuação Ademais é importante sublinhar que o art 313 I do CPP apenas procurou estabelecer coerência e harmonia com o art 44 do Código Penal Com a Lei n 971498 a pena privativa de liberdade do réu condenado por crime cometido sem violência ou grave ameaça deve ser substituída por restritiva de direitos Ora se o réu nestes casos ainda que ao final do processo venha a ser condenado não será submetido a prisão como justificar uma prisão cautelar Como legitimar uma prisão preventiva nos casos em que ainda que condenado ao final o réu não será preso Foi para resolver esse grave paradoxo que o art 313 I estabeleceu esse limite de pena Portanto nada de novo apenas uma questão de sistematização e harmonização entre os Códigos Penal e Processual Penal Outra problemática se dará em relação ao concurso de crimes por exemplo furto e formação de quadrilha Pensamos que a jurisprudência se inclinará para uma solução similar àquela utilizada para definição da competência dos Juizados Especiais Criminais ou o cabimento da suspensão condicional do processo ou seja deve incidir o aumento de pena decorrente do concurso material formal ou crime continuado Nesta linha já sinalizam as Súmulas 723 do STF e 243 do STJ a saber SÚMULA N 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano SÚMULA N 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano Ainda que os limites de pena sejam completamente distintos os tribunais superiores já definiram a lógica a ser utilizada em situações similares ou seja no caso de concurso material de crimes somamse as penas máximas e no concurso formal ou crime continuado incide a causa de aumento no máximo e a de diminuição no mínimo Em qualquer caso se a pena máxima obtida for superior a 4 anos está cumprido este requisito Por derradeiro recordemos que o art 313 deve sempre ser conjugado com o art 312 de modo que ainda que tenha sido praticado um crime doloso com pena máxima superior a 4 anos sem a presença do fumus commissi delicti e do periculum libertatis não há que se falar em prisão preventiva mesmo que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis art 312 se o caso não se situar nos limites do art 313 não caberá prisão preventiva II se tiver sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado ressalvado o disposto no inciso I do caput do art 64 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal COMENTÁRIO tratase da situação do réu reincidente em crime doloso Infelizmente optou o legislador em seguir na linha de máxima estigmatização do reincidente em flagrante bis in idem Autorizar uma prisão preventiva com base exclusivamente no fato de ser o réu ou indiciado reincidente é uma interpretação equivocada É verdade que o STF no Recurso Extraordinário RE 453000 julgado em 04 de abril de 2013 afirmou a constitucionalidade da agravante da reincidência mas isso não basta por si só como fundamento de uma prisão preventiva O art 313 somente tem aplicação quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis do art 312 Pensarse uma prisão preventiva com base exclusivamente no fato de ser o agente reincidente poderia constituir uma violação do princípio da proporcionalidade Ademais levantaria o seguinte questionamento onde estaria o caráter cautelar dessa prisão Por último recordemos que os efeitos da reincidência cessam se entre a data do cumprimento da pena ou de sua extinção e o novo delito pelo qual se postula a prisão preventiva já tiverem passado 5 anos Dessarte pensamos que esse inciso de forma isolada não justifica a prisão preventiva III se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher criança adolescente idoso enfermo ou pessoa com deficiência para garantir a execução das medidas protetivas de urgência COMENTÁRIO Esse inciso foi além da redação anterior que havia sido inserido por força da Lei n 113402006 para incluir no caso de violência doméstica além da mulher a criança o adolescente o idoso o enfermo ou qualquer pessoa com deficiência mas sempre no contexto de coabitação da violência doméstica Cria o dispositivo uma espécie de vulnerabilidade doméstica em que a prisão preventiva é usada para dar eficácia à medida protetiva aplicada Mas o artigo precisa ser lido com cuidado ainda que as intenções de tutela sejam relevantes Em primeiro lugar não criou o legislador um novo caso de prisão preventiva ou seja um novo periculum libertatis pois para isso ocorrer a inserção deveria ter sido feita no art 312 definindo claramente qual é o risco que se pretende tutelar O segundo aspecto a ser considerado é a péssima sistemática da Lei n 11340 Por mais respeitável e necessária que fosse a intenção de proteger a mulher da violência doméstica infelizmente é uma lei tecnicamente mal elaborada pois mistura absurdamente matéria penal com questões civis criando uma monstruosidade jurídica A definição de violência doméstica e familiar contra a mulher prevista no art 7º da Lei é de uma vagueza apavorante com disposições genéricas alternativas e ambíguas Uma leitura apressada levaria à errada conclusão de que qualquer conduta que configure ameaça calúnia difamação ou injúria art 7º V da Lei n 11340 autorizaria a prisão preventiva pela incidência do art 313 III quando o juiz determinasse por exemplo a proibição de contato com a ofendida art 22 III b da Lei n 11340 Um absurdo No mesmo sentido RANGEL67 cita o exemplo da lesão corporal leve art 129 caput e 9º do CP para apontar o equívoco da Lei Infelizmente por mais nobre que fosse a intenção de tutelar a mulher que sofre violência doméstica a disciplina legal é péssima estabelecendose obstáculos sistêmicos insuperáveis para que se cogite da possibilidade de uma prisão preventiva só com base nesse inciso Como regra devemos estar diante de um crime doloso cuja pena seja superior a quatro anos adequação sistêmica ao inciso I Pensamos que quando muito estando presentes o fumus commissi delicti e alguma das situações de periculum libertatis do art 312 e sendo o crime doloso o inciso em questão somente serviria para reforçar o pedido e a decisão Mas para tanto devese analisar ainda qual foi a medida protetiva decretada para verificarse a adequação da prisão em relação a esse fim bem como a proporcionalidade Do contrário incabível a prisão preventiva a nosso juízo Parágrafo único Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecêla devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida COMENTÁRIO tratase uma inovação e que igualmente exige uma leitura cautelosa Para que seja decretada a prisão preventiva do imputado por haver dúvida em relação à identidade civil são imprescindíveis o fumus commissi delicti e o periculum libertatis Mais do que isso até por uma questão de proporcionalidade pensamos ser necessária uma interpretação sistemática à luz do inciso I do art 313 topograficamente situado antes como orientador dos demais para que se exija um crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos Impensável decretar uma preventiva com base neste parágrafo único em caso de crime culposo por exemplo Da mesma forma como regra incabível para crimes de menor gravidade em que sequer a preventiva seria possível Excepcionalmente atendendo a necessidade do caso poderia ser decretada essa prisão preventiva quando o agente fosse preso em flagrante por um delito de estelionato com uso de identidade falsa falsidade documental ou mesmo falsidade ideológica São situações em que existe uma dúvida fundada sobre a identidade civil até mesmo pelas características do delito perpetrado Também não se pode fazer uma leitura isolada do dispositivo sob pena de incidir no erro de pensar estar autorizada uma prisão preventiva para averiguações burlando inclusive os limites que a jurisprudência consagrou para impossibilitar a prisão temporária com base apenas isoladamente no inciso II do art 1 da Lei n 7960 Vislumbramos aqui um terreno fértil para abusos O problema é que o periculum libertatis no texto legal acaba sendo reduzido a uma presunção de perigo decorrente da falta de identidade civil devendo o imputado ser imediatamente colocado em liberdade após a identificação exceto se outra medida cautelar for cabível e necessária Por tudo isso pensamos que esse artigo deve ser interpretado em conjunto com o disposto na Lei n 120372009 que regulamentou a identificação criminal prevista no art 5º LVIII da Constituição A regra é que o civilmente identificado não seja submetido à identificação criminal ou seja nem datiloscópica nem fotográfica definindo a lei que a identificação civil pode ser atestada por qualquer dos seguintes documentos carteira de identidade carteira de trabalho carteira profissional passaporte carteira de identificação funcional outro documento público que permita a identificação do indiciado A lei equipara aos documentos civis os de identificação militares Não sendo apresentado qualquer desses documentos será o suspeito submetido à identificação criminal e dependendo do caso a prisão preventiva recordemos desde que observados os casos de cabimento Contudo estabelece o art 3º que mesmo apresentando o documento de identificação poderá ocorrer identificação criminal e portanto a prisão preventiva que estamos analisando quando I o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação II o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado III o indiciado portar documentos de identidade distintos com informações conflitantes entre si IV a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa V constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações VI o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais Destacamos a abertura feita pelo inciso IV que permite a identificação criminal do civilmente identificado quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais Portanto a identificação criminal ficará a critério do juiz bastando apenas uma maquiagem argumentativa para fundamentar a decisão Isso poderá servir como forma de negar eficácia ao direito de não produzir prova contra si mesmo quando por exemplo o imputado se recusa a fornecer suas digitais para confrontação com aquelas encontradas no local do delito Diante da recusa determina o juiz a identificação criminal e o material necessário para a perícia datiloscópica é extraído compulsoriamente burlando a garantia constitucional do nemo tenetur se detegere Igualmente censurável é a possibilidade de que tal ato seja determinado de ofício pelo juiz em censurável ativismo probatórioinvestigatório como já criticado tantas vezes ao longo desta obra Noutra dimensão é salutar a possibilidade de que a identificação criminal seja solicitada pela própria defesa mas não é caso de prisão preventiva por evidente como forma de evitar investigações e até prisões cautelares em relação a uma pessoa errada Não são raros os casos de perda de documentos que acabam sendo utilizados e falsificados por terceiros para a prática de delitos Tempos depois é expedido mandado de prisão em relação à pessoa errada pois o responsável pelo crime apresentou um documento falso A identificação datiloscópica eou por fotografia pode auxiliar a evitar situações dessa natureza A identificação criminal que inclui o processo datiloscópico e o fotográfico deverá ser feita da forma menos constrangedora possível art 4º e deverá ser juntada aos autos da comunicação da prisão em flagrante ou do inquérito policial ou outra forma de investigação art 5º não devendo ser mencionada em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória art 6º Em suma essa hipótese de prisão preventiva deve ser empregada com cuidado analisandose a situação à luz dos casos de identificação criminal previstos na Lei n 120372009 e cessando tão logo ela seja realizada Quanto ao art 314 determina o Código de Processo Penal que Art 314 A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I II e III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Se houver prova razoável de que o agente tenha praticado o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude tais como estado de necessidade legítima defesa estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito não caberá a prisão preventiva por ausência de fumaça de ilicitude na conduta Como explicamos anteriormente não se exige uma prova plena da excludente mas uma fumaça Inclusive diante da gravidade de uma prisão preventiva pensamos que a dúvida deve beneficiar o réu também neste momento incidindo sem problemas o in dubio pro reo 55 Análise Crítica do Periculum Libertatis Resistindo à Banalização do Mal Controle Judicial da Substancial Inconstitucionalidade da Prisão para Garantia da Ordem Pública e da Ordem Econômica Defeito Genético Como apontamos inicialmente o periculum libertatis no sistema brasileiro está previsto no art 312 do CPP traduzindo uma das seguintes situações tuteláveis ordem pública ordem econômica instrução criminal aplicação da lei penal Analisaremos agora os dois primeiros fundamentos garantia da ordem pública e da ordem econômica para demonstrar que em que pese a reforma operada pela Lei n 124032011 seguem sendo de discutível constitucionalidade Não sem razão na redação original do PL 42082001 o art 312 tinha sido completamente modificado Inclusive no parecer do Relator Deputado Ibrahim AbiAckel era destacado que são enunciadas com clareza as hipóteses de aplicação descumprimento revogação e substituição das medidas cautelares fugindo desse modo o projeto das causas indeterminadas como no caso da prisão preventiva a garantia da ordem pública e a garantia da ordem econômica substituídas por definições precisas das circunstâncias que a justificam Infelizmente ao longo da tramitação foi aprovada Emenda Substitutiva Global que resgatou o texto original de 1941 Os demais fundamentos conveniência da instrução e garantia da aplicação da lei penal são medidas verdadeiramente cautelares mas cuja banalização e distorção de conceitos exigem limitações como veremos no próximo tópico A primeira questão a ser enfrentada é qual é o objeto da prisão cautelar A resposta nos conduz ainda a sua finalidade e delimita naturalmente seu campo de incidência pois a prisão cautelar é ilegítima quando afastada de seu objeto e finalidade deixando de ser cautelar Nesse ponto sim podemos recorrer a CALAMANDREI68 segundo o qual nos procedimentos cautelares mais do que o objetivo de aplicar o direito material a finalidade imediata é assegurar a eficácia do procedimento definitivo esse sim tornará efetivo o direito material Isso porque la tutela cautelare è nei confronti del diritto sostanziale una tutela mediata più che a far giustizia serve a garantire lefficace funzionamento della giustizia Se tutti i provvedimenti giurisdizionali sono uno strumento del diritto sostanziale che attraverso essi si attua nei provvedimenti cautelari si riscontra una strumentalità qualificata ossi elevata per così dire al quadrato essi sono infatti immancabilmente un mezzo predisposto per la miglior riuscita del provvedimento definitivo che a sua volta è mezzo per lattuazione del diritto sono cioè in relazione alla finalità ultima della funzione giurisdizionale strumenti dello strumento69 Fica evidenciado assim que as medidas cautelares não se destinam a fazer justiça mas sim garantir o normal funcionamento da justiça através do respectivo processo penal de conhecimento Logo são instrumentos a serviço do instrumento processo por isso sua característica básica é a instrumentalidade qualificada ou ao quadrado É importante fixar esse conceito de instrumentalidade qualificada pois só é cautelar aquela medida que se destinar a esse fim servir ao processo de conhecimento E somente o que for verdadeiramente cautelar é constitucional Com DELMANTO JUNIOR70 acreditamos igualmente que a característica da instrumentalidade é ínsita à prisão cautelar na medida em que para não se confundir com pena só se justifica em função do bom andamento do processo penal e do resguardo da eficácia de eventual decreto condenatório Nesse momento evidenciase que as prisões preventivas para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares e portanto são substancialmente inconstitucionais Tratase de grave degeneração transformar uma medida processual em atividade tipicamente de polícia utilizandoas indevidamente como medidas de segurança pública A prisão preventiva para garantia da ordem pública ou econômica nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que marcam e legitimam esses provimentos Grave problema encerra ainda a prisão para garantia da ordem pública pois se trata de um conceito vago impreciso indeterminado e despido de qualquer referencial semântico Sua origem remonta a Alemanha na década de 30 período em que o nazifascismo buscava exatamente isso uma autorização geral e aberta para prender Até hoje ainda que de forma mais dissimulada tem servido a diferentes senhores adeptos dos discursos autoritários e utilitaristas que tão bem sabem utilizar dessas cláusulas genéricas e indeterminadas do Direito para fazer valer seus atos prepotentes O Direito especialmente o Penal agindo em nome do pai e por mandato explica MORAIS DA ROSA71 opera na subjetividade humana ditando a lei como capaz de manter o laço social e ainda faz a utilitária promessa de felicidade A palavra nesse contexto ganha um contorno transcendente o qual é preenchido na cadeia de significância e durante a história por diversos significantes dentre eles o divino a razão a força o Direito dos homens todos vendidos como neutros e capazes de designar uma ordem reguladora de condutas baseadas em interditos legitimando o uso da força para adequação do laço social O problema é que ainda com o autor ao se remeter para um lugar idealizado de referência indicado na origem por uma palavra configuram as máscaras inscritas no imaginário social que permitem o poder de seguir Nisso se inscreve a prisão para garantia da ordem pública infelizmente mantida pela Lei n 124032011 O art 312 contém uma anemia semântica explica MORAIS DA ROSA72 pois basta um pouco de conhecimento de estrutura linguística para construir artificialmente esses requisitos cuja falsificação é inverificável O grande problema é que uma vez decretada a prisão os argumentos falsificados pela construção linguística são inverificáveis e portanto irrefutáveis Se alguém é preso porque o juiz aponta a existência de risco de fuga uma vez efetivada a medida desaparece o pseudorisco sendo impossível refutar pois o argumento construído ou falsificado desaparece Para além disso o preenchimento semântico dos requisitos é completamente retórico O clamor público tão usado para fundamentar a prisão preventiva acaba se confundindo com a opinião pública ou melhor com a opinião publicada Há que se atentar para uma interessante manobra feita rotineiramente explorase midiaticamente um determinado fato uma das muitas operações com nomes sedutores o que não deixa de ser uma interessante manobra de marketing policial muitas vezes com proposital vazamento de informações gravações telefônicas e outras provas colhidas para colocar o fato na pauta pública de discussão a conhecida teoria do agendamento Explorado midiaticamente o pedido de prisão vem na continuação sob o argumento da necessidade de tutela da ordem pública pois existe um clamor social diante dos fatos Ou seja constróise midiaticamente o pressuposto da posterior prisão cautelar Na verdade a situação fática apontada nunca existiu tratase de argumento forjado Como aponta SANGUINÉ73 quando se argumenta com razões de exemplaridade de eficácia da prisão preventiva na luta contra a delinquência e para restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico aplacar o clamor público criado pelo delito etc que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à instituição na realidade se introduzem elementos estranhos à natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídicoconstitucional como da perspectiva políticocriminal Isso revela que a prisão preventiva cumpre funções reais preventivas gerais e especiais de pena antecipada incompatíveis com sua natureza Assume contornos de verdadeira pena antecipada violando o devido processo legal e a presunção de inocência SANGUINÉ74 explica que a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou ainda o clamor público acaba sendo utilizada com uma função de prevenção geral na medida em que o legislador pretende contribuir à segurança da sociedade porém deste modo se está desvirtuando por completo o verdadeiro sentido e natureza da prisão provisória ao atribuirlhe funções de prevenção que de nenhuma maneira está chamada a cumprir As funções de prevenção geral e especial e retribuição são exclusivas de uma pena que supõe um processo judicial válido e uma sentença transitada em julgado Jamais tais funções podem ser buscadas na via cautelar No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR75 afirma que é indisfarçável que nesses casos a prisão preventiva se distancia de seu caráter instrumental de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu resultado ínsito a toda e qualquer medida cautelar servindo de inaceitável instrumento de justiça sumária Em outros casos a prisão para garantia da ordem pública atende a uma dupla natureza76 pena antecipada e medida de segurança já que pretende isolar um sujeito supostamente perigoso É inconstitucional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social e por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança nem a prisão preventiva pode servir como pena antecipada e fins de prevenção nem o Estado enquanto reserva ética pode assumir esse papel vingativo Também a ordem pública ao ser confundida com o tal clamor público corre o risco da manipulação pelos meios de comunicação de massas fazendo com que a dita opinião pública não passe de mera opinião publicada com evidentes prejuízos para todos Obviamente que a prisão preventiva para garantia da ordem pública não é cautelar pois não tutela o processo sendo portanto flagrantemente inconstitucional até porque nessa matéria é imprescindível a estrita observância ao princípio da legalidade e da taxatividade Considerando a natureza dos direitos limitados liberdade e presunção de inocência é absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva in malan partem que amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformála em medida de segurança pública Também preocupante é a inadequada invocação do Princípio da Proporcionalidade não raras vezes fazendo uma ginástica discursiva para aplicálo onde não tem legítimo cabimento Neste tema é lúcida a análise do Min EROS GRAU no voto proferido no HC 950094SP p 44 e ss77 Portanto muita atenção para a manipulação discursiva feita em nome do Princípio da Proporcionalidade infelizmente a cada dia mais invocado pois ele não se presta legitimamente a esses fins punitivistas Quanto à prisão para garantia da ordem econômica igualmente criticável o fundamento Se o objetivo é perseguir a especulação financeira as transações fraudulentas e coisas do gênero o caminho passa pelas sanções à pessoa jurídica o direito administrativo sancionador as restrições comerciais mas jamais pela intervenção penal muito menos de uma prisão preventiva É manifesta a inadequação da prisão para garantia da ordem econômica pois já havia no art 30 da Lei n 7492 a previsão de decretação de prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada Mas para além disso em nada serviria a prisão para remediar ou diminuir a lesão econômica Muito mais útil seria o sequestro e a indisponibilidade dos bens78 pois dessa forma melhor se poderia tutelar a ordem financeira e também amenizar as perdas econômicas Da mesma forma é inegável que nesse tipo de crime o engessamento patrimonial é o melhor instrumento para evitar a reiteração de condutas Com acerto DELMANTO JUNIOR79 aponta que não resta dúvida de que nessas hipóteses a prisão provisória afastase por completo de sua natureza cautelar instrumental eou final transformandose em meio de prevenção especial e geral e portanto em punição antecipada uma vez que uma medida cautelar jamais pode ter como finalidade a punição e a ressocialização do acusado para que não mais infrinja a lei penal bem como o consequente desestímulo de outras pessoas ao cometimento de crimes semelhantes fins exclusivos da sanção criminal Quando se tutelam situações de perigo cujo objeto não é a prova ou a efetividade do processo risco de fuga como sucede na tutela da ordem pública e econômica a prisão cautelar se converte em medida de segurança Como define CORDERO80 é uma metamorfose pouco feliz pois a proteção dos interesses coletivos exige remédios ad hoc os híbridos custam mais do que produzem Em suma as prisões para garantia da ordem pública ou da ordem econômica possuem um defeito genético não são cautelares Portanto substancialmente inconstitucionais 56 Prisão para Garantia da Ordem Pública O Falacioso Argumento da Credibilidade ou Fragilidade das Instituições Risco de Reiteração Crítica Exercício de Vidência Contraponto Aceitação no Direito Comparado Muitas vezes a prisão preventiva vem fundada na cláusula genérica garantia da ordem pública mas tendo como recheio uma argumentação sobre a necessidade da segregação para o restabelecimento da credibilidade das instituições É uma falácia Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçadas por um delito nem a prisão é um instrumento apto para esse fim em caso de eventual necessidade de proteção Para além disso tratase de uma função metaprocessual incompatível com a natureza cautelar da medida Noutra dimensão é preocupante sob o ponto de vista das conquistas democráticas obtidas que a crença nas instituições jurídicas dependa da prisão de pessoas Quando os poderes públicos precisam lançar mão da prisão para legitimarse a doença é grave e anuncia um grave retrocesso para o estado policialesco e autoritário incompatível com o nível de civilidade alcançado No mais das vezes esse discurso é sintoma de que estamos diante de um juiz comprometido com a verdade ou seja alguém que julgandose do bem e não se discutem as boas intenções emprega uma cruzada contra os hereges abandonando o que há de mais digno na magistratura que é o papel de garantidor dos direitos fundamentais do imputado Como muito bem destacou o Min EROS GRAU81 o combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração não do Judiciário seja através da polícia como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição quanto do Ministério Público a quem compete privativamente promover a ação penal pública artigo 129 I grifo nosso No que tange à prisão preventiva em nome da ordem pública sob o argumento de risco de reiteração de delitos está se atendendo não ao processo penal mas sim a uma função de polícia do Estado completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito salvo para os casos de vidência e bola de cristal é flagrantemente inconstitucional pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros Recorda CARVALHO82 que uma das principais distinções entre o sistema inquisitório e o acusatório constitucional se manifesta no que diz respeito à existência de possibilidades de concreta refutação das hipóteses probatórias A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de perigo de reiteração bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro que nos proteja do que pode ou não vir a ocorrer Nem o direito penal menos ainda o processo está legitimado à pseudotutela do futuro que é aberto indeterminado imprevisível Além de inexistir um periculosômetro tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI é um argumento inquisitório pois irrefutável Como provar que amanhã se permanecer solto não cometerei um crime Uma prova impossível de ser feita tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei Tratase de recusar o papel de juízes videntes pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal Nesse sentido para finalizar cumpre trazer à colação os bemlançados argumentos da Quinta Câmara Criminal do TJRS no HC 70006140693 Rel Des Amilton Bueno de Carvalho j 23042003 HABEAS CORPUS PRISÃO PREVENTIVA REQUISITOS LEGAIS PRESUNÇÃO DE PERICULOSIDADE PELA PROBABILIDADE DE REINCIDÊNCIA INADMISSIBILIDADE A futurologia perigosista reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva que desde muito tem demonstrado seus efeitos nefastos excessos punitivos de regimes políticos totalitários estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais alvo do controle punitivo tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo onde o sujeito considerado como portador de uma perigosidade social da qual não pode subtrairse tornase presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social Grifo nosso A ordem pública requisito legal amplo aberto e carente de sólidos critérios de constatação fruto desta ideologia perigosista portanto antidemocrático facilmente enquadrável a qualquer situação é aqui genérica e abstratamente invocada mera repetição da lei já que nenhum dado fático objetivo e concreto há a sustentála Fundamento prisional genérico antigarantista insuficiente portanto A gravidade do delito por si só também não sustenta o cárcere extemporâneo ausente previsão constitucional e legal de prisão automática por qualquer espécie delitiva Necessária e sempre a presença dos requisitos legais ApelaçãoCrime 70006140693 j 12032003 À unanimidade concederam a ordem Feita a análise crítica não se desconhece que em situações efetivamente excepcionais a prisão cautelar sob o argumento do risco de reiteração é admitida no direito comparado Até por honestidade acadêmica não podemos subtrair tal informação do leitor Nessa linha o art 5032 da Ley de Enjuiciamiento Criminal Espanha admite a prisão quando houver motivos bastantes para crer responsável criminalmente a pessoa e o delito tenha pena máxima igual ou superior a 2 anos Para avaliar o risco de reiteração deverá ponderar as circunstâncias do fato a gravidade dos delitos que possam ser cometidos ou ainda quando as investigações apontarem que o imputado vem atuando em concurso com outra ou outras pessoas de forma organizada para a comissão de fatos delitivos ou realiza suas atividades delitivas com habitualidade Analisando a situação ARAGONESES MARTINEZ83 explica que a reforma da Ley de Enjuiciamiento Criminal LECrim ocorrida em 2003 suprimiu o alarma social e incorporou o risco de reiteração delitiva como causa da prisão cautelar Interessante que essa mudança legislativa foi imposição da Sentença do Tribunal Constitucional n 4700 e nessa decisão o Tribunal especificou os fins constitucionalmente legítimos da prisão provisória e entre eles incluiu como causa a prisão para evitar a reiteração delitiva mas sublinhou não se deve fundamentar em risco genérico que o imputado possa cometer outros crimes pois isso faria com que a prisão provisional respondesse a um fim punitivo ou de antecipação da pena Isso seria inconstitucional Segue ainda ARAGONESES MARTINEZ explicando que a prisão para evitar a reiteração delitiva deve situarse em um plano distinto tanto que a LECrim se refere a esse risco em um apartado distinto porque não tem finalidade cautelar senão que constitui uma medida de segurança prédelitiva medida de seguridad predelictual O art 274c do Códice di Procedura Penale italiano admite a prisão cautelar quando pela especificidade do fato e de suas circunstâncias bem como pela personalidade da pessoa investigada se possa deduzir desunta de comportamentos ou atos concretos ou dos antecedentes penais o concreto perigo de que o agente cometa grave delito com uso de arma ou de outra forma de violência pessoal ou crimes contra a ordem constitucional ou delito de criminalidade organizada ou da mesma espécie daquele que contra ele se procede Nesse último caso reiteração de crimes da mesma espécie a prisão somente pode ocorrer quando a pena máxima prevista para esses crimes não seja inferior a 4 anos O CPP português no seu art 204 depois de enumerar um amplo rol de medidas alternativas à prisão como também ocorre nos países anteriormente citados autoriza a prisão preventiva quando houver perigo em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa O Código de Processo Penal alemão StPO no seu 112a autoriza a detenção quando houver fundados motivos de que o agente tenha cometido repetida ou continuadamente delitos graves existe uma enumeração desses delitos na lei e se existem fatos que possam fundamentar a existência do perigo de que antes do processo ele possa cometer mais delitos relevantes de mesma espécie ou continue com a prática do mesmo delito Em que pese essas considerações pensamos que a excepcional e cruel necessidade deveria dar lugar não à prisão preventiva por risco de reiteração mas a outras medidas restritivas aplicadas no âmbito da liberdade provisória tais como monitoramento eletrônico prisão domiciliar ou proibição de permanência de ausência ou de contatos como previsto no art 319 57 Desconstruindo o Paradigma da Cruel Necessidade Forjado pelo Pensamento Liberal Clássico Alternativas à Prisão por Conveniência da Instrução Criminal e para o Risco para Aplicação da Lei Penal Esclarecido que a prisão para garantia da ordem pública ou econômica não possui natureza cautelar e que portanto tem uma discutível constitucionalidade cumpre agora analisar os fundamentos restantes tutela da instrução criminal e da aplicação da lei penal Essas são verdadeiramente cautelares na medida em que se destinam ao processo a assegurar o regular e eficaz funcionamento do processo penal A questão é saber se são realmente necessárias ou não O pensamento liberal clássico conviveu com as prisões cautelares a partir de um argumento básico verdadeira tábua de salvação a cruel necessidade de tais medidas Invocando o superado argumento de que os fins justificam os meios contentase em considerar o meio como um fenômeno natural que não precisa ser justificado mas apenas explicado e quando muito delimitado Antes de seguir repetindo essas lições sem maior reflexão devemos constantemente questionar será que realmente é necessária a prisão cautelar Com certeza após uma análise séria e criteriosa se não chegarmos a eliminar a base teórica até então vigente ao menos diminuiremos em muito a incidência dessa verdadeira pena antecipada Para tanto vejamos alguns aspectos raramente enfrentados pelo senso comum teórico Inicialmente devemos considerar que a tutela da prova não pode ser confundida com a de interrogar o imputado e obter sua confissão Em primeiro lugar porque numa visão acusatória ou ao menos não inquisitiva do processo o interrogatório é um direito de defesa e não serve para a acusação Não serve para adquirir provas de culpabilidade Ademais a confissão não pode ser usada em seu prejuízo e há muito deixou de ser a prova plena basta uma rápida leitura da exposição de motivos do CPP É o momento de superar a culpa judaicocristã que conduz ao confessa e arrependete de teus pecados para encontrar a salvação Para FERRAJOLI84 a prisão cautelar pode ser perfeitamente substituída pela mera detenção ou seja o traslado do sujeito passivo para ser colocado sob custódia do tribunal pelo tempo estritamente necessário para interrogálo e realizar as primeiras comprovações do fato inclusive utilizando o incidente de produção antecipada de provas desconhecido no Brasil Com isso esse isolamento não duraria mais do que horas ou no máximo dias mas jamais meses e anos e tampouco teria o impacto estigmatizante da prisão cautelar O suspeito ficaria isolado por um breve período até ser ouvido e realizadas as primeiras comprovações do fato inclusive com produção antecipada em incidente Após ser ouvido e produzida essa prova não há mais motivo para a segregação até porque o suspeito não poderá substancialmente alterar mais nada Mantêlo preso representa apenas constrangimento e cerceamento de defesa pois o detido tem suas possibilidades de defesa reduzidas ao extremo inclusive permitindo que a acusação e a vítima possam esses sim manipular a prova Ou por acaso o acusador público ou privado está imune a esse tipo de tentação No sistema acusatório o contraditório é essencial e o combate livre e aberto em igualdade de armas cai por terra com o acusado preso Sem falar que a prisão cautelar conduz a uma verdadeira presunção de culpabilidade extremamente prejudicial para o processo Também a tutela da prova deve caminhar no sentido de maior cientificidade da própria investigação e coleta de indícios Quanto mais eficientes forem a polícia científica e as técnicas de recolhimento de provas menor é o tempo necessário para a apuração do fato e menores são os riscos de manipulação ou destruição por parte do suspeito No mesmo sentido ARAGONESES MARTINEZ85 aponta que a utilidade da prisão cautelar para tutela da prova es menos convincente ya que las fuentes de prueba podrían conservarse estableciendo medidas tendentes a su aseguramiento o bien previendo la práctica anticipada de prueba Ou seja não se justifica prender para colher a prova senão que deve lançarse mão de medidas de produção antecipada de provas e não da prisão preventiva Inclusive como destaca a autora o Tribunal Constitucional espanhol na STC n 12895 declarou que en ningún caso puede perseguirse con la prisión provisional son fines de impulso de la instrucción sumarial propiciando la obtención de pruebas de declaraciones de los imputados etc A essa altura alguém pode estar se perguntando mas essa não é a realidade brasileira cuja atividade policial na imensa maioria dos casos não consegue superar o nível da coleta de depoimentos Ora até mesmo a coleta de depoimentos pode ser agilizada de forma bastante barata com a filmagem e gravação a partir das quais o risco de manipulação passa a ser mínimo O que não se pode continuar admitindo é que tenhamos que arcar com os custos da incompetência estatal e a mais absoluta falta de interesse em realmente resolver o problema Quanto mais se analisa a questão maior é o convencimento de que na realidade não existe necessidade mas mera conveniência para o Estado e com isso não pactuamos Outro argumento comumente empregado é o do medo da vítima e das testemunhas O argumento anterior segue sendo invocado Incumbe ao Estado as funções de segurança pública da vítima das testemunhas e de todos nós O processo penal não é o instrumento adequado sob pena de sepultarmos o Estado Democrático de Direito e todas suas conquistas Tampouco o Estado está realmente preocupado em proteger vítimas e testemunhas basta verificar como funcionam os programas de proteção para constatar que o que se protege não é a testemunha mas sim o testemunho Sequer conseguem disfarçar que a visão utilitarista também se dirige a vítimas e testemunhas Também não é como explicamos anteriormente função da prisão cautelar a prevenção geral e especial Essas são funções exclusivas da pena aplicada após o processo Isso tudo sem falar na necessidade de que exista prova suficiente dessa situação O periculum libertatis não se presume Tampouco pode ser fruto de ilações fantasmagóricas ou transtornos persecutórios Uma análise séria que racionalize os medos levará à conclusão de que na imensa maioria das prisões cautelares decretadas sob esse fundamento a prisão é ilegal pois não existe a situação fática legitimante da intervenção penal Em suma no que se refere à tutela da prova existem outras formas e instrumentos que permitam sua coleta segura com um custo social e para o imputado infinitamente menor que o de uma prisão cautelar Inclusive no que se refere ao risco para testemunhas e vítimas uma boa alternativa é o disposto nos incisos II III e V do art 319 a saber a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares a proibição de manter contato com pessoa determinada e o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga Além disso o monitoramento eletrônico art 319 IX também resolveria o problema com um custo social e econômico infinitamente menor No que se refere à prisão cautelar para tutela da aplicação da lei penal estamos diante de uma medida verdadeiramente cautelar Novamente a questão é saber se realmente existe a cruel necessidade a legitimála Recordemos que é absolutamente inconcebível qualquer hipótese de presunção de fuga até porque substancialmente inconstitucional frente à Presunção de Inocência Toda decisão determinando a prisão do sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor jamais fruto de ilações Devese apresentar um fato claro determinado que justifique o receio de evasão do réu Infelizmente muitos juízes olvidamse disso e com base em frágeis elementos tomam essa decisão tão séria e estigmatizante O risco deve apresentarse como um fato claro determinado que justifique o medo de evasão do acusado É imprescindível um juízo sério desapaixonado e acima de tudo racional O periculum libertatis não pode assumir um caráter quantitativo Ainda que seja inaceitável qualquer presunção de fuga muitos sustentam que o perigo de evasão aumenta à medida que aumenta a gravidade do fato imputado pois a futura pena a ser imposta será mais grave86 Outros preferem simplesmente invocar os rótulos como crime hediondo tráfico de substâncias entorpecentes crime organizado etc para decretarem prisões preventivas sem o menor fundamento ou demonstração da necessidade Pensamos ainda que tais rótulos também não justificam ou legitimam uma presunção de fuga sequer a gravidade do fato Qualquer que seja a situação é imperativo que existam elementos concretos para justificar uma decisão de qualidade um primor de singular e extraordinária fundamentação87 Existem outras formas menos onerosas de assegurar a presença do acusado proporcionais e adequadas à situação Em caso de violação desses deveres demonstrando a intenção de fugir teríamos uma prova válida e suficiente para se falar em prisão decorrente do perigo de fuga A presunção de inocência como aponta CARNELUTTI88 impõe ao juiz que presuma também a obediência do acusado ao chamamento do Estado e só em caso de quebra dessa presunção é que se pode falar em uma medida restritiva da liberdade Com acerto FERRAJOLI89 argumenta que a fuga é em geral causada mais pelo medo da prisão preventiva do que pela própria sentença até porque se esta for justa e proporcional não há por que temêla A desproporcionalidade sim é fator predominante para a fuga e isso é mais um problema do Direito Penal máximo Há séculos Voltaire já chamava a atenção para a dureza do procedimento criminal como causa da fuga Se um homem está acusado de um crime começamos por encerrálo em um calabouço horrível não permitindo que tenha comunicação com ninguém testemunhas depõem sem que ele assista Enfim toda uma carga como se já tivesse sido julgado culpado Concluía Voltaire Oh juízes quereis que o inocente acusado não escape pois facilitalhe os meios para defenderse Atualmente com as facilidades de uma sociedade informatizada e internacionalmente integrada com os atuais sistemas de vigilância o risco de fuga fica bastante reduzido Dessarte é imprescindível que o juiz saiba utilizar as medidas cautelares diversas previstas no art 319 especialmente aquelas constantes nos incisos I IV V e IX comparecimento periódico em juízo proibição de ausentarse da comarca ou país recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga e monitoração eletrônica Tais medidas cautelares diversas aplicadas de forma isolada ou cumulativa conforme a situação exija podem muito bem atingir o mesmo escopo sem o imenso custo social e individual de uma prisão preventiva Na mesma linha o uso das medidas assecuratórias que engessam o patrimônio do imputado muitas vezes com bloqueio de contas e aplicações inviabiliza qualquer possibilidade de fuga ainda mais quando essas medidas vão combinadas com aquelas enumeradas no parágrafo anterior Nenhuma dúvida existe de que sem uma boa disponibilidade financeira as chances de uma fuga com êxito são mínimas A prisão preventiva e todas as demais cautelares inseremse perfeitamente na lógica do sofrimento bem tratada por SCHIETTI90 segundo a qual a prisão cautelar é a possibilidade de impor imediatamente um mal uma punição exercer a violência contra quem praticou um delito ou seja é a reação violenta àquele que cometeu uma violência É nessa linha importante que a pessoa sofra na própria carne pelo mal que fez Ainda que seja perfeitamente compreensível como bem aponta o autor é uma lógica perversa e completamente equivocada que somente serve para gerar mais violência e degradação dos valores éticos mínimos para a coexistência social 58 Das Medidas Cautelares Diversas ou Medidas Alternativas à Prisão Preventiva 581 Requisito Fundamento e Limites de Incidência das Medidas Cautelares Diversas Sem dúvida a maior inovação da Lei n 124032011 ao lado da revitalização da fiança é a criação de uma polimorfologia cautelar ou seja o estabelecimento de medidas cautelares diversas da prisão nos termos do art 319 rompendo com o binômio prisãoliberdade até então vigente Importante sublinhar que não se trata de usar tais medidas quando não estiverem presentes os fundamentos da prisão preventiva Nada disso São medidas cautelares e portanto exigem a presença do fumus commissi delicti e do periculum libertatis não podendo sem eles serem impostas Inclusive se durante uma prisão preventiva desaparecer completamente o requisito eou fundamento deve o agente ser libertado sem a imposição de qualquer medida alternativa Em tese se alguém foi preso por exemplo para tutela da prova uma vez que essa foi colhida deverá o juiz conceder a liberdade plena pois desapareceu o fundamento da prisão preventiva A medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva mas em razão da proporcionalidade houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação Mas também terão cabimento nos crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos situações em que o art 313 I veda a prisão preventiva desde que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis E aqui reside nosso grande medo que ocorra uma utilização massiva e indevida da medida de controle Em nossa opinião ainda que o art 313 discipline os limites de aplicação da prisão preventiva também deverá ser utilizado como balizador nas medidas cautelares diversas não só por uma questão de coerência e harmonia do sistema cautelar imposto pela necessária interpretação sistêmica mas também pelo seu inegável caráter substitutivo art 282 6º do CPP Pensamos contudo que predominará o seguinte entendimento nos crimes dolosos cuja pena máxima é superior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis poderão ser utilizadas as medidas cautelares diversas ou se inadequadas e insuficientes a prisão preventiva nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis somente poderá haver decretação de medida cautelar diversa nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos em que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis e exista uma das situações dos incisos II ou III do art 313 poderá ser decretada medida cautelar diversa ou excepcionalmente a prisão preventiva As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo ou seja como alternativas à prisão cautelar reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado Logo ainda que as medidas cautelares possam ser aplicadas aos crimes cuja pena máxima seja inferior a 4 anos elas representam significativa restrição da liberdade e não podem ser banalizadas Em nome disso e da necessária proporcionalidade a nosso juízo é incabível qualquer das medidas cautelares diversas se por exemplo o crime for culposo Quanto ao limite de pena ainda que se afaste a incidência do art 313 para aplicálas a crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos não se tem como fugir dos princípios da excepcionalidade e proporcionalidade que pautam a aplicação de toda e qualquer medida cautelar E quando pode ser empregada a medida cautelar diversa a qualquer tempo no curso da investigação ou do processo quando se fizer necessária a medida de controle a qualquer tempo no curso da investigação ou do processo como medida alternativa à prisão preventiva já decretada e que se revele desproporcional ou desnecessária à luz da situação fática de perigo aplicada juntamente com a liberdade provisória no momento da homologação da prisão em flagrante pelo juiz como medida de contracautela alternativa à prisão em flagrante a qualquer tempo está permitida a cumulação das medidas alternativas quando se fizer necessário Mas cuidado eventuais medidas alternativas não podem ser banalizadas e servir para aumentar a intervenção penal de forma injustificada Tampouco podemos desprezar a gravidade das restrições que elas impõem Medidas como as de proibição de frequentar lugares de permanecer e similares implicam verdadeira pena de banimento na medida em que impõem ao imputado severas restrições ao seu direito de circulação e até mesmo de relacionamento social Portanto não são medidas de pouca gravidade O maior temor é que tais medidas sejam deturpadas não servindo efetivamente como redutoras de danos mas sim de expansão de controle O problema reside exatamente na banalização do controle de modo que condutas de pouca reprovabilidade penal e que até agora não ensejariam qualquer tipo de controle cautelar até pela desnecessidade passem a ser objeto de intensa incidência de restrições O que se busca com a reforma é reduzir o campo de incidência da prisão cautelar e não criar um maior espaço de controle estatal sobre a liberdade individual Último aspecto a ser observado é que as medidas cautelares diversas também estão submetidas aos princípios gerais das medidas cautelares dentro do que lhes for aplicável a saber jurisdicionalidade e motivação contraditório provisionalidade provisoriedade excepcionalidade proporcionalidade Para evitar repetições remetemos o leitor ao que dissemos anteriormente sobre esses princípios reforçando a importância de aplicálos com a máxima eficácia possível à luz da medida adotada no caso Novamente criticamos a falta de prazo máximo de duração das cautelares diversas a exemplo da prisão preventiva o que gerará graves abusos Caberá ao juiz observar o caráter situacional e quando não se fizer mais necessária eou proporcional a medida substituíla por outra menos onerosa ou mesmo revogála por inteiro 582 Espécies de Medidas Cautelares Diversas Vejamos agora cada uma das medidas cautelares diversas da prisão Art 319 São medidas cautelares diversas da prisão I comparecimento periódico em juízo no prazo e nas condições fixadas pelo juiz para informar e justificar atividades Comentário O dever de comparecimento periódico em juízo é uma medida consagrada nos sistemas português art 198 e italiano art 282 com a diferença de que em ambos é possibilitada a apresentação na polícia judiciária e il giudice fissa i giorni e le ore di presentazione tenendo conto dellattività lavorativa e del luogo di abitazione dellimputato Teria andado melhor o legislador se tivesse permitido ao juiz fixar dias e horas conforme a jornada de trabalho do imputado para não a prejudicar admitindo a apresentação na polícia mais próxima de seu domicílio O modelo brasileiro optou pelo total controle judiciário da medida desconsiderando a facilidade de aproveitar a estrutura policial afinal a polícia está em todos os lugares e também a maior eficácia do controle Quanto à periodicidade nos parece que a cautelar buscou inspiração na suspensão condicional do processo estabelecida no art 89 da Lei n 909995 com a diferença de ter deixado completamente em aberto a determinação da periodicidade Portanto poderá o juiz determinar o comparecimento mensal semanal ou até mesmo em situações extremas em que a necessidade de controle assim exija que o imputado compareça diariamente no fórum Evidentemente que o comparecimento diário é uma medida extremamente onerosa para o imputado e que deve ser utilizada em casos realmente extremos muito próximos daqueles que justificariam uma prisão preventiva Do contrário como regra geral o comparecimento deve ser mensal Esse comparecimento periódico também deve atentar para o horário da jornada de trabalho do imputado de modo a não prejudicála Toda medida cautelar deve pautarse pela menor danosidade possível inclusive no que tange à estigmatização social do imputado É uma medida que permite a um só tempo o controle da vida cotidiana e também certificarse do paradeiro do imputado91 servindo como instrumento para tutela da eficácia da aplicação da lei penal Chamamos a atenção para a distinção entre essa medida e o dever de comparecer a todos os atos do processo imposto na liberdade provisória do art 310 parágrafo único e principalmente para a nova redação do caput e incisos do art 310 Um é o dever de comparecer aos atos do processo e o outro em juízo O primeiro é para assegurar a presença do réu nos atos da instrução numa antiga visão que negava ao réu o direito de não ir Também buscava secundariamente controlar o risco de fuga mas de forma muito frágil Agora o que se busca é o controle da vida cotidiana do imputado sem qualquer relação com a instrução processual O foco é outro Até a Lei n 124032011 os textos estavam invertidos com o atual caput no parágrafo único e vice versa Ficou melhor agora pois as situações tuteladas no antigo parágrafo único eram muito mais amplas e de incidência recorrente não fazendo sentido o caput tratar de situações excepcionais e o parágrafo da regra geral Mas a mudança mais importante é a seguinte antes o texto do parágrafo único determinava que o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante deveria após ouvido o Ministério Público conceder liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo Vejam que a obrigação de comparecer a todos os atos do processo era uma imposição automaticamente vinculada à liberdade provisória e estava expressamente prevista até porque não existia a possibilidade legal de fixar um dever de comparecimento periódico em juízo como a atual redação do art 319 I Agora a situação é distinta O inciso III do art 310 determina que o juiz deverá fundamentadamente conceder liberdade provisória com ou sem fiança que pode ser cumulada com uma ou mais das medidas cautelares previstas no art 319 E lá no art 319 não consta o dever de comparecer a todos os atos do processo até porque se alcançou um nível de evolução democrática em que o direito de silêncio está atingindo o patamar de direito de não ir Ademais o imputado deixa de ser objeto de prova para ser sujeito do processo que pode ir ou não à instrução Portanto o juiz recebendo o auto de prisão em flagrante poderá conceder liberdade provisória cumulandoa ou não com uma ou mais medidas cautelares diversas inclusive o dever de comparecimento periódico em juízo e não aos atos do processo é diferente o dever de comparecimento somente tem aplicação no caso do parágrafo único do art 310 ou seja quando o réu agiu ao abrigo de alguma causa de exclusão da ilicitude Notese que o art 310 parágrafo único tem uma aplicação muito pontual e peculiar quando o réu é preso em flagrante delito mas aparentemente tenha agido ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude legítima defesa estado de necessidade etc Inclusive o art 314 estabelece que a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar ter o agente atuado nos termos do art 23 do CP Neste caso prevê o CPP exclusivamente a concessão de liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo sob pena de revogação Pensamos que diante da especificidade da situação jurídica tutelada e da redação do dispositivo não há possibilidade de cumulação da liberdade provisória com as medidas cautelares diversas do art 319 A única condição imposta para concessão da liberdade provisória é o dever de comparecimento a todos os atos do processo sem qualquer remissão ao art 319 como ocorre no inciso III E por outro lado no inciso III não há que se falar em dever de comparecimento a todos os atos do processo mas sim na cumulação com alguma das medidas do art 319 Vejamos se a jurisprudência atentará para essa questão II proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações Comentário A proibição de acesso ou frequência a determinados lugares também de uso recorrente no direito estrangeiro deve ser usada com muita prudência pois não pode constituir uma pena de banimento Dizse inclusive que tem ela um objetivo visivelmente profilático ou preventivo como define SCHIETTI92 pois busca evitar que a frequência do réu a determinados lugares possa criar condições favoráveis para que o agente pratique novos delitos de mesma natureza ou não É uma medida que encontrará ampla incidência em relação a imputados que por exemplo integrem torcidas organizadas e pratiquem atos violentos Ou ainda que habitualmente envolvamse em delitos em bares e boates ou mesmo em situações de violência doméstica A questão a saber é terá o Estado condições e meios de fiscalizar o cumprimento desta medida Cremos que não Por fim a medida nasce com um defeito genético sua discutível cautelaridade e portanto constitucionalidade Não se vislumbra tutela do processo ou de seu objeto aproximandose da problemática prisão preventiva para garantia da ordem pública dado seu caráter de prevenção especial manifesto III proibição de manter contato com pessoa determinada quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante Comentário A situação aqui é melhor circunscrita que a do inciso anterior na medida em que a proibição tem um objeto de tutela mais claro uma pessoa determinada em regra a vítima testemunha e até mesmo um coautor do crime mas sempre alguém devidamente individualizado Neste ponto é perfeitamente possível que a medida cumpra uma função cautelar de tutela da prova Inclusive a efetividade desta cautelar será mais concreta na medida em que a própria pessoa protegida se encarregará de denunciar eventual descumprimento da ordem Esperase contudo que os juízes tenham muita serenidade na avaliação de eventuais denúncias de descumprimento da medida evitando decisões precipitadas que poderiam conduzir à prisão preventiva em flagrante violação da proporcionalidade e necessidade Ademais antes de revogála devese preferir a cumulação com mais alguma das restrições do art 319 Por fim por exemplo se o imputado violar a proibição de contato e ameaçar a vítima a prisão poderá ser decretada sob o esse fundamento art 282 4º do CPP e não pela prática do crime de ameaça cujo limite de pena não autoriza IV proibição de ausentarse da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução Comentário É medida de cautelaridade evidente servindo assumidamente para tutela da prova e por via reflexa da própria eficácia da lei penal risco de fuga A redação original era melhor pois incluía para evitar fuga e não incluía a discricionariedade do conveniente Na tramitação legislativa o texto foi piorado pois se restringiu à tutela da prova o que poderá ser objeto de profunda discussão em casos concretos na medida em que colhida a prova desaparece a situação fática legitimadora A proibição de ausentarse da comarca ou país era muito mais adequada para tutela da eficácia da lei penal minorando o risco de fuga e podendo ser cumulada por exemplo com o dever de comparecimento periódico do inciso I O erro de limitarse assumidamente ao interesse probatório vai reduzir o campo de aplicação desta cautelar diversa Também não andou bem o legislador em incluir a conveniência da investigação ou instrução na medida em que abre um amplo espaço para exercício impróprio da discricionariedade judicial Melhor seria manter a redação original que exigia a necessidade e não mera conveniência Incorre ainda no erro de se inserir na perspectiva de obrigar o réu a estar disponível para servir de objeto de prova Vai na contramão do direito de não produzir prova contra si mesmo privilege against selfincrimination e da tendência em reconhecerse o direito de não ir inerente ao réu em processos penais democráticos que não mais o veem como objeto de prova mas sim sujeito processual Não vislumbramos fundamento legal em obrigar o réu a permanecer na comarca ou país em nome da conveniência ou necessidade para investigação ou instrução na medida em que pode usar o direito de silêncio em relação a qualquer ato probatório inclusive o reconhecimento pessoal Portanto a medida seria melhor utilizada para minorar o risco de fuga e não para tutela da prova cuja legitimidade é profundamente discutível mas infelizmente não foi esse o texto final aprovado E como não vemos espaço hermenêutico para por passe de mágica mudar de tutela da lei penal para tutela da prova a medida deve ser usada nos limites legais e não subvertida E nos limites legais é inadequada aos fins que se pretende Por fim poderá ser conciliada com o disposto no art 320 Art 320 A proibição de ausentarse do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional intimandose o indiciado ou acusado para entregar o passaporte no prazo de vinte e quatro horas Caberá ao juiz comunicar às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional intimandose o imputado para entregar o passaporte no prazo de 24 horas O descumprimento desta determinação será considerado como descumprimento da própria medida cautelar cabendo inclusive a decretação da prisão preventiva V recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o acusado tenha residência e trabalho fixos Comentário É uma medida cautelar que pode servir a diferentes fins desde minorar o risco de fuga ainda que com pouca eficácia tutela da prova já que o imputado ficará nos limites trabalhodomicílio e até mesmo escopos metacautelares e por isso censuráveis como prevenção especial e geral Ainda que fundada no senso de responsabilidade e autodisciplina do imputado a medida poderá vir cumulada com o monitoramento eletrônico por exemplo para assegurarlhe a máxima eficácia Da mesma forma poderá ela ser chamada como medida secundária para reforçar os incisos I e II por exemplo Em caso de cumulação de medidas cautelares diversas deverá o juiz atentar para a proporcionalidade evitando a excessiva gravosidade para o réu das restrições mantendose nos limites da necessidade e proporcionalidade A medida é também diversa daquela prevista nos arts 317 e 318 A prisão domiciliar decorre de motivos pessoais do agente de natureza humanitária diversa portanto da medida cautelar de recolhimento domiciliar previsto no art 319 V A primeira explica SCHIETTI93 aproximase mais de uma espécie de prisão preventiva atenuada impondo ao imputado o dever de manterse dentro de sua residência salvo autorização judicial enquanto a segunda é uma modalidade menos gravosa de manter alguém em regime de liberdade parcial permitindolhe que trabalhe durante o dia recolhendose ao domicílio apenas à noite ou nos períodos de folga VI suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais Comentário É medida extremamente gravosa e que deverá ser utilizada com suma prudência sendo inclusive de discutível constitucionalidade Não se tutela o processo ou seu objeto aproximandose tal medida a uma ilegal antecipação da função de prevenção especial da pena Pretende tutelar o risco de reiteração não recepcionado expressamente na redação final do art 312 mas constante no projeto originário daí talvez a incongruência Terá como campo de aplicação os crimes econômicos e aqueles praticados por servidores públicos no exercício da função ou seja propter officium sempre com vistas a impedir crimes futuros perigosa futurologia Não se descarta a utilização nos crimes ambientais como interdito de caráter preventivo Sempre deverá ser fundamentada a decisão que impõe tal medida apontando especificamente no que consiste o receio de reiteração e não se admitindo decisões genéricas ou formulárias Recordemos que o sistema cautelar brasileiro não consagra um prazo máximo de duração das medidas conduzindo a resultados gravíssimos para o imputado que se vê submetido por prazo indeterminado a severas restrições de direitos fundamentais O inciso em tela bem evidencia o imenso problema desta indeterminação temporal pois a suspensão do exercício de função pública e mais grave ainda da atividade de natureza econômica ou financeira poderá representar uma antecipação de pena e principalmente a morte econômica de pessoas e empresas por um lento processo de asfixia Por tudo isso pensamos que a medida é das mais gravosas e deve ser utilizada com extrema parcimônia VII internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável art 26 do Código Penal e houver risco de reiteração Comentário Mais uma inovação sem similar no modelo atual busca estabelecer uma espécie de medida de segurança cautelar para os casos de crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa por agente inimputável ou semiimputável Para tanto exigese crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa inimputabilidade ou semiimputabilidade demonstrada por perícia risco de reiteração criminosa Os requisitos são cumulativos e não alternativos Os problemas desta medida são de diferentes ordens a começar pela ausência de limitação de sua duração mesmo erro existente na prisão preventiva o que poderá gerar abusos O segundo inconveniente decorre desta perícia para demonstrar a inimputabilidade ou semi imputabilidade pelos riscos inerentes às avaliações psicológicas e o mais grave ao caráter retroativo com que é feita Ou seja os peritos dirão hoje se ao tempo da ação ou omissão o agente era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento Não é aferir isso no estado psíquico atual mas no passado quando da prática do crime o que constitui um imenso espaço impróprio para subjetividade do avaliador e portanto um grave risco Ademais considerando a urgência inerente às cautelares nem sempre haverá condições de se fazer um exame de insanidade como necessário e com isso acabaremos criando a situação do inimputável provisório para não dizer do louco temporário correndo o risco de depois no exame definitivo o diagnóstico ser diferente Podese pensar por analogia na perspectiva da Lei de Drogas Lei n 11343 em que se faz o laudo de constatação provisório para aferir se uma substância é aparentemente entorpecente com a finalidade de homologar a prisão em flagrante e até mesmo para o recebimento da denúncia exigindose no curso do processo o laudo de constatação definitiva para permitir a condenação Criase no art 319 VII diante da urgência da medida cautelar a possibilidade de um laudo de constatação provisória da inimputabilidade apto a ensejar a internação provisória Isso não está na lei mas a situação de urgência poderá conduzir a esse cenário O problema neste caso reside no fato de que avaliação posterior não é objetiva como no laudo toxicológico mas sim completamente subjetiva e irrefutável na medida em que se pretende avaliar a interioridade psíquica do agente impossível de ser constatada ou demonstrada empiricamente Revelase a temida fundição do discurso jurídico com o da psiquiatria gerando uma ditadura do modelo clínico com efeitos penais A situação é ainda mais preocupante se considerarmos as condições em que se encontram os manicômios judiciários onde não raras vezes o acusado entra imputável e sai completamente louco Outrossim não se pode desprezar a estigmatização e o rótulo de inimputável que o acusado recebe já neste laudo provisório culminando por determinar e engessar seu futuro posto que uma vez rotulado de doente mental dificilmente conseguirá se livrar deste estigma Ainda mais se considerarmos que se está sempre no campo indeterminável e incontrolável das avaliações sobre a interioridade do agente de modo que ao ser novamente avaliado já entrará com essa pecha de doente e será muito difícil reverter esse quadro aos olhos de um psiquiatra já condicionado pelo laudo anterior ainda que inconscientemente Em suma é uma medida muito perigosa Em terceiro lugar o dispositivo recorre à perigosa futurologia do risco de reiteração completamente subjetiva e impossível de ser aferida Em última análise a nosso juízo pode representar um grave retrocesso essa internação provisória do inimputável ou semiimputável pois significa a aplicação de medida de segurança cautelar fundada na periculosidade do agente É interessante essa categoria de louco temporário que deverá ter sua periculosidade aferida por algum periculosômetro Zaffaroni É um retrocesso ao discurso criminológico de propensão ao delito periculosidade enfim um reducionismo sociobiológico Devemos considerar que o semiimputável também será submetido à internação cautelar em manicômio judiciário ou similar quando ao final se condenado não será internado Recordemos que ao semiimputável é permitida a redução da pena de um a dois terços sem internação E mais poderá se beneficiar de um regime prisional menos gravoso em decorrência da redução da pena Por tudo isso deve atentar o magistrado para a necessária proporcionalidade entre a cautelar e a provável decisão definitiva para evitar excessos Noutra dimensão a internação provisória não pode ser desconectada do sistema cautelar de modo que mesmo sendo inimputável o agente é imprescindível a demonstração do fumus commissi delicti e do periculum libertatis aqui assumido como risco de reiteração nos mesmos termos anteriormente expostos Dessarte não se pode desconsiderar o disposto no art 314 de modo que o inimputável pode ter agido em legítima defesa ou estado de necessidade da mesma forma que alguém imputável e por isso não pode ser submetido à internação provisória como não poderia ser submetido à prisão preventiva se imputável fosse Igualmente aplicáveis nesta medida todos os princípios anteriormente expostos especialmente de excepcionalidade provisionalidade provisoriedade e proporcionalidade sem falar no contraditório prévio sempre que possível A internação provisória é situacional de modo que desaparecendo o suporte fático legitimador do perigo deve o imputado ser colocado em liberdade Na mesma linha não pode ter uma duração indeterminada em que pese a lacuna legal na definição dos prazos máximos de duração das medidas cautelares Por fim chamamos atenção para outra lacuna no tratamento legal não há distinção entre a inimputabilidade existente na época do fato e a superveniente que se opera no curso do processo Em linhas gerais o agente que ao tempo da ação ou omissão era inimputável ou semiimputável submetese ao processo criminal onde ao final é julgado e submetido se apurada sua responsabilidade penal à medida de segurança ou se semiimputável É a chamada absolvição imprópria art 386 parágrafo único inciso III do CPP Na inimputabilidade superveniente a doença mental somente se manifesta no curso do processo ou seja ao tempo da ação ou omissão o agente era imputável A inimputabilidade é posterior ao fato criminoso Neste caso determina o art 152 do CPP que o processo criminal seja suspenso até que o acusado se restabeleça O processo somente retomará seu curso se o acusado se restabelecer Aqui reside um grande problema pois muitas doenças mentais não são passíveis de cura mas apenas controláveis em maior ou menor grau com tratamento e uso de medicamentos Logo a rigor o processo ficará indefinidamente suspenso Nestes casos errou o legislador ao não conciliar a medida cautelar com os dois desdobramentos possíveis do processo principal e nos parece por elementar que não poderá existir uma internação provisóriadefinitiva Pensamos então que uma vez suspenso o processo porque a doença mental é superveniente deverá cessar a internação provisória Como muito em casos extremos poderá o juiz adotar outra medida cautelar alternativa monitoramento dever de comparecimento recolhimento domiciliar etc por mais um período de tempo mas que também não poderá ser indeterminada VIII fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial Comentário O instituto da fiança será objeto de análise em tópico específico na continuação para onde remetemos o leitor para evitar repetições IX monitoração eletrônica Comentário O monitoramento eletrônico é um dispositivo antigo desenvolvido na década de 60 pelo psicólogo americano Robert Schwitzgebel já com a finalidade de controle de pessoas envolvidas com crimes e consistia em um bloco de bateria e um transmissor capaz de emitir sinal para um receptor Em 1977 o juiz de Albuquerque Novo México Jack Love inspirado por um episódio da série homemaranha convenceu um perito em eletrônica a desenvolver um dispositivo similar de monitoramento tendo utilizado pela primeira vez em 1983 quando condenou o primeiro réu a usar o monitoramento eletrônico No final da década de 80 o monitoramento já estava sendo utilizado por outros presos e popularizouse na década de 90 em que lá havia mais de 95000 presos monitorados94 A popularização do sistema de posicionamento global GPS barateou muito a tecnologia empregada tornandose amplamente acessível e de baixo custo Atualmente é uma forma de controle empregada em vários países tanto como instrumento de tutela cautelar em qualquer fase da persecução criminal como também na execução penal auxiliando no controle do apenado nas diferentes fases do sistema progressivo de cumprimento da pena Neste novo dispositivo legal consagrase o monitoramento como medida cautelar em que a possibilidade de vigilância ininterrupta serve como tutela para o risco de fuga e a prática de novas infrações Ao permitir o permanente controle sob a circulação do acusado também serve de útil instrumento para dar eficácia às demais medidas cautelares diversas tais como a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares a proibição de ausentarse da comarca ou país e o recolhimento domiciliar Cumpre assim diferentes dimensões de tutela cautelar A cada dia a tecnologia aperfeiçoa o sistema de monitoramento por GPS diminuindo o tamanho dos aparelhos e o incômodo por eles gerado ao estarem fixados no corpo do réu Em que pese isso é uma medida de controle extremo que gera um grande controle sobre a intimidade do agente e que deve ser usada com seletividade por parte dos juízes A diminuição do tamanho dos aparelhos melhorou a portabilidade mas ainda assim por ser levado preso ao corpo seja como pulseira tornozeleira etc além do desconforto dá uma visibilidade do estigma do processo penal e do controle social exercido O monitoramento eletrônico é uma medida cautelar alternativa subordinada também ao fumus commissi delicti e principalmente à necessidade de controle que vem representada pelo periculum libertatis Seu uso por ser dos mais gravosos deve ser reservado para situações em que efetivamente se faça necessário tal nível de controle e em geral vem associado ao emprego de outra medida cautelar diversa como a proibição de ausentarse da comarca art 319 IV Em geral é utilizado para tutela do risco de fuga mas também poderá contribuir para a efetivação de outras medidas cautelares de tutela da prova tais como a proibição de manter contato com pessoa determinada exemplo típico da ameaça a testemunhas vítima etc ou mesmo de tutela da ordem pública quando concebida no viés de risco de reiteração Em suma é um instrumento bastante útil de controle mas que deve ser reservado para casos graves como último passo antes da decretação da prisão preventiva sob pena de sua banalização gerar um expansionismo ilegítimo de controle penal com sérios riscos à liberdade individual e à própria dignidade da pessoa humana 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título podendo ser cumulada com outras medidas cautelares Comentário Essa questão também será abordada quando do estudo da fiança em tópico específico na continuação 59 Da Prisão Cautelar Domiciliar Estabelecem os arts 317 e 318 a prisão cautelar domiciliar nos seguintes termos Art 317 A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência só podendo dela ausentar se com autorização judicial Art 318 Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for I maior de oitenta anos II extremamente debilitado por motivo de doença grave III imprescindível aos cuidados especiais de menor de seis anos de idade ou com deficiência IV gestante a partir do 7 sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco Parágrafo único Para a substituição o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo Foi um avanço tímido do legislador nesta matéria pois em que pese a ampliação dos casos em que pode ser utilizada e a recepção na morfologia cautelar poderia e deveria o legislador ter ido além ampliando ainda mais as situações de utilização Destacamos porém o endurecimento do tratamento em relação ao projeto originário no qual o limite de idade era de 70 anos agora passou para 80 anos e no inciso III constava pessoa imprescindível aos cuidados especiais de menor de 7 sete anos de idade agora passou para 6 anos Essa é uma prisão domiciliar por motivos pessoais do agente de natureza humanitária diversa portanto da medida cautelar de recolhimento domiciliar previsto no art 319 V A medida constante no art 319 V tem outra natureza pois lá o agente tem liberdade para durante o dia exercer suas atividades profissionais devendo recolherse ao domicílio apenas no período noturno e nos dias de folga A demonstração da existência da situação fática autorizadora da prisão domiciliar poderá ser feita pela via documental certidão de nascimento nos casos do inciso I e II ou perícia médica nos casos dos incisos II III última parte e IV Como as demais medidas cautelares é substitutiva da prisão preventiva estando portanto submetida aos mesmos requisitos e princípios 510 Decretação ou Manutenção da Prisão Preventiva quando da Sentença Penal Condenatória Recorrível ou da Decisão de Pronúncia Toda a polêmica construída em torno do art 594 do CPP95 caiu por terra com a vigência da Lei n 117192008 que simplesmente o revogou Agora com essa nova Reforma Parcial em 2011 Lei n 124032011 a situação ficou ainda mais clara na medida em que o sistema cautelar contempla apenas a prisão em flagrante como medida précautelar preparatória da prisão preventiva ou das medidas cautelares diversas a prisão temporária prevista na Lei n 796089 e aplicável somente na fase préprocessual nos termos previstos na lei referida a prisão preventiva que pode ser decretada em qualquer fase do inquérito ou do processo inclusive em sede recursal mantendose assim até a revogação substituição ou o trânsito em julgado da sentença quando se condenatória dará lugar à execução da pena Da mesma forma o art 393 do CPP96 não pode ser lido de forma isolada pois como bem sublinha NASSIF97 é visível a agressão ao estado de inocência do acusado a prisão antecipada ao trânsito em julgado da sentença Art 387 O juiz ao proferir sentença condenatória 1 O juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou se for o caso a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta Incluído pela Lei n 127362012 2 O tempo de prisão provisória de prisão administrativa ou de internação no Brasil ou no estrangeiro será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade Incluído pela Lei n 127362012 Assim na sentença condenatória o juiz deve fundamentadamente analisar a necessidade ou não de imposiçãomanutenção da prisão preventiva seguindo a lógica do art 312 risco de fuga O dispositivo legal faz alusão à outra medida cautelar remetendo agora para o art 319 do CPP e suas medidas cautelares diversas Significa que no momento da sentença penal condenatória o juiz pode substituir uma medida cautelar diversa por outra mais adequada cumulálas e até mesmo se a necessidade exigir decretar a prisão preventiva Por outro lado ainda que a sentença seja condenatória nada impede que o juiz substitua a prisão preventiva aplicada por uma medida cautelar diversa mais adequada principalmente quando houver uma acusação excessiva por vários delitos e que ao final não seja acolhida na íntegra provimento parcial com a condenação a apenas um crime por exemplo tendo o réu sido condenado a um delito de menor gravidade em que não mais se justifica a manutenção da prisão até pela desproporcionalidade Também representa uma importante evolução a disposição final do parágrafo único que definitivamente desconecta o conhecimento do recurso da discussão prisãoliberdade e eventual fuga Daí por que não há que se falar em deserção e portanto não conhecimento do recurso quando o réu fugir O recurso deve ser conhecido e apreciado Assim desconectados estão o direito de recorrer do réu e o poder de prender do Estado quando necessária a custódia cautelar sendo inadmissível a decisão que não conhece da apelação sob o argumento de que o réu fugiu ou não se recolheu para apelar Existe uma separação em que pese a natural conexão entre os temas fazendo com que de um lado esteja o direito ao duplo grau de jurisdição e de outro o direito de recorrer em liberdade São direitos distintos ainda que intimamente relacionados Compreendido que o direito de recorrer está desconectado da prisão cautelar vejamos agora como fica a problemática em torno do direito de permanecer ou não em liberdade Como ressalva SCHIETTI98 a evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a prisão decorrente da pronúncia ou de sentença penal condenatória recorrível somente não ofende o princípio da presunção de inocência se for devidamente demonstrada na fundamentação da sentença a necessidade da prisão cautelar Ou seja somente caberá a prisão nesse momento se for verdadeiramente cautelar Significa dizer que nesse momento da sentença vigora a lógica da prisão preventiva insculpida no art 312 do CPP Nessa linha com acerto ANDRADE MOREIRA99 conclui que a prisão será uma decorrência de uma sentença condenatória recorrível sempre que in casu fosse cabível a prisão preventiva contra o réu independentemente de sua condição pessoal de primário e de ter bons antecedentes ou seja o que definirá se o acusado aguardará preso ou em liberdade o julgamento final do processo é a comprovação da presença de um daqueles requisitos acima referidos Essa compreensão é evidente na medida em que não existe prisão obrigatória antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória Por outro lado o juiz pode determinar a prisão preventiva do réu condenado mas deve fundamentar e demonstrar na sentença a existência de periculum libertatis que nesse momento somente é concebido na sua última figura risco para a aplicação da lei penal pois não concebemos como cautelar a tutela da ordem públicaeconômica e tampouco se pode falar em tutela da prova pois já colhida Nenhuma discussão é necessária em torno do fumus commissi delicti pois já delineado na própria sentença penal condenatória na medida em que sem essa fumaça sequer condenado poderia ser o réu Quanto às demais figuras de periculum libertatis previstas no art 312 recordemos que as duas primeiras são substancialmente inconstitucionais e que o risco para a instrução já desapareceu na medida em que a instrução já se realizou Daí por que o único perigo possível é o de fuga E ele para justificar uma prisão preventiva deve ser concreto fundado em elementos probatórios suficientes Nada de projeções ou ilações por parte do julgador Compreendese então que os elementos primário e de bons antecedentes não têm nenhuma relevância para decidir entre recorrer em liberdade ou recorrer preso O que importa é a lógica cautelar desenhada pela prisão preventiva e seu art 312 Portanto o réu reincidente eou de maus antecedentes poderá recorrer em liberdade e o primário e de bons antecedentes poderá ser preso por força da sentença recorrível O que legitima a prisão é sua natureza cautelar e a existência de periculum libertatis aqui risco de fuga Assim se o réu respondeu a todo o processo em liberdade por ausência de necessidade da prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que recorra em liberdade Mas poderá ser preso preventivamente nesse momento Sim desde que o juiz fundamente a necessidade da prisão preventiva e demonstre a existência de real e concreto risco de fuga periculum libertatis Por outro lado se o réu permaneceu preso ao longo de todo o processo pois lhe foi decretada a prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que permaneça preso e assim exerça seu direito de recorrer cabendo ao juiz fundamentar que perdura a necessidade da prisão e persiste o periculum libertatis Não estamos dizendo que permanecer preso é algo obrigatório ou automático senão que se existiram motivos para ser decretada a prisão preventiva no curso do processo ou até mesmo na fase de inquérito e permanecer esse perigonecessidade a manutenção da prisão é decorrência natural Ou ainda também é aceitável a substituição da prisão preventiva por outra medida cautelar prevista no art 319 Mas o réu que estava preso poderá ser condenado e solto ou submetido a uma medida cautelar diversa Sim desde que desapareça ou seja minorada a situação de perigo Por exemplo se o réu foi preso preventivamente para tutela da prova com a sentença logo já foi colhida a prova desapareceu a situação de perigo que justificou a prisão preventiva devendo o agora condenado ser solto ou submetido a uma medida cautelar diversa mais adequada Também pode ocorrer de a acusação imputar a prática de dois delitos vg tráfico de substâncias entorpecentes art 33 da Lei n 11343 e associação para o tráfico art 35 da Lei n 11343 e requerer a decretação da prisão preventiva considerando a gravidade dos crimes e o risco de fuga Na sentença o réu é absolvido da primeira imputação tráfico de drogas e condenado pela segunda a uma pena de 3 anos substituída por pena restritiva de direitos nos termos do art 44 do CP É manifestamente desproporcional manter alguém preso preventivamente nessas condições Assim ainda que condenado deverá recorrer em liberdade cabendo ao juiz na sentença determinar a expedição do respectivo alvará de soltura ou no mínimo substituir a prisão preventiva por uma medida cautelar diversa menos gravosa No que se refere à Súmula n 9 do STJ100 também deve ser lida nessa sistemática Diz a súmula A exigência da prisão provisória para apelar não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência Em suma para decidir se o réu poderá recorrer em liberdade ou não se deve analisar a situação à luz do sistema cautelar e da real necessidade que a fundamenta periculum libertatis e legitima decretando se ou revogandose a prisão preventiva conforme o caso bem como lançando mão das medidas cautelares diversas adequadas que poderão ser revogadas aplicadas como substitutivas da prisão preventiva de forma isolada ou cumulativa Não é demais recordar que se o réu for absolvido deverá ser imediatamente colocado em liberdade se preso preventivamente ou ordenada a cessação das medidas cautelares diversas que estejam sendo aplicadas nos termos do art 386 parágrafo único incisos I e II do CPP E no caso da decisão de pronúncia O regramento da prisão neste momento processual está disciplinado pelo art 413 do CPP Art 413 O juiz fundamentadamente pronunciará o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação 1º A fundamentação da pronúncia limitarseá à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena 2º Se o crime for afiançável o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória 3º O juiz decidirá motivadamente no caso de manutenção revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e tratandose de acusado solto sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código A simples leitura evidencia que o art 413 inserese na mesma perspectiva da discussão anterior A prisão quando da decisão de pronúncia não é obrigatória como já o foi no passado estando subordinada ao fundamento e requisito que norteiam as prisões cautelares nos termos do art 312 do CPP Assim nenhuma relevância tem o fato de o agente ser primário ou reincidente senão que deverá o juiz fundamentar a necessidade da prisão cautelar demonstrando a existência do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Tudo o que dissemos no item anterior é inteiramente aplicável aqui de modo que havendo necessidade e preenchidos os requisitos legais poderá o juiz determinar a prisão preventiva do réu pronunciado ou mantêlo preso se assim já se encontrar Em qualquer caso deverá fundamentar a decisão Da mesma forma poderá manter aplicar substituir ou cumular as medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP conforme a necessidade do caso Não estando preenchidos os requisitos da prisão preventiva deverá o réu permanecer em liberdade com a aplicação de medida cautelar diversa ou não Tudo dependerá da existência ou não do fumus commissi delicti e do periculum libertatis No mesmo sentido situase a fiança medida de contracautela aplicada em conjunto com a liberdade provisória e que será analisada na continuação 511 Prisão Preventiva e Recursos Especial eou Extraordinário Inexistência de Prisão Obrigatória Ausência de Efeito Suspensivo e a Inadequada Transmissão de Categorias do Processo Civil A situação aqui é exatamente igual a que acabamos de tratar possibilidade ou não da prisão preventiva ou das medidas cautelares diversas conforme a lógica do sistema cautelar mas merece algumas considerações extras Uma vez proferida sentença o recurso de apelação será julgado pelo tribunal respectivo Nesse momento no que tange à prisão cautelar a questão foi enfrentada quando da análise do direito de recorrer em liberdade ou da possibilidade de ser preso independentemente da admissibilidade do recurso quando estiver presente o periculum libertatis da prisão preventiva Mas esgotada a jurisdição de segundo grau com o julgamento da apelação e dos decorrentes como embargos infringentes declaratórios etc é interposto pelo réu o recurso especial eou extraordinário conforme o caso Poderá continuar recorrendo em liberdade se assim está O problema posto pela redação do art 637 do CPP o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo foi substancialmente agravado pela Lei n 803890 que podendo resolver a questão só fez por piorar A famigerada lei ordinária com todo o peso etimológico da palavra incorreu em três gravíssimos erros 1º pretendeu disciplinar com igual tratamento para o processo civil e para o processo penal os recursos especial e extraordinário desprezando a especificidade da complexa fenomenologia do processo penal que em nada se assemelha ao processo civil 2º ainda que sancionada após a Constituição de 1988 dela se olvidou ou pouco caso fez desconsiderando a existência da presunção de inocência e da ampla defesa consagrando uma prisão obrigatória e sem o caráter cautelar exigido como requisito de legitimidade 3º tratou como efeito recursal devolutivo art 27 2º da Lei n 8038 uma situação processual que vai para muito além dessa frágil categoria do processo civil absolutamente inadequada por excessiva redução da complexidade para disciplinar o direito de recorrer em liberdade no processo penal É elementar que a problemática em torno do direito de recorrer em liberdade está para muito além da categoria efeito recursal tipicamente civilista e inadequada para o processo penal situandose noutra dimensão a da eficácia do direito fundamental da ampla defesa e da presunção de inocência Daí por que inexistindo prisão cautelar obrigatória como já foi explicado à exaustão não foi o art 637 recepcionado pela Constituição Quanto ao disposto no art 27 2º da Lei n 8038 é substancialmente inconstitucional devendo sua validade substancial ser afastada em sede de controle difuso Retomando toda a discussão estabelecida nos itens anteriores pensamos que aqui a situação é similar Não pode existir prisão obrigatória pelo simples fato de o tribunal de segundo grau ter proferido decisão A única opção de prisão é a preventiva do art 312 Havendo periculum libertatis que justifique a prisão preventiva ou a manutenção dela caso o réu já esteja preso assim poderá proceder o tribunal Do contrário tendo desaparecido a situação de perigo ou inexistindo ela especialmente quando o réu permaneceu em liberdade ao longo do processo impõese o direito de seguir recorrendo em liberdade enquanto não existir trânsito em julgado Da mesma forma poderá manter aplicar substituir ou cumular as medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP conforme a necessidade do caso O que não se admite é uma prisão cautelarobrigatória por absoluta ilegalidade Da mesma forma é um erro tratar a questão como mera ausência de efeito suspensivo pois é completamente inadmissível uma pena antecipada no processo penal Em que pese um passado de injustificada oscilação tudo indica que o Supremo Tribunal Federal caminha a passos largos nessa direção algo a ser seguido não por subserviência senão por acerto pelo Superior Tribunal de Justiça101 Entre os diversos acórdãos existentes pinçamos aquele proferido pelo STF 2ª Turma no HC 94408 Relator Min EROS GRAU julgado em 10022009102 Apenas para completar a análise jurisprudencial citamos a ementa de outra decisão muito relevante neste tema proferida no HC 96059 Relator Min CELSO DE MELLO 2ª Turma julgado em 10022009103 Com isso compreendese que a presunção de inocência e o direito de recorrer em liberdade abrangem os recursos especial e extraordinário com o abandono da prisão cautelar obrigatória de modo que sempre deverá ser analisada e fundamentada a eventual necessidade de prisão preventiva com base no periculum libertatis como medida excepcional Em outras palavras a liberdade até o trânsito em julgado é a regra mas a prisão preventiva ou as medidas cautelares diversas do art 319 poderão ser mantidas ou decretadas desde que necessárias à luz de seus requisitos legais 6 Da Prisão Temporária A prisão temporária não foi diretamente modificada pela Lei n 124032011 mas sublinhamos a importância do art 282 que se aplica a qualquer medida cautelar inclusive para a prisão temporária embora prevista em lei apartada Portanto a prisão temporária também passa a ser regida pelo art 282 especialmente nos seguintes pontos Art 282 As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observandose a I necessidade para aplicação da lei penal para a investigação ou a instrução criminal e nos casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais II adequação da medida à gravidade do crime circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado Significa o estabelecimento de novos parâmetros sobre os quais deve especial atenção o juiz ao decretar a prisão temporária necessidade e adequação Além de observar se a medida realmente é necessária para a investigação e a coleta dos elementos probatórios buscados deve verificar se a prisão temporária é adequada à finalidade apontada pela autoridade policial Em última análise estamos tratando da proporcionalidade da prisão que adquire especial relevância agora com o amplo rol de medidas cautelares diversas previstas no art 319 Deve o juiz verificar portanto se os objetivos buscados não podem ser alcançados por meio de medidas cautelares diversas e menos gravosas para o investigado É neste ponto um novo referencial definido pela Lei n 124032011 e que deve conduzir a uma mudança do tratamento judicial da prisão temporária Feita a ressalva continuemos A prisão temporária está prevista na Lei n 796089 e nasce logo após a promulgação da Constituição de 1988 atendendo à imensa pressão da polícia judiciária brasileira que teria ficado enfraquecida no novo contexto constitucional diante da perda de alguns importantes poderes entre eles o de prender para averiguações ou identificação dos suspeitos Há que se considerar que a cultura policial vigente naquele momento em que prisões policiais e até a busca e apreensão eram feitas sem a intervenção jurisdicional não concebia uma investigação policial sem que o suspeito estivesse completamente à disposição da polícia A pobreza dos meios de investigação da época fazia com que o suspeito fosse o principal objeto de prova Daí por que o que representava um grande avanço democrático foi interpretado pelos policiais como uma castração de suas funções A pressão foi tão grande que o Presidente José Sarney cedeu e em 21121989 foi institucionalizada a prisão para averiguações agora com o nome de prisão temporária como se existisse prisão perpétua Outro detalhe importante é que a prisão temporária possui um defeito genético foi criada pela Medida Provisória n 111 de 24 de novembro de 1989 O Poder Executivo violando o disposto no art 22 I da Constituição legislou sobre matéria processual penal e penal pois criou um novo tipo penal na Lei n 4898 através de medida provisória o que é manifestamente inconstitucional A posterior conversão da medida em lei não sana o vício de origem104 Mas como os juízes e tribunais brasileiros fizeram vista grossa para essa grave inconstitucionalidade a lei segue vigendo Então não se pode perder de vista que se trata de uma prisão cautelar para satisfazer o interesse da polícia pois sob o manto da imprescindibilidade para as investigações do inquérito o que se faz é permitir que a polícia disponha como bem entender do imputado Inclusive ao contrário da prisão preventiva em que o sujeito passivo fica em estabelecimento prisional e se a polícia quiser conduzilo para ser interrogado ou participar de algum ato de investigação deverá necessariamente solicitar autorização para o juiz a prisão temporária lhes dá plena autonomia inclusive para que o detido fique preso na própria delegacia de polícia Significa dizer que ele está 24h por dia à disposição de todo e qualquer tipo de pressão ou maustratos especialmente das ardilosas promessas do estilo confessa ou faz uma delação premiada que isso acaba De forma mais direta CIRILO DE VARGAS 105 afirma categoricamente Na prática durante dez dias e se for crime hediondo por até 60 dias o juiz está permitindo que um suspeito fique sujeito a toda sorte de maustratos Maustratos sim porque se não houvesse para a Polícia a necessidade deles por que requerer a prisão Preso por ordem judicial o cidadão está sujeito a suplícios que não deixam vestígios sendo de valia nenhuma o exame médico para constatar violências E prossegue se todo o dia sem exceção a mulher do preso requerer ao juiz o exame médico do marido É óbvio que ele denegaria A tortura está aí no dia a dia das delegacias e casas de detenção espalhadas pelo Brasil mas sem dúvida mudou de cara é muito mais psicológica do que física mas não por isso menos cruel e eficiente A prisão temporária cria todas as condições necessárias para se transformar em uma prisão para tortura psicológica pois o preso fica à disposição do inquisidor A prisão temporária é um importantíssimo instrumento na cultura inquisitória que ainda norteia a atividade policial em que a confissão e a colaboração são incessantemente buscadas Não se pode esquecer que a verdade escondese na alma do herege sendo ele o principal objeto da investigação Daí por que todo cuidado é pouco quando se pretender utilizar esse tipo de prisão cabendo aos juízes suma prudência e bastante comedimento ao lançar mão desse instituto até porque a cultura inquisitória de obter uma confissão a qualquer custo ainda domina a mentalidade policial brasileira fazendo com que métodos medievais ainda sejam usados e muita injustiça seja cometida 61 Duração da Prisão Temporária Prazo com Sanção Em que pese o defeito genético que contém ao menos a prisão temporária está controlada no tempo É a única prisão cautelar cujo prazo máximo de duração está previsto em lei Mais importante tratase de prazo com sanção ou seja findo o limite de tempo fixado na lei o imputado deve ser imediatamente posto em liberdade art 2º 7º da Lei n 796089 sob pena de configurarse o delito de abuso de autoridade art 4º I da Lei n 4898 Vejamos agora os principais aspectos da prisão temporária Será decretada pelo juiz garantia da jurisdicionalidade mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial Não poderá ser decretada de ofício pelo juiz Deverá sempre ser fundamentada a decisão como determinam o art 93 IX da Constituição e o art 2º 2º da Lei n 7960 demonstrando a necessidade da prisão temporária e a presença do requisito e fundamentos que a legitimam Os prazos de sua duração são até 5 dias prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade sendo crime hediondo o prazo poderá ser de 30 dias prorrogáveis por igual período fazendo com que a prisão temporária possa durar até 60 dias Essa possibilidade está prevista no art 2º 3º da Lei n 8072 Nada impede que o imputado seja posto em liberdade antes desses prazos pela própria autoridade policial sem intervenção judicial desde que não exista mais a necessidade da custódia tendo em vista o interesse da investigação Mas os prazos devem ser observados sendo completamente ilegal por exemplo a decisão judicial que decreta a prisão temporária por 7 dias pois excede o prazo e já antecipa uma prorrogação de ofício que sequer foi pedida e muito menos demonstrada O prazo é de até cinco dias Depois disso excepcionalmente havendo pedido expresso e fundamentado da autoridade policial poderá haver a prorrogação por mais 5 dias Noutro sentido concordamos com RANGEL106 de que nenhum problema existe se o juiz fixar uma prisão temporária pelo prazo de 3 dias ou sendo crime hediondo por 15 dias ainda que a Lei permita até 30 dias O prazo fixado em Lei é o máximo permitido sempre mirando a necessidade da investigação Cumprida essa finalidade em período menor deve o imputado ser imediatamente solto Então o juiz pode perfeitamente fixar um limite menor avaliando a necessidade apontada pela autoridade policial Muitas vezes havendo vários suspeitos com residências em diferentes cidades é pedida a prisão temporária junto com a busca e apreensão sendo a primeira uma forma de garantir a eficácia da segunda Não há motivo algum para que a prisão temporária tomando o caso do crime hediondo por exemplo dure mais do que 5 dias Logo para evitar abusos deverá o juiz fixar esse prazo cabendo à autoridade policial pedir e demonstrar eventual necessidade de prorrogação Devese assegurar a possibilidade de pedido de prorrogação em caso de extrema e comprovada necessidade até o limite global previsto na Lei n 7960 5 5 10 ou ainda se hediondo 30 30 60 de modo que se o pedido for de prisão temporária por 30 dias crime hediondo e o juiz fixar em 15 dias a autoridade policial poderá postular a prorrogação até o limite global de 60 dias Inclusive em se tratando de crime hediondo o melhor seria que os juízes fixassem um prazo de no máximo 15 dias ou até menos A prorrogação deveria vir através de pedido fundamentado permitindo ao juiz fazer um novo controle da necessidade da prisão e coibindo eventuais excessos Se estiver convencido da imprescindibilidade da prorrogação que o faça por mais 15 dias Convenhamos que 30 dias de prisão temporária é tempo mais do que suficiente para a medida cumprir o seu fim Inclusive com o advento da Lei n 124032011 e a inserção de um rol de medidas diversas à prisão pensamos que não se justifica uma prisão temporária por mais de 5 dias posto que após esse prazo poderá o juiz mediante invocação ou de ofício substituir essa prisão temporária por uma medida alternativa que igualmente permita o controle sobre o risco de fuga ou para a prova sem necessidade da prisão Em qualquer caso devese considerar ainda que a prisão temporária poderá dar lugar após o escoamento do seu prazo a uma prisão preventiva que como visto não possui prazo de duração Contudo em nenhuma hipótese poderá ser decretada a prisão temporária quando já estiver concluído o inquérito policial ou mesmo persistir se tiver sido decretada anteriormente após a conclusão da investigação 62 Especificidade do Caráter Cautelar Análise do Fumus Commissi Delicti e do Periculum Libertatis Crítica à Imprescindibilidade para as Investigações Policiais A prisão temporária possui uma cautelaridade voltada para a investigação preliminar e não para o processo Não cabe prisão temporária ou sua permanência quando já tiver sido concluído o inquérito policial Então se já houver processo ou apenas tiver sido oferecida a denúncia não pode permanecer a prisão temporária Tratase de uma prisão finalisticamente dirigida à investigação e que não sobrevive no curso do processo penal por desaparecimento de seu fundamento Encerrada a investigação preliminar não se pode mais cogitar de prisão temporária Compreendido isso para que seja decretada são necessários fumus commissi delicti e periculum libertatis nos seguintes termos O fumus commissi delicti está previsto no art 1º inciso III exigindo que existam fundadas razões de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes Na continuação a Lei n 7960 enumera 14 crimes que vão do homicídio doloso aos crimes contra o sistema financeiro É um rol bastante amplo e abrangente e importante frisar taxativo É pacífico que a prisão temporária por crime que não esteja previsto naquele rol do inciso III é completamente ilegal devendo imediatamente ser relaxada Assim é ilegal a prisão temporária por homicídio culposo estelionato apropriação indébita sonegação fiscal falsidade documental etc Devese sublinhar que a prisão temporária dirigese ao agente suspeito de autoria ou participação em um daqueles delitos sendo absurda sua utilização para prisão de testemunha vítima ascendente descendente cônjuge etc do suposto autor Por mais bizarro que isso possa parecer nesse país o rol de monstruosidades jurídicas é infindável havendo notícias de prisão temporária de testemunha que não comparece na delegacia de polícia e até da mãe de traficante foragido para forçar sua apresentação Não há que se olvidar que para a decretação da prisão já devem existir indícios razoáveis de autoria não se admitindo que se prenda para então buscar elementos de autoria e materialidade O periculum libertatis acaba sendo distorcido na prisão temporária para atender à imprescindibilidade para as investigações do inquérito Daí por que não é a liberdade do imputado o gerador do perigo que se quer tutelar senão que a investigação necessita da prisão ou ainda a liberdade é incompatível com o que necessita a investigação para esclarecer o fato Importante trazer à colação as sempre lúcidas palavras do Min EROS GRAU107 ainda que a citação seja longa quando explica que O controle difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá ser desenvolvido perquirindose necessidade e indispensabilidade da medida Daí que a primeira indagação a ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte em que e no que o corpo do suspeito é necessário à investigação Excluase desde logo a afirmação de que se prende para ouvir o detido Pois a Constituição garante a qualquer um o direito de permanecer calado art 5º n LXIII e o temos afirmado aqui exaustivamente o que faz com que a resposta à inquirição investigatória consubstancie uma faculdade Ora não se prende alguém para que exerça uma faculdade Sendo a privação da liberdade a mais grave das constrições que a alguém se pode impor é imperioso que o paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de evitála Se a investigação reclama a oitiva do suspeito que a tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas respondendoas o suspeito se quiser sem necessidade de prisão 31 Tampouco se pode acolher a prisão para impedir que provas sejam destruídas sem que o suspeito tenha dado qualquer motivo para que se afirme essa possibilidade Na dicção do Ministro CELSO DE MELLO para tanto é indispensável base empírica idônea 32 Não falta quem diga que a prisão temporária é às vezes a única punição que o suspeito sofre Mas prisão cautelar não é pena de sorte que a circunstância de ter sido ela o único constrangimento por ele suportado consubstanciará prova cabal de que não tendo sido condenado o acusado não merecia ser punido 33 Pior ainda é o argumento da agilização da investigação Pois antes de ser ágil é preciso que ela seja legal e necessária inexistindo qualquer outra via para o seu curso grifo nosso Esse é sem dúvida o ponto mais problemático da prisão temporária Não se pode admitir que uma prisão seja imprescindível para investigar um fato A polícia deve ter informações e condições técnicas para realizar a investigação preliminar sem depender da prisão do suspeito É importante não esquecer que o suspeito também está protegido pela presunção de inocência e principalmente pelo nemo tenetur se detegere ou seja não está ele obrigado a praticar nenhum ato de prova que lhe possa prejudicar Daí por que eventual recusa em submeterse a reconhecimentos acareações reconstituições etc deve ser respeitada pois constitucionalmente garantida jamais servindo de fundamento para a decretação da prisão temporária Infelizmente ainda existem juízes que decretam a prisão temporária porque o imputado não está colaborando com as investigações Isso é um absurdo Assim é ilegal a prisão temporária que com fundamento na imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial pretende disponibilizar o corpo do suspeito para que dele disponha a autoridade policial obrigandoo a participar de reconhecimentos reconstituições etc108 Há que se abandonar o ranço inquisitório em que o juiz inquisidor dispunha do corpo do herege para dele extrair a verdade real O suspeito e o acusado tem o direito de silêncio e de não participar de qualquer ato probatório logo está logicamente autorizado a não comparecer e obviamente a não colaborar com as investigações Infelizmente esse é um nível de evolução democrática e processual ainda não alcançado por muitos juízes e tribunais que ainda operam na lógica inquisitória autorizando esse tipo de prisão temporária completamente ilegal Há que se ter bem presente que a banalização das prisões cautelares da preventiva à prisão temporária decorre de exclusiva responsabilidade dos juízes pois em última análise nada disso pode ocorrer sem a sua expressa determinação e conivência Feita essa ressalva vamos a outro questionamento recorrente como deve ser a aplicação dos incisos do art 1º Será que pode ser decretada a prisão temporária com base apenas no inciso I E só com base no inciso II E só no III Não Por culpa da péssima sistemática da Lei n 7960 a melhor interpretação é a seguinte Os incisos devem ser interpretados em conjunto de modo que só pode haver prisão de alguém suspeito de ser autor ou partícipe de algum daqueles crimes cujo rol é taxativo e quando imprescindível para a investigação Logo sempre deve estar presente o inciso III Da mesma forma a necessidade da prisão está estampada no inciso I de modo que a tal imprescindibilidade para as investigações não pode faltar Contudo tanto o inciso I como o inciso III de forma isolada não justificam a prisão temporária somente quando combinados O inciso II indiciado sem residência fixa ou não fornecer elementos necessários para sua identificação é completamente contingencial ou seja sozinho não autoriza a prisão temporária e sua combinação apenas com o inciso I ou apenas com o inciso III não justifica a prisão temporária Mais do que isso o inciso II acaba sendo absorvido pela imprescindibilidade do inciso I sendo logicamente redundante Em suma a prisão temporária somente poderá ser decretada quando estiverem presentes as situações previstas nos incisos III e I109 A situação descrita no inciso II apenas reforça o fundamento da prisão logo pode haver prisão temporária pela conjugação dos três incisos Todas as demais combinações não autorizam a prisão temporária 7 Prisão Especial Especificidades da Forma de Cumprimento da Prisão Preventiva Inexistência de Prisão Administrativa e Prisão Civil A chamada prisão especial não é uma modalidade de prisão cautelar senão uma especial forma de cumprimento da prisão preventiva Algumas pessoas em razão do cargo ou função que ocupam da qualificação profissional ou mesmo pelo simples fato de terem exercido a função de jurado ou ainda ser um cidadão inscrito no Livro de Mérito gozam da prerrogativa de serem recolhidas a locais distintos da prisão comum Durante a longa tramitação do PL 42082001 que culminou com a Lei n 124032011 oscilouse da modificação à exclusão da prisão especial Inclusive às vésperas da votação na Câmara dos Deputados era tido como certa sua completa revogação com o estabelecimento de um novo critério fixado no art 295 Art 295 É proibida a concessão de prisão especial salvo a destinada à preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso assim reconhecida por decisão fundamentada da autoridade judicial ou no caso de prisão em flagrante ou cumprimento de mandado de prisão da autoridade policial encarregada do cumprimento da medida Mas não houve consenso na matéria até porque permaneceriam as prisões especiais previstas em outras leis como no caso da magistratura e dos membros do Ministério Público Por isso não houve alteração no tratamento da matéria e não se modificou o art 295 do CPP Antes de analisar o art 295 sublinhamos que a prisão especial é uma forma de cumprimento que somente se aplica ao réu submetido à prisão cautelar Após o trânsito em julgado não existe prisão especial e o agora condenado será submetido ao regime ordinário de cumprimento da pena conforme fixado na sentença Excepcionalmente dispõe o art 84 da Lei de Execuções Penais que o preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes e o preso que ao tempo do fato era funcionário da administração da justiça criminal ficará em dependência separada Mas isso não é propriamente uma prisão especial senão apenas uma separação de pessoas que por óbvios motivos de segurança da sua integridade precisam manterse separadas Assim prisão especial somente tem incidência enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Nessa linha dispõe o art 295 do CPP Art 295 Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial à disposição da autoridade competente quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva I os ministros de Estado II os governadores ou interventores de Estados ou Territórios o prefeito do Distrito Federal seus respectivos secretários os prefeitos municipais os vereadores e os chefes de Polícia III os membros do Parlamento Nacional do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados IV os cidadãos inscritos no Livro de Mérito V os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios VI os magistrados VII os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República VIII os ministros de confissão religiosa IX os ministros do Tribunal de Contas X os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função XI os delegados de polícia e os guardascivis dos Estados e Territórios ativos e inativos 1º A prisão especial prevista neste Código ou em outras leis consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento 3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo atendidos os requisitos de salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana 4º O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum Entre os casos de prisão especial pode gerar alguma dúvida a alteração do art 439 que agora possui a seguinte redação Art 439 O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral A inovação do artigo fica por conta da supressão da parte final onde se lia e assegurará prisão especial em caso de crime comum até o julgamento definitivo A pergunta é desapareceu a prisão especial para o jurado Pensamos que não pois a redação do art 295 não foi alterada e lá consta expressamente a prisão especial para o jurado O que provavelmente tenha ocorrido foi um vacilo do legislador pois até a véspera da votação do PL 4208 havia um consenso sobre a extinção da prisão especial e portanto haveria uma modificação radical no art 295 Nesta linha também teria que ser alterado o art 439 para supressão da parte final Ocorre que na última hora decidiuse pela manutenção da prisão especial e o art 295 ficou inalterado e esqueceram do art 439 que acabou sendo alterado Mas essa alteração não tem qualquer relevância pois apenas disciplinava e reforçava a possibilidade de prisão especial para o jurado Era uma duplicidade de regulamentação da matéria que agora passa a ser disciplinada apenas pelo art 295 do CPP Assim pensamos que permanece a prisão especial em sua amplitude originária inclusive para o jurado que tenha exercido efetivamente a função Os casos de prisão especial não se esgotam nesse rol havendo outras fontes normativas que a contemplam Entre elas destacamos o disposto no art 7º V da Lei n 8906 que assegura ao advogado o direito de ser recolhido à sala de Estado Maior e comodidades dignas a expressão assim reconhecidas pela OAB foi suspensa liminarmente pela ADIn 11278 Não havendo possibilidade de atenderse a essa exigência deve ao advogado ser assegurado o direito à prisão domiciliar essa garantia não foi afastada pela ADIn 11278 Contudo a questão não é tão simples A Lei n 102582001 afetou substancialmente a morfologia da prisão especial na medida em que inseriu cinco novos parágrafos no art 295 que acabaram por transformar a prisão especial em simples cela separada ou mesmo em alojamento coletivo Sem dúvida essa alteração acabou por derrogar a Lei n 525667 que previa a substituição por prisão domiciliar caso não houvesse um estabelecimento adequado ao recolhimento dos presos especiais No mínimo esvaziou a aplicabilidade dessa Lei Os tribunais brasileiros têm decidido sistematicamente na esteira da jurisprudência do STJ que ao preso especial não havendo estabelecimento específico e quase nunca há estaria garantido apenas o direito de ser recolhido em cela distinta da prisão comum Assim bastaria uma cela individual ou mesmo uma galeria ou ala onde somente estivessem presos especiais tudo dentro de uma prisão comum para que a garantia fosse satisfeita Quanto à prerrogativa do advogado ainda que a oscilação jurisprudencial seja uma marca genética o STF vem traçando um caminho diferenciado que como cita HASSAN CHOUKR110 inicia no HC 88702SP Rel Min CELSO DE MELLO julgado em 19092006 em que o STF decidiu que constitui direito público subjetivo do advogado decorrente da prerrogativa profissional o seu recolhimento em sala de EstadoMaior com instalações e comodidades condignas até o trânsito em julgado de decisão penal condenatória e em sua falta na comarca em prisão domiciliar Com base nesse entendimento a Turma por considerar que não se aplica aos advogados a Lei n 102582001 que alterou o art 295 do CPP eis que subsistente quanto a esses profissionais a prerrogativa inscrita no inciso V do art 7º da Lei n 890694 deferiu habeas corpus impetrado em favor de advogados recolhidos em cadeia pública estadual que não atendia ao dispositivo estatutário tornando definitiva medida cautelar anteriormente concedida a fim de assegurarlhes em face da comprovada ausência no local de sala de EstadoMaior o direito ao recolhimento e permanência em prisão domiciliar até o trânsito em julgado da sentença condenatória contra eles proferida grifo nosso Mas a decisão paradigmática nesse tema somente veio com a Reclamação 4535ES cujo Relator foi Min SEPÚLVEDA PERTENCE julgada pelo Tribunal Pleno em 07052007111 Importante ainda nessa matéria é o acórdão proferido da Reclamação n 5212 no qual o STF reafirmou esse entendimento Sublinhamos ainda a importância do instrumento utilizado para assegurar essa prerrogativa nas duas decisões Reclamação art 102 I l da Constituição que constitui uma via célere e eficiente para garantir a autoridade das decisões proferidas pelo STF112 Assim prevalece o entendimento do STF e aos advogados não se aplicam as restrições inseridas no art 295 do CPP de modo que ou ficam recolhidos à sala de EstadoMaior cuja definição também é dada pelo acórdão do STF na Reclamação 4535 ou na sua falta em regime de prisão domiciliar Encerrada discussão sobre a prisão especial vejamos agora a chamada prisão administrativa Originariamente estava prevista no art 319 do CPP substancialmente modificado pela Lei n 124032011 Se antes afirmávamos que a prisão administrativa não havia sido recepcionada pela Constituição agora com mais razão Nem existe mais no Código de Processo Penal Quanto à prisão civil anteriormente prevista no art 320 foi igualmente revogada pela Lei n 124032011 e não é mais regida pelo Código de Processo Penal Em suma não existe mais prisão administrativa e a prisão civil decretada por juiz cível competente somente tem lugar no caso de inadimplemento de obrigação alimentar não sendo regida pelo CPP 8 Liberdade Provisória O Novo Regime Jurídico da Fiança Não se pode iniciar a análise desse tema sem refletir sobre o fato de o Código de Processo Penal falar em liberdade provisória denotando a matriz autoritária que o informa Recordando GOLDSCHMIDT quando afirma que o processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua Constituição é elementar que tal tratamento corresponde a um sistema constitucional que felizmente não vigora mais Era uma época em que a prisão ao longo do processo era uma regra havendo inclusive a prisão preventiva obrigatória quando o crime tivesse pena de reclusão no máximo igual ou superior a 10 anos Nada interessava ou se questionava a prisão cautelar era obrigatória Daí por que a liberdade era provisória precária A situação começou a mudar com o advento da Lei n 641677 que inserindo o parágrafo único no art 310 do CPP ampliou substancialmente o espaço de liberdade no processo penal criando a possibilidade de o preso em flagrante permanecer solto pela ausência dos fundamentos da prisão preventiva Nova revolução operase ou deveria operarse com o advento da Constituição de 1988 cabendo ao processo penal ajustar seu termostato para conformarse à nova Carta Então hoje devese partir da premissa de que provisória deve ser a prisão cautelar A liberdade é a regra não necessitando ser legitimada e tampouco se deve admitir tão passivamente o emprego do adjetivo provisória quando do que se trata é de um valor dessa dimensão Feita essa ressalva vejamos a liberdade provisória e o novo regime jurídico da fiança uma das principais modificações feitas na Reforma Processual de 2011 Com a nova redação do art 319 foi estabelecido um sistema polimorfo com um amplo regime de liberdade provisória com diferentes níveis de vinculação ao processo estabelecendo um escalonamento gradativo em que no topo esteja a liberdade plena e gradativamente vaise descendo criando restrições à liberdade do réu no curso do processo através da imposição de medidas cautelares diversas como o dever de comparecer periodicamente pagar fiança proibição de frequentar determinados lugares obrigação de permanecer em outros nos horários estabelecidos proibição de ausentarse da comarca sem prévia autorização judicial monitoramento eletrônico recolhimento domiciliar noturno e quando nada disso se mostrar suficiente e adequado chegase à ultima ratio do sistema a prisão preventiva Dessa forma a liberdade provisória é uma medida alternativa de caráter substitutivo em relação à prisão preventiva que fica efetivamente reservada para os casos graves em que sua necessidade estaria legitimada 81 Definindo Categorias Relaxamento Revogação da Prisão Cautelar e Concessão da Liberdade Provisória Para compreensão dos conceitos façamos desde logo as distinções devidas113 1 Relaxamento da prisão em flagrante ou preventiva é sinônimo de ilegalidade da prisão aplicandose tanto à prisão em flagrante como também à preventiva Toda prisão cautelar ou pré cautelar flagrante que não atenda aos requisitos legais anteriormente analisados é ilegal e deve ser imediatamente relaxada art 5º LXV da CF com a consequente liberdade plena do agente Assim devese relaxar a prisão nos casos de flagrante forjado provocado e preparado prisão preventiva decretada por juiz incompetente ou de ofício a prisão automática ou obrigatória para apelar ou em virtude da decisão de pronúncia a prisão preventiva sem fundamentação a permanência de alguém preso a título de prisão em flagrante pois se trata de medida précautelar como explicado anteriormente etc Também é caso de relaxamento quando a ilegalidade é posterior como exemplifica BADARÓ114 citando o excesso de prazo da prisão preventiva 2 Revogação da prisão preventiva ou da medida cautelar diversa a revogação ocorre quando não mais subsistem os motivos que legitimaram a segregação ou a restrição imposta por meio de medida cautelar diversa art 319 Está intimamente vinculada com a provisionalidade das medidas cautelares ou seja com a marca genética de serem elas situacionais na medida em que tutelam uma situação fática de perigo Desaparecido o periculum libertatis que autorizou a prisão preventiva ou medida cautelar diversa cessa o suporte fático que a legitima devendo o juiz revogar a prisão ou medida cautelar e conceder a liberdade plena do agente Assim a revogação somente se opera em relação à prisão preventiva ou medida cautelar diversa não incidindo na medida pré cautelar da prisão em flagrante em relação a ele somente se fala em relaxamento ou concessão de liberdade provisória conforme o caso Contudo homologado o flagrante e decretada a prisão preventiva é cabível o pedido de revogação da prisão cautelar pelo desaparecimento do suporte fático apontado para sua decretação 3 Concessão de liberdade provisória com ou sem fiança disposta como uma medida cautelar na verdade uma contracautela alternativa à prisão preventiva nos termos do art 310 III do CPP No sistema brasileiro situase após a prisão em flagrante e antes da prisão preventiva como medida impeditiva da prisão cautelar Não é uma medida originária senão substitutiva da prisão em flagrante já efetivada É dela que iremos nos ocupar agora É a liberdade provisória uma forma de evitar que o agente preso em flagrante tenha sua detenção convertida em prisão preventiva Daí por que quando um juiz nega o pedido de liberdade provisória da defesa homologa a prisão em flagrante e decreta a prisão preventiva atendendo o requerimento do Ministério Público o habeas corpus impetrado será para obter a concessão de liberdade provisória que deveria ter sido concedida antes mas não o foi e não para revogação da prisão preventiva ou ainda para obter a substituição da prisão preventiva por uma medida cautelar diversa Quando a discussão situase em torno do art 310 II do CPP e a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e o argumento é o de que nunca houve o risco previsto no art 312 do CPP o habeas corpus busca a liberdade provisória ilegalmente negada Então é caso de concessão de liberdade provisória E quando há prisão em flagrante servindo de medida preparatória para a decretação da prisão preventiva e posteriormente esse fundamento periculum libertatis desaparece é caso de revogação ou de concessão de liberdade provisória É caso de revogação O desaparecimento do suporte fático da situação acautelatória que suporta a prisão preventiva periculum libertatis conduz à revogação da medida cautelar Logo desaparecido o risco de fuga o clamor social ou o perigo para a coleta da prova a instrução está encerrada por exemplo terá cabimento o pedido de revogação da prisão cautelar Da mesma forma quando não existe prisão em flagrante e com base na investigação preliminar e no pedido do Ministério Público o juiz decreta a prisão preventiva o habeas corpus interposto será para revogação da prisão e restabelecimento da liberdade plena Essa é uma distinção relevante e que não raras vezes costuma ser encoberta pelo confusionismo de conceitos Há que se ter um mínimo de atenção às categorias processuais principalmente diante do imbróglio normativo do CPP brasileiro Compreendido isso evidenciase que a liberdade provisória se estrutura diretamente sobre as bases da prisão em flagrante115 E como explicamos anteriormente a prisão em flagrante é précautelar preparatória de uma cautelar de verdade como a prisão preventiva de forma que a liberdade provisória inserese em linha direta de colisão com ela impedindoa Mas e se a liberdade provisória vinculase diretamente à prisão em flagrante como explicar o art 334 do CPP quando afirma que a fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória Porque a fiança pode ser aplicada a qualquer tempo como medida cautelar diversa assim estabelecida no art 319 VIII do CPP Na sistemática do art 319 a fiança adquire o status de medida autônoma da liberdade provisória e por isso pode ser aplicada em qualquer fase do processo 82 Regime Jurídico da Liberdade Provisória Com a Lei n 124032011 obtevese um sistema cautelar polimorfo com diferentes instrumentos e possibilidades jurídicas do tratamento do regime de liberdade provisória Sem olvidar que a liberdade provisória situase após a prisão em flagrante como alternativa à prisão preventiva pode ela ter o seguinte regime jurídico liberdade provisória com fiança liberdade provisória com fiança e outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP liberdade provisória sem fiança mas com a submissão às medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP liberdade provisória sem fiança mas com obrigação de comparecer a todos os atos do processo quando o agente praticar o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude art 310 parágrafo único A nova redação do art 310 é muito clara neste ponto Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Comecemos pelo fim O parágrafo único tutela uma situação muito peculiar em que o agente pratica o fato ao abrigo ainda que aparente de uma causa de exclusão da ilicitude caso em que não cabe a prisão preventiva art 314 Será então concedida liberdade provisória sem a exigência de fiança notese a diferença da redação do parágrafo em relação ao caput mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo Essa é neste caso específico a única obrigação que pode ser imposta ao imputado Analisemos agora o disposto no caput do art 310 Estando formalmente perfeita a prisão em flagrante será homologada do contrário é caso de relaxamento passando o juiz na continuação a verificar a necessidade da prisão preventiva ou a possibilidade de concessão de liberdade provisória com ou sem fiança cumulada ou não com alguma das medidas cautelares diversas do art 319 do CPP Nesta linha determina o art 321 Art 321 Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva o juiz deverá conceder liberdade provisória impondo se for o caso as medidas cautelares previstas no art 319 deste Código e observados os critérios constantes do art 282 deste Código Nesta perspectiva poderá o juiz conceder a liberdade provisória com fiança cujo valor será fixado nos termos do art 325 do CPP b liberdade provisória com fiança e outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP posto que a situação exige a maior restrição e controle da liberdade do réu c liberdade provisória sem fiança porque o réu não tem condições de pagála art 350 impondolhe as condições dos arts 327 e 328 e ainda se necessário de medida cautelar diversa isolada ou cumulada com outra medida prevista no art 319 do CPP Portanto diante do rol de medidas cautelares diversas previstas no art 319 amplas são as possibilidades de tutela sem que seja necessário recorrerse à prisão preventiva até porque não se pode olvidar o disposto no art 282 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar Por fim descumpridas quaisquer das condições impostas poderá o juiz impor mais alguma medida cautelar diversa mais gravosa ou em caso de real necessidade decretar a prisão preventiva Esse é o princípio da provisionalidade das medidas cautelares anteriormente explicado e para onde remetemos o leitor para evitar repetições 83 Da Fiança A fiança é uma contracautela uma garantia patrimonial caução real prestada pelo imputado e que se destina inicialmente ao pagamento das despesas processuais multa e indenização em caso de condenação mas também como fator inibidor da fuga Ou seja é a fiança considerando o elevado valor que pode atingir um elemento inibidor desestimulante da fuga do imputado garantindo assim a eficácia da aplicação da lei penal em caso de condenação Guarda por isso uma relação de proporcionalidade em relação à gravidade do crime e também em relação às possibilidades econômicas do imputado Neste sentido determina o art 336 Art 336 O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas da indenização do dano da prestação pecuniária e da multa se o réu for condenado Parágrafo único Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória art 110 do Código Penal Chama a atenção o disposto no parágrafo único do dispositivo no sentido de que se o réu for condenado mas tiver declarada extinta a punibilidade pela prescrição a fiança prestada continuará respondendo pelas custas processuais e indenização pelo dano Não vislumbramos como exigir prestação pecuniária e multa pois igualmente prescritas O Estado perde o poder de punir mas isso não isenta o réu das custas do processo e tampouco o exime da responsabilidade civil decorrente do delito Portanto no que tange ao dano considerando que as esferas de responsabilidade civil e penal são distintas e que a declaração de extinção da punibilidade não afeta a pretensão indenizatória está correta a previsão mas responderá apenas pelo dano fixado na sentença penal art 387 IV O instituto da fiança foi profundamente modificado na Reforma Processual de 2011 tendo agora um campo de atuação muito maior A fiança passa a ter duas dimensões de atuação aplicada no momento da concessão da liberdade provisória art 310 portanto como condição imposta neste momento e vinculada à liberdade provisória como medida cautelar diversa art 319 Nos termos do art 310 III anteriormente analisado o juiz recebendo o auto de prisão em flagrante poderá após sua homologação decretar a prisão preventiva ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança Neste momento tem uma característica mais clara de contracautela para evitar a decretação da prisão preventiva e vinculada à concessão da liberdade provisória Importante destacar que o art 310 é expresso conceder liberdade provisória com ou sem fiança Significa dizer que neste momento é possível homologar o flagrante e conceder liberdade provisória sem fiança pois não é a afiançabilidade condição sine qua non para a liberdade provisória E qual a relevância disso Para os crimes inafiançáveis Evidenciase que não existe prisão cautelarobrigatória e que o flagrante não prende por si só como já explicado de modo que mesmo sendo o crime hediondo ou qualquer outro inafiançável poderá o juiz conceder liberdade provisória sem fiança e mediante a imposição de uma ou mais medidas cautelares diversas conforme o caso Diante de um flagrante por crime inafiançável não estando presente o periculum libertatis da prisão preventiva ou ao menos não em nível suficiente para exigir a prisão preventiva poderá o juiz conceder a liberdade provisória sem fiança mas com medidas cautelares alternativas com suficiência para tutelar a situação fática de perigo Ainda que não se imponha fiança por ser inafiançável poderá o juiz lançar mão do monitoramento eletrônico e da proibição de ausentarse da comarca ou país por exemplo O que não se pode tolerar é simplesmente manter alguém preso por ser o crime inafiançável Não isso não pode ocorrer pois o sistema cautelar possui diversas alternativas para tutelar uma situação de perigo e não há possibilidade de execução antecipada de pena Superada essa questão vejamos a fiança do art 319 VIII assim estabelecida Art 319 VIII fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título podendo ser cumulada com outras medidas cautelares NR Situada no Capítulo das medidas cautelares diversas essa fiança tem outra estrutura Poderá ser aplicada a qualquer momento nos termos do art 334 Art 334 A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória Essa fiança poderá ser exigida inclusive como reforço da tutela cautelar no momento da sentença condenatória para garantir que o réu possa recorrer em liberdade diminuindo o risco de fuga fator inibidor Como as demais medidas cautelares diversas essa fiança pode ser aplicada de forma isolada ou cumulada com outra medida prevista no art 319 e tem como função precípua assegurar o comparecimento a atos do processo evitar obstrução do seu andamento ou em caso de resistência à ordem judicial Nos dois primeiros casos é manifesta a tutela do processo seja pelo viés de tutela da prova seja para assegurar a aplicação da lei penal Já a parte final do artigo foge a essa sistemática tendo uma finalidade punitiva ao exigir fiança de quem tenha resistido de forma injustificada à ordem judicial Primeiro ponto criticável é exatamente esse defeito genético ou seja onde está a cautelaridade desta medida Segundo aspecto é que o dispositivo parece criar uma terceira espécie de fiança ou seja temos a fiança aplicada junto com a liberdade provisória do art 310 a fiança como medida cautelar diversa art 310 VIII primeira parte e uma fiança punitiva art 310 VIII última parte Mas tudo isso sem uma sistemática clara Terceiro problema é a vagueza do dispositivo Podese exigir fiança em caso de descumprimento de qualquer ordem judicial Se o réu é intimado para participar de um reconhecimento pessoal e não comparece pode serlhe imposta essa fiança Se não comparece na audiência de instrução ainda que intimado pode ser imposta a fiança Dependendo da interpretação e da argumentação que se dê sim poderia ser imposta a fiança o que nos parece juridicamente absurdo Não só porque não existe cautelaridade alguma mas também porque se presta ao remeter para o adjetivo injustificada a manipulações e interpretações autoritárias que inclusive neguem o direito de silêncio do réu O que será uma resistência injustificada à ordem judicial Aquilo que o juiz que emitiu a ordem judicial disser que é pois a ele também caberá decidir sobre a fiança Portanto pensamos que essa fiança punitiva é de duvidosa constitucionalidade e deve ser usada quando muito para reforçar alguma medida cautelar imposta e descumprida tendo sua aplicação restrita ao descumprimento de alguma das cautelares diversas deste art 319 84 Valor Reforço Dispensa Destinação Cassação Quebramento e Perda da Fiança Vejamos agora sistematicamente esses pontos a VALOR Fixada em salários mínimos a fiança deve observar o binômio gravidade do delito e possibilidade econômica do agente nos termos dos arts 325 e 326 do CPP a saber Art 325 O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites I de 1 um a 100 cem salários mínimos quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade no grau máximo não for superior a 4 quatro anos II de 10 dez a 200 duzentos salários mínimos quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 quatro anos 1º Se assim recomendar a situação econômica do preso a fiança poderá ser I dispensada na forma do art 350 deste Código II reduzida até o máximo de 23 dois terços ou III aumentada em até 1000 mil vezes A Lei n 124032011 revitalizou a fiança e principalmente estabeleceu um vasto campo de aplicação e a possibilidade de fixação de valores elevados suficientes para à luz da gravidade do crime e das condições econômicas do imputado minimizar os riscos de fuga Valores elevados não apenas desestimulam a fuga mas principalmente criam uma situação econômica completamente desfavorável dificultando muito que o imputado tenha condições financeiras para fugir e se manter assim por longos períodos Ademais a fuga dará causa ao perdimento da integralidade do valor como se verá a continuação Dessarte ao mesmo tempo em que pode ser dispensada a fiança para aqueles imputados que não tiverem condições econômicas para suportála art 350 mas submetendoos a outras medidas cautelares do art 319 e também dos arts 327 e 328 conforme o caso ou reduzida em até 23 também poderá ter o valor aumentado em até mil vezes Com isso em situações graves e se o imputado tiver excepcionais condições econômicas a fiança poderia em tese ser fixada em 200000 salários mínimos ou seja uma cifra astronômica É claro que dificilmente se chegará a um valor desses mas existe a possibilidade jurídica de fixar uma fiança em limites econômicos que realmente tenham relevância para o imputado à luz da gravidade do crime e de sua riqueza Poderá consistir em depósito em dinheiro pedras objetos ou metais preciosos títulos da dívida pública federal estadual ou municipal ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar art 330 do CPP b QUEM PODE CONCEDER A fiança conforme as situações anteriormente explicadas poderá ser imposta em qualquer fase da investigação ou do processo até o trânsito em julgado tanto pela autoridade judicial com também policial A fiança imposta pela polícia está limitada pelo art 322 Art 322 A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 quatro anos Parágrafo único Nos demais casos a fiança será requerida ao juiz que decidirá em 48 quarenta e oito horas NR O campo de aplicação da fiança policial foi substancialmente ampliado pela Reforma Processual de 2011 cabendo ao Delegado de Polícia fixála em qualquer crime cuja pena máxima não exceda 4 anos Em caso de recusa ou demora injustificada por parte da autoridade policial em conceder a fiança aplica se o art 335 Art 335 Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança o preso ou alguém por ele poderá prestála mediante simples petição perante o juiz competente que decidirá em 48 quarenta e oito horas Havendo demora por parte da autoridade policial ou nos demais casos em que a pena máxima é superior a 4 anos caberá ao imputado solicitála ao juiz ou ainda mesmo que não solicite deverá a autoridade judiciária se manifestar sobre ela por força do art 310 do CPP c DISPENSA DE PAGAMENTO Se as condições econômicas do imputado forem desfavoráveis e ele não tiver condições de arcar com a fiança o art 350 autoriza o juiz a conceder a liberdade provisória sem o pagamento mas subordinando as condições dos arts 327 e 328 Art 350 Nos casos em que couber fiança o juiz verificando a situação econômica do preso poderá concederlhe liberdade provisória sujeitandoo às obrigações constantes dos arts 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares se for o caso Parágrafo único Se o beneficiado descumprir sem motivo justo qualquer das obrigações ou medidas impostas aplicarseá o disposto no 4º do art 282 deste Código Além das medidas do art 327 e 328 poderá o juiz aplicar outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 conforme a necessidade da situação d REFORÇO Nos termos do art 340 do CPP será exigido o reforço da fiança ou seja um acréscimo a ser pago pelo imputado quando I a autoridade tomar por engano fiança insuficiente II houver depreciação material ou perecimento dos bens caucionados III for inovada a classificação do delito nos termos dos arts 383 ou 384 para um crime mais grave São situações em que houve perda do valor econômico da fiança ou a verificação da sua insuficiência mas sem que o imputado tenha dado causa a esse perecimento Por esse motivo oportunizaselhe o reforço mas se não for feito acarretará a prisão e tornará a fiança sem efeito art 340 parágrafo único É claro que esse reforço deve observar a proporcionalidade e também o binômio gravidade do crime possibilidade econômica do imputado inclusive no que tange ao art 350 impossibilidade de pagamento e DESTINAÇÃO Se o réu for condenado e se apresentar para cumprir a pena imposta serlheá devolvido o valor dado em garantia abatendose o valor das custas multa e indenização aquela fixada na sentença penal Se absolvido a fiança é deixada sem efeito devolvendolhe todos os valores Neste sentido é importante a leitura dos arts 336 e 337 Art 336 O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas da indenização do dano da prestação pecuniária e da multa se o réu for condenado Parágrafo único Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória art 110 do Código Penal Art 337 Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal o valor que a constituir atualizado será restituído sem desconto salvo o disposto no parágrafo único do art 336 deste Código Quanto ao parágrafo único do art 336 repetimos a lição anterior no sentido de que se o réu for condenado mas tiver declarada extinta a punibilidade pela prescrição a fiança prestada continuará respondendo pelas custas processuais e indenização pelo dano Não vislumbramos como exigir prestação pecuniária e multa pois igualmente prescritas O Estado perde o poder de punir mas isso não isenta o réu das custas do processo e tampouco o exime da responsabilidade civil decorrente do delito Portanto no que tange ao dano considerando que as esferas de responsabilidade civil e penal são distintas e que a declaração de extinção da punibilidade não afeta a pretensão indenizatória está correta a previsão mas responderá apenas pelo dano fixado na sentença penal art 387 IV f CASSAÇÃO Quando incabível a fiança nos termos dos arts 338 e 339 deverá a fiança ser cassada e os valores ser devolvidos integralmente ao réu Não se impõe prisão automática pela cassação A situação fática deve ser avaliada à luz do sistema cautelar e se necessários e presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis poderá ser aplicada outra medida cautelar diversa de forma isolada ou cumulativa e em último caso decretada a prisão preventiva g QUEBRAMENTO A fiança será considerada quebrada quando Art 341 Julgarseá quebrada a fiança quando o acusado I regularmente intimado para ato do processo deixar de comparecer sem motivo justo II deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo III descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança IV resistir injustificadamente a ordem judicial V praticar nova infração penal dolosa O quebramento da fiança acarretará perda de metade do valor e caberá ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou em último caso decretar a prisão preventiva Dada a gravidade do quebramento da fiança deverá ser analisada com muita prudência pelo juiz que decidirá observando os critérios de necessidade e adequação reservando a prisão preventiva para situações extremas Inclusive a abertura conceitual contida nos incisos do art 341 exige interpretação restritiva sob pena de cairse no decisionismo autoritário Ademais os incisos IV e V podem se revelar claramente inconstitucionais no caso concreto por violar a presunção de inocência A mera prática de outra infração não pode justificar o quebramento da fiança pois manifesta seria a violação da presunção de inocência e conforme o caso inequívoca desproporcionalidade h CONSEQUÊNCIAS DO QUEBRAMENTO Conforme dispõe o art 343 Art 343 O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou se for o caso a decretação da prisão preventiva Como explicado no item anterior as consequência do quebramento da fiança são graves e deverá o juiz decidir de forma fundamentada sobre a imposição de outras medidas cautelares ou até mesmo em casos graves de prisão preventiva sempre observando a necessidade e adequação da medida i PERDA Está prevista no art 344 a saber Art 344 Entenderseá perdido na totalidade o valor da fiança se condenado o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta Como medida de contracautela a fiança serve para vincular o imputado ao processo e seu resultado final ou seja a aplicação da lei penal em caso de condenação Portanto se o condenado não se apresentar para cumprir a pena perderá o valor total da fiança e será preso 85 Crimes Inafiançáveis e Situações de Inafiançabilidade Ausência de Prisão Cautelar Obrigatória Concessão de Liberdade Provisória sem Fiança e com Imposição de Medidas Cautelares Diversas Ainda que a Constituição contenha um claro projeto penalizador e nisso houve um retrocesso civilizatório chegando ao extremo de resgatar a inafiançabilidade jamais nela foi contemplada a prisão cautelar obrigatória Concordamos com PACELLI116 quando afirma que a Constituição chegou absolutamente desatualizada em tema de liberdade provisória trazendo uma enorme perplexidade ao renovar ou ressuscitar a antiga expressão da inafiançabilidade cujo único significado era e ainda é para nós a impossibilidade de aplicação do regime de liberdade com fiança Mas repetimos jamais foi recepcionada a prisão cautelar obrigatória até porque não seria cautelar mas sim antecipação de pena absolutamente incompatível com a presunção de inocência e todo rol o de direitos fundamentais Novo paradoxo agora com nuance constitucional e se alguém for preso em flagrante por crime tido como inafiançável caberá liberdade provisória Sim elementar Do contrário haveria um duplo erro dar ao flagrante um poder e alcance que ele não tem pois não é uma medida cautelar senão précautelar e portanto precária e de outro lado estabelecer um regime de prisão obrigatória não cautelar que o sistema não comporta Logo deve o juiz analisar o disposto no art 310 do CPP e se presentes o requisito e fundamento da prisão preventiva decretála ou do contrário conceder ao agente liberdade provisória sem fiança e considerando a gravidade do fato determinar a aplicação de uma ou mais medidas cautelares diversas tais como monitoramento eletrônico restrição de circulação proibição de afastarse da comarca ou país etc Ademais ainda que a Constituição efetivamente defina crimes inafiançáveis art 5º XLIII o próprio texto constitucional consagra a liberdade provisória sem fiança no art 5º LXVI E mais a própria Constituição determina que ninguém será preso senão em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente Logo a fundamentação implica demonstração de necessidade da medida pois se fosse obrigatória seria um ato judicial automático sem a necessidade de qualquer fundamentação Isso sem falar na presunção de inocência incompatível com qualquer espécie de prisão obrigatória até porque sequer cautelar seria mas sim uma verdadeira pena antecipada Devese considerar assim que o juízo de necessidade da prisão cautelar é concreto pois implica análise de determinada situação fática pois é da essência das prisões cautelares o caráter de medidas situacionais O juízo de necessidade não admite uma valoração a priori no sentido kantiano de antes da experiência senão que demanda uma verificação in concreto E mais fiança e liberdade provisória são institutos distintos inclusive com a nova redação do art 319 consagrouse uma fiança autônoma que pode ser aplicada até o trânsito em julgado Portanto quando se veda a fiança não se proíbe necessariamente a concessão de liberdade provisória Esse é o ponto nevrálgico da questão A inafiançabilidade gera como consequências práticas a impossibilidade de concessão de liberdade provisória com fiança por parte da autoridade policial a liberdade provisória ficará sujeita à imposição de outras medidas cautelares diversas art 319 conforme a necessidade da situação No primeiro caso a decisão sobre a concessão da liberdade provisória é exclusiva do juiz nos termos do art 310 a quem caberá impor as medidas cautelares alternativas necessárias e adequadas ao caso Em qualquer situação a inafiançabilidade acaba por impor para concessão da liberdade provisória a submissão do imputado a uma ou mais medidas cautelares diversas mais gravosas do que a fiança entre aquelas previstas no art 319 do CPP Ou seja a inafiançabilidade veda apenas a concessão da liberdade provisória com fiança mas não a liberdade provisória vinculada a medidas cautelares diversas mais gravosas que o mero pagamento de fiança Compreendido isso encontramos as situações de inafiançabilidade nos arts 323 e 324 do CPP Art 323 Não será concedida fiança I nos crimes de racismo II nos crimes de tortura tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins terrorismo e nos definidos como crimes hediondos III nos crimes cometidos por grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático Art 324 Não será igualmente concedida fiança I aos que no mesmo processo tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido sem motivo justo qualquer das obrigações a que se referem os arts 327 e 328 deste Código II em caso de prisão civil ou militar III revogado IV quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva art 312 Com o advento da Lei n 124032011 operouse mais uma reforma processual parcial em que são aproveitados os artigos já existentes sua divisão temática e modificada apenas a redação Por esse motivo as situações de inafiançabilidade que deveriam estar no mesmo artigo acabam subdividas em dois sem qualquer lógica sistêmica Até a reforma de 2011 o art 323 considerava fatores objetivos de inafiançabilidade e o art 324 fatores subjetivos inerentes ao agente Agora isso não foi completamente observado e o art 324 mistura situações diversas No art 323 vislumbramos situações em que a inafiançabilidade é objetiva ou seja toma como critério definidor a natureza do delito seguindo o mandamento constitucional do art 5º incisos XLII XLIII e XLIV da Constituição Já o art 324 I é de natureza subjetiva vedando a fiança ao imputado que nesse mesmo processo em que ela foi concedida a tenha quebrado anteriormente ou infringido as obrigações dos arts 327 e 328 Significa dizer que o agente já tinha se beneficiado da liberdade provisória com fiança e nos termos do art 341 a regularmente intimado para ato do processo deixou de comparecer sem motivo justo b deliberadamente praticou ato de obstrução ao andamento do processo c descumpriu medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança d resistiu injustificadamente a ordem judicial e praticou nova infração penal dolosa Nestes casos ou será decretada a prisão preventiva ou será imposta uma medida cautelar mais gravosa na medida em que o imputado não só descumpriu as condições impostas mas também quebrou a confiança que lhe foi concedida A prisão civil do inciso II do art 324 atende a outra finalidade de caráter coercitivo para forçar o agente a pagar os alimentos devidos Portanto a concessão de fiança seria completamente contrária à natureza desta prisão pois geraria o paradoxo de o agente preferir pagar a fiança e continuar inadimplente com a prestação alimentar por exemplo Quanto à prisão do militar seja ela disciplinar ou não merece tratamento especial no Código Penal Militar e no Código de Processo Penal Militar daí a ressalva pois devem ser observados os regramentos lá constantes Por fim o inciso IV deve ser contextualizado no sentido de que se presentes o requisito e fundamento da prisão preventiva e sendo ela necessária não se concederá liberdade provisória com fiança A necessidade da prisão preventiva é incompatível com a fiança por elementar pois são situações excludentes Dessarte o fato de ser o crime inafiançável não acarreta por si só a prisão preventiva do agente Sempre deverá o juiz verificar a necessidade da prisão preventiva no caso concreto à luz de seus requisitos e fundamentos sem olvidar que a prisão somente pode ser aplicada quando as medidas cautelares diversas não forem suficientes e adequadas Fiança e liberdade provisória são institutos distintos de modo que quando se veda a fiança não se proíbe necessariamente a concessão de liberdade provisória que poderá ser concedida em conjunto com as medidas alternativas previstas no art 319 do CPP 86 Ilegalidade da Vedação à Concessão de Liberdade Provisória Possibilidade em Crimes Hediondos e Equiparados Nova Lei de Tóxicos Estatuto do Desarmamento e Lei n 9613 Lavagem de Dinheiro Com relação aos crimes hediondos até o advento da Lei n 114642007 havia uma restrição legal à concessão de liberdade provisória insculpida no art 2º II da Lei n 8072 Sempre houve divergência sobre a validade substancial de tal norma havendo para nós uma flagrante inconstitucionalidade O acerto da posição doutrinária que sempre resistiu a essa absurda vedação de liberdade provisória previsto na hedionda Lei n 8072 finalmente veio reconhecido pela mudança legislativa tardia é verdade da Lei n 11464 Agora tendo sido preso o agente em flagrante delito pode ser concedida a liberdade provisória nos crimes hediondos tortura tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e terrorismo Isso não significa que não se possa lançar mão da prisão preventiva nesses casos Nada disso A prisão preventiva poderá ser decretada desde que presentes seus pressupostos fumus commissi delicti e periculum libertatis e a real necessidade do contrário deverá o juiz conceder liberdade provisória mediante submissão do imputado às medidas cautelares diversas do art 319 conforme o caso Também foi afetada a Lei n 11343 pois seu art 44 que vedava a liberdade provisória nos crimes previstos nos arts 33 caput e 1º e 34 a 37 não mais subsiste diante da alteração legislativa contida na Lei n 11464 Essa questão foi definitivamente resolvida no HC 104339SP Rel Min Gilmar Mendes julgado em 10052012 Finalmente o STF declarou no dia 10 de maio de 2012 a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória ou seja a vedação de concessão contida no art 44 da Lei de Tóxicos Corretamente entendeu o STF que o legislador não pode restringir o poder de o juiz analisar a possibilidade de conceder ou não a liberdade provisória As discussões estabelecidas no julgamento evidenciaram que os ministros não admitem a possibilidade de uma lei vedar a concessão de liberdade provisória retirando a análise do periculum libertatis das mãos do juiz Segundo o relator Min Gilmar Mendes a inconstitucionalidade da norma reside no fato de que ela estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória onde a liberdade seria exceção em sentido oposto ao sistema de garantias da Constituição Além disso o Min Celso de Mello ressaltou que regras como essas transgridem o princípio da separação de Poderes Para o ministro o juiz tem o dever de aferir se estão presentes hipóteses que autorizam a liberdade Lewandowski concordou com Celso e afirmou que o princípio da presunção de inocência e a obrigatoriedade de fundamentação das ordens de prisão pela autoridade competente impedem que a lei proíba de saída a análise de liberdade provisória No julgamento os ministros deixaram claro que não se trata de impedir a decretação da prisão provisória quando necessário mas de não barrar a possibilidade de o juiz que é quem está atento aos fatos específicos do processo analisar se ela é ou não necessária Em última análise como sempre explicamos a decretação ou não da prisão preventiva em qualquer processo ou momento procedimental depende exclusivamente do aferimento da necessidade da prisão estimado pela conjugação do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Com relação ao Estatuto do Desarmamento Lei n 10826 o art 21 foi declarado inconstitucional pela ADIn 31121 em 02052007 acórdão publicado no DJ 26102007117 Portanto como já afirmávamos antes da ADIN 31121 a proibição de concessão de fiança e liberdade provisória é flagrantemente inconstitucional e o mesmo raciocínio deve ser aplicado a leis similares Por fim nessa mesma linha argumentativa situase nosso rechaço à vedação de liberdade provisória estabelecida no art 3º da Lei n 961398 que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens direitos e valores Tratase de restrição legislativa substancialmente inconstitucional pois limita a presunção de inocência através de um critério abstrato genérico e antecipado incompatível com a epistemologia do sistema de prisões cautelares Em outras palavras a presunção de inocência pode ser limitada mas não de forma a priori no sentido kantiano ou seja antes da experiência Há que se operar dentro da epistemologia das prisões cautelares fulcradas que estão na excepcionalidade e na concreta demonstração de seus pressupostos Assim como se afirma desde o advento da Lei n 8072 não há prisão cautelar obrigatória senão que se trata de medida excepcional cujos pressupostos e necessidade devem ser estritamente demonstrados no caso concreto Vedar a liberdade provisória é o mesmo absurdo de falarse em prisão cautelar obrigatória Assim se mesmo antes do advento da Lei n 11464 já não se aceitava a vedação da concessão da liberdade provisória agora reforçada está essa posição que acrescenta um novo argumento se cabe liberdade provisória para os crimes mais graves como os hediondos e equiparados como proibir sua concessão em relação a crimes menos graves como aqueles previstos na Lei n 9613 Elementar que não cabe mais tal vedação E mais como sublinha GOMES118 os institutos previstos na Lei n 11464 que sejam mais benéficos para o réu devem por evidente retroagir para beneficiálo Regra essa que não se aplica à progressão de regime pois a nova Lei exige um quantum superior àquele previsto no art 112 da LEP Explicamos o cumprimento diferenciado da pena 25 se primário e 35 se reincidente imposto aos crimes hediondos e equiparados somente é aplicável àqueles crimes praticados a partir do dia 29032007 Os réus que tenham praticado crimes hediondos ou equiparados antes dessa data independente de quando se inicie a execução que pode ser muito tempo depois deverão ter a progressão analisada com o cumprimento de 16 da pena regra geral do art 112 da LEP Por fim reforça nosso argumento o disposto no art 282 6 do CPP que expressamente consagra a prisão preventiva como ultima ratio do sistema cautelar oportunizando no art 319 um rol de medidas alternativas a serem impostas pelo juiz conforme a necessidade do caso 1 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 549 2 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 8 3 Atualmente pensamos ser esta a posição majoritária avalizada pela melhor doutrina seja na Espanha Sara Aragoneses PrietoCastro Herce Quemada Fairen Guillen entre outros ou na Itália Carnelutti Calamandrei 4 MARTINEZ Sara Aragoneses et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Editorial Centro de Estudios Ramon Areces 1996 p 387 5 No mesmo sentido recomendamos a leitura de Roberto Delmanto Junior na obra As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração Rio de Janeiro Renovar 2003 p 83 e 155 6 Publicada originariamente em Padova no ano de 1936 7 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari Pádova CEDAM 1936 p 18 8 Entre outros é por esse motivo que a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não possui natureza cautelar sendo portanto substancialmente inconstitucional 9 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 107 10 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari cit p 47 11 Conceito que foi bem tratado por GIOVANNI CONSO ao longo da obra Il Concetto e le Specie DInvalidità introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali Milano Dott A Giuffrè 1972 12 A prisão temporária está prevista na Lei n 796089 e determina que a segregação durará até 5 dias prorrogáveis por igual período Em se tratando de crime hediondo ou equiparado a prisão temporária poderá durar até 30 dias prorrogáveis por igual período nos termos da Lei n 8072 13 RHC PRISÃO PREVENTIVA SÚMULA N 52STJ A Turma deu provimento ao recurso em habeas corpus para que o recorrente preso há mais de três anos aguarde em liberdade o julgamento do processo mediante o compromisso de comparecer a todos os atos do processo para os quais for chamado Isso no entendimento de que ainda que encerrada a instrução é possível reconhecer o excesso de prazo diante da garantia da razoável duração do processo prevista no art 5º LXXVIII da CF1988 com a reinterpretação da Súmula n 52STJ à luz da EC 452004 14 Súmula n 52 Encerrada a instrução criminal fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo 15 BADARÓ Gustavo Henrique e LOPES JR Aury Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 110 e ss 16 Idem ibidem p 113 17 Na Espanha o Tribunal Constitucional STC n 17885 definiu que a duração deve ser tão somente a que se considere indispensável para conseguir a finalidade pela qual foi decretada No mesmo sentido também já tem decidido o Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos casos Weinhoff junho68 Neumeister junho68 Bezicheri out85 entre outros Para evitar abusos o art 174 da Constituição da Espanha dispõe que por lei irá se determinar o prazo máximo de duração da prisão provisória O regramento do dispositivo constitucional encontrase no art 504 da LECrim com a nova redação dada pela LO n 132003 que disciplina o prazo máximo de duração dessa medida cautelar levandose em consideração a pena abstratamente cominada no tipo penal incriminador Assim a prisão cautelar poderá durar no máximo até 1 ano se a pena cominada for até 3 anos até 2 anos se a pena cominada for superior a 3 anos É possível a prorrogação em situações excepcionais por mais 6 meses no primeiro caso e até 2 anos no segundo Se o imputado for condenado e recorrer da sentença a prisão cautelar poderá estenderse até o limite de metade da pena imposta Interessante ainda que se a prisão cautelar foi decretada para tutela da prova não poderá durar mais do que 6 meses Por fim atento ao direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável o legislador espanhol alterou a redação do art 507 para estabelecer que o recurso de apelação contra a decisão que decrete prorrogue ou negue o pedido de prisão provisória deverá ser julgado no prazo máximo de 30 dias Na Alemanha StPO 121 a regra geral é a de que a prisão provisória não possa durar mais de 6 meses salvo quando a especial dificuldade a extensão da investigação ou outro motivo importante não permitam prolatar a sentença e justifiquem a manutenção da prisão Em caso de prorrogação se poderá encomendar ao Tribunal Superior do Land que faça um exame sobre a necessidade de manutenção da prisão no máximo a cada 3 meses dever de revisar periodicamente Em Portugal o juiz tem a obrigação de revisar a cada 3 meses a medida cautelar decretada verificando se ainda permanecem os motivos e pressupostos que a autorizaram art 2131 Além disso se passados 6 meses da prisão ainda não tiver sido iniciado o processo com efetiva acusação o imputado deverá ser colocado em liberdade salvo situação de excepcional complexidade Também como regra geral o CPP português prevê que se passados 18 meses sem sentença ou 2 anos sem trânsito em julgado deve o acusado ser posto em liberdade salvo se a gravidade do delito ou sua complexidade justificar a ampliação do prazo Na Itália o CPP utiliza o critério de quantidade da pena em abstrato para determinar o tempo máximo de duração da prisão cautelar e para isso existe uma grande variedade de prazos conforme a gravidade do delito e a fase em que se encontra o processo É importante ressalvar que o legislador italiano determinou que os prazos devem ser considerados independentes e autônomos para cada fase do processo É óbvio que a duração fixada pode ser considerada dependendo do caso excessiva mas ao menos existe um referencial normativo para orientar a questão e até mesmo definir o objeto da discussão O que é inadmissível é a inexistência total de limites normativos como sucede no sistema brasileiro 18 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 776 e ss 19 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Santís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v II p 75 20 Dada sua relevância o princípio da proporcionalidade exigiria um amplo estudo que ultrapassa os limites do presente trabalho Até mesmo a questão terminológica proporcionalidade ou razoabilidade já seria motivo de debate Assim para o leitor interessado sugerimos que a leitura inicie pelos constitucionalistas que muito têm se dedicado ao tema especialmente de J J Gomes Canotilho Direito Constitucional e Teoria da Constituição e também de monografias específicas como as obras Por uma Teoria dos Princípios O Princípio Constitucional da Razoabilidade de Fabio Corrêa Souza de Oliveira e O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais de Suzana de Toledo Barros 21 MARTINEZ Sara Aragoneses et al Op cit p 389 22 SOUZA DE OLIVEIRA Fábio Corrêa Por uma Teoria dos Princípios O Princípio Constitucional da Razoabilidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 321 23 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 150152 24 SOUZA DE OLIVEIRA op cit p 321 25 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit t II p 77 26 Idem p 78 27 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Gerrero Bogotá Temis 2000 v 1 p 410 28 BANACLOCHE PALAO Julio La Libertad Personal y sus Limitaciones Madrid McGraw Hill 1996 p 292 29 Invocando aqui o consagrado conceito de strumentalità qualificata tão bem explicado por CALAMANDREI na obra Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 22 30 FERRAIOLI Marzia e DALIA Andrea Antonio Manuale di Diritto Processuale Penale Milano Cedam 1997 p 228 e ss 31 A título de ilustração vejamos a duração da prisão em flagrante em alguns outros países Na Espanha o detido em flagrante deverá ser apresentado ao juiz no prazo máximo de 24h art 496 da LECrim momento em que será convertida em prisión provisional ou será concedida a liberdade provisória A lei processual alemã StPO 128 determina que o detido deverá ser conduzido ao juiz do Amtsgericht em cuja jurisdição tenha ocorrido a detenção de imediato ou quando muito no dia seguinte a detenção Já o Codice de Procedura Penal italiano art 3863 determina que a polícia deverá colocar o detido à disposição do Ministério Público o mais rápido possível ou no máximo em 24h entregando junto o correspondente atestado policial Por fim em Portugal o art 254 a do CPP determina que no prazo máximo de 48h deverá ser efetivada a apresentação ao juiz que decidirá sobre a prisão cautelar aplicável após interrogar o detido e darlhe oportunidade de defesa art 281 da Constituição 32 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 408 33 Invocando aqui o consagrado conceito de strumentalità qualificata tão bem explicado por CALAMANDREI na obra Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 22 34 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit t II p 77 35 Idem ibidem p 78 36 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 410 37 ROXIN Claus Derecho Penal Parte General Tradução da 2ª edição por DiegoManuel Luzón Pena Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal Madrid Civitas 1997 p 329 38 CIRINO DOS SANTOS Juarez Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 112 39 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Penal São Paulo Saraiva 2006 v 4 p 281 40 Idem ibidem v 4 p 282 41 ZAFFARONI Eugenio Raul e PIERANGELLI José Henrique Da Tentativa 3 ed São Paulo RT 1992 p 59 42 BITENCOURT op cit v 1 p 409 43 BADARÓ op cit p 137138 44 Art 304 Apresentado o preso à autoridade competente ouvirá esta o condutor e colherá desde logo sua assinatura entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso Em seguida procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita colhendo após cada oitiva suas respectivas assinaturas lavrando a autoridade afinal o auto 1º Resultando das respostas fundadas a suspeita contra o conduzido a autoridade mandará recolhêlo à prisão exceto no caso de livrarse solto ou de prestar fiança e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo se para isso for competente se não o for enviará os autos à autoridade que o seja 2º A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante mas nesse caso com o condutor deverão assinálo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade 3º Quando o acusado se recusar a assinar não souber ou não puder fazêlo o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas que tenham ouvido sua leitura na presença deste 45 Não raras vezes assistese nas novelas e seriados brasileiros a absurda afirmação de que 24h após o crime ninguém poderá ser preso em flagrante Como bem lembra RANGEL op cit p 569 é comum a expressão fuja do flagrante e apareça 24 horas depois no sentido de que esse lapso impediria a prisão em flagrante delito Juridicamente isso não existe Uma pessoa pode ser presa por exemplo 72h depois do crime e ser flagrante delito desde que ocorra a perseguição prevista no art 302 III Por outro lado alguém pode ser encontrado 10h depois do crime e não ser uma situação de flagrante delito Em suma a crença popular é absolutamente infundada e decorre de uma má compreensão da antiga redação do art 306 O que deve ser feito em 24h sob pena de ilegalidade é a formalização do auto de prisão em flagrante e seu devido encaminhamento à autoridade judiciária competente 46 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 3 p 359 47 Sobre a competência da justiça militar estadual e federal consultese o capítulo específico desta obra 48 Entrevista conduzida por RUI CUNHA MARTINS com FERNANDO GIL acerca dos Modos da Verdade Revista de História das Ideias Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra v 23 2002 p 15 e ss 49 Idem ibidem 50 Idem ibidem 51 A construção é de FERNANDO GIL para quem tratase antes de uma projecção imaginária na evidência vivida na actualidade do conhecer e por isso falo de modo de doação no presente 52 Idem ibidem 53 Modos da Verdade Revista de História das Ideias p 24 54 FERNANDO GIL Modos da Verdade Revista de História das Ideias 2002 p 39 55 Para FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 56 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 11 57 O Código de Processo Penal da Alemanha StPO 112 exige que a pessoa seja fundadamente suspeita do fato delitivo e que exista um motivo para a prisão Isto é suspeita bem fundada alto grau de probabilidade de que o imputado tenha cometido o delito Além disso é necessário que existam como fundamento da prisão perigo de fuga de ocultação da prova gravidade do crime ou perigo de reiteração GÓMEZ COLOMER JuanLuis El Proceso Penal Alemán introducción y normas básicas Barcelona Bosh 1985 p 106 58 SENDRA Vicente Gimeno et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 481 59 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 404 60 ILLESCAS RUS AngelVicente Las Medidas Cautelares Personales en el Procedimiento Penal Revista de Derecho Procesal Madrid n 1 1995 p 66 61 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v 2 p 180 62 CARNELUTTI op cit p 181182 63 CIRILO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 1992 p 120 64 CIRILO DE VARGAS op cit p 120 65 A gravidade do delito por si só não pode justificar a prisão preventiva como reiteradamente vêm decidindo os tribunais superiores Entre as várias decisões citamos a seguinte PRISÃO PREVENTIVA TRÁFICO DE ENTOPERCENTES FUNDAMENTAÇÃO O preso em flagrante e acusado de tráfico de entorpecentes crime de natureza hedionda não pode ter seu pedido de liberdade provisória indeferido pela simples razão da gravidade do delito Necessário que a manutenção da prisão seja fundamentada em fatos que indiquem sua necessidade observados os requisitos previstos no art 312 do CPP Precedentes citados RHC 11631MG DJ 15102001 e HC 31230SP DJ 13092004 HC 39635DF Rel Min José Arnaldo da Fonseca julgado em 17022005 66 Trecho extraído do voto proferido pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 29 67 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 618 68 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 2122 69 A tutela cautelar é quando comparada com o direito material uma tutela mediata mais que fazer justiça serve para garantir o eficaz funcionamento da Justiça Se todos os provimentos jurisdicionais são instrumentos do direito material que através deles se atua nos provimentos cautelares encontrase uma instrumentalidade qualificada ou seja elevada por assim dizer ao quadrado esses são de fato infalivelmente um meio predisposto para melhor resultado do provimento definitivo que por sua vez é um meio para a atuação do direito material são portanto em relação à finalidade última da atividade jurisdicional instrumentos do instrumento Tradução nossa 70 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração Rio de Janeiro Renovar 2003 p 83 71 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 26 72 Idem ibidem p 139 73 SANGUINÉ Odone A Inconstitucionalidade do Clamor Público como Fundamento da Prisão Preventiva Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez n 10 p 114 74 Idem ibidem p 115 75 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração cit p 183 76 SANGUINÉ Odone op cit 77 Tenho criticado aqui e o fiz ainda recentemente ADPF 144 a banalização dos princípios entre aspas da proporcionalidade e da razoabilidade em especial do primeiro concebido como um princípio superior aplicável a todo e qualquer caso concreto o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de corrigir o legislador invadindo a competência deste O fato no entanto é que proporcionalidade e razoabilidade nem ao menos são princípios porque não reproduzem as suas características porém postulados normativos regras de interpretaçãoaplicação do direito No caso de que ora cogitamos esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual não há direitos absolutos E tal como tem sido em nosso tempo pronunciada dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional Deveras a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe sim mas não é absoluto porquanto não se aplica ao caso E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer de súditos cidadãos Diante do inquisidor não temos qualquer direito Ou melhor temos sim vários mas como nenhum deles é absoluto nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudirnos Primeiro essa gazua em seguida despencando sobre todos a pretexto da necessária atividade persecutória do Estado a supremacia do interesse público sobre o individual Essa premissa que se pretende prevaleça no Direito Administrativo não obstante mesmo lá sujeita a debate aqui impertinente não tem lugar em matéria penal e processual penal Esta Corte ensina HC 80263 relator Ministro ILMAR GALVÃO que a interpretação sistemática da Constituição leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar Essa é a proporcionalidade que se impõe em sede processual penal em caso de conflito de preceitos prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie grifo nosso 78 Também PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 519 79 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração cit p 192 80 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 405 81 Trecho extraído do voto proferido pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 35 82 CARVALHO Salo de Pena e Garantias uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 199 83 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael e TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed Madrid Ramon Areces 2007 p 407 84 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 776 e ss 85 ARAGONESES MARTINEZ Sara et al Derecho Procesal Penal 8 ed p 406 86 SENDRA Vicente Gimeno et al Op cit p 481 87 Na doutrina espanhola a partir das reiteradas decisões do Tribunal Constitucional está consagrada a expressão exquisita motivación sendo o adjetivo exquisita visto como de calidad de primor de singular y extraordinaria fundamentación Neste sentido AngelVicente Illescas op cit p 75 88 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v II p 71 89 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 776 e ss 90 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar Dramas Princípios e Alternativas Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 8 e ss 91 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 151 92 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 152 93 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 161 94 MARIATH Carlos Roberto Monitoramento Eletrônico liberdade vigiada p 4 Texto capturado em 14042011 no site httpportalmjgovbrmainaspView57DC54E22F7941219A55F51C56355C47 95 Art 594 O réu não poderá apelar sem recolherse à prisão ou prestar fiança salvo se for primário e de bons antecedentes assim reconhecido na sentença condenatória ou condenado por crime de que se livre solto 96 Art 393 São efeitos da sentença condenatória recorrível I ser o réu preso ou conservado na prisão assim nas infrações inafiançáveis como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança II ser o nome do réu lançado no rol dos culpados 97 NASSIF Aramis Sentença Penal O desvendar de Themis Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 19 98 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Garantias Processuais nos Recursos Criminais São Paulo Atlas 2002 p 152 99 ANDRADE MOREIRA Rômulo O artigo 594 do Código de Processo Penal Uma interpretação Conforme a Constituição In Direito Processual Penal Rio de Janeiro Forense 2003 p 48 100 A Súmula além de reduzir excessivamente a complexidade peca mesmo para os preservacionistas por uma grave falha não prevê a necessidade de fundamentação que demonstre a necessidade da prisão à luz da sistemática cautelar do art 312 do CPP 101 A começar pela urgente revogação da Súmula n 267 a interposição de recurso sem efeito suspensivo contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão A Súmula acaba por pseudolegitimar decisões absurdas de verdadeira prisão obrigatória sem fundamentação alguma expedidas pelos tribunais de justiça e tribunais regionais federais tão logo se esgotem os recursos ordinários Por outro lado é inútil pois é elementar que pode ser expedido mandado de prisão antes do trânsito em julgado basta que seja decretada a prisão preventiva Mas para isso é fundamental observarse os princípios e regras do sistema cautelar O mais importante a Súmula não diz 102 EMENTA HABEAS CORPUS INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA ART 5º LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ART 1º III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL 1 O art 637 do CPP estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória A Constituição do Brasil de 1988 definiu em seu art 5º inciso LVII que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 2 Daí que os preceitos veiculados pela Lei n 721084 além de adequados à ordem constitucional vigente sobrepõemse temporal e materialmente ao disposto no art 637 do CPP 3 A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar 4 A ampla defesa não se a pode visualizar de modo restrito Engloba todas as fases processuais inclusive as recursais de natureza extraordinária Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa também restrição do direito de defesa caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito do acusado de elidir essa pretensão 5 Prisão temporária restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar sem qualquer contemplação nos crimes hediondos exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva Na realidade quem está desejando punir demais no fundo no fundo está querendo fazer o mal se equipara um pouco ao próprio delinquente 6 A antecipação da execução penal ademais de incompatível com o texto da Constituição apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados não do processo penal A prestigiarse o princípio constitucional dizem os tribunais leiase STJ e STF serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos além do que ninguém mais será preso Eis o que poderia ser apontado como incitação à jurisprudência defensiva que no extremo reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais A comodidade a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço 7 No RE 482006 relator o Ministro Lewandowski quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional art 2º da Lei n 236461 que deu nova redação à Lei n 86952 o STF afirmou por unanimidade que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art 5º da Constituição do Brasil Isso porque disse o relator a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses estarseia validando verdadeira antecipação de pena sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação nada importando que haja previsão de devolução das diferenças em caso de absolvição Daí porque a Corte decidiu por unanimidade sonoramente no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1988 afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas 8 Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos Não perdem essa qualidade para se transformarem em objetos processuais São pessoas inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade art 1º III da Constituição do Brasil É inadmissível a sua exclusão social sem que sejam consideradas em quaisquer circunstâncias as singularidades de cada infração penal o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida HC 94408 Rel Min EROS GRAU 2ª Turma j 10022009 DJe059 DIVULG 26032009 PUBLIC 27032009 EMENT VOL0235403 PP00571 RT v 98 n 885 2009 p 493501 RF v 105 n 401 2009 p 572582 103 EMENTA HABEAS CORPUS CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL SUBSISTÊNCIA MESMO ASSIM DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO CULPABILIDADE CF ART 5º LVII RÉUS QUE PERMANECERAM SOLTOS DURANTE O PROCESSO RECONHECIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS ARTIGO 7º N 2 ACÓRDÃO QUE ORDENA A PRISÃO DOS CONDENADOS SEM QUALQUER MOTIVAÇÃO JUSTIFICADORA DA CONCRETA NECESSIDADE DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR DOS ORA PACIENTES AUSÊNCIA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS RE E RESP NÃO OBSTA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE DECRETABILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR POSSIBILIDADE DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS MENCIONADOS NO ART 312 DO CPP NECESSIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA EM CADA CASO DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO PEDIDO DEFERIDO A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL HC 96059 Rel Min CELSO DE MELLO 2ª Turma j 10022009 DJe064 DIVULG 02042009 PUBLIC 03042009 EMENT VOL 0235503 PP00628 LEXSTF v 31 n 364 2009 p 426441 104 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 640 105 CIRILO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais cit p 267 106 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 648 Ressalvese porém que o autor somente admite a fixação de um prazo menor quando houver a concordância do Ministério Público o que nos parece desnecessário Cabe ao juiz acolhendo parcialmente o pedido do Ministério Público fixar a duração da prisão temporária respeitando o limite máximo da lei e controlar os excessos 107 Trecho extraído do voto proferido pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 41 e ss 108 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR Inatividade no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2004 p 166 109 No mesmo sentido afirmando inclusive que o inciso II é redundante em relação ao inciso I Marcellus POLASTRI LIMA A Tutela Cautelar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 246 110 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 479 111 EMENTA I Reclamação alegação de afronta à autoridade da decisão plenária da ADIn 1127 17052006 red pacórdão Ministro Ricardo Lewandowski procedência 1 Reputase declaratória de inconstitucionalidade a decisão que embora sem o explicitar afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidila sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição 2 A decisão reclamada fundada na inconstitucionalidade do art 7 V do Estatuto dos Advogados indeferiu a transferência do reclamante Advogado preso preventivamente em cela da Polícia Federal para sala de Estado Maior e na falta desta a concessão de prisão domiciliar 3 No ponto dissentiu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1127 17052006 red p acórdão Ricardo Lewandowski quando se julgou constitucional o art 7º V do Estatuto dos Advogados na parte em que determina o recolhimento dos advogados em sala de Estado Maior e na sua falta em prisão domiciliar 4 Reclamação julgada procedente para que o reclamante seja recolhido em prisão domiciliar cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclamado salvo eventual transferência para sala de Estado Maior II Sala de EstadoMaior L 8906 art 7º V caracterização Precedente HC 81632 2ª T 20082002 Velloso RTJ 184640 1 Por EstadoMaior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organização militar Exército Marinha Aeronáutica Corpo de Bombeiros e Polícia Militar assim sendo sala de EstadoMaior é o compartimento de qualquer unidade militar que ainda que potencialmente possa por eles ser utilizado para exercer suas funções 2 A distinção que se deve fazer é que enquanto uma cela tem como finalidade típica o aprisionamento de alguém e por isso de regra contém grades uma sala apenas ocasionalmente é destinada para esse fim 3 De outro lado deve o local oferecer instalações e comodidades condignas ou seja condições adequadas de higiene e segurança Decisão O Tribunal por unanimidade julgou procedente a reclamação nos termos do voto do Relator Ausentes justificadamente a Senhora Ministra Ellen Gracie Presidente e o Senhor Ministro Carlos Britto Votou o Presidente Falou pelo reclamante o Dr Ronildo Lopes do Nascimento Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes VicePresidente Plenário 07052007 112 Reclamação Advogado Prerrogativa profissional de recolhimento em sala de Estado Maior Afronta ao decidido no julgamento da ação direta de Inconstitucionalidade n 1127 No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n 1127 este Supremo Tribunal reconheceu a constitucionalidade do art 7º inc V da Lei n 890694 declarando apenas a inconstitucionalidade da expressão assim reconhecidas pela OAB É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que há de ser deferida a prisão domiciliar aos advogados onde não exista na localidade sala com as características daquela prevista no art 7º inc V da Lei n 890694 enquanto não transitada em julgado a sentença penal condenatória Precedentes Rcl 5212 Rel Min Cármen Lúcia j 27032008 DJe 30052008 113 No mesmo sentido BADARÓ Direito Processual Penal cit t II p 164 114 BADARÓ op cit 115 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 79 116 Curso de Processo Penal cit p 447 117 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI 108262003 ESTATUTO DO DESARMAMENTO INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL AFASTADA INVASÃO DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DOS ESTADOS INOCORRÊNCIA DIREITO DE PROPRIEDADE INTROMISSÃO DO ESTADO NA ESFERA PRIVADA DESCARACTERIZADA PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO RECONHECIDA OBRIGAÇÃO DE RENOVAÇÃO PERIÓDICA DO REGISTRO DAS ARMAS DE FOGO DIREITO DE PROPRIEDADE ATO JURÍDICO PERFEITO E DIREITO ADQUIRIDO ALEGADAMENTE VIOLADOS ASSERTIVA IMPROCEDENTE LESÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL AFRONTA TAMBÉM AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE ARGUMENTOS NÃO ACOLHIDOS FIXAÇÃO DE IDADE MÍNIMA PARA A AQUISIÇÃO DE ARMA DE FOGO POSSIBILIDADE REALIZAÇÃO DE REFERENDO INCOMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL PREJUDICIALIDADE AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE QUANTO À PROIBIÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA I II III IV A proibição de estabelecimento de fiança para os delitos de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e de disparo de arma de fogo mostrase desarrazoada porquanto são crimes de mera conduta que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade V Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts 16 17 e 18 Inconstitucionalidade reconhecida visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente VI VII VIII IX Ação julgada procedente em parte para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do artigo 21 da Lei n 10826 de 22 de dezembro de 2003 118 GOMES Luiz Flávio Liberdade Provisória e Progressão de Regime nos Crimes Hediondos a nova Lei n 114642007 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal abrilmaio de 2007 p 87 Capítulo XVI DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS OU DAS MEDIDAS CAUTELARES REAIS 1 Explicações Iniciais Denominadas no Código de Processo Penal Medidas Assecuratórias encontramos um conjunto de medidas cautelares reais na medida em que buscam a tutela do processo assegurando a prova e ainda desempenham uma importante função de tutela do interesse econômico da vítima resguardando bens para uma futura ação civil ex delicti anteriormente explicada e também do Estado no que se refere à garantia do pagamento da pena pecuniária e custas processuais É evidente portanto seu caráter cautelar No Brasil durante muito tempo as medidas assecuratórias permaneceram em profundo repouso sem utilização tornandose ilustres desconhecidas nos foros criminais Mas isso é passado e na última década com a crescente expansão do direito penal econômico e tributário as medidas assecuratórias estão na pauta do dia Hoje a pirotecnia das megaoperações policiais com seus nomes marcantes uma interessante estratégia do marketing policial para além das sirenes e algemas conta com esse importante argumento indisponibilidade patrimonial Mais do que prender engessar o patrimônio dos suspeitos passou a ser uma grande notícia até porque esteticamente é embriagante ver no telejornal as mansões cinematográficas e os caríssimos carros importados que serão sequestrados1 Assim as medidas assecuratórias estão despertando do repouso dogmático para serem instrumentos de uso e abuso diário Na síntese de ARAGONESES MARTINEZ2 as medidas cautelares reais pretendem através da limitação da disponibilidade de bens assegurar a execução dos pronunciamentos patrimoniais de qualquer classe que possa incluir a sentença não só à restituição de coisas à reparação do dano e à indenização dos prejuízos mas também o pagamento da multa e custas processuais O sistema processual penal contempla medidas cautelares pessoais as prisões cautelares anteriormente estudadas que restringem a liberdade pessoal do sujeito passivo e também medidas cautelares reais ou patrimoniais pois incidem sobre bens móveis e imóveis do imputado gerando uma restrição da livre disposição de bens e valores com vistas à constituição da prova eou ressarcimento dos prejuízos sofridos pela vítima do delito Existe dependendo da medida o atendimento de um duplo interesse processualprobatório e patrimonial da vítima A busca e apreensão e a restituição de coisas apreendidas poderiam perfeitamente ser inseridas nesse rol pois também servem ao processo constituição da prova através da busca e apreensão bem como ao interesse da vítima a restituição do objeto direto do delito devidamente apreendido Contudo não foi essa a sistemática adotada pelo Código de Processo Penal que optou por situar a busca e apreensão no Título VII Da Prova Por esse motivo a medida foi por nós abordada no capítulo onde estamos as provas Da mesma forma eis que intimamente vinculada ao instituto da busca e da apreensão lá abordamos a restituição de coisas apreendidas Seguindo a sistemática do Código de Processo Penal veremos agora as seguintes medidas assecuratórias a sequestro de bens móveis b sequestro de bens imóveis c hipoteca legal de bens imóveis d arresto prévio de bens imóveis e arresto de bens móveis Como medidas cautelares que o são não se afastam dos princípios anteriormente referidos sendo aplicáveis aqui as garantias da jurisdicionalidade provisionalidade provisoriedade excepcionalidade e proporcionalidade Também exigem para sua decretação a demonstração do fumus commissi delicti e do periculum libertatis ainda que por se tratarem de medidas patrimoniais esses elementos adquiram um referencial conceitual um pouco distinto daquele que norteia o sistema das cautelares pessoais Cada uma das medidas possui a sua especificidade exigindo uma certa flexibilização dos conceitos a ponto de por sua estreita relação com as medidas cautelares do Direito Processual Civil não constituir uma impropriedade falarse em fumus boni iuris e periculum in mora Mas sublinhese isso em nada conflita com a crítica que fizemos anteriormente a tais conceitos pois em se tratando de medida cautelar pessoal leiase prisões cautelares é absolutamente inadequada a transmissão de categorias do processo civil Contudo nas medidas cautelares reais por sua estreita vinculação com o interesse patrimonial a ser satisfeito na esfera cível em sede de ação de indenização por exemplo a adoção dos conceitos fumus boni iuris e periculum in mora não constitui a mesma inadequação Inclusive em relação ao periculum in mora é ele ainda mais evidente na medida em que o perigo não decorre do estar em liberdade o agente senão das possibilidades de deterioração dos bens móveis ou imóveis alienações fraudulentas etc Logo efetivamente o perigo decorre da demora entre a medida cautelar e o provimento cível definitivo fazendo com que o bem indisponibilizado corra risco de perecimento Nesse sentido ARAGONESES MARTINEZ3 explica que como todo processo se desenvolve através de um procedimento é indiscutível que desde seu início até sua conclusão haverá um período de tempo de duração indeterminada que pode colocar em risco o êxito do processo de conhecimento ou de execução cível justificando em certos casos a restrição patrimonial Feitas essas ressalvas introdutórias vejamos agora as medidas assecuratórias em espécie 2 Do Sequestro de Bens Imóveis e Móveis 21 Requisito Legitimidade Procedimento Embargos do Imputado e de Terceiro O sequestro de bens é a primeira medida prevista no Código de Processo Penal e está regulada nos arts 125 a 133 Determina o art 125 que caberá o sequestro dos bens imóveis adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração ainda que já tenham sido transferidos a terceiro O primeiro aspecto a ser destacado é que a medida somente incide sobre os bens imóveis ou móveis adquiridos com os proventos da infração Não é uma restrição sobre todo o patrimônio do imputado senão apenas daqueles bens que foram comprados com as vantagens auferidas com o delito4 Logo jamais poderá o sequestro recair sobre bens preexistentes ou seja adquiridos pelo imputado antes da prática do crime Nesse caso podese cogitar de hipoteca legal ou arresto conforme o caso como explicaremos na continuação mas não em sequestro Na mesma linha o sequestro dos bens móveis previsto no art 132 cuja medida somente poderá recair sobre os bens adquiridos com as vantagens ou proventos do crime Assim quando alguém comete por exemplo um delito de estelionato e com o dinheiro obtido com a prática do crime adquire bens móveis ou imóveis poderão eles ser objeto de sequestro ficando indisponíveis até que a sentença transite em julgado e se condenatória serão leiloados Para sua decretação exige o art 126 do CPP a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens Tratase de uma expressão porosa como define HASSAN CHOUKR5 que encontrará sentido naquilo que quiser lhe dar o julgador com um imenso custo em termos de ineficácia de direitos fundamentais do réu Infelizmente nossa legislação está eivada de expressões abertas porosas de conteúdo vago impreciso e indeterminado que servem a qualquer senhor Pensamos que se deve recorrer às lições anteriores sobre o fumus commissi delicti mas vinculado agora à origem dos bens de modo que para a decretação do sequestro deve o autor do pedido autoridade policial Ministério Público ou assistente da acusação demonstrar a fumaça a probabilidade de que tenham eles sido adquiridos com os proventos do crime Assim é uma prova em dupla dimensão demonstrar a verossimilhança de autoria e materialidade do delito imputado e ainda de que os bens foram adquiridos com os proventos dessa suposta infração penal Eis aqui mais um aspecto fundamental incumbe ao requerente demonstrar o nexo causal ou seja que os bens que se pretende sequestrar foram adquiridos com os proventos do crime Do contrário a medida é descabida Infelizmente assistese por vezes juízes decretando o sequestro dos bens imóveis do réu atendendo a pedido do Ministério Público sem atentar para o fato de que não foram eles adquiridos com os supostos ganhos do crime pois preexistentes Se o réu já os possuía antes da prática do delito completamente descabido o sequestro Dependendo do caso poderá haver a hipoteca legal ou o arresto art 137 do CPP Mas não basta isso Deve ser demonstrado o periculum in mora aqui sim o fator tempo é o gerador do perigo de perecimento do objeto por parte do requerente bem como a necessidade da medida cautelar Não se pode esquecer que estamos diante de grave medida cautelar a exigir da observância dos princípios anteriormente referidos especialmente a excepcionalidade e proporcionalidade da medida Em última análise a real necessidade do sequestro deve ser demonstrada pelo requerente jamais se admitindo que se presuma o perigo de perecimento do bem ou ainda que o réu irá fraudar a futura execução A cognição nesse momento é sumária limitada a verossimilhança do alegado mas isso não significa que se possa presumir contra o réu a origem ilícita dos bens ou que ele irá dilapidálos em detrimento dos interesses patrimoniais da vítima Deve o pedido vir instruído com um lastro probatório mínimo mas suficiente que dê conta à luz do princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência do imenso constrangimento e prejuízos que gera para o imputado a indisponibilidade patrimonial Ao réu ou indiciado não se atribui qualquer carga probatória até porque a proteção da presunção de inocência afasta a possibilidade processual de exigirselhe que prove a origem lícita A carga probatória é inteiramente do acusador Contudo é elementar que se o período em que o bem foi adquirido antecede ao do ganho obtido com a infração ou ainda possui o imputado atividade lícita cujos ganhos são compatíveis com o seu patrimônio a medida não pode prosperar Da mesma forma devese ponderar o valor dos bens sequestrados e os ganhos supostamente obtidos com a atividade criminosa pois deve haver a necessária proporcionalidade Quanto à legitimidade o art 127 autoriza o sequestro decretado de ofício mediante requerimento do Ministério Público do ofendido6 o que nos conduz a admitir que o assistente da acusação possa fazêlo ou representação da autoridade policial Como já explicamos à exaustão pensamos ser substancialmente inconstitucional o sequestro decretado de ofício pelo juiz pois é absolutamente incompatível com o sistema acusatórioconstitucional Ademais viola a imparcialidade princípio supremo do processo Inadmissível assim o sequestro decretado pelo juiz de ofício Quanto à representação da autoridade policial pensamos que somente é admissível quando houver a concordância do Ministério Público titular da ação penal de iniciativa pública O sequestro pode ser decretado tanto na fase préprocessual ou seja no curso do inquérito policial como em qualquer fase do processo de conhecimento inclusive após a sentença condenatória mas antes do trânsito em julgado desde que demonstrada sua necessidade O pedido de sequestro será processado no juízo criminal em autos apartados mas apenso ao processo penal principal A medida somente poderá ser decretada pelo juiz criminal competente de modo que quando decretada antes da denúncia gera prevenção Quando decretada no curso do processo criminal tramitará em autos apartados mas vinculada ao processo criminal principal Realizado o sequestro se for de bens imóveis será providenciado o respectivo registro na matrícula do bem no Registro de Imóveis nos termos do art 167 I 5 da Lei n 601573 Quando o sequestro for de bens móveis como carros motos e caminhões deverá ser feita a comunicação ao órgão de trânsito respectivo para que conste a restrição no documento do veículo evitando assim que terceiros de boafé venham a adquirir o bem gravado Como instrumento de defesa poderá o imputado lançar mão dos embargos previstos no art 130 I do CPP quando o fundamento da sua inconformidade for a origem lícita dos bens Aqui o instituto mostra a hibridez com que foi concebido pois trata da questão como se processo civil fosse prevendo embargos e prova por parte do réu de que os bens não foram adquiridos com os proventos da infração Uma leitura mais restritiva poderia conduzir à conclusão de que os embargos do réu ou de terceiro teriam a fundamentação vinculada somente sendo conhecidos nos casos previstos no art 130 origem lícita quando os embargos forem do réu ou terem sido adquiridos de boafé quando opostos pelo terceiro adquirente Nada mais equivocado Valem aqui as garantias da ampla defesa e do devido processo legal arts 5º LV e LIV da Constituição de modo que tanto o réu como o terceiro adquirente podem aduzir outros argumentos defensivos que ataquem o núcleo legitimante da medida assecuratória seja na dimensão formal ou substancial Para esclarecer há três tipos de embargos como explica FEITOZA7 a embargos de terceiro senhor e possuidor8 interposto por aquele que foi prejudicado pelo sequestro do bem e que pretende demonstrar que os bens sequestrados não têm qualquer relação com o acusado ou com a infração penal pois recaíram sobre coisas pertencentes a terceiro estranho ao delito b embargos do imputado indiciado ou réu previsto no art 130 I sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da infração ou seja demonstrando a ausência dessa vinculação causal ou ainda qualquer outro fundamento que possa atacar a legalidade do sequestro c embargos do terceiro de boafé nesse caso a argumentação do terceiro está vinculada à demonstração de que os bens foram adquiridos a título oneroso pagandose o preço de mercado e que portanto agiu de boafé nos termos do art 130 II do CPP Importante sublinhar que não se aplica a proteção do bem de família quando o imóvel tiver sido adquirido com os proventos do crime Nesse sentido o art 3º VI da Lei n 8009 excepciona a impenhorabilidade do bem de família quando o bem imóvel tiver sido adquirido com produto de crime sonegandolhe assim a proteção legal Não existe prazo definido no CPP para os embargos do réu ou de terceiros o que gera sem dúvida uma perigosa lacuna Assim os embargos poderiam ser admitidos a qualquer tempo inclusive depois da sentença penal condenatória mas antes do trânsito em julgado Mais grave ainda é o disposto no parágrafo único do art 130 quando determina que não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória Situação complicada pois estabelece uma suspensão obrigatória dos embargos até o trânsito em julgado da sentença condenatória no processo de conhecimento A jurisprudência sem muito critério tem amenizado um pouco o rigor desse dispositivo mas não há um rumo bem definido nessa matéria Concordamos com TOURINHO FILHO9 quando sustenta que não se aplica a regra do art 130 do CPP aos embargos de terceiro senhor e possuidor ou seja àquele terceiro completamente estranho ao delito pois nesse caso os embargos devem ser julgados logo Isso porque em primeiro lugar o parágrafo único do art 130 guarda estreita relação com o caput e não com o art 129 onde estão previstos os embargos do terceiro senhor e possuidor e em segundo lugar seria manifestamente injusto e desproporcional que perdurasse a constrição em relação a alguém que nada tem a ver com o crime A decisão que decreta o sequestro deve ser fundamentada e dela caberá recurso de apelação nos termos do art 593 II do CPP Essa apelação é para atacar a decisão que decretou o sequestro Quando na sentença o juiz condena o réu e decreta o perdimento dos bens efeito do sequestro a apelação será única para impugnar a condenação e também o perdimento dos bens Não se nega ainda a possibilidade de ser impetrado Mandado de Segurança para atacar a decisão que decreta o sequestro de bens não a sentença condenatória especialmente quando houver urgência ou manifesta ilegalidade do ato coator Incabível por outro lado o uso de habeas corpus pois não se trata de tutela da liberdade de locomoção Além do réu também poderá o terceiro adquirente de boafé defenderse do sequestro que alcança o bem por ele adquirido Tratase de embargos de terceiro art 130 II do CPP cabendo a ele fazer prova de sua boafé Nada impede ainda que a esposa ou companheira do réu ingresse com embargos de terceiro para defesa de sua meação especialmente quando aduza que o bem foi adquirido antes da prática do delito e com o esforço comum do casal O sequestro ficará sem efeito será levantado quando decretado na fase préprocessual não for oferecida a ação penal no prazo de 60 sessenta dias art 131 I do CPP contado da data em que a medida se efetivar ou ainda se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu Considerando que se trata de medida restritiva de direitos fundamentais a leitura tem de ser cautelosa até porque é o poder punitivo que deve ser legitimado e estritamente regulado Daí por que pensamos que o marco inicial para o cômputo dos 60 dias é a data em que se efetivou a medida Não pode o imputado ficar à mercê das mazelas administrativas que se sucedem à decisão judicial como a demora no registro de imóveis por exemplo ou mesmo nas mãos do Ministério Público que a requereu quando a ele competir a realização de algum ato com vistas à eficácia da decisão judicial Assim o prazo de 60 dias para o oferecimento da denúncia ou queixa sob pena de levantamento do sequestro deve ser contado da data em que se efetivou a medida É ilógico fixar como marco inicial a intimação do Ministério Público ou querelante pois foi ele quem solicitou a medida tendo assim obviamente plena ciência do que está ocorrendo Ademais não raras vezes essa intimação nunca é realizada O pedido de sequestro feito no curso da investigação preliminar muitas vezes cumulado com o de prisão preventiva ou temporária também deve ser autuado em autos apartados Contudo nem sempre isso é feito e não raras vezes é postulada a restituição dos bens como se a medida constritiva fosse de apreensão Caberá à parte diante da falha procedimental do juiz requerer a regular autuação e após interpor os respectivos embargos postulando o levantamento do sequestro devendo o juiz decidir através de sentença da qual caberá recurso de apelação Quanto ao levantamento do sequestro por absolvição do réu diz o art 131 III que somente ocorrerá após a sentença absolutória ter transitado em julgado Contudo à luz do art 596 do CPP que impõe a imediata soltura do réu preso quando a sentença for absolutória ainda que dela recorra o Ministério Público pensamos que o levantamento do sequestro não pode ficar pendente do trânsito em julgado da sentença absolutória A absolvição do réu impõe a sua imediata soltura no sentido de que devem cessar todos os constrangimentos processuais até então impostos da prisão ao sequestro Não é lógico que o réu ao ser absolvido seja imediatamente solto mas permaneça com todos os seus bens indisponíveis Ora se foi absolvido não existe sustentabilidade jurídica para manutenção da medida assecuratória Quanto aos embargos de terceiro o sequestro será levantado quando além dos dois casos anteriormente citados não oferecimento da ação penal no prazo de 60 dias ou extinção da punibilidadeabsolvição ele prestar caução em valor suficiente para cobrir os efeitos da eventual sentença penal condenatória nos termos do art 91 II b do Código Penal Tratase de verdadeira contracautela em que o bem é liberado mas o interessado deixa uma garantia equivalente em juízo Com o trânsito em julgado da sentença condenatória os bens sequestrados serão leiloados para ressarcimento da vítima bem como pagamento das custas processuais e eventual pena pecuniária Como adverte FEITOZA PACHECO 10 o leilão será feito no próprio juízo penal ao contrário do que ocorre na hipoteca legal e no arresto em que os autos da medida assecuratória são enviados para o juízo cível onde tramita a ação civil ex delicti 22 Distinção entre Sequestro de Bens Móveis e a Busca e Apreensão A Confusa Redação do Art 132 do CPP Há que se fazer uma distinção muito importante entre o sequestro de bens móveis e a busca e apreensão Quando estivermos diante do objeto direto do crime muitas vezes constituindo o próprio corpo de delito a medida cabível será a busca e posterior apreensão do bem Assim o carro furtado ou roubado é apreendido pois constitui objeto direto do crime Já aqueles bens adquiridos com os proventos da infração ou com os lucros dela obtidos serão objeto de sequestro e não de apreensão Daí por que o carro comprado com o dinheiro obtido pelo tráfico de substâncias entorpecentes o lucro do roubo ou furto etc será sequestrado e não apreendido Contudo quando com o ganho obtido pelo delito o agente adquire objetos que constituam a própria materialidade de outro crime haverá apreensão e não sequestro Por exemplo se com o dinheiro obtido na venda do automóvel roubado o imputado compra cocaína a droga será apreendida pois constitui o próprio corpo de outro delito Outra situação que deve ser considerada é quando os bens subtraídos por exemplo são modificados ou transformados gerando bens diversos daqueles originariamente furtados ou roubados É o exemplo clássico do furto de joias que após serem derretidas e transformadas geram um novo bem Essa nova coisa móvel será apreendida ou sequestrada Será sequestrada pois já não se trata do objeto direto do delito senão de um novo bem obtido a partir daquele Não é a res originária senão uma nova obtida a partir da modificação ou transformação daquela Essa distinção explica a confusa redação do art 132 que em outras palavras quer dizer que caberá o sequestro dos bens móveis quando demonstrada sua proveniência ilícita ou seja tenham sido adquiridos com os proventos da infração sendo incabível portanto a busca e apreensão essa é a medida regulada no Capítulo XI do Título VII ou mais claramente nos arts 240 e ss Só cabe sequestro quando não couber busca e apreensão e viceversa pois a primeira recai sobre o produto indireto proventos do crime e a segunda sobre o produto direto o próprio corpo de delito 3 Hipoteca Legal e Arresto Prévio de Imóveis Bens de Origem Lícita A hipoteca legal de bens imóveis está prevista no art 134 do CPP e difere radicalmente do sequestro de imóveis que acabamos de analisar Isso porque o sequestro arts 125 a 133 somente poderá recair sobre os bens adquiridos com os proventos do crime logo de origem ilícita Já a hipoteca legal situase noutra dimensão pois conduz à constrição legal dos bens de origem lícita diversa do crime Esse é um ponto fundamental para compreender a distinção dos institutos Aqui essencialmente o que se tutela é o interesse patrimonial da vítima que pretende já no curso do processo criminal garantir os efeitos patrimoniais da eventual sentença penal condenatória Para tanto a parcela do patrimônio indisponibilizado tem origem lícita Não são produto direto do crime e tampouco foram adquiridos com os proventos da infração Visa assegurar a eficácia da ação civil ex delicti Inclusive tal medida tem plena aplicabilidade em relação a delitos que não geram ganho patrimonial algum ao réu Exemplo típico é o homicídio culposo ou doloso em que o crime não gera nenhum ganho patrimonial para o réu sendo descabido cogitarse o sequestro de bens Nesse caso o ascendente ou descendente da vítima poderá postular a indisponibilidade patrimonial do réu através da hipoteca de seus bens imóveis independente da origem que tenham Importa destacar que sequer a proteção legal do bem de família pode ser invocada pois a própria Lei n 8009 afasta a impenhorabilidade em seu art 3º VI Dispõe a Lei em tela que a impenhorabilidade não poderá ser arguida por ter sido adquirida com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento indenização ou perdimento de bens Quanto à legitimidade considerando que se atende a interesse patrimonial exclusivo da vítima é mais restrita Prevê o art 134 que a hipoteca legal poderá ser requerida pelo ofendido mas para isso ele deverá ingressar no processo como assistente da acusação Não há outra forma de no curso de um processo cuja ação penal é de iniciativa pública intervir o ofendido senão através do instituto da assistência da acusação Elementar que no caso de morte ou incapacidade do ofendido o pedido poderá ser feito pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão analogia com o art 31 do CPP Mas não contempla o Código de Processo Penal a possibilidade de a hipoteca legal ser decretada de ofício pelo juiz ou mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial Então como regra a hipoteca legal e também o arresto prévio deverá ser postulada pelo ofendido devidamente habilitado no processo como assistente da acusação Excepcionalmente o art 142 autoriza o Ministério Público a promover a hipoteca legal em dois casos a quando houver interesse da Fazenda Pública como ocorre por exemplo nos crimes de sonegação fiscal apropriação de contribuições previdenciárias etc b ou quando houver efetiva demonstração de pobreza do ofendido e ele requerer a intervenção do Ministério Público para postular a hipoteca legal Nesse último caso pobreza do ofendido sem negar a legitimidade do Ministério Público pensamos que tal tarefa deve incumbir à Defensoria Pública e que somente quando ela não estiver estruturada naquela comarca então justificada estaria a excepcional atuação do Ministério Público na tutela do interesse patrimonial privado do ofendido A hipoteca legal poderá ser requerida no curso da investigação preliminar em qualquer fase do processo de conhecimento O art 134 do CPP na confusão que faz ao mencionar indiciado e qualquer fase do processo sinaliza a possibilidade de a medida incidir antes mesmo de iniciado o processo criminal e com mais razão após seu início Tanto a hipoteca legal como também o arresto prévio de imóveis tramitarão em autos apartados mas sempre vinculados ao processo criminal O arresto prévio à especialização e inscrição da hipoteca legal dos imóveis está previsto no art 136 do CPP e constitui uma clara medida preparatória da hipoteca legal Isso porque a hipoteca legal é um procedimento complexo que demanda mais tempo Em situações excepcionais fazse o arresto prévio de forma imediata e no prazo de até 15 dias deve a parte interessada promover a inscrição da hipoteca legal no Registro de Imóveis Nesse prazo deverá ser ajuizado o pedido de inscrição e especialização da hipoteca sob pena de revogação da medida Contudo ajuizado o pedido a indisponibilidade do bem dura até que seja efetivada a inscrição da hipoteca legal De qualquer forma essa medida preparatória restringese ao campo de incidência da hipoteca legal ou seja bens imóveis de origem lícita desvinculados do delito Quanto ao procedimento o assistente da acusação demonstra a existência do fumus commissi delicti visto aqui como certeza da infração e indícios suficientes de autoria indica os prejuízos sofridos apontando valores e individualiza o bem imóvel sobre o qual irá recair a hipoteca legal art 135 Há que se observar o necessário contraditório e direito de defesa abrindose a oportunidade de o réu oferecer defesa especialmente para impugnar valores avaliações e outros fatos impeditivos da pretensão indenizatória Nesse sentido estabelece o art 135 3º do CPP o prazo de 2 dias que correrá em cartório Nada impede que à luz da complexidade do caso conceda o juiz um prazo maior desde que em igualdade de condições para ambas as partes Após autorizará ou não a inscrição da hipoteca no Registro de Imóveis medida indispensável para dar eficácia à constrição Poderá o réu ainda caucionar oferecendo uma contracautela suficiente para evitar a hipoteca legal Absolvido o réu ou extinta a punibilidade é cancelada a hipoteca legal Se condenado serão os autos remetidos ao juízo cível onde tramita a respectiva ação civil ex delicti para procederse à expropriação dos bens com vistas ao ressarcimento da vítima 4 Arresto de Bens Móveis Origem Lícita Art 137 do CPP A última medida assecuratória prevista no Código de Processo Penal é o arresto de bens móveis de origem lícita diversa do crime Ao contrário do sequestro de bens móveis aqui os bens não foram adquiridos com os proventos da infração senão que possuem origem diversa Dispõe o art 137 que se o imputado não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente para dar conta do ressarcimento patrimonial da vítima poderão ser arrestados os bens móveis suscetíveis de penhora nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis Essa última expressão do art 137 nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis atrela a presente medida ao pressuposto de origem lícita dos bens móveis Tudo o que dissemos sobre legitimidade e o procedimento da hipoteca legal é aplicável ao arresto de bens móveis que poderá ser postulado na investigação preliminar ou no curso do processo penal Por fim para bem distinguir as medidas assecuratórias vejamos o seguinte quadro Apreensão recai sobre o objeto direto do crime art 240 do CPP Sequestro bem móvel ou imóvel adquirido com os proventos do crime arts 125 a 133 do CPP Hipoteca Legal bens imóveis de origem lícita e diversa do delito arts 134 e 135 do CPP Arresto Prévio de Imóveis bens imóveis de origem lícita e diversa do delito É preparatório da hipoteca legal instrumentaliza a inscrição Art 136 do CPP Arresto Prévio de Móveis bens móveis de origem lícita tendo cabimento quando não houver bens imóveis para hipotecar ou forem insuficientes Art 137 do CPP 5 Medidas Cautelares Reais Demonstração da Necessidade e da Proporcionalidade Problemática Não Enfrentada Deixamos para o final desse capítulo uma questão fundamental e que não tem merecido a devida atenção por parte da doutrina e jurisprudência brasileira Tratase de considerar que as medidas assecuratórias são de natureza cautelar portanto submetidas à mesma lógica e principalmente exigência de efetiva necessidade como elemento legitimador da constrição patrimonial Não há como pensar as medidas assecuratórias fora do sistema cautelar ainda que existam algumas especificidades que obviamente as distinguem das medidas cautelares pessoais Nessa linha verificase que em todas elas deve haver a demonstração do fumus commissi delicti seja para comprovar que os bens foram adquiridos com os proventos do crime sequestro de móveis e imóveis ou para justificar a inscrição de hipoteca legal ou o arresto através da demonstração do dano decorrente do crime Assim é inafastável que a demonstração de que existem indícios razoáveis de autoria e materialidade de um crime constitui o requisito básico de qualquer medida assecuratória Mas é no fundamento que reside a maior problemática Se nas prisões cautelares devese considerar o periculum libertatis ou seja o perigo decorrente do estado de liberdade do imputado que justifica assim a necessidade da prisão nas medidas assecuratórias o perigo adquire outros contornos mais próximos do periculum in mora do Direito Processual Civil Isso porque as medidas assecuratórias têm por objeto um interesse indenizatório patrimonial e nitidamente civil Nos casos de sequestro em que a medida recai sobre os bens móveis ou imóveis adquiridos com os proventos da infração o foco da atenção do julgador acaba sendo a prova da origem ilícita Uma vez demonstrados o crime e o caminho percorrido até a aquisição dos bens o periculum passa a ser secundário impondose a indisponibilidade do patrimônio O ponto nuclear a exigir o máximo de atenção é o fumus commissi delicti Distinta é a situação da hipoteca legal e do arresto em que os bens são de origem diversa lícita e completamente desvinculados do crime É uma medida que incide sobre o patrimônio lícito do réu que será indisponibilizado para assegurar o pagamento das custas multa e a indenização resultado da ação civil ex delicti Aqui a situação é muito mais grave e o ponto nevrálgico é a demonstração do periculum libertatis É claro que deve haver a fumaça da prática do crime mas o ponto mais importante da decisão é a análise do perigo de dilapidação do patrimônio o risco de frustração da pretensão indenizatória Esse ponto pensamos não tem merecido a devida atenção por parte dos juízes e tribunais Incumbe ao acusador demonstrar efetivamente o risco de dilapidação do patrimônio do imputado com a intenção de fraudar o pagamento da indenização decorrente de eventual sentença condenatória Essa prova em geral não é feita e os juízes e tribunais desprezando o imenso custo que representa tal medida a decretam sem o necessário rigor na análise do fumus commissi delicti e do periculum in mora À luz da presunção de inocência não se pode presumir que o imputado irá fraudar a responsabilidade civil decorrente do delito como também não se pode presumir que vá fugir para decretar a prisão preventiva A presunção de inocência impõe que se presuma que o réu irá atender ao chamamento judicial e assumir sua eventual responsabilidade penal e civil Cabe ao acusador ou ao assistente da acusação demonstrar efetivamente a necessidade da medida Tratase de prova suficiente para dar conta do imenso custo da cautelar baseada em suporte fático real não fruto de presunções ou ilações despidas de base probatória verossímil Além disso recordando a principiologia cautelar deve o interessado demonstrar que a medida é proporcional Para tanto o dano tem de ser real concreto e permitir uma aferição uma avaliação ainda que provisória Partindo dessa avaliação é que deverá o juiz atentar para a proporcionalidade que deve guardar o arresto ou hipoteca legal É desproporcional arrestar eou hipotecar bens em valor superior àquele correspondente a sua eventual responsabilidade civil custas e multa Atento a isso BADARÓ11 sublinha que a medida não deve recair sobre todo o patrimônio mas apenas sobre a parte dele que poderá vir a ser especializada segundo a estimativa da responsabilidade e do valor dos imóveis sobre os quais incidirá a hipoteca legal Assim para definir o que poderá ser arrestado é necessário saber o que pode ser hipotecado A hipoteca legal deverá incidir concretamente sobre os bens na exata medida do que seja necessário para garantir a futura reparação do dano causado pelo delito Poderá bastar um ou alguns bens O ofendido ou o Ministério Público não poderá exorbitar fazendo inscrever mais bens do que os necessários cabendo a juiz verificar se o valor dos bens especializados não excede o valor estimado da responsabilidade grifo nosso A proporcionalidade impõe o sopesamento dos bens em jogo cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação Não se pode a partir de uma perigosa prognose de futura e incerta responsabilização civil engessar o patrimônio do imputado sem base probatória suficiente e necessária proporcionalidade ainda mais se considerarmos que ele já está passando por uma situação bastante difícil que é o de figurar como réu em processo penal Não se pode desmerecer o fato de que o imputado já passa por uma situação dificílima muitas vezes agravada pelo bizarro espetáculo midiático montado em torno das estrondosas operações policiais que conduz a perda de clientes fechamento de linhas de crédito perda do emprego enfim um empobrecimento generalizado do réu fruto do estigma gerado pela investigação e o processo penal Nesse contexto as medidas assecuratórias revestemse de uma gravidade ainda maior pois lhe impedem de dispor de seu patrimônio seja para alienar ou dar em garantia impossibilitandoo de ter liquidez para a própria subsistência Ainda que no final do processo criminal seja absolvido ou que os bens indisponibilizados sejam em valor muito superior a eventual responsabilidade civil em nível de endividamento e de penúria é muitas vezes irreversível Daí por que toda cautela é necessária no momento de utilizar as medidas assecuratórias sublinhando se a importância de prova do fumus commissi delicti e do periculum in mora e não se admitindo presunções contra o réu Deve ainda prevalecer a lógica da ponderação para que a medida cautelar incida sobre a menor parcela necessária do patrimônio do imputado 1 BADARÓ Gustavo Henrique A Lei 11435 de 28122006 e o Novo Arresto no Código de Processo Penal Boletim do IBCCrim n 172 de março de 2007 2 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael e TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed Madrid Ramon Areces 2007 p 429 3 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael e TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed cit p 393 4 BADARÓ no artigo A Lei 11435 de 28122006 e o Novo Arresto no Código de Processo Penal cit vai além ao explicar que o sequestro somente poderá incidir sobre bens que tenham relação com o próprio crime objeto da investigação ou da ação penal Diz o autor que não se pode sequestrar bens que integrem o patrimônio ilícito do acusado mas que tenham sido obtidos pela prática de um crime diverso daquele que é objeto do inquérito policial ou da ação penal em que se requereu a medida cautelar Está certo BADARÓ pois não pode a medida cautelar se afastar do princípio da especialidade já explicado no estudo da Prova Penal Assim não pode haver desvio causal na medida cautelar de sequestro pois ele somente poderá incidir sobre os bens adquiridos com os proventos do crime objeto daquele processo 5 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 278 6 Em tese não afasta o Código de Processo Penal a possibilidade de o querelante pedir o sequestro dos bens do querelado Contudo os casos de ação penal de iniciativa privada são restritos e em geral para crimes de menor gravidade Assim à luz dos princípios da proporcionalidade e excepcionalidade das medidas cautelares pensamos ser bastante difícil que se justifique o sequestro de bens nos delitos dessa natureza Mas se o caso concreto justificar nada impede a adoção de medidas assecuratórias 7 FEITOZA PACHECO Denílson Direito Processual Penal 3 ed Niterói Impetus 2005 p 1090 8 A expressão é também empregada por TOURINHO FILHO Processo Penal v 3 p 32 9 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal v 3 p 33 10 FEITOZA PACHECO op cit p 1091 11 BADARÓ Gustavo Henrique A Lei 11435 de 28122006 e o Novo Arresto no Código de Processo Penal cit Capítulo XVII MORFOLOGIA DOS PROCEDIMENTOS 1 Introdução Sumária ReCognição da Santa Trindade do Direito Processual Penal Antes de iniciar o estudo da morfologia dos procedimentos1 contemplados no sistema processual penal brasileiro e não apenas no Código de Processo Penal convém uma rápida recordação de que o Direito Processual Penal está erguido sobre o trinômio açãojurisdiçãoprocesso verdadeira Santa Trindade do Direito Processual No início desta obra tecemos considerações acerca das teorias da ação concluindo que a ação processual penal é um direito potestativo de acusar ius ut procedatur público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal Quanto à jurisdição para além da concepção tradicional de poderdever pensamos que no processo penal revestese do caráter de direito fundamental ou seja a garantia da jurisdição Isso também afeta a concepção de competência que além de limitála cria condições de eficácia para a própria garantia da jurisdição juiz natural e imparcial No que tange ao processo é importante que o leitor tenha presente a densa discussão em torno da sua natureza jurídica feita no início desta obra especialmente no que se refere à polêmica BÜLOW GOLDSCHMIDT ou às respectivas teorias de processo como relação jurídica e processo como situação jurídica Nesse tema nos perfilamos ao lado de James Goldschmidt diante das inadequações e insuficiências da tese de Bülow Daí por que em apertadíssima síntese concebemos o processo penal como um conjunto de situações processuais dinâmicas que dão origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas pelas quais as partes atravessam rumo a uma sentença favorável ou desfavorável conforme o aproveitamento das chances e liberação ou não de cargas e assunção de riscos Elementar que na concepção de processo além dos fatores políticoculturais influi definitivamente o sistema ou forma adotado acusatório ou inquisitório Cada um dos sistemas processuais inquisitório ou acusatório desenha um tipo de processo penal com inegável influência na morfologia dos procedimentos Na discussão em torno da função do processo mantendo coerência com a posição por nós defendida de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória construída desde a concepção de GUASP GOLDSCHMIDT e GÓMEZ ORBANEJA nunca na visão civilista de CARNELUTTI estamos com GUASP e FAIREN GUILLEN no sentido de que a função do processo penal é a satisfação jurídica das pretensões e resistências Não se nega ainda que o processo seja um complexo de atos sucessivos e coordenados tendentes a instrumentalizar o exercício da jurisdição como sintetizou TUCCI2 Os conceitos não se excluem senão que se completam Existem assim duas espécies de processo penal processo penal de conhecimento e processo penal de execução ou simplesmente execução penal Negamos como dito anteriormente a existência de um processo penal cautelar pois nosso sistema consagra apenas medidas cautelares inseridas no processo de conhecimento e dependendo da medida podem ser adotadas na fase préprocessual ou mesmo na execução penal Feitas essas rápidas considerações interessanos agora o estudo dos procedimentos Como adverte GIMENO SENDRA3 ainda que processo e procedimento tenham uma raiz etimológica comum procedere são conceitos fundamentalmente distintos O primeiro processo remete à existência de uma pretensão acusatória deduzida em juízo frente a um órgão jurisdicional estabelecendo situações jurídicoprocessuais dinâmicas que dão origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas pelas quais as partes atravessam rumo a uma sentença favorável ou desfavorável conforme o aproveitamento das chances e liberação ou não de cargas e assunção de riscos Noutra dimensão por procedimento entendese o lado formal da atuação judicial o conjunto de normas reguladoras do processo ou ainda o caminho iter ou itinerário que percorrem a pretensão acusatória e a resistência defensiva a fim de que obtenham a satisfação do órgão jurisdicional CORDERO4 recorda que rito remonta ao sânscrito ra ordenar dirigir em ordem computar de onde vem o latim reor pensar crer opinar julgar ratio razão ratus pensado calculado ou o grego reo cujo equivalente latino é fluo fluir correr palavras que trazem à mente a ideia de evolução ou desenvolvimento conforme o prescrito segundo uma forma Já o sufixo mentum esclarece TUCCI5 vem do grego menos que significa princípio de movimento vida força vital sendo to uma partícula expletiva Dessarte conclui o autor exprime o ato em seu modo de fazer e na forma em que é feito ou seja como ato regularmente formalizado O processo penal admite distintas relações configuráveis entre os atos fazendo com que o processo de conhecimento comporte diferentes ritos em função da natureza do delito ou mesmo da pessoa envolvida prerrogativa de função Há uma mecânica dos procedimentos6 pois ainda que todos iniciem com uma acusação e tenham como epílogo uma sentença existem variações na ordem ou na forma dos atos que integram esse itinerário iter E a dinâmica do processo melhor das situações jurídicas que o constituem estabelece uma temporalidade linear irreversível orientada ao futuro A regra é que o procedimento tenha um efeito progressivo sendo o regressivo uma exceção reservada para atender à necessidade de refazer o que foi feito com defeito ou seja repetição por defeito processual sanável vejase adiante o conceito de defeito sanável e insanável Existe ainda um nexo genético7 em que o ato posterior depende da prática de um antecedente de modo que da acusação depende todo o processo o debate oral ou escrito é o necessário prelúdio da sentença e principalmente os vícios do ato antecedente passam aos conseguintes Tal compreensão ainda que simples nem sempre é alcançada pois como veremos ao estudar as nulidades o princípio da contaminação não pode ser limitado da forma como a jurisprudência brasileira costuma fazêlo 2 Tentando Encontrar uma Ordem no Caos O processo penal brasileiro é uma verdadeira colcha de retalhos não só pela quantidade de leis especiais que orbitam em torno do núcleo codificado senão porque o próprio Código é constantemente medicado meros paliativos digase de passagem por reformas pontuais geradoras de graves dicotomias que só fazem por aumentar a inconsistência sistêmica e a metástase A falha está em não fazer uma anamnese séria do problema que uma vez compreendido exigiria uma reforma global e completa um novo Código de Processo Penal regido pelo sistema acusatório e em conformidade com a Constituição No tocante aos procedimentos ou ritos mais do que polimorfo o sistema processual brasileiro é caótico Para começar o Código de Processo Penal brasileiro comete um erro primário uma grave confusão entre processo e procedimento designando no seu Livro II Dos Processos em Espécie e na continuação Título I Do Processo Comum Título II Dos Processos Especiais e Título III Dos Processos de Competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação Desde quando existe Processo Comum ou Processo Especial Desde nunca com o perdão da resposta Mais do que falta de técnica processual é um erro injustificável misturar categorias como processo e procedimento Então o que é comum ou especial O procedimento o rito Não o processo que somente pode ser de conhecimento ou de execução Corrigindo esse erro histórico a Lei n 117192008 alterou substancialmente o Código de Processo Penal nessa matéria tendo o novo artigo 394 estabelecido o seguinte Art 394 O procedimento será comum ou especial 1º O procedimento comum será ordinário sumário ou sumaríssimo I ordinário quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade II sumário quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade III sumaríssimo para as infrações penais de menor potencial ofensivo na forma da lei 2º Aplicase a todos os processos o procedimento comum salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial 3º Nos processos de competência do Tribunal do Júri o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts 406 a 497 deste Código 4º As disposições dos arts 395 a 398 deste Código aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código 5º Aplicamse subsidiariamente aos procedimentos especial sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário Assim no Código de Processo Penal encontramos os seguintes ritos ou procedimentos RITO COMUM 1 Ordinário crime cuja pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos e está disciplinado nos arts 395 a 405 do CPP 2 Sumário crime cuja pena máxima cominada for inferior a 4 anos e superior a 2 pois se a pena máxima for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo e está disciplinado nos arts 531 a 538 do CPP 3 Sumaríssimo crime de menor potencial ofensivo pena máxima igual ou inferior a 2 anos está previsto no Código de Processo Penal mas disciplinado na Lei n 909995 a Lei n 113132006 apenas ampliou o conceito de menor potencial ofensivo sendo o rito sumaríssimo ou sumaríssimo como define a Lei disciplinado nos arts 77 a 83 além dos institutos da composição dos danos civis transação penal e suspensão condicional do processo respectivamente arts 74 76 e 89 da Lei n 9099 RITO ESPECIAL 1 Dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos art 513 a 518 do CPP 2 Dos crimes contra a honra arts 519 a 523 do CPP 3 Dos crimes contra a propriedade imaterial arts 524 a 530I do CPP e também a Lei n 927996 4 Rito dos crimes da competência do júri arts 406 a 497 do CPP Fora do Código de Processo Penal encontramos ainda entre outros os seguintes ritos especiais 1 Crimes falimentares Lei n 11101 2 Tóxicos Lei n 11343 3 Competência originária dos Tribunais Lei n 865893 que remete para a Lei n 8038 4 Abuso de autoridade Lei n 489865 5 Crimes Eleitorais Lei n 473765 6 Lavagem de Dinheiro Lei n 9613 segue o rito ordinário mas existem algumas peculiaridades previstas na referida Lei Diversos critérios orientam essa polimorfologia procedimental entre eles Gravidade do crime aqui foi adotada a quantidade de pena aplicada conforme acabamos de referir Natureza do delito partindo da natureza do bem jurídico tutelado estabelece o processo penal um rito especial para os crimes dolosos contra a vida arts 406 a 497 tóxicos Lei n 11343 honra arts 519 a 523 crimes falimentares Lei n 11101 entre outros Qualidade do agente isso explica o rito especial para os crimes praticados por servidores públicos e também aquele desenhado pela Lei n 8038 para os que gozam de prerrogativa de função Além desses critérios é imprescindível observar a seguinte regra o rito comum é subsidiário Ou seja primeiro devemos observar se existe um rito especial para aquele tipo de crime devendo ser adotado em caso de previsão legal Somente quando não houver rito especial então por exclusão será adotado o comum que poderá ser ordinário sumário ou sumaríssimo conforme a pena máxima fixada Por fim há que se recordar que forma é garantia de modo que os procedimentos são indisponíveis e constituem uma verdadeira garantia do réu Daí por que a regra deve ser a nulidade absoluta melhor dizendo um defeito sanável pela repetição de todo o processo em caso de inobservância do procedimento adequado Contudo a jurisprudência brasileira tem relativizado em quase tudo as nulidades Nessa linha prevalece o entendimento de que se for adotado o procedimento ordinário quando mais amplo em detrimento do especial não haveria prejuízo para a defesa e nenhuma nulidade ocorreria Também se deve ter muita cautela em caso de conexão ou continência pois conforme estudado além de modificar a competência também afeta o rito a ser utilizado Diante de crimes cujo julgamento é feito através de diferentes ritos muita cautela deve ser adotada Em geral o rito ordinário é mais amplo e pode ser o utilizado pois em nada prejudicaria as partes Contudo não pode haver a supressão de atos importantes ou mesmo a violação das regras da competência Por exemplo se alguém for acusado da prática de um crime doloso contra a vida de competência do Tribunal do Júri e ainda de um crime de roubo por exemplo o rito a ser adotado não poderá ser o ordinário Isso porque a competência do Tribunal do Júri atrai o julgamento de todos os crimes para aquele rito Se um servidor público comete um delito funcional e gozar de prerrogativa de foro o rito a ser adotado não é aquele especial do art 513 e ss do CPP mas sim o previsto na Lei n 8038 para os crimes de competência originária dos tribunais Enfim cada caso deve ser analisado com suma cautela Vejamos agora a morfologia dos procedimentos mais importantes 3 Análise da Morfologia dos Principais Procedimentos Considerando os diversos ritos previstos no Código de Processo Penal e em leis especiais bem como a falta de critérios para sua definição e especialmente a irrelevância da distinção entre ritos especiais e ordinários optamos por analisar apenas os mais relevantes deixando por último os procedimentos do Tribunal do Júri e o sumaríssimo do Juizado Especial Criminal Diante disso vamos abordar a morfologia dos seguintes ritos nessa ordem Ordinário Sumário Dos Crimes de Responsabilidade Funcional Dos Crimes Contra a Honra Da Lei de Tóxicos Rito Sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais Dos crimes de Competência do Tribunal do Júri 31 Rito Ordinário 311 Considerações Gerais Morfologia Quando Ocorre o Recebimento da Acusação Ou a Mesóclise da Discórdia O rito ordinário é destinado aos crimes cuja pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade estando previsto nos arts 395 a 405 do CPP Está estruturado da seguinte forma Uma dúvida que pode surgir diante da dúbia redação dada pela Lei n 117192008 é em relação ao momento em que o juiz recebe a denúncia ou queixa pois o art 396 afirma que o juiz se não rejeitar liminarmente a acusação recebêlaá e ordenará a citação do acusado para responder à acusação Após essa resposta o juiz pode absolver sumariamente o acusado ou dando continuidade ao processo designar dia e hora para audiência de instrução e julgamento O problema é que o art 399 menciona novamente o ato de receber a acusação gerando uma dúvida Afinal quando ocorre o recebimento da denúncia ou queixa A mesóclise da discórdia contida no art 396 não constava no Projeto de Lei n 42072001 e gerou grande surpresa e decepção ao ser inserida às vésperas da promulgação da nova Lei O projeto desenhava uma fase intermediária há muito reclamada pelos processualistas de modo que a admissão da acusação somente ocorreria após o oferecimento da defesa o ideal seria uma audiência regida pela oralidade Era um juízo prévio de admissibilidade da acusação para dar fim aos recebimentos automáticos de denúncias infundadas inserindo um mínimo de contraditório nesse importante momento procedimental Por isso o art 399 estabelece aqui foi mantida a redação do Projeto de 2001 que recebida a denúncia ou queixa demarcando que o recebimento da acusação deveria ocorrer no momento após a defesa escrita Mas infelizmente foi inserida no art 396 a mesóclise recebêlaá e mantevese a redação do Projeto no que se refere ao art 399 gerando uma dicotomia aparente dois recebimentos Com isso o recebimento da denúncia é imediato e ocorre nos termos do art 396 Esse é o marco interruptivo da prescrição e demarca o início do processo que se completa com a citação válida do réu art 363 Tanto que o réu é citado nesse momento para apresentar sua resposta e posteriormente intimado para audiência de instrução logo intimado também para o interrogatório que lá será realizado Ademais a absolvição sumária art 397 em que pese recorrer àquilo que consideramos serem as condições da ação processual penal pressupõe a existência do processo Como absolver antes do início do processo A absolvição mesmo sumária somente é possível após o recebimento da acusação Antes desse recebimento da acusação o que pode haver é rejeição não absolvição Quanto ao art 399 nada mais faz do que remeter para o recebimento anterior sendo a expressão recebida desnecessária Mas já que lá está deve ser interpretada como uma remissão ao recebimento já realizado e não uma nova decisão Em suma a mesóclise da discórdia demarca a manutenção do sistema de recebimento imediato da acusação antes do oferecimento da resposta da defesa É elementar que essa não era a melhor solução legislativa e todos os que acompanharam a tramitação do Projeto de Lei ficaram estupefatos com a inserção da mesóclise que nunca esteve no Projeto O modelo pretendido deveria prever um contraditório prévio ao recebimento da acusação com a decisão sendo proferida após a defesa escrita Mas infelizmente não foi essa a opção legislativa e como ensinam TRIBE e DORF8 não se pode incorrer no erro de pensar a Constituição e demais leis ordinárias como se fossem espelhos por meio do qual é possível enxergar aquilo que se tem vontade Em outras palavras há que se ter cuidado na interpretação da legislação ordinária para não olhála como um espelho a refletir a imagem que gostaríamos muito de ali ver Uma coisa é o que a lei diz a outra é aquilo que gostaríamos muito que ela dissesse mas não diz Mas isso não significa um apego incondicional à letra da lei pois a hermenêutica constitucional fornece instrumentos para superar essa substancial inconstitucionalidade desde que bem manejados ou seja o que não se pode fazer é simplesmente afirmar que o recebimento se dá no segundo momento quando a lei não diz isso porque se quer9 Superada essa questão vejamos agora uma síntese dos atos mais importantes do rito ordinário 1 Denúncia ou queixa conforme o crime a ação penal será de iniciativa pública ou privada sendo exercida através de denúncia ou queixa A acusação deverá preencher os requisitos do art 41 do CPP bem como estarem presentes as condições da ação sob pena de rejeição liminar art 395 Se recebida o juiz ordena a citação do acusado para responder à acusação por escrito no prazo de 10 dias 2 Rejeição liminar nos casos definidos no art 395 poderá o juiz rejeitar liminarmente a acusação como já explicamos anteriormente 3 Resposta à acusação regularmente citado deverá o réu apresentar resposta à acusação por escrito no prazo de 10 dias Tratase de peça obrigatória pois se não apresentada deverá o juiz nomear defensor para oferecêla É o momento em que o imputado poderá arguir defeitos ou nulidades se preferirem a terminologia clássica da denúncia ou queixa e alegar tudo o que interesse à sua defesa ou estrategicamente deixar de aduzir agora questões que prefira reservar para os debates finais juntar documentos indicar suas provas bem como arrolar testemunhas10 É nesse momento mas em peça separada que deverão ser opostas as exceções previstas no art 95 do CPP Voltamos a advertir que o 2º do art 396A deve ser reservado para os casos em que a citação se deu pessoalmente logo inaplicável nos casos de citação por edital ou por hora certa Assim somente quando o réu for citado pessoalmente e não apresentar resposta à acusação é que poderá o juiz nomear um defensor para realizar a defesa técnica e continuar a marcha do processo Do contrário deverá aplicar a regra do art 366 do CPP suspendendo o processo e a prescrição até que o réu seja encontrado 4 Absolvição Sumária após a resposta escrita abrese a possibilidade de o juiz absolver sumariamente o réu pondo fim ao processo quando existir manifesta causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade exceto a inimputabilidade pois nesse caso o processo continuará seu curso o fato narrado evidentemente não constituir crime atipicidade ou estiver extinta a punibilidade do agente prescrição decadência ou outra causa prevista no art 107 do CP ou lei extravagante Determina o art 397 do CPP Art 397 Após o cumprimento do disposto no art 396A e parágrafos deste Código o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente salvo inimputabilidade III que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou IV extinta a punibilidade do agente Os quatro incisos do art 397 nada mais fazem do que reproduzir duas condições da ação prática de fato aparentemente criminoso e punibilidade concreta Os incisos I e II causas de exclusão da ilicitude e culpabilidade são meros desdobramentos da condição prevista no inciso III fato narrado evidentemente não constitui crime Já o inciso IV é a conhecida condição da punibilidade concreta prevista no antigo art 43 II do CPP São questões intimamente vinculadas ao mérito ao elemento objetivo da pretensão acusatória e dizem respeito a interesse da defesa que como regra acabam sendo alegados e demonstrados depois na resposta preliminar do art 396A Não podemos deixar de registrar a perplexidade em relação ao inciso IV na medida em que constitui uma impropriedade absolver o agente porque está extinta a punibilidade Como absolver porque o delito está prescrito Ou absolver porque houve o pagamento integral do tributo devido no delito de sonegação fiscal No caso a decisão correta é a declaratória da extinção da punibilidade e não absolvição Infelizmente o legislador fez pouco caso das categorias do direito processual e misturou conceitos de modo que agora o juiz irá declarar a extinção da punibilidade e absolver sumariamente o réu com base no art 397 IV do CPP Feito esse esclarecimento continuemos Nada impede que uma vez negado o pedido de absolvição sumária a defesa impetre habeas corpus para obter o trancamento do processo penal e não da ação penal nos casos em que a prova da tese defensiva é préconstituída e muito robusta Questão problemática pode surgir quando após a resposta escrita o juiz se convencer de que não existe justa causa para propositura da ação penal Como essa hipótese não está prevista no art 397 como deverá proceder Como explicamos anteriormente pensamos que o juiz poderá desconstituir o ato de recebimento anulandoo para a seguir proferir uma decisão de rejeição liminar Isso porque não existe preclusão pro iudicato ou seja nada impede que o juiz desconstitua seu ato e a seguir pratique aquele juridicamente mais adequado E mais nada impede que o juiz após a resposta escrita se convença da ausência de alguma das condições da ação e rejeite a denúncia anteriormente recebida Pela ausência de preclusão para o juiz poderá ele perfeitamente realizar um novo juízo de prelibação à luz dos novos elementos trazidos evitando assim um processo natimorto sem suporte probatório e jurídico suficiente11 Por fim destacase que a decisão de absolvição sumária gera coisa julgada material tratamos disso no estudo das condições da ação Diante da complexidade e importância da audiência de instrução e julgamento iremos abordála em item separado na continuação 312 A Audiência de Instrução e Julgamento A audiência de instrução e julgamento é o principal ato do procedimento comum ordinário ou sumário pois é o momento da produção e coleta da prova seja ela testemunhal pericial ou documental e ao final proferida a decisão Partindo do princípio da identidade física do juiz em que aquele que presidiu a coleta da prova deve ser o mesmo que ao final julgue art 399 2º estabeleceu o legislador uma audiência onde toda a prova deve ser produzida Essa aglutinação de atos funciona em muitos processos simples com um ou poucos réus e um número reduzido de testemunhas para serem ouvidas mas é inviável em processos complexos onde haverá uma pluralidade de audiências Para esse ato serão as partes intimadas logo o réu é citado para apresentar resposta escrita e intimado para a instrução onde será interrogado e requisitado o acusado se estiver preso O art 400 determina que nessa audiência sejam ouvidos em primeiro lugar a vítima após as testemunhas arroladas pela acusação e defesa não pode haver inversão eventuais esclarecimentos dos peritos acareações e reconhecimento de pessoas e coisas finalizando com o interrogatório No que tange à oitiva dos peritos art 400 2º do CPP deverão as partes requerer a oitiva com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento nos termos do art 159 5º I do CPP Quanto à prova testemunhal em primeiro lugar devem ser ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e após as testemunhas indicadas pela defesa Como regra a inversão dessa ordem gera ato processual defeituoso insanável que conduz à nulidade mas isso não se aplica quando a inversão decorrer da expedição e cumprimento de carta precatória ou rogatória Importante sublinhar que as testemunhas 8 para cada parte não computadas as informantes e referidas são arroladas pelas partes mas não são da parte mas sim do processo Isso é muito importante para evitar uma leitura equivocada do art 401 2º quando afirma que a parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas ressalvado o disposto no art 209 deste código Mais do que a possibilidade de o juiz ouvir uma testemunha que a parte ou as partes tenham desistido é fundamental não olvidar que o princípio do contraditório é inafastável Daí por que não pode ser admitida uma desistência unilateral Se quem arrolou uma testemunha quer desistir da sua oitiva deverá o juiz intimar a outra parte para se manifestar e não havendo concordância deverá ser produzida a prova Isso evita surpresas e manipulações mas acima de tudo é uma imposição do contraditório e o direito à prova É importante destacar que o interrogatório finalmente foi colocado em seu devido lugar último ato da instrução É neste momento que o réu poderá exercer sua autodefesa positiva ou negativa direito de silêncio sendo obrigatória a presença do defensor ver arts 185 a 196 do CPP A oitiva de testemunhas por carta precatória ou rogatória não influi na ordem com que devem ser ouvidas as demais testemunhas logo não há inversão Contudo o interrogatório deve efetivamente ser o último ato Dessa forma não poderá ser realizado enquanto não retornarem todas as cartas precatórias expedidas Preocupante é a autorização contida no art 405 2º do CPP O parágrafo primeiro estabelece que sempre que possível o registro dos depoimentos do investigado indiciado ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética estenotipia digital ou técnica similar inclusive audiovisual destinada a obter maior fidelidade das informações Até aqui tudo bem tratase de inserir tecnologia no processo e tornar mais fidedigno o material colhido O problema está no parágrafo segundo no caso de registro por meio audiovisual será encaminhada às partes cópia do registro original sem necessidade de transcrição A inserção de tecnologia é bemvinda mas existem limites da administração da justiça e do ritual judiciário que devem ser respeitados Se uma audiência é gravada áudio e vídeo isso não pode excluir a necessária transcrição Os recursos não se excluem senão que se complementam Entregar ao final da audiência um CD é um grave erro que causará grande prejuízo para todos Quem juiz promotor advogados de defesa ou assistentes da acusação ficará horas e horas assistindo a depoimentos para elaborar memoriais ou mesmo um recurso de apelação E o duplo grau de jurisdição como fica Que desembargador fará isso antes de julgar um recurso Nenhum Elementar que essa pseudoagilidade cobre um preço impagável Dessarte parecenos que a transcrição é fundamental para assegurar o direito de defesa e do duplo grau de jurisdição A Lei n 117192008 desenhou um procedimento fundado na aglutinação de todos os atos de instrução numa mesma audiência Essa regra como dissemos no início é aplicável em processos simples mas inviável nos complexos que demandarão várias audiências seja pelo excessivo número de testemunhas ou porque ao final da instrução são postuladas e deferidas diligências O art 402 abre a possibilidade de as partes diante da prova produzida requererem diligências perícias oitiva de testemunhas referidas juntada de documentos etc cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução Nesse caso não haverá debate oral mas sim alegações finais por memorial no prazo sucessivo de 5 dias cabendo primeiro ao acusador apresentar suas alegações e após sucessivamente ou seja sem nova intimação a defesa ou defesas Os memoriais ou alegações finais orais constituem um momento crucial do processo onde cada uma das partes fará uma minuciosa análise do material probatório e fará sua última manifestação no processo Após elas os autos irão conclusos para sentença do juiz É a oportunidade de desenvolver as teses acusatória e defensiva nas dimensões fáticas e jurídicas buscando a captura psíquica do julgador As alegações finais defensivas podem arguir questões preliminares e de mérito fazendo ao final os respectivos pedidos Para a defesa é uma peça de suma importância e sua falta conduz à necessidade de feitura do ato recordando PONTES DE MIRANDA o que falta não foi feito e pois não pode ter defeito deve ser feito ou seja a sentença deve ser anulada e determinada a apresentação da defesa escrita com a repetição do ato decisório Na classificação tradicional estamos diante de uma nulidade absoluta À acusação incumbe analisar a prova colhida fundamentando a comprovação da autoria e da materialidade ou caso não tenham sido suficientemente demonstradas postular a absolvição do réu Em se tratando de ação penal de iniciativa privada é obrigatório o pedido expresso de condenação sob pena de perempção nos termos do art 60 III do CPP Deverá sempre a acusação apresentar primeiro sua peça bem como o assistente se houver manifestandose após a defesa Caso seja juntado algum documento novo nessa fase deverá o juiz oportunizar o contraditório para que a outra parte se manifeste Quando ao final da audiência de instrução não for postulada nenhuma diligência ou forem denegados pelo juiz eventuais pedidos seguese o disposto no art 403 com alegações finais orais pelo prazo de 20 minutos respectivamente pela acusação e defesa prorrogáveis por mais 10 minutos proferindo o juiz sentença na continuação Considerando a complexidade do caso ou o número excessivo de acusados poderão as partes requerer que as alegações finais orais sejam substituídas por memoriais que uma vez deferidos pelo juiz deverão ser apresentados no prazo de 5 dias sucessivos iniciando pela acusação Nesse caso deverá o juiz proferir sentença em 10 dias 32 Rito Sumário O rito sumário destinase ao processamento dos crimes cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 anos de pena privativa de liberdade estando disciplinado nos arts 531 a 538 do CPP Na verdade pouco difere do rito ordinário destacandose a redução do prazo de realização da audiência de instrução e julgamento que passa a ser realizada no prazo máximo de 30 dias enquanto no ordinário o prazo é de 60 dias e o número de testemunhas limitado no rito sumário a 5 enquanto no ordinário é permitido arrolar até 8 testemunhas O art 394 4º do CPP determina que as disposições dos arts 395 a 398 na verdade art 399 pois o art 398 foi revogado aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau Daí por que a morfologia do procedimento acaba sendo igual àquela existente no rito ordinário para onde remetemos o leitor para evitar repetições recordando Determina o art 531 Art 531 Na audiência de instrução e julgamento a ser realizada no prazo máximo de 30 trinta dias procederseá à tomada de declarações do ofendido se possível à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Código bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogandose em seguida o acusado e procedendose finalmente ao debate Notase a falta de previsão de pedido de diligências ao final da audiência como ocorre no rito ordinário art 402 e também de substituição dos memoriais por debates orais tudo numa tentativa de aceleração procedimental A despeito disso não vemos obstáculos a que esses atos sejam realizados quando no caso concreto a complexidade da prova e das circunstâncias fáticas assim o exigir O argumento de que isso implicaria uma ordinarização do procedimento é ao mesmo tempo procedente mas pífio Isso porque efetivamente as distinções entre os ritos são epidérmicas resumindose a mera aglutinação de atos Logo qualquer coisa implica ordinarização de modo que a crítica é improcedente O que não se pode tolerar é ainda mais atropelo Por fim o rito sumário somente será utilizado quando não for cabível o sumaríssimo previsto na Lei n 9099 portanto nos crimes cuja pena máxima cominada for inferior a 4 anos e superior a 2 pois se a pena máxima for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais 33 Rito Especial Crimes Praticados por Servidores Públicos Contra a Administração em Geral Estabelece o Código Penal no Título XI Capítulo I os crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral seguindose a tipificação das condutas nos arts 312 a 327 Para esses casos estabelecia o Código de Processo Penal um rito especial disposto nos arts 513 a 518 O rito especial somente se aplicava aos crimes funcionais próprios Sendo outro o crime praticado pelo servidor o rito a ser seguido não será esse sendo portanto inexigível a resposta preliminar prevista no art 514 do CPP Mas a Lei n 117192008 alterou substancialmente os procedimentos não tratando expressamente desse rito especial e criando uma dicotomia aparente na medida em que existe sobreposição de atos Até a alteração legislativa de 2008 o procedimento era igual ao ordinário antigo com uma única especificidade digna de nota a existência de uma defesa prévia Antes de o juiz receber a denúncia todos esses crimes são de ação penal de iniciativa pública incondicionada ou eventual queixa substitutiva em caso de inércia do MP o juiz ordenava a notificação do acusado para que apresentasse uma resposta preliminar escrita no prazo de 15 dias Após a defesa escrita decidia o juiz se recebia ou rejeitava a denúncia Se recebida a acusação seguiase então o rito ordinário conforme determina o art 518 do CPP Verificase que o principal diferencial resposta escrita antes do recebimento acabou sendo incorporado ao novo rito ordinário Então haverá duas respostas escritas Não Devemos harmonizar a sistemática antiga com a nova Pensamos que a solução vem dada pelo próprio art 394 4º que prevê Art 394 O procedimento será comum ou especial 4º As disposições dos arts 395 a 398 deste Código aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código Significa que houve uma ordinarização do procedimento especial que agora seguirá integralmente o rito ordinário com a seguinte morfologia Contudo advertirmos que a solução não é pacífica Entre outros GIACOMOLLI12 sustenta que se deve seguir o rito especial e após o ordinário como prevê o art 518 do CPP estabelecendose essa ritualística 1 Denúncia 2 Notificação do imputado para apresentar resposta preliminar 3 Resposta preliminar da defesa art 514 do CPP 4 Juiz decide se recebe ou rejeita a acusação 5 Recebendo a denúncia cita o réu para apresentar a resposta à acusação nos termos do art 396A do CPP ou seja a defesa prevista para o rito ordinário 6 Juiz decide se absolve sumariamente ou não art 397 7 Não absolvendo marca audiência de instrução e julgamento nos termos dos art 399 e ss do CPP Não divergimos dessa posição em que pese entendermos que a tendência seja a ordinarização mas sem dúvida a proposta de mesclar os ritos oportunizando duas defesas escritas em momentos e com objetos distintos pois a primeira busca a rejeição da acusação e a segunda a absolvição sumária é mais benigna para o réu e não acarretará qualquer nulidade na medida em que a atipicidade processual não traz consigo a violação de um princípio constitucional Superada essa questão é importante nesse procedimento atentar para os seguintes aspectos 1 O art 513 determinava que o julgamento competia aos juízes de direito ou juízes federais se houver alguma das situações do art 109 da Constituição logo não poderia haver julgamento por pretores ou pelo Juizado Especial Criminal Pensamos que essa exigência permanece 2 A resposta preliminar no prazo de 15 dias somente teria aplicação quando o crime praticado fosse afiançável Essa era a lição até o advento da Lei n 11719 A partir dela pensamos que sempre haverá resposta escrita mas nos termos do art 396 3 Outra problemática foi criada pela Súmula n 330 do STJ É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal na ação penal instruída por inquérito policial Equivocadíssima a posição externada pela Súmula O problema é antigo e já havia sido superado Nasce de uma leitura míope do art 513 do CPP quando menciona que a denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas Significa apenas que a denúncia pode ser oferecida sem prévio inquérito policial o que é óbvio diante da facultatividade dele desde que existam documentos que o supram Historicamente o art 513 é um erro Como explica FREDERICO MARQUES13 o referido dispositivo não passa de reprodução daquilo que dispunha o Código de Processo Criminal de 1832 mas com um importante detalhe naquela época 1832 não se admitia inquérito policial para crimes funcionais Daí por que como conclui o autor é incompreensível que os autores do Código de Processo Penal vigente não tenham atentado para isso inserindo uma norma obsoleta como a do art 513 que até em justificação fala sem nenhum propósito Agora pretender justificar a partir desse imbróglio que a resposta preliminar do art 514 é desnecessária quando a denúncia tiver por base um inquérito policial como afirma a Súmula n 330 do STJ é um disparate Com inquérito ou sem ele pensamos que a resposta preliminar nos termos do art 396 é necessária e constitui uma nulidade absoluta defeito processual insanável a supressão dessa garantia procedimental Com a adoção do procedimento ordinário a Súmula perdeu completamente seu objeto 4 O art 517 deve ser harmonizado com o novo rito ordinário de modo que antes da audiência de instrução e julgamento e após a apresentação da resposta escrita poderá o juiz absolver sumariamente o imputado desde que presente alguma das situações do art 397 do CPP Pensamos que a decisão de absolvição sumária é um instituto que pode ser aplicado em qualquer procedimento sem qualquer obstáculo No demais remetemos o leitor ao que explicamos sobre o rito ordinário e a audiência de instrução e julgamento 34 Rito Especial Crimes Contra a Honra Ainda que o Capítulo III do Título II do Código de Processo Penal fale em Do processo e do julgamento dos crimes de calúnia e injúria de competência do juiz singular é pacífico que também o delito de difamação segue o rito especial Tratase de um erro legislativo histórico que remonta à ausência no Código Penal de 1890 do crime de difamação era uma espécie de injúria Foi uma falha do legislador processual operar na lógica do Código Penal de 1890 sem considerar que também tramitava em paralelo o projeto do Código Penal de 1940 que tripartia os crimes contra a honra em calúnia injúria e difamação14 Outro aspecto superado é a menção à competência do juiz singular pois quando elaborado o CPP estava em vigor o Decreto n 277634 que previa o júri de imprensa para o julgamento dos crimes contra a honra praticados por meio de imprensa Hoje não existe mais esse órgão julgador Devese atentar ainda para os seguintes aspectos 1 Se o crime contra a honra for praticado através da imprensa devemos recordar que a Lei n 525067 foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1307 DF Portanto como regra terá o mesmo julgamento que qualquer outro crime contra a honra sendo a competência do JECrim exceto se exceder o limite de pena 2 Como regra a competência para processar e julgar os crimes contra a honra será do Juizado Especial Criminal pois a pena máxima é a do crime de calúnia e não supera 2 anos seguindo o rito lá disposto contudo havendo concurso material entre calúnia e difamação eou injúria será excedida a competência do JECrim devendo o processo seguir o rito estabelecido nos arts 519 e seguintes do CPP 3 Quando o crime contra a honra tiver como ofendido o Presidente da República ou Chefe de Governo estrangeiro a ação penal somente se procede mediante requisição do Ministro da Justiça sendo que esta não está submetida ao prazo de 6 meses da representação 4 Se o crime for contra a honra de servidor público propter officium aplicase a Súmula n 714 do STF legitimidade concorrente mediante queixa do ofendido ou denúncia do Ministério Público mas a ação nesse caso é condicionada à representação 5 O procedimento admite uma fase prévia de reconciliação art 520 do CPP mas deverá ser realizada na presença de seus advogados aqui é necessária uma redefinição teórica à luz do art 133 da Constituição implicando a extinção da punibilidade pela renúncia na verdade essa reconciliação situase entre a renúncia e o perdão mas como não está prevista no art 107 do Código Penal para que acarrete a extinção da punibilidade deve revestirse de uma das duas formas 6 Se o querelante devidamente intimado não comparecer sem justificativa na audiência de reconciliação haverá perempção art 60 III do CPP salvo se estiver presente seu advogado com procuração que contenha poderes especiais para renunciar ao direito de queixa situação em que não poderá o querelante ser punido com a perempção 7 Se a ausência for do querelado será irrelevante15 pois apenas denota sua intenção de não se reconciliar não se aplicando o disposto no art 367 do CPP 8 Quando o crime contra a honra for considerado de ação penal de iniciativa pública não haverá essa fase prévia de reconciliação pois indisponível a ação penal nesse caso também não é possível a retratação da representação quando vg o crime é praticado contra a honra de servidor público pois já oferecida a denúncia art 25 do CPP 9 Prevê o art 144 do CP o pedido de explicações que é facultativo e será sempre prévio ao início do processo penal com o intuito de esclarecer o conteúdo das alusões ou frases 10 Quando após as explicações for oferecida a queixa caberá ao juiz avaliar as justificativas apresentadas pelo agora querelado na sentença 11 A exceção da verdade é oponível nos crimes de calúnia art 138 3º do CP e difamação nessa última figura somente é admitida a exceptio veritatis quando o ofendido é servidor público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções art 139 parágrafo único do CP devendo ser apresentada no prazo da resposta escrita à acusação e aconselhase em peça distinta cabendo ao querelante a faculdade de contestar a exceção no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas para completar o máximo legal ou substituir aquelas arroladas na queixa 12 A exceção da verdade não tramita em autos apartados de modo que oposta e admitida será autuada no próprio processo e colhida a prova em conjunto decidindo o juiz ao final sobre o caso penal narrado na queixa e também nesse mesmo momento sobre a exceção da verdade 13 A exceção da verdade no crime de difamação pode ser fundada na notoriedade do fato imputado cabendo ao querelado essa prova 14 Quando o crime for contra a honra de alguém que possua prerrogativa de função oferecida exceção da verdade deve ela ser encaminhada ao tribunal competente para o julgamento da vítima querelante conforme explicamos ao tratar da competência e analisar o disposto no art 85 do CPP Destacamos contudo que muitas dúvidas pairam sobre o processamento da exceção da verdade no tribunal diante da lacuna legislativa Pensamos que o melhor procedimento é a apresentação da exceção junto com a resposta à acusação em primeiro grau Obedecendo ao disposto no art 523 do CPP deve o juiz abrir vista para manifestação do querelante contestação diz a lei no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas Após preenchidos os requisitos legais de admissibilidade cabimento legal da exceção da verdade e tempestividade deverá o juiz a quo processar a exceção em autos apartados e enviálos para o tribunal competente para o julgamento em razão da prerrogativa de função da vítima É importante destacar que a prova da exceção da verdade inclusive a testemunhal deverá ser produzida no tribunal e não no órgão de primeiro grau Caberá ao tribunal o processamento e julgamento da exceção da verdade incluindo a coleta da prova até mesmo por imposição do princípio da identidade física do juiz segundo o qual o órgão que assistir à coleta da prova deverá julgar logo incumbe ao tribunal providenciar a coleta da prova e posteriormente julgar a exceção 15 Frustrada a audiência de reconciliação e recebida a queixa ou denúncia seguirá o rito ordinário Sem perder de vista o que acabamos de explicar vejamos agora a morfologia desse procedimento especial A especificidade fica por conta da audiência de reconciliação que se exitosa dará fim ao processo Se inexitosa devese observar integralmente o rito ordinário com as possibilidades de rejeição liminar art 395 resposta escrita à acusação art 396 absolvição sumária art 397 e a audiência de instrução e julgamento 35 Rito Especial da Lei de Tóxicos Lei n 113432006 Questão extremamente complexa envolve a chamada Política Criminal de Drogas bem como os tipos penais decorrentes da ideologia criminalizadora adotada no Brasil Tais questões extravasam os limites do presente trabalho e não serão aqui abordadas Nós nos limitaremos à análise do procedimento instituído pela Lei sob o ponto de vista exclusivamente processual A nova Lei de Tóxicos substituindo as anteriores Leis n 636876 e 104092002 estabelece uma série de diretrizes que afetam não apenas o procedimento mas também a própria fase préprocessual inquérito policial Quanto à morfologia do procedimento é também marcada pela aglutinação de atos a ponto de a Lei desenhar um procedimento em tese composto de uma única audiência É um procedimento similar ao ordinário e ao sumário mas que foi legislativamente concebido antes da reforma de 2008 não tendo previsão da possibilidade de absolvição sumária e mantendo ainda o interrogatório como primeiro ato da instrução Por isso sustentamos que a Lei n 11343 deve contemplar os novos institutos inseridos pela reforma processual de 2008 com possibilidade de absolvição sumária após a resposta à acusação defesa escrita e principalmente deslocandose o interrogatório para o último ato da instrução Tal adequação é necessária à luz do disposto no art 394 4º e 5º do CPP que determinam aplicação dos novos dispositivos a todos os procedimentos de primeiro grau ainda que não regulados pelo CPP Partindo do art 48 da Lei n 11343 sublinhamos as seguintes especificidades 1 Se o crime é aquele previsto no art 28 ou no seu parágrafo primeiro adquirir guardar tiver em depósito transportar ou trouxer consigo semear cultivar ou colher para consumo pessoal eventual processo criminal será de competência do Juizado Especial Criminal não havendo sequer prisão em flagrante art 48 2º16 2 Quando o crime estiver previsto nos arts 33 a 39 excetuandose os delitos dos arts 33 3º e 38 que serão de competência do JECrim o rito adotado será o especial previsto nos arts 48 e ss da Lei n 11343 3 Para a prisão em flagrante é necessário laudo de constatação da natureza e quantidade da droga firmado por 1 perito oficial ou na falta deste por pessoa idônea art 50 1º 4 O inquérito poderá durar até 90 dias quando o indiciado estiver solto e 30 dias quando estiver preso tais prazos podem ser duplicados17 pelo juiz mediante pedido justificado da autoridade policial 5 Quando caracterizada a transnacionalidade do delito aqueles previstos nos arts 33 a 37 a competência será da Justiça Federal art 70 da Lei n 11343 6 Em qualquer fase da persecução tanto na fase preliminar como também no curso do processo admite a lei a figura do agente infiltrado e do flagrante diferido 7 Concluído o inquérito e enviado os autos em juízo terá o Ministério Público o prazo de 10 dias para requerer o arquivamento requisitar diligências ou oferecer denúncia arrolando até 5 testemunhas 8 Será oportunizado prazo de 10 dias para defesa prévia18 por escrito devendo neste ato serem arroladas as testemunhas de defesa até o máximo de cinco Após decidirá o juiz no prazo de 5 dias se recebe ou rejeita a denúncia ou determina diligências exames e perícias 9 Recebida a denúncia designará o juiz audiência de instrução e julgamento momento em que procederá ao interrogatório inquirição das testemunhas de acusação defesa debate oral e sentença em audiência ou no prazo de 10 dias Quanto ao laudo provisório firmado por apenas um perito nos termos do art 50 1º pensamos que poderá servir apenas para homologação do flagrante e recebimento da denúncia19 jamais para legitimar uma sentença condenatória Daí por que no curso do processo deverá ser elaborado um laudo definitivo por outro perito oficial ou duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior nos termos do art 159 do CPP Ainda que o art 50 2º disponha que o perito que elaborou o laudo provisório não está impedido de participar da elaboração do definitivo pensamos que esse não é o correto tratamento da questão Acertada é a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal e externada na Súmula n 361 segundo a qual é nulo o exame realizado por um só perito considerandose impedido o que tiver funcionado anteriormente na diligência de apreensão Pensamos que o laudo definitivo deve ser firmado por outro perito oficial nos termos do art 159 do CPP estando impedido de atuar aquele que firmou o laudo provisório Preocupante é o disposto no art 52 parágrafo único da Lei n 11343 ao permitir que o Ministério Público ofereça a denúncia e iniciese o processo penal enquanto diligências complementares são realizadas pela polícia judiciária Mais grave do que consagrar a instrução paralela onde o processo tramita em juízo enquanto simultaneamente a polícia segue investigando obviamente em sigilo e negado acesso e conhecimento por parte da defesa é a possibilidade de o resultado dessas novas investigações ser encaminhado ao juízo competente e ingressar no processo até 3 três dias antes da audiência de instrução e julgamento Quanto à prisão cautelar sublinhamos que o STF no HC 104339SP Rel Min Gilmar Mendes julgado em 10052012 declarou a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória ou seja a vedação de concessão contida no art 44 da Lei de Tóxicos Inclusive a nosso sentir além da flagrante inconstitucionalidade do pretendido regime de prisão cautelar obrigatória a alteração levada a cabo anteriormente através da Lei n 114642007 que modificou a Lei dos Crimes Hediondos Lei n 8072 já havia resolvido o problema Mas para aqueles que ainda não haviam se convencido pela mera autoridade do argumento eis o argumento de autoridadeCorretamente entendeu o STF que o legislador não pode restringir o poder de o juiz analisar a possibilidade de conceder ou não a liberdade provisória As discussões estabelecidas no julgamento evidenciaram que os ministros não admitem a possibilidade de uma lei vedar a concessão de liberdade provisória retirando a análise do periculum libertatis das mãos do juiz Segundo o relator Min Gilmar Mendes a inconstitucionalidade da norma reside no fato de que ela estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória onde a liberdade seria exceção em sentido oposto ao sistema de garantias da Constituição Além disso o Min Celso de Mello ressaltou que regras como essas transgridem o princípio da separação de Poderes Para o ministro o juiz tem o dever de aferir se estão presentes hipóteses que autorizam a liberdade Lewandowski concordou com Celso e afirmou que o princípio da presunção de inocência e a obrigatoriedade de fundamentação das ordens de prisão pela autoridade competente impedem que a lei proíba de saída a análise de liberdade provisória No julgamento os ministros deixaram claro que não se trata de impedir a decretação da prisão provisória quando necessário mas de não barrar a possibilidade de o juiz que é quem está atento aos fatos específicos do processo analisar se ela é ou não necessária Em última análise como sempre explicamos a decretação ou não da prisão preventiva em qualquer processo ou momento procedimental depende exclusivamente do aferimento da necessidade da prisão aferido pela conjugação do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Na dimensão patrimonial a Lei demonstra bastante preocupação em estimular o uso das medidas assecuratórias nos arts 60 a 64 Apenas complementamos com o disposto no art 243 da Constituição segundo o qual Art 243 As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei Parágrafo único Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização controle prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias Esse confisco de bens já foi tratado quando abordamos a restituição das coisas apreendidas para onde remetemos o leitor 36 Os Juizados Especiais Criminais JECrim e o Rito Sumaríssimo da Lei n 9099 361 Competência dos Juizados Especiais Criminais Estaduais e Federais Sem dúvida a Lei n 909995 representou um marco no processo penal brasileiro na medida em que rompendo com a estrutura tradicional de solução dos conflitos estabeleceu uma substancial mudança na ideologia até então vigente A adoção de medidas despenalizadoras e descarcerizadoras marcou um novo paradigma no tratamento da violência A autorização constitucional para tal giro vem dada pelo art 98 I da Constituição que previu a possibilidade de criação dos Juizados Especiais Criminais para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo Mas a Lei n 909995 não inovou apenas na criação dos Juizados Especiais Criminais JECrim Junto com eles outros institutos importantes foram inseridos no sistema processual penal brasileiro como a composição dos danos civis a transação penal e a suspensão condicional do processo que serão abordados a seu tempo Inicialmente o conceito de infrações penais de menor potencial ofensivo definido no art 61 da Lei n 9099 limitava o julgamento pelo JECrim dos crimes ou contravenções cuja pena máxima não fosse superior a 1 ano Em 2001 é instituído o JECrim no âmbito da Justiça Federal ampliando o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo para aqueles crimes cuja pena máxima não superasse 2 anos e retirando a vedação dos casos em que a lei preveja procedimento especial Isso gerou um paradoxo em relação à competência da justiça estadual que acabou sendo resolvido em 2006 Atualmente a redação do art 61 foi modificada pela Lei n 113132006 de modo que se consideram infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Não existe mais nenhuma restrição aos crimes a que a Lei preveja procedimento especial como na redação original da Lei n 9099 Quanto à competência do JECrim no âmbito federal como já explicamos na temática Competência em Matéria Penal é importante analisar o art 2º da Lei n 102592001 posteriormente alterada pela Lei n 11313 Art 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo respeitadas as regras de conexão e continência Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis A referida Lei apenas define a competência dos JECrims federais cabendo à Lei n 9099 disciplinar a estrutura funcionamento e institutos aplicáveis Para que um crime seja de competência dos JECrims federais deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da justiça federal logo que se encaixe numa daquelas situações previstas no art 109 da Constituição que o crime tenha uma pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JECrim federal do contrário é da justiça estadual É o que ocorre com o delito de dano contra o patrimônio da União ou qualquer crime praticado por ou contra servidor público federal no exercício de suas funções e cuja pena não seja superior a 2 anos tais como peculato culposo art 312 2º prevaricação art 319 condescendência criminosa art 320 advocacia administrativa art 321 resistência art 329 desobediência art 330 desacato art 331 entre outros No seu parágrafo único prevê a Lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JECrim e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JECrim mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Essa foi a mesma sistemática adotada posteriormente pela Lei n 113132006 que modificou o parágrafo único do art 60 da Lei n 909995 para determinar que na reunião de processos perante o juízo comum ou o Tribunal do Júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis Significa dizer é importante que isso fique bem claro que os institutos da transação penal e da composição dos danos civis não são privativos do JECrim devendo ser aplicados em qualquer processo que tramite no juízo comum ou no Tribunal do Júri sempre respeitado é claro o limite de pena máxima não superior a 2 anos Igual tratamento é dado desde sua origem à suspensão condicional do processo prevista no art 89 da Lei n 9099 que poderá ser ofertada no JECrim ou fora dele Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de ameaça e outro de homicídio haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito de ameaça art 147 cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se fosse outro delito que comportasse deveria ser permitida a composição dos danos O mesmo raciocínio aplicase ao JECrim federal 362 Limite de Pena e Competência do JECrim Causas de Aumento e de Diminuição de Pena Concurso de Crimes Material Formal e Continuado E se o crime for tentado ou existir uma causa de aumento da pena que extrapole o limite da competência do JECrim Como deve ser feito o controle do quantum de pena Considerando que o critério para definir a competência do JECrim é a quantidade de pena máxima cominada assume grande relevância a existência de causas de aumento ou diminuição da pena como a tentativa por exemplo bem como o concurso de crimes material formal ou continuidade delitiva Agravantes e atenuantes não influem no conceito de maior ou menor gravidade não incidindo como sustenta GIACOMOLLI20 Iniciemos pelas causas de aumento ou diminuição de pena Essas circunstâncias modificadoras podem estar previstas na parte geral ou especial do Código Penal e devem incidir para fins de aferição da menor potencialidade ofensiva do crime e como se busca a pena máxima 2 anos o cálculo deve ser da seguinte forma a incide a causa de aumento no máximo e a de diminuição no mínimo21 b o resultado dessa operação deve ser uma pena máxima não superior a 2 anos do contrário extrapola a competência do JECrim Sendo o crime tentado ainda que a pena máxima do tipo básico exceda 2 anos se com a redução de 13 redução mínima ela ficar dentro do patamar do JECrim deve lá ser julgado o crime Isso porque como explica BITENCOURT22 não se pode ignorar que a tentativa é um tipo penal ampliado um tipo penal aberto um tipo penal incompleto mas um tipo penal Havendo concurso de crimes devese ter muito cuidado tendo a jurisprudência inclinadose pelo seguinte tratamento a se o agente praticar dois ou mais crimes em concurso material devese somar as penas máximas em abstrato b sendo concurso formal ou crime continuado devese considerar o maior aumento sempre buscando a pena máxima Se após essa operação a pena permanecer no limite de 2 anos a competência é do JECrim do contrário não Esse raciocínio encontra abrigo nas Súmulas n 723 do STF23 e n 243 do STJ24 aplicadas por analogia pois tratam da suspensão condicional do processo por isso fazem menção à pena mínima quando aqui para definição da competência do JECrim utilizase a pena máxima Não se desconhece a divergência doutrinária em torno desse critério de definição da competência do JECrim soma das penas e incidência das causas de aumento Se de um lado existe uma forte tendência jurisprudencial em aplicar as regras acima expostas na doutrina a situação é diversa Estamos com GIACOMOLLI DUCLERC KARAM GRINOVER MAGALHÃES GOMES FILHO SCARANCE FERNANDES GOMES entre outros no sentido de que a no concurso material de crimes analisase a pena de cada um deles de forma isolada b sendo concurso formal ou crime continuado desprezase a causa de aumento trabalhando somente com a pena do tipo mais grave Tratase de seguir a lógica definida pelo legislador penal no art 119 do CP quando define o limite do poder punitivo de forma isolada para cada crime Assim segundo o dispositivo em questão no caso de concurso de crimes a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente Mas infelizmente tem prevalecido o primeiro critério reforçado pelas Súmulas n 723 do STF e n 243 do STJ Por fim sublinhese que tal regra da soma das penas não deve ser utilizada na aplicação dos institutos da transação penal e da composição dos danos civis realizados no JECrim ou fora dele Essa variação de tratamento decorre da nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 que dispôs o seguinte Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis Significa que se alguém cometer um delito de lesão corporal leve art 129 do CP pena de 3 meses a 1 ano conexo com um delito de homicídio doloso art 121 do CP pena de 6 a 20 anos será julgado no Tribunal do Júri Sem embargo as penas devem ser isoladas para fins de incidência dos institutos da composição dos danos civis e nesse caso da transação penal quando realizadas fora do JECrim Logo se aplicássemos a regra do concurso material somando as penas nenhum dos institutos teria possibilidade de incidência Mas diante da nova regra do parágrafo único do art 60 da Lei n 9099 poderá perfeitamente ser oferecida a transação penal em relação ao crime de lesões leves Se o agente cometer os crimes de calúnia art 138 do CP pena de 6 meses a 2 anos em concurso material com o delito de injúria art 140 do CP pena de 1 a 6 meses a soma das penas excede o limite de competência do JECrim Não obstante de forma isolada podem ser oferecidos os benefícios da transação penal e da composição dos danos civis 363 Composição dos Danos Civis e suas Consequências Atento à pretensão indenizatória da vítima a Lei n 9099 instituiu a composição dos danos civis nos arts 74 e 75 de modo que o acordo entre imputado e vítima com vistas à reparação dos danos decorrentes do delito gera um título executivo judicial Essa decisão homologatória é logicamente irrecorrível pois apenas chancela o acordo firmado não havendo gravame para sustentar um interesse juridicamente tutelável de recorrer Não obstante pode haver embargos declaratórios buscando o esclarecimento de obscuridade ambiguidade contradição ou omissão dessa decisão A composição dos danos civis poderá anteceder a fase processual ou ocorrer na audiência preliminar situação em que deverão se fazer presentes a vítima e o réu ambos acompanhados de advogado Seu principal efeito é acarretar a extinção da punibilidade pela renúncia do direito de queixa25 ou de representação impedindo a instauração do processocrime ou acarretando sua extinção caso seja feita na audiência preliminar Mas para isso é imprescindível que o delito praticado além de ter pena máxima igual ou inferior a 2 anos seja de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação sendo inviável se o delito for de ação penal de iniciativa pública incondicionada Com a nova redação do parágrafo único do art 60 a composição dos danos civis pode ser aplicada nos casos de reunião de processos por conexão ou continência seja no Tribunal do Júri ou no juízo comum Logo não está mais adstrita ao JECrim Sendo a infração de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada as partes poderão compor extrajudicialmente sobre o valor a ser pago sem a necessidade de ser realizada em juízo para acarretar a extinção da punibilidade Nesse caso sendo depois realizada a audiência preliminar qualquer meio de prova será admitido para comprovar a composição e acarretar a extinção do feito Caso não tenha ocorrido a composição extrajudicial na audiência preliminar caberá ao Juiz ou conciliador buscar a composição dos danos que se exitosa será homologada necessariamente pelo Juiz togado para que em sentença irrecorrível adquira a eficácia de título executivo judicial hábil a ensejar execução no Juízo Cível Assim teremos um duplo efeito na justiça criminal acarretará a extinção da punibilidade e na justiça civil adquirirá o status de título executivo judicial Não sendo possível o acordo à vítima será dada a oportunidade de exercer o direito de representação ou queixa sendo que no primeiro caso terá ainda o prazo de seis meses para fazêlo nos termos do art 38 do CPP No caso de ser a ação penal de iniciativa privada após a frustração da composição a regra será a feitura da queixa ainda que a Lei permita que seja feita oralmente não é essa a prática forense em que a imensa maioria das queixas são feitas por escrito seguindose então o rito sumaríssimo Como veremos frustrada a conciliação duas são as possibilidades se o crime é de ação penal de iniciativa privada poderá ou não a vítima oferecer a queixacrime se isso ocorrer ainda é possível que em audiência seja oferecida a transação penal se o crime é de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação a vítima poderá então representar ou não abrindose a possibilidade de o Ministério Público propor a transação penal ou se não aceita ou inviável oferecer a denúncia Para concluir interessante questão é colocada por BITENCOURT 26 ao analisar o art 74 da Lei n 9099 e o art 104 parágrafo único do Código Penal que diz textualmente não a implica renúncia tácita todavia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime E agora como resolver essa dicotomia aparente A solução apregoada é no sentido de que houve uma revogação tácita em relação ao Código Penal no que tange aos delitos de menor potencial lesivo da competência do Juizado continuando a vigência do dispositivo penal em relação às demais infrações não abrangidas pela Lei n 9099 364 Transação Penal A transação penal consistirá no oferecimento ao acusado por parte do Ministério Público de pena antecipada de multa ou restritiva de direitos Não há ainda oferecimento de denúncia Desde logo sublinhamos que predomina o entendimento de que a transação penal é um direito subjetivo do réu27 de modo que preenchidos os requisitos legais deve ser oportunizada ao acusado Ao Ministério Público como bem define PACELLI28 a discricionariedade é unicamente quanto à pena a ser proposta na transação restritiva de direitos ou multa nos termos do art 76 da Lei n 909995 grifo nosso O instituto também conduziu a uma relativização do princípio da obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública pois permite certa ponderação por parte do Ministério Público Não se trata de plena consagração dos princípios de oportunidade e conveniência na ação penal de iniciativa pública Muito longe disso É uma pequena relativização do dogma da obrigatoriedade de modo que preenchidos os requisitos legais deverá o Ministério Público ofertar a transação penal Dessa forma é recorrente a afirmação de que se trata de uma discricionariedade regrada Noutra dimensão é um poderdever Mas como acabamos de afirmar essa discricionariedade deve conviver com o direito público subjetivo do réu de modo que ao Ministério Público incumbe apenas verificar se estão preenchidos os requisitos e negociar sobre a pena cabível restritiva de direitos ou multa Não lhe compete o poder de decidir sobre o cabimento ou não da transação Importante sublinhar ainda que a transação penal não é uma alternativa ao pedido de arquivamento senão um instituto que somente terá aplicação quando houver fumus commissi delicti e o preenchimento das demais condições da ação processual penal Infelizmente no lugar onde mais deveria se realizar a filtragem processual com uma enxurrada de ações penais sendo rejeitadas é exatamente onde menos se controlam as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa O fato de o JECrim ter sua competência limitada às infrações penais de menor potencial ofensivo não dispensa a demonstração e análise das condições da ação especialmente a exigência de demonstração da fumaça do crime e da justa causa Ainda que se trate de crime de menor potencial ofensivo devese verificar se há relevância jurídicopenal na conduta Constatandose ser a conduta insignificante sob ponto de vista jurídicopenal deve a denúncia ou queixa ser rejeitada Da mesma forma se não vier instruída com um mínimo de elementos probatórios da tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma as condições da ação também são exigidas no Juizado Especial Criminal ainda que em geral os que lá atuam disso se tenham olvidado ou assim façam parecer pelo encobrimento gerado pelo utilitarismo estruturante do discurso da informalidade Voltando ao tema a transação penal deverá ser negociada 29 com o autor do fato até que se chegue ou não a um consenso Pela facilidade na exigibilidade e no cumprimento a pena de multa tem sido a medida mais adotada cabendo seu cálculo em diasmulta o critério orientador deverá ser o binômio gravidade do fato para fixar o número de dias e possibilidade econômica do réu para fixar o valor de cada diamulta Os pressupostos legais permissivos são extraídos da leitura do art 76 da Lei que veda a transação penal quando ficar comprovado I ter sido o autor da infração condenado pela prática de crime à pena privativa de liberdade por sentença definitiva COMENTÁRIO Tratou o legislador de vetar a transação penal para o imputado reincidente incidindo assim infelizmente no já consagrado bis in idem punitivo que reforça o estigma Não impede quando a condenação anterior for por contravenção penal e tampouco diferenciou o legislador se o crime anterior é doloso ou culposo nos parecendo claramente desproporcional o impedimento de transação penal quando a condenação anterior decorrer da prática de delito culposo II ter sido o agente beneficiado anteriormente no prazo de 5 cinco anos pela aplicação de pena restritiva ou multa nos termos deste artigo COMENTÁRIO Partindo do já conhecido lapso de 5 anos que demarca a reincidência art 64 I do CP busca a Lei n 9099 estabelecer uma espécie de período de prova onde o agente somente poderá se beneficiar da transação penal uma vez a cada cinco anos Nesse prazo de 5 anos nada se exige do imputado exceto o fato de que veladamente impõese um não voltar a delinquir Mas se voltar não poderá novamente transacionar III não indicarem os antecedentes a conduta social e a personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias ser necessária e suficiente a adoção da medida COMENTÁRIOS Esse é sem dúvida o requisito mais problemático de modo que para melhor compreensão vamos subdividilo a Repetiu o legislador os critérios que orientam a fixação do regime de cumprimento substituições e até de aplicação da pena nos termos dos arts 33 3º 44 III e 59 todos do Código Penal Negar se a transação penal pelo fato de ter o imputado maus antecedentes pode constituir uma violação da presunção de inocência Isso porque em relação ao fato anterior ou o agente foi condenado e já transitou em julgado será aplicado então o inciso I ou não foi definitivamente condenado de modo que vedar a transação penal sob esse argumento é violar a presunção constitucional de inocência b No que se refere à conduta social e personalidade do agente a situação é igualmente problemática Como já explicamos em outras ocasiões ambos os critérios são abertos indeterminados e refletem um superado direito penal do autor O que é uma conduta social adequada São os juízes capazes e estão legitimados a fazer um juízo dessa natureza Quais os parâmetros utilizáveis Como refutar esse desvalor Sob o argumento de conduta social inadequada ou desajustada não estariam sendo feitas graves discriminações a partir da classe social da conduta sexual ou mesmo praticando um velado racismo Daí por que é inadmissível um juízo de desvalor a partir de critérios tão vagos e indeterminados c Quanto à personalidade igualmente inviável tal juízo de desvalor Como já explicamos anteriormente toda e qualquer avaliação sobre a personalidade de alguém é inquisitiva visto estabelecer juízos sobre a interioridade do agente Também é autoritária devido às concepções naturalistas em relação ao sujeito autor do fato criminoso Tratase de efetivarse o superadíssimo direito penal do autor fruto da dificuldade em compreender o fenômeno da secularização e da cultura inquisitória que ainda dominam o processo penal brasileiro O diagnóstico acerca da personalidade é praticamente impossível de ser feito salvo para os casos de vidência e bola de cristal e não raras vezes demonstra um psicologismo rasteiro e reducionista até porque não possui o juiz conhecimento e condições de aferir a personalidade de alguém existem mais de 50 definições diferentes sobre personalidade menos ainda nessas condições O diagnóstico da personalidade é extremamente complexo e envolve histórico familiar entrevistas avaliações testes de percepção temática e até exames neurológicos e isso é absolutamente impossível de ser constatado nessas condições Não podemos admitir um juízo negativo sem fundamentação e base conceitual e metodológica Em suma o maior problema é o decisionismo o verdadeiro autoritarismo que encerra uma decisão dessa natureza que é substancialmente inconstitucional por grave violação dos direitos de defesa e contraditório pois não há possibilidade de refutação das hipóteses decisórias É um dado impossível de ser constatado empiricamente e tampouco demonstrável objetivamente para poder ser desvalorado Mas se o imputado preencher todas essas condições e a proposta for efetivada deverá o Juiz então homologar o acordo cabendo apelação dessa decisão Causa certa estranheza a previsão de recurso de uma decisão que na verdade apenas homologa um acordo que foi feito pelas partes Onde fica o gravame necessário para o recurso Pela lógica incabível o recurso Contudo pode ocorrer de alguma das condições da transação ser excessivamente gravosa para o agente de modo que ele aceita e recorre daquela parte do acordo que não lhe é razoável Não há consenso sobre as condições da transação mas para evitar a recusar e portanto preclusão dessa via consensual o agente aceita e recorre Por outro lado não há previsão de recurso para o caso de não homologação da transação penal oferecida pelo MP e aceita pelo imputado Situação difícil de suceder pois o papel do juiz não é compatível com tal protagonismo mas se ocorrer incumbirá às partes interessadas e cujo acordo foi desrespeitado pelo juiz lançar mão do Mandado de Segurança ou mesmo Correição Parcial Não se descarta ainda que o sujeito passivo utilize o habeas corpus pois a não homologação da transação penal oferecida e aceita poderá significar a submissão dele a um processo criminal que poderia ter sido evitado sendo evidente a ilegalidade dessa coação Quanto à natureza dessa sentença em que pese não ser condenatória senão homologatória possui eficácia executiva suficiente para constituirse em um título executivo judicial nos termos do art 475N do CPC A grande e única vantagem da transação penal é o fato de não gerar reincidência ou maus antecedentes apenas servindo para impedir que o acusado seja novamente beneficiado no prazo de cinco anos Não significa admissão de culpa ou assunção de responsabilidades Por fim caso não exista consenso não sendo possível a efetivação da transação penal o feito seguirá o rito sumaríssimo que será explicado adiante Não olvidemos ainda que com a nova redação do parágrafo único do art 6030 a transação penal pode ser aplicada nos casos de reunião de processos por conexão ou continência seja no Tribunal do Júri ou no juízo comum Logo não está mais adstrita ao JECrim 3641 E se o Ministério Público Não Oferecer a Transação Penal Se o Ministério Público não oferecer a transação quando cabível predomina o entendimento de que se deve aplicar por analogia o art 28 do CPP31 remetendose ao Procurador Geral Nesse sentido também dispõe a Súmula n 696 do STF cujo verbete é Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo mas se recusando o Promotor de Justiça a propôla o juiz dissentindo remeterá a questão ao ProcuradorGeral aplicandose por analogia o art 28 do Código de Processo Penal Em que pese ser esse o entendimento prevalente não nos parece hoje a melhor solução pois é excessivamente moroso e burocratizado O mais grave é o fato de atribuir a última palavra ao próprio Ministério Público retirando a eficácia do direito subjetivo do acusado Nega ainda a garantia da jurisdição na medida em que afasta do juiz o poder de assegurar a máxima eficácia do sistema de garantias do imputado Melhor andaria o já problemático JECrim se o juiz pudesse em caso de não oferecimento da transação penal por parte do Ministério Público acolher o pedido do imputado desde que preenchidos os requisitos legais é óbvio concedendo o direito postulado Não se trata sublinhese de atribuir ao juiz um papel de autor ou mesmo de juizator característica do sistema inquisitório e incompatível com o modelo constitucionalacusatório por nós defendido Nada disso A sistemática é outra O imputado postula o reconhecimento de um direito o direito à transação penal que lhe está sendo negado pelo Ministério Público e o juiz decide mediante invocação O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu ou seja sua verdadeira missão constitucional Sabemos que essa posição será criticada entre outros pelo fato de não se compatibilizar com a dinâmica de funcionamento da justiça consensual O argumento seria válido se normal e legítimo fosse o funcionamento da justiça consensual desenhado pela Lei n 9099 mas não é esse o caso O modelo possui graves degenerações e seu funcionamento está muito longe de ser considerado minimamente satisfatório Os argumentos de autonomia de vontade e consensualidade32 utilizados para criticar a substituição por parte do juiz da vontade do Ministério Público mostramse hoje absolutamente falaciosos e completamente descolados da realidade de funcionamento do JECrim Para evitar delongas remetemos o leitor para a crítica feita ao final desse tópico Também discordando do entendimento prevalente PACELLI 33 propõe que o controle seja feito pelo juiz em momento posterior ao oferecimento da denúncia Assim se o Ministério Público insistir na recusa em oferecer a transação penal quando cabível poderá o juiz rejeitar a denúncia por falta de justa causa ou mesmo por falta de interesse de agir sob o fundamento de que existe solução legal mais adequada ao fato e ao suposto autor É interessante a posição do autor e nos parece que a solução por ele proposta é válida sendo também muito melhor do que a aplicação do art 28 do CPP Por fim igual problema existe no caso da suspensão condicional do processo como veremos na continuação já antecipando que a solução será a mesma 3642 Cabimento da Transação Penal em Ação Penal de Iniciativa Privada Pode ser realizada a transação penal em delito de ação penal de iniciativa privada Uma primeira leitura do art 76 aponta para uma resposta negativa pois o dispositivo legal é claro ao falar que havendo representação ou tratandose de ação penal pública incondicionada não sendo caso de arquivamento o Ministério Público poderá propor Também é recorrente o argumento de que não poderia a vítima transacionar porque tal ato de disponibilidade parcial não se coadunaria com o papel de substituto processual Isso porque para os autores que sustentam a existência de uma substituição processual na ação penal de iniciativa privada o querelante em nome próprio exerceria a pretensão punitiva estatal ou seja demandaria em nome próprio um direito alheio nos moldes do Direito Processual Civil Essa concepção encerra um erro muito mais grave que é o de transmitir categorias do processo civil para o processo penal sem darse conta de que no processo penal o acusador não exerce pretensão punitiva alguma muito menos há substituição processual O acusador público ou privado é titular do ius ut procedatur ou seja o poder de proceder contra alguém Diverso é o poder punitivo que está nas mãos do Estadojuiz e que somente pode ser efetivado após o pleno exercício da pretensão acusatória e não punitiva Assim não vemos obstáculo algum a que a transação penal se opere na ação penal de iniciativa privada posição aliás que vem merecendo abrigo jurisprudencial nos últimos anos34 A jurisprudência atenuou o rigor do dispositivo e atualmente predomina o entendimento de que a transação penal poderá ser oferecida inclusive pelo Ministério Público que intervém em todos os termos da ação penal de iniciativa privada art 45 do CPP Apenas para sublinhar a transação penal nos crimes de ação penal de iniciativa privada se preenchidos os requisitos legais poderá ser proposta pelo querelante e caso ele não o faça será proposta pelo Ministério Público 3643 Descumprimento da Transação Penal Questão tormentosa é o não cumprimento da pena restritiva de direito ou o não pagamento da pena de multa fixada em sede de transação penal De plano deve ser rechaçada a ideia de que a pena de multa não paga possa ser convertida em privativa de liberdade Inicialmente seria um grave erro de pretender uma pena sem prévio processo sim pois sequer a denúncia foi oferecida mas o principal argumento é o da vedação do art 51 do Código Penal cuja nova redação impede tal conversão em pena privativa de liberdade O não pagamento faz com que o título seja convertido em dívida ativa a ser cobrada pelo Estado Assim ficou completamente sem sentido o art 85 da Lei n 9099 Até recentemente entendíamos na esteira da posição dominante no STJ que não poderia haver reinício do processo por falta de previsão legal pois não existe essa condição suspensiva A decisão homologatória faria coisa julgada formal e material impedindo que se volte a discutir o caso penal pois exaurida a prestação jurisdicional Se o imputado não cumprisse nada mais poderia ser feito na esfera penal Como gera título executivo judicial deve ser executado nos termos da lei processual civil A homologação da transação corresponde a uma sentença de mérito que transita em julgado Constitui título executivo a ser executado converte em dívida ativa nos termos do art 51 do CP35 Mas no RHC 29435 houve uma importante mudança de entendimento no STJ que passou a admitir o oferecimento de denúncia e o prosseguimento da ação penal em caso de descumprimento dos termos da transação penal homologada judicialmente36 Em suma tanto no STF37 como no STJ predomina o entendimento de que o descumprimento da transação penal autoriza a submissão do réu ao processo retomandose a possibilidade de o Ministério Público oferecer denúncia De qualquer forma é pacífico que não cabe conversão da transação penal em pena privativa de liberdade 365 Suspensão Condicional do Processo 3651 Considerações Introdutórias sobre a Suspensão Condicional do Processo Tendo em vista que a disciplina legal da suspensão condicional do processo está inteiramente contida no art 89 da Lei n 909995 e que faremos constantes remissões ao texto legal é necessário transcrevê lo integralmente desde logo Art 89 Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 um ano abrangidas ou não por esta Lei o Ministério Público ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo por 2 dois a 4 quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena art 77 do Código Penal 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor na presença do juiz este recebendo a denúncia poderá suspender o processo submetendo o acusado a período de prova sob as seguintes condições I reparação do dano salvo impossibilidade de fazêlo II proibição de frequentar determinados lugares III proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz IV comparecimento pessoal e obrigatório a juízo mensalmente para informar e justificar suas atividades 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado 3º A suspensão será revogada se no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar sem motivo justificado a reparação do dano 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado no curso do prazo por contravenção ou descumprir qualquer outra condição imposta 5º Expirado o prazo sem revogação o juiz declarará extinta a punibilidade 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo o processo prosseguirá em seus ulteriores termos Inicialmente se o acusado não aceitar a proposta de suspensão condicional do processo ou não for ela cabível o processo seguirá o rito sumaríssimo definido nos arts 77 e ss Feita essa ressalva vejamos o instituto Nos delitos em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano o Ministério Público ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo pelo período de dois a quatro anos desde que preenchidas pelo acusado certas condições Cumprido o período de provas o Juiz declarará extintos a punibilidade e por decorrência o processo O presente instituto não se confunde com a suspensão condicional da pena pois naquela há processo com sentença condenatória ficando apenas a execução da pena privativa de liberdade suspensa por um período Aqui é o processo que fica suspenso desde o início logo sem que exista uma sentença condenatória Durante o período de suspensão do processo o réu ficará sujeito ao cumprimento de certas obrigações estabelecidas pelo Juiz tais como de não se ausentar da comarca onde reside sem autorização reparar o dano causado comparecer mensalmente para justificar suas atividades e outras condições que lhe poderão ser estabelecidas O não cumprimento das obrigações impostas não acarretará sua prisão fazendo apenas com que o processo volte a tramitar a partir de onde parou Tratase de ato bilateral em que o Ministério Público oferece por escrito e na denúncia podendo ser em peça separada e o réu analisando as condições propostas aceita ou não Toda a transação deve ser feita em juízo e na presença do defensor do réu ainda que de forma oral e sem formalidade A nosso ver o Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal Pública não foi fulminado ainda mas foi mitigado Nos moldes tradicionais não poderia o Ministério Público dispor da ação penal não podendo dela desistir transigindo ou acordando Ao Ministério Público continua sendo vedada a desistência pura e simples da ação penal de iniciativa pública como é possível ao querelante na perempção da ação penal privada ou o perdão É a consagração do Princípio da Discricionariedade Regrada estando sempre sujeita ao controle judicial É importante sublinhar que presentes os pressupostos legais não poderá o Ministério Público deixar de oferecer a suspensão condicional do processo que poderá ser aceita ou não pelo réu Não se pode esquecer que a medida inserese na lógica do consenso não apenas no sentido de que o réu não é obrigado a aceitar a proposta mas também na perspectiva de que poderá negociar a duração e demais condições Ainda que o dispositivo legal mencione que o Ministério Público poderá propor isso não significa que seja uma faculdade do acusador Como categoricamente afirma GIACOMOLLI38 presentes os pressupostos legais a previsão abstrata se converte numa obrigatoriedade E ainda que presentes os requisitos legais o acusador está obrigado a negociar a suspensão condicional do processo devendo nas infrações de médio potencial ofensivo motivar sua negativa Não é assim disponível para o Ministério Público e tampouco pode transformarse em instrumento de arbítrio E se mesmo presentes os pressupostos legais o Ministério Público não o fizer Voltamos ao mesmo ponto explicado anteriormente quando analisamos a transação penal ou seja predomina o entendimento de que deverá o juiz aplicar o art 28 do CPP por analogia Nesse sentido novamente citamos a Súmula n 696 do STF cujo verbete é Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo mas se recusando o Promotor de Justiça a propô la o juiz dissentindo remeterá a questão ao ProcuradorGeral aplicandose por analogia o art 28 do Código de Processo Penal Em que pese ser esse o entendimento prevalente insistimos em nossa posição de que essa é uma solução excessivamente burocrática e fora da realidade diuturna dos foros brasileiros Ademais atribui a última palavra ao próprio Ministério Público retirando a eficácia do direito subjetivo do acusado Dessarte presentes os pressupostos legais e insistindo o Ministério Público na recusa em oferecer a suspensão condicional pensamos que a melhor solução é permitir que o juiz39 o faça acolhendo o pedido do imputado concedendo o direito postulado Novamente afirmamos que o fato de atribuirse ao juiz esse poder em nada viola o modelo constitucionalacusatório por nós defendido A sistemática é outra O imputado postula o reconhecimento de um direito suspensão condicional do processo que lhe está sendo negado pelo Ministério Público e o juiz decide mediante invocação O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu ou seja sua verdadeira missão constitucional Por fim elementar que a suspensão condicional do processo não equivale a uma condenação e tampouco implica admissão de culpa Inserese na perspectiva negocial sem qualquer juízo de desvalor sobre o mérito caso penal e uma vez cumpridas as condições impostas o processo é extinto como se nunca houvesse existido não gerando portanto reincidência ou maus antecedentes A sentença que suspende o processo não implica admissão de culpa por parte do réu tendo a natureza do nolo contendere que consiste numa forma de defesa em que o acusado não contesta a imputação mas não admite culpa nem proclama sua inocência40 3652 Alcance e Aplicação da Suspensão Condicional do Processo Cabimento em Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada Requisitos Momento de Oferecimento A suspensão condicional poderá ser proposta junto com a denúncia ou logo após esta desde que concorram os seguintes elementos a a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano b o delito seja da competência do Juizado Especial Criminal ou não c o acusado não esteja sendo processado criminalmente d não seja reincidente e preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal Para concessão da suspensão condicional do processo é imprescindível que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano sendo assim muito mais abrangente que a competência do Juizado Especial cuja limitação é pena máxima não superior a dois anos A pena a ser considerada é em abstrato não sendo possível fazer qualquer tipo de redução como a tentativa por exemplo Aplicase a todos os crimes de competência do Juizado bem como àqueles que estão fora da sua jurisdição como homicídio culposo aborto provocado pela gestante lesão corporal de natureza grave furto apropriação indébita estelionato receptação etc Duas súmulas devem ser recordadas pois são importantes nesse momento SÚMULA N 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano E ainda SÚMULA N 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano Assim havendo concurso de delitos devem incidir os respectivos aumentos de pena para verificarse o limite de aplicação da suspensão condicional pena mínima igual ou inferior a 1 ano Noutra dimensão é manifesta a autonomia da suspensão condicional do processo frente ao Juizado Especial pois será aplicada aos delitos cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano abrangidas ou não por essa Lei independente do rito Assim por exemplo tem plena aplicação na Justiça Eleitoral e os respectivos crimes eleitorais cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano No que se refere à Justiça Militar a suspensão condicional do processo foi inicialmente admitida Contudo a Lei n 983999 inseriu o art 90A que expressamente determina que as disposições desta Lei referese à Lei n 9099 não se aplicam no âmbito da Justiça Militar Logo categórica a vedação ainda que com ela não concordemos41 No que tange ao cabimento da suspensão condicional do processo em crimes cuja ação penal é de iniciativa privada no início da vigência da Lei n 9099 houve muita resistência A partir de uma interpretação meramente gramatical o artigo fala o Ministério Público ao oferecer a denúncia tanto a doutrina como também a jurisprudência afastavam a suspensão condicional nesses casos Contudo a situação mudou e atualmente predomina o entendimento de que é perfeitamente cabível a suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal de iniciativa privada sublinhandose todavia que cabe ao querelante o oferecimento pois é ele o titular do ius ut procedatur Ora como bem adverte BADARÓ42 é ilógico que a vítima possa renunciar antes de exercer a acusação e até perdoar no curso do processo mas não possa ofertar a suspensão condicional do processo Não se justifica à luz da estrutura em que se ergue a ação penal de iniciativa privada que a vítima tenha apenas duas opções extremas renúncia ou perdão abrindo mão de toda e qualquer resposta penal ou em outro extremo levar o processo até o final e lutar pela condenação do réu É compreensível e razoável que a vítima queira alguma resposta penal intermediária e até consensual ou menos litigiosa tal como oferece a suspensão condicional do processo em que o acusado fica obrigado ao cumprimento de determinadas condições a serem observadas no período de provas Mas e se o querelante em que pese estarem presentes os requisitos legais não oferecer a suspensão condicional do processo Aqui a discussão persiste pois não há como invocar o art 28 pois ele só tem aplicação quando a omissão é do Ministério Público Não havendo o oferecimento mas presentes os requisitos legais muitos autores defendem que nada pode ser feito Mas pensamos diferente Tratase de um direito público subjetivo do réu e se injustificadamente o querelante não propõe a suspensão condicional do processo caberá ao juiz fazêlo atuando como garantidor da máxima eficácia do sistema de garantias Não há nenhuma violação dos postulados do sistema acusatório tão defendidos por nós e tampouco qualquer contradição com as críticas que sempre fizemos em relação ao ativismo judicial juiz ator com iniciativa probatória É o juiz desempenhando seu papel constitucional de guardião dos direitos fundamentais do réu Em suma é cabível a suspensão condicional do processo em crimes de ação penal de iniciativa privada cabendo ao querelante o seu oferecimento Contudo se não for feita a proposta e estiverem presentes os requisitos legais defendemos que caberá ao juiz fazêlo Quanto aos demais requisitos vejamos agora que o acusado não esteja sendo processado criminalmente não seja reincidente preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal O simples fato de estar sendo processado criminalmente existência de outro processo não pode por si só justificar uma recusa em ofertar e conceder a suspensão condicional Há que se considerar além da proporcionalidade o postulado constitucional da presunção de inocência art 5º LVII da Constituição Negar a suspensão condicional sob o argumento de que o réu responde a outro ou outros processos significa punilo antes do julgamento final Viola portanto a presunção de inocência na medida em que gera consequências negativas juízo de desvalor ao réu que ainda não teve seu caso penal definitivamente julgado A reincidência é outro fator que não pode ser considerado de forma isolada pois implica um flagrante bis in idem Ademais não impede a concessão da suspensão condicional quando a condenação anterior foi a pena de multa art 77 1º do CP ou já tiver transcorrido mais de cinco anos em relação ao término do cumprimento da pena anterior art 64 I do CP Por fim requer a Lei n 9099 que o acusado preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal Vejamos Art 77 A execução da pena privativa de liberdade não superior a 2 dois anos poderá ser suspensa por 2 dois a 4 quatro anos desde que I o condenado não seja reincidente em crime doloso II a culpabilidade os antecedentes a conduta social e personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício III Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art 44 deste Código 1º A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício 2º Interessanos essencialmente o inciso II que remete aos mesmos vetores do art 59 do Código Penal e que norteiam a dosimetria da pena de modo que a culpabilidade os antecedentes a conduta social personalidade motivos e circunstâncias devem ser ponderados à luz do caso concreto A crítica é que esses são fatores que geram espaços impróprios de discricionariedade judicial com alto risco sendo aplicáveis aqui todas as críticas feitas em relação ao art 59 do Código Penal Quanto ao momento de oferecimento da suspensão condicional do processo o regular é que o seja quando do oferecimento da denúncia Contudo nada impede que seja oferecida no curso do processo especialmente quando houver alguma forma de desclassificação que crie condições anteriormente inexistentes não sendo o art 90 da Lei um argumento suficiente para limitar a aplicação do instituto Na mesma linha quando a sentença acolhe parcialmente a pretensão punitiva do MP afastando os crimes mais graves que seriam obstáculo à suspensão condicional deve essa ser ofertada Exemplo típico é a acusação por dois ou mais delitos que em razão do concurso não permite a suspensão condicional mas ao final do processo o réu é absolvido de algum dos crimes inicialmente imputados criando agora condições de ser oferecida a suspensão condicional Para dirimir qualquer dúvida sobre a possibilidade que acabamos de explicar foi editada a Súmula n 337 do STJ É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva Voltaremos a essa questão na continuação Inclusive caso a suspensão não seja ofertada quando cabível sobrevindo sentença condenatória deverá o tribunal recebendo o recurso anular a sentença por manifesto cerceamento de defesa devolvendo os autos à comarca de origem para que seja ofertada a suspensão Se aceita irá gerar seus efeitos Caso o réu não aceite nova decisão deverá ser proferida Essa duplicidade é perfeitamente compreensível pois o que não se pode tolerar é o desrespeito às regras do devido processo Ademais quando a defesa recorre alegando a nulidade da sentença pelo não oferecimento da suspensão condicional não está ela obrigada a aceitar com o provimento do recurso qualquer proposta e quaisquer condições oferecidas No mesmo sentido PACELLI43 afirma que nada impedirá em tese que o réu apelante recue em seus propósitos iniciais postos no recurso e não aceite os termos da suspensão então formulada afinal uma coisa é recorrer suscitando a nulidade pela ausência de proposta de suspensão e outra muito diferente é a concordância com quaisquer que sejam as condições oferecidas Mas não precisa e não deve a defesa esperar a sentença para alegar em apelação a nulidade pelo não oferecimento da suspensão condicional do processo na verdade defeito insanável da sentença E mesmo quando postulada e negado o oferecimento deverá a defesa atacar esse ato pela via do habeas corpus ou mesmo do Mandado de Segurança conforme a fundamentação a ser utilizada Quando o argumento for de nulidade pelo cerceamento de defesa art 648 VI do CPP configurandose uma coação ilegal viável o habeas corpus mas nada impede que seja utilizado o Mandado de Segurança cujo fundamento será a violação ao direito líquido e certo à concessão daquele direito subjetivo bem como de ter o devido processo penal 3653 Suspensão Condicional do Processo e a Desclassificação do Delito Aplicando a Súmula n 337 do STJ Inicialmente recordemos o enunciado da Súmula n 337 do STJ É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva A Súmula veio para resolver um problema antigo fruto de um duplo erro acusações abusivas e recebimentos imotivados praticamente automáticos das acusações por parte dos juízes As acusações abusivas aqui consideradas são aquelas em que há um excesso do poder de acusar cujos contornos acabam não se confirmando pela prova produzida no processo Isso pode ocorrer tanto nas queixascrimes como também nas denúncias oferecidas pelo Ministério Público Entre outros motivos as acusações abusivas podem ser utilizadas para evitar o julgamento pelo Juizado Especial Criminal ou para impedir o benefício da suspensão condicional do processo Esse abuso tanto pode ocorrer na manipulação dos fatos como também na imputação de um tipo penal mais grave do que o correspondente à conduta praticada Recorrentes por exemplo são as queixas pelos delitos de injúria difamação e calúnia em concurso material quando na verdade apenas um dos crimes efetivamente ocorreu O excesso no poder de acusar serve para impedir a tramitação pelo rito sumaríssimo da Lei n 9099 bem como o oferecimento de transação penal ou suspensão condicional do processo Mas sem dúvida parte da responsabilidade também deve ser atribuída aos juízes que burocraticamente limitamse a receber as acusações sem a devida análise e fundamentação Se houvesse uma filtragem ainda que mínima pois o pleno conhecimento deve ser reservado para a sentença muitas acusações infundadas já teriam ali o seu limite Da mesma forma a correção da tipificação já no momento de recebimento da acusação ou seja a incidência do art 383 nesse momento bem como o recebimento parcial da imputação evitaria muitas e graves injustiças diárias Tratase daquilo que GIACOMOLLI44 denomina necessidade de um iniciar ético do processo dando fim aos recebimentos automáticos da acusação de modo a permitir imediatamente a suspensão condicional do processo cuja acusação tentou evitar com o abuso do poder de acusar Assim se após a coleta da prova no momento da sentença evidenciase a prática de apenas um dos crimes deve o juiz verificar a possibilidade de que seja ofertada ao réu a suspensão condicional como prevê a Súmula n 337 do STJ O enunciado nada mais faz do que recepcionar o entendimento doutrinário majoritário de que havendo uma desclassificação do crime onde a nova definição permita a suspensão condicional do processo deve essa ser oferecida E isso pode ocorrer tanto em primeiro grau como no tribunal em sede de recurso Em primeiro grau a análise pelo juiz pode darse em dois momentos a quando da admissão da denúncia ou queixa caberá o recebimento parcial ou a correção da tipificação legal abusivamente feita pelo acusador de modo a permitir o oferecimento da suspensão condicional do processo b quando da sentença o tratamento poderá variar conforme o caso Se o réu foi acusado da prática de dois ou mais delitos poderá o juiz absolvêlo de um ou alguns deles e se o delito residual comportar a suspensão condicional deverá ela ser oferecida Importante ressalvar que em relação ao delito residual ao qual é possibilitada a suspensão condicional do processo não poderá o juiz condenar o réu Deverá limitarse a fazer o juízo de tipicidade da conduta sem analisar a ilicitude ou culpabilidade Verificando que a tipicidade é diversa daquela constante da acusação e cabível portanto a suspensão pela nova classificação jurídica do fato deve o juiz proferir uma decisão interlocutória sujeita ao controle pela via da apelação residual art 593 II do CPP45 Nesse último caso estamos diante de uma situação inédita no sistema brasileiro uma quebra do método clássico de proferir decisões como define GIACOMOLLI pois a natureza jurídica da suspensão condicional não permite que a sentença seja condenatória ou absolutória Não pode o juiz condenar o réu e então possibilitar a suspensão condicional pois esse instituto não se compatibiliza com a sentença condenatória46 Não se trata de condenar e suspender a pena senão de impedir a fixação da pena Logo suspensão condicional do processo e pena são institutos incompatíveis Por tudo isso operando a desclassificação deverá o juiz proferir uma decisão interlocutória definindo o novo tipo penal aparentemente praticado intimando o Ministério Público para que ofereça a suspensão condicional do processo Já em grau recursal quando a desclassificação é realizada pelo tribunal deve ser observado o seguinte a para não haver supressão do grau de jurisdição o tribunal em operando a desclassificação do crime ou absolvendo alguma das imputações de modo que o crime residual seja passível de suspensão condicional do processo deve remeter os autos para o juiz de primeiro grau intimar o Ministério Público para oferecer a suspensão condicional do processo b tendo o réu sido absolvido em primeiro grau e diante do recurso do Ministério Público o tribunal vislumbra possibilidade de acolhimento deverá proceder a definição do tipo penal cabível Se o juízo de tipicidade provável apontar para um crime em que a suspensão condicional do processo é viável deverá o tribunal determinar a remessa dos autos à origem juízo a quo para que lá seja oportunizada a suspensão Se não aceita os autos deverão retornar ao tribunal para que continue no julgamento do recurso analisando então o mérito c no caso de o tribunal suspender o julgamento do recurso para que em primeiro grau seja oferecida a suspensão condicional a posterior revogação por descumprimento das condições faz com que os autos retornem ao tribunal ad quem para que prossiga no julgamento do mérito do recurso 3654 O Período de Provas e o Cumprimento das Condições Causas de Revogação da Suspensão Condicional do Processo Sendo caso de concessão da suspensão condicional do processo ofertada e aceita pelo réu preenchidos os requisitos subjetivos caberá ao Juiz declarar a suspensão pelo período que foi objeto de negociação entre o Ministério Público e o réu obviamente dentro do limite legal que vai de dois a quatro anos bem como as condições a serem cumpridas igualmente negociadas nos limites legais Por se tratar de medida de caráter nitidamente transacional o ideal é que o Ministério Público e o réu cheguem a um consenso sobre um período proporcional cabendo ao juiz fiscalizar a transação para que o réu decida de forma consciente compreendendo a natureza do ato e suas consequências O período mínimo da suspensão é de 2 anos e o máximo de 4 anos A regra aqui é a da proporcionalidade entre o gravame decorrente da submissão ao período de provas e suas condições em relação ao fato aparentemente criminoso Ainda que a suspensão condicional não implique admissão de culpa e portanto não se equipare a uma condenação é inegável que ela possui um caráter punitivo Mesmo tendo um caráter negocial representa um ônus a ser suportado mediante sua aceitação é claro pelo imputado e deve guardar portanto proporcionalidade em relação ao fato e às condições pessoais do agente A regra deve ser a suspensão pelo período mínimo 2 anos Partindo desse prazo pode ser estabelecido conforme o caso um quantum superior mas sem excessos O prazo de 4 anos deve ser aplicado somente em situações excepcionalíssimas Para evitar um acordo excessivamente gravoso a única solução é não fazêlo cuidando para que fiquem consignados os motivos da recusa dando ênfase à desproporcionalidade entre o fato do autor e as condições propostas Tratase de decisão interlocutória mista de natureza não terminativa pois encerra a fase de conciliação sem terminar com o processo O recurso cabível será o de apelação por se tratar de decisão com força de definitiva que não se encontra no rol taxativo dos casos de recurso em sentido estrito A aplicação supletiva do Código de Processo Penal é imperativa Acolhido o recurso será dada chance de um acordo justo proporcional Durante o período de provas ficará o réu sujeito ao cumprimento de condições estabelecidas na decisão interlocutória que concedeu a suspensão estando elas enumeradas exemplificativamente nos incisos do 1º do art 89 inspirado que foi no sursis art 78 2º do CP Art 89 1º I reparação do dano salvo impossibilidade de fazêlo II proibição de frequentar determinados lugares III proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz IV comparecimento pessoal e obrigatório a juízo mensalmente para informar e justificar suas atividades 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado O 2º constitui uma abertura para que outras condições sejam estabelecidas mas sempre guardando adequação e proporcionalidade ao fato e às condições pessoais do acusado sendo que obviamente são inadmissíveis as condições que violem a dignidade imagem e honra do imputado Também não se pode esquecer que a suspensão condicional do processo não é uma pena e portanto não poderá ter esse caráter punitivo Não raras vezes nos deparamos com situações em que a proposta era excessivamente onerosa uma verdadeira pena sem processo Nessa linha nos parece absolutamente descabida a proposta de prestação de serviços à comunidade no período de provas Ora a PSC é uma pena restritiva de direitos e que somente tem lugar quando o réu é processado e ao final condenado Não pode ser imposta em sede de suspensão condicional do processo por constituir uma pena sem processo além de manifestamente desproporcional e desconectada dos fundamentos do instituto A condição de reparação do dano pode gerar problemas no final do período de provas pois nem sempre é possível sua efetivação especialmente quando depende da aceitação por parte da vítima Em que pese a questão ser analisada à luz das especificidades de cada caso devese ter como princípio básico de que basta a demonstração por parte do imputado de que buscou efetivamente realizar reparação do dano Daí porque quando se trata de reparar um dano patrimonial sofrido pela vítima se houver consenso e quitação a questão estará resolvida Mas o dever de reparar o dano não se confunde com a obrigação de aceitar uma exigência abusiva ou virar um instrumento de coação e excessos por parte da vítima Se existe uma ação cível de cunho indenizatório tramitando onde se discutem a responsabilidade civil eou o valor devido não há obstáculo algum a que se considere cumprida a suspensão condicional do processo A proibição de frequentar determinados lugares como as demais condições deve ser imposta quando adequada e necessária Pode ser um importante instrumento de controle de agentes que se envolvem em brigas de torcidas de futebol praticam delitos leves em bares boates e casas noturnas e coisas do gênero onde a proibição de frequentar esses locais serve inclusive para prevenir infrações futuras de mesma natureza ali praticadas A proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz é uma medida bastante onerosa e que deve ser utilizada com prudência para não equiparar o tratamento de quem não é culpado com aquele já condenado Deverão ter o juiz em que pese a medida ser ofertada pelo Ministério Público tratase de ato judicial sendo a última palavra do juiz e o Ministério Público um mínimo de bom senso e coerência para considerar as condições pessoais do imputado e o nível de onerosidade que lhe está sendo imposta Daí por que por exemplo se a atividade profissional exige que o imputado constantemente tenha que viajar inclusive para o exterior é completamente inadequado e descabido imporlhe uma proibição de ausentarse da comarca sem autorização do juiz Não se pode olvidar de que não estamos tratando com alguém condenado e que deva cumprir uma pena A situação é completamente diversa A suspensão condicional não pode inviabilizar a atividade profissional ou a vida pessoal do imputado Também a condição de comparecimento pessoal e obrigatório a juízo não precisa ser obrigatoriamente mensal Nada impede que se estabeleça um lapso maior diante das condições e especificidades do caso concreto O comparecimento se dá em cartório onde será feito o controle das apresentações não havendo um dia determinado senão que pelo menos uma vez ao longo de cada mês deverá o imputado comparecer no cartório ou secretaria da vara criminal respectiva Por fim outras condições poderão ser impostas desde que adequadas e proporcionais ao fato e às condições pessoais do imputado Cumpridas as condições impostas e superado o prazo fixado para o período de provas deverá ser decretada a extinção da punibilidade sem que gere o estigma de maus antecedentes ou da reincidência Essa é uma das grandes vantagens da suspensão condicional pois cumprido o período de provas o processo é extinto como se não tivesse existido Mas no curso do período de provas podem ocorrer situações fáticas que conduzam à revogação da suspensão condicional Partindo do disposto nos 3º e 4º do art 89 podemse dividir as causas de revogação em dois grupos47 a causas de revogação obrigatória ser o réu processado por outro crime no curso do período de provas ou não reparar sem justa causa o dano causado à vítima Nesses casos o Juiz deverá revogar o benefício prosseguindo o processo em seus ulteriores termos b causas de revogação facultativa ser o réu processado por contravenção no curso da suspensão condicional do processo ou não cumprir qualquer outra condição imposta Todavia ainda que a situação fática ocorrida insirase nas causas de revogação obrigatória não há revogação automática ou imotivada Deverá haver uma decisão judicial devidamente fundamentada devendo o juiz sempre conduzir a questão à luz da lógica da ponderação isto é a partir do princípio da proporcionalidade O simples fato de ser processado por outro crime não pode conduzir à revogação não só porque representa uma grave violação da garantia da presunção de inocência mas também porque pode ser uma medida desproporcional No primeiro caso o estar sendo processado não autoriza um tratamento estigmatizante a ponto de revogar a suspensão condicional antes mesmo de existir uma sentença transitada em julgado Tal postura representa tratar um mero acusado como se culpado fosse na medida em que se lhe impõem uma punição revogação da suspensão condicional do outro processo antes do julgamento definitivo Também pode ser uma medida desproporcional basta considerar o caso em que o novo delito é culposo O art 89 não faz qualquer distinção entre crime doloso ou culposo mas a proporcionalidade no trato da questão conduz a que a revogação somente possa ser considerada quando o delito superveniente for doloso Quanto à revogação da suspensão pela não reparação do dano causado à vítima devese considerar que Ela somente tem lugar quando no final do período de provas o agente sem qualquer justificativa aceitável não cumpre a condição A reparação do dano deve ser efetivada ao longo do período de provas não havendo um prazo dentro desse período para tanto Logo há que se esperar até o final do período de provas e caso não efetivada a reparação pode o juiz revogála Inexiste uma causa que justifique a não reparação do dano ou o motivo apresentado pelo réu não é considerado razoável pelo juiz A impossibilidade financeira arguida pelo réu deve vir instruída com elementos suficientes do nível de comprometimento patrimonial É pensamos uma situação similar à inexigibilidade de conduta diversa nos crimes fiscais em que não basta a mera alegação de crise financeira tudo deve ser demonstrado e provado Mas sem exageros Deve o juiz ter um mínimo de sentido da realidade na qual vive grande parte da população brasileira onde qualquer quantia por mínima que seja compromete definitivamente o orçamento doméstico Recordemos ainda que se a questão estiver sub judice ou seja vítima e réu estiverem litigando judicialmente sobre os valores não pode o juiz revogar a suspensão pois existe uma causa que justifica a não reparação na esfera penal Quanto às causas facultativas na verdade todas são é elementar que a mera acusação da prática de uma contravenção jamais poderá justificar uma revogação da suspensão seja pela manifesta violação da presunção de inocência seja pela desproporcionalidade Já em relação ao não cumprimento das demais condições impostas vale o que dissemos anteriormente deve haver uma ponderação séria e desapaixonada por parte do juiz Se o réu apresentar uma justificativa razoável à luz de suas condições pessoais e sociais e não das condições do juiz não deverá haver a revogação da suspensão condicional do processo Dessarte cumpridas todas as condições impostas e implementado o prazo determinado será declarada extinta a punibilidade Por fim chamamos a atenção para a seguinte situação e se após cumprido o período de provas se descobrir que o imputado não cumpriu efetivamente as condições como se deve proceder A posição do STF vem externada na AP 512 AgRBA Rel Min Ayres Britto 15032012 no sentido de que o benefício da suspensão condicional do processo pode ser revogado mesmo após o período de prova desde que motivado por fatos ocorridos até o seu término Ao reafirmar essa orientação o Plenário por maioria negou provimento a agravo regimental interposto de decisão proferida pelo Min Ayres Britto em sede de ação penal da qual foi relator que determinara a retomada da persecução penal contra deputado federal Entendia descumprida uma das condições estabelecidas pela justiça eleitoral para a suspensão condicional do processo o comparecimento mensal àquele juízo para informar e justificar suas atividades Assim entendeu o STF que a melhor interpretação do art 89 4º da Lei n 909995 levaria à conclusão de que não haveria óbice a que o juiz decidisse após o final do período de prova Reputouse que embora o instituto da suspensão condicional do processo constituísse importante medida despenalizadora estabelecida por questões de política criminal com o objetivo de possibilitar em casos previamente especificados que o processo não chegasse a iniciarse o acusado não soubera se valer do favor legal que lhe fora conferido sem demonstrar o necessário comprometimento em claro menoscabo da justiça Vencido o Min Marco Aurélio que provia o agravo regimental por entender que após o decurso do período de prova assinalado pelo juiz não seria mais possível a revogação da suspensão condicional do processo AP 512 AgRBA Rel Min Ayres Britto 15032012 Mas há um detalhe importante nesta decisão do STF havia passado o período de provas mas ainda não havia sido declarada a extinção da punibilidade do réu Isso permitiu a revogação da suspensão condicional do processo Diferente seria a situação a nosso entender e pelo que se depreende da leitura da decisão se já houvesse declaração de extinção da punibilidade Neste caso extinta a punibilidade nada mais se pode fazer Ou seja declarada extinta a punibilidade extinta está e não mais se poderá proceder contra o imputado 3655 Procedimento no Juizado Especial Criminal 36551 Fase Preliminar Alteração da Competência Quando o Acusado Não é Encontrado Demais Atos Em que pese a competência do JECrim estar prevista no art 98 I da Constituição a Lei n 9099 possui um curioso dispositivo que afasta a competência do JECrim quando o imputado não é encontrado para ser citado Determina o art 66 parágrafo único que não encontrado o acusado para ser citado o juiz encaminhará as peças existentes ao juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei Tratase de uma causa de alteração da competência que tem por fundamento o fato de não ter sido o réu encontrado Quando o acusado não é encontrado para ser citado determina o art 366 do CPP que se faça a citação por edital e não comparecendo o acusado nem constituindo defensor ficam suspensos o processo e o curso do prazo prescricional Situação diversa é a ausência prevista no art 367 do CPP em que o acusado é citado pessoalmente e não comparece Nesse caso o processo pode seguir seu curso sem a presença do réu Ambos os casos não podem ocorrer no JECrim e não sendo encontrado o réu para realização da citação real não poderá o juiz do JECrim determinar a citação por edital O processo deve ser redistribuído para que no juízo comum seja feita a citação por edital e caso não compareça seja determinada a suspensão do processo e da prescrição Pensamos que um pouco do rigor pode ser atenuado pois mesmo que o art 66 da Lei n 9099 fale em não encontrado o acusado para ser citado o que denota claramente a procura para realização da citação real há espaço para uma conduta diversa Em outras palavras não há nenhum empecilho exceto a limitada redação do artigo a que se faça no JECrim a citação por edital e somente após o não comparecimento do acusado sejam os autos remetidos para juízo comum Isso porque se o imputado comparece é melhor que o processo tramite no JECrim com aplicação de todos os seus institutos e o rito diferenciado48 Desta forma a partir de uma leitura sistemática não encontrado o acusado no processo sumaríssimo este deve ser citado por edital aplicandose a regra do art 366 do CPP nos processos de competência dos Juizados Especiais porque o parágrafo único foi revogado implicitamente Descabe pois declinar se em favor do Juízo Comum Dessarte voltando ao tema principal somente quando o réu é encontrado ou comparece à audiência preliminar o feito terá sua regular tramitação no JECrim Em relação aos delitos de menor potencial ofensivo não há inquérito policial devendo a autoridade tão logo tenha conhecimento da ocorrência lavrar termo circunstanciado encaminhandoo ao Juizado com o autor do fato e a vítima Se o crime praticado for de ação penal de iniciativa pública incondicionada a autoridade policial agirá de ofício ou mediante invocação remetendo o termo circunstanciado ao Juizado Sendo o delito de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação será esta necessária para a feitura desse termo Ocorre que tanto a notíciacrime como a representação não possuem forma rígida servindo como tal qualquer manifestação da vítima que demonstre a intenção de ver apurado o fato A nosso ver a notíciacrime feita na polícia pela vítima em crime de ação penal pública condicionada serve apenas para autorizar a expedição do termo circunstanciado a ser remetido ao Juizado não servindo para suprir a condição de procedibilidade pois o art 75 é claro ao determinar que após a proposta inexitosa de composição civil será dada a palavra ao ofendido para que este querendo exerça o direito de representação Significa dizer que a representação deve ser feita ou ao menos ratificada em juízo A nossa preocupação se atém na redação da Lei em confronto com a do art 5º 4º do Código de Processo Penal pois não pode haver atividade policial em delito de ação penal pública condicionada sem a manifestação da vítima De outro lado o próprio art 75 oportuniza após a inexitosa composição dos danos civis que a vítima represente oralmente deixando clara a ideia de que a autorização para a feitura do termo circunstanciado não supriu essa condição mas de qualquer modo não pode a autoridade policial agir totalmente de ofício tendo em vista a regra do CPP Assim entendemos que um ato não supre o outro nesse caso pois a manifestação do ofendido na fase policial servirá exclusivamente para possibilitar a expedição do termo circunstanciado sendo necessária a representação em juízo para que a ação penal inicie Se o delito praticado for de ação penal de iniciativa privada caberá ao ofendido fazer a notícia do fato requerendo a feitura do auto circunstanciado até porque de ofício entendemos que a autoridade policial não poderá agir em face do 5º do art 5º do CPP Feito o auto será este remetido ao Juizado onde será oportunizada a composição civil que se efetivada acarretará a extinção da punibilidade Caso não exista ajuste em relação aos danos deverá ser dada ao ofendido a possibilidade da feitura da queixa crime oral nos termos do art 77 3º Não há que se esquecer que atualmente predomina o entendimento de que a transação penal é cabível nesse tipo de ação penal de modo que poderá ser oferecida e aceita antes de a queixa ser recebida E ainda após o recebimento da queixa é possível a suspensão condicional do processo conforme explicado anteriormente Com relação à prisão em flagrante para além do disposto no parágrafo único do art 69 não se pode esquecer que estamos diante de delito de menor potencial ofensivo onde é incabível a prisão preventiva Daí por que mesmo que o flagrante fosse lavrado o que a Lei pretende evitar não cabe prisão preventiva diante da pouca gravidade do fato sendo sempre aplicável o disciplinado no art 310 parágrafo único do CPP A Lei n 9099 aumenta os casos de liberdade processual Em relação ao flagrante seguemse as regras do art 302 surgindo ao lado do art 310 do CPP a possibilidade de concederse uma liberdade provisória mais ampla ágil e menos gravosa para o réu que será o compromisso de comparecer ao Juizado sem pagamento de fiança De modo algum se aumentou o rol de situações passíveis de prisão cautelar pelo contrário buscouse ampliar a gama de opções que visam evitar a segregação É uma medida claramente descarcerizadora49 Voltando ao procedimento a realização imediata de audiência é uma utopia sendo sempre aprazada a audiência preliminar em que estarão presentes as partes materiais o Ministério Público e o Juiz As partes deverão se fazer acompanhar de advogado ou serlhesá nomeado um para o ato Para essa audiência as partes serão intimadas nos termos dos arts 66 67 e 68 com a observância dos princípios já referidos Nesse momento caberá ao Juiz a importante tarefa de ouvir a vítima e o acusado buscando dar às pessoas ali presentes a oportunidade de darem a sua versão dos fatos sem a formalidade do interrogatório ou inquirição da vítima Chamase a atenção para esse ato porque para as pessoas que ali comparecem muitas pela primeira vez em um fórum ele se reveste de grande expectativa e muitos conflitos podem ser resolvidos nesse momento É nessa audiência que poderá haver a simples conciliação entre as partes a composição dos danos civis ou mesmo a transação penal pondo fim ao procedimento Em síntese a fase preliminar iniciará com o termo circunstanciado feito pela polícia e enviado para o JECrim ou até mesmo feito no Juizado do qual decorrerá o aprazamento de uma audiência em que se buscará a composição civil a feitura ou não da representação e a transação penal Na maioria dos casos o feito encontrará seu fim nessa audiência Frustrados os mecanismos de consenso o feito prosseguirá seguindo o rito sumaríssimo 36552 Rito Sumaríssimo O rito sumaríssimo necessariamente pressupõe a fase preliminar na qual se esgotaram os mecanismos que buscam o consenso Inexitosas todas as tentativas anteriormente explicadas Eis a morfologia do procedimento Sendo a infração de ação penal de iniciativa pública caberá ao Ministério Público oferecer sua denúncia oralmente ou por escrito o que costuma ser a regra até porque se for oral deverá ser reduzida a termo Se a ação penal for de iniciativa privada a queixacrime poderá ser proposta sem esquecer que o prazo decadencial é de 6 meses art 38 do CPP Oferecida a denúncia ou queixa será o réu citado para a audiência de instrução e julgamento No mandado de citação deverá constar ainda a necessidade de fazerse o réu acompanhar de advogado bem como da prova testemunhal que pretende produzir Caso alguma das testemunhas da defesa necessite ser intimada deverá o defensor providenciar o requerimento cinco dias antes da realização dessa audiência Na audiência de instrução e julgamento presentes as partes deverá verificar o Juiz se já foi realizada a tentativa de conciliação e a transação penal Caso não tenham sido ainda realizadas deverá então propôlas A rigor isso não poderia ocorrer em face da redação do art 77 que pressupõe a frustração das tentativas de consenso Nos termos do art 81 da Lei n 9099 aberta a audiência deverá o juiz oportunizar que a defesa responda a acusação oralmente É o momento em que poderão ser arguidas quaisquer das causas de rejeição liminar art 395 do CPP ou de absolvição sumária art 397 do CPP pois nos termos do art 394 5º do CPP aplicamse ao procedimento sumaríssimo subsidiariamente as novas disposições do procedimento ordinário Assim poderá alegar a inépcia da inicial ou a falta de qualquer das condições da ação ou seja que o fato narrado evidentemente não constitui crime que está extinta a punibilidade há ilegitimidade de parte ou falta de justa causa Infelizmente onde maior deveria ser o filtro processual para evitar acusações infundadas é onde menos levam a sério as condições da ação processual penal Muitos processos inúteis e ilegítimos poderiam ser evitados se os juízes efetivamente analisassem as condições da ação mas não é essa a realidade forense O Juiz em decisão fundamentada art 93 IX da Constituição Federal receberá ou rejeitará a denúncia ou queixa Da decisão que rejeitar caberá recurso de apelação disciplinado no art 82 da Lei n 9099 Da decisão que recebe a acusação seguindo a mesma orientação do Código de Processo Penal não cabe recurso sendo o habeas corpus o único instrumento da defesa para trancar um processo infundado e não trancar a ação penal Recebida a peça acusatória iniciará o Juiz a instrução ouvindose a vítima as testemunhas arroladas pela acusação e após as testemunhas arroladas pela defesa O interrogatório do réu é o último ato da instrução e após ele será dada a palavra ao Ministério Público ou ao querelante se for o caso e após à defesa para que se efetive o debate oral A sentença da qual se dispensa o relatório será prolatada em audiência sendo as partes imediatamente intimadas Dessa decisão caberão embargos declaratórios eou apelação 36553 Recursos e Execução Como já foi mencionado caberá recurso de apelação da decisão que homologa a transação penal art 76 5º que rejeitar a denúncia ou queixa e logicamente da sentença final que condenar ou absolver o réu Em relação à decisão que negar a suspensão condicional do processo ou a transação penal o recurso cabível é o de apelação pois constitui decisões interlocutórias mistas com força de definitivas Ciente da decisão o Ministério Público ou o querelante se for o caso e o réu terão o prazo único de 10 dias para através de petição escrita apelar A Lei dispôs de forma diversa em relação ao prazo e à sistemática do recurso não havendo os dois momentos interposiçãorazões que caracterizam o sistema do código de processo penal No JECrim o prazo é único para interposição e juntada de razões Para fundamentar suas razões ou contrarrazões prevê o art 82 3º a possibilidade de as partes requererem a juntada da transcrição da gravação da fita magnética correspondente aos atos de instrução e julgamento Interposto o recurso será a parte recorrida intimada para contraarrazoar em igual prazo para após ser a apelação remetida à Turma competente As partes serão intimadas através da imprensa da data da sessão de julgamento Se a sentença contiver obscuridade contradição omissão ou dúvida será possível a interposição de Embargos Declaratórios por escrito ou oralmente sendo nesse caso reduzidos a termo O prazo será de 5 dias a contar da ciência da decisão Ao contrário do Código de Processo Penal ficaram as duas formas de Embargos Declaratórios disciplinadas no mesmo artigo O prazo é de cinco dias e não de dois como dispõe o CPP e os Embargos Declaratórios suspendem o prazo para interposição de outro recurso art 83 1º Em relação à execução da pena que será ou de multa ou a restritiva de direitos a Lei é clara A multa deverá ser paga na secretaria do Juizado após a expedição da guia de recolhimento e a intimação do réu Não paga a multa no prazo de 10 dias deverá ser inscrita em dívida pública nos termos do art 51 do Código Penal Da decisão proferida pelas Turmas Recursais do JECrim além da possibilidade de embargos declaratórios como explicado também é possível a interposição de Recurso Extraordinário para o STF nos casos em que tem cabimento art 102 III da CF Pela sistemática legal estabeleceuse um paradoxo curioso da decisão da turma recursal caberá Recurso Extraordinário mas não Recurso Especial Nesse sentido dispõe a Súmula n 203 do STJ a saber Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais E ainda a Súmula n 640 do STF É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal A interposição do Recurso Extraordinário será endereçada ao Presidente da Turma Recursal que fará o juízo de admissibilidade Se não for conhecido caberá Agravo em Recurso Extraordinário Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo posterior específico para os recursos onde explicamos mais detidamente essa matéria Por fim mais uma questão muito discutida é a seguinte quem julgará uma revisão criminal interposta contra decisão da Turma Recursal Existe uma imensa lacuna legal neste tema agravada pela peculiar estrutura recursal dos Juizados Especiais Criminais Pensamos que respeitando a regra da hierarquia jurisdicional onde a revisão criminal é sempre julgada por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a última decisão sustentamos que a competência será do Supremo Tribunal Federal Fortalece esse entendimento o fato de as Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF definirem que das decisões das turmas recursais somente será admitido recurso extraordinário para o STF Logo está sinalizado que o órgão superior será o STF e não o Tribunal de Justiça Tribunal Regional Federal ou STJ Tal conclusão pode gerar algum espanto inicial mas é a mais coerente com o sistema recursal do Juizado Especial Criminal e sua estrutura jurisdicional Mas o tema não é pacífico 37 Crítica ao Sistema de Justiça Negociada Para além das vantagens aparentes o Juizado Especial Criminal possui graves defeitos que não podem ser desconsiderados até para que futuros ajustes venham a ser feitos A garantia da jurisdição careceria de sentido se fosse possível sua fungibilidade A inderrogabilidade é garantia que decorre e assegura a eficácia da garantia da jurisdição no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade do juízo assegurando a todos o livre acesso ao processo e ao poder jurisdicional Nessa linha os modelos de justiça negociada e consensuada representam importante violação à garantia da inderrogabilidade do juízo A lógica da plea negotiation conduz a um afastamento do Estado juiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote o conflito A negotiation viola desde logo esse pressuposto fundamental pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal que erroneamente limitase a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal Com o advento da Lei n 909995 cujo campo de incidência foi substancialmente ampliado pela Lei n 10259 foi introduzida50 uma variação no modelo de reparto até então adotado no nosso processo penal a justiça negociada Para grande parte da doutrina brasileira uma inovação revolucionária ou perigoso retrocesso Contudo com o passar dos anos a criatura virouse contra o criador ou melhor mostrou sua verdadeira cara utilitarismo processual e a busca da máxima eficiência antigarantista Nossa crítica não se limita ao aspecto normativo da Lei n 9099 senão que vai à base epistemológica que a informa constando que o problema será potencializado com o aumento das chamadas zonas de consenso como já ocorreu com a Lei n 10259 Alertamos ainda que o nosso discurso parte da aceitação do sistema heterônomo de reparto por meio de uma instituição estatal imparcial e autônoma Parecenos que a discussão sobre autotutela autocomposição reparto heterônomo por terceiro parcial e heterocomposição já está há muito superada na doutrina processual51 da mesma forma que estão sepultadas as teorias de direito privado que buscavam explicar a natureza jurídica do processo a partir do contrato O pensamento que nos orienta é prospectivo olhamos para o futuro A situação atual já é preocupante mas pretendemos demonstrar através da crítica que a ampliação do campo de atuação da justiça consensuada será desastrosa para o processo penal Devemos recordar ainda o contexto social e econômico no qual ela se insere e foi gerada até porque o sistema penal não está num compartimento estanque imune aos movimentos sociais políticos e econômicos conforme explicamos nos capítulos anteriores onde tratamos da ideologia repressivista da lei e ordem e da eficiência antigarantista A lógica negocial transforma o processo penal num mercado persa no seu sentido mais depreciativo Constitui também verdadeira expressão do movimento da lei e ordem na medida em que contribui para a banalização do Direito Penal fomentando a panpenalização e o simbolismo repressor Quando todos defendem a intervenção penal mínima a Lei n 9099 vem para ressuscitar no imaginário social as contravenções penais e outros delitos de bagatela de mínima relevância social Por isso ela está inserida no movimento de banalização do Direito Penal e do processo penal A justiça negociada está atrelada à ideia de eficiência viés economicista de modo que as ações desenvolvidas devem ser eficientes para com isso chegarmos ao melhor resultado O resultado deve ser visto no contexto de exclusão social e penal O indivíduo já excluído socialmente por isso desviante deve ser objeto de uma ação efetiva para obterse o máximo e certo apenamento que corresponde à declaração de exclusão jurídica Se acrescentarmos a esse quadro o fator tempo tão importante no controle da produção até porque o deusmercado não pode esperar a eficiência passa a ser mais uma manifestação senão sinônimo de exclusão A premissa neoliberal de Estado mínimo também se reflete no campo processual na medida em que a intervenção jurisdicional também deve ser mínima na justiça negociada o Estado se afasta do conflito tanto no fator tempo duração do processo como também na ausência de um comprometimento maior por parte do julgador que passa a desempenhar um papel meramente burocrático É inegável que vivemos numa sociedade regida pela velocidade mas isso não nos obriga a tolerar o atropelo de direitos e garantias fundamentais característico dos juizados especiais A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas zonas de consenso também está sustentada em síntese por três argumentos básicos a estar conforme os princípios do modelo acusatório b resultar da adoção de um processo penal de partes c proporcionar celeridade na administração de justiça A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do modelo acusatório e do processo de partes é totalmente ideológica e mistificadora como qualificou FERRAJOLI52 para quem esse sistema é fruto de uma confusão entre o modelo teórico acusatório que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação na igualdade entre acusação e defesa na oralidade e publicidade do juízo e as características concretas do sistema acusatório americano algumas das quais como a discricionariedade da ação penal e o acordo não têm relação alguma com o modelo teórico O modelo acusatório exige principalmente que o juiz se mantenha alheio ao trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas tanto de imputação como de descargo A gestãoiniciativa probatória no modelo acusatório está nas mãos das partes esse é o princípio fundante do sistema Ademais há a radical separação entre as funções de acusarjulgar o processo deve ser predominantemente oral público com um procedimento contraditório e de trato igualitário das partes e não meros sujeitos Com relação à prova vigora o sistema do livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada A liberdade da parte passiva é a regra sendo a prisão cautelar uma exceção Assim é o sistema acusatório não derivando dele a justiça negociada A verdade consensuada que brota da negotiation é ilegítima FERRAJOLI53 lembra que nenhuma maioria pode fazer verdadeiro o que é falso ou falso o que é verdadeiro nem portanto legitimar com seu consenso uma condenação infundada por haver sido decidida sem provas Com isso surge o equívoco de querer aplicar o sistema negocial como se estivéssemos tratando de um ramo do Direito Privado Existem inclusive os que defendem uma privatização do processo penal partindo do Princípio Dispositivo do processo civil esquecendo de que o processo penal constitui um sistema com suas categorias jurídicas próprias e de que tal analogia além de nociva é inadequada Explica CARNELUTTI54 que existe uma diferença insuperável entre o Direito Civil e o Direito Penal en penal con la ley no se juega No Direito Civil as partes têm as mãos livres no Penal devem têlas atadas O primeiro pilar da função protetora do Direito Penal e Processual é o monopólio legal e jurisdicional da violência repressiva A justiça negociada viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade É a mais completa desvirtuação do juízo contraditório essencial para a própria existência de processo e se encaixa melhor com as práticas persuasórias permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo É transformar o processo penal em uma negociata no seu sentido mais depreciativo No sistema americano muitas negociações são realizadas nos gabinetes do Ministério Público sem publicidade prevalecendo o poder do mais forte acentuando a posição de superioridade do Parquet Explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE 55 que a plea bargaining nos Estados Unidos é responsável pela solução de 80 a 95 de todos os delitos Ademais as cifras citadas colocam em evidência que em oito ou nove de cada dez casos não existe nenhum contraditório No mesmo sentido o Juiz Federal dos Estados Unidos RUBÉN CASTILLO56 afirma que de todos os processos criminais iniciados mais de 90 nunca chegam a juízo pois a defesa acorda com o MP O que caracteriza o princípio do contraditório é exatamente o confronto claro público e antagônico entre as partes em igualdade de condições Essa importante conquista da evolução do Estado de Direito resulta ser a primeira vítima da justiça negociada que começa por sacrificar o contraditório e acaba por matar a igualdade de armas Que igualdade pode existir na relação do cidadão suspeito frente à prepotência da acusação que ao dispor do poder de negociar humilha e impõe suas condições e estipula o preço do negócio Em última análise o sistema de justiça negociada fundase sobre a base da categoria autonomia de vontade Uma base excessivamente porosa para não dizer falaciosa Como aponta PRADO57 os desníveis socioeconômicos ainda vivos na sociedade brasileira interditam a pretensão de garantir ao sujeito principalmente ao sujeito investigadoimputado condições de exercer plenamente suas potencialidades e pois posicionarse conscientemente diante da proposta de transação compreendendo seu largo alcance como instrumento de política criminal No que diz respeito à transação penal PRADO58 faz longo e criterioso trabalho de crítica demonstrando todos os inconvenientes do instituto e desvelando a falácia do discurso favorável à transação penal Bastaria reconhecer a gravíssima e insuperável violação do Princípio da Necessidade fundante e legitimante do processo penal contemporâneo para compreender que a transação penal é absolutamente ilegítima pois constitui a aplicação de uma pena sem prévio processo Põese por terra a garantia básica do nulla poena sine iudicio A transação penal não dispõe explica o autor de um verdadeiro procedimento jurisdicional conforme a noção de devido processo legal O pacto no processo penal é um perverso intercâmbio que transforma a acusação em um instrumento de pressão capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformarse em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao negócio O promotor disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito ainda que sem o menor fundamento A tal ponto pode chegar a degeneração do sistema que de forma clara e inequívoca o saber e a razão são substituídos pelo poder atribuído ao Ministério Público O processo ao final é transformado num lujo reservado sólo a quienes estén dispuestos a afrontar sus costes y sus riesgos59 Tampouco entendemos que o sistema negocial colabore para aumentar a credibilidade da justiça pois ninguém gosta de negociar sua inocência Não existe nada mais repugnante que ante frustrados protestos de inocência ter que decidir entre reconhecer uma culpa inexistente em troca de uma pena menor ou correr o risco de submeterse a um processo que será desde logo desigual É um poderoso estímulo negativo saber que terá de enfrentar um promotor cuja imparcialidade imposta por lei foi enterrada junto com a frustrada negociação e que acusará de forma desmedida inclusive obstaculizando a própria defesa Uma vez mais tem razão GUARNIERI quando afirma que acreditar na imparcialidade60 do Ministério Público é incidir no erro de confiar al lobo la mejor defensa del cordero No plano do direito material as bases do sistema caem por terra O nexo de casualidade entre delito pena e proporcionalidade da punição é sacrificado A pena não dependerá mais da gravidade do delito mas da habilidade negociadora da defesa e da discricionariedade da acusação Ainda conforme se viu no Brasil contribui para a banalização do sistema penal com todos os graves inconvenientes do Direito Penal máximo Em síntese tudo dependerá do espírito aventureiro do acusado e de seu poder de barganha O excessivo poder sem controle do Ministério Público e seu maior ou menor interesse no acordo fazem com que princípios como os da igualdade certeza e legalidade penal não passem de ideais historicamente conquistados e sepultados pela degeneração do atual sistema Tampouco sobrevivem nessas condições a presunção de inocência e o ônus probatório da acusação O processo penal passa a não ser mais o caminho necessário para a pena e com isso o status de inocente pode ser perdido muito antes do juízo e da sentença e principalmente sem que para isso a acusação tenha que provar seu alegado A superioridade do promotor acrescida do poder de transigir faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a segurança do mal menor de admitir uma culpa ainda que inexistente Os acusados que se recusam a aceitar a transação penal ou a suspensão condicional do processo são considerados incômodos e nocivos e sobre eles pesarão acusações mais graves O panorama é ainda mais assustador quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de uma maior eficiência Não podemos esquecer de que o mesmo juiz que preside a fase conciliatória com a vítima será o que frustradas a conciliação e a negociata com o MP julgará o processo Logo está claramente contaminado e será imenso o prejuízo causado pelo préjuízo Não há como controlar a imagem negativa que se formará no inconsciente do julgador pela frustração do acordo pela recusa do réu Dependendo do caso o argumentado e admitido na fase negocial acabará fulminando initio litis no inconsciente do juiz a própria presunção de inocência Criticando o sistema no Direito espanhol críticas perfeitamente aplicáveis ao nosso caso FAIREN GUILLEN61 assinala que o paradoxo maior está no fato de que um Estado que no momento segue um regime político que intervém em quase todas as esferas de atividade do cidadão funcione em sentido contrário abandonando o campo do Direito Público em benefício do interesse particular não se venha dizer agora ao cabo de mais de vinte anos de experiência do plea bargain nos Estados Unidos que o Ministério Público ao pactuar está sempre convencido dos motivos cívicos públicos admiráveis do acusado Também entendemos que a participação da vítima no processo penal não deve ser potencializada62 para evitar uma molesta contaminação pela sua carga vingativa Seria um retrocesso à autotutela e autocomposição questões já superadas pelos processualistas Não se pode esquecer de que a participação da vítima no processo penal em geral e no assistente da acusação em especial decorre de uma pretensão contingente ressarcimento eou reparação dos danos Isso acarreta uma perigosa contaminação de interesses privados em uma seara regida por outra lógica e princípios Desvirtua por completo todo o sistema jurídicoprocessual penal pois pretende a satisfação de uma pretensão completamente alheia a sua função estrutura e finalidade GÓMEZ ORBANEJA63 aponta para o inconveniente da privatización del proceso penal completamente incompatível com sua verdadeira finalidade e o caráter estatal da pena Não resta dúvida de que as vítimas em muitos casos especialmente através da assistência utilizam o processo penal como uma via mais cômoda econômica e eficiente para alcançar a satisfação pecuniária Ora para isso existe o processo civil Para finalizar possivelmente a única vantagem para os utilitaristas da justiça negociada seja a celeridade com que são realizados os acordos e com isso finalizados os processos ou sequer iniciados Sob o ponto de vista do utilitarismo judicial existe uma considerável economia de tempo e dinheiro Ou seja é um modelo antigarantista Também o argumento de que a estigmatização do acusado é menor não é de todo verdadeiro Em modelos como o nosso a rotulação se produz em massa na medida em que se banaliza o sistema penal ao ressuscitar e vivificar todo um rol de crimes de bagatela e de completa irrelevância social Há ainda os casos não raros em que um inocente admite a culpa inexistente para não correr o risco do processo Em síntese a justiça negociada não faz parte do modelo acusatório e tampouco pode ser considerada como uma exigência do processo penal de partes Resulta ser uma perigosa medida alternativa ao processo sepultando as diversas garantias obtidas ao longo de séculos de injustiças Ademais está intimamente relacionada ao afastamento do Estado imposto pelo modelo neoliberal e também com o movimento da lei e ordem eis que ressuscitou no imaginário coletivo um rol de condutas que não deveriam mais ser objeto de tutela penal no caso dos delitos de menor potencial ofensivo Contribui assim para a panpenalização Por derradeiro ainda que o campo de negociação previsto pela Lei n 9099 e no âmbito federal pela Lei n 10259 de 12 de julho de 2001 seja restrito a crítica justificase na medida em que os problemas já existem e podem ser potencializados em caso de ampliação da chamada zona de consenso Como explicamos no início o trabalho é prospectivo e está preocupado com os futuros problemas Se seguirmos nesse rumo ampliando o espaço da justiça negociada fulminaremos com a mais importante de todas as garantias o direito a um processo penal justo 38 Rito dos Crimes da Competência do Tribunal do Júri 381 Competência e Morfologia do Procedimento O Tribunal do Júri está previsto no art 5º XXXVIII assegurandose a a plenitude de defesa b o sigilo das votações c a soberania dos veredictos d a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida A disciplina legal do Tribunal do Júri está desenhada nos arts 406 a 497 do CPP tendo sido substancialmente alterada pela Lei n 116892008 Iniciando pela competência até porque os demais elementos serão analisados ao longo da exposição cumpre recordar o art 74 do CPP que define a competência do Tribunal do Júri de forma exaustiva Art 74 A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária salvo a competência privativa do Tribunal do Júri 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts 121 1º e 2º 122 parágrafo único 123 124 125 126 e 127 do Código Penal consumados ou tentados 2º Se iniciado o processo perante um juiz houver desclassificação para infração da competência de outro a este será remetido o processo salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro que em tal caso terá sua competência prorrogada 3º Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular observarseá o disposto no art 410 mas se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri a seu presidente caberá proferir a sentença art 492 2º A competência do júri é assim muito bem definida no art 74 1º de forma taxativa e sem admitir analogias ou interpretação extensiva Logo não serão julgados no Tribunal do Júri os crimes de latrocínio extorsão mediante sequestro e estupro com resultado morte e demais crimes em que se produz o resultado morte mas que não se inserem nos crimes contra a vida Essa competência originária não impede que o Tribunal do Júri julgue esses delitos ou qualquer outro tráfico de drogas porte ilegal de arma roubo latrocínio etc desde que seja conexo com um crime doloso contra a vida Para evitar repetições remetemos o leitor para o Capítulo X onde tratamos da jurisdição e da competência Quanto à morfologia o procedimento estruturase assim 382 O Procedimento Bifásico Análise dos Atos O procedimento do júri é claramente dividido em duas fases instrução preliminar e julgamento em plenário A instrução preliminar não se confunde com a investigação preliminar que é a fase préprocessual da qual o inquérito policial é a principal espécie A instrução preliminar pressupõe o recebimento da denúncia ou queixa e portanto o nascimento do processo Feita essa ressalva compreendese que a instrução preliminar é a fase compreendida entre o recebimento da denúncia ou queixa e a decisão de pronúncia irrecorrível A segunda fase do rito se inicia com a confirmação da pronúncia e vai até a decisão proferida no julgamento realizado no plenário do Tribunal do Júri Na nova morfologia do procedimento do júri a segunda fase ficou reduzida praticamente ao plenário Antes dele há um único momento procedimental relevante que é a possibilidade de as partes arrolarem as testemunhas de plenário Essas duas fases ocorrem essencialmente pelo divisor de águas que se estabelece na decisão de pronúncia impronúncia absolvição sumária ou desclassificação Tal decisão é tomada pelo juiz presidente do júri ou seja o juiz de direito ou federal titular daquela vara Nesse momento o juiz após a coleta da prova na instrução decide em linhas gerais se encaminha aquele caso penal para o julgamento pelo Tribunal do Júri composto por 7 jurados Dessarte na primeira fase ainda não existem jurados sendo toda a prova colhida na presença do juiz presidente togado que ao final decide entre enviar o réu para julgamento pelo Tribunal do Júri pronúncia ou não absolvição sumária impronúncia ou desclassificação Portanto o processo pode findar nessa primeira fase conforme a decisão do juiz os detalhes de cada tipo de decisão serão analisados na continuação A segunda fase somente se inicia se a decisão do juiz for de pronúncia tem por ápice procedimental o plenário e finaliza com a decisão proferida pelos jurados 3821 Primeira Fase Atos da Instrução Preliminar Após o inquérito policial que mesmo sendo facultativo acaba se transformando em regra nesse tipo de delito o Ministério Público poderá oferecer a denúncia no prazo legal de 5 dias se o imputado estiver preso ou de 15 dias se estiver em liberdade art 46 do CPP Superado esse prazo sem manifestação do Ministério Público configurase a inércia autorizadora de que a vítima ou quem tenha qualidade para representála ajuíze a queixacrime subsidiária prevista no art 29 do CPP Há que se ter cuidado especialmente os que iniciam o estudo do direito processual penal para não pensar que o processo nos crimes contra a vida somente pode se iniciar por denúncia do MP Claro que todos esses delitos são de ação penal de iniciativa pública incondicionada mas nada impede que em caso de inércia do MP art 29 do CPP a vítima em caso de tentativa é claro ou seu ascendente descendente cônjuge ou irmão art 31 possa ajuizar a queixa subsidiária Formulada a denúncia ou queixa subsidiária caberá ao juiz recebêla ou rejeitála nos casos do art 395 do CPP Recebendo citará o acusado para oferecer defesa escrita no prazo de 10 dias64 onde já deverá arrolar suas testemunhas 8 testemunhas por réu arguir todas as preliminares que entender cabível juntar documentos e postular suas provas Também é o momento de formular em autos apartados as exceções de incompetência suspeição e demais enumeradas nos arts 95 a 112 e já estudadas Essa defesa escrita é obrigatória e não sendo oferecida deverá o juiz nomear um defensor dativo para fazêla sob pena de nulidade dos atos posteriores Feita a defesa escrita será dada vista ao Ministério Público para manifestarse sobre eventuais exceções e preliminares alegadas pela defesa bem como tomar conhecimento de documentos e demais provas juntadas Essa previsão de vista com a determinação de que o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos 5 cinco dias gera uma possibilidade de réplica desequilibradora nesse caso da estrutura dialética do processo Com razão MARQUES critica essa manifestação da acusação depois da defesa trazendo à colação o julgamento proferido no HC 87926SP Rel Min Cezar Peluso j 20022008 onde se assentou que a sustentação oral do representante do Ministério Público sobretudo quando seja recorrente único deve sempre preceder à defesa sob pena de nulidade do julgamento Em última análise o que se tutela em nome do contraditório e da ampla defesa é o direito de a defesa sempre falar após a acusação ou seja com verdadeira resistência ao ataque Na estrutura vigente o acusador formula sua imputação ataque a defesa se manifesta resistência e abrese erroneamente a possibilidade de um novo ataque agora dirigido à defesa apresentada Evidenciase assim a violação ao disposto no art 5º LV da Constituição É evidente que o Ministério Público tem o direito de se manifestar sobre eventuais documentos juntados nesta fase mas para isso disporá de toda a instrução podendo fazêlo ao longo dela ou nos debates orais ao final realizados O que não se pode admitir adverte com acerto MARQUES65 é a ampliação do debate em torno das alegações da defesa permitindo que a acusação tenha prazo para livre manifestação no momento exatamente anterior à ida dos autos para decisão sobre as provas Na sistemática do direito processual penal não é lícito à acusação falar depois da defesa pois a violação dessa ordem importa quebra dos princípios constitucionais norteadores do devido processo legal conforme referido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal Em suma duas opções a o juiz apresentada a resposta da defesa designa a audiência de instrução afastando portanto a aplicação do art 409 b ou intima o Ministério Público com a expressa advertência de que poderá se manifestar exclusivamente sobre a licitudeilicitude dos documentos juntados Havendo ampliação do debate por parte do acusador sobre as alegações da defesa tal peça deverá ser desentranhada dos autos Superado esse momento deverá o juiz aprazar audiência de instrução para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e defesa bem como produzir as demais provas postuladas pelas partes A reforma pontual Lei n 116892008 pretendeu dar mais celeridade ao procedimento do Tribunal do Júri mas pecou pelo atropelo além de criar perigosas condições para o utilitarismo processual com o evidente sacrifício de direitos e garantias fundamentais Na linha de nossa crítica inseremse os parágrafos do art 411 que estabelecem que as provas deverão ser produzidas em uma só audiência abrindose a perigosa opção de o juiz indeferir aquelas provas que entender irrelevantes impertinentes ou protelatórias Além de abrir um perigoso e impróprio espaço para a discricionariedade judicial comete o grave erro de permitir que o juiz subtraia dos jurados os verdadeiramente competentes para o julgamento a possibilidade de conhecer determinadas provas Há que se ter presente a peculiaridade do júri onde os destinatários finais da prova são os jurados e não o juiz Daí por que além de incompetente é errôneo atribuir ao juiz o papel de filtro probatório pois aquilo por ele considerado irrelevante impertinente ou protelatório pode ser muito relevante muito pertinente e nada protelatório para os jurados Outro erro foi prever debates orais em processos complexos como costumeiramente o são aqueles decorrentes dos crimes contra a vida Encerrando a equivocada linha procedimental adotada o art 412 estabelece que o procedimento será concluído no prazo máximo de 90 noventa dias Além de o prazo ser incompatível com a tramitação média desse tipo de processo pecou o legislador por estabelecer um prazo sem sanção processual Como já explicamos de nada serve fixar um prazo se não houver previsão legal da respectiva sançãopunição em caso de descumprimento É elementar que prazo sem sanção é igual a ineficácia do dispositivo Quando muito poderá servir para sinalizar um eventual excesso de prazo na prisão cautelar mas ainda assim de forma casuística e bastante tímida Mas feita essa rápida crítica voltemos à audiência de instrução Nesse momento deverão ser ouvidas a vítima se possível é claro as testemunhas arroladas pela acusação e após pela defesa Não poderá haver inversão nessa ordem mas a jurisprudência já tem relativizado essa regra quando a defesa concorda com a inversão Ato contínuo serão ouvidos os peritos que prestarão os esclarecimentos acerca das eventuais provas periciais Recordemos que a Lei n 116902008 alterando a disciplina legal da prova estabeleceu que as perícias podem ser feitas por um único perito oficial ou por dois peritos nomeados bem como passou a admitir a figura do assistente técnico E qual é o momento de postular a oitiva dos peritos As testemunhas devem ser arroladas respectivamente na denúncia ou queixa e na defesa escrita Nesse momento pode ocorrer que eventuais perícias não tenham sido realizadas ainda se tornando inviável o pedido de esclarecimentos dos peritos Nessa linha o art 411 1º determina que os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz Então em que momento isso deve ocorrer Pensamos que a resposta vem dada pelo art 159 5º Art 159 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes quanto à perícia I requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 dez dias podendo apresentar as respostas em laudo complementar II indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência Assim a oitiva dos peritos deve ser requerida com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento Também nesse prazo podem ser apresentados os quesitos ou questões a serem esclarecidos pelos peritos Mas pela lógica uma opção exclui a outra de modo que a parte postula a oitiva do perito ou que responda os quesitosquestões Contudo não se deve ignorar que em casos complexos pode ser necessário que os peritos esclareçam as próprias respostas dadas aos quesitos Considerando o alto risco de cerceamento de defesa bem como da competência dos jurados e não do juiz para o julgamento não deve ser indeferido eventual pedido de oitiva dos peritos Após a oitiva dos peritos serão feitas as eventuais acareações nos termos dos arts 229 e 230 do CPP Encerrando a instrução é feito o interrogatório dos réus constituindo verdadeiramente o direito à última palavra Ainda nessa audiência encerrada a instrução poderá haver a mutatio libelli prevista no art 384 cabendo ao Ministério Público aditar a denúncia se houver prova de um fato novo como a consumação no caso de homicídio tentado ou mesmo o surgimento de prova de uma qualificadora que não estava na denúncia que conduza a nova definição jurídica do caso penal Com o aditamento interrompese essa audiência pois deverá o juiz dar vista à defesa pelo prazo de 5 dias oportunizando ainda que o Ministério Público e a defesa arrolem até 3 testemunhas Deverá ser designada nova data para realização da oitiva dessas testemunhas e novo interrogatório do réu É imprescindível a realização desse novo interrogatório art 384 2º pois se deve oportunizar ao acusado refutar essa nova imputação Mas não sendo caso de mutatio libelli a instrução será encerrada passandose para os debates orais 20 minutos para cada parte prorrogáveis por mais 10 Nada impede que o debate oral seja substituído por memorial atendendo a complexidade do caso A decisão será proferida pelo juiz nessa audiência ou em até 10 dias art 411 9º do CPP Recordemos que a Lei n 117192008 recepcionou no art 399 2º o princípio da identidade física do juiz de modo que aquele julgador que colher a prova e assistir aos debates deverá proferir a decisão de pronúncia impronúncia absolvição sumária ou desclassificação Vejamos agora essas 4 decisões possíveis de serem tomadas pelo juiz presidente nesse momento 38211 Decisão de Pronúncia Excesso de Linguagem O Problemático In Dubio Pro Societate Princípio da Correlação Crime Conexo Prisão Cautelar Intimação da Pronúncia A pronúncia decisão interlocutória mista está prevista no art 413 do CPP Art 413 O juiz fundamentadamente pronunciará o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação 1º A fundamentação da pronúncia limitarseá à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena 2º Se o crime for afiançável o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória 3º O juiz decidirá motivadamente no caso de manutenção revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e tratandose de acusado solto sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código A decisão de pronúncia marca o acolhimento provisório por parte do juiz da pretensão acusatória determinando que o réu seja submetido ao julgamento do Tribunal do Júri Preclusa a via recursal para impugnar a pronúncia iniciase a segunda fase plenário Tratase de uma decisão interlocutória mista não terminativa que deve preencher os requisitos do art 381 do CPP O recurso cabível para atacar a decisão de pronúncia é o recurso em sentido estrito previsto no art 581 IV do CPP É uma decisão que não produz coisa julgada material na medida em que pode haver desclassificação para outro crime quando do julgamento em plenário pelos jurados Faz sim coisa julgada formal pois uma vez preclusa a via recursal não poderá ser alterada exceto quando houver circunstância fática superveniente que altere a classificação do crime nos termos do art 421 1º do CPP Como explica ARAMIS NASSIF66 a pronúncia é a decisão que apenas verifica a admissibilidade da pretensão acusatória tal como feito quando do recebimento da denúncia mas e não é demasia dizer tratase de verdadeiro rerecebimento da denúncia agora qualificada pela instrução judicializada A pronúncia com a extinção do libelo antigo art 417 assume um papel muito importante pois demarca os limites da acusação a ser deduzida em plenário devendo nela constar a narração do fato criminoso e as eventuais circunstâncias qualificadoras e causas de aumento constantes na denúncia ou no eventual aditamento ou queixa subsidiária em caso de inércia do Ministério Público Assim as agravantes atenuantes e causas especiais de diminuição da pena não são objeto da pronúncia ficando reservadas para análise na sentença condenatória Como toda decisão judicial deve ser fundamentada Contudo por se tratar de uma decisão provisória em atípico procedimento bifásico no qual o órgão competente para o julgamento é o Tribunal do Júri e não o juiz presidente que profere a pronúncia a decisão é bastante peculiar Não pode o juiz condenar previamente o réu pois não é ele o competente para o julgamento Por outro lado especial cuidado deve ter o julgador na fundamentação para não contaminar os jurados que são facilmente influenciáveis pelas decisões proferidas por um juiz profissional e mais ainda por aquelas proferidas pelos tribunais Deve o juiz como determina o 1º do artigo anteriormente transcrito limitarse a indicar a existência do delito materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação Não pode o juiz afirmar a autoria ou a materialidade especialmente quando ela é negada pelo réu sob pena de induzir ao prejulgamento por parte dos jurados Deve restringirse a fazer um juízo de verossimilhança67 Não é a pronúncia o momento para realização de juízos de certeza ou pleno convencimento Nem deve o juiz externar suas certezas pois isso irá negativamente influenciar os jurados afetando a necessária independência que devem ter para julgar o processo Mais do que em qualquer outra decisão a linguagem empregada pelo juiz na pronúncia revestese da maior importância Deve ela ser sóbria comedida sem excessos de adjetivação sob pena de nulidade do ato decisório Nesse sentido entre outras decisões68 citamos o HC 85260RJ Relator Min SEPÚLVEDA PERTENCE julgado em 1502200569 O que se busca é assegurar a máxima originalidade do julgamento feito pelos jurados para que decidam com independência minimizando a influência dos argumentos e juízos de desvalor realizados pelo juiz presidente Ainda nessa linha de preocupação a Lei n 116892008 alterou completamente o rito do Tribunal do Júri inserindo no art 478 do CPP a proibição sob pena de nulidade de que as partes façam referência à decisão de pronúncia e às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação Com isso pretendese essencialmente evitar os excessos do juiz na pronúncia e principalmente o uso abusivo dessa decisão no plenário por parte do acusador Essa prática tão disseminada até então gerava gravíssimos prejuízos para a defesa pois a decisão de pronúncia e principalmente o acórdão confirmatório dela eram utilizados pelos acusadores como argumento de autoridade induzindo os jurados a afirmarem a autoria e a materialidade e por consequência condenarem o réu Contudo produzse um completo paradoxo quando verificamos essa acertada preocupação com uso abusivo da decisão de pronúncia e ao mesmo tempo o disposto no art 472 parágrafo único do CPP Art 472 Parágrafo único O jurado em seguida receberá cópias da pronúncia ou se for o caso das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo Ora não se permite que acusador e defesa façam alusão à pronúncia mas entregase cópia dela para os jurados E tem o jurado condições de compreender plenamente o que ali está Nem sempre E o pior não podem as partes explicarlhes a decisão Um paradoxo absurdo que só pode ser atenuado pela postura atenta e coerente do juiz presidente explicando de forma clara e cuidando ao máximo para não ser tendencioso eventuais dúvidas que os jurados possam ter em relação à decisão de pronúncia No mesmo sentido NASSIF70 critica que o legislativo reformador tenha deixado aberta a possibilidade de que o jurado possa sofrer a influência da linguagem imoderada da decisão o que vai exigir especial cuidado dos juízes no momento da pronunciação sem perder de vista que assim está repristinada toda a jurisprudência anterior que coibia a linguagem abusiva Noutra dimensão bastante problemático é o famigerado in dubio pro societate Segundo a doutrina tradicional neste momento decisório deve o juiz guiarse pelo interesse da sociedade em ver o réu submetido ao Tribunal do Júri de modo que havendo dúvida sobre sua responsabilidade penal deve ele ser pronunciado LEAL71 afirma que ela se norteia pelo princípio do in dubio pro societate ou seja na dúvida o juiz decide a favor da sociedade declinando o julgamento ao júri A jurisprudência brasileira está eivada de exemplos de aplicação do brocardo não raras vezes chegando até a censurar aqueles hereges que ousam divergir do pacífico entendimento Pois bem discordamos desse pacífico entendimento Questionamos inicialmente qual é a base constitucional do in dubio pro societate Nenhuma Não existe72 Por maior que seja o esforço discursivo em torno da soberania do júri tal princípio não consegue dar conta dessa missão Não há como aceitar tal expansão da soberania a ponto de negar a presunção constitucional de inocência A soberania diz respeito à competência e limites ao poder de revisar as decisões do júri Nada tem a ver com carga probatória Não se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas escondendose atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição para burocraticamente pronunciar réus enviandolhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco que representa o julgamento nesse complexo ritual judiciário Também é equivocado afirmarse que se não fosse assim a pronúncia já seria a condenação do réu A pronúncia é um juízo de probabilidade não definitivo até porque após ela quem efetivamente julgará são os jurados ou seja é outro julgamento a partir de outros elementos essencialmente aqueles trazidos no debate em plenário Portanto a pronúncia não vincula o julgamento e deve o juiz evitar o imenso risco de submeter alguém ao júri quando não houver elementos probatórios suficientes verossimilhança de autoria e materialidade A dúvida razoável não pode conduzir a pronúncia Nessa linha vale o in dubio pro reo para absolver sumariamente o réu que tiver agido ao abrigo da legítima defesa não apenas quando a excludente for estreme de dúvidas mas quando for verossímil a ponto de gerar a dúvida razoável impronunciar réus em que a autoria não esteja razoavelmente demonstrada desclassificar para crime culposo as abusivas acusações por homicídio doloso dolo eventual em acidentes de trânsito onde o acusador não fez prova robusta da presença do elemento subjetivo Perfilamse ao nosso lado negando o in dubio pro societate e defendendo a presunção de inocência entre outros RANGEL e BADARÓ Para RANGEL73 o princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito onde a dúvida não pode autorizar uma acusação colocando uma pessoa no banco dos réus O Ministério Público como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis não pode com base na dúvida manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal Com razão RANGEL destaca que não há nenhum dispositivo legal que autorize esse chamado princípio do in dubio pro societate O ônus da prova já dissemos é do Estado e não do investigado Por derradeiro enfrentando a questão na esfera do Tribunal do Júri segue o autor explicando que se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia sob o aspecto da autoria e materialidade não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado mandandoo a júri onde o sistema que impera lamentavelmente é o da íntima convicção A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação com base na dúvida GUSTAVO BADARÓ 74 explica que o art 409 atual 414 estabelece um critério de certeza o juiz se convencer da existência do crime Assim se houver dúvida sobre se há ou não prova da existência do crime o acusado deve ser impronunciado Já com relação à autoria o requisito legal não exige a certeza mas sim a probabilidade da autoria delitiva deve haver indícios suficientes de autoria É claro que o juiz não precisa ter certeza ou se convencer da autoria Mas se estiver em dúvida sobre se estão ou não presentes os indícios suficientes de autoria deverá impronunciar o acusado por não ter sido atendido o requisito legal Aplicase pois na pronúncia o in dubio pro reo grifo nosso Assim ainda que nossa posição seja por enquanto minoritária sob o ponto de vista de receptividade doutrinária e jurisprudencial insistimos em que nesse momento decisório aplicase a presunção de inocência e o in dubio pro reo Somente quando houver fortes elementos probatórios de autoria e materialidade probabilidade e alto grau de convencimento pode o juiz pronunciar Havendo dúvida razoável deverá impronunciar ou absolver sumariamente ou desclassificar a infração conforme o caso Voltando ao tema quando da pronúncia pode haver a exclusão de uma qualificadora ou causa de aumento da pena conforme o contexto probatório Se não existirem elementos suficientes para sustentar a qualificadora poderá o juiz pronunciar pela figura simples excluindo a qualificadora Há quem inclusive veja a possibilidade de uma impronúncia da qualificadora gerando uma pronúncia imprópria75 Isso porque em que pese a desclassificação da figura qualificada para o tipo simples existe pronúncia Também há que se atentar para o fato de que uma vez afastada a qualificadora o que resta excluído é a situação fática e não o nome jurídico Daí por que uma vez afastada a qualificadora mas pronunciado o réu não pode o Ministério Público ou querelante postular a sua inclusão em plenário sob o rótulo de agravante Isso ocorre porque muitas das qualificadoras nada mais são do que situações fáticas constitutivas de agravantes Logo uma vez excluída a qualificadora está afastada a situação fática não podendo o Ministério Público trocar o nome jurídico para querer agora seu reconhecimento com o título de agravante Apenas para esclarecer estamos falando em sustentar em plenário para que o juiz considere na sentença pois não se quesita a existência de agravantes ou atenuantes No mesmo sentido GIACOMOLLI76 esclarece que o afastamento da qualificadora na decisão de pronúncia impede a sustentação destas como agravantes por já terem recebido um juízo negativo Superada essa questão e pronunciado o réu deverá o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena Além da tipificação da conduta deverá o juiz decidir se também pronuncia as qualificadoras e causas de aumento de pena Para tanto além de prova razoável de sua existência é fundamental observarse o princípio da correlação entre acusaçãosentença de modo que somente poderá haver uma decisão sobre qualificadoras e causas de aumento de pena se existir a respectiva acusação Significa dizer que somente qualificadoras e causas de aumento que estejam descritas na denúncia ou queixa substitutiva ou tenham sido incluídas através de aditamento art 384 é que podem ser incluídas na pronúncia Sem isso estar na denúnciaqueixa ou aditamento é nula a decisão por ser ela ultra ou extra conforme o caso petita A pronúncia não examinará adverte NASSIF 77 agravantes ou atenuantes pois essas circunstâncias legais pressupõem a aplicação da pena e portanto o juízo condenatório que não é realizado nessa fase Ademais não são elas objeto de quesitação ainda que devam ser alegadas pelas partes em plenário pois o art 492 I b do CPP estabelece que as agravantes e atenuantes alegadas serão consideradas quando da prolação da sentença Quanto às minorantes devem elas ser alegadas em plenário pela defesa e serão quesitadas como disciplina o art 483 IV do CPP Assim no momento da pronúncia poderá o juiz a concordar com o fato narrado na denúncia e a classificação jurídica a ele atribuída situação em que irá pronunciar o réu nesses termos b sem modificar a descrição do fato contida na denúncia não há fato novo portanto poderá atribuir lhe uma definição jurídica diversa nos termos do art 418 cc art 383 do CPP mesmo que isso signifique sujeitar o acusado a pena mais grave mas a nova figura típica ainda é de competência do júri c sem modificar a descrição do fato contida na denúncia poderá atribuirlhe uma definição jurídica diversa nos termos do art 418 cc art 383 do CPP mesmo que signifique sujeitar o acusado a pena mais grave mas dando lugar a uma nova figura típica que não é mais da competência do Tribunal do Júri é a chamada desclassificação própria prevista no art 419 devendo os autos ser remetidos para o juiz competente por exemplo a desclassificação de homicídio para lesão corporal seguida de morte Importante é a leitura do art 411 3º que remete para o art 384 do CPP Assim quando for cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração não contida na acusação deverá o Ministério Público aditar a denúncia ouvindose após a defesa Não cabe mais ao juiz invocar a atuação do Ministério Público como na antiga sistemática do art 384 antes da Lei n 117192008 e tampouco pronunciar por crime mais grave sem o necessário aditamento Ainda nesse momento é possível que o juiz verifique a existência de indícios de autoria ou participação de outras pessoas não incluídas na acusação devendo pronunciar impronunciar absolver sumariamente ou desclassificar o acusado e determinar o retorno dos autos ao Ministério Público para decidir sobre denunciar pedir novas diligências ou o arquivamento das peças de informação Como menciona o art 41778 que trata dessa matéria é aplicável a cisão processual prevista no art 80 do CPP pois mesmo havendo continência a diferença das dinâmicas procedimentais entre um feito que já se encontra na fase de plenário e outro que irá iniciar impede a reunião para processamento simultâneo Pensamos que a mesma regra deve ser seguida quando for caso de conexão isto é com o surgimento de novos fatos delitivos conexos com aquele constante na denúncia O que fazer quando há mudança fática superveniente à pronúncia Devese utilizar o disposto no art 421 1º do CPP com a remessa dos autos ao Ministério Público para que promova o aditamento É o que ocorre por exemplo quando o réu é denunciado e pronunciado por tentativa de homicídio e a vítima após a pronúncia mas antes do plenário vem a falecer em razão das lesões sofridas Devese seguir a lógica do art 384 do CPP com o Ministério Público promovendo o aditamento a defesa se manifestando e após deverá o juiz proferir uma nova decisão de pronúncia E quanto ao crime conexo Quando existe algum delito conexo ao crime doloso contra a vida a regra é pronunciado o crime de competência do júri o conexo o seguirá Concordamos com NASSIF79 quando leciona que os crimes conexos aos da competência do júri não são objetos da pronúncia além dos estritos limites da declaração da conexidade Ou seja não faz o juiz uma valoração da prova da autoria e materialidade como o faz em relação ao crime prevalente doloso contra a vida do crime conexo Limitase a declarar sua conexidade e determinar o julgamento pelo júri juntamente com o crime prevalente Contudo não se desconhece a existência de corrente teórica em posição diversa exigindo que o juiz faça um juízo igual de admissibilidade da acusação quando da pronúncia em relação ao crime conexo Quando houver desclassificação do crime prevalente para outro que não é de competência do Tribunal do Júri o conexo também é redistribuído Se impronunciado ou absolvido sumariamente em relação ao crime doloso contra a vida o conexo é redistribuído para aquele juiz ou juizado competente para julgá lo Em suma quanto ao crime conexo é importante compreender que ele não poderá ser objeto de decisão condenatória ou absolutória nessa fase Ele seguirá o crime prevalente para o Tribunal do Júri em caso de pronúncia ou será redistribuído nos demais casos O conexo nunca é julgado nesse momento Assim denunciado o réu por homicídio doloso consumado e tráfico de substâncias entorpecentes por exemplo caberá ao juiz presidente decidir se pronuncia ou não o crime principal homicídio doloso Se pronunciar apenas menciona que o conexo também irá a julgamento Não lhe compete julgar o crime conexo seja para condenar ou absolver A competência do julgamento é do Tribunal do Júri Não havendo pronúncia pelo crime prevalente o conexo será redistribuído juntamente para manter a conexão ou se o principal for objeto de absolvição sumária ou impronúncia o crime conexo é redistribuído para o juiz competente para julgálo Não existe possibilidade de impronúncia ou absolvição sumária do crime conexo nesse momento Quanto à decretação ou revogação de prisão preventiva remetemos o leitor para o capítulo da Prisão Cautelar mas sublinhamos que o juiz deverá demonstrar a existência ou manutenção do periculum libertatis bem como a insuficiência e inadequação das medidas cautelares diversas art 319 Somente em casos de real necessidade e como último instrumento poderá ser decretada ou mantida a prisão preventiva Quanto à fiança remetemos a toda explicação feita anteriormente quando tratamos das medidas cautelares mas desde logo sublinhamos sua perfeita aplicação neste momento A intimação da pronúncia deverá ser feita pessoalmente ao acusado ao defensor nomeado e ao Ministério Público ao defensor constituído ao querelante e ao assistente da acusação a intimação será feita por nota de expediente como determina o art 370 1º do CPP não sendo encontrado o acusado que está em liberdade a intimação será feita por edital Essa última providência intimação por edital visa em conjunto com a possibilidade de o réu ser julgado sem estar presente na sessão do Tribunal do Júri art 457 agilizar os julgamentos Por fim chamamos a atenção para o disposto no art 421 Art 421 Preclusa a decisão de pronúncia os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri A questão a saber é pode ser realizado o júri na pendência de recurso especial ou extraordinário da pronúncia Pensamos que o espaço de interpretação do dispositivo é bastante limitado e não há como sustentar se há preclusão na pendência do julgamento de recurso Seria desconsiderar hermeneuticamente toda construção doutrinária e jurisprudencial existente milhares de páginas escritas e ter a pretensão de atribuir à preclusão um sentido novo quase um absurdo marco zero de interpretação Ora se ainda há recurso pendente de julgamento como falar que houve preclusão O argumento da falta de efeito suspensivo no recurso especial e extraordinário além de constituir um errôneo civilismo da teoria geral do processo tinha algum sentido antes da reforma processual de 2008 Mas não agora com a nova redação Não há preclusão da pronúncia na pendência de recurso sendo irrelevante a questão efeito recursal Em suma pensamos que não pode ser aprazado o julgamento pelo tribunal do júri enquanto não houver preclusão ou seja enquanto não forem julgados os recursos interpostos Neste sentido andou muito bem a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Rel Des Maria Helena Salcedo no julgamento do HC 00309720220108190000 HABEAS CORPUS Art 121 2 III e V do Código Penal Alegação de existência de constrangimento ilegal em razão de haver sido designado julgamento em plenário sem preclusão da decisão de pronúncia Existência de recurso interposto pela defesa perante o Supremo Tribunal Federal pendente de julgamento de Agravo de Instrumento Pedido de declaração de nulidade do ato que recebeu o libelo acusatório bem como aqueles subsequentes inclusive o de designação de sessão plenária de julgamento Procedência Nova redação conferida ao art 421 do Código de Processo Penal e que obsta o prosseguimento do feito Concessão da ordem para anular a decisão saneadora que designou data para o plenário do tribunal do júri devendo ser aguardado o trânsito em julgado do recurso defensivo interposto perante a corte constitucional para só após se for o caso haver designação de data para julgamento grifamos Portanto a preclusão da decisão de pronúncia pressupõe o esgotamento das vias recursais sendo inviável designarse data para julgamento enquanto não for julgado eventual recurso especial ou extraordinário 38212 Decisão de Impronúncia Problemática Situação de Incerteza A impronúncia é uma decisão terminativa pois encerra o processo sem julgamento de mérito sendo cabível o recurso de apelação art 593 II do CPP Está prevista no art 414 do CPP Art 414 Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação o juiz fundamentadamente impronunciará o acusado Parágrafo único Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova A impronúncia é proferida quando apesar da instrução não lograr o acusador demonstrar a verossimilhança da tese acusatória não havendo elementos suficientes de autoria e materialidade para a pronúncia Está assim em posição completamente oposta em relação à pronúncia80 É assim uma decisão terminativa que encerra o processo sem julgamento de mérito não havendo a produção de coisa julgada material pois o processo pode ser reaberto a qualquer tempo até a extinção da punibilidade desde que surjam novas provas Tal decisão não significa que o réu esteja absolvido pois em que pese não ser submetido ao Tribunal do Júri não está completamente livre da imputação Eis aqui o grande inconveniente da impronúncia gera um estado de incerteza Ao não decidir nada em favor do réu a impronúncia gera um estado de pendência de incerteza e insegurança processual O processo pode ser a qualquer momento reaberto desde que exista prova nova A situação somente é definitivamente resolvida quando houver a extinção da punibilidade ou seja a prescrição pela maior pena em abstrato o que pode representar 20 anos de espera O problema reside assim na possibilidade prevista no parágrafo único de o processo ser reaberto a qualquer tempo enquanto não estiver extinta a punibilidade se surgirem novas provas A impronúncia não resolve nada Gera um angustiante e ilegal estado de pendência pois o réu não está nem absolvido nem condenado E o que é pior pode voltar a ser processado pelo mesmo fato a qualquer momento Concordamos com RANGEL81 no sentido de que tal decisão não espelha o que de efetivo se quer dentro de um Estado Democrático de Direito ou seja que as decisões judiciais ponham um fim aos litígios decidindoos de forma meritória dando aos acusados e à sociedade segurança jurídica Tratase de uma decisão substancialmente inconstitucional e que viola quando de sua aplicação a presunção de inocência Se não há prova suficiente da existência do fato eou da autoria para autorizar a pronúncia e recordese nesse momento processual vigora a presunção de inocência e o in dubio pro reo a decisão deveria ser absolutória O que resulta por evidente inadmissível é colocar como define RANGEL o indivíduo no banco de reservas aguardando novas provas ou a extinção da punibilidade A impronúncia remonta a uma racionalidade tipicamente inquisitória em que o herege não deveria ser plenamente absolvido senão que como explica EYMERICH82 o inquisidor tomará cuidado para não declarar em sua sentença de absolvição que o acusado é inocente ou isento e sim esclarecer bastante que nada foi legitimamente provado contra ele desta forma se mais tarde trazido novamente diante do tribunal for indiciado por causa de qualquer crime possa ser condenado sem problemas apesar da sentença de absolvição Entendemos assim que o estado de pendência e de indefinição gerado pela impronúncia cria um terceiro gênero não recepcionado pela Constituição em que o réu não é nem inocente nem está condenado definitivamente É como se o Estado dissesse ainda não tenho provas suficientes mas um dia eu acho ou fabrico enquanto isso fica esperando A questão também deve ser tratada à luz do direito de ser julgado em um prazo razoável Não só o poder de acusar está condicionado no tempo senão também que o réu tem o direito de ver seu caso julgado A situação de incerteza prolonga a penaprocesso por um período de tempo absurdamente dilatado como será o da prescrição pela pena em abstrato nesses crimes deixando o réu à disposição do Estado em uma situação de eterna angústia e grave estigmatização social e jurídica Retornando à lógica inquisitorial a extinção da punibilidade tampouco resolve o grave problema criado não só porque constitui uma absurda demora jurisdicional mas também porque não o absolve plenamente Significa apenas que o réu foi suficientemente torturado e nada se conseguiu provar contra ele no mais puro estilo do Directorium Inquisitorum Aqui outra não poderá ser a solução adotada se não há prova suficiente para a pronúncia ou desclassificação o réu deveria ser absolvido com base no art 386 cujo inciso irá depender da situação concreta Não se descarta ainda dependendo da prova produzida e da situação específica do processo que o juiz absolva sumariamente nos termos do art 415 O que não se pode mais aceitar pacificamente é a impronúncia e o estado de incerteza que ela gera especialmente quando é possível uma solução mais adequada Quanto ao crime conexo ao prevalente impronunciado se não for de competência originária do júri não poderá ser objeto de qualquer decisão Deve ser redistribuído para o juiz singular competente ou para o Juizado Especial Criminal quando se tratar de infração de menor potencial ofensivo A título de curiosidade doutrinária pois o termo nunca foi consagrado no Código de Processo Penal mencionamos a denominada decisão de despronúncia explicada por ESPÍNOLA FILHO83 como sendo aquela tomada pelo tribunal que julgando um recurso interposto contra a decisão de pronúncia o acolhe e dá provimento para o fim de impronunciar o réu Assim o tribunal desconstitui a decisão de pronúncia e profere outra agora de impronúncia art 414 Existe portanto um desfazimento da pronúncia por parte do tribunal que anulando essa decisão profere outra de impronúncia Mas nada impede que o próprio juiz prolator da pronúncia em sede de retratação possível pois o recurso cabível da decisão de pronúncia é em sentido estrito onde existe a possibilidade de o juiz se retratar decida por acolher o recurso defensivo e impronunciar o réu sem esquecer que dessa nova decisão de impronúncia caberá recurso de apelação Daí o emprego do termo despronúncia 38213 Absolvição Sumária Própria e Imprópria Iniciemos pelo art 415 do CPP Art 415 O juiz fundamentadamente absolverá desde logo o acusado quando I provada a inexistência do fato II provado não ser ele autor ou partícipe do fato III o fato não constituir infração penal IV demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime Parágrafo único Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art 26 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal salvo quando esta for a única tese defensiva NR A absolvição sumária não é apenas uma decisão interlocutória mas sim uma verdadeira sentença com análise de mérito e que passou com o advento da Lei n 116892008 exatamente por ter essas características a ser impugnada pela via do recurso de apelação Também outra inovação relevante da referida lei foi a acertada extinção do recurso ex officio da sentença de absolvição sumária pois era uma teratologia processual completa um juiz decidir e recorrer da decisão que ele próprio proferiu sendo evidente sua ilegitimidade pois não parte interessada para recorrer e também a violação do sistema acusatório Também inovou a Lei n 11689 ao ampliar acertadamente os casos de absolvição sumária antes limitadas às causas de exclusão da ilicitude ou culpabilidade Os incisos I e II iniciam pela exigência de estar provadoa a inexistência do fato ou de que o réu não é autor ou partícipe do fato Tratase de situação que exige prova robusta que conduza ao pleno convencimento do juiz de que o fato não existiu em processo por homicídio consumado produzse prova cabal de que a vítima está viva por exemplo ou de que o réu não é autor ou partícipe Não se confunde portanto com não haver prova suficiente da autoria ou materialidade A exigência é de convencimento e não de dúvida do magistrado Já o inciso III permite a absolvição sumária quando o fato narrado não constitui infração penal Significa dizer que o fato é atípico Quando a questão envolver causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade o fundamento da absolvição sumária é o inciso IV Quanto ao inciso IV prevê a possibilidade de absolvição sumária quando estiver demonstrada a presença de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade recordando que as causas de exclusão da ilicitude estão previstas no art 23 Art 23 Não há crime quando o agente pratica o fato I em estado de necessidade II em legítima defesa III em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito Excesso punível Parágrafo único O agente em qualquer das hipóteses deste artigo responderá pelo excesso doloso ou culposo Quanto às causas de exclusão da culpabilidade inimputabilidade inexigibilidade de outra conduta estado de necessidade exculpante excesso de legítima defesa exculpante descriminantes putativas coação irresistível obediência hierárquica e o erro de proibição igualmente conduzem a absolvição sumária Precisamos sublinhar dois pontos No que tange à inimputabilidade o parágrafo único do art 415 faz uma importante distinção entre inimputável com tese defensiva e inimputável sem tese defensiva Quando o réu é inimputável nos termos do art 26 do Código Penal devidamente comprovado através do respectivo incidente art 149 e em que pese isso alega por exemplo que não é o autor ou partícipe ou que o fato não existiu ou que agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deverá o juiz analisar o caso seguindo as regras normais de julgamento ou seja como se o réu fosse imputável e portanto possível a pronúncia a impronúncia a desclassificação ou mesmo a absolvição sumária mas não fundada na inimputabilidade senão nas causas previstas no art 415 Aqui se o réu for absolvido sumariamente porque agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade não há que se falar em aplicação de medida de segurança Assim acertadamente assegurase ao inimputável o direito ao processo e ao julgamento pois pode ele ser absolvido sumariamente porque agiu ao abrigo da legítima defesa bem como ser impronunciado ou ainda ser submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri para que os jurados decidam sobre sua tese defensiva Finalmente se submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri e for acolhida a tese acusatória somente então deverá o juiz proferir uma sentença absolutória imprópria absolvendo e aplicando a medida de segurança art 386 parágrafo único inciso III Noutra dimensão quando o réu alega exclusivamente que praticou o ato em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado sendo portanto ao tempo da ação ou omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento deverá o juiz absolver sumariamente e aplicar medida de segurança ou seja uma absolvição sumária imprópria seguindo o disposto no art 386 parágrafo único inciso III Evidente que essa postura é censurável pois não apenas subtrai o caso penal do julgamento do júri como impõe uma medida de segurança o que é faticamente até mais grave do que a pena privativa de liberdade em evidente sentido de condenação No mesmo sentido NASSIF84 critica tal decisão na medida em que ela passa efetivamente por conclusão que se não fosse a doença mental seria de caráter condenatório Com isso temse a nítida impressão de que o juiz trai os limites que lhe são impostos na judicium accusationis e furta ao Conselho de Sentença a competência para o julgamento Conclui o autor no sentido de que o dispositivo é substancialmente inconstitucional pois afronta os princípios constitucionais da ampla defesa e do juiz natural pois retira do júri a competência para o julgamento Superada essa questão continuemos analisando a absolvição sumária Como na decisão de pronúncia mas aqui com mais ênfase o in dubio pro societate é amplamente invocado pelo senso comum teórico no que tange ao nível de exigência probatória É lugarcomum a afirmativa de que a absolvição sumária é uma sentença que somente pode ter lugar quando a prova da excludente for estreme de dúvidas85 cabal e plena Com isso o que se faz é reduzir o campo de incidência da absolvição sumária a casos excepcionalíssimos enviando a imensa maioria dos réus a julgamento pelo Tribunal do Júri Pensamos que novamente o in dubio pro societate deve ser afastado cabendo aos juízes situarem a questão noutro nível de exigência probatória mais próximo do in dubio pro reo e da presunção de inocência como defendemos anteriormente Novamente advertimos da insuficiência dos argumentos daqueles que defendendo o in dubio pro societate aduzem que uma postura diversa conduziria a que somente houvesse júri com réu pré condenado ou seja de que a aplicação do in dubio pro reo nessa fase faria com que os acusados que fossem pronunciados já estivessem previamente condenados pois afastada a dúvida Não é verdade A questão passa pelo sistema escalonado do processo penal que pode ser progressivo ou regressivo de culpabilidade sem qualquer problema O suspeito indiciado hoje não é necessariamente o acusado de amanhã nem o submetido a longa prisão preventiva será logicamente condenado Também há que se considerar o espaçotempo da decisão ou seja de um lado temos uma decisão proferida pelo juiz presidente a partir da prova colhida na primeira fase Se ele entender que deve pronunciar pois nem mesmo o in dubio pro reo autoriza a absolvição sumária impronúncia ou desclassificação em nada resta prejudicado ou influenciado o julgamento dos jurados pois decidem a partir de outro contexto No plenário quem julga não é mais o mesmo juiz presidente e uma nova situação processual é gerada a partir do debate e da prova eventualmente produzida naquele momento Então são outros julgadores decidindo a partir de outro cenário probatório ou ainda noutra situação jurídico processual Pensamos que devem os juízes assumir uma postura mais responsável e menos burocrática na condução dos processos submetidos a esse rito pois inegavelmente o júri representa um imenso risco para a administração da justiça Se não se pode desconsiderar a soberania constitucional do júri de um lado não se pode por outro fechar os olhos para essa realidade Mais grave ainda é não se dar conta de que o júri não é bem uma garantia do cidadão senão uma imposição pois o réu não pode escolher se quer ou não ser julgado por ele Em suma pensamos que os juízes devem exercer a partir da presunção constitucional de inocência e do decorrente in dubio pro reo um papel mais efetivo de filtro processual evitando submeter alguém a esse tipo de julgamento quando a prova autoriza outra medida como a absolvição sumária impronúncia ou desclassificação Por fim no que tange ao crime conexo que não é da competência originária do júri sendo o réu absolvido sumariamente deve ele ser redistribuído Não pode o juiz nesse momento também absolver sumariamente ou condenar pelo crime conexo Deve redistribuir para o juiz competente ou mesmo para o Juizado Especial Criminal se for o caso 38214 Desclassificação na Primeira Fase Própria e Imprópria e em Plenário Desclassificar é dar ao fato uma definição jurídica diversa tanto de um crime mais grave para outro menos grave mas também no sentido inverso pois desclassificar em termos processuais não significa necessariamente sair de um crime mais grave para outro menos grave A desclassificação poderá ocorrer na primeira fase ou em plenário conforme as respostas que os jurados derem aos quesitos Iniciaremos pela desclassificação feita pelo juiz presidente na primeira fase que vem regulada pelos seguintes dispositivos legais Art 418 O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação embora o acusado fique sujeito a pena mais grave Art 419 Quando o juiz se convencer em discordância com a acusação da existência de crime diverso dos referidos no 1º do art 74 deste Código e não for competente para o julgamento remeterá os autos ao juiz que o seja Parágrafo único Remetidos os autos do processo a outro juiz à disposição deste ficará o acusado preso Finalizando a primeira fase poderá o juiz concordar ou não com a classificação jurídica feita pelo Ministério Público aos fatos narrados na denúncia Quando não existe modificação da descrição do fato ou seja não existe fato novo a discussão limitase à incidência dos arts 418 e 383 do CPP É o exemplo tradicional de réu denunciado por infanticídio e que é pronunciado por homicídio ou viceversa Nesse caso operase uma desclassificação para outro crime que continua sendo de competência do júri de modo que o juiz desclassifica mas pronuncia Disso decorre a designação desclassificação imprópria Situação diversa é quando a desclassificação conduz a outra figura típica que não é de competência do júri É o caso do réu denunciado por tentativa de homicídio e pronunciado por lesão corporal um delito que não é da competência do júri Dizse nesse caso que há uma desclassificação própria Mas pode ocorrer que no curso da instrução surjam provas de elementares ou circunstâncias do crime não contidas na denúncia situação em que os arts 411 3º e 384 do CPP exigem que o Ministério Público promova o aditamento da denúncia para inclusão dessa circunstância fática pois não pode haver o pronunciamento judicial sem a consequente acusação sob pena de nulidade da decisão violação do princípio da correlação Quanto ao crime conexo havendo desclassificação ele sempre seguirá o crime prevalente Assim se houver desclassificação e pronúncia o conexo também vai a julgamento pelo Tribunal do Júri Já quando a desclassificação exclui da competência do júri pois o novo crime não se subsume àqueles previstos no art 74 3º o conexo seguirá o principal Não cabe de modo algum ao juiz presidente decidir sobre o crime conexo neste momento pois não é competente para tanto Em suma a desclassificação na primeira fase pode ser 1 Própria quando o juiz dá ao fato uma nova classificação jurídica excluindo da competência do júri Diz que o delito não é da competência do júri e com isso remete para o juiz singular Exemplo desclassifica de tentativa para lesões corporais ou de homicídio doloso para culposo O conexo segue o prevalente logo vai para o singular também pois não cabe ao juiz presidente do júri julgar o conexo naquele momento O recurso cabível para impugnar essa decisão é o recurso em sentido estrito art 581 II porque ele conclui pela incompetência do júri 2 Imprópria quando o juiz desclassifica mas o crime residual continua da competência do júri Ele desclassifica mas pronuncia Exemplo desclassifica de infanticídio para homicídio simples Como o novo crime continua na esfera de competência do Tribunal do Júri o juiz presidente desclassifica mas pronuncia O crime conexo segue o prevalente e também vai para o Tribunal do Júri Dessa decisão de pronúncia caberá o recurso em sentido estrito previsto no art 581 IV No que diz respeito à desclassificação própria o revogado art 410 do CPP previa que o juiz que recebesse o processo deveria reabrir ao acusado o prazo para defesa e indicação de testemunhas A nova redação do art 419 do CPP silencia Pensamos que o mais coerente é que seja reaberta a instrução possibilitandose às partes arrolarem testemunhas para que a prova seja colhida em relação a essa nova imputação até porque agora está consagrado o princípio da identidade física do juiz sendo necessário que esse novo julgador colha a prova Também aqui o in dubio pro societate é costumeiramente invocado para não fazer uma desclassificação que beneficiasse o réu Não concordamos e remetemos o leitor para os argumentos anteriormente externados sobre esse fato Quanto ao recurso cabível para impugnar a desclassificação feita na primeira fase devese utilizar o recurso em sentido estrito previsto no art 581 II pois estamos diante de decisão que conclui pela incompetência do Tribunal do Júri para o julgamento Já em plenário também pode haver desclassificação própria ou imprópria gerada pela resposta dada pelos jurados aos quesitos Conforme a tese sustentada em plenário pela defesa podem os jurados operar uma desclassificação alterando inclusive a competência para o julgamento Situação bastante comum é a tese de crime culposo ou negativa de dolo o que acaba dando no mesmo Há que se ter sempre presente que a competência do Tribunal do Júri é para o julgamento dos crimes dolosos tentados ou consumados contra a vida Se a resposta aos quesitos propostos negar que o agente tenha agido com dolo direto e eventual pois ambos devem ser quesitados haverá uma desclassificação própria que conduzirá ao afastamento da competência do Tribunal do Júri Outra situação de desclassificação em plenário é quando os jurados negam o quesito relativo à tentativa afastando assim sua competência para julgar o caso cabendo ao juiz presidente proferir sentença considerando ainda os institutos da Lei n 9099 se for cabível sua aplicação Já a desclassificação imprópria fica restrita aos casos em que é reconhecido o excesso culposo na excludente ou admitida a participação dolosamente distinta A principal distinção em relação à desclassificação própria é que aqui os jurados afirmam qual é o tipo penal residual e portanto firmam a competência e podem julgar o crime conexo Noutra linha na desclassificação própria os jurados não julgam o crime conexo que deverá seguir o prevalente competindo o julgamento ao juiz presidente e aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação própria do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença E com a desclassificação própria a pronúncia segue existindo como marco interruptivo da prescrição Durante muito tempo prevaleceu o entendimento de que com a desclassificação própria a pronúncia desapareceria como marco interruptivo da prescrição pois na verdade o crime nunca foi da competência do Tribunal do Júri e portanto não deveria ter sido pronunciado Mas com a publicação da Súmula n 191 do STJ o entendimento passou a ser em sentido inverso de que a pronúncia permanece como marco interruptivo da prescrição em que pese a desclassificação feita em plenário 3822 Segunda Fase Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário Relatório Crítica a que Qualquer Juiz Presida o Feito Alistamento dos Jurados Com a preclusão da decisão de pronúncia os autos serão encaminhados para o juiz presidente que determinará a intimação do Ministério Público ou do querelante se for caso de queixacrime subsidiária e da defesa para que no prazo de 5 dias apresentem o rol de testemunhas de plenário ou seja daquelas testemunhas que serão ouvidas no plenário do Tribunal do Júri Também poderão as partes juntar documentos e postular diligências que devem ser realizadas antes da sessão de julgamento A acusação e cada um dos réus poderão arrolar até 5 cinco testemunhas de plenário não importando se elas já foram ouvidas na primeira fase ou não Como o próprio nome diz são testemunhas de plenário portanto não se admite a indicação de testemunhas para serem ouvidas em outra comarca por carta precatória e menos ainda pode ser admitido o argumento de que esses depoimentos colhidos à distância seriam lidos em plenário convertendo essa ginástica jurídica em testemunhos de leitura em plenário Primeiro porque as testemunhas arroladas nesse momento são para serem ouvidas diante do conselho de sentença para que os jurados diretamente tomem contato com o depoimento em segundo lugar a mera leitura desse depoimento viola uma vez os princípios da imediação e da oralidade constitutivos da prova testemunhal Saneado o feito e realizadas as eventuais diligências postuladas deverá o juiz elaborar um relatório escrito do processo descrevendo todos os atos realizados até ali e determinar a inclusão do feito em pauta para julgamento pelo Tribunal do Júri Como adverte NASSIF86 esse relatório não poderá conter se de análise de prova e limitarseá a descrever sinteticamente as ocorrências no desenvolvimento do feito Portanto muita cautela deverá ter o juiz para não cometer excessos de linguagem ou fazer qualquer tipo de juízo de valor para não induzir os jurados O que fazer diante de um relatório elaborado em termos inadequados O grande problema é que não existe previsão de juntada prévia à sessão de julgamento impedindo portanto o controle pelas partes Mas por outro lado nada impede que assim proceda o juiz o que desde logo nos parece aconselhável A conformidade do dispositivo à Constituição aconselha a que em nome do contraditório o juiz dê conhecimento às partes com suficiente antecedência em relação à data do julgamento Se isso ocorrer e o relatório não for elaborado em termos adequados o Mandado de Segurança é o instrumento adequado para buscar o desentranhamento da peça e a elaboração de outra adequada aos fins a que se dirige que é o mero relato do iter procedimental Sendo o relatório apresentado somente no dia do julgamento caberá à defesa ou acusação prejudicada pela peça protestar imediatamente fazendo constar na ata dos trabalhos art 495 a alegação de nulidade que será utilizada como argumento para o posterior recurso preliminar de nulidade em que se buscará a nulidade de todo o julgamento Mudando o enfoque o art 424 recepciona infelizmente um equivocado entendimento já adotado em alguns Estados nas respectivas leis de organização judiciária de que um juiz que não é o presidente do Tribunal do Júri faça o preparo para julgamento e dependendo da estrutura local até mesmo decida pela pronúncia remetendo o processo após a preclusão dessa decisão para o juiz presidente do Tribunal do Júri Ora isso é um grave erro Elementar que não desconhecemos que os jurados são os competentes para proferir o julgamento sendo eles os juízes naturais mas esse argumento não pode legitimar a que qualquer juiz faça toda a instrução A garantia do juiz natural não se restringe à decisão tomada em plenário e aqui reside o grave reducionismo daqueles que chancelam tal prática Parecenos inegável que a garantia do juiz natural não nasce no plenário mas muito antes possuindo ainda uma dupla dimensão de um lado em relação ao juiz presidente e de outro em relação ao Tribunal do Júri Ou seja não se pode desconsiderar a relevância das decisões de pronúncia impronúncia desclassificação ou absolvição sumária pois elas efetivamente afetam gravemente o réu Ali se decide em muitos casos a sorte de ser absolvido sumariamente impronunciado ou obter uma desclassificação própria ou o azar de alguém ser pronunciado e submetido ao ritual do júri com todo o imenso risco que encerra Ademais há que se considerar que a nova sistemática do Código de Processo Penal consagrou o princípio da identidade física do juiz cuja redação do art 399 2º afirma que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença Ora existe o direito do réu de que o juiz que colha a prova decida sobre uma eventual absolvição sumária ou impronúncia que são decisões definitivas E mesmo se pronunciado que o seja pelo juiz competente que é o presidente do Tribunal do Júri e não qualquer juiz ou juizado87 Igualmente inaceitável é permitirse que um juizado colha toda a prova para que outro juiz o presidente simplesmente decida se pronuncia ou não o réu Pior ainda é admitir que o tal juizado ainda decida pela pronúncia Em suma entendemos que a competência constitucional do Tribunal do Júri a garantia do juiz natural e o princípio da identidade física do juiz não admitem tal prática Quanto ao alistamento dos jurados será feito nos termos dos arts 425 e 426 destacandose a proibição de que o cidadão que tenha integrado o conselho de sentença nos últimos 12 meses ou seja na lista anterior seja incluído na lista geral A função de tal proibição é ventilar o conselho de sentença e evitar a figura do jurado profissional que ano após ano participe dos julgamentos pois isso vai de encontro com o próprio fundamento legitimante do júri que pessoas do povo sem os vícios e cacoetes do ritual judiciário integrem o júri O cidadão que sistematicamente participa dos júris pode se transformar num mal jurado pois ele continua não tendo conhecimento de direito penal e processo penal mas pelas sucessivas participações é levado a ter a falsa impressão de que conhece o suficiente a ilusão de conhecimento Também visa diminuir a contaminação pelas constantes presenças nos julgamentos88 e a proximidade que isso possa trazer em relação ao promotor e advogados que lá costumam atuar Parte da crítica que ao final faremos à instituição do júri iniciase na seleção dos jurados pois aqui começa a ruir a tese de instituição democrática na medida em que como regra os jurados acabam por representar segmentos bem definidos da sociedade como servidores públicos aposentados donas de casa estudantes enfim aqueles cuja ocupação ou ausência de lhes permite perder um dia inteiro ou mais em um julgamento Nossa crítica não passou despercebida para MARQUES que mesmo defendendo a instituição com muita qualidade técnica registrese aponta que a desvalorização da Instituição do Júri começa pela forma como os juízes fazem a seleção dos jurados na medida em que há uma espécie de condescendência com as pessoas mais ocupadas aquelas que ocupam cargos mais importantes como os médicos os diretores das grandes empresas aqueles com situação social mais favorecida empresários celebridades etc culminando por vivificar a ideia absurda de que a tarefa de ser jurado deveria ficar reservada para pessoas que não tenham outra atividade mais importante ou dito de outro modo para aqueles que não têm outra coisa melhor para fazer na vida Sem dúvida esse problema deve merecer atenção para que o Tribunal do Júri efetivamente corresponda àquilo que dele se espera 38221 Do Desaforamento e Reaforamento Dilação Indevida e DeMora Jurisdicional Pedido de Imediata Realização do Julgamento Estabelece o art 427 o desaforamento nos seguintes termos Art 427 Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado o Tribunal a requerimento do Ministério Público do assistente do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região onde não existam aqueles motivos preferindose as mais próximas 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente 2º Sendo relevantes os motivos alegados o relator poderá determinar fundamentadamente a suspensão do julgamento pelo júri 3º Será ouvido o juiz presidente quando a medida não tiver sido por ele solicitada 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento não se admitirá o pedido de desaforamento salvo nesta última hipótese quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado Ainda que bastante difícil de ser obtido o desaforamento é uma medida extrema até porque representa uma violação da competência em razão do lugar no qual o processo é desaforado ou seja retirado do seu foro daquela comarca originariamente competente para julgálo e encaminhado para julgamento em outro foro comarca ou circunscrição judiciária caso a competência seja da justiça federal São quatro as hipóteses de desaforamento a Interesse da ordem pública confundese com o já conhecido interesse público ou seja uma fórmula genérica e indeterminada que encontra seu referencial semântico naquilo que o juiz ou tribunal quiser Inclusive abrange a falta de segurança para o acusado a demora indevida do art 428 e até mesmo a imparcialidade ou não existe um interesse de ordem pública sobre isso Ou seja é uma cláusula guardachuva Também aqui podem ser trazidas questões de clamor ou comoção social e até a inexistência de um local adequado para a realização do júri seja por inexistência comarcas pequenas ou mesmo por impossibilidade temporária obras construção de novo foro etc Também não vemos impedimento de que com base nesse fundamento seja desaforado o julgamento quando houver fundado receio em relação à segurança dos jurados e não apenas do réu como menciona o dispositivo seja por questões de arquitetura da sala de julgamento ou mesmo por falta de policiamento suficiente para garantia da tranquilidade do julgamento b Dúvida sobre a imparcialidade do júri é uma causa importante mas dificílima de ser comprovada e portanto admitida Se a suspeição por quebra da imparcialidade de um juiz de direito ou federal julgador perfeitamente individualizado portanto é rarissimamente reconhecida pelos tribunais pelos mais diversos motivos mas principalmente pelo sentimento corporativo e o protecionismo imaginese uma alegação genérica de quebra da imparcialidade de um grupo difuso de jurados Não significa que o problema não exista todo o oposto senão que é de difícil comprovação Em geral tal situação decorre do mimetismo midiático ou seja o estado de alucinação coletiva e contaminação psíquica portanto em decorrência do excesso de visibilidade e exploração dos meios de comunicação O bizarro espetáculo midiático e a publicidade abusiva em torno de casos graves ou que envolva pessoas influentes ou personalidades públicas fazem com que exista fundado receio de que o eventual conselho de sentença formado não tenha condições de julgar o caso penal com suficiente tranquilidade independência e estranhamento ou alheamento desde uma perspectiva de terzietà Diante disso proporcional à cautela que devem os tribunais ter ao julgar tal pedido para evitar uma molesta banalização da medida está a necessidade de ter sensibilidade e coragem para decidir pelo desaforamento quando houver uma dúvida razoável acerca da alegada imparcialidade Também se deve considerar nessa rubrica o sentimento e prejulgamento gerado não pelo crime em si mas pela pessoa sujeita ao julgamento ou seja como adverte ESPÍNOLA FILHO89 há que se distinguir o sentimento de repulsa que em geral acompanha o crime da animosidade existente contra a pessoa do réu autorizadora do desaforamento c A segurança do réu exigir o risco de linchamento ou mesmo de que atentem contra a vida do imputado é um fator a ser considerado seja pela falta de condições adequadas para a realização do júri com segurança seja pela falta de policiamento suficiente na comarca d Comprovado excesso de serviço essa causa de desaforamento está prevista no art 428 e vincula se à eficácia do direito de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Federal Determina o art 428 que Art 428 O desaforamento também poderá ser determinado em razão do comprovado excesso de serviço ouvidos o juiz presidente e a parte contrária se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 seis meses contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia 1º Para a contagem do prazo referido neste artigo não se computará o tempo de adiamentos diligências ou incidentes de interesse da defesa 2º Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri nas reuniões periódicas previstas para o exercício o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento A nova sistemática do Tribunal do Júri alinhada ao espírito de celeridade processual que marcou as reformas procedimentais reduziu o prazo para o desaforamento por demora judicial que era de 1 ano no revogado art 424 parágrafo único contado do recebimento do extinto libelo para 6 meses O comprovado excesso de serviço não mais justifica a demora jurisdicional pois não se pode confundir comprovado excesso de serviço com justificada demora O excesso comprovado não significa legítima dilação estabelecendo o dispositivo uma solução processual para o interessado retirar o processo daquele foro Não se pode mais aceitar como causa de justificação a sobrecarga de trabalho do órgão jurisdicional pois segundo já decidiu o Tribunal Europeu de Direitos Humanos no caso Bucholz é inconcebível TRANSFORMAR EM DEVIDO O INDEVIDO FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA Por fim ainda que não adote aqui a teoria dos 3 critérios é claro que o réu não pode dar causa à demora e depois reclamar pela demora ou seja não pode se beneficiar da sua própria torpeza Estabeleceu ainda o dispositivo o pedido de imediata realização do julgamento que não configura desaforamento É uma situação diversa e que merecia um tratamento em outro dispositivo pois não diz respeito ao deslocamento do julgamento para outra comarca senão simplesmente que o acusado seja imediatamente julgado diante da demora injustificada pois não há excesso de serviço ou uma quantidade de processos aguardando julgamento que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri nas reuniões previstas para o exercício Detalhe interessante apontado por BORGES DE MENDONÇA90 é que se o pedido de desaforamento for por excesso de serviço e dilação indevida superior a 6 meses conforme previsto no caput do dispositivo o Tribunal em não aceitando o argumento de excesso de serviço poderá determinar a imediata realização do julgamento 2º ainda que isso não tenha sido solicitado expressamente Ora se o Tribunal pode em nome da demora tomar a medida mais grave que é o desaforamento nada impede que profira uma decisão determinando o imediato julgamento naquela comarca Passando para a análise do processamento do pedido de desaforamento poderá a medida ser solicitada pelo Ministério Público querelante no caso de ação penal privada subsidiária assistente da acusação réu ou mesmo pelo juiz presidente de ofício diretamente ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal conforme o caso pois não compete tal decisão ao juiz de primeiro grau Não há previsão de dilação probatória para demonstrar as causas arguidas no pedido de desaforamento de modo que a prova deverá ser préconstituída Quando o pedido não for realizado pela defesa deverá ela obrigatoriamente ser ouvida sob pena de nulidade da própria decisão que determinar o desaforamento Nesse sentido acertadamente está posta a Súmula n 712 do STF SÚMULA N 712 do STF É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do Júri sem audiência da defesa Será ouvido o juiz da causa exceto é óbvio quando dele partir o pedido podendo o relator liminarmente suspender o julgamento pelo júri Essa medida liminar antecipatória da questão de fundo deve ser utilizada sem a timidez infelizmente reinante nos tribunais brasileiros De nada serve o desaforamento concedido após o julgamento Voltando ao 4º é acertada a vedação à admissibilidade do pedido de desaforamento enquanto não estiver preclusa pendência de recurso a decisão de pronúncia Somente quando admitida a acusação e pronunciado o réu sem recurso pendente é que se poderá formular o pedido de desaforamento Noutra dimensão infeliz é o restante da redação do 4º quando menciona quando efetivado o julgamento não se admitirá o pedido de desaforamento salvo nesta última hipótese quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado Razão assiste ao artigo em algumas situações segurança interesse público e demora mas esbarra no caso de dúvida sobre a imparcialidade do júri Nessa situação não existe a espécie de convalidação pregada Reconhecendo o tribunal que havia dúvida sobre a imparcialidade dos jurados há motivo mais do que suficiente para que o júri seja anulado A situação aqui é análoga àquela prevista no art 101 do CPP devendo ser adotada a mesma postura nulidade dos atos no caso do julgamento Voltando ao processamento uma vez acolhido o pedido de desaforamento prevê o dispositivo que preferencialmente o julgamento será transferido para uma comarca da mesma região preferindose entre elas as mais próximas o que especialmente nos casos de dúvida sobre a imparcialidade dos jurados pode não ser suficiente para a resolução do problema pois não impõe o afastamento estranhamento necessário Daí por que se a decisão for pelo desaforamento deve o tribunal adotar uma medida efetiva e não um mero paliativo despido de suficiente poder de distanciamento do foco do problema originador do pedido Inclusive em casos extremos se a competência for da Justiça Federal não vislumbramos nenhum óbice a que o júri seja desaforado para outro Estado desde que dentro da região de abrangência do respectivo Tribunal Regional Federal Sendo a competência da justiça estadual os limites do Tribunal de Justiça do Estado se impõem diante da necessidade de que os atos decisórios tomados pelo juiz presidente e pelo próprio conselho de sentença sejam submetidos ao controle do respectivo órgão de segundo grau competente Em sentido inverso não há como o Tribunal de Justiça da Bahia atendendo ao pedido do juiz de uma das varas do júri de Salvador determinar o desaforamento para Porto Alegre pois nenhuma ascensão e competência possui naquele Estado e sobre os juízes de lá Não se desconhece que o poder da mídia e sua abrangência territorial fazem com que em certos casos o ideal seja um desaforamento para o exterior mas isso tampouco é possível Dessarte há que se ter presente os limites legais do desaforamento e ponderálos à luz das necessidades do caso concreto sem medo contudo de encaminhar o caso penal para comarca longínqua o máximo possível atendendo as limitações territoriais Por fim o chamado reaforamento tem uma importância apenas teórica para servir de questãofora darealidade cada vez mais comum nos concursos públicos pois não se tem notícia da sua ocorrência com alguma frequência ainda que mínima o que não significa que nunca tenha ocorrido talvez algum caso possa ser encontrado numa arqueologia judiciária Uma vez desaforado o julgamento em tese seria possível um reaforamento ou seja um retorno ao foro de origem em decorrência do desaparecimento das circunstâncias que autorizaram o desaforamento desde que isso ocorra é óbvio antes da realização do júri Ainda que nunca tenha ocorrido nem mesmo em tese é tranquila sua aceitação Nessa linha ESPÍNOLA FILHO91 afirma que definitivos são os efeitos do desaforamento e assim se proscreve o reaforamento mesmo quando antes do julgamento tenham desaparecidas as causas que o determinaram 38222 Obrigatoriedade da Função de Jurado Isenção Alegação de Impedimento Recusa de Participar e Ausência na Sessão Serviço Alternativo Problemática O serviço do júri é obrigatório determina o art 436 sendo que nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia raça credo sexo profissão classe social ou econômica origem ou grau de instrução92 Essa obrigatoriedade somente é mitigada pelas causas de isenção estabelecidas no art 437 Art 437 Estão isentos do serviço do júri I o Presidente da República e os Ministros de Estado II os Governadores e seus respectivos Secretários III os membros do Congresso Nacional das Assembleias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais IV os Prefeitos Municipais V os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública VI os servidores do Poder Judiciário do Ministério Público e da Defensoria Pública VII as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública VIII os militares em serviço ativo IX os cidadãos maiores de 70 setenta anos que requeiram sua dispensa X aqueles que o requererem demonstrando justo impedimento Os nove primeiros incisos dizem respeito a funções públicas e atividades que por sua própria natureza são incompatíveis com o papel de jurado O inciso X é uma válvula de escape para atenuar o rigor da obrigatoriedade cabendo ao juiz o poder de decidir conforme o caso e o impedimento apresentado A Lei n 11689 definiu os serviços alternativos àqueles cidadãos que convocados para servir no júri recusarem alegando objeção de consciência A disciplina legal regulamenta o disposto no art 5º VIII da Constituição que determina que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei Tal dispositivo deve ser lido de forma combinada com o art 15 também da Constituição que estabelece a perda ou suspensão dos direitos políticos daquele que se recusar a cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa Com isso a recusa em cumprir a obrigação como jurado quando fundada em crença religiosa filosófica ou política não poderá dar lugar à perda ou suspensão de direitos políticos mas sim ao estabelecimento de serviço alternativo Contudo o não cumprimento desse serviço alternativo autorizará a aplicação da sanção do art 15 da Constituição O art 438 atribui ao juiz fixar o serviço alternativo quando o convocado alegar um impedimento por convicção religiosa filosófica ou política A disciplina legal é vaga deixando nas mãos do juiz definir a forma e a duração em que será prestado o serviço alternativo atendendo ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade Limitase o 1º do art 438 do CPP a dizer que o serviço alternativo será o exercício de caráter administrativo assistencial filantrópico ou mesmo produtivo no Poder Judiciário na Defensoria Pública no Ministério Público ou em entidade conveniada para esse fim A previsão é interessante mas faltou definir por quanto tempo será prestado esse serviço alternativo Será por um dia uma semana um mês enfim quanto tempo durará o serviço alternativo Pensamos que o serviço alternativo não poderá ser transformado numa punição implacável àquele que não aceita participar do Tribunal do Júri mas a ausência de previsão de limites como no direito penal ou seja pena mínima e máxima abre um espaço impróprio para o abuso judicial Além da lacuna legal no que tange à duração a nova sistemática estabeleceu uma contradição o convocado que injustificadamente se recusar a participar do júri será multado o valor será de 1 a 10 salários mínimos conforme as condições econômicas do jurado e após pagar a multa será liberado já aquele que alegar uma objeção de consciência e fundamentar sua recusa deverá prestar um serviço alternativo Assim para o convocado com melhores condições econômicas a simples recusa é mais benéfica do que ficar prestando serviços alternativos Essa mesma punição multa de 1 a 10 salários mínimos será aplicada ao jurado que sem causa legítima deixar de comparecer à sessão ou retirarse antes de ser dispensado pelo juiz presidente Por derradeiro e mais grave não vislumbramos possibilidade de aplicação sem violação da Constituição das punições previstas especialmente da suspensão de direitos políticos enquanto não prestados os serviços impostos Como admitir uma punição sem prévio processo Esse é um obstáculo intransponível na sistemática legal que prevê o dever de prestar um serviço de forma genérica e com prazo indeterminado e a pena de suspensão de direitos políticos sem a previsão de um prévio processo judicial Ora como admitir tão grave pena suspensão de direitos políticos sem prévio contraditório e defesa E como fazer isso sem um devido processo Daí por que pensamos ser inconstitucional a punição na medida em que viola as garantias inerentes ao devido processo 38223 A Sessão do Tribunal do Júri Constituição do Conselho de Sentença Direito de Não Comparecer Recusas e Cisão Instrução em Plenário Leitura de Peças e Proibições Uso de Algemas Debates A organização da sessão do Tribunal do Júri é detalhadamente prevista no CPP cabendo apenas mencionar alguns aspectos mais relevantes Na estrutura brasileira o Tribunal do Júri é composto por um juiz togado ou seja um juiz de direito ou juiz federal que presidirá os trabalhos e mais 25 vinte e cinco jurados que participarão das sessões Desses 25 jurados serão sorteados em cada julgamento 7 pessoas para constituir o conselho de sentença estando os demais dispensados pelo juiz presidente após a escolha As situações de impedimento estão enumeradas no art 448 somandose a elas as causas de impedimento suspeição e as incompatibilidades previstas para os juízes togados Ao lado delas estão os casos em que os jurados estão proibidos de constituir o conselho de sentença nos termos do art 449 I tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo independentemente da causa determinante do julgamento posterior II no caso do concurso de pessoas houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado III tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado Diante de uma situação dessas caberá ao jurado declinála quando sorteado ou ainda poderá ser recusado por qualquer das partes de forma motivada não se computando portanto no limite das recusas imotivadas Finalmente está consagrado o direito de não comparecer ou seja o réu em liberdade que foi devidamente intimado para a sessão do júri pode sem qualquer prejuízo jurídico não comparecer no seu julgamento art 457 No mesmo sentido dispõe o art 457 2º do CPP em relação ao réu preso que poderá pedir a dispensa de comparecimento tendo o legislador tomado a cautela de exigir que tal pedido seja subscrito pelo réu e seu defensor A conjunção aditiva e não deixa dúvidas de que devem concorrer as duas assinaturas para evitar futuras alegações de nulidade e também eventuais prejuízos para a defesa pessoal eou técnica conforme o caso De outra banda quando o réu preso não for conduzido não usou portanto o direito de não ir o julgamento deverá ser adiado para evitar graves prejuízos para sua defesa O direito de não comparecer é uma decorrência lógica do direito de silêncio e do nemo tenetur se detegere mas que infelizmente não vinha merecendo o devido respeito e tratamento Indo além dessa conquista estamos sustentando93 que o direito de não ir deve ser reconhecido por analogia em todo e qualquer ato processual ou préprocessual não apenas no júri mas especialmente na fase policial em CPIs e também no próprio interrogatório judicial Por que submeter alguém ao ritual degradante e humilhante de ser interrogado por uma CPI ou mesmo de comparecer na delegacia de polícia ou fórum quando irá utilizar o direito de silêncio É a nosso ver insustentável a dicotomia estabelecida pelo senso comum teórico quando afirmam que o réu ou imputado tem o direito de silêncio mas não o direito de não ir Isso é uma contradição total e uma punição ilegítima Na sessão de julgamento deverá o juiz presidente verificar se a urna contém as cédulas dos 25 jurados sorteados e determinará que o escrivão proceda à chamada deles Não é necessário que todos compareçam pois com pelo menos 15 jurados os trabalhos serão instalados e realizado o julgamento Do contrário serão sorteados tantos suplentes quantos necessários e designada nova data para a sessão Desses 25 jurados ou no mínimo 15 serão extraídos os 7 que irão compor o conselho de sentença Uma vez sorteados vige o princípio da incomunicabilidade entre os jurados e com outras pessoas impedindose a manifestação de opinião sobre o processo sob pena de exclusão do Conselho de sentença e multa A cada jurado sorteado deverá o juiz ler seu nome podendo a defesa e depois dela o Ministério Público recusar o jurado sorteado Duas são as espécies de recusa recusa motivada por suspeição impedimento incompatibilidade e proibição sem qualquer limite numérico cabendo ao juiz decidir no ato sobre a procedência ou não da alegação recusa imotivada limitada a 3 para cada parte É uma recusa peremptória sem necessidade de fundamentar o porquê de determinado jurado não ser admitido No modelo brasileiro não existe uma entrevista com os jurados em que os advogados e promotores poderiam ter um contato maior com eles buscando traçar o perfil social econômico e mesmo psicológico ainda que superficial é claro Então no mais das vezes a recusa é puramente instintiva Havendo dois ou mais réus as recusas poderão ser feitas por um único defensor O problema é quando cada réu através de seu respectivo defensor exerce o direito de recusa em descompasso com o corréu Estabelece o art 469 1º que a separação dos julgamentos somente ocorrerá se em razão das recusas não sincronizadas não for obtido o número mínimo de 7 sete jurados para compor o conselho de sentença Significa que se após o exercício de todas as recusas houver um consenso em torno de sete jurados haverá júri com os dois réus Do contrário operase a cisão É importante esclarecer até para romper com a estrutura do pensamento forjado no modelo anterior que havendo corréus a recusa de qualquer deles exclui aquele jurado Ou seja jurado recusado por qualquer dos réus está fora do conselho de sentença Isso com certeza irá gerar uma série de problemas o chamado estouro de urna na medida em que se tivermos apenas 15 jurados presentes e dois réus para serem julgados o exercício do direito de recusa imotivada de cada um 3 para cada réu logo 6 na soma deixará um universo de apenas 9 jurados Se o Ministério Público também recusar 3 outros jurados sobrarão apenas 6 pessoas número insuficiente para formação do conselho de sentença Se em razão das recusas motivadas eou imotivadas não houver o número mínimo para formação do conselho de sentença 7 jurados o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido após sorteados os suplentes necessários Nesse caso entendemos haverá cisão e na próxima reunião será julgado apenas um dos réus preferencialmente aquele a quem foi atribuída a autoria do fato ou em caso de coautoria terá preferência de ser julgado o acusado que estiver preso em caso de prisão de ambos aquele que estiver há mais tempo preso e permanecendo o empate aquele que tiver sido pronunciado primeiro valendo aqui para desempate aquele em que primeiro se operou a preclusão da decisão de pronúncia Mas se houver o número mínimo de jurados o Conselho de Sentença será formado procedendo então ao juramento através da fórmula estabelecida no art 472 Tratase de nada mais do que uma fórmula ritual simbólica em que os jurados prometem julgar com imparcialidade e decidir de acordo com sua consciência e os ditames da justiça É de certo modo um instrumento de captura psíquica em que se busca fortalecer o compromisso dos jurados em julgar com a seriedade e comprometimento que a função exige Após receberão os jurados cópias da pronúncia e eventuais acórdãos posteriores que a confirmaram94 e o relatório elaborado pelo juiz onde constará a descrição dos principais atos do processo Sobre o relatório para evitar repetições remetemos o leitor para o tópico anterior quando tratamos Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário e da problemática que o envolve Iniciase então a instrução em plenário disciplinada nos arts 473 a 475 através da qual as partes tomarão as declarações da vítima se possível e tiver sido arrolada bem como das testemunhas de plenário arroladas pela acusação e defesa Em relação à oitiva da vítima e demais testemunhas arroladas pela acusação a inquirição deve ser feita inicialmente pelo Ministério Público e eventual assistente e após pela defesa Já na oitiva das testemunhas arroladas pela defesa cabe a ela formular as perguntas antes da acusação O papel do juiz presidente é completamente secundário não tendo ele o protagonismo inquisitório do sistema anterior no qual o juiz fazia a inquirsição e após deixava o que sobrasse para as partes Nessa linha devese ter presente ainda o disposto no art 212 do CPP norma geral a orientar a produção da prova testemunhal que estabelece o seguinte Art 212 As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida Parágrafo único Sobre os pontos não esclarecidos o juiz poderá complementar a inquirição Então o papel do juiz mais do que nunca é subsidiário Sua principal missão é evitar a indução e eventuais constrangimentos que promotor e advogado de defesa venham a praticar em relação à testemunha Já os jurados verdadeiros juízes do caso penal poderão formular perguntas através do juiz presidente que exercerá o papel de mediador para evitar que o jurado acabe deixando transparecer algum juízo de valor externando sua posição sobre a responsabilidade penal do réu Se isso acontecer nada mais restará ao juiz do que dissolver o conselho de sentença e marcar novo júri estando esse jurado impedido de atuar por evidente Em plenário poderá ser realizada uma instrução plena com oitiva de testemunhas acareações reconhecimento de pessoas e coisas e o esclarecimento dos peritos Assim deveria funcionar o júri prova produzida na frente dos jurados Infelizmente a instrução em plenário é uma exceção A regra é a patologia prova produzida na primeira fase diante do juiz presidente e mera leitura de peças em plenário Quanto à leitura de peças andou bem a reforma pois somente permitiu a leitura das peças referentes às provas colhidas por carta precatória e às cautelares antecipadas ou não repetíveis Com isso atenua se o imenso enfado que era ouvir horas e horas de leitura de depoimentos em geral com resultados pífios não em virtude da inutilidade probatória dos atos senão em decorrência do erro metodológico Ora se a prova serve para a captura psíquica do julgador nada mais inútil do que ficar horas e horas lendo peças O que se conseguia com isso era um desligamento psíquico total Agora com a restrição das peças passíveis de leitura incumbe às partes no tempo que possuem para o debate ler e referir o que acharem necessário Mas isso impõe uma boa estratégia e administração do tempo Sem embargo existem algumas peças que não podem ser objeto de leitura e tampouco de utilização nos debates orais como a decisão de pronúncia e posteriores confirmatórias e a determinação judicial do uso de algemas art 478 Também não podem ser lidos os documentos que não tiverem sido juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis art 479 Voltando à instrução após a coleta da prova será o acusado interrogado se estiver presente pois como vimos élhe assegurado o direito de não ir Mas se estiver presente será interrogado nos termos dos arts 185 e ss do CPP com a peculiaridade de que os jurados poderão formular perguntas por intermédio do juiz presidente O uso de algemas em plenário foi finalmente disciplinado no júri pois ali mais do que em qualquer outro julgamento o fato de o réu estar algemado gerava um imenso prejuízo para a defesa Para um jurado a imagem do réu entrando e permanecendo algemado durante o julgamento literalmente valia mais do que mil palavras que pudesse a defesa proferir para tentar desfazer essa estética de culpado Entrar algemado no mais das vezes é o mesmo que entrar condenado Por isso o art 474 3º determina que 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes Assim o uso de algemas passa a ser excepcionalíssimo e a decisão que determina a permanência do acusado algemado deve ser fundamentada como determina a Súmula Vinculante n 11 do STF Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excepcionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado Sublinhese que a Súmula Vinculante teve como caso penal originário o HC 91952 no qual se anulou o julgamento pelo Tribunal do Júri de réu que permaneceu todo o tempo algemado sem justificativa que legitimasse tal fato Concluída a instrução o último ato será sempre o interrogatório do réu iniciamse os debates cabendo inicialmente à acusação e após à defesa o tempo de 1 hora e 30 minutos para exporem suas teses Após concedese o prazo de 1h de réplica acusação e outro tanto para tréplica pela defesa Importante destacar que predomina amplamente o entendimento de que a defesa somente poderá fazer uso da tréplica se houver réplica por parte do acusador Do contrário o júri se encerra com os debates iniciais de 1 hora e 30 minutos para cada parte Sérios problemas terá o advogado de defesa se não for capaz de expor claramente suas teses na primeira fase dos debates deixando o restante para a tréplica Isso porque se o acusador perceber essa falha e não optar por fazer a réplica os debates serão encerrados e não haverá mais oportunidade para a defesa falar Contudo em que pese ser majoritário o entendimento questionamos Por que não pode haver tréplica sem réplica Qual a base legal desta tradição do júri brasileiro de que somente haverá tréplica se o Ministério Público decidir ir para réplica Deixar ao poder discricionário do acusador não é uma quebra da igualdade Uma fragilização do contraditório Não viola a garantia constitucional da plenitude de defesa A despeito de majoritário entendimento em sentido diverso pensamos que há uma violação inequívoca do devido processo Como explica MARQUES95 uma das poucas vozes a se levantar contra essa tradição é uma prática bastante frequente essa de o acusador dispensar a réplica por entender que a defesa não teve êxito na exposição da tese ou seja há uma situação indevida de superioridade do acusador incompatível com o atual estágio do processo penal especialmente em um sistema regido pelo direito ao júri com plenitude de defesa Prossegue o autor explicando que não há justificativa para o acusador deter o poder de dizer o procedimento em prejuízo da defesa pois no embate das teses a acusação poderá usar da faculdade da réplica quando entender que isto é importante para a melhor apreensão da tese acusatória A defesa por outro lado não dispõe da mesma prerrogativa Com esta situação o acusador sabe desde o início do debate como dirigir sua sustentação pois pode contar ou não com a ampliação do tempo A defesa ao contrário sempre deve estar preparada para atuar com menos tempo de exposição aos jurados pois só pode contar com o período destinado à primeira manifestação sendo temerário fazer o trabalho de Plenário já contando com o prosseguimento dos debates O direito à tréplica depende da vontade de quem acusa Por quê É injustificada a concessão desta prerrogativa para o acusador diante do princípio da paridade de armas que deve reger o processo penal e diante da possibilidade de manipulação antiética do tempo de debate Caso a acusação esteja satisfeita não há necessidade de fazer uso do tempo complementar de debate A defesa por outro lado poderá sentir a necessidade de continuar a exposição da tese não devendo ser impedida de utilizar o tempo para o esclarecimento de pontos ainda obscuros ou não explicados na primeira parte Feita essa ressalva continuemos Existindo mais de um acusador presença de assistente da acusação por exemplo ou mais de um defensor deverão combinar entre si a distribuição do tempo cabendo ao juiz na falta de acordo decidir pela divisão proporcional Esclarecemos96 que havendo concurso de agentes se forem julgados todos ou mais de um deles na mesma oportunidade cada parte terá direito a mais uma hora totalizando assim duas horas e trinta minutos a réplica e a tréplica sofrerão acréscimo do dobro do tempo previsto perfazendo um total de duas horas para cada parte Voltamos a mencionar a proibição sob pena de nulidade do julgamento de que as partes nos debates façam referência I à decisão de pronúncia às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado II ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo Por fim regulamentando os debates o art 480 determina que as partes e os jurados poderão a qualquer momento por meio do juiz presidente pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça lida ou citada Isso pode ser feito através de aparte e visa garantir o controle da transparência e fidelidade da fundamentação exposta Os apartes integram a própria essência dos debates no tribunal do júri mas quando empregados de forma abusiva ou mesmo deselegante prejudicam o julgamento na medida em que cerceiam a defesa ou a acusação conforme o caso devendo ser utilizados com prudência pois se mal empregados podem acabar prejudicando quem o fez e educação A nova sistemática legal traçou alguns limites até então inexistentes a acusação a defesa e os jurados poderão a qualquer momento e por intermédio do juiz presidente pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça lida ou citada art 480 caberá ao juiz presidente conceder até 3 minutos para cada aparte requerido que serão acrescidos ao tempo de quem estava com a palavra art 497 XII do CPP No primeiro caso o simples pedido de indicação da folha dos autos onde se encontra a peça referida não é propriamente um aparte e portanto não gera acréscimo de tempo ao final Já os apartes propriamente ditos podem ser de duas espécies97 consentidos pela parte neste caso a intervenção é direta sem a intermediação do juiz tendo o orador consentido na manifestação Neste caso existe um consentimento do orador em relação à intervenção e não há que se falar em acréscimo de tempo ao final autorizados pelo juiz ocorre quando não há a concordância do orador em conceder a interrupção cabendo ao juiz decidir sobre a pertinência ou não do aparte Se considerar fundado o aparte concederá a palavra à outra parte controlando o tempo da exposição pois ele não poderá exceder a 3 minutos Neste caso deverá acrescentar 3 minutos ao tempo do orador ao final por cada aparte autorizado Também poderão os jurados sempre por intermédio do juiz presidente solicitar que as partes esclareçam questões fáticas por eles alegadas sempre tomando a cautela de não externar qualquer juízo de valor que demonstre prejulgamento ou a tendência de decidir desta ou daquela forma pois vigora a incomunicabilidade dos jurados e o sigilo das votações A qualquer momento os jurados podem ter acesso aos autos e aos instrumentos do crime devendo solicitar ao juiz presidente Concluídos os debates indagará o presidente se os jurados estão aptos a julgar ou se necessitam de algum esclarecimento As dúvidas sobre questões fáticas pois eles não decidem sobre questões jurídicas ainda que no mais das vezes essa distinção seja bastante tênue serão sanadas pelo juiz presidente que deverá ter muita cautela nas explicações para esclarecer sem induzir 38224 Juntada de Documentos para Utilização em Plenário Antecedência Mínima O Problema das Manobras e Surpresas Ainda durante o julgamento não será permitida a leitura de documento jornais outros escritos vídeos gravações fotografias laudos quadros croquis ou qualquer outro meio assemelhado que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 dias úteis dandose ciência à outra parte Tal medida é fundamental para evitar a surpresa e consequente violação do contraditório e direito de defesa quando produzido pela acusação sem a ciência prévia do réu Não existe no júri brasileiro a possibilidade hollywoodiana de no último momento do julgamento surgir uma testemunhachave ou um documento da maior relevância que dê um giro total no caso Não há espaço para surpresas e golpes cênicos do estilo E como deve proceder o juiz quando for postulada a utilização em plenário de documento que não tenha sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 dias Poderá ele consultar a parte adversa sobre a concordância ou não em que seja utilizado o documento Imaginemos a seguinte situação bastante comum digase de passagem no momento dos debates a acusação ou defesa tanto faz saca um documento novo pode ser uma carta uma certidão fita de áudio ou vídeo ou mesmo um laudo médico e argumenta que não pôde juntar no prazo legal porque somente agora ele lhe chegou às mãos A outra parte assiste surpresa a tal cena como também curiosos se põem os jurados E o juiz em momento de rara infelicidade virase para a parte adversa surpreendida e perguntalhe Doutor alguma oposição a que seja utilizado tal documento Pronto o problemaão está criado Se ele aceitar a utilização do documento novo estará em situação de desvantagem até porque impossibilitado de fazer uma análise mais detida e acurada e principalmente de fazer uma contraprova A surpresa gera uma insuperável situação de desvantagem processual que poderá comprometer todo o julgamento Mas e se ele não aceitar Estará resolvido o problema Claro que não até agravase o quadro A parte impossibilitada de produzir o documento lançará mão de uma arma muito mais poderosa melhor até do que o próprio documento novo a curiosidade e o desejo dos jurados Bastará saber aguçar o desejo para obter um resultado muito melhor até porque fomentando a curiosidade e o desejo dos jurados poderá fazerlhes deslizar pelo imaginário e aí a situação será muito melhor para ele e a desvantagem para a outra parte insuperável Não é preciso mostrar o documento basta um pouco de habilidade cênica e um mínimo de capacidade para induzir os jurados à abstração e ao campo do imaginário para obter um excelente resultado Como resolver essa situação Com um juiz bem preparado e firme que imediatamente proíba a utilização do documento novo com base no art 479 sem deixar à parte adversa qualquer decisão pois isso geraria um imenso prejuízo aos olhos dos jurados Além disso deve proibir terminantemente qualquer menção ou exploração do documento cuja juntada não se deu no prazo devido Também poderá o juiz diante da relevância do documento para o processo adotar um outro caminho igualmente correto dissolver o conselho de sentença determinar a juntada do documento e vista para a outra parte Após marcará novo julgamento em que obviamente não poderão funcionar os jurados que tiverem integrado esse conselho de sentença Aplicase nesse caso o disposto no art 481 do CPP Art 481 Se a verificação de qualquer fato reconhecida como essencial para o julgamento da causa não puder ser realizada imediatamente o juiz presidente dissolverá o Conselho ordenando a realização das diligências entendidas necessárias Parágrafo único Se a diligência consistir na produção de prova pericial o juiz presidente desde logo nomeará perito e formulará quesitos facultando às partes também formulálos e indicar assistentes técnicos no prazo de 5 cinco dias São as únicas opções que o juiz tem Do contrário em não procedendo assim talvez não exista outra opção à parte surpreendida do que simplesmente abandonar o plenário forçando um novo julgamento Sim pois se ficar e concordar a surpresa lhe prejudicará de forma imensurável se ficar e não concordar com a produção a outra parte lançará mão do estímulo psíquico dos jurados levandoos a imaginar o que não podem ver com igualmente imensuráveis prejuízos Então não lhe resta outra alternativa ir embora Principalmente quando se trata do defensor que se vê surpreendido por tal manobra da acusação não há outra forma de assegurar a máxima eficácia do direito de defesa do réu Elementar que essa é uma situação extremamente sensível de altíssimo risco e grande responsabilidade principalmente para o advogado Além de eventuais problemas com o réu terá ele que contar no mais das vezes com o apoio da OAB Mas com certeza somente assim estará assegurando a eficácia do direito a ampla defesa 38225 Considerações Sobre os Quesitos Teses Defensivas Desclassificação Própria e Imprópria Concluídos os debates e feitos os esclarecimentos necessários passase para o momento em que serão formuladas as perguntas e proferida a votação decidindose o caso penal Com o advento da Lei n 116892008 a pronúncia e decisões confirmatórias posteriores passa a ser a principal fonte dos quesitos agora substancialmente simplificados As agravantes e atenuantes não serão objeto de quesitação mas devem ser objeto do debate para que possam ser valoradas na eventual sentença condenatória Se alegada alguma agravante pela acusação ou atenuante pela defesa caberá ao juiz presidente em caso de condenação ou desclassificação decidir sobre a incidência e a influência na dosimetria Sublinhamos que não existe mais a obrigatoriedade de formularse um quesito genérico relativo à existência de atenuantes como na sistemática antiga Como determina o art 482 do CPP somente podem ser quesitadas as matérias de fato jamais conceitos jurídicos como culpa dolo consumação tentativa etc e as perguntas devem ser redigidas em proposições afirmativas simples e distintas A clareza e precisão das perguntas são fundamentais para a compreensão dos jurados devendo ser anulado o julgamento cuja quesitação não siga essa regra Quanto à ordem dos quesitos devese seguir o disposto no art 483 Art 483 Os quesitos serão formulados na seguinte ordem indagando sobre I a materialidade do fato II a autoria ou participação III se o acusado deve ser absolvido IV se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa V se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação O primeiro quesito obrigatoriamente deverá versar sobre a materialidade do fato que se confunde com a própria existência da seguinte forma 1º no dia tal às tantas horas na rua X FULANO DE TAL foi atingido por disparos de arma de fogo sofrendo as lesões descritas no auto de necropsia da fl 10 que causaram a sua morte A resposta positiva de mais de 3 jurados ou seja no mínimo 4 para utilizar a fórmula do 1º do art 483 a esse quesito afirma a existência do fato e autoriza a formulação dos demais quesitos A resposta negativa por parte de 4 jurados ou mais conduz à imediata absolvição do réu encerrandose a votação e o julgamento Quando a defesa alegar a inexistência do nexo causal98 art 13 1º do Código Penal a questão poderá ser resolvida com a recusa a esse primeiro quesito como também aqui será decidida a causa penal quando a tese defensiva for de inexistência do fato Afirmada a existência do fato devese quesitar a autoria 2º o réu MANÉ DE TAL desferiu os tiros referidos no quesito anterior Se a acusação for por participação o quesito sofrerá a seguinte variação O réu MANÉ DE TAL concorreu para a morte da vítima desferindo tiros No que se refere à participação reputamos nulo o chamado quesito genérico através do qual sem individualizarse a imputação questionase se o réu concorreu de qualquer modo para o resultado Tratase de uma fórmula aberta e indeterminada que causa gravíssimo cerceamento de defesa pela abrangência da imputação além de violar o princípio da culpabilidade pois não individualiza a conduta do réu Um tal substancialismo acusatório permite a condenação por qualquer fato pois conduz a uma ampliação absurda da responsabilidade para muito além dos limites do direito penal Assim sempre se deve individualizar a conduta e a forma de participação no crime explicitandose por exemplo se o réu participou desferindo tiros Também refutando o quesito da participação de qualquer modo GIACOMOLLI99 adverte que é função da pronúncia individualizar a conduta específica de cada imputado e sendo ela a fonte primária da quesitação não pode o juiz em plenário fazer a formulação genérica Dessarte não se pode admitir que os jurados sejam questionados se o réu participou desferindo tiros e diante da negativa formular um novo quesito perguntando se ele concorreu de qualquer modo para o crime pois isso é o mesmo que fazer uma imputação vaga e genérica além de induzir os jurados pela insistência na tese acusatória É quase como dizer condenem por isso ou por aquilo ou ainda por qualquer outra coisa que vocês queiram o que importa é condenar Feita esta ressalva continuemos A resposta positiva por parte de 4 jurados ou mais implica o reconhecimento de que o réu é autor coautor ou partícipe do fato A resposta negativa conduz à imediata absolvição Daí por que quando a tese defensiva for de negativa de autoria por exemplo o julgamento terá nesse quesito seu ponto nevrálgico pois a resposta positiva conduz à condenação com os quesitos seguintes apenas versando sobre causas de diminuição qualificadoras ou causas de aumento de pena e a negativa encerra o julgamento com a absolvição do acusado O terceiro quesito somente será formulado quando os jurados responderem afirmativamente aos dois anteriores materialidade e autoria sendo proposto da seguinte forma como previsto no art 483 2º 3º O jurado absolve o acusado Esse quesito é a principal simplificação operada pela Lei n 116892008 pois ele engloba todas as teses defensivas exceto a desclassificação que será tratada na continuação não mais havendo o desdobramento em diversos quesitos para decidirse sobre a existência ou não da causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade eventualmente alegada Agora a tese defensiva é decidida neste terceiro quesito sem que se formule uma ou mais perguntas sobre a legítima defesa por exemplo como no sistema anterior Apenas para reforçar o afirmado mesmo que a defesa alegue que o réu agiu ao abrigo da legítima defesa e alternativamente que não lhe era exigível naquelas circunstâncias uma conduta diversa deverá o juiz formular um único quesito o jurado absolve o acusado Apenas isso nada mais Qualquer que seja a tese defensiva abrangida ou não pelo 3º quesito sempre deverá o juiz formular esse quesito genérico da absolvição É pois um quesito obrigatório Superada essa questão respondido de forma positiva por 4 ou mais jurados está o réu absolvido dessa imputação Se houver crime conexo será quesitado na continuação Do contrário estará encerrado o julgamento Se os jurados responderem de forma negativa estará condenado o réu pois rechaçada sua tese defensiva Passase então para a formulação dos quesitos relativos às eventuais causas de diminuição da pena qualificadoras ou causas de aumento da pena Contudo esse terceiro quesito não será formulado nesse momento quando a tese defensiva for no sentido da desclassificação da ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação Assim estabelece o art 483 4º e 5º 4º Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular será formulado quesito a respeito para ser respondido após o 2º segundo ou 3º terceiro quesito conforme o caso 5º Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito sendo este da competência do Tribunal do Júri o juiz formulará quesito acerca destas questões para ser respondido após o segundo quesito Bastante recorrente é a tese de crime culposo ou negativa de dolo sustentando que o agente não quis nem assumiu o risco de causar o resultado morte sendo ele fruto de sua falta de cuidado objetivo logo crime culposo A admissão por parte dos jurados dessa versão defensiva conduz à desclassificação própria pois recordemos a competência do Tribunal do Júri é restrita aos crimes dolosos contra a vida não lhes competindo julgar o delito de homicídio culposo Tal tese defensiva deve ser objeto de quesitação após os dois primeiros quesitos materialidade a autoria anteriormente explicados sendo formulado o questionamento da seguinte forma 3º o réu MANÉ DE TAL quis ou assumiu o risco de produzir a morte da vítima A tese de crime culposo somente é acolhida quando os jurados negam que o autor tenha agido com dolo portanto devese quesitar o dolo direto quis o resultado e também o dolo eventual assumiu o risco A resposta sim por 4 ou mais jurados a esses quesitos implica condenação pelo crime doloso ou pelo menos o afastamento dessa tese cabendo a formulação dos quesitos relativos às demais se houver Se os jurados responderem não haverá a desclassificação própria cabendo ao juiz presidente continuar no julgamento e aplicar se for o caso os institutos da Lei n 9099 Não se desconhece a histórica divergência teórica sobre esse quesito havendo autores100 que sustentam a seguinte fórmula para esse quesito 3º o réu MANÉ DE TAL causou o resultado descrito no primeiro quesito de forma culposa ou seja não intencional Contudo não pensamos ser a melhor forma não só porque não abrange as duas modalidades de dolo direto e eventual como também é confusa pois introduz um conceito jurídico culpa que é desconhecido pelos jurados que não raras vezes confundem a culpa elemento normativo do tipo com a responsabilidade penal ou a culpabilidade São conceitos completamente diversos e cuja confusão poderá levar a um resultado absurdo Por derradeiro quesitar culpa esbarra na regra do art 482 do CPP que determina claramente que o conselho de sentença será quesitado sobre matéria de fato Logo vedada está a quesitação de conceitos jurídicos como o de culpa Mas é preciso advertir há um ponto bastante discutível quando a tese defensiva é de desclassificação quando se formula o quesito genérico da absolvição Encontramos duas posições jurisprudenciais a Formulase o quesito genérico da absolvição antes da tese defensiva de desclassificação o problema é que neste caso os jurados ainda não firmaram a competência pois não afirmaram a existência do dolo Não poderia portanto absolver o acusado b Formulase o quesito genérico depois da tese da desclassificação mas se os jurados desclassificaram retiraram o caso penal da competência do júri e portanto não poderiam responder o quesito genérico da absolvição até porque estariam absolvendo quando não mais possuem competência para isso Logo não se faria o quesito genérico da absolvição O problema processual nasce neste ponto pois não seria feito o quesito genérico da absolvição que é obrigatório Não há ainda paz conceitual neste terreno Nossa sugestão é a de que se faça primeiro o quesito referente à desclassificação própria e se desclassificarem ainda assim será elaborado o quesito obrigatório da absolvição Se os jurados responderem não ao quesito genérico da absolvição considerase a desclassificação operada no quesito anterior A vantagem é que não se deixa de formular um quesito que é obrigatório e ainda se permite que os jurados absolvam se quiserem ou seja podem negar a desclassificação e absolver ou desclassificar e absolver Quando for negada a desclassificação não há problema sempre será formulado a continuação o quesito obrigatório da absolvição Outra causa de desclassificação própria é a inexistência de tentativa que nada mais representa do que uma negativa de dolo sendo quesitada tal tese após os dois primeiros quesitos da seguinte forma 3º assim agindo o réu MANÉ DE TAL deu início ao ato de matar a vítima que não se consumou por circunstâncias alheais à sua vontade Se 4 ou mais jurados responderem sim estarão reconhecendo a figura tentada dolosa portanto cabendo ao juiz prosseguir formulando o quarto quesito o jurado absolve o acusado para finalizar o julgamento Apenas para que fique bem claro SEMPRE deverá o juiz formular o quesito genérico da absolvição o jurado absolve o acusado após os quesitos referentes à desclassificação pois os jurados ainda assim podem absolver o réu Mesmo quando a tese defensiva é a desclassificação se os jurados negarem o respectivo quesito deve ser feito o quesito obrigatório da absolvição Em sentido diverso se os jurados acolherem a tese defensiva e responderem não a esse terceiro quesito estarão afastando sua competência havendo assim a desclassificação própria Caberá então ao juiz presidente julgar o feito diante da desclassificação realizada Não se pode olvidar de que com a desclassificação própria em qualquer de seus casos o feito passará às mãos do juiz presidente a quem competirá o julgamento do caso penal e se houver crime conexo que não seja doloso contra a vida porque se for será julgado pelo júri também ao juiz presidente do Tribunal do Júri competirá o julgamento aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença A chamada desclassificação imprópria operada em plenário ocorre em dois casos excesso culposo na excludente e participação dolosamente distinta No modelo antigo quando os jurados eram quesitados sobre a legítima defesa deveriam responder a uma série de perguntas entre elas se o réu usou moderadamente dos meios necessários para repelir a injusta agressão Nesse momento se os jurados respondessem não estavam reconhecendo a existência do excesso Quesitavase então se o excesso foi doloso antigo art 484 III Se dissessem sim estava o réu condenado pelo excesso doloso Se a resposta majoritária fosse não para o dolo direto e também o eventual quesitavase se o excesso foi culposo Se dissessem sim ocorria a chamada desclassificação imprópria a resposta não significava que o excesso era impunível sendo o réu absolvido pela legítima defesa A relevância da desclassificação imprópria era em relação ao crime conexo pois se entendia que o júri havia firmado sua competência e por conseguinte deveria julgar o crime conexo que seria objeto de quesitação Com a nova sistemática de quesitação implantada pela Lei n 116892008 o modelo foi substancialmente simplificado não havendo mais a necessidade de desdobrarse a legítima defesa em uma série de quesitos Assim a tese do excesso culposo é sempre subsidiária em relação à principal da excludente Devemse elaborar os dois primeiros quesitos materialidade e autoria e após o terceiro quesito genérico da defesa o jurado absolve o acusado Mas para que se fale em excesso da legítima defesa seja ele doloso ou culposo é fundamental que os jurados reconheçam ter existido a legítima defesa ou seja somente se pode falar em excesso se o agente inicialmente estava ao abrigo da excludente A nova sistemática legal ao simplificar o sistema de quesitação como um todo acabou por criar novas complicações pontuais Entre elas essa como quesitar excesso na excludente se a excludente não é mais quesitada havendo apenas o quesito genérico da absolvição Eis um problema sério Se o réu for absolvido nada mais será perguntado e o julgamento está encerrado Mas se negado quesito genérico da absolvição e alguma das partes sustentou em plenário a tese do excesso seja ele culposo ou doloso pensamos que a melhor solução será o juiz elaborar o seguinte quesito 4º o réu MANÉ DE TAL excedeu por imprudência imperícia ou negligência os limites da legítima defesa A resposta sim reconhece o excesso culposo e indica a prática do crime de homicídio culposo Contudo como os jurados não são competentes para julgar um crime culposo haverá uma desclassificação imprópria pois eles já indicaram qual é o tipo praticado Com a desclassificação caberá ao juiz presidente apenas condenar o réu pelo crime culposo apontado A relevância prática da desclassificação imprópria é que os jurados firmam sua competência e portanto seguem competentes para julgar os eventuais crimes conexos Essa é a principal distinção em relação à outra modalidade de desclassificação pois na desclassificação própria o júri não firma sua competência e por isso não julga o crime conexo na desclassificação imprópria o júri define qual é o crime praticado juízo positivo da tipicidade firmando sua competência e portanto julga o crime conexo A resposta não significa que houve excesso doloso e assim deverá o réu responder pelo crime doloso resultante do excesso como regra sendo o resultado morte será por homicídio doloso Portanto não há necessidade de quesitarse o excesso doloso pois ele se dá por exclusão Ou seja a resposta sim desclassifica de forma imprópria transferindo o julgamento para o juiz presidente e com a resposta não estará o réu condenado pelo crime doloso Quanto à desclassificação imprópria pelo reconhecimento de participação dolosamente distinta ocorrerá quando havendo concurso de agentes um deles sustentar ter querido participar de crime menos grave Serão formulados os dois primeiros quesitos materialidade e participação e também o terceiro quesito genérico de defesa o jurado absolve o acusado Somente se negado esse terceiro quesito pois se acolhido o réu estará absolvido é que deverá o juiz formular o 4º quesito específico para a participação dolosamente distinta 4º o réu MANÉ DE TAL quis participar de crime menos grave qual seja lesão corporal Se os jurados responderem sim haverá uma desclassificação imprópria passando o julgamento para o juiz presidente mas já com a afirmação do tipo penal praticado Há desclassificação porque o júri não é competente para julgar originariamente um crime de lesão corporal Contudo por terem feito um juízo positivo de tipicidade o júri segue competente para o julgamento de eventual crime conexo Se a resposta for não significa o afastamento da tese defensiva da participação dolosamente distinta e portanto a condenação do réu nos termos da acusação Continuando a análise dos quesitos não sendo o réu absolvido e nem operada a desclassificação está o réu condenado Passase então para a análise dos incisos IV e V do art 483 Art 483 IV se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa V se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação Na sistemática legal uma vez condenado o réu seguese a quesitação questionando a causa de diminuição de pena se alegada pela defesa é óbvio No delito de homicídio a figura privilegiada vem prevista no art 121 1º do Código Penal 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço A causa de diminuição da pena deverá ser quesitada após a condenação do réu ou seja após afirmada a materialidade autoria e rechaçadas as teses defensivas nos seguintes termos O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima Se os jurados responderem sim caberá ao juiz na dosimetria fazer a respectiva diminuição da pena sendo que o pode reduzir a pena constante no artigo diz respeito ao quantum da redução que poderá variar conforme as circunstâncias do caso Não poderá o juiz uma vez reconhecida a causa de diminuição deixar de levála em consideração Mas se a resposta for não significa que os jurados afastaram a tese defensiva e a causa de diminuição da pena não poderá incidir na dosimetria Quanto às qualificadoras eou causas de aumento de pena devem elas estar expressamente reconhecidas na pronúncia ou decisões posteriores Recordemos ainda que é possível a figura do homicídio qualificadoprivilegiado desde que a qualificadora seja de ordem objetiva inviável portanto a concorrência da privilegiadora com as qualificadoras do motivo fútil ou torpe por exemplo Advirtase que uma vez afastada a qualificadora na pronúncia o que resta excluído é a situação fática e não o nome jurídico Daí por que uma vez afastada a qualificadora mas pronunciado o réu não pode o Ministério Público ou querelante postular a sua inclusão em plenário sob o rótulo de agravante Isso ocorre porque muitas das qualificadoras nada mais são do que situações fáticas constitutivas de agravantes Logo uma vez excluída a qualificadora está afastada a situação fática não podendo o Ministério Público trocar o nome jurídico para querer agora seu reconhecimento com o título de agravante Quanto à forma de quesitar a qualificadora vejamos alguns exemplos O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime por motivo torpe O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime por motivo fútil O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime à traição O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime usando de recurso que tornou impossível a defesa da vítima Acolhida a qualificadora por 4 ou mais jurados deverá o juiz iniciar a dosimetria da pena pelos limites da figura qualificada 12 a 30 anos Por fim havendo mais de um réu as perguntas devem ser formuladas em séries distintas uma para cada réu A mesma sistemática deve ser adotada quando o réu é acusado de mais de um crime mas sempre iniciando pelo prevalente ou seja aquele que é de competência originária do júri crime doloso tentado ou consumado contra a vida Isso porque é necessário que o júri firme a competência julgando o crime prevalente isto é condenando ou absolvendo o réu para só então poder julgar o crime conexo 38226 Da Sentença Condenatória e Absolutória Problemas em Torno dos Efeitos Civis A Prisão Preventiva Todas as ocorrências do julgamento deverão constar na ata dos trabalhos prevista nos arts 494 a 496 Sublinhamos que todas as nulidades seja na instrução em plenário debates ou quesitação deverão obrigatoriamente constar nessa ata da reunião sob pena de conforme o caso preclusão No que tange às nulidades dos quesitos por se tratar de nulidade absoluta não é imprescindível que o protesto conste em ata ainda que isso seja recomendável pois não há preclusão Nesse sentido importante a leitura do art 564 parágrafo único do CPP Finalizado o júri caberá ao juiz presidente proferir a sentença nos limites do que foi decidido pelo conselho de sentença observando a regra geral do art 381 do CPP mas também o disposto nos arts 492 e 493 Art 492 Em seguida o presidente proferirá sentença que I no caso de condenação a fixará a penabase b considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates c imporá os aumentos ou diminuições da pena em atenção às causas admitidas pelo júri d observará as demais disposições do art 387 deste Código e mandará o acusado recolherse ou recomendáloá à prisão em que se encontra se presentes os requisitos da prisão preventiva f estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação II no caso de absolvição a mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso b revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas c imporá se for o caso a medida de segurança cabível 1º Se houver desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida aplicandose quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo o disposto nos arts 69 e seguintes da Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 2º Em caso de desclassificação o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri aplicandose no que couber o disposto no 1º deste artigo Art 493 A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento Assim três são as possibilidades condenação absolvição e desclassificação Vejamos agora os principais aspectos de cada uma Em caso de condenação do réu caberá ao juiz realizar a dosimetria da pena a partir das diretrizes do art 59 do Código Penal e do art 492 do CPP fixando a penabase e na segunda fase as atenuantes e agravantes Recordemos que as atenuantes e agravantes não são quesitadas mas sustentadas pelas partes nos debates Portanto não existe mais a necessidade de formulação do quesito genérico da presença de atenuantes não tendo aplicação neste ponto a Súmula n 156 do STF101 Já as causas de aumento e diminuição da pena serão quesitadas nos termos do art 483 do CPP e uma vez reconhecidas devem ser consideradas pelo juiz na dosimetria A alínea d remete ao art 387 o que seria razoável e lógico O problema está na nova redação do art 387 que em seu inciso IV determina que a sentença condenatória fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido Como já explicamos a fixação de valores a título indenizatório na sentença penal condenatória constitui uma errônea privatização do processo penal misturando pretensões de diversas naturezas O problema agravase no Tribunal do Júri não só pela complexidade fática que geralmente envolve esses fatos mas também pela própria especificidade do ritual judiciário ali estabelecido Como poderá o réu realizar uma defesa eficiente em plenário e ainda ocuparse de fazer a defesa cível para evitar uma condenação a título indenizatório em valores excessivos e desproporcionais Além de ser completamente inviável há ainda um outro complicador para quem deverá dirigir sua argumentação Para o juiz ou para os jurados Mas os jurados serão quesitados sobre valores indenizatórios Não os jurados não decidem sobre isso Então como conciliar uma defesa penal dirigida aos jurados e no mesmo debate sustentar questões patrimoniais para o juiz É absolutamente inviável Ademais pela complexidade que envolve a indenização em crimes contra a vida não há condições processuais para no processo penal discutilas com as mínimas condições probatórias e jurídicas Pior ainda em plenário Sem falar que no júri incumbe ao conselho de sentença a decisão e não há previsão de que eles decidam sobre a indenização e seu valor Sequer quesitados são sobre o dever de indenizar Então das duas uma ou aceitamos que o juiz fixe indevidamente um valor indenizatório em caso de sentença condenatória sem as mínimas possibilidades de defesa e usurpando o poder decisório do conselho de sentença ou simplesmente negamos validade substancial ao art 387 IV do CPP nos processos submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri Ficamos com essa última opção devendo o juiz limitarse ao que foi decidido pelos jurados sem fixar qualquer valor a título indenizatório Essa posição de não fixar na sentença penal qualquer valor a título de indenização de um lado assegura o direito de defesa do réu e o respeito à soberania da decisão dos jurados e de outro não impede que a vítima ou seu representante legal munido da sentença penal condenatória transitada em julgado promova a liquidação e execução cível nos termos do art 63 do CPP cc art 475N II do CPC Especial atenção merece o art 492 I e pois deverá o juiz nesse momento em que profere a sentença condenatória decidir sobre a manutenção da prisão preventiva decretada soltura ou manutenção do estado de liberdade Em última análise decidir sobre o direito de o réu recorrer ou não em liberdade recordando que não há que se falar em decretação da prisão preventiva ou manutenção dela em caso de absolvição pois o recurso de apelação da sentença absolutória não tem efeito suspensivo sendo imperativa a imediata soltura do réu preso ou sua manutenção em liberdade O problema surge com a condenação O tema foi tratado no Capítulo II desta obra quando analisamos a prisão cautelar e suas modalidades Contudo cumpre agora destacar o seguinte ponto E se o réu utilizar o direito de não ir ao júri caberá a decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal Pensamos que como regra não Se o réu aguardou todo o julgamento em liberdade pois inexistente o periculum libertatis o decreto de prisão nesse momento constitui uma violação reflexa ou indireta do direito de não ir ao julgamento Significa extrair do exercício do direito subjetivo do réu uma consequência negativa ilegítima Dessarte não pode o juiz decretar a prisão preventiva neste momento sob o argumento de que o réu se permanecer solto irá fugir e portanto frustrar a aplicação da lei penal No fundo o que está conduzindo a decisão do juiz é o fato de o réu não ter comparecido ao julgamento e motivado até pela frustração do caráter pedagógico que ele supõe poder dar ao ritual judiciário assim decide para satisfazer o desejo punitivo recalcado Há que se desvelar a retórica judicial para buscar no discurso velado o real motivo da prisão Sendo a real motivação a pura ausência do réu no plenário é absolutamente ilegal a prisão preventiva O periculum libertatis como explicado no Capítulo II não pode ser presumido deve ser efetivamente demonstrado Tampouco pode ser fruto de ilações do juiz ou ter um caráter quase vingativo Acima de tudo há que se compreender que o não comparecimento do réu é legítimo e portanto não faz nascer o periculum libertatis Não se pode extrair de uma ausência autorizada uma presunção de risco para aplicação da lei penal risco de fuga A alínea f art 492 I determina ainda que o juiz ao proferir a sentença condenatória estabeleça os efeitos genéricos e específicos da condenação Tratase com essa definição de dar eficácia ao disposto nos arts 91 e 92 do Código Penal102 Conforme o caso deverá o juiz fundamentar a perda dos instrumentos utilizados para a prática do delito desde que sejam ilícitos por si próprios bem como dos bens e valores auferidos com a prática do crime e ainda a perda do cargo função ou mandato eletivo a incapacidade para o exercício do pátrio poder e a inabilitação para dirigir veículos quando utilizados como meio para a prática do crime No caso de absolvição devemos recordar que sendo afastada a tese defensiva e reconhecida a inimputabilidade do réu deverá o juiz absolver e aplicar medida de segurança proferindo uma absolvição imprópria Não sendo esse o caso a sentença absolutória faz cessar toda e qualquer constrição que recaia sobre o acusado ou seu patrimônio devendo ele ser imediatamente posto em liberdade e cessadas as medidas assecuratórias eventualmente decretadas Contudo mais um dos problemas do Tribunal do Júri está na definição dos efeitos civis da sentença penal absolutória Como os jurados não fundamentam suas decisões a situação é bastante complicada pois como já explicamos dependendo do fundamento a absolvição criminal pode ou não fazer coisa julgada no cível Dessarte o fato de os jurados não fundamentarem suas decisões complica muito o mister de definir os efeitos civis da sentença penal condenatória Pensamos que diante da impossibilidade de saber por exemplo se os jurados estão absolvendo porque está provada a inexistência do fato ou porque não há prova da existência do fato deve prevalecer o in dubio pro reo A distinção nesses casos é tênue mas gera efeitos civis completamente diversos e não há como sustentar essas duas teses com clara distinção A defesa dirá que o fato não existiu e tudo se resolverá no primeiro quesito Da mesma forma em relação à autoria Na medida em que não há como precisar o conteúdo da decisão dos jurados é razoável partirse para uma interpretação mais benéfica103 ao réu seguindo toda a lógica do sistema penal tanto no campo probatório com o in dubio pro reo mas também hermenêutico com a vedação de analogia in malam partem Mas para que tudo isso funcione bem é fundamental que os juízes ao prolatarem as sentenças absolutórias tenham essa questão presente indicando assim o inciso correto Do contrário infelizmente abrese a porta para a ação civil ex delicti ainda que absolvido o réu Por fim vejamos a desclassificação Com a desclassificação própria em qualquer de seus casos o feito passará às mãos do juiz presidente a quem competirá o julgamento do caso penal condenando ou absolvendo o réu e se houver crime conexo que não seja doloso contra a vida porque se for será julgado pelo júri também ao juiz presidente do Tribunal do Júri competirá o julgamento aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença Nesses casos a sentença do juiz presidente segue a regra geral das sentenças penais nos termos dos arts 381 e 387 conforme o caso sem perder de vista o disposto nos 1º e 2º do art 492 Já na desclassificação imprópria os jurados indicam qual é o tipo penal praticado cabendo ao juiz presidente apenas condenar o réu pelo crime apontado A relevância prática da desclassificação imprópria é que os jurados firmam sua competência e portanto seguem competentes para julgar os eventuais crimes conexos Em todos os casos deve o juiz presidente atentar para o determinado no 1º quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela Lei como infração penal de menor potencial ofensivo deverá o juiz observar o disposto nos arts 69 e seguintes da Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 Por derradeiro a sentença deverá sempre ser lida em plenário pelo juiz presidente antes de encerrada a sessão de julgamento 39 Crítica ao Tribunal do Júri da Falta de Fundamentação das Decisões à Negação da Jurisdição Como explica FERRAJOLI104 o Tribunal do Júri desempenhou um importante papel na superação do sistema inquisitório tendo o pensamento liberal clássico assumido a defesa do modelo de juiz cidadão em contraste com os horrores da inquisição Mas o tempo passa e os referenciais mudam Para valorar a figura do juiz profissional em confronto com a dos juízes leigos não são adequados os critérios do século passado ou melhor retrasado invocados com algum acerto naquele momento mas completamente superados na atualidade Um dos graves problemas para a evolução de um determinado campo do saber é o repouso dogmático Quando não se estuda mais e não se questiona as verdades absolutas O Tribunal do Júri é um dos temas em que a doutrina nacional desfruta de um longo repouso dogmático pois há anos ninguém ousa questionar mais sua necessidade e legitimidade É verdade que o Tribunal do Júri é cláusula pétrea da Constituição art 5º XXXVIII mas isso não desautoriza a crítica até porque podemos sim questionar a legitimidade de tal instituição para estar na Constituição Ademais recordemos que o art 5º XXXVIII consagra o júri mas com a organização que lhe der a lei Ou seja remete a disciplina de sua estrutura à lei ordinária permitindo uma ampla e substancial reforma para além da realizada em 2008 destaquese desde que assegurados o sigilo das votações a plenitude de defesa a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida Abrese assim um amplo espaço para reestruturálo já que a extinção pura e simples como desejamos dependeria de alteração na Constituição Para além de tais limites importa aqui contribuir para a formação de uma visão crítica fundamental para compreensão e aperfeiçoamento do júri Um dos primeiros argumentos invocados pelos defensores do júri é o de que se trata de uma instituição democrática Não se trata aqui de iniciar uma longuíssima discussão do que seja democracia mas com certeza o fato de sete jurados aleatoriamente escolhidos participarem de um julgamento é uma leitura bastante reducionista do que seja democracia A tal participação popular é apenas um elemento dentro da complexa concepção de democracia que por si só não funda absolutamente nada em termos de conceito Democracia é algo muito mais complexo para ser reduzido na sua dimensão meramente formal representativa Seu maior valor está na dimensão substancial enquanto sistema políticocultural que valoriza o indivíduo em todo feixe de relações que ele mantém com o Estado e com outros indivíduos É fortalecimento e valorização do débil no processo penal o réu na dimensão substancial do conceito E o fortalecimento do indivíduo no processo penal se dá em duas dimensões potencializando sua posição e condições de fala no processo penal através de contraditório e ampla defesa reais e efetivos e na garantia de ser julgado por um juiz natural e em posição de alheamento terzietà Noutra dimensão apontase para a legitimidade dos jurados na medida em que são eleitos como se isso fosse suficiente Ora o que legitima a atuação dos juízes não é o fato de serem eleitos entre seus pares democracia formal mas sim a posição de garantidores da eficácia do sistema de garantias da Constituição democracia substancial Ademais de nada serve um juiz eleito se não lhe damos as garantias orgânicas da magistratura e exigimos que assuma sua função de garantidor Os jurados tampouco possuem a representatividade democrática necessária ainda que se analisasse numa dimensão formal de democracia na medida em que são membros de segmentos bem definidos funcionários públicos aposentados donas de casa estudantes enfim não há uma representatividade com suficiência democrática Argumentase ainda em torno da independência dos jurados Grave equívoco Os jurados estão muito mais suscetíveis a pressões e influências políticas econômicas e principalmente midiática na medida em que carecem das garantias orgânicas da magistratura A independência destaca FERRAJOLI deve ser vista enquanto exterioridade ao sistema político e num sentido mais geral como a exterioridade a todo sistema de poderes A legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição e não da vontade da maioria O juiz assume uma nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional e o seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais É uma legitimidade democrática fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial e não meramente formal Ademais eles não são juízes senão que estão temporária e precariamente investidos carecendo por evidente das necessárias garantias orgânicas que suportam a independência A falta de profissionalismo de estrutura psicológica aliados ao mais completo desconhecimento do processo e de processo são graves inconvenientes do Tribunal do Júri Não se trata de idolatrar o juiz togado muito longe disso senão de compreender a questão a partir de um mínimo de seriedade científica imprescindível para o desempenho do ato de julgar Os jurados carecem de conhecimento legal e dogmático mínimo para a realização dos diversos juízos axiológicos que envolvem a análise da norma penal e processual aplicável ao caso bem como uma razoável valoração da prova É o grave paradoxo apontado por FAIREN GUILLEN105 un juez lego ignorante de la Ley no puede aplicar un texto de la Ley porque no la conoce O próprio ato decisório exige uma prévia cognição e compreensão da complexidade jurídica sendo inadmissível o empirismo rasteiro empregado pelo júri Outro grave problema referese ao aspecto probatório espinha dorsal do processo penal Na sistemática brasileira a prova é colhida na primeira fase diante do juiz presidente mas na ausência dos jurados Em plenário até pode ser produzida alguma prova mas a prática demonstra que essa é uma raríssima exceção A regra geral é a realização de mera leitura de peças com acusação e defesa explorando a prova já produzida e subtraindo dos jurados a possibilidade do contato direto com testemunhas e outros meios de provas e como muito haverá interrogatório no final sem esquecer do necessário direito de não comparecer ou de comparecer e manter o direito de silêncio O julgamento resumese a folhas mortas Os jurados desconhecem o Direito e o próprio processo na medida em que se limitam ao trazido pelo debate ainda que em tese tenham acesso a todo o processo como se o todo fosse apreensível realmente estivesse no processo e esse processo fosse realmente de conhecimento dos jurados Outra garantia fundamental que cai por terra no Tribunal do Júri é o direito de ser julgado a partir da prova judicializada Em diversas oportunidades106 explicamos a distinção entre atos de investigação realizados no inquérito policial e atos de prova produzidos em juízo na fase processual ressaltando a importância de que a valoração que encerra o julgamento recaia sobre os atos verdadeiramente de prova devidamente judicializados e colhidos ao abrigo do contraditório e da ampla defesa A garantia da originalidade107 decorre da função endoprocedimental dos atos da investigação que possuem eficácia interna à fase para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no curso da investigação Para tanto defendemos a adoção do sistema de exclusão física do inquérito policial108 buscando evitar a contaminação do julgador pelos atos de investigação praticados na fase inquisitória do inquérito policial portanto em segredo sem defesa ou contraditório e não judicializado Em que pese o sistema brasileiro não excluir o inquérito policial de dentro dos autos do processo de conhecimento é sabido que uma sentença penal condenatória não pode ampararse exclusivamente nos elementos colhidos na fase inquisitorial O relativo controle da observância de tal garantia dáse através da fundamentação exarada na sentença Contudo no Tribunal do Júri qualquer esperança de ser julgado a partir da prova judicializada cai por terra na medida em que não existe a exclusão física dos autos do inquérito e tampouco há vedação de que se utilize em plenário os elementos da fase inquisitorial inclusive o julgamento pode travarse exclusivamente em torno dos atos do inquérito policial Para completar o triste cenário os jurados julgam por livre convencimento imotivado sem qualquer distinção entre atos de investigação e atos de prova O golpe fatal no júri está na absoluta falta de motivação do ato decisório A motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Como define IBÁÑEZ109 o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicaçãoexplicação um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional A decisão dos jurados é absolutamente ilegítima porque carecedora de motivação Não há a menor justificação fundamentação para seus atos Tratase de puro arbítrio no mais absoluto predomínio do poder sobre a razão E poder sem razão é prepotência A situação é ainda mais grave se considerarmos que a liberdade de convencimento imotivado é tão ampla que permite o julgamento a partir de elementos que não estão no processo A íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu E tudo isso sem qualquer fundamentação A amplitude do mundo extraautos de que os jurados podem lançar mão sepulta qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar Nem mesmo o catalão NICOLAU EYMERICH o mais duro dos inquisidores no famoso Directorium Inquisitorum elaborado em 1376 posteriormente ampliado por Francisco de la Peña em 1578 imaginou um poder de julgar tão amplo e ilimitado A supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da prova dos autos Imaginemos um julgamento realizado no Tribunal do Júri cuja decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos condenatória ou absolutória Há recurso de apelação com base no art 593 III d do CPP que uma vez provido pelo Tribunal conduz à realização de novo júri consequência da aplicação da primeira parte do 3º do art 593 Esse novo júri será composto por outros jurados mas como o espetáculo será realizado pelos mesmos atores em cima do mesmo roteiro e no mesmo cenário a chance de o resultado final ser igual é imensa E nesse novo júri a decisão é igual à anteriormente prolatada e portanto novamente divorciada da prova dos autos Duas decisões iguais em manifesta dissociação com o contexto probatório Poderá haver então novo recurso aduzindo que novamente os jurados decidiram contra a prova dos autos Não pois a última parte do 3º do art 593 veda expressamente essa possibilidade Logo se no segundo júri eles decidirem novamente contra a prova dos autos não caberá recurso algum Os jurados podem então decidir completamente fora da prova dos autos sem que nada possa ser feito Possuem o poder de tornar o quadrado redondo com plena tolerância dos Tribunais e do senso comum teórico que se limitam a argumentar fragilmente com a tal supremacia do júri como se essa fosse uma verdade absoluta inquestionável e insuperável Interessante ainda como um dos principais pilares em comum do Direito Penal e do processo penal cai por terra sem quem ninguém o proteja O in dubio pro reo é premissa hermenêutica inafastável do Direito Penal e no campo processual juntamente com a presunção de inocência norteador da axiologia probatória Ao mesmo tempo informa a interpretação da norma penal e a valoração da prova no campo processual Quando os jurados decidem pela condenação do réu por 4x3 está evidenciada a dúvida em sentido processual Significa dizer que existe apenas 5714 de consenso de convencimento Questionase alguém admite ir para a cadeia com 5714 de convencimento Elementar que não A sentença condenatória exige prova robusta alto grau de probabilidade de convencimento algo incompatível com um julgamento por 4x3 Ou seja ninguém poderia ser condenado por 4x3 mas isso ocorre diuturnamente no Tribunal do Júri pois lá como diz o jargão forense o in dubio pro reo passa a ser lido pelos jurados como in dubio pau no reo Perdeu a Comissão que levou a cabo a reforma do júri Lei n 11689 uma grande chance de atenuar esse grave problema Deveria ter alterado o número mas não o fez infelizmente de jurados para 9 jurados com a exigência de votação mínima para condenar de 6 votos logo para absolver vale 5x4 ou ainda para 11 jurados com no mínimo 7 jurados votando sim para haver condenação de modo que para absolver pode ser 6 a 5 Uma terceira solução para esse problema talvez até mais adequada foi proposta por MOREIRA DE OLIVEIRA110 sem contudo ter merecido a atenção devida Sugeriu o ilustre professor que o número de jurados passasse para 8 ou seja um número par de integrantes que impediria soluções duvidosas como as que ocorrem atualmente pois em caso de empate teríamos a configuração da dúvida favorecedora da absolvição pois argumentos acusatórios e defensivos não lograram obter maioria utilizandose aqui o art 615 1º do CPP por analogia Com essa simples modificação sugerida pelo autor havendo oito jurados alguém somente seria condenado se houvesse no mínimo dois votos de diferença isto é cinco contra três Com isso se conferiria maior certeza e seriedade a uma solução condenatória pois se reduziria a possibilidade de erro cometido por um só jurado Estamos plenamente de acordo o número par de jurados 8 resolveria esse problema pois a condenação somente ocorreria com uma diferença de no mínimo dois votos O aumento do número de jurados é imprescindível não apenas para dar uma maior representatividade do corpo social no conselho de sentença mas principalmente para a máxima eficácia do direito constitucional de defesa Mas não é apenas no plenário que o in dubio pro reo é abandonado Ao final da primeira fase o juiz presidente poderá tomar uma dessas quatro decisões absolver sumariamente desclassificar impronunciar ou pronunciar O problema não está na decisão em si mas no princípio que irá orientar a valoração da prova nesse momento A imensa maioria dos autores e tribunais segue repetindo que nessa fase à luz da soberania do júri novamente o argumento de autoridade mas completamente vazio de sentido o juiz deve guiarse pelo in dubio pro societate A pergunta é qual a base constitucional desse princípio Nenhuma pois ele não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e não pode coexistir com a única presunção constitucionalmente consagrada a presunção de inocência e o in dubio pro reo Como já afirmamos anteriormente por maior que seja o esforço discursivo em torno da soberania do júri tal princípio não consegue dar conta dessa missão Não há como aceitar uma tal expansão da soberania a ponto de negar a presunção constitucional de inocência A soberania diz respeito a competência e limites ao poder de revisar as decisões do júri Nada tem a ver com carga probatória Também foi um erro quando da reforma pontual manterse a decisão de impronúncia que como explicamos anteriormente gera um estado de pendência em que o réu não está condenado nem absolvido É como dissemos antes substancialmente inconstitucional por violar a presunção de inocência Por fim deve ser enfrentada a questão da falibilidade que também está presente nos julgamentos levados a cabo por juízes togados o que é elementar Contudo não é necessário maior esforço para verificar que a margem de erro injustiça é infinitamente maior no julgamento realizado por pessoas que ignoram o direito em debate e a própria prova da situação fática em torno da qual gira o julgamento e como se não bastasse são detentoras do poder de decidir de capa a capa e mesmo fora da capa do processo sem qualquer fundamentação Os juízes e tribunais também erram e muito mas para isso existe todo um sistema de garantias e instrumentos limitadores do poder que reduzem os espaços impróprios da discricionariedade judicial mas não eliminam é claro A fertilidade do terreno da injustiça é completamente diversa É como querer comparar a margem de erro de um obstetra e sua equipe numa avançada estrutura hospitalar de uma grande capital com a de uma parteira isolada em plena selva amazônica É óbvio que o risco está sempre presente mas com certeza a probabilidade de sua efetivação é bastante diversa E se a parteira em plena selva amazônica é útil e necessária diante das inafastáveis circunstâncias o mesmo não se pode dizer do Tribunal do Júri instituição perfeitamente prescindível Com certeza é bastante sedutor o discurso manipulado em torno do saber do homem simples mas é demagógico e busca apenas desviar o eixo da discussão Quando refutamos a necessidade desse tipo de participação do homem simples111 não o fazemos por arrogância científica ou desprezo do saber decorrente da experiência como certamente argumentarão os defensores do júri senão que deixamos o populismo de lado para definir as diferentes dimensões da participação112 do homem na distribuição da justiça O chamado Princípio de Justiça Profissional é considerado imprescindível para a correta administração da justiça tendo sido inclusive objeto de análise e aprovação no I Congreso Nacional de Derecho Procesal e posteriormente no II Congreso Iberoamericano y Filipino de Derecho Procesal113 É a forma mais eficiente de não chegar hasta el extremo de poner la administración humana de la justicia en ese extremo de un sí o un no emitidos por un ignorante del Derecho114 Naquela ocasião ARAGONESES ALONSO115 explicou que a complexidade do Direito Positivo nos levou a establecer un primer principio el de que si las resoluciones de los organismos jurisdiccionales han de basarse en la ley el órgano jurisdiccional no puede en modo alguno estar encarnado en un lego pois o problema de se as decisões podem ser justas sem ser legais é extremamente complexo A equidade encerra problemas e dificuldades muito maiores que a mera legalidade não permitindo que o jurado decida quando sequer compreende a dimensão da própria legalidade E os argumentos contrários ao júri seguem numa lista interminável116 e o que é mais grave inabaláveis pelos frágeis argumentos dos defensores da instituição Pensamos que administração de justiça pode prescindir do Tribunal do Júri mas considerando a consagração constitucional o que impediria a extinção pura e simples é crucial que se façam profundas alterações estruturais 1 Expressão cunhada por CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 1 p 332 e que tomamos emprestada para o estudo das formas ou espécies de procedimentos 2 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 161 3 GIMENO SENDRA José Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 180 4 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 6 5 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 232 6 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 328 7 Idem ibidem 8 TRIBE Laurence e DORF Michael Hermenêutica Constitucional Belo Horizonte Del Rey 2007 p 3 9 Dessarte somos favoráveis à proposta de MIRANDA COUTINHO e GIAMBERARDINO COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda e GIAMBERARDINO André Ribeiro Legalidade e Reformas Parciais do CPP a excrescência da relativização das regras e princípios constitucionais Texto original gentilmente cedido pelos autores que fazem uma interessante e correta análise do problema para sustentar em síntese o seguinte o contraditório prévio constante no Projeto estava em conformidade com a exigência constitucional e também com o princípio de isonomia em relação a outros procedimentos que o preveem tais como a Lei n 8038 e a Lei n 11343 A solução para a questão está na declaração de inconstitucionalidade ou se assim não se entender numa interpretação conforme a Constituição ou mesmo numa nulidade parcial sem redução de texto A inconstitucionalidade manifestase na violação ao sistema constitucional principiológico do direito de ação que cobra o contraditório prévio como também à imparcialidade do julgador o duplo juízo sobre a ação conduz ao prejulgamento no primeiro momento A solução vem através da interpretação conforme a Constituição prosseguem os autores entendendose que onde se disse citação e diante dos postulados constitucionais só se pode tomar por sentido a notificação sob pena de inconstitucionalidade Assim no texto lerseia ordenará a notificação do acusado para responder à acusação por escrito no prazo de 10 dias Mas isso não resolve o problema senão apenas supera o primeiro obstáculo Ainda sobrevive a infeliz mesóclise Quanto a ela o ataque deve ser pela via da nulidade parcial sem redução de texto buscandose a abdução de sentido Ou seja não há redução de texto mas sim um afastamento de sentido deixandose intacto o preceito O sentido afastado é o de admissibilidade da ação penal Com isso a mesóclise sinaliza o juízo de admissibilidade mas não um juízo de admissibilidade da ação penal É um recebimento precário pois fundado na mera aparência podendo o juiz rejeitar liminarmente quando flagrante a falta das condições da ação ou inépcia da denúncia ou queixa A construção é adequada e permite uma conformação com o modelo constitucional em que o contraditório e o direito de defesa são fundantes do processo penal Daí por que nossa evidente concordância Contudo não é dessa forma que juízes e tribunais vêm atuando pois por ora seguem recebendo a denúncia ou queixa no primeiro momento Mas ficam a ressalva e a esperança de que a Constituição seja levada a sério para corrigir um grave erro legislativo 10 Recordando a regra geral do limite numérico rito ordinário 8 testemunhas rito sumário 5 testemunhas para cada parte não se computando as que não prestam compromisso e as referidas Outro aspecto muito importante é o fato de o artigo em questão exigir que a defesa arrole suas testemunhas requerendo sua intimação quando necessário Até a reforma a regra era testemunha arrolada deveria ser intimada exceto se a parte expressamente dissesse que ela compareceria independente de intimação Isso mudou Uma leitura superficial conduziria à conclusão de que a defesa sempre deveria requerer expressamente a intimação sob pena de comprometerse a conduzir a testemunha E se não fizer esse pedido e no dia da audiência ninguém comparecer preclusa a via probatória Pensamos que não Isso porque não apenas o direito à ampla defesa impede que um processo tramite nessas condições senão porque o contraditório exige um tratamento igualitário Se o Ministério Público não está obrigado a pedir a intimação das testemunhas por que a defesa teria esse ônus Logo o tratamento igualitário conduz a que a regra siga sendo a mesma testemunha arrolada por qualquer das partes deverá ser intimada exceto se expressamente for dispensada a intimação 11 PENAL PROCESSO PENAL NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL LEI 117192008 IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA LEI 813790 SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA LEI 1068403 ART 9º FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO ARTS 299 E 304 CP ABSORÇÃO DENÚNCIA REJEIÇÃO 1 A Lei 1171908 inovou o processo penal ao introduzir a possibilidade de absolvição sumária do réu Em sendo assim tornouse perfeitamente factível que o Juiz reveja a decisão pela qual recebeu a denúncia para rejeitála em seguida quando sua convicção é modificada por algum elemento trazido pela defesa em sua resposta escrita grifamos 2 3 4 Não há justa causa para continuidade da presente persecução penal pois o crime de uso e documento falso foi absorvido pelo delito tributário Lei n 813790 e este teve suspensa a pretensão punitiva nos termos do art 9º caput e 1º da Lei 1068403 em razão do parcelamento do crédito tributário 5 Recurso em sentido estrito não provido TRF1 RSE 200838000151631 3ª Turma Rel Juiz Tourinho Neto j 15022011 eDJF1 28022011 p 64 12 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 63 13 FREDERICO MARQUES José Elementos de Direito Processual Penal Campinas Bookseller 1996 v 3 p 342 14 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 82 Também explica esse erro histórico TOURINHO FILHO Processo Penal v 4 p 147 15 Não podemos concordar com TOURINHO FILHO op cit p 216 quando afirma que o não comparecimento do querelado autoriza a aplicação do art 260 do CPP e a sua condução coercitiva Completamente descabida a medida pois o sujeito passivo não pode ser compelido a participar da tentativa de reconciliação Também não concordamos com o autor quando pretende transformar um mero ato procedimental em condição de procedibilidade A audiência de reconciliação não é uma condição para o exercício da ação penal até porque ocorre exatamente após o seu exercício Já foi exercida a ação e colocada em movimento a jurisdição O que se tem agora é um mero ato procedimental 16 Como advertem RANGEL e BACILA Comentários Penais e Processuais Penais à Lei de Drogas Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 184 isso não impede todavia que o usuárioconsumidor seja conduzido à presença da autoridade judicial o que não é a regra pois os juízes do JECrim não estão disponíveis 24h por dia em todo o Brasil para dar conta dessa demanda ou policial para verificação de sua responsabilidade penal isto é se o crime praticado é o previsto no art 28 ou aquele descrito no art 33 por exemplo 17 Ao prever a possibilidade de o inquérito policial perdurar por até 180 dias consagra a lei a violação do direito de ser julgado em um prazo razoável Recordemos que o fato de a lei interna prever um prazo não significa automaticamente a validade e a legitimidade da demora Deve o juiz ou tribunal proceder no caso concreto à necessária filtragem constitucional verificando à luz do art 5º LXXVIII da Constituição a invalidade substancial do art 51 da Lei n 11343 18 Quanto à ausência de defesa preliminar vejamos essa interessante decisão proferida pelo STJ no HC n 99605SP Rel originário Min Hamilton Carvalhido Rel para acórdão Min Paulo Gallotti julgado em 1352008 NULIDADE ABSOLUTA DEFESA PRELIMINAR A Turma ao prosseguir o julgamento mediante o voto de desempate do Min Nilson Naves entendeu que a inobservância do procedimento disposto no art 38 da revogada Lei n 104092002 gera nulidade de caráter absoluto que não preclui nem é sanável Ela pode ser arguida a qualquer tempo mesmo somente após o trânsito em julgado de sentença condenatória sem necessidade de que se fale em prova do prejuízo O Min Hamilton Carvalhido vencido juntamente com a Min Maria Thereza de Assis Moura entende que a tardia alegação de nulidade só feita após o trânsito em julgado apenas intensifica a necessidade da demonstração do prejuízo pois sem isso a resposta preliminar que essencialmente é forma de oposição ao recebimento da acusatória inicial transformase em mero formalismo inócuo e sem sentido não seria muito afirmar que a edição da sentença condenatória torna preclusa a questão salvo quando sobejarem questões não apreciadas pela Justiça idôneas à rejeição da denúncia 19 RANGEL e BACILA op cit p 196 apontam que o laudo prévio provisório é uma condição de procedibilidade da ação penal nesses delitos não podendo a denúncia ser recebida sem ele 20 GIACOMOLLI Nereu Juizados Especiais Criminais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 45 21 Em sentido contrário GIACOMOLLI Juizados Especiais Criminais cit p 44 sustenta que deve ser feito o cálculo de forma que mais favoreça o autor do fato ou seja aumentar em grau mínimo e diminuir no grau máximo Isso porque para o autor ainda não há elementos para se determinar o quantum de aumento ou de diminuição o que dependeria de dilação probatória Sustenta ainda que o cálculo inverso poderia gerar uma situação incongruente na medida em que a desconsideração da baixa lesividade pode não se confirmar ao final 22 BITENCOURT Cezar Roberto Juizados Especiais Criminais Federais São Paulo Saraiva 2003 p 70 23 SÚMULA N 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano 24 SÚMULA N 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano 25 A Lei n 9099 não resolve o problema que pode ocorrer quando forem 2 ou mais os autores do delito e a composição ocorrer apenas em relação a um deles CASTANHO DE CARVALHO e PRADO Lei dos Juizados Especiais Criminais Comentada e Anotada 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 131 afirma que nesse caso devese recorrer ao disposto no art 49 do CPP no sentido de que em nome do princípio da indivisibilidade a renúncia ao direito de queixa ou de representação em relação a um dos acusados a todos se estenderá Significa dizer que a composição dos danos por parte de um dos acusados conduz à extinção da punibilidade pela renúncia de todos Pensamos ainda que a mesma solução deve ser adotada em relação à ação penal pública condicionada à representação operandose a extinção da punibilidade de todos em caso de composição integral dos danos civis por parte de um dos réus Mas chamamos a atenção para a falta de consenso nessa matéria havendo autores entre eles MAGALHÃES GOMES FILHO SCARANCE FERNANDES LUIZ FLÁVIO GOMES e PELLEGRINI GRINOVER na obra coletiva Juizados Especiais Criminais São Paulo RT 1995 p 133 sustentando que a renúncia e consequente extinção da punibilidade somente opera em relação ao que transacionar Quanto aos demais poderá a vítima oferecer a queixa ou representar exceto se a reparação dos danos sofridos pela vítima for integral situação em que haverá renúncia tácita e extinção da punibilidade em relação a todos 26 Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão p 71 27 Em sentido contrário PRADO Geraldo Elementos para uma Análise Crítica da Transação Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 160 e ss 28 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed p 575 29 Apenas para sublinhar que essa pseudonegociação será objeto de crítica ao final deste tópico 30 Art 60 Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou tribunal do júri decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis 31 Art 28 Se o órgão do Ministério Público ao invés de apresentar a denúncia requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação o juiz no caso de considerar improcedentes as razões invocadas fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procuradorgeral e este oferecerá a denúncia designará outro órgão do Ministério Público para oferecê la ou insistirá no pedido de arquivamento ao qual só então estará o juiz obrigado a atender 32 Expostos entre outros por PELLEGRINI GRINOVER et al na obra coletiva Juizados Especiais Criminais cit p 141 e ss Esses argumentos já nos seduziram no passado quando a Lei n 9099 entrou em vigor Atualmente com o desvelamento da falácia da justiça negociada cuja crítica faremos ao final esses argumentos ruíram completamente 33 PACELLI DE OLIVEIRA op cit p 575 34 Entre outros citamos a seguinte decisão do STJ 5ª Turma RHC 17006PA Relator Ministro GILSON DIPP j 02062005 CRIMINAL RHC DIFAMAÇÃO INJÚRIA INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO QUEIXACRIME APRESENTADA PERANTE O JUÍZO FEDERAL LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA MODIFICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DADA AO ART 61 DA LEI 909995 APLICABILIDADE DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA REFERIDA LEI NORMA PENAL OU MISTA IRRETROATIVIDADE DAS NORMAS PROCESSUAIS COMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO COMUM PARA A EVENTUAL APLICAÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA LEI 909995 RECURSO PROVIDO Deve ser anulada a decisão que recebeu a queixacrime apresentada em desfavor do recorrente a fim de que sejam aplicados se for o caso os institutos despenalizadores da Lei n 909995 inclusive a transação penal XI Recurso provido nos termos do voto do Relator grifo nosso 35 Nesse sentido entre outros DESCUMPRIMENTO TRANSAÇÃO PENAL DENÚNCIA Ao prosseguir o julgamento a Turma reafirmou que o descumprimento da transação penal art 76 da Lei n 90991995 na hipótese consubstanciada na obrigação de prestar serviços à comunidade não permite ao Ministério Público oferecer denúncia pois a sentença homologatória da transação encerra o procedimento e faz coisa julgada formal e material Precedentes citados REsp 172981SP DJ 02081999 e REsp 172951SP DJ 31051999 REsp 450535SP Rel originário Min Fernando Gonçalves Rel para acórdão Min Hamilton Carvalhido art 52 IV b do RISTJ julgado em 24022005 Ainda TRANSAÇÃO PENAL DESCUMPRIMENTO ACORDO A Turma concedeu a ordem e reiterou o entendimento segundo o qual não cabe o oferecimento de denúncia tanto no caso de não pagamento da pena de multa substitutiva quanto no de aplicação da pena restritiva de direito de prestação pecuniária resultantes de transação HC 60941MG Rel Min Hamilton Carvalhido julgado em 21092006 36 PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGAÇÃO PELO JUÍZO ARTIGO 76 DA LEI 90991995 POSTERIOR PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL ANTE O DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DO ACORDO POSSIBILIDADE AUSÊNCIA DE OFENSA A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO DESPROVIMENTO DO RECURSO 1 No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidouse o entendimento no sentido de que a sentença homologatória da transação penal possui eficácia de coisa julgada formal e material o que a torna definitiva motivo pelo qual não seria possível a posterior instauração de ação penal quando descumprido o acordo homologado judicialmente 2 Contudo o Supremo Tribunal Federal ao examinar o RE 602072RS cuja repercussão geral foi reconhecida entendeu de modo diverso assentando a possibilidade de ajuizamento de ação penal quando descumpridas as condições estabelecidas em transação penal 3 Embora a aludida decisão ainda que de reconhecida repercussão geral seja desprovida de qualquer caráter vinculante é certo que se trata de posicionamento adotado pela unanimidade dos integrantes da Suprema Corte órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e portanto dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte 4 Recurso improvido RHC 29435RJ 5ª Turma do STJ Rel Min Jorge Mussi j 18102011 37 Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado no julgamento do Recurso Extraordinário 602072 no qual foi reconhecida repercussão geral EMENTA AÇÃO PENAL Juizados Especiais Criminais Transação penal Art 76 da Lei n 909995 Condições não cumpridas Propositura de ação penal Possibilidade Jurisprudência reafirmada Repercussão geral reconhecida Recurso extraordinário improvido Aplicação do art 543B 3º do CPC Não fere os preceitos constitucionais a propositura de ação penal em decorrência do não cumprimento das condições estabelecidas em transação penal RE 602072 QORG Rel Min Cezar Peluso j 19112009 DJe035 Divulg 25022010 Public 26022010 Ement vol0239110 PP02155 LEXSTF v 32 n 375 2010 p 451456 RJTJRS v 45 n 277 2010 p 3336 38 GIACOMOLLI Nereu Juizados Especiais Criminais cit p 192 39 No mesmo sentido GIACOMOLLI Juizados Especiais Criminais cit p 190 que sustenta a possibilidade de o juiz conceder a suspensão condicional em caso de recusa injustificada do Ministério Público mediante pedido da defesa ou mesmo de ofício op cit p 197 40 É a posição de GRINOVER SCARANCE MAGALHÃES e GOMES op cit p 191 41 Superada a confusão kelseniana de atribuir plena validade a toda norma existente na medida em que se deve buscar para além da validade formal uma análise da sua validade substancial filtragem constitucional é perfeitamente discutível a inconstitucionalidade dessa vedação na medida em que restringe princípios e regras constitucionais o juizado especial criminal e seus institutos para os delitos de menor potencial ofensivo excepcionando onde a Constituição não o faz Tampouco pensamos que o argumento de que a estrutura e hierarquia militar seriam incompatíveis com os institutos da Lei n 9099 dê conta dessa manifesta incompatibilidade constitucional ainda mais se ponderarmos os valores democráticos atualmente consagrados Em última análise nenhuma lei infraconstitucional pode subtrairse à necessária conformidade constitucional e a ela o art 90A não resiste Sobre o tema consultese a acertada exposição de MARIA LUCIA KARAM na obra Juizados Especiais Criminais Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 42 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 121 43 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 528 44 GIACOMOLLI Nereu Os Efeitos da Súmula 337 do STJ no Processo Penal Boletim do IBCCrim n 186 maio2008 45 No mesmo sentido GIACOMOLLI Os Efeitos da Súmula 337 do STJ no Processo Penal cit 46 Concordamos com GIACOMOLLI op cit quando afirma que se o magistrado enfrentar o mérito em situação em que é cabível a suspensão condicional do processo o ato sentencial padece de vício insanável em razão do cerceamento da ampla defesa e da quebra da presunção de inocência Tratase de uma nulidade absoluta que pode ser conhecida inclusive de ofício a qualquer tempo 47 BITENCOURT Cezar Roberto Juizados Especiais Criminais cit p 123 e ss 48 Sobre o tema consultese Aplicase o art 366 do CPP nos Juizados Especiais Criminais escrito em coautoria com ALEXANDRE MORAIS DA ROSA e publicado no Boletim do IBCCrim n 220 março de 2011 p 13 49 GOMES Luiz Flávio Suspensão condicional do processo penal um novo modelo consensual de justiça criminal Lei 9099 de 26995 São Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 88 50 Cuidado estamos dizendo que é a introdução da lógica da plea negotiation e não que se trata de verdadeira plea bargaining do sistema norteamericano pois esta é mais ampla permitindo que acusador e acusado façam amplo acordo sobre os fatos sua qualificação jurídica e as consequências penais Mas sem dúvida a introdução da lógica negocial é um importante passo nessa direção e nisso reside a crítica prospectiva que fizemos 51 Sobre o reparto e a axiosofia da justiça consultese a obra de WERNER GOLDSCHMIDT Dikelogía La Ciencia de La Justicia Buenos Aires Depalma 1986 Ainda como leituras imprescindíveis para abordar o tema ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 e ALCALÁZAMORA Y CASTILHO Niceto Proceso Autocomposición y Autodefensa México 1947 52 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 747 53 Idem Derechos y Garantias la ley del más débil Trad Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi Madrid Trotta 1999 p 27 54 La Equidad en el Juicio Penal para la reforma de la corte de asises In Cuestiones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 292 55 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 484 e ss 56 Na palestra Garantias en el seno del Proceso Penal USA proferida no curso Investigar Acusar Juzgar também publicada na Revista Otrosí n 141 p 30 e ss 57 PRADO Geraldo Elementos para uma Análise Crítica da Transação Penal cit p 224 58 Idem ibidem 59 FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 748 60 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI Poner en su Puesto al Ministerio Publico In Cuestiones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 211 e ss que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem Lecciones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Bosch 1950 v 2 p 99 CARNELUTTI explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar julgar e defender 61 No prólogo da obra La Reforma Procesal Penal 19881992 In Estudios de Derecho Procesal Civil Penal y Constitucional Madrid Edersa 1992 p XXXV 62 Somos contrários inclusive à figura do assistente da acusação pelos mesmos motivos 63 GÓMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosch 1951 v II p 231 64 Com razão Jader MARQUES Tribunal do Júri Considerações Críticas à Lei 1168908 Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 37 convida à reflexão sobre o prazo de 10 dias para resposta que é inferior ao de 15 dias concedido para a defesa preliminar no processo penal para o funcionário público e inferior ao prazo para a contestação no processo civil Como aponta o autor a cada alteração dos Códigos Processuais perdese a oportunidade de uma uniformização dos prazos o que evitaria a enorme variedade existente nos diversos ramos do direito 65 MARQUES Jader Tribunal do Júri Considerações Críticas à Lei 1168908 cit p 45 66 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 56 67 Tampouco deve o juiz presidente fazer referência aos atos de investigação realizados no inquérito policial Como já explicamos é crucial compreender a distinção entre atos de prova e atos de investigação para não mais incorrer no grave erro de invocar aquilo feito na fase préprocessual para justificar a pronúncia ou qualquer outra decisão interlocutória proferida no curso do processo ou ainda mais grave na sentença final Os atos de investigação esgotam sua eficácia probatória com a admissão da denúncia ou queixa pois sua função é endoprocedimental 68 Conforme noticiou o STF em 14082007 transcrevemos integralmente o trecho a seguir A Segunda Turma deferiu por unanimidade o pedido de Habeas Corpus HC n 88514 requerido pela defesa de três réus de Santa Catarina contra ato da juíza responsável pela sentença de pronúncia em processo de crime doloso intencional contra a vida Para o ministro Celso de Mello relator do HC a magistrada se excedeu ao declarar que o homicídio foi praticado pelos réus desrespeitando os limites que devem pautar a atividade jurisdicional No pedido de habeas consta que a magistrada declarou que são veementes os indícios da autoria do delito e a um exame acurado das provas colhidas na instrução tudo demonstra serem os réus os autores do crime e que toda a prova converge no sentido de indicar que os réus ao dispararem contra a vítima o fizeram de modo inesperado colhendoo desatento e subtraindolhe a oportunidade de defenderse sendo portanto inafastável a qualificadora de surpresa descrita na denúncia De acordo com Celso de Mello a jurisprudência do STF adverte que o magistrado ao proferir a sentença de pronúncia não deve convertêla de um mero juízo fundado de suspeita em um inadmissível juízo de certeza pois nesses casos a eloquência acusatória de que se reveste o decreto de pronúncia constitui claro exemplo de ofensa aos limites que juridicamente devem restringir a atuação processual do magistrado e dos tribunais no momento da prolação desse ato decisório que encerra no procedimento penal escalonado do júri a fase do iuditio accusationis juízo de acusação O relator acrescentou que a juíza ao dar por comprovada existência de dolo intenso certamente irá influir sobre o ânimo dos jurados podendo até mesmo inibilos quando confrontados com a eventual alegação de negativa de autoria sustentada pela defesa dos réus Com o deferimento do habeas fica invalidada a pronúncia dos três réus e todos os atos a ela posteriores 69 EMENTA Pronúncia nulidade por excesso de eloquência acusatória 1 É inadmissível conforme a jurisprudência consolidada do STF a pronúncia cuja fundamentação extrapola a demonstração da concorrência dos seus pressupostos legais CPrPen art 408 e assume com afirmações apodíticas e minudência no cotejo analítico da prova a versão acusatória ou rejeita peremptoriamente a da defesa vg HC 68606 180691 Celso RTJ 1361215 HC 69133 240392 Celso RTJ 140917 HC 73126 270296 Sanches DJ 170596 RHC 77044 260598 Pertence DJ 070898 2 O que reclama prova no juízo da pronúncia é a existência do crime não a autoria para a qual basta a concorrência de indícios que portanto o juiz deve cingirse a indicar 3 No caso as expressões utilizadas pelo órgão prolator do acórdão confirmatório da sentença de pronúncia no que concerne à autoria dos delitos não se revelam compatíveis com a dupla exigência de sobriedade e de comedimento a que os magistrados e Tribunais sob pena de ilegítima influência sobre o ânimo dos jurados devem submeter se quando praticam o ato culminante do judicium accusationis RT 522361 70 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 58 71 LEAL Saulo Brum Júri Popular 4 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 31 72 Nesse sentido ainda que se refira a outro procedimento e momento procedimental é importante trazer à colação a decisão proferida pelo STJ no HC 175639AC Rel Min Maria Thereza de Assis Moura julgado em 20032012 Neste caso a denúncia foi parcialmente rejeitada pelo juiz singular quanto a alguns dos denunciados por crime de roubo circunstanciado e quadrilha baseando a rejeição no fato de a denúncia ter sido amparada em delação posteriormente tida por viciada o que caracteriza a fragilidade das provas e a falta de justa causa O tribunal a quo em sede recursal determinou o recebimento da denúncia sob o argumento de que havendo indícios de autoria e materialidade mesmo na dúvida quanto à participação dos corréus deve vigorar o princípio in dubio pro societate A Turma entendeu que tal princípio não possui amparo legal nem decorre da lógica do sistema processual penal brasileiro pois a sujeição ao juízo penal por si só já representa um gravame Assim é imperioso que haja razoável grau de convicção para a submissão do indivíduo aos rigores persecutórios não devendo se iniciar uma ação penal carente de justa causa Nesses termos a Turma restabeleceu a decisão de primeiro grau Precedentes citados do STF HC 95068 DJe 1552009 HC 107263 DJe 592011 e HC 90094 DJe 682010 do STJ HC 147105SP DJe 1532010 e HC 84579PI DJe 3152010 HC 175639AC Rel Min Maria Thereza de Assis Moura julgado em 2032012 grifamos 73 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 79 74 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 26 75 LEAL Saulo Brum Júri Popular cit p 67 76 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal considerações críticas cit p 92 77 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 60 78 Com razão GIACOMOLLI Reformas do Processo Penal considerações críticas cit p 86 critica a matriz inquisitorial que informa o art 417 do CPP ao permitir que o julgador explicitamente exerça a função institucional do Ministério Público ofendendo o art 129 I da CF É do Ministério Público a função de acusar de exercer privativamente a ação processual penal pública O aditamento é ato voluntário do acusador e ao magistrado é vedado exercer as funções da autoridade policial ou do Ministério Público bem como adiantar seus veredictos Concordamos que não cabe ao juiz invocar o Ministério Público para que adite ou faça nova acusação senão que o órgão acusador como parte que é tem conhecimento de tudo o que ocorre no processo e deve agir na defesa de seu interesse processual Noutra dimensão regido pelo princípio da inércia está o julgador Quando subvertese essa estrutura na perspectiva do ativismo judicial fundase um processo inquisitório incompatível como o modelo acusatórioconstitucional 79 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 63 80 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 29 81 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 10 ed p 541 82 EYMERICH Nicolau Manual dos Inquisidores Brasília Rosa dos Tempos 1993 p 150151 83 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v IV p 263 84 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 71 85 Entre outros LEAL op cit p 91 86 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 79 87 Nessa linha equivocadíssima a nosso sentir a decisão abaixo do Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA PROCESSADO PELO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NULIDADE NÃO OCORRÊNCIA LIBERDADE PROVISÓRIA CRIME HEDIONDO IMPOSSIBILIDADE ORDEM DENEGADA Ressalvada a competência do Júri para julgamento de crime doloso contra a vida seu processamento até a fase de pronúncia poderá ser pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em atenção à Lei 1134006 HC 73161SC 5ª Turma Rel Des Jane Silva convocada j 29082007 88 No mesmo sentido GIACOMOLLI op cit p 94 89 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 4 p 339 90 BORGES DE MENDONÇA Andrey Nova Reforma do Código de Processo Penal São Paulo Método 2008 p 48 91 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 4 p 342 92 Pensamos todavia que grau de instrução pressupõe logicamente alguma instrução Daí por que o analfabeto não poderá ser jurado pois a ausência de instrução não lhe permitirá sequer ler o relatório feito pelo juiz bem como as demais peças processuais e documentos apresentados impossibilitando assim sua participação no julgamento 93 No mesmo sentido Jader MARQUES Tribunal do Júri considerações críticas à Lei 1168908 cit p 111 afirma que se o réu por sua vontade pode deixar de ir ao julgamento em processo da competência do Tribunal do Júri tal hipótese deve estenderse a todos os demais casos sendo opcional a presença do acusado aos atos processuais em quaisquer tipos de procedimentos inclusive durante a investigação preliminar 94 E aqui se estabelece um interessante paradoxo os leigos recebem a decisão de pronúncia e acórdão confirmatório mas as partes não podem fazer menção a esses atos no debate art 478 Logo os leigos recebem algo que não compreendem pois são decisões técnicas e tampouco podem as partes explicar o que ali consta Somos favoráveis à proibição da exploração nos debates da decisão de pronúncia e acórdãos posteriores mas não achamos uma boa solução entregar essas decisões para os jurados Bastava o relatório do juiz 95 MARQUES Jader A Réplica e a Tréplica nos Debates do Tribunal do Júri Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal n 52 outnov 2008 96 Conforme explica NASSIF op cit p 122 97 No mesmo sentido RANGEL op cit p 643 98 Em sentido diverso NASSIF op cit p 144 sugere que tal tese seja perguntada após o segundo quesito ou seja indagase sobre a materialidade e autoria e após sobre o nexo causal apenas se for tese defensiva do contrário entendese que o nexo foi reconhecido no primeiro quesito 99 GIACOMOLLI Nereu José Reformas do Processo Penal cit p 102 100 Entre outros GOMES Luiz Flávio CUNHA Rogério Sanches e PINTO Ronaldo Batista Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito São Paulo RT 2008 p 222 101 Súmula n 156 do STF É absoluta a nulidade do julgamento pelo júri por falta de quesito obrigatório 102 Assim dispõe o Código Penal Efeitos genéricos e específicos Art 91 São efeitos da condenação I tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime II a perda em favor da União ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boafé a dos instrumentos do crime desde que consistam em coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito b do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso Art 92 São também efeitos da condenação I a perda de cargo função pública ou mandato eletivo a quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública b quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 quatro anos nos demais casos II a incapacidade para o exercício do pátrio poder tutela ou curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra filho tutelado ou curatelado III a inabilitação para dirigir veículo quando utilizado como meio para a prática de crime doloso Parágrafo único Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos devendo ser motivadamente declarados na sentença 103 No mesmo sentido RANGEL Direito Processual Penal 15 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 556 104 Derecho y Razón cit p 577 105 FAIREN GUILLEN Víctor El Jurado Madrid Marcial Pons 1997 p 57 106 Entre outras consultese nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal publicada pela Editora Lumen Juris 107 O objetivo é a máxima originalità do processo penal como explicam FERRAIOLI e DALIA na obra Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 568 e ss 108 LOPES JR Aury Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 209 e ss 109 IBÁÑEZ Andrés Perfecto Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada Granada n 2 1999 p 59 110 MOREIRA DE OLIVEIRA Marco Aurélio Costa O Número Ímpar de Jurados Material original gentilmente cedido pelo autor 111 Que deve ser um parente não muito distante do famoso homem médio figura folclórica da dogmática penal e que bem reflete a utilidade dos conceitos vagos de conteúdo impreciso e indeterminado para as manipulações interpretativas e subversões axiológicas 112 Ou ainda quando se argumenta da importância para a democracia de termos jurados eleitos exigir que ao embarcar num voo façase uma eleição para ver quem vai comandar a aeronave É óbvio que essa democracia ninguém quer e nem por isso somos adeptos do autoritarismo 113 Como informa ARAGONESES ALONSO Proceso y Derecho Procesal cit p 155 114 FAIREN GUILLEN Víctor El Jurado cit p 57 115 Conforme consta nas Actas del I Congreso Nacional de Derecho Procesal publicadas em Madri no ano de 1950 especialmente nas páginas 223 e 224 116 Que dizer então do sistema de votação dos famigerados quesitos Tratase de uma fonte inesgotável de nulidades processuais e de produção de graves injustiças A complexidade do nosso sistema de quesitação precisa ser urgentemente revisada Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Importância do trinômio açãojurisdiçãoprocesso Ação é um direito potestativo de acusar ius ut procedatur público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal Jurisdição para além do poderdever dizer o direito é um direito fundamental uma garantia de que ninguém será processado ou condenado senão pelo juiz natural e imparcial dentro do devido processo Sobre processo é importante recordar as três principais teorias já explicadas processo como relação jurídica Bülow processo como situação jurídica Goldschmidt e processo como procedimento em contraditório Fazzalari O processo penal pode ser de conhecimento ou de execução inexistindo um processo cautelar senão meras medidas cautelares Procedimento é o caminho ou itinerário composto de uma sequência de atos previstos em lei no qual cada um dos atos está ligado ao outro nexo genético sendo todos realizados em contraditório Fazzalari até o provimento final do juiz O processo penal admite distintas relações configuráveis entre os atos de modo que o processo de conhecimento comporta diferentes ritos procedimentos O rito poderá ser comum ou especial Forma é garantia e limite de poder Como regra os procedimentos e sua estrutura são indisponíveis sendo absoluta a nulidade por inobservância das regras procedimentais A jurisprudência contudo tem admitido a adoção do procedimento ordinário ordinarização procedimental em detrimento de outro especial por ser ele mais amplo desde que não viole o direito de defesa e tampouco subtraia a competência constitucional do Tribunal do Júri por exemplo São ritos comuns previstos no CPP a ordinário crime cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos arts 395 a 405 b sumário crimes cuja pena máxima seja inferior a 4 anos e superior a 2 anos arts 531 a 538 c sumaríssimo crimes de menor potencial ofensivo pena máxima igual ou inferior a 2 anos Lei n 909995 São ritos especiais previstos no CPP a responsabilidade dos funcionários públicos arts 513 a 518 b crimes contra a honra arts 519 a 523 c propriedade imaterial arts 524 a 530 I d Tribunal do Júri arts 406 a 497 Fora do Código de Processo Penal existem outros ritos especiais para crimes falimentares Lei n 11101 tóxicos Lei n 11343 competência originária dos tribunais Lei n 8038 abuso de autoridade Lei n 4898 crimes eleitorais Lei n 4737 lavagem de dinheiro Lei n 9613 entre outros Critérios utilizados para definição do procedimento gravidade do crime natureza do delito qualidade do agente 1 RITO ORDINÁRIO previsto nos arts 395 a 405 É destinado aos crimes cuja pena máxima cominada seja igual ou superior a 4 anos Morfologia do procedimento Denúncia ou queixa prazo de 5 dias réu preso ou 15 dias réu solto art 46 queixa prazo decadencial de 6 meses art 38 Devem estar presentes as condições da ação e também observar o art 41 sob pena de inépcia Momento de arrolar testemunhas até 8 por réufato art 401 Juiz recebe ou rejeita art 395 Resposta à acusação prazo de 10 dias art 396A Momento de arrolar testemunhas até 8 por réufato e apresentar exceções Essa defesa é imprescindível se não for apresentada será nomeado defensor dativo Absolvição sumária art 397 gera coisa julgada formal e material Pode o juiz rejeitar a denúncia ou queixa neste momento após já ter recebido por falta de justa causa hipótese não prevista no art 397 Entendemos que sim pois não há preclusão pro iudicato neste tema e ele pode desconstituir o recebimento proferindo uma nova decisão de rejeição Audiência de instrução e julgamento a ser realizada no prazo de 60 dias prazo sem sanção será como regra uma audiência única art 400 Sequência de atos Oitiva da vítima testemunha de acusação testemunha de defesa peritos acareações reconhecimentos interrogatório diligências art 402 debates orais ou memoriais sentença 2 RITO SUMÁRIO crimes cuja pena máxima é inferior a 4 anos e superior a 2 anos se for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo do JECrim Arts 531 a 538 do CPP Difere do rito ordinário na redução do prazo máximo de realização da audiência de instrução e julgamento 30 dias enquanto no ordinário é 60 no número de testemunhas até 5 testemunhas e pela inexistência das diligências do art 402 Morfologia do rito Audiência de instrução e julgamento art 531 a ser realizada no prazo de 30 dias prazo sem sanção será como regra uma audiência única Sequência de atos Oitiva da vítima testemunha de acusação testemunha de defesa peritos acareações reconhecimentos interrogatório debates orais ou memoriais sentença 3 RITO ESPECIAL Crimes praticados por servidores públicos contra a administração Previsto nos arts 513 a 518 Sustentamos a ordinarização do procedimento mas há divergência e autores afirmando a existência de duas respostas escritas à acusação arts 514 396A Morfologia Peculiaridades procedimentais julgamento por juiz de direito sempre haverá resposta à acusação problemática do art 513 e da Súmula n 330 do STJ com inquérito ou sem ele independentemente de ser afiançável ou não 4 RITO ESPECIAL Crimes contra a honra arts 519 a 523 Morfologia do procedimento como regra segue o rito sumaríssimo do JECrim explicado adiante mas quando não for de competência do Juizado seguirá o seguinte rito Peculiaridades Procedimentais além da calúnia e injúria também se aplica à difamação lei de imprensa foi declarada inconstitucional como regra os crimes contra a honra serão julgados no Juizado Especial Criminal pois a pena máxima é inferior a 2 anos exceto se houver concurso de crimes em que a soma ou aumento das penas exceda o limite da competência do JECrim situação em que será aplicado o rito especial dos arts 519 a 523 se o crime for praticado contra a honra do Presidente da República procedese mediante requisição do Ministro da Justiça não há prazo decadencial neste caso aplicase a Súmula n 714 do STF quando o crime for contra a honra de servidor público no exercício das funções propter officium que estabelece ser a legitimidade concorrente queixa ou representação fase prévia de reconciliação exceto se a ação penal for pública art 520 na presença dos advogados gerando extinção da punibilidade pela renúncia se exitosa ausência do querelante pode acarretar perempção art 60 III exceto se presente o advogado devidamente constituído pedido de explicações art 144 do CP é facultativo e será prévio ao exercício da ação penal a exceção da verdade cabe em relação à calúnia e difamação quando o ofendido for servidor público É apresentada no prazo da resposta à acusação Quando oposta em relação à pessoa detentora de prerrogativa de função querelante deve a exceção ser encaminhada ao respectivo tribunal 5 RITO ESPECIAL DA LEI DE TÓXICOS Morfologia da Lei n 11343 Problemática Considerando que a Lei de Tóxicos é anterior à reforma de 2008 bem como o disposto no art 394 4º e 5º do CPP estabeleceuse uma problemática seguir o rito da lei de tóxicos ou adequar à reforma de 2008 Entre as posições encontradas adotamos a tese da necessidade de adequação à reforma deslocandose o interrogatório para o último ato da instrução e admitindo a absolvição sumária após a resposta à acusação Peculiaridades procedimentais analisar a pena do tipo penal pois pode ser de competência do JECrim vg arts 28 parágrafo único 33 3º 38 da Lei n 11343 laudo de constatação provisória firmado por um perito suficiente para homologação do flagrante e recebimento da denúncia laudo definitivo imprescindível para condenação quando caracterizada a transnacionalidade internacionalidade do delito a competência é da justiça federal 6 RITO SUMARÍSSIMO LEI N 909995 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS 61 Competência do JECrim infrações penais de menor potencial ofensivo pena máxima não superior a 2 anos Justiça estadual ou federal desde que presente alguma situação do art 109 da CF Problemática no caso de concurso de crimes formal material ou continuado Há duas posições a aplicamse por analogia as Súmulas n 723 do STF e n 243 do STJ somamse as penas máximas em caso de concurso material ou considerase o maior aumento de pena em caso de concurso formal ou crime continuado b analisamse as penas de forma isolada no concurso material não se somam as penas e desprezase o aumento decorrente no concurso formal ou na continuidade delitiva Aplicase o art 119 do CPP e também a nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 62 Rito Sumaríssimo no JECrim 63 INSTITUTOS PROCESSUAIS 631 Composição dos Danos Civis arts 74 e 75 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena máxima seja igual ou inferior a 2 anos Só cabe em ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada a representação O acordo pode ser feito extrajudicialmente ou na audiência preliminar Acarreta a extinção da punibilidade pela renúncia ao direito de queixa ou de representação e gera um título executivo judicial A nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 permite a composição fora do JECrim quando for adotado outro rito em razão da conexão ou continência neste caso será oferecida só em relação ao crime cuja pena máxima é igual ou inferior a 2 anos 632 Transação Penal art 76 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena máxima seja igual ou inferior a 2 anos Ato bilateral devendo ser aceita pela defesa Com a nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 permitese a transação penal fora do JECrim quando for adotado outro rito em razão da conexão ou continência neste caso será oferecida só em relação ao crime cuja pena máxima é igual ou inferior a 2 anos É um direito público subjetivo do réu e consiste na aplicação antecipada de pena de multa ou restritiva de direitos Pode ser oferecida uma vez a cada 5 anos Não gera reincidência ou maus antecedentes Caso o MP não ofereça mas presentes os requisitos parte da doutrina sustenta que deve ser aplicada a Súmula n 696 do STF por analogia art 28 do CPP Mas há divergências e nosso entendimento é de que poderá o juiz oferecer Cabe transação penal na ação penal de iniciativa privada inclusive pelo Ministério Público se o querelante se recusar a fazêlo Descumprida a transação penal predomina o entendimento de que o Ministério Público poderá retomar o feito e oferecer denúncia 633 Suspensão Condicional do Processo art 89 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a 1 ano É um ato bilateral devendo haver aceitação do réu Limite de pena mínima igual ou inferior a 1 ano e concurso de crimes formal material e continuidade aplicamse as Súmulas n 243 do STJ e n 723 do STF Acarreta a suspensão do processo por 2 a 4 anos durante o qual deverá o réu cumprir determinadas condições gerando a extinção da punibilidade ao final não gera reincidência nem maus antecedentes É direito público subjetivo do réu Se preenchidas as condições não for oferecida Súmula n 696 do STF art 28 do CPP Mas nosso entendimento é de que poderá ser oferecida pelo juiz visto que direito do acusado Também tem cabimento nos crimes de ação penal privada Súmula n 337 do STJ cabe suspensão condicional após a denúncia quando houver desclassificação ou condenação parcial Se isso acontecer em grau recursal devem os autos voltar à origem para oferecimento sob pena de supressão de grau de jurisdição Descumpridas as condições durante o período de provas o processo retomará seu curso Se após cumprido o período de provas mas antes da extinção da punibilidade se descobrir que não houve cumprimento das condições impostas pode haver revogação da suspensão e retomada do processo 64 RECURSOS Da rejeição da denúncia ou queixa e da sentença apelação no prazo de 10 dias art 82 Embargos de declaração prazo de 5 dias suspende prazo da apelação É possível Recurso Extraordinário para o STF nos casos em que tem cabimento art 102 III da CF mas não cabe Recurso Especial Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF Revisão Criminal será julgada pelo STF 65 CRÍTICAS AO SISTEMA DE JUSTIÇA NEGOCIADA Várias são as críticas feitas ao sistema de justiça negocial e também à estrutura e funcionamento dos Juizados Especiais Criminais e seus institutos 7 RITO DOS CRIMES DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI Previsão constitucional art 5º XXXVIII da CF assegurandose a plenitude de defesa sigilo das votações soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida tentados ou consumados art 74 do CPP 71 MORFOLOGIA DO PROCEDIMENTO Debates 1h30min para acusação igual tempo para defesa Poderá haver réplica 1h e tréplica 1h Havendo dois ou mais réus aumentase 1 hora no tempo da acusação e 1 hora no da defesa réplica 2h e tréplica 2h 72 DECISÕES DE PRONÚNCIA IMPRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E DESCLASSIFICAÇÃO 721 Pronúncia art 413 quando o juiz se convencer da materialidade e de indícios suficientes de autoria ou participação É uma decisão interlocutória mista não terminativa atacável pelo recurso em sentido estrito art 581 IV que não faz coisa julgada material Inclui qualificadoras e causas de aumento não decide sobre agravantes atenuantes ou causas de diminuição da pena A linguagem empregada na decisão de pronúncia deverá ser sóbria comedida e sem excessos limitandose a fazer um juízo de verossimilhança para evitar a contaminação dos jurados Não podem as partes em plenário fazer referência à decisão de pronúncia e posteriores art 478 do CPP Mas os jurados recebem cópia da pronúncia art 472 parágrafo único In dubio pro societate É uma questão problemática pois parte da doutrina ainda sustenta que na fase da pronúncia deve o juiz orientarse por esse princípio pronunciando o réu mesmo em caso de dúvida Contudo tal posição é criticável pois não há suporte constitucional ou legal para o referido princípio apenas para o in dubio pro reo que brota da presunção constitucional de inocência O tema é controvertido Pronúncia imprópria é quando o juiz pronuncia o réu pelo crime mas impronuncia pela qualificadora Afastada a qualificadora neste momento não pode a mesma situação fática ser alegada em plenário para que o juiz considere na sentença a título de agravante pois o que se excluiu foi a situação fática Crime conexo pronunciado o crime doloso contra a vida o crime conexo o seguirá quando da redistribuição Não pode o conexo ser objeto de sentença condenatória ou absolutória Preclusão da Pronúncia art 421 não pode ser realizado o júri na pendência de recurso mesmo que ele não tenha efeito suspensivo 722 Impronúncia art 414 Decisão terminativa que encerra o processo sem julgamento de mérito porque o juiz não se convenceu da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação não havendo produção de coisa julgada material poderá haver nova acusação enquanto não estiver extinta a punibilidade Desta decisão caberá apelação art 416 É criticada substancial inconstitucionalidade porque gera um estado de pendência de incerteza de indefinição Crime conexo se não for de competência do júri será redistribuído para o juízo competente Não é objeto de decisão neste momento Despronúncia termo empregado por Espínola Filho para designar aquela tomada pelo tribunal que julgando recurso interposto contra uma decisão de pronúncia dá provimento para impronunciar o réu seria uma desconstituição da decisão de pronúncia 723 Absolvição Sumária art 415 Verdadeira sentença de mérito que faz coisa julgada material impugnável por apelação art 416 Entre os casos de absolvição sumária problemática é a situação do inimputável art 415 parágrafo único devendose distinguir inimputável com tese defensiva e inimputável sem tese defensiva No primeiro caso com tese defensiva deverá ser processualmente tratado como se imputável fosse até a sentença Logo pode ser pronunciado impronunciado absolvido sumariamente sem medida de segurança ou desclassificado Somente ao final se acolhida a tese acusatória no plenário do júri é que será proferida a sentença de absolvição imprópria com medida de segurança Diferente é o inimputável sem tese defensiva neste caso deverá o juiz absolver sumariamente e aplicar medida de segurança In dubio pro societate persiste a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da incidência deste princípio no momento de aferir se é caso ou não de absolvição sumária Como já explicado pensamos que tal adágio latino não tem base constitucional e que se aplica o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência in dubio pro reo Crime conexo não pode ser julgado neste momento devendo ser redistribuído exceto se de competência do júri 724 Desclassificação Própria e Imprópria arts 418 e 419 do CPP Desclassificar é dar ao fato uma definição jurídica diversa podendo ocorrer na primeira fase ou em plenário Na primeira fase Desclassificação Própria quando o juiz dá uma definição jurídica diversa que exclui da competência do júri vg de tentativa para lesões de doloso para culposo etc O processo é redistribuído e o conexo vai junto Desta decisão caberá recurso em sentido estrito art 581 II Desclassificação Imprópria o crime residual continua sendo de competência do júri ele desclassifica mas pronuncia Exemplo de infanticídio para homicídio simples O conexo segue o prevalente ou seja vai para o júri Desta decisão que será de pronúncia caberá recurso em sentido estrito art 581 IV In dubio pro societate persiste a divergência doutrinária e jurisprudencial anteriormente explicada Desclassificação em Plenário também pode ser própria ou imprópria mas decorre da forma como os jurados respondem aos quesitos É própria quando os jurados negam a tentativa ou negam o dolo direto e eventual afastando a competência do júri e cabendo ao juiz presidente proferir a decisão O conexo segue o prevalente sendo julgado pelo juiz presidente Já na desclassificação imprópria restrita aos casos de excesso culposo na excludente ou quando admitida a participação dolosamente distinta entendese que os jurados firmaram a competência e podem julgar o crime conexo Desclassificação própria em plenário e prescrição a pronúncia segue como marco interruptivo ver Súmula 191 do STJ 73 JULGAMENTO EM PLENÁRIO na sessão de julgamento será feita a chamada dos 25 jurados devendo comparecer no mínimo 15 jurados arts 462 a 464 serão sorteados 7 que irão compor o conselho de sentença As partes podem fazer 3 recusas imotivadas art 468 e recusas motivadas sem limite art 471 Os jurados prestarão compromisso art 472 e receberão cópia da pronúncia e do relatório do processo art 472 parágrafo único Instrução em plenário oitiva vítima testemunhas arroladas pela acusação defesa acareações reconhecimentos de pessoas e coisas leitura de peças somente de prova colhida por carta precatória ou cautelares antecipadas art 473 3º e finalmente o interrogatório do réu em plenário direito de não comparecer art 457 Debates 1h30min para acusação igual tempo para defesa art 477 Havendo mais de um acusado aumentase em 1h o tempo de acusação e defesa Réplica em 1h e tréplica em igual tempo Havendo mais de um acusado duplicase o tempo 2h da réplica e tréplica Não pode fazer referência nos debates à decisão de pronúncia e posteriores que a confirmaram uso de algemas silêncio do acusado no interrogatório ou ausência de interrogatório por falta de requerimento art 478 Leitura de documentos devem ser juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis Não se admite surpresa Arts 479 e 481 Quesitos art 483 Decisão definida a partir de no mínimo 4 votos 1º Materialidade no dia tal às tantas horas na rua X Fulano de Tal foi atingido por disparos de arma de fogo sofrendo as lesões descritas no auto de necropsia da fl 10 que causaram a sua morte SIM afirma a existência do fato NÃO absolve o réu se essa for a tese defensiva senão o juiz pode repetir o quesito art 490 2º AutoriaParticipação o réu Mané de Tal desferiu os tiros referidos no quesito anterior SIM afirma autoria NÃO absolve o réu por negativa de autoriaparticipação se essa for a tese defensiva senão o juiz repete o quesito art 490 3º Quesito genérico da absolvição é obrigatório sob pena de nulidade absoluta Súmula 156 do STF O jurado absolve o acusado SIM está absolvido NÃO está condenado Se condenado passase à formulação dos quesitos relativos às eventuais causas de diminuição da pena qualificadoras ou causas de aumento da pena art 483 IV e V TESE DEFENSIVA DESCLASSIFICAÇÃO Ver art 483 4º e 5º DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME CULPOSO não se quesita culpa pois é um conceito jurídico e o júri tampouco tem competência para julgar crime culposo Quesitase sobre o dolo direto e eventual sendo que a recusa conduz à desclassificação própria Mas há divergências e autores sustentando a possibilidade de quesitar a culpa imprudência imperícia ou negligência Após a quesitação será proferida a sentença pelo juiz condenatória ou absolutória conforme o decidido pelos jurados arts 492 e 493 Capítulo XVIII DECISÕES JUDICIAIS E SUA NECESSÁRIA MOTIVAÇÃO SUPERANDO O PARADIGMA CARTESIANO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO CONGRUÊNCIA COISA JULGADA 1 Dikelogía La Ciencia de la Justicia Iniciamos com essa homenagem a WERNER GOLDSCHMIDT cuja obra La Ciencia de la Justicia Dikelogía escrita em 1958 Madrid editorial Aguilar somente reeditada em 1986 Buenos Aires Depalma serviu de inspiração para essa introdução pois de forma muito peculiar o filho de James Goldschmidt genial processualista alemão propõe um debate em torno da justiça não só pela perspectiva axiológica mas também axiosófica1 A justiça como tema de uma ciência própria dikelogía é uma proposta complexa que parte de uma interessante afirmação La ciencia de la justicia es una ciencia nueva que trata de un tema viejo su denominación como dikelogía es un nombre viejo con sentido nuevo2 Explica o autor que a palavra dikelogía pode ser encontrada na obra de Altusio de 1617 que não a utiliza para o conceito de uma ciência da justiça senão denomina assim uma enciclopédia do direito positivo O jurisconsulto romano Ulpiano na filosofia estoica define justiça como a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu contemplando nessa descrição de justiça o hábito volitivo e intelectual de valoração estimando de modo positivo e negativo Justiça é virtude e é valor Mas também é um tema ético Partindo disso Werner GOLDSCHMIDT desenha em sua obra as diferentes formas de reparto sem descuidar do princípio supremo da justiça el principio supremo de la justicia estatuye la liberdad del desarrollo de la personalidad E ainda La justicia protege al individuo contra toda influencia que ponga en peligro su libertad de desarrollar su personalidad3 Isso coloca o pensamento do autor judeu alemão cuja família peregrinou pela Espanha fugindo da perseguição nazista até o exílio definitivo na América do Sul em íntima conexão com o humanismo e a tolerância valores tão exaltados em sua obra Esses princípios aponta ARAGONESES ALONSO4 tendem a construir um Estado Democrático de Direito en el que se reconoce que la dignidad de la persona los derechos inviolables que le son inherentes el libre desarrollo de la pesonalidad el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del ordem político e de la paz social Não sem razão ainda que com variações na fórmula as principais constituições europeias asseguram o direito fundamental al libre desarrollo de la personalidad Sob sua inspiração até pelo profícuo convívio ARAGONESES ALONSO5 afirma que incluso tiene el Estado el deber de proteger al propio delincuente pues esto también es una forma de garantizar el libre desarrollo de la personalidad que es la función de la justicia E por que a referência à Diké Afinal a deusa da justiça não é Themis ou Témis Na mitologia grecoromana explica OST6 Zeus sobrevive à ira de seu pai Kronos Deustempo graças à esperteza de Reia sua mãe que o esconde numa gruta para não ser devorado como seus irmãos pois Kronos após tomar o lugar de seu pai tratou de fugir da profecia de que um de seus filhos o destronaria como ele tinha feito anteriormente cortando os testículos de seu pai com uma foice tendo o cuidado de devorálos assim que sua mulher Reia os punha no mundo Dessa vez para salvar a cria Reia entrega ao esposo uma pedra envolta em faixas para que ele a devore Chegando à idade adulta Zeus encabeçou uma revolta e pôs fim ao reino de Kronos enviandoo para o Tártaro As filhas de Zeus e Témis também se encontra com a grafia Têmis ou Themis chamavamse Thallô Auxô e Carpô três nomes que evocam as ideias de germinar crescer e fortificar Mas na vertente política denominavamse Eunomia Diké e Eirénè isto é a disciplina a justiça e a paz Como bem explica ALMEIDA PRADO7 Têmis era uma deusa matriarcal reflexo de uma época em que as mulheres eram depositárias da sabedoria da comunidade e os homens se entregavam à arte da guerra filha de Gaia Terra e Urano Céu irmã das Eríneas que também protegiam a ordem social Têmis é a deusa da justiça divina personificando a Lei e a organização do Universo É uma matriz mitologêmica de onde partiram todas as deusas da Justiça Já Diké ou Astreia filha de Zeus e Têmis irmã da verdade é a justiça do caso concreto a portadora do Direito que ela traz do Olimpo para a Terra Não sem razão segue a autora o ato de julgar se diz dikazein Diké era simbolizada no início com uma balança na mão esquerda à qual se adicionou mais tarde a espada A venda nos olhos é muito posterior para representar o caráter abstrato da justiça Assim a deusa da justiça do caso concreto e portanto personificadora do julgar é Diké Daí por que mais um acerto na expressão dikelogía O ato de julgar e todo o complexo ritual judiciário não é algo que possa ser pensado exclusivamente desde o Direito pois precisa dialogar em igualdade de condições com a Filosofia Também não é um tema puramente filosófico porque além de jurídico é antropológico pois nosso juiz é um sernomundo que jamais partirá de um grau zero de compreensão ou significação inserido que está na circularidade hermenêutica Para além disso muito além é o juiz um filho da flecha do tempo dromologicamente pensada com Virilio e outros de uma sociedade em busca de valores Prigogine e Morin Unese ou fundese a essa liga científica a psicanálise pois acima de tudo estamos diante do sentire de um juiznomundo que precisa julgar outro sujeito e o faz através da linguagem Até mesmo a neurociência é chamada ao profícuo diálogo pois não se pode mais insistir no erro de Descartes parafraseando António Damásio e não há ponto final aqui nem poderia haver Dessarte ainda que dessas questões não se tenha ocupado expressamente Werner Goldschmidt pensamos que a denominação dikelogía bem expressa a complexa ciência da justiça que se deve construir pois não vem dada por nenhum manual ou tratado jurídico filosófico antropológico etc senão que se situa no entrelugar no entreconceito que somente pela via da interdisciplinaridade é possível alcançarse um grau mínimo de compreensão Nessa perspectiva deve ser pensado a ato decisório pluridimensional e complexo pois melhor do que qualquer outro ato judicial dá representatividade e realidade à justiça A função dessa breve introdução é o convite à reflexão e a salutar recusa ao monólogo científico jurídico ou não e aos excessivos reducionismos da complexidade costumeiramente feitos nesse tema 2 Controle da Racionalidade das Decisões e Legitimação do Poder Para o controle da eficácia do contraditório e do direito de defesa bem como de que existe prova suficiente para sepultar a presunção de inocência é fundamental que as decisões judiciais sentenças e decisões interlocutórias estejam suficientemente motivadas Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder premissa fundante de um processo penal democrático Nesta linha está expressamente consagrada no art 93 IX da CB No modelo constitucional não se admite nenhuma imposição de pena sem que se produza a comissão de um delito sem que ele esteja previamente tipificado por lei sem que exista necessidade de sua proibição e punição sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros sem o caráter exterior ou material da ação criminosa sem a imputabilidade e culpabilidade do autor e sem que tudo isso seja verificado através de uma prova empírica levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público contraditório com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido Explica FERRAJOLI que el modelo penal garantista equivale a un sistema de minimización del poder y de maximización del saber judicial en cuanto condiciona la validez de las decisiones a la verdad empírica y lógicamente controlable de sus motivaciones8 O juízo penal e toda a atividade jurisdicional é um saberpoder uma combinação de conhecimento veritas e de decisão auctoritas Com esse entrelaçamento quanto maior é o poder menor é o saber e viceversa No modelo ideal de jurisdição tal como foi concebido por Montesquieu o poder é nulo No modelo autoritarista totalmente rechaçado na atualidade o ponto nevrálgico está exatamente no oposto ou seja na predominância do poder sobre o saber e a quase eliminação das formas de controle da racionalidade O processo está destinado a comprovar se um determinado ato humano ocorreu na realidade empírica Com isso o saber enquanto obtenção de conhecimento sobre o fato é o fim a que se destina o processo que deverá ser um instrumento eficaz para sua obtenção Claro tudo isso sem incorrer no erro de crer na mitológica verdade real A dimensão do poder considerado como coação que afeta o sujeito passivo da atuação processual necessário para atingir esse saber tem de ocupar um lugar secundário e permanecer sujeito a regras muito estritas presididas pelos princípios da necessidade e respeito aos direitos fundamentais e proporcionalidade racionalidade na relação meiofim FERRAJOLI defende não só a humanização do poder mas também uma importante inversão do paradigma clássico eis que agora o saber deve predominar O poder somente está legitimado quando calcado no saber judicial de modo que não mais se legitima por si mesmo Isso significa uma verdadeira revolução cultural como define IBÁÑEZ9 por parte dos operadores jurídicos e dos atores processuais Nesse contexto a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Como define IBÁÑEZ10 o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicaçãoexplicação um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional Quando se fala em racionalidade e razão é importantíssimo destacar que concepção estamos dando à deusa razão Não se trata da razão no sentido cartesiano que separa a mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção Isso sugere que pensar e ter consciência de pensar são os verdadeiros substratos de existir pois Descartes via o ato de pensar como uma atividade separada do corpo desvinculando a coisa pensante do corpo não pensante11 O erro está na separação abissal entre o corpo e a mente12 Essa racionalidade queremos transcender na esteira de ANTÓNIO DAMÁSIO Demonstrou o renomado neurologista na célebre obra O Erro de Descartes13 após a observação de pacientes que tiveram removidas partes do cérebro responsáveis pelo sentimento e a emoção que a racionalidade é incompleta e resulta seriamente prejudicada quando não existe nenhuma ligação com o sentimento Para o autor o fenômeno é exatamente oposto àquele descrito por Descartes na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser É o erro de considerar como muitos ainda o fazem que a mente pode ser perfeitamente explicada em termos de fenômenos cerebrais deixando de lado o resto do organismo e o meio ambiente físico e social É a prática médica de tratar do corpo sem se preocupar com as consequências psicológicas das doenças do corpo fechando os olhos ainda para o efeito inverso dos conflitos psicológicos no corpo A questão interessanos e muito não só porque desvela diversos mitos mas principalmente porque quando os seres humanos não conseguem ver a tragédia inerente à existência consciente sentemse menos impelidos a fazer algo para minimizála e podem mostrar menos respeito pelo valor da vida Talvez a coisa mais indispensável que possamos fazer no nosso dia a dia enquanto seres humanos seja recordar a nós próprios e aos outros a complexidade fragilidade finitude e singularidade que nos caracteriza14 Não existe racionalidade sem sentimento emoção daí a importância de assumir a parcela inegável de subjetividade no ato decisório Também isso contribui para desvelar a hipocrisia do discurso paleo positivista da neutralidade do juiz além de evidenciar que o enfoque legalista paleopositivismo não é outra coisa que um mecanismo de defesa que o julgador lança mão para não introjetar sua sombra15 Como explicamos anteriormente não basta ter um juiz devemos atentar a serviço de quem e do que ele está É também nessa linha que FERRAJOLI16 desenvolve as noções de estrita jurisdicionalidade e mera jurisdicionalidade Ao primeiro caso corresponde o modelo processual garantista cognoscitivo orientado pela averiguação da verdade processual empiricamente controlável e controlada Ao segundo corresponde o modelo decisionista substancialista dirigido à descoberta de uma verdade substancial e global fundada essencialmente em valorações éticas políticas morais que vão mais além da prova processualizada Por fim como aponta FERNANDO GIL17 não há que se dar excessiva importância à argumentação e à sua teoria embora se deva reconhecer a importância da dialética argumentativa a pretensão de dissolver a ideia de prova na ideia de argumentação é de todo inaceitável Não corresponde a qualquer realidade Em síntese o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos não basta apenas boa argumentação submetidos ao contraditório e refutáveis A fundamentação das decisões é instrumento de controle da racionalidade e principalmente de limite ao poder e nisso reside o núcleo da garantia Permite ainda aferir que verdade brota do processo evitando assim o substancialismo da mitológica verdade real Ademais é crucial que a fundamentação seja construída a partir dos atos de prova devidamente submetidos a jurisdicionalidade e contraditório Em última análise é a motivação das decisões judiciais um dos principais instrumentos de controle do decisionismo e de proteção contra o juiz solipsista STRECK a seguir tratado 21 Invalidade Substancial da Norma e o Controle Judicial Com o advento da Constituição de 1988 muitos dispositivos do atual CPP não resistem à necessária passagem pelo filtro constitucional Ou para tanto exigem um considerável esforço de adaptação do intérprete Recordando a lição de BOBBIO18 com a constitucionalização dos direitos naturais o tradicional conflito entre o direito positivo e o direito natural e entre o positivismo jurídico e o jus naturalismo perdeu grande parte do seu significado O anterior contraste entre a lei positiva e a lei natural transformouse em divergência entre o que o direito é e o que o direito deve ser no interior do ordenamento jurídico ou ainda nas palavras de FERRAJOLI o conflito agora está centrado no binômio efetividade e normatividade à luz da principiologia constitucional Mais do que nunca o Código de Processo Penal exige uma constante adaptação e necessárias correções para que seus dispositivos possam ser aplicados Nessa tarefa é crucial o papel do Poder Judiciário O juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor que não pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados como no superado modelo positivista Nessa tarefa o juiz não pode confundir vigência com validade pois só assim poderá identificar a substancial invalidade de uma determinada lei processual que não sobreviveu ao filtro constitucional de validade Ensina FERRAJOLI19 que o grande erro está em identificar os planos da existência vigência com o da validade A simples vigência de uma norma na dogmática tradicional conduz à validade e isso é um grave equívoco Devemos analisar a validade sob dois aspectos formal e substancial As normas substanciais dizem respeito ao significado à própria substância do direito Aqui entram os princípios como fator limitador e vinculante da atividade legislativa Assim uma norma que viola o princípio da jurisdicionalidade ou do contraditório vg por mais que tenha validade formal ou vigência existência pode ser inválida e como tal suscetível de anulação por confrontar uma norma substancial sobre sua produção Como explica FERRAJOLI20 a existência de normas inválidas pode ser facilmente compreendida com a mera distinção entre duas dimensões a regularidade ou legitimidade das normas que se pode chamar de vigência ou existência dizendo respeito à forma do ato normativo e depende da conformidade ou correspondência com normas formais sobre sua produção b validade propriamente dita ou em se tratando de leis a constitucionalidade que ao contrário tem a ver com seu significado ou conteúdo e que depende da coerência com as normas substanciais de sua produção São conceitos assimétricos e independentes entre si A vigência guarda relação com a forma dos atos normativos é uma questão de subsunção ou correspondência entre seus atos produtivos e as normas que regulam sua formação legalidade do aspecto formal do processo legislativo A validade referese ao seu significado é uma questão de coerência ou compatibilidade das normas produzidas com as de caráter substancial sobre sua produção FERRAJOLI21 identifica duas classes de normas sobre a produção jurídica 1 Formais condicionam a validade e também dão a dimensão formal da democracia política pois se referem ao quem e ao como das decisões São garantidas pelas normas que disciplinam as formas das decisões assegurando com elas a expressão da vontade da maioria 2 Material referese à democracia substancial posto que relacionada ao que não se pode decidir ou deva ser decidido por qualquer maioria e está garantida pelas normas substanciais que regulam a substância e o significado das mesmas decisões vinculandoas sob pena de invalidade ao respeito aos direitos fundamentais e demais princípios axiológicos estabelecidos pela Constituição Os direitos fundamentais configuram vínculos negativos gerados pelos direitos de liberdade que nenhuma maioria pode violar e os vínculos positivos gerados pelos direitos sociais que nenhuma maioria pode deixar de satisfazer Os direitos fundamentais são garantidos para todos e estão fora do campo de disponibilidade do mercado e da política formando o que FERRAJOLI22 classifica como esfera do indecidível que e do indecidível que não Com isso ainda que sumariamente definimos que a norma processual penal ou penal possui uma dimensão formal e outra substancial A primeira significa a observância do regular processo legislativo de sua elaboração e lhe atribui apenas a vigência e validade formal No modelo constitucional a validade da norma já não é um dogma associado à mera existência formal da lei senão uma qualidade contingente da mesma ligada à coerência de seus significados com a Constituição coerência mais ou menos opinável e sempre remetida à valoração do juiz Interessanos pois sua dimensão substancial verificando se ela ainda que existente possui quando de sua aplicação uma validade substancial ou seja se guarda coerência e estrita observância com os direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos Mais do que a filtragem constitucional deve o juiz atentar para o controle da convencionalidade das leis ordinárias ou seja se o CPP o CP ou qualquer lei ordinária não está em conflito com a Convenção Americana de Direitos Humanos O controle judicial da convencionalidade tão bem explicado por MAZZUOLI23 pode se dar pela via difusa ou concentrada merecendo especial atenção a via difusa pois exigível de qualquer juiz ou tribunal No RE 466343SP e no HC 87585TO o STF firmou posição por maioria apertada determinando que a CADH tem valor supralegal ou seja está situada acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Contudo estamos com Valerio MAZZUOLI e o Min CELSO DE MELLO que sustentam posição diversa no sentido de que tal tratado tem índole e nível constitucional por força do art 5º 2º da CF Inobstante a divergência coincidem as posições no sentido de que a CADH é um paradigma de controle da produção e aplicação normativa doméstica incumbindo aos juízes e tribunais ao aplicar o CPP ou qualquer lei ordinária verificar se está em conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos pois a Constituição não é mais o único referencial de controle das leis odinárias Enfim uma análise muito mais abrangente e que supera o mero legalismo É nesse terreno que o jurista e o juiz devem trabalhar 22 A Superação do Dogma da Completude Jurídica Quem nos Protege da Bondade dos Bons24 Verificada a vigência de uma norma dimensão formal cumpre indagar se ainda assim é possível haver lacunas e conflitos internos dicotomias As antinomias e lacunas do sistema são perfeitamente possíveis e nisso reside seu maior mérito pois uma perfeita coerência e plenitude só podem ocorrer em um Estado absoluto onde qualquer norma existente é válida simplesmente porque foi produzida de acordo com as formas estabelecidas pelo ordenamento O dogma da completude jurídica está há muito superado BOBBIO25 ensina que a escola da exegese já foi abandonada e substituída pela escola científica O caráter peculiar da escola da exegese é a admiração incondicional pela obra realizada pelo legislador através da codificação uma confiança cega na suficiência das leis a crença de que os códigos uma vez promulgados bastamse completamente a si próprios isto é sem lacunas É a ilusão de que no sistema não há nada a acrescentar ou retirar e de que não existem conflitos O dogma da completude cai por terra quando verificamos que o sistema está eivado de lacunas e de conflitos internos antinomias Compreendase que todo saber é datado e possui um prazo de validade ensinou EINSTEIN Com os códigos e as leis ocorre o mesmo pois são manifestações de um saber circunscrito num determinado espaçotempo Portanto envelhecem e ficam em desacordo com os novos valores sociais vigentes Ademais não há mais espaço para o juiz paleopositivista boca da lei A possibilidade do direito inválido ou lacunoso a divergência entre normatividade e efetividade entre o deverser e o ser do direito é condição prévia tanto do Estado Constitucional de Direito quanto da própria dimensão substancial da democracia bem como a superação do papel do juiz como mero aplicador da lei O papel do juiz no processo penal constitucional é o de alguém que deve fazer a filtragem constitucional e eleger os significados válidos da norma e das versões trazidas pelas partes fazendo constantemente juízos de valor Com isso não só demonstramos a existência de uma dimensão substancial da norma como também que a mera vigência é insuficiente na medida em que o sistema está eivado de lacunas e principalmente de dicotomias Com propriedade MORAIS DA ROSA26 explica que os cavaleiros da prometida plenitude a partir dessas crenças congregam em si o poder de dizer o que é bom para os demais mortais neuróticos por excelência pois precisam preencher sua falta com algo surgindo daí um objeto de amor capaz de fazer amar ao chefe censurador tido como necessário para o laço social Portanto o amor mantém a crença pela palavra do poder a qual será objeto de amor Nessa linha compreendese que o objeto de amor submissão e obediência portanto além da lei passa pelo paitribunal e ainda à palavra autorizada lugar historicamente ocupado pelo senso comum teórico não raras vezes autênticos cavaleiros da prometida e desejada plenitude Essa ambição quase infantil por segurança e plenitude contribui para a constituição do juiz infalível como substituto do pai capaz de determinar com pleno acerto o que é justo e o que é injusto Mas também por outro lado cria todas as condições necessárias para o desenvolvimento de patologias judiciais pois empurra o juiz para o lugar de semideus com a agravante da crença na bondade dos bons Preciosa é a lição de MARQUES NETO27 quando explica que uma vez perguntei quem nos protege da bondade dos bons Do ponto de vista do cidadão comum nada nos garante a priori que nas mãos do Juiz estamos em boas mãos mesmo que essas mãos sejam boas É elementar que a administração da justiça não pode depender da bondade do bom senso ou de qualquer outro tipo de abertura axiológica desse estilo para legitimar o exercício do poder Novamente despontam as regras do devido processo como ponto crucial da discussão especialmente no que tange à legitimação do poder exercido em tão complexo ritual Defendendo a hermenêutica constitucional e a interpretação teoricamente demarcada PEREIRA LEAL28 sustenta que o decidir não mais pode escorrer do cérebro de um julgador privilegiado que guardasse um sentir sapiente por juízos de justiça e segurança que só ele pudesse com seus pares aferir induzir ou deduzir transmitir e aplicar Nessa linha além da necessária conformidade constitucional deve o juiz estrito respeito às regras do jogo e aos valores em jogo especialmente no processo penal em que o due process of law adquire um valor inegociável O problema aponta COUTINHO29 é saber o que é a bondade para ele Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes e neste diapasão os exemplos multiplicamse Em um lugar tão vago por outro lado aparecem facilmente os conhecidos justiceiros sempre lotados de bondade em geral querendo o bem dos condenados e antes o da sociedade Em realidade há aí puro narcisismo gente lutando contra seus próprios fantasmas Nada garante então que a sua bondade responde à exigência de legitimidade que deve fluir do interesse da maioria Neste momento por elementar é possível indagar também aqui dependendo da hipótese quem nos salva da bondade dos bons na feliz conclusão algures de Agostinho Ramalho Marques Neto A situação é ainda mais grave quando compreendemos que a crença nas leis racionais e na bondade do julgador atinge seu ápice com teóricos vinculados ao verbo autoritário como JAKOBS e seu funcionalismo direito penal do inimigo e outras construções teóricas que fazem a perigosíssima viragem linguística e discursiva para deslocar a noção de bem jurídico para a norma racional criando um discurso que legitima a punição pela necessidade de manterreforçar a confiança na lei e no sistema jurídicopenal Cometem assim o gravíssimo erro entre outros de matar o caráter antropológico do Direito Penal negando ao mesmo tempo a subjetividade e o diferente Como se não bastasse geralmente esse discurso vem nos sedutores invólucros da garantia da ordem pública supremacia do interesse coletivo e outras fórmulas que nada mais fazem do que pegar carona na crença na bondade dos bons Resta questionar sempre bom para quêquem 23 À Guisa de Conclusões Provisórias Rompendo o Paradigma Cartesiano e Assumindo a Subjetividade no Ato de Julgar Mas Sem Cair no Decisionismo O juiz assume uma nova posição30 no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um ainda que para isso tenha de adotar uma posição contrária à opinião da maioria Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas lícitas e suficientes Não há mais espaço para o juiz exegeta paleopositivista e burocrata fiel seguidor do senso comum teórico dos juristas31 E acima de tudo está superada a mera subsunção à lei penal ou processual penal deve o juiz operar sobre a principiologia constitucional Dessarte impõese uma postura mais corajosa por parte dos juízes e tribunais em matéria penal Julgadores conscientes de que seu poder só está legitimado enquanto guardiões da eficácia do sistema de garantias previsto na Constituição Nessa linha em havendo leis atos normativos lato sensu incompatíveis com a principiologia constitucional é tarefa do Poder Judiciário expungilos do ordenamento ou em determinados casos efetuar a adaptaçãocorreção de tais atos normativos vivificandoos tornandoos aptos a serem aplicados pelos operadores jurídicos32 Ademais como já apontamos anteriormente a norma nasce com a pretensão de obrigar o futuro ou seja ela antecipa o futuro e busca libertarse com isso da dúvida Ao tentar prever um mundo que ainda não existe ambição prospectiva as normas jurídicas tropeçam num obstáculo epistemológico com altíssimo risco de um doloroso tombo Incumbe ao juiz superar esse obstáculo epistemológico e evitar o tombo pois quando da aplicação da norma o direito deve sair desse mundo destemporalizado para amoldarse à realidade social ou seja como aponta MESSUTI33 voltar à dimensão temporal de que havia se separado Tratase de verificar se a norma destemporalizada é adequada à dimensão temporal em que irá incidir justo quando da sua incidência Como bem identificou MESSUTI34 toda lei contém uma inevitável disparidade em relação à atividade concreta porque tem um caráter universal Por isso e não há por que ter pudores em afirmar que a lei é quase sempre defeituosa mas não porque o seja em si mesma e sim porque pretende regular a realidade do mundo humano que é sempre imprevisível e relativo basta recordar a teoria da Relatividade Uma pura e simples aplicação da lei pode ser viável porque sua completude é impossível Permeia ainda essa atividade uma série de variáveis de natureza axiológica inerentes à subjetividade específica do ato decisório até porque toda reconstrução de um fato histórico está eivada de contaminação decorrente da própria atividade seletiva desenvolvida É chegado o momento de assumir a subjetividade e principalmente os riscos a ela inerentes e compreender recordando as lições de ANTÓNIO DAMÁSIO que a racionalidade é incompleta e resulta seriamente prejudicada quando não existe nenhuma ligação com o sentimento O dualismo cartesiano separa a mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção O erro está na separação abissal entre o corpo e a mente35 É essa a racionalidade que queremos transcender na esteira de ANTÓNIO DAMÁSIO e dos presentes estudos sobre neurociência e também neuropsicanálise Para o autor o fenômeno é exatamente oposto àquele descrito por Descartes na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser O penso logo existo deve ser lido como existo e sinto logo penso num assumido anticartesianismo É a recusa a todo discurso científico incluindo o positivismo o mito da neutralidade etc baseado na separação entre emoção sentire e razão A questão interessanos e muito porque quando os seres humanos não conseguem ver a tragédia inerente à existência consciente sentemse menos impelidos a fazer algo para minimizála e podem mostrar menos respeito pelo valor da vida Talvez a coisa mais indispensável que possamos fazer no nosso dia a dia enquanto seres humanos seja recordar a nós próprios e aos outros a complexidade fragilidade finitude e singularidade que nos caracteriza36 A sentença é fruto do convencimento do juiz formado em contraditório no processo e segundo suas regras Não se desconhece portanto que sentença venha de sententia que por sua vez vem de sententiando gerúndio do verbo sentire ensejando a ideia de que por meio dela o juiz experimente uma emoção uma intuição emocional37 Mais do que isso ele sente e declara o que sente38 A sentença sublinha BOSCHI39 é mais do que o resultado do simples ajustamento da lei à fattispecie mas como objeto cultural é uma obra humana impregnada de valores e de ideologias enfim uma criação da inteligência e da vontade do juiz como bem declarou Couture que integra o rol de seus deveres institucionais e funcionais Mas não se pode reduzir a sentença a um mero ato de sentir nada disso Para muito além dessa dimensão de subjetividade estão os limites constitucionais e processuais para formação do convencimento do juiz e ainda o demarcado espaço interpretativo Não se pode jamais adverte com muito acerto STRECK40 permitir que o juiz possa dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa ou seja há limites na formação da decisão e no espaço constitucional de interpretação É claro que o juiz é um sernomundo logo sua compreensão sobre o caso penal e a incidência da norma é resultado de toda uma imensa complexidade que envolve os fatores subjetivos que afetam a sua própria percepção do mundo Não existe possibilidade de um ponto zero de compreensão diante da gama de valores preconceitos estigmas préjuízos aspectos subjetivos etc que concorrem no ato de julgar logo sentir e eleger significados Na feliz expressão de MORAIS DA ROSA41 a sentença penal é consequência de uma verdadeira bricolagem de significantes com toda a extensão que a expressão exige desde uma dimensão psicanalítica O juiz na sentença atua como um intérprete da regra legal que sempre necessita de uma atribuição de sentido A lei diz o que o intérprete diz que a lei diz QUEIROZ com toda carga ideológica que o sujeito traz consigo nessa simbiose que se estabelece mas sem que se tolere a completa desconsideração por parte do juiz dos limites de interpretação espaço de decisão espaço de interpretação A compreensão do sentido linguístico adverte QUEIROZ42 não constituiu um fenômeno puramente receptivo pois implica inevitavelmente a autocompreensão do próprio sujeito que realiza a compreensão fazendo surgir o direito histórico concreto Há que se compreender para além de toda pompa acadêmica que rodeia o conceito o que significa e representa o círculo hermenêutico com a preocupação de clareza que QUEIROZ43 teve ao tratar do assunto Interpretar uma norma jurídica é acima de tudo uma tarefa de compreensão e atribuiçãoeleição de significados Não se trata de um método que cartesianamente conduza ao resultado final melhor ainda se previsível O juiz é um intérprete da lei e dos fatos no sentido de que incumbe a ele eleger os significados válidos da lei e das teses apresentadas De outra forma com a interpretação não se extraem sentidos da lei mas sentidos lhes são atribuídos por meio da interpretação44 E no que reside a circularidade do processo hermenêutico No fato de a interpretação de uma norma realizarse por meio de um processo circular de compreensão em que entre o texto e o intérprete o juiz se estabelece uma mútua referência45 A circularidade está na ausência de dicotomização entre texto e intérprete ou seja entre sujeito e objeto Toda e qualquer eleição dos significados da lei ou das teses apresentadas no processo está inserida na circularidade hermenêutica no sentido de que o juiz jamais fará uma eleição neutra Todo o oposto A interpretação será sempre fruto de uma complexa gama de précompreensões de préjuízos pois o intérprete sempre leva consigo uma compreensão prévia daquilo que quer compreender quando empreende a leitura do texto46 Somente assim podemos compreender que um mesmo texto legal ou um mesmo contexto probatório permita diferentes eleições de significados ou interpretações Tudo decorre do conjunto de experiências do intérprete enquanto sernomundo Na síntese de QUEIROZ47 a interpretação à semelhança da fotografia varia conforme não apenas as imagens que se veem e se contemplam mas também conforme a ciência ou a insciência a maturidade ou a imaturidade a arrogância ou a humildade de quem interpreta ou fotografa pois o homemjuiz ao pretender julgar o processo conforme a lei julga também conforme os seus medos as suas pretensões e os seus sentimentos a sua vocação ou o seu alheamento a sua grandeza ou a sua pequenez julga enfim segundo a sua sensibilidade A interpretação é uma fotografia da alma do intérprete sem que isso signifique um retorno à equivocada filosofia da consciência sublinhese Em alguns casos a norma pode apresentar vários significados cabendo ao juiz proceder a uma interpretação conforme a Constituição atendendo ao que CANOTILHO48 chama de princípio da prevalência da Constituição optando pelo sentido que apresente uma conformidade constitucional Como complemento a essa técnica interpretativa49 pode ser utilizada a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto verdadeira técnica de decisão judicial50 através da qual diante de uma lei ou ato normativo o intérprete juiz ou tribunal exclui alguma ou algumas de suas interpretações possíveis e que se revestem de substancial inconstitucionalidade Isso ocorre a partir do que CANOTILHO51 chama de espaço de decisão espaço de interpretação aberto a várias propostas interpretativas umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas e outras em desconformidade com ela É a abdução de sentido empregada por exemplo em relação à mesóclise contida no art 396 do CPP anteriormente explicada quando tratamos do rito ordinário Dessa forma ao mesmo tempo em que se preserva a existência da lei sem alterála gramaticalmente princípio da conservação de normas impedese sua aplicação injusta negandose validade ao significado substancialmente inconstitucional Tratase ainda de lançar mão concomitantemente do poder de controle difuso da constitucionalidade através do qual um juiz pode e deve analisar a constitucionalidade substancial da norma a partir da incidência no caso concreto Nesse contexto a Constituição e principalmente seus princípios e os Princípios Gerais do Direito são cruciais até porque o sistema penal deve passar pelo filtro constitucional Tudo deve se conformar à Constituição Os princípios especialmente os constitucionais são normas fundamentais ou gerais do sistema São a essência da norma eis que dela emergem São frutos de uma generalização sucessiva BOBBIO52 é categórico Para mim não há dúvida os princípios gerais são normas como todas as outras E dá o seu clássico exemplo se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos através de um procedimento de generalização sucessiva não se vê por que não devam ser normas também eles se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais e não flores ou estrelas Em segundo lugar a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas isto é função de regular um caso Evidenciase uma vez mais a importância do papel assumido pelo julgador A sujeição do juiz à lei explica FERRAJOLI53 já não é como no velho paradigma positivista sujeição à letra da lei qualquer que seja seu significado mas sim uma sujeição à lei enquanto válida isto é conforme a Constituição Claro que tal eleição e atribuição de significados devem obedecer a certos limites que vão dos limites da Constituição aos próprios limites semânticos e da reserva legal A questão perene passa a ser assumir a subjetividade e superar o dogma da completude lógica de um lado e de outro não cair no outro extremo no decisionismo em que o juiz julgue como bem entender com incontrolável discricionariedade Ou ainda de que modo é possível construir um discurso capaz de dar conta de tais perplexidades sem cair em decisionismos ativismos judiciais e discricionariedades por parte dos juízes54 Essa é verdadeiramente uma questão perene para os hermeneutas a busca incessante pelo equilíbrio entre os extremos Nessa mesma linha TRIBE e DORF55 ao explicar como não ler a Constituição sinalizam a cautela que se deve ter na hermenêutica constitucional para não incorrer no erro de pensar que a Constituição é simplesmente um espelho por meio do qual é possível enxergar aquilo que se tem vontade Com os autores compreendemos que não se pode usar o texto constitucional como pretexto para dizer aquilo que bem entendermos ou ainda para dizer aquilo de que gostaríamos muito que a Constituição dissesse mas que ela não diz Da mesma forma há que se ter o mesmo cuidado na interpretação da legislação ordinária para não olhála como um espelho a refletir a imagem que gostaríamos muito de ali ver Uma coisa é o que a lei diz a outra é aquilo que gostaríamos muito de que ela dissesse mas não diz COUTINHO56 atento ao problema também explica que a norma é produto da interpretação do intérprete mas a norma criada porém não pode dizer qualquer coisa quiçá em uma bela conclusão metafísica Há todavia de se ter um marco onde a assertiva não seja tão só retórica Daí por que como assevera o autor o que se delimita ao Poder Judiciário é a verificação da adequação possível ou seja se a norma criada pelo intérprete não escapa da regra e assim do raio de alcance da estrutura linguística do enunciado das suas palavras57 Isso não significa um retorno ao paleopositivismo e o amor incondicional à letra da lei Nada disso Há que se buscar na hermenêutica constitucional os instrumentos necessários para efetivar a filtragem constitucional a conformidade da lei ordinária à Constituição mas sem que isso descambe para o decisionismo ou o relativismo absurdo É necessária muita maturidade científica para conseguir fazer o esforço honesto na leitura da Constituição e da legislação ordinária desde que filtrada é claro para chegar a uma interpretação que nem sempre é do nosso agrado sem que isso signifique uma postura de ingênuo conformismo É inafastável que o juiz elege versões entre os elementos fáticos apresentados e o significado justo da norma Não se pode esquecer que a consciência plena é ilusória58 e que a influência do inconsciente do julgador no momento do ato decisório perpassa a decisão e não tem sentido manter uma venda nos olhos para fazer de conta que o problema não existe59 Mas isso não autoriza o decisionismo com o juiz dizendo o que bem entende da norma ou da prova o espelho de TRIBE e DORF ou o juiz dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa STRECK Somente está legitimado o convencimento judicial formado a partir do que está e ingressou legalmente no processo significa dizer com estrita observância das regras do due process of law vedandose por primário as provas ilícitas contra o réu e coisas do gênero regido pelo sistema acusatório devidamente evidenciado pela motivação da sentença para permitir o controle pela via recursal Para não incidir no erro do decisionismo insistese na estrita observância das regras do devido processo penal fundantes da instrumentalidade constitucional O respeito às regras do jogo e a necessária filtragem constitucional criam condições de possibilidade para o equilíbrio entre os dois extremos paleopositivismo e decisionismo E mais não se pode a partir da equivocada filosofia da consciência deixar que a atribuição de sentido decorra unicamente da cabeça do juiz ou seja não se pode depender apenas da consciência do julgador ou mesmo de um livre convencimento Não pode ele decidir de acordo com a sua consciência e em completo desprezo por exemplo de toda produção dogmática e jurisprudencial em torno de determinado conceito jurídico Imaginese o absurdo da decisão que dissesse não concordo com o sistema trifásico de aplicação da pena do art 59 do CP e desenvolvi meu próprio critério Típico decisionismo ilegal que não raras vezes se vislumbra com maior ou menor grau em algumas decisões O sistema de administração da justiça não pode depender exclusivamente da consciência ou da bondade do julgador Daí a importância dos limites do espaço decisório interpretativo que vem dado pela estrita observância das regras do devido processo penal e de toda a principiologia constitucional aplicável ao julgamento criminal A decisão tem que ser construída no processo penal em contraditório e demarcada pelo limite da legalidade leiase respeito às regras do jogo Não pode ser apenas um decido conforme a minha consciência Isso seria perfilarse na superada dimensão da filosofia da consciência e avalizar um perigosíssimo e ilegal decisionismo PEREIRA LEAL60 criticando a escola instrumentalista especialmente Cândido Dinamarco explica que não se pode mais colocar a jurisdição como centro do sistema eis o erro senão que se deve fazer uma opção pelo direito democrático abandonando a ideia de ser o plano da decisão exclusivo do decididor juiz senão que a decisão deve ser construída como resultante vinculada à estrutura procedimental regida pelo processo constitucionalizado sem esquecer que o autor se situa na linha de FAZZALARI de que o processo é um procedimento em contraditório Daí por que não se pode mais conceber o processo como um mero espaço de exercício de poder de instrumento da jurisdição Conclui com precisão PEREIRA LEAL61 que a legitimidade da decisão está no procedimento para se tomar essa decisão se confundindo procedimento e processo Daí por que o devido processo penal constitucional adquire o status de garantia insuprimível pois nenhuma decisão seria constitucionalmente válida e eficaz se não preparada em status de devido processo legal porquanto uma vez produzida em âmbito de exclusivo juízo judicacional não poderia se garantir em validade e eficácia pela discursiva condição estatal do direito democrático A legitimidade da decisão só ocorre em fundamentos procedimentais processualizados porque o PROCESSO como direito de primeira geração instituição jurídica constituinte e constituída de produção de direitos subsequentes é direito fundamental de eficiência autodeterminativa da comunidade jurídica que se fiscaliza renovase e se confirma pelos princípios processuais discursivos da isonomia ampla defesa e contraditório ainda que nas estruturas procedimentais encaminhadoras das vontades jurídicas não sejam pretendidas resoluções de conflitos62 Em suma a decisão judicial somente é válida e eficaz quando construída processualmente no espaço jurídico discursivo da condicionalidade estatal expressa na estrutura procedimental devido processo legal legitimadora de sua prolatação63 Assim o processo não deixa de ser um método limitador e caminho necessário para a decisão Há que se encontrar o entrelugar onde se recuse a razão moderna e o dogmatismo oitocentista mas também o relativismo cético tipicamente pósmoderno Pensamos que a legitimação da decisão se dá através da estrita observância das regras do devido processo São essas regras que estruturando o ritual judiciário devem proteger do decisionismo e também do outro extremo onde se situa o dogma da completude jurídica e o paleopositivismo 3 Decisão Penal Análise dos Aspectos Formais Após uma sumária cognição da complexidade do ato decisório vejamos agora o aspecto formal dogmático devidamente resignificado pelo anteriormente exposto Portanto não há que se desconectarem as temáticas Para GOLDSCHMIDT64 o ponto central dos atos judiciais são as sentenças resoluciones constituindo declarações de vontade emitidas pelo juiz com o fim de determinar o que estima justo É injusta a sentença que reconhece como direito o que não é na realidade e isso sempre conduz a uma aplicação inadequada do direito Assim a sentença é resultado de uma atividade mental e em consequência pode ser justa ou injusta sententia iniqua e uma expressão da vontade e do poder do juiz Em linhas gerais a sentença injusta decorre65 de um erro ontológico fruto de uma observação errônea dos fatos objeto do debate ou da prova produzida sendo portanto um erro na percepção da faticidade narrada eou demonstrada através da prova de um erro nomológico derivado da errônea aplicaçãointerpretação das normas jurídicas ou seu desconhecimento total ou parcial bem como da falta de compromisso hermenêutico constitucional aplicando indistintamente leis ordinárias sem a necessária filtragem constitucional Aqui também se inserem os erros de procedimento na condução do feito pelo juiz Tais erros serão atacáveis através do respectivo recurso tratados na continuação ensejando a manifestação de um órgão jurisdicional hierarquicamente superior que reexaminará a questão Mais circunscrito ao campo penal NASSIF66 com a precisão conceitual que o caracteriza define a sentença como o ato de reduzir a um espaço documentado estrito oficial praticado por juiz competente toda a gama de circunstâncias e emoções visíveis e descritíveis informadas com as garantias constitucionais do processo ocorrentes em um fato praticado com necessária intervenção humana que a lei traduz como crime para o efeito de confirmar ou desconstituir impondo sanções legais o estado de inocência do cidadãoacusado A necessidade de reduzir a um espaço documentado decorre da forma escrita do processo penal brasileiro e mesmo com o emprego de modernas tecnologias a sentença continuará sendo reduzida a escrito não só para que as partes dela tenham pleno conhecimento mas também para assegurar a eficácia do duplo grau de jurisdição Tradicionalmente no Brasil a doutrina67 costuma classificar os atos jurisdicionais nas seguintes categorias 1 Despachos de mero expediente são atos meramente ordenatórios sem cunho decisório e que não causam prejuízo para acusação ou defesa sendo portanto irrecorríveis Nesta categoria entram os despachos de juntese intimese dêse vista e congêneres 2 Decisões 21 Interlocutórias simples pouco mais do que um despacho de mero expediente já possui um mínimo de caráter decisório e gera gravame para uma das partes Como regra não cabe recurso dessa decisão salvo expressa disposição legal sem negarse contudo a possibilidade de utilização das ações impugnativas como habeas corpus e mandado de segurança conforme o caso São exemplos decisão que recebe a denúncia ou queixa indefere o pedido de habilitação como assistente da acusação etc 22 Interlocutórias mistas também consideradas como decisões com força de definitiva possuem cunho decisório e geram gravame ou prejuízo para a parte atingida Encerram o processo sem julgamento do mérito ou finalizam uma etapa do procedimento por isso podem ser terminativas ou não Como regra não há produção de coisa julgada material e são atacáveis pela via do recurso em sentido estrito mas há exceções em que a lei prevê o recurso de apelação Nessa categoria inseremse as decisões de rejeição da denúncia ou queixa pronúncia não terminativa impronúncia decisão terminativa atacável pela apelação art 593 II do CPP desclassificação a decisão que acolhe a exceção de coisa julgada ou litispendência etc 3 Sentenças as sentenças no processo penal poderão ter eficácia condenatória absolutória própria ou imprópria absolve mas aplica medida de segurança ou declaratória da extinção da punibilidade São atos jurisdicionais por excelência com pleno cunho decisório e que geram prejuízo para a parte atingida Como regra o recurso cabível é o de apelação São exemplos as sentenças penais condenatórias absolutórias a absolvição sumária tanto nos procedimentos comuns ordinário e sumário como também no rito do tribunal do júri art 415 e a declaratória da extinção da punibilidade pela concessão do perdão judicial ou prescrição por exemplo Excetuandose os despachos de mero expediente as decisões e sentenças devem ser fundamentadas sob pena de nulidade As sentenças em geral são fundamentadas a contento ainda que não se concorde com os termos e as premissas O grande problema são as decisões interlocutórias inter locus no meio do caminho no curso do procedimento especialmente aquelas que implicam restrição de direitos e garantias fundamentais tais como as decisões que decretam a busca e apreensão a interceptação telefônica e a decretação da prisão cautelar Nesses casos impõese severo gravame a alguém sem em grande parte dos casos uma fundamentação suficiente para legitimar tal violência estatal Ontologicamente estar preso cautelarmente ou definitivamente é igual quando não é mais grave a situação gerada pela prisão cautelar mas substancialmente distintas são as decisões e principalmente a qualidade das decisões Diariamente são geradas situações fáticas gravíssimas como a prisão cautelar com pífia fundamentação e isso é inadmissível A sentença no processo penal é o ato jurisdicional por antonomásia uma resolução judicial paradigmática à qual se encaminha todo o processo68 Somente a sentença resolve com plenitude acerca do objeto do processo penal que como vimos anteriormente é a pretensão acusatória cujo elemento objetivo é o caso penal A sentença pode ser definida69 ainda como aquele ato jurisdicional que põe fim ao processo pronunciandose sobre os fatos que integram seu objeto e sobre a participação do imputado neles impondose uma pena ou absolvendoo como manifestação do poder jurisdicional atribuída ao Estado O dever de fundamentar a sentença foi exposto no início deste capítulo cabendo agora verificar a estrutura externa como preceitua o art 381 Art 381 A sentença conterá I os nomes das partes ou quando não possível as indicações necessárias para identificálas II a exposição sucinta da acusação e da defesa III a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão IV a indicação dos artigos de lei aplicados V o dispositivo VI a data e a assinatura do juiz Partindo desses requisitos a sentença acaba estruturandose em três partes relatório em que são indicados os nomes das partes devidamente identificadas e a descrição objetiva dos acontecimentos do processo em geral remetendo para a morfologia do procedimento motivação ponto nevrálgico da sentença em que o juiz deve analisar e enfrentar a totalidade sob pena de nulidade das teses acusatórias e defensivas demonstrando os motivos que o levam a decidir dessa ou daquela forma A motivação dáse em duas dimensões fática e jurídica Na primeira procede o juiz à valoração da prova e dos fatos reservando para a segunda a fundamentação em torno das teses jurídicas adotadas e também o enfrentamento das teses jurídicas alegadas mas refutadas Por fim sendo a sentença condenatória deverá o juiz manifestarse sobre a responsabilidade civil do réu fixando o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido dispositivo finalizando a sentença é na parte dispositiva que se afirmará a absolvição indicando o inciso do art 386 aplicável ou em caso de condenação será feita a dosimetria da pena à luz dos arts 59 e 68 do CP e 387 do CPP A estrutura da sentença em três partes independe de ser ela condenatória ou absolutória pois em ambos os casos deve conter o relatório a motivação e o dispositivo Claro que o dispositivo da sentença condenatória é mais complexo na medida em que ali é realizada a dosimetria da pena mas em ambas as espécies de sentença há dispositivo Mesmo na sentença absolutória e com mais razão na condenatória deverá o juiz analisar todas as teses acusatórias e defensivas sob pena de violar a regra da correlação e gerar uma sentença nula Analisaremos a seguir alguns aspectos da sentença condenatória pois a absolutória tem por principal problemática os eventuais efeitos civis que dela ainda podem decorrer anteriormente explicados Sendo a sentença condenatória deverá observar o disposto no art 387 do CPP Art 387 O juiz ao proferir sentença condenatória I mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código Penal e cuja existência reconhecer II mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena de acordo com o disposto nos arts 59 e 60 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal III aplicará as penas de acordo com essas conclusões IV fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido V atenderá quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança ao disposto no Título XI deste Livro VI determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará o jornal em que será feita a publicação art 73 1º do Código Penal 1º O juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou se for o caso a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta Incluído pela Lei n 127362012 2º O tempo de prisão provisória de prisão administrativa ou de internação no Brasil ou no estrangeiro será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade Incluído pela Lei n 127362012 Quanto aos incisos I II e III devem ser lidos em conjunto com as regras estabelecidas no art 59 e ss do Código Penal que disciplinam a dosimetria da pena O inciso IV é uma inovação introduzida pela Lei n 117192008 que alterou a sistemática brasileira para permitir a cumulação da pretensão acusatória com outra de natureza indenizatória Nessa linha o parágrafo único do art 63 nova redação também modificado pela Lei n 11719 passou a estabelecer que transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido Como decorrência dessas modificações agora na sentença penal condenatória o juiz já deverá fixar um valor mínimo a título de indenização pelos prejuízos sofridos pela vítima que não impede que ela postule no cível uma complementação Mas para que o juiz penal possa fixar um valor mínimo para reparação dos danos na sentença é fundamental que 1 exista um pedido expresso na inicial acusatória de condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo para reparação dos danos causados sob pena de flagrante violação do princípio da correlação 2 portanto não poderá o juiz fixar um valor indenizatório se não houve pedido sob pena de nulidade por incongruência da sentença 3 a questão da reparação dos danos deve ser submetida ao contraditório e assegurada a ampla defesa do réu 4 somente é cabível tal condenação em relação aos fatos ocorridos após a vigência da Lei n 117192008 sob pena de ilegal atribuição de efeito retroativo a uma lei penal mais grave como explicado anteriormente ao tratarmos da Lei Processual Penal no Tempo Do contrário não pode haver tal condenação70 Não se pode esquecer ainda que a pretensão indenizatória é de natureza privada e exclusiva da vítima Logo como adverte GIACOMOLLI71 a vítima tem plena disponibilidade podendo manifestar interesse em que não seja arbitrado na esfera criminal pois já ingressou no juízo cível ou nele pretende discutir o an debeatur e o quantum debeatur A indenização está na esfera de disponibilidade do interessado cabendo portanto renúncia e transação motivo por que ao magistrado é vedado arbitrar qualquer valor reparatório se houver manifestação nesse sentido O inciso V está revogado pois não existe mais a aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança desde a reforma da parte geral do Código Penal de 1984 Também o inciso VI ficou sem sentido pois não existe mais essa previsão no art 73 do Código Penal O parágrafo único inserido pela Lei n 117192008 substitui o problemático art 594 do CPP disciplinando a manutenção ou imposição de prisão preventiva neste momento sem qualquer prejuízo a que se conheça da apelação eventualmente interposta Isso porque durante décadas se discutiu sobre o direito de apelar em liberdade e a eventual necessidade de recolherse o réu à prisão para recorrer Nos últimos anos a matéria já havia se pacificado com a absoluta separação das questões pois de um lado está a necessidade ou não da prisão cautelar e de outro completamente desconectado o direito de recorrer Para evitar longas repetições remetemos o leitor para nossos escritos anteriores sobre a prisão cautelar 4 Princípio da Congruência ou Correlação na Sentença Penal 41 A Imutabilidade da Pretensão Acusatória Recordando o Objeto do Processo Penal Além do estudo dos princípios constitucionais do contraditório ampla defesa e também das regras do sistema acusatório como veremos na continuação a correlação vinculase ao objeto do processo penal Como já explicamos no início desta obra o objeto do processo penal é a pretensão acusatória importante compreender esse conceito já explicado O exercício da pretensão acusatória com todos os seus elementos é a acusação fundamental para se aferir se é a sentença incongruente no processo penal pois é ela quem demarca os limites da decisão jurisdicional O objeto do processo penal é a pretensão acusatória vista como a faculdade de solicitar a tutela jurisdicional afirmando a existência de um delito para ver ao final concretizado o poder punitivo estatal pelo juiz através de uma pena ou medida de segurança O titular da pretensão acusatória será o Ministério Público ou o particular Ao acusador público ou privado corresponde apenas o poder de invocação acusação pois o Estado é o titular soberano do poder de punir que será exercido no processo penal através do juiz e não do Ministério Público e muito menos do acusador privado A compreensão da complexa estrutura do objeto do processo penal é fundamental para o estudo do princípio ou regra da correlação como também o é para a compreensão dos limites do sistema acusatório Também demarca o campo de incidência da coisa julgada e da litispendência Seguindo a mesma linha de raciocínio BADARÓ72 é preciso ao explicar que o objeto do processo penal está ligado à imputação que consiste na formulação da pretensão processual penal conceito esse compatível com nossa posição isto é o fato enquadrável em um tipo penal que se atribui a alguém e que deve permanecer imutável ao longo do processo pois o objeto da sentença tem de ser o mesmo objeto da imputação Assim a sentença não pode ter em consideração algo diverso ou que não faça parte da imputação A regra geral é a imutabilidade do objeto do processo penal Na mesma linha de pensamento MALAN73 relacionando objeto com sistema processual afirmando que o processo de feição acusatória se caracteriza por ser tendencialmente rígido pois essa rigidez decorre da garantia da vinculação temática do juiz Desvela o autor uma importante relação entre a rigidez do objeto e o sistema acusatório em que o juiz espectador não tem a gestão da prova e tampouco invade o elemento objetivo da pretensão para alterálo Além disso a garantia da imparcialidade encontra condições de possibilidade de eficácia no sistema acusatório mas para tanto é necessário que o juiz se abstenha de ampliar ou restringir a pretensão acusatória modificação do objeto julgandoa nos seus limites o que não o impede obviamente de acolhêla no todo ou em parte na sentença diante da prova produzida Mas como toda regra há que se relativizála e assim o faz o processo penal através dos institutos da emendatio libelli e mutatio libelli previstos nos arts 383 e 384 do CPP Mas e esse é o ponto nevrálgico para realizar qualquer modificação é imprescindível observarse os princípios da inércia e sua vinculação ao sistema acusatório da jurisdição do direito de defesa e principalmente do contraditório como veremos na continuação 42 Princípio da Correlação ou Congruência Princípios Informadores A Importância do Contraditório e do Sistema Acusatório Fazendo alguns ajustes pois o autor estava se referindo ao processo civil nos serve o conceito de ARAGONESES ALONSO74 por congruência deve entenderse aquele princípio normativo dirigido a delimitar as faculdades resolutórias do órgão jurisdicional pelo qual deve existir identidade entre a decisão e o debatido oportunamente pelas partes No estudo da correlação é fundamental a leitura conjugada com os princípios processuais do contraditório e ampla defesa mas também com o que já explicamos acerca do sistema acusatório pois vinculase com o princípio da inércia da jurisdição ne procedat iudex ex officio A regra da correlação ou congruência somente tem razão de ser em um sistema acusatório pois é um mecanismo que concretiza na dinâmica do processo penal os princípios constitucionais citados especialmente o contraditório que somente encontra condições de existência no sistema acusatório Grande parte dos problemas em torno da correlação no sistema processual penal brasileiro decorrem do fato de nosso modelo ser neoinquisitório A estrutura do CPP está alicerçada na matriz inquisitória pois a gestão da prova está nas mãos do juiz basta uma rápida leitura do art 156 e tantos outros que conduzem ao ativismo judicial tipicamente inquisitório mas sempre devemos recordar o modelo constitucional é acusatório Diante desse conflito não há outra opção a ser seguida que não a luta pela prevalência da Constituição e da filtragem constitucional Ainda por imposição do sistema acusatórioconstitucional deve o juiz manterse em inércia só atuando quando invocado pelas partes e na medida da invocação Como já explicamos a inércia é fundante da jurisdição ne procedat iudex ex officio e ainda garantidora da eficácia do sistema acusatório que por sua vez assegura o contraditório Quando o juiz assume uma postura ativa agindo de ofício na busca da prova na decretação de medidas cautelares como infelizmente autoriza o art 156 ainda que substancialmente inconstitucional fulmina numa só tacada a estrutura acusatória o contraditório a ampla defesa e o princípio supremo do processo a imparcialidade do julgador Como adverte BADARÓ75 do ne procedat iudex ex officio deriva que o juiz não pode prover sem que haja um pedido e como consequência daí decorre outro princípio o juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A inércia da jurisdição é fundamental pois sobre ela se estruturam diversos institutos do processo penal além do próprio sistema acusatórioconstitucional de modo que a decisão desconectada do que foi objeto da imputação gera uma sentença incongruente Quanto ao contraditório igualmente relacionado com o princípio da correlação pois o binômio informaçãoreação deve pautar o campo decisório não podendo o juiz decidir sobre questões que não foram debatidas pelas partes no processo Crucial nesta questão é compreender que o contraditório deve incidir sobre as questões de fato e de direito como bem aponta BADARÓ76 não havendo mais espaço constitucional para continuarmos mutilando o contraditório em nome de uma equivocada leitura do adágio narra mihi factum dabo tibi ius Não há mais razão no marco do processo penal constitucional para aceitarse a exclusão das questões de direito do princípio da correlação havendo uma imperiosa necessidade de relerse o art 383 como explicaremos a seu tempo com a consciência de que o contraditório também sobre elas incide Até porque essa lógica binária de questão de fato questão de direito na complexidade contemporânea não é nada clara ou seja as questões se misturam e coexistem não se excluem sendo reducionismo operarse na lógica binária A distinção é tênue senão inexistente Destacamos no conceito de ARAGONESES ALONSO anteriormente citado a necessidade de identidade entre a decisão e o que foi debatido pois para além do que foi pedido há que se ter sempre presente o necessário contraditório e a defesa Logo é reducionismo pensar o princípio da correlação ou congruência no binômio acusaçãosentença pois não se pode admitir a decisão acerca de matéria não submetida ao contraditório Portanto os limites da decisão vêm demarcados por uma dupla dimensão acusação e contraditório Do contraditório nascem as condições de possibilidade do exercício do direito de defesa outra regra de ouro a constituir o due process of law Assim quando falamos em defesa neste momento não o fazemos no sentido estrito de direito de defesa distinto do contraditório por suposto mas sim no sentido mais amplo do todo integrando o contraditório e o direito de defesa Quanto ao direito de defesa é obviamente atingido pela sentença incongruente pois subtrai do réu a possibilidade de defenderse daquilo que foi objeto da decisão mas que não estava na acusação Essa surpresa gera um inegável estado de indefesa com evidente prejuízo para aqueles que ainda operam na lógica do prejuízo para decretação das nulidades processuais O direito de defesa ainda que distinto mantém uma íntima correlação com o contraditório devendo a acusação ser clara e individualizada para permitir a defesa Mas de nada servem essas regras em torno da imputação se o juiz modificar no curso do processo as questões de fato ou de direito gerando a surpresa e a situação de evidente cerceamento de defesa pois o réu não se defendeu desse fato novo ou dessa nova qualificação jurídica por exemplo Apenas para não gerar confusão explicamos que o direito de defesa é obviamente afetado pela sentença incongruente mas a regra da correlação não se funda apenas sobre ele Ou seja não está a congruência ou correlação a serviço exclusivamente da defesa mas também do contraditório e do sistema acusatório Como explica LEONE77 o interrogatório também se destina a delimitar o âmbito da decisão do juiz no sentido de que ele não pode pronunciar uma decisão sobre um fato diferente do imputado Assim a correção entre imputação e decisão se opera tanto no interior da instrução quanto nas relações que se estabelecem entre a instrução e o julgamento e não apenas nessa segunda hipótese julgamento decisão Isso é fundamental para compreenderse que a correlação já se faz valer no momento do interrogatório e ao longo de toda a instrução A correlação na verdade não é apenas entre acusação e sentença mas entre acusação defesa instrução e sentença É possível assim alterarse a pretensão acusatória especialmente seu elemento objetivo mas desde que exista estrita observância do contraditório para evitar surpresas e permitir a eficácia do direito de defesa Dessarte é evidente a incompatibilidade do contraditório e do sistema acusatório com o ativismo judicial ou seja com o juiz agindo de ofício nessa modificação da pretensão acusatória 43 A Complexa Problemática da Emendatio Libelli Art 383 do CPP Para Além do Insuportável Reducionismo do Axioma Narra Mihi Factum Dabo Tibi Ius Rompendo os Grilhões Axiomáticos Iniciemos pela leitura do art 383 que estabelece a emendatio libelli Art 383 O juiz sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa poderá atribuirlhe definição jurídica diversa ainda que em consequência tenha de aplicar pena mais grave 1º Se em consequência de definição jurídica diversa houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo o juiz procederá de acordo com o disposto na lei 2º Tratandose de infração da competência de outro juízo a este serão encaminhados os autos Primeiro aspecto a ser destacado é que a emendatio libelli não se ocupa de fatos novos surgidos na instrução mas sim de fatos que integram a acusação e que devem ser objeto de uma mutação na definição jurídica O segundo problema está na conjugação do conceito descrição do fato e a possibilidade de o juiz atribuirlhe definição jurídica diversa Infelizmente o senso comum teórico segue afirmando que o réu se defende dos fatos de modo que a emendatio libelli seria uma mera correção na tipificação que o juiz poderia fazer nos termos do art 383 sem qualquer outra preocupação Em parte da doutrina nacional infelizmente é comum encontrarmos afirmações assim no processo penal o réu se defende de fatos sendo irrelevante a classificação jurídica constante na denúncia ou queixa Tratase de aplicação pura do brocado jura novit curia pois se o juiz conhece o direito basta narrarlhe os fatos narra mihi factum dabo tibi ius78 Tal postura peca por reducionismo da complexidade ainda atrelada a uma concepção simplista do processo penal incompatível com seu nível de evolução e dos cânones constitucionais contemporâneos Ademais em muitos casos a correção na tipificação legal decorre na essência do desvelamento de nova situação fática como sói ocorrer vg na mudança de crime doloso para culposo Infelizmente temos de reconhecer que essa postura de que não existe qualquer prejuízo para a defesa na mudança da definição jurídica é a predominante nos tribunais brasileiros Mas o problema é muito mais sério e a crítica fundamental Analisando a necessária correlação entre acusação e sentença SCARANCE FERNANDES79 acertadamente destaca que na realidade o acusado não se defende como normalmente se afirma somente do fato descrito mas também da classificação a ele dada pelo órgão acusatório MALAN80 apontando a necessidade de qualificação jurídica do fato inserida no art 41 do CPP e a consequente inépcia da inicial pela ausência conclui que na contramão de remansosa jurisprudência que o réu se defende tão somente de fatos e sim de fatos qualificados juridicamente GIACOMOLLI81 vai além da crítica para afirmar categoricamente não encontra suporte no devido processo legal o art 383 do CPP Dessarte não se pode mais fazer uma leitura superficial do art 383 do CPP e principalmente desconectada da principiologia constitucional É elementar que o réu se defende do fato e ao mesmo tempo incumbe ao defensor também debruçar se sobre os limites semânticos do tipo possíveis causas de exclusão da tipicidade ilicitude culpabilidade e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal É óbvio que a defesa trabalha com maior ou menor intensidade dependendo do delito nos limites da imputação penal considerando a tipificação como a pedra angular em que irá desenvolver suas teses O conceito de fato para o Direito Penal e para o processo penal também é relevante pois82 o fato para o direito processual penal confundese com o fato concreto ou seja aquele acontecimento da vida real e indivisível o fato para o direito penal relacionase com o tipo penal abstrato ou seja aquela descrição hipotética feita pelo legislador e que constitui o tipo penal Essa distinção será útil para analisarse em que medida é possível a alteração do fato sem que isso conduza a uma mutação da pretensão acusatória objeto do processo penal A acusação imputação deve ser clara e individualizados os fatos e a participação de cada réu Mas não podemos esquecer que a qualificação jurídica do fato também é elemento imprescindível da acusação pois assim determina o art 41 ao categoricamente exigir que a denúncia ou queixa contenha a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo a classificação do crime e quando necessário o rol das testemunhas Com isso evidenciase que o fato processual é mais amplo que o fato penal pois abrange o acontecimento naturalístico com todas as suas circunstâncias e também a classificação do crime exigência do art 41 ou seja fato processual fato natural fato penal A maior abrangência conceitual faz com que mudanças fáticas irrelevantes para o Direito Penal sejam totalmente relevantes para a definição do fato processual exigindo cuidados para que se produza a mutação sem gerar uma sentença incongruente A costumeiramente tratada como mera correção da tipificação legal não é tão inofensiva assim pois modifica o fato penal e por conseguinte o fato processual Um dado acidental para o tipo penal como a existência de uma agravante por exemplo é muito relevante para o fato processual afetando diretamente o objeto do processo penal Da mesma forma elementos completamente irrelevantes para o Direito Penal podem ser da maior importância para o fato processual e a sentença basta ver que para o Direito Penal é típica a conduta de matar alguém pouco importando se com essa ou aquela arma neste ou naquele dia ou local Contudo ninguém diria ser irrelevante para a correlação acusaçãosentença o fato de a vítima ter morrido hoje ou um mês antes no Rio de Janeiro ou em São Paulo a tiros ou facadas Evidenciase que tais alterações ainda que irrelevantes para o fato penal são de grande significado probatório podendo sua prova representar a absolvição ou condenação do réu Essas são questões fáticas absolutamente determinantes na imputação na produção da prova no debate e na sentença Enfim para o contraditório e o próprio desfecho do processo Mais grave nos parece a situação quando a denúncia descreve no bojo da acusação vários fatos mas não faz a devida capitulação legal de algum deles e ainda assim o juiz julga e condena o réu Na verdade estamos diante de uma denúncia inepta pois não descreve o fato e faz a devida classificação do crime como exige o art 41 não cabendo a condenação em relação a ele Seguindo o estudo se mudanças no fato processual podem ser irrelevantes para o direito penal o sentido inverso não é verdadeiro Como explica BADARÓ83 a alteração do fato que se mostre relevante penalmente sempre o será para o processo penal visto não ser possível condenar alguém sem que o fato concreto imputado apresente todos os elementos que abstratamente integram o tipo penal salvo é claro na hipótese de eliminação de um determinado dado fático que implique atipicidade relativa As chamadas questões de direito estão intimamente vinculadas ao fato penal e portanto estão abrangidas pelo conceito de fato processual devendo o juiz ainda que o art 383 não exija oportunizar às partes que se manifestem sobre a possibilidade ou não de uma modificação na qualificação jurídica No mesmo sentido BADARÓ84 é enfático não há previsão legal em nosso ordenamento nesse sentido mas o princípio do contraditório assim o exige MALAN também se posiciona nessa linha advertindo que embora o art 383 não determine expressamente devese abrir vista às partes para manifestação após a aplicação da emendatio libelli Ademais não há que se esquecer que a distinção entre questões de fato e questões de direito é bastante tênue chegando à inexistência em situações complexas Tampouco nos parece adequada a expressão questões de direito quando do que se trata é de crime logo a própria antítese do direito Isso é mais um fruto da teoria geral do processo equivocada por essência Então melhor é tratar da questão na dimensão de fato penal e fato processual penal em que como explicamos alterações na dimensão material acarretam inegavelmente reflexos no campo processual85 Dessarte ainda que o Código não exija a Constituição o faz existindo um verdadeiro dever do juiz de provocar o prévio contraditório entre as partes sobre qualquer questão que apresente relevância decisória seja ela processual ou de mérito de fato ou de direito prejudicial ou preliminar O desrespeito ao contraditório sobre as questões de direito expõe as partes ao perigo de uma sentença de surpresa86 e como veremos nula Problemas ainda podem surgir em relação à iniciativa da ação penal diante do novo tipo penal resultante da emendatio libelli art 383 nos seguintes termos a Se a nova capitulação legal importar delito ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada a representação e já tiverem passados os 6 meses do prazo legal haverá decadência Não há que se falar em início do prazo decadencial alegando que somente agora a vítima veio a saber quem era o autor Aqui não houve alteração do fato natural sabendo a vítima desde sempre quem era o autor O problema foi exclusivamente de tipificação legal e como o prazo decadencial não se interrompe ou suspende em nenhum caso a decadência terá se operado Não haverá outra decisão possível que não a declaratória da extinção da punibilidade b Em sentido inverso quando o processo inicia através de queixacrime feita pelo ofendido e o juiz procede a emendatio libelli resultando em um tipo penal cuja ação é de iniciativa pública o processo originário deverá ser extinto por manifesta ilegitimidade ativa Mas isso não impede que o Ministério Público ofereça denúncia exceto se já tiver se operado a prescrição o que é muito pouco provável Sendo a ação penal condicionada à representação não há que se falar em decadência ou qualquer outro obstáculo ao exercício da acusação pelo Ministério Público Isso porque como explicamos ao tratar da ação processual penal a representação é uma manifestação de vontade da vítima despida de formalismo que se contenta com a mera notíciacrime Portanto com muito mais razão quando a vítima faz uma queixacrime Em outras palavras a queixacrime ajuizada no prazo legal supre a representação cuja necessidade nasceu com a nova tipificação decorrente da emendatio libelli Mas devese ter muita cautela nessa matéria pois a mera redução do fato na sentença em razão da falta de provas de sua ocorrência não gera uma sentença incongruente pois existem casos de desclassificação que não exigem a mutatio libelli Explicamos se não existe alteração do objeto especificamente do elemento objetivo pois a sentença se limitou a julgar o fato imputado e apenas existem elementos que a instrução não comprovou a ocorrência não há problemas Exemplos87 1 Quando é imputada a prática de peculato a alguém e no curso da instrução comprovase que o agente não é servidor público Nesse caso é perfeitamente possível ao juiz condenar o réu por apropriação indébita independentemente de qualquer aditamento exatamente porque não houve alteração do fato narrado na acusação 2 A denúncia atribui a alguém a prática de um crime de roubo pois teria subtraído para si determinada coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça No curso da instrução comprovase a autoria e a subtração mas não logra a acusação demonstrar a ocorrência de violência ou grave ameaça Nesse caso está o juiz autorizado a condenar por furto sem prévia manifestação das partes Em ambos os casos não houve na sentença decisão incongruente mas apenas uma redução da imputação por ausência de provas E como o tipo penal era decomponível possível a condenação por outro delito pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa Para sintetizar a existe alteração processual e penalmente relevante situação em que o aditamento é imprescindível nos termos do art 384 b a alteração é apenas do fato processual sendo penalmente irrelevantes as mutações mas imprescindível a mutatio libelli c não há alteração do fato processual apenas na dimensão da tipificação legal sendo aplicável a emendatio libelli nos termos do art 383 do CPP mas com a exigência de contraditório prévio em relação às questões de direito Noutra dimensão não há incongruência quando ao réu são imputados dois delitos e a sentença condena por um e absolve pelo outro Assim se ao réu é atribuída a prática dos crimes de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro e no curso da instrução não consegue o Ministério Público provar que o réu ocultou ou dissimulou a natureza origem localização disposição movimentação ou propriedade de bens direitos ou valores provenientes da infração penal art 1º da Lei n 9613 com a nova redação dada pela Lei n 126832012 nenhum problema existe na sentença que condena pela sonegação fiscal e absolve pela lavagem de bens direitos e valores Em suma Infelizmente ainda predomina o entendimento da mera correção da tipificação e portanto da aplicação literal do art 383 sem uma análise aprofundada da questão e da necessária conformidade constitucional Portanto a exigência de contraditório aqui sustentada ainda encontra muita resistência no senso comum teórico e jurisprudencial Mas pensamos o processo penal brasileiro não pode mais tolerar a aplicação acrítica do reducionismo contido nos axiomas jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius pois o fato processual abrange a qualificação jurídica e o réu não se defende apenas dos fatos mas também da tipificação atribuída pelo acusador A garantia do contraditório art 5º LV da Constituição impõe a vedação da surpresa pois incompatível com o direito a informação clara e determinada do caso penal em julgamento No que tange ao reducionista argumento de que se trata de mera correção da tipificação adverte GERALDO PRADO88 que supor que o Ministério Público não saiba qualificar juridicamente os fatos apurados na investigação preliminar é estar em rota de colisão com a realidade Ora não se está lidando com um mero burocrata tecnólogo de ensino médio Todo o oposto Ou então teremos de afirmar que ali estão profissionais incompetentes para a função o que obviamente não é o caso Eventuais pontos de vista desde uma perspectiva fática eou jurídica diferentes são inevitáveis mas para isso deverá o juiz alterar a qualificação jurídica ouvidos o acusador e o réu Ainda que a mutatio libelli não seja imprescindível nesses casos pois não existe um fato novo impõese que o juiz atente para a garantia do contraditório e ainda que dispense o aditamento pelo menos oportunize às partes que se manifestem previamente sobre a possível nova tipificação legal atribuível aos fatos ou no mínimo que tenham oportunizada vista para conhecimento e manifestação após a emendatio libelli Por tudo isso um desses dois caminhos deve ser adotado a consultar previamente as partes em nome do princípio constitucional do contraditório89 em que as partes são convidadas a esclarecer o juiz sobre a possível reclassificação do fato b ou se não houver a consulta prévia devem as partes ser intimadas após a emendatio libelli para que em nome do contraditório conheçam e se manifestem sobre a nova classificação jurídica do fato Qualquer das duas possibilidades em que pese sermos adeptos da primeira ameniza ou evita a violação do contraditório O que não se pode mais fazer é a aplicação literal do art 383 sem a necessária conformidade constitucional 44 É Possível Aplicar o Art 383 Quando do Recebimento da Denúncia Iniciemos pelo questionamento de MALAN90 é razoável que a parte acusadora possa impor à Defesa a sua tipificação sem qualquer possibilidade de o juiz mesmo discordando dela se manifestar até o momento da sentença Pensamos que isso não é razoável sem desconsiderar que se trata de uma questão bastante complexa A redação do art 383 não veda expressamente mas situa o instituto no Título destinado à sentença o que numa interpretação sistemática conduziria a limitar sua aplicação a esse momento Por outro lado uma correção a priori literalmente no sentido kantiano de antes da experiência da imputação colocaria em risco a imparcialidade do julgador na medida em que estaria fazendo um pré juízo com o consequente prejuízo do caso penal e ainda afastando a eficácia da presunção de inocência Com tudo isso estamos de acordo Contudo há que se considerar que atualmente existe muito abuso do poder de acusar aproximativo aponta GIACOMOLLI91 do fenômeno da overcharging do sistema de common law acusação excessiva com a finalidade de obter uma vantagem processual ou seja um bom acordo Sintoma disso é o acúmulo de casos em que após a produção da prova houve desclassificação ou improcedência da acusação Numa dimensão patológica é cada vez mais comum vermos nos fóruns acusações visivelmente abusivas com a clara intenção de estigmatizar Muitas vezes fazem verdadeiras manobras de ilusionismo jurídico para por exemplo denunciar por homicídio doloso dolo eventual qualificado recurso que impossibilitou a defesa da vítima o condutor de um automóvel que dirigia em velocidade excessiva ou estava embriagado por exemplo É elementar que estamos diante de um crime grave mas jamais nem por mágica acusatória podemos transformar um homicídio culposo culpa grave consciente até se quiserem em doloso e qualificado Esse absurdo serve para quêm Para criar o rótulo de crime hediondo com toda a carga que isso representa Sem falar no que representa o deslocamento de competência para o Tribunal do Júri com o imenso risco que representa e constitui essa forma de administração da injustiça Em outras situações para afastar do Juizado Especial e de seus institutos mais benéficos Ou ainda para desde logo criar a imagem com todo significado psicanalítico que isso representa em relação ao juiz É o que ocorre ainda na acusação por tráfico quando é evidente que se trata de posse para consumo receptação dolosa quando é claramente culposa ou ainda tipos qualificados em situações em que a qualificadora inequivocamente não é aplicável Portanto ainda que não seja pacífico sustentamos a possibilidade de aplicação do art 383 no momento do recebimento da denúncia com o natural contraditório em relação a essa nova classificação jurídica do fato que já se dará na resposta à acusação Inclusive quanto mais cedo for aplicado o art 383 melhor adverte PRADO pois só assim se garante a máxima eficácia do contraditório e da estrutura acusatória do sistema processual Além da rejeição parcial perfeitamente possível cabe ao juiz em situações excepcionais como essas em que está evidente o abuso acusatório proferir uma decisão de recebo parcialmente a denúncia não pelo delito de homicídio doloso mas sim de homicídio culposo por exemplo Da mesma forma recebo a denúncia mas afasto desde logo a qualificadora por ausência de justa causa em relação a ela As condições da ação devem estar presentes em relação a todos os delitos imputados e no caso de tipo penal qualificado imprescindível a demonstração de fumus commissi delicti em relação à qualificadora Sem isso não se pode denunciar e tampouco o juiz receber No mesmo sentido DUCLERC92 analisa com muito acerto a problemática e como nós advertindo quanto aos riscos reconhece ainda que em alguns casos pode não haver exatamente uma tipificação equivocada mas apenas a carência de justa causa para algumas circunstâncias ou elementares ou qualificadoras que uma vez afastadas poderiam reduzir a acusação a um tipo subsidiário ou a forma simples de um tipo qualificado Se na instrução inclusive for produzida a prova necessária para o tipo qualificado nada impede que se faça o aditamento nos termos do art 384 Assim preferimos correr o risco de um aditamento para incluir uma circunstância ou elementar inicialmente afastada pois naquele momento não existia o mínimo de provas exigido do que trabalhar com o binário reducionista de receber como está ou rejeitar toda a acusação Em suma em que pesem os argumentos expostos no início contrários à aplicação do art 383 do CPP quando do recebimento da denúncia pensamos que nos casos e pelos fundamentos anteriormente expostos há que se admitir tão excepcional medida diante do custo imensamente maior de admitirse uma acusação claramente abusiva 45 Mutatio Libelli Art 384 do CPP O Problema da Definição Jurídica Mais Favorável ao Réu e a Ausência de Aditamento Situação completamente diversa vem disciplinada no art 384 denominada mutatio libelli nos seguintes termos Art 384 Encerrada a instrução probatória se entender cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 cinco dias se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública reduzindose a termo o aditamento quando feito oralmente 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento aplicase o art 28 deste Código 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento 3º Aplicamse as disposições dos 1º e 2º do art 383 ao caput deste artigo 4º Havendo aditamento cada parte poderá arrolar até 3 três testemunhas no prazo de 5 cinco dias ficando o juiz na sentença adstrito aos termos do aditamento 5º Não recebido o aditamento o processo prosseguirá Com o advento da Lei n 117192008 houve uma profunda modificação na sistemática do art 384 do CPP especialmente na correção de um erro histórico que atribuía ao juiz a invocação do Ministério Público Agora corrigida essa falha incumbe exclusivamente ao acusador proceder a mutatio libelli em que pese a previsão contida no 1º de que o juiz poderá aplicar o art 28 enviando o feito ao procuradorgeral caso o promotor fique inerte A aplicação do art 28 é bastante burocrática e não se revela na prática uma boa solução Daí por que dificilmente será utilizada até porque são raríssimos os casos em que os juízes ao receber o pedido de arquivamento lançam mão do art 28 do CPP Para além disso o parágrafo primeiro revelase substancialmente inconstitucional pois é manifesta a violação das regras do sistema acusatório com a utilização do art 28 do CPP No mesmo sentido GIACOMOLLI93 afirma que o art 384 1º do CPP não encontra suporte constitucional e há indevida utilização do art 28 do CPP quando o magistrado o utiliza para fazer um alargamento da acusação O campo de incidência do art 384 é distinto daquele previsto para o art 383 pois aqui existe um fato processual novo ou seja nenhuma dúvida ou discussão se estabelece em torno do binômio fato penalfato processual ou ainda questões de fato e questões de direito A nova definição jurídica decorre da produção de prova de uma elementar ou circunstância não contida da acusação Recordemos que elementar explica GRECO94 são dados essenciais à figura típica sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta não há crime portanto ou relativa É relativa a atipicidade quando pela ausência ou afastamento de uma elementar ocorre a desclassificação para outra figura típica como por exemplo cita o autor o afastamento da elementar funcionário público na imputação de peculato furto art 312 do CP subsiste o delito de furto art 155 Nesse caso específico o afastamento dessa elementar contida na denúncia permite a condenação por furto sem a necessidade de mutatio libelli pois o fato está completamente descrito na denúncia e simplesmente há uma emendatio libelli art 383 sem necessidade de aditamento Há apenas uma redução da imputação por ausência de provas e como o tipo penal era decomponível possível a condenação por outro delito pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa Já as circunstâncias são elementos acessórios satelitários em relação ao tipo penal afetando apenas a dosimetria da pena É o caso das circunstâncias agravantes ou atenuantes que sem afetar a essência do delito influem na aplicação da pena A mutatio libelli seria possível uma vez encerrada a instrução mas algumas considerações devem ser feitas Na nova sistemática estabelecida pela Lei n 117192008 a instrução é una sendo toda feita em uma única audiência Logo é razoável que o aditamento ocorra após o encerramento dessa audiência pois é da prova ali produzida que surge o fato novo Contudo se não for possível manter a unidade da instrução o que é bastante comum com diversas audiências sendo realizadas não vemos nenhum impedimento a que o aditamento seja feito nesse interregno antes do encerramento Isso inclusive facilitaria a própria instrução A iniciativa é exclusiva do Ministério Público e a queixa a que faz menção o artigo não é a originária mas sim a queixa subsidiária art 29 do CPP aquela situação excepcional em que o ofendido em crime de ação penal de iniciativa pública pode propor a queixa diante da inércia do parquet Mas a ação é de iniciativa pública e não perde esse status de modo que o Ministério Público pode retomar a titularidade a qualquer momento inclusive para fazer o aditamento O prazo para o aditamento é de 5 dias teoricamente contados do encerramento da instrução Contudo nos novos ritos ordinário e sumário não há condições para a concessão desse prazo pois encerrada a instrução passase para os debates orais e sentença Logo no momento previsto pelo art 402 ou seja no final da audiência o Ministério Público deverá requerer a abertura do prazo de 5 dias para oferecer o aditamento sob pena de não mais poder fazêlo Mas feito o aditamento será objeto de análise pelo juiz nos mesmos termos em que o é a denúncia podendo ser recebido ou rejeitado nos termos do art 395 do CPP Nesse ato deverá o Ministério Público arrolar até 3 testemunhas O 2º estabelece que ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento Em que pese a redação não ser das melhores pensamos que o juiz deverá abrir o prazo de 5 dias para manifestação escrita da defesa e somente após a resposta da defesa decidir entre receber ou rejeitar o aditamento Quando o Código diz ouvido o defensor e admitido o aditamento está afirmando que primeiro haverá a resposta da defesa e depois a decisão de recebimento e somente se recebido será designada a continuação da audiência com a oitiva das testemunhas arroladas no aditamento e na defesa ao aditamento bem como se procederá ao novo interrogatório do acusado seguindose debates orais e julgamento Notase claramente uma preocupação em não violar o contraditório e o direito de defesa regras cruciais nessa matéria Em relação à nova definição jurídica do fato deverá estar o juiz atento para a possibilidade de suspensão condicional do processo ou redistribuição para outro juiz em caso de alteração da competência É o que pode ocorrer no caso de denúncia por latrocínio e na instrução surgirem fatos novos que indicam a prática de homicídio doloso situação em que o feito será redistribuído para a respectiva vara do Tribunal do Júri E no caso de nova definição jurídica do fato que seja mais favorável ao réu pode o Juiz decidir nessa linha sem prévio aditamento do Ministério Público É uma situação complexa e que surgiu com a nova redação do art 384 Lei n 117192008 que deixou inteiramente nas mãos do Ministério Público a mutatio libelli aditando se quiser Em relação ao sistema anterior andou bem o legislador ao retirar do juiz a iniciativa de invocar o acusador para fazer o aditamento Contudo pode surgir esse problema e se a mutação do fato processual beneficia a defesa e o Ministério Público silencia como deve proceder o juiz Por exemplo o fato descreve uma receptação dolosa e a instrução traz novos elementos fáticos que afastam o dolo mas permitem a punição a título culposo pois demonstrado que o réu não sabia que eram objetos oriundos de crime mas havia uma desproporção entre o valor e o preço que lhe permitia atingir essa consciência Pode o juiz por exemplo condenar por receptação culposa sem prévio aditamento do MP Pensamos que não e para isso sugerimos as seguintes opções diante da inércia do MP o juiz aplica o art 28 solução com a qual não concordamos nos termos do art 384 1º situação em que com o aditamento poderá julgar o crime culposo não havendo o aditamento ou ainda aplicado o art 28 insiste o Ministério Público no não aditamento e afastada a figura dolosa pelo contexto probatório deverá o juiz absolver o réu pois não está demonstrada a tese acusatória Com certeza essa segunda posição irá gerar alguma perplexidade mas é a única processualmente válida pois condenar o imputado por crime culposo é proferir uma sentença incongruente nula portanto Como já explicado anteriormente a regra da correlação não pode ser violada apenas porque aparentemente é mais benigna para o réu Ela está a serviço do contraditório e do sistema acusatório não podendo o juiz alterar de ofício a pretensão acusatória sem grave sacrifício das regras do devido processo penal Evidenciase a maior responsabilidade com que deve agir o Ministério Público titular da pretensão acusatória na nova sistemática sob pena de ser ele o responsabilizado pelas eventuais reclamações de que essa decisão seria geradora de impunidade O que não se pode é violar as regras do devido processo para sanar a negligência e o despreparo do acusador Por fim no estudo do art 384 não se pode esquecer da Súmula n 453 do STF cujo teor é Não se aplicam à segunda instância o art 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa Mesmo tendo sido alterado substancialmente o art 384 a Súmula pode continuar sendo aplicada pois efetivamente não pode haver mutatio libelli em segundo grau sob pena de supressão da jurisdição de primeiro grau Ou seja não há possibilidade de aditamento e inclusão de fato novo após a sentença porque isso violaria todas as regras do devido processo penal na medida em que geraria uma imputação e eventual condenação sem o prévio processo e sem a garantia do juiz natural Na mesma linha o art 617 não recepciona a aplicação do art 384 em grau recursal Infelizmente predomina o entendimento de que o art 383 pode ser aplicado em grau recursal sem qualquer restrição opondose a tudo o que dissemos sobre a emendatio libelli e a necessidade de contraditório 46 Mutações de Crime Doloso para Culposo Consumado para Tentado Autor para Partícipe e ViceVersa Necessidade de Mutatio Libelli Vejamos agora algumas modificações que costumam ocorrer no objeto do processo penal e a forma como devem ser tratadas As alterações feitas na imputação em torno dos elementos subjetivo dolo e normativo culpa afetam a regra da correlação Pensamos que sim pois em regra influem no campo processualprobatório ou seja ambos são objetos de descrição na acusação e exigem a produção de prova para sua confirmaçãonegação A mutação da acusação de doloso para culposo ou viceversa decorre de fatos apurados na instrução ou seja de circunstâncias fáticas das quais está o juiz autorizado a extrair uma decisão neste ou naquele sentido A recusa ao decisionismo faz com que o juiz tenha de fundamentar sua decisão pelo crime culposo ou doloso em cima de prova produzida no processo e ainda refutável pelas partes exigência do contraditório e do sistema acusatório A rigor não cabe a modificação de tipo doloso para tipo culposo sem mutatio libelli com vimos no exemplo anterior da receptação ou ao menos a possibilidade de as partes previamente serem informadas dessa hipótese para que se manifestem sobre a possível desclassificação Ainda que a desclassificação de crime doloso para culposo possa não representar prejuízo95 para a defesa há que se ponderar dois aspectos Primeiro o aparente benefício para o réu pode esvairse se considerarmos que ele foi condenado por uma imputação diversa da qual não se defendeu e principalmente deveria terse permitido defesa em relação ao próprio crime culposo Não há porque conformarse com essa pseudovantagem se considerarmos que o réu tem o direito de se defender da imputação de crime culposo e dela ser absolvido Talvez se lhe tivesse sido oportunizada essa defesa sequer por crime culposo teria sido condenado Há que se ter muito cuidado com o argumento de que toda desclassificação é mais benéfica para o réu e que portanto inexiste prejuízo bem como de que a alteração de doloso para culposo é apenas correção da tipificação legal Tratase de elementos subjetivo e normativo do tipo respectivamente que implicam sim alteração da situação fática Neste sentido é interessante e acertada a seguinte decisão Ementa APELAÇÃO CRIME RECEPTAÇÃO DOLOSA PEDIDO MINISTERIAL DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FORMA CULPOSA PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA MUTATIO LIBELLI VEDADA Uma vez denunciado o réu por receptação dolosa e tendo o agente ministerial titular da ação penal art 129 I CF atuante nesta instância pleiteado a desclassificação para a receptação culposa cujas elementares não estão descritas na denúncia bem como diante da vedação da mutatio libelli neste grau de jurisdição imperativa a absolvição sob pena de ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a sentença o que tornaria a decisão nula porque ultra petita APELAÇÃO DEFENSIVA PROVIDA APELO MINISTERIAL PREJUDICADO POR MAIORIA Apelação Crime 70051607018 5ª Câmara Criminal TJRS Rel Francesco Conti julgado em 30012013 Contudo nossa posição é minoritária96 Como explica OLIVA SANTOS 97 ainda que o resultado seja em aparência favorável ao acusado o certo é que se lhe estaria condenando com a mudança da tipificação sem que tenha tido a oportunidade de oporse Ou seja na essência há violação do contraditório e cerceamento de defesa Logo há que se ter muita cautela nesse terreno e evitar reducionismos excessivos da problemática Em segundo lugar porque o critério fundante da correlação não é o direito de defesa ainda que seja muito importante mas sim o contraditório como bem se preocupou em explicar BADARÓ98 A regra da correlação é antes de tudo uma imposição do contraditório para assegurar o direito de informação e participação das partes como fator legitimante da própria função jurisdicional Basta recordar a síntese de FAZZALARI processo como procedimento em contraditório sendo a decisão construída neste espaço do contraditório pleno A tese defensiva é uma resistência à pretensão acusatória não alterando portanto o objeto mas com ele mantendo uma relação de oposição Sem embargo a tese defensiva determina a relevância ou irrelevância processual de um dado fático que integra o objeto do processo Na mudança de crime consumado para tentado e viceversa tampouco existe uma mera correção da tipificação legal na medida em que estamos diante de situações fáticas completamente diversas que inexoravelmente conduzem à alteração do fato processual e portanto do objeto do processo Em qualquer dos casos imperiosa é a observância do art 384 do CPP sem o que não poderá haver sentença condenatória99 BADARÓ100 chama a atenção ainda para uma mudança que em geral passa despercebida pelos juízes e tribunais a alteração de autor para partícipe e viceversa Ao contrário do senso comum novamente não estamos diante de uma relação de menormaior ou menosmais senão de situações fáticas distintas O fato de o réu ter sido denunciado como autor do delito e posteriormente condenado como partícipe em nada representa uma vantagem ou situação processual legítima É uma mudança que somente pode decorrer de alteração do fato processual exigindo o procedimento previsto no art 384 do CPP sob pena de julgamento extra petita Em suma pensamos que o juiz não pode condenar o imputado alterando as circunstâncias instrumentais modais temporais ou espaciais do delito sem darlhe ampla possibilidade de defesa em relação a esse fato diverso daquele imputado inicialmente101 Mesmo que aparentemente a desclassificação de crime doloso para culposo por exemplo não gere prejuízo para o direito de defesa essa leitura é superficial e desconsidera que o réu também tem o direito de se defender e inclusive ser absolvido da prática do crime culposo Daí por que fundamental a mutatio libelli Situação completamente distinta ocorre quando há apenas uma redução da imputação por ausência de provas e sendo o tipo penal decomponível possível a condenação por outro delito sem a necessidade de aditamento não é caso de mutatio libelli pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa De todas as formas devese dar ouvido à advertência de MALAN102 Caso esteja em dúvida se o fato naturalístico sofreu ou não alteração deve resolvêla a favor da modificação propiciando ao réu a maior amplitude defensiva possível por injunção do princípio universal do favor rei E se o Ministério Público não fizer a mutatio libelli como fica Voltamos à explicação dada no exemplo da receptação culposa ou o juiz aplica o art 28 nos termos do art 384 1º situação em que com o aditamento poderá julgar o crime culposo ou não havendo o aditamento ou ainda aplicado o art 28 insiste o Ministério Público no não aditamento e afastada a figura dolosa pelo contexto probatório deverá o juiz absolver o réu pois não está demonstrada a tese acusatória nos limites da pretensão acusatória Particularmente preferimos não utilizar o art 384 1º que remete para o art 28 pois representa uma violação às regras do sistema acusatório A regra da correlação é garantia de eficácia do contraditório e não pode ser violada apenas porque aparentemente é mais benigna para o réu Ela está a serviço do contraditório e do sistema acusatório não podendo o juiz alterar de ofício a pretensão acusatória sem grave sacrifício das regras do devido processo penal 47 As Sentenças Incongruentes As Classes de Incongruência Nulidade Quando o juiz modifica o fato processual sem observar as regras anteriormente abordadas estamos diante de uma sentença incongruente cujas classes de incongruência103 podem assim ser classificadas104 a incongruência por extra petita Quando o juiz julgar fora do que foi imputado ao réu atua de ofício violando o contraditório e o sistema acusatório Dependendo do caso poderá ainda haver a violação do direito de defesa mas ele é contingencial em relação à configuração da nulidade É uma sentença extra petita aquela em que o juiz sem prévio aditamento do Ministério Público altera o objeto do processo penal ou mais especificamente diante de uma mudança do fato processual não respeita o necessário contraditório e a regra do art 384 do CPP Um exemplo típico de sentença extra petita é a acusação por receptação dolosa e a condenação do réu por receptação culposa sem prévio aditamento do MP Observese que a relação não é de menor a maior pois dolo e culpa não são dois níveis do mesmo elemento senão conceitos completamente distintos e que alteram o fato processual Não é mera alteração da tipificação senão o reconhecimento de uma situação fática diversa daquela descrita na acusação b incongruência por citra petita É quando a sentença fica aquém do que foi pedido não havendo a necessária manifestação judicial acerca da integralidade da pretensão acusatória O juiz dentro do livre convencimento motivado pode condenar ou absolver o réu de toda ou de parte da imputação mas não pode deixar de julgar qualquer dos fatos alegados É incongruente a sentença citra petita que condena o réu pela figura simples sem justificar o afastamento da qualificadora No mesmo erro incide o juiz que diante de vários fatos imputados ao réu condena ou absolve por apenas um ou alguns deles sem julgar a totalidade da acusação Essa violação da regra da correlação demonstra novamente que o instituto está essencialmente a serviço do contraditório e do sistema acusatório pois a sentença será anulada ainda que não tenha ocorrido qualquer prejuízo para a defesa Elementar que para tanto deverá haver recurso do órgão acusador A violação da regra da correlação conduz à nulidade absoluta nos seguintes termos quando a sentença é citra petita o juiz julga menos do que deveria em relação à imputação violando o disposto no art 5º LV da Constituição e gerando a nulidade prevista no art 564 III m do CPP no caso de sentença extra petita o juiz julga fora da imputação violando os arts 5º LV e 129 I da Constituição causando a nulidade prevista no art 564 III a do CPP pois está condenando sem denúncia em relação àquele fato Quanto à extensão da nulidade na sentença em decorrência da violação da regra da correlação há que se analisar caso a caso pois nem sempre a nulidade será total Isso porque se vários são os fatos imputados é perfeitamente possível que o juiz julgue alguns com plena correção e por exemplo apenas em relação a um dos fatos decida extra ou citra petita Nesse caso a nulidade da sentença é parcial e restrita ao fato processual em que se operou a incongruência Em qualquer caso há que se verificar o nível de contaminação 48 Poderia o Juiz Condenar Quando o Ministério Público Requerer a Absolvição O Eterno Retorno ao Estudo do Objeto do Processo Penal e a Necessária Conformidade Constitucional A Violação da Regra da Correlação Questão recorrente ao se tratar da sentença penal condenatória é o disposto no art 385 do CPP que dispõe o seguinte Art 385 Nos crimes de ação pública o juiz poderá proferir sentença condenatória ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição bem como reconhecer agravantes embora nenhuma tenha sido alegada Partindo da construção dogmática do objeto do processo penal com GOLDSCHMIDT verificamos que nos crimes de ação penal de iniciativa pública o Estado realiza dois direitos distintos acusar e punir por meio de dois órgãos diferentes Ministério Público e Julgador Essa duplicidade do Estado como acusador e julgador é uma imposição do sistema acusatório separação das tarefas de acusar e julgar O Ministério Público é o titular da pretensão acusatória e sem o seu pleno exercício não se abre a possibilidade de o Estado exercer o poder de punir visto que se trata de um poder condicionado O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP mediante o exercício da pretensão acusatória Logo o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória isto é o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém Como consequência não pode o juiz condenar sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo Então recordando que GOLDSCHMIDT afirma que o poder judicial de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para que se possa aplicar a pena e mais do que isso é um poder condicionado à existência de uma acusação Essa construção é inexorável se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da Constituição Significa dizer aqui está um elemento fundante do sistema acusatório Portanto viola o sistema acusatório constitucional a regra prevista no art 385 do CPP que prevê a possibilidade de o juiz condenar ainda que o Ministério Público peça a absolvição Também representa uma clara violação do Princípio da Necessidade do Processo Penal fazendo com que a punição não esteja legitimada pela prévia e integral acusação ou melhor ainda pleno exercício da pretensão acusatória Ademais aponta PRADO105 há violação da garantia do contraditório pois esse direito fundamental é imperativo para validade da sentença Como o juiz não pode fundamentar sua decisão condenatória em provas ou argumentos que não tenham sido objeto de contraditório é nula a sentença condenatória proferida quando a acusação opina pela absolvição O fundamento da nulidade é a violação do contraditório artigo 5º inciso LV da Constituição da República grifo nosso Igualmente grave e nula a sentença é a previsão feita na última parte do art 385 do CPP poderá o juiz reconhecer agravantes embora nenhuma tenha sido alegada na acusação Aqui sequer invocação existe Menos ainda exercício integral da pretensão acusatória para legitimar a punição Pior ainda está o juiz literalmente acusando de ofício para poder ele mesmo condenar Ferido de morte está ainda o princípio constitucional do contraditório art 5º LV da Constituição da República Além disso avocará um poder que ele juiz não tem e não deve ter Ferido de morte está o sistema acusatório Violado ainda o princípio supremo do processo 106 a imparcialidade Como consequência fulminados estão a estrutura dialética do processo a igualdade das partes o contraditório etc Tampouco se pode defender o art 385 invocando a mitológica verdade real que já foi por nós suficientemente desconstruída sendo desnecessário repetir os argumentos Dificilmente essa matéria é levada à discussão nos tribunais brasileiros e mais raro ainda é que tratem da problemática de forma adequada ou seja para além do reducionismo do está na lei e basta Daí por que é louvável a decisão proferida pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no RSE 10024057025769001 Rel Des Alexandre Victor de Carvalho publicada em 27102009 EMENTA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS DECRETA DA PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM ALEGAÇÕES FINAIS VINCULAÇÃO DO JULGADOR SISTEMA ACUSATÓRIO I Deve ser decretada a absolvição quando em alegações finais do Ministério Público houver pedido nesse sentido pois neste caso haveria ausência de pretensão acusatória a ser eventualmente acolhida pelo julgador II O sistema acusatório sustentase no princípio dialético que rege um processo de sujeitos cujas funções são absolutamente distintas a de julgamento de acusação e a de defesa O juiz terceiro imparcial é inerte diante da atuação acusatória bem como se afasta da gestão das provas que está cargo das partes O desenvolvimento da jurisdição depende da atuação do acusador que a invoca e só se realiza validade diante da atuação do defensor III Afirmase que se o juiz condena mesmo diante do pedido de absolvição elaborado pelo Ministério Público em alegações finais está seguramente atuando sem necessária provocação portanto confundindose com a figura do acusador e ainda decidindo sem o cumprimento do contraditório IV A vinculação do julgador ao pedido de absolvição feito em alegações finais pelo Ministério Público é decorrência do sistema acusatório preservando a separação entre as funções enquanto que a possibilidade de condenação mesmo diante do espaço vazio deixado pelo acusador caracteriza o julgador inquisidor cujo convencimento não está limitado pelo contraditório ao contrário é decididamente parcial ao ponto de substituir o órgão acusador fazendo subsistir uma pretensão abandonada pelo Ministério Público A decisão analisou com rara sabedoria o problema calcandose com acerto no trinômio pretensão acusatória sistema acusatório contraditório na mesma linha da fundamentação anteriormente exposta Dessa forma pedida a absolvição pelo Ministério Público necessariamente a sentença deve ser absolutória pois na verdade o acusador está deixando de exercer sua pretensão acusatória impossibilitando assim a efetivação do poder condicionado de penar Por último a sentença que condena o réu e de ofício inclui agravantes não alegadas pelo Ministério Público é nula por incongruente Além de violar o sistema acusatório o contraditório e o direito de defesa a aplicação do art 385 é absolutamente incompatível com a pretensão acusatória objeto do processo penal Está ainda em linha de colidência com o disposto no art 41 do CPP que como vimos determina que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias E o que são agravantes senão circunstâncias do delito Como se verá na continuação a sentença que reconhece agravantes não alegadas pelo Ministério Público é extra petita pois se descola da imputação para ir de ofício além da acusação violando numa só tacada as regras da correlação do contraditório e do sistema acusatório Ademais constitui uma modificação indevida do objeto do processo penal Diante da inércia da jurisdição crucial para o sistema acusatório e a garantia da imparcialidade decorrente do ne procedat iudex ex officio não pode o juiz prover sem que haja um pedido e como consequência daí decorre outro princípio o juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A inclusão por parte do juiz de agravantes que não estavam na imputação representa uma indevida modificação no fato processual Portanto inaplicável o art 385 do CPP e quando utilizado conduz a uma grave nulidade da sentença 5 Coisa Julgada Formal e Material Para o estudo da coisa julgada vamos resgatar aqui algumas explicações feitas quando do estudo da exceção de coisa julgada pedindo vênia pela necessária repetição Coisa julgada em sentido literal explica LEONE107 significa cosa sobre la cual ha recaído la decisión del juez expresa por tanto una entidad pasada fija firme en el tiempo a la cual corresponde en clave de actualidad la cosa que debe ser juzgada por eso algunos contraponen a la cosa juzgada la cosa que debe ser juzgada Na essência coisa julgada significa decisão imutável e irrevogável significa imutabilidade do mandamento que nasce da sentença108 Para além disso é uma garantia individual prevista no art 5º XXXVI da Constituição estabelecida para assegurar o ne bis in idem ou seja a garantia de que ninguém será julgado novamente pelo mesmo fato Também mereceu disciplina na Convenção Americana de Direitos Humanos cujo art 84 é categórico o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos Portanto a coisa julgada atua em uma dupla dimensão constitucional como garantia individual e processual preclusão e imutabilidade da decisão Em qualquer das duas dimensões no processo penal eis mais um fundamento da inadequação da teoria geral do processo a coisa julgada está posta a serviço do réu ou seja uma garantia do cidadão submetido ao processo penal É a coisa julgada uma construção artificial do Direito seja por exigência política ou de pacificação social mas sempre um artifício a serviço do cidadão evitando que seja novamente processado pelo mesmo fato em outro processo ou seja reexaminado no mesmo processo COUTURE109 explica que la cosa juzgada es en resumen una exigencia política y no propiamente jurídica no es de razón natural sino de exigencia práctica Daí por que no processo penal somente se permite a revisão criminal quando favorável ao réu logo o reexame relativizador da coisa julgada somente se opera pro reo Portanto sublinhese qualquer mitigação dos efeitos da coisa julgada somente poder ser feita em favor da defesa110 Por isso somente a sentença penal absolutória faz coisa soberanamente julgada na medida em que a sentença condenatória pode ser a qualquer momento revista através da revisão criminal Seguindo a clássica distinção a coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira Primeiramente a decisão é irrecorrível ou tornase preclusa coisa julgada formal e após vem a imutabilidade da decisão ou seja a produção exterior de seus efeitos coisa julgada material Quando não há análise e julgamento sobre o mérito ou seja sobre o fato processual ou caso penal a decisão faz coisa julgada formal mas não produz coisa julgada material ou seja é imutável no próprio processo após a fluência do prazo sem a interposição de recurso ou pela denegação do eventual recurso interposto é claro sem que exista a produção exterior de seus efeitos Por outro lado quando há uma sentença de mérito em que se julga efetivamente o caso penal condenando ou absolvendo o réu existe coisa julgada formal no primeiro momento imutabilidade interna ou endoprocedimental e após produzse a coisa julgada material com a imutabilidade dos efeitos da sentença Também as decisões declaratórias de extinção da punibilidade prescrição perdão etc produzem coisa julgada formal e material fulminando o poder punitivo estatal e impedindo novo processo ou o seu reexame É a consagrada lição de LIEBMAN111 de que a coisa julgada não é o efeito ou um efeito da sentença mas uma qualidade e um modo de ser e de manifestarse de seus efeitos É algo que se agrega a tais efeitos para qualificálos e reforçálos em um sentido bem determinado Não há que se confundir uma qualidade dos efeitos da sentença com um efeito autônomo dela e nisto consiste a autoridade da coisa julgada que se pode precisamente definir como a imutabilidade do mandamento proveniente da sentença Não se identifica com a definitividade ou intangibilidade do ato que pronuncia o mandamento é em câmbio uma qualidade especial mais intensa e mais profunda que afeta o ato e inclusive seu conteúdo e o torna desse modo imutável não só no seu aspecto formal mas também dos efeitos desse mesmo ato Seguindo o autor a coisa julgada formal e material pode ser pensada como os degraus da escada ou seja o primeiro degrau seria a produção da coisa julgada formal dentro do processo através da impossibilidade de novos recursos Superado o primeiro degrau pode a coisa julgada ser material atingir o segundo degrau nível em que os efeitos vinculatórios da decisão extrapolam os limites do processo originário impedindo novos processos penais sobre o mesmo caso ou seja tendo como objeto o mesmo fato natural e o mesmo réu sendo assim imutável A coisa julgada serve para que um processo alcance uma certeza básica para o cumprimento a irrevogabilidade dimensão interna ou efeito intraprocessual de um lado e de outro a eficácia frente a eventuais discussões posteriores em torno do que foi resolvido no processo112 dimensão externa Explica ROXIN113 que com os conceitos de coisa julgada formal e material são descritos os diferentes efeitos melhor qualidade da sentença sendo que a coisa julgada formal se refere a inimpugnabilidad de uma decisión en el marco del mismo proceso denominado pelo autor efecto conclusivo ao passo que a coisa julgada material provoca que a causa definitivamente julgada não possa ser novamente objeto de outro procedimento pois o direito de perseguir penalmente está esgotado efeito impeditivo A coisa julgada no processo penal é peculiar pois somente produz sua plenitude de efeitos coisa soberanamente julgada quando a sentença for absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois nesses casos não se admite revisão criminal contra o réu ou pro societate ainda que surjam novas provas cabais da autoria e materialidade114 Tratase de uma opção democrática fortalecimento do indivíduo de cunho políticoprocessual de modo que uma vez transitada em julgado a sentença penal absolutória em nenhuma hipótese aquele réu poderá ser novamente acusado por aquele fato natural A coisa julgada no processo penal é essencialmente uma garantia do réu somente atingindo máxima eficácia na sentença absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade Já a sentença condenatória por ser passível de revisão criminal a qualquer tempo inclusive após a morte do réu art 623 do CPP jamais produzirá uma plena imutabilidade de seus efeitos Quando ocorre somente a coisa julgada formal dizse que houve preclusão já o trânsito em julgado conduz à coisa julgada material e somente se produz nos julgamentos de mérito As decisões de natureza processual como pronúncia impronúncia ou dependendo do caso de rejeição da denúncia art 395 do CPP por não implicarem análise de mérito somente conduzem a coisa julgada formal ou seja mera preclusão das vias recursais 51 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada Os limites objetivos dizem respeito ao fato natural objeto do processo e posterior sentença não interessando a qualificação jurídica que receba Como explica CORTÉS DOMÍNGUEZ115 o princípio do ne bis in idem é uma exigência da liberdade individual que impede que os mesmos fatos sejam processados repetidamente sendo indiferente que eles possam ser contemplados desde distintos ângulos penais formais e tecnicamente distintos É importante ressaltar que na coisa julgada o foco é diferente da problemática vista na correlação Lá importava o conceito de fato processual englobando o fato penal e o natural Aqui a situação é distinta pois ainda que se possa falar em fato processual o que realmente importa é o fato natural Para os limites da coisa julgada interessa a complexidade fática decidida independentemente da definição jurídica que receba pois o que se busca é evitar que o réu seja acusado de um determinado fato cuja definição jurídica foi recusada pelo juiz que o absolveu no final Pode o acusador fazer uma nova acusação tendo como objeto o mesmo fato natural mas com diferente tipificação Não pois existe coisa julgada Assim evidenciase que a coisa julgada busca proteger o réu do bis in idem ou seja nova acusação pelo mesmo fato ainda que diverso seja o nome jurídico a ele atribuído Então não existe contradição agora com a exposição anterior Lá na correlação a situação é diversa Assim recordemos que fato processual fato penal fato natural Mas no estudo da coisa julgada o ponto nevrálgico é o fato natural e o imputado Como decorrência a coisa julgada proíbe que exista uma nova acusação em relação ao mesmo fato natural116 ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em face do mesmo imputado que já foram objeto de processo anterior Novamente o que se busca é evitar um bis in idem de processos e de punições em relação ao mesmo fato Dessarte essa impossibilidade de que alguém venha a ser novamente processado pelo mesmo fato é considerado o efeito negativo da coisa julgada Noutra dimensão estão os limites subjetivos da coisa julgada Como explica GÓMEZ ORBANEJA em posição compartilhada por ARAGONESES ALONSO117 a coisa julgada fica circunscrita subjetivamente pela identidade da pessoa do réu e objetivamente pela identidade do fato É importante compreender a vinculação entre os limites objetivos com os limites subjetivos da coisa julgada que vêm dados pela identidade do imputado ou imputados Ou seja impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Como explica MAIER118 para que a regra da coisa julgada funcione e produza seu efeito impeditivo característico a imputação tem de ser idêntica e isso somente ocorre quando tiver por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa Assim nada impede que outras pessoas sejam acusadas pelo mesmo fato seja porque se demonstrou a participação ou coautoria ou ainda porque o réu foi absolvido ou ainda que o réu seja novamente processado por outros fatos criminosos praticados 52 Algumas Questões em Torno da Abrangência dos Limites da Coisa Julgada Circunstâncias e Elementares não Contidas na Denúncia O Problema do Concurso de Crimes Concurso Formal Material e Crime Continuado Crime Habitual Consumação Posterior do Crime Tentado O efeito negativo da coisa julgada a impedir uma nova acusação por aquele fato está intimamente relacionado com o objeto do processo penal e representa uma continuação da imutabilidade do objeto do processo penal como anteriormente explicamos no princípio da correlação mas possui uma abrangência maior pois todo o fato deve ser imputado na acusação Não há que se esquecer que a ação penal de iniciativa pública regese pelo princípio da obrigatoriedade e indisponibilidade não podendo o Ministério Público por sua conveniência deixar fatos de fora da denúncia Como explica BADARÓ119 ao se julgar a imputação ainda que todo o fato naturalístico não tenha sido imputado a coisa julgada irá se formar sobre o acontecimento da vida em sua inteireza o que impedirá a nova imputação sobre o mesmo fato No mesmo sentido PACELLI120 trabalha com a realidade histórica para chegar à mesma conclusão pois se está permitido ao Ministério Público fazer o aditamento da denúncia a qualquer tempo não o fazendo também serão alcançados pela coisa julgada os fatos não aditados pois o que faz coisa julgada no juízo criminal é fato tal como efetivamente realizado independentemente do acerto ou equívoco na sua imputação O afetado pela coisa julgada é o fato natural com todas as suas circunstâncias eou elementares tenham sido ou não incluídas na acusação Daí por que se alguém é acusado de furto porque subtraiu determinada coisa alheia móvel de outrem e no curso da instrução surgem provas de que teria ocorrido o emprego de violência deverá o Ministério Público realizar o aditamento nos termos do art 384 Mas não o fazendo estará essa elementar abrangida pela coisa julgada não podendo haver nova acusação ainda que pelo delito de roubo e tampouco uma nova ação penal em que se impute apenas a lesão corporal não incluída no processo anterior Essa elementar violência sempre integrou o fato natural e por erro do Ministério Público não foi objeto da acusação ou aditamento mas isso não tem nenhuma relevância pois em relação a ela também haverá imutabilidade Evidenciase uma vez mais a responsabilidade que deve ter o acusador ao formular a imputação e fazer ou omitir o aditamento necessário Situação interessante ocorreu no julgamento pelo STF do HC 84525MG Rel Min Carlos Velloso j 16112004121 em que entendeu o STF que não havia coisa julgada nesse caso em que houve a extinção da punibilidade pela morte do autor do delito com base em certidão de óbito falsa permitindo se assim fosse retomado o processo Argumentou o ilustre relator que a decisão que reconheceu a extinção da punibilidade é meramente declaratória e portanto não poderia subsistir se o seu pressuposto fosse falso Em última análise o Supremo Tribunal fez uma opção ponderou a garantia da coisa julgada de um lado e o fato de o réu estar se beneficiando de sua conduta ilícita de outro e optou pelo sacrifício da coisa julgada Bastante perigosa sem dúvida essa relativização da garantia constitucional que esperamos não seja banalizada sob pena de esvaziamento de importante conquista democrática e até civilizatória Outros problemas podem surgir ainda em decorrência do concurso de delitos Quando há concurso formal crime continuado ou concurso material devese ter muita cautela na análise do fato natural e a eventual omissão da imputação Por exemplo se Mané mediante uma única ação praticar dois ou mais crimes nos termos do art 70 do Código Penal haverá continência art 77 II do CPP implicando julgamento simultâneo Contudo se por equívoco ou ausência de provas for ele acusado por apenas um dos crimes e após a sentença tanto faz condenatória ou absolutória forem descobertos os demais em relação a eles poderá o réu ser novamente processado A solução é polêmica Há quem defenda que sim pois não há identidade de fatos naturais para constituição da coisa julgada Se condenado a unificação das penas ocorrerá na fase de execução penal nos termos do art 82 do CPP Contudo pensamos que não O concurso formal art 70 do CP ocorre quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes idênticos ou não aplicandose a mais grave das penas cabíveis com o aumento de um sexto até a metade Essa regra não se aplica se os crimes são dolosos e resultam de desígnios autônomos haverá concurso material nesse caso Tratase a exemplo da continuidade delitiva a seguir explicada de uma ficção legal com vistas a beneficiar o réu cuja desconsideração em sede da falta de proteção pela via da coisa julgada conduziria ao esvaziamento de toda legitimação penal construída Assim se mediante uma única ação culposa Mané atropela 4 pessoas que caminhavam pela margem de uma rodovia mas a denúncia descreve apenas 3 dos crimes não poderá após a sentença transitar em julgado ser novamente processado em relação ao fato não abrangido pela denúncia122 Como explica CORDERO123 deve o Ministério Público apresentar a acusação com o fato e todas as suas circunstâncias ou seja que aduza tudo o que se pode apresentar O sistema exclui processos parciais como seriam os julgamentos distintos sobre delitos concorrentes em um só episódio determinado pela conduta Em síntese una vez el hecho es juzgado todas sus circunstancias lo son igualmente No mesmo sentido ARMENTA DEU 124 é enfática parece claro que se no primeiro processo não se apreciou o concurso apresentandose a ação punível como subsumível apenas em um tipo penal a coisa julgada protegerá de outro processo no qual se tipificam os fatos de forma distinta mas em concurso com aquele Situação igualmente difícil é a definição do alcance da coisa julgada no caso de continuidade delitiva LEONE125 faz uma distinção entre os delitos cometidos antes da persecução penal incluindo a fase pré processual e que não foram objeto da acusação e sentença mas que integraram aquela continuidade delitiva e aquelas condutas praticadas após o agente ter conhecimento da atuação estatal investigação ou processo Em relação a esse último caso afirma que se esgota o desígnio inicial ao que se vinculam os fatos deduzidos no processo Ou seja não há produção da coisa julgada em relação a eles Distinto é o cenário quando existem condutas praticadas no mesmo período de tempo abrangido pela continuidade mas que não foram objeto da acusação Assim suponhamos que alguém seja condenado por furto continuado por subtrair veículos na mesma cidade nos meses de janeiro fevereiro abril e junho de 2011 Após o trânsito em julgado da decisão é oferecida denúncia referente a furto de veículos nos meses de março e maio daquele mesmo ano 2011 Se esses fatos tivessem sido incluídos na denúncia anterior teriam sido julgados da mesma forma ou seja como crime continuado Estão abrangidos pela coisa julgada Pensamos que sim A continuidade delitiva é uma unidade delitiva por ficção normativa ou seja nos termos do art 71 do CP aplicase a pena de um só dos crimes ainda que tenham sido várias as ações ou omissões praticando assim dois ou mais crimes da mesma espécie se idênticas ou a mais grave se diversas aumentandose a pena de um sexto a dois terços Esse tratamento diferenciado e mais benigno ao réu é o que funda a existência do crime continuado e não pode ser fraudado pelo simples argumento de que algum ou alguns dos fatos integrantes daquela cadeia fática não foram objeto da acusação Ao acusador tomando por base os mecanismos de investigação à disposição do Estado incumbe oferecer a acusação por todas as condutas praticadas até porque a ação penal é obrigatória e indivisível Como aponta LEONE126 si el delito continuado es un instituto inspirado en sentimientos de equidad a favor del reo tendiente a evitar la aplicación del rigor del concurso al dejarse independientes las dos acciones se vendría a disolver la sustancia el fundamento y la finalidad de él y se caería en los excesos de la teoría anteriormente examinada No mesmo sentido por nós defendido mas indo além na dimensão temporal ARMENTA DEU 127 sustenta que no crime continuado a coisa julgada abarca todos os comportamentos homogêneos desde a primeira ação contemplada no primeiro processo até o momento preclusivo de aportação dos fatos nesse mesmo processo ou seja até a sentença Ainda invocando as lições de GÓMEZ ORBANEJA leciona CORTÉS DOMÍNGUEZ128 que desde o ponto de vista do Direito Processual e dos limites objetivos da coisa julgada devese sustentar que ela afeta não só todos os fatos que foram objeto da acusação e processo senão também a todos aqueles realizados com anterioridade ao processo ainda que não tiverem sido objeto da acusação e tivessem sido descobertos posteriormente Quanto ao crime habitual em que sua constituição exige várias ações com uma unidade substancial de fatos caracterizada pela habitualidade há sim produção do efeito impeditivo da coisa julgada material Isoladamente os fatos são atípicos Daí por que se alguém for acusado de exercício ilegal da medicina art 282 do CP crime que exige a habitualidade para sua configuração e após a sentença penal condenatória transitar em julgado forem descobertos novos fatos ocorridos naquele mesmo período de tempo não poderá ser o agente novamente acusado O crime somente se configura se presente a habitualidade de modo que os fatos posteriormente descobertos mas ocorridos naquele mesmo período estão abrangidos pela punição ARMENTA DEU129 explica que no crime habitual considerando que são várias as ações que se castigam em uma unidade substancial de fato a coisa julgada afeta todos os fatos que possam constituir objeto da habitualidade Também do crime habitual se ocupou LEONE130 afirmando que as outras ações de mesma índole descobertas posteriormente mas realizadas no mesmo período de tempo e contra o mesmo sujeito passivo ao constituir um fragmento do fato complexo julgado não serão suscetíveis de novo julgamento Mas segue o autor en cabio un hecho distinto no hay razón para precluir el ejercicio de una nueva acción penal así si se descubriesen otras acciones cometidas en tiempo más remoto y muy separadas cronológicamente del hecho juzgado Assim se após a sentença o réu vier novamente a praticar habitualmente a conduta descrita no tipo esse novo conjunto de ações constituirá um novo crime não atingido pela coisa julgada Também não está alcançado pela coisa julgada o exercício de outro conjunto de crimes cometidos anteriormente e que por si só constituam um crime habitual Em suma em linhas gerais a eficácia da coisa julgada em relação aos crimes habituais recebe o mesmo tratamento da continuidade delitiva Completamente diferente é o tratamento em caso de concurso material pois aqui não há que se falar em eficácia da coisa julgada Poderá o réu ser novamente processado pelos fatos não incluídos na primeira acusação pois completamente distintos Noutra dimensão devese analisar se a coisa julgada impede novo processo quando houver a produção posterior de resultado mais grave Por exemplo se A for acusado de tentativa de homicídio porque em determinado local e data desferiu tiros contra a vítima B não tendo o resultado morte se produzido por motivos alheios à sua vontade Se a vítima morrer em decorrência dos ferimentos e o réu ainda não tiver sido julgado deverá o Ministério Público promover o aditamento nos termos do art 384 do CPP Contudo quando sobrevier sentença transitada em julgado seja absolutória ou condenatória pensamos que a coisa julgada impedirá novo processo Haveria bis in idem submeter o réu a novo processo e a exceção de coisa julgada deve ser oferecida pois há identidade substancial do fato natural e também do imputado Assim deve ser reconhecido o efeito impeditivo inerente à coisa julgada material pelos mesmos postulados de política processual que impedem revisão criminal pro societate e portanto contra o réu Do contrário estaria sendo criada uma situação de pendência em que mesmo após o trânsito em julgado o réu poderia a qualquer tempo voltar a ser processado agora por delito consumado em caso de morte da vítima Os mesmos fundamentos de necessária estabilidade das decisões e de que as situações penais tenham uma solução definitiva fazem com que a coisa julgada produzida em relação ao delito tentado impeça novo processo em caso de posterior consumação Na mesma linha encontrase ainda a imutabilidade da sentença absolutória nula Como se verá ao tratar das nulidades a sentença penal absolutória mesmo que absolutamente nula uma vez transitada em julgado produz plenamente os efeitos da coisa julgada material não mais podendo ser alterada Por fim a coisa julgada poderá ser conhecida pelo juiz a qualquer tempo extinguindo o feito com a sua comprovação Não o sendo a exceção poderá ser arguida pela parte passiva no prazo da resposta à acusação do art 396A mas nada impede que o faça a qualquer tempo sendo processada em autos apartados nos termos do art 111 cc 396A 1º do CPP Da decisão que julgar procedente a exceção caberá Recurso em Sentido Estrito art 581 III do CPP Em sendo reconhecida a coisa julgada de ofício pelo juiz o recurso cabível será apelação art 593 II do CPP Sendo rejeitada a exceção de coisa julgada não caberá recurso algum Contudo nada impede que a parte interessada alegue a coisa julgada na preliminar do recurso de apelação interposto contra a sentença condenatória proferida em primeiro grau 1 Explica o autor que dentro da teoria dos valores devese distinguir entre axiologia e axiosofia A axiologia tem por objeto a estrutura formal do reino dos valores a delimitação de cada valor a relação entre os diversos valores assim como as leis formais que governam cada valor A axiosofia em troca enfoca os conteúdos dos valores A axiologia é referida a valores a axiosofia é estimativa Op cit p 18 e ss 2 GOLDSCHMIDT Werner La Ciencia de la Justicia Dikelogía Buenos Aires Depalma 1986 prólogo 3 La Ciencia de la Justicia Dikelogía cit p 189 4 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 28 5 Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 7 e ss 6 OST François O Tempo do Direito Lisboa Piaget 1999 p 9 e ss 7 ALMEIDA PRADO Lidia Reis O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial Campinas Millenium 2003 p 124 8 FERRAJOLI Derecho y Razón Teoria del Garantismo Penal 2 ed Madri Trotta 1997 p 22 e ss 9 Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada Granada n 2 1999 p 55 10 Idem ibidem p 59 11 DAMÁSIO António O Erro de Descartes São Paulo Companhia das Letras 1996 p 279 12 Idem ibidem p 280 13 Por tudo conferir ANTÓNIO DAMÁSIO O Erro de Descartes op cit 14 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 282 15 Cf ALMEIDA PRADO Lídia Reis O Juiz e a Emoção cit p 110 A expressão sombra está empregada no sentido de lado esquecido desvalorizado ou reprimido Sobre o tema consultese o que explicamos anteriormente no tópico A toga e a figura humana do julgador no ritual judiciário da dependência à patologia 16 Derecho y Razón teoría del garantismo penal 2 ed Madrid Trotta 1999 p 540 17 Entrevista conduzida por RUI CUNHA MARTINS com FERNANDO GIL acerca dos Modos da Verdade Revista de História das Ideias Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra v 23 2002 p 15 e ss 18 No prólogo da obra de Ferrajoli p 17 19 Derechos y Garantias la ley del más débil Madrid Trotta 1999 p 21 20 Idem ibidem 21 Derechos y Garantias la ley del más débil cit p 23 22 Idem ibidem p 24 23 MAZZUOLI Valerio de Oliveira O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis 3 ed São Paulo RT 2013 24 Tomamos emprestada a enigmática pergunta de Agostinho Ramalho Marques Neto O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática o juiz cidadão Revista da ANAMATRA São Paulo n 21 p 3050 1994 25 Teoria do Ordenamento Jurídico Trad Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Brasília Polis 1991 p 119 e ss 26 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 24 27 MARQUES NETO Agostinho Ramalho O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática o juiz cidadão Revista da ANAMATRA São Paulo n 21 p 3050 1994 28 PEREIRA LEAL Rosemiro Teoria Processual da Decisão Jurídica São Paulo Landy 2002 p 14 29 MIRANDA COUTINHO Jacinto Nelson Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os Operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 188 30 SILVA FRANCO Alberto O Juiz e o Modelo Garantista Doutrina do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais disponível no site do Instituto wwwibccrimcombr em março de 1998 31 A expressão é de WARAT apud STRECK e bem retrata o conjunto de crenças e valores do discurso manualístico que impregna nossos tribunais Valores e conceitos são repetidos ao longo de anos sem maior questionamento ou reflexão por parte dos operadores jurídicos retratando um perigosíssimo conformismo Exemplo típico dessa postura repetidora do saber comum é a paixão arrebatadora por parte de alguns juízes pelos repertórios de jurisprudência Invocar a jurisprudência pacífica reiteradas decisões de tal tribunal etc é considerado por eles como fundamentação Como explica STRECK Lenio Luiz Tribunal do Júri 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 1998 p 51 com esse tipo de procedimento são ignorados o contexto histórico e social no qual estão inseridos os atores jurídicos acusado vítima juiz promotor advogado etc bem como não se indaga e tampouco se pesquisa a circunstância da qual emergiu a ementa jurisprudencial utilizada Afinal de contas se a jurisprudência torrencialmente vem decidindo que ou a doutrina pacificamente entende que o que resta fazer Consequência disso é que o processo de interpretação da lei passa a ser um jogo de cartas marcadas Ainda se acredita na ficção da vontade do legislador do espírito do legislador da vontade da norma 32 STRECK Lenio Luiz A Aplicação dos Princípios Constitucionais Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 204 33 MESSUTI Ana O Tempo como Pena São Paulo RT 2003 p 43 34 Idem ibidem 35 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 280 36 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 282 37 Citado por ALMEIDA PRADO Lídia Reis O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial cit p 14 38 BRUM Nilo Bairros de Requisitos Retóricos da Sentença Penal São Paulo Revista dos Tribunais 1980 p 7 39 BOSCHI José Antônio Paganella A Sentença Penal Revista de Estudos Criminais n 5 Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 65 40 Seria reducionismo citar alguma passagem pontual de Lenio STRECK pois não daria a real dimensão do seu pensamento Daí por que é imprescindível a leitura integral entre outras da obra O que é Isto Decido conforme a minha consciência Porto Alegre Livraria do Advogado 41 Imprescindível a leitura da obra Sentença Penal a bricolage de significantes de ALEXANDRE MORAIS DA ROSA publicada pela Editora Lumen Juris 42 QUEIROZ Paulo Direito Penal parte geral 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 52 43 Remetemos à clara e precisa exposição feita por PAULO QUEIROZ na obra Direito Penal cit p 51 e ss 44 Idem ibidem p 64 45 QUEIROZ Paulo Direito Penal cit p 52 46 Idem ibidem 47 Idem ibidem p 55 48 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional 6 ed Coimbra Almedina 1996 p 229 49 Sempre recordando que essa é uma obra assumidamente introdutória e que não tem por objeto o estudo de toda a complexa principiologia constitucional ou mesmo de hermenêutica 50 MORAES Alexandre Direito Constitucional 13 ed São Paulo Atlas 2003 p 47 e ss 51 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional cit p 230 52 Teoria do Ordenamento Jurídico cit p 158 53 Derechos y Garantías la ley del más débil cit p 26 54 STRECK Lenio na Apresentação da obra Hermenêutica Constitucional de Laurence Tribe e Michael Dorf publicada pela Editora Del Rey 2007 p XV 55 TRIBE Laurence e DORF Michael Hermenêutica Constitucional Belo Horizonte Del Rey 2007 p 3 56 COUTINHO Jacinto Nelson Dogmática Crítica e Limites Linguísticos da Lei In Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Martonio Montalverne Barreto Lima Orgs Diálogos Constitucionais Rio de Janeiro Renovar 2006 p 225232 57 COUTINHO Jacinto Nelson Dogmática Crítica e Limites Linguísticos da Lei cit p 225232 58 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes cit p 277 59 COUTINHO Jacinto Nelson A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 p 143 60 PEREIRA LEAL op cit p 6869 61 Idem ibidem p 85 62 Idem ibidem p 124 63 PEREIRA LEAL op cit p 125 64 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 300301 65 Idem ibidem p 301 66 NASSIF Aramis Sentença Penal O Desvelar de Themis Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p XXI 67 Entre outros TOURINHO FILHO op cit v 4 p 239 68 OLIVA SANTOS Andrés et al Derecho Procesal Penal 8 ed p 547 69 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 264 70 Neste sentido muito bem decidiu o STJ no REsp 1185542RS Rel Ministro GILSON DIPP 5ª Turma julgado em 14042011 DJe 16052011 PENAL RECURSO ESPECIAL HOMICÍDIO REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA ART 387 IV DO CPP PEDIDO FORMAL E OPORTUNIDADE DE PRODUÇÃO DE CONTRAPROVA AUSÊNCIA OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA RECURSO DESPROVIDO I O art 387 IV do Código de Processo Penal na redação dada pela Lei 11719 de 20 de junho de 2008 estabelece que o Juiz ao proferir sentença condenatória fixará um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido II Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a aplicação do valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima porque a questão não foi debatida nos autos III Se a questão não foi submetida ao contraditório tendo sido questionada em embargos de declaração após a prolação da sentença condenatória sem que tenha sido dada oportunidade ao réu de se defender ou produzir contraprova há ofensa ao princípio da ampla defesa IV Recurso desprovido 71 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 111 72 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença São Paulo RT 2001 p 87 73 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 114 74 ARAGONESES ALONSO Pedro Sentencias Congruentes Pretensión Oposición y Fallo Madrid Aguilar 1957 p 87 75 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 37 76 Idem ibidem p 32 77 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1963 v 2 p 252 78 CAPEZ Fernando Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva p 424 79 SCARANCE FERNANDES Antonio A Mudança do Fato ou da Classificação no Novo Procedimento do Júri Boletim do IBCCrim n 188 julho2008 p 6 80 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 178 81 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 107 82 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 113 83 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 130 84 Idem ibidem p 163 85 Muito interessante e inspirador é o sistema espanhol cujo art 733 da LECrim e art 7883 no procedimiento abreviado chega ao extremo cuidado de disciplinar a fórmula a ser empregada pelo julgador Artículo 733 Si juzgando por el resultado de las pruebas entendiere el Tribunal que el hecho justiciable ha sido calificado con manifiesto error podrá el Presidente emplear la siguiente fórmula Sin que sea visto prejuzgar el fallo definitivo sobre la conclusiones de la acusación y la defensa el Tribunal desea que el Fiscal y los defensores del procesado o los defensores de las partes cuando fuesen varias le ilustren acerca de si el hecho justiciable constituye el delito de o si existe la circunstancia eximente de responsabilidad a que se refiere el número del artículo del Código Penal Esta facultad excepcional de que el Tribunal usará con moderación no se extiende a las causas por delitos que sólo pueden perseguirse a instancia de parte ni tampoco es aplicable a los errores que hayan podido cometerse en los escritos de calificación así respecto de la apreciación de las circunstancias atenuantes y agravantes como en cuanto a la partición de cada uno de los procesados en la ejecución del delito público que sea materia de juicio Si el Fiscal o cualquiera de los defensores de las partes indicaren que no están suficientemente preparados para discutir la cuestión propuesta por el Presidente se suspenderá la sesión hasta el siguiente día É o chamado planteamiento de la tesis em que o tribunal manifesta a intenção de que as partes lhe ilustrem acerca da possibilidade de o fato constituir outro delito diverso daquele constante na imputação Como explica OLIVA SANTOS Derecho Procesal Penal p 556 el planteamiento de las tesis suscita la oportunidad de defenderse y de debatir contradictoriamente aquello que por no hallarse en las calificaciones no se hubiera tenido ocasión de defender y debatir Lo que se aduce en favor de la concreta postura aquí impugnada es nada menos que el denominado principio acusatorio A preocupação é no sentido de que as partes possam trazer suas alegações para melhor ilustrar o julgador da situação jurídica pois o que aqui se discute é exatamente a possibilidade de alteração na tipificação legal Não há perda da imparcialidade por parte do juiz quando faz o questionamento planteamiento pois não há prejulgamento senão apenas uma possibilidade ventilada ou seja um horizonte decisório desvelado e compartilhado honestamente com as partes através do contraditório Pensamos que na essência não na plenitude esse é um procedimento perfeitamente utilizável no sistema brasileiro sem a necessidade de qualquer alteração legislativa Ventilada a hipótese de nova definição jurídica do fato pelo juiz ou tribunal pois lá o julgamento em primeiro grau é colegiado devem as partes se manifestar sobre a hipótese ventilada Não está o juiz vinculado a essa nova classificação jurídica suscitada podendo julgar nos estritos limites da pretensão acusatória originalmente formulada ou da nova tese Em nome da máxima eficácia do contraditório não se pode inclusive descartar a necessidade de eventual dilação probatória conforme o caso com provas e contraprovas sendo produzidas Por outro lado se mesmo com o planteamiento o Ministério Público insistir em manter a acusação nos termos originários não cabe ao juiz modificar a tipificação legal Somente assim haverá a máxima eficácia do contraditório e demais regras do devido processo penal 86 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 34 87 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 136 88 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 149 89 Situação similar ao planteamiento de la tesis do sistema espanhol anteriormente explicado 90 MALAN Diogo A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 189 91 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 67 92 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 1 2 ed p 250 93 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 108 94 GRECO Rogério Curso de Direito Penal 6 ed Rio de Janeiro Impetus 2007 v 1 p 179 95 Utilizando o argumento da ausência de prejuízo para a defesa com o qual não concordamos está a decisão do STJ proferida no RHC 18100ES 6ª Turma Rel Min PAULO GALLOTTI j 06122007 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS DENÚNCIA POR ESTELIONATO ADITAMENTO PECULATO CONDENAÇÃO PELO CRIME MENOS GRAVE EMENDATIO LIBELLI DEFESA DOS FATOS NARRADOS INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO 1 O aditamento à denúncia limitouse a acrescentar que a paciente tinha conhecimento de ser a corré funcionária pública possibilitando a caracterização do peculato descrito no art 312 do Código Penal que comina sanção mais grave que o estelionato previsto no art 171 3º do mesmo diploma referido anteriormente na inicial acusatória 2 Não restando caracterizado ao final o peculato por falta de provas de que a corré apropriouse de bem de que tinha a posse em razão do cargo levando à desclassificação do crime para o de estelionato e não tendo sido alterada com o aditamento a descrição dos fatos criminosos não é de falar em mutatio libelli 3 É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte de que o réu se defende dos fatos narrados na denúncia não da capitulação legal a eles emprestada 4 Não é de reconhecer qualquer prejuízo à paciente se ela pôde se defender amplamente do fato criminoso que lhe foi imputado e ao final foi condenada como incursa no art 171 3º do Código Penal que prevê pena inferior à do art 312 daquele diploma legal 5 Recurso a que se nega provimento 96 Por honestidade científica citamos o entendimento diverso daquele por nós defendido e com o qual não concordamos mas sustentado pelo STF no RHC 85623SP 1ª Turma Rel Min CARLOS BRITTO j 07062005 EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS RECORRENTE DENUNCIADA PELO CRIME DE PECULATO DOLOSO CAPUT DO ART 312 DO CP E CONDENADA POR PECULATO CULPOSO 2º DO ART 312 DO CP ALEGADA OCORRÊNCIA DE MUTATIO LIBELLI ART 384 DO CPP E NÃO DE EMENDATIO LIBELLI ART 383 DO CPP PRETENDIDA ABERTURA DE VISTA À DEFESA AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À CONDENADA Registrase hipótese da mutatio libelli sempre que durante a instrução criminal restar evidenciada a prática de ilícito cujos dados elementares do tipo não foram descritos nem sequer de modo implícito na peça da denúncia Em casos tais é de se oportunizar aos acusados a impugnação também de novos dados factuais em homenagem à garantia constitucional da ampla defesa Ocorre emendatio libelli quando os fatos descritos na denúncia são iguais aos considerados na sentença diferindo apenas a qualificação jurídica sobre eles incidente Caso em que não se cogita de nova abertura de vista à defesa pois o réu deve se defender dos fatos que lhe são imputados e não das respectivas definições jurídicas Inocorre mutatio libelli se os fatos narrados na denúncia e contra as quais se defendeu a recorrente são os mesmos considerados pela sentença condenatória limitandose a divergência ao elemento subjetivo do tipo culpa dolo Não é de se anular ato que desclassifica a infração imputada à acusada para lhe atribuir delito menos grave Aplicação da parêmia pas de nullité sans grief art 563 do CPP Recurso desprovido 97 OLIVA SANTOS Andres et al Derecho Procesal Penal cit p 562 98 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 125127 99 Em sentido diverso do nosso mas que citamos para conhecimento do leitor EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus Defesa de todos os réus feita pelos mesmos advogados Cerceamento de defesa não configurado diante da inexistência de antagonismo entre as versões dos corréus e pelo fato de nas alegações finais ter sido a conduta do recorrente analisada separadamente Inocorrência de nulidade na ausência de reperguntas por parte da defesa pois tal procedimento é faculdade processual da parte não tendo o condão de macular o processo Desistência das testemunhas de defesa que não implicou em qualquer vício já que as alegações finais basearamse pormenorizadamente na prova produzida Sentença que condenou os réus por crime consumado e não tentado como postulado na denúncia Caso de ementatio libelli e não de mutatio libelli Aplicação do art 383 do CPP Recurso ordinário improvido RHC n 80998MS 1ª Turma do STF Rel Ministra Ellen Gracie j 21082001 100 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 220 101 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 133 102 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 110 103 ARAGONESES ALONSO Pedro Sentencias Congruentes Pretensión Oposición y Fallo cit p 88 e ss 104 Não incluímos no processo penal a sentença ultra petita porque pensamos ser uma categoria inadequada até porque absorvida pela extra petita Não há como o juiz julgar ultra petita sem decidir fora do que foi pedido isto porque o além do pedido no processo penal significa uma mutação no fato processual uma alteração fática Um exemplo apontado pela doutrina como sendo de decisão ultra petita é o seguinte a denúncia imputa ao réu a prática do delito de lesões corporais leves e o juiz sem aditamento procede à condenação por lesões corporais graves Existe uma decisão além do pedido Não a decisão é diversa da imputação Não se trata de uma relação de minusplus pois a lesão grave é um fato penal distinto Não é apenas um mais sentença do que foi pedido senão uma sentença fora do que foi pedido que reconheceu uma alteração fática lesão grave sem o correspondente pedido 105 PRADO Geraldo Sistema Acusatório cit p 116117 106 A expressão é de ARAGONESES ALONSO na obra Proceso y Derecho Procesal cit p 127 107 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1963 v 3 p 320 108 Idem ibidem p 321 109 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil 3 ed Buenos Aires Depalma 1990 p 407 110 DUCLERC Elmir Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 488 111 LIEBMAN Enrico Tullio Efficacia ed Autorità della Sentenza Milano 1962 p 6 e ss 112 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 273 113 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Buenos Aires Del Puerto 2000 p 434 114 Partindo de uma premissa distinta pois defende que o fenômeno da coisa julgada é idêntico no processo civil e no processo penal Ada PELLEGRINI GRINOVER Eficácia e Autoridade da Sentença Penal São Paulo RT 1978 p 56 sustenta que não há diversidade ontológica da coisa julgada na sentença condenatória em relação à absolutória senão apenas uma regulamentação diversa da rescindibilidade 115 Com MORENO CATENA e GIMENO SENDRA na obra Derecho Procesal Penal cit p 626 116 Aquilo que MAIER Derecho Procesal Penal v 1 p 606 chama de hecho como acontecimiento real circunscrito assim a um lugar e momento determinado 117 GÓMEZ ORBANEJA Emilio Derecho Procesal v II p 313 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 317 118 MAIER Julio Derecho Procesal Penal cit p 606 119 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 152 120 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed p 510 121 EMENTA PENAL PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE AMPARADA EM CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA DECRETO QUE DETERMINA O DESARQUIVAMENTO DA AÇÃO PENAL INOCORRÊNCIA DE REVISÃO PRO SOCIETATE E DE OFENSA À COISA JULGADA FUNDAMENTAÇÃO ART 93 IX DA CF I A decisão que com base em certidão de óbito falsa julga extinta a punibilidade do réu pode ser revogada dado que não gera coisa julgada em sentido estrito II Nos colegiados os votos que acompanham o posicionamento do relator sem tecer novas considerações entendemse terem adotado a mesma fundamentação III Acórdão devidamente fundamentado IV HC indeferido 122 Não se descarta que no caso concreto a coisa julgada não alcance o fato criminoso que não foi objeto de acusação mas que se afigura como substancialmente mais grave do que aqueles apurados no processo originário sob pena de se produzir flagrante desproporcionalidade Ademais é a pena do crime mais grave que norteia a dosimetria de modo que se ele não foi incluído no processo não há como sustentar sua absorção no concurso formal 123 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v II p 439 124 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 125 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 358 e ss 126 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 362 Advertimos que essa é uma posição citada pelo autor mas não é por ele adotada 127 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 128 CORTÉS DOMINGUEZ Valentin MORENO CATENA Victor e GIMENO SENDRA Vicente Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 626 129 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 130 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 353 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Dikelogía a ciência da justiça Werner Goldschmidt propõe um debate em torno da justiça nas perspectivas axiológica e axiosófica Alude à deusa Dikè que na mitologia grecoromana é filha de Zeus e Themis irmã da verdade é a justiça do caso concreto que ela traz do Olimpo para a Terra Themis é a deusa da justiça divina personificando a Lei e a organização do Universo é uma matriz mitologênica de onde partiram todas as deusas da justiça Motivação das decisões judiciais serve para controle da racionalidade das decisões judiciais e legitimação do poder exercido O poder judicial somente está legitimado quando exercido conforme as regras do devido processo enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos submetidos ao contraditório e refutáveis Invalidade substancial da norma superada a identificação dos planos da vigência existência com validade distinguese entre as dimensões de validade formal e material Na dimensão formal uma norma existe e é formalmente válida quando observado o regular processo legislativo de sua elaboração Mais relevante e encarregado aos juízes e tribunais está o controle da validade material ou seja a verificação quando de sua aplicação ao caso concreto da conformidade constitucional Significa verificar se no momento da aplicação de determinada norma ao caso não está sendo violado nenhum princípio constitucional ou mesmo a Convenção Americana de Direitos Humanos também é imprescindível fazer um controle judicial da convencionalidade da lei Superação do dogma da completude lógica e o risco do decisionismo superada a concepção de que o sistema jurídico é completo e despido de lacunas e conflitos bem como de que o simples fato de uma lei existir lhe outorgaria automaticamente plena validade abandonase a visão do juiz boca da lei Deve ser assumida a subjetividade no ato de julgar superação do cartesianismo abandonando a ingênua crença de que a decisão judicial é um puro ato de razão O juiz deixa de ser visto como um simples aplicador da lei ao caso concreto para assumir sua dimensão constitucional de quem deve fazer a filtragem constitucional das leis e também eleger os significados válidos da norma fazendo ainda o indispensável juízo de valor sobre as versões trazidas pelas partes ao processo Por outro lado não se pode cair no erro do decisionismo ou seja no outro extremo Não se pode reduzir a sentença a um mero ato de sentir bem como tolerar que o juiz decida apenas conforme a sua consciência pois isso conduziria à ditadura da subjetividade O ato decisório deve ser construído em contraditório segundo as regras do devido processo e vinculado à prova produzida atentando ainda para o espaço constitucional de interpretação os limites semânticos e o próprio princípio da legalidade É a luta pela redução dos espaços impróprios da discricionariedade judicial impedindose que o juiz diga qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck O decisionismo é sinônimo de autoritarismo de decisão ilegítima Eis a questão perene para os hermeneutas a busca incessante pelo equilíbrio entre os extremos 1 ASPECTOS FORMAIS DA DECISÃO os atos jurisdicionais podem ser classificados em a despachos de mero expediente sem cunho decisório e irrecorríveis b decisões interlocutórias simples com mínimo caráter decisório e como regra irrecorríveis c decisões interlocutórias mistas com cunho decisório encerrando o processo sem julgamento do mérito ou finalizando uma etapa do procedimento em regra atacáveis pelo RSE mas há exceções em que cabe apelação d sentenças que podem ser absolutórias próprias ou impróprias aplica medida de segurança condenatórias ou declaratórias sendo em regra impugnáveis pela apelação 2 ESTRUTURA EXTERNA DA SENTENÇA art 381 estruturase em três partes relatório motivação e dispositivo A sentença condenatória deve observar ainda o disposto no art 387 Na sentença condenatória também pode ser fixado um valor indenizatório mínimo desde que exista pedido e observância do contraditório 3 PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO intimamente relacionado com o princípio acusatório e para assegurar a imparcialidade do juiz e o pleno contraditório o espaço decisório está demarcado pela acusação e seu pedido O juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A regra geral é a imutabilidade do objeto do processo penal ou seja da pretensão acusatória Para realizar qualquer modificação devem ser observados os arts 383 emendatio libelli e 384 mutatio libelli Predomina neste tema o a nosso ver superado brocardo narra mihi factum dabo tibi ius segundo o qual o réu se defende dos fatos aduzidos na acusação e não da capitulação jurídica Essa posição é criticável pois desconsidera que o réu também se defende da imputação jurídica tanto que obrigatoriamente deve constar da denúncia ou queixa art 41 IMPORTANTE neste tema é crucial compreender fato natural acontecimento da vida fato penal tipo penal fato processual fato natural fato penal 31 Emendatio Libelli art 383 Neste caso não existem fatos novos mas sim uma mera correção da tipificação legal Não há aditamento agindo o juiz de ofício quando da sentença Para os que defendem a tese de que o réu se defende dos fatos o juiz poderia atribuir uma definição jurídica diversa ainda que em consequência tenha de aplicar uma pena mais grave O conceito de fato processual é imprescindível neste tema evidenciando que sua amplitude conceitual faz com que eventuais mudanças fáticas irrelevantes para o direito penal sejam totalmente relevantes para a definição do fato processual exigindo cuidados para que se produza a mutação sem gerar uma sentença incongruente A costumeiramente tratada como mera correção da tipificação legal não é tão inofensiva assim pois modifica o fato penal e por conseguinte o fato processual A crítica é feita em três dimensões a é reducionista e equivocada a visão de que o réu se defende somente dos fatos pois a ampla defesa também se ocupa da tipificação legal havendo flagrante cerceamento a posterior modificação feita somente na sentença b na maioria das situações em que se usa a emendatio libelli não se trata de mera correção da tipificação mas sim de desvelamento de nova situação fática a exigir aditamento e mutatio libelli como sói ocorrer na mudança de crime doloso para culposo etc c tratase de instituto que não resiste a uma filtragem constitucional pois viola as regras do devido processo penal especialmente no que tange ao princípio acusatório ampla defesa contraditório e princípio da correlação Mera redução da imputação por ausência de provas quando o tipo penal é decomponível o afastamento de uma elementar por falta de provas conduz a atipicidade relativa estando o juiz autorizado a condenar ou absolver pelo crime residual sem necessidade de aditamento ou contraditório pois já se efetivou Exemplos de roubo para furto de peculatofurto para furto etc Não se aplica essa regra na mudança dolosoculposo pois não se trata de mera redução da imputação senão desvelamento de nova situação fática que exige mutatio libelli Conciliando a emendatio libelli com a Constituição para isso dois caminhos podem ser seguidos pelo juiz a consultar previamente as partes em nome do princípio constitucional do contraditório acerca da possível reclassificação do fato a exemplo del planteamiento de la tesis do sistema espanhol b intimar as partes após a emendatio para que em nome do contraditório conheçam e se manifestem sobre a nova classificação jurídica do fato É claro que tais cautelas o aproximariam da mutatio libelli do art 384 mas esse é um caminho inafastável diante das exigências do devido processo penal Por isso estamos alinhados com aqueles que pregam a extinção de tal instituto É possível aplicar o art 383 quando do recebimento da denúncia Em que pese a divergência existente pensamos que excepcionalmente e com vistas a corrigir uma acusação claramente abusiva pode ser admitida a emendatio no início do processo 32 Mutatio Libelli art 384 Ao contrário da situação anterior agora existe um fato processual novo houve a produção de prova de uma elementar ou circunstância não contida na acusação É imprescindível o aditamento feito no prazo de 5 dias assegurando o contraditório e produção de novas provas até 3 testemunhas e novo interrogatório Problema o art 384 1º prevê a aplicação do art 28 quando não há aditamento e o juiz discorda Tal dispositivo é criticado por violar o sistema acusatório a inércia da jurisdição e a imparcialidade do julgador Nova definição jurídica do fato mais favorável ao réu e a inércia do MP considerando que o aditamento é imprescindível em caso de inércia do MP será estabelecida uma situação complexa É o que ocorre na mudança dolosoculposo Não se trata de mera redução da imputação nem simples correção da tipificação A condenação por crime culposo não é uma vantagem para o réu pois ele não se defendeu desta nova imputação violação do contraditório e ampla defesa Exemplo denúncia imputa a prática de receptação dolosa e a instrução demonstra novos elementos fáticos de conduta culposa Não pode o juiz condenar por receptação culposa sem prévio aditamento sentença nula por incongruência Ou o juiz absolve o réu porque não comprovada a tese acusatória nossa posição ou aplica o art 384 1º cc o art 28 do CPP Súmula n 453 do STF não se aplica a mutatio libelli em segundo grau sob pena de supressão de instância e violação do contraditório Contudo a emendatio libelli mera correção da tipificação legal tem sido admitida Mutação de crime doloso para culposo consumado para tentado autor para partícipe são situações em que pensamos ser imprescindível a mutatio libelli com aditamento e contraditório sob pena de incongruência ainda que a decisão seja aparentemente melhor para o réu Contudo o tema não é pacífico e predominam os julgados no sentido de admitir emendatio libelli sem aditamento e contraditório portanto Poderia o juiz condenar quando o MP pedir absolvição Em que pese a redação do art 385 pensamos que ele é substancialmente inconstitucional por flagrante violação do princípio acusatório Ademais representaria uma inequívoca violação do princípio da correlação condenação sem pedido e da imparcialidade do juiz além de ser incompatível com o objeto do processo penal pretensão acusatória O juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido 4 COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL a coisa julgada é uma garantia constitucional art 5º XXXVI da CF e também processual garantindo que ninguém será julgado novamente pelo mesmo fato ne bis in idem É a imutabilidade do mandamento proveniente da decisão não é um efeito mas uma qualidade e um modo de ser e de manifestarse de seus efeitos Somente haverá coisa julgada plena ou soberanamente julgada em relação à sentença penal absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois a condenatória pode ser modificada a qualquer tempo mas em casos restritos através da revisão criminal arts 621 e ss A coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira 41 Coisa julgada formal é o primeiro momento ou degrau da escada quando a decisão é irrecorrível ou tornase preclusa imutabilidade interna Não há análise e julgamento do mérito caso penal 42 Coisa julgada material pressupõe a formal é o segundo degrau da escada Há julgamento de mérito havendo a produção exterior de seus efeitos impedindo novos processos sobre o mesmo caso penal 43 Limites objetivos e subjetivos os limites objetivos dizem respeito ao fato natural não interessando a qualificação jurídica que receba não confundir com o fato processual que orienta a correlação Dizse efeito negativo da coisa julgada a impossibilidade de alguém ser novamente processado pelo mesmo fato Já os limites subjetivos dizem respeito à identidade do imputado Assim ambos os limites constituem a impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Capítulo XIX ATOS PROCESSUAIS DEFEITUOSOS E A CRISE DA TEORIA DAS INVALIDADES NULIDADES A FORMA COMO GARANTIA 1 Introdução Meras Irregularidades e Atos Inexistentes Questão tormentosa para qualquer ator judiciário comprometido com a Constituição é o instituto das invalidades no processo penal ou melhor a prática de atos processuais defeituosos cuja casuística dificulta sobremaneira o estabelecimento de uma estrutura teórica dotada de suficiência para dar conta de tamanha complexidade Mais grave revelase a situação quando cotejada com as absurdas relativizações diariamente feitas por tribunais e juízes muitas vezes meros repetidores do senso comum teórico calcados na equivocada premissa da teoria geral do processo Pior é a situação daqueles que partem da teoria do ato jurídico ou seja da matriz conceitual do direito material Código Civil o que se revela completamente descabido até porque no processo a nulidade de um ato depende sempre de reconhecimento através de decisão judicial o que não sucede no direito privado em que o ato nulo não produz qualquer efeito pois a ineficácia é automática Não pensamos ser adequado estruturar uma teoria das invalidades processuais desde a analogia com a concepção do direito material cuja dimensão estática estabelece uma absoluta e insuperável contradição com a dinâmica do processo além de não incorporar a problemática da contaminação dos atos supervenientes É uma permissão tão desfocada como aquela que há mais de um século concebia o processo como o direito material em movimento sem reconhecerlhe a inequívoca autonomia fenomenológica Em suma uma concepção completamente superada O Código de Processo Penal brasileiro em nada auxilia essa difícil missão não só pelo baixo nível de conformidade constitucional desse diploma de 1941 mas principalmente pela falta de sistemática legal Não podemos deixar de novamente criticar o sistema de reformas pontuais no processo penal pois a inconsistência sistêmica novamente se manifesta quando analisamos a teoria das invalidades processuais Houve uma profunda reforma nos procedimentos mas por exemplo mantevese a redação originária do art 564 e ss do CPP E o Tribunal do Júri cujo novo rito é completamente distinto do anterior como é possível lidar com os novos problemas na superada estrutura legal vigente Evidente a necessidade de uma urgente adequação Mas tirando a inconsistência sistêmica gerada pelas reformas pontuais essa não é uma prerrogativa do Direito brasileiro pois existe atualmente uma crisis del concetto dinvalidità afirma GIOVANNI CONSO1 fruto de tudo aquilo a que acabamos de nos referir e agravada pela dependência do tema às variações de humor da jurisprudência que oscila ao vento dos movimentos repressivistas A jurisprudência brasileira nessa matéria é caótica fruto de uma má sistemática legal e da indevida importação de categorias do processo civil absolutamente inadequadas para o processo penal Isso é fruto daquilo que BINDER chamou de superficialização da teoria geral do processo que costuma construir categorias comuns distantes das razões de política processual e acrescentamos incompatíveis com a especificidade do processo penal que exige respeito a suas categorias jurídicas próprias Também existe ainda uma grande oscilação do humor jurisprudencial sensível que é aos influxos sociais e às pressões dos discursos repressivistas em voga Contribui para o caos a polissemia conceitual que impede qualquer tentativa de paz dogmática em torno do tema Em geral a doutrina costuma adotar essas 4 categorias meras irregularidades nulidades relativas nulidades absolutas inexistência As irregularidades são concebidas como defeitos de mínima relevância para o processo que em nada afetam a validade do ato Os atos irregulares são aqueles em que o defeito não compromete a eficácia do princípio constitucional ou processual que ele tutela sendo portanto uma mera irregularidade formal sem consequências relevantes Igual tratamento deve ser dado aos atos de natureza contingencial secundária e que não estão a serviço de um princípio processualconstitucional senão que são meramente ordenatórios e despidos de maior significado Diariamente ocorrem centenas de falhas materiais irrelevantes como erros na grafia do nome do réu que não impedem sua identificação na comunicação dos atos processuais denúncias oferecidas fora do prazo legal juízes que não cumprem os prazos estabelecidos para a prática dos atos judiciais e situações congêneres que não maculam sua validade Isso constitui uma mera irregularidade sem qualquer relevância para a situação processual Em um segundo patamar estão os atos processuais realizados com defeito em que o princípio constitucional ou processual tutelado é atingido Aqui existe uma lesão principiológica que compromete a regularidade processual dando lugar à discussão em torno do caráter absoluto ou relativo da nulidade na doutrina tradicional ou naquilo que chamamos de ato defeituoso sanável ou insanável Considerando a complexidade dessas categorias veremos na continuação em tópicos específicos Noutro extremo está o plano da inexistência teoricamente concebido como a falta e não como defeito ainda que muitos confundam defeito com falta de elemento essencial para o ato que sequer permite que ele ingresse no mundo jurídico ou ainda o suporte fático é insuficiente para que ele ingresse no mundo jurídico São considerados não atos ou fantasmas verbais para CORDERO2 em que não se discute a validadeinvalidade pois a inexistência constitui um problema que antecede qualquer consideração sobre o plano da validade3 Inclusive o ato inexistente em tese prescinde de declaração judicial Se na dimensão teórica a inexistência possui alguma relevância o mesmo não se pode dizer no dia a dia forense Quando alguém viu uma sentença firmada por uma pessoa que não é juiz Ou uma sentença sem dispositivo Tratase de situações que habitam apenas o ambiente manualístico sem qualquer dado de realidade Mas se for esse o caso estamos diante de um ato inexistente E mais é óbvio que o ato inexistente somente será assim considerado quando houver uma manifestação judicial que o declare Imaginese alguém preso em decorrência de uma sentença juridicamente inexistente mas com existência suficiente para leválo ao cárcere que resolve por si só sair da cadeia afinal o ato é inexistente Ou então teremos de ter carcereiros com poderes mediúnicos para sem qualquer decisão judicial sobre o tema atingirem essa consciência por meio de contato com a deusa Diké Esse é o problema do autismo jurídico desconectarse do mundo para mergulhar nas suas categorias mágicas No passado alguma discussão surgiu em torno da suposta inexistência dos atos praticados por juiz absolutamente incompetente Atualmente a questão é como não poderia deixar de ser tratada no campo das invalidades processuais ou na doutrina tradicional como nulidade absoluta Em suma pouca relevância prática existe no campo da inexistência Assim seguindo a proposta desta obra abordaremos a temática à luz do senso comum teórico e jurisprudencial nulidade absoluta e relativa fazendo após nossa crítica e sugestões mas sem qualquer pretensão de completude pois mais do que em qualquer outro instituto do processo penal aqui reina a casuística 2 Nulidades Absolutas e Relativas Construção dos Conceitos a Partir do Senso Comum Teórico e Jurisprudencial 21 Nulidades Absolutas Definição É recorrente a classificação das nulidades em absolutas e relativas sendo as primeiras definidas como aquelas em que ocorre uma violação de norma cogente que tutela interesse público ou existe a violação de princípio constitucional pode ser declarada de ofício ou mediante invocação da parte interessada o prejuízo e o não atingimento dos fins são presumidos é insanável não se convalida e tampouco é convalidada pela preclusão ou trânsito em julgado Com relação a esse último item sublinhamos que a sentença condenatória ainda que transitada em julgado pode ser revisada a qualquer tempo já a sentença absolutória transitada em julgado faz coisa soberanamente julgada não podendo ser revisada ainda que o processo seja nulo Como adverte LEONE4 también las nulidades absolutas están sometidas a un límite temporal en orden a la deducibilidad y denunciabilidad de ellas y ese límite es la cosa juzgada La fuerza preclusiva de la cosa juzgada es indicada por algunos como una sanatoria general de la nulidad absoluta Como regra das nulidades absolutas a gravidade da atipicidade processual conduz à anulação do ato independentemente de qualquer alegação da parte interessada podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz ou em qualquer grau de jurisdição Sendo alegada pela parte não necessita demonstração do prejuízo pois manifesto ou presumido como preferem alguns Os exemplos costumam conduzir à violação de princípios constitucionais especialmente o direito de defesa e o contraditório Nessa linha é nulo o processo sem defensor a ausência de alegações finais ou dos debates orais quando ocorre colidência de teses entre réus diferentes mas com um mesmo advogado a perícia feita por um único perito não oficial etc Também entra no campo das nulidades absolutas a sentença e todos os atos proferida por juiz absolutamente incompetente como vimos no estudo da competência 22 Nulidades Relativas Definição Quando o defeito do ato processual não for tão grave como no caso anterior caberá à parte interessada postular o reconhecimento da nulidade e segundo o senso comum arraigado demonstrar o prejuízo processual sofrido Ademais se não alegar a nulidade no momento adequado operase a convalidação pela preclusão LEONE5 define as nulidades relativas como aquelas que só podem ser deduzidas pela parte que tenha interesse na observância da disposição violada não sendo reconhecíveis de ofício e são sanáveis Em linhas gerais definese a nulidade relativa a partir dos seguintes aspectos viola uma norma que tutela um interesse essencialmente da parte ou seja um interesse privado não pode ser conhecida de ofício dependendo da postulação da parte interessada convalida com a preclusão a parte deve demonstrar o prejuízo sofrido Nessa modalidade segundo o senso comum teórico não havendo a arguição no momento oportuno ou não havendo demonstração do efetivo prejuízo para a parte que o alegou não haverá a nulidade do ato É elementar que as nulidades relativas acabaram se transformando em um importante instrumento a serviço do utilitarismo e do punitivismo pois é recorrente a manipulação discursiva para tratar como mera nulidade relativa àquilo que é inequivocamente uma nulidade absoluta Ou seja a categoria de nulidade relativa é uma fraude processual a serviço do punitivismo Já faremos a crítica 23 A Superação da Estrutura Legal Vigente Nulidades Cominadas e Não Cominadas Arts 564 566 e 571 do CPP A doutrina costuma dizer que o art 564 é exemplificativo e que deve ser lido junto com o art 572 que define as nulidades relativas pois se consideram sanadas Partindo disso alguns autores6 arriscam afirmar que existe nulidade absoluta nas situações descritas no art 564 incisos I II e III letras a b c e primeira parte f i j k l m n o e p e relativas àquelas previstas no art 564 III d e e segunda parte g e h e inciso IV Não estamos tão seguros assim nesse tema Pensamos que o art 564 é atualmente imprestável para qualquer tentativa de definição precisa em termos de invalidade processual além de incorrer no erro de pretender estabelecer um rol de nulidades cominadas Como muito serve de indicativo a apontar atos que merecem uma atenção maior em relação ao risco de defeitos A jurisprudência muda constantemente de humor nessa matéria sendo extremamente arriscado definir a priori os casos de nulidade absoluta ou relativa a partir da estrutura do CPP Advertimos ainda quanto ao erro cometido na redação do art 564 e de tantos outros dispositivo que se inicia afirmando que a nulidade ocorrerá nos seguintes casos como se a nulidade do ato fosse automática pela mera adequação ao previsto na lei o que não é verdade Todo e qualquer ato defeituoso somente será elevado à categoria de nulo quando for verificada a violação do princípio por ele assegurado e não for passível de ser sanado pela repetição Mas não basta isso é necessária uma decisão judicial que reconheça a nulidade Então nulidade só existe após uma decisão judicial Outro erro diz respeito à inequívoca pretensão do CPP de 1941 de estabelecer um rol de nulidades cominadas que não é atenuado pela tentativa de alguma doutrina de salválo argumentando que o rol seria exemplificativo Errado Tratase de uma clara tentativa de estabelecer um rol de nulidades cominadas A classificação das nulidades em cominadas e não cominadas é infeliz pois incide no erro da presunção de completude e legalidade das normas processuais penais Significa crer na possibilidade de uma definição a priori antes da experiência de algo que é essencialmente casuístico Mas o pior é a possibilidade de fecharse os olhos para situações de grave ilegalidade que ao não estarem previstas na lei permanecerão inalteradas no processo comprometendoo Assim contribui para a impossibilidade de taxatividade nessa matéria o fato de a teoria das nulidades estar umbilicalmente vinculada à oxigenação constitucional do processo penal Não há como pensarse um sistema de nulidade desconectado do sistema de garantias da Constituição de modo que a simbiose é constante e incompatível com uma taxatividade na lei ordinária Elementar ainda que a tipicidade do ato processual não se confunde com taxatividade das nulidades ou nulidades cominadas O ponto nevrálgico nessa matéria é que nenhum defeito pode ser considerado sanável ou insanável sem uma análise concreta e à luz da principiologia constitucional Daí por que qualquer tentativa de definição a priori é extremamente perigosa e reducionista Isso por si só já fulmina a eficácia do art 564 do CPP Existe ainda uma confusão de conceitos em diversos momentos como por exemplo no inciso II nulidade por ilegitimidade de parte Ora a ilegitimidade de parte ativa conduz a nulidade da peça acusatória quando não a rejeição nos termos do art 395 II por falta de condição da ação legitimidade Já a ilegitimidade passiva também condição da ação igualmente conduz à rejeição mas em geral confundese com o mérito autoria do delito sendo objeto de análise na sentença Quando ao final do processo convencese o juiz de que o réu não é o autor do fato deverá proferir uma sentença absolutória e não anulatória Isso demonstra o confusionismo que impera nessa matéria Por fim diversas alíneas do inciso III ficaram completamente ilhadas com o passar dos anos e as sucessivas reformas por exemplo não existe mais processo penal iniciando por portaria ou auto de prisão em flagrante alínea a a falta de exame de corpo de delito conduz à absolvição por ausência de materialidade e não propriamente uma nulidade alínea b o maior de 18 anos é plenamente capaz não existindo mais a figura do curador alínea c não existe mais libelo ou contrariedade bem como o Tribunal do Júri foi completamente reformado pela Lei n 11689 deixando sem sentido diversas alíneas desse inciso III Chamamos a atenção ainda para o art 566 que revela um ranço inquisitório completamente superado ao estabelecer a verdade substancial ou real como critério para não reconhecimento da invalidade processual quando se sabe da absoluta imprestabilidade jurídica e científica deste conceito Por fim também o art 571 ficou seriamente prejudicado pela Lei n 11719 que alterou substancialmente os procedimentos eliminando a estrutura anterior das alegações finais escritas dos arts 406 e 500 Como apontamos anteriormente as reformas pontuais geram esse tipo de incoerência sistêmica além de criar uma colcha de retalhos em que por exemplo modificamse substancialmente os ritos e não se altera a disciplina legal das invalidades Isso só serve para agravar ainda mais as dificuldades que o tema apresenta 24 Teoria do Prejuízo e Finalidade do Ato Cláusulas Genéricas Manipulação Discursiva Crítica Iniciemos pelo art 563 do CPP Art 563 Nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa Desde uma perspectiva teórica é correto afirmarse que as formas processuais representam tão somente um instrumento para a correta aplicação do direito sendo assim a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador só deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quando a própria finalidade do ato pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício7 Considerando a instrumentalidade inerente ao processo em que seus atos são meios e não fins em si mesmo a cada dia tomam mais força os princípios do prejuízo e do inatingimento dos atos oriundo do processo civil O ato só será decretado nulo se causar prejuízo e não atingir o fim previsto O problema está na manipulação feita em torno dessa concepção por parte de quem julga que encontra um terreno fértil para legitimar o que bem entender Basta começar pelo seguinte questionamento o que se entende por finalidade do ato Nós pensamos que a finalidade do ato processual cuja lei prevê uma forma é dar eficácia ao princípio constitucional que ali se efetiva Logo a forma é uma garantia de que haverá condições para a efetivação do princípio constitucional nela contido Mas é bastante comum encontrarmos decisões que fazendo uma manipulação discursiva partem da falaciosa premissa da verdade substancial art 566 por exemplo para legitimar um ato defeituoso cujo defeito impede a eficácia do princípio constitucional que está por detrás dele sob esse argumento o fim do processo é a verdade substancial o que é isso e portanto ainda que defeituoso o processo atingiu seu fim que com certeza será uma sentença condenatória Muito preocupante são os juízes que pensam ter um compromiso personal con la verdad8 muitas vezes guardiões da moral e dos bons costumes que no fundo crendose do bem quem nos protege dessa bondade não passam de inquisidores Nada mais fazem do que com maior ou menor requinte retórico operar na lógica de que os fins justificam os meios Quando se trabalha na dimensão de finalidade do ato ou do processo devese considerar que não estamos diante de um conceito sobre o qual paire uma paz dogmática Todo o oposto tratase de terreno de tensão constante sofrendo forte influxo ideológico Daí o perigo de lidarse com categorias dessa natureza para distinguir nulidade absoluta ou relativa Quanto ao prejuízo ou melhor à ausência dele como critério para distinção entre nulidades absolutas e relativas igualmente problemático e impreciso gerando amplo espaço de manipulação Não é um critério adequado mas vejamos alguns aspectos O primeiro problema surge novamente na equivocada transmissão de categorias do processo civil para o processo penal O fenômeno da relativização das nulidades absolutas do processo civil está sendo utilizado e manipulado para no processo penal negarse eficácia ao sistema constitucional de garantias Ainda que não concordemos com a classificação dos atos defeituosos em nulidades absolutas e relativas importa destacar que a relativização implica negação de eficácia aos princípios constitucionais do processo penal A título de ausência de prejuízo ou atingimento do fim os tribunais brasileiros diariamente atropelam direitos e garantias fundamentais com uma postura utilitarista e que esconde no fundo uma manipulação discursiva Muitos são os julgados em se invoca o pomposo mas inadequado ao processo penal pas nullité sans grief desprezandose que a violação da forma processual implica grave lesão ao princípio constitucional que ela tutela constituindo um defeito processual insanável ou uma nulidade absoluta se preferirem O que importa é que a nulidade deve ser reconhecida e determinada a ineficácia do ato Além da imprecisão em torno do que seja prejuízo há um agravamento no trato da questão no momento em que se exige que a parte prejudicada geralmente a defesa por evidente faça prova dele Como se faz essa prova Ou ainda o que se entende por prejuízo Somente a partir disso é que passamos para a dimensão mais problemática como demonstrálo Não é necessário maior esforço para compreender que uma nulidade somente será absoluta se o julgador juiz ou tribunal quiser e esse tipo de incerteza é absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo Acerca do princípio do prejuízo inserto no art 563 do CPP é precisa a lição de COUTINHO9 de que prejuízo em sendo um conceito indeterminado como tantos outros dos quais está prenhe a nossa legislação processual penal vai encontrar seu referencial semântico naquilo que entender o julgador e aí não é difícil perceber manuseando as compilações de julgados que não raro expressam decisões teratológicas grifo nosso Pensamos que a premissa inicial é no processo penal forma é garantia Se há um modelo ou uma forma prevista em lei e que foi desrespeitado o lógico é que tal atipicidade gere prejuízo sob pena de se admitir que o legislador criou uma formalidade por puro amor à forma despida de maior sentido Nenhuma dúvida temos de que nas nulidades absolutas o prejuízo é evidente sendo desnecessária qualquer demonstração de sua existência Ainda que não concordemos com essa distinção nulidades absolutas e relativas temos de reconhecer que ela é de uso recorrente e portanto com ela tentar lidar Partindo do que aí está e mais especificamente da teoria do prejuízo pensamos que há somente uma saída em conformidade com o sistema de garantias da Constituição não incumbirá ao réu a carga probatória de um tal prejuízo Ou seja não é a parte que alega a nulidade que deverá demonstrar que o ato atípico lhe causou prejuízo senão que o juiz para manter a eficácia do ato deverá expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse a sua finalidade ou tenha sido devidamente sanado Tratase de uma inversão de sinais de liberação dessa carga probatória por parte da defesa que nunca poderá têla e atribuição ao juiz que deverá demonstrar a devida convalidação do ato para legitimar sua validade e permanência no processo No mesmo sentido precisa é a lição de BADARÓ10 que começa corretamente afirmando que se há um modelo ou uma forma prevista em lei que foi desrespeitada o normal é que tal atipicidade gere prejuízo sob pena de se admitir que o legislador estabeleceu uma formalidade absolutamente inútil Evidente que eventualmente segue BADARÓ11 a violação de uma forma pode não gerar prejuízo mas não é necessária a demonstração do prejuízo pois o correto é o inverso a eficácia do ato ficará na dependência da demonstração de que a atipicidade não causou prejuízo algum Ou seja não é a parte que alega a nulidade que deverá demonstrar que o ato atípico lhe causou prejuízo Será o juiz que para manter a eficácia do ato deverá expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse sua finalidade Somente a partir dessa inversão de sinais é que a teoria do prejuízo poderá ser utilizada sob pena de grave violação do sistema de garantias constitucionais que fundam o devido processo penal O que não se pode mais admitir frisese é que atos processuais sejam praticados com evidente violação de princípios constitucionais sem a necessária repetição com vistas ao restabelecimento do princípio violado e os tribunais chancelem tais ilegalidades fazendo uma manipulação discursiva em torno de uma categoria do processo civil inadequadamente importada para o processo penal 3 Análise a Partir das Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal e da Necessária Eficácia do Sistema de Garantias da Constituição 31 Crítica à Classificação em Nulidades Absolutas e Relativas A morfologia das nulidades subdividindoas em nulidades absolutas e relativas é inadequada para o processo penal na medida em que parte de uma matriz de direito material civil e a estrutura dos atos jurídicos Na dimensão processual a dinâmica da situação jurídica e principalmente dos valores em jogo não recomendam tal importação de categorias principalmente porque vêm com uma dupla contaminação de um lado do direito civil e a estrutura dos atos jurídicos e de outro do direito processual civil com suas especificidades distintas daquelas existentes no processo penal Em especial a categoria das nulidades relativas por exemplo é imprestável para o processo penal pois possui um gravíssimo vício de origem nasce e se desenvolve no direito civil com a teoria dos atos anuláveis e nulos com uma incompatibilidade epistemológica insuperável Depois é transplantada para o processo civil o que em nada atenua essa incompatibilidade Resta saber como aplicar uma estrutura de nulidade relativa nascida e desenvolvida no âmbito do direito material civil no processo penal Essa é uma pergunta que deve ser respondida por aqueles que defendem e diariamente deixam de reconhecer a invalidade de processos e de atos processuais cometendo graves injustiças por legitimar atos ilícitos sim pois caminham lado a lado os campos do válidoinválido e lícitoilícito sob o pífio argumento de que se trata de uma nulidade relativa Ou seja puro argumento de autoridade sem qualquer autoridade no argumento Outro grave problema dessa classificação é a pouca clareza e até confusão de conceitos Por exemplo afirmarse que no processo penal existem formas que tutelam um interesse da parte privado é o erro de não compreender que no processo penal especialmente em relação ao réu todos os atos são definidos a partir de interesses públicos pois estamos diante de formas que tutelam direitos fundamentais assegurados na Constituição e nos Tratados firmados pelo País Não há espaço para essa frágil dicotomização públicoprivado Aqui se lida com direitos fundamentais A distinção entre normas que tutelam interesse da parte e outras que dizem respeito a interesses públicos tropeça na desconsideração da especificidade do processo penal onde não há espaço normativo privado Erroneamente alguns pensam que as normas que tutelam o interesse do réu seriam uma dimensão privada para exigir demonstração de prejuízo A proteção do réu é pública porque públicos são os direitos e as garantias constitucionais que o tutelam Na mesma linha vai nossa crítica em relação ao argumento de que as chamadas nulidades relativas não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz Errado O juiz no processo penal atua como o garantidor da eficácia do sistema de garantias constitucionais de modo que não só pode como deve zelar pela formagarantia A qualquer momento independentemente de postulação da defesa ele pode verificar que determinado ato defeituoso lesa ou coloca em risco direito fundamental e determinar a repetição para sanar A teoria do prejuízo e o requintado pas nullité sans grief só servem para agravar a crise do sistema de invalidades processuais pois se alguma garantia existe na chamada nulidade absoluta tudo cai por terra com a inadequada relativização operada diariamente pelos tribunais brasileiros Importante nos referirmos ao esvaziamento de sentidos do art 564 do CPP Para que serve Ali estão defeitos sanáveis ou apenas insanáveis Na doutrina tradicional ali estão apenas nulidades relativas Absolutas Nenhuma das opções anteriores Enfim o art 564 em nada contribui até porque a categoria de nulidades cominadas está completamente superada Em suma pensamos que a distinção entre nulidade absolutarelativa é equivocada e que o sistema de invalidades processuais deve partir sempre da matriz constitucional estruturandose a partir do conceito de ato processual defeituoso que poderá ser sanável ou insanável sempre mirando a estrutura de garantias da Constituição Somente o ato defeituoso insanável dará lugar ao decreto judicial de nulidade e por consequência de ineficácia ou impossibilidade de valoração probatória Portanto na morfologia tradicional o conceito de nulidade relativa tem pouca ou nenhuma prestabilidade na medida em que somente as nulidades absolutas darão lugar à ineficácia do ato Significa dizer que exclusivamente o ato defeituoso em que houver efetiva lesão ao princípio constitucional que o funda e ainda for impossível a repetição será objeto de decisão judicial de nulidade e por consequência de ineficácia Evidenciase assim que nulidade mesmo só existirá nos casos de atipicidade insanável e relevante Por isso pouco diz o conceito de nulidade relativa O que importa é a conjunção dos conceitos de defeito e possibilidadeimpossibilidade de saneamento pela repetição 32 A Serviço de Quem Está o Sistema de Garantias da Constituição A Tipicidade do Ato Processual A Forma como Garantia Convalidação Nulidade Não é Sanção Adequada é a afirmação de BINDER12 de que as formas são a garantia que assegura o cumprimento de um princípio determinado ou do conjunto deles sem esquecer de que o processo penal é um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da Constituição GOLDSCHMIDT logo a eficácia das regras do devido processo penal e da própria Constituição em última análise está atrelada ao sistema de nulidades Eis a importância e dimensão do tema Mas a serviço de quem está o sistema de garantias da Constituição Somente uma resposta adequada a essa pergunta permitirá compreender uma teoria das invalidades processuais construída a partir da matriz constitucional A forma processual é ao mesmo tempo limite de poder e garantia para o réu Um sistema de invalidades somente pode ser construído a partir da consciência desse binômio limitação do podergarantia pois são as duas forças em constante tensão no processo penal O processo penal é um instrumento de limitação do poder punitivo do Estado impondo severos limites ao exercício desse poder e também regras formais para o seu exercício É a forma um limite ao poder estatal Mas ao mesmo tempo a forma é uma garantia para o imputado em situação similar ao princípio da legalidade do direito penal O sistema de nulidades está a serviço do réu pois o sistema de garantias constitucionais assim se estrutura como mecanismo de tutela daquele submetido ao exercício do poder A debilidade do réu no processo é estrutural e não econômica como já explicamos anteriormente pois não existem direitos fundamentais do Estado ou da sociedade em seu conjunto esses são direitos individuais Nesse complexo ritual como já falamos diversas vezes o sistema de garantias da constituição é o núcleo imantador e legitimador de todas as atividades desenvolvidas naquilo que concebemos como a instrumentalidade constitucional do processo penal é dizer um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição Somente a compreensão dessa estrutura permite atingir a consciência de que o sistema de invalidades processuais fundase na tutela do interesse processual do imputado Toda a teoria dos atos defeituosos tem como objetivo nuclear assegurar o devido processo penal para o imputado O exercício da pretensão acusatória ius ut procedatur como direito potestativo deve ser limitado e não garantido O poder deve ser limitado e legitimado pela estrita observância das regras do processo O sistema de garantias constitucionais está a serviço do imputado e da defesa não da acusação Não se trata de discurso de impunidade ou de coitadismo como algum reducionista de plantão poderá dizer senão de uma complexa estrutura de poder onde para punir devese garantir Excepcionalmente diante da inesgotável capacidade dos atores judiciários em produzir monstruosidades jurídicas nos processos pode surgir alguma situação em que a violação de um princípio constitucional legitime o Ministério Público a buscar o reconhecimento da ineficácia do ato nulidade Imaginese um processo em que ocorra uma grave violação do contraditório não se intimando o acusador público para a audiência de instrução e julgamento A prova é colhida a defesa se manifesta ao final não existe debate mas monólogo pois o promotor não está presente eis que não intimado e o juiz profere sentença É manifesta a existência de um defeito insanável que deverá dar lugar a uma decisão anulatória de todo o processo com a necessária repetição dos atos e desentranhamento daqueles feitos com defeito Patologias judiciárias dessa natureza legitimam o Ministério Público a postular o reconhecimento da invalidade processual mas sempre que houver a violação da base principiológica da Constituição Assimilada a base epistemológica da teoria da invalidade no processo penal percebese que o conceito de convalidação como decorrência da preclusão é inadequado Convalidação como o tornar válido pelo decurso do tempo é um conceito inadequado para o processo penal pois aqui não existe preclusão no sentido civilista para o réu e como o sistema de nulidades se estrutura a partir do sistema de garantias constitucionais fundado portanto na tutela do interesse processual do imputado o conceito perde sentido Mas a convalidação pela prática de outros atos que compensando o defeito deram eficácia ao princípio constitucionalmente violado isso pode ocorrer Nesse caso é melhor falarse em saneamento para não incorrer no erro conceitual anteriormente exposto CORDERO13 metaforicamente aponta que o ato inválido é um detrito mas pode ser que mesmo assim ele sirva ao metabolismo jurídico mediante algum saneamento Em outras palavras aquilo que faltou para que o ato defeituoso pudesse garantir a eficácia do princípio constitucional é obtido a partir da prática de outro ato que sanando o anterior restabelece a eficácia principiológica pretendida Os exemplos são variados mas pensemos na citação pessoal nula por erro de endereço constante no mandado judicial Se o processo se desenvolver assim mesmo estaremos diante de um defeito que irá contaminar todos os demais atos do processo Contudo a citação pessoal inexitosa deu lugar à citação ficta por edital e nesse caso o imputado comparece O ato anterior defeituoso foi sanado pela prática de outros atos posteriores que restabeleceram o princípio inicialmente lesado Em suma convalidação vinculada à ideia de preclusão é inadequada para o processo penal poderá haver sim o saneamento pela repetição ou prática de outros atos que supram a inicial lesão ao princípio constitucional Voltando à ideia central deste tópico retomemos o seguinte somente a compreensão dos valores em jogo e da complexidade do ritual judiciário no processo penal bem como a serviço de quem está o sistema de garantias constitucionais permitirá reconstruir a teoria da invalidade dos atos processuais Nessa linha o art 565 ao estabelecer o chamado princípio do interesse deve ser repensado à luz do que explicamos ou seja o interesse tutelado é do imputado Portanto não cabe anularse um processo por defeito salvo se houver pedido da defesa ou isso for feito em seu benefício de ofício pelo Tribunal Excepcionalmente quando a violação de princípio constitucional afetar gravemente o acusador estará legitimado o Ministério Público a pleitear o reconhecimento judicial da invalidade Compreendido isso continuemos Importante no processo penal é a fattispecie giuridica processuale CONSO isto é o conceito de tipicidade processual e de tipo processual pois forma é garantia Isso mostra a insustentabilidade de uma teoria unitária infelizmente tão arraigada na doutrina e jurisprudência brasileiras pois não existe conceito similar no processo civil Mas quando se fala em tipicidade processual há que se fazer uma advertência não estamos fazendo alusão ao sistema de nulidades cominadas ou taxatividade Nada disso O modelo de nulidades cominadas é equivocado porque pretende que a lei descreva todos os defeitos que devem ser tratados na dimensão de nulidade Ou seja seria nulo apenas aquilo que a lei preveja Isso é um erro que desconsidera a casuística e a própria complexidade das situações processuais criadas Não é disso que estamos falando ao tratar de tipicidade processual mas sim do fato de que se a norma descreve a forma como um determinado ato processual que deva ser praticado a inobservância dessa forma conduz a um sinal de alerta pois ali pode estar sendo violado um princípio que conduzirá à decretação de nulidade e ineficácia do ato Portanto não é do adágio pas de nullité sans texte que estamos tratando Também é importante esclarecer já de início que nulidade não é sanção pois como explica CONSO la sanzione è un quid che si aggiunge come reazione ad un comportamento valutato sfavorevolmente anzi vietato dallordinamento è più precisamente leffetto tipico che lordinamento ricollega allintegrazine degli schemi di illecito14 A sanção é uma reação ao comportamento vedado pelo ordenamento portanto é um efeito Já a nulidade conduz à falta de efeito ou seja à ineficácia do ato Logo se pensarmos nulidade como sanção isso pressupõe necessariamente a produção de um efeito Mas não é esse o tratamento dado à nulidade pois ela conduz à falta de efeito do ato Portanto pensar as nulidades como uma sanção seria o mesmo que afirmar ser um efeito a falta de efeito Daí por que ocorre um esvaziamento do conceito de sanção e sobretudo uma confusão entre dois planos formalmente diversos Na mesma linha TOVO e MARQUES TOVO15 afirmam que ao contrário de grande parte da doutrina brasileira nulidade não é sanção pois nulidadevalidade são qualidades do ato jurídico conforme ele se apresente perfeito ou não Sanção por outro lado é consequência objetiva nunca uma qualidade da coisa Então explicam os autores não se pode chamar a nulidade de sanção pois ela não é uma consequência objetiva Consequência objetiva é a ineficácia do ato de modo que a imperfeição jurídica defeito pode tornar o processo no todo ou em parte ineficaz Compreendido isso continuemos A estrutura do sistema de nulidades está inexoravelmente relacionada ao grau de efetivação das regras do devido processo penal e do próprio sistema acusatório Também é afetada pela compreensão que se tem acerca da função persuasiva da prova no processo penal que volta a se relacionar com os sistemas processuais e a discussão sobre a verdade pois se superarmos o mito da verdade e assumirmos a sentença como ato de convencimento do juiz ainda mais cuidado com as formas processuais se deve ter De nada serve um sistema constitucional de garantias se no processo penal não se dá a tutela devida aos princípios constitucionais isso significa dizer a eficácia da proteção depende diretamente do sistema de nulidades Com isso temse uma imediata percepção da complexidade que está por detrás do sistema de nulidades muitas vezes olvidada em decisões e doutrinas restritas à superficialidade das categorias de nulidade absoluta e relativa anteriormente expostas Cada um dos princípios anteriormente referidos encontra no processo uma forma que o garanta A observância dessas formas não é um fim mas um meio para assegurar o cumprimento dos princípios16 Acertada é a síntese de SCHMIDT17 não confundir formalismos despidos de significados com significados revestidos de forma Nada de amor à forma pela forma em si mesma senão pelo que ela significa em termos de eficácia de direitos fundamentais ou seja existem significados que se revestem de formas processuais e que são da maior relevância Há que se entender que el cumplimiento de esas formas no es de ninguna manera el fin sino el medio para asegurar el cumplimiento de los principios18 Desse modo o sistema de invalidades processuais deve ser erguido a partir da Constituição mais especificamente dos 5 princípios que fundam a instrumentalidade constitucional do processo penal 1 Jurisdicionalidade 2 Garantia do sistema acusatório 3 Presunção de inocência 4 Contraditório e ampla defesa 5 Motivação das Decisões Judiciais Recordemos que todos esses princípios foram analisados no início desta obra para onde remetemos o leitor pois cada um deles possui um amplo espectro de função protetiva Assim a garantia da jurisdição abrange a imparcialidade do julgador o direito ao juiz natural e também ao juiz competente por exemplo Já o sistema acusatório intimamente relacionado que está com a garantia da jurisdição e a imparcialidade do julgador define o lugar em que deve estar o juiz na situação processual vedando se a iniciativa probatória por exemplo prevista no art 156 I do CPP A presunção de inocência como dever de tratamento que o é não permite que o juiz atribua ao réu carga probatória estando ainda intimamente vinculada ao in dubio pro reo Contraditório e direito de defesa provavelmente sejam os princípios mais lesados pelos atos defeituosos sendo amplíssimos seus campos de incidência Por fim a motivação das decisões além de gerar a nulidade da sentença imotivada também está a serviço do controle da própria legalidade da decisão Assim o objetivo é restaurar o princípio afetado e não restabelecer a forma por puro amor à forma Quando um ato é realizado em desconformidade com o modelo legal ele gera risco de ineficácia do princípio constitucional que naquela forma se efetiva que deve ser aferida no caso concreto e em caso de real lesão deve a nulidade ser decretada retirandose os efeitos do ato defeituoso e repetindoo com vistas à eficácia do princípio lesado Então a forma processual garante o princípio constitucional Quando vg o Código de Processo Penal estabelece a forma do interrogatório no art 18519 e seguintes nada mais faz do que garantir a eficácia do direito constitucional de defesa previsto no art 5º LV da Constituição A nulidade serve assim para dar eficácia ao princípio contido naquela forma Anulase o ato sacando lhe os efeitos para a seguir repetilo segundo a forma legal mas sempre de modo a garantir a eficácia do princípio constitucional que está por detrás dele Não se pode esquecer de que a epistemologia da incerteza e o risco inerente ao processo fazem com que a única segurança possível seja aquela que brota do estrito respeito às regras do jogo il processo come giuoco CALAMANDREI ou seja a luta é pela eficácia do sistema de garantias da Constituição e pela observância das formas processuais que o assegura Dessa premissa devemos pensar o sistema de invalidades processuais 33 RePensando Categorias a Partir dos Conceitos de Ato Defeituoso Sanável ou Insanável Sistema de Garantias Constitucionais Quando o Feito com Defeito tem de ser Refeito Os conceitos de validadeinvalidade estão a indicar desde um ponto de vista de oposição um fenômeno que apresenta um duplo aspecto explica CONSO20 constatazione della corrispondenza o della non corrispondenza di un comportamento ad un modello da seguire produzione o non produzione in seguito a tale comportamento degli effetti ricollegati dallordinamento al suddetto modello Talvez seja melhor utilizar os conceitos de ato defeituoso sanável ou insanável pois são le due categorie fondamentali di atti imperfetti atti insanabili e atti sanabili21 Iniciemos por uma passagem genial de PONTES DE MIRANDA22 que traça um verdadeiro topoi nessa matéria Defeito não é falta O que falta não foi feito O que foi feito mas tem defeito existe O que não foi feito não existe e pois não pode ter defeito O que foi feito para que falte há primeiro de ser desfeito Primeiro ponto a ser destacado é a expressão defeito exatamente para significar aquilo que foi feito com defeito ou seja defeito com violação às regras do processo e em desacordo com o tipo processual penal Marca ainda a separação entre os planos da existência e validade pois defeito não é falta inexistência ou seja falta é o que não foi feito o que foi feito não pode ser tratado como falta pois existe O nulo é a negação da validade não é negação da existência Mesmo porque se pressupôs o existente tanto que nulo e não nulo existem23 O ato inexistente não foi feito e portanto não pode ter defeito pois defeito pressupõe ter sido feito logo existência O ato inexistente falta para ter defeito primeiro deve ser feito A essa regra devese incluir outra o que foi feito com defeito existe e pois deve ser refeito Eis a premissa a forma dos atos processuais serve à tutela de um princípio Diante de um ato defeituoso devese perquirir se a eficácia do princípio foi tolhida ou não na medida em que o ato defeituoso pode ainda assim não violar o princípio constitucional que ele tutela A questão aqui não se reduz ao costumeiramente tratado como princípio do prejuízo senão de ir ao princípio constitucional e verificar o nível de eficácia atingido Certo está BINDER24 debe quedar claro que la nulidad nunca se declara a favor de la ley sino siempre para proteger un interés concreto que ha sido dañado E esse interesse concreto que foi lesado é aferido pela interlocução com o princípio que a forma garante Importante sublinhar que não se devem utilizar no processo penal os critérios de prejuízo e finalidade do ato ou instrumentalidade das formas anteriormente criticados O sistema regese por outro referencial eficácia ou ineficácia do princípio constitucional que a forma tutela A discussão sobre a insuficiente eficácia do princípio deve pautarse por duas regras 1 na dúvida sempre se deve operar a favor rei ou seja acolhendo a irresignação da defesa 2 não havendo dúvida mas sim divergência entre o alegado pela defesa e a interpretação dada pelo juiz vale a regra da inversão de sinais incumbe ao juiz fundamentar por que a atipicidade não impediu a eficácia do princípio constitucional tutelado E se o ato defeituoso prejudicou a eficácia do sistema de garantias da Constituição o que deve ser feito Ou seja o que foi feito como defeito pode ser refeito E com a repetição obtémse a eficácia principiológica pretendida Duas possibilidades surgem a o ato pode ser refeito sem defeito sendo que isso é suficiente para obterse a eficácia desejada do princípio constitucional violado b a repetição não é possível ou não é suficiente para obterse a eficácia principiológica desejada No primeiro caso estamos diante de um defeito sanável O ato deverá ser refeito com plena observância da tipicidade processual prevista não sendo necessária a decretação da nulidade No segundo caso o defeito é insanável não havendo nada mais a ser feito para restabelecer a regularidade do processo sendo a decretação da nulidade com a respectiva ineficácia e desentranhamento das peças o único caminho possível Com isso verificase que a divisão em nulidades absolutas e relativas não é o melhor caminho pois na teoria dos atos defeituosos o ponto crucial é o binômio violação do princípio constitucional que a forma tutela possibilidade ou não de saneamento pela repetição sempre com vistas à eficácia do princípio nuclear A violação da forma do ato processual gera um ato defeituoso e a grande questão é saber se esse defeito constitui a violação do princípio constitucional ali representado ou não Se houver a violação partese para uma segunda dimensão do problema há possibilidade de saneamento pela repetição Ou seja há como restabelecer o princípio lesado Se possível deve ser refeito o ato pois o que foi feito com defeito deve ser refeito Mas e se não for possível sanar pela repetição Então deve ser decretada a nulidade com a retirada da eficácia do ato inclusive com o desentranhamento das peças respectivas O descumprimento da principiologia que informa o sistema de garantias gera um defeito insanável uma nulidade e como consequência a privação de seus efeitos Dessarte somente ocorrerá uma nulidade quando tivermos um ato defeituoso insanável e que será por essa razão decretado nulo Com a decretação da nulidade devese conforme o caso decidir pela privação dos efeitos ou a proibição de valoração probatória Em qualquer dos dois casos pensamos ser o desentranhamento uma medida imprescindível para a redução dos danos ao processo do ato defeituoso Em caso de ato processual de natureza probatória mais do que o desentranhamento da prova devese desentranhar o juiz Como já explicamos anteriormente há que se superar o reducionismo cartesiano para compreender que o juiz que teve contato com a prova ilícita ou com o ato processual defeituoso que gerou uma prova ilegítima por violação de regra processual não pode julgar pois está contaminado Sobre o tema remetemos o leitor para o que dissemos sobre as provas ilícitas A nulidade assim é uma medida extrema a ultima ratio na defesa do devido processo25 penal mas isto deve ser considerado com muita cautela para não radicalizar o principio di conservazione degli atti imperfetti CONSO como tem sido feito sem a determinação de sanar o sanável e decretar a nulidade em relação àquilo que for insanável Por derradeiro não esqueçam o sistema de invalidades processuais está a serviço do réu Tipicidade processual é garantia do imputado pois o poder estatal não precisa ser garantido senão controlado e limitado 34 Princípio da Contaminação Defeito por Derivação A Indevida Redução da Complexidade Arts 573 e 567 do CPP Estabelece o art 573 Art 573 Os atos cuja nulidade não tiver sido sanada na forma dos artigos anteriores serão renovados ou retificados 1º A nulidade de um ato uma vez declarada causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência 2º O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende Daqui se extrai o princípio da contaminação bastante óbvio mas objeto das leituras mais reducionistas que se possam imaginar para fazer valer o utilitarismo processual e a matriz inquisitória do CPP Comecemos por FAZZALARI que dentro de sua concepção de processo como procedimento em contraditório evidencia que o processo tal como o procedimento é identificado em função do ato final Dessa forma uno dei requisiti di validità e di efficacia di quellatto consiste appunto in ciò che esso sia lepilogo di un regolare processo talché il vizio in cui sincorra nel compimento di una delle attività preparatorie e che no sia riparato dallulteriore corso finisce con linficiare passando da un atto allaltro del processo quello finale26 Ou seja o vício no cumprimento de uma das atividades preparatórias em que não seja reparado na continuação no curso do processo acaba contaminado pela ineficácia passando de um ato a outro até o ato final pois um dos requisitos de validade e eficácia do ato final consiste em que ele seja o epílogo de um processo regular A compreensão da complexidade que envolve as diferentes situações processuais surgidas GOLDSCHMIDT27 e da inegável vinculação e prejudicialidade entre elas evidencia o erro daqueles que pretendem limitar a contaminação dos atos anteriores em relação aos posteriores e principalmente ao ato final sentença Todos os atos do procedimento visam ao provimento final de modo que um ato inválido deverá ter sua eficácia neutralizada como igualmente deverá ser neutralizada a eficácia do ato final sentença quando ele não tiver sido precedido da sequência de atos determinados pela lei ou seja aponta FAZZALARI28 il regime di validità ed efficacia di ciascun atto del procedimento e di quello finale risente della regolarità o irregolarità dellatto che lo precede e influisce sulla validità e sullefficacia dellatto e degli atti dipendenti che seguono quello finale compreso Na visão do autor a validade e eficácia de cada ato do procedimento e principalmente daquele ato final sentença estão em relação de dependência quanto à regularidade ou irregularidade do ato que o precede e ainda influi sobre a validade e eficácia dos atos dependentes que o seguem inclusive a sentença ato final Recordando PEREIRA LEAL29 legitimidade da decisão está no procedimento para se tomar essa decisão se confundindo procedimento e processo Nessa linha o devido processo penal constitucional adquire o status de garantia insuprimível pois nenhuma decisão seria constitucionalmente válida e eficaz se não preparada em status de devido processo legal porquanto uma vez produzida em âmbito de exclusivo juízo judicacional não poderia se garantir em validade e eficácia pela discursiva condição estatal do direito democrático Não é diferente a posição de BOSCHI30 quando afirma que cada procedimento é regido por termos e atos específicos os quais reunidos dão aquele sentido de totalidade isto é de harmonia entre as partes que formam o todo fazendo com que a validade do processo esteja sempre na dependência da tipicidade dos ritos procedimentais expressão que indica respeito ao prazo à forma e ao momento apropriado para a sua prática pelos sujeitos legitimados Nenhuma dúvida pode existir de que a violação às formas processuais estabelecidas pelo devido processo penal conduz inexoravelmente à repetição refazer o feito com defeito ou em caso de defeito insanável decretarse a nulidade do ato decisório e do próprio processo Os atos processuais pressupõem que durante o processo venha a criarse certa situação jurídica que somente pode constituirse de forma válida se válidos foram os atos que a precederam como condicionante será em relação aos atos que na sequência venham a precedêlos Infelizmente a jurisprudência brasileira é pródiga em pecar pela excessiva redução da complexidade da situação jurídica processual valorando isoladamente os atos atípicos sem considerar a vinculação de todos com o ato final bem como a relação inevitável no mais das vezes de prejudicialidade pela contaminação em relação aos que o seguem inclusive o ato final que todos miram que é a sentença Por fim se compreendida a complexidade da contaminação em relação à situação jurídica processual podemos falar então do disposto no art 567 que como explicamos deve ser lido à luz da Constituição Diz o dispositivo Art 567 A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios devendo o processo quando for declarada a nulidade ser remetido ao juiz competente Quer dizer então que se o processo tramitar perante um juiz incompetente uma vez reconhecida a incompetência pelo respectivo tribunal será remetido a outro juiz agora competente e anulada apenas a sentença Claro que não Atualmente consagrada que está a garantia do juiz natural e do devido processo legal uma vez reconhecida a incompetência do juiz deve ser anulado o ato decisório e principalmente todo o processo A anulação deve ser ab initio Não basta o juiz competente proferir uma nova sentença A garantia da jurisdição incluindo o juiz natural e do devido processo impõe que todo processo e todos os seus atos sejam praticados na frente do juiz natural competente e de forma válida Essas garantias não nascem na sentença mas no momento em que se inicia o processo com o recebimento da acusação Logo desde o início o réu tem a garantia de que todos os atos sejam praticados por um juiz competente Não é a mera garantia de prolação da sentença mas de jurisdição 35 Atos Defeituosos no Inquérito Policial Novamente a Excessiva Redução de Complexidade a Serviço da Cultura Inquisitória Existe uma grave contradição na valoração da relação inquéritoprocesso Quando se quer justificar o valor probatório das diligências policiais argumentase que a teor do art 12 do CPP o IP acompanha a denúncia ou queixa e com isso passa a formar parte do processo e dos elementos sobre os quais o juiz pode formar seu convencimento Por outro lado quando existem nulidades do IP alegase que elas são irrelevantes pois o inquérito não é parte constitutiva do processo31 A primeira questão que surge é o inquérito é parte do processo O problema aqui está uma vez mais num duplo aspecto o erro de manter o inquérito policial dentro do processo por não se adotar o critério de exclusão e o de valorar os atos de investigação como atos de prova Dentro desse panorama que é a nossa realidade se os juízes entendem que as peças do IP podem ser valoradas na sentença ainda que sob a fórmula de cotejada com a prova judicializada para não violar o disposto no art 155 do CPP estão com isso logicamente reconhecendo que o IP é parte integrante do processo Logo se integra o processo é para todos os efeitos inclusive para contaminar as provas processuais que de alguma forma derivem ou tenham por base os elementos do inquérito O que não pode existir é dois pesos e duas medidas como querem alguns afirmando que as irregularidades formais do IP são irrelevantes pois não alcançam o processo e por outro lado defendendo que as diligências policiais podem ser valoradas na sentença pois os atos do IP integram o processo e existe uma presunção de veracidade32 das diligências policiais A única forma de sanar um ato defeituoso do inquérito é repetindo o ato no processo caso contrário não só aquela diligência é nula ineficácia e desentranhamento como também contaminará a sentença que valorar esse ato de investigação nulo E mais se o juiz realmente fizer um exame da denúncia e do inquérito visto como suporte probatório mínimo da ação penal e verificar que foram praticadas diligências sem observar as garantias devidas deverá manifestarse decretando a nulidade da atuação e determinando a sua exclusão dos autos Ato contínuo deverá ainda verificar se aquele ato não contaminou outros pois nesse caso também deverão ser retirados dos autos Somente após isso é que poderá decidir se recebe ou não a ação penal Receberá a denúncia se mesmo com a exclusão da diligência nula ainda restarem elementos válidos e não contaminados que permitam concluir que existe em grau de probabilidade o fumus commissi delicti33 Caso contrário ausência de suporte probatório válido seja pela falta de outros elementos haja vista a exclusão ou pela contaminação dos demais deverá rejeitar a denúncia ou queixa com base no art 395 III falta de justa causa É um ônus do acusador demonstrar validamente a probabilidade de que aquela pessoa tenha cometido o delito que se lhe imputa é dizer prova da provável existência de um fato típico ilícito e culpável O que não pode ocorrer sob nenhum argumento é a conivência do juiz com um ato defeituoso contido no inquérito sem a devida repetição do ato sobre o qual ele deverá se manifestar de ofício como são vg todas aquelas que violem os direitos constitucionalmente assegurados ao sujeito passivo dentre eles o contraditório e a ampla defesa art 5º LV da CB Ademais como aponta SIQUEIRA DE LIMA34 ainda que na fase de persecutio criminis as autoridades envolvidas no apuratório devem primar pelo estrito cumprimento da legalidade dos atos praticados vez que a Constituição no seu art 5º LVI proíbe no processo as provas obtidas por meios ilícitos de onde pode concluirse que as afirmações feitas alhures de que o inquérito policial sendo mera peça informativa não atinge a ação penal com seus vícios não encontram respaldo na ordem jurídica Em se tratando de provas ilícitas acolhendose a doutrina da contaminação necessariamente teremos de reconhecer que devem ser consideradas ilícitas independentemente do momento em que foram produzidas35 Como muito bem destacou o Min Celso de Mello no julgamento do HC 73271SP publicado no DJ de 04101996 p 37100 a unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias legais e constitucionais cuja inobservância pelos agentes do Estado além de eventualmente induzirlhes a responsabilidade penal por abuso de poder pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial grifo nosso Nesse sentido vejamos alguns exemplos dentre muitos outros que podem surgir no caso concreto a interrogatório reconhecimento pessoal intervenções corporais acareações reconstituição do crime e todos os atos probatórios em que não se oportuniza e respeita o direito de silêncio do indiciado nemo tenetur se detegere b a realização do interrogatório policial sem a presença de defensor c não assegurar a plenitude da defesa pessoal autodefesa d prova obtida através da interceptação das comunicações telefônicas quebra do sigilo bancário etc sem a devida observância das normas atinentes à matéria Quanto às provas ilicitamente obtidas eis que houve violação do domicílio art 5º XI da CF das comunicações telefônicas art 5º XII da CF regulamentado pela Lei n 929696 mediante tortura ou maustratos art 5º III da CF através da violação da intimidade art 5º X da CF etc necessariamente devem ser excluídas do processo assim como as provas que por derivação estiverem contaminadas Em todos os casos o ato deverá ser repetido em juízo quando possível e determinada a exclusão física das respectivas peças nulas e derivadas Tampouco entendemos que a irrepetibilidade da prova nula seja um argumento válido para mantêla nos autos Se a prova é irrepetível com mais razão devem ser observados todos os requisitos formais que a lei exige para a sua produção E mais do que isso deveria ter sido praticada através do incidente de produção antecipada de provas ante o juiz e com todas as garantias para a defesa Destarte o rançoso discurso de que as irregularidades do inquérito não contaminam o processo deve ser visto com muita cautela pois pensamos em sentido diametralmente oposto exigindose do juiz uma diligência tal na condução do processo que o leve a verificar se no curso do IP não foi cometida alguma nulidade Verificada esta o ato deverá ser repetido ou excluída a respectiva peça que o materializa sob pena de contaminação dos atos que dele derivem Caso o ato não seja repetido ainda que por impossibilidade sua valoração na sentença ensejará a nulidade do processo 1 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità Introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali Milano Dott A Giuffrè 1972 p 3 e ss 2 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v II p 413 3 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE na obra As Nulidades no Processo Penal 8 ed p 22 4 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 v 1 p 713714 5 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 714 6 Entre outros BADARÓ op cit p 181 7 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 31 8 A expressão é de BINDER op cit p 62 9 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 p 44 10 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 189 11 Idem ibidem p 190 12 BINDER Alberto B El Incumplimiento de las Formas Procesales Buenos Aires AdHoc 2000 p 56 13 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 410 14 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità Introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali cit p 63 15 TOVO Paulo Cláudio e MARQUES TOVO João Batista Nulidades no Processo Penal Brasileiro Novo enfoque e comentário Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 45 16 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 72 17 SCHMIDT Ana Sofia Resolução 0502 Interrogatório online Boletim do IBCCrim n 120 novembro2002 18 BINDER op cit p 72 19 Art 185 O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária no curso do processo penal será qualificado e interrogado na presença de seu defensor constituído ou nomeado 20 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità Introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali cit p 10 21 Idem ibidem p 39 22 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado das Ações Campinas Bookseller 1999 v IV p 4243 23 Idem ibidem p 43 24 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 29 25 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 92 26 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova Cedam 1996 p 90 27 É importante destacar que a leitura conjunta de GOLDSCHMIDT com FAZZALARI é harmônica pois são evidentes a influência do mestre alemão sobre o processualista italiano crítico do vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale op cit p 75 e a construção que faz das posições subjetivas possíveis de serem extraídas ao longo do procedimento e ainda por exemplo na definição das categorias de situação jurídica processual e situação jurídica substancial 28 FAZZALARI op cit p 80 29 PEREIRA LEAL Rosemiro Teoria Processual da Decisão Jurídica São Paulo Landy 2002 p 85 30 BOSCHI José Antonio Paganella Nulidades In Marcus Vinicius Boschi Org Código de Processo Penal Comentado Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 443 31 ESPÍNOLA FILHO Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v I p 260 32 E destacamos não existe tal presunção de veracidade e tampouco tem suporte legal Vide o que dissemos sobre o valor probatório dos atos do inquérito policial 33 Assim já decidiu o STF no RHC 74807MT Rel Min Mauricio Correa publicado no DJ do dia 20061997 p 28507 Julgamento 2241997 2ª Turma EMENTA Recurso de Habeas Corpus Crimes Societários Sonegação Fiscal Prova Ilícita Violação de Sigilo Bancário Coexistência de Prova Lícita e Autônoma Inépcia da Denúncia Ausência de Caracterização 1 A prova ilícita caracterizada pela violação de sigilo bancário sem autorização judicial não sendo a única mencionada na denúncia não compromete a validade das demais provas que por ela não contaminadas e delas não decorrentes integram o conjunto probatório 2 Cuidandose de diligência acerca de emissão de notas frias não se pode vedar à Receita Federal o exercício da fiscalização através do exame dos livros contábeis e fiscais da empresa que as emitiu cabendo ao juiz natural do processo formar a sua convicção sobre se a hipótese comporta ou não conluio entre os titulares das empresas contratante e contratada em detrimento do erário 3 Não estando a denúncia respaldada exclusivamente em provas obtidas por meios ilícitos que devem ser desentranhadas dos autos não há por que se declarar a sua inépcia porquanto remanesce prova lícita e autônoma não contaminada pelo vício de inconstitucionalidade Votação unânime Resultado Improvido grifo nosso 34 SIQUEIRA DE LIMA Arnaldo Vícios do Inquérito Maculam a Ação Penal Boletim do IBCCrim n 82 setembro de 1999 p 10 35 No mesmo sentido conclui SIQUEIRA DE LIMA op cit Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 CORRENTE TRADICIONAL Partindo da a nosso ver equivocada analogia com o processo civil tradicionalmente a doutrinajurisprudência brasileira tem classificado os atos processuais defeituosos nas seguintes categorias Meras irregularidades defeitos de mínima relevância que em nada afetam a validade do ato Nulidade relativa viola uma norma que tutela um interesse essencialmente da parte não pode ser conhecida de ofício convalida com a preclusão precisa ser alegada no primeiro momento procedimental o interessado deverá demonstrar prejuízo art 563 Nulidade absoluta violação de norma cogente que tutela interesse público ou princípio constitucional pode ser declarada de ofício ou mediante invocação do interessado o prejuízo é presumido é insanável e não se convalida pela preclusão Inexistência é a falta e não o defeito de um ato ou seja é um não ato quando o suporte fático é insuficiente para que ele ingresse no mundo jurídico 2 CORRENTE CONSTITUCIONALPROCESSUAL PENAL Partindo da necessária constitucionalização do direito processual penal e principalmente da recusa à teoria geral do processo e consequente observância das categorias jurídicas próprias do direito processual penal vejamos como se estrutura a teoria das invalidades processuais Premissa básica forma é garantia Se existe uma forma processual é porque a tipicidade é uma garantia e a atipicidade uma ilegalidade As nulidades estão a serviço da eficácia do sistema de garantias da Constituição A observância da forma não é um fim mas um meio para assegurar o cumprimento dos princípios constitucionais A teoria do prejuízo pas de nullité sans grief é uma errônea transmissão de categorias do processo civil Tratase de um conceito genérico aberto e indeterminado que vai encontrar referencial semântico naquilo que entender o julgador albergando assim o risco do decisionismo Ademais atribuir ao réu a carga de demonstração do prejuízo é incompatível com o sistema de garantias da Constituição colidindo com o devido processo penal Teoria da Inversão de Sinais ainda que não concordemos com a teoria do prejuízo concordaríamos com sua aplicação desde que houvesse uma inversão de sinais ou seja desincumbir o réu da carga probatória do prejuízo atribuindoa ao juiz Significa dizer que a eficácia do ato nulo ficará na dependência da demonstração de que a atipicidade não causou prejuízo algum Cabe ao juiz para manter a eficácia do ato expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse sua finalidade e não ao acusado Convalidação e preclusão o conceito de convalidação das nulidades relativas como decorrência da preclusão é inadequado para o processo penal pois não se admite à luz do interesse sempre público em jogo que algo se torne válido pelo simples decurso de tempo Noutra dimensão poderá haver saneamento pela repetição ou prática de outros atos que supram a inicial lesão ao princípio constitucional Crítica à classificação de nulidades absolutas e relativas é uma distinção inadequada que tem matriz no direito civil e na estrutura dos atos jurídicos incompatível com o processo penal A forma processual serve para dar eficácia aos direitos fundamentais e não atua no espaço normativo privado direito civilprocessual civil A categoria nulidade relativa é inadequada para o processo penal pois utiliza uma categoria interesse despida de significado RePensando Categorias Ato defeituoso sanável ou insanável A forma dos atos processuais serve à tutela de um princípio constitucional Diante de um ato defeituoso devese perquirir se a eficácia do princípio foi tolhida ou não A divergência sobre a ineficácia violada deve ser resolvida através da teoria da inversão de sinais Concluindose que houve a prática de um ato defeituoso duas possibilidades surgem a defeito sanável o ato pode ser refeito sem defeito resgatando a eficácia do princípio constitucional violado resolvese pela repetição b defeito insanável o ato não pode ser repetido ou isso não é suficiente para obterse a eficácia principiológica situação em que deverá ser decretada a nulidade decidindose pela privação de efeitos do ato ou a proibição de valoração probatória conforme o caso 3 PRINCÍPIO DA CONTAMINAÇÃO arts 573 e 567 A nulidade de um ato uma vez declarada causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência O problema está na aplicação excessivamente restritiva deste princípio Sustentamos com Fazzalari que todos os atos do procedimento miram o provimento final sentença e estão geneticamente vinculados de modo que existe uma relação de dependência quanto à regularidade ou irregularidade do ato que o precede e ainda influi sobre a eficácia dos atos que o seguem Art 567 à luz da garantia do juiz natural e do devido processo o art 567 tem que ser lido em conformidade com a Constituição de modo que a incompetência do juiz como regra anula todo o processo e não apenas o ato decisório Tratamos deste tema no capítulo da Jurisdição e Competência para onde remetemos o leitor 4 ATOS DEFEITUOSOS NO INQUÉRITO POLICIAL Constituiu reducionismo afirmar que os atos irregulares do inquérito não contaminam o processo Como os autos do inquérito e as provas lá produzidas passam a integrar o processo eventuais nulidades contaminam os atos seguintes o processo e até a sentença Os atos defeituosos devem ser repetidos sem o defeito sanar pela repetição ou na sua impossibilidade excluídos dos autos proibição de valoração probatória para evitar a contaminação Capítulo XX TEORIA DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL OU AS REGRAS PARA O JUÍZO SOBRE O JUÍZO 1 Introdução Fundamentos Conceitos e Natureza Jurídica A partir do momento em que se estabelece o processo como um sistema heterônomo de reparto com um terceiro imparcial como poderes decisórios supraordenado às partes e portanto ocupando uma posição fundante da estrutura dialética actum trium personarum Búlgaro nasce como consequência lógica a necessidade de permitirse o reexame daquela decisão O fundamento do sistema recursal gira em torno de dois argumentos falibilidade humana e inconformidade do prejudicado até porque consciente da falibilidade do julgador A possibilidade de revisão das decisões surge explica ZANOIDE DE MORAES1 numa primeira aproximação como forma de se melhorarem os provimentos jurisdicionais através de nova apreciação do problema inicialmente discutido Logo o fundamento dos recursos passa sintetiza HINOJOSA SEGOVIA2 pelo reconhecimento da falibilidade humana pois se considera que os juízes podem errar ao aplicar ou interpretar a lei processual ou material sendo conveniente se não imprescindível que as partes tenham a possibilidade de solicitar no próprio processo que a decisão proferida seja modificada ou pelo mesmo órgão jurisdicional que a elaborou ou por um órgão superior colegiado e mais experiente como garantia de uma melhor ponderação das questões Outro argumento importante é o da ampliação da visibilidadesobre o processo Os recursos permitem uma visibilidade compartilhada uma multiplicidade de olhares ao julgar como bem destaca POZZEBON3 Essa ampliação de visibilidade também contribui para uma ampliação da legitimidade e reforça a confiabilidade das decisões E principalmente a existência dos recursos obedece a razões não de política legislativa senão de índole constitucional na medida em que representam desdobramentos do devido processo e do direito de defesa Quanto ao conceito vejamos sumariamente a lição de alguns clássicos do direito processual penal ARAGONESES ALONSO4 entende que recurso é o ato de parte por meio do qual se solicita a modificação de uma resolução judicial que produziu um gravame ao recorrente no mesmo processo em que aquela foi ditada LEONE5 define como um remédio jurídico atribuído às partes e em casos particulares a sujeitos que não tenham participado no processo com o caráter de parte a fim de remover uma desvantagem proveniente de uma decisão judicial CARNELUTTI6 com a peculiar leitura do fenômeno processual que sempre o caracterizou trata dos recursos na dimensão de la crítica a la decisión explicando que etimologicamente criticar não significa outra coisa que julgar e o uso deste vocábulo tende a significar aquele juízo particular que tem por objeto outro juízo isto é o juízo sobre o juízo e dessa maneira um juízo elevado à segunda potência Essa ideia de juicio sobre el juicio é muito interessante desde que bem compreendida pois quando o autor emprega a expressão juízo juicio o faz no sentido amplo de julgamento ou seja do conjunto de atos que integram o processo e o julgamento sentido estrito e não apenas na dimensão deste último Assim juízo não significa ato decisório senão toda a matéria trazida ao processo e que compõe o julgamento GOLDSCHMIDT7 sustenta que os recursos são os meios jurídicos processuais concedidos às partes aos afetados imediatamente pela resolução judicial para impugnar uma resolução judicial que não é formalmente definitiva ausência de coisa julgada formal ante um tribunal superior efeito devolutivo e que suspendem os efeitos da coisa julgada efeito suspensivo Todo recurso supõe como fundamento jurídico a existência de um gravame prejuízo da parte isto é uma diferença injustificada desfavorável para ela entre sua pretensão ou resistência e o que foi concedido pela resolução que impugna Preciso também é o conceito dado por DALIA e FERRAIOLI8 de que la impugnazione è il rimedio che in casi tassativi la legge accorda a determinati soggetti per rimuovere gli effetti pregiudizievoli di un provvedimento giurisdizionale che ritengano ingiusto o illegitimo Para finalizar essa rápida revisão conceitual MANZINI9 define os recursos como atividades processuais que determinam uma nova fase do mesmo procedimento através da qual se controla ou se renova o juízo anterior As impugnações determinam de ordinário a subdivisão do processo em graus como consequência do julgamento de primeiro grau podem seguir os juízos de segundo grau apelação e de terceiro grau cassação Desse rápido apanhado podemos extrair um conjunto de elementos comuns que contribuem para a compreensão do que sejam os recursos a é ato de parte portanto não é recurso a atividade de ofício do juiz senão um mero reexame completamente dispensável a nosso ver b a parte recorrente deve ter sofrido um gravame um prejuízo c é um direito que deve ser exercido no mesmo processo ou seja não instaura o recurso uma nova situação jurídicoprocessual senão que constitui desdobramento ou nova fase do mesmo processo que gerou a decisão impugnada d a decisão deve ser recorrível portanto não pode terse operado a coisa julgada ainda que formal e estabelece um julgamento sobre o julgamento ou seja o juízo sobre o juízo de CARNELUTTI f permite que outro órgão jurisdicional superior hierarquicamente modifique a decisão anulandoa ou reformandoa no todo ou em parte Assim o conceito de recurso vinculase à ideia de ser um meio processual através do qual a parte que sofreu o gravame solicita a modificação no todo ou em parte ou a anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado no mesmo processo em que ela foi proferida Excepcionalmente o recurso pode não ser um ato de parte senão do ofendido que venha ao processo como assistente não habilitado exclusivamente para recorrer O que não se pode admitir é tratar como recurso em sentido próprio os chamados reexames necessários no nosso sistema ainda denominados recurso de ofício previstos no art 574 do CPP Quanto à natureza jurídica dos recursos devese ter presente a distinção entre eles e as ações autônomas de impugnação revisão criminal habeas corpus e mandado de segurança pois ao contrário delas os recursos não são ações processuais penais não instaurando uma nova situação jurídica processual Os recursos são uma continuidade da pretensão acusatória ou da resistência defensiva conforme a titularidade de quem o exerça Assim o recurso interposto pelo Ministério Público não instaura uma nova situação jurídica processual um novo processo senão que constitui uma continuidade do exercício da pretensão acusatória Quanto à defesa o recurso é um importante instrumento de resistência na busca de uma sentença favorável Isso porque é o processo um instrumento de satisfação jurídica de pretensões e resistências de modo que enquanto não houver o provimento jurisdicional definitivo o trânsito em julgado o que se tem é a utilização de instrumentos legais para obtenção da sentença favorável pretendida por cada uma das partes A própria etimologia do vocábulo recursus remete à noção de retomar o curso jamais à de estabelecer um novo curso10 Em suma o poder de recorrer é um desdobramento da pretensão acusatória ou para outros autores do direito de ação ou de defesa resistência não constituindo um novum iudicium senão que se desenvolvem na mesma situação jurídica originária isto é um desdobramento do processo existente 2 O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição Direito Fundamental InAplicabilidade nos Casos de Competência Originária dos Tribunais O princípio do duplo grau de jurisdição traz na sua essência o direito fundamental de o prejudicado pela decisão poder submeter o caso penal a outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior na estrutura da administração da justiça Além de garantir a revisão da decisão de primeiro grau também compreende a proibição de que o tribunal ad quem11 conheça além daquilo que foi discutido em primeiro grau ou seja é um impedimento à supressão de instância12 Ainda que existam algumas bemintencionadas tentativas de extraílo de outros princípios da Constituição como o direito de defesa e o próprio devido processo não foi o duplo grau expressamente consagrado pela Carta de 1988 Mas essa discussão perdeu muito do seu fundamento com o art 82 letra h da Convenção Americana de Direitos Humanos que expressamente assegura o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior Os direitos e as garantias previstos na CADH13 passaram a integrar o rol dos direitos fundamentais a teor do art 5º 2º da Constituição sendo portanto autoaplicáveis art 5º 1º da CF Logo nenhuma dúvida paira em torno da existência no sistema brasileiro do direito ao duplo grau de jurisdição Recordemos contudo que a posição atual do STF sobre o tema HC 87585TO é a de que a CADH ingressa no sistema jurídico interno com status supralegal ou seja acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Problema concreto surge nos crimes que por decorrência da prerrogativa de função do agente são julgados originariamente pelos tribunais É o caso de um deputado estadual que cometa um delito de homicídio que como vimos no estudo da competência será julgado pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado Dessa decisão poderá a parte prejudicada interpor apenas recurso especial STJ eou recurso extraordinário STF com uma série de restrições para sua admissibilidade e principalmente restritos à discussão de matéria de direito Não há mais espaço para discussão sobre o mérito ou mesmo a prova não confundir com a discussão permitida sobre o regime legal da prova E se o agente for um Ministro de Estado cujo julgamento é originariamente atribuído ao Supremo Tribunal Federal art 102 I c da Constituição como se dará o duplo grau de jurisdição Não haverá Há nesses casos um completo esvaziamento da garantia do duplo grau de jurisdição em benefício da prerrogativa funcional e do julgamento originário por um órgão colegiado Mas isso é constitucional Prevalece o entendimento de que a Constituição não consagra expressamente o duplo grau de jurisdição mas sim os casos em que haverá julgamento originário pelos tribunais podendo haver portanto uma restrição à garantia que decorre da CADH cujo caráter supralegal a coloca abaixo da Constituição Ademais ainda que o duplo grau fosse consagrado no texto constitucional poderia haver a supressão ou limitação pelo próprio sistema constitucional FERREIRA MENDES14 explica que o próprio modelo jurisdicional positivado na Constituição afasta a possibilidade de aplicação geral do princípio do duplo grau de jurisdição Prossegue o autor esclarecendo que se a Constituição consagra a competência originária de determinado órgão judicial e não define o cabimento de recurso ordinário não se pode cogitar de um direito ao duplo grau de jurisdição seja por força de lei seja por força do disposto em tratados e convenções internacionais Importante esclarecer na lição acima que quando o autor se refere ao não cabimento de recurso ordinário está fazendo alusão à categoria doutrinária de recurso ordinário ou seja àqueles meios de impugnação que têm por objeto provocar um novo exame total ou parcial do caso penal alcançando tanto as matérias de direito como também fáticas Logo quando o imputado é julgado originariamente por um tribunal eventual recurso será extraordinário na medida em que os tribunais superiores somente podem entrar no exame da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão inferior ou seja um juízo limitado ao aspecto jurídico da decisão impugnada Sobre tais conceitos remetemos o leitor ao próximo tópico no qual analisaremos com mais profundidade Por fim destacamos a tendência de fortalecer a decisão de primeiro grau restringindo a matéria recursal às questões de direito mas para que isso se implemente é imprescindível que um julgamento seja realizado por órgão colegiado já na instância originária É o caso do modelo espanhol em que os delitos graves são de competência em primeiro grau conforme o caso da Audiencia Provincial ou da Sala de lo Penal de la Audiencia Nacional ambos órgãos colegiados Dessa decisão somente cabe recurso de Cassação que está limitado ao exame unicamente da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão jurisdicional inferior colegiado de maneira a limitar o reexame ao aspecto jurídico da sentença impugnada15 ARMENTA DEU16 em lição também aplicável ao nosso modelo explica que as limitações à segunda instância são legítimas desde o ponto de vista da adequação constitucional pois a norma fundamental prescreve a revisibilidade das sentenças penais condenatórias o que não significa exatamente a constitucionalização da segunda instância penal pois dita exigência se satisfaz também mediante um recurso extraordinário ou seja limitado à discussão de matéria de direito como o de cassação Inclusive a vigência dos princípios de imediação e oralidade é pilar fundamental do juízo penal e a plena análise das questões fáticas em segundo grau gera uma indesejável condicionante que é o fato de a prova ser praticada no julgamento de primeiro grau com o órgão ad quem fazendo um juízo de apreciação mediata17 ou seja através de materiais escritos e sem o contato do julgador com a prova Em suma havendo órgão colegiado em primeiro grau pode existir restrição recursal mas jamais restrição recursal com julgamento monocrático em primeiro grau juiz singular 3 Classificando os Recursos Ordinários e Extraordinários Totais e Parciais Fundamentação Livre ou Vinculada Verticais e Horizontais Voluntários e Obrigatórios Crítica ao Recurso de Ofício Doutrinariamente os recursos podem ser classificados em dois grandes grupos18 Recursos ordinários são aqueles que têm por objeto provocar um novo exame total ou parcial do caso penal já decidido em primeira instância por um órgão superior ad quem alcançando tanto as matérias de direito como também fáticas com possibilidade de decisão sobre a determinação dos fatos sua tipicidade a prova dosimetria da pena etc Exemplo típico de recurso ordinário é a apelação do art 593 do CPP Recursos extraordinários onde os tribunais superiores entram no exame unicamente da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão inferior sendo assim um juízo limitado ao aspecto jurídico da decisão impugnada Em última análise limitam a discussão a questões de direito expressamente previstas em lei São exemplos o recurso especial art 105 III da Constituição e o recurso extraordinário art 102 III da Constituição Citamos essa classificação porque consagrada na doutrina processual mas preferimos não adotála para evitar confusões especialmente para aqueles que iniciam o estudo pois o sistema brasileiro prevê como espécies recursos com esses mesmos nomes Assim quando falarmos em recurso extraordinário estaremos fazendo alusão àquele previsto no art 102 inciso III da Constituição e por recurso ordinário o previsto no art 102 II da Constituição Compreendido isso sigamos Os recursos ainda podem ser classificados19 tomando por base a extensão da matéria impugnada em totais ou parciais recursos totais são aqueles em que a parte utiliza sua faculdade de impugnar toda a matéria permitida ou seja plena impugnação de todo o campo legalmente reexaminável Exemplo típico é o recurso de apelação total por excelência pois permite ampla discussão sobre a matéria fática e jurídica assim tendo procedido a parte recursos parciais nesse caso a parte interessada utiliza de parte de sua faculdade de impugnação ainda que a lei lhe permitisse ampla rediscussão de todas as questões decididas Quando o réu é condenado por exemplo pela prática de um crime sem violência ou grave ameaça a uma pena inferior a 4 anos mas que não foi substituída indevidamente por pena restritiva de direitos poderá apelar de toda ou de parte da decisão Se optar por discutir exclusivamente a recusa por parte do juiz em substituir a pena abrindo mão de buscar o reexame da prova e da própria condenação estará fazendo um recurso parcial Quanto às restrições na fundamentação os recursos podem ser de fundamentação livre ou vinculada recurso de fundamentação livre confundese com os recursos ordinários e totais pois a lei não restringe a fundamentação a ser utilizada no recurso permitindo assim que a parte recorra de todas as questões fáticas e de direito Novamente é a apelação o melhor exemplo recurso de fundamentação vinculada em sentido oposto aqui a própria lei limita a matéria que pode ser impugnada definindo em que limites se deve dar a fundamentação São exemplos o recurso em sentido estrito em que a fundamentação fica vinculada à situação jurídica definida no inciso e os recursos extraordinário e especial em que o fundamento do recurso fica restrito à matéria definida no dispositivo legal por exemplo no recurso especial a interposição com base no art 103 III a limita a fundamentação à demonstração de que a decisão contrariou tratado ou lei federal ou negou lhe vigência conforme o caso Também são um recurso de fundamentação vinculada os embargos infringentes em que a limitação vem dada não pela lei mas pela matéria objeto do voto vencido Ou seja a fundamentação dos embargos infringentes está limitada e circunscrita pelo voto vencido não podendo ir além dele ou melhor do objeto da divergência Atendendo ao grau hierárquico os recursos podem ser horizontais ou verticais20 recursos horizontais são aqueles que se resolvem pelo mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida sendo portanto pouco eficazes por razões psicológicas facilmente compreensíveis Exemplo de recurso horizontal são os embargos declaratórios em que a decisão incumbe ao mesmo órgão que o proferiu O recurso em sentido estrito é misto na medida em que no primeiro momento ele é horizontal permitindo que o juiz que proferiu a decisão se retrate ou não subindo em caso de manutenção da decisão proferida vertical recursos verticais resolvemse pelo Tribunal Superior àquele órgão jurisdicional que proferiu a decisão São exemplos a apelação recurso extraordinário especial embargos infringentes etc Alguma doutrina ainda classifica os recursos em voluntários e obrigatórios ou de ofício Voluntários são todos os recursos que dependem da manifestação da parte interessada que poderá recorrer ou não no todo ou em parte da decisão Excetuando os casos previstos no art 574 recursos obrigatórios todos os demais são voluntários Os recursos obrigatórios também chamados reexame necessário ou recursos de ofício estão previstos no art 574 do CPP nos seguintes termos Art 574 Os recursos serão voluntários excetuandose os seguintes casos em que deverão ser interpostos de ofício pelo juiz I da sentença que conceder habeas corpus II da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena nos termos do art 411 A esses dois casos devese acrescentar um terceiro que é o recurso de ofício da decisão que concede a reabilitação como determina o art 746 do CPP Nesses casos enquanto não houver o reexame da decisão pelo respectivo tribunal não há o trânsito em julgado da decisão sendo portanto uma condição de eficácia da sentença21 Vejamos agora a crítica aos chamados recursos de ofício Inicialmente recordemos que o conceito de recurso está vinculado à ideia de ser um remédio processual da parte que sofreu o gravame portanto juiz não é parte e tampouco sofre gravame por sua própria decisão É manifesta a ilegitimidade e a falta de interesse do juiz em recorrer da decisão que ele mesmo proferiu Ademais sequer recurso pode ser considerado Interessante reparar também como funciona um Código de matriz nitidamente inquisitória e punitivista como o nosso só existe recurso de ofício de decisões que beneficiam o réu Impressiona a escancarada forma de controle por parte dos órgãos jurisdicionais superiores das decisões proferidas em primeiro grau que beneficiem o imputado pois é obrigatório submeter ao reexame do tribunal enquanto isso não acontecer não há trânsito em julgado recordemos as decisões que concedem habeas corpus mas não o são as que decretam a prisão temporária ou preventiva a que absolve sumariamente o réu mas não há reexame necessário da decisão de pronúncia nem da sentença condenatória e a que concede a reabilitação Estamos diante de um ranço autoritário incompatível com o processo penal democrático com a constitucional independência dos juízes e até mesmo com o contraditório pois estabelece uma forma desigual de tratamento processual das partes Também constitui uma indevida incursão do juiz num campo que não lhe pertence qual seja da iniciativa acusatória Se considerarmos o recurso como uma extensão do direito de ação ou a continuidade do exercício da pretensão acusatória é manifesta a inconstitucionalidade do recurso de ofício na medida em que incompatível com o art 129 I da Constituição Incumbe privativamente ao Ministério Público promover a ação penal pública Portanto nessas decisões o recurso da mesma forma que a ação penal pública é de iniciativa privativa do Ministério Público Excepcionalmente poderseia admitir que o assistente da acusação em caso de inércia do Ministério Público recorresse da decisão que absolve sumariamente o réu das demais não há um interesse juridicamente tutelável mas jamais que o faça o juiz de ofício22 Em suma a crítica ao recurso de ofício pode ser assim elaborada crítica genérica falta legitimidade e interesse ao juiz Ademais viola o sistema acusatório pois é ativismo judicial contra o réu já que é recurso obrigatório de decisões que o beneficiam ou seja é um controle em relação a tudo o que possa beneficiar o réu Ademais o art 129 I da Constituição atribui ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública de modo que tal recurso depende de iniciativa do MP crítica específica ao art 574 II houve revogação tácita pois a O art 411 não trata mais da absolvição sumária b Os casos de absolvição sumária foram ampliados haveria reexame necessário só nesses dois casos Nos demais casos de absolvição sumária não Não faz sentido c A reforma de 2008 mudou o art 411 para 415 e já estabeleceu expressamente no art 416 que o recurso cabível é apelação Logo em 2008 muda e já estabelece expressamente que é apelação Se o legislador quisesse manter o recurso de ofício teria contemplado expressamente no art 416 e modificado o art 574 II Logo temos como tacitamente revogado o art 574 II e substancialmente inconstitucionais os demais casos de recurso de ofício por violação ao disposto no art 129 I da CF e da estrutura acusatóriaconstitucional do processo penal Contudo a matéria não é pacífica e os juízes continuam recorrendo de ofício nos casos dos arts 574 e 746 do CPP e os tribunais com raras e meritórias exceções conhecendo e julgando23 Finalizando a análise das várias classificações possíveis aos recursos esclarecemos que essas categorias podem se combinar eis que não são excludentes de modo que o recurso de apelação por exemplo será um recurso ordinário total ou parcial se for o caso de fundamentação livre vertical e voluntário O recurso em sentido estrito RSE é uma forma de impugnação cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei havendo uma variação conforme a fundamentação legal apontada Tomemos como exemplo o RSE interposto com base no art 581 II decisão que reconhecer a incompetência do juízo É um recurso extraordinário discutese apenas a questão de direito total dentro da matéria submetida a reexame não confundir com devolução de toda a matéria de um recurso ordinário de fundamentação vinculada discutese apenas a incompetência do juízo e horizontal no primeiro momento subindo para o respectivo tribunal em caso de manutenção da decisão vertical 4 Efeitos Devolutivo e Suspensivo Conceitos e Crítica Inadequação de Categorias Diante dos Valores em Jogo no Processo Penal Tradicionalmente aos recursos no processo penal são atribuídos efeitos nos moldes do processo civil de caráter devolutivo e suspensivo Não há que se desconsiderar que todo e qualquer recurso impede que a decisão faça coisa julgada formal e portanto também material Mas além desse efeito impeditivo da coisa julgada os recursos podem ter os seguintes efeitos 1 DEVOLUTIVO a interposição de um recurso explica MANZINI24 devolve total ou parcialmente o julgamento el juicio relativo a providência impugnada à competência funcional do juiz ou tribunal definido Toda a impugnação produz o efeito devolutivo mas este pode ser mais ou menos completo segundo o recurso se refira a toda decisão ou somente a alguma parte dela Mas o efeito devolutivo tem algumas nuances que exigem uma subdivisão 11 Interativos ou regressivos são aqueles recursos em que se atribui ao próprio juiz que ditou a decisão reexaminála ou seja regressa para o mesmo juiz É o caso dos embargos declaratórios em que incumbe ao juiz que proferiu a sentença ou câmaraturma criminal em caso de acórdão decidir novamente esclarecendo a contradição ambiguidade obscuridade ou omissão Não há além dos embargos declaratórios outro recurso com efeito regressivo 12 Reiterativos ou devolutivos são os devolutivos propriamente ditos que necessariamente devolvem o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem ou seja para um órgão superior àquele que proferiu a decisão Exemplo típico é o recurso de apelação em que caberá ao tribunal reexaminar a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau Também possuem esse efeito os embargos infringentes recurso ordinário recurso extraordinário e recurso especial 13 Misto nesse caso há efeito duplo pois permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e caso a mantenha o recurso será remetido para o tribunal ad quem Ou seja o recurso é regressivo no primeiro momento e caso o juiz não reforme sua decisão passa a ter o efeito devolutivo propriamente dito com o recurso subindo para o tribunal ad quem O recurso em sentido estrito é um exemplo desse efeito recursal Também o agravo da execução previsto no art 197 da LEP na medida em que predomina o entendimento de que seu processamento segue aquele previsto para o recurso em sentido estrito Mas antes de verificarmos o efeito suspensivo é importante compreender que o efeito devolutivo propriamente dito tem alguns limites e regras de extensão Quanto à extensão a devolução da matéria para o conhecimento do tribunal é limitada pela matéria impugnada pelo recorrente ou ainda pela natureza do recurso classificação dos recursos em ordinário ou extraordinário sendo a Total quando pode devolver o conhecimento de todas as questões discutidas no processo como sucede no recurso de apelação b Parcial nesse caso a devolução da matéria está como regra limitada ao que foi alegado pela parte interessada É o exemplo do recurso de apelação em que a defesa impugna apenas um determinado aspecto da sentença como pode ser a apelação em relação ao regime inicial de cumprimento O tribunal só conhece dessa matéria Mas há uma importante exceção à limitação da devolução eventuais nulidades absolutas que beneficiem a defesa podem ser reconhecidas de ofício ainda que ninguém as tenha alegado c Recursos extraordinários nessas modalidades de recurso a impugnação fica restrita a questões de direito não havendo a devolução da análise da matéria fática Além disso tal modalidade de recurso possui uma fundamentação legal expressa ou seja somente cabe nos casos em que a lei o admitir Exemplos Recurso Extraordinário e Recurso Especial Ainda no que tange ao efeito devolutivo é importante o estudo do princípio tantum devolutum quantum appellatum a seguir analisado e para onde remetemos o leitor 2 SUSPENSIVO por efeito suspensivo se entende aquele obstáculo legal a que a sentença proferida possa surtir todos os seus efeitos antes do trânsito em julgado Tal efeito determina a impossibilidade de executarse a resolução judicial recorrida Como regra os recursos proferidos contra a sentença penal condenatória devem ter efeito suspensivo assegurandose ao réu o direito de recorrer em liberdade e assim permanecer até o trânsito em julgado Isso porque no processo penal a liberdade é a regra e a prisão uma exceção Mas isso não impede a prisão do imputado nesse momento pois como veremos bastará a existência fundamentada de periculum libertatis art 312 para que o réu seja preso Já a apelação interposta contra a sentença penal absolutória nunca terá efeito suspensivo pois como determina o art 596 A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto imediatamente em liberdade Em suma o efeito suspensivo como o próprio nome diz suspende o mandamento contido na sentença sendo que a regra é a manutenção do réu em liberdade Daí por que na sentença absolutória deve o réu ser posto imediatamente em liberdade ainda que exista recurso da acusação pois esse recurso não terá efeito suspensivo mas meramente devolutivo Mas a ausência de efeito suspensivo não se manifesta apenas em relação à prisão cautelar senão que atinge todas as medidas coercitivas que incidem sobre o réu ou seu patrimônio Como consequência a absolvição conduz ao levantamento de toda e qualquer medida assecuratória sequestro arresto ou hipoteca legal e também à restituição dos bens apreendidos exceto se por sua natureza sejam ilícitos por si mesmos Em suma os efeitos da absolvição são plenos e não são suspensos pela eventual apelação interposta pelo acusador Já o recurso contra a sentença condenatória poderá ou não ter efeito suspensivo cabendo analisar nesse momento a partir da lógica do sistema cautelar ou seja se houver necessidade demonstrada pelo periculum libertatis nos termos do art 312 do CPP poderá o juiz determinar a prisão ou ali manter aquele que já se encontre preso Nesse caso não estará atribuindo efeito suspensivo ao recurso defensivo interposto contra a sentença penal condenatória Mas devese ter muito cuidado com o efeito suspensivo ou melhor sua ausência no caso de recurso contra decisão condenatória Muito mais do que a categoria processual de efeito recursal o que está em jogo é a eficácia da garantia constitucional da presunção de inocência E aqui reside nossa crítica especialmente nos recursos Especial e Extraordinário como veremos ao tratar dos recursos em espécie 5 Regras Específicas do Sistema Recursal Compreendida a incidência dos Princípios do Processo Penal na fase recursal vejamos agora as regras específicas do sistema recursal Não é aqui o momento de fazer uma profunda análise entre Princípios e Regras25 senão que partindo do conceito de ÁVILA26 concebemos as regras como normas imediatamente descritivas primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos O conceito de regra recursal é fundamental na medida em que determina a adoção da conduta descrita sem perder de vista a fidelidade aos princípios do processo penal anteriormente explicados que são axiologicamente sobrejacentes e sem olvidar da necessária manutenção de fidelidade em relação à finalidade desses mesmos princípios superiores Ademais essas regras são normas descritivas com pretensão de abrangência e decidibilidade que exigem a correspondência da conduta praticada em relação à finalidade que lhes dá suporte Em última análise nesse conjunto de regras encontraremos verdadeiras regras para o juízo do juiz ou seja regras para o tribunal observar no momento do julgamento dos recursos 51 Fungibilidade A Fungibilidade está prevista no art 579 do CPP nos seguintes termos Art 579 Salvo a hipótese de máfé a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro Parágrafo único Se o juiz desde logo reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte mandará processálo de acordo com o rito do recurso cabível Significa que o sistema recursal permite que um recurso errado seja conhecido no lugar de outro correto a partir de uma noção de substitutividade de um recurso por outro Mas esse princípio não legitima o conhecimento de qualquer recurso errado no lugar de outro correto Para isso o art 579 prevê que um recurso poderá ser conhecido por outro desde que afastada a máfé do recorrente O conceito de máfé é aberto indeterminado permitindo ampla manipulação conceitual Tampouco soluciona o problema invocar o erro grosseiro para caracterizar a máfé ou mesmo o pacífico entendimento jurisprudencial sobre o cabimento de determinado recurso mas em geral é com base nesses dois fatores erro grosseiro e ausência de divergência jurisprudencial que os tribunais pautam a aplicação da fungibilidade Em geral temse admitido a fungibilidade entre Apelação e Recurso em Sentido Estrito porque nem sempre os casos de interposição de um e outro permitem sem sombra de dúvida a escolha do recurso correto mas principalmente porque é possível a interposição do recurso errado mas dentro do prazo de interposição do correto Esse é outro aspecto costumeiramente invocado na jurisprudência importante a ser considerado no momento de aplicar a regra da fungibilidade ainda que o recurso seja errado deve ser interposto com tempestividade em relação ao correto Essa construção é um grande limitador da eficácia da fungibilidade com a qual não concordamos pois pensamos que não é razoável nem realista O normal é que a parte interponha o recurso que julgue ser o correto no prazo que a lei lhe determina Exigir outra conduta é ilógico mas infelizmente é assim que muitos tribunais ainda tratam da matéria Pensamos que a fungibilidade deve ter maior eficácia27 afastandose sua aplicação apenas quando escancaradamente a parte estiver usando um recurso manifestamente errado para remediar a perda do prazo do recurso correto Pode ser invocado princípio da fungibilidade na divergência no prazo de interposição do recurso extraordinário com agravo e no agravo em recurso especial Entendemos que sim e que o art 579 exige uma releitura especialmente no que tange à hipótese de máfé Tradicionalmente afirmavase que a máfé era o erro grosseiro o proceder doloso E principalmente muitos exigiam para invocação da fungibilidade que o recurso errado fosse interposto no prazo do recurso correto Ora essa é uma limitação excessiva e até mesmo contraditória com o proceder honesto da parte Quem acredita honestamente que é um recurso quando na verdade é outro orientase pelo prazo do recurso que crê ser o correto por elementar Portanto além de o art 579 não exigir a interposição no prazo do recurso correto para aplicação da fungibilidade a máfé deve ser demonstrada e nunca presumida Devese considerar o agir intencional doloso destinado a burlar o sistema recursal O erro grosseiro é aquele que constitui um equívoco injustificável fruto de um profundo desconhecimento das leis processuais e sobre uma questão que não exista qualquer dúvida interpretativa28 É uma afronta literal à lei e à dogmática processual consolidada Em sentido diverso quando não houver paz conceitual sob o cabimento de um recurso ou outro a divergência deve operar prórecurso Por fim com alguma boa vontade é possível aplicarse a fungibilidade nas ações de impugnação com o mandado de segurança sendo conhecido como habeas corpus e viceversa 52 Unirrecorribilidade Determina o art 593 4º do CPP que quando cabível a apelação não poderá ser usado o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra Significa dizer que a apelação absorve a matéria do recurso em sentido estrito sendo mais abrangente que ele Mais do que isso a regra impõe que uma decisão seja impugnável por apenas um recurso Por exemplo se uma sentença penal condena o réu a uma pena de 2 anos de reclusão e nega a suspensão condicional da pena A parte interessada deverá interpor apenas o recurso de apelação e não apelação recurso em sentido estrito pois da decisão que denega o sursis em tese cabe RSE art 581 XI Ainda que o recurso seja parcial limitado a postular o reexame apenas da não concessão da suspensão condicional da pena deverá o réu interpor apenas o recurso de apelação e não recurso em sentido estrito Tratase de um recurso contra uma sentença condenatória apelável portanto Ainda que a impugnação seja limitada a determinado aspecto da sentença não deixa de ser um recurso contra uma sentença penal condenatória logo apelação ainda que parcial pois limitada a discutir apenas parte dela Em suma a unirrecorribilidade tem por base o seguinte princípio contra uma decisão caberá apenas um recurso Mas essa regra possui uma exceção recurso especial e recurso extraordinário Um acórdão pode violar simultaneamente uma lei federal e também a Constituição Nesse caso para evitar a preclusão deverá a parte interessada interpor no mesmo prazo de 15 dias os dois recursos especial e extraordinário ainda que o último fique sobrestado aguardando o julgamento do primeiro 53 Motivação dos Recursos Todo e qualquer recurso deve ser fundamentado expondo as questões de fato eou de direito que o sustentam Mesmo a apelação em que o art 601 admite a subida com as razões ou sem elas tem sido objeto de uma releitura constitucional de modo que em nome da ampla defesa e do contraditório os tribunais têm determinado o retorno dos autos à comarca de origem para que sejam apresentadas as razões inclusive com a nomeação de defensor dativo para apresentálas se não o fizer o constituído Além da ampla defesa a ausência de razões também viola o contraditório porque sem elas não tem a outra parte condições plenas de contraarrazoar Por isso os tribunais ultimamente têm determinado que os autos baixem em diligências para que o defensor ofereça as razões ou seja nomeado um dativo para isso 54 Proibição da Reformatio in Pejus e a Permissão da Reformatio in Mellius Problemática em Relação aos Julgamentos Proferidos pelo Tribunal do Júri No processo penal está sempre permitida a reforma da decisão para melhorar a situação jurídica do réu inclusive com o reconhecimento de ofício e a qualquer momento de nulidades processuais que beneficiem o réu Mas não pode o tribunal reconhecer nulidade contra o réu que não tenha sido arguida no recurso da acusação Súmula n 160 do STF Assim diante de um recurso do Ministério Público sem recurso da defesa o tribunal pode acolher o pedido do MP manter a decisão e denegar o pedido ou ainda de ofício negar provimento ao pedido do MP e melhorar a situação jurídica do réu ainda que ele não tenha recorrido Por outro lado está vedada a reforma para pior ou seja diante de um recurso da defesa não pode o tribunal piorar a situação jurídica do imputado Portanto diante de um exclusivo recurso da defesa o tribunal pode dar provimento no todo ou em parte ou manter intacta a decisão de primeiro grau Em nenhuma hipótese pode piorar a situação do réu exceto é óbvio se também houver recurso do acusador Nesse sentido determina o art 617 do CPP Art 617 O tribunal câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts 383 386 e 38729 no que for aplicável não podendo porém ser agravada a pena quando somente o réu houver apelado da sentença Também está vedada a reformatio in pejus indireta dissimulada como pode ocorrer no seguinte caso o juiz condena o réu a uma pena de 4 anos de reclusão por determinado delito Em grau recursal o tribunal acolhendo a apelação da defesa anula a sentença por terse baseado em prova ilícita determinando o desentranhamento e a repetição do ato Na nova sentença o réu é condenado a uma pena de 5 anos de reclusão Tratase de uma reformatio in pejus indireta que conduzirá a nova nulidade da sentença É indireta porque a piora na situação do réu não foi causada diretamente pelo tribunal julgando o recurso Mas sem dúvida o tratamento mais grave foi efeito do acolhimento do recurso da defesa Situação complexa surge na aplicação do princípio da ne reformatio in pejus nos julgamentos do Tribunal do Júri pois também regidos pelo princípio da soberania dos julgamentos Tradicionalmente a situação era tratada inclusive por nós em edições anteriores da seguinte forma Supondo que o réu tenha sido condenado por homicídio simples a uma pena de 6 anos de reclusão Inconformado apela com base no art 593 III d do CPP Provido o apelo é submetido a novo julgamento pelo júri Neste novo julgamento poderia a pena ser superior à anterior 6 anos Não pois isso constituiria uma reformatio in pejus Logo a segunda decisão seria nula cabendo uma nova apelação agora fundada na letra b devendo o tribunal ad quem retificar a pena para o patamar anterior Mas no mesmo exemplo poderia o réu no novo júri ser condenado por homicídio qualificado a uma pena de 12 anos Sim poderia seria a resposta tradicional pois não haveria reformatio in pejus indireta na medida em que se o réu foi pronunciado por homicídio qualificado e no primeiro júri é negada a qualificadora e condenado por homicídio simples no novo júri o julgamento é inteiramente repetido Os novos jurados são soberanos para decidir Portanto como a qualificadora foi reconhecida na pronúncia ela será novamente quesitada e os jurados podem reconhecêla Não haveria reformatio in pejus pois o julgamento seria inteiramente repetido e os jurados soberanos na sua decisão Mas esse entendimento deve ser revisado principalmente após a decisão proferida pela 2ª Turma do STF no HC 895441 julgado em 1404200930 Segundo explica o Min CEZAR PELUSO no corpo do voto condutor que julgava situação similar àquela anteriormente narrada a proibição de reforma para pior inspirada no art 617 do Código de Processo Penal não comporta exceção alguma que a convalide ou legitime ainda quando indireta tal como se caracterizou no caso Se de um lado a Constituição da República no art 5º inc XXXVIII letra c proclama a instituição do júri e a soberania de seus veredictos de outro assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes inc LV do art 5º Para o relator tais princípios são cláusulas elementares do devido processo e devem ser interpretados à luz do critério da chamada concordância prática de modo que no conflito de princípios deve ser adotada uma solução que otimize a realização de todos eles mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum Partindo da unidade orgânica e da integridade axiológica da Constituição deve haver uma coexistência harmônica dos bens tutelados sem predomínio teórico de uns sobre outros Em suma segundo o voto a regra constitucional da soberania dos veredictos em nada impede a incidência da vedação da reformatio in peius indireta pois esta não lhe impõe àquela limitações de qualquer ordem nem tampouco despoja os jurados da liberdade de julgar a pretensão punitiva nos termos em que a formule a pronúncia Por todos esses argumentos entendeu o STF por reformar a decisão fixando a pena do paciente que havia sido condenado pelo júri por homicídio doloso tendo o juiz fixado a pena em 12 anos regime fechado em 6 anos limite imposto pelo julgamento anterior no qual havia o réu sido condenado por homicídio simples Ou seja manteve o STF a condenação pelo homicídio qualificado mas fixou a pena igual àquela do julgamento anterior para evitar a reformatio in pejus indireta No mesmo sentido vai a jurisprudência do STJ31 Concordamos integralmente com a decisão mas parecenos que o caminho percorrido na fundamentação é outro melhor enfrentado por RABELO32 em trabalho sobre o tema Parte RABELO da necessária constitucionalização do processo penal sendo portanto inadequada a afirmação de que o princípio da ne reformatio in pejus seja infraconstitucional Estáse diante de um princípio constitucional implícito decorrente do princípio da ampla defesa e do devido processo legal art 5º LV da CB Portanto a resolução da questão prossegue o autor não pode mais se dar com base no critério hierárquico pois agora se está diante de dois princípios constitucionais fundamentais mas deve ser solucionada no âmbito da ponderação de princípios E aqui está o diferencial da fundamentação RABELO esclarece que não haveria necessidade de se falar em colisão de princípios constitucionais como fez o STF na decisão analisada senão uma exegese contextualizada do princípio da soberania dos veredictos situando seu círculo hermenêutico dentro de um contexto protetivo do acusado Em outros termos devese entender o princípio da soberania dos veredictos como garantia constitucional do acusado e não dos jurados33 Eis o melhor trato da questão No momento em que o legislador constituinte situa o instituto do Tribunal do Júri na dimensão de direito fundamental da pessoa não se pode desconectar deste círculo hermenêutico de modo que todos os princípios e regras do tribunal do júri devem ser trabalhados no contexto de proteção dos direitos individuais do imputado inclusive a soberania dos julgamentos e a garantia da ne reformatio in pejus Do contrário teria o legislador inserido apenas uma norma de competência como o fez com a justiça militar eleitoral federal etc no capítulo que dispõe sobre o Poder Judiciário Obviamente sendo o júri e todas suas regras instrumentos a serviço da eficácia do sistema de proteção da Constituição não pode qualquer delas com a soberania das decisões ser utilizada em seu prejuízo Por fim conclui com acerto RABELO se o princípio da soberania dos veredictos fosse compreendido dessa maneira por certo não haveria necessidade de se falar em sua colisão com o princípio da ne reformatio in pejus nas hipóteses de cassação das decisões do tribunal do júri O que ocorreria é a não incidência do princípio da soberania dos veredictos contra o acusado uma vez que se trata de princípiogarantia do réu de crimes dolosos contra a vida O resultado prático é o mesmo da decisão do STF mas com fundamento teórico diverso e mais adequado pensamos Destarte o que deve ficar claro é diante de recurso exclusivo da defesa vedase que no novo julgamento o resultado seja pior do que aquele proferido no julgamento anterior independente de ter havido o reconhecimento de qualificadora anteriormente afastada 55 Tantum Devolutum Quantum Appellatum Em matéria recursal vinculada ao efeito devolutivo está a regra do tantum devolutum quantum appellatum que em linhas gerais significa que tanto se devolve quanto se apela ou seja ao tribunal é devolvido o conhecimento da matéria objeto do recurso É uma espécie de correlação recursal mas que sofre muitas mitigações pelas especificidades do processo penal Vinculase aos limites do efeito devolutivo mas que no processo penal encontra um campo limitado de incidência pois deve ser pensado à luz da vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da reformatio in mellius o que faz com que acabe sendo bastante relativizado A devolução da matéria pela via do recurso está regida essencialmente pela vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da in mellius Frente a um recurso exclusivo do MP pode o tribunal acolhêlo para condenar o réu absolvido aumentar sua pena etc Mas também pode o tribunal absolver ou mesmo diminuir a pena ainda que a defesa não tenha recorrido até porque pode a qualquer tempo conceder habeas corpus de ofício Ou seja o tantum devolutum quantum appellatum é acima de tudo uma limitação recursal ao acusador Também nos chamados recursos com fundamento vinculado a devolução da matéria está limitada como ocorre nos recursos especial e extraordinário em que não pode o tribunal ir além da matéria contida no fundamento legal invocado Mas ainda nesses casos devemos recordar que as nulidades absolutas podem ser conhecidas a qualquer tempo ainda que a parte não alegue e assim pode fazer o tribunal desde que a favor do réu ex officio 56 Irrecorribilidade dos Despachos de Mero Expediente e das Decisões Interlocutórias Simples Afirmar que a regra é a irrecorribilidade das decisões interlocutórias o que é recorrente na doutrina é insuficiente pois no modelo brasileiro mesmo as decisões interlocutórias são classificadas em simples ou mistas sendo essas últimas recorríveis Também peca por não incluir os despachos de mero expediente efetivamente irrecorríveis Por tudo isso ampliamos a regra para refletir o seu conteúdo Os despachos de mero expediente são de caráter ordenatório sem cunho decisório e que não causam gravame sendo portanto irrecorríveis O problema está nas decisões interlocutórias simples em que existe um mínimo de poder decisório e muitas vezes causam um gravame para a parte atingida A irrecorribilidade dessas decisões é a regra excetuandose os casos expressamente previstos no art 581 do CPP ou seja os casos em que há previsão de recurso em sentido estrito Logo se determinada decisão interlocutória é irrecorrível não há que se falar em preclusão podendo a parte interessada alegar a questão no debate oral final do procedimento e como preliminar no recurso de apelação Situação distinta ocorre nos casos em que há recurso previsto para a decisão interlocutória em que existe preclusão da matéria se não for interposto o recurso adequado e no prazo legal Exemplos se não recorro da decisão de pronúncia não posso alegar um vício dela na apelação depois do Tribunal do Júri Por outro lado a decisão que recebe a denúncia ou queixa é irrecorrível Logo não há preclusão podendo eventual inépcia ser alegada na resposta à acusação nos debates orais e até como preliminar da apelação em caso de sentença penal condenatória Para finalizar é fundamental destacar que a regra da irrecorribilidade dos despachos de mero expediente e das decisões interlocutórias simples possui uma exceção os embargos declaratórios Como explicaremos no próximo capítulo ao tratarmos dos recursos em espécie os embargos de declaração sempre podem ser interpostos ainda que a decisão seja em tese irrecorrível Isso porque às partes é assegurado o direito de compreender a decisão judicial e ver nela tratadas todas as questões ventiladas e que a originaram Assim à regra da irrecorribilidade sempre se devem excepcionar os embargos declaratórios 57 Complementaridade Recursal Significa a possibilidade de complementação do recurso em razão de modificação superveniente na fundamentação da decisão Como regra o recurso é interposto e juntadas no prazo legal as razões que o fundamentam Contudo imaginemos que de determinada sentença a defesa interponha o recurso de apelação e o Ministério Público no mesmo prazo apresente embargos declaratórios Se a defesa apresentar suas razões antes do julgamento dos embargos declaratórios e houver alguma mudança substancial na fundamentação ou mesmo na decisão efeito modificativo deverá serlhe oportunizado prazo para complementar suas razões diante das inovações surgidas Também não vislumbramos qualquer óbice à aceitação dos chamados memoriais aditivos com caráter complementar apresentados pela defesa junto ao tribunal Nesse caso após a apresentação do recurso das razões e das contrarrazões pode a defesa antes do julgamento apresentar memorial para cada desembargador ou ministro integrante da Câmara ou Turma que irá apreciar o recurso Nesse memorial nada impede que sejam complementados ou acrescentados fundamentos jurídicos ou fáticos se for o caso mas com base na prova dos autos Não há violação do contraditório porque também o Ministério Público a ele terá acesso com anterioridade ao julgamento podendo na sua manifestação oral realizada na sessão de julgamento fazer o contraponto que entender necessário e cabível 58 InDisponibilidade dos Recursos Considerando que os recursos são uma continuidade da situação jurídicoprocessual há que se fazer a análise da indisponibilidade dos recursos para o acusador à luz da natureza da ação processual penal Em se tratando de crime de ação processual penal de iniciativa privada regida pela disponibilidade o querelante poderá a qualquer momento desistir do recurso que haja interposto arcando ele com as custas processuais ou renunciar ao que ainda não interpôs Em sendo a ação penal de iniciativa pública a situação é completamente distinta incidindo no caso a regra contida no art 576 do CPP a saber Art 576 O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto O Ministério Público não está obrigado a recorrer da decisão ou sentença mas se o fizer não poderá desistir do recurso pois a ação penal é indisponível como indisponível será o recurso Quanto à renúncia recordando que se renuncia ao que ainda não foi feito desistese do que já foi feito não poderá fazêlo expressamente o Ministério Público mas nada impede a renúncia tácita pelo transcurso in albis do prazo recursal Quanto ao imputado poderá haver a desistência do recurso desde que seja um ato consensual do réu e de seu defensor Havendo a desistência de um deles sem a concordância do outro deve prevalecer a ampla defesa com a manutenção do recurso até porque é vedada a reformatio in pejus Igual tratamento merece a renúncia Assim caso o defensor junte uma petição desistindo do recurso interposto o mais seguro é providenciar a intimação pessoal do réu para que se manifeste no prazo fixado Havendo a concordância expressa temse a desistência do recurso Do contrário deve seguir sua tramitação Para finalizar é importante o disposto na Súmula n 705 do STF a renúncia do réu ao direito de apelação manifestada sem a assistência do defensor não impede o conhecimento da apelação por este interposta E também na Súmula n 708 do STF é nulo o julgamento da apelação se após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor o réu não foi previamente intimado para constituir outro 59 Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos Estabelece o art 580 do CPP Art 580 No caso de concurso de agentes Código Penal art 2534 a decisão do recurso interposto por um dos réus se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal aproveitará aos outros Muitos autores denominam Efeito Extensivo dos Recursos mas na realidade não se trata propriamente de um efeito35 dos recursos senão de uma extensão para outros réus que não recorreram por isso uma extensão subjetiva dos efeitos dos recursos ou seja dos efeitos da decisão proferida no julgamento do recurso BADARÓ36 explica que não se trata de extensão do recurso mas de extensão da decisão proferida no julgamento do recurso Se houvesse extensão do recurso o corréu que não recorreu seria intimado a apresentar razões poderia fazer sustentação oral recorrer da decisão proferida no julgamento do recurso etc Entretanto nada disto ocorre Tratase de uma situação excepcional em que um réu não recorrente pode ser beneficiado pela decisão proferida no recurso interposto pelo corréu desde que não diga respeito a circunstâncias de caráter pessoal Eis aqui mais uma regra que relativiza o tantum devolutum quantum appellatum pois permitese que o tribunal decida em relação a quem sequer recorreu ou seja nada se devolveu em relação àquele réu Tal situação pode suceder por exemplo quando apenas um dos réus recorre da sentença condenatória e o tribunal apreciando esse recurso decide pela atipicidade da conduta por todos praticada Tratase de uma circunstância que não é de caráter pessoal aproveitando a todos os que não recorreram pois um mesmo fato não pode ser como regra atípico para um réu e típico para outro na mesma situação mas que apenas não recorreu Situação diversa é quando o tribunal reconhece por exemplo a atenuante da menoridade relativa do réu apelante negada pela sentença Tratase de circunstância pessoal que não aproveita aos demais corréus exceto se algum deles também for menor e não lhe tiver sido atenuada a pena Como explica MANZINI37 convém prevenir a possibilidade de que em um mesmo processo a sentença adquira a autoridade de coisa julgada em relação a algum dos imputados e seja reformada ou anulada em relação a outros sem que a diversidade de tratamento esteja justificada pela diferença das condições subjetivas desses mesmos imputados Convém destacar ainda que a extensão subjetiva jamais se dá quando o recurso é do acusador ou seja se o Ministério Público recorrer da decisão apenas em relação a um dos corréus o acolhimento desse recurso não alcançará os demais que não foram dele objeto de impugnação Por fim a regra da extensão subjetiva dos efeitos dos recursos também pode ser aplicada nas ações autônomas de impugnação sendo costumeira sua invocação em sede de habeas corpus mandado de segurança e mesmo na revisão criminal Importa é manter a isonomia de tratamento jurídico para réus que estejam na mesma situação jurídicoprocessual evitando decisões conflitantes e tutela injustamente diferenciada 6 Interposição Tempestividade Preparo na Ação Penal de Iniciativa Privada Deserção Na análise específica de cada recurso voltaremos a tratar dos detalhes da interposição e dos prazos recursais cabendo neste momento fazer uma rápida introdução Como regra geral os recursos são interpostos por escrito em petição mas excepcionalmente poderão ser feitos por termo nos autos A regra contida no art 578 O recurso será interposto por petição ou por termo nos autos assinado pelo recorrente ou por seu representante permite que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita termo nos autos E por que a possibilidade de interposição por termo nos autos Para facilitar o acesso das partes ao recurso de apelação e também ao recurso em sentido estrito especialmente da defesa técnica e do próprio réu Imaginese a situação de um réu preso e com defensor dativo É muito importante a permissão legal de que o próprio réu interponha o recurso de apelação contra a sentença que o condenou mas para fazer isso havia que se simplificar o modo de interposição Por isso é acertada a sistemática brasileira em que o réu pode ao ser intimado da sentença condenatória escrever de próprio punho desejo recorrer Basta isso ou qualquer manifestação nesse sentido Inclusive poderá o oficial de justiça questionar se o réu deseja apelar e diante da resposta positiva certificar no mandado Basta isso Temse como interposto o recurso Deverá o juiz intimar o defensor constituído ou dativo para que apresente as razões no prazo legal sob pena de em não o fazendo ser nomeado outro defensor para fazê lo Como regra a interposição por termo nos autos somente é possível nos recursos que possuem dois momentos distintos no seu processamento ou seja um de interposição e outro com as razões São os casos da apelação e do recurso em sentido estrito em que a parte possui o prazo de 5 dias para interposição e outro para apresentação das razões Somente o primeiro momento poderá ser feito por termo nos autos devendo a motivação ser apresentada em petição escrita juntada ao processo Não há assim como se fazer a interposição por termo nos autos de um recurso extraordinário ou especial pois se constituem em uma única peça interposição razões A tempestividade significa que o recurso foi interposto no prazo legal ou seja apresentado a tempo Tratase de um requisito fundamental pois o recurso intempestivo não é sequer conhecido admitido muito menos apreciado Os prazos recursais são fatais e peremptórios sendo sua contagem regida pelo art 798 do CPP Art 798 Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios não se interrompendo por férias domingo ou dia feriado 1º Não se computará no prazo o dia do começo incluindose porém o do vencimento 2º A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão será porém considerado findo o prazo ainda que omitida aquela formalidade se feita a prova do dia em que começou a correr 3º O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerarseá prorrogado até o dia útil imediato 4º Não correrão os prazos se houver impedimento do juiz força maior ou obstáculo judicial oposto pela parte contrária 5º Salvo os casos expressos os prazos correrão a da intimação b da audiência ou sessão em que for proferida a decisão se a ela estiver presente a parte c do dia em que a parte manifestar nos autos ciência inequívoca da sentença ou despacho Em se tratando de sentença a regra é que sejam intimados o réu e seu defensor contandose o prazo da última intimação ou seja da data em que o oficial de justiça assim certificar ter realizado o ato É importante destacar que no processo penal os prazos contamse a partir da realização da intimação e não da juntada aos autos do respectivo mandado como ocorre no processo civil Nessa matéria interessam ainda as Súmulas ns 310 e 710 do STF a saber Súmula n 310 do STF Quando a intimação tiver lugar na sextafeira ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia o prazo judicial terá início na segundafeira imediata salvo se não houver expediente caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir Súmula n 710 do STF No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem Importante esclarecer que nos recursos em que o processamento se dá em dois momentos apelação e recurso em sentido estrito a tempestividade é aferida pelo momento da interposição sendo a apresentação fora do prazo legal das razões uma mera irregularidade Não se pode olvidar que a Lei n 787189 modificando a Lei n 106050 assim dispôs Art 1º O art 5º da Lei n 1060 de 5 de fevereiro de 1950 fica acrescido de um parágrafo numerado como 5º com a seguinte redação Art 5º 5º Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida o Defensor Público ou quem exerça cargo equivalente será intimado pessoalmente de todos os atos do processo em ambas as Instâncias contandoselhes em dobro todos os prazos Com isso os membros da Defensoria Pública dos Estados possuem a importante prerrogativa de serem pessoalmente intimados de todos os atos do processo inclusive no segundo grau concedendolhes em dobro todos os prazos incluindo os recursais Tratase de medida salutar e imprescindível para assegurar a ampla defesa daqueles que além de serem clientes preferenciais do sistema penal seletivo por excelência não possuem condições econômicas para arcar com os custos de um defensor privado Nos recursos de apelação e em sentido estrito em que se concede um prazo para interposição e outro para apresentação das razões a melhor leitura do dispositivo suprarreferido é aquela que concede o dobro do prazo em ambos os atos ou seja 10 dias para interposição e 16 dias para razões no caso da apelação e 10 dias para interposição e 4 dias para apresentação das razões no caso do recurso em sentido estrito Além de tempestivo o recurso nos crimes de ação penal de iniciativa privada deverá ser previamente preparado ou seja deverá o recorrente pagar as custas judiciais previstas para que aquele possa ser julgado sob pena de deserção Nesse tema imprescindível a leitura do art 806 do CPP Art 806 Salvo o caso do art 32 nas ações intentadas mediante queixa nenhum ato ou diligência se realizará sem que seja depositada em cartório a importância das custas 1º Igualmente nenhum ato requerido no interesse da defesa será realizado sem o prévio pagamento das custas salvo se o acusado for pobre 2º A falta do pagamento das custas nos prazos fixados em lei ou marcados pelo juiz importará renúncia à diligência requerida ou deserção do recurso interposto 3º A falta de qualquer prova ou diligência que deixe de realizarse em virtude do não pagamento de custas não implicará a nulidade do processo se a prova de pobreza do acusado só posteriormente foi feita grifo nosso O não pagamento das despesas recursais por parte do recorrente seja querelante ou querelado conduz à deserção do recurso interposto ou seja o recurso não será sequer conhecido Tratase de uma questão impeditiva do julgamento do recurso A deserção em última análise é uma punição processual pelo não pagamento das custas legalmente devidas pelo recorrente O recorrido que irá simplesmente contraarrazoar o recurso interposto pela outra parte não está submetido ao pagamento de qualquer importância Em que momento deverá ser feito o preparo O 2º do art 806 determina que o pagamento das custas deverá ser feito no prazo fixado em lei ou marcado pelo juiz Especificamente no que tange ao preparo dos recursos não há prazo fixado em lei Portanto deverá o juiz recebendo a petição de interposição ou termo nos autos intimar o recorrente para recolher as custas e fixar um prazo razoável para tanto sendo normalmente estabelecido o prazo de 5 dias Ao contrário do que sustenta alguma doutrina com a qual não concordamos não existe lacuna alguma sendo absolutamente inadequada qualquer analogia com o Código de Processo Civil nessa matéria O Código de Processo Penal é claro custas no prazo fixado em lei ou na sua falta no prazo marcado pelo juiz Logo em matéria recursal cabe ao juiz fixar o prazo e determinar a intimação do recorrente para efetuar o recolhimento Não raras vezes os juízes por desconhecimento ou equívoco até porque não existe preparo na ação penal de iniciativa pública o que gera alguma confusão recebem o recurso e determinam o seu processamento Chegando no tribunal ad quem constatase a falta de preparo É caso de deserção Evidente que não Deverá o relator baixar os autos em diligência para que o juízo a quo intime o recorrente para recolher as custas e fixe um prazo razoável Após voltam os autos para continuar o julgamento do recurso Sendo a parte recorrente querelante ou querelado pobre poderá pleitear a dispensa do pagamento das custas processuais art 32 do CPP realizando assim todos os atos processuais e respectivos recursos sem o pagamento de qualquer importância Deve ser lida ainda a Súmula n 187 do STJ Súmula n 187 do STJ É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça quando o recorrente não recolhe na origem a importância das despesas de remessa e retorno dos autos Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas dessa modalidade de ação penal Dessarte a deserção é uma punição processual nas ações penais de iniciativa privada ao recorrente que não pagou as custas processuais e tampouco obteve o benefício da justiça gratuita Destacamos que antigamente havia outro caso de deserção em caso de fuga previsto no art 595 Contudo o art 595 foi revogado Noutra dimensão pensamos que a deserção pelo não pagamento de custas na ação penal de iniciativa privada é de discutível constitucionalidade na medida em que limita o acesso ao duplo grau de jurisdição e quando o recurso é do querelado réu restringese indevidamente o direito de defesa Não conhecer de um recurso defensivo por não pagamento de custas processuais no processo penal é inadmissível Estabelece ainda um paradoxo em relação à ação penal de iniciativa pública em que não há qualquer possibilidade de deserção seja porque o recurso é da acusação MP ou da defesa Logo por que o réu em crime de ação penal de iniciativa pública pode recorrer sem pagar nada e na ação penal de iniciativa privada não O direito de defesa e de acesso à jurisdição é igual Qual o fundamento da deserção 7 Requisitos Objetivos e Subjetivos dos Recursos Crítica à Transposição das Condições da Ação e Pressupostos Processuais Há alguma paz conceitual no sentido de que os recursos não estabelecem uma nova situação jurídica ou relação jurídica para os seguidores de Bülow senão que constituem um desdobramento ou fase do próprio processo já existente Não é e nem poderia ser um novo processo ou um novum iudicium É como vimos uma continuidade do exercício da pretensão acusatória ou da resistência defensiva conforme o caso Diante disso por que fazer a transposição das condições da ação para a fase recursal se não existe uma nova ação Se os recursos não constituem um novo processo e não existe o exercício de uma ação processual penal como falar em condições da ação Da mesma forma que existem medidas cautelares e não um processo cautelar os recursos não constituem um novo processo senão uma fase dentro do processo logo não há que se falar em condições da ação Recordemos que ação é um poder político constitucional de invocação do poder jurisdicional e que uma vez exercido dá lugar à jurisdição e ao processo A ação se esgotou com o seu exercício e admissão Depois disso o que se tem é processo Daí por que não existe trancamento da ação O que se tranca é o processo Então como se falar em transposição das categorias da ação processual penal depois que já se tem até sentença A ação é a mesma que originou o processo no qual os recursos estabelecem apenas uma nova fase Logo as condições da ação podem perfeitamente integrar o mérito recursal que não se confunde com o mérito do processo sendo objeto de discussão na dimensão de preliminares no recurso Isso está correto Mas não existe nova exigência de condições da ação senão que apenas se permite revisar a decisão anterior sobre elas A distinção é evidente Uma coisa é permitir rediscutir a decisão que admitiu a acusação outra completamente diversa é exigir novamente as condições da ação como pressuposto para a admissão do recurso A situação é agravada pela transposição das categorias do processo civil para o processo penal agudizando a crise de conceitos Como explicamos é inadequada a importação das categorias interesse e possibilidade jurídica do pedido para o processo penal na medida em que o interesse sucumbe diante dos fundamentos do princípio da necessidade Contudo na dimensão recursal é correta a discussão em torno do interesse Ou seja como condição da ação o interesse é um conceito inadequado mas como requisito dos recursos perfeitamente aplicável como veremos Já em relação à possibilidade jurídica do pedido não resiste a uma análise superficial pois é evidente a impropriedade como condição da ação e igualmente como requisito dos recursos Sem qualquer pretensão de exaustão vejamos o tratamento desta temática na doutrina estrangeira ARMENTA DEU 38 utiliza a expressão requisitos gerais dos recursos enumerandoos competência funcional do órgão que conhece do recurso legitimidade gravame que a decisão seja recorrível e que o recurso seja tempestivo HINOJOSA SEGOVIA39 fala em pressupostos dos recursos quais sejam decisão recorrível existência de gravame ou prejuízo e inexistência de coisa julgada resolución no sea firme MANZINI40 analisa as condições de tempo modo as renúncias e os efeitos recursais ROXIN41 aborda os pressupostos de admissibilidade dos recursos apenas na dúplice dimensão de legitimidade e gravame Partindo dessas considerações preferimos situar a questão na dimensão de requisitos recursais e não de condições ou pressupostos pois não se trata de novo processo Dessarte os requisitos dos recursos podem ser objetivos ou subjetivos 1 Requisitos objetivos a cabimento e adequação b tempestividade c preparo apenas nos casos em que a ação penal é de iniciativa privada 2 Requisitos subjetivos a legitimidade b existência de um gravame interesse Os requisitos de cabimento e adequação são distintos como se verá mas dada a íntima relação e interação entre eles nada impede que sejam analisados em conjunto como preferimos O requisito objetivo primevo de qualquer recurso é o seu cabimento no sentido de pressupor a inexistência de uma decisão imutável e irrevogável A existência de coisa julgada formal é um fator impeditivo da admissão de um recurso na medida em que constitui o efeito conclusivo do processo ROXIN Portanto um recurso somente é cabível se houver uma decisão recorrível Intimamente relacionada ao cabimento está a adequação no sentido de ser eleito pela parte interessada o meio de impugnação adequado para atacar aquela decisão específica Adequação assim é a compatibilidade entre a decisão proferida e o recurso interposto para impugnála Portanto é manifestamente inadequado o recurso em sentido estrito que pretender impugnar uma sentença penal condenatória por exemplo pois recurso cabível e adequado é a apelação É na dimensão da adequação que incide o Princípio da Fungibilidade Recursal relativizandoa em casos excepcionais conforme já explicado Significa dizer que excepcionalmente pode ser aceito o recurso inadequado como se adequado fosse desde que não exista erro grosseiro e seja respeitada a tempestividade do recurso correto Mas a adequação também abrange a regularidade formal da interposição dos recursos de modo que não basta a correta eleição do recurso deve a parte corretamente interpôlo Há que se observar estritamente a forma e os formalismos exigidos pela Lei para o recurso escolhido sob pena de sequer ser conhecido Assim a faculdade disposta no art 578 do CPP que admite a interposição por petição ou termo nos autos e não sabendo ou não podendo o réu assinar o nome o termo será assinado por alguém a seu rogo na presença de duas testemunhas só é aplicável aos recursos interpostos em primeiro grau Não é correta a interposição de um recurso extraordinário por exemplo por termo nos autos ou ainda neste mesmo recurso de uma mera petição de interposição sem a respectiva fundamentação Não será ainda conhecido o recurso exceto nos casos de apelação e recurso em sentido estrito em que a Lei expressamente prevê que as razões serão apresentadas num segundo momento que não venha acompanhado de toda sua fundamentação Significa dizer que a correta interposição somente se dará se todos os requisitos formais forem observados Em suma a adequação vinculase à eleição pela parte interessada do recurso correto e também à correta interposição para impugnarse a decisão desfavorável Superada essa questão o recurso deve ser tempestivo ou seja interposto no prazo legal Cada recurso tem a sua disciplina em relação à forma de interposição e ao prazo legal concedido para tanto Nos recursos em que a interposição se dá num momento e a apresentação das razões em outro como no caso da apelação e do recurso em sentido estrito a tempestividade do recurso referese ao primeiro momento ou seja o da interposição sendo uma mera irregularidade a apresentação extemporânea das razões Já nos demais recursos em que no mesmo prazo e momento é feita a interposição e são apresentadas as razões não há essa distinção Exemplos são os embargos infringentes recurso extraordinário recurso especial etc Recordemos que os prazos processuais nos termos do art 798 do CPP correm em cartório sendo contínuos e peremptórios não se interrompendo por férias domingos ou feriados Uma vez iniciada sua contagem não serão interrompidos Nesse cômputo não se considera o dia da intimação ou seja exclui se o dia em que se dá a comunicação do ato começando a fluir no dia seguinte se útil Logo se a intimação ocorreu numa sextafeira o prazo começa a correr na segundafeira e não no sábado Da mesma forma quando um prazo terminar no sábado domingo ou feriado será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil art 798 3º do CPP É importante sublinhar que no processo penal os prazos contamse da data da realização da intimação ainda que diverso seja o momento da juntada do respectivo mandado Ou seja o prazo começa a fluir no primeiro dia útil após a efetivação da intimação e não da juntada do mandado aos autos como ocorre no processo civil Nessa linha corretamente dispõe a Súmula n 710 do STF No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou carta precatória ou de ordem Nos casos em que a intimação da decisão é feita na pessoa do réu e também do seu defensor os prazos contamse do último ato ou seja da certificação da última intimação realizada De qualquer forma diante do caráter peremptório dos prazos processuais especialmente em matéria recursal não se devem correr riscos nem abusar da sorte Para o advogado ou promotor diligente todo prazo acaba um dia antes daquele estabelecido pela Lei Ademais remetemos o leitor ao dito anteriormente sobre a tempestividade e a intimação em matéria recursal A esses requisitos objetivos gerais há que se acrescentar o preparo específico para os recursos nos processos instaurados a partir de ação penal de iniciativa privada O pagamento das despesas recursais é um requisito cujo descumprimento conduz à deserção como já explicado Ao lado dos requisitos objetivos acima explicados devese analisar a presença dos requisitos subjetivos a saber legitimação e existência de um gravame A legitimação recursal é um pressuposto do interesse em impugnar leciona ZANOIDE DE MORAES42 pois não se pode conceber um interesse recursal penal que não possua antes uma pessoa que o porte Deve ser vista a partir da situação jurídica instaurada em que se define quem ocupa a parte passiva e ativa No polo passivo do processo penal está o acusado ou seja aquele sob o qual pende a acusação da prática de um fato delitivo Já no polo ativo a situação varia conforme a iniciativa atribuída pela Lei para o exercício da ação processual penal Nos delitos de ação penal de iniciativa pública a legitimidade é do Ministério Público para formular a acusação e também para recorrer Nos delitos de ação penal de iniciativa privada a legitimidade ativa é da vítima ou de seu representante legal estando ela igualmente legitimada para recorrer daquelas decisões que a prejudiquem Portanto os legitimados a recorrer são as partes ativa ou passiva do processo Mas neste tema é importante recordar a figura do assistente da acusação pois ele também tem legitimidade para recorrer Como define o art 268 do CPP poderá intervir como assistente o ofendido ou representante legal ou na falta qualquer das pessoas mencionadas no art 31 quais sejam cônjuge ascendente descendente ou irmão Em que pese já termos explicado isso no início desta obra recordemos que o assistente somente pode recorrer se o Ministério Público não o fizer Ou seja sua atividade recursal é supletiva Quando o Ministério Público recorre o assistente poderá apenas arrazoar junto conforme o tipo de recurso utilizado Também recordemos que em relação ao prazo recursal a regra geral é o assistente habilitado é uma parte ainda que secundária e o prazo recursal será o mesmo do Ministério Público Para tanto há que se recordar que o assistente só recorre se o Ministério Público não o fizer e seu prazo começa a correr após o encerramento do prazo concedido ao MP Mas há que se considerar o seguinte se o assistente é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele se o assistente é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente Completamente diverso é o tratamento concedido ao assistente não habilitado que vem ao processo apenas para recorrer e nos termos do art 598 do CPP possui o prazo de 15 dias para interpor o recurso de apelação ou em sentido estrito Em relação aos demais recursos anteriormente apontados embargos declaratórios recurso especial e extraordinário o assistente não habilitado deverá interpôlos nos seus respectivos prazos legais sem qualquer diferença no tratamento dado às partes O recorrente deve ainda ter interesse ou seja deve existir um gravame gerado pela decisão impugnada Inspirados em GOLDSCHMIDT entendemos que todo recurso supõe como fundamento jurídico a existência de um gravame prejuízo para a parte recorrente isto é uma diferença injustificada na perspectiva de quem recorre é claro desfavorável para ela entre sua pretensão ou resistência no caso do réu e o que foi reconhecido e concedido na sentença impugnada Cabe ao recorrente alegar o prejuízo para que o recurso seja conhecido e deve motiválo de forma legal para que seja fundado Na análise da existência do gravame devese atender à totalidade dos efeitos da decisão impugnada incluindo os acessórios Na doutrina brasileira tradicionalmente a discussão situase no campo do interesse e mais especificamente no binômio adequação e necessidade ou utilidade A adequação como já explicamos é uma categoria autônoma que não se confunde com o interesse ainda que mantenha íntima relação e interação Portanto podese situar o interesse nos dois binômios interessenecessidade e interesseutilidade43 Na primeira dimensão o recurso deve figurar como um meio necessário para se alcançar o resultado esperado ou seja o interesse está na exigência de se lançar mão do recurso para atingir o resultado prático que o recorrente tem em vista44 Quanto ao interesseutilidade para os defensores dessa concepção exige uma ótica antes prospectiva que retrospectiva no sentido de dar ênfase à utilidade concebida como o proveito que a futura decisão seja capaz de propiciar ao recorrente e não apenas na dimensão retrospectiva ou seja no contraste entre a situação da sentença e a expectativa das partes45 Ademais o interesse ad impugnare deve ser visto desde uma dimensão jurídica e não psíquica ou moral por exemplo de modo que o gravame situase na dimensão de prejuízo jurídico e não de um prejuízo de qualquer outra natureza Assim por exemplo a apelação interposta pela defesa em face de uma sentença absolutória pode ser conhecida ou não conforme se demonstre um interesse juridicamente tutelável ou não Se o apelo tem por fundamento a pretensão de modificação da capitulação legal da sentença absolutória para inibir os efeitos de uma ação civil ex delicti estamos diante de um interesse manifesto É o caso de o réu ter sido absolvido com base no art 386 inciso II não haver prova da existência do fato que não impede a ação civil ex delicti quando toda a resistência defesa foi no sentido de sustentar estar provada a inexistência do fato inciso I do art 386 Logo o eventual acolhimento do recurso conduzirá a uma nova decisão que diminui o prejuízo gravame causado pela sentença Noutra dimensão inexiste interesse na apelação de réu absolvido que pretende apenas o reconhecimento de alguma tese jurídica que em nada afeta os efeitos principais ou secundários da sentença Tratarseia de um recurso movido por outros interesses que não aqueles juridicamente tutelados pelo sistema recursal até porque não existe a demonstração de um gravame que possa ser juridicamente eliminado ou reduzido Tratase do pregiudizio che il titolare del potere di impugnare lamenta in concreto in relazione ad uma pronuncia astrattamente impugnabile È il pregiudizio che il soggetto lamenta a far scattare la molla dellinteresse allesercizio in concreto della genérica potestà di impugnazione46 Dessarte o interesse está vinculado ao prejuízo ao gravame que o titular do poder de impugnar íntima correlação com a legitimação sofre no caso concreto É o prejuízo a mola propulsora do interesse ao exercício do direito de recorrer O poder de impugnar não é genérico ou incontrolável senão o reconhecimento de um poder relacionado a um efetivo interesse no controle da decisão judicial 8 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito Em matéria recursal estabelecese um duplo juízo de admissão do recurso a juízo de admissibilidade ou de prelibação em que se analisam os requisitos objetivos e subjetivos dos recursos ou seja o atendimento às exigências legais para que o recurso seja conhecido ou não conhecido significa admitido ou não sem análise neste momento do mérito b juízo de mérito recursal uma vez admitido o recurso logo pressupõe o conhecimento admissão no momento anterior passa o tribunal ad quem para a análise do seu objeto ou seja do mérito do recurso em que poderá dar provimento ou negar provimento ao pedido no recurso Explica ZANOIDE DE MORAES47 que nada mais natural que o julgador ao apreciar o recurso interposto primeiro analise algumas questões prévias e referentes ao procedimento e ao direito de impugnar para somente depois julgar o mérito do recurso Assim um recurso pode ser conhecido ou não conhecido e somente se conhecido provido ou desprovido no todo ou em parte Essa distinção é ainda relevante para definir qual decisão irá valer a partir desse momento a do juízo a quo ou o acórdão do tribunal ad quem Quando o recurso não é conhecido a decisão impugnada proferida pelo juízo a quo segue com plena eficácia já quando o recurso é conhecido essa nova decisão irá substituir a anterior Ainda que desprovido o recurso é a nova decisão proferida pelo juízo ad quem que passa a ter eficácia definindo se como marco para as próximas impugnações Inclusive em sede de posterior habeas corpus a decisão proferida pelo juízo ad quem que conheceu e proveu ou não o recurso pautará a questão da competência Nenhuma dúvida existe de que o juízo de mérito é feito pelo tribunal ad quem mas e o juízo de admissibilidade onde é feito Inicialmente no juízo a quo onde é interposto o recurso Mas esse é um juízo de admissibilidade extremamente superficial e que não vincula o tribunal ad quem ou seja mesmo que o juízo a quo não conheça do recurso poderá o tribunal conhecer e prover Em sentido inverso a admissão pelo juízo a quo não assegura que o recurso será conhecido pelo tribunal ad quem Como regra deverá o juízo a quo especialmente quando de primeiro grau admitir e determinar a subida do recurso interposto Excepcionalmente quando o recurso for manifestamente a incabível ou inadequado como por exemplo o recurso que impugne um despacho de mero expediente ou uma decisão interlocutória simples irrecorrível b ou intempestivo como a apelação interposta no 6º dia após a última intimação c ou for caso de deserção pois devidamente intimado o recorrente não recolheu as custas necessárias preparo na ação penal de iniciativa privada d ou interposto por parte ilegítima como um terceiro que pretenda ingressar como assistente da acusação sem demonstrar o vínculo exigido pelo art 268 do CPP e ou for manifesta a falta de interesse recursal pela ausência de gravame Tratase de um juízo superficial em torno dos requisitos objetivos cabimento adequação tempestividade e preparo e subjetivos legitimidade e gravame Havendo dúvida sobre essas situações deverá o juiz determinar a subida do recurso cabendo ao tribunal ad quem reexaminálas para conhecer ou não do recurso Em nenhum caso poderá o juízo a quo fazer a análise e valoração do mérito do recurso O juízo de mérito é exclusivo do tribunal ad quem Situação completamente diversa na qual o juízo de admissibilidade feito no tribunal a quo é extremamente rígido encontramos nos recursos especial e extraordinário em que como regra os Tribunais de Justiça dos estados e os Tribunais Regionais federais fazem uma poderosa filtragem dificultando ao máximo a subida dos recursos Tratase para além das questões teóricas de uma medida de política judiciária em que em matéria penal a regra é dificultar ao máximo o prosseguimento desses recursos um verdadeiro filtro diante da sobrecarga dos tribunais superiores Mais interessante ainda é que muitas vezes existe uma clara preocupação em decidir sem prequestionar a matéria para evitarse o acesso aos Tribunais Superiores e o mesmo tribunal que decide com essa preocupação é o que a seguir irá novamente colocar empecilho ao prosseguimento do recurso especialextraordinário quando do juízo de inadmissibilidade Infelizmente ao invés de aumentarse a capacidade desses tribunais para dar conta da demanda limitase o acesso a eles Daí por que atualmente especialmente no que tange aos recursos da defesa o tratamento é completamente diverso em se tratando de recurso do Ministério Público basta pesquisar para constatar a regra é o não prosseguimento sendo o recurso de agravo de instrumento art 28 da Lei n 803890 a via de ataque à decisão que não admite o recurso especial ou extraordinário como se verá em tópico específico 9 Para Refletir O DesCabimento da Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau Nos últimos anos tem tomado força com razão a discussão em torno da ilegitimidade da intervenção do Ministério Público em segundo grau quando do julgamento dos recursos interpostos pela defesa ou pelo próprio Ministério Público de primeiro grau com críticas partindo inclusive de ilustres membros do parquet a exemplo de Paulo QUEIROZ Elmir DUCLERC Rogério SCHIETTI e outros E razão lhes assiste Como explicaremos na continuação todos os recursos interpostos devem ser fundamentados e assegurado o contraditório com a parte recorrida apresentando suas contrarrazões Nisto se estabelece a necessária dialética exigida pelo processo penal Uma vez que o recurso seja admitido pelo juiz a quo e remetido para o respectivo tribunal dáse uma peculiar intervenção do Ministério Público que na híbrida e malformada posição de parecerista manifestase acompanhando ou não o colega de primeiro grau Ou seja há uma dupla manifestação do Ministério Público sendo a última delas sustentada ainda oralmente em sessão E o mais incrível não raras vezes temse em sessão uma manifestação oral distinta das duas anteriores Não menos curioso é assistir a um procurador em sessão ler o parecer da lavra de outro procurador e após oralmente divergir Para quem assiste desde fora desse cenário é inevitável que não se questione tal esquizofrenia do ritual O ponto de partida desse confusionismo é a equivocada construção de parte imparcial do Ministério Público no processo penal Se lá no processo civil tal concepção é compatível com a fenomenologia do processo aqui no processo penal não o é São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI48 que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem CARNELUTTI49 explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inutil y hasta molesta duplicidad Para GOLDSCHMIDT50 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar julgar e defender Parte imparcial é um monstro de duas cabeças No processo penal o MP não é e nunca foi uma parte imparcial até porque se é parte jamais seria imparcial A imparcialidade é atributo do juiz pois ele não é parte Além de ser um erro histórico daqueles que não compreenderam ainda que o Ministério Público nasce por exigência do sistema acusatório para ser um contraditor natural do sujeito passivo é também uma violência semântica de um par que pretende ser ímpar ao mesmo tempo Logo seria o mesmo que tentar reduzir a quadratura ao círculo na célebre crítica de CARNELUTTI Ademais tal construção desconsidera ou desconhece que o Ministério Público é uma parte artificialmente construída para ser o contraditor natural do sujeito passivo e que nasce na superação do sistema inquisitório como uma forma de retirar poderes do juiz instrutorinquisidor Portanto construído para ser parte e assegurar a imparcialidade do juiz o único verdadeiramente concebido para ser imparcial A estrutura acusatória necessita de uma parte para que o juiz não o seja ou ainda quanto maior for a parcialidade das partes mais garantida está a imparcialidade do juiz o único que verdadeiramente deve ser imparcial É a construção do Ministério Público como parte imprescindível para que se tenha um processo penal acusatório e um juiz imparcial e por consequência não há nenhum desprestígio em assumirse a parcialidade da parte acusadora Quando o Ministério Público postula ou opina pela absolvição não o faz por imparcialidade e tampouco por dispor da ação penal ou do recurso senão que como agente público está obrigado à estrita observância dos princípios da objetividade impessoalidade e principalmente legalidade Logo é absolutamente ilegal acusar sem que estejam presentes as condições da ação especialmente o fumus commissi delicti Com isso evidenciase a equivocada premissa da qual partem aqueles que sustentam a imparcialidade do Ministério Público de segundo grau para dar pareceres nos recursos Noutra dimensão a intervenção do Ministério Público em segundo grau também estaria justificada através da absurda dicotomia entre autor e fiscal da lei em que o procurador que atua no tribunal além de ter o superatributo de ser imparcial que faltaria ao colega de primeiro grau estaria desempenhando outra função Nesse ponto é importante trazer à discussão a análise certeira de QUEIROZ51 quando afirma que a distinção entre autor e fiscal da lei apesar de tradicional e recorrente é infundada porque pressupõe dualidade onde existe ou deve existir unidade Com efeito por ser instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado CF art 127 sua missão constitucional em todos os processos em que intervém é sempre a mesma independentemente de quem a represente Promotor Procurador etc e da entidade ou grau de jurisdição juízo tribunal conselhos etc em que atue Além disso por ser a instituição unaindivisível não parece razoável que possa se fazer representar autonomamente por mais de um membro num só e mesmo processo não raro para repisar os mesmos argumentos Aliás exatamente por isso ninguém propõe que na primeira instância ou nas ações penais originárias atuem dois PromotoresProcuradores um como autor da ação penal outro como fiscal da lei E ainda prossegue com acerto QUEIROZ52 Quando em juízo ser fiscal da lei e ser parte significam uma só e mesma coisa o Ministério Público quando é fiscal da lei é parte quando é parte é fiscal da lei ou seja fiscal da Constituição Por tudo isso é que parece insustentável a intervenção do Ministério Público em segundo grau nas ações penais apenas como custos legis posição inclusive que não raro ofende o contraditório e a amplitude da defesa No futuro a atuação do MP como parecerista deve ser abolida se é que de fato foi recepcionada pela Constituição Portanto além de constituir um grave erro que parte da equivocada construção de parte imparcial no processo penal a intervenção do Ministério Público em segundo grau constitui ainda um perigoso desequilíbrio na situação processual recursal violando a garantia constitucional do contraditório No processo penal a intervenção do Ministério Público em segundo grau é completamente descabida e deve ser repensada 1 ZANOIDE DE MORAES Mauricio Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2000 p 26 2 HINOJOSA SEGOVIA Rafael et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de estudios Ramón Areces 1996 p 598 3 POZZEBON Fabrício Dreyer de Avila A Ampliação da Visibilidade nos Julgamentos Criminais In Criminologia e Sistemas Jurídicos Penais Contemporâneos 2 ed Porto Alegre EDIPUCRS 2011 v 2 p 232 a 247 4 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 527 5 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 t III p 4 6 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Bosch 1950 t IV p 102 7 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Barcelona Labor 1936 p 398399 8 DALIA Andrea Antonio e FERRAIOLI Marzia Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 661 9 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v V p 4 10 Em sentido diverso GUASP e ARAGONESES ALONSO Derecho Procesal Civil Madrid Civitas 1998 t II p 551557 sustentam que os recursos instauram um novo processo ou seja que a impugnação processual é autônoma e se converte em um verdadeiro processo Para os autores mediante a impugnação processual o processo principal não é simplesmente continuado senão que desaparece para deixar em seu lugar outro processo distinto ainda que ligado ao anterior A impugnação do processo não é uma continuação do processo principal por outros meios posto que o processo de impugnação tem caráter autônomo é um processo independente com seu regime jurídico peculiar isto é com seus requisitos procedimento e efeitos distintos das correspondentes categorias do processo a que se referem Ainda que autônomo um verdadeiro processo especial guarda conexão com o principal Em outra passagem ao tratar da apelação os autores afirmam quanto à natureza jurídica que la apelación se afirma como verdadero recurso y en consecuencia como un proceso autónomo e independiente no parte del proceso principal en que se produce la resolución recurrida La doctrina dominante ve no obstante en el recurso de apelación una continuación del litigio primitivo y trata de diferenciar en este sentido la apelación como recurso de las llamadas acciones impugnativas autónomas que rompen la unidad procesal Mas esta configuración de los recursos como ingredientes del proceso principal de cuyos resutados se recurre no puede ser admitida dada la diferencia de régimen jurídico entre unos y otros procesos y especialmente dada la distinción de objeto que existe entre el proceso primitivo y el proceso de impugnación en el que la pretensión no es la inicial sino la subseguinte que reclama la eliminación y sustitución de la resolución impugnada E prosseguem explicando que se pode conceber a apelação e demais recursos não como uma repetição do processo anterior senão como uma revisión del mismo isto é como uma depuração de seus resultados por métodos autônomos que levam portanto não a um novo juízo senão a uma revisio prioris instantiae Para esta concepção na apelação não se reiteram os trâmites do processo principal senão que se seguem outros distintos que têm por objeto comprovar a exatitude ou inexatitude dos resultados obtidos no processo originário Isto repercute apontam ARAGONESES ALONSO e GUASP no regime jurídico da apelação visto que para essa concepção revisora a referência aos trâmites do processo primitivo não é uma pauta obrigatória e somente se tem em vista o resultado que se trata precisamente de revisar Por isso em matéria de instrução e ordenação processual não há aqui uma identificação senão diferenciação do processo recorrido e do recurso Mas essa é uma posição isolada e com a qual não concordamos 11 Para esclarecer aqueles que iniciam o estudo de Direito Processual Penal chamase de órgão ou juiz a quo para referir aquele que proferiu a decisão e tribunal ad quem para o órgão jurisdicional superior a quem compete o julgamento do recurso 12 No mesmo sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 23 13 O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969 através do Decreto n 678 de 6 de novembro de 1992 14 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 497 15 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 529 16 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal p 289 17 Conforme ARMENTA DEU op cit p 290 18 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 528 19 Cf GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal 5 ed São Paulo RT 2008 p 31 e ss 20 Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 34 21 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit t V p 11 22 Nesse sentido vai o bemlançado voto da lavra do Des NEREU GIACOMOLLI REABILITAÇÃO RECURSO DE OFÍCIO ARTIGO 746 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 1 Com o advento da Constituição Federal de 1988 a qual atribuiu o exercício da ação penal pública ao Ministério Público não mais subsiste o denominado recurso de ofício Preservase o princípio acusatório na medida em que o recurso inserese dentro do desdobramento do exercício da ação ou da afirmação de pretensão Não nasce um novo processo é uma nova fase processual NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO Recurso de Ofício 70009438805 Rel Des Nereu José Giacomolli 7ª Câmara Criminal TJRS 09112004 Ainda também não conhecendo do recurso de ofício REABILITAÇÃO RECURSO EX OFFICIO A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 129 inc I que a iniciativa da ação penal é privativa do Ministério Público restando revogado o art 746 do Código de Processo Penal que determinava que o juiz prolator da sentença que concedeu reabilitação criminal recorresse ex officio da decisão Recurso não conhecido Recurso de Ofício 70018818914 Rel Des Genacéia da Silva Alberton 5ª Câmara Criminal TJRS 11042007 23 RESP ABSOLVIÇÃO INIMPUTABILIDADE REEXAME NECESSÁRIO ACÓRDÃO QUE NÃO CONHECE DO RECURSO DE OFÍCIO PROCEDIMENTO QUE NÃO FOI REVOGADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988 O denominado recurso de ofício previsto no art 574 do Código de Processo Penal por ser mero procedimento para conferir o efeito da coisa julgada e não recurso propriamente dito não restou revogado pela nova ordem constitucional que confere ao ministério público a titularidade exclusiva da ação penal pública Recurso provido para cassar o acórdão recorrido e determinar o julgamento do mérito do recurso encaminhado ex officio REsp 767535PA Rel Min Maria Thereza de Assis Moura 6ª Turma julgado em 11122009 DJe 1º022010 24 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE sustentam que dentro da matéria impugnada são plenos os poderes instrutórios do tribunal ainda que os códigos somente se refiram a eles para certos recursos ex art 616 CPP Salientese que nada disso importará em supressão do primeiro grau de jurisdição uma vez que o juiz a quo decidiu a causa com base no material instrutório que entendeu suficiente Recursos no Processo Penal cit p 53 25 Sobre o tema entre outros é imprescindível a leitura de ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4 ed São Paulo Malheiros 2005 26 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos cit p 78 27 No mesmo sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 40 explicam que é exatamente neste caso em que a parte interpõe o recurso impróprio dentro de seu prazo cabível mas fora do previsto para a interposição do recurso cabível que a regra da fungibilidade deveria ser aplicada E continuam afirmando que entendemos que para a subsistência do princípio em sua inteireza deveria haver aproveitamento do recurso impróprio mesmo quando interposto fora do prazo do cabível como hoje se entende para o processo civil Mas o art 579 CPP que ainda exclui o princípio na hipótese de máfé impõe a manutenção de critérios antigos parece então poderse concluir que se houver realmente incerteza quanto ao recurso adequado seja pelo próprio sistema seja por controvérsias doutrinárias ou jurisprudenciais o recurso impróprio pode ser aproveitado mesmo se interposto fora do prazo do cabível Mas se essa dúvida não existir a interposição de um recurso por outro dentro do prazo maior será claro indício de máfé 28 BADARÓ Gustavo Henrique Ivahy O Agravo Cabível contra Decisão Denegatória de Recurso Especial e Extraordinário em uma Recente Decisão do STF e os Limites da Fungibilidade Recursal Boletim do IBCCrim n 230 janeiro2012 p 2 29 Importante destacar que o dispositivo não faz alusão ao art 384 pois está vedada a mutatio libelli em segundo grau na medida em que implicaria supressão de um grau de jurisdição além da violação do contraditório e da ampla defesa 30 AÇÃO PENAL Homicídio doloso Tribunal do Júri Três julgamentos da mesma causa Reconhecimento da legítima defesa com excesso no segundo julgamento Condenação do réu à pena de 6 seis anos de reclusão em regime semiaberto Interposição de recurso exclusivo da defesa Provimento para cassar a decisão anterior Condenação do réu por homicídio qualificado à pena de 12 doze anos de reclusão em regime integralmente fechado no terceiro julgamento Aplicação de pena mais grave Inadmissibilidade Reformatio in pejus indireta Caracterização Reconhecimento de outros fatos ou circunstâncias não ventilados no julgamento anterior Irrelevância Violação consequente do justo processo da lei due process of law nas cláusulas do contraditório e da ampla defesa Proibição compatível com a regra constitucional da soberania relativa dos veredictos HC concedido para restabelecer a pena menor Ofensa ao art 5º incs LIV LV e LVII da CF Inteligência dos arts 617 e 626 do CPP Anulados o julgamento pelo tribunal do júri e a correspondente sentença condenatória transitada em julgado para a acusação não pode o acusado na renovação do julgamento vir a ser condenado a pena maior do que a imposta na sentença anulada ainda que com base em circunstância não ventilada no julgamento anterior 31 HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER 1 CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA SEGUNDO JULGAMENTO ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE HOMICÍDIO RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO DECISÃO DOS JURADOS CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS 2 TERCEIRO JULGAMENTO CONDENAÇÃO PELOS DOIS TIPOS PENAIS RECURSO DA DEFESA VEDAÇÃO LEGAL A UM SEGUNDO RECURSO PELO MESMO FUNDAMENTO 3 CONDENAÇÃO FINAL SUPERIOR À IMPOSTA NO PRIMEIRO JULGAMENTO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA 4 ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA 1 Se o recurso interposto pela defesa apresenta a mesma alegação do que foi interposto pela acusação já julgado e provido pelo Tribunal estadual de que a sentença condenatória foi contrária à prova dos autos o último encontra óbice no art 593 3º do Código de Processo Penal que veda a interposição de uma segunda apelação por igual motivo Precedentes 3 Havendo um primeiro julgamento com recurso exclusivo da defesa e um terceiro com recurso exclusivo da acusação e o Tribunal do Júri em decisão soberana condenar a paciente exatamente pelos mesmos tipos penais o quantum da reprimenda deve respeitar os limites impostos na primeira condenação da qual somente a defesa recorreu sob pena de configurar reformatio in pejus indireta 4 Ordem parcialmente concedida STJ Rel Min Marco Aurélio Bellizze 5ª Turma julgado em 27032012 E ainda HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO CONDENAÇÃO NO JÚRI POPULAR APELAÇÃO REDUÇÃO DA REPRIMENDA NOVO JULGAMENTO IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO CORPORAL SUPERIOR IMPOSSIBILIDADE PRINCÍPIO QUE VEDA A REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA 1 Os princípios da plenitude de defesa e da soberania dos veredictos devem ser compatibilizados de modo que em segundo julgamento os jurados tenham liberdade de decidir a causa conforme suas convicções sem que isso venha a agravar a situação do acusado quando apenas este recorra 2 Nesse contexto ao proceder à dosimetria da pena o Magistrado fica impedido de aplicar sanção superior ao primeiro julgamento se o segundo foi provocado exclusivamente pela defesa 3 No caso em decorrência de protesto por novo júri recurso à época existente o Juiz presidente aplicou pena superior àquela alcançada no primeiro julgamento o que contraria o princípio que veda a reformatio in pejus indireta 4 Ordem concedida com o intuito de determinar ao Juízo das execuções que proceda a novo cálculo de pena considerando a sanção de 33 trinta e três anos 7 sete meses e 6 seis dias de reclusão a ser cumprida inicialmente no regime fechado HC 205616SP Rel Min Og Fernandes 6ª Turma julgado em 12062012 DJe 27062012 32 RABELO Galvão O Princípio da Ne Reformatio in Pejus Indireta nas Decisões do Tribunal do Júri Boletim do IBCCrim n 203 outubro de 2009 p 1618 33 Idem ibidem p 17 34 A referência diz respeito ao dispositivo original do Código Penal de 1940 tendo sido alterado com a reforma de 1984 mas mantida a redação no Código de Processo Penal Assim o dispositivo aludido é o atual art 29 do Código Penal 35 Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 57 36 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 207 37 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit t V p 12 38 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 279 39 HINOJOSA SEGOVIA Rafael et al Derecho Procesal Penal cit p 597 40 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit v V p 40 e ss 41 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Buenos Aires Del Puerto 2000 p 447448 42 ZANOIDE DE MORAES Mauricio Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit p 400 43 Esses conceitos de interesseadequação interesseutilidade e interessenecessidade foram objeto de percuciente análise e crítica por parte de ZANOIDE DE MORAES Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit que sem dúvida extrapolam os limites do presente trabalho Constrói o autor um adequado conceito de interesse recursal penal no Capítulo III de sua obra que sem dúvida exige uma reflexão detida e para onde remetemos o leitor que queira ou necessite aprofundar o estudo nesta temática 44 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 81 45 Idem ibidem p 83 46 DALIA Andrea Antonio e FERRAIOLI Marzia Manuale di Diritto Processuale Penale cit p 668 47 ZANOIDE DE MORAES Maurício Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit p 47 48 Poner en su Puesto al Ministerio Publico In Cuestiones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 211 e ss 49 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v 2 p 99 50 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 51 QUEIROZ Paulo Crítica da Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau Originais gentilmente cedidos pelo autor Também está disponível no site wwwpauloqueiroznet 52 QUEIROZ Paulo Crítica da Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau Originais gentilmente cedidos pelo autor Também está disponível no site wwwpauloqueiroznet Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 CONCEITO DE RECURSO meio processual através do qual a parte que sofreu um gravame postula a modificação no todo ou em parte ou a anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado no mesmo processo em que ela foi proferida 2 NATUREZA JURÍDICA o recurso é uma continuidade do processo um retomar o curso o desdobramento da pretensão acusatória ou da resistência defesa na mesma situação jurídica originária É um desdobramento do processo existente e não um novo processo 3 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA o princípio do duplo grau assegura o direito de que o prejudicado pela decisão possa submetêla à análise de outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior Não foi expressamente consagrado pela Constituição mas está no art 82 h da CADH que segundo o STF tem status supralegal ou seja acima das leis ordinárias mas abaixo da CF Quando existe prerrogativa de função há severas restrições a essa garantia Contudo predomina o entendimento de que a Constituição pode restringir a garantia do duplo grau de jurisdição e assim o faz quando fixa os casos de julgamento originário pelos tribunais 4 CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS existem diferentes formas e categorias para classificar os recursos sendo as principais recursos ordinários ou extraordinários conforme permitam a discussão das questões de fato e direito ou apenas de direito recursos totais ou parciais conforme a extensão da matéria impugnada recursos de fundamentação livre ou vinculada atendendo a existência ou não de restrição legal da fundamentação do recurso recursos horizontais ou verticais segundo eles sejam julgados pelo mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão ou por órgão superior recursos voluntários ou obrigatórios conforme dependam de manifestação da parte interessada ou exijam um reexame obrigatório essa modalidade é criticável 5 EFEITOS devolutivo regressivo reiterativo ou misto e suspensivo Efeito devolutivo atendendo ao tantum devolutum quantum appellatum diz respeito ao quanto se devolve da matéria total ou parcial e a quem será devolvido o conhecimento regressivo mesmo órgão reiterativo tribunal ad quem misto regressivo no primeiro momento e reiterativo depois Efeito suspensivo determina a possibilidade ou impossibilidade de a decisão surtir todos os seus efeitos antes do trânsito em julgado O recurso da sentença absolutória nunca terá efeito suspensivo Já em relação à sentença condenatória diz respeito ao direito de recorrer ou não em liberdade estando a discussão fundida com as regras da prisão cautelar especialmente a necessidade ou não da prisão preventiva Diz respeito à eficácia ou ineficácia da presunção constitucional de inocência 6 REGRAS DO SISTEMA RECURSAL Fungibilidade art 579 possibilidade de um recurso errado ser conhecido no lugar de outro correto Substitutividade de um recurso por outro Não será admitida a fungibilidade quando houver máfé erro grosseiro Outra exigência que o recurso errado seja interposto dentro do prazo do correto essa exigência é criticável Unirrecorribilidade art 593 4º ou seja que a apelação absorve a matéria do recurso em sentido estrito Como regra diante de uma decisão somente caberá a interposição de um recurso de cada vez Exceção recurso especial e recurso extraordinário em que será simultânea Motivação assim como as decisões os recursos têm de ser motivados fundamentados Proibição da Reformatio in Pejus e a permissão da Reformatio in Mellius art 617 e Súmula n 160 do STF Está vedada a reforma para pior ou seja diante de exclusivo recurso da defesa não pode o tribunal piorar a situação jurídica do imputado Por outro lado sempre será permitida a reforma da decisão para melhorar a situação jurídica do réu inclusive quando ele não recorre Problemática é a situação da reformatio in pejus indireta nos julgamentos pelo Tribunal do Júri em que diante de um recurso exclusivo da defesa e a submissão a novo julgamento o resultado não pode ser pior do que o do primeiro júri independentemente de ter havido o reconhecimento de qualificadora antes afastada Tantum devolutum quantum appellatum tanto se devolve quanto se apela É uma limitação imposta pelo efeito devolutivo Mas diante da autorização da reformatio in mellius esse princípio acaba sendo uma limitação recursal ao acusador Irrecorribilidade dos despachos e das decisões interlocutórias simples tais decisões não geram gravame e não contemplam recurso Exceção embargos declaratórios que sempre têm cabimento diante de uma decisão qualquer que seja ou despacho omissa ambígua contraditória ou obscura Complementaridade Recursal havendo modificação superveniente na fundamentação da decisão pode haver a complementação das razões recursais Tampouco existe óbice aos memoriais aditivos apresentados nos tribunais para complementação da fundamentação jurídica ou mesmo fática desde que a prova já esteja nos autos InDisponibilidade dos Recursos na ação penal pública o MP não está obrigado a recorrer mas uma vez interposto o recurso não pode dele desistir art 576 Na ação penal de iniciativa privada o querelante poderá desistir a qualquer momento pois disponível Quanto ao recurso da defesa recomendase que a desistência ou renúncia seja firmada pelo réu e seu defensor Súmulas ns 705 e 708 do STF Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos art 580 Significa a possibilidade de extensão dos efeitos da decisão favorável proferida no julgamento do recurso aos demais réus que não recorreram mas em situação jurídica idêntica desde que não se baseie em motivos de caráter pessoal vg menoridade etc 7 INTERPOSIÇÃO TEMPESTIVIDADE PREPARO DESERÇÃO Interposição pode ser por escrito em petição ou quando a lei admite apelação e RSE por termo nos autos Tempestividade art 798 Prazos fatais e peremptórios Contagem da data da intimação e não da juntada Súmulas ns 310 e 710 do STF Prazo em dobro para defensoria pública Preparo é o pagamento das custas recursais somente exigível nas ações penais de iniciativa privada sob pena de deserção art 806 Súmula n 187 do STJ Não existe mais deserção por fuga do réu que apelou 8 REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS 1 Requisitos objetivos a cabimento decisão recorrível e inexistência de preclusão e adequação compatibilidade do recurso usado com a decisão atacada b tempestividade c preparo apenas na ação penal privada 2 Requisitos subjetivos a legitimidade acusador réu e assistente da acusação b existência de gravameinteresse recursal Capítulo XXI DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL ESPÉCIES 1 Do Recurso em Sentido Estrito O recurso em sentido estrito está destinado a impugnar determinadas decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo penal sendo uma figura desconhecida no direito comparado especialmente no que tange à peculiar designação Inclusive se aprovado o Projeto de Lei n 42062001 o recurso em sentido estrito será substituído pela figura do agravo que poderá ser retido ou de instrumento Tratase de uma forma de impugnação cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei podendo ser ordinário ou extraordinário conforme a fundamentação legal apontada Explicamos no caso da decisão de pronúncia o recurso em sentido estrito permite ampla discussão sobre toda a prova produzida principalmente quando o pretendido é a impronúncia ou mesmo a absolvição sumária Nesse caso pode ser classificado como um recurso ordinário Diversa é a situação do recurso em sentido estrito interposto com base no art 581 II decisão que reconhece a incompetência do juízo Nesse caso estamos diante de um recurso extraordinário discute se apenas a questão de direito de fundamentação vinculada discutese apenas a incompetência do juízo e horizontal no primeiro momento subindo para o respectivo tribunal em caso de manutenção da decisão vertical 11 Requisitos Objetivos e Subjetivos do Recurso em Sentido Estrito Buscando sistematizar a abordagem dos recursos em espécie iniciemos pelo estudo dos requisitos recursais objetivos e subjetivos conforme categorias definidas no Capítulo anterior 111 Requisitos Objetivos Cabimento Adequação Tempestividade e Preparo 1111 Cabimento e Adequação Iniciando a análise dos requisitos objetivos recordemos que o cabimento é a exigência de que inexista uma decisão imutável e irrevogável ou seja não se tenha operado a coisa julgada formal Uma decisão é recorrível porque não preclusa estando intimamente relacionada com a adequação na medida em que além de cabível deve o recurso ser adequado Quanto à adequação vista como a compatibilidade entre a decisão proferida e a impugnação eleita pela parte o recurso em sentido estrito somente pode ser interposto nos casos taxativamente previstos no art 581 do CPP ou excepcionalmente em leis especiais Na sistemática do CPP o recurso em sentido estrito está limitado à impugnação das decisões previstas no art 581 não se admitindo em outros casos até porque a apelação do art 593 II é residual ao prever que caberá apelação das decisões definitivas ou com força de definitivas proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior ou seja nos casos em que não couber recurso em sentido estrito Vejamos agora os casos em que o recurso em sentido estrito é o meio adequado para a impugnação comentandoos brevemente sem prejuízo da previsão contida em leis especiais Art 581 Caberá recurso no sentido estrito da decisão despacho ou sentença COMENTÁRIO O recurso em sentido estrito é por excelência um meio de impugnação das decisões interlocutórias ou seja das decisões cabendo excepcionalmente em relação às sentenças como a que concede ou denega o habeas corpus Contudo é absolutamente inadequada a expressão despacho contida no caput do art 581 na medida em que os despachos são irrecorríveis I que não receber a denúncia ou a queixa COMENTÁRIO A decisão que recebe a denúncia ou queixa é como regra irrecorrível mas cabe habeas corpus como se verá mas diferente é a situação da decisão que não receber a denúncia ou queixa Melhor teria andado o legislador se tivesse estabelecido a seguinte redação para esse inciso que rejeitar a denúncia ou queixa O fato de o inciso utilizar a expressão não receber alimentou por décadas uma profunda discussão em torno da distinção entre as decisões de rejeição e não recebimento Atualmente com a reforma processual de 2008 desapareceu essa polêmica pois a nova redação do art 395 do CPP abrange os anteriores casos de rejeição e não recebimento sob uma mesma disciplina rejeição liminar Assim caberá recurso em sentido estrito da decisão que rejeitar a denúncia ou queixa nos termos do art 395 do CPP ou seja quando a denúncia ou queixa I for manifestamente inepta II faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou III faltar justa causa para o exercício da ação penal Todos esses casos já foram explicados anteriormente Também é recorrível em sentido estrito a decisão que rejeitar o aditamento próprio real ou pessoal feito no curso do processo na medida em que equivale a uma nova acusação apenas feita no mesmo processo em virtude de conexão ou continência que impõe o julgamento simultâneo No que diz respeito ao aditamento impróprio em que não se acrescenta fato novo ou sujeito apenas se corrige alguma falha da denúncia retificando dados relativos ao fato não vemos possibilidade de recurso em sentido estrito na medida em que a rejeição a essa correção não possui a mesma carga decisória daquela que rejeita a acusação Ou seja a rejeição do aditamento será recorrível quando for similar a rejeição à denúncia e para isso o aditamento deve ser próprio incluindo fatos novos ou novos réus ao processo Ademais a rejeição à mera correção de dados fáticos irrelevantes da denúncia não gera o necessário gravame para justificar o recurso II que concluir pela incompetência do juízo COMENTÁRIO A decisão que concluir pela incompetência do juízo proferida pelo próprio juiz exceto nos autos da exceção de incompetência ou mesmo a qualquer momento do procedimento pelo juiz de ofício ou a requerimento de qualquer das partes será recorrível em sentido estrito vejase o disposto nos arts 108 e 109 do CPP Contudo quando a decisão for proferida nos autos da exceção de incompetência o fundamento legal do recurso em sentido estrito é o próximo inciso III e não o presente Aqui a incompetência é reconhecida pelo juiz nos autos do processo com ou sem invocação das partes mas sem que exista um incidente específico No fundo eventual equívoco em torno dos incisos II e III é absolutamente irrelevante pois o recurso é o mesmo Também adequado o recurso em sentido estrito fundado nesse inciso para impugnar a decisão de desclassificação própria proferida na primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri pelo juiz presidente Tratase de uma decisão que indiretamente conclui pela incompetência do júri subtraindo a matéria do seu julgamento Cabível assim o recurso em sentido estrito III que julgar procedentes as exceções salvo a de suspeição COMENTÁRIO As exceções estão previstas no art 95 e ss do CPP litispendência coisa julgada e ilegitimidade de parte e já foram por nós comentadas mas cumpre esclarecer que será admissível o recurso em sentido estrito para impugnar a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que acolher uma das exceções opostas exceto como expressamente prevê o inciso a de suspeição que será irrecorrível Não se trata por óbvio da decisão proferida por tribunal que conhecendo da exceção acolhea O recurso em sentido estrito somente tem cabimento quando utilizado para impugnar decisões de primeiro grau IV que pronunciar o réu COMENTÁRIO Até a reforma de 2008 o recurso em sentido estrito era utilizado para impugnar as decisões de pronúncia impronúncia e absolvição sumária Após o advento da Lei n 116892008 caberá recurso em sentido estrito apenas da decisão de pronúncia proferida nos termos do art 413 do CPP isto é quando o juiz admite a acusação porque convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria encaminhando o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri A pronúncia é uma decisão interlocutória mista não terminativa que encerra a primeira fase do rito do Tribunal do Júri Já a decisão de impronúncia art 414 do CPP é terminativa encerrando o processo sem julgamento de mérito e impugnável pela via da apelação art 593 II do CPP A absolvição sumária art 415 do CPP deixou com a reforma de 2008 de ser impugnável pelo recurso em sentido estrito estando revogado o inciso VI do art 581 que a previa no rol de casos em que poderia ser utilizado esse recurso E andou bem o legislador pois a absolvição sumária é uma verdadeira sentença com análise de mérito e que inadequadamente estava sendo tratada como interlocutória mista Com isso passou a ser impugnada pela via da apelação Também foi extinto o recurso ex officio da sentença de absolvição sumária cabendo apelação a ser interposta pela parte interessada na reforma da sentença V que conceder negar arbitrar cassar ou julgar inidônea a fiança indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogála conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante COMENTÁRIO Tratase em todas as situações dispostas no inciso de decisões interlocutórias simples proferidas pelo juiz de primeiro grau ao decidir sobre o status libertatis do imputado A Lei 12403 revigorou o instituto da fiança agora com amplo espaço de utilização e plena aplicabilidade prática Em geral essa via de impugnação tem sido utilizada pelo Ministério Público para atacar a decisão que denega o pedido de prisão preventiva revoga concede liberdade provisória ou relaxa a prisão em flagrante Para a defesa as decisões que negam cassam ou julgam inidônea a fiança em geral são atacadas por habeas corpus não apenas porque costumam implicar a prisão cautelar do imputado mas principalmente pela celeridade e a possibilidade de concessão de medida liminar que somente o habeas corpus possui VI que absolver o réu nos casos do art 411 Revogado pela Lei n 11689 de 2008 COMENTÁRIO Esse inciso foi revogado pela Lei n 11689 que instituiu o novo rito para os crimes de competência do Tribunal do Júri estabelecendo que a decisão que absolve sumariamente o réu art 415 do CPP é impugnável pela via da apelação e não mais por recurso em sentido estrito Tratase de verdadeira sentença com análise de mérito que deve ser objeto de recurso de apelação Ademais a referida Lei extinguiu o recurso ex officio desta decisão VII que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor COMENTÁRIO A decisão proferida pelo juiz de primeiro grau que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor é impugnável pelo recurso em sentido estrito ainda que na prática a via do habeas corpus seja a escolhida pois mais célere e eficaz Inobstante recordemos que a fiança será considerada quebrada quando o imputado devidamente intimado para ato do inquérito ou do processo não comparecer sem justificativa arts 327 e 341 não cumprir com as condições impostas no art 328 e finalmente quando na vigência da fiança cometer outra infração art 341 Como consequência do quebramento o réu perderá metade do valor e será preso O perdimento do valor dado em garantia ocorre nos casos do art 344 ou seja quando o réu é condenado definitivamente e não se apresenta à prisão Em todos esses casos a imposição da prisão do imputado conduz ao uso recorrente do habeas corpus esvaziando a utilidade do recurso em sentido estrito nestes casos ainda que perfeitamente cabível compreendase VIII que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade COMENTÁRIO Tratase de verdadeira decisão declaratória de extinção da punibilidade cujos casos de ocorrência estão previstos no art 107 do Código Penal e também em leis esparsas Como regra esse recurso será utilizado pelo Ministério Público ou pelo assistente da acusação pois considerase que não há para a defesa uma gravame interesse que legitime sua utilização A absolvição sumária do art 397 do CPP merece uma análise em separado pois como regra é atacável pelo recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do Recurso em Sentido Estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Assim a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 IV é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Por fim quando a decisão for proferida no curso da execução criminal o recurso cabível é o agravo da execução previsto no art 197 da LEP IX que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade COMENTÁRIO É uma situação oposta à anterior na medida em que geralmente é a defesa que postula o reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade que não é reconhecida pelo juiz de primeiro grau Dessa decisão é o recurso em sentido estrito o meio adequado para a impugnação X que conceder ou negar a ordem de habeas corpus COMENTÁRIO Compreendase que nesse caso o habeas corpus foi impetrado em primeiro grau geralmente para atacar ato coator emanado de autoridade policial mas outros casos são possíveis como se explicará na continuação quando abordarmos o writ e foi concedido ou negado No primeiro caso caberá ao Ministério Público manejar o recurso em sentido estrito pois único interessado na reforma da decisão Já na denegação da ordem poderá o interessado recorrer em sentido estrito ou o que normalmente se faz impetrar novo habeas corpus agora para o órgão de segundo grau competente tendo por base o ato coator emanado do juiz a quo XI que conceder negar ou revogar a suspensão condicional da pena COMENTÁRIO Nos dois primeiros casos concessão ou denegação a decisão poderá ser proferida no bojo da sentença penal condenatória ou na fase de execução penal Neste último caso o recurso adequado é o agravo da execução previsto no art 197 da LEP Lei de Execuções Penais Lei n 721084 Já quando proferida no contexto de uma sentença condenatória o recurso cabível é a apelação parcial e não o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra só da parte que concedeu ou negou a suspensão condicional da pena como prevê o art 593 4º do CPP Por último a decisão que revoga a suspensão condicional da pena é sempre proferida na fase de execução penal sendo o agravo da execução a forma adequada de impugnação Em suma concluise que com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu sua eficácia XII que conceder negar ou revogar livramento condicional COMENTÁRIO Tratase de decisão proferida no âmbito do processo de execução penal impugnável pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu completamente sua eficácia XIII que anular o processo da instrução criminal no todo ou em parte COMENTÁRIO Incumbe ao juiz mais do que às partes velar pela regularidade do processo evitando a prática de atos defeituosos que possam acarretar uma futura decretação de nulidade ou mesmo que tenham que ser repetidos Quando o juiz de ofício ou mediante invocação de qualquer das partes verificar que um determinado ato processual foi praticado com defeito e que essa violação da forma prejudicou a eficácia do princípio constitucional tutelado deverá analisar se a o ato pode ser refeito sem defeito sendo que isso é suficiente para obterse a eficácia desejada do princípio constitucional violado ou b a repetição não é possível ou não é suficiente para obterse a eficácia principiológica desejada No primeiro caso estamos diante de um defeito sanável O ato deverá ser refeito com plena observância da tipicidade processual prevista não sendo necessária a decretação da nulidade No segundo caso o defeito é insanável não havendo nada mais a ser feito para restabelecer a regularidade do processo sendo a decretação da nulidade com a respectiva ineficácia e o desentranhamento das peças o único caminho possível Essa distinção é fundamental pois o recurso em sentido estrito somente poderá ser utilizado no segundo caso quando efetivamente há a decretação da nulidade A mera constatação da prática de um ato defeituoso com a determinação de repetição saneamento não é passível de recurso em sentido estrito Quanto à extensão da contaminação é irrelevante para fins recursais pois a nulidade total ou parcial é igualmente impugnável O caráter total ou parcial da anulação pode por outro lado constituir o próprio mérito do recurso na medida em que a parte por exemplo sustentar que não houve a contaminação dos atos posteriores Mas isso é a fundamentação do recurso e não um requisito do recurso Por outro lado é irrecorrível a decisão que não acolhe o pedido de decretação da nulidade ou mesmo de repetição do ato defeituoso Nestes casos duas opções se abrem ao interessado a buscar pela via do habeas corpus o reconhecimento da nulidade pretendida no tribunal ad quem b alegála novamente em sede de debates orais ou memoriais e em caso de não acolhimento na sentença suscitar a questão em preliminar do recurso de apelação Para complementar remetemos o leitor à explicação que fizemos no Capítulo destinado aos Atos Processuais Defeituosos XIV que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir COMENTÁRIO O alistamento dos jurados está previsto nos arts 425 e 426 do CPP sendo que a lista geral será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e poderá ser alterada de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro Dessa decisão que incluir ou excluir jurado da lista geral caberá recurso em sentido estrito determinando o art 586 parágrafo único que o prazo da impugnação apenas nesse caso será de 20 dias contado da data da publicação definitiva da lista de jurados que ocorre até o dia 10 de novembro XV que denegar a apelação ou a julgar deserta COMENTÁRIO Caberá recurso em sentido estrito em duas situações distintas mas previstas no mesmo inciso a Decisão que denegar a apelação nesse caso o juiz a quo não permitiu que a apelação subisse para o tribunal ou seja no juízo de admissibilidade feito em primeiro grau entendeu o juiz ser a apelação descabida inadequada intempestiva haver ilegitimidade da parte recorrente ou inexistir gravame Significa dizer que no juízo de admissibilidade do recurso de apelação entendeu o juiz a quo não estar presente algum dos requisitos objetivos ou subjetivos do recurso Dessa decisão denegatória poderá o recorrente utilizar o recurso em sentido estrito para postular inicialmente no juízo a quo a retratação da decisão ou em não o fazendo que seja o recurso encaminhado ao tribunal ad quem que reexaminará a decisão denegatória É importante compreender que o tribunal reexaminará apenas o juízo de admissibilidade reformandoo e por consequência determinando a subida da apelação ou mantendoo Não é feito um juízo sobre o mérito do recurso de apelação impedido de subir mas apenas sobre a decisão que não o admitiu b Decisão que julgar deserta a apelação com a revogação do art 595 do CPP a deserção ficou restrita a ausência de preparo pagamento das custas recursais Em que pese alguma discussão a respeito segue sendo aplicada Portanto caberá recurso em sentido estrito da decisão proferida pelo juiz de primeiro grau a quo que em sede de juízo de admissibilidade afirmar a inexistência do requisito objetivo do preparo Nesse caso como ocorre no item anterior o tribunal ad quem limitarseá a reexaminar o juízo de inadmissibilidade feito pelo juiz de primeiro grau Não há juízo sobre o mérito da apelação mas apenas se ela deve subir para ser apreciada pelo tribunal ou não Mas se o juízo a quo além de não admitir a apelação também obstar o prosseguimento do recurso em sentido estrito além da correição parcial se for manifesto o erro ou tumulto praticado pelo juiz é possível a utilização da carta testemunhável prevista no art 639 do CPP XVI que ordenar a suspensão do processo em virtude de questão prejudicial COMENTÁRIO As questões prejudiciais vêm previstas nos arts 92 e seguintes do CPP não sendo de competência do juiz penal decidir sobre elas mas apenas verificar o nível de prejudicialidade que elas têm em relação à decisão penal bem como decidir pela suspensão do processo penal até que elas sejam resolvidas na esfera cível tributária ou administrativa São prejudiciais exatamente porque exigem uma decisão prévia Para tanto é necessário que a solução da controvérsia afete a própria decisão sobre a existência do crime Cabe ao juiz analisar esse grau de prejudicialidade que deve ser em torno de uma questão séria e fundada sobre o estado civil das pessoas Em última análise a prova da existência do crime depende da solução na esfera cível dessa questão Nisso reside sua prejudicialidade na impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão O recurso em sentido estrito desse inciso XVI tem por objeto impugnar a decisão que determinou a suspensão do processo penal até que ela seja resolvida em outra esfera jurisdicional As questões prejudiciais podem ser divididas em obrigatórias e facultativas e foram tratadas anteriormente XVII que decidir sobre a unificação de penas COMENTÁRIO Tratase de decisão proferida no âmbito do processo de execução penal impugnável pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu completamente sua eficácia XVIII que decidir o incidente de falsidade COMENTÁRIO Estabelece o art 145 do CPP e seguintes que sendo arguida por escrito a falsidade de um documento constante nos autos deverá o juiz mandar autuar em apartado a impugnação ouvindo a parte contrária que no prazo de 48h oferecerá resposta Reconhecida a falsidade documental por decisão irrecorrível mandará o juiz desentranhála dos autos remetendo a seguir para o Ministério Público tomar as medidas que entender cabíveis Se não acolhida a alegação de falsidade do documento permanecerá ele nos autos surtindo todos os efeitos probatórios O recurso em sentido estrito é o meio de impugnação adequado para atacar a decisão proferida neste incidente independentemente de sua natureza XIX que decretar medida de segurança depois de transitar a sentença em julgado XX que impuser medida de segurança por transgressão de outra XXI que mantiver ou substituir a medida de segurança nos casos do art 774 XXII que revogar a medida de segurança XXIII que deixar de revogar a medida de segurança nos casos em que a lei admita a revogação XXIV que converter a multa em detenção ou em prisão simples COMENTÁRIO Tratase de decisões proferidas no âmbito do processo de execução penal impugnáveis pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 os incisos acima perderam completamente sua eficácia Em relação ao inciso XXIV além de essa decisão ser proferida no curso da execução penal o que já deslocaria o cabimento e a adequação para o agravo da LEP o atual art 51 do Código Penal não mais admite a conversão da multa originária em detenção ou prisão simples Em síntese o dispositivo legal perdeu completamente o sentido 1112 Tempestividade e Preparo Quanto ao requisito temporal o recurso em sentido estrito deve observar os seguintes prazos cinco dias para interposição art 586 do CPP dois dias para apresentação das razões art 588 do CPP A essa regra devemse acrescentar duas exceções 20 dias para recorrer da decisão que incluir ou excluir jurado na lista geral art 581 XIV do CPP 15 dias para interposição e 2 dias para razões quando a impugnação é feita pelo assistente da acusação não habilitado arts 584 1º cc 598 parágrafo único do CPP Como ocorre na apelação o recurso em sentido estrito se desenvolve em dois momentos distintos um para interposição onde se afere a tempestividade e outro para apresentação das razões mas sublinhamos a tempestividade é a exigência de interposição no prazo de 5 dias a contar da intimação da decisão A apresentação das razões fora do prazo fixado dois dias é mera irregularidade que não prejudica a admissão do recurso O recurso em sentido estrito pode ser interposto por petição ou por termo nos autos art 578 do CPP permitindose assim que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita ou seja termo nos autos Também é importante recordar a faculdade disposta na Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Para evitar repetições remetemos o leitor ao explicado anteriormente sobre interposição tempestividade e preparo Por fim no que tange ao assistente da acusação ele pode ser habilitado nos autos quando então será intimado de todos os atos e poderá recorrer caso não o faça o Ministério Público no prazo de 5 dias não habilitado situação em que por não participar do processo não será intimado das decisões tendo por isso o prazo de 15 dias para interpor o recurso em sentido estrito arts 584 1º cc 598 parágrafo único do CPP Mas o assistente habilitado ou não somente poderá recorrer em sentido estrito da decisão que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade nos termos do art 584 1º cc art 581 VIII do CPP pois esta decisão impede a formação do título executivo que lhe move conforme explicamos anteriormente ao tratar do assistente da acusação A outra hipótese prevista até a reforma processual de 2008 era para impugnar a decisão de impronúncia que agora é passível de apelação e não mais recurso em sentido estrito Permanece a possibilidade de o assistente impugnar a decisão de impronúncia mas agora sob a forma da apelação como estudaremos a seguir Ademais poderá o assistente habilitado ou não recorrer em sentido estrito na hipótese prevista no inciso XV pois é natural que podendo ele apelar exista a possibilidade de recorrer em sentido estrito para impugnar a decisão que denegou a apelação Não seria razoável lhe permitir recorrer e não lhe assegurar uma via para impugnar a decisão que não admitisse seu recurso1 Por fim quanto ao preparo recordemos que é um requisito somente exigível nos processos em que a ação penal é de iniciativa privada cabendo ao recorrente pagar as custas recursais para que o recurso em sentido estrito seja julgado sob pena de deserção Como vimos anteriormente o preparo deve ser feito art 806 2º do CPP no prazo fixado pelo juiz a quo Cabe ao juízo de primeiro grau recebendo a interposição do recurso fixar o prazo para efetivação do preparo e determinar a intimação do recorrente para efetuar o recolhimento sob pena de deserção 112 Requisitos Subjetivos Legitimação e Gravame A legitimação para recorrer em sentido estrito segue a regra geral do art 577 ou seja Art 577 O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público ou pelo querelante ou pelo réu seu procurador ou seu defensor Ao lado deles figura ainda o assistente da acusação habilitado ou não que poderá recorrer da decisão que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade Quanto ao gravame aplicase integralmente todo o que já foi dito na teoria geral dos recursos 12 Efeitos do Recurso em Sentido Estrito No que diz respeito ao efeito devolutivo o recurso em sentido estrito caracterizase por ser misto ou seja há efeito duplo pois permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e caso a mantenha o recurso será remetido para o tribunal ad quem É portanto um recurso de caráter regressivo no primeiro momento e caso o juiz não reforme sua decisão passa a ter o efeito devolutivo propriamente dito com o recurso subindo para o tribunal ad quem Já em relação ao efeito suspensivo devese analisar o regramento legal Art 584 Os recursos terão efeito suspensivo nos casos de perda da fiança de concessão de livramento condicional e dos ns XV XVII e XXIV do art 581 1º 2º O recurso da pronúncia suspenderá tão somente o julgamento 3º O recurso do despacho que julgar quebrada a fiança suspenderá unicamente o efeito de perda da metade do seu valor Assim suspendemse os efeitos da decisão uma vez interposto o recurso em sentido estrito e admitido pelo juiz a quo que a decretar a perda da fiança b conceder livramento condicional c denegar a apelação d julgar deserta a apelação O recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia suspenderá apenas o julgamento Pensamos que o art 584 2º deve ser lido à luz do disposto no art 421 cuja redação é posterior que determina preclusa a decisão de pronúncia os autos serão encaminhados ao juiz presidente do tribunal do júri Portanto interposto o RSE da decisão de pronúncia o feito deverá ser suspenso E o mais importante da decisão proferida pelo Tribunal se for interposto Recurso Especial ou Recurso Extraordinário deve o feito permanecer suspenso Isso porque como determina o art 421 somente após a preclusão da pronúncia os autos serão enviados ao juiz presidente para continuidade e posterior aprazamento do júri E não se diga que o fato de o Recurso Especial e Extraordinário não ter efeito suspensivo levaria a conclusão diferente pois isso seria um errôneo civilismo da teoria geral do processo A nova redação do art 421 do CPP exige a preclusão da decisão de pronúncia para a continuidade do feito logo é imprescindível o esgotamento das vias recursais Não há como sustentarse que existe preclusão na pendência de recursosob pena de pretender atribuir à preclusão um sentido completamente novo um marco zero de interpretação desconsiderando hermeneuticamente toda construção doutrinária e jurisprudencial existente Processualmente seria um absurdo Dando continuidade o 3º preceitua que o recurso da decisão não é um despacho como diz o dispositivo que julgar quebrada a fiança suspenderá apenas o efeito de perda da metade do seu valor Ou seja não suspende o mais importante que é o mandamento de prisão Daí por que juntamente com o recurso em sentido estrito deverá a defesa buscar no habeas corpus a pretendida manutenção do estado de liberdade Quanto ao art 585 perdeu completamente o sentido com a nova redação dada ao art 413 2º e 3º do CPP bem como pelos fundamentos já expostos no Capítulo destinado às prisões cautelares 13 Aspectos Relevantes do Procedimento Efeitos Uma vez interposto por petição ou termo nos autos o recurso em sentido estrito poderá subir nos próprios autos ou por instrumento conforme prevê o art 583 do CPP Art 583 Subirão nos próprios autos os recursos I quando interpostos de ofício II nos casos do art 581 I III IV VI VIII e X III quando o recurso não prejudicar o andamento do processo Parágrafo único O recurso da pronúncia subirá em traslado quando havendo dois ou mais réus qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido ainda intimados da pronúncia Quanto ao inciso I remetemos o leitor à crítica feita à falta de legitimidade e interesse bem como à não recepção do recurso de ofício pela Constituição Federal O inciso II afirma que subirá nos próprios autos o recurso em sentido estrito que impugnar as seguintes decisões a que não receber a denúncia ou a queixa b que julgar procedentes as exceções salvo a de suspeição c que pronunciar o réu exceto se houver dois ou mais acusados e qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido intimados da pronúncia casos em que subirá por instrumento para não prejudicar a tramitação do feito e até o julgamento pelo júri daqueles réus que se conformarem com a pronúncia d o inciso VI foi revogado pela Lei n 116892008 pois agora a sentença de absolvição sumária é atacável pela apelação e não mais pelo recurso em sentido estrito e que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade f que conceder ou negar a ordem de habeas corpus O inciso III abre a possibilidade de que outras decisões impugnáveis pelo recurso em sentido estrito possam também subir nos próprios autos desde que não prejudique o andamento do processo Nos demais casos em que o recurso subirá por instrumento deverá a parte recorrente indicar as peças do processo que pretenda traslado ou seja quais petições e decisões entende necessário fotocopiar para formar os autos que subirão ao tribunal com o recurso Existem peças que a parte indica e outras que são necessárias como determina o art 587 parágrafo único do CPP São peças obrigatórias a a decisão recorrida b a certidão da intimação da parte recorrente para aferir a tempestividade do recurso c e obviamente o termo de interposição caso não seja interposto por petição Além das obrigatórias e das indicadas pelas partes poderá o juiz determinar que integrem o instrumento todas as peças que julgar necessárias art 589 A petição de interposição e as razões são peças que logicamente sempre integrarão o instrumento da mesma forma que as contrarrazões do recorrido Na prática o instrumento não é preparado pelo cartório ou secretaria como estabelece o CPP e tampouco adianta o recorrente apenas indicar as peças Diante da institucionalizada falta de recursos materiais humanos de boa vontade etc deverá o interessado pegar os autos em carga e providenciar todas as cópias já as anexando às razões do recurso sob pena de ver sua impugnação amargar meses parada na prateleira do cartório Interposto tempestivamente o recurso em sentido estrito apresentadas as razões e formado o instrumento com a resposta do recorrido ou sem ela sendo o réu deverá o juiz nomear defensor dativo para apresentála em nome da eficácia da ampla defesa os autos serão conclusos ao juiz que proferiu a decisão efeito regressivo para que a mantenha ou reforme Neste sentido estabelece o art 589 do CPP Art 589 Com a resposta do recorrido ou sem ela será o recurso concluso ao juiz que dentro de dois dias reformará ou sustentará o seu despacho mandando instruir o recurso com os traslados que lhe parecerem necessários Parágrafo único Se o juiz reformar o despacho recorrido a parte contrária por simples petição poderá recorrer da nova decisão se couber recurso não sendo mais lícito ao juiz modificála Neste caso independentemente de novos arrazoados subirá o recurso nos próprios autos ou em traslado Exige atenção a sistemática do parágrafo único pois se o juiz se retratar e reformar a decisão impugnada haverá uma inversão do gravame cabendo à parte até então não prejudicada mas que com a retratação o foi recorrer dessa nova decisão por simples petição não sendo mais lícito ao juiz modificála Nesse caso sem qualquer complemento da fundamentação das partes o recurso subirá nos próprios autos ou em traslado conforme o caso Essa simples petição é uma peculiar forma de recorrer da nova decisão devendo a parte ali já fazer a fundamentação que julgar necessária pois não haverá outra oportunidade E qual o prazo para que a parte agora prejudicada apresente essa simples petição O CPP não define mas é lógico darse o mesmo tratamento dispensado ao recurso ou seja 5 dias Essa simples petição deve ser apresentada em até 5 dias da data em que a parte prejudicada for intimada da retratação do juiz Mas o ponto nevrálgico dessa sistemática é o seguinte esse novo recurso por simples petição somente terá cabimento se a nova decisão for recorrível Do contrário não cabe a impugnação Vejamos o seguinte exemplo o réu é denunciado pelo delito de sonegação fiscal art 1º da Lei n 813790 e o juiz rejeita a acusação por falta de condição da ação punibilidade concreta nos termos do art 395 II do CPP posto que a Receita Federal informou que o imputado parcelou o débito Lei n 10684 Inconformado o Ministério Público Federal interpõe recurso em sentido estrito art 581 I do CPP alegando em síntese que o parcelamento autoriza apenas a suspensão do processo penal mas não a rejeição da denúncia pois não há o pagamento integral para que exista a extinção da punibilidade Em sede de retratação o juiz acolhe o recurso do Ministério Público e recebe a denúncia Nesse momento operase uma inversão de gravame e nasce para o réu um interesse recursal inexistente até então Perguntase poderá o imputado por simples petição recorrer dessa nova decisão conforme disposto no art 589 parágrafo único Não A nova decisão é irrecorrível Não se admite recurso em sentido estrito apelação ou qualquer outro recurso da decisão que recebe a denúncia Nada impede porém que o imputado impetre habeas corpus buscando o trancamento do processo ou ao menos sua suspensão Mas recurso não cabe Por fim importante ainda nesta temática a Súmula n 707 do STF a saber SÚMULA N 707 do STF Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia não a suprindo a nomeação de defensor dativo Tratase de exigência da maior importância na medida em que somente assim irá se assegurar a eficácia do contraditório 2 Do Recurso de Apelação Na visão de DALIA e FERRAIOLI2 lappello è il mezzo di impugnazione ordinário che consente ad un giudice di grado superiore di rivedere in forma critica il giudizio pronunciato dal giudice di primo grado É um meio de impugnação ordinário por excelência podendo ser total ou parcial que autoriza um órgão jurisdicional de grau superior a revisar de forma crítica o julgamento realizado em primeiro grau O revisar de forma crítica deve ser compreendido na mesma perspectiva de CARNELUTTI anteriormente referida de que os recursos são la crítica a la decisión posto que etimologicamente criticar não significa outra coisa que julgar e o uso deste vocábulo tende a significar aquele juízo particular que tem por objeto outro juízo isto é o juízo sobre o juízo e dessa maneira um juízo elevado à segunda potência Essa ideia de juicio sobre el juicio é muito interessante pois quando o autor emprega a expressão juízo juicio o faz no sentido amplo de julgamento ou seja do conjunto de atos que integram o processo e o julgamento sentido estrito e não apenas na dimensão deste último Assim juízo não significa ato decisório senão toda a matéria trazida ao processo e que compõe o julgamento Tratase de uma concepção adequadíssima ao recurso de apelação pois a apelação instaura o segundo grau permitindo um nova fase de conhecimento do mérito naquilo que FAZZALARI chama de princípio do duplo grau de cognição do mérito doppio grado di cognizione di merito3 pois ao juízo da apelação podem ser devolvidas as mesmas questões feitas hinc et inde em primeiro grau efeito devolutivo do apelo mas não podem ser feitas demandas novas vedação de mutatio libelli em segundo grau É a apelação um recurso ordinário total ou parcial conforme o caso de fundamentação livre vertical e voluntário que se destina a impugnar uma decisão de primeiro grau devolvendo ao tribunal ad quem o poder de revisar integralmente o julgamento em sentido amplo e não apenas de decisão feito pelo juiz a quo 21 Requisitos Objetivos e Subjetivos da Apelação Seguindo a mesma sistemática de abordagem anteriormente feita iniciemos o estudo da apelação a partir de seus requisitos objetivos e após subjetivos 211 Requisitos Objetivos e Subjetivos 2111 Cabimento e Adequação O cabimento como visto é a exigência de que inexista uma decisão imutável e irrevogável ou seja não se tenha operado a coisa julgada formal Uma decisão é apelável porque não preclusa Já a adequação vista como a correção do meio de impugnação eleito pela parte interessada também abrange a regularidade formal da interposição do recurso Assim iniciemos pelas regras atinentes à interposição do recurso de apelação para na continuação analisar os casos em que é cabível o apelo A apelação pode ser interposta de duas formas a termo nos autos b ou por petição É a mesma sistemática anteriormente explicada no recurso em sentido estrito somente autorizada porque a apelação como o RSE é um recurso que possui dois momentos distintos o primeiro é o da interposição que poderá ser por petição ou termo nos autos e após o recebimento abrese então a possibilidade de apresentação das razões que fundamentam o apelo O recurso de apelação encontra no art 593 do CPP a previsão legal das hipóteses de cabimento que serão comentadas uma a uma para facilitar a compreensão Art 593 Caberá apelação no prazo de 5 cinco dias COMENTÁRIO Esse prazo de 5 dias referese à interposição e é com base nele que se afirma ou não a tempestividade do recurso Como se verá na continuação esse prazo poderá ser de 15 dias quando o recorrente for o assistente da acusação não habilitado I das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular COMENTÁRIO O recurso de apelação é uma forma de impugnação das decisões de primeiro grau que poderão ser proferidas pelo juiz singular ou pelo juizpresidente do Tribunal do Júri O inciso I dirigese às sentenças de condenação absolvição absolvição imprópria que absolve e aplica medida de segurança e absolvição sumária do rito do Tribunal do Júri art 415 do CPP Já a absolvição sumária do art 397 do CPP merece uma análise em separado pois como regra é atacável pelo recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do Recurso em Sentido Estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Assim a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 IV é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Sendo caso de recurso em sentido estrito mas a parte interpôs apelação considerando que o prazo de interposição é o mesmo pensamos ser perfeitamente invocável o princípio da fungibilidade anteriormente explicado Superada essa questão advertimos ao iniciante no estudo do processo penal que a expressão sentença definitiva não significa trânsito em julgado pois a apelação pressupõe para seu cabimento a inexistência de coisa julgada formal Portanto por sentença definitiva compreendase a sentença não transitada em julgado que ponha fim ao processo com julgamento de mérito diferenciandose assim das decisões interlocutórias Por fim não se pode esquecer da regra contida no art 593 4º Quando cabível a apelação não poderá ser usado o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra Assim se no bojo de uma sentença condenatória for negado o sursis e o réu pretender recorrer apenas deste ponto da sentença o recurso cabível é a apelação parcial e não o recurso em sentido estrito do art 581 XI pois ainda que exista expressa previsão no art 581 estamos diante de uma sentença condenatória e não de uma decisão interlocutória Importa pois a natureza do ato decisório neste tema Mesmo que a parte impugnada da sentença seja isoladamente considerada passível de recurso em sentido estrito não se pode esquecer que o ato decisório como um todo constitui uma sentença condenatória apelável portanto II das decisões definitivas ou com força de definitivas proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior COMENTÁRIO Neste inciso II abrese a cláusula geral da apelação fazendo com que os casos de recurso em sentido estrito sejam taxativos e aquilo que lá não estiver previsto encontra abrigo neste inciso II do art 593 A peculiar estrutura legislativa brasileira fez com que a apelação acabasse se transformando num recurso residual em relação ao recurso em sentido estrito na medida em que expressamente estabelece que caberá apelação nos casos não previstos no Capítulo anterior E o que se entende por decisão definitiva ou com força de definitiva Sem dúvida mais uma criação do confuso sistema legislativo brasileiro Lecionase que tais decisões correspondem àquelas que têm cunho decisório e geram gravame ou prejuízo para a parte atingida encerrando o processo sem julgamento do mérito ou finalizando uma etapa do procedimento Por isso podem ser terminativas ou não Como regra não há produção de coisa julgada material e são atacáveis pela via do recurso em sentido estrito sendo a apelação residual ou seja quando a decisão definitiva ou com força de definitiva for proferida por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior Interessamnos as decisões interlocutórias mistas que não integram o rol do art 581 em que o recurso cabível será a apelação residual do art 593 II do CPP São exemplos de decisões interlocutórias mistas ou seja decisões definitivas ou com força de definitiva proferidas por juiz singular impugnáveis pela apelação do art 593 II a decisão que decreta a perempção em qualquer dos casos do art 60 do CPP b impronúncia c decisão que acolhe a exceção de coisa julgada ou litispendência d decisão proferida em sede de medidas assecuratórias tais como as que decretam o sequestro de bens hipoteca legal arresto indeferem o pedido de levantamento da medida assecuratória etc Em suma esse inciso prevê uma apelação residual em relação aos casos atacáveis ordinariamente por recurso em sentido estrito quando estivermos diante de uma decisão interlocutória mista decisão definitiva ou com força de definitiva que encerre o processo sem julgamento do mérito finalize uma etapa do procedimento ou finalize um procedimento apartado como as medidas assecuratórias por exemplo III das decisões do Tribunal do Júri quando COMENTÁRIO Desde logo devese atentar que o inciso III e suas alíneas dirigese exclusivamente às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não sendo aplicável às decisões proferidas por juiz singular É uma fundamentação exclusiva do apelo contra a decisão do Tribunal do Júri A apelação às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri é vinculada ou seja deve a parte indicar já na petição de interposição qual é o fundamento legal do recurso ou seja em que alínea ou alíneas se funda o recurso Esse critério também irá definir o efeito devolutivo da apelação ou seja o tantum devolutum quantum appellatum Nesse tema é importante atentar para o disposto na Súmula n 713 do STF SÚMULA N 713 O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição Significa dizer que se a apelação foi interposta indicando o art 593 III a ainda que na fundamentação seja alegado que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos alínea d o tribunal deverá limitarse a prover ou não o pedido de nulidade Mas pensamos que essa regra deve ser relativizada4 principalmente quando a situação for inversa ou seja interposição com base na alínea d e na fundamentação do recurso houver uma preliminar de nulidade ocorrida em plenário Nesse caso considerando que os defeitos insanáveis nulidades absolutas não precluem e que podem ser conhecidos até mesmo de ofício e a qualquer momento deve o tribunal decidir pela decretação de nulidade se for o caso Outra manobra processual comumente utilizada por advogados e promotores é indicar na interposição as quatro alíneas deste inciso deixando o campo aberto para nas razões circunscrever o apelo a uma duas ou mesmo às três fundamentações legais Nenhuma irregularidade há nisso ainda que não seja de boa técnica processual Mas sem dúvida às vezes a situação é complexa e o exíguo prazo de interposição está por findar de modo que é melhor lançar mão de um apelo amplo ainda que não seja de boa técnica processual que assegure o direito de recorrer sem restrições Os limites da devolução serão dados nesse caso pelas razões e não pela petição de interposição a ocorrer nulidade posterior à pronúncia COMENTÁRIO Como vimos anteriormente ao examinar a morfologia dos procedimentos a decisão de pronúncia uma vez preclusa encerra a primeira fase do rito do Tribunal do Júri Todas as nulidades atos processuais defeituosos que ocorrerem até a pronúncia devem ser arguidas no debate oral que as antecede E se o defeito surgir na decisão de pronúncia o recurso a ser utilizado é o recurso em sentido estrito com base no art 581 IV do CPP e não a apelação aqui estudada O apelo fundado nesta alínea a tem por base os atos defeituosos praticados após a preclusão da decisão de pronúncia e mais comumente em plenário Considerando que a segunda fase se resume à preparação do julgamento e ao plenário o principal campo de incidência das nulidades acaba sendo o momento do julgamento em plenário Entre outros citamos os seguintes casos mais comuns de nulidade sobre esses temas remetemos o leitor para o anteriormente explicado sobre o rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri a juntada de documentos fora do prazo estipulado no art 479 participação de jurado impedido inversão da ordem de oitiva das testemunhas de plenário produção em plenário de prova ilícita uso injustificado de algemas durante o julgamento referências durante os debates à decisão de pronúncia ou posteriores que julgaram admissível a acusação referências durante os debates ao silêncio do acusado em seu prejuízo e o mais recorrente defeitos na formulação dos quesitos Havendo a prática de um ato defeituoso no plenário deverá a parte prejudicada fazer constar na ata do julgamento a descrição pormenorizada do ocorrido sob pena de não conseguir em grau recursal o reconhecimento da invalidade Mais do que uma mera preclusão como equivocadamente a questão costuma ser tratada a inércia do interessado inviabiliza a demonstração em grau recursal da existência do ato defeituoso Considerando que nos debates como o próprio nome indica impera a oralidade é imprescindível que sejam reduzidas a escrito na ata do julgamento todas as nulidades ocorridas para que uma vez consignadas criem condições de possibilidade do recurso Eventualmente se o ato defeituoso for documentado de outra forma que não através da ata de julgamento o recurso poderá ser conhecido e provido ou não Excepcionalmente poderá ser reconhecido o defeito insanável ocorrido antes da pronúncia desde que se trate de grave violação à garantia constitucional e portanto não sujeito ao regime da preclusão categoria com a qual não concordamos conforme explicado anteriormente ao tratarmos dos atos defeituosos mas ainda de uso recorrente pelos tribunais brasileiros Nesse sentido BADARÓ5 sustenta que as nulidades absolutas anteriores à pronúncia também poderão ser alegadas pelo acusado e reconhecidas pelo tribunal ad quem no julgamento da apelação não havendo que se cogitar de sanatória pela preclusão do direito de alegálas Se o tribunal ad quem der provimento ao apelo deverá determinar a repetição do julgamento pois como explicamos anteriormente se o ato foi feito com defeito deve ser refeito Portanto repetição do ato e se foi anterior ao julgamento deve ele também ser repetido pois contaminado b for a sentença do juizpresidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados COMENTÁRIO Há que se compreender que no rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri o julgamento é feito pelos jurados que decidem o caso penal cabendo ao juiz apenas realizar a dosimetria da pena em caso de condenação Neste momento pode a sentença do juizpresidente incorrer em dois tipos de error in judicando decidir contra lei expressa ou decidir de forma contrária à decisão dos jurados A expressão decidir contra lei expressa remete a uma amplíssima discussão acerca da superação do dogma da completude lógica da lei e da própria matriz positivista Também permitiria uma vasta problematização no que tange à decisão que aparentemente contra lege realiza uma filtragem constitucional para negar validade substancial à lei Também poderíamos fazer uma incursão pelo terreno sempre pantanoso da distinção entre lei e norma e principalmente o espaço decisório existente entre a lei e o direito Em suma uma vasta problemática que remonta à perene questão da impossibilidade de decidir contra lei expressa que não nos incumbe e não pretendemos fazer neste ponto pois foge completamente do objeto da presente obra Daremos por précompreendidas essas questões O decidir contra lei expressa deve ser compreendido numa dimensão bem mais rasteira de erro grave e primário na aplicação da lei penal ou processual penal nos casos de desclassificação ao caso penal Situase no campo do decisionismo ilegítimo da decisão arbitrária São exemplos de decisões contra lei expressa apeláveis com base neste fundamento legal a a sentença substitui a pena aplicada pelo homicídio doloso por prestação de serviços à comunidade em desacordo com os limites do art 44 do CP b fixar o regime fechado para o réu primário condenado a uma pena inferior a 8 anos c decidir sobre o crime conexo sem submetêlo a julgamento pelo júri d quesitar sobre o crime conexo de competência não originária do júri logo após uma desclassificação própria e não quesitar o crime conexo após uma desclassificação imprópria etc Eventualmente a discussão em torno do regime de cumprimento da pena erroneamente fixado pode gerar dúvida sobre a incidência da alínea b ou c Não vislumbramos qualquer obstáculo a que o recurso seja conhecido e julgado pois realmente o limite nessa matéria nem sempre é tão claro sendo por isso perfeitamente aplicável o princípio da fungibilidade recursal No segundo caso a sentença do juizpresidente está em conflito com a decisão proferida pelos jurados ou seja não observa os limites dados pela decisão dos jurados ao responderem os quesitos É uma peculiar espécie de incongruência Ainda que como longamente explicado anteriormente a congruência ou correlação se estabeleça entre acusaçãosentença não vemos qualquer obstáculo a que se desenhe uma regra de congruênciacorrelação entre decisão do júri e sentença do juizpresidente pois também teremos sentenças citra extra ou ultra petita No Tribunal do Júri a decisão dos jurados demarca o espaço decisório do juizpresidente de modo que a sentença incongruente é nula pois viola o disposto no art 5º XXXVIII da Constituição que assegura a soberania dos veredictos e a competência do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida São alguns exemplos de sentença incongruente a os jurados absolvem o réu e o juiz profere uma sentença condenatória fixando a pena e viceversa b o júri condena por homicídio qualificado e o juiz realiza a dosimetria considerando a pena do homicídio simples c o júri reconhece uma privilegiadora e o juiz não faz a respectiva redução da pena d os jurados acolhem a tese defensiva de desclassificação de homicídio doloso para culposo e o juiz condena o réu por homicídio doloso e os jurados acolhem a tese de crime tentado e o juiz profere sentença condenatória por crime consumado etc Situação completamente distinta sucede quando em plenário ocorre uma desclassificação própria anteriormente explicada em que os jurados negam a competência do júri para realizar o julgamento passando todo o poder decisório para o juizpresidente Igual situação ainda que com reflexos distintos em relação ao crime conexo também se opera na desclassificação imprópria Em ambos os casos a decisão é proferida pelo juizpresidente e o recurso cabível será a apelação do art 593 I e não a deste inciso III pois estamos diante de uma sentença condenatória ou absolutória proferida por juiz singular Acolhendo o apelo fundado nesta alínea b deverá o tribunal ad quem proceder à retificação da sentença sem necessidade de repetição do julgamento Neste sentido determina o art 593 1º do CPP Art 593 1º Se a sentença do juizpresidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos o tribunal ad quem fará a devida retificação É um defeito que pode ser sanado pelo órgão de segundo grau sem que a nulidade precise ser reconhecida e anulado o julgamento bastando a retificação Tampouco existe violação à soberania das decisões do júri pois o tribunal está retificando um erro do juiz e não modificando a decisão dos jurados Inclusive na segunda hipótese o que o tribunal faz é exatamente o oposto corrigir a sentença incongruente do juiz que não respeitou os limites da decisão do júri c houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança COMENTÁRIO Nesta alínea o campo do apelo está circunscrito aos defeitos na aplicação da pena ou da medida de segurança A sentença é congruente mas existe um defeito na dosimetria da pena Duas são as dimensões a Erro na aplicação da pena tratase de aplicação incorreta da pena ou defeitos na utilização do sistema trifásico empregado para a dosimetria da pena Por erro na aplicação da pena entendese a violação das regras atinentes à realização da dosimetria e fixação da pena como por exemplo redução da pena pela incidência de atenuantes para limites inferiores ao mínimo legal na segunda fase6 tendo os jurados reconhecido uma qualificadora iniciar a dosimetria pela pena do homicídio simples enfim toda e qualquer inobservância das regras contidas nos arts 59 67 e 68 do CP Esse erro também poderá ser material ou seja matemático fruto de somas ou diminuições equivocadas da pena b Injustiça na aplicação da pena a expressão empregada pelo legislador é genérica e imprecisa inadequada até O que se entende por injusta aplicação da pena Das diversas respostas possíveis extraise um denominador comum a subjetividade Sem pretender resolver o problema da abertura conceitual pensamos que a aplicação de uma pena desproporcional é a face mais visível e evidente da injusta aplicação da pena Nesse universo de sentidos pensamos que talvez o lugarcomum seja a desproporcionalidade na aplicação da pena Mas essa desproporcionalidade não decorre de falha aritmética do juiz como no caso anterior mas sim da desproporcionalidade na ponderação das circunstâncias do crime O problema aqui está na perspectiva axiológica É por exemplo injusta a pena em que o juiz inicia a fixação da penabase pelo termo médio sem que as circunstâncias judiciais do art 59 do CP sejam inteiramente desfavoráveis ao réu A desproporcionalidade é evidente Da mesma forma é desproporcional a incidência de uma causa de aumento no seu limite máximo sem que existam circunstâncias concretas que autorizem o exasperamento Por fim a discussão sobre a existência ou não de prova sobre a agravante ou atenuante aplicada ou afastada situase nesta alínea ou seja injustiça na aplicação da pena Não estamos fazendo referência apenas ao quantum da incidência mas sim à prova da existência ou não da própria agravante ou atenuante Toda essa discussão situase nesta alínea pois diz respeito à aplicação da pena Toda essa argumentação empregase com as devidas adequações no caso da medida de segurança errônea ou injustamente aplicada Se o tribunal der provimento à impugnação fundada nesta alínea c retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança sem que o julgamento pelo Tribunal do Júri seja renovado Por derradeiro advertimos que a discussão sobre a existência ou não da qualificadora pacificouse no sentido de aplicação da alínea d a seguir tratada Antigamente entendiase que a apelação cujo objeto fosse a discussão sobre a existênciainexistência de provas da qualificadora deveria ser proposta com base nesta letra c pois diria respeito apenas à injustiça na aplicação da pena Atualmente prevalece o entendimento de que o fundamento desta apelação deve ser a letra d pois a qualificadora é elementar do crime é um tipo novo nova pena etc e não uma mera circunstância de aumento da pena E qual é a relevância desta problemática Imensa pois a nos termos do 2º do art 593 a apelação com fundamento no n III c deste artigo o tribunal ad quem se lhe der provimento retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança b situação completamente diversa ocorre quando a apelação é interposta com base no n III d deste artigo decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos pois nesse caso se o tribunal der provimento ao recurso sujeitará o réu a novo julgamento Assim prevalece atualmente o entendimento de que o apelo que tiver como fundamento a incidência ou não de qualificadora deverá ser interposto e julgado com base na alínea d renovandose o júri em caso de provimento d for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos COMENTÁRIO Com a nova sistemática do Tribunal do Júri e principalmente a inserção do quesito genérico da absolvição obrigatório estabeleceuse um novo problema Será que ainda tem cabimento a apelação por ser a decisão manifestamente contrária à prova quando o réu é absolvido ou condenado com base na votação do quesito o jurado absolve o acusado Já há quem sustente a inaplicabilidade do art 593 III d diante da nova sistemática do júri sob o argumento de que esse quesito genérico permite que o jurado mais do que antes exerça uma plena e livre convicção no ato de julgar podendo absolver ou condenar por qualquer motivo tal como piedade ou compaixão Tratase de permitirlhe absolver por suas próprias razões mesmo que elas não encontrem amparo na prova objetivamente produzida nos autos Como sintetiza REZENDE7 não há decisão absolutória calcada no terceiro quesito que seja manifestamente contrária à prova dos autos já que ela não reflete a resposta a um quesito de fato mas sim a vontade livre dos jurados sem mais qualquer compromisso pela nova sistemática legal com a prova produzida no processo Precisamos considerar que o recurso com base na letra d deve seguir sendo admitido contra a decisão condenatória a impossibilidade seria só em relação a sua utilização para impugnar a decisão absolutória Isso porque com a inserção do quesito genérico da absolvição o réu pode ser legitimamente absolvido por qualquer motivo inclusive metajurídico Portanto uma vez absolvido não poderia ser conhecido o recurso do MP com base na letra d na medida em que está autorizada a absolvição manifestamente contra a prova dos autos Como dito com o quesito genérico da absolvição os jurados podem decidir com base em qualquer elemento ou critério Contudo segue com plena aplicação o recurso fundado na letra d quando a sentença é condenatória Isso porque não existe um quesito genérico da condenação nem poderia existir por elementar Para condenar estão os jurados adstritos e vinculados à prova dos autos de modo que a condenação manifestamente contrária à prova dos autos pode e deve ser impugnada com base no art 593 III d Não se trata aqui como podem alegar alguns de maxigarantismo mas de regras elementares do devido processo penal Sublinhese o que a reforma de 2008 inseriu foi um quesito genérico para absolver por qualquer motivo não para condenar Portanto a sentença condenatória somente pode ser admitida quando amparada pela prova Por tudo isso pensamos que a apelação fundada na letra d somente pode ser conhecida e admitida ou não quando oposta pela defesa diante de uma sentença penal condenatória Mas a questão é nova e está longe de ser pacífica Feita essa ressalva em relação à admissibilidade ou não do dispositivo vamos analisálo mais detidamente pois segue sendo majoritariamente aplicado Tratase do fundamento que permite a impugnação das decisões condenatórias ou absolutórias do Tribunal do Júri estabelecendo a discussão sobre a inadequação da decisão em relação ao contexto probatório É a única possibilidade de buscarse em grau recursal um reexame do caso penal decidido em primeira instância como um verdadeiro recurso ordinário pois as alíneas anteriores restringem a discussão unicamente à aplicação da norma jurídica Mas um novo problema surge o dogma da soberania das decisões do júri Isso faz com que o espaço decisório do tribunal ad quem seja reduzido a ponto de a jurisprudência brasileira pautarse pela manutenção do resultado do julgamento somente acolhendo o apelo quando a decisão for absolutamente dissociada da prova sem a menor base probatória Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE8 lecionam que é constante a afirmação de que a decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela inteiramente destituída de qualquer apoio no processo completamente divorciada dos elementos probatórios que não encontra enfim amparo em nenhuma versão resultante da prova Recordemos que quando a irresignação disser respeito à decisão do júri que reconheceu uma qualificadora ou negou sua ocorrência o apelo terá por fundamento esta letra d devendo a parte interessada demonstrar que a decisão dos jurados acerca da qualificadora era manifestamente contrária à prova dos autos Podese argumentar ainda que o legislador empregou a expressão decisão manifestamente contrária à prova dos autos para definir o nível de ilegitimidade exigido para que a decisão do júri seja desconstituída Não basta que a decisão seja apenas contrária à prova dos autos ela deve ser evidentemente inequivocamente contrária à prova A soberania das decisões do júri impede que o tribunal ad quem considere que os jurados não optaram pela melhor decisão entre as duas possíveis Não lhe cabe fazer esse controle Apenas quando uma decisão não for desde uma perspectiva probatória possível é que está o tribunal autorizado a cassar a decisão do júri determinando a realização de um novo julgamento Essas são as definições e concepções pacíficas na doutrina e jurisprudência brasileira sobre a alínea d Vejamos agora o outro lado da moeda Consultando os vastos repertórios jurisprudenciais disponíveis sobre o tema é impressionante o discurso que lhes permeia especialmente quando se trata de apelação defensiva em que o réu foi condenado com base em frágeis provas mas nem assim se dá provimento à impugnação Nesses julgamentos o nível de exigência para acolher o apelo beira as raias do absurdo pois se exige uma decisão a tal ponto desconectada do processo que somente em situações surreais isso ocorreria Considerando que o processo por essência apresenta duas versões antagônicas sempre haverá como sustentar a existência de alguma prova para legitimar a decisão especialmente quando condenatória Convenhamos que uma decisão efetivamente sem nenhum amparo probatório não habita o campo real do processo até porque se não houvesse nenhum suporte probatório à tese acusatória por exemplo o processo jamais teria nascido E se admitida a denúncia ou seria o réu absolvido sumariamente ou impronunciado Ainda que não se queira reconhecer esse conjunto de fatores cria uma situação ambígua nebulosa com amplo espaço de imprópria discricionariedade decisória por parte do tribunal ad quem deixando as partes à mercê de um novo decisionismo agora disfarçado É elementar que sempre haverá um mínimo de provas para qualquer lado que se queira olhar E para reduzir o problema estão os princípios que regem as provas especialmente o in dubio pro reo a exigir para condenar que a prova deve ser robusta com alto grau de verossimilhança Do contrário a absolvição se impõe Mas no Tribunal do Júri as coisas não funcionam assim primeiro porque os jurados julgam por íntima e arbitrária convicção não fundamentando sequer e após em grau recursal porque se abre a possibilidade de o tribunal decidir como bem entender bastando usar uma boa retórica para legitimar sua decisão E nem é preciso tanto exercício argumentativo assim basta recorrer ao dogma da supremacia do júri e da exigência de uma decisão manifestamente contrária à prova dos autos e negar provimento ao recurso E quando o tribunal quiser prover o apelo afirma que a decisão é na sua visão manifestamente contrária à prova dos autos e submete o réu a novo julgamento A abertura da fórmula legal permite ao tribunal decidir como bem entender basta um mínimo de manipulação discursiva Tudo isso evidencia uma vez mais a problemática estrutura do júri brasileiro pois não efetiva a garantia constitucional do in dubio pro reo contida na presunção constitucional de inocência9 No Tribunal do Júri o réu pode ser condenado a partir de uma prova frágil e ilhada no contexto probatório e seu recurso não será admitido mesmo com uma prova amplamente favorável à sua tese defensiva pois a decisão dos jurados não é absolutamente desconectada da prova dos autos Aqui abandonase a exigência de prova plena e cabal para a condenação pois uma frágil prova da tese acusatória justifica a manutenção da condenação contrariando tudo que o processo penal democrático ergueu Quanto ao argumento da soberania das decisões do júri invocado como dogma absoluto pelos passionais defensores do júri devese fazer um importante questionamento e o igualmente fundamental direito à presunção de inocência Como resolver esse conflito Não é pretensão desta obra fazer um estudo sobre a colisão em sentido amplo ou em sentido estrito de direitos fundamentais mas essa questão sequer é ventilada pelos tribunais e pela doutrina processual penal brasileira nesse tema Primeiro devese reconhecer o problema e a impossibilidade de um tratamento reducionista como tem sido dado até então para após buscar a solução desse conflito aparente que nos parece passa pelo estudo das diferentes propostas que orbitam em torno do Princípio da Unidade da Constituição Neste sentido MENDES10 leciona que as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios que é instituído na e pela própria Constituição Partindo disso diferentes soluções são propostas pelos constitucionalistas11 sendo as principais aquelas que sustentam em síntese o estabelecimento de uma hierarquia de direitos fundamentais passando pela precedência dos valores relativos às pessoas sobre os valores de índole material o recurso à concordância prática até chegar à posição adotada pela Corte Constitucional alemã do estabelecimento de uma ponderação de bens tendo em vista o caso concreto isto é uma recusa à fixação a priori de uma hierarquia precisa entre direitos individuais e outros constitucionalmente consagrados A ponderação deve ser feita a partir das circunstâncias do caso penal concreto Importanos mais do que apontar soluções alertar para o problema que sequer é ventilado voltamos a dizer pelo senso comum teórico e jurisprudencial brasileiro O que não se pode continuar fazendo é fechar os olhos para o conflito entre a soberania do júri e a presunção de inocência do réu sem falar na ampla defesa devido processo fundamentação das decisões etc Tampouco se pode aceitar o reducionista argumento da prevalência sem limites da soberania do júri que não encontra nenhum fundamento de hermenêutica constitucional que o legitime Em suma essa sistemática recursal somada à estrutura do Tribunal do Júri brasileiro cria um terreno fértil para uma patológica administração da justiça Feita essa rápida crítica continuemos Mas se o recurso interposto com base na letra d for provido qual será a consequência A resposta vem dada pelo art 593 3º do CPP 3º Se a apelação se fundar no n III d deste artigo e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos darlheá provimento para sujeitar o réu a novo julgamento não se admite porém pelo mesmo motivo segunda apelação Portanto provido o recurso com esse fundamento será desconstituída a decisão determinandose a realização de um novo julgamento pelo Tribunal do Júri com outros jurados é óbvio Neste sentido é acertado o enunciado contido na Súmula n 206 do STF SÚMULA N 206 do STF É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo Portanto nesse novo júri nenhum dos jurados anteriores poderá novamente compor o conselho de sentença pois se pretende a máxima originalidade do julgamento e imparcialidade dos julgadores Supondo que o réu tenha sido condenado por homicídio simples a uma pena de 6 anos de reclusão inconformado apela com base no art 593 III d do CPP Provido o apelo é submetido a novo julgamento pelo júri Nesse novo julgamento pode ocorrer o seguinte a é novamente condenado b há uma desclassificação desde que seja essa uma tese da defesa c ou é absolvido Se o réu for novamente condenado pode a pena ser superior à anterior 6 anos Não pois isso constituiria uma reformatio in pejus Logo a segunda decisão seria nula cabendo uma nova apelação agora fundada na letra b devendo o tribunal ad quem retificar a pena para o patamar anterior Ainda no mesmo exemplo poderia o réu no novo júri ser condenado por homicídio qualificado a uma pena de 12 anos Cuidado com este caso pois poderá ser interpretado como reformatio in pejus principalmente após a decisão proferida pelo STF no HC 895441 Para evitar longa repetição remetemos o leitor para o Capítulo anterior quando explicamos as Regras Específicas do Sistema Recursal e a Proibição da Reformatio in Pejus E se o réu for absolvido ou desclassificada a infração poderá o Ministério Público apelar com base nesta letra d argumentando que essa nova decisão é manifestamente contrária à prova dos autos Antes de responder vejamos novamente o que diz o art 593 3º com especial atenção à última parte do dispositivo 3º Se a apelação se fundar no n III d deste artigo e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos darlheá provimento para sujeitar o réu a novo julgamento não se admite porém pelo mesmo motivo segunda apelação O ponto nevrálgico resumese então à seguinte pergunta o que significa mesmo motivo a que alude o 3º Depois de muito vacilo jurisprudencial pacificouse o correto entendimento de que a expressão mesmo motivo significa novo recurso com base na letra d Ou seja mesmo motivo é utilizar duas vezes a mesma fundamentação legal do recurso alínea b É irrelevante a tese defensiva sustentada Assim se no primeiro júri o réu alega que agiu em legítima defesa e foi absolvido mas o Ministério Público inconformado apela com base nesta letra d Provido o recurso é o réu submetido a novo julgamento em que é novamente absolvido mas agora com uma tese de inexigibilidade de conduta diversa Pode o Ministério Público novamente recorrer com base na letra d argumentando que a nova decisão é mais até do que a anterior manifestamente contrária à prova dos autos Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo Ademais como o réu é absolvido com base no quesito genérico o jurado absolve o acusado não há como identificar sequer se a tese sustentada foi acolhida ou se a absolvição ocorreu por outro motivo E se o réu é absolvido o Ministério Público apela com base na letra d e o tribunal acolhe o pedido determinando a realização de novo júri ocasião em que o réu é condenado Pode a defesa apelar com base na alínea d argumentando que essa nova decisão é manifestamente contrária à prova dos autos e que não incide o impedimento contido no 3º pois é a primeira vez que o réu recorre com este fundamento Não O dispositivo impede uma segunda apelação com base nesse fundamento independentemente de quem tenha recorrido Ademais existe um obstáculo lógico como julgando um mesmo caso penal ambas as decisões absolutória e condenatória podem ser manifestamente contrárias à prova dos autos Ou ainda que prova é essa que não autoriza absolver ou condenar Como uma mesma prova pode ser completamente incompatível com a absolvição e a condenação ao mesmo tempo A questão aqui é de lógica probatória Em suma 1 Júri absolve MP recorre com base na letra d novo júri réu novamente absolvido MP pode apelar com base na letra d Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo 2 Júri absolve MP recorre com base na letra d novo júri réu é condenado pode a defesa recorrer com base na letra d Não É ilógico que a mesma prova seja manifestamente contrária à decisão absolutória e condenatória 3 Júri condena defesa recorre com base na letra d novo júri réu novamente condenado cabe nova apelação com base na letra d Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo 4 Júri condena defesa recorre com base na letra d novo júri réu absolvido cabe apelação por parte do MP com base na letra d Não é ilógico Nada impede portanto que após o novo júri a defesa ou a acusação apelem desde que o façam com base nas letras a b ou c Não com fundamento na letra d A restrição à segunda apelação existe somente em relação à letra d Para finalizar recordemos mais um grave paradoxo que a estrutura do júri brasileiro estabelece como alegar que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos se não temos a mais remota ideia dos motivos que levaram os sete profanos a julgar dessa forma A absoluta falta de fundamentação do ato decisório faz com que o ato de recorrer seja um exercício quase mediúnico sem falar que a decisão no mais das vezes sequer tem por base a prova Negar isso é desconhecer que a íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu E tudo isso sem qualquer fundamentação Mais grave ainda é a autorização legal como já explicamos ao tratar do júri para que os jurados decidam completamente fora da prova dos autos Imaginemos um julgamento realizado no Tribunal do Júri cuja decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos condenatória ou absolutória Há recurso de apelação com base no art 593 III d do CPP que uma vez provido pelo Tribunal conduz à realização de novo júri consequência da aplicação da primeira parte do 3º do art 593 Esse novo júri será composto por outros jurados mas como o espetáculo será realizado pelos mesmos atores em cima do mesmo roteiro e no mesmo cenário a chance de o resultado final ser igual é imensa E nesse novo júri a decisão é igual à anteriormente prolatada e portanto novamente divorciada da prova dos autos Duas decisões iguais em manifesta dissociação com o contexto probatório Poderá haver então novo recurso aduzindo que novamente os jurados decidiram contra a prova dos autos Não pois a última parte do 3º do art 593 veda expressamente essa possibilidade Logo se no segundo júri eles decidirem novamente contra a prova dos autos não caberá recurso algum Assim os jurados podem decidir completamente fora da prova dos autos sem que nada possa ser feito Eles têm o poder de tornar o quadrado redondo com plena tolerância dos Tribunais e do senso comum teórico que se limitam a argumentar fragilmente com a tal supremacia do júri como se essa fosse uma verdade absoluta inquestionável e insuperável 2112 Tempestividade Legitimidade Gravame Preparo Processamento da Apelação A tempestividade do recurso de apelação se verifica pela petição de interposição ou do dia em que for feita a manifestação oral certificada nos autos termo A juntada extemporânea das razões é considerada mera irregularidade Importa é a interposição tempestiva O prazo para interposição da apelação é de 5 dias sem esquecer a Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Quanto à legitimidade estão autorizados a interpor a apelação o Ministério Público ou querelante na ação penal de iniciativa privada o réu ou seu defensor art 577 e o assistente da acusação Recordemos ainda a figura do assistente da acusação cuja legitimidade para recorrer está consagrada no art 598 do CPP12 que pode ser habilitado nos autos quando então será intimado de todos os atos e poderá recorrer caso não o faça o Ministério Público no prazo de 5 dias não habilitado situação em que por não participar do processo não será intimado das decisões tendo por isso o prazo de 15 dias para apelar art 598 parágrafo único do CPP E como se faz a contagem desse prazo do assistente Nos termos da Súmula n 448 do STF que determina o seguinte o prazo para o assistente recorrer supletivamente começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público Partindo dessa regra diferentes situações podem ocorrer a se o assistente habilitado é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele b se o assistente habilitado é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente à intimação c se o assistente não está habilitado ele não é intimado da sentença e terá o prazo de 15 dias para interpor a apelação contados do dia em que terminar o prazo do Ministério Público Outros aspectos importantes da figura do assistente da acusação já foram abordados anteriormente quando explicamos as regras gerais dos recursos para onde remetemos o leitor a fim de evitar repetições Além da legitimidade outro requisito recursal é a existência de gravame ou seja a parte recorrente deverá ter interesse recursal conforme já explicado no Capítulo anterior e para onde remetemos o leitor Também se recorde a discussão em torno do interesse recursal do assistente para apelar de uma sentença condenatória buscando o aumento da pena em que sustentamos a falta de interesse recursal nesse caso Antes de analisarmos o processamento da apelação vejamos a questão do preparo Como também já foi explicado além de tempestiva a apelação nos crimes de ação penal de iniciativa privada deverá ser previamente preparada ou seja deverá o recorrente pagar as custas judiciais previstas para que a impugnação possa ser conhecida e julgada sob pena de deserção Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas desta modalidade de ação penal Vejamos agora alguns aspectos do processamento da apelação Uma vez interposto o recurso de apelação deverá o juiz a quo fazer o juízo de admissibilidade anteriormente explicado recebendo ou não o recurso Se não admitir o apelo esta decisão será impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 XV também já comentado Admitido o recurso vejamos o disposto no art 600 do CPP Art 600 Assinado o termo de apelação o apelante e depois dele o apelado terão o prazo de oito dias cada um para oferecer razões salvo nos processos de contravenção em que o prazo será de três dias 1º Se houver assistente este arrazoará no prazo de três dias após o Ministério Público 2º Se a ação penal for movida pela parte ofendida o Ministério Público terá vista dos autos no prazo do parágrafo anterior 3º Quando forem dois ou mais os apelantes ou apelados os prazos serão comuns 4º Se o apelante declarar na petição ou no termo ao interpor a apelação que deseja arrazoar na superior instância serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes observados os prazos legais notificadas as partes pela publicação oficial Admitido o apelo deverá o juiz determinar a intimação do recorrente se for o réu na pessoa do seu defensor constituído ou dativo para que no prazo de 8 dias apresente a fundamentação do recurso ou seja as razões recursais A exceção feita às contravenções foi tacitamente revogada na medida em que todas as contravenções são julgadas no Juizado Especial Criminal que dispõe de regra própria em matéria recursal pois a Lei n 9099 prevê o recurso de apelação com o prazo único de 10 dias Recordemos pois isso já foi explicado no Capítulo anterior que a apelação poderá ser total ou parcial ou seja impugnar toda a sentença ou apenas parte dela Nesse sentido dispõe o art 599 do CPP Art 599 As apelações poderão ser interpostas quer em relação a todo o julgado quer em relação a parte dele No 1º concedese o prazo de 3 dias para o assistente arrazoar após o Ministério Público Aqui a situação é diferente daquela anteriormente explicada pois não se trata de recurso interposto pelo assistente senão de apelo apresentado pelo Ministério Público Neste caso em que o MP recorre o assistente não pode recorrer mas apenas arrazoar junto ou seja apresentar razões recursais complementares àquelas apresentadas pelo Ministério Público Quando a apelação for de decisão proferida pelo Tribunal do Júri art 593 III recordemos que as razões do assistente ficam limitadas ao fundamento legal eleito pelo Ministério Público quando da interposição ou seja a alínea definida na petição ou termo de interposição O 2º destinase à ação penal de iniciativa privada em que o Ministério Público acompanha toda a tramitação e a quem caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo como define o art 45 do CPP A questão do prazo comum prevista no 3º é objeto de crítica pois quando são vários réus essa sistemática implica um sério inconveniente que é a impossibilidade de carga dos autos que ficarão em cartório mas principalmente quebra o tratamento igualitário entre acusador e réus De qualquer forma infelizmente prevalece o entendimento da aplicação literal do dispositivo O 4º é de grande importância e utilidade prática Poderá o apelante interpor o recurso e nesta petição declarar que irá apresentar suas razões no tribunal ad quem Distribuído o apelo caberá ao relator do feito recebendo os autos determinar a intimação do recorrente para que lá apresente sua fundamentação no prazo legal o mesmo prazo de 8 dias anteriormente comentado Tratase de faculdade somente oferecida ao réu ou querelado e ao querelante ação penal de iniciativa privada Não está autorizado o Ministério Público a apresentar razões na superior instância até porque não está legitimado e capacitado o promotor de primeiro grau a atuar perante tribunais E qual a vantagem de arrazoar no tribunal Além de dispor de mais tempo para preparar as razões a principal vantagem é saber quem irá julgar o apelo ou ainda com quem se está falando É muito importante apresentar as razões já sabendo quem será o relator e em que câmara ou turma será julgado o recurso pois esse é um ponto fundamental quando se tem presente a função persuasória da atividade das partes em relação ao julgador Para isso é fundamental conhecer o perfil dos julgadores como decide aquela câmara ou turma que precedentes existem sobre as questões debatidas etc Infelizmente se aprovado o Projeto de Lei que reforma a parte recursal esta faculdade desaparece Vejamos agora o disposto no art 601 Art 601 Findos os prazos para razões os autos serão remetidos à instância superior com as razões ou sem elas no prazo de 5 cinco dias salvo no caso do art 603 segunda parte em que o prazo será de trinta dias 1º Se houver mais de um réu e não houverem todos sido julgados ou não tiverem todos apelado caberá ao apelante promover extração do traslado dos autos o qual deverá ser remetido à instância superior no prazo de trinta dias contado da data da entrega das últimas razões de apelação ou do vencimento do prazo para a apresentação das do apelado 2º As despesas do traslado correrão por conta de quem o solicitar salvo se o pedido for de réu pobre ou do Ministério Público Nesse dispositivo chamamos a atenção para a possibilidade de a apelação subir para o tribunal ad quem com as razões ou sem elas Essa sistemática cumpriu uma importante missão que foi a de criar a possibilidade de o réu preso ou solto mas especialmente ao preso ao ser intimado da sentença escrever no verso quero apelar ou qualquer outra manifestação inequívoca de sua vontade de recorrer Basta isso para que o recurso seja interposto Eis uma forma de interposição por termo nos autos A partir disso era o defensor intimado para apresentar razões e em muitos casos ele não o fazia O recurso prosseguia sem as razões e devolvia integralmente a matéria ao tribunal ad quem Mas após a Constituição e especialmente nos últimos anos o art 601 tem sido objeto de uma correta releitura constitucional de modo que em nome da ampla defesa e do contraditório os tribunais têm determinado o retorno dos autos à comarca de origem para que sejam apresentadas as razões inclusive com a nomeação de defensor dativo para apresentálas se não o fizer o constituído Além da ampla defesa a ausência de razões também viola o contraditório porque sem elas não tem a outra parte condições plenas de contraarrazoar Por isso os tribunais ultimamente têm determinado que os autos baixem em diligências para que o defensor ofereça as razões ou seja nomeado um dativo para isso Essa é sem dúvida uma medida acertada que melhor conforma o dispositivo à Constituição E o Ministério Público pode interpor o recurso e não apresentar as razões Evidente que não Pensamos que essa situação é inconcebível pois viola ao mesmo tempo a regra recursal da Motivação dos Recursos e também o contraditório e o direito de defesa pois como contraarrazoar um recurso sem razões Diante de tal situação a primeira opção é o tribunal ad quem recebendo o apelo sem as razões do acusador devolver os autos à comarca de origem para que seja pessoalmente intimado o representante do parquet para apresentar suas razões Após isso entendemos que em respeito à ampla defesa e ao contraditório deverá à defesa ser novamente oportunizada a apresentação de contrarrazões mesmo que já o tenha feito pois somente agora poderá efetivamente rebater as razões do recurso Por esse motivo é inadmissível processarse o recurso sem razões e com o parecer do Ministério Público de segundo grau considerarse sanada a falha Errado isso produz inadmissível cerceamento de defesa e violação do contraditório Outra opção mais adequada pensamos é o tribunal não conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público sem razões por violação da regra da motivação dos recursos do contraditório e do direito de defesa Ademais não está demonstrado o interesse recursal na medida em que inexiste fundamentação hábil a evidenciar o gravame A solução assim é o não conhecimento do recurso da acusação despido de fundamentação Não concordamos com tese sustentada por algum setor da doutrina no sentido de que haveria uma desistência por parte do promotorprocurador que não apresentasse as razões recursais Essa posição ainda que sedutora esbarra nos princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade inerentes à ação penal de iniciativa pública e consubstanciados expressamente no art 576 do CPP13 Não vislumbramos argumentos que justifiquem uma tal ginástica hermenêutica para negar vigência a tais princípios nem ao dispositivo apontado Daí por que tampouco vemos necessidade de tal construção na medida em que caberá ao tribunal não conhecer do recurso como explicamos no parágrafo anterior Por fim uma dúvida que pode surgir é podem ser juntados documentos novos nas razões eou contrarrazões do apelo TOURINHO FILHO não vê qualquer óbice ressalvando que se os documentos forem juntados nas contrarrazões deverá o juiz determinar que o apelante se manifeste sobre eles Quando apresentados pelo apelante o recorrido terá acesso naturalmente quando lhe for dada vista para contrarrazões Somos obrigados a concordar até porque o art 616 do CPP infelizmente permite alguns poderes instrutórios ao tribunal ad quem Contudo manifestamos a preocupação com a estrita observância do contraditório e advertimos para o grave risco de supressão de instância pois é inegável que a juntada de novas provas após a sentença constitui uma subtração de elementos probatórios do juiz a quo 22 Efeitos Devolutivo e Suspensivo O Direito de Apelar em Liberdade A apelação sempre terá efeito devolutivo propriamente dito ou reiterativo na medida em que necessariamente devolve o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem ou seja para um órgão superior àquele que proferiu a decisão É tipicamente um juízo sobre o juízo recordando a expressão de CARNELUTTI em que caberá ao tribunal reexaminar no todo ou em parte conforme a apelação seja total ou parcial a critério do recorrente a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau A regra do tantum devolutum quantum appellatum define que ao tribunal é devolvido o conhecimento da matéria objeto do recurso Mas essa regra tem um campo limitado de incidência pois deve ser pensado à luz da vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da reformatio in mellius o que faz com que acabe sendo bastante relativizado A devolução da matéria pela via do recurso está regida essencialmente pela vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da in mellius Frente a um recurso exclusivo do MP pode o tribunal acolhê lo para condenar o réu absolvido aumentar sua pena etc Mas também pode o tribunal absolver ou mesmo diminuir a pena ainda que a defesa não tenha recorrido até porque pode a qualquer tempo conceder habeas corpus de ofício Por isso afirmamos que o tantum devolutum quantum appellatum é acima de tudo uma limitação recursal ao acusador Não se olvide ainda que nos casos do art 593 III a extensão da devolução está delineada pela alínea indicada na petição de interposição conforme explicado Também recordemos que as nulidades absolutas defeito insanável podem ser conhecidas a qualquer momento em qualquer grau de jurisdição independentemente de invocação Por fim há casos em que mesmo sendo o recurso parcial extensão a modificação da parte impugnada conduz necessária e logicamente à revisão de outras matérias decididas na sentença Quando por exemplo o réu recorre exclusivamente da pena aplicada na sentença condenatória postulando a redução o tribunal em acolhendo esta impugnação e dependendo do quanto da diminuição estará obrigado a revisar também o regime de cumprimento da pena ou a possibilidade de substituição art 44 do CP mesmo que nada disso tenha sido impugnado Outra situação interessante sucede quando o réu é condenado por dois delitos interpõe a apelação requerendo a absolvição de ambos e o tribunal dá parcial provimento absolvendoo de um deles Diante do delito residual dependendo da pena cominada no tipo e preenchidos os demais requisitos do art 89 da Lei n 909995 poderá ser caso de aplicação da Súmula n 337 do STJ com a remessa dos autos para o juiz de primeiro grau intimar o Ministério Público para oferecer a suspensão condicional do processo Tudo isso independente de qualquer pedido na apelação É uma extensão necessária do efeito devolutivo No que se refere ao chamado efeito suspensivo tratase de um obstáculo a que a sentença possa produzir todos os seus efeitos antes que o recurso seja julgado afetando diretamente o estado de liberdade do réu A apelação interposta contra a sentença penal absolutória nunca terá efeito suspensivo pois como determina o art 596 A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto imediatamente em liberdade É importante que o dispositivo seja lido em conformidade com a Constituição e não restritivamente como eventualmente ainda insistem alguns tribunais A sentença absolutória restabelece na sua totalidade o status libertatis do acusado não apenas no sentido de assegurar a sua liberdade de ir vir e ficar mas também na esfera da liberdade pessoal em sentido amplo em toda a extensão atingida pelo processo Portanto diante de uma sentença absolutória além da imediata determinação de restabelecimento da liberdade do réu eventualmente submetido à prisão cautelar devem cessar também todas as medidas assecuratórias ou patrimoniais determinadas no curso do processo penal pois implicam restrição da sua esfera de liberdade pessoal Essa posição foi recepcionada pela reforma processual penal de 2008 cuja nova redação do art 386 especialmente seu parágrafo único determina o seguinte Art 386 O juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva desde que reconheça I estar provada a inexistência do fato II não haver prova da existência do fato III não constituir o fato infração penal IV estar provado que o réu não concorreu para a infração penal V não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal VI existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena arts 20 21 22 23 26 e 1º do art 28 todos do Código Penal ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência VII não existir prova suficiente para a condenação Parágrafo único Na sentença absolutória o juiz I mandará se for o caso pôr o réu em liberdade II ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas grifo nosso III aplicará medida de segurança se cabível Logo está mais do que evidente que com a absolvição além da imediata concessão de liberdade ao réu devem cessar as medidas assecuratórias sendo portanto ilegal a manutenção vg do sequestro sobre bens do acusado absolvido pois não cabe efeito suspensivo do mandamento libertatório contido na sentença Portanto absolvido o réu devem cessar todas as medidas restritivas de natureza pessoal ou patrimonial que tenham sido decretadas e a apelação interposta pela acusação não terá o condão de suspender esse mandado liberatório contido na sentença decorrência da ausência de efeito suspensivo art 596 Quanto ao disposto no parágrafo único do art 596 temse como revogado pois a reforma da parte geral do Código Penal levada a cabo em 1984 extinguiu a medida de segurança provisória Noutra dimensão em caso de sentença condenatória o apelo poderá ter efeito suspensivo ou não melhor dizendo poderá ao réu ser assegurado o direito de apelar em liberdade ou não A Lei n 117192008 revogou acertadamente o problemático art 594 do CPP conforme explicado anteriormente quando abordamos as prisões cautelares cuja parte da exposição somos obrigados a repetir para facilitar a compreensão do leitor Iniciemos pela nova redação do parágrafo primeiro do art 387 do CPP que passou a disciplinar a matéria Art 387 O juiz ao proferir sentença condenatória 1º O juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou se for o caso a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta Incluído pela Lei n 127362012 2º O tempo de prisão provisória de prisão administrativa ou de internação no Brasil ou no estrangeiro será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade O mal chamado efeito suspensivo é na verdade o direito de recorrer em liberdade ou não que deve ser objeto de decisão pelo juiz na sentença Neste momento o juiz deve fundamentadamente analisar a necessidade ou não de imposiçãomanutenção da prisão preventiva ou das medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP Não existe prisão obrigatória antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória de modo que a manutenção ou eventual decretação de prisão preventiva deverá observar a estrita necessidade da medida conforme explicado anteriormente quando tratamos das medidas cautelares A sentença deverá fundamentar e demonstrar a existência de periculum libertatis e principalmente a insuficiência e inadequação das medidas cautelares diversas Nenhuma discussão é necessária em torno do fumus commissi delicti pois já delineado na própria sentença penal condenatória na medida em que sem essa fumaça sequer condenado poderia ser o réu O juiz para justificar uma prisão preventiva deve fundamentar o periculum libertatis em elementos probatórios suficientes Nada de projeções ou ilações por parte do julgador Apenas para melhor compreensão do leitor recordemos que a se o réu respondeu a todo o processo em liberdade por ausência de necessidade da prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que recorra em liberdade b poderá ser preso nesse momento Sim desde que o juiz fundamente a necessidade da prisão preventiva e demonstre a existência de real e concreto risco de fuga periculum libertatis c se o réu permaneceu preso ao longo de todo o processo pois lhe foi decretada a prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que permaneça preso e assim exerça seu direito de recorrer cabendo ao juiz fundamentar que perdura a necessidade da prisão e persiste o periculum libertatis d mas o réu que estava preso poderá ser condenado e solto Sim desde que desapareça a situação de perigo Por exemplo se o réu foi preso preventivamente para tutela da prova com a sentença logo já foi colhida a prova desapareceu a situação de perigo que justificou a prisão preventiva devendo o agora condenado ser solto ou ainda se as medidas cautelares diversas art 319 se revelarem adequadas e suficientes Para finalizar ainda que não seja propriamente um efeito recursal é pertinente sublinhar a possibilidade da extensão subjetiva dos efeitos da apelação nos termos do art 580 do CPP com vistas a permitir o aproveitamento da decisão proferida no recurso interposto por um dos réus desde que fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal aos outros corréus pressupondo a existência de concurso de agentes é claro Mas tal extensão não poderá ocorrer quando o recurso é do Ministério Público pois seu apelo ficará limitado ao réu objeto da impugnação Seria inconcebível por exemplo que um corréu absolvido e que não tenha tido sua parte da decisão impugnada na apelação viesse a ser posteriormente condenado por extensão Seria o mesmo que condenar alguém que não foi objeto de uma acusação formal 3 Embargos Infringentes e Embargos de Nulidade O Capítulo V do Código de Processo Penal é intitulado Do Processo e do Julgamento dos Recursos em Sentido Estrito e das Apelações nos Tribunais de Apelação definindo claramente que as regras a seguir tratadas dizem respeito ao julgamento apenas destas duas espécies de impugnações Neste contexto prevê o art 609 Art 609 Os recursos apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça câmaras ou turmas criminais de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária Parágrafo único Quando não for unânime a decisão de segunda instância desfavorável ao réu admitemse embargos infringentes e de nulidade que poderão ser opostos dentro de 10 dez dias a contar da publicação de acórdão na forma do art 613 Se o desacordo for parcial os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência Interessanos conforme destacado o disposto no parágrafo único do art 609 pois ali se encerra toda a disciplina existente sobre os recursos de Embargos Infringentes e de Nulidade conforme o caso Iniciemos pela nomenclatura utilizada pelo Código embargos infringentes e de nulidade São dois recursos atentese para a conjunção aditiva e com o mesmo tratamento legal e sistemática de processamento mas com uma distinção de conteúdo e também em relação às consequências de eventual acolhimento a nos embargos infringentes o voto vencido tem por objeto da divergência uma questão de fundo de mérito que poderá levar à absolvição redução da pena substituição por outra pena etc b nos embargos de nulidade o voto vencido diverge em relação a questões exclusivamente processuais ou seja às condições da ação ou mesmo às nulidades processuais tendo como consequência se acolhidos a nulidade da sentença ou mesmo de todo o processo É uma diferença que se situa na distinção formaconteúdo ou seja preliminares e mérito mas também no que tange às consequências do acolhimento pois no primeiro caso a decisão atacada é anulada e no segundo procedese à sua revisão no todo ou em parte sem anulála Logo quando o objeto da divergência se situar numa questão de fundo como a absolvição do réu ou a redução da pena em que o voto vencido decidia neste sentido caberão embargos infringentes Já quando o voto vencido for no sentido de acolher uma preliminar de nulidade ou de incompetência do juízo por exemplo caberão embargos de nulidade Mas os tribunais brasileiros nunca tiveram maior rigor no tratamento desses dois recursos equiparandoos para todos os fins numa espécie de fungibilidade institucionalizada e automatizada Em nome disso os defensores empregam os embargos infringentes para todos os fins e os tribunais não cobram qualquer rigor conceitual Na doutrina é comum sustentarse que a dualidade de recursos é meramente aparente e que o recurso é um só sendo que a distinção não possui maior significação prática14 Ainda que não concordemos com a tese de que o recurso seja um só ou de que a distinção seja meramente de nomenclatura importa é que o recurso seja conhecido e julgado Portanto até pela clara incidência do princípio da fungibilidade o recurso deve ser conhecido e apreciado desde que preenchidos os demais requisitos é óbvio independentemente do nome que se lhe dê Antes de analisar os requisitos recursais esclarecemos que os embargos serão sempre julgados por um órgão jurisdicional superior àquele que proferiu a decisão ainda que isso ocorra dentro do mesmo tribunal Logo as apelações recursos em sentido estrito ou agravos em execução serão julgados pelas Câmaras Criminais na justiça estadual ou nas Turmas Criminais justiça federal Dessa decisão não unânime favorável à defesa caberão embargos infringentes ou de nulidade conforme o caso para o órgão jurisdicional superior a saber os Grupos Criminais Tribunais de Justiça dos Estados ou Seção Criminal no âmbito dos Tribunais Regionais Federais Como regra os Regimentos Internos dos Tribunais preveem que o relator dos embargos não seja o mesmo relator da apelação ou recurso em sentido estrito o que nos parece imprescindível sob pena de grave violação da imparcialidade do órgão julgador 31 Requisitos Objetivos e Subjetivos Recordando que os requisitos objetivos são cabimento e adequação tempestividade preparo apenas nos casos em que a ação penal é de iniciativa privada e que os requisitos subjetivos são legitimidade e existência de um gravame interesse vejamos essas categorias à luz dos embargos infringentes e de nulidade No que tange ao cabimento dois aspectos são fundamentais para compreensão desta impugnação 1º é um recurso que somente tem cabimento para impugnar uma decisão não unânime proferida por tribunal no julgamento de uma apelação recurso em sentido estrito ou agravo em execução 2º é um recurso exclusivo da defesa pois exige uma decisão não unânime desfavorável ao réu ou seja há um voto divergente a favor da tese defensiva no todo ou em parte Assim incabíveis os embargos infringentes e de nulidade da decisão não unânime proferida por turmas recursais reunidas ainda que julgando a apelação de uma decisão dos Juizados Especiais Criminais As turmas recursais não são consideradas tribunais ou seja órgãos de segundo grau na acepção utilizada pelo Código de Processo Penal15 A decisão deve ser proferida no julgamento de apelação ou recurso em sentido estrito não cabendo embargos infringentes e de nulidade portanto das decisões não unânimes proferidas no julgamento de habeas corpus embargos declaratórios revisão criminal etc Quanto ao agravo em execução tratase de recurso que segue o mesmo processamento do recurso em sentido estrito havendo inclusive muitas decisões anteriormente atacáveis pelo RSE e que com o advento da LEP passaram a ser impugnáveis pelo agravo previsto no art 197 da Lei n 721084 Por esse motivo sustentamos a possibilidade dos embargos da decisão não unânime desfavorável ao réu proferida no julgamento de um agravo em execução penal A divergência se dá na decisão e não na fundamentação Se no julgamento de uma apelação dois desembargadores mantiverem a condenação com base em determinada prova e o terceiro divergir na valoração probatória mas igualmente condenar apenas com base noutros elementos não há que se falar em embargos infringentes Da mesma forma analisandose uma preliminar de nulidade contida na apelação defensiva dois julgadores a afastarem por inexistência de lesão ao direito fundamental ali efetivado e o terceiro a rechaçar invocando o princípio da instrumentalidade das formas são descabidos os embargos de nulidade Importa é a divergência que implique diferença na decisão como ocorre no julgamento em que a dois desembargadores mantêm a sentença condenatória e o terceiro absolve o réu b dois denegam a preliminar de nulidade e o terceiro a acolhe para anular a sentença c dois não conhecem a apelação por intempestiva e o terceiro desembargador entendendo tempestivamente interposto conhece do recurso d dois julgadores mantêm a pena interposta ou aumentam se o recurso foi do Ministério Público e o terceiro vota pelo redimensionamento da dosimetria diminuindo a pena aplicada Nesses casos há uma divergência na decisão que comporta os embargos infringentes ou de nulidade conforme a situação concreta Devese atentar ainda que com a reforma processual de 2008 cabe ao juiz na sentença condenatória fixar o valor da indenização a ser paga pelo réu Portanto em grau recursal ainda que mantida a condenação penal são perfeitamente possíveis os embargos infringentes quando o voto vencido for favorável ao réu no sentido de diminuir o valor da indenização Tratase de embargos infringentes cujo objeto estará circunscrito exclusivamente ao quantum da indenização pois esta é a divergência decisória existente Além de cabível o recuso deve ser adequadamente interposto ou seja por petição não se admitindo a interposição por termo nos autos na medida em que as razões já devem acompanhar a interposição O prazo de interposição dos embargos infringentes e também dos embargos de nulidade é de 10 dias contados da publicação do acórdão através do órgão oficial Esse prazo é único para interposição e razões Não há nessa via impugnativa os dois momentos anteriormente vistos na apelação e no recurso em sentido estrito em que a parte interpunha o recurso no prazo de 5 dias e depois era intimada para apresentação das razões Aqui nos embargos tudo ocorre no mesmo momento e no mesmo prazo de 10 dias não se conhecendo do recurso interposto sem razões Tampouco existe possibilidade de arrazoar no tribunal até porque já se está no tribunal Quanto ao preparo como já explicado é exigível nos processos iniciados por ação penal de iniciativa privada havendo deserção pelo não pagamento das custas recursais Contudo em se tratando de embargos infringentes e de nulidade prevalece o entendimento de que não é necessário preparo bastando aquele feito para a apelação Isso porque se trata de um desdobramento da apelação somente possível em razão da ausência de unanimidade na decisão Nesse sentido por exemplo dispõe o art 261 do Regimento Interno do TRF da 3ª Região Mas advertimos deve sempre ser consultado o Regimento Interno do respectivo tribunal pois essa matéria não está disciplinada no Código de Processo Penal No que tange à legitimidade é exclusiva da defesa Não devem ser conhecidos os embargos infringentes ou de nulidade interpostos pelo Ministério Público ou pelo assistente da acusação pois são partes ilegítimas ex vi legis para utilizar esse recurso que é privativo da defesa Há quem sustente a possibilidade de o Ministério Público recorrer a favor do réu o que nos parece uma situação anômala e extraordinária injustificável no processo penal de cunho acusatório Mas se realmente for em benefício do réu desde que o defensor fique omisso e a gravidade da situação exigir em tese não há obstáculos em ser conhecido o recurso Mas apenas em casos extraordinários e quando inequivocamente o que se busca é fazer valer um voto vencido realmente favorável ao imputado Por fim quanto ao gravame está diretamente relacionado à existência de um voto divergente favorável à defesa Decorre do interesse do réu em fazer valer no órgão superior a decisão minoritária que lhe era favorável no todo ou em parte Portanto existe interesse recursal ainda que o voto vencido acolha uma pequena parcela do pedido da defesa ou seja ainda que mínima a vantagem jurídica que aquele provimento possa lhe ocasionar como pode ser uma pequena redução da pena privativa de liberdade da pena de multa aplicada mudança de regime e até mesmo uma ínfima diminuição do valor indenizatório fixado na sentença condenatória proferida pelo juiz a quo Importa aqui é a existência de uma vantagem jurídica de uma melhoria da situação jurídica do réu que o voto vencido poderia lhe proporcionar 32 O Problema da Divergência Parcial Interposição Simultânea do Recurso Especial e Extraordinário Considerando que os recursos especial e extraordinário pressupõem como se verá um esgotamento das vias ordinárias de impugnação alguns problemas podem surgir quando couberem embargos com uma dupla fundamentação impugnando questões formais nulidades e também de mérito infringentes Como ficará o prazo de interposição dos recursos especial e extraordinário Haverá interposição simultânea ou sucessiva A matéria não é pacífica e ainda há divergência entre o tratamento dado pelos tribunais de justiça dos Estados em relação àquele adotado pelos tribunais regionais federais É disso que iremos tratar agora partindo do seguinte exemplo o réu condenado interpõe apelação sustentando em preliminar a nulidade do processo e no mérito postula a absolvição pela fragilidade da prova produzida O tribunal por 3 x 0 decide no sentido de desacolher a preliminar arguida e no mérito por 2 x 1 nega provimento ao apelo o voto vencido absolvia o réu Como deverá proceder a defesa Deverá o réu interpor os embargos infringentes em relação à questão de mérito decidida de forma não unânime para tentar fazer valer o voto vencido no sentido da absolvição É fundamental esgotar todas as questões antes de ingressar com os recursos especialextraordinário E quanto à preliminar de nulidade denegada à unanimidade Deverá interpor o recurso especial eou extraordinário conforme a fundamentação e o caso concreto no prazo de 15 dias da publicação do acórdão ou poderá aguardar a decisão dos embargos infringentes para então utilizar esses recursos O Código de Processo Penal é completamente omisso nesta matéria dando margem a perigosas interpretações e muita insegurança para os defensores Não são raros os tribunais de justiça justiça estadual que ainda entendem pela necessidade de interposição simultânea nesse caso sob pena de preclusão e consequente intempestividade dos recursos especialextraordinário interpostos após o julgamento dos embargos infringentes Ou seja deverá a parte interpor em 10 dias da publicação do acórdão os embargos infringentes em relação à decisão não unânime e em 15 dias da publicação do acórdão os recursos especialextraordinário cabíveis em relação à preliminar unanimemente denegada Não poderá aguardar o julgamento dos embargos infringentes para então apresentar os recursos especialextraordinário sob pena de intempestividade Os recursos especialextraordinário serão distribuídos mas o juízo de admissibilidade ficará reservado para um momento posterior ou seja após o julgamento dos embargos infringentes Significa dizer que o defensor deverá apresentar os recursos neste momento mas o tribunal somente os apreciará após o julgamento denegatório dos embargos Em sentido diverso no âmbito da Justiça Federal os tribunais regionais federais têm tratado de forma mais adequada a matéria Nessa esfera prevalece o entendimento de que os embargos infringentes e também os embargos de nulidade suspendem o prazo de interposição dos demais recursos Assim no caso analisado a defesa deverá apresentar os embargos infringentes e somente após a publicação do acórdão que denegar os embargos começará a fluir o prazo de 15 dias para os recursos especialextraordinário Invocam ainda a nova redação do art 498 do CPC que determina que o prazo dos recursos especial e extraordinário somente começará a correr após o julgamento dos embargos infringentes No mesmo sentido os arts 238 5º e 6º16 cc 246 5º todos do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinam o sobrestamento do feito até a intimação do julgamento dos embargos infringentes No sentido de aplicação do art 498 do CPC com o recurso especial sendo interposto apenas após17 o julgamento dos embargos é interessante a seguinte decisão proferida pelo STJ EMBARGOS INFRINGENTES RESP INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA A Turma desproveu o recurso ao entendimento de que em se tratando de aferir a prematuridade ou não do REsp no caso de interposição simultânea de embargos infringentes aplicase o art 498 do CPC sendo inviável o seu conhecimento Outrossim não conhecidos os embargos infringentes e de nulidade não há interrupção do prazo para a interposição de REsp para ataque dos fundamentos do acórdão proferido em apelação que depois integrou os embargos declaratórios subsequentes Caberia conhecerse da irresignação quanto aos fundamentos impugnados no acórdão recorrido no referente ao não conhecimento dos embargos infringentes dada a situação na qual foi manejado votovencido que não era inteiramente favorável ao réu Precedentes citados AgRg no REsp 767545MG DJ 10042006 AgRg no REsp 688172RS DJ 20062005 AgRg no Ag 641118RJ DJ 21032005 e REsp 445447DF DJ 30062004 REsp 785679MG Rel Min Felix Fischer j 22082006 Além da desnecessidade de interposição simultânea conforme sustentamos a decisão adverte para outro aspecto interessante e preocupante não sendo conhecidos os embargos infringentes e de nulidade não há interrupção do prazo para interposição do recurso especial É bastante temerária essa posição na medida em que a defesa não pode interpor o recurso especial antes do julgamento dos embargos mas se eles não forem conhecidos já terá escoado o prazo para o recurso especial Nesse ponto especificamente divergimos da posição adotada neste julgamento pois entendemos que independentemente de serem conhecidos ou não os embargos infringentes e de nulidade haverá a interrupção do prazo para outros recursos A situação é similar àquela já pacificada nos embargos declaratórios que também interrompem o prazo para os demais recursos independentemente de serem os embargos conhecidos ou não Essa é a posição que nos parece mais acertada Na mesma linha de interposição sucessiva BADARÓ18 explica que diante da omissão do CPP há que se buscar o correto tratamento dado pelo CPC após a reforma de 2001 Lei n 10352 de modo que se até a reforma todos os recursos deveriam ser interpostos simultaneamente após a mudança legislativa primeiro deverão ser opostos os embargos infringentes e após o julgamento destes iniciase o prazo dos recursos especial e extraordinário Voltando ao exemplo anterior se tivéssemos as seguintes decisões a O tribunal por 2 x 1 decide no sentido de desacolher a preliminar arguida como a existência de um voto vencido que acolhia o pedido para o fim de anular a sentença e o processo e no mérito por 3 x 0 nega provimento ao apelo b O tribunal por 2 x 1 decide no sentido de desacolher a preliminar arguida como a existência de um voto vencido que acolhia o pedido para o fim de anular a sentença e o processo e no mérito por 2 x 1 nega provimento ao apelo o voto vencido absolvia o réu Como deverá proceder a defesa No primeiro caso em relação à preliminar cabem embargos de nulidade tendo como objeto o voto vencido que decidia pela anulação da sentença e do processo Após a decisão deste recurso conforme o caso poderá a parte impugnar pela via dos recursos especial e extraordinário No mérito a decisão foi unânime logo não há que se falar em embargos infringentes Considerando a limitação existente para os recursos especial e extraordinário nada poderia ser feito nessa dimensão salvo alguma excepcionalidade que justificasse a interposição de tais recursos Isso porque essas impugnações não permitem a rediscussão de matéria probatória Na segunda situação cabem embargos infringentes e de nulidade mas numa única peça Deverá a parte interpor um único recurso uma única peça processual onde fundamentará nos limites dos votos vencidos acerca da nulidade e também do mérito Caberá ao Grupo ou Seção Criminal conforme a competência seja da justiça estadual ou federal apreciar primeiramente a preliminar decidida de forma não unânime e se denegado o recurso neste ponto julgar a questão de mérito objeto da divergência Tudo nos limites da divergência tanto a questão da nulidade como também do mérito absolvição 33 Efeitos Devolutivo e Suspensivo No que se refere à extensão é um recurso limitado ao ponto da divergência nem mais nem menos Portanto a fundamentação está vinculada à divergência O efeito é devolutivo propriamente dito incumbindo ao órgão jurisdicional superior o julgamento da impugnação sem possibilidade de reexame pelo mesmo colegiado Na justiça estadual os embargos serão julgados pelo Grupo Criminal do respectivo Tribunal de Justiça na Justiça Federal pela Seção Criminal do Tribunal Regional Federal correspondente O fato de os mesmos desembargadores integrantes da Câmara ou Turma Criminal integrarem o órgão colegiado superior Grupo ou Seção e a possibilidade de modificarem suas posições não atribui aos embargos o efeito regressivo Isso porque não há a devolução da matéria para o mesmo órgão tampouco a possibilidade de retratação pelo mesmo julgador Estamos diante de um novo órgão jurisdicional hierarquicamente superior cuja composição é distinta e mais ampla que o colegiado que proferiu a decisão impugnada Como regra o Grupo Criminal é a reunião de duas Câmaras Criminais entre elas aquela de onde foi emanada a decisão No âmbito dos Tribunais Regionais Federais cada Seção Criminal é composta pelos desembargadores federais de duas Turmas Criminais sendo uma delas aquela onde a decisão não unânime foi proferida Portanto são órgãos distintos e com uma composição um colegiado mais amplo Portanto não há efeito regressivo mas sim devolutivo propriamente dito ou reiterativo para um órgão ad quem Advertimos que essa estrutura que acabamos de explicar poderá sofrer alterações de tribunal para tribunal na medida em que se trata de organização interna Por isso sugerimos sempre que seja consultado o respectivo Regimento Interno do Tribunal e também se houver o Código de Organização Judiciária COJE A extensão da matéria devolvida é limitada ao objeto da divergência que poderá ser exclusivamente jurídico no caso dos embargos de nulidade ou fáticoprobatório em se tratando de embargos infringentes Importa frisar que de nada adiantará uma ampla fundamentação da defesa acerca de questões que não foram objeto da divergência pois o julgamento ficará adstrito aos limites da divergência contidos no voto vencido Quanto ao efeito suspensivo como já explicado os embargos infringentes e de nulidade interrompem e não suspendem logo o prazo começa a fluir por inteiro o prazo para interposição de qualquer outro recurso e em relação à possibilidade de continuar a recorrer em liberdade vale a regra geral ou seja seguese a epistemologia cautelar Significa dizer que incidem aqui todas as regras anteriormente expostas sobre o sistema cautelar e o periculum libertatis Mais do que efeito recursal o que está em jogo é a eficácia da presunção de inocência e como ainda não há trânsito em julgado a regra é a liberdade Por fim perfeitamente possível a extensão subjetiva dos efeitos do recurso nos termos do art 580 do CPP conforme anteriormente explicado Se dois réus forem condenados pela prática de determinada conduta e no julgamento da apelação de ambos ou de apenas um deles há um voto vencido que os absolvia por atipicidade da conduta mesmo que apenas um dos réus interponha os embargos infringentes se acolhido aproveitará a todos Estaremos diante de uma circunstância que não é de caráter pessoal aproveitando a todos os que não recorreram pois um mesmo fato não pode ser como regra atípico para um réu e típico para outro na mesma situação Aplicável assim o art 580 do CPP 4 Embargos Declaratórios A garantia da jurisdição e principalmente da motivação das decisões judiciais não se contenta com qualquer decisão ou com a presença de qualquer juiz Como vimos ao longo desta obra em diversas oportunidades importa a qualidade da jurisdição e a qualidade da decisão Portanto o ato decisório deve revestirse de qualidades mínimas para ser legítimo Entre elas estão obviamente a clareza a coerência a lógica e a exaustividade da decisão A decisão deve ser passível de ser compreendida por elementar sob pena de tornarse um mero rebusqueio inútil de teses jurídicas sem nenhum valor ou utilidade Da mesma forma que a acusação deve ser clara coerente e lógica sob pena de inépcia e rejeição liminar a decisão deve revestirse desses mesmos atributos infelizmente para o direito processual não existem sentenças ineptas A exaustividade da decisão significa que é dever do juiz analisar e decidir acerca de todas as teses acusatórias e defensivas acolhendoas ou não mas sempre enfrentando e fundamentando cada uma sob pena de omissão e dependendo da gravidade gerar um ato defeituoso insanável nulo portanto Os embargos declaratórios servem para impugnar o ato decisório que não cumpra esses requisitos mínimos permitindo que o juiz esclareça e até supra eventuais omissões Mais do que isso são os embargos declaratórios instrumentos a serviço da eficácia da garantia da motivação das decisões judiciais pois as partes têm o direito fundamental de saber o que o juiz decidiu como e por que O Código de Processo Penal estabelece o recurso de embargos declaratórios com uma fundamentação legal diversa conforme se trate de embargos de decisão de primeiro grau ou acórdão proferido por tribunal No fundo o recurso é o mesmo É importante esclarecer que o juiz ao proferir uma sentença esgota sua jurisdição Somente com o advento de um recurso que tenha efeito regressivo se lhe oportuniza reexaminála Essa é uma das características básicas dos embargos declaratórios Contudo eventuais erros materiais da sentença meras correções podem ser feitos pelo juiz ou tribunal independente da interposição dos embargos declaratórios mas em caráter excepcional e sem que representem um reexame ou nova decisão Não há que se confundir a excepcional faculdade de corrigir erros materiais com o poder de refazer a sentença Para impugnar as decisões proferidas por juiz singular primeiro grau portanto estabelece o art 382 do CPP Art 382 Qualquer das partes poderá no prazo de 2 dois dias pedir ao juiz que declare a sentença sempre que nela houver obscuridade ambiguidade contradição ou omissão Em se tratando de acórdãos proferidos por tribunais os embargos declaratórios estão previstos nos arts 619 e 620 do CPP Art 619 Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação câmaras ou turmas poderão ser opostos embargos de declaração no prazo de dois dias contados da sua publicação quando houver na sentença ambiguidade obscuridade contradição ou omissão Art 620 Os embargos de declaração serão deduzidos em requerimento de que constem os pontos em que o acórdão é ambíguo obscuro contraditório ou omisso 1º O requerimento será apresentado pelo relator e julgado independentemente de revisão na primeira sessão 2º Se não preenchidas as condições enumeradas neste artigo o relator indeferirá desde logo o requerimento A rigor os embargos de declaração servem apenas para que o órgão julgador declare esclareça a decisão não para que ele volte a decidir retratese ou modifique o decidido ainda que isso possa excepcionalmente acontecer como se verá a seguir Vejamos agora os requisitos recursais e os efeitos que essa impugnação pode ter 41 Requisitos Objetivos e Subjetivos Partindo da estrutura recursal de requisitos objetivos cabimento e adequação tempestividade e preparo e subjetivos legitimidade e existência de um gravame vejamos essas categorias à luz dos embargos declaratórios Quanto ao cabimento os embargos de declaração servirão para impugnar a um ato decisório judicial seja ele sentença decisão interlocutória ou acórdão mesmo que irrecorrível b que tal ato decisório contenha uma obscuridade ambiguidade contradição ou omissão Todo ato judicial que tenha um caráter decisório ainda que mínimo é passível de embargos declaratórios mesmo que seja considerado irrecorrível como sucede com as decisões interlocutórias simples Pode parecer contraditório dizer decisão irrecorrível mas impugnável por embargos de declaração mas não o é A garantia constitucional da motivação das decisões judiciais e a própria legitimidade do exercício do poder jurisdicional no curso do processo penal impõem a clareza e possibilidade de compreensão dessas decisões sejam elas recorríveis ou não O que está em discussão é o direito das partes de saberem o que e por que tal ou qual decisão foi tomada Portanto toda e qualquer decisão ainda que dita irrecorrível pode ser objeto de embargos declaratórios Não se concebe a possibilidade de qualquer ato jurisdicional incompreensível independentemente de sua natureza Mas para tanto é necessário que essa decisão contenha a obscuridade no sentido de ser difícil de entender confusa enigmática vaga19 b ambiguidade é aquela decisão que se pode tomar em mais de um sentido é equívoca indeterminada imprecisa ou incerta20 c contradição é a decisão que contém um conflito de ideias uma dicotomia uma incompatibilidade entre as teses expostas ou entre as teses e o dispositivo Contraditório aqui é empregado no sentido de ilogicidade da própria decisão em que a fundamentação não conduz à conclusão ou a fundamentação é incompatível em si mesma d ou omissão tratase da falta juridicamente relevante ou seja a falta de enfrentamento de todas as teses acusatórias ou defensivas sejam fáticas ou jurídicas ou ainda de valoração da prova produzida no processo Nas decisões interlocutórias proferidas no curso da instrução a omissão pode existir em relação aos pedidos de diligências e provas postulados pelas partes e não decididos pelo juiz Nem sempre existe um limite claro entre esses conceitos devendo ser evitado o excessivo formalismo e preciosismo Excepcionalmente como veremos na continuação os embargos de declaração poderão ser utilizados para fins de prequestionamento da matéria a ser impugnada pela via do recurso especial ou extraordinário principalmente quando a decisão for omissa no enfrentamento da violação de norma constitucional ou federal ou negativa de vigência como se verá a seu tempo Os embargos de declaração devem ser opostos por escrito com as razões inclusas em que a parte demonstre o ponto a ser aclarado A exceção a essa regra fica por conta dos Juizados Especiais Criminais em que o art 83 da Lei n 909995 possibilita a interposição dos embargos declaratórios oralmente ou por escrito e também amplia o prazo que será de 5 dias Como regra o prazo é de 2 dois dias tanto para os embargos interpostos contra decisão de primeiro grau como também junto aos tribunais Esse prazo é contado da data da intimação do despacho ou decisão para os embargos apresentados em primeiro grau ou da publicação do acórdão quando interpostos nos tribunais Excepcionalmente como visto no âmbito dos Juizados Especiais Criminais esse prazo é de 5 dias Como regra não existe preparo para os embargos declaratórios mesmo sendo a ação penal de iniciativa privada mas é sempre aconselhável consultarse o Regimento Interno do respectivo tribunal e o Código de Organização Judiciária já que o Código de Processo Penal é omisso nesta matéria No que tange aos requisitos subjetivos estão legitimados a embargar o Ministério Público assistente da acusação o querelante e o réu ou querelado O gravame é inerente ao fato de se ter uma manifestação jurisdicional ambígua obscura contraditória ou omissa Não há prejuízo mais evidente do que estar submetido a uma decisão incompreensível ou incompleta O interesse recursal está vinculado à ineficácia da garantia da motivação das decisões judiciais 42 Efeitos Devolutivo Suspensivo e Modificativo Infringentes Os embargos declaratórios têm efeito interativo ou regressivo pois atribuem ao próprio juiz ou tribunal que ditou a decisão o poder de reexaminála ou seja regressa para o mesmo órgão decisório Incumbe ao juiz que proferiu a sentença ou câmaraturma criminal em caso de acórdão decidir novamente esclarecendo a contradição ambiguidade obscuridade ou omissão Como regra não há uma modificação na decisão mas apenas a declaração de seu conteúdo incompreensível Por esse motivo em tese nada impede que existam embargos declaratórios sucessivos ou seja interpostos mais de uma vez em relação à mesma decisão Excepcionalmente em casos complexos pode ser que a nova decisão ainda não esclareça completamente os pontos omissos obscuros ambíguos ou contraditórios cabendo portanto a renovação dos embargos declaratórios Mas essa é uma situação excepcional Quanto ao efeito suspensivo na verdade os embargos declaratórios interrompem o prazo para interposição de qualquer outro recurso desde que a decisão seja recorrível é claro Não se trata de suspender mas sim de interromper o prazo dos demais recursos na medida em que deverá fluir por inteiro Neste ponto após longa divergência doutrinária a questão pacificouse no sentido da aplicação analógica do art 538 do CPC diante da omissão do CPP com a interrupção dos prazos recursais Ainda que os embargos não sejam conhecidos ou providos temse como interrompido o prazo de qualquer outro recurso que vise impugnar aquela decisão Não há como ser diferente nem condicionar a interrupção ao provimento do recurso Tampouco o processo penal admite casuísmos ou seja deixar a critério do juiz ou tribunal a interrupção ou não do prazo A disciplina legal deve ser clara e pragmática para evitarse cerceamento de defesa ou injustas preclusões Em se tratando de prazo recursal como os demais prazos processuais a definição deve ser metajudicial não cabendo a juízes ou tribunais a definição mas sim à lei processual A única exceção que pensamos deva ser feita a essa regra é no caso de embargos declaratórios sucessivos e manifestamente infundados e protelatórios Assim por exemplo diante de uma decisão a parte interpõe embargos de declaração e após a nova manifestação judicial sucedemse embargos declaratórios manifestamente infundados Nesse caso pensamos em relação à segunda impugnação sendo ela manifestamente infundada e não conhecidos os embargos não há que se falar em interrupção do prazo recursal Mas cuidado em se tratando de Juizado Especial Criminal o art 83 2º da Lei n 909995 estabelece expressamente que os embargos de declaração suspendem o prazo para interposição de outros recursos Com isso por exemplo se intimada da sentença a parte apresentar os embargos de declaração no segundo dia esse tempo dois dias será computado na contagem do prazo do recurso de apelação a ser interposto após o julgamento dos embargos Logo considerando que o prazo para interpor a apelação é de 10 dias art 82 1º da Lei n 909995 restarão apenas 8 dias para recorrer Nos demais casos fora da competência do JECrim a interrupção faz com que o prazo comece por inteiro após o julgamento dos embargos declaratórios ou seja no exemplo anterior a parte teria os 5 dias previstos no art 593 do CPP para apelar Ainda na dimensão de efeito recursal muito interessante são os efeitos infringentes ou modificativos que podem adquirir os embargos de declaração ainda que sem previsão legal Os embargos declaratórios não têm uma função modificativa mas meramente esclarecedora declarando o conteúdo não compreendido da decisão Excepcionalmente quando há grave omissão ou contradição o esclarecimento conduz inexoravelmente à modificação da decisão caracterizando assim os efeitos modificativos ou infringentes Tratase de uma modificação da decisão por imposição lógica como sucede por exemplo na sentença condenatória que fixa a pena em 2 anos de detenção por um delito cometido sem violência ou grave ameaça e determina a expedição de mandado de prisão por negar o direito de apelar em liberdade O réu antes da apelação interpõe embargos declaratórios alegando uma grave omissão o não enfrentamento da possibilidade de substituição da pena nos termos do art 44 do CP O juiz acolhendo o pedido declara o ponto omisso e com isso modifica substancialmente a sentença na medida em que substitui a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos Ainda diante da nova decisão reconhece o direito de o réu apelar em liberdade pois manifestamente desproporcional decretarse a prisão preventiva diante de uma sentença que determinou a prestação de serviços à comunidade Mas há casos em que a modificação é mais profunda especialmente quando há contradição entre a fundamentação e a decisão ou grave omissão em que a decisão dos embargos de declaração acaba por modificar completamente a natureza da sentença Imaginese uma decisão que na fundamentação e análise da prova afirme a autoria e materialidade tomando o caminho da condenação Contudo inexplicavelmente o dispositivo absolve o réu O Ministério Público apresenta embargos de declaração apontando a grave contradição entre a fundamentação e o dispositivo Se acolhidos os embargos haverá claramente efeitos modificativos ou infringentes pois o juiz deverá refazer o dispositivo com a respectiva dosimetria e proferindo uma sentença condenatória Como regra uma vez interpostos os embargos de declaração não há contraditório ou seja não há manifestação da outra parte apenas do juiz Contudo quando houver possibilidade de radical modificação na decisão efeitos modificativos ou infringentes que possa inclusive inverter o gravame como no exemplo anterior é aconselhável que o juiz determine a intimação da parte contrária que poderá ser afetada pela nova decisão proferida para que apresente contrarrazões21 Tratase de uma medida salutar com vistas a dar eficácia ao contraditório e que em nada prejudica a celeridade do recurso e do processo Inclusive em caso de sentença se uma das partes interpõe os embargos declaratórios e a outra não recorre pois satisfeita com o decidido havendo modificação da decisão pela admissão dos embargos nasce o direito de recorrer da outra parte a partir dessa decisão nova Nesse caso os efeitos modificativos dos embargos fazem com que a parte inicialmente não sucumbente passe a sêlo nascendo ali seu interesse recursal O prazo para eventuais recursos dessa nova decisão nasce com a intimação Ou seja a interrupção do prazo recursal operada com a interposição dos embargos declaratórios a todas as partes aproveita e não apenas ao que embargou Isso decorre inclusive da possibilidade de uma inversão do gravame em decorrência dos efeitos modificativos E caso já tenha a parte recorrido com a inversão do gravame deverá serlhe oportunizado novo prazo para razões em nome da regra da complementaridade dos recursos Em suma os efeitos modificativos são excepcionais e exigem especial atenção com a eficácia do contraditório diante da possibilidade de inversão do gravame 5 Do Agravo em Execução Penal Verificada no curso do processo a efetiva existência do delito e proferida sentença penal condenatória iniciase a execução penal em que o poder estatal de penar será levado a cabo Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória está constituído o título executivo Contudo o problema não está terminado ao contrário iniciase mais uma problemática fase do já doloroso processo penal definida por CARNELUTTI22 como expiación de la pena considerado como o conjunto de atos processuais que se verificam depois de haver passado em julgado a sentença condenatória O processo de execução é atividade que exige na sua plenitude a atuação jurisdicional A instrumentalidade inerente ao processo está fundada na tutela judiciária dos direitos subjetivos do sentenciado e também voltada para a efetividade do comando concreto emergente da sentença23 É importante destacar que atualmente o grande problema do processo penal está nos seus dois extremos no inquérito policial e na execução da pena Ambos administrativos e inquisitivos deixando o sujeito passivo em completo abandono sendo tratado com objeto e sem as mínimas garantias A LEP Lei de Execuções Penais é notadamente inquisitiva já nos primeiros passos da execução pois a jurisdição executiva inicia de ofício com a expedição da carta de guia pelo juiz Na continuação atribui ao juiz ampla possibilidade de atuar ex officio predomina a forma escrita dos atos o contraditório e o direito de defesa são bastante limitados defesa técnica e por derradeiro a própria coisa julgada pode ser violada Em definitivo o processo de execução concebido pela LEP é inquisitivo incompatível com a matriz democráticogarantista e portanto acusatória da nossa Constituição Como bem aponta MORENO CATENA24 parece que a submissão do condenado à execução leva como lógica e iniludível consequência a privação de toda possibilidade de intervir nas atividades que nela se realizam ou de oporse a ela como se o Estado se convertesse em um ser onipotente frente ao condenado devendo este padecer qualquer atividade ou restrição em seus direitos ainda que resulte arbitrária ou excessiva olvidando a estrita sujeição da execução ao princípio da legalidade Nada mais equivocado O apenado não perde o direito de defesa técnica e essa restrição na prática forense de uma das manifestações capitais do direito de defesa se não do direito mesmo em toda sua extensão carece de qualquer justificação à luz de seu reconhecimento como norma fundamental25 Talvez o ponto nevrálgico da ausência de defesa técnica venha da frágil justificativa de que o preso tem plena capacidade postulatória art 41 XIV da LEP É uma falácia que serve apenas para acobertar o imenso prejuízo que ele sofre pelo abandono O preso não deve ter capacidade postulatória porque isso é uma falsa vantagem Ele tem de ter isso sim um defensor pois a defesa técnica é imprescindível e indisponível Tal situação é agravada ao extremo quando cotejada com o mofado discurso de que na execução todos são advogados do preso juízes promotores servidores etc Existe sem dúvida o que CARNELUTTI26 define como reviviscencia del proceso de cognición durante la ejecución penal isto é ainda que no curso de um processo de execução existem situações incidentes que levam necessariamente a uma atividade cognoscitiva e posteriormente decisória Tudo isso dentro do processo de execução Uma espécie de contaminação na jurisdição executiva por parte da jurisdição decisória É exatamente nesses momentos que temos os incidentes da execução que exigem a intervenção de todos os princípios constitucionais aplicáveis ao processo de conhecimento No art 2º da LEP encontramos a determinação de que a jurisdição será exercida no processo de execução pelos juízes e tribunais da justiça ordinária Na continuação o art 3º estabelece que ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei o que nos leva a invocar na Constituição a garantia do due process of law consagrada no art 5º LIV Categórico o art 65 estabelece que a execução penal competirá ao juiz indicado na lei local de organização judiciária e na sua ausência ao da sentença Destaquese na sua ausência a execução será de competência do juiz da sentença e não de autoridade administrativa Não há espaço para o ente administrativo presidir a execução Por derradeiro encontramos no art 194 a consagração do procedimento judicial que se desenvolverá perante o Juízo da Execução Nenhuma dúvida existe de que a LEP consagra ao menos normativamente o procedimento jurisdicional E não poderia ser diferente Com razão HINOJOSA SEGOVIA27 ao apontar que existe uma inequívoca tendencia a la jurisdiccionalización de la ejecución de las penas privativas de libertad até mesmo por uma exigência das Regras Mínimas do Conselho da Europa aprovadas pela Resolução de 19 de janeiro de 1973 que no seu art 562 recomenda el respeto a los derechos individuales de los reclusos e en particular la legalidad de la ejecución de las penas deberá estar asegurada por el control ejercido conforme a la Reglamentación nacional por una autoridad judicial o cualquier otra autoridad administrativa legalmente habilitada para visitar a los reclusos y no perteneciente a la Administración Penitenciaria grifo nosso É inadmissível abrirse mão da garantia da jurisdição quando da execução da pena Devemos destacar que a LEP consagra uma série de incidentes que exigem a pronta intervenção jurisdicional inerentes a um modelo progressivo Nessa linha ao lado do sursis e do livramento condicional encontramos a progressão de regimes fechado semiaberto e aberto a regressão a remição pelo trabalho saídas temporárias aplicação de normas posteriores mais benéficas detração soma ou unificação de penas aplicaçãosubstituição por medida de segurança etc O acompanhamento por parte do órgão jurisdicional deve ser permanente e intenso Devese acima de tudo buscar o mais amplo acesso à justiça E se o juiz é o garantidor da eficácia do sistema de garantias da Constituição ao não se ter acesso a ele é negada ao preso a eficácia da proteção constitucional Em última análise se lhe negam os direitos fundamentais Caberá ao juiz também estar atento para eliminar os abusos durante este processo e pronto para resolver as controvérsias sobre a execução do julgado seus limites e possibilidades e a respeito da tutela dos inúmeros interesses jurídicos do condenado28 Um dos grandes equívocos da práxis penitenciária é o de considerar que alguém por ter sido condenado e estar preso perdeu seus demais direitos constitucionais além é claro do direito de ir e vir Voltaremos ao tema ao tratarmos da garantia da jurisdição Na mesma linha AGOSTINHO BENETI29 argumenta que a execução penal só pode ser levada a cabo com estrita observância das garantias próprias do Estado de Direito e portanto deve realizarse por intermédio da atividade jurisdicional Para o autor não seria de rigor lógico assegurar a imparcialidade apenas no julgamento da acusação no processo de conhecimento e não garantir na execução idêntica imparcialidade Não se olvide que como já se disse a pena vive na execução Mas a garantia da jurisdição na execução penal não estaria completa se as decisões proferidas nos diversos incidentes lá existentes fossem inatacáveis Significa dizer ainda que mesmo em sede de execução criminal há que se garantir o duplo grau de jurisdição Nessa linha a Lei de Execuções Penais LEP Lei n 721084 prevê no seu art 197 o seguinte Art 197 Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo sem efeito suspensivo Infelizmente a isso se resume a disciplina legal do agravo em execução penal Após alguma oscilação jurisprudencial pacificouse corretamente o entendimento de que esse agravo deverá seguir o processamento do recurso em sentido estrito anteriormente estudado e previsto nos arts 581 a 592 do CPP A postura é correta na medida em que os incidentes da execução penal são resolvidos por meio de decisões interlocutórias sendo o recurso em sentido estrito a impugnação mais adequada Vejamos agora os requisitos recursais objetivos e subjetivos 51 Requisitos Objetivos e Subjetivos Iniciandose pelos requisitos objetivos de cabimento e adequação cumpre explicar que o agravo em execução destinase a impugnar as decisões interlocutórias tomadas no curso da execução criminal como por exemplo a que nega ou concede a progressão de regime determina a regressão de regime concede ou denega o pedido de livramento condicional a que homologa um Procedimento Administrativo Disciplinar e determina a regressão de regime ou perda dos dias remidos que nega o pedido de saídas temporárias concede ou denega o pedido de indulto comutação remição etc Ao contrário do que ocorre no recurso em sentido estrito não há um rol taxativo de decisões impugnáveis pela via do agravo em execução importando a existência de uma decisão interlocutória que gere um gravame para o réu ou da qual discorde o Ministério Público Em linhas gerais os incidentes da execução criminal devem ser objeto de uma decisão jurisdicional e esta decisão poderá ser impugnada pela via do agravo Esse recurso poderá ser interposto por petição ou por termo nos autos art 578 do CPP permitindo se assim que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita ou seja termo nos autos Mas diante da realidade da execução penal a interposição por termo nos autos dificilmente ocorre A regra é a interposição por petição No que diz respeito à tempestividade o agravo é regido pelos seguintes prazos 5 dias para interposição art 586 do CPP 2 dias para apresentação das razões art 588 do CPP Como ocorre com o recurso em sentido estrito o agravo em execução se desenvolve em dois momentos distintos um para interposição em que se afere a tempestividade e outro para apresentação das razões mas sublinhamos a tempestividade é a exigência de interposição no prazo de 5 dias a contar da intimação da decisão A apresentação das razões fora do prazo fixado 2 dias é mera irregularidade que não prejudica a admissão do recurso Também é importante recordar a faculdade disposta na Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Para evitar repetições remetemos o leitor ao explicado anteriormente sobre interposição tempestividade e preparo Não há que se falar em preparo no agravo em execução não apenas porque inexiste previsão legal sobre as custas deste recurso mas também porque já se esgotou o processo de conhecimento em que se iniciado pela ação penal de iniciativa privada obrigaria ao pagamento das custas Em sede de execução criminal não há que se falar em custas processuais ou recursais Ingressando nos requisitos recursais subjetivos cumpre esclarecer que a legitimação para agravar é do Ministério Público defensor ou apenado até porque na execução atribuise ao preso a capacidade de postular em juízo o que constitui um absurdo na medida em que o correto é terse um serviço de defensoria pública suficientemente forte e bem estruturado para acabar com essa falácia de que na execução todos são advogados do apenado quando na verdade ninguém o é Quanto ao interesse recursal está vinculado à existência de um gravame um prejuízo jurídico decorrente da denegação de um pedido ou mesmo do estabelecimento de uma situação mais gravosa como pode ser a regressão de regime ou a perda dos dias remidos em virtude de um PAD procedimento administrativo disciplinar 52 Aspectos Procedimentais Formação do Instrumento e Efeito Regressivo O agravo em execução subirá por instrumento devendo a parte recorrente indicar as peças do Processo de Execução Criminal PEC que pretenda traslado ou seja quais petições e decisões entende necessário fotocopiar para formar os autos que subirão ao tribunal com o recurso Existem peças que a parte indica e outras que são necessárias como determina o art 587 parágrafo único do CPP São peças obrigatórias a a decisão recorrida b a certidão da intimação da parte recorrente para aferir a tempestividade do recurso c e obviamente o termo de interposição caso não seja interposto por petição Além das obrigatórias e das indicadas pelas partes poderá o juiz determinar que integrem o instrumento todas as peças que julgar necessárias art 589 A petição de interposição e as razões são peças que logicamente sempre integrarão o instrumento da mesma forma que as contrarrazões do recorrido Na prática o instrumento não é preparado pelo cartório ou secretaria como estabelece o CPP e tampouco adianta o recorrente apenas indicar as peças Diante da institucionalizada falta de recursos materiais humanos de boa vontade etc deverá o interessado pegar os autos em carga e providenciar todas as cópias já as anexando às razões do recurso sob pena de ver sua impugnação amargar meses parada na prateleira do cartório Interposto tempestivamente o agravo em execução apresentadas as razões e formado o instrumento com a resposta do recorrido ou sem ela sendo o apenado deverá o juiz nomear defensor dativo para apresentála em nome da eficácia da ampla defesa os autos serão conclusos ao juiz que proferiu a decisão efeito regressivo para que a mantenha ou reforme Nesse sentido é o que estabelece o art 589 do CPP Exige atenção a sistemática do parágrafo único pois se o juiz da execução se retratar e reformar a decisão impugnada haverá uma inversão do gravame cabendo à parte até então não prejudicada mas que com a retratação o foi recorrer dessa nova decisão por simples petição não sendo mais lícito ao juiz modificála Nesse caso sem qualquer complemento da fundamentação das partes o recurso subirá nos próprios autos ou em traslado conforme o caso Essa simples petição é uma peculiar forma de recorrer da nova decisão devendo a parte ali já fazer a fundamentação que julgar necessária pois não haverá outra oportunidade E qual o prazo para que a parte agora prejudicada apresente essa simples petição O CPP não define mas é lógico darse o mesmo tratamento dispensado ao recurso ou seja 5 dias Essa simples petição deve ser apresentada em até 5 dias da data em que a parte prejudicada for intimada da retratação do juiz Ao contrário do que ocorre no recurso em sentido estrito em que a simples petição somente será possível se a nova decisão for recorrível no agravo esse problema não existe Isso porque não há um rol taxativo de decisões impugnáveis pelo agravo em execução diversamente da sistemática do RSE Portanto havendo retratação sempre será possível que a parte prejudicada recorra dessa nova decisão por simples petição 53 Efeito Devolutivo e Suspensivo O agravo em execução criminal tem efeito misto ou seja regressivo no primeiro momento devolução ao juiz a quo e devolutivo propriamente dito no segundo momento quando o juiz não exerce o juízo de retratação e o agravo é remetido ao tribunal ad quem O fato de o agravo não ter efeito suspensivo faz com que muitas vezes seja interposto habeas corpus para evitar ou sanar a grave coação ilegal que o apenado sofre ou pode vir a sofrer Isso porque em geral os incidentes da execução giram em torno da possibilidade ou não de progressão regressão livramento condicional obtenção de indulto comutação unificação de penas etc ou seja questões diretamente ligadas ao estado de liberdade ou ausência de do apenado cuja urgência não é compatível com um recurso despido de efeito suspensivo Mas alguns tribunais muitas vezes alheios à realidade medieval do sistema carcerário brasileiro adotando uma postura formalista e burocrática não conhecem do habeas corpus diante da existência de recurso específico agravo Daí por que especialmente a defesa se vê compelida a lançar mão dos dois instrumentos de forma simultânea habeas corpus e agravo em execução Se o primeiro for conhecido e quem sabe até a liminar concedida esvazia o objeto do segundo Do contrário em não sendo conhecido o writ o agravo já está tramitando diminuindo o tempo de espera do apenado por uma decisão 6 Da Carta Testemunhável De origem lusitana como explicam GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE30 a carta testemunhável remonta ao tempo do Império e servia para evitar que os juízes se ocultassem para não receber os recursos ou determinassem ao escrivão que não lhes desse andamento Nestes casos o recorrente comparecia em cartório acompanhado de duas testemunhas e relatava o que estava sucedendo ao escrivão manifestando sua intenção de recorrer Caso o escrivão admitisse a veracidade dos fatos narrados fornecendo atestado a respeito o problema ficava solucionado Em caso de relutância do escrivão o recorrente comparecia ao tribunal com as duas testemunhas Sem dúvida um instrumento processual bastante curioso não apenas no nome mas que atualmente tem pouca utilidade prática e revelase bastante anacrônico desconectado da realidade do processo penal e da administração da justiça contemporânea Mas ainda está em vigor sendo disciplinado nos arts 639 a 646 do CPP Iniciemos pelo art 639 Art 639 Darseá carta testemunhável I da decisão que denegar o recurso II da que admitindo embora o recurso obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem Eis os casos em que a carta testemunhável tem cabimento servindo basicamente para permitir que o recurso seja finalmente enviado ao tribunal ad quem seguindo lá sua tramitação Mas qual ou quais recursos Apenas o recurso em sentido estrito e o agravo em execução Isso porque a carta testemunhável é um recurso subsidiário somente podendo ser utilizado se não houver um recurso específico para a decisão denegatória Por exemplo em se tratando de apelação a denegação é impugnável por recurso em sentido estrito art 581 XV sendo denegada a subida de recurso especial ou extraordinário caberá agravo de instrumento a seguir explicado No que se refere à forma de interposição vejamos o que determina o art 640 do CPP Art 640 A carta testemunhável será requerida ao escrivão ou ao secretário do tribunal conforme o caso nas quarenta e oito horas seguintes ao despacho que denegar o recurso indicando o requerente as peças do processo que deverão ser trasladadas Ainda que o CPP não o diga entendemos que a carta testemunhável deverá ser requerida ao escrivão por escrito logo petição dirigida ao escrivão e não ao juiz no prazo de 2 dias ainda que o dispositivo estabeleça 48h os prazos não são contados em horas portanto vale a regra dos 2 dias indicando as peças formação do instrumento Esse prazo é contado da data da intimação da decisão que denegou o recurso ou obstou o seu seguimento Quanto à legitimidade está vinculada àquela necessária para a interposição do recurso originário para o qual foi denegado o prosseguimento logo Ministério Público assistente da acusação ou o defensor do imputado Quanto ao interesse está vinculado à existência do gravame inerente ao fato de a parte ser prejudicada pelo não prosseguimento de seu recurso independentemente do motivo indicado pelo juiz Não há que se falar em preparo para a carta testemunhável até porque é um recurso destinado a levar ao órgão ad quem o conhecimento de uma decisão que denegou um outro recurso Assim eventuais custas recursais se existentes dizem respeito ao recurso originário cujo prosseguimento foi denegado O procedimento segue nos termos do art 641 Art 641 O escrivão ou o secretário do tribunal dará recibo da petição à parte e no prazo máximo de cinco dias no caso de recurso no sentido estrito ou de sessenta dias no caso de recurso extraordinário fará entrega da carta devidamente conferida e concertada Assim feita a petição e indicadas as peças deverá o escrivão ou secretário do tribunal no prazo de 5 dias entregar o instrumento ao recorrente A menção que o dispositivo legal faz ao recurso extraordinário perdeu sentido com a nova disciplina estabelecida pela Lei n 8038 Como o art 643 remete para os arts 588 a 592 do CPP o procedimento a ser seguido será o mesmo do recurso em sentido estrito ou seja deverá o recorrente apresentar razões no prazo de 2 dias após intimase o recorrido para contrarrazões no mesmo prazo indo os autos conclusos para que o juiz se retrate e receba o recurso determinando sua subida ou mantenha sua decisão Neste último caso sobe o instrumento Nesse último caso estabelece o art 644 que o tribunal câmara ou turma a que competir o julgamento da carta se desta tomar conhecimento mandará processar o recurso ou se estiver suficientemente instruída decidirá logo de meritis Com isso o tribunal ad quem poderá desde logo decidir o mérito do recurso que teve seu prosseguimento denegado Por fim a carta testemunhável tem efeito devolutivo misto regressivo no primeiro momento e devolutivo propriamente dito no segundo e não terá efeito suspensivo por expressa vedação do art 646 do CPP 7 Dos Recursos Especial e Extraordinário Os recursos especial e extraordinário são meios de impugnação de natureza extraordinária na medida em que respectivamente o Superior Tribunal de Justiça STJ e o Supremo Tribunal Federal STF não reexaminam todo o julgamento senão que se limitam ao aspecto jurídico da decisão impugnada ou seja à discussão das questões de direito expressamente previstas em lei São por isso recursos de fundamentação vinculada posto que a matéria discutida fica limitada àqueles expressamente previstos na Constituição Quanto à discussão em torno da prova ou seja de questões de fato em ambos os recursos isso está vedado Assim dispõem as Súmulas n 07 do STJ e n 279 do STF SÚMULA N 07 do STJ A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial SÚMULA N 279 do STF Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário Mas essa limitação deve ser bem compreendida pois o que se veda é a rediscussão da axiologia da prova em relação ao caso penal mas não o regime legal das provas Portanto a violação de regras processuais atinentes à prova dos princípios das provas a utilização de prova ilícita a prova ilícita por derivação a atribuição de carga probatória ao réu enfim as questões legais acerca da prova são passíveis de recurso especial Nem sempre a distinção entre questões de fato e questões de direito é tão cartesiana na realidade é uma distinção tênue e complexa O que ambas as Súmulas vedam é o simples reexame da prova o que não impede portanto a discussão sobre a qualificação jurídica dos fatos ou seja o juízo de tipicidade realizado pelo tribunal a quo no caso concreto A discussão situase na incidência ou não da norma penal no caso em julgamento a interpretação dada e os limites semânticos do tipo É claro que a prova questão de fato é o pano de fundo da discussão mas não o objeto dela Portanto admissível o recurso especial Exemplo desta situação se dá no recurso especial do acórdão que manteve a pronúncia por homicídio doloso eventual em um crime de trânsito quando a tese defensiva é de crime culposo31 A distinção entre questão de fato e questão de direito nesse caso é bastante tênue pois não há como circunscrever a discussão ao conceito jurídico de dolo e culpa sem incursionar na prova do fato Mudando o enfoque ambos os recursos destinamse a impugnar as decisões proferidas em única nos casos de competência originária dos tribunais ou última instância constituindose em ultima ratio do sistema recursal que sempre pressupõem o exaurimento das vias recursais ordinárias Neste sentido exige a Súmula n 281 do STF SÚMULA N 281 do STF É inadmissível o recurso extraordinário quando couber na justiça de origem recurso ordinário da decisão impugnada Tal exigência serve para ambos os recursos pois também o especial não tem cabimento quando a matéria não tiver esgotado os recursos ordinários Considerando que os recursos especial e extraordinário têm diversos pontos em comum faremos uma análise conjunta destacando quando necessário as especificidades de cada um deles 71 Requisitos Objetivos e Subjetivos O cabimento e a adequação dos recursos especial e extraordinário são distintos sendo necessária uma análise ainda que sumária de cada caso a partir da disciplina constitucional da matéria Iniciemos pelo recurso especial e após o extraordinário 711 Cabimento e Adequação no Recurso Especial O recurso especial tem seus casos de cabimento expressamente previstos no art 105 III da Constituição a saber III julgar em recurso especial as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida COMENTÁRIO O recurso especial será julgado pelo Superior Tribunal de Justiça após uma decisão em única ou última instância pelos tribunais de justiça dos Estados do Distrito Federal e Territórios ou dos tribunais regionais federais O julgamento em única instância a que se refere o dispositivo diz respeito aos casos em que esses tribunais têm competência originária porque o réu possui prerrogativa de função ou existe a reunião em razão da conexão ou continência Nesses casos da decisão tomada pelo tribunal caberá apenas recurso especial ou extraordinário conforme o caso Já a menção feita pelo dispositivo à decisão em última instância significa que o processo foi julgado em primeiro grau e após foram esgotados todos os recursos ordinários apelação embargos infringentes e de nulidade embargos declaratórios etc Decisão em última instância pressupõe o esgotamento de todos os recursos no respectivo Tribunal Estadual ou Regional Federal pois só então se abre a possibilidade do recurso especial Sublinhese por fim o disposto na Súmula n 203 do STJ Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais É uma situação diversa daquela estabelecida para o recurso extraordinário em que a Súmula n 640 do STF dispõe que é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal a contrariar tratado ou lei federal ou negarlhes vigência COMENTÁRIO O primeiro caso de cabimento de recurso especial dáse quando a decisão do tribunal a quo for contrária a algum tratado internacional ou lei federal Código Penal Código de Processo Penal Lei de Execuções Penais etc ou ainda negarlhes vigência no sentido de não aplicar dispositivo legal previsto em lei federal ou tratado Dessarte é o recurso especial um instrumento de tutela e controle da aplicação da legislação infraconstitucional ao passo que a tutela da Constituição corresponde ao Supremo Tribunal Federal É recorrente a interposição de recurso especial por não observância ou não aplicação o que significa negar vigência de formas processuais ou seja a prática de atos judiciais ao longo do processo que são contrários às regras procedimentais ou probatórias Isso se equipara à negativa de vigência de lei federal Se a defesa por exemplo arguir a existência de um defeito insanável em sede de preliminar de apelação postulando o reconhecimento da nulidade e o tribunal não der provimento a esse pedido em tese poderá ingressar com recurso especial discutindo exclusivamente essa questão jurídica violação de norma federal ou negativa de vigência conforme o caso Em última análise não foi devidamente observada a legislação infraconstitucional ou a disciplina contida em tratados internacionais no momento da aplicação do direito ao caso concreto Contudo não se pode desconsiderar o que dissemos anteriormente sobre o ato decisório e a eleição de significados da norma bem como a inevitável interpretação da lei que deve ser feita neste momento Daí por que a contrariedade à lei federal ou tratado internacional acaba por ser uma questão hermenêutica e mais do que isso de conformidade ou não entre a interpretação e aplicação feita pelo tribunal a quo em relação à posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça Razão assiste a PACELLI32 quando afirma que a contrariedade à lei federal termina por se revelar então apenas como uma contrariedade ao entendimento que tem o Superior Tribunal de Justiça sobre o conteúdo de determinada norma legal Quanto aos tratados internacionais de direitos humanos uma ressalva deve ser feita Os tratados internacionais de direitos humanos quando ratificados gozam de evidente prevalência sobre a legislação ordinária pois como explica MENDES33 não se pode negar que a reforma também acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes conferindolhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico Portanto tratado devidamente aprovado nos termos do art 5º 3º da Constituição tem status de emenda constitucional sendo objeto de recurso extraordinário junto ao STF Superada essa questão subsiste outra problemática e os tratados de direitos humanos mais especificamente a Convenção Americana de Direitos Humanos que é anterior à Emenda Constitucional 45 quando for violada será objeto de recurso especial STJ ou extraordinário STF A questão é polêmica e novamente nos remete para a discussão acerca da receptividade da CADH No RE 466343SP e no HC 87585TO o STF firmou posição por maioria apertada que a CADH tem valor supralegal ou seja está situada acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Contudo estamos com VALERIO MAZZUOLI e o Min CELSO DE MELLO que sustentam posição diversa no sentido de que tal tratado tem índole e nível constitucional por força do art 5º 2º da CF Inobstante a divergência coincidem as posições no sentido de que a CADH é um paradigma de controle da produção e aplicação normativa doméstica estando acima das leis ordinárias cujo controle de validade está a cargo do STJ Portanto sustentamos que a decisão que viole normas e princípios contidos na Convenção Americana de Direitos Humanos deve ser impugnada através do recurso extraordinário junto ao STF34 b julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal COMENTÁRIO Não vislumbramos aplicação no processo penal desse dispositivo mas se for o caso é o controle pela via do recurso especial de uma decisão que considerar válido um ato do poder executivo governo local sobre o qual exista uma divergência de interpretação no confronto com a disciplina contida em uma lei federal c dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal COMENTÁRIO Nesse caso um Tribunal Estadual ou Regional Federal diverge da interpretação dada por outro Tribunal Estadual ou Regional Federal em relação a um mesmo dispositivo legal Não se dá essa hipótese de cabimento quando a divergência é interna ou seja dentro do mesmo tribunal Nesta linha estabelece a Súmula n 13 do STJ SÚMULA N 13 do STJ A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial Portanto a divergência deve estabelecerse entre tribunais distintos sendo irrelevante se estaduais ou regionais federais Não se trata de divergência de teses jurídicas ou de fundamentação mas de decisão Importa é a decisão que ao aplicar a lei federal gera a divergência Exercerá o Superior Tribunal de Justiça a tutela da legislação infraconstitucional uniformizando a divergência jurisprudencial em torno de uma lei federal Novamente o que se tem é uma problemática de natureza hermenêutica em que dois tribunais dão a uma mesma lei federal diferentes interpretações e aplicações ou de não aplicação Caberá ao STJ a última palavra sinalizando o sentido a ser dado à norma pondo fim à divergência jurisprudencial Neste sentido vejamos a Súmula n 83 do STJ SÚMULA N 83 do STJ Não se conhece do recurso especial pela divergência quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida Quanto à interposição do recurso especial com base nesta alínea devese atentar para o disposto no art 26 parágrafo único da Lei n 803890 Art 26 Parágrafo único Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão ou indicação do número e da página do jornal oficial ou do repertório autorizado de jurisprudência que o houver publicado A não observância desse requisito conduzirá ao não conhecimento do recurso especial É importante que o recorrente além de mencionar e demonstrar a existência do acórdão divergente explicite a divergência transcrevendo e comparando as ementas e o núcleo da fundamentação de cada acórdão Não basta alegar a divergência há que se explicitar e analisar os pontos em que as interpretações tencionam 712 Cabimento e Adequação no Recurso Extraordinário O recurso extraordinário tem seus casos de cabimento expressamente previstos no art 102 III da Constituição a saber III julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida COMENTÁRIO O recurso extraordinário será julgado pelo Supremo Tribunal Federal após uma decisão em única ou última instância pelos tribunais de justiça dos Estados do Distrito Federal e Territórios ou dos tribunais regionais federais e ainda após o julgamento do recurso especial por parte do STJ se cabível O julgamento em única instância a que se refere o dispositivo diz respeito aos casos em que esses tribunais estaduais ou regionais federais ou o Superior Tribunal de Justiça têm competência originária porque o réu possui prerrogativa de função ou existe a reunião em razão da conexão ou continência Já a menção feita pelo dispositivo à decisão em última instância significa que o processo foi julgado em primeiro grau e após foram esgotados todos os recursos ordinários apelação embargos infringentes e de nulidade embargos declaratórios etc e também o recurso especial se cabível Decisão em última instância pressupõe o esgotamento de todos os recursos no respectivo Tribunal Estadual ou Regional Federal ou STJ pois só então se abre a possibilidade do recurso extraordinário Quanto às decisões das turmas recursais do Juizado Especial Criminal a Súmula n 640 do STF dispõe que é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal Ao contrário do recurso especial que exige causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios o recurso extraordinário não menciona tribunais permitindo assim a interpretação dada pela Súmula mencionada do cabimento em relação à decisão proferida por turma recursal É possível ainda que um mesmo acórdão viole normas infraconstitucionais e também constitucionais devendo ser interpostos ambos especial e extraordinário simultaneamente Nesse caso será julgado primeiro o recurso especial ficando o extraordinário sobrestado e caso não seja prejudicado será julgado após a decisão proferida pelo STJ no recurso especial35 a contrariar dispositivo desta Constituição COMENTÁRIO Um dos fundamentos mais utilizados na interposição do recurso extraordinário é exatamente este o de que a decisão do tribunal a quo é contrária a dispositivo constitucional mais especificamente a princípio constitucional aplicável ao direito processual penal e penal Exerce o recurso extraordinário a função de tutela e controle da aplicação da Constituição Um obstáculo ao conhecimento do recurso extraordinário é o fato de o Supremo Tribunal Federal ter posição firmada no sentido de que a contrariedade ao dispositivo constitucional deve ser clara uma ofensa direta e frontal não ensejando o recurso extraordinário uma contrariedade reflexa36 Como bem apontou o Min CEZAR PELUSO no AIAgR 208260PA DJe 1º022008 não se admite recurso extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que irradiandose de má interpretação aplicação ou até inobservância de normas infraconstitucionais seria apenas indireta à Constituição da República37 Se antes de se violar uma norma constitucional há o descumprimento direto de um dispositivo infraconstitucional a tendência é a discussão encerrarse em sede de recurso especial principalmente quando a ofensa à Constituição é reflexa ou decorre da interpretação de princípio constitucional Por esse motivo muitos recursos extraordinários fundados na alegação de nulidade por violação de princípio constitucional contraditório ampla defesa etc sequer são conhecidos pois antes da violação constitucional operase o descumprimento ou não de uma norma infraconstitucional como o Código de Processo Penal por exemplo A discussão acaba por esgotarse no âmbito do recurso especial sem que sequer tenha seguimento o recurso extraordinário Uma questão nova e que dará margem a muita discussão é a prova ilícita Até a reforma de 2008 a ilegalidade da prova ilícita estava exclusivamente prevista no art 5º LVI da Constituição ensejando recurso extraordinário por violação direta e frontal à Constituição Contudo após a reforma de 2008 a disciplina da prova ilícita foi inserida no Código de Processo Penal mais especificamente no art 157 do CPP Portanto a partir de então a discussão sobre a ilicitude ou não da prova e demais problemáticas em torno deste tema será sempre objeto de recurso especial pois antes da alegada violação da norma constitucional existe o obstáculo da discussão no âmbito da norma federal a ser feito pelo STJ Será muito difícil terse conhecido um recurso extraordinário nesta questão após a reforma de 2008 pois a ofensa à Constituição nunca será direta e frontal Mas o que é uma ofensa direta e frontal à Constituição Quando uma decisão é contrária à Constituição Podese escrever um tratado de hermenêutica constitucional sobre essa questão mas em se tratando de recurso extraordinário devemos ser mais pragmáticos ou realistas se preferirem Quando há um Tribunal Constitucional e a ele se pretende ascender pela via recursal o que realmente importa são os cases a jurisprudência construída por aquele tribunal na interpretação da Constituição e na definição de seus limites de incidência Em última análise conscientes do aparente reducionismo que isso possa conter a Constituição diz o que o Supremo Tribunal Federal disser que ela diz Após tudo o que se disse sobre a ofensa direta à Constituição e os diversos acórdãos colacionados a decisão abaixo estabelece um interessante contraste Recurso extraordinário Princípios da legalidade e do devido processo legal Normas legais Cabimento A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação comum Daí a insubsistência da tese de que a ofensa à Carta da República suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal Caso a caso compete ao Supremo apreciar a matéria distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada com procedência a transgressão a texto do Diploma Maior muito embora se torne necessário até mesmo partirse do que previsto na legislação comum Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito o da legalidade e o do devido processo legal com a garantia da ampla defesa sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais Embargos declaratórios Objeto Vício de procedimento Persistência Devido processo legal Os embargos declaratórios visam ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional Cumpre julgálos com espírito de compreensão Deixando de ser afastada omissão temse o vício de procedimento a desaguar em nulidade Nulidade Artigo 249 do Código de Processo Civil Colegiado Julgamento de fundo O vício na arte de proceder início à declaração de nulidade que no entanto é sobrepujada pela possibilidade de julgarse o mérito a favor da parte a quem aproveitaria o reconhecimento da pecha cabendo ao Colegiado o olhar flexível quanto à aplicação da regra processual a homenagear a razão RE 428991 Rel Min Marco Aurélio j 26082008 DJe 31102008 A decisão é irretocável mas contrasta com diversas outras proferidas pelo STF no sentido do não conhecimento levando à inevitável conclusão de que uma ofensa é direta e frontal à Constituição para fins de recurso extraordinário quando o Supremo assim o entender A prática diária nos tribunais conduz a essa conclusão com as vantagens e inconvenientes que isso representa É o preço a ser pago em termos de administração da justiça por ter um tribunal com uma missão de tutela e uniformização da interpretação da Constituição Não se desconsidera a fundamental importância da doutrina na construção de novas interpretações da Constituição e modificação dos entendimentos jurisprudenciais existentes Mas é fundamental na dimensão do processo penal e na utilização do recurso extraordinário conhecer e saber manejar a jurisprudência e os precedentes do STF Por fim aqui deve ser retomada a discussão sobre o recurso cabível em caso de decisão que viola tratado internacional de direitos humanos especialmente a Convenção Americana de Direitos Humanos A decisão que viola a CADH deve ser impugnada pelo recurso extraordinário e não pelo recurso especial pois diante do disposto nos 2º e 3º do art 5º da Constituição tem natureza materialmente constitucional embora formalmente suas normas não sejam constitucionais por não terem sido aprovadas pelo quorum previsto para as emendas constitucionais De qualquer forma do ponto de vista do conflito de normas é de se destacar que toda e qualquer norma infraconstitucional que está em confronto com a CADH será destituída de eficácia posto que inconstitucional Mesmo que se entenda que os tratados estão acima da legislação infraconstitucional mas não gozam de status de norma constitucional supralegal parece evidente que o controle não pode mais ser feito pelo STJ através de recurso especial mas apenas pelo Supremo Tribunal Federal Para evitar repetições remetemos o leitor para a explicação anteriormente feita no recurso especial Portanto sustentamos que a decisão que viole normas e princípios contidos na Convenção Americana de Direitos Humanos deve ser impugnada através do recurso extraordinário b declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal COMENTÁRIO É missão precípua do STF a tutela da Constituição e portanto o controle sobre as decisões judiciais emanadas pelos demais tribunais que declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal Sempre que algum Tribunal de Justiça regional federal ou mesmo o STJ declarar a inconstitucionalidade de uma lei federal é cabível o controle por parte do STF pela via do recurso extraordinário O controle direto da constitucionalidade é privativo do STF mas todos os tribunais e juízes podem fazer o controle difuso no julgamento de um caso penal No que se refere aos tribunais não se pode esquecer do art 97 da Constituição Art 97 Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público Mas nem sempre essa regra é observada até porque os recursos de hermenêutica constitucional são amplíssimos permitindo que quem os saiba manejar disponha de um vasto espaço de argumentação para realizar a filtragem constitucional tergiversando a chamada reserva de plenário Para amenizar isso o STF editou a Súmula Vinculante n 10 que assim dispõe Súmula Vinculante n 10 Viola a cláusula de reserva de plenário CF art 97 a decisão de órgão fracionário de tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo do poder público afasta a sua incidência no todo ou em parte Dessarte a decisão de qualquer órgão fracionado Câmara Grupo Turma ou Seção Criminal de tribunal que declare a inconstitucionalidade de uma lei federal sem observar o disposto no art 97 e na Súmula Vinculante n 10 abre a possibilidade de Reclamação diretamente para o STF É recorrente que órgãos fracionados de tribunais fazendo interessantes construções hermenêuticas afastem a incidência de dispositivos federais a partir da substancial inconstitucionalidade declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e outros recursos especialmente de institutos como a reincidência o assistente da acusação e outros Em geral essas decisões não fazem uma declaração de inconstitucionalidade de forma expressa mas afastam a incidência não aplicando uma lei federal argumentando em torno da inconstitucionalidade Em suma havendo a declaração de inconstitucionalidade de lei ou tratado pelos tribunais nos termos do art 97 da CF caberá recurso extraordinário quando um órgão fracionado negar vigência à lei federal sem observar a reserva de plenário do art 97 da CF caberá Reclamação art 102 I l da Constituição diretamente ao STF c julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição COMENTÁRIO A declaração de constitucionalidade de lei local em face da Constituição é submetida a controle pelo STF pela via do recurso extraordinário Mas não vislumbramos aplicação desta alínea na esfera penal diante da competência privativa da União para legislar sobre matéria penal e processual penal art 22 I da Constituição d julgar válida lei local contestada em face de lei federal COMENTÁRIO Vale o mesmo argumento da alínea anterior 713 Demais Requisitos Recursais Tempestividade Preparo Legitimidade e Interesse Recursal Gravame Ambos os recursos especial e extraordinário devem ser interpostos por petição no prazo de 15 dias já devidamente instruídos com as razões nos termos do art 26 da Lei n 803890 Art 26 Os recursos extraordinário e especial nos casos previstos na Constituição Federal serão interpostos no prazo comum de 15 quinze dias perante o Presidente do Tribunal recorrido em petições distintas que conterão I exposição do fato e do direito II a demonstração do cabimento do recurso interposto III as razões do pedido de reforma da decisão recorrida Parágrafo único Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão ou indicação do número e da página do jornal oficial ou do repertório autorizado de jurisprudência que o houver publicado Interposto o recurso com observância do disposto nos incisos I II e III será aberto o prazo de 15 dias para contrarrazões Sendo interpostos simultaneamente os recursos especial e extraordinário e admitidos serão enviados ao STJ e após o julgamento do recurso especial se não tiver esvaziado o objeto do recurso extraordinário será então enviado ao STF Nesta matéria é importante analisar o disposto nos 4º 5º e 6º do art 27 da Lei n 8038 Art 27 Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada será intimado o recorrido abrindoselhe vista pelo prazo de 15 quinze dias para apresentar contrarrazões 1º Findo esse prazo serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso no prazo de cinco dias 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo 3º Admitidos os recursos os autos serão imediatamente remetidos ao Superior Tribunal de Justiça 4º Concluído o julgamento do recurso especial serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do recurso extraordinário se este não estiver prejudicado 5º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial daquele em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal para julgar o extraordinário 6º No caso de parágrafo anterior se o relator do recurso extraordinário em despacho irrecorrível não o considerar prejudicial devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça para o julgamento do recurso especial Ainda na questão da tempestividade é bastante curiosa a decisão proferida pelo STF38 em que se considerou intempestivo o recurso interposto antes de aberto o prazo recursal dandolhe igual tratamento àquele apresentado após o decurso do prazo É uma peculiar interpretação do que seja intempestividade que sem dúvida contrasta com um reclame geral pela celeridade processual Quando todos clamam por julgamentos no prazo razoável é sem dúvida curioso que se puna o diligente advogado que conhecendo da decisão que é desfavorável ao seu constituinte interponha o recurso antecipandose à intimação da decisão que sabidamente tarda em demasia Qual o prejuízo disso para a regular administração da justiça Ou para a parte recorrida Nenhum Continuemos Em se tratando de ação penal de iniciativa privada é exigido o preparo tanto para o recurso especial quanto para o extraordinário exceto se a parte recorrente obteve a dispensa do pagamento das custas art 32 do CPP Neste sentido recordemos a Súmula n 187 do STJ Súmula n 187 do STJ É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça quando o recorrente não recolhe na origem a importância das despesas de remessa e retorno dos autos Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas desta modalidade de ação penal Assim não se efetivando o pagamento das custas recursais haverá a deserção ou seja uma punição processual que impedirá que o recurso seja sequer conhecido Em relação à legitimidade ambos os recursos podem ser interpostos pelo Ministério Público querelante assistente da acusação nos casos dos arts 584 1º e 598 do CPP ou pelo réu através de seu defensor Por fim quanto ao interesse recursal o gravame devese atender à totalidade dos efeitos da decisão impugnada incluindo os acessórios de modo que o recurso é o caminho necessário para que a parte atinja o resultado desejado Especificamente em relação aos recursos especial e extraordinário por serem meios extraordinários de impugnação o interesse é ex vi legis ou seja decorre da simples violação por parte da decisão a lei federal tratado ou à Constituição Significa dizer que o prejuízo é inerente à violação em si mesma ou seja é evidente manifesto presumido até O fato de a decisão ser contrária à lei federal tratado ou à Constituição já constitui o gravame que dá corpo ao interesse ad impugnare Nada mais é necessário ser demonstrado pelo recorrente em relação a esse requisito recursal 72 A Exigência do Prequestionamento Um requisito recursal específico dos meios de impugnação ora analisado é o prequestionamento sem o qual eles sequer são conhecidos Considerando que os recursos especial e extraordinário não se destinam ao exame originário de questões senão ao reexame das questões jurídicas já arguidas pelas partes é imprescindível que o recorrente já as tenha previamente ventilado Equívoco bastante comum nesta temática é afirmarse que basta a parte interessada prequestionar a matéria Na realidade o recorrente ventila suscita a problemática mas o prequestionamento é feito pelo Tribunal no acórdão MORAES39 explica que a configuração do prequestionamento pressupõe o debate e a decisão prévios sobre o tema jurídico versado no recurso Portanto é imprescindível que o tribunal a quo tenha se manifestado sobre a questão constitucional ou federal emitindo um juízo de valor sobre o tema Prossegue ainda o autor40 fazendo um importante esclarecimento na relação destes recursos com os embargos declaratórios com finalidade de prequestionamento apontando duas hipóteses possíveis 1ª houve o prequestionamento a arguição pela parte porém o acórdão do tribunal recorrido não analisou a questão constitucional ou federal levantada havendo a necessidade dos embargos declaratórios para que se esgotem os meios ordinários de análise dessa questão 2ª quando a violação à norma constitucional ou federal surgir no próprio acórdão da Corte recorrida situação em que a parte prejudicada deverá interpor embargos declaratórios para de forma inicial começar o debate sobre a questão constitucional ou federal violada Existe assim uma necessidade de debate e decisão prévios sobre as respectivas violações nos recursos especial e extraordinário Compreendase ademais que quando se afirma que os recursos especial e extraordinário pressupõem o esgotamento das vias ordinárias de impugnação significa o esgotamento do debate sobre a questão constitucional ou federal Neste sentido afirma a Súmula n 211 do STJ SÚMULA N 211 Inadmissível recurso especial quanto à questão que a despeito da oposição de embargos declaratórios não foi apreciada pelo Tribunal a quo Neste sentido é farta a jurisprudência do STF41 Não é suficiente que a parte ventile portanto a violação da norma constitucional ou federal a questão deve ter sido decidida pelo tribunal a quo e caso isso não seja feito deve a parte interpor os embargos declaratórios para forçar a manifestação sobre a violação alegada Também é importante que a parte prejudicada por uma decisão judicial desde o primeiro momento suscite a violação da norma federal ou constitucional induzindo à manifestação do juiz ou tribunal O prequestionamento pode ainda ser classificado em EXPLÍCITO quando o acórdão recorrido expressamente claramente enfrenta a questão federal ou constitucional arguida IMPLÍCITO quando o tribunal recorrido decide sem enfrentar claramente expressamente a questão federal ou constitucional ventilada Nesse caso muitas vezes o tribunal a quo dilui a problemática ao longo da fundamentação sem enfrentamento expresso Infelizmente isso tem sido usado por muitos tribunais para dificultar ou mesmo impedir que a decisão seja impugnável pelos recursos especial ou extraordinário Ainda que sujeito a oscilações de humor a jurisprudência do STF tem indicado que a Corte só admite o prequestionamento explícito42 Já no STJ diversos são os acórdãos que admitem o prequestionamento implícito denotando um pouco mais de flexibilidade que o STF nesta questão Em termos práticos supondo que a decisão de primeiro grau viole a Constituição e ou a lei federal deverá a parte postular já na apelação que caso seja mantida a decisão estarão sendo violados os artigos tais e tais a respeito dos quais fica requerida a expressa manifestação para fins de prequestionamento Quando o recorrente é a outra parte devese atentar para as contrarrazões onde o recorrido deve argumentar que caso a sentença seja alterada serão violados tais e tais artigos sobre os quais se requer a manifestação do tribunal Em qualquer dos casos acima quando não há manifestação do tribunal deve a parte interpor embargos declaratórios para assegurar o prequestionamento ou seja o esgotamento das vias impugnativas E se o interesse recursal nascer apenas do acórdão Suponhamos que ao longo do processo tudo tenha tramitado em ordem A sentença não viola a lei federal ou a Constituição portanto não há que se falar em prequestionamento até porque a parte ainda não tem recurso especial ou extraordinário Mas e se o interesse nasce do acórdão que julgando a apelação viola uma lei federal ou a Constituição Nesse caso deverá a parte prejudicada ingressar com embargos declaratórios para explicitar o prequestionamento e forçar a manifestação 73 A Demonstração da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Reprodução em Múltiplos Feitos Por força da Emenda Constitucional 45 foi alterado o art 102 3º da Constituição que passou a exigir que no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso nos termos da lei a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso somente podendo recusála pela manifestação de dois terços de seus membros A matéria foi então regulamentada pela Lei n 114182006 que alterou o art 543 do CPC mantendo a infeliz tradição de manter o recurso extraordinário e também o especial dialogando apenas com o processo civil obrigando o processo penal tal qual a fábula da Cenerentola trazida no início desta obra a ter de utilizar as roupas sempre de tamanho inadequado velhas da irmã Também foi editada a Emenda Regimental n 21 de 30 de abril de 2007 para definir no plano interno a análise e julgamento A exigência da repercussão geral conforme informa o próprio STF43 tem as seguintes finalidades a firmar o papel do STF como Corte Constitucional e não como instância recursal b ensejar que o STF só analise questões relevantes para a ordem constitucional cuja solução extrapole o interesse subjetivo das partes c fazer com que o STF decida uma única vez cada questão constitucional não se pronunciando em outros processos com idêntica matéria Tratase de um eficiente instrumento de filtragem para redução da demanda posto que é um requisito de admissibilidade de todos os recursos extraordinários inclusive em matéria penal sem o qual a impugnação sequer é admitida Como afirmou a Ministra Ellen Gracie na questão de ordem em Ação Cautelar AC 2177 decidida em 12112008 a repercussão geral foi criada para que a Casa não fosse mais obrigada a se manifestar centenas de vezes sobre a mesma matéria a repercussão geral possibilitou após a inclusão do feito no Plenário Virtual tanto o sobrestamento dos demais processos que versem sobre aquele tema como a aplicação pelos tribunais a quo da decisão emanada do Supremo Tribunal Federal aos demais recursos A repercussão geral deve ser demonstrada através de uma preliminar formal cabendo a verificação da sua existência concorrentemente ao tribunal a quo e ao STF mas a análise da repercussão geral é de competência exclusiva do STF No Agravo de Instrumento n 66456744 o Relator Min Sepúlveda Pertence suscitou questão de ordem ao Plenário do STF sobre a aplicação da repercussão geral em matéria criminal e também a possibilidade de o tribunal de origem fazer o juízo de admissibilidade com base neste requisito À unanimidade o STF entendeu que a exigência da preliminar formal e fundamentada sobre a repercussão geral vale para os recursos extraordinários contra decisões cuja intimação tenha ocorrido a partir da data de publicação da Emenda Regimental n 21 qual seja 3 de maio de 2007 Os demais recursos cuja intimação tenha ocorrido antes desta data não se submetem ao requisito da repercussão geral e continuam sendo decididos normalmente como até então Ao tribunal de origem cumpre verificar apenas a existência de preliminar formal de repercussão geral posto que a análise desta é de competência exclusiva do STF Ainda na referida decisão afirmou o STF 6 Nem há falar em uma imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário em matéria criminal porque em jogo de regra a liberdade de locomoção o RE busca preservar a autoridade e a uniformidade da inteligência da Constituição o que se reforça com a necessidade de repercussão geral das questões constitucionais nele versadas assim entendidas aquelas que ultrapassem os interesses subjetivos da causa CPrCivil art 543A 1º incluído pela L 1141806 7 Para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção por remotas que sejam há sempre a garantia constitucional do habeas corpus CF art 5º LXVIII Na questão de ordem em Ação Cautelar AC 2177 decidida em 12112008 o STF por maioria de votos entendeu que compete ao tribunal onde foi interposto o RE conhecer e julgar ação cautelar podendo conferir efeito suspensivo quando for reconhecida repercussão geral sobre a questão e sobrestado recurso extraordinário admitido ou não na origem Por consequência o STF considerouse incompetente para analisar a matéria e determinou a devolução dos autos ao STJ vencidos os ministros Marco Aurélio e Carmen Lúcia Antunes Rocha Anteriormente para a concessão de efeito suspensivo pela Suprema Corte era necessário que o recurso extraordinário fosse admitido ou que o agravo de instrumento fosse provido no caso de juízo negativo de admissibilidade Sobre o tema o Supremo editou as Súmulas 634 e 635 Mas como frisou a relatora Ministra Ellen Gracie considerou de extrema relevância que o Supremo reafirme o seu posicionamento nas Súmulas 634 e 635 quanto à competência de todos os tribunais e turmas recursais de origem para analisar pedidos cautelares decorrentes da interposição de recursos extraordinários mesmo após o sobrestamento introduzido pelo artigo 543B parágrafo 1º do CPC e pelo artigo 328A do Regimento Interno do STF E advertiu Estamos ainda construindo o instituto da repercussão geral É um instituto novo que vai nos causar surpresas aqui e ali com fatos novos demandas e necessidades das partes que irão surgindo de modo que essa construção jurisprudencial nos permite nesta hipótese avançarmos um pouco mais e sinalizarmos qual é a orientação do Tribunal nessa matéria disse a relatora Ela lembrou que uma vez reconhecida a repercussão geral a competência cautelar é sempre do tribunal de origem O art 543A do CPC define que para efeito da repercussão geral será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico político social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos da causa cabendo ao recorrente a demonstração desses fatores em preliminar formal Importante sublinhar que sempre haverá repercussão geral quando o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal Nestes casos a repercussão geral deve ser formulada através de preliminar demonstrando o recorrente de forma clara e analítica a contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante presumindose a partir disso a repercussão geral Em última análise nesse caso a carga é de demonstrar a contrariedade e não a repercussão que será presumida Se a Turma admitir a existência da repercussão geral por no mínimo 4 votos ficará dispensada a remessa do recurso ao plenário cabendo à Turma proceder ao julgamento do recurso extraordinário analisando as demais condições de admissibilidade e o mérito recursal Se for negada a repercussão geral45 o recurso não será admitido e a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica que serão indeferidos liminarmente salvo se o STF decidir por revisar sua posição sobre a questão Além de constituirse um novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário a repercussão geral também inovou na forma como é analisada manifestação por meio eletrônico dos demais ministros Conforme disciplina o art 323 e ss do Regimento Interno do STF alterado pela Emenda Regimental n 21 de 30 de abril de 2007 quando não for caso de inadmissibilidade do recurso extraordinário por outra razão ausência de prequestionamento etc o relator submeterá por meio eletrônico aos demais ministros cópia da sua manifestação sobre a existência ou não da repercussão geral exceto quando o recurso versar sobre questão cuja repercussão já foi reconhecida ou impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante Abrese então o prazo de 20 dias para que os demais ministros por meio eletrônico manifestemse sobre a questão da repercussão geral É adotada uma interessante solução processual para a violação deste prazo razoável decorridos os 20 dias sem manifestações suficientes para recusa do recurso reputarseá existente a repercussão geral Com a manifestação dos demais ministros se reconhecida a repercussão geral será julgado o recurso se negada será formalizada a decisão de recusa que é irrecorrível e valerá para todos os recursos sobre questão idêntica sendo comunicada à Presidência do Tribunal para que divulgue mediante publicação no Diário da Justiça Eletrônico sob a rubrica Repercussão Geral no item específico das decisões do plenário Quando a recusa é feita pela Presidência do Tribunal em sede de préadmissibilidade art 327 do RISTF ou pelo próprio relator desta decisão caberá agravo não se confundindo com a decisão irrecorrível proferida pela maioria da Turma anteriormente explicada Outra inovação é a possibilidade de a Presidência do STF ou qualquer relator de recurso extraordinário entender que o recurso possa reproduzirse em múltiplos feitos nos termos do art 543B do CPC comunicando o fato aos tribunais a quo Na mesma linha disciplina o art 328 do RISTF de modo que protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzirse em múltiplos feitos a Presidência do Tribunal ou o relator de ofício ou a requerimento da parte interessada comunicará o fato aos tribunais ou turmas de Juizado Especial a fim de ser observado o disposto no art 543B do CPC podendo pedirlhes informações que deverão ser prestadas em 5 dias e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica E ainda quando se verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia a Presidência do Tribunal ou o relator selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou às turmas de Juizado Especial de origem para aplicação dos parágrafos do art 543B do CPC 74 Efeito Devolutivo e Suspensivo Um Reducionismo a Ser Superado Prisão Automática nos Recursos Especial e Extraordinário por Ausência de Efeito Suspensivo Ambos os recursos possuem efeito reiterativo ou devolutivo propriamente dito eis que devolvem o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem superior àquele que proferiu a decisão Quanto à ausência de efeito suspensivo nos recursos especial e extraordinário a questão é mais complexa O problema posto pela redação do art 637 do CPP o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo foi substancialmente agravado pela Lei n 803890 que podendo resolver a questão só fez por piorar pois 1º pretendeu disciplinar com igual tratamento para o processo civil e para o processo penal os recursos especial e extraordinário desprezando a especificidade da complexa fenomenologia do processo penal que em nada se assemelha ao processo civil 2º ainda que sancionada após a Constituição de 1988 dela se olvidou ou pouco caso fez desconsiderando a existência da presunção de inocência e da ampla defesa consagrando uma prisão obrigatória e sem o caráter cautelar exigido como requisito de legitimidade 3º tratou como efeito recursal devolutivo art 27 2º da Lei n 8038 uma situação processual que vai para muito além dessa frágil categoria do processo civil absolutamente inadequada por excessiva redução da complexidade para disciplinar o direito de recorrer em liberdade no processo penal Antes de enfrentar a questão nuclear efeito recursal versus presunção de inocência é importante ler a decisão proferida pelo STF na AC 2798 ED46 cujo relator foi o Min CELSO DE MELLO que didaticamente aponta 4 pressupostos a serem observados Portanto antes da discussão sobre o efeito recursal o recurso extraordinário igual tratamento é dado ao recurso especial deve ter sido admitido no tribunal a quo sem o que não há que se falar ainda em jurisdição do STF e tampouco em efeito suspensivo Mas além disso deve estar evidenciada a tempestividade o prequestionamento explícito e a demonstração da ofensa direta e imediata ao texto constitucional A tudo isso acrescentese a novel necessidade de demonstração da repercussão geral analisada no item anterior Cumpridos esses requisitos ainda se exige a verossimilhança fumus boni iuris do alegado pela parte ou seja do mérito recursal Somente se superados esses obstáculos discute se o periculum in mora Se todos esses pressupostos são adequados para o processo civil no processo penal a situação deve ser diferente ou ao menos relativizado o rigor destas exigências São meramente indicativos mas é claro que antes de se falar em efeito suspensivo deve o recurso extraordinário ter sido admitido ser tempestivo demonstrar ainda que em grau de probabilidade o prequestionamento a ofensa direta à Constituição e a repercussão geral Após abrese a discussão sobre o efeito suspensivo Pensamos que a problemática em torno do direito de recorrer em liberdade está para muito além da categoria efeito recursal tipicamente civilista e inadequada para o processo penal situandose noutra dimensão a da eficácia do direito fundamental da ampla defesa e da presunção de inocência Daí por que se deve fazer nesse momento uma leitura da situação fática à luz da epistemologia cautelar do art 312 Havendo periculum libertatis que justifique a prisão preventiva ou a manutenção dela caso o réu já esteja preso assim poderá proceder o tribunal Do contrário tendo desaparecido a situação de perigo ou inexistindo ela especialmente quando o réu permaneceu em liberdade ao longo do processo impõese o direito de seguir recorrendo em liberdade enquanto não existir trânsito em julgado Tratar a questão como mera ausência de efeito suspensivo é processual e constitucionalmente um absurdo pois é completamente inadmissível uma pena antecipada Poucos são os autores que no processo penal superando o reducionismo da categoria efeito recursal enfrentam a problemática efetivamente à luz da presunção de inocência Mais raro ainda é o correto tratamento por parte dos tribunais que muitas vezes logo após o julgamento da apelação ou dos embargos infringentes já expedem mandado de prisão Isso quando o réu não é preso na própria sessão de julgamento especialmente nos casos em que a ação penal é de competência originária dos tribunais Não se questiona nada nem a necessidade da prisão cautelar ou a ineficácia da presunção de inocência prendese porque daquela decisão caberá apenas recurso especial ou extraordinário ambos sem efeito suspensivo E isso é um absurdo Mas há exceções Novamente citamos a decisão proferida pelo STF 2ª Turma no HC 94408 Relator Min EROS GRAU julgado em 10022009 como a referência a ser seguida47 Para evitar mais citações remetemos o leitor para as excelentes decisões proferidas pelo STF na 2ª Turma HC 96059 Rel Min CELSO DE MELLO julgado em 10022009 HC 91232 Rel Min Eros GRAU publicado em 07122007 e também da mesma relatoria proferida em 02092008 no HC 854176RS Em definitivo pensamos que o direito de o réu aguardar o julgamento do recurso especial ou extraordinário em liberdade está numa dimensão completamente distinta daquela tradicionalmente colocada desde uma equivocada perspectiva de teoria geral do processo pois não se legitima uma prisão pelo simples fato de o recurso não ter efeito suspensivo O ponto nevrálgico da questão é completamente diverso há periculum libertatis ou seja a necessidade real e concreta da prisão cautelar Toda discussão deve centrarse na epistemologia cautelar ou seja havendo real necessidade da prisão preventiva especificamente o periculum libertatis deve o tribunal decretála ou mantêla caso já exista enquanto se aguarda o julgamento do recurso especial ou extraordinário imposto Não havendo periculum libertatis ou tendo ele desaparecido deve prevalecer o valor liberdade O que não se pode admitir é uma prisão obrigatória antes do trânsito em julgado sob o reducionista argumento de que o recurso não possui efeito suspensivo Essa prisão não é cautelar e portanto inegavelmente é inconstitucional Também correta é a lição de CORTÉS DOMÍNGUEZ48 de que hay que tener en cuenta que el problema del efecto suspensivo del recurso de apelación contra estas resoluciones debe estudiarse en el proceso penal con una perspectiva distinta a como el problema es estudiado por ejemplo en el proceso civil E segue explicando que o problema é outro isto é se se deve ou não tutelar o direito à liberdade ou se deve prevalecer o direito do Estado de assegurarse de uma possível condenação e isso em qualquer caso é independente da interposição do recurso O problema enfim no es referible a los efectos del recurso sino a incidencia de otros puntos más importantes y generales como el derecho a la libertad la presunción de inocencia y sus manifestaciones49 Mas diante da resistência existente qual é o instrumento processual adequado para assegurarse o direito de aguardar o julgamento do recurso especial ou extraordinário em liberdade Pensamos que é o habeas corpus pois evidente a coação ilegal Inobstante o Superior Tribunal de Justiça50 vem entendendo reiteradamente que o meio adequado é a medida cautelar inominada prevista no art 798 do CPC e não o habeas corpus como já se tinha entendido Assim ainda que não nos pareça correto pois tendose o habeas corpus por que se utilizar de uma medida do processo civil em se tratando de Recurso Especial a matéria segue sendo tratada na dimensão de efeito recursal impondose a utilização da medida cautelar inominada do Processo Civil Já no Supremo Tribunal Federal o tratamento é diferente mais acorde com o processo penal na medida em que além de predominar o entendimento de que não pode existir pena antecipada prisão automática admitese o habeas corpus como remédio adequado para manter o status libertatis do imputado Sequer no STF se cogita da tal cautelar inominada sendo pacífico o entendimento de que é o habeas corpus o instrumento processual adequado para manterse o estado de liberdade do réu que interpôs recurso extraordinário 75 Do Recurso Extraordinário com Agravo Do Agravo em Recurso Especial Como explicado os diversos requisitos dos recursos especial e extraordinário são duplamente valorados primeiro no juízo de préadmissibilidade feito no tribunal a quo e se admitido novamente são analisados no respectivo Tribunal STJ ou STF Para a decisão que não admite denega a subida os recursos feita pelo tribunal de origem caberá Agravo de Instrumento sendo denominado recurso extraordinário com agravo ou do agravo em recurso especial conforme a espécie de recurso que teve sua subida denegada É o agravo de instrumento um recurso que se destina a permitir o processamento a subida do recurso especial ou extraordinário barrado no juízo de préadmissibilidade feito no tribunal de origem que não poderá negar seguimento ao agravo Neste sentido determina a Súmula n 727 do STF SÚMULA N 727 Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos Juizados Especiais Tem cabimento portanto para impugnar a decisão denegatória do recurso especial ou extraordinário feito pela Presidência do tribunal a quo devendo ser interposto por petição e subindo nos próprios autos A matéria era disciplinada pelo art 28 da Lei n 8038 sendo o recurso interposto no prazo de 5 dias e em autos apartados devia a parte indicar as peças para o traslado Mas com o advento da Lei n 12322 de 9 de setembro de 2010 o agravo foi substancialmente alterado O agravo interposto contra a decisão que denega o Recurso Extraordinário está disciplinado ainda nas Resoluções 450 e 451 do STF que instituiu a nova categoria do Recurso Extraordinário com Agravo dispondo ainda expressamente que a Lei n 123222010 tem aplicação em matéria penal e processual penal Como aponta BADARÓ51 a Resolução 4512010 do STF leva à conclusão de que a Lei n 123222010 revogou tacitamente o caput e os 1º a 4º do art 28 da Lei n 803890 que dispunham sobre a interposição e o processamento do agravo contra a decisão denegatória de recurso extraordinário e também do especial bem como o 5º do mesmo dispositivo que disciplinava o agravo contra a decisão denegatória de tal recurso Quanto ao Recurso Especial o STJ emitiu a Resolução 710 em 9 de dezembro de 2010 criando a classe processual de agravo em recurso especial Contudo ao contrário do STF o Superior Tribunal de Justiça não dispôs expressamente sobre a aplicação do novo agravo em matéria penal Em que pese a omissão pensamos que não há motivo para qualquer divergência devendo a nova sistemática estabelecida na Lei n 123222010 ser integralmente aplicada ao Recurso Especial Não haveria qualquer lógica em regulamentar de forma diferente dois recursos que merecem uma disciplina uniforme e homogênea como também adverte BADARÓ Em última análise os agravos seriam meros desdobramentos dos recursos constitucionais que ressalvada sua especificidade de cabimento possuem simetria de tratamento legal Feitas essas ressalvas a matéria é agora regulada pelo art 544 do CPC Art 544 Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial caberá agravo nos próprios autos no prazo de 10 dez dias 1º O agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido 3º O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10 dez dias oferecer resposta Em seguida os autos serão remetidos à superior instância observandose o disposto no art 543 deste Código e no que couber na Lei 11672 de 8 de maio de 2008 4º No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça o julgamento do agravo obedecerá ao disposto no respectivo regimento interno podendo o relator I não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada II conhecer do agravo para a negarlhe provimento se correta a decisão que não admitiu o recurso b negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal c dar provimento ao recurso se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal Art 545 Da decisão do relator que não conhecer do agravo negarlhe provimento ou decidir desde logo o recurso não admitido na origem caberá agravo no prazo de 5 cinco dias ao órgão competente observado o disposto nos 1º e 2º do art 557 Questão problemática é qual é o prazo para interposição Nas primeiras edições desta obra logo após o advento da nova lei posicionamonos no sentido de que o prazo seria de 10 dias para interposição Quanto à Súmula n 699 do STF que dispunha sobre o prazo de 5 dias para interposição pensávamos na esteira de BADARÓ52 que deveria ser cancelada pelo STF pois inaplicável Mas somos obrigados a revisar nossa posição O STF pacificou o entendimento de que o prazo para interposição de agravo quando o recurso extraordinário não for admitido em matéria penal é de 5 dias previsto no art 28 da Lei n 803890 Em caso de matéria cível esse prazo é de 10 dias como estabelece a Lei n 123222010 Segundo o Min DIAS TOFFOLI a Resolução STF 4512010 estaria induzindo as partes em erro na medida em que afirma categoricamente que a alteração promovida pela Lei n 123222010 também se aplica aos recursos extraordinários e agravos que versem sobre matéria penal e processual penal O entendimento do STF é o de que a nova lei do agravo não revogou o prazo estabelecido para a matéria criminal na lei anterior Lei n 803890 A decisão entretanto não foi unânime Os ministros Dias Toffoli relator Gilmar Mendes e Celso de Mello divergiram desse entendimento porque consideram que a nova lei do agravo unificou em 10 dias os prazos para os recursos cíveis e criminais O presidente do STF ministro Cezar Peluso reconheceu que a falta de referência específica quanto ao prazo no texto da resolução pode de fato ter gerado dúvidas na comunidade jurídica mas ressaltou que a interpretação de atos normativos deve ser muito cuidadosa Peluso ressaltou que a Súmula n 699 permanece em vigor Esta súmula estabelece que o prazo para interposição de agravo em processo penal é de cinco dias de acordo com a Lei n 803890 não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei n 895094 ao Código de Processo Civil Assim diante da posição assumida pelo STF pensamos que o agravo tanto no recurso especial como também no extraordinário deverá ser interposto no prazo de 5 dias Considerando essa divergência em relação ao prazo pode ser invocado o princípio da fungibilidade Entendemos que sim e que o art 579 exige uma releitura O erro grosseiro é aquele que constitui um equívoco injustificável fruto de um profundo desconhecimento das leis processuais e sobre uma questão que não exista qualquer dúvida interpretativa53 É uma afronta literal à lei e à dogmática processual consolidada Em sentido diverso quando não houver paz conceitual sob o cabimento de um recurso ou outro a divergência deve operar prórecurso É o que ocorre no presente caso em que não há consenso doutrinário tampouco no próprio STF Muito menos exigível que o recurso errado seja interposto no prazo do recurso correto pois como explicamos anteriormente ao tratar dos princípios recursais essa é uma limitação excessiva e até mesmo contraditória com o proceder honesto da parte Quem acredita honestamente que é um recurso quando na verdade é outro orientase pelo prazo do recurso que crê ser o correto por elementar Portanto além de o art 579 não exigir a interposição no prazo do recurso correto para aplicação da fungilidade a máfé deve ser demonstrada e nunca presumida Devese considerar o agir intencional doloso destinado a burlar o sistema recursal É importante comprovar a tempestividade do agravo de instrumento e também do recurso especial ou extraordinário denegado ou seja a certidão da decisão que gerou a impugnação pela via do recurso especial ou extraordinário Considerando ainda que a nova sistemática de processamento do agravo determina a subida nos próprios autos pensamos que também deverá ser cancelada a Súmula n 288 do STF que dispunha sobre as peças que deveriam ser trasladadas O disposto no 1º um agravo para cada recurso não admitido é uma consequência lógica da nova sistemática na medida em que subindo o recurso nos próprios autos necessariamente deverá ser feito um agravo para cada processo Interposto o recurso deve o agravado ser intimado para apresentar suas contrarrazões no prazo de 10 dias subindo os autos à superior instância Pensamos que os autos deverão subir com a resposta do agravado ou sem ela No tribunal ad quem o agravo de instrumento uma vez distribuído poderá ser objeto de decisão monocrática isto é pelo relator sem levar ao órgão colegiado que desde logo poderá não conhecer do agravo quando for ele manifestamente inadmissível ou não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada O juízo de inadmissibilidade neste caso é em relação ao agravo e não ao recurso extraordinário ou especial que será analisado a seguir Destacamos ainda o disposto na Súmula n 287 do STF negase provimento ao agravo quando a deficiência na sua fundamentação ou na do recurso extraordinário não permitir a exata compreensão da controvérsia Desta decisão do relator que não conheceu do agravo caberá novo agravo no prazo de 5 dias conforme disposto no art 545 do CPC a ser julgado pela respectiva Turma Se não for esta a situação o relator poderá conhecer do agravo para negarlhe seguimento quando estiver correta a decisão do tribunal a quo que não admitiu o recurso especial ou extraordinário ou negarlhe seguimento quando o recurso especial ou extraordinário estiver prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal Por fim poderá o relator dar provimento ao agravo se o acórdão que não admitiu o recurso extraordinário ou especial estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal Neste caso considerando que o recurso subiu nos próprios autos deverá conhecer do mérito do recurso especial ou extraordinário Destas decisões que conhece e nega seguimento ou der provimento ao agravo caberá novo agravo no prazo de 5 dias conforme disposto no art 545 do CPC que será julgado pela Turma que teria competência para julgar o recurso especial ou extraordinário conforme o caso Quanto aos efeitos o agravo possui efeito devolutivo propriamente dito com a devolução ao STJ ou STF do conhecimento do juízo de admissibilidade do respectivo recurso com um diferencial a possibilidade de conhecerse através do agravo do mérito do recurso especial ou extraordinário que teve seu seguimento denegado Não se confunde com o efeito regressivo ausente neste recurso pois o agravo de instrumento não permite juízo de retratação pelo tribunal a quo No que tange ao efeito suspensivo assim como os recursos especial e extraordinário não o terá o agravo de instrumento Contudo remetendo o leitor à problemática discutida no item anterior é possível buscarse a garantia da manutenção do estado de liberdade pela via do habeas corpus ou mesmo da medida cautelar inominada STJ A situação aqui é similar àquela discutida no âmbito dos recursos especial e extraordinário deslocando a questão para a dimensão da eficácia da presunção de inocência Sendo interposto o agravo de instrumento e admitido pelo relator no tribunal ad quem podese perfeitamente buscar o efeito suspensivo pela via processual adequada Mais difícil será a obtenção do efeito suspensivo quando o agravo não é admitido sendo essa decisão impugnada por novo agravo Contudo devese atentar para o caso concreto não cabendo estabelecer aqui uma regra absoluta eis que sempre será necessário analisar a necessidade ou não da custódia cautelar a partir da sistemática anteriormente explicada quando tratamos da prisão preventiva Por fim quanto à aplicação no tempo da nova sistemática prevista na Lei n 123222010 pensamos que predominará o entendimento de que a lei que irá reger o recurso é a lei do momento em que foi proferida a decisão recorrida54 portanto para as decisões denegatórias de recurso especial ou extraordinário proferidas após 08122010 pois a vacatio legis foi de 90 dias 1 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 184 2 DALIA Andrea Antonio e FERRAIOLI Marzia Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 685 3 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 154 4 HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO TRIBUNAL DO JÚRI SENTENÇA CONDENATÓRIA APELAÇÃO AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS ALÍNEAS QUE FUNDAMENTAM O RECURSO MERA IRREGULARIDADE SUPRIMENTO NAS RAZÕES RECURSAIS SÚMULA 713STF 1 É consabido que a apelação interposta contra decisão proferida pelo Tribunal do Júri tem caráter restritivo sendo inviável a atribuição de amplo efeito devolutivo próprio do recurso de apelação contra decisão proferida pelo juízo singular art 593 I do CPP 2 Configura mera irregularidade a falta de indicação dos dispositivos legais em que se apoia o termo da apelação interposta pela defesa contra decisão do Tribunal do Júri Não há empecilho no conhecimento do recurso desde que nas razões se encontrem os fundamentos que ensejaram o apelo e as pretensões da parte estejam perfeitamente delineadas precedentes do STJ e do STF 3 No caso a defesa no momento da interposição da apelação conquanto não tenha indicado expressamente as alíneas requereu a apresentação das razões com base no art 600 4º do Código de Processo Penal e após ser intimada apresentou tempestivamente as razões das quais fez constar expressamente os limites em que interposto o recurso Daí por que não comporta a invocação da Súmula 713STF como justificativa para não se conhecer na origem da apelação 4 Ordem concedida para determinar que o Tribunal a quo conheça da apelação interposta em favor do paciente julgandoa como entender de direito HC 149966RS Rel Min Sebastião Reis Júnior 6ª Turma julgado em 18102012 DJe 19112012 5 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 218 6 Ainda que sejamos favoráveis à possibilidade de redução da pena na segunda fase abaixo do mínimo essa é uma posição isolada Prevalece nesse tema o entendimento da Súmula n 231 do STJ cuja ementa é A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal 7 REZENDE Guilherme Madi Júri decisão absolutória e recurso da acusação por manifesta contrariedade à prova dos autos descabimento Boletim do IBCCrim n 207 fevereiro de 2010 p 14 8 Op cit p 123 9 Interessante é o tratamento dado pelo art 846 bis c da LECrim Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola que prevê na alínea e o seguinte fundamento para apelação das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri Tribunal del jurado e que se hubiese vulnerado el derecho a la presunción de inocencia porque atendida la prueba practicada en un juicio carece de toda base razonable la condena impuesta Tratase de um recurso exclusivo da defesa e portanto somente pode ser interposto quando a sentença seja condenatória Como explica CORTÉS DOMÍNGUEZ et al Derecho Procesal Penal p 665 é uma possibilidade de o tribunal revisar a valoração da prova realizada pelos jurados de natureza fiscalizadora não tanto do resultado valoratório da prova senão da utilização deste resultado para impor a pena Em outras palavras segue o autor se do resultado valoratório se deduz a inocência e não a culpabilidade estamos diante de um caso típico de aplicação deste recurso pois a conclusão que se extrai desta valoração da prova não é razoável 10 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 114 11 Uma síntese com a respectiva crítica é fornecida por MENDES na obra anteriormente citada p 343346 12 Art 598 Nos crimes de competência do Tribunal do Júri ou do juiz singular se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art 31 ainda que não se tenha habilitado como assistente poderá interpor apelação que não terá porém efeito suspensivo Parágrafo único O prazo para interposição desse recurso será de quinze dias e correrá do dia em que terminar o do Ministério Público 13 Art 576 O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto 14 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 215 15 No mesmo sentido RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 788 BADARÓ Direito Processual Penal t II cit p 246 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 217 16 Sobre o recurso especial Art 238 Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada será intimado o recorrido abrindoselhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar contrarrazões 1º 2º 3º 4º 5º Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime e forem interpostos embargos infringentes o prazo para recurso especial relativamente ao julgamento unânime ficará sobrestado até a intimação da decisão dos embargos 6º Quando não forem interpostos embargos infringentes o prazo relativo à parte unânime da decisão terá como dia de início aquele em que transitar em julgado a decisão por maioria de votos E sobre o recurso extraordinário Art 246 Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada será intimado o recorrido abrindoselhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar contrarrazões 1º 2º 3º 4º 5º Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime e forem interpostos embargos infringentes o prazo para recurso extraordinário relativamente ao julgamento unânime ficará sobrestado até a intimação da decisão dos embargos 6º Quanto não forem interpostos embargos infringentes o prazo relativo à parte unânime da decisão terá como dia de início aquele em que transitar em julgado a decisão por maioria de votos 17 PROCESSUAL PENAL RECURSO ESPECIAL ART 12 CAPUT CC ART 18 INCISOS I E III AMBOS DA LEI 636876 ANTIGA LEI DE TÓXICOS INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS INFRINGENTES SIMULTANEAMENTE A RECURSO ESPECIAL IMPOSSIBILIDADE ART 498 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL CC ART 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Em se tratando de aferição da prematuridade ou não do recurso especial quando ocorrida a hipótese na origem de interposição simultânea de embargos infringentes devese observar a regra inscrita no art 498 do Código de Processo Civil Precedentes Recurso não conhecido REsp 1000643MG Rel Min Felix Fischer 5ª Turma julgado em 03022009 DJe 23032009 E ainda AGRAVO REGIMENTAL PROCESSO PENAL EMBARGOS INFRINGENTES INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA RATIFICAÇÃO NECESSIDADE 1 Esta Corte firmou compreensão no sentido de que em casos de interposição simultânea de recursos desafiando acórdão não unânime deve o recorrente após o julgamento dos embargos infringentes ratificar os termos do apelo especial anteriormente interposto ou apresentar novo recurso 2 Agravo regimental a que se nega provimento AgRg no REsp 886523RS Rel Min Haroldo Rodrigues Desembargador convocado do TJCE 6ª Turma julgado em 02032010 DJe 29032010 18 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 247 19 Socorremonos do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 3 ed 2004 20 Idem 21 No mesmo sentido entre outros GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 232 22 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires EJEA 1950 v 4 p 191 23 PELLEGRINI GRINOVER Ada A Exigência de Jurisdicionalização da Execução na América Latina In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 259 24 MORENO CATENA Victor GIMENO SENDRA Vicente e CORTES DOMINGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 888 e ss 25 MORENO CATENA Victor Op cit p 888 26 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v 2 p 274 27 HINOJOSA SEGOVIA Rafael OLIVA SANTOS Andrés ARAGONESES MARTINEZ Sara MUERZA ESPARZA Julio e TOME GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 762 28 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Penais 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 270 29 AGOSTINHO BENETI Sidnei Execução Penal São Paulo Saraiva 1996 p 67 30 Recursos no Processo Penal cit p 209 31 Como ocorreu por exemplo na decisão abaixo ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO DOLO EVENTUAL IN DUBIO PRO SOCIETATE DESCABIMENTO A Turma proveu o recurso ao entendimento de que inexiste o dolo eventual no acidente causado por motorista que no estado de embriaguez dirigia de madrugada seu veículo com excesso de velocidade Descaracterizado o princípio in dubio pro societate Desclassificada a conduta do réu para a forma culposa por falta de elemento convincente a caracterizar a prática do homicídio doloso arts 18 I e II e 121 caput do Código Penal cc art 302 da Lei n 95031997 Precedente citado REsp 765593RS DJ 19122005 REsp 705416SC Rel Min Paulo Medina j 23052006 32 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 720 33 MENDES COELHO e BRANCO Curso de Direito Constitucional cit p 696 34 Ainda que se trate de HC é interessante a decisão abaixo DIREITO PROCESSUAL HABEAS CORPUS PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF CONCESSÃO DA ORDEM 1 A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da inadmissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional 2 Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos art 11 e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica art 7º 7 ratificados sem reserva pelo Brasil no ano de 1992 A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico estando abaixo da Constituição porém acima da legislação interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação 3 Na atualidade a única hipótese de prisão civil no Direito brasileiro é a do devedor de alimentos O art 5º 2º da Carta Magna expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte O Pacto de São José da Costa Rica entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos expressamente só admite no seu bojo a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e consequentemente não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel 4 Habeas corpus concedido HC 95967MS Rel Min Ellen Gracie 2ª Turma STF julgado em 11112008 35 A decisão proferida pelo STF no RE 589896AgR Rel Min CELSO DE MELLO julgado em 16092008 destaca essa questão O recurso extraordinário e o recurso especial são institutos de direito processual constitucional Tratase de modalidades excepcionais de impugnação recursal com domínios temáticos próprios que lhes foram constitucionalmente reservados Assentandose o acórdão emanado de Tribunal inferior em duplo fundamento e tendo em vista a plena autonomia e a inteira suficiência daquele de caráter infraconstitucional mostrase inadmissível o recurso extraordinário em tal contexto Súmula 283STF eis que a decisão contra a qual se insurge o apelo extremo revelase impregnada de condições suficientes para subsistir autonomamente considerada de um lado a preclusão que se operou em relação ao fundamento de índole meramente legal e de outro a irreversibilidade que resulta dessa específica situação processual RE 589896AgR Rel Min Celso de Mello j 16092008 DJe 24102008 E ainda prejudicando até mesmo o julgamento do recurso especial se não houve a interposição simultânea do extraordinário quando cabível é claro É inadmissível o recurso especial se a decisão recorrida contém fundamento constitucional suficiente e não tiver sido interposto o recurso extraordinário simultâneo AI 155895AgR Rel Min Sepúlveda Pertence j 30111993 DJ 20051994 36 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 271 37 EMENTA DIREITO PENAL AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO DISPARO DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS ART 212 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL INVERSÃO NA ORDEM DE INQUIRIÇÃO VIOLAÇÃO REFLEXA 1 Sobressai a natureza infraconstitucional da controvérsia relativa à inversão na ordem de oitiva de testemunhas em descumprimento ao art 212 do Código de Processo Penal 2 Inviável o Recurso Extraordinário quando a alegada ofensa à Constituição Federal se existente seria meramente indireta ou reflexa a depender de interpretação da legislação infraconstitucional Precedentes 3 Agravo regimental conhecido e não provido ARE 742224 AgR Rel Min Rosa Weber 1ª Turma julgado em 18062013 Acórdão eletrônico DJe148 Divulg 31072013 Public 1º082013 EMENTA DIREITO PENAL AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO HOMICÍDIOS QUALIFICADOS PRONÚNCIA MANUTENÇÃO DAS QUALIFICADORAS AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO REEXAME DE FATOS E PROVAS DA CAUSA 1 O fato de a decisão impugnada ser contrária aos interesses da parte não configura ofensa ao disposto no art 93 IX da Constituição Federal 2 Inviável o recurso extraordinário quando a alegada ofensa à Constituição Federal se existente seria meramente indireta ou reflexa a depender de interpretação da legislação infraconstitucional Precedentes 3 O recurso extraordinário não se presta para o reexame de fatos e provas da causa Súmula 279STF 4 Agravo regimental conhecido e não provido ARE 737821 AgR Rel Min Rosa Weber 1ª Turma julgado em 11062013 Processo eletrônico DJe123 Divulg 26062013 Public 27062013 EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO PENAL 1 AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AO ART 93 INC IX DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA 2 DOSIMETRIA DA PENA MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO ARE 728096 AgR Rel Min Cármen Lúcia 2ª Turma julgado em 12032013 Processo eletrônico DJe061 Divulg 03042013 Public 04042013 38 E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO EXTEMPORANEIDADE DE ANTERIORES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO IMPUGNAÇÃO RECURSAL PREMATURA DEDUZIDA EM DATA ANTERIOR À DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO RECURSO IMPROVIDO A intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras que se antecipam à publicação dos acórdãos quanto decorrer de oposições tardias que se registram após o decurso dos prazos recursais Em qualquer das duas situações impugnação prematura ou oposição tardia a consequência de ordem processual é uma só o não conhecimento do recurso por efeito de sua extemporânea interposição A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido que a simples notícia do julgamento além de não dar início à fluência do prazo recursal também não legitima a prematura interposição de recurso por absoluta falta de objeto Precedentes AI 823070 AgRsegundoEDED Rel Min Celso de Mello 2ª Turma julgado em 08052012 Acórdão eletrônico DJe114 Divulg 12062012 Public 13062012 39 MORAES Alexandre de Constituição do Brasil Interpretada São Paulo Atlas 2002 p 1401 40 Idem ibidem 41 Ementa ADMINISTRATIVO PENAL E PROCESSUAL PENAL AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIME DE DESERÇÃO ART 187 DO CPM DEMISSÃO AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL ART 323 DO RISTF CC ART 102 III 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PREQUESTIONAMENTO INOCORRÊNCIA SÚMULAS 282 E 356 DO STF AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO 1 A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade art 323 do RISTF 2 Consectariamente quando a ofensa for reflexa ou mesmo quando a violação for constitucional mas necessária a análise de fatos e provas não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso art 102 III 3º da CF 3 O prequestionamento explícito da questão constitucional é requisito indispensável à admissão do recurso extraordinário sendo certo que eventual omissão do acórdão recorrido reclama embargos de declaração 4 As Súmulas 282 e 356 do STF dispõem respectivamente verbis É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada e O ponto omisso da decisão sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios não pode ser objeto de recurso extraordinário por faltar o requisito do prequestionamento 5 Agravo regimental a que se nega provimento RE 642382 AgR Rel Min Luiz Fux 1ª Turma julgado em 04092012 Acórdão eletrônico DJe186 Divulg 20092012 Public 21092012 EMENTA Agravo regimental em recurso extraordinário Prequestionamento COFINS Isenção concedida pela Lei Complementar n 7091 Constitucionalidade da revogação pela Lei Ordinária n 943096 Modulação dos efeitos Impossibilidade Precedentes 1 Pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o prequestionamento para o recurso extraordinário não exige que o preceito constitucional invocado pela recorrente tenha sido explicitamente tratado pelo acórdão sendo necessário entretanto que este tenha versado inequivocamente sobre a matéria objeto da norma que nele se contenha 2 Constitucionalidade da revogação pelo artigo 56 da Lei n 943096 da isenção para o recolhimento da COFINS concedida na forma do artigo 6º inciso II da Lei Complementar n 7091 às sociedades civis prestadoras de serviços de profissão legalmente regulamentada 3 Impossibilidade de modulação dos efeitos dessa decisão 4 Agravo regimental desprovido RE 540578 AgR Rel Min Dias Toffoli 1ª Turma julgado em 15122009 DJe022 DIVULG 04022010 PUBLIC 05022010 EMENT VOL0238805 PP00921 42 Mas há acórdãos admitindo o prequestionamento implícito Recurso extraordinário e prequestionamento O prequestionamento para o RE não reclama que o preceito constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão mas é necessário que este tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha o que ocorreu no caso AI 297742AgR Rel Min Sepúlveda Pertence j 25062007 DJ 10082007 43 Conforme documento do Gabinete Extraordinário de Assuntos Institucionais do STF disponível no site wwwstfjusbr de onde foram extraídas diversas informações aqui transcritas 44 EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO CRIMINAL AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSOS DE CORTES DIVERSAS VIOLAÇÃO AOS ARTS 5º XXXV LIV LV E 93 IX DA CONSTITUIÇÃO MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL OFENSA INDIRETA CONTRARIEDADE AO ART 93 IX DA LEI FUNDAMENTAL ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO AGRAVO IMPROVIDO I O acórdão recorrido do Tribunal a quo nada mais fez do que aplicar o entendimento afirmado pelo Plenário desta Corte nos autos das Reclamações 7547SP e 7569SP II Foi acertada a decisão que negou seguimento ao apelo extremo interposto pelo ora agravante por estar em conformidade com o que decidido por este Tribunal no RE 598365MG Rel Min Ayres Britto que por unanimidade recusou o recurso extraordinário ante a ausência de repercussão geral sobre os pressupostos de admissibilidade de recursos de Cortes diversas por não se tratar de matéria constitucional Decisão que vale para todos os recursos sobre matéria idêntica consoante determinam os arts 326 e 327 1º do RISTF e o art 543A 5º do CPC introduzido pela Lei 114182006 III A jurisprudência desta Corte fixouse no sentido de que a afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal da ampla defesa e do contraditório da motivação dos atos decisórios dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional se dependente de reexame prévio de normas infraconstitucionais seria indireta ou reflexa Precedentes IV A exigência do art 93 IX da Constituição não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada O que se busca é que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu convencimento V Agravo regimental improvido AI 819102 AgR Rel Min Ricardo Lewandowski 1ª Turma julgado em 23032011 DJe068 DIVULG 08042011 PUBLIC 11042011 EMENT VOL0250003 PP 00668 45 Como adverte MENDES op cit p 960 há a necessidade da manifestação expressa de pelo menos 8 oito ministros recusando a repercussão geral para que seja reputada a sua inexistência art 102 3º da Constituição 46 E M E N T A AÇÃO CAUTELAR INOMINADA RECURSO EXTRAORDINÁRIO AINDA NÃO ADMITIDO PRETENDIDA OUTORGA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA INADMISSIBILIDADE PROCEDIMENTO EXTINTO RECURSO IMPROVIDO PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS À OUTORGA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA A RECURSO EXTRAORDINÁRIO A concessão de medida cautelar pelo Supremo Tribunal Federal quando requerida na perspectiva de recurso extraordinário interposto pela parte interessada supõe para legitimarse a conjugação necessária dos seguintes requisitos a que tenha sido instaurada a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de origem ou resultante do provimento do recurso de agravo b que o recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual caracterizada dentre outras pelas notas da tempestividade do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição c que a postulação de direito material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica e d que se demonstre objetivamente a ocorrência de situação configuradora do periculum in mora Precedentes Ausente o necessário juízo positivo de admissibilidade RTJ 110458 RTJ 112957 RTJ 140756 RTJ 172419 revelase inviável a outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário e também ao agravo de instrumento deduzido contra a decisão que negou processamento ao apelo extremo Precedentes AC 2798 ED Rel Min Celso de Mello 2ª Turma julgado em 15032011 PROCESSO ELETRÔNICO DJe070 DIVULG 12042011 PUBLIC 13042011 47 EMENTA HABEAS CORPUS INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA ART 5º LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ART 1º III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL 1 O art 637 do CPP estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória A Constituição do Brasil de 1988 definiu em seu art 5º inciso LVII que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 2 Daí que os preceitos veiculados pela Lei n 721084 além de adequados à ordem constitucional vigente sobrepõemse temporal e materialmente ao disposto no art 637 do CPP 3 A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar 4 A ampla defesa não se a pode visualizar de modo restrito Engloba todas as fases processuais inclusive as recursais de natureza extraordinária Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa também restrição do direito de defesa caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito do acusado de elidir essa pretensão 5 Prisão temporária restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar sem qualquer contemplação nos crimes hediondos exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva Na realidade quem está desejando punir demais no fundo no fundo está querendo fazer o mal se equipara um pouco ao próprio delinquente 6 A antecipação da execução penal ademais de incompatível com o texto da Constituição apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados não do processo penal A prestigiarse o princípio constitucional dizem os tribunais leiase STJ e STF serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos além do que ninguém mais será preso Eis o que poderia ser apontado como incitação à jurisprudência defensiva que no extremo reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais A comodidade a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço 7 No RE 482006 relator o Ministro Lewandowski quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional art 2º da Lei n 236461 que deu nova redação à Lei n 86952 o STF afirmou por unanimidade que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art 5º da Constituição do Brasil Isso porque disse o relator a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses estarseia validando verdadeira antecipação de pena sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação nada importando que haja previsão de devolução das diferenças em caso de absolvição Daí porque a Corte decidiu por unanimidade sonoramente no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1988 afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas 8 Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos Não perdem essa qualidade para se transformarem em objetos processuais São pessoas inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade art 1º III da Constituição do Brasil É inadmissível a sua exclusão social sem que sejam consideradas em quaisquer circunstâncias as singularidades de cada infração penal o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida HC 94408 Rel Min Eros Grau 2ª Turma j 10022009 DJe059 Divulg 26032009 Public 27032009 Ement VOL0235403 p 00571 RT v 98 n 885 2009 p 493501 RF v 105 n 401 2009 p 572582 48 CORTÉS DOMÍNGUEZ Valentín et al Derecho Procesal Penal cit p 637 49 Idem ibidem p 638 50 AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS TORTURA AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO PRETENSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO IMPOSSIBILIDADE VIA IMPRÓPRIA 1 É assente na jurisprudência desta Corte de Justiça que o habeas corpus não é a via adequada para dar efeito suspensivo a agravo interposto contra decisão que não recebe o recurso especial ou recurso extraordinário tendo em vista que este pedido normalmente é veiculado por medida cautelar inominada e só é acolhido em casos excepcionais PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE CONHECIMENTO DO PRESENTE WRIT COMO MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INOVAÇÃO DE TESE JURÍDICA QUE NÃO FOI DEDUZIDA NA INICIAL DO WRIT IMPOSSIBILIDADE 1 É inadmissível a apreciação em sede de agravo regimental de tese que não foi alegada na inicial do remédio constitucional pois à parte é vedado inovar pedidos quando da interposição do regimental SUPERVENIÊNCIA DE JULGAMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO TRÂNSITO EM JULGADO PERDA DO INTERESSE RECURSAL RECURSO IMPROVIDO 1 Diante da superveniência do julgamento do agravo de instrumento interposto a que se pretendia a concessão de efeito suspensivo transitando em julgado a decisão resta evidente a falta de interesse recursal no agravo regimental aforado 2 Agravo regimental improvido AgRg no HC 172334MG Rel Min Jorge Mussi 5ª Turma julgado em 26022013 DJe 19032013 51 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Um Novo Agravo contra Decisão que Não Admite Recurso Especial e Extraordinário no Processo Penal Reflexos da Lei 12322 de 9 de setembro de 2010 no Processo Penal Originais gentilmente cedidos pelo autor aguardando publicação no Boletim do IBCCrim janeirofevereiro de 2011 52 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Um Novo Agravo contra Decisão que Não Admite Recurso Especial e Extraordinário no Processo Penal Reflexos da Lei 12322 de 9 de setembro de 2010 no Processo Penal Originais gentilmente cedidos pelo autor aguardando publicação no Boletim do IBCCrim janeirofevereiro de 2011 53 BADARÓ Gustavo Henrique Ivahy O Agravo Cabível contra Decisão Denegatória de Recurso Especial e Extraordinário em uma Recente Decisão do STF e os Limites da Fungibilidade Recursal Boletim do IBCCrim n 230 janeiro 2012 p 2 54 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Um Novo Agravo contra Decisão que Não Admite Recurso Especial e Extraordinário no Processo Penal Reflexos da Lei 12322 de 9 de setembro de 2010 no Processo Penal Originais gentilmente cedidos pelo autor aguardando publicação no Boletim do IBCCrim janeirofevereiro de 2011 Aviso Ao leitor A Compreensão Da Síntese Exige A Prévia Leitura Do Capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO arts 581592 11 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento e adequação tem cabimento nos casos previstos no art 581 cujo rol é taxativo Os incisos XVII XIX XX XXI XXII XXIII e XXIV perderam eficácia com o advento da LEP Interposição por petição ou termo nos autos Tempestividade 5 dias para interposição art 586 e 2 dias para razões art 588 Assistente 5 dias habilitado 15 dias não habilitado Preparo tem cabimento nas ações penais privadas art 806 12 REQUISITOS SUBJETIVOS Legitimidade art 577 e gravameprejuízo 13 EFEITOS efeito devolutivo misto regressivo e depois reiterativo ou devolutivo propriamente dito Efeito suspensivo nos casos previstos art 584 14 ASPECTOS DO PROCEDIMENTO pode subir nos próprios autos art 583 ou por instrumento demais casos sendo que o instrumento deverá conter as peças obrigatórias art 587 parágrafo único e as indicadas pelas partes e o juiz art 589 2 APELAÇÃO arts 593603 21 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento e adequação pode ser interposta por petição ou termo nos autos nos casos previstos no art 593 Art 593 II é residual em relação à taxatividade do RSE cabendo em relação às decisões interlocutórias mistas não abrangidas pelo art 581 Art 593 III o inciso III dirigese exclusivamente às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri Nas alíneas a e d se acolhido o recurso a consequência será a realização de novo júri Nas alíneas b e c acolhendo o recurso o tribunal faz a retificação se enviar a novo júri Art 593 3º decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela completamente dissociada da prova dos autos sem qualquer apoio no processo O que se entende por mesmo motivo Significa novo recurso com base na letra d sendo irrelevante a tese sustentada Tempestividade 5 dias para interposição art 593 e 8 dias para razões Assistente 5 dias habilitado 15 dias não habilitado Preparo exigese nas ações penais privadas 22 REQUISITOS SUBJETIVOS legitimidade art 577 e gravameprejuízo 23 EFEITOS devolutivo total ou parcial e suspensivo apelação de sentença absolutória nunca tem efeito suspensivo art 596 Quanto ao direito de recorrer em liberdade art 387 1º deve ser analisado à luz do sistema cautelar e das regras da prisão preventiva arts 311 e ss 3 EMBARGOS INFRINGENTES E EMBARGOS DE NULIDADE art 609 parágrafo único Embargos Infringentes voto vencido tem por objeto da divergência uma questão de mérito Embargos de Nulidade voto vencido tem por objeto divergência sobre questão processual 31 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento contra decisão não unânime proferida por tribunal no julgamento de apelação RSE ou agravo em execução É recurso exclusivo da defesa Está limitado ao objeto da divergência demarcado pelos limites do voto vencido Adequação deve ser interposto por petição acompanhada das razões circunscritas ao objeto da divergência Tempestividade prazo de 10 dias único para interposição e razões Preparo predomina entendimento de que não é necessário nem mesmo nas ações penais privadas bastando o preparo feito para a apelação 32 REQUISITOS SUBJETIVOS é um recurso exclusivo da defesa Quanto ao gravame deve haver um voto divergente favorável à defesa que represente uma vantagem jurídica se acolhido 33 EFEITOS Devolutivo devolve a discussão nos limites do voto vencido Suspensivo como regra interrompem o prazo de interposição de outros recursos mas há divergência como explicado a seguir 34 PROBLEMA DA DIVERGÊNCIA PARCIAL E A INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE RESP EOU RE Existem dois entendimentos jurisprudenciais sendo que Predomina nas justiças estaduais o entendimento de que deve haver interposição simultânea ou seja embargos infringentes em relação a divergência de mérito e REsp eou RE no prazo de 15 dias da publicação do acórdão em relação às preliminares denegadas à unanimidade Justiça Federal predomina o entendimento de que a interposição é sucessiva nos termos do art 498 do CPC ou seja primeiro esgotase toda a matéria de embargos infringentesnulidade e somente depois abrese a possibilidade de REsp eou RE 4 EMBARGOS DECLARATÓRIOS 41 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento Podem ser utilizados em relação a qualquer decisão inclusive interlocutória ou despacho desde que contenha omissão obscuridade contradição ou ambiguidade Arts 382 decisões de 1º grau 619 e 620 decisões de tribunais Excepcionalmente podem ter efeitos modificativos e podem ser utilizados para fins de prequestionamento nos recursos especial e extraordinário Adequação interpostos por petição contendo as razões Tempestividade 2 dias No JECrim 5 dias art 83 da Lei n 909995 Preparo não se exige 42 REQUISITOS SUBJETIVOS estão legitimadas as partes ativa passiva e assistente da acusação O interesse recursal vinculase à ineficácia da garantia da motivação das decisões 43 EFEITOS possuem efeito regressivo devolvendo para o mesmo órgão prolator Excepcionalmente poderão ter efeitos modificativos ou infringentes Como regra interrompem o prazo para interposição de outros recursos Exceção JECrim art 83 2º da Lei n 909995 em que o efeito é suspensivo 5 AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL art 197 da LEP Segue o mesmo procedimento e requisitos do RSE 51 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento decisões interlocutórias tomadas no curso da execução criminal Adequação pode ser interposto por petição ou termo nos autos Tempestividade 5 dias para interposição e 2 dias para razões Preparo não se exige 52 REQUISITOS SUBJETIVOS estão legitimados o MP defensor ou réu O gravame decorre do prejuízo pela concessão ou denegação do pedido feito na execução penal 53 EFEITOS efeito devolutivo misto regressivo e depois reiterativo ou devolutivo propriamente dito Não possui efeito suspensivo 6 CARTA TESTEMUNHÁVEL arts 639 a 646 61 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento impugnar a decisão que denegou o prosseguimento a recurso em sentido estrito ou agravo em execução ou obstaculizou sua subida Adequação recurso interposto por petição Tempestividade 2 dias Preparo não se exige 62 REQUISITOS SUBJETIVOS legitimidade vinculada àquela necessária para interposição do recurso originário a que foi denegado o prosseguimento Interesse gravame pelo não prosseguimento do recurso 63 EFEITOS devolutivo misto 7 RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO Recurso Especial Recurso Extraordinário Órgão julgador Superior Tribunal de Justiça Supremo Tribunal Federal Cabimento Art 105 III da Constituição julgar em recurso especial as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida ver Súmula n 203 do STJ a contrariar tratado ou lei federal ou negarlhes vigência b julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal inaplicável na esfera penal c der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal art 26 da Lei n 8038 e Súmulas 13 e 83 do STJ Art 102 III da Constituição julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida ver Súmulas ns 281 e 640 do STF a contrariar dispositivo desta Constituição a ofensa tem que ser direta se antes violar o CPP não cabe RE b declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ver Súmula Vinculante n 10 c julgar válidos lei ou ato de governo local contestados em face desta Constituição d julgar válida lei local contestada em face de lei federal Objeto Tutela da Legislação Infraconstitucional Tutela da Constituição Disciplina Legal Lei n 8038 e Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça Lei n 8038 e Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal Prazo de interposição 15 dias art 26 da Lei n 8038 15 dias art 26 da Lei n 8038 Prequestionamento Há decisões aceitando o prequestionamento implícito É exigido prequestionamento explícito como regra Súmula n 211 Repercussão Geral Não é exigida É exigida a demonstração através de preliminar formal art 102 3º da CB Possibilidade de reexame de fato ou prova Não é permitido Súmula n 7 do STJ Não é permitido Súmula n 279 do STF Exaurimento da via recursal ordinária Devem ser esgotados os recursos ordinários Devem ser esgotados os recursos ordinários Juízo de admissibilidade Há uma dupla filtragem primeiramente no tribunal de origem a quo e se admitido o recurso novo exame é feito no STJ Há uma dupla filtragem primeiramente no tribunal de origem a quo e se admitido o recurso novo exame é feito no STF Legitimidade Ministério Público assistente da acusação querelante e o réu Ministério Público assistente da acusação querelante e o réu Preparo Exigese preparo Súmula n 187 do STJ Exigese preparo Efeitos Devolutivo propriamente dito Ausência de efeito suspensivo art 27 2º da Lei n 8038 Contudo o STJ tem relativizado essa regra para admitir que o acusado recorra em liberdade Devolutivo propriamente dito Ausência de efeito suspensivo art 27 2º da Lei n 8038 Contudo o STF tem relativizado essa regra para admitir que o acusado recorra em liberdade Instrumento para obter o efeito suspensivo Medida Cautelar Inominada art 798 do CPC Habeas Corpus Recurso contra a decisão que nega seguimento Agravo em Recurso Especial Lei n 123222010 e art 544 do CPC Prazo 5 dias Súmula n 699 STF Resolução 0710 do STJ Recurso Extraordinário com Agravo Lei n 123222010 e art 544 do CPC Prazo 5 dias Súmula n 699 STF Resoluções 450 e 451 do STF Capítulo XXII AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO REVISÃO CRIMINAL HABEAS CORPUS MANDADO DE SEGURANÇA Após a sumária análise dos recursos no processo penal vejamos agora as chamadas ações de impugnação que não constituem recursos senão ações autônomas com diferentes finalidades e campos de atuação A revisão criminal e o habeas corpus estão erroneamente posicionados na estrutura do Código de Processo Penal no Título II Dos recursos em geral mas isso não significa que sejam recursos Como veremos são ações de impugnação não se subordinam aos requisitos recursais anteriormente analisados e tampouco exigem uma decisão não transitada em julgado como nos recursos na medida em que podem atacar até mesmo uma sentença com trânsito em julgado formal e material Feita a ressalva vejamos as ações de impugnação 1 Revisão Criminal A revisão criminal ainda que tratada pelo Código de Processo Penal juntamente com os recursos é uma ação de impugnação de competência originária dos tribunais não é recurso É um típico caso de equivocada organização topográfica como define CORDERO1 Tratase de um meio extraordinário de impugnação não submetida a prazos que se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado exercendo por vezes papel similar ao de uma ação de anulação ou constitutiva negativa no léxico ponteano sem se ver obstaculizada pela coisa julgada CORTÉS DOMÍNGUEZ2 tratando del proceso de revisión do sistema espanhol equivalente a nossa revisão criminal define como uma ação independente que dá lugar a um processo cuja finalidade é rescindir sentenças condenatórios transitadas em julgado e injustas A revisão criminal situase numa linha de tensão entre a segurança jurídica instituída pela imutabilidade da coisa julgada e a necessidade de desconstituíla em nome do valor justiça Se de um lado estão os fundamentos jurídicos políticos e sociais da coisa julgada de outro está a necessidade de relativização deste mito em nome das exigências da liberdade individual Em última análise sublinha CORTÉS DOMÍNGUEZ3 com acerto o legislador se viu obrigado a solucionar o terrível problema que supõe considerar que um mecanismo como o da coisa julgada que está pensado como meio de segurança apto a conseguir a justiça pode em outras ocasiões ser um elemento que proporcione situações clamorosamente injustas Por tudo isso a revisão criminal é uma medida excepcional cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei 11 Cabimento Análise do art 621 do CPP Vejamos agora as situações previstas no art 621 do CPP esclarecendo que a revisão criminal pode ser proposta para desconstituir sentenças de juízes singulares ou do Tribunal do Júri bem como acórdãos proferidos pelos tribunais Durante muito tempo se discutiu o cabimento da revisão criminal em relação às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri diante da soberania desta decisão mas atualmente a questão corretamente se pacificou no sentido da plena possibilidade da revisão criminal A revisão pode ter como objeto uma sentença condenatória ou absolutória imprópria ou acórdão condenatório ou absolutório impróprio isso porque quando o réu é absolvido em primeiro grau e o Ministério Público apela sendo acolhido o recurso a decisão condenatória objeto da revisão criminal é o acórdão proferido pelo tribunal e não a sentença absolutória do juiz Art 621 A revisão dos processos findos será admitida COMENTÁRIO A expressão processos findos deve ser interpretada no sentido de existência de uma sentença ou acórdão penal condenatório transitado em julgado São dois os pressupostos da revisão criminal existência de uma sentença penal condenatória ou absolutória imprópria art 386 parágrafo único III do CPP e que esta sentença tenha transitado em julgado A sentença a qual se pretende revisar deve ser condenatória ou absolutória imprópria aquela em que se aplica medida de segurança ao réu inimputável que inegavelmente possui um caráter condenatório Inclusive a situação gerada pela medida de segurança é em geral mais grave até do que a daquele submetido à pena privativa de liberdade diante da situação de incerteza e indeterminação inerente à medida de segurança Tampouco existe progressão de regime trabalho externo etc Mas não se admite a revisão criminal quando a sentença é absolutória propriamente dita ou absolvição sumária não havendo um interesse juridicamente tutelável nestes casos ainda que se argumente em torno da mudança do fundamento da absolvição A excepcionalidade da revisão criminal faz com que os casos em que ela é admitida sejam taxativamente previstos sem possibilidade de ampliação deste rol no qual não se encaixam as situações de absolvição Contribui ainda para essa exegese o disposto no art 625 1º do CPP de que o requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos O modelo brasileiro ainda não admite a chamada revisão criminal pro societate ou seja a revisão das sentenças absolutórias o que constituiria uma autêntica reformatio in pejus Mas como veremos ao final deste Capítulo se aprovado o Projeto de Lei n 42062001 a nova redação do art 621 irá contemplar três hipóteses de revisão criminal de sentenças absolutórias mudando radicalmente o cenário e rompendo com uma longa tradição de ter na revisão criminal um instrumento de proteção do réu contra sentenças injustas I quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos COMENTÁRIO São duas as situações previstas aqui em que a sentença condenatória ou absolutória imprópria é contrária a Ao texto expresso da lei penal o que significa uma contrariedade em relação à lei penal mas também processual penal à Constituição ou qualquer outro ato normativo que tenha sido empregado como fundamento da sentença condenatória como as leis completivas empregadas na aplicação de uma lei penal em branco portarias etc Incorre no mesmo fundamento a sentença penal que incidir em erro na subsunção dos fatos à lei penal ou seja na tipificação legal como pode ser a condenação por peculato de alguém que não era funcionário público4 Ademais nulidades absolutas também podem ser conhecidas na revisão criminal por imposição do art 626 do CPP que ao permitir ao tribunal anular a sentença ou acórdão está reconhecendo expressamente a existência de mais de uma causa para sua impetração Portanto é possível a revisão criminal sob o argumento de nulidade pois significa dizer que a decisão judicial é contrária ao texto expresso da lei e com esse fundamento deve ser ajuizada Não se pode esquecer que o art 626 estabelece que julgando procedente a revisão o tribunal poderá alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo Portanto é a existência de nulidade um fundamento jurídico válido para a revisão criminal A revisão criminal com base neste fundamento decisão contrária a texto expresso de lei situase acima de tudo na dimensão de conflito hermenêutico na qual o que se discute é a eleição dos significados da norma e o sentido a ela dado pelo juiz ou tribunal quando se trata de acórdão condenatório que proferiu a decisão em relação aos julgadores da revisão criminal Há portanto uma reabertura da discussão quanto à mais adequada interpretação do direito 5 naquele caso penal em julgamento Questão interessante é a impossibilidade de revisão criminal por ser a decisão contrária ao novo entendimento jurisprudencial mais benigno Longe de ser pacífico o entendimento concordamos com essa possibilidade desde que a mudança seja efetiva e em relação a entendimento jurisprudencial pacífico e relevante Significa dizer uma mudança efetiva de entendimento um rompimento de paradigma algo similar ao que ocorreu por exemplo em relação à inconstitucionalidade do regime integralmente fechado para os crimes hediondos Assim como a nova lei penal mais benigna tem efeito retroativo a mudança radical no entendimento jurisprudencial que beneficie o réu também deve ter o mesmo efeito sendo cabível a revisão criminal para sua obtenção Nesta linha há uma interessante decisão proferida pelo 4º Grupo Criminal do TJRS na RevCrim 70 002 052 959 Rel Des Tupinambá Pinto de Azevedo julgado em 27042001 que reconheceu a retroatividade da decisão penal mais benigna6 Na mesma linha GIACOMOLLI7 argumenta que a aplicação da jurisprudência mais favorável nas mesmas hipóteses da incidência da lex mitior incluise na limitação do ius puniendi pois ao jurisdicionado não se pode retirar a confiança de que receberá dos magistrados uma igualdade de tratamento diante da mesma situação fática Proibir a retroatividade da jurisprudência como afirmou Hassemer suporia a paralisação de sua função de recriação da lei observandose situações em que a comunidade jurídica tem um conhecimento maior do conteúdo da jurisprudência penal que da lei penal confiando em sua aplicação Mas essa construção ainda goza de pouca aceitação b À evidência dos autos atuando na dimensão da contrariedade entre a decisão condenatória e o contexto probatório Aqui a reabertura da discussão situase na dimensão probatória e não apenas jurídica como no caso anterior Ainda que o senso comum teórico e jurisprudencial costume afirmar que a contrariedade deve ser frontal completamente divorciada dos elementos probatórios do processo para evitar uma nova valoração da prova enfraquecendo o livre convencimento do juiz pensamos que a questão exige uma leitura mais ampla O ato de julgar como visto em capítulos anteriores desta obra é bastante complexo e impregnado de subjetividade incompatível com a tradicional visão cartesiana Portanto quando o tribunal julga uma revisão criminal está inexoravelmente revalorando a prova e comparandoa com a decisão do juiz E neste momento é ingenuidade desconsiderar que cada desembargador acaba rejulgando o caso penal e se não concordar com a valoração feita pelo juiz bastará uma boa retórica para transformar uma divergência de sentire em uma contrariedade frontal entre a sentença e o contexto probatório Não vemos como negar que neste momento ocorre verdadeiramente um juízo sobre o juízo do juiz de modo que o tribunal julgador da revisão criminal acaba por reavaliar o caso penal Seria patológico que um desembargador ao julgar uma revisão criminal dissesse eu não vejo prova suficiente para condenar e teria absolvido mas como existe alguma prova a amparar a tese acusatória até porque sempre existe alguma prova sob pena de a denúncia nem ser recebida tenho que manter a injusta condenação Ora isso seria um contrassenso Contribui para a posição tradicional com raras exceções o famigerado in dubio pro societate com a equivocada exigência de que o réu deve fazer prova integral do fato modificativo sem que a revisão seja acolhida quando a questão não superar o campo da dúvida Essa problemática costuma aparecer quando o fundamento da revisão situase na dimensão probatória evidência dos autos novas provas de inocência depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos etc Nesses casos cumpre perguntar a Onde está a previsão constitucional do tal in dubio pro societate b Em que fase do processo e com base em que o réu perde a proteção constitucional c Como justificar que no momento da decisão seja ela pelo juiz ou tribunal a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição mas essa mesma dúvida quando surgir apenas em sede de revisão criminal não autoriza a absolvição d E se quando da decisão de primeiro grau ou mesmo em grau recursal mas antes do trânsito em julgado existir um contexto probatório que permita afastar a dúvida e alcançar um alto grau de probabilidade autorizador da condenação mas depois do trânsito em julgado surgir uma prova nova x que gere uma dúvida em relação ao suporte probatório existente por que devemos afastar o in dubio pro reo e Como justificar que essa prova se tivesse sido conhecida quando da sentença implicaria absolvição mas agora porque estamos numa revisão criminal ela não mais serve para absolver Em suma nossa posição é a de que a sentença condenatória só pode manterse quando não houver uma dúvida fundada seja pela prova existente nos autos seja pelo surgimento de novas provas Logo o in dubio pro reo é um critério pragmático para solução da incerteza processual qualquer que seja a fase do processo em que ocorra O sistema probatório fundado a partir da presunção constitucional de inocência não admite nenhuma exceção procedimental inversão de ônus probatório ou frágeis construções inquisitoriais do estilo in dubio pro societate Portanto ainda que tradicionalmente somente a sentença condenatória frontalmente contrária à evidência dos autos seja passível de ser revisada pensamos que o processo penal democrático e conforme à Constituição não mais admite tal reducionismo II quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos COMENTÁRIO É uma situação típica de caso judicial penalmente viciado8 ou seja a decisão acerca do caso penal está contaminada pois se baseou em depoimentos exames ou documentos falsos portanto o vício é de natureza penal na medida em que essas falsidades constituem crimes autônomos Essa prova penalmente viciada acaba por contaminar a sentença que deve ser rescindida Similar fundamento prevê entre outras legislações a Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola cujo art 9543 estabelece como sendo caso de revisión a condenação fundada em provas obtidas mediante delito cuja prática se comprove posteriormente mediante sentença irrecorrível No modelo brasileiro o legislador empregou a expressão comprovadamente falsos dando maior flexibilidade na medida em que não exige que o crime de falsidade tenha sido criminalmente punido Claro que se isto tiver ocorrido maior probabilidade de êxito terá a revisão A comprovação do falso poderá ser feita no curso da própria revisão criminal ainda que os tribunais brasileiros em geral não admitam uma cognição plenária no curso desta ação exigindo uma prova pré constituída Mas a falsidade poderá ser feita através da ação declaratória da falsidade documental na esfera cível e eventualmente pela via da ação cautelar de justificação fundada no art 861 do CPC mas distribuída e julgada numa vara criminal Devese atentar ainda para a exigência de a sentença condenatória se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos definindo a necessidade de demonstração do nexo causal isto é de que a prova falsa serviu de fundamento para a sentença condenatória A questão é bastante complexa como explicamos anteriormente ao tratar da contaminação da prova ilícita de modo que a jurisprudência cartesianamente a nosso ver tem tratado do nexo causal É elementar que a falsidade completamente periférica e irrelevante em termos probatórios não vai justificar a revisão criminal Mas por outro lado também não se pode cair no relativismo extremo em que uma boa manipulação discursiva sempre vai dizer que excluindo mentalmente a prova falsa ainda subsistem elementos para condenar Porque querendo sempre sobrará prova para condenar basta uma boa retórica Portanto não se pode exigir que a sentença gire exclusivamente em torno da prova falsa até porque em geral isso não ocorre na medida em que os juízes analisam o contexto probatório Basta que a prova falsa tenha relevância no julgamento do caso penal para que a nosso ver deva ser acolhida a revisão Não precisa ser a prova decisiva basta que tenha relevância que influa razoavelmente na decisão para que o vício deva ser reconhecido Mas infelizmente aqui estamos diante de mais um espaço discursivo manipulável Por fim esclarecemos9 que a sentença que se baseou em prova ilícita será impugnável pela revisão criminal fundada no inciso I pois a sentença é contrária a texto expresso da lei III quando após a sentença se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena COMENTÁRIO Sobre o conceito de novas provas esclarece CORDERO10 são novas porque não haviam sido introduzidas no processo sejam preexistentes ou supervenientes também consideramos novas as provas as que tenham sido aduzidas mas que tenha ficado de fora da decisão como às vezes ocorre Portanto numa interpretação mais ampla o conceito de novas provas não pode ficar limitado àquelas desconhecidas e que surgiram depois do processo Também é considerada prova nova a preexistente não introduzida no processo ou mesmo aquela que ingressou nos autos mas que não foi valorada Ademais o conceito de novas provas está a abarcar o fato novo na medida em que esse fato novo se processualize através de uma atividade probatória e com isso influa decisivamente no julgamento Essa prova nova não precisa necessariamente ser apta a produzir a absolvição havendo a possibilidade de ela influir na redução da pena aplicada E como se judicializa essa prova nova Em tese é possível fazêlo no curso da revisão ainda que os tribunais não costumem ter boa vontade em produzir essa prova de modo que o melhor caminho é produzir judicialmente essa prova em primeiro grau através da cautelar de justificação prevista no art 860 e ss do CPC distribuída sem prevenção entre as varas criminais da comarca onde se pretende sua produção Por fim prevalece o entendimento de que a prova nova deve ter valor decisivo não bastando aquela que só debilite a prova do processo revidendo ou que cause dúvida no espírito dos julgadores11 Como já explicado anteriormente não concordamos com esta posição que infelizmente ainda tem como equivocada premissa assumida ou não o não recepcionado in dubio pro societate de modo a exigir uma prova cabal produzida pelo réu de sua inocência A incompatibilidade constitucional e mesmo democrática de tal posição é evidente Entendemos que se a prova nova for apta a gerar uma dúvida razoável à luz do in dubio pro reo que segue valendo o acolhimento da revisão é imperativo Não incumbe ao réu em nenhum momento e em nenhuma fase ter de provar cabalmente sua inocência senão que a dúvida razoável sempre o beneficia por inafastável epistemologia do processo penal 12 Prazo Legitimidade Procedimento No que diz respeito ao prazo para interposição da revisão criminal determina o art 622 Art 622 A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo antes da extinção da pena ou após Parágrafo único Não será admissível a reiteração do pedido salvo se fundado em novas provas Portanto não há prazo para interposição da revisão criminal A revisão pode ser postulada durante o cumprimento da pena ou até mesmo após o seu término ou seja após a extinção da pena Contudo há que se atentar para a impossibilidade de revisão criminal quando há extinção da punibilidade antes da sentença pois nesse caso não existe uma sentença penal condenatória para ser revisada Portanto se no curso do processo é extinta a punibilidade pela prescrição ou qualquer outra causa a decisão proferida é declaratória da extinção da punibilidade e não condenatória Portanto inviável a revisão criminal nesse caso A restrição contida no parágrafo único deve vista com atenção pois o que não se admite é uma repetição da mesma ação ou seja o mesmo réu fazendo o mesmo pedido de revisão do mesmo caso penal Portanto onde houver uma alteração em torno destes elementos estaremos diante de uma nova ação sendo incabível a restrição do parágrafo único Da mesma forma não se aplica a restrição quando o pedido estiver fundado em novas provas Em relação à legitimidade prevê o art 623 que a revisão criminal poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou no caso de morte do réu pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão Sobre a possibilidade de o Ministério Público interpor a revisão criminal para além da polêmica doutrinária e jurisprudencial existente pensamos ser uma patologia processual Não se discutem aqui os nobres motivos que podem motivar um promotor ou procurador a ingressar com a revisão criminal senão que desde uma compreensão da estrutura dialética do processo actum trium personarum e do que seja um sistema acusatório é uma distorção total Não vislumbramos como possa uma parte artificialmente criada para ser o contraditor natural do sujeito passivo recordemos sempre do absurdo de falarse de uma parteimparcial no processo penal ter legitimidade para a ação de revisão criminal a favor do réu para desconstituir uma sentença penal condenatória que somente se produziu porque houve uma acusação levada a cabo pelo mesmo Ministério Público uno e indivisível Não é necessário maior esforço para ver a manifesta ilegitimidade do Ministério Público Ainda que se argumente em torno da miserável condição econômica do réu nada justifica O que sim deve ser feito é fortalecerse a defensoria pública Aqui está o ponto nevrálgico da questão para tutela do réu devese fortalecer o seu lugar de fala potencializar a sua condição de obtenção da tutela jurisdicional e não sacrificar o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo legitimando que o acusador o defenda Portanto a nosso juízo é manifesta a ilegitimidade do Ministério Público para ingressar com a revisão criminal Antes de analisar o procedimento é necessário esclarecer que a competência para o julgamento da revisão criminal é sempre dos tribunais mais especificamente do próprio tribunal que proferiu a última decisão naquele processo mas sempre por outro órgão Assim podem ocorrer as seguintes situações a O réu é condenado e da sentença não há recurso transitando em julgado A revisão criminal será julgada pelo respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal Justiça Federal que seria competente para o julgamento de uma eventual apelação b O réu é condenado e apela tendo o tribunal mantido a condenação Com o trânsito em julgado a revisão criminal será ajuizada no mesmo tribunal que julgou a apelação mas pelo Grupo Criminal TJ ou Seção Criminal TRF e não pela Câmara ou Turma Criminal que julgou a apelação c O réu é absolvido tendo o Ministério Público apelado O tribunal acolhe o recurso e condena o réu Com o trânsito em julgado a revisão criminal será distribuída no mesmo tribunal que proferiu o acórdão condenatório mas para outro órgão d A revisão criminal será julgada no STF ou no STJ quando buscar a desconstituição das decisões proferidas por esses tribunais Mas cuidado o fato de ter havido RESP ou REXT não significa que a revisão será para o STJ ou o STF Isso só ocorrerá quando o fundamento da revisão criminal coincidir com aquele discutido em sede de recurso extraordinário ou especial porque nesse caso a decisão sobre a matéria revisada foi decidida por eles Portanto quando o objeto do recurso especial não acolhido por exemplo foi a alegação de que a decisão violou lei federal e a revisão criminal está fundada na existência de novas provas da inocência do réu a competência para o julgamento será do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que julgou a apelação ou seja quem por último se manifestou sobre o caso penal mérito Nesse sentido vejamos o art 624 do CPP Art 624 As revisões criminais serão processadas e julgadas I pelo Supremo Tribunal Federal quanto às condenações por ele proferidas II pelo Tribunal Federal de Recursos Tribunais de Justiça ou de Alçada nos demais casos 1º No Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Federal de Recursos o processo e julgamento obedecerão ao que for estabelecido no respectivo regimento interno 2º Nos Tribunais de Justiça ou de Alçada o julgamento será efetuado pelas câmaras ou turmas criminais reunidas em sessão conjunta quando houver mais de uma e no caso contrário pelo tribunal pleno 3º Nos tribunais onde houver quatro ou mais câmaras ou turmas criminais poderão ser constituídos dois ou mais grupos de câmaras ou turmas para o julgamento de revisão obedecido o que for estabelecido no respectivo regimento interno Mas nesta matéria é fundamental consultar o Regimento Interno do respectivo tribunal pois lá também se encontram regras da organização interna que afetam a competência E quem julgará uma revisão criminal interposta contra decisão da Turma Recursal Existe uma imensa lacuna legal neste tema agravada pela peculiar estrutura recursal dos Juizados Especiais Criminais Respeitando a regra da hierarquia jurisdicional onde a revisão criminal é sempre julgada por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a última decisão sustentamos que a competência será do Supremo Tribunal Federal Fortalece esse entendimento o fato de as Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF definirem que das decisões das Turmas Recursais somente será admitido recurso extraordinário para o STF Logo está sinalizado que o órgão superior será o STF e não o Tribunal de Justiça o Tribunal Regional Federal ou o STJ Tal conclusão pode gerar algum espanto inicial mas é a mais coerente com o sistema recursal do Juizado Especial Criminal e sua estrutura jurisdicional Mas o tema não é pacífico Em qualquer caso determina o art 625 que a revisão criminal não poderá ter como relator o mesmo relator que anteriormente tenha atuado no julgamento da apelação ou outro recurso Importante neste ponto é a leitura do art 625 do CPP Art 625 O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo 1º O requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos 2º O relator poderá determinar que se apensem os autos originais se daí não advier dificuldade à execução normal da sentença 3º Se o relator julgar insuficientemente instruído o pedido e inconveniente ao interesse da justiça que se apensem os autos originais indeferiloá in limine dando recurso para as câmaras reunidas ou para o tribunal conforme o caso art 624 parágrafo único 4º Interposto o recurso por petição e independentemente de termo o relator apresentará o processo em mesa para o julgamento e o relatará sem tomar parte na discussão 5º Se o requerimento não for indeferido in limine abrirseá vista dos autos ao procuradorgeral que dará parecer no prazo de dez dias Em seguida examinados os autos sucessivamente em igual prazo pelo relator e revisor julgarseá o pedido na sessão que o presidente designar A revisão criminal deve ser instruída com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias para a comprovação do alegado Sugerese sempre que seja anexada cópia integral do processo ou que se solicite o apensamento dos autos originais pois isso é fundamental para o julgamento da revisão Não sendo anexada cópia do processo o relator poderá determinar o apensamento dos autos originais mas é claro que isso gera um atraso no julgamento que pode ser evitado pela parte Não há que se falar em efeito devolutivo ou suspensivo pois revisão criminal não é recurso Obviamente estando o réu em liberdade não é necessário recolherse à prisão para ingressar com a revisão Em situações excepcionais estando o réu preso e sendo fortes os elementos contidos na inicial poderá o relator conceder habeas corpus de ofício art 654 2º para que o condenado aguarde em liberdade o julgamento da revisão criminal Noutra dimensão também já se admitiu a conversão de habeas corpus em revisão criminal na medida em que o writ pretendia desconstituir uma sentença transitada em julgado e exigia uma cognição ampla que excedia os limites do habeas corpus Neste sentido consultese o REsp 158028 Rel Min Luiz Vicente Cernicchiaro j 19031998 em que se lê que a fungibilidade dos recursos é admissível Resulta da natureza instrumental do processo Nada impede outrossim uma ação ser escolhida como outra O HC é uma ação constitucionalizada visa a fazer cessar ou impedir que ocorra ofensa ao direito de liberdade A revisão criminal também é ação não obstante a colocação no CPP 13 Limites da Decisão Proferida na Revisão Criminal Da Indenização Acolhida a revisão criminal o tribunal poderá nos termos do art 626 do CPP Art 626 Julgando procedente a revisão o tribunal poderá alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo Parágrafo único De qualquer maneira não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista Art 627 A absolvição implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação devendo o tribunal se for caso impor a medida de segurança cabível Considerando que a revisão criminal é uma ação de impugnação de caráter excepcional somente admissível em favor do réu nada impede que se produza uma decisão ultra petita ou seja não se aplicam aqui os rigores do princípio da congruência anteriormente estudado de modo que o tribunal pode absolver o réu ainda que o pedido tenha sido de anulação do processo ou apenas uma diminuição da pena O único limite intransponível é o da vedação da reformatio in pejus contido no parágrafo único do art 626 de modo que em nenhuma hipótese poderá ser agravada a situação jurídica do autor Quando a decisão for de anulação o feito com defeito deverá ser refeito de modo que o processo a extensão dependerá da contaminação terá nova tramitação e decisão Não poderá esta nova decisão ser mais grave que a anterior sob pena de constituir uma reformatio in pejus indireta Devese considerar também a possível ocorrência da prescrição pois a sentença condenatória desaparece como marco interruptivo e dependendo da contaminação até o recebimento da denúncia poderá ser desconstituído Por alterar a classificação da infração entendase a aplicação do art 383 do CPP ou seja a emendatio libelli uma mera correção da tipificação legal desde que não seja prejudicial à defesa vedação da reformatio in pejus Situação mais complexa diz respeito à mutatio libelli art 384 do CPP na medida em que implicaria alteração da situação fática contida na acusação Ao contrário do sustentado em edições anteriores estamos revisando nossa posição no sentido da impossibilidade de aplicação da mutatio libelli em sede de revisão criminal Não se pode admitir a inclusão de fatos novos após a sentença nem mesmo pela via do aditamento como aditar após a sentença pois em qualquer situação seria evidente a supressão de instância e principalmente a violação do contraditório e no segundo momento do direito de defesa Sedutora pode ser a proposta de mutatio libelli a favor do réu mas entendemos ser agora igualmente inadmissível não só por violar o contraditório e o direito de defesa mas também o próprio sistema acusatório na medida em que o tribunal estaria assumindo indevidamente o comando da pretensão acusatória Destarte se o tribunal ao conhecer a revisão criminal verificar a necessidade de dar ao fato uma definição jurídica diversa em decorrência da prova existente nos autos de elemento ou circunstância não contida na acusação e portanto não valorada e decidida na sentença não haverá alternativa deverá absolver o réu E repetimos ainda que aparentemente a mutatio libelli seja a favor do réu como ocorre vg na desclassificação de crime doloso para culposo pois é um pseudobenefício enganoso portanto posto que alberga uma grave violação do contraditório e demais princípios do devido processo penal É portanto uma condenação ilegítima ainda Para melhor compreensão da questão evitando molestas repetições remetemos o leitor para as lições anteriores sobre a decisão penal em que tratamos da Correlação e da complexa problemática em torno da emendatio libelli e da mutatio libelli Por fim invocável neste tema a Súmula n 453 do STF não se aplicam à segunda instância o art 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa A Súmula n 453 além de ser aplicável à revisão criminal segue em vigor pois plenamente compatível com a nova redação dada ao art 384 pela Reforma Processual de 2008 Nenhum óbice existe para que o tribunal possa alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri de modo que a soberania das decisões do júri deve ceder diante do interesse maior de corrigir uma decisão injusta Esclarecemos que o tribunal julgando a revisão poderá absolver o autor sem a necessidade de novo júri12 que somente ocorrerá quando houver a anulação do processo em que todo ou parte do processo deverá ser repetido Denegado o pedido de revisão poderá o condenado interpor embargos declaratórios recurso especial e extraordinário se cabíveis Poderá em caso de decisão denegatória não unânime interpor embargos infringentes Não pois os embargos infringentes somente têm cabimento nas decisões não unânimes proferidas no julgamento de apelação e recurso em sentido estrito Por fim havendo pedido expresso na revisão criminal o tribunal acolhendoa poderá reconhecer o direito a uma indenização pelos prejuízos sofridos como estabelece o art 630 Art 630 O tribunal se o interessado o requerer poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos 1º Por essa indenização que será liquidada no juízo cível responderá a União se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território ou o Estado se o tiver sido pela respectiva justiça 2º A indenização não será devida a se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder b se a acusação houver sido meramente privada A responsabilidade do Estado é objetiva como estabelece o art 37 6º da Constituição sendo também indenizável o erro judiciário como estabelece o art 5º LXXV LXXV o Estado indenizará o condenado por erro judiciário assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença Como explica MENDES13 a responsabilidade objetiva do Estado exige três requisitos para sua configuração ação atribuível ao Estado dano causado a terceiro nexo de causalidade entre eles Como ocorre em outras atividades do Estado em que às vezes o conceito de nexo causal é alargado ao extremo gerando uma banalização e indevida aplicação da teoria da responsabilidade objetiva a situação aqui exige uma análise à luz do caso concreto A ação danosa atribuível ao Estado decorre do ato decisório pois é ele o gerador da condenação que por si só já representa um dano O nexo causal nesta situação é menos problemático Neste contexto o 2º do art 630 não foi recepcionado pela Constituição não se justificando mais a exclusão da responsabilidade naqueles casos O fato de a ação penal ser de iniciativa privada não exime a responsabilidade do Estado pois o ato danoso é a decisão proferida pelo juiz ou seja a responsabilidade decorre não da acusação mas pelo julgamento errôneo Quanto ao disposto na alínea a se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder a situação pode ser mais complexa até porque há entendimentos divergentes em torno dos limites da responsabilidade objetiva do Estado mormente quando o fato danoso decorre de culpa ou dolo da própria vítima nesse caso o réu no processo constituindose a culpa exclusiva da vítima uma causa de exclusão da responsabilidade do Estado Em relação à confissão por exemplo permanece íntegra a responsabilidade do Estado até porque a confissão não é prova plena da responsabilidade penal e não autoriza por si só a condenação de modo que nesse caso não haverá culpa exclusiva do réu Em suma a questão da responsabilidade objetiva do Estado está atrelada à existência de um erro na administração da justiça devendo ser analisada caso a caso não mais se justificando a exclusão a priori das hipóteses previstas na alínea a 2 Habeas Corpus 21 Uma ReLeitura Histórica do Habeas Corpus os Antecedentes do Direito Aragonês Para introduzir o estudo do habeas corpus é importante fazer uma breve análise do aspecto histórico mas desde outra perspectiva diversa daquela costumeiramente apontada pelo senso comum teórico pois pensamos que a origem do writ não está restrita ao Habeas Corpus Act de 1679 na Inglaterra Existe outro antecedente ainda mais antigo e praticamente ignorado pela doutrina brasileira la manifestación de personas de la corona de aragón na Espanha Como explica FAIREN GUILLEN14 em numerosos trabalhos que dedicou ao tema bem como na própria Exposição de Motivos da LO 61984 espanhola o habeas corpus é uma instituição própria do Direito anglosaxão mas não se pode ocultar sem embargo sua raiz no Direito histórico espanhol em que conta com antecedentes remotos como o denominado recurso de manifestación de personas do Reino de Aragão e as referências sobre os pressupostos das prisões ilegais contidas no Distrito de Vizcaya e outros ordenamentos distritais assim como com os antecedentes mais próximos nas Constituições de 1869 e 1876 que regulavam o procedimento ainda que não adotando nenhuma denominação específica Inclusive em relação à recepção do habeas corpus pela Constituição espanhola de 1978 FAIREN GUILLEN afirma que el legislador hubiera hecho mucho mejor en reinstituir la vieja manifestación criminal de personas que en importar el habeas corpus y nada menos que con rango constitucional Error gravísimo15 Para GIMENO SENDRA16 a Lei Orgânica espanhola n 061984 é uma inovação mas não uma novidade pois muito anterior a ela e inclusive ao habeas corpus inglês instaurado mediante o Habeas Corpus Act de 1679 já existia na Coroa de Aragão durante o período de 14281592 o procedimento de manifestación de personas Era na realidade um procedimento rápido submetido ao regime da ação popular que transcorria ante uma jurisdição muito próxima à atual constitucional a da Justiça de Aragão Esse instrumento servia para17 a Possibilitar que o detido fosse trasladado do cárcere para a casa de los manifestados de Zaragoza ou outro domicílio mediante um regime similar à atual liberdade provisória b Prevenir ou reprimir as detenções ilegais cometidas por qualquer autoridade posto que sobre todas elas inclusive do próprio Rei alçavase a jurisdição da Justiça de Aragão Para RAMÓN SORIANO18 a manifestación de personas era um processo com uma dupla função Na primeira etapa tratavase de um procedimento cautelar para assegurar a dignidade da pessoa detida dos possíveis maustratos e sevícias perpetradas pelas autoridades Na segunda fase convertiase em um procedimento de cognição plenária em que o caso penal era inteiramente discutido De todos os recursos distritais aragoneses apresenta uma maior afinidade com a manifestación de personas a chamada firma de derecho que consistia em um mandamento de inibição ditado pela Justiça Maior de Aragão ou seus funcionários contra a atuação dos juízes funcionários ou pessoas privadas A firma de derecho podia ordenar a inibição de uma atuação futura possível recebia então o nome de agravios futuros ou bem de uma atuação já consumada e nesse caso se chamava firma de agravios hechos Existiam ademais outros tipos de firmas de derecho comuns ou casuais possessórias ou titulares de apelação etc dando lugar a um enorme casuísmo jurídico para suprir as lacunas surgidas no confronto entre direito à liberdade e a segurança social A firma de derechos y agravios futuros o temidos era um importante instrumento de proteção que existia na Justiça de Aragão e que sem motivo não foi mais consagrado nas sucessivas modificações legislativas Poderia ser utilizado em um momento anterior à manifestación de las personas provocando a inibição de uma autoridade ou juiz na possível prisão arbitrária de uma pessoa19 tipicamente preventivo Não resta dúvida de que os instrumentos da justiça de Aragão eram de alcance e eficácia muito superiores ao atual habeas corpus espanhol A firma de derechos y agravios futuros o temidos era um instrumento de proteção que poderia ser utilizado antes que ocorresse a prisão arbitrária como o salvo conduto do habeas corpus brasileiro e principalmente poderia ser interposto contra uma decisão judicial incrivelmente o atual habeas corpus espanhol não permite que seja interposto contra ato judicial Ademais a própria manifestación de personas utilizada na restrição de liberdade arbitrária já perpetrada poderia ser utilizada contra qualquer pessoa pública inclusive o Rei como assinala FAIREN GUILLEN20 ou privada que tivesse sob seu poder outra ou outras ameaçadas de tortura ou já esta em prática para que a apresentasse las pusiesen de manifiesto ante a Justicia o Lugarteniente Em sentido contrário outra parte da doutrina sustenta que a verdadeira existência e consagração do habeas corpus foi alcançada no Direito anglosaxão que inspirou os demais países Afirmam que o legislador espanhol não manteve uma unidade temporal do instrumento posto que se extinguiu em 1592 e não regressou nunca mais ao ordenamento espanhol Por fim seu regresso não foi como merecia pois não se deu uma natural evolução mas sim um retrocesso A apontada instituição aragonesa que possuía duplo caráter civil e penal e cujos precedentes romanos vinham separados e sem unidade temporal não é historicamente precedente direto do habeas corpus inglês posto que não há entre eles relações imediatas21 A natureza jurídica do habeas corpus hoje concebida é distinta da manifestación de personas O Direito aragonês possuía um interdito de homine libero exhibiendo distinto do habeas corpus que é uma ação constitucional No século XVII a luta pela liberdade se inicia de novo na Inglaterra com a Petition of rights pois as ordens de habeas corpus eram denegadas a todo momento até que surgiu o Habeas Corpus Act em 167922 no reinado de Carlos II sendo considerado pelos ingleses como uma nova Carta Magna Assim foi obtida a eficácia do writ of habeas corpus para a liberação de pessoas ilegalmente detidas e fazer cessar toda restrição ilegal da liberdade pessoal23 Todavia esse writ of habeas corpus somente era expedido quando a pessoa era acusada de praticar um crime não tendo aplicação nos demais casos de prisões ilegais Em 1816 surgiu outro Habeas Corpus Act alargando o anterior possibilitando que sua atuação fosse mais ampla na defesa imediata da liberdade pessoal Como aponta FAIREN GUILLEN24 o mais importante do Act de 1816 foi a extensão do habeas corpus à esfera penal No Brasil o habeas corpus foi introduzido em 1832 como meio para cessar a restrição ilegal da liberdade Em 1871 se deu uma importante alteração no Código de Processo Criminal ampliando o campo de atuação do habeas corpus para garantir as pessoas que estivessem simplesmente ameaçadas em sua liberdade de locomoção ambulatória Era a consagração do habeas corpus preventivo que sequer existia na Inglaterra Em definitivo entendemos que os principais antecedentes históricos do habeas corpus estão inicialmente no Direito aragonês um importantíssimo marco histórico e posteriormente no Direito inglês no qual alcançou sua consagração Cumpre assinalar que o antecedente inglês somente logrou tal importância porque a manifestación de personas se extinguiu em 1592 e a falta de continuidade gerou uma lacuna histórica que posteriormente beneficiaria o instrumento inglês Não obstante sem dúvida ambos são marcos históricos que foram decisivos para o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito e na proteção da liberdade individual frente à prisão ilegal 22 Antecedentes Históricos no Brasil e Considerações Iniciais Desde o ponto de vista da ciência do direito como explica PONTES DE MIRANDA25 o remédio jurídicoprocessual como direito constitucional havia chegado depois quando já existia a pretensão e o direito à liberdade física No Brasil antes do habeas corpus existia o interdito de libero homine exhibiendo que alcançava a reparação do constrangimento ilegal da liberdade física O habeas corpus foi introduzido no sistema jurídico brasileiro26 a partir do modelo inglês em 183227 no Código de Processo Criminal que em seu art 340 previa que Todo cidadão que considere que ele ou outra pessoa sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem o direito a solicitar uma ordem de habeas corpus em seu favor Na Constituição de 1891 o habeas corpus foi consagrado como um instrumento processual de fundamental importância para a proteção da liberdade de locomoção ambulatória Desde então vem sendo mantido em todas as Constituições Inicialmente no Brasil existia o habeas corpus liberatório para proteger a liberdade de locomoção jus manendi ambulandi eundi viniendi ultro citroque Em 1871 Lei n 20331871 foi alterada a Lei Processual de 1832 e introduzido o habeas corpus preventivo para os casos em que o cidadão estivesse ameaçado na iminência de sofrer uma restrição ilegal em sua liberdade Era a consagração do habeas corpus preventivo sequer consagrado na Inglaterra28 Como explica PONTES DE MIRANDA29 habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o Tribunal concedia dirigido aos que tivessem em seu poder a guarda do corpo do detido O mandamento era Toma habeas vem de habeo habere que significa exibir trazer tomar etc o corpo do detido e venha submeter o homem e o caso ao Tribunal Tal é a importância do instrumento não só no plano jurídicoprocessual como também no campo social que PONTES DE MIRANDA30 afirmava já em 1916 que o writ possuía uma extraordinária função coordenadora e legalizante que contribuía de forma decisiva para o desenvolvimento social e político do País impedindo inclusive a exploração da classe social baixa pelo coronelismo que para isso contava com o auxílio da polícia e das autoridades políticas Atualmente o habeas corpus está previsto no art 5º LXVIII da CF concederseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Também está contemplado no Código de Processo Penal arts 647 e seguintes 23 Natureza Jurídica e a Problemática em Torno da Limitação da Cognição O habeas corpus brasileiro está previsto no CPP no Livro III destinado às nulidades e aos recursos em geral Sua posição na estrutura da Lei como recurso constitui mais um típico caso de equivocada organização topográfica como define CORDERO31 Compreendido o erro do legislador consideramos o habeas corpus como uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental e com status constitucional Devese definila como uma ação e não como um recurso e mais especificamente como uma ação mandamental ou um remédio processual mandamental remedial mandatory writ como prefere PONTES DE MIRANDA32 Tal ação está potenciada pela Constituição e se encaminha a obter um mandado dirigido a outro órgão do Estado por meio da sentença judicial33 Convém salientar que quando dizemos que tem força mandamental predominante não estamos excluindo as demais cargas da sentença declaratória constitutiva condenatória e executiva senão que evidenciamos o predomínio do mandamento sobre todas as demais Tratase de uma ação de procedimento sumário pois a cognição é limitada Questão bastante relevante em sede de HC é a impossibilidade de dilação probatória argumento usado de forma recorrente pelos tribunais para não conhecer do writ que exija ampla discussão probatória Esse argumento tem sido inclusive distorcido de modo a ser um dos principais filtros obstaculizadores do conhecimento do HC nos tribunais brasileiros Até certo ponto o argumento está correto pois se trata de uma ação de cognição sumária que não permite dilação ou ampla discussão probatória Mas por outro lado não se pode confundir dilação probatória com análise da prova préconstituída A sumarização da cognição impede que se pretenda produzir prova em sede de habeas corpus ou mesmo obter uma decisão que exija a mesma profundidade da cognição do processo de conhecimento ou seja aquela necessária para se alcançar a sentença de mérito O que não se pode é pretender o exaurimento da análise probatória nos estritos limites do HC Noutra dimensão é perfeitamente possível a análise da prova préconstituída independente da complexidade da questão O fato de ser o processo complexo constituído por vários volumes e milhares de páginas não é obstáculo ao conhecimento do HC Se para se demonstrar a ilegalidade de uma interceptação telefônica por exemplo e por conseguinte a nulidade da prova for necessário analisar e valorar centenas de conversas milhares de páginas deve o HC ser conhecido e provido ou desprovido conforme o caso A complexidade das teses jurídicas discutidas e a consequente análise de documentos ou provas já constituídas não são obstáculos para o HC Da mesma forma quando se pretende o trancamento do processo e não da ação como já explicado por falta de justa causa ou outra condição da ação está permitida a ampla análise e valoração da prova já constituída nos autos Não há que se confundir sumariedade na cognição com superficialidade da discussão O HC não permite que se produza prova ou se faça uma cognição plenária exauriente com juízo de fundo da questão Mas de modo algum significa que somente questões epidérmicas ou de superficialidade formal possam ser objeto do writ No mesmo sentido sustenta FISCHER34 que é de suma importância não se confundir a possibilidade obrigatoriedade da análise das provas préconstituídas que embasam eventual pleito de habeas corpus com a aí sim inaceitável dilação probatória na sumária sede de cognição do writ Significa que se houver provas fora de dúvidas cuja análise mesmo que detalhada complexa seja essencial para o acolhimento da pretensão liminar ou final objeto do habeas corpus deve o Poder Judiciário incursionar nos seus exames para exarar conclusões positivas ou negativas acerca da pretensão defensiva Existe a possibilidade de uma medida liminar in limine litis construída jurisprudencialmente com natureza cautelar e que possibilita ao juiz uma intervenção imediata baseada na verossimilhança da ilegalidade do ato e no perigo derivado do dano inerente à demora da prestação jurisdicional ordinária A medida liminar tanto no habeas corpus preventivo como no liberatório ou sucessivo está incluída entre as tutelas provvedimento cautelares que CALAMANDREI35 classificou como antecipatórias da decisão final anticipazioni di provvedimento definitivo Para isso poderseão utilizar os modernos meios de comunicação como o telefone fax e email O writ e a expressão inglesa significa exatamente um mandamento judicial36 pode ser interposto contra ato de um particular autoridade pública policial Ministério Público juiz tribunal e inclusive contra sentença transitada em julgado em que não é possível utilizarse qualquer recurso Para isso é imprescindível que se ofenda ilegalmente o direito de liberdade Em definitivo o habeas corpus no Brasil pode ser utilizado como instrumento de collateral attack Atendido seu objeto e especiais características a doutrina costuma denominálo de remédio heroico destinado a garantir o direito fundamental à liberdade individual Quando se destina a atacar uma ilegalidade já consumada um constrangimento ilegal já praticado denominase habeas corpus liberatório sua função é de liberar Também é possível utilizarse ainda que a detenção ou o constrangimento não haja sido praticado em uma situação de iminência ou ameaça Nesse caso denominase habeas corpus preventivo 24 Objeto O art 647 demonstra o alcance da medida ao determinar que será concedido habeas corpus sempre que alguém sofra ou se encontre na iminência de sofrer violência ou coação ilegal em sua liberdade de ir e vir salvo nos casos de punição disciplinar militar A única restrição da lei é com relação às punições disciplinares impostas pelas forças armadas entretanto isso atualmente já vem sofrendo uma nova leitura frente à nova Constituição que não fez tal previsão O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já vêm decidindo em diversos casos que é possível o uso do writ contra punições disciplinares Nesse caso o julgador deverá analisar todos os aspectos formais da medida pois se trata de um ato administrativo sujeito ao controle judicial O habeas corpus brasileiro é uma ação de natureza mandamental com status constitucional que cumpre com plena eficácia sua função de proteção da liberdade de locomoção dos cidadãos frente aos atos abusivos do Estado em suas mais diversas formas inclusive contra atos jurisdicionais e coisa julgada A efetiva defesa dos direitos individuais é um dos pilares para a existência do Estado de Direito e para isso é imprescindível que existam instrumentos processuais de fácil acesso realmente céleres e eficazes Nunca é demais sublinhar que o processo penal e o habeas corpus em especial são instrumentos a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo submetido ao poder estatal A forma aqui é garantia mas garantia do indivíduo Daí por que é censurável o formalismo às avessas apregoado por muitos juízes e tribunais para cercear a eficácia e o alcance do habeas corpus quando deveria ser todo o oposto É preocupante o desprezo com que muitas vezes os tribunais lidam com o tempo do outro tardando semanas quando não meses em decidir sobre a liberdade alheia como se o tempo intramuros não fosse demasiado doloroso e cruel assusta quando nos deparamos com julgadores que afirmam ter por princípio não conceder liminares ou ainda que sempre pede informações para estabelecer um contraditório com o juiz da causa como se isso existisse quando se opera uma verdadeira inversão probatória exigindo que o réu preso faça prova ou melhor alivie a carga probatória do Ministério Público ao arrepio da presunção de inocência Enfim há que se ter plena consciência da função do alcance e do papel que o habeas corpus desempenha em um Estado Democrático de Direito para não tolerar retrocessos civilizatórios como infelizmente às vezes ocorre Vejamos na continuação algumas coações ilegais amparáveis pelo habeas corpus 25 Cabimento Análise dos arts 647 e 648 do CPP Habeas Corpus Preventivo e Liberatório Para facilitar a compreensão vejamos os casos em que tem cabimento o habeas corpus seguindo a sistemática do Código de Processo Penal Art 647 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir salvo nos casos de punição disciplinar COMENTÁRIO A ação destinase a garantir o direito fundamental à liberdade individual de ir e vir liberdade deambulatória Quando se destina a atacar uma ilegalidade já consumada um constrangimento ilegal já praticado denominase habeas corpus liberatório sua função é de liberar da coação ilegal Mas o writ também pode ser empregado para evitar a violência ou coação ilegal em uma situação de iminência ou ameaça Nesse caso denominase habeas corpus preventivo É importante sublinhar que a jurisprudência prevalente inclusive no STF é no sentido de que não terá seguimento o habeas corpus quando a coação ilegal não afetar diretamente a liberdade de ir e vir Neste sentido entre outros estão as Súmulas ns 693 e 695 do STF SÚMULA N 693 Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada SÚMULA N 695 Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade Portanto ainda que as eventuais especificidades do caso concreto levem o tribunal julgador a conhecer do writ sem um risco direto à liberdade o que reputamos um acerto é importante na medida do possível demonstrar que a coação ilegal afeta a liberdade deambulatória sem interpretar isoladamente os incisos do art 648 No mesmo sentido MENDES37 esclarece ainda que o STF tem admitido o habeas corpus nos casos de quebra de sigilo fiscal e bancário quando seu destino é o de fazer prova em procedimento penal pois referidas quebras de sigilo têm a possibilidade de resultar em constrangimento à liberdade do investigado Art 648 A coação considerarseá ilegal I quando não houver justa causa COMENTÁRIO A coação é ilegal quando não possui um suporte jurídico legitimante quando não tem um motivo um amparo legal É o caso de uma prisão realizada sem ordem judicial e sem uma situação de flagrância quando é determinada a condução para extração compulsória de material genético do réu etc Também se considera ausente a justa causa quando é decretada a prisão cautelar sem suficiente fumus commissi delicti ou periculum libertatis que devem estar suficientemente demonstrados para justificar a medida Radical mudança no sistema cautelar ocorreu com a Lei n 124032011 anteriormente comentada quando tratamos da prisão preventiva e liberdade provisória e para onde remetemos o leitor pois são conceitos fundamentais para o estudo do habeas corpus O novo regime jurídico da prisão processual principalmente o alargamento dos casos de fiança e o estabelecimento de um amplo rol de medidas cautelares diversas art 319 deu margem a novas postulações Entre elas está a desnecessidade ou desproporcionalidade da prisão preventiva decretada onde pela via do habeas corpus podese postular sua substituição por uma ou mais medidas cautelares diversas art 319 Recordemos que a prisão preventiva é a ultima ratio do sistema somente sendo utilizável quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar art 282 6º cc art 319 Em caso de prisão em flagrante a nova redação do art 310 consagra seu caráter précautelar onde o flagrante não prende por si só rompendo assim com uma equivocadíssima prática judicial Agora diante da prisão em flagrante o juiz deverá Art 310 I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação grifamos Portanto o juiz para manter a prisão deverá decretar a prisão preventiva e fundamentar Mais do que isso deverá demonstrar a inadequação e insuficiência das medidas cautelares diversas Noutra dimensão também é possível a impetração de habeas corpus quando o juiz decretar uma medida cautelar diversa e não fundamentar a existência de fumus commissi delicti e periculum libertatis E aqui reside um problema crucial está havendo uma banalização e automatização na aplicação das medidas cautelares diversas sem qualquer fundamentação acerca da necessidade da restrição da liberdade Toda e qualquer medida cautelar seja ela uma prisão preventiva ou uma medida cautelar diversa art 319 exige a demonstração da sua necessidade ou seja do periculum libertatis do art 312 Não existe medida cautelar obrigatória automática ou desconectada da real necessidade da limitação imposta Não apenas a prisão cautelar constitui um constrangimento mas também a existência de inquérito policial e com mais evidência de um processo penal em face de alguém imputado de modo que tais violências devem estar legitimadas deve haver uma causa legal que justifique Partindo da antítese PONTES DE MIRANDA38 explica que a justa causa significa a existência de uma norma jurídica que determina uma sanção contra a liberdade deambulatória É uma causa que segundo o Direito seria suficiente para que a coação não seja ilegal Se não existe o suporte fático tatbestand para a incidência da norma jurídica de direito penal ou privado prisão civil por dívida alimentar não há justa causa Também o suporte fático contido na imputação ou ação penal que justifica o ato deve estar amparado por uma prova razoável Dessarte quando absolutamente infundado o processo ou o inquérito pois a conduta é manifestamente atípica está evidenciada uma causa de justificação está extinta a punibilidade pela prescrição ou qualquer outra causa por exemplo há uma coação ilegal que pode ser sanada pela via do habeas corpus geralmente utilizado para o trancamento do processo não da ação Em definitivo como assinala ESPÍNOLA FILHO39 a coação para ser legal exige certos requisitos e sua ausência constitui a ilegalidade Conforme a ilegalidade o habeas corpus terá uma determinada eficácia concessão de liberdade trancamento do processo reconhecimento do direito a prisão especial anulação de um ato processual etc Destaquese por fim que o writ é uma ação que constitui um processo de cognição sumária limitada40 portanto em que não se permite uma ampla e plena discussão sobre a ilegalidade devendo ela ser evidente comprovada por prova préconstituída Por esse motivo salvo situações excepcionais é inútil argumentar em torno da ausência de fumus commissi delicti para a prisão cautelar por exemplo pois a discussão sobre serem ou não suficientes os indícios de autoria e materialidade exige como regra uma incursão no contexto fático probatório inviável nos limites da cognição do habeas corpus II quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei COMENTÁRIO O excesso de prazo das prisões cautelares sempre foi um tema recorrente em matéria de habeas corpus Pensamos contudo que a questão assume uma nova dimensão com a inovação introduzida no art 5º LXXVIII da Constituição Daí por que a temática deve ser lida à luz de nossa exposição anterior sobre o direito de ser julgado em um prazo razoável cujos conceitos são fundamentais neste momento e para onde remetemos o leitor Também abordamos amplamente essa temática nos capítulos anteriores quando discorremos sobre as prisões cautelares de modo que agora nossa exposição será bastante breve A demora na prestação jurisdicional constitui um dos mais antigos problemas da administração da justiça O núcleo do problema da demora como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 451941 está em que quando se julga além do prazo razoável independentemente da causa da demora se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido e por isso a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição muito menos da falaciosa reinserção social Sem falar no imensurável custo de uma prisão cautelar indevida ou excessivamente longa Como explicamos anteriormente a doutrina dos três critérios é um referencial recorrente neste terreno cujos três fatores analisados são complexidade do caso a atividade processual do interessado imputado a conduta das autoridades judiciárias Em síntese o art 5º LXXVIII da Constituição incluído pela Emenda Constitucional 45 adotou a doutrina do não prazo fazendo como que exista uma indefinição de critérios e conceitos Nessa vagueza cremos que quatro deverão ser os referenciais adotados pelos Tribunais brasileiros a exemplo do que já acontece nos TEDH e na CADH complexidade do caso atividade processual do interessado imputado que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria demora a conduta das autoridades judiciárias como um todo polícia Ministério Público juízes servidores etc princípio da proporcionalidade Com relação às prisões cautelares imprescindível ponderarse a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito à pena fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação Infelizmente esse foi um dos graves problemas não resolvidos pela Lei n 124032011 Continuamos sem a definição legal do prazo máximo de duração da prisão preventiva e isso é inadmissível Em suma pensamos que a questão do excesso de prazo da prisão cautelar deve em sede de habeas corpus inserirse na perspectiva da violação do direito de ser julgado em um prazo razoável a partir dos aspectos anteriormente analisados Ademais ainda que não esteja cautelarmente preso o réu ou já tenha sido solto pensamos que o habeas corpus possa ser utilizado como instrumento processual capaz de dar eficácia ao direito fundamental previsto no art 5º LXXVIII da Constituição buscando através dele um mandamento expedido pelo Tribunal para que o julgador originário cesse imediatamente a dilação indevida ou estabelecendo um prazo exíguo para que assim proceda diante da inexistência no sistema brasileiro de uma solução processual extintiva Dessa forma fica evidente que a dilação indevida nas suas diferentes dimensões constitui um constrangimento ilegal atacável pela via do writ III quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazêlo COMENTÁRIO A prisão cautelar deve ser decretada por ordem judicial emanada de um juiz natural e competente sob pena de grave ilegalidade Da mesma forma o processo penal e todas as diferentes coações realizadas no seu curso somente estão legitimados quando estivermos diante de um juiz competente Assim é ilegal a prisão preventiva decretada por um juiz estadual quando a competência para o julgamento do processo e a decisão sobre a prisão por evidente é atribuída à justiça federal A competência aqui se emprega no sentido estrito ou seja relacionado à autoridade judiciária e não policial ou administrativa que não possuem competência mas atribuições Portanto nenhuma ilegalidade existe na prisão em flagrante realizada pela Polícia Federal por exemplo em um crime de competência da justiça estadual até porque a prisão em flagrante pode ser realizada por qualquer pessoa e viceversa IV quando houver cessado o motivo que autorizou a coação COMENTÁRIO A coação ilegal seja ela prisão cautelar ou outra forma de exercício do poder estatal deve estar legitimada juridicamente e para isso deve haver um suporte fático que preencha os requisitos legais Deve haver uma situação fática que legitime a coação Portanto uma vez desaparecido esse suporte fático cessa o motivo que autorizou e legitimou a coação Campo tradicional de utilização de HC com esse fundamento é o das prisões cautelares que como explicado anteriormente são situacionais Significa dizer que o periculum libertatis consubstanciase numa situação fática de perigo que desaparecida retira o suporte legitimante da prisão Portanto quando alguém está preso preventivamente sob o fundamento de risco para a instrução criminal uma vez colhida a prova desapareceu a situação fática legitimadora da prisão sendo ilegal a coação a partir de então Na mesma linha quando o periculum libertatis enfraquece é perfeitamente possível a substituição da prisão preventiva por uma medida cautelar diversa art 319 pois houve uma alteração do suporte fático legitimante Ademais recordemos que a prisão preventiva exige a demonstração da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas Qualquer alteração fática superveniente que inverta essa equação autoriza o pedido de substituição da prisão por uma medida cautelar diversa V quando não for alguém admitido a prestar fiança nos casos em que a lei a autoriza COMENTÁRIO O instituto da fiança já foi explicado anteriormente sendo desnecessária qualquer repetição Como atualmente a fiança possui um campo bastante amplo de incidência com valores substancialmente elevados podendo chegar a 200 mil salários mínimos o que poderá ocorrer é o arbitramento de um valor excessivo impagável pelo imputado na sua situação econômica Assim pensamos que esse dispositivo deve ter uma leitura alargada tendo cabimento o HC no caso em que não é oferecida a fiança e cabível mas também nos casos em que o valor arbitrado é excessivo equivalendose ao não oferecimento Pensamos que toda e qualquer medida cautelar diversa deve ter condições de possibilidade de ser cumprida Do contrário não atende sua missão e equiparase a uma recusa imotivada Portanto uma fiança de valor desproporcional impossível de ser cumprida pelo imputado equiparase a uma recusa injustificada em concedêla Ou seja uma flagrante ilegalidade sanável pela via do HC cabendo ao tribunal readequála a patamares razoáveis VI quando o processo for manifestamente nulo COMENTÁRIO A prática de atos processuais defeituosos retira a legitimidade do exercício do poder estatal pois forma é garantia e requisito de legalidade da coação Como as invalidades processuais já foram tratadas em capítulo anterior para evitar repetições para lá remetemos o leitor Partimos então da compreensão dos conceitos anteriormente estabelecidos para apontar o HC como uma ação destinada a reconhecer a nulidade e seus efeitos decorrentes A invalidade processual pode surgir no curso do processo e ser imediatamente impugnada pelo writ ou mesmo após o trânsito em julgado na medida em que sendo o defeito insanável nulidade absoluta não há que se falar em preclusão ou convalidação podendo ser interposto o HC a qualquer tempo A expressão manifestamente nulo é apontada pelo senso comum teórico como indicativo de que a nulidade deve ser evidente clara inequívoca até porque a cognição sumária do HC não permitiria qualquer dilação probatória Vemos essa posição com alguma reserva até porque a discussão acerca dos atos processuais defeituosos está situada na dimensão jurídica de violação da tipicidade do ato processual que não demanda qualquer produção de prova ou seja demonstração de complexa situação fática Tratase de problemática em torno do princípio da legalidade da conformidade do ato praticado com o modelo legal estabelecido e a eficácia ou ineficácia do princípio constitucional ali efetivado ou não em caso de defeito O que se percebe infelizmente é uma manipulação em torno da expressão manifestamente que está a indicar a existência de um defeito insanável para tergiversar uma complexa discussão teórica e não fática A complexidade jurídica da questão posta não justifica a denegação do HC pois o que está vedado é a plena cognição sobre os fatos uma dilação probatória sobre fatos é elementar e nunca o enfrentamento de teses jurídicas por mais complexas e profundas que sejam Por fim o feito com defeito deve ser refeito assim dispondo o art 652 do CPP Art 652 Se o habeas corpus for concedido em virtude de nulidade do processo este será renovado VII quando extinta a punibilidade COMENTÁRIO As causas de extinção da punibilidade estão previstas no art 107 do CP e em leis especiais Quando presentes retiram o poder punitivo do Estado e como decorrência do princípio da necessidade não havendo poder punitivo a ser reconhecido na sentença não está legitimada qualquer atuação estatal seja a abertura de inquérito policial exercício da acusação desenvolvimento do processo prisão cautelar medidas cautelares etc Dessarte quando já estiver em curso a coação o HC liberatório é o instrumento adequado para o trancamento do inquérito ou do processo não se esqueça de que não existe trancamento de ação penal com a consequente liberação do paciente de toda e qualquer restrição que esteja sofrendo inclusive patrimonial medidas assecuratórias 251 O Habeas Corpus como Instrumento de Collateral Attack O alcance do writ não só se limita aos casos de prisão pois também pode ser utilizado como instrumento para o collateral attack possibilitando que seja uma via alternativa de ataque aos atos judiciais e inclusive contra a sentença transitada em julgado Tanto pode ser utilizado no inquérito policial como também na instrução A primeira decisão judicial que pode ser atacada pelo habeas corpus é a que recebe a ação penal seja ela denúncia em caso de ação penal pública cujo titular é o Ministério Público ou queixacrime delitos de ação penal privada em que o titular é o ofendido Assim pode o habeas corpus ser utilizado para trancar o processo e não a ação mas em casos excepcionais em que é facilmente constatável a ausência das condições da ação recordando prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade e justa causa sem que se possa pretender uma ampla discussão probatória pois a cognição aqui é sumária A previsão legal de tal medida encontrase no art 648 I do CPP pois não existe uma justa causa genericamente considerada para o processo nesses casos Sem embargo existem no processo penal outros atos que inclusive sem determinar a prisão do acusado podem ser considerados como coação ilegal É o caso de uma decisão judicial de intervenção corporal em que se viola um direito fundamental do acusado vejase o que dissemos anteriormente sobre o direito de silêncio e os limites para as intervenções corporais quando se opera a prescrição em meio ao processo e o juiz não determina sua extinção quando não obstante a existência de uma nulidade absoluta o processo segue tramitando etc Não se pode confundir a limitação da cognição do HC em que não se admite a dilação probatória com a discussão sobre a legalidade de uma prova perfeitamente admissível em sede de HC Nesta linha a discussão sobre a licitude ou ilicitude de uma prova pode ser objeto de habeas corpus inclusive é recorrente o uso para discussão dos limites da interceptação telefônica Interessante decisão foi proferida pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 138301 Rel Min Og Fernandes através da qual se determinou que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais analisasse a alegação de nulidade de interceptação telefônica apresentada pela defesa de um homem preso cautelarmente O ministro Og Fernandes afirmou que há constrangimento ilegal no acórdão do TJMG uma vez que o mérito da legalidade da quebra do sigilo telefônico não foi analisado Além disso no caso concreto observou o ministro a prisão cautelar do paciente justificaria o uso do habeas corpus O TJMG negou a ordem entendendo que não seria o meio apropriado para análise da questão Como disse o Min Og Fernandes a análise da legalidade da quebra do sigilo era válida através desse instrumentoAssim em que pese haver uma clara tendência por parte dos tribunais em restringir o campo de incidência do HC é perfeitamente possível a discussão sobre o regime legal da prova produzida no processo através do writ Devese destacar que pela via do habeas corpus se pode inclusive realizar o controle difuso da constitucionalidade42 de uma norma Com o habeas corpus pode ser exercido o controle indireto é dizer arguir e obter a declaração de inconstitucionalidade de uma norma ante qualquer juiz Os juízes de primeiro grau podem conhecer da alegação de inconstitucionalidade pela via de exceção através de uma alegação da defesa recordemos que para os tribunais deve ser observada a reserva de plenário prevista no art 97 da CF88 segundo o qual somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público Mas todo esse alcance do habeas corpus vem sendo paulatinamente combatido pelos tribunais superiores que abarrotados de writs estão gradativamente cerceando seu alcance e utilização São cada dia mais comuns decisões que não conhecem do habeas corpus substitutivo de recurso especial ou extraordinário Existe uma forte tendência de limitar o habeas corpus aos casos em que realmente há restrição da liberdade individual não o conhecendo quando substitutivo recursal 252 O Habeas Corpus Contra Ato de Particular É possível a utilização do writ contra ato de particular seja pessoa física ou jurídica é evidente que eventual responsabilidade penal pela ilegalidade recairá sobre as pessoas físicas responsáveis pela empresa O ponto nevrálgico está em definir os casos em que se deve simplesmente chamar a polícia e quando deve ser interposto o habeas corpus Situações assim podem ocorrer nos casos de restrições de liberdade realizadas por seitas religiosas estabelecimentos hospitalares não concedendo alta do paciente até que a conta seja paga internações de doentes mentais ou de dependentes químicos em clínicas contra sua vontade internações de idosos contra sua vontade por parte da família em clínicas geriátricas etc43 São situações em que a ilegalidade da detenção nem sempre é evidente a ponto de bastar a intervenção policial Na explicação de ORTELLS RAMOS44 si el acto de privación o restricción de la libertad carece de toda apariencia de legalidad el medio de protección indicado no es el habeas corpus sino la autotutela y las actuaciones de los poderes públicos en caso de delito art 13 LECrim dar protección a los perjudicados Nos casos em que não se pode fazer um juízo apriorístico sobre a ilegalidade do ato a ponto de a intervenção policial ser suficiente o writ constitucional será o instrumento adequado Mas isso nos conduz a outro problema o habeas corpus é uma ação que instaura um processo de cognição sumária Existe uma limitação na cognição que exige o emprego das técnicas de sumarização horizontal e vertical impedindo o julgador de fazer uma ampla análise da questão fática plano horizontal prova do fato e jurídica plano vertical Daí por que em se tratando de internações compulsórias de incapazes dependentes químicos e situações similares a discussão acerca da legalidade do ato pode exigir uma ampla cognição e produção de prova não sendo o habeas corpus o instrumento processual adequado Sem embargo obviamente não há mais espaço para regras absolutas e em situações extremas podese admitir o writ especialmente quando a as condições em que estiver o detido sejam desumanas colocando em risco sua integridade situação em que se poderá inclusive apurar eventual prática de outro delito b em que pese a sumariedade do habeas corpus possa o juiz ou tribunal se convencer da ilegalidade da detenção Significa dizer que não obstante a limitação probatória a prova produzida baste para o convencimento do julgador Nos demais casos em que é exigida uma ampla discussão e análise da prova o writ não é a via adequada cabendo ao interessado buscar na esfera cível alguma outra medida até mesmo cautelar reservando a tutela exauriente para a ação principal processual 253 Habeas Corpus Preventivo A utilização mais recorrente do habeas corpus é para atacar um ato ilegal já praticado ou que está em curso sendo realizado cujos efeitos são atuais Mas desde a Constituição de 1871 o sistema brasileiro consagra o habeas corpus preventivo como uma medida que busca evitar a prática iminente de uma coação ilegal Como explica CALAMANDREI45 na tutela jurisdicional preventiva o interesse não surge do dano senão dal pericolo di un danno giuridico A tutela não atua a posteriori do dano como produto da lesão ao direito senão que se opera a priori para evitar o dano que possa derivar da lesão a um direito quando existe uma ameaça ainda não realizada Existe portanto interesse juridicamente tutelável antes da lesão ao direito pelo simples fato de que a lesão seja previsível próxima e provável Para isso está o habeas corpus preventivo O art 647 do CPP prevê que a ação possa ser utilizada sempre que alguém sofra ou se encontre na iminência de sofrer uma violência ou coação ilegal No mesmo sentido o art 5º LXVIII da Constituição estabelece que LXVIII concederseá habeascorpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder A iminência do constrangimento ilegal deve ser valorada em grau de probabilidade um juízo de verossimilhança não se podendo exigir certeza pois esta somente será possível com a consumação do ato que se pretende evitar Acolhido o habeas corpus preventivo será emitido um mandamento judicial de salvoconduto46 dirigido à autoridade apontada como provável autora da ilegalidade para que não pratique o ato coator ou a conduta ilegal Em última análise o habeas corpus preventivo atua no momento imediatamente anterior à efetivação da coação ilegal protegendo o paciente e impedindo que a ilegalidade se produza Como explica MANZINI47 o salvoconduto tem sua origem no período da inquisição para facilitar a apresentação do imputado quod tuto possit venire ad se praesentandum48 e valia por um certo tempo mas também podia ser concedido por tempo indeterminado Garantia ao beneficiado a vida liberdade e a disposição de seus bens sendo sua concessão subordinada à condição quod non vagetur per plateas el loca publica quia sic dignitas Magistratus et iustitiae exigere videtur49 No modelo brasileiro o HC preventivo não goza de disciplina legal está previsto mas não disciplinado não havendo clara definição de limites e duração do salvoconduto Infelizmente é de difícil obtenção até porque os tribunais em regra são bastante comedidos econômicos no que se refere à concessão de medidas de proteção da liberdade individual Ainda mais na dimensão preventiva Um exemplo típico de utilização do habeas corpus preventivo é contra ato coator praticado em CPI Comissão Parlamentar de Inquérito pois não raras vezes réus em processo criminal são intimados a depor como informantes ou testemunhas em CPI que busca apurar os mesmos fatos pelos quais ele já responde a processo criminal ou é investigado em inquérito policial Uma vez circunscrita sua posição de imputado não pode ser ouvido como testemunha ou informante pois essa é uma manobra ilegal para subtrairlhe os direitos inerentes à posição de sujeito passivo entre eles o direito de silêncio e de estar acompanhado de advogado Em diversas oportunidades já foram realizadas manobras circenses em Assembleias Legislativas e mesmo no Congresso Nacional com a prisão em flagrante de réus que utilizaram o direito de silêncio em flagrante ilegalidade e afronta ao direito constitucional de silêncio Para evitar tais espetáculos o habeas corpus preventivo apresentase como instrumento processual adequado para assegurar tais direitos e também o de não ser preso pelo crime de desobediência no caso de exercer o direito de silêncio Quanto à competência para julgar o HC a regra é a seguinte CPI instaurada em Assembleia Legislativa o writ será interposto no Tribunal de Justiça do respectivo Estado CPI instaurada no âmbito do Congresso Nacional a competência para julgamento é do STF50 Importante compreender que o habeas corpus é o remédio adequado porque se pretende a tutela de direito fundamental do réu cuja violação conduzirá à restrição ilegal de sua liberdade Se a pretensão fosse apenas de fazer valer alguma prerrogativa funcional do advogado como ter acesso aos autos por exemplo assegurada na Lei n 8906 a via correta é o Mandado de Segurança 26 Competência Legitimidade Procedimento O habeas corpus é sempre postulado a uma autoridade judiciária superior com poder para desconstituir o ato coator tido como ilegal É interposto em órgão hierarquicamente superior ao responsável pelo constrangimento ilegal havendo assim no que tange à competência para o processamento do HC a observância além da territorialidade do princípio da hierarquia51 Em algumas situações é difícil precisar quem é a autoridade coatora e quem é apenas o executor da ordem Nestes casos existe uma regra básica de fundamental importância nenhum habeas corpus será denegado por ter sido impetrado frente a autoridade judiciária incompetente Estabelece o art 649 Art 649 O juiz ou o tribunal dentro dos limites da sua jurisdição fará passar imediatamente a ordem impetrada nos casos em que tenha cabimento seja qual for a autoridade coatora Com isso os juízes e tribunais têm o dever de corrigir o endereçamento do writ que por erro tenha sido distribuído para a autoridade competente Aos juízes estaduais ou federais conforme o caso incumbe o julgamento do HC que tenha como coator um particular autoridade policial ou administrativa e demais agentes submetidos à jurisdição de primeiro grau Destaquese que quando a ação é impetrada em primeiro grau o art 574 I do CPP prevê a necessidade de recurso de ofício da sentença que conceder o habeas corpus mas não daquela que o denegar Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo anterior quando tratamos dos recursos e fizemos uma crítica ao recurso de ofício pois entre outros argumentos são manifestas a ilegitimidade e a falta de interesse recursal Para desconstituir um ato ou decisão proferida por juiz o HC deverá ser impetrado no Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal conforme seja um juiz de direito ou juiz federal e assim sucessivamente para o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal O STF somente julga o habeas corpus nos casos de sua competência originária prerrogativa de função ou quando o ato coator emanar de um Tribunal Superior STJ TSE STM e TST52 Na dimensão dos Juizados Especiais Criminais a situação sempre foi problemática Quando o coator é o juiz atuante no juizado o HC será julgado pela respectiva turma recursal Contudo a situação é diferente quando o ato coator emana de turma recursal Juizado Especial Criminal em que o tema suscita controvérsias De um lado encontramos a Súmula n 690 do STF a saber SÚMULA N 690 Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais Com isso o HC seria julgado diretamente no STF num verdadeiro salto na organização escalonada do Poder Judiciário Mas após a edição da Súmula que segue vigendo houve uma alteração do entendimento como se vê na decisão abaixo HC contra Ato de Turma Recursal e TJ Aplicando a recente orientação firmada pelo Plenário no julgamento do HC 86834SP j em 2382006 v Informativo 437 no sentido de que compete aos tribunais de justiça processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de turma recursal de juizado especial criminal a Turma resolvendo questão de ordem tornou sem efeito o início do julgamento e determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Tratase na espécie de writ impetrado contra decisão de turma recursal que mantivera a condenação do paciente pela prática do delito de porte ilegal de arma Lei n 943797 art 10 caput cuja penabase fora majorada em razão da existência de inquéritos e ações penais em curso HC 86009 QODF Rel Min Carlos Britto j 29082006 Ainda importante decisão em sentido diverso do disposto na Súmula 690 COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS DEFINIÇÃO A competência para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos paciente e impetrante COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS ATO DE TURMA RECURSAL Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos nos crimes comuns e nos de responsabilidade à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal incumbe a cada qual conforme o caso julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS LIMINAR Uma vez ocorrida a declinação da competência cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida acauteladora ficando a manutenção ou não a critério do órgão competente HC 86834 Rel Min Marco Aurélio Tribunal Pleno julgado em 23082006 DJ 09032007 PP00026 EMENT VOL0226702 PP00242 RJSP v 55 n 354 2007 p 175184 LEXSTF v 29 n 341 2007 p 350365 Assim ao que tudo indica caminhamos no sentido da superação da Súmula n 690 de modo que o HC impetrado contra ato da turma recursal seja julgado no respectivo Tribunal de Justiça do Estado ou Tribunal Regional Federal se a decisão é de turma recursal de JEC federal E se a autoridade coatora for um Promotor de Justiça ou Procurador da República a quem competirá o julgamento do habeas corpus Ao respectivo tribunal ao qual estas autoridades estão sob jurisdição ou seja o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal conforme o caso A competência para o julgamento do HC deve considerar também a que tribunal está submetida a autoridade coatora ou ainda que tribunal julga eventual crime praticado pela autoridade coatora No caso dos membros do Ministério Público estão submetidos ao julgamento pelo respectivo tribunal cabendo também a esse tribunal portanto o julgamento do writ Quanto à legitimidade o habeas corpus poderá ser interposto por qualquer pessoa em seu próprio benefício ou de terceiro Também poderá fazêlo o Ministério Público e obviamente o advogado do paciente não sendo necessária procuração O HC é um atributo da personalidade em que qualquer pessoa independentemente de habilitação capacidade política civil processual sexo idade nacionalidade e inclusive estado mental pode utilizar Não se faz qualquer limitação nem aquelas necessárias para atuar no processo em geral legitimación ad causam y ad processum ou capacidade civil Mas e a pessoa jurídica pode figurar como paciente da coação ilegal quando lhe é imputada a prática de um crime ambiental Poderá ser impetrante nesse caso Ainda existe certa resistência por parte da jurisprudência nacional em admitir que a pessoa jurídica possa ser pacienteimpetrante em habeas corpus pelo fato de não sofrer coação em sua liberdade de locomoção Contudo esse entendimento deve ser revisado pois é completamente inadequado às novas situações jurídicopenais criadas pela Lei n 960598 O primeiro aspecto a ser considerado é que a teoria da dupla imputação segundo a qual é viável a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física que age com elemento subjetivo próprio REsp 564960SC 5ª Turma rel Ministro Gilson Dipp DJ 13062005 Portanto se poderia o HC ser interposto somente em nome da pessoa física corré para em sendo concedida a ordem requerer posteriormente a extensão de seus efeitos à pessoa jurídica nada mais coerente do que por uma questão de efetividade autorizála desde logo a figurar como impetrante eou paciente Noutra dimensão é absolutamente ilógico admitir que a pessoa jurídica figure no polo passivo de uma ação penal e ao mesmo tempo negarlhe legitimidade para utilizar o habeas corpus como instrumento processual destinado a fazer cessar uma coação ilegal collateral attack Por que teria a pessoa jurídica que suportar o ônus de um processo penal nulo ou inútil Pode ser ré mas não está legitimada a resistir a uma imputação ilegal É flagrante a incongruência e a inadequação da tese que nega à pessoa jurídica legitimidade para impetração do habeas corpus Com muito acerto no HC 92921BA o Ministro Ricardo Lewandowski afirma que o sistema penal não está plenamente aparelhado para reconhecer a responsabilidade penal da pessoal jurídica pois inexistem instrumentos legislativos estudos doutrinários ou precedentes jurisprudenciais aptos a colocála em prática sobretudo de modo consentâneo com as garantias do processo penal E prossegue o Ministro Ricardo Lewandowski afirmando que entendo viável a interposição de habeas corpus para sanar eventual ilegalidade ou abuso de poder originados de ação penal em que figure no polo passivo pessoa jurídica sobretudo tendo em conta a falta de adequação do sistema processual à nova realidade apresentada pela criminalização das ações praticadas por tais entes Em outras palavras a responsabilidade penal da pessoa jurídica para ser aplicada exige alargamento de alguns conceitos tradicionalmente empregados na seara criminal a exemplo da culpabilidade estendendose a elas também as medidas assecuratórias como o habeas corpus Portanto em sendo a pessoa jurídica ré em processocrime está a nosso sentir plenamente autorizada a impetrar HC ou figurar como paciente em writ interposto por outra pessoa Superada essa questão prossigamos Os juízes e tribunais podem de ofício conceder HC quando verificarem no curso de um processo que alguém sofre ou está na iminência de sofrer uma coação ilegal Neste sentido estabelece o art 654 do CPP Art 654 O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa em seu favor ou de outrem bem como pelo Ministério Público 1º A petição de habeas corpus conterá a o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência coação ou ameaça b a declaração da espécie de constrangimento ou em caso de simples ameaça de coação as razões em que funda o seu temor c a assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo quando não souber ou não puder escrever e a designação das respectivas residências 2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal A petição deverá ser distribuída em 3 vias uma original e duas cópias Uma cópia será enviada para a autoridade coatora para o pedido de informações e a outra servirá de protocolo do impetrante Endereçada sempre ao órgão superior àquele apontado como coator como veremos na continuação a petição do habeas corpus deve indicar claramente Paciente quem sofre o ato coator ou está na iminência de sofrêlo Impetrante quando quem impetra o HC é outra pessoa que não o paciente Autoridade coatora é a autoridade que determinou a prática do ato ilegal Impetradoa é a autoridade para a qual foi distribuído o HC seja juiz ou tribunal Detentor é a pessoa que detém o paciente quando distinta da autoridade coatora podendo ser o Diretor do Presídio ou estabelecimento prisional onde o paciente está preso A petição deverá descrever a situação fática e apontar no que consiste a ilegalidade da coação ou seja os fundamentos jurídicos que amparam o habeas corpus Quando interposto por advogado exigese que a inicial siga os requisitos mínimos de clareza e fundamentação de qualquer peça processual devendo ser instruída com cópia integral do processo ou ao menos das principais peças É recomendável que o habeas corpus seja bem instruído para dar celeridade ao julgamento Diverso é o tratamento do writ interposto pelo próprio paciente geralmente preso em que são relativizados os requisitos formais em nome do interesse na tutela da liberdade individual Além de certa relativização das formas se a petição não contiver os requisitos necessários o juiz ou tribunal deverá segundo o art 662 determinar que o impetrante a complemente Recebido o HC deverá a autoridade manifestarse sobre o pedido de liminar O pedido de informações uma prática disseminada em primeiro grau e também nos tribunais está previsto no art 662 Art 662 Se a petição contiver os requisitos do art 654 1º o presidente se necessário requisitará da autoridade indicada como coatora informações por escrito Faltando porém qualquer daqueles requisitos o presidente mandará preenchêlo logo que lhe for apresentada a petição Mas algumas considerações devem ser feitas a o pedido de informações está previsto para o HC julgado em tribunais sendo descabido para a ação de competência dos juízes de primeiro grau b o pedido de informações deve ser formulado se necessário portanto a regra é que o HC que preencha os requisitos do art 654 seja despachado sem a manifestação do juiz coator c quando o writ vier instruído com cópia integral do processo e preencher os requisitos formais não há necessidade alguma do pedido de informações Portanto a praxe judiciária de não se manifestar sobre o pedido de liminar antes que venham as informações da autoridade coatora é causa de uma indevida dilação ilegítima e arbitrária que prolonga a submissão do paciente ao constrangimento ilegal impugnado Eventuais informações de caráter meramente complementar não podem prejudicar a célere tramitação que o HC exige O pedido de informações como a expressão evidencia é um relato objetivo e circunstanciado do estado do processo Por elementar não existe contraditório com o juiz o que seria um completo absurdo processual nem deve a autoridade coatora fazer uma defesa do seu ato Juiz não é parte não havendo contraditório ou possibilidade de manifestação que extrapole os estreitos limites da prestação objetiva das informações solicitadas Quando o habeas corpus é de competência dos juízes de primeiro grau o procedimento está previsto no art 656 Art 656 Recebida a petição de habeas corpus o juiz se julgar necessário e estiver preso o paciente mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar Parágrafo único Em caso de desobediência será expedido mandado de prisão contra o detentor que será processado na forma da lei e o juiz providenciará para que o paciente seja tirado da prisão e apresentado em juízo Art 657 Se o paciente estiver preso nenhum motivo escusará a sua apresentação salvo I grave enfermidade do paciente II não estar ele sob a guarda da pessoa a quem se atribui a detenção III se o comparecimento não tiver sido determinado pelo juiz ou pelo tribunal Parágrafo único O juiz poderá ir ao local em que o paciente se encontrar se este não puder ser apresentado por motivo de doença A apresentação imediata do preso ao juiz é uma medida salutar além de como lembra PONTES DE MIRANDA53 relacionarse com o próprio nome da ação que iniciava pela fórmula trazer o corpo Deveria ser uma regra para o writ que tramita em primeiro grau O Código de Processo Penal não prevê a intervenção do Ministério Público e como adverte PONTES DE MIRANDA54 quaisquer diligências que ao juiz pareçam inúteis ou supérfluas devem ser dispensadas inclusive a oitiva do Ministério Público para não retardar a decisão Nos tribunais a intervenção do MP costuma ser disciplinada nos regimentos internos e não deve como sói ocorrer ser uma causa de atraso no julgamento do habeas corpus Infelizmente quando negada a liminar o habeas corpus costuma ter uma tramitação demasiadamente lenta nos tribunais brasileiros pois se aguardam as informações depois os autos vão para manifestação do Ministério Público e como via de regra as Câmaras e Turmas Criminais reúnemse apenas uma vez por semana ou a cada duas semanas em alguns casos a demora na manifestação do parquet pode representar uma demora de semanas no julgamento Se considerarmos que o MP também se manifesta na sessão quando finalmente é julgado o writ há uma inútil duplicidade contribuidora para a indevida dilação no julgamento A situação foi agravada pela emissão da Súmula n 691 do STF que estabelece SÚMULA N 691 Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar Com isso pretende a Súmula impedir novo HC ajuizado após a denegação de medida liminar em habeas corpus Negada uma liminar a valer a Súmula não caberia novo HC para outro tribunal enquanto não fosse julgado o mérito no tribunal de origem Infelizmente a aplicação da Súmula tem feito com que diariamente os impetrantes e pacientes de habeas corpus sofram com a demora no julgamento do mérito e o impedimento de buscar no Tribunal Superior o reconhecimento da ilegalidade Ainda que alguma relativização ao rigor da Súmula já tenha sido feita a regra é sua aplicação A situação gerada é bastante problemática e não é raro que o paciente tenha que ajuizar um novo habeas corpus no Tribunal Superior não para ver reconhecida a ilegalidade a que está sendo submetido mas apenas para obter um peculiar mandamento a ordem de que o tribunal de origem julgue sem mais demora o mérito do HC originário que após a denegação da liminar aguarda meses às vezes anos para ser julgado Só assim o impetrante poderá prosseguir ingressando com novo HC no Tribunal Superior55 A Súmula continua em vigor ainda que seu rigor tenha sido atenuado pelo STF nos casos em que a ilegalidade é flagrante56 Retomando a análise do procedimento há dois momentos decisórios a Decisão sobre a concessão ou não da medida liminar in limine litis impetrado e recebido o habeas corpus o juiz ou tribunal competente analisará a verossimilhança da fundamentação fática e jurídica da ação e se houver pedido decidirá acerca da medida liminar postulada Tratase de uma decisão interlocutória de natureza cautelar em que devem ser demonstrados o fumus boni iuris e o periculum in mora57 do alegado Advertimos contudo que é recorrente a denegação da liminar quando ela se confundir com o mérito do habeas corpus sob o argumento de que não há cautelaridade mas antecipação de tutela é o caso do pedido liminar de liberdade e no mérito a procedência do HC e igual pedido de liberdade A concessão ou denegação da medida liminar postulada pelo juiz ou relator quando o habeas corpus tramita em tribunais não encerra a ação pois ainda haverá uma manifestação sobre o mérito em que a liminar poderá ser concedida quando negada inicialmente mantida quando concedida ou cassada foi concedida mas no mérito ao ser julgado o habeas corpus é cassada e é negado provimento ao pedido b Decisão final sentença ou acórdão concedida ou não a medida liminar ou não postulada após as informações e manifestação do Ministério Público deverá o juiz proferir sentença ou o tribunal julgar o habeas corpus que será levado em mesa pelo relator para julgamento pelo órgão colegiado Nesse julgamento poderá ser acolhido o pedido ou denegado no todo ou em parte Quando houver sido concedida a medida liminar será ela confirmada ou cassada conforme a sentença seja de procedência ou não A eficácia preponderante da sentença de procedência é mandamental58 No julgamento do habeas corpus pelos tribunais está permitida a sustentação oral pelo impetrante mas um sério obstáculo da praxis judiciária é o fato de não haver intimação da data da sessão de julgamento sob o argumento de que a urgência exige que a ação seja levada em mesa sem ser incluída na pauta de julgamento Isso acarreta sérios prejuízos para o impetrante e o paciente na medida em que impede o acompanhamento e a sustentação oral na sessão de julgamento Ainda que o cerceamento de defesa e a violação do contraditório na dimensão do direito à informação e comunicação dos atos processuais sejam evidentes essa prática é recorrente e infelizmente tolerada Contudo já há decisões anulando o julgamento de habeas corpus quando havendo pedido expresso de sustentação oral e portanto de intimação da data da sessão a sessão é realizada sem prévia comunicação ao impetrante59 Mas em sentido oposto argumentase a ausência de nulidade com base na Súmula n 431 do STF que assim dispõe É nulo o julgamento de recurso criminal na segunda instância sem prévia intimação ou publicação da pauta salvo em habeas corpus Pensamos que a Súmula deve ser revisada e que o melhor entendimento é pela necessidade de intimação da data do julgamento especialmente quando o impetrante manifestar o desejo de proferir sustentação oral 27 Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus O recurso ordinário é um meio de impugnar as decisões denegatórias ou de não conhecimento do habeas corpus sendo julgado pelo STF quando a decisão denegatória ou de não conhecimento é proferida em única instância pelo STJ nos termos do art 102 II a da Constituição pelo STJ quando a decisão denegatória ou de não conhecimento do habeas corpus for proferida em única ou última instância pelos tribunais de justiça ou tribunais regionais federais conforme estabelece o art 105 II a da Constituição Há uma sutil diferença na definição da competência no STF a competência é para julgar o recurso ordinário quando o habeas corpus foi denegado em única instância pelo STJ Ou seja é um caso em que a competência originária para julgamento do HC é do STJ como por exemplo o writ interposto por um agente público com prerrogativa de função art 105 I a da Constituição Já o STJ julga o recurso ordinário quando o habeas corpus foi denegado pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal em única prerrogativa de função ou última instância logo pode ser um HC contra ato coator de juiz por exemplo Isso conduz a outro detalhe importante se a decisão denegatória é do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal cabe recurso ordinário para o STJ Mas se ao invés de interpor o recurso ordinário é impetrado um novo habeas corpus no STJ não é caso de julgamento em única instância portanto não caberá recurso ordinário para o STF pois não está contemplado Caberá se for o caso recurso extraordinário para o STF Ainda no mesmo caso se da decisão denegatória proferida pelo Tribunal de Justiça ou Regional Federal for apresentado o recurso ordinário uma vez negado provimento ao recurso pelo STJ caberá apenas se for o caso recurso extraordinário Mas não se descarta a impetração de novo HC tendo em vista que o STJ passa a ser o coator A Constituição apenas prevê o cabimento do recurso e a competência para julgálo O processamento está disposto na Lei n 803890 nos arts 30 a 32 Art 30 O recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça das decisões denegatórias de Habeas Corpus proferidas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal será interposto no prazo de 5 cinco dias com as razões do pedido de reforma Art 31 Distribuído o recurso a Secretaria imediatamente fará os autos com vista ao Ministério Público pelo prazo de 2 dois dias Parágrafo único Conclusos os autos ao relator este submeterá o feito a julgamento independentemente de pauta Art 32 Será aplicado no que couber ao processo e julgamento do recurso o disposto com relação ao pedido originário de Habeas Corpus O prazo de interposição é de 5 dias devendo as razões acompanhar o recurso Antiga divergência sobre o prazo acabou resolvida pela Súmula n 319 do STF SÚMULA N 319 O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal em habeas corpus ou mandado de segurança é de cinco dias Como já apontado mas é importante reforçar somente tem cabimento das decisões denegatórias de HC abrangendo também as decisões de não conhecimento No que tange à legitimidade é um recurso exclusivo da defesa devendo ser interposto pelo paciente através de seu advogado Ainda que o writ possa ser interposto por qualquer pessoa o recurso ordinário deverá ser subscrito por advogado Contudo como já decidido pelo STF no HC 863078 não há necessidade de procuração até porque o writ não a exige Em relação ao preparo é inexigível pois não há pagamento de custas mormente por ser um recurso da denegação de habeas corpus uma ação constitucional sem custo Não há que se confundir o recurso ordinário constitucional com os recursos especial e extraordinário de modo que não se exige prequestionamento ou a demonstração da repercussão geral Nada disso é exigido no recurso ordinário60 Deverá ser interposto por escrito e o efeito é devolutivo mas limitado à matéria ventilada no habeas corpus Quanto ao procedimento em síntese No STJ diante de uma decisão denegatória do habeas corpus no TRF ou TJ o recurso ordinário é interposto no prazo de 5 dias petição acompanhada das razões no tribunal de origem Admitido é enviado ao STJ onde é distribuído e designado relator que dará vista ao MP e após será pautado para julgamento no qual caberá sustentação oral STF quando interposto no STF será dirigido ao Presidente do Tribunal que proferiu a decisão no prazo de 5 dias com as razões Admitido no tribunal de origem se nega prosseguimento cabe agravo regimental subirá o recurso ordinário com o HC anexo Distribuído no STF será designado relator que dará vista ao MP e após será levado a julgamento pela Turma cabendo sustentação oral A ausência de efeito suspensivo bem como a tramitação mais lenta eis que um recurso faz com que o Recurso Ordinário imponha um grande ônus para o acusado preso Por isso durante muito tempo esteve jogado ao ostracismo sendo substituído pela interposição de novo HC Mas nos últimos anos tem se fortalecido o entendimento especialmente no STJ de não conhecer de HC substitutivo de Recurso Ordinário Tratase de um movimento de filtragem jurisdicional diante da avalanche de HCs diariamente interpostos no STJ Por tal motivo destacamos que atualmente tem predominado essa postura de não admitir HC substitutivo de Recurso Ordinário Não sem razão na prática forense é comum verse após a denegação do HC por um TJ ou TRF a interposição de Recurso Ordinário para atender o rigor formal do STJ e também novo HC argumentando a urgência diante da existência de prisão na esperança de que o writ seja conhecido e provido Já no STF a situação começa a mudar com as restrições em torno da impetração de HC substitutivo sendo relativizadas Mas a situação ainda é polêmica e além de gerar insegurança cria um terreno fértil para o decisionismo 3 Mandado de Segurança em Matéria Penal 31 Considerações Prévias O mandado de segurança é um instrumento processual sem similar nos demais países Como disse ALCALÁZAMORA Y CASTILLO 61 es un tema cien por cien brasileño acaso entre los de índole jurídica el más brasileño de todos Concebido como instrumento processual ação e não recurso destinado a proteger os interesses do indivíduo contra as ilegalidades praticadas pelos agentes públicos Como explica CIRILO DE VARGAS62 com a república foram muitas as tentativas de introduzir um instrumento capaz de reparar ou impedir os abusos administrativos sem obter êxito Somente com a Constituição de 1934 sob a influência da Revolução de 1930 foi contemplado o instrumento processualconstitucional A Constituição de 1937 não o recepcionou ainda que se tivesse mantido na legislação ordinária A partir da Carta de 1946 o mandado de segurança sempre foi recepcionado expressamente pelas Constituições brasileiras Atualmente está previsto no art 5º LXIX da Constituição sendo concebido como uma ação constitucional nos seguintes termos LXIX concederseá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeascorpus ou habeasdata quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público Sua regulamentação encontrase na Lei n 12016 de 7 de agosto de 2009 em que será abordada na continuação mas desde logo transcrevemos o art 1º Art 1º Concederseá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data sempre que ilegalmente ou com abuso de poder qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrêla por parte de autoridade seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça Situase portanto na lacuna deixada pelo habeas corpus na tutela de direito líquido e certo sem vincularse à existência de uma restrição de liberdade quando o responsável pela ilegalidade for uma autoridade pública Ao estudioso atento chama a atenção o nome jurídico mais especificamente o primeiro substantivo como bem questionado por ALCALÁZAMORA Y CASTILLO63 Por que mandado e não ação Porque o legislador brasileiro pretendeu reforçar a ideia de imperatividade pois na concepção tão bem explorada por PONTES DE MIRANDA é uma típica ação de mandamento Atendendo à finalidade que é chamado a satisfazer no mandado de segurança importa mais a ordem fazer ou não fazer e o correlativo acatamento que a argumentação que a ela conduza ou mesmo o convencimento dos destinatários64 32 Natureza Jurídica É uma ação mandamental um mandamus com status constitucional que se encaminha a obter uma ordem judicial dirigida a outro órgão do Estado por meio de uma sentença65 O mandado de segurança desde a perspectiva de utilização no processo penal amplia a esfera de proteção não alcançada pelo habeas corpus constituindose um instrumento processualconstitucional colocado à disposição de toda pessoa física ou jurídica para proteção de um direito individual ou coletivo mas que não esteja protegido por habeas corpus ou habeas data que foi lesado ou ameaçado de lesão por um ato de autoridade independentemente de sua categoria ou função Além da previsão constitucional está disciplinado especialmente na Lei n 120162009 Para o processo penal é uma ação destinada à tutela de direito subjetivo individual por meio de um mandamento por isso é denominado de mandamus judicial que tem por objetivo impedir ou corrigir a ilegalidade Em linhas gerais invalida o ato ou omissão ilegal da autoridade pública ou suprime seus efeitos Quando se dirige contra um ato judicial apesar de assumir contornos de uma via de impugnação com função de recurso tratase de uma ação autônoma de impugnação66 Para PONTES DE MIRANDA67 o mandado de segurança é uma ação e remédio jurídicoprocessual para a proteção de qualquer direito de origem constitucional ou legal patrimonial ou não que não seja objeto de tutela pelo remédio jurídicoprocessual do habeas corpus Acolhida a ação e instaurado o processo terá cognição sumária e rito especial Predomina o entendimento de que é uma ação civil ainda que distribuída numa vara criminal para impugnar um ato afeto ao processo penal seguindo o procedimento e o sistema recursal do processo civil O mandado de segurança admite uma decisão liminar initio litis de natureza cautelar anticipazioni di provvedimento definitivo que exige para sua concessão a demonstração de fumus boni iuris e periculum in mora68 Deve o autor demonstrar a verossimilhança do direito líquido e certo violado pelo ato da autoridade e o perigo de um dano grave e irreparável ou de difícil reparação que pode surgir com a demora na prestação da tutela jurisdicional O mandado de segurança também admite a figura preventiva com base no interesse que decorre dal pericolo di un danno giuridico nos mesmos moldes anteriormente explicados no habeas corpus 33 Objeto e Cabimento Direito Líquido e Certo O objeto do mandamus são os atos ações ou omissões ilegais do poder público e seus agentes que prejudiquem ou atentem contra um direito líquido e certo que não seja sanável pelo habeas corpus ou habeas data Por isso seu campo de aplicação é determinado por exclusão69 nos termos do art 5º Art 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar I de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução II de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo III de decisão judicial transitada em julgado A Lei n 120162009 incorporou a consolidada orientação jurisprudencial no sentido da impossibilidade de mandado de segurança contra ato administrativo de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução pois se entende que nesse caso há um meio próprio e efetivo de impugnação Também não se admite mandado de segurança contra ato judicial do qual caiba recurso com efeito suspensivo apto a impedir a ilegalidade A vedação do mandado de segurança contra lei em tese não foi incorporada ao texto da Lei n 12016 mas pensamos que seguirá sendo invocada pelos tribunais brasileiros pois se considera inepta para provocar lesão a direito líquido e certo em observância à Súmula n 266 do STF enquanto estiver em vigor Tampouco se admite o mandamus contra decisão transitada em julgado situação a ser remediada pela revisão criminal ou até mesmo pelo habeas corpus Com essa vedação expressa fulminase a pretensão desde sempre infundada de se criar pela via do MS uma possibilidade de revisão criminal pro societate70 Por ato de autoridade71 se entende toda manifestação por ação ou omissão do poder público ou de quem atua em seu nome por delegação de poder que no exercício de suas funções cause uma lesão ilegal a um direito individual A ação se dirige contra o mandante a autoridade com poder decisório que ocupa uma posição superior na hierarquia de mando ou aquela que tenha praticado o ato impugnado executante Neste sentido é importante a disposição contida no art 6º 3º da Lei n 120162009 Art 6º 3º Considerase autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática A definição da autoridade coatora é fundamental para a definição da competência para o julgamento do mandado de segurança Ainda que cabível em tese contra ato de particular no exercício de atividade delegada em matéria penal o mandado de segurança costuma ser utilizado contra atos da polícia judiciária juízes ou tribunais e membros do Ministério Público Sem embargo prevê o art 1º 1º da Lei n 12016 que 1º Equiparamse às autoridades para os efeitos desta Lei os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público somente no que disser respeito a essas atribuições Seguindo o entendimento consolidado na jurisprudência a Lei n 12016 admite o mandamus contra ato judicial pois configura ato de autoridade desde que não exista um recurso específico para impugnação ou não possua ele efeito suspensivo Assim ainda que já viesse sendo minorada pensamos não ter mais eficácia a Súmula n 267 do STF pois inegavelmente cabe o mandado de segurança contra o ato jurisdicional ilegal não amparado por recurso com efeito suspensivo Além da ausência de efeito suspensivo para o cabimento do mandado de segurança é necessário que o ato jurisdicional contenha manifesta ilegalidade ou abuso de poder a ofender direito líquido e certo apurável sem necessidade de dilação probatória72 Também por importação do processo civil o mandado de segurança pode ser admitido para conceder efeito suspensivo a recurso que não o possui como no caso de Agravo em Execução Penal A interposição é simultânea do recurso cabível e do mandado de segurança através do qual se busca a concessão do efeito suspensivo Há situações em que o recurso cabível não tem o condão de evitar o dano irreparável bem como é manifesta a ilegalidade do ato jurisdicional atacado Havendo risco de que o tribunal não conheça do mandado de segurança exatamente por haver recurso previsto a melhor solução é a interposição simultânea A urgência justifica o mandamus que se concedido esvazia o objeto do recurso mas se não conhecido não conduz à preclusão pois o recurso previsto em lei foi interposto Ainda no que se refere ao cabimento sublinhamos que após um longo histórico de banalização do habeas corpus os tribunais brasileiros vêm gradativamente reconduzindo cada instrumento a seus limites de cabimento reservando o HC para os casos em que há risco efetivo para a liberdade de ir e vir e os demais residualmente ao mandado de segurança Exemplo típico é a negativa por parte da autoridade policial em conceder vista ao advogado dos autos do inquérito policial Durante muito tempo o habeas corpus foi utilizado para esse fim Atualmente predomina o entendimento acertadamente de que se trata de violação de direito líquido e certo a ser tutelada pelo mandado de segurança até porque não se trata de lesão ao direito de ir e vir Contudo é importante sublinhar sustentamos a possibilidade do Mandado de Segurança nesse caso em nome da maior eficácia e celeridade da prestação jurisdicional pois com o advento da Súmula Vinculante n 14 do STF a recusa em dar vista e amplo acesso ao inquérito policial a rigor dá causa à Reclamação prevista no art 102 I l da Constituição a ser ajuizada diretamente no STF Então para que fique claro a recusa por parte da autoridade policial ou judicial em dar acesso ao advogado dos autos do inquérito permite Reclamação diretamente no STF contudo tendo em vista as dificuldades que isso pode encerrar no caso concreto é perfeitamente viável a utilização do Mandado de Segurança inclusive com a invocação da Súmula Vinculante n 14 e que terá imensa possibilidade de êxito imediato O que sim não nos parece correto é utilizar o habeas corpus pelas razões já expostas Outros casos de cabimento do mandado de segurança a título de ilustração são a negativa da autoridade policial em realizar diligências solicitadas pelo indiciado nos termos do art 14 do CPP b da decisão que indefere o pedido de habilitação como assistente da acusação c nas medidas assecuratórias de sequestro e arresto de bens d para atacar a decisão que indefere o pedido de restituição de bem apreendido etc Para a tutela das prerrogativas funcionais do advogado asseguradas na Lei n 8906 o instrumento adequado é o mandado de segurança pois representa a violação de direito líquido e certo Da mesma forma cabe o mandado de segurança contra ato de CPI Comissão Parlamentar de Inquérito que não respeita as prerrogativas funcionais de advogado Por outro lado quando o que se busca é a garantia do direito de silêncio autodefesa negativa do imputado costumeiramente violado no âmbito das CPIs o caminho a ser seguido é o do habeas corpus Para evitar repetições remetemos o leitor para o tópico anterior onde tratamos do HC Mudando o enfoque a expressão direito líquido e certo significa o direito que se apresenta manifesto em sua existência delimitado em sua extensão e apto a ser exercido no momento da interposição do mandamus É o direito evidente claro cuja existência é patente e está amparado por lei devendo estar presentes todos os requisitos e condições necessárias para seu exercício sem que existam causas suspensivas ou condições não cumpridas73 Na dimensão processual explica GRINOVER74 a expressão deve ser entendida como um direito que possa ser comprovado por forma documental que se possa demonstrar de forma apriorística sem dilação probatória até porque não existe instrução Exige portanto prova préconstituída Através do mandado de segurança também se pode exercer o controle difuso da constitucionalidade de uma lei da mesma forma e com os mesmos fundamentos do controle exercido por meio do habeas corpus anteriormente explicado 34 Legitimidade Ativa e Passiva Competência A legitimação ativa será do impetrante titular do direito violado que pode ser uma pessoa física ou jurídica não se pode esquecer a possibilidade de uma pessoa jurídica sofrer a prática de um ato coator no bojo de investigação ou processo criminal por crime ambiental e à diferença do habeas corpus o mandado de segurança segue a regra geral de capacidade e legitimidade das ações civis exigindo a assistência de advogado com procuração para sua impetração O Ministério Público parte ativa e titular da ação penal de iniciativa pública poderá impetrar mandado de segurança na defesa de sua pretensão acusatória Inclusive tendo em vista que o habeas corpus é um instrumento de uso exclusivo da defesa o mandado de segurança é um importante instrumento processual para que o Ministério Público possa impugnar decisões judiciais contrárias a seu interesse e que não possuam recurso com efeito suspensivo quando há manifesta ilegalidade violadora de direito líquido e certo Sendo impetrado o mandado de segurança pelo MP é obrigatória a intervenção do réu como determina a Súmula n 701 do STF SÚMULA N 701 do STF No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal é obrigatória a citação do réu como litisconsórcio passivo Já na legitimidade passiva o impetrado é a autoridade que pratica o ato impugnado ou da qual emane a ordem para sua prática art 6º 3º da Lei n 12016 Tendo em vista a complexidade da estrutura administrativa do Estado conforme o caso o erro no endereçamento da ação não deve conduzir à imediata denegação da petição Atendendo à necessidade de eficácia da tutela dos direitos individuais bem como de obter a tutela jurisdicional pretendida entendemos recomendável que o juiz ou tribunal corrija e determine a remessa ao órgão competente É importante destacar que não se admite mandado de segurança contra ato de particular ao contrário do habeas corpus como visto anteriormente Quanto à competência será definida segundo a categoria da autoridade pública em face da qual se interpõe o mandado de segurança Tratase de um sistema escalonado no qual o mandamus deve ser interposto junto ao juiz ou tribunal competente para julgar os atos daquela autoridade É um sistema similar àquele anteriormente explicado no habeas corpus Em linhas gerais ato coator da autoridade policial estadual mandado de segurança impetrado para o juiz de direito ato da polícia federal competência do juiz federal ato coator de juiz de direito ou federal competência do Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal respectivos e destes para o STJ e após STF 35 Breves Considerações sobre o Procedimento O procedimento é de cognição sumária e não existe instrução probatória por isso o direito deve ser certo patente e determinado A prova dos fatos e do direito deve ser préconstituída e a petição deverá ser instruída com todos os documentos necessários para comprovar o direito e a ilegalidade alegados devendo ser subscrita por advogado devidamente constituído Se o impetrante necessitar de documentos que estejam em poder da autoridade coatora poderá solicitar ao juiz ou tribunal que na própria notificação para que preste informações conste a determinação de apresentação desse documento em original ou cópia autêntica Quando outra for a autoridade detentora do documento poderá o juiz ordenar preliminarmente por ofício a exibição do documento cópia autêntica no prazo de 10 dias art 6º 1º O exercício da ação de mandado de segurança está submetido ao prazo decadencial de 120 dias contados da data em que o sujeito tomar conhecimento oficial do ato ilegal art 23 da Lei n 12016 O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento da constitucionalidade deste prazo através da Súmula n 632 a saber SÚMULA N 632 do STF É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança A inicial deverá indicar a autoridade coatora descrever os fatos e a fundamentação jurídica demonstrando o direito líquido e certo violado e de que forma se deu esta violação Deve ser apresentada em duas vias além daquela destinada ao protocolo ambas instruídas com os documentos que acompanham o mandamus A inicial deverá preencher os requisitos exigidos pelo CPC e também indicar além da autoridade coatora a pessoa jurídica que esta integra à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições conforme o caso Ao contrário do habeas corpus o mandado de segurança tem valor da causa será o valor de alçada e paga custas processuais exceto em caso de assistência judiciária gratuita mas não há condenação ao pagamento de honorários advocatícios mas isso não impede a condenação por litigância de máfé Recebido o mandado de segurança e não sendo caso de indeferimento imediato art 10 o juiz determinará art 7º I que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial enviandolhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos a fim de que no prazo de 10 dez dias preste as informações II que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada enviandolhe cópia da inicial sem documentos para que querendo ingresse no feito III que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso seja finalmente deferida sendo facultado exigir do impetrante caução fiança ou depósito com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica As informações a serem prestadas no mandado de segurança são similares àquelas existentes no habeas corpus devendo ser feitas de forma clara e objetiva fornecendo os documentos que julgue necessários para demonstração da legalidade do ato pois não existe posterior atividade probatória Neste mesmo momento inicial initio litis deverá o juiz se manifestar sobre eventual pedido de medida liminar que tem natureza cautelar e está submetida à demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora A medida liminar consiste em um mandamento judicial para que a autoridade pratique um determinado ato quando a coação for por omissão ou cesse a atividade ilegal e terá validade até a sentença que julgar o mérito do mandado de segurança Contudo como qualquer medida liminar poderá ser cassada a qualquer momento pois é medida provisional por excelência através de decisão judicial fundamentada Sendo denegada a liminar postulada o processo seguirá seu curso com as informações e posterior julgamento do mérito na sentença Se com as informações vierem documentos novos em nome do contraditório deverá o juiz dar vista para que o impetrante se manifeste Estabelece ainda o art 8º que será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando concedida a medida o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover por mais de 3 três dias úteis os atos e as diligências que lhe cumprirem Evitamse com isso eventuais medidas protelatórias que visem à perpetuação da medida liminar O Ministério Público será ouvido mas terá o prazo improrrogável de 10 dias para manifestação sob pena de em não o fazendo os autos irem conclusos para o juiz decidir Significa dizer que com ou sem o parecer do Ministério Público deverá o juiz proferir sentença em até 30 dias A sentença poderá acolher o pedido ou denegálo devendo cassar a liminar eventualmente concedida caso a sentença negue provimento ao pedido ou confirmála com a procedência Sendo interposto em tribunal a decisão sobre a liminar caberá ao relator que após as informações submeterá o mandado de segurança a julgamento pelo órgão colegiado Por ser considerado uma ação de natureza civil o sistema recursal será aquele previsto no Código de Processo Civil de modo que concedida ou denegada a liminar caberá agravo de instrumento nos termos estabelecidos no Código de Processo Civil Da sentença que concede ou denega a segurança caberá apelação sendo que concedida a segurança a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição reexame necessário da matéria Não cabem contudo embargos infringentes art 25 Sendo o mandado de segurança julgado em tribunal desta decisão se denegatória caberá recurso ordinário art 105 II a da Constituição para o STJ e conforme o caso recurso ordinário para o STF art 102 II a da Constituição O prazo para interposição deste recurso é de 15 dias e não 5 dias como no habeas corpus Quando acolhido o mandado de segurança não caberá recurso ordinário mas apenas recursos especial e extraordinário desde que preenchidos os requisitos legais Alterada a situação fática poderá ser interposto novo mandado de segurança 1 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v 2 p 447 2 CORTES DOMINGUEZ Valentín MORENO CATENA Victor e GIMENO SENDRA Vicente Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 692 3 Idem ibidem 4 BADARÓ Gustavo Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 299 5 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed cit p 731 6 Sobre o tema entre outros recomendase a leitura de Tupinambá Pinto de AZEVEDO Retroatividade Erga Omnes da Decisão Penal Benigna In Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Prof Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 7 GIACOMOLLI Nereu A Irretroatividade da Lei n 1146407 requisitos temporais à progressão de regime nos crimes hediondos Disponível no site wwwgiacomollicom 8 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 449 9 Na esteira de BADARÓ op cit p 300 e também de GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 319 10 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 448 11 Entre outros GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 321 12 Neste sentido é interessante a decisão proferida pela 5ª Turma do STJ RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL PENAL CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA TRIBUNAL DO JÚRI CONDENAÇÃO REVISÃO CRIMINAL ABSOLVIÇÃO POSSIBILIDADE DIREITO DE LIBERDADE PREVALÊNCIA SOBRE A SOBERANIA DOS VEREDICTOS E COISA JULGADA RECURSO MINISTERIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO 1 É possível em sede de revisão criminal a absolvição por parte do Tribunal de Justiça de réu condenado pelo Tribunal do Júri 2 Em homenagem ao princípio hermenêutico da unidade da Constituição as normas constitucionais não podem ser interpretadas de forma isolada mas como preceitos integrados num sistema unitário de modo a garantir a convivência de valores colidentes não existindo princípios absolutos no ordenamento jurídico vigente 3 Diante do conflito entre a garantia da soberania dos veredictos e o direito de liberdade ambos sujeitos à tutela constitucional cabe conferir prevalência a este considerandose a repugnância que causa a condenação de um inocente por erro judiciário 4 Não há falar em violação à garantia constitucional da soberania dos veredictos por uma ação revisional que existe exclusivamente para flexibilizar uma outra garantia de mesma solidez qual seja a segurança jurídica da Coisa Julgada 5 Em uma análise sistemática do instituto da revisão criminal observase que entre as prerrogativas oferecidas ao Juízo de Revisão está expressamente colocada a possibilidade de absolvição do réu enquanto a determinação de novo julgamento seria consectário lógico da anulação do processo 6 Recurso a que se nega provimento REsp 964978SP Min Adilson Vieira Macabu Desembargador Convocado do TJRJ Julgado em 14082012 13 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 845 14 Fazemos especial referência aos artigos publicados na obra La Reforma Procesal Penal 19881992 In Estudios de Derecho Procesal Civil Penal y Constitucional Madrid Edersa 1992 p 473 e ss 15 La Reforma Procesal Penal 19881992 cit p 610 16 El Proceso de Habeas Corpus Madri Tecnos 1985 p 39 17 SORIANO Ramón El Derecho de Habeas Corpus Madrid Publicaciones del Congreso de los Diputados 1986 p 39 18 Idem ibidem p 33 19 SORIANO Ramón Op cit p 38 20 La Reforma Procesal Penal 19881992 cit p 568 21 TEJERA Diego Vicente El Habeas Corpus Apud LOPEZMUÑOZ Y LARRAZ na obra citada p 25 22 Esse seria o marco histórico por excelência Com anterioridade a ele FAIREN GUILLEN La Reforma Procesal Penal 19881992 cit p 561 explica que na primeira parte do século XIII a expressão habeas corpus constituía uma fórmula processual civil uma ordem de trazer fisicamente alguém a um Tribunal A finalidade era de assegurar a presença física dessa pessoa perante um Tribunal possivelmente mediante uma ordem do Tribunal a um sheriff não estava ligada com uma recuperação da liberdade de movimentos Como explica o autor existiram três writs medievais mais vinculados à ideia de recuperar a liberdade que essas formas de habeas corpus os de homine replegiando e de mainprize para assegurar uma liberdade sob fiança durante o processo e o de odio et atia para obter uma liberdade na fase de prétrial e em determinadas circunstâncias de um preso acusado de homicídio 23 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal 26 ed São Paulo Saraiva 2004 v IV p 402 24 La Reforma Procesal Penal 19881992 cit p 567 25 História e Prática do HabeasCorpus 4 ed Rio de Janeiro Borsoi 1961 p 23 26 Sobre a história do habeas corpus não só no Brasil mas também na Inglaterra e Estados Unidos consultese magistral obra de PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus 27 Explica PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 128 que o habeas corpus é uma pretensão ação e remédio A pretensão existe desde 1830 prevista no Código Criminal arts 183188 A ação e o remédio desde 1832 no Código de Processo Criminal 28 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal cit p 403 29 História e Prática do HabeasCorpus cit p 21 30 História e Prática do HabeasCorpus cit p 176 31 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 447 32 História e Prática do HabeasCorpus cit p 328 e ss 33 Como explica J GOLDSCHMIDT ao definir a ação mandamental em sua obra Derecho Procesal Civil p 113 34 FISCHER Douglas Recursos Habeas Corpus e Mandado de Segurança no Processo Penal 2 ed Porto Alegre Verbo Jurídico 2009 p 255 35 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari Padova CEDAM 1936 p 38 Também GRINOVER A Tutela Preventiva das Liberdades HabeasCorpus e Mandado de Segurança Revista AJURIS n 22 p 114 36 Como explica PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 329 evidente que os juristas ingleses não conheciam a classificação quinária de constante quinze das ações e sentenças mas sua terminologia e precisão em falar em mandatory remedies demonstra que já lhes chamava a atenção a força mandamental de certas sentenças 37 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional cit p 525 38 História e Prática do Habeas Corpus cit p 468 e ss 39 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v VII p 171 e ss 40 Mas é claro que há um espaço conceitual que permite a discricionariedade judicial e se o tribunal quiser conhece habeas corpus normalmente fulminados por demandar uma discussão mais profunda 41 Es indudable y resulta obvio que cuando se juzga más allá de un plazo razonable cualquiera que sea la causa de la demora se está juzgando a un hombre distinto en sus circunstancias personales familiares y sociales por lo que la pena no cumple ni puede cumplir con exactitud las funciones de ejemplaridad y de reinserción social del culpable que son fines justificantes de la sanción como con fina sensibilidad dice la Sentencia de 2661992 apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas In COLOMER JuanLuis Gómez CUSSAC JoséLuis González Coords La Reforma de la Justicia Penal Publicações da Universitat Jaume I 1997 p 387 42 Também sobre o tema PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 490 43 Nesse sentido há interessante decisão do STJ CONSTITUCIONAL PROCESSUAL PENAL CONSTRANGIMENTO ILEGAL RESTRIÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO ATO DE PARTICULAR HABEAS CORPUS ADMISSIBILIDADE O HABEAS CORPUS É AÇÃO CONSTITUCIONAL DESTINADA A GARANTIR O DIREITO DE LOCOMOÇÃO EM FACE DE AMEAÇA OU DE EFETIVA VIOLAÇÃO POR ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER DO TEOR DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL PERTINENTE ART 5º LXVIII EXSURGE O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE ADMITIRSE O USO DA GARANTIA INCLUSIVE NA HIPÓTESE EM QUE A ILEGALIDADE PROVENHA DE ATO DE PARTICULAR NÃO SE EXIGINDO QUE O CONSTRANGIMENTO SEJA EXERCIDO POR AGENTE DO PODER PUBLICO RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO RHC 4120RJ Rel Min Anselmo Santiago Rel p Acórdão Min Vicente Leal 6ª Turma julgado em 29041996 DJ 17061996 p 21517 44 ORTELLS RAMOS Manuel et al Derecho Jurisdiccional proceso penal Barcelona Bosh 1996 p 451 45 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimienti Cautelari cit p 16 e ss 46 Do latim salvus conductos 47 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v I p 63 Especialmente na nota de rodapé n 199 48 Que todos possam vir com segurança para se apresentar 49 De que não ande vagando por praças e lugares públicos pois assim entende exigir a dignidade do magistrado e da Justiça 50 Comissão Parlamentar de Inquérito Competência originária do Supremo Tribunal Federal Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar em sede originária mandados de segurança e habeas corpus impetrados contra Comissões Parlamentares de Inquérito constituídas no âmbito do Congresso Nacional ou no de qualquer de suas Casas É que a Comissão Parlamentar de Inquérito enquanto projeção orgânica do Poder Legislativo da União nada mais é senão a longa manus do próprio Congresso Nacional ou das Casas que o compõem sujeitandose em consequência em tema de mandado de segurança ou de habeas corpus ao controle jurisdicional originário do Supremo Tribunal Federal CF art 102 I d e i MS 23452 Rel Min Celso de Mello j 16091999 DJ 12052000 51 PONTES DE MIRANDA Francisco C História e Prática do HabeasCorpus cit p 502 52 Após o advento da EC n 221999 não mais compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente habeas corpus impetrado contra ato emanado de Tribunal que não se qualifica constitucionalmente como Tribunal Superior A locução constitucional Tribunais Superiores abrange na organização judiciária brasileira apenas o Tribunal Superior Eleitoral o Superior Tribunal de Justiça o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal Militar HC 85838ED Rel Min Celso de Mello j 31052005 DJ 23092005 No mesmo sentido HC 88132 Rel Min Sepúlveda Pertence j 04042006 DJ 02062006 53 História e Prática do HabeasCorpus cit p 516 54 Idem ibidem p 519 55 Habeas corpus Writ impetrado no Superior Tribunal de Justiça Demora no julgamento Direito à razoável duração do processo Natureza mesma do habeas corpus Primazia sobre qualquer outra ação Ordem concedida O habeas corpus é a via processual que tutela especificamente a liberdade de locomoção bem jurídico mais fortemente protegido por uma dada ação constitucional O direito a razoável duração do processo do ângulo do indivíduo transmutase em tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário Direito esse a que corresponde o dever estatal de julgar No habeas corpus o dever de decidir se marca por um tônus de presteza máxima Assiste ao Supremo Tribunal Federal determinar aos Tribunais Superiores o julgamento de mérito de habeas corpus se entender irrazoável a demora no julgamento Isso é claro sempre que o impetrante se desincumbir do seu dever processual de préconstituir a prova de que se encontra padecente de violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder inciso LXVIII do art 5º da Constituição Federal Ordem concedida para que a autoridade impetrada apresente em mesa na primeira sessão da Turma em que oficia o writ ali ajuizado HC 91041 Rel p o ac Min Carlos Britto j 05062007 DJ 17082007 56 Necessário temperamento da Súmula 691 deste Supremo para que não se negue a aplicação do art 5º inc XXXV da Constituição da República Não se há negar jurisdição ao que reclama prestação do Poder Judiciário menos ainda deste Supremo Tribunal quando se afigure ilegalidade flagrante HC 89681 Rel Min Cármen Lúcia j 21112006 DJ 02022007 E ainda O Tribunal concedeu habeas corpus impetrado contra ato do STJ que em decisão monocrática indeferira idêntica medida lá impetrada para confirmar liminares que revogaram as prisões temporárias e preventivas decretadas contra os pacientes bem assim as extensões deferidas aos corréus Preliminarmente o Tribunal reconheceu sua competência para o julgamento do feito superando o Enunciado 691 da sua Súmula por vislumbrar patente ilegalidade no caso Em seguida afastou por maioria a alegação do Ministério Público de que teria ocorrido prejuízo do habeas corpus que formalizado sob o ângulo preventivo não poderia tornarse liberatório Considerouse que a conversão da natureza da impetração seria possível sobretudo ante a pretensão inicialmente formulada neste writ de se impedir em sentido amplo a expedição de ato constritivo em desfavor dos pacientes com base nas mesmas investigações HC 95009 Rel Min Eros Grau j 06112008 Informativo 527 57 Essas categorias são adequadas para fundamentar o pedido de liminar em habeas corpus pois é evidente sua natureza cautelar similar aqui ao processo civil Não há portanto nenhuma contradição com a crítica que fizemos anteriormente ao tratar da prisão cautelar em que se deve argumentar em torno do fumus commissi delicti e do periculum libertatis 58 PONTES DE MIRANDA Francisco C História e Prática do HabeasCorpus cit p 531 59 HABEAS CORPUS SUSTENTAÇÃO ORAL INTIMAÇÃO NULIDADE Tratase de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário em que se alega entre outras coisas a falta de intimação do impetrante para a sustentação oral embora o pedido se encontrasse expresso nos autos Assim deveria ser nulo o acórdão que manteve a instauração de ação penal em desfavor dos ora pacientes A Turma concedeu a ordem ao entendimento de que havendo o pedido de sustentação oral é imprescindível seja dada ciência ao impetrante da data em que será colocado o feito em mesa para julgamento ressaltando que a referida ciência pode ser feita até por meio de informação disponibilizada no sistema informatizado de acompanhamento processual Precedentes citados do STF HC 92290SP DJ 30112007 HC 93101SP DJ 22022008 do STJ HC 88869MG DJ 03122007 HC 93557AM Rel Min Arnaldo Esteves Lima j 19022008 60 Não se sujeita o recurso ordinário de habeas corpus nem a petição substitutiva dele ao requisito do prequestionamento na decisão impugnada para o conhecimento deste basta que a coação seja imputável ao órgão de gradação jurisdicional inferior o que tanto ocorre quando esse haja examinado e repelido a ilegalidade aventada quanto se omite de decidir sobre a alegação do impetrante ou sobre matéria sobre a qual no âmbito de conhecimento da causa a ele devolvida se devesse pronunciar de ofício Precedentes A omissão sobre um fundamento posto é em si mesmo uma coação e o tribunal superior considerando evidenciado o constrangimento ilegal pode fazêlo cessar de imediato e não devolver o tema ao tribunal omisso HC 87639 Rel Min Sepúlveda Pertence j 11042006 DJ 05052006 61 El Mandato de Seguridad Brasileño Visto por un Extranjero In Estudios de Teoria General e Historia del Proceso México UNAM 1974 t II p 637 e ss 62 CIRILO DE VARGAS Juarez CIRILLO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 1992 p 271 63 El Mandato de Seguridad Brasileño Visto por un Extranjero cit t II p 642 e ss O autor no entanto não aceita a classificação de ação de mandamento 64 Idem ibidem p 644 65 Como explica J GOLDSCHMIDT ao definir la acción de mandamiento na obra Derecho Procesal Civil Barcelona Labor 1936 p 113 66 GRINOVER Ada Pellegrini Mandado de Segurança Contra Ato Jurisdicional Penal In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 289 67 Comentários a Constituição de 1967 t V p 355 e ss Apud CIRILO DE VARGAS op cit p 272 68 Por se tratar de uma ação de natureza civil e não penal justificase a adoção das categorias fumus boni iuris e periculum in mora até porque efetivamente o que se deve demonstrar neste momento é a fumaça de bom direito e o risco de lesão a esse direito decorrentes da demora na prestação do provimento definitivo O que não se pode é operar nesta lógica ao tratar das prisões cautelares pois nesse caso tais categorias são imprestáveis 69 GRINOVER Mandado de Segurança contra Ato Jurisdicional Penal cit p 287 70 Mas é importante advertir cresce a pressão para que futuras reformas pontuais ou não do CPP contemplem a possibilidade de revisão criminal pro societate em alguns casos Neste sentido destacamos a proposta de inclusão dos seguintes incisos no art 621 do CPP PL 42062001 Art 621 V se verificar que foi dada por prevaricação concussão ou corrupção do juiz ou com participação de membro do Ministério Público ou Autoridade Policial de forma a influenciar na decisão V quando proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente IV quando a absolvição fundarse em prova comprovadamente falsa enquanto não extinta a punibilidade NR 71 Conforme LOPES MEIRELLES Mandado de Segurança Ação Popular Ação Civil Pública Mandado de Injunção Habeas Data 13 ed São Paulo RT 1991 p 10 e ss 72 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 398 73 LOPES MEIRELLES Hely Mandado de Segurança Ação Popular Ação Civil Pública Mandado de Injunção Habeas Data cit p 13 e ss 74 GRINOVER Ada Pellegrini Mandado de Segurança contra Ato Jurisdicional Penal cit p 286 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 REVISÃO CRIMINAL é uma ação de impugnação de natureza desconstitutiva não submetida a prazos e que se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado estando prevista nos arts 621 a 631 11 CABIMENTO contra acórdão ou sentença condenatória ou absolutória imprópria com trânsito em julgado nos casos previstos no art 621 a contrária ao texto expresso da lei penal processual penal ou da Constituição b contrária à prova dos autos contrariedade frontal completamente divorciada do contexto probatório polêmica aplicação do in dubio pro societate c decisão que se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos sendo que esta prova deve ser préconstituida pode ser usada a ação cautelar de justificação art 861 do CPC d quando após a sentença se descobrirem novas provas de inocência ou circunstância que autorize a diminuição da pena sendo que essa prova nova pode ser tanto a que surgiu após o processo como também a preexistente que não ingressou nos autos excepcionalmente pode ser uma prova que estava no processo mas não foi valorada na decisão Pode ser utilizada a ação cautelar de justificação para coleta É polêmica a aplicação do in dubio pro societate 12 PRAZO LEGITIMIDADE PROCEDIMENTO LIMITES Prazo art 622 não tem prazo para interposição podendo ser feita até mesmo após o cumprimento integral da pena ou a morte do réu art 623 Legitimidade art 623 próprio réu seu defensor ou em caso de morte pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão Competência órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão Limites arts 626627 Acolhendo vedada a reformatio in pejus poderá o tribunal alterar a classificação do crime absolver o réu reduzir a pena ou anular o processo inclusive nos julgamentos proferidos pelo Tribunal do Júri É possível requerer o reconhecimento do direito a indenização art 630 2 HABEAS CORPUS Art 5º LXVIII da CF e arts 647 a 667 É uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental e com status constitucional Possui procedimento sumário e cognição limitada impossibilidade de dilação probatória mas está autorizada a análise de prova préconstituída independentemente da complexidade da questão jurídica tratada Pode ser preventivo ou liberatório 21 CABIMENTO arts 647 a 648 a quando não houver justa causa para a prisão ou ação penal não houver suficiente fumus commissi delicti ou periculum libertatis para justificar a prisão Excepcionalmente o HC pode ser usado para trancar o processo e não a ação quando manifestamente não houver condição da ação penal ver as condições da ação anteriormente explicadas b excesso de prazo da prisão cautelar problemática da falta de prazo máximo de duração da prisão preventiva prazosanção ineficácia c prisão cautelar decretada por autoridade incompetente d quando houver cessado o motivo que autorizou a coação desaparecimento do periculum libertatis ou da situação fática que justificava a prisão preventiva e quando não for concedida fiança nos casos em que a lei autoriza f processo manifestamente nulo neste caso o objeto do HC não é uma prisão ilegal mas um processo ilegal onde se busca o reconhecimento da ilicitude de uma prova por exemplo ou nulidade de ato Típica utilização do HC como instrumento de ataque processual collateral attack que não se restringe aos casos de prisão ilegal g quando estiver extinta a punibilidade cabendo o HC inclusive para trancamento de inquérito policial ou processo penal Admitese HC contra ato de particular quando a ilegalidade da restrição da liberdade não for manifesta a ponto de autorizar a imediata intervenção policial 22 COMPETÊNCIA LEGITIMIDADE PROCEDIMENTO O HC é sempre impetrado a uma autoridade judiciária superior com poder para desconstituir o ato coator Princípio da hierarquia Dever de corrigir o endereçamento art 649 Juizados Especiais Criminais Súmula n 690 do STF competência do STF Mas há divergências e julgados no sentido de ser competente o TJ ou TRF conforme o caso Autoridade Coatora for Promotor ou Procurador da República competência do TJ ou TRF Legitimidade para interpor qualquer pessoa em seu benefício ou de terceiro sem restrições Pessoa Jurídica pode impetrar Há divergência havendo julgados admitindo somente Mandado de Segurança Contudo como já decidido pelo STF entendemos que se a pessoa jurídica pode ser acusada pela prática de um crime ambiental poderá utilizar o HC como instrumento de ataque processual Os juízes e tribunais podem conceder HC de ofício art 654 2º Momentos decisórios a decisão liminar observar a restrição do uso de HC contra liminar Súmula n 691 do STF b decisão final 23 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS arts 102 II a e 105 II a da CF e Lei n 8038 arts 30 a 32 Destinado a impugnar decisões denegatórias ou de não conhecimento do HC Prazo 5 dias Súmula n 319 do STF Legitimidade recurso exclusivo da defesa Preparo não se exige Efeito devolutivo não tem efeito suspensivo Problemática tendência jurisprudencial STJ de não conhecimento do HC substitutivo de recurso ordinário 3 MANDADO DE SEGURANÇA Art 5º LXIX da CF e Lei n 120162009 Tratase de uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental para proteção de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data Segue rito especial e tem cognição sumária exigindo prova préconstituída Ato de autoridade toda manifestação ação ou omissão do poder público que cause lesão ilegal a um direito fundamental Direito líquido e certo é aquele manifesto evidente cuja existência é patente e está amparado por lei Que pode ser comprovado sem dilação probatória Legitimidade ativa titular do direito violado defesa ou acusação MP podendo ser uma pessoa física ou jurídica exemplo do crime ambiental Legitimidade passiva autoridade coatora não se admite contra ato de particular Competência deve ser interposto perante a autoridade judiciária com competência para desconstituir o ato coator princípio da hierarquia Prazo o MS está submetido ao prazo decadencial de 120 dias Súmula n 632 do STF Tem valor da causa de alçada e paga custas exceto se concedida assistência judiciária gratuita Tem dois momentos decisórios liminar e mérito seguindo o sistema recursal do direito processual civil CPC

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Processo HC 903268 SP HABEAS CORPUS 202401167863 Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ 1158 Órgão Julgador T6 SEXTA TURMA Data do Julgamento 03092024 Data da PublicaçãoFonte DJe 06092024 Ementa HABEAS CORPUS ROUBO IDENTIFICAÇÃO FEITA PELA VÍTIMA ESPONTANEAMENTE POR MEIO DE REDE SOCIAL ÚNICA PROVA FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS PARA A CONDENAÇÃO PROVAS DEFENSIVAS QUE INFIRMAM A VERSÃO ACUSATÓRIA RISCO DE FALSA MEMÓRIA E ERRO HONESTO ABSOLVIÇÃO ORDEM CONCEDIDA 1 A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça por ocasião do julgamento do HC n 598886SC Rel Ministro Rogerio Schietti realizado em 27102020 conferiu nova interpretação ao art 226 do CPP a fim de superar o entendimento até então vigente de que referido o artigo constituiria mera recomendação e como tal não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos 2 Posteriormente em sessão ocorrida no dia 1532022 a Sexta Turma desta Corte por ocasião do julgamento do HC n 712781RJ Rel Ministro Rogerio Schietti avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n 598886SC e decidiu à unanimidade que mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal art 226 do CPP o reconhecimento pessoal embora seja válido não tem força probante absoluta de sorte que não pode induzir por si só à certeza da autoria delitiva em razão de sua fragilidade epistêmica se porém realizado em desacordo com o rito JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 4 previsto no art 226 do CPP o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar 3 Segundo se depreende dos autos a vítima foi roubada por dois indivíduos em uma moto e acionou imediatamente a polícia Os agentes conseguiram capturar um dos criminosos motorista mas o outro garupa se evadiu A vítima então decidiu investigar os fatos sozinha e descobrir quem seria o comparsa que escapou razão pela qual localizou o perfil do corréu preso na rede social Facebook e começou a vasculhar a lista de amigos dele até encontrar o paciente o qual afirma reconhecer como o outro roubador por meio das fotos que viu na rede social Posteriormente na delegacia foi formalizado o ato de reconhecimento em desacordo com os requisitos previstos no art 226 do CPP Em juízo o reconhecimento foi repetido novamente sem observância do art 226 do CPP 4 No caso a primeira identificação do acusado foi feita pela vítima de forma espontânea por meio de pesquisa que ela própria realizou na lista de amigos do corréu preso em flagrante na rede social Facebook Assim para esse ato específico não havia como exigir a aplicação do procedimento previsto no art 226 do CPP Isso todavia não significa que a condenação possa subsistir em virtude da manifesta fragilidade do conjunto probatório baseado somente na indicação fotográfica que a vítima fez por meio da lista de amigos do corréu no Facebook posteriormente confirmada por dois reconhecimentos formais ilegais 5 Assim como o reconhecimento formal de pessoas a identificação feita pela vítima em varredura na lista de amigos do corréu no Facebook também se baseia apenas na memória visual dela sobre a fisionomia de alguém que viu em situação de grande tensão emocional e por apenas poucos segundos o que conforme demonstram inúmeros estudos científicos mencionados à exaustão nos precedentes sobre a matéria pode levar e frequentemente leva a identificações equivocadas razão pela qual por si só não é suficiente para comprovar com segurança a autoria delitiva 6 Cabe destacar a propósito que segundo o acórdão a defesa apresentou documentos comprovando que o réu havia sofrido acidente de carro um mês antes do crime com fratura na perna e esteve afastado do trabalho pelo INSS de fevereiro até maio dois meses depois do crime Ademais uma testemunha afirmou haver visto o réu JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 4 com bota ortopédica na véspera dos fatos elementos que contrastam com a narrativa da vítima de que o criminoso haveria descido da moto para anunciar o assalto e depois ainda haveria empreendido fuga correndo rapidamente a ponto de não haver sido capturado pela polícia 7 Não se trata de insinuar que a vítima mentiu ao dizer que reconheceu o acusado Chamase a atenção nesse ponto para o fundamental conceito de erros honestos trazido pela psicologia do testemunho Para este ramo da ciência o oposto da ideia de mentira não é a verdade mas sim a sinceridade Quando se coloca em dúvida a confiabilidade do reconhecimento feito pela vítima mesmo nas hipóteses em que ela diga ter certeza absoluta do que afirma não se está a questionar a idoneidade moral daquela pessoa ou a imputarlhe máfé vale dizer não se insinua que ela esteja mentindo para incriminar um inocente O que se pondera apenas é que não obstante subjetivamente sincera a afirmação da vítima pode eventualmente não corresponder à realidade porque decorrente de um erro honesto causado pelo fenômeno das falsas memórias 8 Ordem concedida para ratificar a liminar deferida e absolver o paciente Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Sexta Turma por unanimidade conceder o habeas corpus nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Antonio Saldanha Palheiro Otávio de Almeida Toledo Desembargador Convocado do TJSP e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr Ministro Relator Ausente justificadamente o Sr Ministro Og Fernandes Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00226 LEGFED RES000484 ANO2022 ART00001 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CNJ JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 4 Jurisprudência Citada RECONHECIMENTO PESSOAL INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DO ART 226 DO CPP OUTROS MEIOS DE PROVA STJ HC 712781RJ JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 4 de 4 Processo AREsp 2408401 PA AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 202302426616 Relator Ministro RIBEIRO DANTAS 1181 Órgão Julgador T5 QUINTA TURMA Data do Julgamento 02042024 Data da PublicaçãoFonte DJe 10042024 Ementa PROCESSUAL PENAL AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL REVISÃO CRIMINAL NA ORIGEM CRIME DE ROUBO MAJORADO ESTUPRO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO CRIMINAL ART 621 III DO CPP NOVA PROVA REVISÃO CRIMINAL POSSIBILIDADE DÚVIDA QUANTO À AUTORIA PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO VALOR PROBATÓRIO DO DEPOIMENTO DA VÍTIMA O IMPACTO DAS FALSAS MEMÓRIAS NO RECONHECIMENTO PESSOAL PROCEDIMENTO DO ART 226 DO CPP NULIDADE AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL 1 No cerne desta deliberação jurídica o agravo em recurso especial desafia a condenação por roubo majorado estupro e estupro de vulnerável ancorandose na admissibilidade de nova prova sob a égide do art 621 III do CPP e questiona a legalidade do reconhecimento pessoal efetuado previsto no art 226 do CPP 2 Este Superior Tribunal de Justiça possui entendimento segundo o qual a retratação de vítimas em delitos sexuais durante audiência de justificação não implica automaticamente a absolvição do acusado devendo ser analisada em conjunto com o acervo probatório disponível 3 A retratação da vítima e as falhas no procedimento de reconhecimento especialmente a discrepância física entre os apresentados e o acusado motivam a reavaliação da condenação A análise se debruça sobre a valoração do depoimento da vítima em JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 3 consonância com o corpus probatório e os princípios do in dubio pro reo enfatizando a influência das falsas memórias na identificação do acusado e a necessidade de alinhamento do procedimento de reconhecimento às diretrizes do art 226 do CPP 4 Teses fixadas 41 Em delitos sexuais a retratação da vítima autoriza a revisão criminal para absolvição do réu quando o conjunto probatório se limita à sua declaração e a testemunhos sem outras provas materiais 42 O procedimento de reconhecimento de pessoas para sua validade deve assegurar a semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos apresentados conforme estabelece o art 226 II do CPP evitandose sugestões que possam influenciar a decisão da testemunha e comprometer o reconhecimento 5 Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial e absolver o recorrente Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Turma por unanimidade conhecer do agravo para dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Joel Ilan Paciornik Messod Azulay Neto Daniela Teixeira e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr Ministro Relator Informações Complementares à Ementa em face de atos teratológicos ou de flagrante ilegalidade processual em matéria penal o STJ tem a prerrogativa de conceder habeas corpus de ofício reafirmando seu compromisso com a proteção dos direitos fundamentais e com a correção de erros processuais graves Essa atuação embora excepcional reflete a sensibilidade do tribunal à necessidade de intervenção imediata em casos de violações evidentes dos princípios de justiça e legalidade o Superior Tribunal de Justiça tem consolidado o entendimento de que a descoberta de novas provas de inocência conforme estabelecido no art 621 inciso III do CPP necessita de comprovação por meio de justificação criminal ambas as Turmas que compõe a Terceira Seção deste JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 3 Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que o reconhecimento de pessoa presencialmente ou por fotografia realizado na fase do inquérito policial apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial sob o crivo do contraditório e da ampla defesa Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00226 INC00002 ART00621 INC00003 ART00626 Jurisprudência Citada REVISÃO CRIMINAL DÚVIDA RAZOÁVEL STANDARD PROBATÓRIO STJ REsp 2042215PE HABEAS CORPUS ATO TERATOLÓGICO STJ REsp 1458386PA ESTUPRO DE VULNERÁVEL REVISÃO CRIMINAL AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO CRIMINAL RETRATAÇÃO DA VÍTIMA STJ AgRg no AREsp 2462400SC AgRg no AREsp 2222222MT RECONHECIMENTO PESSOAL PROCEDIMENTO LEGAL OBSERVÂNCIA STJ HC 598886SC RECONHECIMENTO PESSOAL OUTROS ELEMENTOS DE PROVA CORROBORAÇÃO STJ HC 652284SC RHC 139037SP REVISÃO CRIMINAL NOVAS PROVAS DE INOCÊNCIA JUSTIFICAÇÃO CRIMINAL STJ AgRg no AgRg no AREsp 1443970SP JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 3 Processo HC 832556 SP HABEAS CORPUS 202302118653 Relator Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT 8420 Órgão Julgador T6 SEXTA TURMA Data do Julgamento 05122023 Data da PublicaçãoFonte DJe 07122023 Ementa HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA ACOLHIMENTO RECONHECIMENTO VICIADO QUE NÃO PODE SER CONVALIDADO EM JUÍZO AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE COMPROVAM A AUTORIA DO DELITO 1 A Corte de origem invocou fundamentos para condenar o paciente que estão em contraste com o atual entendimento deste Tribunal Superior cuja jurisprudência se consolidou no sentido de que as normas do art 226 do CPP não são meras recomendações legais devendo ser objeto de observância pelas autoridades investigativas com vistas a evitar a criação de falsas memórias na vítima do delito como resta evidente neste caso tanto que o magistrado de piso que possui melhores condições de aferir as provas constantes dos autos absolveu o paciente 2 Ao contrário do aventado pela Corte de origem não compete ao acusado a comprovação de sua inocência mas sim ao órgão ministerial a demonstração de sua culpabilidade dada a presunção relativa de inocência erigida a garantia constitucional sendo certo que o reconhecimento fotográfico realizado ao arrepio das disposições constantes do art 226 do CPP ainda que ratificado em juízo não legitima a condenação de alguém à mingua de outros elementos probatórios além do depoimento da vítima notadamente porque a res furtiva sequer foi apreendida na posse do paciente JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 2 3 No caso dos autos resta evidente a indução da vítima E C C em reconhecer fotos extraídas do perfil da rede social eletrônica Facebook dos acusados que sequer foram confirmados em sua totalidade sob o crivo do contraditório judicial o que ensejou o pedido de absolvição pelo Parquet em relação aos corréus do ora paciente tornando imperativo o restabelecimento da sentença absolutória que bem afirmou que Não há prova de que teria sido feito de forma correta e ao que tudo indica poderia ter induzido a vítima Edmilson a apontar o réu Rafael como um dos participantes do evento noticiado na denúncia fl 85 4 Habeas corpus concedido para restabelecer a sentença absolutória nos autos da ação penal n 15033020520208260602 Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Sexta Turma por unanimidade conceder o habeas corpus nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Sebastião Reis Júnior Rogerio Schietti Cruz Antonio Saldanha Palheiro e Teodoro Silva Santos votaram com o Sr Ministro Relator Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00226 Jurisprudência Citada ART 226 DO CPP INOBSERVÂNCIA INEXISTÊNCIA DE PROVA VÁLIDA ABSOLVIÇÃO STJ HC 835651RJ JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 2 Processo HC 769783 RJ HABEAS CORPUS 202202853462 Relatora Ministra LAURITA VAZ 1120 Órgão Julgador S3 TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 10052023 Data da PublicaçãoFonte DJe 01062023 RMPRJ vol 91 p 387 Ementa HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO DEPOIMENTO DA VÍTIMA RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E PESSOAL ÚNICOS ELEMENTOS DE PROVA CONTRADIÇÕES E INCONSISTÊNCIAS AFERÍVEIS PRIMO ICTU OCULI DESNECESSIDADE DE REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO DÚVIDA RAZOÁVEL IN DUBIO PRO REO ORDEM CONCEDIDA 1 Desde que respeitadas as exigências legais o reconhecimento de pessoas pode ser valorado pelo Julgador Isso não significa admitir que em todo e qualquer caso a afirmação do ofendido de que identifica determinada pessoa como o agente do crime seja prova cabal e irrefutável Do contrário a função dos órgãos de Estado encarregados da investigação e da acusação Polícia e Ministério Público seria relegada a segundo plano O Magistrado por sua vez estaria reduzido à função homologatória da acusação formalizada pelo ofendido 2 Consoante jurisprudência desta Corte o reconhecimento positivo que respeite as exigências legais portanto é válido sem todavia força probante absoluta de sorte que não pode induzir por si só à certeza da autoria delitiva em razão de sua fragilidade epistêmica STJ HC n 712781RJ relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Sexta Turma julgado em 1532022 DJe de 2232022 3 O reconhecimento de pessoas que obedece às disposições legais o JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 4 que não as observa é nulo consoante jurisprudência pacífica desta Corte não prepondera sobre quaisquer outros meios de prova confissão testemunha perícia acareação etc ao contrário deve ser valorado como os demais 4 Há diferentes graus de confiabilidade de um reconhecimento Se decorrido curto lapso temporal entre o crime e o ato e se a descrição do suspeito é precisa isenta de contradições e de alterações com o passar do tempo o que não ocorre no caso em tela a prova de fato merece maior prestígio No entanto em algumas hipóteses o reconhecimento deve ser valorado com maior cautela como por exemplo nos casos em que já decorrido muito tempo desde a prática do delito quando há contradições na descrição declarada pela vítima e até mesmo na situação em que esse relato porventura não venha a corresponder às reais características físicas do suspeito apontado 5 A confirmação em juízo do reconhecimento fotográfico extrajudicial por si só não torna o ato seguro e isento de erros involuntários pois uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito há tendência por um viés de confirmação a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto STJ HC n 712781RJ relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Sexta Turma julgado em 1532022 DJe de 2232022 6 No caso é incontroverso nos autos que i a condenação do Paciente encontrase amparada tão somente no depoimento da Vítima e nos reconhecimentos realizados na fase extrajudicial e em juízo ii não foram ouvidas outras testemunhas de acusação iii a res furtiva não foi apreendida em poder do Acusado iv o Réu negou a imputação que lhe foi dirigida 7 Constatase primo ictu oculi e sem a necessidade de incursão aprofundada no acervo probatório que há diversas inconsistências e contradições nas descrições feitas pela Vítima a respeito dos aspectos fisionômicos do suspeito o que indica a possibilidade de reconhecimento falho dado o risco de construção de falsas memórias O fenômeno não está ligado à ideia de mentira ou falsa acusação mas sim a de um erro involuntário a que qualquer pessoa pode ser acometida 8 Em audiência a Ofendida nem mesmo afirmou que havia reconhecido o Paciente em sede policial com absoluta certeza Ao contrário alegou que naquela ocasião após visualizar as fotos apenas JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 4 sinalizou que possivelmente o Réu seria o autor do crime 9 Não se desconhece que na origem o Paciente responde por dezenas de acusações relativas à suposta prática de roubo A própria Defesa com nítida boafé enuncia tal fato na inicial porém alerta que em vários deles já foi absolvido em razão de vícios do ato de reconhecimento e de falta de certeza quanto à autoria delitiva fl 34 O alerta defensivo é corroborado pelo substancioso estudo anexado aos autos pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa Márcio Thomaz Bastos informando que o Paciente já foi absolvido em 17 ações penais nas quais o próprio Ministério Público opinou pela improcedência e por isso também não interpôs recurso e que o principal motivo das absolvições foi a ausência de ratificação em Juízo do reconhecimento policial Portanto as graves incongruências no reconhecimento do ora Paciente não podem ser sanadas apenas em razão quantidade de vezes em que este foi reconhecido em outros feitos 10 Considerando que o decreto condenatório está amparado tão somente nos reconhecimentos formalizados pela Vítima e ainda as divergências e inconsistências na referida prova aferíveis de plano e sem a necessidade de incursão no conjunto fáticoprobatório concluo que há dúvida razoável a respeito da autoria delitiva razão pela qual é necessário adotar a regra de julgamento que decorre da máxima in dubio pro reo tendo em vista que o ônus de provar a imputação recai sobre a Acusação 11 Ordem de habeas corpus concedida para absolver o Paciente com fundamento no art 386 inciso VII do Código de Processo Penal Concedido habeas corpus ex officio para determinar a soltura imediata do Paciente em relação a todos os processos cabendo aos Juízos e Tribunais nas ações em curso e aos Juízos da Execução Penal nas ações transitadas em julgado aferirem se a dinâmica probatória é exatamente a mesma repelida nestes autos Determinada a expedição de ofício comunicando a íntegra desse julgado à Corregedoria de Polícia do Estado do Rio de Janeiro para apuração de eventuais responsabilidades Acórdão Vistos e relatados estes a utos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Terceira Seção por unanimidade conceder a ordem para absolver o Paciente da imputação que lhe foi dirigida na Ação Penal n 0133737420208190008 com fundamento JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 4 no art 386 inciso VII do Código de Processo Penal e conceder ordem de ofício para determinar sua soltura imediata em relação a todos os processos cabendo aos Juízos e Tribunais nas ações em curso e aos Juízos da Execução Penal nas ações transitadas em julgado aferirem se a dinâmica probatória é exatamente a mesma repelida nestes autos e determinar a expedição de ofício comunicando a íntegra desse julgado à Corregedoria de Polícia do Estado do Rio de Janeiro para apuração de eventuais responsabilidades nos termos do voto da Sra Ministra Relatora Os Srs Ministros Sebastião Reis Júnior Rogerio Schietti Cruz Reynaldo Soares da Fonseca Antonio Saldanha Palheiro Messod Azulay Neto Jesuíno Rissato Desembargador Convocado do TJDFT e João Batista Moreira Desembargador convocado do TRF1 votaram com a Sra Ministra Relatora Ausente justificadamente o Sr Ministro Joel Ilan Paciornik Presidiu o julgamento o Sr Ministro Ribeiro Dantas Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00226 ART00227 ART00228 ART00386 INC00007 LEGFED RES000484 ANO2022 ART00007 INC00001 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CNJ Jurisprudência Citada RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO MEIO DE PROVA INEXISTÊNCIA DE CARÁTER ABSOLUTO STJ HC 712781RJ AgRg no HC 730232SP AgRg no REsp 1969149RS MEIO DE PROVA CONTRADIÇÕES DÚVIDA RAZOÁVEL IN DUBIO PRO REO STJ AgRg no AREsp 1722914DF HC 706735RS HC 674139SP HC 664537RJ HC 698058SP STF HC 170117 JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 4 de 4 Processo HC 712781 RJ HABEAS CORPUS 202103979528 Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ 1158 Órgão Julgador T6 SEXTA TURMA Data do Julgamento 15032022 Data da PublicaçãoFonte DJe 22032022 RSTJ vol 265 p 1010 Ementa HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENORES RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART 226 DO CPP PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA ORDEM CONCEDIDA 1 A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça por ocasião do julgamento do HC n 598886SC Rel Ministro Rogerio Schietti realizado em 27102020 conferiu nova interpretação ao art 226 do CPP a fim de superar o entendimento até então vigente de que referido o artigo constituiria mera recomendação e como tal não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos Na ocasião foram apresentadas as seguintes conclusões 11 O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime 12 À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 6 13 Pode o magistrado realizar em juízo o ato de reconhecimento formal desde que observado o devido procedimento probatório bem como pode ele se convencer da autoria delitiva com base no exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento 14 O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografias ao reconhecedor a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e portanto não pode servir como prova em ação penal ainda que confirmado em juízo 2 Necessário e oportuno proceder a um ajuste na conclusão n 4 do mencionado julgado Não se deve considerar propriamente o reconhecimento fotográfico como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal mas apenas como uma possibilidade de entre outras diligências investigatórias apurar a autoria delitiva Não é necessariamente a prova a ser inicialmente buscada mas se for produzida deve vir amparada em outros elementos de convicção para habilitar o exercício da ação penal Segundo a doutrina especializada o reconhecimento pessoal feito na fase préprocessual ou em juízo após o reconhecimento fotográfico ou mesmo após um reconhecimento pessoal anterior como uma espécie de ratificação encontra sérias e consistentes dificuldades epistemológicas 3 Se realizado em conformidade com o modelo legal art 226 do CPP o reconhecimento pessoal é válido sem todavia força probante absoluta de sorte que não pode induzir por si só à certeza da autoria delitiva em razão de sua fragilidade epistêmica Se todavia tal prova for produzida em desacordo com o disposto no art 226 do CPP deverá ser considerada inválida o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime mesmo que de forma suplementar Mais do que isso inválido o reconhecimento não poderá ele servir nem para lastrear outras decisões ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido tais como a decretação de prisão preventiva o recebimento de denúncia e a pronúncia 4 Em julgamento concluído no dia 2322022 a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n 206846SP Rel Ministro Gilmar Mendes para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 6 condenação Reportandose ao decidido no julgamento do referido HC n 598886SC no STJ foram fixadas três teses 41 O reconhecimento de pessoas presencial ou por fotografia deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa 42 A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo Se declarada a irregularidade do ato eventual condenação já proferida poderá ser mantida se fundamentada em provas independentes e não contaminadas 43 A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem ainda que em juízo de verossimilhança a autoria do fato investigado de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias que potencializam erros na verificação dos fatos 5 Na espécie a leitura da sentença condenatória e do acórdão impugnado além da análise do contexto fático já delineado nos autos pelas instâncias ordinárias permitem inferir que o paciente foi condenado exclusivamente com base em reconhecimento fotográfico realizado pela vítima e sem que nenhuma outra prova apreensão de bens em seu poder confissão relatos indiretos etc autorizasse o juízo condenatório 6 Mais ainda a autoridade policial induziu a vítima a realizar o reconhecimento tornandoo viciado ao submeterlhe uma foto do paciente e do comparsa adolescente de modo a reforçar sua crença de que teriam sido eles os autores do roubo Tal comportamento por óbvio acabou por comprometer a mínima aproveitabilidade desse reconhecimento 7 Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o showup conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita ou sua fotografia e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é ou não autora do crime por incrementar o risco de falso reconhecimento O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor porquanto se estabelece uma percepção precedente ou seja um préjuízo acerca de quem seria o autor do crime que acaba por contaminar e comprometer JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 6 a memória Ademais uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito há tendência por um viés de confirmação a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto 8 Em verdade o resultado do reconhecimento formal depende tanto da capacidade de memorização do reconhecedor quanto de diversos aspectos externos que podem influenciálo como o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor tempo de duração do evento criminoso a gravidade do fato as condições ambientais tais como visibilidade do local no momento dos fatos aspectos geográficos etc a natureza do crime com ou sem violência física grau de violência psicológica o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento etc 9 Sob um processo penal de cariz garantista é dizer conforme aos parâmetros e diretrizes constitucionais e legais buscase uma verdade processualmente válida em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional 10 Adotada assim a premissa de que a busca da verdade no processo penal se sujeita a balizas epistemológicas e também éticas que assegurem um mínimo de idoneidade às provas e não exponham pessoas em geral ao risco de virem a ser injustamente presas e condenadas é de se refutar que essa prova tão importante seja produzida de forma totalmente viciada Se outros fins que não a simples apuração da verdade são também importantes na atividade investigatória e persecutória do Estado algum sacrifício epistêmico como alerta Jordi FerrerBeltrán pode ocorrer especialmente quando o processo penal busca também a proteção a direitos fundamentais e o desestímulo a práticas autoritárias 11 Impõe compreender que a atuação dos agentes públicos responsáveis pela preservação da ordem e pela apuração de crimes deve darse em respeito às instituições às leis e aos direitos fundamentais Ou seja quando se fala de segurança pública esta não se pode limitar à luta contra a criminalidade deve incluir também a criação de um ambiente propício e adequado para a convivência pacífica das pessoas e de respeito institucional a quem se vê na situação de acusado e antes disso de suspeito 12 Sob tal perspectiva devem as agências estatais de investigação e persecução penal envidar esforços para rever hábitos e acomodações funcionais de sorte a utilizar instrumentos para JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 4 de 6 maximizar as probabilidades de acerto na decisão probatória em particular aqueles que visam a promover a formação de um conjunto probatório o mais rico possível quantitativa e qualitativamente FerrerBeltrán 13 Convém ainda lembrar que as prescrições legais relativas às provas cumprem não apenas uma função epistêmica i e de conferir fiabilidade e segurança ao conteúdo da prova produzida mas também uma função de controlar o exercício do poder dos órgãos encarregados de obter a prova para uso em processo criminal visàvis os direitos inerentes à condição de suspeito investigado ou acusado Nesse sentido é sempre oportuna a lição de Perfécto Ibañez que divisa na exigência de cumprimento das prescrições legais relativas à prova uma função implícita a saber a de induzir os agentes estatais à observância dessas normas o que se perfaz com a declaração de nulidade dos atos praticados de forma ilegal 14 O zelo com que se houver a autoridade policial ao conduzir as investigações determinará não apenas a validade da prova obtida sem bons ingredientes não haverá forma de fazer um bom prato como metaforicamente lembra Jordi FerrerBeltrán mas a própria legitimidade da atuação policial e sua conformidade ao modelo legal e constitucional Sem embargo conquanto as instituições policiais figurem no centro das críticas não são as únicas a merecêlas É preciso que todos os integrantes do sistema de justiça criminal se apropriem de técnicas pautadas nos avanços científicos para interromper e reverter essa preocupante realidade quanto ao reconhecimento pessoal de suspeitos Práticas como a evidenciada no processo objeto deste writ só se perpetuam porque eventualmente encontram respaldo e chancela tanto do Ministério Público a quem como fiscal do direito custos iuris compromissado com a verdade e com a objetividade de atuação cabe velar pela higidez e pela fidelidade da investigação dos fatos sob apuração ao propósito de evitar acusações infundadas quanto do próprio Poder Judiciário ao validar e acatar medidas ilegais perpetradas pelas agências de segurança pública 15 Sob tais premissas e condições não é possível ratificar a condenação do acusado visto que apoiada em prova absolutamente desconforme ao modelo legal sem a observância das regras probatórias próprias e sem o apoio de qualquer outra evidência produzida nos autos 16 Ordem concedida para absolver o paciente em relação à prática JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 5 de 6 dos delitos de roubo e de corrupção de menores objetos do Processo n 00145525920198190014 da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes RJ ratificada a liminar anteriormente deferida a fim de determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor se por outro motivo não estiver preso Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça por unanimidade conceder o habeas corpus nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Antonio Saldanha Palheiro Olindo Menezes Desembargador Convocado do TRF 1ª Região Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr Ministro Relator Referência Legislativa LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00155 ART00226 Jurisprudência Citada RECONHECIMENTO DE PESSOAS REQUISITOS FORMAIS STJ HC 598886SC JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 6 de 6 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ NOME DOA ALUNOA TÍTULO DO TRABALHO SUBTÍTULO CURITIBA 20 nome doA alunoA TÍTULO DO TRABALHO SUBTÍTULO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito Orientadora Profa DraMsc CURITIBA 20 TERMO DE APROVAÇÃO NOME DOA ALUNOA TÍTULO DO TRABALHO Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao curso de Graduação em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito Profa DraMsc Orientadora Profa DraMsc Professora Avaliadora Profa DraMsc Professora Avaliadora Curitiba de de 20 DEDICATÓRIA FACULTATIVO Forma livre AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS FACULTATIVO Forma livre EPÍGRAFE FACULTATIVO Forma livre TÍTULO DESTE ARTIGO EM PRIMEIRA LÍNGUA TITLE OF THIS ARTICLE IN ENGLISH OR SECOND LANGUAGE RESUMO Devese ressaltar de forma clara e sintética a natureza e o objetivo do trabalho o método que foi empregado os resultados e as conclusões mais importantes seu valor e originalidade O resumo escrito na língua original entre 150 e 250 palavras bem como de sua tradução para o inglês Palavraschave Palavras Resumo Palavras Resumo Palavras ABSTRACT O texto do resumo na versão em Inglês ou Espanhol Keywords Slovy Vysnovy Slovy Vysnovy Slovy SUMÁRIO 1 Introdução 2 Fundamentação teórica desenvolvimento 3 Considerações Finais 4 Referências 1 INTRODUÇÃO Iniciase a introdução com uma contextualização do tema Na introdução devese expor a finalidade e os objetivos do artigo de modo que o leitor tenha uma visão geral do tema abordado São elementos da introdução o tema problema de pesquisa objetivos geral e específicos hipóteses se houver e justificativas O texto deve ser apresentado em Times New Roman tamanho 12 espaçamento 115 de no mínimo 20 páginas e no máximo 25 incluindose as notas e referências O texto que exceder o número de páginas definido para a seção será devolvido para adequação As Normas Técnicas da UTP devem ser utilizadas como padrão para a formatação e desenvolvimento do trabalho científico httpstuiutiedubrwpcontentuploads202409e bookNTUTP20241pdf 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DESENVOLVIMENTO Parte principal e mais extensa do trabalho deve apresentar a fundamentação teórica a metodologia os resultados e a discussão Dividese em seções e subseções conforme as Normas Técnicas da UTP Tabela 1 Tabela do exemplo Coluna Coluna Coluna Coluna Coluna Linha 1 1 1 1 Linha 1 1 1 1 Linha 1 1 1 1 Fonte Autores 2018 Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Quadro 1 Quadro do exemplo Coluna Coluna Coluna Linha Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Linha Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Linha Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Main ak plis anpil pati nan travay la ta dwe prezante Fonte Xyvxyv 2017 Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem As citações longas 3 linhas ou mais devem ser redigidas em fonte tamanho 10 com espaçamento simples 10 recuo de 4cm à esquerda e não deve conter indicações gráficas de citação tais como aspas Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Figura 1 Figura do exemplo Fonte Xysran 2017 Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem Xyvrevs trevsc iubfrasr ed hydsfrs orem REFERÊNCIAS Todos os documentos citados devem ser apresentados ao final do artigo com o título Referências sem distinções entre livros periódicos documentos etc As Normas Técnicas da UTP devem ser utilizadas como regra httpstuiutiedubrwpcontentuploads202409e bookNTUTP20241pdf Nas referências devese utilizar o título em negrito e não sublinhado Todos os autores citados no texto devem ser incluídos na lista de referências em ordem alfabética Devem ser alinhadas à margem esquerda do texto com espaço simples e separadas umas das outras por um espaço simples Usar o mesmo tipo e tamanho de fonte do texto do artigo Times New Roman tamanho 12 Não deve ser numerada EXEMPLOS ANDRADE M M Introdução à Metodologia do Trabalho Científico 9ed São Paulo Atlas 2009 AZEVEDO L A SHIROMA E O COAN M As políticas públicas para a educação profissional e tecnológica sucessivas reformas para atender a quem B Téc Senac a R Educ Prof Rio de Janeiro v 38 n 2 p 2740 2012 Processo AgRg no HC 522499 SC AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 201902119613 Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ 1158 Órgão Julgador T6 SEXTA TURMA Data do Julgamento 28082023 Data da PublicaçãoFonte DJe 30082023 Ementa AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PARA DEMONSTRAR A AUTORIA DELITIVA ABSOLVIÇÃO AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO 1 A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça por ocasião do julgamento do HC n 598886SC Rel Ministro Rogerio Schietti realizado em 27102020 conferiu nova interpretação ao art 226 do CPP a fim de superar o entendimento até então vigente de que referido o artigo constituiria mera recomendação e como tal não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos 2 Em julgamento concluído no dia 2322022 a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n 206846SP Rel Ministro Gilmar Mendes para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação Reportandose ao decidido no julgamento do referido HC n 598886SC no STJ foram fixadas pelo STF três teses 21 O reconhecimento de pessoas presencial ou por fotografia deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 1 de 4 verificação dos fatos mais justa e precisa 22 A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo Se declarada a irregularidade do ato eventual condenação já proferida poderá ser mantida se fundamentada em provas independentes e não contaminadas 23 A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem ainda que em juízo de verossimilhança a autoria do fato investigado de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias que potencializam erros na verificação dos fatos 3 Posteriormente em sessão ocorrida no dia 1532022 a Sexta Turma desta Corte por ocasião do julgamento do HC n 712781RJ Rel Ministro Rogerio Schietti avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n 598886SC e decidiu à unanimidade que mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal art 226 do CPP o reconhecimento pessoal embora seja válido não tem força probante absoluta de sorte que não pode induzir por si só à certeza da autoria delitiva em razão de sua fragilidade epistêmica se porém realizado em desacordo com o rito previsto no art 226 do CPP o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar 4 No caso em 662015 as vítimas sofreram um roubo praticado por duas pessoas ocasião em lhes foram subtraídos aparelhos celulares documentos pessoais mochila com objetos pessoais valores em dinheiro R 120000 e R 3500 e um veículo utilizado pelos agentes para empreender fuga Na fase policial apresentaram fotografias dos réus às ofendidas que os reconheceram O reconhecimento do ora paciente não foi realizado nessa fase pois não encontrado Em juízo narraram como se deu o ato de reconhecêlos Ao contrário do alegado pela defesa não houve desrespeito ao procedimento previsto no art 226 do CPP nos reconhecimentos porquanto houve prévia descrição das características dos suspeitos e foram exibidas quatro fotografias de indivíduos semelhantes imagens estas que foram juntadas aos autos 5 Todavia a leitura do acórdão permite inferir que a condenação se baseou a rigor apenas no reconhecimento fotográfico feito no inquérito policial uma vez que o paciente não foi localizado nessa fase e supostamente repetido em juízo também por fotografias JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 2 de 4 Ademais a vítima Amanda realizou o reconhecimento pessoal de Brayan mas vítima Gabriela manifestou dúvida ao apontálo como autor do delito em audiência Vale dizer apesar de haver sido observado o rito legal nos reconhecimentos não foi apontado nenhum outro elemento concreto que pudesse corroborar tal prova a qual por si só não é suficiente para um decreto condenatório em razão de sua fragilidade epistêmica 6 Não se trata de insinuar que a vítima mentiu ao dizer que reconheceu o acusado Chamase a atenção nesse ponto para o fundamental conceito de erros honestos trazido pela psicologia do testemunho Para este ramo da ciência o oposto da ideia de mentira não é a verdade mas sim a sinceridade Quando se coloca em dúvida a confiabilidade do reconhecimento feito pela vítima mesmo nas hipóteses em que ela diga ter certeza absoluta do que afirma não se está a questionar a idoneidade moral daquela pessoa ou a imputarlhe máfé vale dizer não se insinua que ela esteja mentindo para incriminar um inocente O que se pondera apenas é que não obstante subjetivamente sincera a afirmação da vítima pode eventualmente não corresponder à realidade porque decorrente de um erro honesto causado pelo fenômeno das falsas memórias 7 Uma vez que o reconhecimento do agravado é nulo visto que foi realizado em desconformidade com o disposto no art 226 do CPP deve ser proclamada a sua absolvição ante a inexistência como se deflui da sentença condenatória e do acórdão impugnado de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado 8 Agravo regimental não provido Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça em sessão virtual de 22082023 a 28082023 por unanimidade negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr Ministro Relator Os Srs Ministros Laurita Vaz Sebastião Reis Júnior Antonio Saldanha Palheiro e Jesuíno Rissato Desembargador Convocado do TJDFT votaram com o Sr Ministro Relator Presidiu o julgamento a Sra Ministra Laurita Vaz Referência Legislativa JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 3 de 4 LEGFED DEL003689 ANO1941 CPP41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART00155 ART00226 Jurisprudência Citada RECONHECIMENTO ART 226 DO CPP VALOR PROBANTE ABSOLUTO AUSÊNCIA STJ HC 712781RJ JurisprudênciaSTJ Acórdãos Página 4 de 4 LILIAN MILNITSKY STEIN E COLABORADORES FALSAS MEMÓRIAS FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS E SUAS APLICAÇÕES CLÍNICAS E JURÍDICAS Sapere aude artmed Sapere aude Exemplar genérico conhecimento específico FALSAS MEMÓRIAS F197 Falsas memórias recurso eletrônico fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Lilian Milnitsky Stein et a lj Dados eletrônicos Porto Alegre Artmed 2010 Editado também como livro impresso em 2010 ISBN 9788536321530 1 Psicologia cognitiva Memória 2 Falsas memórias I Stein Lilian Milnitsky CDU 1599533 Catalogação na publicação Renata de Souza Borges CRB101922 LILIAN MILNITSKY STEIN E COLABORADORES FALSAS MEMÓRIAS FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS E SUAS APLICAÇÕES CLÍNICAS E JURÍDICAS 2 0 1 0 Artmed Editora SA 2010 Capa Paola Manica Imagem da capa istockphotocomferrantraite Phototrolley Preparação do original Marcelo Viana Soares Leitura final Rafael Padilha Ferreira Editora sênior Saúde Mental Mônica Ballejo Canto Editora responsável por esta obra Carla Rosa Araújo Projeto e editoração Armazém Digital Editoração Eletrônica Roberto 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Pesquisa em Pro cessos Cognitivos do Programa de PósGraduação em Psicologia da PUCRS Bolsista produtividade em pesquisa do CNPq Atua nas áreas de falsas memórias emoção e memória e Psicologia do Testemunho Anna Virginia Williams Doutoranda e pesquisadora associada do Institute of Psychiatry Kings College Lon don Inglaterra Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Carlos Falcão de Azevedo Gomes Graduando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul onde é bolsista de iniciação científica do CNPq no Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos do Programa de PósGraduação em Psicologia Carmem Beatriz Neufeld Doutora e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicóloga graduada pela Universidade da Região da Campanha Professora Dou tora do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Psicoterapeuta Cognitiva Carmen Lisbôa Weingãrtner Welter Doutoranda em Psicologia Forense pela Universidade de Coimbra Portugal Especia lista em Psicoterapia de Crianças e Adolescentes pelo CEAPIA Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Psicóloga do Ministério Público do Rio Grande do Sul V iií Autores Giovanni Kuckartz Pergher Mestre em Psicologia Social e da Personalidade Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Professor das Faculdades Integradas de Taquara Diretor da WP Centro de Psicoterapia CognitivoComportamental Psicote rapeuta CognitivoComportamental Gustavo Rohenkohl Doutorando no Departamento de Psicologia Experimental da University o f Oxford Inglaterra Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Juliana da Rosa Pureza Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul onde é bolsista de iniciação científica do CNPq no Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos do Programa de PósGraduação em Psicologia Leandro da Fonte Feix Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Professor do curso de Psi cologia do Centro Universitário Metodista IPA e coordenador do curso de Noções de Terapia CognitivoComportamental com Indivíduos e Casais do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo Psicoterapeuta CognitivoComportamental Luciana Moreira de Ávila Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicóloga graduada pela Universidade Católica de Pelotas Pro fessora da Universidade da Região da Campanha Luciano Haussen Pinto Mestre em Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Especialista em Terapia CognitivoComportamental pela WP Centro de Psicoterapia CognitivoComportamental Psicólogo clínico Luiza Ramos Feijó Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul onde é bolsista de iniciação científica do CNPq no Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos do Programa de PósGraduação em Psicologia Márcio Englert Barbosa Mestre em Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Especialista em Terapia CognitivoComportamental pela WP Centro de Psicoterapia CognitivoComportamental Psicólogo clínico e consultor em Psicologia do Esporte Autores ix Priscila Goergen Brust Mestranda em Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Renato Favarin dos Santos Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicólogo graduado pela Universidade Federal de Santa Maria Psicólogo da Universidade Federal de Roraima e professor da Faculdade Cathedral de Boa VistaRR Rodrigo GrassiOliveira Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Médico psiquiatra graduado pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Research Fellow do Departamento de Psiquiatria da Harvard Medicai School EUA Professor adjunto da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Coordenador do Grupo de Pesquisa Neurociência Cognitiva do Desenvolvimento Ronie Alexsandro Teles da Silveira Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Mes tre em Filosofia Transcendental e Dialética pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás Professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia onde desenvolve investigações sobre a memória e suas implicações filosóficas Rosa Helena Delgado Busnello Doutoranda e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran de do Sul Especialista em Psicologia das Organizações e em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Licenciada em Letras Portu guêsFrancês pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 13 PREFÁCIO 15 C J Brainerd PARTE I Fundamentos científicos 1 COMPREENDENDO O FENÔMENO DAS FALSAS M EM Ó RIA S 21 Carmem Beatriz Neufeld Priscila Goergen Bruste Lilian Milnitsky Stein 2 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS NA INVESTIGAÇÃO DAS FALSAS M EM Ó RIAS42 Priscila Goergen Brust Carmem Beatriz Neufeld Luciana Moreira de Ávila Anna Virginia Williams e Lilian Milnitsky Stein 3 NEUROCIÊNCIA COGNITIVA DAS FALSAS M EM Ó R IA S 69 Rodrigo GrassiOliveira e Gustavo Rohenkohl PARTE II Tópicos especiais 4 EMOÇÃO E FALSAS M EM Ó RIA S 87 Gustavo Rohenkohl Carlos Falcão de Azevedo Gomes RonieAlexsandro Teles da Silveira Luciano Haussen Pinto e Renato Favarin dos Santos 5 FALSAS MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS101 Giovanni Kuckartz Pergher 6 MEMÓRIA IMPLÍCITA PRIMING E FALSAS MEMÓRIAS 117 Rosa Helena Delgado Busnello 12 Sumário 7 FALSAS MEMÓRIAS E DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 133 Márcio Englert Barbosa Luciana Moreira de Ávila Leandro da Fonte Feix e Rodrigo GrassiOliveira PARTE III Aplicações clínicas e jurídicas 8 FALSAS MEMÓRIAS SUGESTIONABILIDADE E TESTEMUNHO INFANTIL 157 Carmen Lisbôa Weingartner Weltere Leandro da Fonte Feix 9 RECORDAÇÃO DE EVENTOS EMOCIONAIS REPETITIVOS MEMÓRIA SUGESTIONABILIDADE E FALSAS M EM Ó RIA S 186 Carmen Lisbôa Weingärtner Welter 1 0 MEMÓRIA EM JULGAM ENTOTÉCNICAS DE ENTREVISTA PARA MINIMIZAR AS FALSAS M EM Ó RIA S 209 Leandro da Fonte Feix e Giovanni Kuckartz Pergher 1 1 IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DAS FALSAS M EM Ó RIAS 228 Giovanni Kuckartz Pergher e Rodrigo GrassiOliveira 1 2 SÍNDROME DAS FALSAS M EM Ó RIAS 240 Luciano Haussen Pinto Juliana da Rosa Pureza e Luiza Ramos Feijó ÍNDICE 260 APRESENTAÇÃO E s ta obra é fruto do trabalho do Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos PósGraduação em Psicologia PUCRS Há dez anos iniciamos pesquisas pio neiras no país no campo das falsas memórias buscando trazer para nossa reali dade um conhecimento científico consolidado em nível internacional e que por alguma razão ainda não havia chegado ao nosso continente No mundo afora principalmente na América do Norte e na Europa por quase três décadas os psi cólogos e neurocientistas têm buscado decifrar este fenômeno do funcionamento normal da memória humana que são as falsas memórias ou seja as lembranças de eventos específicos como se tivessem realmente ocorrido quando de fato não ocorreram Hoje o tema das falsas memórias já é bem mais conhecido na América La tina em especial por suas implicações no campo forense Todavia ainda existe um longo caminho a percorrer se compararmos com os avanços das pesquisas sobre falsas memórias em diversos países europeus norteamericanos e da Ocea nia Nesses países os avanços científicos também têm impactado áreas aplicadas como a da Psicologia do Testemunho por exemplo nas práticas de entrevistas para obtenção de testemunhos e nas técnicas de reconhecimento de suspeitos Tais impactos levaram a mudanças na legislação desses países tanto em relação a essas práticas quanto a outras questões acerca da apreciação dos depoimentos de testemunhas Além disso várias técnicas psicoterapêuticas estão sendo revis tas em função do que se sabe hoje sobre os mecanismos que podem reduzir ou aumentar as falsas memórias A proposta deste livro está sintonizada com o objetivo perseguido desde o início dos nossos trabalhos como Grupo de Pesquisas de disponibilizar à comuni dade científica e profissional tanto da Psicologia e Psiquiatria quanto do Direito o acesso a uma literatura atualizada e em língua portuguesa sobre as falsas m e mórias e seus desdobramentos para áreas aplicadas Assim nasceu o projeto deste livro alicerçado por nossa consolidada experiência de estudos e pesquisas com falsas memórias Engendrado e desenvolvido de forma colaborativa pelos seus autores para que com nossas diferentes trajetórias profissionais e conhecimentos pudéssemos levar adiante o desafio de tom ar o texto ao mesmo tempo acessível e completo para alunos de graduação e para o público em geral este livro quanto aprofundado é interessante para pósgraduandos e profissionais experientes 1 4 Lilian Milnitsky Stein cols Esta obra está organizada em três partes Na primeira intitulada Funda mentos Científicos no Capítulo 1 apresentamse conceitos e teorias explica tivas das falsas memórias que servirão de base para a compreensão dos temas desenvolvidos nos demais capítulos do livro Ainda nessa primeira parte são in troduzidos os principais métodos de investigação experimental que norteiam as pesquisas nesta área Capítulo 2 bem como os avanços que as neurociências têm propiciado para o estudo desse fenômeno Capítulo 3 Os outros dois grandes focos do livro alimentamse desses fundamentos para apontar como o conheci mento científico sobre as falsas memórias tem sido direcionado tanto para alguns Tópicos Especiais quanto para Aplicações Clínicas e Jurídicas Com relação aos Tópicos Especiais destacamos o campo da emoção e falsas memórias Capítulo 4 e de com o a memória autobiográfica pode não estar imu ne a elas Capítulo 5 além do fato de que as falsas memórias podem ser influen ciadas por nossos processos cognitivos não conscientes ou implícitos Capítulo 6 ou por fatores relativos às diferenças individuais Capítulo 7 Na terceira parte do livro as aplicações dos estudos das falsas memórias na esfera jurídica são tratadas com ênfase especial para a Psicologia do Testemunho tanto no que tange ao depoimento infantil Capítulos 8 e à recordação de eventos emocionais repetitivos Capítulo 9 quanto sobre técnicas para oitiva de testemunhas e víti mas que buscam minimizar as falsas memórias Capítulo 10 Além das questões jurídicas discutemse as implicações das falsas memórias para as psicoterapias Capítulo 11 e os desafios impostos à prática clínica pela chamada Síndrome das Falsas Memórias Capítulo 12 A partir desta obra esperamos que estudantes e profissionais das mais di versas áreas possam se beneficiar dos conhecimentos científicos acerca das falsas memórias aprimorando suas pesquisas e práticas profissionais Lilian Milnitsky Stein PREFÁCIO K pouco menos de duas décadas no começo da década de 1990 houve um notável crescimento das pesquisas sobre a memória humana falsa ou seja pes quisas sobre as circunstâncias em que pessoas normais lembram de fatos espe cíficos como se tivessem ocorrido durante determinados episódios de suas vidas quando de fato não ocorreram naquele momento ou jamais ocorreram Até então o estudo das falsas memórias estava restrito principalmente a duas áreas da Psicologia Forense identificação de suspeitos por testemunhas e entrevistas sugestivas de testemunhas e suspeitos Isso se deu porque embora as falsas m e mórias que ocorrem no dia a dia sejam inofensivas o mesmo não se aplica ao campo jurídico De fato talvez seja nesta arena jurídica em que os efeitos das falsas memórias podem ser verdadeiramente danosos Em um julgamento civil ou penal a maioria das evidências apresentadas são testemunhos juramentados de modo que as evidências somente são verdadeiras até o momento em que as recordações da testemunha estiverem corretas Todavia quando as recordações da testemunha são incorretas é difícil refutar os erros da memória com base em evidências forenses inquestionáveis p ex impressões digitais testes de DNA re cibos financeiros e outros documentos físicos pois apenas em uma porcentagem mínima dos casos menos de 10 dos delitos graves nos Estados Unidos podem ser obtidas evidências forenses desse tipo O rápido aumento das pesquisas sobre as falsas memórias no começo da década de 1990 originouse de outra fonte dentro do campo forense falsas m e mórias em testemunhos de crianças As memórias das crianças testemunhas têm sido o foco de interesse científico desde os primórdios do século XX Os traba lhos pioneiros de pesquisadores como Binet Small Stem Varendonck e Whipple levaram à conclusão de que as memórias de crianças pequenas são tão frágeis e pouco confiáveis mesmo para acontecimentos de grande significado pessoal que o testemunho infantil é definitivamente prejudicial consequentemente nos Estados Unidos o testemunho de crianças foi banido por lei Essa situação mudou radicalmente nas décadas de 1970 e 1980 quando antigos obstáculos legais a tes temunhos de crianças começaram a ser derrubados e evidências obtidas através deles se tomaram frequentes em alguns tipos de casos As Federal Rules o f Evi dence 601 por exemplo ampliaram a admissibilidade do testemunho de crianças 16 Lilian Milnitsky Stein cols e permitiram que os jurados decidissem quanto peso deviam dar a ele Os tipos mais comuns de casos em que crianças se tornaram testemunhas frequentes são crimes domésticos em que elas são normalmente as vítimas p ex abuso e negli gência e crimes domésticos em que são testemunhas p ex violência conjugal produção de substâncias ilegais O uso crescente de evidências fornecidas por crianças nesses casos levou a algumas consequências problemáticas que levantaram antigas preocupações sobre a confiabilidade das memórias delas Especificamente durante o final da década de 1980 e início da de 1990 houve uma série de crimes muito sérios nos quais os réus foram julgados por várias acusações de abuso sexual de crianças consistindo às vezes de atos bizarros e exóticos levantandose sérias questões sobre a fidedignidade das memórias em que foram baseados os testemunhos das vítimas Um exemplo típico desses casos foi o do Estado de Nova Jersey versus Mi chaels Na posição de réu estava uma atriz de 26 anos que trabalhava como pro fessora de uma préescola Com base no testemunho das crianças da préescola ela foi condenada por 115 acusações de abuso sexual envolvendo 20 vítimas e foi sentenciada a 47 anos de prisão Todavia as alegações de muitas das crianças pareciam bastante improváveis diziam que a professora Michaels tocava piano nua inseria facas e garfos nas cavidades do corpo das crianças e fazia com que elas comessem fezes Houve uma apelação da sentença e um grupo de 46 cien tistas do qual participei apresentou voluntariamente um relatório que mostrava que as crianças haviam sido submetidas a procedimentos de entrevista altamente sugestivos concluindo que seus relatos de abuso podiam ter sido contaminados por falsas memórias criadas por esse processo Embora a condenação de Michaels tenha sido revertida pela Suprema Corte de Nova Jersey ela já havia passado quatro anos na prisão quando a decisão saiu Como não é de surpreender casos desse tipo estimularam pesquisas sobre as falsas memórias de crianças que resultaram na produção de uma literatura muito expressiva literalmente centenas de experimentos foram publicados Como essas pesquisas surgiram a partir de casos de grande repercussão suas descobertas rece beram bastante atenção fora da comunidade científica Ao final da década de 1990 a pesquisa sobre as falsas memórias havia se alastrado para além da Psicologia Forense para a Psicologia Experimental e a Psicologia Clínica e uma expressiva li teratura descrevendo novos procedimentos experimentais foi se acumulando rapi damente Em meados desta década a pesquisa sistemática sobre as falsas memórias havia se disseminado na Neurodência Cognitiva e na Psicologia do Envelhecimento Mais uma vez uma vasta literatura começou a se acumular com o emprego de pro cedimentos experimentais que são específicos desses domínios Portanto nos dias de hoje a dência das falsas memórias é um vasto campo de pesquisas engloban do em grandes subliteraturas sobre tópicos como as falsas memórias das crianças falsas memórias na psicoterapia falsas memórias em populações especiais como idosos e padentes neurológicos e os lócus cerebrais das falsas memórias Embora a literatura sobre as falsas memórias seja vasta ela tem uma limita ção crucial praticamente todas as pesquisas foram realizadas nos Estados Unidos em inglês e publicadas em periódicos e livros de língua inglesa Existem poucas Falsas Memórias 17 pesquisas de países europeus como a França a Alemanha e Portugal Para que a ciência das falsas memórias alcance todo seu potencial obviamente é essencial que se realizem estudos sistemáticos em países além dos Estados Unidos e em idiomas que não o inglês Neste contexto esta obra da Dra Lilian M Stein e colaboradores é bastante bemvinda e oportuna O grupo de pesquisas da Dra Stein é o único em uma universidade sulamericana que realiza estudos sistemáticos sobre falsas memó rias sendo todas essas pesquisas feitas em português Além disso as pesquisas no laboratório da Dra Stein tem um alcance bastante amplo enfocando crianças adultos questões aplicadas e básicas e falsas memórias emocionais e não em o cionais Deste modo ela e seus colaboradores estão na posição singular de terem produzido um livro excelente abrangendo vários temas importantes na pesquisa contemporânea das falsas memórias Embora como falei a pesquisa sobre as falsas memórias tenha sido identifi cada por muito tempo como uma área da Psicologia Aplicada a pesquisa moder na sobre as falsas memórias tem sido fortemente motivada por questões teóricas e tem produzido distinções cruciais entre diferentes tipos de falsas memórias Assim é muito acertado que este livro comece com uma síntese das principais teo rias sobre as falsas memórias Construtivismo Teoria do Traço Difuso e o M odelo do Monitoramento da Fònte e com a distinção entre falsas memórias espontâ neas e sugeridas O restante da primeira parte do livro Fundamentos Científicos trata das metodologias comportamentais básicas que tem sido empregadas para colocar o estudo das falsas memórias sob o rigor do controle experimental Ca pítulo 2 e também das técnicas básicas da neurociência p ex IRMfj EEG que são usadas para identificar os mecanismos cerebrais associados a distorções da memória Capítulo 3 Na Parte II Tópicos Especiais os capítulos cobrem quatro dos tópicos mais importantes no estudo das falsas memórias o papel da emoção Capítulo 4 falsas memórias autobiográficas Capítulo 5 falsas memórias im plícitas Capítulo 6 e diferenças individuais Capítulo 7 O Capítulo 4 discute a questão de estar correta ou não a visão tradicional de que as memórias acer ca de eventos emocionais seriam altamente resistentes à distorção O Capítulo 5 explora como as falsas memórias autobiográficas dominadas por abordagens como a Teoria dos Esquemas e o M odelo do Monitoramento da Fonte podem se beneficiar com a aplicação das ideias de processos oponentes que evoluíram a partir da experimentação no laboratório O Capítulo 6 considera o fato das falsas memórias também poderem ser detectadas com os tipos de procedimentos que têm sido utilizados há alguns anos para estudar a memória implícita Finalmente o Capítulo 7 analisa a questão fundamental de se existirem diferenças individuais estáveis na susceptibilidade à distorção da memória concluindo que a resposta é sim para sujeitos de diferentes idades pex crianças vs adultos jovens idosos vs adultos jovens e para sujeitos que possuem certos traços de personalidade pex ansiedade neuroticismo A Parte III Aplicações Clínicas e Jurídicas retoma as raízes da pesquisa sobre as falsas memórias na Psicologia Aplicada abordando o testemunho infantil Capítulo 8 as formas em que a repetição pode proteger as memórias das crian 18 Lilian Milnitsky Stein cols ças da distorção Capítulo 9 a questão de como as falsas memórias podem ser minimizadas em casos legais Capítulo 10 a maneira como as memórias dos pa cientes podem ser distorcidas durante a psicoterapia Capítulo 11 e a chamada síndrome da falsa memória que é associada à terapia com memórias recuperadas Capítulo 12 Os autores do Capítulo 8 enfatizam que é preciso entender as características singulares da memória das crianças para avaliar a potencial vulne rabilidade delas como testemunhas à distorção da memória A autora do Capítulo 9 relata que a repetição pode ter efeitos diferentes sobre a distorção da memória podendo reduzila para certos aspectos dos acontecimentos enquanto simulta neamente aumentar a distorção para outros No Capítulo 10 discutese uma das técnicas para reduzir erros na investigação de crimes a Entrevista Cognitiva de Fisher e colaboradores e analisase o potencial para introduzir essa técnica investigativa no Brasil Por fim no Capítulo 12 são revisadas pesquisas sobre a controversa síndrome da falsa memória uma condição clínica em que pacientes adultos em psicoterapia lembram de incidentes de abuso sexual em sua infância que antes não haviam sido recordados Enfim este livro deve ser reconhecido como uma importante contribuição à literatura psicológica em língua portuguesa Apresenta uma abordagem escla recedora de muitos dos temas centrais da ciência moderna das falsas memórias juntamente com discussões criteriosas sobre como os resultados das pesquisas sobre as falsas memórias podem ser aplicados nas esferas clínica e jurídica C J Brainerd Professor ofH um an Development and Law Comell University PARTE I Fundamentos científicos 1 COMPREENDENDO O FENÔMENO DAS FALSAS MEMÓRIAS Carmem Beatriz Neufeld Priscila Goergen Brust Lilian Milnitsky Stein A diferença entre as falsas memórias e as verdadeiras é a mesma das jóias são sempre as falsas que parecem ser as mais reais as mais brilhantes Salvador Dali comentando sua obra A persistência da memória de 1931 em seu livro SecretLife citado por Cockburn 1998 confiável é a memória humana Você julgaria possível que a memória alguns fatos relevantes da sua história seja falsa Uma jovem americana perde sua mãe afogada na piscina de casa aos 14 anos Passados 30 anos um tio comenta em uma reunião de família que a jovem foi a primeira a encontrar a mãe boiando na piscina A partir deste momento ela passa a lembrar vividamente a impactante cena que teria presenciado Alguns dias depois ela recebe um telefonema do irmão desculpandose pelo tio infor mando que ele havia se confundido e que na realidade quem encontrou a mãe na piscina fora sua tia A jovem em questão é hoje uma renomada pesquisadora na área de falsas me mórias FM chamada Elisabeth Loftus Em uma entrevista à revista Psychology Today Neimark 1996 Loftus comenta que a ideia mais assustadora é que aquilo em que nós acreditamos com todo nosso coração pode não ser necessariamente a verdade O fato de podermos lembrar eventos que na realidade não ocorreram as FM motivou um crescimento da literatura internacional sobre esse tópico nas últimas décadas buscando explicar como se dá esse processo de distorção da memória Em especial as questões relacionadas à habilidade de crianças em relatar fidedig namente os fatos testemunhados tanto como vítimas de abusos físicos ou sexuais quanto como testemunhas oculares de contravenções em geral influenciaram e incentivaram os estudos científicos na área das FM principalmente nos Estados Unidos Stein e Neu feld 2001 Os relatos sobre a recuperação de FM traumáticas ver Capítulo 5 como o evento ocor rido com Loftus ilustram a frase mencionada por Salvador Dali no que tange a vividez das falsas lembranças As FM podem parecer muito brilhan tes contendo mais detalhes ou até mesmo mais As falsas memórias po dem parecer muito bri lhantes contendo mais detalhes ou até mesmo mais vívidas do que as memórias verdadeiras 22 Lilian Milnitsky Stein cols vívidas do que as memórias verdadeiras M V Além disso as implicações de tais estudos na Psicologia Clínica e na Psicologia Jurídica têm levado a um expressivo avanço das pesquisas sobre FM p ex Nygaard Fèix e Stein 2006 Pergher Stein e Wainer 2004 ver também os capítulos da Parte III deste livro As FM podem apresentar consequências decisivas na vida dos indivíduos Loftus 1997 relata alguns exemplos de casos de recuperação de recordações de abusos infantis Nesses casos os acusados de abusos foram julgados e condena dos no entanto posteriormente outras evidências apontaram que as acusações eram baseadas em falsas recordações ver Capítulo 12 Portanto a mesma m e mória que é responsável pela nossa qualidade de vida uma vez que é a partir dela que nos constituímos como indivíduos sabemos nossa história reconhecemos nossos amigos apresenta erros e distorções que podem mudar o curso de nossas ações e reações e até mesmo ter implicações sobre a vida de outras pessoas Ve jamos um exemplo baseado em um caso real Chamado para fazer uma corrida um taxista foi vítima de um assalto no qual sofreu ferimentos e foi levado ao hospital O investigador do caso mostrou ao taxista que ainda estava em fase de recuperação duas fotografias de suspei tos O taxista não reconheceu os homens apresentados nas fotos como sendo algum dos assaltantes Passados alguns dias quando foi à delegacia para realizar o reconhecimento dos suspeitos ele identificou dois deles como sendo os auto res do assalto Os homens identificados positivamente eram aqueles mesmos das fotos mostradas no hospital Os suspeitos foram presos e acusados pelo assalto Ao ser questionado em juízo sobre seu grau de certeza de que os acusados eram mesmo os assaltantes o taxista declarou eu tenho mais certeza que foram eles do que meus filhos são meus filhos Todavia alguns meses depois dois rapazes foram presos por assalto em uma cidade vizinha quando interrogados confessa ram diversos delitos incluindo o assalto ao taxista Como isso é possível O que ocorre na memória que motiva essas distor ções O presente capítulo visa a responder essas questões por meio da apresen tação de um breve histórico e do panorama geral dos estudos sobre as FM Além disso este capítulo se propõe a familiarizar o leitor com os diferentes tipos de FM e com as principais teorias científicas que têm sido utilizadas para explicar esse fenômeno Cabe ressaltar que as FM não são mentiras ou fantasias das pessoas elas são semelhantes às MV tanto no que tange a sua base cognitiva quanto neurofi siológica ver Capítulo 3 No entanto diferenciamse das verdadeiras pelo fato de as FM serem compostas no todo ou em parte por lembranças de informações ou eventos que não ocorreram na realidade As FM são frutos do funcionamento normal não patológico de nossa memória HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE FALSAS MEMÓRIAS O conceito de FM foi sendo construído desde o final do século XIX e início do século XX a partir de pesquisas pioneiras realizadas em alguns países euro Falsas Memórias 23 peus Quando surgiu em Paris o caso de um homem de 34 anos chamado Louis com lembranças de acontecimentos que nunca haviam ocorrido os cientistas fica ram intrigados O caso de Louis passou a ser de grande interesse para psicólogos e psiquiatras levando Theodule Ribot em 1881 a utilizar pela primeira vez o termo falsas lembranças conform e citado por Schacter 2003 Já no início do século XX os erros de memória foram estudados também por Freud 19101969 ao revisar sua teoria da repressão Segundo essa teoria as memórias de eventos traumáticos da infância seriam esquecidas isto é reprimi das podendo em ergir em algum momento da vida adulta através de sonhos ou sintomas psicopatológicos No entanto Freud abandona a ideia de que as memó rias para eventos traumáticos seriam necessariamente verdadeiras Em uma carta a Fliess em 21 de setembro de 1897 Freud descreve sua descoberta de que as lembranças de suas pacientes poderiam ser recordações não de um evento mas de um desejo primitivo ou de uma fantasia da infância e portanto seriam falsas recordações Masson 1986 Os primeiros estudos específicos sobre as FM versavam sobre as caracte rísticas de sugestionabilidade da memória ou seja a incorporação e a recorda ção de informações falsas sejam de origem interna ou externa que o indivíduo lembra como sendo verdadeiras Essas pesquisas sobre a sugestão na memória foram conduzidas por A lffed Binet 1900 na França Uma das importantes con tribuições deste pesquisador foi categorizar a sugestão na memória em dois tipos autossugerida isto é aquela que é fruto dos processos internos do indivíduo e deliberadamente sugerida isto é aquela que provém do ambiente As distorções mnemónicas advindas desses dois processos foram posteriormente denominadas de FM espontâneas e sugeridas Loftus M iller e Bums 1978 Em uma de suas pesquisas com crianças Binet investigou os efeitos de uma entrevista nas respostas de crianças para seis objetos apresentados por dez se gundos As memórias das crianças foram acessadas comparando recordação livre perguntas diretas perguntas fechadas sim ou não ou perguntas sugestivas Os resultados da pesquisa indicaram que as recordações livres produziram o mais alto índice de respostas corretas enquanto as perguntas sugestivas foram respon sáveis pelos mais altos índices de erros Os estudos de Binet foram replicados por Stem 1910 na Alemanha Em uma de suas primeiras pesquisas sobre memória mostrou aos participantes uma figura por um certo tempo e logo após a memória para esta figura foi testada por meio de recordação livre Então foi solicitado aos participantes que respondessem perguntas sobre informações que estavam na figura e sobre outras que não esta vam Os resultados do estudo corroboraram aqueles obtidos por Binet mostrando que os participantes de 7 a 18 anos que tiveram suas memórias acessadas por recordação livre foram os que produziram menos erros Já as perguntas com sugestão de falsa informação produziram mais erros Em relação a estudos sobre as FM com adultos cabe destacar as pesquisas pioneiras de Bartlett 1932 na Inglaterra Ele foi o primeiro a estudar as FM utilizando materiais com m aior grau de complexidade para memorização Seus estudos foram precursores da Teoria dos Esquemas discutida mais adiante neste 24 Lilian Milnitsky Stein cols capítulo Bartlett descreveu a recordação como sendo um processo reconstru tivo baseado em esquemas mentais e no conhecimento geral prévio da pessoa salientando o papel da compreensão e a influência da cultura nas lembranças Ele ressaltou a importância das expectativas individuais para o entendimento dos fatos e como as lembranças poderiam ser afetadas por essas expectativas No seu clássico experimento Bartlett 1932 apresentou a um grupo de universitários ingleses uma lenda dos índios norteamericanos A Guerra dos Fantasmas do inglês The War o f the Ghosts contendo fatos não familiares à cultura inglesa Os alunos foram solicitados a ler duas vezes o material Em um teste 15 minutos após a leitura da lenda ou em testes posteriores que variaram de algumas horas e dias até anos os participantes foram solicitados a reproduzir por escrito a lenda que haviam lido anteriormente Bartlett constatou que os alunos reconstruíram a história com base em expectativas e suposições frutos de sua experiência de vida adicionando à história original fatos inexistentes mas que eram relacionados à sua própria cultura ao invés de lembrála literalmente como havia sido apresen tada Por exemplo ainda que na lenda original o texto relatasse que dois jovens tinham ido caçar focas no teste de memória muitos alunos lembravam ter lido que dois jovens tinham ido pescar Em 1959 Deese ofereceu uma importante contribuição ao estudo das FM ao propor um procedimento com uma série de listas com palavras semanticamen te associadas a uma palavra que não era incluída no material de estudo p ex para a palavra dormir a lista de palavras apresentadas para estudo incluía cama descanso acordar sonho noite etc O objetivo era verificar se a associação entre as palavras estudadas produzia efeitos diferentes na sua recuperação e em possíveis intrusões isto é recordar informações novas que não estavam nas listas originais A o testar a memória dos participantes para as listas Deese constatou que muitas delas produziam altos índices de falsa recordação da palavra asso ciada mas não apresentada na lista original p ex dorm ir Anos mais tarde Roediger e McDermott 1995 retomaram o trabalho de Deese e adaptaram 24 listas com o objetivo de verificar a criação de FM Este procedimento experimen tal é atualmente conhecido pelas iniciais dos três autores como Paradigma DRM Stein Feix e Rohenkohl 2006 ver Capítulo 2 Retomando os estudos sobre sugestão inicialmente propostos por Binet no final da década de 1970 um novo procedim ento foi introduzido para o estudo das FM em adultos chamado de Procedim ento de Sugestão de Falsa Inform a ção ou Sugestão Loftus 1979 Loftus et al 1978 Loftus e Palmer 1974 Esse procedim ento foi uma adaptação do clássico paradigma da interferência Mül ler e Schumann 1894 Underwood 1957 em que uma informação interfere ou atrapalha a codificação e posterior recuperação de outra O experimento constituíase de uma cena original apresentada aos participantes em que ocor ria um acidente de carro devido ao avanço inapropriado de um dos motoristas que não obedecia a uma placa de parada obrigatória Numa segunda etapa o experim entador sugeria alterações quanto ao que havia sido visto na cena original p ex dizer ao participante que havia sido apresentada uma placa de dê a preferência ao invés de parada obrigatória Em um terceiro momento Falsas Memórias 25 quando questionados quanto à cena original os participantes respondiam de acordo com a sugestão da informação falsa ou seja afirmavam terem visto a placa de dê a preferência apesar de terem sido instruídos a responderem com base na cena original As autoras observaram que a memória poderia ser distor cida quando uma informação semelhante à informação original era apresentada posteriormente Mais detalhes sobre esse procedim ento podem ser encontrados no Capítulo 2 Embora as primeiras pesquisas sobre FM datem do final do século XIX mui to dos avanços na área ocorreram somente entre os anos de 1970 e 1990 As contribuições desses pesquisadores pioneiros foram as de lançar as bases para a diferenciação entre os tipos de FM e suas teorias explicativas TAXONOMIA DAS FALSAS MEMÓRIAS As FM podem ocorrer tanto devido a uma distorção endógena quanto por uma falsa informação oferecida pelo ambiente externo Loftus e Binet por exemplo realizaram estudos em que apresentaram deliberadamente uma infor mação falsa após a apresentação do evento origi nal Estudos como esses levaram a conclusão que a memória pode sofrer distorções tanto fruto de processos internos quanto externos Assim as FM passaram a ser classificadas conforme a origem do processo de falsificação da memória sendo deno minadas FM espontâneas e FM sugeridas As FM espontâneas são resultantes de distorções endógenas ou seja inter nas ao sujeito Essas distorções também denominadas de autossugeridas ocor rem quando a lembrança é alterada internamente fruto do próprio funcionamen to da memória sem a interferência de uma fonte externa à pessoa Neste caso uma inferência ou interpretação pode passar a ser lembrada como parte da infor mação original e comprometer a fidedignidade do que é recuperado Um exemplo baseado em uma situação real aconteceu com uma colega de trabalho que tinha certeza de ter trazido seus óculos de grau presos a um cordão no pescoço já que lembrava vividamente ter ajeitado os óculos no cordão quando saía do seu carro ao chegar à universidade Não conseguindo encontrar seus óculos depois de frustradas buscas pelos caminhos que teria passado naquele dia ela resolveu arcar com o prejuízo e comprar óculos novos Alguns dias depois um outro pro fessor encontrou os óculos perdidos em sua sala onde a colega havia estado para uma reunião alguns dias antes Neste exemplo a colega falsamente lembrou que estaria com os óculos ao chegar naquele dia na universidade uma vez que tinha certeza de têlo ajeitado no cordão ao sair do carro Outra distorção endógena comum é recordar de uma informação que se refere a um determinado evento como pertencente a outro Por exemplo lembrar que um amigo contou uma história quando na verdade as informações são provenientes de um programa de televisão que você assistiu ou então lembrar que colocou um A memória pode sofrer distorções tanto fruto de processos internos quanto externos 26 Lilian Milnitsky Stein cols objeto em determinada gaveta na segundafeira quando na verdade você guardou outro objeto naquela mesma gaveta no dia anterior No que tange as FM sugeridas elas advêm da sugestão de falsa informa ção externa ao sujeito ocorrendo devido à aceitação de uma falsa informação posterior ao evento ocorrido e a subsequente incorporação na memória original Loftus 2004 Esse fenômeno denominado efeito da sugestão de falsa informa ção pode ocorrer tanto de forma acidental quanto de forma deliberada Nas FM sugeridas após presenciar um evento transcorrese um período de tempo no qual uma nova informação é apresentada como fazendo parte do evento origi nal quando na realidade não faz Essa informação sugerida pode ou não ser apresentada deliberadamente com o intuito de falsificar a memória O efeito da falsa informação tende a produzir uma redução das lembranças verdadeiras e um aumento das FM Brainerd e Reyna 2005 Uma situação que ilustra bem o efeito da sugestão de falsa informação ocor reu com uma amiga quando ela ainda estava na faculdade Certa noite chegando de uma festa esta amiga esbarrou em um vaso de bronze que ficava em cima de uma mesinha no hall do apartamento desta forma arranhando a parede Alguns dias depois sua mãe lhe perguntou se foi ela a responsável pelo arranhão Ela ne gou dizendo que a mãe estava equivocada e que foi a própria mãe a responsável pelo arranhão quando na semana anterior deixou ali as compras do supermer cado antes de irem à missa para a qual já estavam atrasadas A mãe reluta em acreditar mas lembrase de que realmente um dia saíram apressadas para a missa e que quando voltaram lembrou que algumas compras realmente estavam no chão supondo então que tivessem caído e arranhado a parede Semanas depois a mãe recebe uma prima para um chá e fala de sua tristeza por ter arranhado a parede do apartamento recentemente reformado Neste caso a filha sugeriu deliberadamente a sua mãe uma falsa informação que era condizente com outras lembranças que a mãe mantinha em sua memória tom ando a falsa informação plausível Desta forma a falsa informação foi incorporada à memória da mãe que passou a lembrar ter arranhado a parede do apartamento Isto significa dizer então que nossas memórias são passíveis de serem in fluenciadas pelas outras pessoas Informações que recebemos depois do evento que vivenciamos podem interferir na nossa m e mória As respostas para estas perguntas são afir mativas Nossa memória é suscetível à distorção mediante sugestões de informações posteriores aos eventos Além disso outras pessoas suas per cepções e interpretações podem sim influenciar a forma como recordamos dos fatos Portanto o efeito da sugestionabilidade na memória pode ser definido como uma aceitação e subsequente incorporação na memória de falsa informação pos terior a ocorrência do evento original Gudjonson 1986 Essa definição implica alguns pressupostos quanto à sugestão tais como a não consciência do processo bem como o fato de ela ser resultado de uma informação apresentada posterior mente ao evento em questão ver Capítulo 2 A memória é suscetível à distorção mediante sugestões de infor mações posteriores aos eventos Falsas Memórias 27 Assim a FM sugerida ou espontânea é um fenômeno de base mnemónica ou seja uma lembrança e não de base social como uma mentira ou simulação por pressão social Mas como isso é possível Como podemos distorcer nossas lembranças espontaneamente de forma a se tom arem muitas vezes quantitativa e qualitativamente diferentes do que realmente experienciamos Como podemos incorporar à nossa memória informações recebidas do m eio e que não corres pondem ao evento vivido A seguir serão apresentadas as principais teorias que buscam explicar como isso é possível TEORIAS EXPLICATIVAS DAS FALSAS MEMÓRIAS Ao estudar um fenômeno é necessário explicar como este ocorre na busca por fazer novas predições a respeito dele Brainerd e Reyna 2005 Três modelos teóricos têm sido utilizados para elucidar os mecanismos responsáveis pelas FM 1 Paradigma Construtivista que compreende a memória como um sistema unitário por meio de duas abordagens explicativas Construtivista e dos Esquemas 2 Teoria do Monitoramento da Fonte que enfatiza o julgamento da fonte de informação de uma memória 3 Teoria do Traço Difuso que considera a memória como sendo constituí da por dois sistemas independentes de armazenamento e recuperação da informação Para uma visão geral acerca dos fundamentos teóricos que compõem esses três modelos o Quadro 11 apresenta uma comparação geral das principais teo rias que buscam explicar as FM Paradigma Construtivista O Paradigma Construtivista concebe a memória como um sistema único que vai sendo construído a partir da interpretação que as pessoas fazem dos eventos Assim a memória resultante do processo de construção seria aquilo que as pes soas entendem sobre experiência seu significado e não a experiência propria mente dita Bransford e Franks 1971 Segundo esse Paradigma a memória é construtiva cada nova informação é compreendida e reescrita ou reconstruída com base em experiências prévias A partir desses pressupostos duas teorias pro curam dar conta do fenômeno das FM a Teoria Construtivista e a Teoria dos Esquemas A Teoria Construtivista entende que uma informação nova é integrada a informações prévias que o indivíduo O Paradigma Construtivista concebe a memória como um sistema único que vai sendo construído a partir da interpretação que as pessoas fazem dos eventos 28 Lilian Milnitsky Stein cols QUADRO 11 Comparação entre as principais teorias explicativas das falsas memórias Teorias Pressupostos teóricos Limitações Construtivista Há um único sistema de memória Memória é construída com base no significado FM são frutos do processo de interpretação da informação Somente uma memória é construída sobre a experiência Informações literais são perdi das no processo de interpreta ção da informação Monitoramento da Fonte FM são atribuições errôneas da fonte da informação lembrada por erro de julgamento e não fruto de uma distorção da memória É uma teoria de julgamento e tomada de decisão sobre a fonte da memória recuperada FM somente para informações sobre a fonte Teoria do Traço Difuso Modelo dos Múltiplos Traços Mais de um sistema de memória Memórias literal e de essência armazenadas em traços indepen dentes e em paralelo Teoria mais complexa Não explica os erros de julga mento da fonte de experiên cias diferentes possui podendo distorcer ou sobreporse à memória inicial e assim gerar uma FM Seguindo os mesmos pressupostos a Teoria dos Esquemas explica as FM como resultado do processo de compreensão de uma nova informação conforme os esquemas mentais préexistentes em cada indivíduo Esses esquemas funcio nam como pacotes de informação sobre temas genéricos que podem ser generali zados buscando adaptar e compreender o significado da experiência Teoria Construtivista Para esta Teoria o indivíduo incorpora na memória a compreensão de novas informações extraindo o seu significado e reestruturandoas de forma coerente com seu entendimento Bransford e Franks 1971 Na tentativa constante de entender o que é visto ouvido e sentido os indivíduos reconstroem o significado de suas vivências A memória portanto passa a ser uma única interpretação da experiência vivida reunindo informações que realmente estavam presentes no evento original e interpretações feitas a partir deles A construção de uma única memória é o fundamento da Teoria Construtivista Gallo e Roediger 2003 Lof tus 1995 Segundo esse modelo a memória deve ser entendida como inacurada por natureza estando constantemente suscetível a interferências Alba e Hasher 1983 As FM tanto as espontâneas quanto as sugeridas ocorreriam devido ao fato de eventos realmente vividos serem influenciados pelas inferências de cada Falsas Memórias 29 indivíduo ou seja interpretações baseadas em experiências e conhecimentos pré vios As inferências que vão além da experiência integramse à memória sobre o evento vivido podendo modificálo Portanto a memória específica e literal sobre a experiência vivenciada já não existe mais apenas o entendimento e a interpre tação que foi feita dela Bartlett 1932 Gallo Weiss e Schacter 2004 Podese citar um exemplo aplicado ao contexto clínico Se um paciente rela ta uma experiência que é desgastante ou estressante na interpretação do terapeu ta mesmo que ele não tenha se referido à experiência de tal forma o terapeuta pode passar a lembrar e relatar essa experiência como estressante Para o Cons trutivismo o que fica registrado na memória do terapeuta é sua interpretação do que o paciente falou sendo que o que foi falado exatamente pelo paciente se perderá As implicações para prática clínica desse tipo de situação na recuperação de falsa informação serão discutidas nos Capítulos 11 e 12 A Teoria Construtivista recebeu uma série de críticas em função de sua con cepção de que somente o significado de uma experiência seria armazenado na m e mória e as informações específicas dessa experiência não seriam memorizadas Muitas dessas informações referiamse a detalhes que não eram imprescindíveis para a extração do significado da situação isto é superficiais Alguns estudos subsequentes no entanto demonstraram que embora a informação exatamente como foi experienciada é mais facilmente esquecida ela pode ser mantida na memória ou seja ela pode ser recuperada um longo tempo após ter ocorrido Já a memória para informações a respeito do significado da experiência como um todo tende a ficar acessível mesmo com o passar do tempo Reyna e Kieman 1994 Essa natureza dual da memória em traços específicos e outros da essência da experiência contradiz a Teoria Construtivista que pressupõe uma memória única construída e assim recuperada Teoria dos Esquemas A Teoria dos Esquemas partilha com a Teoria Construtivista seus pressupostos fundamentais no entanto ela preconiza que a memória é construída com base em esquemas mentais Os esquemas são representações mentais que reúnem conceitos gerais sobre o que esperar em cada situação Bartlett 1932 Pozo 1998 Uma nova informação é classificada e enquadrada em um determinado esquema para ser armazenada conforme as experiências prévias relativas a essa situação Chi e Glaser 1992 Portanto a memória passa a representar o conhecimento adquirido organizandoo de forma significativa em unidades relacionadas que são os esque mas mentais Stemberg 2000 formando categorias semânticas que auxiliam a diminuir a complexidade do mundo e fazem com que saibamos o que esperar de diferentes ambientes e situações Para a Teoria dos Esquemas as FM tanto espontâneas quanto sugeridas ocorrem devido a um processo de construção informações novas vão sendo in terpretadas à luz dos esquemas já existentes e integradas aos mesmos conforme a categoria a qual pertencem Portanto nas FM espontâneas o próprio processo 30 Lilian Milnitsky Stein cols de interpretação em que inferências são geradas com base em informações do evento podem gerar distorções internas Retomando o exemplo da colega que lembrava ter trazido os óculos à universidade levar os óculos todos os dias era consistente com seu esquema de ir à universidade Sendo assim lembravase com elevado grau de certeza de que havia levado seus óculos para o trabalho naquele dia Já nas FM sugeridas como no estudo sobre a cena com o acidente de carro informações que não estavam presentes no momento da codificação do evento a falsa informação da placa de dê a preferência mas que são consistentes com o esquema do evento no caso placas de trânsito podem gerar lembranças falsas a partir da sugestão externa ao indivíduo Paris e Carter 1973 A principal crítica à Teoria dos Esquemas também se refere à concepção unitária da memória ou seja tanto as informações verdadeiras como as falsas têm a mesma base representativa e portanto seriam armazenadas e recuperadas como uma única informação Reyna e Lloyd 1997 Esse caráter construtivo da memória pressupõe que as informações específicas dos eventos não existiriam mais apenas o entendimento e a interpretação que foi feita dela tendo por base os esquemas mentais Todavia resultados de diversos estudos como o aumento das FM e a recuperação das MV dias após o evento não corroboram este pres suposto Por exemplo Reyna e Kiernan 1994 compararam a recuperação de duas frases relacionadas p ex o pássaro está dentro da gaiola e a gaiola está sobre a mesa com uma inferência que pode ser extraída do contexto p ex o pássaro está sobre a mesa Os resultados mostraram que as informações tanto literais como as geradas a partir de inferências foram recuperadas separadamen te evidenciando a dissociação entre os diferentes tipos de memória que estariam envolvidos nas lembranças das inferências e das informações literais Resultados como esses não corroboram a hipótese de um sistema de memória unitário Como consequência dessas críticas alguns artigos foram publicados ressal tando que a memória pode ser construída com base em inferências mas às vezes não é assim que ocorre Loftus 1995 Todavia o poder explanatório de uma teoria deve dar conta de predições mais precisas do que essas Portanto destacase a fragilidade de ambas as teorias do Paradigma Construtivista em explicar o fenô meno das FM Neste sentido duas outras teorias tentaram esclarecer as FM buscando ultra passar essa fragilidade explicativa do Paradigma Construtivista A primeira teoria referese ao Monitoramento da Fonte de informação que enfatiza que as falhas da memória seriam consequência de um julgamento errôneo da fonte da informação lembrada Portanto tanto a memória para as informações originais quanto para as advindas dos processos de integração na memória poderiam manterse intactas e separadas e ser igualmente recuperadas Johnson Hashtroudi e Lindsay 1993 A segunda teoria denominada Teoria do Traço Difuso TTD é uma teoria que des taca justamente que a memória não é um sistema unitário mas sim de múltiplos traços sistemas A TTD ressalta o caráter independente do armazenamento e re cuperação de representações mentais acerca da mesma experiência sejam de seus aspectos literais ou de essência Para esta Teoria os erros de memória estariam vin culados à falha de recuperação de memórias precisas e literais acerca de um evento Falsas Memórias 31 sendo as FM baseadas em traços que traduzem somente a essência semântica do que foi vivido Brainerd e Reyna 1995 Teoria do Monitoramento da Fonte A partir dos anos de 1970 Mareia Johnson e alguns colegas iniciaram uma série de pesquisas sobre a confiabilidade da memória para estímulos advindos de diferentes fontes sensoriais p ex visual auditivo gustativo O intuito principal dessas pesquisas era estudar a influência da fonte de uma informação na pro babilidade de recuperação da memória acerca dessa informação Esses estudos serviram como base para o desenvolvimento de uma teoria a qual chamaram de Monitoramento da Fonte Johnson et al 1993 A fonte referese ao local pessoa ou situação de onde uma informação é advinda Segundo a Teoria do Monitoramento da Fonte distinguir a fonte de uma informação implica processos de monitoramento da realidade vivenciada Portanto as FM ocorrem quando cometemos erros no monitoramento ou quando são realizadas atribuições equivocadas de fontes que podem ser resultado da interferência de pen samentos imagens ou sentimentos que são erro neamente atribuídos à experiência original A ênfase dessa Teoria centrase no julgamento da diferenciação entre a fonte verdadeira da memó ria recuperada e outras fontes que podem ser inter nas isto é pensamentos imagens e sentimentos ou externas isto é outros eventos vivendados Mitchell e Johnson 2000 Um exemplo de FM provocada por um erro de monitoramento da fonte pode ser exemplificado no caso do taxista relatado na introdução do presente capítulo Ele passou a lem brar os homens das fotos apresentadas no hospital como sendo os assaltantes Isso pode ter ocorrido devido a uma falha no monitoramento da fonte da informação Nesse caso embora o taxista tenha provavelmente armazenado na memória in formações sobre os distintos eventos por ele vividos ou seja sobre os assaltantes e os homens das fotos no momento de fazer sua identificação na delegacia ou em juizo ele falhou em monitorar a fonte de suas lembranças passando a lembrarse dos homens das fotos como sendo os verdadeiros assaltantes Embora as pessoas estejam algumas vezes conscientes dos processos de m o nitoramento da fonte que deu origem a suas memórias a maior parte das atribui ções da fonte de nossas memórias é feita rápida e automaticamente De acordo com a Teoria do Monitoramento da Fonte Lindsay e Johnson 2000 as FM ocor rem quando pensamentos imagens e sentimentos oriundos de uma fonte são atri buídos erroneamente a outra fonte Isso pode ocorrer devido a dois fatores prin cipais Primeiro porque um evento recordado possui características semelhantes a outro no exemplo do taxista os assaltantes e os homens das fotos possuíam características similares O segundo diz respeito a quanto uma situação demanda um cuidadoso monitoramento da fonte das lembranças recuperadas Para a Teoria do Monitoramento da Fonte as falsas memó rias ocorrem quando há falhas no monitoramento da fonte de nossas memórias 32 Lilian Milnitsky Stein cols Assim é mais provável que as FM ocorram em situações em que a atribuição da fonte de uma informação deve ser feita rapidamente já que a atenção está focada em outros aspectos da tarefa que está sendo executada Situações em que se realizam simultaneamente duas ou mais tarefas prejudicam o armazenamento e consequentemente a recuperação de uma informação específica A atenção do indivíduo está focada em diversos aspectos de ambas as tarefas impedindo uma identificação confiável da origem da informação Um julgamento rápido da fonte da informação contribui para um erro de atribuição ou seja para a formação de FM O taxista provavelmente esteve submetido a tarefas de atenção dividida durante o assalto já que enquanto ouvia as ameaças continuava dirigindo e pres tando atenção no caminho que estava fazendo Assim o julgamento da fonte de suas memórias sobre quem eram os assaltantes também pode ter ficado prejudi cado Mesmo em situações que exigem uma criteriosa discriminação da fonte da memória como no caso do taxista de prestar um depoimento em juízo podem existir fatores que enviesem essa atribuição de tal modo que qualquer pensamen to ou imagem que venha a cabeça é atribuído a uma fonte equivocada p ex suspeitos da foto são erroneamente relacionados ao assalto A possibilidade de discriminar a fonte da informação lembrada também é suscetível à interferência da sugestão de falsa informação tanto acidental como deliberada Nesses casos a recuperação precisa da informação é influenciada por informações geradas antes durante ou após este evento A recuperação er rônea da fonte da informação está vinculada à incorporação de múltiplas fontes Johnson et al 1993 que distorcem e atualizam a memória para a informação original Quando um evento acontece repetidas vezes como na maioria dos casos de abuso sexual ver Capítulo 9 as informações para a experiência são generaliza das e a cada nova repetição comparadas com as representações já armazenadas sobre o que esperar em cada situação Essas experiências podem ser unidas em uma única memória a respeito dos eventos por meio da elaboração de imagens mentais familiares Nesse caso distinguir informações específicas sobre um de terminado evento tomase mais difícil Detalhes específicos não familiares são muitas vezes esquecidos ou atribuídos falsamente a experiências reais quando na verdade resultam da imaginação Johnson et al 1993 Algumas críticas são feitas à Teoria do Monitoramento da Fònte baseadas em resultados de pesquisa sobre as FM que não podem ser explicados pelos pres supostos aqui descritos A principal crítica devese à noção geral de monitoramen to que está fundamentado na decisão a respeito da fonte de origem de uma de terminada informação que é lembrada pela pessoa ou seja o monitoramento da fonte seria um processo de julgamento que envolve a avaliação de características da informação e não uma distorção da memória Brainerd e Reyna 2005 Outra crítica está relacionada à concepção da memória como dependente da fonte já que respostas a respeito da fonte real ou imaginária da informação estão asso ciadas a um único julgamento de memória Nesse sentido há uma aproximação da compreensão unitária do Paradigma Construtivista nesse caso através de um único sistema de julgamento da fonte da informação No entanto como discuti Falsas Memórias 33 do anteriormente pesquisas experimentais têm mostrado haver uma dissociação entre a recuperação de MV e FM como sendo dois tipos de memórias com carac terísticas distintas Reyna 2000 Reyna e Lloyd 1997 A Teoria do Traço Difiiso que compreende a memória por meio de múltiplos traços pretende dar conta dessas críticas feitas à Teoria do Monitoramento da Fonte na explicação das FM principalmente por considerar as memórias verda deira e falsa para a mesma experiência como codificadas em paralelo e armaze nadas em separado Reyna e Lloyd 1997 Teoria do Traço Difuso A explicação do fenômeno da falsificação da memória toma novos contornos a partir de pressupostos de múltiplos traços de memória As diversas teorias dessa abordagem oferecem explicações contemporâneas e consistentes para a investi gação das FM ver Brainerd e Reyna 2005 Uma teoria explicativa das FM com traços oponentes foi proposta por Reyna e Brainerd 1995 a Teoria do Traço Difuso TTD no original em inglês Fuzzy Trace Theory A TTD busca responder algumas das críticas e lacunas identificadas nos modelos do Construtivismo e do Monitoramento da Fonte Duas considerações foram importantes para expandir o campo explicativo da TTD a primeira referese à relação entre aspectos semân ticos e processos de memória e a segunda surgiu em função da base consistente de resultados de pesquisas sobre o desenvolvimento do raciocínio humano e as diferenças nas habilidades de memória O m odelo de memória da TTD formouse a partir da década de 1980 Embo ra tenha sido inicialmente desenvolvida para dar conta de processos de raciocínio e de julgamento e tomada de decisão também direcionou seus estudos para o desenvolvimento das FM e do esquecimento Reyna e Brainerd 1995 Em con traste com o ponto de vista sobre o pensamento computacional visão formalista ou com operações lógicas visão logicista a TTD traz o intuitivo como metáfora principal para o funcionamento cognitivo Brainerd e Reyna 1990 Como in tuicionismo os autores entendem que ao contrário do que teorias tradicionais preconizavam o nosso processamento cognitivo busca caminhos que facilitem e agilizem a compreensão Dessa forma as pessoas preferem a simplificação de trabalhar com o que é essencial da experiência o significado por traz do fato em vez de ter de processar informações específicas e detalhadas Segundo esta Teo ria como o próprio nome difuso sugere o intuitivo o não delimitado especifica mente o não lógico é a base do raciocínio Reyna e Brainerd 1992 A TTD propõe que a memória é composta por dois sistemas distintos a memória de essência e a memória literal Segundo essa Teoria as pessoas armazenam separadamente representações literais e de essência de uma mesma experiência as lite rais capturam os detalhes específicos e superficiais A Teoria do Traço Difuso propõe que a memória é composta por dois sistemas distintos a memória de essência e a memória literal 34 Lilian Milnitsky Stein cols p ex bebeu um guaraná comeu um hambúrguer com queijo e as de essên cia registram a compreensão do significado da experiência que pode variar em nível de generalidade p ex bebeu um refrigerante comeu um sanduíche comeu um lanche As taxas de esquecimento são diferentes para cada tipo de representação sendo as memórias de essência mais estáveis ao longo do tempo do que as literais Brainerd e Reyna 2005 Portanto diferentemente das outras teorias abordadas até agora para a TTD a memória não é um sistema unitário e sim composta por dois sistemas nos quais o armazenamento e a recuperação das duas memórias são dissociados As FM espontâneas referemse a um erro de lembrar algo que é consistente com a essência do que foi vivido mas que na verdade não ocorreu Já as FM su geridas são erros de memória que surgem a partir de uma falsa informação que é apresentada após o evento Assim adultos e crianças podem lembrar coisas que de fato não ocorreram baseados na recuperação de uma FM espontânea ou sugerida No que tange as FM sugeridas a TTD p ex Brainerd e Reyna 19931998 Reyna e Brainerd 1995 propõe que a sugestão de uma falsa informação gera efeitos diferentes nas M V e FM A sugestão p ex placa de dê a preferência interfere e enfraquece a MV placa de parada obrigatória podendo também dificultar sua recuperação Assim a recuperação de traços literais das falsas in formações sugeridas pode produzir dois efeitos tanto a redução das MV quanto o aumento das FM sugeridas Por outro lado somente a lembrança de traços de essência do que foi sugerido p ex placa de trânsito levaria somente ao segundo efeito ou seja um aumento das FM já que esses traços de essência são consistentes tanto com o significado geral da experiência vivida quanto com a essência da falsa informação Para ilustrar esses efeitos no caso da parede arranhada no dia em que mãe e filha chegaram em casa vindas do supermercado e saíram logo depois para a missa a mãe deve ter armazenado dois traços de memória distintos Um traço literal armazenou o local exato onde as compras foram deixadas no hall de en trada No retorno da missa também foram armazenadas em sua memória literal quais compras haviam caído no chão Ao mesmo tempo em outra memória esta vam sendo armazenados os traços de essência sobre o quanto essa experiência foi uma correria para não se atrasarem para a missa e ainda que ao voltarem para casa ainda havia compras a organizar Portanto a mãe armazenou ao mesmo tempo informações distintas de um mesmo evento em duas memórias indepen A situação adm a pode também exem plifi car os cinco princípios básicos da TTD Brainerd e Reyna 2005 postulam como o primeiro prin cípio o caráter paralelo de armazenamento da in formação Portanto ambas as memórias literal e de essência se originam do mesmo evento e são processadas ao mesmo tempo diferente do que dentes literal e de essência As memórias literal e de essência se originam do mesmo evento e são processadas em paralelo e independentemente Falsas Memórias 35 propõem as teorias do Paradigma Construtivista em que a memória é vista como unitária O segundo princípio está ancorado no primeiro visto que um armazena mento separado leva a uma recuperação independente do que foi registrado na memória Nesse caso é plausível compreender que um detalhe literal não leva a recuperação de um aspecto de essência e viceversa mas que são memórias recuperadas de forma independente Reyna e Kieman 1994 Sendo assim se a mãe armazenou informações diferentes sobre o evento em memórias separadas quando ela recuperar informações sobre a essência da experiência daquele dia não necessariamente recuperará os detalhes sobre o que exatamente havia ocor rido com as compras e a parede por exemplo Brainerd e Reyna 2002 colocam ainda que as FM tanto espontâneas quan to sugeridas podem ocorrer por dois motivos distintos que tem como base os dois primeiros princípios ou seja o armazenamento e a recuperação indepen dente e paralela dos traços literais e de essência No caso acima ocorreu uma distorção exógena já que a mãe recebeu a informação falsa de que ela é que havia arranhado a parede apresentada pela filha após o evento Na visão da TTD duas explicações são possíveis para as FM sugeridas A primeira delas é que a mãe manteve acesso apenas ao traço de essência que era a confusão e a correria do dia do evento No momento em que ela recebe a sugestão de falsa informação de sua filha a informação é condizente com a essência e como ela já havia esqueci do os detalhes precisos do que havia ocorrido passa a lembrar que foi ela quem arranhou a parede com as compras A outra explicação das FM sugeridas decorre da lembrança literal da sugestão de falsa informação ou seja como a informação falsa sugerida isto é a mãe arranhou a parede com as compras é congruente com a memória essência do evento além de mais recente e talvez até mais impac tante a memória literal da falsa sugestão é lembrada pela mãe ao contar para a prima o que havia ocorrido Mas no caso da professora da universidade que não foi sugerido nenhuma falsa informação e mesmo assim ela passou a lembrar que tinha trazido os seus óculos naquele dia Se a distorção tivesse ocorrido de forma endógena qual seria a explicação da TTD para tal fenômeno As FM espontâneas ocorrem devido à inacessibilidade ou perda da informação literal sobre os eventos sucedidos Brai nerd e Reyna 2002 A professora provavelmente tinha uma memória genérica de que sempre levava seus óculos para o trabalho Devido a interferências de novas informações que ela mesma produziu por exemplo de que ela não sairia de casa sem levar seus óculos para o trabalho ela passou a lembrarse de têlos trazido pois a informação é condizente com a memória de essência que ela mantinha Já o terceiro princípio da TTD referese ao julgamento das informações quando expostos a tarefa de recordação ou reconhecimento Brainerd Reyna Wright e Mojardin 2003 preconizam que haveria um julgamento da veracidade do traço de memória recuperado de tal forma que traços literais são recuperados corretamente por um processo de julgamento da identidade da informação in duzindo a uma rejeição da informação de essência p ex lembro que comi um 36 Lilian Milnitsky Stein cols hambúrguer com queijo e não um cachorro quente ainda que ambos sejam essen cialmente lanches No entanto em alguns casos a informação literal pode levar a uma recuperação de essência especialmente quando há uma semelhança ou familiaridade entre as informações A recuperação da essência das informações originais em função da familiaridade ou da associação semântica ocorre por meio de um processo de julgamento de semelhança Parece que foi exatamente o que ocorreu com a mãe de minha amiga quando esta lhe ofereceu a sugestão de falsa informação A mãe já mantinha na memória apenas a informação de essência ou seja lembrava a correria e a confusão gerada pelas compras que caíram Sendo assim a informação de que fora ela que arranhara a parede com as compras era plausível e fez com que ela recuperasse pelo traço literal das compras espalhadas pelo chão ou seja uma informação de essência auxiliou por familiaridade no equivocado julgamento da veracidade do traço literal da falsa informação suge rida A quarta premissa versa sobre a comparação entre traços literais e traços de essência em termos da sua manutenção na memória ao longo do tempo ou seja que representações literais e de essência diferem em durabilidade A memória lite ral é mais suscetível a efeitos de interferência do que a memória de essência sendo que esta última é mais robusta mantendose na memória mesmo com a passagem do tempo Esse princípio explica porque a mãe apenas algumas semanas depois do evento já não lembrava mais os detalhes daquele dia Além disso explica igual mente porque a base de memória se torna mais rapidamente inacessível para a MV do que para as FM com o passar do tempo Brainerd e Reyna 2002 Neste caso o caráter instável das representações literais de uma experiência se caracteriza pela desintegração ou gradual fragmentação dos traços levando ao esquecimento E como aspectos de uma mesma experiência podem ficar dissociados uns dos outros a estabilidade das representações de essência é responsável pela persistência das FM Reyna e Titcomb 1996 já que estas são em sua maioria embasadas em m e mórias de essência O quinto e último princípio referese à habilidade dos indivíduos de recupe rar os traços de memória Segundo a TTD as memórias tanto para traços literais como para traços de essência são aperfeiçoadas ao longo do desenvolvimento Assim crianças pequenas apresentam maior dificuldade de trabalhar com tra ços de essência do que com traços literais No entanto à medida que crescemos nos tornamos mais eficientes em utilizar estratégias de memória e portanto há um aumento na habilidade de lembrarmos uma informação tanto em termos de memória literal quanto em termos de memória de essência Alguns estudos Brai nerd e Reyna 1998 sugerem que a habilidade de recuperar traços literais decai com o avanço da idade ver Capítulo 7 Apesar da consistência dos resultados experimentais com os pressupostos teóricos da TTD três críticas foram feitas A primeira delas diz respeito à dificul dade de avaliar casos em que as FM são resultado de processos mais abstratos e reflexivos que seriam explicadas pelo caráter difuso do traço de essência Nesse mesmo sentido a segunda crítica refere que pouco se explora à respeito dos erros Falsas Memórias 37 subjacentes à confusão de memória para detalhes superficiais de duas fontes de informação A terceira e mais importante crítica questiona a divisão da memória em tra ços ressaltando estudos em que há recuperação de detalhes perceptuais duradou ros fato esse que vai de encontro ao princípio de durabilidade dos traços literais e de falsas recordações baseadas em aspectos semânticos e perceptualmente vívi dos fato que vai de encontro com o caráter difuso da teoria Lindsay e Johnson 2000 A respeito da última crítica cabe ressaltar que o caráter extraordinário dos exemplos é portanto uma exceção à regra básica de durabilidade dos traços de memória Como esse fato também não foi explicado pelo Paradigma Constru tivista ou pela Teoria do Monitoramento da Fonte uma explicação alternativa foi encontrada na literatura sobre FM e é utilizada para explicar esse fenômeno pelos três paradigmas teóricos qual seja a Heurística da Distintividade que é a tendência de recordar mais facilmente informações extraordinárias e rejeitar FM Schacter Israel e Racine 1999 Segundo essa visão a memória é recuperada com mais precisão quando um detalhe inesperado é observado em uma situação comum Por exemplo se no caso do taxista um dos assaltantes tivesse um sotaque inglês muito acentuado provavelmente esse detalhe seria lembrado pelo fato de ser muito distinto para tal situação CONSIDERAÇÕES FINAIS Com frequência utilizamos o fato de lembrarmos algo com vividez e certeza de ter ocorrido como um argumento ou até mesmo uma indicação inexorável de que nossa memória retrata um fato que realmente aconteceu dessa forma Dificil mente contraargumentamos com alguém que lembra de um evento com certeza absoluta e com riqueza de detalhes Todavia o avanço das pesquisas sobre FM de monstra que o ser humano é capaz de lembrar de forma espontânea ou sugerida eventos que nunca aconteceram instiga a questionarmos sobre os li mites entre o falso e o verdadeiro No entanto não é intenção desta obra dar a impressão ao leitor de que todas as nossas memórias são falsas Apesar da nossa memória ser passível de ser distorcida há uma gama de lembranças que retratam fatos realmente ocorridos Porém nem tudo que lembramos ocorreu necessariamente da forma como lembramos e é possível sim apresentar erros de memória As FM são hoje reconhecidas como um fenômeno que se materializa no dia a dia das pessoas têm sua base no funcionamento saudável da memória e não são a expressão de patologia ou distúrbio Pensando nisso os estudos têm avançado no sentido de explicar as bases cognitivas e neurofuncionais desse fenômeno Não obstante ainda há um longo caminho a ser percorrido pois alguns mecanismos das FM permanecem como um campo a ser explorado Apesar de a nossa memória ser passível de ser distorcida há uma gama de lembranças que retratam fielmente fatos realmente ocorridos 38 Lilian Milnitsky Stein cols O fenômeno das FM tem provocado o interesse da comunidade científica desde o início do século passado A trajetória dessas pesquisas foi sendo ampliada para dar conta da realidade de suas implicações nas mais diversas áreas da Psi cologia como a Jurídica e a Clínica bem como em outras disciplinas das áreas humanas e da saúde No meio jurídico os estudos de FM obtiveram destaque principalmente re lacionados à fidedignidade no relato de testemunhas de contravenções em geral Stein e Nygaard 2003 ver Capítulos 8 9 e 10 Considerando o exemplo do taxista aumenta a preocupação com a confiabilidade do relato de testemunhas uma vez que com base em FM dois indivíduos inocentes foram acusados de um crime que não cometeram Já na clínica as sessões terapêuticas normalmente giram em tom o de ex periências emocionalmente significativas para o paciente e que geralmente parti lham de uma mesma essência p ex brigas com a m ãe Diversos casos relatados na literatura Andrews et al 1999 Loftus 1997 de recuperação de lembranças falsas fruto de procedimentos utilizados por terapeutas que parecem desconhe cer como a memória humana funciona têm preocupado os pesquisadores Os terapeutas podem ter lembranças falsas sobre o relato de seus pacientes ou até mesmo baseados em suas interpretações do que está ocorrendo com o paciente podem prover sugestão de falsa informação ao longo das sessões psicoterápicas ver Capítulos 11 e 12 O estudo dos mecanismos envolvidos nesse processo pode auxiliar no desenvolvimento e aprimoramento de técnicas de entrevista e de intervenção terapêutica que minimizem a ocorrência ou o impacto dos erros de memória Na atualidade os estudos sobre a memória têm se voltado cada vez mais a buscar elucidar a interação das FM com outros fenômenos como por exemplo as diferenças individuais Capítulo 7 as variáveis emocionais Capítulo 4 ou até mesmo questões neurológicas Capítulo 3 ou psicopatológicas Capítulo 11 Além disso parece já existirem evidências de que as FM podem ser influenciadas por nossos processos cognitivos mesmo de maneira não consciente ou seja de forma implícita Capítulo 6 e que as memórias sobre nossa história pessoal não estão imunes às FM Capítulo 5 Tais conhecimentos sobre as FM têm contribuí do para o aprimoramento de técnicas de trabalho para as mais diversas áreas tanto na Psicologia quanto fora dela Capítulo 10 REFERÊNCIAS Alba J W Hasher L 1983 Is memory schematic Psychological Bulletin 93 203 231 Andrews B Brewin C R Ochera J Morton J Bekerian D A Davis G M Mollon R 1999 Characteristics context and consequences of memory recovery among adults in therapy The British Journal of Psychiatry 2752 141146 Bartlett F C 1932 Remembering A study in experimental and social psychology New York Cambridge University Press Falsas Memórias 39 Binet A 1900 La suggestibilite Paris Schleicher Brainerd C J Reyna V E 1990 Gist is the grist Fuzzytrace theory and the new in tuitionism Developmental Review 101 347 Brainerd C J Reyna V F 1993 Memory independence and memory interference in cognitive development Psychological Review 1001 4267 Brainerd C J Reyna V F 1995 Fuzzytrace theory Some foundational issues Lear ning and Individual Differences 72 145162 Brainerd C J Reyna V F 1998 Fuzzytrace theory and childrens false memories Journal of Experimental Child Psychology 71 81129 Brainerd C J Reyna V F 2002 Fuzzytrace theory and false memory Current Direc tions in Psychological Science 11 5 164169 Brainerd C J Reyna V F 2005 The science of false memory New York Oxford Uni versity Press Brainerd C J Reyna V F Wright R Moijardin A H 2003 Recollection rejection Falsememory editing in children and adults Psychological Review 1104 762784 Bransford J D Franks J J 1971 The abstraction 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metodológicos no estudo das falsas memórias Construção e normatização do procedimento de palavras associadas Psi cologia Reflexão e Crítica 192 166176 Stein L M Neufeld C B 2001 Falsas memórias Porque lembramos de coisas que não aconteceram Arquivos de Ciências da Saúde Unipar 52 179186 Stein L M Nygaard M L C 2003 A memória em julgamento Uma análise cognitiva dos depoimentos testemunhais Revista Brasileira de Ciências Criminais 11 43 151164 Stem W 1910 Abstracts of lectures on the psychology of testimony and on the study of individuality American Journal of Psychology 21 270282 Sternberg R J 2000 Psicologia cognitiva Porto Alegre Artmed Underwood B J 1957 Interference and forgetting Psychological Review 641 4960 2 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS NA INVESTIGAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS Priscila Goergen Brust Carmem Beatriz Neufeld Luciana Moreira de Ávila Anna Virginia Williams Lilian Milnitsky Stein estudo das falsas memórias FM tem evoluído consideravelmente princi palmente a partir da década de 1970 Brainerd e Reyna 2005 Ao longo do desenvolvimento dos estudos sobre FM os pesquisadores perceberam que alguns elementos influenciavam as lembranças de fatos que nunca ocorreram Stein e Neufeld 2001 A partir dessas observações surgiram pesquisas sobre as diferen tes formas de se avaliar a produção de FM e seus efeitos Inicialmente os estudos sobre FM eram realizados buscando o máximo con trole sobre o ambiente p ex temperatura luminosidade e ruído e sobre o ma terial apresentado p ex imagens e sons e por isso foram chamados de estudos de laboratório Esses fatores de um experimento que podem ser manipulados ou mantidos sob o controle do pesquisador são chamados variáveis Kantowitz Roe diger e Elmes 2006 O controle experimental visa a impedir que variáveis não relacionadas ao objetivo da pesquisa interfiram ou influenciem os resultados Um exemplo de controle experimental no estudo das FM pode ser observado nos estudos que utilizam o Procedimento de Palavras Associadas Stein Feix e Ro henkohl 2006 que envolve a apresentação de listas de palavras semanticamente associadas a um mesmo tema p ex dedos sapato unha Quando a memória é testada solicitase que os participantes recuperem exatamente essas palavras estudadas Caso os participantes lembrem equivocadamente a palavratema à qual a lista se refere p ex pé como tendo sido apresentada no material origi nal considerase que essa resposta é baseada em uma FM Pesquisas desse tipo também denominadas básicas ou de laboratório possibilitam a identificação da causa de um determinado efeito porque apresentam condições para avaliar cada variável isoladamente ou seja comparam situações que diferem apenas pela ma nipulação da variável que se quer estudar Nesse exemplo é possível controlar a quantidade de palavras apresentadas e a frequência que essas palavras são utili zadas na língua materna dos participantes Em suma conhecer as variáveis que Falsas Memórias 43 podem interferir no resultado do experimento permite que o pesquisador possa estabelecer uma relação de causa e efeito Kantowitz et al 2006 Contudo os fatores explicados pelas pesquisas básicas raramente ocorrem na prática de forma isolada A partir das dificuldades de aplicação dos resultados na prática alguns pesquisadores passaram a estudar situações reais solicitando aos participantes que lembrassem informações autobiográficas ou seja eventos relacionados à sua própria experiência de vida Esse tipo de pesquisa denomina da naturalística ou ecológica busca estabelecer uma relação mais direta dos re sultados com o que realmente ocorre no cotidiano Loftus 1983 Woll 2002 Por exemplo estudase a recuperação de uma experiência que já foi vivenciada pelo participante da pesquisa ao invés de informações fornecidas pelo pesquisador como na pesquisa básica No entanto uma série de críticas podem ser levantadas como o pesquisador não ter certeza da veracidade dos fatos recuperados pois não possui registro e não estava presente quando da vivência desse evento original ver Capítulo 5 Além disso pesquisas naturalísticas não permitem a determi nação específica da causalidade devido a possíveis interações entre variáveis que não foram controladas como a quantidade de vezes que o evento ocorreu ou que o participante já lembrou e relatou esse mesmo evento As abordagens básica e naturalística trazem contribuições relevantes ao estudo das FM en quanto as pesquisas básicas permitem a observa ção mais controlada dos efeitos de manipulações de variáveis as naturalísticas possibilitam a con firmação em situações mais próximas da vida real dos resultados obtidos em laboratório Contudo para que seja possível compreender melhor as técnicas de pesquisa naturalística é necessário conhecer alguns pressupostos para o estudo das FM que foram esta belecidos pela pesquisa básica Neste capítulo serão explorados os principais métodos de investigação ex perimental das FM tendo como referência a pesquisa básica Para tanto serão apresentadas as possíveis manipulações das variáveis em cada etapa de um ex perimento sobre FM bem como os principais efeitos decorrentes de tais manipu lações Outros procedimentos serão discutidos mais adiante neste livro as con tribuições da neurociência cognitiva incluindo investigações de neuroimagem e psicobiologia no Capítulo 3 e pesquisas naturalísticas na Parte III MÉTODO EXPERIMENTAL PARA INVESTIGAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS Um experimento para a investigação da memória e suas distorções pode ser dividido em três etapas primeiro a informação é adquirida em seguida deve ser armazenada para posteriormente ser recuperada Lockhart 2000 Neufeld e Stein 2001 Conforme apresentado na Figura 21 na primeira etapa denomi nada fase de estudo ocorre a aquisição da informação que deve ser memorizada isto é materialalvo A segunda etapa envolve um intervalo de retenção ou de As pesquisas básicas possibilitam a iden tificação da causa de um determinado efeito 44 Lilian Milnitsky Stein cols armazenamento dessa informação Nesse intervalo o participante pode ou não realizar algumas tarefas Algumas dessas tarefas têm a função de incentivar o esquecimento da informação do materialalvo enquanto outras visam a induzir o participante a armazenar informações falsas por meio da apresentação de um material de sugestão Para finalizar há a fase de teste na qual a informação ori ginal apresentada na fase de estudo que não foi esquecida é recuperada pelo participante por meio da realização de um teste de memória O teste é o que possibilita ao pesquisador observar a qualidade da memória que foi recuperada se verdadeira ou falsa Esse procedimento experimental é utilizado em pesquisas sobre FM tanto espontâneas quanto sugeridas As FM espontâneas ocorrem de maneira inter na à pessoa por meio de autossugestão e as sugeridas são produzidas quando uma informação falsa é acrescentada ao procedimento levando o participante a acreditar que a falsa informação estava presente no materialalvo Neste caso a implantação de falsa informação ocorre de maneira externa à pessoa durante o intervalo de retenção ver Capítulo 1 As três etapas de um experimento para o estudo das FM espontâneas podem ser observadas no trabalho de Stein e colaboradores 2006 Com o objetivo de estudar a criação de FM os pesquisadores adaptaram para a realidade brasileira o Procedimento de Palavras Associadas desenvolvido originalmente por Deese em 1959 e aperfeiçoado por Roediger e McDermott 1995 Esse procedimento é muito utilizado para o estudo das FM e ficou conhecido na literatura estran geira como Paradigma DRM devido às iniciais dos três autores Deese Roediger e McDermott O procedimento consiste na apresentação de listas de palavras semanticamente associadas como a da Figura 22a para avaliação das FM Na fase de estudo os participantes escutam uma série de palavras materialalvo dedos sapato unha etc todas estão associadas a uma palavra não apresentada distrator crítico nesse caso pé No intervalo de retenção os participantes rea FIGURA 21 Procedimento básico utilizado no estudo experimental das falsas memórias Falsas Memórias 45 lizam uma tarefa de distração composta por exercícios matemáticos simples que visa a impedir que o participante mantenha as palavrasalvo ativas na memória gerando esquecimento Por fim na fase de teste os participantes devem tentar recuperar todas as palavras que lembram ter escutado na fase de estudo Quando uma palavra do materialalvo p ex dedos é corretamente lembrada no teste de memória considerase uma resposta baseada em uma memória verdadeira Já uma FM espontânea ocorre quando o participante lembra ter escutado uma palavra que não foi apresentada na fase de estudo p ex pé ainda que esta possua uma relação semântica com palavras do materialalvo O estudo das FM sugeridas pode ser ilustrado pelo Procedimento de Sugestão de Falsa Informa ção introduzido por Loftus Miller e Bums 1978 ilustrado na Figura 22b Na fase de estudo os participantes assistem a uma sequência de slides sobre um acidente de carro ocorrido devido ao avanço inapropriado de um dos motoristas ante uma placa de parada obrigatória Para observar o efeito da sugestão de falsa informação na memória durante o intervalo de retenção da informação o experimentador faz algumas perguntas a respeito da história para o participante introduzindo informações falsas que não estavam presentes na história original isto é sugerindo que a placa seria de dê a preferência Na fase de teste os participantes são instruídos a responder com base na história apresentada na fase de estudo Os resultados de pesquisas com o Procedimento de Sugestão de Falsa Informação revelam que muitos participantes respondem de acordo com a sugestão lembrando efetivamente ter visto na fase de estudo a placa de dê a preferência isto é uma FM sugerida e não a placa de parada obrigatória isto é memória verdadeira Embora seja possível compreender grande parte dos estudos sobre FM a partir das Figuras 21 e 22 cada fase de um experimento apresenta algumas características específicas que podem impactar de maneira distinta na memória RichardsonKlavehn e Bjork 1988 Essas características estão vinculadas a ma nipulações de variáveis como as sintetizadas no Quadro 21 que serão apresenta das a seguir conforme as fases do procedimento experimental de investigação das FM em que se encontram Fase de estudo A fase de estudo é a primeira etapa de um experimento de FM Figura 21 Nesta fase é apresentada a informação a ser memorizada pelos participantes o materialalvo ou materialoriginal A informação do materialalvo deve ser com preendida pelo participante por meio de um processo de codificação Esse processo depende de algumas variáveis como características do material formas de apre sentação e instruções sobre a aquisição das informações Uma falsa memória es pontânea ocorre quando o participante lembra ter escutado uma palavra que não foi apresentada na fase de estudo 46 Lilian Milnitsky Stein cols a Fase de estudo Dedos Sapato Unha Chulé Meia Calçado Tênis Sustentação Chinelo Calo Base Calcanhar Corpo Chute Pisar Intervalo de retenção Tarefa de distração Exercícios matemáticos Fase de teste Distrator crítico PÉ Não é apresentado na fase de estudo Falsas memórias espontâneas Itensalvo Memória São apresentados na fase de estudo verdadeira b Fase de estudo Intervalo de retenção Fase de teste Falsa informação sugerida É apresentada entre a fase de estudo e a fase de teste Falsas memórias sugeridas Placa parada obrigatória Placa dê a preferência Itemalvo É apresentado Memória verdadeira na fase de estudo FIGURA 22 Exemplos de procedimentos utilizados no estudo experimental das falsas memórias a es pontâneas Stein et al 2006 e b sugeridas Loftus et al 1978 Características do materialalvo Dois tipos de materialalvo são empregados em estudos sobre FM verbais e não verbais For exemplo na Figura 22a o material é constituído por palavras que são informações verbais As informações verbais também podem ser pseudopalavras frases passagens mais longas como histórias ver respectivamente Zeelenberg Boot Falsas Memórias 47 e Pecher 2005 Reyna e Kieman 1994 Fèix 2008 ou sequência de números Pesta Sanders e Murphy 2001 Já o materialalvo não verbal pode ser apresentado sob a forma de fotos como na Figura 22b figuras abstratas alimentos ou até encena ções de situações ver respectivamente Slotnick e Schactei 2004 Morris et al 2006 Geddie Fradin e Beei 2000 O materialalvo verbal do Procedimento de Palavras Associadas apresenta do na Figura 22a é um dos mais utilizados em estudos de pesquisa básica sobre FM por gerar efeitos robustos Neste caso o materialalvo é constituído pelas lis tas de palavras associadas e os experimentos têm utilizado características dessas listas tais como associação semântica emocionalidade concretude e frequência de uso na língua do participante características que já possuem normas estabelecidas no Brasil Stein e Gomes no prelo Essas características do materialalvo verbal e não verbal podem ser mani puladas experimentalmente no estudo das FM de acordo com os objetivos do pesquisador A associação semântica é o grau de aproxi mação do significado das palavras que compõem QUADRO 21 Variáveis relacionadas a cada fase de um experimento sobre falsas memórias Fase de estudo Intervalo de retenção Fase de teste Características do Tarefa de distração Tipos de teste de memória materialalvo Não tem ligação com Recordação Natureza da informação materialalvo Natureza e apresentação Reconhecimento Apresentação do diferentes do materialalvo Apresentação do teste de materialalvo memória Modalidade de apresenta Sugestão de falsa Modalidade de apresenta ção da informação informação ção do teste Tempo de exposição da Natureza e apresentação Momento da testagem informação similares ao materialalvo Repetição da testagem Quantidade de informação Instruções sobre o material de sugestão Instruções sobre o teste de Instruções sobre o memória materialalvo Instrução geral Nível de aprendizagem Esquecimento dirigido Medidas do teste de memória Avaliação do teste Tempo de reação Grau de certeza Vividez As características do materialalvo podem ser manipuladas experimentalmente no estudo das falsas memó rias de acordo com os objetivos do pesquisador 48 Lilian Milnitsky Stein cols a listaalvo p ex dedos sapato unha e o distrator crítico p ex pé Várias pesquisas têm mostrado que quanto mais as palavras dedos e sapato estão associa das à palavra não apresentada na fase de estudo no caso pé mais falsamente esta palavra será lembrada no teste de memória Roediger et al 2001 Outra característica do materialalvo verbal é a emoção No Procedimento de Palavras Associadas desenvolvido no Brasil Stein et al 2006 as listas de palavras foram avaliadas quanto ao seu grau de emocionalidade nas dimensões valência e alerta Santos et al no prelo A valência se refere à quão agradável positivo ou desagradável negativo um material é percebido pela pessoa Por exemplo uma das listas de palavras com conteúdo desagradável como escuro morte e solidão está associada ao distrator crítico medo Já o alerta se refere à intensidade de excitação que cada palavra da lista desperta que varia de estimu lante à relaxante As palavras da lista semanticamente associada à palavra medo foram avaliadas como estimulantes Listas de palavras com conteúdo emocional desagradável e estimulante têm produzido taxas de FM mais altas em compara ção a listas agradáveis e relaxantes Brainerd et al 2008 Os efeitos da emoção na produção de FM serão mais explorados no Capítulo 4 Também têm merecido a atenção dos pesquisadores de FM as características relativas ao grau de concretude e à frequência de uso das palavras que compõem o materialalvo A concretude é a correspondência de uma palavra com sua re presentação material ou sensorial Janczura et al 2007 Algumas pesquisas que se valem do Procedimento de Palavras Associadas mostram que listas de palavras mais concretas como dedos e sapato produzem menos FM do que listas de pala vras mais abstratas PérezMata Read e Diges 2002 Com relação à frequência de uso das palavras na língua materna do participante diversos estudos destacam que quanto menor a frequência de uso das palavras do materialalvo como dedos e sapato mais falsamente o distrator crítico pé será lembrado em um teste de memória Monaco Abbott e Kahana 2007 O efeito de outras características do materialalvo verbal tem sido investi gado no desempenho da memória como a associação fonológica e a ortográfica A associação fonológica referese ao grau de semelhança do som das palavras que compõem o materialalvo p ex cão e pão As pesquisas sugerem que pa lavras não apresentadas na fase de estudo mas fonologicamente relacionadas ao materialalvo p ex m ão são falsamente lembradas na fase de teste Sommers e Lewis 1999 Já a associação ortográfica se refere à semelhança na escrita das palavras Neste caso palavras não apresentadas no materialalvo p ex fase serão falsamente lembradas no teste de memória quando associadas a palavras cuja grafia é parecida p ex face e fale Masson e MacLeod 2002 Semelhanças ortográficas e fonológicas também estão presentes no estudo de pseudopalavras ou não palavras que são estímulos caracterizados pela ausên cia de significado p ex m ada embora possam assemelharse a uma palavra p ex mata Nestes casos as FM são fruto da recuperação da palavra real mata à qual as pseudopalavras estão associadas Zeelenberg et al 2005 Ainda que todos os exemplos citados utilizem listas de palavras como mate rialalvo verbal o que se procurou destacar até aqui é que elas possuem caracte Falsas Memórias 49 rísticas que podem impactar de maneira distinta no desempenho da memória As diferentes características das palavras podem ser portanto controladas e mani puladas mesmo quando o materialalvo é composto por passagens mais longas como frases e histórias O mesmo rigor no controle das manipulações experimentais deve ser consi derado quando o materialalvo não é verbal como no exemplo da Figura 22b Neste caso o materialalvo é constituído pelas fotografias do acidente de carro e da placa de sinalização de trânsito parada obrigatória Loftus et al 1978 Os experimentos com materialalvo não verbal têm investigado características das imagens como significado familiaridade complexidade e emocionalidade As FM podem ser produzidas quando duas informações são semelhantes em conteúdo ou significado como as placas de parada obrigatória e dê a pre ferência da Figura 22b que se referem à regulamentação de trânsito Alguns estudos têm mostrado que a semelhança de sig nificado entre as imagens ambas são placas de sinalização de trânsito pode levar à falsa lem brança da placa de dê a preferência como tendo sido apresentada na fase de estudo Koutstaal e Schacter 1997 Da mesma forma o desempenho da memória é suscetível a quão familiar uma ima gem é para os participantes do estudo Seamon et al 2000 Neste caso imagens não apresentadas no materialalvo p ex a placa de dê a preferência serão falsamente lembradas na fase de teste por participantes familiarizados com a si nalização de trânsito Outra característica que influencia o desempenho da memória é a complexi dade das imagens que compõe o materialalvo A complexidade se refere à quan tidade de elementos interligados de uma imagem Por exemplo na Figura 22b quanto mais elementos forem inseridos junto à imagem da placa de parada obrigatória como carros e pessoas mais falsamente algum detalhe da imagem será recuperado Seamon et al 2002 Em alguns casos pode ser apresentada apenas parte das imagens como o formato da placa de parada obrigatória sem a inscrição pare Resultados de pesquisas sugerem que imagens parciais não apresentadas na fase de estudo são falsamente lembradas na fase de teste Foley et al 2007 O efeito do caráter emocional do materialalvo não verbal também tem sido investigado no desempenho da memória Um dos instrumentos mais utilizados para avaliação do desempenho da memória emocional é o International Affective Picture System IAPS Lang Bradley e Cuthbert 1999 Lang e Ohman 1988 O IAPS é um banco de imagens como armas bebês e paisagens combinando dife rentes níveis de alerta e valência Várias pesquisas têm mostrado que imagens estimulantes com conteúdo emocional desagradável como armas têm produzido taxas de FM mais altas em comparação a imagens relaxantes com conteúdo em o cional agradável como bebês FemándezRey e Redondo 2007 Recentemente foram desenvolvidas normas brasileiras do IAPS para valência e alerta Ribeiro Pompéia e Bueno 2004 Embora ainda sejam escassos os estudos que utilizem As falsas memórias podem ser produzidas quando duas informa ções são semelhantes em conteúdo ou significado 50 Lilian Milnitsky Stein cols imagens do IAPS para testar FM resultados de pesquisas mostraram que as ima gens não apresentadas na fase de estudo são falsamente lembradas na fase de teste Pinto 2008 Outras formas de apresentação do materialalvo não verbal também podem incluir estímulos gustativos e olfativos Por exemplo alguns pesquisadores obser varam a produção de FM para o gosto de alimentos ingeridos antes dos 10 anos Morris et al 2006 Ainda que tanto o materialalvo verbal como o não verbal permitam um controle experimental das variáveis em foco a utilização de estímulos não ver bais torna o materialalvo mais verossímil e por isso mais próximo de pesquisas naturalísticas Apresentação do materialalvo Basicamente duas formas de apresentação do materialalvo são utilizadas em estudos sobre FM visual e auditiva A escolha da forma de apresentação de pende da natureza do materialalvo quando ele é verbal como na Figura 22a os participantes podem ler ou escutar a lista de palavras quando o materialalvo é não verbal como na Figura 22b os participantes apenas visualizam as ima gens Os estudos que apresentam visualmente a informação podem ser feitos em uma tela de computador em uma folha de papel ou projetada por meio da utili zação de recursos multimídia O desempenho da memória para o materialalvo verbal pode ser influen ciado por características específicas da forma de apresentação visual como a for matação da letra em função da fonte ou da cor Estudos nessa área destacam que quando cada palavra de uma lista é apresentada em um formato diferente diminui a probabilidade da produção de FM Israel e Schacter 1997 Quando a informação verbal é auditiva os estudos podem utilizar um ou mais narradores durante as fases de estudo e de teste As pesquisas têm mostrado que mais FM são produzidas quando um narrador lê as palavras na fase de estudo e outro na fase de teste Geiselman e Glenny 1977 Quando comparadas as duas modali dades de apresentação visual e auditiva alguns estudos têm destacado que a apresentação auditi va do materialalvo tende a produzir mais FM que a apresentação visual do mesmo material Smith e Hunt 1998 A apresentação do materialalvo não verbal pode ser associada a informações verbais O expe rimento da Figura 22b ilustra essa combinação ao vincular as imagens de placas de sinalização de trânsito com a narrativa do acidente Algumas pesquisas têm mostrado que a combinação de estímulos ver A apresentação auditiva do materialalvo tende a produzir maís falsas memórias que a apre sentação visual do mesmo material Falsas Memórias 51 bais e não verbais no materialalvo pode levar ao aumento da produção de FM Bloem e La Heij 2002 Esses experimentos que combinam a apresentação de imagens e narrativas aproximamse mais de pesquisas naturalísticas visto que se assemelham às experiências de vida das pessoas Kensinger e Schacter 2008 Neufeld Brust e Stein 2008 Existem outras variáveis que podem afetar a codificação da informação du rante a fase de estudo como o tempo de apresentação do materialalvo Huang e Janczura 2008 O tempo de apresentação se refere à quantidade de tempo que uma informação é exposta ao participante para codificação e interpretação duran te a fase de estudo Esse tempo pode variar de alguns segundos a apenas milis segundos Algumas pesquisas utilizando o Procedimento de Palavras Associadas têm mostrado que quando o tempo de exposição de cada palavra de uma lista é rápido p ex 20ms e 250ms mais FM são produzidas para listas apresentadas a 250ms do que a 20ms McDermott e Watson 2001 Contudo a partir de certo ponto quando o tempo de exposição de cada palavra passa a ser relativamente mais longo p ex lOOOrns e 5000ms menos FM são produzidas para listas apresentadas a 5000ms do que a lOOOrns Outra característica que tem merecido a atenção dos pesquisadores de FM é a quantidade de informação incluída no materialalvo também chamada de volu me de retenção A versão brasileira do Procedimento de Palavras Associadas por exemplo contém 44 listas com 15 palavras cada mas nem todas as listas ou pala vras são apresentadas em um mesmo experimento A quantidade de listas depen de do objetivo do estudo caso o interesse seja estudar a diferença do conteúdo emocional das listas um experimento poderia contar com três listas agradáveis três neutras e três desagradáveis Quando Roediger e McDermott 1995 compa raram a apresentação de 6 e 16 listas de palavras semanticamente associadas os resultados do teste de memória indicaram que a apresentação de mais listas leva ao aumento da produção de FM A quantidade de palavras por lista também pode ser diferente Por exemplo um estudo poderia utilizar oito listas de sete ou de 14 palavras semanticamen te associadas a um distrator crítico Neste caso quanto m aior a quantidade de palavras em uma lista p ex 14 palavras mais FM são produzidas Sugrue e Hayne 2006 Quando a informação é não verbal a variação da quantidade de imagens que compõem o materialalvo também deve ser controlada em fimção das características das imagens Neste caso quanto mais imagens de uma mesma categoria são apresentadas na fase de estudo mais FM são produzidas Koutstaal e Schacter 1997 Em suma o que se procurou destacar nesta seção é que a forma de apresen tação do materialalvo tanto verbal como não verbal podem impactar de manei ra distinta no desempenho da memória Em função das especificidades de cada tipo de material suas formas de apresentação devem ser levadas em consideração na fase de estudo 52 Lilian Milnitsky Stein cols Instruções sobre o materialalvo As instruções que acompanham o materialalvo indicam aos participantes como esta informação deve ser estudada Existem diferentes tipos de instruções para a apresentação do materialalvo que têm sido empregadas em estudos sobre FM Essas instruções podem ser manipuladas experimentalmente em função do nível de aprendizagem da informação do materialalvo que pode ser intencional acidental ou com advertência A apresentação do materialalvo em procedimentos experimentais para in vestigação das FM geralmente envolve a instrução para uma aprendizagem in tencional ou seja para que o participante preste atenção na informação na fase de estudo pois sua memória será testada posteriormente No entanto em alguns casos o teste de memória é surpresa e o participante não sabe que sua memória será testada A instrução para uma aprendizagem acidental ou não intencional envolve o desenvolvimento de alguma atividade com a inform ação do material alvo como identificar a cor com a qual a palavra está escrita ou nomear os objetos presentes na imagem As pesquisas utilizando palavras semanticamente associa das têm mostrado que uma aprendizagem intencional da informação do material alvo produz mais FM que uma aprendizagem acidental Lampinen Copeland e Neuschatz 2001 Os estudos sobre aprendizagem acidental têm uma implicação importante para as pesquisas naturalísticas uma vez que em situações reais as pessoas não sabem que sua memória será avaliada posteriormente para uma si tuação específica Uma tarefa muito utilizada para avaliação da aprendizagem acidental ou não intencional é a de gerar informação ou seja de produzir a informação a ser memorizada Os estudos com materialalvo verbal que utilizam palavras são os mais utilizados em estudos sobre o chamado efeito de geração McCabe e Smith 2006 Neste caso o processo de aquisição da informação do materialalvo requer um envolvimento ativo do participante que deve formar as palavras a serem m e morizadas como sapato seja completando as lacunas em sapto ou organizando letras do anagrama stapao As pesquisas têm destacado que gerar a informação do materialalvo produz menos falsas lembranças na fase de teste O efeito da inclusão de uma advertência acerca das possíveis distorções da memória para a informação do materialalvo durante a fase de estudo tem sido investigado como uma forma de diminuir as FM Na instrução de advertência o participante é estimulado a desenvolver estratégias visando a uma codificação fidedigna do material a ser armazenado durante o processo de aquisição da informação Quando a instrução tem um caráter preventivo no sentido de advertir o participante sobre as possibilidades de distorção da memória as FM tendem a dim i nuir embora não desapareçam Eakin Schreiber e SergentMarshall 2003 O estudo das FM também pode ser observado em tarefas em que o partici pante deve prestar atenção em duas atividades simultaneamente Por exemplo Quando a instrução da fase de estudo tem um caráter preventivo as falsas memórias tendem a diminuir Falsas Memórias 53 durante a visualização das listas de palavras do Procedimento de Palavras As sociadas o participante pode ser instruído a diferenciar entre letras e números apresentados auditivamente Esse estudo foi desenvolvido por PérezMata e co laboradores 2002 e mostrou que quando a atenção está dividida na fase de estudo os participantes produzem mais FM Ainda as instruções que introduzem o materialalvo podem impactar de maneira distinta no desempenho da memória dependendo do nível de envolvi mento do participante na tarefa Alguns autores associam a aprendizagem ao ní vel de processamento da informação durante a fase de estudo Craik e Lockhart 1972 as informações adquiridas em um nível de processamento profundo en volvem mais esforço cognitivo em tarefas de nomear uma categoria semântica p ex partes do corpo humano em comparação a informações adquiridas em um nível superficial sem elaboração da informação como em tarefas de contar as vogais de uma palavra p ex a palavra dedos tem duas vogais As pesquisas têm mostrado que instruções que induzem um nível profundo de processamento produzem mais FM em comparação a instruções que induzem um nível superficial Rhodes e Anastasi 2000 A primeira etapa do procedimento experimental para avaliação das FM por tanto envolve uma série de variáveis que podem impactar na aquisição da infor mação a ser memorizada O controle das variáveis durante a fase de estudo permite que o pesquisador observe os efeitos da manipulação experimental das característi cas do materialalvo de suas formas de apresentação ou instruções Intervalo de retenção O intervalo de retenção é a segunda etapa do procedimento experimental de investigação das FM Figura 21 Nesta etapa a informação do materialalvo deve ser armazenada Durante esse período de tempo duas tarefas podem ser realizadas pelos participantes visando ou não a interferir no armazenamento da informação a tarefa de distração e a sugestão de falsa informação O intervalo de retenção da informação do materialalvo pode variar de uma fração de segundo a 50 anos Lockhart 2000 Tarefa de distração A tarefa de distração tem o objetivo de impedir que as informações do materialalvo mantenhamse facilmente acessíveis à memória Brown e Gorfein 2004 Ela consiste numa atividade que não possui relação com o materialalvo tanto em termos de forma de apresentação como de conteúdo por exemplo se o materialalvo é constituído por listas de palavras o material de distração pode envolver atividades com imagens resolução de problemas matemáticos ou testes psicométricos 54 Lilian Milnitsky Stein cols A instrução que geralmente acompanha a apresentação da tarefa de distra ção busca envolver o participante para que desenvolva a atividade da melhor for ma possível a fim de não perceber que esta é uma mera tarefa interpolada entre as fases de estudo e de teste O envolvimento do participante nessa tarefa desvia a atenção do materialalvo e leva ao esquecimento da informação que foi codificada Brown 1958 Peterson e Peterson 1959 A realização de uma tarefa de distra ção permite ao pesquisador observar o efeito produzido pela manipulação de uma variável específica sem a interferência de outros fatores como a manutenção ativa das informações do materialalvo na memória geraria os efeitos de primazia e recência Atkinson e Shiffrin 1968 Estudos que utilizam uma tarefa de distra ção geralmente têm um intervalo de retenção da informação relativamente curto pois quando o teste de memória é realizado dias após a apresentação do material alvo as atividades diárias do participante servem como atividades distratoras Um exemplo de tarefa de distração que pode ser utilizada quando o ma terialalvo envolve palavras ou imagens é o span de dígitos subteste da escala Wechsler de inteligência para adultos 3a edição WAISIII Nascimento 2004 A atividade consiste em que o participante repita uma sequência de números aleatórios apresentados pelo experimentador Os números podem ser repetidos verbalmente ou escritos em uma folha de papel na mesma ordem ou na ordem inversa em que foram escutados A quantidade de números aumenta gradati vamente até atingir oito ou 10 dígitos O span de dígitos pode ser aplicado em experimentos com materialalvo tanto verbal como não verbal desde que este não envolva números Sugestão de falsa informação Quando o objetivo da pesquisa envolve a avaliação das FM sugeridas um material de sugestão de falsa informação geralmente é apresentado durante o intervalo de retenção da informação A sugestão de falsa informação pode ocorrer imediatamente após uma tarefa de distração ou dias e até meses após a apresen tação do materialalvo As pesquisas têm mostrado que quanto maior é o intervalo entre a fase de estudo e a de sugestão mais as informações sugeridas serão falsa mente lembradas na fase de teste Warren e Lane 1995 O material de sugestão tem o objetivo de interferir no armazenamento cor reto da informação do materialalvo isto é memória verdadeira O impacto da sugestão de falsa informação depende de algumas variáveis como as características do material sua forma de apresentação e suas instruções As características do material de sugestão são manipuladas com o intuito de deliberadamen te distorcer o armazenamento da informação do materialalvo O material de sugestão portanto pode apresentar características semelhantes ao A apresentação da suges tão de falsa informação produz maiores taxas de falsas memórias su geridas do que de falsas memórias espontâneas no teste de memória Falsas Memórias 55 materialalvo em conteúdo e forma Um grande progresso dos estudos sobre FM sugeridas ocorreu na década de 1970 com a introdução do Procedimento de Sugestão de Falsa Informação apresentado na Figura 22b Loftus 1975 Loftus et al 1978 Esse procedimento representa bem a relação entre as características do materialalvo e de sugestão as duas placas são de regulamentação do trânsito Neste caso a placa de dê a preferência isto é informação sugerida é falsa mente lembrada no teste de memória como sendo verdadeira Algumas pesquisas têm mostrado que apresentação da sugestão de falsa informação produz maiores taxas de FM sugeridas do que de FM espontâneas no teste de memória Pezdek e Roe 1995 Outra característica que tem merecido a atenção nos estudos de FM su geridas é a modificação ou distorção da informação do materialalvo durante a repetição do mesmo As repetições do materialalvo no entanto não são sempre exatamente iguais embora a essência permaneça a mesma Quando é apresen tada uma lista de palavras semanticamente associadas como a da Figura 22a por exemplo o material de sugestão pode ser introduzido durante a repetição da apresentação da lista por meio da inserção de novos itens como a palavra pegada Quando o desempenho da memória é avaliado somente para a primeira das apre sentações a recuperação da palavra pegada representa uma FM sugerida Embora a repetição da lista fortaleça a memória para as palavras do materialalvo que permanecem iguais as pesquisas têm mostrado que as palavras sugeridas durante a repetição são falsamente lembradas na fase de teste Loehr e Marche 2006 O Capítulo 9 discute os efeitos da repetição e suas implicações jurídicas Outra variável que envolve a implantação de falsa informação para encorajar uma recordação equivocada sobre o evento original é a imaginação Imaginar é pro duzir uma representação mental de uma informação Por exemplo durante a fase de estudo os participantes podem imaginar detalhadamente cenas para situações como quebrar um palito de dente Várias pesquisas têm mostrado que quando os partici pantes tentam recuperar informações sobre a situação original lembram falsamente as informações imaginadas como tendo sido vivendadas G off e Roedigei 1998 A sugestão de falsa informação também pode ser introduzida no experi mento em função do contato com o pesquisador Especialmente com crianças as pesquisas têm mostrado que o pesquisador exerce um papel de autoridade se melhante ao papel dos pais ou professores e afirmações ou perguntas sugestivas feitas por ele podem levar à distorção da informação verdadeira Ceei Huffman e Smith 1994 Os efeitos dessas manipulações podem ser observados em con textos naturalísticos quando o papel de autoridade é exercido pelo terapeuta que pode distorcer a informação para o evento original Um dos métodos muitas vezes utilizado na clínica psicoterápica e que pode ser sugestivo é a interpretação dos sonhos Algumas pesquisas indicam que interpretar sonhos pode ser uma manei ra de direcionar a criação de lembranças sobre eventos que não aconteceram ou seja de FM M azzoni et al 1999 Outros capítulos deste livro discutem o impacto das técnicas sugestivas e do papel do terapeuta na recuperação de falsa informação Capítulos 11 e 12 56 Lilian Milnitsky Stein cols Quando o materialalvo é autobiográfico a sugestão de falsa informação geralmente envolve o preenchimento de um inventário de cenas da vida em que são inseridas informações falsas Garry et al 1996 Por exemplo em um experi mento de sugestão de falsa informação a fase de estudo era a própria experiência prévia do participante Wade et al 2002 Durante a fase de teste era solicitado que o participante relatasse lembranças de sua história de vida correspondentes a situações apresentadas por meio de fotografias Algumas fotografias foram forne cidas pelos pais dos participantes enquanto uma imagem foi produzida por meio de um programa de edição de imagens representando um evento que não havia acontecido passear em um balão de ar Para que a descrição fosse considerada uma FM não bastava que os participantes dissessem que se lembravam do acon tecimento era necessário que descrevessem o evento que nunca havia ocorrido com informações que não constavam na fotografia p ex descrever ações ou sensações sobre a situação Os resultados indicaram que 50 dos participantes recordaram ter passeado em um balão de ar com grande riqueza de detalhes apesar de isso nunca ter acontecido As pesquisas destacadas nesta seção ilustram como a influência dos eventos ocorridos entre a etapa de aquisição e a de recuperação da informação pode afe tar o desempenho da memória Loftus 1979 A sugestão de falsa informação é um procedimento muito utilizado para estudar experimentalmente o que ocorre por vezes dentro de delegacias de polícia tribunais e inclusive dentro de con sultórios psicoterápicos As implicações práticas desse efeito de sugestão serão discutidas na última parte deste livro Em suma é durante o intervalo de tempo para retenção da informação do materialalvo que a informação é distorcida armazenada ou esquecida depen dendo do objetivo das tarefas realizadas no estudo das FM enquanto a tarefa de distração permite o controle sobre o armazenamento da informação desviando a atenção do materialalvo e buscando produzir algum esquecimento a sugestão de falsa informação visa a distorcer a informação originalmente estudada Fase de teste A testagem da memória é a última etapa de um experimento de investigação das FM Nesta fase é avaliado o desempenho da memória para as informações ad quiridas durante a fase de estudo e armazenadas durante o intervalo de retenção A avaliação é feita por meio da realização de um teste de memória No teste a informação do ma terialalvo deve ser recuperada A recuperação da informação depende de algumas variáveis como os diferentes tipos de teste de memória suas formas de apresentação de instrução e de mensuração No teste de memória a informação do materialalvo deve ser recuperada Falsas Memórias 57 Dois tipos de teste são utilizados para avaliação do desempenho da memó ria recordação e reconhecimento Brainerd e Reyna 2002 Lockhart 2000 No teste de recordação o participante deve relatar todas as informações que consegue lembrar sobre o materialalvo já no teste de reconhecimento alguns itens são apresentados ao participante que deve decidir quais correspondem ao material alvo estudado anteriormente Cada tipo de teste possui algumas características específicas que influenciam o desempenho da memória O teste de memória de recordação pode ser de dois tipos livre ou com pis tas O teste de recordação livre envolve a reprodução da informação do material alvo conforme o participante consegue lembrar Assim as lembranças vão sendo relatadas à medida que são recuperadas independente da ordem em que foram apresentadas na fase de estudo Por exemplo para o materialalvo da Figura 22 b um teste de recordação livre envolve a descrição de todas as informações que são lembradas Já no teste de recordação com pistas são oferecidas pistas para auxiliar o participante na recuperação das informações do materialalvo Uma pista para o exemplo da Figura 22a pode ser por exemplo uma indicação de que as palavras remetem a partes do corpo humano Para a recordação do materialalvo não verbal uma pista pode ser a visualização parcial da imagem As pesquisas têm destacado que um teste de recordação livre produz mais FM do que um teste de recordação com pistas Reysen e Naim e 2002 O teste de memória de reconhecimento também pode ser apresentado de duas maneiras dependendo da forma de escolha da resposta simples ou múlti pla Em ambos os casos o participante recebe uma lista de informações em forma de itens e deve decidir se cada item foi ou não apresentado na fase de estudo Quando o teste é de escolha simples os itens são compostos por palavras ou afir mativas como a palavra dedos para da figura 22a para o materialalvo verbal ou por uma sequência de imagens para o materialalvo não verbal Quando o teste é de reconhecimento de múltipla escolha diversas alternativas respondem a pergunta sobre qual a placa de sinalização de trânsito apresentada no experi mento da Figura 22b p ex parada obrigatória dê a preferência ou pista irregular e o participante deve assinalar apenas aquele item que corresponde à placa que viu na fase de estudo Um teste de memória de múltipla escolha muito conhecido é a prova de vestibular realizada nas universidades brasileiras Quando comparadas as duas formas de teste de reconhecimento alguns estudos têm des tacado que os testes de múltipla escolha produzem menos FM que os de escolha simples Bastin e Van der Linden 2003 Em síntese os dois tipos de teste de memória são utilizados para investiga ções experimentais das FM Os tipos de itens do teste de memória e como é feita a aferição das FM serão discutidos na seção medidas do teste de memória Existem algumas vantagens na utilização de um ou de outro o teste de reconhecimento Tipos de teste de memória 58 Lilian Milnitsky Stein cols destacase na rapidez de aplicação e na facilidade de correção dos dados pois o participante deve apenas decidir se uma informação do teste foi ou não apresen tada na fase de estudo do experimento enquanto o teste de recordação envolve um processo mais complexo de recuperação da informação pois o participante deve lembrar a informação decidir sobre a veracidade desta e ainda reproduzi la seja por escrito ou oralmente Watkins e Gardiner 1979 As pesquisas têm mostrado que testes de recordação produzem menos FM do que testes de reco nhecimento M eode e Roediger 2006 Apresentação do teste de memória Os testes de memória podem ser realizados de forma oral ou escrita Quan do o teste é de recordação livre ou com pistas em uma apresentação oral o par ticipante deve narrar uma história ou responder a perguntas que serão gravadas em áudio ou vídeo Já em uma apresentação escrita o participante escreve suas respostas em uma folha de papel Recentes estudos destacam que o teste de re cordação oral tende a produzir mais falsas lembranças do que o escrito Kellogg 2007 Quando o teste é de reconhecimento em uma apresentação oral o partici pante indica verbalmente se uma informação apresentada como um dos itens do teste corresponde ao materialalvo por exemplo falando sim ou não e sua res posta é anotada pelo pesquisador Na apresentação escrita o participante assinala a resposta desejada em uma folha de papel Os testes de reconhecimento escritos tendem a produzir mais FM do que os orais M aylor e Mo 1999 Pesquisas têm sugerido uma relação entre as modalidades de apresentação do teste de memória e do materialalvo de forma que quando os materiais são apresentados na mesma modalidade p ex materialalvo auditivo e teste oral menos FM são produzidas Nelson Balass e Perfetti 2005 Existem outras variáveis que podem afetar a recuperação da informação duran te a fase de teste como o momento da testagem e a repetição do teste A primeira dessas variáveis se refere ao momento em que o teste de memória é realizado que pode ser imediatamente após a apresentação do materialalvo isto é teste imediato ou horas dias e até meses ou anos depois isto é teste posterior Quando o teste de memória é ime diato geralmente ele é precedido de uma tarefa de distração Alguns estudos têm destacado que quan do o teste é posterior as informações não apresen tadas no materialalvo serão mais falsamente lem bradas Roediger e McDermott 1995 isso porque as FM são mais estáveis com o passar do tempo e se mantém com maior facilidade do que as memórias verdadeiras M V que são mais facilmente esquecidas Brainerd e Reyna 2005 As falsas memórias são mais estáveis com o passar do tempo e se mantém com maior facilidade do que as memórias verdadeiras Falsas Memórias 59 A outra variável que interfere na recuperação da informação do material alvo é a repetição da testagem da memória Neste caso o objetivo do estudo pode ser a investigação do desempenho da memória ao longo do tempo e o mes mo participante responde a dois ou mais testes de memória Quando a memória é avaliada duas vezes para a mesma informação as informações não apresentadas na fase de estudo têm mais probabilidade de serem falsamente lembradas no segundo teste especialmente se foram lembradas no primeiro Brainerd e Rey na 1996 As pesquisas têm mostrado que quando ocorre esse efeito da mera testagem as FM se tom am mais consistentes ao longo dos testes Reyna et al 2006 Em suma as formas de apresentação do teste de memória tanto de recorda ção como de reconhecimento influenciam de maneira distinta no desempenho da memória A decisão sobre qual modalidade do teste de memória deve ser apresen tada em um experimento para investigação das FM depende de algumas variáveis do próprio experimento como diferenças individuais dos participantes Por exem plo um teste de memória oral é preferível no caso de um estudo com crianças pequenas ou participantes impossibilitados de escrever Outras variáveis relativas ao impacto das diferenças individuais nas FM serão discutidas no Capítulo 7 Instruções sobre o teste de memória As instruções que acompanham o teste de memória envolvem orientações diretas do pesquisador sobre o que deve ser feito durante a fase de teste Em pro cedimentos experimentais para investigação das FM os testes de recordação e de reconhecimento diferem quanto à instrução geral devido às suas características es pecíficas mas usualmente envolvem instruções para que o participante recupere somente informações que realmente estavam presentes no materialalvo Brainerd Reyna e Ceei 2008 Quando o teste é de recordação livre o participante deve rela tar todas as informações que conseguir lembrar a respeito do materialalvo Quan do é de recordação com pistas podem ser feitas perguntas abertas sobre detalhes específicos do materialalvo Por exemplo uma pergunta do teste para a história da Figura 22b poderia indicar que havia uma placa de regulamentação de trânsito quando o carro estava dobrando a esquina e solicitar que o participante lembrasse que placa era essa Quando o teste é de reconhecimento de escolha simples o participante deve marcar sim para aqueles itens que estavam presentes no materialalvo e não para os itens que não estavam presentes Acrescentase ainda à instrução para que o participante não faça uma escolha aleatória ao acaso ou seja não tente adivi nhar chutar uma resposta mas sim responder com base no que lembra que foi apresentado na fase de estudo Já quando o teste é de múltipla escolha uma per gunta referente ao materialalvo é feita e diversas alternativas são apresentadas como possíveis respostas para cada item Neste caso o participante deve decidir 60 Lilian Milnitsky Stein cols qual o item que responde à pergunta Ambos os testes de reconhecimento seja de escolha simples ou múltipla apresentam itens com informações que estavam presentes no materialalvo isto é verdadeiras e outras que não foram apresen tadas isto é falsas Outra forma de testar o desempenho da memória é o método de esqueci mento dirigido do inglês direct forgetting Neste caso o participante é instruído a recuperar apenas parte da informação esquecendo o restante Por exemplo quando são apresentadas duas listas de palavras semanticamente associadas como a da Figura 22a os participantes podem ser instruídos a esquecer a pri meira e lembrar apenas a segunda lista de palavras Resultados de pesquisas têm destacado que as palavras que deveriam ser esquecidas lista 1 são falsamente lembradas na fase de teste Bjork e Bjork 1996 As implicações desses estudos podem ser observadas na tentativa de esquecer uma informação autobiográfica aversiva ver Capítulo 5 Em síntese as instruções sobre o teste de memória buscam respostas baseadas em lembranças da informação do materialalvo No entanto não necessariamente é sempre isso que ocorre muitas vezes as pessoas recuperam informações que não estavam presentes na fase de estudo mas que acreditam ser verdadeiras as FM Medidas do teste de memória As respostas do teste de memória podem ser de três tipos verdadeiras fal sas ou de viés A recuperação de cada um dos tipos de informação serve de base para a avaliação do desempenho da memória Outras medidas também podem ser avaliadas na recuperação da informação do materialalvo tais como o tempo de reação do participante para responder a um item do teste de memória o grau de certeza da resposta bem como a avaliação da qualidade da memória isto é vividez com base na qual está sendo emitida a resposta A avaliação das respostas do teste de memória depende da relação com o materialalvo Quando o teste de memória é de recordação livre ou com pistas as informações recordadas são agrupadas conforme seu grau de relação com o materialalvo as verdadeiras se referem às informações recuperadas que são exa tamente iguais ao materialalvo as FM se referem às informações relacionadas de alguma forma ao materialalvo semântica fonológica ortográfica ou visual mente e as intrusões ou respostas de viés são informações inconsistentes com o materialalvo e portanto sem base na memória Quando o teste é de reconhecimento as respostas verdadeiras referemse a aceitação correta dos itensalvo como reconhecer as palavras dedos e sapa to do exemplo da Figura 22a e da placa de parada obrigatória da Figura 22b As FM são avaliadas pelo falso reconhecimento dos itens distratores críticos ou distratores relacionados representados pela palavra pé no exemplo da Figura 22a quando são FM espontâneas e pela placa de dê a preferência no exem plo da Figura 22b quando são FM sugeridas Já as respostas de viés são a aceitação no teste de itens que não possuem relação com o materialalvo Falsas Memórias 6 1 como a palavra mesa para o exem plo da Figura 22a e uma placa que indica o nome de uma cidade para o exem plo da Figura 22b O desempenho da memória para o teste de recordação é avaliado por meio da quantidade de informações corretas que o participante lembra a respeito do materialalvo para o cálculo de memória verdadeira e da quantidade de infor mações relacionadas para o cálculo de FM Brainerd et al 2008 No teste de reconhecimento esse desempenho é avaliado por m eio do cálculo da média das respostas de cada um dos tipos de informação recuperados quanto mais itens alvo os participantes lembram maior o índice de memória verdadeira e quanto mais distratores relacionados ou informações sugeridas m aior o índice de FM Roediger e McDermott 1995 Em experimentos de memória esperase baixos índices de respostas de viés pois são respostas sem base mnemónica e sua recu peração geralmente devese à falta de motivação do participante ou à falha em compreender as instruções do teste As pesquisas destacam que a memória dos participantes é mais precisa quando altos índices de MV são recuperados associa dos a baixos índices de FM Coane e McBride 2006 Outra medida do teste de memória que pode ser considerada para a ava liação das FM é o tempo de reação que se refere à quantidade de tempo que o participante leva para responder às perguntas do teste de recordação ou assinalar uma alternativa do teste de reconhecimento Pesquisas utilizando o Procedimento de Palavras Associadas como a de Coane e colaboradores 2007 têm mostrado que no teste de reconhecimento os participantes levam mais tempo para reagir frente a distratores relacionados em comparação a itensalvos A avaliação do desempenho da memória também pode considerar o grau de certeza que os participantes têm em suas respostas O grau de certeza pode ser avaliado em uma escala contínua que varia de nenhuma certeza a absoluta certeza Para cada item do teste de memória o participante deve optar pela alternativa que melhor qualifica a recuperação de uma informação seja ela apenas resultado de uma simples lembrança isto é nível baixo de certeza seja de uma sensação de o item realmente ter sido apresentado durante a fase de estudo isto é nível alto de certeza As pesquisas têm mostrado que as FM são recuperadas com altos índices de certeza Lampinen et al 2005 Alguns estudos solicitam que o participante avalie as características da qualidade de sua m e mória ao responder o teste utilizando as opções de lembrar saber do inglês remember know TUlving 1985 No Procedimen to de Palavras Associadas por exemplo lembrar uma palavra significa mental mente reviver o momento de codificação lembrando outras palavras que foram apresentadas juntamente com a palavra recuperada ou o que se estava fazendo quando leu ou ouviu a palavra e saber envolve uma sensação de confiança que determinada palavra foi apresentada no materialalvo embora seja impossível reexperienciar lem brar o momento de codificação Os estudos que utilizam esse paradigma destacam que as FM são geralmente resultado de julgamentos de lem brar Roediger e McDermott 1995 As falsas memórias são recuperadas com altos índices de certeza 62 Lilian Milnitsky Stein cols Em suma a avaliação do desempenho da memória permite ao pesquisador observar o impacto da manipulação de cada variável do estudo no desempenho da memória Para que esse impacto seja compreendido é necessário conhecer as medidas do teste de memória tanto de recordação como de reconhecimento A fase de teste portanto envolve informações imprescindíveis para a compreensão dos efeitos de cada manipulação do procedimento experimental para investigação das FM uma vez que permite ao pesquisador medir as diferenças de recuperação da informação tanto verdadeiras quando falsas CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente capítulo descreveuse os elementos essenciais do procedimen to experimental de investigação das FM bem como algumas variáveis que podem estar envolvidas nesse procedimento A investigação do fenômeno das FM é cons tituída essencialmente por três fases igualmente importantes a fase de estudo na qual o materialalvo é apresentado para o participante o intervalo para retenção ou armazenamento da informação e a fase de teste na qual a informação estu dada deve ser recuperada Em cada fase variáveis específicas podem ser mani puladas considerando os efeitos de cada uma sobre o desempenho da memória Buscouse ilustrar os avanços mais representativos de cada aspecto da manipula ção experimental no estudo das FM ainda que esses dados não esgotem todas as manipulações possíveis É necessário portanto considerar as possíveis interações que possam existir entre as variáveis descritas no Quadro 21 bem como entre outras variáveis específicas Conforme foi destacado ao longo do capítulo a escolha das variáveis depen de do objetivo de cada estudo e deve estar apoiada em informações já existentes na literatura Porque o propósito de uma pesquisa básica sobre FM é observar o efeito de uma variável na produção de distorções da memória a escolha de qual variável será manipulada é fundamental para o experimento Martin 2000 Por exemplo se o interesse é observar o efeito da variável emoção na produção de FM é fundamental considerar seus dois aspectos valência e alerta Um pes quisador pode escolher manipular apenas um desses aspectos como a valência apresentando estímulos desagradáveis neutros e agradáveis Para que os resul tados do experimento sejam mais fidedignos devese controlar o nível de alerta dos estímulos utilizando apenas informações estimulantes por exemplo Nesse caso podese inferir uma relação de causalidade da dimensão emocional valência no desempenho da memória independentemente da dimensão alerta Kensinger 2009 Capítulo 4 O controle experimental no estudo das FM em pesquisa básica estendese a outras variáveis que podem interferir diretamente nos resultados como as dife renças individuais dos participantes Esse tema será foco da discussão do Capí tulo 7 Uma característica que distingue um participante de outro é a idade por exemplo As pesquisas que se valem do Procedimento de Palavras Associadas têm Falsas Memórias 63 mostrado que adolescentes produzem mais FM e são mais suscetíveis à sugestão de falsa informação em comparação a crianças Brainerd Reyna e Forrest 2002 O resultado sugere que a faixa etária interfere na produção de FM Um exemplo de estudo que visou a destacar as características para um materialalvo gerar FM proporcionalmente em crianças e adolescentes foi a adaptação do Procedi mento de Palavras Associadas conforme a idade dos participantes por Carneiro Albuquerque Femandez e Esteves 2007 Neste estudo foram elaboradas listas com diferentes quantidades de palavras semanticamente associadas para testar a memória de crianças em idade préescolar e de adolescentes A pesquisa mostrou que os participantes produziam mais FM quando as listas eram específicas para sua idade O controle e as manipulações experimentais permitem o estabelecimento de parâmetros para o desempenho da memória possibilitando a gene ralização dos efeitos desse estudo para situações reais como a capacidade da criança e do adoles cente de armazenar informações aprendidas em sala de aula As possibilidades de aplicação das pesquisas básicas sobre FM em diferentes áreas da Psicologia como a Clínica e a Forense apóiam a relevância dos estudos em laboratório com o in tuito de fornecer continuamente subsídios para as investigações naturalísticas No âmbito da Psicologia Clínica normalmente as sessões terapêuticas desenvolvemse em tom o de uma temática central p ex um trauma emocional ou físico em que as experiências trazidas pelo paciente são exploradas em relação ao tema principal As perguntas do terapeuta podem servir como sugestão de falsa informação e a repetição da discussão sobre o mes mo tema em sessões diferentes pode produzir um efeito de mera testagem Esse tema será retomado nos Capítulos 11 e 12 No que concerne a situações forenses também os procedimentos de perícia psicológica e os questionamentos feitos a testemunhas versam sobre um tópico central p ex situação que está sendo in vestigada Em ambos os casos a forma como é feita a entrevista com vítimas ou testemunhas oculares pode ser responsável pela falsificação da memória para o evento original por sugestão de falsa informação ou viés na testagem Tais impli cações serão mais exploradas nos Capítulos 8 9 e 10 Considerando a diversidade de variáveis que podem ser investigadas e a relevância dos estudos básicos para contextos aplicados ainda há várias questões a serem exploradas Esperase portanto que este capítulo possa incentivar o de senvolvimento de pesquisas experimentais para investigação das FM Alguns pro cedimentos de pesquisa sobre as FM já foram adaptados para a língua portuguesa Feix 2008 Neufeld et al 2008 Neufeld e Stein 2003 Nygaard Feix e Stein 2006 Pinto 2008 Stein et al 2006 Investigações futuras podem propiciar o desenvolvimento de outros instrumentos e procedimentos experimentais a fim de elucidar os processos responsáveis pela produção de FM e seu desenvolvimento O controle e as manipulações expe rimentais permitem o estabelecimento de parâmetros para o de sempenho da memória possibilitando a genera lização dos efeitos para situações reais 64 Lilian Milnitsky Stein cols REFERÊNCIAS Atkinson R C Shiffrin R M 1968 Human memory A proposed system and its con trol processes 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comportamentais A neurociênda cogni tiva tenta responder como as funções psicológicas e cognitivas são produzidas por circuitos neurais Seus métodos de investigação se dão por meio de instrumentos não invasivos prin dpalmente métodos de imagem cerebral funcional registro de imagens da atividade do cérebro em funcionamento empregados durante atividades cognitivas Processos psicológicos básicos como percep ção e memória já foram considerados localizados em regiões cerebrais específicas Neste sentido uma das contribuições mais importantes dos estu dos de neuroimagem diz respeito ao fato de clara mente indicarem que tais processos psicológicos e comportamentais não podem ser mapeados em centros específicos e identificáveis Schacter e Slotnick 2004 Pelo contrário cada processo parece estar associado a uma série de regiões cerebrais bem dis tribuídas e interconectadas Isso implica no fato de os processos psicológicos básicos parecerem ser agora entendidos como produtos de atividades de redes neurais amplamente distribuídas O que parecia anteriormente ser um conceito delimitado e singular p ex m emória quando examinado em conjunto com evidências neurológicas estudos de lesão cerebral ou neuroimagem revela uma organização mais complexa e diversificada p ex processos de memória declara tiva e procedural Por outro lado o que pareciam ser conceitos distintos p ex memória de curto e longo prazo podem necessitar ser reconsiderados frente às novas evidências neurocientíficas Desta maneira a neuroimagem e a neurociên d a estão remodelando os conceitos que foram utilizados para construir as teorias psicológicas Uma metáfora para isso seria o fato de na metade do século XVII se A Neurodência Cogni tiva consiste no campo de estudo que tem como objetivo inves tigar os mecanismos biológicos subjacentes da cognição com um enfoque específico para os substratos neurais dos processos mentais e de suas manifestações comportamentais 70 Lilian Milnitsky Stein cols acreditar que a célula seria a menor partícula do corpo humano e posteriormente com a sofisticação das tecnologias cada vez mais partículas que form avam ou tras partículas que formavam outras partículas e assim por diante foram sendo descobertos átomos elétrons prótons quarks bósons leptons Outra analogia interessante para explicar como a combinação de diferentes componentes neurais produz diferentes processos psicológicos seria o brinquedo Lego Nesse brinquedo há varias peças que são fixas blocos assim diferentes peças e configurações desses blocos seriam os diferentes processos psicológicos Uma explicação alternativa seria a tabela periódica da química assim o processo de diferentes componentes neurais poderia ter diferentes propriedades e afini dades cuja função computação dependeria da rede de combinação das áreas envolvidas O principal objetivo deste capítulo é apresentar os principais achados da neurodência cognitiva relacionados ao fenômeno de falsas memórias FM Para que tais resultados sejam compreendidos é necessária uma breve revisão sobre os principais métodos de pesquisa não invasivos usados nos estudos de neurociênda cognitiva das FM Assim a primeira parte deste capítulo apresenta ao leitor es ses métodos Como os achados desses estudos diferem em relação aos processos de codificação armazenamento e recuperação da memória ver Capítulo 2 a segunda parte do capítulo é composta por estudos de FM realizados durante as etapas de codificação e armazenamento e os achados relacionados às etapas de recuperação da informação MÉTODOS DE PESQUISA A Ressonância Magnética R M é um exame seguro pois não utiliza radia ção ionizante que possibilita obter cortes tomográficos em muitos e diferentes planos do cérebro dando uma visão panorâmica da área cerebral de interesse além de mostrar características dos diferentes tecidos do corpo O paciente entra em um campo magnético que vai alinhar os spim dos átomos de hidrogênio do seu corpo Após ondas de rádio frequência são aplicadas pulsatilmente para de salinhar novamente os spins Um computador cria as imagens a partir do tempo e das coordenadas que foram utilizados no desalinhamento A RM é uma técni ca apropriada para estudar estruturas neurológicas porém quando o objetivo é poder estudar a função das estruturas necessitase de outros exames de imagem Attwell e Iadecola 2002 A Ressonância Magnética Funcional R M f é uma técnica que utiliza a RM associada a percepção de respostas hemodinâmicas relacionados a atividade ce Quantidade de energia e de momento que flui de uma partícula em uma determinada direção Falsas Memórias 71 rebral Logothetis et al 2001 O método BOLD ibloodoxygenlevel dependent permite a observa ção de quais áreas do cérebro estão ativas em um determinado momento Em virtude dos neurônios não possuírem uma reserva própria de energia na forma de glicose ou oxigênio cada vez que eles disparam ou seja tomamse ativos há uma mobi lização rápida de energia Por meio de um proces so chamado resposta hemodinâmica ocorre um aumento da taxa de disponibili zação de oxigênio no sangue nas áreas ativas em relação às áreas inativas Assim podese observar uma diferença na susceptibilidade magnética entre oxihemoglo bina e desoxihemoglobina ou seja há uma variação no sinal magnético entre o sangue oxigenado e o desoxigenado detectável pela ressonância magnética Por meio da repetição de pensamentos ações ou experiências métodos estatísticos podem determinar quais áreas do cérebro manifestaram m aior diferença entre as taxas e quais áreas estariam mais ativas durantes tal pensamento ação ou expe riência Bénar Gross e Wang 2002 A Tomografía por Emissão de Pósitron positron emission tomography PET avalia o fluxo sanguíneo e o metabolismo cerebral Nas áreas cerebrais em que existe maior atividade neuronal identificase um m aior consumo de glicose e um aumento do fluxo sanguíneo cerebral Isso faz com que as taxas de glicose san guínea diminuam nessas áreas por isso a PET avalia a função cerebral em tempo real Durante o exame injetase água radioativa H 2 0 1 5 j para se avaliar o fluxo sanguíneo e a glicose radioativa 18F 2 fluoro2desoxiglicose ou FDG para se avaliar o metabolismo cerebral Essas substâncias emitem pósitrons que colidem com os elétrons do cérebro criando duas bandas de luz que são emitidas e assim captadas por uma câmera O computador usa essas informações para reconstruir uma imagem do metabolismo cerebral ou dos padrões de perfusão sanguínea Potenciais Relacionados a Evento eventrelated potential ERP não é exa tamente um exame de imagem porém serve para localizar regiões cerebrais de maior ou menor atividade e a partir disso gerar uma representação gráfica dessa atividade neural O ERP consiste em qualquer resposta eletrofísiológica estereoti pada frente a um estímulo interno ou externo pensamento ou percepção Ele é medido utilizandose a eletroencefalografía EEG um procedimento que detecta a atividade elétrica no cérebro através do couro cabeludo Em relação a RMf o ERP possui uma melhor resolução temporal mas é superado por ela em virtude da pouca resolução espacial De m odo geral a RM f vem sendo a técnica mais comumente empregada na neurociência cognitiva Não há necessidade de se saber exatamente os processos físicoquímicos que ocorrem durante tal método porém a noção de que se cons titui em um método capaz de avaliar as mudanças nos gradientes físicoquímicos associadas com atividade neural seria o mais importante O método BOLD bloodoxygenlevel dependent permite a observação indireta de quais áreas do cérebro estão ativas em um de terminado momento 72 Lilian Milnitsky Stein cols FALSAS MEMÓRIAS E PROCESSOS DE CODIFICAÇÃO E ARMAZENAMENTO Até recentemente os estudos de neuroimagem das distorções mnemónicas buscavam investigar quase que exclusivamente o processo de recuperação das FM Cabeza et al 2001 Okado e Stark 2003 Schacter et al 1996 von Zerssen et al 2001 deixando a codificação e o armazenamento em segundo plano Essa ne gligência com a investigação da formação das FM é parcialmente compreendida uma vez que os resultados de estudos que investigam as bases neurais da falsa recuperação possuem uma aplicabilidade mais direta como será visto na seção seguinte Entretanto evidências oriundas de pesquisa básica em Psicologia Cognitiva Gallo Roediger e McDermott 2001 Rhodes e Anastasi 2000 indicam que a codificação de um evento é determinante para a sua posterior recuperação sendo ela verdadeira ou falsa Desta forma o estudo das bases neurais da formação das FM se tornou mais recentemente um dos grandes desafios nas neu rociências Esse tipo de pesquisa deverá dar conta de algumas questões fundamentais para a com preensão das FM como por exemplo investigar possíveis diferenças de áreas cerebrais envolvidas no processamento de memórias verdadeiras M V e FM e também explorar quais são as áreas responsáveis pela formação das FM Um dos primeiros estudos sobre as bases neurais da formação das FM foi realizado por Gonsalves e Paller 2000 Neste estudo os participantes liam uma lista de substantivos p ex gato chapéu etc na tela de um computador e eram instruídos a imaginar o objeto descrito pela palavra enquanto a mesma palavra era apresentada na tela Entretanto para metade das palavras também era apre sentada uma imagem referente ao substantivo p ex a fotografia de um gato enquanto para outra metade era apresentada apenas uma tela em branco p ex chapéu ver Figura 31 Posteriormente já na fase de teste os participantes ouviam outra lista de palavras e eram instruídos a indicar se eles haviam ima ginado ou realmente visto o objeto descrito pela palavra Desta maneira foram consideradas FM quando os participantes afirmavam terem visto a fotografia de um objeto que eles anteriormente haviam apenas imaginado Ou seja algumas pessoas lembravam de ter visto uma fotografia de um chapéu enquanto elas ha viam apenas imaginado Todos os participantes tiveram sua atividade cerebral gravada através de EEG durante a apresentação de cada palavra no computador enquanto eles ainda não sabiam se haveria ou não uma fotografia associada Os autores então compararam o potencial evocado por palavras que não possuíam uma imagem associada p ex chapéu que produziram FM com as que não pro duziram Os resultados indicaram que as palavras que produziram FM induziram um padrão de ondas cerebrais distintas quando comparadas com as que não pro duziram observadas principalmente nas regiões occiptal e parietal Como essas áreas são sabidamente relacionadas a formação de imagens mentais os autores sugeriram que a ativação encontrada indicava uma maior vividez visual dos obje A codificação de um evento é determinante para a sua posterior recuperação sendo ela verdadeira ou falsa Falsas Memórias 73 Fase de estudo estímulo visual Maçã Chapéu Cérebro Fase de teste estímulo auditivo Martelo Maçã Gato 2500 ms I I 1800 ms I Gato Cérebro Chapéu FIGURA 31 Procedimento Experimental Na fase de estudo palavras figuras e retângulos apareciam por 300 ms cada de maneira constante Foram aplicados quatro testes palavra figura apenas palavra apenas palavra e palavra figura Na fase de teste as palavras foram apresentadas de maneira constante mas a duração de cada palavra falada variava de 240690 ms média 475 ms Gonsalves e Paller 2000 tos imaginados de tal maneira que posteriormente as imagens eram falsamente reconhecidas como tendo sido apresentadas como fotografias Entretanto como visto anteriormente o ERP é uma técnica que não pos sui uma boa resolução espacial tom ando muito difícil afirmar quais partes do cérebro estão envolvidas em um determinado fenômeno neste caso a criação de FM Desta maneira em um estudo mais recente Gonsalves e colaboradores 2004 utilizaram o mesmo procedimento do estudo anterior para investigar por meio de RMf quais áreas cerebrais estariam envolvidas na formação de FM Os resultados indicaram principalmente um aumento na ativação de áreas como o precuneus e o córtex parietal inferior durante a apresentação das palavras que depois seriam falsamente reconhecidas Novamente essas regiões são conhecidas por entre outras funções serem responsáveis pela imaginabilidade visual Portan to os achados corroboram os dados da pesquisa anterior e ambos apontam que os itens que levaram a um maior índice de FM induziram uma m aior vividez dos objetos imaginados dificultando a distinção entre o que foi imaginado e o que foi visto realmente Kim e Cabeza 2007a realizaram um experimento para investigar em que medidas as áreas cerebrais responsáveis pela formação de FM e das M V seriam so brepostas ou distintas Para tanto os autores utilizaram uma adaptação do proce dimento de palavras associadas ver Capítulo 2 Nesse experimento a atividade cerebral dos participantes era medida por meio de R M f enquanto eles estudavam 72 listas de quatro palavras associadas p ex cavalo galinha ovelha e cabra pertencentes a uma categoria semântica p ex animais de fazenda que eram apresentadas simultaneamente Além disso também foram incluídas 10 listas 74 Lilian Milnitsky Stein cols com apenas três palavras relacionadas e uma palavra que não apresentava asso ciação semântica com a lista p ex cavalo galinha pedra cabra O total de 82 listas foi apresentado de forma aleatória e os participantes deveriam responder se a lista continha três ou quatro palavras associadas Dez minutos após o térm i no do estudo das listas os participantes realizavam um teste de reconhecimento Esse teste era composto de 288 palavras estudadas p ex galinha 144 palavras novas relacionadas p ex porco e 144 palavras novas não relacionadas p ex árvore Os participantes então respondiam se a palavra estava ou não presente nas listas apresentadas na fase anterior e também deveriam avaliar o quanto tinham certeza de que sua resposta estava correta grau de confiança em suas respostas Assim foi possível estabelecer duas medidas de codificação das listas baseadas na recuperação e no grau de confiança das palavras estudadas medida de M V e palavras novas relacionadas medida de FM As medidas de atividade cerebral durante a apresentação das listas possibilitariam a distinção entre ativa ção do cérebro para MV e FM durante a fase de codificação das listas O principal resultado encontrado foi uma dissociação entre a ativação de áreas visuais En quanto áreas responsáveis pelo processamento visual secundário p ex córtex ociptotemporal e ociptoparietal bilateral aparentaram estar envolvidas tanto na formação de MV quanto de FM áreas de processamento visual primário p ex pólo ocipital bilateral foram responsáveis apenas pela formação de MV Essa dissociação parece indicar que para a formação de FM é necessário um proces samento perceptual mais elaborativo Os autores então sugeriram que a formação de FM é uma consequência involuntária resultante da elaboração semântica de processos de codificação dos estímulos visuais Levando em conta os estudos apresentados até aqui podese concluir que a atividade cerebral durante o processo de codificação pode ser determinante na produção de FM Os resultados indicam que as FM podem ser o resultado de um processamento mais elaborativo durante a codificação de eventos quando comparados com MV Apesar desses estudos terem produzido achados extre mamente relevantes ainda são necessárias mais pesquisas nesta área para que possamos avançar na compreensão do fenôm eno da produção de FM FALSAS MEMÓRIAS E PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO É possível afirmar se um evento realmente aconteceu por meio da observa ção da recuperação da memória dele Certamente essa é uma das questões mais recorrentes no estudo das FM De imediato o que podemos afirmar com certeza é que a resposta para essa pergunta não é tão simples quanto possa parecer Pesquisadores vêm estudando os fenômenos envolvidos na recuperação das FM sob as mais diversas perspectivas no sentido de elucidar essa questão Uma das abordagens se dá por meio da observação dos processos neurais subjacentes a recuperação de uma memória Resultados de estudos comportamentais Mather Henkel e Johnson 1997 Norman e Schacter 1997 Schooler Gerhard e Loftus 1986 indicam que a recu Falsas Memórias 75 peração de MV é acompanhada por uma m aior quantidade de detalhes perceptu ais sensoriais quando comparadas às FM Com base nesses resultados surgiu a hipótese da Reativação Sensorial ver Schacter e Slotnick 2004 Essa hipótese sugere que se as MV são acompanhadas de uma m aior quantidade de detalhes perceptuais a sua recuperação deve vir acompanhada de uma maior ativação de áreas cerebrais ligadas ao processamento sensorial quando comparada a recupe ração de FM As primeiras tentativas de discriminação entre a recuperação verdadeira e falsa por meio da observação de suas bases neurais surgiram na segunda m e tade da década de 1990 D iizel et al 1997 Johnson et al 1997 Schacter et al 1996 Schacter Buckner Koutstaal Dale e Rosen 1997 Schacter e colabo radores 1996 realizaram o primeiro estudo de neuroimagem comparando reconhecimento ver dadeiro e falso Para tanto os autores utilizaram uma versão apresentada em áudio do Procedimen to de Palavras Associadas DRM ver Capítulo 2 enquanto os participantes tinham sua atividade cerebral medida durante o teste de reconhecimen to por m eio de PET Os resultados indicaram que tanto o reconhecimento verdadeiro quanto o falso provocaram um aumento na ativação em várias regiões do cérebro que comumente eram ativadas em experimentos de memória episódica córtex préfrontal dorsolateralanterior córtex parietal medial e regiões temporais mediais Andreasen et al 1995 Buckner e TUlving 1995 Nyberg et al 1995 Além disso observouse apenas durante o falso reconhecimento a ativação de regiões frontais do cérebro lobo frontal córtex órbitofrontal e re gião frontal anterior direita Essas áreas têm sido relacionadas com a dificuldade de recuperação de um evento Kapur et al 1995 Nyberg et al 1995 Schacter et al 1996 portanto tal atividade deve estar relacionada com o esforço dos participantes em lembrar se uma palavra não estudada anteriormente distrator crítico foi ou não apresentada na fase de estudo Já áreas ligadas ao processa mento auditivo como a região têmporoparietal esquerda pareceram ser ativa das somente durante o reconhecimento de itens que haviam sido apresentados isto é quando o reconhecimento era verdadeiro Esse achado indica que apenas o reconhecimento verdadeiro é associado ao processamento sensorial neste caso auditivo corroborando a hipótese da Reativação Sensorial Essa foi a primeira indicação de que talvez fosse possível distinguir a recuperação de MV e FM sim plesmente pela observação de atividade neural Uma das limitações dos estudos em PET é que os estímulos precisam ser apresentados em blocos agrupados de acordo com a sua condição No caso do estudo de Schacter e colaboradores 1996 o teste de reconhecimento foi divi dido em só alvos só distratores críticos e só distratores não relacionados Cada parte do teste foi apresentada separadamente com um intervalo de 10 minutos A hipótese de motivação sensorial postula que se as memórias verdadei ras são acompanhadas de uma maior quantida de de detalhes percep tuais a sua recuperação deve vir acompanhada de uma maior ativação de áreas cerebrais liga das ao processamento sensorial quando com parada a recuperação de falsas memórias 76 Lilian Milnitsky Stein cols entre elas Em um estudo similar Schacter e colaboradores 1997 utilizaram os mesmos procedimentos do estudo anterior Schacter et al 1996 porém dessa vez usando R M f em vez de PET A utilização de R M f permite que os itens do teste de reconhecimento isto é Alvos Distratores Críticos e Distratores não relacio nados sejam apresentados de forma aleatória ao contrário do PET aumentando o controle experimental Os resultados indicaram que o aumento na ativação de áreas relacionadas à memória episódica tanto para M V quanto para FM per maneceram significativas Entretanto dessa vez não foi observada nenhuma di ferença na ativação em áreas auditivas para MV em comparação com as FM conforme resultados do estudo anterior Paralelo a isso Diizel e colaboradores 1997 realizaram um estudo com procedimento de Palavras Associadas e ERP e seus resultados também foram contrários aos achados de Schacter e colabora dores 1996 De acordo com Diizel e colaboradores 1997 a atividade cerebral durante o reconhecimento verdadeiro e falso segue um padrão altamente similar Nesse momento parecia que a diferenciação entre a recuperação verdadeira e falsa por meio da observação de atividade neural era improvável Porém como é comum em ciência não demorou muito para que novas pesquisas surgissem e os achados de Schacter e colaboradores 1997 e Düzel e colaboradores 1997 começassem a ser postos à prova Em um estudo mais recente Fabiani Stadler e Wessels 2000 realizaram um experimento utilizando ERP e listas de palavras associadas DRM porém com algumas alterações em relação ao estudo de Düzel e colaboradores 1997 Nesse experimento as palavras das listas de palavras associadas foram apresenta das uma a uma e enquanto metade das listas tinha suas palavras apresentadas no lado esquerdo da tela do computador a outra metade foi apresentada no lado direito As palavras do teste de reconhecimento eram todas apresentadas no cen tro do monitor Esse é um procedimento de apresentação de estímulos bastante comum em estudos de ER e o resultado observado é o de que quando o estí mulo é apresentado no lado esquerdo do monitor há um aumento da atividade no hemisfério direito do cérebro e viceversa Luck Heinze Mangun e Hillyard 1990 Os resultados indicaram que a atividade na região parietal foi maior na recuperação de itens verdadeiros quando comparados aos falsos Essa região vem sendo associada à memória perceptual W ilding 2000 Além disso a atividade ocorria no hemisfério contralateral à posição das palavras isto é se a palavra havia sido apresentada no lado esquerdo do monitor a atividade era observada no lobo parietal do lado direito e viceversa O efeito parietal contralateral indica uma reativação de áreas visuais do cérebro apenas durante o reconhecimento de itens que haviam sido apresentado anteriormente reforçando novamente a ideia de uma reativação sensorial na MV e não na FM Como já foi descrito regiões como lobo temporal medial p ex hipocampo e giro parahipocampal são sistematicamente relacionadas ao processo de recupera ção de memórias tanto verdadeiras quanto falsas Schacter et al 1996 Schacter et al 1997 Porém de que forma essa região pode estar envolvida na discriminação entre MV e FM é uma questão ainda em aberto Para tentar respondela Cabeza e colaboradores 2001 utilizaram uma versão modificada do procedimento de pala Falsas Memórias 77 vras associadas aumentando a codificação de detalhes perceptuais das listas Nesse estudo as listas eram lidas por locutores um homem caucasiano ou uma mulher asiática apresentadas através de uma televisão em seguida os participantes eram instruídos a lembrar não apenas das palavras mas também de qual locutor havia ditado a lista Posteriormente os participantes realizaram um teste de reconheci mento enquanto era medida sua atividade cerebral por RMf Os resultados indi caram que regiões anteriores do lobo temporal medial como o hipocampo foram mais ativas tanto durante o reconhecimento verdadeiro quanto falso Por outro lado regiões posteriores do lobo temporal medial como o giro parahipocampal mostraramse mais ativas apenas durante o reconhecimento verdadeiro indicando um aumento na recuperação de informações sensoriais Além disso uma porção do córtex frontal foi mais ativada apenas durante o falso reconhecimento sugerindo novamente o envolvimento dessa área no esforço empregado na recuperação da palavra semanticamente associada Figura 32 Em 2004 Slotnick e Schacter criaram um novo procedimento para investi gar as possíveis diferenças da atividade neural no reconhecimento falso e verda deiro Nesse experimento os participantes primeiramente estudavam 114 figuras abstratas e posteriormente um teste de reconhecimento era aplicado constituí do de 96 figuras 32 idênticas às figuras apresentadas anteriormente M V 32 Hipocampo Giro parahipocampal Verdadeiro novo Verdadeiro Falso FIGURA 32 Dissociação entre duas regiões do lobo temporal medial Cabeza et al 2001 78 Lilian Milnitsky Stein cols figuras relacionadas às estudadas FM e 32 figuras completamente novas Figura 33 No teste de reconhecimento a tarefa dos participantes era de identificar se as imagens já haviam sido apresentadas anteriormente ou eram inéditas enquanto a atividade cerebral era medida por RMf O fato de terem sido encontrados altos índices de falso reconhecimento de figuras relacionadas indica que o procedimen to foi eficiente na produção de FM Os resultados apontaram que no reconhe cimento de figuras anteriormente apresentadas na fase de estudo M V houve um aumento na ativação de áreas visuais ventrais do cérebro quando comparada ao reconhecimento de figuras relacionadas FM As áreas cerebrais responsá veis pelo processamento visual secundário foram igualmente ativadas durante Fase de estudo FIGURA 33 Figuras do estudo de Slotnick e Shacter 2004 Falsas Memórias 79 os reconhecimentos verdadeiro e falso Novamente os resultados confirmam a predição da hipótese da reativação sensorial na recuperação de M V uma vez que apenas quando há o reconhecimento de figuras que haviam sido apresentadas observase um aumento na ativação da região responsável pelo processamento visual primário indicando a recuperação de aspectos sensoriais visuais do item Um aspecto das FM que ainda não havia sido investigado até pouco tempo atrás é de que para diferentes tipos de falsos reconhecimentos houvesse possí veis diferenças entre padrões de ativação de regiões cerebrais específicas Dentre algumas diferenciações que podem ser feitas uma delas é a separação de falsos reconhecimentos em conceituais e perceptuais Os falsos reconhecimentos con ceituais podem ser entendidos como aqueles provindos de processos associativos e semânticos como por exemplo o falso reconhecimento de distratores críticos no procedimento DRM Por falso reconhecimento perceptual podese entender aquele resultante de similaridades perceptuais p ex visual fonológica entre os itens estudados e os itens testados GaroffEaton Kensinger e Schacter 2007 GaroffEaton Kensinger e Schacter 2007 realizaram um estudo com a in tenção de investigar se os dois tipos de falso reconhecimento compartilhavam ou não a mesma base neural Para tanto os pesquisadores criaram pequenas listas contendo sete palavras Cada lista consistia em uma palavra crítica p ex pato três palavras conceitualmentes associadas à palavra crítica bloco conceituai p ex galinha ganso marreco e três palavras perceptualmente relacionadas a palavra crítica bloco perceptual p ex fato chato jato A cada participante eram apresentados 42 blocos de três palavras 21 conceituais e 21 perceptuais de maneira que se um bloco conceituai pertencente a uma lista fosse apresentado não seria apresentado o bloco perceptual da mesma lista Após a apresentação dos blocos foi aplicado um teste de reconhecimento enquanto os participantes estavam dentro do escâner de RMf O principal resultado desse estudo indicou que apesar de haver similaridades entre o falso reconhecimento conceituai e perceptual houve um aumento na atividade do córtex frontal o qual se mostrou mais ativo apenas durante o falso reconhecimento conceituai O resultado sugere que há um aumento do processamento semântico relacionado ao falso reconhe cimento conceituai Por outro lado quando o reconhecimento perceptual verda deiro foi comparado ao falso não se observou nenhuma diferença de ativação cerebral indicando que o correlato neural do reconhecimento perceptual tanto falso quanto verdadeiro deve ser mais similar do que o reconhecimento concei tuai verdadeiro e falso Como é possível perceber estabelecer diferenças claras de padrões de ativi dades neurais que diferenciem o reconhecimento verdadeiro do falso não é uma tarefa tão fácil quanto pode se pensar à primeira vista Apesar de muitos estudos citados até aqui terem contribuído bastante para a compreensão do falso reconhe cimento ainda não se pode afirmar com segurança a origem de uma memória se verdadeira ou falsa apenas observadose a atividade cerebral durante a recupe ração da memória Todavia um estudo relevante para avanço nessa direção foi realizado por Kim e Cabeza 2007b Esses pesquisadores se basearam na ideia de que embora a confiança grau de certeza na resposta e a acurácia assertivida 80 Lilian Milnitsky Stein cols de de uma memória sejam correlacionadas Lindsay Read e Sharma 1998 em muitas situações podemos nos lembrar com muita confiança de eventos que não ocorreram Schacter 2001 Uma das hipóteses levantadas pelos autores é de que a confiança em MV e FM possuem bases neurais distintas Para investigar tal hi pótese os pesquisadores utilizaram uma adaptação do Procedimento de Palavras Associadas Durante o teste de reconhecimento os participantes eram instruídos a classificar o quão confiantes eles estavam de que as palavras haviam sido previa mente apresentadas ou não Isso possibilitou aos autores verificassem a atividade cerebral R M f apenas dos itens verdadeiros e falsos em que os participantes afirmavam com alto grau de certeza que haviam lido aquela palavra Regiões do lobo temporal medial mostraram um aumento de atividade neural para reconhe cimento verdadeiro quando os participantes afirmavam ter certeza da resposta Por outro lado quando os participantes afirmavam ter certeza de que uma pa lavra havia sido apresentada anteriormente mas na verdade não havia FM apenas as regiões frontoparietais tiveram sua atividade neural aumentada Assim Kim e Cabeza 2007b demonstraram que quando analisadas apenas respostas com alta confiança os correlatos neurais de MV e FM são claramente distintos CONSIDERAÇÕES FINAIS Evidências advindas de estudos em Neuropsicologia indicam que a ação do córtex préfrontal na fase de recuperação pode limitar a produção de FM Por exemplo Melo Winocur e Moscovitch 1999 demonstraram que pacientes não amnésicos com lesão nos lobos frontais produziram mais falsos reconhecimentos do que participantes saudáveis ambos testados por meio do Procedimento de Palavras Associadas D RM Os autores interpretaram esses resultados em termos de defeitos nos processos de monitora mento da fonte nesses pacientes Norman e Schac ter 1997 mostraram que pacientes idosos foram relativamente mais suscetíveis a falsos reconheci mentos do que adultos jovens Os pesquisadores atribuíram esses resultados a uma diminuição das funções préfrontais Estudos recentes utilizando recursos de neuroimagem com amostras de pacientes com lesões préfrontais têm mostrado que o córtex préfrontal desempenha um papel fundamental para a ocorrência de FM Dobbins Simons e Schacter 2004 As pesquisas em neurociência cognitiva sugerem alguns mecanismos neu rais responsáveis pela produção de FM A região mais envolvida na elaboração de FM é o lobo temporal medial em específico o hipocampo Inclusive há alguns estudos relacionando à memória de essência ver Capítulo 1 a essa região cere bral Schacter e Slotnick 2004 No entanto estudos recentes que utilizam uma variedade de amostras clínicas p ex pacientes com provável demência do tipo Alzheim er e amnésicos têm sugerido a participação de outras regiões do cérebro Evidências advindas de estudos em Neuropsicologia indicam que a ação do córtex préfrontal na fase de recuperação pode limitar a produção de falsas memórias Falsas Memórias 81 na produção de FM Um exemplo seria o fato de que os pacientes com a doença de Alzheim er D A apresentam prejuízos em tarefas relacionadas à memória de essência em função do comprometimento do lobo temporal medial Sendo assim esses pacientes constituem uma interessante amostra para a compreensão do fe nômeno das FM mesmo se considerarmos que o prejuízo anatômicofisiológico observado nesses pacientes não se limita exclusivamente a essa região neural Pacientes com DA e amnésicos tipicamente exibem desempenho similar e apresentam acentuados déficits na produção de FM quando comparados com o grupocontrole de idosos saudáveis Budson et al 2003 Isso ocorre porque esses pacientes possuem déficits no armazenamento de memórias de essência Simons et al 2005 Assim sendo seria esperado que eles apresentassem menores índi ces de FM já que como é postulado pela Teoria do Traço Difiiso ver Capítulo 1 sua base é precisamente a memória de essência Há contudo algumas condições nas quais amnésicos e pacientes DA mostram mais falsos reconhecimentos do que os controles Por exemplo quando as listas de palavras do procedimento DRM são repetidamente apresentadas e testadas os sujeitos do grupocontrole conseguem construir memórias detalhadas e específicas das palavras apresentadas assim seus índices de FM diminuem em comparação aos índices dos pacientes amnési cos e DA Budson et al 2000 Isso ocorre porque com a repetição os pacientes conseguem construir memórias de essência mais robustas mas não conseguem obter memórias detalhadas como o grupocontrole Os achados revelam a parti cipação de outras regiões cerebrais na produção de FM Verfaelie et al 2004 Dentre elas investigase a hipótese de regiões adjacentes ao hipocampo e córtex préfrontal responsável pelo monitoramento no momento da recuperação Em suma a atividade na cauda esquerda do hipocampo e no córtex periri nal está associada com o sucesso na codificação de um item na memória indepen dente se a memória formada for verdadeira ou falsa Todavia naqueles indivíduos que formam FM há uma diminuição da atividade em áreas préfrontais Essa atividade préfrontal estaria relacionada com a codificação da fonte ou contexto da memória Assim tal diminuição préfrontal durante uma situação favorável a distorções da memória com o o Procedimento de Palavras Associadas aumenta ria a possibilidade de FM ocorrerem Além disso outro achado importante seria de que durante a recuperação de uma M y há uma reativação das áreas sensoriais ativadas durante a codificação assinatura sensorial mas isso não aconteceria durante a recuperação de FM Por fim a neuroimagem parece contribuir significativamente no estudo das FM principalmente nos aspectos de diferenciação dos processos neurofuncionais subjacentes ao processamento de informações verdadeiras e falsas REFERÊNCIAS Andreasen N C 0 Leary D S Arndt S Cizadlo T Hurtig R Rezai K Watkins G L et al 1995 Shortterm and longterm verbal memory A positron emission tomography study Proceedings ofthe National Academy of Sciences USA 92 51115115 82 Lilian Milnitsky Stein cols Attwell D Iadecola C 2002 The neural basis of functional brain imaging signals Trends in Neurosciences 2512 621625 Bdnar CG Gross D W Wang Y Petre V Pike B Dubeau F Gotman J 2002 The BOLD response to interictal epileptiform discharges Neuroimage 17 11821192 Buckner R L Hilving E 1995 Neuroimaging studies of 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of confidence in veridical versus illusory memories Journal of Neuroscience 2745 12190 12197 Lindsay D S Read J D Sharma K 1998 Accuracy and confidence in person iden tification The relationship is strong when witnessing conditions vary widely Psychological Science 9 215218 Logothetis N K Pauls J Augath M Trinath T Oeltermann A 2001 Neurophysio logical investigation of the basis of the fMRI signal Nature 4126843 150157 Luck S J Heinze H J Mangun G R Hillyard S A 1990 Visual eventrelated potentials index focused attention within bilateral stimulus arrays II Functional dissocia Falsas Memórias 83 tion of PI and N1 components Electroencephalography Clinical Neurophysiology 756 528542 Mather M Henkel L A Johnson M K 1997 Evaluating characteristics of false me mories Rememberknow judgments and memory characteristics questionnaire compared Memory Cognition 256 826837 Norman K A Schacter D L 1997 False recognition in younger and older adults Exploring the characteristics of illusory memories 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científico sempre veio acompanhada por muita controvérsia Possivelmente o primeiro estudo científico das emoções tenha sido realizado por Charles Darwin Em 1872 Darwin publicou 34 anos de pesquisa sobre o tema em um livro intitulado A expressão das emoções no homem e nos animais Darwin 18722000 Comparando centenas de fotografias de expressões emocionais em humanos e animais Darwin apresentou evidências de que a emoção não é uma característica exclusiva dos humanos e mais ainda a forma com que expressamos algumas emoções são semelhantes à de outras espécies portanto inata Na época Darwin utilizou esses resultados para reforçar sua teoria recém criada de que todos os seres vivos evoluíram de um ancestral comum Atualmente esse livro é considerado um marco no estudo das emoções não apenas pelo pioneirismo dos métodos utilizados e pela importância de seus achados mas também por ser uma das primeiras aproximações feitas entre a Biologia e a Psicologia Depois de 18 anos W illiam James 1890 em Princípios de Psicologia escreve sobre a relação da emoção e da memória Para James uma experiência emocional se forte o suficiente produziria uma espécie de cicatriz no tecido cerebral tomandoa mais resistente ao esquecimento A ideia de que a emoção e a cognição são processos distintos e de que o estudo científico da interação entre esses dois processos é muito difícil parece ter dominado a Psicologia durante a m aior parte do século XX Oliva et al 2006 Para muitos cientistas a inclusão do estudo da emoção era desnecessária e atra palharia o curso da Psicologia no campo das ciências Gardner 1985 p 6 expõe essa ideia de forma bastante clara há a decisão deliberada de diminuir a ênfase de certos fatores que podem ser importantes para o funcionamento cognitivo mas 88 Lilian Milnitsky Stein cols cuja inclusão nesse momento complicaria de forma desnecessária o empreendimento científicocognitivo Esses fatores incluem a influência de fatores afetivos ou emoções Desta forma a relação entre emoção e cognição não constituiu um objeto legítimo das ciências da mente sob a alegação de que ambas se encontravam em poios opostos da experiência humana Damásio 1996 Contudo recentemente esse tema tem atraído um crescente interesse da comunidade científica Influen ciados por um novo Zeitgeist psicólogos psiquiatras neurologistas e biólogos têm proposto novas linhas de pesquisa que consideram a emoção e a cognição como domínios complementares Dalgleish 2004 Atualmente as emoções são definidas como coleções de respostas cognitivas e fisiológicas acionadas pelo sistema nervoso que preparam o organismo para comportarse frente a determ ina das situações Damásio 2000 Lang 1995 Laza rus 1994 Várias pesquisas vêm sendo desenvol vidas para identificar os padrões das interações entre emoção cognição e comportamento Com o surgimento desse interesse em como a em o ção interage com a cognição e o comportamen to em ergiram inúmeros estudos relacionando emoção e memória desde m odelos animais até a pesquisa em seres humanos Adolphs Tranel e Buchanan 2005 Cahill et al 1996 Dolcos LaBar e Cabeza 2004 Kensinger e Schacter 2006a LaBar e Cabeza 2006 SotresBayon Cain e Ledoux 2006 De uma maneira geral os resultados indicam que lembramos mais de eventos emocionais do que não emocionais ver Buchanan e Adolphs 2002 Esse padrão é consistentemente encontrado em pesquisas utilizando diversos tipos de estímulos como lista de palavras frases fotos e narrativas p ex Bradley et al 1992 Cahill Babinsky Markowitsch e McGaugh 1995 Kensinger Brierley M edford Growdon e Corkin 2002 Recentemente alguns estudos vêm descrevendo o efeito da em oção na falsificação da memória Ken singer e Corkin 2004 Kensinger e Schacter 2006b PernotMarino Danion e Hedelin 2004 Neste momento o leitor poderá estar se perguntando por que estudar fal sas memórias FM para eventos emocionais Eu sei que quando alguma coisa realmente importante acontecer como em uma situação emocional por exemplo vou lembrar exatamente de tudo o que aconteceu De fato acabamos de escre ver no parágrafo adm a que as pesquisas que estudam a interação entre memória e emoção apontam que nós lembramos mais de eventos emocionais do que não emocionais Entretanto estudos mais recentes também vêm indicando que es pecialmente em se tratando de eventos emocionais o aumento no índice de m e mória verdadeira M V pode vir acompanhado por um aumento no índice de FM Brainerd et al 2008 Em outras palavras o fato de lembrarmos mais de eventos emocionais não significa que essas lembranças sejam imunes à distorção As emoções são defini das como coleções de respostas cognitivas e fisiológicas acionadas pelo sistema nervoso que preparam o organis mo para comportarse frente a determinadas situações Falsas Memórias 89 Imagine a seguinte situação você e um amigo estão em um ônibus voltando para casa depois do último dia de aula do ano São duas horas da tarde e como é comum nesse horário o movimento é grande e o ônibus está trancado em um engarrafamento Vocês estão conversando quando seu amigo olha para fora e re para que na frente da porta de um banco há uma pessoa de óculos escuros boné e jaqueta na qual ele mantém uma das mãos escondida entre o fecho semiaberto O homem parece bastante agitado e caminha de um lado para o outro em passos curtos porém rápidos Vocês então ficam observando o que está acontecendo De repente três homens encapuzados e com armas saem correndo de dentro do banco e entram todos em um carro que estava parado na rua Como o trânsito está parado o motorista do carro sobe na calçada e arranca em alta velocidade atropelando dois pedestres que estavam na parada de ônibus O carro segue pela calçada e dobra à esquerda na esquina seguinte fugindo do movimento Muitas pessoas se agrupam na rua para ver o que aconteceu e para ajudar os dois pe destres que foram atingidos pelo carro Então o ônibus começa a se movimentar lentamente até o ponto em que vocês não conseguem mais enxergar a cena na frente do banco Vocês comentam quase que ao mesmo tempo que ainda estão tremendo de assustados pelo que acabaram de presenciar e ficam conversando sobre o que aconteceu durante todo o trajeto até que você desce do ônibus na sua parada e vai para casa Depois disso você viaja para as férias e não conversa mais com seu amigo sobre o acontecido Passamse três meses de férias e vocês se reencontram Na primeira semana de aula vocês estão com um grupo de colegas e seu amigo está contando a história do que aconteceu Você estava só ouvindo e concordando com o que estava sendo descrito até que seu amigo diz então eles entraram num carro branco e sairam dirigindo pela calçada atropelando duas pessoas Então você interrompe e diz não tenho certeza de que o carro era azul um azul bem forte tipo marinho Vocês discutem por alguns minutos até que decidem que não terão como chegar a um acordo Não há dúvida de que se fosse realidade o evento descrito acima seria alta mente emocional No entanto vocês possuem memórias completamente distintas acerca de um dos aspectos da cena Como é possível isso acontecer Afinal de contas vocês estavam juntos lado a lado quando tudo aconteceu Obviamente a história descrita acima é fictícia porém infelizmente poderia ter acontecido Esse é apenas um dos tipos de distorção de memórias emocionais dos muitos quem vêm sendo descritos na literatura Estudos demonstram que esse tipo de distorção é possível de acontecer não apenas em eventos negativos como descrito acima ou ainda em casos de abuso sexual Loftus 2002 mas também em eventos posi tivos como a memória do jogo em que seu time ganhou o campeonato nacional Kensinger e Schacter 2006c No decorrer deste capítulo descreveremos aspectos históricos de como a emoção tomouse objeto de estudo da Psicologia Experimental Falaremos tam bém do que se entende por emoção atualmente e como ela pode ser estudada Além disso descreveremos pesquisas e os principais achados sobre o efeito da emoção nas distorções mnemónicas 90 Lilian Milnitsky Stein cols COMO ESTUDAR O EFEITO DA EMOÇÃO NAS FALSAS MEMÓRIAS O estudo da emoção nas FM traz consigo muitos obstáculos Voltando ao exemplo do assalto ao banco visto pela janela de um ônibus Obviamente o estu do do evento descrito não é viável sob o ponto de vista científico Principalmente porque seus resultados seriam altamente questionáveis devido à falta de controle das variáveis que podem interagir com a emocionalidade do evento Por exemplo a diferença entre as cenas que cada participante presenciou a distância em que o evento foi observado o tempo de duração a quantidade de detalhes em cada cena o quão emocional realmente foi a cena seriam apenas algumas das críticas apontadas Quando um pesquisador planeja um experimento ele necessita ter claro qual é a variável ou variáveis que ele deseja estudar para assim tentar fazer com que todas as outras variáveis se mantenham constantes Só assim é possível afirmar que o efeito encontrado é devido à manipulação da variável desejada ver Capítulo 2 Digamos que um pesquisador queira então investigar o efeito da emoção na memória utilizando uma lista de palavras Nesse caso seria preciso que ele tivesse no mínimo duas listas de palavras por exemplo uma com carga emocional e outra neutra Além disso todas as outras características das listas que pudessem influenciar a memória precisariam ser equilibradas entre as listas emocionais e neutras como por exemplo o número de palavras em cada lista a frequência de uso das palavras na língua a associação que as palavras de cada lista possuem entre si etc Se o pesquisador fizer isso poderá afirmar com certo grau de confiabilidade que a diferença observada na memória para as palavras estudadas foi devido apenas à diferença na emocionalidade das listas O controle das variáveis em estudos de Psicologia Experimental porém nem sempre é tão simples Uma questão bastante básica nos estudos de emoção é como sabemos que um estímulo é de fato emocional Mais ainda como sabe mos o quão emocional é um estímulo Possivelmente todos concordem que exis tem eventos que são muito negativos e alguns outros que são apenas um pouco negativos Por exemplo um jogo em que o time de futebol para o qual você torce perde em casa a final do campeonato para seu principal rival e um jogo perdido no início do campeonato para um time qualquer certamente possuem níveis dife rentes de emocionalidade apesar de ambos serem negativos Então como pode mos classificar os níveis de um estímulo emocional Uma das ideias mais aceitas na literatura atual é a classificação da emoção em duas dimensões isto é alerta e valência e é sobre isso que trataremos no próximo tópico Alerta e valência A emoção pode ser entendida como uma disposição para a ação Lang 1995 Embora a discussão sobre o conceito de emoção apresente um enorme espectro de posições diferentes Ekman e Davidson 1994 Power e Dalgleish 1997 essa definição fornece à pesquisa empírica um ganho m etodológico funda Falsas Memórias 91 mental Com base nessa ideia Lang Bradley e Cuthbert 1990 criaram uma escala conhecida como SAM SelfAssesment M anikin permitindo que qualquer estímulo possa ser classificado quanto a sua emocionalidade Por meio da escala SAM a emoção é dividida em duas dimensões principais valência e alerta De acordo com esse modelo a valência constituise como uma variável contínua que vai do agradável valência positiva ao desagradável valência negativa passan do por valores intermediários valência neutra O alerta referese a um espectro que varia de relaxante baixo alerta à estimulante alto alerta ver Figura 41 A possibilidade da introdução da variável emoção foi um passo importante na busca de uma maior validade ecológica na investigação em Psicologia Experi mental Desde os primeiros estudos com pseudopalavras de Ebbinghaus 1855 a pesquisa vem se desenvolvendo no sentido de tom ar o material utilizado nos testes de memória tão próximo às nossas experiências cotidianas quanto possível Nessa perspectiva utilizar material emocional em estudos sobre a memória é um importante avanço se considerarmos que na vida cotidiana todas as nossas recor dações são dotadas de alguma conotação emocional A introdução da emoção na investigação sobre a memória é o reconhecimento de que ela é um componente essencial da experiência humana em geral e da memória em particular Dolan 2002 Valência positiva Dormir Pássaro 1 1 1 Abrjaço 11 11 11 11 1 Prazer Noiva Preguiça togão 1 11 1 Ansioso 1 1 1 1 1 Tumba i 1 Briga Entediado 1 Pobfeza Estupro 0 01 1F t sr Valência negativa FIGURA 41 Distribuição de palavras de acordo com sua valência e alerta Valores aproximados de valência e alerta obtidos da ANEW Bradley e Lang 1999 92 Lilian Milnitsky Stein cols Entretanto apenas a classificação de estímulos quanto a sua emocionalida de não é o suficiente para dar conta de todas as possibilidades no estudo de em o ção A escala SAM e a divisão da emoção em valência e alerta embora tenham permitido um aumento no controle de estímulos emocionais não dão conta de todo espectro e possibilidades de estudos envolvendo aspectos emocionais Emoção humor e temperamento Uma das dificuldades básicas da pesquisa sobre a emoção está ligada à dis tinção entre emoção humor e temperamento A emoção entendida como uma disposição para a ação consiste em uma reação automática sem a necessidade de um processamento cognitivo mais profundo O sucesso de uma reação de fuga diante de um predador por exemplo pode depen der do ganho de tempo em função do automatis m o emocional Entretanto possuímos outras características afetivas Eventualmente justificamos algumas de nossas ações matinais menos simpáticas pelo fato de termos acordado de mau humor Com isso descrevemos uma disposição afetiva para ter um tipo de reação específica É como se o mau humor nos inclinasse a um mesmo padrão de ações A diferença entre o humor e a emoção é que esta última nos predispõe para uma ação específica e ins tantânea Já o humor nos torna aptos a um padrão geral de respostas Portanto a diferença consiste na duração temporal da disposição subjetiva que adotamos a emoção é imediata e o humor nos predispõe a uma série de ações ao longo de certo período de tempo Davidson 1994 O que chamamos de temperamento consiste em um traço de personalidade afetivo ainda mais duradouro que o humor e muito mais que a emoção Kagan 1994 É como se fosse uma espécie de estilo afetivo que marca um grande con junto de nossas respostas ao meio externo O que há de comum entre os três tipos de categorias afetivas é o fato de que elas se constituem como reações ou padrões de reações como disposições mais ou menos automáticas a situações do meio ambiente A diferença entre essas categorias afetivas diz respeito à duração de cada uma das disposições que elas geram Entretanto nem sempre podemos demarcar claramente se a reação a um estímulo se deve a nossa emoção a nosso humor ou ao nosso temperamento Também não está claro nas pesquisas atuais como esses três construtos afetivos interagem entre si e com os outros processos cognitivos Aparentemente alguns processos cognitivos ocupam uma dimensão temporal mais ampla e seria de se esperar que fossem mais afetados pelo temperamento e pelo humor do que pela emoção Outro tipo de problema ainda em debate é com relação à influência bioló gica sobre esses três construtos afetivos Como a emoção possui um claro papel em estratégias de sobrevivência em função da economia no tempo obtida pelo Uma das dificuldades bá sicas da pesquisa sobre a emoção está ligada à distinção entre emoção humor e temperamento Falsas Memórias 93 automatismo da reação ela parece mais propensa a ter sido moldada pela seleção natural do que o temperamento embora isso ainda seja objeto de polêmica Da vidson 1994 Kagan 1994 É preciso deixar claro que a diferenciação que estabelecemos aqui entre emoção humor e temperamento não é consensual na literatura recente Como a emoção consiste em uma reação a um estímulo específico ela também pode ser entendida como um estado intencional da mente Frijda 1994 Isto é ela possui um conteúdo particular determinado Por exemplo digo que ontem vi uma cobra e tive m edo Nesse caso o medo possui um objeto específico uma cobra Pelo contrário o humor e o temperamento não possuem um conteúdo de terminado e não se constituem como estados intencionais da mente humana Já que não visam a nada de específico ambos não se referem a um evento particular A caracterização alternativa dos construtos afetivos indica a existência de uma discussão ligada à definição do que é estável e instável com relação à emoção humana Lazarus 1994 Apesar do debate sobre o que são as emoções ainda estar presente na comunidade científica no presente capítulo optamos por adotar a definição clássica e mais aceita da emoção como um conjunto de respostas cog nitivas e fisiológicas frente a um estímulo específico Portanto é a esse conceito que nos referimos sempre que o termo emoção for citado especialmente na investigação do seu efeito sobre FM O QUE SABEMOS SOBRE O EFEITO DA EMOÇÃO NAS FALSAS MEMÓRIAS Ao longo deste livro o leitor irá notar que diversas características de uma determinada in formação podem influenciar na capacidade de alguém se lembrar posteriormente dela de ma neira precisa Dentre essas características está a emocionalidade da informação a ser recuperada visto que estímulos emocionais sejam eles verbais Brierley et al 2007 ou não verbais Harris e Pashler 2005 são lembrados em m aior quanti dade do que estímulos neutros ver Buchanan 2007 Esse padrão de respostas poderia levar à crença de que eventos emocionais por serem mais memoráveis do que eventos neutros também seriam mais resistentes à distorção Entretanto os resultados dos estudos que apresentaremos a seguir geralmente apontam para outra direção Como visto no Capítulo 2 o estudo experim ental das FM espontâneas não só perm ite que o pesquisador controle diversas variáveis que estejam as sociadas ao fenôm eno de interesse mas que tam bém manipule a influência dessas variáveis em diferentes fases experim entais isto é fase de estudo intervalo e teste A manipulação dessas variáveis levará a diferentes padrões de resposta pois envolvem três aspectos distintos do processo de memorização Diversas características de uma determinada informação podem influenciar na capacidade de alguém se lembrar posteriormente dela de maneira precisa 94 Lilian Milnitsky Stein cols sendo eles 1 a codificação de um estímulo 2 a capacidade de reter o estímu lo ao longo do tempo e 3 de lembrar se ele foi estudado ou não A seguir serão apresentados estudos que investigaram os efeitos da emoção nas FM bem como seus principais resultados e limitações o que por vezes pode levar a conclusões equivocadas Utilizando um paradigma análogo ao DRM Deese 1959 Roediger e McDer mott 1995 ver Capítulo 2 Pesta Murphy e Sanders 2001 investigaram se os participantes ao estudarem listas não emocionais de palavras ortograficamente re lacionadas p ex luta bruta juta e chuta poderiam falsamente reconhecer uma palavra que não foi estudada mas de ortografia parecida com a daquelas estudadas e de conotação emocional p ex puta isto é reconhecer distratores críticos emo cionais isto é palavras que não foram estudadas mas possuem uma associação com a lista apresentada de maneira que quando incluída no teste de reconhecimento muitas vezes são recuperadas como se tivessem sido estudadas ou seja a medida de FM Os resultados de Pesta e colaboradores mostraram que esses distratores críticos emocionais foram falsamente reconhecidos em menor proporção do que os distrato res críticos não emocionais sugerindo que a emotionalidade de um estímulo tomao mais distintivo comparado com neutros fazendo com que fossem mais facilmente rejeitados durante o teste de reconhecimento reduzindo os índices de FM Posteriormente Kensinger e Corkin 2004 mostraram que esse resultado não era específico da amostra de adultos utilizados por Pesta e colaboradores mas que idosos também mostravam o mesmo padrão de resposta N o entanto os distratores críticos emocionais utilizados por Pesta e colaboradores e Kensinger e Corkin eram em geral palavras tabus p ex pênis vadia prostituta cadela inferno e estupro o que pode ter aumentado os níveis de discriminação dessas palavras no teste de reconhecimento Então Huang e Yeh 2006 verificaram se esses resultados poderiam ser corroborados utilizando palavras emocionais porém não tabus Os autores mostraram que distratores críticos emocionais mas não tabus foram falsamente reconhecidos em menor proporção do que distrato res críticos neutros experimento la um resultado equivalente àquele reportado por Pesta e colaboradores Dessa forma o achado convergente nesses três estudos é de que a emoção poderia servir como fator protetor contra a distorção mnemó nica resultando assim numa diminuição nos índices de FM Apesar dos estudos anteriormente citados corroborarem a ideia de que estí mulos emocionais são menos suscetíveis a distorção mnemónica algumas ressal vas devem ser feitas O principal aspecto a ser salientado é que nesses estudos os estímulos emocionais eram incluídos apenas na fase de teste ou seja os partici pantes jamais estudavam estímulos emocionais Se tentarmos traçar um paralelo com o exemplo do assalto ao banco seria como se o observador tivesse apenas visto algumas pessoas saindo do banco em uma cena cotidiana e posteriormen te corretamente não lembrasse que algumas das pessoas carregavam armas A apresentação de estímulos emocionais somente na fase de teste não investiga os possíveis efeitos da valência na codificação e no armazenamento de um estímu lo Contudo a investigação dos efeitos da codificação de estímulos emocionais possui relevância tanto para pesquisa básica p ex quais mecanismos de m e Falsas Memórias 95 mória estão envolvidos no processamento de informações emocionais quanto aplicada p ex o quão preciso é o relato de uma testemunha que presenciou um evento emocional como um assalto Afinal o que as pesquisas que utilizaram a apresentação de estímulos com carga emocional nas fases de estudo e teste têm apontado sobre a interação entre emoção e FM Dependendo da valência do estímulo os resultados têm sugerido um padrão inverso ao anteriormente reportado ou seja estímulos emocionais são recuperados em maior quantidade mas também podem ser mais falsamente reconhecidos Maratos e colaboradores 2000 realizaram uma pesquisa em que apresen tavam 224 palavras aos participantes das quais metade possuía valência negativa e a outra metade neutra Imediatamente após a fase de estudo os participantes realizavam um teste de reconhecimento Os resultados indicaram que o índice de reconhecimento verdadeiro de itens negativos foi superior ao encontrado para os itens neutros Além disso o índice de FM para itens negativos também foi supe rior ao obtido para itens neutros Os autores sugeriram que esse resultado poderia ser decorrente da associação semântica isto é o quão forte é a associação dos sentidos das palavras em uma lista compartilhada entre as palavras emocionais e não de sua carga emocional propriamente dita Com o objetivo de dissociar o possível efeito da valência e da associação semântica na produção de FM M cNeely e colaboradores 2004 experimento 2 realizaram um experimento em que apresentavam a palavras de valência neu tra b palavras de valência neutra e fortemente associadas entre si associação semântica c palavras de valência negativa Posteriormente no teste de reconhecimento o índice de MV para palavras negativas foi superior àquele encontrado para as neutras Já a taxa de FM produ zida para palavras negativas foi superior tanto à taxa de FM para palavras neutras sem associação semântica quanto para palavras neutras semanticamente asso ciadas Com base nesses resultados os pesquisadores sugeriram que a valência emocional negativa poderia induzir um aumento nas taxas de FM independente mente da associação semântica Entretanto como visto anteriormente neste capítulo uma emoção pode ser descrita por meio de um m odelo bidimensional de valência negativa à positiva e alerta relaxante à estimulante ver Scherer 2005 porém os estímulos utiliza dos nas pesquisas anteriores não foram classificados quanto à dimensão de alerta sendo esta uma possível fonte de viés na interpretação dos resultados A o planejar um experimento se o pesquisador não controlar o maior número de variáveis que podem interagir com a variável de interesse os resultados desse experimento serão de difícil interpretação No caso do estudo de M cNeely e colaboradores 2004 em que não foi controlado o alerta das listas não é possível afirmar que as diferenças nos índices de FM ocorreram devido ao fato das listas possuírem conteúdo negativo valência ou apenas porque além de negativas as listas tam bém eram mais estimulantes alerta quando comparadas às listas neutras Estímulos emocionais são recuperados em maior quantidade mas também podem ser mais falsamente reconhecidos 96 Lilian Milnitsky Stein cols Recentemente Brainerd e colaboradores 2008 realizaram um estudo em que foram utilizadas listas de palavras associadas D RM de valência negativa neutras e positivas com os mesmos índices de alerta Dessa maneira foi possí vel investigar a o efeito da valência emocional independente do alerta na produção de FM b as possíveis diferenças na qualidade da recuperação desses estímulos p ex vívida recuperação do distrator crítico como se tivesse sido apresentado na fase de estudo ou a recuperação de um estímulo baseado apenas na sensação de familiaridade entre ele e os estímulos apresentados na fase de estudo No que diz respeito ao item a os resultados de Brainerd e colaboradores indicaram um padrão consistente da influência da valência na produção de FM maiores taxas de FM para itens negativos comparados com os itens neutros e que por sua vez foram maiores do que os itens positivos Com relação ao item b da investigação foi observado que as FM para itens negativos advém da sensação de familiaridade entre o distrator crítico e as palavras apresentadas na fase de estu do De forma geral os resultados de Brainerd e colaboradores sugerem que as FM para estímulos com valências emocionais distintas apresentam tanto diferenças quantitativas taxas de falso reconhecimento quanto qualitativas vividez nos padrões de resposta Cabe ressaltar que apesar dos estudos apresentados até o momento utilizarem apenas estímulos verbais experimentos com diferentes tipos de estímulos corro boram os resultados dos experimentos já apresentados Pesquisas realizadas com imagens negativas p ex figuras de animais peçonhentos e neutras p ex figuras de utensílios domésticos também apontaram um aumento nos índices de falso reconhecimento para imagens negativas em comparação com imagens neutras Marchewka et al 2008 Pinto 2009 realizaram um experimento utilizando uma versão análoga ao procedimento de palavras associadas entretanto em vez de palavras foram apresentadas imagens As fotografias foram extraídas de um banco de imagens existente na literatura Lang Bradley e Cuthbert 2008 e categorizadas de acordo com seu conteúdo As categorias eram compostas de oito fotos coloridas das quais seis foram utilizadas como materialalvo na fase de estudo e as outras duas fotos como distratores relacionados na fase de teste Os resultados corroboram os achados de Brainerd e colaboradores 2008 em que os índices de falso reconhecimento de estímulos negativos foram superiores ao de positivos Assim como no estudo de Brainerd e colaboradores 2008 o indíce de alerta das imagens também foi controlado Quando estudamos a influência da emoção nas FM apresentando material emocional na fase de estudo os resultados de estudos recentes em FM têm convergido para aqueles apresentados por Brainerd e colaboradores 2008 principalmente no que tange aos efeitos da valência negativa sobre as FM Marchewka et al 2008 Pinto 2009 Portanto voltando à questão formulada no início do capítulo sobre a possível resistência das memórias emocionais contra a distorção poderíamos afirmar que estímulos emocionais também podem produzir FM Ainda mais estímulos negativos parecem ser mais suscetíveis à produção de FM Finalmente no exemplo do assalto ao banco poderíamos dizer que é possível Falsas Memórias 97 que a nossa lembrança de eventos emocionais como esse seja distorcida e ao contrário do que se poderia pensar memórias emocionais não são mais confiáveis e precisas do que memórias de eventos não emocionais CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos envolvendo emoção e FM são muito recentes na literatura e por isso constituem uma área de pesquisa promissora No presente capítulo apre sentamos apenas alguns dos achados da área que em nosso julgamento foram fundamentais no avanço dos estudos das FM emocionais Entretanto apesar dos esforços recentes algumas questões importantes ain da continuam em aberto no estudo das FM emocionais Notase principalmente uma carência de estudos que investiguem o efeito do alerta nas FM Alguns estu dos têm sugerido que o alerta reforça a codificação de aspectos centrais do estí mulo por meio de mecanismos de atenção não intencionais ao mesmo tempo em que tende a diminuir a codificação de detalhes periféricos dos estímulos Burke Heuer e Reisberg 1992 Christianson e Loftus 1991 Entretanto ainda não se tem clara a influência do alerta na produção de FM A falta de estudos sobre o efeito do alerta é parcialmente compreensível uma vez que a manipulação dessa variável precisaria transpor algumas limitações metodológicas importantes como a dificuldade de produzir estímulos de valência neutra e alto alerta Outra questão ainda pouco estudada diz respeito às bases neurais subjacen tes à produção de FM emocionais Pesquisas de neuroimagem têm revelado que a ação do alerta está estreitamente relacionada à ativação da amígdala Phelps 2006 enquanto o processamento da valência estaria associado a subregiões do córtex orbitofrontal p ex Lewis et al 2007 Esses achados sugerem que as bases neurais envolvidas na produção de FM emocionais podem ser dependentes da característica do estímulo seja de valência ou alerta Os desafios e as questões que ainda se encontram em aberto no campo das FM emocionais devem servir como estímulo para fomentar mais pesquisas na área Os achados apresentados neste capítulo foram fundamentais para a for mação de uma base na área das FM emocionais Tal base permite que pesquisas futuras possam explorar com mais profundidade e segurança a interação entre emoção e FM REFERÊNCIAS Adolphs R Tranel D Buchanan T W 2005 Amygdala damage impairs emotional memory for gist but not details of complex stimuli Nature Neuroscience 84 512518 Bradley M M Greenwald M K Petry M C Lang R J 1992 Remembering pictures Pleasure and arousal in memory Journal of Experimental Psychology Learning Memory Cognition 182 379390 98 Lilian Milnitsky Stein cols Bradley M M Lang RJ 1999 Affective norms for English words ANEW Stimuli 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você Independente da sua resposta uma coisa é certa essa questão só pode ser respondida a partir do acesso a informações armazenadas na sua m e mória Mais especificamente você precisou acessar sua Memória Autobiográfica M A que é o sistema de memória responsável pelo registro da sua história de vida Como o próprio nome sugere as M A são as lembranças memórias que o indivíduo possui sobre sua própria auto história de vida biográfica A nossa M A está repleta de dados acerca de nosso passado Nosso primeiro dia na escola nosso primeiro beijo e a briga que um dia tivemos com uma pessoa querida são exemplos de eventos registrados em nossa MA Não importa se é um evento remoto p ex a mudança de casa que fizemos quando tínhamos 4 anos ou recente p ex o passeio que fizemos no último final de semana eles são igualmente armazenados nela A M A registra tanto os acontecimentos neutros p ex uma reunião normal de trabalho quanto aqueles emocionalmente marcan tes positivos p ex aprovação no vestibular ou negativos p ex envolvimento em um acidente de carro Apesar da M A registrar eventos dos mais distintos momentos de vida e de diferentes tipos existe um ponto comum a todos eles somos nós os protagonis tas de tais eventos Dito de maneira diferente o nosso eu é o eixo central em tom o do qual as M A são estruturadas Essa característica levou os pesquisadores a definirem as M A como aquelas lembranças experimentadas como sendo autor referentes Dado que as M A são estruturadas em tom o do meu eu então elas são representações precisas dos eventos que vivenciamos certo Errado Hoje em dia os pesquisadores são unânimes em afirmar que as lembranças que temos sobre nosso passado não são um retrato fiel dos fatos Diferentemente de um registro em uma foto ou um filme nossas lembranças de vida estão su jeitas a distorções É possível que nos recordemos de situações que absolutamente não ocorreram um fenômeno conhecido como falsas memórias FM Este fenômeno o das FM autobiográficas é o tema principal do presente capítulo Os pesquisadores são unânimes em afirmar que as lembranças que temos sobre nosso pas sado não são um retrato fiel dos fatos 102 Lilian Milnitsky Stein cols PESQUISANDO AS MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS E SUAS DISTORÇÕES O interesse em pesquisar a M A de maneira sistemática é relativamente recen te no contexto do estudo científico da memória Embora a investigação científica da memória tenha sido inaugurada ainda no século XIX Ebbinghaus 1885 foi apenas nos anos de 1970 que a M A passou a receber maior atenção por parte dos pesquisadores Certamente não é à toa que a M A não se constituiu como um foco importante de investigação por quase 100 anos Existem muitas dificuldades em pesquisála e é preciso toda uma engenhosidade experimental para contornálas Segundo Woll 2002 os principais problemas no estudo da M A podem ser agrupa dos em cinco grandes categorias as quais são apresentadas no Quadro 51 Dadas as dificuldades inerentes às pesquisas envolvendo a MA foi preciso que houvesse uma grande mudança no pensamento científico para que o tópico se tornasse alvo de pesquisas sistemáticas Esse movimento de mudança teve seu início nos anos de 1970 momento no qual passou a haver uma preocupação maior com a aplicação prática do conhecimento científico Em outras palavras os pesquisadores passaram a abrir mão do rígido controle de variáveis proporciona do pelas condições de laboratório buscando estudar os processos cognitivos tais como eles ocorrem no dia a dia Woll 2002 Métodos para o estudo das falsas memórias autobiográficas Especificamente no que diz respeito ao estudo das FM autobiográficas a pri meira dificuldade apontada no Quadro 51 é de especial importância pois como visto nos Capítulos 1 e 2 só é possível sabermos se o participante está recuperando uma FM se pudermos comparar seu relato sobre um determinado evento com aqui QUADRO 51 Dificuldades inerentes às pesquisas sobre a memória autobiográfica 1 O pesquisador raramente tem acesso ao evento concreto vivenciado pela pessoa tornan do difícil avaliar a acurácia das lembranças relatadas 2 Existem inúmeras variáveis que podem afetar a memória p ex significado pessoal do evento emoção associada à lembrança número de vezes que o episódio foi relatado as quais não são passíveis de controle por parte do pesquisador 3 Diversas situações de vida ocorrem repetidamente p exv festas reuniões passeios etc tornando nebulosa a distinção entre a memória para um evento específico daquela relati va a um conjunto de eventos semelhantes 4 Os resultados de pesquisa sobre a MA obtidos a partir de diferentes métodos de pesqui sa nem sempre são comparáveis entre si 5 Na prática as lembranças que o indivíduo possui sobre seu passado se misturam com sua visão de si suas crenças pessoais e com as crenças impostas por outras pessoas Falsas Memórias 103 lo que realmente aconteceu Frente a essa dificulda de os pesquisadores desenvolveram procedimentos criativos os quais possibilitam que as lembranças dos participantes sejam comparadas direta ou indi retamente aos fatos originais Tais procedimentos podem ser divididos em três grandes categorias quais sejam 1 aqueles nos quais é o pesquisador quem apresenta o evento 2 aqueles em que se buscam fontes independentes de informação sobre os eventos relatados 3 aqueles em que as lembranças dos participantes são comparadas com registros que eles mesmos fizeram anteriormente A primeira forma de estudar as distorções de memória para eventos auto biográficos segue a tradição experimental de controle e manipulação de variáveis descrita no Capítulo 2 Nessa abordagem o pesquisador expõe os participantes a um determinado evento p ex uma encenação com atores uma visita a um museu testando posteriormente suas lembranças para essa situação Com esse procedimento o pesquisador tem controle sobre o evento original é ele quem determina os estímulos que serão apresentados ao participante sobre o tempo transcorrido entre a vivência da situação e o teste de memória bem como sobre o que acontece nesse intervalo de tempo entre a vivência da situação e o teste de memória p ex o pesquisador pode sugerir uma falsa informação ao participan te Loftus 1996 Uma vantagem dessa primeira abordagem é que ela possibilita uma com paração fidedigna entre o evento original e o relato do participante Com isso é possível identificar com precisão as distorções da MA Além disso o controle do experimentador sobre variáveis tais como o tempo transcorrido entre a exposição ao evento original e o teste de memória a exposição a eventos interferentes ocor ridos durante esse intervalo de tempo permite a investigação do efeito provocado por estas variáveis sobre a formação das FM Por outro lado a principal desvantagem da primeira abordagem de estu do das FM autobiográficas está relacionada à questão da validade ecológica A questão da validade ecológica diz respeito ao quanto as situações criadas pelo pesquisador assemelhamse àquelas que as pessoas vivenciam na vida real Nas pesquisas dentro da primeira abordagem que seguem a tradição experimental o evento fabricado pelo pesquisador possivelmente não esteja tão carregado de significado pessoal quanto aqueles que o indivíduo vivência espontaneamente Assim a questão que permanece é essas distorções de memória para eventos vivenciados numa situação artificial de pesquisa também ocorrem para eventos significativos naturalmente experenciados Para lidar com o problema da validade ecológica os pesquisadores desen volveram uma outra forma de averiguação das FM autobiográficas Essa segunda Os pesquisadores das falsas memórias auto biográficas desenvol veram procedimentos criativos para poder comparara lembrança dos participantes aos eventos originais 104 Lilian Milnitsky Stein cols abordagem é menos robusta em termos de controle experimental quando com parada com a primeira Contudo esse é o preço a ser pago por sua principal van tagem a possibilidade de estudar a M A para eventos que as pessoas vivenciam espontaneamente A ideia básica aqui é buscar por outras fontes de informação acerca dos eventos vivenciados ou não vivenciados pelos participantes o que permite a comparação entre as lembranças relatadas e os fatos realmente vividos Loftus 1997 Uma maneira para obter fontes independentes de informação sobre deter minado fato é questionar os pais dos participantes de uma pesquisa sobre even tos por eles vividos na infância Em um estudo clássico Loftus e Pickrell 1995 entrevistaram os pais dos participantes sobre eventos ocorridos na infância de seus filhos Nessas entrevistas os pesquisadores registraram três fatos que fize ram parte da vida dos participantes Posteriormente os participantes receberam uma carta em suas casas Nessa correspondência havia uma explicação sobre os objetivos da pesquisa estudar por que as pessoas conseguem lembrar alguns eventos na infância e outros não Além da apresentação dos objetivos da pesquisa a carta continha quatro breves descrições de eventos supostamente ocorridos com os participantes na sua infância Dos quatro eventos três ocorreram de fato pelo menos segundo o relato dos pais Um deles contudo foi criado pelos pesquisadores que o participante havia se perdido em um shopping quando tinha em tom o de 5 anos obviamente os pesquisadores se certificaram junto aos pais de que isso não havia ocorrido A carta instruía os participantes a escreverem tudo que se lembravam sobre cada episódio fazendo a ressalva de que poderiam escrever eu não me lembro disso quando apropriado Em entrevistas posteriores sobre os eventos da infân cia os pesquisadores detectaram que 25 dos participantes aceitaram a sugestão de falsa informação ou seja lembraram ter ficado perdidos no shopping algo que em princípio nunca aconteceu Se você está se perguntando por que os outros 75 não sucumbiram diante da sugestão talvez a leitura do Capítulo 7 sobre FM e diferenças individuais possa lhe ajudar Uma ramificação da estratégia de buscar por fontes independentes de in formação envolve questionar os participantes sobre eventos que necessariamente não ocorreram Em um estudo bastante criativo Braun Ellis e Loftus 2002 en trevistaram participantes que tinham visitado o parque temático da Disneylândia quando crianças Durante as entrevistas os pesquisadores sugeriam que os parti cipantes haviam interagido com o Pemalonga durante a visita ao parque Embora pareça plausível isso é impossível de ter acontecido pois o Coelho Pemalonga é um personagem da Warner e não da Disney O procedimento de sugerir a ocorrência de eventos impossíveis trouxe novas evidências sobre a possibilidade de falsificar memórias autobiográficas Os resul tados de Braun ElHs e Loftus 2002 indicaram que os participantes que recebe ram a sugestão de terem encontrado o Coelho Pem alonga em sua visita à Disney incorporaram essa falsa informação às suas lembranças Em um teste posterior o gm po que recebeu a sugestão quando comparado ao grupo controle que não recebeu falsa informação mostrouse mais confiante em relação a ter encontrado Falsas Memórias 105 o personagem da Warner Mais do que isso 16 dos participantes submetidos à sugestão relataram lembrarse de ter apertado a mão do Coelho Pemalonga ao passo que apenas 7 dos participantes do grupo controle fizeram referência a este episódio impossível de ter ocorrido A terceira forma de investigar as distorções da M A envolve o uso de diários White 1989 Nesse procedimento os participantes devem realizar durante deter minado período de tempo 3 meses por exemplo registros diários das situações que vivendam Esses registros ficam então em posse do pesquisador de modo que o partidpante deixa de ter acesso a eles Após os participantes terminarem seus regis tros o pesquisador testa suas memórias para as situações vividas Dessa maneira distorções na M A podem ser detectadas por meio da análise da correspondência entre as lembranças relatadas no teste de memória ocorrido meses após o evento e os registros nos diários realizados no mesmo dia em que o participante vivenciou o evento Conway et al 1996 Embora o uso de diários deixe dúvidas sobre a exatidão do primeiro registro em relação ao evento original pois entre a vivência do evento e seu registro a memória do participante já pode ter sido distorcida é indubitável a capacidade desses procedimentos no sentido de evidenciar que as memórias podem ser al teradas com o passar do tempo Barclay e Wellman 1986 A observação de que a memória sofre distorções ao longo do tempo é possível ao se comparar as lem branças dos participantes no teste de memória com os registros que estes fizeram dos eventos originais Brainerd e Reyna 2005 TEORIAS EXPLICATIVAS DAS FALSAS MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS As evidências científicas disponíveis não deixam dúvida as lembranças que temos de nossa história de vida não são um retrato fiel dos eventos vividos em nosso passado A pergunta agora é por que isso acontece Para responder a essa pergunta os cientistas lançam mão das chamadas teorias explicativas De ma neira simples as teorias explicativas são tentativas de explicar os mecanismos responsáveis pela manifestação de um determinado fenômeno Uma concepção comum às teorias que buscam explicar as FM autobiográfi cas é a de que as nossas lembranças são em grande parte uma reconstrução do passado Conway 1997 Ao contrário do que ocorre com o computador nós não temos um mecanismo que arquiva armazena e recupera dados de maneira fiel Com o computador você não precisa se preocupar se existem centenas de arqui vos em uma mesma pasta Quando você clicar em um determinado arquivo para abrilo seu conteúdo não vai se misturar com o dos outros arquivos Além disso cada arquivo específico está gravado em um único lugar ou seja as informações que ele contém não estão distribuídas ao longo de diferentes lugares no compu tador De maneira semelhante se você tentar gravar em uma mesma pasta dois arquivos com o mesmo nome o sistema operacional do computador perguntará se ele deve fazer uma substituição Nesse caso cabe a você tomar a decisão cons ciente de confirmar a substituição ou não 106 Lilian Milnitsky Stein cols Na nossa memória contudo o processo é bastante diferente os arquivos da nossa memória denominados traços de m emória gravados nas pastas mentais acabam se misturando Além disso as informações de um arquivo em particular estão espalhadas em diversos lugares de modo que temos que juntar todas essas partes quando precisamos lembrar as informações E ainda para poder recuperar as informações do arquivo quando lembramos de um evento o nosso software não nos pergunta nada antes de substituir um arquivo por outro Isso significa que o conteúdo de nossas recordações sofre interferência de uma ampla gama de variá veis tanto internas quanto externas tanto atuais quanto pregressas Em outras palavras reconstruí mos nosso passado influenciados por diversos fa tores e fazemos isso na maioria das vezes sem nos darmos conta Ceei e Bruck 1995 A maior parte das nossas reconstruções são acuradas e não poderia ser diferente afinal de contas a nossa cognição se desenvolveu para nos tom ar mais adaptados ao ambiente Schacter 1995 Por outro lado conforme a Figura 51 uma série de variáveis leva a tendenciosidades no processo de recons trução do passado dando origem às distorções de memória A tarefa das teorias explicativas portanto é explicar os mecanismos por meio dos quais tais variáveis dão origem às FM Stein e Neufeld 2001 Embora diversos pesquisadores tenham lançado mão de distintas teorias ex plicativas sobre as FM autobiográficas o presente capítulo abordará apenas duas delas as quais têm sido mais amplamente debatidas na comunidade científica A primeira teoria explicativa é a Teoria dos Esquemas a qual postula que as FM ocorrem em função de o indivíduo distorcer a informação a fim de acomodála aos seus esquemas mentais prévios A segunda teoria abordada é a Teoria do FIGURA 51 Variáveis que influenciam no processo de reconstrução das lembranças Reconstruímos nosso passado influenciados por diversos fatores e fazemos isso na maioria das vezes sem nos darmos conta Falsas Memórias 107 Monitoramento da Fonte De acordo com essa teoria as FM ocorrem quando a pessoa comete um erro no processo de identificar a origem de suas lembranças Cada uma dessas teorias é apresentada a seguir Teoria dos Esquemas Para explicar a natureza construtiva da memória diversos autores lançam mão da noção de esquemas mentais A utilização do conceito de esquemas para com preender as distorções de memória foi proposta inicialmente por Bartlettt 1932 Embora não se trate de um conceito recente seu poder explicativo para diversos fenômenos da memória é tão robusto que quase um século depois continua sendo intensamente debatido na comunidade científica Bower 2000 Embora não exista na literatura uma única e precisa definição para esque mas podemos entendêlos como abstrações de experiências repetidas que sin tetizam nosso conhecimento sobre determinada área Uma vez formados os es quemas geram expectativas diante das situações que vivenciamos e desta forma guiam por vezes de maneira tendenciosa nosso processamento de informação Hirt McDonald e Markman 1998 A influência dos esquemas sobre a memória se dá tanto no momento da codificação quanto da recuperação da informação Neuschatz et al 2002 Os esquemas podem ser de qualquer abrangência ou seja podem ser alta mente específicos em relação a um tema em particular ou mais gerais Barclay 1986 Por exemplo você pode ter um esquema específico relativo ao seu profes sor de estatística Isso quer dizer que baseado na experiência prévia você sabe que ele vai entrar na aula falar sobre o conteúdo novo fazer cálculos no quadro e por fim vai pedir para que a turma se reúna em pequenos grupos para comple tarem exercícios Seu esquema sobre o professor de estatística pode incluir outras características dele tais como divertido ou exigente Por outro lado além do esquema específico você provavelmente possui um esquema mais amplo relativo a professores Com base nesse esquema mais abrangente você tem a expectativa geral de que ao entrar na sala de aula um professor conduzirá as atividades jun to à turma fará explanações sobre os conteúdos aplicará provas etc Da mesma forma que os esquemas podem variar em sua abrangência eles também podem versar sobre virtualmente qualquer tema Brewer 2000 Por exemplo posso ter esquemas que sintetizam o conhecimento que possuo sobre mim mesmo p ex sou honesto sou péssimo em matemática sobre outras pessoas p ex fulana é egoísta beltrano é irresponsável e sobre o mundo em geral p ex o Rio de Janeiro é uma cidade violenta Além disso os esque mas estão na base dos nossos preconceitos p ex as mulheres não têm capaci dade de exercer cargos de chefia e estereótipos p ex surfistas usam drogas pessoas religiosas são corretas os quais mostramse como uma fonte potente de distorções na memória Kleider et al 2008 Em se falando de distorções da memória autobiográfica os esquemas que possuímos sobre nós mesmos isto é que formam nosso senso de self são de 108 Lilian Milnitsky Stein cols especial relevância Ao recuperarmos nosso passado faremos isso de tal forma que nossas lembranças sejam compatíveis com a visão que temos de nós mesmos no momento da recuperação Ross 1989 Consequentemente se mudarmos os esquemas que temos a nosso próprio respeito as memórias do nosso passado podem acompanhar essa mudança Oakes e Hyman 2001 Segundo a Teoria dos Esquemas nossas lem branças sobre o passado são uma espécie de mescla entre o que realmente aconteceu e nosso conheci mento esquemático Alba e Hasher 1983 Mais especificamente essa perspectiva postula que as informações exatas sobre os eventos em si perdem se já no momento da codificação uma vez que es tas acabam sendo acomodadas aos nossos esquemas Hirt McDonald e Markman 1998 Nesse sentido nossa memória é por natureza distorcida Para exem plificar como a abordagem dos esquemas explica as distorções da memória suponha que um amigo lhe pergunte como foi seu desempenho na disciplina de estatística na faculdade Ao recuperar da memória as informações relevantes para responder à pergunta você não vai simplesmente acessar as notas que obteve no boletim Ao invés disso seu conhecimento esquemático sobre o professor ele era exigente e sobre você mesmo sou péssimo em matemática estará atrelado às lembranças de seu desempenho Lampinen et al 2000 Consequentemente você pode dizer ao seu amigo nossa por pou co não tive que repetir essa disciplina lembrando que tirou notas bem piores daquelas que realmente obteve quando na verdade suas notas permitiramlhe passar com relativa folga Apesar da Teoria dos Esquemas ser uma maneira interessante de explicar as distorções da MA ela não é livre de críticas Possivelmente o maior alvo de críti cas à Teoria dos Esquemas recaia sobre o seu pressuposto de que a memória é um sistema unitário Em outras palavras esta teoria postula que existe apenas uma memória Além disso essa memória é distorcida por natureza uma vez que ela está acomodada aos esquemas do indivíduo Esse pressuposto não está de acordo com uma série de estudos recentes que indicam que a memória é constituída por múltiplos sistemas e que podemos ter lembranças literais não distorcidas dos acontecimentos Brainerd e Reyna 2005 Teoria do monitoramento da fonte Quando vivenciamos um determinado evento nossa memória não codifi ca apenas os dados sobre o fato em si também codificamos informações acer ca das circunstâncias em que tal informação foi adquirida Em outras palavras armazenamos dados referentes à fonte na qual os eventos foram originalmente experenciados Schacter 2003 Por exemplo você pode se lembrar de que seu irmão caiu um tombo na pista de dança evento em si na festa de casamento de Segundo a Teoria dos Esquemas nossas lembranças sobre o pas sado são uma espécie de mescla entre o que realmente aconteceu e nosso conhecimento esquemático Falsas Memórias 109 seu primo fonte Você pode se lembrar da fisionomia de uma pessoa e de seu comportamento agressivo evento em si ao assaltar a loja em que você estava no momento do crime fonte Segundo a Teoria do Monitoramento da Fonte o processo de construção e reconstrução das lembranças por si só não explica todos os tipos de distorções da memória Mitchell e Johnson 2000 Johnson Hashtroudi e Lindsay 1993 lançam mão da ideia de que as FM dependem de um equívoco no processo de atribuição da fonte das representações mentais que são ativadas no momento da recuperação Dessa forma as construções que fazemos sobre o passado só acarretarão em FM se estas forem avaliadas como memórias acuradas Dito de outra maneira as FM envolvem representações que o indivíduo adquiriu em um contexto fonte diferente daquele para o qual está sendo questionado Crombag Wagenaar e Koppen 1996 Vamos retom ar ao exemplo do assalto à loja Suponha que a polícia tenha detido alguns suspeitos e solicitado que você fizesse o reconhecimento Você com parece à delegacia e observa aqueles homens enfileirados Olha para o primeiro mas não o reconhece como o autor do assalto Olha para o segundo e não faz o reconhecimento novamente Observa cada um dos demais mas o assaltante parece não estar ali Depois de concluir a primeira tentativa você na melhor das intenções tenta uma outra vez Nessa segunda tentativa você olha novamente para o primeiro da fila e pensa esse rosto não me é estranho acho que foi ele Essa situação hipotética revela um equívoco na avaliação da fonte da infor mação Você de fato tinha um registro do suspeito número 1 em sua memória mas esse registro foi adquirido na delegacia não na loja Esse fenômeno no qual o indivíduo sem se dar conta comete um erro na atribuição da fonte da fami liaridade de um rosto é conhecido por transferência inconsciente Ross et al 1994 O exemplo anterior mostra como uma informação adquirida em um acon tecimento externo a fisionomia do primeiro suspeito na linha de identificação pode ser inadequadamente atribuída a uma outra fonte o assalto na loja Con tudo os problemas no monitoramento da fonte não param por aí Existem pesqui sas indicando que representações mentais construídas internamente p ex ima ginação processamento esquemático podem ser erroneamente avaliadas como tendo sido adquiridas em um contexto externo Foley Wozniak e Gillum 2006 Nesse sentido estamos falando de um processo de monitoramento da realidade que envolve a habilidade para discriminar se uma determinada representação mental foi adquirida por meio da experiência ou criada internamente Johnson e Raye 1981 Um dos pressupostos da Teoria do Monitoramento da Fonte é o de que dis tintas fontes geram representações mentais com características próprias Esses atributos específicos de cada representação por sua vez são utilizados como pis tas no processo de atribuição de sua fonte Henkel e Coffman 2004 Por exem plo eventos que vivendam os na realidade comparados aqueles que somente ima ginamos ou seja que foram gerados internamente tendem a ser mais ricos em 110 Lilian Milnitsky Stein cols detalhes perceptuais e recuperados com maior facilidade Bam ier et al 2005 Logo se acessamos uma representação mental rica em características sensoriais e fazemos isso com relativa facilidade nossa tendência é de acreditar que essa re presentação se trata de uma lembrança de um evento que de fato ocorreu Sporer e Sharman 2006 Essa estratégia de tomar as características da representação como base para atribuir sua fonte geralmente funciona bem ou seja na maioria das vezes avalia mos corretamente a origem das nossas represen tações mentais Contudo em algumas circunstân cias as características das representações mentais produzidas em uma fonte p ex imaginação assemelhamse aquelas tipicamente associadas à outra fonte p ex vivência do fato favorecendo as confusões no processo de atribuição Davis e Loftus 2006 Pesquisas que manipulam as operações men tais realizadas pelos participantes p ex imagi nar vividamente um evento versus pensar sobre um evento oferecem evidências empíricas para a hipótese dos problemas de m o nitoramento da fonte Paddock et al 1998 Em alguns estudos por exemplo os pesquisadores manipulam o processamento cognitivo dos participantes solicitan do que formem imagens mentais extremamente vívidas e detalhadas sobre even tos que nunca ocorreram Garry et al 1996 Com esse tipo de procedimento as representações geradas internamente pelos participantes isto é via imaginação assemelhamse àquelas advindas de fontes externas isto é pela vivência do even to Arbuthnott 2005 Conforme predição da abordagem do monitoramento da fonte quando o indivíduo cria imagens mentais ricas em detalhes sobre eventos que lhe foram sugeridos ele terá uma maior propensão a ter FM para estes even tos imaginados Drivdahl e Zaragoza 2001 Em suma a Teoria do Monitoramento da Fonte tem se mostrado como uma forma interessante de explicar as FM autobiográficas A ideia básica que embasa a teoria é simples as FM ocorrem quando o indivíduo se engana ao identificar a origem em que adquiriu uma determinada lembrança Apesar de simples a Teoria do Monitoramento da Fonte é capaz de explicar uma ampla gama de fenômenos de distorção da MA IMPLICAÇÕES DOS ESTUDOS SOBRE FALSAS MEMÓRIAS AUTOBIOGRÁFICAS A parte final deste livro é dedicada especificamente às implicações práti cas dos estudos sobre as distorções da memória Desse modo limitaremosnos a apresentar aqui uma síntese das implicações envolvendo as pesquisas sobre as FM autobiográficas Duas grandes áreas aplicadas serão abordadas quais sejam a Psicoterapia e a Psicologia do Testemunho Em algumas circunstân cias as características das representações mentais produzidas em uma fonte assemelhamse àquelas tipicamente associadas à outra fonte favorecendo as confusões no processo de atribuição Falsas Memórias 111 Poucos profissionais da área da saúde mental discordariam que a memória é a principal função da qual a psicoterapia depende TUdo que os pacientes relatam aos seus terapeutas é baseado em suas lembranças Isso por si só constitui um ótimo motivo para que os terapeutas de qualquer abordagem teórica conheçam um pouco sobre o funcionamento da memória Wainer Fergher e Piccoloto 2004 Talvez o ponto mais central a ser reconhecido pelos psicoterapeutas é o de que a memória pode ser distorcida esse ponto central tem diversas implicações Em primeiro lugar o relato do paciente sobre sua história de vida está longe de ser um retrato fiel dos fatos vivenciados Conforme visto anteriormente neste ca pítulo existem diversos fatores que determinam o que será recordado esquemas crenças sobre si mesmo estado emocional sugestões externas entre outros Consequentemente para que um terapeuta consiga conhecer em profundidade a história de vida de seus pacientes ele deve ser perspicaz o suficiente para reduzir a contaminação provocada pelos fatores que interferem no processo de recorda ção ao coletar informações sobre seus passados Jones 1999 O fato da memória poder ser distorcida também é crítico quando o assunto são as intervenções psicoterapêuticas Por exemplo vieses nas memórias de pa cientes depressivos que tendem a recordar eventos negativos podem desarmar um terapeuta iniciante desavisado A o tratar um paciente depressivo uma im portante tarefa do terapeuta é a de mudar a forma negativa pela qual o paciente percebe a realidade Para tanto o terapeuta pode questionar o paciente quanto às evidências que confirmam ou desconfirmam suas percepções negativas No contexto da psicoterapia obviamente não existem evidências materiais todas as evidências trazidas pelo paciente são na verdade lembranças que este possui Assim no processo de busca pelas evidências que apóiam ou contradizem as crenças do paciente o terapeuta depende de uma certa imparcialidade por parte da memória dele e isso raramente está presente A tendência é de que o paciente venha a recordar apenas de eventos que confirmem seu pensamento depressivo ou então distorça as evidências que apoiariam um pensamento mais otimista Pergher GrassiOHveira Ávila e Stein 2006 Nesse sentido o conhe cimento das distorções e tendenciosidades da memória é vital para o sucesso da psicoterapia pois sem esse conhecimento o terapeuta fica incapaz de ver um lado da moeda que não necessariamente aquele trazido pelo paciente Pergher Stein e Wainer 2004 Não podemos perder de vista que a psicoterapia depende também da m e mória do terapeuta Dito de maneira diferente os terapeutas por serem seres humanos não se lembram literalmente das verbalizações de seus pacientes Em vez disso suas recordações acerca dos assuntos discutidos nas sessões anteriores estão sujeitas à influência de todos os fatores que sabidamente são fontes de distorção da memória Lembranças distorcidas sobre o paciente possivelmente levarão a intervenções clínicas imprecisas e talvez prejudiciais ao bom andamento do processo terapêutico Falsas memórias autobiográficas e psicoterapia 112 Lilian Milnitsky Stein cols Tendo em vista que são as lembranças do terapeuta que guiam suas inter venções quando estas memórias são fortemente influenciadas por crenças distor cidas por parte do terapeuta há o risco de que este venha a adotar uma postura tendenciosa em sua atuação Em especial o clínico pode passar a assumir um viés confirmatório ou seja buscar apenas por informações que venham a confirmar suas crenças Suponha que um terapeuta acredite que os sintomas apresentados pelo pa ciente são decorrentes deste ter sido vítima de abuso sexual na infância Baseado nesse pressuposto o terapeuta passa a questionar o paciente sobre como era seu relacionamento com pessoas próximas buscando por situações nas quais ele ti nha trocas afetivas íntimas demais Ao procurar por esses exemplos o terapeuta pode dar a entender que elas ocorreram de fato sem que o paciente as tenha mencionado inicialmente Como consequência o terapeuta pode acabar sugestio nando implantando FM em seus pacientes sem se dar conta disto dando origem por exemplo a uma memória recuperada Pergher e Stein 2005 As estratégias que os terapeutas podem utilizar para reduzir o risco de serem sugestivos são discutidas no Capítulo 11 Falsas memórias autobiográficas no contexto forense A segunda grande área beneficiada com os estudos sobre as distorções da memória autobiográfica é a Psicologia do Testemunho Em diversas situações a única prova de que a justiça dispõe é o depoimento de uma testemunha Sob outro ponto de vista a única prova de que a justiça dispõe são as lembranças armazenadas pela testemunha acerca dos fatos Por conseguinte o estudo da Psi cologia do Testemunho é indissociável do estudo da memória autobiográfica e suas distorções Nos crimes em que não há evidências materiais físicas com o ocorre em muitas situações de abuso sexual uma prova consistente implica uma entrevista bem conduzida com a testemunha Nesse sentido técnicas de entrevista baseadas nos conhecimen tos científicos sobre o funcionamento da memória são poderosas ferramentas na coleta de informa ções detalhadas e acuradas as quais permitirão a efetiva aplicação da lei Philippon et al 2007 Esse tema é o foco do Capítulo 10 Não podemos deixar de lado também os vie ses apresentados pela figura do entrevistador As sim como um terapeuta um investigador pode ter uma hipótese sobre os fatos acontecidos e com isso corre o risco de adotar um viés confirmatório em suas entrevistas A consequência potencialmente danosa Técnicas de entrevista baseadas nos conheci mentos científicos sobre o funcionamento da memória são poderosas ferramentas na coleta de informações detalhadas e acuradas Um terapeuta pode implantar falsas memórias em um pacien te sem se dar conta Falsas Memórias 113 dessa postura é evidente o investigador pode sugestionar a testemunha implan tando lembranças sobre fatos que não ocorreram Fisher Brennan e McCauley 2002 CONSIDERAÇÕES FINAIS As FM autobiográficas constituemse num tema que apenas recentemente se tom ou alvo de investigação sistemática por parte dos pesquisadores Em ou tras palavras o estudo das FM autobiográficas ainda está dando seus primeiros passos Em qualquer área da ciência quando um novo tema passa a ser estudado pela comunidade científica é natural que os primeiros momentos sejam marcados por incertezas e falta de consensos Consequentemente é inevitável que muitas perguntas sejam lançadas mas poucas respostas sejam obtidas No caso do estudo das FM autobiográficas as principais questões que permanecem não respondidas giram em tom o das seguintes temáticas Qual teoria é capaz de explicar mais sa tisfatoriamente os dados obtidos em pesquisa Quais são os métodos de pesquisa mais adequados para o estudo das FM autobiográficas Apesar de ainda restarem muitas perguntas a serem respondidas existem dois pontos em que parece haver um consenso na comunidade científica 1 a memória autobiográfica pode sofrer distorções 2 o estudo das FM autobiográficas tem importantes implicações para di versas áreas aplicadas Tomados em conjunto esses consensos apontam numa só direção existe muito trabalho pela frente Dito de maneira diferente para que possamos ter uma compreensão mais ampla e precisa do fenômeno das FM autobiográficas é necessário um contínuo processo de pesquisa e de discussão na comunidade cien tífica Embora esse processo seja lento e cercado de obstáculos ele certamente é recompensador À medida que aumentarmos o conhecimento sobre a maneira pela qual lembramos de nosso próprio passado melhoraremos a compreensão que temos de nós mesmos REFERÊNCIAS Alba J W Hasher L 1983 Is memory schematic Psychological Bulletin 93 203 231 Arbuthnott K D 2005 The effect of repeated imagery on memory Applied Cognitive Psychology 19 843866 Barclay C R 1986 Schematization of autobiographical memory In D C Rubin Ed Autobiographical memory pp8299 New York Cambridge University Press Barclay C R Wellman H M 1986 Accuracies and inaccuracies in autobiographical memories Journal of Memory 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atividade Estas últimas são as memórias implícitas também chamadas de não declarativas as quais se referem à recorda ção implícita de algo que realmente armazena mos p ex o aprendizado procedural de andar de bicicleta acessado sem consciência enquanto pedalamos ou ao que não armazenamos mas que reconhecemos como tal Neste último caso evidenciase o efeito de falsas memórias implícitas FM I O presente capítulo tem como objetivo apresentar primeiramente no ções teóricas e experimentais concernentes à memória implícita e na sequência aquelas centradas na investigação das FMI As memórias implícitas M I evidenciamse de várias formas na vida diá ria Dentre elas temos por exemplo os hábitos p ex escovar os dentes após as refeições e as habituações Estas últimas dizem respeito aos processamentos cognitivos que são efetuados a fim de que o indivíduo aprenda a ignorar cer tos estímulos reconhecendoos implicitamente como sem importância Assim por exemplo ao trabalhar ou morar perto de um aeroporto o sujeito tende a se acostumar ao ruído forte dos motores de avião mesmo enquanto executa suas funções profissionais ou dorme Essas duas formas de M I os hábitos adquiridos e as habituações aos estímulos externos são as primeiras a se desenvolver nos seres humanos provavelmente por serem as de processamento cognitivo menos complexo Schacter 1987 Squire 1986 Existem ainda outras MI além dos hábitos e das habituações Segundo Da másio 2004 e Squire 1986 os sentimentos são memórias desse tipo pois se baseiam em experiências vividas ou imaginadas Tomando como exemplo as fo As memórias explícitas são conscientemente evocadas As memórias implícitas entretanto são acessadas sem que haja consciência desse processo 118 Lilian Milnitsky Stein cols bias Squire 1986 considera que certas experiências codificadas e armazenadas implicitamente emergem como o medo exagerado a um estímulo ainda que este não ofereça um risco imediato O medo de altura por exemplo pode ser oriundo de uma experiência na qual o indivíduo ainda criança sentiu fortemente algum desamparo associado ao medo de cair Posteriormente essa experiência não será recordada como um fato mas como um sentimento de morte ou aniquilação implicitamente codificado como se fosse a própria experiência Damásio 2004 por seu lado ao examinar a origem e o papel dos sen timentos na vida humana afirma que todos os indivíduos dirigem seu sistema cognitivo para a autopreservação formando primeiramente os mapas mentais Os mapas são caminhos ou padrões neurais não conscientes implicitamente codificados armazenados e ativados Sua existência permite a noção de autoevi dência e de estabilidade em relação ao mundo percebido chegando à consciência como sentimentos Segundo Damásio são os sentimentos que nos permitem o reconhecimento e a avaliação imediatos do ambiente pois um estímulo ao ser considerado perigoso imediatamente ativará sentimentos de alerta direcionando a ação para que nos mantenhamos a salvo Damásio considera portanto que a ação p ex luta fuga ocorre a partir da ativação dos sentimentos e só depois deles Neste caso sentimos e depois pensamos e não o contrário E sentimos por que possuímos armazenamentos implícitos M I rapidamente acionados Além dos hábitos das habituações e dos sentimentos também são M I os aprendizados emocionais p ex os valores morais as habilidades motoras e sensoriais p ex dirigir bicicletas ou automóveis ou identificar a presença de alguém pelo perfum e os condicionamentos p ex atender ao telefone sem pen sar no que aquele sinal sonoro significa ou parar o carro no sinal verm elho e os estereótipos p ex avaliar alguém ou um grupo de pessoas a partir da ativação implícita de conceitos associados a alguma característica percebida MEMÓRIA IMPLÍCITA NAS CIÊNCIAS COGNITIVAS Os estudos focados na MI possuem diversas abordagens teóricas e m etodo lógicas tais como as da Psicologia Cognitiva da Psicolinguística da Psicologia Evolucionista e da Neuropsicologia Na presente seção serão abordados aqueles campos de estudo nos quais a M I tem sido objeto de pesquisa experimental a fim de que se sintetize a contribuição de cada um deles no entendimento dos aspectos funcionais desse tipo de processamento de memória Na Psicologia Cognitiva entendese que MI são aquelas memórias que vêm à tona quando a evocação não é intencional ou consciente não havendo portan to um esforço controlado para que a recordação ocorra Metaforicamente esse ramo da Psicologia entende que o processamento dos vários tipos de M I é como o uso que fazemos da energia gerada por uma hidrelétrica a qual nos permite a utilização de lâmpadas elétricas eletrodomésticos computadores e elevadores Da mesma forma a M I alimenta diferentes processamentos cognitivos investi Falsas Memórias 119 gados experimentalmente em diferentes paradigmas Murphy e Zajonc 1993 Nosek 2007 Oliveira e Janczura 2004 Squire 1986 A Psicologia Evolucionista por sua vez entende que as funções não cons cientes de aprendizagem e memória devem ter precedido as funções conscientes por um período considerável de tempo Reber 1993 aponta evidências biológi cas de que os processos cognitivos implícitos especificamente a aprendizagem implícita apresentam propriedades que os diferenciam dos processos explícitos São eles robustez isto é as memórias implícitas perduraram mais do que as explícitas independência de idade pois não existem diferenças marcantes no processamento de MI entre jovens e idosos neurologicamente saudáveis inde pendência do nível de inteligência e generalização do processo isto é o proces samento de MI é universal sendo também observado em pacientes com lesões neurológicas e variabilidade individual pois os estudos apontam diferenças individuais na aprendizagem e na recordação implícitas Já a Neuropsicologia busca avaliar os aspectos anatômicos e funcionais das MI utilizando por exemplo a técnica de neuroimagem Dehaene et al 2001 Schacter Gallo e Kensinger 2007a Schacter W igg e Stevens 2007b Whalen et al 1998 ver Capítulo 3 Os estudos com essa técnica evidenciaram que a MI é inicialmente processada pelo hipocampo sendo em seguida assumida pelo núcleo caudado e pelo cerebelo com suas respectivas conexões Nesse proces samento ocorre o aperfeiçoamento do circuito responsável pela recuperação das informações codificadas de forma que a recordação implícita se dá o mais rápido possível Entendese assim que os circuitos neurais utilizados na recordação implícita são mais resu midos do que os das memórias explícitas e que por isso efetuam o processamento das informa ções mais rápida e eficientemente Mas por que os circuitos implícitos se mostram mais eficien tes Segundo Schacter e colaboradores 2007b quanto mais longo é um circuito nervoso maior é a chance de que ocorram falhas em seu processa mento A causa dessas falhas possivelmente se deve ao fato de que cada sinapse isto é a transmissão de informações entre os neurônios é sempre um elo frágil em potencial no encadeamento de informações Assim as MI mostramse mais duradouras rápidas e eficientes do que as memórias explícitas em razão de seus circuitos neurais mais resumidos Ainda com relação aos aspectos neurofuncionais das MI entendese que tal como ocorre na memória explícita a neuroquímica também faz parte de seu processo de aprendizagem e consolidação pela ação dos neurotransmissores ver Capítulo 3 Nas desordens de ansiedade por exemplo os fatores ambientais ou contextuais implicitamente armazenados em uma situação de risco contribuem para a generalização dos temores do indivíduo mesmo em relação a outros estí mulos como é o caso do transtorno de estresse póstraumático TEPT A Neuropsicologia entende que em razão de seus circuitos neurais mais resumidos as memórias implícitas são mais duradouras rápidas e eficientes do que as memórias explícitas 120 Lilian Milnitsky Stein cols Como exemplo de investigação neuropsicológica Kroeze e seus colegas 2005 estudando os fatores precoces desencadeadores do transtorno de pânico examina ram a diferença de processamento de palavras que sugerem sufocação testando um grupo de pacientes com transtorno de pânico e um grupocontrole isto é um grupo de pessoas sem o diagnóstico de transtorno de pânico A tarefa do experimento pedia que os participantes enchessem os pulmões de ar enquanto olhavam para a tela do computador Logo em seguida tinham de categorizai em teclas previamente combinadas a valência positiva negativa de palavras que apareciam na tela A lista de palavras utilizada por Kroeze e colaboradores 2005 foi dividida em três categorias de estímulos palavras com valência a positiva b negativa relacionadas aos fatores possivelmente desencadeadores do transtorno de pânico e c palavras com valência positiva mas não relacionadas a esses fatores Como os pacientes relatavam o medo de sufocação durante suas crises as palavras positivas eram associadas ao bemestar p ex alívio aéreo as negativas ao malestar p ex sufocar asma e as positivas não relacionadas serviam como um controle às duas categorias p ex férias música formando uma linha de base para a comparação dos resultados A hipótese de pesquisa foi a de que os pacientes com transtorno de pânico processariam as palavras com valência negativa mais rapidamente do que os indivíduos do grupocontrole além de também processálas mais rapidamente do que aquelas de valência positiva relacionadas ao bemestar Os resultados obtidos por Kroeze e colaboradores 2005 confirmaram a hipótese da pesquisa demons trando que em pacientes clínicos com transtorno de pânico a simples exposição a palavras que ativem memórias implícitas ligadas a emoções negativas já determina uma prontidão de resposta Para revisão específica de estudos de MI com pacientes clínicos veja Pause et al 2004 e Scott M ogg e Bradley 2001 Além da Psicologia Cognitiva da Evolucionista e da Neuropsicologia outro campo de estudos das M I é a Psicolinguística Foster 1999 Segui 2004 Taylor 2002 Nesta área de pesquisa de MI considerase que a aprendizagem e o re gistro mnemónico da língua materna ocorrem de forma implícita bem como o da gramática artificial isto é a representação grafêmica dos sons por meio das consoantes e vogais A Psicolinguística explora o chamado acesso lexical ou seja a decodifícação de inputs linguísticos os estímulos relacionados à linguagem tanto na língua falada como na escrita Entendese que o léxico é um banco de MI no qual se encontram arquivados os morfemas isto é as menores unidades de significado como a sílaba e as palavras com suas relações fonológicas or tográficas semânticas e sintáticas isto é o significado das palavras e a ordem interna das frases Observase portanto que codificamos armazenamos e recordamos implici tamente vários tipos de informações sendo esse fenômeno estudado sob diferentes abordagens O processamento implícito por sua vez pode ser relativo à recordação de informações verdadeiras ou reais ou a recordações falsas Neste último caso observase o fenômeno das FMI foco principal do presente capítulo Antes de abordar as FMI no entanto devese entender como se estuda uma memória que não é conscientemente recordada Qual é afinal o paradigma m e Falsas Memórias 121 todológico que os pesquisadores usam para demonstrar as MI sejam elas verda deiras ou falsas MEMÓRIA IMPLÍCITA E O EFEITO DE PRIMING Historicamente a M I não foi facilmente aceita pela comunidade científica como uma forma de memória independente da explícita até então conhecida e estudada As evidências empíricas de que havia mais de um sistema de armazena mento e recuperação de informações entretanto começaram a surgir a partir dos anos de 1960 em estudos com pacientes amnésicos Pesquisando a capacidade de aprendizagem do paciente HM portador de amnésia severa Milner Corking e Teuber 1968 relataram que este era capaz de adquirir novas habilidades mo toras tal como aprender a desenhar o contorno de um objeto observado pelo espelho embora não fosse capaz de recordar desse aprendizado ou mesmo de haver realizado o desenho As evidências apontadas por M ilner e colaboradores 1968 levaram outros pesquisadores à busca de paradigmas metodológicos que lhes permitissem inves tigar se haveria mais de um sistema de memória sendo um deles independente da consciência objetiva isto é a M I O objetivo principal dessas pesquisas foi encontrar tarefas capazes de evidenciar aprendizados e recordações implícitos não apenas em pacientes amnésicos mas também em pessoas neurologicamente sadias Como resultado de seus esforços os pes quisadores constataram que o paradigma experi mental que melhor permitia uma observação rigo rosa da M I era o prim ing Prim ing é o fenômeno cognitivo observado quando um estímulo prévio o prim e percebido brevemente usualmente de quatro milissegundos a dois segundos facilita o processamento de uma informação idêntica ao prime ou de alguma forma associada a ele per cebida logo a seguir Squire Shinamura e Graf 1985 Inicialmente as tarefas experimentais no paradigma de priming que melhor evidenciaram a MI foram as de complementação de radicais e de lacunas de pala vras p ex CASA CA C S em estudos com pacientes amnésicos grupo experimental e com indivíduos neurologicamente saudáveis grupocontrole Tomando como exemplo a tarefa de complementação de radicais imagine que um participante amnésico leu uma lista de palavras na qual aparecia a palavra CASA Ainda que esse paciente não possuísse posteriormente nenhuma recorda ção da leitura da lista quando o pesquisador lhe pediu para preencher as lacunas de CA ele realizou a tarefa mais rápida e corretamente do que ao preencher uma palavra que não estava na lista p ex MEIA ME Isso ocorre porque a memória da palavra lida se mantém ativada durante algum tempo favorecendo Priming é o fenômeno cognitivo observado quando um estímu lo prévio o prime percebido brevemente facilita o processamen to de uma informação subsequente idêntica ou associada ao prime 122 Lilian Milnitsky Stein cols a complementação de uma lacuna ou de um radical mesmo quando não há recor dação explícita da palavra ou de sua leitura Esse é o prim ing a facilitação de um processamento p ex a complementação do radical por meio da préativação automática de um armazenamento p ex uma palavra lida na lista Assim a partir de experimentos de prim ing foi possível comprovar a dis sociação entre dois sistemas de memória o explícito e o implícito tanto nos pa cientes amnésicos como em indivíduos neurologicamente saudáveis Graf Squire e Mandler 1984 Schacter 1987 Squire et al 1985 Tais experimentos também evidenciaram que os indivíduos amnésicos apresentavam um nível de acerto qua se idêntico ao do grupocontrole no paradigma de priming Os pesquisadores con sideraram então que o efeito de prim ing é independente das regiões cerebrais que processam as memórias controladas pela recordação voluntária isto é as memórias explícitas concluindo que o cérebro organizou sua capacidade de pro cessamento de informações em sistemas de memória distintos e independentes Posteriormente em estudos de prim ing com neuroimagens Dehaene et al 2001 Farah e McClelland 1991 Schacter et al 2007b Whalen et al 1998 observouse que o prim ing ocorre no córtex préfrontal e em suas áreas asso ciativas sendo seu funcionamento observado de duas formas Em uma delas o sistema cognitivo utiliza pistas como por exemplo as primeiras sílabas do hino nacional ou as primeiras palavras de um ditado popular a fim de recordar todo o resto Na outra forma de processamento ele recupera automaticamente todo um conjunto de informações ligadas ao estímulo inicial tal como ocorre por exem plo ao iniciarmos um percurso habitual cujo trajeto não necessita de raciocínio para ser completado Mas como se explica esse tipo de recuperação Um modelo explicativo para o efeito de prim ing é a abordagem conexionista de Anderson 1983 Esse autor apresentou a chamada hipótese de propagação da ativação preconizando que o conhecimento é armazenado na memória em no dos associativos formando redes de informação que são por sua vez interligadas Quando um nodo recebe um input p ex a leitura da palavra CASA seu nível de ativação aumenta distribuindose propagandose em rede e ativando as memórias associadas a ele no exemplo aqui utilizado as associações semânticas fonológicas eou ortográficas relacionadas à palavra CASA A hipótese de Anderson 1983 foi assumida por diferentes autores princi palmente a partir das evidências obtidas em neuroimagens durante a execução de tarefas Dehaene et al 2001 Schacter et al 2007a Tais evidências apontam o fato de que as MI são armazenadas e recuperadas como representações os no dos distribuídas por todo o neocórtex Isso significa que os nodos de informação são processados em várias áreas interligadas envolvendo desde as regiões que codificam a informação perceptiva p ex a cor ou a forma de um objeto até as áreas cujos nodos são de alguma forma associados à nova informação como por exemplo a utilidade desse objeto a semelhança com outro já conhecido ou a recordação concomitante de uma pessoa que possui um objeto idêntico Mas como os pesquisadores estudam o priming Existem basicamente dois paradigmas experimentais utilizados em pesquisas sobre o efeito de prim ing o direto e o indireto Falsas Memórias 123 Priming direto e indireto Usualmente o prim ing direto também chamado de idêntico ou de repeti ção é utilizado para demonstrar a ativação de processamento do sistema cogni tivo após a percepção de um estímulo sensorial como por exemplo uma palavra ou um símbolo visual Nesse tipo de pesquisa há a exposição prévia de um estí mulo inicial o prim e idêntico ao alvo o qual tem a função de preparar o sistema cognitivo para o processamento subsequente daquela mesma informação A ocor rência do fenômeno de prim ing direto é inferida a partir da comparação entre as condições de teste com e sem a apresentação de primes bem como pela m aior rapidez de resposta ou de reação ob servada na condição de teste na qual prime e alvo são idênticos Os primes podem ser apresentados acima ou abaixo do limiar de consciência do participante Quando são apresentados abaixo caracterizase o efeito de prim ing subliminar O tempo de exposição de um estímulo subliminar varia Palavras por exemplo são processadas subliminarmente entre 25 e 50 milissegundos m s de exposição Busnello Stein e Salles 2008 Foster 1999 enquanto símbolos gráficos fotos de faces ou figuras geométricas são percebidos préconscientemente a partir de 4 ms Murphy e Zajonc 1993 Observe na Figura 61 um exemplo de teste de priming subliminar direto em uma tarefa de complementação de radicais Na primeira condição de teste a pala vra ARM A é apresentada como prime na tela do computador abaixo do limiar de A ocorrência do fenôme no de priming é inferida a partir da comparação entre as condições de teste com e sem a apresentação de primes a b arma 40 ms 500 ms AR alvo casa 40 ms 500 ms i AR alvo 500 ms 500 ms AR alvo FIGURA 61 Exemplos de condições de teste de priming subliminar direto em tarefa de complementação de radicais a prime e alvo idênticos b prime e alvo não relacionados c alvo sem prime 124 Lilian Milnitsky Stein cols consciência do participante por 40 ms Isso quer dizer que ao olhar a tela ele vê somente a máscara visual logo substituída após 500 ms pelo alvo Usual mente o prime é apresentado em minúsculas e o alvo em maiúsculas No exemplo aqui utilizado o alvo percebido é a primeira sílaba de uma palavra A tarefa do participante é preencher as lacunas o mais rápido possível Como hipótese de pesquisa considerase que o alvo apresentado após um prime idêntico ainda que subliminar será preenchido mais rápida e corretamente do que em outras condições de teste A fim de corroborar essa hipótese os pesqui sadores apresentam então o mesmo alvo ARM A em outras duas condições de teste com um prime não relacionado casa sem nenhum prime As três condições de teste são apresentadas a diferentes participantes do experimento escolhidos aleatoriamente A medida de M I obtida é o tempo de reação TR menor na condição de identidade Por isso na instrução para a fase de teste o pesquisador informa ao participante de que este deverá realizar a ta refa o mais rápido possível pois a medida de TR serve para aferição do efeito de priming Já o efeito de prim ing indireto também chamado de associativo ou semân tico ocorre quando ao se perceber ou pensar sobre um conceito observase uma facilitação no processamento de outros conceitos a ele relacionado Por exemplo caso o indivíduo perceba o prime hospital processará o alvo MÉDICO mais rapidamente do que o alvo ÁRVORE uma vez que as duas primeiras palavras estão associadas semanticamente O TR nesse caso será menor do que na condi ção de teste em que não há associação Assim entendese que as tarefas que evidenciam o efeito de priming indire to buscam determinar se e o quanto um prime relacionado ao alvo influencia no processamento deste último Tal como ocorre no prim ing direto a investigação do efeito de prim ing indireto pode ocorrer de forma subliminar ou aparente Para uma revisão desse tópico veja também Salles Jou e Stein 2007 PRIMING INDIRETO NAS FALSAS MEMÓRIAS IMPLÍCITAS Como você leu no Capítulo 1 as FM ocorrem quando recordamos ou reco nhecemos o que não aconteceu Schacter et al 2007a Tratase de um fenôm e no testado de forma explícita no qual o indivíduo declara após ler uma lista de palavras assistir a um filme ou testemunhar sobre um crime o que viu e o que não viu ou o que recorda ou não ter acontecido E as FMI como ocorrem Como são estudadas O estudo da FMI ainda é incipiente Surgiu a partir das evidências obtidas nos experimentos de FM com listas de palavras associadas tais como no Paradigma DRM descrito no Capítulo 2 Dee O estudo da falsas me mórias implícitas ainda é incipiente Surgiu a partir das evidências obtidas nos experimen tos de falsas memórias com listas de palavras associadas tais como o Paradigma DRM Falsas Memórias 125 se 1959 ao testar a memória declarativa isto é de reconhecimento eou de recordação livre de listas de palavras semanticamente associadas p ex cama travesseiro lençol observou que os participantes além de recordarem palavras não apresentadas na lista de estudo tinham certeza de têlas lido No exemplo uti lizado o participante lembraria falsamente a leitura da palavra sono Deese chamou esse fenômeno de efeito de intrusão Roediger e McDermott 1995 retomaram o trabalho de Deese ampliando o paradigma de estudo das FM e estabelecendo o Paradigma DRM O efeito de intrusão foi então considerado como a evidência da falsa recuperação de uma palavra não lida na fase de estudo ou simplificando como uma FM A fim de explicar o efeito de intrusão relatado por Deese 1959 Underwood 1965 propôs a hipótese da ativação implícita preconizando que ao estudar uma palavra o indivíduo ativa automaticamente seus associados ou a rede semânti ca apresentada por Anderson 1983 A hipótese da ativação implícita também explicaria a recordação da essência em lugar do traço literal de memória propos ta pela Teoria do Traço Difuso Reyna e Brainerd 1998 abordada no Capítulo 1 Nessa teoria o traço literal de memória seria mais facilmente esquecido do que o traço de essência isto é o semântico e este último serviria de base para as FM As listas de palavras associadas e o estudo das Falsas Memórias Implícitas No estudo da FMI utilizamse usualmente as mesmas listas de palavras asso ciadas presentes nos estudos de FM Stein Fèix e Rohenkohl 2006 ver Capítulo 2 Até o presente momento considerase que a diferença entre a investigação de FM e de FMI reside no fato de que na segunda o par ticipante não tem consciência de estar recuperando memórias codificadas na fase de estudo dos expe rimentos Outra diferença reside no fato de que o efeito de FM parece ser melhor observado quan do a fase de estudo de experimento é feita acima do limiar de consciência do participante Huang e Janczura 2008 uma vez que os índices de falsos reconhecimentos aumentam de acordo com o au mento do tempo de exposição às listas de palavras A diferença entre FM e FMI portanto está vinculada à manipulação por parte do pesquisa dor da atenção e da consciência do participante do experimento e não ao conteúdo da recordação pois este seria o mesmo Como explicação Schacter e colaboradores 2007a entendem que os resultados de FMI obtidos em estudos com palavras associadas ocorrem devido à diminuição do campo de ação do mecanismo consciente de recordação Esse mecanismo entre tanto não é observado em indivíduos com lesões neurológicas uma vez que estes não possuem a capacidade de associar memórias de diferentes regiões cerebrais A diferença entre a investigação de falsas memórias e de falsas memórias implícitas com as listas de palavras associadas é que na segunda o participante não tem consciência de estar recuperando memórias baseadas na fase de estudo dos experimentos 126 Lilian Milnitsky Stein cols Assim para evidenciar o efeito de FMI o pesquisador a manipula o tempo no qual o estímulo é exposto b manipula a atenção do participante do experimento a fim de que este não tenha consciência de que realiza um teste de memória c utiliza tarefas com medidas implícitas de memória tais como a com plementação de fragmentos de palavras o preenchimento de lacunas a escolhacega ou a decisão lexical Em suma entendese que o mecanismo subjacente às FMI é o efeito de pri ming indireto ou semântico Como exemplo de um experimento de FMI com palavras associadas exa minaremos o seguinte procedimento utilizando uma mesma lista de palavras associadas p ex a lista fruta o pesquisador pode examinar tanto o efeito de FM como o de FMI Para tanto num experimento de FM o participante fará a leitura da lista de palavras no caso banana maçã uva pera mamão melão abacaxi com a instrução de prestar atenção pois mais tarde fará um teste de memória com este conteúdo Como visto no Capítulo 2 a FM é obtida quando o participante recorda na fase de teste do experimento uma palavra que não foi lida p ex m orango A fase de teste no experimento de FM utilizará medidas explícitas de memória tais como Fase de teste com medidas de memória explícita para evidenciar FM da palavra morango FIGURA 62 Medidas explícitas de memória Recordação livre O que você se lembra de ter lido na lista Recordação com pistas Quais palavras estavam na lista Reconhecimento Você leu a palavra morango Sim ou não Ao investigar o efeito de FMI com listas de palavras associadas no entanto o pesquisador na fase de estudo fará com que o participante leia as listas sem que tenha consciência de que terá sua memória testada posteriormente Um procedi mento usual nesse caso é fazer com que o participante leia as palavras contando o número de sílabas por exemplo a fim de que julgue realizar uma tarefa cognitiva Na fase de teste por sua vez o pesquisador também fará com que o participante realize uma tarefa sem notar que sua memória está sendo avaliada Como Voltando ao exemplo apresentado no estudo de FM imagine então que o participante de nosso experimento lerá a lista de frutas mas em uma fase de estudo muito breve p ex cada palavra da lista poderá ser apresentada por 20 ms ou contando as vogais de cada palavra lida Na instrução da tarefa ele será Falsas Memórias 127 informado por exemplo de que realiza um teste de processamento cognitivo de palavras sem que haja qualquer referência à sua memória Na fase de teste ele poderá realizar diferentes tarefas que demonstrem uma FMI do distrator crítico tais como FIGURA 63 Medidas implícitas de memória Nos dois primeiros exemplos o participante escreveria a palavra morango mais rapidamente do que a palavra mortadela Por quê Porque teria lido uma lista de frutas anteriormente à tarefa e assim sua tendência de resposta seria a FMI da palavra morango e não de uma palavra não relacionada à lista estudada No terceiro exemplo a tarefa de decisão lexical pede que o participante decida o mais rápido que puder se o que vê na tela do computador é ou não uma palavra Tendo percebido uma palavra da lista antes do alvo p ex o prime maçã o par ticipante fará essa decisão mais rápida e corretamente do que em uma condição de teste de linha de base na qual não haja a apresentação prévia de primes Na fase de teste além das medidas implícitas de memória o participante de um experimento de FMI deve realizar a tarefa proposta o mais rápido possível pois se espera que a palavra relacionada p ex m orango seja processada mais rapidamente do que uma não relacionada p ex janela Igualmente entendese que na escolhacega isto é falar ou escrever a primeira palavra vinda à mente sem tempo para pensar o participante gerará tanto palavras realmente percebi das na fase de estudo maçã banana como a palavra morango caracterizando assim a ocorrência de uma FMI pela ativação da rede semântica Caso não haja o controle experimental na manipulação da consciência dos participantes no entanto o resultado obtido não evidenciará uma FMI mas uma FM Por exemplo McBride Coane e Raulerson 2006 buscaram evidenciar o efeito de FMI mas não obtiveram os resultados esperados Em seu experimento os participantes leram 15 listas de palavras associadas uma palavra por vez du rante 3 segundos Ainda que os pesquisadores tenham utilizado medidas implíci tas de memória na fase de teste isto é o preenchimento de lacunas e a escolha cega os resultados não poderiam evidenciar FMI pois o tempo de exposição das palavras na fase de estudo foi muito alto 3 segundos Dessa forma fica claro o quanto a manipulação da consciência do participante é um fator determinante na pesquisa de FMI Realize a tarefa a seguir o mais rápido possível Preenchimento de lacunas M AN J ou Complementação do radical MO ou Decisão lexical MORANGO XTOLANGO ou Escolhacega escreva a primeira fruta que lhe venha à mente 128 Lilian Milnitsky Stein cols Alguns exemplos de estudos com listas de palavras associadas cujos resulta dos evidenciaram a ocorrência de FMI são a Seamon Luo e Gallo 1998 apresentaram subliminarmente 16 listas de palavras associadas 20 ms para cada palavra da lista enquanto os participantes ouviam sequêndas aleatórias de números em fones de ouvido antes e depois da apresentação das listas Para distraílos ainda mais os pesquisadores informaramlhes que posteriormente deveriam recordar os números ouvidos em sua ordem de apresentação b McKone e Murphy 2000 apresentaram ao mesmo tempo oito listas com 15 palavras associadas 30 s cada lista com a hipótese corrobo rada de que o acúmulo de itens apresentados em um curto espaço de tempo diminuiria a consciência das palavras lidas favorecendo FMI na fase de teste c Hicks e Stams 2005 disseram aos participantes que realizariam duas tarefas para medida de habilidades cognitivas na primeira fase do expe rimento Assim um grupo fez a contagem de letras das palavras apresen tadas na tela do computador e o outro efetuou a avaliação da valênda positiva negativa das listas de palavras associadas Na fase de teste os dois grupos tiveram de completar fragmentos com a primeira palavra que lhes viesse à mente escolhacega também apresentando FMI d Outra forma de testar FMI foi apresentada por Gallo e Seamon 2004 Na fase de estudo desse experimento os participantes leram 36 listas de palavras associadas com uma exposição de 20 ms para cada lista Entre estas ainda havia uma máscara visual de 80 ms a fim de que o participante só lembrasse da percepção desse estímulo visual e não das listas de palavras Na fase de teste desse experimento em lugar de uma medida implícita tais como as já descritas os participantes tiveram de escrever as palavras que lembrassem ter lido Todos afirmaram que isso seria impossível e assim os pesquisadores disseramlhes que tentassem adivinhar palavras que poderiam terlhes sido apresentadas naqueles breves 20 ms Como resultado além de escreverem algumas palavras realmente estudadas os participantes também escreveram palavras rela cionadas a elas isto é distratores críticos como morango evidenciando FMI Mais uma vez fica aqui reiterada a importância da manipulação da consciência dos participantes do experimento a fim de que se obtenha FM ou FMI como é o caso do experimento desses pesquisadores e Estendendo a abrangência das redes associativas no estudo das FMI pes quisadores como Lenton Blair e Hastie 2001 Blair 2002 e Akrami Ekehammar e Araya 2006 utilizaram listas de palavras associadas para observar a ativação implícita de estereótipos e preconceitos Estereótipos são representações cognitivas de ideias fatos ou imagens associadas a um grupo social Segundo Blair 2002 e Nosek 2007 a função prim or dial do armazenamento de representações por meio de estereótipos é a de facilitar o processamento dos estímulos ambientais obtendose rapi Falsas Memórias 129 dez e eficiência Assim há palavras denotando estereótipos de gênero de nacionalidade de papel social de etnia de grupo político religioso ou social Investigando a ativação implícita de estereótipos no efeito de FM Len ton e suas colaboradoras 2001 observaram que palavras com estereo tipia consistente de gênero masculino e fem inino e de papel social p ex mecânico juiz bailarina professora produzem mais FM em um teste de recordação do que palavras sem estereotipia p ex alegre pontual feliz normal Segundo as autoras esses resultados evidenciam uma associação direta entre as FM e a ativação de MI codificadas como estereótipos f Na mesma linha de pesquisa Akram i e colaboradores 2006 inves tigando preconceitos ligados a estereótipos de imigrantes na Suécia também obtiveram resultados semelhantes aos de Lenton e colabora doras 2001 No estudo sueco observouse que a ativação implícita de palavras relacionadas ao preconceito de nacionalidade isto é palavras com estereotipia consistente de im igrantes produziu mais FM do que as palavras neutras Apesar das evidências de ativação implícita da rede semântica a partir de palavras com estereotipia consistente no entanto a investigação de es tereótipos e preconceitos ainda é incipiente fazendo parte de uma linha de pesquisa da Psicologia denominada de Cognição Social Os experi mentos nessa área ainda que promissores não comportam uma análise consistente do efeito de FMI devendo ser melhor explorados em estudos futuros CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente capítulo teve por objetivo apresentar noções teóricas e ex perimentais concernentes à MI e ao efeito de prim ing enfocando na sequência os estudos de FMI Observouse que o processamento cognitivo subjacente ao fenôm eno das FMI é o prim ing indireto no qual há a ativação de uma rede as sociativa Dada essa característica intrínseca ao fenôm eno de FMI ele vem sen do investigado com listas de palavras associadas tais como o paradigm a DRM Deese 1959 Huang e Janczura 2008 Roediger e McDermott 1995 Stein et al 2006 Como explicação para o efeito de FMI Schacter e colaboradores 2007a entendem que os resultados obtidos em estudos com palavras associa das ocorrem devido à diminuição do campo de ação do mecanismo conscien te de recordação Esse mecanismo não é observado em indivíduos com lesões neurológicas pois eles não podem associar memórias codificadas em diferentes regiões cerebrais A diferença fundamental entre FM e FMI reside nos controles experimentais adotados pelo pesquisador na fase de estudo eou de teste dos experimentos Assim no estudo da FMI o pesquisador 130 Lilian Milnitsky Stein cols a manipula o tempo no qual o estímulo é exposto b manipula a atenção do participante a fim de que este não perceba que realiza um teste de memória c utiliza medidas implícitas de memória em tarefas como a complemen tação de radicais ou de fragmentos de palavras o preenchimento de lacunas a decisão lexical ou a escolhacega Observase entretanto que apesar dos controles experimentais e das evi dências obtidas os estudos com foco nas FMI ainda são poucos e muitas são as questões em aberto Não se sabe por exemplo se existem diferenças entre a quantidade de FM e de FMI com relação aos mesmos estímulos ou no quanto as FMI são moduladas pela emoção Além disso os paradigmas de investigação do efeito de FMI ainda necessitam ser refinados como no caso do processamento de estereótipos e preconceitos Sendo assim concluise o presente capítulo apontando mais perguntas do que respostas acerca do que falta saber a respeito da FMI De que maneira estudar esse efeito isto é em que outros paradigmas além dos já conhecidos e quais fatores podem impactar na evidenciação dessas memórias são questões ainda a ser respondidas quiçá em um futuro próximo REFERÊNCIAS Anderson J R 1983 A spreading activation theory of memory Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior 223 261295 Akrami N Ekehamar B Araya T 2006 Category and stereotype activation revisited Scandinavian Journal of Psychology 476 513522 Blair I V 2002 The malleability of automatic stereotypes and prejudice Personality and Social Psychology Review 63 242261 Busnello R H D Stein L M Salles J F 2008 Efeito de priming de identidade subli minar na decisão lexical com universitários brasileiros Psico 391 4147 Damasio A 2004 Em busca de Espinosa Prazer e dor na ciência dos sentimentos São Paulo Companhia das Letras Deese J 1959 On the prediction of occurrence of particular verbal intrusions in imme diate recall Journal of Experimental Psychology 581 1722 Dehaene S Naccache L Cohen L Le Bihan D Mangin J Polin J Rivière D 2001 Cerebral mechanisms of word masking and unconscious repetition priming Natu re Neuroscience 47 752758 Foster K J 1999 The micro genesis of priming effects in lexical access and spreading activation Brain and Language 68 515 Hicks J L Stams J J 2005 False memories lack perceptual detail Evidence from implicit wordstem completion and perceptual identification tests Journal of Memory and Language 523 309321 Gallo D A Seamon J G 2004 Are nonconscious processes sufficient to produce false memories Consciousness and Cognition 13 158168 Falsas Memórias 131 Graf E Squire L R Mandler G 1984 The information that amnesic patients do not for get Journal of Experimental Psychology Learning Memory and Cognition 101 164178 Huang TR Janczura GA 2008 Processos conscientes e inconscientes na produção de falsas memórias Psicologia Teoria e pesquisa 24 347354 Kroeze S Van der Does A J W Spinhoven E Schot R Sterk E J Van den Aardweg J G 2005 Automatic negative evaluation of suffocation sensations in individuals with suffocation fear Journal of Abnormal Psychology 1143 466470 Lenton A E Blair I V Hastie R 2001 Illusions of gender Stereotypes evoke false memories Journal of Experimental Social Psychology 37 314 McDermott K B 1997 Priming on perceptual implicit memory tests can be achieved through presentation of associates Psychonomic Bulletin Review 44 582586 McKone E Murphy B 2000 Implicit false memory Effects of modality and multi ple study presentations on longlived semantic priming Journal of Memory and Language 431 89109 Milner B Corkin S Teuber H L 1968 Further analysis of the hippocampal amnesic syndrome 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modulate amygdale activity without explicit knowledge The Journal of Neuroscience 181 411418 7 FALSAS MEMÓRIAS E DIFERENÇAS INDIVIDUAIS Márcio Englert Barbosa Luciana Moreira de Ávila Leandro da Fonte Feix Rodrigo GrassiOliveira A metáfora da memória humana como um gravador ou como uma fílmadora que registra com precisão e armazena aspectos da experiência não tem sido sus tentada ao longo dos últimos anos de investigação científica Por isso alguns m o delos explicativos como aqueles abordados no Capítulo 1 p ex Teoria do Traço Difuso e Teoria do Monitoramento da Fònte têm sido desenvolvidos na tentativa de compreender o funcionamento de nossa memória e de suas falhas Loftus 2004 Brainerd e Reyna 2005 Neufeld e Stein 2001 Apesar da importância da construção de modelos que expliquem como ocorrem as distorções mnemónicas e mais especificamente o fenômeno das falsas memórias FM sabese que estas não ocorrem de forma idêntica nos diferentes indi víduos fazendo com que seja necessária a adapta ção dos modelos às diferenças individuais Como visto nos capítulos anteriores as FM são lembranças de fatos que na realidade não aconteceram ou que ocorreram de forma diferente da recordada Essas distorções da memória ocorrem porque determinadas infor mações armazenadas nela são recordadas como se tivessem sido realmente vivi das Esse fenômeno vem sendo observado em pesquisas experimentais no âmbito da Psicologia Clínica Lindsay e Read 1994 e da Psicologia Forense Stein e Nygaard 2003 assim como em situações do cotidiano Roediger e McDermott 2000 Schacter 2003 Os diversos estudos do fenômeno das FM têm provocado abalos na concep ção sobre a memória humana lançando questionamentos tanto no campo teórico quanto no aplicado No campo teórico cientistas têm se esforçado para oferecer modelos explicativos sobre a natureza da memória humana de modo a contem plar este fenômeno No campo aplicado as FM têm posto em causa por exemplo a validade dos relatos testemunhais muitas vezes conduzidos de formas inapro priadas acabando por interferir nos processos mnemónicos tema detalhado no Capítulo 8 A Psicologia Clínica por sua vez é fundamentalmente embasada As falsas memórias não ocorrem de forma idêntica nos diferentes indivíduos 134 Lilian Milnitsky Stein cols em memórias que tem maiores chances de virem a ser distorcidas caso o terapeu ta se utilize intencionalmente ou não de técnicas sugestivas Na década de 1990 houve diversos casos que se tornaram populares principalmente nos Estados Uni dos de pessoas que se recordaram em contexto psicoterapêutico de ter sofrido abuso sexual quando crianças o que após investigação judicial concluiuse que não havia ocorrido ver Capítulos 11 e 12 Ainda que uma série de pessoas acabe gerando FM após serem expostas a técnicas inadequadas de entrevista terapêutica ou não com outras isto não ocorre mesmo quando expostas às mesmas técnicas Da mesma forma duas pes soas podem presenciar um mesmo evento e apenas uma gerar FM O que faz uma pessoa apresentar uma FM acerca de uma determinada situação e outra não Isso pode ser explicado por questões situacionais como estar mais ansioso ou cansado naquele momento ou seriam estas pessoas mais suscetíveis às FM Até o momento atual a m aior parte dos estudos sobre FM vêm sendo realizados com populações homogêneas e principalmente com a participação de estudantes universitários o que indica uma menor preocupação com as di ferenças individuais Porém Blair Lenton e Hestie 2002 demonstraram que as pessoas diferem quanto à produção de FM entre si e que isso é algo estável ao longo do tempo ou seja não se deve apenas às diferenças situacionais Os autores testaram a m emória dos participantes em dois momentos diferentes separados por duas semanas e verificaram que os níveis de FM dos indivíduos diferiram entre si mas não diferiram significativamente com o passar do tempo quando comparados com eles mesmos Aqueles indivíduos que se mostraram mais propensos a apresentar FM no primeiro teste de memória também o foram no segundo duas semanas depois O mesmo padrão de estabilidade foi observa do nos participantes que apresentaram menores índices de FM Tais resultados evidenciam que determinadas pessoas têm uma m aior suscetibilidade a gerar FM do que outras todavia esse estudo não explica quais diferenças individuais impactam no processamento mnemónico As diferenças individuais são objeto de estudo de um campo da Psicologia denominado Psicologia Diferencial Os pesquisadores que estudam as diferenças individuais buscam compreender como cada pessoa se desenvolve de forma dife rente ou seja direcionando suas pesquisas para a variabilidade do ser humano O objetivo fundamental dessa área no âmbito das FM é a compreensão das relações entre as diferenças psicológicas de cada pessoa e a produção de FM Os estudos nessa área podem ser utilizados para predizer o quão confiável é a memória de uma pessoa em uma determinada situação como um testemunho por exemplo O presente capítulo apresenta características individuais que têm sido mais frequentemente relacionadas às FM bem como as suas hipóteses explicativas Inicialmente serão abordadas as diferenças na produção de FM ao longo de dife rentes etapas do desenvolvimento humano As crianças pequenas apresentam al gumas características específicas em seu funcionamento mnemónico que as levam a ter menores índices de FM do que adultos Além disso também será discutida Falsas Memórias 135 a influência de experiências traumáticas ao longo da infância e seu impacto no desenvolvimento neurofuncional e neuroanatômico Crianças expostas a traumas não apresentam alterações de memória durante essa etapa do desenvolvimen to porém quando adultas observase a presença de déficits mnemónicos que acabam por reduzir os índices de FM se comparados com os de adultos que não sofreram trauma na infância Olhando para o outro extremo do desenvolvimento humano os idosos apre sentam um declínio em sua memória verdadeira M V o que não ocorre com suas FM Estas se tom am mais frequentes com o passar dos anos e com o declínio de determinadas funções cerebrais e estratégias cognitivas O funcionamento das FM em crianças e idosos tem sido avaliado de forma comparativa a adultos sau dáveis Outra característica frequentemente relacionada com as FM são as diferen ças de sexo todavia os estudos na área não vêm demonstrando diferenças sig nificativas entre FM de homens e de mulheres Por fim o capítulo abordará as relações entre características de personalidade e FM Características dissociativas de personalidade têm sido amplamente relacionadas na literatura com maiores índices de FM Outras pesquisas apontam o neuroticismo que é um traço estável de personalidade e que está ligado a uma tendência em experenciar emoções negativas e aflitivas como responsável por levar essas pessoas a confiarem menos em suas memórias aumentando a possibilidade de as distorcerem A ansiedade como traço de personalidade assim como o neuroticismo também parece levar as pessoas a ter menos credibilidade em suas memórias aumentando sua susce tibilidade às FM DESENVOLVIMENTO HUMANO E FALSAS MEMÓRIAS A etapa do desenvolvimento humano é um dos aspectos que diferencia um indivíduo de outros e por isso também pode ser considerada uma diferença in dividual A idade influencia de forma significativa os processos cognitivos como a memória e consequentemente as FM Sendo assim o estudo das relações entre desenvolvimento humano e FM pode contribuir para a compreensão das diferen ças entre os indivíduos no que concerne às distorções mnemónicas Os estudos indicam que as M V aumentam desde o nascimento até a idade adulta e começam a decair na terceira idade juntamente com mudanças nos me canismos cerebrais e estratégias cognitivas fundamentais para a memória Gallo 2006 O mesmo não ocorre com as FM que assim como as verdadeiras aumentam da infância para a idade adulta mas que crescem ainda mais na velhice Além des sas questões esta seção também abordará o impacto no adulto causado por trau mas vividos na infância Esses traumas fazem com que essas crianças quando adul tas apresentem défidts em determinados sistemas de memória gerando menores índices de FM do que em adultos que não experendaram o traumas nesta etapa 136 Lilian Milnitsky Stein cols Falsas memórias em crianças Sob o prisma das diferenças individuais muitos pesquisadores vêm bus cando compreender como as fases do desenvolvimento humano interferem na produção das FM Neste tópico serão apresentadas as particularidades do desen volvim ento das FM em crianças fase na qual alguns estudos têm demonstrado a existência de distorções mnemónicas Bjorklund 2000 Sabese que crianças desde muito cedo recordam de eventos que de fato nunca aconteceram Essas falsas recordações não podem ser confundidas com simulações isto é mentiras ou fantasias que frequentemente acontecem nesta fase Os primeiros estudos sobre distorção mnemónica realizados com crianças datam do final do século XIX e início do século XX quando alguns psicólogos europeus começaram a se interessar pelo testemunho infantil no contexto foren se Dentre esses cientistas destacase A lffed Binet 1900 que a partir dos seus estudos concluiu que as crianças distorciam as lembranças sobre um evento a partir da sugestão do pesquisador Stern 1910 também observou que entrevista dores simplesmente por fazerem perguntas muitas vezes são responsáveis pela produção de FM em crianças Além disso Stern apontou que as FM em crianças também ocorrem pelo fato delas confundirem fantasia com realidade Binet e Stern trouxeram importantes contribuições no entendimento da suscetibilidade das crianças às FM A questão das FM sugeridas em crianças será discutida no Ca pítulo 8 Em virtude disso o foco da presente subseção será nas FM espontâneas em crianças De Binet e Stern até os dias de hoje a ciência sobre memória vêm trabalhando na tentativa de compreender as distorções mnemónicas em crianças e suas parti cularidades Pesquisas recentes Brainerd et al 2006 Brainerd e Reyna 2007 Sugrue e Hayne 2006 indicam que existem diferenças no que se refere às FM quando são comparados crianças e adultos assim como entre crianças de diferentes faixas etárias De um modo geral as pesquisas têm demonstrado que quanto maior a idade maior a produção de FM Portanto crianças com idade escolar próximas dos 11 anos apresentam maiores índices de FM se comparadas com crianças pré escolares entre 5 e 6 anos Brainerd Reyna e Forrest 2002 Uma questão a ser considerada portanto é por que as crianças mais velhas teriam uma maior propensão a apresentarem FM que as mais novas Uma possível explicação reside no fato das crianças mais velhas serem mais capazes de extrair a essência dos eventos que seria necessária para gerar FM quando comparadas com as crianças menores Brainerd et al 2002 Por outro lado as mais novas teriam proporcionalmente mais lembranças de informações literais referentes aos detalhes das situações Nessa perspectiva as FM aumentariam com o avanço da idade até a vida adulta da mesma forma que ocorre com as MV Sugrue e Hayne 2006 Essa hipótese do desenvolvimento das FM está fundamentada na Teoria do Traço Difuso TTD Brainerd e Reyna 2005 discutida no Capítulo 1 que sustenta a existência de dois sistemas de memória independentes os quais operam em paralelo Brainerd e Reyna 2002 A memória de essência é respon sável pelas lembranças mais centrais e genéricas ou do significado sendo mais Falsas Memórias 137 estável e duradoura e portanto menos suscetível à interferência Por outro lado a memória literal corresponde às lembranças dos detalhes ou seja a aspectos específicos da situação vivenciada A m e mória literal é mais frágil e está mais sujeita aos efeitos da interferência e ao esquecimento De acordo com a TTD as FM ocorrem porque os traços de essência se so brepõem aos traços literais no momento da recuperação Assim a memória de essência é responsável por recordações e reconhecimentos falsos ao passo que a memória literal corresponde aos detalhes precisos e portanto às lembranças verdadeiras Brainerd e Reyna 2005 Desse modo as crianças préescolares por terem um predomínio da memória literal apresentam mais esquecimento e menos FM que as crianças com idade escolar Esse fenômeno ocorre devido ao desenvolvimento tardio da memória de essência Dessa forma as crianças mais velhas por possuírem uma memória de essência mais desenvolvida não demons tram dificuldade em extrair o significado do evento vivenciado essência Em função dessas particularidades do desenvolvimento da memória tomam se necessárias algumas adaptações nos instrumentos de pesquisa para estudar o fenômeno das FM em crianças menores isto é materiais em que o contexto é facilmente compreendido pela criança Entretanto muitas pesquisas realizadas que estudam FM com crianças baseiamse na mesma m etodologia utilizada com adultos principalmente por m eio de procedimento DeeseRoedigerMcDermott DRM H ow e 2002 O DRM é um procedimento utilizado em diversos estudos sobre FM tendo em vista a robustez dos resultados obtidos Roediger e McDermott 1995 Stein Feix e Rohenkohl 2006 Ele consiste na apresentação de listas de palavras se manticamente associadas Cada lista tem um distrator crítico uma palavra que traduz a essência semântica da lista O distrator crítico não é apresentado na fase de aprendizagem da lista mas no momento em que se testa a memória quando o participante se recorda deste distrator crítico considerase isso uma FM Os estudos com crianças que utilizaram o procedim ento DRM têm encon trado que as M Y bem como as FM aumentam em função da idade Brainerd et al 2002 Howe 2005 Howe et al 2004 Os resultados dessas pesquisas são exemplificados em um gráfico teórico Figura 71 Todavia esses estudos sobre o desenvolvim ento da m em ória têm recebido algumas críticas no que concerne o material utilizado por esses pesquisadores Sabese que as crianças apresen tam dificuldades em extrair o significado das listas DRM o que é necessário para a produção de FM H ow e 2002 Portanto o DRM não parece ser o proce dimento mais adequado para a compreensão do fenôm eno do desenvolvim ento das FM Buscando minimizar essas limitações com o uso do DRM Dewhurst Purs glove e Lewis 2007 investigaram o falso reconhecimento em crianças de 5 8 e 11 anos usando além da versão padrão do DRM uma versão alternativa em que as listas de palavras foram transformadas em pequenas histórias Como o espe rado na versão padrão as crianças pequenas apresentaram menores índices de As falsas memórias assim como as verdadeiras au mentam com o avanço da idade até a vida adulta 138 Lilian Milnitsky Stein cols FM MV FIGURA 71 Desenvolvimento das Falsas Memórias FM Falsas Memórias MV Memórias Verdadeiras FM em comparação aos dois outros grupos de crianças Porém quando as listas de palavras foram transformadas em histórias as crianças menores apresentaram mais falsos reconhecimentos enquanto os níveis de FM nas crianças com 8 e 11 anos não foram afetados pelo formato do material de estudo De acordo com os autores o contexto da história aumentou a habilidade das crianças menores em fazer inferências baseadas no tema geral do estímulo história Assim quando o contexto é compreendido pela criança ela é capaz de extrair o significado geral da situação vivenciada Essa condição favorece o processamento de essência e portanto pode produzir mais FM A memória das crianças apresenta peculia ridades que a diferem da memória dos adultos esse dado deve ser levado em consideração desde situações corriqueiras como ouvir o relato do dia dela na escola até em casos especiais como em depoimentos jurídicos A memória das crianças é confiável desde que sejam usados métodos adequados naquelas situações em que se deseja ter acesso às recordações sobre determinada situação Os estudos sobre FM em crianças têm levado os pesquisadores não apenas a aprofundar o conhecimento sobre a memória nessa etapa do desenvolvimento hu mano mas também à compreensão do fenômeno de forma mais ampla Pesquisas Quando o contexto é compreendido pela criança ela é capaz de extrair o significado geral da situação vivenciada favorecendo o processamento de essência e podendo produzir mais falsas memórias Falsas Memórias 139 vêm sendo realizadas e novos materiais vêm sendo construídos e adaptados para que possam ser geradas hipóteses explicativas cada vez mais robustas O avanço desses estudos resulta no desenvolvimento de técnicas de entrevista apropriadas para que profissionais do campo forense e clínico possam minimizar os efeitos da sugestão de falsa informação Os estudos referidos apontam para as habilidades das crianças mostrandonos que mesmo crianças muito pequenas são capazes de recordar quantidades significativas de informações sobre eventos Por outro lado esses mesmos estudos mostram a fragilidade da memória das crianças Desenvolvimento trauma e falsas memórias Na subseção anterior foi visto que as distorções de memória apresentam diferentes características em crianças e em adultos Essas modificações ocorrem como parte do desenvolvimento humano porém crianças expostas a traumas acabam quando adultas apresentando um funcionamento cognitivo diferente no que se refere às FM em relação àquelas não expostas GrassiOliveira e Stein 2008 verificaram que quando adultos com história de trauma na infância foram comparados com adultos sem esse tipo de história os primeiros manifestavam menores taxas de FM Não houve nenhuma diferença entre esses dois grupos no que diz respeito ao reconhecimento de informações verdadeiras Os resultados demons traram que no paradigma DRM o grupo com trau ma mostrou prejuízo no processamento da memó ria de essência o que levou a uma discriminação melhor entre MV e FM do que outros grupos É importante lembrar que no para digma DRM a capacidade de reconhecer uma palavra que não foi apresentada durante a fase de estudo mas que está semanticamente associada à outra palavra apresentada na fase de teste é o que se chama de associação semântica Corroborando a predição de que o grupo com trauma é menos afetado pelo efeito semântico da associação os participantes foram significativamente menos inclinados a usar suas memórias de essência nos julgamentos de reconhecimento das palavras apresentadas no teste de reconhecimento do que os participantes dos grupos sem trauma Dessa maneira os dados sugerem que o processamento da memória de essência estaria prejudicado enquanto os traços literais permane ceriam mais preservados Traumas na infância impactam o desenvolvimento neurológico principal mente em áreas de associação interhemisfericas Teicher et al 2004 Assim os mecanismos envolvidos no prejuízo da memória de essência poderiam ser ex plicados numa perspectiva neurobiológica Pacientes com lesões no hipocampo mostram um desempenho prejudicado em testes de memória verbal incluindo testes de recordação de um parágrafo ou aprendizagem de uma lista de palavras além desses prejuízos de memória correlacionaremse com o grau de diminuição volumétrica hipocampal e perda neuronal Sass et al 1992 Adultos com história de trauma na infância apre sentam menos falsas memórias que aqueles sem esse histórico 140 Lilian Milnitsky Stein cols Verificase que mulheres com história de abuso sexual na infância e sin tomas de Transtorno de Estresse PósTraumático TE PT quando submetidas a um exame de Tom ografia por Emissão de Pósitrons ver Capítulo 3 mostram falhas na ativação do hipocampo durante um teste de memória verbal Além disso os exames de Ressonância Magnética dessas mesmas mulheres apresen tam uma redução de 16 no volum e hipocampal em relação ao grupo com história positiva para abuso sexual sem TEPT Quando comparadas com um grupocontrole sadio a redução no volum e do hipocampo é de 19 em média Bremner et al 2003 Essa atrofia hipocampal pode estar relacionada com uma série de alterações imunoendrocrinológicas Uma das hipóteses aventadas seria a de que altos níveis de glicocorticóides cortisol seriam liberados duran te uma situação de trauma o que resultaria em dano neurológico já que esse horm ônio é capaz de danificar as células nervosas quando em altas quantidades Sapolsky et al 1990 A exposição a altos níveis de cortisol de form a crônica resultaria então na diminuição da arborização dendrítica e na perda neuronal Bremner et al 2003 Essa perda neuronal impactaria mais drasticamente as regiões préfrontais e mediais considerando o fato de essas regiões assumirem um papel crucial na gê nese das distorções de memória Schacter e Slotnick 2004 é interessante repor tar dois estudos que utilizam o DRM para investigar a presença de FM em adultos com maustratos na infância Um desses estudos Bremner Shobe e Kihlstrom 2000 teve por objetivo avaliar a capacidade de recordação e reconhecimento e também a produção de FM em mulheres vítimas de maustratos e TEPT Tal pesquisa identificou um aumento significativo na produção de falsos reconheci mentos no grupo que reportou TEPT e abuso sexual na infância além de prejuízo na capacidade de recordação Também ocorreu uma diminuição da capacidade de reconhecimento das palavras estudadas nas mulheres com sintomas de TEPT quanto maior a severidade dos sintomas mais prejudicado foi o reconhecimento Se compararmos o fato do aumento de FM em adultos com história de abuso sexual com a diminuição de FM em adultos com história de negligência supõese que o tipo de experiência estressante na infância possa impactar diferentemente os sistemas relacionados à memória de essência Da mesma forma outro estudo utilizando o DRM comparou quatro grupos 1 recuperado mulheres que lembraram quando adultas que foram abusa das na infância 2 reprimido mulheres que achavam que tinham sido abusadas na infân cia mas que não se lembravam de nada 3 contínuo mulheres que sempre tiveram memória de terem sido abusa das quando criança 4 controles mulheres sem nenhuma lembrança de abuso e nem achavam que isso ocorreu Clancy et al 2000 Os resultados indicaram que o grupo recuperado foi mais suscetível que os outros grupos a exibir falsos reconhecimentos de associados semânticas Toda Falsas Memórias 141 via antes de qualquer conclusão é importante salientar que o grupo recuperado diferia estatisticamente dos outros grupos em relação aos sintomas de TEPT e depressão o que deve ser encarado como um fator de confusão importante Por outro lado os três grupos com história de abuso mostraram índices de falsos re conhecimentos superiores aos do grupocontrole Diferenças no DRM parecem ser específicas para a vida adulta já que em crianças com história de maustratos a produção de FM não é diferente da ob servada naquelas que não sofreram maustratos H ow e et al 2004 Esse achado é condizente com as hipóteses desenvolvimentais as quais postulam que os efeitos do trauma preco ce seriam percebidos somente em etapas desen volvimentais posteriores De Bellis 2005 Teicher et al 2004 Uma das explicações possíveis seria a de que indivíduos vítimas de eventos traumáti cos desenvolveriam déficits gerais nos processos de monitoramento da fonte A Teoria do Monito ramento da Fonte Johnson Hashtroudi e Lindsay 1993 abordada com maior profundidade no Ca pítulo 1 propõe que as FM ocorrem a partir da dificuldade do indivíduo em iden tificar a fonte correta da codificação da informação lembrança de como quando e onde a memória foi adquirida Isso faria com que a memória de eventos per cebidos pudesse ser confundida com a memória de eventos imaginados o que levaria a uma suscetibilidade de produção de FM Clancy et al 2000 Zoellner et al 2000 O monitoramento da fonte envolve os processos de julgamento e tomada de decisão processos relacionados ao lobo préfrontal Schacter e Slotnick 2004 Assim qualquer alteração no neurodesenvolvimento dessa estrutura poderia es tar relacionada com um aumento de FM Outra explicação para a produção de FM é a existência de danos em estruturas têmporomediais o que prejudicaria o armazenamento da informação de essência ou pelo menos poderia prejudicar a recuperação dessa essência Dessa forma as pesquisas na área têm demonstrado que traumas na infância acabam por modificar o desenvolvimento de determinadas estruturas cerebrais o que resulta em prejuízos no processo de recordação baseado na capacidade de associação semântica Falsas memórias em idosos Com o passar do tempo as crianças saudáveis tendem a ter um aumento tanto no que se refere às M V quanto às FM chegando ao seu ápice na idade adul ta Porém com o passar dos anos os adultos começam a apresentar peculiarida des referentes à sua faixa etária em especial quando se compara adultos jovens com idosos Ainda que haja divergência quanto à delimitação dessas faixas etá rias as pesquisas têm considerado como adultos jovens aqueles que se encontram A produção de falsas me mórias de crianças que sofreram maustratos não difere daquelas que não sofreram pois os efeitos do trauma preco ce seriam identificados somente em etapas evolutivas posteriores 142 Lilian Milnitsky Stein cols entre os 18 e os 31 anos enquanto na maior parte dos estudos revisados foram considerados idosos aqueles indivíduos com 61 anos ou mais Diversos estudos têm indicado que as M V dos idosos diminuem em função da idade Entretanto o mesmo não ocorre em relação às FM que atingem índices mais elevados em idosos longevos Balota et al 1999 Dehon e Brédart 2004 Dennis Kim e Cabeza 2007 Mitchell Johnson e Mather 2002 Roediger e Gerad 2007 Watson McDermott e Ba lota 2004 Segundo a TTD os idosos apresentam um déficit no sistema de memória literal que faz com que suas MV diminuam o sistema de memória de essência porém se mantém intacto Devido ao prejuízo na memória literal os idosos aca bam se engajando mais em processamentos de essência que como visto ante riormente se sobrepõe aos traços de memória literal que são responsáveis por armazenar os detalhes mais precisos das situações vivenciadas Devido ao déficit no armazenamento de detalhes precisos no sistema de memória literal e ao maior engajamento no sistema de memória de essência os idosos acabam tendo m eno res índices de MV e maiores de FM recordandose mais frequentemente do que os adultos jovens de informações que não foram vividas mas que são coerentes com o contexto das situações vivenciadas Dennis et al 2007 Outra teoria que busca explicar o aumento nas FM em idosos é a Teoria do Monitoramento da Fonte Segundo esta abordagem os idosos apresentam um déficit no monitoramento da fonte da informação o que os torna mais suscetíveis às FM do que adultos jovens Essa dificuldade dos idosos em identificar a fonte da informa ção também parece estar relacionada com menores recordações no que concerne a informações perceptuais e temporais fazendo com que tenham recordações menos vívidas levandoos a confiar menos em suas memórias Mitchell et al 2002 Apesar desse déficit no monitoramento da fonte os idosos se mostraram capazes de diminuir significativamente seus índices de FM em um estudo Watson et al 2004 quando avisados sobre a possibilidade de estarem presentes em um teste de reconhecimento itens que não haviam sido apresentados anteriormente mas que estariam relacionados semanticamente com estes Neste mesmo estudo outro ponto que colaborou para a diminuição das distorções mnemónicas em ido sos foi o aumento do tempo para a codificação das informações na fase de estudo de um dos experimentos Isso indica que apesar de apresentarem um déficit no monitoramento da fonte os idosos são capazes de utilizar algumas estratégias que o atenuam colaborando para um melhor funcionamento mnemónico Além de serem mais suscetíveis a gerar FM espontaneamente os idosos também são mais fa cilmente sugestionáveis que adultos jovens Dehon e Brédart 2004 Sua maior dificuldade em m o nitorar a fonte os tom a mais propensos a aceita Idosos que apresentam prejuízos no lobo frontal gerados pelo avanço da idade ou por doenças neurode generativas são mais suscetíveis à sugestão de falsa informação As memórias verdadei ras diminuem em função da idade Entretanto as falsas memórias atingem índices mais elevados em idosos Falsas Memórias 143 rem informações sugeridas como verdadeiras Sendo assim cabe aqui retomar a questão da importância das entrevistas com idosos também serem conduzidas por técnicas adequadas tanto no âmbito forense quanto psicoterapêutico para minimizar a possibilidade de lembranças baseadas em FM A sugestionabilidade às FM é mediada pelo funcionamento neuropsicológico Dessa forma idosos que apresentam um bom funcionamento do lobo frontal tem índices de FM muito mais próximos aos de adultos jovens Em contrapartida idosos que apresentam prejuízos no lobo frontal gerados pelo avanço da idade ou por doenças neurode generativas p ex Doença de Alzheim er se tom am mais suscetíveis à sugestão Roediger e Geraci 2007 Butler e colaboradores 2004 realizaram uma bateria de testes capazes de avaliar o funcionamento do lobo frontal Os autores dividiram os idosos de acordo com os resultados nos testes em dois grupos Um grupo era composto por aqueles que apresentaram melhor desempenho nos testes enquanto o outro era composto por aqueles com pior desempenho havia ainda um grupocontrole composto por adultos jovens saudáveis O grupo composto por idosos com melhor desem penho apresentou maiores índices de recordação de MV e menores índices de FM Além disso os idosos com melhor desempenho não diferiram do grupocontrole quanto às MV nem quanto às FM O grupo de idosos com pior desempenho como esperado apresentou menores índices de M V e maiores índices de FM que os outros dois grupos Esses resultados indicam que não é apenas o avanço da idade o responsável pelas diferenças encontradas entre a memória de adultos jovens e idosos mas que o funcionamento do lobo frontal tem um papel importante neste processo Ainda que possam existir défícits no funcionamento mnemónico dos idosos a maior parte dos indivíduos em idade avançada apresenta um bom funciona mento no dia a dia pois os eventos cotidianos são significativamente distintos o que facilita sua recuperação pela memória gerando menores prejuízos para os idosos Gallo et al 2007 Além disso a menor necessidade de se recordar com precisão de detalhes das situações faz com que os idosos não sejam expostos com grande frequência a situações exigentes à memória como as realizadas nas pes quisas da área Consideradas as questões discutidas nesta seção é possível afirmar que o desenvolvimento humano impacta diretamente no funcionamento das FM O pas sar dos anos leva a um aprimoramento do sistema de memória de essência o que aumenta o número de MV e FM e chega ao auge na idade adulta Com o avanço da idade começam a ocorrer déficits no lobo frontal que acarretam maiores índi ces de FM Duas robustas hipóteses tentam explicar esse aumento de FM 1 a TTD propõe que há um declínio no sistema de memória literal o que faz com que os idosos se engajem mais em processamentos de essência 2 a Teoria do Monitoramento da Fonte sugere que há um déficit no m o nitoramento da fonte da informação que faz com que os idosos tenham maior dificuldade em distinguir processos cognitivos internos de estímu los observados por meio dos sentidos 144 Lilian Milnitsky Stein cols Atualmente podese dizer que é consenso entre os estudiosos das FM que idosos são mais suscetíveis a esse fenômeno comparativamente com adultos jo vens ou em sua geração espontânea ou por sugestão externa Isso se deve princi palmente ao declínio das funções do lobo frontal que são comuns nesta etapa do desenvolvimento Porém esse declínio não ocorre de forma uniforme variando de pessoa para pessoa o que não nos permite dizer que todos os idosos apresenta rão maiores índices de FM que adultos jovens ainda que esta seja uma tendência Esses dados apontam para a necessidade da elaboração de técnicas de entrevistas específicas para a população que considerem sua maior propensão à sugestionabi lidade especialmente em contextos forenses como testemunhas ou vítimas Em síntese podese dizer que as FM espontâneas tendem a aumentar da infância até a velhice porém isso não ocorre com pessoas que sofreram traumas durante a infância Essas pessoas apresentam um desenvolvimento mnemónico dentro do esperado durante a infância mas na idade adulta acabam apresentan do índices de FM menores do que de adultos sem história de trauma Isso ocorre devido a prejuízos em regiões do cérebro como o hipocampo que são gerados a partir de situações traumáticas prejudicando o funcionamento da memória O sexo do indivíduo e as falsas memórias As diferenças no funcionamento cognitivo entre os sexos são um tema que suscita o interesse de muitos daqueles que se propõem a estudar a cognição hu mana Homens e mulheres diferem quanto a uma série de aspectos que vão do sistema reprodutivo à maior ou menor propensão para adquirir determinadas doenças Porém no que tange a distorções mnemónicas os estudos até aqui realizados não têm indicado o sexo como uma característica capaz de influenciar a produ ção de FM Bauste e Ferraro 2004 Smeets Jelicic e Merckelbach 2005 inves tigaram a influência do sexo do indivíduo nas dis torções mnemónicas os resultados indicam que o sexo não se mostrou impactante nas FM Nesse estudo os participantes eram instruídos a ler 12 listas de palavras DRM e depois a escrever as palavras de que se recordavam Após recordarem li vremente as palavras apresentadas os participantes respondiam a um teste de re conhecimento no qual identificavam palavras como vistas anteriormente ou não Tanto homens como mulheres apresentaram índices de FM congruentes com a literatura da área e não divergentes entre si A única diferença observada entre os sexos foi que homens apresentaram mais erros de comissão quando instruídos a recordar livremente das palavras anteriormente apresentadas Isso significa que comparativamente às mulheres os homens lembraramse de mais palavras que não haviam sido apresentadas anteriormente e que não tinham nenhuma relação semântica com as listas de palavras apresentadas É importante ressaltar que ain da que erros de comissão sejam falhas na memória estes não são FM Os estudos até aqui realizados não têm indicado o sexo como uma característica capaz de influenciar na produ ção de falsas memórias Falsas Memórias 145 Em outro estudo Kreiner et al 2004 também foram utilizadas listas DRM porém as listas foram apresentadas por m eio de uma narração gravada pre viam ente por um hom em e por uma mulher e reproduzida para cada um dos participantes em um aparelho de som Os participantes foram divididos a fim de que aproximadamente a metade deles ouvisse as listas narradas por uma voz masculina e outra metade por uma feminina sendo que metade dos par ticipantes ouviu a voz congruente com o seu sexo enquanto a outra metade ouviu a voz divergente A hipótese dos autores era de que quem ouvisse uma voz correspondente ao seu sexo teria maiores dificuldades no monitoramento da fonte e consequentemente apresentaria maiores índices de FM Porém os resultados não apontaram nenhuma interação entre o sexo do narrador e o sexo do participante Ainda que com o nos trabalhos citados acima a literatura não venha de monstrando diferenças entre o sexo dos participantes e a quantidade de FM produzidas Barbosa 2008 desenvolveu um estudo visando avaliar MV e FM de homens e mulheres para informações centrais e periféricas de uma história emocional Foram consideradas informações centrais as que não poderiam ser substituídas ou alteradas sem que se modificasse o sentido da história e periféri cas as referentes aos detalhes que não são fundamentais para a compreensão da mesma A hipótese de que o falso reconhecimento de informações centrais e perifé ricas de histórias emocionais para homens e mulheres não seria igual foi formu lada a partir de estudos que apresentaram diferenças entre os sexos no reconheci mento para os dois tipos de informação Cahill e van Stegeren 2003 Estudos de neuroimagem também apontaram que homens apresentam uma m aior ativação da amígdala direita e mulheres da amígdala esquerda no momento da codificação de informações emocionais de uma história o que pode estar relacionado com o tipo de informação recordada Porém os resultados encontrados por Barbosa 2008 não indicaram diferenças entre FM para informações centrais ou periféri cas de homens e mulheres ocorrendo o mesmo com as MV Esses resultados cor roboram a literatura da área que vem sugerindo que o sexo não é uma diferença individual capaz de influenciar no fenômeno das FM PERSONALIDADE E FALSAS MEMÓRIAS Estudos que relacionam diferenças indivi duais e FM procuram responder o que tom a al gumas pessoas mais suscetíveis do que outras na produção e aceitação de falsas informações Essa questão demonstra que a vulnerabilidade da m e mória em apresentar distorções é um fenômeno complexo e cercado de inúmeras variáveis dentre elas as características de personalidade Vários autores Ávila e Stein 2006 Eisen e Lynn 2001 As diferenças indivi duais especialmente certos tipos de traços de personalidade podem exercer influência signi ficativa na precisão dos processos de memória 146 Lilian Milnitsky Stein cols Porter Birt Yuille e Lehman 2000 têm sugerido que as diferenças individuais especialmente certos tipos de traços de personalidade podem exercer influência significativa na precisão dos processos de memória Certas pessoas podem criar FM para eventos completos descrevendo com detalhes experiências que nunca foram realmente vividas Brainerd et al 2006 Loftus e Davis 2006 Sabese que as FM incluem distorções na recuperação da memória armazenada incluindo interpretações e inferências dos indivíduos O sujeito acredita sinceramente que a sua recordação é verdadeira podendo tra zer uma riqueza de detalhes impressionante McBride Coane e Raulerson 2006 Stein e Neufeld 2001 Tanto é assim que na maioria das vezes tornase ex tremamente difícil diferenciar FM de MV sem a corroboração de outros dados Loftus 1997 Considerando o fenômeno das FM surge o interesse em responder o que tom a algumas pessoas mais suscetíveis a aceitação e a produção de FM do que outras As características pessoais de cada indivíduo podem influenciar na sus cetibilidade para FM e se podem quais são elas Essas questões começam a ser respondidas à medida que surgem novos estudos que procuram apontar quais características e traços individuais estão diretamente relacionados com a susceti bilidade às FM Os primeiros estudos associando características de personalidade com FM surgiram com o interesse em entender erros de memória em entrevistas com tes temunhas Gudjonsson 1983 1988 Procuravase predizer quais pessoas seriam mais suscetíveis à sugestionabilidade ou seja quão sugestionável é um indivíduo em aceitar falsas informações por meio de perguntas feitas durante interrogatório policial Gudjonsson 1983 mediu pela Escala de Inteligência Wechsler para Adul tos o quociente intelectual dos participantes da pesquisa e concluiu que pessoas com uma menor capacidade intelectual apresentaram uma maior suscetibilidade para FM já que pessoas com essa característica confiavam menos em seus próprios julgamentos No mesmo estudo pôdese observar que as pessoas que possuíam for te necessidade em se apresentarem de forma favorável e com tendência a agradar aos outros isto é necessidade de desejabilidade social possuíam maior tendência às FM já que por desejarem aceitação por parte de outros acabavam sendo mais suscetíveis a erros de memória Wilkinson e Hyman 1998 Os efeitos das estratégias de coping na sugestionabilidade de falsas informa ções em um interrogatório também foi outro fator investigado por Gudjonsson 1988 Estratégias de coping podem ser definidas como um conjunto de técnicas utilizadas pelas pessoas para adaptaremse a circunstâncias adversas ou estres santes D ellA glio e Hutz 2002 Sendo assim a sugestionabilidade de uma pes soa pode ser influenciada pelas estratégias de enfrentamento que usa já que em situações de estresse p ex em depoimentos ou testemunhos os indivíduos es tão lidando com incertezas e expectativas Pessoas que possuem boas estratégias de coping gerando atitudes de análise crítica da situação e uma boa capacidade de resolução de problemas são menos sugestionáveis às falsas informações Já estratégias de coping típicas de pessoas altamente sugestionáveis às FM incluem Falsas Memórias 147 características como fornecer respostas que pareçam plausíveis e consistentes com pistas recebidas por outras pessoas Gudjonsson 1988 Uma das variáveis de personalidade mais amplamente associada à susce tibilidade às FM é a dissociação Candel Merckelbach e Kuijpeis 2003 Hyman e Billings 1998 Merckelbach et al 2000 Winograd Peluso e Glover 1998 Segundo o DSMIVTR 2002 a característica essencial do Transtorno Dissocia tivo é uma perturbação nas funções habitualmente integradas de consciência memória identidade ou percepção do ambiente A frequência dessas experiên cias dissociativas pode ser uma importante variável para que se possa entender a suscetibilidade em apresentar FM Uma das hipóteses para essa relação é que as experiências dissociativas são uma resposta co mum ao trauma e portanto indivíduos com dis sociação tendem a ser menos confiantes a respeito de suas recordações e além disso a confiança que possuem é mais vulnerável aos efeitos de sugestão de falsas informações Eisen e Carlson 1998 Os indivíduos com características de personalidade mais dissociativas tendem a apresentar uma falha em integrar memórias consciência e fantasias Outra hipótese está ligada ao fato de que em um esforço de ignorar eventos traumáticos de vida o indivíduo produz informações inexatas p ex FM acerca de alguma experiên cia para que estas se encaixem melhor em seu senso de self e em sua percepção de mundo Eisen e Lynn 2001 Outra direção dos estudos na área de características de personalidade e FM procura relacionar traços de personalidade baseados no modelo dos Cinco Grandes Fatores com a tendência em produzir FM Ávila e Stein 2006 Porter et al 2000 Quas et al 1997 Esse modelo entende a personalidade a partir de cinco fatores independentes Extroversão Socialização Realização Neurotidsmo e Abertura Es sas dimensões referemse ao modo pelo qual indivíduos diferem em suas emoções atitudes e motivações McCrae e Costa 1997 Um dos primeiros traços do m odelo dos Cinco Grandes Fatores associados às FM foi o neuroticismo Gudjonsson 1983 Peiffer e Trull 2000 Porter et al 2000 O neuroticismo é mais que um estado em otivo passageiro sendo consi derado um traço ou tendência estável da personalidade ligado a uma ampla gama de diferenças individuais incluindo a tendência a experienciar emoções desagradáveis e aflitivas Costa e McCrae 1987 Pessoas com altos níveis de neuroticismo apresentam características como instabilidade emocional baixa autoestima depressão vulnerabilidade além de afetos negativos e respostas de coping maladaptadas características associadas a uma maior suscetibilidade em apresentar distorções de memória Essas distorções ocorrem já que pessoas com essas particularidades possuem dificuldades em estabelecer avaliações críticas e apresentam uma necessidade de reduzir sensações de incerteza demonstrando menor confiança em suas próprias recordações As experiências dissociativas são uma resposta comum ao trauma e portanto pessoas com essa característica tendem a ser menos confiantes a respeito de suas recordações 148 Lilian Milnitsky Stein cols Ávila e Stein 2006 investigaram a influência do traço neuroticismo na suscetibilidade às FM Para isso testaram em estudantes universitários o efeito do traço de personalidade neuroticismo baseado no m odelo dos Cinco Grandes Fatores na suscetibilidade às FM Foram utilizadas como instrumentos a Escala Fatorial de Ajustamento EmocionalNeuroticismo Hutz e Nunes 2001 e a ver são brasileira do procedimento das listas de Palavras Associadas Stein Feix e Rohenkhol 2006 contendo palavras de cunho neutro e emocional positivo e negativo Os resultados mostraram que pessoas com alto neuroticismo apresentaram maior núme ro de FM e uma melhor lembrança para palavras de valência emocional negativa Assim como o neuroticismo as pesquisas apontam que a ansiedade também pode levar a uma maior probabilidade de uma pessoa apresen tar FM Estudos Gudjonsson 1983 1988 Kizil bash Vanderploeg e Curtiss 2002 Roberts 2002 demonstram que a presença da ansiedade como traço de personalidade faz com que as pessoas se tom em apreensivas diante de várias situações apresentando baixa autoestima e vulnerabilidade características também presentes no neuro ticismo no m odelo dos Cinco Grandes Fatores Pessoas com essas características apresentam dificuldades em depositar certeza e confiança nas suas memórias podendo assim facilitar o surgimento dos erros mnêmicos como as FM Outra explicação é a de que indivíduos ansiosos possuem menor capacidade de atenção para tarefas e portanto apresentam um pior desempenho em atividades que possuam uma demanda substancial da memória de trabalho predispondo a falsi ficações de memória Kizilbash et al 2002 Outra variável que parece também contribuir na suscetibilidade às FM par tiu de uma pesquisa de Loftus Levidow e Duensing 1992 Neste estudo os au tores apontaram que determinadas características responsáveis pela ocupação escolhida por cada pessoa podem ser fatores importantes para as FM Artistas e arquitetos mostraramse mais suscetíveis a FM por sugestão de informações en ganosas Os autores sugeriram como possível razão para esses resultados que as maiores habilidades imaginativas necessárias a essas profissões podem fazer com que para esses indivíduos as informações errôneas pareçam mais reais resultando em um número maior de FM Seguindo a mesma direção estudos apontam que a suscetibilidade em apre sentar FM depende diretamente da tendência de cada pessoa em gerar versões de fatos baseadas em alta capacidade criativa e imaginativa Drivdahl e Zaragoza 2001 Eisen e Lynn 2001 Heaps e Nash 1999 Indivíduos com maior capacida de de absorção isto é tendência em tornarse profundamente absorto em tarefas do dia a dia maior envolvimento imaginativo e criatividade possuem maior ca pacidade de envolverse profundamente em atividades podendo estar mais pre dispostos a gerar e criar construções mentais de eventos p ex FM As diferenças individuais são vistas hoje como contribuições relevantes para o entendimento do processo de criação das FM Algumas pessoas podem ser mais Pessoas com alto neuroticismo apresen tam maior número de falsas memórias e uma melhor lembrança para palavras de valência emocional negativa Falsas Memórias 149 suscetíveis às FM pela demanda social outras podem apresentar uma maior ten dência em engajaremse em processos construtivos de memória devido a suas capa cidades imaginativas Também características pessoais tais como baixa autoestima ansiedade estratégias de coping maladaptadas e traços mais acentuados de neuro ticismo podem levar a uma maior tendência às FM Conhecer a influência dos traços de personalidade na suscetibilidade para as FM pode ajudar os terapeutas a adequar suas práticas para cada tipo de paciente considerando os riscos que existem em determinadas técnicas utilizadas para a recuperação de memórias como por exemplo a hipnose e a imaginação respon sáveis muitas vezes por trazer à consciência FM até mesmo de supostos abusos ocorridos durante a infância A Psicologia Forense também pode se beneficiar desse conhecimento pois as memórias das testemunhas poderiam ser interpre tadas e ganhar m aior nível de confiabilidade de acordo com as características individuais de cada uma delas CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda que as FM sejam um fenômeno normal da memória e portanto pre sente em toda a população suas manifestações podem ser influenciadas pelas diferenças individuais Determinados indivíduos são mais suscetíveis a distorções mnemónicas do que outros sendo essa uma característica que se mostra estável ao longo do tempo Para a compreensão de quais características interferem na produção de FM é necessária a integração de duas áreas da Psicologia quais sejam a Psicologia Cognitiva área que tem estudado a memória e a Psicologia Diferencial que busca compreender o que leva as pessoas a se desenvolverem de forma diferente A literatura científica que busca estabelecer essa relação entre a Psicologia Diferencial e a memória ainda é escassa mas cada vez mais estudos têm apontado que características como etapas de desenvolvimento e traços de personalidade exercem impacto sobre o funcionamento mnemónico e suas distorções Ao longo do desenvolvimento humano as FM espontâneas aumentam idosos apresentam mais FM que adultos jovens que por sua vez as apresentam mais do que crianças Porém sugestões externas de falsas informações são mais facilmente incorpora das à memória por crianças assunto aprofundado no Capítulo 8 e por idosos do que por adultos jovens Entretanto indivíduos vítimas de trauma na infância sofrem alterações em seu desenvolvimento resultando em alterações no seu sistema mnemónico Essas pessoas acabam apresentando quando adultas menores índices de FM do que aquelas que não sofreram trauma Outra característica associada às FM são as características de personalidade Pessoas com acentuados traços de personalidade de neuroticismo ou ansiedade têm se mostrado mais suscetíveis às FM Isso parece ocorrer porque pessoas com esses traços tendem a confiarem menos em suas memórias 150 Lilian Milnitsky Stein cols O sexo da pessoa é outro fator frequente mente associado à performance da memória mas diferentemente das características anteriormente citadas este não vem demonstrando capacidade de influenciar as FM No presente capítulo buscouse abordar aqueles fatores que têm sido mais estudados no que tange à influência das diferenças individuais nas FM Porém não se deve descartar possíveis in fluências de outras características que ainda care cem de maiores estudos O contexto cultural a memória grupai e as psicopatolo gias são exemplos de diferenças individuais que ainda não tem sua relação com as FM bem esclarecida Diferenças quanto ao processamento de informação como por exemplo pessoas que têm uma melhor memória visual ou fotográfica ou fa cilidade para se recordar de sons também são frequentemente alvo de curiosida de dos interessados na área porém ainda há muita dificuldade em se encontrar literatura sobre este tema sendo um campo aberto para novos estudos Quanto mais se avança no conhecimento sobre a influência das diferen ças individuais nas FM mais embasamento há para que se possa avaliar o quão confiáveis são memórias recuperadas por pessoas que apresentam determinadas características e em situações específicas como testemunhos ou em psicoterapia REFERÊNCIAS American Psychiatric Association 2002 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 4 ed Rev Porto Alegre Artmed Ávila L M Stein L M 2006 A 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Development of the false memory illusion Development Psychology 425 962979 Não se deve descartar possíveis influências de outras características que ainda carecem de maiores estudos sobre as falsas memórias como o contexto cultu ral a memória grupai e as psícopatologias Falsas Memórias 151 Brainerd C J Reyna V F 2002 Fuzzytrace theory and false memory Current Direc tions in Psychological Science 11 5 164168 Brainerd C J Reyna V F 2005 The science of false memory New York Oxford Brainerd C J Reyna V F 2007 Explaining developmental reversals in false memory Psychological Science 185 442448 Brained C J Reyna V F Fòrrest T J 2002 Are young children susceptible to the falsememory illusion Child Development 785 13631377 Bremner J D Shobe K K Kihlstrom J F 2000 False memories in women with self reported childhood sexual abuse an empirical study Psychological Science A Journal of the American PsychologicalSociety 11 4 333337 Bremner J D Vythilingam M Vermetten E Southwick S M McGlashan T Staib 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Abstracts of lectures on the psychology of testimony and on the study of individuality American Journal of Psychology 21 270282 Sugrue K Hayne H 2006 False memories produced by children and adults in the DRM paradigm Applied Cognitive Psychology 20 625631 Teicher M H Dumont N L Ito Y Vaituzis C Giedd J N Andersen S L 2004 Childhood neglect is associated with reduced corpus callosum area Biological Psychiatry 562 8085 Watson J M McDermott K B 8t Balota D A 2004 Attempting to avoid false me mories in the DeeseRoedigerMcDermott paradigm Assessing the combined influence of practice and warnings in young and old adults Memory and Cognition 321 135141 Wilkinson C Hyman I E 1998 Individual differences related to two types of me mory errors Word lists may not generalize to autobiographical memory Applied Cognitive Psychology 12 2946 Winograd E Peluso J R Glover T A 1998 Individual differences in susceptibility to memory illusions Applied Cognitive Psychology 12 528 Zoellner L A Foa E B Brigidi B D Przeworski A 2000 Are trauma victims sus ceptible to false memories Journal of Abnormal Psychology 1093 517524 PARTE III Aplicações clínicas e jurídicas 8 FALSAS MEMÓRIAS SUGESTIONABILIDADEE TESTEMUNHO INFANTIL Carmen Lisbôa Weingãrtner Welter Leandro da Fonte Feix E m agosto de 2006 a Organização das Nações Unidas O N U apresentou as principais conclusões de um estudo profundo sobre a violência contra crianças realizado em 131 países de todas as regiões do mundo com a participação de representantes de governos de organizações não governamentais e das próprias crianças Nesse estudo a violência contra as crianças foi denunciada como um problema global que tem sido reiteradamente ocultado entre outros motivos por não existirem relatos e nem registros confiáveis sobre esse tipo de problema Assim dentre outras conclusões fundamentais o estudo destacou que a violência contra as crianças é também invisível por não existirem modos seguros para as crianças e os adultos a relatarem Quando os dados sobre esse tipo de violên cia são coletados nem sempre são registrados de modo completo consistente e transparente Pinheiro 2006 É pois nesse contexto que se insere no presente capítulo a discussão sobre o complexo tema do testemunho infantil entendido como forma de prom over a proteção das crianças e da própria sociedade na m e dida em que pode tom ar visível e audível tal violência Em sua maioria as crianças que testemunham estão envolvidas em situa ções de violência e seus relatos dizem respeito a lembranças de experiências muitas vezes traumáticas Frequentemente na ausência de outros indícios o relato da criança tom ase a única evidência num processo criminal Na verdade a m aior parte dos abusos e maustratos contra crianças não deixa vestígios em seus corpos e nem sempre resulta invariavelmente em danos psíquicos Um estudo prospectivo realizado nos Estados Unidos ao lon go de cinco anos com 2384 crianças que haviam buscado atendimento hospitalar em decorrência de possível abuso sexual mos trou que somente 4 delas apresentou algum tipo de anormalidade no exame físico Mesmo quando o abuso havia sido severo incluindo penetração anal ou vaginal o número de crianças que evidenciou algum achado positivo no exame físico chegou a apenas a 55 H eger et al 2002 Ainda estudos sobre os O relato de uma criança pode ser a única evidência num processo criminal 158 Lilian Milnitsky Stein cols efeitos da vivência de situações de estresse crônico p ex como casos de maus tratos no desenvolvim ento neurológico das crianças apontam que os efeitos desse tipo de estresse nem sempre são detectáveis durante o período da infân cia tomandose observáveis somente numa fase posterior já na vida adulta ver Howe Chichetti e Toth 2006a e Capítulo 5 Em virtude de uma série de fatores tais como as características individuais da criança um adequado supor te materno o grau de violência envolvido o grau de vinculação com a figura do agressor e o tem po transcorrido desde a ocorrência do evento entre outros é possível que uma criança se mantenha protegida do desenvolvim ento de psi copatologias em decorrência de uma situação de abuso sexual Por outro lado a falta de indícios psicopatológicos não pode ser interpretada como evidência negativa da ocorrência de uma situação de violência da qual a criança foi vítim a Alberto 2004 2006 Além disso o fato de ser constatada determinada sintomatologia na criança ainda que possa sinalizar a associação a uma situação traumática com o nos ca sos dos transtornos de estresse póstraumático não é indício suficiente para nos informar acerca de uma contingência concreta sobre uma determinada situação de violência tal qual é necessário para que um caso possa ser efetivamente en caminhado para a justiça Com o propósito de chegarem a conclusões confiáveis os profissionais envolvidos na avaliação de casos de maustratos com crianças de vem reunir o maior número de elementos disponíveis sobre a suspeita levantada o que inclui o relato da criança sobre o episódio vivenciado o exame de suas con dições físicas e psicológicas bem como entrevistas com as pessoas responsáveis pelos seus cuidados registros escolares etc Deste modo o técnico estará reali zando uma avaliação adequada e protetora da criança visto que busca diminuir a possibilidade de erro presente nessa situação p ex tomando uma situação falsa como verdadeira ou o contrário o que pode trazer graves repercussões para a vida da criança de sua família e da sociedade de modo geral A presença das crianças nos tribunais tem sido registrada historicamente de longa data e especialmente nas últimas décadas tem se tom ado cada vez mais frequente em diversos países Ceei e Bruck 1995 M alloy et al 2007 e também no Brasil Tal fato tem levantado importantes questionamentos tanto à Psicologia quanto ao Direito Por parte do Direito há o crescente reconhecimento da criança como um indivíduo em formação e portanto com capacidades e necessidades distintas dos adultos Além disso como já foi referido anteriormente grande par te das crianças que chega a depor em um tribunal está recordando e relatando experiências difíceis e constrangedoras pois evolvem muitas vezes informações relativas às suas vidas íntimas Mais recentemente alguns projetos têm sido de senvolvidos na justiça brasileira particularmente no Rio Grande do Sul com a intenção de contemplar as peculiaridades dos depoimentos infantis ver Cezar 2007 Dobke 2001 Do lado da Psicologia deve haver o reconhecimento do âmbito judicial como um contexto distinto com objetivos muito claros e muito diversos de outras áreas do conhecimento psicológico como por exemplo a Psicologia Clínica Embora no Brasil existam poucos estudos científicos no campo da Psicologia Forense rela Falsas Memórias 159 donados ao testemunho a comunidade científica internacional vem debatendo e pesquisando há muito tempo formas de responder às demandas criadas pela es pecificidade do contexto jurídico tanto com crianças quanto com adultos Eisen Quas e Goodman 2002 Pesquisas naturalísticas e experimentais têm sido de senvolvidas com o objetivo de conhecer a capacidade das crianças de recordarem eventos passados Além disso no campo forense importa saber não apenas sobre 0 que as crianças são capazes de recordar mas é imprescindível avaliar o quão precisas e confiáveis podem ser as recordações delas ou de um adul to ou seja saber o quanto o relato de uma crian ça sobre a lembrança de um determinado episódio corresponde com exatidão aos fatos que se passa ram E comum que juizes de direito promotores de justiça delegados de polícia e advogados de defesa entre outros perguntem aos psicólogos se podem confiar no que uma criança diz se podem tomar seu relato como expressão da realidade concreta do que efetivamente ocorreu de forma distinta da fantasia A questão da precisão ou da confiabilidade da memória nos leva necessa riamente a considerar as vulnerabilidades às quais naturalmente a memória hu mana está sujeita seja em crianças ou em adultos Como já foi visto no Capítulo 1 desta obra as Falsas Memórias FM são antes de tudo fenômenos que podem ocorrer espontaneamente entretanto é no contexto forense que nos deparamos com grande frequência com um dos fenômenos mais comprometedores da pre cisão da memória a sugestionabilidade Holliday Brainerd e Reyna 2008 Na Psicologia Forense é fundamental conhecer de que formas e sob que condições a memória pode ser distorcida tomandose mais suscetível à produção de FM O conhecimento sobre as distorções da memória pode nos apontar os caminhos a serem evitados e aqueles que devem ser perseguidos quando se tem por objetivo a coleta de um relato preciso e confiável capaz de aumentar o valor e a consis tência de uma prova testemunhal Do ponto de vista científico a discussão acerca do testemunho infantil deve incluir tanto a consideração das competências da criança quanto as vulnerabi lidades inerentes ao processo de recordação No presente capítulo pretendese mostrar com base em estudos científicos recentes o que a criança é capaz de recordar e a partir de que idade se pode esperar que ela recorde e relate uma experiência de sua vida Num segundo momento serão apontadas as vulnerabi lidades delas ao recordarem eventos enfatizandose o problema da sugestiona bilidade Têmse como objetivo principal ressaltar que a qualidade da memória não é um produto cognitivo puro independente do contexto no qual a pessoa é solicitada a realizar a tarefa de lembrar e contar o que aconteceu Ou seja a forma como a criança é questionada e o m odo como é entrevistada incluindo o próprio ambiente físico onde isso acontece e o número de entrevistas realizadas entre outros podem ser fatores determinantes para a qualidade de sua memória e de seu relato A partir de casos concretos são apresentadas algumas reflexões sobre o impacto que a pesquisa científica em Psicologia tem gerado em sistemas A avaliação da precisão de um recordação é imprescindível no campo forense 160 Lilian Milnitsky Stein cols judiciais de diversos países no que se refere ao testemunho de crianças bem como as lacunas existentes na realidade brasileira O QUE AS CRIANÇAS CONSEGUEM RECORDAR A presença cada vez mais frequente das crianças em contextos jurídicos fez com que os pesquisadores da memória focassem a atenção na capacidade delas para recordarem eventos O relato de uma criança ouvida como testemunha tem como base a recordação de acontecimentos vivenciados por ela De modo especial é importante saber como elas recordam eventos traumáticos uma vez que os processos judiciais frequentemente envolvem situações desse tipo Nesta seção serão apresentados alguns elementos sobre o funcionamento da memória de crianças muito pequenas antes dos 2 anos Posteriormente trataremos a ques tão da amnésia infantil e finalmente abordaremos a capacidade das crianças préescolares e escolares de recordarem eventos emocionalmente estressantes enfatizandose alguns estudos relevantes As primeiras lembranças Sabese que crianças muito pequenas mesmo antes da aquisição da lingua gem evidenciam capacidade de recordação episódica isto é lembranças sobre eventos quando avaliadas por medidas não verbais adequadas Bauer 1996 por meio de um procedimento designado como imitação evocada de sequências de ações obteve evidências de que crianças de 13 a 20 meses conseguiam re cordar eventos específicos por exemplo uma sequência de ações que consistia em colocar um ursinho de pelúcia para dormir mesmo após longos intervalos de tempo oito meses Da mesma forma Fivush e colaboradores 2002a empreenderam uma série de estudos longitudinais sobre a capacidade das crianças pequenas recordarem eventos autobiográficos Para tanto os pesquisadores solicitavam a crianças com idades entre 2 e 3 anos que recordassem um evento passado que fosse altamente distintivo como por exemplo uma visita a um parque temático Em síntese os resultados demonstraram que elas desde muito cedo em seu desenvolvimento eram capazes de recordar e expressar verbalmente detalhes de experiências pes soais e ainda continuavam a lembrar tais experiências muito tempo após terem ocorrido Mas será que podemos esperar que nós adultos recordemos fatos que acon teceram tão cedo em nossas vidas Apesar das evidências de que muito preco cemente mesmo antes do desenvolvimento da linguagem podemos codificar armazenar e recuperar episódios específicos estudos com adultos demonstram que as primeiras recordações que temos da infância situamse ao redor dos 2 e 3 anos Wang 2003 Como destacam Brown Goldstein e Bjorklund 2000 há Falsas Memórias 161 um consenso na literatura científica contemporâ nea de que as memórias que possam vir a se formar em períodos muito precoces provavelmente não permanecem acessíveis em períodos posteriores da infância e da vida adulta As memórias formadas em períodos preco ces não permanecem acessíveis em períodos posteriores da infância e na vida adulta A amnésia infantil Desde Freud 19891905 a incapacidade dos adultos para relembrar as experiências autobiográficas dos primeiros anos de vida tem sido conhecida como amnésia infantil De acordo com a teoria psicanalítica a explicação da amnésia infantil residiria no conteúdo sexual de tais memórias Atualmente com os avan ços das pesquisas da Psicologia Cognitiva outras explicações têm sido oferecidas para a compreensão desse fenômeno destacandose a perspectiva sociolinguística Nelson e Fivush 2000 e a perspectiva da formação do self cognitivo H owe 2000 Na perspectiva sociolinguística o desenvolvimento da linguagem que ocor re ao longo dos primeiros anos de vida produz um novo m odo de organização da memória marcando o início da memória autobiográfica visto que permite situar um acontecimento dentro de uma história uma narrativa que poderá permane cer memorável Segundo essa abordagem a memória autobiográfica se desenvol ve no contexto das interações sociais comumente por meio das conversas entre os pais e as crianças Assim o m odo como os pais estruturam sua conversa sobre os eventos passados tem um efeito decisivo na forma como as crianças desenvolvem suas capacidades narrativas Pelas conversas as crianças não apenas aprendem o que lembrar mas também como lembrar ou ainda como organizar e relatar um acontecimento vivenciado pessoalmente numa forma narrativa Nelson e Fivush 2000 De acordo com Fivush 2002a a capacidade de abstração que se desen volve com a linguagem permite que a criança dispense a presença de objetos con cretos como estímulos para recordação de um evento Além disso a linguagem é a principal forma pela qual os acontecimentos vivenciados no passado podem ser comunicados partilhados e conhecidos Diferentemente da abordagem sociolinguística na concepção do desenvol vimento do self é a emergência do self cognitivo que ocorre ao final do segundo ano de vida que marca o início da memória autobiográfica H ow e 2000 Nessa perspectiva a importância da linguagem é reconhecida preponderantemente na capacidade de maior retenção de informação autobiográfica e não propriamente como fator propulsor da formação do sistema de memória De acordo com Howe Courage e Edison 2003 embora antes dos 2 anos um bebê seja capaz de formar memórias estas não se tom am parte de sua memória autobiográfica até o de senvolvimento do self cognitivo quando uma criança é capaz de reconhecer que aquilo que aconteceu o episódio aconteceu com igo Somente então as crian ças são capazes de organizar as memórias dos acontecimentos em memórias de 162 Lilian Milnitsky Stein cols fatos que foram pessoalmente vivenciados Embora a formação do self cognitivo delimite a idade mínima a partir da qual uma criança é capaz de evidenciar m e mória autobiográfica isso não garante que as memórias estarão disponíveis pos teriormente visto que uma série de outros fatores relativos aos processos básicos de memória assim como outros fatores cognitivos neurobiológicos e afetivos irão mediar a manutenção e a recuperação dessas memórias H ow e et al 2003 A fragilidade das memórias adquiridas na infância precoce é explicada em parte por elas serem codificadas e processadas prioritariamente de forma literal Bjorklund 2000a Como já foi explicado no Capítulo 1 os traços literais cor respondem a aspectos exatos e específicos da nossa experiência mas por outro lado são aqueles que mais rapidamente esquecemos Com o avanço da idade a criança vai desenvolvendo a habilidade de extrair o significado geral das expe riências e consequentemente aprimorando a memória de essência sendo esta mais duradoura Tomados em conjunto os resultados dos estudos sobre as pri meiras memórias indicam que embora as crianças tenham capacidade de recor dação episódica desde muito cedo as recordações não permanecem acessíveis até o desenvolvimento mais organizado da linguagem A memória das crianças para eventos estressantes A recordação de eventos emocionalmente estressantes e negativos reveste se de particular interesse para a Psicologia Forense uma vez que como foi referido na introdução deste capítulo a m aior parte das crianças que presta depoim ento está envolvida em situações de violência e trauma De m odo geral a pesquisa científica sobre os efeitos da emoção na m emória tem sido marcada por resultados incongruentes Dentre as razões para explicar essa incongruência destacamse principalmente imprecisão dos conceitos utilizados isto é em o ção estresse trauma bem como algumas divergências m etodológicas A m e mória das crianças para acontecimentos estressantes tem sido estudada pelos pesquisadores por m eio de duas m etodologias distintas estudos naturalísticos e experimentais Os estudos naturalísticos têm como propósito estudar in loco os efeitos da emoção na memória em sujeitos que de fato tenham vivenciado alguma experiên cia traumática p ex memória para procedimentos médicos desastres naturais eventos violentos Por outro lado os estudos experimentais se utilizam de instru mentos e situações emocionais análogas a situações traumáticas p ex vídeos histórias e encenações mantendo maior controle das variáveis ver Capítulo 2 De um lado os resultados dos estudos naturalísticos têm demonstrado que as pessoas recordam mais informações de eventos emocionais por outro os estudos experimentais têm mostrado que o incremento da memória para eventos em ocio nais pode ocorrer às custas da perda da qualidade das recordações que se tor nam mais imprecisas Ressaltase que a precisão da memória não é avaliada nos estudos naturalísticos devido à própria impossibilidade de se obter um registro objetivo do evento Falsas Memórias 163 Os estudos longitudinais realizados com crianças têm demonstrado que es tas são capazes de recordar e relatar por longos períodos de tempo quantidades substanciais de informação sobre eventos sejam eles relativos a acontecimentos agradáveis e positivos ou estressantes e negativos ver Pezdek e Taylor 2002 Além disso é sabido que a emoção afeta a memória tanto em crianças como em adultos sendo observada uma tendência geral a recordarmos melhor even tos com alguma carga emocional positiva ou negativa do que eventos neutros Kensinger 2004 Terr 19791983 no final da década de 1970 entrevistou crianças que fo ram sequestradas de um ônibus escolar Mesmo depois de decorridos cinco anos essas crianças eram capazes de recordar de forma vívida tanto informações gené ricas sobre o evento como de detalhes particulares Resultados como esses suge rem que crianças em situações de estresse ou seja com alto teor emocional com valência negativa e com alto nível de alerta geralmente apresentam uma melhora da memória para o evento em comparação com outras situações emocionalmente neutras Dessa maneira parece que eventos estressantes são melhor memorizados que eventos emocionalmente neutros Entretanto nos estudos de Terr também foram observados claros padrões de falibilidade da memória das crianças porém tais falhas envolviam a recordação de detalhes do evento referindose a informa ções periféricas tais como a data o tempo e a duração do evento Esses achados foram consistentes com os apresentados posteriormente por Howe Courage e Pe terson 1994 que sustentaram que tal como ocorre em eventos não emocionais a memória para detalhes periféricos em eventos traumáticos está mais suscetível ao esquecimento e distorções Bahrick Parker Levitt e Fivush 1998 examinaram a memória de crianças com idades entre 3 e 4 anos que haviam sofrido em graus variados o impacto da destruição causada pelo furacão Andrew em 1992 na Flórida Seis anos após o evento as crianças foram capazes de recordar com detalhes o fato vivenciado Fivush et al 2004 É interessante observar que as crianças que haviam expe rimentado o grau mais elevado de estresse recordaram a menor quantidade de informação na primeira entrevista comparadas às crianças que pertenciam aos grupos de estresse moderado e baixo Entretanto após seis anos ainda que essas crianças tenham sido as que demandaram maior número de perguntas durante a entrevista seus relatos foram os que apresentaram o maior grau de consistência especialmente em relação às informações relativas à tempestade Para as autoras esses resultados podem indicar uma maior dificuldade em recuperar lembranças de eventos demasiadamente estressantes ou ainda uma menor disposição em relatar esse tipo de experiência Concluem de m odo geral que experiências es tressantes podem ser particularmente bem lembradas ao longo do tempo mesmo por crianças pequenas Fivush et al 2004 Ainda sobre a recordação de eventos traumáticos Peterson e Whalen 2001 examinaram a memória de crianças que tinham entre 2 e 13 anos quando preci saram de atendimento hospitalar de emergência em virtude de ferimentos sérios p ex lacerações que necessitavam de sutura fraturas queimaduras de segundo grau mordidas de cães etc Essas crianças foram entrevistadas sobre o feri 1 6 4 Lilian Milnitsky Stein cols mento e sobre o atendimento hospitalar em intervalos de tempos diferentes uma semana após o ferimento seis meses um ano dois anos e finalmente dnco anos depois As crianças mantiveram a recordação de alguns aspectos do evento mesmo após cinco anos 80 das informações centrais sobre o ferimento com 80 de precisão As informações centrais acerca do ferimento foram melhor re cordadas para todas as idades enquanto a recordação sobre o hospital sofreu um decréscimo em número de detalhes lembrados e precisão especialmente para os detalhes periféricos As crianças maiores recordaram maior número de informa ções mas as crianças que tinham 2 anos à época do evento também exibiram bons resultados recordando mais de 50 de informações sobre o ferimento com 70 de precisão Com base nesses resultados as auto ras concluíram que altos níveis de estresse estão associados a altos índices de recordação especial mente para os aspectos centrais da experiência Estudos de campo realizados por equipes es pecializadas em avaliar crianças vítimas de situa ções de abuso sexual e violência também indicam boa recordação das crianças para esse tipo de episódio Entretanto a qualidade da memória para o evento é prejudicada pelo tempo transcorrido entre a ocorrên cia do evento e a entrevista investigativa Quanto mais demora há em realizar a entrevista com as crianças maior perda de informações relevantes sobre o evento é observada Lamb Sternberg e Esplin 2000 Além disso nos casos específicos de abuso sexual é preciso que se ressalte que o não relato de uma experiência ou um relato muito pouco informativo do ponto de vista de uma investigação legal pode ocorrer por outros fatores de ordem emocional e social que não se relacionam diretamente com a memória Em outras palavras é possível que uma criança falhe em relatar um episódio de violência sexual não porque não consiga lembrar bem a experiência vivida mas sim por não ter disposição para relatála em função de sentimentos de medo vergonha ou culpa por exemplo Ghetti et aL 2006 Os estudos até aqui referidos buscaram avaliar a memória das crianças para eventos emocionalmente estressantes e negativos com base em procedimentos metodológicos naturalísticos As principais críticas a esses estudos referemse às dificuldades de se estabelecer adequados controles experimentais p ex o regis tro do evento a ser recordado o que pode vir a comprometer a generalização dos seus resultados Outra forma utilizada pelos pesquisadores para avaliar a memória para eventos emocionalmente negativos é a utilização de procedimen tos experimentais mais rigorosos que ofereçam melhores parâmetros de controle como por exemplo a criação de eventos em laboratório ou a utilização de outros materiais tais como listas de palavras e histórias emocionais sendo estes últimos mais utilizados para o estudo das FM espontâneas A crítica aos estudos expe rimentais reside exatamente em sua suposta distância da realidade concreta A esse respeito convém lembrar a observação de Reyna e colaboradores 2007 que ressaltam que ironicamente a pesquisa básica desenvolvida em laboratório tem se mostrado mais aplicada à compreensão de casos legais concretos do que Crianças são capazes de recordar aconteci mentos agradáveis ou estressantes por longos períodos de tempo Falsas Memórias 165 a pesquisa que tenta mimetizar a vida real Passaremos a expor alguns estudos experimentais sobre a memória das crianças para eventos estressantes Existem poucos estudos experimentais com o objetivo de avaliar a memória das crianças para eventos emocionais negativos devido aos motivos éticos uma vez que seria inconcebível expor crianças a algum tipo de estresse desnecessário Além disso verificase uma dificuldade de se adaptar materiais adequados aos objetivos dos estudos para esse grupo etário Num desses estudos um experimento foi realizado com crianças de 6 a 8 anos que participaram de uma simulação de roubo A simulação do evento envolvia a entrada de uma pessoa estranha numa sala onde um grupo de crian ças estava jogando cartas Inicialmente essa pessoa distraía as crianças e depois roubava uma caixa contendo dinheiro Peters 1991 Outro grupo de crianças apenas recebeu a visita de uma pessoa estranha na sala enquanto brincavam sem que essa pessoa simulasse o roubo Imediatamente após o experimentador e os pais entravam na sala e avaliavam o grau de ansiedade da criança Em seguida o experimentador mostrou uma série de fotos e pediu para que as crianças fizessem um reconhecimento do suspeitopessoa estranha Os resultados mostraram que as crianças do grupo de simulação do roubo evidenciaram mais ansiedade que as do grupocontrole Nesse estudo ao contrário dos anteriores nos quais a emoção parece ter fortalecido a memória a presença do fator emocional prejudicou a m e mória para o reconhecimento do suspeito Apenas 33 das crianças pertencentes ao grupo de simulação reconheceram corretamente a fotografia do suspeito ao passo que no grupocontrole o índice chegou a 83 Dent e Stephenson 1979 mostraram um filme sobre o suposto fiirto de um objeto de um carro para crianças de 10 e 11 anos elas foram testadas para três condições recordação livre recordação com perguntas gerais e recordação com perguntas específicas após um intervalo de dois meses Os resultados mostraram que as crianças submetidas à condição de recordação livre produziram menos respostas de modo geral tanto corretas quanto incorretas Quanto ao tipo de informação recordada foi observado que as crianças lembraram maior quanti dade de informações sobre as ações do suspeito do que sobre suas características físicas De fato a maioria dos erros cometidos pelas crianças se referiu à descrição física do suspeito De um modo geral os resultados desse experimento indicaram que testes de recordação livre produzem relatos mais acurados porém mais in completos Em um outro experimento List 1986 participantes de três grupos divi didos por idade estudantes da 59 série do ensino fundamental universitários e idosos assistiram a um vídeo sobre uma simulação de assalto a uma loja Um estudo piloto foi conduzido previamente para identificar que tipos de de talhes os participantes esperavam encontrar num assalto a uma loja Com base nas expectativas deles o cenário do crime foi elaborado incluindo detalhes que variavam de muito consistentes p ex encontrar uma arma no local do crime a pouco consistentes a um evento dessa natureza p ex encontrar um ramalhete de flores no chão da loja Uma semana depois de assistirem ao vídeo as pessoas foram entrevistadas sobre o filme que viram A entrevista incluiu um período de 166 Lilian Milnitsky Stein cols recordação livre p ex Conteme tudo o que você lembra sobre isso e depois um teste de reconhecimento com perguntas fechadas sobre os detalhes consis tentes p ex Havia uma arma no local do crime e inconsistentes p ex Havia um ramalhete de flores no local do crime presentes no filme visto Os resulta dos indicaram que os universitários obtiveram maior precisão e lembraram uma maior quantidade de informação em comparação com os outros grupos Todos os participantes cometeram erros de memória sendo que foi observada uma menor precisão para os detalhes inconsistentes Em outras palavras os erros cometidos ocorreram devido às expectativas prévias dos participantes sobre o evento em questão Segundo o autor as pessoas tentavam ajustar a memória de acordo com um esquema préexistente do evento o que contribui para a imprecisão durante a recuperação da informação Por exemplo um assalto usualmente inclui uma arma de fogo ou seja as pessoas tenderão a recordar de uma arma mesmo em um assalto em que não foi usada uma arma de fogo Vimos que as crianças são capazes de recordar eventos passados mesmo quando se tratam de eventos emocionalmente negativos ainda que os detalhes possam não ser mantidos na memória O conhecimento científico acumulado até o presente momento sugere que a emoção eleva a memória para os aspectos cen trais essenciais do evento não ocorrendo o mesmo efeito com os detalhes mais periféricos específicos que muitas vezes são fundamentais no âmbito forense Reisberg e Heuer 2007 Entretanto lembrar uma maior quantidade de informações emocionais não é garantia de uma recordação com boa qualidade isto é de uma recordação precisa e confiável necessária para a descrição correta por exemplo de uma ação criminosa ou de um suspeito como veremos a seguir Para além das falhas naturais às quais a memória humana está sujeita nossa capacidade de recordação pode ser influenciada e distorcida por fatores relati vos ao contexto externo Passaremos a examinar o fenômeno da sugestionabilidade que é um dos principais problemas e encontrado mais frequentemente em contextos forenses especialmente quando se tem por objetivo a coleta do testemunho de uma criança Holliday Brainerd e Reyna 2008 O QUE PODE PREJUDICAR A MEMÓRIA DAS CRIANÇAS Em contextos de entrevistas e depoimento de crianças um dos maiores problemas encontrados se refere ao fenômeno da sugestionabilidade infantil Na presente seção serão apresentados o conceito de sugestionabilidade bem como os fatores que contribuem para esse fenômeno ressaltandose os aspectos rela cionados às características das crianças e aqueles relacionados ao contexto da entrevista Recordar maior quantidade de informações emocionais não é garantia de recordação confiável e precisa Falsas Memórias 167 0 que é a sugestionabilidade O estudo das FM tem gerado importantes questionamentos a campos teó ricos e aplicados da Psicologia No plano teórico as FM colocaram em xeque o m odelo de memória como um gravador que apenas reproduzia literalmente a experiência vivenciada Em campos aplicados as FM têm levantado dúvidas acerca da confiabilidade dos relatos de experiências passadas tanto em contextos jurídicos quanto clínicos As FM podem ser geradas espontaneamente decorren tes do funcionamento endógeno normal da memória o que tem sido amplamente demonstrado por estudos que se utilizam do paradigma DRM para explicações mais detalhadas sobre as FM e os métodos de estudo deste fenômeno consultar os Capítulos 1 e 2 Assim como nos adultos as FM espontâneas também são encontradas em crianças obedecendo a padrões de desenvolvimento específicos conforme já foi visto no Capítulo 7 Todavia as FM também podem ser provocadas a partir da sugestão de in formações falsas que são apresentadas aos sujeitos deliberadamente ou não como fazendo parte da experiência real vivenciada De acordo com descrição de Schacter 1999 a sugestionabilidade consiste na tendência de um indivíduo em incorporar informações distorcidas oriundas de fontes externas às suas recor dações pessoais sendo que essas informações podem ser apresentadas de forma intencional ou acidental Apesar do francês Alfred Binet em 1900 ser referido como um dos pri meiros autores a investigar os efeitos da sugestionabilidade sobre as memórias infantis o estudioso W illiam Stem na Alemanha é considerado o primeiro a desenvolver uma perspectiva mais aplicada e com maior validade ecológica sobre esse tema Brown Goldstein e Bjorklund 2000 Juntamente com sua esposa Clara Stem W illiam Stem publicou em 1909 em alemão uma das primeiras obras especificamente sobre o testemunho infantil traduzida posteriormente para o inglês com o título Recollection Testemony and Lying in Early Childhood Recordação Testemunho e Mentira na Infância Precoce Muitos dos conceitos e ideias que atualmente são foco da investigação científica podem ser encontrados nessa obra pioneira tais como a ideia de que a sugestionabilidade pode se originar tanto a partir de mecanismos cognitivos quanto a partir de m e canismos sociais ou ainda de que a recordação livre produz menos erros do que as respostas do tipo sim e não dadas a perguntas fechadas Ceei e Bruck 1999 À medida que as crianças foram sendo cha madas e ouvidas nos tribunais como vítimas ou como testemunhas a Psicologia e de forma parti cular os pesquisadores da memória foram sendo chamados a responder a uma série de questões relevantes nesse contexto Quanto pode lembrar uma criança Há diferenças relativas à idade O relato de uma A sugestionablidade consiste na tendência de um indivíduo em incorporar informações distorcidas provindas de fontes externas de forma intencional ou acidental às suas recordações pessoais 168 Lilian Milnitsky Stein cols criança que tenha sido testemunha ou vítima de um evento é confiável Qual a melhor forma de abordarquestionar uma criança numa entrevista que tenha por objetivo obter uma prova testemunhal válida Após pouco mais de duas décadas em que centenas de estudos na área da sugestionabilidade infantil foram desenvolvidos já é possível identificarmos com segurança alguns fatores que contribuem para esse fenômeno complexo De modo geral os fatores primários que influenciam a sugestionabilidade infantil são classificados em duas grandes categorias a fatores relacionados às características das próprias crianças fatores cog nitivos b fatores relacionados ao contexto da entrevista ou fatores sociais Ceei Bruck e Battin 2000 Ceei et al 1998 Melnyk Crossman e Scullin 2007 A sugestionabilidade da memória das crianças é resultado da interação des ses fatores Ceei et al 2007 Nesta seção serão examinados alguns dos princi pais fatores que contribuem para a sugestionabilidade infantil Os aspectos rela cionados ao estilo particular de entrevistar como o tipo de perguntas utilizadas a repetição de perguntas e de entrevistas entre outros são descritos de modo mais detalhado no Capítulo 10 que trata especificamente sobre as técnicas de entrevistas Sugestionabilidade e características das crianças Entre os principais fatores que contribuem para a sugestionabilidade infantil destacamse aqueles relacionados às características das crianças incluindo os fa tores desenvolvimentais e os fatores individuais Os fatores desenvolvimentais se referem a características comuns encontradas em crianças de uma mesma idade Já os fatores individuais dizem respeito a características subjetivas de cada crian ça independente de sua idade Fatores desenvolvimentais Com relação ao desenvolvimento é sabido que crianças em idade préescolar são mais suscetíveis aos efeitos da interferência externa aceitando a sugestão de uma falsa informação e portanto apresentando maior possibilidade de distorcer o seu relato em comparação a crianças mais velhas adolescentes e adultos Ceei e Bruck 1995 Ceei et al 1998 Chae e Ceei 2006 Entretanto como assinalam Ceei e colaboradores 2007 muito embora a su gestionabilidade seja um problema primariamente Crianças em idade préescolar são mais sugestionáveis do que crianças mais velhas adolescentes e adultos Falsas Memórias 169 das crianças pequenas todos os grupos de idade são suscetíveis aos efeitos das mais variadas técnicas sugestivas incluindo os adultos Além disso o fato de as crianças pequenas serem mais vulneráveis aos efeitos da sugestão não significa que elas não possam recordar eventos corretamente ou que irão assentir a todas as sugestões falsas que receberem Ao contrário as crianças tendem a não aceitar falsa informação quando esta é muito diferente do contexto vivenciado ou teste munhado Pipe et al 2004 Com base nos estudos conduzidos no âmbito da Psicologia do Desenvolvi mento Saywitz e Lyon 2002 associam a especial vulnerabilidade das crianças pequenas aos efeitos da sugestionabilidade a três fatores 1 crianças pequenas têm dificuldades em tarefas de recordação livre quan do são solicitadas a lembrarem um evento sem qualquer estímulo ou pista 2 crianças pequenas são deferentes tendendo a respeitar e se submeter às vontades dos adultos 3 as crianças possuem dificuldades em identificar a fonte da informação recordada se foi algo que elas viram ou que ouviram alguém dizer por exemplo Quanto ao primeiro fator sabese que crianças pequenas entre 2 e 5 anos falam muito pouco quando são solicitadas a relatar livremente um determinado acontecimento Vejamos um exemplo Luiz e João com 4 e 9 anos respectivamente foram assistir a um espetáculo de mágica com os avós Tratavase de um famoso mágico cujo espetáculo incluía apresentações com animais selvagens água e fogo Ao chegarem em casa os pais curiosos queriam saber como havia sido o espetáculo e pedi ram aos filhos que contassem Luiz o mais novo contou à mãe que o mágico pegou as cobras e depois brincou com o fogo comentando que tinha sido muito assustador João com mais idade explicou que no primeiro núme ro o mágico chamava cobras com uma flauta As cobras iam saindo de um cesto de palha e se enroscando no corpo do homem Complementou que as cobras tinham um tom de verde com manchas marrons João disse que o número mais impressionante havia sido quando o mágico acorrentou o pró prio corpo com ajuda de uma mulher e entrou num tanque cheio de água Depois a mulher colocou fogo sobre o tanque que era transparente e assim todos podiam ver o mágico João prossegue dizendo que após um tempi nho o mágico conseguiu se libertar das correntes e sair de dentro do tanque sem se queimar Com este exemplo podemos perceber que embora o que Luiz contou fosse correto seu relato é muito breve centrado nos elementos principais Por sua vez João consegue fazer um relato mais completo incluindo detalhes da apresenta ção do mágico O processo de recuperação livre de uma informação na memória é particularmente difícil para uma criança préescolar uma vez que exige um maior 170 Lilian Milnitsky Stein cols empenho do sistema cognitivo na busca da informação armazenada Bjorklund 2000b O mesmo não é válido em tarefas de reconhecimento nas quais a criança só precisa comparar a informação oferecida com aquela registrada previamente na sua memória e decidir se confere com a anterior Todavia como é abordado no Capítulo 10 particularmente em contexto forense sabese que o testemunho colhido por meio de questões de reconhecimento com respostas do tipo sim e não pode ter sua precisão comprometida uma vez que esse tipo de questio namento produz altos índices de FM especialmente em crianças pequenas Por outro lado embora os relatos livres das crianças em comparação a respostas a perguntas diretas e fechadas sejam mais precisos é importante destacar que isso não os tom a completamente isentos de erros e distorções Ceei et al 2007 No que diz respeito ao segundo fator associado à vulnerabilidade a suges tão sobre a deferência aos adultos observase que desde muito cedo a criança aprende e supõe que os adultos possuem mais conhecimento do que elas O exem plo abaixo poderá tom ar mais claro a compreensão da deferência Paula com 6 anos é acompanhada pela avó até uma delegacia de polícia es pecializada em crimes contra crianças A avó conta ao policial que um vizinho seu foi visto passando as mãos no corpo da menina O policial que veste o uniforme de sua corporação chama o delegado Entre si os adultos se tratam por doutor Paula observa atentamente os adultos e ao ser encaminhada para a entrevista com uma policial ela mantém a cabeça baixa e também chama a entrevistadora de doutora Ao ser questionada se sabe por que es tava ali a menina diz que não mas que a doutora sabia A entrevistadora diz que quer saber o que o vizinho da avó havia feito com ela se havia tocado em seu corpo A menina responde que sim ele sempre a pegava no colo para brincar É importante lembrar que as crianças se mostram sensíveis não apenas às demonstrações dos adultos dirigidas diretamente a elas mas também às manifes tações de deferência dos adultos entre si como por exemplo a reverência pres tada a juizes médicos peritos e outros A deferência tom a as crianças pequenas particularmente vulneráveis às sugestões apresentadas pelos adultos enquanto as crianças mais velhas mostramse mais resistentes a esse fator Em virtude da de ferência os adultos podem facilmente transmitir sua própria visão de um evento pela forma como formulam uma questão a uma criança ou fazem algum comentário Ceei Bruck e Battin 2000 Saywitz e Lyon 2002 No exemplo acima a m e nina se mostra bastante sensível à autoridade dos adultos A entrevistadora ao perguntar o que o vizinho havia feito com ela transmite à criança a ideia de que o vizinho de fato fez alguma coisa algo sobre tocar no corpo sem ainda saber do que se trata Por fim as crianças pequenas antes dos 6 anos evidenciam especial dificul dade na identificação das origens de suas lembranças uma vez que a capacidade Os adultos podem facilmente transmitir sua própria visão de um evento pela forma como formulam uma questão a uma criança Falsas Memórias 171 de monitoramente da fonte encontrase em desenvolvimento nessa fase Roberts e Blade 1999 O monitoramento da fonte é uma capacidade cognitiva que nos permite discriminar se as recordações que temos acerca de um acontecimento qualquer são provenientes de experiências externas ou seja de acontecimentos vivendados ou de experiências internas isto é de acontecimentos imaginados sonhados ou pensados O monitoramento da fonte nos permite ainda discriminar entre diferentes tipos de experiências externas o que nos possibilita saber se aquilo que estamos recordando foi algo que vimos ou que ouvimos se foi algo que alguém nos contou ou um film e a que assistimos na televisão Os erros do monitoramento da fonte são responsáveis pela produção de alguns tipos de FM e sendo a capacidade de monitoramento pouco desenvolvida no período inicial da infância constituise num dos fatores que contribuem para a maior suscetibi lidade das crianças dessa idade aos efeitos da sugestionabilidade C ed Bruck e Battin 2000 Fatores individuais Para além dos aspectos relativos à idade ou à fase de desenvolvimento na qual se encontra uma criança os pesquisadores têm se interessado em explicar as diferenças na propensão à sugestionabilidade observadas em crianças de uma mesma faixa etária Por que algumas crianças mostramse mais sugestionáveis do que outras com a mesma idade e o mesmo nível educacional Acreditase que crianças de um mesmo grupo etário podem apresentar maior ou menor propen são à sugestionabilidade em virtude de uma variabilidade individual no funciona mento cognitivo e no funcionamento psicossocial Bruck e Melnyk 2004 Chae e Ceei 2006 Salmon e Pipe 2000 A consideração das características individuais associadas à sugestionabilida de seria de extrema relevância no contexto forense uma vez que permitiria iden tificar e predizer quais as crianças seriam mais suscetíveis aos efeitos da sugestão independentemente da idade Chae e Ceei 2006 O conhecimento desses fatores implicaria diretamente a escolha das técnicas de entrevista forense Entretanto numa revisão de 69 estudos realizados com o propósito de examinar as relações entre fatores cognitivos e sociais e a sugestionabilidade infantil Bruck e Melnyk 2004 não encontraram o perfil da criança altamente sugestionável Ainda assim é possível identificar alguns fatores individuais que têm sido relacionados a sugestionabilidade da memória das crianças tais como a inteli gência verbal e as habilidades linguísticas o autoconceito e a autoconfiança o temperamento o tipo de vínculo afetivo estabelecido entre a criança e seus pais e o estilo de copirig De forma mais consistente a inteligência verbal e as habilidades linguísticas aparecem inversamente associadas à sugestiona bilidade enquanto os demais fatores necessitam ainda de mais investigação científica Ceei et al 2007 Alguns fatores indivi duais têm sido relaciona dos à sugestionabilidade da memória das crianças 172 Lilian Milnitsky Stein cols Crianças com melhores capacidades de inteligência verbal e melhores habi lidades linguísticas mostramse menos propensas à sugestão do que crianças com habilidades mais precárias ver Chae e Ceei 2006 Em sua revisão Bruck e Melnyk 2004 apontam que crianças com retardo mental bem como crianças mais cria tivas são mais sugestionáveis comparadas a crianças da mesma faixa etária Chae e Ceei 2006 destacam que alguns estudos têm oferecido suporte empírico para a hipótese de que um elevado autoconceito ou seja a avaliação positiva que a criança faz de si mesma em diferentes contextos está associado a uma menor sugestionabilidade da memória Vrij e Bush 2000 verificaram que a autoconfiança estava associada inversamente com a sugestionabilidade em crian ças de 5 a 11 anos Esperase portanto que crianças com melhor autoconceito sintamse mais capazes e confiantes no contexto de uma entrevista tenham uma certeza maior acerca da precisão de suas memórias e sintam menos os efeitos da pressão social para concordarem com um entrevistador quando este está errado Ao lado da inteligência verbal e do autoconceito outros fatores individuais associados à sugestionabilidade começaram a ser investigados tais como o tem peramento e o tipo de vínculo estabelecido entre os pais e a criança Alguns in vestigadores levantam a possibilidade de que características do temperamento possam afetar o relato de uma criança durante uma entrevista apontando que crianças mais tímidas e com menor capacidade de adaptação mostramse mais sugestionáveis Endres Poggenpohl e Erben 1999 Da mesma forma o tipo de vínculo estabelecido entre a criança e seus pais tem sido objeto de algumas pes quisas Os resultados desses estudos têm indicado que a insegurança dos pais no vínculo com seus filhos está associada a um aumento da sugestionabilidade das crianças em situações com maiores níveis de estresse ver Chae e Ced 2006 Apesar desses resultados o temperamento e o tipo de vínculo ainda precisam ser objetos de mais pesquisas cientificas O estilo de coping tem sido apontado como uma das variáveis sociais e da personalidade a ser incluída na explicação da variabilidade individual da suges tionabilidade Pipe e Salmon 2002 De acordo com esses autores o coping é um conceito complexo que diz respeito à capacidade da criança de lidar com situações de estresse por meio da regulação e modulação das emoções tanto no momento em que transcorre o episódio estressante quanto depois da sua ocor rência O modo de lidar com situações com elevados níveis de estresse tem sido apontado em diversos estudos como um dos fatores que afetam a capacidade de uma criança recordar um evento De um modo geral níveis superiores de recor dação têm sido associados entre outros aspectos a um maior senso de controle e confiança frente a uma situação com maiores níveis de estresse tais como resistir a pressões durante uma entrevista Sugestionabilidade e contexto da entrevista A importância dada à entrevista reside no fato de que é por meio dela que os depoimentos são coletados sejam de crianças ou de adultos Desse modo tanto Falsas Memórias 173 o tipo de entrevista que é realizada como a forma e as circunstâncias em que é conduzida são determinantes para a qualidade de um testemunho É no contex to da entrevista que costuma ser observado o fenômeno da sugestionabilidade embora não exclusivamente Como salientam Ceei e colaboradores 2007 a ex posição da criança a rumores e comentários feitos pelos pais por outras crianças ou por outras pessoas pode ser suficiente para gerar FM Por exemplo em um estudo conduzido por Príncipe e colaboradores 2006 crianças que simplesmen te ouviram repetidas vezes as conversas e os comentários de outras crianças e de adultos sobre um show de mágicas durante o qual um coelho fugiu afirmaram falsamente ter visto essa cena tanto quanto as crianças que realmente vivencia ram o evento Ceei Bruck e Battin 2000 referem três formas pelas quais um entrevistador pode vir a sugerir um padrão de respostas a crianças durante uma entrevista 1 por meio do estilo particular de perguntar o que inclui o tipo de pergun tas utilizadas p ex perguntas fechadas e sugestivas a repetição das perguntas a repetição das entrevistas entre outros 2 por meio das características globais e da atmosfera emocional gerada na entrevista o que compreende os aspectos relativos ao tom geral da entrevista a indução de estereótipos quando uma ideia sobre uma pessoa é transmitida previamente à criança a pressão exercida pelos pares 3 por meio da utilização de determinadas técnicas que se valem de recur sos específicos tais como bonecos anatômicos com o objetivo suposta mente de facilitar a recordação e o relato de experiências vivenciadas pela criança Porquanto consideram o estilo de perguntar do entrevistador como uma forma mais direta e explícita de sugestão Ceei Bruck e Battin 2000 salientam que a sugestão durante uma entrevista pode ocorrer de forma mais sutil e indi reta por meio das características globais e do clima emocional gerado durante a entrevista que pode assumir um tom mais neutro ou mais acusatório Situações de alta pressão emocional com perguntas feitas de modo ameaçador além de au mentarem o estresse da criança que está testemunhando poderão comprometer a qualidade de seu relato M alloy et al 2007 Davis e Bottoms 2002 ressaltam com base em evidências científicas que as crianças têm aumentada a sua capacidade de resistir a perguntas sugestivas e de aceitar informações falsas quando recebem adequado suporte social de um en trevistador ou seja quando estabelecem com este uma forma de comunicação se gura que lhes proporcione bemestar Entretanto os autores alertam que o suporte oferecido não pode ser utilizado como reforço positivo de certos tipos de respostas ao dizer muito bem após uma resposta da criança o que pode comprometer a precisão dos relatos infantis Da mesma forma Ceei Bruck e Battin 2000 também chamam a atenção para alguns problemas que podem acontecer em contextos ju 174 Lilian Milnitsky Stein cols diciais quando o entrevistador presume estar construindo uma relação de suporte mas de fato está expondo suas crenças pelo uso implícito ou explícito de ameaças subornos ou recompensas Quando o entrevistador diz Não tenha medo de dizer o que aconteceu por exemplo supõe implicitamente que há algo que aconteceu que dever ser dito sem ainda saber se este é o caso Outra forma sutil de contaminar o clima da entrevista ocorre quando o entrevistador aumen ta seu status de desigualdade em relação à crian ça Com relação à demonstração de desigualdade pelo entrevistador Ceei Bruck e Battin 2000 lembram como já foi visto anteriormente que as crianças são especialmente deferentes aos adultos tendendo a respeitar e a se submeter aos desejos deles sendo este fator uma das causas mais importantes da alta suscetibilidade à sugestão evidenciada nas crianças Isso pode acontecer quando a criança entra em uma sala de audiências e senta em frente ao juiz ao promotor de justiça ao advogado de defesa ou a ou tras autoridades judiciais geralmente numa cadeira posicionada de forma isolada e por vezes situada num piso inferior em relação aos outros lugares A partir do reconhecimento de que a organização do espaço físico pode ser além de geradora de estresse para a criança comprometedora de sua recordação e de seu relato em muitos países como Estados Unidos Inglaterra Escócia Noruega e Espanha reformas legais têm sido propostas com base nas pesquisas científicas na área da sugestionabilidade infantil Nesses países as crianças usualmente são entrevista das por um profissional treinado em técnicas de entrevista investigativas cienti ficamente validadas para esse grupo etário As entrevistas são gravadas e podem ser realizadas em sala de espelho uniderecional ou através de circuito televisivo evitandose que a criança submetase à pressão natural de uma sala de audiências comum M alloy et al 2007 Tais modificações na forma de conduzir o depoi mento de uma criança são medidas que visam a diminuir o estresse da criança na entrevista e também melhorar sua capacidade de recordação além de diminuir a sugestionabilidade Westcott 2008 Outra forma sutil de sugestão mas poderosa é a indução de estereótipos que ocorre quando se transmite previamente à criança uma ideia ou uma ca racterização sobre uma pessoa ou sobre um determinado acontecimento antes da entrevista Ceei Bruck e Battin 2000 C ed et al 1998 Leitchtman e Ceei 1995 conduziram um dos estudos mais referidos sobre os efeitos da indução de estereótipos com o uso repetitivo de questões sugestivas o qual ficou conhetido como Sam Stone No experimento um estranho chamado Sam Stone visitou crian ças entre 3 e 6 anos enquanto estavam na escola A visita de Sam Stone durou tão somente dois minutos Um grupo de crianças recebeu previamente a informa ção de que Sam Stone era um sujeito gentil mas muito desajeitado já o grupo controle não recebeu qualquer informação prévia Posteriormente as crianças foram entrevistadas várias vezes em intervalos de tempo variados Durante as A sugestão pode ocorrer de forma indireta atra vés do clima emocional gerado durante a entrevista Falsas Memórias 175 entrevistas após um período de recordação livre o entrevistador fazia perguntas sobre fatos que não tinham acontecido durante a visita de Sam Stone como por exemplo Sam arrancou páginas do livro e puxou o braço do ursinho de pelúcia Os resultados demonstraram que no grupocontrole nenhuma criança produziu um relato falso durante a narrativa livre Em resposta às perguntas sugestivas 10 das crianças de 3 e 4 anos aderiu à sugestão enquanto nenhuma criança mais velha entre 5 e 6 anos aceitou a informação sugerida Em contrapartida no grupo experimental 46 das crianças mais jovens e 30 das crianças mais velhas disseram recordarse de um ou dos dois eventos não ocorridos envolvendo Sam Stone durante a livre narrativa que incluíam ainda uma quantidade rele vante de informação perceptual ou seja descrição de detalhes do que as crianças diziam terem visto ouvido sentido etc Nas respostas às perguntas sugestivas o número de crianças mais jovens que aderiu à sugestão chegou a 72 Vejamos um exemplo de indução de estereótipo Durante um depoimento um entrevistador buscava saber o que havia acon tecido entre Ana com 7 anos e seu tio uma vez que a mãe havia feito uma denúncia de que ele tinha abusado sexualmente da menina Os supostos abusos ocorriam na casa dos tios quando a menina os visitava Entrevistador Então Ana a tua tia parece gostar muito de ti eu acho que ela te ama porque ela gosta que tu a visites ela disse que sempre foi uma alegria as tuas visitas ela compra presentes para ti O que tu achas da tua tia Ana Ela gosta de mim Eu também gosto dela Entrevistador E o teu tio ele é uma pessoa que trabalha bastante e também gosta muito de ti Ana Ele gosta Entrevistador Os adultos às vezes pegam as crianças no colo beijam e não tem nada de mal nisso Tu achas que tem algum mal nisso Ana Não Entrevistador Eu também não acho nada de mal que um adulto uma pessoa que goste da criança queira pegar ela no colo O que acontecia quando tu ias visitara tua tia Ana O tio Jonas me pegava no colo Entrevistador E tinha mal nisso Ana Não Entrevistador E acontecia alguma coisa de mal Ana Não Nesse exemplo o entrevistador comunica claramente à Ana o seu juízo acer ca dos tios da menina bem como o que pensa sobre as atitudes de um adulto para com uma criança A menina se submete facilmente às ideias do entrevistador que ao tecer seus comentários à criança pressiona para que ela diga o que ele quer ouvir A menina desse modo adota de forma natural a tese do entrevistador 176 Lilian Milnitsky Stein cols sobre os fatos supostamente ocorridos Ficará difícil depois de uma abordagem desse tipo saber o que realmente aconteceu entre Ana e seu tio Outro modo sutil de sugestão acontece quando o entrevistador diz que outras crianças já lhe falaram sobre o evento determinado invocando a pressão dos pares como forma de induzir a criança a produzir a resposta que ele deseja Daniel Maurício e Douglas com 6 anos todos residentes em um abrigo para crianças vítimas de violência são entrevistados acerca da conduta de um dos monitores que supostamente teria abusado sexualmente de algumas crianças abrigadas Individualmente Daniel e Maurício relatam atos abusivos cometidos pelo monitor contra eles Douglas se mantém silencioso e retraí do durante a entrevista Para estimular o menino a falar o entrevistador co menta Então Douglas sabes que hoje os teus amigos Daniel e Maurício já estiveram aqui conversando comigo e já me contaram tudo que o tio André fazia com eles Podes me contar também não tenha medo assim como os teus amigos não tiveram Douglas então passa a relatar alguns comporta mentos do tio André idênticos aos relatados pelas outras crianças os quais refere também terem acontecido com ele O problema desse tipo de abordagem é que muitas vezes a criança pode vir a dar a resposta que pensa que o entrevistador deseja ouvir mesmo que seja fal sa simplesmente pelo desejo de se sentir parte do grupo C ed Bruck e Battin 2000 Esse tipo de resposta tem sido observada tanto no âmbito das pesquisas científicas quanto em situações reais Ceei e colaboradores 2007 referem o caso de um jovem que quando criança afirmou falsamente ter sido abusado por um professor Quando adulto ao ser perguntado se lembrava o que o motivou a fazer a falsa dedaração o jovem rapaz disse não saber ao certo comentando que todos os outros colegas haviam dito o mesmo tendo pensado que era aquilo que o entrevistador queria ouvir Ainda Ceei Bruck e Battin 2000 conside ram o uso de determinadas técnicas durante uma entrevista como sendo em sua natureza sugestivas tais como o uso dos bonecos anatômicos e as téc nicas que estimulam a imaginação das crianças p ex jogos em geral desenhos técnicas de visualização etc Para esses pesquisa dores tais técnicas geram experiências artificialmente fabricadas Nessa seção optouse por discutir em maior profundidade o uso dos bonecos anatômicos uma vez que tal recurso é frequentemente mencionado como uma técnica apropria da para a investigação de casos de abuso sexual infantil Os bonecos anatômicos são bonecos cujos corpos são detalhados incluindo os órgãos genitais Embora alguns autores defendam que se usados de modo adequado na au sência de perguntas sugestivas os bonecos anatômicos podem ser úteis no incre mento da recordação das crianças Everson e Boat 2002 os resultados da maior parte dos estudos científicos que avaliaram o uso dessa técnica com o objetivo de facilitar a recordação e o relato das crianças indicam uma série de problemas em A criança pode vira dar uma resposta falsa simplesmente pelo desejo de se sentir parte do grupo Falsas Memórias 177 sua utilização desaconselhando seu uso em entrevistas investigativas com crian ças Bruck Ceei e Francouer 2000 Bruck et al 1995 Goodman et al 1997 Thierry et al 2005 Ainda que as crianças menores possam relatar maior quantidade de infor mação quando os bonecos anatômicos são utilizados numa entrevista o que os estudos de modo geral têm demonstrado é que o aumento da quantidade de informações vem acompanhado da perda de qualidade dos relatos infantis que se tom am mais imprecisos com maior quantidade de informações incorretas falsas e inconsistentes Bruck Ceei e Francouer 2000 Bmck et al 1995 Goodman et al 1997 Thieny et al 2005 Por exemplo no es tudo de Bmck e colaboradores 1995 crianças de 3 anos foram entrevistadas com o uso de bonecos anatômicos acerca de um exame médico pediá trico Os resultados mostraram que as crianças apresentavam tanto erros de omissão ou seja ne gavam procedimentos que haviam de fato aconte cido durante o exame quanto erros de comissão isto é relatavam experiências que não haviam acontecido ao longo da avaliação médica Especificamente algumas crianças relatavam com o uso dos bonecos que o médico teria inserido os dedos ou outro instrumento p ex uma colher um palito em suas cavidades anais e genitais o que não aconteceu Entre as explicações para a maior imprecisão dos relatos das crianças quan do entrevistadas com o recurso dos bonecos anatômicos os pesquisadores assi nalam que eles estimulam o brinquedo e a fantasia tom ando mais difícil para a criança a tarefa de diferenciar entre fantasia e realidade Além disso a criança pequena teria especial dificuldade em utilizar o boneco como um símbolo de si mesma e dessa forma como um representante do que aconteceu com ela na rea lidade externa Bmck et al 1995 Ceei e Bmck 1995 Thierry et al 2005 Ao oferecer os bonecos anatômicos o entrevistador estará disponibilizando à criança uma nova fonte de experiências dificultando ainda mais o processo de monitoramento da origem de suas recordações por meio do qual como já vimos ela deve julgar se sua lembrança é fruto de uma experiência vivenciada ou fruto da sua imaginação Desse modo o uso dos bonecos tom a mais confuso para o entrevistador e para a criança saber se aquilo que ela está mostrando aconteceu na experiência com determinada pessoa suposto abusador ou na experiência com o boneco Ceei Bmck e Battin 2000 Pelas mesmas razões que levaram os pesquisadores a desaconselhar o uso dos bonecos anatômicos em entrevistas com crianças para investigar abuso sexual é recomendado cautela com o uso de outras técnicas interpretativas durante uma entrevista investigativa como o uso de desenhos brinquedos e jogos em geral Teresa tia de Juliana de apenas 3 anos é responsável por cuidar da sobrinha durante o dia quando a mãe da menina sai para trabalhar Ela relata des confiar que a menina tenha sido abusada sexualmente por um exnamorado da mãe de Juliana Enquanto a tia fala à entrevistadora a menina brinca li O uso de bonecos anatômicos numa entrevista investigativa torna os relatos infantis mais imprecisos 178 Lilian Milnitsky Stein cols vremente com alguns bonecos de pano e outros brinquedos Juliana despe os bonecos e os faz se abraçarem A entrevistadora percebendo o jogo da menina pergunta o que ela estava mostrando ela apenas ri e nada diz con tinuando a brincar É possível que Juliana esteja mostrando por meio dos jogos e do brinquedo uma experiência por ela vivenciada Sim é possível Entretanto o maior proble ma desse tipo de técnica em uma entrevista investigativa é que inexiste na lite ratura científica evidência de que o brinquedo de uma criança possa ser tomado com alto grau de confiabilidade como indicador da vivência de uma experiência real Howe Cichetti e Toth 2006a 2006b Poucos meses depois a entrevistado ra recebe uma informação de que Teresa a tia de Juliana sofre de uma doença mental e já teve várias internações psiquiátricas Quando doente é comum que seus delírios tenham um conteúdo sexual Como saber com a certeza necessária numa investigação legal se o brinquedo de Juliana mostrava o suposto abuso ou os delírios da tia ou ainda apenas um jogo A sugestionabilidade da memória das crianças é um dos fatores de maior relevância em termos das limitações do testemunho infantil Isso ocorre como vimos nesta seção pelo indiscutível potencial destruidor que esse fenômeno pode ter sobre a memória de uma testemunha podendo tornar seu relato completa mente inválido além dos danos subjetivos que pode causar para os indivíduos sejam estes crianças ou adultos Alguns estudos têm mostrado que as pessoas demonstram maior dificuldade em esquecer FM do que memórias verdadeiras Pitarque et al 2003 O problema do ponto de vista subjetivo e ético ocorre quando uma sugestão se transforma em uma FM o que pode trazer imenso sofri mento psíquico para a criança crente de que algo lhe aconteceu até mesmo um episódio de violência sexual quando de fato não aconteceu CONSIDERAÇÕES FINAIS N o final do ano de 2000 em uma pequena cidade do norte da França Ou treau um menino de 9 anos revelou a uma assistente social ser vítima de repe tidos estupros e outras formas de violência sexual além de diversas agressões Seus três irmãos menores confirmaram os relatos dele e também afirmaram se rem vítimas dos mesmos crimes Os pais das crianças Myriam Badaoui e Thierry Delay juntamente com outro casal foram apontados como os autores das agres sões contra seus filhos assim como de outras crianças À época dessas primei ras denúncias Myriam Badaoui dtou o nome de outras 14 pessoas que também estariam envolvidas em atos criminosos contra crianças revelando desta forma a existência de uma suposta rede de pedofilia cujos crimes praticados envolviam tortura prática de bestialismo realização de filmes pornográficos e assassinatos As crianças filhos de Myriam Badaoui confirmaram as denúncias da mãe Por conta das acusações de Myriam Badaoui e dos relatos das crianças 17 pessoas foram presas acusadas da prática de pedofilia Eram pessoas que viviam Falsas Memórias 179 e trabalhavam na comunidade local entre essas um motorista de táxi um pa deiro um padre um advogado e dois pedreiros todos conhecidos da família Os relatos das crianças assim como da mãe foram considerados credíveis por um psicólogo perito da justiça francesa O juiz que presidia o caso empenhouse por um julgamento rápido e condenou os acusados que permaneceram presos Porém passados alguns anos em 2004 Myriam Badaoui admitiu perante o tribunal ter acusado falsamente as 14 pessoas Eu sou uma mulher doente e uma mentirosa Adm itiu que somente ela o marido e o outro casal estavam efetivam ente envolvidos nos crimes A retratação de Myriam gerou uma crise sem parâmetros no sistema judicial francês colocando em pauta a questão do depoim ento das crianças a avaliação do perito e a form a como o juiz havia conduzido o processo criminal Esse foi considerado um dos mais escandalosos erros judiciais da França e levou o Ministro da Justiça o Prim eiro Ministro e o próprio Presidente da República na época a pedirem publicamente desculpas aos injustamente condenados e aos cidadãos franceses Entretanto os danos causados para as 14 pessoas que permaneceram presas durante cerca de quatro anos cumprindo pena por crimes que não haviam come tido já eram irreversíveis Alguns dos condenados ficaram afastados dos próprios filhos por cerca de três anos tendo suas crianças algumas muito pequenas com 1 2 anos sido encaminhadas aos cuidados de instituições Uma dessas pessoas cometeu suicídio na prisão muitos adoeceram foram humilhados perderam suas famílias e seus empregos Outros países também se viram envolvidos em casos jurídicos semelhantes ao Caso Outreau na França Basta que se recorde no Brasil o caso da Escola de Base ocorrido em São Paulo em 1994 quando denúncias de abusos sexuais supostamente cometidos por donos e funcionários da escola contra os alunos es tamparam por algum tempo as páginas dos principais jornais e revistas do país Algumas pessoas foram presas a escola foi depredada e saqueada Poucos meses depois foi verificado que as denúncias eram infundadas e o caso foi arquivado Vejamos um último caso Marina aos 9 anos estava dormindo quando seu padrasto deitouse em sua cama e passou as mãos em seu corpo Marina conta essa história inúmeras vezes para a mãe para a avó no Conselho Tutelar na Delegacia de Polícia no Ministério Público no Centro de Saúde sendo que em alguns desses lugares ela retom a mais de uma vez Sua história é sempre a mes ma contada em detalhes O padrasto admitiu seus atos e reconheceu sua culpa perante à menina e à família Ao ser encaminhada para um atendimento psicoló gico para tratar as possíveis consequências psicológicas decorrentes do episódio de abuso a menina já com 13 anos não é avaliada relativamente à sua saúde mental mas é solicitada a repetir sua história mais uma vez Na segunda consul ta Marina afirma ao psicólogo que nada havia se passado que havia sido coisa da sua cabeça e que gostaria mesmo de prosseguir sua vida e não voltar mais às consultas Se de um lado temos casos escandalosos de falsas denúncias de abusos se xuais de outro temos incontáveis casos de crianças vítimas de variadas formas de violência que por sua vez têm suas palavras desacreditadas e desmerecidas 180 Lilian Milnitsky Stein cols Além das crianças já terem que lidar com a pressão usualmente exercida pelos seus agressores é difícil encontrarem um ambiente adequado para serem ouvi das E isto acontece em regra não porque as crianças não saibam ou não consi gam falar mas sim porque quase sempre os adultos que as questionam não sa bem como perguntar Muitas dessas crianças são abordadas de formas impróprias tanto com relação à sua condição de sujeitos em desenvolvimento com perguntas que não compreendem quanto com relação à sua condição de sujeitos que foram vítimas de violência com perguntas desnecessárias intrusivas e constrangedoras Um longo período de tempo transcorrido até que sejam ouvidas perguntas inade quadas altamente sugestivas repetidas inúmeras vezes em momentos variados por diferentes técnicos terminam por comprometer não apenas a qualidade de seus relatos enquanto prova testemunhal como também contribuem para a reviti mização das crianças numa situação abusiva A questão do testemunho de crianças é um tema extremamente sério e com plexo que deve antes de tudo ser discutido dentro do âmbito técnico e científico das diversas áreas de conhecimento tais como o Direito a Psicologia a Psiquiatria a Sociologia entre outros Com o foi ressaltado na introdução des te capítulo do ponto de vista legal o testemunho de crianças é muitas vezes uma necessidade de m odo especial quando não restam outras evidências da ocorrência de um crime algo tão comum em situações de violência sexual em que a palavra da vítima tornase o principal e por vezes único m eio de prova Entretanto no campo jurídico não basta apenas lembrar o que aconteceu sendo de fundamental importância saber se os fatos narrados por uma vítim a ou tes temunha correspondem ao que aconteceu real mente se são precisos e confiáveis Do ponto de vista da Psicologia o testemunho de crianças é possível mas exige das pessoas incumbidas de entrevistar conhecimento sobre o funcionamento da m emória e treinamento técnico especializado em técnicas de entrevista investigativa Como vimos ao longo deste capítulo a pesquisa científica em Psicologia Cognitiva particularmente os estudos sobre a memória mostranos que as crian ças são capazes de recordar experiências que tenham vivenciado mesmo quando se tratam de episódios estressantes e traumáticos Porém também vimos que a recordação é um processo inerentemente sujeito a falhas como perdas por esque cimentos e distorções sendo as crianças um grupo especialmente vulnerável aos efeitos da sugestionabilidade Vimos que a propensão à sugestionabilidade de uma criança é determinada conjuntamente por fatores contextuais relativos principalmente à entrevista e diferenças individuais incluindo fatores cognitivos e de personalidade Isso sig nifica que é possível mas não provável que uma criança seja entrevistada de forma sugestiva e ainda assim apresente um relato preciso isento de distorções O testemunho de crian ças exige das pessoas encarregadas de condu zir a entrevista conhe cimento e treinamento técnico especializado Falsas Memórias 181 Ceei et al 2007 Já um depoimento colhido livremente na ausência de suges tão não garante invariavelmente um relato preciso livre de erros e distorções Em situações judiciais concretas que envolvem crianças vítimas ou testemunhas uma análise cuidadosa de cada caso em particular deve ser feita tendo como compromisso maior a busca da verdade objetivo que em sua natureza é efeti vamente protetor daqueles que se encontram em meio a procedimentos legais sejam crianças ou adultos Se de um lado é preciso reconhecer a inexistência de 100 de certeza na avaliação dos relatos testemunhais por outro é indiscutível o considerável avan ço na pesquisa científica sobre a sugestionabilidade infantil que tem contribuído imensamente para o conhecimento desse fenômeno Os resultados das pesquisas sistematicamente replicados têm permitido com alto grau de confiabilidade que se identifique procedimentos adequados para entrevistar crianças em situações judiciais bem como as técnicas que devem ser evitadas Em muitos países os re sultados da investigação científica sobre o testemunho infantil têm impulsionado mudanças importantes no sistema legal em diferentes fases do processo judicial de modo a prom over a proteção ampla e efetiva da criança vítima eou teste munha bem como de preservar a qualidade do relato como evidência criminal Westcott 2008 Por exemplo na Escócia em abril de 2004 foi aprovada uma lei sobre como coletar o testemunho de vítimas vulneráveis incluindo crianças e adultos portadores de necessidades especiais Scotland 2004 Em conjunto com autoridades de diversas instituições jurídicas e pesquisadores da Psicologia foi elaborado um manual de orientações técnicas para entrevistar este grupo especial de testemunhas De acordo com essas orientações o depoimento de uma criança é obtido numa sala reservada com a presença de um profissional capacitado em técnicas de entrevista investigativa p ex Entrevista Cognitiva O depoimento é filmado e transmitido para as autoridades judiciais através de um circuito interno de televisão No Brasil a questão do testemunho infantil usualmente não tem sido dis cutida em fóruns científicos da Psicologia bem como não tem sido objeto de pesquisas e estudos Isso reflete em parte o próprio estado da Psicologia Forense em nosso país ainda restrita à prática individual de cada técnico que se encontra atuando nessa área São raros os currículos de graduação e pósgraduação em Psicologia que incluam a disciplina forense e é comum que os profissionais que atuem em contextos judiciais adotem modelos de trabalho adequados a outras áreas da Psicologia como a Clínica mas que podem não ser apropriados aos pro pósitos específicos da Psicologia Forense Considerase que é somente pelo caminho do conhecimento construído em sólidas bases científicas de modo que possa ser replicado testado e refutado que se poderá impulsionar a exemplo do que ocorreu em outros países algumas mudanças na realidade do sistema judicial brasileiro especialmente quando se pretende receber crianças em nossos tribunais buscandose a proteção ampla e efetiva dessas pequenas vítimas e testemunhas 182 Lilian Milnitsky Stein cols REFERÊNCIAS Alberto I M 2004 Maltrato e trauma na Infância Coimbra Almedina Alberto I M 2006 Abuso sexual de crianças O psicólogo na encruzilhada da ciência com a justiça In A C Fònseca M R 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repetição facilita a memória em geral Gazzaniga e Heatherton 2005 Por exemplo se você ler várias vezes o conteúdo de uma matéria para estudar para uma prova e além disso se o fizer com concentração ou elaborar a informação que você está lendo de alguma forma p ex fazendo um resumo muito provavelmente você irá memorizar o conteúdo de forma mais efetiva do que se você o lesse uma única vez Entretanto lembrar o conteúdo de uma prova é muito diferente do que lembrar uma experiência de vida de um epi sódio passado Podese esperar que a repetição também melhore o tipo de m em ó ria Em outras palavras uma pessoa que vivenciou algo repetidas vezes terá uma memória melhor desses episódios do que uma pessoa que teve uma experiência única Poderia a repetição tom ar nossa memória imune aos erros e distorções aos quais naturalmente estamos sujeitos Acontecimentos que se repetem costumam ser bem lembrados Por exemplo você conseguirá se lembrar da última vez que foi ao seu restaurante predileto de lanches rápidos Possivelmente lembrará que esperou numa fila fez seu pedido no caixa para uma das atendentes e poucos minutos depois saiu com o seu lan che Entretanto será mais difícil lembrar detalhes específicos tais como qual era o penteado da pessoa do caixa como estavam vestidas as pessoas que estavam à sua frente na fila ou qual era a cor da embalagem de seu sanduíche Ou seja por um lado a repetição terá melhorado sua memória para as informações centrais que fazem parte desse acontecimento ir a um restaurante Por outro detalhes de um episódio específico a última vez que você foi ao restaurante serão mais difíceis de serem recordados Qual a importância de se saber o que acontece com a memória quando se vivência experiências repetidas Lembrar acontecimentos rotineiros comuns tais como ir frequentemente ao mesmo restaurante é muito diferente de lembrar acontecimentos repetitivos que sejam carregados de emoção e especialmente quando se trata de emoção negativa Lembrar acontecimentos traumáticos que tenham ocorrido muitas vezes ao longo de determinado período da vida é in Falsas Memórias 187 felizmente uma realidade para muitas pessoas que foram vítimas de diversos modos de violência crônica ou seja uma forma de violência repetitiva e dura doura que persiste ao longo do tempo Especialmente em contextos forenses tem sido fundamental saber se as pessoas que foram vítimas de repetidos episó dios de violência irão recordar e relatar esses episódios da mesma forma como o fazem as pessoas que foram vítimas de uma única ocorrência Isso porque as características qualitativas da memória ou seja se há riqueza de detalhes e quais os tipos de detalhes descritos têm sido utilizadas como critérios diferendadores de relatos verdadeiros e falsos em instrumentos de avaliação de credibilidade de depoimentos de testemunhas ver Johnson et al 1988 Vrij 1998 Tal questão é ainda mais delica da quando estamos diante de vítimas vulneráveis como crianças e adultos com necessidades espe dais envolvidos em situações de abusos sexuais e outras formas repetidas de violência A presença cada vez mais frequente de crianças nos tribunais em virtude de casos de denúncias de abusos sexuais foi um dos fatores que impulsionou a pesquisa científica sobre a m emória das crianças nos anos de 1980 e 1990 especialmente nos Estados Unidos e nos países europeus ver Brown Goldstein e Bjorklund 2000 Stein e Nygaard 2003 Buscando respon der a questões advindas de outros campos particularmente do campo jurídico os pesquisadores têm buscado compreender o funcionamento da memória infantil bem como os tipos de erros de memória aos quais as crianças se mostram particu larmente mais suscetíveis uma vez que a precisão das recordações é uma quali dade indispensável para que um relato seja considerado como uma evidência em contextos forenses A precisão como já visto no Capítulo 8 diz respeito ao quanto o relato de uma criança corresponde com exatidão aos fatos que se passaram De modo geral estudos naturalísticos realizados com crianças que foram vítimas de algum acontecimento traumático Fivush et al 2004 Peterson e Wha len 2001 têm sugerido que as crianças guardam boa memória desse tipo de evento p ex um acidente ou desastre natural conservando ao longo do tem po a memória para os aspectos centrais da experiência e tendendo a esquecer dos detalhes periféricos H ow e 1998 Pezdek e Taylor 2002 Entretanto alguns estudos experimentais p ex Peters 1991 nos quais as crianças são solicitadas a recordar um evento emocional que foi dramatizado p ex um roubo simula do ou de algum outro tipo de material emocional p ex uma história têm indicado que o incremento da memória para acontecimentos emocionais pode vir acompanhado da perda da qualidade dessas recordações que se tom am mais im precisas visto que apresentam mais erros e distorções Ainda assim esses estudos se referem à memória para acontecimentos naturais ou simulados que ocorreram uma única vez Podemos esperar que a memória das crianças para um acontecimento único seja similar à memória das crianças que vivenciaram acontecimentos repetidos Que efeitos a repetição de uma experiência terá na memória das crianças O que Saber se há diferenças qualitativas entre a memória para episódios repetidos de violência e a memória para uma única ocorrência é importante para contextos forenses 188 Lilian Milnitsky Stein cols se pode esperar que uma criança lembre de repetidos episódios de abuso sexual Deverá apresentar recordações ricas em detalhes Ou apresentará tão somente lembranças genéricas sem detalhes específicos Será mais resistente a informa ções sugestivas e à criação de falsas memórias FM Ou será mais suscetível aos erros e distorções que comumente a memória humana está sujeita A repetição poderia nos imunizar contra os erros comuns da memória O presente capítulo tem como objetivo abordar essas e outras importantes questões acerca da memória das crianças para eventos repetitivos tratandose de um tema muito específico dentro do campo científico da investigação da m e mória Curiosamente esse é um tema muito frequente em áreas aplicadas da Psicologia como a Psicologia Forense e a Clínica A exemplo dos estudos sobre a memória para episódios únicos os pesquisadores interessados em estudar a m e mória das crianças para acontecimentos repetidos têm utilizado duas abordagens metodológicas distintas o método naturalístico e o método experimental ver Capítulo 2 No campo da memória para eventos repetidos estudos naturalísticos têm sido realizados usualmente com vítimas de situações de violência crônica p ex abuso sexual agressões físicas etc Já os estudos experimentais envolvem a participação repetida das crianças numa série de atividades planejadas pela equi pe de pesquisadores p ex uma série de jogos e brincadeiras Num primeiro momento serão apresentados os principais resultados encon trados em estudos experimentais recentes sobre a memória de crianças para expe riências repetidas Esses estudos têm focalizado seus objetivos especialmente na compreensão da sugestionabilidade infantil associada à vivência de experiências repetidas fenômeno que assume grande relevância no âmbito da Psicologia Fo rense principalmente em contextos de entrevistas investigativas com vítimas e testemunhas de atos criminosos ver Capítulo 8 Num segundo momento serão apresentados os resultados dos estudos de campo realizados com vítimas de situa ções de violência crônica enfatizandose os resultados sobre a memória dessas pessoas para as experiências traumáticas repetitivas Ao final apresentase algu mas reflexões sobre as implicações dos achados científicos sobre a memória para experiências repetidas para contextos aplicados da Psicologia em particular para a Psicologia Forense A MEMÓRIA DAS CRIANÇAS PARA EVENTOS REPETITIVOS Apenas mais recentemente em especial a partir da década de 1990 houve um interesse maior pela memória das crianças para eventos repetitivos o que m o tivou a realização de novos estudos experimentais A possibilidade de um controle mais efetivo sobre os diversos elementos que possam estar afetando esse tipo de memória tem permitido que os pesquisadores verifiquem com maior segurança quais os fatores que influenciam mais fortemente a memória para eventos que se repetem Por isso esses estudos têm sido importantes visto que oferecem bases para a compreensão da memória de crianças vítimas de situações traumáticas crônicas como nos casos de abuso sexual e maustratos Além disso os resultados Falsas Memórias 189 dos estudos experimentais têm oferecido contribuições relevantes para campos aplicados da Psicologia como por exemplo a construção de técnicas e orienta ções específicas para entrevistar crianças que tenham vivenciado episódios repe tidos de abuso sexual Pow ell e Thomson 2003 Powell Thomson e Ceei 2003 Roberts e Powell 2006 Stem berg et al 2002 Nesses estudos grupos de crianças são comparados de acordo com a condi ção experimental se participaram da experiência uma única vez ou repetidas ve zes em geral são realizadas de quatro a seis repetições Os pesquisadores criam um evento que envolve a realização de uma série de atividades e jogos p ex realizar alguma atividade física construir um quebracabeças fazer uma dobra dura pintar um desenho etc sendo alguns aspectos mantidos fixos p ex reali zar uma atividade física ao longo das repetições e outros sendo variáveis p ex correr bater palmas pular dançar etc A ideia de manter alguns detalhes fixos e outros variáveis é explicada pelo fato de que quando vivenciamos um aconte cimento repetidas vezes em nossas vidas dificilmente um episódio é exatamente igual ao outro sendo que alguns aspectos se mantém fixos ou seja se apresen tam sempre da mesma form a e outros são variáveis Com isso os pesquisadores buscam compreender a complexidade envolvida na memória para eventos repeti tivos bem como aumentar a validade ecológica de seus experimentos de modo a potencializar a generalização dos seus resultados para situações reais Os estudos experimentais sobre a m emória das crianças para eventos re petitivos têm apontado para alguns resultados consistentes e outros contro versos Há evidências de que as crianças que vivenciam um evento repetidas vezes relatam m aior quantidade informações de m odo geral M cNichol Shute e Tucker 1999 Strõmwall et al 2004 Entre tanto os principais objetivos das pesquisas têm sido avaliar não a quantidade de informação re cordada mas principalmente a qualidade dessas recordações se são precisas os tipos de erros de memória bem com o a m aior ou m enor susceti bilidade das crianças à falsa sugestão quando vi venciam uma situação repetitiva em comparação com a experiência de um único episódio Connolly e Lindsay 2001 Connolly e Price 2006 Pow ell e Thomson 1996 Pow ell et al 1999 Price e Connolly 2004 Price e Connolly 2007 A sugestionabilidade consiste na tendência de um indivíduo em incorporar informações distorcidas e falsas provindas de fon tes externas de forma intencional ou acidental às suas recordações pessoais Schacter 1999 Para uma revisão mais aprofundada do tem a da sugestiona bilidade infantil e suas implicações para o testemunho de crianças indicase a leitura do Capítulo 8 De forma consistente tem sido observado que as crianças recordam m e lhor com m aior precisão e mostram maior resistência à sugestão de informações falsas para os aspectos do evento que permanecem fixos ao longo de sucessivas repetições em comparação com as crianças que vivenciam o mesmo episódio uma única vez Connolly e Lindsay 2001 McNichol Shute e Tlicker 1999 Powell e Crianças que vivenciam um evento repetidas vezes relatam maior quantidade de informações de modo geral 190 Lilian Milnitsky Stein cols Thomson 1996 Powell Thomson e Dietze 1997 Powell et al 1999 Roberts e Powell 2001 Ou seja a repetição invariável de um determinado aspecto dentro de um evento que acontece várias vezes melhora a memória para esse tipo de informação Vejamos um exemplo Marta 9 anos foi vítima de abusos sexuais repetidos perpetrados pelo pa drasto Ao relatar os episódios a menina refere que estes aconteciam sempre do mesmo jeito A mãe saía para trabalhar depois do almoço e Marta ia lavar a louça O padrasto pegava a bíblia de capa de couro vermelha e folhas dou radas sentavase à mesa sempre no mesmo lugar e lia algum trecho Depois disso chamava Marta para sentar no seu colo e dava início aos atos abusivos Marta não consegue lembrar um trecho específico que o padrasto tenha lido comentando que eram sempre diferentes Lembrase de algumas frases bíbli cas soltas sem saber precisar se as ouviu no último episódio de abuso sofrido ou em outro qualquer ou ainda durante as missas dominicais Observamos nesse exemplo que Marta manteve uma boa memória de as pectos invariáveis ao longo dos episódios que tudo começava sempre no mesmo horário que o padrasto pegava a bíblia que a bíblia tinha a capa vermelha com folhas douradas etc Com base nos resultados dos estudos experimentais so bre a memória das crianças para eventos repetitivos poderíamos supor que uma criança que tivesse vivenciado um único episódio desse tipo poderia apresentar maior dificuldade para recordar a cor da capa da bíblia ou de outros aspectos mais específicos Pesquisadores como Connolly e Lindsay 2001 Powell e colaboradores 1999 e Price e Connolly 2007 têm explicado este incremento da memória isto é a maior riqueza de detalhes e a maior precisão das recordações em decor rência da repetição invariável com base entre outras na Teoria do Traço Difuso Reyna e Brainerd 1995 já abordada no Capítulo 1 que concebe a memória a partir de um m odelo de representação dual de traços literais verbatim e traços de essência gist Os traços literais que contêm informações exatas detalhes pre cisos e específicos de um determinado evento são esquecidos mais rapidamente do que os traços de essência que contêm informações relativas ao significado ge ral do evento Brainerd e Reyna 2005 A repetição tom aria os traços literais dos aspectos invariáveis ao longo das sucessivas ocorrências mais fortes na memória e por sua vez mais resistentes ao esquecimento bem como à sugestionabilidade e à produção de FM Já a Teoria dos Esquemas Alba e Hasher 1983 que tem suas bases numa concepção constmtivista da memória ver Capítulo 1 também prevê que os as pectos fixos de um evento que se repete serão melhor recordados do que os aspec tos variáveis Segundo essa teoria quando uma pessoa vivência uma experiência repetidas vezes ela forma um esquema cognitivo dessa experiência isto é ela constrói um conhecimento generalizado sobre a experiência vivendada repetida mente Por exemplo ao consultar um mesmo médico diversas vezes a pessoa vai construindo um roteiro isto é um script dessa experiência Esse roteiro conterá informações gerais sobre o tipo de informação que se espera encontrar em tais Falsas Memórias 191 situações há um médico uma secretária uma sala de espera esperase um tem po lêse jornais ou revistas etc e igualmente informações específicas acerca do evento que irá ocorrer p ex a roupa que a secretária está vestindo naquele dia a mudança da cor de cabelo da médica a reportagem que você leu nas revistas da sala de espera etc Ao recordar uma experiência repetitiva a pessoa tende a basear sua lembrança mais no conhecimento genérico isto é no esquema cons truído ao longo das repetições do que em informações específicas vivenciadas em determinado episódio tendo maior facilidade para recordar aquilo que é comum ao longo das repetições A construção de esquemas é uma capacidade extremamente importante na cognição humana que se desenvolve ao longo da infância e nos permite organi zar e recuperar a informação armazenada na memória de forma rápida e econô mica sem demandar grande esforço cognitivo Gazzaniga e Heatherton 2005 Há evidências de que após experiências repetidas as crianças conseguem formar esquemas que as permitem organizar e recuperar a informação comum ao longo das várias ocorrências embora as crianças pequenas préescolares levem mais tempo para criar um esquema uma vez que suas habilidades cognitivas ainda estão em desenvolvimento Farrar e Goodman 1992 Farrar e BoyerPennington 1999 Fivush 1998 Price e Goodman 1990 Roberts 2002 A principal crítica à Teoria dos Esquema se refere à ideia de que ao longo de sucessivas repetições de um evento as informações específicas literais seriam perdidas na memória restando apenas o significado geral da experiência o que como salientam Brai nerd e Reyna 2005 não têm sido confirmado pela pesquisa científica uma vez que estudos têm demonstrado que as informações literais podem ser mantidas na memória por longos períodos de tempo Reyna e Kieman 1994 Brainerd e Mojardin 1998 Powell e colaboradores 1999 observaram ainda que além de aumentar a precisão das informações que permaneceram fixas ao longo de sucessivos episó dios a repetição atenuou o efeito de fatores que tipicamente estão associados com a menor preci são da memória como a menor idade da criança e um maior intervalo de tempo entre a ocorrência do evento e o teste de memória Em seu experi mento as crianças de 3 a 5 anos que participaram de uma série de atividades lúdicas repetidas vezes recordaram mais informações fixas corretas do que as crianças de mesma idade que participaram de um episódio único Igualmente as crianças na condição de repetição que foram testadas somente após três semanas recordaram mais infor mações fixas corretas em comparação com as crianças na condição de episódio único que foram testadas após esse mesmo intervalo de tempo Entretanto como vimos no exemplo de Marta os aspectos que se apresen taram variáveis p ex o conteúdo da bíblia que era lido ao longo dos episódios repetidos de abuso sexual foram mais difíceis de serem recordados pela menina De fato alguns estudos têm apontado que as crianças que vivenciam experiências repetidas apresentam mais dificuldades para recordar os aspectos variáveis ao As crianças se mostram mais resistentes à sugestão com relação às informações fixas de um evento repetitivo 192 Lilian Milnitsky Stein cols longo das repetições apresentando mais incorreções e maior aceitação de infor mações falsamente sugeridas para esse tipo de informação quando comparadas a crianças que vivenciaram um episódio único Connolly e Lindsay 2001 Price e Connolly 2004 Price e Connolly 2007 Porém outros estudos Pow ell e Roberts 2002 Powell e Thomson 1996 Powell et al 1999 não têm encontrado diferen ças na memória de informações variáveis de episódios únicos e repetidos quando a memória das crianças era testada por meio de perguntas abertas e diretas Tais resultados controversos indicam que nem sempre as crianças que vi venciam experiências repetidas serão mais sugestionáveis para os aspectos va riáveis do evento do que as crianças que tiveram uma única experiência Dife renças relativas ao tipo de teste de memória utilizado p ex recordação livre ou reconhecimento o tipo de sugestão apresentada p ex se consistente com o significado geral do evento ou se discrepante ou ainda a frequência da apre sentação da informação sugerida são fatores que também influenciam a maior ou menor sugestionabilidade evidenciada na memória para eventos repetidos Price e Connolly 2004 Roberts e Pow ell 2006 por exem plo apresentaram para crianças de 6 e 7 anos informações sugestivas sobre um evento um conjunto de atividades que havia sido vivenciado uma única vez por um grupo e quatro vezes por outro grupo M etade das informações sugeridas eram consistentes com o significado principal da experiência e portanto plausíveis de terem acontecido Por exem plo uma das atividades consistia em pedir que a criança sentasse sempre ao nível do chão sobre uma sacola plástica ou sobre uma almofada etc O experi m entador sugeria Qual era a cor do papel sobre o qual você sentou naquele dia Embora o papel seja um item falso tratase de uma informação consisten te com a ação de sentar ao nível do chão assim como a sacola plástica O res tante das informações sugeridas era inconsistente com o significado principal da experiência sendo menos plausível de ter acontecido Seguindo o exem plo aci ma o experimentador sugeria Qual era a cor do sofá que você sentou naquele dia O sofá além de ser um item falso difere tanto da informação verdadeira quanto da sugestão consistente por se tratar um objeto sobre o qual a criança senta acima do nível do chão que ocupa mais espaço etc Como resultado os pesquisadores descobriram que as crianças que haviam realizado as atividades repetidas vezes mostravamse mais sugestivas em comparação com aquelas que haviam realizado tais atividades uma única vez somente quando as inform a ções sugeridas eram consistentes com o significado principal da experiência Ao contrário quando as informações sugeridas eram inconsistentes as crianças na condição de repetição rejeitavam mais facilmente esse tipo de item mostrando se mais resistentes à sugestão do que as crianças no grupocontrole Os resultados do estudo de Roberts e Powell 2006 estão em consonância com as hipóteses teóricas apresentadas pela Teoria dos Esquemas e pela Teoria do Traço Difuso Segundo a Teoria dos Esquemas após experiências repetitivas as pessoas se mostram mais sugestionáveis para as informações falsas que forem consistentes com o esquema construído e de forma oposta mais resistentes à sugestão de informações falsas que se desviarem do esquema Farrar e Goodman Falsas Memórias 193 1992 A Teoria do Traço Difuso também prevê que quando as informações su gestivas forem consistentes com o significado principal da experiência esperase uma produção maior de FM Brainerd e Reyna 2005 Num outro estudo que também teve como objetivo investigar os fatores que poderiam explicar a maior sugestionabilidade das crianças para as informações variáveis das experiências repetitivas Connolly e Price 2006 apresentaram a crianças préescolares e escolares que haviam participado de uma série de ativi dades uma ou quatro vezes o mesmo tipo de informação sugestiva após o mes mo intervalo de tempo A manipulação experimental foi realizada sobre o tipo de informação que era apresentada às crianças que participavam da experiência repetida sendo que alguns dos itens variáveis do evento repetitivo apresentavam alto grau de associação semântica p ex a criança era solicitada a fazer de conta que era um jogador de futebol um jogador de tênis um jogador de basquete e um jogador de vôlei e outros não p ex a criança era solicitada a fazer de conta que era um cachorro um avião uma maçã e uma montanha As crianças escolares que haviam realizado as atividades quatro vezes recordaram mais FM sugeridas relativamente aos itens com alto grau de associação semântica em comparação às crianças escolares que realizaram a atividade uma única vez Esse efeito não foi encontrado nas crianças préescolares o que é consistente com os resultados de estudos sobre FM espontâneas com crianças Brainerd Reyna e Forrest 2002 nos quais as crianças mais velhas justamente por possuírem m aior capacidade de estabelecer asso ciações semânticas que as a crianças mais novas apresentam mais FM do que as crianças menores em idade préescolar ver Capítulo 7 De acordo com a Teoria do Traço Difuso tanto a produção de FM espontâneas geradas in ternamente quanto de FM sugeridas induzidas externamente estão associadas ao enfraqueci mento dos traços literais da informação original codificada Em situações repetidas é provável que os traços literais dos aspectos variáveis enfraqueçam mais rapidamente tom ando esse tipo de informação mais suscetível aos efeitos da sugestão Powell et al 1999 Além disso sabese que a produção de FM é maior quando as informações a serem recordadas são alta mente relacionadas semanticamente e fortemente associadas ao significado geral do evento sendo este efeito ainda mais proeminente quanto maior o intervalo de tempo transcorrido entre o evento e o teste de memória Brainerd e Reyna 2005 Assim indivíduos que vivenciam múltiplos e significativos eventos rela cionados podem relatar incorretamente detalhes consistentes com o significado geral da experiência Reyna et al 2007 Muito embora não seja propriamente uma teoria sobre o funcionamento da memória a Teoria do Monitoramento da Fonte Johnson e Raye 1981 também tem oferecido explicações para a maior sugestionabilidade das crianças com rela ção às informações variáveis de um evento repetitivo Segundo essa concepção a aceitação de uma informação falsa isto é a produção de uma FM sugerida As crianças que vivenciaram experiên cias repetidas tendem a ser mais sugestionáveis para os aspectos variá veis do evento do que as crianças que tiveram uma única experiência 1 9 4 Lilian Milnitsky Stein cols ocorre não propriamente em virtude de um erro de memória força do traço por exem plo mas sim em decorrência de erros nos processos de julgamento Dessa forma uma FM resultaria da atribuição incorreta de uma memória à determinada fonte o que se torna ainda mais difícil quanto maior for a similaridade entre as fontes das informações como acontece nas experiências repetidas Voltando ao exemplo de Marta observamos que a menina não conseguia discriminar se os textos bíblicos que lhe vinham à memória tinham sido ouvidos em algum episó dio específico dos abusos sofridos ou mesmo nas missas dominicais Sabese que tarefas que exigem a discriminação da fonte das recordações são especialmente difíceis para crianças pequenas uma vez que o monitoramento da fonte é uma capacidade que se desenvolve à medida que as habilidades de memória e os pro cessos cognitivos estratégicos são construídos ao longo do crescimento infantil Johnson e Raye 1981 Johnson Hashtroudi e Lindsay 1993 Lindsay e Johnson 1987 Roberts 2002 Os pesquisadores têm evidenciado consistentemente que o tipo de erro de memória mais frequentemente encontrado em crianças que vivenciam experiên cias repetitivas é o erro de intrusão interna ou seja quando a criança recorda que algum aspecto do evento aconteceu num episódio específico p ex o último episódio mas este de fato ocorreu em outro episódio da série de repetições Ainda assim tratase de algo que a criança em algum momento realmente vi venciou Nos estudos realizados muito dificilmente essas crianças apresentam erros de intrusão externa isto é quando a criança recorda de um aspecto que de fato não aconteceu em qualquer dos episódios da série de repetições Powell e Thomson 1996 Powell et al 1999 Price e Connolly 2004 Price e Connolly 2007 Powell Roberts Thomson e Ceei 2007 Num estudo recente Powell e colaboradores 2007 constataram que as crianças com experiências repetitivas aceitavam mais facilmente as sugestões de aspectos que haviam sido efetivamen te vivenciados em algum momento da série de repetições do que as sugestões de aspectos que não haviam sido vivenciados em qualquer das ocorrências da experiência Ainda que os erros de monitoramento da fonte possam explicar alguns tipos de FM nem to das elas ocorrem por erros de discriminação entre fontes como salientam Brainerd e Reyna 2005 Estes autores lembram que existem FM que ocor rem exclusivamente com base em erros de fami liaridade A noção de familiaridade está associada ao conhecimento de base previamente existente que a pessoa vai adquirindo ao longo da vida e que pode decorrer da repetição da experiência mas também de outras fontes de conhecimento como a discussão de um determinado evento com outras pesso as leituras de livros programas televisivos etc Assim algo que pareça familiar a uma criança poderá ser incorretamente relatado como algo vivenciado fruto de uma FM baseada no sentimento de familiaridade isto é oriunda do seu co nhecimento prévio Roberts e Powell 2001 chamam a atenção que o relato de As crianças envolvidas em experiências repetidas aceitam mais informação falsa sobre aspectos realmente vivenciados ao longo das ocorrências do que para aspectos não vivenciados Falsas Memórias 195 crianças que vivenciaram experiências repetidas de um evento como nos casos de abuso sexual crônico pode ser contaminado pela experiência de outros eventos relacionados p ex múltiplas entrevistas sobre os incidentes A maior imprecisão da recordação de aspectos variáveis de um acontecimen to repetitivo bem como as evidências de maior propensão à sugestionabilidade para esse tipo de informação tem levado os pesquisadores a reconhecerem que as crianças que vivenciam experiências repetitivas apresentam grande dificuldade em discriminar detalhes variáveis que aconteceram numa série de experiências repetitivas Connolly e Price 2006 Powell e Thomson 1996 Powell et al 1997 Powell et a l 1999 Price e Connolly 2004 Price e Connolly 2007 Roberts e Powell 2001 Roberts e Powell 2006 Notese que muito embora a Teoria dos Esque mas a Teoria do Traço Difuso e a Teoria do Monitoramento da Fonte ofereçam explicações distintas para os tipos de erros de memória observados em estudos sobre a memória para eventos repetidos tais abordagens entretanto não diferem relativamente à constatação de que as experiências repetitivas prom ovem a recor dação de algumas informações as informações fixas e prejudicam a recordação de outras as informações variáveis As principais diferenças entre os referidos aportes teóricos residem nos mecanismos explicativos para tal fenômeno o que pressupõe distintos modelos de funcionamento da memória ver Capítulo 1 e Neufeld e Stein 2001 Além da questão da precisão da memória e da sugestionabilidade algu mas poucas pesquisas Strõmwall et al 2004 têm procurado investigar outras características qualitativas dos relatos de memórias de eventos repetitivos em comparação com um evento único O interesse dos pesquisadores pela qualidade das memórias tem sido motivado entre outros fatores pela possibilidade de que algumas características qualitativas possam servir como indicadoras da veracidade de uma recordação A possibilidade de discriminar entre relatos baseados em memórias verdadeiras M V relatos baseados em FM e mentiras é um achado de grande relevância para a Psicologia Forense Pezdek e Taylor 2000 Embora MV e FM possam apresentar algumas similitudes estudos que comparam recordações de eventos vivenciados com eventos imaginados ou simulados têm demonstra do um número maior de detalhes relatados nos primeiros do que nos últimos Além disso o tipo de informação relatada p ex informação contextuai como a descrição do lugar ou a hora do dia informação sensorial tais como a descrição de sensações de calor ou de dor informação afetiva tais como a descrição de sentimentos de medo ou raiva também têm sido associados à veracidade de uma lembrança Bam ier et al 2005 Johnson et al 1988 Sporer e Sharman 2006 Vrij Akehurst Saukara e Buli 2004 Strõmwall e colaboradores 2004 conduziram um estudo com 87 crianças entre 10 e 13 anos cujo evento a ser recordado foi um exame médico simulado Um grupo de crianças foi examinado uma ou quatro vezes enquanto o outro foi convidado a imaginarse num exame médico igualmente uma ou quatro ve zes Os resultados apontaram para um efeito principal da repetição da experiên cia tanto na extensão quanto na qualidade dos relatos dos eventos vivenciados e imaginados examinadas por meio de critérios presentes em dois instrumentos de 196 Lilian Milnitsky Stein cols avaliação de credibilidade Ou seja comparados aos relatos das crianças que tiveram uma única ex periência independentemente se os eventos foram vivenciados ou imaginados as crianças que foram examinadas ou que imaginaram o exame quatro vezes evidenciaram relatos que continham maior número de palavras indicando maior quantidade de detalhes abrangendo maior número de infor mações qualitativamente diferentes p ex informações temporais espaciais Estudos como o relatado acima que se propõe a verificar os efeitos da re petição na qualidade da memória são relevantes uma vez que se sabe que a repetição da experiência é uma das formas de se adquirir familiaridade com um evento Isso é importante porque os estudos sobre a avaliação de credibilidade de relatos têm apontado que eventos familiares à criança apresentam mais caracte rísticas qualitativas do que eventos não familiares alcançando assim altas pontu ações nestes instrumentos Vrij 1998 O grande problema entretanto têm sido detectar se a familiaridade com o evento exibida pela criança teve como fonte a experiência repetida ou como vimos anteriormente outras fontes de conheci mento com o conversas programas televisivos etc Alguns estudos têm alertado que crianças que de alguma forma estão familiarizadas com o evento a ser re cordado p ex por orientações verbais apresentam relatos com características qualitativas muito semelhantes às das crianças que vivenciaram efetivamente o evento Pezdek et al 2004 BlandonGitlin et al 2005 Comparadas a outras áreas de pesquisa sobre a memória constatase um número relativamente pequeno de estudos experimentais sobre a memória de crianças para eventos repetitivos o que se deve entre outros fatores à comple xidade m etodológica geralmente envolvida em estudos desse tipo Em face dessa realidade de poucos estudos e ao mesmo tempo da grande relevância desse tema para a Psicologia Forense que está em desenvolvimento no Grupo de Pesquisas em Processos Cognitivos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em conjunto com a Universidade de Coimbra Portugal uma pesquisa so bre os efeitos da repetição na memória de crianças Nesse estudo pretendese verificar que efeitos a repetição de um estímulo emocional negativo isto é uma história comparada à repetição de um estímulo neutro terá na memória para informações centrais e periféricas de crianças entre 6 e 12 anos Welter 2009 Ao longo desta seção observase que a repetição de uma experiência parece tom ar mais complexa a tarefa de recordar e relatar um evento desse tipo Há evi dências que nos permitem afirmar que a recordação de um evento repetido difere da recordação de um episódio único A suposição simples de que uma criança que sofreu repetidas experiências de violência lembrará mais e melhor os episódios vivenciados não se confirma com base nas evidências científicas até aqui acu muladas Os estudos experimentais sobre a memória das crianças para eventos repetitivos indicam que a repetição de uma experiência produz efeitos distintos na qualidade das recordações conforme o tipo de informação que está sendo Estudos sugerem que características qualitativas da memória podem servir como indicadoras da veracida de de uma recordação Falsas Memórias 197 lembrada A recordação de aspectos invariáveis do evento tem sido observada como um tipo de memória mais acurado e mais resistente à aceitação de informa ções falsas Já a recordação precisa de aspectos variáveis de um evento repetido parece ser mais difícil para uma criança e mais suscetível aos efeitos da sugestio nabilidade É comum que essas crianças relatem detalhes de suas experiências embora não saibam determinar a fonte de suas recordações É pouco comum que essas crianças relatem detalhes que de fato não ocorreram ao longo das sucessi vas ocorrências embora isso não possa ser interpretado como uma garantia de precisão uma vez que os estudos apontam que FM sugeridas são mais prováveis de serem produzidas quando a informação falsa apresentada é consistente com o significado geral do evento Como vimos uma série de fatores pode interferir na qualidade da recordação de experiências múltiplas de um evento relacionado o que implica m aior cautela e maior preparo técnico quando se pretende entrevistar crianças que vivenciaram episódios de violência crônica bem como na avaliação de seus relatos Algumas críticas têm sido levantadas aos estudos experimentais sobre a m e mória para eventos repetitivos uma vez que como assinalaram Roberts e Powell 2001 obviamente por razões éticas as crianças que participaram desses estu dos não vivenciaram qualquer tipo de experiência traumática similar por exem plo às crianças que são vítimas de maustratos e abusos crônicos para as quais pretendese generalizar os resultados encontrados Entretanto um estudo mais recente de Price e Connolly 2007 que envolveu a participação das crianças de 4 e 5 anos numa atividade potencialmente mais estressante aulas de natação e que buscou maior controle do grau de ansiedade experimentado pelas crianças não apontou para resultados diferentes daqueles evidenciados em estudos nos quais as crianças participaram de atividades lúdicas repetitivas não estressantes isto é a repetição da experiência prejudicou a qualidade da memória das in formações variáveis A única exceção do padrão de resultados encontrada no estudo de Price e Connolly 2007 foi o fato das crianças ansiosas se mostrarem menos sugestionáveis na recordação livre isto é recordaram menos informações falsas do que as crianças classificadas como não ansiosas Além dos estudos experimentais as pesquisas com pessoas que foram ví timas de formas crônicas de violência como repetidos maustratos e abusos se xuais também têm contribuído para a compreensão dos efeitos da repetição de experiências emocionalmente negativas na memória desse tipo de evento Na se ção seguinte serão apresentados alguns estudos sobre a memória de adultos e crianças para experiências traumáticas repetitivas A MEMÓRIA PARA EXPERIÊNCIAS TRAUMÁTICAS REPETITIVAS Outra forma de se conhecer os efeitos da repetição de uma experiência na memória é por m eio de estudos de campo conduzidos com adultos e crianças que foram vítimas de situações de estresse crônico como experiências repetidas 198 Lilian Milnitsky Stein cols de abusos sexuais ou agressões físicas O objetivo desses estudos é saber o que acontece com a memória de pessoas para esse tipo de evento Esperase que essas pessoas lembrem bem e relatem em detalhes suas experiências repetidas de abuso sexual Esperase que esqueçam e que omitam detalhes Em sua maioria tratamse de estudos realizados com adultos que são soli citados a responder a perguntas sobre os episódios passados de abuso sexual vi venciados durante a infância Suas respostas são comparadas a registros original mente feitos em hospitais ou delegacias de polícia documentados há muitos anos p ex períodos de 12 17 20 anos ou mais Os pesquisadores bus cam avaliar entre outros fatores a consistência e a completude dos relatos de episódios repetidos de abuso sexual A consistência diz respeito ao quanto um relato feito em determinado momen to depois de transcorrido um período de tempo continua a conter o mesmo tipo de informações Já a completude se refere ao quanto um relato feito há algum tempo continua a apresentar a mesma quantidade de informações ou se ocorrem omissões Lem bremos do exemplo da seção anterior de Marta e suponhamos que por algum motivo passados 10 anos do depoimento feito na delegacia ela volte a relatar os episódios sofridos Vejamos o que aconteceu com o relato da moça Marta conta que foi vítima de abusos sexuais repetidos quando criança per petrados pelo padrasto Recorda que os atos abusivos aconteciam logo após a mãe sair para trabalhar que o padrasto lia a bíblia e a chamava para que sentasse no seu colo dando início aos abusos Neste exemplo ao comparar o primeiro relato feito na delegacia e o relato posterior podemos observar que as informações relatadas pela jovem seguem sendo as mesmas sendo estas as informações centrais do episódio vivendado Ou seja o relato de Marta após 10 anos é consistente com o relato feito na delega cia Entretanto o relato da jovem é menos completo apresentando a omissão de uma série de detalhes p ex que os fatos aconteciam após o almoço quando ela ia lavar a louça que a bíblia tinha capa de couro vermelha com folhas douradas etc Como veremos mais adiante a omissão de informações em casos de violên cia pode ser resultado do esquecimento ou da disposição a não relatar esse tipo de informação muitas vezes constrangedora e dolorosa A possibilidade de lembrar ou esquecer experiências traumáticas de modo geral incluindo as experiências repetidas de abuso sexual tem sido investigada e debatida entre os pesquisadores da memória ver Brewin 2007 Schooler e Eich 2000 Alguns estudos apontam que as vítimas de abusos sexuais na infância podem vir a esquecer dessas experiências na vida adulta W idom e Morris 1997 Williams 1994 Williams 1994 por exemplo entrevistou 129 mulheres que quando crianças haviam sido atendidas em um hospital em decorrência de abu Estudos com vítimas de estresse crônico têm aju dado a compreender os efeitos da repetição de experiências emocionais sobre a memória para esse tipo de evento Falsas Memórias 199 sos sexuais sofridos tendo encontrado que 38 dessas mulheres não relataram a experiência abusiva que havia sido documentada no passado Estudos mais recentes entretanto apontam que adultos que foram vítimas de abuso sexual na infância em sua maioria recordam consistentemente as expe riências de violência sofrida Alexander et al 2005 Ghetti et al 2006 Goodman et al 2003 Por exemplo Goodman e colaboradores 2003 entrevistaram 175 adultos com história documentada de abuso sexual infantil tendo encontrado que 81 dos participantes recordaram e relataram suas experiências abusivas Fatores como a idade mais avançada à época que os abusos cessaram o suporte materno e o grau de severidade dos abusos sofridos m edido pela gravidade dos sintomas psicológicos apresentados em decorrência da situação abusiva mostra ramse positivamente relacionados com a revelação de tais experiências A discrepância entre os resultados desses estudos mais recentes Ghetti et al 2006 Goodman et al 2003 Alexander et al 2005 e os estudos anteriores W idom e Morris 1997 Williams 1994 tem sido explicada principalmente em razão de diferenças metodológicas Para Ghetti e colaboradores 2006 no que tange particularmente aos estudos com vítimas de abuso sexual é importante saber diferenciar entre medidas de esquecimento subjetivas p ex quan do o sujeito diz que não lembra e objetivas p ex quando o sujeito demonstra que não lembra por algum parâmetro de m em ória uma vez que outros fatores sociais e emocionais que não a fal ta de memória podem concorrer para a não revelação de uma experiência desse tipo Os pesquisadores assinalam que é importante ter cautela ao interpretar as falhas de memória apontadas em alguns estudos como evidência de esqueci mento uma vez que pode se tratar de uma falha em relatar e revelar tais infor mações e não propriamente em recordar os episódios vivenciados Além da consistência e da completude dos relatos de experiências traumá ticas sejam estas episódios únicos ou repetidos existem estudos Peace e Porter 2004 Porter e Birt 2001 Porter e Peace 2007 que buscam avaliar outros aspec tos qualitativos das memórias autobiográficas traumáticas que incluem fatores como o grau de vivacidade das recordações a presença de informação sensorial e emocional entre outros Nesses estudos os participantes são solicitados a ava liarem suas recordações com base em critérios selecionados de acordo com os objetivos da pesquisa p ex avaliar o quão clara é sua memória para o evento determinado Como já foi referido anteriormente pesquisas sobre características qualitativas da memória têm contribuído para a construção e o aprimoramento de instrumentos de avaliação de credibilidade de relatos É importante ressaltar que o fato de que as memórias traumáticas sejam usualmente bemlembradas e mostremse consistentes ao longo do tempo ao menos quanto aos aspectos centrais da experiência não significa que sejam ga rantidamente precisas ou imunes aos processos de deterioração da memória En tre outros estudos Pezdek 2003 na área das memórias flashbulb por exemplo Adultos que vivenda ram abusos sexuais na infância recordam consistentemente essas experiências 200 Lilian Milnitsky Stein cols têm demonstrado que a despeito do alto grau de vivacidade de tais memórias e de consistência temporal estas podem conter incorreções e distorções manti das consistentemente ao longo dos sucessivos testes de memória Christianson e Lindholm 1998 Laney e Loftus 2005 No exemplo que vimos anteriormente embora o relato de Marta se mostre coerente e ao longo do tempo consistente não há como se afirmar com absoluta confiança que se trata de um relato 100 preciso livre de distorções Schelach e Nachson 2001 analisaram a precisão e outras características da memória de cinco sobreviventes do campo de concentração de Auschwitz com idades entre 58 e 74 anos tendo permanecido aprisionados por períodos de 3 a 27 meses As memórias dos sobreviventes foram comparadas a duas fontes baseadas em registros documentais confiáveis O nível geral de precisão das m e mórias do campo de concentração foi de 60 Os autores concluíram que embora eventos extremamente traumáticos como a permanência em um campo de con centração tendam a ser bemlembrados com bom nível de precisão mesmo por longos períodos de tempo mais de 50 anos depois detalhes importantes podem ser esquecidos No presente estudo por exemplo a memória para o tipo de comi da servida o layout do campo e as condições das instalações foi pobre Da mes ma forma o desempenho relativamente ao reconhecimento de faces foi bastante baixo sendo que nenhum dos sobreviventes reconheceu a figura do comandante do campo Rudolf Hõss e somente dois reconheceram o famoso Dr M engele que em Auschwitz fazia a triagem dos novos prisioneiros que chegavam ao campo direcionandoos à câmara de gás ou aos alojamentos Existem poucos estudos acerca da memória de experiências repetidas de abuso sexual ou outras formas de violência com crianças e adolescentes Orbach e colaboradores 2000 avaliaram os relatos de 96 crianças entre 4 e 13 anos ví timas de abuso sexual Ao comparar os relatos feitos pelas crianças sobre os even tos traumáticos vivenciados os pesquisadores descobriram que as que haviam sido vítimas de abusos sexuais múltiplos apresentavam relatos que continham um número significativamente maior de detalhes do que crianças que haviam sido vítimas de um episódio único Em outro estudo Ghetti e colaboradores 2002 avaliaram a consistência dos relatos de abuso sexual e físico de 222 crianças entre 3 e 16 anos que estavam participando de uma investigação criminal Os relatos de abuso sexual apresentaram maior consistência que os relatos de abuso físico As crianças maiores foram mais consistentes isto é relataram em momentos diferentes as mesmas informações para ambos os tipos de abusos As meninas foram mais consistentes que os meninos nos relatos de abuso sexual Particular mente em relação às experiências repetidas os autores observaram que as crian ças tendiam a ser menos consistentes isto é relatar em momentos diferentes informações diferentes quando haviam sofrido múltiplas experiências abusivas e por diferentes perpetradores Com o objetivo de identificar fatores que pudessem predizer o esquecimento ou a recordação de episódios de violência familiar Greenhoot McCloskey e Glisky 2005 buscaram examinar as relações entre a memória para esses episódios de Falsas Memórias 201 violência familiar e a memória para outros tipos de eventos e circunstâncias da vida ocorridos na in fância Para tanto entrevistaram 153 adolescentes entre 12 e 18 anos que seis anos antes haviam par ticipado de um estudo mais amplo sobre violência doméstica Esses jovens haviam sido testemunhas ou vítimas de dois tipos de agressão ocorridas fre quentemente agressão dirigida à mãe eou agres são e abusos dirigidos a si próprios A maior parte dos adolescentes lembrou e relatou episódios de violência familiar vivendados na infância como vítima eou testemunha 66 dos adolescentes que haviam testemu nhado atos de agressão contra suas mães e 80 dos adolescentes que foram vítimas de agressão e abuso relataram algum episódio de violêntia Ainda assim muitos detalhes de suas histórias passadas de agressão e abuso não foram bemmantidas especialmente nas situações em que a mãe foi o alvo da agressão Além disso os adolescentes se mostraram mais resistentes à sugestão de in formações incorretas quando haviam sido vítima das agressões Ao analisar a pre valência do esquecimento completo em função do grau de violência associado aos episódios de agressão foi observada uma tendência a não relatar formas mais severas de violência em comparação a formas moderadas Essa tendência foi ainda mais acentuada nas situações em que a agressão foi diretamente dirigida aos ado lescentes 82 dos adolescentes que quando crianças foram vítimas de violência severa falharam em relatar tais experiências O esquecimento de outros eventos não relacionados à violência familiar p ex mudança de escola ou de residência morte ou tentativa de suicídio de um membro da família alcançou índices compa ráveis aos observados em diferentes formas de agressão dentro da família enquan to o esquecimento de episódios de agressão severa sofridos dentro da família foi o evento esquecido com maior frequência Greenhoot et al 2005 Todavia como assinalam Ghetti e colaboradores 2006 é preciso ter cau tela ao interpretar as falhas de memória presentes em estudos desse tipo Gre enhoot et al 2005 como evidência de esquecimento uma vez que como já foi enfatizado anteriormente pode se tratar de uma falha em relatar tais informa ções o que não resulta necessariamente de falhas de memória GoodmanBrown Edelstein e colaboradores 2003 por exemplo observaram que em um grupo de 218 crianças e adolescentes entre 2 e 16 anos que haviam sido sexualmen te abusadas fatores como a idade da criança o tipo de abuso sofrido intra ou extrafamiliar o medo das consequências negativas após uma revelação e o sen timento de ter sido responsável pela situação abusiva influenciavam a disposição de uma criança para revelar e relatar uma experiência desse tipo Crianças mais velhas vítimas de abusos intrafamiliares crianças que demonstraram um temor maior das consequências negativas após uma revelação e crianças que se sentiram responsáveis pelo abuso tendem a tardar a revelação dos episódios A tendência a não revelar detalhes de violência sexual também tem sido encontrada em outros estudos Leander Granhag e Christianson 2005 pude Críanças que foram vítimas de abusos sexuais repetidos apresentam relatos mais detalhados e menos consistentes do que crianças que vivencia ram um episódio único 202 Lilian Milnitsky Stein cols ram comparar os relatos feitos na polícia por 64 crianças entre 8 e 16 anos que haviam atendido a telefonemas obscenos às gravações encontradas no compu tador do abusador Os pesquisadores constataram que todas as crianças nesse estudo omitiram grande parte das afirmações e perguntas feitas pelo abusador que se relacionavam a conteúdos sexuais relatando menos de 10 desse tipo de informação Em contrapartida as crianças puderam relatar cerca de 70 das perguntas neutras de conteúdo não sexual feitas pelo autor das ligações Além disso os pesquisadores encontraram alto grau de precisão nas respostas dadas pelas crianças atingindo índices por exemplo de 889 de respostas corretas para perguntas neutras feitas pelo abusador p ex Onde você mora ou Você tem irmãos 833 para perguntas relacionadas a conteúdos sexuais de forma geral p ex Você sabe o que é sexo ou Você acha que beijar é a mesma coisa que fazer sexo e 757 para perguntas de conteúdo sexual diretamente diri gidas à criança p ex Como você sabe quando você está excitado ou Você gostaria de fazer sexo com seu irmão Em outro estudo semelhante Leander Christianson e Granhag 2007 en trevistaram oito crianças que no passado foram vítimas de um único episódio de abuso sexual perpetrado por um estranho tendo a polícia encontrado na casa do criminoso fotos nas quais as crianças apareciam nuas eou em situações suges tivas de abuso As crianças haviam sido entrevistadas pela polícia e examinadas por um médico à época dos abusos Apesar de relatarem inúmeros detalhes do que aconteceu antes e depois do ataque sofrido o que evidencia boa memória as crianças relataram poucos detalhes relativos à violência sexual em si estes com puseram apenas 76 do total sendo que cinco crianças não relataram qualquer detalhe sexual Em contrapartida essas crianças expressaram em 97 ocasiões sua relutância em descrever esse tipo de detalhes Em ambos os estudos descritos acima Leander et al 2005 2007 os pes quisadores concluíram que a omissão de informação especificamente sexual não se devia ao esquecimento já que as crianças mostravam muito boa memória para outros tipos de informação mas sim a uma disposição a não falar sobre esse tipo de assunto Mesmo se tratando de episódios únicos de abuso sexual os resultados dos estudos são importantes pois nos alertam que ao relatar uma experiência de abuso sexual uma criança não está apenas recordando uma experiência única ou repetida mas também está falando sobre algo do qual ela usualmente não quer falar por medo sentimento de culpa ou outros fatores E é justamente por isso pelo fato de se tratar de um assunto delicado e difícil para uma criança falar que a forma como uma criança é questionada e entrevistada é de extrema relevân cia não apenas por motivos técnicos no sentido de se obter um relato de melhor qualidade mas especialmente por motivos éticos no sentido de se proteger a criança de questionamentos abusivos muitas vezes desnecessários e tecnicamente pouco válidos A técnica de entrevista utilizada para cole tar o depoimento de uma criança vítima de abusos sexuais pode ser um dos fatores que contribuem A tendência a não relatar experiências de abuso sexual não pode ser interpretada como decorrente de falha de memória Falsas Memórias 203 para aumentar a resistência da criança a falar sobre o que aconteceu A inexistên cia de uma fase preparatória de entrevista de um ambiente adequando para falar e especialmente a falta de treinamento adequado do entrevistador pode compro meter a qualidade do relato testemunhal além de constranger a criança que está testemunhando gerandolhe mais sofrimento ver Capítulos 8 e 10 Em síntese os estudos realizados com adultos que na infância vivenciaram experiências traumáticas crônicas sugerem que as pessoas conservam boa m e mória para esse tipo de acontecimento apresentado alto grau de consistência Observase entretanto que por se tratarem de estudos naturalísticos é muito difícil que se possa avaliar o grau de precisão dessas recordações consistentes uma vez que naturalmente na maioria das vezes não há um registro do evento original Os estudos realizados com crianças vítimas têm demonstrado que estas recordam com riqueza de detalhes experiências repetidas de abusos sexuais em bora tendam a ser menos consistentes do que as crianças que foram vítimas de um episódio único Além disso crianças vítimas de abusos sexuais evidenciaram uma tendência a serem precisas quando questionadas livremente na ausência de perguntas sugestivas Entretanto embora os estudos naturalísticos ofereçam contribuições valiosas para a compreensão da memória de crianças e adultos que vivenciaram experiências traumáticas repetitivas a impossibilidade de um con trole m etodológico m aior limita o potencial explicativo dos resultados encontra dos uma vez que não permite que possamos isolar e testar fatores que poderiam explicar os resultados encontrados CONSIDERAÇÕES FINAIS A repetição de uma experiência imuniza nossa memória contra os erros e distorções que naturalmente está sujeita Estaríamos diante de uma vacina contra a produção de FM A resposta a essas questões não é simples única ou definitiva Com base na revisão da literatura científica apresentada ao longo deste capítulo podemos responder sim e não a tais perguntas Sim vimos que há evidências científicas consistentes indicando que a repetição melhora a memória dos aspectos invariáveis presentes ao longo de uma série de ocorrências de um determinado evento Ou seja com relação a esse tipo de informação a repetição melhora a precisão da memória e a tom a mais resistente aos efeitos da suges tionabilidade e à produção de FM E não a repetição além de não imunizar a memória contra erros e distorções pode tomála ainda mais imprecisa e mais suscetível à sugestionabilidade quando estamos recordando os aspectos variáveis de um evento repetitivo Tais achados científicos são importantes porque nos alertam para a comple xidade envolvida na memória para experiências repetidas ainda mais quando se tratam de crianças e especialmente quando estas foram vítimas de violência crôni ca É provável que uma criança nessa situação possa recordar de muitos detalhes de sua experiência Mas também é possível e esperado que ela apresente erros e falhas de memória sem que isto necessariamente comprometa a credibilidade 204 Lilian Milnitsky Stein cols da totalidade de seu relato Além disso como já vimos neste capítulo é possível e frequente que uma criança relute em relatar experiências de violência direta mente dirigidas a ela de modo especial quando a violência é de natureza sexual Isso acontece não porque a criança não lembra o que aconteceu pelo contrário estudos naturalísticos e experimentais sugerem que as crianças conseguem lem brar experiências traumáticas por longos períodos de tempo Isso acontece muito provavelmente porque a criança não se dispõe a falar sobre o que aconteceu por sentimentos variados como medo constrangimento e culpa Por isso conhecer os problemas envolvidos na recordação de experiências repetidas pode ser útil e valioso para o campo da Psicologia Forense O estudo da sugestionabilidade infantil presente nesse tipo específico de memória bem como as condições nas quais as crianças se mostram mais suscetíveis à criação de FM espontâneas e induzi das tem impulsionado pesquisadores a desenvol verem técnicas específicas de entrevistas de modo a minimizar seus efeitos deletérios sobre a qua lidade da memória A o preservar a qualidade de um relato estamos não apenas agregando valor ao testemunho como evidência criminal mas principalmente preservando as crianças de questionamentos pouco recomendáveis dos pontos de vista técnico e ético REFERÊNCIAS Alba J W Hasher L 1983 Is memory schematic Psychological Bulletin 93 203231 Alexander K W Quas J A Goodman G S Ghetti S Edelstein R S Redlich A D Cordon I M et al 2005 Traumatic impact preditcs longterm memory for documented child sexual abuse Psychological Science 16 3340 Bamiei A J Sharman S J McKay L Sporer S L 2005 Discriminating adults ge nuine imagined and deceptive accounts of positive and negative childhood events Applied Cognitive Psychology 198 9851002 BlandonGitlin I Pezdek K Rogers M Brodie L 2005 Detecting deception in chil dren An experimental study of the effect of the event familiarity on CBCA ratings Law and Human Behavior 292 187197 Brainerd C J Mojardin A H 1998 Childrens and adults spontaneous false memories Longterm persistence and meretesting effects Child Development 685 13611377 Brainerd C J Reyna V F 2005 The science of false memory New 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MEMÓRIAS Leandro da Fonte Feix Giovanni Kuckartz Pergher Capítulo 8 abordou os fatores cognitivos especialmente aqueles ligados ao funcionamento da memória que permeiam a Psicologia do Testemunho Infantil Conforme foi visto é grande as demandas cognitiva e emocional que recai sobre uma testemunha no momento do depoimento sendo ela criança ou adulta Stein e Nygaard 2003 Isso ocorre porque a maioria das pessoas não está habituada a descrever em detalhes as situações que vivenciam O momento de tomada do depoimento de uma testemunha ou vítima pode ser entendido como um teste de memória para o evento em questão Sendo assim o uso de técnicas inadequadas para a coleta das informações contidas na memória da testemunha pode resultar em problemas à qualidade do depoimento Diversas pesquisas sobre o funcionamento da memória têm mostrado que ao vivenciar uma situação as pessoas focam apenas alguns aspectos do evento Logo não armazenam na memória todas as partes informações dessa situação Assim ao tentar recordar as informações sobre o fato que realmente estão regis tradas é impossível lembrar todos os detalhes que ocorreram Consequentemen te o indivíduo pode acrescentar novas informações às lembranças ou seja falsas memórias FM Em virtude disso o papel do entrevistador investigativo o profissional que irá obter o relato da testemunha é crucial pois ele precisará enga jála no processo de busca de informações precisas contidas na sua memória Em outras palavras ele necessita lançar mão de estratégias para motivar e auxiliar o indivíduo a descre ver o evento de interesse em detalhes e com a m aior precisão possível pois sem o seu esforço provavelmente poucas informações serão obtidas Poole e Lamb 1998 Existem evidências científicas mostrando que a postura do entrevistador bem como suas crenças e hipóteses a respeito do evento investigado podem in fluenciar significativamente o comportamento da testemunha podendo levar a distorções no depoimento Ceei e Bruck 1995 Com relação a técnicas utilizadas Os depoimentos podem estar baseados em falsas memórias 2 1 0 Lilian Milnitsky Stein cols por muitos entrevistadores forenses Memon 2007 aponta as dez falhas mais comuns detectadas em entrevistas Quadro 101 Todas as falhas se referem ao uso de técnicas de entrevista inadequadas bem como à postura do entrevistador e podem ser minimizadas e até mesmo neutralizadas a partir do uso de técnicas mais apropriadas de entrevista investigativa Visando a minimizar erros como esses cometidos por entrevistadores fo renses mesmo os mais experientes muitas técnicas têm sido desenvolvidas com o objetivo de obter informações mais verossímeis Este capítulo apresentará uma das técnicas de coleta de testemunho mais pesquisada ao redor do mundo a En trevista Cognitiva EC Fisher e Geiselman 1992 Cabe ressaltar que a EC não é a única técnica de coleta de testemunho disponível Além dela existem outras ferramentas que estão a serviço do profissional como por exemplo a Entrevis ta Estruturada Porém estudos experimentais comparando a efetividade desses procedimentos de coleta de informações vêm demonstrando uma considerável vantagem da EC principalmente com adultos M em on e Higham 1999 Nygaard Feix e Stein 2006 A Entrevista Cognitiva histórico e caracterização A EC é uma técnica que foi desenvolvida originalmente em 1984 por Ro nald Fisher e Edward Geiselman a pedido de policiais e operadores do Direito norteamericanos para maximizar a quantidade e a precisão das informações colhidas de testemunhas ou vítimas de crimes M em on 1999 Na época em uma pesquisa realizada no Departamento de Polícia de Miami Estados Unidos foram constatados diversos problemas no interrogatório policial que conduziam a uma deficiente comunicação entre a testemunha e o policial limitando o resultado da entrevista Fisher Geiselman e Raymond 1987 Anos mais tarde o mesmo padrão de erros foi detectado nos policiais de Londres Inglaterra George 1991 citado em Memon 1999 As principais falhas apontadas pelos autores estão pre sentes no Quadro 101 O principal objetivo da EC é obter melhores depoimentos ou seja ricos em detalhes e com maior quantidade e precisão de informações A EC baseiase nos conhecimentos científicos de duas grandes áreas da Psicologia Psicologia Social e Psicologia Cognitiva No que concerne a Psicologia Social integram os conhecimentos das relações humanas particularmente o modo de se comunicar efetivamente com uma teste munha e no campo da Psicologia Cognitiva somamse os saberes que os psicólo gos adquiriram sobre a maneira como nos lembramos das coisas ou seja como a nossa memória funciona O conhecimento científico sobre o funcionamento da memória não deixa dúvidas todos nós somos suscetíveis a distorcer nossas lembranças incluindo os próprios entrevistadores Ainda que a EC esteja centrada em técnicas para lidar A Entrevista Cognitiva utiliza os conhecimentos científicos sobre a memó ria para obter depoi mentos mais precisos Falsas Memórias 211 QUADRO 101 Dez falhas mais comuns dos entrevistadores forenses 1 Não explicar o propósito da entrevista 2 Não explicar as regras básicas da sistemática da entrevista 3 Não estabelecer rapport 4 Não solicitar o relato livre 5 Basearse em perguntas fechadas e não fazer perguntas abertas 6 Fazer perguntas sugestivas confirmatórias 7 Não acompanhar o que a testemunha recém disse 8 Não permitir pausas 9 Interromper a testemunha quando ela está falando 10 Não fazer o fechamento da entrevista com as falhas da memória da testemunha as possíveis distorções das lembranças do entrevistador também devem ser levadas em consideração Dessa forma faz parte da técnica que todo o procedimento de entrevista seja registrado em vídeo se não for possível pelo menos audiogravado de modo que qualquer profissional envolvido com a investigação possa ter acesso direto às informações literais do depoimento Aversão original da EC desenvolvida em meados dos anos 1980 era basica mente um conjunto de quatro estratégias cognitivas específicas para melhorar a recordação das pessoas para os eventos testemunhados Com o avanço das pes quisas em laboratório e dos estudos de campo sobre o funcionamento da memória a e dinâmica da comunicação o procedimento passou por uma revisão em 1992 Fisher e Geiselman 1992 Essa versão aperfeiçoada da EC enfoca fortemente técnicas de comunicação e dinâmica social além daquelas técnicas cognitivas da primeira versão e é um procedimento em que os componentes cognitivos e de comunicação operam conjuntamente Após passar por esse aperfeiçoamento uma série de estudos M em on e Hi gham 1999 com a EC apontaram para uma mesma direção a técnica da EC aumenta o número de informações relatadas e a qualidade isto é a precisão de detalhes recordados pelas testemunhas Contudo aqueles que trabalham direta mente com a apuração e o julgamento de crimes colocaram a seguinte questão a EC auxilia a coletar mais informações das testemunhas mas essas informações adicionais são úteis para nós Para responder a esta questão Roberts e Higham 2002 obtiveram avalia ções da relevância forense de detalhes trazidos pelas testemunhas na EC solici tando que policiais e membros do Conselho da Coroa do Reino Unido classificas sem a relevância de cada detalhe tanto para a investigação policial quanto para a fase processual isto é quando o caso vai a julgam ento A EC obteve maiores índices de informação juridicamente relevante considerada pelos especialistas forenses em comparação com outras formas de entrevista 2 1 2 Lilian Milnitsky Stein cols Em um estudo desenvolvido no Brasil realizado com uma população com baixos índices de escolaridade e nível socioeconômico também foram encontra dos resultados similares com relação à efetividade da EC Nygaard Feix e Stein 2006 A EC se mostrou mais eficaz na produção de informações juridicamente relevantes com alto grau de precisão em comparação a uma entrevista padrão Achados como esses parecem apontar para uma efetividade da EC em diferentes países e populações Embora o principal uso da EC seja no contexto forense ela tem sido imple mentada ainda em caráter experimental em outros âmbitos como por exemplo para melhorar a qualidade das informações obtidas em pesquisas de opinião De simone e Le Floch 2004 e no âmbito organizacional para investigar situações de violência no local de trabalho Wacdington Badger e Buli 2006 Apesar das am plas possibilidades de aplicação da EC ela é contraindicada em entrevistas investi gativas com suspeitos Essa contraindicação está relacionada às distintas naturezas entre as entrevistas com vítimas e testemunhas e as entrevistas com suspeitos Via de regra ao se entrevistar um suspeito este tende a ser pouco colaborativo o que prejudica o uso das técnicas da EC Memon 1999 Logo a entrevista com suspei tos requer o uso de técnicas especificamente voltadas para essa população as quais diferem daquelas utilizadas na EC Memon Vrij e Buli 1998 ETAPAS DA ENTREVISTA COGNITIVA A EC envolve uma abordagem organizada em torno de cinco etapas cada qual com seus fundamentos e objetivos específicos Um resumo das etapas é apre sentado no Quadro 102 As duas primeiras etapas da EC construção do rapport e recriação do con texto original referemse ao estabelecimento de uma condição favorável para que o entrevistado possa acessar as informações registradas na memória Na terceira etapa o entrevistado relata livremente a situação testemunhada A fase seguinte envolve o uso de técnicas de questionamento baseado somente nas informações trazidas no relato livre do entrevistado visando à obtenção de maiores detalhes e esclarecimentos A última etapa diz respeito ao fechamento da entrevista em que o entrevistador fornece uma síntese dos dados obtidos nas etapas anteriores com o objetivo de conferir com o entrevistado a precisão dos mesmos O detalhamento de cada etapa da EC é descrito nas próximas subseções Primeira etapa construção do rapport Ao iniciar a tomada de depoimento é importante que o entrevistador cons trua um ambiente acolhedor demonstrando empatia em relação à testemunha já que esta possivelmente tenha vivenciado uma situação atípica muitas vezes traumática ou dolorosa e que terá que falar sobre ela com uma pessoa estranha entrevistador Dentro dessa perspectiva é relativamente fácil perceber a im Falsas Memórias 213 QUADRO 102 Etapas da Entrevista Cognitiva Etapa Objetivos 1 Construção do Rapport Personalizar a entrevista Construir um ambiente acolhedor Discutir assuntos neutros Explicar os objetivos da entrevista Transferir o controle para o entrevistado II Recriação do contexto original Restabelecer mentalmente o contexto no qual a situação ou crime ocorreu Recriar o contexto ambiental perceptual e afetivo III Narrativa Livre Obter o relato livre da testemunha sem interrupções IV Questionamento Realizar o questionamento compatível com o nível de compreensão da testemunha Priorizar o uso de perguntas abertas Obter esclarecimentos e detalhamento do relato Possibilitar múltiplas recuperações V Fechamento Realizar o fechamento da entrevista Fornecer o resumo das informações obtidas Discutir tópicos neutros Estender a vida útil da entrevista portância que adquirem as habilidades de comunicação e de interação social do entrevistador Devese estabelecer uma relação interpessoal na qual a testemunha sintase suficientemente confortável para falar sobre um evento emocionalmente carregado e é justamente esse um dos objetivos da primeira etapa da EC M e mon e Buli 1999 Para que uma relação comunicativa possa funcionar ela deve ser genuína ou seja o entrevistador realmente precisa se interessar pelo que a testemunha tem a dizer tanto no que diz respeito ao fato em questão quanto em relação ao seu estado emocional Nessa etapa o entrevistador deverá buscar desenvolver uma atmosfera psicológica favorável para que a testemunha consiga relatar minuciosa mente determinado evento Para que se estabeleça um ambiente emocional adequado o entrevista dor utilizase do princípio da sincronia Segundo esse princípio em uma relação interpessoal as pessoas tendem a agir de maneira semelhante ao seu interlocutor M em on e Buli 1999 Portanto O entrevistador deve desenvolver uma atmosfera psicológica favorável para que a testemunha consiga relatar minuciosamente o evento vivido 214 Lilian Milnitsky Stein cols quando uma testemunha que está ansiosa interage com um entrevistador que ofereça uma postura de suporte tranquilizadora e segura esta tenderá a com portarse de forma semelhante A partir dessa mudança em seu comportamento o entrevistado passará também por uma mudança em sua experiência emocional subjetiva Fisher e Geiselman 1992 Faz parte da natureza do ser humano o desejo de ser acolhido e sentirse im portante para outras pessoas Gilbert 2004 Nesse sentido é recomendado ini ciar o rapport com um agradecimento autêntico pela participação da testemunha o que transmite desde os primeiros momentos a mensagem de que sua presença é importante Além do agradecimento o entrevistador deve iniciar com pergun tas sobre alguns assuntos neutros sem relação direta ou indireta com o evento em questão Adotando essa atitude ele demonstrará interesse pelas informações trazidas pela testemunha o que reforça a mensagem acerca de sua importância Adicionalmente a postura de escuta ativa e empática auxilia na construção de uma relação suficientemente calorosa que favorecerá posteriormente a introdu ção de assuntos mais delicados ou emocionalmente carregados Além de construir uma atmosfera psicológica favorável o rapport serve para outros importantes propósitos Em primeiro lugar ele permite que o entrevistador tenha alguma noção sobre o nível cognitivo e de desenvolvimento da linguagem do entrevistado o que permitirá a este ajustar a sua própria linguagem ao comu nicarse com a testemunha Por exemplo ao entrevistar uma adolescente o entre vistador adulto pode conhecer as gírias utilizadas e avaliar o vocabulário da en trevistada bem como a velocidade de expressão verbal A partir dessa avaliação ele tem condições de aproximar a sua linguagem à utilizada pela entrevistada O formato do diálogo inicial determina o ritmo que terá o resto da entrevista O ritmo que o entrevistador deve estabelecer é aquele no qual a testemunha fale com fluência afinal de contas ela é a detentora de informações relevantes sobre o fato em questão Fisher Brennan e McCauley 2002 Desse modo o entrevista dor não deve interromper o entrevistado enquanto ele fala pois tal atitude além de comunicar implicitamente um desinteresse no que a testemunha tem a dizer também acaba por prejudicar o acesso às informações na memória da testemunha interrompendo a fluidez do relato O tempo de duração do rapport não é determinado uma vez que depende das características da testemunha e outros fatores circunstanciais presentes no momento do relato Via de regra essa primeira etapa da entrevista vai durar tanto tempo quanto for necessário para que a testemunha sintase suficientemente à vontade e tranquila para conversar com o entrevistador De maneira semelhan te o rapport pode ser retomado a qualquer momento da entrevista caso seja necessário lidar com mudanças no estado emocional do entrevistado Fisher e Geiselman 1992 Outro ponto chave para o estabelecimento e a manutenção de uma atmos fera favorável diz respeito ao conhecimento por parte da testemunha sobre o funcionamento da EC Na maioria das vezes a testemunha desconhece as cir cunstâncias nas quais o depoimento é obtido e embora o entrevistador tenha Falsas Memórias 215 conhecimento sobre os objetivos e os papéis que cada um tem a desempenhar o entrevistado não o possui e esse desequilíbrio precisa ser minimizado Assim é tarefa do entrevistador compartilhar com a testemunha de maneira direta e explícita o objetivo daquele momento e o papel que cada um deve cumprir para seu alcance Fisher e Sdireiber 2006 Esse momento é descrito como as regras básicas ground m ies ou seja as instruções acerca do funcionamento da entrevista A primeira dessas instru ções referese a uma abordagem das possíveis crenças distorcidas da testemunha decorrentes das distintas posições hierárquicas ocupadas por cada membro da dupla entrevistador e entrevistado Os estudos advindos da Psicologia Social in dicam que o entrevistador exerce um papel de autoridade e a testemunha prin cipalmente se for criança pode confundir essa autoridade com onisciência Dito de maneira diferente a testemunha pode acreditar que o entrevistador já sabe tudo o que tom aria seu depoimento sem importância Esse fenômeno é conheci do como efeito do status do entrevistador Zaragoza et al 1995 Tendo em vista esse efeito provocado pelas distintas posições hierárquicas faz parte do protocolo da EC que o entrevistador esclareça ao entrevistado que ele não presenciou o evento em questão portanto não pode saber o que aconteceu As informações relevantes sobre o fato estão registradas na memória da testemu nha Em outras palavras a testemunha é estimulada a exercer um papel ativo na entrevista e esse processo é chamado de transfe rência do controle Nessa perspectiva o papel que o entrevistador deve assumir é o de facilitador es cutando o que a testemunha tem a dizer Além de expressar a necessidade de um pa pel ativo por parte da testemunha a transferência do controle envolve a explici tação de que o entrevistador não tem a expectativa de que o entrevistado tenha as respostas para todas as suas perguntas O entrevistador portanto comunica que a testemunha não precisa tentar fazer qualquer tipo de adivinhação pois não haverá problema nenhum em dizer que não sabe responder ou não se lembra de informações relativas a quaisquer perguntas Esse esclarecimento quanto às expectativas reforça ainda mais que é o entrevistado quem está no controle da situação M em on e Stevenage 1996 Adicionalmente ao serem abordadas as re gras básicas é garantido à testemunha que ela pode contar aquilo que se lembra da sua própria maneira e seguindo seu próprio ritmo tomando o cuidado para não editar as informações já que tudo é importante Outra instrução fornecida à testemunha é a de que ela tem o direito e o dever de dizer não entendi diante de questões de difícil compreensão feitas pelo entrevistador Nessa mesma linha é requerido à testemunha que corrija o entrevistador caso este fale algo que este ja em desacordo com seu relato Poole e Lamb 1998 Como mencionado anteriormente as pessoas não estão habituadas a re latar em detalhes os eventos que vivenciam Para lidar com essa tendência as instruções da EC contêm uma solicitação explícita de que a testemunha relate tudo o que conseguir se lembrar pois todos os detalhes são importantes É re A testemunha é estimu lada a exercer um papel ativo na entrevista 216 Lilian Milnitsky Stein cols querido que não deixe de relatar nada por achar que não é relevante ou seja ela não deve editar o relato suprimindo partes Da mesma forma é solicitado que relate quaisquer fragmentos de memória que possuir mesmo não tendo uma lem brança total sobre aquele aspecto Esse relato de detalhes parciais tem um duplo benefício além de fornecer informações parciais que podem ser relevantes para investigação quando cruzadas com outras o simples fato da testemunha acessar um fragmento de memória pode funcionar como uma pista para o acesso a outras lembranças Fisher Brennan e McCauley 2002 O Quadro 103 apresenta uma síntese dos principais aspectos que o entre vistador deve abordar com a testemunha na primeira etapa da EC Segunda etapa recriação do contexto original A segunda etapa consiste no uso da estratégia da recriação do contexto original que tem sido indicada como aquela mais poderosa para maximizar a quantidade de informações relatadas pela testemunha M em on e Higham 1999 Os dois postulados teóricos que fundamentam a técnica da recriação do contex to são a Teoria da Especificidade da Codificação Brown e Craik 2000 Túlving 1972 e a Teoria dos Múltiplos Traços Bower 1967 Esses postula dos afirmam que ao invés da memória ser compos ta por registros isolados e não conectados nossas lembranças são formadas por uma rede de asso ciações Dessa forma existem diversos caminhos pelos quais uma lembrança pode ser recuperada Em essência as informações armazenadas na m e mória estão associadas ao contexto no qual foram aprendidas Em decorrência dis so o acesso ao contexto em que algo foi aprendido isto é codificado na memória funciona como uma pista para recuperar as demais informações armazenadas A recriação do contexto original portanto tem por objetivo fornecer pistas à memó QUADRO 103 Principais aspectos na abordagem da testemunha O entrevistador não estava lá é a testemunha que detém todas as informações Liberdade da testemunha para descrever o evento da sua maneira e no seu ritmo Instrução para descrever todos os detalhes Instrução para não editar o relato Direito e dever de dizer não sei Direito e dever de dizer não entendi Responsabilidade de corrigir o entrevistador A recriação do contexto tem sido indicada como a estratégia mais pode rosa para maximizar a quantidade de infor mações relatadas pela testemunha Falsas Memórias 217 ria da testemunha auxiliandoa a recordar o maior número de informações sobre o evento que ela presencia Fisher e Geiselman 1992 O entrevistador salienta que recordar um evento em detalhes não é uma tarefa simples e exigirá muito esforço por parte da testemunha Em razão dessa dificuldade será função do entrevistador ajudála nesse processo O entrevistado é então convidado a mentalmente colocarse de volta na situação em questão O entrevistador dá orientações explícitas para que ele recrie o contexto original onde o evento em foco ocorreu utilizando todos os sentidos possíveis isto é visuais auditivos táteis olfativos e gustativos Quanto mais sentidos forem ex plorados pela testemunha maiores as chances de que sejam fornecidas pistas sig nificativas à sua memória Um exemplo de instrução para a aplicação da técnica da recriação do contexto pode assim ser colocado Neste momento eu gostaria de te ajudar a lembrar tudo o que conseguir sobre referir o evento em questão Você pode fechar os olhos se preferir Tente voltar mentalmente ao exato momento em que aconteceu essa situa ção pausa Você não precisa me dizer nada ainda apenas procure observar o local ao seu redor pausa O que você consegue ver pausa Que coisas você consegue escutar pausa Que coisas passam pela sua cabeça pausa Como você está se sentindo pausa Como está o clima nesse momento pausa Tem algum cheiro que você consiga sentir pausa Quando você achar que estiver pronto pode contar tudo que conseguir se lembrar sobre o que aconteceu do jeito que achar melhor As instruções referentes à recriação do contexto original necessitam ser da das pelo entrevistador de forma lenta e pausada Isso se tom a importante porque o processo de reconstruir as circunstâncias do evento demanda grande empenho cognitivo por parte da testemunha Fecher Zeelenberg e Barsalou 2003 O uso de pausas portanto auxilia na reconstrução do contexto original uma vez que elas fornecem mais tempo para o entrevistado acessar as informações sobre o evento Caso o entrevistador desrespeite esse princípio fornecendo as instruções muito rápido e sem pausas muito provavelmente o entrevistado não conseguirá formar uma imagem da situação suficientemente rica em pistas tom ando a téc nica infrutífera Essa técnica tem se mostrado um dos componentes mais efetivos da EC para maximizar a quantidade de informações relatadas pela testemunha M em on e Higham 1999 Contudo a técnica da recriação do contexto é mais difícil de ser implementada com crianças pequenas visto que seus procedimentos exigem alta demanda cognitiva Poole e Lamb 1998 Terceira etapa narrativa livre A terceira etapa da EC é aquela na qual a testemunha irá fornecer seu relato sobre o fato em questão Uma vez tendo sido recriado mentalmente o contexto a testemunha é convidada a relatar tudo o que conseguir se lembrar e esse momen 218 Lilian Milnitsky Stein cols to é chamado de narrativa livre ou relato livre Por narrativa livre entendese que o entrevistado tem a liberdade para contar da sua maneira todas as informações que puder acessar na memória sem interrupções Ao escutar a testemunha certamen te o entrevistador ficará com dúvidas sobre vários aspectos do relato Contudo quaisquer perguntas ou esclarecimentos devem ser reservados para um momento posterior da entrevista Durante o relato livre o entrevistador mantém uma postura de interesse atenção e escuta ao que a testemunha está dizendo fa zendo breves anotações sobre os tópicos que precisará retomar em seguida Ceei e Bruck 1995 Nessas anotações é importante que os mesmos termos e informa ções trazidas pela testemunha sejam mantidos sem acréscimos e edições por parte do entrevistador Tendo em vista que o acesso aos detalhes armazenados na memória repre senta uma grande demanda cognitiva é natural que o entrevistado faça pausas durante o seu relato Nesses momentos é fundamental que o entrevistador per mita a ocorrência das pausas ou seja que permaneça em silêncio mantendo sua postura de escuta É um erro muito comum o entrevistador interpretar uma pausa no relato como um indicativo de que a testemunha não tem mais nada a dizer e em função disso interrompêla com perguntas Quando a testemunha faz uma pausa mais longa ou indica que concluiu sua descrição o entrevistador questiona se há algo mais que consegue se lembrar e só depois disso passará para a etapa seguinte de questionamento Quarta etapa questionamento Terminado o relato livre da testemunha começa a fase do questionamen to na qual o entrevistador fará perguntas baseadas nas informações trazidas no relato livre buscando coletar informações adicionais O entrevistador inicia o questionamento agradecendo à testemunha pela quantidade de informações re latadas bem como pelo esforço até aquele momento Esse enaltecimento por seu esforço é importante para manter a testemunha engajada na tarefa Antes de fazer qualquer pergunta o entrevistador antecipa que haverá uma nova etapa da entrevista na qual ele fará perguntas sobre alguns pontos de modo a compreender melhor o que ocorreu na situação em questão Além de avisar sobre as perguntas o entrevistador retoma algumas das regras básicas Em particular reforça que a testemunha pode dizer não sei ou não entendi diante de quaisquer questões Também enfatiza que ela deve corrigilo caso fale algo que esteja em desacordo com seu relato Um exemplo da introdução à etapa de questionamento pode ser descrito assim bom agora eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas para me certificar que entendi bem o que aconteceu Só que antes de eu fazer as perguntas A testemunha tem a liberdade para contar da sua maneira todas as informações que puder acessar na memória sem interrupções Falsas Memórias 219 quero lembrar algumas coisas importantes Pode acontecer de eu perguntar algo que você não saiba Se isso acontecer por favor diga simplesmente eu não sei ou então eu não lembro Não tem problema nenhum de você não saber algo o importante é que você não tente adivinhar a resposta Pode acontecer também de eu fazer uma pergunta que você não consiga enten der Nesse caso diga que você não entendeu e tentarei me expressar melhor Só mais uma coisa às vezes eu posso ter entendido errado as coisas que você falou Assim se eu disser qualquer coisa que não corresponda com o que você disse por favor me corrija Tudo bem Bom então a primeira coisa que eu gostaria de perguntar é Ao fazer as perguntas o entrevistador deve estar especialmente atento ao chamado questio namento compatível com a testemunha O ques tionamento compatível com a testemunha é basea do no princípio de que cada testemunha possui uma representação mental única do evento Memon Vrij e Buli 1998 Logo as perguntas devem ser formuladas a partir do relato que o entrevistado fez sobre o fato e não com base em protocolos préestabelecidos Fisher e Schreiber 2006 Tendo em vista que a lembrança de detalhes requer grande esforço por parte da testemunha o entrevistador deve ter em mente que seu questionamento não pode sobrecarregar os recursos cognitivos da testemunha Caso o entrevistador não respeite esse princípio a testemunha pode não conseguir articular os recursos mentais necessários para o processo de recordação Para evitar essa sobrecarga o questionamento compatível com a testemunha preconiza que as perguntas por parte do entrevistador sempre devem ser relativas à representação mental que o entrevistado tem ativada no momento ou seja devem fazer referência aos con teúdos que o entrevistado está relatando Por exemplo se a testemunha estiver descrevendo a fisionomia do suspeito as perguntas devem ser dirigidas a esta ca racterística do suspeito e não a outras tais como sua altura ou vestuário Somen te após o entrevistador obter todas as informações sobre determinado aspecto do evento é que se passa para o próximo Pecher Zeelenberg e Barsalou 2003 O questionamento compatível com a testemunha também funciona como um lembrete de cautela para o entrevistador Ao formular perguntas estas de vem ser baseadas naquilo que a testemunha informou respeitando a linguagem e os termos utilizados por ela e não naquilo que o entrevistador acredita que aconteceu Em outras palavras o questionamento compatível com a testemunha ressalta que o entrevistador não deve ser sugestivo em suas indagações Ele não pode introduzir elementos não reportados pelo entrevistado uma vez que isso au mentaria as chances de provocar distorções nas lembranças da testemunha sobre o fato Davis e Loftus 2007 É natural do ser humano dirigir sua atenção para evidências que corrobo rem suas próprias crenças Em função disso os entrevistadores podem acabar assumindo um viés confirmatório na etapa de questionamento ou seja podem somente fazer perguntas que venham a apoiar suas hipóteses sobre o ocorrido Hall 2002 Consequentemente fazse necessário que o entrevistador monitore Cada testemunha possui uma representação men tal única do evento 220 Lilian Milnitsky Stein cols se constantemente durante a entrevista ele deve coletar todas as informações possíveis e não apenas aquelas compatíveis com a sua versão do que pode ter ocorrido Tipos de perguntas O formato no qual as perguntas são formuladas é decisivo para o sucesso da etapa de questionamento O Quadro 104 ilustra os principais tipos de perguntas em um contexto de entrevista A literatura científica tem mostrado reiteradamen te que as questões devem ser formuladas sempre de maneira aberta As perguntas fechadas sugestivas e confirmatórias devem ser evitadas uma vez que tendem a contaminar o relato da testemunha Roberts Lamb e Stemberg 2004 Os fun damentos que embasam a opção por perguntas abertas residem no fato de que as questões abertas favorecem a recuperação na memória da testemunha de um maior número de informações Por outro lado os outros tipos de perguntas lim i tam a resposta a uma única palavra ou pior podem conduzir a testemunha para uma determinada resposta Q UAD RO 104 Caracterização dos tipos de perguntas em uma entrevista investigativa Tipo de pergunta Definição Exemplo Abertas Permitem que a pessoa que O que você viu quando entrou na está respondendo dê mais informações loja Fechadas Propiciam que o entrevistado Era manhã tarde ou noite quando o responda apenas sim não ou escolha entre uma alternativa crime aconteceu Perguntas múltiplas Várias questões colocadas Você viu o rosto do assaltante Ele simultaneamente foi agressivo O que ele falou Tendenciosas sugestivas Expressam implícita ou Tendo em vista que o Borracha é explicitamente a opinião do um bandido foragido e no momento entrevistador conduzindo a do feto estava nas imediações você testemunha a uma determinada não acha que ele possuía algum resposta envolvimento com o crime Confirmatórias inquisitivas Procuram confirmar aquilo que Então você está me dizendo que foi dito ou uma hipótese levan viu aquele seu vizinho no local do tada pelo entrevistador crimequando a testemunha falou apenas que a pessoa do local do crime lembrava o vizinho Falsas Memórias 221 Para questionar adequadamente o entrevis tador deve estar atento para seguinte regra geral dar sempre prioridade para as perguntas abertas baseadas nas informações já relatadas pelo entre vistado em detrimento das fechadas Perguntas fechadas devem ser colocadas apenas quando a informação desejada não foi obtida por meio das perguntas abertas Além de priorizar as questões abertas o entrevistador deve conduzir a etapa de questionamento de modo que suas indagações façam uma espécie de afunilamen to As perguntas iniciam bastante amplas p ex o que aconteceu nesse momen to passando progressivamente para a abordagem de detalhes específicos p ex qual era o carro que ele dirigia Fisher e Geiselman 1992 Outro princípio adotado nessa etapa é o das múltiplas recuperações Esse princípio é baseado na ideia de que uma informação não recuperada da memó ria em um primeiro momento não necessariamente foi esquecida ela pode es tar apenas temporariamente inacessível Schacter 2003 Portanto informações adicionais não trazidas durante o relato livre ou na etapa de questionamento podem ser obtidas ao se ajudar a testemunha com novas pistas de memória que podem ser obtidas ao se estimular o entrevistado a lembrarse do evento a partir de uma outra perspectiva Gilbert e Fisher 2006 O entrevistador pode obter mais detalhes simplesmente incentivando a testemunha que pensa ter recordado tudo sobre um evento a ter uma outra oportunidade para lembrar Porém isso não significa que o entrevistador deva repetir as mesmas perguntas A repetição de perguntas pode interferir no bom andamento da entrevista uma vez que a testemunha pode interpretar que o entrevistador não confia nas informações que ela está fornecendo As principais técnicas utilizadas para oferecer pistas adicionais à memória envolvem solicitar à testemunha que relate o evento de trás para frente ordem reversa ou que procure descrever os fatos como se estivesse na posição de uma outra pessoa presente na cena mudança de perspectiva Na ordem reversa a testemunha deve identificar a última coisa que aconteceu e a partir daí contar o que ocorreu imediatamente antes e assim sucessivamente Já na mudança de perspectiva o entrevistado é instruído a assumir um ponto de vista alternativo isto é outra testemunha ou o próprio criminoso descrevendo o que esta pessoa supostamente teria observado Fisher e Geiselman 1992 A relação custobenefício das técnicas de mudança de perspectiva e inver são da ordem temporal são bastantes questionáveis Além de dados de pesquisas levantarem dúvidas sobre sua real efetividade na obtenção de novas informações tais técnicas podem levar a testemunha a criar detalhes não presentes na situação original diminuindo a precisão das informações oferecidas M em on et al 1997 Isso pode ocorrer principalmente quando a testemunha não compreende exa tamente a instrução fornecida pelo entrevistador p ex na técnica de mudança de perspectiva quando ela tenta imaginar o que teria visto e ouvido caso fosse outra pessoa presente na situação O questionamento sobre a necessidade de O entrevistador deve estar atento para a seguinte regra geral dar sempre prioridade para as perguntas abertas em detrimento das fechadas 222 Lilian Milnitsky Stein cols utilização da técnica de mudança de perspectiva é reforçado pelas evidências que indicam que a EC é efetiva mesmo sem o uso das técnicas mnemónicas adicionais Stein e Memon 2006 Portanto os entrevistadores devem ser cautelosos na utilização das instru ções de mudança de perspectiva e inversão da ordem temporal Todavia segundo alguns autores M em on et al 1997 a mudança de perspectiva poderia ser even tualmente interessante em casos de situações traumáticas em que as testemunhas sentemse bastante mobilizadas com a lembrança do evento podendo achar mui to estressante ter que relatar a partir da sua própria perspectiva Talvez a melhor opção seja a de esperar que pesquisas mais conclusivas sejam realizadas antes de utilizar as técnicas de reversão de ordem temporal e mudança de perspectiva como procedimentos padrão Quinta etapa fechamento A última etapa da EC inclui a síntese dos dados levantados bem como o fechamento da entrevista A o certificarse do entendimento dos dados relatados o entrevistador deve oferecer à testemunha uma última oportunidade naquela entrevista de lembrarse de detalhes adicionais Pinho 2006 Antes de iniciar sua síntese o entrevistador instrui a testemunha a interrom pêlo imediatamente se 1 ela identificar quaisquer distorções presentes no resumo fornecido 2 lembrarse de detalhes anteriormente não relatados Fisher e Schreiber 2006 Ao final do resumo é retomado o rapport e algumas questões de ordem formal são abordadas p ex informações de rotina tais como o preenchimento de dados adicionais de formulários Além disso dois outros aspectos devem ser abordados na etapa de fechamento da entrevista estender a vida funcional da entrevista e criar uma última impressão positiva Fisher e Geiselman 1992 Estender a vida funcional da entrevista signi fica deixar aberto um canal de comunicação com o entrevistado no caso de ele lembrarse de detalhes não relatados durante a entrevista Para tanto o entrevistador oferece seus números de contato e colocase à disposição para escutálo novamente na eventualidade de ele ter algo novo a dizer Por fim o entrevistador deve encerrar com uma atmosfera positiva É bastante possível que o entrevistado ao falar sobre o evento principalmente se tiver sido a vítim a fique emocionalm ente m obilizado e não convém que a entrevista acabe com O entrevistador deverá deixar aberto um canal de comunicação com o entrevistado no caso de ele lembrarse de detalhes não relatados durante a entrevista Falsas Memórias 2 2 3 a testemunha nesse estado emocional Assim antes de despedirse o entrevis tador demonstra interesse pelo bem estar do entrevistado e retoma assuntos neutros CONSIDERAÇÕES FINAIS Possivelmente a EC seja um dos melhores exemplos das contribuições que os conhecimentos científicos advindos de pesquisas no âmbito da Psicologia do Testemunho e sobre a memória podem oferecer à sociedade em geral Graças ao empenho de pesquisadores perspicazes toda uma bagagem de teorias e pesquisas sobre a memória e sobre a dinâmica social de comunicação foi transformada em técnicas de entrevista investigativa Com isso testemunhas e vítimas de delitos das mais diversas naturezas podem ser ouvidas por meio de técnicas que ao mes mo tempo estão em consonância com os direitos humanos e favorecem a efetiva aplicação da lei A EC é uma poderosa ferramenta para minimizar um problema muito co mum em situações de investigação e julgamento de casos contra a lei a reviti mização daqueles que prestam depoimentos Quando uma vítima ou testemunha é entrevistada de maneira inadequada é natural que permaneçam dúvidas eou lacunas sobre certos aspectos do crime Consequentemente tomase necessário ouvir a pessoa outra vez obrigandoa a lembrarse novamente de situações dolo rosas Se essa nova entrevista também for mal conduzida surgirá a necessidade de outra e assim por diante Essa exposição repetida da pessoa às lembranças negativas poderia ser evitada se a primeira entrevista fosse suficientemente com pleta e gravada como acontece em outros países Além disso a EC oferece as ferramentas necessárias para que os depoimentos obtidos sejam tão completos quanto possível respeitando as condições tanto cognitivas quanto psicológicas da pessoa entrevistada Além da revitimização as entrevistas repetidas acarretam outra questão delicada o aumento das chances de contaminação dos relatos com FM Natural mente esse problema será minimizado à medida que for reduzido o número de entrevistas Para que isso aconteça contudo é necessário que essas poucas en trevistas sejam muito bem conduzidas de modo a fornecer todas as informações necessárias à condução da investigação em busca de provas e para a aplicação da lei A EC reduz as chances de FM não apenas pelo favorecimento da redução delas pois de nada adiantaria a redução da quantidade de entrevistas se elas fossem conduzidas de maneira sugestiva Nesse sentido a prática da EC dimi nui as chances de sugestionabilidade por parte dos entrevistadores uma vez que eles são treinados para monitorar suas condutas durante a oitiva da testemunha evitando o uso de perguntas fechadas e outras intervenções potencialmente ten denciosas 2 2 4 Lilian Milnitsky Stein cols Embora sejam muitas as vantagens da EC em relação às técnicas de entrevis ta padrão existem algumas limitações práticas para sua efetiva utilização Dentre elas citaremos as três principais 1 necessidade de treinamento extensivo e dispendioso 2 necessidade de condições físicas e tecnológicas adequadas 3 necessidade de um certo nível de capacidades cognitivas por parte do entrevistado para aplicação dessas técnicas Em primeiro lugar é preciso que os entrevis tadores passem por um extenso treinamento que os habilite a conduzir a técnica apropriadamente Tendo em vista que a EC é uma técnica apoiada nos conhecimentos científicos sobre a memória e sobre a dinâmica da comunicação interpessoal é necessário que os entrevistadores conheçam pelo menos os elementos básicos desses fundamentos e isso demanda um envolvimento considerável com o processo de aprendizagem Além disso os pesquisadores que trabalham com a formação de entrevistadores cognitivos são taxativos um único treinamento mesmo que seja intensivo não é suficiente para que a EC seja praticada de maneira consistente Wells Memon e Penrod 2006 Ao invés disso o treinamento intensivo inicial na técnica deve ser seguido por um período de acompanhamento no qual os entrevistadores serão supervisionados e receberão feedback sobre seu desempe nho Caso esse período de acompanhamento não ocorra a tendência é de que os entrevistadores retom em às suas velhas práticas e vícios tom ando o treinamento inicial praticamente inútil Westcott Kynan e Few 2006 A segunda limitação prática para o uso da EC diz respeito às condições nas quais as entrevistas investigativas geralmente ocorrem O uso efetivo da EC re quer que determinados prérequisitos sejam observados Um deles diz respeito ao tempo que deve ser disponibilizado para realização da entrevista Via de regra a EC é mais demorada que outros tipos de entrevista consequentemente durante um expediente normal de trabalho um entrevistador que utiliza a EC conseguirá escutar menos pessoas em relação a outro que trabalhe com outra técnica Em locais sobrecarregados de investigações que têm uma quantidade muito grande de testemunhas para serem ouvidas pode parecer problemático o uso da EC In felizmente a necessidade de maior disponibilidade de tempo para o emprego da EC não é um aspecto que possa ser flexibilizado Porém esse dispêndio de tempo inicial com o uso da técnica de EC ainda que pareça problemático na realidade contribui para uma significativa economia de tempo e recursos financeiros Isso ocorre porque tanto as investigações policiais quanto as produções de provas dos processos judiciais poderiam ser realizadas com base em evidências mais con clusivas e mais confiáveis tornandose um procedimento mais ágil eficaz e em última análise resultando em uma economia de tempo Apesar das vantagens da entrevista cognitiva sua utilização é limitada devido às necessidades de treinamento exten sivo condições físicas e tecnológicas e recursos cognitivos do entrevis tado para as técnicas cognitivas Falsas Memórias 225 Outro prérequisito da EC tem a ver com o ambiente físico e com a apare lhagem necessária A EC foi criada para ser conduzida em uma sala confortável e silenciosa livre de interferências externas Adicionalmente faz parte da técnica que as entrevistas sejam gravadas preferencialmente em áudio e vídeo Tais con dições físicas e tecnológicas infelizmente estão muitas vezes ausentes nos locais designados para a oitiva de testemunhas e vítimas A terceira limitação para o uso da EC tem a ver com as condições do entrevis tado para o uso das técnicas cognitivas Em especial a utilização efetiva das técni cas cognitivas requer que o entrevistado possua um certo nível de desenvolvimento cognitivo e apresente um nível de inteligência compatível com a compreensão e com o seguimento das instruções fornecidas pelo entrevistador Consequentemente a EC pode ser contraindicada para entrevistar crianças préescolares e indivíduos com recursos cognitivos limitados Zaragoza et al 1995 Apesar das limitações apontadas uma coisa é certa é possível substituir as antigas formas de entrevista pela EC Se não fosse possível essa mudança não teria ocorrido em diversos países tais como no Reino Unido O Brasil já co meça a demonstrar algum interesse por essa mudança Algumas pesquisas têm sido produzidas em nosso país Nygaard Feix e Stein 2006 bem como alguns treinamentos dirigidos a policiais promotores de justiça psicólogos psiquiatras e assistentes sociais forenses têm sido realizados com o objetivo de ensinar a téc nica da EC Quando pesquisadores e profissionais que trabalham com entrevistas investigativas unem esforços os frutos são extremamente recompensadores REFERÊNCIAS Bower G 1967 A multicomponent theory of memory trace In K W Spence J T Spen ce Eds The psychology of learning and motivation vol 1 New York Academic Press Brown S C Craik F I M 2000 Encoding and retrieval of information In E TUlving F I M Craik The Oxford handbook of memory pp 93107 New York Oxford University Press Ceci S J Bruck M 1995 Jeopardy in the courtroom A scientific analysis of children s testimony Washington American Psychological Association Davis D Loftus E E 2007 Internal and external sources of misinformation in adult witness memory In M R Toglia J D Read D F Ross R C L Lindsay Eds The Handbook of eyewitness psychology Vol 1 Memory for events pp 195237 New Jersey Lawrence Erlbaum 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autoimagem são em sua maioria negativas e isso me traz uma sensação de que eu não tenho valor De maneira semelhante perdi a vontade de viver desde a morte da minha esposa há dois anos pode ser entendido como minha esposa está presente em todas as minhas lembranças de felicidade e a vida parece perder o sentido quando me dou conta que jamais terei isso novamente As mudanças que as pessoas buscam com a psicoterapia podem ser referentes a qualquer tempo passado p ex quero parar de me culpar pelos erros que eu co meti presente p ex quero reavivar o meu casamento ou futuro p ex bus co me preparar emocionalmente para assumir um cargo de chefia Independente mente da localização temporal da mudança desejada passado presente ou futuro a memória está sempre envolvida Williams 1996 Uma vez que a psicoterapia se propõe a trabalhar com a memória dos pacientes está implícita a ideia de que esta última é maleável pois caso não fosse não seria possível trabalhála para buscar gerar as mudanças desejadas pelo paciente Perghei Stein e Wainer 2004 Este é o lado positivo da maleabili dade da memória uma vez que permite que as melhoras terapêuticas ocorram Por outro lado essa mesma maleabilidade que possibilita mudanças pode levar a um fenômeno indesejável as Falsas Memórias FM Os motivos de busca por psicoterapia sempre possuem relação com a memória Falsas Memórias 229 Tendo em vista que a memória está amplamente envolvida em todo pro cesso psicoterápico é razoável supor que um terapeuta deva conhecêla suficien temente bem para que possa ajudar seus pacientes a alcançarem as mudanças desejadas Wainer Pergher e Piccoloto 2004 Nesse sentido o presente capítu lo aborda questões relativas ao papel exercido pela memória e suas distorções como as FM no processo de psicoterapia Esperamos que as informações aqui apresentadas possam auxiliar terapeutas formados ou em formação em sua prá tica clínica Os termos distorções de memória vieses de memória tendenciosidades da me mória e falsas memórias serão utilizados como sinônimos Contudo o termo falsas memórias será reservado para situações mais específicas nas quais a lembrança do paciente pode ser seguramente rotulada como falsa No contexto da psicotera pia a distinção entre uma MV e uma FM pode ser nebulosa Não raras vezes as lembranças relatadas pelos pacientes contêm tanto elementos verdadeiros quanto falsos Por exemplo suponha que uma paciente faça o seguinte relato sobre seu ambiente de trabalho eu sempre tive problemas de relacionamento com meu chefe Nesse caso a ocorrência dos problemas de relacionamento com a chefia pode ser verdadeira No entanto a afirmação de que esses problemas sempre existiram pode não corresponder à realidade Assim é difícil classificar esse relato como sendo baseado em uma FM Por outro lado é possível afirmar com maior segurança que se trata de um relato baseado em lembranças distorcidas tenden ciosas ou enviesadas A VISÃO DO PACIENTE DA SUA PRÓPRIA HISTÓRIA Toda pessoa que busca ajuda via psicoterapia não escapa de um constante exercício falar sobre si mesma Quando um terapeuta procura conhecer seu pa ciente ele faz perguntas sobre sua história de vida investigando diversos aspec tos relacionamentos familiares desempenho acadêmico vida social e afetiva ati vidades de lazer e assim por diante À primeira vista a tarefa do paciente parece simples ele só precisa acessar a memória em busca das informações solicitadas e responder às perguntas Contudo uma análise mais cautelosa evidencia que o processo de buscar informações sobre o próprio passado não é tão simples assim Lembrar o pró prio passado é muito mais do que simplesmente procurar documentos em um arquivo Quando um paciente relata quaisquer informações sobre si mesmo ou sobre eventos que lhe aconteceram ele não está apenas acessando lembranças de mom ento anteriores Thomas Hannula e Loftus 2007 Mais do que isso ele está reeditando seus registros do passado a partir da situação presente e esse processo de reedição pode levar a distorções da memória Fleming Heikkinen e Dowd 2002 230 Lilian Milnitsky Stein cols O paciente em psicoterapia suas crenças suas lembranças As pesquisas sobre a cognição humana não deixam dúvidas o ser humano não é um proces sador passivo de informação Pelo contrário so mos sempre ativos ao entrarmos em contato com o mundo seja ele externo ou interno A forma ativa pela qual um indivíduo se relaciona com o am biente está diretamente relacionada a suas expec tativas Em outras palavras as expectativas que a pessoa possui sobre o mundo influenciarão na sua maneira de vivenciálo Con sequentemente sua experiência do ambiente será enviesada de m odo que esteja em maior consonância com suas expectativas podendo dar origem às distorções de memória Hirt McDonald e Markman 1998 Tendo em vista o papel das expectativas no processo de moldar a experiên cia é legítimo questionar de onde vêm as expectativas que o indivíduo formula sobre o mundo A resposta para essa pergunta está nas vivências passadas do indivíduo que estão armazenadas em sua memória as quais levam à estruturação de um conjunto de crenças Tal conjunto pode ser compreendido como um grupo de convicções sobre os diversos aspectos da realidade Essas crenças por sua vez indicam o que o indivíduo deve esperar em cada um de seus contatos com o mun do sendo ele interno ou externo Beck e Alford 2000 Como pode ser observado na Figura 111 as crenças da pessoa estão direta mente relacionadas com suas lembranças uma vez que são o alicerce sobre o qual As pesquisas sobre a cognição humana não deixam dúvidas o ser humano não é um processador passivo de informação FIGURA 111 Relação entre a história de vida do indivíduo suas crenças expectativas e distorções da memória Falsas Memórias 231 as expectativas são formuladas As expectativas vale ressaltar não dizem respeito apenas ao ambiente externo elas também determinam o que a pessoa espera encontrar dentro de si mesma na sua própria memória A relação entre crenças e lembranças é tão próxima que na prática é impossível separálas Jones 1999 Em decorrência dessa relação íntima é razoável supor que mudanças nas crenças levarão a alterações correspondentes na memória e existem diversas evidências empíricas que apóiam essa hipótese Hirt McDonald e Markman 1998 O sofrimento psicológico apresentado pelos pacientes que procuram psico terapia pode ser entendido como uma decorrência de suas convicções crenças disfuncionais Por exemplo um paciente se tiver a convicção de ser um fracasso terá grandes chances de sofrer de alguma perturbação emocional Logo a psico terapia é em grande medida uma ferramenta para mudar crenças disfuncionais propiciando assim maior conforto e bemestar emocional às pessoas que buscam esse tipo de ajuda Beck e Alford 2000 Uma vez que a psicoterapia visa a reestruturar as crenças dos pacientes ela pode constituirse em um cenário propício para distorções de memória Conforme vimos recentemente mudanças nas crenças levam a mudanças nas expectativas as quais por sua vez levam a vieses na memória O paciente em psicoterapia portanto percorre um contínuo pro cesso de revisão das próprias convicções fazendo com que ele passe a olhar seu passado de uma ma neira diferente Brainerd e Reyna 2005 Lembranças e sua influência no comportamento Diante de cada situação que o indivíduo vivência existem infinitas manei ras pelas quais ele poderia se comportar Dadas as múltiplas possibilidades de comportamentos alternativos para cada situação uma pergunta de especial im portância é a seguinte por que a pessoa escolhe justamente o comportamento x se inúmeros outros seriam possíveis Mais uma vez a resposta recai sobre a memória Dito de maneira diferente as lembranças que o indivíduo acessa em determinada circunstância influenciarão seu comportamento nessa situação Considere o papel exercido pela memória na seguinte situação clínica crise conjugal Em casais que apresentam relacionamentos conflituosos as distorções de memória contribuem para a perpetuação de brigas e discussões Graças à m e mória situações prévias independente de serem recentes ou distantes são trazi das à tona nos momentos de desentendimento É comum que tais situações sejam recordadas de maneira distorcida durante a discussão recebendo o colorido do momento ou seja as situações passadas parecem mais estressantes no momen to da briga do que realmente foram quando aconteceram Consequentemente o m otivo imediato desencadeador da discussão acaba sendo recoberto por uma quantidade de outros problemas tom ando impossível uma abordagem objetiva e resolutiva do conflito Não raras vezes durante uma briga a quantidade de epi Uma vez que a psicoterapia visa a reestruturar as crenças dos pacientes ela pode constituirse em um cenário propício para distorções de memória 2 3 2 Lilian Milnitsky Stein cols sódios estressantes do passado que é recordada é tão grande que o casal sequer consegue lembrar a razão pela qual iniciou a discussão Pergher GrassiOliveira Ávila e Stein 2006 A memória também influencia os conflitos conjugais na medida em que leva a vieses na interpretação que cada parceiro faz do comportamento do ou tro Considere a seguinte situação em um domingo depois do almoço o marido avisa a esposa que vai sair para jogar futebol com os amigos A esposa fica então esperando em casa pois gostaria de fazer um passeio com o marido na parte da tarde Contudo o tempo vai passando e o marido chega em casa perto do anoi tecer e isso funciona como um gatilho para uma discussão calorosa que avança até a madrugada Será que a esposa tem justificativa para ficar braba com essa situação Cer tamente Entretanto a intensidade da sua indignação que fez com que a dis cussão se estendesse por horas não foi causada apenas pela situação em si Ela reagiu com furia quando interpretou o atraso do marido como ele sempre me deixa em segundo plano Em outras palavras a memória da esposa funcionou de maneira tendenciosa só foram recordadas as situações em que o marido não a colocou em primeiro plano Gelder 1997 Essa recuperação seletiva por sua vez causou a impressão de que o marido era extremamente distante e ausente no relacionamento algo que nesse exemplo não correspondia à realidade objetiva dos fatos Um padrão semelhante de tendendosidades da memória também é obser vado em relações conflituosas de outras naturezas entre pais e filhos entre professor e aluno entre chefe e subordinado e assim por diante Em todos esses casos uma verdadeira avalanche de lembranças do passado é cuidadosamente seledonada editada e acrescida à situação imediata tornando suas proporções muito maiores do que realmente deveriam ser Beck 1999 COMPREENDENDO O CASO CLÍNICO O PACIENTE SOB A ÓTICA DO TERAPEUTA A discussão até o momento focouse nos vieses de memória apresentados pelos pacientes em uma variedade de situações clínicas Conforme já apontado a memória do paciente é um elemento central de qualquer psicoterapia Contudo não podemos nos esquecer que os terapeutas também possuem crenças e m em ó rias e estas estão igualmente sujeitas à distorção Dessa forma um terapeuta bem preparado deve estar ciente de seus próprios vieses pois isso o habilita a reduzir os efeitos indesejados por eles provocados Pergher e Stein 2005 Esta seção do capítulo será dedicada a uma discussão acerca da influência que as crenças e lembranças do tera peuta exercem sobre o processo de psicoterapia Um terapeuta bem preparado deve estar ciente de seus próprios vieses pois ísso o habili ta a reduzir os efeitos indesejados por eles provocados Falsas Memórias 2 3 3 Considere o seguinte exemplo um terapeuta está tentando ajudar uma pa ciente que apresenta queixas de ordem sexual Mais especificamente ela possui um transtorno da excitação sexual ou seja ela é incapaz de atingir ou manter as respostas corporais de excitação sexual que possibilitam uma relação prazerosa Ao investigar as dificuldades da paciente o terapeuta questiona como ela se sente du rante as preliminares e no intercurso do ato em si Prontamente ela responde não sei parece que eu me sinto usada por ele como se eu estivesse sendo abusada Na tentativa de conhecer em maior profundidade as dificuldades da pa ciente o terapeuta investiga se a sensação de estar sendo usada está ocorrendo apenas agora com seu atual namorado ou se é um sintoma de mais tempo Prontamente mais uma vez ela responde com convicção eu nunca dormi com alguém sem me sentir usada O terapeuta detectou acertadamente uma provável causa das dificuldades de excitação da paciente a percepção que ela tem de estar sendo usada e tam bém identificou que estas ocorreram com todos os seus parceiros desde que ini ciou sua vida sexual Além disso um contato com a ginecologista da paciente descartou que quaisquer causas orgânicas pudessem explicar o quadro por ela apresentado O problema começa a surgir quando o terapeuta busca de forma tendencio sa as origens das sensações de abuso relatadas pela paciente No entendimento de um terapeuta pouco preparado as sensações descritas pela paciente só pode riam ter uma explicação ela foi abusada sexualmente na infância Isso faz muito sentido ao considerarmos o seguinte raciocínio uma criança não está preparada para uma situação que envolva estimulação sexual Portanto se uma pessoa teve algum tipo de experiência sexual na infância ela foi vítima de abuso Consequen temente é natural esperar que essa pessoa desenvolva uma associação entre a atividade sexual e a vivência de uma situação abusiva Esse raciocínio parece bastante razoável em princípio não existe nada de errado com ele Indivíduos que foram abusados sexualmente na infância de fato estão propensos a desenvolver problemas sexuais na vida adulta Por outro lado é um equívoco grosseiro acreditar que todos os adultos que apresentam proble mas sexuais foram vítimas de abuso sexual na infância KendallTackett Williams e Finkelhoi 1993 Rind Tromovich e Bauserman 1998 Infelizmente se um tera peuta ou qualquer outro profissional possui crenças falaciosas como essa ficam aumentadas as chances de que ele mesmo na me lhor das intenções venha a implantar FM em seus pacientes Davis e Loftus 2006 As crenças distorcidas dos terapeutas podem levar a uma sugestão de falsa informação visto que levam a um viés confirmatório C ed e Bruck 1995 O viés confirmatório pode ser definido como uma tendênda do entrevistador a buscar e Convicções do terapeuta e indução de falsas memórias As crenças distorcidas dos terapeutas podem levar a uma sugestão de falsa informação visto que levam a um viés confirmatório 2 3 4 Lilian Milnitsky Stein cols valorizar apenas as informações compatíveis com suas hipóteses em vez de inves tigar objetivamente todos os fatos No exemplo anterior o terapeuta poderia ter assumido um viés confirmatório ao questionar sua paciente de maneira tenden ciosa com perguntas sistematicamente direcionadas para encontrar indícios de que ela foi abusada sexualmente na infância Ao assumir um viés confirmatório o terapeuta poderia por exemplo questionar me explica melhor como era esse jeito malicioso que o teu tio falava contigo quando na sessão a paciente referiu apenas que não gostava na maneira que o tio falava com ela Na verdade o viés confirmatório está presente em praticamente todas as situações em que uma pessoa faz uma busca por informações como por exemplo quando um profissional da área forense entrevista uma testemunha Entretanto em grande parte das vezes as hipóteses que o indivíduo levanta são adequadas de modo que o viés confirmatório leva a confirmação de informações que são corretas de fato O problema maior ocorre quando o viés confirmatório é calcado em crenças ou hipóteses equivocadas pois estas favorecem a sugestão de falsa informação Pergher e Stein 2005 O viés confirmatório é um processo que opera automaticamente sem que as pessoas se deem conta Loftus Feldman e Dashiell 1995 Dito de maneira diferente não percebemos que direcionamos nossas perguntas para confirmar as hipóteses que possuímos Antes disso acreditamos que estamos fazendo uma investigação objetiva e imparcial dos fatos Mesmo entrevistadores experientes apresentam uma tendência a buscar seletivamente por dados que apóiem suas versões sobre os fatos Hall 2002 Muitas são as fontes das crenças distorcidas que levam a vieses confirma tórios potencialmente danosos Essas fontes podem advir do ambiente externo Os estereótipos sociais p ex membros de torcidas organizadas são indivíduos violentos e o senso comum p ex quem ama seus filhos jamais faria algo que pudesse prejudicálos são bons exemplos de possíveis origens de crenças fala ciosas Por outro lado a própria história de vida do terapeuta pode constituirse numa fonte de vieses Jackson e Nuttall 1993 No Quadro 111 são apresentadas algumas concepções errôneas que podem conduzir o terapeuta a assumir um viés confirmatório Os pressupostos apontados no quadro são considerados errôneos visto que não são apoiados por evidências científicas Portanto caso um terapeuta utilize algum desses pressupostos para guiar suas intervenções ele corre o risco de implantar FM em seus pacientes A possibilidade de um terapeuta implantar FM em seus pacientes não ocorre apenas quando este adota um viés confirmatório sugestionando direta e ati vamente alguma falsa informação Determinados pressupostos como aqueles apresentados no Quadro 111 por si só são sugestivos por natureza Em outras palavras quando um terapeuta compartilha determinadas concepções falaciosas com seus pacientes estas podem induzir FM por m eio da autossugestão Ou seja o paciente passa a sugestionar a si próprio baseado em pressupostos errôneos que aprendeu com o terapeuta Nesses casos o terapeuta não sugere uma falsa in formação diretamente mas cria uma atmosfera favorável à distorção mnemónica Falsas Memórias 235 QUADRO 111 Crenças falaciosas que podem levar terapeutas a induzirem falsas memórias Um terapeuta experiente é capaz de distinguir as memórias verdadeiras das falsas memó rias em seus pacientes é possível a partir do desenho de uma criança saber se ela foi abusada sexualmente Comportamento sexualizado em crianças é uma evidência inequívoca de que ela foi ou está sendo abusada sexualmente Qualquer memória pode ser recuperada intacta se forem adequadamente trabalhados os mecanismos de defesa que impedem sua lembrança As lembranças recuperadas sob hipnose são livres de distorções A confiança que a pessoa possui na exatidão das suas lembranças está positivamente correlacionada com a sua precisão objetiva Sintomas psicopatológicos são consequências de memórias reprimidas as quais quando recuperadas e trabalhadas levarão à cura dos sintomas Se a recuperação de uma lembrança leva a uma melhora terapêutica isso é um sinal de que a referida lembrança é verdadeira Brainerd e Reyna 2005 A sugestão é pois indireta As vias de sugestão direta e indireta são representadas graficamente na Figura 112 Suponha que um terapeuta faça a seguinte afirmação durante uma sessão de psicoterapia Temos que buscar a origem ou seja a real causa dos pensamentos obsessivos que estão lhe pertur bando Esses pensamentos não saem da sua cabe ça porque eles estão a serviço de algo eles impe dem que você recorde algo de que você não quer se lembrar Porém quando você conseguir acessar e encarar essas lembranças os pensamentos obsessivos que tanto lhe atrapalham não terão mais razão de existir Essa busca pode ser longa e dolorosa mas só as sim você poderá se libertar para sempre dessa prisão de obsessões Nesse exemplo o terapeuta não fez uma sugestão direta ao seu paciente pois não citou nenhum evento específico que poderia ter ocorrido em seu pas sado Contudo ao compartilhar suas crenças falaciosas o terapeuta transmitiu três ideias que atuando em conjunto potencializam as chances do paciente se autossugerir As três mensagens transmitidas foram 1 os sintomas estão diretamente associados a lembranças que o paciente não está conseguindo acessar no momento 2 tais lembranças podem ser recuperadas 3 a cura definitiva depende da recuperação das lembranças A indução de falsas memórias por parte do terapeuta pode se dar pela sugestão direta ou indireta de falsa informação 236 Lilian Milnitsky Stein cols FIGURA 112 Fontes das crenças falaciosas dos terapeutas e sua relação com a sugestão de falsa informação Para perceber a maneira pela qual mensagens como essas criam um am biente favorável à autossugestão por parte do paciente basta fazer um raciocínio simples A pessoa que procura terapia está em busca de alguma mudança e confia que o terapeuta irá ajudála nesse processo visto que possui em princípio as competências para tal Essa confiança no saber do terapeuta leva a uma dispo sição a seguir suas orientações Logo se o terapeuta afirma que é preciso recu perar memórias reprimidas para alcançar as mudanças desejadas o paciente vai engajarse no processo de busca dessas memórias mesmo que elas não existam Schacter 1996 Para evitar as consequências destrutivas potenciais de crenças enganadoras recomendamos que os terapeutas façam o uso de uma regra simples porém muito poderosa Essa regra um tanto quanto trabalhosa mas importante envolve o seguinte especificar para si mesmo inicialmente todos os pressupostos em que sua prática clínica se baseia Depois disso diante de cada pressuposto listado per guntarse conheço evidências científicas que sustentem essa convicção Outra pergunta útil para avaliar seus próprios pressupostos é eu saberia indicar uma referência de pesquisa científica em que esteja descrito isso que eu afirmo ser ver dadeiro Ao fazer esse exercício o terapeuta estará menos propenso a conduzir o processo de psicoterapia de maneira enviesada Williams et al 1997 Outro exercício útil para minimizar a indução de FM envolve a busca cons tante por hipóteses alternativas em relação ao que está ocorrendo com o paciente Determinado sintoma apresentado pelo paciente poderia ser explicado pela cau sa A Esse mesmo sintoma contudo poderia também ter sido provocado pelas causas B ou C Assim antes que o terapeuta comece a desenvolver uma linha de trabalho baseada na hipótese A é importante que investigue outras hipóteses Falsas Memórias 2 3 7 alternativas possíveis Com esse exercício ficam reduzidas as chances de que sua intervenção seja tendenciosa o que poderia causar a implantação de FM É tarefa do terapeuta avaliar a acurácia da memória de seus pacientes A ideia de que o processo terapêutico poderia precipitar a recuperação de memórias traumáticas é extensamente difundida porém não parece encontrar fundamentação científica Por exemplo Herman e Harvey 1997 realizaram uma pesquisa com 77 pacientes ambulatoriais de um serviço de saúde mental os quais reportavam terem sido vítimas de experiências traumáticas na infância Em seu estudo identificaram que na maioria dos casos a psicoterapia não foi o fator que levou ao desbloqueio de memórias reprimidas Antes disso foi justamente a presença de lembranças dolorosas que levou os pacientes a buscarem ajuda psicoterapêutica Os resultados de Herman e Harvey 1997 sugerem que a maior parte dos pacientes com história de traumas não procura psicoterapia para recuperar mais memórias Pelo contrário os pacientes querem é ganhar mais controle sobre as lembranças intrusivas e involuntárias e tentar clarificar e entender possíveis em o ções e comportamentos disfuncionais vinculados a essas memórias Contudo du rante o processo de psicoterapia o conteúdo das memórias pode sofrer edições levando a criação de FM O terapeuta portanto deve ser cauteloso ao tentar averiguar a acurácia das memórias recuperadas no contexto da psicoterapia Conforme as evidências científicas sugerem é impossível avaliar com segurança a veracidade de uma lembrança sem que existam fontes independentes de informação que confirmem essas memórias Loftus 1993 Nesse sentido os terapeutas trariam um benefício muito maior aos seus pacientes se centrassem seus esforços em não sugerir FM em vez de tentarem constatar a veracidade das lembranças relatadas no decorrer da terapia MartinezTaboas 1996 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora a memória seja um elemento central em todas as abordagens de psi coterapia o estudo desse aspecto da cognição raramente recebe a devida ênfase nos cursos voltados à formação de psicoterapeutas tanto em nível de graduação como de pósgraduação Tendo em vista essa falta de tradição no estudo da memória por par te dos futuros psicoterapeutas diversos profissionais recebem habilitação legal para oferecerem serviços de psicoterapia apesar de possuírem uma importante lacuna em termos de conhecimentos científicos relevantes a esta prática Jones 1999 A desinformação a respeito da memória pode se tom ar especialmente pro blemática quando os terapeutas confundem a eficácia de uma determinada técni ca com sua capacidade de ajudar o paciente a recuperar memórias acuradas Em outras palavras os terapeutas estarão mais propensos a implantarem FM em seus 238 Lilian Milnitsky Stein cols pacientes se mantiverem a crença falaciosa de que uma técnica que leva ao insight produz uma melhora dos sintomas na medida em que tal procedimento permite que o paciente tenha acesso a memórias anteriormente indisponíveis à consciên cia Alternativamente os benefícios proporcionados pela psicoterapia podem ser melhor compreendidos como o resultado de uma nova perspectiva de olhar para o passado e não como frutos da descoberta de um novo passado Nas palavras de Nash aquilo que nós chamamos de insight pode ser mais um processo de criação do que um processo de descoberta 1998 p 94 As evidências científicas disponíveis até o momento permitem que seja dito muito pouco sobre a relação exata entre a precisão das memórias recuperadas na psicoterapia e a melhora no quadro apresentado pelo paciente Nesse sentido o questionamento acerca da veracidade das memórias recuperadas por meio da utilização de qualquer técnica psicoterápica não é sinônimo de questionar sua utilidade do ponto de vista terapêutico Mesmo que evidências científicas indi quem que determinada técnica não é capaz de levar à recuperação de lembran ças acuradas isso por si só não diz nada a respeito de sua eficácia e não torna a técnica contraindicada É sempre bom reforçar a eficácia terapêutica de uma técnica e sua capacidade de levar à recuperação de lembranças precisas são atributos diferentes e independentes O presente capítulo não se propôs a fazer nenhum tipo de avaliação sobre a utilidade clíni ca de qualquer técnica psicoterápica A intenção foi a de alertar terapeutas atuantes e em formação sobre a possibilidade de distorções das memórias recuperadas no contexto da psicoterapia Em síntese a importância clínica de uma lembrança é indubitável sua verdade histórica porém deve ser alvo de questionamentos REFERÊNCIAS Beck A T 1999 Prisoners of hate The cognitive basis of anger hostility and violence New York Harper Collins Beck A T Alford B 2000 O poder integrador da terapia cognitiva Porto Alegre Artmed Brainerd C J Reyna V E 2005 The science of false memory New York Oxford Uni versity Press Ceci S J Bruck M 1995 Jeopardy in the courtroom A Scientific analysis of childrens testimony Washington American Psychological Association Davis D Loftus E E 2006 Internal and external sources of misinformation in adult witness memory In M P Toglia J D Read D F Ross R C L Lindsay Eds The Handbook of Eyewit ness Psychology Vol 1 Memory for Events pp 195237 New Jersey Lawrence Erlbaum Fleming K Heikkinen R Dowd E T 2002 Cognitive therapy The repair of memory In R L Leahy E T Dowd Eds Clinical advances in cognitive psychotherapy Theory and application pp 148169 New York Springer A importância clínica de uma lembrança é indubitável sua verdade histórica porém deve ser alvo de questionamentos Falsas Memórias 239 Gelder M 1997 The scientific foundations of cognitive behaviour therapy In D M Cla rk C G Fairbum Eds Science and practice of cognitive behaviour therapy pp 2746 Oxford Oxford University 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uma família maravilhosa e ter tido uma ótima infância Entretanto nos dois anos e meio seguintes de terapia Beth começou com a ajuda da terapeuta a recu perar memórias de ter sido repetidamente abusada sexualmente por seu pai dos 7 aos 14 anos sendo a mãe cúmplice segurandoa Ela então acusou seu pai publicamente de ter abusado dela além de têla engravidado duas vezes e a feito abortar com agulhas de tricô Rutherford 1998 caso acima ilustra um fenômeno surgido no início dos anos de 1990 nos Estados Unidos quando muitos casos de pessoas adultas acusando seus pais de têlas abusado sexualmente na infância começaram a aparecer de repente Vários desses casos foram parar nos tribunais e na imprensa Essas pessoas haviam pas sado anos de suas vidas sem recordar os abusos até que muitos anos após via psicoterapia as lembranças afloraram Entretanto apesar de não serem histórias inventadas mas sim recordadas foi provado em muitos casos que nenhum abu so havia ocorrido de fato pois essas recordações tratavamse de falsas memórias FM Esta situação chamou a atenção de pesquisadores da área da memória e passou a ser bastante investigada e o fenômeno ficou então conhecido popular mente como Síndrome das Falsas Memórias SFM Davis 2005 O tópico da SFM se distingue um pouco dos demais temas referidos ao longo dos capítulos anteriores por situarse em um terreno repleto de debates polêmicos e acirrados Além da carência de evidências científicas consistentes não há consenso nem mesmo quanto à designação do termo síndrome dada ao fenômeno Discussão sobre o termo síndrome O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSMIVTR APA 2002 p 772 define síndrome como um agrupamento de sinais e sintomas com base em sua frequente coocorrência que pode sugerir uma patogênese bá Falsas Memórias 241 sica curso padrão fam iliar ou tratamento comuns O fenômeno discutido neste capítulo não implicaria necessariamente na existência de uma síndrome visto que não há dados científicos suficientes que o sustentem como tal Existem poucos estudos acerca do assunto que se arriscam a sugerir sem ressalvas a existência de uma SFM Gleaves et al 2004 Sendo assim muitos estudiosos argumentam não ser possível legitim ar a SFM como um constructo a ser considerado no meio científico Para estes a SFM seria portanto uma denominação pseudocientífica criada com a finalidade de defender pessoas de acusações injustas ou não de abuso infantil Dallam 2001 A utilização do termo síndrome contudo é defendida por outros auto res Kaplan e Manicavasagar 2001 que propõem que a SFM seja diagnosticada como tal quando memórias de abuso sexual surgem no contexto da terapia na ausência de qualquer outra evidência Esses autores também salientam que o uso do termo síndrome não é exclusivo da medicina e deste modo sua definição m é dica não necessitaria ser literal Kihlstrom 1998 Apesar da controvérsia sobre o termo ele tem sido utilizado para definir a lembrança que um indivíduo traz acerca de um abuso sexual cometido contra ele na infância sendo que posteriormente verificase que tal abuso não aconteceu Raitt e Zeedyk 2003 Geralmente a pessoa afli gida pelas lembranças acaba tendo sua identidade e seus relacionamentos interpessoais abalados de vido à recuperação dessa traumática e falsa m e mória e que crê fortemente ser verdadeira Uma forma de terapia praticada nos Estados Unidos que ficou especialmente conhecida por centrar seu tratamento na recuperação de memórias esqueci das por um longo período de tempo foi a Tera pia de Memórias Recuperadas Recovered Memory Therapy Kaplan e Manicavasagar 2001 Essa terapia ganhou maior destaque de um modo geral porque passou a ser vinculada à produção de FM E na ver dade acabou sendo ela a principal origem do que depois ficou sendo chamado de SFM COMO SURGIU A SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS Terapia das memórias recuperadas Do que se trata a Terapia de Memórias Recuperadas TM R O que seria exa tamente uma memória recuperada A memória recuperada referese à memória de abuso sexual na infância esquecida por um longo intervalo de tempo que somente na fase adulta é evocada Kaplan e Manicavasagar 2001 Essas memó rias podem tanto ser verdadeiras quanto falsas Gleaves et al 2004 Entretanto haveria maiores chances da memória ser falsa quando recuperada durante um tratamento psicoterápico quando o indivíduo não possui nenhuma memória pré A Síndrome das Falsas Memórias diz respeito a lembranças que um indivíduo traz acerca de um abuso sexual cometido contra ele na infância mas que na verdade não aconteceu 2 4 2 Lilian Milnitsky Stein cols via de abuso e no entanto ela inesperadamente emerge no transcorrer da terapia Wilsnack et al 2001 Foi o caso de Beth Rutherford o exemplo descrito no início do capítulo no qual ela durante muitos anos não tinha memória alguma de abuso até submeterse à TMR A TM R buscou embasamento nos estudos de Freud sobre histeria nos quais ele apontava que as memórias traumáticas eram reprimidas ao Incons ciente por serem muito dolorosas Freud 18961995 Foi chamada de Teoria da Sedução a ideia de que a histeria seria causada por memórias reprimidas de um abuso sexual verdadeiro sofrido na infância Posteriormente Freud abando nou essa teoria por concluir entre outras coisas que o trauma também poderia originarse de fantasias isto é de situações não vivenciadas concretamente A TM R postula que os eventos traumáticos de abuso sexual na infância levariam a uma dissociação na consciência As informações sobre o evento se fragmentariam e assim impediriam a criação de uma representação mental do mesmo Esse con teúdo seria então reprimido para o Inconsciente e por consequência não ficaria acessível à livre recordação Entretanto essas memórias traumáticas não seriam apagadas permanecendo somente inacessíveis à consciência até que por decor rência de algum processo psicoterápico pudessem vir à tona Koriat Goldsmith e Pansky 2000 Técnicas polêmicas para recuperação de memórias Os terapeutas que aplicavam a TM R nas décadas de 1980 e 1990 possuíam crenças que iam ao encontro da antiga Teoria da Sedução pois partiam do pressu posto que problemas como depressão alcoolismo transtornos sexuais ou alimen tares assim como uma gama de outros quadros psicológicos e somáticos seriam originados de um abuso sexual sofrido no passado Baseados nessa premissa os terapeutas passaram a implementar várias técnicas as quais julgavam serem ca pazes de potencializar a memória e assim alcançar as remotas lembranças do suposto abuso que presumivelmente seriam essenciais para a resolução dos pro blemas do paciente Davis 2005 Gleaves et al 2004 Kaplan e Manicavasagar 2001 Algumas dessas técnicas eram as seguintes Hipnose técnica que tem sido identificada como potencialmente propí cia para a produção de FM Loftus 1997 Regressão técnica em que o paciente retorna à idade em que o abuso teria ocorrido Técnicas de imaginação ativa reviver eventos traumáticos para pode rem ser melhor elaboradosassimilados pelo paciente A memória recuperada referese à memória de um abuso sexual na infância esquecido por um longo tempo que somente na fase adulta é evocada Falsas Memórias 2 4 3 Uso de drogas alucinatórias com o o amital sódico vulgo soro da ver dade Essas técnicas todavia trazem consigo o risco de confundir memórias reais com confabulações ideias criadas e se utilizadas de maneira errada podem gerar FM Goldstein 1997 Mem on e Stevenage 1996 Cabe ressaltar que desde 1995 a Associação Americana de Psicologia APA adverte que não há nenhuma evidência científica comprovando que um conjunto de sintomas seja capaz de indicar que uma pessoa foi abusada se xualmente na infância No exemplo do início deste capítulo a terapeuta de Beth utilizava hipnose interpretação de sonhos e regressão para trazer à tona memórias de abuso Beth relatou que a terapeuta lhe dizia que seus sonhos eram característicos de uma pessoa abusada se xualmente e que ela possuía diversos sintomas condizentes com isso portanto ela com certeza fora abusada quando criança Nessa época início dos anos de 1990 a TM R tomouse muito popular nos Estados Uni dos Diversos livros sobre o tema foram lançados incluindo até mesmo livros com checklists para sintomas que serviriam como indicadores da ocor rência de algum abuso sexual anterior Um desses livros The courage to heal A coragem de curar defendia que se uma pessoa tem sensações desconfortáveis sobre seu próprio passado então deveria investigar a possibilidade de haver uma história de abuso sexual em sua infância Bass e Davis 1994 Muitas pessoas sugestionáveis que apresentavam algum tipo de sofrimento psicológico e nunca haviam sido abusa das começaram a acreditar que seus problemas eram causados por algum abuso esquecido inconsciente Essas pessoas conseguiram recuperar tais memórias coincidentemente logo após lerem livros e assistirem programas de televisão so bre o tema eou de terem se submetido a terapias alternativas M cNally et al 2000 Foi nesse contexto que muitos terapeutas do abuso surgiram Não significa dizer que eram malintencionados porém eram profissionais malorientados que não tinham a preocupação de estudar a memória de forma científica como parte de sua formação Portanto sem qualquer base na ciência acreditavam que em tom o da metade das pessoas que haviam sofrido abuso sexual quando crianças teria uma amnésia sobre o fato e que estas memórias poderiam e deveriam ser recuperadas por meio de terapia para solução de seus problemas ou sintomas atuais Além disso apoiavam a ideia de que os abusadores deveriam ser con frontados pelas vítimas Davis 2005 Kaplan e Manicavasagar 2001 No caso de Beth a terapeuta argumentou que ela só conseguiria conquistar sua plena saúde mental quando confrontasse os pais com suas memórias recuperadas Em A Associação America na de Psicologia APA adverte que não há evidências científicas comprovando que um conjunto de sintomas possa indicar que uma pessoa foi abusada se xualmente na infância 2 4 4 Lilian Milnitsky Stein cols seu relato Beth admitia se sentir de algum modo pressionada pela terapeuta a tomar tal atitude Com a intenção de contestar terapeutas da TM R que orientavam seus pa cientes a rever antigos álbuns de fotos de família para assim poderem detectar pistas e suspeitas de memórias reprimidas de abuso na infância Lindsay e cola boradores 2003 realizaram um estudo com 45 universitários baseado em foto grafias antigas Os estudantes foram perguntados sobre três eventos vividos na in fância um inventado e dois verdadeiros segundo os pais dos participantes Dos 45 universitários 23 ainda tiveram a oportunidade de ter acesso às fotografias da época dos eventos como pistas para suas memórias Como resultado a taxa de FM relatadas foi mais elevada entre aqueles que tiveram a condição de olhar as fotos do que os que não viram foto alguma Esses resultados sugerem que fotografias antigas podem trazer recordações de fatos realmente vividos já praticamente es quecidos mas podem também quando combinadas com sugestões e influências internas eou externas contribuir para a formação de FM O estudo evidencia o quão perigoso pode ser uma técnica como essa de insistir com o paciente que investigue em antigos álbuns de família possíveis fatos suspeitos do passado Fundação Síndrome das Falsas Memórias Neste cenário criado principalmente pela crescente prática da TMR que muitos casos de acusações de abuso sexual na infância por parte de adultos prin cipalmente mulheres atraíram as atenções nos Estados Unidos Diversos casos sustentados apenas por relatos de memórias recuperadas foram a julgamento muitos resultaram em condenações dos pais mesmo sem existir qualquer pro va contundente apenas a memória recuperada recentemente pelo paciente e o testemunho de seu terapeuta Kaplan e Manicavsagar 2001 Após famílias sofre rem fortes abalos os pais acusados por seus filhos as começaram a comunicar se e a buscar descobrir o que afinal estava acontecendo Das reuniões nasceu em 1992 a False Memory Syndrome Foundation Fundação Síndrome das Falsas Memórias uma organização norteamericana que fornece apoio a famílias que sofreram eou sofrem com casos de SFM e que procura intervir e prevenir o pro blema CARACTERÍSTICAS DA SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS Apesar de não ser possível fazer um checklist para identificar se uma pessoa sofreu abuso na infância como referido anteriormente seria possível apontar características que se reunidas potencializariam a identificação do fenômeno da SFM Kaplan e Manicavasagar 2001 Pope 1996 Foram identificados alguns critérios em relação à veracidade das m em ó rias que por muito tempo foram utilizados na avaliação de denúncias de abuso Falsas Memórias 245 sexual no contexto de terapia Pope 1996 Um desses critérios tem o foco na análise das reações e comportamentos das pessoas que vivenciam memórias de abuso sexual Fatores considerados indicadores de SFM seriam não encontrar outras evidências que corroborem a memória recordar ter sido queimada com cigarros e não ter nenhuma cicatriz por exem plo sentir uma espécie de mistura entre fantasia e realidade em suas memórias admitir memórias não plausíveis com o contexto real de suas vidas ou seja com muito pouca probabilidade de se rem realmente verídicas como recordar ter sido obrigada pelos pais a participar de rituais satânicos sendo que os pais são extremamente religiosos e mudanças rele vantes na vida da pessoa desde a evocação da memória alterações significativas de humor ansiedade eou comportamento Outros critérios adotados para classificar memórias como provavelmente falsas seriam a vítima não possuir nenhuma me mória de abuso antes da terapia e ausência no acusado de qualquer outro indício que sugerisse alguma tendência à pedofilia Pope 1996 A diretora atual da Fun dação Síndrome das Falsas Memórias Pámela Freyd defende ainda que entrevistar as famílias somente com as técnicas estritamente adequadas também serviria como um importante critério para ser utilizado pois des sa forma as informações colhidas seriam provavel mente mais fidedignas Cabe ressaltar que esses critérios para identificar a SFM foram desenvolvi dos tendo por base pesquisas realizadas por essa fundação americana Assim sendo temse o risco de uma possível tendenciosidade dos resultados o que os invalidaria cientificamente Kaplan e Manicavasagar 2001 a partir de uma série de casos estudados agruparam algumas outras características que seriam indicativas da SFM que também ainda não possuem legitimação científica 1 Recuperação durante a terapia de memória inédita de abuso se xual na infância sem qualquer lembrança prévia 2 Recuperação súbita de memórias anteriores aos 4 anos 3 Alegar participação em rituais satânicos 4 Lembrança de um abuso sexual no qual não há nenhuma outra pessoa ou qualquer evidência que o ratifique 5 Ausência de confirmação médica eou forense do abuso 6 Presença de somatização Transtorno de Personalidade Borderline ou Transtorno Dissociativo 7 Possíveis métodos de sugestão durante terapia uso de hipnose e ou técnicas similares 8 Crença de que o suposto abusador era algum familiar próximo 9 Crença de que alguns membros da família facilitaram o abuso se xual eou foram negligentes 10 Crença de que o abuso é o m otivo para todos os problemas da vida da pessoa A partir de uma série de casos estudados foram agrupadas característi cas que seriam indica tivas da Síndrome das Falsas Memórias 246 Lilian Milnitsky Stein cols É possível constatar a partir dessa última seção que existem algumas ten tativas na literatura para formalizar critérios sinalizadores da SFM mesmo que mais comprovações ainda sejam necessárias Para que esses critérios possam ser adotados de fato é preciso que mais estudos investigando essas características mais a fundo sejam desenvolvidos A seguir serão descritos dois casos de SFM os quais serão relacionados com algumas das 10 características listadas acima Descrição de casos Alguns casos retratados na literatura são bastante ilustrativos para uma m e lhor compreensão da SFM utilizandose os critérios antes mencionados Loftus 1997 relata o caso de uma enfermeira americana que procurou terapia Ao longo do processo psicoterápico a enfermeira passou a acreditar que havia sido abusada sexual e psicologicamente e que também havia participado de rituais satânicos em seu passado Seu terapeuta utilizava técnicas sugestivas como a hipnose Resumindo após algum tempo a enfermeira percebeu que os eventos que compunham as lembranças eram falsos e processou o terapeuta Neste caso podese identificar a característica número 1 apresentada na lista de critérios ou seja de que a enfermeira recuperou essas memórias de abuso no contexto tera pêutico sem possuir nenhuma recordação prévia dos acontecimentos Também notase a característica 3 pois ela trouxe memórias relacionadas a rituais satâni cos Observase na literatura uma correlação entre a SFM e afirmações referindo participação em rituais desse gênero denotando a importância investigar com cuidado casos de memórias que tragam esse tipo de conteúdo Kaplan e Manica vasagar 2001 Além disso houve também uso de técnicas sugestivas hipnose tal como é descrita a característica 7 Para melhor compreender a SFM e suas repercussões abaixo há uma des crição mais detalhada do caso envolvendo Beth Rutherford FMSF Newsletter 1998 seguida de uma análise a partir das características relacionadas por Kaplan e Manicavasagar 2001 Beth Rutherford buscou terapia por motivos de ansiedade e estresse Já nas primeiras sessões a terapeuta perguntou a ela se alguma vez havia sido abu sada sexualmente quando criança ao que Beth respondeu perplexa que não A terapeuta explicou que havia uma lista de sintomas de abuso sexual e que Beth se encaixava em vários deles característica número 10 da lista de critérios crença de que todos os problemas do paciente provêm de um abuso O poder de sugestão da terapeuta era grande logo Beth começou a relatar sonhos que tinha com seu pai A terapeuta afirmava que os sonhos eram na realidade memórias e a análise destes reforçava sua suspeita de abuso sexual Beth questionava o motivo para ela não se lembrar de nada daquilo e a terapeuta lhe dizia que reprimir aquelas lembranças fora a única maneira de conseguir sobreviver já que eram muito dolorosas Mas daquele momen to em diante Beth só seria uma pessoa completa se recuperasse todas as Falsas Memórias 2 4 7 memórias e as trabalhasse para então elaborálas de maneira sadia caracterís tica 7 evidência de sugestão durante te rapia Outra técnica utilizada pela tera peuta era desqualificar e distorcer todas as lembranças boas da infância de Beth Por exemplo ela dizia que o incentivo dos pais de Beth para que ela fosse bem na escola era apenas uma forma de se sentirem menos culpados pelo que haviam lhe causado Após algum tempo Beth começou a acreditar que tinha memórias erradas de sua infância e que a visão da terapeuta era a correta pois lhe foi dito que pessoas com histórico de abuso tendem a distorcer a realidade Após as sessões de hipnose a tera peuta relatava para Beth os eventos de abuso que ela havia contado durante o transe característica 7 risco de sugestionabilidade na utilização de hipnose Havia momentos em que Beth chegava até mesmo a sentir dor física decor rente da recordação de um determinado episódio de abuso Foi assim que ela passou a acreditar que havia sido abusada sexualmente pelo pai com a cumplicidade da mãe e engravidado duas vezes no período dos seus 7 aos 14 anos características 148 e 9 recuperação de memória de abuso durante terapia abuso recorrente sem conhecimento de mais ninguém e sem evidências validando a crença de que o abuso foi praticado eou facilitado por algum fami liar próximo Um grande laço emocional se formou entre Beth e a terapeuta e então Beth foi convencida de que deveria denunciar seus pais e se afastar da fa mília Assim ela procedeu passando muitos meses distante da família bem como da terapia até começar a ter sentimentos estranhos Beth começou a achar que havia algo de errado com aquelas lembranças de abuso e ao re tomar contato com seus pais gradualmente foi convencendose de que as memórias de abuso haviam sido implantadas pela terapeuta Realizouse um exame pericial no qual ficou provado que Beth era virgem e que nunca havia engravidado característica 5 ausência de confirmação médica ou forense do abuso Beth Rutherford e sua família processaram a terapeuta e receberam 1 milhão de dólares como indenização Ainda que tenha sido descrito o fenômeno da SFM em seus aspectos mais característicos com o a utilização da Terapia de Memórias Recuperadas é impor tante ressaltar que a sugestão e a indução de FM por parte de terapeutas também podem ocorrer de formas bastante sutis e em qualquer abordagem psicoterápica Mazzoni Lombardo Malvagia e Loftus 1999 postulam que a posição de po der em que o terapeuta se encontra e o pressuposto de ter o poder de mudar as pessoas poderiam por si só influenciar nas crenças pessoais do paciente A hipótese de que uma interpretação de sonho feita por um terapeuta poderia in cutir FM no paciente foi testado em um estudo Experimentos foram realizados sessões de miniterapia com estudantes universitários nas quais o terapeuta fazia uma interpretação deliberada dos sonhos dos participantes Os resultados A terapeuta afirmava que seus sonhos eram na realidade memórias e a análise destes reforçava a suspeita de abuso sexual 248 Lilian Milnitsky Stein cols apontaram que tais interpretações relativas aos sonhos geraram novas crenças nos participantes As novas crenças por sua vez poderiam eventualmente causar FM M azzoni et al 1999 Este é apenas um exemplo de um estudo indicando o quanto a aplicação de certas técnicas em terapia podem ser sugestivas e capazes de induzir FM Até mes mo um terapeuta bem orientado e treinado pode incorrer em erros e influenciar negativamente a vida do seu paciente mais sobre o assunto no Capítulo 11 FATORES ASSOCIADOS A SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS O impacto do fenômeno da SFM representado pelo grande número de pes soas afetadas por ela chegou a atingir proporções tão altas no final da década de 1990 que na época foi calculado que 4 dos casos envolvendo abuso sexual infantil nos Estados Unidos eram de SFM Gow 1998 Mas por que essas pesso as estariam apresentando a SFM Que fatores específicos estariam relacionados ao seu aparecimento Apesar da literatura reforçar a ideia de que essa síndrome surge basicamente no contexto da terapia muitos pesquisadores têm se mostrado atentos a outros possíveis fatores e situações de predisposição fora da terapia que possam estar relacionados ao desenvolvimento da SFM A influência de aspectos individuais e ambientais Diversos aspectos tanto individuais quanto sociais exercem influência no desenvolvimento da SFM Em 1998 Gow realizou uma revisão de alguns desses aspectos Em relação às características do paciente que seriam mais suscetíveis à SFM identificouse a vulnerabilidade à sugestionabilidade episódios de dissocia ção da consciência pensamento crítico pouco desenvolvido propensão à fantasia e expectativas distorcidas quanto à terapia As pessoas seriam mais sugestionáveis no ambiente do consultório do terapeuta do que em outras situações M azzoni et al 1999 É importante destacar a influência de determinadas crenças que o paciente geralmente traz consigo quando inicia uma terapia Muitas dessas crenças dizem respeito ao poder que os sonhos teriam de revelar sobre a vida das pessoas A dinâmica fam iliar também pode ser considerada um outro fator importante a ser considerado pois situações familiares em que o paciente apresenta sentimentos de raiva dor de cepção e ressentimento com o progenitor antes de chegar à terapia teriam o po tencial para desencadear uma FM de abuso como canalizadora desse sentimento As pessoas também podem ser influenciadas pela mídia e pela literatura existente sobre o assunto p ex crenças relacionadas aos sintomas indicativos de abuso sexual a partir da leitura de Hvros como o citado anteriormente A Coragem de As pessoas seriam mais sugestionáveis no ambiente do consultório do terapeuta do que em outras situações Falsas Memórias 249 Curar Há algumas situações que aparentemente estariam correlacionadas ao surgimento da SFM como divórcios disputa de custódia e desemprego Psicopatologias específicas estariam também associadas à SFM Estes são os principais transtornos que parecem ter alguma relação Transtorno do Estresse PósTraumático TEPT Transtornos de Personalidade Histriónica e Borderline principalmente Transtornos Dissociativos e Transtornos Alimentares Segundo Gardner 2004 muitas pessoas que relataram uma falsa experiência de abuso sexual apresentavam manifestações características do Transtorno de Personali dade Histriónico tais como passar a ver perigo onde não existe comportamen tos objetivando chamar a atenção para si demasiada instabilidade emocional e diminuição do julgamento racional O autor também ressalta que os sintomas se assemelhariam àqueles que compõem o diagnóstico para TEPT Este transtorno se caracteriza por recorrentes e intrusivos pensamentos relacionados a um even to traumático repetidos esforços na tentativa de suprimir tais intrusões e evitar situações que de algum m odo possam propiciar lembranças do trauma DSM IVTR 2002 Da mesma forma muitos pacientes com Transtorno de Identidade Dissociativa antes denominado Transtorno de Múltiplas Personalidades podem apresentar já adultos uma memória de abuso sexual infantil no contexto da te rapia que pode não ser verdadeira Merskey 1995 É importante ressaltar que os terapeutas devem atentar não somente para os Transtornos Dissociativos mas também a outros transtornos nos quais podem ocorrer processos dissociativos p ex abuso e dependência de drogas Transtornos Alimentares Transtorno de Ftersonalidade Borderline pois nessas situações uma FM tenderia a ter maiores chances de ser produzida Chefetz 2006a 2006b Em relação aos aspectos do terapeuta as próprias crenças deste sobre a ocor rência da repressão de memórias traumáticas como também na possibilidade de haver ocorrido um abuso sexual com aquele paciente irão determinar sua escolha sobre quais técnicas terapêuticas utilizar Esse aspecto relacionado às crenças do terapeuta é explorado no Capítulo 11 sobre as implicações clínicas das FM que aborda a importância do tema para a prática clínica no campo das psicoterapias A título de síntese o Quadro 121 apresenta os fatores que aparecem na literatura como associados ao desenvolvimento da SFM Vale salientar que esses aspectos que de alguma forma estariam relacionados à SFM não podem ser considerados determinantes para causar a síndrome Mes mo que possam haver correlações relevantes ainda não há dados científicos consis tentes que permitam validálos Logo é necessária extrema cautela na avaliação de cada caso principalmente naqueles envolvendo quadros psicopatológicos A Síndrome de Alienação Parental Quando se levanta os possíveis fatores relacionados à SFM outro fenômeno controverso aparece a Síndrome de Alienação Parental SAP Diante de uma si tuação de abuso sexual muitas vezes notamse características muito semelhantes 250 Lilian Milnitsky Stein cols Q UAD RO 121 Fatores associados à síndrome das falsas memórias Fatores do paciente Vulnerabilidade propensão à fantasia crenças equivocadas sobre o que é uma terapia sugestionabilidade dinâmica familiar problemática influência da mídia e da literatura relacionadas ao tema Situações ambientais Situações de divórcio disputa de custódia Psicopatologias Transtorno do Estresse PósTraumático Transtornos de Personalida de Histriónica e Borderline Transtornos Dissociativos eTranstornos Alimentares Fatores do terapeuta Abordagem e estratégia terapêutica tendenciosa crenças pessoais sobre a existência de alta incidência de abuso sexual na infância técnicas inadequadas entre a SFM e a SA gerando um grau de confusão que pode provocar graves con sequências Gardner 2004 Por isso uma clara distinção entre as duas síndromes precisa ser feita visto que principalmente profissionais da área forense nem sem pre corretamente informados podem conduzir equivocadamente um caso devido a essa confusão de conceitos Podese dizer que a SAP consiste em uma verdadeira campanha que um dos progenitores faz com o objetivo de desmoralizar o outro Dias 2006 Como previsível essa situação aparece geralmente em casos de separação brigas de custódia situações em que na maioria das vezes a mãe intencionalmente passa a influenciar o a filho a na ânsia de vencer a disputa pela sua guarda A mãe procura incutir na criança a ideia de que ela não deve de forma alguma manterse próxima ao pai uma vez que este teria cometido abusos contra ela ou então po deria vir a cometer Vale a ressalva de que o inverso também pode acontecer ou seja a mãe ser vítima de acusações do pai Ainda que haja características em comum entre a SAP e a SFM como a firme crença de ter sofrido abuso de um membro próximo da família quando era menor eou a recordação desse fato na terapia a SFM é primariamente uma síndrome da idade adulta enquanto a SAP classificase como uma síndrome da infância uma vez que não se trata de uma FM recuperada na fase adulta Gardner 2004 Uma outra diferença fundamental é que a SFM surge a partir do contexto da terapia ao passo que a SAP usualmente surge a partir de um contexto de desavença familiar Uma cuidadosa avaliação de cada caso é essencial pois situações delicadas como essas podem ter implicações cruciais na vida das pessoas Como já visto uma FM de abuso sexual trazida por meio de terapia pode chegar aos tribunais seja para acusar o suposto abusador ou mesmo para processar o próprio terapeuta por ter induzido uma FM no caso relatado em que Beth Rutherford recebeu cerca Falsas Memórias 251 de 1 milhão de dólares de indenização no processo que moveu contra seu terapeuta No âmbito jurí dico configurase uma situação complicada para os juizes visto que possuem a responsabilidade de to mar uma decisão imediata sobre algo tão delicado e que pela sua peculiaridade mobiliza sobremaneira as pessoas Dias 2006 O histórico mostra que a palavra da vítima tem um papel determinante na maioria dos processos de crimes contra a liberdade sexual já que em muitos casos o seu testemunho é a única prova de incriminação do réu No entanto sabese que esse testemunho pode não estar refletindo a realidade Pisa e Stein 2007 Conforme visto no capítulo sobre memórias autobiográficas Capítulo 5 é sabido que inclusive as memórias mais vívidas de eventos da nossa vida podem conter distorções ou até mesmo serem falsas independentemente do grau de certeza que se tem sobre delas Esse dado dificulta ainda mais a análise de memórias baseadas exclusivamente em relatos individuais e aumenta as chances de que graves equívo cos possam ocorrer em julgamentos criminais PESQUISAS LIMITAÇÕES E MITOS DA ÁREA Uma das críticas à SFM diz respeito à validade das pesquisas sobre o tema mas como realizar pesquisas ética e metodologicamente adequadas capazes de obter resultados válidos sobre um tema tão intrincado A o longo dos últimos anos foram desenvolvidas diversas metodologias experimentais de pesquisa em laboratório para in vestigar as FM em diversos contextos Mas uma crítica à generalização dos resultados dos estudos se refere à dúvida sobre se seria cabível a compa ração dos estímulos utilizados nas pesquisas com uma memória de abuso sexual As pesquisas com memórias recuperadas de abuso assim sendo tra zem consigo limitações importantes visto que se tom a complexa muitas vezes impossível a mani pulação de contextos compatíveis a uma situação de abuso devido a questões fundamentalmente éticas p ex é totalmente inconcebível recriar em laboratório uma situação de abuso sexual Dessa forma as pesquisas realizadas até agora abordando a SFM contêm um enfoque mais naturalístico deixando portanto uma carência em pesquisas básicas de laboratório As pesquisas de laboratório são importantes pois de acordo com o que foi discutido no Capítulo 2 controlam va riáveis que as pesquisas naturalísticas quase sempre são incapazes de controlar Uma possibilidade que vem sendo cada vez mais utilizada por alguns pes quisadores como Howe 2007 para o estudo de memórias de abuso sexual é a manipulação de variáveis emocionais como a valência e o alerta de um estímulo ver Capítulo 4 Dessa forma tentase recriar um contexto em que ocorra a suges As pesquisas com me mórias recuperadas de abuso têm muitas limi tações visto que se tor na complexa às vezes impossível a manipula ção de contextos devido a questões éticas A Síndrome das Falsas Memórias surge a partir do contexto da terapia enquanto a Síndrome de Alienação Parental a partir de um contexto de desavença familiar 252 Lilian Milnitsky Stein cols tão de uma informação falsa emocionalmente negativa e de alto alerta como fosse uma memória de abuso sexual por exem plo Por meio da verificação e aná lise dos resultados tornase possível aproximarse de uma melhor compreensão sobre os fatores que influenciariam o desenvolvimento da SFM Os pesquisadores interessados em investigar a SFM devem sempre buscar desenvolver aprimorar e questionar as metodologias de pesquisa para que mais confiabilidade possa ser concedida aos resultados obtidos Somente assim pode ser que os pontos hoje ainda duvidosos eou desconhecidos sejam devidamente desvendados Foram estimadas em 5000 o número de ações legais movidas desde 1997 contra terapeutas nos Estados Unidos Destas 800 são de famílias ou pacientes que acusam seus terapeutas de lhes implantar FM Gow 1998 Em 1992 a Fundação Síndrome das Falsas Memórias publicou um estudo descritivo reali zado com famílias relatando que 90 das pessoas que apresentavam SFM eram mulheres Em uma pesquisa com quase 900 terapeutas dos Estados Unidos e da Inglaterra foi identificado que 25 deles acreditavam que a recuperação de memórias esquecidas seria uma importante etapa da terapia e que eles po deriam identificar memórias que estavam ocultas até mesmo em uma sessão inicial Além disso ainda reportaram usar uma ou mais técnicas para ajudar os pacientes a recordar memórias suspeitas de abuso sexual Poole et al 1995 Esses dados reforçam o quanto crenças sem fundamento científico estão dis seminadas entre terapeutas Com o tempo imprudentemente pressuposições assim vão se estabelecendo e ganhando ares de verdade Atualmente esperase que com os avanços das pesquisas sobre o tema essa situação possa ter se m o dificado no sentido de entre outras coisas os terapeutas terem adotado pos turas mais cautelosas quanto às técnicas terapêuticas que utilizam bem como uma m aior conscientização quanto as suas próprias crenças e a influência que elas podem exercer em uma psicoterapia Todos os casos reportados e os estudos realizados até aqui dizem respeito a situações de SFM nos Estados Unidos e na Inglaterra No Brasil ainda não exis tem pesquisas ou ocorrências que evidenciem casos de SFM Segundo Callegaro 2006 os casos envolvendo os implantes de memória estão todos inseridos em um único tópico o das FM que ainda permanece muito pouco estudado e debatido no Brasil Nos últimos anos o tema da Síndrome de Alienação Parental SAP se tornou foco de atenção de muitos profissionais que trabalham na área forense Dias 2006 Entretanto não encontramos discussões sobre a relação da SAP com a SFM Embora o número de casos nos Estados Unidos tenha diminuído drasticamente desde o começo do século em função do conhecimento gerado pelas pesquisas realizadas na área das FM e do nú mero de processos jurídicos contra terapeutas não há dados sobre sua real incidência no Brasil Cal legaro 2006 salienta que esse desconhecimento pode acarretar sérias implicações éticas e técnicas para os profissionais envolvidos na recuperação de memórias em tratamento de transtornos psicológi cos eou no âmbito jurídicoforense No Brasil a temática das falsas memórias ainda é pouco debatida sendo que não há casos ou estudos que evidenciem a Síndrome das Falsas Memórias Falsas Memórias 253 As divergências dúvidas e polêmicas entre os que de algum modo se relacio nam com a temática das FM e em especial com a SFM levaram leigos recém ini ciados no assunto e pessoas com uma visão parcial a criar e fomentar confusões entre o que seriam FM e o que seriam as memórias recuperadas Com o passar do tempo verdadeiros mitos difundiramse sobre essas questões por isso alguns esclarecimentos se fazem necessários De acordo com a Sociedade Britânica de Falsa Memória British False M emory Society 2008 os principais mitos seriam os seguintes apresentados a seguir no Quadro 122 Observando o Quadro 122 notase o quão antagônicas podem ser as inter pretações sobre um mesmo fato e como situações podem ser distorcidas a ponto de tomaremse para algumas pessoas verdades e pressupostos inquestionáveis O fato é que às vezes o debate acerca das memórias recuperadas e das FM é tra tado de uma maneira mais pessoal do que científica Isso porque existem pessoas que tendem a preferir a ficção à realidade ou seja o que é mais fantasioso e espe tacular não raramente atinge m aior poder de impacto do que o que está no plano real Porém não se deve perder de vista a diferença fundamental que há entre opiniãocrença e ciência Por isso a recomendação de quando da defesa de uma teoria apoiarse sempre em pesquisas de caráter idôneo e científico Scheflin 1999 Somente pesquisas deste gênero possuem a capacidade de enfraquecer mi tos e ideias preconcebidas que ao longo do tempo vão sendo criados sobre temas importantes como nesse caso a memória Com o intuito de enriquecer o debate que parece infindável acerca das m e mórias recuperadas de abuso sexual e à SFM McNally e Geraerts 2009 recen temente propõem uma terceira interpretação para esse tipo de memória Nessa visão eles evitam se debruçar inteiramente sobre os dois constructos divergentes repressão e FM Resumidamente eles postulam que de fato podem haver m e mórias recuperadas de abuso genuínas que não seriam FM no entanto elas tampouco estariam vinculadas a mecanismos de defesa inconscientes repressão São propostos uma série de fatores que aumentariam as chances de uma memória recuperada de abuso sexual ser verídica a pessoa trazer à tona a experiência como algo confuso nojento ou as sustador porém não como um trauma terrível insuportável na época a experiência não foi processada como sexualabusiva não sendo também traumática ao longo do tempo a pessoa foi bemsucedida em evitar pensar no fato ocorrido provavelmente o abuso aconteceu somente uma ou poucas vezes e a posterior ausência de coisas que a fizessem lembrar promoveu o esque cimento a recordação ocorre espontaneamente em resposta a algum estímulo fil me reportagem fora da psicoterapia Corroborando este último fator Geraerts e colaboradores 2009 recentemen te investigaram o perfil cognitivo de pessoas que recuperaram memórias de abuso 254 Lilian Milnitsky Stein cols QUADRO 122 Explicações a respeito dos mitos existentes no debate entre falsas memórias e memórias recuperadas Mito Explicação Apenas terapeutas inexperientes eou malpreparados podem provocar FM em seus pacientes Casos de abuso sexual raramente têm condições de serem comprovados por meio de provas concretas então não haveria problema em memórias recuperadas também não possuírem tais comprovações Quando recuperadas fora do consul tório propriamente dito as memórias adquirem maior confiabilidade Qualquer profissional que já parta do princípio que os problemas do paciente se originam de um abuso sexual está correndo o risco de gerar falsas memó rias independente de sua experiência abordagem teórica eou competência Existem muitos casos de abuso que foram compro vados por meio de outras evidências fotos eou gravações de vídeos obscenos confissões Nesses casos não há notícia do envolvimento de memórias recuperadas Não há como ter total garantia acerca da veracidade de memórias recuperadas em qualquer contexto Outros estímulos como televisão livros de autoa juda conversas com pessoas que tenham crenças favoráveis a memórias recuperadas entre outros podem predispor o indivíduo a recuperar falsas memórias Não é possível as pessoas imaginarem algo tão sério como um abuso sexual se não houvesse realmente acontecido Apenas a imaginação pode sim gerar a sensação e a memória de que algo aconteceu de verdade Além disso imaginar frequentemente um mesmo conteúdo gera uma sensação de familiaridade capaz de influir no julgamento sobre se o conteúdo é real ou imaginário Recuperar memórias de forma frag mentada é um processo característico de lembranças de abuso sexual na infância As memórias de abuso seriam evocadas dessa forma justamente devido ao seu conteúdo traumático Lembrarse do passado pode resultar na recupera ção de memórias que possuem lacunas O contínuo esforço em completálas aliado a outras influências externas pode levar a confabulações distorções e ou falsas memórias Memórias que despertam muita angústia ansiedade eou sofrimento possuem mais chances de serem verdadeiras Como já foi visto no Capítulo 14 a emoção não fun ciona como uma medida de acurácia da memória o que ela indica é o tipo de sentimento que uma determinada memória proporciona para quem a lembra continua Falsas Memórias 255 QUADRO 122 Explicações a respeito dos mitos existentes no debate entre falsas memórias e memórias recuperadas continuação Mito Explicação Se alguém sempre lembrou de um abuso então memórias recuperadas referentes a um outro abuso provavel mente são verdadeiras Se outro membro da família também recupera memórias então é provável que as memórias sejam verdadeiras Muitas pessoas que têm falsas memórias podem lembrar episódios de abuso que de fato ocorreram Porém incentivadas por terapeutas a recordar outros possíveis episódios semelhantes podem aumentar a extensão do abuso real ou até mesmo recordar outros que não aconteceram As memórias recuperadas não podem ser tachadas como verdadeiras baseadas nessa premissa uma vez que o fato de uma pessoa recuperar tais memó rias pode influenciar e até mesmo disparar o mesmo processo em outro familiar sexual na infância Os pesquisadores verificaram o fato de indivíduos que recupera ram tais memórias gradualmente durante terapia com técnicas sugestivas mostra remse significativamente mais propensos à produção de FM ao contrário daqueles que recordaram o abuso de forma espontânea fora da terapia e daqueles que nunca se esqueceram do fato Esse dado sugere que pessoas que trazem memórias recupe radas em terapias que buscam reconstruir o passado possuem uma tendência a incorporar a suas experiências passadas eventos que na realidade nunca viveram Realmente parece que memórias recuperadas de abuso podem em alguns casos serem genuínas contudo elas não requerem o pressuposto de um evento traumático reprimido pressuposto que até agora não resistiu ao escrutínio de estudos empíricos Eventos percebidos como traumáticos ao contrário são alta mente memoráveis muitas vezes tão dramaticamente a ponto de instalar o Trans torno do Estresse PósTraumático psicopatologia amplamente conhecida tratada e investigada por psiquiatras e psicólogos Sendo assim recuperar uma memória remota não é sinônimo de recordar um trauma que fora reprimido devido a sua extrema gravidade e intensidade De qualquer modo o ponto de vista dos autores contribui no sentido de evitar uma interpretação dicotômica sobre o assunto e agrega informações importantes a serem levadas em conta nos casos de memórias de abuso sexual recuperadas após longo tempo CONSIDERAÇÕES FINAIS Como se pode observar pela leitura deste livro os diversos achados da Psi cologia Experimental têm mostrado que a implantação de FM é um fenômeno 256 Lilian Milnitsky Stein cols relativamente fácil de ser produzido sob determinadas circunstâncias Tendose por base esse conhecimento e por todas as questões discutidas até aqui causa certa estranheza o número de terapeutas que ainda utilizam técnicas como da revivência de fatos passados interpretações de sonhos memórias recuperadas entre outras como procedimentos centrais de sua prática clínica Por outro lado também não significa que as FM sejam um fenômeno corriqueiro tampouco de vem ser usadas indiscriminadamente como alegação de defesa para acusados de abuso sexual Sendo assim tratase de uma total falta de informação e até uma ir responsabilidade a adoção categórica de posturas radicais e simplistas tais como eu acredito em FM ou eu acredito em memórias recuperadas Não se pretende afirmar que as memórias recuperadas sejam sempre falsas no entanto com o suporte das muitas evidências apresentadas ao longo deste li vro fica claro que a memória comete falhas por natureza Erros de memória acon tecem com todas as pessoas frequentemente mas de modo geral eles não causam grandes transtornos cabendo lembrar inclusive que as FM não devem ser deli beradamente associadas sempre a eventos negativos eou traumáticos visto que muitas vezes envolvem também conteúdos neutros eou positivos Jones 1999 Logo sabendose das imperfeições inerentes à memória humana devese ter o cuidado em não assumir posições completamente fechadas e definitivas sobre questões que a circundam Quando se trata de lidar com o testemunho de alguém sobre um crime por exemplo uma distorção de memória pode levar uma pessoa inocente à prisão Loftus 2003 Portanto é de bom senso pensar sobre o quão perigoso e injusto pode ser julgar e traçar o destino de um indivíduo baseado somente em memórias recuperadas sem outras evidências que venham a convergir e sus tentar essas memórias Inegavelmente juizes diante de casos en volvendo a alegação de abuso sexual nos quais não existem outras evidências periciais além da palavra da vítima acabam ficando numa posição extremamente complicada Os juizes promotores advogados que estão a par dos conhecimentos científicos pro duzidos nos últimos anos na área da Psicologia do Testemunho sabem que uma acusação apoiada somente em memórias não deve configurarse em uma prova cabal capaz de definir um caso por si só Dias 2005 Por outro lado tratase de um erro sério incorrer no exagero de atribuir FM como primeira possibilidade sempre que um relato não possui outras evidências comprobatórias concretas Nesses casos ocorre o que poderia se chamar de falsas FM ou seja prontamente tachar de FM depoimentos que pouco ou mal foram investigados Utilizandose desse artifício é que muitos operadores da lei começaram a recorrer ao constructo das FM para argumentar em defesa de criminosos Alguns profissionais da área após tomarem conhecimento do fenômeno apenas superficialmente passaram mesmo de forma não intencional a adotar a equivocada posição de superestimar a frequência o poder e as repercussões das FM São estes que frente a um caso de abuso logo já sugerem a suspeita de mais uma ocorrência de FM Crenças e No testemunho de alguém sobre um crime uma distorção de me mória pode levar uma pessoa inocente à prisão Falsas Memórias 257 posturas como essas proporcionam grande prejuízo ao tema como um todo pois banalizam o fenômeno e sobretudo terminam afetando de forma dramática a vida das pessoas envolvidas Além disso também alimentam antagonismos ra dicais e colaboram para que informações se difundam de maneira deturpada terminando até por retirar um pouco da credibilidade das relevantes descobertas científicas referentes ao tema Enquanto persistir a disseminação de terapias alternativas p ex regressão a vidas passadas reencarcionista aromaterapia cromoterapia etc e as pessoas seguirem desinformadas quanto aos avanços da ciência sobre o funcionamento da memória é provável que o fenômeno da SFM prossiga ocorrendo Como to das as pessoas são sugestionáveis em algum grau tomase presumível que essa combinação terapias alternativas pessoas altamente sugestionáveis conti nue gerando a chamada SFM Também a crença inabalável de muitos terapeutas em memórias reprimidas de abuso que só tardiamente são recuperadas parece que por enquanto não perderá força devido ao amplo espectro em que se alas trou O que se pode concluir é que danos importantes como os ocorridos a Beth Rutherford e sua família não podem seguir sendo repetidos e tolerados ainda mais em tempos de informação vasta disseminada e acessível A utilização adequada da ciência possui entre vários de seus fins o propósito de minimizar erros de julgamento e de interpretação da realidade não permitindo assim que pessoas sejam vítimas nem que outras se aproveitem da falta ou da distorção do conhecimento científico REFERÊNCIAS American Psychiatric Association 2002 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 4 ed Revisada Porto Alegre Artmed American Psychology Association 1995 Questions and answers about memories of chil dhood abuse Acessado em 29 abr 2008 de httpwwwapaorgpubinfomemhtml Bass E Davis L 1994 The courage to heal 3rd ed New York Harper Row British False Memory Society 2008 Twelve myths about false memories 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ÍNDICE FM falsas memórias MA memória autobiográfica Abuso sexual 32 89112134140157 158 164 176 177179 180 187191 195 197203 233 241256 Acurácia da memória 79 102 237 254 Alerta 4850 629092 9597 118 163 251 Amnésia infantil 160162 Amnésicos 80 81121122 Armazenamento 30 32 3435 44 53 54 56 62 70 72 81 94118 121122 128 141 141 Associação semântica 36 47 74 95139 141193 Autobiografia e FM Ver Falsas memórias autobiográficas Ciências cognitivas 117121 Codificação 24 30 45 51 52 61 70 72 74 77 81 94 97 107108 120141 142 145 216 230 Controle experimental 42 50 62 76 104 127 Crenças 93 102106111 112174 209 215 219 230236 238 242 245250 252254 256 257 Crianças e FM 136139 157181 188197 Ver também Diferenças individuais e FM Depoimentos de crianças 202 209 Ver também Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Depoimentos técnicas para minimizar FM Ver Técnicas de entrevista para minimizar FM Desempenho da memória 4851 53 5557 5963 Desenhos 121176 177 189 235 Desenvolvimento humano e FM 135145 Ver também Diferenças individuais e FM Diários 105 Diferenças individuais e FM 133150 abusos 133 140141149 associação semântica 139 141 distorção da memória 136 e desenvolvimento humano 135145 e sexo do indivíduo 144145 e trauma 139141 em crianças 136139 em idosos 141144 DRM 137139141144145 e personalidade 145149 erros de comissão 144 estratégias de coping 146 149 FM espontâneas 136144149 FM sugeridas 136143 memória literal 137 142 memória de essência 136137139140142143 modelo dos Cinco Grandes Fatores 147 148 neuroticismo 135 147149 Psicologia Diferencial 134149 teoria do traço difuso 133136 teoria do monitoramento da fonte 133 141143145 Direito e 157257 Distorção da memória 22 23 25 26 28 30 32 35 43 52 55 62 72 81 88 89 93 94 96 101103 105113133135 136 139140142 144147 149 159163170180 181 186188 200 203 211 219 229232 234 235 238 251 254 256 257 Distrator crítico 44 46 48 51 60 61 75 76 79 94 96 127128 137 Distrator não relacionado 75 76 Efeito de geração 52 Efeito de mera testagem 59 63 Emoção e falsas memórias 48 62 8797102 130 162 163165166 186 254 alerta 9092 9597 ANEW91 associação semântica 95 atenção mecanismos de 97 bases neurais 97 características 9397 carga emocional 9095 cognição 87 88 distratores críticos 94 96 índice 261 DRM 94 96 emocionalidade 9094 esquecimento 87 estudo da 9093 alerta e valência 9092 emoção humor e temperamento 9293 eventos emocionais 88 93 97 eventos negativos 87 eventos positivos 89 fases experimentais 93 FM espontâneas 93 humor 9293 245 lista de palavras 88 90 modelo bidimensional 95 Psicologia Experimental 8991 processo de memorização 93 resposta fisiológica 88 93 SAM 91 92 seleção natural 93 sistema nervoso 88 temperamento 9293 valência 9092 9497 Zeitgeist 88 Entrevista cognitiva 181 210223 Entrevistas técnicas para minimizar FM Ver Técnicas de entrevista para minimizar FM Entrevista com crianças 172178 Erros de comissão 144 177 Erros de memória 23 30 34 37 38 146166 187189 194195 256 tipos de 187 189 195 Esquecimento 33 34 36 44 45 47 54 56 60 87 137163 180 190198202 253 Esquecimento dirigido 47 60 Estereótipos 106 107118 128130 173175 234 236 Estratégias de coping 146 149 Eventos emocionais repetitivos 186204 abuso sexual 187191 195 197203 avaliação de credibilidade 187196 199 completude dos relatos 198 199 consistência dos relatos 200 credibilidade de relatos 196199 distorções 186188 200 203 erros de memória 187 189195 tipos de 187 189 195 esquemas 190191 falhas de memória 199 201 202 204 familiaridade 194196 maustratos 188197 memória das crianças para 188197 memória para experiências traumáticas repetitivas 197203 precisão 187189 190191 195197 200 202 203 Psicologia Forense 188195 204 qualidade da memória 196197 qualidade do relato 203 monitoramento da fonte 193195 sugestionabilidade infantil 188193195197204 teoria do traço difuso 190 192 193195 teoria dos esquemas 190 192195 traços literais 190 traços de essência 190 violência crónica 187 188197 203 Expectativas 24106 107146 165 166 215 230 231 248 Falhas de memória 199 201 202 204 Falsas memórias autobiográficas 101113 implicações dos estudos sobre 110113 falsas MA e psicoterapia 111112 falsas MA no contexto forense 112113 pesquisa da MA e suas distorções 102105 métodos de estudo 102105 teorias explicativas das 105110 modelo dos múltiplos traços 28 teoria do monitoramento da fonte 108110 julgamento da fonte 32 teoria dos esquemas 107108 espontâneas 25 28 29 34 354446 5455 60 93136144149164167193 204 implícitas 117 120124130 sugeridas 23 25 26 2830 3435 4446 54 55 60 61 136143192 193 197 False Memory Syndrome Foundation Ver Fundação Síndrome das Falsas Memórias Fase de estudo 4363 73 75 78 93 95 96 125129 139142 Fase de teste 4450 52 5462 72 73 78 94 96 124126128139 Fenômeno das falsas memórias conceitualização 2138 histórico dos estudos 2225 efeito da sugestão de falsa informação 23 24 26 32 35 36 38 sugestionabilidade 23 teoria dos esquemas 23 taxonomia do 2527 sugestionabilidade 25 26 teorias explicativas 2737 paradigma construtivista 2731 teoria construtivista 2829 teoria dos esquemas 2931 teoria do monitoramento da fonte 3133 teoria do traço difuso 3337 memória de essência 33 35 36 memória literal 3336 traço de memória 35 Fundação Síndrome das Falsas Memórias 245 Grau de certeza 22 30 47 60 61 79 80 251 Histórico dos estudos sobre FM 2225 Humor 9293 245 Idosos e FM 141144 Ver também Diferenças individuais e FM Imaginação 3255109110149176177 243 254 Implicações clínicas das FM 228238 o paciente sob a ótica do terapeuta 232237 convicções do terapeuta e indução de falsas memórias 233237 avaliação da acurácia da memória dos pacientes 237 visão do paciente da sua própria história 229 262 índice crenças e lembranças do paciente em psicoterapia 230231 lembranças e sua influência no comportamento 231232 Interação 38 87 8895 97145 168 213 Intervalo de retenção da informação 45 53 54 Investigação das falsas memórias 4263 armazenamento 44 53 54 56 62 codificação 45 51 52 61 controle experimental 42 50 62 desempenho da memória 485153 55575963 distrator crítico 44 46 48 51 60 61 efeito de geração 52 efeito de mera testagem 59 63 esquecimento dirigido 47 60 grau de certeza 47 60 61 imaginação 55 intervalo de retenção da informação 45 53 54 itemalvo 46 lembrar saber 61 manipulação experimental 53 62 materialalvo 4363 material de sugestão 44 47 54 55 materialoriginal Ver Materialalvo método experimental para 4362 fase de estudo 45 apresentação do materialalvo 5051 características do materialalvo 4550 instruções sobre o materialalvo 5253 fase de teste da memória 56 apresentação do teste 5859 instruções sobre o teste 5960 medidas do teste 6062 tipos de teste 5758 intervalo de retenção 5356 sugestão de falsa informação 5456 tarefa de distração 5354 panorama geral dos estudos 4243 momento da testagem 47 58 nível de aprendizagem 47 52 paradigma DRM 24 44 pesquisa básica 43 47 62 pesquisa de laboratório 42 43 63 pesquisa naturalística 43 5052 63 Procedimento de Palavras Associadas 42 44 47 48 51 53 6163 Procedimento de Sugestão de Falsa Informação 45 55 procedimentos experimentais 52 59 63 recuperação de experiências palavras informações 43 48 5562 span de dígitos 54 sugestão 44 45 47 5356 63 tarefa de distração 45 47 5354 56 58 tempo de reação 47 60 61 teste de memória 44 45 47 48 51 52 5462 reconhecimento 47 5762 7480 9496 139 142 144166 escolha simples 57 59 60 múltipla escolha 57 59 recordação 47 5762 129 139 com pistas 5760 livre 5760 vividez da memória 47 60 Itemalvo 46 Julgamento da fonte 32 Julgamentos e 157257 Lembrar Saber 61 Lista de palavras 24 42 44 4751 53 55 60 72 76 81 88 90 96 120121 124129137139144 148 164 Manipulação experimental 53 62193 Materialalvo 4363 96 Material de sugestão 44 47 54 55 Materialoriginal Ver Materialalvo Maustratos 140 141 157158 188 197 Medidas explícitas de memória 126 Medidas implícitas de memória 126128 130 Memória de crianças 63136 139 187197 203 Ver também Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Memória de essência 33 35 36 8081 136137 139 140142143 162 Memória de eventos traumáticos 23 141147160 163 200 242 243 Memória explícita 119 126 Memória literal 3336 137142143 Memória implícita e priming 117130 acesso lexical 120 amnésicos 121122 aprendizado da língua materna 120 aprendizados emocionais 118 atenção manipulação da 125 cerebelo 119 ciências cognitivas 117121 complementação de palavras 121123 126 127130 condicionamentos 118 conexionismo 122 consciência limiar de 123 125 controle experimental 127129 130 córtex préfrontal 122 decisão lexical 126 127 130 efeito de intrusão 125 emoções 120 escolhacega 126128130 estereótipos 118128130 falsas memórias implícitas 117120124130 fase de estudo 125129 fase de teste 126128 fobias 117 gramática artificial 120 grupocontrole 120122 grupo experimental 121 habilidades motoras e sensoriais 118 121 hábitos e habituações 117 118 hipocampo 119 hipótese da ativação implícita 125 hipótese de propagação da ativação 122 lesões neurológicas 119 125129 listas de palavras 120 121124129 mapas mentais 118 medidas explícitas de memória 126 medidas implícitas de memória 126128 130 índice 263 memória explícita 119126 memória implícita e o efeito de priming 121124 memória procedural 117 neuropsicologia 118120 neuroquímica 119 núcleo caudado 119 prime 121 123 124127 memória implícita nas ciências cognitivas 118121 paradigma experimental 121 paradigma DRM 124125 129 preconceito 128130 priming direto e indireto 123124 priming indireto nas FMI 124129 listas de palavras associadas e o estudo das FMI 125129 priming subliminar 123124 processamento cognitivo 117127 129 processamento controlado 117 psicolinguística 118 120 Psicologia Cognitiva 118 120 Psicologia Evolucionista 118120 reconhecimento 118 125126 recordação livre e com pistas 125126 rede semântica ou associativa 125 127129 representação cognitiva 128 sentimentos 117 118 sistemas de memória 122 tempo de exposição do estímulo 123 transtorno de estresse póstraumático TEPT 119 transtorno de pânico 120 valência 120128 Memória não declarativa Ver Memória implícita e priming Memória procedural 69117 Memórias autobiográficas falsas Ver Falsas memórias autobiográficas Memórias precoces 160161 Memórias recuperadas 28 31 35112150 237 238 241242 244 247 251 253256 Memórias verdadeiras 21 22 58 72 75 138142 178195 235 Método BOLD 71 Modelo dos Cinco Grandes Fatores 147148 Modelo dos múltiplos traços 28 Momento da testagem da memória 47 58 Monitoramento da fonte teoria do Ver Teoria do monitoramento da fonte Neurociência cognitiva das FM 6981 atividade neural 71 757780 codificação 70 72 81 córtex 7375 77 7981 córtex parietal inferior 73 córtex préfrontal 75 80 81 imagem cerebral 69 lobo temporal 76 77 80 81 métodos de pesquisa 7071 método BOLD 71 monitoramento da fonte teoria do 80 neuroimagem 69 72 75 80 81 Potenciais Relacionados a Evento 71 73 76 precuneus 73 processamento auditivo 75 processos de codificação e armazenamento das falsas memórias 7274 reativação sensorial 75 76 79 recuperação de falsas memórias processos de 7480 ressonância magnética 70 71 ressonância magnética funcional RMf 70 71 73 7680 tomografia por emissão de pósitron 71 Neuroimagem 43 69 72 75 80 81 97119 145 Neuropsicologia 80118120 Neuroticismo 135 147149 Nível de aprendizagem 47 52 167189 acidental 26 32 52 167 189 advertência 52 intencional 52167 189 Paradigma construtivista 2731 32 35 37 Paradigma experimental 121 Paradigma DRM 2444 7576 798194 96124 125129137139141144145167 Perguntas abertas 59192 211 213 220 221 confirmatórias 211 220 fechadas 23166 167170 173 211 220 221 223 múltiplas 57 29 60 220 sugestivas 23 55173176180 203 211 220 Personalidade e FM 145149 Ver também Diferenças individuais e FM Pesquisa básica 43 47 62 72 94 164 Ftesquisa de laboratório 4243 63102164 211 251 Pesquisa naturalística 43 5052 63 159 251 PDtenciais Relacionados a Evento 71 73 76 Precisão da memória Ver Acurácia da memória Primeiras lembranças 160161 Priming Ver Memória implícita e priming Procedimento de Palavras Associadas 42 44 47 48 51 53 6163 73 757780 81 96 Procedimento de Sugestão de Falsa Informação 24 45 55 Procedimentos experimentais 52 59 63 164 Ver também Investigação das falsas memórias Processamento cognitivo 3392110117127129 Processamento controlado 117 Processos criminais e 157257 Psicologia Diferencial 134149 Psicologia Forense 133149 158159 162 181 188195 204 Psicoterapia 111112150 228 229232 235238 240242 245253 255 Qualidade da memória 44 60 159164196 197 Rapport 211214 222 Recovered Memory Therapy Ver Terapia de Memórias Recuperadas Recriação de contexto 212 213 216217 Recuperação de falsas memórias processos de 7480 Relato livre 170 212 213 218 221 Relatos infantis Ver Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Repetição da testagem 47 59 264 índice Repressão 23 249 253 Ressonância magnética 70 71 73 7680140 ressonância magnética funcional RMf 70 71 73 7680 Sexo do indivíduo e FM 144145 Ver também Diferenças individuais e FM Síndrome de alienação parental 249252 Síndrome das falsas memórias 240257 características 244248 descrição de casos 246248 discussão sobre o termo 240241 fatores associados 248251 influência de aspectos individuais e ambientais 248249 síndrome de alienação parental 249252 memórias recuperadas 241242 244 247 251 253256 pesquisas limitações e mitos 251255 surgimento 241244 Fundação síndrome das falsas memórias 244 técnicas polêmicas para recuperação de memórias 242244 terapia das memórias recuperadas 241242 Síndrome do pânico SP 120 Sistema de memória 28101 121122 135 136 142 143 161 Span de dígitos 54 Sugestão de falsa informação 23 24 26 32 35 36 38 45 47 53 5456 63 104 106 139 142 233 234 236 Sugestionabilidade 23 25 26 143 144146 188190192193 195197 203 204 223 247 248 250 Ver também Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Tarefa de distração 45 47 5354 56 58 Taxonomia das falsas memórias 2527 Técnicas de entrevista para minimizar FM 209225 38112139144 171174180181 entrevista cognitiva 210212 etapas 212223 construção do rapport 212216 fechamento 222223 narrativa livre 217218 questionamento 218222 recriação do contexto original 216217 histórico e caracterização 210212 Temperamento 9293 171172 Tempo de reação 47 60 61 124 Tendenciosidade 106 111 229 232 245 Teoria construtivista 2829 Teoria do monitoramento da fonte 27 283033 37 80 107110 133 141143 145 171 193195 Teoria do traço difuso 38 30 3337 81125 133 136 190 192193 195 Teoria dos esquemas 23 2931106 107108 190 192 195 Terapia de Memórias Recuperadas 241242 247 Teste de memória 244445474851 525462 74 80 9496126129139142144166 reconhecimento 47 5762 7480 9496 139 142144 166 escolha simples 57 59 60 múltipla escolha 57 59 recordação 47 5762 129 139 com pistas 5760 livre 5760 Testemunho infantil 136 209 Ver também Testemunho infantil sugestionabilidade e FM Testemunho infantil sugestionabilidade e FM 157181 abuso sexual 157 158 164 176 177 179 180 amnésia infantil 160162 bonecos anatômicos 173 176177 capacidade das crianças para recordar eventos 160166 contribuições da psicologia ao direito 157160 deferência 170 depoimentos 158 162166 172174175 179181 emoção 162163 165166 estereótipos 173175 evidência criminal 181 maustratos 157158 memória de crianças 160162178 memória de eventos estressantes 162166 memória de eventos traumáticos 160163 memórias precoces 160161 precisão da memória 159162164166170172 pressão dos pares 176 primeiras lembranças 160161 proteção de crianças 157181 Psicologia Forense 158 159162 181 relatos infantis 157160163165 167170 172181 sugestionabilidade infantil 166178 e características das crianças 168172 fatores desenvolvimentais 168171 fatores individuais 171172 e entrevista 172178 violência contra crianças 157 158 162164 176 178 180 Ver também Eventos emocionais repetitivos Tomografia por emissão de pósitron 71 140 Traço de memória 35106 Transferência do controle 215 Transtorno de estresse póstraumático TEPT 119 140 158 249 250 255 Trauma e FM 139141 Ver também Diferenças individuais e FM Tribunais e 157257 Valência 4850 62 9092 9497120 128 148 163 251 Validade ecológica 91103 167189 Viés 32 60 61 63 95 111113 219 229234 236 Violência contra crianças 157158 162 164176 178 180 Ver também Eventos emocionais repetitivos Vividez da memória 2137 47 60 72 7396 Sapere aude Exemplar genérico conhecimento específico Direito Processual Penal AURY LOPES JR 11ª edição saraiva ANOS ISBN 9788502221581 Lopes Jr Aury Direito processual penal Aury Lopes Jr 11 ed São Paulo Saraiva 2014 1 Processo penal Brasil I Título II Série CDU343181 Índice para catálogo sistemático 1 Brasil Processo penal Direito penal 343181 Diretor editorial Luiz Roberto Curia Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues Assistente editorial Sarah Raquel Silva Santos Produtora editorial Clarissa Boraschi Maria Preparação de originais Ana Cristina Garcia Bernardete de Souza Maurício Daniel Pavani Naveira Projeto gráfico Mônica Landi Arte e diagramação Isabela Agrela Teles Veras Revisão de provas Ana Beatriz Fraga Moreira Albertina Pereira Leite Piva Cecília Devus Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva Tatiana dos Santos Romão Capa Casa de Ideias Daniel Rampazzo Produção gráfica Marli Rampim Produção eletrônica Ro Comunicação Data de fechamento da edição 2122013 Para o velho Aury pelo exemplo de vida e de superação Para minha mãe simplesmente por tudo Faltam palavras que deem conta da complexidade dos sentimentos que me unem a vocês Agradeço a Deus Ele sabe por quê Thaisa e Carmella Por vocês conseguiria até ficar alegre Pintaria todo o céu de vermelho Eu teria mais herdeiros que um coelho Eu aceitaria a vida como ela é Viajaria a prazo pro inferno Eu tomaria banho gelado no inverno Eu mudaria até o meu nome Eu viveria em greve de fome Desejaria todo dia A mesma mulher Por VocêBarão Vermelho Maíra Já me acostumei com a tua voz Com teu rosto e teu olhar Me partiram em dois E procuro agora o que é minha metade Quando não estás aqui Sinto falta de mim mesmo E sinto falta do meu corpo junto ao teu Sete CidadesLegião Urbana Sumário Nota do Autor à 11ª Edição Capítulo I Um Processo Penal Para Quêm Buscando o Fundamento da sua Existência 1Breve Análise da História da Pena de Prisão e do Processo Penal 11Breve História da Pena de Prisão 12Da Autotutela ao Processo Penal 2 Constituindo o Processo Penal desde a Constituição A Crise da Teoria das Fontes A Constituição como Abertura do Processo Penal 3Superando o maniqueísmo entre interesse público versus interesse individual Inadequada Invocação do Princípio da Proporcionalidade 4Princípio da Necessidade do Processo Penal em Relação à Pena 5Instrumentalidade Constitucional do Processo Penal 6Quando Cinderela terá suas Próprias Roupas Respeitando as Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal ou Abandonando a Teoria Geral do Processo Síntese do Capítulo Capítulo II Teorias Acerca da Natureza Jurídica do Processo Penal 1Introdução As Várias Teorias 2Processo como Relação Jurídica A Contribuição de Bülow 3 Processo como Situação Jurídica ou a Superação de Bülow por James Goldschmidt 4 Quando Calamandrei Deixa de Ser o Crítico e Rende Homenagens a Un Maestro di Liberalismo Processuale O Risco Deve Ser Assumido A Luta Pelas Regras do Jogo 5Processo como Procedimento em Contraditório o contributo de Elio Fazzalari Síntese do Capítulo Capítulo III Sistemas Processuais Penais Inquisitório e Acusatório Superando o Reducionismo Ilusório do Sistema Misto 1Sistema Acusatório 2Sistema Inquisitório 3 O Reducionismo Ilusório e insuficiente do Conceito de Sistema Misto a Gestão da Prova e os Poderes Instrutórios do Juiz 31A Falácia do Sistema Bifásico 32 A Insuficiência da Separação Inicial das Atividades de Acusar e Julgar 33Identificação do Núcleo Fundante a Gestão da Prova 34 O Problema dos Poderes Instrutórios JuízesInquisidores e os Quadros Mentais Paranoicos 35RePensando os Sistemas Processuais em Democracia a Estafa do Tradicional Problema Inquisitório Acusatório Síntese do Capítulo Capítulo IV ReConstrução Dogmática do Objeto do Processo Penal A Pretensão Acusatória Para Além do Conceito Carneluttiano de Pretensão 1Introdução ou a Imprescindível PréCompreensão 11 Superando o Reducionismo da Crítica em Torno da Noção Carneluttiana de Pretensão Pensando Para Além de Carnelutti 12Teorias Sobre o Objeto do Processo Penal 2Estrutura da Pretensão Processual Acusatória 21Elemento Subjetivo 22Elemento Objetivo 23Declaração Petitória 3 Conteúdo da Pretensão Jurídica no Processo Penal Punitiva ou Acusatória Desvelando mais uma Inadequação da Teoria Geral do Processo 4Consequências Práticas dessa Construção ou Por que o Juiz Não Poderia Condenar Quando o Ministério Público Pedir a Absolvição Síntese do Capítulo Capítulo V Introdução ao Estudo dos Princípios Constitucionais do Processo Penal 1Jurisdicionalidade Nulla poena nulla culpa sine iudicio 11A Função do Juiz no Processo Penal 12A Toga e a Figura Humana do Julgador no Ritual Judiciário da Dependência à Patologia 13A Garantia da Imparcialidade Objetiva e Subjetiva do Julgador RePensando os Poderes InvestigatóriosInstrutórios Fundamentação Finalmente Adotada pelo Supremo Tribunal Federal HC 94641BA 14O Direito de Ser Julgado em um Prazo Razoável art 5º LXXVIII da CF o Tempo como Pena e a DeMora Jurisdicional 141 Introdução Necessária Recordando o Rompimento do Paradigma Newtoniano 142Tempo e Penas Processuais 143 A DeMora Jurisdicional e o Direito a um Processo sem Dilações Indevidas 144A Recepção pelo Direito Brasileiro 145A Problemática Definição dos Critérios A Doutrina do Não Prazo ou a ineficácia de prazos sem sanção 146Nulla Coactio Sine Lege a Urgente Necessidade de Estabelecer Limites Normativos 147 Aplicação Prática Algumas Decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos da Corte Americana de Direitos Humanos e de Tribunais Brasileiros 148Em Busca de Soluções Compensatórias Processuais e Sancionatórias 149Concluindo o Difícil Equilíbrio entre a DeMora Jurisdicional e o Atropelo das Garantias Fundamentais 2Princípio Acusatório Separação de Funções e Iniciativa Probatória das Partes A Imparcialidade do Julgador 3Presunção de Inocência ou um Dever de Tratamento 4Contraditório e Ampla Defesa 41Direito ao Contraditório 42Direito de Defesa Técnica e Pessoal 421Defesa Técnica 422A Defesa Pessoal Positiva e Negativa 4221Defesa Pessoal Positiva 4222Defesa Pessoal Negativa Nemo Tenetur se Detegere 5Motivação das Decisões Judiciais Superando o Cartesianismo Síntese do Capítulo Capítulo VI Lei Processual Penal no Tempo e no Espaço 1Lei Processual Penal no Tempo 11A Leitura Tradicional Princípio da Imediatidade 12Uma ReLeitura Constitucional Retroatividade da Lei Penal e Processual Penal Mais Benéfica 2Lei Processual Penal no Espaço Síntese do Capítulo Capítulo VII Sistemas de Investigação Preliminar Breve Análise a partir de SujeitosObjetoAtos 1Introdução 2Análise dos Sistemas de Investigação Preliminar 21Problema Terminológico 22Caracteres Determinantes Instrumentalidade e Autonomia 23Fundamento da Existência da Investigação Preliminar 231 Busca do Fato Oculto e a Criminal Case Mortality 232Função Simbólica 233Evitar Acusações Infundadas Filtro Processual 3 Órgão Encarregado Investigação Policial Juiz Instrutor ou Promotor Investigador 31Investigação Preliminar Policial 32Investigação Preliminar Judicial Juiz Instrutor 33Investigação Preliminar a Cargo do Ministério Público Promotor Investigador 4Objeto e Grau de Cognição na Investigação Preliminar 5Forma dos Atos da Investigação Preliminar Síntese do Capítulo Capítulo VIII A Investigação Preliminar Brasileira O Inquérito Policial e sua Crise 1Considerações Prévias Natureza Jurídica 2Órgão Encarregado Atuação Policial e do Ministério Público 3A Posição do Juiz Frente ao Inquérito Policial O Juiz como Garantidor e não como Instrutor 4Objeto e sua Limitação 41Limitação Qualitativa 42Limitação Temporal Prazo Razoável Prazo Sanção Ineficácia 5Análise da Forma dos Atos do Inquérito Policial 51Atos de Iniciação Art 5º do CPP 511De Ofício pela Própria Autoridade Policial 512Requisição do Ministério Público ou Órgão Jurisdicional 513Requerimento do Ofendido Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada 514Comunicação Oral ou Escrita de Delito de Ação Penal de Iniciativa Pública 515Representação do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada 516Requerimento do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Privada 52Atos de Desenvolvimento Arts 6º e 7º do CPP 53 A Conclusão do Inquérito Policial A Impossibilidade de Arquivamento pela Polícia Arquivamento Implícito ou Tácito 6 Estrutura dos Atos do Inquérito Policial Lugar Tempo e Forma Segredo e Publicidade 7Valor Probatório dos Atos do Inquérito Policial 71A Equivocada Presunção de Veracidade 72Distinção entre Atos de Prova e Atos de Investigação 73O Valor Probatório do Inquérito Policial 731Valor das Provas Repetíveis Meros Atos de Investigação 732Provas Não Repetíveis Necessidade do Incidente de Produção Antecipada de Provas 733Contaminação Consciente ou Inconsciente do Julgador e a Necessidade da Exclusão Física das Peças do Inquérito Policial 8O Indiciado no Sistema Brasileiro alterações introduzidas pela Lei n 128302013 9Direito de Defesa e Contraditório no Inquérito Policial 10Garantias do Defensor O Acesso do Advogado aos Autos do Inquérito Contraditório Limitado O Problema do Sigilo Interno do Inquérito Policial 11A Título de Conclusão A Opacidade da Discussão em Torno do Promotor Investigador Mudem os Inquisidores mas a Fogueira Continuará Acesa Síntese do Capítulo Capítulo IX Ação Processual Penal RePensando Conceitos e Condições da Ação 1Esclarecimentos Iniciais 2Ação Processual Penal Ius ut Procedatur Desde a Concepção de Pretensão Acusatória Por que não existe trancamento da ação penal 3Natureza Jurídica da Ação Processual Penal 31Caráter Público 32 Direito Potestativo em Relação ao Imputado e Subjetivo Frente ao EstadoJuiz 33 Ação como Direito Autônomo e Abstrato eou como Direito Concreto A Necessidade do Entreconceito Conexo Instrumentalmente ao Caso Penal 4Condições da Ação Penal 41Quando se pode falar em condições da ação 42Crítica à Importação de Conceitos do Processo Civil 43Em Busca das Condições da Ação Processual Penal Definições a Partir de suas Categorias Jurídicas Próprias 431Prática de Fato Aparentemente Criminoso Fumus Commissi Delicti 432Punibilidade Concreta 433Legitimidade de Parte 434Justa Causa 4341Justa Causa Existência de Indícios Razoáveis de Autoria e Materialidade 4342Justa Causa Controle Processual do Caráter Fragmentário da Intervenção Penal 44Outras Condições da Ação Processual Penal 45O DesControle das Condições da Ação nos Juizados Especiais Criminais 5Ação Penal de Iniciativa Pública 51Introdução e Cuidados Necessários 52Regras da Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada ou Incondicionada 521Oficialidade ou Investidura 522Obrigatoriedade ou Legalidade 523Indisponibilidade 524Indivisibilidade 525Intranscendência 53Espécies de Ação Penal de Iniciativa Pública 531Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada 532Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada 533Ação Penal de Iniciativa Pública Extensiva e a Problemática em Torno da Ação Penal nos Crimes Contra a Dignidade Sexual Lei n 120152009 6Ação Penal de Iniciativa Privada 61Regras que Orientam a Ação Penal de Iniciativa Privada 62Titularidade Querelante e o Prazo Decadencial 621Procuração com Poderes Especiais A Menção ao Fato Criminoso 63Espécies de Ação Penal de Iniciativa Privada 64Ação Penal nos Crimes Praticados Contra a Honra de Servidor Público 65Renúncia Perdão e Perempção 7 Aditamentos Próprios e Impróprios na Ação Penal de Iniciativa Pública ou Privada Interrupção da Prescrição Falhas e Omissões na QueixaCrime 71Aditamentos da Ação Penal de Iniciativa Pública 72Falhas e Omissões na QueixaCrime Existe Aditamento na Ação Penal de Iniciativa Privada 8Da Rejeição da Denúncia ou Queixa Análise do Art 395 do CPP Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP 81Rejeição Inépcia da Denúncia ou Queixa 82Rejeição Falta de Pressuposto Processual ou Condição da Ação 83Rejeição Falta de Justa Causa Condição da Ação 84Rejeição Parcial da Denúncia Abusiva Aplicação do Art 383 Quando do Recebimento da Acusação 85Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP 9Fixação de Valor Indenizatório na Sentença Penal Condenatória e os Casos de Ação Civil Ex Delicti Síntese do Capítulo Capítulo X Jurisdição Penal e Competência De PoderDever a Direito Fundamental 1Princípios da Jurisdição Penal 11Princípio da Inércia da Jurisdição 12Princípio da Imparcialidade 13Princípio do Juiz Natural 14Princípio da Indeclinabilidade da Jurisdição 2A Competência em Matéria Penal 21Qual é a Justiça Competente Definição da Competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e Comuns Federal e Estadual 211Justiça Especial Militar Federal 212Justiça Especial Militar Estadual 213Justiça Especial Eleitoral 214Justiça Comum Federal 215Justiça Comum Estadual 22Qual é o Foro Competente Local 23Qual é a Vara o Juízo Competente 24O Julgamento Colegiado para os Crimes Praticados por Organização Criminosa Lei n 126942012 25Competência em Razão da Pessoa A Prerrogativa de Função 251Algumas Prerrogativas Importantes 252Alguns Problemas em Torno da Competência Constitucional do Tribunal do Júri 253Prerrogativa de Função para Vítima do Crime 3Causas Modificadoras da Competência Conexão e Continência 31Conexão 32Continência 33Regras para Definição da Competência nos Casos de Conexão ou Continência 34Cisão Processual Obrigatória e Facultativa 4Crítica ao Tratamento das InCompetências Absoluta e Relativa 41InCompetência Absoluta e Relativa Inadequada Transmissão das Categorias do Processo Civil Manipulação dos Critérios de Competência em Matéria Penal Varas Especializadas 42Por Uma Leitura Constitucional do Art 567 do CPP 5Case Study Para Facilitar a Compreensão Síntese do Capítulo Capítulo XI Das Questões e Processos Incidentes 1Das Questões Prejudiciais 2Dos Processos Incidentes 21Das Exceções Processuais 211 Exceção de Suspeição 212Exceção de Suspeição por Violação da Garantia da Imparcialidade do Julgador e do Sistema Acusatório Poderes Instrutórios do Juiz e Prejulgamentos 213Exceção de Incompetência 214Exceção de Litispendência 215Exceção de Ilegitimidade de Parte 216Exceção de Coisa Julgada 22Conflito de Jurisdição e de Competência Síntese do Capítulo Capítulo XII Teoria Geral da Prova no Processo Penal 1Conceito e Função da Prova 11O Ritual de Recognição 12Função Persuasiva da Prova Crença Fé e Captura Psíquica 2Provas e Modos de Construção do Convencimento ReVisitando os Sistemas Processuais 3Principiologia da Prova 31Garantia da Jurisdição Distinção entre Atos de Investigação e Atos de Prova 32Presunção de Inocência 33Carga da Prova e In Dubio Pro Reo Quando o Réu Alega uma Causa de Exclusão da Ilicitude Ele Deve Provar 34In Dubio Pro Societate DesVelando um Ranço Inquisitório 35Contraditório e Momentos da Prova 36Provas e Direito de Defesa o Nemo Tenetur se Detegere 37 Valoração das Provas Sistema Legal de Provas Íntima Convicção e Livre Convencimento Motivado 38O Princípio da Identidade Física do Juiz 4O Problema da Verdade no Processo Penal 41Verdade Real Desconstruindo um Mito Forjado na Inquisição Rumo à Verdade Processual 42Desvelando o Mito da Verdade no Processo Penal Rumo à Assunção da Sentença como Ato de Convencimento mas sem Cair no Relativismo Cético e Incidir no Erro do Decisionismo 43Para Refletir A Íntima Relação Entre Sistema Processual Inquisitório Gestão da Prova nas Mãos do Juiz e a Busca da Verdade 5Dos Limites à Atividade Probatória 51Os Limites Extrapenais da Prova 52Provas Nominadas e Inominadas 53Limites à Admissibilidade da Prova Emprestada e à Transferência de Provas 54Limites Impostos ao Substancialismo Inquisitorial Obtenção de Prova de Crime Diverso Desvio da Vinculação Causal Princípio da Especialidade da Prova 55Limites à Licitude da Prova Distinção entre Prova Ilícita e Prova Ilegítima 56Teorias Sobre a Admissibilidade das Provas Ilícitas 561Admissibilidade Processual da Prova Ilícita 562Inadmissibilidade Absoluta 563Admissibilidade da Prova Ilícita em Nome do Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade 564Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo 57Prova Ilícita por Derivação 571O Princípio da Contaminação e sua Relativização Independent Source e Inevitable Discovery 572Visão Crítica Superando o Reducionismo Cartesiano 6A Produção Antecipada de Provas no Processo Penal Síntese do Capítulo Capítulo XIII Das Provas em Espécie 1Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito 11Contraditório e Direito de Defesa na Prova Pericial 12Perícia Particular Possibilidade de Contraprova Pericial Limitações da Fase PréProcessual 13O Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto 14Intervenções Corporais e os Limites Assegurados pelo Nemo Tenetur se Detegere A Extração Compulsória de Material Genético Alterações Introduzidas pela Lei n 126542012 15Valor Probatório da Identificação do Perfil Genético É a Prova Técnica a Rainha das Provas 2Interrogatório 21A Defesa Pessoal Positiva 22A Defesa Pessoal Negativa Direito de Silêncio O Nemo Tenetur se Detegere 23Interrogatório do Corréu Separação Perguntas da Defesa do Corréu Repetição do Interrogatório 24O Interrogatório por Videoconferência 3Da Confissão 4Das Perguntas ao Ofendido 5Da Prova Testemunhal 51A Polêmica em Torno do Art 212 e a Resistência da Cultura Inquisitória 52Quem Pode Ser Testemunha Restrições Recusas Proibições e Compromisso Contraditando a Testemunha 53Classificando as Testemunhas Caracteres do Testemunho 54A Ilusão de Objetividade do Testemunho Art 213 do CPP 55Momento de Arrolar as Testemunhas Limites Numéricos Substituição e Desistência Pode o Assistente da Acusação Arrolar Testemunhas Oitiva por Carta Precatória e Rogatória 56Falsas Memórias e os Perigos da Prova Testemunhal O Paradigmático Caso Escola Base 6Reconhecimento de Pessoas e Coisas 61 InObservância das Formalidades Legais Número de Pessoas e Semelhança Física 62Reconhecimento por Fotografia ImPossibilidade de Alteração das Características Físicas do Imputado Novas Tecnologias 63Breve Problematização do Reconhecimento desde a Psicologia Judiciária 64RePensando o Reconhecimento Pessoal Necessidade de Redução de Danos Reconhecimento Sequencial 7Reconstituição do Delito Reprodução Simulada 8Acareação 9Da prova documental 91Conceito de Documento Abertura e Limites Conceituais 92Momento da Juntada dos Documentos Exceções Cautelas ao Aplicar o Art 479 do CPP 93Autenticações Documentos em Língua Estrangeira Recusa ao Ativismo Judicial O que são PúblicasFormas 10Dos Indícios 11Da Busca e da Apreensão 111Distinção entre os Dois Institutos Finalidade Direitos Fundamentais Tensionados 112Momentos da Busca e da Apreensão 113Da Busca Domiciliar Conceito de Casa Finalidade da Busca 114Busca Domiciliar Consentimento do Morador Invalidade do Consentimento Dado por Preso Cautelar Busca em Caso de Flagrante Delito 115Requisitos do Mandado de Busca A Ilegalidade da Busca Genérica A Busca em Escritórios de Advocacia 116Busca Domiciliar Requisitos para o Cumprimento da Medida Judicial Dia e Noite Realização Pessoal da Busca pelo Juiz Violação do Sistema Acusatório 117Apreensão Formalização do Ato Distinção entre Apreensão e Medidas Assecuratórias Sequestro e Arresto 118O Problemático Desvio da Vinculação Causal Aplicação do Princípio da Especialidade da Prova 119Da Busca Pessoal Vagueza Conceitual da Fundada Suspeita Busca em Automóveis Prescindibilidade de Mandado Possibilidades e Limites Busca Pessoal não se Confunde com Intervenção Corporal 12Restituição das Coisas Apreendidas Perda e Confisco de Bens Síntese do Capítulo Capítulo XIV Sujeitos e Partes do Processo A Comunicação dos Atos Processuais ao Acusado Inatividade Processual Do Assistente da Acusação 1Sujeitos Processuais e a Problemática em Torno da InExistência de Partes no Processo Penal 2Do Acusado Citação Notificação e Intimação como Manifestações do Direito Fundamental ao Contraditório e à Ampla Defesa Ausência Processual e Inadequação da Categoria Revelia 21A Comunicação dos Atos Processuais como Manifestação do Contraditório e da Ampla Defesa 22A Citação do Acusado Garantia do Prazo Razoável Requisitos e Espécies Citação por Carta Precatória e Rogatória Citação do Militar do Servidor Público e do Réu Preso 221Concessão ao Acusado do Tempo e dos Meios Adequados para a Preparação de sua Defesa 23Citação Real e Ficta Edital 24Citação com Hora Certa 25ReDefinindo Categorias Inatividade Processual Real e Ficta do Réu Ausência e Não Comparecimento Réu não Encontrado 26Aplicação do Art 366 do CPP 261Não Comparecimento Suspensão do Processo e da Prescrição Problemática 2611Aplicação Literal do Art 366 Suspendendo o Processo e a Prescrição por Tempo Indeterminado Recurso Cabível 2612Crítica à Suspensão Indefinida da Prescrição Da Inconstitucionalidade à Ineficácia da Pena O Esquecimento Ameaçador mas Necessário A Prescrição como Direito ao Esquecimento Programado 2613Em Busca do Limite à Suspensão da Prescrição As Diferentes Posições Teóricas e a Súmula 415 do STJ 262A Injustificável Exclusão de Incidência do Art 366 do CPP na Lei n 961398 Nova Redação Dada pela Lei n 126832012 263Não Comparecimento Prisão Preventiva Produção Antecipada de Provas 27Aplicação do Art 367 do CPP Ausência A Condução Coercitiva do Art 260 do CPP Exigência de Ordem Judicial Fundamentada 28Inadequação da Categoria Revelia no Processo Penal 29Notificação e Intimação do Acusado Contagem de Prazos 3Assistente da Acusação 31Natureza Jurídica Legitimidade Capacidade e Interesse Processual Pode o Assistente Recorrer para Buscar Aumento de Pena Crítica à Figura do Assistente da Acusação 32Corréu Não Pode Ser Assistente Risco de Tumulto e Manipulação Processual 33Momento de Ingresso do Assistente Iniciativa Probatória Pode o Assistente Arrolar Testemunhas 34Assistente Habilitado e Não Habilitado Recursos que Pode Interpor Prazo Recursal Síntese do Capítulo Capítulo XV Prisões Cautelares e Liberdade Provisória A InEficácia da Presunção de Inocência 1Presunção de Inocência e Prisões Cautelares a Difícil Coexistência 2Teoria das Prisões Cautelares 21Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora A Impropriedade desses Termos Categorias do Processo Penal Fumus Commissi Delicti e Periculum Libertatis 22Medidas Cautelares e Não Processo Cautelar 23Inexistência de um Poder Geral de Cautela Ilegalidade das Medidas Cautelares Atípicas 3 Principiologia das Prisões Cautelares 31Jurisdicionalidade e Motivação 32Contraditório 33Provisionalidade 34Provisoriedade Falta de Fixação do Prazo Máximo de Duração e do Reexame Periódico Obrigatório 35Excepcionalidade 36Proporcionalidade 4Da Prisão em Flagrante Medida de Natureza PréCautelar Análise das Espécies Requisitos e Defeitos Garantias Processuais e Constitucionais 41Por que a Prisão em Flagrante não Pode por si só Manter Alguém Preso Compreendendo sua PréCautelaridade 42Espécies de Flagrante Análise do Art 302 do CPP 43Flagrante em Crime Permanente A Problemática do Flagrante nos Crimes Habituais 44ILegalidade dos Flagrantes Forjado Provocado Preparado Esperado e Protelado ou Diferido Conceitos e Distinções Prisão em Flagrante e Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada e Pública Condicionada à Representação 45Síntese do Procedimento Atos que Compõem o Auto de Prisão em Flagrante 46Garantias Constitucionais e Legalidade da Prisão em Flagrante Análise do Art 306 do CPP 47A Decisão Judicial Sobre o Auto de Prisão em Flagrante Aspectos Formais e Análise da Necessidade da Decretação da Prisão Preventiva 48A Separação dos Presos Provisórios e a Prisão em Flagrante de Militar Art 300 parágrafo único 49Refletindo sobre a Necessidade do Processo Ainda que Exista Prisão em Flagrante Contaminação da Evidência Alucinação e Ilusão de Certeza 410Relação de Prejudicialidade Prestação de Socorro Art 301 da Lei n 950397 e Prisão em Flagrante 5Da Prisão Preventiva Do Senso Comum à Análise dos Defeitos Fisiológicos 51Momentos da Prisão Preventiva Quem Pode Postular seu Decreto Ilegalidade da Prisão Preventiva Decretada de Ofício Violação do Sistema Acusatório e da Garantia da Imparcialidade do Julgador 52Requisito da Prisão Preventiva Fumus Commissi Delicti Juízo de Probabilidade de Tipicidade Ilicitude e Culpabilidade 53Fundamento da Prisão Preventiva Periculum Libertatis Análise a partir do Senso Comum Doutrinário e Jurisprudencial 54Análise dos Arts 313 e 314 do CPP Casos em que a Prisão Preventiva Pode ou Não ser Decretada 55Análise Crítica do Periculum Libertatis Resistindo à Banalização do Mal Controle Judicial da Substancial Inconstitucionalidade da Prisão para Garantia da Ordem Pública e da Ordem Econômica Defeito Genético 56Prisão para Garantia da Ordem Pública O Falacioso Argumento da Credibilidade ou Fragilidade das Instituições Risco de Reiteração Crítica Exercício de Vidência Contraponto Aceitação no Direito Comparado 57Desconstruindo o Paradigma da Cruel Necessidade Forjado pelo Pensamento Liberal Clássico Alternativas à Prisão por Conveniência da Instrução Criminal e para o Risco para Aplicação da Lei Penal 58Das Medidas Cautelares Diversas ou Medidas Alternativas à Prisão Preventiva 581Requisito Fundamento e Limites de Incidência das Medidas Cautelares Diversas 582Espécies de Medidas Cautelares Diversas 59Da Prisão Cautelar Domiciliar 510Decretação ou Manutenção da Prisão Preventiva quando da Sentença Penal Condenatória Recorrível ou da Decisão de Pronúncia 511Prisão Preventiva e Recursos Especial eou Extraordinário Inexistência de Prisão Obrigatória Ausência de Efeito Suspensivo e a Inadequada Transmissão de Categorias do Processo Civil 6Da Prisão Temporária 61Duração da Prisão Temporária Prazo com Sanção 62Especificidade do Caráter Cautelar Análise do Fumus Commissi Delicti e do Periculum Libertatis Crítica à Imprescindibilidade para as Investigações Policiais 7Prisão Especial Especificidades da Forma de Cumprimento da Prisão Preventiva Inexistência de Prisão Administrativa e Prisão Civil 8Liberdade Provisória O Novo Regime Jurídico da Fiança 81Definindo Categorias Relaxamento Revogação da Prisão Cautelar e Concessão da Liberdade Provisória 82Regime Jurídico da Liberdade Provisória 83Da Fiança 84Valor Reforço Dispensa Destinação Cassação Quebramento e Perda da Fiança 85Crimes Inafiançáveis e Situações de Inafiançabilidade Ausência de Prisão Cautelar Obrigatória Concessão de Liberdade Provisória sem Fiança e com Imposição de Medidas Cautelares Diversas 86Ilegalidade da Vedação à Concessão de Liberdade Provisória Possibilidade em Crimes Hediondos e Equiparados Nova Lei de Tóxicos Estatuto do Desarmamento e Lei n 9613 Lavagem de Dinheiro Capítulo XVI Das Medidas Assecuratórias ou das Medidas Cautelares Reais 1Explicações Iniciais 2Do Sequestro de Bens Imóveis e Móveis 21Requisito Legitimidade Procedimento Embargos do Imputado e de Terceiro 22Distinção entre Sequestro de Bens Móveis e a Busca e Apreensão A Confusa Redação do Art 132 do CPP 3Hipoteca Legal e Arresto Prévio de Imóveis Bens de Origem Lícita 4Arresto de Bens Móveis Origem Lícita Art 137 do CPP 5Medidas Cautelares Reais Demonstração da Necessidade e da Proporcionalidade Problemática Não Enfrentada Capítulo XVII Morfologia dos Procedimentos 1Introdução Sumária ReCognição da Santa Trindade do Direito Processual Penal 2Tentando Encontrar uma Ordem no Caos 3Análise da Morfologia dos Principais Procedimentos 31Rito Ordinário 311Considerações Gerais Morfologia Quando Ocorre o Recebimento da Acusação Ou a Mesóclise da Discórdia 312A Audiência de Instrução e Julgamento 32Rito Sumário 33Rito Especial Crimes Praticados por Servidores Públicos Contra a Administração em Geral 34Rito Especial Crimes Contra a Honra 35Rito Especial da Lei de Tóxicos Lei n 113432006 36Os Juizados Especiais Criminais JECrim e o Rito Sumaríssimo da Lei n 9099 361Competência dos Juizados Especiais Criminais Estaduais e Federais 362Limite de Pena e Competência do JECrim Causas de Aumento e de Diminuição de Pena Concurso de Crimes Material Formal e Continuado 363Composição dos Danos Civis e suas Consequências 364Transação Penal 3641E se o Ministério Público Não Oferecer a Transação Penal 3642Cabimento da Transação Penal em Ação Penal de Iniciativa Privada 3643Descumprimento da Transação Penal 365Suspensão Condicional do Processo 3651Considerações Introdutórias sobre a Suspensão Condicional do Processo 3652Alcance e Aplicação da Suspensão Condicional do Processo Cabimento em Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada Requisitos Momento de Oferecimento 3653Suspensão Condicional do Processo e a Desclassificação do Delito Aplicando a Súmula n 337 do STJ 3654O Período de Provas e o Cumprimento das Condições Causas de Revogação da Suspensão Condicional do Processo 3655Procedimento no Juizado Especial Criminal 36551Fase Preliminar Alteração da Competência Quando o Acusado Não é Encontrado Demais Atos 36552Rito Sumaríssimo 36553Recursos e Execução 37Crítica ao Sistema de Justiça Negociada 38Rito dos Crimes da Competência do Tribunal do Júri 381Competência e Morfologia do Procedimento 382O Procedimento Bifásico Análise dos Atos 3821Primeira Fase Atos da Instrução Preliminar 38211Decisão de Pronúncia Excesso de Linguagem O Problemático In Dubio Pro Societate Princípio da Correlação Crime Conexo Prisão Cautelar Intimação da Pronúncia 38212Decisão de Impronúncia Problemática Situação de Incerteza 38213Absolvição Sumária Própria e Imprópria 38214Desclassificação na Primeira Fase Própria e Imprópria e em Plenário 3822Segunda Fase Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário Relatório Crítica a que Qualquer Juiz Presida o Feito Alistamento dos Jurados 38221Do Desaforamento e Reaforamento Dilação Indevida e DeMora Jurisdicional Pedido de Imediata Realização do Julgamento 38222Obrigatoriedade da Função de Jurado Isenção Alegação de Impedimento Recusa de Participar e Ausência na Sessão Serviço Alternativo Problemática 38223A Sessão do Tribunal do Júri Constituição do Conselho de Sentença Direito de Não Comparecer Recusas e Cisão Instrução em Plenário Leitura de Peças e Proibições Uso de Algemas Debates 38224Juntada de Documentos para Utilização em Plenário Antecedência Mínima O Problema das Manobras e Surpresas 38225Considerações Sobre os Quesitos Teses Defensivas Desclassificação Própria e Imprópria 38226Da Sentença Condenatória e Absolutória Problemas em Torno dos Efeitos Civis A Prisão Preventiva 39Crítica ao Tribunal do Júri da Falta de Fundamentação das Decisões à Negação da Jurisdição Síntese do Capítulo Capítulo XVIII Decisões Judiciais e sua Necessária Motivação Superando o Paradigma Cartesiano Princípio da Correlação Congruência Coisa Julgada 1Dikelogía La Ciencia de la Justicia 2Controle da Racionalidade das Decisões e Legitimação do Poder 21Invalidade Substancial da Norma e o Controle Judicial 22A Superação do Dogma da Completude Jurídica Quem nos Protege da Bondade dos Bons 23À Guisa de Conclusões Provisórias Rompendo o Paradigma Cartesiano e Assumindo a Subjetividade no Ato de Julgar Mas Sem Cair no Decisionismo 3Decisão Penal Análise dos Aspectos Formais 4Princípio da Congruência ou Correlação na Sentença Penal 41A Imutabilidade da Pretensão Acusatória Recordando o Objeto do Processo Penal 42Princípio da Correlação ou Congruência Princípios Informadores A Importância do Contraditório e do Sistema Acusatório 43A Complexa Problemática da Emendatio Libelli Art 383 do CPP Para Além do Insuportável Reducionismo do Axioma Narra Mihi Factum Dabo Tibi Ius Rompendo os Grilhões Axiomáticos 44É Possível Aplicar o Art 383 Quando do Recebimento da Denúncia 45Mutatio Libelli Art 384 do CPP O Problema da Definição Jurídica Mais Favorável ao Réu e a Ausência de Aditamento 46Mutações de Crime Doloso para Culposo Consumado para Tentado Autor para Partícipe e ViceVersa Necessidade de Mutatio Libelli 47As Sentenças Incongruentes As Classes de Incongruência Nulidade 48Poderia o Juiz Condenar Quando o Ministério Público Requerer a Absolvição O Eterno Retorno ao Estudo do Objeto do Processo Penal e a Necessária Conformidade Constitucional A Violação da Regra da Correlação 5Coisa Julgada Formal e Material 51Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada 52Algumas Questões em Torno da Abrangência dos Limites da Coisa Julgada Circunstâncias e Elementares não Contidas na Denúncia O Problema do Concurso de Crimes Concurso Formal Material e Crime Continuado Crime Habitual Consumação Posterior do Crime Tentado Síntese do Capítulo Capítulo XIX Atos Processuais Defeituosos e a Crise da Teoria das Invalidades Nulidades A Forma como Garantia 1Introdução Meras Irregularidades e Atos Inexistentes 2Nulidades Absolutas e Relativas Construção dos Conceitos a Partir do Senso Comum Teórico e Jurisprudencial 21Nulidades Absolutas Definição 22Nulidades Relativas Definição 23A Superação da Estrutura Legal Vigente Nulidades Cominadas e Não Cominadas Arts 564 566 e 571 do CPP 24Teoria do Prejuízo e Finalidade do Ato Cláusulas Genéricas Manipulação Discursiva Crítica 3Análise a Partir das Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal e da Necessária Eficácia do Sistema de Garantias da Constituição 31Crítica à Classificação em Nulidades Absolutas e Relativas 32A Serviço de Quem Está o Sistema de Garantias da Constituição A Tipicidade do Ato Processual A Forma como Garantia Convalidação Nulidade Não é Sanção 33RePensando Categorias a Partir dos Conceitos de Ato Defeituoso Sanável ou Insanável Sistema de Garantias Constitucionais Quando o Feito com Defeito tem de ser Refeito 34Princípio da Contaminação Defeito por Derivação A Indevida Redução da Complexidade Arts 573 e 567 do CPP 35Atos Defeituosos no Inquérito Policial Novamente a Excessiva Redução de Complexidade a Serviço da Cultura Inquisitória Síntese do Capítulo Capítulo XX Teoria dos Recursos no Processo Penal ou as Regras para o Juízo sobre o Juízo 1Introdução Fundamentos Conceitos e Natureza Jurídica 2O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição Direito Fundamental InAplicabilidade nos Casos de Competência Originária dos Tribunais 3Classificando os Recursos Ordinários e Extraordinários Totais e Parciais Fundamentação Livre ou Vinculada Verticais e Horizontais Voluntários e Obrigatórios Crítica ao Recurso de Ofício 4Efeitos Devolutivo e Suspensivo Conceitos e Crítica Inadequação de Categorias Diante dos Valores em Jogo no Processo Penal 5Regras Específicas do Sistema Recursal 51Fungibilidade 52Unirrecorribilidade 53Motivação dos Recursos 54Proibição da Reformatio in Pejus e a Permissão da Reformatio in Mellius Problemática em Relação aos Julgamentos Proferidos pelo Tribunal do Júri 55Tantum Devolutum Quantum Appellatum 56Irrecorribilidade dos Despachos de Mero Expediente e das Decisões Interlocutórias Simples 57Complementaridade Recursal 58InDisponibilidade dos Recursos 59Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos 6Interposição Tempestividade Preparo na Ação Penal de Iniciativa Privada Deserção 7Requisitos Objetivos e Subjetivos dos Recursos Crítica à Transposição das Condições da Ação e Pressupostos Processuais 8Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito 9Para Refletir O DesCabimento da Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau Síntese do Capítulo Capítulo XXI Dos Recursos no Processo Penal Espécies 1Do Recurso em Sentido Estrito 11Requisitos Objetivos e Subjetivos do Recurso em Sentido Estrito 111Requisitos Objetivos Cabimento Adequação Tempestividade e Preparo 1111 Cabimento e Adequação 1112Tempestividade e Preparo 112Requisitos Subjetivos Legitimação e Gravame 12Efeitos do Recurso em Sentido Estrito 13Aspectos Relevantes do Procedimento Efeitos 2Do Recurso de Apelação 21Requisitos Objetivos e Subjetivos da Apelação 211Requisitos Objetivos e Subjetivos 2111Cabimento e Adequação 2112Tempestividade Legitimidade Gravame Preparo Processamento da Apelação 22Efeitos Devolutivo e Suspensivo O Direito de Apelar em Liberdade 3Embargos Infringentes e Embargos de Nulidade 31Requisitos Objetivos e Subjetivos 32O Problema da Divergência Parcial Interposição Simultânea do Recurso Especial e Extraordinário 33Efeitos Devolutivo e Suspensivo 4Embargos Declaratórios 41Requisitos Objetivos e Subjetivos 42Efeitos Devolutivo Suspensivo e Modificativo Infringentes 5Do Agravo em Execução Penal 51Requisitos Objetivos e Subjetivos 52Aspectos Procedimentais Formação do Instrumento e Efeito Regressivo 53Efeito Devolutivo e Suspensivo 6Da Carta Testemunhável 7Dos Recursos Especial e Extraordinário 71Requisitos Objetivos e Subjetivos 711Cabimento e Adequação no Recurso Especial 712Cabimento e Adequação no Recurso Extraordinário 713Demais Requisitos Recursais Tempestividade Preparo Legitimidade e Interesse Recursal Gravame 72A Exigência do Prequestionamento 73A Demonstração da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Reprodução em Múltiplos Feitos 74Efeito Devolutivo e Suspensivo Um Reducionismo a Ser Superado Prisão Automática nos Recursos Especial e Extraordinário por Ausência de Efeito Suspensivo 75Do Recurso Extraordinário com Agravo Do Agravo em Recurso Especial Síntese do Capítulo Capítulo XXII Ações de Impugnação Revisão Criminal Habeas Corpus Mandado de Segurança 1Revisão Criminal 11Cabimento Análise do art 621 do CPP 12Prazo Legitimidade Procedimento 13Limites da Decisão Proferida na Revisão Criminal Da Indenização 2Habeas Corpus 21Uma ReLeitura Histórica do Habeas Corpus Os Antecedentes do Direito Aragonês 22Antecedentes Históricos no Brasil e Considerações Iniciais 23Natureza Jurídica e a Problemática em Torno da Limitação da Cognição 24Objeto 25Cabimento Análise dos arts 647 e 648 do CPP Habeas Corpus Preventivo e Liberatório 251O Habeas Corpus como Instrumento de Collateral Attack 252O Habeas Corpus Contra Ato de Particular 253Habeas Corpus Preventivo 26Competência Legitimidade Procedimento 27Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus 3Mandado de Segurança em Matéria Penal 31Considerações Prévias 32Natureza Jurídica 33Objeto e Cabimento Direito Líquido e Certo 34Legitimidade Ativa e Passiva Competência 35Breves Considerações sobre o Procedimento Síntese do Capítulo Nota do Autor PARA A 11ª EDIÇÃO Novamente tenho o prazer de trazer ao leitor mais uma edição atualizada da obra que foi inteiramente revisada e pontualmente atualizada Corrigi uma omissão importante no estudo da natureza jurídica do processo ao incluir ainda que resumidamente a concepção de Elio Fazzalari processo como procedimento em contraditório Há anos que venho estudando o pensamento do autor italiano e agora decidi incluílo ainda que não veja na sua teoria uma evolução relevante em relação a Goldschmidt Mas a omissão foi corrigida atendendo ao pedido de alguns leitores No ano de 2013 não tivemos alterações legislativas de envergadura então a atualização ficou mais centrada na revisão de posições teóricas e evolução jurisprudencial Em relação à jurisprudência extremamente volátil e casuística esta foi atualizada especialmente na parte dos recursos Privilegiamos as decisões dos tribunais superiores STJ e STF mas sem desconsiderar inovadores acórdãos de Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais que não raras vezes sinalizam com acerto novos rumos Iniciamos uma inovação no formato do livro sempre buscando melhor atender o leitor Gradativamente vamos incorporar ao final de cada capítulo uma síntese dos principais temas e tópicos tratados A intenção é facilitar a consulta e o manuseio da obra reforçandosintetizando os aspectos mais relevantes os conceitos imprescindíveis Percebemos esse anseio por parte da comunidade acadêmica e também dos profissionais que manuseiam diariamente o livro Sem embargo visando manter o tamanho da obra para não tornála excessiva no volume e no preço retiramos alguns fragmentos de menor importância ou repetições Com isso abriuse espaço para inclusões e atualizações mantendo a proposta inicial Por fim agradecemos a excelente receptividade que a obra tem no meio acadêmico e profissional Um especial agradecimento aos professores que indicam a obra principalmente porque comprometidos com um processo penal democrático e constitucional e conscientes da importância da docência e da responsabilidade de abrir e formar cabeças pensantes Agradeço ainda às dezenas de emails que recebo aurylopesterracombr com críticas e sugestões e convido você leitora a ser meuminha seguidora no facebook httpwwwfacebookcomaurylopesjr e a participar das interessantíssimas discussões e debates que lá travamos Grande abraço e obrigado pela confiança Aury Lopes Jr Capítulo I UM PROCESSO PENAL PARA QUÊM BUSCANDO O FUNDAMENTO DA SUA EXISTÊNCIA 1 Breve Análise da História da Pena de Prisão e do Processo Penal Por que estudar a evolução histórica da pena de prisão em um livro de Direito Processual Penal Eis um questionamento que pode surgir até porque tem passado ao largo de muitos estudiosos do processo penal Mais não se trata de abordar a evolução do Direito Penal senão da pena de prisão Porque pensamos o processo penal a partir do princípio da necessidade que como será explicado na continuação considera que o processo penal é um caminho necessário para alcançarse a pena e principalmente um caminho que condiciona o exercício do poder de penar essência do poder punitivo à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal ou se preferirem são as regras do jogo se pensarmos no célebre trabalho Il processo come giuoco de CALAMANDREI1 Daí por que é imprescindível uma rápida panorâmica da evolução da pena de prisão para chegarse à compreensão da própria evolução do processo penal Feita essa ressalva vamos ao tema 11 Breve História da Pena de Prisão A história das penas aparece numa primeira consideração como um capítulo horrendo e infamante para a humanidade e mais repugnante que a própria história dos delitos Isso porque o delito constituise em regra numa violência ocasional e impulsiva enquanto a pena não tratase de um ato violento premeditado e meticulosamente preparado É a violência organizada por muitos contra um A Antiguidade desconhecia a privação de liberdade como sanção penal O encarceramento existe desde muito tempo mas não com a natureza de pena senão para outros fins Até finais do século XVIII2 a prisão servia somente com a finalidade de custódia ou seja contenção do acusado até a sentença e execução da pena até porque nessa época não existia uma verdadeira pena pois as sanções se esgotavam com a morte e as penas corporais e infamantes A prisão tinha inicialmente a função de lugar de custódia3 e tortura Na época prémoderna Idade Média tampouco existia a pena privativa de liberdade como sanção penal A prisão mantinha o caráter de lugar de custódia pois as penas eram bárbaras como a amputação de braços pernas olhos língua e outras mutilações A prisão canônica é um importante antecedente da prisão moderna pois é lá que se encontram os princípios de uma pena medicinal com o objetivo de levar o pecador ao arrependimento e à ideia de que a pena não deve servir para destruição do condenado senão para seu melhoramento4 Inclusive na inquisição a diferença do sistema vigorante até então conheceu a pena privativa de liberdade ao lado da prisão de natureza processual ou preventiva5 Até então séculos XVI e XVII havia o uso generalizado da pena de morte sendo que a forma de execução mais frequente era a forca Ao lado dela eram recorrentes os açoites a deportação e os atos causadores de vergonha pública Mas a pena capital começa a ser questionada pois não demonstrava ser um instrumento eficaz diante do aumento da criminalidade É quando começa a surgir a ideia da prisão como pena privativa de liberdade6 Na segunda metade do século XVII inicia na Europa um movimento fundamental para o desenvolvimento da pena privativa de liberdade7 com a construção de prisões organizadas para a correção dos apenados através do trabalho e da disciplina8 A principal causa da transformação da prisãocustódia em prisãopena foi a necessidade de que não se desperdiçaria mão de obra e também para controlar sua utilização conforme as necessidades de valorização do capital Existe uma forte influência do modelo capitalista implantado nessa época É o controle da força de trabalho da educação e da domesticação do trabalhador Essa era a síntese dos princípios que orientavam as workhouses inglesas e também as rasphuis para os homens e as spinhis para as mulheres em Amsterdã Somente no século XVIII surge a privação de liberdade como pena9 e apenas no século XIX a pena de prisão convertese na principal das penas substituindo progressivamente as demais Convém destacar que o Direito Penal nasce não como evolução senão como negação da vingança daí por que não há que se falar em evolução histórica da pena de prisão Não se trata de continuidade senão de descontinuidade A pena não está justificada pelo fim de vingança senão pelo de impedir por completo a vingança No sentido cronológico a pena substituiu a vingança privada não como evolução mas como negação pois a história do Direito Penal e da pena é uma longa luta contra a vingança10 Como explica ARAGONESES ALONSO11 podese resumir a evolução da pena da seguinte forma inicialmente a reação era eminentemente coletiva e orientada contra o membro que havia transgredido a convivência social A reação social é na sua origem basicamente religiosa e só de modo paulatino se transforma em civil O principal é que nessa época existia uma vingança coletiva que não pode ser considerada como pena pois vingança e pena são dois fenômenos distintos A vingança implica liberdade força e disposições individuais a pena a existência de um poder organizado Com a evolução da estrutura e da organização da coletividade surge o sistema de composição sucedâneo à vingança e consiste no pagamento de um determinado valor à comunidade No princípio eram os parentes da vítima que tinham o direito de aplicar essas sanções e aceitar os pagamentos Depois o Estado assume essa tarefa A partir desse momento começa a interessar para o processo penal pois ao assumir o Estado sai fortalecido seu poder desligando progressivamente a vítima do manejo da pena para transferir essa atividade ao juiz imparcial Assim surge a graduação das penas impostas pelo Estado que com a ideia eclesiásticoreligiosa do Talião dá ao instinto de vingança uma medida e um objeto O terceiro estágio de evolução da pena agora como pena pública vem marcado pela limitação jurídica do poder estatal pois o delito é considerado como uma transgressão da ordem jurídica e a pena uma reação do Estado contra a vontade individual oposta à sua Aqui a pena adquire seu caráter verdadeiro como pena pública pois o Estado vence a atuação familiar vingança do sangue e composição e impõe sua autoridade determinando que a pena seja pronunciada por um juiz imparcial cujos poderes são juridicamente limitados Assim a titularidade do direito de penar por parte do Estado surge no momento em que se suprime a vingança privada e se implantam os critérios de justiça O Estado como ente jurídico e político chama para si o direito e também o dever de proteger a comunidade e inclusive o próprio delinquente À medida que o Estado se fortalece consciente dos perigos que encerra a autodefesa assumirá o monopólio da justiça produzindose não só a revisão da natureza contratual do processo senão também a proibição expressa para os indivíduos de tomar a justiça por suas próprias mãos12 A relação entre o processo e a pena corresponde às categorias de meio e de fim Assim nasce o processo penal 12 Da Autotutela ao Processo Penal Ao suprimir a vingança privada e avocar o poder de punir nasce o processo penal como caminho necessário para que o Estado legitimamente imponha uma pena Como muito bem explica ARAGONESES ALONSO13 o processo penal visto como instituição estatal é na realidade a única estrutura que se reconhece como legítima para a satisfação da pretensão acusatória e a imposição da pena ao contrário do que ocorre no processo civil em que se pode lograr extraprocessualmente a satisfação da pretensão sem que necessariamente se tenha que acudir ao processo Com o delito surgem o conflito social e a pena pública como resposta estatal em nome da coletividade ao autor da conduta Mas esse poder de punir não é puro arbítrio do Estado mas sim um poder condicionado A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a própria evolução da pena refletindo a estrutura do Estado em um determinado período ou como prefere J GOLDSCHMIDT14 los princípios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Partiendo de esta experiencia la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso Como explica ARAGONESES ALONSO15 o processo evolui em linhas coerentes com a pena Inicia com a autotutela ou defesa privada em que por meio da coação particular o sujeito agredido resolve ou tenta resolver de forma direta o conflito impondo a sua vontade Nessa modalidade de autotutela simples prevalece a força das partes e não existe um juiz distinto São exemplos que ainda perduram no Direito Penal como no caso da legítima defesa e o estado de necessidade Superada essa fase passase à autotutela processualizada momento em que já existe uma estrutura formal semelhante à instituição do processo Tratase de uma figura pseudoprocessual16 que encobre no fundo um reparto unilateral e coativo O processo penal inquisitório é em certo sentido uma autotutela processualizada através da qual o juiz atua como parte Outros exemplos de conflitos estatais resolvidos assim são aqueles em que a administração da Justiça Penal se dá por meio de Tribunais de Adversários como ocorreu em Nuremberg A autocomposição surge dentro da evolução dos meios de solução de conflitos como uma forma mais civilizada Ambas as partes mediante acordo mútuo ou pela resignação de uma delas decidem colocar fim ao conflito17 A repartição de justiça se faz por exclusiva atividade das partes pois ainda que possa existir a intervenção de um terceiro prevalece a vontade das partes Nesse caso é um sistema de distribuição de justiça de forma autônoma pois o terceiro atua interpartes e não suprapartes Diferencia se da autotutela porque o conflito se resolve pelo convencimento e acordo e não pela força das partes O chamado reparto heterônomo18 pode ser obtido mediante19 a atuação de um terceiro parcial ou imparcial A heterotutela consiste na atuação de um terceiro a favor de uma das partes intervenientes O clássico exemplo citado pela doutrina espanhola e pouco explorado no Brasil é o da legítima defesa de terceiros que apesar de constituir uma variação da legítima defesa prevista no Direito Penal configura em um tema de Direito Processual pois uma pessoa que não um juiz estatal intervém para solução do conflito A despeito disso distinguese da autocomposição exatamente porque a distribuição de justiça não se realiza pela vontade consensual das partes interessadas e também da autotutela porque o terceiro não está interessado na repartição da justiça senão que atua no interesse de outro Por fim a heterocomposição cuja principal figura é a arbitragem pois a atuação de um terceiro imparcial retira a autonomia das partes e com isso impede o uso da força No processo penal contudo não existe possibilidade de arbitragem pois a natureza pública da pena conduziu o Estado a avocar o poder punitivo Daí por que em sendo a pena pública não há como se ter um processo de natureza privada Assim nessa classificação das formas de distribuição da justiça o processo penal surge com a pena pública e assume a estrutura de um sistema de reparto heterônomo por um terceiro imparcial público e com sua competência previamente fixada em lei juiz Impõese a necessidade da utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado processo judicial através da qual é designado um terceiro imparcial juiz pertencente à Administração pública da Justiça cuja designação deve ser previamente estabelecida por lei não cabendo à acusação ou à defesa sua escolha Resulta de uma imposição da estrutura institucional adotada O exercício do poder punitivo está condicionado e é condicionante da atuação estatal O processo penal como instituição estatal é a única estrutura que se reconhece como legítima para imposição da pena O Direito Penal contrariamente ao Direito Civil não permite em nenhum caso que a solução do conflito mediante a aplicação de uma pena se dê pela via extraprocessual Pedida a atuação do Estado através da acusação esse poder de atuar se transforma em dever de prestar de forma efetiva a tutela jurisdicional A palavra processo vem do verbo procedere que significa avançar caminhar em direção a um fim e por isso envolve a ideia de temporalidade de um desenvolvimento temporal desde um ponto inicial até alcançarse o ponto desejado Para CARNELUTTI20 o processo no significado originário não quer dizer outra coisa que desenvolvimento algo que se opera no tempo No processo penal a parte acusadora titular da pretensão acusatória invoca por meio da acusação ação penal que o juiz exerça a jurisdição e ao final se comprovada a tese acusatória exerça o poder de punir do Estado No momento em que o Estado substitui as partes e impede a autotutela nasce também um dever correlato de atuar quando a intervenção seja solicitada O instrumento por meio do qual se concretiza e se pode exercer o poderdever punitivo é o processo penal 2 Constituindo o Processo Penal desde a Constituição A Crise da Teoria das Fontes A Constituição como Abertura do Processo Penal A primeira questão a ser enfrentada por quem se dispõe a pensar o processo penal contemporâneo é exatamente rediscutir qual é o fundamento da sua existência por que existe e por que precisamos dele A pergunta poderia ser sintetizada no seguinte questionamento um Processo Penal para quêm Buscar a resposta a essa pergunta nos conduz à definição da lógica do sistema que vai orientar a interpretação e a aplicação das normas processuais penais Noutra dimensão significa definir qual é o nosso paradigma de leitura do processo penal buscar o ponto fundante do discurso Nossa opção é pela leitura constitucional e dessa perspectiva visualizamos o processo penal como instrumento de efetivação das garantias constitucionais J GOLDSCHMIDT21 a seu tempo22 questionou Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo Se o ius puniendi corresponde ao Estado que tem o poder soberano sobre seus súditos que acusa e também julga por meio de distintos órgãos perguntase por que necessita que prove seu direito em um processo A resposta passa necessariamente por uma leitura constitucional do processo penal Se antigamente o grande conflito era entre o direito positivo e o direito natural atualmente com a recepção dos direitos naturais pelas modernas constituições democráticas o desafio é outro dar eficácia a esses direitos fundamentais Como aponta J GOLDSCHMIDT23 os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa do que segmento da sua política estatal em geral e o processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da sua Constituição A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário utilitarista eficiência antigarantista Contudo a uma Constituição democrática como a nossa necessariamente deve corresponder um processo penal democrático visto como instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir logo consciência de que ela constituiaação é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através da sua instrumentalidade constitucional Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição Cremos que o constitucionalismo exsurgente do Estado Democrático de Direito pelo seu perfil compromissário dirigente e vinculativo constituiaação do Estado24 Com a precisão conceitual que lhe caracteriza JUAREZ TAVARES 25 ensina que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação em face de sua evidência Parece essa uma afirmação simples despida de maior dimensão Todo o oposto A perigosa viragem discursiva que nos está sendo imposta atualmente pelos movimentos repressivistas e as ideologias decorrentes faz com que cada vez mais a liberdade seja provisória até o CPP consagra a liberdade provisória e a prisão cautelar ou mesmo definitiva uma regra Ou ainda aprofundamse a discussão e os questionamentos sobre a legitimidade da própria liberdade individual principalmente no âmbito processual penal subvertendo a lógica do sistema jurídicoconstitucional Essa perigosa inversão de sinais exige um choque à luz da legitimação a priori da liberdade individual e a discussão deve voltar a centrarse no ponto correto muito bem circunscrito por TAVARES26 o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado e esta legitimação não pode resultar de que ao Estado se lhe reserve o direito de intervenção Destaquese o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir é a intervenção estatal e não a liberdade individual Mais essa legitimação não poderia resultar de uma autoatribuição do Estado uma autolegitimação que conduza a uma situação autopoiética portanto Mas essa já seria outra discussão em torno da própria legitimidade da pena que extravasa os limites deste trabalho A liberdade individual por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana está amplamente consagrada no texto constitucional e nos tratados internacionais sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos Essa é uma premissa básica que norteia toda a obra questionar a legitimidade do poder de intervenção por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal Nem mesmo o conceito de bem jurídico pode continuar sendo tratado como se estivesse imune aos valores do Estado Democrático Como adverte TAVARES 27 a questão da criminalização de condutas não pode ser confundida com as finalidades políticas de segurança pública porque se insere como uma condição do Estado democrático baseado no respeito dos direitos fundamentais e na proteção da pessoa humana E segue o autor apontando que em um Estado Democrático o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política de segurança pública reforçado pela atuação do judiciário como órgão fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de agentes merecedores de pena em face da respectiva atuação do Legislativo ou do Executivo Sem dúvida aqui reside o verdadeiro divisor de águas de cunho ideológico até se preferirem entre o discurso contido neste livro e muito do que continua sendo difundido pelo senso comum teórico e jurisprudencial ainda vitimados por um baixo nível de constitucionalização EINSTEIN tinha razão Que época triste essa nossa em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo Atualmente existe uma inegável crise da teoria das fontes em que uma lei ordinária acaba valendo mais do que a própria Constituição não sendo raros aqueles que negam a Constituição como fonte recusando sua eficácia imediata e executividade Essa recusa é que deve ser combatida A luta é pela superação do preconceito em relação à eficácia da Constituição no processo penal O processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo Direito Penal senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade e jamais se defendeu isso O processo penal é um caminho necessário para chegarse legitimamente à pena Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas as regras do devido processo legal Assim existe uma necessária simultaneidade e coexistência entre repressão ao delito e respeito às garantias constitucionais sendo essa a difícil missão do processo penal como se verá ao longo da obra No processo penal a Constituição ainda representa uma abertura um algo a ser buscado como ideal É avanço em termos de fortalecimento da dignidade da pessoa humana de abertura democrática rumo ao fortalecimento do indivíduo Nesse sentido nossa preocupação com a instrumentalidade constitucional e o caráter constituidor da Carta GERALDO PRADO28 destaca a importância da Constituição na perspectiva de fixar com clareza as regras do jogo político e de circulação do poder e assinala indelevelmente o pacto que é a representação da soberania popular e portanto de cada um dos cidadãos É a Constituição um locus prossegue Geraldo de onde são vislumbrados os direitos fundamentais estabelecendo um nexo indissolúvel entre garantia dos direitos fundamentais divisão dos poderes e democracia de sorte a influir na formulação das linhas gerais da política criminal de determinado Estado Finalizando lembra o autor que o espaço comum democrático é construído pela afirmação do respeito à dignidade humana e pela primazia do Direito como instrumento das políticas sociais inclusive a Política Criminal Partimos da mesma premissa de PRADO29 a Constituição da República escolheu a estrutura democrática sobre a qual há que existir e se desenvolver o processo penal forçado que está pois modelo préconstituição de 1988 a adaptarse e conformarse a esse paradigma Então não basta qualquer processo ou a mera legalidade senão que somente um processo penal que esteja conforme as regras constitucionais do jogo devido processo na dimensão formal mas principalmente substancial resiste à filtragem constitucional imposta Feito isso é imprescindível marcar esse referencial de leitura o processo penal deve ser lido à luz da Constituição e não ao contrário Os dispositivos do Código de Processo Penal é o que deve ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Carta sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal de 1941 3 Superando o maniqueísmo entre interesse público versus interesse individual Inadequada Invocação do Princípio da Proporcionalidade Argumento recorrente em matéria penal é o de que os direitos individuais devem ceder e portanto serem sacrificados frente à supremacia do interesse público É uma manipulação discursiva que faz um maniqueísmo grosseiro senão interesseiro para legitimar e pretender justificar o abuso de poder Inicialmente há que se compreender que tal reducionismo público privado está completamente superado pela complexidade das relações sociais que não comportam mais essa dualidade cartesiana Ademais em matéria penal todos os interesses em jogo principalmente os do réu superam muito a esfera do privado situandose na dimensão de direitos e garantias fundamentais portanto público se preferirem Na verdade são verdadeiros direitos de todos e de cada um de nós em relação ao abuso de poder estatal Já em 1882 MANUEL ALONSO MARTÍNEZ afirmava na Exposición de Motivos de la Ley de Enjuiciamiento Criminal que sagrada es sin duda la causa de la sociedad pero no lo son menos los derechos individuales W GOLDSCHMIDT30 explica que os direitos fundamentais como tais dirigemse contra o Estado e pertencem por conseguinte à seção que trata do amparo do indivíduo contra o Estado O processo penal constitui um ramo do Direito Público e como tal implica autolimitação do Estado uma soberania mitigada Ademais existe ainda o fundamento históricopolítico para sustentar a dupla função do moderno processo penal que foi bem abordado por BETTIOL31 A proteção do indivíduo também resulta de uma imposição do Estado Democrático pois a democracia trouxe a exigência de que o homem tenha uma dimensão jurídica que o Estado ou a coletividade não pode sacrificar ad nutum O Estado de Direito mesmo em sua origem já representava uma relevante superação das estruturas do Estado de Polícia que negava ao cidadão toda garantia de liberdade e isso surgiu na Europa depois de uma época de arbitrariedades que antecedeu a Declaração dos Direitos do Homem de 1789 A democracia enquanto sistema políticocultural que valoriza o indivíduo frente ao Estado manifesta se em todas as esferas da relação Estadoindivíduo Inegavelmente leva a uma democratização do processo penal refletindo essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal Podese afirmar com toda ênfase que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes débil ou seja o processo penal como direito protetor dos inocentes e todos os a ele submetidos o são pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em julgado pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de inocência prevista no art 5º LVII da Constituição O objeto primordial da tutela no processo penal é a liberdade processual do imputado o respeito a sua dignidade como pessoa como efetivo sujeito no processo O significado da democracia é a revalorização do homem en toda la complicada red de las instituciones procesales que sólo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad el hombre32 Não se pode esquecer como explica SARLET33 que a dignidade da pessoa humana é um valorguia não apenas dos direitos fundamentais mas de toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional razão pela qual para muitos se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológicavalorativa Inclusive na hipótese de conflito entre princípios e direitos constitucionalmente assegurados destaca SARLET34 o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por justificar e até mesmo exigir a imposição de restrições a outros bens constitucionalmente protegidos Isso porque como explica o autor existe uma inegável primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito da arquitetura constitucional Algumas lições por sua relevância merecem ser repetidas nesta obra É melhor pecar pela repetição do que correr o risco de perdêla por uma leitura pontual que nossos leitores eventualmente façam Assim nunca é excesso repetir uma lição magistral de JUAREZ TAVARES 35 que nos ensina que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação em face de sua evidência Destaquese o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir é a intervenção estatal e não a liberdade individual A liberdade individual por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana está amplamente consagrada no texto constitucional e nos tratados internacionais sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos Não há que se pactuar mais com a manipulação discursiva feita por alguns autores e julgadores que acabam por transformar a liberdade em provisória até o CPP consagra a liberdade provisória como se ela fosse precária e por outro lado a prisão cautelar ou mesmo definitiva uma regra Essa perigosa inversão de sinais exige um choque à luz da legitimação a priori da liberdade individual e a discussão deve voltar a centrarse no ponto correto muito bem circunscrito por TAVARES36 o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado Essa é uma premissa básica que norteia toda a obra questionar a legitimidade do poder de intervenção por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal Entendemos que sociedade base do discurso de prevalência do público deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência e não mais como um ente superior de que dependem os homens que o integram Inadmissível uma concepção antropomórfica na qual a sociedade é concebida como um ente gigantesco onde os homens são meras células que lhe devem cega obediência Nossa atual Constituição e antes dela a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior essa visão antropomórfica que corresponde a um sistema penal autoritário37 Na mesma linha BOBBIO38 explica que atualmente impõese uma postura mais liberal na relação Estadoindivíduo de modo que primeiro vem o indivíduo e depois o Estado que não é um fim em si mesmo O Estado só se justifica enquanto meio que tem como fim a tutela do homem e dos seus direitos fundamentais porque busca o bem comum que nada mais é do que o benefício de todos e de cada um dos indivíduos Por isso FERRAJOLI fala da ley del más débil39 No momento do crime a vítima é o débil e por isso recebe a tutela penal Contudo no processo penal operase uma importante modificação o mais débil passa a ser o acusado que frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do processo e posteriormente da pena O sujeito passivo do processo aponta GUARNIERI40 passa a ser o protagonista porque ele é o eixo em torno do qual giram todos os atos do processo AMILTON B DE CARVALHO 41 questionando para quem serve a lei aponta que a lei é o limite ao poder desmesurado leiase limite à dominação Então a lei eticamente considerada é proteção ao débil Sempre e sempre é a lei do mais fraco aquele que sofre a dominação Nessa democratização do processo penal o sujeito passivo deixa de ser visto como um mero objeto passando a ocupar uma posição de destaque enquanto parte42 com verdadeiros direitos e deveres43 É uma relevante mudança decorrente da constitucionalização e democratização do processo penal Muito preocupante por fim é quando esse discurso da prevalência do interesse público vem atrelado ao Princípio da Proporcionalidade fazendo uma viragem discursiva para aplicálo onde não tem legítimo cabimento Nesse tema é lúcida a análise do Min EROS GRAU no voto proferido no HC 950094SP página 44 e ss44 Em suma nesse contexto políticoprocessual estão superadas as considerações do estilo a supremacia do interesse público sobre o privado As regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas e obviamente constitucionais muito além dessa dimensão reducionista de públicoprivado Tratase de direitos fundamentais obviamente de natureza pública se quisermos utilizar essa categoria limitadores da intervenção estatal 4 Princípio da Necessidade do Processo Penal em Relação à Pena A titularidade exclusiva por parte do Estado do poder de punir ou penar se considerarmos a pena como essência do poder punitivo surge no momento em que é suprimida a vingança privada e são implantados os critérios de justiça O Estado como ente jurídico e político avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e também o próprio réu como meio de cumprir sua função de procurar o bem comum que se veria afetado pela transgressão da ordem jurídicopenal por causa de uma conduta delitiva45 À medida que o Estado se fortalece consciente dos perigos que encerra a autodefesa assume o monopólio da justiça ocorrendo não só a revisão da natureza contratual do processo senão a proibição expressa para os particulares de tomar a justiça por suas próprias mãos Frente à violação de um bem juridicamente protegido não cabe outra atividade46 que não a invocação da devida tutela jurisdicional Impõese a necessária utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado o processo penal em que mediante a atuação de um terceiro imparcial cuja designação não corresponde à vontade das partes e resulta da imposição da estrutura institucional será apurada a existência do delito e sancionado o autor O processo como instituição estatal é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena Isso porque o Direito Penal é despido de coerção direta e ao contrário do direito privado não tem atuação nem realidade concreta fora do processo correspondente No direito privado as normas possuem uma eficácia direta imediata pois os particulares detêm o poder de praticar atos jurídicos e negócios jurídicos de modo que a incidência das normas de direito material sejam civis comerciais etc é direta As partes materiais em sua vida diária aplicam o direito privado sem qualquer intervenção dos órgãos jurisdicionais que em regra são chamados apenas para solucionar eventuais conflitos surgidos pelo incumprimento do acordado Em resumo não existe o monopólio dos tribunais na aplicação do direito privado e ni siquiera puede decirse que estatísticamente sean sus aplicadores más importantes47 Por outro lado totalmente distinto é o tratamento do Direito Penal pois ainda que os tipos penais tenham uma função de prevenção geral e também de proteção não só de bens jurídicos mas também do particular em relação aos atos abusivos do Estado sua verdadeira essência está na pena e a pena não pode prescindir do processo penal Existe um monopólio da aplicação da pena por parte dos órgãos jurisdicionais e isso representa um enorme avanço da humanidade Para que possa ser aplicada uma pena não só é necessário que exista um injusto culpável mas também que exista previamente o devido processo penal A pena não só é efeito jurídico do delito48 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo A pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal posto que se o processo termina antes de desenvolverse completamente arquivamento suspensão condicional etc ou se não se desenvolve de forma válida nulidade não pode ser imposta uma pena Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito pena e processo de modo que são complementares Não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena Assim fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao Direito Penal e à pena pois o processo penal é o caminho necessário para a pena É o que GÓMEZ ORBANEJA49 denomina principio de la necesidad del proceso penal amparado no art 1º da LECrim50 pois não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal São três51 os monopólios estatais a Exclusividade do Direito Penal b Exclusividade pelos Tribunais c Exclusividade Processual Como explicamos atualmente a pena é estatal pública no sentido de que o Estado substituiu a vingança privada e com isso estabeleceu que a pena é uma reação do Estado contra a vontade individual Estão proibidas a autotutela e a justiça pelas próprias mãos A pena deve estar prevista em um tipo penal e cumpre ao Estado definir os tipos penais e suas consequentes penas ficando o tema completamente fora da disposição dos particulares vedada assim a justiça negociada52 LAURIA TUCCI53 aponta para a imposição de uma autolimitação do interesse punitivo do Estado administração que somente poderá realizar o Direito Penal mediante a ação judiciária dos juízes e tribunais Entendemos que a exclusividade dos tribunais em matéria penal deve ser analisada em conjunto com a exclusividade processual pois ao mesmo tempo em que o Estado prevê que só os tribunais podem declarar o delito e impor a pena também prevê a imprescindibilidade de que essa pena venha por meio do devido processo penal Ou seja cumpre aos juízes e tribunais declararem o delito e determinar a pena proporcional aplicável e essa operação deve necessariamente percorrer o leito do processo penal válido com todas as garantias constitucionalmente estabelecidas para o acusado Aos demais Poderes do Estado Legislativo e Executivo está vedada essa atividade Não obstante como destaca MONTERO AROCA54 absurdamente se constata día a día que las leyes van permitiendo a los órganos administrativos imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud muchas veces que ni siquiera pueden ser impuestas por los tribunales como penas Da mesma forma na execução penal constatase uma excessiva e perigosa administrativização em que faltas graves apuradas em procedimentos administrativos inquisitivos geram gravíssimas consequências55 Por fim destacamos que o processo penal constitui uma instância formal de controle do crime56 e para a Criminologia é uma reação formal ao delito e também pode ser considerado como um instrumento de seleção principalmente nos sistemas jurídicos que adotam princípios como o da oportunidade plea bargaining e outros mecanismos de consenso Ademais da mesma forma que o Direito Penal é excludente tanto quanto a sociedade o processo e seu conteúdo aflitivo só agravam a exclusão eis que se trata de inegável cerimônia degradante que possui seus clientes preferenciais 5 Instrumentalidade Constitucional do Processo Penal Estabelecido o monopólio da justiça estatal e do processo trataremos agora da instrumentalidade Desde logo não devem existir pudores em afirmar que o processo é um instrumento o problema é definir o conteúdo dessa instrumentalidade ou a serviço de quem ela está e que essa é a razão básica de sua existência Ademais o Direito Penal careceria por completo de eficácia sem a pena e a pena sem processo é inconcebível um verdadeiro retrocesso de modo que a relação e interação entre Direito e Processo é patente A strumentalità57 do processo penal reside no fato de que a norma penal apresenta quando comparada com outras normas jurídicas a característica de que o preceito tem por conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo e a sanção tem por destinatário aquele poder do Estado que é chamado a aplicar a pena Não é possível a aplicação da reprovação sem o prévio processo nem mesmo no caso de consentimento do acusado pois ele não pode se submeter voluntariamente à pena senão por meio de um ato judicial nulla poena sine iudicio Essa particularidade do processo penal demonstra que seu caráter instrumental é mais destacado que o do processo civil É fundamental compreender que a instrumentalidade do processo não significa que ele seja um instrumento a serviço de uma única finalidade qual seja a satisfação de uma pretensão acusatória Ao lado dela está a função constitucional do processo como instrumento a serviço da realização do projeto democrático como muito bem adverte GERALDO PRADO58 Nesse viés inserese a finalidade constitucionalgarantidora da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais em especial da liberdade individual Ademais a Constituição constitui logo necessariamente orienta a instrumentalidade do processo penal O termo instrumentalidade que sempre remeteu a algumas lições parciais de RANGEL DINAMARCO59 deve ser revisitado Claro que nunca pactuamos com qualquer visão eficientista ou de que o processo pudesse ser usado como instrumento político de segurança pública ou defesa social Resulta imprescindível visualizar o processo desde seu exterior para constatar que o sistema não tem valor em si mesmo senão pelos objetivos que é chamado a cumprir projeto democráticoconstitucional Sem embargo devemos ter cuidado na definição do alcance de suas metas pois o processo penal não pode ser transformado em instrumento de segurança pública Nesse contexto por exemplo inserese a crítica ao uso abusivo das medidas cautelares pessoais especialmente a prisão preventiva para garantia da ordem pública Tratase de buscar um fim alheio ao processo e portanto estranho à natureza cautelar da medida Trataremos novamente desse tema quando analisarmos a presunção de inocência e as prisões cautelares Nesse sentido importante é a análise de MORAIS DA ROSA60 quando sublinha o perigo de a transmitirse mecanicamente para o processo penal as lições de Rangel Dinamarco pautar a instrumentalidade pela conjuntura social e política demandando um aspecto ético do processo sua conotação deontológica expressão de Rangel Dinamarco Explica MORAIS DA ROSA que esse chamado exige que o juiz tenha os predicados de um homem do seu tempo imbuído em reduzir as desigualdades sociais baseandose nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado Social mas vinculada a uma posição especial do juiz no contexto democrático dandolhe poderes sobrehumanos na linha de realização dos escopos processuais com forte influência da superada filosofia da consciência deslizando no Imaginário e facilitando o surgimento de Juízes Justiceiros da Sociedade E conclui o autor afirmando que a pretensão de Dinamarco de que o juiz deve aspirar aos anseios sociais ou mesmo ao espírito das leis tendo em vista uma vinculação axiológica moralizante do jurídico com o objetivo de realizar o sentimento de justiça do seu tempo não mais pode ser acolhida democraticamente Nenhuma dúvida temos do enorme acerto e valor dessas lições e de que esse perigo denunciado por MORAIS DA ROSA é concreto e encontra em movimentos repressivos como lei e ordem tolerância zero e direito penal do inimigo um terreno fértil para suas nefastas construções Ainda mais danosas são as viragens linguísticas os giros discursivos pregados por lobos que em pele de cordeiro e alguns ainda dizem falar em nome da Constituição seduzem e mantêm em crença uma multidão de ingênuos cuja frágil base teórica faz com que sejam presas fáceis iludidos pelo discurso pseudoerudito desses ilusionistas Cuidado leitor mais perigosos do que os inimigos assumidos e por essa assunção até mereceriam algum respeito são os que falando em nome da Constituição operam num mundo de ilusão de aparência para seduzir os incautos Como diz JACINTO COUTINHO61 parecem pavões com belas plumas multicoloridas mas os pés cheios de craca Em suma nossa noção de instrumentalidade tem por conteúdo a máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição pautandose pelo valor dignidade da pessoa humana submetida à violência do ritual judiciário Voltando ao binômio Direito PenalProcessual a independência conceitual e metodológica do Direito Processual em relação ao direito material foi uma conquista fundamental Direito e processo constituem dois planos verdadeiramente distintos no sistema jurídico mas estão relacionados pela unidade de objetivos sociais e políticos o que conduz a uma relatividade do binômio direitoprocesso substance procedure Respeitando sua separação institucional e a autonomia de seu tratamento científico o processo penal está a serviço do Direito Penal ou para ser mais exato da aplicação dessa parcela do direito objetivo62 Por esse motivo não pode descuidar do fiel cumprimento dos objetivos traçados por aquele entre os quais está o de proteção do indivíduo A autonomia extrema do processo com relação ao direito material foi importante no seu momento e sem ela os processualistas não haveriam podido chegar tão longe na construção do sistema processual Mas isso já cumpriu com a sua função A acentuada visão autônoma está em vias de extinção e a instrumentalidade está servindo para relativizar o binômio direitoprocesso para a liberação de velhos conceitos e superar os limites que impedem o processo de alcançar outros objetivos além do limitado campo processual A ciência do processo já chegou a um ponto de evolução que lhe permite deixar para trás todos os medos e preocupações de ser absorvida pelo direito material assumindo sua função instrumental sem qualquer menosprezo O Direito Penal não pode prescindir do processo pois a pena sem processo perde sua aplicabilidade Com isso concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de sua existência mas com uma especial característica é um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais É uma especial conotação do caráter instrumental e que só se manifesta no processo penal pois se trata de instrumentalidade relacionada ao Direito Penal e à pena mas principalmente um instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais Está legitimado enquanto instrumento a serviço do projeto constitucional Tratase de limitação do poder e tutela do débil a ele submetido réu por evidente cuja debilidade é estrutural e estruturante do seu lugar Essa debilidade sempre existirá e não tem absolutamente nenhuma relação com as condições econômicas ou sociopolíticas do imputado senão que decorre do lugar em que ele é chamado a ocupar nas relações de poder estabelecidas no ritual judiciário pois é ele o sujeito passivo ou seja aquele sobre quem recaem os diferentes constrangimentos e limitações impostos pelo poder estatal Essa é a instrumentalidade constitucional que a nosso juízo funda sua existência 6 Quando Cinderela terá suas Próprias Roupas Respeitando as Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal ou Abandonando a Teoria Geral do Processo Era uma vez três irmãs que tinham em comum pelo menos um dos progenitores chamavamse a ciência do Direito Penal a ciência do Processo Penal e a ciência do Processo Civil E ocorreu que a segunda em comparação com as demais que eram belas e prósperas teve uma infância e uma adolescência desleixada abandonada Durante muito tempo dividiu com a primeira o mesmo quarto A terceira bela e sedutora ganhou o mundo e despertou todas as atenções Assim começa CARNELUTTI que com sua genialidade escreveu em 1946 um breve mas brilhante artigo infelizmente pouco lido no Brasil intitulado Cenerentola63 a Cinderela da conhecida fábula infantil O processo penal segue sendo a irmã preterida que sempre teve de se contentar com as sobras das outras duas Durante muito tempo foi visto como um mero apêndice do Direito Penal Evolui um pouco rumo à autonomia é verdade mas continua sendo preterido Basta ver que não se tem notícia na história acadêmica de que o processo penal tivesse sido ministrado ao longo de dois anos como costumeiramente o é o Direito Penal Se compararmos com o processo civil então a distância é ainda maior Mas em relação ao Direito Penal a autonomia obtida é suficiente até porque como define CARNELUTTI delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda Como o são Direito Penal e Processual Penal Recordese o que falamos sobre o princípio da necessidade Mas o problema maior está na relação com o processo civil O processo penal como a Cinderela sempre foi preterido tendo de se contentar em utilizar as roupas velhas de sua irmã Mais do que vestimentas usadas eram vestes produzidas para sua irmã não para ela A irmã favorita aqui corporificada pelo processo civil tem uma superioridade científica e dogmática inegável Tinha razão BETTIOL como reconhece CARNELUTTI64 de que assistimos inertes a um pancivilismo E isso nasce na academia com as famigeradas disciplinas de Teoria Geral do Processo tradicionalmente ministradas por processualistas civis que pouco sabem e pouco falam do processo penal e quando o fazem é com um olhar e discurso completamente viciado Nessa linha no Brasil entre os pioneiros críticos está TUCCI que principia o desvelamento do fracasso da Teoria Geral do Processo a partir da desconstrução do conceito de lide e sua consequente irrelevância para o processo penal passando pela demonstração da necessidade de se conceber o conceito de jurisdição penal para além das categorias de jurisdição voluntária e litigiosa e o próprio repensar a ação ação judiciária e ação da parte Aponta o autor ainda criticando a Teoria Geral do Processo que esse aliás foi um dos poucos raros aspectos negativos da grandiosa obra de JOSÉ FREDERICO MARQUES ao transplantar sem ou às vezes com modestos avaros retoques institutos de processo civil para o processo penal numa nítida adaptação dos Elementos de direito processual penal às Instituições de direito processual civil incorporandose numa prolixa e confusa concepção que poderia ser denominada teoria civil do processo penal 65 Como adverte COUTINHO66 outro antigo crítico da Teoria Unitária teoria geral do processo é engodo teoria geral é a do processo civil e a partir dela as demais Ou seja pensam tudo desde o lugar do processo civil com um olhar viciado que conduz a um engessamento do processo penal nas estruturas do processo civil O problema é grave mais grave ainda quando assistimos à imensa parcela da doutrina e por consequência do ciclo vicioso senão incestuoso também da jurisprudência falando em fumus boni iuris e periculum in mora para as prisões cautelares defendendo que o objeto do processo penal é a pretensão punitiva erro histórico de Binding como explicaremos invocando o pomposo mas absolutamente inadequado para nós no processo penal pas nullité sans grief para tratar das nulidades bem como fazer inadequadas relativizações negando efeito suspensivo ao Recurso Especial e Extraordinário por culpa de uma famigerada Lei n 8038 pensada para o processo civil relativizando a competência esquecendo que no processo penal o juiz natural é garantia fundante atribuindo poderes instrutórios ao juiz ativismo judicial e lecionando que as condições da ação processual penal são as mesmas do processo civil e por aí vai Todo um erro de pensar que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categorias do processo civil como se fossem as roupas da irmã mais velha cujas mangas se dobram para caber na irmã preterida É a velha falta de respeito a que se referia GOLDSCHMIDT às categorias jurídicas próprias do processo penal Contudo há chegado o momento e se vão mais de 60 anos do trabalho de CARNELUTTI de desvelar a diversidade fenomenológica e metodológica das duas irmãs processuais67 e compreender que o processo penal possui suas categorias jurídicas próprias sua diversidade inerente e que não mais se contenta em usar as vestes da irmã Como explica CARNELUTTI o processo civil é nove de cada dez vezes um processo de sujeitos que têm e quando um dos dois não tem aspira muito ter É o processo do meu e do teu o que está em jogo é a propriedade é uma relação coisificada diria SIMMEL68 muito antes e muito além dos juristas O processo civil é o cenário da riqueza de quem possui ao passo que no processo penal cada vez mais é o processo de quem não tem do excluído Isso contribui para o estigma da gata borralheira mas não justifica No processo penal em radical câmbio do que estamos tratando Não é do ter mas sim da liberdade No lugar da coisa pensase na liberdade de quem tendo está na iminência de perder ou que já não tendo pode recuperála ou perdêla ainda mais Tratase de voltar para casa ou ser encarcerado Como adverte CARNELUTTI é com a liberdade o que verdadeiramente se joga no processo penal Al juez penal se le pide como al juez civil algo que nos falta y de lo cual no podemos prescindir y es mucho más grave el defecto de libertad que el defecto de propiedad Significa dizer que ao juiz penal não se pede como ao juiz civil algo que nos falta o tal bem da vida como se referem os civilistas É a própria vida que está em jogo Para o autor tanto ao juiz penal como ao juiz civil compete dar a cada um o seu A imensa diferença está em que no penal é dispor do próprio ser ao passo que no civil é o ter Não se pode esquecer ainda como adverte certeiramente CIRINO DOS SANTOS69 que o processo penal não se constitui processo de partes livres e iguais como o processo civil por exemplo dominado pela liberdade de partes em situação de igualdade processual mas uma relação de poder instituída pelo Estado com a finalidade de descobrir a verdade de fatos criminosos e punir os autores considerados culpados São a ausência de liberdade e a relação de poder instituída em contraste com a liberdade e a igualdade os elementos fundantes de uma diferença insuperável entre o processo civil e o penal Cinderela é uma boa irmã adverte o mestre italiano e não aspira a uma superioridade em relação às outras senão unicamente a uma afirmação de paridade O processo civil ao contrário do que sempre se fez não serve para compreender o que é o processo penal serve para compreender o que não é Daí por que basta de teoria geral do processo 1 CALAMANDREI Piero Il processo come giuoco Rivista di Diritto Processuale v 5 parte I Padova 1950 2 Como explica BITENCOURT Cezar Roberto na excelente obra Falência da Pena de Prisão São Paulo Revista dos Tribunais 1993 p 14 e ss na Grécia antiga Platão defendia a existência de três tipos de prisão uma na praça do mercado para a custódia outra denominada de sofonisterium no interior da cidade servia para correção e uma terceira com a finalidade de causar o suplício estava situada em um lugar isolado afastado da cidade e tinha a função de amedrontar Mas a única que efetivamente era utilizada era a de custódia Os romanos também só conheceram a prisão com o fim de custódia É o famoso texto de Ulpiano Carcer enin ad continendo homines non ad puniendo haberit debit Digesto 48 cap 9º 3 RIVERA BEIRAS Iñaki La Cárcel en el Sistema Penal 2 ed Barcelona Bosh 1996 p 40 4 BITENCOURT Cezar Roberto A Falência da Pena de Prisão p 22 5 RIVERA BEIRA Iñaki op cit p 45 6 RIVERA BEIRA Iñaki op cit p 47 7 Como explica BITENCOURT A Falência da Pena de Prisão p 23 a origem desse movimento foi a pobreza que se estendeu pela Europa nesse período originando uma importante camada da população composta por pobres e miseráveis contribuindo para o surgimento de uma grande quantidade de mendigos e ladrões Diante da impossibilidade de enforcar a todos surgem a necessidade do encarceramento e a construção das prisões para a correção por meio do trabalho Nada muito diferente do que assistimos atualmente registrese principalmente se considerarmos a opção pela gestão penal da pobreza e também o quão rentável pode ser o mercado da privatização do sistema carcerário Sobre o tema na atualidade imprescindível a leitura de LOIC WACQUANT especialmente na obra As Prisões da Miséria publicada pela editora Jorge Zahar 8 Sobre o tema recomendase a leitura de Michel FOUCAULT Vigiar e Punir Petrópolis Editora Vozes 9 RIVERA BEIRAS Iñaki op cit p 46 10 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 333 11 No Prefácio da sua obra Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 12 PINA Rafael e CASTILLO LARRAÑAGA José Instituciones de Derecho Procesal Civil México Editorial Porrua 1961 p 26 13 No Prefácio da sua obra Instituciones de Derecho Procesal Penal 14 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosh 1935 p 67 15 De forma resumida no prefácio da obra Instituciones de Derecho Procesal Penal e com mais profundidade no capolavoro Proceso y Derecho Procesal 16 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal p 87 17 GIMENO SENDRA José Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 23 18 Eis aqui um problema linguístico Em espanhol é de uso corrente a expressão reparto heterónomo sendo esse último vocábulo empregado no sentido de algo que depende de algum poder alheio estranho que impede seu desenvolvimento normal Etimologicamente hetero vem de outro e do grego nómos significa lei costume segundo o Clave Diccionario de uso del español actual Madrid 1997 Assim a expressão heterônomo será empregada para definir um sistema de administração de justiça em que se exige por lei a intervenção de um terceiro imparcial 19 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal p 93 20 CARNELUTTI Francesco Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonso México Episa 1997 p 12 21 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 7 22 Logo considerando que todo saber é datado interessanos mais a pergunta do que a resposta dada pelo autor naquele momento 23 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 67 24 STRECK Lenio Jurisdição Constitucional e Hermenêutica Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 p 19 25 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal 3 ed Belo Horizonte Del Rey 2003 p 162 26 Op cit p 162 27 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal p 200 28 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 16 29 PRADO Geraldo Sistema Acusatório p 44 30 La Ciencia de la Justicia Dikelogía p 201 31 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal Trad Faustino GutiérrezAlviz y Conradi Barcelona Bosh 1976 p 54 e ss 32 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal p 174 33 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 74 34 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana cit p 115 35 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal cit p 162 36 Op cit p 162 37 ZAFFARONI Eugenio Raúl e PIERANGELI José Henrique Manual de Direito Penal Brasileiro 2 ed São Paulo RT 1999 p 96 38 No prólogo da obra de FERRAJOLI Derecho y Razón p 18 39 FERRAJOLI Luigi Derechos y Garantias La ley del más débil Trad Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi Madri Trotta 1999 40 GUARNIERI Jose Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México Jose M Cajica 1952 p 272 41 Lei Para Quem In WUNDERLICH Alexandre Coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 56 e ss 42 É complexa a problemática doutrinária acerca da existência de partes no processo penal Não sendo o momento oportuno para enfrentála limitamonos a esclarecer que quando falamos em partes estamos aludindo a um processo penal de partes que trata o sujeito passivo não mais como um mero objeto 43 Ou cargas expectativas e perspectivas se adotarmos a Teoria do Processo como Situação Jurídica de James Goldschmidt 44 Tenho criticado aqui e o fiz ainda recentemente ADPF 144 a banalização dos princípios entre aspas da proporcionalidade e da razoabilidade em especial do primeiro concebido como um princípio superior aplicável a todo e qualquer caso concreto o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de corrigir o legislador invadindo a competência deste O fato no entanto é que proporcionalidade e razoabilidade nem ao menos são princípios porque não reproduzem as suas características porém postulados normativos regras de interpretaçãoaplicação do direito No caso de que ora cogitamos esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual não há direitos absolutos E tal como tem sido em nosso tempo pronunciada dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional Deveras a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe sim mas não é absoluto porquanto não se aplica ao caso E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer de súditos cidadãos Diante do inquisidor não temos qualquer direito Ou melhor temos sim vários mas como nenhum deles é absoluto nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudirnos Primeiro essa gazua em seguida despencando sobre todos a pretexto da necessária atividade persecutória do Estado a supremacia do interesse público sobre o individual Essa premissa que se pretende prevaleça no Direito Administrativo não obstante mesmo lá sujeita a debate aqui impertinente não tem lugar em matéria penal e processual penal Esta Corte ensina HC 80263 relator Ministro ILMAR GALVÃO que a interpretação sistemática da Constituição leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar Essa é a proporcionalidade que se impõe em sede processual penal em caso de conflito de preceitos prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie grifo nosso 45 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 7 46 Salvo aquelas protegidas pelas causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade juridicamente reconhecidas pelo Direito Penal 47 MONTERO AROCA Juan Principios del Proceso Penal una explicación basada en la razón Valencia Tirant lo Blanch 1997 p 15 48 Como explica GOMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosh 1951 t I p 27 e ss 49 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 27 50 Norma processual penal espanhola Ley de Enjuiciamiento Criminal 51 Seguindo MONTERO AROCA Principios del Proceso Penal p 16 e ss 52 Apesar disso cumpre destacar que o monopólio estatal de perseguir e punir está sendo questionado a cada dia com mais força com o implemento de princípios como oportunidade e conveniência da ação penal aumento do número de delitos de ação penal privada ou pública condicionada e com as possibilidades de transação penal plea bargaining A justiça negociada configura uma perigosa e equivocada alternativa ao processo penal conforme explicaremos na continuação 53 LAURIA TUCCI Rogério Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 25 54 Principios del Proceso Penal p 19 55 Sobre o tema consultem os diversos trabalhos constantes na obra Crítica à Execução Penal organizada por Salo de Carvalho e publicada pela Editora Lumen Juris 56 Conforme explicam FIGUEIREDO DIAS Jorge e COSTA ANDRADE Manuel na obra Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 365 e ss 57 Como explica LEONE Giovanni Elementi di Diritto e Procedura Penale 5 ed Napoli Jovene 1981 p 189 58 Imprescindível a leitura de GERALDO PRADO na excepcional obra Sistema Acusatório publicada pela Editora Lumen Juris para aprofundar o estudo 59 RANGEL DINAMARCO Candido A Instrumentalidade do Processo São Paulo Malheiros 1990 60 MORAIS DA ROSA Alexandre Direito Infracional garantismo psicanálise e movimento antiterror Florianópolis Habitus 2005 p 135 e ss 61 No Prefácio da nossa obra Introdução Crítica ao Processo Penal Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional publicada pela Editora Lumen Juris 62 OLIVA SANTOS na obra coletiva Derecho Procesal Penal p 6 63 Originariamente publicado na Rivista di Diritto Processuale v 1 parte 1 p 7378 Em espanhol foi publicado com o título La Cenicienta na obra Cuestiones sobre el Proceso Penal p 1521 64 CARNELUTTI teve uma produção científica bastante ampla prolixa até escrevendo do Direito Comercial ao Direito Penal passando pelo Processo Civil e pelo Processo Penal Natural que cometesse como de fato cometeu diversos tropeços nessa longuíssima caminhada dogmática Também caiu diversas vezes em contradição Em casos assim é preciso conhecer também o autor das obras para não fazer equivocados juízos a priori Fazemos essa advertência porque em que pese no final da vida ter feito verdadeiras declarações de amor ao Direito Penal e ao Processo Penal lutando por sua evolução e valorização também foi ele um defensor da equivocada Teoria Unitária Teoria Geral do Processo pensando ser o conceito de lide algo unificador Logo la cenicienta deve ser compreendida nesse contexto e nesses conflitos científicos que ele mesmo vivia 65 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 54 66 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 p 119 67 No mesmo sentido ANDRES DE LA OLIVA SANTOS na obra coletiva Derecho Procesal Penal p 51 68 Aqui estamos fazendo alusão ao complexo pensamento de SIMMEL quando já em 1896 escreveu sobre O dinheiro na cultura moderna demonstrando o processo de coisificação da humanidade Importante ainda a leitura de RUTH GAUER O Reino da Estupidez e o Reino da Razão p 146 e ss quando abordando SIMMEL explica que a morte do homem foi diagnosticada quando o autor analisou o papel do dinheiro na sociedade e a separação entre as culturas subjetiva e objetiva Essa coisificação do ser humano levou ao domínio da coisa sobre o homem Como explica GAUER o dinheiro é o Deus moderno onipotente e onipresente uma unidade e referência que une a todos Sua busca é a sua falta produz o ritmo nervoso e o estresse da vida moderna Que novo tipo de vida o dinheiro constitui 69 CIRINO DOS SANTOS Juarez Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 655 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO É imprescindível compreender a evolução da pena de prisão para chegarse ao nascimento e evolução do processo penal O direito penal nasce não como evolução mas como negação da vingança privada Até então não se tem processo penal que nasce quando o Estado assume a tarefa de punir pena pública A relação entre o processo e a pena corresponde às categorias de meio e de fim O processo penal deve se constitucionalizar ser lido à luz da Constituição Logo ele funciona como um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da Constituição O processo deve se democratizar e ser constituído a partir da Constituição Por instrumentalidade constitucional se entende a concepção do processo em conformidade com a Constituição democrática sendo considerado como um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo Existe uma crise na teoria das fontes que se manifesta no momento em que erroneamente a uma lei ordinária como o Código Penal ou Processual Penal é atribuído maior valor normativo que à Constituição É o erro de negar à Constituição o status de fonte primeva É imprescindível fazerse uma leitura inversa em que toda a legislação infraconstitucional deve passar por uma filtragem constitucional É o processo penal que deve ser lido à luz da Constituição e não o inverso Não se pode confundir garantias processuais com impunidade É necessária a coexistência entre garantir e punir de modo que se pode garantir para punir e punir garantindo Estão superadas as considerações do estilo a supremacia do interesse público sobre o privado As regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas e obviamente constitucionais muito além dessa dimensão reducionista de públicoprivado Tratase de direitos fundamentais obviamente de natureza pública se quisermos utilizar essa categoria limitadores da intervenção estatal Princípio da Necessidade o direito penal é despido de poder coercitivo direto somente se efetivando através do processo Por isso o processo penal é um caminho necessário para chegarse a uma pena Inexiste possibilidade de aplicação de pena sem prévio processo penal Nulla poena et nulla culpa sine iudicio É necessário pensarse o processo penal a partir de suas categorias jurídicas próprias fazendo uma recusa à teoria geral do processo pois constituem um equívoco as analogias e importações de conceitos do direito processual civil dadas as especificidades do processo penal Capítulo II TEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO PENAL 1 Introdução As Várias Teorias Questão muito relevante é compreender a natureza jurídica do processo penal o que ele representa e constitui Tratase de abordar a determinação dos vínculos que unem os sujeitos juiz acusador e réu bem como a natureza jurídica de tais vínculos e da estrutura como um todo Analisando a história do processo ARAGONESES ALONSO1 divide as diferentes teorias em três grandes grupos a saber 1 Teorias que utilizam categorias de outros ramos do direito 11 Teorias de direito privado 111 Processo como contrato 112 Processo como quase contrato 113 Processo como acordo 12 Teorias de direito público 121 Processo como relação jurídica BÜLOW 122 Processo como serviço público JÈZE e DUGUIT 123 Processo como instituição GUASP 2 Teorias que utilizam categorias jurídicas próprias 21 Processo como estado de ligação KISCH 22 Processo como situação jurídica GOLDSCHMIDT 3 Teorias Mistas2 31 Teoria da vontade vinculatória autárquica da lei PODETTI 32 Processo como relação que se desenvolve em situações ALSINA 33 Processo como entidade jurídica complexa FOSCHINI As teorias de direito privado contrato quase contrato e acordo foram sendo completamente abandonadas até o final do século XIX quando o processo civil e penal deixa de ser considerado um mero apêndice do direito privado para adquirir sua autonomia Na esfera penal influência decisiva para o abandono das teorias privadas foi o fato de a pena passar ao estágio de pena pública como explicado anteriormente exigindo que a Administração da Justiça fosse exercida pelo Estado pois ele passou a deter o poder de punir com o abandono e a proibição da vingança privada Dentre as teorias de direito público foi a noção de processo como relação jurídica de Oskar von BÜLOW a que teve e tem maior aceitação até os dias de hoje As demais processo como serviço público JÈZE e DUGUIT e processo como instituição GUASP tiveram pouca aceitação e apenas contribuíram para enriquecer a discussão e evolução do processo mas não foram adotadas Da mesma forma os estudos de KISCH PODETTI ALSINA e FOSCHINI Foi sem dúvida alguma JAMES GOLDSCHMIDT o maior e único opositor à altura da tese de BÜLOW com sua teoria do processo como situação jurídica Mais do que estruturar uma nova leitura da complexa fenomenologia do processo GOLDSCHMIDT mostra os graves equívocos e a insustentabilidade da noção de processo como relação jurídica Assim considerando os limites do presente trabalho nos centraremos nessas duas teorias 2 Processo como Relação Jurídica A Contribuição de Bülow A obra de BÜLOW La teoría de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesales publicada em 18683 foi um marco definitivo para o processo pois estabeleceu o rompimento do direito material com o direito processual e a consequente independência das relações jurídicas que se estabelecem nessas duas dimensões É o definitivo sepultamento das explicações privativistas em torno do processo A teoria do processo como uma relação jurídica é o marco mais relevante para o estudo do conceito de partes principalmente porque representou uma evolução de conteúdo democráticoliberal do processo em um momento em que o processo penal era visto como uma simples intervenção estatal com fins de desinfecção social ou defesa social4 Como aponta CHIOVENDA la sencillísima pero fundamental idea notada por HEGEL afirmada por BETHMANNHOLLWEG y desenvuelta principalmente por BÜLOW y más tarde por KOHLER y por otros muchos incluso en Italia5 el proceso civil contiene una relación jurídica criou um novo marco na doutrina processual civil e também no processo penal Na realidade não se pode afirmar que BÜLOW criou a teoria da relação jurídica pois como aponta ARAGONESES ALONSO6 o tema já havia sido aludido por BETHMANNHOLLWEG anteriormente Ademais existem antecedentes históricos nos juristas italianos medievais como BÚLGARO7 que ao afirmar que judicium est actus trium personarum judicis actoris rei contemplava no processo as três partes o juiz que julgue o autor que demande e o réu que se defenda Contudo foi ele quem racionalizou a teoria e principalmente a desenvolveu sistematicamente frente ao processo A partir daí não só o processo se desenvolve como instituição senão que a ação processual passa a adquirir uma nova dimensão que conduz a importantes estudos e evolução científica e dogmática de conceitos COUTURE aponta que para a ciência do processo a separação entre direito e ação constituiu um fenômeno análogo ao que representou para a física a divisão do átomo Para BÜLOW o processo é uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes MP e réu e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais Sua natureza pública decorre do fato de o vínculo se dar entre as partes e o órgão público da Administração de Justiça numa atividade essencialmente pública Nesse sentido o processo é uma relação jurídica de direito público autônoma e independente da relação jurídica de direito material No processo penal representou um avanço no tratamento do imputado que deixa de ser visto como um mero objeto do processo para ser tratado como um verdadeiro sujeito com direitos subjetivos próprios e principalmente que pode exigir que o juiz efetivamente preste a tutela jurisdicional solicitada como garantidor da eficácia do sistema de garantias previsto na Constituição Segundo BÜLOW8 o processo é um conjunto de direitos e obrigações recíprocos isto é uma relação jurídica Tal relação é pública posto que os direitos e as obrigações processuais se dão entre os funcionários do Estado e os cidadãos desde o momento em que se trata no processo da função dos agentes públicos É ainda uma relação contínua pois avança gradualmente e se desenvolve passo a passo numa sequência de atos logicamente concatenados Desenvolvese ainda de modo progressivo entre o tribunal e as partes Para isso é necessário saber entre que pessoas pode se estabelecer a que objeto se refere que ato ou fato é necessário para seu nascimento e quem é capaz ou está facultado para realizar tal ato Para BÜLOW os elementos constitutivos da relação jurídicoprocessual são pessoas matéria atos e momento em que se desenvolvem Assim chegamos a outra preciosa contribuição do autor para a ciência do processo a Teoria dos Pressupostos Processuais9 que surge basicamente da distinção entre a relação jurídica de direito material e a relação jurídicoprocessual e procura definir quais são os pressupostos de validade e existência do processo Com base nos pressupostos processuais foi possível compreender a existência do processo e entre outras coisas desenvolver uma teoria sobre as nulidades processuais com fundamento mais adequado Essa relação jurídicoprocessual é triangular como explica WACH 10 seguindo a BÜLOW e dada sua natureza complexa se estabelece entre as partes e entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações Negar isso é o mesmo que voltar à ideia de um Estado totalitário em que não existe o binômio poderdever jurisdicional O processo é uma via de mão dupla em que as partes têm direito à tutela jurisdicional e o juiz o dever de conduzir o processo até alcançar a sentença Quando verificamos que existe uma relação de direitos e deveres recíprocos entre acusador e acusado como ocorre em relação aos direitos fundamentais não se pode negar que exista uma verdadeira relação jurídica complexa entre eles Graficamente a teoria pode ser representada da seguinte forma Partindo dos fundamentos apontados por BÜLOW aperfeiçoados por WACH 11 e posteriormente por CHIOVENDA podese afirmar que o processo penal é uma relação jurídica pública autônoma e complexa pois existem entre as três partes verdadeiros direitos e obrigações recíprocos Somente assim estaremos admitindo que o acusado não é um mero objeto do processo tampouco que o processo é um simples instrumento para a aplicação do jus puniendi estatal O acusado é parte integrante do processo em igualdade de armas com a acusação seja ela estatal ou não e como tal possuidor de um conjunto de direitos subjetivos dotados de eficácia em relação ao juiz e à acusação Mesmo entre os seguidores de BÜLOW não existe acordo entre quem se estabelece a relação processual Para alguns se estabelece entre as partes e o juiz HELLWIG para outros somente entre as partes KOHLER e finalmente existem aqueles que concebem a relação como triangular WACH Na Itália a base da teoria da relação jurídica foi adotada entre outros por CARNELUTTI12 CHIOVENDA13 BETTIOL e ROCCO A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas tanto na sua aplicação para o processo civil como também para o processo penal mas em que pese sua insuficiência e inadequação acabou sendo adotada pela maior parte da doutrina processualista A crítica mais contundente e profunda veio sem dúvida de GOLDSCHMIDT através de sua tese de que o processo é uma situação jurídica como se verá na continuação 3 Processo como Situação Jurídica ou a Superação de Bülow por James Goldschmidt A noção de processo como relação jurídica estruturada na obra de BÜLOW14 foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres estabelecidos entre as partes e entre as partes e o juiz O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma efetiva relação jurídica com um autêntico processo de partes Com certeza foi muito sedutora a tese de que no processo haveria um sujeito que exercitava nele direitos subjetivos e principalmente que poderia exigir do juiz que efetivamente prestasse a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de resistência defesa Apaixonante ainda a ideia de que existiria uma relação jurídica obrigatória do juiz com relação às partes que teriam o direito de lograr através do ato final um verdadeiro clima de legalidade e restabelecimento da paz social Foi JAMES GOLDSCHMIDT e sua Teoria do Processo como Situação Jurídica tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage publicada em Berlim em 1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor15 quem melhor evidenciou as falhas da construção de BÜLOW mas principalmente quem formulou a melhor teoria para explicar e justificar a complexa fenomenologia do processo Para o autor o processo é visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes atravessam caminham em direção a uma sentença definitiva favorável Nega ele a existência de direitos e obrigações processuais e considera que os pressupostos processuais de BÜLOW são na verdade pressupostos de uma sentença de fundo GOLDSCHMIDT ataca primeiramente os pressupostos da relação jurídica em seguida nega a existência de direitos e obrigações processuais ou seja o próprio conteúdo da relação e por fim reputa definitivamente como estática ou metafísica a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos Nesse sentido os pressupostos processuais não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídicoprocessual para serem concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito Interessanos pois a crítica pelo viés da inércia e da falsa noção de segurança que traz ínsita a teoria do processo enquanto relação jurídica Foi GOLDSCHMIDT quem evidenciou o caráter dinâmico do processo ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Na síntese do autor durante a paz a relação de um Estado com seus territórios de súditos é estática constitui um império intangível Sem embargo ensina GOLDSCHMIDT quando a guerra estoura tudo se encontra na ponta da espada os direitos mais intangíveis se convertem em expectativas possibilidades e obrigações e todo direito pode se aniquilar como consequência de não ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação como pelo contrário a guerra pode proporcionar ao vencedor o desfrute de um direito que não lhe corresponde16 Essa dinâmica do estado de guerra é a melhor explicação para o fenômeno do processo que deixa de lado a estática e a segurança controle da relação jurídica para inserirse na mais completa epistemologia da incerteza O processo é uma complexa situação jurídica na qual a sucessão de atos vai gerando situações jurídicas das quais brotam as chances que bem aproveitadas permitem que a parte se liberte de cargas probatórias e caminhe em direção favorável Não aproveitando as chances não há a liberação de cargas surgindo a perspectiva de uma sentença desfavorável O processo enquanto situação em movimento dá origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas Do aproveitamento ou não dessas chances surgem ônus ou bônus As expectativas de uma sentença favorável irão depender normalmente da prática com êxito de um ato processual anterior realizado pela parte interessada liberação de cargas Como explica o autor17 se entiende por derechos procesales las expectativas posibilidades y liberaciones de una carga procesal Existen paralelamente a los derechos materiales es decir a los derechos facultativos potestativos y permisivos Las llamadas expectativas son esperanzas de obtener futuras ventajas procesales sin necesidad de acto alguno propio y se presentan rara vez en el desenvolvimiento normal del proceso pueden servir de ejemplo de ellas la del demandado de que se desestime la demanda que padezca de defectos procesales o no esté debidamente fundada As posibilidades surgem de uma chance são consideradas como la situación que permite obtener una ventaja procesal por la ejecución de un acto procesal18 Como esclarece ARAGONESES ALONSO19 a expectativa de uma vantagem processual e em última análise de uma sentença favorável à dispensa de uma carga processual e a possibilidade de chegar a tal situação pela realização de um ato processual constituem os direitos em sentido processual da palavra Na verdade não seriam direitos propriamente ditos senão situações que poderiam denominarse com a palavra francesa chances20 Diante de uma chance a parte pode liberarse de uma carga processual e caminhar em direção a uma sentença favorável expectativa ou não se liberar e com isso aumentar a possibilidade de uma sentença desfavorável perspectiva Assim sempre que as partes estiverem em situação de obter por meio de um ato uma vantagem processual e em última análise uma sentença favorável têm uma possibilidade ou chance processual O produzir uma prova refutar uma alegação juntar um documento no devido momento são típicos casos de aproveitamento de chances Tampouco incumbem às partes obrigações mas sim cargas processuais entendidas como a realização de atos com a finalidade de prevenir um prejuízo processual e consequentemente uma sentença desfavorável Tais atos se traduzem essencialmente na prova de suas afirmações É importante recordar que no processo penal a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória denúncia ou queixa mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência Infelizmente diuturnamente nos deparamos com sentenças e acórdãos fazendo uma absurda distribuição de cargas no processo penal tratando a questão da mesma forma que no processo civil Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na falta de provas da tese defensiva como se o réu tivesse que provar sua versão de negativa de autoria ou da presença de uma excludente É um erro Não existe uma distribuição senão que a carga probatória está inteiramente nas mãos do Ministério Público O que sim podemos conceber indo além da noção inicial de situação jurídica é uma assunção de riscos Significa dizer que à luz da epistemologia da incerteza que marca a atividade processual e o fato de a sentença ser um ato de convencimento como explicaremos a seu tempo a não produção de elementos de convicção para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu acabe potencializando o risco de uma sentença desfavorável Não há uma carga para a defesa mas sim um risco Logo coexistem as noções de carga para o acusador e risco para a defesa Carga é um conceito vinculado à noção de unilateralidade logo não passível de distribuição mas sim de atribuição No processo penal a atribuição da carga probatória está nas mãos do acusador não havendo carga para a defesa e tampouco possibilidade de o juiz auxiliar o MP a liberarse dela recusa ao ativismo judicial A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória Assim quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance logo assunção do risco de uma sentença desfavorável Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio calcado no nemo tenetur se detegere Não gera um prejuízo processual pois não existe uma carga Contudo potencializa o risco de uma sentença condenatória Isso é inegável Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um prejuízo imediato e tampouco possui um dever de liberação A questão deslocase para a dimensão da assunção do risco pela perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz O réu que cala assume o risco decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da veracidade de sua tese Mas voltando à concepção goldschmidtiana a obrigação processual carga é tida como um imperativo do próprio interesse da parte diante da qual não há um direito do adversário ou do Estado Por isso é que não se trata de um dever O adversário não deseja outra coisa senão que a parte se desincumba de sua obrigação de fundamentar provar etc Com efeito há uma relação estreita entre as obrigações processuais e as possibilidades direitos processuais da mesma parte uma vez que cada possibilidade impõe à parte a obrigação de aproveitar a possibilidade com o objetivo de prevenir sua perda21 A liberação de uma carga processual pode decorrer tanto de um agir positivo praticando um ato que lhe é possibilitado como também de um não atuar sempre que se encontre numa situação que le permite abstenerse de realizar algún acto procesal sin temor de que le sobrevenga el perjuicio que suele ser inherente a tal conducta22 Já a perspectiva de uma sentença desfavorável irá depender sempre da não realização de um ato processual em que a lei imponha um prejuízo pela inércia A justificativa encontrase no princípio dispositivo A não liberação de uma carga acusação leva à perspectiva de um prejuízo processual sobretudo de uma sentença desfavorável e depende sempre que o acusador não tenha se desincumbido de sua carga processual23 Na síntese de ARAGONESES ALONSO24 al ser expectativas o perspectivas de un fallo judicial futuro basadas en las normas legales representan más bien situaciones jurídicas lo que quiere decir estado de una persona desde el punto de vista de la sentencia judicial que se espera con arreglo a las normas jurídicas Assim o processo deve ser entendido como o conjunto dessas situações processuais e concebido como um complexo de promessas e ameaças cuja realização depende da verificação ou omissão de um ato da parte25 Outra categoria muito importante na estrutura teórica do autor é a de derecho justicial material Nessa visão o Direito Penal é um Derecho Justicial Material posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à Justiça Mas principalmente as normas que integram o derecho justicial são medidas para o juízo do juiz regras de julgamento e condução do processo gerando para as partes o caráter de promessas ou de ameaças de determinada conduta do juiz Os conceitos de promessas ou de ameaças devem ser vistos numa lógica de ônus e bônus logo promessas de benefícios sentença favorável etc diante de determinada atuação ou ainda ameaças de prejuízos processuais pela não liberação de uma carga por exemplo Essa rápida exposição do pensamento de GOLDSCHMIDT serve para mostrar que o processo assim como a guerra está envolto por uma nuvem de incerteza A expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença desfavorável está sempre pendente do aproveitamento das chances e liberação da carga Em nenhum momento temse a certeza de que a sentença será procedente A acusação e a defesa podem ser verdadeiras ou não uma testemunha pode ou não dizer a verdade assim como a decisão pode ser acertada ou não justa ou injusta o que evidencia sobremaneira o risco no processo O mundo do processo é o mundo da instabilidade de modo que não há que se falar em juízos de segurança certeza e estabilidade quando se está tratando com o mundo da realidade o qual possui riscos que lhe são inerentes É evidente que não existe certeza segurança nem mesmo após o trânsito em julgado pois a coisa julgada é uma construção técnica do direito que nem sempre encontra abrigo na realidade algo assim como a matemática na visão de EINSTEIN26 É necessário destacar que o direito material é um mundo de entes irreais uma vez que é construído à semelhança da matemática pura enquanto o mundo do processo como anteriormente mencionado identificase com o mundo das realidades concretização pelo qual há um enfrentamento da ordem judicial com a ordem legal A dinâmica do processo transforma a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Para GOLDSCHMIDT27 a incerteza é consubstancial às relações processuais posto que a sentença judicial nunca se pode prever com segurança A incerteza processual justificase na medida em que coexiste em iguais condições a possibilidade de o juiz proferir uma sentença justa ou injusta Não se pode supor o direito como existente enfoque material mas sim comprovar se o direito existe ou não no fim do processo Justamente por isso é que se afirma que o processo é incerto inseguro A visão do processo como guerra evidencia a realidade de que vence alcança a sentença favorável aquele que lutar melhor que melhor souber aproveitar as chances para libertarse de cargas processuais ou diminuir os riscos Entretanto não há como prever com segurança a decisão do juiz E esse é o ponto crucial aonde queríamos chegar demonstrar que a incerteza é característica do processo considerando que o seu âmbito de atuação é a realidade 4 Quando Calamandrei Deixa de Ser o Crítico e Rende Homenagens a Un Maestro di Liberalismo Processuale O Risco Deve Ser Assumido A Luta Pelas Regras do Jogo É importante destacar que GOLDSCHMIDT sofreu duras e injustas críticas até porque muitos não compreenderam o alcance de sua obra Parte dos ataques deve ser atribuída ao momento político vivido e à ilusão de direitos que BÜLOW acenava contrastando com a dura realidade espelhada por GOLDSCHMIDT que chegou a ser rotulado de teórico do nazismo Uma imensa injustiça repetida até nossos dias por pessoas que conhecem pouco a obra do autor e desconhecem completamente o autor da obra28 Inclusive é interessante como a história demonstrou que as 3 principais críticas estamos sintetizando é claro29 feitas a essa concepção acabaram se transformando em demonstrações de acerto e da genialidade do autor Vejamos as críticas principalmente de CALAMANDREI 1 A de que a teoria da situação jurídica estava estruturada em categorias de caráter sociológico expectativas perspectivas chances etc GOLDSCHMIDT refutou apontando que o Direito Civil sempre trabalhou com o conceito de expectativa de direito conhecido e reconhecido há muito tempo E seguiu mostrando que tais concepções eram pouco sociológicas Há que se compreender à luz da racionalidade da época Hoje a discussão estaria noutra dimensão sem medo de assumir o caráter sociológico e demonstrar sua absoluta necessidade E assim a crítica se revelou infundada na medida em que atualmente a complexidade que marca as sociedades contemporâneas evidenciou a falência do monólogo científico especialmente o jurídico Ou seja a complexidade social exige um olhar interdisciplinar que transcenda as categorias fechadas como as tradicionalmente concebidas no direito para colocar os diferentes campos do saber para dialogar em igualdade de condições e assim construir uma nova linguagem Ou seja GOLDSCHMIDT já percebia a insuficiência do monólogo jurídico e a necessidade de uma abertura dialogando com a sociologia para com ela construir uma nova linguagem que desse conta da complexa fenomenologia do processo Logo um grande acerto que por ser além do seu tempo não foi compreendido Hoje atualíssimo 2 A segunda crítica foi a de que ele estava rompendo com a unidade processual CALAMANDREI afirmou que essa concepção não era conveniente nem científica nem didaticamente e que a visão do autor fazia com que o processo parecesse não mais uma unidade relação jurídica mas uma sucessão de situações distintas GOLDSCHMIDT respondeu afirmando que a unidade do processo é garantida por seu objeto e que na relação jurídica a unidade maior é só em aparência É o objeto a pretensão processual acusatória que explicaremos na continuação que mantém a unidade pois tudo a ele converge Toda a atividade processual recai sobre um objeto comum fazendo com que para nós a unidade seja mantida por imantação Mais do que isso recorremos novamente ao conceito de complexidade para demonstrar que a tal unidade processual remonta um pensamento cartesiano que não compreende a abertura e uma dose de superação do binômio abertofechado Logo novo acerto pela superação do sistema simples e unitário 3 Por fim foi criticado por ter uma concepção anormal ou patológica do processo Ora esse foi sem dúvida o maior acerto do autor ao lado da dinâmica da situação jurídica Ele já em 1925 incorporou no processo a epistemologia da incerteza influenciado quem sabe30 pelos estudos de EINSTEIN em torno da relatividade 1905 e 1916 e do quanta Infelizmente ainda está por ser escrito um trabalho que investigue a influência einsteiniana nos grandes juristas da época Mas GOLDSCHMIDT estava certo tão certo que CALAMANDREI retifica sua posição e críticas para assumir a noção de processo como jogo O que o jurista alemão estava desvelando é que a incerteza é constitutiva do processo e nunca se pode prever com segurança a sentença judicial Alguém duvida disso Elementar que não Como assumiu anos mais tarde CALAMANDREI para obterse justiça não basta ter razão senão que é necessário fazêla valer no processo utilizando todas as armas manobras e técnicas obviamente lícitas e éticas para isso Assim no plano jurídicoprocessual CALAMANDREI foi um opositor à altura Inclusive as três críticas anteriormente analisadas foram pontos focados no sugestivo artigo El proceso como situación jurídica de onde outros tantos aderiram Contudo após as críticas iniciais todas refutadas CALAMANDREI perfilouse ao lado de GOLDSCHMIDT no célebre trabalho Il Processo Come Giuoco31 Posteriormente escreveu Un Maestro di Liberalismo Processuale32 em sua homenagem Podem até dizer que não se tratava de uma plena concordância é verdade mas sim de uma radical mudança de crítico visceral a pequenas divergências periféricas com as homenagens pelo reconhecimento do acerto substancial Na sua visão do processo como um jogo CALAMANDREI explica que as partes devem em primeiro lugar conhecer as regras do jogo Logo devem observar como funcionam na prática eis que a atividade processual trabalha com a realidade Além disso é preciso experimentar como se entendem e como as respeitam os homens que devem observálas contra que resistências correm risco de se enfrentar e com que reações ou com que tentativas de ilusão têm que contar33 Entretanto para se obter justiça não basta tão somente ter razão O triunfo do processo depende outrossim de sabêla expor encontrar quem a entenda e a queira dar e por último um devedor que possa pagar34 Nesse jogo o sujeito processual ou o ator como denomina o próprio CALAMANDREI movimenta se a fim de obter uma sentença que acolha seu direito muito embora o resultado procedência não dependa unicamente de sua demanda considerando que nesse contexto inserese a figura do juiz Assim o reconhecimento do direito do ator depende necessariamente da busca constante da convicção do julgador fazendoo entender a demanda Ou nas palavras de CALAMANDREI35 O êxito depende por conseguinte da interferência destas psicologias individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo demandante consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na consciência do julgador Contudo o árbitro juiz não é livre para dar razão a quem lhe dê vontade pois se encontra atrelado à pequena história retratada pela prova contida nos autos Logo está obrigado a dar razão àquele que melhor consiga através da utilização de meios técnicos apropriados convencêlo Por conseguinte as habilidades técnicas são cruciais para fazer valer o direito considerando sempre o risco inerente à atividade processual Afortunada coincidência é a que se verifica quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso Entretanto quando não há tal coincidência o processo de instrumento de justiça criado para dar razão ao mais justo passe a ser um instrumento de habilidade técnica criado para dar vitória ao mais astuto36 A sentença na visão de CALAMANDREI deriva da soma de esforços contrastantes ou seja das ações e das omissões das astúcias ou dos descuidos dos movimentos acertados e das equivocações considerando que o processo nesse ínterim vem a ser nada mais que um jogo no qual há que vencer37 Elementar que afirmações assim lidas apressadamente e de forma superficial podem causar algum choque Mas destaquese não estamos criando nada e tampouco se trata de questões novas Se pudéssemos sintetizar advertindo sobre o risco e o dano da síntese os dois pontos mais importantes do pensamento de GOLDSCHMIDT para o processo destacaríamos 1 O conceito aplicado de fluidez movimento dinâmica no processo que incorpora a concepção de situações jurídicas complexas Essa alternância de movimentos inerente ao processo é um genial contraste e evolução quando comparado com a inércia da relação jurídica Foi ele quem melhor percebeu e explicou através da sua teoria a essência do procedere que imprime a marca do processo judicial 2 O abandono da equivocada e perigosamente sedutora ideia de segurança jurídica que brota da construção do processo como relação jurídica estática com direitos e deveres claramente estabelecidos entre as partes e o juiz É um erro pois o processo se move num mundo de incerteza Mais é uma noção de segurança construída erroneamente a partir da concepção estática do processo Não que se negue a necessidade de segurança mas ela somente é possível quando corretamente percebido e compreendido o próprio risco Segurança se desenha a partir do risco e principalmente do risco que brota da própria incerteza do movimento e da dinâmica do processo É segurança na incerteza e no movimento Logo o que nos sobra é lutar pela forma ou seja um conceito de segurança que se estabeleça a partir do respeito às regras do jogo Essa é a segurança que se deve postular e construir Detalhe importante obviamente não foi GOLDSCHMIDT quem criou a insegurança e a incerteza38 mas sim quem as desvelou Elas lá sempre estiveram39 pois são inerentes ao processo e à justiça Houve sim um encobrimento na teoria de BÜLOW da incerteza a partir de todo um contexto histórico processual e social Era uma visão muito sedutora principalmente naquele momento histórico Mas a razão está com GOLDSCHMIDT o processo se move no mundo de incerteza onde as chances devem ser aproveitadas para que as partes possam se liberar das cargas probatórias e caminhar em direção a uma sentença favorável A única segurança que se postula é a da estrita observância das regras do jogo a forma como garantia e mais anterior a ela no conteúdo axiológico da própria regra O maior mérito do autor infelizmente ainda a ser reconhecido foi ter evidenciado o fracasso da unidade epistemológica do direito processual com a inserção de categorias sociológicas expectativas perspectivas chances a epistemologia da incerteza e a imprevisibilidade do processo a noção de fluidez dinâmica e movimento e ter denunciado o fracasso da teoria geral do processo o erro da transmissão mecânica de categorias Por fim ao incorporar o risco muito antes de BECK GIDDENS e todos os sociólogos do risco evidencia a falácia da noção tradicional de segurança jurídica fomentada pela inércia da relação jurídica de BÜLOW É interessante como a tradição resiste ao novo principalmente quando é desorganizador da ilusória tranquilidade do status quo Se compararmos com a receptividade até nossos dias da concepção de BÜLOW veremos que foi quantitativamente bem superior do que a aceitação da revolucionária tese de GOLDSCHMIDT Possivelmente entre outros fatores porque foi pouco compreendida sua complexa noção de processo Contudo como muito bem define GIMENO SENDRA40 a crítica que realizou GOLDSCHMIDT à relação jurídica processual foi tão sólida que seus defensores atuais foram obrigados a adotar uma dessas três posições 1 pretender defender a conciliação da teoria da relação jurídica com a da situação jurídica41 2 estender o conceito de relação jurídica a limites inimagináveis e insustentáveis como são as tentativas de darlhe dinamicidade fluidez e complexidade 3 esvaziar o conteúdo da relação jurídica substituindo os direitos e obrigações processuais pelas categorias goldschmidtianas de possibilidades e cargas e às vezes até de expectativas chances processuais etc o que significa esvaziar completamente o núcleo fundante da tese de Bülow Em todos os casos devese ter muita atenção pois estamos diante de um autor e posições teóricas que para tentar salvar a relação jurídica não fazem mais que matála Tudo para manter a tradição e pseudossegurança de conceitos ou ainda por força da lei do menor esforço É chegada ou já passada a hora de compreender e assumir a incerteza característica do processo A balança oscila tanto pende igualmente para um lado como para outro Está lançada a sorte Se retomando EINSTEIN até Deus joga dados com o universo seria muita arrogância senão alienação pensar que no processo seria diferente Seria como dizer a concepção de universo em constante mutação incorpora como elemento fundamental o princípio da incerteza mas isso só se aplica ao universo não ao direito processual Sabese que EINSTEIN falhou42 ao não considerar o princípio da incerteza na Teoria da Relatividade Geral pois o universo pode ser imaginado como um gigantesco cassino43 com dados sendo lançados e roletas girando por todos os lados e em todos os momentos O detalhe fundamental é que os donos de cassinos não abrem as portas para perder dinheiro pois eles sabem que quando se lida com um grande número de apostas a média dos ganhos e perdas atinge um resultado que pode ser previsto E eles se certificam de que a média das vantagens esteja a favor deles obviamente O crucial é que se a média de um grande número de movimentos pode ser prevista o resultado de qualquer aposta individual não Esse é o ponto Logo no processo a situação é igual Na média podese afirmar que a justiça e o acerto dos resultados estão presentes Ou seja como existem muitos milhares de lançamentos de dados diariamente distribuição tramitação e julgamento podese prever que a média será de acerto das decisões senão a justiça como os donos de cassino não teria funcionado por tantos séculos mas o resultado concreto de um determinado processo aposta individual na roleta é completamente incerto e imprevisível Essa é uma equação que precisa ser compreendida principalmente pelos ingênuos apostadores Somente a partir da compreensão dessas categorias podemos construir um sistema de garantias sem negar o risco para o réu no processo penal deixando de lado as ilusões de segurança e principalmente abandonando a ingênua crença na bondade dos bons44 Essa crença infantil de que o processo e o juiz são capazes de revelar a verdade e que a justiça para quem será efetivamente feita impede a percepção do que está realmente por de trás daquele ritual il giuoco Mas o mais grave impede que se duvide da bondade do juiz do promotor e do próprio ritual e que se questione a própria legitimidade do poder Tanto no jogo como na guerra importam a estratégia e o bom manuseio das armas disponíveis Mas acima de tudo são atividades de alto risco envoltas na nuvem de incerteza Não há como prever com segurança quem sairá vitorioso Assim deve ser visto o processo uma situação jurídica dinâmica inserida na lógica do risco e do giuoco Reina a mais absoluta incerteza até o final A luta passa a ser pelo respeito às regras do devido processo e obviamente antes disso por regras que realmente estejam conforme os valores constitucionais A assunção desses fatores é fundamental para compreender a importância do estrito cumprimento das regras do jogo ou seja das regras do due process of law Tratase de lutar por um sistema de garantias mínimas Não é querer resgatar a ilusão de segurança mas sim assumir os riscos e definir uma pauta mínima de garantias formais das quais não podemos abrir mão Tratase de reconstruir a noção de segurança garantia a partir da assunção do risco ou seja perceber que a garantia somente se constitui a partir da assunção da falta de É partir da premissa de que a garantia está na forma do instrumento jurídico e que no processo penal adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo Não se trata de mero apego incondicional à forma senão de considerála como uma garantia do cidadão e fator legitimante da pena ao final aplicada Mas é importante destacar não basta apenas definir as regras do jogo Não é qualquer regra que nos serve pois como sintetiza JACINTO COUTINHO45 devemos ir para além delas regras do jogo definindo contra quem se está jogando e qual o conteúdo ético e axiológico do próprio jogo Nossa análise situase nesse desvelar do conteúdo ético e axiológico do jogo e de suas regras indo muito além do mero paleopositivismo Em definitivo é importante compreender que repressão e garantias processuais não se excluem senão que coexistem Radicalismos à parte devemos incluir nessa temática a noção de simultaneidade em que o sistema penal tenha poder persecutóriopunitivo e ao mesmo tempo esteja limitado por uma esfera de garantias processuais e individuais Mesma simultaneidade necessária para pensarse a garantia processual sem negar o risco Coexistência e simultaneidade de conceitos são imperativos da complexidade que nos conduzem inclusive a trabalhar no entrelugar no entreconceito Considerando que risco violência e insegurança sempre existirão é sempre melhor risco com garantias processuais do que risco com autoritarismo A segurança jurídica só pode ser concebida a partir da assunção da insegurança do risco e da imprevisibilidade Não se constrói um conceito que dê conta ainda que minimamente pois a plenitude é ideal sem a consciência da sua falta pois a falta é constitutiva Logo segurança jurídica se constrói a partir da assunção da insegurança do desvelamento do risco e da incerteza sem deixar de lado a subjetividade que os recepciona e por eles é constituído Em última análise pensamos desde uma perspectiva de redução de danos na qual os princípios constitucionais não significam proteção total até porque a falta ensina LACAN é constitutiva e sempre lá estará sob pena de incidirmos na errônea crença na tradicional segurança Tratase assim de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente do exercício abusivo ou não do poder Uma verdadeira política processual de redução de danos pois repitase o dano como a falta sempre lá estará Para que isso seja possível é preciso abandonar a ilusão de segurança da teoria do processo como relação jurídica para assumilo na sua complexa e dinâmica situação jurídica desvelando suas incertezas e perigos 5 Processo como Procedimento em Contraditório o contributo de Elio Fazzalari Estruturada pelo italiano Elio FAZZALARI 19242010 a teoria do processo como procedimento em contraditório pode ser considerada como uma continuidade dos estudos de James GOLDSCHMIDT processo como situação jurídica ainda que isso não seja assumido pelo autor nem pela maioria dos seus seguidores mas é notória a influência do professor alemão Basta atentar para as categorias de posições subjetivas direitos e obrigações probatórias que se desenvolvem em uma dinâmica através do conjunto de situações jurídicas nascidas do procedere e que geram uma posição de vantagem proeminência em relação ao objeto do processo etc para verificar que as categorias de situação jurídica chances aproveitamento de chances liberação de cargas processuais expectativas e perspectivas de GOLDSCHMIDT foram internalizadas conceitualmente por FAZZALARI que também é um crítico da teoria de BÜLOW cuja teoria rotula de vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale46 ou seja um velho e inadequado clichê pandetístico A perspectiva tradicional da relação jurídica traz uma série de problemas tão bem denunciados por GOLDSCHMIDT e após por FAZZALARI entre eles está o de conceber o processo como um conjunto de atos preordenados desenvolvidos sob a presidência de um juiz até a sentença O procedimento ou rito fica reduzido ao mero conceito de caminho de concatenação burocrática de atos sob uma perspectiva meramente formal O senso comum teórico pouca atenção deu ao conteúdo e menos ainda à axiologia desse procedere Não sem razão explodiu a teoria das nulidades pois ao despir os atos procedimentais de seu real valor alcance e significado acabou relativizando tudo em nome da instrumentalidade47 das formas A forma reduzida a mero instrumento para atingir a sentença Esse isolamento formal retirou o valor da tipicidade processual da forma enquanto garantia limite de poder que tanto nos preocupamos em resgatar ao trabalhar a Teoria das Invalidades nulidades Processuais O processo visto como procedimento em contraditório supera essa visão formalistaburocrática do procedimento até então reinante Resgata a importância do estrito respeito às regras do jogo especialmente do contraditório elegido a princípio supremo O procedimento se legitima através do contraditório e deixa de ser uma mera concatenação de atos formalmente estruturados para tomar uma nova dimensão O núcleo fundante do pensamento de FAZZALARI está na ênfase que ele atribui ao contraditório com importante papel na democratização do processo penal na medida em que desloca o núcleo imantador não mais a jurisdição mas o efetivo contraditório entre as partes A sentença provimento final deve ser construída em contraditório e por ele legitimada Não mais concebida como simples ato de poder e dever a decisão deve brotar do contraditório real da efetiva e igualitária participação das partes no processo Isso fortalece a situação das partes especialmente do sujeito passivo no caso do processo penal O contraditório na concepção do autor deve ser visto em duas dimensões no primeiro momento é o direito à informação conhecimento no segundo é a efetiva e igualitária participação das partes É a igualdade de armas de oportunidades Existem outros tipos de processo como o legislativo o tributário e o administrativo que nem sempre são realizados em contraditório Mas procedimento só existe em contraditório entre os interessados ou seja as partes no processo jurisdicional É uma teoria que cria condições de possibilidade para uma maior eficácia dos direitos e garantias fundamentais no processo penal alinhada com a busca pela democratização do processo penal na medida em que maximiza a importância das partes especialmente do indivíduoréu e o necessário tratamento igualitário O contraditório visto como a imposição de igualdade de tratamento e de oportunidades bem como de efetiva participação em todos os atos do procedimento conduz a um processo penal mais democrático e constitucional Neste ponto o pensamento do autor é de grande valia para a evolução do processo penal rumo à plena eficácia do sistema acusatório A concepção de FAZZALARI é publicística e reforça a unidade do processo Vislumbramos um grande valor na concepção de que o procedimento e todos os atos que o integram unidos pelo contraditório constante se desenvolve sempre mirando o provimento final Como explica Aroldo PLINIO GONÇALVES o excelente professor mineiro foi um dos pioneiros no estudo de Fazzalari no Brasil a atividade preparatória do provimento é o procedimento que normalmente chega a seu termo final com a edição do ato por ele preparado por isso esse mesmo ato de caráter imperativo geralmente é a conclusão do procedimento o seu ato final48 Para FAZZALARI49 os atos do procedimento são pressupostos para o provimento final sentença ao qual são chamados a participar os interessados as partes em contraditório A essência do processo está nisto é um procedimento do qual além do autor do ato final juiz participam em contraditório entre si os interessados ou seja as partes que são os destinatários dos efeitos da sentença O professor italiano ainda faz um interessante deslocamento de conceitos invertendo a relação processoprocedimento ao afirmar que da soggiungere che la enucleazione del processo dal genere procedimento consente di comprendere e valutare appieno quel principio costituzionale mortificato nello schema del mero procedimento50 Ou seja sustenta a superação do mero procedimentalismo para identificar o processo como espécie do gênero procedimento o que permite valorar plenamente o princípio constitucional do contraditório É o contraditório efetivo que legitima o processo e o provimento final operandose um deslocamento muito importante em relação ao mero procedimentalismo ou instrumentalismo tradicional bem como uma evolução da maior significância em relação à estrutura piramidal de BÜLOW centrada na figura do juiz Outra contribuição digna de nota feita por FAZZALARI está na revaloração da jurisdição na estrutura processual O juiz51 que apesar de sujeito processual não é parte não assume uma função de contraditor mas de garantidor do contraditório É responsável pela regularidade na produção dos significantes probatórios e não da prova recusa ao juizator ao ativismo judicial Adoção desta postura representa uma recusa à supremacia do poder na concepção de jurisdição No senso comum teórico é disseminada a visão de jurisdição como poderdever conduzindo à deisificação do poder jurisdicional e ao ativismo judicial Na superada visão inquisitória o juiz deveria ter pleno protagonismo no processo podendo prender de ofício ou mesmo ter inciativa probatória tudo em nome da mitológica verdade real Infelizmente essa é a realidade e a matriz do atual Código de Processo Penal brasileiro reforçando a importância da abertura constitucional que proporciona a visão de FAZZALARI O juiz não é mais visto como o responsável pela limpeza social que tudo pode e em torno do qual tudo orbita O giro se dá na medida em que FAZZALARI coloca como núcleo imantador e conceitual o contraditório que reforça automaticamente a posição das partes Sendo o processo um procedimento em contraditório o protagonismo não é judicial mas das partes interessadas Ao juiz se lhe reserva um papel de garantidor da eficácia do contraditório e não de contraditor como juizator como juiz inquisidor É uma mudança total de paradigmas Como explica PLINIO GONÇALVES52 há processo sempre onde houver o procedimento realizandose em contraditório entre os interessados e a essência deste está na simétrica paridade da participação nos atos que preparam o provimento daqueles que nele são interessados porque como seus destinatários sofrerão seus efeitos O contraditório núcleo da concepção fazzalariana se exterioriza em dois momentos informazione e reazione Às partes são assegurados em igualdade de tratamento o direito à informação a saber o que está acontecendo e se desenvolvendo no processo Com o conhecimento a acessabilidade dos atos documentos provas enfim tudo o que ingressar e se produzir no procedimento criamse as condições de exercício das posições jurídicas as mesmas situações jurídicas que geram expectativas ou perspectivas no pensamento de Goldschmidt em face das normas processuais A reazione não é uma obrigação processual ou carga no léxico goldschmidtiano mas uma faculdade uma oportunidade de movimento processual em seu benefício É a igualdade de armas de reação de atuação processual Brota da igualdade de tratamento que gera igualdade de oportunidades probatórias Inclusive apenas para demonstrar a relevância desta concepção do contraditório em FAZZALARI é que afirmamos a existência de contraditório no inquérito policial restrito ao primeiro momento qual seja da informazione Inviável o pleno contraditório por restrições na dimensão da reazione mas isso não impede que se afirme que na investigação preliminar existe contraditório no seu primeiro momento Entre as várias contribuições que podemos extrair do pensamento de FAZZALARI para a construção de um processo penal democrático está a relevância que o autor confere ao vínculo que une os diferentes atos desenvolvidos ao longo do procedimento Como explica o autor cada norma que concorre para constituir a sequência que estrutura o procedimento descreve uma certa conduta e qualifica como direito ou como obrigação A estrutura do procedimento é dada por uma série de normas que o regulam até o ato final o provimento final sentença mas que exigem como pressuposto de aplicação o cumprimento de uma atividade regulada por uma outra norma da série ato antecedente O procedimento é uma sequência de atos que estão previstos e valorados pelas normas Mas é importante compreender que o procedimento não é uma atividade que se esgota se realiza em um único ato senão que exige toda uma série de atos e de normas que os disciplinam conexamente vinculadas que definem a sequência do seu desenvolvimento E aqui está um ponto crucial para estruturar um sistema democrático e constitucional de nulidades processuais e repensar o princípio da contaminação cada um dos atos está ligado ao outro como consequência do ato que o precede e pressuposto daquele que o sucede Os atos processuais miram o provimento final e estão interrelacionados de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente E da validade de todos eles depende a sentença Logo ainda que o efeito jurídico decorra do provimento final que é resultado do procedimento esse provimento final somente será considerado válido se for precedido de uma sequência de atos válidos vuol dire piuttosto che tale atto non è da considerarsi valido e che lefficacia per avventura svolta può essere paralizzata se e quando ad esso non si sai pervenuti attraverso la sequenza di atti determinati dalla legge53 Concluindo entendemos que o pensamento de FAZZALARI é da maior relevância para a construção de um processo penal democrático na medida em que reforça a necessidade de estrito respeito às regras do jogo e fortalece as partes relegando a jurisdição a um segundo plano Contudo sozinho não dá conta de explicar a complexa fenomenologia do processo penal pois FAZZALARI é um processualista civil e desde esse lugar estrutura sua teoria com ambição de também dar conta da complexidade do processo penal Esse é o maior equívoco da construção É um grande autor mas não conseguiu superar a genialidade de James GOLDSCHMIDT incorrendo ainda no grave erro da teoria geral do processo O melhor caminho pensamos é compreender o fenômeno do processo penal desde uma perspectiva de situação jurídica desde GOLDSCHMIDT conscientes da epistemologia da incerteza da complexa dinâmica procedimental das categorias de chances expectativas e perspectivas Assumir os riscos e caminhar no sentido do fortalecimento das regras do jogo Neste ponto entra FAZZALARI como um contributo à tese de GOLDSCHMIDT inserindo a noção de procedimento em contraditório enfatizando a importância do contraditório pleno até a construção em contraditório do provimento final reforçando a importância dos atos procedimentais forma e vínculo entre os atos para a reconstrução da teoria das nulidades Significa dizer que a tese de FAZZALARI sozinha não dá conta do objeto processo penal mas tem muito a contribuir para sua democratização e evolução É possível conciliar os conceitos de processo como situação jurídica e processo como procedimento em contraditório com os devidos ajustes chegando assim ao nível necessário de eficácia constitucional das regras do jogo 1 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal introducción 2 ed Madrid Edersa 1997 p 199 e ss 2 As teorias mistas pretendem compatibilizar e conciliar principalmente as teorias da relação de Bülow e da situação jurídica de Goldschmidt 3 Posteriormente BÜLOW voltou ao tema perfeccionando sua teoria frente às críticas que sucederam sua primeira exposição mas manteve a linha básica Segundo CHIOVENDA Güiseppe La Acción en el Sistema de los Derechos Trad Santiago Sentís Melendo Bogotá Temis 1986 p 41 em maio de 1903 na obra Klage und Urteil BÜLOW volta ao tema para rechaçar as críticas de WACH sobre a ação e entre outros pontos aceita a teoria da ação como direito potestativo defendida por CHIOVENDA 4 BETTIOL Guiseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal Trad Faustino GutiérrezAlviz y Conradi Barcelona Bosh 1976 p 243 5 Sem embargo como destaca ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto Proceso Autocomposición y Autodefensa México 1947 p 118119 la concepción del proceso como relación jurídica es genuinamente alemana alemanes son HEGEL que la vislumbra BETHMANNHOLLWEG que la sustenta y OSKAR BÜLOW que en 1868 publica en Giessen su célebre monografía Ademais segue o autor foram os alemães quem a adaptaram aos distintos ramos do processo e também quem mais duramente a combateram chegando a propor sua substituição através de J GOLDSCHMIDT Nada menos que 35 anos depois do livro de BÜLOW e 18 depois do Handbuch de WACH CHIOVENDA lê em Bolonha sua lição inaugural sobre Lazione Tal esclarecimento está justificado frente a alguns equívocos doutrinários como o cometido por JIMENEZ ASENJO Enrique Derecho Procesal Penal Madrid Revista de Derecho Privado s d v 1 p 68 que depois de analisar as posições de HELLWIG KOHLER e J GOLDSCHMIDT afirma que finalmente CHIOVENDA con la opinión dominante estima una relación trilateral entre demandante demandado y el tribunal esquecendose por completo da doutrina alemã que já a havia concebido com anterioridade 6 Proceso y Derecho Procesal p 206 7 Tratando dos antecedentes históricos nos juristas medievais italianos Niceto AlcaláZamora e Aragoneses Alonso afirmam que Búlgaro era de Sassoferrato lição que confiamos e acolhemos Contudo não se desconhece haver autores que afirmam que Búlgaro era de Bolonha Fica a advertência 8 La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad Miguel Angel Rosas Lichtschein do original de 1868 Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1964 p 2 ss 9 Sem rechaçar sua importância mas tampouco concordando com a teoria MANZINI entende como concepto nebuloso y de expresión exótica la de presupuestos procesales MANZINI Vincenzo Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 5 t v 1 p 117 Tal conceito dos pressupostos processuais também foi duramente atacado por GOLDSCHMIDT 10 No seu Manual de Derecho Procesal Civil v 1 11 Sem embargo no processo penal WACH nega a existência de partes por considerar o acusado um meio de prova e não sujeito da relação jurídicoprocessual Infelizmente algumas vezes ocorre que um excelente processualista civil quando incursiona pelo processo penal não o faz com similar brilho A negação de WACH é um inegável reflexo do verbo totalitário no processo penal 12 Para quem o processo no puede ser una relación jurídica sino que genera una red por no decir una maraña de relaciones jurídicas e por isso deve ser concebido como um complejo de relaciones jurídicas Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal p 243 e ss 13 Ao contrário de CARNELUTTI vislumbra uma única relação jurídica mas complexa 14 Desenvolvida na obra La Teoría de las Excepciones Dilatórias y los Presupuestos Procesales publicada original em alemão em 1868 15 Para compreensão da temática consultamos as seguintes obras de James Goldschmidt Derecho Procesal Civil Principios Generales del Proceso Derecho Justicial Material Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal e a recente tradução brasileira Princípios Gerais do Processo Civil Destaquese ainda a magistral análise feita por Pedro Aragoneses Alonso na obra Proceso y Derecho Procesal p 235 e ss especialmente no que se refere à crítica feita por Piero Calamandrei e à resposta de Goldschmidt que levou o processualista italiano a nos últimos anos de vida retificar sua posição e admitir o acerto da teoria do processo como situação jurídica 16 Princípios Gerais do Processo Civil p 49 17 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 194 e ss 18 Derecho Procesal Civil cit p 195 19 Proceso y Derecho Procesal cit p 241 20 1 Maneira favorável ou desfavorável segundo a qual um acontecimento se produz álea acaso potência que preside o sucesso ou insucesso dentro de uma circunstância fortuna sorte 2 Possibilidade de se produzir por acaso eventualidade probabilidade 3 Acaso feliz sorte favorável felicidade fortuna Na definição do dicionário Le Petit Robert Paris Dictionnaires Le Robert 2000 p 383 tradução nossa 21 Princípios Gerais do Processo Civil p 66 22 Idem ibidem 23 Idem p 68 24 Proceso y Derecho Procesal cit p 241 25 Princípios Gerais do Processo Civil p 57 26 Ensina EINSTEIN Vida e Pensamento São Paulo Martin Claret 2002 p 6668 que o princípio criador reside na matemática a sua certeza é absoluta enquanto se trata de matemática abstrata mas diminui na razão direta de sua concretização as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e enquanto certas não se relacionam com a realidade 27 Princípios Gerais do Processo Civil p 50 28 A família GOLDSCHMIDT fez história no Direito e suas obras são de leitura imprescindível para quem queira estudar com seriedade não apenas o direito processual civil e penal mas também a filosofia do direito com as obras de Werner Dikelogia la ciencia de la justicia e também Filosofia del Derecho James e seus dois filhos Roberto e Werner eram judeus alemães nascidos em Berlim e com a ascensão do nazismo no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial passaram a sofrer uma cruel perseguição evidenciando o grave erro histórico de alguns críticos da teoria do processo como situação jurídica pois é elementar que James Goldschmidt jamais pactuou com o pensamento jurídiconazista da época tanto que foi forçado ao exílio Obrigados a abandonar a Alemanha buscaram refúgio na Espanha onde James proferiu as famosas Conferências na Universidad Complutense de Madrid entre 1934 e 1935 publicadas na obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal daí o agradecimento dele a Francisco Beceña que lhe cedeu a cátedra de Enjuiciamiento Criminal Mas a permanência na Espanha não foi fácil e explorados pela Falange Espanhola buscaram o asilo definitivo na América Latina James Goldschmidt faleceu no dia 28 de junho de 1940 no seu exílio em Montevidéu 29 Baseamonos na sistematização de ARAGONESES ALONSO op cit p 243 e ss 30 Até porque como homem de ciência que era não estaria à margem da revolução científica que se produzia naquela época com os estudos de EINSTEIN sobre a relatividade e o quanta e também de HEISENBERG incerteza MAX PLANCK MACH KEPLER MAXWELL BORN e outros 31 Rivista di Diritto Processuale v 5 parte I 1950 Padova p 23 e ss Também publicado nos Scritti in onere del prof Francesco Carnelutti 32 Rivista di Diritto Processuale v 1 parte I Padova 1951 p 1 e ss Também publicado no número especial da Revista de Derecho Procesal em memória de James Goldschmidt 33 Idem ibidem p 221 34 CALAMANDREI Piero Direito Processual Civil Campinas Bookseller 1999 v 3 p 223 35 Idem ibidem v 3 p 223 36 Idem ibidem v 3 p 224 37 Idem ibidem v 3 p 224 38 Recordemos que a relatividade geral falhou ao tentar descrever os momentos iniciais do universo porque não incorporava o princípio da incerteza o elemento aleatório da teoria quântica a que EINSTEIN tinha se oposto a pretexto de que Deus não joga dados com o universo Entretanto como explica HAWKING Stephen O Universo numa Casca de Noz 2 ed São Paulo Mandarim 2002 p 79 tudo indica que Deus é um grande jogador Nessa discussão enorme relevância tem o físico alemão WERNER HEISENBERG que formulou o famoso princípio da incerteza a partir da observação da hipótese quântica de MAX PLANCK Em apertadíssima síntese a partir de HAWKING op cit p 42 significa dizer que PLANCK em 1900 afirmou que a luz sempre vem em pequenos pacotes que ele denominou quanta Essa hipótese quântica explicava claramente as observações da taxa de radiação de corpos quentes mas a plena compreensão da extensão de suas implicações somente foi possível por volta de 1920 quando HEISENBERG demonstra que quanto mais se tenta medir a posição de uma partícula menos exatamente se consegue medir a sua velocidade e viceversa E aqui o que nos interessa mostrou que a incerteza na posição de uma partícula multiplicada pela incerteza de seu momento deve ser sempre maior do que a constante de PLANCK uma quantidade aproximadamente relacionada ao teor de energia de um quantum de luz Assim reina a incerteza em detrimento de qualquer visão determinista Tudo isso constituía o auge da discussão científica mundial neste período de 19001930 sem negar o antes e o depois é claro contemporânea então com o auge da produção intelectual de JAMES GOLDSCHMIDT que publica seu capolavoro Prozess als Rechtslage em Berlim em 1925 39 Pensamos que é importante atentar para o símbolo da justiça do caso concreto que é a Dikè Dikelogia la ciencia de la justicia intitula Werner Goldschmidt Ela carrega a espada que pende sobre a cabeça do réu e corresponde ao direito potestativo de penar e na outra mão está a balança À primeira vista e também última para muitos a balança simboliza o equilíbrio a ponderação e até a supremacia da razão dentro de uma racionalidade moderna superada portanto Mas para muito além disso ela simboliza a incerteza característica da administração da justiça no caso concreto Corresponde a incerteza característica do processo Ela oscila tanto pende igualmente para um lado como para outro Está lançada a sorte 40 GIMENO SENDRA José Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 170 41 Entre esses devese destacar a qualificada posição de WERNER GOLDSCHMIDT no Prólogo da primeira edição da obra Proceso y Derecho Procesal de ARAGONESES ALONSO p 35 de que tais teorias relação e situação não podem ser consideradas como inconciliáveis senão como complementárias Nessa linha defende que mientras la teoría de la situación destaca lo que ocurre en el Derecho cuando éste opera en el plano dinámico del proceso la teoría institucional señala ARAGONESES ALONSO se mueve en el mundo abstracto de los conceptos Por ello estas dos posiciones no sólo se ofrecen como incompatibles sino como complementarias de la misma forma que pueden concebirse como complementarias la teoría de la relación Somente com a integração desses conceitos é que podemos ou poderíamos compreender como nasce o processo e qual é o fundamento metafísico da sua existência teoria da instituição o objeto real do processo tal como se desenvolve na vida e sua contínua relação teoria da situação jurídica e finalmente qual é a força que une os diversos sujeitos que nele operam teoria da relação jurídica 42 Pois na origem do universo bigbang quando ele era minúsculo o número de lançamentos de dados era pequeno e o princípio da incerteza proporcionalmente maior 43 Como explica HAWKING op cit p 80 44 Ou melhor quem nos protege da bondade dos bons no célebre questionamento de Agostinho Ramalho Marques Neto a partir de Freud 45 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO Jacinto Org Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 47 46 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 75 47 Apenas para esclarecer não se pode confundir a teoria civilista da instrumentalidade das formas com nosso conceito de instrumentalidade constitucional São coisas absolutamente distintas Nunca fomos adeptos da tradicional teoria da instrumentalidade todo o oposto Nossa posição é absolutamente antagônica porque estabele um conteúdo axiológico ao conceito de instrumentalidade vinculandoo ao sistema de garantias da Constituição Por isso concebemos o processo penal como um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais e a forma como limite de poder É uma leitura crítica e constitucionalizada do processo e do procedimento com ênfase no respeito ao devido processo legal ou seja o estrito respeito às regras do jogo sem descuidar do conteúdo ético dessas regras 48 PLINIO GONÇALVES Aroldo Técnica Processual e Teoria do Processo São Paulo Aidê 1992 p 103 49 FAZZALARI Elio Op cit p 8 50 Idem ibidem p 14 e ss 51 Conforme explicam Alexandre MORAIS DA ROSA e Sylvio Lourenço da SILVEIRA FILHO na obra Para um Processo Penal Democrático Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social p 77 e ss 52 PLINIO GONÇALVES Aroldo Op cit p 115 53 FAZZALARI Op cit p 78 e 79 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Dentre as diversas teorias que buscaram explicar a natureza jurídica do processo as mais relevantes são A Teoria da relação jurídica estruturada por Oskar von Bülow consagrada em trabalho publicado em 1868 foi importante para o rompimento entre direito material e direito processual através da concepção de que existe uma relação jurídica de direito material e outra de direito processual autônomas e independentes Demarca a superação das teorias de direito privado que concebiam o processo como contrato quase contrato ou acordo onde o processo era um mero apêndice do direito privado sem qualquer autonomia Com Bülow a concepção muda radicalmente sendo o processo visto como uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais A natureza pública decorre do fato de que existe um vínculo entre as partes e um órgão público da administração da justiça numa atividade essencialmente pública Nessa linha o processo é concebido como uma relação jurídica de direito público autônoma e independente da relação jurídica de direito material O réu passa a ser visto como um sujeito de direitos e deveres processuais É uma relação jurídica triangular como explica Wach Teoriza a existência de pressupostos processuais que podem ser de existência ou de validade que seriam pressupostos para seu nascimento ou desenvolvimento válido B Processo como situação jurídica estruturada por James Goldschmidt em obra publicada em 1925 surge como uma crítica à teoria anterior demonstrando sua insuficiência conceitual O processo passa a ser visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes atravessam em direção à sentença definitiva favorável Nega a existência de direitos e obrigações processuais e considera um erro a teoria dos pressupostos processuais de Bülow pois seriam meros pressupostos para uma sentença de mérito Ademais os pressupostos de validade se confundem com a teoria das nulidades e não seriam propriamente pressupostos para o nascimento ou desenvolvimento do processo Goldschmidt faz uma completa desconstrução da teoria da relação jurídica demonstrando sua incapacidade de explicar corretamente o processo Demonstra o erro da visão estática de Bülow ao evidenciar que o processo é dinâmico e pautado pelo risco e a incerteza O processo é uma complexa situação jurídica cuja a sucessão de atos vai gerando chances que bem aproveitadas permitem que a parte se libere das cargas por exemplo probatórias e caminhe em direção a uma sentença favorável expectativas O não aproveitamento de uma chance e a não liberação de uma carga geram uma situação processual desvantajosa conduzindo a uma perspectiva de sentença desfavorável Às partes não incumbem obrigações mas cargas processuais sendo que no processo penal não existe distribuição de cargas probatórias na medida em que toda a carga de provar o alegado está nas mãos do acusador Destacamse no pensamento do autor as noções de dinâmica movimento e fluidez do processo bem como o abandono da equivocada e sedutora ideia de segurança jurídica que brota da teoria de Bülow Ao assumir a epistemologia da incerteza e o risco inerente ao processo o pensamento do autor permite reforçar o valor e a eficácia das regras do devido processo penal O maior crítico da teoria foi Calamandrei que atacou o caráter sociológico do pensamento de Goldschmidt o rompimento da unidade processual e a concepção anormal ou patológica do processo Todas as críticas foram refutadas pelo autor C Processo como procedimento em contraditório teoria desenvolvida por Elio Fazzalari 19242010 sustenta que o processo é um procedimento em contraditório Situase numa linha de continuidade do pensamento de Goldschmidt Supera a visão formalistaburocrática da concepção de procedimento até então vigente resgatando a importância do contraditório que deve orientar todos os atos do procedimento até o provimento final sentença construído em contraditório núcleo imantador e legitimador do poder jurisdicional O contraditório é visto em duas dimensões informazione e reazione como direito a informação e reação igualdade de tratamento e oportunidades Todos os atos do procedimento são pressupostos para o provimento final ao qual são chamados a participar todos os interessados partes A essência do processo está na simétrica paridade da participação dos interessados reforçando o papel das partes e do contraditório Os atos do procedimento miram o provimento final e estão interrelacionados de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente e da validade de todos eles depende a sentença Isso reforça a unidade do processo e exige repensar a teoria das nulidades Com Fazzalari o conceito e a amplitude da teoria da contaminação adquire outra dimensão à luz da unidade processual por ele concebida e o atrelamento de todos os atos ao provimento final havendo uma relação de prejudicialidade na dimensão da validade entre eles Também existe uma revaloração da jurisdição na estrutura processual pois permite superar a concepção tradicional de poderdever jurisdicional para a dimensão de poder condicionado ao contraditório além de situar o juiz como garantidor do contraditório e não de contraditor fazendo uma recusa ao ativismo judicial característico do sistema inquisitório A teoria de Fazzalari deve ser pensada em conjunto com o pensamento de Goldschmidt contribuindo decisivamente para a construção de um processo penal democrático e constitucional que preze pelo contraditório e as demais regras do jogo devido processo O maior inconveniente é que Fazzalari é um processualista civil e como tal sua obra alinhase na Teoria Geral do Processo tão combatida por nós Daí por que podemos trabalhar com Fazzalari no Processo Penal desde que respeitadas as categorias jurídicas próprias do processo penal e feitas as devidas correções com a concepção de Goldschmidt Capítulo III SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS INQUISITÓRIO E ACUSATÓRIO SUPERANDO O REDUCIONISMO ILUSÓRIO DO SISTEMA MISTO Na história do Direito se alternaram as mais duras opressões com as mais amplas liberdades É natural que nas épocas em que o Estado viuse seriamente ameaçado pela criminalidade o Direito Penal tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse que ser também inflexível1 Os sistemas processuais inquisitivo e acusatório são reflexos da resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época Atualmente o law and order é mais uma ilusão de reduzir a ameaça da criminalidade endurecendo o Direito Penal e o processo Na lição de J GOLDSCHMIDT2 los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Partiendo de esta experiencia la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso El predominio de uno u otro de estos principios opuestos en el derecho vigente no es tampoco más que un tránsito del derecho pasado al derecho del futuro Nessa linha MAIER3 explica que no Direito Penal a influência da ideologia vigente ou imposta pelo efetivo exercício do poder se percebe mais à flor da pele que nos demais ramos jurídicos E esse fenômeno é ainda mais notório no processo penal na medida em que é ele e não o Direito Penal que toca no homem real de carne e osso Como afirmamos anteriormente o Direito Penal não tem realidade concreta fora do processo penal sendo as regras do processo que realizam diretamente o poder penal do Estado Por isso conclui MAIER é no Direito Processual Penal que as manipulações do poder político são mais frequentes e destacadas até pela natureza da tensão existente poder de penar versus direito de liberdade No processo o endurecimento manifestase no utilitarismo judicial em atos dominados pelo segredo forma escrita aumento das penas processuais prisões cautelares crimes inafiançáveis etc algumas absurdas inversões da carga probatória e principalmente mais poderes para os juízes investigarem Podese constatar que predomina o sistema acusatório nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática Em sentido oposto o sistema inquisitório predomina historicamente em países de maior repressão caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo em que se fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais Cronologicamente em linhas gerais4 o sistema acusatório predominou até meados do século XII sendo posteriormente substituído gradativamente pelo modelo inquisitório que prevaleceu com plenitude até o final século XVIII em alguns países até parte do século XIX momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos A doutrina brasileira majoritariamente aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto predomina o inquisitório na fase préprocessual e o acusatório na processual Ora afirmar que o sistema é misto é absolutamente insuficiente é um reducionismo ilusório até porque não existem mais sistemas puros são tipos históricos todos são mistos A questão é a partir do reconhecimento de que não existem mais sistemas puros identificar o princípio informador de cada sistema para então classificálo como inquisitório ou acusatório pois essa classificação feita a partir do seu núcleo é de extrema relevância Antes de analisar a situação do processo penal brasileiro contemporâneo vejamos sumariamente algumas das características dos sistemas acusatório e inquisitório 1 Sistema Acusatório A origem do sistema acusatório remonta ao Direito grego o qual se desenvolve referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves qualquer pessoa podia acusar e acusação privada para os delitos menos graves em harmonia com os princípios do Direito Civil No Direito romano da Alta República5 surgem as duas formas do processo penal cognitio e accusatio A cognitio era encomendada aos órgãos do Estado magistrados Outorgava os maiores poderes ao magistrado podendo este esclarecer os fatos na forma que entendesse melhor Era possível um recurso de anulação provocatio ao povo sempre que o condenado fosse cidadão e varão Nesse caso o magistrado deveria apresentar ao povo os elementos necessários para a nova decisão Nos últimos séculos da República esse procedimento começou a ser considerado como insuficiente escasso de garantias especialmente para as mulheres e para os que não eram cidadãos pois não podiam utilizar o recurso de anulação e acabou sendo uma poderosa arma política nas mãos dos magistrados Na accusatio a acusação polo ativo era assumida de quando em quando espontaneamente por um cidadão do povo Surgiu no último século da República e marcou uma profunda inovação no Direito Processual romano Tratandose de delicta publica a persecução e o exercício da ação penal eram encomendados a um órgão distinto do juiz não pertencente ao Estado senão a um representante voluntário da coletividade accusator Esse método também proporcionava aos cidadãos com ambições políticas uma oportunidade de aperfeiçoar a arte de declamar em público podendo exibir para os eleitores sua aptidão para os cargos públicos Como notas características destacamos a a atuação dos juízes era passiva no sentido de que eles se mantinham afastados da iniciativa e gestão da prova atividades a cargo das partes b as atividades de acusar e julgar estão encarregadas a pessoas distintas c adoção do princípio ne procedat iudex ex officio não se admitindo a denúncia anônima nem processo sem acusador legítimo e idôneo d estava apenado o delito de denunciação caluniosa como forma de punir acusações falsas e não se podia proceder contra réu ausente até porque as penas são corporais e acusação era por escrito e indicava as provas f havia contraditório e direito de defesa g o procedimento era oral h os julgamentos eram públicos com os magistrados votando ao final sem deliberar6 Mas na época do Império o sistema acusatório foi se mostrando insuficiente para as novas necessidades de repressão dos delitos ademais de possibilitar com frequência os inconvenientes de uma persecução inspirada por ânimos e intenções de vingança Por meio dos oficiais públicos que exerciam a função de investigação os denominados curiosi nunciatores stationarii etc eram transmitidos aos juízes os resultados obtidos A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes invadissem cada vez mais as atribuições dos acusadores privados originando a reunião em um mesmo órgão do Estado das funções de acusar e julgar A partir daí os juízes começaram a proceder de ofício sem acusação formal realizando eles mesmos a investigação e posteriormente dando a sentença Isso caracterizava o procedimento extraordinário que ademais introduziu a tortura no processo penal romano E se no início predominava a publicidade dos atos processuais isso foi sendo gradativamente substituído pelos processos à porta fechada As sentenças que na época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do tribunal no Império assumem a forma escrita e passam a ser lidas na audiência Nesse momento surgem as primeiras características do que viria a ser considerado como um sistema o inquisitório Também o processo penal canônico antes marcado pelo acusatório contribuiu definitivamente para delinear o modelo inquisitório mostrando na Inquisição Espanhola sua face mais dura e cruel Finalmente no século XVIII a Revolução Francesa e suas novas ideologias e postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório Na atualidade a forma acusatória caracterizase pela a clara distinção entre as atividades de acusar e julgar b a iniciativa probatória deve ser das partes decorrência lógica da distinção entre as atividades c mantémse o juiz como um terceiro imparcial alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova tanto de imputação como de descargo d tratamento igualitário das partes igualdade de oportunidades no processo e procedimento é em regra oral ou predominantemente f plena publicidade de todo o procedimento ou de sua maior parte g contraditório e possibilidade de resistência defesa h ausência de uma tarifa probatória sustentandose a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional i instituição atendendo a critérios de segurança jurídica e social da coisa julgada j possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição É importante destacar que a principal crítica que se fez e se faz até hoje ao modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz imposição da imparcialidade pois este deve resignarse com as consequências de uma atividade incompleta das partes tendo que decidir com base em um material defeituoso que lhe foi proporcionado Esse sempre foi o fundamento histórico que conduziu à atribuição de poderes instrutórios ao juiz e revelouse através da inquisição um gravíssimo erro O mais interessante é que não aprendemos com os erros nem mesmo com os mais graves como foi a inquisição Basta constatar que o atual CPP atribui poderes instrutórios para o juiz a maioria dos tribunais e doutrinadores defende essa postura ativa por parte do juiz muitas vezes invocando a tal verdade real esquecendo a origem desse mito e não percebendo o absurdo do conceito proliferam projetos de lei criando juízes inquisidores e juizados de instrução etc Não podemos reincidir em erros históricos dessa forma pois como diria TOCQUEVILLE uma vez que o passado já não ilumina o futuro o espírito caminha nas trevas O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal frente à atual estrutura social e política do Estado Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal Também conduz a uma maior tranquilidade social pois se evitam eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz apaixonado pelo resultado de seu labor investigador e que ao sentenciar olvidase dos princípios básicos de justiça pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação Em decorrência dos postulados do sistema em proporção inversa à inatividade do juiz no processo está a atividade das partes Frente à imposta inércia do julgador se produz um significativo aumento da responsabilidade das partes já que têm o dever de investigar e proporcionar as provas necessárias para demonstrar os fatos Isso exige uma maior responsabilidade e grau técnico dos profissionais do Direito que atuam no processo penal Também impõem ao Estado a obrigação de criar e manter uma estrutura capaz de proporcionar o mesmo grau de representação processual às pessoas que não têm condições de suportar os elevados honorários de um bom profissional Somente assim se poderá falar de processo acusatório com um nível de eficácia que possibilite a obtenção da justiça Frente ao inconveniente de ter que suportar uma atividade incompleta das partes preço a ser pago pelo sistema acusatório o que se deve fazer é fortalecer a estrutura dialética e não destruíla com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz O Estado já possui um serviço público de acusação Ministério Público devendo agora ocuparse de criar e manter um serviço público de defesa tão bem estruturado como o é o Ministério Público É um dever correlato do Estado para assim assegurar um mínimo de paridade de armas e dialeticidade Tratase de repensar a questão a partir de DUSSEL7 da necessidade de criar um terreno fértil para que o réu tenha condições de fala e possa realmente ter fala Ou seja adotar uma ética libertatória no processo penal e não voltar à era da escuridão com um juizinquisidor Em última análise é a separação de funções e por decorrência a gestão da prova na mão das partes e não do juiz que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive Somente no processo acusatóriodemocrático em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das partes é que podemos ter a figura do juiz imparcial fundante da própria estrutura processual Não podemos esquecer ainda da importância do contraditório para o processo penal e que somente uma estrutura acusatória o proporciona Como sintetiza CUNHA MARTINS8 no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório somente possível no sistema acusatório 2 Sistema Inquisitório O sistema inquisitório na sua pureza é um modelo histórico9 Até o século XII predominava o sistema acusatório não existindo processos sem acusador legítimo e idôneo A acusação era apresentada por escrito indicando as provas que se utilizariam para demonstrar a veracidade dos fatos Estava apenado o delito de calúnia como forma de punir as acusações falsas Não se podia atuar contra um acusado ausente As transformações ocorrem ao longo do século XII até o XIV quando o sistema acusatório vai sendo paulatinamente substituído pelo inquisitório Essa substituição foi fruto basicamente dos defeitos da inatividade das partes levando à conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada nas mãos dos particulares pois isso comprometia seriamente a eficácia do combate à delinquência Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser exercida conforme os limites da legalidade Também representou uma ruptura definitiva entre o processo civil e penal10 A mudança em direção ao sistema inquisitório começou com a possibilidade de junto ao acusatório existir um processo judicial de ofício para os casos de flagrante delito Os poderes do magistrado foram posteriormente invadindo cada vez mais a esfera de atribuições reservadas ao acusador privado até o extremo de se reunir no mesmo órgão do Estado as funções que hoje competem ao Ministério Público e ao juiz As vantagens desse novo sistema adotado inicialmente pela Igreja impuseramse de tal modo que foi sendo incorporado por todos os legisladores da época não só para os delitos em flagrante mas para toda classe de delito11 O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado com igualdade de poderes e oportunidades se transforma em uma disputa desigual entre o juizinquisidor e o acusado O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor atuando desde o início também como acusador Confundemse as atividades do juiz e acusador e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação Frente a um fato típico o julgador atua de ofício sem necessidade de prévia invocação e recolhe também de ofício o material que vai constituir seu convencimento O processado é a melhor fonte de conhecimento e como se fosse uma testemunha é chamado a declarar a verdade sob pena de coação O juiz é livre para intervir recolher e selecionar o material necessário para julgar de modo que não existem mais defeitos pela inatividade das partes e tampouco existe uma vinculação legal do juiz12 O juiz atua como parte investiga dirige acusa e julga Com relação ao procedimento sói ser escrito secreto e não contraditório É da essência do sistema inquisitório um desamor total pelo contraditório Originariamente com relação à prova imperava o sistema legal de valoração a chamada tarifa probatória A sentença não produzia coisa julgada e o estado de prisão do acusado no transcurso do processo era uma regra geral13 O processo inquisitório se dividia em duas fases14 inquisição geral e inquisição especial A primeira fase geral estava destinada à comprovação da autoria e da materialidade e tinha um caráter de investigação preliminar e preparatória com relação à segunda especial que se ocupava do processamento condenação e castigo No transcurso do século XIII foi instituído o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício para reprimir a heresia e tudo que fosse contrário ou que pudesse criar dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica Inicialmente eram recrutados os fiéis mais íntegros para que sob juramento se comprometessem a comunicar as desordens e manifestações contrárias aos ditames eclesiásticos que tivessem conhecimento Posteriormente foram estabelecidas as comissões mistas encarregadas de investigar e seguir o procedimento Na definição de JACINTO COUTINHO15 tratase sem dúvida do maior engenho jurídico que o mundo conheceu e conhece Sem embargo de sua fonte a Igreja é diabólico na sua estrutura o que demonstra estar ela por vezes e ironicamente povoada por agentes do inferno persistindo por mais de 700 anos Não seria assim em vão veio com uma finalidade específica e porque serve e continuará servindo se não acordarmos mantémse hígido Para compreender a inquisição é necessário situála num espaçotempo considerando o comportamento da Igreja Tratase de um sistema fundado na intolerância derivada da verdade absoluta de que a humanidade foi criada na graça de Deus Explica BOFF16 que a humanidade com Adão e Eva perdeu os dons sobrenaturais graça e mutilou os dons naturais obscureceu a inteligência e enfraqueceu a vontade À medida que a humanidade se afasta e não consegue mais ler a vontade de Deus surgem as escrituras sagradas que contêm um alfabeto sobrenatural que permite ter acesso às verdades divinas Contudo nasce um novo problema o livro pode ser lido de diferentes maneiras Surgem então os Bispos e o Papa máximos intérpretes e representantes da vontade de Deus Mas isso não é suficiente pois eles são humanos e podem errar Era necessário resolver essa questão e Deus então se apiedou da fragilidade humana e concedeu a seus representantes um privilégio único a infalibilidade Nesse momento reforçase o mito da segurança oriundo da verdade absoluta que não é construída senão dada pelos concílios encíclicas e outros instrumentos nascidos sob a assistência divina Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição A verdade absoluta é sempre intolerante sob pena de perder seu caráter absoluto A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e nessa estrutura a heresia era o maior perigo pois atacava o núcleo fundante do sistema Fora dele não havia salvação Isso autoriza o combate a qualquer custo da heresia e do herege legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregada A maior crueldade não era a tortura em si mas o afastamento do caminho para a eternidade17 Como explica BOFF18 qualquer experiência ou dado que conflita com as verdades reveladas só pode significar um equívoco ou um erro um obstáculo ou desvio no caminho da eternidade O crime não é problema nesse trilhar para a eternidade pois para o arrependido sempre há o perdão divino O problema está na heresia na oposição ao dogma pois isso sim fecha o caminho para a eternidade esse é o maior perigo de todos Como tal exige o máximo rigor na repressão O Manual dos Inquisidores escrito pelo catalão Nicolau Eymerich em 1376 posteriormente revisto e ampliado por Francisco de la Peña em 1578 deve ser lido nesse contexto pois somente assim podemos compreender sua perfeição lógica BOFF19 explica que igual raciocínio deve ser empregado para a compreensão da tortura e repressão dos regimes militares latinoamericanos pois perfeitamente encaixados na ideologia da segurança nacional assimilada na plenitude pelos torturadores e mandantes ou ainda na limpeza genética levada a cabo pelo nazifascismo O herege explica BOFF20 não apenas se recusa a aceitar o discurso oficial senão que cria novos discursos a partir de novas visões por isso está mais voltado para a criatividade e o futuro do que para a reprodução e o passado É o que BOFF define como congelamento da história O buscar a verdade significa dinâmica movimento O movimento de buscar a verdade evidencia a inércia de quem presume havêla encontrado Como admitir que alguém busque enquanto fico inerte Então estou em erro e portanto correndo o risco de afastarme da salvação Isso conduz aos processos de exclusão Explica BOFF que nos primeiros séculos o divergente era excomungado uma questão intraeclesial Sem embargo quando o Cristianismo assume o status de religião oficial do Império a questão vira política e a divergência afeta a coesão e união política Nesse contexto a punição sai da esfera eclesial e legitima uma severa repressão pois se insere na mesma linha das ideologias de segurança nacional o metafísico interesse público legitimador das maiores barbáries21 O primeiro passo foi o abandono do princípio ne procedat iudex ex officio inclusive para permitir a denúncia anônima pois o nome do acusador era mantido em segredo Surgiram em determinados lugares especialmente nas igrejas gavetas ou caixas22 destinadas a receber as denúncias anônimas de heresia O que se buscava era exclusivamente punir o pecado e a heresia em uma concepção unilateral do processo O actus trium personarum já não se sustenta e como destaca JACINTO COUTINHO23 ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar transformandose o imputado em mero objeto de verificação razão pela qual a noção de parte não tem nenhum sentido Com a Inquisição são abolidas a acusação e a publicidade O juizinquisidor atua de ofício e em segredo assentando por escrito as declarações das testemunhas cujos nomes são mantidos em sigilo para que o réu não os descubra O Directorium Inquisitorum Manual dos Inquisidores do catalão NICOLAU EYMERICH24 relata o modelo inquisitório do Direito Canônico que influenciou definitivamente o processo penal o processo poderia começar mediante uma acusação informal denúncia de um particular ou por meio da investigação geral ou especial levada a cabo pelo inquisidor Era suficiente um rumor para que a investigação tivesse lugar e com ela seus particulares métodos de averiguação A prisão era uma regra porque assim o inquisidor tinha à sua disposição o acusado para torturálo25 até obter a confissão Bastavam dois testemunhos para comprovar o rumor e originar o processo e sustentar a posterior condenação As divergências entre duas pessoas levavam ao rumor e autorizava a investigação Uma única testemunha já autorizava a tortura A estrutura do processo inquisitório foi habilmente construída a partir de um conjunto de instrumentos e conceitos falaciosos é claro especialmente o de verdade real ou absoluta Na busca dessa tal verdade real transformase a prisão cautelar em regra geral pois o inquisidor precisa dispor do corpo do herege De posse dele para buscar a verdade real pode lançar mão da tortura que se for bem utilizada conduzirá à confissão Uma vez obtida a confissão o inquisidor não necessita de mais nada pois a confissão é a rainha das provas sistema de hierarquia de provas Sem dúvida tudo se encaixa para bem servir ao sistema A confissão era a prova máxima suficiente para a condenação e no sistema de prova tarifada nenhuma prova valia mais que a confissão O inquisidor EYMERICH fala da total inutilidade da defesa pois se o acusado confirmava a acusação não havia necessidade de advogado Ademais a função do advogado era fazer com que o acusado confessasse logo e se arrependesse do erro para que a pena fosse imediatamente aplicada e iniciada a execução Tendo em vista a importância da confissão o interrogatório era visto como um ato essencial que exigia uma técnica especial Existiam cinco tipos progressivos de tortura e o suspeito tinha o direito a que somente se praticasse um tipo de tortura por dia Se em 15 dias o acusado não confessasse era considerado como suficientemente torturado e era liberado Sem embargo os métodos utilizados eram eficazes e quiçá alguns poucos tenham conseguido resistir aos 15 dias O pior é que em alguns casos a pena era de menor gravidade que as torturas sofridas A inexistência da coisa julgada era característica do sistema inquisitório EYMERICH alertava que o bom inquisidor deveria ter muita cautela para não declarar na sentença de absolvição que o acusado era inocente mas apenas esclarecer que nada foi legitimamente provado contra ele Dessa forma mantinha se o absolvido ao alcance da Inquisição e o caso poderia ser reaberto mais tarde pelo tribunal para punir o acusado sem o entrave do trânsito em julgado O sistema inquisitório predominou até finais do século XVIII início do XIX momento em que a Revolução Francesa26 os novos postulados de valorização do homem e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiam no processo penal removendo paulatinamente as notas características do modelo inquisitivo Coincide com a adoção dos Júris Populares e se inicia a lenta transição para o sistema misto que se estende até os dias de hoje Como explica HEINZ GOESSEL27 o antigo processo inquisitório deve ser visto como uma expressão lógica da teoria do Estado de sua época28 como manifestação do absolutismo que concentrava o poder estatal de maneira indivisível nas mãos do soberano quem legibus absolutus não estava submetido a restrições legais No sistema inquisitório os indivíduos são reduzidos a mero objeto do poder soberano Não existe dúvida de que a ideia do Estado de Direito influi de forma imediata e direta no processo penal Por isso podese afirmar que quando se inicia o Estado de Direito é quando principia a organização do procedimento penal29 Em definitivo o sistema inquisitório foi desacreditado principalmente por incidir em um erro psicológico30 crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar acusar defender e julgar 3 O Reducionismo Ilusório e insuficiente do Conceito de Sistema Misto a Gestão da Prova e os Poderes Instrutórios do Juiz Com o fracasso da inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório o Estado seguia mantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia abandonar em mãos de particulares esse poder e a função de persecução Logo era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas Nesse novo modelo a acusação continua como monopólio estatal mas realizada através de um terceiro distinto do juiz Aqui nasce o Ministério Público Por isso existe um nexo entre sistema inquisitivo e Ministério Público como aponta CARNELUTTI31 pois essa necessidade de dividir a atividade estatal exige naturalmente duas partes Quando não existem devem ser fabricadas e o Ministério Público é uma parte fabricada Surge da necessidade do sistema acusatório e garante a imparcialidade do juiz Eis aqui outro erro histórico a pretendida imparcialidade32 do MP É lugarcomum na doutrina processual penal a classificação de sistema misto com a afirmação de que os sistemas puros seriam modelos históricos sem correspondência com os atuais Ademais a divisão do processo penal em duas fases préprocessual e processual propriamente dita possibilitaria o predomínio em geral da forma inquisitiva na fase preparatória e acusatória na fase processual desenhando assim o caráter misto Outros preferem afirmar que o processo penal brasileiro é acusatório formal incorrendo no mesmo erro dos defensores do sistema misto BINDER33 corretamente afirma que o acusatório formal é o novo nome do sistema inquisitivo que chega até nossos dias Nós preferimos fugir da maquiagem conceitual para afirmar que o modelo brasileiro é neoinquisitório para não induzir ninguém a erro Historicamente o primeiro ordenamento jurídico que adotou esse sistema misto foi o francês no Code dInstruction Criminalle de 1808 pois foi pioneiro na cisão das fases de investigação e juízo Posteriormente difundiuse por todo o mundo e na atualidade é o mais utilizado Nessa linha o critério definidor de um sistema ou outro seria a separação das funções de acusar e julgar presente apenas no modelo acusatório Para GIMENO SENDRA34 o simples fato de estar o processo divido em duas fases préprocessual e processual em sentido próprio ou estrito e que se encomende cada uma a um juiz distinto juiz que instrui não julga bastaria para afirmar que o processo está regido pelo sistema acusatório No mesmo sentido ARMENTA DEU35 entende que em determinado sentido bastaria afirmar que o processo acusatório se caracteriza pelo fato de ser imprescindível uma acusação levada a cabo por um órgão ou agente distinto do julgador ne procedat iudex ex officio A classificação de sistema misto peca por insuficiência em dois aspectos Considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos sem correspondência com os atuais a classificação de sistema misto não enfrenta o ponto nevrálgico da questão a identificação do núcleo fundante A separação inicial das atividades de acusar e julgar não é o núcleo fundante dos sistemas e por si só é insuficiente para sua caracterização Não se pode desconsiderar a complexa fenomenologia do processo de modo que a separação das funções impõe como decorrência lógica que a gestãoiniciativa probatória seja atribuída às partes e não ao juiz por elementar pois isso romperia com a separação de funções Mais do que isso somente com essa separação de papéis mantémse o juiz afastado da arena das partes e portanto é a clara delimitação das esferas de atuação que cria as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial Portanto é reducionismo pensar que basta ter uma acusação separação inicial das funções para constituirse um processo acusatório É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz E por fim ninguém nega a imprescindibilidade do contraditório ainda mais em democracia e ele somente é possível numa estrutura acusatória na qual o juiz mantenhase em alheamento e como decorrência possa assegurar a igualdade de tratamento e oportunidade às partes Retomamos a lição de CUNHA MARTINS no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório já o modelo acusatório constitui uma declaração de amor pelo contraditório 31 A Falácia do Sistema Bifásico Sobre a falácia do sistema bifásico do Código Napoleônico de 1808 com a fase préprocessual inquisitória e a fase processual supostamente acusatória ensina JACINTO COUTINHO36 É isso que JeanJacquesRégis de Cambacérés faz passar no Código napoleônico de 17111808 Segundo HÉLIE Traité I 178 539 é la loi procédure criminelle la moins imperfaite du mond Enfim monstro de duas cabeças acabando por valer mais a prova secreta que a do contraditório numa verdadeira fraude Afinal o que poderia restar de segurança é o livre convencimento ou seja retórica e contraataques basta imunizar a decisão com um belo discurso Em suma serviu a Napoleão um tirano serve a qualquer senhor não serve à democracia É necessário ler com muita atenção para compreender o alcance desse fenômeno pois ele reflete exatamente o que temos no sistema brasileiro O monstro de duas cabeças inquérito policial totalmente inquisitório e fase processual com ares de acusatório outro engodo ensinará JACINTO na continuação é a nossa realidade diária nos foros e tribunais do País inteiro No mesmo sentido FERRAJOLI37 diz que o Código Napoleônico de 1808 deu vida a um monstruo nacido de la unión del proceso acusatorio con el inquisitivo que fue el llamado proceso mixto A fraude reside no fato de que a prova é colhida na inquisição do inquérito sendo trazida integralmente para dentro do processo e ao final basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão Esse discurso vem mascarado com as mais variadas fórmulas do estilo a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada cotejando a prova policial com a judicializada e assim todo um exercício imunizatório ou melhor uma fraude de etiquetas para justificar uma condenação que na verdade está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisição O processo acaba por converter se em uma mera repetição ou encenação da primeira fase Ademais mesmo que não faça menção expressa a algum elemento do inquérito quem garante que a decisão não foi tomada com base nele A eleição culpado ou inocente é o ponto nevrálgico do ato decisório e pode ser feita com base nos elementos do inquérito policial e disfarçada com um bom discurso Ora ou alguém imagina que Napoleão aceitaria o tal sistema bifásico se não tivesse certeza de que era apenas um mudar para continuar tudo igual Como bom tirano jamais concordaria com uma mudança dessa natureza se não tivesse certeza de que continuaria com o controle total através da fase inquisitória de todo o processo Enquanto não tivermos um processo verdadeiramente acusatório do início ao fim ou ao menos adotarmos o paliativo da exclusão38 física dos autos do inquérito policial de dentro do processo as pessoas continuarão sendo condenadas com base na prova inquisitorial disfarçada no discurso do cotejando corrobora e outras fórmulas que mascaram a realidade a condenação está calcada nos atos de investigação naquilo feito na pura inquisição Isso porque como concluiu JACINTO COUTINHO39 il sistema inquisitorio non può convivere con il sistema accusatorio non solo perché la contaminatio è irragionevole sul piano logico ma anche perché la pratica sconsiglia una commistione del genere Ou seja uma mistura de tal natureza inquisitório e acusatório é irracional e a prática desaconselha tal mescla Cumpre por fim refletir sobre a última frase de JACINTO se tal sistema serviu a Napoleão um tirano serve a qualquer senhor obviamente não serve à democracia E basta 32 A Insuficiência da Separação Inicial das Atividades de Acusar e Julgar Apontada pela doutrina como fator crucial na distinção dos sistemas a divisão entre as funções de investigaracusarjulgar é uma importante característica do sistema acusatório mas não é a única e tampouco pode por si só ser um critério determinante quando não vier aliada a outras como iniciativa probatória publicidade contraditório oralidade igualdade de oportunidades etc Dada a sua complexidade como conjunto de atos concatenados o processo é formado por toda uma cadeia de circunstâncias que se interrelacionam e influem no resultado final Basta analisar o sistema inquisitório para ver que ao lado da acumulação de funções investigar acusar e julgar existe toda uma gama de princípios que juntos compõem e dão conteúdo ao todo Especial atenção merece o contraditório pois existe uma acertada tendência de considerálo fundamental para a própria existência do processo enquanto estrutura dialética Com relação à separação das atividades de acusar e julgar tratase realmente de uma nota importante na formação do sistema Contudo não basta termos uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação e depois ao longo do procedimento permitir que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora como por exemplo permitir que o juiz de ofício converta a prisão em flagrante em preventiva art 310 pois isso equivale a prisão decretada de ofício ou mesmo decrete a prisão preventiva de ofício no curso do processo o problema não está na fase mas sim no atuar de ofício uma busca e apreensão art 242 o sequestro art 127 ouça testemunhas além das indicadas art 209 proceda ao reinterrogatório do réu a qualquer tempo art 196 determine diligências de ofício durante a fase processual e até mesmo no curso da investigação preliminar art 156 incisos I e II reconheça agravantes ainda que não tenham sido alegados art 385 condene ainda que o Ministério Público tenha postulado a absolvição art 385 altere a classificação jurídica do fato art 383 etc Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se depois o juiz assume um papel claramente inquisitorial O juiz deve manter uma posição de alheamento afastamento da arena das partes ao longo de todo o processo Daí por que é reducionista alguma doutrina que focada exclusivamente no aspecto histórico da separação de funções ne procedat iudex ex officio aí ancora passando a criticar aqueles que propõem a superação de tais reducionismos e posturas mitológicas Pensamos que se originariamente o sistema acusatório teve por núcleo a separação de funções o nível atual de desenvolvimento e complexidade do processo penal não admite mais tais simplificações Não há mais espaço compreendida a complexidade do processo penal voltamos a repetir para que alguém se esconda atrás de categorias estéreis e de arqueologia histórica desconectando institutos dentro do processo compartimentalizandoos A concepção de sistema acusatório está íntima e indissoluvelmente relacionada na atualidade à eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade princípio supremo do processo penal recordemos Portanto pensar sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório é incorrer em grave reducionismo É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz A separação de funções do sistema acusatório está a serviço do quê Por que existe Por que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em diversas oportunidades tem decidido que o juiz que atua como investigador na fase préprocessual não pode ser o mesmo que no processo julgue Todas essas questões giram em torno do binômio sistema acusatório e imparcialidade porque a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade Como explica J GOLDSCHMIDT40 no modelo acusatório o juiz se limita a decidir deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material àqueles que perseguem interesses opostos isto é às partes O procedimento penal se converte desse modo em um litígio e o exame do processado não tem outro significado que o de outorgar audiência Parte do enfoque de que a melhor forma de averiguar a verdade e realizarse a justiça é deixar a invocação jurisdicional e a coleta do material probatório àqueles que perseguem interesses opostos e sustem opiniões divergentes Devese descarregar o juiz de atividades inerentes às partes para assegurar sua imparcialidade Com isso também se manifesta respeito pela integridade do processado como cidadão Para além disso recordemos que o processo tem por finalidade além do explicado no Capítulo I buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova na forma pela qual ela é realizada identifica o princípio unificador41 como explicaremos na continuação 33 Identificação do Núcleo Fundante a Gestão da Prova Ainda que todos os sistemas sejam mistos não existe um princípio fundante misto O misto deve ser visto como algo que ainda que mesclado na essência é inquisitório ou acusatório a partir do princípio que informa o núcleo Então no que se refere aos sistemas o ponto nevrálgico é a identificação de seu núcleo ou seja do princípio informador pois é ele quem vai definir se o sistema é inquisitório ou acusatório e não os elementos acessórios oralidade publicidade separação de atividades etc Como afirmamos anteriormente o processo tem por finalidade além do explicado no Capítulo I buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova é erigida à espinha dorsal do processo penal estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores conforme ensina JACINTO COUTINHO Princípio dispositivo42 funda o sistema acusatório a gestão da prova está nas mãos das partes juizespectador Princípio inquisitivo a gestão da prova está nas mãos do julgador juizator inquisidor por isso ele funda um sistema inquisitório Daí estar com plena razão JACINTO COUTINHO43 quando explica que não há e nem pode haver um princípio misto o que por evidente desconfigura o dito sistema Para o autor os sistemas assim como os paradigmas e os tipos ideais não podem ser mistos eles são informados por um princípio unificador Logo na essência o sistema é sempre puro E explica na continuação que o fato de ser misto significa ser na essência inquisitório ou acusatório recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos todos secundários que de um sistema são emprestados ao outro J GOLDSCHMIDT44 ao tratar dos princípios fundamentais do procedimento explica que el principio contrario al dispositivo lo forma el de la investigación que domina el procedimiento penal y que recibe también los nombres de principio inquisitivo de instrucción ou principio del conocimiento de oficio principio de la verdad material Compreendase o sistema inquisitório é fundado pelo princípio inquisitivo ou seja de instrução e conhecimento de ofício pelo juiz na busca da verdade material É tudo o que não se quer no atual nível de evolução civilizatória do processo penal Isso não significa que ao lado desse núcleo inquisitivo derivado do princípio inquisitivo em que a gestão da prova está nas mãos do juiz não possam orbitar características que geralmente circundam o núcleo dispositivo que informa o sistema acusatório Em outras palavras o fato de um determinado processo consagrar a separação inicial de atividades oralidade publicidade coisa julgada livre convencimento motivado etc não lhe isenta de ser inquisitório É o caso do sistema brasileiro de núcleo inquisitório ainda que com alguns acessórios que normalmente ajudam a vestir o sistema acusatório mas que por si sós não o transformam em acusatório A seleção dos elementos teoricamente essenciais para cada sistema explica FERRAJOLI45 está inevitavelmente condicionada por juízos de valor por conta do nexo que sem dúvida cumpre estabelecer entre sistema acusatório e modelo garantista e por outro lado entre sistema inquisitório modelo autoritário e eficácia repressiva Nesse contexto dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios como o famigerado art 156 incisos I e II do CPP externam a adoção do princípio inquisitivo que funda um sistema inquisitório pois representam uma quebra da igualdade do contraditório da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminam a principal garantia da jurisdição que é a imparcialidade do julgador Está desenhado um processo inquisitório A posição do juiz é o ponto nevrálgico da questão na medida em que ao sistema acusatório lhe corresponde um juizespectador dedicado sobretudo à objetiva e imparcial valoração dos fatos e por isso mais sábio que experto o rito inquisitório exige sem embargo um juizator representante do interesse punitivo e por isso um enxerido46 versado no procedimento e dotado de capacidade de investigação47 O tema também está intimamente relacionado com a questão da verdade no processo penal No sistema inquisitório nasce a inalcançável e mitológica verdade real em que o imputado nada mais é do que um mero objeto de investigação detentor da verdade de um crime48 e portanto submetido a um inquisidor que está autorizado a extraíla a qualquer custo Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição A verdade absoluta é sempre intolerante sob pena de perder seu caráter absoluto A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e nessa estrutura a heresia era o maior perigo pois atacava o núcleo fundante do sistema Fora dele não havia salvação Isso autoriza o combate a qualquer custo da heresia e do herege legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregadas A maior crueldade não era a tortura em si mas o afastamento do caminho para a eternidade49 A matéria raramente é objeto de análise por nossos tribunais e mais raro ainda é ser devidamente tratada Sem embargo merecem transcrição as acertadas decisões50 abaixo que bem demonstram a importância da questão51 CORREIÇÃO PARCIAL O órgão acusador parte que é e poderes que tem não pode exigir que o Judiciário requisite diligências quando o próprio Ministério Público pode fazêlo O mito de que o processo penal mira a verdade real está superado A busca é outra julgamento justo ao acusado lições de Adauto Suannes e Lugi Ferrajoli O papel do juiz criminal é de equidistância a aproximação entre acusador e julgador é própria do medieval inquisitório Correição parcial improcedente 5ª Câmara Criminal do TJRS Correição Parcial 70002028041 Rel Des Amilton Bueno de Carvalho 20122000 Dessarte fica fácil perceber que o processo penal brasileiro tem uma clara matriz inquisitória e que isso deve ser severamente combatido na medida em que não resiste à necessária filtragem constitucional Ou seja a estrutura do Código de Processo Penal de 1941 deve ser adequada e portanto deve ser conformada à nova ordem constitucional vigente cujos alicerces demarcam a adoção do sistema acusatório É uma imposição de conformidade das leis processuais penais à Constituição e portanto ao sistema acusatório como tão bem definiu GERALDO PRADO52 Sempre se reconheceu o caráter inquisitório da investigação preliminar e da execução penal encobrindo o problema da inquisição na fase processual Mas compreendidos os sistemas e os princípios que os estruturam a conclusão só pode ser uma como claramente aponta JACINTO COUTINHO53 O sistema processual penal brasileiro é na sua essência inquisitório porque regido pelo princípio inquisitivo já que a gestão da prova está primordialmente nas mãos do juiz Nos tribunais superiores a questão já começa a ser vista com outros olhos Nessa linha destacamos a decisão proferida pelo STJ no RHC 23945RJ Rel Min Jane Silva Desembargadora convocada julgado em 05022009 MAGISTRADO PARCIALIDADE Na espécie ainda na fase de investigação preliminar antes que fosse oferecida a denúncia o juiz por entender que a causa era complexa iniciou a realização do interrogatório de alguns réus O referido procedimento não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio o que tornam nulos não apenas os atos decisórios mas todo o processo O juiz não pode realizar as funções do órgão acusatório ou de Polícia Judiciária fazendo a gestão da prova pois seria retornar ao sistema inquisitivo Assim a Turma por maioria deu provimento ao recurso para declarar a nulidade de todo o processo não apenas dos atos decisórios bem como dos atos praticados pelo juiz durante a fase das investigações preliminares determinando que os interrogatórios por ele realizados nesse período sejam desentranhados dos autos de forma que não influenciem a opinio delicti do órgão acusatório na propositura da nova denúncia RHC 23945RJ Rel Min Jane Silva Desembargadora convocada do TJMG j 05022009 grifo nosso Compreendida a questão e respeitada a opção acusatória feita pela Constituição são substancialmente inconstitucionais todos os artigos do CPP que atribuam poderes instrutórios eou investigatórios ao juiz 34 O Problema dos Poderes Instrutórios JuízesInquisidores e os Quadros Mentais Paranoicos Compreendida a necessidade de buscar o núcleo fundante de um sistema a partir da gestão da prova resta verificar a problemática e inquisitiva atribuição de poderes instrutóriosinvestigatórios ao juiz Atribuir poderes instrutórios a um juiz em qualquer fase54 é um grave erro que acarreta a destruição completa do processo penal democrático Ensina CORDERO55 que tal atribuição de poderes instrutórios conduz ao primato dellipotesi sui fatti gerador de quadri mentali paranoidi Isso significa que se opera um primado prevalência das hipóteses sobre os fatos porque o juiz que vai atrás da prova primeiro decide definição da hipótese e depois vai atrás dos fatos prova que justificam a decisão que na verdade já foi tomada O juiz nesse cenário passa a fazer quadros mentais paranoicos Na mesma linha JACINTO COUTINHO56 afirma que abrese ao juiz a possibilidade de decidir antes e depois sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a sua versão isto é o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário ao qual toma como verdadeiro É evidente que o recolhimento da prova por parte do juiz antecipa a formação do juízo Como explica GERALDO PRADO57 a ação voltada à introdução do material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos rumos que o citado material se efetivamente incorporado ao feito possa determinar O juiz ao ter iniciativa probatória está ciente prognóstico mais ou menos seguro de que consequências essa prova trará para a definição do fato discutido pois quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso em termos de processo penal condenatório representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador58 Mais do que uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora tratase de sepultar definitivamente a imparcialidade do julgador Nessa matéria não existe investigador imparcial seja ele juiz ou promotor O modelo acusatório garantista traz na sua essência a necessidade de um amplo debate sobre a hipótese acusatória Para tanto FERRAJOLI59 define as seguintes garantias secundárias publicidade oralidade legalidade do processo e motivação da decisão judicial Tais garantias são condições necessárias para que o debate transcorra com transparência e igualdade de oportunidades ou seja no ambiente que se espera da estrutura dialética do processo Sempre que se atribuem poderes instrutórios ao juiz60 destróise a estrutura dialética do processo o contraditório fundase um sistema inquisitório e sepultase de vez qualquer esperança de imparcialidade enquanto terzietà alheamento É um imenso prejuízo gerado pelos diversos préjuízos que o julgador faz Não só diversos modelos contemporâneos demonstram isso basta estudar as reformas da Alemanha em 1974 Itália e Portugal em 198788 e também as mudanças levadas a cabo na Espanha pela LO 788 feita às pressas para adequarse à Sentença do Tribunal Constitucional n 14588 mas também a história do Direito Processual especialmente o erro iniciado no sistema acusatório romano de atribuir poderes instrutórios ao juiz que acabou levando ao sistema inquisitório Como explicamos anteriormente a imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Essa questão foi muito bem tratada pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 36 e ss61 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos há muito tempo e em diversas oportunidades tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial em situações assim destacando ainda uma especial preocupação com a aparência de imparcialidade a estética de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados especialmente na esfera penal Mas realmente a interiorização dos postulados constitucionais é sempre lenta e não raras vezes nunca se efetiva Ainda é possível encontrarmos prisões preventivas decretadas de ofício pelo mesmo juiz que depois irá julgar a causa Nessa linha decidiu o TJRS no HC 70016461592 Sétima Câmara Criminal Rel NEREU GIACOMOLLI publicado em 31 de agosto de 2006 HABEAS CORPUS RECEPTAÇÃO Sentença Condenatória Recorrível Ordem Pública Prisão de Ofício 1 2 3 Além de a segregação cautelar ter ferido frontalmente o sistema acusatório pois a decretação foi de ofício prática rejeitada pela Constituição de 1988 foi totalmente desnecessária tendo em vista que os pronunciamentos no âmbito da Casa Legislativa onde o paciente é vereador criticando instituições não ameaçam a ordem do Estado de Direito cuja artificial reason transcende aos limites da urbe localizada 4 LIMINAR CONFIRMADA ORDEM CONCEDIDA grifo nosso No corpo do voto do relator Des NEREU GIACOMOLLI encontramos importante lição no sentido de que mesmo diante da ausência de requerimento o julgador a quo decretou a segregação cautelar de ofício Após o advento da Constituição de 1988 a qual adotou o sistema acusatório caracterizado essencialmente pela distinção entre as atividades de acusar e julgar imparcialidade do juiz contraditório e ampla defesa motivação das decisões judiciais livre convencimento motivado entre tantas outras totalmente descabida qualquer decretação ex officio A acusação nos termos do art 129 da Constituição está totalmente a cargo do Ministério Público constituindose em ilegalidade a decretação de prisão de ofício Como sintetiza a Exposição de Motivos do CódigoModelo para IberoAmérica e nunca é demais recordar o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor Por fim pergunta que pode surgir é que instrumento processual penal pode ser utilizado quando nos deparamos com um juiz inquisidor na condução do processo Elementar que cada situação apresentará suas peculiaridades e complexidades Em linhas gerais pensamos que se o processo está em desenvolvimento poderá ser arguida a exceção de suspeição demonstrando a partir da análise do discurso ou atos praticados que houve uma quebra da garantia da imparcialidade recordese sempre que ela é o princípio supremo do processo Quando tratarmos da exceção de suspeição a seu tempo voltaremos ao tema Contudo já existindo uma sentença condenatória a situação fica mais difícil mas em tese deve ser arguida a violação da imparcialidade e consequente nulidade dos atos em preliminar de apelação 35 RePensando os Sistemas Processuais em Democracia a Estafa do Tradicional Problema Inquisitório Acusatório Historicamente os sistemas se distinguiam pela mera separação inicial das funções de acusar e julgar sendo isso suficiente para o nível de evolução civilizatória atingida Posteriormente se desvelou a insuficiência de tal concepção na medida em que o núcleo fundante do processo é a gestão da prova tudo gira em torno da prova enquanto instrumento de recognição e captura psíquica do juiz Superouse a visão tradicional de que o sistema estava demarcado pela separação inicial das funções repensando o próprio alcance do ne procedat iudex ex officio Ademais imprescindível afastar o juiz da iniciativa probatória em nome do contraditório e da necessária imparcialidade do julgador O problema é que estamos no século XXI e a complexidade das sociedades contemporâneas exige um constante ajuste e adaptação do Direito e do Processo Esse é um dos maiores erros de algum setor da doutrina que arraigada em conceitos do século XVIII e até antes não percebe a superação do discurso empregado Dessarte pensamos que é o momento de passar para uma terceira fase na concepção de sistemas processuais No primeiro momento bastou a mera separação inicial das funções de acusar e julgar para dizer que o sistema era acusatório e portanto suficiente No segundo momento compreendida a superação dessa visão por ser reducionista e não dar conta do restante da fenomenologia processual sustentouse que o núcleo fundante era a gestão da prova se nas mãos das partes o processo era acusatório se admitida a produção da prova de ofício o processo seria marcadamente inquisitório Mas está no momento de partir para uma terceira fase inclusive com o abandono dos termos acusatório e inquisitório pois excessivamente rotulados arraigados em visões tradicionais e lutas conceituais infindáveis Sem falar no eterno problema da ambição de verdade KHALED62 no processo com a maquiagem conceitual que representou o giro da verdade real absurda para a verdade formal ilusória Considerando que ainda subexistem autores e atores judiciários que sustentam a mitológica verdade real para justificar suas práticas autoritárias e muitos que acreditam resolver o problema partindo para a verdade processualformal é bastante complicado fazêlos compreender que o problema está na verdade e não no adjetivo que a ela se una Carnelutti O eterno debate verdade possível verdade inalcançável arrastase sem solução e nenhum avanço relevante gera para o processo penal É preciso pensar um processo liberto do peso da verdade como explicaremos ao tratar da prova penal no qual a decisão penal é construída em contraditório dentro das regras do jogo demarcada pela prova licitamente produzida A verdade é contingencial e não fundante Mas isso é outra grande revolução que se deve operar no senso comum teórico Por outro lado chama a atenção o completo abandono dessa discussão sistemas processuais na doutrina estrangeira pois superadas as premissas que a fundam Atualmente debruçamse os autores noutra problemática eficácia ou ineficácia do sistema de garantias da Constituição e também das convenções internacionais de direitos humanos Não se podem mais ficar debatendo de forma estéril e às vezes histérica conceitos e concepções do século XVIII ou ainda mais remotas deixando de lado as novas exigências sociais processuais e principalmente democráticas e constitucionais É preciso como explica CUNHA MARTINS63 fazer um deslocamento prévio dos pressupostos da discussão sob pena de esbarrar no eterno redizer da centralidade e escassear as possibilidades de efetiva reconsideração do problema A nova ordem democrática exige um rompimento pois cria um verdadeiro obstáculo epistemológico Daí o valor do critério de democraticidade de CUNHA MARTINS64 pois dizer democrático é dizer o contrário de inquisitivo é dizer o contrário de misto e é dizer mais do que acusatório O processo penal de inspiração democrática e constitucional tem apenas um princípio unificador a democraticidade Um sistema não pode ser inquisitório porque substancialmente inconstitucional como o são diversos dispositivos do CPP tampouco pode ser misto pois admitiríamos que ao menos metade dele é inconstitucional Pode ser acusatório por elementar pois conforme a Constituição Mas o problema é isso basta E novamente o que se entende por acusatório Por isso mais do que acusatório deve ser democrático deve ser um instrumento de garantia da democracia Partindo da necessidade de termos um processo penal democrático e constitucional precisamos observar se o sistema vigente tem democraticidade se cria as condições necessárias para a efetivação das regras do jogo especialmente do contraditório e por conseguinte da ampla defesa e imparcialidade do juiz Mais do que isso são garantias processuais umbilicalmente relacionadas de modo que somente um sistema que assegure pleno contraditório permitirá a ampla defesa e ambos asseguram a imparcialidade do julgador O sistema processual penal democrático impõe a máxima eficácia das garantias constitucionais e está calcado no amor ao contraditório É aquele que partindo da Constituição cria as condições de possibilidade para a máxima eficácia do sistema de garantias fundamentais estando fundado no contraditório efetivo para assegurar o tratamento igualitário entre as partes permitir a ampla defesa afastar o juizator e o ativismo judicial para garantir a imparcialidade No modelo fundado na democraticidade há um fortalecimento do indivíduo um fortalecimento das partes processuais A decisão na linha de Fazzalari é construída em contraditório não sendo mais a jurisdição o centro da estrutura processual e tampouco o poder jurisdicional se legitima por si só Recordemos que o conceito de democracia é multifacetário mas sem dúvida tem como núcleo imantador o fortalecimento do indivíduo em todo feixe de relações que ele mantém com o Estado Fortalecer o sujeito de direitos dentro e fora do processo é uma marca indelével do modelo democrático que não pactua com a coisificação do ser É verificar se o processo efetivamente serve de limite ao exercício de poder punitivo É condicionar o exercício do poder de punir ao estrito respeito das regras do jogo Por fim além da oxigenação e filtragem constitucional é necessário problematizar acerca do controle de convencionalidade das leis processuais penais ou seja será que o CPP resiste a uma filtragem à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos Esses são os desafios do processo penal do século XXI Um sistema processual deve dar o máximo de respostas afirmativas à pergunta o modelo é compatível com o cenário democráticoconstitucional vigente Esse é o ponto nevrálgico da virada paradigmática Noutra dimensão o sistema processual penal antidemocrático parte do desamor ao contraditório estabelecendo os contornos de um processo que autoriza o ativismo judicial com o juizator buscando a prova de ofício art 156 decretando prisões cautelares também de ofício art 311 condenando sem pedido art 385 rompendo a igualdade de tratamento e de oportunidades Em decorrência também fulmina a garantia da imparcialidade do juiz pois é flagrante a contaminação A legitimação da decisão se dá pelo fato de ser um ato de poder e não construída em contraditório como no modelo anterior As partes no processo não são os protagonistas senão que o é o juiz dono e senhor da relação jurídica Bülow Em última análise o desamor ao contraditório determina a antidemocraticidade de um processo penal Nessa linha o processo penal brasileiro ainda tem um longo caminho a percorrer para ser considerado um sistema processual penal democrático sendo necessário fazer um deslocamento do foco da discussão tradicional acusatório inquisitório pois não há paz conceitual para uma mudança Não existe consenso sobre esses conceitos e muitas são as vozes que sustentam ser o processo brasileiro acusatório dando portanto um falso ponto final na discussão Precisamos retomar a partir da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos para alinhar o Código de Processo Penal na perspectiva de um sistema processual penal democrático 1 BELING Ernst Derecho Procesal Penal Trad Miguel Fenech Barcelona Labor 1943 p 21 2 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosh 1935 p 67 3 MAIER Julio B J Derecho Procesal Penal fundamentos 2 ed Buenos Aires Editorial Del Puerto 2002 t I p 260 4 Nosso objeto de estudo está circunscrito à estrutura dos sistemas buscando definir suas notas processuais características Por esse motivo o aspecto histórico ainda que extremamente relevante será tratado com bastante superficialidade Recomendamos para aprofundar o estudo a leitura entre outras das seguintes obras Julio Maier Derecho Procesal Penal fundamentos especialmente o Capítulo II 5º Vicenzo Manzini Derecho Procesal Penal t I Alfredo Vélez Mariconde Derecho Procesal Penal t I Ernst Beling Derecho Procesal Penal Franco Cordero Procedimiento Penal ou na obra Guida alla Procedura Penale José Henrique Pierangelli Processo Penal evolução histórica e fontes legislativas e Geraldo Prado Sistema Acusatório a conformidade constitucional das leis processuais penais 5 GIMENO SENDRA Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 190 6 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 39 e ss 7 DUSSEL Enrique especialmente na obra Filosofia da Libertação Crítica à ideologia da exclusão São Paulo Paulus 1995 8 CUNHA MARTINS Rui O Ponto Cego do Direito The Brazilian Lessons Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 9 É importante destacar que o sistema inquisitório permanece em sua mais radical constituição no Direito Canônico com todo vigor em pleno século XXI Como questiona o teólogo HANS KÜNG Preguntas sobre la Inquisición publicado no jornal espanhol EL PAÍS em 160298 de que serve abrirse os arquivos da Inquisição dos séculos XVI a XIX se mantêmse fechados e inacessíveis os arquivos da Inquisição do século XX que já não culmina com a queima física senão psíquica e moral Para continuar exercendoa diariamente em escala global no século XXI O próprio autor relata que leva mais de 40 anos tentando conseguir o que em uma sociedade democrática se concede sem o menor esforço a qualquer acusado direito à vista dos autos No mesmo sentido outro exemplo vivo dessa queima psíquica e moral nos dá LEONARDO BOFF que relata no Prefácio que faz à tradução brasileira do Manual dos Inquisidores p 24 e ss que ainda perduram o processo de delação a negação ao acesso às atas dos processos a inexistência de um advogado e a impossibilidade de apelação A mesma instância acusa julga e pune Isso é uma perversidade jurídica em qualquer Estado de Direito pagão ateu ou cristão Não há a salvaguarda suficiente do direito de defesa Punido pela moderna Inquisição com entre outras penas a imposição de um silêncio obsequioso BOFF relata como se leva a cabo a morte psicológica do condenado Pressiona os acusados até o limite da suportabilidade psicológica São desmoralizados fazse perder a confiança em sua pessoa e palavra por isso proíbese que sejam convidados para conferências assessorias e retiros espirituais muitos são transferidos para outros países são forçados a tomar anos sabáticos eufemisticamente quer dizer devem deixar as cátedras pressionamse as editoras a não publicar seus escritos e proíbemse as livrarias religiosas de expor e de vender seus escritos Em definitivo quando se afirma que o modelo inquisitório pleno não existe mais devese ressalvar exceto no Direito Canônico em que permanece em seu estado puro 10 Cf MONTERO AROCA na obra coletiva Derecho Jurisdiccional v III Proceso Penal p 15 11 FENECH Miguel Derecho Procesal Penal 3 ed Barcelona Labor 1964 v 1 p 83 12 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 67 e ss 13 Cf ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 42 14 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 v 1 p 52 e ss 15 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Processo Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 18 16 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir In Directorium Inquisitorum Manual dos Inquisidores Nicolau Eymerich Brasília Rosa dos Tempos 1993 p 9 e ss 17 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir In Directorium Inquisitorum Manual dos Inquisidores cit p 9 e ss 18 Idem ibidem p 10 19 Idem ibidem p 11 20 Idem ibidem p 12 21 A lógica da inquisição era irretocável e com certeza serviu de inspiração para muitos ditadores Aponta BOFF op cit p 20 que quem pensasse a fé já era suspeito de heresia e sujeito à repressão pois pensar significa discutir e por consequência questionar Pergunta com acerto o autor não pensavam assim os agentes da repressão militar em regime de segurança nacional quem discutir publicamente política é já suspeito de subversão e logo de sequestro de tortura e de cárcere Mudem os sinais mas não a lógica de um sistema totalitário e por isso repressivo de toda e qualquer diferença A intolerância e o discurso do interesse público também vão conduzir ao conhecido e atual tolerância zero legitimando as maiores barbáries em relação aos direitos e garantias fundamentais sob a mesma lógica 22 As chamadas bocas de leão ou bocas da verdade que até hoje podem ser encontradas nas antigas igrejas espanholas 23 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O Papel do Novo Juiz no Processo Penal cit p 23 24 Algumas informações sobre a vida do inquisidor podem ser encontradas no trabalho Vita di Nicolas Eymerich disponível na internet no seguinte endereço eletrônico wwwdelosfantascienzacom 25 Como explica MANZINI op cit p 8 foi o procedimento extraordinário que introduziu a tortura entre os institutos processuais romanos Por longo tempo a tortura foi estranha ao processo penal romano enquanto estava em uso por todas as partes inclusive na Grécia Posteriormente foi transformada em um poderoso instrumento nas mãos dos inquisidores 26 Na realidade alguns câmbios iniciaram antes mesmo da Revolução Francesa impelidos pelo clima reformista e os ideais que predominavam na época e que posteriormente foram tomando força até culminar com a efetiva luta armada 27 HEINZ GOESSEL Karl El Defensor en el Proceso Penal Trad R Domínguez Munich Bogotá Temis 1989 p 15 e ss 28 Convém recordar que a inquisição é fruto de sua época marcada pela intolerância crueldade e pela própria ignorância que dominava Não deve ser lida ou julgada a partir dos parâmetros atuais pois impregnada de toda uma historicidade que não pode ser afastada 29 Segundo RISSEL na tese doutoral Die Verfassungsrechtliche Stellung des Rechtsanwalts Marburgo 1980 p 48 Apud HEINZ GOESSEL op cit p 17 30 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 29 31 Mettere il Publico Ministerio al suo Posto Rivista di Diritto Processuale v VIII parte I 1953 p 18 e ss Também em espanhol Poner en su Puesto al Ministerio Público In Cuestiones sobre el Proceso Penal p 209 e ss 32 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem CARNELUTTI Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v 2 p 99 explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para J GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar e defender Não há que confundir imparcialidade com estrita observância da legalidade e da objetividade 33 BINDER Alberto M Descumprimento das Formas Processuais p 51 34 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 83 Mas em sua obra anterior Fundamentos del Derecho Procesal cit p 189 considera como insuficiente essa afirmação que imputa a um grupo de autores alemães Schmidt e Roxin 35 Principio Acusatorio realidad y utilización RDP Madrid n 2 1996 p 272 36 Correspondência eletrônica particular de maio2003 cujos ensinamentos de Jacinto Coutinho foram por nós utilizados na Palestra Reformas Penais Juizado de Instrução Criminal proferida no dia 30 de maio de 2003 no Auditório Externo do Superior Tribunal de Justiça em Brasília 37 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibañez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 566 38 Explicamos isso no livro Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal a partir do sistema italiano Contudo recordanos JACINTO COUTINHO o antigo Código do Distrito Federal Decreto n 16751 de 31121924 art 243 Os autos de inquirição apensos aos de investigação nos termos dos arts 241 e 242 servirão apenas de esclarecimento ao Ministério Público não se juntarão ao processo quer em original quer por certidão e serão entregues após a denúncia pelo representante do Ministério Público ao cartório do juízo em invólucro lacrado e rubricado a fim de serem arquivados à sua disposição 39 Conclusão n 3 de sua Tese Doutoral conforme correspondência eletrônica de maio2003 40 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 69 e ss 41 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 p 28 42 Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias para evitar perigosas e muitas vezes errôneas analogias com o processo civil que foram e são feitas até hoje Com uma justificada preocupação J GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 28 e ss destaca que a construção do modelo acusatório no processo penal deve ser distinta daquela aplicável ao processo civil uma concepção distinta do princípio dispositivo pois a situação jurídica da parte ativa é completamente diferente que a do autor processo civil O Ministério Público não faz valer no processo penal um direito próprio e pede a sua adjudicação como o autor no processo civil senão que afirma o nascimento de um direito judicial de penar e exige o exercício desse direito que ao mesmo tempo representa um dever para o Estado titular do direito de penar e que realiza seu direito no processo não como parte mas como juiz Para compreender esse pensamento é imprescindível partir da premissa de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória ius ut procedatur A título de ilustração uma má interpretação do que seja o modelo acusatório e uma errada analogia com o processo civil leva alguns sistemas como o espanhol a permitir que a acusação peça uma determinada quantidade de pena x anos e mais errado ainda é pensar que esse pedido vincule o juiz Outro erro que diariamente vem sendo cometido é afirmar que a chamada justiça negociada plea negotiation é uma manifestação do modelo acusatório quando na verdade se trata de uma degeneração completa do processo penal e uma distorcida visão do que seja um processo de partes o sistema acusatório ou mesmo o verdadeiro objeto do processo penal Para compreensão leiase na continuação nossa abordagem sobre ReConstrução Dogmática do Conteúdo do Processo Penal 43 Em diversos trabalhos mas especialmente no artigo Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais cit 44 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 82 45 Derecho y Razón cit p 563 46 Toda tradução encerra imensos perigos por isso para evitar equívocos destacamos que a palavra empregada pelo autor foi leguleyo que em espanhol possui um sentido despectivo de persona que se ocupa de cuestiones legales sin tener el conocimiento o la especialización suficientes Cf Clave Diccionario de uso del español actual O texto original de Luigi Ferrajoli na obra Derecho y Razón p 575 é al sistema acusatorio le corresponde un juez espectador dedicado sobre todo a la objetiva e imparcial valoración de los hechos y por ello más sabio que experto el rito inquisitivo exige sin embargo un juez actor representante del interes punitivo y por ello leguleyo versado en el procedimiento y dotado de capacidad de investigación 47 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 575 48 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro cit p 28 49 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição cit p 9 e ss 50 Extraídas da obra de BUENO DE CARVALHO Amilton Garantismo Penal Aplicado Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 147150 e 183188 51 Na mesma linha destacamos a acertada decisão da 5ª Câmara Criminal do TJRS cujo acórdão é da lavra do Des ARAMIS NASSIF proferida na Correição Parcial 70014869697 julgada em 1º de junho de 2006 CORREIÇÃO PARCIAL DECISÃO EX OFFICIO BAIXA DOS AUTOS À DP PARA EFEITOS DE RECONHECIMENTO DO RÉU VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO O Juiz não pode pena de ferir o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal de 1988 determinar diligências policiais especialmente reconhecimento do acusado pelas vítimas No sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de direitos devendo ter portanto suas garantias individuais constitucionais respeitadas A regra é clara e comum O Estado acusador através do agente ministerial manifesta a pretensão ao agente imparcial que é o Estadojuiz Essa imparcialidade que se apresenta mais nítida agora com a definição constitucional dos papéis processuais é a plataforma na construção de uma ciência processual penal democrática vedando a iniciativa ex officio na produção da prova Correição acolhida 52 PRADO Geraldo na excelente obra Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 53 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução cit p 29 54 A crítica serve tanto para a atribuição de poderes instrutórios na fase processual como ocorre no art 156 como também quando ela é feita na fase préprocessual admitindo que o juiz pratique atos de investigação Com mais razão somos completamente contrários aos chamados Juizados de Instrução sistema de JuizInstrutor conforme exaustivamente explicado na obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal e cujas tentativas de inserção no Brasil nos causam profunda preocupação 55 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino Utet 1986 p 51 56 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução cit p 37 57 PRADO Geraldo Sistema Acusatório cit p 158 58 Idem ibidem 59 Derecho y Razón cit p 606 60 Sobre o tema vejase nosso artigo Juízes Inquisidores E paranóicos Uma crítica à prevenção a partir da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim do IBCCrim n 127 junho de 2003 p 1112 61 nos Estados de direito há à disposição dos cidadãos um Poder Judiciário independente com a função de arbitrar esses conflitos declarando ao indivíduo quais constrangimentos o ordenamento jurídico o obriga a suportar quais os que se não lhe pode impor Isso tem sido no entanto ignorado nos dias que correm de sorte que alguns juízes se envolvem direta e pessoalmente com os agentes da Administração participando do planejamento de investigações policiais que resultam em ações penais de cuja apreciação e julgamento eles mesmos serão incumbidos superpondo os sistemas inquisitório e misto a um tempo só recusando o sistema acusatório Basta tanto para desmontar as estruturas do Estado de direito disso decorrendo a supressão da jurisdição O acusado já então não se verá face a um Juiz independente e imparcial Terá diante de si uma parte acusadora um inquisidor a dizerlhe algo como já o investiguei colhi todas as provas já me convenci de sua culpa não lhe dou crédito algum mas estou a sua disposição para que me prove que estou errado E isso sem sequer permitir que o acusado arrisque a sorte em ordálias Perdoemme por falar em interesses das partes e em conflito no processo penal mas desejo vigorosamente afirmar que a independência do juiz criminal impõe sua cabal desvinculação da atividade investigatória e do combate ativo ao crime na teoria e na prática Contra bandidos o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem à margem da lei fazendo mossa da Constituição E tudo com a participação do juiz ante a crença generalizada de que qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem judicial Juízes que se pretendem versados na teoria e prática do combate ao crime juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um pedaço de papel sem utilidade prática como diz FERRAJOLI Ou em papel pintado com tinta uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma qual nos versos de FERNANDO PESSOA grifo nosso 62 KHALED JR Salah H Ambição de Verdade no Processo Penal Salvador JusPodivm 2009 63 Conforme explica RUI CUNHA MARTINS op cit p 81 Contudo sublinhamos que a obra de CUNHA MARTINS serviu de inspiração para a integralidade deste tópico 64 O Ponto Cego do Direito cit p 92 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO A estrutura do processo penal variou ao longo dos séculos conforme o predomínio da ideologia punitiva ou libertária Goldschmidt afirma que a estrutura do processo penal de um país funciona como um termômetro dos elementos democráticos ou autoritários de sua Constituição Em linhas gerais o sistema acusatório predomina até meados do século XII sendo posteriormente substituído gradativamente pelo modelo inquisitório que prevalece até parte do século XIX Nasceria então essencialmente com o Código Napoleônico de 1808 o chamado sistema misto que seria o modelo contemporâneo na medida em que predominam os traços do sistema inquisitório na fase préprocessual e as características do acusatório na fase processual especialmente com a separação das funções de acusar e julgar O processo penal brasileiro para muitos seria misto sendo a fase processual acusatória Mas essa é uma concepção muito criticada como explicamos Em linhas gerais os sistemas processuais inquisitório e acusatório se caracterizam por SISTEMA INQUISITÓRIO gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz figura do juizator e do ativismo judicial princípio inquisitivo ausência de separação das funções de acusar e julgar aglutinação das funções nas mãos do juiz violação do princípio ne procedat iudex ex officio pois o juiz pode atuar de ofício sem prévia invocação juiz parcial inexistência de contraditório pleno desigualdade de armas e oportunidades procedimento escrito e secreto sistema de prova tarifada com a confissão sendo a rainha das provas prisão cautelar é uma regra até porque autorizada a tortura para obter a confissão que é a rainha das provas ausência de coisa julgada e restrições ao duplo grau de jurisdição SISTEMA ACUSATÓRIO gestãoiniciativa probatória nas mãos das partes juizespectador princípio acusatório ou dispositivo radical separação das funções de acusar e julgar durante todo o processo observância do princípio ne procedat iudex ex officio juiz imparcial pleno contraditório igualdade de armas e oportunidades tratamento igualitário procedimento regido pela publicidade e oralidade princípio do livre convencimento motivado nenhuma prova nem mesmo a confissão tem maior valor ou prestígio prisão cautelar é medida excepcional e atende a critérios de necessidade processual coisa julgada e duplo grau de jurisdição SISTEMA MISTO e o problema do CPP brasileiro nasce com o Código Napoleônico de 1808 e a divisão do processo em duas fases fase préprocessual e fase processual sendo a primeira de caráter inquisitório e a segunda acusatória É a definição geralmente feita do sistema brasileiro misto pois muitos entendem que o inquérito é inquisitório e a fase processual acusatória pois o MP acusa Para os que sustentam isso bastaria a mera separação inicial das funções de acusar e julgar para caracterizar o processo acusatório Esse pensamento tradicional de sistema misto que é criticado por nós deve ser revisado porque é reducionista na medida em que atualmente todos os sistemas são mistos sendo os modelos puros apenas uma referência histórica por ser misto é crucial analisar qual o núcleo fundante para definir o predomínio da estrutura inquisitória ou acusatória ou seja se o princípio informador é o inquisitivo ou o acusatório a noção de que a mera separação das funções de acusar e julgar seria suficiente e fundante do sistema acusatório é uma concepção reducionista na medida em que de nada serve a separação inicial das funções se depois se permite que o juiz tenha iniciativa probatória determine de ofício a coleta de provas ver crítica ao art 156 decrete de ofício a prisão preventiva ou mesmo condene diante do pedido de absolvição do Ministério Público problemática do art 385 a concepção de sistema processual não pode ser pensada de forma desconectada do princípio supremo do processo que é a imparcialidade pois existe um imenso prejuízo que decorre dos préjuízos conferir decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos mencionadas isto é juiz que vai de ofício atrás da prova está contaminado e não pode julgar pois ele decide primeiro quebra da imparcialidade e depois vai atrás da prova necessária para justificar a decisão já tomada quebra da concepção de processo como procedimento em contraditório também é incompatível com a visão de Fazzalari na medida em que o ativismo judicial quebra o imprescindível contraditório e o provimento judicial deixa de ser construído em contraditório para ser um mero ato de poder decisionismo por isso ainda que se diga que o sistema brasileiro é misto a fase processual não é acusatória mas inquisitória ou neoinquisitória na medida em que o princípio informador é o inquisitivo pois a gestão da prova está nas mãos do juiz diante dos inúmeros traços inquisitórios do processo penal brasileiro é necessário fazer uma filtragem constitucional dos dispositivos incompatíveis com o princípio acusatório como os arts 156 385 e outros apontados pois são substancialmente inconstitucionais importante compreender o conceito de substancial inconstitucionalidade PARA REPENSAR O PROBLEMA propomos deslocar o foco da discussão acerca da tradicional classificação de sistema inquisitório e acusatório utilizando o critério de democraticidade pois dizer democrático é dizer o contrário de inquisitório o contrário de misto e mais do que acusatório A distinção deve ser feita a partir da capacidade ou incapacidade de o sistema processual dar respostas afirmativas à compatibilidade com o cenário democráticoconstitucional vigente Nessa linha o processo penal brasileiro préconstituição é antidemocrático e precisa ser constantemente adequado à Constituição e à Convenção Americana de Direitos Humanos para atingir o nível de democraticidade necessário para ser considerado um sistema processual penal democrático Capítulo IV RECONSTRUÇÃO DOGMÁTICA DO OBJETO DO PROCESSO PENAL A PRETENSÃO ACUSATÓRIA PARA ALÉM DO CONCEITO CARNELUTTIANO DE PRETENSÃO 1 Introdução ou a Imprescindível PréCompreensão Partindo de GUASP1 entendemos que objeto do processo é a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que integram o processo e não se confunde com a causa ou princípio nem com o seu fim Por isso não é objeto do processo o fundamento a que deve sua existência instrumentalidade constitucional nem a função ou fim a que ainda que de forma imediata está chamado a realizar a satisfação jurídica da pretensão ou resistência Também não se confunde com sua natureza jurídica situação processual Até as edições anteriores tratamos dessa questão a título de conteúdo mas estamos revisando nossa posição para regressar à matriz teórica de GOLDSCHMIDT por entendermos mais adequado Feito esse breve esclarecimento continuemos Como já explicamos anteriormente o processo penal é regido pelo princípio da necessidade ou seja é um caminho necessário para chegar a uma pena Irrelevante senão inadequada a discussão em torno da existência de uma lide no processo penal até porque ela é inexistente Isso porque não pode haver uma pena sem sentença pela simples e voluntária submissão do réu O conceito de lide deve ser afastado do processo penal pois o poder de penar somente se realiza no processo penal por exigência do princípio da necessidade Inclusive nosso legislador constituinte não acolheu a ideia de lide penal2 tanto que no art 5º LV da Constituição consta que aos litigantes litigantes lide processo civil e aos acusados em geral acusados pretensão acusatória processo penal são assegurados o contraditório e a ampla defesa Do contrário não faria tal distinção entre litigantes e acusados em geral destaquese para desde logo avisar que também incide na fase préprocessual A discussão em torno do objeto conteúdo para alguns do processo nos parece fundamental na medida em que desvela um grave erro histórico derivado da concepção de KARL BINDING a ideia de pretensão punitiva e que continua sendo repetida sem uma séria reflexão O principal erro que será abordado na continuação está em transportar as categorias do processo civil para o processo penal colocando o Ministério Público como verdadeiro credor de uma pena como se fosse um credor do processo civil postulando seu bem jurídico Mas essa questão para ser compreendida precisa de uma abordagem mais ampla como se fará na continuação 11 Superando o Reducionismo da Crítica em Torno da Noção Carneluttiana de Pretensão Pensando Para Além de Carnelutti O problema da construção de BINDING e seguida majoritariamente até hoje inicia pela identificação com o conceito carneluttiano diante da analogia com o processo civil agravando a crise ao definir seu conteúdo como punitivo o que significou colocar o Ministério Público como credor de uma pena um grave erro como se explicará adiante A crítica em relação ao conteúdo punitivo será feita na continuação Agora precisamos esclarecer que o conceito de pretensão pode perfeitamente ser utilizado desde que no sentido desenhado por GUASP GOLDSCHMIDT ou GÓMEZ ORBANEJA nunca na acepção civilista3 de CARNELUTTI A essa pretensão devese perquirir o conteúdo à luz da especificidade do processo penal Então uma advertência é fundamental principalmente para os críticos4 antigos ou novos de nossa posição o conceito de pretensão não se reduz à construção carneluttiana5 Ou seja existe vida inteligente para além do conceito de Carnelutti que é apenas um ponto de partida não de chegada ou conclusão Como dito estamos trabalhando com a doutrina pós e além Carnelutti de GUASP GOLD SCHMIDT e GÓMEZ ORBANEJA Ademais quando falamos de pretensão acusatória estamos aludindo à concepção de GOLDSCHMIDT que dando um giro no conceito de pretensão o concebe apenas como uma potestas agendi Não se trata de uma pretensão que nasce de um conflito de interesses mas sim do direito potestativo de acusar Estadoacusação decorrente do ataque a um bem jurídico e cujo exercício é imprescindível para que se permita a efetivação do poder de penar Estadojuiz tudo isso em decorrência do princípio da necessidade inerente à falta de realidade concreta do Direito Penal Tratase de construir uma estrutura jurídicoprocessual pretensão processual acusatória que tenha condições de abarcar a complexidade que envolve o como atua o poder punitivo do Estado através desse instrumento e caminho necessário que é o processo penal Esse é o ponto nevrálgico do porquê não nos serve o caso penal ou a mera ação penal como conteúdo por sua insuficiência Ademais o crime nos conduz ao conflito social e é de lá que se extrai a pretensão com a roupagem jurídica que o processo penal lhe dá É uma inafastável diante do princípio da necessidade juridicização e institucionalização do conflito Não é a pena o conteúdo ou o objeto do processo penal senão sua consequência Daí por que o processo penal desenvolvese em torno da acusação pensada na sua complexidade como verdadeira pretensão acusatória Se acolhida abrese a possibilidade de o juiz exercer o poder de punir Se não acolhida impedese a punição Não é o caso penal o conteúdo do processo pois ele sozinho não é capaz de fazer nascer ou desenvolver o processo O caso penal é fundamental pois elemento objetivo e estruturante da acusação mas que precisa de uma efetiva invocação declaração petitória para que o processo nasça e se desenvolva Logo ele é conteúdo mas da pretensão acusatória JAIME GUASP em rara mas preciosa incursão no Direito Processual Penal instado que foi a fazer uma resenha6 da obra Lezioni sul processo penale 4 volumes 1946 a 1949 de CARNELUTTI retoma a discussão sobre a pretensão processual7 para explicar que o objeto do processo penal é a matéria que suporta a atividade dos diversos sujeitos processuais sendo portanto uma pretensão processual penal ou pretensão penal É expressa la necesidad de la existencia de una pretensión para que el proceso exista Sin pretensión podrá haber conflictos de la índole que se quiera o cuestión penal como dice Carnelutti pero no hay proceso penal en modo alguno Sublinhamos que a cuestión penal a que se refere Carnelutti nada mais é do que o caso penal Daí por que na esteira de GUASP estamos convencidos da insuficiência do caso penal como objeto do processo pois seguindo o mestre complutense há que se dar um passo a mais na construção lógica do conceito afirmando que o processo penal recai não em uma matéria qualquer senão precisamente sobre essa pretensão que alguém formula frente ao órgão jurisdicional para submeter outra pessoa ao processo e à pena Mas sublinhese não somos contrários aos que definem o caso penal como objeto do processo senão que pensamos ser ele insuficiente para por si só justificar a complexa fenomenologia do processo Claro que a discussão aqui remonta a uma nova dimensão de continente e conteúdo onde não há uma efetiva oposição O continente que encerra o conteúdo caso penal é mais amplo e é a ele que nos referimos Ou seja a pretensão acusatória é conteúdo em relação ao processo continente mas noutra dimensão passa a ser continente do caso penal seu conteúdo pois visto como elemento objetivo da pretensão Assim pensamos que nossa posição pode coexistir com aquela defendida por JACINTO COUTINHO no capolavoro A Lide e o Conteúdo do Processo Penal desde que compreendidas essas distintas dimensões de recorte O Estado possui um poder condicionado de punir que somente pode ser exercido após a submissão ao processo penal Então no primeiro momento o que o acusador exerce é um poder de proceder contra alguém submeter alguém ao processo penal É o poder de submeter alguém a um juízo cognitivo Não há lide ou conflito de interesses8 até porque a liberdade do réu não constitui um direito subjetivo mas um direito fundamental o que também transcende a noção de direito público subjetivo Mais não há conflito de interesses porque a lesão ao bem jurídico não gera um direito subjetivo que possa ser exercido exigência punitiva pois não existe punição fora do processo penal novamente o princípio da necessidade O que sim nasce é a pretensão acusatória o poder de proceder contra alguém de submeter ao juízo cognitivo Alheia a toda essa complexidade parte da doutrina brasileira segue adotando conceitos inadequados e passando à margem da problemática Nessa linha entre outros MIRABETE9 e CAPEZ10 não só defendem a existência de lide penal como também a existência de uma pretensão punitiva e para ambas invocam expressamente MIRABETE e sem citar mas usando os conceitos CAPEZ inadequadamente os conceitos civilistas de CARNELUTTI desconhecendo também as alterações que o próprio CARNELUTTI fez ao longo de sua vasta produção Por fim MIRABETE mete no imbróglio gente que lá nunca deveria estar como é o caso da citação inadequada de JACINTO COUTINHO que além de ser contrário à existência de uma pretensão nega completamente a noção de lide penal Voltando ao foco é importante que se compreenda que não existe uma exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo penal logo não existe o conflito de interesses Não existe um direito para adjudicar como no cível fora do processo penal que possa produzir a lide pelo conflito de interesses Existe sim no processo uma tensão entre acusação e defesa resistência não uma lide ou menos ainda uma controvérsia Daí por que com todo acerto GOLDSCHMIDT descola do conceito de lide para afirmar que o poder judicial de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para que se possa aplicar a pena Mais é um poder condicionado à existência de uma acusação Essa construção é inexorável se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da Constituição Significa dizer aqui está um elemento fundante do sistema acusatório No processo tudo gira em torno do binômio acusaçãodefesa logo toda a cognição desenvolvida recai sobre a pretensão acusatória e os elementos que a integram Claro que aqui nos aproximamos do conceito de ação como direito concreto Mas é uma aproximação não identificação Isso porque no processo penal é fundamental a demonstração da justa causa do fumus commissi delicti para que a acusação seja recebida Não podemos lidar com a abstração máxima do processo civil nem com a plena noção de direito concreto CHIOVENDA Voltaremos a essa questão ao tratar das condições da ação processual penal Há que se atentar para as necessidades próprias do processo penal Novamente reforçamos a crença no acerto do conceito de pretensão acusatória que inclui no seu elemento objetivo e subjetivo a fumaça do crime e da autoria ambos necessários para que a acusação seja recebida É uma verdadeira carga processual no léxico goldschmidtiano conforme explicamos ao tratar do processo como situação jurídica Acertada a afirmação de COUTINHO de que se trata de um direito instrumental mas conexo à sua causa que é concreta11 Mais há que se considerar que o fenômeno do processo penal novamente é diverso do processo civil agora no que tange ao seu escalonamento Explica GÓMEZ ORBANEJA12 puede afirmarse que a diferencia del proceso civil que se constituye de una vez y definitivamente con unos límites objetivos y subjetivos inalterables mediante la presentación de la demanda el proceso penal se desenvuelve escalonadamente El fundamento de la persecución o inversamente de su exclusión puede depender tanto de razones substantivas como procesales Conforme explicamos em outro momento13 o processo penal é um sistema escalonado e como tal para cada degrau é necessário um juízo de valor Essa escada é triangular pois pode ser progressiva como também regressiva A situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva com a sentença condenatória ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvição Inclusive é possível chegarse a um juízo definitivo de caráter negativo em que se reconhece como certa a não participação do agente no delito Por tudo isso define PASTOR LÓPEZ14 que a situação jurídica do sujeito passivo é contingente provisional e de progressiva ou regressiva determinação Disso tudo se compreende então que o fenômeno do processo penal é completamente diverso do processo civil pois ab initio deve o acusador demonstrar o fumus commissi delicti para que o processo inicie situação completamente diversa do processo civil Feitas essas advertências introdutórias que esperamos sejam suficientes para superação de eventuais resistências decorrentes de préconceitos muitas vezes reducionistas sigamos o estudo 12 Teorias Sobre o Objeto do Processo Penal Buscando explicar o verdadeiro objeto do processo na verdade historicamente não houve uma preocupação específica com o processo penal eis um inconveniente debatese a doutrina em teorias que podem ser sistematizadas em três grupos fundamentais15 Teorias Sociológicas conflito de interesses de vontades e de opiniões Teorias Jurídicas subjetiva e objetiva Teoria da Satisfação Jurídica das Pretensões e Resistências É essa última a que melhor explica o verdadeiro objeto do processo penal pois resulta da fusão das duas teorias anteriores Corresponde a GUASP16 o acerto de fazer da pretensão o conceito fundamental da ideia do processo de modo que o objeto do processo penal é uma pretensão processual e a sua função é a satisfação jurídica das pretensões Aponta o jurista espanhol que se considerarmos que o objeto não é o princípio ou causa de que parte o processo nem o fim mais ou menos imediato que tende a obter mas sim a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que o integram parece evidente que tendo em vista que o processo se define como uma instituição jurídica destinada à satisfação de uma pretensão é esta pretensão mesma que cada um dos sujeitos processuais desde seu peculiar ponto de vista trata de satisfazer o que determina o verdadeiro objeto processual17 Como esclarece ARAGONESES ALONSO18 a pretensão entendida como conduta de um sujeito juridicamente atuada para a obtenção de um reparto que se afirma como justo sobre a base de critérios normativos preestabelecidos constitui sem dúvida o objeto sobre o qual gira a atividade processual Como a tese em qualquer tipo de controvérsia é o objeto da discussão e não o é a discussão em si mesma Para explicar a essência do processo não há como considerar mais que um elemento objetivo básico e necessário a acusação que se dirige contra alguém e que se exerce diante de um juiz Em torno dessa acusação giram todas e cada uma das vicissitudes processuais O início da investigação do próprio processo e seu desenvolvimento e sobretudo da decisão têm uma exclusiva referência a ela Como essa acusação não é juridicamente outra coisa que a pretensão processual acusatória que figura no conceito do processo mesmo não há como extrair outra conclusão Para definir o objeto do processo devese encontrar uma dupla base19 de um lado a base sociológica que proporcione o dado conflito social ao qual o processo está devidamente vinculado e de outro lado uma base jurídica que recolhendo o material sociológico esclareça o tratamento peculiar que o Direito lhe proporciona A pretensão jurídica é reflexo ou uma substituição da pretensão social que nasce exatamente do delito visto como um conflito problema ou fato social pois a conduta típica e ilícita representa um ataque a determinados bens jurídicos que o Direito entendeu necessário tutelar O delito ataca um sentimento básico da comunidade e gera uma reação social Por isso podemos afirmar que no plano fático a ilicitude material antecede cronologicamente à própria tipicidade que nasce a partir do desvalor social de determinada conduta Em outras palavras primeiro uma conduta é reprovada socialmente e a partir desse juízo de desvalor social surge a necessidade de coibir tais atos através de uma norma isto é da pressão ou necessidade social advém a atividade legislativa que cria o tipo penal Não há que se perder de vista nunca o valor bem jurídico Explica GUASP que o direito se aproxima da sociologia sempre da mesma maneira tomalhe os problemas cuja solução postula à comunidade e estabelece um esquema de instituições artificiais em que buscam substituir as estruturas e funções puramente sociais do fenômeno e realiza um trabalho de alquimia para criar novas fórmulas mas se despreocupa depois do material social Na síntese do autor o direito para salvar a sociologia não tem mais remédio que matála20 A conclusão final é que a pretensão jurídica é um produto que o direito retira da pretensão social O delito é um fenômeno social exteriorizado pelo ataque aos sentimentos e valores básicos da comunidade e que gera uma reação social O direito retira a questão do âmbito social em que aparece cravada e cria no lugar da figura sociológica que suscita o problema uma forma jurídica específica que pretende refletir aquela Mas como vimos anteriormente no fundamento da existência do processo penal o Direito Penal não é autoexecutável e por isso necessita de um instrumento para realizarse Por isso o processo deve buscar a satisfação jurídica da pretensão O único reparo ou melhor complemento que nos parece necessário fazer à tese de GUASP é considerar também como função do processo a satisfação de resistências21 A tensão ou choque entre a pretensão acusatória e a resistência do acusado no processo que não se confunde com lide é o que deve ser resolvido pelo juiz na sentença e a ele corresponde se acolher a pretensão acusatória do autor considerando suficientemente provada a ocorrência do delito aplicar a pena que lhe pertence pois o poder de penar é do Estadojuiz não do acusador Ou ainda acolher a resistência do acusado absolvendoo A resistência vem materializada no exercício do direito de defesa com todos os instrumentos processuais que lhe oferece o ordenamento jurídico Especificamente no processo penal a satisfação da resistência resulta em um imperativo do contexto políticoconstitucional e dos postulados de garantia do indivíduo que apontamos anteriormente Por isso é inegável que em pé de igualdade com a pretensão se encontra a resistência oferecida pela defesa e a função do processo penal estará igualmente satisfeita com a condenação ou a absolvição Como sintetiza GIMENO SENDRA22 a função do processo penal não pode limitarse a aplicar o poder de penar pela simples razão de que também está destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente O processo penal constitui um instrumento neutro23 da jurisdição cuja finalidade consiste tanto em atuar o poder de penar e a função punitiva como também em declarar de forma ordinária pela sentença ou restabelecer pontualmente a liberdade A existência de um fundamento jurídico injusto penal qualifica de jurídica a pretensão articulada Sem embargo a veracidade do alegado não é uma conditio sine qua non sob pena de incorrermos no erro da ação como direito concreto pois se consideram existentes a pretensão acusatória e o próprio processo penal ainda que absolvido o réu Isso não significa que a acusação possa ser manifestamente infundada ou sem uma causa que a justifique mas apenas que não se adota o conceito de ação como direito concreto Devese exigir no processo penal para admissão da acusação um fumus commissi delicti amparado por um suporte probatório suficiente levando o órgão jurisdicional a uma provisória e sumária incursão na prova da existência do delito e da autoria Isso decorre do escalonamento característico do processo penal a que nos referimos no início deste tópico Como isso chamamos a atenção para a importância da decisão que recebe rejeita ou não recebe a denúncia ou queixa pois como verdadeiro juízo de pré admissibilidade da acusação deve estar amparado por uma decisão fundamentada Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão processual24 acusatória e a sua função imediata é a satisfação jurídica de pretensões e de resistências 2 Estrutura da Pretensão Processual Acusatória A pretensão processual é uma declaração petitória25 ou afirmação26 de que o autor tem direito a que se atue a prestação pedida É no processo penal uma declaração petitória de que existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Por isso é uma pretensão acusatória conforme explicaremos mais detidamente na continuação Não é um direito subjetivo mas uma consequência jurídica de um estado de fato lesão ao bem jurídico ou um estado de fato com consequências jurídicas Mais é um direito potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus commissi delicti A existência da justa causa é fundamental Nesse sentido a nova redação do art 395 do CPP determina que a denúncia ou queixa será rejeitada quando não houver justa causa ou faltar condição para o exercício da ação penal fumus commissi delicti Ademais se o fato narrado evidentemente não constituir crime determina o art 397 nova redação que o juiz deverá absolver sumariamente o acusado Em definitivo ao contrário do que acontece no processo civil no penal o juiz deve verificar se a acusação tem verossimilitude e indica um suporte probatório mínimo para admitila Tratase de um juízo de probabilidade que reveste uma importância fundamental pois o processo penal em si mesmo já é uma pena É inegável que o processo penal significa um etiquetamento com clara estigmatização social e por isso o juízo de préadmissibilidade da acusação é tão importante Infelizmente no processo penal brasileiro não existe uma clara fase intermediária e contraditória De forma precária ao invés de realizar uma audiência optou o legislador brasileiro por uma resposta escrita consultemse o art 396 cuja sistemática se aplica aos procedimentos comum ordinário e sumário bem como o disposto na Lei n 9099 e também na Lei n 11343 Por fim cumpre destacar na doutrina brasileira o estudo levado a cabo por BADARÓ27 cuja posição em que pese não ser absolutamente coincidente não contém uma divergência nuclear senão periférica em relação à nossa Explica o autor após estudar as diferentes nuances da lide e da pretensão que o objeto do processo penal é uma pretensão processual penal Inclusive também enfrenta a questão do conteúdo da pretensão para afastar a noção de pretensão punitiva Isso porque explica BADARÓ a manifestação da pretensão punitiva é uma consequência do concreto direito de punir do Estado mas que a exigência de que o autor se submeta à pena somente pode ser feita através do processo ou seja sempre nasce insatisfeita Seria a pretensão punitiva uma pretensão material anterior e extraprocessual Contudo no processo o que existe é uma pretensão processual que possui como parte de seu fundamento os elementos que compunham a pretensão material punitiva Mas se trata de um mesmo fenômeno pretensão material e processual apenas visto em momentos diferentes A pretensão processual é aquela veiculada em juízo através da ação da acusação Com isso verificase que existe muito mais coincidência do que divergência circunscrevendose essas as divergências a algumas categorias muito específicas e que decorrem da diferença histórica entre escolas processuais Para compreender melhor o tema é importante analisar ainda que brevemente os três elementos28 que compõem a pretensão processual subjetivo objetivo e modificador da realidade ou de atividade 21 Elemento Subjetivo O elemento subjetivo se refere aos entes que figuram como titulares o pretendente e aquele contra quem se pretende fazer valer essa pretensão No processo penal quem formula a pretensão titular ativo pode ser o próprio Estadoacusador representado institucionalmente pelo Ministério Público ou o acusador privado delitos de ação penal privada No polo passivo da relação jurídica está o acusado a pessoa contra quem é formulada a pretensão A esses sujeitos acrescenta o ordenamento um terceiro supraordenado a quem se confere a função de receber as pretensões e proceder a sua satisfação Esse terceiro é o órgão jurisdicional Estadojuiz No processo penal o elemento subjetivo determinante é exclusivamente a pessoa do acusado pois não vige a doutrina de tripla identidade da coisa julgada civil Dessa forma nem o pedido que será sempre de condenação nem a identidade da parte acusadora é essencial para a eficácia da pretensão Mas sim é fundamental a clara individualização e determinação do sujeito passivo uma tarefa que será tanto mais clara quanto mais eficaz for a investigação preliminar Não existe processo penal sem sujeito passivo mas sim pode existir sem a sua presença física situação de ausência prevista no art 367 do CPP 22 Elemento Objetivo O elemento objetivo da pretensão no processo penal é o fato aparentemente punível aquela conduta que reveste uma verossimilitude de tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma é o fumus commissi delicti Desde logo é importante esclarecer que o fato aparentemente punível não é o objeto do processo mas um elemento integrante da pretensão É preciso esclarecer porque uma respeitável e numerosa doutrina contagiada pela importância do elemento objetivo considera que o objeto do processo é o fato punível29 esquecendose de que isso por si só não tem aptidão para fazer nascer o processo Não basta a existência de um fato delituoso é imprescindível o exercício de uma pretensão acusatória através da declaração petitória Daí por que não pode ser o caso penal o objeto do processo pois sem a acusação formalizada não se constitui o suporte jurídico para que o processo nasça e se desenvolva O objeto do processo é a acusação como um todo logo a pretensão acusatória da qual o caso penal é elemento integrante como elemento objetivo Para GUASP e os seguidores dessa corrente o fato que compõe a pretensão é o natural factae nudae visto como a soma de acontecimentos concretos históricos despidos da qualificação jurídica O que importa é a identidade do fato histórico individualizado em sua unidade natural e não jurídico penal30 Nessa linha segue o sistema brasileiro o princípio jura novit curia amparado pela regra do narra mihi factum dabo tibi jus ao acusador cabe narrar o fato para que o juiz diga o direito aplicável Contudo nesse ponto divergimos Pensamos que a dicotomia entre fato natural e qualificação jurídica é em termos processuais ingênua e perigosa É ingenuidade senão até reducionismo interesseiro afirmar que o réu se defende dos fatos naturais mas que por outro lado e aqui reside o problema o juiz poderá dar ao fato a definição jurídica que lhe pareça mais adequada como prevê nosso mofado art 383 do CPP Mesmo tendo sido alterado pela Lei n 117192008 a lógica superada continua a mesma a ingênua crença de que o réu se defende dos fatos podendo o juiz dar a eles a definição jurídica que quiser sem nenhum prejuízo para a defesa Ora isso é uma visão bastante míope da complexidade que envolve a defesa e a própria fenomenologia do processo penal É elementar que o réu se defende do fato e ao mesmo tempo incumbe ao defensor também debruçar se em limites semânticos do tipo possíveis causas de exclusão da tipicidade ilicitude culpabilidade e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal É óbvio que a defesa trabalha com maior ou menor intensidade dependendo do delito nos limites da imputação penal considerando a tipificação como a pedra angular onde irá desenvolver suas teses Daí por que aqui nos serve o conceito de caso penal na medida em que engloba o injusto penal O problema da visão ingênua do elemento objetivo cobra seu preço no momento em que se lida com a correlação entre acusação e sentença com o estudo da emendatio e da mutatio libelli que serão objeto de análise posterior Esse caso penal funcionará como delimitador da imputação não como cimento em que se embasa mas como muros que a delimitam31 É importante destacar que a constatação de que o objeto do processo penal é uma pretensão processual acusatória e que o seu elemento objetivo é o caso penal não significa que as partes sejam inteiramente donas de sua aportação ao processo de maneira tal que estejam autorizadas a efetuar uma introdução fragmentária no processo No processo penal diferentemente do civil vigora o princípio de indisponibilidade e de indivisibilidade da ação penal pública de modo que o MP está obrigado arts 24 e 42 a oferecer a denúncia quando o fato narrado na notíciacrime revista uma verossimilitude mínima de tipicidade ilicitude e culpabilidade A denúncia ou queixa deverá descrever o fato criminoso com todas as suas circunstâncias art 41 Isso significa não só a obrigação de acusar por todos os fatos que revistam aparência de delito senão também a obrigação de trazer para dentro do processo todas as circunstâncias fáticas que tenha conhecimento e que possam apresentar alguma relevância para a instrução e o julgamento Interpretamos o art 41 a partir de uma visão constitucional e por isso entendemos que ele também estabelece uma obrigação por parte do MP de incluir na denúncia os fatos e circunstâncias que beneficiem o acusado Isto é não só os elementos de cargo mas também de descargo não só para inculpar mas também para exculpar Corrobora esse entendimento a construção do Ministério Público como órgão público guiado pela legalidade e o sentido de justiça sem que isso corresponda a uma equivocada visão do Ministério Público como parte imparcial o que constitui um erro histórico e uma violência semântica Ademais existindo concurso de pessoas deverá o MP velar pela indivisibilidade da ação penal privada e com mais razão na pública art 48 acusando a todos aqueles sujeitos sobre os quais existam indícios suficientes de responsabilidade penal Os eventualmente não denunciados mas que tenham sido objeto de imputação na notíciacrime ou resultem suspeitos na investigação policial deverão ser excluídos pela via do pedido de arquivamento art 28 Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o sistema é distinto e está regido pela oportunidade e conveniência do titular que poderá acusar renunciar o exercício do direito de queixa art 49 perdoar art 51 ou ainda desistir da ação penal art 60 conforme o momento processual e as circunstâncias em que se produz o ato Sem embargo a titularidade da pretensão penal acusatória não significa um puro poder de vingança e por isso também está submetida ao Princípio de Indivisibilidade cabendo ao Ministério Público velar pela sua eficácia A nosso juízo o art 48 deve ser interpretado de forma que a omissão na queixa de um dos agentes signifique a renúncia tácita em relação a ele e que deverá ser estendida a todos arts 49 e 57 Caberá ao MP velar pela indivisibilidade da ação penal privada manifestandose no sentido da extinção da punibilidade a todos Em síntese no processo penal o pedido contido na ação penal será sempre de condenação pela prática de um injusto penal que deverá ser descrito e imputado a um ou alguns agentes definidos e individualizados Não se exige que a acusação expressamente solicite a imposição de uma determinada pena ou que proponha um determinado regime de cumprimento O julgador decide com base no seu livre convencimento motivado e será sua função exclusiva individualizar e aplicar uma pena proporcional ao fato narrado 23 Declaração Petitória O terceiro elemento da pretensão processual é o ato capaz de causar a modificação da realidade que a pretensão leva consigo É o conteúdo petitório a declaração de vontade que pede a realização da pretensão Estamos de acordo com GUASP32 quando afirma que tal ato poderia receber o nome técnico de ação terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe corresponde mas isso poderia induzir a confusões por ir de encontro a uma tradição secular que se esforçou em averiguar a essência do poder jurídico a que dita ação está vinculada e não a sua verdadeira função Sem dúvida que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual buscando explicar o fundamento do qual emana o poder afastandose do instrumento propriamente dito Feito esse esclarecimento empregamos o termo ação no sentido literal de instrumento portador de uma manifestação de vontade por meio do qual se narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada É a ação como poder jurídico de acudir ante los órganos jurisdiccionales33 Em alguns sistemas como por exemplo o espanhol ainda que dividido em duas fases investigação preliminar e juízo oral34 existe certo confusionismo sobre o momento exato que se exerce a ação penal porque a investigação preliminar está a cargo de um juiz que investiga de ofício ou mediante invocação A divisão entre as duas fases é tênue ainda que felizmente marcada pela separação das tarefas de investigarjulgar O fato de o juiz instrutor atuar de ofício e decretar o processamento do imputado muito antes de dar vista ao MP para formalmente exercer a ação penal é um dos fatores que contribui para a confusão Ademais o particular vítima ou qualquer pessoa pelo sistema de ação popular pode exercer uma notíciacrime qualificada querella e com isso habilitarse desde o início da investigação para exercer a acusação Felizmente no Direito brasileiro a divisão entre as duas fases é clara e inequívoca O processo penal só começa pelo exercício e a admissão de uma ação penal pública ou privada conforme o caso No processo penal o conteúdo do pedido é sempre igual A atuação que se pede será especificamente a condenação do acusado pelo fato narrado e conforme a pena estabelecida no respectivo tipo penal abstrato Por isso o pedido não constitui um elemento essencial da pretensão35 pois no processo penal não vige plenamente o princípio dispositivo mas o da indisponibilidade da pretensão que junto com a indivisibilidade do fato aparentemente punível erigese em notas definidoras da pretensão A declaração36 petitória contida na ação penal solicitará que o órgão jurisdicional37 declare a existência do fato narrado afirmando sua tipicidade ilicitude e culpabilidade declare a responsabilidade penal do acusado pelos fatos narrados e provados condene o acusado pela prática do fato típico e imponha a respectiva pena ou medida de segurança aplicável determine a execução da pena ou medida de segurança imposta 3 Conteúdo da Pretensão Jurídica no Processo Penal Punitiva ou Acusatória Desvelando mais uma Inadequação da Teoria Geral do Processo Delimitado que o objeto do processo penal é a pretensão acusatória ainda resta fazer uma nova análise que busque dentro dela a sua essência ou seja o conteúdo do próprio objeto punitiva ou acusatória A determinação do conteúdo da pretensão jurídica gravita em torno da existência do poder de punir e da função punitiva do Estado38 Esse poder nasce com a ocorrência do delito e é exercido contra o autor do injusto penal depois que sua responsabilidade penal foi reconhecida no processo pois como apontamos anteriormente o processo penal é o caminho necessário para a pena Para a construção dogmática do objeto do processo penal a teoria dominante é a de BINDING que parte do conceito de uma exigência punitiva pretensão punitiva que o Estado deve fazer valer por meio do processo penal Dessa forma o processo é uma exigência para que o Estado efetive seu direito subjetivo de punir como uma construção técnica artificial Ademais de titular de um direito de punir o Estado aparece no processo como titular da jurisdição e muitas vezes também como titular da ação penal através do Ministério Público Segundo BINDING o Estado é titular de um triplo direito direito punitivo direito de ação penal e direito ao pronunciamento da sentença penal39 Dessa forma a tese do autor é a de que o juiz penal encontrase frente ao Estado titular do direito punitivo na mesma posição que o juiz civil frente ao credor titular de uma pretensão de direito privado O grande mérito da teoria de BINDING foi o de isolar o conceito de ação penal como um instituto independente do direito de punir Por isso é considerado o fundador da Teoria da Ação Penal como Direito Abstrato Apesar da valiosíssima contribuição a teoria de BINDING está imperfeita como muito bem demonstrou GOLDSCHMIDT40 para quem a construção anteriormente explicada representa uma transmissão mecânica das categorias do processo civil ao penal pois o Estado está concebido de forma igual ao indivíduo que comparece ante o Tribunal para pedir proteção Isto é para BINDING o Estado comparece no processo penal através do MP da mesma forma que o particular no processo civil como se a exigência punitiva fosse exercida no processo penal de igual modo que no processo civil atua o titular de um Direito privado Aqui está o núcleo do erro pensar o acusador como credor No Direito Civil existe a exigência jurídica pois existe a possibilidade de efetivação do Direito Civil fora do processo civil ao contrário do Direito Penal que só possui realidade concreta através do processo penal e a pretensão só nasce quando há a resistência a lide Logo o autor no processo civil verdadeiro credor na relação de direito material pede ao juiz a adjudicação de um direito próprio que diante da resistência ele não pode obter Essa exigência jurídica existe antes do processo civil e nasce da relação do sujeito como bem da vida Isso não existe no processo penal Não há tal exigência jurídica que possa ser efetivada fora do processo penal O Direito Penal não tem realidade concreta fora do processo penal Logo não preexiste nenhuma exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo E o Ministério Público ou querelante não pede a adjudicação de um direito próprio porque esse direito potestativo de punir não lhe corresponde está nas mãos do juiz O Estado realiza seu poder de punir não como parte mas como juiz Não existe relação jurídica entre o Estadoacusador e o imputado simplesmente porque não existe uma exigência punitiva nas mãos do acusador e que eventualmente pudesse ser efetivada fora do processo penal o que existe é um poder de penar e dentro do processo Aqui está o erro de pensar a pretensão punitiva como objeto do processo penal como se aqui o fenômeno fosse igual ao do processo civil Essa concepção é datada e portanto não se mostra mais adequada ao nível de evolução do processo penal contemporâneo em que se operou ou ao menos deveria ter havido uma radical separação do processo civil para assumir e exigir a estrita observância de suas categorias jurídicas próprias Eis aqui mais um erro que se pode atribuir à equivocadíssima noção de teoria geral do processo Como explica GOLDSCHMIDT41 no processo penal a pretensão acusatória do Ministério Público ou acusador privado é a afirmação do nascimento de um direito judicial de penar e a solicitação de que exerça esse direito E posteriormente explica o autor que a pena se impõe mediante um processo porque é uma manifestação da justiça e porque o processo é o caminho da mesma a jurisdição penal é a antítese da jurisdição civil porque ambas representam os dois ramos da justiça estabelecidos por Aristóteles justiça distributiva jurisdição penal e corretiva jurisdição civil42 Como a pena é uma manifestação da justiça corresponde o poder de penar ao próprio Tribunal isto é o direito de penar essência do punir coincide com o poder judicial de condenar o culpável e executar a pena A concepção da exigência punitiva BINDING desconhece que o Estado titular do direito de penar realiza seu poder no processo não como parte mas como juiz O poder de condenar o culpado é um direito potestativo anterior ao processo porque nasce do delito conforme a lei penal Por isso o conteúdo da pretensão jurídica no processo penal é acusatório e não punitivo O poder punitivo não é outra coisa que o poder concreto da Justiça Penal personificado no juiz de condenar o culpado e executar a pena O titular da pretensão acusatória acusador exige que a Justiça Penal exerça o poder punitivo e não que se atribua a ele mesmo ou a um terceiro como ocorre no processo civil Não existe pedido de adjudicação alguma por parte do acusador pois não lhe corresponde o poder de penar Por isso o acusador detém o poder de acusar não de penar Logo jamais poderia ser uma pretensão punitiva Por isso GOLDSCHMIDT considera que o Direito Penal é um Derecho Justicial Material posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à Justiça Existe dessa forma uma relação jurídica entre a justiça estatal e o indivíduo O Direito Processual Penal também é um derecho justicial formal pois existe no processo uma relação jurídica entre o tribunal e as partes Partindo da teoria proposta por GOLDSCHMIDT fica assim representada EstadoTribunal titular da jurisdição penal e do poder de penar Acusação direito potestativo de acusar poder de penarcondenarexecutar derecho justicial material43 Titular da pretensão acusatória Estado ou particular Acusado O poder jurisdicional de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para constituir uma situação nova de condenado que permite aplicar a pena ao réu Depois de a sentença penal condenatória transitar em julgado criamse as condições para o exercício do poder de punir Ademais de julgar e determinar a pena também corresponde ao poder jurisdicional a função de executar44 a pena Não devemos esquecer a lição de GOLDSCHMIDT de que o símbolo da justiça não é só a balança mas também a espada que pende sobre a cabeça do réu e está nas mãos do juiz É o juiz quem detém o poder condicionado de punir Nessa linha de raciocínio o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória pois a ação penal deve ser vista como um direito ao processo45 ius ut procedatur distinto do poder nascido do delito de impor a pena mediante a sentença condenatória e tornála efetiva mediante a execução O direito do particular ou do Estadoacusador através do Ministério Público é um direito ao processo completamente distinto do poder de punir que corresponde exclusivamente ao Estadojuiz Dessa forma continuase entendendo que a ação é um direito abstrato que existe ainda que não exista o poder de penar A ação penal é vista como um poder jurídico de iniciativa processual como instrumento de invocação que gera o poderdever do órgão jurisdicional de comprovar a situação do fato que lhe é submetido à análise para declarar a existência ou não de um delito Afirmando a existência do delito poderá exercer o poder de penar Sem embargo é importante esclarecer que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não a ação penal Na estrutura da pretensão anteriormente explicada podese comprovar que a ação penal corresponde à declaração petitória Ou seja é um mero poder político de invocação da tutela jurisdicional que corresponde a uma declaração petitória Tratase de mero poder político constitucional de invocação da tutela jurisdicional através da acusação formalizada na denúncia ou queixa Uma vez exercido e iniciado o processo não há mais que se falar em ação Claro que isso pode causar alguma resistência pois vivemos num País em que são impetrados habeas corpus para trancamento de ação penal Ora é um erro processual inequívoco Não se tranca ação penal Exercese o poder de acusar e uma vez exercido e iniciado o processo não há mais como se trancar a ação pois ela já se esgotou nesse exercício O que se tranca é o processo O tal trancamento nada mais é do que uma forma de extinção anormal do processo não da ação por óbvio Noutra dimensão como ao acusador corresponde um mero direito potestativo de acusar não lhe cabe pedir uma pena em concreto e tampouco negociála com o acusado pois a pena é uma manifestação da função punitiva que é uma exclusividade do Estadotribunal Então as formas de plea negotiation não são consequências de uma correta concepção do objeto do processo penal Evidenciase aqui o erro de pensar que o objeto do processo penal é o ius puniendi não incumbe ao Ministério Público punir pois não lhe pertence esse poder ou mesmo direito O poder de punir é do juiz condicionado ao exercício integral e procedente da acusação São elementos distintos o acusar e o punir Em definitivo a pena está fora do poder das partes Como disse CARNELUTTI46 ao acusador não lhe compete a potestas de castigar mas só de promover o castigo Destaquese que o principal erro de BINDING e condutor de toda uma equivocada noção de teoria geral do processo é o de colocar o acusador na mesma situação do credor do processo civil como se o Ministério Público detivesse o poder punitivo Errado assim afirmarse que o objeto do processo é o ius puniendi Em síntese no processo penal existem duas categorias distintas o acusador exerce o ius ut procedatur o direito potestativo de acusar pretensão acusatória contra alguém desde que presentes os requisitos legais e de outro lado está o poder do juiz de punir Contudo o poder de punir é do juiz lembrese o símbolo da justiça é a balança mas também é a espada que está nas mãos do juiz e pende sobre a cabeça do réu e esse poder está condicionado pelo princípio da necessidade ao exercício integral e procedente da acusação Ao juiz somente se abre a possibilidade de exercer o poder punitivo quando exercido com integralidade e procedência o ius ut procedatur Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória vista como a faculdade de solicitar a tutela jurisdicional afirmando a existência de um delito para ver ao final concretizado o poder punitivo estatal pelo juiz através de uma pena ou medida de segurança O titular da pretensão acusatória será o Ministério Público ou o particular Ao acusador público ou privado corresponde apenas o poder de invocação acusação pois o Estado é o titular soberano do poder de punir que será exercido no processo penal através do juiz e não do Ministério Público e muito menos do acusador privado 4 Consequências Práticas dessa Construção ou Por que o Juiz Não Poderia Condenar Quando o Ministério Público Pedir a Absolvição As consequências práticas dessa discussão são inúmeras a começar pela superação da noção de teoria geral do processo e o respeito às categorias próprias do processo penal e de sua complexa fenomenologia Mas vamos além Dessa forma nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Estado realiza dois direitos distintos acusar e punir através de dois órgãos diferentes Ministério Público e Julgador Essa duplicidade do Estado como acusador e julgador é uma imposição do sistema acusatório separação das tarefas de acusar e julgar e não encontra nenhum obstáculo nos princípios de Direito Público e tampouco na lógica É a mesma duplicidade que permite ao Estado aceitar as leis emanadas de si mesmo executálas e julgar a sua correta aplicação Nessa linha de raciocínio na ação penal de iniciativa pública Ministério Público é o titular da pretensão acusatória Por questão de política criminal o modelo brasileiro adota o princípio da legalidade e indisponibilidade agora mitigados nos crimes de menor potencial ofensivo e não oportunidade Por esse motivo o MP não possui plena disposição sobre a pretensão acusatória quando na verdade deveria ter É inerente à titularidade de um direito o seu pleno poder de disposição Não há argumento que não uma pura opção política que justifique tais limitações impostas pela legalidade e indisponibilidade da ação penal de iniciativa pública Sem embargo de tais limitações entendemos que se o MP pedir a absolvição já que não pode desistir da ação a ela está vinculado o juiz O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP através do exercício da pretensão acusatória Logo o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória isto é o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém Como consequência não pode o juiz condenar sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo Como disse CARNELUTTI47 ao acusador não lhe compete a potestas de castigar mas só de promover o castigo Para evitar repetições remetemos o leitor para o final desta obra no capítulo destinado ao estudo das Decisões Judiciais e sua necessária Motivação onde faremos a crítica ao art 385 do CPP Noutra dimensão nos delitos de ação penal de iniciativa privada o senso comum teórico manualístico segue repetindo que instituise a ação penal privada uma das hipóteses de substituição processual em que a vítima defende interesse alheio direito de punir em nome próprio48 Tratase de um erro imperdoável de quem partiu de uma premissa equivocada Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o particular é titular de uma pretensão acusatória e exerce o seu direito de ação sem que exista delegação de poder ou substituição processual Em outras palavras atua em direito próprio o de acusar da mesma forma que o faz o Ministério Público nos delitos de ação penal de iniciativa pública Ao ser regida pelos princípios da oportunidadeconveniência e disponibilidade se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória deverá o juiz extinguir o feito sem julgamento do mérito ou pela sistemática do CPP declarar a extinção da punibilidade pela perempção art 60 do CPP Como se vê a sistemática do CPP está em plena harmonia no que tange à ação penal privada com a posição aqui defendida Igualmente perigosa é a inadequada utilização dos institutos da emendatio libelli previstos no art 383 do CPP pois é uma falácia a construção de que o réu se defende dos fatos decorrente do narrame o fato que te direi o direito Não é verdade O juiz ao mudar a classificação jurídica do delito dando a ele a tipificação que lhe pareça mais adequada principalmente quando isso signifique uma pena mais grave comete uma violenta afronta ao sistema acusatório e ao direito de defesa Ademais preocupante desvio do conteúdo da pretensão acusatória podendo representar uma errônea postura de assumir os rumos da acusação Concluindo se no processo civil o conteúdo da pretensão é a alegação de um direito próprio e o pedido de adjudicação do mesmo no processo penal é a afirmação do nascimento de um direito judicial de penar e a solicitação de que o Estado exerça esse direito potestas O acusador tem exclusivamente um direito de acusar afirmando a existência de um delito e em decorrência disso pede ao juiz Estado tribunal que exercite o seu poder de condenar o culpado e executar a pena O Estado realiza seu poder de penar no processo penal não como parte mas como juiz e esse poder punitivo está condicionado ao prévio exercício da pretensão acusatória A pretensão social que nasceu com o delito é elevada ao status de pretensão jurídica de acusar para possibilitar o nascimento do processo Nesse momento também nasce para Estado o poder de punir mas seu exercício está condicionado à existência prévia e total do processo penal Se o acusador deixar de exercer a pretensão acusatória desistindo ou pedindo a absolvição cai por terra a possibilidade de o Estadojuiz atuar o poder punitivo e a extinção do feito é imperativa 1 GUASP Jaime La Pretensión Procesal In ALONSO Pedro Aragoneses Coord Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 593 e ss 2 Como bem adverte TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 176 3 Assim concordamos com a afirmação de TUCCI op cit p 35 quando aponta que é de todo inadequada e por que não dizer inaceitável delineiase a transposição do conceito civilístico de pretensão para o processo penal Partimos dessa mesma premissa para pensar e construir um conceito de pretensão com GUASP GOLDSCHMIDT e GÓMEZ ORBANEJA para o processo penal da mesma forma que se construiu o conceito de ação processual penal jurisdição penal etc 4 Nenhuma censura em relação à crítica pois ela é sempre bemvinda desde que bem amparada o que não costuma ocorrer nessa matéria até pela sua grande complexidade teórica Noutra dimensão com posições em sentido diverso daquele aqui pensado por nós com maior ou menor intensidade de divergência mas com muito substrato teórico recomendamos a leitura de dois excelentes trabalhos COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 e BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Correlação entre Acusação e Sentença São Paulo RT 2001 Em relação a BADARÓ pensamos que a divergência existe mas não é nuclear na medida em que o autor admite a pretensão processual como objeto do processo penal como abordaremos na continuação Já em relação à posição de JACINTO COUTINHO que sustenta ser o caso penal o conteúdo do processo é preciso compreender que pensamos ser o caso penal insuficiente para por si só justificar a complexa fenomenologia do processo Mas não há incompatibilidade senão que a discussão remonta a uma nova dimensão de continente e conteúdo como explicaremos nas próximas páginas Assim pensamos que nossa posição pode coexistir com aquela defendida pelo autor desde que compreendidas essas distintas dimensões de recorte 5 Como explica CARNELUTTI em diversas obras aqui utilizamos Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonzo México Episa 1987 p 40 aquí se encara en primer lugar el concepto de pretensión también ésta es una palabra que los juristas emplean desde hace largo tiempo aunque es más reciente su precisión como exigencia de la subordinación del interés ajeno al interés propio A esse conceito imprescindível agregarse outro conceito estruturante e muito marcante na vida de CARNELUTTI o de lide Tratase de um conceito que sofreu diferentes modificações nas sucessivas respostas que ele dava aos seus críticos e que foi muito bem tratado por BADARÓ na obra Correlação entre Acusação e Sentença cit p 62 e ss Interessanos aqui apontar a noção de lide como o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida Como explica BADARÓ os conceitos de interesse pretensão e resistência foram sendo trabalhados ao longo das obras do autor O que importa é a imprestabilidade do conceito de lide para o processo penal e esse foi o germe do ataque ao conceito de pretensão 6 Na Revista de Derecho Procesal Madrid 1949 Também publicado na obra Jaime Guasp Delgado Pensamiento y Figura da coleção Maestros Complutenses de Derecho organizada por Pedro Aragoneses Alonso publicada em Madrid 2000 7 Imprescindível a leitura portanto do trabalho La Pretensión Procesal publicado entre outros na obra Estudios Jurídicos organizada por Pedro Aragoneses Alonso e publicada pela Editora Civitas em Madrid 1996 8 O próprio CARNELUTTI acaba por desenhar o conceito de controvérsia para o processo penal pois na sua visão haveria um conflito de opiniões em torno de um mesmo fato delituoso mas comungando as partes de um mesmo interesse O interesse comum compartilhado portanto pela acusação e defesa brotaria da visão da pena como remédio da alma Platão a cura para a doença Nessa linha defende que no processo penal a jurisdição é voluntária A visão do autor é completamente equivocada nesse ponto bastando por desvelar a ilusão platônica de que a pena cura Além da metafísica concepção de cura da alma a pena e o sistema carcerário estão muito longe de representar algum remédio Por fim sustenta CARNELUTTI que a jurisdição no processo penal seria voluntária o que não concordamos conforme se verá na exposição mas também pela própria incidência do princípio da necessidade 9 MIRABETE Julio Fabbrini Processo Penal São Paulo Atlas 2004 p 28 10 CAPEZ Fernando Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 p 2 11 A Lide e o Conteúdo do Processo Penal cit p 145 12 GÓMES ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosch 1951 t I p 37 13 Na nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 14 El Proceso de Persecución Valencia Universidad de Valencia 1979 p 90 15 Seguindo a sistemática de ARAGONESES ALONSO Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 158 e ss 16 Sem embargo a tese não é inédita pois como reconhece o próprio autor a doutrina alemã de ROSENBERG e italiana de CARNELUTTI já haviam dado mostras do conceito de pretensão mas não com plenos frutos Podese afirmar que a base jurídica da teoria foi dada por ROSENBERG e o aspecto sociológico do conflito foi dado por CARNELUTTI no seu estudo sobre a lide Como explica GUASP Pretensión Procesal cit p 587 nota de rodapé n 44 seu conceito pode ser concebido como uma fusão das ideias básicas de ROSENBERG e CARNELUTTI tomando del primero el estricto carácter procesal no material de la reclamación y del segundo su desvinculación de la idea del derecho que tampoco es contradicho por aquél Mas é preciso continuar a desenvolver esse conceito pois como explicamos no início ele supera e transcende a noção carneluttiana 17 GUASP Jaime Derecho Procesal Civil 4 ed revisada e adaptada por Pedro Aragones Alonso Madrid Civitas 1998 v 1 p 201 e ss 18 Proceso y Derecho Procesal cit p 184 19 GUASP Jaime Na continuação analisaremos os fundamentos expostos pelo autor no trabalho La Pretensión Procesal 20 Por vezes as instituições artificiais que utilizam o direito penal e o processo penal acabam por criar um problema do ponto de vista sociológico de igual ou até maior gravidade que o próprio delito Nesse sentido está o problema da pena de prisão um sistema falido da reinserção social do presidiário a estigmatização social e jurídica que causa a pena e o próprio processo penal as chamadas penas processuais etc 21 FAIREN GUILLEN Victor El Proceso como Función de Satisfacción Jurídica Revista de Derecho Procesal Iberoamericana Madrid n 1 1969 p 1795 22 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ Valentin Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 26 23 Não confundir com juiz neutro algo que não existe Instrumento neutro de jurisdição significa que a atividade se realiza plenamente tanto com a sentença condenatória como também absolutória É a equivalência axiológica entre condenar e absolver 24 É a nosso juízo a opinião dominante na melhor doutrina Vejamse entre outros GUASP ARAGONESES ALONSO GOMEZ ORBANEJA FENECH FAIREN GUILLEN ASCENCIO MELLADO JAMES GOLDSCHMIDT AFRANIO SILVA JARDIM e MANZINI nas obras citadas Contrários a nossa posição entre outros BELING fato da vida OLIVA SANTOS fato criminoso GOMEZ COLOMER direito de ação ALMAGRO NOSETE e TOME PAULE thema decidendi 25 GUASP Jaime La Pretensión Procesal cit p 604 26 ROSENBERG Leo Tratado de Derecho Procesal Civil Trad Angela Romera Vaz Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa America 1955 v 2 p 27 e ss 27 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Correlação entre Acusação e Sentença cit p 76 e ss 28 Seguindo a GUASP La Pretensión Procesal cit p 600 e ss 29 FLORIAN Elementos de Derecho Procesal Penal Trad Prieto Castro Barcelona Bosh 1933 p 49 entende que o objeto fundamental do processo penal é uma determinada relação de direito penal que surge de um fato que se considera como delito Nessa linha BELING Derecho Procesal Penal Trad Miguel Fenech Barcelona Labor 1943 p 79 assinala que o assunto da vida constitui o objeto do processo É importante destacar que FREDERICO MARQUES Elementos de Direito Processual Penal Campinas Bookseller 1996 v 1 p 68 ao falar na finalidade e objetivo do processo penal pois não trata claramente do objeto cita BELING e lhe imputa uma frase Donde dizer ERNST BELING que o objeto do processo é a tutela da lei penal Realmente BELING diz isso mas em outro contexto ao comentar la función general políticojurídica del derecho procesal penal e para definir a função institucional do processo penal Sobre o objeto dedica um capítulo específico onde desde o início define como el asunto de la vida causa res en torno del cual gira el proceso y cuya resolución mediante decisión sobre el fondo constituye la tarea propia del proceso los merita causae o materialia causae en la terminología de la ciencia pandectista Ademais de tirar uma frase do contexto FREDERICO MARQUES incide no grave erro de identificar finalidade com objeto 30 GÓMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit v 1 p 51 e ss 31 A expressão é de GUASP na obra citada com a importante distinção de que ele defende o fato natural 32 La Pretensión Procesal cit p 588 33 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil 3 ed Buenos Aires Depalma 1990 p 61 34 O termo juicio oral é empregado no sentido de fase processual em sentido estrito Não é adotado o termo fase judicial como no Brasil porque na Espanha a investigação preliminar está a cargo de um juiz instrutor logo tem natureza judicial ainda que não jurisdicional 35 GIMENO SENDRA Vicente et al Derecho Procesal Penal cit p 216 36 Seguindo a Classificação Quinária de PONTES DE MIRANDA cabe recordar que a sentença ademais de declaratória constitutiva e condenatória também será mandamental e executiva 37 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 7 e ss 38 O que segue vejase GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 22 e ss e também Derecho Justicial Material Trad Catalina Grossman Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1959 p 54 e ss 39 Como explica GOLDSCHMIDT Derecho Justicial Material cit p 52 e ss ao analisar a obra de BINDING Handbuch des Strafrechts v I 1885 p 189 e ss 40 Ao longo da magistral obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit 41 Op cit p 58 42 Isso porque como explica ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 3 para GOLDSCHMIDT a retribuição é o regulador fundamental da vida social Daí por que se necessita da justiça distributiva para regular os sentimentos de prazer e dor significa dizer o estar dos homens conforme seus méritos diante do Direito isto é da justiça penal 43 Pois se trata do direito material de penar que somente pode ser realizado através do processo após o pleno exercício da acusação com a sentença condenatória 44 Como toda teoria por óbvio que não é perfeita e acabada daí por que muitas acomodações e atualizações foram feitas por nós Entre as revisões de conceitos há que se pensar a execução da pena em GOLDSCHMIDT com outros olhos pois na concepção do autor o poder de executar a pena também estaria a cargo do juiz Isso conduziria a um processo de execução penal de cunho inquisitório com o qual não concordamos Daí por que pensamos que na execução devese construir uma estrutura dialética com o Ministério Público invocando o juiz para o início e nos diferentes incidentes Um verdadeiro processo de execução 45 Esse tema foi muito bem tratado por GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit v 1 p 187 e ss em cuja lição nos baseamos na continuação Também é importante esclarecer que a identificação da concepção de GÓMEZ ORBANEJA com a de GOLDSCHMIDT foi expressamente admitida pelo primeiro na obra com HERCE QUEMADA Derecho Procesal Penal 90 quando explica que aunque hayamos llegado a él por caminos distintos este concepto coincide en esencia con el de GOLDSCHMIDT v su obra en castellano y sobre el proceso penal español Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona 1935 GOLDSCHMIDT se basa en su concepción personal del derecho penal como derecho justicial material acerca de la cual nada vamos a decir aquí Pero aun cuando se prescinda e incluso se disienta de tal teoría nos parece que el concepto de acción exposto es el que mejor se compagina con la verdadera naturaleza del proceso criminal 46 Derecho Procesal Civil y Penal cit p 301 47 Derecho Procesal Civil y Penal cit p 301 48 MIRABETE Julio Fabbrini Processo Penal cit p 117 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 OBJETO é a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que integram o processo e não se confunde com a causa ou princípio nem com seu fim O fundamento da existência do processo penal é a instrumentalidade constitucional e a sua função é a satisfação jurídica de pretensão ou resistência A natureza jurídica é a de ser uma situação jurídica processual adotando a teoria de Goldschmidt ou um procedimento em contraditório Fazzalari 2 LIDE PENAL não existe lide penal na medida em que não existe um conflito de interesses mas sim um crime e tampouco há possibilidade de satisfação de pretensões fora do processo penal princípio da necessidade não há pena sem prévio processo Não há possibilidade de se exigir a subordinação do interesse alheio ao próprio ou seja não pode o Estado exigir que o réu cumpra espontaneamente uma pena sem prévio processo 3 TEORIAS SOBRE O OBJETO DO PROCESSO para explicar o objeto do processo existem três concepções teóricas sociológicas jurídicas e a teoria da satisfação jurídica das pretensões e resistências adotada 4 CONTEÚDO DA PRETENSÃO considerando que o acusador exerce uma pretensão processual cumpre questionar qual o seu conteúdo havendo duas posições sobre o tema punitiva visão tradicional de Binding que coloca o Ministério Público como detentor da pretensão punitiva agindo em nome do Estado e acusatória concepção mais adequada ao processo penal segundo a qual o Ministério Público exerce o poder de acusar cabendo ao juiz exercer o poder de punir 5 ELEMENTOS DA PRETENSÃO PROCESSUAL ACUSATÓRIA o conceito de pretensão processual não se esgota na visão tradicional de Carnelutti devendo ser pensada a partir dos estudos de Jaime Guasp que aponta como elementos estruturantes da pretensão a elemento objetivo é o caso penal ou seja o fato aparentemente punível praticado b elemento subjetivo composto por aquele que exerce a pretensão acusador e contra quem se pretende fazer valer essa pretensão acusado c elemento de atividade ou declaração petitória não basta a existência de um fato aparentemente punível daí a insuficiência daqueles que sustentam ser o caso penal o objeto do processo penal é necessário que exista uma declaração de vontade que peça a satisfação da pretensão É por meio da ação penal enquanto poder político constitucional de invocação do poder jurisdicional que será realizada a acusação que dará causa ao nascimento do processo No processo penal o Ministério Público ou querelante exerce uma pretensão acusatória isto é o poder de proceder contra alguém ius ut procedatur cabendo ao juiz acolhendo a acusação exercer o poder de punir 6 EQUÍVOCO DA CONCEPÇÃO DE PRETENSÃO PUNITIVA o erro está em considerar que o objeto do processo é uma pretensão punitiva pois isso significaria dizer que o Ministério Público atuaria no processo penal da mesma forma que o credor no processo civil O Ministério Público não exerce pretensão punitiva porque não detém o poder de punir tanto que não pode pedir determinada quantidade de pena senão apenas a condenação No processo penal quem detém o poder de punir é o juiz e não o Ministério Público Ao contrário do processo civil no penal o autor Ministério Público não pede a adjudicação de um direito de punir pois não lhe corresponde esse poder que está nas mãos do juiz Ao acusador não compete o poder de castigar mas apenas o de promover o castigo Por isso no processo penal o acusador exerce uma pretensão acusatória ius ut procedatur o poder de proceder contra alguém que é uma condição indispensável para que ao final o juiz exerça o poder de punir São dois os poderes exercidos no processo penal a pretensão acusatória acusador e o poder de punir juiz O poder de punir é condicionado ao integral exercício do poder de acusar pois somente se criam as condições de possibilidade de punição por parte do juiz quando o acusador tiver êxito na prova da acusação Entre outras consequências da correta compreensão do objeto do processo penal estão a impossibilidade de o juiz condenar se o Ministério Público pedir a absolvição do réu erro do art 385 b corrigir a equivocada construção de substituto processual usada na ação penal privada c repensar os limites do princípio da correlação d redefinir o campo de incidência da emendatio libelli do art 383 do CPP e compreender que não se tranca ação penal mas sim o processo Capítulo V INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL Como já foi exposto até aqui pensamos ser imprescindível que o processo penal passe por uma constitucionalização sofra uma profunda filtragem constitucional estabelecendose um inafastável sistema de garantias mínimas Como decorrência o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático é sua instrumentalidade constitucional ou seja o processo enquanto instrumento1 a serviço da máxima eficácia de um sistema de garantias mínimas Ou ainda pensamos o processo penal desde seu inegável sofrimento a partir de uma lógica de redução de danos Todo poder tende a ser autoritário e precisa de limites controle Então as garantias processuais constitucionais são verdadeiros escudos protetores2 contra o abuso do poder estatal Lidamos com o processo penal desde um olhar constitucional buscando efetivar a filtragem que o Código de Processo Penal exige para ter aplicação conforme a Constituição Nessa tarefa existem princípios que fundam a instrumentalidade constitucional e conduzem a uma releitura de todos os institutos do processo penal brasileiro Significa dizer que não se pode mais por exemplo pensar a prisão cautelar senão à luz da presunção constitucional de inocência o princípio da jurisdição exige a observância do subprincípio do juiz natural o inquérito policial deve ser constitucionalizado para permitir certo nível de contraditório e direito de defesa e assim por diante Superado o tradicional conflito entre direito naturaldireito positivo tendo em vista a constitucionalização dos direitos naturais pela maioria das constituições modernas o problema centrase agora na divergência entre o que o Direito é e o que deve ser no interior de um mesmo ordenamento jurídico ou ainda na busca da máxima eficácia da Constituição Na doutrina espanhola ARAGONESES ALONSO3 explica que a Constituição da Espanha de 1978 consagrou os princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos que por sua vez vêm a coincidir com os também revelados pela doutrina pontifícia como direito natural Com isso o problema foi transferido e não está mais no plano da existência jurídica mas no da eficácia das garantias A eficácia da proteção está em grande parte pendente da atividade jurisdicional principal responsável por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais Como consequência o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor dos direitos do acusado no processo penal Quando se lida com o processo penal devese ter bem claro que aqui forma é garantia Por se tratar de um ritual de exercício de poder e limitação da liberdade individual a estrita observância das regras do jogo4 devido processo penal é o fator legitimante da atuação estatal Nessa linha os princípios constitucionais devem efetivamente constituir o processo penal Esse sistema de garantias está sustentado a nosso juízo por cinco princípios básicos que configuram antes de mais nada um esquema epistemológico que conduz à identificação dos desvios e abusos de poder Inclusive entendemos que uma obra de processo penal deveria ter uma organização diferenciada estruturandose a partir dos princípios constitucionais para só então desenvolver os diferentes institutos que compõem o processo penal Ensaiamos isso na nossa obra Introdução Crítica ao Processo Penal Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional ou garantista dependendo da edição em que se priorizou o estudo dos princípios constitucionais formadores E mais o estudo dos princípios não pode ficar compartimentalizado deve permear toda a obra e todo o discurso Portanto agora apenas introduziremos o estudo dos princípios pois eles serão presenças constantes ao logo de toda a obra Daí porque para facilitar a compreensão mas sem abrir mão de nossa convicção faremos a seguir uma sumária exposição dos cinco princípios que fundam e constituem o processo penal constitucional sem prejuízo de eventuais repetições ao longo do texto para enfatizar o valor da principiologia Antes de ingressar especificamente nos princípios cumpre para espantar qualquer dúvida destacar que os princípios gozam de plena eficácia normativa pois são verdadeiras normas Os princípios especialmente os constitucionais são normas fundamentais ou gerais do sistema São fruto de uma generalização sucessiva e constituem a própria essência do sistema jurídico com inegável caráter de norma Ainda que não seja objeto desta obra a conceituação de princípios garantias e regras vejamos o que ensina ÁVILA5 sobre o conceito de princípio são normas imediatamente finalísticas primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção BOBBIO6 é categórico Para mim não há dúvida os princípios gerais são normas como todas as outras E dá o seu clássico exemplo se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos através de um procedimento de generalização sucessiva não se vê por que não devam ser normas também eles se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais e não flores ou estrelas Em segundo lugar a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas isto é função de regular um caso É importante compreender ainda que os princípios não ficam na dependência de humores ou preferências pessoais para sua realização senão que instituem adverte ÁVILA7 um dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou inversamente instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários ainda que de forma indireta e regressiva Mesmo que aparentemente indeterminados não o são pois ainda que exista alguma incerteza quanto ao conteúdo do comportamento a ser adotado não o há em relação à sua espécie o que for necessário para promover o fim é devido8 Assim considerando que em geral os destinatários dos princípios no processo penal são os juízes e tribunais pois acima de tudo nos interessam os princípios que constituem regras de julgamento devem eles fazer todo o necessário para promover o fim devido ou seja buscar incessantemente a máxima eficácia dos princípios constitucionais do processo penal Compreendida a importância dos princípios passemos ao estudo daqueles que informam o processo penal 1 Jurisdicionalidade Nulla poena nulla culpa sine iudicio A garantia da jurisdição significa muito mais do que apenas ter um juiz exige ter um juiz imparcial natural e comprometido com a máxima eficácia da própria Constituição Não só como necessidade do processo penal mas também em sentido amplo como garantia orgânica da figura e do estatuto do juiz Também representa a exclusividade do poder jurisdicional direito ao juiz natural independência da magistratura e exclusiva submissão à lei Ainda que o princípio da jurisdicionalidade tenha um importante matiz interno exclusividade dos tribunais para impor a pena e o processo como caminho necessário ela não fica reclusa a esses limites Fazendo um questionamento mais profundo FERRAJOLI vai se debruçar nos diversos princípios que configuram um verdadeiro esquema epistemológico de modo que a categoria de garantia sai da tradicional concepção de confinamento para colocarse no espaço central do sistema penal Como aponta IBÁÑEZ9 não se trata de garantir unicamente as regras do jogo mas sim um respeito real e profundo aos valores em jogo com os que agora já não cabe jogar A garantia da jurisdicionalidade deve ser vista no contexto das garantias orgânicas da magistratura de modo a orientar a inserção do juiz no marco institucional da independência pressuposto da imparcialidade que deverá orientar sua relação com as partes no processo Ademais o acesso à jurisdição é premissa material e lógica para a efetividade dos direitos fundamentais O juiz assume uma nova posição10 no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um ainda que para isso tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas plenas e legais abandono completo do mito da verdade real BUENO DE CARVALHO 11 questionando para quem serve a lei aponta que a a lei é o limite ao poder desmesurado leiase limite à dominação Então a lei eticamente considerada é proteção ao débil Sempre e sempre é a lei do mais fraco aquele que sofre a dominação Nesse contexto inserese o juiz Em última análise c umpre ao juiz buscar a máxima eficácia da ley del más débil12 No momento do crime a vítima é o débil e por isso recebe a tutela penal Contudo no processo penal operase uma importante modificação o mais débil passa a ser o acusado que frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do processo e posteriormente da pena O sujeito passivo do processo aponta GUARNIERI13 passa a ser o protagonista porque ele é o eixo em torno do qual giram todos os atos do processo Esse princípio impõe ainda a inderrogabilidade do juízo no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade da jurisdição Ademais o acesso à jurisdição é premissa material e lógica para a efetividade dos direitos fundamentais 11 A Função do Juiz no Processo Penal Não basta apenas ter um juiz devemos perquirir quem é esse juiz que garantias ele deve possuir e a serviço de quem ele está Centraremonos agora em definir a função do juiz no processo a serviço de quem ele está Inicialmente cumpre recordar a garantia do juiz natural enquanto portadora de um tríplice significado14 a somente os órgãos instituídos pela Constituição podem exercer jurisdição b ninguém poderá ser processado e julgado por órgão instituído após o fato c há uma ordem taxativa de competência entre os juízes préconstituídos excluindose qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja Tratase de verdadeira exclusividade do juiz legalmente instituído para exercer a jurisdição naquele determinado processo sem que seja possível a criação de juízos ou tribunais de exceção art 5º XXXVII da CB Considerando que as normas processuais não podem retroagir para prejudicar o réu é fundamental vedarse a atribuição de competência post facto evitandose que a juízes ou tribunais sejam especialmente atribuídos poderes após o fato para julgar um determinado delito Por fim a ordem taxativa de competência é indisponível não havendo possibilidade de escolha O princípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um verdadeiro pressuposto para a sua própria existência Nesse tema imprescindível a leitura de ADELINO MARCON15 que considera o Princípio do Juiz Natural como um princípio universal fundante do Estado Democrático de Direito Consiste na síntese do autor no direito que cada cidadão tem de saber de antemão a autoridade que irá processálo e qual o juiz ou tribunal que irá julgálo caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento jurídicopenal Importante que MARCON sublinha o necessário deslocamento do nascimento da garantia para o momento da prática do delito e não para o do início do processo como o fazem outros Isso significa uma ampliação na esfera de proteção evitando manipulações nos critérios de competência bem como a definição posterior ao fato mas antes do processo do juiz da causa Elementar que essa definição posterior afetaria também a garantia da imparcialidade do julgador que será tratada no próximo tópico Quando se questiona a serviço de quem está o juiz transferimos a discussão para outra esfera a das garantias orgânicas da magistratura FERRAJOLI16 chama de garantias orgânicas aquelas relativas à formação do juiz e sua colocação funcional em relação aos demais poderes do Estado independência imparcialidade responsabilidade separação entre juiz e acusação juiz natural obrigatoriedade da ação penal etc Considera como garantias processuais aquelas relativas à formação do processo isto é à coleta da prova exercício do direito da defesa e à formação da convicção do julgador contraditório correlação carga da prova etc Dentro das garantias orgânicas nos centraremos agora na independência pois para termos um juiz natural imparcial e que verdadeiramente desempenhe sua função de garantidor no processo penal deve estar acima de quaisquer espécies de pressão ou manipulação política Não que com isso estejamos querendo o impossível um juiz neutro17 senão um juiz independente alguém que realmente possua condições de formar sua livre convicção Essa liberdade é em relação a fatores externos ou seja não está obrigado a decidir conforme queira a maioria ou tampouco deve ceder a pressões políticas A independência deve ser vista como a sua exterioridade ao sistema político e num sentido mais geral como a exterioridade a todo sistema de poderes18 O juiz não tem por que ser um sujeito representativo posto que nenhum interesse ou vontade que não seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juízo nem sequer o interesse da maioria ou inclusive a totalidade dos lesados Ao contrário do Poder Executivo ou do Legislativo que são poderes de maioria o juiz julga em nome do povo mas não da maioria para a tutela da liberdade das minorias A legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição e não da vontade da maioria O juiz tem uma nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais É uma legitimidade democrática fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial Contudo a independência não significa uma liberdade plena arbitrária pois sua decisão está limitada pela prova produzida no processo com plena observância das garantias fundamentais entre elas a vedação da prova ilícita e devidamente fundamentada motivação enquanto fator legitimante do poder Não significa possibilidade de decisionismo Não está o juiz obrigado a decidir conforme deseja a maioria pois a legitimação de seu poder decorre do vínculo estabelecido pelo caráter cognoscitivo da atividade jurisdicional Então no Estado Democrático de Direito se o juiz não está obrigado a decidir conforme deseja a maioria qual é o fundamento da independência do Poder Judiciário O fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor da eficácia do sistema de direitos e garantias fundamentais do acusado no processo penal O juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor não devendo julgar conforme deseja a maioria e não podendo fica inerte diante de violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados ou que brotem dos tratados e convenções firmados pelo Brasil Assume assim uma nova posição no Estado Democrático de Direito sem que com isso sua atuação seja política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um ainda que para isso tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas absolvendo sempre que não existirem provas plenas e legais de sua responsabilidade penal Como define FERRAJOLI19 o objetivo justificador do processo penal é a garantia das liberdades dos cidadãos Por enquanto fiquemos por aqui mas aqueles que quiserem aprofundar o estudo do papel do juiz e da decisão penal remetemos para o capítulo destinado ao estudo das Decisões Penais e sua necessária motivação 12 A Toga e a Figura Humana do Julgador no Ritual Judiciário da Dependência à Patologia No estudo do papel do juiz evidenciase uma vez mais a falência do monólogo científico e a necessidade de buscar na interdisciplinaridade o instrumental capaz de alcançar a superação do antagonismo entre sujeitoobjeto ou ainda entre conhecimento e objeto a ser conhecido20 Por mais que o Direito crie estruturas teóricas um grave problema está noutra dimensão para além do Direito Está na figura humana do juiz Também devemos nos preocupar com esse fator quando se pensa em sistema de garantias É elementar que estamos nos referindo a uma minoria aos casos patológicos mas é em relação a esses que o sistema de garantias deve se ocupar De nada adianta independência se o juiz é totalmente dependente do paitribunal sendo incapaz de pensar ou ir além do que ele diz É preocupante o nível de dependência que alguns juízes criam em relação ao entendimento deste ou daquele tribunal e o que é pior a sujeição de alguns tribunais ao que dizem outros tribunais superiores Quando uma decisão vale porque proferida por este ou aquele tribunal e não porque é uma boa decisão passase a ser um mero repetidor acrítico e autofágico impedindo qualquer espécie de evolução Alguns além de seguir cegamente o paitribunal sentemse protegidos pela vinculação aos tribunais superiores Mais tranquilizador impossível principalmente para juízes inseguros Sobre a relação do juiz com a jurisprudência é interessantíssima a abordagem de BUENO DE CARVALHO21 quando analisa a troca de dogma da lei pelo pensamento dos tribunais uma cruel forma de inibir a criatividade do operador jurídico Segundo o autor na relação com a comunidade o juiz acaba assumindo no inconsciente do povo a figura do pai e às vezes passando pelo papel de juiz divindade pois ele é aquele que pune que repreende que autoriza o casamento ou determina a separação É a figura do paijulgador Nessa mesma linha MORAIS DA ROSA22 prossegue para apontar que o Direito age em nome do Pai e por mandato operando na subjetividade humana ditando a lei como capaz de manter o laço social sob a utilitária promessa de felicidade Não raro os juízes assumem o papel de cavaleiros da prometida plenitude na expressão do autor ou completude lógica noutra dimensão e a partir dessas crenças congregam em si o poder de dizer o que é bom para os demais mortais neuróticos por excelência surgindo daí um objeto de amor capaz de fazer amar ao chefe censurador tido como necessário para manutenção do laço social Portanto o amor mantém a crença pela palavra do poder as quais serão objeto de amor Agrava a situação aponta ALMEIDA PRADO23 o desejo de uma excessiva estabilidade jurídica por parte das pessoas que possuem um anseio mítico de segurança e buscam essa segurança no substituto do pai no juizinfalível agravando com isso o quadro clínico do julgador Interessante como é bastante comum que os demais atores do ritual judiciário também adotem o discurso de que somente querem cumprir a lei MORAIS DA ROSA24 desvela essa subserviência alienada e apaixonada para explicar que isso lhes concederia um lugar ao lado do Outro Mas isso não é amor adverte o autor senão uma identificação identificar ficar idem com o poder do líder que tudo pode pois o mundo está dividido lacanianamente falando entre ele e os castrados e ao se identificar com ele surge a ilusão de não ser castrado faltoso numa relação dialética de amoescravo E o Outro tanto pode ser o juiz que aplica a lei como o legislador que elabora a lei conforto para o desalento constitutivo Mas essa relação entre paifilho que se opera entre juizjurisdicionado também se reproduz entre juiz tribunal Podemos identificar na lição do autor o juiz que está na infância tendo o pai como ídolo Seu desejo é agradar o pai e para isso nada melhor do que aderir ao seu saber expresso nos acórdãos Para tanto transcreve sempre a vontadejurisprudência do seu superior Essa relação neurótica perdura quando esse juiz chega ao tribunal pois espera que os outros filhos sigam seu caminho copiandoo Pior esse juiz mata o que há de mais digno na atividade judicante o sentire25 Em vez de proferir a sentença a partir da sua percepção da prova ele se reduz a um mero burocrata repetidor de decisões alheias26 com a finalidade de aderir à maioria ou ao paitribunal Em outros casos encontramos o juiz adolescente que na sua rebeldia quer destruir o pai O culpado é sempre o tribunal que lhe persegue e protege sempre o outro Este filho mantém a lógica da família doentia élhe reservado o papel de ovelha negra do grupo familiar O número não é significativo Outros ainda citando Amilton Bueno de Carvalho porém alcançam a maturidade o tribunal é apenas o tribunal Tem defeitos como também virtudes como qualquer grupo humano Dele emergem decisões preciosas que merecem ser seguidas e outras não Esse é o juiz independente disposto a ousar e a criar quer o pai aplauda quer não Seu compromisso não é com a carreira ou agradar o pai mas sim colocar sua atuação a serviço do jurisdicionado Claro que esse juiz pode acabar causando um malestar no pai neurótico tribunal que não compreende a liberdadematuridade do filho O grande problema é que como conclui BUENO DE CARVALHO como a maioria encontrase e parece sem condições de sair dali na fase da infância fácil é perceber como a jurisprudência que emergente do pai tem cunho de dogma e é entorpecedora da criatividade Daí por que não se concorda com Carlos Maximiliano quando diz que o julgador copia acórdão pela lei do menor esforço entendo que o motivo é outro agradar o órgão censorpai Além da independência só um juiz consciente de seu papel de garantidor e que acima de tudo tenha a dúvida como hábito profissional e como estilo intelectual é merecedor do poder que lhe é conferido Aqui está outro grave problema o juiz que assume uma cultura subjacente de forte conotação de defesa social27 incrementada pela ação persistente dos meios de comunicação reclamando menos impunidade e maior rigor penal derivada por sua vez de uma cultura geral política autoritária como a herdada nos países latinoamericanos28 que afeta o juiz enquanto homem político e social impõe uma concepção de processo menos dialética e igualitária para as partes É aquele juiz que absorve esse discurso de limpeza social e assim passa a atuar colocandose no papel de defensor da lei e da ordem verdadeiro guardião da segurança pública e da paz social A situação é grave na medida em que tudo isso se reflete no ato decisório pois a sentença é reflexo da eleição de uma das teses a ele submetidas acusação e defesa bem como de um juízo axiológico da prova e da lei aplicável ao caso Esse juiz representa uma das maiores ameaças ao processo penal e à própria Administração da Justiça pois é presa fácil dos juízos apriorísticos de inverossimilitude das teses defensivas é adepto da banalização das prisões cautelares da eficiência antigarantista do processo penal dos poderes investigatóriosinstrutórios do juiz do atropelo de direitos e garantias fundamentais especialmente daquela tal presunção de inocência da relativização das nulidades pro societate é adorador do rótulo crime hediondo pois a partir dele pode tomar as mais duras decisões sem qualquer esforço discursivo ou mesmo fundamentação introjeta com facilidade os discursos de combate ao crime como paleopositivista acredita no dogma da completude do sistema jurídico não sentindo o menor constrangimento em dizer que algo é injusto mas é a lei e como tal não lhe cabe questionar sentese à vontade no manejo dos conceitos vagos imprecisos e indeterminados do estilo prisão para garantia da ordem pública homem médio crimes de perigo abstrato etc pois lhe permitem ampla manipulação etc Mas principalmente esse juiz transforma o processo numa encenação inútil meramente simbólica e sedante pois desde o início já tem definida a hipótese acusatória como verdadeira Logo invocando uma vez mais CORDERO esse juiz ao eleger de início a hipótese verdadeira não faz no processo mais do que uma encenação destinada a mascarar a hábil alquimia de transformar os fatos em suporte da escolha inicial Ou seja não decide a partir dos fatos apresentados no processo senão da hipótese inicialmente eleita como verdadeira A decisão não é construída a partir da prova pois ela já foi tomada de início É o prejuízo que decorre do préjuízo A situação é mais grave recordando a lição de JACINTO COUTINHO29 na medida em que o que poderia restar de segurança é o livre convencimento ou seja retórica e contraataques basta imunizar a decisão com um belo discurso Mudando o enfoque devemos sublinhar que a legitimidade da decisão de um juiz decorre da razão30 e não do poder Infelizmente até porque são seres humanos com suas falhas e limitações alguns jamais atingem essa consciência ou mesmo superam o que SOUZA NETO define como juizite31 uma patologia que não possui ainda CID em que pese ser constatada com razoável frequência Ao lado dela igualmente estão a promotorzite e advogadite sendo esta última não tão comum até porque carecedor de poder A juizite é um consagrado bordão explica SOUZA NETO que pretende exprimir que o cargo ocupou a pessoa de tal maneira que se tornou aquele ser alguém prepotente e arrogante a mandar sempre É o espelho de Machado de Assis em que ao olharse diante do espelho não sabe mais se é um ser com um cargo ou um cargo com um ser Justifica o autor explanando que tão logo de posse da carteirinha de juiz de promotor de advogado tanto faz passa a receber o tratamento de doutor Vêm portanto a pompa e a circunstância Daí para o uso dos verbos mais drásticos como o eu exijo ou o emprego do tradicional você sabe com quem está falando a distância é pequena A juizite vem acompanhada pelo desejo de poder e como explica ALMEIDA PRADO32 pode ocorrer como expressão da tentativa de recompor o arquétipo cindido O arquétipo33 do juiz como de qualquer pessoa tem dois polos Não há um arquétipo de juiz e outro de infrator pois cada um deles seria uma das extremidades de uma mesma situação arquetípica Na atividade do juiz pode ocorrer uma ruptura entre os polos arquetípicos em que um deles permanece consciente e o outro é reprimido fica no inconsciente e é projetado sobre as partes no processo É a situação do juiz que acredita que o crime não tem nada em comum consigo como se ele e todos nós não fôssemos delinquentes e que o mal só existe no réu uma criatura que habita um mundo totalmente diverso do seu Ele esquece que tem como possibilidade um réu dentro de si34 e passa a se considerar a própria justiça encarnada Esse fenômeno chamase inflação da persona35 que ocorre quando os magistrados de tal forma se identificam com as roupas talares toga que não mais conseguem desvestilas nas relações familiares ou sociais Falta a esse juiz a consciência de sua própria sombra36 a capacidade de ser ao mesmo tempo julgadorjulgado É também um exercício de abstração ou mesmo de altruísmo de respeitar o outro na sua diversidade e assumir seu local de fala absolutamente imprescindível para o exercício da magistratura mas que infelizmente não tem sido devidamente exercitado A atividade judicante pode ser essencialmente projetiva na medida em que o julgador tira de si e coloca no mundo externo em outro ou em alguma coisa os próprios sentimentos desejos e demais atributos tidos como indesejáveis Daí ser muito importante que o juiz mais talvez do que qualquer outro profissional aponta ALMEIDA PRADO37 entre em contato com seus conteúdos sombrios trazendoos à consciência para com isso projetálos menos Como aponta a autora isso ocorrerá se buscar entender o significado desse possível infrator que como todo ser humano tem dentro de si reconhecendoo com tal No viés psiquiátrico ZIMERMAN38 aponta para os problemas de uma personalidade narcisista que com crescente frequência tem se manifestado Segundo o autor em uma exagerada figura retórica pode se dizer que eles sofrem de um complexo de deus quando então o sujeito narcisista sentese como se fosse o Sol enquanto configura aos demais como sendo seus planetas e satélites que devem orbitar em torno dele Muitas vezes pagam um preço por essa ânsia de brilhatura porque seguidamente são vítimas de outro tipo de complexo que podemos denominar como complexo de mariposa isto é tal como esses insetos são atraídos pela luminosidade e brilho das lâmpadas que acabam se queimando nelas Contribui ainda para o agravamento do quadro clínico o fato de o julgamento ser um imenso ritual com a peculiar arquitetura do templotribunal39 com suas estátuas sua sequência de atos sua linguagem e também suas vestes A aproximação com o simbólico da divindade é evidente Nesse cenário a toga inserese como instrumento imprescindível40 no ritual de purificação pois ao mesmo tempo em que é um escudo protetor subtrai o sujeito da sua condição de mortal purificao como explica GARAPON41 Sem o ritual e a toga como dois discursos poderiam ser ao mesmo tempo contraditórios e legítimos Como acusador e defensor poderiam atuar com hostilidade e agressividade ao longo do processo É o ritual e a toga que permitem a socialização dessa violência discursiva pois a verdadeira ameaça aponta GARAPON42 só pode vir do exterior desse círculo vestimentário Também serve como marco divisor entre a violência correta e a incorreta permitindo que a violência correta seja exercida sem sequer sujar as mãos de quem a exerce pois autorizado pelo tribunal e munido do escudo protetor Obviamente que essa proteção pode gerar algumas vezes um inadmissível sentimento de superioridade em relação às partes até porque a toga prolonga a cancella marca a separação Tem razão TOCQUEVILLE43 quando diante de um magistrado que trata rispidamente as partes encolhe os ombros perante os meios de defesa ou sorri com complacência em face da enumeração das acusações protesta com indignação gostaria que alguém se dispusesse a retirarlhes a toga para saber se uma vez vestidos como simples cidadãos isso não lhes traria à memória a dignidade natural da espécie humana A toga é a marca da superioridade da instituição sobre o homem pois já não é ele que habita a sua veste mas sim esta que o habita a ele44 A toga permite o refúgio na generalidade da função impessoalizando a decisão e também a acusação e a defesa A assunção desse papel conduz ao afastamento do eu levando a que não raras vezes o acusador acuse estando convicto do contrário ou o que é pior o juiz julgue em que pese a consciência da injustiça da decisão É a conhecida desculpa sinto muito é injusto mas é a lei então a culpa é da toga e não minha Essa é a togamáscara de GARAPON coerente com o resto do ritual judiciário pura exterioridade em que a nova pele faz com que seu portador possa praticar a violência sem correr riscos e exercer a vingança sem recear represálias Da boca da toga sai o discurso que se convencionou ser o verdadeiro é a verdade institucional Obviamente que essa maneira de esconder o juiz é falsa mas é fundamental para a mistificação da justiça pois como só lidam com ciências imaginárias veemse forçados a fazer uso desses instrumentos fúteis que impressionam a imaginação com a qual contactam E a verdade é que com isso conseguem incutir respeito45 O juiz consciente de seu mister não se pode deixar despir de sua natureza humana pela toga Precisa racionalizar inclusive seus medos Deve ter presente a função democráticogarantidora que lhe atribui a Constituição especialmente no processo penal jamais assumindo o papel de justiceiro de responsável pelo sistema imunológico da sociedade com uma posição mais policialesca que a própria polícia mais persecutória46 que o próprio acusador oficial Tolerância humanidade humildade são atributos que não podem ser despidos pela toga e tampouco asfixiados pelo poder Devemos assumir as subjetividades e a existência de espaços impróprios que permitem excessiva discricionariedade Vamos descobrir47 as patologias admitindo que elas estão em todas as esferas O ritual judiciário é inafastável pois o rito até certo ponto é garantia fundamental Mas existe um limite para o ritual que uma vez superado faz com que ele sufoque conduza à alienação dos atores judiciários no sentido de que aliénada e ao autismo jurídico Um afastamento tal da realidade é o que pode ser presenciado em muitos julgamentos absolutamente imersos em frágeis categorias artificialmente criadas pelo Direito e que não encontram a mínima legitimação externa Tratase de um erro gravíssimo mas bastante comum na Justiça Criminal excessivamente contaminada pelas equivocadas ideologias do repressivismo saneador a crença de que o simbólico da lei penal irá resolver o problema real e concreto que está por trás da violência urbana Como adverte SCHMIDT48 chegase ao absurdo de esquecer aquilo que o crime ainda deve possuir em sua essência o seu caráter antropológico o caráter humano do Direito Penal O processo precisa libertarse de alguns rituais para a justiça tornarse mais íntima e menos intimidante49 Somente assim é que a real dimensão e importância das garantias constitucionais e processuais serão finalmente compreendidas É por isso que não podemos abrir mão de um sistema de garantias mínimas capazes de remediar pelo controle ou ao menos amenizar o imenso prejuízo causado pela patologia judicial Recordemos CARNELUTTI50 que do alto de sua genialidade ensinava Nenhum homem se pensasse no que ocorre para julgar um outro homem aceitaria ser juiz Contudo achar juízes é necessário O drama do Direito é isto Um drama que deveria estar presente a todos dos juízes aos jurisdicionados no ato no qual se exalta o processo O Crucifixo que graças a Deus nas cortes judiciárias pende ainda sobre a cabeça dos juízes seria melhor se fosse colocado defronte a eles a fim de que ali pudessem com frequência pousar o olhar este a exprimir a indignidade deles e não fosse outra a imagem da vítima mais insigne da justiça humana Somente a consciência da sua indignidade pode ajudar o juiz a ser menos indigno 13 A Garantia da Imparcialidade Objetiva e Subjetiva do Julgador RePensando os Poderes InvestigatóriosInstrutórios Fundamentação Finalmente Adotada pelo Supremo Tribunal Federal HC 94641BA Mas não basta a garantia da jurisdição não é suficiente ter um juiz é necessário que ele reúna algumas qualidades mínimas para estar apto a desempenhar seu papel de garantidor A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo do processo51 e como tal imprescindível para o seu normal desenvolvimento e obtenção do reparto judicial justo Sobre a base da imparcialidade está estruturado o processo como tipo heterônomo de reparto Aponta CARNELUTTI52 que el juicio es un mecanismo delicado como un aparato de relojería basta cambiar la posición de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequilibrado e comprometido Seguindo WERNER GOLDSCHMIDT53 o termo partial expressa a condição de parte na relação jurídica processual e por isso a impartialidade do julgador constitui uma consequência lógica da adoção da heterocomposição por meio da qual um terceiro impartial substitui a autonomia das partes Já a parcialidade significa um estado subjetivo emocional um estado anímico do julgador A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà54 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de JACINTO COUTINHO55 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas Por isso W GOLDSCHMIDT56 sintetiza que la imparcialidad del juez es la resultante de las parcialidades de los abogados ou das partes Mas tudo isso cai por terra quando se atribuem poderes instrutórios ou investigatórios ao juiz pois a gestão ou iniciativa probatória é característica essencial do princípio inquisitivo que leva por consequência a fundar um sistema inquisitório57 A gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz conduz à figura do juizator e não espectador núcleo do sistema inquisitório Logo destróise a estrutura dialética do processo penal o contraditório a igualdade de tratamento e oportunidades e por derradeiro a imparcialidade o princípio supremo do processo Essa posição ativa pode ser assumida pelo juiz em dois momentos poderes investigatórios exercidos na investigação preliminar fase préprocessual poderes instrutórios exercidos no processo Distinguimos poderes investigatóriosinstrutórios a partir da separação58 que fazemos entre atos de prova realizados na fase processual com todas as garantias inerentes e atos de investigação realizados na fase inquisitorial tendo portanto valor reduzido diante de sua função endoprocedimental Recordemos que não se pode pensar sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório sob pena de incorrer em grave reducionismo A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor poderes investigatórios ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Centraremonos na problemática figura do juiz com poderes instrutóriosinvestigatórios cujo núcleo está não só no famigerado art 156 do CPP mas também na possibilidade de o juiz de ofício converter a prisão em flagrante em prisão preventiva o que representa o mesmo que poder decretar a prisão de ofício art 310 do CPP determinar o sequestro de bens art 127 do CPP decretar a busca e apreensão art 242 do CPP ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes art 209 do CPP condenar ainda que o Ministério Público tenha pedido a absolvição art 385 etc Especificamente no que tange ao art 156 do CPP a questão é ainda mais sensível O art 156 sempre foi um grande problema especialmente para aqueles comprometidos com o sistema acusatórioconstitucional Incrivelmente com a reforma pontual operada pela Lei n 116902008 ficou ainda pior É insuficiente pensar que o sistema acusatório se funda a partir da separação inicial das atividades de acusar e julgar Isso é um reducionismo que desconsidera a complexa fenomenologia do processo penal De nada basta uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação se depois ao longo do procedimento permitirmos que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora Nesse contexto o art 156 do CPP funda um sistema inquisitório pois representa uma quebra da igualdade do contraditório da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminam a principal garantia da jurisdição que é a imparcialidade do julgador Está desenhado um processo inquisitório A nova redação além de incorrer no erro de manter a figura do juizator foi mais longe permitindo no inciso I que o juiz de ofício ordene mesmo antes de iniciada a ação penal a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes observando a necessidade adequação e proporcionalidade da medida Pronto consagraram o juizinstrutorinquisidor com poderes para na fase de investigação preliminar colher de ofício a prova que bem entender para depois no processo decidir a partir de seus próprios atos Decide primeiro a partir da prova que ele constrói e depois no golpe de cena que se transforma o processo formaliza essa decisão Tampouco os critérios de necessidade adequação e proporcionalidade legitimam tal ativismo judicial pois são vagos imprecisos e manipuláveis O juiz deve manterse afastado da atividade probatória para ter o alheamento necessário para valorar essa prova A figura do juizespectador em oposição à figura inquisitória do juizator é o preço a ser pago para termos um sistema acusatório conforme explicamos quando da análise dos sistemas Inquisitório e Acusatório e cuja compreensão é pressuposto para a presente conclusão Mais do que isso é uma questão de respeito às esferas de exercício de poder São as limitações inerentes ao jogo democrático Nesse sentido acertada a decisão da 5ª Câmara Criminal do TJRS cujo acórdão é da lavra do Des ARAMIS NASSIF proferida na Correição Parcial n 70014869697 julgada em 01 de junho de 2006 CORREIÇÃO PARCIAL DECISÃO EX OFFICIO BAIXA DOS AUTOS À DP PARA EFEITOS DE RECONHECIMENTO DO RÉU VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO O Juiz não pode pena de ferir o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal de 1988 determinar diligências policiais especialmente reconhecimento do acusado pelas vítimas No sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de direitos devendo ter portanto suas garantias individuais constitucionais respeitadas A regra é clara e comum O Estado acusador através do agente ministerial manifesta a pretensão ao agente imparcial que é o Estadojuiz Essa imparcialidade que se apresenta mais nítida agora com a definição constitucional dos papéis processuais é a plataforma na construção de uma ciência processual penal democrática vedando a iniciativa ex officio na produção da prova Correição acolhida Como explicamos no estudo dos sistemas inquisitório e acusatório a transição para a inquisição começou exatamente com a insatisfação com a atividade incompleta das partes Como decorrência abandonouse o princípio do ne procedat iudex officio corolário da inércia judicial para paulatinamente forjarse o juiz inquisidor Enfrentando esses resquícios inquisitórios o Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH especialmente nos casos Piersack de 011082 e de Cubber de 26101984 consagrou o entendimento de que o juiz com poderes investigatórios é incompatível com a função de julgador Ou seja se o juiz lançou mão de seu poder investigatório na fase préprocessual não poderá na fase processual ser o julgador É uma violação do direito ao juiz imparcial consagrado no art 61 do Convênio para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950 Segundo o TEDH a contaminação resultante dos préjuízos conduzem à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva Desde o caso Piersack de 1982 entendese que a subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto que conhece de um determinado assunto e desse modo a sua falta de préjuízos Já a imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz se encontrar em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade Em ambos os casos a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições Não basta estar subjetivamente protegido é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial é a visibilidade Seguindo essas decisões do TEDH aduziu o Tribunal Constitucional espanhol STC 14588 entre outros fundamentos que o juizinstrutor não poderia julgar pois violava a chamada imparcialidade objetiva aquela que deriva não da relação do juiz com as partes mas sim de sua relação com o objeto do processo Ainda que a investigação preliminar suponha uma investigação objetiva sobre o fato consignar e apreciar as circunstâncias tanto adversas como favoráveis ao sujeito passivo o contato direto com o sujeito passivo e com os fatos e dados pode provocar no ânimo do juizinstrutor uma série de pré juízos e impressões a favor ou contra o imputado influenciando no momento de sentenciar Destaca o Tribunal uma fundada preocupação com a aparência de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos justiçáveis especialmente na esfera penal Dessa forma há uma presunção de parcialidade do juizinstrutor que lhe impede julgar o processo que tenha instruído59 Outra decisão sumamente relevante que vai marcar uma nova era no processo penal europeu foi proferida pelo TEDH no caso CastilloAlgar contra España STEDH de 281098 na qual declarou vulnerado o direito a um juiz imparcial o fato de dois magistrados que haviam formado parte de uma Sala que denegou um recurso interposto na fase préprocessual também terem participado do julgamento Essa decisão do TEDH levará a outras de caráter interno nos respectivos tribunais constitucionais dos países europeus e sem dúvida acarretará uma nova alteração legislativa Frisese que esses dois magistrados não atuaram como juízes de instrução mas apenas haviam participado do julgamento de um recurso interposto contra uma decisão interlocutória tomada no curso da instrução preliminar pelo juiz instrutor Isso bastou para que o TEDH entendesse comprometida a imparcialidade deles para julgar em grau recursal a apelação contra a sentença Imaginem o que diria o TEDH diante do sistema brasileiro em que muitas vezes os integrantes de uma Câmara Criminal irão julgar do primeiro habeas corpus interposto contra a prisão preventiva passando pela apelação e chegando até a decisão sobre os agravos interpostos contra os incidentes da execução penal Mas não apenas os espanhóis enfrentaram esse problema Seguindo a normativa europeia ditada pelo TEDH o art 34 do Códice de Procedura Penal prevê entre outros casos a incompatibilidade do juiz que ditou a resolução de conclusão da audiência preliminar para atuar no processo e sentenciar Posteriormente a Corte Constituzionale através de diversas decisões60 declarou a inconstitucionalidade por omissão desse dispositivo legal por não haver previsto outros casos de incompatibilidade com relação a anterior atuação do juiz na indagine preliminare Em síntese consagrou o princípio anteriormente explicado de que o juiz que atua na investigação preliminar está prevento e não pode presidir o processo ainda que somente tenha decretado uma prisão cautelar Sentença da Corte Constituzionale n 432 de 15 de setembro de 1995 No Brasil a questão começa a ser tratada para além do reducionismo de sempre Conforme o Informativo do STF n 528 de novembro de 2008 o Supremo Tribunal Federal no HC 94641BA Rel orig Min Ellen Gracie Rel p o acórdão Min Joaquim Barbosa julgado em 11112008 a Turma por maioria concedeu de ofício habeas corpus impetrado em favor de condenado por atentado violento ao pudor contra a própria filha para anular em virtude de ofensa à garantia da imparcialidade da jurisdição o processo desde o recebimento da denúncia No caso no curso de procedimento oficioso de investigação de paternidade Lei n 856092 art 2º promovido pela filha do paciente para averiguar a identidade do pai da criança que essa tivera surgiram indícios da prática delituosa supra sendo tais relatos enviados ao Ministério Público O parquet no intuito de ser instaurada a devida ação penal denunciara o paciente vindo a inicial acusatória a ser recebida e processada pelo mesmo juiz daquela ação investigatória de paternidade Entendeuse que o juiz sentenciante teria atuado como se autoridade policial fosse em virtude de no procedimento preliminar de investigação de paternidade em que apurados os fatos ter ouvido testemunhas antes de encaminhar os autos ao Ministério Público para a propositura de ação penal grifo nosso Verificase que o ponto fundamental para a anulação foi viola a garantia da imparcialidade o fato de o juiz ter realizado atos de natureza instrutória de ofício apurando fatos e ouvindo testemunhas No mesmo processo o votovista do Min Cezar Peluso concluiu que pelo conteúdo da decisão do juiz restara evidenciado que ele teria sido influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar Dessa forma considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada imparcialidade objetiva do magistrado cuja falta incapacitao de todo para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida Esclareceu que a imparcialidade denominase objetiva uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa sejam partes ou não imparcialidade dita subjetiva mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa no sentido de que não haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicção ou juízo prévio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir Assim sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional Observou por último que mediante interpretação lata do art 252 III do CPP Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que III tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão mas conforme com o princípio do justo processo da lei CF art 5º LIV não pode sob pena de imparcialidade objetiva e por consequente impedimento exercer jurisdição em causa penal o juiz que em procedimento preliminar e oficioso de investigação de paternidade se tenha pronunciado de fato ou de direito sobre a questão grifo nosso Finalmente parece que os julgadores brasileiros especialmente os tribunais superiores abriram os olhos para algo que já é falado há mais de duas décadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e que temos insistido desde nossa primeira obra em 2001 juiz que vai atrás da prova está prevento e não pode julgar Interessante ainda como o voto do Min Cezar Peluso menciona exatamente os mesmos fundamentos de imparcialidade objetiva e subjetiva empregados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos desde o Caso Piersack de 1982 e constantemente por nós referidos inclusive neste tópico Em definitivo pensamos que a prevenção deve ser uma causa de exclusão da competência O juiz instrutor é prevento e como tal não pode julgar Sua imparcialidade está comprometida não só pela atividade de reunir o material ou estar em contato com as fontes de investigação mas pelos diversos prejulgamentos que realiza no curso da investigação preliminar61 como na adoção de medidas cautelares busca e apreensão autorização para intervenção telefônica etc O problema é importante destacar não está apenas nas decisões que profere mas sim no fato de ir atrás da prova e assim permite o art 156 do CPP especialmente problemático é o inciso I sublinhese e depois decidir sobre o material que ele mesmo colheu Essa é a duplicidade perigosa e que deve ser analisada no caso concreto São esses processos psicológicos interiores que levam a um préjuízo sobre condutas e pessoas O problema é definir se o juiz tem condições de proceder ao que se chama de uma ideia sobre a pequena história do processo sem intensidade suficiente para condicionar ainda que inconscientemente e ainda que seja certeiramente a posição de afastamento interior que se exige para que comece e atue no processo Como aponta OLIVA SANTOS 62 essas ideias preconcebidas até podem ser corretas fruto de uma especial perspicácia e melhores qualidades intelectuais mas inclusive nesse caso não seria conveniente iniciar o processo penal com tal comprometimento subjetivo Crer na imparcialidade de quem está totalmente absorvido pelo labor investigador é o que J GOLDSCHMIDT63 denomina erro psicológico Foi essa incompatibilidade psicológica que levou ao descrédito do modelo inquisitório Sem dúvida chegou o momento de repensar a prevenção e também a relação juizinquérito pois em vez de caminhar em direção à figura do juiz garante ou de garantias alheio à investigação e verdadeiro órgão suprapartes está sendo tomado o caminho errado do juizinstrutor JACINTO COUTINHO64 aponta o erro da visão tradicional que tem a larga desvantagem de desconectar a matéria referente à competência do princípio do juiz natural Devese descortinar essa cruel estrutura e assumir o problema Não basta apenas definir as regras do jogo mas ir além delas definindo contra quem se está jogando e qual o conteúdo ético e axiológico do próprio jogo65 Esquecemos os erros do passado e tampouco olhamos para os lados Como sintetiza a Exposição de Motivos do CódigoModelo para IberoAmérica o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor Sequer isso é lido Não só estamos na contramão da evolução querendo ressuscitar a superada figura do juiz de instrução como nos negamos a evoluir repensando a prevenção diante da necessidade de proteção da posição do julgador Em momentos como esse parece que não somos mais capazes de repensar o pensamento e acima de tudo somos incapazes de repensar o próprio pensar Como já advertiu CORDERO66 nessa estrutura domina o primato dellipotesi sui fatti gerador de um quadri mentali paranoidi O cenário é doentio devemos nos preparar para atuar com juízes fazendo quadros mentais paranoicos67 14 O Direito de Ser Julgado em um Prazo Razoável art 5º LXXVIII da CF o Tempo como Pena e a DeMora Jurisdicional 141 Introdução Necessária Recordando o Rompimento do Paradigma Newtoniano O tempo mereceria ainda que a título de introdução uma obra que o tivesse como único objeto Nossa intenção nos estreitos limites do presente trabalho é fazer um pequeno recorte dessa ampla temática Para um estudo mais aprofundado desse direito fundamental recomendamos a leitura de nossa obra Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável escrita em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e publicada pela Editora Lumen Juris na qual esta e outras questões são tratadas com mais detalhamento Num proposital salto histórico recordemos que para NEWTON o universo era previsível um autômato representado pela figura do relógio Era a ideia do tempo absoluto e universal independente do objeto e de seu observador eis que considerado igual para todos e em todos os lugares Existia um tempo cósmico em que Deus era o grande relojoeiro do universo Tratavase de uma visão determinista com a noção de um tempo linear pois para conhecermos o futuro bastava dominar o presente Com EINSTEIN e a Teoria da Relatividade68 operase uma ruptura completa dessa racionalidade com o tempo sendo visto como algo relativo variável conforme a posição e o deslocamento do observador pois ao lado do tempo objetivo está o tempo subjetivo Sepultouse de vez qualquer resquício dos juízos de certeza ou verdades absolutas pois tudo é relativo a mesma paisagem podia ser uma coisa para o pedestre outra coisa totalmente diversa para o motorista e ainda outra coisa diferente para o aviador A percepção do tempo é completamente distinta para cada um de nós A verdade absoluta somente poderia ser determinada pela soma de todas as observações relativas69 HAWKING70 explica que EINSTEIN derrubou os paradigmas da época o repouso absoluto conforme as experiências com o éter e o tempo absoluto ou universal que todos os relógios mediriam Tudo era relativo não havendo portanto um padrão a ser seguido Outra demonstração importante é o chamado paradoxo dos gêmeos onde se um dos gêmeos a parte em uma viagem espacial próximo à velocidade da luz enquanto seu irmão b permanece na Terra em virtude do movimento do gêmeo a o tempo flui mais devagar na espaçonave Assim ao retornar do espaço o viajante a descobrirá que seu irmão b envelheceu mais do que ele Como explica HAWKING71 embora isso pareça contrariar o senso comum várias experiências indicam que nesse cenário o gêmeo viajante realmente voltaria mais jovem O tempo é relativo à posição e velocidade do observador mas também a determinados estados mentais do sujeito como exterioriza EINSTEIN72 na clássica explicação que deu sobre Relatividade à sua empregada quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita durante uma hora tem a impressão de que passou apenas um minuto Deixeo sentarse sobre um fogão quente durante um minuto somente e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora Isso é relatividade Até EINSTEIN consideravamse apenas as três dimensões espaciais de altura largura e comprimento pois o tempo era imóvel Quando se verificou que o tempo se move no espaço surge a quarta dimensão o espaçotempo NORBERTO ELIAS73 considera como a dimensão social do tempo em que o relógio é uma construção do homem a partir de uma convenção de uma medida adotada Isso está tão arraigado que não imaginamos que o tempo exista independentemente do homem Sem embargo o paradoxo do tempo é o fato de o relógio marcar 2h ontem e hoje novamente quando na verdade as duas horas de ontem jamais se repetirão ou serão iguais às 2h de hoje Na perspectiva da relatividade podemos falar em tempo objetivo e subjetivo mas principalmente de uma percepção do tempo e de sua dinâmica de forma completamente diversa para cada observador Como dito anteriormente vivemos numa sociedade regida pelo tempo em que a velocidade é a alavanca do mundo contemporâneo VIRILIO Desnecessária maior explanação em torno da regência de nossas vidas pelo tempo principalmente nas sociedades contemporâneas dominadas pela aceleração e a lógica do tempo curto Vivemos a angústia do presenteísmo buscando expandir ao máximo esse fragmento de tempo que chamamos de presente espremido entre um passado que não existe uma vez que já não é um futuro contingente que ainda não é e que por isso também não existe Nessa incessante corrida o tempo rege nossa vida pessoal profissional e como não poderia deixar de ser o próprio direito No que se refere ao Direito Penal o tempo é fundante de sua estrutura na medida em que tanto cria como mata o direito prescrição podendo sintetizarse essa relação na constatação de que a pena é tempo e o tempo é pena74 Punese através da quantidade de tempo e permitese que o tempo substitua a pena No primeiro caso é o tempo do castigo no segundo o tempo do perdão e da prescrição Como identificou MESSUTI75 os muros da prisão não marcam apenas a ruptura no espaço senão também uma ruptura do tempo O tempo mais que o espaço é o verdadeiro significante da pena O processo não escapa do tempo pois ele está arraigado na sua própria concepção enquanto concatenação de atos que se desenvolvem duram e são realizados numa determinada temporalidade O tempo é elemento constitutivo inafastável do nascimento desenvolvimento e conclusão do processo mas também na gravidade com que serão aplicadas as penas processuais potencializadas pela demora jurisdicional injustificada Sem embargo gravíssimo paradoxo surge quando nos deparamos com a inexistência de um tempo absoluto tanto sob o ponto de vista físico como também social ou subjetivo frente à concepção jurídica de tempo O Direito não reconhece a relatividade ou mesmo o tempo subjetivo e como define PASTOR76 o jurista parte do reconhecimento do tempo enquanto realidade que pode ser fracionado e medido com exatidão sendo absoluto e uniforme O Direito só reconhece o tempo do calendário e do relógio juridicamente objetivado e definitivo E mais para o Direito é possível acelerar e retroceder a flecha do tempo a partir de suas alquimias do estilo antecipação de tutela e reversão dos efeitos em manifesta oposição às mais elementares leis da física No Direito Penal em que pese as discussões em torno das teorias justificadoras da pena o certo é que a pena mantém o significado de tempo fixo de aflição de retribuição temporal pelo mal causado Sem dúvida que esse intercâmbio negativo na expressão de MOSCONI77 é fator legitimante e de aceitabilidade da pena ante a opinião pública O contraste é evidente a pena de prisão está fundada num tempo fixo78 de retribuição de duração da aflição ao passo que o tempo social é extremamente fluido podendo se contrair ou se fragmentar e está sempre fugindo de definições rígidas É uma concepção vinculada à ideia de controle e segurança jurídica que como apontamos no capítulo anterior deve ser repensada à luz da sociologia do risco e da própria teoria da relatividade Interessanos agora abordar o choque entre o tempo absoluto do direito e o tempo subjetivo do réu especialmente no que se refere ao direito de ser julgado num prazo razoável e à demora judicial enquanto grave consequência da inobservância desse direito fundamental 142 Tempo e Penas Processuais A concepção de poder passa hoje pela temporalidade na medida em que o verdadeiro detentor do poder é aquele que está em condições de impor aos demais o seu ritmo a sua dinâmica a sua própria temporalidade Como já explicamos em outra oportunidade o Direito Penal e o processo penal são provas inequívocas de que o EstadoPenitência usando a expressão de LOÏC WACQUANT já tomou ao longo da história o corpo e a vida os bens e a dignidade do homem Agora não havendo mais nada a retirar apossase do tempo79 Como veremos quando a duração de um processo supera o limite da duração razoável novamente o Estado se apossa ilegalmente do tempo do particular de forma dolorosa e irreversível E esse apossamento ilegal ocorre ainda que não exista uma prisão cautelar pois o processo em si mesmo é uma pena Já advertimos do grave problema que constitui o atropelo das garantias fundamentais pelas equivocadas políticas de aceleração do tempo do direito Agora interessanos o difícil equilíbrio entre os dois extremos de um lado o processo demasiadamente expedito em que se atropelam os direitos e garantias fundamentais e de outro aquele que se arrasta equiparandose à negação da tutela da justiça e agravando todo o conjunto de penas processuais ínsitas ao processo penal A visibilidade da pena processual é plena quando estamos diante de uma prisão cautelar em que a segregação é prévia ao trânsito em julgado da sentença Nesse caso dúvida alguma paira em torno da gravidade dessa violência que somente se justifica nos estritos limites de sua verdadeira cautelaridade como se verá em tópico específico quando analisaremos as prisões cautelares Mas a questão da dilação indevida do processo também deve ser reconhecida quando o imputado está solto pois ele pode estar livre do cárcere mas não do estigma e da angústia É inegável que a submissão ao processo penal autoriza a ingerência estatal sobre toda uma série de direitos fundamentais para além da liberdade de locomoção pois autoriza restrições sobre a livre disposição de bens a privacidade das comunicações a inviolabilidade do domicílio e a própria dignidade do réu O caráter punitivo está calcado no tempo de submissão ao constrangimento estatal e não apenas na questão espacial de estar intramuros Com razão MESSUTI80 quando afirma que não é apenas a separação física que define a prisão pois os muros não marcam apenas a ruptura no espaço senão também uma ruptura do tempo A marca essencial da pena em sentido amplo é por quanto tempo Isso porque o tempo mais que o espaço é o verdadeiro significante da pena O processo penal encerra em si uma pena la pena de banquillo81 ou conjunto de penas se preferirem que mesmo possuindo natureza diversa da prisão cautelar inegavelmente cobram seu preço e sofrem um sobrecusto inflacionário proporcional à duração do processo Em ambas as situações com prisão cautelar ou sem ela a dilação indevida deve ser reconhecida ainda que os critérios utilizados para aferila sejam diferentes na medida em que havendo prisão cautelar a urgência se impõe a partir da noção de tempo subjetivo A perpetuação do processo penal além do tempo necessário para assegurar seus direitos fundamentais se converte na principal violação de todas e de cada uma das diversas garantias que o réu possui A primeira garantia que cai por terra é a da Jurisdicionalidade insculpida na máxima latina do nulla poena nulla culpa sine iudicio Isso porque o processo se transforma em pena prévia à sentença através da estigmatização82 da angústia prolongada83 da restrição de bens e em muitos casos através de verdadeiras penas privativas de liberdade aplicadas antecipadamente prisões cautelares É o que CARNELUTTI84 define como a misure di soffrenza spirituale ou di umiliazione O mais grave é que o custo da penaprocesso não é meramente econômico mas social e psicológico Na continuação é fulminada a Presunção de Inocência pois a demora e o prolongamento excessivo do processo penal vão paulatinamente sepultando a credibilidade em torno da versão do acusado Existe uma relação inversa e proporcional entre a estigmatização e a presunção de inocência na medida em que o tempo implementa aquela e enfraquece esta O direito de defesa e o próprio contraditório também são afetados na medida em que a prolongação excessiva do processo gera graves dificuldades para o exercício eficaz da resistência processual bem como implica um sobrecusto financeiro para o acusado não apenas com os gastos em honorários advocatícios mas também pelo empobrecimento gerado pela estigmatização social Não há que olvidar a eventual indisponibilidade patrimonial do réu que por si só é gravíssima mas que se for conjugada com uma prisão cautelar conduz à inexorável bancarrota do imputado e de seus familiares A prisão mesmo cautelar não apenas gera pobreza senão que a exporta a ponto de a intranscendência da pena não passar de romantismo do Direito Penal A lista de direitos fundamentais violados cresce na mesma proporção em que o processo penal se dilata indevidamente Mas o que deve ficar claro é que existe uma pena processual mesmo quando não há prisão cautelar e que ela aumenta progressivamente com a duração do processo Seu imenso custo será ainda maior a partir do momento em que se configurar a duração excessiva do processo pois então essa violência passa a ser qualificada pela ilegitimidade do Estado em exercêla 143 A DeMora Jurisdicional e o Direito a um Processo sem Dilações Indevidas85 BECCARIA86 a seu tempo já afirmava com acerto que o processo deve ser conduzido sem protelações Demonstrava a preocupação com a demora judicial afirmando que quanto mais rápida for a aplicação da pena e mais perto estiver do delito mais justa e útil ela será Mais justa porque poupará o acusado do cruel tormento da incerteza da própria demora do processo enquanto pena Explica que a rapidez do julgamento é justa ainda porque a perda da liberdade em sede de medida cautelar já é uma pena E enquanto pena sem sentença deve limitarse pela estrita medida que a necessidade o exigir87 pois segundo o autor88 um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo e os mais antigos detidos têm o direito de ser julgados em primeiro lugar Cunhamos a expressão demora jurisdicional porque ela nos remete ao próprio conceito em sentido amplo da mora na medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento da obrigação de prestação jurisdicional Daí por que nos parece adequada a construção demora judicial no sentido de não cumprimento de uma obrigação claramente definida que é a da própria prestação da tutela jurisdicional devida Cumpre agora analisar os contornos e os problemas que rodeiam o direito de ser julgado num prazo razoável ou a um processo sem dilações indevidas 144 A Recepção pelo Direito Brasileiro A demora na prestação jurisdicional constitui um dos mais antigos problemas da Administração da Justiça Contudo como aponta PASTOR89 somente após a Segunda Guerra Mundial é que esse direito fundamental foi objeto de uma preocupação mais intensa Isso coincidiu com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 10121948 especialmente no art 10 que foi fonte direta tanto do art 61 da Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais CEDH como também dos arts 75 e 81 da CADH O núcleo do problema da demora como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 451990 está em que quando se julga além do prazo razoável independentemente da causa da demora se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido e por isso a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição muito menos da falaciosa reinserção social Tratase de um paradoxo temporal ínsito ao ritual judiciário um juiz julgando no presente hoje um homem e seu fato ocorrido num passado distante anteontem com base na prova colhida num passado próximo ontem e projetando efeitos pena para o futuro amanhã Assim como o fato jamais será real pois histórico o homem que praticou o fato não é o mesmo que está em julgamento e com certeza não será o mesmo que cumprirá essa pena e seu presente no futuro será um constante reviver o passado91 O Estado resulta como sintetiza PEDRAZ PENALVA 92 no principal obrigado por esse direito fundamental na medida em que cria deveres para o juiz impulso oficial bem como para o Estado legislador promulgação de um sistema normativo material processual e mesmo orgânico para uma efetiva Administração da Justiça sem esquecer os meios materiais e pessoais93 Tampouco se pode exigir cooperação do imputado na medida em que protegido pelo nemo tenetur se detegere Ademais os arts 75 e 81 da CADH não exigem tal participação ativa junto às autoridades judiciais ou policiais Processualmente o direito a um processo sem dilações indevidas inserese num princípio mais amplo o de Celeridade Processual Não obstante uma vez mais evidenciase o equívoco de uma Teoria Geral do Processo na medida em que o dever de observância das categorias jurídicas próprias do processo penal impõe uma leitura da questão de forma diversa daquela realizada no processo civil No processo penal o princípio de celeridade processual deve ser reinterpretado à luz da epistemologia constitucional de proteção do réu constituindo portanto um direito subjetivo processual do imputado Sua existência fundase na garantia de que los procesos deben terminar lo más rápidamente que sea posible en interés de todos pero ante todo en resguardo de la dignidad del imputado 94 Somente em segundo plano numa dimensão secundária a celeridade pode ser invocada para otimizar os fins sociais ou acusatórios do processo penal sem que isso jamais implique sacrifício do direito de ampla defesa e pleno contraditório para o réu Quanto à recepção pelo direito brasileiro cumpre sublinhar que esse direito fundamental já estava expressamente assegurado nos arts 75 e 81 da CADH95 recepcionados pelo art 5º 2º da Constituição A Emenda Constitucional n 45 de 08 de dezembro de 2004 não inovou em nada com a inclusão do inciso LXXVIII no art 5º da Constituição apenas seguiu a mesma diretriz protetora da CADH com a seguinte redação LXXVIII a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação Importa destacar que o tema em questão não se confunde com uma eventual constitucionalização de prazos senão como ensina a STC 58596 que o constitucionalizado é o direito fundamental como um todo no sentido de que uma pessoa tem direito a que seu processo seja objeto de manifestação jurisdicional num tempo razoável A mera e isolada inobservância de algum prazo por si só não conduz automaticamente à violação do direito fundamental em análise 145 A Problemática Definição dos Critérios A Doutrina do Não Prazo ou a ineficácia de prazos sem sanção Tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos como a Constituição não fixaram prazos máximos para a duração dos processos e tampouco delegaram para que lei ordinária regulamentasse a matéria Adotou o sistema brasileiro a chamada doutrina do não prazo persistindo numa sistemática ultrapassada e que a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem há décadas debatendo O fato de o Código de Processo Penal fazer referência a diversos limites de duração dos atos vg arts 400 412 531 etc não retira a crítica posto que são prazos despidos de sanção Ou seja aplicase aqui a equação prazosanção ineficácia Portanto quando falamos em não prazo significa dizer ausência de prazos processuais com uma sanção pelo descumprimento Dessa forma a indeterminação conceitual do art 5º LXXVIII da Constituição nos conduzirá pelo mesmo tortuoso caminho da jurisprudência do TEDH e da CADH sendo importante explicar essa evolução para melhor compreensão da questão Foi no caso Wemhoff97 STEDH de 27061968 que se deu o primeiro passo na direção da definição de certos critérios para a valoração da duração indevida através do que se convencionou chamar de doutrina dos sete critérios Para valorar a situação a Comissão sugeriu que a razoabilidade da prisão cautelar e consequente dilação indevida do processo fosse aferida considerandose98 a a duração da prisão cautelar b a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito à pena fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação c os efeitos pessoais que o imputado sofreu tanto de ordem material como moral ou outros d a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo e as dificuldades para a investigação do caso complexidade dos fatos quantidade de testemunhas e réus dificuldades probatórias etc f a maneira como a investigação foi conduzida g a conduta das autoridades judiciais Tratavase de critérios que deveriam ser apreciados em conjunto com valor e importância relativos admitindose inclusive que um deles fosse decisivo na aferição do excesso de prazo Mas a doutrina dos sete critérios não restou expressamente acolhida pelo TEDH como referencial decisivo mas tampouco foi completamente descartada tendo sido utilizada pela Comissão em diversos casos posteriores e servido de inspiração para um referencial mais enxuto a teoria dos três critérios básicos a saber a a complexidade do caso b a atividade processual do interessado imputado c a conduta das autoridades judiciárias Esses três critérios têm sido sistematicamente invocados tanto pelo TEDH como também pela Corte Americana de Direitos Humanos Ainda que mais delimitados não são menos discricionários O ideal seria a clara fixação da duração máxima do processo e da prisão cautelar impondo uma sanção em caso de descumprimento extinção do processo ou liberdade automática do imputado Para falarse em dilação indevida é necessário que o ordenamento jurídico interno defina limites ordinários para os processos um referencial do que seja a dilação devida ou o estándar medio admisible para proscribir dilaciones más allá de él99 Mas não foi essa a opção ao menos por ora do legislador brasileiro cabendo a análise da demora processual ser feita à luz dos critérios anteriormente analisados e acrescido do princípio da razoabilidade O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade100 é critério inafastável na ponderação dos bens jurídicos em questão Mas uma advertência deve ser feita nesse momento O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade aqui não estamos adotando a distinção feita por parte da doutrina por sua abertura conceitual deve no processo penal estar necessariamente conectado ao princípio da dignidade da pessoa humana como bem adverte SARLET101 e pensado como proibição de excesso de intervenção Na lição de SARLET102 não se pode esquecer nunca que a dignidade da pessoa atua simultaneamente como limite dos direitos e limite dos limites isto é barreira última contra a atividade restritiva dos direitos fundamentais Feita essa advertência para evitar a subversão do princípio continuemos a problemática em discussão A questão pode ser ainda abordada desde uma interpretação gramatical como o faz GIMENO SENDRA103 em que deverá haver em primeiro lugar uma dilação e em segundo lugar que essa dilação seja indevida Por dilação entendese a demora o adiamento a postergação em relação aos prazos e termos inicialfinal previamente estabelecidos em lei sempre recordando o dever de impulso oficial atribuído ao órgão jurisdicional o que não se confunde com poderes instrutóriosinquisitórios Incumbe às partes o interesse de impulsionar o feito enquanto carga no sentido empregado por James Goldschmidt e um dever jurisdicional em relação ao juiz Já o adjetivo indevida que acompanha o substantivo dilação constitui o ponto nevrálgico da questão pois a simples dilação não constitui o problema em si eis que pode estar legitimada Para ser indevida devese buscar o referencial devida enquanto marco de legitimação verdadeiro divisor de águas para isso é imprescindível um limite normativo conforme tratado na continuação GIMENO SENDRA104 aponta que a dilação indevida corresponde à mera inatividade dolosa negligente ou fortuita do órgão jurisdicional Não constitui causa de justificação a sobrecarga de trabalho do órgão jurisdicional pois é inadmissível transformar em devido o indevido funcionamento da Justiça Como afirma o autor lo que no puede suceder es que lo normal sea el funcionamiento anormal de la justicia pues los Estados han de procurar los medios necesarios a sus tribunales a fin de que los procesos transcurran en un plazo razonable SSTEDH Bucholz cit Eckle S 15 julio 1982 ZimmermanSteiner S 13 julio 1983 DCE 798477 11 julio SSTC 2231988 371991 Em síntese o art 5º LXXVIII da Constituição adotou a doutrina do não prazo fazendo com que exista uma indefinição de critérios e conceitos Nessa vagueza cremos que quatro deverão ser os referenciais adotados pelos tribunais brasileiros a exemplo do que já acontece nos TEDH e na CADH complexidade do caso atividade processual do interessado imputado que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria demora a conduta das autoridades judiciárias como um todo polícia Ministério Público juízes servidores etc princípio da razoabilidade Ainda não é o modelo mais adequado mas enquanto não se tem claros limites temporais por parte da legislação interna já representa uma grande evolução 146 Nulla Coactio Sine Lege a Urgente Necessidade de Estabelecer Limites Normativos O ideal seria abandonar a noção newtoniana de tempo absoluto à qual o direito ainda está vinculado para reconduzir o tempo ao sujeito por meio da concepção de tempo subjetivo A ponderação deveria partir do tempo subjetivo colocando esse poder de valoração nas mãos dos tribunais Mas se por um lado não seria adequado cientificamente definir rigidamente um tempo universal e absoluto para o desenvolvimento do processo penal recusa einsteiniana por outro a questão não pode ficar inteiramente nas mãos dos juízes e tribunais pois a experiência com a ampla discricionariedade judicial contida na doutrina do não prazo não se mostrou positiva A principal crítica em relação às decisões do TEDH e também da Corte Americana de Direitos Humanos sobre a matéria está calcada no inadequado exercício da discricionariedade jurisdicional com os tribunais lançando mão de um decisionismo arbitrário e sem critérios razoáveis PASTOR105 critica o entendimento dominante do não prazo106 como o adotado pelo art 5º LXXVIII da Constituição brasileira pois se inteligentemente não confiamos nos juízes a ponto de delegarlhes o poder de determinar o conteúdo das condutas puníveis nem o tipo de pena a aplicar ou sua duração sem limites mínimos e máximos nem as regras de natureza procedimental não há motivo algum para confiar a eles a determinação do prazo máximo razoável de duração do processo penal na medida em que o processo penal em si mesmo constitui um exercício de poder estatal e igual à pena às buscas domiciliares à interceptação das comunicações e todas as demais formas de intervenção do Estado deve estar metajudicialmente regulado com precisão e detalhe Assim como o Direito Penal está estritamente limitado pelo princípio da legalidade e o procedimento pelas diversas normas que o regulam também a duração dos processos deve ser objeto de regulamentação normativa clara e bem definida Na falta de bom senso por parte dos responsáveis em reconduzir o tempo ao sujeito devemos partir para uma definição normativa107 do tempo máximo de duração do processo a exemplo da pena de prisão O Princípio da Legalidade muito bem explicado por CLÁUDIO BRANDÃO108 surge para romper com esse terror e dar como consequência uma outra feição ao Direito Penal A partir dele o Direito Penal se prestará a proteger o homem não se coadunando com aquela realidade pretérita Ademais é importante destacar que se o legislador interno fixar limites inadequados ou abusivos cumprirá à Corte Americana de Direitos Humanos apontar a violação da CADH por parte da legislação interna reconduzindoa a limites razoáveis Então não é qualquer limite normativo que devemos aceitar mas somente aquele que estiver em conformidade com o direito de ser julgado no prazo razoável assim previsto na CADH A partir da definição de limites temporais máximos de duração dos procedimentos definidos a partir de suas especificidades abrese a possibilidade de exigir a priori a observância do direito fundamental e não apenas ter de contentarse com uma discussão posterior109 cuja consequência será o absurdo de criar outro prazo também razoável para sanar a dilação No Brasil a situação é gravíssima Não existe limite algum para a duração do processo penal não se confunda isso com prescrição110 e o que é mais grave sequer existe limite de duração das prisões cautelares especialmente a prisão preventiva mais abrangente de todas A Lei n 117912008 que alterou os procedimentos no processo penal estabeleceu os seguintes limites a no rito comum ordinário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada no prazo máximo de 60 dias contados da data do recebimento da denúncia ou queixa art 399 2º cc art 400 b no rito comum sumário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada no prazo máximo de 30 dias contados da data do recebimento da denúncia ou queixa art 399 2º cc art 531 c no rito relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri a primeira fase do procedimento deve encerrarse no prazo máximo de 90 dias art 412 Contudo persistem duas graves lacunas não existe a definição do prazo máximo de duração do processo até a sentença de primeiro grau e depois até o trânsito em julgado não existe uma sanção processual pela violação do prazo fixado em lei Assim se a instrução não for realizada no prazo fixado qual é a sanção aplicável Nenhuma Portanto estamos diante de prazo sem sanção o que conduz a ineficácia do direito fundamental Noutra dimensão persiste a completa ausência de fixação do prazo máximo de duração da prisão cautelar especialmente a prisão preventiva pois a temporária está tem sua duração fixada na Lei n 796089 Essa é outra lacuna inadmissível A Lei n 124032011 alterou o regime jurídico das prisões cautelares mas não resolveu o problema da duração indeterminada da prisão preventiva pois teve seus dispositivos disciplinadores da duração infelizmente vetados Deveria o legislador estabelecer de forma clara os limites temporais das prisões cautelares e do processo penal como um todo a partir dos quais a segregação é ilegal bem como deveria consagrar expressamente um dever de revisar periodicamente a medida adotada igualmente constante no PL 42082001 e vetado na Lei n 124032011111 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR112 é categórico ao afirmar a necessidade de a lei estipular prazos claros e objetivos para a prisão cautelar Cumpre esclarecer que não basta fixar limites de duração da prisão cautelar Sempre destacamos a existência de penas processuais para além da prisão cautelar punição processual mais forte mas não única e que resultam de todo o conjunto de coações que se realizam no curso do processo penal Essa é uma questão inegável e inerente ao processo penal Então as pessoas têm o direito de saber de antemão e com precisão qual é o tempo máximo que poderá durar um processo penal ou prisão cautelar sendo isso o reconhecimento de uma dimensão democrática da qual não podemos abrir mão O direito à jurisdição como bem recorda o Tribunal Constitucional espanhol113 no puede entederse como algo desligado del tiempo en que debe prestarse por los órganos del Poder Judicial sino que ha de ser comprendido en el sentido de que se otorgue por éstos dentro de los razonables términos temporales en que las personas lo reclaman en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos Um bom exemplo de limite normativo interno encontramos no Código de Processo Penal do Paraguai Ley n 128698 que em sintonia com a CADH estabelece importantes instrumentos de controle para evitar a dilação indevida O prazo máximo de duração do processo penal será de 4 anos114 após o qual o juiz o declarará extinto adoção de uma solução processual extintiva Também fixa um limite para a fase pré processual115 a investigação preliminar que uma vez superado impedirá o futuro exercício da ação penal pela perda do poder de proceder contra alguém ius ut procedatur Por fim cumpre destacar a resolução ficta insculpida nos arts 141 e 142116 do CPP paraguaio através da qual em síntese se um recurso contra uma prisão cautelar não for julgado no prazo fixado no Código o imputado poderá exigir que o despacho seja proferido em 24h Caso não o seja se entenderá que lhe foi concedida a liberdade Igual sistemática resolutiva operase quando a Corte Suprema não julgar um recurso interposto no prazo devido Se o recorrente for o imputado uma vez superado o prazo máximo previsto para tramitação do recurso sem que a Corte tenha proferido uma decisão entenderseá que o pedido foi provido Quando o postulado for desfavorável ao imputado recurso interposto pelo acusador superado o prazo sem julgamento o recurso será automaticamente rechaçado O Código de Processo Penal paraguaio é sem dúvida um exemplo a ser seguido neste ponto pois em harmonia com as diretrizes da CADH Definida assim a necessidade de um referencial normativo claro da duração máxima do processo penal e das prisões cautelares bem como das soluções adotadas em caso de violação desses limites passemos agora a uma rápida análise de decisões do TEDH da Corte Americana e de uma pioneira decisão do TJRS 147 Aplicação Prática Algumas Decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos da Corte Americana de Direitos Humanos e de Tribunais Brasileiros Como já destacamos além de firmatário da CADH o Brasil é passível de ser demandado junto à Corte Americana de Direitos Humanos que previsivelmente importa muitos dos entendimentos do TEDH que acabarão por via transversa afetando nossa jurisprudência interna como já ocorreu na pioneira decisão do TJRS a seguir analisada O direito a um processo sem dilações indevidas ou de ser julgado num prazo razoável é jovem direito fundamental ainda pendente de definições e mesmo de reconhecimento por parte dos tribunais brasileiros em geral bastante tímidos na recepção de novos e também de velhos direitos fundamentais mas que já vem sendo objeto de preocupação há bastante tempo por parte do Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH e dos sistemas processuais europeus117 Diante dessa tradição europeia na questão e a inegável influência que as decisões do TEDH exercem sobre a Corte Americana de Direitos Humanos e ela sobre o sistema interno brasileiro é importante analisar a doutrina construída em torno do art 61 da CEDH118 também fonte de inspiração da CADH A essa altura o leitor pode estar questionando quanto tempo é necessário para constituir a dilação indevida nos casos submetidos ao TEDH Como já foi apontado não há um critério único rígido senão uma análise do caso em concreto doutrina do não prazo Feita essa ressalva apenas como ilustração vejamos alguns exemplos119 de condenações por violação ao direito de ser julgado num prazo razoável Caso Metzger contra Alemanha STEDH 31052001 delito contra o meio ambiente cujo processo durou cerca de 9 anos Só a investigação preliminar demorou cerca de 4 anos e 8 meses Caso Milasi contra Itália STEDH 25061987 delitos de natureza política com sentença absolutória em virtude de um decreto de anistia cuja duração total foi de cerca de 9 anos e 7 meses Caso Deumeland contra Alemanha STEDH 29051986 delitos de natureza previdenciária tendo o processo durado cerca de 10 anos e 7 meses Caso Zimmermann e Steiner contra Suíça STEDH 13071983 esse caso é de natureza administrativa mas considerando que o direito a um processo sem dilações indevidas está inserido no princípio geral de celeridade também é invocável sua violação Tratase de uma ação de reparação de danos promovida contra o Estado suíço tendo como objeto de reclamação junto ao TEDH a demora de aproximadamente 3 anos e meio para julgamento de um recurso junto ao Supremo Tribunal Federal suíço A dilação 120 foi considerada indevida e o Estado condenado a indenizála Caso Foti e outros contra Itália STEDH 10121982 envolvia delitos praticados em uma rebelião popular envolvendo porte ilegal de armas resistência e obstrução de vias públicas Foi considerado que o procedimento mais rápido durou três anos e o mais longo 5 anos e 10 meses tendo o TEDH condenado a Itália por violação ao art 61 da CEDH direito a um processo sem dilações indevidas na medida em que havia longos lapsos mortos de tempo em que os procedimentos ficaram injustificadamente sem atividade Na esfera da Corte Americana de Direitos Humanos a garantia prevista nos arts 75 e 81 da CADH já foi objeto de decisão em algumas oportunidades121 No Brasil o tema é novo e os tribunais excessivamente tímidos no trato da matéria É comum encontrarmos acórdãos que tratem de duração razoável em prisões cautelares concedendo a liberdade diante do excesso de prazo Contudo tratando especificamente da dilação indevida de processo penal em que não se discuta a questão da duração da prisão cautelar é muito raro Entre as poucas decisões há uma que chama atenção pelo acerto e pioneirismo na aplicação de uma das soluções compensatórias cabíveis Entendeu a 5ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul na Apelação 70007100902 Rel Des Luis Gonzaga da Silva Moura j 17122003 Penal Estupro e Atentado violento ao pudor Autoria e materialidade suficientemente comprovadas Condenação confirmada Redimensionamento da pena Atenuante inominada do artigo 66 do Código Penal caracterizada pelo longo e injustificado tempo de tramitação do processo quase oito anos associado ao não cometimento de novos delitos pelo apelante Hediondez afastada Provimento parcial Unânime No caso em questão o réu foi acusado pelo delito de atentado violento ao pudor arts 214 cc 224 alínea a 225 inciso II e 226 inciso II na forma do art 70 parágrafo único do CP sendo ao final condenado a uma pena de 17 anos e seis meses de reclusão no regime integralmente fechado Em grau recursal o TJRS redimensionou a pena considerando entre outros elementos a ocorrência de dilação indevida na medida em que o processo tramitou por quase oito anos sem justificativa Ponderou o relator dois aspectos Um que a excessiva duração da demanda penal como na espécie presente por culpa exclusiva do aparelho judicial viola direito fundamental do homem o de ter um julgamento rápido artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem da Virgínia pelo que tal situação deve ser valorada no momento da individualização da pena Aliás já há na jurisprudência europeia decisões no sentido de atenuar o apenamento em razão da exorbitante duração do processo criminal ver Daniel R Pastor in El Plazo Razonable en el Processo del Estado de Derecho pág 177180 Dois se a pena tem na prevenção e retribuição seus objetivos é de se concluir que na hipótese a finalidade preventiva restou atendida só pelo moroso tramitar da lide penal sem sentido se falar em prevenção de novos delitos quando durante os quase oito anos de andamento do processo o apelante não cometeu nenhum novo crime E se isto aconteceu evidente que em respeito ao princípio da proporcionalidade e necessidade tal deve refletir na definição do apenamento a ser imposto ao acusado Interessanos especificamente o reconhecimento por parte do Tribunal da existência recepção do direito fundamental de ser julgado num prazo razoável e sua incidência no processo penal brasileiro Invocou o relator a incidência do princípio da proporcionalidade na medida em que as funções de prevenção e retribuição da pena foram atendidas pela morosa tramitação do feito Destacou que a função de prevenção de novos delitos acabou por perder seu objeto considerando que durante os oito anos de duração do processo o imputado não cometeu nenhum novo crime Ao redimensionar a pena o Tribunal lançou mão de uma solução compensatória de natureza penal explicaremos as soluções na continuação reduzindo a pena aplicada através da incidência da atenuante inominada do art 66 do CP para um quantitativo inferior ao mínimo legal desprezando acertadamente o disposto na Súmula n 231 do STJ Admitida ainda a continuidade delitiva a pena tornouse definitiva em 8 anos de reclusão no regime semiaberto porque também foi afastada a incidência da Lei n 8072 naquela época o regime integralmente fechado ainda era aplicado Até onde tivemos notícia esse foi o primeiro acórdão a enfrentar a violação do direito de ser julgado num prazo razoável adotando com precisão uma das soluções compensatórias cabíveis no caso a atenuante inominada do art 66 do CP com real eficácia posto que a pena foi substancialmente reduzida e a punição como um todo compensada pela pena processual longa e injustificada tramitação do feito Concluindo os exemplos citados demonstram que a demora não precisa ser tão longa como se imagina e que na maioria dos casos sequer se operaria a prescrição mesmo pela pena aplicada Saindo da esfera penal e ingressando no universo de demandas ajuizadas por particulares contra a União ou Estados o direito a um julgamento sem dilações indevidas teria um imenso campo de incidência ainda completamente inexplorado Mas o caso mais relevante foi a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso XIMENES LOPES Em 1º de outubro de 1999 o senhor DAMIÃO XIMENES LOPES que já apresentava um histórico de doença mental teve uma crise e foi internado na Casa de Repouso de Guararapes município de Sobral estado do Ceará que mantinha leitos para atender pelo SUS Em 3 de outubro em surto de agressividade teria entrado em um dos banheiros da clínica e de lá se recusado a sair tendo os funcionários da clínica o imobilizado e o retirado à força A vítima foi espancada e sedada com os medicamentos Haldol e Fenargan No dia seguinte 4 de outubro às 9h sua mãe foi visitálo e o encontrou sangrando com diversas lesões e hematomas a roupa rasgada sujo de fezes e com as mãos amarradas nas costas Segundo seu depoimento a vítima apresentava dificuldades para respirar e agonizava pedindo que chamasse a polícia Ela então saiu para buscar ajuda entre os enfermeiros e médicos da clínica Às 11h30min daquele mesmo dia Damião Ximenes Lopes estava morto Segundo narra a sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos os médicos da clínica atestaram que houve morte natural por parada cardiorrespiratória A necropsia foi extremamente falha tendo concluído que a causa da morte foi indeterminada Detalhe interessante como destaca a sentença é que o mesmo médico da clínica também atuava no IML Instituto Médico Legal onde foi feita a necropsia ainda que firmada por outro médico Muito tempo depois já no processo foi realizada a exumação do cadáver mas pouco foi apurado Nos dias posteriores ao ocorrido a família especialmente a irmã da vítima Irene Ximenes Lopes Miranda inconformada com o ocorrido fez notíciacrime junto à autoridade policial denúncia na Secretaria da Saúde e também na Comissão de Direitos Humanos do Ceará O inquérito policial foi instaurado e em 27 de março de 2000 oferecida denúncia pelo Ministério Público O processo foi extremamente tumultuado e censurada pela Corte Interamericana a forma como foi conduzido A denúncia foi incompleta obrigando a que houvesse posterior aditamento para inclusão de mais réus gerando inegável tumulto processual como apontou a Comissão Incrivelmente até o dia 04 de julho de 2006 quando o Brasil foi condenado na Corte Interamericana não havia sequer sentença de primeiro grau na esfera penal No cível a ação de indenização ajuizada pela família da vítima em 1999 também não havia sido sentenciada Logo após o fato a irmã da vítima percebendo a ineficácia da justiça brasileira apresentou uma petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos122 contra o Brasil através de uma ONG Centro por la Justicia Global O feito tramitou na Comissão etapa prévia ao processo na Corte e foi solicitado ao Estado brasileiro que informasse se foram esgotados os recursos e as vias judiciárias internas O Brasil ignorou o pedido Foram colocados instrumentos para solução amistosa e o Brasil não se manifestou Finalmente a Comissão entendeu a partir dos documentos juntados pela peticionária que haviam sido violados os arts 4º direito à vida 5º direito à integridade física 8º direito às garantias judiciais e 25 direito à proteção judicial da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica A Comissão123 recomendou ao Estado brasileiro uma série de medidas para sanar essas violações e fixou o prazo de 2 meses para que o país informasse as medidas tomadas Só então o país se manifestou postulando prorrogação desse prazo e após de forma absolutamente intempestiva contestou Diante das graves violações praticadas e a inércia do País em 30 de setembro de 2004 a Comissão decidiu submeter o caso à Corte Interamericana e no dia 04 de julho de 2006 o País foi condenado por violação do direito a vida integridade física e negação de jurisdição pela demora violação do direito de ser julgado no prazo razoável Interessanos neste tópico destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos também considerou que houve uma injustificada demora na prestação da tutela penal e cível Para tanto a Corte analisou três elementos124 em absoluta sintonia com os critérios por nós apontados complexidade do caso atuação do Estado atuação processual dos interessados125 Censurando a indevida dilação que o processo penal teve no caso em tela a Corte proferiu a primeira sentença condenatória por violação do disposto no art 81 da Convenção e também consagrado no art 5º LXXVIII da Constituição brasileira Em que pese não se tratar de uma demanda por violação exclusiva desse direito e tampouco ter como reclamante o réu mas sim a família da vítima a condenação é um marco histórico na matéria Sinaliza ainda os critérios para aferirse a violação do direito ao processo penal no prazo razoável Ao final o Brasil foi condenado a pagar126 a 125 mil dólares a título de compensação financeira à família b mais 10 mil dólares a título de ressarcimento das despesas processuais c o País deverá pagar esses valores no prazo máximo de 1 ano a contar da data da intimação da sentença d sobre esse valor não podem incidir impostos de qualquer natureza e em caso de atraso incidem juros moratórios bancários Em até 1 ano o Brasil deverá informar os pagamentos e cumprimento das demais determinações da sentença127 Ainda no prazo de 6 meses deverá publicar no Diário Oficial e em outro jornal de circulação nacional o capítulo VII da sentença relativo aos fatos provados da sentença e a parte dispositiva Mesmo que o valor da indenização seja baixo para quem recebe os familiares da vítima e irrisório para o país condenado a sentença é de um valor imensurável em termos de conquista de eficácia dos direitos humanos e fundamentais constitucionalmente previstos como o direito de ser julgado no prazo razoável 148 Em Busca de Soluções Compensatórias Processuais e Sancionatórias Reconhecida a violação do direito a um processo sem dilações indevidas devese buscar uma das seguintes soluções128 1 Soluções Compensatórias na esfera do Direito Internacional podese cogitar de uma responsabilidade por ilícito legislativo pela omissão em dispor da questão quando já reconhecida a necessária atividade legislativa na CADH que está incorporada ao sistema normativo interno Noutra dimensão a compensação poderá ser de natureza civil ou penal Na esfera civil resolvese com a indenização dos danos materiais eou morais produzidos devidos ainda que não tenha ocorrido prisão preventiva Existe uma imensa e injustificada resistência em reconhecer a ocorrência de danos e o dever de indenizar pela mera submissão a um processo penal sem prisão cautelar e que deve ser superada129 Já a compensação penal poderá ser através da atenuação da pena ao final aplicada aplicação da atenuante inominada art 66 do CP ou mesmo concessão de perdão judicial nos casos em que é possível vg art 121 5º art 129 8º do CP Nesse caso a dilação excessiva do processo penal uma consequência da infração atingiu o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária Havendo prisão cautelar a detração art 42 do CP é uma forma de compensação ainda que insuficiente 2 Soluções Processuais a melhor solução é a extinção do feito130 mas encontra ainda sérias resistências131 Ao lado dele alguns países preveem o arquivamento vedada nova acusação pelo mesmo fato ou a declaração de nulidade dos atos praticados após o marco de duração legítima132 Como afirmado no início a extinção do feito é a solução mais adequada em termos processuais na medida em que reconhecida a ilegitimidade do poder punitivo pela própria desídia do Estado o processo deve findar Sua continuação além do prazo razoável não é mais legítima e vulnera o Princípio da Legalidade fundante do Estado de Direito que exige limites precisos absolutos e categóricos incluindose o limite temporal ao exercício do poder penal estatal Também existe uma grande resistência em compreender que a instrumentalidade do processo é toda voltada para impedir uma pena sem o devido processo mas esse nível de exigência não existe quando se trata de não aplicar pena alguma Logo para não aplicar uma pena o Estado pode prescindir completamente do instrumento absolvendo desde logo o imputado sem que o processo tenha que tramitar integralmente Finalizando também são apontados como soluções processuais possibilidade de suspensão da execução ou dispensabilidade da pena indulto e comutação 3 Soluções Sancionatórias punição do servidor incluindo juízes promotores etc responsável pela dilação indevida Isso exige ainda uma incursão pelo Direito Administrativo Civil e Penal se constituir um delito A Emenda Constitucional n 45 além de recepcionar o direito de ser julgado em um prazo razoável também previu a possibilidade de uma sanção administrativa para o juiz que der causa à demora A nova redação do art 93 II e determina que e não será promovido o juiz que injustificadamente retiver autos em seu poder além do prazo legal não podendo devolvê los ao cartório sem o devido despacho ou decisão Cumpre agora esperar para ver se a sanção ficará apenas nessa dimensão simbólica ou se os tribunais efetivamente aplicarão a sanção Na atual sistemática brasileira não vemos dificuldade na aplicação das soluções compensatórias de natureza cível devidas ainda que não exista prisão cautelar bem como das sancionatórias A valoração das consequências da dilação indevida pode ser considerada quando da quantificação da medida reparatória contudo é importante destacar que a responsabilidade estatal independe dos efeitos causados pela dilação Em outras palavras a reparação é devida pelo atraso injustificado em si mesmo independentemente da demonstração de danos às partes até porque presumidos Também haverá na prática dois sérios inconvenientes a dificuldade que os tribunais têm de reconhecer e assumir o funcionamento anormal da justiça resistência corporativa bem como a imensa timidez dos valores fixados sempre muito aquém do mínimo devido por uma violência dessa natureza Na esfera penal não compreendemos a timidez em aplicar a atenuante genérica do art 66 do CP Assumido o caráter punitivo do tempo não resta outra coisa ao juiz que além da elementar detração em caso de prisão cautelar compensar a demora reduzindo a pena aplicada pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo Para tanto formalmente deverá lançar mão da atenuante genérica do art 66 do Código Penal É assumir o tempo do processo enquanto pena e que portanto deverá ser compensado na pena de prisão ao final aplicada Já em 1995 com inegável pioneirismo BADARÓ defendia que a duração irrazoável do processo que por certo constitui uma espécie de sanção antecipada pela incerteza que tal estado acarreta bem como pelos danos morais patrimoniais e jurídicos deve ser considerada circunstância relevante posterior ao crime caracterizandose como circunstância atenuante inominada nos termos do art 66 do Código Penal Para além dessa indiscutível incidência somos partidários de que a atenuante pode reduzir a pena além do mínimo legal estando completamente equivocada a linha discursiva norteada pela Súmula n 231 do STJ133 A aplicação da atenuante terá ainda conforme o caso caráter decisivo para a ocorrência da prescrição tornando a redução um fator decisivo para fulminar a própria pretensão punitiva a solução mais adequada em termos processuais Ainda que o campo de incidência seja limitado não vislumbramos nenhum inconveniente na concessão do perdão judicial nos casos em que é possível vg art 121 5º art 129 8º do CP pois a dilação excessiva do processo penal é uma consequência da infração que atinge o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária Mas na esteira de PASTOR134 o fato de apontarmos soluções compensatórias não significa que toleramos pacificamente as violações do Estado senão que elas são um primeiro passo na direção da efetivação do direito de ser julgado num processo sem dilações indevidas A flecha do tempo é irreversível e o tempo que o Estado indevidamente se apropriou jamais será suficientemente indenizado pois não pode ser restituído As soluções compensatórias são meramente paliativas uma falsa compensação não só por sua pouca eficácia limites para atenuação mas também porque representam um retoque cosmético como define PASTOR135 sobre uma pena inválida e ilegítima eis que obtida através de um instrumento processo viciado Ademais a atenuação da pena é completamente ineficiente quando o réu for absolvido ou a pena processual exceder o suplício penal Nesse caso o máximo que se poderá obter é uma paliativa e quase sempre tímida indenização Em relação à indenização pela demora evidenciase o paradoxo de obrigar alguém a cumprir uma pena considerada legítima e conforme o Direito e ao mesmo tempo gerar uma indenização pela demora do processo que impôs essa pena processo esse em consequência ilegítimo e ilegal Quanto às soluções processuais o problema é ainda mais grave O sistema processual penal brasileiro está completamente engessado e inadequado para atender às diretrizes da CADH Não dispõe de instrumentos necessários para efetivar a garantia do direito a um processo sem dilações indevidas Sequer possui um prazo máximo de duração das prisões cautelares O ideal seria uma boa dose de coragem legislativa para prever claramente o prazo máximo de duração do processo e das prisões cautelares fixando condições resolutivas pelo descumprimento Na fase de investigação preliminar devese prever a impossibilidade de exercício da ação penal após superado o limite temporal ou no mínimo fixar a pena de inutilidade para os atos praticados após o prazo razoável Também é preciso que se compreenda a instrumentalidade do processo penal de modo que para não aplicar uma pena o Estado pode prescindir completamente do instrumento absolvendo desde logo o imputado sem que o processo tenha que tramitar integralmente Isso permite que se exija por exemplo o pronto reconhecimento da prescrição pela provável pena a ser aplicada como imediata extinção do feito Devese voltar os olhos para os sistemas europeus mas também para o Código de Processo Penal paraguaio que acertadamente consagra um instrumento que efetivamente assegura a eficácia do direito fundamental de ser julgado num prazo razoável resolução ficta em favor do imputado Se diante de um recurso contra decisões definitivas ou mesmo interlocutórias interposto pelo réu o tribunal competente não se manifestar no prazo legal marco normativo do prazo razoável entendese automaticamente concedidos os direitos pleiteados É óbvio que o imputado que já está sofrendo todo um feixe de penas processuais não está obrigado a suportar o sobrecusto da demora na prestação jurisdicional Essa é a verdadeira compreensão do que seja a demora judicial E não se diga por favor que isso justificará decisões apressadas e sem a devida motivação pois um direito fundamental ser julgado no prazo razoável não legitima o sacrifício de outros autônomos e igualmente imperativos para o Estado O Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer nesse terreno Outra questão de suma relevância brota da análise do Caso Metzger da lúcida interpretação do TEDH no sentido de que o reconhecimento da culpabilidade do acusado através da sentença condenatória não justifica a duração excessiva do processo É um importante alerta frente à equivocada tendência de considerar que qualquer abuso ou excesso está justificado pela sentença condenatória ao final proferida como se o fim justificasse os arbitrários meios empregados Desnecessária qualquer argumentação em torno do grave erro desse tipo de premissa mas perigosamente difundida atualmente pelos movimentos repressivistas de lei e ordem tolerância zero etc 149 Concluindo o Difícil Equilíbrio entre a DeMora Jurisdicional e o Atropelo das Garantias Fundamentais Até aqui nos ocupamos do direito de ser julgado num prazo razoável seu fundamento recepção pelo sistema jurídico brasileiro dificuldade no seu reconhecimento e os graves problemas gerados pela demora jurisdicional O processo nasceu para retardar e dilatar o próprio tempo da reação Mas ao lado dessa regra basilar devemos também considerar que o processo que se prolonga indevidamente conduz a uma distorção de suas regras de funcionamento136 e as restrições processuais dos direitos do imputado que sempre são precárias e provisórias já não estão mais legitimadas na medida em que adquirem contornos de sobrecusto inflacionário da pena processual algo intolerável em um Estado Democrático de Direito Contudo não se pode cair no outro extremo no qual a duração do processo é abreviada aceleração antigarantista não para assegurar esses direitos senão para violálos atropelando as garantias fundamentais Como define PASTOR137 não existe nada mais demonstrativo da arbitrariedade de um procedimento que os juízos sumários ou sumaríssimos em matéria penal pois eles impedem que o imputado possa exercer todas as faculdades próprias de um processo penal adequado à Constituição democrática Isso nos remete a um primeiro ponto de partida que é analisar o problema a partir da perspectiva dos direitos do imputado O processo penal reclama tempo suficiente para satisfação com plenitude de seus direitos e garantias processuais Nesse sentido a CADH prevê no seu art 8º 2 c que 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade às seguintes garantias mínimas c concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa grifo nosso A CADH não se contentou em prever o direito aos meios adequados de defesa senão que consagrou de forma cumulativa conjunção aditiva e a garantia de concessão ao acusado de tempo Tratase de garantir o tempo da defesa na medida em que a eficácia dessa garantia está pendente de tempo para seu preparo Temse assim uma clara orientação a ser seguida em caso de dúvida o tempo está a favor do acusado138 Isso implica vedação ao atropelo das garantias fundamentais aceleração antigarantista e ao mesmo tempo negação à dilação indevida do processo penal Devemos considerar ainda que existe uma clara relação entre o aumento do número de processos com a duração que eles acabarão tendo de modo que a panpenalização gerada por movimentos como law and order e tolerância zero sobrecarrega a Justiça Penal muitas vezes com condutas que deveriam ser penalmente irrelevantes eis que passíveis de resolução em outras esferas como cível e direito administrativo sancionador entupindo juízes e tribunais com volumes absurdos de trabalho e em última análise aumentando a duração dos processos De nada servirá um simplório senão simbólico aumento de pessoal pois o volume de processos criminais gerados pela maximização do Direito Penal é inalcançável ainda mais para um Estado que tende cada vez mais a ser mínimo É interessante o infindável ciclo que se estabelece o Estado se afasta completamente da esfera social explode a violência urbana Para remediar tratamento penal para a pobreza Diante da banalização do Direito Penal maiores serão a ineficiência do aparelho repressor e a própria demora judicial em relação a todos os crimes mas especialmente dos mais graves que demandam maior dose de tempo diante de sua complexidade Entulhamse as varas penais e evidenciase a letargia da Justiça Penal Nada funciona A violência continua e sua percepção ampliase diante da impunidade que campeia Que fazer Subministrar doses ainda maiores de Direito Penal E o ciclo se repete É consequência natural da complexidade onde os diversos elementos atuam em rede numa permanente relação e interação sendo inviável pensar em compartimentos estanques e herméticos que permitam tratamentos isolados Mas a situação pode ficar ainda mais grave quando o tratamento vem acompanhado por doses de utilitarismo processual pois também devese acelerar o processo para tornálo ainda mais eficiente Começa então o sacrifício lento e paulatino dos direitos fundamentais É o óbito do Estado Democrático de Direito e o nascimento de um Estado Policial autoritário O resto da história é por todos conhecida Vimos assim os dois extremos da questão tempo no processo penal aceleração antigarantista e dilação indevida Em ambos temos a negação da jurisdição pois não basta qualquer juiz e qualquer julgamento isto é a garantia da tutela jurisdicional exige qualidade e nesse tema ela está no equilíbrio do direito a ser julgado num prazo razoável139 enquanto recusa os dois extremos A condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Ximenes Lopes é um marco em termos de eficácia do sistema internacional de proteção aos direitos humanos e mesmo não tendo por objeto específico a dilação indevida dela tratou e censura fez ao funcionamento da Justiça nacional Ao reconhecer a violação dos direitos à vida integridade e também ao processo no prazo razoável condenando o País a indenizar os afetados sinalizou a Corte que não tolerará o anormal funcionamento da Justiça brasileira Constitui assim um marco da maior relevância Dessarte pensamos que a Deve haver um marco normativo interno de duração máxima do processo e da prisão cautelar construído a partir das especificidades do sistema processual de cada país mas tendo como norte um prazo fixado pela Corte Americana de Direitos Humanos Com isso os tribunais internacionais deveriam abandonar a doutrina do não prazo deixando de lado os axiomas abertos para buscar uma clara definição de prazo razoável ainda que admitisse certo grau de flexibilidade atendendo às peculiaridades do caso Inadmissível é a total abertura conceitual que permite ampla manipulação dos critérios b São insuficientes as soluções compensatórias reparação dos danos e atenuação da pena sequer aplicada pela imensa maioria de juízes e tribunais brasileiros pois produz pouco ou nenhum efeito inibitório da arbitrariedade estatal É necessário que o reconhecimento da dilação indevida também produza a extinção do feito enquanto inafastável consequência processual O poder estatal de perseguir e punir deve ser estritamente limitado pela Legalidade e isso também inclui o respeito a certas condições temporais máximas Entre as regras do jogo também se inclui a limitação temporal para exercício legítimo do poder de perseguir e punir Tão ilegítima como é a admissão de uma prova ilícita para fundamentar uma sentença condenatória é reconhecer que um processo viola o direito de ser julgado num prazo razoável e ainda assim permitir que ele prossiga e produza efeitos É como querer extrair efeitos legítimos de um instrumento ilegítimo voltando à absurda máxima de que os fins justificam os meios c O processo penal deve ser agilizado Insistimos na necessidade de acelerar o tempo do processo mas desde a perspectiva de quem o sofre enquanto forma de abreviar o tempo de duração da pena processo Não se trata da aceleração utilitarista como tem sido feito através da mera supressão de atos e atropelo de garantias processuais ou mesmo a completa supressão de uma jurisdição de qualidade como ocorre na justiça negociada senão de acelerar através da diminuição da demora judicial com caráter punitivo É diminuição de tempo burocrático verdadeiros tempos mortos através da inserção de tecnologia e otimização de atos cartorários e mesmo judiciais Uma reordenação racional do sistema recursal dos diversos procedimentos que o CPP e leis esparsas absurdamente contemplam e ainda na esfera material um repensar os limites e os fins do próprio Direito Penal absurdamente maximizado e inchado Tratase de reler a aceleração não mais pela perspectiva utilitarista mas sim pelo viés garantista o que não constitui nenhum paradoxo Atento à questão CARVALHO 140 leciona que a legislação seja aperfeiçoada no sentido do estabelecimento de prazos razoáveis às decisões judiciais em sede executiva mas apreendendo os valores ínsitos ao Pacto de São José sejam criadas técnicas judiciais idôneas a uma célere decisão sobre os incidentes de execução penal Ainda que estivesse se ocupando da execução penal sem dúvida um ponto sensível da questão sua acertada indicação encontra plena ressonância em todo o processo penal especialmente a resolução ficta que SALO busca inspiração no Código de Processo Penal Paraguaio no sentido da concessão automática dos direitos pleiteados em caso de omissão dos poderes jurisdicionais Em suma um capítulo a ser escrito no processo penal brasileiro é o direito de ser julgado num prazo razoável num processo sem dilações indevidas mas também sem atropelos Não estamos aqui buscando soluções ou definições cartesianas em torno de tão complexa temática senão dando um primeiro e importante passo em direção à solução de um grave problema e isso passa pelo necessário reconhecimento desse jovem direito fundamental 2 Princípio Acusatório Separação de Funções e Iniciativa Probatória das Partes A Imparcialidade do Julgador Para compreensão dessa garantia é imprescindível a leitura dos capítulos anteriores quando tratamos dos Sistemas Processuais Penais Inquisitório e Acusatório Partindo dos conceitos lá definidos cumpre agora destacar alguns aspectos Inicialmente não prevê nossa Constituição expressamente a garantia de um processo penal orientado pelo sistema acusatório Contudo nenhuma dúvida temos da sua consagração que não decorre da lei mas da interpretação sistemática da Constituição Para tanto basta considerar que o projeto democrático constitucional impõe uma valorização do homem e do valor dignidade da pessoa humana pressupostos básicos do sistema acusatório Recordese que a transição do sistema inquisitório para o acusatório é antes de tudo uma transição de um sistema político autoritário para o modelo democrático Logo democracia e sistema acusatório compartilham uma mesma base epistemológica Para além disso possui ainda nossa Constituição uma série de regras que desenha um modelo acusatório como por exemplo titularidade exclusiva da ação penal pública por parte do Ministério Público art 129 I contraditório e ampla defesa art 5º LV devido processo legal art 5º LIV presunção de inocência art 5º LVII exigência de publicidade e fundamentação das decisões judiciais art 93 IX Essas são algumas regras inerentes ao sistema acusatório praticamente inconciliáveis com o inquisitório que dão os contornos do modelo acusatório constitucional Compreendese assim que o modelo constitucional é acusatório em contraste com o CPP que é nitidamente inquisitório O problema situase agora em verificar a falta de conformidade entre a sistemática prevista no Código de Processo Penal de 1941 e aquela da Constituição levando a que afirmemos desde já que todos os dispositivos do CPP que sejam de natureza inquisitória são substancialmente inconstitucionais e devem ser rechaçados Para tanto recordemos que não apenas o Ministério Público é o agente exclusivo da acusação garantindo a imparcialidade do juiz e submetendo sua atuação à prévia invocação por meio da ação penal mas principalmente que a carga probatória é inteiramente do acusador e que o juiz não deve ter qualquer tipo de ativismo probatório A imparcialidade do julgador decorre não de uma virtude moral mas de uma estrutura de atuação141 Não é uma qualidade pessoal do juiz mas uma qualidade do sistema acusatório Por isso a importância de mantêlo longe da iniciativa probatória pois quando o juiz atua de ofício funda uma estrutura inquisitória A gestão da prova deve estar nas mãos das partes mais especificamente a carga probatória está inteiramente nas mãos do acusador assegurandose que o juiz não terá iniciativa probatória mantendo se assim suprapartes e preservando sua imparcialidade Nesse contexto dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios como o famigerado art 156 do CPP devem ser expurgados do ordenamento ou ao menos objeto de leitura restritiva e cautelosa pois é patente a quebra da igualdade do contraditório e da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminada está a principal garantia da jurisdição a imparcialidade do julgador O sistema acusatório exige um juizespectador e não um juizator típico do modelo inquisitório Como ensina JACINTO COUTINHO142 se o processo tem por finalidade entre outras a reconstituição do crime enquanto fato histórico através da instrução probatória é a gestão da prova o princípio unificador que irá identificar se o sistema é inquisitório ou acusatório Se a gestão da prova está nas mãos do juiz como ocorre no nosso sistema à luz do art 156 entre outros estamos diante de um sistema inquisitório juizator Contudo quando a gestão da prova está confiada às partes está presente o núcleo fundante de um sistema acusatório juizespectador Assim ao contrário do afirmado por muitos nosso sistema é inquisitório JACINTO COUTINHO ensina que não existe um sistema misto porque não há mais sistema processual puro razão pela qual temse todos como sistemas mistos Não obstante não é preciso grande esforço para entender que não há e nem pode haver um princípio misto o que por evidente desfigura o dito sistema Assim para entendêlo fazse mister observar o fato de que ser misto significa ser na essência inquisitório ou acusatório recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos todos secundários que de um sistema são emprestados ao outro Logo devem ser considerados substancialmente inconstitucionais todos os dispositivos do CPP como os arts 5º 127 156 209 234 311 383 385 etc que violem as regras do sistema acusatório constitucional 3 Presunção de Inocência ou um Dever de Tratamento A presunção de inocência remonta ao Direito romano escritos de Trajano mas foi seriamente atacada e até invertida na inquisição da Idade Média Basta recordar que na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve Era na verdade uma presunção de culpabilidade No Directorium Inquisitorum EYMERICH orientava que o suspeito que tem uma testemunha contra ele é torturado Um boato e um depoimento constituem juntos uma semiprova e isso é suficiente para uma condenação A presunção de inocência e o princípio de jurisdicionalidade foram como explica FERRAJOLI143 finalmente consagrados na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 A despeito disso no fim do século XIX e início do século XX a presunção de inocência voltou a ser atacada pelo verbo totalitário e pelo fascismo a ponto de MANZINI chamála de estranho e absurdo extraído do empirismo francês Como já explicamos em outra oportunidade144 doutrinariamente pela mão de Vincenzo Manzini há um esvaziamento da tutela da inocência no processo penal justamente pela crítica que fora oposta à democracia francesa Como assevera Manzini la pseudo democracia de tipo francés superficial gárrula y confucionista en todo ha cometido también aquí el desacierto de enturbiar los conceptos afirmando que la finalidad del proceso penal es principalmente la de tutelar la inocencia o que ella se asocia a la de la represión de la delincuencia finalidades jurídicas agregando también la intención finalidad política de dar al pueblo la garantia de la exclusión del error y de la arbitrariedad145 E percebese uma inversão muito sutil nos argumentos trazidos a lume por Manzini até mesmo por se tratar de argumentos próprios da escolástica como a distinctio a divisio e a subdivisio Alude Manzini segundo o operar normal das coisas natureza das coisas é de se presumir o fundamento da imputação e a verdade da decisão e não o contrário taxando o processualista de irracional e paradoxal a defesa do princípio da presunção de inocência Manzini se apropria aqui da doutrina de Perego para quem a presunção de inocência surgiu como uma verdadeira atenuação da presunção de culpabilidade implícita na tautologia de que a ação penal nasce do delito146 No mesmo sentido é possível se acrescentar aqui as palavras de Ferrari147 e de Vitali148 Partindo de uma premissa absurda MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade O raciocínio era o seguinte como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo não há o que justifique a proteção e a presunção de inocência Com base na doutrina de Manzini o próprio Código de Rocco de 1930 não consagrou a presunção de inocência pois era vista como um excesso de individualismo e garantismo No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia Tal é sua relevância que AMILTON B DE CARVALHO149 afirma que o Princípio da Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum é pressuposto para seguir Eros nesse momento histórico da condição humana A presunção de inocência é ainda decorrência do princípio da jurisdicionalidade como explica FERRAJOLI150 pois se a jurisdição é a atividade necessária para obtenção da prova151 de que alguém cometeu um delito até que essa prova não se produza mediante um processo regular nenhum delito pode considerarse cometido e ninguém pode ser considerado culpado nem submetido a uma pena Segue o autor152 explicando que é um princípio fundamental de civilidade fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes ainda que para isso tenhase que pagar o preço da impunidade de algum culpável Isso porque ao corpo social lhe basta que os culpados sejam geralmente punidos pois o maior interesse é que todos os inocentes sem exceção estejam protegidos Se é verdade que os cidadãos estão ameaçados pelos delitos também o estão pelas penas arbitrárias fazendo com que a presunção de inocência não seja apenas uma garantia de liberdade e de verdade senão também uma garantia de segurança ou de defesa social153 enquanto segurança oferecida pelo Estado de Direito e que se expressa na confiança dos cidadãos na Justiça É uma defesa que se oferece ao arbítrio punitivo Destarte segue FERRAJOLI o medo que a Justiça inspira nos cidadãos é signo inconfundível de perda da legitimidade política da jurisdição e ao mesmo tempo de sua involução irracional e autoritária Assim cada vez que un imputado tiene razón para temer a un juez quiere decir que éste se halla fuera de la lógica del estado de derecho el miedo y también la sola desconfianza y la no seguridad del inocente indican la quiebra de la función misma de la jurisdicción penal y la ruptura de los valores políticos que la legitiman154 BECCARIA155 a seu tempo já chamava a atenção para o fato de que um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida Sob a perspectiva do julgador a presunção de inocência deveria ser um princípio da maior relevância principalmente no tratamento processual que o juiz deve dar ao acusado Isso obriga o juiz não só a manter uma posição negativa não o considerando culpado mas sim a ter uma postura positiva tratandoo efetivamente como inocente Podemos extrair da presunção de inocência156 que a formação do convencimento do juiz deve ser construído em contraditório Fazzalari orientandose o processo portanto pela estrutura acusatória que impõe a estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento rechaço à figura do juizinquisidor com poderes investigatóriosinstrutórios e consagração do juiz de garantias ou garantidor Na mesma linha VEGAS TORRES157 abordando o art 242 da Constituição Espanhola explica que tal garantia estende sua eficácia além do processo penal incluindo os demais ramos da jurisdição e mais além inclusive do campo propriamente jurisdicional pois alcança até a atividade administrativa sancionadora A partir da análise constitucional e também do art 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão158 de 1789 VEGAS TORRES159 aponta para as três principais manifestações não excludentes mas sim integradoras da presunção de inocência a É um princípio fundante em torno do qual é construído todo o processo penal liberal estabelecendo essencialmente garantias para o imputado160 frente à atuação punitiva estatal b É um postulado que está diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante o processo penal segundo o qual haveria de partirse da ideia de que ele é inocente e portanto deve reduzir se ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo incluindose é claro a fase préprocessual c Finalmente a presunção de inocência é uma regra diretamente referida ao juízo do fato que a sentença penal faz É sua incidência no âmbito probatório vinculando à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação impondose a absolvição do imputado se a culpabilidade não ficar suficientemente demonstrada Por fim numa análise sistemática quando a Constituição ordena que todos sejam julgados pelo juiz natural predeterminado por lei que aos acusados em geral estão assegurados o contraditório e a ampla defesa que os atos processuais são públicos que ao imputado está assegurado o direito de silêncio e o de não fazer prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere a garantia da presunção de inocência enfim ao assegurar todas as garantias inerentes ao devido processo legal não está dizendo outra coisa segundo CARRARA161 que Haced esto porque el hombre de quien vosotros sospecháis es inocente y no podéis negarle su inocencia mientras no hayáis demostrado su culpabilidad y no podeis llegar a esa demostración si no marcháis por el camino que os señalo Com acerto ADAUTO SUANNES162 chama a atenção para o fato de que por aplicação elementar do princípio constitucional da isonomia e do ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus não existem pessoas mais presumidas inocentes e pessoas menos presumidas Todos somos presumidamente inocentes qualquer que seja o fato que nos é atribuído Em sendo assim e só pode ser assim afirma categoricamente SUANNES163 nada justifica que alguém simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa deixe de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige Nem mesmo sua condenação definitiva o excluirá do rol dos seres humanos ainda que em termos práticos isso nem sempre se mostre assim Qualquer distinção portanto que se pretenda fazer em razão da natureza do crime imputado a alguém inocente contraria o princípio da isonomia pois a Constituição Federal não distingue entre maisinocente e menos inocente O que deve contar não é o interesse da sociedade que tem na Constituição Federal que prioriza o ser humano o devido tratamento mas o respeito à dignidade do ser humano qualquer seja o crime que lhe é imputado Por tudo isso a presunção de inocência enquanto princípio reitor do processo penal deve ser maximizada em todas suas nuances mas especialmente no que se refere à carga da prova regla del juicio e às regras de tratamento do imputado limites à publicidade abusiva estigmatização do imputado e à limitação do abuso das prisões cautelares A presunção de inocência afeta diretamente a carga da prova inteiramente do acusador diante da imposição do in dubio pro reo a limitação à publicidade abusiva para redução dos danos decorrentes da estigmatização prematura do sujeito passivo e principalmente a vedação ao uso abusivo das prisões cautelares Voltaremos a essas questões quando tratarmos desses institutos Em suma a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente que atua em duas dimensões interna ao processo e exterior a ele Na dimensão interna é um dever de tratamento imposto primeiramente ao juiz determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador pois se o réu é inocente não precisa provar nada e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição ainda na dimensão interna implica severas restrições ao abuso das prisões cautelares como prender alguém que não foi definitivamente condenado Externamente ao processo a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do réu Significa dizer que a presunção de inocência e também as garantias constitucionais da imagem dignidade e privacidade deve ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência 4 Contraditório e Ampla Defesa 41 Direito ao Contraditório O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade fundandose não mais sobre um juízo potestativo mas sobre o conflito disciplinado e ritualizado entre partes contrapostas a acusação expressão do interesse punitivo do Estado e a defesa expressão do interesse do acusado e da sociedade em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo O ato de contradizer164 a suposta verdade afirmada na acusação enquanto declaração petitória é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mútuas das partes na forma dialética Por isso está intimamente relacionado com o princípio do audiatur et altera pars pois obriga que a reconstrução da pequena história do delito seja feita com base na versão da acusação vítima mas também com base no alegado pelo sujeito passivo O adágio está atrelado ao direito de audiência no qual o juiz deve conferir a ambas as partes sobre pena de parcialidade Para W GOLDSCHMIDT 165 também serve para justificar a face igualitária da justiça pois quien presta audiencia a una parte igual favor debe a la otra O juiz deve dar ouvida a ambas as partes sob pena de parcialidade na medida em que conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido Considerando o que dissemos acerca do processo como jogo das chances e estratégias que as partes podem lançar mão legitimamente no processo o sistema exige apenas que seja dada a oportunidade de fala Ou seja o contraditório é observado quando se criam as condições ideais de fala e oitiva da outra parte ainda que ela não queira utilizarse de tal faculdade até porque pode lançar mão do nemo tenetur se detegere166 O contraditório é uma nota característica do processo uma exigência política e mais do que isso se confunde com a própria essência do processo Como define RANGEL DINAMARCO167 claramente inspirado em Elio Fazzalari o conceito moderno de processo necessariamente deve envolver o procedimento e o contraditório sem o que não existe processo A interposição de alegações contrárias frente ao órgão jurisdicional a própria discussão explica GUASP168 não só é um eficaz instrumento técnico que utiliza o direito para obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo senão que se trata de verdadeira exigência de justiça que nenhum sistema de Administração de Justiça pode omitir É autêntica prescrição do direito natural dotada de inevitável conteúdo imperativo Talvez seja o princípio de direito natural mais característico entre todos os que fazem referência à Administração da Justiça Não podemos esquecer que Ministério Público e Defesa estão feitos para contraditaremse a ponto de CARNELUTTI169 afirmar que la loro contraddizione è necessária al giudice come lossigeno nellaria che respira Il dubbio è un passaggio obbligato sulla via della verità guai al giudice che non dubita Non tanto la possibilita quanto la effettività del contraddittorio sono una garanzia imprescindibile della istruzione Tanto più vale codesta garanzia quanto più siano equilibrate le forze dei due lottatori Numa visão moderna o contraditório engloba o direito das partes de debater frente ao juiz mas não é suficiente que tenham a faculdade de ampla participação no processo é necessário também que o juiz participe intensamente não confundir com juizinquisidor ou com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz respondendo adequadamente às petições e requerimentos das partes fundamentando suas decisões inclusive as interlocutórias evitando atuações de ofício e as surpresas Ao sentenciar é crucial que observe a correlação acusaçãodefesasentença170 Contudo contraditório e direito de defesa são distintos pelo menos no plano teórico PELLEGRINI GRINOVER171 explica que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório No mesmo sentido LEONE172 faz a distinção e afirma que não se pode identificar contraditório e direito de defesa pois o último pode ser exercido sem que seja instaurado o contraditório Para o autor o contraditório consiste na participação contemporânea e contraposta de todas as partes no processo Ademais destaca que o contraditório é da essência da estrutura dialética sobre a qual deve estruturarse o processo penal Assim o contraditório deve ser visto basicamente como o direito de participar de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental A relevância da distinção reside na possibilidade de violar um deles sem a violação simultânea do outro com reflexos no sistema de nulidades dos atos processuais É possível cercear o direito de defesa pela limitação no uso de instrumentos processuais sem que necessariamente também ocorra violação do contraditório A situação inversa é teoricamente possível mas pouco comum pois em geral a ausência de comunicação gera a impossibilidade de defesa Destacamos que na teoria é facilmente apontável a distinção entre contraditório e direito de defesa Sem embargo ninguém pode omitir que o limite que separa ambos é tênue e na prática às vezes quase imperceptível Desse modo entendemos que não constitui pecado mortal afirmar que em muitos momentos processuais o contraditório e o direito de defesa se fundem e a distinção teórica fica isolada diante da realidade do processo Nessa linha parte da doutrina não faz uma distinção clara entre ambos e MANZINI173 chega inclusive a afirmar que a defesa é um elemento do contraditório Os dois polos da garantia do contraditório são informação e reação A efetividade do contraditório no Estado Democrático de Direito está amparada no direito de informação e participação dos indivíduos na Administração de Justiça Para participar é imprescindível ter a informação A participação no processo se realiza por meio da reação vista como resistência à pretensão jurídica acusatória e não punitiva174 articulada e isso expressa a dificuldade prática em certos casos de distinguir entre a reação e o direito de defesa Assim o contraditório é essencialmente o direito de ser informado e de participar no processo É o conhecimento completo da acusação o direito de saber o que está ocorrendo no processo de ser comunicado de todos os atos processuais Como regra não pode haver segredo antítese para a defesa sob pena de violação ao contraditório Tratase contraditório e direito de defesa de direitos constitucionalmente assegurados no art 5º LV da CB Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes A partir desse postulado vejamos agora algumas questões em torno do direito de defesa técnica e pessoal positiva e negativa e após a incidência juntamente com o contraditório nas fases pré processual processual e de execução penal 42 Direito de Defesa Técnica e Pessoal 421 Defesa Técnica A defesa técnica supõe a assistência de uma pessoa com conhecimentos175 teóricos do Direito um profissional que será tratado como advogado de defesa defensor ou simplesmente advogado Explica FENECH176 que a defesa técnica é levada a cabo por pessoas peritas em Direito que têm por profissão o exercício dessa função técnicojurídica de defesa das partes que atuam no processo penal para pôr de relevo seus direitos A justificação da defesa técnica decorre de uma esigenza di equilibrio funzionale177 entre defesa e acusação e também de uma acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal em igualdade de condições técnicas com o acusador Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo promotor policial ou mesmo juiz Pode existir uma dificuldade de compreender o resultado da atividade desenvolvida na investigação preliminar gerando uma absoluta intranquilidade e descontrole Ademais havendo uma prisão cautelar existirá uma impossibilidade física de atuar de forma efetiva Para FOSCHINI178 a defesa técnica é anche una esigenza della società perchè la regiudicanda penale implica non solo una responsabilità individuale ma anche una responsabilità della collettività sociale Prossegue o autor afirmando que limputato infatti alla stregua dei propri criteri potrebbe anche difendersi poco o non difendersi o addirittura ammettere la propria certamento negativo se alla stregua dei valori sociali tradotti nellordinamento giuridico è da ritenere che il fatto non constituisca reato o che non sai fonte di responsabilità ad es perchè constituisce unazione bellica o perchè commesso in stato di necessità Isso significa que a defesa técnica é uma exigência da sociedade porque o imputado pode a seu critério defenderse pouco ou mesmo não se defender mas isso não exclui o interesse da coletividade de uma verificação negativa no caso do delito não constituir uma fonte de responsabilidade penal A estrutura dualística do processo expressase tanto na esfera individual como na social O direito de defesa está estruturado no binômio defesa privada ou autodefesa defesa pública ou técnica exercida pelo defensor Por esses motivos apontados por FOSCHINI a defesa técnica é considerada indisponível pois além de ser uma garantia do sujeito passivo existe um interesse coletivo na correta apuração do fato Tratase ainda de verdadeira condição de paridade de armas imprescindível para a concreta atuação do contraditório Inclusive fortalece a própria imparcialidade do juiz pois quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficará o julgador terzietà alheamento No mesmo sentido MORENO CATENA179 leciona que a defesa técnica atua também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual penal estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética processual e da igualdade das partes É na realidade uma satisfação alheia à vontade do sujeito passivo pois resulta de um imperativo de ordem pública contido no princípio do due process of law O Estado deve organizarse de modo a instituir um sistema de Serviço Público de Defesa tão bem estruturado como o Ministério Público com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor Assim como o Estado organiza um serviço de acusação tem esse dever de criar um serviço público de defesa porque a tutela da inocência do imputado não é só um interesse individual mas social180 Nesse sentido a Constituição garante no art 5º LXXIV que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos Para efetivar tal garantia o sistema brasileiro possui uma elogiável instituição a Defensoria Pública prevista no art 134 da CB como instituição essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados A necessidade da defesa técnica está expressamente consagrada no art 261 do CPP onde se pode ler que nenhum acusado ainda que ausente ou foragido será processado ou julgado sem defensor No âmbito internacional o art 82 da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê o direito do acusado de defenderse pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor Também garante o direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei No inquérito policial a defesa técnica está limitada pois limitada está a defesa como um todo Ainda que o direito de defesa tenha expressa previsão constitucional como explicamos anteriormente na prática a forma como é conduzido o inquérito policial quase não deixa espaço para a defesa técnica atuar no seu interior Por isso dizse que a defesa técnica na fase préprocessual tem uma atuação essencialmente exógena através do exercício do habeas corpus e do mandado de segurança que em última análise corporificam o exercício do direito de defesa fora do inquérito policial Dentro do inquérito basicamente só existe a possibilidade de solicitar diligências nos estreitos limites do art 14 do CPP Contudo é errado dizerse que não existe direito de defesa no inquérito Existir existe desde 1941 ainda que não tenha a eficácia que a Constituição exija É imprescindível que seja nomeado um defensor quando não constituído permitindolhe em caso de prisão que converse prévia e reservadamente com o sujeito passivo antes de ser ouvido Ademais o defensor poderá solicitar diligências à autoridade policial art 14 que poderão ser realizadas ou não Tendo em vista que o art 5º XXXV da CB prevê que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário uma lesão ou ameaça a um direito a injusta negativa por parte da autoridade policial deverá ser objeto de impugnação pela via do habeas corpus mandado de segurança ou reclamação conforme o caso Outra importante garantia que deve ser observada desde a investigação preliminar é evitar a colidência de teses defensivas A impossibilidade de que um mesmo defensor possa defender dois ou mais imputados pode ser classificada em Impossibilidade absoluta é o sistema previsto na StPO que impede a figura do defensor comum sem levar em consideração se existe ou não um conflito de interesses ou de teses defensivas colidência Impossibilidade relativa nesse sentido dispõe o art 106 do CPP italiano que a defesa de vários imputados pode ser assumida por um defensor comum sempre que as diversas posições da defesa não sejam incompatíveis entre si Também é a posição do CPP português art 65 que possibilita a defesa de vários arguidos por um único advogado sempre que não contrarie a função da defesa No Brasil não existe previsão legal e a jurisprudência foi encarregada de consolidar uma impossibilidade relativa de que um mesmo advogado atue na defesa de dois ou mais acusados Para tanto firmou entendimento de que é inviável quando existir colidência de teses defensivas capaz de gerar uma deficiência do direito de defesa Na atualidade a presença do defensor deve ser concebida como um instrumento de controle da atuação do Estado e de seus órgãos no processo penal garantindo o respeito à lei e à Justiça Se o processo penal deve ser um instrumento de proteção dos direitos fundamentais do sujeito passivo o defensor deve ajustarse a esse fim atuando para sua melhor consecução Está intimamente vinculado ao direito fundamental da salvaguarda da dignidade humana obrigando o defensor a uma atividade unilateral somente a favor daquele por ele defendido O defensor unicamente tem que vigiar o processo penal para evitar infrações da lei ou injustiças contra seu cliente sem é claro atuar fora da legalidade Por fim devese destacar que o advogado finalmente deixou de ser uma figura dispensável no interrogatório ou quando presente um mero convidado de pedra A teor da nova redação dos arts 185 e 188 do CPP não só o advogado deve estar presente no interrogatório judicial ou policial como ainda poderá ao final formular perguntas ao imputado 422 A Defesa Pessoal Positiva e Negativa 4221 Defesa Pessoal Positiva Junto à defesa técnica existem também atuações do sujeito passivo no sentido de resistir pessoalmente à pretensão estatal Através dessas atuações o sujeito atua pessoalmente defendendo a si mesmo como indivíduo singular fazendo valer seu critério individual e seu interesse privado181 A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifestase de várias formas mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância Classificamos a autodefesa a partir de seu caráter exterior como uma atividade positiva ou negativa O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva comissão expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria ou de materialidade do fato que se lhe imputa Ao lado deste atuar que supõe o interrogatório também é possível uma completa omissão um atuar negativo através do qual o imputado se nega a declarar Não só pode se negar a declarar como também pode se negar a dar a mínima contribuição para a atividade probatória realizada pelos órgãos estatais de investigação como ocorre nas intervenções corporais reconstituição do fato fornecer material escrito para a realização do exame grafotécnico etc Também a autodefesa negativa reflete a disponibilidade do próprio conteúdo da defesa pessoal na medida em que o sujeito passivo pode simplesmente se negar a declarar Se a defesa técnica deve ser indisponível a autodefesa é renunciável A autodefesa pode ser renunciada pelo sujeito passivo mas é indispensável para o juiz de modo que o órgão jurisdicional sempre deve conceder a oportunidade para que aquela seja exercida cabendo ao imputado decidir se aproveita a oportunidade para atuar seu direito de forma ativa ou omissiva A autodefesa positiva deve ser compreendida como o direito disponível do sujeito passivo de praticar atos declarar constituir defensor submeterse a intervenções corporais participar de acareações reconhecimentos etc Em suma praticar atos dirigidos a resistir ao poder de investigar do Estado fazendo valer seu direito de liberdade Mesmo no interrogatório policial o imputado tem o direito de saber em que qualidade presta as declarações182 de estar acompanhado de advogado e ainda de reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao IP O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade Nesse sentido expressamente prevê o art 186 do CPP Art 186 Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa A presença do defensor no momento das declarações do suspeito frente à autoridade judiciária ou policial é imprescindível não só pela exigência constitucional mas também por força do disposto no art 185 do CPP inteiramente aplicável ao inquérito policial Como já afirmado agora não mais será o advogado um convidado de pedra senão que poderá participar ativamente do interrogatório Art 188 Após proceder ao interrogatório o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante Com relação ao valor probatório do interrogatório propugnamos que o interrogatório seja orientado pela presunção de inocência visto assim como o principal meio de exercício da autodefesa e que tem por isso a função de dar materialmente vida ao contraditório permitindo ao sujeito passivo refutar a imputação ou aduzir argumentos para justificar sua conduta183 Especificamente na investigação preliminar o interrogatório deve estar dirigido a verificar se existem ou não motivos suficientes para a abertura do processo criminal Dentro da lógica que orienta a fase pré processual a eventual confissão obtida nesse momento tem um valor endoprocedimental como típico ato de investigação e não ato de prova servindo apenas para justificar as medidas adotadas nesse momento e justificar o processo ou o não processo PELLEGRINI GRINOVER184 explica que através do interrogatório o juiz e a polícia pode tomar conhecimento de elementos úteis para a descoberta da verdade mas não é para essa finalidade que o interrogatório está orientado Pode constituir fonte de prova mas não meio de prova Em outras palavras o interrogatório não serve para provar a verdade mas para fornecer outros elementos de prova que possam conduzir à verdade juridicamente válida e perseguida no processo penal A própria Exposição de Motivos do CPP ao falar sobre as provas diz categoricamente que a própria confissão do acusado não constitui fatalmente prova plena de sua culpabilidade Todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outra Em suma a confissão não é mais felizmente a rainha das provas como no processo inquisitório medieval Não deve mais ser buscada a todo custo pois seu valor é relativo e não goza de maior prestígio que as demais provas O interrogatório deve ser um ato espontâneo livre de pressões ou torturas físicas ou mentais É necessário estabelecer um limite máximo para a busca da verdade e para isso estão os direitos fundamentais Por isso hoje em dia o dogma da verdade material cedeu espaço para a verdade juridicamente válida obtida com pleno respeito aos direitos e garantias fundamentais do sujeito passivo e conforme os requisitos estabelecidos na legislação Como consequência os métodos tocados por um certo charlatanismo como classifica GUARNIERI185 devem ser rejeitados no processo penal Assim não deve ser aceito o interrogatório mediante hipnose pois é um método tecnicamente inadequado e inclusive perigoso pois estando o hipnotizado disposto a aceitar qualquer sugestão direta ou indireta do hipnotizador não pode ser considerado digno de fé inclusive porque pode ser conduzido para qualquer sentido Também devem ser rechaçados por insuficientes e indignos de confiança os métodos químicos ou físicos No primeiro grupo encontramse os chamados soros da verdade que como explica GUARNIERI são barbitúricos injetados intravenosamente juntamente com outros estupefacientes anestésicos ou hipnóticos que provocam um estado de inibição no sujeito permitindo que o experto mediante a narcoanálise conheça o que nele existe de reprimido ou oculto Como método físico os detectores de mentira são aparelhos mecânicos que marcam o traçado do batimento cardíaco e da respiração e conforme o tempo de reação às perguntas dirigidas ao interrogando permitiriam assinalar as falsidades em que incorreu Conforme o intervalo das reações o experto poderia definir em linhas gerais um padrão de comportamento para as afirmações verdadeiras e outro para as supostas mentiras Ambos os métodos não são dignos de confiança e de credibilidade de modo que não podem ser aceitos como meios de prova juridicamente válidos Ademais são atividades que violam a garantia de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante prevista no art 5º II da CB Concluindo e sempre buscando um modelo ideal melhor que o atual entendemos que o interrogatório deve ser encaminhado de modo a permitir a defesa do sujeito passivo e por isso submetido a toda uma série de regras de lealdade processual186 que pode ser assim resumida a deve ser realizado de forma imediata ou ao menos num prazo razoável após a prisão b presença de defensor sendolhe permitido entrevistarse prévia e reservadamente com o sujeito passivo c comunicação verbal não só das imputações mas também dos argumentos e resultados da investigação e que se oponham aos argumentos defensivos d proibição de qualquer promessa ou pressão direta ou indireta sobre o imputado para induzilo ao arrependimento ou a colaborar com a investigação e respeito ao direito de silêncio livre de pressões ou coações f tolerância com as interrupções que o sujeito passivo solicite fazer no curso do interrogatório especialmente para instruirse com o defensor g permitirlhe que indique elementos de prova que comprovem sua versão e diligenciar para sua apuração h negação de valor decisivo à confissão 4222 Defesa Pessoal Negativa Nemo Tenetur se Detegere O interrogatório deve ser tratado como um verdadeiro ato de defesa em que se dá oportunidade ao imputado para que exerça sua defesa pessoal Para isso deve ser considerado como um direito e não como dever assegurandose o direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo sem que dessa inércia resulte para o sujeito passivo qualquer prejuízo jurídico Além disso entendemos que deve ser visto como um ato livre de qualquer pressão ou ameaça Quando o imputado submetese a algum ato destinado a constituir uma prova de cargo colaborando com a acusação essa atividade não deve ser considerada como autodefesa positiva mas sim como renúncia à autodefesa negativa pois nesse caso o imputado deixa de exercer seu direito de não colaborar com a atividade investigatória estatal e a própria acusação em última análise O direito de silêncio está expressamente previsto no art 5º LXIII da CB o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado Parecenos inequívoco que o direito de silêncio aplicase tanto ao sujeito passivo preso como também ao que está em liberdade Contribui para isso o art 82 g da CADH onde se pode ler que toda pessoa logo presa ou em liberdade tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a declararse culpada Ao estar assegurado o direito de silêncio sem qualquer reserva na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos por lógica jurídica o sistema interno não pode atribuir ao seu exercício qualquer prejuízo Daí surgiu a alteração com bastante atraso registrese do art 186 do CPP que agora possui a seguinte redação Art 186 Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias passa a existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório Sublinhese do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado Com explica FERRAJOLI187 o princípio nemo tenetur se detegere é a primeira máxima do garantismo processual acusatório enunciada por Hobbes e recepcionada a partir do século XVII no Direito inglês Dele seguemse como corolários na lição de FERRAJOLI a a proibição da tortura espiritual como a obrigação de dizer a verdade b o direito de silêncio assim como a faculdade do imputado de faltar com a verdade nas suas respostas c a proibição pelo respeito devido à pessoa do imputado e pela inviolabilidade da sua consciência não só de arrancar a confissão com violência senão também de obtêla mediante manipulações psíquicas com drogas ou práticas hipnóticas d a consequente negação de papel decisivo das confissões e o direito do imputado de ser assistido por defensor no interrogatório para impedir abusos ou quaisquer violações das garantias processuais Não podemos concordar com NUCCI188 quando ao comentar o art 260 do CPP afirma que apenas o direito de silêncio é absoluto e não produz nenhum prejuízo para a defesa sendo que a recusa em submeterse ao reconhecimento por exemplo não teria a mesma proteção Completamente equivocada a construção do autor que conduz a um reducionismo substancialmente inconstitucional e de notada matriz autoritária e inquisitória Mais grave ainda quando afirma que a recusa em submeterse ao reconhecimento pessoal formase indício negativo à sua defesa Não está obrigado a se colocar lado a lado com terceiros para ser identificado mas o juiz pode levar tal recusa em consideração para a formação do seu convencimento Não podemos pactuar com tal reducionismo e compressão da esfera constitucional de proteção O direito de silêncio é muito mais amplo e inscrevese na dimensão do princípio do nemo tenetur se detegere Conjugandose com a presunção constitucional de inocência bem como com a necessária recusa a matriz inquisitória é elementar que o réu não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminálo ou prejudicar sua defesa Mais frisese a recusa não autoriza qualquer presunção ou mesmo indício de culpa Dessarte o imputado não pode ser compelido a participar de acareações reconstituições fornecer material para realização de exames periciais exame de sangue DNA escrita etc etc Por elementar sendo a recusa um direito obviamente não pode causar prejuízos ao imputado e muito menos ser considerado delito de desobediência Mas é importante sublinhar a Lei n 12654 de 28 de maio de 2012 entrada em vigor dia 28 de novembro de 2012 prevê a coleta de material genético como forma de identificação criminal tendo mudado radicalmente a situação jurídica do sujeito passivo no processo penal acabando com o direito de não produzir este tipo de prova contra si mesmo A nova lei altera dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 72101984 LEP que regula a Execução Penal Portanto em duas situações investigado e apenado o sujeito passivo está obrigado a submeterse a intervenção corporal voluntariamente ou mediante coerção para fornecimento de material genético Com isso fulminase a tradição brasileira de respeitar o direito de defesa pessoal negativo nemo tenetur se detegere em relação a esse tipo de prova Voltaremos a tratar da problemática em torno das intervenções corporais quando formos tratar das provas no processo penal 5 Motivação das Decisões Judiciais Superando o Cartesianismo A motivação das decisões judiciais é uma garantia expressamente prevista no art 93 IX da Constituição e é fundamental para a avaliação do raciocínio desenvolvido na valoração da prova Serve para o controle da eficácia do contraditório e de que existe prova suficiente para derrubar a presunção de inocência Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder principalmente se foram observadas as regras do devido processo penal Tratase de uma garantia fundamental e cuja eficácia e observância legitimam o poder contido no ato decisório Isso porque no sistema constitucionaldemocrático o poder não está autolegitimado não se basta por si próprio Sua legitimação se dá pela estrita observância das regras do devido processo penal entre elas o dever garantia da fundamentação dos atos decisórios O processo está destinado a comprovar se um determinado ato humano realmente ocorreu na realidade empírica Com isso o saber enquanto obtenção de conhecimento sobre o fato é o fim a que se destina o processo que deverá ser um instrumento eficaz para sua obtenção O juiz é um ser ontologicamente concebido para ser ignorante pois ele ignora o fato Por isso explica MIRANDA COUTINHO189 falar de processo todavia é antes de tudo falar de atividade recognitiva a um juiz com jurisdição que não sabe mas que precisa saber dáse a missão mais preciso seria dizer Poder com o peso que o substantivo tem de dizer o direito no caso concreto com o escopo da sua parte pacificador razão por que precisamos da coisa julgada A dimensão do poder considerado como coação que afeta o sujeito passivo da atuação processual necessário para atingir esse saber tem que ocupar um lugar secundário e permanecer sujeito a regras muito estritas presididas pelos princípios da necessidade e respeito aos direitos fundamentais e proporcionalidade racionalidade na relação meiofim FERRAJOLI defende não só a humanização do poder mas também uma importante inversão do paradigma clássico eis que agora o saber deve predominar O poder somente está legitimado quando calcado no saber judicial de modo que não mais se legitima por si mesmo Isso significa uma verdadeira revolução cultural como define IBÁÑEZ190 por parte dos operadores jurídicos e dos atores processuais Nesse contexto a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Mais a fundamentação não deve estar presente apenas na sentença mas também em todas as decisões interlocutórias tomadas no curso do procedimento especialmente aquelas que impliquem restrições de direitos e garantias fundamentais como os decretos de prisão preventiva interceptação das comunicações telefônicas busca e apreensão etc Como define IBÁÑEZ191 o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicaçãoexplicação um exercício de poder fundado em um saber consistente por ser demonstradamente bem adquirido Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para a legitimidade do atuar jurisdicional No modelo constitucional não se admite nenhuma imposição de pena sem que se produza a comissão de um delito sem que ele esteja previamente tipificado por lei sem que exista necessidade de sua proibição e punição sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros sem o caráter exterior ou material da ação criminosa sem a imputabilidade e culpabilidade do autor e sem que tudo isso seja verificado através de uma prova empírica levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público contraditório com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido A dúvida sobre a verdade jurídica exige a intervenção de instituições como a presunção de inocência do imputado até a sentença definitiva a carga da prova a cargo da acusação o princípio in dubio pro reo a absolvição em caso de incerteza sobre a verdade fática e por outro lado a analogia in bonam partem e a interpretação restritiva dos pressupostos típicos penais e extensiva das circunstâncias eximentes ou atenuantes A dúvida deve ser resolvida sempre pela aplicação do princípio in dubio pro reo critério pragmático de solução das incertezas jurisdicionais e pela manutenção da presunção de inocência A única certeza que se pretende no processo penal está relacionada com a existência dos pressupostos que condicionam a pena e a condenação e não com os elementos para absolver Também cumpre apontar a importância do desvelamento da mitológica verdade real Essa verdade real ou substancial será desconstruída quando tratarmos da sentença mas cumpre destacar aqui que ela é impossível de ser obtida Pior ainda ao ser perseguida fora das regras e controles e sobretudo de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação degenera o juízo de valor amplamente arbitrário de fato assim como o cognoscitivismo ético sobre o qual se embasa o substancialismo penal e resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal192 Também é chegado o momento de resgatar a subjetividade e compreender recordando as lições de ANTÓNIO DAMÁSIO que a racionalidade é incompleta e resulta seriamente prejudicada quando não existe nenhuma ligação com o sentimento O dualismo cartesiano separa a mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção O erro está na separação abissal entre o corpo e a mente193 É essa a racionalidade que queremos transcender na esteira de ANTÓNIO DAMÁSIO e dos presentes estudos sobre neurociência e também neuropsicanálise Rompeuse a separação cartesiana entre razão e sentimento Para DAMÁSIO o fenômeno é exatamente oposto àquele descrito por Descartes na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser O penso logo existo deve ser lido como existo e sinto logo penso num assumido anticartesianismo É a recusa a todo discurso científico incluindo o positivismo o mito da neutralidade etc baseado na separação entre emoção sentire e razão A questão interessanos e muito porque quando os seres humanos não conseguem ver a tragédia inerente à existência consciente sentemse menos impelidos a fazer algo para minimizála e podem mostrar menos respeito pelo valor da vida Talvez a coisa mais indispensável que possamos fazer no nosso dia a dia enquanto seres humanos seja recordar a nós próprios e aos outros a complexidade fragilidade finitude e singularidade que nos caracteriza194 A sentença sublinha BOSCHI195 é mais do que o resultado do simples ajustamento da lei à fattispecie mas como objeto cultural é uma obra humana impregnada de valores e de ideologias enfim uma criação da inteligência e da vontade do juiz como bem declarou Couture que integra o rol de seus deveres institucionais e funcionais Voltaremos à questão da Decisão Penal mais adiante quando do estudo da sentença 1 Importante que o leitor tenha compreendido a dimensão com que empregamos a expressão instrumentalidade do processo anteriormente explicado 2 A expressão é de BINDER Introdução ao Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 85 3 Na Nota para la Segunda Edición da obra Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 28 4 Com toda a seriedade que o termo exige e sempre remetendo à clássica concepção de CALAMANDREI desenvolvida no texto Il Processo Come Giuoco Revista di Diritto Processuale Padova 1950 v 5 parte I 5 Sobre o tema entre outros é imprescindível a leitura de ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4 ed São Paulo Malheiros 2005 Especificamente p 78 6 BOBBIO Norberto Teoria do Ordenamento Jurídico Trad Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Brasília Polis 1991 p 158 7 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos cit p 80 8 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios cit p 80 9 IBÁÑEZ Andrés Perfecto Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada n 2 Granada 1999 p 49 10 SILVA FRANCO Alberto O Juiz e o Modelo Garantista In Doutrina do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais disponível no site do Instituto wwwibccrimcombr em março de 1998 11 Lei Para Quem In WUNDERLICH Alexandre Coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 56 e ss 12 Na clássica expressão de FERRAJOLI Luigi Derechos y Garantias La Ley del más Débil Trad Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi Madrid Trotta 1999 13 GUARNIERI Jose Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Queirós México Jose M Cajica 1952 p 272 14 BONATO Gilson Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 138 15 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal Curitiba Juruá 2004 p 47 e ss 16 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 539 17 Da mesma forma quando tratarmos da imparcialidade objetiva e subjetiva não estaremos aludindo a um juiz neutro 18 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 580 19 Derecho y Razón cit p 546 20 Como muito bem destaca ALMEIDA PRADO Lídia Reis na excelente obra O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial Campinas Millenium 2003 p 2 21 O Juiz e a Jurisprudência um desabafo crítico In Garantias Constitucionais e Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 912 22 MORAIS DA ROSA Alexandre Direito Infracional garantismo psicanálise e movimento antiterror Florianópolis Habitus 2005 p 85 23 O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial cit p 18 24 MORAIS DA ROSA Alexandre Direito Infracional cit p 8485 25 Mas não estamos reduzindo a sentença a um mero ato de sentimento nada disso Não pactuamos com decisionismo Sobre o tema vejase o Capítulo destinado ao estudo das Decisões Judiciais 26 No mesmo sentido ALMEIDA PRADO op cit p 21 27 O autor está se referindo à Teoria da Defesa Social de Marc Ancel nascedouro de outras como lei e ordem tolerância zero etc 28 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 46 29 Correspondência eletrônica particular de maio2003 30 Mas é importante destacar que empregamos razão não no sentido cartesiano dualismo tradicional senão naquele desvelado por DAMÁSIO António O Erro de Descartes São Paulo Companhia das Letras 1996 de que não existe racionalidade sem sentimento emoção A subjetividade e a emoção são inerentes e inafastáveis da racionalidade e esta não existe sem aquelas 31 SOUZA NETO João Baptista de Mello Conflito de Gerações entre Colegas ou Conflito de Egos In ZIMERMAN David COLTRO Antônio Mathias Orgs Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica Campinas Millenium 2002 p 132 32 O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial cit p 45 33 Sintetiza ALMEIDA PRADO op cit que o arquétipo equivale ao padrão de comportamento e de uma forma bastante simplificada podese dizer que são formas de agir pensar sentir recorrentes e típicas comuns à humanidade 34 ALMEIDA PRADO op cit p 45 35 Explica ALMEIDA PRADO que a palavra persona tem origem latina e designa a máscara usada pelos atores teatrais Por isso persona é o arquétipo que se refere à face que colocamos para enfrentar a vida social Segundo Jung não passa de um compromisso entre o indivíduo e a sociedade acerca do que alguém parece ser pai filho possuidor de um título detentor de um cargo etc O problema é quando existe uma inflação da persona e o cargo passa a ocupar a pessoa Advirtase que outros autores preferem falar em inflação do ego 36 Enquanto a representação do nosso lado esquecido desvalorizado ou reprimido assim como todas as possibilidades de desenvolvimento rejeitadas pelo indivíduo ALMEIDA PRADO op cit 37 ALMEIDA PRADO op cit p 49 38 A Influência dos Fatores Psicológicos Inconscientes na Decisão Jurisdicional In Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica cit p 110 111 39 Notamos isso com clareza nos tribunais clássicos cuja arquitetura em muito se assemelha ao de um imenso templo com suas estátuas divinas vestes pretas e todo um simbolismo a nos recordar constantemente que o binômio crimepecado nunca foi superado 40 Como regra a toga é imprescindível para o ritual judiciário pois como explica GARAPON Antoine Bem Julgar Ensaio sobre o Ritual Judiciário Lisboa Piaget 1997 p 73 os professores universitários já abandonaram a toga em 1968 os médicos cada vez vestem menos a bata e os padres já estão dispensados do uso da sotaina pelo Concílio Vaticano II É o mais antigo uso civil ainda em vigor O abandono da toga seria uma hipótese interessante na medida em que significaria o rompimento com a tradição da impessoalidade um verdadeiro descobrir o manto protetor da togamáscara para sinalizar uma nova postura de comprometimento e assunção de responsabilidades pessoais de ideologias e também de falibilidade Isso é fundamental para a humanização da justiça para que se torne mais íntima e menos intimidante CARBONNIER 41 GARAPON op cit p 85 e ss 42 Idem ibidem p 88 43 Apud GARAPON op cit p 86 44 Idem ibidem 45 PASCAL citado por GARAPON op cit p 87 46 Não apenas no sentido processual com a figura do juizator que não se contenta com a necessária inércia e vai atrás da prova mas também no sentido psiquiátrico de alguém que possui transtorno delirante de tipo persecutório a anteriormente chamada paranoia É a situação descrita por KAPLAN SADOCK e GREBB Compêndio de Psiquiatria 7 ed São Paulo Artmed 2003 p 486 em que o foco do delírio é alguma injustiça que deve ser reparada diante da ação legal paranoia querelante e o indivíduo afetado frequentemente engaja se em tentativas repetidas de obter satisfação por apelos a tribunais e outras agências governamentais Em se tratando de um juiz o problema é muito mais grave pois ele não precisa buscar a ação legal através do processo ele é a lei 47 No sentido de retirar o manto a cobertura 48 SCHMIDT Andrei Zenkner Exclusão da Punibilidade em Crimes de Sonegação Fiscal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 introdução p XVII 49 Como sintetiza JEAN CARBONNIER no Prefácio da obra de GARAPON Bem Julgar Ensaio sobre o Ritual Judiciário cit p 15 50 Do capolavoro As Misérias do Processo Penal Brasil Conan 1997 p 33 51 A expressão é de PEDRO ARAGONESES ALONSO na obra Proceso y Derecho Procesal cit p 127 52 Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonzo México Episa 1997 p 342 53 No magistral trabalho La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 e ss 54 Para FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 55 O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 11 56 Introducción Filosófica al Derecho p 321 57 Consultemse os diversos trabalhos de JACINTO COUTINHO especialmente o artigo Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez n 1 2001 e também o Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 58 Trataremos do tema na continuação quando analisarmos a prova no processo penal 59 É importante destacar que existiu uma posterior oscilação na jurisprudência do TEDH especialmente na década de 90 no sentido de relativizar essa presunção recorrendo à análise do caso concreto entre outros Casos Hauschild SainteMarie vs França e Padovani vs Itália Essa variação é perfeitamente compreensível na medida em que como qualquer tribunal o TEDH está suscetível de mudanças de humor em razão dos influxos e pressões que sofre Ademais há que se compreender que os casos citados Piersack 1982 e De Cubber vs Bélgica 1984 são do início da década de 80 momento sensível no que tange ao processo penal europeu onde o modelo de juizado de instrução juiz instrutorinquisidor ainda era predominante e começava a ser seriamente questionado Era o modelo em que um mesmo juiz investigava e julgava na maior parte dos países e esse sistema estava em crise Basta recordar que a Alemanha fez uma grande reforma em 1974 para abandonar o juizado de instrução substituído pelo promotor investigador seguida posteriormente por Itália 1988 e Portugal 1988 Portanto as decisões proferidas nesses casos refletem uma preocupação que não mais existe atualmente nos principais sistemas processuais penais europeus seja pelo completo abandono do modelo de juizado de instrução vg Alemanha Itália e Portugal seja pela vedação completa de que o juiz que instrui possa julgar como é o caso do modelo espanhol Inobstante o Brasil segue uma perigosa tendência de retrocesso com a constante atribuição de mais poderes instrutórios aos juízes como se vê na nova redação do art 156 I do CPP que consagra um absurdo cenário de juiz instrutorinquisidor Diante disso é de extrema importância toda a doutrina construída pelo TEDH em torno do caso Piersack e De Cubber pois se na Europa a matéria já está consolidada a ponto de poderse recorrer a eventuais relativizações no Brasil o problema é grave e longe de atingirse uma solução satisfatória Daí por que aqui precisamos sim de todo o rigor da regra o juiz que investiga não pode julgar pois temos por culpa do art 156 e de uma forte cultura inquisitória um cenário bastante perigoso e que exige uma postura intransigente 60 Decisões 49690 40191 50291 12492 18692 39992 43993 43295 entre outras 61 OLIVA SANTOS Andrés Jueces Imparciales Fiscales Investigadores y Nueva Reforma para la Vieja Crisis de la Justicia Penal Barcelona PPU 1988 p 30 62 Idem ibidem p 30 44 e ss 63 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 64 O Papel do Novo Juiz no Processo Penal cit p 12 65 Idem ibidem p 47 66 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino Utet 1986 p 51 67 Mantivemos o termo paranoico de origem grega significando ao lado de e mente para ser fiel ao empregado por CORDERO Contudo KAPLAN SADOCK e GREBB Compêndio de Psiquiatria cit p 482487 explicam que atualmente a psiquiatria prefere tratar como transtorno delirante pois nem sempre tais delírios são de conteúdo persecutório Seria um transtorno delirante de tipo persecutório mas não no sentido de estar sendo perseguido senão de que deve perseguir para reparar a injustiça sofrida pela vítima paranoia querelante A questão poderia ainda ser tratada não no campo da patologia mas como sentimentos persecutórios De qualquer forma são evidentes os prejuízos decorrentes dos préjuízos para a imparcialidade subjetiva e o afastamento que deve guardar o julgador imparcialidade objetiva 68 Composta pela Teoria da Relatividade Especial desenvolvida no artigo Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento publicado no dia 5 de junho de 1905 na Revista Annalen der Physik e posteriormente complementada pela Teoria da Relatividade Geral no texto Teoria da Relatividade Geral publicado em Berlim no ano de 1916 cujo reconhecimento culminou com o recebimento do Nobel de Física em 1921 mas pelo trabalho realizado em 1905 pois a relatividade geral ainda enfrentava muita resistência No texto publicado em 1905 Einstein demonstra que a ideia do éter experimento de Fitzgerald e Lorentz era supérflua e que as leis da ciência deveriam parecer as mesmas para todos os observadores em movimento livre Eles deveriam medir a mesma velocidade da luz sem importar o quão rápido estivessem se movendo pois a velocidade da luz é independente do movimento deles sendo a mesma em todas as direções Isso exigia o abandono da ideia de que existe uma quantidade universal chamada tempo que todos os relógios mediriam Ao contrário explica HAWKING Stephen O Universo numa Casca de Noz 2 ed São Paulo Mandarim 2002 p 9 cada um teria seu tempo pessoal Os tempos de duas pessoas coincidiriam se elas estivessem em repouso uma em relação à outra mas não se estivessem em movimento Vários experimentos foram feitos incluindo uma versão do paradoxo dos gêmeos feita com dois relógios de alta precisão viajando a bordo de aviões que voavam em direções opostas ao redor do mundo Eles retornavam mostrando horas ligeiramente diferentes demonstrando que o tempo era relativo variável conforme a posição e o deslocamento do observador Mas foi em 1916 com a Teoria da Relatividade Geral que Einstein rompe a base da teoria newtoniana do tempo absoluto demonstrando a superação das três dimensões altura largura e comprimento para acrescentar o tempo enquanto quarta dimensão 69 EINSTEIN Vida e Pensamentos São Paulo Martin Claret 2002 p 1618 70 HAWKING op cit p 11 71 HAWKING op cit p 11 72 EINSTEIN op cit p 100 73 Especialmente na obra Sobre o Tempo Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1998 74 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho Buenos Aires Ad Hoc 2002 p 85 75 MESSUTI Ana O Tempo como Pena São Paulo RT 2003 p 33 76 PASTOR Daniel Op cit p 79 77 MOSCONI Giuseppe Tiempo Social y Tiempo de Cárcel In Secuestros Institucionales y Derechos Humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas Iñaki Rivera Beiras e Juan Dobon org Barcelona Bosch 1997 p 91103 78 Devemos considerar que o Direito construiu seus instrumentos artificiais de aceleração buscando amenizar a rigidez do tempo carcerário Exemplo típico é a remição comutação e o próprio sistema progressivo como um todo Contudo ao lado do critério temporal estão os requisitos subjetivos fazendo com que a aceleração dependa do mérito do apenado Poderíamos até cogitar de uma teoria da relatividade na execução penal onde 10 anos de pena para um não é igual a 10 anos de pena para outro O problema são os critérios que o Direito utiliza para imprimir maior fluidez ao tempo carcerário 79 Parecer tempo e direito Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM n 122 janeiro2003 p 669 80 MESSUTI Ana Op cit p 33 81 Ilustrativa é a expressão pena de banquillo consagrada no sistema espanhol para designar a pena processual que encerra o sentarse no banco dos réus É uma pena autônoma que cobra um alto preço por si mesma independentemente de futura pena privativa de liberdade que não compensa nem justifica senão que acresce o caráter punitivo de todo o ritual judiciário 82 O termo estigmatizar encontra sua origem etimológica no latim stigma que alude à marca feita com ferro candente o sinal da infâmia que foi com a evolução da humanidade sendo substituída por diferentes instrumentos de marcação Atualmente não há como negar que o processo penal assume a marca da infâmia e a função do ferro candente A Criminologia crítica aponta para o labeling approach FIGUEIREDO DIAS Jorge e COSTA ANDRADE Manuel Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 42 como essa atividade de etiquetamento que sofre a pessoa e tal fenômeno pode ser perfeitamente aplicado ao processo penal O labeling approach como perspectiva criminológica entende que o self a identidade não é um dado uma estrutura sobre a qual atuam as causas endógenas ou exógenas mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de interação entre o sujeito e os demais Nesse panorama o processo penal assume a atividade de etiquetamento retirando a identidade de uma pessoa para outorgarlhe outra degradada estigmatizada É claro que essa estigmatização é relativa e não absoluta na medida em que varia conforme a complexidade que envolve a situação do réu o observador na visão da relatividade de EINSTEIN e a própria duração do processo Não há dúvida de que tanto maior será o estigma quanto maior for a duração do processo penal especialmente se o acusado estiver submetido a medidas cautelares O processo penal constitui o mais grave statusdegradation ceremony Como explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade Criminologia cit p 350 o conceito de cerimônia degradante foi introduzido em 1956 por H Garfinkel como sendo os processos ritualizados em que uma pessoa é condenada e despojada de sua identidade e recebe outra degradada O processo penal é a mais expressiva de todas as cerimônias degradantes 83 A expressão stato di prolungata ansia resume esse fenômeno Foi empregada na Exposição de Motivos do atual Código de Processo Civil italiano para justificar a crise do procedimento civil ordinário e a necessidade de implementar formas de tutela de urgência mas encontra no processo penal um amplo campo de aplicação levando em conta a natureza do seu custo Como explicamos em outra oportunidade Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal p 54 o processo penal submete o particular a uma instituição que em geral lhe é absolutamente nova e repleta de mistérios e incógnitas A profissionalização da justiça e a estrutura burocrática que foi implantada devido também à massificação da criminalidade fazem com que o sujeito passivo tenha que se submeter a um mundo novo e desconhecido Isso sem considerar o sistema penitenciário que sem dúvida é um mundo à parte com sua própria escala e hierarquia de valores linguagem etc Esse ambiente da justiça penal é hostil complexo e impregnado de simbolismos Para o sujeito passivo todo o cenário revela um mistério que somente poderá compreender depois de submeterse a toda uma série de cerimônias degradantes A arquitetura das salas dos tribunais configura um plágio das construções religiosas com suas estátuas e inclusive com um certo vazio onde deverá ser exposto o acusado Tudo isso traduz em última análise que o binômio crimepecado ainda não foi completamente superado pelo homem Os membros do Estado juízes promotores e auxiliares da justiça movemse em um cenário que lhes é familiar com a indiferença de quem só cumpre mais uma tarefa rotineira Utilizam uma indumentária vocabulário e todo um ritualismo que contribui de forma definitiva para que o indivíduo adquira a plena consciência de sua inferioridade Dessa forma o mais forte é convertido no mais impotente dos homens frente à supremacia punitiva estatal Tudo isso acrescido do peso da espada de Dâmocles que pende sobre sua cabeça leva o sujeito passivo a um estado de angústia prolongada Enquanto dura o processo penal dura a incerteza e isso leva qualquer pessoa a níveis de estresse jamais imaginados Não raros serão os transtornos psicológicos graves como a depressão exógena O sofrimento da alma é um custo que terá que pagar o submetido ao processo penal e tanto maior será sua dor quanto maior seja a injustiça a que esteja sendo submetido 84 Lezioni sul Processo Penale Roma Edizioni DellAteneo 1946 v I p 67 e ss 85 Para um estudo mais aprofundado desse direito fundamental recomendamos a leitura de nossa obra Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável escrita em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e publicada pela Editora Lumen Juris 86 BECCARIA Cesare Dos Delitos e das Penas p 59 87 Essa é a base do pensamento liberal clássico nas prisões cautelares a cruel necessidade Acompanhada do caráter de excepcionalidade e brevidade provisoriedade 88 Não concordamos contudo quando o autor p 42 distingue duas espécies de delitos e a eles atribui regras de probabilidade para diferenciar a duração dos processos Afirma Beccaria que os crimes mais graves são mais raros deve diminuirse a duração da instrução e do processo porque a inocência do acusado é mais provável do que o crime Devese porém prolongar o tempo da prescrição Ao contrário nos delitos menos consideráveis e mais comuns é preciso prolongar o tempo dos processos porque a inocência do acusado é menos provável e diminuir o tempo fixado para a prescrição porque a impunidade é menos perigosa Tratase de uma premissa equivocada e de uma relação nunca demonstrada Sem embargo isso em nada prejudica o brilhantismo da obra pois devemos considerar o espaçotempo em que ela foi concebida Itália 176465 bem como a importância de seu conjunto 89 PASTOR Daniel Op cit p 103 90 Es indudable y resulta obvio que cuando se juzga más allá de un plazo razonable cualquiera que sea la causa de la demora se está juzgando a un hombre distinto en sus circunstancias personales familiares y sociales por lo que la pena no cumple ni puede cumplir con exactitud las funciones de ejemplaridad y de reinserción social del culpable que son fines justificantes de la sanción como con fina sensibilidad dice la Sentencia de 2661992 Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas In COLOMER JuanLuis Gómez CUSSAC José Luis Gonzáles Coords La Reforma de la Justicia Penal Publicações da Universitat Jaume I 1997 p 387 91 Pois uma função inerente à pena de prisão é obrigar a um constante reviver o passado no presente Devemos recordar ainda que o cárcere é um instrumento de caricaturização e potencialização de distintos aspectos da sociedade de modo que a dinâmica do tempo também vai extremarse no interior da instituição total levando ao que denomino patologias de natureza temporal Isso significa em apertada síntese que o tempo de prisão é tempo de involução que a prisão gera uma total perda do referencial social de tempo pois a dinâmica intramuros é completamente desvinculada da vivida extramuros onde a sociedade atinge um nível absurdo de aceleração em total contraste com a inércia do apenado Existe uma clara defasagem entre o tempo social e o tempo do cárcere como bem percebeu MOSCONI Tiempo Social y Tiempo de Cárcel In Secuestros Institucionales y Derechos Humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas p 91103 A prisão possui um tempo mumificado pela instituição em contraste com a dinâmica e complexidade do exterior Assim essa ruptura de existências e significados de potencialidades identidades e perspectivas causa um sofrimento muito maior do que antigamente Isso exige um repensar a proporcionalidade e adequação da pena a partir de outro paradigma temporal aliado à velocidade do tempo externo e o congelamento do tempo interno Não há dúvida de que o tempo da prisão é muito mais lento e longo do que há algum tempo O choque não está apenas no tempo subjetivo do apenado e no sofrimento mas também na inutilidade da pena diante do contraste com o tempo social É por isso que afirmamos que a pena de prisão é tempo de involução o apenado não sairá do cárcere em condições de acompanhar o tempo social pois está literalmente à margem por isso novamente marginalizado dessa dinâmica Eis aqui mais um elemento a evidenciar a falácia ressocializadora Com razão MOSCONI op cit quando conclui apontando a necessidade de reduzir ao máximo a duração da pena de prisão para evitar um prejuízo ainda maior A pena enquanto resposta à inadequação social é obsoleta e igualmente inadequada pois em conflito com o pluralismo dinâmico da atual complexidade social Para o autor o tempo da prisão deverá pluralizarse e diferenciarse necessariamente inclusive com várias formas de experiência que abandone qualquer resíduo ideológico ou rigidez preconcebida Ademais essa defasagem temporal se transforma em fonte de somatização e enfermidade de modo que o uso prolongado da instituição penitenciária somente poderá produzir novas patologias sociais daí novamente a necessidade de redução do tempo de duração da pena de prisão 92 PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 401 93 Interessante a argumentação que o Estado alemão invocou no caso Bock STEDH 29031984 conforme aponta PEDRAZ PENALVA op cit p 402 de que nenhum Estado pode garantir a infalibilidade de seus tribunais pois o erro judicial cometido por um juiz pode provocar um recurso e por conseguinte prolongar o procedimento Se isso significa uma violação do direito a um prazo razoável se estará reconhecendo o direito a decisões judiciais impecáveis tradução nossa Tal argumento ainda que sedutor carece de qualquer fundamento legítimo pois como bem respondeu o TEDH um erro imputável a um Tribunal entranhado de um atraso oriundo da necessidade de atacálo pode quando combinado com outros fatores ser considerado para a apreciação do caráter razoável do prazo do art 61 da CEDH Não se trata de buscar decisões judiciais impecáveis obviamente impossíveis senão de reconhecer a responsabilidade do Estado pelo erro crasso ou excessiva demora por parte do tribunal em remediar um equívoco evidente quando forem causadores de longa demora estamos diante de uma dilação indevida O que não se pode admitir é que além do erro seja ele qualificado pela demora em remediar seus efeitos 94 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 100 95 O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969 através do Decreto n 678 de 6 de novembro de 1992 96 STC 585 El art 242 no ha constitucionalizado el derecho a los plazos ha constitucionalizado como un derecho fundamental con todo lo que ello significa el derecho de toda persona a que su causa sea resuelta dentro de un tiempo razonable Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 392 97 Cf PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 111 e ss 98 a La duración de la detención e sí misma b La duración de la prisión preventiva con relación a la naturaleza del delito a la pena señalada y a la pena que debe esperarse en caso de condena c Los efectos personales sobre el detenido tanto de orden material como moral u otros d La conducta del imputado en cuanto haya podido influir en el retraso del proceso e Las dificultades para la investigación del caso complejidad de los hechos cantidad de testigos e inculpados dificultades probatorias etc f La manera en que la investigación ha sido conducida g La conducta de las autoridades judiciales 99 PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 395 100 Com base na razoabilidade já decidiram o TEDH e a Corte Americana que uma prisão cautelar supere o prazo fixado no ordenamento jurídico interno e ainda assim esteja justificada a partir da complexidade da conduta do imputado da proporcionalidade etc No Caso Firmenich versus Argentina a Corte Americana de Direitos Humanos entendeu que uma prisão cautelar que havia durado mais de 4 anos estava justificada ainda que superasse o prazo fixado pelo ordenamento interno 2 anos 101 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 118 e também na p 136 102 Idem ibidem p 123 103 GIMENO SENDRA Vicente et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 108 e ss 104 Idem ibidem p 109 105 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 60 106 Tratase da doutrina do não prazo explicada no tópico anterior no sentido de que compete aos juízes aferir em cada caso e ex post se houve violação da garantia em questão 107 Não somos adeptos do dogma da completude lógica e ainda que a lei defina limites atendendo a certos critérios é elementar que o reconduzir o tempo ao sujeito exige uma significativa carga de sentire por parte do julgador Mas essa operação deve realizarse a partir de certos parâmetros para não cair numa tal abertura conceitual que conduza à ineficácia do direito fundamental Daí a necessidade de fixação em lei de limites temporais ainda que com certa margem de adequação às especificidades de cada caso 108 BRANDÃO Cláudio Introdução ao Direito Penal Rio de Janeiro Forense 2002 p 10 109 PEDRAZ PENALVA El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 392 aponta que um dos requisitos considerados indispensáveis pelo Tribunal Constitucional da Espanha para o reconhecimento da dilação indevida é que a parte manifeste seu protesto e postule a resolução do feito antes de sua conclusão Tal entendimento visa a permitir que o próprio julgador sane o problema remediando a dilação com a prática da atividade devida Tal exigência é corretamente criticada pelo autor p 386 na medida em que isso cria um outro prazo também razoável para sanar a dilação gerando ao final uma soma cronológica irracional e muito além do tempo final aceitável De qualquer forma a decisão prolatada tardiamente não repara a dilação já ocorrida pois não se opera qualquer tipo de saneamento como muito bem entendeu o Tribunal Constitucional da Espanha STC 101991 Ninguna influencia tiene a la ora de ponderar la pervivencia de la lesión constitucional el que la inactividad judicial haya cesado después de interpuesto el recurso de amparo 110 No Brasil os prazos previstos para a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena aplicada ou in abstrato são inadequados para o objeto em questão pois excessivos principalmente pela pena em abstrato Ainda que se cogite de prescrição pela pena aplicada tal prazo em regra está muito além do que seria uma duração razoável do processo penal Devemos considerar ainda diante da imensa resistência dos tribunais em reconhecer a prescrição antecipada que o imputado terá de suportar toda a longa duração do processo para só após o trânsito em julgado buscar o reconhecimento da prescrição pela pena concretizada 111 A duração da prisão provisória é pautada pela necessidade e manutenção dos pressupostos que a originaram Na Espanha o Tribunal Constitucional STC 17885 definiu que a duração deve ser tão somente a que se considere indispensável para conseguir a finalidade pela qual foi decretada No mesmo sentido também já tem decidido o Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos casos Weinhoff junho68 Neumeister junho68 Bezicheri out85 entre outros Para evitar abusos o art 174 da Constituição da Espanha dispõe que por lei irá se determinar o prazo máximo de duração da prisão provisória O regramento do dispositivo constitucional encontrase no art 504 da LECrim com a nova redação dada pela LO 132003 que disciplina o prazo máximo de duração dessa medida cautelar levandose em consideração a pena abstratamente cominada no tipo penal incriminador Assim a prisão cautelar poderá durar no máximo até 1 ano se a pena cominada for até 3 anos até 2 anos se a pena cominada for superior a 3 anos É possível a prorrogação em situações excepcionais por mais 6 meses no primeiro caso e até 2 anos no segundo Se o imputado for condenado e recorrer da sentença a prisão cautelar poderá estenderse até o limite de metade da pena imposta Interessante ainda que se a prisão cautelar foi decretada para tutela da prova não poderá durar mais do que 6 meses Por fim atento ao direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável o legislador espanhol alterou a redação do art 507 para estabelecer que o recurso de apelação contra a decisão que decreta prorrogue ou negue o pedido de prisão provisória deverá ser julgado no prazo máximo de 30 dias Na Alemanha StPO 121 a regra geral é a de que a prisão provisória não possa durar mais de 6 meses salvo quando a especial dificuldade a extensão da investigação ou outro motivo importante não permita prolatar a sentença e justifique a manutenção da prisão Em caso de prorrogação se poderá encomendar ao Tribunal Superior do Land que faça um exame sobre a necessidade de manutenção da prisão no máximo a cada 3 meses dever de revisar periodicamente Em Portugal o juiz tem a obrigação de revisar a cada 3 meses a medida cautelar decretada verificando se ainda permanecem os motivos e pressupostos que a autorizaram art 2131 Além disso se passados 6 meses da prisão ainda não tiver sido iniciado o processo com efetiva acusação o imputado deverá ser colocado em liberdade salvo situação de excepcional complexidade Também como regra geral o CPP português prevê que se passados 18 meses sem sentença ou 2 anos sem trânsito em julgado deve o acusado ser posto em liberdade salvo se a gravidade do delito ou sua complexidade justificar a ampliação do prazo Na Itália o CPP utiliza o critério de quantidade da pena em abstrato para determinar o tempo máximo de duração da prisão cautelar e para isso existe uma grande variedade de prazos conforme a gravidade do delito e a fase em que se encontra o processo É importante ressalvar que o legislador italiano determinou que os prazos devem ser considerados independentes e autônomos para cada fase do processo É óbvio que a duração fixada pode ser considerada dependendo do caso excessiva mas ao menos existe um referencial normativo para orientar a questão e até mesmo definir o objeto da discussão O que é inadmissível é a inexistência total de limites normativos como sucede no sistema brasileiro Outra questão muito relevante é que em observância à provisionalidade da prisão cautelar são situacionais existe em alguns países europeus um dever de revisar a medida adotada após determinado lapso de tempo Na Itália art 2943 do Codice de Procedura Penale o juiz deverá revisar a decisão que determinou a prisão em no máximo 5 dias desde que se iniciou seu cumprimento Na Alemanha StPO 122 o exame sobre se a prisão deve ser mantida ou não deverá ser revisada no máximo a cada 3 meses Em Portugal art 2131 do CPP também a cada 3 meses no máximo deverá o juiz revisar a medida e decidir sobre a necessidade de sua manutenção Esse é um exemplo que deveria ser seguido no Brasil para evitar a triste realidade daqueles juízes que simplesmente esquecem do réu preso recordando o suplício narrado por BECCARIA De los Delitos y de las Penas p 61 Cuál contraste más cruel que la indolencia de un juez y las angustias de un reo Las comodidades y placeres de un magistrado insensible de una parte y de otra las lágrimas y la suciedad de un encarcelado 112 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração Rio de Janeiro Renovar 2003 p 235 e ss 113 STC 2481 Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 404 114 Artículo 136 DURACIÓN MÁXIMA Toda persona tendrá derecho a una resolución judicial definitiva en un plazo razonable Por lo tanto todo procedimiento tendrá una duración máxima de cuatro años contados desde el primer acto del procedimiento Este plazo sólo se podrá extender por seis meses más cuando exista una sentencia condenatoria a fin de permitir la tramitación de los recursos La fuga o rebeldía del imputado interrumpirá el plazo de duración del procedimiento Cuando comparezca o sea capturado se reiniciará el plazo Artículo 137 EFECTOS Vencido el plazo previsto en el artículo anterior el juez o tribunal de oficio o a petición de parte declarará extinguida la acción penal conforme a lo previsto por este código Cuando se declare la extinción de la acción penal por morosidad judicial la víctima deberá ser indemnizada por los funcionarios responsables y por el Estado Se presumirá la negligencia de los funcionarios actuantes salvo prueba en contrario En caso de insolvencia del funcionario responderá directamente el Estado sin perjuicio de su derecho a repetir Artículo 138 PRESCRIPCIÓN La duración del procedimiento no podrá superar el plazo previsto para la prescripción de la acción penal cuando este sea inferior al máximo establecido en este capítulo 115 Artículo 139 PERENTORIEDAD EN LA ETAPA PREPARATORIA Cuando el Ministerio Público no haya acusado ni presentado otro requerimiento en la fecha fijada por el juez y tampoco haya pedido prórroga o ella no corresponda el juez intimará al Fiscal General del Estado para que requiera lo que considere pertinente en el plazo de diez días Transcurrido este plazo sin que se presente una solicitud por parte del Ministerio Público el juez declarará extinguida la acción penal sin perjuicio de la responsabilidad personal del Fiscal General del Estado o del fiscal interviniente 116 Artículo 141 DEMORA EN LAS MEDIDAS CAUTELARES PERSONALES RESOLUCIÓN FICTA Cuando se haya planteado la revisión de una medida cautelar privativa de libertad o se haya apelado la resolución que deniega la libertad y el juez o tribunal no resuelva dentro de los plazos establecidos en este código el imputado podrá urgir pronto despacho y si dentro de las veinticuatro horas no obtiene resolución se entenderá que se ha concedido la libertad En este caso el juez o tribunal que le siga en el orden de turno ordenará la libertad Una nueva medida cautelar privativa de libertad sólo podrá ser decretada a petición del Ministerio Público o del querellante según el caso 117 Também está consagrado em diversas Constituições europeias entre elas destacamos a espanhola tradução nossa Art 241 Todas as pessoas têm direito a obter a tutela efetiva dos juízes e tribunais no exercício de seus direitos e interesses legítimos em que em nenhum caso possa produzirse cerceamento de defesa 2 De igual forma todos têm direito ao juiz ordinário predeterminado por lei à defesa e à assistência de advogado a ser informado da acusação formulada contra si a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias a utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa a não declarar contra si mesmo a não confessar sua culpa e à presunção de inocência grifo nosso 118 Art 61 Toda persona tiene derecho a que su causa sea oída equitativa públicamente y dentro de un plazo razonable por un tribunal independiente e imparcial establecido por la ley que decidirá sobre sus derechos y obligaciones de carácter civil o sobre el fundamento de cualquier acusación que en materia penal se dirija contra ella 119 Exemplos extraídos das obras de Daniel Pastor e Ernesto Pedraz Penalva anteriormente citadas 120 Para os padrões brasileiros uma demora de apenas três anos e meio junto ao STF numa ação de natureza reparatória contra a União seria realmente anormal mas em sentido inverso ao caso citado 121 Conforme exemplos extraídos de PASTOR Daniel op cit p 208 e ss Caso Gimenez contra Argentina sentença prolatada em 01031996 o réu foi condenado por delitos de roubo a uma pena de 9 anos de prisão Cautelarmente ficou detido por cerca de 5 anos A Corte expressou seu reconhecimento pelo avanço legislativo daquele país que havia promulgado lei estabelecendo o limite de duração da prisão preventiva 2 anos Destacou a possibilidade de uma cautelar exceder o prazo fixado no sistema jurídico interno 2 anos sem com isso ser considerado automaticamente como indevido ao mesmo tempo em que uma prisão cautelar poderia ser vista como excessiva ainda que sua duração fosse inferior ao prazo de 2 anos No caso em questão a partir da doutrina dos três critérios entendeu que houve dilação indevida do processo e excesso na duração da prisão cautelar Caso Bronstein e outros contra Argentina sentença de 29011997 foram reunidas 23 reclamações de excesso de prazo da prisão preventiva em diferentes processos penais As detenções variavam de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 9 meses e 11 imputados ainda se encontravam presos quando do julgamento na Corte A Comissão entendeu que havia uma denegação de justiça em relação aos reclamantes e dos demais que se encontravam em situação similar na Argentina Destacou que o poder estatal de deter uma pessoa a qualquer momento ao longo do processo penal constitui ao mesmo tempo o fundamento do dever de julgar tais casos dentro de um prazo razoável Em decisão única a Corte entendeu que a Argentina violou em relação a todos os peticionários o direito a um processo sem dilações indevidas assim como o direito à presunção de inocência Caso Garcés Valladares contra Equador sentença de 13041999 a ré foi detida e acusada por prática de atividades vinculadas ao tráfico de substâncias entorpecentes tendo permanecido em prisão cautelar ao longo de 5 anos e 11 meses Ao final foi absolvida de todas as acusações e colocada em liberdade A Comissão entendeu que houve violação do direito ao julgamento em um prazo razoável e da presunção de inocência Recomendou que o Estado Equador efetuasse uma reparação pecuniária pelas violações cometidas 122 Sobre o funcionamento e estrutura da Comissão e da Corte Interamericana recomendamos a leitura da obra que escrevemos em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ intitulada Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável cit 123 Sobre a violação das garantias judiciais destacamos o seguinte trecho da manifestação da Comissão a en el caso sub judice la falta de efectividad del proceso interno puede ser demostrada de dos formas por las omisiones de las autoridades que dejaron de realizar acciones e investigaciones fundamentales para recolectar todas las pruebas posibles a fin de determinar la verdad de los hechos así como por las deficiencias y fallas en las acciones que fueron efectuadas b los errores en la investigación evidencian que las autoridades del Estado no buscaron efectivamente dilucidar la verdad sobre la muerte de la presunta víctima a través de una investigación inmediata seria y exhaustiva c la notitia criminis sobre la muerte de la presunta víctima llegó a conocimiento de las autoridades policiales el mismo día a través de su familia Sin embargo el Comisiario de Policía de Sobral no instauró inmediatamente la investigación policial sino que lo hizo 35 días después el 9 de noviembre de 1999 Según la Comisión esa demora afectó de forma crucial la eficacia de la investigación d el Ministerio Público presentó la denuncia el 27 de marzo de 2000 en la cual tipificó la muerte por golpes del señor Damião Ximenes Lopes como una muerte por omisión o privación de cuidados indispensables y alternativamente concluyó que si la muerte hubiera sido causada por golpes el artículo 136 del Código Penal continuaría siendo la tipificación adecuada e en el presente caso la actividad procesal de los familiares de la presunta víctima no es relevante para analizar el plazo razonable En consecuencia las alegaciones del Estado de que las deficiencias de la investigación y en la producción de prueba podrían haber sido suplidas por la madre del señor Damião Ximenes Lopes como asistente de la acusación en la acción penal n 67400 carecen de fundamento f el presente caso no puede ser considerado complejo como lo alegó el Estado por el supuesto gran número de testimonios La conducta negligente e injustificada de las autoridades estatales llevaron a la demora del proceso interno ya que tardaron en iniciar las investigaciones realizar y comparecer en las audiencias expedir intimaciones comisiones y exhortaciones necesarias Las autoridades se dedicaron a dictar meros autos interlocutorios sin motivación y por meses no se procedió a la ejecución de decisión o diligencia alguna El volumen de trabajo del Juzgado de la Tercera Sala de la Secretaría de Sobral no puede servir de excusa para la demora y los lapsos de inercia estatal y g la inexistencia de una sentencia de primera instancia después de seis años de la muerte violenta del señor Damião Ximenes Lopes y el estado actual del proceso penal interno aún en la fase de instrucción indican que los familiares de la presunta víctima se encuentran en una situación de denegación de justicia por parte de las autoridades estatales 124 Destacamos os seguintes tópicos da sentença 195 El artículo 81 de la Convención establece como uno de los elementos del debido proceso que los tribunales decidan los casos sometidos a su conocimiento en un plazo razonable La razonabilidad del plazo se debe apreciar en relación con la duración total del procedimiento penal En materia penal este plazo comienza cuando se presenta el primer acto de procedimiento dirigido en contra de determinada persona como probable responsable de cierto delito y termina cuando se dicta sentencia definitiva y firme 196 Para examinar si en este proceso el plazo fue razonable según los términos del artículo 81 de la Convención la Corte tomará en consideración tres elementos a la complejidad del asunto b la actividad procesal del interesado y c la conducta de las autoridades judiciales 203 El plazo en que se ha desarrollado el procedimiento penal en el caso sub judice no es razonable ya que a más de seis años o 75 meses de iniciado todavía no se ha dictado sentencia de primera instancia y no se han dado razones que puedan justificar esta demora Este Tribunal considera que este período excede en mucho el principio de plazo razonable consagrado en la Convención Americana y constituye una violación del debido proceso 204 Por otra parte la falta de conclusión del proceso penal ha tenido repercusiones particulares para las familiares del señor Damião Ximenes Lopes ya que en la legislación del Estado la reparación civil por los daños ocasionados como consecuencia de un hecho ilícito tipificado penalmente puede estar sujeta al establecimiento del delito en un proceso de naturaleza criminal por lo que en la acción civil de resarcimiento tampoco se ha dictado sentencia de primera instancia Es decir la falta de justicia en el orden penal ha impedido que las familiares del señor Ximenes Lopes en particular su madre obtengan una compensación civil por los hechos del presente caso 205 Por lo expuesto la Corte considera que el Estado no dispuso de un recurso efectivo para garantizar en un plazo razonable el derecho de acceso a la justicia de las señoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda madre y hermana respectivamente del señor Damião Ximenes Lopes con plena observancia de las garantías judiciales grifo nosso 125 Desde a primeira edição da obra Introdução Crítica ao Processo Pena l em 2003 e também no livro Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável em coautoria com Gustavo Henrique Badaró publicado em 2006 126 Convém sublinhar que todos esses valores já foram pagos nos termos da decisão e sem serem submetidos ao regime de precatórios no ano de 2007 127 São várias mas destacamos que a Corte faz a seguinte advertência e determinação ao País 247 En el presente caso la Corte estableció que transcurridos más de seis años de los hechos los autores de los tratos crueles inhumanos y degradantes así como de la muerte del señor Damião Ximenes Lopes no han sido responsabilizados prevaleciendo la impunidad 248 La Corte advierte que el Estado debe garantizar que en un plazo razonable el proceso interno tendiente a investigar y sancionar a los responsables de los hechos de este caso surta sus debidos efectos dando aplicabilidad directa en el derecho interno a la normativa de protección de la Convención Americana E na parte dispositiva El Estado debe garantizar en un plazo razonable que el proceso interno tendiente a investigar y sancionar a los responsables de los hechos de este caso surta sus debidos efectos en los términos de los párrafos 245 a 248 de la presente Sentencia 128 A classificação é de PASTOR Daniel op cit p 504538 129 Tal dano é substancialmente ampliado pela necessidade de um novo e demorado processo agora de natureza civil onde esse dano será longamente discutido e debatido para após novo processo agora de execução No mínimo o dano processual deve ser triplicado pela necessidade de a parte suportar dois processos de conhecimento o penal gerador do dano inicial seguido do processo de conhecimento na esfera civil e um de execução da sentença condenatória proferida pelo juízo cível Em última análise a violação do direito de ser julgado num prazo razoável conduz à reiteração da violação do mesmo direito pois novamente o imputado terá de suportar a longa demora judicial agora na esfera cível 130 É o melhor sistema adotado pelo Código de Processo Penal do Paraguai tanto para o processo penal como um todo como também para a ação penal se a investigação preliminar exceder o prazo fixado A questão está disciplinada nos arts 136 a 139 anteriormente transcritos quando tratamos do tópico Nulla coactio sine lege ao qual remetemos o leitor para evitar repetições 131 Adotando uma inédita solução processual extintiva diante da violação do direito de ser julgado em um prazo razoável proferiu o TJRS em acórdão da lavra do Rel Des Nereu GIACOMOLLI 6ª Câmara Criminal Apelação 70019476498 j 14062007 a seguinte decisão absolutória ROUBO TRANSCURSO DE MAIS DE SEIS ANOS ENTRE O FATO E A SENTENÇA PROCESSO SIMPLES EM COMPLEXIDADE ABSOLVIÇÃO 1 O tempo transcorrido no caso em tela sepulta qualquer razoabilidade na duração do processo e influi na solução final Fato e denúncia ocorridos há quase sete anos O processo entre o recebimento da denúncia e a sentença demorou mais de cinco anos Somente a intimação do Ministério Público da sentença condenatória tardou quase de cinco meses Aplicação do artigo 5º LXXVIII Processo sem complexidade a justificar a demora estatal 2 Vítima e réu conhecidos réu que pede perdão à vítima já na fase policial réu vítima e testemunha que não mais lembram dos fatos 3 Absolvição decretada Da leitura do acórdão percebese claramente que o relator decidiu pela absolvição do réu tendo como fundamento a dilação indevida e diante da inexistência de uma solução processual extintiva no sistema brasileiro revestiua do caráter absolutório Sem dúvida uma decisão inovadora e muito relevante para a problemática em tela 132 Similar à pena de inutilizzabilità prevista no art 4073 do CPP italiano mas apenas em relação aos atos da investigação preliminar Art 407 Termini di durata massima delle indagini preliminari 3 Salvo quanto previsto dallart 415bis qualora il pubblico minitero non abbia esercitato lazione penale o richiesto larchiviazione nel termine stabilito dalla legge o prorogato dal giudice gli atti di indagine compiuti dopo la scadenza del termine non possono essere utilizzati 408 411 Para assegurar a eficácia da limitação temporal fixada para a fase préprocessual indagini preliminari o CPPI determina que se o MP não exercitar a ação penal ou solicitar o arquivamento no prazo estabelecido na lei ou prorrogado pelo juiz os atos de investigação praticados depois de expirado o prazo dilação indevida não poderão ser utilizados no processo É o que a doutrina define como pena de inutilizzabilità pena de inutilidade em clara alusão à ineficácia jurídica desses atos 133 Nesse sentido a Súmula 231 do STJ reflete a posição hoje majoritária Contudo a nosso juízo tratase de entendimento equivocadamente pacificado na medida em que constitui um despropositado preciosismo além de substancialmente inconstitucional como muito bem identificou o então Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro em saudosas decisões prolatadas no STJ vg RESP 681200MG cuja ementa é RESP PENAL PENA INDIVIDUALIZAÇÃO ATENUANTE FIXAÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL O Princípio da individualização da pena Const art 5º XLVI materialmente significa que a sanção deve corresponder às características do fato do agente e da vítima enfim considerar todas as circunstâncias do delito A cominação estabelecendo grau mínimo e grau máximo visa a esse fim conferindo ao juiz conforme o critério do art 68 CP fixar a pena in concreto A lei trabalha com o gênero Da espécie cuida o magistrado Só assim terseá direito dinâmico e sensível à realidade impossível de formalmente ser descrita em todos os pormenores Imposição ainda da justiça do caso concreto buscando realizar o direito justo Na espécie sub judice a penabase foi fixada no mínimo legal Reconhecida ainda a atenuante da confissão espontânea CP art 65 III d Todavia desconsiderada porque não poderá ser reduzida Essa conclusão significaria desprezar a circunstância Em outros termos não repercutir na sanção aplicada Ofensa ao princípio e ao disposto no art 59 CP que determina ponderar todas as circunstâncias do crime Infelizmente tal posição encontrou sérias resistências a ponto de culminar com a publicação da Súmula n 231 do STJ 134 El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit especialmente no Capítulo V 135 Idem ibidem p 513 136 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 53 137 Idem ibidem p 51 138 Idem ibidem p 89 139 Ou ainda no mesmo sentido o direito a um processo sem dilações indevidas 140 CARVALHO Salo Pena e Garantias 2 ed Rio de janeiro Lumen Juris 2003 p 208 141 BINDER Alberto B O Descumprimento das Formas Processuais p 49 142 MIRANDA COUTINHO Jacinto Nelson de Introdução aos Princípios cit p 2 143 Derecho y Razón cit p 550 144 Na obra Investigação Preliminar 5ª edição em coautoria com Ricardo Jacobsen Gloeckner publicada pela editora Saraiva 145 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal t I Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 p 252 146 Para Perego duas são as presunções que movimentam a dinâmica do processo a de culpabilidade e a de inocência Para o autor dentro da lógica não é possível que ambas emirjam simultaneamente Isso somente pode ocorrer quando uma presunção seja racional e a outra intuitiva ou sentimental uma vez que a concorrência da razão e do sentimento é justamente o que compõe o juízo Todavia Perego nega que seja possível filosoficamente uma presunção ser sentimental O indiciado portanto não passa de um indiciado culpável caso contrário não se procederia contra ele mas não um presumível culpado ou inocente PEREGO Luigi I Nuovi Valori Filosofici e Il Diritto Penale Milano Società Editrice Libraria 1918 p 198 147 FERRARI Ubaldo La Verità Penale e la sua Ricerca nel Diritto Processuale Penale Italiano Milano Inst Ed Scientifico 1927 148 VITALI Giovanni Sul Principio della Presunzione di Colpa DellImputato In Cassasione Unica XXVII 1916 p 1009 149 CARVALHO Amilton Bueno de Lei para quem In WUNDERLICH Alexandre coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 51 150 Derecho y Razón cit p 549 151 Daí a importância da distinção entre atos de prova praticados durante a fase processual e atos de investigação colhidos na inquisição do inquérito e sem a observância da jurisdicionalidade posto que somente os primeiros podem justificar uma sentença condenatória 152 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 549 153 Não confundir essa concepção com aquela dada por Marc Ancel 154 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 550 155 Dos Delitos e das Penas p 35 156 Baseamonos na divisão de Perfecto Andrés Ibáñez Garantismo y Proceso Penal cit p 53 157 VEGAS TORRES Jaime Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal Madrid La Ley 1993 p 14 e ss 158 Art 9º Todo homem presumese inocente enquanto não houver sido declarado culpado por isso se se considerar indispensável detêlo todo rigor que não seria necessário para a segurança de sua pessoa deve ser severamente punido pela lei 159 VEGAS TORRES Jaime op cit p 35 e ss 160 Utilizamos a expressão imputado para designar o acusado em geral a que se refere o art 5º LV da Constituição Logo tal tratamento inclui tanto o formalmente acusado fase processual como também aquele que na fase préprocessual figura como sujeito passivo de uma notíciacrime ou foi indiciado Sobre o tema vejase nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal p 271 e ss 161 CARRARA Derecho Penal y Procedimiento Penal p 15 Apud VEGAS TORRES op cit p 38 162 SUANNES Adauto Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal São Paulo RT 1999 p 232 163 Idem ibidem 164 A relação inafastável entre contraditório e o ato de contradizer explica porque J GOLDSCHMIDT utiliza como sinônimos as expressões ao definir como principio de controversia o contradicción Sobre o tema vejase sua obra Derecho Procesal Civil p 82 165 GOLDSCHMIDT Werner La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 189 166 Direito de silêncio nada a temer por se deter Será tratado na continuação 167 A Instrumentalidade do Processo São Paulo Malheiros 1990 p 177 168 Administración de Justicia y Derechos de la Personalidad In Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 182 e ss 169 CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli 1960 p 139 170 Entre as questões mais complexas do processo penal está o alcance do Princípio da Correlação intimamente vinculado ao objeto e à eficácia do contraditório Para evitar repetições veja adiante estudo detalhado desta problemática 171 PELLEGRINI GRINOVER Ada SCARANCE FERNANDES Antônio e GOMES FILHO Antônio Magalhães As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 172 Elementi di Diritto e Procedura Penale 5 ed Napoli Jovene 1981 p 212 173 Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 1 p 281 174 Isso porque seguimos a lição de JAMES GOLDSCHMIDT para quem o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva como entendia BINDING Sobre o tema consultese o capítulo específico sobre o Objeto do Processo Penal 175 Na Espanha utilizase a expressão letrado em clara alusão ao presumido conhecimento que o advogado deve ter não só técnico jurídico mas também de outras áreas 176 Derecho Procesal Penal 3 ed Barcelona Labor 1960 v I p 458 177 FOSCHINI Gaetano LImputato Milano Dott A Giuffrè 1956 p 26 178 Idem ibidem p 27 e ss 179 La Defensa en el Proceso Penal Madrid Civitas 1982 p 112 180 GUARNIERI op cit p 116 181 FOSCHINI Gaetano LImputato cit p 27 182 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É patente a violação do contraditório e da ampla defesa nesses casos 183 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 608 184 Pareceres Processo Penal In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 343 e ss 185 Las Partes en el Proceso Penal cit p 299 186 Em alguns pontos nos baseamos em FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 608 187 Derecho y Razón cit p 608 188 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2006 p 547 189 Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os Operadores do Direito cit p 176 190 Garantismo y Proceso Penal cit p 55 191 Idem ibidem p 59 192 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 44 e ss 193 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 280 194 Idem ibidem p 282 195 BOSCHI José Antônio Paganella A Sentença Penal Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez n 5 2002 p 65 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Os Princípios Constitucionais do Processo Penal são constitutivos das chamadas regras do jogo ou do devido processo due process of law servindo ao mesmo tempo como mecanismos de limitação e legitimação do poder de punir Pensamos o processo penal a partir da instrumentalidade constitucional ou seja um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição e um caminho necessário para chegarse a uma pena ou não pena permeado por regras que limitam o exercício do poder punitivo Os princípios gozam de plena eficácia normativa pois são verdadeiras normas Bobbio 1 JURISDICIONALIDADE decorre da exclusividade do órgão jurisdicional para impor a pena através do devido processo penal Não basta ter um juiz é necessário que seja imparcial natural e comprometido com a máxima eficácia da própria Constituição 11 O subprincípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um pressuposto de sua existência É necessária a existência de um juiz com competência preestabelecida por lei sendo que o nascimento desta garantia se dá com a prática do delito e não com o início do processo 12 A imparcialidade é outro pressuposto de sua existência sendo uma construção teórica do processo para exigir o estranhamento o alheamento terzietà do julgador A imparcialidade somente existe em uma estrutura processual acusatória que mantenha o juiz afastado das atividades que são inerentes às partes Por isso não deve o juiz ter iniciativa probatória não deve determinar de ofício a produção de provas pois ao fazer isso ele quebra o equilíbrio entre as partes fere de morte o contraditório e fulmina a imparcialidade dado que é inafastável o imenso prejuízo que decorre dos préjuízos Quem procura procura algo Logo quando o juiz vai atrás da prova de ofício ele decide primeiro e sai em busca dos elementos que justificam a decisão já tomada Devem ser evitados os atos que impliquem pré julgamento Grave problema do processo penal brasileiro decorre dos inúmeros dispositivos que permitem o ativismo judicial com sacrifício da garantia da imparcialidade e do sistema acusatório exigindo portanto uma filtragem constitucional Outro grave equívoco é a figura da prevenção onde o juiz que primeiro examinou a questão fica prevento e irá julgar o caso Conforme pacífica jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos juiz prevento é juiz contaminado que não pode julgar 13 O direito de ser julgado em um prazo razoável também se vincula à garantia da jurisdição Para seu estudo é necessário compreender o rompimento do paradigma newtoniano e o caráter punitivo do tempo Ser processado já é uma punição que vai agravada pela demora jurisdicional O ideal é a fixação do prazo máximo de duração do processo e também das prisões cautelares definindo assim claramente até que ponto a demora é legítima e quando passa a ser indevida No processo penal brasileiro existem muitos prazos mas sem sanção prazo sanção ineficácia por isso afirmamos que adotou a teoria do não prazo Na falta de um prazo máximo de duração do processo o TEDH e a CADH adotam a teoria dos três critérios ou seja analisando o caso concreto a complexidade do caso b atividade processual do interessado c conduta das autoridades judiciárias polícia Ministério Público juízes e tribunais Esses três elementos devem passar pelo filtro da Razoabilidade para afirmarse se houve uma dilação indevida ou não Foi analisando esses referenciais que a CADH no caso Ximenes Lopes condenou o Brasil entre outras pela violação do direito de ser julgado em um prazo razoável Reconhecida a demora jurisdicional devese aplicar uma solução que poderá ser a compensatória cível fixação de uma indenização b compensatória penal atenuação da pena perdão judicial etc c processual a melhor solução seria a extinção do feito mas não há previsão legal no CPP d sancionatória punição administrativa do servidor público responsável pela dilação indevida Devese buscar o difícil equilíbrio evitando a demora excessiva no processo mas também não admitindo o atropelo das garantias fundamentais em nome da pressa em punir A solução passa por a definição de um marco normativo interno que defina a duração máxima do processo e da prisão cautelar b as soluções compensatórias são insuficientes e produzem pouco efeito inibitório devendo se estabelecer uma solução processual extintiva c devese agilizar o processo penal com a diminuição dos tempos mortos de tempos burocráticos através da inserção de tecnologia e otimização dos atos cartorários 2 PRINCÍPIO ACUSATÓRIO para consagração do sistema processual acusatório na linha da Constituição mantendo a iniciativa e gestão da prova nas mãos das partes e evitando o ativismo judicial Postulase pela máxima eficácia do ne procedat iudex ex officio para garantia da imparcialidade do julgador e do contraditório Remetemos o leitor para o Capítulo anterior onde tratamos dos sistemas processuais 3 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA consagrada no art 5º LVII da Constituição é um princípio reitor do processo penal e seu nível de eficácia denota o grau de evolução civilizatória de um povo Do não tratar o réu como condenado antes do trânsito em julgado podemos extrair que a presunção de inocência é um dever de tratamento processual que estabelece regras de julgamento e de tratamento no processo e fora dele Manifestase numa dupla dimensão a interna estabelecendo que a carga da prova seja integralmente do acusador impondo a aplicação do in dubio pro reo limitando o campo de incidência das prisões cautelares b externa exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do acusado assegurando a imagem dignidade e privacidade do réu 4 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA previstos no art 5º LV da CB são princípios distintos mas dada a íntima relação e interação estudados juntos 41 O contraditório nos remete às lições de Fazzalari em suma de igualdade de tratamento e oportunidades no processo O contraditório tem dois momentos informação e reação É essencialmente o direito de ser informado e de participar do processo com igualdade de armas É possível o contraditório no inquérito policial mas restrito ao seu primeiro momento informação 42 O direito de defesa é concebido numa dupla dimensão a defesa técnica ninguém pode ser acusado ou julgado sem defensor constituído ou dativo exercida por advogado habilitado diante da presunção absoluta de hipossuficiência técnica do réu arts 261 do CPP 5º LXXIV e 134 da CB 82 da CADH b defesa pessoal ou autodefesa exercida pelo próprio acusado A defesa pessoal subdividese ainda em positiva quando o réu presta depoimento ou tem uma conduta ativa frente a determinada prova vg participando do reconhecimento acareação etc ou negativa utiliza o direito de silêncio ou se recusa a participar de determinada prova concretizando o princípio do nemo tenetur se detegere nada a temer por se deter do art 5º LXIII da CB art 186 do CPP e 82 g da CADH Importante destacar o disposto na Lei n 126542012 que estabelece a coleta compulsória de material genético do suspeito ou condenado excepcionando assim o direito de silêncio 5 MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS expressamente prevista no art 93 IX da CB essa garantia processual permite o controle da racionalidade e da legalidade das decisões sendo exigível inclusive nas decisões interlocutórias É necessário superar a visão cartesianista moderna juiz boca da lei e assumir a subjetividade no ato de decidir mas sem cair no outro extremo que é o decisionismo onde o juiz diz qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck Nesse ponto remetemos o leitor para Capítulo posterior onde tratamos da Decisão Penal Capítulo VI LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO 1 Lei Processual Penal no Tempo 11 A Leitura Tradicional Princípio da Imediatidade Ensina a doutrina tradicional que o processo penal é guiado pelo Princípio da Imediatidade art 2º do CPP de modo que as normas processuais penais teriam aplicação imediata independente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu tão logo passasse a vacatio legis sem prejudicar contudo os atos já praticados eis que não retroagiria jamais Para tanto é recorrente a seguinte distinção1 leis penais puras leis processuais penais puras leis mistas A lei penal pura é aquela que disciplina o poder punitivo estatal Dispõe sobre o conteúdo material do processo ou seja o Direito Penal Diz respeito à tipificação de delitos pena máxima e mínima regime de cumprimento etc Para essas valem as regras do Direito Penal ou seja em linhas gerais retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa A lei processual penal pura regula o início desenvolvimento ou fim do processo e os diferentes institutos processuais Exemplo perícias rol de testemunhas forma de realizar atos processuais ritos etc Aqui vale o princípio da imediatidade onde a lei será aplicada a partir dali sem efeito retroativo e sem que se questione se mais gravosa2 ou não ao réu Assim se no curso do processo penal surgir uma nova lei exigindo que as perícias sejam feitas por três peritos oficiais quando a lei anterior exigia apenas dois devese questionar a perícia já foi realizada Se não foi quando for levada a cabo deverá sêlo segundo a regra nova Mas se já foi praticada vale a regra vigente no momento de sua realização A lei nova não retroage Por fim existem as leis mistas ou seja aquelas que possuem caracteres penais e processuais Nesse caso aplicase a regra do Direito Penal ou seja a lei mais benigna é retroativa e a mais gravosa não Alguns autores chamam de normas mistas com prevalentes caracteres penais3 eis que disciplinam um ato realizado no processo mas que diz respeito ao poder punitivo e à extinção da punibilidade Exemplo as normas que regulam a representação ação penal queixacrime perdão renúncia perempção etc Seguindo essa doutrina se alguém comete um delito hoje em que a ação penal é pública incondicionada e posteriormente passa a ser condicionada à representação o juiz deverá abrir prazo para que a vítima querendo represente sob pena de extinção da punibilidade É retroativa porque mais benéfica para o réu Foi o que aconteceu com a Lei n 909995 e a representação nos delitos de lesões leves e culposas Os processos que não tinham transitado em julgado baixaram para a vítima representar e se não o fizesse extinguia a punibilidade Por outro lado se quando o crime é cometido existe uma lei que diga que a ação penal é privada e posteriormente vem outra dizendo que a ação penal é pública incondicionada a ação continuará sendo privada porque isso é melhor para o réu ultraatividade da lei mais benigna Essa problemática se repetiu em 2009 com o advento da Lei n 120152009 que alterou o regime da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual como explicaremos a seguir 12 Uma ReLeitura Constitucional Retroatividade da Lei Penal e Processual Penal Mais Benéfica Pensamos que o Princípio da Imediatidade contido no art 2º do CPP assim aplicado não resistiria a uma filtragem constitucional ou seja quando confrontado com o art 5º XL da Constituição A questão foi muito bem tratada por PAULO QUEIROZ e ANTONIO VIEIRA 4 que lecionam que a irretroatividade da lei penal deve também compreender pelas mesmas razões a lei processual penal a despeito do que dispõe o art 2º do Código de Processo Penal que determina como regra geral a aplicação imediata da norma uma vez que deve ser reinterpretado à luz da Constituição Federal Isso porque não há como se pensar o Direito Penal completamente desvinculado do processo e vice versa Recordando o princípio da necessidade não poderá haver punição sem lei anterior que preveja o fato punível e um processo que o apure Tampouco pode haver um processo penal senão para apurar a prática de um fato aparentemente delituoso e aplicar a pena correspondente Assim essa íntima relação e interação dão o caráter de coesão do sistema penal não permitindo que se pense o Direito Penal e o processo penal como compartimentos estanques Logo as regras da retroatividade da lei penal mais benéfica devem ser compreendidas dentro da lógica sistêmica ou seja retroatividade da lei penal ou processual penal mais benéfica e vedação de efeitos retroativos da lei penal ou processual penal mais gravosa ao réu Portanto impõese discutir se a nova lei processual penal é mais gravosa ou não ao réu como um todo Se prejudicial porque suprime ou relativiza garantias vg adota critérios menos rígidos para a decretação de prisões cautelares ou amplia os seus respectivos prazos de duração veda a liberdade provisória mediante fiança restringe a participação do advogado ou a utilização de algum recurso etc limitarseá a reger os processos relativos às infrações penais consumadas após a sua entrada em vigor Afinal também aqui advertem os autores é dizer não apenas na incriminação de condutas mas também na forma e na organização do processo a lei deve cumprir sua função de garantia de sorte que por norma processual menos benéfica se há de entender toda disposição normativa que importe diminuição de garantias e por mais benéfica a que implique o contrário aumento de garantias processuais Então a lei processual penal mais gravosa não incide naquele processo mas somente naqueles cujos crimes tenham sido praticados após a vigência da lei Por outro lado a lei processual penal mais benéfica poderá perfeitamente retroagir para beneficiar o réu ao contrário do defendido pelo senso comum teórico Como explicam PAULO QUEIROZ e ANTONIO VIERA sempre que a lei processual dispuser de modo mais favorável ao réu vg passa a admitir a fiança reduz o prazo de duração de prisão provisória amplia a participação do advogado aumenta os prazos de defesa prevê novos recursos etc terá aplicação efetivamente retroativa E aqui se diz retroativa advertindose que nestes casos não deverá haver tão somente a sua aplicação imediata respeitandose os atos validamente praticados mas até mesmo a renovação de determinados atos processuais a depender da fase em que o processo se achar Por fim concluem os autores quando estivermos diante de normas meramente procedimentais que não impliquem aumento ou diminuição de garantias como sói ocorrer com regras que alteram tão só o processamento dos recursos a forma de expedição ou cumprimento de cartas rogatórias etc terão aplicação imediata CPP art 2º incidindo a regra geral porquanto deverão alcançar o processo no estado em que se encontra e respeitar os atos validamente praticados Também tratando desse tema CIRINO DOS SANTOS5 explica que o princípio constitucional da lei penal mais favorável condiciona a legalidade processual penal sob dois aspectos primeiro o primado do direito penal substancial determina a extensão das garantias do princípio da legalidade ao subsistema de imputação assim como aos subsistemas de indiciamento e de execução penal porque a coerção processual é a própria realização da coação punitiva segundo o gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei penal processual regidas pelo mesmo princípio fundamental Assim voltando aos exemplos anteriores em nada afetará os casos de leis mistas O reflexo mais efetivo ocorrerá nas leis processuais penais puras pois agora deveremos discutir se houve ampliação ou restrição da esfera de proteção O princípio da imediatidade segue tendo plena aplicação nos casos de leis meramente procedimentais de conteúdo neutro a ser aferido no caso concreto na medida em que não geram gravame para a defesa E nessa situação é necessário analisarse o caso em concreto não havendo possibilidade de criarse uma estrutura teórica que dê conta da diversidade e complexidade que a realidade processual pode produzir Assim por exemplo a indenização a ser fixada na sentença art 387 inovação introduzida pela reforma de 2008 somente pode ser aplicada pelo juiz em relação aos fatos ocorridos após 23082008 Tratase de lei processual penal mais gravosa e que não pode retroagir Ademais especificamente nesse caso há dois outros graves inconvenientes não ter havido pedido de indenização na denúncia e tampouco contraditório em relação a essa questão Quando o juiz fixa um valor indenizatório mínimo nos termos do art 387 IV em casos penais ocorridos antes da vigência da Lei n 117192008 o faz de forma ilegal na medida em que está dando um indevido efeito retroativo a uma lei processual penal mais gravosa Ademais devese atentar para o fato de certamente não ter havido pedido do Ministério Público até porque se a denúncia é anterior à lei nem cabia tal pedido violando assim o princípio da correlação 2 Lei Processual Penal no Espaço Ao contrário do que ocorre no Direito Penal onde se trava longa e complexa discussão sobre a extraterritorialidade da lei penal no processo penal a situação é mais simples Aqui vige o princípio da territorialidade As normas processuais penais brasileiras só se aplicam no território nacional não tendo qualquer possibilidade de eficácia extraterritorial A questão da territorialidade está vinculada ao fato de a jurisdição constituir um exercício de poder Portanto poder condicionado aos limites impostos pela soberania ou como prefere SARA ARAGONESES6 el ejercicio de la Jurisdicción penal es una manifestación de la soberanía del Estado Assim o poder jurisdicional brasileiro somente pode ser exercido no território nacional Eventualmente no campo teórico especialmente nas pirotecnias surreais que costumam produzirse em alguns concursos públicos criamse complexas questões envolvendo a prática de atos processuais no exterior como por exemplo o cumprimento de uma carta rogatória Em síntese o questionamento é ainda que realizado no exterior o ato processual a oitiva de uma testemunha vítima etc deve observar a forma e o ritual exigido pelo nosso CPP Se for praticado de outra forma segundo as regras do sistema daquele país o ato é nulo A resposta é não O ato processual será realizado naquele país segundo as regras lá vigentes Não têm nossas leis processuais penais extraterritorialidade para regrar os atos praticados fora do território nacional Tampouco há que se falar de nulidade Ao necessitar da cooperação internacional deve o País conformarse com a forma como é exercido lá o poder jurisdicional Como explica ARAGONESES ALONSO7 as normas processuais de um país se aplicam sempre pelos tribunais de dito país e adverte mais do que no princípio de territorialidade devese falar no princípio da lex fori isto é a aplicação das normas processuais corresponde ao país a que esse tribunal serve 1 Entre outros adotam essa posição Fernando da Costa Tourinho Filho Processo Penal 26 ed São Paulo Saraiva 2004 v 1 p 110 e ss e PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 14 2 A questão de ser ou não mais gravosa para o réu deve ser compreendida de forma ampla à luz dos princípios fundantes do processo penal e que foram por nós analisados no início desta obra Não basta verificar apenas se houve cerceamento de defesa ou não Não é apenas a ampla defesa que funda a instrumentalidade constitucional do processo penal senão também a garantia da jurisdição do sistema acusatório do contraditório da presunção de inocência e da motivação das decisões judiciais Daí por que não concordamos com a construção de Tourinho Filho que além de ser paradoxal é reducionista pois limita a problemática da gravosidade à questão de se houve ou não cerceamento de defesa Ademais em que pese demonstrar posteriormente alguma preocupação com o cerceamento de defesa o que é insuficiente possui ela uma premissa completamente equivocada e descolada da Constituição de 1988 Não concordamos com TOURINHO FILHO Processo Penal cit v 1 p 112 quando afirma que essa regra é plenamente justificável posto que o Estado disciplina a administração da justiça da maneira que lhe parece a mais acertada e devese presumir que a nova lei seja melhor que a anterior não para o interesse coletivo como também para os interesses individuais reconhecidos e protegidos pelo Direito Público em geral grifo nosso Tratase a nosso ver de uma visão superada autopoiética até Defende o autor que os atos do Estado na Administração da Justiça se legitimam por si só pelo simples fato de emanarem do Estado desconsiderando completamente a necessidade de uma legitimação constitucional A noção de sistema fechado não superação do dogma de completude lógica e paleopositivismo permeia o discurso Elementar que o Estado não pode administrar a justiça da maneira que lhe pareça mais acertada Tampouco pode ser produzida uma legislação processual como pareça mais acertado para o Estado Para além disso estão as regras do devido processo penal constitucional e a necessidade de uma substancial conformidade com a Constituição que como dito vai muito além do cerceamento de defesa Devese ter muito cuidado com discursos estruturados dentro de uma racionalidade préConstituição Democrática pois vêm eles muitas vezes impregnados do verbo autoritário E quando tentam uma abertura geram paradoxos e contradições 3 Quem emprega expressão quase idêntica mas em espanhol prevalentes caracteres de derecho penal material e entre aspas é TOURINHO FILHO op cit p 115 Infelizmente o autor não indica a fonte de onde extraiu a expressão 4 No excelente trabalho Retroatividade da Lei Processual Penal e Garantismo publicado no Boletim do IBCCrim n 143 de outubro de 2004 5 Com a mesma autoridade com que leciona sobre Direito Penal o excepcional jurista JUAREZ CIRINO DOS SANTOS também muito nos ensina em Direito Processual Penal Daí por que imprescindível a leitura entre outras da obra Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 Especificamente nessa citação vejase p 53 6 Na obra coletiva Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 82 7 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 61 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO 1 Princípio da Imediatidade art 2º do CPP segundo o qual as normas processuais penais têm aplicação imediata independentemente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu sem efeito retroativo É a posição tradicional sendo que os doutrinadores recorrem à seguinte distinção 11 Leis Penais Puras disciplinam o poder punitivo estatal que diz respeito à tipificação de delitos penas regimes etc Aplicamse os princípios do direito penal retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa 12 Leis Processuais Penais Puras regulam o início o desenvolvimento e o fim do processo penal como perícias rol de testemunhas ritos etc Aplicase o princípio da imediatidade e não têm efeito retroativo 13 Leis Mistas possuem caracteres penais e processuais visto que disciplinam um ato do processo mas que diz respeito ao poder punitivo Exemplos normas que regulam ação penal representação perdão renúncia perempção causas de extinção da punibilidade etc Aplicase a regra do direito penal da retroatividade da lei mais benigna 2 ReLeitura Constitucional do Princípio da Imediatidade o art 2º do CPP deve ser lido à luz do art 5º XL da CB Não se pode pensar o direito penal desconectado do processo penal e viceversa devendo ser feita uma análise à luz do sistema penal O gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei penal processual regidas pelo mesmo princípio constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa e retroatividade da lei mais benigna O caráter mais benigno ou mais gravoso é feito a partir da ampliação ou compressão da esfera de proteção constitucional As normas meramente procedimentais que não impliquem aumento ou diminuição de garantias são consideradas de conteúdo neutro sendo regidas então pelo princípio da imediatidade LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO Vige o princípio da territorialidade do art 1º do CPP não havendo a mesma problemática do direito penal que admite a extraterritorialidade Assim a lei penal pode ser aplicada fora do território nacional nos casos do art 7º do CP mas as leis processuais penais não podem pois não possuem extraterritorialidade Capítulo VII SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR BREVE ANÁLISE A PARTIR DE SUJEITOSOBJETOATOS Neste capítulo faremos uma rápida análise dos sistemas de investigação preliminar no processo penal do qual o inquérito policial é apenas uma espécie que será objeto de estudo no próximo tópico Será uma análise sumária diante dos limites da presente obra Para aprofundamento remetemos os leitores para nosso livro Investigação Preliminar no Processo Penal1 onde a abordagem é muito mais ampla e detida Mas antes de estudar o inquérito que é apenas uma espécie frisese é fundamental compreender o que é a fase préprocessual qual o fundamento da sua existência e que modelos de investigação preliminar vigem hoje no mundo Essa questão assume ainda maior relevância quando nos deparamos com a reducionista discussão que se trava hoje no Brasil sobre a investigação a cargo do Ministério Público O erro está exatamente nesse reducionismo de discutir apenas o sujeito ativo da investigação esquecendose de que muito mais importante do que mudar o sujeito é analisar o objeto e a forma dos atos Em última análise como explicaremos ao final muito mais importante do que discutir quem será o inquisidor é discutir como será a própria inquisição 1 Introdução A investigação preliminar é uma peça fundamental para o processo penal No Brasil provavelmente por culpa das deficiências do sistema adotado o famigerado inquérito policial tem sido relegada a um segundo plano Apesar dos problemas que possam ter a fase préprocessual inquérito sumário diligências prévias investigação etc é absolutamente imprescindível pois um processo penal sem a investigação preliminar é um processo irracional uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados básicos do processo penal constitucional Para visualizar melhor o tema podemos fazer a seguinte representação gráfica Não se deve começar um processo penal de forma imediata Em primeiro lugar devese preparar investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou o não processo É um grave equívoco que primeiro se acuse para depois investigar e ao final julgar O processo penal encerra um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto nevrálgico seja saber se deve ou não acusar Atualmente existe um consenso o inquérito policial está em crise Os juízes apontam para a demora e a pouca confiabilidade do material produzido pela polícia que não serve como elemento de prova na fase processual Os promotores reclamam da falta de coordenação entre a investigação e as necessidades de quem em juízo vai acusar O inquérito demora excessivamente e nos casos mais complexos é incompleto necessitando de novas diligências com evidente prejuízo à celeridade e à eficácia da persecução Por outro lado os advogados insurgemse com muita propriedade da estrutura inquisitória negando um mínimo de contraditório e direito de defesa ainda que assegurados no art 5º LV da Constituição Em torno ao tema proliferam trabalhos jurídicos A despeito da qualidade de muitos em geral pecam em um mesmo aspecto foram pontuais limitados a analisar apenas o sujeito ou seja se o Ministério Público deve ou não ser a autoridade encarregada do inquérito policial Por questão de simetria2 o problema jurídicoprocessual é melhor analisado quando decomposto em três partes No processo o trinômio sujeito objeto e atos permite estudar o fenômeno em toda sua dimensão Por isso entendemos que carece a doutrina atual de um enfoque que observe o problema na sua complexidade e que analise a investigação de forma sistemática não só a partir do sujeito mas também e principalmente sob o ponto de vista do objeto e dos atos Assim para melhor compreensão do inquérito policial modelo brasileiro e também para que existam condições de possibilidade para uma discussão em torno de qualquer reforma nessa matéria é imprescindível uma noção mínima da estrutura e dos sistemas de investigação preliminar existentes 2 Análise dos Sistemas de Investigação Preliminar 21 Problema Terminológico Para definir essa atividade prévia ao processo com uma clara conotação instrumental os legisladores adotam diversos nomes jurídicos Assim denominase inquérito policial no Brasil sumario diligencias previas ou instrucción complementaria na Espanha indagine preliminare na Itália inquérito preliminar em Portugal vorverfahrem e ermittlungsverfahren na Alemanha lenquete preliminaire e linstruction na França procedimiento preparatorio no Código de Processo Penal Modelo para Ibero América apenas para citar alguns exemplos Ao pretender fazer uma análise sistemática impõese por questão de método e rigor científico a adoção de um termo que seja suficientemente amplo para abranger a diversidade de sistemas existentes A expressão que nos parece mais adequada é a de instrução preliminar O primeiro vocábulo instrução alude ao fundamento e à natureza da atividade desenvolvida Faz referência ao conjunto de conhecimentos adquiridos no sentido jurídico de atividade de cognição e reflete a existência de uma concatenação de atos logicamente organizados um procedimento Para uma análise de sistemas abstratos é melhor utilizar o termo instrução do que investigação não só pela maior abrangência do primeiro pois pode referirse tanto a uma atividade judicial juiz instrutor como também a uma sumária investigação policial mas também porque seria uma incoerência lógica falar em investigação preliminar quando não existe uma investigação definitiva O termo instruir vem do latim instruere que significa ensinar informar Por isso ao vocábulo instrução devese acrescentar o preliminar para distinguir da instrução realizada também na fase processual instrução definitiva e apontar para o caráter prévio com que é levada a cabo Preliminar vem do latim prefixo pre antes e liminaris umbral da porta expressando claramente que essa instrução vem antes da porta antes do processo penal Sem embargo no Brasil é tradicional o emprego de investigação criminal A doutrina brasileira prefere utilizar investigação reservando instrução para a fase processual A nosso juízo o termo instrução pode ser utilizado desde que acompanhado do adjetivo preliminar evitando assim qualquer confusão com a instrução definitiva realizada na fase processual Contudo vencidos pela tradição brasileira tivemos que adotar a designação de investigação preliminar Por tudo isso em definitivo utilizaremos indistintamente as expressões investigaçãoinstrução preliminar atendendo à natureza do inquérito policial e à terminologia adotada no Brasil Chamaremos de investigaçãoinstrução preliminar o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado a partir de uma notíciacrime com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso com o fim de justificar o processo ou o não processo 22 Caracteres Determinantes Instrumentalidade e Autonomia A autonomia vem dada pela natureza dos atos levados a cabo na instrução preliminar bem distintos daqueles praticados no processo penal principalmente no que se refere à natureza da intervenção dos sujeitos não existem partes ao objeto notíciacrime e não a pretensão acusatória e à forma dos atos predomínio da escritura e do segredo Assim a autonomia está no fato de que o procedimento pré processual pode não originar um processo penal casos de arquivamento prévio ao exercício da ação penal e naqueles em que o processo penal pode nascer e se desenvolver sem a prévia instrução sistemas de instrução preliminar facultativa como no modelo brasileiro Ao seu lado a instrumentalidade fundamenta porque a instrução existe Já explicamos no início desta obra que o fundamento da existência do processo penal é a sua instrumentalidade constitucional na medida em que o processo penal é um caminho necessário para a efetivação da pena mas principalmente está a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias previstos na Constituição A investigação preliminar não tem por fundamento a pena e tampouco a satisfação de uma pretensão acusatória Não faz em sentido próprio justiça senão que tem por objetivo imediato garantir a eficácia do funcionamento da Justiça Por isso tratase de uma instrumentalidade qualificada pois a instrução preliminar está a serviço do instrumentoprocesso Nesse sentido podese perfeitamente aplicar a doutrina de CALAMANDREI3 de que estamos ante uma instrumentalidade eventual e qualificada por assim dizer elevada ao quadrado É eventual porque predomina nos sistemas modernos o caráter facultativo da investigação É de segundo grau porque não é um fim em si mesma mas um instrumento a serviço do instrumentoprocesso Considerando que a investigação preliminar serve lato sensu ao processo entendemos que seu objetivo estará cumprido tanto quando se produzir a acusação como também quando não se produzir non procedere 23 Fundamento da Existência da Investigação Preliminar O fundamento da existência do processo penal é a instrumentalidade constitucional e desse marco a investigação preliminar não se pode afastar CARNELUTTI4 defende que a encuesta preliminar no se hace para la comprobación del delito sino solamente para excluir una acusación aventurada Explica o autor que para evitar equívocos a função do procedimento preliminar não deve ser entendida no sentido de uma preparação ao procedimento definitivo mas ao contrário no sentido de um obstáculo a superar antes de poder abrir o processo penal Também colocando em relevo a finalidade de proteção LEONE5 afirma que a instrução preliminar tem duas finalidades assegurar a máxima genuinidade do material probatório evitar que o imputado inocente seja submetido ao processo que com sua publicidade ainda que se conclua favoravelmente a ele constitui uma causa de grave descrédito e humilhação Partindo daí e considerando a instrumentalidade constitucional entendemos que das funções de averiguar e comprovar a notíciacrime justificar o processo ou o não processo e proporcionar uma resposta estatal imediata ao delito cometido podemse extrair as três razões que fundamentam a instrução preliminar 231 Busca do Fato Oculto e a Criminal Case Mortality O ponto de partida da investigação preliminar é a notitia criminis e por consequência o fumus commissi delicti Essa conduta delitiva é geralmente praticada de forma dissimulada oculta de índole secreta basicamente por dois motivos para não frustrar os próprios fins do crime e para evitar a pena como efeito jurídico Por isso o autor do delito buscará ocultar os instrumentos meios motivos e a própria conduta praticada Existe uma clara relação entre a eficácia da instrução preliminar e a diminuição dos índices de criminal case mortality de modo que quanto mais eficaz é a atividade destinada a descobrir o fato oculto menor é a criminalidade oculta ou latente ou ainda as cifras de la ineficiencia de la justicia como prefere FERRAJOLI6 Em síntese quanto menor é a diferença entre a criminalidade real e a criminalidade conhecida pelos órgãos estatais de investigação mais eficaz será o processo penal como instrumento de reação e controle formal da criminalidade Como explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE 7 o Estado seja por meio da polícia do Ministério Público ou dos órgãos jurisdicionais juiz de instrução não atua em regra pelo sistema de selfstarter mas sim através de uma reação a uma notitia criminis Para ilustrar essa realidade segundo dados fornecidos pelos autores nos Estados Unidos e Alemanha calculase que o início das investigações depende em cerca de 85 a 95 da iniciativa dos particulares Isso leva a que os índices de criminalidade oculta estejam relacionados com a sociologia da denúncia8 cujos elementos a considerar são9 a Índole secreta do crime pela própria expressão material e fática da conduta pode evitar por completo a observação Também nos delitos sem vítima concreta como os delitos contra a saúde ou fé pública a perseguição penal fica prejudicada b Razões da vítima a vítima é considerada a mais decisiva instância não formal de seleção pois cerca de 90 da delinquência oficial são introduzidos pela vítima Logo podem existir razões específicas que a impeçam de noticiar o fato como a falta de confiança nas instâncias formais do Estado o desejo de evitar os incômodos resultados aleatórios o medo de represálias o desejo de evitar a publicidade abusiva dos atos processuais etc c Tolerância social é a capacidade da sociedade de absorver determinadas taxas de criminalidade e certas modalidades de delitos Como destacam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE tanto maior será a tolerância da sociedade quanto menor seja a correspondência entre as normas penais e as representações axiológicas da coletividade d Reações privadas existe uma tendência crescente de utilizar formas privadas de resposta ao delito revelando a falta de confiança nos instrumentos formais de controle da criminalidade Essas reações vão desde as manifestações mais simples de autotutela até as reações parainstitucionais aplicadas por empresas supermercados e grandes centros comerciais Frente a essa realidade o Estado deve dispor de instrumentos eficazes para descobrir o fato e não permitir que se elevem os índices de criminal case mortality que geram o descrédito dos sistemas formais de controle e uma insegurança social Nesse tema a investigação preliminar desempenha um papel relevantíssimo e sua eficácia está não só no resultado final senão também nas formas de starter Para isso alguns sistemas como o espanhol por exemplo preveem ao lado da obrigatoriedade da investigação ex officio nos delitos públicos a chamada denúncia obrigatória10 Através dela qualquer cidadão que tenha conhecimento da prática de um delito tem o dever legal de noticiálo à autoridade competente O processo é um caminho necessário que poderá levar à pena ou não dependendo da efetividade da acusação que deverá vencer a luta contra o ocultamento do injusto penal Inclusive a absolvição em muitos casos deve ser interpretada como o reconhecimento de um erro judiciário e reflexo do mau funcionamento da Justiça pois o processo poderia ter sido evitado se o sistema fosse dotado de um eficaz filtro contra as acusações infundadas e a investigação preliminar tivesse aportado suficientes elementos para levar ao não processo Por último devese considerar que o processo penal se desenvolve de forma escalonada11 que leva a uma progressiva ou regressiva concreção dos elementos objetivos e subjetivos que sustentam a imputação Necessariamente no processo penal existem juízos escalonados de valoração de modo que o fumus commissi delicti necessário para dar origem à instrução preliminar é distinto daquele necessário para adotar uma medida cautelar ou para admitir a acusação formal Ademais o processo penal não é de sentido único progressivo senão que também pode ser um juízo regressivo de culpabilidade A investigação preliminar é o primeiro degrau da escada e através dela se chegará a uma gradual concreção do sujeito passivo Com base nos elementos fornecidos pela investigação preliminar serão realizados esses diferentes juízos de valor imprescindível para chegar ao processo ou ao não processo Se para a instauração da investigação preliminar basta existir a possibilidade para a adoção de medidas cautelares e a admissão da ação penal é necessário um grau maior de segurança é imprescindível um juízo de probabilidade da autoria e da materialidade Dadas a relevância e as dificuldades que encerram a investigação do delito essa atividade não pode ser deixada nas mãos do particular como no processo civil e exige a intervenção do Estado por meio de seus órgãos oficiais 232 Função Simbólica A investigação preliminar também atende a uma função simbólica poderíamos dizer até de natureza sociológica ao contribuir para restabelecer a tranquilidade social abalada pelo crime Significa que numa dimensão simbólica contribui para amenizar o malestar causado pelo crime através da sensação de que os órgãos estatais atuarão evitando a impunidade Essa garantia de que não existirá impunidade manifestase também através da imediata atividade persecutória estatal Essa dimensão simbólica é reforçada pelo caráter oficial da investigação pois ampara os indivíduos frente às ações delitivas máxima expressão das condutas antissociais procurando sua justa punição São imprescindíveis a intervenção e o controle estatal pois frente à natureza dos atos a investigar é necessária a adoção de determinadas medidas que só incumbe aos órgãos estatais praticar Ademais as atuações preliminares a cargo da Polícia Judicial servem como estímulo negativo para a prática de novas infrações Inclusive a pronta intervenção policial pode evitar a consumação de uma conduta criminosa em desenvolvimento Nesse sentido os arts 73 e 232 do CódigoModelo para Ibero América contêm de forma expressa o mandamento de imediata intervenção da polícia e do Ministério Público para impedir que los tentados o cometidos sean llevados a consecuencias ulteriores Também a investigação preliminar atua como um freio aos excessos da perseguição policial ou mesmo do Ministério Público pois a rápida formalização da investigação permite a intervenção do juiz de garantias A investigação preliminar ainda desempenha uma função cautelar que adquire distintos contornos conforme a necessidade da tutela pois podem ser adotadas medidas que tenham natureza pessoal patrimonial ou probatória A produção antecipada de provas pertence à classe das medidas de proteção da prova pois visa assegurar provas técnicas ou testemunhais Sem embargo não é esta a única manifestação da função cautelar As medidas cautelares patrimoniais têm por objeto garantir o pagamento das custas do processo eou o ressarcimento dos prejuízos causados pelo delito ou seja basicamente assegurar a eficácia da sentença condenatória com relação às responsabilidades civis Isso também contribui para manter a confiança no funcionamento da Justiça 233 Evitar Acusações Infundadas Filtro Processual A função de filtro processual contra acusações infundadas incumbe especialmente à chamada fase intermediária que serve como elo entre a investigação preliminar e o processo ou o não processo Sem embargo esse é apenas um momento procedimental em que se realiza um juízo de valor mais especificamente de préadmissibilidade da acusação com base na atividade desenvolvida anteriormente e no material recolhido É inegável que o êxito da fase intermediária depende inteiramente da atividade preliminar de modo que transferimos a ela o verdadeiro papel de evitar as acusações infundadas Como explica CANUTO MENDES12 se a instrução definitiva prova ou não prova que existe crime ou contravenção a instrução preliminar prova ou não prova se existe base para a acusação Seu primeiro benefício é proteger o inculpado O processo penal é um processo formal de seleção atuando a instrução preliminar como um sistema de filtros desde onde se vai destilando a notitia criminis até chegar ao processo penal os elementos de fato que verdadeiramente revistam caracteres de delito com o prévio conhecimento dos supostos autores13 Ao lado da cifra da ineficiência que corresponde ao número de culpáveis que submetidos a juízo restam impunes ou são ignorados está a cifra da injustiça relacionada aos ainda mais graves casos de inocentes processados e às vezes condenados Se a primeira pode ser justificada pela absoluta impossibilidade da total enforcement e até mesmo tolerada até porque a sociedade é criminógena todos delinquimos a cifra da injustiça resulta absolutamente injustificável É sobretudo produto das carências normativas ou da ineficácia prática das garantias penais e processuais dispostas precisamente como diques contra as arbitrariedades e o erro e é tanto maior quanto mais cresce o poder judicial de disposição14 poder esse ilegítimo juridicamente e politicamente injustificável A nosso juízo a função de evitar acusações infundadas é o principal fundamento da investigação preliminar pois em realidade evitar acusações infundadas significa esclarecer o fato oculto juízo provisório e de probabilidade e com isso também assegurar à sociedade de que não existirão abusos por parte do poder persecutório estatal Se a impunidade causa uma grave intranquilidade social mais grave é o mal causado por processar irresponsavelmente um inocente Consideramos que essa atividade de filtro processual resta plenamente concretada se levarmos em consideração três fatores o custo do processo o sofrimento que causa para o sujeito passivo estado de ânsia prolongada e a estigmatização social e jurídica que gera o processo penal Já dizia CARNELUTTI15 com absoluta razão que ao Direito Processual Penal e não ao Direito Penal Material corresponde em primeiro lugar a pena pois a pena si risolve nel giudizio e il giudizio nella pena Não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar Por isso entendemos que o processo é uma pena em si mesmo e que existem penas de autêntica natureza processual16 Nesse sentido explica FERRAJOLI17 existe um amplo rol de sanções ante extra ou ultra delictum e ante extra ou ultra iudicium incluindo com especial destaque as prisões cautelares e toda série de medidas de garantia da ordem pública que é atribuída ao instrutor juiz promotor ou polícia Não só o processo é uma pena em si mesmo senão que existe um sobrecusto do desenvolvimento inflacionário do processo penal na moderna sociedade das comunicações de massas Sem dúvida que se usa a incriminação como um instrumento de culpabilidade preventiva e de estigmatização pública A proliferação de milhões de processos a cada ano não seguidos de nenhuma pena somente com o fim de gerar certificados penais e degradados status jurídicosociais de reincidente perigoso ou à espera de juízo etc18 é sinal do grau de degeneração que alcançou o instrumento A expressão stato di prolungata ansia foi empregada na Exposição de Motivos do atual Código de Processo Civil italiano para justificar a crise do procedimento civil ordinário e a necessidade de implementar formas de tutela de urgência Não obstante encontra no processo penal um amplo campo de aplicação levando em conta a natureza do seu custo O processo penal submete o particular a uma instituição que em geral lhe é absolutamente nova e repleta de mistérios e incógnitas A profissionalização da justiça e a estrutura burocrática que foi implantada devido também à massificação da criminalidade fazem com que o sujeito passivo tenha que se submeter a um mundo novo e desconhecido Isso sem considerar o sistema penitenciário que sem dúvida é um mundo à parte com sua própria escala e hierarquia de valores linguagem etc Esse ambiente da Justiça Penal é hostil complexo e impregnado de simbolismos Também deve ser considerada a estigmatização gerada pelo processo penal O termo estigmatizar19 encontra sua origem etimológica no latim stigma que alude à marca feita com ferro candente o sinal da infâmia que foi com a evolução da humanidade sendo substituída por diferentes instrumentos de marcação O processo penal em geral e a acusação formal em especial são hoje manifestações da infâmia tendo sido o ferro candente substituído pela denúncia ou queixa abusiva e infundada A Criminologia Crítica aponta para o labeling approach20 como sendo essa atividade de etiquetamento que sofre a pessoa e tal fenômeno pode ser perfeitamente aplicado ao processo penal O labeling approach como perspectiva criminológica entende que o self a identidade não é um dado uma estrutura sobre a qual atuam as causas endógenas ou exógenas mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de interação entre o sujeito e os demais21 Nesse panorama o processo penal representa a retirada da identidade de uma pessoa e a outorga de outra degradada estigmatizada Em definitivo o processo penal é uma clara atividade de etiquetamento 3 Órgão Encarregado Investigação Policial Juiz Instrutor ou Promotor Investigador A investigação preliminar está nas mãos do Estado que poderá realizála através da Polícia Judiciária de um Juiz Instrutor ou do Ministério Público promotor investigador Qualquer dos três órgãos encarregados apresenta vantagens e inconvenientes que devem ser sopesados segundo as variáveis próprias de cada Estado isto é segundo os aspectos estruturais e de política interna de um país A construção de um modelo ideal necessariamente deve partir do reconhecimento das vantagens e inconvenientes de cada um dos sistemas 31 Investigação Preliminar Policial É o modelo adotado pelo Direito brasileiro que atribui à polícia a tarefa de investigar e averiguar os fatos constantes na notíciacrime Essa atribuição é normativa22 e a autoridade policial atua como verdadeiro titular da investigação preliminar No modelo agora analisado a polícia não é um mero auxiliar senão o titular com autonomia para decidir sobre as formas e os meios empregados na investigação e inclusive não se pode afirmar que exista uma subordinação funcional em relação aos juízes e promotores São vantagens da investigação policial 1 A abrangente presença e atuação policial que lhe permitem atuar em qualquer rincão do País dos grandes centros aos povoados mais isolados Tal caráter confere à polícia principalmente em países de grandes dimensões territoriais uma nota de eficácia da perseguição pois a polícia está em todos os lugares e sua atividade é mais ampla e penetrante que a dos juízes de investigação ou promotores Esse foi o principal argumento dos legisladores brasileiros de 1941 Exposição de Motivos do CPP para justificar a manutenção do inquérito policial Segundo eles a realidade brasileira da época e as grandes dimensões territoriais impossibilitariam que o juiz de investigação pudesse atuar de forma rápida e eficaz nos mais remotos povoados a grandes distâncias dos centros urbanos que exigiam vários dias de viagem 2 A polícia está mais próxima ao povo está em todos os lugares e por isso dispõe de meios mais rápidos e eficazes para conduzir a investigação 3 Partindo de um enfoque puramente econômico o sistema de investigação preliminar policial é muito mais barato para o Estado Com o salário de um juiz ou promotor o Estado pode manter quase uma equipe policial inteira 4 Por fim para o governo a investigação policial é mais vantajosa porque o Poder Executivo dispõe totalmente do poder de mando e desmando sem que se precise explicar o alcance negativo desse fato para a sociedade Como argumentos contrários entre outros apontamos 1 A polícia é o símbolo mais visível do sistema formal de controle da criminalidade e em regra representa a firstline enforcer23 da norma penal Por isso dispõe de um alto grau de discricionariedade de fato para selecionar as condutas a serem perseguidas Esse espaço de atuação está muitas vezes na zona cinza no sutil limite entre o lícito e o ilícito 2 Por vezes a eficácia da atuação policial está associada a grupos diferenciais isto é a polícia mostrase mais ativa quando atua contra determinados escalões da sociedade os inferiores e distribui impunidade em relação à classe mais elevada Também a subcultura policial possui seus próprios modelos preconcebidos estereótipo de criminosos potenciais e prováveis vítimas com maior ou menor verossimilitude delitos que podem ou não ser esclarecidos etc O tratamento do imputado é diferenciado e conforme ele se encaixe ou não no perfil prefixado o tratamento policial será mais brando e negligente ou mais rigoroso Essa última situação é constantemente noticiada em que a polícia frente ao perfil de autor ideal daquela modalidade de delito atua com excessivo rigor 3 A polícia está muito mais suscetível de contaminação política especialmente os mandos e desmandos de quem ocupa o governo e de sofrer a pressão dos meios de comunicação Isso leva a dois graves inconvenientes a possibilidade de ser usada como instrumento de perseguição política e as graves injustiças que comete no afã de resolver rapidamente os casos com maior repercussão nos meios de comunicação 4 A subordinação política da polícia a torna mais vulnerável à pressão de grupos políticos e econômicos bem como a fragiliza diante da pressão midiática Em que pese a profunda evolução pósconstituição no sistema concursos públicos para os diferentes cargos na estrutura policial há ainda uma parcela que resiste à oxigenação constitucional Significa dizer que existe dificuldade de implementação da esfera de proteção dos direitos fundamentais do suspeito que de antemão já é considerado como culpado diante dos estereótipos preestabelecidos pela prática policial Por fim a credibilidade de sua atuação é às vezes colocada em dúvida por denúncias de corrupção e abuso de autoridade Com relação ao nosso inquérito policial podese afirmar ademais de todas as críticas anteriormente feitas que Desagrada o MP pois ao ser levado a cabo por uma autoridade diversa daquela que irá exercer a ação penal não atende a suas necessidades Além disso não raro é o descompasso na relação promotorpolicial Não serve para a defesa pois em geral lhe é negada qualquer possibilidade de participar da investigação e solicitar diligências de descargo Diante da estrutura inquisitória e das limitações do valor probatório pouco serve para o juiz na sentença até pela acertada vedação do art 155 do CPP Por isso entendemos que existe uma crise da investigação policial e mais concretamente do nosso inquérito policial exigindo uma imediata revisão de sua estrutura e titularidade Para isso contribuirá a análise dos modelos de investigação preliminar a cargo do juiz e do promotor como se verá na continuação 32 Investigação Preliminar Judicial Juiz Instrutor O juiz instrutor é o principal protagonista nesse modelo de investigação preliminar e detém todos os poderes necessários para levar a cabo toda a investigação que buscará aportar os elementos necessários para o processo ou o não processo Ao contrário do que pensam alguns defensores do modelo nesse sistema a prova não é apenas produzida na presença do juiz instrutor senão que é colhida e produzida por ele mesmo O juiz de instrução obra como um verdadeiro investigador atuando de ofício e sem estar submetido ou vinculado a petições do Ministério Público ou da defesa que são meros colaboradores Caberá a ele decidir sobre a utilidade das diligências solicitadas para os fins da investigação denegando as que a seu juízo forem desnecessárias Para levar a cabo essa atividade de investigação é imprescindível que à sua disposição esteja a polícia judiciária totalmente dependente no aspecto funcional Cumpre destacar que nos delitos públicos o juiz de instrução poderá atuar de ofício inclusive para adotar medidas cautelares pessoais ou reais ainda que contra a vontade do Ministério Público Dessa forma o instrutor poderá investigar mesmo que o titular da futura ação penal entenda que não existem motivos razoáveis para isso Em síntese o juiz de instrução é o titular da investigação preliminar e cabe a ele receber direta ou indiretamente a notíciacrime buscar as fontes de informação e investigar os fatos apontados Dirigirá de perto a atividade policial e atuará pessoalmente indo ao local do delito determinando as perícias necessárias interrogando os suspeitos ouvindo a vítima e testemunhas etc Antes de apontar as vantagens e os inconvenientes desse sistema cumpre destacar o grave problema que representa essa figura do juizinvestigador para a imparcialidade Atualmente na maior parte dos países em que é adotado esse sistema existe uma presunção absoluta de parcialidade do instrutor de modo que o juiz que instrui jamais poderá julgar24 a causa Os diversos prejulgamentos que ele efetua no curso da investigação levam à prevenção como causa de exclusão de sua competência para julgar o futuro processo Principais vantagens do sistema judicial de investigação preliminar 1 A imparcialidade e independência do juiz instrutor é uma garantia de que a investigação preliminar não servirá por exemplo como instrumento de perseguição política por parte do Poder Executivo 2 O fato de ser a investigação conduzida por um órgão suprapartes 3 Maior efetividade da investigação e qualidade credibilidade do material recolhido 4 O produto final poderá servir tanto para a acusação como também à defesa pois advém de um órgão imparcial e preocupado em aclarar o fato tanto buscando as provas de cargo como também as de descargo 5 Garantia de que o juiz que instrui não julga e a observância do princípio de nullum iudicium sine accusatione 6 Na investigação é necessário adotar medidas que limitam direitos fundamentais cautelares busca e apreensão etc e que por essa razão necessitam que sejam adotadas por um órgão com poder jurisdicional Logo nada melhor que seja o próprio titular da investigação dotado desse poder Alguns dos graves inconvenientes que apresenta o juiz de instrução 1 É um modelo superado e intimamente relacionado à figura histórica do juiz inquisidor pois sua estrutura outorga a uma mesma pessoa as tarefas de ex officio investigar proceder à imputação formal o que representa uma acusação lato sensu e inclusive defender Isso levou a uma crisis de la instrucción preparatoria y del juez instructor25 pois esse modelo é apontado como o mais grave impedimento à plena consolidação do sistema acusatório 2 O grave inconveniente que representa o fato de uma mesma pessoa decidir sobre a necessidade de um ato de investigação e valorar a sua legalidade26 Nesse sentido a Exposição de Motivos do Código Processual Modelo para IberoAmérica aponta que não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e ao mesmo tempo em um guardião zeloso da segurança individual o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor 3 Transforma o processo penal lato sensu em uma luta desigual entre o inquirido o juizinquisidor o promotor e a polícia judiciária Essa patologia judicial27 acaba por criar uma grave situação de desamparo pois se o juiz é o investigador quem atuará como garante 4 Por vício inerente ao sistema a investigação judicial tende a transformarse em plenária comprometendo seriamente a celeridade que deve nortear a fase préprocessual 5 Representa uma gravíssima contradição28 lógica pois o juiz investiga para o promotor acusar e o pior muitas vezes contra ou em desacordo com as convicções do titular da futura ação penal Em definitivo se a investigação preliminar é uma atividade preparatória que deve servir basicamente para formar a opinio delicti do acusador público deve estar a cargo dele e não de um juiz que não pode e não deve acusar 6 Gera uma confusão entre as funções de acusar e julgar com inegável prejuízo para o processo penal 7 Por fim outro grave problema da investigação judicial está no fato de converter a investigação preliminar em uma fase geradora de provas algo absolutamente inaceitável frente ao seu caráter inquisitivo A maior credibilidade que normalmente gera os atos do juiz instrutor pode levar a que a prova não seja produzida no processo mas meramente ratificada O resultado final é a monstruosidade jurídica de valorar na sentença elementos recolhidos em um procedimento preliminar em que predominam o segredo e a ausência de contraditório e defesa Não se pode olvidar que a investigação preliminar serve para aclarar o fato em grau de probabilidade e está dirigida a justificar o processo ou o não processo jamais para amparar um juízo condenatório Inequivocamente este é à luz da Constituição e do nível de evolução do processo penal o pior modelo de todos 33 Investigação Preliminar a Cargo do Ministério Público Promotor Investigador Atualmente existe uma tendência de outorgar ao Ministério Público a direção da investigação preliminar de modo a criar a figura do promotor investigador que poderá obrar pessoalmente eou por meio da Polícia Judiciária necessariamente subordinada a ele A investigação preliminar a cargo do MP tem sido adotada nos países europeus como um substituto ao modelo de investigação judicial anteriormente analisado Nesse sentido a reforma alemã de 1974 suprimiu a figura do juiz instrutor para dar lugar ao promotor investigador A partir de então outros países com maior ou menor intensidade foram realizando modificações legislativas nessa mesma direção como sucedeu vg na Itália 1988 e em Portugal 1987 e novamente em 1995 Na Espanha a Lei Orgânica LO n 788 que instituiu o procedimento abreviado deu os primeiros passos nessa direção ao outorgar ao fiscal maiores poderes na investigação preliminar Sem embargo é fundamental frisar ao contrário do que afirma equivocadamente alguma doutrina brasileira mal informada na Espanha ainda vigora o sistema de juiz instrutor pois as alterações legislativas ao mesmo tempo em que atribuíam mais poderes ao promotor não romperam com a tradição da investigação judicial O que existe na atualidade é que o promotor até pode iniciar e praticar atos de investigação mas a partir do momento em que o juiz de instrução passar a atuar ele automaticamente assume o mando29 total da investigação preliminar devendo o fiscal remeter para ele todas as informações obtidas e cessar sua intervenção Apesar de existir uma tendência de implementar os poderes da Fiscalia a figura do juez de instrucción não foi abandonada Nesse modelo de investigação o promotor é o diretor da investigação cabendolhe receber a notícia crime diretamente ou indiretamente através da polícia e investigar os fatos nela constantes Para isso poderá dispor e dirigir a atividade da Polícia Judiciária dependência funcional de modo que tanto poderá praticar por si mesmo as diligências como determinar que as realize a polícia segundo os critérios que ele promotor determinou Assim formará sua convicção e decidirá entre formular a acusação ou solicitar o arquivamento visto como não processo em sentido lato Em regra e assim é aconselhável que seja dependerá de autorização judicial para realizar determinadas medidas limitativas de direitos fundamentais como podem ser as medidas cautelares entradas em domicílios intervenções telefônicas etc Caberá ao juiz da instrução que não se confunde com a anterior figura do juiz instrutor decidir sobre essas medidas Esse juiz atua como um verdadeiro órgão suprapartes pois não investiga senão que intervém quando solicitado como um controlador da legalidade e não da conveniência dos atos de investigação levados a cabo pelo promotor A essa figura denominamos juiz garante da investigação preliminar Para seus defensores o sistema de promotor investigador surge como uma salvação ante a crise e a superação do modelo de juiz instrutor Como principais vantagens da investigação preliminar a cargo do Ministério Público destacamos 1 Representa uma aproximação à estrutura dialética do processo apesar de algumas naturais limitações da publicidade e do contraditório que seriam inerentes à própria natureza da investigação preliminar 2 Essa investigação preliminar do acusador é uma imposição do sistema acusatório pois mantém o juiz longe da investigação e garante a sua imparcialidade30 ao juiz cabe julgar e não investigar Com isso cumprese com os postulados garantistas do nullum iudicium sine accusatione e ne procedat iudex ex officio Em última análise o sistema fortalece a figura do juiz cuja atividade na investigação fica reservada a julgar decidindo sobre as medidas restritivas e a admissão da própria acusação 3 A imparcialidade do MP leva à crença de que a investigação buscará aclarar o fato a partir de critérios de justiça de modo que o promotor agirá para esclarecer a notíciacrime resolvendo justa e legalmente se deve acusar ou não Inclusive deverá diligenciar para obter também eventuais elementos de descargo que favoreçam a defesa31 Na síntese de GUARNIERI32 o Ministério Público constituye una figura que si bien tiene el cuerpo de parte ofrece el alma de juez 4 A própria natureza da investigação preliminar como atividade preparatória ao exercício da ação penal deve necessariamente estar a cargo do titular da ação penal Por isso deve ser uma atividade administrativa dirigida por e para o Ministério Público sendo ilógico que o juiz ou a polícia em descompasso com o MP investigue para o promotor acusar Em resumo melhor investiga quem vai acusar e melhor acusa quem por si mesmo investigou ou comandou a investigação 5 Como atividade destinada a formar um juízo sobre o processo ou o não processo a investigação preliminar a cargo do MP tende a ser verdadeiramente uma cognição sumária Com isso também se evita que os atos de investigação sejam considerados como atos de prova e por consequência valorados na sentença 6 A impossibilidade de que o MP adote medidas restritivas de direitos fundamentais distribui melhor o poder antes concentrado nas mãos do juiz instrutor e permite criar a figura do juiz garante da investigação como instância judicial de controle da legalidade dos atos de investigação Em suma representa uma melhor distribuição do poder e com isso beneficia a situação jurídica do sujeito passivo e evita o autoritarismo típico da estrutura inquisitiva do juiz instrutor Como argumentos contrários a esse sistema de investigação preliminar podemos apontar 1 Historicamente o modelo está associado ao utilitarismo judicialpunitivismo o combate da criminalidade a qualquer custo pretendendo o Estado justificar os fins com o uso abusivo dos meios Nesse sentido a reforma processual levada a cabo na Alemanha em 197433 foi produto da pressa do legislador em combater o terrorismo do grupo BaaderMeinhof O que importava era dar armas para a acusação aumentando a eficácia da investigação quanto ao fim punitivo pretendido ainda que com claros prejuízos para o sujeito passivo No mesmo sentido a Itália do pósguerra estava completamente assolada pela corrupção dos órgãos públicos a máfia e o crime organizado A reforma realizada em 1988 pretendia de uma vez por todas mudar esse panorama a qualquer custo E os frutos não tardaram Já em 1992 quando o promotor Antonio di Pietro começa a investigar um caso de menor importância culmina por colocar em relevo um escândalo de corrupção política sem precedentes tangentópolis A partir de então a operazione mani pulite inicialmente levada a cabo por sete promotores de Milão e posteriormente por uma ampla equipe processa em menos de um ano seis ministros e mais de uma centena de parlamentares e os dirigentes das mais importantes empresas da Itália Em 1997 esse número é elevado a cinco mil pessoas os interrogatórios passam de vinte mil e as cartas rogatórias a outros países superam as quinhentas34 São números elevados e preocupantes não só pelo nível de criminalidade que representam mas principalmente porque por trás deles está uma elevada cifra da injustiça pessoas inocentes injustamente submetidas ao processo O que parece ser a supremacia da lei reflete na realidade o império do Ministério Público As cifras indicam não só uma suposta eficácia da perseguição mas também reais e elevadas cifras dos casos de abuso de autoridade perseguição política desnecessária estigmatização e todo tipo de prepotência Em síntese é um modelo típico de utilitarismo judicial de um Estado de Polícia e não de um Estado de Direito 2 Levada ao extremo a transferência de poderes faz com que o juiz instrutor deixe de ser o temível e passa a sêlo o promotor gerando a não menos criticável inquisição do próprio acusador35 3 O argumento da imparcialidade do MP é uma frágil construção técnica facilmente criticável pois é contrário à lógica pretender a imparcialidade de uma parte Provavelmente o maior crítico foi CARNELUTTI36 que frisava a impossibilidade da quadratura do círculo Não é como reduzir um círculo a um quadrado construir uma parte imparcial Para o autor o MP é um juiz que se faz parte mas ao invés de ser uma parte que sobe é um juiz que baixa Em outra passagem CARNELUTTI37 explica que se o MP exercita verdadeiramente a função de acusador querer fazer dele um órgão imparcial não representa no processo mais que una inútil y hasta molesta duplicidad Além disso o MP é uma parte fabricada para cumprir com os requisitos do sistema acusatório para ser o contraditor natural do imputado Só assim nasce o conflito do qual brota a luz da verdade para o juiz Logo a pretendida imparcialidade do MP vai de encontro à necessidade natural de sua existência Como golpe derradeiro J GOLDSCHMIDT38 explica que essa exigência de imparcialidade dirigida a uma parte acusadora cae en el mismo error psicológico que ha desacreditado el proceso inquisitivo A pergunta que surge é em que difere a inquisição do promotor daquela realizada pelo juiz instrutor Que mecanismos subjetivos de proteção tem o promotor e de que carece o juiz instrutor Em síntese o argumento da imparcialidade de uma parte acusadora não se sustenta 4 Somente um Ministério Público institucionalmente calcado na independência em relação ao Poder Executivo e sem que exista hierarquia funcional interna pode ser o titular da investigação preliminar sob pena de contaminar politicamente o processo penal com os mandos e desmandos do governo E isso nos leva a um questionamento se para atribuir a investigação ao MP é necessário dotálo das garantias de um autêntico juiz por que não encarregar logo a um juiz instrutor 5 Na prática o promotor atua de forma parcial e não vê mais que uma direção Como afirma GUARNIERI39 por sua própria índole o promotor está inclinado a acumular tão somente provas contra o imputado Ao transformar a investigação preliminar numa via de mão única estáse acentuando a desigualdade das futuras partes com graves prejuízos para o sujeito passivo É convertêla em uma simples e unilateral preparação da acusação uma atividade minimalista e reprovável com inequívocos prejuízos para a defesa 6 Por fim cumpre destacar que o fato de atribuir normativamente a investigação preliminar ao MP não significa que ela será efetivamente levada a cabo pelo parquet eterna luta entre normatividade e efetividade Como foi constatado em um estudo realizado pelo Instituto MaxPlanck de Freiburg em 197840 nos países cuja investigação preliminar está nas mãos do MP como na Alemanha na grande maioria dos casos ela realmente havia sido realizada inteiramente pela Polícia Judiciária sem qualquer intervenção do MP O promotor só toma conhecimento depois que as atuações policiais já estão conclusas e como já está acabado o trabalho caráter inibitório ele não investiga e se conforma com o material apresentado Como aponta ARMENTA DEU 41 constitui uma prática habitual que a investigação recaia exclusivamente sobre a polícia limitandose o MP a uma mera revisão formal posterior Em definitivo representa uma volta ao sistema de investigação preliminar policial É um modelo bastante disseminado e que apresenta algumas vantagens relevantes em comparação ao modelo policial mas está muito longe de ser perfeito ou mesmo insuscetível de críticas Inclusive talvez como maior inconveniente desequilibra radicalmente a estrutura dialética do processo que já começa com o olhar viciado e manipulado pelo próprio acusador E não raras vezes conduz a uma via de mão única prevalência com gravíssimos inconvenientes para uma justa apuração dos fatos 4 Objeto e Grau de Cognição na Investigação Preliminar O objeto42 da investigação preliminar não é o seu fim mas sim a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que a integram isto é os fatos narrados na notitia criminis ou obtidos ex officio43 pelos órgãos de investigação estatal Delimitado o objeto cumpre verificar o nível ou grau de conhecimento que se pretende obter com a investigação preliminar Para isso devemos levar em consideração seu caráter instrumental e preparatório em relação ao processo penal isto é que a investigação não é um fim em si mesma Ademais existe uma íntima relação entre o nível de conhecimento que se busca e a natureza dos atos que devem ser praticados para alcançar esse conhecimento Outra importante vinculação está entre o grau da cognição e a natureza do juízo que se pretende juízo de verossimilhança ou de certeza Assim classificamos a investigação preliminar em 1 Plenária é aquela que se produz nos sistemas em que o conteúdo da fase processual não é outro que o mero controle do material recolhido na investigação preliminar pois é nesta última que se esgota totalmente a coleta da prova Nesse sistema a investigação preliminar não prepara o processo penal mas objetivamente prepara a sentença e o processo existe exclusivamente para impor a sanção penal Dessa forma a fase préprocessual acaba por converterse no verdadeiro juízo com o gravame de que em regra não são observados o contraditório e as garantias fundamentais do sujeito passivo É um retrocesso ao sistema inquisitivo Nesse modelo a investigação tem por objeto uma cognição total plena que pretende um juízo de segurança e não de verossimilhança Em síntese transforma a investigação não em um meio mas sim um fim em si mesma 2 Sumária44 a summaria cognitio significa uma limitação na atividade instrutória que deve responder a uma indagine limitata o superficiale45 O nível de conhecimento é limitado pois se busca um juízo de verossimilhança e não de certeza Posteriormente no processo a cognição será plena suprindo as limitações da atividade anterior Esse juízo de verossimilitude é provisional podendo ser alterado pelo posterior processo plenário Inclusive na expressão de CALAMANDREI o procedimento sumário è dunque un provvedimento provvisorio che aspira a diventar definitivo Ela está limitada ao imprescindível46 já que reserva para o processo propriamente dito a investigação dos dados complementares assim como a sua verificação proporcionando ao julgador o convencimento quanto à exatidão e certeza dos mesmos Interessanos a investigação sumária mais adequada aos fins da fase préprocessual e aos postulados do moderno processo penal A sumariedade implica uma limitação que poderá operar no plano qualitativo ou quantitativo ou ainda em ambos A limitação qualitativa pode atuar em dois planos vertical eou horizontal47 No processo penal entendemos que no plano horizontal está o campo probatório ou seja os dados acerca da situação fática descrita na notíciacrime e sobre os quais irá recair a atividade de averiguação e comprovação Uma limitação dessa natureza impede o instrutor juiz promotor ou polícia de analisar a fundo a notícia crime de comprovar de forma plena todos os elementos necessários para emitir um juízo de certeza sobre a materialidade e a autoria No plano vertical está o direito visto como os elementos jurídicos referentes à existência formal do crime tipicidade ilicitude e culpabilidade Logo a limitação qualitativa significa que o instrutor está limitado a comprovar a verossimilhança do fato isto é a probabilidade do fumus commissi delicti A antítese dessa cognição seria no plano horizontal a certeza sobre o fato e no plano vertical a certeza sobre a tipicidade ilicitude e culpabilidade Em definitivo significa que a investigação preliminar está limitada à atividade mínima48 de comprovação e averiguação da materialidade e da autoria necessária para justificar o exercício ou o não exercício da ação penal isto é para decidir sobre o processo ou o não processo A limitação quantitativa está refletida na adoção de um critério temporal isto é impor uma limitação temporal para a duração49 da investigação preliminar Não se trata propriamente de sumariedade mas sim de celeridade e a limitação da cognição resulta da restrição temporal e não das técnicas de sumarização horizontal e vertical É uma forma de evitar que as investigações sejam eternas ou se prolonguem excessivamente no tempo Todavia como critério único é imperfeito O sistema misto50 surge como o mais adequado pois limita a investigação preliminar em dois aspectos grau da cognitio sumariedade e tempo de duração da atividade É em síntese o resultante da aplicação concomitante dos dois métodos anteriormente analisados 5 Forma dos Atos da Investigação Preliminar Em termos processuais os atos devem ser analisados segundo o lugar o tempo e a forma Na investigação preliminar o lugar e o tempo não oferecem maiores problemas O ponto nevrálgico está na forma e nela nos centraremos A investigação poderá ser obrigatória ou facultativa segundo condicione o exercício da ação penal à sua prévia existência ou não Também é possível conceber um sistema misto em que a investigação preliminar seja obrigatória para os delitos graves e facultativa para os de menor potencial lesivo A produção dos atos de investigação poderá ser levada a cabo oralmente ou por escrito Como explica J GOLDSCHMIDT51 a oralidade deve ser vista como o principio de que la resolución judicial puede basarse sólo en material procesal proferido oralmente e mantém uma íntima relação com as formas de publicidadesegredo e imediaçãomediação O contraste está na forma escrita em que a decisão se baseia na matéria reduzida por escrito nos autos A investigação preliminar está dirigida a uma decisão o juízo de préadmissibilidade da acusação isto é o momento em que o juiz decide se recebe ou não a ação penal com base nos elementos recolhidos na investigação preliminar Por suposto uma investigação verdadeiramente oral só pode existir nos sistemas em que exista uma fase intermediária contraditória A investigação preliminar poderá ser ainda dominada pela publicidade ou pelo segredo52 dos atos No plano doutrinal explica ARAGONESES ALONSO53 propugnase por um sistema misto em que sejam secretas as primeiras investigações ou nos delitos graves e nos demais casos deve prevalecer a publicidade principalmente a interna Ainda deverá ser observado se o segredo é interno atingindo os sujeitos do procedimento ou externo atingindo aquelas pessoas que não são sujeitos do procedimento e total ou parcial Sumamente importante é definir claramente a eficácia probatória dos atos da investigação preliminar Para isso o sistema pode considerar a atividade desenvolvida na investigação preliminar como atos de prova ou atos de investigação Os primeiros apesar de produzidos na fase préprocessual integram os autos do processo e podem servir para o convencimento do juiz na sentença juízo de certeza Em síntese podem amparar um juízo condenatório ou absolutório sem necessidade de repetição em juízo Infelizmente na prática sob o argumento de que foram cotejados com as demais provas os atos do nosso inquérito54 acabam por converterse em atos de prova pois costumeiramente são valorados na sentença É um grave erro Outros sistemas atribuem ao material recolhido na investigação preliminar o valor de meros atos de investigação limitando sua eficácia aos limites da investigação Dessa forma os atos de investigação servem apenas para formar um juízo de probabilidade e não de certeza sobre a acusação e por isso não estão dirigidos à sentença Por isso consideramos que sua função é endoprocedimental55 no sentido de que esses atos têm eficácia interna somente servindo para amparar as decisões interlocutórias tomadas nessa fase como medidas cautelares busca e apreensão etc e a decisão sobre a admissibilidade da acusação Ainda no que se refere à eficácia probatória destacamos a importância da produção antecipada da prova como um instrumento processual destinado a disciplinar a reprodução ante a impossibilidade de repetição dos atos Infelizmente o instrumento está parcamente disciplinado no processo penal brasileiro art 225 do CPP e exige uma urgente reformulação Em suma essa rápida panorâmica dos sistemas de investigação preliminar serve de necessária introdução ao estudo do nosso modelo o inquérito policial a seguir exposto 1 LOPES JR Aury e GLOECKNER Ricardo Jacobsem Investigação Preliminar no Processo Penal 5 ed São Paulo Saraiva 2013 2 Esse fenômeno foi muito bem observado por CARNELUTTI Metodologia del Diritto Padova CEDAM 1939 p 94 e ss 3 Introduzioni allo Studio Sistematico dei Provedimento Cautelari Padova CEDAM 1936 especialmente p 21 e ss 4 Derecho Procesal Civil y Penal trad Enrique Figueroa Alfonzo México Episa 1997 p 338 e 346 5 Tratado de Derecho Procesal Penal trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires EJEA 1963 v 2 p 84 e ss 6 Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 210 7 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 133 8 O termo denúncia é o empregado pelos autores no sentido de notitia criminis e foi mantido conscientemente Cabe recordar que a expressão denúncia é empregada na maior parte dos sistemas jurídicos europeus para denominar a atividade de um particular de noticiar a ocorrência de um delito perseguível de ofício público Denúncia como nome da peça que materializa o exercício da ação penal pública é uma particularidade do Direito brasileiro 9 Seguindo FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE Criminologia cit p 135 e ss 10 Prevista no art 259 da LECrim Também dispõe da ação popular art 125 da Constituição e 101 da LECrim por meio da qual qualquer pessoa e não apenas a vítima poderá exercer a acusação em um delito público independente da atividade do Ministério Público 11 Esse fenômeno foi muito bem observado por GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosh 1951 v I p 37 e ss 12 A Contrariedade na Instrução Criminal São Paulo 1937 p 12 e ss 13 GIMENO SENDRA Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 196 14 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 210 15 Lezioni sul Processo Penale Roma Edizione DellAteneo 1946 v I p 3435 16 Na Espanha existe uma expressão muito adequada e representativa dessa situação la pena de banquillo O fato de uma pessoa sentarse no banco destinado aos acusados já é uma pena em si mesmo com profundos reflexos sociais econômicos e psicológicos 17 Derecho y Razón cit p 25 18 Sobre o tema consultese FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 730 e ss 19 Sobre o estigma é imprescindível a leitura de GOFFMAN Erwing Estigma Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada Rio de Janeiro Guanabara 1988 e da obra de BACILA Carlos Roberto Estigmas Um estudo sobre os preconceitos Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 20 FIGUEIREDO DIAS Jorge e COSTA ANDRADE Manuel Criminologia cit p 42 21 Idem ibidem p 50 22 Não se trata da degeneração que explicaremos na continuação conversão do sistema judicial ou a cargo do MP em policial que se opera no plano da efetividade Aqui a titularidade é normativa 23 Como explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE Criminologia cit Coimbra 1992 p 443 24 Como já explicamos a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos desde os casos Piersack de 01101982 e de Cubber de 26101984 no início da década de 80 tem decidido sistematicamente que juiz com poderes instrutórios é juiz prevento e que portanto não pode julgar Violada está nesses casos a garantia da imparcialidade do julgador verdadeiro princípio supremo do processo Isso conduziu a importantes e significativas alterações legislativas principalmente na Espanha e outros países que adotam o sistema de juizado de instrução como a França 25 ARMENTA DEU Teresa Criminalidad de Bagatela y Principio de Oportunidad Barcelona PPU 1991 p 149 26 Como chama a atenção GÓMEZ COLOMER no artigo La Instrucción del Proceso Penal por el Ministerio Fiscal aspectos estructurales a la luz del derecho comparado In La Reforma de la Justicia Penal estudios en homenaje al Prof Klaus Tiedmann Universidad Jaume I 1996 p 490 27 Como define com muita propriedade CARNELUTTI Derecho Procesal Civil y Penal cit p 336 destacando que los errores técnicos no son nunca inocuos éste de que el juez se vea constreñido a hacerse parte consecuencia inevitable de haber puesto un procedimiento jurisdiccional en lugar de un procedimiento administrativo constituye ciertamente una de las calamidades más dolorosas del procedimiento penal tal como está actualmente ordenado Nesse momento aludia o autor ao sistema que anteriormente vigorava na Itália atualmente substituído pela indagine preliminare a cargo do MP 28 No mesmo sentido GÓMEZ COLOMER op cit p 485 aponta para essa contradição entre a atividade do juiz e a de instruir porque instruyendo no juzga y porque sobretodo queda encuadrado dentro de un estatuto orgánico y dentro de un Poder del Estado el Judicial que no le corresponde ya que no siendo juicio la instrucción la investigación de un crimen es actividad administrativa y no judicial en el sentido referido a Justicia 29 Basta ler o art 785 bis3 da LECrim cesará el fiscal en sus diligencias tan pronto como tenga conocimiento de la existencia de un procedimiento judicial sobre los mismos hechos 30 Por suposto esse juiz da instrução e não de instrução não será o mesmo que julgará a causa Quando muito além de decidir sobre essas medidas restritivas presidirá a fase intermediária decidindo se recebe ou não a acusação Entendemos ser um grave erro considerar a prevenção como critério definidor da competência quando claramente deveria ser uma causa de exclusão A nosso juízo comprometese a imparcialidade ao permitir que o mesmo juiz que homologou uma prisão em flagrante ou decretou a prisão temporária ou preventiva no curso do inquérito seja o que irá receber e julgar a causa Isto é o juiz prevenido tem sua imparcialidade fulminada pelos prejulgamentos que realizou e não pode ser o que sentencia Em excelente monografia sobre o tema OLIVA SANTOS Andrés Jueces Imparciales Fiscales Investigadores y Nueva Reforma para la Vieja Crisis de la Justicia Penal Barcelona PPU 1988 p 81 e ss destaca que a prevenção deriva mais da natureza das decisões que o juiz adota como nas medidas cautelares do que propriamente dos atos de reunir material ou estar em contato com as fontes de prova Na síntese do autor o juiz que não conhece a investigação determinará sistematicamente o que o promotor propuser ou examinará os autos para decidir segundo seu próprio critério Neste último caso ele se converteria em juiz prevento inapto para o processo e a sentença No primeiro caso não é necessário dizer que a reprovação é patente 31 Apesar da duvidosa eficácia algumas legislações impõem um dever legal de apurar também os elementos que favoreçam a defesa Nesse sentido destacamos o art 358 do CPP italiano e o 1602 da StPO alemã 32 Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México 1952 p 43 33 Como destaca a própria doutrina alemã Apud GÓMEZ COLOMER La Instrucción del Proceso Penal por el Ministerio Fiscal aspectos estructurales a la luz del derecho comparado cit nota ao pé da página 469 34 Dados proporcionados por DÍAZ HERRERA José e DURÁN Isabel na obra El Secuestro de la Justicia Cuando el Poder se Enfrenta a los Tribunales Madri Temas de Hoy 1997 especialmente o Capítulo IX 35 Como destaca ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madri Rubí Artes Gráficas 1984 p 225 e ss 36 Em diversos momentos critica duramente essa criação artificial do MP imparcial mas destacamos especialmente o trabalho Poner en su puesto al Ministerio Público In Cuestiones sobre el Proceso Penal trad Sentís Melendo Buenos Aires El Foro 1960 p 214 Também com o título Mettere il Publico Ministerio al suo Posto na Rivista di Diritto Processuale v 8 parte I 1953 p 18 e ss 37 Lecciones sobre el Proceso Penal trad Sentís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v 2 p 99 38 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 39 Las Partes en el Proceso Penal cit p 320 40 Citado por ARMENTA DEU op cit nota ao pé da página 174 41 Idem ibidem 42 Partimos do conceito de objeto de GUASP Jaime Derecho Procesal Civil 4 ed revisada e adaptada por Pedro Aragoneses Alonso Madrid Civitas 1998 v 1 p 203 adaptandoo às particularidades da investigação preliminar 43 Nesse sentido ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 230 classifica as fontes de conhecimento direto em a voz pública b notoriedade e c flagrância 44 Cumpre destacar que sumariedade e celeridade são coisas distintas A primeira significa uma limitação na cognição ao passo que a segunda identificase com o fator tempo logo com a maior ou menor exiguidade com que devem ser praticados os atos processuais procedimentos acelerados 45 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 13 e ss 46 Como explica ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 223 47 Para estudar as Técnicas de Sumarização é necessário recorrer à doutrina processual civil especialmente BAPTISTA DA SILVA Ovidio A Curso de Processo Civil 2 ed Porto Alegre S A Fabris 1991 v 1 p 108 CHIOVENDA Giuseppe Instituições de Direito Processual Civil São Paulo Saraiva 1942 v 1 p 237 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários ao Código de Processo Civil de 1939 2 ed Rio de Janeiro Forense 1958 v 8 p 183 e RANGEL DINAMARCO Cândido A Instrumentalidade do Processo 6 ed São Paulo Malheiros 1990 nota ao pé da p 372 n 7 48 Na Espanha o art 7893 da LECrim estabelece que as diligências prévias só serão realizadas se as informações constantes no termo de ocorrência policial não forem suficientes para formular a acusação e nesse caso só devem ser praticadas as diligências essenciais Também o CPP italiano art 326 limita a indagine às investigações e averiguações necessárias para o exercício da ação penal No mesmo sentido o 160 da StPO alemã e o art 262 do CPP português limitam a instrução aos atos necessários para decidir sobre o exercício da ação penal Também é essa a posição do nosso CPP ao considerar facultativo o inquérito quando a notíciacrime vier suficientemente instruída e com a sua exclusão nos delitos de menor potencial lesivo submetidos ao regime da Lei n 909995 49 Como regra geral passível de prorrogação poderá durar no máximo um mês na Espanha art 324 de la LECrim seis meses na Itália art 4052 do CPP e até um ano nos delitos de criminalità mafiosa seis ou oito meses conforme exista ou não uma prisão cautelar em Portugal art 276 do CPP Esses prazos possuem duas variáveis importantes existência ou não de prisão cautelar e gravidadecomplexidade do fato 50 É o adotado entre outros por Brasil Itália Espanha e Portugal 51 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 84 e ss Também na sua magistral obra Derecho Procesal Civil Barcelona Labor 1936 p 86 e ss 52 Sobre a complexa problemática do binômio publicidadesegredo interno eou externo consultese nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 onde analisamos detidamente a questão 53 Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 224 54 Ainda mais grave é a situação dos processos levados a julgamento pelo Tribunal do Júri em que os jurados decidem por íntima convicção e sem qualquer forma de controle da racionalidade Nestes processos nada impede que o réu seja condenado exclusivamente pela prova produzida no inquérito sem contraditório direito de defesa ou publicidade 55 Na obra coletiva Manuale Pratico del Nuovo Processo Penale 4 ed Padova CEDAM 1995 p 474 e ss STEFANO DRAGONE fala em função endoprocessuale Apesar de seguirmos sua lição preferimos o termo endoprocedimental porque reflete com mais propriedade a natureza jurídica desta fase um procedimento preparatório e não um processo Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 CONCEITO A investigação preliminar situase na fase préprocessual sendo o gênero do qual são espécies o inquérito policial as comissões parlamentares de inquérito sindicâncias etc Constitui o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado a partir de uma notíciacrime com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso com o fim de justificar o processo ou o não processo 2 CARACTERES a Autonomia em relação ao processo pois a investigação preliminar pode ou não gerar um processo penal bem como pode haver processo sem prévia investigação b Instrumentalidade é um instrumento a serviço do instrumento processo por isso é uma instrumentalidade qualificada ou elevada ao quadrado 3 FUNDAMENTO DA EXISTÊNCIA a Busca do fato oculto o crime na maior parte dos casos é total ou parcialmente oculto e precisa ser investigado para atingirse elementos suficientes de autoria e materialidade fumus commissi delicti para oferecimento da acusação ou justificação do pedido de arquivamento b Função simbólica a visibilidade da atuação estatal investigatória contribui no plano simbólico para o restabelecimento da normalidade social abalada pelo crime afastando o sentimento de impunidade c Filtro processual a investigação preliminar serve como filtro processual para evitar acusações infundadas seja porque despidas de lastro probatório suficiente seja porque a conduta não é aparentemente criminosa O processo penal é uma pena em si mesmo pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar pois é gerador de estigmatização social e jurídica etiquetamento e sofrimento psíquico Daí a necessidade de uma investigação preliminar para evitar processos sem suficiente fumus commissi delicti 4 ANÁLISE DOS SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR SUJEITOOBJETOATOS 41 Sujeito Ativo órgão encarregado poderá ser investigação policial como no Brasil juiz instrutor Espanha França e Uruguai entre outros ou promotor investigador Portugal Itália e Alemanha entre outros Todos os modelos possuem vantagens e inconvenientes sendo completamente superada a figura do juiz instrutor e uma tendência o modelo de promotor investigador 42 Objeto e grau de cognição o objeto da investigação é o fato aparentemente criminoso narrado na notíciacrime ou obtido pela autoridade de ofício Quanto ao nível ou grau de conhecimento da matéria a investigação poderá ser plenária ou sumária que é a regra buscando assim um juízo de verossimilhança e não de certeza Poderá haver uma limitação qualitativa sumarização vertical eou horizontal eou quantitativa critério temporal de duração O sistema misto conjuga limitação qualitativa e quantitativa 43 Forma dos atos é o mais importante definir como será feita a investigação Nessa linha poderá ser obrigatória ou facultativa oral ou escrita secreta ou pública e ainda quanto à eficácia probatória podem constituir atos de prova ou atos de investigação valor probatório limitado Capítulo VIII A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR BRASILEIRA O INQUÉRITO POLICIAL E SUA CRISE O inquérito policial foi mantido no CPP de 1941 pois entendeu o legislador da época que o ponderado exame da realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repúdio ao sistema vigente Naquele momento histórico o sistema de juiz de instrução era amplamente adotado principalmente na Europa onde vivia momentos de glória em países como Espanha França Itália e Alemanha O Brasil ao contrário seguia com a superada investigação preliminar policial Passados mais de 70 anos quando o juiz de instrução foi e está sendo abandonado pela constatação de sua ineficiência e inúmeros inconvenientes alguma doutrina brasileira menos autorizada propugna sua adoção no nosso país em completo descompasso com a evolução do Direito e na contramão da história Na continuação analisaremos o inquérito policial e ao final definiremos algumas linhas básicas do que consideramos um modelo ideal para a realidade brasileira Salientamos ainda a importância da leitura do item anterior pois somente o estudo atento da estrutura teórica da investigação preliminar anteriormente exposta permitirá a exata compreensão dos fundamentos do inquérito policial Não é demais recordar que o inquérito policial é apenas um dos sistemas de investigação preliminar hoje existente e que por isso deve ser estudado dentro da lógica que orienta os sistemas de investigação preliminar 1 Considerações Prévias Natureza Jurídica Inquérito é o ato ou efeito de inquirir isto é procurar informações sobre algo colher informações acerca de um fato perquirir O CPP de 1941 denomina a investigação preliminar de inquérito policial em clara alusão ao órgão encarregado da atividade O inquérito policial é realizado pela polícia judiciária que será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria art 4º Merece destaque o substantivo feminino utilizado pelo art 4º para designar a atividade que será levada a cabo apuração O substantivo deriva do verbo apurar que no seu sentido etimológico deriva de puro e significa purificar aperfeiçoar conhecer o certo Não existe um dispositivo que de forma clara e satisfatória defina o inquérito policial pelo que devemos recorrer a uma leitura pelo menos dos arts 4º e 6º do CPP Quanto à natureza jurídica do inquérito policial vem determinada pelo sujeito e pela natureza dos atos realizados de modo que deve ser considerado como um procedimento administrativo pré processual A atividade carece do mando de uma autoridade com potestade jurisdicional e por isso não pode ser considerada como atividade judicial e tampouco processual até porque não possui a estrutura dialética do processo Como explica MANZINI1 só pode haver uma relação de índole administrativa entre a polícia que é um órgão administrativo igual ao MP quando vinculado ao Poder Executivo e aquele sobre quem recaia a suspeita de haver cometido um delito 2 Órgão Encarregado Atuação Policial e do Ministério Público Como determina o art 4º do CPP e o próprio nome indica o inquérito é realizado pela polícia judiciária Essa foi desafortunadamente a opção mantida pelo legislador de 1941 justificada na Exposição de Motivos como o modelo mais adequado à realidade social e jurídica daquele momento Sua manutenção era segundo o pensamento da época necessária atendendo às grandes dimensões territoriais e às dificuldades de transporte Foi rechaçado o sistema de instrução preliminar judicial ante a impossibilidade de que o juiz instrutor pudesse atuar de forma rápida nos mais remotos povoados a grandes distâncias dos centros urbanos e que às vezes exigiam vários dias de viagem Mas o inquérito não é necessariamente policial Nesse sentido dispõe o parágrafo único do art 4º determinando que a competência da polícia não exclui a de outras autoridades administrativas que tenham competência legal para investigar Dessa forma é possível que outra autoridade administrativa vg nas sindicâncias e processos administrativos contra funcionários públicos realize a averiguação dos fatos e com base nesses dados seja oferecida a denúncia pelo Ministério Público Da mesma forma um delito praticado por um militar será objeto de um inquérito policial militar e ao final concluindo a autoridade militar que o fato não é crime militar mas sim comum ou ainda que foram praticados crimes militares e comuns2 deverá remeter os autos do IPM ao Ministério Público que poderá diretamente oferecer a denúncia Também pode a investigação ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissões Parlamentares de Inquérito Segundo o art 58 4º da CB as CPIs têm poderes de investigação e são criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal em conjunto ou separadamente mediante requerimento de um terço de seus membros para a apuração de fato determinado e por prazo certo sendo que suas conclusões quando afirmarem a existência de um delito serão remetidas ao Ministério Público para que promova diretamente se entender viável a respectiva ação penal Não obstante nosso estudo está limitado ao inquérito policial realizado pela polícia judiciária e nele nos centraremos Tratase de um modelo de investigação preliminar policial de modo que a polícia judiciária leva a cabo o inquérito policial com autonomia e controle Contudo depende da intervenção judicial para a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais A polícia brasileira desempenha dois papéis nem sempre distintos a polícia judiciária e a polícia preventiva A polícia judiciária está encarregada da investigação preliminar sendo desempenhada nos estados pela Polícia Civil e no âmbito federal pela Polícia Federal Em regra nenhum problema existe no fato de a polícia civil estadual investigar um delito de competência da Justiça Federal como o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e demais delitos previstos no art 109 da Constituição ou de a polícia federal realizar um inquérito para apuração de um delito de competência da Justiça Estadual Contudo em geral a atuação de cada polícia tende a limitarse ao âmbito de atuação da respectiva Justiça Federal ou Estadual Já o policiamento preventivo ou ostensivo é levado a cabo pelas Polícias Militares dos estados que não possuem atribuição como regra para realizar a investigação preliminar Em se tratando de inquérito policial está ele a cargo da polícia judiciária não cabendo à polícia militar realizálo salvo nos crimes militares definidos no Código Penal Militar Quanto à atuação do Ministério Público está o parquet legalmente autorizado a requerer abertura como também acompanhar a atividade policial no curso do inquérito Contudo por falta de uma norma que satisfatoriamente defina o chamado controle externo da atividade policial subordinação ou dependência funcional da polícia em relação ao MP não podemos afirmar que o Ministério Público pode assumir o mando do inquérito policial mas sim participar ativamente requerendo diligências e acompanhando a atividade policial Em definitivo não pairam dúvidas de que o Ministério Público poderá requisitar a instauração do inquérito eou acompanhar a sua realização Mas sua presença é secundária acessória e contingente pois o órgão encarregado de dirigir o inquérito policial é a polícia judiciária Quanto aos poderes investigatórios do Ministério Público a questão ainda é bastante discutida não havendo paz conceitual sobre sua constitucionalidade Mas o STF já decidiu algumas vezes sobre o tema e sinaliza no sentido de sua possibilidade mas não houve manifestação do órgão plenário sobre a constitucionalidade3 Importante destacar a preocupação muito pertinente por sinal do Min CELSO DE MELLO em definir a esfera de proteção do imputado que não poderá ser objeto de desprezo por parte do Ministério Público no âmbito de sua própria investigação Para evitar repetições remetemos o leitor para o final deste capítulo onde trataremos A Título de Conclusão a opacidade da discussão em torno do promotor investigador mudem os inquisidores mas a fogueira continuará acesa Nesse ponto demonstraremos como existem questões complexas e da maior relevância em termos de investigação preliminar e que não serão resolvidas com a mera substituição do inquisidor Concluindo4 entendemos que a legislação existente sobre o chamado controle externo da atividade policial é insatisfatória e minimalista limitandose a definir meros instrumentos de controle da legalidade Permanece a lacuna e não se pode afirmar que com a atual legislação o MP possa assumir o controle do inquérito policial Quanto aos poderes para levar a cabo sua própria investigação a questão ainda é objeto de muita divergência mas um ponto é pacífico falta uma definição em lei de como será feita essa investigação Esse é o maior problema 3 A Posição do Juiz Frente ao Inquérito Policial O Juiz como Garantidor e não como Instrutor A efetividade da proteção está em grande parte pendente da atividade jurisdicional principal responsável por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais Como consequência o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor5 dos direitos do acusado no processo penal O juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor que não pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados como no superado modelo positivista O juiz assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um Essa é a posição que o juiz deve adotar quando chamado a atuar no inquérito policial como garante dos direitos fundamentais do sujeito passivo Para evitar repetições remetemos o leitor ao início do trabalho quando definimos a instrumentalidade constitucional como fundamento da existência do processo penal A atuação do juiz na fase préprocessual seja ela inquérito policial investigação pelo MP etc é e deve ser muito limitada O perfil ideal do juiz não é como investigador ou instrutor mas como controlador da legalidade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo É também a posição mais adequada aos princípios que orientam o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo penal Tradicionalmente no processo penal brasileiro o juiz mantémse afastado da investigação preliminar como autêntico garantidor limitandose a exercer o controle formal da prisão em flagrante e a autorizar aquelas medidas restritivas de direitos cautelares busca e apreensão intervenções telefônicas etc O alheamento é uma importante garantia de imparcialidade e apesar de existirem alguns dispositivos que permitam a atuação de ofício os juízes devem condicionar sua atuação à prévia invocação do MP da própria polícia ou do sujeito passivo O juiz não orienta a investigação policial e tampouco presencia seus atos mantendo uma postura totalmente suprapartes e alheia à atividade policial No sistema brasileiro o juiz não investiga nada não existe a figura do juiz instrutor e por isso mesmo não existe a distinção entre instrutor e julgador Daí por que nosso profundo rechaço ao disposto no inciso I do art 156 nova redação dada pela Lei n 116902008 que permite ao juiz de ofício ordenar antes de iniciada a ação penal logo na investigação preliminar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes observando a necessidade adequação e proporcionalidade da medida Como se percebe além de caminhar em direção ao passado juizinstrutor a reforma pontual maquiou o problema utilizando critérios vagos e imprecisos necessidade e adequação para que e para quem e o manipulável princípio da proporcionalidade que com certeza será utilizado a partir da falaciosa dicotomia entre o sagrado interesse público e o sempre sacrificável direito individual do imputado Nenhum problema existe na produção antecipada de provas na fase préprocessual mas desde que o juiz atue como julgador mediante prévia e fundamentada invocação do Ministério Público Não como juiz inquisidor atuando de ofício e produzindo sua própria prova Noutra dimensão no Tribunal do Júri ou ainda nos processos em que a prerrogativa de função do acusado desloca a competência para os Tribunais de Apelação não existe instrução6 preliminar judicial Isso porque a fase préprocessual é inteiramente realizada sob a forma de inquérito policial sendo a polícia judiciária o órgão encarregado da investigação Somente com o exercício da ação penal e o início da fase processual dáse a necessária intervenção judicial Mas frisese já estamos na fase processual É importante destacar que a instrução do relator é uma atividade da fase processual instrução definitiva e sempre será posterior à conclusão do inquérito esse sim uma instrução preliminar e ao oferecimento da ação penal Da mesma forma o juiz singular nos processos de competência do Júri preside uma instrução definitiva processual Não existe nenhum caso de instrução preliminar judicial e tampouco o nosso sistema consagra a figura do juizinstrutor Fazemos essa advertência porque uma leitura apressada de alguns dispositivos legais vg art 2º da Lei n 803890 onde se lê será o juiz da instrução deveria estar será o juiz da instrução definitiva ou processual pode induzir ao erro de imaginar que nos processos de competência do Tribunal do Júri ou originária dos tribunais existiria uma instrução preliminar judicial Por último a intervenção do órgão jurisdicional é contingente e excepcional Isso porque o inquérito policial pode iniciar desenvolverse e ser concluído sem a intervenção do juiz Ele não é um sujeito necessário na fase préprocessual e será chamado quando a excepcionalidade do ato exigir a autorização ou controle jurisdicional ou ainda quando o sujeito passivo estiver sofrendo restrições no seu direito de defesa à prova acesso aos autos etc por parte do investigador Sem embargo existem quatro aspectos que julgamos problemáticos o problema da prevenção como critério definidor da competência a tendência de algumas leis atuais em colocar o juiz na posição de investigador a ausência de uma fase intermediária e os perigos que encerram uma denúncia imediata sem prévia investigação e oitiva do sujeito passivo o recebimento da acusação sem a devida fundamentação Os dois primeiros pontos foram tratados e criticados no tópico destinado ao estudo dos sistemas processuais acusatório e inquisitório ao qual remetemos para necessária leitura O terceiro problema situase na falta de uma fase intermediária entre o encerramento do inquérito policial e o início do processo em que de forma contraditória e preferencialmente oral o que nos conduziria a ter uma audiência prévia o acusador justifica o exercício da pretensão acusatória e a defesa demonstra porque o processo não deve ser iniciado Isso para alguns existe timidamente no sistema brasileiro no rito da nova lei de tóxicos Lei n 11343 e no antigo rito dos crimes praticados por servidores públicos mas infelizmente optaram por estabelecer uma resposta escrita Por que insistir no ranço da forma escrita Quando a oralidade sairá do discurso para entrar efetivamente no processo Essa sistemática só serve para alimentar os defensores do utilitarismo processual que preocupados com a máxima celeridade argumentarão que tal resposta escrita é excessivamente demorada e irá retardar a repressão penal Infelizmente o maior erro da Lei n 117192008 que alterou os procedimentos foi ter inserido a mesóclise da discórdia no art 396 que não constava no projeto de Lei n 42072001 e gerou grande surpresa e decepção pois foi modificado às vésperas da promulgação da nova lei O projeto desenhava uma fase intermediária há muito reclamada pelos processualistas de modo que a admissão da acusação somente ocorreria após o oferecimento da defesa o ideal seria uma audiência regida pela oralidade Era um juízo prévio de admissibilidade da acusação para dar fim aos recebimentos automáticos de denúncias infundadas inserindo um mínimo de contraditório nesse importante momento procedimental Por isso o art 399 estabelece aqui foi mantida a redação do projeto de 2001 que recebida a denúncia ou queixa demarcando que o recebimento da acusação deveria ocorrer no momento após a defesa escrita Mas infelizmente foi inserida no art 396 a mesóclise recebêlaá e mantevese a redação do projeto no que se refere ao art 399 gerando uma dicotomia aparente dois recebimentos Com isso o recebimento da denúncia é imediato e ocorre nos termos do art 396 Esse é o marco interruptivo da prescrição e demarca o início do processo que se completa com a citação válida do réu art 363 Tanto que o réu é citado nesse momento para apresentar sua resposta e posteriormente intimado para audiência de instrução logo intimado também para o interrogatório que lá será realizado Ademais a absolvição sumária art 397 em que pese recorrer àquilo que consideramos serem as condições da ação processual penal pressupõe a existência do processo Como absolver antes do início do processo A absolvição mesmo sumária somente é possível após o recebimento da acusação Antes desse recebimento da acusação o que pode haver é rejeição não absolvição Quanto ao art 399 nada mais faz do que remeter para o recebimento anterior sendo a expressão recebida desnecessária Mas já que lá está deve ser interpretada como uma remissão ao recebimento já realizado e não uma nova decisão Em suma a mesóclise da discórdia demarca a manutenção do sistema de recebimento imediato da acusação antes do oferecimento da resposta da defesa Era e continua sendo fundamental o estabelecimento de uma fase intermediária que se caracterize por uma audiência contraditória máxima oralidade ante um juiz que em alguns sistemas será o mesmo que presidirá o processo ao passo que em outros é um juiz distinto às vezes o próprio instrutor Nessa audiência formulará o Ministério Público ou o particular delitos privados a respectiva acusação que será contraditada pela defesa Ambas as partes poderão inclusive aportar provas e ouvir testemunhas número reduzido sem esquecer que se trata de uma cognição sumária restrita a verificar a probabilidade do fumus commissi delicti Após caberá ao juiz realizar um juízo de préadmissibilidade da acusação recebendoa ou determinando o arquivamento Predominam a oralidade e a concentração dos atos de modo que não há qualquer prejuízo para a celeridade Na essência a função é a mesma mas a forma dos atos oralidade ou escrita é completamente distinta e afeta em última análise a máxima eficácia do direito de defesa Do contrário teremos um ato simbólico de pouca ou nenhuma eficácia para a defesa e que servirá apenas para municiar o discurso utilitarista E isso nós ainda não temos O último problema apontado é a falta de fundamentação da decisão interlocutória é verdade que recebe a denúncia ou queixa violando o art 93 IX da Constituição e a própria garantia da motivação das decisões judiciais 4 Objeto e sua Limitação O objeto da investigação preliminar7 é o fato constante na notitia criminis isto é o fumus commissi delicti que dá origem à investigação e sobre o qual recai a totalidade dos atos desenvolvidos nessa fase Toda a investigação está centrada em esclarecer em grau de verossimilitude o fato e a autoria sendo que esta última autoria é um elemento subjetivo acidental da notíciacrime Não é necessário que seja previamente atribuída a uma pessoa determinada A atividade de identificação e individualização da participação será realizada no curso da investigação preliminar Destarte o objeto do inquérito policial será o fato ou fatos constante na notíciacrime ou que resultar do conhecimento adquirido através da investigação de ofício da polícia No que se refere ao quanto de conhecimento cognitio do fato deverá ser alcançado no inquérito o modelo brasileiro adota o chamado sistema misto estando limitado qualitativamente e também no tempo de duração 41 Limitação Qualitativa O inquérito policial serve essencialmente para averiguar e comprovar os fatos constantes na notitia criminis Nesse sentido o poder do Estado de averiguar as condutas que revistam a aparência de delito é uma atividade que prepara o exercício da pretensão acusatória que será posteriormente exercida no processo penal É importante recordar que para a instauração do inquérito policial basta a mera possibilidade de que exista um fato punível A própria autoria não necessita ser conhecida no início da investigação Sem embargo para o exercício da ação penal e a sua admissibilidade deve existir um maior grau de conhecimento exigese a probabilidade de que o acusado seja autor coautor ou partícipe de um fato aparentemente punível Logo o inquérito policial nasce da mera possibilidade mas almeja a probabilidade Para atingir esse objetivo o IP tem seu campo de cognição limitado No plano horizontal está limitado a demonstrar a probabilidade da existência do fato aparentemente punível e a autoria coautoria ou participação do sujeito passivo Essa restrição recai sobre o campo probatório isto é os dados acerca da situação fática descrita na notitia criminis O que se busca é averiguar e comprovar o fato em grau de probabilidade No plano vertical está o direito isto é os elementos jurídicos referentes à existência do crime vistos a partir do seu conceito formal fato típico ilícito e culpável O IP deve demonstrar a tipicidade a ilicitude e a culpabilidade aparente também em grau de probabilidade A antítese será a certeza sobre todos esses elementos e está reservada para a fase processual Para compreender melhor vejamos a seguinte representação gráfica iniciando pela fase processual processo penal de conhecimento Notase que na fase processual as partes podem discutir toda a matéria fática prova de autoria e materialidadeexistência do fato e jurídica possibilidade de discussão sobre todos e cada um dos elementos do conceito analítico de crime ou seja tipicidade ilicitude e culpabilidade A cognição é plenária e permite o exaurimento de todas as teses e argumentos O resultado final é a sentença onde se profere uma tutela de segurança resultado da plena discussão de todo o caso penal Situação completamente distinta ocorre na investigação preliminar onde a cognição é limitada sumária Reparem que o conhecimento das questões fáticas plano horizontal e jurídicopenais plano vertical são limitados não se permitindo a ampla discussão sobre elas Empregase uma limitação nas duas dimensões fazendo com que a cognição seja limitada mera tutela de aparência É por isso que o inquérito policial busca apenas a verossimilhança do crime a mera fumaça fumus commissi delicti não havendo possibilidade de plena discussão das teses pois a cognição plenária fica reservada para a fase processual Esclarecido isso prossigamos O inquérito policial não é obrigatório e poderá ser dispensado sempre que a notíciacrime dirigida ao MP disponha de suficientes elementos para a imediata propositura da ação penal Da mesma forma se com a representação art 39 5º do CPP forem aportados dados suficientes para acusar o MP deverá propor a denúncia no prazo de 15 dias Isso porque o IP está destinado apenas a formar a convicção do MP que poderá acusar desde que disponha de suficientes elementos para demonstrar a probabilidade do delito e da autoria O problema de ordem prática está na efetividade da sumariedade que é sistematicamente negada pela polícia que investiga até que ela entenda provado o fato quando na verdade a convicção deve partir do titular da ação penal Ademais o fato não deve estar provado senão demonstrado em grau de probabilidade Uma das maiores críticas que se faz ao IP é a repetição na produção da prova O inquérito policial é normativamente sumário inclusive com limitação quantitativa ou temporal mas o que sucede na prática é que ele se transforma de fato em plenário Essa conversão de normativamente sumário em efetivamente plenário é uma gravíssima degeneração A polícia demora excessivamente a investigar investiga mal e por atuar mal acaba por alongar excessivamente a investigação O resultado final é um inquérito inchado com atos que somente deveriam ser produzidos em juízo e que por isso desborda os limites que o justificam Parte da culpa vem dada pela má valoração dos atos realizados pois se realmente fossem considerados meros atos de investigação não haveria justificativa em estender uma atividade que esgota sua eficácia no oferecimento da ação penal O problema nasce no momento em que o inquérito acompanha e integra os autos do processo e passa a ser valorado na sentença ainda que sob a fórmula de cotejado com a prova judicial Esse equivocado entendimento do valor probatório dos atos do inquérito é mais uma causa justificadora da dilação da investigação Em suma a cognição deve ser limitada Atingido um grau de convencimento tal que o promotor possa oferecer a denúncia com suficientes elementos probabilidade do fumus commissi delicti ele deverá determinar a conclusão do inquérito e exercer a ação penal Ou então não se chega ao grau de probabilidade exigido para a admissão da acusação e a única alternativa é o pedido de arquivamento 42 Limitação Temporal Prazo Razoável Prazo Sanção Ineficácia Normativamente o IP é célere tendo em vista a limitação temporal que lhe é imposta pela lei Adotando o sistema misto o Direito brasileiro limita o inquérito policial tanto qualitativamente como também quantitativamente É importante destacar que não assiste à polícia judiciária o poder de esgotar os prazos previstos para a conclusão do IP principalmente existindo uma prisão cautelar O inquérito deverá ser concluído com a maior brevidade possível e em todo caso dentro do prazo legal Ademais não há que se esquecer do direito de ser julgado no prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição e já explicado anteriormente em tópico específico cuja incidência na fase préprocessual é imperativa e inafastável Assim como regra geral o inquérito policial deve ser concluído no prazo de 10 dias indiciado preso ou 30 dias no caso de não existir prisão cautelar art 10 do CPP Esse prazo de 10 dias será computado a partir do momento do ingresso em prisão pois o que se pretende limitar é que a prisão se prolongue além dos 10 dias Quando o sujeito passivo estiver em liberdade atendendo à complexidade do caso difícil elucidação o prazo de 30 dias poderá ser prorrogado a critério do juiz competente para o processo art 10 3º do CPP desde que existam motivos razoáveis para isso O que não se pode admitir como destaca ESPÍNOLA FILHO8 é que a dilatação fique ao arbítrio ou critério da autoridade policial A lei é clara e exige a concorrência de dois fatores fato de difícil elucidação indiciado solto Por conseguinte a complexidade do fato não justifica a prorrogação do IP quando o indiciado estiver preso Nos processos de competência da Justiça Federal prevê o art 66 da Lei n 501066 que o prazo de conclusão do IP quando o sujeito passivo estiver em prisão será de 15 dias prorrogáveis por mais 15 Nesse caso a polícia deverá apresentar o preso ao juiz e a decisão judicial deverá ser fundamentada levandose em consideração a gravidade da medida adotada Mantémse o limite de 30 dias quando o sujeito passivo estiver em liberdade Nos delitos de tráfico de entorpecentes o art 51 da Lei n 113432006 prevê que o inquérito será concluído no prazo de 30 dias se o indiciado estiver preso e de 90 dias se estiver solto Esses prazos substancialmente maiores do que aqueles previstos no CPP poderão ainda ser duplicados pelo juiz Destaquese a possibilidade de um inquérito durar até 60 dias com indiciado preso o que dependendo das circunstâncias do caso pode constituir uma violação do direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Essa sistemática segue a diretriz anteriormente definida pela problemática Lei n 807290 que prevê no seu art 2º 3º que a prisão temporária terá o prazo de 30 dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade Aqui nada dispõe sobre o prazo de duração do inquérito policial Por isso devemos analisar o tema a partir do fundamento da existência da prisão temporária pois ela serve para possibilitar as investigações do inquérito policial Tem um claro caráter instrumental em relação ao IP não podendo subsistir uma prisão dessa natureza após o oferecimento da denúncia Por isso sua duração é curta 5 dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade Conjugando esses elementos identificase mais uma grave medida criada pela hedionda Lei n 8072 um inquérito policial com indiciado preso cuja duração pode ser de 30 dias ou mais Ainda que a lei preveja a possibilidade de prorrogação por igual período entendemos que na prática ela jamais deveria ocorrer O prazo inicial já é excessivamente longo muito além do necessário para que a polícia realize as diligências imprescindíveis que exijam a prisão do imputado É inegável que ocorrendo uma excepcionalíssima situação de extrema e comprovada necessidade o MP ou a polícia deverá solicitar uma prisão preventiva cabendo ao juiz decidir de forma fundamentada Caso decida pela prisão imediatamente o preso deve ser trasladado da respectiva delegacia para o estabelecimento prisional adequado não ficando mais à disposição da polícia e das suas práticas investigatórias Também é prudencial que o MP ou a defesa solicite ao juiz fixar um prazo exíguo para a conclusão do IP ou mesmo a sua imediata conclusão e remessa Novamente o que se vê é uma situação violadora do direito ao processo penal no prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Para concluir destacamos que a regra geral é o descumprimento sistemático dos prazos reforçando a crítica que fizemos ao tratar do direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável em relação à teoria do não prazo e à falta de sanção processual Ou seja pensamos que os prazos do inquérito devem ser fixados categoricamente e a partir de critérios mais razoáveis Descumprido o prazo fixado em lei deveria haver uma sanção algo inexistente como a pena de inutilidade dos atos praticados depois de esgotado o prazo ou mesmo a perda do poder de acusar do Estado pelo decurso do tempo 5 Análise da Forma dos Atos do Inquérito Policial 51 Atos de Iniciação Art 5º do CPP O inquérito policial tem sua origem na notitia criminis ou mesmo na atividade de ofício dos órgãos encarregados da segurança pública Formalmente o IP inicia com um ato administrativo do delegado de polícia que determina a sua instauração através de uma portaria Sem embargo a relevância está no ato que dá causa à portaria que em última análise carece de importância jurídica Por isso dispõe o art 5º do CPP que o IP será iniciado 511 De Ofício pela Própria Autoridade Policial A própria autoridade policial em cuja jurisdição territorial ocorreu o delito que lhe compete averiguar em razão da matéria tem o dever de agir de ofício instaurando o inquérito policial É uma verdadeira inquisiti ex officio A chamada cognição direta pode surgir como aponta ARAGONESES ALONSO9 por informação reservada em virtude da situação de flagrância por meio da voz pública através da notoriedade do fato Na realidade excetuandose o flagrante são raros os casos de selfstarter da polícia que em geral só atua mediante invocação Como explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE 10 o Estado seja por meio da polícia do Ministério Público ou dos órgãos jurisdicionais juiz de instrução não atua em regra pelo sistema de selfstarter mas sim através de uma reação a uma notitia criminis Para ilustrar essa realidade segundo dados fornecidos pelos autores nos Estados Unidos e Alemanha calculase que o início das investigações depende em cerca de 85 a 95 da iniciativa dos particulares 512 Requisição do Ministério Público ou Órgão Jurisdicional Quando chega ao conhecimento de algum desses órgãos a prática de um delito de ação penal de iniciativa pública ou se depreende dos autos de um processo em andamento a existência de indícios da prática de uma infração penal de natureza pública a autoridade deverá diligenciar para sua apuração Decorre do dever dos órgãos públicos de contribuir para a persecução de delitos dessa natureza Em sendo o possuidor da informação um órgão jurisdicional deverá enviar os autos ou papéis diretamente ao Ministério Público art 40 para que decida se exerce imediatamente a ação penal requisite a instauração do IP ou mesmo solicite o arquivamento art 28 A Constituição ao estabelecer a titularidade exclusiva da ação penal de iniciativa pública esvaziou em parte o conteúdo do artigo em tela Em que pese o disposto no art 5º II do CPP entendemos que não cabe ao juiz requisitar abertura de inquérito policial não só porque a ação penal de iniciativa pública é de titularidade exclusiva do MP mas também porque é um imperativo do sistema acusatório Inclusive quando a representação é feita ao juiz art 39 4º entendemos que ele não deverá remeter à autoridade policial mas sim ao MP Não só porque é o titular da ação penal mas porque o próprio 5º do art 39 permite que o MP dispense o IP quando a representação vier suficientemente instruída e quem deve decidir sobre isso é o promotor e não o juiz Em definitivo não cabe ao juiz requisitar a instauração do IP em nenhum caso Mesmo quando o delito for aparentemente de ação penal privada ou condicionada deverá o juiz remeter ao MP para que este solicite o arquivamento ou providencie a representação necessária para o exercício da ação penal Se for o próprio MP quem tomar conhecimento da existência do delito deverá exercer a ação penal no prazo legal requisitar a instauração do IP ou solicitar o arquivamento Quem deve decidir sobre a necessidade de diligências e quais é o titular da ação penal que poderá considerarse suficientemente instruído para o imediato oferecimento da denúncia Tudo isso sem esquecer que o próprio MP poderá instaurar um procedimento administrativo préprocessual destinado a aclarar os pontos que julgue necessário prescindindo da atuação policial Em sentido estrito a requisição é uma modalidade de notíciacrime qualificada tendo em vista a especial condição do sujeito ativo e a imperatividade pois dá notícia de um acontecimento com possível relevância jurídicopenal e determina a sua apuração De qualquer forma recebendo a requisição a autoridade policial deverá imediatamente instaurar o inquérito policial e praticar as diligências necessárias e as eventualmente determinadas pelo MP O 2º do art 5º referese exclusivamente ao requerimento do ofendido não se aplicando à requisição Como aponta ESPÍNOLA FILHO11 ainda muito antes de a Constituição falar em controle externo da atividade policial é de toda evidência que recebendo requisição dos órgãos da Justiça para abertura de um inquérito à autoridade policial cumpre darlhe imediata satisfação sem se justificar qualquer dúvida pois à polícia não cabe discutir determinações judiciárias Por fim os requisitos previstos no art 5º II 1º não se aplicam à requisição mas somente ao requerimento do ofendido Sem embargo por imposição lógica a requisição deverá descrever o fato aparentemente delituoso a ser investigado cabendo ao promotor indicar aqueles elementos que já possui e que possam facilitar o trabalho policial Nada obsta a que o MP reservese o poder de não informar aquilo que julgar desnecessário ou mesmo que não deva ser informado à polícia para não prejudicar o êxito da investigação principalmente quando o segredo for imprescindível e existir a possibilidade de publicidade abusiva por parte da polícia ou que pela natureza do fato a reserva de informação esteja justificada 513 Requerimento do Ofendido Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada É uma notíciacrime qualificada pois exige uma especial condição do sujeito ser o ofendido que ademais de comunicar a ocorrência de um fato aparentemente punível requer que a autoridade policial diligencie no sentido de apurálo No sistema adotado pelo CPP nos delitos de ação penal de iniciativa pública a fase préprocessual está nas mãos da polícia e a ação penal com o Ministério Público Sem embargo cabe à vítima atuar em caso de inércia dos órgãos oficiais da seguinte forma requerendo a abertura do IP se a autoridade policial não o instaurar de ofício ou mediante a comunicação de qualquer pessoa exercer a ação penal privada subsidiária da pública em caso de inércia do Ministério Público art 5º LIX da CB cc art 29 do CPP Ao lado desses mecanismos de impulso em caso de inércia a vítima poderá acompanhar a atividade dos órgãos públicos da seguinte forma solicitando diligências no curso do inquérito art 14 que poderão ser realizadas ou não a juízo da autoridade policial12 bem como facilitando dados documentos e objetos que possam contribuir para o êxito da investigação no processo habilitandose como assistente da acusação e dessa forma propondo meios de prova requerendo perguntas às testemunhas13 participando do debate oral e arrazoando os recursos interpostos pelo MP ou por ele próprio nos termos dos arts 268 e seguintes do CPP O art 5º II 1º enumera determinados requisitos que conterão sempre que possível o requerimento O primeiro é de ordem lógica pois necessariamente deve descrever um fato ainda que não o faça com todas as circunstâncias até porque um dos fundamentos da existência do inquérito policial como instrução preliminar é apurar as circunstâncias do fato A letra b referese à indicação da autoria cabendo ao ofendido facilitar à polícia os dados que possua e fundamentar sua suspeita Mas tampouco é imprescindível pois outra das funções do IP é exatamente a sua determinação A nomeação das testemunhas com dados que permitam identificálas sendo desnecessário indicar a profissão O que pretende a lei é que o ofendido indique dados que permitam à autoridade identificar e contatar as testemunhas Tampouco poderá ser indeferido o requerimento por falta de indicação de testemunhas Em síntese o que deve ficar claro é que se trata de um delito de ação penal de iniciativa pública e que a polícia tem a obrigação de apurar seja através do conhecimento de ofício através de notíciacrime realizada pela vítima ou por qualquer pessoa Para atender aos requisitos legais o requerimento deverá ser feito por escrito e firmado pela vítima ou seu representante legal até porque a falsa comunicação ou imputação contida no requerimento poderá configurar o delito do art 340 ou do art 339 do CP Não existe um prazo fixado em lei mas deverá ser feita antes da prescrição pela pena abstratamente cominada Prevê o 2º do art 5º que do despacho que indeferir o requerimento de abertura do inquérito policial caberá recurso para o chefe de polícia É um recurso inominado de caráter administrativo e de pouca ou nenhuma eficácia Vislumbramos outras duas alternativas impetrar um Mandado de Segurança contra o ato do delegado levar ao conhecimento do Ministério Público oferecendolhe todos os dados disponíveis nos termos do art 27 Especialmente na segunda opção quiçá a melhor se o MP insistir no sentido do arquivamento das peças de informação nada mais poderá ser feito Poderá sim repetir o pedido de abertura se surgirem novos elementos que possam justificar uma mudança de opinião 514 Comunicação Oral ou Escrita de Delito de Ação Penal de Iniciativa Pública É a típica notíciacrime em que qualquer pessoa sem um interesse jurídico específico comunica à autoridade policial a ocorrência de um fato aparentemente punível Inclusive a vítima poderá fazer essa notíciacrime simples quando comunica o fato sem formalizar um requerimento O IP somente poderá formalmente ser instaurado se for um delito de ação penal de iniciativa pública e a autoridade policial verificar a procedência das informações Caso a comunicação tenha por objeto um delito de ação penal de iniciativa privada não terá eficácia jurídica para dar origem ao inquérito policial pois exige o art 5º 5º que a vítima ou quem tenha qualidade para representála apresente um requerimento No Brasil como regra a notíciacrime é facultativa pois aos cidadãos assiste uma faculdade e não uma obrigação de denunciarem a prática de um delito que tenham presenciado ou que sabem ter ocorrido Em sentido oposto está a notíciacrime obrigatória14 que no nosso sistema é uma exceção Como exemplos de notíciacrime obrigatória citamos o art 66 da Lei n 368841 segundo o qual constitui a contravenção de omissão de comunicação de crime o ato de deixar de comunicar à autoridade competente crime de ação penal de iniciativa pública incondicionada de que teve conhecimento no exercício de função pública O inciso II do referido dispositivo prevê a punição de quem teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária de um crime de ação penal pública incondicionada e cuja comunicação não exponha o cliente a procedimento penal Logo a regra é que qualquer pessoa pode faculdade e não um dever comunicar a ocorrência de um delito de ação penal de iniciativa pública cabendo à polícia verificar a procedência da delatio criminis e instaurar o inquérito policial que uma vez iniciado não poderá ser arquivado salvo quando assim o requerer o MP ao juiz competente Ainda que não possua forma ou qualquer requisito salvo o de ser um delito de ação penal de iniciativa pública é importante documentar essa comunicação reduzir a termo quando feita oralmente ou anexar ao inquérito o documento escrito que a materializou Na polícia essa notíciacrime simples assume a forma de Boletim ou Termo de Ocorrência Ademais de consignar o fato e as suas circunstâncias é importante conforme o caso questionar sobre os motivos que levaram a realizar a notíciacrime pois podem interessar à investigação principalmente quando motivada por vingança ou uma forma dissimulada de pressionar ou constranger A comunicação de um delito em que caiba ação penal de iniciativa pública também poderá ser realizada diretamente ao Ministério Público a teor do art 27 cabendo ao promotor decidir entre oferecer a denúncia com base nos dados fornecidos em se tratando de um delito de ação penal de iniciativa pública condicionada poderá oportunizar15 à vítima para que querendo ofereça a representação se não for ela mesma quem noticia o fato instaurar um procedimento administrativo préprocessual de caráter investigatório com o fim de apurar o fato e a autoria noticiada requisitar a instauração do inquérito policial solicitar o arquivamento das peças de informação Se a notícia do delito tiver como destinatário o órgão jurisdicional deverá este remetêla imediatamente ao MP pois como vimos não cabe ao juiz requisitar a abertura do IP Quando falsa a comunicação possui relevância jurídicopenal Destarte poderá adequarse à conduta descrita no art 340 do CP aquele que der causa à instauração do inquérito policial por meio de uma falsa comunicação de crime ou contravenção Exige o tipo penal que o agente atue dolosamente com plena consciência da falsidade que comete Quando ademais de comunicar a existência de um delito imputao a uma pessoa determinada o delito será o de denunciação caluniosa art 339 do CP exigindo o tipo penal a presença do dolo pois deve imputar a conduta a uma pessoa determinada e que sabe ser inocente 515 Representação do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada Quando se tratar de um delito de ação penal de iniciativa pública condicionada a teor do art 5º 4º sequer poderia ser iniciado o IP sem a representação da vítima Cumpre advertir que com o advento da Lei n 909995 e a posterior alteração do art 61 pela Lei n 113132006 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Não existe mais nenhuma restrição aos crimes a que a lei preveja procedimento especial como na redação original da Lei n 9099 Com isso diminuiu sensivelmente a incidência de inquérito policial em crimes dessa natureza posto que nesses casos não haverá inquérito policial mas mero termo circunstanciado Contudo para os demais casos não sujeitos à competência dos Juizados Especiais Criminais a representação segue sendo normalmente utilizada para abertura do inquérito e em relação à ação penal como uma condição de procedibilidade É na verdade uma notíciacrime qualificada Isso porque exige uma especial qualidade do sujeito que a realiza Ademais ao mesmo tempo em que dá notícia de ter sido ofendido por um delito demonstra a intenção de que o Estado inicie a perseguição Vejamos agora a representação numa análise sistemática Sujeito a vítima ou seu representante legal cônjuge ascendente descendente ou irmão A representação poderá ainda ser prestada através de procurador com poderes especiais Com o advento do novo Código Civil entendemos que desapareceu a legitimidade concorrente16 antes adotada quando o ofendido tinha entre 18 e 21 anos de modo que ou o ofendido tem menos de 18 anos e a representação deve ser feita pelo representante legal ou ele é maior de 18 anos situação em que somente ele poderá representar desaparece a possibilidade de o representante o fazer Sem entrar na infindável discussão sobre o alcance da Súmula n 594 do STF destacamos apenas que a nosso juízo tratase de um único direito Logo se o menor de 18 anos levar ao conhecimento do representante legal o prazo de 6 meses começa a fluir Se o responsável legal não representar não poderá o menor ao atingir a maioridade fazer a representação pois o direito em tela terá sido atingido pela decadência Contudo se o menor não levar ao conhecimento do representante legal contra ele não flui o prazo eis que menor e contra o representante também não pois não tem ciência Logo quando completar a maioridade poderá representar dentro do limite de 6 meses Objeto os objetos da representação são o fato noticiado e a respectiva autorização para que o Estado proceda contra o suposto autor Não é necessário que a representação venha instruída com prova plena da autoria e da materialidade mas sim que sejam apresentadas informações suficientes para convencer que há um crime a apurar A própria indicação do autor não é imprescindível pois uma das finalidades do IP é descobrilo Sem embargo deverá conter todas as informações que possam servir para que a autoridade policial esclareça o ocorrido Atos a representação está sujeita a requisitos de ordem formal e deverá ser feita obedecendo ao a Lugar poderá ser oferecida ao juiz ao órgão do MP ou à autoridade policial No primeiro caso o juiz deverá encaminhar diretamente ao MP que deverá decidir entre denunciar pedir o arquivamento investigar por si mesmo ou requisitar a instauração do IP Entendemos que o art 39 4º do CPP não se coaduna com os poderes conferidos pela Constituição de 1988 que outorga ao MP a titularidade exclusiva da ação penal pública ademais de poderes investigatórios e de controle externo da atividade policial como apontamos anteriormente Quando oferecida a representação diretamente à polícia deverá esta apurar a infração penal apontada através do IP b Tempo o prazo para representar é decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser interrompido ou suspenso Realizada no prazo legal será irrelevante que a denúncia seja oferecida após os 6 meses pois o prazo decadencial está atrelado exclusivamente à representação e uma vez realizada esta não se fala mais em decadência A representação poderá ser oferecida a qualquer dia e hora junto à autoridade policial e nos dias e horas úteis ao juiz ou promotor c Forma a representação é facultativa cabendo ao ofendido valorar a oportunidade e a conveniência da persecução penal podendo inclusive preferir a impunidade do agressor à difamação e humilhação gerada pela publicidade do fato no curso do processo Não poderá haver qualquer forma de pressão ou coação para que a vítima represente pois deve ser um ato de livre manifestação de vontade O vício de consentimento anula a representação e leva à ilegitimidade ativa falta a condição legitimadora exigida pela lei do MP para promover a ação penal Poderá ser prestada oralmente ou por escrito No primeiro caso será reduzida a termo pela autoridade no segundo poderá ser manuscrita ou datilografada mas deverá ter a firma reconhecida por autenticidade Quando não cumprir esse requisito legal a autoridade que a recebeu deverá intimar a vítima para que compareça querendo a fim de representar oralmente reduzindose a escrito Outra solução tendo em vista a tendência em flexibilizar os requisitos formais da representação é solicitar a ratificação no momento em que a vítima for ouvida desde que o faça antes de oferecida a denúncia A jurisprudência amenizou muito a rigidez da forma da representação e atualmente entendese que a mera notíciacrime já é suficiente para implementarse o requisito legal Prevalece a doutrina da instrumentalidade das formas com uma flexibilização dos requisitos formais17 A representação atende essencialmente aos interesses do ofendido que conforme seus critérios de conveniência e oportunidade pode impedir que a perseguição estatal agrave ainda mais a sua situação Por se tratar de um delito de natureza pública ainda que a ação penal seja condicionada havendo qualquer forma de concordância do ofendido poderá o Ministério Público exercer a pretensão acusatória A tendência jurisprudencial é no sentido de que a manifestação de vontade do ofendido deve ser interpretada de forma ampla quando o objetivo for autorizar a perseguição e de forma estrita quando dirigida a impedila Para o exercício do direito de representação basta a manifestação de vontade do ofendido em querer ver apurado o fato apontado como delituoso Como decidiu o Tribunal de Alçada de São Paulo18 não se deve chegar ao ponto da exigência de uma representação com formalismo que a própria legislação persecutória penal não exige Sabidamente a Lei Processual não estabelece fórmula específica para a representação basta que ela contenha a manifestação de vontade do ofendido em querer ver apurado o fato apontado como delituoso podendo ser escrita ou oral Ainda no que se refere ao aspecto formal o STJ19 firmou entendimento de que no crime de lesão corporal culposa atingido pela vigência da Lei n 909995 a representação como condição de procedibilidade prescinde de rigor formal Dessa forma o boletim de ocorrência lavrado por delegado de polícia supre a exigência do art 88 da citada lei demonstrando a intenção da vítima de responsabilizar o autor do delito precedentes citados RHC 7706SP no STF HC 732267 HC 7771SP Rel Min Gilson Dipp julgado em 03121998 Havendo concurso de agentes basta o envolvimento no fato noticiado Nesse sentido decidiu o STF20 Representação Ação Penal Pública Condicionada Baliza Subjetiva A interpretação sistemática dos artigos 39 do Código de Processo Penal e 225 do Código Penal é conducente a concluirse pela possibilidade de a denúncia alcançar pessoa não mencionada na representação Indispensável é tão somente que esteja envolvida no mesmo fato motivador da iniciativa do ofendido ou de quem o represente Por fim se existe uma flexibilização da forma o mesmo não ocorre com o prazo para o oferecimento da representação que é decadencial de 6 meses e não será suspenso ou interrompido pela abertura do inquérito 516 Requerimento do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Privada Inicialmente destacamos que com o advento da Lei n 909995 e a posterior alteração do art 61 pela Lei n 113132006 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Com isso esvaziaramse as possibilidades de a vítima fazer um requerimento e a autoridade policial instaurar o inquérito policial Isso porque nos delitos de menor potencial ofensivo não haverá inquérito policial mas um mero termo circunstanciado Não obstante cumpre enfrentar o tema Nos casos em que o ofendido não possuir o mínimo de prova necessário para justificar o exercício da ação penal queixa o CPP permitelhe recorrer à estrutura estatal investigatória através do requerimento de abertura do inquérito policial O requerimento pode ser classificado como uma notíciacrime qualificada pelo especial interesse jurídico que possui o ofendido e pelo claro caráter postulatório Não existe uma forma rígida mas deverá ser escrito dirigido à autoridade policial competente razão da matéria e lugar e firmado pelo próprio ofendido seu representante legal arts 31 e 33 ou por procurador com poderes especiais Como determina o art 5º 1º o requerimento deverá conter a a narração do fato com todas as circunstâncias b a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração ou os motivos de impossibilidade de o fazer c a nomeação das testemunhas com indicação de sua profissão e residência Se indeferido pela autoridade policial aplicase o 2º do art 5º cabendo recurso para o chefe de polícia É um recurso inominado de caráter administrativo e de pouca ou nenhuma eficácia Não existe um prazo definido para formular o requerimento mas sim para o exercício da ação penal Tendo sempre presente que o prazo para o ajuizamento da queixa é decadencial de 6 meses e como tal não é interrompido ou suspenso pela instauração do inquérito sendo o requerimento indeferido deverá o ofendido analisar se o melhor caminho não é acudir diretamente ao Mandado de Segurança até porque não necessita esgotar a via administrativa para utilizar o writ Caso o problema seja a dilação da investigação policial o ofendido deverá estar atento para evitar a decadência inclusive ajuizando a queixa antes da conclusão do IP juntando os elementos que dispõe e postulando a posterior juntada da peça policial 52 Atos de Desenvolvimento Arts 6º e 7º do CPP Com base na notíciacrime a polícia judiciária instaura o inquérito policial isto é o procedimento administrativo préprocessual Para realizar o IP praticará a polícia judiciária uma série de atos arts 6º e seguintes do CPP que de forma concatenada pretendem proporcionar elementos de convicção para a formação da opinio delicti do acusador Na tarefa de apurar as circunstâncias do fato delitivo e da autoria determina o art 6º que a polícia judiciária deverá 1 Dirigirse ao local providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais Não por acaso esse é o primeiro inciso pois na prática esta deve ser a primeira providência a ser tomada pela polícia dirigirse ao local e isolálo Isso porque o local do crime será uma das principais fontes de informação para reconstruir a pequena história do delito e desse ato depende em grande parte o êxito da investigação Como explica ESPÍNOLA FILHO21 daí a conveniência de transportarse a própria autoridade dirigente do inquérito ou auxiliares por ela designados ao local da ocorrência que lhe ou lhes proporcionará um contato vivo com a ainda palpitante verdade de um fato anormal quente na sua projeção através dos objetos e das pessoas Para efeito de exame do local do delito a autoridade policial providenciará imediatamente que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos oficiais ou nomeados para o ato que poderão instruir seus laudos com fotografias desenhos ou esquemas elucidativos art 164 registrando ainda no laudo as alterações do estado das coisas e a consequência dessas alterações na dinâmica dos fatos 2 Apreender os objetos que tiverem relação com o fato após liberados pelos peritos criminais Entre os efeitos jurídicos do inquérito policial está o de gerar uma sujeição de pessoas e coisas A apreensão dos instrumentos utilizados para cometer o delito bem como dos demais objetos relacionados direta ou indiretamente com os motivos meios ou resultados da conduta delituosa é imprescindível para o esclarecimento do fato Da sua importância probatória decorre ainda a obrigatoriedade de que esses objetos acompanhem os autos do inquérito art 11 Também é importante que se fixe com exatidão o lugar onde foram achados com as circunstâncias em que se verificou o encontro22 Para apreender deve se proceder a buscas e dependendo da situação será necessário que a autoridade policial solicite a correspondente autorização judicial nos termos dos arts 240 e seguintes do CPP cc art 5º XI da CB 3 Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias Decorrência lógica da natureza da atividade de investigação que busca esclarecer o fato e sua autoria Se o inciso anterior está voltado aos objetos e instrumentos o presente referese aos demais meios de informação como por exemplo à declaração de testemunhas presenciais É de destacarse atendendo ao caráter sumário do inquérito policial que a polícia não deve perder tempo com testemunhas meramente abonatórias ou que não tenham realmente presenciado o fato e que por isso limitemse a transmitir o que lhes foi contado 4 Ouvir o ofendido Quando possível a oitiva da vítima do delito é uma importante fonte de informação para o esclarecimento do fato e da autoria devendo o ato ser realizado nos termos do art 201 5 Ouvir o indiciado com observância no que for aplicável do disposto no Capítulo III do Título VII deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por 2 duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura Há alguma controvérsia em torno da natureza jurídica deste ato Para CIRILLO DE VARGAS 23 não existe interrogatório no inquérito pois o interrogatório é um ato privativo do juiz Logo seria uma mera oitiva do suspeito sem nenhum valor probatório e sem poder de coerção Por outro lado a criticável redação do dispositivo que fala em ouvir ao mesmo tempo em que remete para os arts 185 e seguintes que disciplinam o interrogatório judicial suscita dúvidas e serve de fundamento para que alguma doutrina fale em interrogatório policial Independente do nome que se dê ao ato interrogatório policial declarações policiais etc o que é inafastável é que ao sujeito passivo devem ser garantidos os direitos de saber em que qualidade presta as declarações24 de estar acompanhado de advogado e que se quiser poderá reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao inquérito policial O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade Ademais não há como negar a necessidade da presença do advogado bem como a possibilidade de participação da defesa à luz da nova redação dos arts 185 186 188 e ss do CPP O dispositivo exige ainda que o ato seja praticado com observância das disposições legais que disciplinam o interrogatório judicial e que o termo seja firmado por duas testemunhas de leitura Essas testemunhas não necessitam presenciar o ato em si mesmo de modo que não são fontes dignas para saber se o ato foi realizado com as devidas garantias e respeito ao imputado ou não É importante levar isso em consideração naqueles interrogatórios que se produzem sem a presença de defensor e são muitos os casos Simplesmente testemunham que ouviram a leitura na presença do sujeito passivo do termo do interrogatório Tampouco são raros os casos em que as assinaturas são colhidas posteriormente de pessoas que não presenciaram a leitura ou mesmo que pertencem aos quadros da polícia As agressões à forma e às garantias do sujeito passivo ainda hoje acontecem porque existe o discutível e perigoso entendimento de que eventuais irregularidades do inquérito não alcançam o processo O problema está em que na sentença esse ato irregular influi no convencimento do juiz até porque integra os autos do processo e pode ser cotejado com a prova judicialmente colhida em claro prejuízo para o acusado Mais grave ainda é a situação do preso temporário que fica à disposição da polícia por um longo período em que o cansaço o medo o desânimo levam a uma situação de absoluta hipossuficiência Inegavelmente a confissão obtida em uma situação como essa exige um mínimo de sensibilidade e bom senso do juiz que deve valorar este ato com suma cautela Inclusive entendemos que um juiz consciente deveria considerar tal confissão como juridicamente imprestável pois é patente o vício de vontade25 Ademais o interrogatório policial está dentro do que anteriormente definimos como meros atos de investigação sem valor probatório no processo De qualquer forma para evitar repetições remetemos o leitor para o Capítulo destinado ao estudo das provas especialmente dos comentários que fizemos sobre o interrogatório pois é inteiramente aplicável ao inquérito policial Outro aspecto criticável é utilizar o termo indiciado quando ainda não se produziu o indiciamento Isso é decorrência em realidade da grave lacuna legislativa sobre a figura do indiciamento gerando o mais absoluto confusionismo sobre o momento em que se produz e que efeitos jurídicos gera direitos e cargas O sistema jurídico brasileiro não define claramente quando como e quem faz o indiciamento 6 Proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações Para proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas deverá a autoridade policial orientarse pelo disposto nos arts 226 e seguintes Não apenas o suspeito pode ser objeto de reconhecimento mas também todas as pessoas envolvidas ativa ou passivamente no fato inclusive testemunhas Da mesma forma são passíveis de reconhecimento todos os objetos que interessarem à investigação do delito Apesar de ser um importante elemento de convicção a costumeira falta de observância dos requisitos legais por parte da polícia faz com que a nosso juízo o ato deva ser visto com reservas Ademais quando repetido em juízo é cometida uma grave falha descumprimento do disposto no art 226 II Das duas uma ou os juízes não colocam o réu ao lado de outras pessoas que com ele tiverem qualquer semelhança ou convidam pessoas diversas daquelas que participaram do reconhecimento policial Em ambos os casos o reconhecimento é induzido No primeiro porque o réu é o único presente no segundo porque ele é o único visto pela vítima tanto na polícia como em juízo Sem alongar a exposição até porque voltaremos a essa questão quando tratarmos das provas em espécie poderíamos citar outros inúmeros exemplos práticos de reconhecimentos sem valor posto que induzidos consciente ou inconscientemente pela autoridade uso de algemas tratamento diferenciado etc O perigo do reconhecimento também mereceu a atenção de CARNELUTTI26 que apontou para o problema da sugestão gerada pela situação de prisão do acusado Se a pessoa ou coisa a reconhecer está atualmente em poder do juiz ou da polícia não será naturalmente aquela que lhe interessa Como poderia ocorrer que aquele homem estivesse no cárcere se não fosse ele quem cometeu o delito Esses são questionamentos que o chamado a reconhecer se faz Por tais inconvenientes explica CORTÉS DOMINGUEZ27 que o direito espanhol admite o reconhecimento reconocimiento en rueda apenas na fase préprocessual pois por seu próprio caráter é uma prova inidônea e atípica para ser praticada em juízo Por isso deve ser colhida no incidente de produção antecipada de provas Ademais como advertiu o Tribunal Constitucional STC de 16011992 a pessoa que realizou o reconhecimento deve comparecer ao processo como testemunha ou vítima para que o acusado possa interrogála garantindose assim o direito de perquirir quem declarou ou produziu prova contra ele art 63d do Convênio Europeu de Direitos Humanos Ainda mais censurável é o reconhecimento por fotos pois como bem aponta ESPÍNOLA FILHO28 existe a possibilidade de erros tanto mais frequentes quanto os truques fotográficos operam prodígios de fantasia Demais principalmente quando se trata do reconhecimento de pessoas é preciso atender à grande influência que representa para o reconhecimento observar as manifestações de vida andar gesto fala mudanças de expressão Isso tudo sem mencionar a maior carga de sugestividade desse tipo de reconhecimento Mas o vício é maior o reconhecimento por fotografias não é uma prova válida eis que não foi expressamente contemplado no sistema processual penal brasileiro Como muito o reconhecimento fotográfico é um ato preparatório do reconhecimento direto e substitui a descrição prevista no inciso I do art 226 do CPP De qualquer forma remetemos o leitor ao Capítulo das Provas quando abordaremos essa questão A acareação instituto completamente diverso dos anteriores está disciplinada nos arts 229 e seguintes do CPP Para LEONE29 a acareação consiste no contraditório instituído entre pessoas já examinadas testemunhas ou interrogadas imputados O nosso CPP permite a acareação entre acusados acusados e testemunhas acusados ou testemunhas e a pessoa ofendida entre as vítimas ou ainda entre as testemunhas A finalidade básica do ato é explicar os pontos em desarmonia pôr termo à divergência30 Por fim destacamos que a nosso juízo o sujeito passivo não pode ser compelido a participar do reconhecimento ou acareação eis que lhe assiste o direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere como explicamos anteriormente ao tratar do princípio do direito de defesa 7 Determinar se for caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias O exame de corpo de delito pode ser realizado tanto na vítima como também no autor do delito conforme o caso e assegurandose ao último o direito de não se submeter a tal exame como uma manifestação do direito de autodefesa negativo O ponto nevrálgico da questão está nas consequências jurídicas da recusa em submeterse a uma intervenção corporal que foi tratado quando analisamos nos Princípios da Instrumentalidade Constitucional o direito de defesa negativo Também recomendamos a leitura do Capítulo destinado ao estudo das provas no processo penal 8 Ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico e também coleta de DNA se for o caso se possível e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes A identificação criminal prevista no art 5º LVIII da CB foi regulamentada pela Lei n 120372009 e constitui o gênero do qual são espécies a identificação datiloscópica a identificação fotográfica e a coleta de material genético modificação introduzida pela Lei n 126542012 A regra é que o civilmente identificado não seja submetido à identificação criminal ou seja nem datiloscópica nem fotográfica nem coleta de material genético definindo a lei que a identificação civil pode ser atestada por qualquer dos seguintes documentos carteira de identidade carteira de trabalho carteira profissional passaporte carteira de identificação funcional outro documento público que permita a identificação do indiciado A lei equipara aos documentos civis os de identificação militar Quanto à extração de material genético trataremos no final deste tópico de forma separada Não sendo apresentado qualquer desses documentos será o suspeito submetido à identificação criminal A lei não menciona prazo mas se recomenda que seja concedido pelo menos 24 horas para apresentação do documento Em caso de prisão em flagrante deverá o detido identificarse civilmente até a conclusão do auto de prisão Contudo estabelece o art 3º que mesmo apresentando o documento de identificação poderá ocorrer identificação criminal quando I o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação II o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado III o indiciado portar documentos de identidade distintos com informações conflitantes entre si IV a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa V constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações VI o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais Destacamos a abertura feita pelo inciso IV que permite a identificação criminal do civilmente identificado quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais Portanto a identificação criminal ficará a livre critério do juiz bastando apenas uma maquiagem argumentativa para fundamentar a decisão Isso poderá servir como forma de negar eficácia ao direito de não produzir prova contra si mesmo quando por exemplo o imputado se recusa a fornecer suas digitais para confrontação com aquelas encontradas no local do delito Diante da recusa determina o juiz a identificação criminal e o material necessário para a perícia datiloscópica é extraído compulsoriamente burlando a garantia constitucional do nemo tenetur se detegere Igualmente censurável é a possibilidade de que tal ato seja determinado de ofício pelo juiz em censurável ativismo probatórioinvestigatório como já criticado tantas vezes ao longo desta obra Noutra dimensão é salutar a possibilidade de que a identificação criminal seja solicitada pela própria defesa como forma de evitar investigações e até prisões cautelares em relação a uma pessoa errada Não são raros os casos de perda de documentos que acabam sendo utilizados e falsificados por terceiros para a prática de delitos Tempos depois é expedido mandado de prisão em relação à pessoa errada pois o responsável pelo crime apresentou um documento falso A identificação datiloscópica eou por fotografia pode auxiliar a evitar situações dessa natureza A identificação criminal que inclui o processo datiloscópico e o fotográfico deverá ser feita da forma menos constrangedora possível art 4º e deverá ser juntada aos autos da comunicação da prisão em flagrante ou do inquérito policial ou outra forma de investigação art 5º não devendo ser mencionada em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória art 6º Outra inovação importante foi inserida no art 7º da Lei n 120372009 Art 7º No caso de não oferecimento da denúncia ou sua rejeição ou absolvição é facultado ao indiciado ou ao réu após o arquivamento definitivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo desde que apresente provas de sua identificação civil O art 7º cria a possibilidade de que o interessado postule a retirada da identificação fotográfica dos autos do inquérito ou processo devendo tal pedido ser formulado à autoridade policial no caso do inquérito ou ao juiz do processo quando há absolvição ou rejeição da denúncia Ainda que o dispositivo fale em não oferecimento da denúncia devese compreender tal menção ao arquivamento pois a rigor ao Ministério Público somente são oferecidas três possibilidades oferecer denúncia postular diligências ou pedir o arquivamento Não há a opção de simplesmente não oferecer a denúncia Portanto devese ali considerar a situação do arquivamento pedido e deferido Havendo recusa por parte da autoridade policial ou judiciária pensamos que o melhor caminho será a impetração do mandado de segurança pois desenhado o direito líquido e certo do interessado em ver retirada sua identificação fotográfica Não se desconhece a eventual possibilidade de utilização do habeas corpus mas pensamos não ser o melhor caminho na medida em que não existe uma efetiva restrição à liberdade de locomoção Contudo em sendo eleita a via do habeas corpus o fundamento será o do art 648 IV do CPP quando houver cessado o motivo que autorizou a coação A redação do artigo limita a retirada da identificação dos autos do inquérito policial ou processo mas não resolve um antigo problema que é a dificuldade de retirar a identificação fotográfica dos arquivos policiais bancos de dados em caso de absolvição arquivamento ou rejeição da denúncia Infelizmente é disseminada a práxis policial de seguir utilizando a foto do imputado não condenado ou mesmo não denunciado para o reconhecimento por fotografias por parte de vítimas e testemunhas de outros crimes Com isso potencializase o estigma e a ilegítima perseguição policial com a indevida utilização de sua identificação criminal e até o induzimento ao reconhecimento em fatos posteriores A principal inovação neste tema diz respeito à coleta de material genético DNA introduzida pela Lei n 126542012 A nova lei altera dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 72101984 LEP que regula a Execução Penal Portanto em duas situações investigado e apenado o sujeito passivo está obrigado a submeterse a intervenção corporal voluntariamente ou mediante coerção para fornecimento de material genético Em linhas gerais coletado o material será armazenado no banco de dados de perfis genéticos de onde poderá ser acessado pelas polícias estaduais eou federal mediante prévia autorização judicial A extração se dará de forma adequada e indolor e não poderá revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas exceto a determinação genética de gênero Os dados coletados integrarão o banco de dados de perfis genéticos assegurandose o sigilo dos dados Para fins probatórios o código genético será confrontado com as amostras de sangue saliva sêmen pelos etc encontradas no local do crime no corpo da vítima em armas ou vestes utilizadas para prática do delito por exemplo A partir da comparação será elaborado laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado que analisará a coincidência ou não A lei disciplina como dito antes duas situações distintas a do investigado e a do apenado A finalidade da coleta do material biológico atenderá a diferentes fins para o investigado destinase a servir de prova para um caso concreto e determinado crime já ocorrido já em relação ao apenado a coleta se destina ao futuro a alimentar o banco de dados de perfis genéticos e servir de apuração para crimes que venham a ser praticados e cuja autoria seja desconhecida Interessanos neste momento a coleta de material genético do suspeito do crime e dele iremos nos ocupar É inserido parágrafo único no art 5º da Lei n 12037 para prever a inclusão da coleta de material genético na situação descrita no art 3º IV ou seja a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa Aproveitou a novatio legis a abertura do inciso IV de modo que embora o suspeito apresente documento de identidade poderá ser feita a identificação criminal e a extração compulsória de material genético sempre que for essencial às investigações policiais e houver decisão judicial Ou seja poderá o juiz determinar a extração coercitiva de material genético de ofício ou mediante representação da autoridade policial do ministério público ou da defesa neste último caso não vemos necessidade de ser compulsória a extração A lei exige a concorrência de dois requisitos nesta situação a necessidade para as investigações Ainda que a redação seja genérica subordinando apenas ao interesse da autoridade policial é necessário que o pedido venha fundamentado e efetivamente demonstrada no caso concreto a imprescindibilidade deste tipo de prova Considerando a gravidade da intervenção corporal e a restrição da esfera de privacidade do sujeito deverá a autoridade policial demonstrar a impossibilidade de obter a prova da autoria de outro modo constituindo a coleta de material genético a ultima ratio do sistema Não se pode tolerar uma banalização da intervenção corporal visto que representa uma grave violação da privacidade integridade física e dignidade da pessoa humana além de ferir de morte o direito de silêncio negativo direito de não produzir prova contra si mesmo Vários problemas brotam desta disciplina Inicia por recorrer a fórmula genérica e indeterminada de essencial às investigações policiais sem sequer definir em que tipos de crimes isso seria possível situação diversa daquela disciplinada para o apenado em que há um rol de crimes Dessarte basta uma boa retórica policial e uma dose de decisionismo judicial para que os abusos ocorram Como se não bastasse poderá o juiz atuar de ofício rasgando tudo o que se sabe acerca de sistema acusatório e imparcialidade A lei não diz e nem precisaria mas em caso de recusa do imputado em fornecer o material genético poderá a autoridade fazêlo compulsoriamente ou seja à força A única garantia é o emprego de técnica adequada e indolor A lei disciplina a retirada coercitiva porque voluntariamente sempre esteve autorizada e nem precisaria de qualquer disciplina legal integra o direito de defesa positivo b autorização judicial A matéria exige a reserva de jurisdição ou seja considerando que representa uma grave restrição de direitos fundamentais é necessária autorização judicial Portanto a decisão que autoriza a intervenção corporal deverá ser precedida de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público Infelizmente em mais uma grave violação do sistema acusatórioconstitucional e da própria estética de imparcialidade exigida do julgador permite a lei que a extração do DNA seja determinada de ofício pelo juiz Existe ainda uma grave incompatibilidade do agir de ofício do juiz neste caso que é o requisito de necessidade para as investigações Ora se a investigação é levada a cabo pela polícia ou Ministério Público quem define a imprescindibilidade para a investigação é o investigador e não o juiz Ao juiz cabe julgar ou seja analisar o pedido e decidir e não tomar qualquer iniciativa investigatória ou imiscuirse em área que lhe é completamente estranha Portanto por qualquer ângulo que se analise é um erro a atuação de ofício do juiz nessa seara Diante do pedido de intervenção corporal para extração do DNA deverá o juiz decidir de forma fundamentada avaliando a real necessidade do ato bem como a impossibilidade de se constituir aquela prova por outro meio menos lesivo e gravoso Tratase de ponderar e justificar a necessidade e adequação da medida evitando sua banalização e distorção Sustentamos ainda a existência de uma vinculação causal Princípio da Especialidade ou seja a prova genética somente poderá ser utilizada naquele caso penal e o material poderá ser utilizado até a prescrição daquele crime Tanto há essa vinculação causal que o legislador define como limite de disponibilidade do material genético a prescrição do crime Ou seja o uso está relacionado a este crime e a disponibilidade temporalmente regulada pela prescrição ou a absolvição definitiva como explicaremos a seguir A nosso juízo incidem aqui portanto os limites do princípio da especialidade da prova adiante tratado no Capítulo das Provas limitando o nexo causal legitimante ao caso penal investigado Diversa é a situação do apenado submetido à extração compulsória de material genético onde se busca a constituição do banco de dados para o futuro de forma aberta e indeterminada Outro aspecto relevante é que a lei neste caso em que se tutela o interesse da investigação não define um rol de crimes nos quais poderia ser feita a extração de material genético ao contrário da situação jurídica do condenado em que há uma definição taxativa dos crimes Com isso abrese a possibilidade de que a intervenção ocorra em qualquer delito desde que necessário para comprovação da autoria exigindo por parte da autoridade judiciária suma cautela e estrita observância da proporcionalidade especialmente no viés de necessidade e adequação Não se pode pactuar com a banalização de tão grave medida restritiva de direitos fundamentais para delitos de pouca gravidade e complexidade probatória O fornecimento do material será feito de forma voluntária ou coercitiva Se o imputado se dispuser a fornecer o material genético será ele colhido e enviado para análise e armazenamento no banco de dados Se houver recusa poderá a autoridade policial empregar a força necessária para o cumprimento da ordem como sói ocorrer em situações assim Com o fim do direito de não produzir provas contra si está o suspeito compelido a submeterse a intervenção corporal assegurandose apenas que empregue uma técnica adequada e indolor Por fim é perfeitamente aplicável aqui por analogia o disposto no art 7º da Lei n 12037 anteriormente abordado Significa dizer que rejeitada a denúncia em relação ao investigado ou absolvido sumariamente ou absolvido ao final do processo poderá o interessado não mais réu pois absolvido ou nem recebida a acusação em relação a ele solicitar a retirada do processo criminal da perícia que utilizou seu material genético e ainda a retirada do seu material genético e respectivos registros do banco de dados Não se justifica que nessas situações se constranja alguém a figurar eternamente no banco de dados genético Haveria uma absurda e indeterminada subordinação ao poder de polícia do Estado uma injustificável estigmatização violadora da presunção de inocência e demais direitos da personalidade Excetuase neste caso a situação do arquivamento pois a teor da Súmula 524 do STF a contrario sensu poderá ser proposta a ação penal em caso de novas provas Tal situação deve ser tratada à luz do novo art 7ºA da Lei n 12037 9 Averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condição econômica sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter A disposição legal é absurda como absurdo é imaginarse que um juiz ao fixar a pena art 59 do CP poderá desvalorar conduta social e personalidade do agente A principal justificativa do dispositivo é servir de base para o juiz quando da análise dos requisitos do art 59 do CP Contudo juízes não são antropólogos ou sociólogos e mesmo que fossem não possuem elementos para fazer tal avaliação No que se refere à personalidade do agente não existe a menor possibilidade de tal avaliação se realizar e muito menos ter valor jurídico Não existe a menor possibilidade salvo os casos de vidência e bola de cristal de uma avaliação segura sobre a personalidade de alguém até porque existem mais de 50 definições diferentes sobre a personalidade É um dado impossível de ser constatado empiricamente e tão pouco demonstrável objetivamente para poder ser desvalorado O diagnóstico da personalidade é extremamente complexo e envolve histórico familiar entrevistas avaliações testes de percepção temática e até exames neurológicos e não se tem notícias de que a polícia ou os juízes tenham feito isso Não podemos admitir um juízo negativo sem fundamentação e base conceitual e metodológica Com a consequente adoção do modelo acusatório exigese a plena refutabilidade das hipóteses e o controle empírico da prova e da própria decisão que só pode ser admitida quando motivada por argumentos cognoscitivos seguros e válidos A decisão do juiz sempre deve ser verificável pelas partes e refutável bem como devese compreender o processo de racionalização por ele desenvolvido e isso é impossível na avaliação da personalidade de alguém Passando para a análise do art 7º a polícia poderá ainda recorrer à reprodução simulada dos fatos para melhor instruir a investigação A também chamada reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o fato e tanto pode ser realizada na fase préprocessual como também em juízo neste último caso sob a presidência do juiz Mas a reconstituição possui dois limites normativos não contrariar a moralidade ou a ordem pública respeitar o direito de defesa do sujeito passivo O primeiro limite vem dado pelo próprio art 7º que recorre a fórmulas jurídicas abertas como moralidade ou ainda a mais indeterminada de ordem pública Sobre eles já se escreveu o suficiente Apenas gostaríamos de destacar um aspecto pouco valorado pela doutrina Quando o CPP estabelece o limite da moralidade devemos considerar não só a moral pública mas também a inviolabilidade da honra e a imagem das pessoas um direito fundamental previsto no art 5º X da Constituição que também assiste ao sujeito passivo Dessa forma entendemos que o conceito de moralidade deve ser considerado a partir de um duplo aspecto público e privado sujeito passivo cabendo ao sujeito passivo impugnar31 a decisão da autoridade policial que determine a realização de uma reconstituição que ofenda a sua própria moralidade O segundo limite está na própria Constituição art 5º LV e na CADH que assegura no seu art 82g o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a declararse culpado O direito de defesa do sujeito passivo será objeto de estudo específico a seu tempo mas desde logo cumpre destacar que o referido dispositivo constitucional e o do pacto internacional são inteiramente aplicáveis à fase pré processual ainda que alguns insistam no rançoso discurso de fase inquisitiva Não é a Constituição que tem de ser adaptada ao CPP senão todo o contrário a legislação ordinária é que deve adequarse à nova Carta Magna e também à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Com essa série de atos poderá a polícia judiciária averiguar o fato e o grau de participação do sujeito passivo proporcionando os elementos necessários para que o Ministério Público ofereça a ação penal ou solicite o arquivamento Ademais conforme a necessidade poderá a polícia solicitar ao juiz a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais como as cautelares pessoais ou reais a busca e apreensão domiciliar escutas telefônicas etc Em suma o inquérito policial tem por finalidade o fornecimento de elementos para decidir entre o processo ou o não processo assim como servir de fundamento para as medidas endoprocedimentais que se façam necessárias no seu curso 53 A Conclusão do Inquérito Policial A Impossibilidade de Arquivamento pela Polícia Arquivamento Implícito ou Tácito O procedimento finalizará por meio de um relatório art 10 1º e 2º através do qual o delegado de polícia fará uma exposição objetiva e impessoal do que foi investigado remetendoo ao foro para ser distribuído Acompanharão o IP os instrumentos utilizados para cometer o delito e todos os demais objetos que possam servir para a instrução definitiva processual e o julgamento Tendo havido prevenção será encaminhado para o juiz correspondente Recebido o IP pelo juiz dará este vista ao MP Uma vez mais a teor do art 129 I da CB o melhor seria que o inquérito fosse distribuído diretamente ao Ministério Público Recebendo o IP o promotor poderá oferecer a denúncia pedir o arquivamento solicitar diligências ou realizar diligências Estando o IP suficientemente instruído o promotor poderá com base nele oferecer a denúncia no prazo legal art 46 No relatório não é necessário que a autoridade policial tipifique o delito apontado mas se o fizer essa classificação legal não vincula o promotor Nem mesmo as conclusões da autoridade policial vinculam o promotor que poderá denunciar ou pedir o arquivamento ainda que em sentido completamente contrário ao que aponta o delegado Uma vez iniciado formalmente o IP a teor do art 17 do CPP não poderá a autoridade policial arquiválo pois não possui competência para isso O arquivamento somente será decretado por decisão do juiz a pedido do MP Não concordando com o pedido de arquivamento caberá ao juiz aplicar o art 2832 enviando os autos ao Procurador Geral A decisão que decreta o arquivamento do IP não transita em julgado Nesse sentido a Súmula n 524 do STF acertadamente afirma que arquivado o inquérito policial por despacho do juiz a requerimento do promotor de justiça não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas Destarte a autoridade policial pode seguir investigando a fim de obter novos elementos de convicção capazes de justificar o exercício da ação penal art 18 Mas nada impede que o MP solicite novamente o arquivamento O art 16 do CPP dispõe que o Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial senão para novas diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia Uma leitura constitucional do dispositivo processual levanos inegavelmente à conclusão de que a teor dos diversos incisos do art 129 da CB em conjunto com as Leis n 7593 e n 862593 especialmente o disposto nos arts 7º e 8º da primeira e 26 da segunda o MP poderá requisitar diretamente da autoridade policial a prática de novos atos de investigação ou praticar ele mesmo os atos que julgue necessários Não cabe ao juiz decidir sobre a imprescindibilidade das diligências e tampouco a sua pertinência Nem mesmo justificase a sua intervenção nesse momento tendo em vista que o MP ademais de titular da ação penal poderá determinar a instauração do IP o todo a prática de diligências ou mesmo prescindir do inquérito e instruir seu próprio procedimento Por fim poderá o MP optar por realizar ele mesmo aquelas diligências que julgue imprescindíveis pois se possui poderes para instruir todo o procedimento préprocessual com mais razão para praticar determinadas diligências destinadas a complementar o IP Noutra dimensão situase o chamado arquivamento implícito ou tácito Se o inquérito policial apura que determinado injusto penal foi praticado por A B e C e o Ministério Público oferecer denúncia apenas contra A e B não incluindo na acusação e tampouco pedindo o arquivamento em relação ao C caberá ao ofendido oferecer a queixacrime subsidiária ação penal privada subsidiária da pública em face do imputado C pois houve inércia do MP em relação a ele a aplicação por parte do juiz do art 28 do CPP por analogia pois estamos diante de um arquivamento implícito em relação ao indiciado C Como explica JARDIM33 o arquivamento implícito decorre da má sistematização da matéria por parte do CPP de modo que se o MP deixar de incluir na denúncia algum fato ou indiciado sem expressa fundamentação terá se operado a omissão que o constitui Assim se o juiz também não se manifestar sobre o fato ou sujeito estará consolidado o arquivamento Daí por que o arquivamento é na verdade tácito decorrendo da omissão do MP e da inércia do juiz que poderia ter utilizado o art 28 remetendo para o procuradorgeral caso não concordasse A matéria é extremamente relevante na medida em que operado o arquivamento tácito ou implícito não caberá aditamento ou nova denúncia em relação àquele fato ou autor salvo se existirem novas provas pois assim aponta acertadamente a Súmula n 524 do STF Contudo é fundamental destacar que a aplicação da teoria do arquivamento implícito não é pacífica e ao contrário há muita resistência na sua aplicação inclusive no STF34 Como se vê além de não acolher a tese do arquivamento implícito o STF também relativiza o princípio da indivisibilidade da ação penal pública o que nos parece um paradoxo principalmente quando interpretado de forma sistemática à luz dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade Sendo obrigatória e indisponível a ação pública não vemos como sustentar sua divisibilidade No fundo essa posição não é técnica mas de política processual pois o que está a legitimar é a possibilidade de não denunciar alguém ou algum delito neste momento para fazêlo posteriormente atendendo ao interesse e a estratégia do acusador É com base nesta relativização do princípio da obrigatoriedade que também estão fulminando as regras da conexão e continência para separar aqueles que possuem prerrogativa de função dos demais sem essa prerrogativa da seguinte forma o MP denuncia junto ao juízo de primeiro grau aqueles que não possuem prerrogativa de função e posteriormente aqueles agentes políticos com prerrogativa junto ao respectivo tribunal violando assim a unidade de processo e julgamento imposta pelos arts 76 e 77 do CPP Ademais a decisão do STF desconsidera um aspecto muito importante que não foi tratado no caso em tela os limites objetivos da coisa julgada Sobre isso remetemos o leitor para o Capítulo no qual tratamos da Decisão Penal e os limites objetivos da coisa julgada na continuidade delitiva Mudando o enfoque nos delitos cuja ação penal é de iniciativa privada em que foi requerido e instaurado o IP uma vez concluído os autos do inquérito serão remetidos para o juízo competente ficando à disposição do ofendido ou mesmo entregues mediante traslado Poderá o MP solicitar vista do IP para avaliar se não existe algum delito de ação penal pública e se for o caso oferecer a denúncia com base nesses elementos ou solicitar novas diligências desde que destinadas a apurar um delito de ação penal pública Ainda que o IP tenha sido instaurado o ofendido não está obrigado a exercer a ação penal Inclusive um dos motivos que pode têlo levado a requerer a instauração do procedimento policial pode ter sido exatamente a dúvida vg sobre a autoria que uma vez não dirimida impediria o exercício da queixa Não é necessário que o ofendido solicite o arquivamento bastando deixar fluir o prazo decadencial Sem embargo tendo em vista a situação de pendência que cria e o stato di prolungata ansia que gera no sujeito passivo imputado entendemos que o ofendido deverá desde logo oferecer a renúncia expressa É importante que o ofendido pelo delito e que tenha requerido a instauração do IP seja responsável e não utilize o inquérito como forma de coação ou para constranger o suposto agressor Por isso uma vez concluído o inquérito desde que aponte a materialidade e a autoria o ofendido deverá exercer a queixa ou desde logo renunciar expressamente ao exercício da ação penal Não caberá a ele utilizar o tempo como um instrumento para causar a intranquilidade do sujeito passivo da investigação Não se pode permitir que o ofendido por um delito de mínima importância abuse do seu direito de ação para punir ao largo de 6 meses o suposto autor É inegável que o IP gera no mínimo uma intranquilidade real e inequívoca para o sujeito passivo que pode ser inclusive mais grave que a pena eventualmente aplicável ao caso Em suma não pode o ofendido avocarse um poder punitivo que não lhe compete Por tudo isso entendemos que uma vez requerido o inquérito apurados suficientemente o fato e a autoria e não exercida e tampouco renunciada a ação penal privada caberia em tese uma ação de indenização contra aquele que abusou do seu direito 6 Estrutura dos Atos do Inquérito Policial Lugar Tempo e Forma Segredo e Publicidade A estrutura do inquérito policial no que se refere ao lugar tempo e forma dos atos de investigação é a seguinte a Lugar As normas processuais penais brasileiras são inteiramente aplicáveis a todo o território nacional conforme determina o art 1º e ressalvados os casos previstos nos incisos do referido dispositivo Especificamente no caso do inquérito policial art 4º do CPP as atividades da polícia judiciária serão exercidas no território de suas respectivas circunscrições No inquérito policial o critério para definir a competência atribuição policial fazse em razão da matéria ou pelo critério territorial Em razão da matéria devese considerar que a polícia judiciária é exercida pela polícia federal e pela polícia civil conforme a situação que se apresente Podese afirmar que à polícia federal incumbe nos termos do art 144 1º da CB competência em razão da matéria a Apurar as infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme b Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins o contrabando e o descaminho c Exercer as funções de polícia marítima aérea e de fronteiras d Exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União Ademais partindo do caráter instrumental da investigação preliminar podemos afirmar que no que se refere à matéria o critério adotado para definir a autoridade policial competente para investigar deverá ser o mesmo que utilizaremos para definir o juiz competente para processar Se o inquérito policial é um instrumento preparatório e a serviço do processo o lógico é que se oriente pelos critérios de competência processual Por isso se desde logo podemos identificar que se trata de um crime de competência da Justiça Federal art 109 da CB quem deve investigar é a polícia federal A polícia civil dos estados atua com caráter residual isto é a ela incumbe a apuração das infrações penais que não sejam de competência da polícia federal e que não sejam consideradas crimes militares situação em que o inquérito policial militar será conduzido pela respectiva autoridade militar Por exclusão às polícias civis dos estados corresponde a apuração de todos os demais delitos Fora desses casos Justiça Federal e Militar será a polícia civil a encarregada de apurar a infração penal Dentro da polícia civil ainda será possível encontrar setores especializados roubos e furtos homicídios tóxicos crime organizado etc a quem conforme as diretrizes internas caberá a apuração daquela espécie de delito A regra geral é que o inquérito seja realizado pela autoridade policial cujas atribuições guardem simetria com a respectiva justiça e os critérios de competência em razão da matéria e do lugar Definida a competência em razão da matéria cabe agora estabelecer a competência territorial O tema não apresenta maior complexidade porque a competência em razão do lugar é relativa e nessa matéria eventuais irregularidades do IP não contaminam o processo Os atos são praticados nas dependências policiais mas atendendo às peculiaridades da instrução preliminar muitos são praticados no local do delito na residência do suspeito e em outros lugares que possam oferecer elementos que permitam esclarecer o fato Por fim nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial a autoridade que preside o inquérito poderá ordenar diligências em circunscrição de outra independentemente de precatórias ou requisições art 22 do CPP b Tempo O fator tempo pode ser concebido em dois aspectos a habilidade do tempo dias hábeis para realizar os atos e a duração do ato ou da fase procedimental Pela natureza dos atos praticados na investigação preliminar e a necessidade de que sejam realizados no preciso momento em que se considere necessário conduz a eximir legalmente do requisito de realizar se em dia e horas hábeis35 Nesse sentido o sistema brasileiro não prevê limitação de hora ou dia para a prática dos atos até porque os principais atos de investigação são realizados logo após o descobrimento do delito seja sábado domingo feriado noite madrugada etc Inobstante de forma subsidiária e na medida do possível deve ser seguido o critério definido nos arts 172 e seguintes do CPC para que os atos sejam realizados em dias úteis não o são os domingos e os feriados declarados por lei art 175 do CPC das 6h às 20h O fator tempo também está relacionado com a duração do inquérito e os instrumentos de limitação da cognição Essa matéria deve ser pensada à luz do direito de ser julgado em um prazo razoável ao qual remetemos o leitor para evitar repetições Ademais existem normas que disciplinam o tempo de determinados atos que integram o IP como aqueles que limitam direitos fundamentais Nesse sentido vg a busca domiciliar art 5º XI da CB sem o consentimento do morador pode ser realizada durante o dia ou à noite em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro Fora desses casos somente poderá ser realizada durante o dia e por determinação judicial à noite nem com ordem judicial c Forma O IP é facultativo para o MP pois pode prescindir 36 dele mas é obrigatório para a polícia judiciária que ante uma infração ou notíciacrime por delito de ação penal pública está obrigada a investigar e não poderá arquivar o IP uma vez instaurado Vige a forma escrita e nos termos do art 9º todos os atos do IP devem ser reduzidos a escrito e documentados pois tanto o MP como o juiz que recebe a acusação têm um contato indireto com o material recolhido na investigação A falta de imediação sacrifica a oralidade O inquérito é secreto no plano externo e assim dispõe o art 20 do CPP devendo a polícia judiciária assegurar o sigilo necessário para esclarecer o fato No plano interno pode ser determinado o segredo interno parcial impedindo que o sujeito passivo presencie determinados atos Sem embargo o segredo interno não alcança o defensor isto é o segredo interno pode ser parcial mas não total Nesse sentido o art 7º XIV da Lei n 890694 Estatuto da Advocacia e a Súmula Vinculante n 14 do STF asseguram que o defensor poderá examinar em qualquer distrito policial inclusive sem procuração os autos da prisão em flagrante e do inquérito acabado ou em trâmite ainda que conclusos à autoridade policial podendo tirar cópias e tomar apontamentos Sobre o acesso do advogado aos autos do inquérito remetemos o leitor para o tópico específico na continuação onde trataremos da defesa técnica O segredo externo e igualmente o interno parcial não têm sua duração e limites estabelecidos na norma dependendo da discricionariedade policial o que sem dúvida merece censura Por fim destacamos que a nosso juízo o art 21 do CPP está revogado pelo art 136 3º IV da CB posto que se está vedada a incomunicabilidade em uma situação de excepcionalidade com muito mais razão está proibida a incomunicabilidade em uma situação de normalidade constitucional 7 Valor Probatório dos Atos do Inquérito Policial A valoração probatória dos atos praticados e elementos recolhidos no curso do inquérito policial é extremamente problemática Por isso antes de entrar no tema analisaremos a doutrina que defende que os atos do IP valem até prova em contrário recordaremos a fundamental distinção entre atos de prova e atos de investigação e concluiremos com uma exposição sobre o valor que entendemos devam merecer os atos do IP 71 A Equivocada Presunção de Veracidade Alguma doutrina aponta que os atos do inquérito policial valem até prova em contrário estabelecendo uma presunção de veracidade não prevista em lei O art 12 do CPP estabelece que o IP acompanhará a denúncia ou queixa sempre que servir de base a uma ou outra Qual o fundamento de tal disposição Não é atribuir valor probatório aos atos do IP todo o contrário Por servir de base para a ação penal ele deverá acompanhála para permitir o juízo de préadmissibilidade da acusação Nada mais do que isso Servirá para que o juiz decida pelo processo ou não processo pois na fase processual será formada a prova sobre a qual será proferida a sentença Considerável doutrina e jurisprudência acabaram por criar a nosso juízo equivocadamente uma falsa presunção a de que os atos de investigação valem até prova em contrário Essa presunção de veracidade gera efeitos contrários à própria natureza e razão de existir do IP fulminando seu caráter instrumental e sumário Também leva a que sejam admitidos no processo atos praticados em um procedimento de natureza administrativa secreto não contraditório e sem exercício de defesa Antes da promulgação do atual CPP alguns códigos estaduais como o da Capital Federal segundo aponta ESPÍNOLA FILHO37 previam que o inquérito policial acompanharia a denúncia ou queixa incorporandose ao processo e merecendo valor até prova em contrário Provavelmente está aqui o vício de origem dessa rançosa doutrina e jurisprudência que seguiu afirmando esse valor aos atos do IP quando o CPP não mais o contemplava Claro está que se o legislador de 1941 quisesse conferir aos atos do IP esse valor probatório teria feito de forma expressa a exemplo da legislação anterior Outro aspecto que reforça nosso entendimento é a natureza instrumental da investigação preliminar Serve ela para provisionalmente reconstruir o fato e individualizar a conduta dos possíveis autores permitindo assim o exercício e a admissão da ação penal No plano probatório o valor exaurese com a admissão da denúncia Servirá sim para indicar os elementos que permitam produzir a prova em juízo isto é para a articulação dos meios de prova Uma testemunha ouvida no inquérito e que aportou informações úteis será articulada como meio de prova e com a oitiva em juízo produz uma prova Em efeito o inquérito filtra e aporta as fontes de informação úteis Sua importância está em dizer quem deve ser ouvido e não o que foi declarado A declaração válida é a que se produz em juízo e não a contida no inquérito Em síntese o CPP não atribui nenhuma presunção de veracidade aos atos do IP Todo o contrário atendendo a sua natureza jurídica e estrutura esses atos praticados e os elementos obtidos na fase pré processual devem acompanhar a ação penal apenas para justificar o recebimento ou não da acusação É patente a função endoprocedimental dos atos de investigação Na sentença só podem ser valorados os atos praticados no curso do processo penal com plena observância de todas as garantias 72 Distinção entre Atos de Prova e Atos de Investigação Como explica ORTELLS RAMOS38 uma mesma fonte e meio podem gerar atos com naturezas jurídicas distintas e no que se refere à valoração jurídica podem ser divididos em dois grupos atos de prova e atos de investigação Sobre os atos de prova podemos afirmar que a estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação b estão a serviço do processo e integram o processo penal c dirigemse a formar um juízo de certeza tutela de segurança d servem à sentença e exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação f são praticados ante o juiz que julgará o processo Substancialmente distintos os atos de investigação instrução preliminar a não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese b estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos c servem para formar um juízo de probabilidade e não de certeza d não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidas e servem para a formação da opinio delicti do acusador f não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento g também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação indiciamento e adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional h podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Partindo dessa distinção concluise facilmente que o IP somente gera atos de investigação e como tais de limitado valor probatório Seria um contrassenso outorgar maior valor a uma atividade realizada por um órgão administrativo muitas vezes sem nenhum contraditório ou possibilidade de defesa e ainda sob o manto do segredo 73 O Valor Probatório do Inquérito Policial Como regra geral podese afirmar que o valor dos elementos coligidos no curso do inquérito policial somente serve para fundamentar medidas de natureza endoprocedimental cautelares etc e no momento da admissão da acusação para justificar o processo ou o não processo arquivamento Também se impõe essa conclusão se considerarmos que é inviável pretender transferir para o inquérito policial a estrutura dialética do processo e suas garantias plenas da mesma forma que não se pode tolerar uma condenação baseada em um procedimento sem as mínimas garantias Como equacionar o problema Valorando adequadamente os atos do inquérito policial e nas situações excepcionais em que a repetição em juízo seja impossível transferindose a estrutura dialética do processo à fase pré processual através do incidente de produção antecipada de provas Seguindo os fundamentos anteriormente expostos os elementos fornecidos pelo inquérito policial têm o valor de meros atos de investigação não servindo para justificar um juízo condenatório Sem embargo devemos destacar que apesar de informativo os atos do inquérito servem de base para restringir a liberdade pessoal através das prisões cautelares e a disponibilidade de bens medidas cautelares reais como o arresto sequestro etc Ora se com base nos elementos do inquérito o juiz pode decidir sobre a liberdade e a disponibilidade de bens de uma pessoa fica patente sua importância Ademais por utilitarismo judicial e até mesmo contaminação inconsciente do julgador os atos do inquérito podem adquirir uma transcendência valorativa incompatível com sua natureza Outra situação importante é a urgência e a impossibilidade de repetição de um ato que em regra é repetível vg uma prova testemunhal Vejamos agora os problemas que podem suscitar essas questões 731 Valor das Provas Repetíveis Meros Atos de Investigação O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados em uma estrutura tipicamente inquisitiva representada pelo segredo a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório Destarte por não observar os incisos LIII LIV LV e LVI do art 5º e o inciso IX do art 93 da nossa Constituição bem como o art 8º da CADH o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação Ademais é absolutamente inconcebível que os atos praticados por uma autoridade administrativa sem a intervenção do órgão jurisdicional tenham valor probatório na sentença Não só não foram praticados ante o juiz senão que simbolizam a inquisição do acusador pois o contraditório é apenas aparente e muitas vezes absolutamente inexistente Da mesma forma a igualdade sequer é um ideal pretendido muito pelo contrário de todas as formas se busca acentuar a vantagem do acusador público Não é necessário maior esforço para concluir que o IP carece das garantias mínimas para que seus atos sirvam mais além do juízo provisional e de verossimilitude necessários para adotar medidas cautelares e decidir sobre a abertura ou não do processo penal Como explica TOVO39 as provas repetíveis ou renováveis enquanto inquisitoriais têm valor meramente informativo os chamados atos de investigação não podendo servir de base ou sequer apoiar subsidiariamente o veredicto condenatório mas nada impede que sirvam de alicerce ao veredicto absolutório As provas renováveis como a testemunhal acareações reconhecimentos etc devem para ingressarem no mundo dos elementos valoráveis na sentença necessariamente ser produzidas na fase processual na presença do juiz da defesa e da acusação com plena observância dos critérios de forma que regem a produção da prova no processo penal Eventualmente poderseia argumentar que deveriam os atos de investigação servir para a sentença podendo assim justificar uma condenação sob pena de esterilizar o ordenamento processual penal e subministrar na prática uma patente impunidade ignorando os direitos da sociedade40 Essa não é a nossa opinião mas nem por isso podemos deixar de enfrentar a crítica É uma discussão que se situa no conflito entre a estrita observância das garantias constitucionais e a eficácia da repressão à criminalidade Ou ainda em outros termos se o sacrifício dos meios justificaria os fins A resposta vem dada por FERRAJOLI41 de que na jurisdição o fim nunca justifica os meios dado que os meios isto é as regras e as formas são as garantias da verdade e da liberdade e como tais têm valor para os momentos difíceis mais que para os fáceis em câmbio o fim não é já o êxito a todo custo sobre o inimigo senão a verdade processual obtida só por seu meio e prejulgada por seu abandono Todos os elementos de convicção produzidosobtidos no inquérito policial e que se pretenda valorar na sentença devem ser necessariamente repetidos na fase processual Para aqueles que por sua natureza sejam irrepetíveis ou que o tempo possa tornar imprestáveis existe a produção antecipada de provas Com essas duas possibilidades repetição e produção antecipada da prova o argumento da impunidade fica esvaziado meramente retórico Por repetição entendemos a nova realização ou declaração de algo que já se disse ou se fez A repetição exige que a pessoa que originariamente praticou o ato volte a realizálo da mesma forma No sentido processual somente pode ser admitida a repetição vg de uma prova testemunhal quando a testemunha volte a declarar sobre o mesmo fato isto é deve estar presente o trinômio mesma pessoa sobre o mesmo objeto e praticando o mesmo ato em sentido físico Não configura repetição a mera leitura do testemunho anteriormente realizado seja pelo juiz ou pelas partes Isso é reprodução e não repetição A única forma hábil de ser valorada pela sentença é a que permita o acesso do juiz e das partes mediante um contato direto com a pessoa e o conteúdo de suas declarações Logo somente por meio da repetição podem ser observados os princípios constitucionais referentes ao tema Isso significa em última análise chamar novamente a mesma pessoa para que pratique o mesmo ato sobre o mesmo tema e ante o órgão jurisdicional e as partes processuais A única reprodução processualmente válida é aquela que deriva de uma produção antecipada de provas ou seja quando na fase processual é lido ou reproduzido em vídeo ou aparelho de áudio o depoimento prestado na fase préprocessual Isso porque a produção antecipada está justificada pelos indícios de provável perecimento e cercada de todas as garantias de jurisdicionalidade imediação contraditório e defesa Tampouco pode ser considerada repetição a ratificação do depoimento anteriormente prestado A testemunha não só deve comparecer senão que deve declarar de forma efetiva sobre o fato permitindo a plena cognitio do juiz e das partes ademais de permitir identificar eventuais contradições entre as versões anterior e atual A oralidade garante a imediação e ilumina o julgador que com o contato direto dispõe de todo um campo de reações físicas imprescindíveis para o ato de valorar e julgar O ato de confirmar o anteriormente dito sem efetivamente declarar impede de alcançar os fins inerentes ao ato A ratificação ou retificação deve ser aferida ao final após a declaração integral pelo confronto com a anterior O simples fato de dizer ratifico o anteriormente alegado é em síntese um nada jurídico e uma reprovável negação de jurisdição Ou seja o juiz que assim procede não faz jus ao poder que lhe foi outorgado Com isso podemos afirmar que o inquérito policial somente gera atos de investigação com uma função endoprocedimental no sentido de que sua eficácia probatória é limitada interna à fase Servem para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso como fundamentar o pedido de prisão temporária ou preventiva e para fundamentar a probabilidade do fumus commissi delicti que justificará o processo ou o não processo 732 Provas Não Repetíveis Necessidade do Incidente de Produção Antecipada de Provas As provas não repetíveis ou não renováveis são aquelas que por sua própria natureza têm que ser realizadas no momento do seu descobrimento sob pena de perecimento ou impossibilidade de posterior análise Na grande maioria dos casos tratase de provas técnicas que devem ser praticadas no curso do inquérito policial e cuja realização não pode ser deixada para um momento ulterior já na fase processual Pela impossibilidade de repetição em iguais condições tais provas deveriam ser colhidas pelo menos sob a égide da ampla defesa isto é na presença fiscalizante da defesa técnica posto que são provas definitivas e via de regra incriminatórias exemplos exame de corpo de delito apreensão de substância tóxica em poder do autor do fato42 Nesse sentido é importante permitir a manifestação da defesa para postulação de outras provas solicitar determinado tipo de análise ou de meios bem como formular quesitos aos peritos cuja resposta seja pertinente para o esclarecimento do fato ou da autoria O incidente de produção antecipada da prova é uma forma de jurisdicionalizar a atividade probatória no curso do inquérito através da prática do ato ante uma autoridade jurisdicional e com plena observância do contraditório e do direito de defesa A publicidade ou ausência de segredo externo poderia ser limitada atendendo às especiais características do ato tendo em vista o momento em que se realiza e o interesse em evitar prejuízos para a investigação e a prematura estigmatização social do sujeito passivo Em regra a prova testemunhal bem como acareações e reconhecimentos pode ser repetida em juízo e na prática é em torno desse tipo de prova que gira a instrução definitiva Excepcionalmente frente ao risco de perecimento e o grave prejuízo que significa a perda irreparável de algum dos elementos recolhidos no inquérito policial o processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente essa prova através de um incidente produção antecipada de prova Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido como mero ato de investigação e posteriormente repetido em juízo para ter valor de prova poderá ser realizado uma só vez na fase préprocessual e com tais requisitos formais que lhe permitam ter o status de ato de prova é dizer valorável na sentença ainda que não colhido na fase processual No CPP o incidente de produção antecipada de provas está parcamente disciplinado no art 225 e necessita urgentemente ser revisado Poderíamos recorrer ao instituto da justificação do processo civil arts 846 a 851 do CPC mas isso representaria uma perigosa analogia sem atender às categorias jurídicas próprias do processo penal O incidente de produção antecipada da prova somente pode ser admitido em casos extremos em que se demonstra a fundada probabilidade de que será inviável a posterior repetição na fase processual da prova Ademais para justificálo deve estar demonstrada a relevância da prova para a decisão da causa Em síntese são requisitos básicos a relevância e imprescindibilidade do seu conteúdo para a sentença b impossibilidade de sua repetição na fase processual amparado por indícios razoáveis do provável perecimento da prova Presentes os requisitos o incidente deve ser praticado com a mais estrita observância do contraditório e direito de defesa logo43 a em audiência pública salvo o segredo justificado pelo controle ordinário da publicidade dos atos processuais b o ato será presidido por um órgão jurisdicional c na presença dos sujeitos futuras partes e seus respectivos defensores d sujeitandose ao disposto para a produção da prova em juízo ou seja com os mesmos requisitos formais que deveria obedecer o ato se realizado na fase processual e deve permitir o mesmo grau de intervenção a que teria direito o sujeito passivo se praticada no processo Destarte desde o ponto de vista do sujeito passivo estão garantidos o contraditório e o direito de defesa de modo que a prática antecipada da prova não supõe em princípio nenhum prejuízo No caso da prova testemunhal é importante que ela seja fielmente reproduzida utilizandose para isso dos melhores meios disponíveis especialmente a filmagem e a gravação Diante da impossibilidade de repetir a reprodução deve ser a melhor possível Concluindo a produção antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional justificada por sua relevância e impossibilidade de repetição em juízo A nosso juízo a única forma de valorar na sentença condenatória um ato do inquérito dessa natureza sem que tenha sido repetido em juízo é através da produção antecipada que opera como um instrumento para jurisdicionalizar e concederlhe o status de ato de prova Resumindo a produção antecipada de provas tem sua eficácia condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade contraditório possibilidade de defesa e fiel reprodução na fase processual 733 Contaminação Consciente ou Inconsciente do Julgador e a Necessidade da Exclusão Física das Peças do Inquérito Policial O art 155 do CPP estabelece que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação ressalvadas as provas cautelares não repetíveis e antecipadas grifo nosso O artigo inicia bem quando diz que a decisão deve ter por base a prova produzida em contraditório o que nos remete para a correta definição de que prova é aquilo produzido em juízo na fase processual O grande erro da reforma pontual Lei n 116902008 foi ter inserido a palavra exclusivamente Perdeuse uma grande oportunidade de acabar com as condenações disfarçadas ou seja as sentenças baseadas no inquérito policial instrumento inquisitório e que não pode ser utilizado na sentença Quando o art 155 afirma que o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente com base no inquérito policial está mantendo aberta a possibilidade absurda de os juízes seguirem utilizando o inquérito policial desde que também invoquem algum elemento probatório do processo Mantevese assim a autorização legal para que os juízes e tribunais sigam utilizando a versão dissimulada que anda muito em voga de condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito Na verdade essa fórmula jurídica deve ser lida da seguinte forma não existe prova no processo para sustentar a condenação de modo que vou me socorrer do que está no inquérito Isso é violar a garantia da própria jurisdição e do contraditório Tampouco é difícil encontrar decisões baseadas pasmem na confissão policial cotejada com uma parca prova judicial Como aponta GOMES FILHO44 nem sempre a repulsa à confissão obtida in tormentis é incisiva como deveria ser Mesmo admitindo que é essa a sistemática coativa dos inquisidores policiais45 a jurisprudência tende a aceitar a prova se confirmada por outros elementos especialmente a apreensão da res furtiva em certos casos chegouse mesmo a assentar que eventuais maustratos impostos ao réu não infirmam o valor probante da confissão que os demais elementos de convicção demonstram ter sido veraz 46 Em suma já se chegou ao absurdo de aceitar a confissão policial obtida sob tortura como prova válida para condenar cotejando com os demais elementos Atualmente isso também acontece ainda que não seja assumido Claro está que só a prova judicial é válida pois o que se pretende não é a mitológica verdade real obtida a qualquer custo mas sim a formalmente válida produzida no curso do processo penal Ou há prova suficiente no processo para condenar e o veredicto deve ser esse ou permanece a dúvida e a absolvição é o único caminho Recordemos que a dúvida falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõe a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual às hipóteses acusatórias Ainda mais grave é a situação que se produz diariamente no Tribunal do Júri em que os jurados julgam por livre convencimento com base em qualquer elemento contido nos autos do processo incluindose nele o inquérito sem distinguir entre ato de investigação e ato de prova A situação é ainda mais preocupante se considerarmos que na grande maioria dos julgamentos não é produzida nenhuma prova em plenário47 mas apenas é realizada a mera leitura de peças Com isso verificase que na prática o inquérito policial pode ter relevância no convencimento dos juízes e dos jurados PELLEGRINI GRINOVER48 aponta duas razões para esse fenômeno a em primeiro lugar porque quem realiza o juízo de préadmissibilidade da acusação é o mesmo juiz que proferirá a sentença no processo exceto no caso do Júri b em segundo lugar porque os autos do inquérito são anexados ao processo e assim acabam influenciando direta ou indiretamente no convencimento do juiz O primeiro problema está intimamente relacionado com a ausência de uma verdadeira fase intermediária e já foi objeto de crítica anteriormente Sem dúvida é imprescindível instaurar uma fase intermediária contraditória presidida por um juiz distinto daquele que irá sentenciar Esse juiz poderia ser aquele que denominamos juiz garante da investigação preliminar ou seja aquele que atua na instrução preliminar para autorizar ou denegar a prática das medidas que limitem direitos fundamentais Sempre recordando que o juiz garante ou de garantias não atua no processo preservando assim a imparcialidade do julgador O segundo problema apontado levanos a defender como única solução uma reforma urgente que determine a exclusão física do inquérito policial dos autos do processo evitando o que o legislador espanhol de 1995 definiu como indesejáveis confusões de fontes cognoscitivas atendíveis contribuindo assim a orientar sobre o alcance e a finalidade da prática probatória realizada no debate ante os jurados É uma técnica que também utiliza o sistema italiano eliminando dos autos que formarão o processo penal todas as peças da investigação preliminar indagine preliminare com exceção do corpo de delito e das antecipadas produzidas no respectivo incidente probatório Como explicam DALIA e FERRAIOLI49 um dos motivos da clara distinção entre o procedimento per le indagini preliminari e o processo é exatamente evitar a contaminação do juiz pelos elementos obtidos na fase préprocessual O objetivo é a absoluta originalità do processo penal de modo que na fase préprocessual não é atribuído o poder de aquisição da prova Ela somente deve recolher elementos úteis à determinação do fato e da autoria em grau de probabilidade para justificar a ação penal A efetiva coleta da prova está reservada para a fase processual giudice del dibattimento cercada de todas as garantias inerentes ao exercício da jurisdição A originalidade é alcançada principalmente porque se impede que todos os atos da investigação preliminar sejam transmitidos ao processo exclusão de peças de modo que os elementos de convencimento são obtidos da prova produzida em juízo Com isso evitase a contaminação e garantese que a valoração probatória recaia exclusivamente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias Somente através da exclusão do inquérito dos autos do processo é que se evitará a condenação baseada em meros atos de investigação ao mesmo tempo em que se efetivará sua função endoprocedimental Enquanto isso não ocorrer entendemos que os elementos oferecidos pelo IP à exceção das provas técnicas e das produzidas através do incidente de produção antecipada ante o juiz não devem ser valorados na sentença e tampouco servir de base para uma condenação ainda que sob o manto falacioso do cotejando com a prova judicial Sempre cabe recordar as palavras de FERRAJOLI50 de que a única prova válida para uma condenação é a prueba empírica llevada por una acusación ante un juez imparcial en un proceso público y contradictorio con la defensa y mediante procedimientos legalmente preestablecidos Infelizmente na reforma do CPP a matéria não está sendo bem disciplinada O art 7º parágrafo único do Projeto n 42092001 diz que esses elementos do inquérito não poderão constituir fundamento da sentença ressalvadas as provas produzidas cautelarmente ou irrepetíveis que serão submetidas a posterior contraditório Ora isso é simbólico e fadado ao fracasso pois não evita a contaminação consciente ou inconsciente do julgador Os elementos do inquérito continuam dentro do processo e a vedação apenas fará com que os juízes lancem mão de um exercício de retórica para condenar com base no inquérito sem dizêlo de forma clara Ademais o problema continua intocável no júri pois lá os leigos não fundamentam Logo não há fundamento Eles julgam de capa a capa e por íntima e infundada convicção Reforça nossa crítica a nova redação dada ao art 155 que simplesmente limitase a dizer que o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação Logo legitima a prática do cotejando corrobora e outras tantas manipulações discursivas para disfarçar a condenação fundada no inquérito policial Por isso se realmente houver empenho em resolver o problema não há outra saída que a exclusão física dos autos do inquérito de dentro do processo Em síntese a regra geral é que os atos da investigação preliminar sejam como tais considerados meros atos de investigação com uma limitada eficácia probatória pois a produção da prova deve estar reservada para a fase processual É a função endoprocedimental dos atos do inquérito no sentido de que sua eficácia é interna à fase para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso Para evitar a contaminação o ideal é adotar o sistema de eliminação do processo dos atos de investigação excetuandose as provas técnicas e as irrepetíveis produzidas no respectivo incidente probatório 8 O Indiciado no Sistema Brasileiro alterações introduzidas pela Lei n 128302013 Entre os maiores problemas do inquérito policial estava a falta de um indiciamento formal com momento e forma estabelecidos em lei A Lei n 12830 de 20 de junho de 2013 dispôs sobre a investigação criminal dirigida pelo Delegado de Polícia trazendo previsões legais para situações já conhecidas através de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais Interessanos neste momento o 6º do art 3º que toca em um instituto relevante dentro do contexto da investigação policial o indiciamento Com o advento desta Lei a autoridade policial passou a possuir maior responsabilidade quando do ato de indiciamento devendo realizar uma análise mais ampla do fato adentrando nas questões técnico jurídicas do crime de modo a basearse em circunstâncias coerentes que expressem a materialidade e a autoria do delito não bastando a mera transcrição do tipo penal O 6º em comento reflete uma postura um pouco mais cuidadosa visto que a análise técnicojurídica do fato afastará os casos de indiciamento em situações por exemplo em que o fato é atípico ou quando já se operou a prescrição Muito embora tal inovação legislativa contribua para um rascunho do que se entende por indiciamento ainda subsiste uma grande e problemática lacuna jurídica acerca deste procedimento Explica MORAES PITOMBO51 que o indiciamento deve resultar do encontro de um feixe de indícios convergentes que apontam para certa pessoa ou determinadas pessoas supostamente autoras da infração penal Declara uma autoria provável CANUTO MENDES DE ALMEIDA52 aponta que o corpo de delito evidencia a existência do crime e os indícios apontam o delinquente O indiciamento pressupõe um grau mais elevado de certeza da autoria que a situação de suspeito53 Nesse sentido recordamos as palavras de MORAES PITOMBO de que o suspeito sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração tem que ser indiciado Já aquele que contra si possui frágeis indícios ou outro meio de prova esgarçado não pode ser indiciado Mantémse ele como é suspeito O indiciamento é assim um ato posterior ao estado de suspeito e está baseado em um juízo de probabilidade e não de mera possibilidade O indiciamento deve resultar do instante mesmo em que no inquérito policial instaurado verificouse a probabilidade de ser o agente o autor da infração penal e como instituto jurídico deverá emergir configurado em ato formal de polícia judiciária54 Logo o indiciado é sujeito passivo em sede préprocessual Uma vez realizado o indiciamento o sujeito só deixará o estado de indiciado quando da decisão de arquivamento do inquérito policial a pedido do Ministério Público ou quando do recebimento da denúncia momento em que passará a ser chamado de acusado ou réu Este instituto jurídico pressupõe a existência de indícios de autoria em um grau mais elevado do que na condição de mero suspeito refletindo uma probabilidade de o indiciado ser o agente do crime Indícios são provas circunstanciais sinais aparentes e prováveis de que uma coisa existe Se antes já se repudiava o indiciamento quando resultante de ato arbitrário da autoridade policial porém sem nenhuma previsão formal agora o Delegado de Polícia possui o encargo legal de fundamentar de forma coerente o ato de indiciamento mostrando as provas e circunstâncias que apontam para a comprovação da materialidade e da provável autoria Do flagrante delito emerge a relativa certeza visual ou presumida da autoria Por isso o flagrante válido impõe o indiciamento Da mesma forma a prisão preventiva pois exige indícios suficientes da autoria e a temporária fundadas razões de autoria É importante frisar que o indiciamento só pode produzirse quando existirem indícios razoáveis de probabilidade da autoria e não como um ato automático e irresponsável da autoridade policial Destaca LAURIA TUCCI55 que indiciamento e qualificação direta ou indireta são institutos distintos e inconfundíveis O indiciamento é a indicação do autor da infração A qualificação diz respeito à individuação de pessoa indiciado ou outrem mencionada de qualquer maneira no desenrolar da investigação criminal A qualificação direta ou indireta é consequência do indiciamento uma forma estabelecida pelo legislador de estabelecer a identidade do indiciado Mas não é o indiciamento em si mesmo Ainda que a Lei n 128302013 tenha melhorado um pouco o cenário ao exigir o indiciamento formal e fundamentado ainda existe uma gravíssima lacuna legal em que momento deve ocorrer o ato de indiciamento O momento e a forma do indiciamento deveriam estar disciplinados claramente no CPP exigindo um ato formal da autoridade policial e a imediata oitiva do sujeito passivo que na qualidade de indiciado está sujeito a cargas mas a quem também assistem direitos Entre eles o principal é saber em que qualidade declara evitandose assim o grave inconveniente de comparecer como testemunha quando na verdade deveria fazêlo na qualidade de suspeito que está na iminência de ser indiciado A título de ilustração trazemos à colação o art 118 da LECrim espanhola cuja redação é elogiável56 Toda pessoa a quem se impute57 um ato punível poderá exercitar o direito de defesa atuando no procedimento qualquer que seja este desde que se lhe comunique sua existência tenha sido objeto de detenção ou de qualquer outra medida cautelar A admissão de uma notíciacrime ou qualquer atuação policial58 ou do Ministério Público da qual resulte a imputação de um delito contra uma pessoa ou pessoas determinadas será levada imediatamente ao seu conhecimento Para exercitar o direito de defesa59 a pessoa interessada deverá designar um defensor e não o fazendo deverá serlhe nomeado um que a assistirá em todos os atos da instrução preliminar Considerando que o indiciamento constitui uma carga para o sujeito passivo mas que também marca o nascimento de direitos entre eles o de defesa é fundamental definir o momento em que deve ocorrer pois também é uma garantia para o sujeito passivo Devese vedar uma acusação de surpresa mas também deve ser censurada a prática policial de intimar o suspeito para comparecer como testemunha ou informante quando na realidade é o principal suspeito Na prática infelizmente o indiciamento como ato em si muitas vezes não existe sendo erroneamente substituído pelo interrogatório e por um formulário destinado a qualificar o sujeito Uma lamentável degeneração Alguma doutrina brasileira com a qual não estamos de acordo afirma que o indiciamento não produz nenhuma consequência pois o indiciado de hoje não é necessariamente o réu de amanhã60 Discordamos porque concebemos o processo penal como um sistema escalonado conforme explicamos anteriormente de modo que esse escalonamento não é de trajetória fixa mas sim progressivo ou regressivo de culpabilidade A situação de indiciado supõe um maior grau de sujeição à investigação preliminar e aos atos que compõem o inquérito policial Também representa uma concreção da autoria que será de grande importância para o exercício da ação penal Logo é inegável que o indiciamento produz relevantes consequências jurídicas Ademais o indiciado de hoje não é necessariamente o acusado de amanhã Nada impede que o indiciamento feito hoje seja tornado sem efeito amanhã tendo em vista o desaparecimento dos indícios de autoria ou materialidade conforme o caso Portanto não há qualquer obstáculo ao desindiciamento ou seja o desfazimento do ato uma vez desaparecido o suporte fático ou jurídico que o sustentava E isso segue sendo uma prerrogativa da autoridade policial pois o indiciamento é situacional A nova lei garante ao investigado que o indiciamento seja motivado só ocorrerá quando e se forem colhidos indícios de sua autoria ou participação e produzidas provas suficientes da existência materialidade da infração penal Desaparecidos os indícios o indiciamento deve ser tornado sem efeito com a declaração formal de desindiciamento Corrobora nosso entendimento o disposto por exemplo no art 17D da Lei n 961398 modificado pela Lei n 126832012 Art 17D Em caso de indiciamento de servidor público este será afastado sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei até que o juiz competente autorize em decisão fundamentada o seu retorno Significa dizer que o indiciamento é um ato relevante e que deveria estar claramente disciplinado no Código de Processo Penal As medidas cautelares não podem ser consideradas efeito do indiciamento senão geradoras da situação de indiciado Quando são adotadas depois do indiciamento terão como requisito o fumus commissi delicti e como fundamento o periculum libertatis Destarte o fato de ser indiciado não gera a prisão cautelar mas pode contribuir para isso pois o próprio indiciamento supõe um fumus commissi delicti mínimo derivado da imputação Não existe uma prisão cautelar automática com fundamento exclusivo no indiciamento Em definitivo é claro que o status de indiciado gera um maior grau de sujeição à investigação preliminar e com isso nasce para o sujeito passivo uma série de direitos e também de cargas de caráter jurídicoprocessual 9 Direito de Defesa e Contraditório no Inquérito Policial É lugarcomum na doutrina a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial61 Está errada a afirmação pecando por reducionismo Basta citar a possibilidade de o indiciado exercer no interrogatório policial sua autodefesa positiva dando sua versão aos fatos ou negativa usando seu direito de silêncio Também poderá fazerse acompanhar de advogado defesa técnica que poderá agora intervir no final do interrogatório Poderá ainda postular diligências e juntar documentos art 14 do CPP Por fim poderá exercer a defesa exógena através do habeas corpus e do mandado de segurança Então não existe direito de defesa Claro que sim E o contraditório Veremos na continuação O verdadeiro problema nasce daqui Existe é exigível mas sua eficácia é insuficiente e deve ser potencializada É uma potencialização por exigência constitucional O ponto crucial nessa questão é o art 5º LV da CB que não pode ser objeto de leitura restritiva A postura do legislador foi claramente protetora e a confusão terminológica falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial até porque o próprio legislador ordinário cometeu o mesmo erro ao tratar como Do Processo Comum Do Processo Sumário etc quando na verdade queria dizer procedimento Tampouco pode ser alegado que o fato de mencionar acusados e não indiciados é um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar Sucede que a expressão empregada não foi só acusados mas sim acusados em geral devendo nela ser compreendidos também o indiciamento e qualquer imputação determinada como a que pode ser feita numa notíciacrime ou representação pois não deixam de ser imputação em sentido amplo Em outras palavras qualquer forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo Por isso o legislador empregou acusados em geral para abranger um leque de situações com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal vinculada ao exercício da ação penal e com um claro intuito de proteger o sujeito passivo No mesmo sentido LAURIA TUCCI62 afirma que de modo também induvidoso reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes estendendo sua incidência expressamente aos procedimentos administrativos ora assim sendo se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento nele se encarta à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e consequentemente a de procedimento administrativopersecutório de instrução provisória destinado a preparar a ação penal que é o inquérito policial É importante destacar que quando falamos em contraditório na fase préprocessual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento da informação Isso porque em sentido estrito não pode existir contraditório pleno no inquérito porque não existe uma relação jurídicoprocessual não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo Não há o exercício de uma pretensão acusatória Sem embargo esse direito de informação importante faceta do contraditório adquire relevância na medida em que será através dele que será exercida a defesa Esclarecedoras são as palavras de PELLEGRINI GRINOVER63 no sentido de que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório Logo o contraditório se manifesta não na sua plenitude no inquérito policial através da garantia de acesso aos autos do inquérito e à luz do binômio publicidadesegredo como explicaremos na continuação Voltando ao direito de defesa cumpre sublinhar que a ampla defesa está consagrada no art 5º LV da Constituição no art 82 da CADH e também no CPP que dedica o Capítulo III do Título VIII do Livro I ademais de diversos dispositivos ao longo de todo o Código É interessante destacar que a Constituição utiliza o adjetivo ampla defesa enfatizando o alcance da proteção de modo que deve ser exercida com todos os meios e recursos a ela inerentes O direito de defesa é um direitoréplica que nasce com a agressão que representa para o sujeito passivo a existência de uma imputação ou ser objeto de diligências e vigilância policial Nessa valoração reside um dos maiores erros de alguma doutrina brasileira que advoga pela inaplicabilidade do art 5º LV da CB ao inquérito policial argumentando simploriamente que não existem acusados nessa fase eis que não foi oferecida denúncia ou queixa Ora qualquer notíciacrime que impute um fato aparentemente delitivo a uma pessoa constitui uma imputação no sentido jurídico de agressão capaz de gerar no plano processual uma resistência Da mesma forma quando da investigação ex officio realizada pela polícia surgem suficientes indícios contra uma pessoa a tal ponto de tornarse o alvo principal da investigação imputado de fato devem ser feitos a comunicação e o chamamento para ser interrogado pela autoridade policial Em ambos os casos inegavelmente existe uma atuação de caráter coercitivo contra uma pessoa determinada configurando uma agressão ao seu estado de inocência e de liberdade capaz de autorizar uma resistência em sentido jurídicoprocessual Nunca é demais recordar que o texto constitucional é extremamente abrangente protegendo os litigantes tanto em processo judicial como em procedimento administrativo Não satisfeito o legislador constituinte ainda incluiu para evitar dúvidas a expressão e aos acusados em geral assegurandolhes o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes Não há como afastar o sujeito passivo da investigação preliminar da abrangência da proteção pois é inegável que ele encaixa na situação de acusados em geral pois a imputação e o indiciamento são formas de acusação em sentido amplo O direito de defesa é um direito natural imprescindível para a Administração da Justiça Não obstante exige especial atenção o grave dilema que pode gerar o direito de defesa sem qualquer limite pois poderia criar um sério risco para a própria finalidade da investigação preliminar Por outro lado a absoluta inexistência de defesa viola os mais elementares postulados do moderno processo penal É um dilema sério e uma vez mais devemos encontrar um meiotermo pois como aponta GUARNIERI64 la defensa en el período instructório es indudable que presenta defectos pero sus ventajas son mucho mayores y no sirven para obscurecerlas las objeciones de sus enemigos Para complementar remetemos o leitor para a exposição que fizemos anteriormente ao tratar do direito de defesa e do contraditório Em suma existe direito de defesa técnica e pessoal positiva e negativa e contraditório no sentido de acesso aos autos O desafio é darlhes a eficácia assegurada pela Constituição 10 Garantias do Defensor O Acesso do Advogado aos Autos do Inquérito Contraditório Limitado O Problema do Sigilo Interno do Inquérito Policial Para exercer sua atividade com plena eficácia o defensor deve atuar rodeado de uma série de garantias que lhe permita uma completa independência e autonomia em relação ao juiz promotor e à autoridade policial Nesse sentido a Constituição brasileira dispõe no art 133 que o advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei A regulamentação do dispositivo constitucional encontramos na Lei n 890694 que disciplina a atividade profissional do advogado Entre outras importantes garantias destacamos algumas contidas no art 7º comunicarse com seus clientes pessoal e reservadamente mesmo sem procuração quando estes se acharem presos detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares ainda que considerados incomunicáveis ingressar livremente nas salas e dependências de audiências secretarias cartórios ofícios de Justiça serviços notariais e de registro e no caso de delegacias e prisões mesmo fora da hora de expediente e independente da presença de seus titulares examinar em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo ou da Administração Pública em geral autos de processos findos ou em andamento mesmo sem procuração quando não estejam sujeitos a sigilo assegurada a obtenção de cópias podendo tomar apontamentos examinar em qualquer repartição policial mesmo sem procuração autos de flagrante e de inquérito findos ou em andamento ainda que conclusos à autoridade podendo copiar peças e tomar apontamentos Destacamos que não existe sigilo para o advogado no inquérito policial e não lhe pode ser negado o acesso às suas peças nem ser negado o direito à extração de cópias ou fazer apontamentos Desde a Constituição que já superou a maioridade e permanece uma ilustre desconhecida para muitos temos afirmado que não pode ser vedado o acesso do advogado ao inquérito sob pena de violação do contraditório direito de informação e do direito de defesa técnica assegurados no art 5º LV Posteriormente com o advento da Lei n 890694 reforçamos a crença no acerto da posição Contudo infelizmente os tribunais continuavam fazendo pouco caso da Constituição e da Lei n 8906 Mas a autoridade do argumento não era reconhecida e tanto a Constituição quanto a Lei n 8906 eram simplesmente afastadas pelo pacífico entendimento dos tribunais e a melhor doutrina manualística Finalmente em 02022009 foi editada pelo STF a Súmula Vinculante n 14 com o seguinte teor É direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo aos elementos de prova que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária digam respeito ao exercício do direito de defesa Assim vejamos alguns aspectos interessantes É um direito do defensor portanto pode ser mantido o sigilo externo para os meios de comunicação por exemplo No interesse do representado logo pode ser exigida procuração para comprovação da outorga de poderes e também justificar a restrição de acesso aos elementos que sejam do interesse de outros investigados não representados por aquele defensor isso pode ser relevante na restrição de acesso aos dados bancários ou fiscais de outros investigados que não são representados por aquele advogado Esse interesse é jurídico e vinculado à plenitude do direito de defesa Ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados o acesso é irrestrito aos atos de investigação há uma histórica confusão conceitual pois não são propriamente atos de prova mas meros atos de investigação desde que já documentados Com isso preservase o necessário sigilo aos atos de investigação não realizados ou em andamento como por exemplo a escuta telefônica em andamento ou um mandado de prisão ou busca e apreensão ainda não cumprido Procedimento Investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária o mandamento dirigese obviamente à polícia judiciária e aos atos realizados no curso do inquérito policial Contudo vislumbramos plena aplicação nas eventuais investigações feitas pelo Ministério Público ou mesmo no âmbito de CPIs65 ou sindicâncias administrativas Significa dizer que o acesso deve ser garantido a qualquer procedimento investigatório ainda que realizado por outras autoridades mas que naquele ato equiparamse à polícia judiciária no que diz respeito ao conteúdo e finalidade dos atos praticados Não haveria sentido algum em assegurar acertadamente o acesso do advogado aos autos do inquérito policial mas não ao procedimento investigatório similar realizado pelo Ministério Público apenas porque a investigação preliminar é levada a cabo por outro agente estatal Mas e se ainda assim for denegado o pedido de vista do inquérito policial o que deve fazer o advogado Por se tratar de decisão que nega eficácia à Súmula Vinculante o remédio processual adequado é a Reclamação feita diretamente ao STF nos termos dos arts 102 I l e 103A 3º da Constituição Mas nada impede que o defensor interponha primeiramente Mandado de Segurança junto ao juízo de primeiro grau quando a negativa de acesso for da autoridade policial ou ao respectivo tribunal quando o ato coator emana de juiz Ainda que historicamente o STF e o STJ tenham felizmente admitido o habeas corpus para uma tutela dessa natureza entendemos que o desrespeito às prerrogativas profissionais do advogado deve ser remediado através de mandado de segurança instrumento mais adequado para tutelar tal pretensão Sem embargo sublinhamos que a cada dia vem tomando força a aceitação do HC diante da flagrante ilegalidade e cerceamento de defesa Ademais perfeitamente invocável a fungibilidade entre as ações constitucionais para que uma seja conhecida no lugar da outra O que importa nesse momento é a eficácia da tutela jurisdicional Essa opção pelo mandado de segurança ou HC para alguns antes de ingressar com a Reclamação no STF é viável e está justificada pela facilidade de acesso aos órgãos locais e em momento algum impede a posterior Reclamação no STF caso persista a recusa em dar acesso aos autos Com a possibilidade de Reclamação superase o obstáculo criado pela famigerada Súmula n 691 do STF Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer do habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar pois não é mais necessário esperar a decisão de mérito pelo tribunal de origem para ingressar com novo HC Agora pela via da Reclamação o acesso ao STF é direto 11 A Título de Conclusão A Opacidade da Discussão em Torno do Promotor Investigador Mudem os Inquisidores Mas a Fogueira Continuará Acesa Assistimos ultimamente a uma ferrenha polêmica em torno da possibilidade ou não de o Ministério Público realizar a investigação preliminar A questão não é nova O que sim nos causa muito espanto e preocupação é a dimensão que a discussão tomou de um reducionismo sem igual Ficou limitada a uma questão pontual e que não é a mais relevante Ministério Público ou Polícia Pode o Ministério Público investigar ou não Talvez parte da opacidade da discussão derive da velocidade e da urgência marcas indeléveis das sociedades complexas contemporâneas e que também afetam os juristas e o direito na medida em que o presenteísmo e a cultura da urgência fazem com que até inconscientemente não queiramos perder tempo com longas e profundas análises verdadeira anamnese A ditadura da urgência é terreno fértil para discussões superficiais reducionistas e soluções epidérmicas e sedantes Mas uma coisa é certa não se estrutura nenhuma modificação legislativa sólida e progressista sem uma discussão séria profunda e que transcenda questões pontuais Basta de reformas pontuais e visões minimalistas Partindo da categoria órgão encarregado como explicamos podem ser encontrados atualmente três sistemas de investigação preliminar investigação policial juiz instrutor ou promotor investigador Está mais do que constatada a falência do inquérito policial e do sistema de investigação a cargo da polícia O próprio exemplo brasileiro é uma demonstração inequívoca disso Quanto ao juizinstrutor a situação é ainda mais grave Se o modelo policial agoniza o juiz de instrução já está morto Há séculos Ressuscitálo hoje seria um imenso retrocesso Recordemos que esse é um erro histórico no qual não podemos voltar a incidir Basta lembrar da barbárie iniciada no século XII quando começou a transferência de poderes instrutórios para o juiz e que culminou com a inquisição e toda uma era de escuridão jurídica Ainda que se diga que a situação seria diferente talvez porque as fogueiras seriam simbólicas na essência o problema permaneceria a falha está na estrutura do sistema Mudem os nomes as aparências mas o cerne continua igualmente ruim Que o digam os mais de trinta anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos ou os quadros mentais paranoicos dos juízes com poderes investigatóriosinstrutórios tão bem descritos por CORDERO ao apontar para o predomínio das hipóteses sobre os fatos Sobra então literalmente a figura do promotor investigador Sempre dissemos que essa era a opção menos problemática principalmente quando comparada com as demais policial e judicial Basta analisar as vantagens e os inconvenientes de sua estrutura bem como o funcionamento em sistemas concretos Itália Alemanha Portugal e os híbridos Espanha e França para concluir que a investigação a cargo do Ministério Público é aquela em que os inconvenientes igualmente existentes são mais facilmente contornáveis e passíveis de superação Mas isso não significa que sejamos defensores ferrenhos do promotor investigador Estamos muito longe disso e sempre tivemos uma posição de desconfiança em relação ao acusador oficial até porque ele não passa disso uma parte acusadora cuja tal imparcialidade só é alardeada por quem não sabe o que fala Por quem não sabe o que é imparcialidade e desconhece a origem do Ministério Público que nasce como contraditor natural do imputado e imposição do sistema acusatório Nessa matéria estamos com GUARNIERI66 quando afirma que acreditar na imparcialidade do Ministério Público é uma ilusão A mesma ilusão de confiar ao lobo a melhor defesa do cordeiro No campo da patologia é elementar que elas existem como em toda e qualquer atividade Ninguém nega a existência e a gravidade de alguns bizarros espetáculos levados a cabo por promotores e procuradores autoritários e prepotentes verdadeiros justiceiros da sua ideologia de lei e ordem Também existem os amantes do holofote adeptos da maior eficiência da imputação midiática Mas tudo isso também ocorre nessa mesma dimensão patológica é claro na investigação policial E não raro temse notícia de que a polícia foi ainda mais longe nos abusos alcançando terrenos ainda não galgados pelo Ministério Público e esperase que nunca cheguem lá Ora ainda que a discussão equivocadamente seja reduzida ao campo da patologia também nisso a investigação policial é mais fértil a práticas abusivas Não obstante desde que desveladas algumas hipocrisias e falácias discursivas a investigação a cargo do Ministério Público é o caminho natural diante do fracasso dos demais sistemas Mas isso está ainda muito longe de qualquer evolução significativa pois o problema não se encerra no órgão encarregado Vai muito além Aqui reside nossa inconformidade muito mais importante do que decidir quem vai fazer a inquisição MP ou Polícia está em definir como será a inquisição sempre mantendo o juiz obviamente bem longe de qualquer iniciativa investigatória A discussão em torno da autoridade encarregada é reducionista e minimalista pois deixa de lado aspectos verdadeiramente fundamentais tais como 1 Definir a função do juiz na investigação bem como sua esfera de atuação Deverá ter uma postura ativa mas não como inquisidor ou investigador o que significa a mesma coisa mas sim como garantidor da máxima eficácia dos direitos fundamentais do imputado sempre pronto para mediante invocação da defesa fazer cessar ou impor limites ao abuso do poder investigatório do Ministério Público ou da polícia 2 Repensar a prevenção pois é óbvio que ela deve ser uma causa de exclusão da competência e não de fixação como temos hoje pois em nenhum caso esse juiz da fase préprocessual poderá ser o mesmo que irá instruir e julgar o processo Juiz prevento é juiz contaminado e pois jamais poderá julgar Essa é a lição de mais de 20 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos 3 Definir claramente o controle externo da atividade policial talvez através das instruções gerais e específicas que continua um ilustre desconhecido no Brasil que polícia judiciária é essa que não está subordinada ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público 4 Jamais poderá se admitir que medidas restritivas de direitos fundamentais prisões cautelares busca e apreensão interceptações telefônicas etc sejam empregadas pelo investigador sem prévia autorização judicial Tampouco é admissível à luz do constitucional sistema acusatório que o juiz o faça de ofício 5 É fundamental definir o objeto da investigação preliminar e os limites da cognição para termos uma fase préprocessual verdadeiramente sumária e jamais plenária como se converteu na prática 6 Definir o prazo máximo da investigação preliminar adotando uma resolução ficta quando superado o limite CPP paraguaio ou uma pena de inutilidade inutilizzabilità do sistema italiano dos atos praticados após o término do prazo legal Nessa matéria de nada serve a definição de um prazo sem a correspondente sanção processual pela violação como explicamos anteriormente ao falarmos do prazo razoável no processo penal 7 Determinar a situação jurídica do sujeito passivo bem como a necessária incidência do contraditório e do direito de defesa diante da inafastável aplicação do art 5º LV da Constituição na investigação preliminar É imprescindível responder aos seguintes questionamentos a partir de que momento alguém deve ser considerado como sujeito passivo Que circunstâncias devem concorrer para que se produza a situação de imputado De que forma se deve formalizar essa situação Que consequências endoprocedimentais produz o indiciamento Que cargas assumem o sujeito passivo Que direitos lhe correspondem 8 Adotar o sistema de exclusão física dos autos da investigação de dentro do processo excetuandose as provas técnicas e aquelas produzidas no respectivo incidente judicializado de produção antecipada de provas Isso significa fortalecer a sumariedade da cognição limitada ao fumus commissi delicti e a função endoprocedimental dos atos de investigação Mas principalmente acaba com o absurdo das sentenças condenatórias baseadas no cotejo com os elementos do inquérito Ainda que a sentença não indique é inegável a contaminação do julgador por esses elementos colhidos na fase inquisitorial Sem mencionar o Tribunal do Júri onde os leigos julgam de capa a capa e mesmo fora da capa e sem fundamentar 9 Definir o alcance do segredo interno e externo da investigação bem como sua duração e requisitos para decretação O art 20 do CPP não regula absolutamente nada e o pouco que diz não resiste a uma filtragem constitucional A questão assume uma relevância ainda maior na medida em que alguns tribunais equivocadamente estão vedando o acesso de advogados aos autos de inquérito policial em flagrante violação ao disposto na Lei n 8906 e no art 5º LV da Constituição 10 Prever os requisitos e a forma como será realizado o incidente de produção antecipada de provas respeitando as categorias jurídicas próprias do processo penal diante da evidente inadequação das analogias com o processo civil Essas são questões muito mais relevantes e que deixam em segundo plano a rasteira discussão em torno da autoridade encarregada da investigação Diante delas por exemplo pouco importa ou nada importa o que diga o STF sobre a possibilidade de o MP investigar ou não Problemas muito mais graves permanecerão intocados Inclusive se o STF entender que os atos investigatórios levados a cabo pelo MP são ilegais terá de ser reconhecida a nulidade de toda a investigação e do processo contaminação por derivação Ou será que continuarão fechando os olhos para a contaminação consciente ou inconsciente do julgador pela prova ilícita e com isso avalizando as ilegalidades cometidas pelo Estado e repetindo o superado discurso da não contaminação do processo pelas irregularidades do inquérito Enfim é preocupante o reducionismo da discussão que deixa de lado questões muito mais graves do que definir quem será o inquisidor O problema está na própria inquisição Mudem ou mantenham os inquisidores pois a fogueira continuará acesa Só não vê quem não conhece ou pior não quer que isso seja percebido 1 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v I p 120 2 Nesse caso cumpre recordar que crime militar e comum não se misturam sendo cada um julgado na sua respectiva jurisdição conforme determina o art 79 I do CPP 3 HABEAS CORPUS CRIME DE TORTURA ATRIBUÍDO A POLICIAL CIVIL POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDO AGENTE POLICIAL VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA AO POLICIAL TORTURADOR LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO PARQUET TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS CASO McCULLOCH V MARYLAND 1819 MAGISTÉRIO DA DOUTRINA RUI BARBOSA JOHN MARSHALL JOÃO BARBALHO MARCELO CAETANO CASTRO NUNES OSWALDO TRIGUEIRO vg OUTORGA AO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DO PODER DE CONTROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO HABEAS CORPUS INDEFERIDO Habeas Corpus 89837DF 2ª Turma Rel Min Celso de Mello j 20102009 4 Sobre o tema para aprofundamento consultese nosso livro Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 5 Utilizamos indistintamente as expressões juiz garante e juiz de garantias 6 Não confundir instrução preliminar fase préprocessual com instrução definitiva ou processual 7 Não há que se confundir objeto da investigação preliminar com objeto do processo que como vimos é a pretensão acusatória Na investigação não existe pretensão e tampouco processo É um procedimento administrativo préprocessual 8 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v I p 297 9 Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 230 10 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 133 11 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 277 12 Em caso de indeferimento poderá o ofendido reiterar o pedido junto ao MP Se o promotor concordar com os motivos alegados irá requisitar à autoridade policial que necessariamente deverá cumprir com o requerido pois não existe poder discricional do delegado ante um requerimento do MP 13 Eis mais um dos muitos problemas das reformas pontuais altera um artigo e mantém outro que a ele faz referência sem a devida reformulação A Lei n 11689 que alterou completamente o procedimento do tribunal do júri extinguiu a figura do libelo e contralibelo de modo que o art 268 faz menção a um ato procedimental que não mais existe 14 Em alguns países a regra geral é a notíciacrime obrigatória numa tentativa de alcançar o total enforcement através da obrigação legal de todos os indivíduos noticiarem os fatos delituosos que tenham presenciado ou que tenham conhecimento por outras fontes de cognição Na Espanha onde vigora o sistema de notíciacrime obrigatória prevê o art 259 da LECrim que a pessoa que presenciar a prática de qualquer delito público está obrigada a leválo imediatamente ao conhecimento do juiz de instrução do MP ou da polícia no lugar mais próximo ao que se encontre sob pena de incidir no delito previsto no art 450 do CP Estão excluídos dessa obrigação os incapazes cônjuge do delinquente ascendentes descendentes etc previstos nos arts 260 e 261 da LECrim 15 A representação é um ato jurídico regido por critérios de oportunidade e conveniência de quem tem legitimidade e capacidade para realizá lo O MP poderá sem qualquer tipo de pressão dar oportunidade para que o ofendido querendo represente Jamais poderá exigir É prudente que comunique a situação de pendência em que se encontra o processo e o prazo legal disponível para querendo representar 16 O mesmo raciocínio aplicase a todos os casos em que o CPP prevê uma legitimidade concorrente entre o menor com mais de 18 e menos de 21 anos e o representante legal para a prática de algum ato processual como por exemplo na renúncia ou no perdão 17 Contudo merece especial atenção o disposto no art 569 do CPP pois a possibilidade de suprimento das omissões da denúncia queixa ou representação deve ser interpretada de forma restritiva Nesse sentido explica TOURINHO FILHO Comentários v II p 253 que As omissões a que se refere o texto são apenas pequenos erros materiais como dia local e hora do fato correção do nome ou qualificação do réu da vítima valor da res nos crimes contra o patrimônio Quando a omissão se referir a outras condutas delituosas o instrumento legal para emendar a inicial é o aditamento Tratandose de ação penal privada o suprimento da omissão da queixa poderá ser feito a todo tempo Quando a omissão referirse à descrição do fato delitivo ou irregularidades no instrumento procuratório deverá ser sanada antes de esgotado o prazo decadencial 18 RSE 11109579 Santos 15ª Câmara Rel Juiz Fernando Matallo julgado no dia 25021999 19 Noticiado no Informativo do STJ n 2 dezembro1998 20 HC 77356RJ Rel Min Marco Aurélio Noticiado no Informativo 120 e 125 21 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 280 22 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 281 23 CIRILO DE VARGAS Juarez CIRILLO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 1992 p 115 24 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É uma patente violação do contraditório direito a ser informado e do direito de defesa Ambos estão previstos no art 5º LV e se aplicam ao inquérito policial 25 Com muita razão CIRILLO DE VARGAS op cit p 267 critica a prisão temporária e afirma Na prática durante dez dias o juiz está permitindo que um suspeito fique sujeito a toda sorte de maustratos Maustratos sim porque se não houvesse para a Polícia a necessidade deles por que requerer a prisão Preso por ordem judicial o cidadão está sujeito a suplícios que não deixam vestígios sendo de valia nenhuma o exame médico para constatar violências Na realidade a prisão temporária serve exclusivamente à busca da confissão ou delação premiada sendo esses os objetivos reais ainda que não assumidos que a motivam 26 Lecciones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Bosch 1950 v IV p 35 27 Na obra coletiva Derecho Procesal Penal p 419 28 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v III p 143 29 Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1963 v II p 248249 30 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v III p 147 31 Como instrumentos de impugnação consideramos tanto a possibilidade de utilizar o habeas corpus pela coação em sua liberdade de locomoção eou ilegalidade se a medida atentar contra a inviolabilidade da honra e imagem do sujeito passivo como também do Mandado de Segurança tendo em vista que se dirige contra ato da autoridade policial que viola a honra e imagem ou mesmo o direito de defesa autodefesa negativa O primeiro está muito difundido mas no curso do IP somos favorá veis a uma atuação processual com maior critério pois em muitos dos casos em que se utiliza o habeas corpus na verdade o instrumento adequado é o Mandado de Segurança De qualquer forma remetemos o leitor para o capítulo em que tratamos dessas ações de impugnação 32 A teor do que dissemos anteriormente sobre os poderes do MP na fase préprocessual o modelo acusatório e o papel constitucional do juiz no processo penal seria aconselhável um câmbio legislativo pois a sistemática do art 28 está ultrapassada Não cabe ao juiz esse tipo de atividade quase recursal como a prevista pelo art 28 O ideal seria instituir uma fase intermediária com uma estrutura dialética onde os possíveis interessados sujeito passivo do IP e vítima se manifestassem sobre o pedido de arquivamento e dispusessem de uma via recursal adequada para impugnar a decisão oriunda desse pedido 33 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal Rio de Janeiro Forense 1999 p 176 e ss 34 EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL COMETIMENTO DE DOIS CRIMES DE ROUBO SEQUENCIAIS CONEXÃO RECONHECIDA RELATIVAMENTE AOS RESPECTIVOS INQUÉRITOS POLICIAIS PELO MP DENÚNCIA OFERECIDA APENAS QUANTO A UM DELES ALEGAÇÃO DE ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO QUANTO AO OUTRO INOCORRÊNCIA PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE INEXISTÊNCIA AÇÃO PENAL PÚBLICA PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE RECURSO DESPROVIDO I Praticados dois roubos em sequência e oferecida a denúncia apenas quanto a um deles nada impede que o MP ajuíze nova ação penal quanto delito remanescente II Incidência do postulado da indisponibilidade da ação penal pública que decorre do elevado valor dos bens jurídicos que ela tutela III Inexiste dispositivo legal que preveja o arquivamento implícito do inquérito policial devendo ser o pedido formulado expressamente a teor do disposto no art 28 do Código Processual Penal IV Inaplicabilidade do princípio da indivisibilidade à ação penal pública Precedentes V Recurso desprovido RHC 951410 Rel Min Ricardo Lewandowski j 06102009 35 ORTELLS RAMOS Manuel MONTERO AROCA Juan GÓMEZ COLOMER JuanLuiz MONTON REDONDO Alberto Derecho Jurisdiccional proceso penal Barcelona Bosch 1996 v III p 122 36 Nesse sentido entre outras citamos a seguinte decisão do STF noticiada no Informativo n 111 EMENTA Habeas corpus A inexistência de inquérito policial não impede a denúncia se a Promotoria dispõe de elementos suficientes para a formalização da demanda penal Existência no caso de indícios suficientes para afastar a alegação de falta de justa causa para a denúncia Habeas corpus indeferido HC 709915 Rel Min Moreira Alves 37 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 256 38 Na obra coletiva Derecho Jurisdiccional Proceso Penal cit v III p 151 e ss Também no artigo Eficacia Probatoria del Acto de Investigación Sumarial Estudio de los Artículos 730 y 714 de la LECrim Revista de Derecho Procesal Iberoamericana ano 1982 n 23 p 365427 39 Democratização do Inquérito Policial In Estudos de Direito Processual Penal Porto Alegre Livraria do Advogado 1999 v II p 201 e ss 40 LADRÓN DE GUEVARA Juan Burgos El Valor Probatorio de las Diligencias Sumariales en el Proceso Penal Español Madrid Civitas 1992 p 196 41 Derecho y Razón teoría del garantismo penal 2 ed Madrid Trotta 1997 p 830 42 TOVO Paulo Cláudio Democratização do Inquérito Policial In Estudos de Direito Processual Penal cit v II p 201 e ss O autor também aponta para as provas prontas como aquelas que estão acabadas mesmo antes da instauração de qualquer persecução penal de modo que não há como exigir quanto à sua formação a observância do contraditório e da defesa técnica 43 Em alguns pontos nos baseamos em VEGAS TORRES Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal Madrid La Ley 1993 p 96 e ss 44 Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1997 p 115 e ss 45 Cita o autor uma expressiva ementa de acórdão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo na Ap 35377 Rel Carlos Ortiz Não se discute que a confissão extrajudicial possa alicerçar a condenação do confitente desde que harmônica com os demais elementos de convicção carreados para os autos Mas se essa confissão permanecer isolada sem razoável subsídio probatório temerário seria nela assentar decreto condenatório uma vez que não se desconhece a sistemática coativa dos inquisidores policiais com algumas exceções altamente honrosas v RT 4363823 1972 46 O destaque é nosso O trecho em vermelho citado por Magalhães Gomes Filho foi extraído de um acórdão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo Ap Crim 44124 j 18031965 Rel Azevedo Franceschini Julgados do Tribunal de Alçada de São Paulo 13 1967 47 Exceção feita ao interrogatório do acusado que decorre de uma imposição legal Mas tampouco o interrogatório deve ser considerado um puro ato de prova senão mais bem de defesa e de prova com claro predomínio do primeiro caráter 48 Influência do CódigoModelo de Processo Penal para IberoAmérica na Legislação LatinoAmericana Convergências e Dissonâncias com os Sistemas Italiano e Brasileiro In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 239 49 Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 568 e ss Também sobre a eliminação de peças vide PELLEGRINI GRINOVER Influência do CódigoModelo op cit p 227 50 Derecho y Razón cit p 103 104 e 106 51 O Indiciamento como Ato de Polícia Judiciária Revista dos Tribunais n 577 p 313316 52 Princípios Fundamentais do Processo Penal São Paulo 1973 n 37 p 41 apud ROGÉRIO LAURIA TUCCI Indiciamento e Qualificação Indireta Revista dos Tribunais n 571 p 292 53 Vejase o que dissemos anteriormente sobre Terminologia utilizada para designar o sujeito passivo 54 MORAES PITOMBO Sérgio Marcos O Indiciamento como Ato de Polícia Judiciária cit p 315 55 Indiciamento e Qualificação Indireta cit p 291294 56 O que segue não é uma tradução literal até porque seria inviável ante a existência de alguns instrumentos não contemplados no nosso sistema ou com sentido completamente diverso como o auto de procesamiento a querella denuncia procurador y letrado etc 57 O termo imputar deve ser interpretado de forma ampla e por isso mesmo abrange toda e qualquer forma de notíciacrime ou acusação formal 58 O original fala em processual porque assim são considerados por parte da doutrina os atos levados a cabo pelo juiz de instrução Adaptandose à nossa realidade o melhor é utilizar o termo policial 59 O direito de silêncio está assegurado no art 242 da Constituição da Espanha 60 A afirmação é de FAUZI HASSAN CHOUKR na sua excelente obra Garantias Constitucionais na Investigação Criminal 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 165 Apesar de divergirmos passamos a compreender melhor a posição do autor quando participamos do painel Investigação Criminal no Seminário A Reforma do Processo Penal Brasileiro realizado no dia 25 de março de 2002 na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro Naquela oportunidade FAUZI HASSAN explicou que negava consequências jurídicas ao indiciamento para não potencializar a magnitude social e a estigmatização causada pelo ato Assim considerando a rotulação gerada prefere negar efeitos para evitar um prejuízo ainda maior para a imagem do sujeito passivo Nesse ponto temos que concordar com o autor pois efetivamente o indiciamento tem sido usado como instrumento de estigmatização social Sem embargo entendemos que a leitura pode ser outra o indiciamento como garantia Em que pese a rotulação ônus entendemos que a garantia de ter uma posição definida no procedimento justifica bônus a carga assumida O problema da estigmatização social é uma preocupação fundada da qual partilhamos mas entendemos que deve ser resolvida de outra forma limitando a publicidade abusiva 61 Alheios à complexidade que iremos enfrentar na continuação negam a existência de defesa e contraditório sequer como direito de informação no inquérito policial entre outros FERNANDO CAPEZ Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 p 79 e MIRABETE Processo Penal São Paulo Atlas 2004 p 82 para quem o réu sic imputado é simples objeto de um procedimento administrativo grifo nosso 62 LAURIA TUCCI Rogério CRUZ E TUCCI José Rogério Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional São Paulo RT 1993 p 25 e ss 63 PELLEGRINI GRINOVER et al As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 64 Las Partes en el Proceso Penal México Jose M Cajica 1952 p 361 65 Antes mesmo da edição da Súmula n 14 já estava pacificada essa posição Comissão Parlamentar de Inquérito Advogado Direito de ver respeitadas as prerrogativas de ordem profissional instituídas pela Lei n 890694 Medida liminar concedida A Comissão Parlamentar de Inquérito como qualquer outro órgão do Estado não pode sob pena de grave transgressão à Constituição e às leis da República impedir dificultar ou frustrar o exercício pelo Advogado das prerrogativas de ordem profissional que lhe foram outorgadas pela Lei n 890694 O desrespeito às prerrogativas que asseguram ao Advogado o exercício livre e independente de sua atividade profissional constitui inaceitável ofensa ao estatuto jurídico da Advocacia pois representa na perspectiva de nosso sistema normativo um ato de inadmissível afronta ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado Medida liminar deferida MS 23576DF Rel Min Celso de Mello publicada no DJU 07121999 e no Informativo do STF n 174 66 GUARNIERI José Las Partes en el Proceso Penal cit p 285 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO O modelo brasileiro de investigação preliminar é policial a autoridade encarregada é a polícia judiciária e destinase à apuração das infrações penais e da sua autoria art 4º do CPP Quanto à natureza jurídica é um procedimento administrativo préprocessual 1 ÓRGÃO ENCARREGADO o inquérito policial é um típico modelo de investigação preliminar policial de modo que a polícia judiciária realiza a investigação com autonomia e controle dependendo de intervenção judicial apenas para adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais vg interceptações telefônicas busca e apreensão prisão cautelar etc O Ministério Público pode requerer a abertura do inquérito acompanhar sua realização e fazer ainda o controle externo da atividade policial É bastante discutida a chamada investigação direta pelo Ministério Público ou seja se o modelo brasileiro admite a figura do promotorinvestigador Existem algumas manifestações favoráveis por parte do STF mas a questão não é pacífica ainda Quanto à posição do juiz no inquérito é a de garantidor e não de instrutor inquisidor O juiz no modelo brasileiro não é encarregado da investigação e somente atua quando invocado para autorizar ou não as medidas restritivas de direitos fundamentais É uma intervenção excepcional contingencial Sublinhese contudo que a redação do art 156 I do CPP permite que o juiz de ofício determine a realização de provas urgentes e relevantes ainda na fase préprocessual Tal dispositivo é objeto de severas críticas pois viola a garantia do sistema acusatório e quebra a imparcialidade do julgador 2 OBJETO E SUA LIMITAÇÃO o inquérito busca investigar o fato aparentemente criminoso constante na notíciacrime ou descoberto de ofício pela autoridade policial O inquérito nasce no campo da possibilidade de que exista um fato punível e pretende atingir o grau de probabilidade fumus commissi delicti para que acusação seja exercida É normativamente sumário ainda que às vezes degenere para um modelo plenário prolongandose excessivamente Ainda que exista limitação temporal art 10 do CPP tratase de prazo sem sanção o que significa ineficácia 3 FORMA DOS ATOS o início do inquérito se dará nos termos do art 5º do CPP podendo ser de ofício mediante requisição do MP a requerimento do ofendido por comunicação oral ou por escrito notíciacrime por representação nos crimes de ação penal pública condicionada ou a requerimento da vítima nos crimes de ação penal de iniciativa privada Quanto ao desenvolvimento no curso do inquérito são praticados diversos atos previstos nos arts 6º e 7º do CPP inclusive a problemática coleta de DNA Lei n 12654 A conclusão do inquérito será através de relatório da autoridade policial não podendo esta arquivar os autos do inquérito policial art 17 do CPP Concluído será enviado para o Ministério Público que poderá oferecer denúncia requisitar diligências complementares art 16 do CPP ou requerer ao juiz o arquivamento Se o juiz concordar o inquérito será arquivado não podendo ser reaberto sem novas provas Súmula n 524 do STF Discordando do pedido de arquivamento o juiz remeterá os autos para o órgão superior do Ministério Público nos termos do art 28 do CPP A figura do arquivamento tácito ou implícito não é pacífica ocorrendo quando o Ministério Público deixa de oferecer denúncia mas também não pede expressamente o arquivamento em relação a algum dos imputados do inquérito Ainda em relação à forma dos atos o inquérito é facultativo escrito secreto no plano externo ver Súmula Vinculante n 14 e também o art 20 do CPP tendo seus atos limitado valor probatório 4 VALOR PROBATÓRIO os atos do inquérito policial têm limitado valor probatório não servindo por si só para justificar uma condenação art 155 do CPP Para tanto devese compreender a distinção entre atos de investigação feitos no inquérito e atos de prova realizados no processo Atos de investigação a não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese b estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos c servem para formar um juízo de probabilidade e não de certeza d não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidos e servem para a formação da opinio delicti do acusador f não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento g têm função endoprocedimental isto é interna ao procedimento para legitimar os atos da própria investigação indiciamento eou adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional h podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Atos de prova a estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação b estão a serviço do processo e integram o processo penal c dirigemse a formar um juízo de certeza tutela de segurança d exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação e servem à sentença logo são destinados ao julgador f destinados a formar o convencimento do juiz para condenar ou absolver o réu g a produção da prova é essencial para o processo destinandose à recognição do juiz acerca do crime fato passado para formar sua convicção função persuasiva h são praticados pelas partes em contraditório perante o juiz que julgará o processo É fundamental compreender que a garantia da jurisdicionalidade assegura o direito de ser julgado com base na prova produzida no processo à luz do contraditório e perante o juiz competente Excepcionalmente as provas técnicas irrepetíveis produzidas no inquérito exame de corpo de delito necropsia etc serão submetidas a contraditório posterior não sendo repetidas por absoluta impossibilidade Todas as demais provas repetíveis testemunhal acareações etc devem ser jurisdicionalizadas Havendo risco de perecimento de uma prova testemunhal poderá ser feito o incidente de produção antecipada de provas art 255 do CPP cc os arts 846 a 851 do CPC 5 CONTAMINAÇÃO DO JULGADOR E EXCLUSÃO FÍSICA DOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO considerando que o inquérito policial ingressa inteiramente no processo é inegável a contaminação consciente ou inconsciente do julgador O art 155 do CPP estabelece que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente com base no inquérito O ideal seria a exclusão física dos autos do inquérito mas isso não está previsto no sistema brasileiro para assegurar a máxima originalidade do julgamento isto é convicção formada a partir da prova produzida originariamente no processo mantendose apenas as provas técnicas irrepetíveis e as produzidas no incidente de produção antecipada O problema está na falta de previsão da exclusão física e na possibilidade de o juiz condenar utilizando também os elementos do inquérito sem contraditório efetivo 6 INDICIADO o indiciamento é um ato formal e fundamentado através do qual a autoridade policial afirma a existência de um feixe de indícios convergentes que apontam para certa pessoa como autora de um fato aparentemente criminoso Erroneamente não há previsão no CPP do momento no qual deve ocorrer o indiciamento se no final do inquérito no relatório ou no curso da investigação tão logo surjam elementos que apontem concretamente para alguém O indiciamento é situacional provisório pois o indiciado de hoje pode não ser acusado depois no processo e tampouco vincula o Ministério Público 7 DIREITO DE DEFESA E CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO é um reducionismo afirmar que no inquérito não existem defesa e contraditório Não há plenitude mas é possível o direito de defesa pessoal positiva ou negativa bem como a presença de advogado Quanto ao contraditório é restrito ao primeiro momento qual seja o da informação art 5º LV da CB 82 da CADH e Súmula Vinculante n 14 do STF Denegado o pedido de vista do inquérito poderá a defesa utilizar a reclamação art 102 I l da CB ou ainda Mandado de Segurança a ser interposto em primeiro grau quando a recusa for da autoridade policial 8 CONCLUSÕES SOBRE O INQUÉRITO é um modelo em crise e ultrapassado Tampouco resolverá o problema a simples mudança no órgão encarregado admitindose o promotor investigador Isso porque muito mais importante do que definir quem será o inquisidor é definir como será a investigação É reducionista a discussão que se limite a problematizar em torno do sujeito ativo pois o problema está na forma dos atos Capítulo IX AÇÃO PROCESSUAL PENAL REPENSANDO CONCEITOS E CONDIÇÕES DA AÇÃO 1 Esclarecimentos Iniciais Inicialmente como advertem GÓMEZ ORBANEJA e HERCE QUEMADA1 é importante destacar que o conceito de ação penal é privativo do processo penal acusatório Isso significa no sólo que la acción es una cosa y otra diferente el derecho de penar sino que la acción es un concepto puramente formal Mas também se deve sublinhar que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual buscando explicar o fundamento do qual emana o poder afastandose do instrumento propriamente dito Assim hoje podemos claramente compreender que esse desvio conduziu a que fossem gastas milhares e milhares de folhas para discutir uma questão periférica principalmente para o processo penal regido pelo princípio da necessidade e com uma situação jurídica complexa completamente diversa daquela produzida no processo civil É sempre importante evitar longas citações literais para não cansar o leitor e truncar a exposição Mas a lição de ALCALÁZAMORA2 exige um tratamento diferenciado dada sua importância possivelmente a verdadeira índole da ação houvesse sido dilucidada já há bastantes anos se os processualistas tivessem se preocupado um pouco menos com o direito romano para ocuparse um pouco mais da realidade processual Por quê Simplesmente porque a ação não é mais uma figura pertencente a arqueologia jurídica para cujo conhecimento devase remontar a sistemas pretéritos nem tampouco uma instituição que atualmente surja em raríssimas ocasiões senão que é um fenômeno diário que se oferece em todos os países com um mínimo de organização de justiça não em milhares mas sim em milhões de processos dos mais variados gêneros e espécies Então ao não faltar material vivo por assim dizer para a observação direta deveriam os processualistas prestar uma atenção muito maior do que aquela dedicada Isto é se não houvessem se involucrado no estudo histórico do que a ação foi mas sim com o estudo do que a ação é ou em outros termos se a primeira indagação houvesse sido reservada a romanistas e historiadores do direito e sobre a segunda tivessem consagrado suas energias os processualistas provavelmente o avanço teria sido mais profundo e mais firme em ambas as direções não só por razões de especialização ainda que sendo excelentes romanistas muitos dos processualistas que sobre a ação trabalharam senão pelas incertezas que em torno de certos textos do direito romano suscitam suas lacunas ou a crítica interpolacionista e sobretudo porque como antes dissemos a propósito das interpretações privatistas acerca da natureza do processo a marcha do processo romano clássico era distinta do tipo normal de processo de nossos dias A gravitação romanistas em relação à ação deve ser advertida ademais em outros sentidos por exemplo na persistência com que se segue falando de ação em hipóteses onde o termo correto a empregar seria o de pretensão ou ainda na quase incomovível fidelidade com que legisladores e práticos e até alguns docentes seguem estimando como classificação processual das ações aquela que as divide em pessoais reais e mistas ou em mobiliárias e imobiliárias tradução nossa Com acerto JARDIM3 afirma que modernamente a teoria da ação deixou de ser o polo metodológico da ciência do processo estando os estudiosos mais preocupados com o objeto do processo e a demanda como categorias centrais de todo o sistema processual Destaca ainda na esteira de Tornaghi que tal perspectiva já vinha de há muito sendo utilizada pelos processualistas alemães Para GUASP tais teorias buscam explicar a essência jurídica do poder em virtude do qual as partes engendram objetivamente um processo o direito que justifica a atuação destas partes e o porquê jurídico que leva um particular a colocar em marcha validamente o órgão jurisdicional A multiplicidade de acepções do vocábulo ação também foi um fator relevante na infindável discussão existente em torno do seu conceito Chamando a atenção para tal fenômeno ALCALÁ ZAMORA4 aponta que a rigor no processo penal devemos falar em ação processual penal para não confundir com a ação punível ou delitiva objeto do Direito Penal e não do processo penal Grave problema é o fato de que pouco se escreveu ou pensou sobre ação processual penal ou seja muitos autores preferem passar à margem da temática limitandose a explicar a ação penal pública condicionada e incondicionada e a ação penal privada na sistemática do CPP Outros até enfrentam o problema mas incidindo no erro da teoria geral do processo explicam toda a evolução da discussão em torno da ação pública abstrata concreta etc utilizando todos os conceitos e construções do processo civil ou seja a velha historinha da Cinderela La Cenerentola de Carnelutti e as roupas velhas da irmã Não se nega a importância das longas polêmicas travadas pelos processualistas civis mas falta uma estruturação de conceitos desde as categorias jurídicas próprias do processo penal Daí por que nossa tarefa além de complexa é extremamente perigosa na medida em que saindo da tranquilidade do lugar comum já desenhado pelo processo civil nos dispomos a pensar a ação processual penal a partir das concepções de pretensão acusatória e processo como situação jurídica Elementar que a compreensão dessa matéria pressupõe a précompreensão do conceito de pretensão acusatória desenvolvido em capítulo anterior Isso explica porque não faremos a tradicional evolução a partir da ação no processo civil O ponto nuclear e determinante da diversidade de concepção já foi exposto e definido quando abordamos o conceito de pretensão acusatória ao qual remetemos o leitor 2 Ação Processual Penal Ius ut Procedatur Desde a Concepção de Pretensão Acusatória Por que não existe trancamento da ação penal Estamos de acordo com GUASP5 quando afirma que a declaração petitória contida no conceito de pretensão acusatória poderia receber o nome técnico de ação terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe corresponde Exigese contudo cuidado para ter presente que essa concepção representa uma recusa à tradição secular que se esforçou em averiguar a essência do poder jurídico a que dita ação está vinculada e não à sua verdadeira função A pretensão acusatória é uma declaração petitória6 ou afirmação7 de que o autor tem direito a que se atue a prestação pedida É no processo penal uma declaração petitória Não é um direito subjetivo mas um direito potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus commissi delicti A isso corresponde o conceito de ação que não pode ser confundido com o de acusação instrumento formal Recordemos que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva e sua função é a satisfação jurídica das pretensões ou resistências conforme foi explicado anteriormente Na estrutura da pretensão encontramos elementos subjetivos objetivos e de atividade declaração petitória Como explicamos ao tratar do objeto no processo penal o fenômeno é diverso do processo civil e não há que se falar em pretensão punitiva O acusador detém um direito potestativo de acusar que nasce com o delito e é dirigido ao tribunal De outro lado existe o poder de punir do tribunal corresponde ao juiz e não ao acusador que é condicionado ao exercício e admissão da pretensão acusatória Nessa linha a declaração petitória corresponde ao que entendemos por acusação É importante destacar que tal conceito vai ser empregado no sentido literal de instrumento portador de uma manifestação de vontade por meio do qual se narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada No sistema brasileiro corresponderá à denúncia ou queixa Mediante a acusação se cumpre a jurisdição se realiza efetivamente o direito Ademais principalmente no processo penal a ação como invocação corporificada na acusação leva à estrita observância do princípio nemo iudex sine actore corolário do sistema acusatório Sobre o confusionismo que impera em torno do tema COUTURE esclarece que a ambiguidade do vocábulo foi fator definitivo Especificamente em sentido processual o que já exclui uma diversidade de outras COUTURE8 aponta para três acepções a Como sinônimo de direito é o sentido que tem o vocábulo quando se diz que o autor é carecedor de ação ou prospera a exceptio sine actione agit b Como sinônimo de pretensão este é o sentido mais usual do vocábulo principalmente na doutrina e na legislação que utilizam ainda expressões como ação pessoal e real ação civil e ação penal etc Nesses casos a ação é a pretensão de que se tem um direito válido e em nome do qual se promove a demanda respectiva A excessiva valoração da ação também levou a que alguma doutrina a apontasse como o objeto do processo c Como sinônimo de faculdade de provocar a tutela jurisdicional Falase no poder jurídico que tem o indivíduo como tal e em nome do qual lhe é possibilitado acudir aos tribunais É o poder jurídico de invocação da tutela jurisdicional Nessa concepção por nós utilizada o fato de ser essa pretensão fundada ou infundada não afeta a natureza do poder jurídico de acionar É a mera faculdade de invocar a tutela jurisdicional por meio da acusação formalizada na denúncia ou queixa ius ut procedatur Assim retomando o desvio histórico pensamos que o conceito de ação processual penal na estrutura da pretensão acusatória circunscrevese a um poder jurídico constitucional de invocação da tutela jurisdicional e que se exterioriza por meio de uma declaração petitória acusação formalizada de que existe o direito potestativo9 de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Por fim recordemos a pergunta feita no título desse tópico por que não existe trancamento da ação penal Porque sendo a ação um poder político constitucional de invocação não há que se falar em trancamento da ação um erro que decorre da constante confusão entre ação e pretensão Inclusive há quem empregue o vocábulo ação como sinônimo de pretensão Contudo a rigor ação é o poder jurídico de acudir aos tribunais para ver satisfeita uma pretensão Logo não há que se falar de trancamento do poder que já foi exercido Daí por que a boa técnica aconselha a que se fale em trancamento do processo penal pois é o curso dele processo que se quer fazer parar Ou seja o trancamento do processo não da ação corresponde a uma forma de extinção anormal prematura do processo Ninguém jamais falou em extinção prematura da ação pois o que impede o prosseguimento é o processo penal Em suma podemos resumir da seguinte forma a íntima relação dos conceitos de ação pretensão e acusação demanda para facilitar a compreensão 1 Ação direito potestativo ou poder se preferirem concedido pelo Estado ao particular ou a um determinado órgão do Estado Ministério Público de acudir aos tribunais para formular a pretensão acusatória É um direito potestativo constitucionalmente assegurado de invocar e postular a satisfação de pretensões Vedada a autodefesa estatal ou privada o direito de ação encontra abrigo na nossa atual Constituição onde o art 5º XXXV assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito Mais específico o art 129 I da Constituição assegura a poder exclusivo do Ministério Público de exercer a ação penal melhor a acusação pública É uma garantia constitucional que assegura o acesso ao Poder Judiciário ALCALÁZAMORA10 define como el poder jurídico de promover la actuación jurisdiccional a fin de que el juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular de aquélla reputa constitutivos de delito medio de provocar el ejercicio del derecho de penar 2 Pretensão Acusatória é uma declaração petitória de que existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Tratase de um direito potestativo por meio do qual se narra um fato com aparência de delito fumus commissi delicti e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determina É composta por elementos subjetivo objetivo fato e de atividade declaração petitória como explicamos em capítulos anteriores 3 Acusação declaração petitória é o ato típico e ordinário de iniciação processual que assume a forma de uma petição através da qual a parte faz uma declaração petitória solicitando que se dê vida a um processo e que comece sua tramitação11 No processo penal brasileiro corresponde aos instrumentos denúncia nos crimes de ação penal de iniciativa pública e queixa delitos de iniciativa privada É na verdade o veículo que transportará a pretensão sem deixar de ser um dos seus elementos 3 Natureza Jurídica da Ação Processual Penal 31 Caráter Público Sem esquecer das ressalvas anteriormente feitas após seculares discussões pensamos que foi fundamental para o desenvolvimento científico do processo o reconhecimento da ação e das relações de direito material e processual Discussão hoje superada é o caráter público ou privado da ação processual penal Se no processo civil alguma razão existia no processo penal o caráter público é evidente COUTURE12 conceitua ação como o poder jurídico que tem todo sujeito de direito de acudir aos órgãos jurisdicionais para reclamarlhes a satisfação de uma pretensão É um poder jurídico que compete ao indivíduo É um atributo de sua personalidade Esse é um conceito rigorosamente privado que não pode ser aplicado ao processo penal de forma automática mas que coloca em relevo a ação como poder jurídico e como tal perfeitamente compatível com o conceito de GOLDSCHMIDT de pretensão acusatória ius ut procedatur anteriormente explicado Explica ainda COUTURE que a ação tem ao mesmo tempo na efetividade desse exercício um interesse da comunidade que lhe confere o caráter público Através da pretensão acusatória o Estado poderá atuar o poder de penar em relação ao que cometeu um injusto típico instrumentalizando o próprio Direito Penal direito público ALCALÁZAMORA e LEVENE13 explicam que quando se aponta o caráter público da ação penal se quer dizer que ela serve para a realização de um direito público qual seja o de provocar a atuação do poder punitivo do Estado Os autores advirtase perfilamse entre aqueles que como GOLDSCHMIDT negam a pretensão punitiva e atribuem ao acusador o poder de proceder contra alguém poder diverso daquele de punir que corresponde ao Estadojuiz A acusação vista como instrumento portador do direito potestativo de proceder contra alguém gera uma obrigação do órgão jurisdicional de manifestarse até por consequência do princípio da necessidade Para LEONE14 a ação penal investe o órgão da jurisdição o qual por efeito dessa investidura está obrigado a emitir uma decisão Ao direito de ação corresponde a obrigação da prestação da tutela jurisdicional Tratase de um evidente caráter público da ação Por tudo isso a rigor constitui uma impropriedade falar em ação penal pública e privada eis que toda ação penal é pública posto que é uma declaração petitória que provoca a atuação jurisdicional para instrumentalizar o Direito Penal e permitir a atuação da função punitiva estatal Seu conteúdo é sempre de interesse geral O correto é classificar em acusação pública e acusação privada ou se preferirem seguir classificando a partir do crime teremos ação penal de iniciativa pública e ação penal de iniciativa privada Contudo no Brasil o rigor técnico foi deixado de lado e já está consagrada a terminologia delitos de ação penal pública e delitos de ação penal privada A justificativa está na adoção do critério de legitimidade de agir será pública quando promovida pelo Ministério Público através da denúncia e privada quando couber à vítima exercêla através de queixa 32 Direito Potestativo em Relação ao Imputado e Subjetivo Frente ao EstadoJuiz A lição de CHIOVENDA ação como direito potestativo15 deve ser adequada à realidade do processo penal e ao princípio da necessidade veja o que explicamos anteriormente sobre o fundamento da existência do Processo Penal de modo que a ação penal em relação ao imputado gera uma situação de sujeição O simples exercício da ação processual penal ius ut procedatur coloca o sujeito passivo numa nova posição jurídica a de submetido a um processo penal Com isso estará sujeito à incidência das normas e institutos processuais penais como prisão preventiva liberdade provisória com fiança dever de comparecimento aos atos do processo etc Adotamos assim a posição de LEONE16 em relação ao binômio direito subjetivopotestativo Para o autor a posição mista decorre da necessidade de adotar um novo caminho que represente a confluência das concepções distintas mas não opostas de ação como direito subjetivo e ação como direito potestativo Em definitivo o nascimento do processo penal estabelece uma nova situazione giuridica subjettiva que acarreta e reflete um maior grau de diminuição do status libertatis do sujeito passivo A ação é ao mesmo tempo um direito subjetivo em relação ao EstadoJurisdição e direito potestativo em relação ao imputado17 No primeiro caso corresponde à obrigação da prestação da tutela jurisdicional e de emitir uma decisão no segundo há uma sujeição do imputado às consequências processuais produzidas pela ação Aqui destaquese para evitar críticas fundadas na incompreensão dessa construção que não existe sujeição do imputado em relação ao acusador sob pena de voltarmos à equivocada concepção de exigência punitiva mas sim em relação à situação jurídica processual nascida do exercício da ação processual penal Não se sujeita o réu ao acusador mas ao processo e ao conjunto de atos nele desenvolvido 33 Ação como Direito Autônomo e Abstrato eou como Direito Concreto A Necessidade do Entreconceito Conexo Instrumentalmente ao Caso Penal Infelizmente no processo penal especialmente entre os adeptos da teoria geral do processo é recorrente a transmissão mecânica de categorias do processo civil sem maior reflexão Assim entre outros CAPEZ18 aponta como características da ação penal ser um direito autônomo abstrato subjetivo e público Mas a problemática é bem mais complexa Quanto ao direito subjetivo a que alude o autor o erro está no fato de ele defender a existência de lide penal e de pretensão punitiva Um duplo e grave equívoco conceitual que já foi desvelado quando abordamos o objeto do processo penal Quanto ao caráter público é inegável senão elementar O problema é a autonomia e a abstração Aqui há muito que refletir e o autor citado passa completamente à margem dessa complexidade A polêmica discussão entre as concepções de WINDSCHEID e de MUTHER19 estabelecida nos anos de 1856 e 1857 sobre a actio romana contribuiu definitivamente para a separação do direito processual do direito material e por consequência conferiu à ação um caráter autônomo em relação ao direito material e a pretensão de direito material que não se confunde com o conceito de pretensão processual acusatória desenvolvido anteriormente Assim em relação à autonomia da ação processual penal atualmente nenhuma dúvida paira O problema acaba se centrando no caráter abstrato ou concreto do direito de ação Defendendo o caráter autônomo e abstrato da ação DEGENKOLB e depois PLÓSZ foram os marcos teóricos dos quais se estruturaram outros estudos Para os defensores dessa posição a ação é autônoma e abstrata no sentido de que é independente do direito material em discussão de modo que a ação poderá ser exercida e o processo nascer e se desenvolver ainda que o autor não tenha razão Ou seja mesmo que a sentença negue o postulado a ação terá sido exercida pois a existência dela não está vinculada a uma sentença favorável de mérito Para essa corrente a ação como direito abstrato tem sua existência prévia ao nascimento do processo É um direito que existe e pode ser exercido ainda que a ação seja julgada improcedente Têm ação aqueles que promovem a demanda ainda que sem direito válido a tutelar Explica COUTURE20 com deliberado exagero como ele mesmo esclarece que a ação é um direito dos que têm razão e ainda dos que não têm razão Tratase de um direito inerente à própria personalidade das pessoas Posteriormente WACH aperfeiçoando a concepção do processo como relação jurídica de BÜLOW defende a tese de que a ação é um direito autônomo até porque a relação jurídica de direito processual independe da relação jurídica de direito material mas concreto pois somente haverá ação quando o autor obtiver uma sentença favorável daí por que é o direito a uma sentença favorável na acepção do autor Em oposição à abstração a teoria do direito concreto sustenta em suma que a ação somente compete aos que têm razão Na síntese de COUTURE21 a ação não é o direito mas não há ação sem direito Mas a concepção de ação como direito concreto acabou não vingando especialmente porque era incapaz de justificar toda a situação criada e a jurisdição movimentada quando a sentença não fosse favorável Significaria dizer apontam os críticos que se a sentença fosse improcedente absolutória a ação não teria existido e o processo tampouco como poderia haver processo sem ação Então como explicar toda a atividade desenvolvida até então Inclusive com manifestação e exercício da jurisdição No processo penal igualmente afirmase a autonomia da ação processual penal até porque como explicamos ao abordar o objeto o direito potestativo de acusar não se confunde com o poder de punir direito material Ou seja o acusador não exerce nenhuma pretensão material punitiva senão uma pretensão processual acusatória Contudo como fica o caráter abstrato ou concreto Não há como aceitar integralmente a ação como direito concreto na medida em que o poder jurídico constitucional de proceder contra alguém ius ut procedatur existiu e foi realizado ainda que a sentença seja absolutória Isto é a pretensão acusatória pode ser exercida originar um processo penal que se desenvolva de forma válida e ao final o réu ser absolvido porque sua conduta é atípica ou lícita Com isso a pretensão acusatória foi realizada ainda que o Estadojuiz não tenha podido atuar o poder de penar Esse caráter fica ainda mais evidente quando se compreende o objeto do processo penal explicado anteriormente onde se vê que não tem o acusador uma pretensão punitiva pois não lhe compete o poder de punir mas sim uma pretensão acusatória que é diversa do poder punitivo que é do Estado que o exerce no processo como juiz Ainda tendo em vista que adotamos como função do processo a satisfação jurídica de pretensões eou resistências nenhuma dúvida existe de que o processo também terá cumprido sua função em caso de sentença absolutória Por outro lado não se pode olvidar o princípio da necessidade em que se a pretensão acusatória é autônoma não o é o poder de punir que só existe no processo e somente pode se efetivar quando a acusação for integralmente levada a cabo e acolhida Ou seja o poder do juiz de penar está condicionado ao exercício integral da pretensão acusatória Não é esse poder de punir autônomo mas totalmente condicionado Mas também não satisfaz no processo penal a plena abstração da ação penal acusatória em relação ao fato criminoso Isso porque como explica GÓMEZ ORBANEJA22 puede afirmarse que a diferencia del proceso civil que se constituye de una vez y definitivamente con unos límites objetivos y subjetivos inalterables mediante la presentación de la demanda el proceso penal se desenvuelve escalonadamente El fundamento de la prosecusión o inversamente de su exclusión puede depender tanto de razones substantivas como procesales Está correto No processo civil o início e desenvolvimento dependem exclusivamente de critérios formais de natureza processual O processo civil se desenvolve através de decisões interlocutórias de conteúdo puramente processual formal sem entrar na questão de fundo que deve ficar reservada para a sentença Por isso em geral até a sentença o juiz cível somente terá aplicado normas processuais23 Situação completamente diversa ocorre no processo penal em que as condições de punibilidade podem confundirse com os pressupostos processuais e principalmente para que o processo penal possa iniciar e desenvolverse é imprescindível que fique demonstrado o fumus commissi delicti Ou seja no processo penal desde o início é imprescindível que o acusador público ou privado demonstre a justa causa os elementos probatórios mínimos que demonstrem a fumaça da prática de um delito não bastando o cumprimento e critérios meramente formais Não há como no processo civil a possibilidade de deixar a análise da questão de fundo mérito para a sentença pois desde o início o juiz faz juízo provisório de verossimilhança sobre a existência do delito É importante destacar que o processo penal adota um sistema escalonado que vai refletir o grau de sujeição do imputado e de diminuição do seu status libertatis O processo penal é um sistema escalonado e como tal para cada degrau é necessário um juízo de valor Essa escada é triangular pois pode ser progressiva como também regressiva de culpabilidade no sentido de responsabilidade penal A situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva com a sentença condenatória ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvição Inclusive é possível chegar a um juízo definitivo de caráter negativo em que se reconhece como certa a não participação do agente no delito Por tudo isso define PASTOR LÓPEZ24 que a situação jurídica do sujeito passivo é contingente provisional e de progressiva ou regressiva determinação Com a sentença penal condenatória iniciase uma nova etapa a execução da pena A absolvição não cria uma situação nova senão que restabelece com plenitude o estado de inocente O sujeito passivo não perde o status de inocente no curso do processo mas sem dúvida que ele vai se debilitando Se com a condenação definitiva o estado de inocência acaba com a absolvição é restabelecido com sua máxima plenitude Concordamos com GÓMEZ ORBANEJA25 quando define a ação penal como o direito meramente formal de acusar na qual não se faz valer uma exigência punitiva senão que se criam os pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à averiguação do delito e de seu autor O acusador não exerce o poder de punir nisso reside a autonomia que também constitui um recorte de abstração senão que afirmando seu nascimento e postula a efetivação do poder de punir que é do Estadojuiz que exercerá pela primeira vez na sentença Mas pensamos que no processo penal o conceito adequado está no entrelugar ou melhor no entreconceito Os conceitos tradicionais de abstração de um lado e de direito concreto de outro não satisfazem a necessidade do processo penal Há que buscar o entreconceito entre o abstrato e o concreto É algo a ser construído à luz da especificidade do processo penal26 Nessa linha COUTINHO27 inspirado em Liebman desenvolve a concepção de direito conexo instrumentalmente ao caso penal Adverte que o fato de ser um direito abstrato não significa que seja ilimitado e incondicionado Deve ser dosado e condicionado somente podendo exercêlo aquele que preencher determinadas condições Está vinculado a um caso concreto determinado e exatamente individuado Assim a abstração é admitida pois não há como negar que a ação existe e foi devidamente exercida ainda que a sentença seja absolutória bem como a autonomia pois o direito potestativo28 de acusar não se confunde com poder material de punir mas ambas são atenuadas aproximandose do conceito de direito concreto na medida em que se exige que a ação processual penal demonstre uma conexão instrumental em relação ao caso penal visto aqui como elemento objetivo da pretensão acusatória conforme conceitos desenvolvidos anteriormente quando do estudo do objeto do processo Também dessa concepção se aproxima TUCCI29 ao definir a ação processual penal como um direito subjetivo de índole processual instrumentalmente conexo a uma situação concreta A conexão instrumental é uma exigência do princípio da necessidade em que o delito somente pode ser apurado no curso do processo pois o Direito Penal não tem realidade concreta nem poder coercitivo fora do instrumento processo Também se vincula à noção de instrumentalidade constitucional anteriormente desenvolvida pois o processo é um instrumento para apuração do fato mas estritamente condicionado pela observância do sistema de garantias constitucionais Na ação processual penal o caráter abstrato coexiste com a vinculação a uma causa que é o fato aparentemente delituoso Logo uma causa concreta Existe assim uma limitação e vinculação a uma causa concreta que deve ser demonstrada ainda que em grau de verossimilhança ou seja de fumus commissi delicti Assim entendemos que a ação processual penal é um direito potestativo de acusar público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal 4 Condições da Ação Penal 41 Quando se pode falar em condições da ação Segundo o pensamento majoritário as condições da ação não integram o mérito da causa mas são condições para que exista uma manifestação sobre ele Assim questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva negativa de autoria não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevemse às situações previstas no art 395 II do CPP impedindo a manifestação sobre o caso penal mérito 30 em julgamento Também encontramos a ausência de condições da ação nas causas de absolvição sumária no art 397 demonstrando o quão próximo estão do mérito ou seja do caso penal elemento objetivo da pretensão acusatória Antes de entrar nessas questões é importante fazer um questionamentoadvertência é correto falar em condições da ação processual penal Existem condições que efetivamente condicionem o exercício da ação processual Ora se como afirmado anteriormente a ação é um poder político constitucional de invocar a tutela jurisdicional e encontra sua base no art 5º XXXV da Constituição como se pode falar em condições onde a Constituição não condiciona Para chegarse à resposta é necessário compreender que o direito de ação é um direito de dois tempos31 No primeiro momento estamos na dimensão constitucional do poder de invocar a tutela estatal Esse poder ius ut procedatur é completamente incondicionado Ou seja não existem condições para que a parte o exerça e tampouco possibilidades de impedir seu exercício Não há como proibir ou impedir alguém de ajuizar uma queixacrime ou de o Ministério Público oferecer uma denúncia32 Essa é a dimensão constitucional abstrata e incondicionada desse direito O mestre complutense JAIME GUASP33 comentando o pensamento de CARNELUTTI na obra Lezioni sul processo penale afirma que ação é um direito público subjetivo que expulsa en realidad el concepto de acción del campo del derecho procesal para encajarlo en el campo del derecho público ou seja como poder políticoconstitucional de invocação Mas existe o segundo momento de natureza não mais constitucional mas sim processual penal É no plano processual que se pode efetivar ou não a tutela postulada obter ou não a resposta jurisdicional almejada movimentar ou não a máquina estatal Aqui sim podemos falar em condições da ação no sentido de que constituem condições que subordinam o nascimento do processo Na síntese de JARDIM34 as condições da ação não são condições para a existência do direito de agir mas sim para o seu regular exercício Mais regular nascimento do processo Considerando o custo que encerra o processo e o fato de não haver possibilidade de a qualquer momento ser extinto sem julgamento de mérito a análise das condições da ação como requisitos a serem preenchidos para o nascimento do processo e obtenção da tutela pedida é fundamental Feita essa advertência sublinhese ainda que não há dúvida de que o juiz fará uma sumária incursão pelo mérito da causa e ainda que teoricamente seja clara a separação entitativa entre a esfera regida pelo direito material e a situação processual é evidente que no plano ontológico do processo existe uma profunda interação entre elas Como aponta TOURINHO FILHO35 queiram ou não as condições da ação servem de cordão umbilical entre a causa petendi e o exercício do direito de ação Como poderá o juiz apreciar a legitimatio ad causam senão em face da causa petendi Vejamos agora as condições da ação no processo penal 42 Crítica à Importação de Conceitos do Processo Civil Quanto às condições da ação a doutrina costuma dividilas em legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido O problema está em que na tentativa de adequar ao processo penal é feita uma verdadeira ginástica de conceitos estendendoos para além de seus limites semânticos O resultado é uma desnaturação completa que violenta a matriz conceitual sem dar uma resposta adequada ao processo penal Vejamos por que a Legitimidade esse é um conceito que pode ser aproveitado pois se trata de exigir uma vinculação subjetiva pertinência subjetiva para o exercício da ação processual penal Apenas como explicaremos na continuação não há que se falar em substituição processual no caso de ação penal de iniciativa privada e tampouco é de boa técnica em que pese a consagração legislativa e dogmática a divisão em ação penal pública e privada Como visto toda ação é pública por essência Não existe ação processual penal ou processual civil privada Tratase de um direito público O problema costuma ser contornado através da inserção de iniciativa pública ou privada b Interesse para ser aplicado no processo penal o interesse precisa ser completamente desnaturado na sua matriz conceitual Lá no processo civil é visto como utilidade e necessidade do provimento Tratase de interesse processual de obtenção do que se pleiteia para satisfação do interesse material É a tradicional concepção de LIEBMAN do binômio utilidade e necessidade do provimento No processo penal alguns autores identificam o interesse de agir com a justa causa de modo que não havendo um mínimo de provas suficientes para lastrear a acusação deveria ela ser rejeitada art 395 III CRÍTICA Pensamos que se trata de categoria do processo civil que resulta inaplicável ao processo penal Isso porque o processo penal vem marcado pelo princípio da necessidade algo que o processo civil não exige e portanto desconhece Se o interesse civilisticamente pensado corresponde à tradicional noção de utilidade e necessidade do provimento não há nenhuma possibilidade de correspondência no processo penal O princípio da necessidade impõe para chegarse à pena o processo como caminho necessário e imprescindível até porque o Direito Penal somente se realiza no processo penal Está relacionado à impossibilidade de autocomposição isto é a partir do momento em que o Estado chamou para si o poderdever jurisdicional e a exclusividade da aplicação da lei penal o processo passou a ser o caminho necessário para imposição da pena É através do processo penal que a parte exerce uma pretensão acusatória que irá permitir ao Estado atuar seu poder de penar A pena não só é efeito jurídico do delito36 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo Por isso a pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito pena e processo de modo que são complementares Não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena É o que GÓMEZ ORBANEJA37 denomina principio de la necesidad del proceso penal amparado no art 1º da LECrim38 pois não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal Então ele é inerente à ação processual penal não cabendo a discussão em torno do interesse Tanto o Ministério Público nos crimes de ação penal de sua iniciativa pública como nos crimes de iniciativa privada o interesse é inerente a quem tiver legitimidade para propor a ação pois não há outra forma de obter e efetivar a punição Então o que faz a doutrina processual penal para aproveitar essa condição da ação processual civil Entulhamento conceitual A intenção é boa e isso não se coloca em dúvida mas o resultado final se afasta muito do conceito primevo Pegam um conceito e o entulham de definições que extrapolam em muito seus limites culminando por gerar um conceito diverso mas com o mesmo nome que não mais lhe serve por evidente Nessa linha costumam tratar como interesse questões que dizem respeito à punibilidade concreta tal como a inexistência de prescrição ou mesmo de justa causa como o princípio da insignificância c Possibilidade Jurídica do Pedido quanto à possibilidade jurídica do pedido cumpre inicialmente destacar39 que o próprio LIEBMAN na terceira edição do Manuale di diritto processuale civile aglutina possibilidade jurídica do pedido com o interesse de agir reconhecendo a fragilidade da separação Como conceber que um pedido é juridicamente impossível de ser exercido e ao mesmo tempo proveniente de uma parte legítima e que tenha um interesse juridicamente tutelável Ou ainda como poderá uma parte legítima ter um interesse juridicamente tutelável mas que não possa ser postulado São questões que só podem ser respondidas de forma positiva através de mirabolantes exemplos que jamais extrapolam o campo teórico onírico de alguns Assim frágil a categorização mesmo no processo civil e principalmente no processo penal Superada essa advertência inicial o pedido da ação penal no processo penal de conhecimento será sempre de condenação exigindo um tratamento completamente diverso daquele dado pelo processo civil pois não possui a mesma complexidade Logo não satisfaz o conceito civilista de que o pedido deve estar autorizado pelo ordenamento até porque no processo penal não se pede usucapião do Pão de Açúcar típico exemplo dos manuais de processo civil A doutrina que adota essa estrutura civilista costuma dizer que para o pedido de condenação obviamente ser juridicamente possível a conduta deve ser aparentemente criminosa o que acaba se confundindo com a causa de absolvição sumária do art 397 III do CPP não pode estar extinta a punibilidade nova confusão agora com o inciso IV do art 397 ou ainda haver um mínimo de provas para amparar a imputação o que na verdade é a justa causa CRÍTICA Na verdade o que se verifica é uma indevida expansão dos conceitos do processo civil para ilusoriamente atender à especificidade do processo penal Em suma o que se percebe claramente é a inadequação dessas categorias do processo civil cabendo nos então encontrar dentro do próprio processo penal suas condições da ação como se fará na continuação 43 Em Busca das Condições da Ação Processual Penal Definições a Partir de suas Categorias Jurídicas Próprias Agora diante da necessidade de respeitaremse as categorias jurídicas próprias do processo penal devemos buscar as condições da ação dentro do próprio Processo Penal a partir da análise das causas de rejeição da acusação Para tanto devese partir do revogado art 43 do CPP a contrário senso Assim vejamos como dispunha o art 43 do CPP antes de ser revogado pela Lei n 117192008 Art 43 A denúncia ou queixa será rejeitada quando I o fato narrado evidentemente não constituir crime II já estiver extinta a punibilidade pela prescrição ou outra causa III for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal Parágrafo único Nos casos do n III a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição Daí podemos extrair as condições da ação penal40 prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa Em que pese a revogação do artigo que muito bem dispunha da matéria as condições da ação processual penal permanecem inalteradas A Lei n 11719 revogou o art 43 e modificou a redação do art 395 para estabelecer as seguintes causas de rejeição liminar como define o art 396 Art 395 A denúncia ou queixa será rejeitada quando I for manifestamente inepta II faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou III faltar justa causa para o exercício da ação penal A nova redação tem suas vantagens mas também seus inconvenientes pois mistura categorias e gera dúvidas Para evitar repetições apenas citaremos o artigo deixando a análise específica de cada um desses incisos para o final deste Capítulo quando abordaremos as decisões de rejeição e absolvição sumária Vejamos agora sucintamente cada uma das condições da ação processual penal 431 Prática de Fato Aparentemente Criminoso Fumus Commissi Delicti Tradicionalmente entendeuse que evidentemente não constituir crime significava apenas atipicidade manifesta Contudo este não é um critério adequado Inicialmente deve considerar que o inciso III do art 397 do CPP fala em crime Ainda que se possa discutir se crime é fato típico ilícito e culpável ou um injusto típico ninguém nunca defendeu que o conceito de crime se resumia à tipicidade Logo atendendo ao referencial semântico da expressão contida no CPP devese trabalhar com o conceito de crime e depois de evidentemente Quanto ao conceito de crime nenhuma dúvida temos de que a acusação deve demonstrar a tipicidade aparente da conduta São os clássicos exemplos do folclore manualístico de denúncia por incesto furto de coisa própria etc São situações em que é patente a atipicidade da conduta imputada e por isso deve a acusação ser rejeitada41 Como muito bem destacou JARDIM não nos parece correta a afirmativa de que para a sua admissibilidade basta que a denúncia esteja lastreada em prova da autoria e materialidade Se examinarmos tais elementos ao nível da dogmática penal vamos constatar que autoria e materialidade não chegam sequer a configurar um juízo de tipicidade na medida em que as normas penais incriminadoras têm outros elementos essenciais quer subjetivos descritivos ou normativos Não existe nenhuma presunção de veracidade da peça acusatória seja ela denúncia ou queixa e todos os fatos alegados devem ser demonstrados em grau de probabilidade para a admissão Para além disso das duas uma ou se aceita o conceito de tipo de injusto na esteira de CIRINO DOS SANTOS em que se exige que além dos fundamentos positivos da tipicidade também deve haver a ausência de causas de justificação excludentes de ilicitude ou se trabalha com os conceitos de tipicidade e ilicitude desmembrados Em qualquer caso se houver elementos probatórios de que o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve a denúncia ou queixa ser rejeitada como base no art 395 II pois falta uma condição da ação A problemática situase na demonstração manifesta da causa de exclusão da ilicitude É uma questão de convencimento do juiz Mas uma vez superada essa exigência probatória se convencido de que o acusado agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve o juiz rejeitar a acusação Caso esse convencimento somente seja possível após a resposta do acusado a decisão passará a ser de absolvição sumária nos termos do art 397 Superada essa questão tipicidade e ilicitude surge o questionamento e se o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da culpabilidade pode o juiz rejeitar a acusação Pensamos que sim O problema todo circunscrevese não à culpabilidade elemento necessário e imprescindível para a moderna teoria jurídica do delito mas ao caráter probatório e seu nível de exigência A causa de exclusão deve ser manifesta para que o fato narrado evidentemente não constitua crime Assim havendo prova da causa de exclusão da culpabilidade como o erro de proibição por exemplo préconstituída na investigação preliminar está o juiz autorizado a rejeitar a acusação O que nos importa agora é que uma vez demonstrada e convencido o juiz está ele plenamente autorizado a rejeitar a denúncia ou queixa Ou ainda atender ao pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público Por fim a exigência de que a acusação demonstre a verossimilhança da tipicidade antijuridicidade e culpabilidade também decorre da exigência constitucional da Proporcionalidade vista como proibição de excesso de intervenção em que o custo social e jurídico do processo penal fazem com que ele não se contente com a mera tipicidade se for manifesta a presença de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade Ademais devese recordar que a ação processual penal constitui um direito potestativo público autônomo abstrato mas que exige a demonstração de uma conexão instrumental em relação ao caso penal Nesse ponto aproximase do conceito de direito concreto para exigir já nas condições da ação um mínimo de vislumbre da concretude do direito material cujo reconhecimento se busca42 A denúncia deverá ser rejeitada nos termos do art 395 II do CPP com plena produção dos efeitos da coisa julgada formal e material Em suma com a modificação estabelecida pela Lei n 117912008 a questão deve ser analisada da seguinte forma a se a causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade estiver demonstrada no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa poderá o juiz rejeitála com base no art 395 II falta uma condição da ação penal qual seja a prática de um fato aparentemente criminoso b se o convencimento do juiz sobre a existência da causa e exclusão da ilicitude ou da culpabilidade somente for atingido após a resposta do acusado já tendo sido a denúncia ou queixa recebida portanto a decisão será de absolvição sumária art 397 432 Punibilidade Concreta Exigia o antigo e já revogado art 43 II do CPP que não se tenha operado uma causa de extinção da punibilidade cujos casos estão previstos no art 107 do Código Penal e em leis especiais para que a ação processual penal possa ser admitida Agora essa condição da ação também figura como causa de absolvição sumária prevista no art 397 IV do CPP Mas isso não significa que tenha deixado de ser uma condição da ação processual penal ou que somente possa ser reconhecida pela via da absolvição sumária Nada disso Deve o juiz rejeitar a denúncia ou queixa quando houver prova da extinção da punibilidade A decisão de absolvição sumária fica reservada aos casos em que essa prova somente é produzida após o recebimento da denúncia ou seja após a resposta escrita do acusado Quando presente a causa de extinção da punibilidade como a prescrição decadência e renúncia nos casos de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada ou o réu absolvido sumariamente conforme o momento em que seja reconhecida Entre os casos disciplinados por leis especiais destacamos a título de exemplo e sumária análise o tratamento dado aos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n 813790 Havendo o pagamento do tributo devido antes do exercício da ação penal ou durante o processo após exercida e admitida a ação extinguese o poder punitivo do Estado impedindo assim o exercício da pretensão acusatória Logo deve a denúncia ser rejeitada ou absolvido sumariamente o réu O parcelamento não é causa extintiva da punibilidade mas de suspensão da pretensão acusatória e também da prescrição nos termos do art 9º da Lei n 10684 impedindo o prosseguimento do processo criminal Nesse caso havendo o integral cumprimento do parcelamento haverá a extinção da punibilidade e do processo Caso o réu não cumpra com as condições estabelecidas o processo criminal prosseguirá Destaquese que a Lei n 10684 emprega a expressão pretensão punitiva quando o correto seria pretensão acusatória incidindo no erro histórico anteriormente denunciado Desde a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no HC 81611 está consolidado o entendimento de que não pode ser admitida a ação penal antes do lançamento definitivo do débito fiscal com o esgotamento da esfera administrativa Assim verificando o juiz a existência de procedimento de natureza administrativofiscal deverá receber a ação penal mas suspender o processo até o julgamento definitivo na esfera administrativa ou o que nos parece mais correto suspender o próprio ato decisório Não agindo assim caberá habeas corpus no tribunal respectivo visando à suspensão do processo até o julgamento definitivo do procedimento administrativo Em qualquer caso de suspensão do feito também haverá a suspensão da prescrição Caso esteja suspensa a decisão que recebe ou rejeita a denúncia e sobrevenha decisão favorável ao contribuinte com a procedência o recurso fiscal não haverá débito ou exigibilidade Nesse caso deverá ser rejeitada a denúncia por falta de condição da ação penal nos termos do art 395 II Caso já tenha sido admitida a ação processual penal suspenso portanto estará o processo penal deverá o juiz absolver sumariamente o réu com base no art 397 IV do CPP 433 Legitimidade de Parte Dessa forma nos processos que tenham por objeto a apuração de delitos perseguíveis através de denúncia ou de ação penal de iniciativa pública o polo ativo deverá ser ocupado pelo Ministério Público eis que nos termos do art 129 I da Constituição é o parquet o titular dessa ação penal Nas ações penais de iniciativa privada caberá à vítima ou seu representante legal arts 30 e 31 do CPP assumir o polo ativo da situação processual A doutrina brasileira na sua maioria entende que nessa situação ocorre uma substituição processual verdadeira legitimação extraordinária nos termos do art 6º do CPC na medida em que o querelante postularia em nome próprio um direito alheio ius puniendi do Estado É um erro bastante comum daqueles que sem atentar para as categorias jurídicas próprias do processo penal ainda pensam através das distorcidas lentes da teoria geral do processo Contudo infelizmente também incide nele gente historicamente comprometida com a recusa à teoria unitária como é o caso de TUCCI43 que talvez não tenha percebido o erro da construção de Binding fazendo com que o acusador seja colocado no processo penal em posição similar a de credor do processo civil como explicamos anteriormente ao tratar do objeto do processo penal Compreendido que o Estado exerce o poder de punir no processo penal não como acusador mas como juiz tanto o Ministério Público como o querelante exercitam um poder que lhes é próprio ius ut procedatur pretensão acusatória ou seja o poder de acusar Logo não corresponde o poder de punir ao acusador seja ele público ou privado na medida em que ele detém a mera pretensão acusatória Assim em hipótese alguma existe substituição processual no processo penal Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo específico sobre o objeto do processo penal onde explicamos porque não há que se falar em substituto processual mais um típico exemplo de inadequada transmissão de categorias do processo civil para o processo penal Recordemos ainda que tecnicamente é errado falar em ação penal pública pois como visto toda ação é um direito público Falemos pois em ação penal de iniciativa pública ou de iniciativa privada Também podem ser utilizadas as expressões delitos perseguíveis mediante denúncia e delitos perseguíveis através de queixa A legitimidade deve ser assim considerada Legitimidade ativa está relacionada com a titularidade da ação penal desde o ponto de vista subjetivo de modo que será o Ministério Público nos delitos perseguíveis mediante denúncia e do ofendido ou seu representante legal nos delitos perseguíveis através de queixa É ocupada pelo titular da pretensão acusatória Especificamente no processo penal a legitimidade decorre da sistemática legal adotada pelo legislador brasileiro e não propriamente do interesse Por imperativo legal nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Ministério Público será sempre legitimado para agir Já nos delitos de ação penal de iniciativa privada somente o ofendido ou seu representante legal poderá exercer a pretensão acusatório através da queixacrime Legitimidade passiva decorre da autoria do injusto típico O réu pessoa contra a qual é exercida a pretensão acusatória deve ter integrado a situação jurídica de direito material que se estabeleceu com o delito autorvítima Em outras palavras a legitimação passiva está relacionada com a autoria do delito Também não se podem desconsiderar os limites impostos pela culpabilidade penal especialmente no que se refere à inimputabilidade decorrente da menoridade em que o menor de 18 anos e de nada interessa eventual emancipação civil é ilegítimo para figurar no polo passivo do processo penal A imputação deve ser dirigida contra quem praticou o injusto típico Não se deve esquecer que nesse momento não pode ser feito um juízo de certeza mas sim de mera probabilidade verossimilhança da autoria A probabilidade da autoria vem dada pelos elementos de convicção que devem acompanhar a denúncia ou queixa Não existe qualquer presunção de veracidade no afirmado pelo acusador até porque iria de encontro à presunção de inocência do réu Assim é imprescindível que a peça acusatória venha instruída com elementos suficientes para demonstrar o fumus commissi delicti em grau de probabilidade isto é elementos cognoscitivos seguros e válidos Daí a importância da investigação preliminar do inquérito policial para fornecimento desses dados A ilegitimidade ativa ou passiva leva à rejeição da denúncia ou queixa nos termos do art 395 II do CPP ou ainda permite o trancamento do processo através de habeas corpus eis que se trata de processo manifestamente nulo art 648 IV por ilegitimidade de parte art 564 II A ilegitimidade de parte permite que seja promovida nova ação eis que tal decisão faz apenas coisa julgada formal Corrigida a falha a ação pode ser novamente intentada É o que acontece vg quando o ofendido ajuíza a queixa em delito de ação penal pública A rejeição da queixa não impede que o Ministério Público ofereça a denúncia Por fim destaquese que a rejeição da denúncia ou queixa por ilegitimidade de parte não faz coisa julgada material mas meramente formal não impedindo o ajuizamento de nova ação observado em caso de queixacrime o prazo decadencial de 6 meses contados da data do fato ou do dia em que vier o querelante a saber quem é o autor pois esse prazo não se interrompe nem suspende 434 Justa Causa Prevista no art 395 III do CPP a justa causa é uma importante condição da ação processual penal Em profundo estudo sobre o tema ASSIS MOURA44 adverte sobre a indefinição que paira em torno do conceito na medida em que causa possui significado vago e ambíguo enquanto que justo constitui um valor E prossegue45 lecionando que a justa causa exerce uma função mediadora entre a realidade social e a realidade jurídica avizinhandose dos conceitosválvula ou seja de parâmetros variáveis que consistem em adequar concretamente a disciplina jurídica às múltiplas exigências que emergem da trama do tecido social Mais do que isso figura como um antídoto de proteção contra o abuso de Direito46 Evidencia assim a autora que a justa causa é um verdadeiro ponto de apoio topos para toda a estrutura da ação processual penal uma inegável condição da ação penal que para além disso constitui um limite ao abuso do ius ut procedatur ao direito de ação Considerando a instrumentalidade constitucional do processo penal conforme explicamos anteriormente o conceito de justa causa acaba por constituir numa condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar A justa causa não está apenas para condicionar a ação penal mas também deve ser considerada quando do decreto de uma prisão cautelar e mesmo sentença penal condenatória no caso concreto Como explica ASSIS MOURA a base para o exame será sempre a mesma e a resposta deverá resultar da verificação de tais situações específicas porque obviamente cada uma delas exige o preenchimento de determinados e específicos requisitos A justa causa identificase com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação e a própria intervenção penal Está relacionada assim com dois fatores existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e de outro com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal 4341 Justa Causa Existência de Indícios Razoáveis de Autoria e Materialidade Deve a acusação ser portadora de elementos geralmente extraídos da investigação preliminar inquérito policial probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais Caso os elementos probatórios do inquérito sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal deve o juiz rejeitar a acusação Não há que se confundir esse requisito com a primeira condição da ação fumus commissi delicti Lá exigimos fumaça da prática do crime no sentido de demonstração de que a conduta praticada é aparentemente típica ilícita e culpável Aqui a análise deve recair sobre a existência de elementos probatórios de autoria e materialidade Tal ponderação deverá recair na análise do caso penal à luz dos concretos elementos probatórios apresentados A acusação não pode diante da inegável existência de penas processuais ser leviana e despida de um suporte probatório suficiente para à luz do princípio da proporcionalidade justificar o imenso constrangimento que representa a assunção da condição de réu É o lastro probatório mínimo a que alude JARDIM47 exigido ainda pelos artigos 12 39 5º 46 1º e 648 I a contrário senso do Código de Processo Penal 4342 Justa Causa Controle Processual do Caráter Fragmentário da Intervenção Penal Como bem sintetiza BITENCOURT48 o caráter fragmentário do Direito Penal significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes É ainda um corolário do princípio da intervenção mínima e da reserva legal como aponta o autor A filtragem ou controle processual do caráter fragmentário encontra sua justificativa e necessidade na inegável banalização do Direito Penal Quando se fala em justa causa está se tratando de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas processuais que ele contém Inclusive se devidamente considerado o princípio da proporcionalidade visto como proibição de excesso de intervenção pode ser visto como a base constitucional da justa causa Deve existir no momento em que o juiz decide se recebe ou rejeita a denúncia ou queixa uma clara proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual de um lado e o custo do processo penal de outro Nessa dimensão situamos as questões relativas à insignificância ou bagatela Considerando que toda categorização implica reducionismo e frágeis fronteiras à complexidade não negamos que a insignificância possa ser analisada na primeira condição fumaça de crime na medida em que incide diretamente na tipicidade Contudo para além das infindáveis discussões teóricas no campo da doutrina penal nenhum impedimento existe de que o juiz analise isso à luz da proporcionalidade da ponderação dos bens em jogo ou ainda da própria estrutura do bem jurídico e da missão do Direito Penal E quando fizer isso estará atuando na justa causa para a ação processual penal49 Quanto à decisão que reconhece a falta de justa causa devese considerar que a No primeiro caso falta de suporte probatório suficiente a acusação deverá ser rejeitada sem que essa decisão implique julgamento de mérito Logo enquanto não extinta a punibilidade poderá ser proposta nova ação penal desde que surjam novas e relevantes provas que modifiquem a situação50 Contudo uma vez iniciado o processo é mais benéfico para o réu que se produza uma decisão antecipada de mérito absolvendoo com base no art 386 do CPP dependendo da fundamentação utilizada pelo juiz b No segundo caso controle processual do caráter fragmentário do Direito Penal a falta de justa causa conduzirá a um julgamento antecipado de mérito com a absolvição sumária do réu nos termos do art 397 III atipicidade da conduta Haverá assim a produção de plenos efeitos da coisa julgada impedindose novo processo contra o mesmo réu por esse fato Gravíssima lacuna existe no art 397 pois não prevê como causa de absolvição sumária a falta de justa causa A infeliz mesóclise do art 396 fez com que o juiz recebesse a denúncia ou queixa antes da defesa preliminar cabendo após esse ato a absolvição sumária que não contempla a falta de justa causa como seu fundamento Dessa forma todas as demais condições da ação podem ser analisadas em dois momentos quando da decisão de rejeição liminar ou após em sede de absolvição sumária Dependendo do caso é perfeitamente possível que o juiz se convença após a defesa escrita e portanto após o recebimento da acusação que não há justa causa O que deverá fazer Pensamos que as seguintes decisões são possíveis a anular a decisão de recebimento e logo a seguir decidir pela rejeição da denúncia art 395 III b ou em sendo adotado o entendimento de que não cabe rejeição após o recebimento da acusação não se desconhece a histórica divergência teórica deve ser proferida a decisão de absolvição sumária aplicando o art 397 III do CPP por analogia c ou ainda deverá proferir uma decisão de extinção do feito sem julgamento do mérito Como regra sugerimos que seja tomada a primeira decisão pois processualmente é mais adequada ao sistema legal Quando o juiz após a resposta do réu convencese de que não existe justa causa em qualquer das duas dimensões apontadas poderá perfeitamente desconstituir o ato de recebimento anulandoo para a seguir proferir uma decisão de rejeição liminar Isso porque não existe preclusão pro iudicato ou seja nada impede que o juiz desconstitua seu ato e a seguir pratique aquele juridicamente mais adequado Por fim ainda resta o habeas corpus para trancamento do processo por falta de justa causa art 648 I do CPP Há que se destacar a equivocada leitura feita por alguns tribunais brasileiros em torno da sumariedade da cognição do habeas corpus Não se pode confundir dilação probatória como análise do suporte probatório necessário para a ação penal A primeira realmente vedada pela própria essência do writ impede que se instaure uma verdadeira instrução com produção de provas oitiva de testemunhas realização de perícias etc no trâmite dessa ação constitucional Isso está correto Completamente diferente é analisar e cotejar os elementos contidos no inquérito policial com o suporte probatório exigido para que a acusação seja recebida Isso sim pode e deve ser feito no bojo do habeas corpus Como adverte ASSIS MOURA51 no âmbito do habeas corpus deve ser realizado o cotejo dos elementos colhidos na fase préprocessual ainda que documentalmente deve ser prova préconstituída com a acusação formulada em juízo sob pena de perpetuarse a coação ilegal com a manutenção do processo sem justa causa cometendo notória injustiça E mais adverte a autora em preciosa lição que impossibilitar a análise da prova significa impedir no caso concreto o reexame da decisão que recebe a denúncia ou a queixa além de tornar letra morta o art 5º LXVIII da CF que garante o instrumento do writ para pôr termo à violência decorrente de ilegalidade ou de abuso de poder Deflui mais que desprezar a análise da ilegalidade sob o argumento de que a prova não pode ser examinada no âmbito do habeas corpus é inquestionavelmente forma de denegação de justiça grifo nosso 44 Outras Condições da Ação Processual Penal Para além das enumeradas e explicadas anteriormente existem outras condições que igualmente condicionam a propositura da ação processual penal Alguns autores chamam de condições específicas em contraste com as condições genéricas anteriormente apontadas Mais usual ainda é a classificação de condições de procedibilidade especificamente em relação à representação e à requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação penal pública condicionada Contudo razão assiste a TUCCI quando esclarece que tais classificações não possuem sentido de ser na medida em que tanto a representação como a requisição do Ministro da Justiça nada mais são do que outras condições para o exercício do direito à jurisdição penal52 Mas para além da representação e da requisição do Ministro da Justiça existem outras condições da ação exigidas pela lei penal ou processual penal como por exemplo enumeração não taxativa a poderes especiais e menção ao fato criminoso na procuração que outorga poderes para ajuizar queixacrime nos termos do art 44 do CPP b a entrada no agente no território nacional nos casos de extraterritorialidade da lei penal para atender à exigência contida no art 7º do Código Penal c o trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento no crime do art 236 parágrafo único do CP d prévia autorização da Câmara dos Deputados nos crimes praticados pelo Presidente ou Vice Presidente da República bem como pelos Ministros de Estado nos termos do art 51 I da Constituição Em qualquer desses casos a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art 395 II do CPP Caso não tenha sido percebida a falta de uma das condições da ação e o processo tenha sido instaurado deve ser trancado o processo através de habeas corpus ou extinto pelo juiz decisão meramente terminativa Quanto aos efeitos da decisão não haverá julgamento de mérito podendo a ação ser novamente proposta desde que satisfeita a condição enquanto não se operar a decadência no caso da representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa ou a prescrição 45 O DesControle das Condições da Ação nos Juizados Especiais Criminais Em que pese os Juizados Especiais Criminais serem objeto de estudo específico mais adiante cumpre agora desvelar mais um dos seus graves inconvenientes a falta de controle sobre as condições da ação quando do recebimento das denúncias e queixas Inicialmente criados para desafogar as varas criminais retirando delas uma série de crimes de menor potencial ofensivo cujo erro já começa pela errônea escolha do critério quantitativo de pena para a seletividade a crise dos JECs principia com o fracasso nessa missão Não houve o tal desafogo e no seu lugar surgiu uma demanda nova e imensa uma verdadeira enxurrada de novas acusações criminais por condutas absolutamente irrelevantes e insignificantes para o Direito Penal Pior ressuscitou no imaginário coletivo todo um rol de condutas absolutamente irrelevantes para a Justiça Penal que não deveriam mais ser objeto de tutela penal trazendo ainda de volta toda a lei de contravenções penais Isso agudizou a crise identitária do Direito Penal e por consequência a própria crise do bem jurídico Processualmente absurdos atropelos de direitos e garantias fundamentais são cometidos em nome da informalidade e eficiência leiase utilitarismo antigarantista Mais grave ainda é a relativização da presunção de inocência e de todo rol de direitos e garantias que fundam o devido processo penal Em geral os juízes e turmas recursais operam a partir de uma equivocada e inconstitucional lógica de que se o fato é de menor gravidade e a sanção também haveria um menor nível de exigência probatória e rigor formal Isso está completamente errado A presunção de inocência não admite essa relativização e tampouco pode ser ressuscitado o sistema de prova tarifada do processo inquisitório sendo que para um delito grave exigiase prova plena mas para os delitos menos graves a prova poderia ser semiplena Isso não existe mais advirtase Daí por que no lugar onde mais deveria se realizar a filtragem processual com uma enxurrada de ações penais sendo rejeitadas ou não recebidas é exatamente onde menos se controlam as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa O fato de sua competência ser restrita aos crimes de menor potencial ofensivo não dispensa a demonstração e análise das condições da ação especialmente a exigência de demonstração da fumaça do crime e da justa causa Ainda que se trate de crime de menor potencial ofensivo devese verificar se há relevância jurídicopenal na conduta Em se tratando de conduta insignificante sob ponto de vista jurídicopenal deve a denúncia ou queixa ser rejeitada Da mesma forma se não vier instruída com um mínimo de elementos probatórios da tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma as condições da ação também são exigidas no Juizado Especial Criminal ainda que em geral os que lá atuam disso se tenham olvidado ou assim façam parecer pelo encobrimento gerado pelo utilitarismo estruturante do discurso da informalidade 5 Ação Penal de Iniciativa Pública 51 Introdução e Cuidados Necessários Na sistemática brasileira para saber de quem será a legitimidade ativa para propor a ação penal devese analisar qual é o delito ainda que em tese praticado verificando no Código Penal a disciplina definida para a ação processual penal Mas não basta analisar o tipo penal supostamente praticado deve se verificar todo o Capítulo e às vezes até o Título no qual estão inseridos o capítulo e a descrição típica Exemplo do perigo que encerra uma análise apressada nos dá o delito estupro previsto no art 213 do CP O tipo penal não faz nenhuma referência à ação penal conduzindo à equivocada conclusão de que seria de iniciativa pública incondicionada Errado a disciplina dessa matéria em relação ao delito de estupro e todos os demais elencados naquele capítulo e seguintes está prevista no art 225 do CP Outra questão que costuma surpreender os concursantes pois na realidade isso não é nada comum diz respeito ao delito de furto praticado em prejuízo do cônjuge divorciado ou judicialmente separado irmão legítimo ou ilegítimo tio ou sobrinho com quem o agente coabita Pela sistemática do art 155 e seguintes do Código Penal a ação penal é de iniciativa pública incondicionada Contudo nesses casos encontramos lá no art 182 do CP disciplina diferente nesses casos a ação é de iniciativa pública mas condicionada à representação do ofendido Esses exemplos servem apenas de advertência de que a análise deve ser cautelosa antes de afirmarse qual é a legitimidade ativa da ação processual penal Contudo se verificada a disciplina do Código Penal nenhuma referência existir em relação à ação processual penal significa que ela será de iniciativa pública e incondicionada cabendo ao Ministério Público exercêla Por outro lado será de iniciativa pública condicionada quando o tipo penal expressamente disser que somente se procede mediante representação ou que somente se procede mediante requisição do Ministro da Justiça vg art 145 parágrafo único do CP Por fim será de iniciativa privada pois todas as ações são públicas como explicado anteriormente quando o Código Penal disser expressamente que somente se procede mediante queixa Assim a regra é que os delitos sejam objeto de ações penais de iniciativa pública e incondicionada As exceções iniciativa privada ou pública condicionada são expressamente previstas na lei 52 Regras da Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada ou Incondicionada Definidas essas advertências iniciais cumpre analisar as regras para alguns autores princípios que norteiam a ação penal de iniciativa pública seja ela condicionada ou incondicionada 521 Oficialidade ou Investidura A ação penal de iniciativa pública é atribuição exclusiva do Ministério Público nos termos do art 129 I da Constituição Significa que somente os membros do Ministério Público estadual ou federal devidamente investidos no cargo é que podem exercêla através da denúncia 522 Obrigatoriedade ou Legalidade A ação penal de iniciativa pública está regida pelo princípio da obrigatoriedade no sentido de que o Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia sempre que presentes as condições da ação anteriormente apontadas prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta justa causa A legitimidade é inequívoca diante da titularidade constitucional para o exercício da ação penal nos delitos de iniciativa persecutória pública Não estando presentes essas condições deverá o promotor postular o arquivamento do inquérito policial ao juiz Não poderá o promotor arquivar o inquérito menos ainda a polícia nos termo do art 17 do CPP senão postular seu arquivamento ao juiz Em última análise a decisão de arquivamento é de competência do juiz A obrigatoriedade não consagrada expressamente53 mas extraída da leitura do art 24 e do seu caráter imperativo encontra sua antítese nos princípios da oportunidade e conveniência não adotados no Brasil na ação de iniciativa pública em que caberia ao Ministério Público ponderar e decidir a partir de critérios de política criminal com ampla discricionariedade Em nosso sistema isso não existe e estando presentes os requisitos legais para o exercício da ação penal deverá54 o Ministério Público oferecer a denúncia O dever de agir faz com que não exista margem de atuação entre denunciar pedir diligências complementares ou postular arquivamento Ou denuncia se presentes as condições da ação ou pede diligências complementares nos termos do art 16 ou postula de forma fundamentada o arquivamento Mesmo postulando o arquivamento haverá sobre ele um controle jurisdicional pois determina o art 28 que em não concordando o juiz com as razões apontadas pelo Ministério Público no pedido de arquivamento encaminhará o inquérito ou peças de convicção para o procuradorgeral cabendo a este decidir entre oferecer denúncia designar outro promotor para analisar o caso55 ou insistir no pedido de arquivamento quando estará então o juiz obrigado a acolhêlo56 pois não pode ele juiz acusar ou iniciar o processo sem prévia acusação Quanto à rigidez do princípio concordamos com RANGEL57 no sentido de que a Lei n 9099 a amenizou mas não muito em relação aos delitos de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxima não supere 2 anos58 Isso porque nesses delitos poderá o Ministério Público deixar de propor a ação penal e em seu lugar ofertar a transação penal art 76 da Lei n 9099 Tratase de relativização do princípio da obrigatoriedade ou ainda de uma nova concepção a ser incorporada no sistema processual penal brasileiro discricionariedade regrada Mas é importante destacar está muito longe de qualquer consagração de oportunidade e conveniência Tratase apenas de situações muito restritas e devidamente disciplinadas em que o Ministério Público tem uma pequena e bem circunscrita esfera de negociação com o imputado dentro de rígidos critérios legais 523 Indisponibilidade Não apenas está o MP obrigado a denunciar ou pedir o arquivamento senão que uma vez iniciado o processo não pode ele desistir dispor da ação penal Tratase de uma medida de política criminal que a nosso ver deveria ser repensada à luz do que explicamos ao tratar do objeto do processo penal e da pretensão acusatória Mas enquanto isso não for feito a indisponibilidade segue vigorando Não pode o Ministério Público desistir da ação penal que tenha interposto art 42 ou mesmo do recurso art 576 do CPP Não se confunde com a indisponibilidade e tampouco a viola o fato de o Ministério Público pedir a absolvição do réu em plenário no júri ou no debate oral do rito ordinário e sumário Tampouco significa que seja o MP uma parte imparcial até porque tal monstro de duas cabeças é um absurdo juridicamente No processo penal o MP não é e nunca foi uma parte imparcial até porque se é parte jamais seria imparcial A imparcialidade é atributo do juiz pois ele não é parte Logo seria o mesmo que tentar reduzir a quadratura ao círculo na célebre crítica de CARNELUTTI Ademais tal construção desconsidera ou desconhece que o Ministério Público é uma parte artificialmente construída para ser o contraditor natural do sujeito passivo e que nasce na superação do sistema inquisitório como uma forma de retirar poderes do juiz instrutorinquisidor Logo construído para ser parte e assegurar a imparcialidade do juiz o único verdadeiramente concebido para ser imparcial Então quando o MP pede a absolvição não o faz por imparcialidade e tampouco por dispor da ação penal senão que como agente público está obrigado à estrita observância dos princípios da objetividade impessoalidade e principalmente legalidade Logo é absolutamente ilegal acusar alguém ou pedir a condenação no final do processo quando não existe justa causa punibilidade concreta ou prova suficiente de autoria e materialidade Nessa seara situase a discussão Por fim na mesma linha argumentativa da regra anterior a Lei n 9099 amenizou também o rigor dessa regra criando uma disponibilidade ou discricionariedade regrada Não se trata de ampla disposição mas de situações devidamente disciplinadas em que a regra é atenuada Nesse sentido a suspensão condicional do processo art 89 da Lei n 9099 cria uma situação em que uma vez aceita suspende o processo e cumpridas as condições extinguese a própria punibilidade Tratase de situação devidamente disciplinada que timidamente atenua o rigor da obrigatoriedade e da indisponibilidade Não é propriamente uma exceção à regra senão de tênue diminuição do seu rigor Na mesma dimensão situase a transação penal prevista no art 76 da referida Lei 524 Indivisibilidade O princípio da indivisibilidade tem aplicação pacífica na ação penal de iniciativa privada mas não nos crimes de ação penal pública Contrários à aplicação do princípio da indivisibilidade encontramos algumas decisões do STJ e do STF Entre outras citamos a proferida no RHC 951410 Rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 06102009 que rechaçou a tese do arquivamento implícito e relativizou o princípio da indivisibilidade da ação penal pública59 Essa é a posição dos tribunais superiores mas com a qual não concordamos pois estabelece um paradoxo principalmente quando interpretado de forma sistemática à luz dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade Sendo obrigatória e indisponível a ação pública não vemos como sustentar sua divisibilidade No fundo essa posição não é técnica mas de política processual pois o que está a legitimar é a possibilidade de não denunciar alguém ou algum delito neste momento para fazêlo posteriormente atendendo ao interesse e à estratégia do acusador É com base nesta relativização do princípio da obrigatoriedade que também estão fulminando as regras da conexão e continência para separar aqueles que possuem prerrogativa de função dos demais sem essa prerrogativa da seguinte forma o MP denuncia junto ao juízo de primeiro grau aqueles que não possuem prerrogativa de função e posteriormente aqueles agentes políticos com prerrogativa junto ao respectivo tribunal violando assim a unidade de processo e julgamento imposto pelos arts 76 e 77 do CPP Tratase de decorrência natural e lógica das regras anteriores ou seja se a ação penal é obrigatória e indisponível como explicado obviamente é indivisível no sentido de que deve abranger a todos aqueles que aparentemente tenham cometido a infração Possível aqui uma analogia com o art 48 pois se a ação penal de iniciativa privada que é disponível e facultativa é indivisível com mais razão é a de iniciativa pública Procurase evitar aqui uma escolha abusiva por parte de quem acusa para impedir se a eleição de réus A acusação deverá abranger a todos aqueles que tenham concorrido para o delito desde que presentes as condições da ação Com a devida vênia pensamos não ser acertado o argumento de que somente a ação penal de iniciativa privada seria indivisível pois o art 48 não faz menção à de iniciativa pública O art 48 não faz e nem deveria fazer menção à indivisibilidade da ação penal pública porque ela a indivisibilidade é uma condição de possibilidade das anteriores obrigatoriedade e indisponibilidade Tampouco há que se argumentar em torno do aditamento como sintoma de uma suposta divisibilidade São situações completamente distintas O aditamento é uma ampliação complementação da acusação quando surgirem fatos ou provas novas Não existe uma faculdade do MP de ao denunciar escolher fatos eou pessoas para depois aditar e incluir os faltantes Elementar que não O aditamento é um instrumento excepcional para incluir fatos ou pessoas que quando do oferecimento da denúncia não tinham elementos probatórios suficientes A ação penal de iniciativa pública é regida pelo princípio da indivisibilidade disso não temos dúvida Contudo há que se destacar um problema de eficácia se o MP não denunciar a todos qual é a sanção processual Nenhuma Não existe como na ação de iniciativa privada a sanção prevista no art 49 extinção da punibilidade para todos Esse é o problema e que gera algumas interpretações no sentido de que o princípio da indivisibilidade não vigeria na ação pública Entendemos que ele vige mas não tem uma sanção processual pela sua inobservância Mas isso não é novidade pois inúmeros outros casos de princípios sem sanção existem no processo penal brasileiro a começar pela falta de sanção pela inobservância dos prazos de duração do inquérito da instrução etc como explicamos ao tratar do prazo razoável Mas por honestidade acadêmica devemos destacar que nosso entendimento não encontra guarida nas decisões do STF e do STJ ao menos por ora Noutra dimensão recordemos que não havendo suficiente fumus commissi delicti legitimidade passiva ou justa causa o MP deverá pedir o arquivamento em relação àqueles fatos imputados Em nada resta violada a regra da indivisibilidade nesses casos Se o inquérito policial apurar que determinado injusto penal foi praticado por A B e C e o Ministério Público oferecer denúncia apenas contra A e B não incluindo na acusação e tampouco pedindo o arquivamento em relação ao C caberá a ao ofendido oferecer a queixacrime subsidiária ação penal privada subsidiária da pública em face do imputado C pois houve inércia do MP em relação a ele b a aplicação por parte do juiz do art 28 do CPP por analogia pois estamos diante de um arquivamento implícito em relação ao indiciado C Como explica JARDIM60 o arquivamento implícito decorre da má sistematização da matéria por parte do CPP de modo que se o MP deixar de incluir na denúncia algum fato ou indiciado sem expressa fundamentação terá se operado a omissão que o constitui Assim se o juiz também não se manifestar sobre o fato ou sujeito estará consolidado o arquivamento Daí por que o arquivamento é na verdade tácito decorrendo da omissão do MP e da inércia do juiz que poderia ter utilizado o art 28 remetendo para o procuradorgeral caso não concordasse A matéria é extremamente relevante na medida em que operado o arquivamento tácito ou implícito não caberá aditamento ou nova denúncia em relação àquele fato ou autor salvo se existirem novas provas pois assim aponta acertadamente a Súmula n 524 do STF Novamente destacamos como já feito anteriormente no capítulo destinado ao estudo do inquérito policial quando tratamos do arquivamento que a teoria do arquivamento implícito não é de pacifica aplicação tendo inclusive resistência no STF em admitilo como se viu no acórdão acima citado Por fim como aponta RANGEL61 nas infrações penais de menor potencial ofensivo cujo tratamento processual vem dado pela Lei n 9099 a transação penal poderá atenuar o princípio da indivisibilidade da ação penal Assim se em determinada infração penal de menor potencial ofensivo forem apontados três autores e dois deles aceitarem a transação penal a denúncia será oferecida apenas em relação ao que não aceitou O processo assim será instaurado não contra os três autores da infração mas apenas em face daquele que não transacionou rompendo assim com a regra da indivisibilidade da acusação 525 Intranscendência Da mesma forma que a pena não pode passar da pessoa do condenado não pode a acusação passar da pessoa do imputado A regra não possui maior relevância processual pois a situação vem circunscrita previamente pelo Direito Penal A acusação está limitada na sua abrangência subjetiva aos limites impostos pelo Direito Penal no que se refere à autoria coautoria e participação Não havendo o vínculo concursal não há que se falar em transcendência da pena ou da acusação Assim a acusação somente pode recair sobre autor coautor ou partícipe do delito 53 Espécies de Ação Penal de Iniciativa Pública 531 Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada É a regra geral do sistema penal brasileiro no qual os delitos são objeto de acusação pública formulada portanto pelo Ministério Público estadual ou federal conforme seja a competência da Justiça Comum Estadual ou Comum Federal Essa ação será exercida através de denúncia instrumento processual específico da ação penal de iniciativa pública e de atribuição exclusiva do Ministério Público art 129 I da Constituição Daí por que é necessário advertir o processo penal somente poderá iniciar por denúncia do Ministério Público ou por queixa do ofendido ou representante legal nos crimes de iniciativa privada Não há exceção estando revogado o art 26 do CPP que previa a possibilidade de a ação penal nas contravenções ser iniciada pelo auto de prisão em flagrante ou por portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial Isso não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e no caso de contravenção penal a acusação será feita por denúncia do Ministério Público A denúncia deverá conter como exige o art 41 a exposição do fato criminoso descrição da situação fática com todas as suas circunstâncias logo tanto as circunstâncias que aumentemagravem a pena como também as que diminuamatenuem a pena a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo algo impensável atualmente pois o inquérito policial serve para apurar a autoria e permitir a perfeita identificação do imputado a classificação do crime sua tipificação legal até porque é ingenuidade senão máfé afirmar que o réu se defende dos fatos como explicaremos ao tratar da correlação e do art 383 do CPP e quando necessário sempre será salvo situação excepcionalíssima o rol de testemunhas o que será sempre necessário salvo situação excepcionalíssima até porque a pobreza dos meios de investigação e a falta de cientificidade da cultura investigatória fazem com que no Brasil a prova seja essencialmente testemunhal Quanto à clara exposição do fato criminoso além da necessidade de plena compreensão por parte do juiz e da defesa como se defender de uma acusação incompreensível exigese ainda que em caso de concurso de agentes eou crimes exista uma clara definição de condutas e agentes Ou seja inadmissível uma denúncia genérica que não faça a individualização da conduta praticada por cada réu62 Quanto à prova testemunhal é importante frisar que o momento para que o Ministério Público arrole sob pena de preclusão é o da denúncia bem como em se tratando de ação penal de iniciativa privada as testemunhas devem ser arroladas na queixa também sob pena de preclusão e impossibilidade de posterior postulação dessa prova A ausência dos elementos do art 41 especialmente a clara exposição do fato criminoso a identificação do réu e a classificação do crime que são elementos imprescindíveis conduz à inépcia da inicial acusatória devendo o juiz rejeitála conforme determina o art 395 I do CPP Essa decisão produz apenas coisa julgada formal não impedindo nova acusação desde que satisfeito o requisito Com relação à ausência das circunstâncias agravantes ou atenuantes bem como de eventuais causas de aumento ou diminuição ou mesmo a indicação do rol de testemunhas desde que exista suporte probatório documental para demonstrar a justa causa a denúncia deverá ser recebida Mas nesses casos operase contudo a preclusão em relação à prova testemunhal da acusação e à incidência dos limites decorrentes do princípio da correlação em relação às causas de aumentodiminuição agravantesatenuantes conforme explicaremos ao tratar desse tema Inclusive em relação a agravantes não contidas na acusação operase a impossibilidade de reconhecimento por parte do juiz diante da manifesta inconstitucionalidade do art 385 do CPP bem como incompatibilidade com o objeto do processo penal pretensão acusatória Quanto ao número de testemunhas recordando que a vítima não é testemunha e que portanto não integra o limite numérico63 temos como regra geral 8 testemunhas para o rito comum ordinário art 401 e 5 para o rito comum sumário art 532 Essa é uma regra geral permeada por exceções previstas em leis especiais como por exemplo o limite de 5 testemunhas para os delitos de tráfico de substâncias entorpecentes art 55 1º da Lei n 11343 A denúncia deverá ser oferecida como regra no prazo de 5 dias se o acusado estiver cautelarmente preso ou de 15 dias se estiver solto Esse prazo nos termos do art 46 contase da data em que o MP receber os autos do inquérito policial outro instrumento de investigação preliminar ou outras peças de convicção até porque o inquérito não é obrigatório Considerando que o sistema processual brasileiro não adota a estrutura de prazo com sanção pouca consequência prática terá o descumprimento desses limites temporais Estando o imputado solto a violação do prazo acarreta apenas o nascimento do direito de o ofendido ajuizar a queixa subsidiária E até quando poderá o MP ajuizar a denúncia Em tese até a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato calculada pela maior pena prevista no tipo penal a partir da análise dos prazos previstos no art 109 do CP Para nós cuja posição é minoritária a prescrição pela possível pena a ser aplicada prescrição em perspectiva pois não vislumbramos justa causa ou punibilidade concreta nesses casos Ademais há que se considerar o direito ao julgamento no prazo razoável redimensionando a questão do tempo do direito e seu abuso por parte da acusação sem perder de vista ainda a falta de credibilidade de uma prova produzida muitos anos depois do fato bem como a própria ineficácia da sanção penal tão descolada temporalmente do fato criminoso Mas esse entendimento é minoritário e não tem acolhida nos tribunais Estando o imputado preso a situação é muito mais crítica e a violação desse prazo deveria conduzir inexoravelmente à liberdade do imputado sem prejuízo de posterior oferecimento da denúncia e se necessária nova prisão cautelar atendendo ao caráter provisional das prisões preventivas consagrado no art 316 do CPP Mas infelizmente a jurisprudência brasileira tem sido extremamente complacente com a violação dos prazos processuais e não há notícias de habeas corpus interposto e acolhido pela violação dos 5 dias para oferecimento da denúncia Em geral como veremos ao tratar do writ os prazos não são computados de forma isolada para constituição do constrangimento ilegal da prisão senão globalmente de modo que somente após superado um limite muito mas muito maior de tempo é que se cogita de excesso de prazo e consequente soltura do imputado 532 Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada O diferencial nuclear dessa ação em relação à anterior está na exigência legal de que o ofendido ou representante legal faça a representação ou requisição do Ministro da Justiça quando a lei exigir para que o Ministério Público possa oferecer a denúncia É uma ação de iniciativa pública mas que está condicionada a uma espécie de autorização do ofendido para que possa ser exercida Essa autorização é a representação ou nos delitos praticados contra a honra do Presidente da República a requisição do Ministro da Justiça art 145 parágrafo único do CP Para nós é uma condição da ação mas alguns autores definem como condição de procedibilidade De qualquer forma o que importa é que o MP não pode proceder contra alguém sem que exista essa autorização do ofendido nem mesmo o inquérito pode ser formalmente instaurado sem ela diante da exigência do art 5º 4º do CPP Vejamos numa análise sistemática os requisitos da representação 1 Quanto ao Sujeito quem faz a representação é a vítima ou seu representante legal cônjuge ascendente descendente ou irmão art 24 1º A representação poderá ainda ser prestada através de procurador com poderes especiais art 39 Se o ofendido for 11 Menor de 18 anos quem faz a representação é seu representante legal pai mãe avós maternos ou paternos irmão maior de 18 anos e até mesmo os tios que detenham a guarda legal Quanto à problemática Súmula n 594 do STF entendemos que se trata de direito único mas com dois titulares de modo que uma vez operada a decadência estará fulminado o direito Assim quando a vítima for menor de 18 anos poderá ocorrer uma dessas situações 111 Se o menor leva ao conhecimento do representante legal o delito do qual foi vítima começa a correr o prazo de 6 meses para que seja feita a representação Não sendo realizada operase a decadência 112 Se o menor não conta para o representante legal quando completar 18 anos terá o prazo de 6 meses para fazer a representação Isso porque contra o menor de 18 anos não corre prazo e em relação ao representante legal também não pois não tinha conhecimento do ocorrido 12 Maior de 18 anos e menor de 21 até o advento do Código Civil cuja vigência é de 2003 a sistemática do CPP era de legitimidade concorrente pois a representação e uma série de outros institutos como o perdão e a renúncia poderia ser feita pela vítima ou pelo representante legal pois ela era considerada relativamente capaz para a prática dos atos da vida civil Contudo com o novo Código Civil operouse uma mudança no que se refere ao tratamento da capacidade Assim uma pessoa é plenamente capaz aos 18 anos Logo acabou toda e qualquer capacidade concorrente seja para representar perdoar ou renunciar quando a vítima tiver mais de 18 anos pois ela passou a ser plenamente capaz não havendo mais a possibilidade de o ascendente por exemplo representar por ele salvo se for constituído como seu procurador através de procuração com poderes especiais64 Para evitar qualquer confusão é importante destacar que essa alteração da legislação civil não afeta o Direito Penal de modo que o agente que possua entre 18 e 21 anos segue gozando de tratamento diferenciado como por exemplo com a incidência da atenuante da menoridade e a redução do prazo prescricional Isso porque na esfera penal vale o critério etário Já para o processo penal o critério utilizado é a capacidade para a prática dos atos da vida No que se refere ao polo passivo da representação autor do delito devese esclarecer que a representação não precisa identificar o imputado até porque essa identificação pode depender da investigação policial a ser realizada a partir dela Daí porque processualmente irrelevante é a representação que não identifique o autor do fato ou mesmo identifique parcialmente os agressores como pode ocorrer em caso de concurso de agentes Assim se a representação imputar a A a prática do fato e a investigação apurar que o delito foi praticado em coautoria ou com a participação de B a denúncia deverá ser formulada contra ambos princípio da indivisibilidade ainda que a representação tenha mencionado apenas um deles Isso porque a representação é uma autorização para que o Estado possa apurar a prática de um delito de ação penal pública condicionada incluindo aí todas as pessoas cuja responsabilidade penal venha a ser apurada Contudo se a intenção é fazer a representação diretamente no MP sem prévio inquérito o que é possível em tese mas pouco usual a questão muda radicalmente de tratamento devendo ela conter todos os elementos necessários para a formulação da denúncia 2 Quanto ao Objeto a representação tem por objeto um fato acrescida da autorização para que o Estado possa proceder no sentido de apurar e acusar a todos os envolvidos nesse fato delituoso 3 Forma dos Atos em que pese a relativização da forma da representação atualmente consagrada na jurisprudência existem alguns elementos básicos que devem constar 31 Quanto ao Lugar a representação poderá ser feita diretamente ao juiz MP ou na polícia Sendo feita ao juiz deverá ele encaminhála imediatamente ao Ministério Público e não à polícia como prevê o art 39 4º do CPP pois à luz do sistema acusatório constitucional não incumbe ao juiz determinar a abertura de inquérito policial senão encaminhar para o titular da ação penal pública Ministério Público para que ele decida entre denunciar direto pedir arquivamento investigar por si mesmo pedir diligência à polícia ou requisitar a instauração do IP Quando oferecida a representação diretamente à polícia deverá esta apurar a infração penal apontada através do IP 32 Tempo a representação deverá ser feita no prazo decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber65 quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser prorrogado interrompido ou suspenso Realizada no prazo legal será irrelevante que a denúncia seja oferecida após os 6 meses pois o prazo decadencial está atrelado exclusivamente à representação e uma vez realizada esta não se fala mais em decadência A representação poderá ser oferecida a qualquer dia e hora junto à autoridade policial e nos dias e horas úteis ao juiz ou promotor Importante destacar que o prazo decadencial não se prorroga logo se acabar no domingo por exemplo não se estende para segundafeira devendo a representação ser feita na polícia no domingo Quanto à forma de contagem do prazo aplicase a regra do art 10 do Código Penal de modo que o dia do começo incluise no cômputo do prazo Assim para saber o dia final basta projetar até seis meses depois e retroceder um dia Exemplo se tomou conhecimento no dia 0302 a representação poderá ser feita até o dia 0208 às 23h59min No primeiro minuto do dia 0308 terá se operado a decadência Importante destacar que a requisição do Ministro da Justiça não tem prazo para ser oferecida não se aplicando portanto ao prazo decadencial de 6 meses previsto para a representação Não há que se falar em analogia por inexistência de lacuna e principalmente porque não se pode por analogia criar uma causa de extinção desse ou de qualquer direito Assim a requisição e a posterior denúncia poderá ser feita até a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato ou como pensamos até a prescrição pela possível pena a ser aplicada prescrição em perspectiva pois não vislumbramos justa causa ou punibilidade concreta nesses casos 33 Forma art 39 e seus incisos 331 É facultativa estando subordinada a critérios de oportunidade e conveniência A vítima não está obrigada a representar e recordese sem sua autorização não pode o Estado proceder contra o autor do delito 332 Deve ser um ato de livre manifestação de vontade do ofendido O vício de consentimento anula a representação e leva à ilegitimidade ativa falta a condição da ação exigida pela lei do MP para promover a ação penal 333 Poderá ser prestada oralmente ou por escrito No primeiro caso será reduzida a termo pela autoridade no segundo poderá ser manuscrita ou datilografada mas deverá ter a firma reconhecida por autenticidade Quando não cumprir esse requisito legal a autoridade que o recebeu deverá intimar a vítima para que compareça querendo a fim de representar oralmente reduzindose a escrito Outra solução tendo em vista a tendência em flexibilizar os requisitos formais da representação é solicitar a ratificação no momento em que a vítima for ouvida desde que o faça antes de oferecida a denúncia e dentro do prazo decadencial de 6 meses A jurisprudência amenizou muito a forma prescrita no art 39 e atualmente entendese que a mera notíciacrime já é suficiente para implementarse o requisito legal Prevalece a doutrina da instrumentalidade das formas com uma flexibilização dos requisitos formais Assim importa mais o conteúdo manifestação de vontade da vítima no sentido de autorizar a apuração e acusação pelo Estado do que a forma66 A representação não é obrigatória e poderá haver retratação do ofendido Como prevê o art 25 a representação será irretratável depois de oferecida a denúncia logo perfeitamente retratável até o oferecimento da denúncia Retratarse aqui é retirar a autorização dada voltar atrás na representação Exige atenção o termo final da retratação oferecimento da denúncia Não é recebimento pelo juiz mas o mero oferecimento pelo Ministério Público E como se comprova o oferecimento da denúncia Pelo registro feito no livro carga Saindo das mãos do Ministério Público com a denúncia ofertada já não caberá a retratação A retratação poderá ser parcial Não é geral atingindo a todos os fatos cuja ação seja pública condicionada e todos os envolvidos Surge como uma decorrência da indivisibilidade da ação penal seja ela pública ou privada uma regra básica nessa matéria Inclusive em caso de concurso de pessoas em delito de ação penal pública condicionada havendo a retratação em relação a um dos agentes opera se a renúncia que a todos se estende art 49 por analogia É possível a retratação da retratação E como ela é feita Sim é possível a retratação da retração e ela se dá através de nova representação Ou seja a vítima faz a representação e se arrepende Desde que não tenha sido oferecida a denúncia ela pode se retratar voltar atrás e retirar a autorização que deu para o Estado atuar ou seja a representação Contudo pode ocorrer que após a retratação ela mude novamente de opinião e se arrependa agora da retratação feita Resolve que deseja ver o agressor submetido ao processo penal Então o que ela deve fazer Uma nova representação Logo a retratação da retração se dá através de nova representação desde que e isso é fundamental não tenham se passados os 6 meses entre a data do fato ou dia em que vier a saber quem é o autor e essa nova representação Isso porque a primeira representação feita e que foi objeto da retratação desaparece e o prazo segue correndo Contudo em sentido diverso opina TOURINHO FILHO67 com propriedade afirmando que a retratação da representação equivale a uma renúncia e portanto gera a extinção da punibilidade Logo ao se retratar estaria o ofendido renunciando ao direito de representação sendo incabível uma nova representação em momento posterior E nos crimes contra a honra de servidor público caberá retratação Com certeza Inserese na regra geral do art 25 Ademais a Súmula n 714 do STF consagrou a legitimidade concorrente entre o ofendido através de queixa e o Ministério Público condicionada a ação à representação do servidor Logo se representou pode se retratar desde que antes de oferecida a denúncia Se optou pela queixa tanto poderá renunciar se ainda não a exerceu como poderá ofertar o perdão ou mesmo desistir e dar lugar à perempção se já exerceu a queixa É possível retratação da requisição do Ministro da Justiça Entendemos que sim na mesma linha de PACELLI68 pois é submetida aos mesmos critérios de oportunidade e conveniência da vítima aqui especialmente à conveniência e ao interesse político tendo em vista a especial qualidade do ofendido Sem olvidar contudo que a retratação somente poderá se produzir quando feita antes de oferecida a denúncia Por fim antes de encerrar este tópico é importante destacar a alteração realizada pela Lei n 117052008 que modificou o art 291 do Código de Trânsito Brasileiro que passou a ter a seguinte redação Art 291 1º Aplicase aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts 74 76 e 88 da Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 exceto se o agente estiver I sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência II participando em via pública de corrida disputa ou competição automobilística de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor não autorizada pela autoridade competente III transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 kmh cinquenta quilômetros por hora 2º Nas hipóteses previstas no 1º deste artigo deverá ser instaurado inquérito policial para a investigação da infração penal Com isso presentes algumas daquelas situações previstas nos incisos I a III a ação penal passa a ser de iniciativa pública incondicionada Até o advento dessa Lei a ação penal nos crimes de trânsito de lesões corporais culposas era condicionada à representação Agora é incondicionada Também por força da nova lei nessas situações não se aplicam os institutos da composição dos danos civis e da transação penal previstos nos arts 74 e 76 da Lei n 9099 Feita essa ressalva finalizamos este tópico deixando claro que uma vez feita a representação desaparece a condição impeditiva da atuação por parte do Ministério Público A partir daí incidem todas as regras anteriormente explicadas sobre a ação penal de iniciativa pública oficialidade obrigatoriedade indisponibilidade indivisibilidade e intranscendência 533 Ação Penal de Iniciativa Pública Extensiva e a Problemática em Torno da Ação Penal nos Crimes Contra a Dignidade Sexual Lei n 120152009 Para os crimes contra os costumes designação utilizada até 2009 praticados até o advento da Lei n 120152009 prevalecia o entendimento de que a ação penal seguia as seguintes regras a como regra a ação penal é de iniciativa privada queixacrime b a lesão corporal leve é inerente ao tipo e não altera a natureza da ação penal ou seja segue sendo privada c será pública incondicionada quando ocorrer o resultado morte ou lesão corporal grave ou gravíssima Súmula n 608 do STF d a ação será pública condicionada à representação quando a vítima ou seus pais não puderem prover as despesas do processo sem privarse de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família antiga redação do art 225 do CP e será pública incondicionada quando o crime é cometido com abuso do pátrio poder ou da qualidade de padrasto tutor ou curador f sendo a violência presumida a ação penal é de iniciativa privada exceto quando ocorrer alguma das situações anteriormente descritas Para os crimes contra a dignidade sexual praticados após o advento da Lei n 120152009 o cenário é completamente distinto pois não mais haverá ação penal privada Com isso nos termos da nova redação do art 225 do Código Penal a como regra geral a ação penal será pública condicionada à representação b a ação penal será pública incondicionada se a vítima for menor de 18 anos c a ação penal será pública incondicionada se a vítima estiver em situação de vulnerabilidade ou seja for menor de catorze anos ou alguém que por enfermidade ou deficiência mental não tiver o necessário discernimento para a prática do ato ou que por qualquer outra causa não puder oferecer resistência d será pública incondicionada quando ocorrer o resultado morte ou lesão corporal grave ou gravíssima aplicação da Súmula n 608 do STF e as regras do crime complexo art 101 do CP Portanto a regra agora é que a ação penal seja de iniciativa pública mas condicionada à representação da vítima ou ao seu representante legal Excepcionalmente a ação penal será pública incondicionada vítima menor de 18 anos em situação de vulnerabilidade ou na situação da Súmula n 608 do STF violência que resulte lesão corporal grave gravíssima ou morte Não há mais hipóteses de cabimento da ação penal de iniciativa privada exceto a ação penal privada subsidiária da pública que como veremos na continuação é uma situação de legitimação extraordinária em caso de inércia do Ministério Público mas que não transforma a ação penal em privada ela continua sendo pública e regida por suas respectivas regras e princípios Importante esclarecer que a Súmula n 608 do STF segue com plena eficácia com a seguinte redação Súmula n 608 do STF No crime de estupro praticado mediante violência real a ação penal é pública incondicionada E não poderia ser diferente pois o estupro com resultado morte ou lesão corporal grave ou gravíssima é um crime complexo sendo nesse caso a ação penal pública incondicionada Aplicase nesses casos a regra contida no art 101 do Código Penal que determina que a ação penal será pública quando a lei considerar como elementar ou circunstância do tipo legal fatos que por si mesmos constituam crimes de ação penal pública como o resultado morte ou lesão corporal grave ou gravíssima Contudo chamamos a atenção do leitor para a ação penal no caso de estupro de vulnerável Com a promulgação da Lei n 120152009 a regra passou a ser a ação penal pública condicionada à representação abrindose a possibilidade do ajuizamento de ação penal pública incondicionada nos casos envolvendo menores de 14 anos ou pessoas em situação de vulnerabilidade Art 225 Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título procedese mediante ação penal pública condicionada à representação Parágrafo único Procedese entretanto mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 dezoito anos ou pessoa vulnerável Essa vulnerabilidade no entanto não se confunde com as hipóteses de incidência do crime do art 217A do CP estupro de vulnerável uma vez que a incapacidade hábil a fazer incidir o delito pode ser transitória e a vítima não mais se encontrar em situação de vulnerabilidade no momento da manifestação do desejo de representar estava vulnerável mas não é pessoa vulnerável A doutrina inclusive dá o exemplo às avessas do psicótico que medicado não era vulnerável no momento dos fatos sendo vítima de crime de estupro comum e não do crime de estupro de vulnerável No caso temse situação oposta em que a vítima muito embora em tese se encontrasse em situação de vulnerabilidade no momento dos fatos não é pessoa vulnerável para o fim de manifestar o desejo de representar A ideia é muito simples o caput do art 225 do CP estabelece que a regra é a ação pública condicionada à representação tanto para os crimes do Capítulo I crimes contra a liberdade sexual quanto do Capítulo II crimes sexuais contra vulnerável A exceção está no parágrafo único que prevê ação pública incondicionada para os crimes sexuais estejam eles previstos no Capítulo I ou II perpetrados contra menor de 18 anos ou pessoa vulnerável Art 225 Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título procedese mediante ação penal pública condicionada à representação Parágrafo único Procedese entretanto mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 dezoito anos ou pessoa vulnerável O vulnerável de que trata o dispositivo é a pessoa que de forma perene encontrase em situação de vulnerabilidade seja em razão da idade ou de enfermidade mental ou mesmo um coma estendido que não permita à sedizente vítima declarar sua vontade Assim como o psicótico que se medicado estiver não vai ser vulnerável para fins de definição do crime embora o seja para fins de definição da ação penal cabível pois se parar de tomar os remédios não terá condições de manifestar o desejo de representar a suposta vítima que se encontre vulnerável no momento da perpetração do delito não necessariamente se encontrará nesse estado quando da manifestação do desejo de representar essa a razão aliás pela qual existem duas disposições distintas nesse sentido uma no caput e outra no parágrafo único A vulnerabilidade de que trata a nova redação do art 225 parágrafo único in fine do CP é a do menor impúbere ou do enfermo mental que por circunstâncias perenes a menoridade ou a situação incapacitante perdurável é incapaz de manifestar vontade mesmo muito tempo depois de transcorridos os supostos fatos Não abrange a situação do indivíduo momentaneamente alcoolizado ou incapaz por qualquer outra razão de expressar vontade em toda a sua dimensão mas que se encontra no pleno gozo de suas faculdades mentais logo após o ocorrido Daí por que se afirmar que no que tange ao crime do art 217A supostamente perpetrado em desfavor de pessoa que no momento dos fatos se encontrava em situação transitória de vulnerabilidade estava vulnerável mas não é vulnerável a ação continua seguindo a regra geral do CP sendo pública condicionada à representação EM SUMA a vulnerabilidade tem duas dimensões a Vulnerabilidade penal é a dimensão penal do tipo que aumenta o juízo de desvalor da conduta e se justifica diante da necessidade de punir mais severamente quem se aproveita daquela situação de hipossuficiência da incapacidade da vítima para praticar o crime Pode assim ser uma vulnerabilidade transitória ou permanente não importando a questão temporal mas apenas a vulnerabilidade no momento do crime b Vulnerabilidade processual atende a critérios de caráter processual onde o referencial é a ação penal e as condições da ação O ponto crucial é a capacidade ou incapacidade postulatória para o processo para fazer ou não a representação no prazo de 6 meses Deve transcender o momento do crime não podendo ser transitória porque tem que se prolongar até o momento do exercício da condição de procedibilidade Portanto uma vítima embriagada pode estar vulnerável para o direito penal e a incidência do tipo mais grave e não ser vulnerável para o processo penal São dimensões diferentes que atendem a critérios e necessidades distintos A vítima após passar o estado de embriaguez que é temporário poderá exercer o direito de representação no prazo legal Se não o fizer haverá decadência pois a ação penal é pública condicionada a representação Isso porque o art 225 parágrafo único do CP que autoriza ação penal pública incondicionada não abrange a pessoa que ocasional e temporariamente se encontra nessa situação Neste sentido acertada a decisão do TJRS nos Embargos Infringentes n 70054018346 4º Grupo j 23082013 que fez a distinção entre vulnerabilidade permanente e transitória para fins processuais penais e definição da natureza da ação penal69 6 Ação Penal de Iniciativa Privada A ação penal será de iniciativa privada quando o Código Penal disser que somente se procede mediante queixa Como explicamos anteriormente ao tratar do objeto do processo penal nos delitos de ação penal de iniciativa privada o senso comum teórico segue repetindo que instituise a ação penal privada uma das hipóteses de substituição processual em que a vítima defende interesse alheio direito de punir em nome próprio70 Tratase de um erro imperdoável de quem partiu de uma premissa equivocada Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o particular é titular de uma pretensão acusatória e exerce o seu direito de ação sem que exista delegação de poder ou substituição processual Em outras palavras atua um direito próprio o de acusar da mesma forma que o faz o Ministério Público nos delitos de ação penal de iniciativa pública Ao ser regida pelos princípios da oportunidadeconveniência e disponibilidade se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória deverá o juiz extinguir o feito sem julgamento do mérito ou pela sistemática do CPP declarar a extinção da punibilidade pela perempção art 60 do CPP Como se vê a sistemática do CPP está em plena harmonia no que tange à ação penal de iniciativa privada com a posição aqui defendida Assim não há que se falar em substituição processual senão que o ofendido atua no processo penal uma pretensão acusatória que lhe é própria e não se confunde com o poder de penar que está a cargo do Estadojuiz A ação penal de iniciativa privada será exercida pelo ofendido ou seu representante legal através de queixacrime A queixa deverá conter os mesmos requisitos da denúncia pois assim exige o art 41 do CPP razão pela qual remetemos o leitor ao que foi explicado anteriormente Também deverá o juiz observar quando do oferecimento da queixa se estão presentes as condições da ação previstas no art 395 e anteriormente explicadas Não estando deverá rejeitála A esses requisitos do art 41 e condições da ação art 395 acrescentamos a necessidade de dar um valor à causa de alçada pois a queixa paga custas processuais conter procuração com poderes especiais nos termos do art 44 a descrição do fato constitui uma garantia contra uma eventual responsabilidade por denunciação caluniosa em relação ao advogado ainda que não seja um requisito imprescindível deverá o querelante pedir a condenação do querelado ao pagamento das custas e honorários advocatícios pois incide nesse tipo de ação salvo se for pedida e concedida a assistência judiciária gratuita 61 Regras que Orientam a Ação Penal de Iniciativa Privada Também na ação penal de iniciativa privada existem regras alguns consideram princípios que norteiam seu exercício e desenvolvimento a Oportunidade e conveniência a vítima não está obrigada a exercer a ação penal pois ao contrário da ação penal de iniciativa pública não há obrigatoriedade senão plena faculdade Caberá ao ofendido analisar o momento em que fará a acusação desde que respeitado o prazo decadencial de 6 meses bem como a conveniência de submeter seu caso penal ao processo ponderando as vantagens e desvantagens b Disponibilidade ao contrário da ação penal de iniciativa pública a ação penal de iniciativa privada é plenamente disponível no sentido de que poderá o ofendido renunciar ao direito de ação desistir do processo dando causa à perempção art 60 bem como perdoar o réu mas somente produzirá efeito em caso de aceitação c Indivisibilidade em que pese a facultatividade e disponibilidade por opção políticoprocessual a ação penal privada é indivisível no sentido de que não poderá o querelante escolher em caso de concurso de agentes contra quem irá oferecer a queixa Evitando um claro caráter vingativo através da escolha define o art 48 que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos e o Ministério Público velará por sua indivisibilidade A questão a saber é como se dará o controle da indivisibilidade por parte do MP Há quem entenda que não incluindo o querelante algum dos autores do fato e para tanto deve o inquérito ou contexto probatório demonstrar isso o MP poderia aditar a queixa para incluir o coautor ou partícipe excluído interpretação do art 45 Não concordamos Não tem o Ministério Público legitimidade para acusar alguém pela prática de um crime de iniciativa privada É manifesta a ilegitimidade Pensamos que o MP deve zelar pela indivisibilidade da ação através da aplicação do art 49 ou seja manifestandose pela extinção da punibilidade em relação a todos pois houve renúncia tácita Como muito seguindo a sugestão de NUCCI71 o Ministério Público invocará o querelante para que faça o aditamento sob pena de em não o fazendo terse como renunciado o direito a queixa em relação a todos Essa é a intervenção que o Ministério Público está legitimado a fazer E se na instrução surgirem novas provas indicando novos autores do delito caberá aditamento por parte do Ministério Público Seguimos entendendo que não por manifesta ilegitimidade Nesse caso recordemos o disposto no art 38 o qual dispõe que o prazo de seis meses para oferecimento da queixa começa a correr do dia em que vier a saber quem é o autor do crime Logo não houve renúncia pois o querelante não sabia quem era o coautor ou partícipe Então terá o querelante o prazo de 6 meses contados da data da audiência ou ato processual que definiu essa nova autoria para ajuizar a queixacrime No caso se ainda estiver tramitando o primeiro processo deverá haver reunião para julgamento simultâneo tendo em vista a existência de continência art 77 I Voltaremos a essa questão a seguir quando tratarmos do aditamento na queixacrime onde explicamos que o único aditamento possível tanto pelo MP como pelo querelante é o impróprio que não inclui fato ou sujeitos no processo mas apenas faz a correção material de dados da situação fática descrita d Intranscendência remetendo o leitor ao que dissemos anteriormente ao tratar da ação penal de iniciativa pública a acusação não poderá passar da pessoa do autor do fato 62 Titularidade Querelante e o Prazo Decadencial Quanto ao titular da queixacrime recebe o nome de querelante sendo o réu designado querelado O querelante é o ofendido pelo delito art 30 sendo que em caso de morte ou ausência declarada por decisão judicial o direito de prosseguir na ação passará ao cônjuge ascendente descendente ou irmão Se o ofendido for menor de 18 anos ou mentalmente enfermo não poderá ele fazer a queixacrime por lhe faltar capacidade postulatória Nos termos do art 33 caberá ao seu representante legal postular devidamente representado por advogado é claro salvo se estiver habilitado para o exercício da advocacia Havendo divergência entre o interesse do menor ou incapaz e o do representante legal caberá ao juiz nomear um curador que não está obrigado a ajuizar a queixacrime pois ela não é obrigatória senão que deverá ponderar a conveniência e oportunidade para o menor Repetese aqui a problemática em torno da Súmula n 594 do STF onde Se o ofendido for menor de 18 anos quem faz a queixa é o seu representante legal mas recordemos tratase de direito único mas com dois titulares de modo que uma vez operada a decadência estará fulminado o direito Assim quando o ofendido for menor de 18 anos poderá ocorrer uma destas situações 1 Se o menor leva ao conhecimento do representante legal o delito do qual foi vítima começa a correr o prazo de 6 meses para que seja feita a queixa Não sendo realizada operase a decadência 2 Se o menor não conta para o representante legal quando completar 18 anos terá o prazo de 6 meses para fazer a queixa Isso porque contra o menor de 18 anos não corre prazo e em relação ao representante legal também não pois não tinha conhecimento do ocorrido Em relação ao ofendido maior de 18 anos e menor de 21 até o advento do Código Civil cuja vigência é de 2003 a sistemática do CPP era de legitimidade concorrente art 34 pois a queixa e uma série de outros institutos como o perdão e a renúncia poderia ser feita pela vítima ou pelo representante legal pois ela era considerada relativamente capaz para a prática dos atos da vida civil Contudo com o novo Código Civil operouse uma mudança no que se refere ao tratamento da capacidade Agora uma pessoa é plenamente capaz aos 18 anos Logo acabou toda e qualquer capacidade concorrente seja para representar fazer a queixacrime perdoar ou renunciar quando a vítima tiver mais de 18 anos pois ela passou a ser plenamente capaz não havendo mais a possibilidade concorrente de o ascendente por exemplo fazer a queixa Quanto ao prazo a queixa deverá ser feita no prazo decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber72 quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser prorrogado interrompido ou suspenso Importante destacar que o prazo decadencial não se prorroga logo se acabar no domingo por exemplo não se estende para segundafeira devendo a queixa ser distribuída na sextafeira anterior ou no plantão de domingo Quanto à forma de contagem do prazo não se conta o dia da ciência e se inclui o do término Assim para saber o dia final basta projetar até seis meses depois e retroceder um dia Exemplo se tomou conhecimento no dia 0302 a queixa poderá ser feita até o dia 0208 às 23h59min No primeiro minuto do dia 0308 terá se operado a decadência do direito de queixa 621 Procuração com Poderes Especiais A Menção ao Fato Criminoso O querelante somente pode postular em juízo através de advogado cuja procuração deverá conter poderes especiais e fazer a menção ao fato criminoso Inicialmente cumpre destacar o erro de alguns advogados que insistem em utilizar na esfera penal procuração com os poderes gerais para o foro previstos no art 38 do CPC Ora nada mais inadequado do que no processo penal receber poderes para reconvir intervir como terceiro proceder a retificação de registros civis transigir desistir receber e dar quitação prestar compromisso de inventariante prestar primeiras e últimas declarações etc e não ter poderes para defender o réu em processocrime interpor recursos ou na matéria em questão deixar de consignar a outorga de poderes para requerer abertura de inquérito policial ajuizar queixacrime oferecer perdão e atos típicos do processo penal Mais do que uma procuração adequada para os atos a serem praticados no processo penal deve ela conter o nome do querelante pois é o outorgante dos poderes e do querelado o réu O art 44 do CPP menciona querelante o que está incorreto pois este obviamente deverá estar sempre na procuração senão não se opera a outorga de poderes Logo deve ser lido querelado no art 44 Atenção especial merece a exigência de menção do fato criminoso Durante muito tempo se entendeu que significava a descrição do fato na procuração em que o querelante outorgava poderes aos advogados outorgados para ajuizarem queixacrime contra o agressor querelado porque no dia tal às tantas horas teria proferido as palavras então se descreve a situação fática que constitui o crime A descrição do fato criminoso era considerada fundamental para assegurar que o advogado quando da elaboração da queixa ficaria protegido de uma eventual acusação de denunciação caluniosa por parte do querelado Atualmente até por força das prerrogativas asseguradas na Lei n 8906 têm os tribunais73 entendido que por menção ao fato criminoso compreendese a mera indicação dos crimes praticados Assim bastariam os poderes especiais para oferecer queixacrime contra fulano querelado porque no dia tal às tantas horas teria praticado os delitos de injúria e difamação por exemplo Toda a problemática em torno da menção ao fato criminoso cai por terra quando o ofendido assina juntamente com seu advogado a queixacrime Como nela existirá a plena descrição do fato criminoso e também a fundamentação jurídica acerca da tipicidade da conduta praticada assinando o querelante a inicial estará ratificando todo o afirmado por seu procurador Por fim caso o ofendido não tenha condições econômicas de constituir um advogado prevê o art 32 que o juiz lhe nomeará um advogado para promover a ação penal 63 Espécies de Ação Penal de Iniciativa Privada A ação penal de iniciativa privada poderá ser a Originária ou comum tratase da ação penal de iniciativa privada tradicional sem qualquer especificidade podendo ser ajuizada através da queixa no prazo decadencial de 6 meses pelo ofendido ou seu representante legal b Personalíssima é uma ação penal de iniciativa privada e mais do que isso restrita à iniciativa pessoal da vítima Atualmente com a revogação do delito de adultério art 240 do CP pela Lei n 111062005 persiste em nosso ordenamento apenas um delito de iniciativa personalíssima o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento previsto no art 236 do CP Nesse crime exige o parágrafo único do art 236 que a ação penal somente poderá ser ajuizada pelo contraente enganado Significa que não se opera a sucessão prevista no art 31 do CPP e por consequência com a morte do ofendido extinguemse a punibilidade e a ação penal Ademais se o cônjuge enganado for menor de 18 anos a queixa somente poderá ser prestada após cessada a menoridade Isso porque a emancipação pelo casamento não gera nenhum efeito no processo penal nem para tornálo imputável nem para lhe outorgar capacidade para exercer a ação penal c Subsidiária da pública também chamada de queixa substitutiva exige uma atenção maior pois se trata de uma legitimação extraordinária para o ofendido exercer ação penal em um crime que é de iniciativa pública Está consagrada constitucionalmente no art 5º LIX e também nos arts 29 do CPP e 100 3º do CP Assim se recebido o inquérito policial ou peças de informação suficientes para oferecer a denúncia ou pedir o arquivamento ou ainda postular diligências o Ministério Público ficar inerte poderá o ofendido superado o prazo concedido para o MP denunciar 5 dias se o imputado estiver preso ou 15 dias se estiver solto oferecer uma queixa subsidiária dando início ao processo e assumindo o polo ativo como acusador Por inércia do MP compreendese o fato de ele não acusar nem pedir diligências e tampouco o arquivamento Caso tenha pedido diligências ou o arquivamento mesmo que a vítima não concorde não há que se falar em inércia e portanto inviável a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública O prazo para o ofendido exercer essa ação penal inicia com o término do prazo concedido ao Ministério Público logo no 6º dia estando o imputado preso ou no 16º dia estando ele em liberdade findando 6 meses após conforme disciplina o art 38 do CPP Importante destacar que é uma legitimidade extraordinária nascida da inércia do MP mas que não transforma a ação em privada Ela segue sendo de iniciativa pública regida pelas regras anteriormente expostas de obrigatoriedade indisponibilidade indivisibilidade e intranscendência Assim não há que se falar em disposição perdão ou perempção Contudo em tese pode o ofendido renunciar ao seu direito de oferecer a queixa subsidiária mas isso em nada afetará o direito de o Ministério Público oferecer a denúncia a qualquer tempo desde que antes de extinta a punibilidade por óbvio Em que pese a iniciativa do ofendido exercendo a acusação não há que se esquecer que estamos diante de um delito de ação penal de iniciativa pública e cuja titularidade constitucional é do Ministério Público Daí por que para além das possibilidades de aditar repudiar e oferecer a denúncia poderá o MP intervir em todos os termos do processo devendo ser intimado dos atos portanto bem como retomar a qualquer tempo como parte principal Nesse caso o ofendido poderá permanecer no processo mas como assistente da acusação devendo habilitarse para tanto nos termos do art 268 e ss do CPP Quanto à discussão acerca da expressão no caso de negligência do querelante retomar a ação como parte principal contida na última parte do art 29 pensamos que ela deve ser relida a partir da legitimidade constitucional do MP Havendo negligência do querelante o que poderia conduzir a uma perempção sem contudo produção dos efeitos diante da regra da obrigatoriedade já descumprida pela inércia inicial do MP deverá o promotor retomar a ação Não há possibilidade de perempção de ação pública Nesse caso existe um dever legal de agir Contudo não é apenas em caso de negligência que o MP pode retomar a ação pois sendo ele o titular constitucional art 129 I da Constituição poderá fazêlo a qualquer tempo e não apenas em caso de negligência 64 Ação Penal nos Crimes Praticados Contra a Honra de Servidor Público Nos crimes contra a honra de servidor público praticado em razão do ofício ou função desempenhados ou seja propter officium a legitimidade ativa é atualmente considerada concorrente entre o ofendido servidor e o Ministério Público condicionada à representação Nesse sentido está posta a Súmula n 714 do STF É concorrente a legitimidade do ofendido mediante queixa e do Ministério Público condicionada à representação do ofendido para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções Então nesses delitos a ação poderá ser de iniciativa privada ou pública condicionada à representação do ofendido Contudo há que se ter muito cuidado pois eleita uma via está fechada a porta para a outra74 No caso em tela além da preclusão de uma via quando eleita outra logo ou o ofendido representa e com isso a ação será pública e a cargo do MP ou assume integralmente o polo ativo através do oferecimento de queixa aponta o STF para o descabimento de ação penal privada subsidiária quando o MP pede diligências à polícia no caso abertura de inquérito na mesma linha do que afirmamos anteriormente Por fim repetindo lição anterior se o ofendido optar por fazer a representação poderá ele se retratar Com certeza Inserese na regra geral do art 25 Logo se representou pode se retratar desde que antes de oferecida a denúncia Se optou pela queixa tanto poderá renunciar se ainda não a exerceu como poderá ofertar o perdão ou mesmo desistir e dar lugar à perempção se já exerceu a queixa 65 Renúncia Perdão e Perempção São causas de extinção da punibilidade previstas no art 107 do Código Penal operandose da seguinte forma a Renúncia a renúncia ao direito de queixa também possível em relação ao direito de representação é um ato unilateral do ofendido que não necessita de aceitação do imputado para produção de efeitos Somente se pode falar em renúncia antes do exercício do direito de queixa ou de representação Poderá ser expressa por escrito art 50 ou tácita art 104 parágrafo único do CP quando houver a prática de ato incompatível com a intenção de acusar alguém admitindose qualquer meio de prova para sua demonstração art 57 do CPP Para além dos exemplos surreais de alguns manuais vg quando o ofendido convida o agressor para ser padrinho do casamento de sua filha e coisas do gênero é extremamente relevante e corriqueira a questão da indenização paga pelo ofensor à vítima A regra geral prevista no art 104 parágrafo único do Código Penal é a de que não implica renúncia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime Contudo tal regra foi excepcionada pelo art 74 parágrafo único da Lei n 9099 que passou a dispor da seguinte forma tratandose de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação Foi então revogado o art 104 do Código Penal75 Pensamos que não A questão situase noutro nível76 no da qualificação jurídica das infrações penais e na esfera de competência do Juizado Especial Criminal Nos crimes de competência dos Juizados delitos cuja pena máxima não seja superior a 2 anos conforme a nova definição da Lei n 102592001 o acordo acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação Nos demais casos que excedem a competência do Juizado segue valendo o art 104 do CP Nos crimes de competência do JEC o acordo homologado além de gerar um título executivo judicial acarreta inexoravelmente a renúncia do direito de queixa ou de representação no caso de ação penal pública condicionada Tal situação é extremamente comum em acidentes de trânsito com a produção de lesões culposas Se antes a indenização não implicava renúncia agora conduz a ela quando homologada em juízo E se a composição dos danos e pagamento forem efetuados antes da audiência preliminar do JEC é salutar que o causador dos danos faça juntamente com o recibo uma renúncia expressa da vítima para evitar discussões posteriores Essa nova disciplina da Lei n 9099 adquire fundamental importância se considerarmos que a imensa maioria senão totalidade dos delitos de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação hoje é de competência dos JECs Também deve ser considerado como renúncia o pedido de arquivamento do inquérito policial instaurado para apuração de um delito de iniciativa privada feito pelo ofendido ao juiz Isso porque nos termos do art 19 do CPP nos crimes em que não couber ação pública os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal ou serão entregues ao requerente se o pedir mediante traslado Assim não havendo previsão legal de pedido de arquivamento do inquérito pelo ofendido eventual manifestação sua nesse sentido deve ser recebida como renúncia até porque é mais favorável também para o sujeito passivo pois a decisão de extinção da punibilidade faz coisa julgada formal e material Noutra dimensão sendo o ofendido menor de 18 anos a renúncia do seu representante legal conduz à extinção da punibilidade Em tese havendo divergência entre a vontade do menor e a do representante legal aplicase o art 33 podendo ser nomeado um curador especial Sendo o ofendido maior de 18 anos é plenamente capaz para fazer a queixa ou a representação bem como renunciar ou perdoar Destaquese ainda a revogação do art 50 parágrafo único pois não existe mais essa legitimidade concorrente o maior de 18 anos é plena e soberanamente capaz para decidir entre renunciar ou não Por fim a renúncia em relação a qualquer dos autores do crime em caso de concurso de agentes a todos se estenderá mesmo que assim não o deseje o ofendido art 49 por imposição da regra da indivisibilidade da ação penal b Perdão tratase de ato bilateral na medida em que o ofendido deve oferecer no curso do processo e o réu aceitar É possível a partir do recebimento da queixa antes o que pode haver é renúncia até que ocorra o trânsito em julgado da sentença art 106 2º Ainda que isso cause estranheza o processo penal pode nascer se desenvolver e quando estiver em julgamento o último recurso cabível o ofendido poderá oferecer o perdão e o imputado aceitar extinguindose o feito É a máxima manifestação da disponibilidade da ação penal privada Mas advirtase é um ato bilateral logo não havendo aceitação do réu nenhum efeito se produz Interessante ainda é que em caso de concurso de agentes o perdão oferecido a um dos réus a todos aproveita significa que o ato de oferecimento é estendido a todos os réus art 51 do CPP mesmo que não queira o ofendido influência da regra a indivisibilidade coexistindo com a disponibilidade Contudo somente em relação aos que aceitarem se produzem os efeitos Logo num processo em que foi oferecida queixa contra A B e C o perdão oferecido ao réu A a todos os demais é estendido podendo os corréus B e C aceitarem conduzindo à extinção do processo e da punibilidade e o processo continuar em relação ao A que não aceitou No plano teórico tanto o oferecimento como a aceitação podem ser tácitos como no hediondo exemplo do convite para padrinho de crisma do filho do ofendido oferta de perdão tácito que foi aceito pelo imputado aceitação tácita gostaríamos de saber se o juiz terá poderes mediúnicos para saber de tudo isso e extinguir expressamente o feito Elementar que isso tudo somente existirá por escrito no processo penal sendo lógico que assim se proceda a oferta e aceitação ou recusa Por fim novamente desapareceu a legitimidade concorrente no caso de ofendido maior de 18 anos e menor de 21 estando revogados os arts 52 e 54 do CPP c Perempção é uma penalidade sanção de natureza processual imposta ao querelante negligente e que conduz à extinção do processo e da punibilidade Os casos de perempção estão previstos no art 60 do CPP Expressamente não está consagrada a desistência do querelante mas ela poderá ser considerada uma causa supralegal de perempção Feita a desistência de forma expressa pelo querelante capaz o juiz tem duas alternativas espera o implemento da circunstância fática prevista no art 60 I deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos ou do inciso III deixar de comparecer sem motivo justificado77 ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais ou desde logo extingue a punibilidade pela perempção Não se confunde o pedido de desistência com a renúncia pois a desistência ocorre no processo e a renúncia somente é possível antes de recebida a queixa Tampouco se confunde com o perdão ato bilateral a seguir exposto Por sua própria natureza operandose a perempção inclusive através da desistência o querelante arcará com as custas processuais e os honorários advocatícios do querelado Destaquese ainda a situação descrita no art 60 III última parte Ocorre a perempção quando o querelante deixar de pedir nas alegações finais a condenação do querelado Pode parecer algo surreal mas isso acontece com alguma frequência diante da mania de alguns advogados de nas alegações finais pedir ao final a mais lídima e costumeira justiça Além de ser um jargão mofado e inútil senão de mau gosto conduz à perempção pois pedir justiça às vezes se dão ao trabalho de escrever em escadinha não significa pedir a condenação Logo deixemse as fórmulas inúteis e bolorentas de lado como também de lado devem ser deixados os livros de modelinhos de petições que as consagraram para centrarse na técnica processual e na correta formulação do pedido obviamente de condenação nas sanções dos delitos praticados bem como no pagamento das custas e honorários advocatícios incidentes na ação penal privada 7 Aditamentos Próprios e Impróprios na Ação Penal de Iniciativa Pública ou Privada Interrupção da Prescrição Falhas e Omissões na QueixaCrime 71 Aditamentos da Ação Penal de Iniciativa Pública Aditar significa acrescentar ampliar incluir dados fáticos que tinham sido omitidos por desconhecimento do acusador quando do oferecimento da ação penal O princípio da indivisibilidade da ação penal bem como da obrigatoriedade impõe ao Ministério Público a carga processual de proceder em relação a todos os fatos e todos os agentes Contudo situações existem em que o acusador quando do oferecimento da denúncia desconhecia a prática de outros fatos correlatos ou da participação de outros agentes o que somente vem a ocorrer após iniciado o processo penal Como essa questão do aditamento está relacionada à problemática em torno da mutatio libelli prevista no art 384 eis que guarda íntima relação com o princípio da correlação faremos agora uma sumária análise remetendo o leitor para o capítulo posterior correspondente a essa matéria Tratando dessa questão RANGEL78 explica que existem dois tipos de aditamento o próprio e o impróprio O aditamento próprio pode ser real ou pessoal conforme sejam acrescentados fatos real ou acusados pessoal cuja existência era desconhecida quando do oferecimento da denúncia Em geral as informações surgem na instrução em que a prova demonstra que existiram mais fatos criminosos não contidos na acusação ou mais pessoas envolvidas e que também não haviam sido acusadas Exemplo em determinado processo o réu Mané é denunciado por evasão de divisas art 22 da Lei n 7492 No curso da instrução é apurado que também houve sonegação fiscal dos valores evadidos Nesse caso estamos diante de um aditamento próprio real pois deverá o Ministério Público aditar a denúncia para incluir o fato novo circunstância fática e com isso permitir que o réu se defenda e o juiz ao final possa julgálo pelos dois delitos Se não for feito o aditamento não poderá o juiz julgar a sonegação fiscal não poderá condenar nem absolver pois não está sob julgamento esse fato Já o aditamento pessoal ocorre quando é denunciado um agente e na instrução apurase que houve a participação de mais duas pessoas Nesse caso deverá o Ministério Público aditar para incluir os demais atento ao princípio da indivisibilidade da ação penal Já o aditamento impróprio ocorre quando explica RANGEL embora não se acrescente fato novo ou sujeito corrigese alguma falha na denúncia retificando dados relativos ao fato Também pode ocorrer que a alteração da competência do juiz conduza à necessidade de ratificação de todos os atos inclusive os praticados por um promotor agora considerado sem atribuições para tanto É a situação prevista no art 108 1º do CPP Em qualquer caso o aditamento sempre deverá ser feito antes da sentença assegurandose o contraditório e o direito de manifestação da defesa sobre a questão aditada por mais simples que seja O que não se admite em hipótese alguma é inovação acusatória e decisão sem prévia manifestação do réu E por que aditar Por força da conexão ou continência cujas regras serão explicadas ao tratarmos da competência e que conduzem a um julgamento simultâneo único para evitar decisões conflitantes e também por economia processual e melhor aproveitamento da instrução Se não for feito o aditamento deveráia o Ministério Público oferecer nova denúncia para apurar em novo processo os fatos não contidos naquele que está em andamento ou em face de novos agentes não acusados originariamente para apurar suas responsabilidades penais Quanto à iniciativa do aditamento estabelece o art 384 do CPP Art 384 Encerrada a instrução probatória se entender cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 cinco dias se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública reduzindose a termo o aditamento quando feito oralmente 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento aplicase o art 28 deste Código 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento 3º Aplicamse as disposições dos 1º e 2º do art 383 ao caput deste artigo 4º Havendo aditamento cada parte poderá arrolar até 3 três testemunhas no prazo de 5 cinco dias ficando o juiz na sentença adstrito aos termos do aditamento 5º Não recebido o aditamento o processo prosseguirá NR A iniciativa do aditamento deve ser inteiramente do Ministério Público não cabendo ao juiz como costumavam fazer a partir de uma míope leitura do antigo art 384 invocar o acusador para que aditasse À luz do sistema acusatório constitucional não cabe ao juiz invocar a atuação do MP sob pena de completa subversão da lógica processual regida pela inércia do juiz O juiz é quem sempre deve ser invocado a atuar jamais ter ele uma postura ativa de pedir para o promotor acusar e ele poder julgar Isso conduz a uma quebra do sistema acusatório e dependendo da situação fulmina com a imparcialidade do julgador diante do préjuízo Logo a iniciativa do aditamento deve ser do próprio Ministério Público Quando muito poderá o juiz em caso de inércia do MP art 384 1º utilizar o art 28 remetendo os autos ao procuradorgeral para que este ofereça o aditamento ou designe outro órgão do Ministério Público para oferecêlo Caso insista em não oferecer o aditamento estará o juiz obrigado a aceitar a decisão do Ministério Público Quanto à interrupção da prescrição recordemos que o art 117 I do Código Penal estabelece que o recebimento da denúncia ou queixa constitui um marco interruptivo Como fica essa situação se houver aditamento A questão foi bem sistematizada por RANGEL79 distinguindo entre aditamento próprio real e pessoal e impróprio No aditamento impróprio nenhuma alteração substancial é feita logo vale a data do recebimento da denúncia Já no aditamento próprio real existe a inclusão de fato novo Nesse caso se o fato novo constituir um delito a interrupção da prescrição em relação a esse delito será a data em que for admitido o aditamento Nesse caso o aditamento nada mais é do que uma nova denúncia constituindose o marco interruptivo quando do seu recebimento Em se tratando de aditamento próprio pessoal com a inclusão de corréu ou partícipe precisamos fazer um esclarecimento Para RANGEL o que prescreve é o fato logo a inclusão de um agente não alteraria o marco interruptivo da prescrição que continuaria sendo a denúncia inicialmente feita e não o aditamento Nesse ponto discordamos Pensamos que não há como descolar o fato do autor do autor do fato de modo que o aditamento para incluir um coautor ou partícipe equivale a uma denúncia por aquele fato contra aquela pessoa Se não fossem as regras da continência e da conexão haveria a abertura de um novo processo com a prescrição correndo até o momento do recebimento dessa nova denúncia Assim para o corréu que não havia sido acusado o aditamento marca o seu ingresso no processo e não pode ele ser prejudicado pelo efeito retroativo do marco interruptivo da prescrição pelo recebimento de uma denúncia que não era contra ele Essa situação de aditamento próprio pessoal ou subjetivo pode ocorrer anos depois de iniciado o processo tendo graves consequências no cômputo do prazo prescricional considerar a prescrição interrompida em relação a quem não havia sido acusado ainda Nessa matéria não há que se fazer analogias ou interpretações extensivas pois em se tratando de exercício do poder punitivo a matéria vem rigidamente disciplinada pelo princípio da reserva legal Logo devemos considerar que o aditamento é uma nova denúncia excepcionalmente admitida dentro de um processo em andamento sendo inafastável então a incidência da regra do art 117 I do CPP Em suma quando o aditamento for para inclusão de novo fato o prazo prescricional desse novo crime somente é interrompido na data em que for recebido o aditamento quando o aditamento for subjetivo em relação àquele agente o prazo prescricional é interrompido quando admitido o aditamento que o incluiu no processo Por fim quanto ao recurso que pode surgir dessas decisões relacionadas ao aditamento pensamos que não cabe recurso contra a decisão que recebe o aditamento pois como ocorre na denúncia a única via possível seria a do habeas corpus que não é recurso se rejeitado o aditamento nos casos do art 395 aplicado por analogia caberá o recurso em sentido estrito 72 Falhas e Omissões na QueixaCrime Existe Aditamento na Ação Penal de Iniciativa Privada Como regra geral eventuais omissões da queixa podem ser supridas a todo tempo desde que antes da sentença como determina o art 569 do CPP Contudo a omissão não pode representar violação ao princípio da correlação prejudicando a defesa Logo resumese a suprir falhas em torno da correta descrição do fato ou da tipificação legal mas sem maior relevância e que não conduzam a uma inovação na tese acusatória Cabe aditamento em ação penal de iniciativa privada O aditamento próprio real para inclusão de fato novo não pode ocorrer por absoluta ausência de previsão legal O aditamento na ação pública existe essencialmente para assegurar a eficácia do princípio da obrigatoriedade Mas a ação penal de iniciativa privada é regida pelos princípios da oportunidade e da conveniência não havendo qualquer tipo de obrigação de acusar Assim se o autor souber de fato novo no curso do processo cuja ação penal seja igualmente de iniciativa privada deverá ajuizar nova queixacrime em relação a esse fato observado o prazo decadencial nos termos do art 38 do CPP pagando as custas e instruindo com procuração que contenha os poderes especiais exigidos pelo art 44 Quanto ao aditamento próprio subjetivo para inclusão de coautor ou partícipe devese ter muito cuidado com a incidência do princípio da indivisibilidade art 48 Se havia elementos indicando a presença de coautores ou partícipes e eles não foram incluídos na queixa não há que se falar em aditamento mas sim em extinção da punibilidade para todos diante da renúncia tácita art 49 Mas quando não existirem elementos probatórios prévios ao oferecimento da queixa e somente no curso da instrução o querelante tomar conhecimento dos demais autores ou partícipes o caminho a ser tomado não é o aditamento Ele deverá formular nova queixa sob pena de violar a indivisibilidade arts 48 e 49 pagando custas processuais e juntando procuração com poderes especiais art 44 dentro do prazo de 6 meses contados do dia em que vier a saber quem são os coautores do fato art 38 Essa nova queixa pode por força da conexão ou continência conforme o caso ser reunida com o processo que já está tramitando para julgamento simultâneo Essa reunião é feita posteriormente Pensamos que não é caso de simples aditamento diante da necessidade do pagamento das custas juntada de procuração e eventual possibilidade de conciliação conforme o rito ou mesmo transação penal ou suspensão condicional nos termos da Lei n 9099 Ademais como não há a incidência do princípio da obrigatoriedade como se procederia no processo que está em curso Teria de ficar suspenso pelo prazo de 6 meses prazo decadencial de que dispõe a vítima para proceder contra o agressor até que fosse feito ou não o aditamento Pensamos que não é esse o caminho O processo originário continua e se for oferecida a nova queixa antes de proferida a sentença reúne se os processos Mas e se o querelante não oferecer essa nova queixa ocorre uma renúncia tácita Sim ocorre uma renúncia tácita Nesse caso a qualquer momento deve ser extinta a punibilidade no processo originário nos termos do art 49 do CPP O único aditamento cabível na ação penal de iniciativa privada seria o impróprio É a esse que se refere o art 45 do CPP pois constitui uma flagrante ilegitimidade de parte permitir que o MP adite a queixa para incluir fatos eou pessoas O aditamento impróprio nada mais é do que uma mera correção material na descrição dos fatos como datas lugares circunstâncias etc Não existe inclusão de fato novo coautor ou partícipe Mas entre as falhas na queixacrime desde que não conduzam à inépcia está a falta de procuração com os poderes especiais ou que contenha a menção ao fato criminoso art 44 conforme explicamos anteriormente Nesse caso se a queixa foi recebida pois deveria ter sido rejeitada o suprimento dessa exigência deve ser feito antes da sentença ser prolatada e ainda antes de decorrido o prazo decadencial de 6 meses contados da data do fato art 38 do CPP Tratase de grave defeito que compromete a validade da queixa e da decisão que a recebeu devendo ser sanada dentro do prazo decadencial de 6 meses pois esse prazo somente é considerado cumprido quando a queixa é regular e válida 8 Da Rejeição da Denúncia ou Queixa Análise do Art 395 do CPP Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP Da decisão que recebe a denúncia ou queixa como regra não cabe recurso algum Tratase de grave lacuna ou melhor de uma opção autoritária de um Código de 1941 que desconsidera a lesividade e o gravame gerado pelo recebimento de uma acusação que trará inegavelmente um imenso rol de penas processuais estigmatização social e jurídica angústia e sofrimento psíquico constrangimento inerente à submissão ao exercício do poder estatal etc Na falta de previsão legal de recurso o imputado poderá ajuizar habeas corpus que não é recurso senão uma ação para o trancamento do processo e não da ação como costumeiramente se afirma desde que inequivocamente falte justa causa ou qualquer das condições da ação nos termos do art 648 do CPP Há que se destacar que o habeas corpus é um instrumento de cognição sumária limitada não admitindo grandes incursões pelo caso penal ou dilação probatória como explicaremos mais adiante ao tratar dessa ação constitucional Contudo seguindo a lógica do Código de Processo Penal de prever recurso para todas as decisões que de qualquer forma beneficiem o réu o oposto não é verdadeiro como vimos quando a denúncia ou queixa for rejeitada ou o réu absolvido sumariamente sempre caberá recurso A Lei n 117192008 alterou substancialmente os procedimentos comuns ordinário e sumário bem como o rito do Tribunal do Júri criando uma nova situação de rejeição da acusação e inserindo uma inovadora decisão de absolvição sumária desconhecida até então nos ritos comuns ordinário e sumário Nos ritos comuns oferecida a denúncia ou queixa o art 396 determina que poderá o juiz rejeitála liminarmente antes mesmo de citar o acusado para oferecer resposta quando os casos estão definidos no art 395 I for manifestamente inepta II faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou III faltar justa causa para o exercício da ação penal Vejamos agora cada um dos casos de rejeição liminar e depois de absolvição sumária 81 Rejeição Inépcia da Denúncia ou Queixa O inciso I denúncia ou queixa inepta deve ser lido juntamente com o art 41 do CPP Art 41 A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo a classificação do crime e quando necessário o rol das testemunhas Mas entre os elementos descritos no art 41 nem todos conduzem rejeição da acusação Assim por exemplo se faltar o rol de testemunhas do acusador em relação a um delito cuja autoria e materialidade estão demonstradas por vasta prova documental deverá a acusação ser recebida Quanto à qualificação do acusado devese considerála à luz da legitimidade passiva de modo que identificando o acusado está cumprido o requisito Quanto à classificação do crime pensamos ser um dado muito relevante pois define os contornos jurídicos da acusação e pauta o trabalho da defesa Isso porque não podemos mais a essa altura da complexidade que envolve a vida social o ritual judiciário e a própria Administração da Justiça seguir com a ingênua crença de que o réu se defende dos fatos narrados e não da tipificação legal Voltaremos a essa questão quando tratarmos da correlação entre acusação e sentença no capítulo destinado ao estudo da Decisão Penal Assim entendemos que a denúncia ou queixa não deve ser recebida quando não contiver a classificação do crime ou ainda quando o contexto fático destoar completamente da tipificação feita pelo acusador Contudo temos que advertir que predomina o entendimento com o qual não concordamos de que o juiz não está vinculado à classificação jurídica feita pelo acusador podendo corrigila nos termos do art 383 do CPP antes de proferir a sentença Logo ele recebe e posteriormente quando da sentença corrige Pensamos que a única forma de salvar essa posição seria admitir a aplicação do art 383 já no momento do recebimento da denúncia com o juiz dizendo claramente que recebo a denúncia mas não pelo delito previsto no art X senão pelo descrito no art Y Como isso o processo seria instruído e a defesa estruturada a partir dessa definição jurídica do delito evitando a surpresa e o claro cerceamento de uma nova classificação feita apenas quando da sentença Para aplicação do art 383 no momento da sentença deveria se observar o contraditório com abertura de prazo para manifestação da defesa Infelizmente isso não é feito Sem dúvida o ponto mais sensível na questão da inépcia diz respeito à exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias As consequências dessa exigência são importantes A começar pela necessidade de o acusador descrever todas as circunstâncias não apenas as que aumentem a pena mas também aquelas que a diminuam como a existência de tentativa privilegiadora crime continuado ou concurso formal Em geral isso não é observado com a devida seriedade Mas o problema mais grave situase nos casos penais complexos que envolvem concurso de pessoas e de delitos principalmente nos chamados crimes econômicos Diante da natural dificuldade em circunscrever adequadamente qual ou quais condutas cada um dos agentes de forma individualizada praticou recorrem alguns acusadores à chamada denúncia genérica A nosso juízo é inadmissível mesmo nos crimes mais complexos Incumbe à investigação preliminar esclarecer ainda que em grau de verossimilhança o fato delitivo buscando individualizar as condutas de modo que a denúncia seja determinada e certa no sentido da individualização das responsabilidades penais a serem apuradas no processo Contudo por lealdade acadêmica destacamos que a jurisprudência brasileira tem oscilado muito predominando o entendimento de que em situações excepcionais diante da gravidade e complexidade objetiva situação fática e subjetiva número de agentes do fato devese admitir a denúncia genérica que não individualiza plenamente a conduta de cada agente desde que não inviabilize o direito de defesa eis aqui o problema Mas se a denúncia genérica poderia ser admitida em casos complexos e excepcionais a denúncia alternativa deve ser plenamente vedada pois ela inequivocamente impossibilita a plenitude da defesa Não há como se defender sem saber claramente do que Constituiria ela numa imputação alternativa do estilo requerse a condenação pelo delito x ou em não sendo provido seja condenado então pelo delito y só falta dizer ou por qualquer outra coisa o que importa é condenar No mesmo sentido contrário à denúncia alternativa NUCCI80 explica que se o órgão acusatório está em dúvida quanto a determinado fato ou quanto à classificação que mereça deve fazer sua opção antes do oferecimento mas jamais apresentar ao juiz duas versões contra o mesmo réu deixando que uma delas prevaleça ao final Ademais não se pode esquecer que o MP dispõe da investigação preliminar inquérito policial para realizar todas as diligências e atos investigatórios necessários para sanar sua dúvida É flagrante a desigualdade de armas em situações como esta violando de morte o princípio do contraditório e por consequência da ampla defesa81 Para encerrar a questão em torno da denúncia alternativa verdadeira metástase inquisitorial concordamos com DUCLERC82 quando sintetiza que acima das exigências do princípio da obrigatoriedade está sem dúvida o princípio da ampla defesa a impedir segundo pensamos que qualquer pessoa seja acusada senão por fatos certos determinados e descritos de forma clara e objetiva pelo acusador Quanto à queixa considerando o rol de delitos cuja perseguição é de iniciativa privada dificilmente teríamos uma situação com tal complexidade objetiva e subjetiva que justificasse a queixa genérica Menos ainda a alternativa Daí por que a queixa tem de ser sempre certa e determinada não se admitindo acusação privada de cunho genérico ou alternativo Caso seja rechaçada a possibilidade de denúncia ou queixa genérica ou alternativa deve a acusação ser considerada inepta proferindo o juiz uma decisão de rejeição com base no art 395 I do CPP Essa decisão não faz coisa julgada material mas apenas formal na medida em que não existe análise da questão de fundo Diante dela poderá o acusador oferecer nova denúncia ou queixa se for o caso mas sem descuidar do prazo decadencial descrevendo e individualizando claramente as condutas praticadas por cada agente recorrer em sentido estrito nos termos do art 581 I do CPP Por fim esclarecemos que até o advento da Lei n 11719 havia uma divergência muitos entendiam que a inobservância do disposto no art 41 conduzia à decisão de não recebimento cabendo recurso em sentido estrito art 581 I ou o novo ajuizamento desde que satisfeitos os requisitos Outros não faziam distinção alguma em relação à rejeição anteriormente prevista no art 43 Agora não há mais espaço para a discussão a decisão é de rejeição e cabível o recurso em sentido estrito art 581 I do CPP 82 Rejeição Falta de Pressuposto Processual ou Condição da Ação O inciso II remete ao nebuloso conceito de pressuposto processual e condições para o exercício da ação penal O problema dos pressupostos processuais é que como bem apontou GOLDSCHMIDT eles não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídica processual para serem concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito Enfim refuta a teoria dos pressupostos processuais posição com a qual concordamos especialmente no processo penal Também rechaçando o conceito de BÜLOW que concebeu os pressupostos processuais no bojo da teoria do processo como relação jurídica MANZINI83 define como concepto nebuloso y de expresión exótica De qualquer forma para aqueles que admitem a teoria dos pressupostos processuais o que não é o nosso caso são eles com alguma variação de autor para autor divididos em pressupostos de existência necessários para o nascimento da relação processual e de validade necessários para o regular desenvolvimento do processo Os pressupostos de existência seriam partes juiz devidamente investido e demanda no processo penal uma acusação Sem eles não haveria o nascimento da relação processual Já os chamados pressupostos de validade costumam ser apontados como a necessidade de ter juiz competente imparcial ausência de causas de suspeição ou impedimento capacidade para prática dos atos processuais legitimidade postulatória citação válida e outros elementos cuja inobservância conduziria à nulidade do feito Não é necessário maior esforço para ver a imprestabilidade especialmente para o processo penal dos pressupostos de validade na medida em que se confundem com a teoria das nulidades dos atos processuais Com razão AFRÂNIO JARDIM84 quando afirma que a rigor inexistem os chamados pressupostos de validade do processo O exame da questão há de ser deslocado para a eficácia dos diversos atos processuais eficácia esta que depende mais da invalidação do que do próprio vício ou defeito destes atos Significa dizer que não são pressupostos pois enquanto não forem desconstituídos seguem gerando efeitos Ademais ainda que reconhecida uma nulidade não haverá necessariamente a nulidade do processo como um todo ab initio Como regra anulase o ato e os derivados mantendose o processo no seu todo na medida em que desconstituise uma microrrelação que pertencia ao feixe de relações menores que compõem a relação processual não se desfaz a relação jurídica processual como um todo85 Na mesma linha segundo BOSCHI86 parecenos que é rigorosamente correto dizer que os pressupostos de validade terminam confundindose com as regras e princípios que dispõem sobre as nulidades Já os pressupostos processuais de existência partes juiz e acusação são de nenhuma aplicabilidade prática Mas numa dimensão completamente irreal não pode nascer um processo sem que exista um réu diante de um juiz devidamente investido não confundir isso com incompetência que é questão completamente diversa e sem prévia acusação imagine um juiz começando um processo de ofício ou formulando ele a acusação Já as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade de parte e justa causa são fundamentais Como já explicamos no início deste capítulo e aqueles conceitos devem estar sedimentados para compreensão das decisões de rejeição e absolvição sumária a acusação deve possuir fumus commissi delicti descrevendo um fato aparentemente criminoso portando um mínimo de provas de tipicidade ilicitude e culpabilidade não pode ter operado alguma causa de extinção da punibilidade art 107 do Código Penal e em leis especiais as partes ativa e passiva devem ser aparentemente legítimas e por fim deve haver justa causa para o exercício da ação penal vista como indícios razoáveis de autoria e materialidade bem como permitir o controle processual do caráter fragmentário do Direito Penal Mas ao lado destas existem outras condições da ação tais como a poderes especiais e menção ao fato criminoso na procuração que outorga poderes para ajuizar queixacrime nos termos do art 44 do CPP b a entrada do agente no território nacional nos casos de extraterritorialidade da lei penal para atender à exigência contida no art 7º do Código Penal c o trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento no crime do art 236 parágrafo único do CP d prévia autorização da Câmara dos Deputados nos crimes praticados pelo Presidente ou Vice Presidente da República bem como pelos Ministros de Estado nos termos do art 51 I da Constituição Nesses casos a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art 395 II do CPP mas não existe julgamento de mérito e portanto poderá a acusação ser novamente exercida desde que satisfeita a condição sem descuidar da decadência nos casos de representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa ou recorrer em sentido estrito art 581 I Caso a denúncia ou queixa tenha sido recebida e somente em momento posterior o juiz verificar a falta de alguma das condições da ação especialmente as chamadas condições de procedibilidade para nós apenas outras condições da ação poderá haver a extinção do processo sem o julgamento do mérito No mesmo sentido posicionase PACELLI87 advertindo ainda que a não aceitação dessa construção teórica conduziria o juiz a ter de percorrer um caminho muito mais longo teria de anular todos os atos com base no art 564 II do CPP inclusive a decisão de recebimento para então rejeitar a acusação por ilegitimidade de parte por exemplo Por fim destacamos o disposto na Súmula n 707 do STF no sentido de que constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia não a suprindo a nomeação de defensor dativo Tratase de antiga reivindicação e que finalmente foi considerada pelo STF para garantia da eficácia do contraditório e ampla defesa antes mesmo do nascimento do processo penal Também deve ser considerado que o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia recebendoa portanto passa a ser o marco para fins de prescrição e duração do processo Nesse sentido dispõe a Súmula n 709 do STF ressalvando o caso de nulidade da decisão de primeiro grau E a ressalva é necessária porque em sendo anulada a decisão determinará o tribunal o retorno dos autos à comarca de origem para que nova decisão seja proferida no juízo a quo Essa nova decisão passará a ser o marco interruptivo da prescrição 83 Rejeição Falta de Justa Causa Condição da Ação O inciso III invoca o conceito de justa causa a nosso ver já abrangido pelo inciso II Contudo a previsão legal mais do que uma mera repetição é importante para reforçar a importância da justa causa como condição da ação processual penal Sepultase de vez qualquer discussão sobre a necessidade de o juiz analisar quando do recebimento da acusação se existe ou não justa causa Para evitar repetições inúteis remetemos o leitor à exposição anteriormente feita dentro das condições da ação sobre a justa causa Estando presente qualquer das situações previstas no art 395 deverá o juiz rejeitar liminarmente a denúncia ou queixa impedindo o nascimento do processo Da decisão de rejeição por falta de justa causa entendemos que caberá o recurso em sentido estrito art 581 I Quando a rejeição por falta de justa causa tiver por fundamento a ausência de provas suficientes de autoria e materialidade pensamos que essa decisão produzirá apenas coisa julgada formal Havendo novos elementos nada impede que a acusação seja novamente formulada 84 Rejeição Parcial da Denúncia Abusiva Aplicação do Art 383 Quando do Recebimento da Acusação A maioria da doutrina mas está mudando costuma passar ao largo dessa discussão para sem muita análise afastar a incidência do art 383 sob o argumento de que tal correção da tipificação por parte do juiz somente pode ocorrer no momento da sentença Mas se olharmos com mais atenção poderemos argumentar que uma correção a priori literalmente no sentido kantiano de antes da experiência da imputação colocaria em risco a imparcialidade do julgador na medida em que estaria fazendo um préjuízo com o consequente prejuízo do caso penal e ainda afastando a eficácia da presunção de inocência Com isso estamos de acordo Contudo há que se considerar que atualmente existe muito abuso do poder de acusar Desconsiderar isso é uma ingenuidade Numa dimensão patológica é cada vez mais comum vermos nos fóruns acusações visivelmente abusivas com a clara intenção de estigmatizar Muitas vezes fazem verdadeiras manobras de ilusionismo jurídico para por exemplo denunciar por homicídio doloso dolo eventual qualificado recurso que impossibilitou a defesa da vítima o condutor de um automóvel que dirigia em velocidade excessiva ou estava embriagado por exemplo Elementar que estamos diante de um crime grave mas jamais nem por mágica acusatória podemos transformar um homicídio culposo culpa grave consciente até se quiserem em doloso e qualificado Esse absurdo serve para quêquem Para criar o rótulo de crime hediondo com toda a carga que isso representa Sem falar no que representa o deslocamento de competência para o Tribunal do Júri com o imenso risco que representa e constitui essa forma de administração da injustiça Em outras situações para afastar do Juizado Especial e de seus institutos mais benéficos Ou ainda para desde logo criar a imagem com todo significado psicanalítico que isso representa em relação ao juiz É o que ocorre ainda na acusação por tráfico quando é evidente que se trata de posse para consumo receptação dolosa quando é claramente culposa ou ainda tipos qualificados em situações em que a qualificadora inequivocamente não é aplicável Pensamos que em situações assim superando a mofada construção de que o réu se defende apenas dos fatos como se isso fosse possível o juiz poderia rejeitar a denúncia conforme o caso Se ele pode o mais que é rejeitar integralmente por que não poderia o menos que seria uma rejeição parcial Assim em situações excepcionais em que está evidente o abuso acusatório poderá o juiz proferir uma decisão de recebo parcialmente a denúncia não pelo delito de homicídio doloso mas sim de homicídio culposo por exemplo Da mesma forma recebo a denúncia mas afasto desde logo a qualificadora por ausência de justa causa em relação a ela As condições da ação devem estar presentes em relação a todos os delitos imputados e no caso de tipo penal qualificado imprescindível a demonstração de fumus commissi delicti em relação à qualificadora Sem isso não se pode denunciar e tampouco o juiz receber No mesmo sentido DUCLERC88 analisa com muito acerto a problemática e como nós advertindo dos riscos reconhece ainda que em alguns casos pode não haver exatamente uma tipificação equivocada mas apenas a carência de justa causa para algumas circunstâncias ou elementares ou qualificadoras que uma vez afastadas poderiam reduzir a acusação a um tipo subsidiário ou a forma simples de um tipo qualificado Inclusive se na instrução for produzida a prova necessária para o tipo qualificado nada impede que se faça o aditamento nos termos do art 384 Assim preferimos correr o risco de um aditamento para incluir uma circunstância ou elementar inicialmente afastada pois naquele momento não existia o mínimo de provas exigido do que trabalhar com o binário reducionista de receber como está ou rejeitar toda a acusação Em suma em que pese os argumentos expostos no início contrários à aplicação do art 383 do CPP quando do recebimento da denúncia pensamos que nos casos e pelos argumentos anteriormente expostos há que se admitir tão excepcional medida diante do custo maior de admitirse uma acusação claramente abusiva 85 Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP Decisão diversa é a de absolvição sumária prevista no art 397 Art 397 Após o cumprimento do disposto no art 396A e parágrafos deste Código o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente salvo inimputabilidade III que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou IV extinta a punibilidade do agente Como se percebe da simples leitura o artigo em questão acaba por arrolar duas condições da ação que bem poderiam estar no art 395 que se opera em momento posterior quando a denúncia ou queixa já foi recebida Os quatro incisos do art 397 nada mais fazem do que reproduzir duas condições da ação prática de fato aparentemente criminoso e punibilidade concreta Os incisos I e II causas de exclusão da ilicitude e culpabilidade são meros desdobramentos da condição prevista no inciso III fato narrado evidentemente não constituir crime Já o inciso IV é a conhecida condição da punibilidade concreta prevista no antigo art 43 II do CPP E por que essas condições da ação estão no art 397 como causas de absolvição sumária Porque são questões intimamente vinculadas ao mérito ao elemento objetivo da pretensão acusatória e dizem respeito a interesse da defesa que como regra acabam sendo alegados e demonstrados depois na resposta preliminar do art 396A Dificilmente o juiz tem elementos para analisar a existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade mesmo que manifesta quando do oferecimento da denúncia ou queixa mas se tiver deverá rejeitála Por outro lado após a resposta da defesa novos elementos podem ser trazidos ao feito permitindo essa decisão No fundo apenas se retirou um pseudoobstáculo a que o juiz rejeite a acusação mesmo já a tendo recebido Como a jurisprudência erroneamente não admitia esse tipo de decisão abriuse a possibilidade através da absolvição sumária Ademais por serem questões vinculadas ao mérito e que portanto geram coisa julgada material a absolvição sumária é uma decisão adequada para esse fim E qual será o recurso cabível dessa decisão Da decisão que absolve sumariamente ao réu caberá o recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Respondendo à pergunta inicial a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 III é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Advertimos ainda que as situações descritas no art 397 do CPP já foram devidamente analisadas quando do estudo das condições da ação para onde remetemos o leitor Assim com a modificação estabelecida pela Lei n 117912008 a questão deve ser analisada da seguinte forma a se a causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade estiver demonstrada no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa poderá o juiz rejeitála com base no art 395 II falta uma condição da ação penal qual seja a prática de um fato aparentemente criminoso b se o convencimento do juiz sobre a existência da causa e exclusão da ilicitude ou da culpabilidade somente for atingido após a resposta do acusado o processo já terá completado a sua formação eis que realizada a citação do acusado art 363 do CPP proferindo o juiz a decisão de absolvição sumária art 397 Situação recorrente e que pode gerar alguma dúvida é a seguinte e se o juiz se convence após a resposta à acusação que falta justa causa para a ação como deve proceder As condições da ação são analisadas no momento em que o juiz recebe a denúncia ou queixa para recebêla ou rejeitála Uma vez recebida abrese a possibilidade de oferecimento da resposta à acusação onde o réu poderá alegar todas as questões de fato e de direito que entender necessárias e pertinentes neste momento Não raras vezes demonstra na resposta à acusação a falta de justa causa ou de ilegitimidade da acusação Considerando que esta condição da ação não está no rol das hipóteses de absolvição sumária do art 397 estabelecese a dúvida As demais condições da ação punibilidade concreta e exigência de fato aparentemente criminoso autorizam quando verificadas após o recebimento a absolvição sumária Mas a justa causa e a ilegitimidade não estão neste rol Durante muito tempo antes da reforma processual de 2008 predominou o entendimento de que uma vez recebida a denúncia ou queixa não mais poderia o juiz rever essa decisão Era uma posição com a qual não concordávamos mas que predominava Após a reforma processual de 2008 pensamos que a solução deve tomar um novo rumo poderá o juiz rever a decisão de recebimento à luz dos argumentos trazidos na resposta à acusação e rejeitála Sustentamos que o juiz poderá desconstituir o ato de recebimento anulandoo para a seguir proferir uma nova decisão agora de rejeição liminar Não existe preclusão pro iudicato e nada impede que o juiz desconstitua seu ato e a seguir pratique aquele juridicamente mais adequado até porque se o ato foi feito com defeito pode e deve ser refeito regra básica do sistema de invalidades processuais89 Dessarte nenhum óbice existe em o juiz revisar a decisão que recebeu a denúncia para à luz dos argumentos e provas trazidos na resposta do réu rejeitála 9 Fixação de Valor Indenizatório na Sentença Penal Condenatória e os Casos de Ação Civil Ex Delicti Ainda que as esferas da ilicitude civil e penal sejam distintas há situações em que uma mesma ação ou omissão gera efeitos nos dois civil ou penal ou três campos administrativo Tratase de efeitos civis da sentença penal condenatória posto que as esferas de ilicitude são relativamente independentes Isso porque em muitos casos o delito gera também uma pretensão de natureza indenizatória pois é igualmente um ato ilícito para o Direito Civil nos termos do art 186 do CCB É o que sucede por exemplo com um delito de homicídio doloso ou mesmo culposo Um mesmo ato é considerado ilícito na esfera penal e civil E se estivermos diante de um homicídio culposo ocorrido em um acidente de trânsito poderá haver ainda reflexos na esfera administrativa com a suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor art 293 da Lei n 9503 Mas pode ocorrer que um delito não gere nenhum efeito na esfera cível como sucede por exemplo nos crimes contra a paz pública tráfico de substâncias entorpecentes etc Nesses casos a sentença penal condenatória não gera qualquer efeito cível até porque não existe uma vítima determinada A Lei n 117192008 rompendo com uma tradição de separação das esferas inseriu o seguinte parágrafo único no art 63 Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido E no art 387 que trata da sentença penal condenatória foi inserido o inciso IV IV fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido Como explicamos anteriormente de forma híbrida o legislador brasileiro permite cumular frente ao juiz criminal uma pretensão acusatória e outra indenizatória Condenando o réu deverá o juiz fixar um valor mínimo para fins de reparação dos danos causados pela infração sendo que essa reparação feita na esfera penal não impede que a vítima busque na esfera cível um montante maior posto que o fixado na sentença penal é considerado o valor mínimo da indenização Dispõe o art 935 do CCB que a responsabilidade civil é independente da criminal ainda que não se possa mais discutir a existência do fato ou quem seja o seu autor quando essas questões se acharem decididas no crime É o efeito de tornar certa a obrigação de indenizar a que alude o art 91 I do CP De qualquer forma pelo menos a liquidação de sentença e a execução não incumbem ao juiz penal o que já é uma grande vantagem Essa cumulação é uma deformação do processo penal que passa a ser também um instrumento de tutela de interesses privados Não está justificada pela economia processual e causa uma confusão lógica grave tendo em vista a natureza completamente distinta das pretensões indenizatória e acusatória Representa uma completa violação dos princípios básicos do processo penal e por consequência de toda e qualquer lógica jurídica que pretenda orientar o raciocínio e a atividade judiciária nessa matéria Desvirtua o processo penal para buscar a satisfação de uma pretensão que é completamente alheia a sua função estrutura e princípios informadores Como exemplo dessa errônea privatização do processo penal o próprio Direito Penal nos oferece as absurdas condenações penais disfarçadas de absolvição de fato Ocorrem quando alguém é condenado a uma insignificante pena de multa responsabilidade penal quando o que se pretende na realidade é uma substancial indenização na esfera cível responsabilidade civil utilizando a sentença penal condenatória como título executivo judicial Para amparar esse tipo de direito existem vias próprias e para isso está o processo civil Cada coisa no seu devido lugar Infelizmente a reforma levada a cabo pela Lei n 11719 misturou os interesses Mas voltando ao art 387 do CPP para que o juiz penal possa fixar um valor mínimo para reparação dos danos na sentença é fundamental que 1 exista um pedido expresso na inicial acusatória de condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo para reparação dos danos causados sob pena de flagrante violação do princípio da correlação 2 portanto não poderá o juiz fixar um valor indenizatório se não houve pedido sob pena de nulidade por incongruência da sentença 3 a questão da reparação dos danos deve ser submetida ao contraditório e assegurada a ampla defesa do réu90 4 somente é cabível tal condenação em relação aos fatos ocorridos após a vigência da Lei n 117192008 sob pena de ilegal atribuição de efeito retroativo a uma lei penal mais grave como explicado anteriormente ao tratarmos da Lei Processual Penal no Tempo Compreendido isso vejamos agora sistematicamente as três situações que podem ocorrer 1 Havendo uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado nesse caso a sentença penal constitui um título executivo judicial na esfera cível nos termos do art 475N II do CPC nova redação dada pela Lei n 112322005 de modo que a parte interessada vítima do delito ou seu representante legal poderá ajuizar ação de execução na jurisdição cível Neste momento há que se distinguir o seguinte a em relação ao valor já fixado na sentença penal haverá uma execução por quantia certa b se o valor fixado é o valor mínimo for insuficiente deverá a vítima postular a liquidação da sentença sem que se discuta mais a causa de pedir mas apenas o quantum a mais da indenização pois assim autoriza o caput do art 63 do CPP e também o parágrafo único 2 Ação Ordinária de Indenização poderá o interessado ajuizar antes durante ou até mesmo depois de findo o processo penal uma ação de indenização na esfera cível nos termos do art 64 do CPP Art 64 Sem prejuízo do disposto no artigo anterior a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível contra o autor do crime e se for caso contra o responsável civil Parágrafo único Intentada a ação penal o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta até o julgamento definitivo daquela Havendo necessidade a ação cível poderá ser ajuizada antes de iniciado ou mesmo durante o processo penal É o caso por exemplo da vítima de erro médico lesões corporais culposas que necessite de recursos para custear seu imprescindível tratamento Esperar até que o processo penal termine para então providenciar a execução é inviável diante da urgência dos recursos financeiros Nessa situação ajuizará a ação de indenização postulando a antecipação de tutela art 273 do CPC Dependendo da situação concreta poderá o juiz aplicar o disposto no parágrafo único do art 64 suspendendo o processo cível sem prejuízo da antecipação de tutela anteriormente mencionada Em qualquer caso a suspensão do processo cível não poderá exceder o prazo de 1 ano91 nos termos do art 265 IV 5º do CPC Não há que se pensar numa regra absoluta até porque tudo é relativo desde Einstein ainda mais numa sociedade complexa como a nossa que imponha um dever de suspender o feito Há que se considerar a especificidade de cada caso a fase processual em que cada um deles se encontra eventuais prejuízos irreparáveis para a vítima etc Mas depois de encerrado o processo penal em que casos a parte interessada poderia ajuizar ação de indenização e não execução Primeiro a execução exige uma sentença penal condenatória transitada em julgado Sem ela não há que se falar em execução Logo estamos diante de uma sentença penal absolutória ou declaratória da extinção da punibilidade Nesse caso devemos distinguir Se a sentença é declaratória da extinção da punibilidade nenhum efeito produz na esfera cível ou seja não constitui um título que lá possa ser executado92 mas tampouco impede o nascimento de uma pretensão indenizatória que somente pode ser satisfeita através da ação ordinária de indenização Assim disciplina o art 67 II Art 67 Não impedirão igualmente a propositura da ação civil II a decisão que julgar extinta a punibilidade Em se tratando de uma sentença penal absolutória ainda assim será possível a ação de indenização Depende do fundamento da absolvição Vejamos os casos em que o réu ainda que absolvido na esfera penal poderá ser condenado na esfera cível a indenizar a vítima mas para tanto é necessário analisar o art 386 do CPP Art 386 O juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva desde que reconheça I estar provada a inexistência do fato II não haver prova da existência do fato III não constituir o fato infração penal IV estar provado que o réu não concorreu para a infração penal V não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal VI existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena arts 20 21 22 23 26 e 1º do art 28 todos do Código Penal ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência VII não existir prova suficiente para a condenação Quando o réu for absolvido com base no art 386 I não será possível à vítima demandálo na esfera cível pois incide o disposto no art 66 do CPP que dispõe Art 66 Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato Tendo sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato está inviabilizada a ação de indenização pois um fato fato natural não o fato jurídico não pode categoricamente não existir e existir ao mesmo tempo Logo a afirmação de sua inexistência produz coisa julgada na esfera cível para não permitir mais a discussão sobre isso A busca aqui é pela coerência lógica e credibilidade do sistema jurídico impedindo decisões com tamanha contrariedade Situação completamente diversa ocorre na absolvição com base no inciso II do art 386 Aqui não há a afirmação categórica da inexistência do fato senão que a prova produzida não é suficiente para ensejar a sentença condenatória na esfera penal mas pode ser perfeitamente válida e suficiente para o processo civil É importante compreender que nesse caso a discussão se situa no maior nível de exigência probatória do processo penal em relação ao processo civil Princípios como a presunção de inocência e o in dubio pro reo somente incidem no processo penal não tendo nenhuma aplicação no processo civil Logo a mesma prova que no processo penal é insuficiente para derrubar a presunção de inocência pode na esfera cível ser mais do que suficiente para a procedência do pedido do autor Então a absolvição no processo penal com base nesse inciso não impede que a vítima ou representante legal ajuíze a respectiva ação de indenização na esfera cível Quanto ao inciso III do art 386 a absolvição penal por ser o fato atípico não impede que a vítima ajuíze a respectiva ação de indenização Nem todo ato danoso atinge um bem jurídicopenal pois são esferas distintas de proteção Uma conduta penalmente atípica pode constituir um ato ilícito para o Direito Civil nem que seja a título de dano moral Essa é a previsão do art 67 III do CPP Art 67 Não impedirão igualmente a propositura da ação civil III a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime Quando o réu é absolvido com base no art 386 IV estar provado que o réu não concorreu para infração penal estabelecese uma situação similar àquela descrita anteriormente para o inciso I Ou seja a absolvição no processo penal por existir prova categórica de que o réu não concorreu para infração impede a ação civil de indenização pois essa decisão faz coisa julgada na esfera cível não permitindo mais a discussão sobre o caso Tratase entre outros de um argumento de lógica jurídica e credibilidade das decisões judiciais como alguém pode não ser categoricamente o autor de um fato para o juiz penal e na esfera cível ser considerado o autor do mesmo fato Diversa é a situação da absolvição com base no inciso V em que o réu é absolvido porque não há prova de que ele tenha concorrido para a infração penal A questão aqui é de prova insuficiente para o juízo penal condenatório Logo a absolvição penal decorre da fragilidade da prova da autoria ou participação diante do nível de exigência probatória no processo penal Daí por que essa decisão não impede a ação de indenização na esfera cível pois o nível de exigência probatória no processo penal é muito maior do que aquele feito no processo civil No inciso VI o réu foi absolvido porque existem circunstâncias que excluem o crime ou isentam o réu de pena ou mesmo exista fundada dúvida sobre sua existência Nesse caso como regra geral estará impedida a pretensão indenizatória na esfera cível Nesse sentido dispõe o art 65 do CPP Art 65 Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade em legítima defesa em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito A expressão faz coisa julgada no cível significa que não poderá ser novamente discutida pois é imutável a decisão Contudo essa regra possui duas exceções relevantes em que a absolvição na esfera criminal não impede a demanda cível a estado de necessidade agressivo arts 929 e 930 do CCB tratase de uma situação de perigo em que é sacrificado o bem de um terceiro diverso daquele causador do perigo Como exemplo de estado de necessidade agressivo podemos pensar numa situação em que A para defenderse de uma situação de perigo causada por B acaba sacrificando um bem de C Logo poderá ser absolvido no processo penal e condenado na esfera cível ação de indenização tendo porém direito regressivo contra B b legítima defesa real e aberratio ictus art 73 do CP É o caso em que A agride injustamente B que para se defender atira e vem a ferir C Nesse caso B poderá ser absolvido na esfera penal mas isso não impede a ação indenizatória a ser ajuizada por C cabendo em caso de condenação direito de regresso contra A E quanto à legítima defesa ou estado de necessidade putativos Pensamos que essa decisão não faz coisa julgada na esfera cível e portanto não impede a ação de indenização A figura da descriminante putativa é essencialmente penal não prejudicando eventual indenização Concordamos assim com PACELLI93 quando afirma que o art 65 do CPP não faz nenhuma referência às descriminantes putativas e que seria inconveniente melhor inconsistente qualquer argumentação no sentido de uma interpretação extensiva ou analógica em tema dessa magnitude Como estender os efeitos da coisa julgada por analogia Inviável Por fim quando o réu for absolvido com base no art 386 VII não existir prova suficiente para a condenação nenhum impedimento existirá para a ação de indenização Isso porque novamente a questão se situa no maior nível de exigência probatória no processo penal de modo que a mesma prova reputada insuficiente para a condenação criminal pode ser mais do que suficiente para a condenação cível E se o réu foi absolvido sumariamente nos termos do art 397 do CPP Depende do fundamento Vejamos agora cada um dos incisos do art 397 I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato quando o réu é absolvido sumariamente porque praticou o fato ao abrigo de causa de exclusão da ilicitude como regra geral estará impedida a pretensão indenizatória na esfera cível como determina o art 65 do CPP Pensamos contudo que se aplicam aqui as duas exceções anteriormente explicadas do estado de necessidade agressivo e da legítima defesas real e aberractio ictus Nesses dois casos a vítima poderá postular na esfera cível o valor correspondente aos danos sofridos II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente salvo inimputabilidade nesse caso a absolvição penal não impede a propositura da ação indenizatória III que o fato narrado evidentemente não constitui crime é uma situação similar àquela prevista no art 386 III do CPP de modo que essa decisão não impede a propositura de ação indenizatória art 67 III do CPP IV extinta a punibilidade do agente não impede a propositura de ação civil a decisão que julgar extinta a punibilidade do agente conforme determina o art 67 II do CPP 3 Composição dos Danos Civis no Juizado Especial Criminal nos termos do art 74 da Lei n 9099 o acordo civil gera título executivo no juízo cível além de extinguir a punibilidade na esfera penal Voltaremos a esse tema quando tratarmos dos juizados especiais criminais 1 GÓMEZ ORBANEJA Emilio e HERCE QUEMADA Vicente Derecho Procesal Penal 10 ed Madrid Agesa 1997 p 86 2 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto Estudios de Teoría General e Historia del Proceso 19451972 México UNAM 1974 v 1 p 324325 3 JARDIM Afrânio Direito Processual Penal Rio de Janeiro Forense 1999 p 88 e ss 4 Como explica NICETO ALCALÁZAMORA Y CASTILLO na obra Estudios de Teoría General e Historia del Proceso 19451972 cit v 1 p 325326 5 La Pretensión Procesal In ALONSO Pedro Aragoneses Coord Estudios Juridicos Madrid Civitas 1996 p 588 6 Idem ibidem p 604 7 ROSENBERG Leo Tratado de Derecho Procesal Civil Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1955 v 2 p 27 e ss 8 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil 3 ed Buenos Aires Depalma 1990 p 60 e ss 9 Será explicado alcance dessa definição na continuação 10 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto e LEVENE Ricardo Derecho Processal Penal Buenos Aires Editorial Guillermo Kraft Ltda sd t II p 62 e 63 Adverte o autor com acerto que a ação pena não se dirige contra o sujeito passivo senão ao tribunal para que como detentor do poder de punir o exerça uma vez acolhida a pretensão acusatória 11 GUASP Jaime Derecho Procesal Civil 4 ed Madrid Civitas 1998 v 1 p 281 12 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil cit p 57 e ss 13 Derecho Procesal Penal cit t II p 67 14 Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 v 1 p 132 15 Negando o caráter potestativo no processo penal ALCALÁZAMORA Y CASTILLO e LEVENE Derecho Procesal Penal cit t II p 67 apontam que a obrigatoriedade por parte do Ministério Público afastaria o caráter facultativo de ser ou não exercida Em parte procede a crítica dos autores mas pensamos que o conceito deve ser aceito ainda que com essas adequações que nada mais são do que fruto de uma política criminal adotada pois não há nenhuma razão verdadeiramente processual para justificar o princípio da obrigatoriedade Daí porque é uma questão secundária que deve ser considerada mas não com a relevância processual que os autores lhe dão 16 Na obra Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 1 p 130 e ss No Brasil destacamos a lição de AFRÂNIO SILVA JARDIM Direito Processual Penal cit p 88 e ss que aborda a problemática acerca da natureza jurídica da ação penal com muito acerto 17 Advirtase que parte da doutrina concebe como direito público subjetivo e não potestativo 18 Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 p 111 19 Que pode ser conhecida através da compilação feita na obra Polémica sobre la Actio de Bernard WINDSCHEID e de Theodor MUTHER cuja versão espanhola foi publicada em Buenos Aires pela Editora EJEA em 1974 20 Fundamentos del Derecho Procesal Civil cit p 64 21 Idem ibidem 22 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosh 1951 t I p 37 23 PASTOR LÓPEZ Miguel El Proceso de Persecución Valencia Universidad de Valencia Secretariado de Publicaciones 1979 p 149 24 El Proceso de Persecución cit p 90 25 Na obra com HERCE QUEMADA Derecho Procesal Penal cit p 89 26 Partindo de uma preocupação diversa da nossa mas igualmente atento às categorias jurídicas próprias do processo penal ROGÉRIO LAURIA TUCCI Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 7476 propõe uma conciliação entre as teorias da ação como direito abstrato e em senso concreto partindo para a distinção entre ação judiciária e ação da parte sendo a primeira atinente aos atos praticados pelos órgãos jurisdicionais e a segunda conferida aos sujeitos parciais da relação jurídica cuja definição e concretização lhes são solicitadas e que naquela naturalmente se subsumem Importante ainda na estrutura teórica do autor a seguinte distinção o direito subjetivo material em referência é o direito à jurisdição correntemente denominado direito de ação e o direito processual consubstancia se na ação propriamente dita que se caracteriza pela efetivação o exercício do direito à jurisdição Assim para TUCCI op cit p 80 ação é um direito abstrato em linha e princípio até porque com ela se concretiza autônomo público genérico e subjetivo qual seja o direito à jurisdição Quanto ao binômio concretoabstrato núcleo de nossa discussão aqui TUCCI propõe a seguinte construção é abstrato porque independente de ser fundada ou não a postulação do titular do direito material ao qual é porém conectado E concreto na medida em que ganha efetividade com o aforamento da ação Nesse ponto especialmente no que se refere ao conectado ao direito material pensamos haver uma coincidência entre nossa posição e a construção de TUCCI 27 A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 p 145 e ss 28 Sublinhese que nós adotamos parte do conceito de JACINTO COUTINHO que diverge de nossa posição em outros aspectos referentes ao objeto do processo penal ou objeto como classificam alguns autores 29 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 84 Pensamos que as condições da ação devem ser repensadas efetivamente à luz do processo penal pois é frágil a construção de que por exemplo a atipicidade ou a licitude da conduta não envolveria uma incursão no mérito Ademais destaquese que na prática diária dos tribunais brasileiros uma vez recebida a denúncia ou queixa alegase que não se pode mais falar em rejeição de modo que os juízes ainda que manifesta a ilegitimidade passiva não sendo o réu o autor do fato culminam por proferir uma sentença absolutória com base no art 386 IV ou V Pensamos que nada impede o juiz de uma vez recebida a denúncia decretar a nulidade dessa decisão e rejeitar ou seja não existe preclusão para o juiz e ele pode a qualquer tempo reconhecer uma nulidade absoluta e refazer o ato 30 A expressão é de JACINTO COUTINHO 31 No que tange à ação de iniciativa pública o poder político constitucional nasce do art 129 I da Constituição e considerando a obrigatoriedade para o MP da ação penal nesses crimes estamos diante de um poderdever De qualquer forma feita essa ressalva é perfeitamente aplicável a teoria do direito de dois tempos exposta pois no primeiro momento estamos na dimensão constitucional e no segundo na processual penal onde então podemos falar em condições da ação 32 Na Revista de Derecho Procesal Madrid 1949 Também publicado na obra Jaime Guasp Delgado Pensamiento y Figura da coleção Maestros Complutenses de Derecho organizado por Pedro Aragoneses Alonso publicada em Madrid 2000 33 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal cit p 95 34 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal 26 ed São Paulo Saraiva 2004 v 1 p 494 35 Como explica GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit t I p 27 e ss 36 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit t I p 27 37 Norma processual penal espanhola Ley de Enjuiciamiento Criminal 38 Como bem adverte TUCCI na obra Teoria do Direito Processual Penal cit p 92 39 Em que pese nossa divergência parcial em relação à primeira condição da ação partimos da estrutura definida com anterioridade por JACINTO COUTINHO op cit p 145 Também se recomenda a leitura de Marco Aurélio NUNES DA SILVEIRA cuja obra A Tipicidade e o Juízo de Admissibilidade da Acusação Lumen Juris 2005 analisa com acerto a temática 40 Os autores que trabalham com a civilista e inadequada categoria de possibilidade jurídica do pedido costumam empregar exemplos como esses para demonstrar situações em que o pedido de condenação seria juridicamente impossível Na verdade a questão situase noutra esfera qual seja na exigência de que o fato seja aparentemente criminoso 41 MACHADO Luiz Alberto Prefácio à obra A Lide e o Conteúdo do Processo Penal de Jacinto Coutinho cit p XI 42 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A lide e o conteúdo do processo penal cit p 96 43 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha de Justa Causa para a Ação Penal São Paulo RT 2001 p 97 Importante destacar que utilizaremos diversos conceitos da autora mas há uma divergência nuclear para ela a justa causa não é uma condição da ação senão que a falta de qualquer uma das apontadas condições implica falta de justa causa idem ibidem p 221 Nossa divergência situase na recusa às categorias de interesse e possibilidade jurídica que fazemos bem como na recepção da justa causa como uma verdadeira condição da ação processual penal em sentido oposto à autora Mas isso não impede o reconhecimento do valor e acerto dos conceitos por ela desenvolvidos 44 ASSIS MOURA op cit p 99 45 Idem ibidem p 119 46 Idem ibidem p 173 47 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal cit p 99 48 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Penal São Paulo RT 2005 v 1 p 19 49 Nesse sentido destacamos a decisão proferida pelo TJRS Ap Crime 70014922850 Sétima Câmara Criminal publicado em 31082006 Rel Des NEREU GIACOMOLLI APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE R 2500 NOS IDOS DE 2003 HÁ MAIS DE TRÊS ANOS OFENSIVIDADE DENÚNCIA REJEITADA 1 A infração penal não é mera violação da norma É mais que isto é violação do bem jurídico numa perspectiva de resultado e de relevância da ofensa ao bem jurídico protegido 2 Quando não há lesão ou perigo concreto a um bem jurídico o fato não se reveste de tipicidade no plano concreto A ofensividade a um bem jurídico integra o tipo penal de modo que além da previsão abstrata da conduta da causa do resultado o tipo se perfectibiliza na vida dos fatos se houver ofensa relevante a um bem jurídico 3 No caso em tela a ré teria sacado R 2500 com um cartão cuja senha a vítima havia fornecido sem entregar a importância à filha da vítima quem foi deixada pela mãe na casa da acusada por ter arranjado um companheiro no interior do município APELO MINISTERIAL DESPROVIDO grifo nosso 50 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito penal cit v 1 p 292 51 Op cit p 9798 52 LAURIA TUCCI op cit p 97 53 Diante do princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público pensamos que esse novo promotor não estará obrigado a oferecer denúncia como parece indicar o art 28 do CPP Esse novo promotor ou procurador se for Ministério Público Federal fará uma análise e decidirá entre postular novas diligências oferecer denúncia ou insistir no pedido de arquivamento Nesse último caso poderá o procuradorgeral acolher a manifestação vinculando então o juiz à decisão de arquivamento denunciar ele mesmo ou ainda em casos extremos designar um outro membro do Ministério Público para analisar o caso 54 Chamando a atenção para esse fato de que a obrigatoriedade não está consagrada expressamente JACINTO COUTINHO A Natureza Cautelar da Decisão de Arquivamento do Inquérito Policial Revista de Processo n 70 p 51 explica que esse princípio é uma criação doutrinária e jurisprudencial que visa proteger a independência do MP principalmente contra ingerências estranhas mormente de natureza política 55 Partindo desse tipo de controle que o MP pode fazer deixando o juiz sem opção que não o arquivamento concordamos com JACINTO COUTINHO A Natureza Cautelar da Decisão de Arquivamento do Inquérito Policial cit p 52 quando chama a atenção de que o art 28 abre espaço ao princípio da oportunidade devendo ser feita uma releitura ou nova visão do princípio da obrigatoriedade diversa daquela propalada pela imensa maioria da doutrina brasileira Isso sem falar na possibilidade de manipulação do arquivamento do inquérito bastando que os órgãos de primeiro grau promotor e juiz se coloquem de acordo sobre o arquivamento de determinado tipo de delito para que isso passe a ocorrer sistematicamente e sem qualquer controle 56 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 192194 57 A ampliação do conceito de crimes de menor potencial ofensivo se deu em razão da Lei n 102592001 como se verá ao tratarmos dos Juizados Especiais Criminais 58 É o que nos parece ter ocorrido no seguinte acórdão do STJ HC 27119RS Ministro Gilson Dipp DJ 25082003 p 341 É descabido o argumento de contradição entre o princípio da indivisibilidade da ação penal e a conexão ocorrida no processo criminal instaurado em desfavor do paciente pois referido princípio é atinente à ação penal privada que não é a hipótese dos autos Não se vislumbra omissão no acórdão atacado no que se refere ao exame de alegações a respeito de cerceamento de defesa se evidenciada a devida apreciação pelo Relator do writ originário ainda que de forma condensada Na ação penal pública vigoram os princípios da obrigatoriedade e da divisibilidade da ação penal os quais respectivamente preconizam que o Ministério Público não pode dispor do objeto ou a conveniência do processo Porém não é necessário que todos os agentes ingressem na mesma oportunidade no polo passivo da ação podendo haver posterior aditamento da denúncia Ordem denegada O fato de o MP poder oferecer nova denúncia ou aditar não significa que não exista a indivisibilidade pois ela vai muito além da indivisibilidade no processo admitindo que a acusação ocorra em outro processo O que não se admite é dividir para deixar de acusar pois incide conjuntamente a obrigatoriedade onde um princípio assegura o outro 59 EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL COMETIMENTO DE DOIS CRIMES DE ROUBO SEQUENCIAIS CONEXÃO RECONHECIDA RELATIVAMENTE AOS RESPECTIVOS INQUÉRITOS POLICIAIS PELO MP DENÚNCIA OFERECIDA APENAS QUANTO A UM DELES ALEGAÇÃO DE ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO QUANTO AO OUTRO INOCORRÊNCIA PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE INEXISTÊNCIA AÇÃO PENAL PÚBLICA PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE RECURSO DESPROVIDO I Praticados dois roubos em sequência e oferecida a denúncia apenas quanto a um deles nada impede que o MP ajuíze nova ação penal quanto ao delito remanescente II Incidência do postulado da indisponibilidade da ação penal pública que decorre do elevado valor dos bens jurídicos que ela tutela III Inexiste dispositivo legal que preveja o arquivamento implícito do inquérito policial devendo ser o pedido formulado expressamente a teor do disposto no art 28 do Código Processual Penal IV Inaplicabilidade do princípio da indivisibilidade à ação penal pública Precedentes V Recurso desprovido RHC 951410 Rel Min Ricardo Lewandowski j 06102009 60 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal cit p 176 e ss 61 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 199 62 Também analisando bem a questão EMENTA HABEAS CORPUS DELITO SOCIETÁRIO CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA LEI N 813790 QUOTISTA MINORITÁRIO 1 DAS QUOTAS SOCIAIS INEXISTÊNCIA DE PODER GERENCIAL E DECISÓRIO IMPOSSIBILIDADE DE INCRIMINAR QUOTISTA SEM A EFETIVA COMPROVAÇÃO DE CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO DELITUOSO INSUBSISTÊNCIA DA CONDENAÇÃO PENAL DECRETADA PEDIDO DEFERIDO PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA O sistema jurídico vigente no Brasil tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório hoje impregnado em sua estrutura formal de caráter essencialmente democrático impõe ao Ministério Público a obrigação de expor de maneira precisa objetiva e individualizada a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal a fim de que o Poder Judiciário ao resolver a controvérsia penal possa em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do due process of law ter em consideração sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal a conduta individual do réu a ser analisada em sua expressão concreta em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS SOCIETÁRIOS SÓCIO QUOTISTA MINORITÁRIO QUE NÃO EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS CONDENAÇÃO PENAL INVALIDADA O simples ingresso formal de alguém em determinada sociedade civil ou mercantil que nesta não exerça função gerencial e nem tenha participação efetiva na regência das atividades empresariais não basta só por si especialmente quando ostente a condição de quotista minoritário para fundamentar qualquer juízo de culpabilidade penal A mera invocação da condição de quotista sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que vincule o sócio ao resultado criminoso não constitui nos delitos societários fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório A circunstância objetiva de alguém meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não se revela suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa e menos ainda para justificar como efeito derivado dessa particular qualificação formal a decretação de uma condenação penal HC 73590SP Min Celso de Mello DJ 13121996 p 50162 grifo nosso 63 Também não são computadas as que não prestam compromisso de dizer a verdade as testemunhas referidas e as que nada souberem sobre o caso penal arts 208 209 1º e 2º Esses limites numéricos poderão ainda sofrer um alargamento pela incidência do art 209 do CPP que permite ao juiz ouvir outras testemunhas além daquelas arroladas pelas partes podendo ser interpretado assim como testemunhas além do limite numérico das partes 64 Mas essa alteração não afeta o Direito Penal de modo que o agente que possua entre 18 e 21 anos segue gozando de tratamento diferenciado como por exemplo com a incidência da atenuante da menoridade e a redução do prazo prescricional Isso porque na esfera penal vale o critério etário Já para o processo penal o critério utilizado é a capacidade para a prática dos atos da vida Nesse sentido decidiu acertadamente o STJ no HC 40041MS Rel Min Nilson Naves j 17032005 65 Concordamos com Fernando da Costa TOURINHO FILHO Processo Penal v 1 p 362 quando afirma que se a representação regra também aplicável à queixa crime frisese for feita após o prazo de 6 meses da data do fato sob o argumento de que somente em momento posterior o ofendido veio a saber quem era o autor do delito a carga dessa prova lhe incumbe Ou seja é carga probatória do ofendido demonstrar a data em que veio a saber quem era o autor do delito quando esta não coincide com a data da ocorrência do fato Daí por que como essa é uma prova muito difícil na dúvida é sempre melhor representar ou apresentar a queixa dentro dos 6 meses posteriores ao fato ainda que isso represente um encurtamento do prazo em caso de posterior descoberta da autoria 66 Nesse sentido EMENTA HABEAS CORPUS ESTUPRO CONTRA MENOR DE QUATORZE ANOS AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA EXAURIMENTO DO PRAZO DECADENCIAL TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL MISERABILIDADE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA REPRESENTANTE DA OFENDIDA A declaração de miserabilidade feita pela representante legal da ofendida e a vontade inequívoca de processar o autor do crime de estupro manifestada à autoridade policial imediatamente aos fatos elidem por completo a tese de expiração do prazo decadencial do que decorreria o trancamento da ação penal É da jurisprudência dessa Corte que a representação nos crimes de ação penal pública condicionada prescinde de qualquer formalidade bastando o elemento volitivo ainda que manifestado na fase policial Ordem denegada HC 86122SC Rel Min Eros Grau 1ª Turma DJ 17032006 grifo nosso 67 Processo Penal v 1 p 354 68 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 118 69 EMBARGOS INFRINGENTES RECURSO EM SENTIDO ESTRITO ART 217A 1º DO CP VÍTIMA IMPOSSIBILITADA DE OFERECER RESISTÊNCIA VULNERABILIDADE MOMENTÂNEA AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO Segundo elementos colhidos na fase investigativa durante o crime a vítima encontravase sedada sem condições de oferecer resistência Contudo recuperado seu estado normal tinha plena capacidade de exercer seu direito de representação contra o agente o que efetivamente fez todavia muito tempo depois de findo o prazo legal para tanto Decorrido o prazo previsto no art 38 do CPP ocorreu a decadência devendo ser mantida a decisão do primeiro grau de jurisdição que declarou extinta a punibilidade do réu com relação ao terceiro fato descrito na denúncia Prevalência do voto minoritário Embargos Infringentes acolhidos por maioria TJRS Embargos Infringentes 70054018346 4º Grupo Criminal Rel Des Carlos Alberto Etcheverry j 23082013 70 MIRABETE Julio Fabbrini Processo Penal São Paulo Atlas 2004 p 117 71 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado São Paulo RT 2006 p 171 72 Recordando a explicação anterior sobre a representação também a queixa quando feita após o prazo de 6 meses da data do fato sob o argumento de que somente em momento posterior o ofendido veio a saber quem era o autor do delito a carga dessa prova lhe incumbe Ou seja é carga probatória do ofendido demonstrar a data em que veio a saber quem era o autor do delito quando esta não coincide com a data da ocorrência do fato Daí por que como essa é uma prova muito difícil na dúvida é sempre melhor apresentar a queixa dentro dos 6 meses posteriores ao fato ainda que isso represente um encurtamento do prazo em caso de posterior descoberta da autoria 73 Mas a questão não é pacífica como se depreende da decisão proferida pelo STF no RHC 105920RJ rel Min Celso de Mello julgado em 08052012 em que a 2ª Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para invalidar desde a origem procedimento penal instaurado contra o recorrente e declarar a extinção da punibilidade por efeito da consumação do prazo decadencial No caso fora oferecida queixacrime por suposta ocorrência de crime de injúria sem que na procuração outorgada pelo querelante ao seu advogado constasse o fato criminoso de maneira individualizada Reputouse que a ação penal privada para ser validamente ajuizada dependeria dentre outros requisitos essenciais da estrita observância por parte do querelante da formalidade imposta pelo art 44 do CPP Esse preceito exigiria constar da procuração o nome do querelado e a menção expressa ao fato criminoso de modo que o instrumento de mandato judicial contivesse ao menos referência individualizadora do evento delituoso e não apenas o nomen iuris Asseverouse por outro lado não ser necessária a descrição minuciosa ou a referência pormenorizada do fato Observouse ainda que embora a presença do querelante na audiência de conciliação possibilitasse suprir eventual omissão da procuração judicial a regularização do mandato somente ocorreria se ainda não consumada a decadência do direito de queixa Sucede que decorrido in albis o prazo decadencial sem a correção do vício apontado impor seia o reconhecimento da extinção da punibilidade do querelado 74 Assim decidiu o STF no HC 84659MS Rel Min Sepúlveda Pertence j 29062005 EMENTA I Ação Penal Crime Contra a Honra do Servidor Público Propter Officium legitimação concorrente do MP mediante representação do ofendido ou deste mediante queixa se no entanto opta o ofendido pela representação ao MP ficalhe preclusa a ação penal privada electa una via II Ação Penal privada subsidiária descabimento se oferecida a representação pelo ofendido o MP não se mantém inerte mas entendendo insuficientes os elementos de informação requisita a instauração de inquérito policial 75 Art 104 O direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente Parágrafo único Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercêlo não a implica todavia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime 76 No mesmo sentido PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 131 77 Importante destacar aqui que o não comparecimento do querelante em eventual audiência conciliatória não pode ser considerado perempção pois ele não está obrigado a comparecer Sua ausência deve ser vista como uma recusa a qualquer possibilidade de consenso ou acordo jamais como desídia ou negligência processual 78 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 265 79 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 268 80 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado cit p 152 81 Ainda assim em sentido contrário ao nosso admitindo a denúncia genérica Afrânio SILVA JAR DIM Direito Processual Penal cit p 121122 82 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 1 2 ed p 203 83 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v 1 p 117 84 Direito Processual Penal cit p 5657 85 Idem ibidem p 57 86 BOSCHI José Antonio Paganella Nulidades In Código de Processo Penal Comentado Marcus Vinicius Boschi org Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 445 87 No mesmo sentido é apontada a possibilidade de aplicação analógica do art 267 IV do CPC Eugênio PACELLI DE OLIVEIRA Curso de Processo Penal cit p 169 88 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal cit v 1 p 250 89 Neste sentido parecenos muito acertada a decisão tomada pela 7ª Turma do TRF da 4ª Região Rel Des Federal TAADAQUI HIROSE no RSE 200971020004500 julgado em 26052009 DJ 08072009 PENAL E PROCESSO PENAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DENÚNCIA INICIALMENTE ADMITIDA À LUZ DO ART 43 DO CPP LEI 117192008 REFORMA PROCESSUAL PENAL PROCESSO EM CURSO ARTIGOS 395 E 397 DO CPP NOVA ANÁLISE DA JUSTA CAUSA APÓS A RESPOSTA PRELIMINAR POSSIBILIDADE REJEIÇÃO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA CABIMENTO 1 Com o advento da Lei 11719 de 20 de junho de 2008 o denunciado somente será submetido a persecutio criminis in judicio quando houver plausibilidade da acusação a qual vale dizer deverá estar lastreada ao menos na prova da existência de infração penal sob pena de constrangimento ilegal 2 Nessa linha a partir das alterações processuais produzidas pela aludida Lei após o oferecimento da peça acusatória não sendo caso de rejeição liminar art 395 cabe ao juiz propiciar a apresentação de resposta por escrito oportunidade em que o denunciado poderá alegar tudo o que interesse à sua defesa art 396 e 396A Dessa forma os fatos narrados na peça incoativa passam a ser examinados em cotejo com os argumentos apontados pela defesa art 397 para somente assim sob os auspícios do contraditório e da ampla defesa aferir o julgador se efetivamente há justa causa para a ação penal iniciandoa se for o caso com o recebimento da denúncia 3 Portanto não há mácula na decisão que após a apresentação das respostas preliminares realiza novo juízo de prelibação para revendo decisão anterior concluir pela ausência de justa causa ao exercício da ação penal Até porque inexiste utilidade no prosseguimento do feito quando não evidenciado um suporte probatório mínimo acerca da autoria e da materialidade delitivas atribuídas aos ora recorridos TRF4 RSE 200971020004500 7ª Turma Relator Taadaqui Hirose j 26052009 DJ 08072009 grifamos E ainda no mesmo sentido também se posicionou o TRF da 1ª Região no RSE 200838000151631 3ª Turma Rel Des Federal TOURINHO NETO julgado em 15022011 PENAL PROCESSO PENAL NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL LEI 117192008 IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA LEI 813790 SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA LEI 1068403 ART 9º FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO ARTS 299 E 304 CP ABSORÇÃO DENÚNCIA REJEIÇÃO 1 A Lei 1171908 inovou o processo penal ao introduzir a possibilidade de absolvição sumária do réu Em sendo assim tornouse perfeitamente factível que o Juiz reveja a decisão pela qual recebeu a denúncia para rejeitála em seguida quando sua convicção é modificada por algum elemento trazido pela defesa em sua resposta escrita grifamos 2 3 4 Não há justa causa para continuidade da presente persecução penal pois o crime de uso e documento falso foi absorvido pelo delito tributário Lei n 813790 e este teve suspensa a pretensão punitiva nos termos do art 9º caput e 1º da Lei 1068403 em razão do parcelamento do crédito tributário 5 Recurso em sentido estrito não provido TRF1 RSE 200838000151631 3ª Turma Rel Juiz Tourinho Neto j 15022011 eDJF1 28022011 p 64 90 Neste sentido muito bem decidiu o STJ no REsp 1185542RS Rel Min GILSON DIPP 5ª Turma julgado em 14042011 DJe 16052011 PENAL RECURSO ESPECIAL HOMICÍDIO REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA ART 387 IV DO CPP PEDIDO FORMAL E OPORTUNIDADE DE PRODUÇÃO DE CONTRAPROVA AUSÊNCIA OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA RECURSO DESPROVIDO I O art 387 IV do Código de Processo Penal na redação dada pela Lei 11719 de 20 de junho de 2008 estabelece que o Juiz ao proferir sentença condenatória fixará um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido II Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a aplicação do valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima porque a questão não foi debatida nos autos III Se a questão não foi submetida ao contraditório tendo sido questionada em embargos de declaração após a prolação da sentença condenatória sem que tenha sido dada oportunidade ao réu de se defender ou produzir contraprova há ofensa ao princípio da ampla defesa IV Recurso desprovido A decisão abordou exatamente a nulidade decorrente da violação do contraditório ausência de debate sobre a questão e também o consequente cerceamento de defesa onde o valor fixado não decorreu de pedido contraditório e decisão 91 Já na primeira sentença em que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Ximenes Lopes versus Brasil j 4 de julho de 2006 foi constatada entre outras a violação do direito de ser julgado no prazo razoável Lá também houve uma censura a essa sistemática de suspensão da ação de indenização pois acabou durando muito mais do que o prazo de 1 ano Em última análise a suspensão representa uma negação ao direito de tutela jurisdicional ainda que na esfera cível no prazo razoável 92 Em decisão isolada e contrária a nossa posição chamamos a atenção para o esse julgado do STJ EXECUÇÃO SENTENÇA CRIMINAL PRESCRIÇÃO RETROATIVA O recorrente foi condenado em razão da prática de lesões corporais de natureza grave perpetrada contra o recorrido porém após o trânsito em julgado viu declararse extinta a punibilidade em razão da prescrição retroativa regulada pela pena in concreto O recorrido então ajuizou ação de liquidação daquela sentença que foi julgada procedente condenando o recorrido ao pagamento de indenização pelos danos emergentes e moral Porém ao extrair carta de sentença e requerer a execução surpreendeuse com sua extinção por falta justamente de título executivo Frente a isso a Turma entendeu que o reconhecimento da prescrição nesses moldes não descaracteriza a sentença condenatória penal como título executivo no âmbito cível art 584 II do CPC a ensejar a pretendida reparação dos danos pois é certo que por aquele motivo não desapareceram o fato a autoria e a culpa já reconhecidos Precedentes citados REsp 163786SP DJ 29061998 e REsp 166107MG DJ 17112003 REsp 722429RS Rel Min Jorge Scartezzini julgado em 13092005 Nossa discordância referese ao fato de que não existe uma sentença condenatória mas sim declaratória da extinção da punibilidade Daí por que não há que se falar em título executivo judicial por carecer a decisão declaratória de força executiva suficiente para tanto Impedida está a execução por falta de título Contudo nada impede a parte interessada de buscar na via ordinária ação civil de indenização a satisfação dessa pretensão indenizatória Com essa sentença condenatória terá então um título para promover a execução 93 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 183 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 AÇÃO PROCESSUAL PENAL é o poder político constitucional de invocar a atuação jurisdicional Constitui o elemento de atividade declaração petitória da pretensão acusatória Não é adequado falarse trancamento da ação penal pois a ação não é trancável ela não possui um prolongamento no tempo É um poder político constitucional de invocação que não poder ser obstaculizado O que se tranca é o processo que nasce com admissão da ação penal e se prolonga no tempo através do procedimento do rito Logo é trancamento do processo 2 NATUREZA JURÍDICA toda ação processual tem caráter público porque se estabelece entre o particular e o Estado para realização do direito penal que é público É autônomo e abstrato pois independe da relação jurídica de direito material Por isso a ação é um direito dos que têm razão e também dos que não a têm Haverá ação ainda que ao final o réu seja absolvido abstração e autonomia Contudo no processo penal não se admite a plena abstração pois para a acusação ser exercida e admitida dando início ao processo é imprescindível que fique demonstrado o fumus commissi delicti Assim entendemos que a ação é um direito potestativo e acusar é um direito público autônomo e abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal 3 CONDIÇÕES DA AÇÃO são condições para que a acusação ação seja admitida dando início ao processo e permitindo que exista uma manifestação judicial sobre o mérito da causa São condições que subordinam o nascimento do processo É importante compreender que ação é um direito de dois tempos ou seja a no primeiro momento estamos na dimensão constitucional do poder de acusar ius ut procedatur que é completamente incondicionado e não existem condições para seu exercício b já a ação no seu segundo momento situase na dimensão processual penal e aqui se situam as condições da ação 4 QUAIS SÃO AS CONDIÇÕES DA AÇÃO Neste ponto é crucial compreender a crítica que fazemos à teoria geral do processo e à importação de conceito do processo civil Muitos sustentam a partir da equivocada concepção de teoria geral do processo que as condições da ação processual penal seriam legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido Os dois últimos interesse e possibilidade jurídica são absolutamente inadequados para o processo penal e por isso são vítimas de entulhamento conceitual ou seja pegam o conceito e o entulham de definições que extrapolam seus limites Para o processo penal são condições da ação processual penal a prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti b punibilidade concreta c legitimidade ativa e passiva d justa causa na sua dupla dimensão de existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade e controle processual do caráter fragmentário do direito penal Ao lado dessas existem outras condições da ação vg representação requisição procuração com poderes especiais para queixa crime etc 5 AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA 51 Regras a oficialidade ou investidura b obrigatoriedade ou legalidade c indisponibilidade d indivisibilidade há divergências sobre sua incidência e intranscendência 52 Espécies 521 Ação Penal de iniciativa pública incondicionada é a regra geral sendo exercida através de denúncia do MP prazo 5 dias em caso de acusado preso e 15 se estiver solto 522 Ação Penal de iniciativa pública condicionada neste caso a acusação depende de representação da vítima ou representante legal constituindo uma condição de procedibilidade A representação é uma autorização que a vítima concede para que o Estado possa acusar por isso é uma condição para que o Estado possa proceder contra alguém Quanto à representação a sujeito vítima ou representante legal art 24 1º e art 39 b objeto um fato aparentemente criminoso acrescido da autorização para que o Estado possa proceder c lugar na polícia MP ou para o juiz art 39 4º d tempo deverá ser feita no prazo decadencial logo não se interrompe suspende ou prorroga de 6 meses contados nos termos do art 38 do CPP Ainda destacamos que a representação é facultativa oral ou por escrito e não tem forma rígida bastando a simples notícia crimeboletim de ocorrência Retratação é possível nos termos do art 25 do CPP 6 AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA 61 Regras oportunidade e conveniência disponibilidade indivisibilidade art 48 intranscendência 62 Titularidade e Prazo o querelante é o ofendido pelo delito a vítima ou seu representante legal art 30 Problemática da vítima menor de 18 anos Súmula n 594 do STF Quanto ao prazo será decadencial de 6 meses art 38 não se interrompendo suspendendo ou prorrogando A procuração deverá conter a exposição sucinta dos fatos criminosos e ter poderes especiais art 38 cc o art 44 do CPP 63 Espécies a originária ou comum b personalíssima c subsidiária da pública art 5º LIX da CB art 29 do CPP e art 100 3º do CP Em relação à ação penal privada subsidiária ou substitutiva cumpre esclarecer que é uma legitimação extraordinária para que a vítima possa exercer a acusação em um crime de ação penal pública diante da inércia do MP Ainda que tenha essa legitimidade extraordinária a ação segue as regras da ação penal pública Crimes praticados contra a honra de servidor público propter officium legitimidade concorrente do ofendido através de queixa ou do Ministério Público mediante representação nos termos da Súmula n 714 do STF 64 Renúncia perdão e perempção são todas causas de extinção da punibilidade 641 Renúncia é possível a renúncia ao direito de queixa e também de representação se for o caso de forma unilateral pelo ofendido podendo ser expressa ou tácita arts 49 e 50 do CPP 104 parágrafo único do CP e 57 do CPP É feita antes de a parte exercer o direito de representação ou de queixa 642 Perdão ato bilateral que ocorre durante o processo penal e que deve ser aceito pelo querelado para surtir efeitos Pode ser oferecido a partir do recebimento da queixa e até que ocorra o trânsito em julgado art 106 2º do CP O perdão oferecido a um dos réus a todos aproveita mas só produz efeito em relação aos que o aceitarem art 51 do CPP Pode ser expresso ou tácito tanto o oferecimento quanto a aceitação Não existe mais legitimidade concorrente no caso de ofendido maior de 18 anos e menor de 21 estando revogados os arts 52 e 54 do CPP 643 Perempção art 60 do CPP É uma sanção de natureza processual imposta ao querelante negligente e que conduz à extinção do processo e da punibilidade 7 Aditamento na ação penal de iniciativa pública aditar é ampliar a acusação acrescentar incluir novos fatos aditamento próprio real eou pessoas aditamento próprio pessoal não contidos na denúncia Está vinculado à mutatio libelli do art 384 do CPP Aditamento impróprio é quando não se acrescenta fato novo ou pessoas mas se retifica uma falha da denúncia Qualquer aditamento deve ser feito antes da denúncia e exige contraditório conhecimento e manifestação da defesa Quanto à interrupção da prescrição em se tratando de aditamento real o prazo prescricional do novo crime se dará na data em que for recebido o aditamento No aditamento pessoal em relação àquele agente o prazo prescricional é interrompido com o recebimento do aditamento Não cabe recurso da decisão que recebe mas pode caber por analogia recurso em sentido estrito da decisão de rejeição art 395 8 Aditamento em ação penal de iniciativa privada não cabe aditamento próprio real devendo o querelante ingressar com uma nova queixacrime Quanto ao aditamento próprio pessoal pode ser caso de renúncia tácita art 49 Se não tinha conhecimento da participação de outras pessoas deverá ajuizar nova queixacrime devendose ter cuidado com a decadência art 38 que poderá ou não ser reunida por força da conexão ou continência É cabível o aditamento impróprio ou seja a mera correção na descrição dos fatos datas lugares etc Falha na procuração a falta de procuração com poderes especiais art 44 pode ser suprida no prazo decadencial de 6 meses art 38 9 Rejeição da denúncia ou queixa da decisão que recebe a denúncia ou queixa não cabe recurso pode caber habeas corpus que não é recurso para trancamento do processo A acusação será rejeitada nos casos do art 395 a Inépcia nos casos do art 41 a contrario sensu especialmente quando não houver a exposição clara e direta do fato criminoso com todas as suas circunstâncias pois não se admite acusação genérica ou alternativa Rejeitada a denúncia ou queixa o recurso cabível é o RSE art 581 I b Falta de pressuposto processual ou condição da ação a teoria dos pressupostos processuais não é de aceitação pacífica mas em sendo admitida os pressupostos seriam de existência ou validade e sua ausência acarretaria a rejeição da acusação Já as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade de parte e justa causa foram estudadas anteriormente e sua ausência acarreta a rejeição O recurso cabível é o RSE art 581 I c Falta de justa causa é um conceito já abrangido pelo inciso anterior pois se trata de uma condição da ação cuja falta acarreta a rejeição recurso cabível RSE art 581 I Rejeição Parcial é ainda minoritária a corrente doutrinária que admite a rejeição parcial da denúncia ou queixa aplicando o art 383 no momento do recebimento Seria para situações excepcionais buscando ser corrigida a acusação abusiva desde o início evitando um desenvolvimento procedimental defeituoso 10 Absolvição sumária está prevista no art 397 do CPP e ocorre após o recebimento da denúncia ou queixa e da resposta à acusação Os quatro incisos nada mais fazem do que criar desdobramentos de duas condições da ação fato aparentemente criminoso e punibilidade concreta São todas decisões de mérito que atuam afastando a ilicitude ou a culpabilidade ou negando a tipicidade Da decisão que absolve sumariamente nos casos dos incisos I II e III caberá recurso de apelação art 593 I do CPP Quando a absolvição sumária se fundar no inciso IV o recurso cabível é o recurso em sentido estrito art 581 VIII Justa causa não está entre as causas de absolvição sumária Caso seja reconhecida a falta de justa causa após a resposta à acusação entendemos mas não é pacífico que o juiz pode desconstituir o recebimento e rejeitar a acusação pois não existe preclusão para o juiz em relação à decisão de rejeição 11 Valor Indenizatório a sentença penal condenatória poderá fixar um valor indenizatório mínimo que não exclui a possibilidade de a vítima postular na esfera cível um complemento art 387 IV Mas para isso é necessário que a exista pedido expresso na inicial b exista contraditório c fato criminoso tenha ocorrido após a vigência da Lei n 117192008 12 Ação Civil Ex Delicti são três as situações possíveis 121 Com sentença penal condenatória transitada em julgado a sentença penal constitui um título executivo judicial art 475N II do CPC podendo ser executada no cível 122 Ação ordinária de indenização poderá a vítima ou representante legal ajuizar antes durante ou até mesmo após o processo penal ação de indenização art 64 do CPP Sendo ajuizada antes ou durante o processo criminal poderá ser suspensa sua tramitação art 64 parágrafo único A sentença penal absolutória impede ação civil de indenização nos casos do art 386 I e IV Nos incisos II III V e VII do art 386 a sentença penal absolutória não impedirá a demanda cível No caso de absolvição com base no art 386 VI como regra geral impede ação civil de indenização art 65 do CPP exceto nos casos de absolvição por estado de necessidade agressivo arts 929 e 930 do CCB e legítima defesa real e aberratio ictus art 73 do CP situações em que o réu mesmo absolvido poderá ser demandado no cível Legítima defesa ou estado de necessidade putativo não impede ação de indenização Nos casos de absolvição sumária art 397 nas situações dos incisos II III e IV não impede ação de indenização A situação do inciso I causas de exclusão da ilicitude como regra impede ação civil exceto nos casos de estado de necessidade agressivo e legítima defesa real e aberratio ictus 123 Composição dos danos civis JECrim nos termos do art 74 da Lei n 909995 gera título executivo no cível e extingue a punibilidade penal Capítulo X JURISDIÇÃO PENAL E COMPETÊNCIA DE PODERDEVER A DIREITO FUNDAMENTAL O conceito de jurisdição deve iniciar pelo abandono da estéril discussão para o processo penal entre jurisdição voluntária e contenciosa Isso porque no processo penal não existe lide Assim com razão TUCCI1 quando explica que a jurisdição penal deve ser concebida como poderdever de realização de Justiça Estatal por órgãos especializados do Estado Tratase de decorrência inafastável da incidência do princípio da necessidade peculiaridade do processo penal inexistente no processo civil Para tanto é uma jurisdição cognitiva destinada a conhecer da pretensão acusatória e de seu elemento objetivo o caso penal para em acolhendoa exercer o poder de penar que detém o Estadojuiz Assim é lugarcomum na doutrina vincular o conceito de jurisdição ao de poderdever Não negamos que seja um poderdever mas pensamos que a questão exige à luz da Constituição um deslocamento Assim pensamos que jurisdição é um direito fundamental tanto que ao tratarmos dos princípiosgarantias do processo penal o primeiro a ser analisado é exatamente esse a garantia da jurisdição Ou seja o direito fundamental de ser julgado por um juiz natural cuja competência está prefixada em lei imparcial e no prazo razoável É nessa dimensão que a jurisdição deve ser tratada como direito fundamental e não apenas como um poderdever do Estado Significa descolar da estrutura de pensamento no qual a jurisdição é um poder do Estado e que portanto pode pelo Estado ser utilizado e definido segundo suas necessidades Ao desvelarmos a jurisdição como direito fundamental consagrado que está na Constituição ela passa a exigir uma nova estrutura de pensamento como instrumento a serviço da tutela do indivíduo recordemos la ley del más débil como sintetizou FERRAJOLI Com razão JACINTO COUTINHO2 quando afirma que a jurisdição a par de ser um poder e como tal deve ser estudado com proficiência é uma garantia constitucional do cidadão da qual não se pode abrir mão grifo nosso O que se evidencia é a coexistência dos conceitos Não se nega o caráter de poderdever mas acima de tudo é um direito fundamental do cidadão E a ação como visto é a invocação necessária para obtenção desse direito fundamental jurisdição Essa concepção decorre ainda do princípio da necessidade do processo em relação à pena pois como visto não há pena sem processo anterior Logo ação jurisdição e processo formam um núcleo de direitos fundamentais que impedem a aplicação imediata e ilegítima da pena Como consequência a própria conceituação de competência também é afetada A competência ao mesmo tempo em que limita o poder cria condições de eficácia para a garantia da jurisdição juiz natural e imparcial Como explica TAORMINA3 a disciplina da competência deriva do fato de que a jurisdição penal ordinária se articula em uma multiplicidade de órgãos devendo se verificar a repartição das tarefas judiciárias Resultaria extremamente perigoso se não fossem previstos rígidos mecanismos de identificação prévia do juiz competente pois antes de tudo está a garantia da precostituzione per legge del giudice que deverá ser prima del fatto commesso A competência impõe severos limites ao poder jurisdicional es la medida de la jurisdicción sintetiza LEONE4 e por sua vez está estreitamente disciplinada por regras que em última análise asseguram a própria qualidade e legitimidade da jurisdição Ao final de tudo está a garantia de ter um juiz natural imparcial e cuja competência está claramente definida por lei anterior ao fato criminoso Nessa dimensão de poder mas principalmente de direito fundamental a jurisdição e portanto as regras de competência cuja coexistência nem sempre é respeitada e corretamente tratada abordaremos o tema da competência 1 Princípios da Jurisdição Penal Em relação aos princípios da jurisdição penal5 destacamos de forma sintética 11 Princípio da Inércia da Jurisdição Como decorrência do sistema acusatório anteriormente explicado e para garantia da imparcialidade princípio supremo do processo a inércia da jurisdição significa que o poder somente poderá ser exercido pelo juiz mediante prévia invocação Vedada está a atuação ex officio do juiz daí o significado do adágio ne procedat iudex ex officio Com isso a jurisdição somente se põe em marcha quando houver uma prévia invocação declaração petitória feita por parte legítima No que tange ao processo penal a jurisdição somente pode ser exercida quando houver o exercício da pretensão acusatória através de queixacrime se a iniciativa da ação penal for privada ou da denúncia oferecida pelo Ministério Público nos termos do art 129 I da Constituição nos delitos cuja ação penal é de iniciativa pública Portanto fazendo uma leitura constitucional revogado está o art 26 do CPP6 pois não existe mais processo penal iniciando por meio de prisão em flagrante ou mesmo portaria da autoridade judiciária ou policial 12 Princípio da Imparcialidade Considerando o que já explicamos sobre a imparcialidade do julgador no tópico destinado à Jurisdição nos princípios fundantes da instrumentalidade constitucional do processo penal cumpre agora apenas recordar algumas nuances de forma sumária Desde logo reforçamos que imparcialidade não tem absolutamente nada a ver com neutralidade pois juiz neutro não existe Pelo fato de o juiz sernomundo bem como já ter sido superada a noção cartesiana que separava razão de emoção dicotomizando sujeito e objeto não se questiona mais que o ato de julgar reflete um sentimento uma eleição de significados válidos na norma e das teses apresentadas Basta recordar que sentenciar vem de sententiando gerúndio do verbo sentire Logo existe um conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar e que impedem qualquer construção que envolva a tal neutralidade A imparcialidade é uma construção do Direito que impõe a ele um afastamento estrutural um alheamento terzietà em relação à atividade das partes acusador e réu Como meta a ser atingida o processo deve criar mecanismos capazes de garantila evitando principalmente atribuir poderes instrutórios ao juiz Como explicamos anteriormente a imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor e a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia O Tribunal Europeu de Direitos Humanos há muito tempo e em diversas oportunidades tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial em situações assim destacando ainda uma especial preocupação com a aparência de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados especialmente na esfera penal Novamente a complexidade do processo exige uma visão mais ampla pois a imparcialidade é garantida pela adoção do sistema acusatório e ambos pela inércia da jurisdição Existe assim uma íntima relação e interação entre esses institutos Daí por que viola a garantia da imparcialidade entre outros a atribuição de poderes instrutórios para o juiz poderes para produzir a prova de ofício decretação de ofício de prisões provisórias medidas cautelares reais etc Esse ativismo judicial como o previsto no art 156 do CPP fere de morte o sistema acusatório e a garantia da imparcialidade A questão é complexa e para melhor compreensão do que estamos falando remetemos o leitor para o que explicamos anteriormente sobre os sistemas processuais e os princípios fundantes da instrumentalidade constitucional do processo penal O que não se pode mais é ter uma visão ingênua dessa matéria como tradicionalmente tem sido feito no Brasil 13 Princípio do Juiz Natural O princípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um verdadeiro pressuposto para a sua própria existência Como explicamos anteriormente na esteira de MARCON7 o Princípio do Juiz Natural é um princípio universal fundante do Estado Democrático de Direito Consiste no direito que cada cidadão tem de saber de antemão a autoridade que irá processálo e qual o juiz ou tribunal que irá julgálo caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento jurídicopenal O nascimento da garantia do juiz natural dáse no momento da prática do delito e não no início do processo Não se podem manipular os critérios de competência e tampouco definir posteriormente ao fato qual será o juiz da causa Elementar que essa definição posterior afetaria também a garantia da imparcialidade do julgador como visto anteriormente Importa afastar a criação de tribunais de exceção post factum e extinguir os privilégios das justiças senhorais foro privilegiado Na clara definição de COUTINHO8 tratase de definir qual é o meu juiz pois todos passam a ser julgados pelo seu juiz cuja competência é previamente estabelecida por uma lei vigente antes da prática do crime A consagração Constitucional vem dada pelo texto do art 5º LIII da Constituição Destaquese ainda essa correta análise feita pelo STF sobre o alcance do dispositivo em questão O postulado do juiz natural representa garantia constitucional indisponível assegurada a qualquer réu em sede de persecução penal mesmo quando instaurada perante a Justiça Militar da União O postulado do juiz natural em sua projeção políticojurídica revestese de dupla função instrumental pois enquanto garantia indisponível tem por titular qualquer pessoa exposta em juízo criminal à ação persecutória do Estado e enquanto limitação insuperável representa fator de restrição que incide sobre os órgãos do poder estatal incumbidos de promover judicialmente a repressão criminal HC 81963 Rel Min Celso de Mello DJ 28102004 No mesmo sentido HC 79865 DJ 06042001 Por fim destacamos que não se pode mais desconectar a garantia do juiz natural das regras de competência Assim devese dar um basta às verdadeiras manipulações feitas nos critérios de competência a partir de equivocadas analogias com o processo civil o costumeiro desrespeito às categorias jurídicas próprias do processo penal permitindo que se desloquem processos da cidade onde ocorreu o crime para outras atendendo a duvidosos e censuráveis critérios de maior eficiência no combate ao crime mas ferindo de morte a garantia constitucional Em geral isso é feito sob o argumento de que a competência em razão do lugar é relativa uma construção civilista inadequada ao processo penal Como explica COUTINHO isso abre a possibilidade de escolher um juiz mais interessante para quem para o julgamento de determinados casos atendendo a critérios pessoais mais liberal ou mais conservador por exemplo Nenhuma dúvida existe de que essas manipulações violam a garantia da imparcialidade e do juiz natural Mas para além disso eles estão comprometendo a credibilidade da Justiça Voltaremos a essa questão da manipulação dos critérios de competência no final deste capítulo em tópico destinado à crítica da adoção dos critérios civilistas de incompetência absoluta e relativa e sua manipulação 14 Princípio da Indeclinabilidade da Jurisdição Nenhuma das garantias anteriores teria eficácia se fosse permitido ao juiz declinar ou subtrairse do dever de julgamento do processo A garantia da jurisdição careceria de sentido se fosse possível sua fungibilidade A inderrogabilidade é garantia que decorre e assegura a eficácia da garantia da jurisdição no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade do juízo assegurando a todos o livre acesso ao processo e ao poder jurisdicional Logo o juiz natural não pode declinar ou delegar a outro o exercício da sua jurisdição até porque existe uma exclusividade desse poder de modo a excluir a de todos os demais Visto assim o presente princípio não dá a noção da problemática que pode surgir se o levarmos a sério algo que não tem sido feito no sistema brasileiro Por exemplo como admitir a chamada prorrogatio fori tão utilizada pela Justiça brasileira Inadmissível pois incompatível com esse princípio A prorrogatio fori ocorre quando um juiz que não é competente em razão do lugar acaba tendo sua competência ampliada prorrogada Tal alquimia somente é possível pelo fato de a competência pelo local do crime ser considerada relativa e se não arguida pelo réu na resposta escrita à acusação art 396A é prorrogada pela preclusão transformando em competente quem inicialmente era incompetente Esse é o entendimento majoritário com o qual não concordamos Noutra linha também vemos dificuldades na coexistência entre a garantia da indeclinabilidade da jurisdição e a chamada justiça negociada A lógica da plea negotiation conduz a um afastamento do Estadojuiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote ao conflito A negotiation viola desde logo esse pressuposto fundamental pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo juiz que erroneamente limitase a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal conduzindo a uma espécie de fungibilidade da jurisdição Voltaremos a essa crítica quando abordarmos os Juizados Especiais Criminais 2 A Competência em Matéria Penal A competência é um conjunto de regras que asseguram a eficácia da garantia da jurisdição e especialmente do juiz natural Delimitando a jurisdição condiciona seu exercício Como regra um juiz ou tribunal somente pode julgar um caso penal quando for competente em razão da matéria pessoa e lugar Sem negar as críticas que fizemos no princípio da indeclinabilidade da jurisdição seguiremos o pensamento majoritário que costuma afirmar que a competência em razão da matéria e pessoa é absoluta ao passo que o critério local do crime seria relativo Logo a violação das regras de competência para matéria e pessoa por ser absoluta não se convalida jamais não há preclusão ou prorrogação de competência e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal em qualquer fase do processo Com relação à competência em razão do lugar ao compreendermos que a jurisdição é uma garantia não pode ela ser esvaziada com a classificação civilista de que é relativa Ou seja a eficácia da garantia do juiz natural não permite que se relativize a competência em razão do lugar Assim também consideramos a competência em razão do lugar absoluta Contudo até por honestidade acadêmica destacamos que não é essa a posição majoritária na jurisprudência brasileira Predomina a noção civilista de que a competência em razão do lugar do crime é relativa Desde a mera leitura do CPP defendem que a incompetência em razão do lugar do crime deve ser arguida pelo réu no primeiro momento em que falar no processo sob pena de preclusão e prorrogação da competência do juiz prorrogatio fori O julgador que inicialmente era incompetente em razão do lugar adquire competência pela preclusão da via impugnativa Somente o réu pode alegar a incompetência em razão do lugar pois o Ministério Público ao eleger o local onde ofereceu a denúncia fez sua opção e portanto preclusa a via para ele Contudo ao contrário de alguma doutrina que não descola das categorias do processo civil pensamos que a incompetência em razão do lugar pode também ser conhecida pelo juiz de ofício Isso porque o art 109 do CPP não faz nenhuma restrição todo oposto Art 109 Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente declaráloá nos autos haja ou não alegação da parte prosseguindose na forma do artigo anterior Assim poderá o juiz de ofício e até a prolação da sentença declinar de sua competência inclusive em razão do lugar A distinção está em que na incompetência em razão da matéria e pessoa por serem critérios absolutos e indisponíveis não se opera nenhuma espécie de convalidação Inclusive em grau recursal pode ser declarada a incompetência do juiz Já em relação ao lugar ou a defesa alega através da respectiva exceção ou ela se prorroga Nesse caso somente o juiz poderá fazêlo até a sentença nos termos do art 109 Voltando ao tema principal a disciplina feita pelo Código de Processo Penal nessa matéria e em outras é péssima sem uma sistemática clara e coerente Dispõe o art 69 do CPP Art 69 Determinará a competência jurisdicional I o lugar da infração II o domicílio ou residência do réu III a natureza da infração IV a distribuição V a conexão ou continência VI a prevenção VII a prerrogativa de função Desde logo advertimos que não existe nenhuma hierarquia ou ordem entre os incisos e qualquer tentativa de extrair uma regra de aplicação a partir daí esbarrará em tantas exceções que a regra se diluirá Propomos definir a competência a partir de três perguntas básicas 1ª Qual é a Justiça e órgão competente Aqui se discutem os critérios relativos à matéria e pessoa considerando a existência de 1 Justiças Especiais 11 Justiça Militar 111 Justiça Militar Federal 112 Justiça Militar Estadual 12 Justiça Eleitoral 2 Justiças Comuns 21 Justiça Comum Federal 22 Justiça Comum Estadual Sempre para definição da Justiça competente devese considerar a matéria em julgamento e começar a análise pela esfera mais restrita das Justiças Especiais começando pela Justiça Militar Federal depois Estadual e por fim a Eleitoral para por exclusão chegar às Justiças Comuns Primeiro a Federal para só então chegar à Justiça mais residual de todas a Justiça Comum Estadual Assim um crime somente será de competência da Justiça Comum Estadual quando não for de competência de nenhuma das anteriores No próximo ponto definiremos as competências das Justiças Especiais e Comuns mas antes é preciso esclarecer mais alguns aspectos Definida a Justiça devese analisar ainda em qual será o nível da jurisdição que terá atuação originária pois pode ocorrer que por exemplo em virtude do cargo que o réu ocupe o processo já nasça no Tribunal de Justiça no Superior Tribunal de Justiça ou mesmo no Supremo Tribunal Federal Assim para encontrar o órgão julgador devemos considerar a existência dos seguintes níveis de jurisdição Justiça Comum9 10 11 Mas o problema poderá não estar resolvido ainda com a mera definição da Justiça e órgão julgador Em se tratando de primeiro grau de jurisdição devese ainda definir qual é o foro competente passando então à segunda pergunta 2ª Qual é o foro competente local Quando em razão da natureza do delito matéria e qualidade do agente pessoa o julgamento for de competência da Justiça de primeiro grau devese ainda definir qual será o foro competente lugar atendendo nesse caso às regras dos arts 70 e 71 do CPP Excepcionalmente dependendo da situação poderá ser necessário recorrer às regras dos arts 88 a 90 quando o delito for cometido a bordo de navio ou aeronave como explicaremos na continuação 3ª Qual é a vara ou juízo Ainda que respondidas as duas perguntas anteriores pode a competência não estar definida como ocorre por exemplo com um crime de roubo cometido na cidade de Porto Alegre A Justiça será a comum estadual diante da não incidência das demais o órgão é o juiz de direito primeiro grau e o local será a comarca de Porto Alegre Contudo ainda assim quantos juízes igualmente competentes em razão da matéria pessoa e lugar existem nessa cidade Dezenas Logo qual deles irá julgar Deveremos recorrer aos critérios da prevenção art 83 ou da distribuição conforme o caso Finalmente após responder corretamente a essas três perguntas teremos a exata definição do juiz ou tribunal competente para o julgamento do processo penal Mas como advertimos no início esse é um tema bastante complexo e ainda que tudo isso tenha sido definido a ocorrência de conexão ou continência pode alterar substancialmente a resposta final como veremos Vejamos agora que definições nos permitirão responder a essas três perguntas começando pela análise da competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral para depois explicar a competência das Justiças Comuns Federal e Estadual 21 Qual é a Justiça Competente Definição da Competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e Comuns Federal e Estadual Nesse ponto precisamos analisar a natureza da infração a matéria eou a pessoa Em primeiro lugar devemos questionar se o crime é da competência da Justiça Especial Militar cujo campo é o mais restrito federal e depois estadual depois se não for de competência da Justiça Militar devemos questionar se é de competência da Justiça Eleitoral Somente com a negativa a ambas as perguntas é que podemos passar para a escolha da Justiça Comum federal ou estadual que irá julgar É sempre uma análise que parte do mais restrito para o mais residual Justiça Comum Estadual Assim comecemos definindo a competência da Justiça Militar 211 Justiça Especial Militar Federal À Justiça Militar Federal compete o julgamento dos militares pertencentes às forças armadas exército marinha e aeronáutica que possuem atuação em todo o território nacional Essa Justiça está constituída da seguinte forma 1º grau auditorias e conselhos permanentes de justiça e conselho especial de justiça 2º grau é o Superior Tribunal Militar A competência dessa Justiça Especial está prevista no art 124 da Constituição Art 124 À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei Ao falar em crimes militares definidos em lei a Constituição acaba por remeter para o Código Penal Militar cujo art 9º define o que é um crime militar12 Para tanto é necessário que seja uma conduta tipificada no Código Penal Militar pois somente assim teremos um crime militar esteja presente uma daquelas situações descritas no art 9º do Código Penal Militar por fim a jurisprudência tem buscando claramente restringir a competência da Justiça Militar passado a exigir uma situação de interesse militar Isso porque a atuação da Justiça Militar deve ser excepcional somente nos casos de efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos das Forças Armadas13 Tratase de construção jurisprudencial de natureza subjetiva que deve ser analisada caso a caso Somente quando concorrerem todos esses elementos teremos um crime de competência da Justiça Militar Federal Assim afastase a competência da Justiça Militar por falta de uma situação de interesse militar quando o réu militar chegando em casa surpreende sua esposa com o amante e utilizando artefatos militares causa lesões corporais em ambos Ainda que o agente esteja fardado resida numa das muitas vilas militares espalhadas pelo País utilize equipamento militar e pratique uma conduta prevista no Código Penal Militar lesões corporais dolosas a tendência é a de que seja julgado na Justiça Comum e não na especial militar Isso porque falta o real interesse militar numa situação assim pois o crime não foi praticado em razão de seu ofício ou em atividade inerente ao trabalho militar Assim quando não estiver presente o interesse militar ou não for a conduta inerente à função militar a competência da Justiça Militar Federal ou Estadual será afastada14 Um questionamento importante pode um civil ser julgado pela Justiça Militar Federal Antes da Constituição de 1988 não havia essa possibilidade porque era adotado um critério objetivo e subjetivo exigiase que o agente fosse militar e tivesse praticado um crime militar Após a Constituição de 1988 a situação mudou num grave retrocesso por vacilo do legislador constituinte Como o art 124 da Constituição remete para crimes militares definidos em lei acaba por transferir para o art 9º do Código Penal Militar a definição da matéria e pessoa e como o art 9º prevê a possibilidade de um civil cometer um crime militar15 a resposta agora é sim pode um civil ser julgado na Justiça Militar Federal desde que presentes as situações previstas no art 9º do CPM Exemplo há alguns anos um grupo de pescadores foi surpreendido dentro de uma área militar exército Foram julgados e condenados pela Justiça Militar Federal pela prática do delito de ingresso clandestino em área de manobras militares art 302 do CPM Essa é a competência da Justiça Militar Federal Quando a situação não se encaixar nessas condições explicadas passase então para a análise da competência da Justiça Eleitoral e depois das Justiças Comuns 212 Justiça Especial Militar Estadual A competência da Justiça Militar Estadual está prevista no art 125 4º da Constituição Art 125 Os Estados organizarão sua Justiça observados os princípios estabelecidos nesta Constituição 3º A lei estadual poderá criar mediante proposta do Tribunal de Justiça a Justiça Militar estadual constituída em primeiro grau pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e em segundo grau pelo próprio Tribunal de Justiça ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar singularmente os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares cabendo ao Conselho de Justiça sob a presidência de juiz de direito processar e julgar os demais crimes militares A competência da Justiça Militar Estadual também remete ao conceito de crime militar do art 9º do CPM exigindo assim que seja uma conduta tipificada no Código Penal Militar pois somente assim teremos um crime militar esteja presente uma daquelas situações descritas no art 9º do Código Penal Militar que o agente seja militar do Estado ou seja membro da polícia militar estadual polícia rodoviária estadual ou bombeiro como explicado na Justiça Militar Federal também na estadual a jurisprudência tem exigido a presença de um real interesse militar na atuação ou seja que a atividade tenha sido propter officium Isso porque também a atuação da Justiça Militar Estadual deve ser excepcional somente nos casos de efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos militares Trata se por evidente de uma questão a ser analisada caso a caso fazendo com que exista grande oscilação das decisões nessa matéria Sinalizando essa preocupação com o interesse militar cumpre ler a Súmula n 06 do STJ Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade Considerando que lesões corporais culposas ou mesmo homicídio culposo quando decorrentes de acidente de trânsito não são inerentes e peculiares à atividade militar todo o oposto Assim a súmula restringe a competência da Justiça Militar aos casos em que ambos autor e vítima são militares em situação de atividade Com isso se a vítima do acidente de trânsito for um civil situação bastante comum a competência será da Justiça Comum Estadual Quanto à possibilidade de o civil ser julgado na Justiça Militar Estadual ao contrário da federal aqui a Constituição adotou um critério objetivosubjetivo Ou seja deve ser crime militar praticado por militar do Estado descartando completamente a possibilidade de um civil ser julgado na Justiça Militar Estadual Assim somente quando concorrerem esses dois elementos militar crime militar poderemos ter um crime de competência da Justiça Militar Estadual Nessa linha está a desnecessária Súmula n 53 do STJ que apenas repete a disciplina constitucional Importante destacar nessa esfera que somente os crimes militares devidamente previstos no Código Penal Militar serão julgados nessa Justiça Logo o crime de abuso de autoridade Lei n 4898 por exemplo não será julgado na Justiça Militar seja ela federal ou estadual ainda que praticado por militar em situação de atividade pois não está previsto no CPM mas apenas em lei especial Por fim sublinhamos que se o policial militar estadual cometer um crime doloso contra a vida de civil tentado ou consumado será julgado na Justiça Comum federal se presente alguma das circunstâncias do art 109 da Constituição ou estadual nos demais casos pelo Tribunal do Júri Em que pese ser considerado crime militar previsto no CPM a Lei n 929996 deslocou a competência para o Tribunal do Júri com a assumida intenção de subtrair do julgamento da Justiça Militar Estadual Essa regra foi recepcionada e incluída no texto constitucional Apenas quando cometido por militar contra militar é que o crime doloso contra a vida será julgado na Justiça Militar Estadual Situação interessante pode ocorrer se no plenário do júri operarse uma desclassificação própria com o afastamento da figura dolosa Nesse caso pensamos que não poderá o juiz presidente proferir decisão pois se o homicídio doloso contra a vida de um civil não é de competência da Justiça Militar o crime culposo permanece sendo Logo deverá ele redistribuir o processo para a Justiça Militar Estadual a quem competirá o processo e julgamento do militar que pratique um crime culposo contra a vida de um civil se presente é claro o interesse militar e demais circunstâncias do art 109 do CPM Não há que se falar em prorrogação da competência nesse caso pois se trata de competência absoluta em razão da matéria logo improrrogável Quanto à sua estrutura em primeiro grau os crimes serão julgados pelos juízes de direito do juízo militar desde que praticados contra civis Quando for crime militar praticado contra militar caberá a competência ao Conselho de Justiça presidido pelo juiz de direito militar Em segundo grau o julgamento caberá aos Tribunais de Justiça Militar ou na sua falta aos Tribunais de Justiça dos estados 213 Justiça Especial Eleitoral Ao lado da Militar a Eleitoral é a outra Justiça Especial Não existe uma hierarquia entre a Justiça Militar e a Eleitoral pois elas atuam em esferas distintas Não se trata assim de prevalência mas de cisão Já na relação da Justiça Eleitoral com as Justiças Comuns Federal e Estadual existe uma prevalência da Especial sobre a Comum art 78 IV do CPP Devese destacar que o art 78 IV deve sempre ser lido junto com o art 79 I do CPP para compreenderse que a Justiça Especial Eleitoral prevalece sobre as Justiças Comuns mas que a Militar art 79 I não prevalece ela cinde separa A competência da Justiça Eleitoral está prevista no art 121 da Constituição cuja redação não é das melhores Sua competência diante da lacunosa previsão constitucional acaba sendo dada pelo Código Eleitoral que prevê ainda quais são os crimes eleitorais16 Assim sempre que tivermos um crime eleitoral conexo com um crime comum previsto no Código Penal a competência para julgamento de ambos reunião por força da conexão será da Justiça Eleitoral art 78 IV Os únicos crimes em que tal reunião dá ensejo a grande discussão são aqueles de competência do Tribunal do Júri previstos no art 74 1º do CPP especialmente o de homicídio doloso Nesses casos tem prevalecido atualmente a posição de que quando o crime eleitoral for conexo com o homicídio doloso ou outro de competência do júri haverá cisão o crime eleitoral será julgado na Justiça Eleitoral e o homicídio no Tribunal do Júri Isso porque a competência do júri é constitucional prevalecendo sobre o disposto em leis ordinárias como o Código Eleitoral e o CPP Em primeiro grau a Justiça Eleitoral é composta pelos juízes eleitorais que são na verdade juízes estaduais investidos temporariamente dessa função Em segundo grau estão os Tribunais Regionais Eleitorais e acima deles o Tribunal Superior Eleitoral 214 Justiça Comum Federal A competência da Justiça Federal é residual em relação às especiais sendo sua atuação restrita aos crimes que não sejam de competência daquelas Por outro lado prevalece sobre a outra Justiça Comum a Estadual pois é considerada mais graduada nos termos do art 78 III do CPP O primeiro passo para verificar se um crime é ou não de competência da Justiça Federal é fazer uma atenta leitura do art 109 da Constituição17 Na esfera penal interessa o inciso IV e seguintes No primeiro caso art 109 IV da CF o crime será de competência da Justiça Federal quando for praticado em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas Assim qualquer delito que atinja bens jurídicos sobre os quais recaia esse interesse será de competência da Justiça Federal o seu processo e julgamento Importante que a Constituição excluiu da competência da Justiça Federal as contravenções mesmo quando praticadas em detrimento de bens serviços ou interesses da União autarquias ou empresas públicas Nessa linha repetindo apenas o que está na Constituição inserese a Súmula n 38 do STJ18 Também ressalta a Constituição que a competência da Justiça Federal somente pode incidir quando não for de um crime de competência da Justiça Militar ou Eleitoral E não poderia ser diferente A Justiça Federal é residual em relação às duas especiais que prevalecem sobre ela conforme explicamos anteriormente Excluídas as contravenções e respeitada a prevalência das duas Justiças Especiais incumbe à Justiça Federal o julgamento dos crimes que se encaixem nos casos previstos no art 109 da Constituição Mas a interpretação não pode ser extensiva ou por analogia diante do princípio da reserva legal e a garantia do juiz natural Logo quando a Constituição fala em empresa pública por exemplo não se pode ampliar para alcançar as empresas de economia mista Assim os crimes praticados em detrimento da Caixa Econômica Federal por exemplo serão julgados na Justiça Federal Contudo o mesmo delito de roubo praticado contra o Banco do Brasil será julgado na Justiça Estadual pois se trata de empresa de economia mista Pertinente é o disposto na Súmula n 42 do STJ Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento Nesse sentido essa decisão do STJ em que pese entendermos estar equivocada a invocação do inciso I do art 109 No caso deve ser utilizado o inciso IV do art 109 da Constituição que é específico para a competência penal CRIMINAL HC ROUBO QUALIFICADO DELITO PRATICADO EM DETRIMENTO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO NULIDADE ABSOLUTA HABEAS CORPUS REVISÃO CRIMINAL FUNGIBILIDADE CABIMENTO MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA INOCORRÊNCIA ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA Restando configurada a ofensa a bens e interesses da União pois o crime de roubo qualificado foi praticado em detrimento da Caixa Econômica Federal deve ser aplicada a regra do art 109 inciso I da Constituição Federal da qual sobressai a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito Precedentes Cabe habeas corpus contra sentença transitada em julgado que se encontra eivada de nulidade absoluta por incompetência de juízo tendo em vista tratarse de matéria de ordem pública Precedentes Possuindo o habeas corpus e a revisão criminal a natureza de ação nada impede a aplicação do princípio da fungibilidade Determinada a anulação da ação penal instaurada contra o paciente por incompetência absoluta a prescrição será analisada a partir da pena em abstrato não se aplicando o princípio da ne reformatio in pejus Ordem concedida para anular o processo criminal instaurado em desfavor do paciente a fim de que os autos sejam remetidos à Justiça Federal HC 34853SP 5ª Turma Rel Min Gilson Dipp DJU 20092004 Quanto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos eventual delito praticado em seu detrimento será de competência da Justiça Federal Contudo quando estivermos diante de uma loja franqueada dos correios a situação muda completamente cabendo à Justiça Estadual o processo e julgamento pois não há prejuízo efetivo da União mas do particular que adquiriu a franquia19 Mais complexa é a definição da competência da Justiça Federal a partir do interesse federal ou interesse da União Considerando que eventuais alterações nos critérios de definição da competência podem violar a garantia constitucional do juiz natural a questão passa a ser mais sensível e complexa Pensamos que somente o interesse federal decorrente de lei ou diretamente revelado quando da prática do crime a partir da efetiva lesão do bem jurídico tutelado justifica a incidência da Justiça Federal Nessa linha os arts 20 e 21 da Constituição podem constituir elementos sinalizadores da competência da Justiça Federal Contudo não estamos afirmando que exista uma aplicação automática dos artigos mencionados É um critério subsidiário que deve ser analisado com suma cautela no caso concreto Assim por exemplo nenhuma dúvida existe de que o delito de falsificação de moeda é de competência da Justiça Federal pois sua emissão é uma competência exclusiva da União art 21 VII da Constituição Em que pese o art 26 da Lei n 7492 prever que os crimes contra o sistema financeiro são de competência da Justiça Federal essa atribuição já existiria por força do art 21 VIII da Constituição que prevê a competência da União para administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira Quanto ao delito de lavagem de capitais a Lei n 961398 modificada pela Lei n 126832012 define que Art 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta lei I obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes punidos com reclusão da competência do juiz singular II independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes ainda que praticados em outro país cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento III são da competência da Justiça Federal a quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas b quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal Redação dada pela Lei n 12683 de 2012 Portanto em síntese será de competência da Justiça Federal quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal e quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico financeira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas a lei repete aqui a redação do art 109 da Constituição Com isso é possível processar e julgar um delito de lavagem de dinheiro na Justiça Estadual como por exemplo na ocultação dos valores obtidos com o pagamento de resgate no crime de extorsão mediante sequestro ou dos valores obtidos com o tráfico interno de entorpecentes etc Noutra dimensão não há que se esquecer que o INSS é uma autarquia federal e que os crimes praticados em seu detrimento são de competência da Justiça Federal inclusive os relativos à apropriação e sonegação de contribuições previdenciárias arts 168A e 337A do CP Por fim nesse inciso deve ser considerada a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime que tiver como autor ou vítima um servidor público federal no exercício de suas funções Nessa linha inserese a Súmula n 147 do STJ Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal quando relacionados com o exercício da função É patente o interesse da União na correta e efetiva prestação de seus serviços cabendo à Justiça Federal o julgamento dos crimes praticados por servidor público ou que o tenham como vítima desde que em ambos os casos fique demonstrado que foi propter officium ou seja em razão da função exercida Não há que se esquecer que na estrutura da Justiça Federal de primeiro grau existe Tribunal do Júri de modo que se o delito praticado pelo servidor ou contra ele for um crime doloso contra a vida tentado ou consumado a competência será do Tribunal do Júri Federal Quanto ao inciso V serão de competência da Justiça Federal os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando iniciada a execução no País o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente20 Nessa situação encontramse entre outros o tráfico de mulheres e crianças e o delito de tráfico de substâncias entorpecentes que merecerá uma análise mais detida Quando presente a internacionalidade do tráfico de drogas a competência é da Justiça Federal do contrário é da Justiça Estadual21 Na mesma linha está a Súmula n 522 do STF salvo ocorrência de tráfico com o exterior quando então a competência será da Justiça Federal compete à Justiça dos estados o processo e o julgamento dos crimes relativos a entorpecentes Importante destacar que não se pode presumir a internacionalidade do tráfico e que a competência somente será da Justiça Federal quando estiver comprovado nos autos que a substância veio do exterior ou para lá se destinava Assim não importa a quantidade nem mesmo a natureza da substância entorpecente Não se pode presumir que uma carga de 150 kg de cocaína seja tráfico internacional nem por ser cocaína substância que aqui não é produzida nem pela vultosa quantidade Destacamos o novo tratamento dado pela Lei n 113432006 ao crime de tráfico de drogas e outros com ele relacionados arts 33 a 37 da Lei n 11343 Determina o art 70 da nova Lei de Tóxicos que nesses delitos estando caracterizado o ilícito transnacional a competência será da Justiça Federal Até aqui nada de novo em relação ao que já vinha desde a Lei n 636876 e da Lei n 10409 A inovação está no parágrafo único do art 70 da nova Lei os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede da vara federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva A diferença está em que até essa mudança legislativa o art 27 da Lei n 6368 previa que o processo e o julgamento do crime de tráfico com exterior caberão à Justiça Estadual com interveniência do Ministério Público respectivo se o lugar em que tiver sido praticado for município que não seja sede de vara da Justiça Federal com recurso para o Tribunal Regional Federal Agora se o município em que for praticado o crime não for sede de vara da Justiça Federal haverá um deslocamento para a cidade mais próxima cuja Justiça Federal tenha circunscrição sobre aquela na qual foi apreendida a droga Isso serve para assegurar que a Justiça será efetivamente a Federal ainda que para tanto tenhase que arcar com o ônus de tramitar um processo a quilômetros do local do crime e da cidade onde muitas vezes residem os réus com claro prejuízo para a coleta da prova e a duração do processo com expedição de cartas precatórias Essa disciplina vale apenas para os delitos previstos nos arts 33 a 37 da Lei n 11343 quando houver prova de se tratar de delito transnacional Nos demais casos a competência é da Justiça Estadual Em se tratando de tráfico frisamos se não ficar comprovada a internacionalidade a competência é da Justiça Estadual independente da natureza ou quantidade da substância apreendida O inciso VA foi inserido pela Emenda Constitucional n 45 com uma redação bastante infeliz O incidente de deslocamento da competência gera um imenso perigo de manipulação política e teatralização de um julgamento Também peca pela abertura conceitual pois qualquer homicídio é uma grave violação de direitos humanos Agrava o quadro o fato de a fórmula utilizada pelo legislador ser vaga imprecisa e indeterminada colocando em risco o princípio da legalidade e conduzindo a uma flagrante violação da garantia do juiz natural Por fim a tal avocatória prevista no 5º representa um grave retrocesso antidemocrático prestandose também de instrumento para a molesta intervenção do Poder Executivo na jurisdição algo inaceitável sem falar na quebra do pacto federativo De qualquer forma o inciso VA está na mesma linha do disciplinado no 5º de modo que considerada a grave violação de direitos humanos a competência é da Justiça Federal A primeira decisão do STJ ocorreu no famoso crime da Irmã Dorothy negando em que pese a imensa pressão midiática o deslocamento da competência22 Mas no IDC n 02 Rel Ministra LAURITA VAZ j 27102010 a Terceira Seção do STJ acolheu o pedido da Procuradoria Geral da República e determinou que o crime praticado contra o advogado e defensor dos direitos humanos Manoel Mattos assassinado em 2009 na Paraíba fosse o primeiro a ser federalizado no País devendo o feito ser deslocado para a Justiça Federal O inciso VI referese aos crimes de competência da Justiça Federal por expressa previsão legal quais sejam os crimes contra a organização do trabalho sistema financeiro nacional Lei n 7492 e a ordem econômicofinanceira Leis ns 8078 8137 e 8176 Os crimes contra a organização do trabalho estão previstos nos arts 197 a 207 do CP mas somente serão de competência da Justiça Federal quando afetarem as instituições do trabalho ou coletivamente os trabalhadores Nessa linha quando o crime afetar direito individual dos trabalhadores a competência é da Justiça Estadual23 Destaquese que nos crimes contra a ordem tributária Lei n 8137 a competência somente será da Justiça Federal se houver a supressão ou redução de tributos federais do contrário a competência é da Justiça Estadual Quanto à lavagem ou ocultação de bens direitos e valores a competência será da Justiça Federal nos casos previstos no art 2º III da Lei n 9613 alterada pela Lei n 126832012 quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas ou quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal art 2º III b Também com competência federal expressamente determinada está o art 26 da Lei n 7492 cuja redação é Art 26 A ação penal nos crimes previstos nesta lei será promovida pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal Mas nem sempre a questão é tão simples havendo divergência no que se refere por exemplo à ordem econômicofinanceira e à aplicação da Lei n 817624 Cumpre ainda advertir que a competência da Justiça Federal não se presume Deve estar expressamente prevista no art 109 da Constituição Tampouco se confunde a competência da Justiça Federal com eventuais atribuições da Polícia Federal Ou seja o fato de a prisão eou inquérito terem sido realizados pela Polícia Federal não basta por si só para legitimar a competência da Justiça Federal Devese analisar sempre o art 109 da Constituição Da mesma forma nenhum problema existe se o inquérito foi elaborado pela polícia civil do estado e demonstrada a internacionalidade do tráfico de drogas por exemplo distribuído para a Justiça Federal Lá deverá tramitar o processo Nessa linha é absolutamente irrelevante em matéria de competência penal o disposto na Lei n 10446 A referida Lei determina que a Polícia Federal deverá proceder a investigação dos casos de repercussão interestadual ou internacional dos delitos de sequestro cárcere privado extorsão mediante sequestro se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima formação de cartel violação de direitos humanos furto roubo ou receptação de cargas quando houver indícios de ser crime interestadual ou ainda outros crimes desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro da Justiça cláusula genérica Essas são novas atribuições da Polícia Federal mas não acarretam ampliação da competência da Justiça Federal Voltamos a destacar para evitar dúvidas que a competência da Justiça Federal está exaustivamente prevista no art 109 da Constituição e lá não estão previstos esses crimes Logo ainda que investigados pela Polícia Federal serão julgados na Justiça Comum Estadual Quanto aos incisos VII e VIII caberá à Justiça Federal o julgamento do habeas corpus nos casos em que o constrangimento ilegal decorrer de autoridade federal exemplo polícia federal ou disser respeito à matéria criminal de sua competência ainda que a investigação esteja a cargo de autoridade estadual exemplo investigação pelo delito de tráfico internacional de drogas feita pela polícia estadual situação em que caberá ao juiz federal apreciar o HC Em se tratando de Mandado de Segurança em matéria criminal a competência será da Justiça Federal atentandose para a competência do respectivo Tribunal Regional Federal quando tiver por objeto ato coator emanado de autoridade federal Os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves serão de competência da Justiça Federal respeitandose sempre a competência da Justiça Militar para processar e julgar os crimes militares nas situações do art 9º do Código Penal Militar anteriormente vista Mas e o que se entende por navio e aeronave Eis o problema de se utilizar uma cláusula genérica A jurisprudência ao longo dos anos vem construindo esses conceitos para justificar a intervenção da Justiça Federal apenas quando estivermos diante de navios ou aeronaves de grande porte Não se tratando de navio com capacidade para navegação em altomar em águas internacionais potencial de deslocamento internacional25 ou avião de grande porte com autonomia para viagens internacionais ou ao menos deslocamento por longas distâncias cruzando mais de um Estado da Federação a competência é da Justiça Estadual Também pode ser utilizada como critério para definir esse interesse federal a fiscalização feita pela ANAC Agência Nacional de Aviação Civil de modo que somente as aeronaves que estejam realizando transporte aéreo entre aeroportos efetivamente fiscalizados pela ANAC interessariam à Justiça Federal Nessa matéria devese ainda atentar para o disposto nos arts 89 e 90 do CPP26 No inciso X está prevista a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento dos crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro bem como a execução de carta rogatória após o exequatur e de sentença estrangeira após a homologação Por fim o inciso XI ao falar em disputa sobre direitos indígenas está tratando de jurisdição cível não penal Com isso iniciamos o tratamento da competência nos crimes ambientais Como decidiu a Terceira Seção do STJ Informativo do STJ 23092002 como regra geral a competência para processar e julgar os crimes contra o meio ambiente é da Justiça Estadual salvo os que vierem a lesar bem serviço ou interesse da União ou suas entidades de acordo com o art 109 IV da Constituição Federal Se o crime ocorrer por exemplo em Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN a competência é da Justiça Federal Assim o crime ambiental é de competência da Justiça Estadual salvo quando praticado em detrimento de bens serviços ou interesses da União suas autarquias ou Empresa Pública situação em que será de competência da Justiça Federal mas não por força do inciso XI senão pela incidência do inciso IV do art 109 da Constituição É o caso dos crimes ambientais praticados no interior de áreas de proteção ambiental parques eou reservas nacionais situação em que a competência será da Justiça Federal Há que se advertir da necessidade de uma leitura atenta do art 225 4º da Constituição Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 4º A Floresta Amazônica brasileira a Mata Atlântica a Serra do Mar o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização farseá na forma da lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais Assim crimes ambientais praticados em detrimento da Floresta Amazônica brasileira da Mata Atlântica da Serra do Mar do Pantanal MatoGrossense e da Zona Costeira deverão ser julgados na Justiça Federal pois se trata de patrimônio nacional Mas a questão não é pacífica e existe entendimento diverso na jurisprudência no sentido de que o interesse da União tem de ser direto e específico não sendo considerado o interesse genérico Nesta linha Não é a Mata Atlântica que integra o patrimônio nacional a que alude o art 225 4º da CF bem da União Por outro lado o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art 109 IV da Carta Magna tem de ser direto e específico e não como ocorre no caso interesse genérico da coletividade embora aí também incluído genericamente o interesse da União RE 300244 Rel Min Moreira Alves julgamento em 20112001 1ª Turma DJ 19122001 No mesmo sentido RE 349184 Rel Min Moreira Alves julgamento em 03122002 1ª Turma DJ 07032003 Ainda no mesmo sentido atribuindo à Justiça Estadual PROCESSO PENAL CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA DESMATAMENTO FLORESTA AMAZÔNICA DANO OCORRIDO EM PROPRIEDADE PRIVADA ÁREA DE PARQUE ESTADUAL COMPETÊNCIA ESTADUAL 1 Não há se confundir patrimônio nacional com bem da União Aquela locução revela proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais ingerências estrangeiras Tendo o crime de desmatamento ocorrido em propriedade particular área que já pertenceu hoje não mais a Parque Estadual não há se falar em lesão a bem da União Ademais como o delito não foi praticado em detrimento do IBAMA que apenas fiscalizou a fazenda do réu ausente prejuízo para a União 2 Conflito conhecido para julgar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE CEREJEIRASRO suscitante STJ CC 99294 RO 200802206105 Ministra Maria Thereza de Assis Moura 3ª Seção DJe 21082009 Também já se decidiu pelo interesse da União quando o crime ambiental afetou um rio interestadual deslocando a competência para a Justiça Federal Nesse sentido decidiu o TRF 3ª Região 1ª Turma Recurso em Sentido Estrito n 200261020029042SP Rel Des Vesna Kolmar j 13022007 PROCESSO PENAL COMPETÊNCIA CRIME AMBIENTAL ART 34 DA LEI 960598 RIO INTERESTADUAL Tratandose de rio interestadual presente o interesse direto e específico da União no julgamento dos crimes que venham a causar potencial lesão a seus bens A competência da Justiça Federal se impõe sempre que houver interesse da União Federal nos termos do art 109 inciso IV da CF Recurso provido para determinar o regular processamento do feito perante a 7ª Vara Federal de Ribeirão PretoSP Quanto ao índio seja ele autor do delito ou vítima a tendência é pela aplicação da Súmula n 140 do STJ verbis Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figura como autor ou vítima Mas a matéria tem sido objeto de constante debate com forte tendência a passar para a competência da Justiça Federal pois toda a estrutura da Constituição coloca o índio sua cultura terras direitos e interesses como sendo de interesse da União Basta atentar para o art 231 da Constituição cujo caput prevê Art 231 São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens Ademais se no caso concreto o crime for praticado dentro de uma reserva indígena e se entender que houve violação de bens serviços ou interesses da União ou de suas autarquias a competência será da Justiça Federal por força do inciso IV Feita essa ressalva por enquanto segue sendo aplicado majoritariamente o disposto na Súmula n 140 do STJ Por fim chamamos a atenção para os crimes praticados fora do território nacional mas com a incidência da Lei Penal brasileira art 7º do Código Penal Qual Justiça será competente para julgálos Vejamos um exemplo hipotético o casal Mané e Tícia residentes em Campinas em viagem de luade mel a Punta del Este Uruguai discute violentamente Após Mané mata a esposa e a enterra em território uruguaio De volta ao Brasil o agressor é preso pela polícia federal brasileira que em comunhão de esforços com a polícia uruguaia havia apurado a prática do delito Estamos diante de um caso de extraterritorialidade da lei penal brasileira art 7º II b do Código Penal Não se trata de crime militar ou eleitoral pelo que desde logo afastamos a incidência da Justiça Especial Diante das residuais Justiça Comum Federal e Estadual qual delas será a competente para julgar o réu pelos delitos de homicídio e ocultação de cadáver A Justiça Comum Estadual Por quê Porque a situação não se encontra naquelas previstas no art 109 da Constituição O simples fato de um crime ter sido praticado no exterior não desloca a competência para a Justiça Federal Para uma resposta completa além da Justiça Estadual devemos apontar que o órgão será o Tribunal do Júri nos termos do art 74 1º do CPP da comarca de São Paulo art 88 do CPP27 pois é a capital do Estado onde por último residia o imputado Agora se o crime praticado no exterior for em detrimento de bens28 serviços ou interesses da União a competência será da Justiça Federal mas não porque foi praticado no exterior senão porque está presente a situação do art 109 IV da Constituição Quanto à estrutura recordemos que a Justiça Federal está dividida da seguinte forma Em primeiro grau está organizada em Juizados Especiais Criminais Federais Juízes Federais e Tribunal do Júri Em segundo grau estão os Tribunais Regionais Federais Por fim cumpre tecer algumas considerações sobre o Juizado Especial Criminal Federal cuja competência está prevista no art 2º da Lei n 102592001 posteriormente alterada pela Lei n 11313 Art 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo respeitadas as regras de conexão e continência Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis A referida Lei apenas define a competência dos JECs federais cabendo à Lei n 9099 disciplinar a estrutura funcionamento e institutos aplicáveis Trataremos dessas questões posteriormente Agora nos interessa apenas a questão da competência Para que um crime seja de competência dos JECs federais deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da Justiça Federal logo que se encaixe numa daquelas situações previstas no art 109 da Constituição que o crime tenha uma pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JEC federal É o que ocorre com o delito de dano contra o patrimônio da União ou qualquer crime praticado por ou contra servidor público federal no exercício de suas funções e cuja pena não seja superior a 2 anos tais como peculato culposo art 312 2º prevaricação art 319 condescendência criminosa art 320 advocacia administrativa art 321 resistência art 329 desobediência art 330 desacato art 331 entre outros No seu parágrafo único prevê a lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JEC e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JEC mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de ameaça e outro de homicídio praticados contra servidores públicos federais no exercício de suas funções haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito de ameaça art 147 cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se fosse outro delito que comportasse deveria ser permitida a composição dos danos Por fim quanto ao funcionamento e institutos dos JECs remetemos o leitor para tópico posterior específico onde analisamos essas questões 215 Justiça Comum Estadual É a mais residual de todas Um crime somente será julgado na Justiça Comum Estadual quando não for de competência das Especiais Militar e Eleitoral nem da comum federal Inclusive é importante destacar em eventual conflito entre a Justiça Federal e a Estadual prevalece a Federal nos termos do art 78 III do CPP No mesmo sentido sinaliza a Súmula n 122 do STJ Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual não se aplicando a regra do artigo 78 II a do Código de Processo Penal Assim tratase de competência alcançada por exclusão Quanto à estrutura da Justiça Estadual cumpre recordar que ela está organizada em Primeiro Grau Tribunal do Júri Juízes de Direito Juizados Especiais Criminais Segundo Grau Tribunais de Justiça Chegandose à competência da Justiça Estadual devese ter muita atenção na definição do órgão encarregado e principalmente com a competência prevalente do Tribunal do Júri em razão da matéria em relação aos demais órgãos de primeiro grau Para evitar dúvidas a competência do Júri vem expressamente prevista no art 74 1º do CPP Art 74 A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária salvo a competência privativa do Tribunal do Júri 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts 121 1º e 2º 122 parágrafo único 123 124 125 126 e 127 do Código Penal consumados ou tentados Esse rol é taxativo e evita erros como o de considerar que um crime qualificado pelo resultado morte como latrocínio estupro ou extorsão mediante sequestro com resultado morte etc seja de competência do Júri Não A competência para o processo e julgamento desses crimes é do juiz de direito No que se refere aos Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Estadual sua competência em razão da matéria é para o processo e julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo nos termos do art 61 da Lei n 9099 alterado pela Lei n 11313 Art 61 Consideramse infrações penais de menor potencial ofensivo para os efeitos desta Lei as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 dois anos cumulada ou não com multa Para que um crime seja de competência dos JECs estaduais deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da Justiça Estadual residual em relação às demais que o crime ou contravenção tenha pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JEC Chamamos a atenção para o disposto no parágrafo único do art 60 da Lei n 9099 Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis No seu parágrafo único prevê a lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JEC e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JEC mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de lesões corporais leves e outro de homicídio haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito lesões corporais leves cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se for o caso a composição dos danos Por fim quanto ao funcionamento e institutos dos JECs remetemos o leitor para tópico posterior específico onde analisaremos essas questões Com esses dados podese responder à primeira pergunta anteriormente feita qual é a Justiça competente Agora cumpre seguir a análise para definir qual é o foro competente lugar 22 Qual é o Foro Competente Local Definida a Justiça competente a partir dos critérios anteriormente explicados devese ainda apontar qual é o foro competente competência em razão do lugar Prevalece o entendimento jurisprudencial e doutrinário de que a competência em razão do lugar é relativa com o que não concordamos conforme explicado anteriormente devendo ser arguida no primeiro lugar em que a defesa se manifestar nos autos sob pena de preclusão prorrogatio fori Nessa perspectiva somente a defesa poderá alegála não podendo ser conhecida pelo juiz de ofício e tampouco pode ser alegada pelo Ministério Público na medida em que o promotor ao oferecer a denúncia faz sua opção Para tanto utilizamse as regras dos arts 70 e 71 do CPP Iniciemos pelo critério do art 70 onde o lugar da infração é aquele em que se consumar a infração ou no caso de tentativa o lugar em que for praticado o último ato de execução Quando o CPP emprega essas categorias consumação e tentativa devese utilizar o Código Penal como norma completiva na medida em que tais conceitos são estranhos para o processo penal No art 14 do CP está definido que Art 14 Dizse o crime I consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal II tentado quando iniciada a execução não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente Assim o conceito de lugar do crime identificase com aquilo que o Direito Penal define como local da consumação ou em caso de tentativa aquele onde for praticado o último ato de execução Vejamos uma situação bastante comum na cidade de Canoas interior do Rio Grande do Sul ocorre um atropelamento A vítima é conduzida para um hospital de Porto Alegre com mais recursos onde dias depois vem a falecer em decorrência das lesões sofridas O processo penal pelo delito de homicídio culposo irá tramitar em que comarca Considerando que o crime de homicídio culposo consumase no lugar em que a vítima vier a falecer a competência para o julgamento será da Justiça Comum estadual do foro de Porto Alegre lugar da consumação Contudo não é esse o entendimento predominante nos tribunais brasileiros diante de um crime plurilocal ação em um lugar e resultadoconsumação em outro Partindo de uma necessidade probatória temse feito uma ginástica jurídica criandose um conceito de consumação para o processo penal que não corresponde àquele previsto no Código Penal adotando se na prática a teoria da atividade Nessa linha lugar da infração passou a ser visto como aquele onde se esgotou o potencial lesivo da infração ainda que distinto do resultado Isso atende a uma necessidade probatória pois todos os elementos do crime estão na cidade onde ocorreu o atropelamento e não onde a vítima morreu Lá está o lugar do crime atropelamento para ser periciado lá será feita a reconstituição simulada e lá residem as testemunhas presenciais do fato No nosso exemplo o réu será julgado na comarca de Canoas lugar onde se esgotou o potencial lesivo da infração Esse entendimento também tem sido empregado para o crime de homicídio doloso e outros nos quais a ação criminosa se desenvolve integralmente numa cidade e apenas o resultado se dá em outra Noutra dimensão é importante não esquecer do art 71 do CPP Quando forem vários os crimes praticados em diferentes cidades mas que pelas circunstâncias de tempo lugar e modo de execução constituam uma continuidade delitiva art 71 do Código Penal a competência pelo lugar da infração será definida a partir da prevenção A mesma regra também se aplica quando for um crime permanente praticado em território de duas ou mais jurisdições Nesses dois casos será competente o juiz que tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório como o recebimento da denúncia Mas também será competente em razão da prevenção aquele que tiver praticado na fase préprocessual algum ato decisório como a homologação da prisão em flagrante a decretação da prisão preventiva ou temporária ou ainda tiver decidido sobre alguma medida assecuratória ou mesmo busca e apreensão E nos crimes contra a honra praticados pela imprensa é o local onde ocorreu a impressão ou no caso de reportagem veiculada pela internet no local onde se encontra o responsável pela veiculação Nesta linha sinaliza a decisão proferida pelo STJ no Conflito de Competência n 106625DF Rel Min Arnaldo Esteves Lima julgado em 12052010 Neste caso a Seção entendeu lastreada em orientação do STF que a Lei de Imprensa Lei n 525067 não foi recepcionada pela CF1988 Assim nos crimes contra a honra aplicamse em princípio as normas da legislação comum quais sejam o art 138 e seguintes do CP e o art 69 e seguintes do CPP Logo nos crimes contra a honra praticados por meio de publicação impressa em periódico de circulação nacional devese fixar a competência do juízo pelo local onde ocorreu a impressão uma vez que se trata do primeiro lugar onde as matérias produzidas chegaram ao conhecimento de outrem de acordo com o art 70 do CPP Quanto aos crimes contra a honra praticados por meio de reportagens veiculadas na internet a competência fixase em razão do local onde foi concluída a ação delituosa ou seja onde se encontra o responsável pela veiculação e divulgação das notícias indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores ou sua efetiva visualização pelos usuários Precedentes citados do STF ADPF 130DF DJe 06112009 do STJ CC 29886SP DJ 1º022008 Nos crimes praticados fora do território nacional mas em que incida a regra da extraterritorialidade da lei penal será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado e caso ele nunca tenha residido no Brasil será julgado em Brasília nos termos do art 88 do CPP Recordemos que o simples fato de o crime ter sido praticado no exterior não significa que será julgado na Justiça Federal Todo o oposto A regra é o julgamento pela Justiça Estadual salvo se estiver presente alguma das causas do art 109 da Constituição conforme explicado anteriormente Nos crimes praticados a bordo de navios ou aeronaves incidem as regras dos arts 89 e 90 com a ressalva de que somente será de competência da Justiça Federal quando se tratar de navio ou aeronave de grande porte conforme explicado no item anterior Por fim devemos sublinhar que o critério de domicílio ou residência do réu art 72 do CPP é considerado o mais subsidiário de todos pois somente pode ser utilizado quando desconhecido o lugar do crime Existe ainda um único caso de eleição de foro no processo penal previsto no art 73 do CPP e somente aplicável no caso de ação penal privada Segundo o art 73 o querelante poderá optar pelo foro de domicílio ou residência do réu ainda que conhecido o lugar da infração É o único caso em que o autor pode eleger o foro onde a ação penal privada será processada e julgada 23 Qual é a Vara o Juízo Competente Definida a competência em razão da matéria Justiça Estadual Federal etc e o lugar cidade resta saber dentro daquela Justiça naquela cidade qual vai ser o juiz competente para o julgamento pressupondo que existam vários igualmente competentes em razão da matéria pessoal e lugar A questão aqui será resolvida a partir da prevenção ou distribuição Nos termos do art 83 será competente o juiz que tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório como o recebimento da denúncia Mas também será competente em razão da prevenção aquele que tiver praticado na fase préprocessual algum ato decisório como a homologação da prisão em flagrante a decretação da prisão preventiva ou temporária ou ainda tiver decidido sobre alguma medida assecuratória ou mesmo busca e apreensão Caso nenhum juiz esteja prevento será empregado o sistema de distribuição art 75 uma escolha aleatória entre os juízes igualmente competentes definindo assim qual deles será então o competente para o processo e julgamento 24 O Julgamento Colegiado para os Crimes Praticados por Organização Criminosa Lei n 126942012 A Lei n 12694 sancionada em 24 de julho de 2012 criou uma nova figura na estrutura jurisdicional o chamado órgão colegiado de primeiro grau Segundo a nova lei nos processos de conhecimento e respectivo procedimento ou de execução que tenha por objeto crimes praticados por organizações criminosas29 o juiz natural do caso penal poderá decidir pela formação de um órgão colegiado composto por mais dois juízes para a prática de qualquer ato processual Segundo o art 1º da lei esse colegiado poderá decidir especialmente portanto o rol é exemplificativo sobre I decretação de prisão ou de medidas assecuratórias II concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão III sentença IV progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena V concessão de liberdade condicional VI transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima e VII inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado A lei enumera exemplificativamente algumas decisões de maior envergadura tomadas nos processos de conhecimento São decisões sobre prisão e liberdade provisória onde agudizase o tensionamento do poder punitivo com a liberdade individual e a própria sentença ato jurisdicional por excelência Depois segue tratando de decisões interlocutórias tomadas no curso do processo de execução onde tensionase novamente o direito de liberdade aqui não mais em sede cautelar mas já na execução da pena privativa de liberdade aplicada Portanto a abrangência da lei vai desde antes do recebimento da denúncia até após o trânsito em julgado ou seja tanto a fase préprocessual inquérito policial como também o processo de conhecimento e a execução da pena Inclusive não se exclui a possibilidade de ser instaurado o colegiado para proceder a instrução e as audiências necessárias O art 1 da lei determina que o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual logo nada impede que esse colegiado presida a instrução A primeira ressalva que se faz é acerca da possibilidade de um juiz decidir sobre a criação de órgão colegiado com poder decisório Tratase de uma autorização legal até então desconhecida pelo sistema nacional e que tem sido objeto de severas críticas na medida em que pode representar a violação da garantia do juiz natural Isso porque o órgão julgador tem que ser definido previamente à prática do crime Ou seja é a garantia de ser julgado por um juiz cuja competência é preestabelecida em lei e não por um órgão colegiado criado ad hoc ou seja para aquele caso penal e aquele ato procedimental conforme a discricionariedade de um outro juiz Tratase de uma medida de duvidosa constitucionalidade no mínimo A competência deste órgão colegiado está limitada ao ato para o qual foi convocado art 1º 3º da Lei n 12694 o que acaba gerando um grave problema ao longo de um mesmo processo poderá haver diferentes colegiados proferindo decisões interlocutórias e ao final um outro colegiado decidindo ou apenas o juiz singular sentenciando É ainda incompatível com a regra da Identidade Física do Juiz art 399 2º do CPP Para além da violação desta regra devese considerar que a promiscuidade jurisdicional criada acarretará grave prejuízo para a qualidade da decisão Por elementar que o julgamento em colegiado é mais qualificado mas não desta forma onde diversos colegiados podem atuar no mesmo processo e no final o julgamento poderá ser feito por outro grupo de juízes ou apenas pelo juiz singular Essa oscilação na estrutura do órgão jurisidicional sacrifica a qualidade do julgamento final O juiz da causa poderá instituir esse colegiado indicando os motivos e as circunstâncias que segundo seu juízo acarretam riscos à sua integridade física através de decisão fundamentada da qual será dado conhecimento ao órgão correicional Dois pontos merecem ser destacados neste 1º do art 1º o juiz valora os riscos para sua integridade física e decide em seu próprio interesse ou seja ele decide em causa própria e o segundo aspecto é que essa decisão será objeto de mera comunicação para o órgão correicional corregedoria da magistratura Não se trata de a corregedoria analisando o pedido do juiz decidir sobre a necessidade ou não da criação do órgão colegiado senão de o juiz decidindo a partir daquilo que ele reputa risco à sua integridade física Considerando o risco de violação de diversas garantias constitucionais a formação de órgão colegiado deve ser considerada uma medida extrema reservada para situações realmente graves Por isso a decisão do juiz pela composição do órgão colegiado deverá ser fundamentada em motivos reais concretos e não fruto de ilações fantasmagóricas Há que se demonstrar a existência de suporte fático suficiente e não meras conjecturas ou presunções Por outro lado o excesso de eloquência por parte do juiz ao decidir pela formação do órgão colegiado pode representar um préjuízo ou seja um prejuízo processual grave decorrente do préjulgamento Não se descarta o uso da exceção de suspeição em caso de evidente préjulgamento e consequente violação da garantia da imparcialidade do julgador desvelada pela própria fundamentação do juiz singular Há previsão de recurso para a decisão de instauração do órgão colegiado Não há previsão de recurso mas poderá a parte interessada interpor habeas corpus ou mandado de segurança especialmente o Ministério Público poderá manejálo diante da impossibilidade de usar o HC conforme o caso e a fundamentação Esse colegiado será composto pelo juiz do processo e por outros 2 dois juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles que possuam competência criminal em primeiro grau Caberá aos tribunais de justiça ou regionais federais expedir normas regulamentando a composição deste colegiado e os procedimentos a serem adotados para seu funcionamento incluindose a forma deste sorteio eletrônico Novamente aqui o legislador delega para os tribunais a disciplina de questões atinentes a sua estrutura e funcionamento atendendo as peculiaridades regionais Tratase de uma delegação que a lei faz para que os tribunais regulem esse procedimento de formação dos colegiados mas a decisão sobre a instauração é do juiz da causa Importante destacar que esse colegiado poderá ser implantado em processos de competência da justiça estadual ou federal pois o único requisito exigido pela lei é a ocorrência de crime praticado por organização criminosa Uma pergunta que pode surgir pode ser instaurado o colegiado no procedimento do tribunal do júri Sim desde que os crimes de competência do júri tenham sido praticados por organização criminosa como pode ocorrer nos homicídios perpetrados por grupos de extermínio e respeitada a soberania dos jurados ou seja pode haver atuação do colegiado de juízes na fase préprocessual inquérito policial e durante a primeira fase do procedimento do júri e na execução da pena No plenário em tese pode haver decisão por parte desse colegiado mas respeitada a competência constitucional dos jurados O órgão colegiado somente poderá agir na esfera de atuação que compete ao juiz presidente do júri Assim o julgamento através dos quesitos será feito pelos jurados e se condenados os réus a dosimetria da pena então será objeto de atuação do juiz presidente ou do órgão colegiado se assim for o caso Uma vez decidida a instauração do colegiado será realizado o sorteio conforme discipline o respectivo tribunal entre os juízes de primeiro grau com competência criminal sem limitação geográfica ou seja poderá o colegiado ser composto por juízes de comarcas diversas Novamente aqui sacrificase a garantia da jurisdição ou seja da garantia de ser julgado por um juiz competente em razão da matéria pessoa e lugar Infelizmente ainda predomina o entendimento equivocado como já explicamos de que a competência em razão do lugar é relativa e por isso poderá ser manipulada conforme os interesses de modo que juízes de outras cidades poderão atuar no feito uma vez que passem a integrar o colegiado As reuniões poderão ser feitas de forma eletrônica videoconferência emails msn etc e serão sigilosas quando a publicidade gerar risco para a eficácia da decisão O meio eletrônico justificase na medida em que juízes de cidades diferentes poderão integrar o colegiado dificultando a reunião no mesmo lugar físico Seguindo o mandamento constitucional art 93 IX da CF as decisões serão fundamentadas e firmadas por todos os integrantes sendo publicadas O maior problema está na parte final do art 1º 6º da Lei n 126942012 as decisões serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro Aqui andou muito mal o legislador É direito das partes terem integral conhecimento da decisão de cada um dos membros do colegiado e de todos os fundamentos utilizados para acolher ou rechaçar o pedido Decorre da garantia da motivação das decisões previsto no art 93 IX da Constituição De nada serviria o mandamento constitucional de que todas as decisões devem ser fundamentadas se as partes não tivessem amplo acesso à fundamentação Ademais determina o mesmo dispositivo legal que todos os julgamentos serão públicos Mais do que uma mera publicidade do ato no sentido de acessabilidade física o que está determinando a Constituição é a possibilidade do conteúdo do julgamento As decisões devem ser motivadas e acessíveis os fundamentos para os interessados Não há como conciliar a garantia constitucional com essa ocultação do voto divergente Dessarte é a fundamentação das decisões o mais importante instrumento de legitimação do poder exercido na medida em que permite controlar a racionalidade e legalidade da própria decisão e dos motivos que a suportam É através da fundamentação que se permite reduzir os danos do decisionismo Portanto omitir as razões do voto divergente é uma clara violação da garantia da fundamentação das decisões e por via reflexa da garantia da jurisdicionalidade Subtrair a integralidade da decisão também é uma grave violação ao direito de defesa na medida em que o réu tem o direito de conhecer integralmente o conteúdo da decisão para dela poder se defender Portanto sem dúvida o voto vencido é fundamental para lastrear a impugnação feita pela defesa ao respectivo tribunal O voto vencido não raras vezes como se percebe nos embargos infringentes acaba sendo a espinha dorsal da impugnação defensiva que poderá reforçar a fundamentação do julgador minoritário Partir do argumento de autoridade para buscar a decisão favorável é um importante espaço defensivo que não pode ser subtraído pela lei Por derradeiro é gravemente prejudicado o duplo grau de jurisdição na medida em que se subtrai do tribunal ad quem a integralidade dos fundamentos decisórios dando a errônea percepção de que naquilo se exaurem as razões de decidir Não se desconhece que muitos julgadores de segundo grau privilegiam a manutenção das decisões em nome do prestígio e da proximidade do julgador de primeiro grau em relação aos fatos Daí por que é fundamental saber da existência e dos fundamentos do voto vencido pois ele pode desvelar outra face da questão objeto da decisão interlocutória ou mesmo sentença Em suma por qualquer ângulo que se analise o disposto no art 1º 6º a crítica é inevitável No restante a Lei n 126942012 segue disciplinando diversas medidas de segurança para os prédios da justiça e os juízes bem como altera os arts 91 do Código Penal e 144A do Código de Processo Penal para disciplinar a perda de bens e a alienação antecipada de todos os bens e valores equivalentes ao produto ou proveito do crime Também modifica as Leis n 950397 Código de Trânsito e 108262003 com vistas a ampliar a segurança dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público 25 Competência em Razão da Pessoa A Prerrogativa de Função Algumas pessoas por exercerem determinadas funções têm a prerrogativa não é um privilégio mas prerrogativa funcional de serem julgadas originariamente por determinados órgãos Tratase ainda de assegurar a independência de quem julga Compreendese facilmente a necessidade dessa prerrogativa quando imaginamos por exemplo um juiz de primeiro grau julgando um Ministro da Justiça ou mesmo um desembargador Daí por que para garantia de quem julga e também de quem é julgado existem certas regras indisponíveis Ademais é equivocada a ideia de que a prerrogativa de função constitui um grande benefício para o réu Nem sempre O argumento de que ser julgado por um tribunal composto por juízes em tese mais experientes o que não significa maior qualidade técnica do julgamento é uma vantagem que esbarra na impossibilidade de um verdadeiro duplo grau de jurisdição Assim um deputado estadual julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça somente terá recurso especial e extraordinário dessa decisão e em ambos está vedado o reexame da prova do processo limitandose a discutir eventual violação de norma federal ou constitucional essas questões serão vistas posteriormente Imaginese então quem é julgado originariamente pelo Supremo Tribunal Federal o duplo grau de jurisdição é inexistente Considerada como uma regra absoluta em termos de competência ao lado da matéria o fato de o agente exercer determinada função quando da prática do delito pode alterar radicalmente a aplicação dos critérios anteriormente vistos Prevalece sempre em relação ao lugar do crime até porque em geral o julgamento caberá a um tribunal e em alguns casos também altera a própria competência em razão da matéria como veremos na continuação Mas antes de vermos quais são as funções que asseguram a prerrogativa de julgamento originário por um tribunal devemos esclarecer a questão temporal Quando alguém tem passa a ter ou perde essa prerrogativa Vejamos a Se alguém comete um delito antes de ser investido e após toma posse como deputado estadual ou é investido no cargo de juiz ou promotor por exemplo ele adquire a prerrogativa de ser julgado por determinado Tribunal nos casos exemplificados será o Tribunal de Justiça O processo e julgamento desse caso penal competirão a esse tribunal Tratase de assegurar a tranquilidade e a independência de quem julga pois seria impensável um juiz julgando outro juiz por exemplo Contudo em se tratando de cargo eletivo caso cesse o mandato antes do julgamento leiase antes da decisão recorrível cessa a prerrogativa sendo remetido o processo para o juiz de primeiro grau competente para o julgamento em razão da matéria e lugar b Se o delito é praticado durante o exercício do mandato eletivo ou depois de devidamente investido no cargo que está exercendo o agente tem a prerrogativa logo será julgado no respectivo tribunal Contudo se perder o cargo ou o mandato antes da sentença recorrível perde a prerrogativa e será julgado por um juiz de primeiro grau c Por fim se pratica o delito após cessado o exercício efetivo do cargo ou do mandato eletivo o réu não tem nenhuma prerrogativa É o que dispõe a Súmula n 451 do STF A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional Nessa matéria existe ainda uma situação histórica muito relevante para compreensão do atual estágio de tratamento da prerrogativa de função Até 09112001 estava em vigor a Súmula n 394 do STF com a seguinte redação Cometido o crime durante o exercício funcional prevalece a competência especial por prerrogativa de função ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício Dessa forma se o crime fosse cometido enquanto o agente estava no exercício do mandato de deputado prefeito senador etc ele permanecia com a prerrogativa de ser julgado por um determinado tribunal ainda que cessado o exercício do mandato Essa súmula foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal por ser inconstitucional Com isso todos aqueles que se encontravam respondendo a processos criminais nos tribunais por crimes cometidos durante o exercício dos cargos ou funções tiveram seus processos redistribuídos para a Justiça competente e o respectivo órgão de primeiro grau Contudo para surpresa da comunidade jurídica nacional em 24 de dezembro de 2002 entra em vigor a Lei n 10628 alterando a redação do art 84 do CPP para ressuscitar o núcleo da extinta Súmula n 394 logo mantendo a prerrogativa de foro em relação aos crimes praticados durante o exercício do mandato ainda que o inquérito ou processo sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública Mais do que isso incluiu na prerrogativa os atos de improbidade administrativa que agora também passavam a ser julgados no respectivo tribunal Os processos que com a revogação da Súmula n 394 tinham caído ou seja redistribuídos para juízes de primeiro grau foram novamente encaminhados para os tribunais assegurados pela prerrogativa de foro Mas como era previsível em 15092005 o Supremo Tribunal Federal dando provimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade n 2797 declara a inconstitucionalidade do art 84 1º e 2º do CPP Novamente os processos são redistribuídos e voltam para as respectivas Justiças de primeiro grau Ou seja um imenso sobe e desce Um imbróglio que só serve para demonstrar o quanto se manipulam os critérios de competência nesse país e que a garantia do juiz natural é apenas um adereço teórico Em suma agora que foi declarada a inconstitucionalidade a situação fica assim crime cometido antes da posse adquire a prerrogativa quando assumir o cargo crime cometido durante o exercício do cargo ou função pública o agente tem a prerrogativa em qualquer caso cessado o exercício do cargo ou função termina a prerrogativa e o processo será remetido para a Justiça competente no primeiro grau de jurisdição não existe qualquer prerrogativa em relação à improbidade administrativa que será sempre julgada em primeiro grau de jurisdição A decisão do Supremo norteia a ideia de que vigora o princípio da atualidade do exercício da função ou seja só tem a prerrogativa enquanto estiver exercendo a função Cessada a função cessa a prerrogativa Nessa linha chamamos a atenção para a decisão proferida no HC 89677ES Relatora Min MARCO AURÉLIO julgado em 11092007 pela 1ª Turma do STF EMENTA COMPETÊNCIA PRERROGATIVA DE FORO APOSENTADORIA CESSAÇÃO Uma vez implementada a aposentadoria do agente público descabe cogitar de prerrogativa de foro Decisão A Turma concedeu a ordem nos termos do voto do Relator Unânime No caso em questão tratavase da discussão em torno da manutenção ou não da prerrogativa de foro de um juiz de direito que se aposentou no curso do processo Entendeu o STF que com a aposentadoria perdia o juiz a prerrogativa de foro em sintonia com o princípio da atualidade do exercício da função Outra decisão que causou muita polêmica foi proferida pelo STF na Ação Penal Originária AP 333PB relator Min JOAQUIM BARBOSA julgada pelo Tribunal Pleno em 05122007 na qual um parlamentar federal com prerrogativa de ser julgado pelo STF estava sendo acusado da prática de crime doloso contra a vida Às vésperas do julgamento pelo STF o parlamentar renuncia ao mandato fazendo com que o processo seja redistribuído para o juízo de primeiro grau gerando em tese a extinção da punibilidade pela prescrição Em que pese a manobra processual as regras de julgamento devem ser mantidas30 Importante destacar que em 28102010 na Ação Penal Originária n 396 rel Ministra CÁRMEN LÚCIA o STF mudou de entendimento e manteve sua competência para julgar um deputado federal que renunciara na véspera do julgamento Afirmando se tratar de uma fraude processual inaceitável uma vez que a renúncia teria em primeiro lugar o objetivo de fugir à punição pelo crime de formação de quadrilha que prescreveria em poucos dias afirmou a Ministra que se tratava de um abuso de direito ao qual não dá guarida o sistema constitucional vigente Estabeleceuse ainda uma discussão sobre qual seria o parâmetro para impossibilitar a transferência de julgamentos semelhantes para instância inferior tendo o Min Dias Toffoli proposto a data em que o processo for colocado em pauta Em sentido diverso o Min Joaquim Barbosa sugeriu que a data limite para renúncia fosse a do encaminhamento dos autos conclusos para o relator Contudo não houve consenso nesta questão e tampouco fixação de um limite para efetivação da renúncia Sublinhese a radical mudança de entendimento deste julgamento em relação àquele proferido na AP 333 anteriormente referido Pensamos que a regra da atualidade do exercício da função segue valendo tendo o STF ao que tudo indica relativizado para evitar o abuso de direito que acarretaria a prescrição e a impunidade Tratase pois de uma decisão casuística que não afasta regra geral da atualidade do exercício do cargo ou função de modo que diante da renúncia ou perda do cargo cessa a prerrogativa funcional Por fim tendo em vista a possibilidade de modificação da competência tanto pela assunção de uma prerrogativa até então inexistente deslocando então para um tribunal como pela perda da prerrogativa e consequente deslocamento da competência para o primeiro grau de jurisdição devese analisar o valor dos atos praticados Pensamos que a situação aqui é diversa daquela que iremos criticar ao final desse tópico quando analisamos o art 567 do CPP Assim a Quando o processo inicia e se desenvolve frente a um juiz incompetente e em grau recursal é reconhecida a incompetência pensamos que o processo deve ser anulado ab initio com repetição de todos os atos Somente assim se assegura a eficácia do princípio do devido processo legal vinculado que está à garantia do juiz natural b Situação completamente diversa é quando surge uma causa modificadora da competência seja pela aquisição de uma prerrogativa funcional quando assume um cargo público ou toma posse como juiz promotor etc seja pela perda do cargo e consequente perda da prerrogativa Nesses casos os atos praticados são válidos e podem ser aproveitados Como o tempo rege o ato tempus regit actum naquele momento os atos estavam sendo praticados pelo juiz natural e competente e a posterior ocorrência de uma causa modificadora não tem efeito retroativo31 251 Algumas Prerrogativas Importantes Inicialmente há que se frisar o esvaziamento revogados portanto dos arts 86 e 87 do CPP pois os casos de prerrogativa de foro estão agora previstos na Constituição Ocuparemonos da competência penal logo para julgamento das infrações penais comuns na linguagem da Constituição Estão fora do nosso estudo os crimes de responsabilidade que como explica PACELLI32 não configuram verdadeiramente infrações penais senão infrações de natureza política submetidos portanto à jurisdição política e não penal Feitos esses esclarecimentos vejamos algumas prerrogativas importantes STF se qualquer das pessoas33 do art 102 I b c da Constituição cometer um crime comum eleitoral ou militar será julgado pelo STF Prevalece a prerrogativa sobre qualquer outra Justiça ou grau de jurisdição STJ se qualquer das pessoas34 previstas no art 105 I a da Constituição cometer um crime comum militar ou eleitoral será julgado no STJ Como no caso anterior também prevalece a competência do STJ sobre qualquer outra Justiça ou grau de jurisdição salvo a do STF por elementar Tribunais de Justiça dos Estados o art 96 III da Constituição prevê a prerrogativa dos TJs para o julgamento dos juízes estaduais e do Distrito Federal bem como dos membros do Ministério Público dos Estados Contudo a Constituição faz uma ressalva expressa de modo que se qualquer desses agentes praticar um crime eleitoral será julgado pelo TRE órgão de segundo grau da Justiça Eleitoral Assim eles estão vinculados a um Tribunal de Justiça do respectivo estado e mesmo que cometa o agente um delito de competência da Justiça Federal35 uma das situações do art 109 da CF temse entendido que prevalece a prerrogativa de ser julgado pelo seu TJ36 Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri continua prevalecendo a prerrogativa de função pois assegurada na Constituição Ademais um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Importante recordar ainda que nos casos de competência originária dos Tribunais de Justiça o rito do processo será aquele previsto na Lei n 8038 por expressa delegação da Lei n 8658 Tribunais Regionais Federais em simetria os juízes federais militares e da Justiça do Trabalho e membros do MP da União serão julgados nas mesmas condições mas pelo respectivo Tribunal Regional Federal art 108 I a da Constituição Também existe a ressalva em relação aos crimes eleitorais de modo que se um desses agentes cometer um crime dessa natureza será julgado pelo órgão de segundo grau da Justiça Eleitoral ou seja o TRE Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri prevalece a competência do TRF Deputado Estadual tem a prerrogativa de ser julgado pelo mais alto tribunal do estado ao qual está vinculado Logo se cometer um crime de competência da Justiça Comum Estadual será julgado pelo Tribunal de Justiça em se tratando de crime de competência da Justiça Federal será julgado no TRF por fim sendo crime eleitoral será julgado no TRE Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri continua prevalecendo a prerrogativa de função pois está assegurada na Constituição sendo julgado no Tribunal de Justiça37 ou TRF se for o caso de competência federal Ademais um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Prefeitos o tratamento dado pelo art 29 X da Constituição é pouco representativo do alcance da prerrogativa Assim se o prefeito cometer um crime de competência da Justiça Comum Estadual será julgado no Tribunal de Justiça mesmo que se trate de um crime de competência do Tribunal do Júri Contudo se for um crime eleitoral será julgado pelo TRE Se o delito for de competência da Justiça Federal será julgado pelo TRF Nesse sentido afirma a Súmula n 702 do STF a competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringese aos crimes de competência da Justiça Comum Estadual nos demais casos a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau Importante ainda nessa matéria consultar as Súmulas ns 208 e 209 do STJ Vereadores não foram contemplados com nenhuma prerrogativa de foro pela Constituição Possuem apenas a imunidade por palavras opiniões e votos no exercício do mandato nos termos do art 29 VIII da Constituição Contudo chamamos a atenção para a seguinte decisão do STJ que está a sinalizar uma mudança de rumo no tratamento dos vereadores AÇÃO PENAL VEREADOR FORO PRIVILEGIADO Prosseguindo o julgamento verificado empate prevaleceu a decisão mais favorável ao réu para atribuir foro privilegiado por prerrogativa de função a vereador pela prática de crime cominado nos arts 312 cc 71 e 327 2º do CP ao argumento de que vereadores senadores deputados estaduais e federais por simetria são representantes do povo dentro dos limites das respectivas esferas governamentais estabelecidas No caso cuidase de competência originária para o processo e julgamento pelo TJRJ de vereador por força dos arts 102 I b e 125 1º da CF1988 e 161 IV d III da Constituição estadual do Estado do Rio de Janeiro HC 40388RJ Rel originário Min Gilson Dipp Rel para acórdão Min Arnaldo Esteves Lima j 13092005 Essa decisão do STJ é uma inovação no tratamento da matéria cumpre agora ficar atento à receptividade dessa postura que somente vingará se houver uma consagração nas Constituições dos estados Assim pensamos que naqueles estados onde a Constituição não consagra nenhuma prerrogativa o que é a regra vale o afirmado anteriormente ou seja que eles não possuem nenhuma prerrogativa de foro Por fim há que se mencionar a Súmula n 245 do STF para evitar interpretações equivocadas Diz a Súmula A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa Vejamos o seguinte caso se um deputado estadual comete o delito de peculato junto com um particular mediante prévio ajuste a continência art 77 I fará com que ambos os agentes sejam reunidos no mesmo processo para julgamento simultâneo Mesmo quem não tenha a prerrogativa passará a têla por extensão cabendo ao Tribunal de Justiça o julgamento dos dois agentes Não há qualquer violação da Súmula n 245 porque o que se estende é a prerrogativa de foro e não a imunidade parlamentar o particular não necessita de autorização da Casa Legislativa para ser julgado Também entende o Supremo Tribunal Federal como demonstra a Súmula n 704 do STF que não viola as garantias do juiz natural da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados Contudo a reunião para julgamento simultâneo entre a autoridade com prerrogativa de foro e um particular esbarra na competência do Tribunal do Júri como se verá na continuação 252 Alguns Problemas em Torno da Competência Constitucional do Tribunal do Júri O primeiro problema é se uma pessoa com prerrogativa de foro cometer um crime de competência do Tribunal do Júri será julgado por quem Em que pese a competência do júri ser constitucional se a prerrogativa de foro também estiver prevista na Constituição prevalece a prerrogativa de função Isso porque quando ambas as competências forem constitucionais prevalece a jurisdição superior do tribunal Nesse caso um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Mas destaquese a prerrogativa deve estar prevista na Constituição Federal Se a prerrogativa estiver em Constituição estadual ou lei ordinária o cenário muda radicalmente prevalece a competência constitucional do Júri38 Nessa mesma linha foi editada a Súmula n 721 do STF A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual O segundo problema surge na incidência da conexão e a continência Como veremos na continuação exigem quando presente uma delas que exista um julgamento simultâneo reunindo todos os fatos ou todas as pessoas no mesmo processo Quando isso ocorre e uma das pessoas possui a prerrogativa de foro surge a dúvida quem julgará todos os agentes o que tem a prerrogativa de foro e os que não a têm Se um particular comete um crime em concurso de pessoas com alguém que possui uma prerrogativa funcional todos serão julgados pelo tribunal respectivo Ou seja prevalece a competência do tribunal nos termos do art 78 III do CPP O problema aparece quando o crime é de competência do Tribunal do Júri pois por ser o Júri um órgão da jurisdição de primeiro grau não poderia prevalecer sobre o Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal por exemplo Mas por outro lado a competência do Júri é constitucional e deve ser respeitada Eis o problema O STF no HC 693253GO decidiu que se um particular praticar um crime de competência do Tribunal do Júri juntamente com alguém que tenha prerrogativa de foro haverá uma cisão processual Por exemplo se um particular comete um crime doloso contra a vida a mando de um juiz de direito haverá uma continência nos termos do art 77 I do CPP A prerrogativa do juiz de ser julgado pelo Tribunal de Justiça do seu estado é constitucional como também o é a do Júri Contudo havendo essa igualdade de tratamento constitucional prevalece a competência do TJ por ser o Tribunal um órgão de jurisdição superior art 78 III do CPP Então o juiz será julgado no TJ E o particular Haverá uma cisão sendo ele julgado pelo Tribunal do Júri Isso porque a regra da conexão decorre de lei ordinária que não pode prevalecer sobre a competência do Júri que é constitucional Mas a matéria não é pacífica e o STF também já decidiu que valem as regras da conexão mesmo em se tratando de crime de competência do Júri e que todos os agentes devem ser julgados no tribunal daquele que ostenta a prerrogativa de foro Vejamos a seguinte decisão do STF COMPETÊNCIA CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA ATRAÇÃO POR CONEXÃO DO CORRÉU AO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO 1 Tendo em vista que um dos denunciados por crime doloso contra a vida é desembargador detentor de foro por prerrogativa de função CF art 105 I a todos os demais coautores serão processados e julgados perante o Superior Tribunal de Justiça por força do princípio da conexão Incidência da Súmula 704STF A competência do Tribunal do Júri é mitigada pela própria Carta da República Precedentes 2 HC indeferido HC 83583PE Rel Min Ellen Gracie j 20042004 Órgão Julgador 2ª Turma Em que pese não sermos defensores do Júri há que se respeitar a Constituição e não nos parece que essa última interpretação dada pelo STF seja a melhor Assim pensamos que 1 A prerrogativa constitucional para julgamento originário no STF STJ TJs e TRFs prevalece sobre o Tribunal do Júri não havendo possibilidade de um juiz procurador ou promotor ser julgado no Júri 2 Quanto aos deputados estaduais federais e senadores enquanto exercerem a função não estarão sujeitos ao Tribunal do Júri mas cessado o cargo perdem a prerrogativa e podem ser julgados no Tribunal do Júri em consequência da revogação da Súmula n 394 do STF 3 Quanto ao partícipe ou coautor sem essa prerrogativa ou ainda nos casos de prerrogativa de foro estabelecida nas Constituições estaduais prevalece a competência constitucional do Tribunal do Júri O agente com prerrogativa de foro constitucional será julgado pelo respectivo tribunal operandose uma cisão processual para que o particular sem a prerrogativa seja julgado pelo Tribunal do Júri Por fim recordemos que se a conexão se estabelecer entre um crime eleitoral e outro de competência do Tribunal do Júri haverá cisão o crime eleitoral será julgado na Justiça Eleitoral e o homicídio ou qualquer outro de competência do Tribunal do Júri no Tribunal do Júri Isso porque a competência do Júri é constitucional prevalecendo sobre o disposto em leis ordinárias como o Código Eleitoral e o CPP 253 Prerrogativa de Função para Vítima do Crime Como regra a prerrogativa de foro é destinada ao autor do crime que o pratica no exercício de alguma função pública relevante e que a Constituição assim disciplina Contudo existe uma situação muito peculiar em que a qualidade funcional da vítima acaba conduzindo a uma modificação da competência e que vem disciplinada no art 85 do CPP Art 85 Nos processos por crime contra a honra em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação àquele ou a estes caberá o julgamento quando oposta e admitida a exceção da verdade Vejamos agora sua incidência num exemplo hipotético O empresário Manoel dono de um supermercado de pequena cidade do interior divulga amplamente em seu estabelecimento que recebeu um cheque sem provisão de fundos do juiz de direito da comarca Sentindose ofendido pela falsa imputação de um delito o de estelionato art 171 VI do CP o magistrado ajuíza uma queixacrime39 em face do empresário acusandolhe da prática do crime de calúnia previsto no art 138 do CP Recebida a queixa no prazo legal o empresário faz a exceção da verdade propondose a demonstrar a veracidade do alegado e portanto afastando a incidência do crime de calúnia Nesse momento existe uma inversão interessante no processo pois o querelado empresário passa para o polo ativo na exceção da verdade e o querelante juiz passa a ser então o imputado do crime de estelionato Logo o juiz do processo não pode julgar a exceção da verdade pois em última análise estaria julgado outro juiz Assim diante da exceção da verdade a prerrogativa de função do querelante vítima do delito de calúnia exige que essa exceção seja encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado órgão competente para julgamento originário dos juízes de direito que a julgará Importante que nesse momento com a exceção quem passa a ser julgado é o juiz de direito por isso o deslocamento da competência para o tribunal competente para julgálo Nesse julgamento pode ocorrer que a exceção da verdade seja rejeitada posto que não comprovada a veracidade do alegado pelo empresário logo não houve a emissão de cheque sem provisão de fundos Nesse caso após essa decisão a exceção volta para a comarca de origem para continuação do julgamento da queixacrime a exceção da verdade é acolhida nesse caso o empresário logrou demonstrar que o juiz efetivamente emitiu um cheque sem provisão de fundos logo deve ser extinto o processo iniciado pela queixacrime pois não houve a calúnia O fato atribuído ao juiz era verdadeiro Mas nesse momento apurouse que o juiz praticou o delito de estelionato do art 171 VI do CP Diante disso deverá o desembargador relator encaminhar cópia dos autos para o Ministério Público art 40 do CPP para que seja investigada a prática do delito de estelionato se necessários maiores elementos de convicção ou diretamente oferecida a denúncia com base nos elementos já apurados na exceção da verdade Esse processo tramitará originariamente no Tribunal de Justiça do Estado Assim eis uma situação excepcional em que o detentor da prerrogativa de foro inicialmente vítima do crime passa a ser a imputada de outra infração Para que a conduta criminosa a ela atribuída possa ser apreciada é fundamental o encaminhamento da exceção para o órgão competente para julgála Por fim sublinhamos que muitas dúvidas pairam sobre o processamento da exceção da verdade no tribunal diante da lacuna legislativa Pensamos que o melhor procedimento é a apresentação da exceção junto com a resposta à acusação em primeiro grau Obedecendo ao disposto no art 523 do CPP deve o juiz abrir vista para manifestação do querelante contestação diz a lei no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas Após preenchidos os requisitos legais de admissibilidade cabimento legal da exceção da verdade e tempestividade deverá o juiz a quo processar a exceção em autos apartados e enviálos para o tribunal competente para o julgamento em razão da prerrogativa de função da vítima É importante destacar que a prova da exceção da verdade inclusive a testemunhal deverá ser produzida no tribunal e não no órgão de primeiro grau Caberá ao tribunal o processamento e julgamento da exceção da verdade incluindo a coleta da prova até mesmo por imposição do princípio da identidade física do juiz em que o órgão que assistir a coleta da prova deverá julgar logo incumbe ao tribunal providenciar a coleta da prova e posteriormente julgar a exceção 3 Causas Modificadoras da Competência Conexão e Continência Todas as regras anteriormente explicadas podem ser profundamente alteradas ou mesmo negadas quando estivermos diante de conexão ou continência verdadeiras causas modificadoras da competência e que têm por fundamento a necessidade de reunir os diversos delitos conexos ou os diferentes agentes num mesmo processo para julgamento simultâneo Na conexão o interesse é evidentemente probatório pois o vínculo estabelecido entre os delitos decorre da sua estreita ligação Já na continência o que se pretende é diante de um mesmo fato praticado por duas ou mais pessoas manter uma coerência na decisão evitando o tratamento diferenciado que poderia ocorrer caso o processo fosse desmembrado e os agentes julgados em separado 31 Conexão Os casos de conexão estão previstos no art 76 do CPP sendo ela responsável por unir crimes em um mesmo processo A conexão é importante que se fixe isso exige sempre a prática de dois ou mais crimes Pode haver ou não pluralidade de agentes mas não existe conexão quando o crime é único Com ela reúnese tudo para julgamento in simultaneus processus O problema vai ser decidir quem irá julgar Justiça e órgão e onde mas isso já veremos ao tratar das regras do art 78 do CPP Vejamos a redação do art 76 do CPP Art 76 A competência será determinada pela conexão I se ocorrendo duas ou mais infrações houverem sido praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas ou por várias pessoas em concurso embora diverso o tempo e o lugar ou por várias pessoas umas contra as outras II se no mesmo caso houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas III quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração No inciso I temse uma conexão intersubjetiva mas que terá algumas variações pois o artigo engloba três situações diferentes a Intersubjetiva ocasional ou por simultaneidade quando duas ou mais infrações forem praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas Mas esse termo reunidas não se confunde com o concurso de agentes que estará presente na próxima modalidade Aqui a reunião das pessoas é totalmente por acaso ou seja ocasional Não existe prévio ajuste A situação faz a conexão com várias pessoas cometendo vários crimes Exemplo numa pacífica manifestação de protesto pela alta dos preços da cesta básica promovida pela associação das donas de casa na frente de um supermercado a situação começa a fugir do controle Algumas senhoras mais exaltadas incitam as demais a fazerem uma invasão que obviamente não era a intenção inicial do movimento Eis que uma delas mais agressiva joga uma pedra na porta do supermercado dando início a uma invasão Assim na mesma circunstância de tempo e lugar várias pessoas cometem vários delitos danos furtos ameaças e até lesões corporais constituindose uma conexão intersubjetiva ocasional e implicando o julgamento simultâneo de todas as delinquentes e de todos os delitos praticados b Intersubjetiva concursal quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas em concurso ainda que diversos o tempo e o lugar Nesse caso existe concurso de pessoas com liame subjetivo e prévio ajuste Daí por que dispensa o Código que os crimes sejam praticados no mesmo tempo e lugar A conexão se estabelece a partir da pluralidade de crimes praticados por um grupo de pessoas previamente ajustadas Essa conexão é bastante rotineira basta termos por exemplo uma quadrilha que para praticar um roubo a banco furta ou rouba dois veículos em dias diferentes para finalmente cometer o roubo ao banco Assim temos duas ou mais infrações cometidas por várias pessoas em concurso Todos os crimes e pessoas serão reunidos no mesmo processo para julgamento simultâneo c Intersubjetiva por reciprocidade quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas umas contra as outras Não se pode esquecer que a conexão exige duas ou mais infrações devendo ser afastada desde logo a ideia do crime de rixa pois é um crime só Aqui os crimes plural são praticados por várias pessoas umas contra as outras existe uma reciprocidade das agressões Exemplo briga entre torcidas de futebol na saída do estádio vários crimes de lesões corporais leves algumas graves e até gravíssimas ameaças etc ou ainda entre diferentes gangs de jovens No inciso II abandonase a noção de intersubjetividade pois pode ser apenas uma pessoa ou várias sendo por isso chamada de conexão objetiva ou teleológica em razão da existência de crime anterior Mas continua existindo a pluralidade de crimes unidos nessa espécie pelo fato de que um crime é praticado para facilitar ou ocultar os outros ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a eles Exemplo tradicional é o homicídio seguido de ocultação de cadáver ou ainda quando após o roubo a banco a quadrilha mata um dos membros para assegurar maior vantagem econômica ou mesmo garantir a impunidade No inciso III existe um vínculo probatório ou instrumental entre as duas ou mais infrações Importa aqui essa relação de natureza probatória a prova de um crime influi na prova do outro ou de prejudicialidade quando a existência de um crime depende da existência prévia de outro Isso pode ocorrer entre os crimes de furto e de receptação mas também entre o crime antecedente cujo rol está no art 1º da Lei n 961340 e a lavagem ou ocultação de bens direitos e valores Essa é sem dúvida a conexão mais ampla pois o interesse probatório vai muito além de qualquer relação de prejudicialidade penal Importa aqui a relação probatória em que uma mesma prova pode servir para o esclarecimento de ambos os crimes Demonstrado esse interesse probatório devese relativizar a questão da prejudicialidade e reunir tudo para julgamento e instrução único 32 Continência A continência está prevista no art 77 do CPP Art 77 A competência será determinada pela continência quando I duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração II no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts 70 73 e 74 do Código Penal A continência assim no inciso I une as pessoas acusadas de uma mesma infração para julgamento simultâneo Não há pluralidade de crimes mas de pessoas Quando duas ou mais pessoas cometerem um delito haverá a reunião de todas no mesmo processo A questão terá um complicador quando qualquer delas tiver uma prerrogativa de função como explicamos anteriormente Nesse caso como regra geral todos serão julgados no respectivo tribunal competente para processar o detentor do cargo ofício ou função ressalvada a competência do Tribunal do Júri nos casos anteriormente explicados No inciso II existe uma unidade delitiva por ficção normativa São os casos em que as várias ações são consideradas pelo Direito Penal como um delito só por ficção legal Isso ocorre quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes constituindo o concurso formal art 70 do CP ou ainda nos casos de erro na execução art 73 do CP e resultado diverso do pretendido art 74 do CP 33 Regras para Definição da Competência nos Casos de Conexão ou Continência Na conexão existe sempre uma pluralidade de infrações muitas vezes praticadas em diferentes cidades mas que devem ser reunidas para julgamento simultâneo Em outros casos o problema não é apenas as diferentes cidades mas também o concurso entre crimes comuns e militares ou ainda eleitorais Na continência a questão complica quando um dos agentes tiver uma prerrogativa de foro por exemplo Enfim quem será o competente para o julgamento de todos os crimes eou pessoas nesses casos Para isso o art 78 estabelece uma série de regras Contudo antes de analisar as regras do art 78 recordemos que na conexão não se pode esquecer que se for considerado crime continuado o critério definidor da competência será o da prevenção nos termos do art 71 Assim cuidado antes de aplicar as regras do art 78 devese ver se não é caso de crime continuado Se for será competente o juiz prevento Contudo problemas concretos nessa matéria podem surgir quando estivermos diante de vários crimes praticados em várias cidades Eventual continuidade delitiva reconhecida após o processo já ter sido reunido e instaurado em outra cidade segundo a posição majoritária não acarretará a nulidade Isso porque a competência em relação ao lugar é relativa Feita essa advertência inicial vejamos o art 78 e suas regras Art 78 Na determinação da competência por conexão ou continência serão observadas as seguintes regras I no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum prevalecerá a competência do júri II no concurso de jurisdições da mesma categoria a preponderará a do lugar da infração à qual for cominada a pena mais grave b prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações se as respectivas penas forem de igual gravidade c firmarseá a competência pela prevenção nos outros casos III no concurso de jurisdições de diversas categorias predominará a de maior graduação IV no concurso entre a jurisdição comum e a especial prevalecerá esta Essa é a regra do CPP mas não podemos seguir essa ordem pois ela não está correta Inicialmente há que se ter bem claras as regras anteriormente expostas principalmente as competências das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e comuns federal e estadual Propomos que a definição da competência em caso de conexão ou continência seja feita após as seguintes perguntas nessa ordem 1ª Algum dos crimes praticados é de competência da Justiça Militar Se for positiva a resposta deve se recordar que o crime militar cinde art 79 I separa daqueles crimes que não são militares Logo crime militar será julgado na Justiça Militar Federal ou Estadual conforme o caso e os demais crimes comuns na Justiça Comum Será na Justiça Comum Federal se estiver presente alguma das circunstâncias do art 109 da Constituição ou na Justiça Comum Estadual residual em relação a todas as demais nos demais casos Se a resposta for negativa passamos para a segunda pergunta 2ª Algum dos crimes praticados é eleitoral Nesse caso a Justiça Eleitoral prevalece sobre as demais salvo a militar que cinde atraindo tudo para a Justiça Eleitoral art 78 IV Se a resposta for negativa passemos para a terceira pergunta 3ª Algum dos agentes tem prerrogativa de ser julgado por tribunal Isso conduz à aplicação do inciso III do art 78 pois a jurisdição de maior categoria dos tribunais prevalece sobre os órgãos de primeiro grau Há que se considerar aqui a problemática em torno da competência do Tribunal do Júri anteriormente explicada Caso não exista uma situação de concurso de agentes com alguém detentor de uma prerrogativa de foro passemos à próxima questão 4ª Não sendo de competência das Justiças Especiais algum dos crimes é de competência da Justiça Federal art 109 da Constituição Se algum dos crimes for de competência da Justiça Comum Federal e isso só ocorre se não for de competência da Justiça Militar nem Eleitoral incide o art 78 III prevalecendo ela sobre a Justiça Comum Estadual Caso não seja de competência da Justiça Comum Federal e já afastadas as Especiais Militar e Eleitoral estamos diante de um caso de competência da Justiça Comum Estadual caráter residual A resposta a essa última questão evidencia que a competência é da Justiça Comum Federal ou Estadual Se algum dos crimes se encaixar em uma das situações do art 109 da Constituição anteriormente analisadas a competência é da Justiça Federal e ela prevalece sobre a Estadual Pois bem afastada a incidência dos incisos IV e III do art 78 é porque estamos diante de crimes submetidos a jurisdição de mesma categoria Ou seja ou todos os crimes são de competência da Justiça Federal ou todos são de competência da Justiça Estadual Não há mais jurisdições de diferentes níveis em conflito Eis um ponto a ser compreendido os incisos I e II somente incidem no conflito entre jurisdições de mesma categoria Agora passemos a uma última pergunta Algum dos crimes é de competência do Tribunal do Júri art 74 1º Caso algum dos crimes seja de competência do Júri todos os crimes irão para o Tribunal do Júri Isso é a vis atractiva do Júri Mais do que atrair a competência constitucional do Júri prevalece sobre os demais órgãos de primeiro grau juiz ou juizado especial Assim no conflito entre juízes e Tribunal do Júri ganha sempre o Tribunal do Júri incidindo o art 78 I do CPP Caso nenhum dos delitos seja de competência do Tribunal do Júri passemos então para o inciso II Assim compreendese que o inciso II é o último a ser considerado Somente quando tivermos um conflito entre juízes igualmente competentes em razão da matéria e pessoa ou seja de mesma categoria é que devemos finalmente analisar os incisos esses sim rigorosamente na ordem do Código Depois dessas explicações fica mais fácil compreender que o art 78 deveria ser lido em ordem completamente diversa daquela prevista no CPP Seus incisos devem ser lidos nessa ordem Art 78 IV Primeiro devese verificar se há crime eleitoral pois a competência da justiça especial eleitoral prevalece sobre as demais Se houver crime militar incide o art 79 I ocorrendo a cisão processual III Não sendo caso de crime eleitoral ou militar analisase o inciso III Aqui a jurisdição federal prevalece sobre a estadual Súmula n 122 do STJ Se algum dos agentes tiver prerrogativa de foro prevalece a jurisdição de segundo grau tribunais sobre as de primeiro grau juiz júri juizado especial com as ressalvas feitas anteriormente I Não sendo resolvida a questão com as regras anteriores devese perguntar algum dos crimes é de competência do júri Caso afirmativo todos os crimes e todas as pessoas serão julgados no Tribunal do Júri vis atractiva e prevalente II Se nenhum dos incisos anteriores resolver a questão é porque estamos diante de vários juízes de mesmo nível de jurisdição igualmente competentes Então passemos para os critérios definidos nesse último inciso necessariamente nessa ordem a Prepondera o lugar da infração mais grave para tanto analisase a pena em abstrato mínima e máxima Mas e se um crime tiver uma pena de 1 a 6 anos e o outro de 2 a 4 anos qual é a mais grave Aquele cuja pena mínima é mais elevada Se esse critério não resolver comparamse os regimes de cumprimento da pena em que os delitos apenados com reclusão são mais graves que os apenados com detenção Outro ponto a ser comparado é a existência ou não de pena de multa pois pena multa é mais grave b Havendo empate na letra a prevalece o lugar onde for praticado o maior número de infrações Logo o juiz em cuja cidade tiver sido praticado o maior número de delitos será competente para o julgamento c Se houver empate em todos os critérios anteriores prevalecerá a competência do juiz prevento Ou seja aquele que primeiro receber a denúncia ou que na fase préprocessual tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório será finalmente o competente Finalizando esse tópico devemos esclarecer que se houverem sido praticados crimes conexos nas cidades A B e C e erroneamente tiver sido instaurado em cada cidade um processo pelo delito lá praticado deverá o juiz com competência prevalente segundo os critérios que acabamos de explicar avocar os demais processos para fazer valer a regra do julgamento simultâneo Assim determina o art 82 do CPP Art 82 Se não obstante a conexão ou continência forem instaurados processos diferentes a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes salvo se já estiverem com sentença definitiva Neste caso a unidade dos processos só se dará ulteriormente para o efeito de soma ou de unificação das penas O que se entende por sentença definitiva nesse artigo Significa a mera sentença penal recorrível ou seja de primeiro grau e passível de recurso A redação do Código é ruim e induz a pensar que somente depois do trânsito em julgado é que não poderá mais haver a avocação Errado Quando o juiz de primeiro grau der sentença não caberá mais outro juiz avocar pois a jurisdição de primeiro grau está exaurida Ilógico seria imaginar que um juiz de primeiro grau pudesse desconstituir a sentença já proferida por outro juiz ou ainda avocar o processo que está no tribunal para julgamento de recurso Havendo sentença ainda que recorrível a unificação ou soma das penas será posterior quando da execução criminal Nesse mesmo sentido e para finalizar vejase a Súmula n 235 do STJ A conexão não determina a reunião dos processos se um deles já foi julgado 34 Cisão Processual Obrigatória e Facultativa O art 79 do CPP prevê em que casos a cisão processual será obrigatória ainda que exista a conexão ou continência Art 79 A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento salvo I no concurso entre a jurisdição comum e a militar II no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores 1º Cessará em qualquer caso a unidade do processo se em relação a algum corréu sobrevier o caso previsto no art 152 2º A unidade do processo não importará a do julgamento se houver corréu foragido que não possa ser julgado à revelia ou ocorrer a hipótese do art 461 Como já explicado diversas vezes nos tópicos anteriores a Justiça Militar não prevalece ela cinde Ou seja se é crime militar vai para a Militar do contrário separa Para evitar repetições remetemos o leitor para a explicação anterior no tópico destinado à competência da Justiça Militar No inciso II está consagrada a lógica e necessária separação entre a jurisdição penal e aquela destinada à apuração dos atos infracionais praticados por crianças e adolescentes nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente Havendo um concurso de agentes entre imputáveis e inimputáveis menores de 18 anos os imputáveis cometem crime e respondem a processo penal Já em relação aos inimputáveis menores de 18 anos haverá uma separação com outro processo tramitando em vara especializada para apuração do ato infracional No 1º haverá a cisão quando em relação a algum dos corréus se verificar uma doença mental superveniente ao crime Nesse caso o processo é separado pois em relação a esse corréu o processo ficará suspenso nos termos dos arts 152 e ss do CPP Quando a doença é preexistente ao fato criminoso o réu é considerado inimputável art 26 do CP e o processo segue com a eventual pena sendo substituída por medida de segurança No 2º existem duas situações de cisão No primeiro caso o processo está suspenso porque um dos corréus está foragido e a sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri não pode ocorrer sem a sua presença ou ainda quando um dos réus é citado e o outro não Em relação ao citado o processo continua e em relação ao revel incide a suspensão do processo nos termos do art 366 do CPP A segunda situação era a cisão ocorrida no momento da composição do conselho de sentença Ocorre que esse mecanismo de cisão foi substancialmente alterado pela Lei n 116892008 Agora nos termos do art 469 somente haverá separação dos julgamentos se houver estouro de urna ou seja se em razão das recusas não for obtido o número mínimo de 7 jurados para compor o conselho de sentença Nesse caso será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou em caso de coautoria aplicase o critério de preferência disposto no art 429 As situações descritas no art 81 dizem respeito à desclassificação própria e imprópria no Tribunal do Júri Por fim prevê o art 80 a separação facultativa dos processos nos casos de crimes praticados em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes ou quando pelo número excessivo de acusados e para não prolongar a prisão provisória de qualquer deles o juiz reputar conveniente Aqui o Código deixa um amplo espaço para que o juiz decida pela cisão processual evitando o julgamento simultâneo decorrente da conexão ou continência 4 Crítica ao Tratamento das InCompetências Absoluta e Relativa 41 InCompetência Absoluta e Relativa Inadequada Transmissão das Categorias do Processo Civil Manipulação dos Critérios de Competência em Matéria Penal Varas Especializadas Como já mencionado no início deste capítulo e ao longo de toda a obra o processo penal tem sido vítima de frequentes transmissões mecânicas das categorias do processo civil e no tema analisado através da adoção da distinção entre competência absoluta e relativa Pensamos que o tratamento é inadequado e por se confundir com a própria problemática das nulidades faremos agora uma rápida crítica reservando a análise mais detida para momento posterior É recorrente a afirmação e as decisões dos tribunais brasileiros no sentido de que a competência em razão da matéria e pessoa é de natureza absoluta podendo ser conhecida de ofício e a qualquer momento Até aqui tudo bem O problema começa quando se considera a competência em razão do lugar como relativa Somente pode ser arguida pela defesa pois o MP já escolhe onde oferecer acusação logo preclusa para ele qualquer reclamação posterior e no primeiro momento em que fala no processo em geral na resposta escrita sob pena de preclusão preclusão aqui é sinônimo de prorrogação da competência ou seja prorrogatio fori Como explica HASSAN CHOUKR41 a natureza relativa da competência territorial não subsiste a um modelo processual acusatório Também considera o autor que se trata de uma aproximação indevida dos postulados do processo civil ao processo penal e finaliza afirmando com acerto que tal entendimento de relativização somente se mostra adequado quando se pensa no juiz natural apenas como um fenômeno de distribuição de poder ex parte principis e da sujeição das partes a esse poder Não se amolda contudo prossegue o autor com as premissas pelas quais o juiz natural é um direito fundamental e não cabe ao Estado flexibilizar ao seu talante a regra primária de fixação da competência Ademais como existe uma simetria no tratamento da incompetência com a questão das nulidades a discussão deslocase para o campo do prejuízo e daí é um passo para fulminar a garantia do juiz natural Isso porque como explicaremos no tema das nulidades o prejuízo é uma cláusula genérica aberta que encontra referencial semântico naquilo que bem entender o tribunal Na precisa lição de JACINTO COUTINHO42 prejuízo em sendo um conceito indeterminado como tantos outros dos quais está prenhe a nossa legislação processual penal vai encontrar seu referencial semântico naquilo que entender o julgador e aí não é difícil perceber manuseando as compilações de julgados que não raro expressam decisões teratológicas O que não percebem é que em matéria penal a competência tem outra dimensão completamente diversa daquela que lhe dá o processo civil Aqui vige o princípio supremo do juiz natural As pessoas têm o direito fundamental de serem julgadas por um juiz competente em razão da matéria pessoa e lugar e cujas regras estejam previamente estabelecidas Deslocar a competência de uma cidade para outra sem ver nisso uma violenta afronta à garantia do juiz natural é não enxergar a supressão do juiz que se opera nesse momento bem como a ilegal prorrogação da jurisdição A chamada prorrogatio fori ou ainda perpetuatio jurisdictionis é inconstitucional pois prorroga ou perpetua o que é improrrogável Sem falar que se trata de institutos do processo civil inadequados para o processo penal em que a questão da competência adquire uma dimensão muito maior em termos de eficácia de direitos fundamentais Não há como se admitir ainda que se modifique a competência em matéria penal através de portarias e resoluções sob pena de ignorar no mínimo a garantia da reserva legal em matéria penal Nessa linha é formal e substancialmente inconstitucional a nosso juízo a Resolução 517 de 30 de junho de 2006 do Conselho da Justiça Federal que atribui aos Tribunais Regionais Federais o poder de criar Varas Criminais Especializadas com competência exclusiva para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional lavagem de dinheiro ou ocultação de bens e os crimes praticados por organizações criminosas independentemente do caráter transnacional ou não das infrações Na dimensão da invalidade formal a inconstitucionalidade diz respeito ao descumprimento do regular processo legislativo necessário nessa matéria A Resolução no plano da fonte possui um vício gravíssimo o art 96 I d da Constituição referese à proposição de criação e não à criação pura e simples como adverte MARCON43 Cabe aos tribunais propor ao Poder Legislativo que as crie através de lei submetida ao regular processo legislativo Uma leitura ingênua não percebe que estão criando uma Vara especializada de combate ao crime como são chamadas como se direito e guerra combate fossem compatíveis com competência exclusiva para determinados crimes tratamento diferenciado quebra da igualdade de tratamento jurídico e que desloca a competência retirandoa do juiz do lugar do crime para atribuir a outro que melhor possa julgar Assim um crime desses que está no rol qual foi o critério utilizado para essa definição se praticado em qualquer cidade do Estado do Paraná por exemplo será necessariamente processado em julgado por um juiz especializado de Curitiba Mas o crime pode ter sido praticado a 500 km de distância numa cidade que seja sede da Justiça Federal por que esse deslocamento da competência Como justificar a retirada da garantia do juiz natural ou seja do meu juiz prefixado em lei através de uma Portaria do Tribunal Regional Federal cujos poderes foram delegados por uma Resolução do Conselho da Justiça Federal Sem lei formal emanada do Poder Legislativo competente e com estrita observância do regular processo legislativo não se pode admitir a alteração de competência material dos órgãos jurisdicionais Essa é a dimensão formal da invalidade Já na dimensão substancial a invalidade da Resolução e atos decorrentes manifestase na violação da garantia constitucional do juiz natural e da própria imparcialidade É incrível como numa só tacada cometemse monstruosidades jurídicas que vão da negação da garantia constitucional do juiz natural passando por atribuir poder legislativo em matéria processual penal ao Conselho da Justiça Federal para legislar através de uma Resolução que por sua vez permite que um Tribunal Regional Federal legisle através de uma portaria ou coisa do gênero para deslocar a competência de uma cidade para outra a belprazer de quem em última análise irá julgar em grau recursal Ou seja o mesmo tribunal que irá decidir em grau recursal já escolhe qual é o juiz que eles querem que julgue o caso penal em primeiro grau Abrese aqui um novo problema em torno da imparcialidade do juiz designado e também do próprio tribunal que o escolheu Como define MARCON44 é abrir as porteiras para a manipulação do juízo e por que não das decisões judiciais Afinal de contas o que se quer é a garantia da imparcialidade que tanto interessa ao jurisdicionado como ao Estado Democrático de Direito como sustentado Nessa linha HASSAN CHOUKR45 identifica com muito acerto que um dos mais graves problemas para efetivação do princípio do juiz natural está em descolarse a discussão sobre as regras de determinaçãomodificação de competência das leis de organização judiciária e os regimentos internos dos tribunais como se não fizessem parte desse tecido E como sintetiza o autor não apenas fazem como modificam substancialmente a forma de materialização do juiz natural Ora o que FAUZI está desvelando é que por trás de uma pseudoorganização judiciária estão eles legislando em matéria processual penal e alterando substancialmente a materialização do juiz natural Estão invadindo espaço legislativo que não lhes é próprio para no fundo negar eficácia à garantia do juiz natural manipulando os critérios de competência sob o argumento de que se trata de mera organização judiciária E isso também ocorre no âmbito das Justiças dos estados como demonstra HASSAN CHOUKR ao citar diversos casos em sua obra46 Em profundo estudo sobre o tema cuja leitura é imprescindível MARCON47 afirma categoricamente a inconstitucionalidade dessas varas especializadas A verdadeira manipulação em torno dos critérios de competência em matéria penal beira as raias do absurdo tendo por pano de fundo a relativização da competência em razão do lugar O que muitos não se dão conta ou porque se deram fazem isso é de que por trás de um conceito jurídico manipulado estão retirando o próprio juiz natural da causa 42 Por uma Leitura Constitucional do Art 567 do CPP O art 567 do CPP prevê que Art 567 A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios devendo o processo quando for declarada a nulidade ser remetido ao juiz competente Durante muito tempo seguiuse a letra do Código e quando reconhecida a incompetência do juiz era anulada apenas a sentença Um erro Atualmente consagrada que está a garantia do juiz natural e do devido processo legal uma vez reconhecida a incompetência do juiz deve ser anulado o ato decisório e principalmente todo o processo A anulação deve ser ab initio Não basta o juiz competente proferir uma nova sentença Isso é golpe de cena A garantia da jurisdição incluindo o juiz natural e do devido processo impõe que todo processo e todos os seus atos sejam praticados na frente do juiz natural competente e de forma válida Essas garantias não nascem na sentença mas no momento em que inicia o processo com o recebimento da acusação Logo desde o início o réu tem a garantia de que todos os atos serão praticados por um juiz competente Não é a mera garantia de prolação da sentença mas de jurisdição Felizmente essa é uma tendência claramente definida na jurisprudência ainda que muitos ainda resistam48 Assim reconhecida a incompetência absoluta do julgador há que se renovar todos os atos do processo e dependendo do caso até mesmo a acusação Como demonstrado no acórdão anterior não há como deixar uma denúncia oferecida por um promotor estadual em um processo que irá tramitar agora na Justiça Federal Assim até a acusação tem que ser novamente oferecida agora pelo respectivo procurador da República 5 Case Study Para Facilitar a Compreensão Em que pesem os inúmeros exemplos citados para facilitar a compreensão de tão complexas regras especialmente por parte dos estudantes que ainda possuem dificuldade em visualizar sua aplicação propomos o estudo e resolução de alguns casos bem sucintos advertindo que a intenção é apenas ilustrar a aplicação dessas regras CASO 1 Um policial civil estadual e um policial militar estadual em atividade conjunta das duas polícias cometem o delito de lesões corporais dolosas e de abuso de autoridade na cidade de Curitiba Supondo que esteja presente uma das situações de conexão previstas no art 78 do CPP qual será a Justiça e órgão competentes para o julgamento dos réus Seguindo a regra geral haveria a necessidade de reunião para julgamento simultâneo Contudo especificamente no caso de militar não haverá essa reunião de processos pois o art 79 I faz com que se opere uma cisão processual Militar e Civil não se misturam Diante da cisão imposta pelo art 79 I o policial militar será julgado na Justiça Militar Estadual pelo delito de lesões corporais crime militar praticado por militar em atividade militar e o policial civil na Justiça Estadual pelos dois crimes praticados Mas e o abuso de autoridade praticado pelo militar Não esse não é crime militar logo não será julgado na Justiça Militar Pelo crime de abuso de autoridade o policial militar será julgado na Justiça Comum Estadual pois não é crime militar juntamente com o policial civil união por força da conexão Incide no caso a conjugação das Súmulas ns 172 e 90 do STJ que definem 172 Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade ainda que praticado em serviço 90 Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática de crime militar e à Comum pela prática do crime comum simultâneo a aquele CASO 2 E se hipoteticamente além desses dois delitos lesões corporais dolosas e abuso de autoridade na mesma operação policial esses mesmos agentes cometessem ainda um delito de homicídio doloso contra um civil como ficaria a situação processual Partindo da premissa de que os crimes são conexos art 78 do CPP e de que está presente o peculiar interesse militar em relação aos crimes praticados pelo policial militar a competência para o julgamento ficará assim Policial Militar será julgado pelo delito de lesões corporais na Justiça Militar estadual Mas essa Justiça não tem competência para julgálo pelos delitos de abuso de autoridade pois não é crime militar e tampouco pelo delito de homicídio doloso praticado contra um civil pois a Lei n 9299 já incorporada à Constituição determina que os crimes dolosos49 contra a vida cometidos por militares contra civis serão julgados na Justiça Comum mesmo quando praticados em serviço com arma militar etc Sendo praticado por militar contra militar segue a competência da Justiça Militar Logo como fica o processo e julgamento por esses dois delitos homicídio doloso e abuso de autoridade Serão julgados na Justiça Comum estadual junto com o policial civil conforme será explicado abaixo Policial Civil será julgado na Justiça Comum Estadual no Tribunal do Júri a competência do Júri atrai o julgamento de todos os delitos pelos três crimes homicídio doloso lesões corporais dolosas abuso de autoridade A reunião dos processos para julgamento simultâneo decorre da conexão art 78 I Juntamente com o policial civil também na Justiça Comum Estadual no Tribunal do Júri será julgado o policial militar pelos delitos de homicídio doloso e abuso de autoridade O primeiro por imposição constitucional e o segundo por não ser um crime militar CASO 3 João Mané e Bráulio previamente ajustados subtraem em Porto Alegre três veículos com os quais na cidade gaúcha de Guaíba cometem um roubo a banco atingindo na fuga um policial militar que reagiu causandolhe a morte No outro dia na cidade de São Lourenço abordam um rapaz e para subtrair o veículo que ele conduzia matamno Finalmente semanas após em Camaquã são presos em cumprimento de mandado de prisão preventiva decretada pelo juiz estadual de São Lourenço todas as cidades estão no mesmo estado No momento da prisão também é lavrado o flagrante pelo porte de 800 g de maconha comprada com o dinheiro do roubo e destinada a venda O flagrante é homologado e dez dias depois o juiz de direito da comarca de Camaquã recebe a denúncia por tráfico de substância entorpecente a Explique se existe e qual a modalidade de conexão ou continência b Qual Justiça será competente para julgálos c Qual será o órgão d Onde foro serão julgados e O que deverá fazer o juiz com competência prevalente quando receber a denúncia e verificar a instauração de processocrime na cidade de Camaquã Vejamos a solução do caso a Existe conexão intersubjetiva concursal art 76 I devendo todos os crimes e pessoas ser reunidos para julgamento simultâneo b João Mané e Bráulio serão julgados por todos os delitos na Justiça Comum Estadual Atenção não é de competência da Justiça Militar Estadual ainda que um dos crimes tenha sido cometido contra militar pois a Justiça Militar Estadual nunca julga civis só militares art 125 4º da Constituição c Os crimes praticados são furto art 155 dois latrocínios art 157 1º e 3º e tráfico de substâncias entorpecentes art 14 da Lei n 11343 Não há crime de homicídio mas sim de latrocínio roubo impróprio pois a violência é empregada após a subtração para assegurar a posse ou impunidade por isso serão julgados pelo Juiz de Direito e não pelo Tribunal do Júri Se ao invés de latrocínio fosse homicídio a situação se alteraria completamente sendo todos os fatos e réus julgados no Tribunal do Júri d Quanto ao foro será competente o juiz da comarca de São Lourenço local da infração mais grave latrocínio art 78 II a e prevento art 78 II c Existe um empate no critério local da infração mais grave entre São Lourenço e Guaíba O desempate se dá pela utilização da alínea c ou seja a prevenção pois na primeira cidade existe um mandado de prisão expedido pelo juiz e Caso o processo tenha sido instaurado em diversas comarcas o juiz de São Lourenço competência prevalente deverá avocar os demais processos nos termos do art 82 CASO 4 Previamente ajustados João policial federal e Pedro policial militar estadual em serviço e com equipamento oficial exigem para si determinada importância indevida de uma pessoa que abordaram em São Paulo e ato contínuo ameaçamna caso relate o ocorrido Na continuação ao efetuarem outra prisão na cidade vizinha de Registro cometem o delito de abuso de autoridade Lei n 4898 e posteriormente matam outro detido em Campinas para assegurar a impunidade em relação aos delitos anteriores Responda a Há conexão ou continência Existe conexão intersubjetiva concursal e também objetiva conforme o caso Contudo haverá cisão nos termos do art 79 I pois a Justiça Militar irá julgar o policial militar pelos crimes militares separando o processo b Qual Justiça e órgão seráão competentes para julgar quem e por quais delitos Policial Militar será julgado na Justiça Militar Estadual pelos delitos de concussão art 305 do CPM e ameaça art 223 do CPM Não será julgado na Justiça Militar pelo crime de abuso de autoridade porque não é crime militar Quanto ao homicídio doloso praticado contra civil também não será julgado na Justiça Militar pois assim determina a Lei n 9299 já incorporada ao texto constitucional Policial Federal será julgado por todos os delitos na Justiça Comum Federal Súmula n 147 por analogia e art 109 IV da Constituição pois foram atos praticados em razão da função propter officium Quanto ao órgão será o Tribunal do Júri para todos os crimes da comarca de Campinas nos termos do art 78 I Importante considerar que o policial militar também será julgado na Justiça Federal no Tribunal do Júri de Campinas conjuntamente com o policial federal pelos crimes de abuso de autoridade e homicídio doloso recordemos que esses crimes não foram julgados na Justiça Militar Estadual porque não lhe competiam Com esses quatro exemplos básicos pensamos ser possível ter uma ideia de como incidem as regras da competência e como deve ser desenvolvido o raciocínio nessa matéria para não haver equívocos 1 Teoria do Direito Processual Penal cit p 46 e ss 2 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro In Separata do ITEC ano 1 n 4 janeirofevereiromarço de 2000 p 3 e ss 3 TAORMINA Carlo Diritto Processuale Penale Torino G Giappichelli Editore 1995 v 2 p 310 e ss 4 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1963 v 1 p 341 5 Baseamonos em grande parte nas lições de JACINTO COUTINHO Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro cit p 3 e ss 6 Art 26 A ação penal nas contravenções será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial 7 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal Curitiba Juruá 2004 p 47 e ss 8 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro cit p 5 9 Nesse mesmo nível estão ainda o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal Militar respectivamente jurisdições eleitoral e militar 10 Destaquese que em alguns Estados da Federação existiam ainda os Tribunais de Alçada órgãos de segundo grau da jurisdição estadual situados em posição inferior aos Tribunais de Justiça no que se referia à competência Ainda nessa dimensão de jurisdição encontramos atualmente na justiça eleitoral os Tribunais Regionais Eleitorais e na justiça militar estadual os Tribunais de Justiça Militar nos estados que não o possuam a competência para julgamento em 2º grau de jurisdição será dos Tribunais de Justiça nos termos do art 125 3º da Constituição 11 Em alguns estados ainda existe a figura do Pretor Tratase de carreira em extinção que não foi recepcionada pela Constituição Os pretores tinham uma competência limitada na esfera penal ao julgamento das contravenções e dos crimes apenados com detenção Com o advento da Lei n 9099 os Pretores restantes acabaram por atuar na presidência dos Juizados Especiais Criminais destinados ao processo e julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo 12 Art 9º Consideramse crimes militares em tempo de paz I os crimes de que trata este Código quando definidos de modo diverso na lei penal comum ou nela não previstos qualquer que seja o agente salvo disposição especial II os crimes previstos neste Código embora também o sejam com igual definição na lei penal comum quando praticados a por militar em situação de atividade ou assemelhado contra militar na mesma situação ou assemelhado b por militar em situação de atividade ou assemelhado em lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva ou reformado ou assemelhado ou civil c por militar em serviço ou atuando em razão da função em comissão de natureza militar ou em formatura ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva ou reformado ou civil d por militar durante o período de manobras ou exercício contra militar da reserva ou reformado ou assemelhado ou civil e por militar em situação de atividade ou assemelhado contra o patrimônio sob a administração militar ou a ordem administrativa militar f revogada III os crimes praticados por militar da reserva ou reformado ou por civil contra as instituições militares considerandose como tais não só os compreendidos no inciso I como os do inciso II nos seguintes casos a contra o patrimônio sob a administração militar ou contra a ordem administrativa militar b em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar no exercício de função inerente ao seu cargo c contra militar em formatura ou durante o período de prontidão vigilância observação exploração exercício acampamento acantonamento ou manobras d ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar em função de natureza militar ou no desempenho de serviço de vigilância garantia e preservação da ordem pública administrativa ou judiciária quando legalmente requisitado para aquele fim ou em obediência a determinação legal superior Crimes militares em tempo de guerra Parágrafo único Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum 13 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 2 p 12 14 Na jurisprudência é comum encontrarmos decisões afastando a competência da Justiça Militar como por exemplo COMPETÊNCIA CRIME PORTE ILEGAL ARMA DE FOGO PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA CRIME MILITAR DESCARACTERIZAÇÃO Compete à Justiça comum estadual processar e julgar crime tipificado na legislação castrense art 10 2º da Lei n 94371997 de porte ilegal de arma de procedência estrangeira de uso restrito sem autorização mantida acondicionada e oculta em armário onde o réu militar servia No caso a condição pessoal de militar não determina a competência da Justiça Militar CPM art 9º assim como o fato de a arma ser de fabricação estrangeira não basta para determinar a competência da Justiça Federal porquanto ausente qualquer lesão a bens ou interesse da União CC 28251RJ Rel Min Hélio Quaglia Barbosa j 28092005 Ainda A atividade desenvolvida por militar de policiamento naval exsurge como subsidiária administrativa não atraindo a incidência do disposto na alínea d do inciso III do artigo 9º do Código Penal Militar A competência da Justiça Militar em face da configuração de crime de idêntica natureza pressupõe prática contra militar em função que lhe seja própria Competência da Justiça Federal stricto sensu CC 7030 Rel Min Marco Aurélio DJ 31051996 15 Alguns penalistas distinguem crime militar próprio aqueles que somente podem ser praticados por militares dos militares impróprios que podem ser praticados por militares ou por civis 16 Pensamos que se o crime eleitoral tiver uma pena máxima inferior a 2 anos sendo considerado portanto um crime de menor potencial ofensivo são perfeitamente aplicáveis os institutos da Lei n 9099 incluindo a suspensão condicional do processo se preenchidos os requisitos legais do art 89 e seguintes da Lei n 9099 17 Art 109 Aos juízes federais compete processar e julgar I as causas em que a União entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras rés assistentes ou oponentes exceto as de falência as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho II as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País III as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional IV os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral V os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando iniciada a execução no País o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente VA as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5º deste artigo VI os crimes contra a organização do trabalho e nos casos determinados por lei contra o sistema financeiro e a ordem econômico financeira VII os habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição VIII os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal excetuados os casos de competência dos tribunais federais IX os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves ressalvada a competência da Justiça Militar X os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro a execução de carta rogatória após o exequatur e de sentença estrangeira após a homologação as causas referentes à nacionalidade inclusive a respectiva opção e à naturalização XI a disputa sobre direitos indígenas 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa ou ainda no Distrito Federal 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal e se verificada essa condição a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual 4º Na hipótese do parágrafo anterior o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos o ProcuradorGeral da República com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte poderá suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça em qualquer fase do inquérito ou processo incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal 18 Súmula n 38 do STJ Compete à Justiça Estadual Comum na vigência da Constituição de 1988 o processo por contravenção penal ainda que praticada em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades 19 Nessa linha decidiu com acerto o STJ COMPETÊNCIA ROUBO AGÊNCIA CORREIOS Tratase de paciente condenado pela prática de roubo contra a Empresa Brasileira de Correios Aduz o paciente que a ECT é empresa pública federal e os crimes praticados contra ela devem ser processados e julgados pela Justiça Federal sendo assim pugna ver reconhecida a nulidade do processo O Min Relator explicitou que este Tribunal tem posição definida quanto à competência fundandose as decisões na constatação da exploração direta da atividade pelo ente da administração indireta federal em que a competência é da Justiça Federal art 109 IV CF1988 ou se existe franquia que é a exploração dos serviços de correios por particulares quando a competência é da Justiça estadual Isso posto a Turma concedeu a ordem para declarar nulo todo o processo desde o recebimento da denúncia e remeter os autos para a vara criminal federal na qual a impetração indica haver a apuração inicial dos fatos Precedente citado CC 46791AL DJ 06122004 HC 39200SP Rel Min Hélio Quaglia Barbosa j 29112005 20 Interessante problemática se estabelece nos crimes praticados pela internet Recentemente o STJ divulgou a seguinte notícia decorrente da decisão proferida no Conflito de CompetênciaCC 112616 Crimes de difamação contra menores praticados pelo site de relacionamento Orkut devem ser julgados pela Justiça Federal Para decidir dessa forma a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça considerou que como esse tipo de crime fere direitos assegurados em convenção internacional e o site pode ser acessado de qualquer país cumpre o requisito da transnacionalidade da Justiça Federal Segundo o ministro Gilson Dipp relator do caso o Brasil é signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança que determina a proteção da criança em sua honra e reputação Além disso observou que o site não tem alcance apenas no território brasileiro e que esta circunstância é suficiente para a caracterização da transnacionalidade necessária à determinação da competência da Justiça Federal Dipp citou decisão da 6ª Turma do STJ no mesmo sentido No caso a corte entendeu que a competência da Justiça Federal é fixada quando o cometimento do delito por meio eletrônico se refere a infrações estabelecidas em tratados ou convenções internacionais constatada a internacionalidade do fato praticado O relator observou que a dimensão internacional do site precisa ser demonstrada porque segundo entendimento já adotado pelo STJ o simples fato de o crime ter sido praticado na internet não basta para determinar a competência da Justiça Federal No caso o perfil no Orkut de uma adolescente foi adulterado e apresentado como se ela fosse garota de programa com anúncio de preços e contato O crime foi cometido em um acesso no qual a senha escolhida pela menor foi trocada Na tentativa de identificar o autor agentes do Núcleo de Combate aos Cibercrimes da Polícia Civil do Paraná pediram à Justiça a quebra de sigilo de dados cadastrais do usuário mas surgiram dúvidas sobre quem teria competência para o caso se o 1º Juizado Especial Criminal de Londrina ou o Juizado Especial Federal de Londrina O Ministério Público opinou pela competência federal Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça CC 112616 21 Nessa linha decidiu com acerto o STJ em situação muito interessante COMPETÊNCIA DELITO DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE DESCLASSIFICAÇÃO PARA TRÁFICO INTERNO COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DA JUSTIÇA ESTADUAL ART 109 V DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PERPETUATIO JURISDICTIONIS INOCORRÊNCIA ORDEM CONCEDIDA PARA DECLARAR A NULIDADE DO PROCESSO DESDE SEU INÍCIO COM REMESSA DO EFEITO AO JUÍZO ESTADUAL CRIMINAL DA COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU E COLOCAÇÃO DO PACIENTE EM LIBERDADE Processo que se iniciou perante a Justiça Federal por ter entendido a denúncia se tratar de tráfico internacional de entorpecentes Posterior pedido de declinação da competência não aceito pelo Juízo processante que ao final condenou o paciente por tráfico interno Tratase in casu de competência absoluta da Justiça Estadual fixada pela Constituição Federal tornando incabível a aplicação analógica do princípio da perpetuatio jurisdictionis disciplinado no art 81 do CPP Existência de apenas um delito inocorrência de hipóteses de conexão ou continência Ordem concedida para que seja declarada a nulidade do efeito desde seu início com remessa imediata ao Juízo Estadual de Foz do Iguaçu PR Estando o paciente preso cautelarmente desde setembro de 2003 portanto há mais de dois anos determino seja colocado em liberdade se por outro motivo não estiver preso HC 37581PR 6ª Turma Rel Min Hélio Quaglia Barbosa j 29112005 vu DJU 19122005 p 474 22 COMPETÊNCIA DESLOCAMENTO JUSTIÇA FEDERAL CRIME HEDIONDO A Seção indeferiu o pedido no incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal do processo e julgamento do crime de assassinato da religiosa Irmã Dorothy Stang ocorrido em Anapu PA por considerar descabível a avocatória ante a equivocada presunção vinculada mormente pela mídia de haver por parte dos órgãos institucionais da segurança e judiciário do Estado do Pará omissão ou inércia na condução das investigações do crime e sua efetiva punição pela grave violação dos direitos humanos em prejuízo ao princípio da autonomia federativa EC n 452004 IDC 01PA Rel Min Arnaldo Esteves Lima j 08062005 23 Nesse sentido é tranquila a jurisprudência nacional CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVOFRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA COMPETÊNCIA FEDERALESTADUAL 1 A competência é federal quando se trata de ofensa ao sistema de órgãos e instituições que preservam coletivamente os direitos do trabalho 2 Na hipótese porém de ofensa endereçada a trabalhadores individualmente considerados a competência é estadual 3 Precedentes do STJ 4 Caso de competência estadual 5 Recurso ordinário provido ordem concedida declarados nulos somente os atos decisórios RHC 15755MT Ministro Nilson Naves 6ª Turma DJ 22052006 p 249 24 RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICOFINANCEIRA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL Nas razões do RE o recorrente sustenta ofensa ao art 109 inc IV da Constituição Federal Entende que o delito previsto no art 1º inc I da Lei n 81761991 afeta interesse direto da Agência Nacional do Petróleo e da União por se tratar de comercialização de combustível em desacordo com as normas instituídas pela autarquia no que diz respeito a crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira há regra específica de determinar a competência da justiça Federal de modo que sob o ângulo da especialidade a regra do inciso VI do art 109 da Carta Constitucional coloca em segundo plano a norma geral do inciso IV desse mesmo dispositivo No caso em concreto como visto o recorrente sustenta a competência do juízo Federal com base não no inciso específico inc VI do art 109 da CF mas sim no inciso IV do art 109 da Constituição Federal o que inviabiliza o trânsito do recurso extraordinário levando ao seu não conhecimento Quanto ao dispositivo no inc VI do art 109 da CF ainda que o presente recurso não o tenha por fundamento cumpre ressaltar que nem todos os crimes praticados contra o sistema financeiro nacional e a ordem econômicofinanceira são de competência da Justiça Federal mas somente aqueles definidos em lei por força da exigência constitucional art 109 inc VI que limita expressamente essa competência aos casos determinados por lei Na espécie o delito imputado é o previsto no art 1º inc I da Lei n 81761991 que Define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoque de Combustíveis O referido diploma legal entretanto não estabelece competir à Justiça Federal o processo e o julgamento das ações penais que envolvam essa espécie delativa Assim com base no inciso VI do art 109 da CF a competência no caso para processar o inquérito relativo ao crime de comercialização de combustível que se encontra fora dos padrões exigidos pela ANP art 1º inc I da Lei n 81761991 é da Justiça Estadual grifo nosso Em face ao exposto não conheço do recurso RE 4547350SP 2ª Turma Rel Min Ellen Gracie j 18102005 vu DJU 18112005 25 Esclarecedora a decisão do STJ no seguinte caso COMPETÊNCIA HOMICÍDIO CULPOSO LANCHA A questão consiste em saber se o crime ocorreu a bordo do navio ou não segundo a interpretação que se der à expressão a bordo de navio contida no art 109 IX da CF1988 No dizer do Min Relator essa expressão significa interior de embarcação de grande porte e numa interpretação teleológica a norma visa abranger as hipóteses em que tripulantes e passageiros pelo potencial marítimo do navio possam ser deslocados para águas territoriais internacionais No caso dos autos a vítima não chegou a ingressar no navio ocorrendo o acidente na lancha quando da tentativa de embarque Sendo assim à vítima não foi implementado esse potencial de deslocamento internacional pois não chegou a ingressar no navio e não se considera a embarcação apta a ensejar a competência da Justiça Federal Com esse entendimento a Seção declarou competente o juízo estadual suscitante Precedente citado CC 24249ES DJ 17042000 CC 43404SP Rel Min Arnaldo Esteves Lima j 14022005 26 Art 89 Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República ou nos rios e lagos fronteiriços bem como a bordo de embarcações nacionais em altomar serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação após o crime ou quando se afastar do País pela do último em que houver tocado 27 Art 88 No processo por crimes praticados fora do território brasileiro será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado Se este nunca tiver residido no Brasil será competente o juízo da Capital da República 28 COMPETÊNCIA ESTELIONATO FALSIFICAÇÃO DOCUMENTO PARTICULAR CONSULADO Compete à Justiça estadual processar e julgar crimes de estelionato e falsificação de documento particular praticado em detrimento de consulado estrangeiro sem prejuízo para a União autarquias federais ou empresas públicas federais Precedentes citados CC 30139SP DJ 12032001 e CC 12423PR DJ 05051997 CC 45650SP Rel Min Maria Thereza de Assis Moura julgado em 14032007 29 O conceito de organização criminosa vem dado pelo art 2º Art 2º Para os efeitos desta Lei considerase organização criminosa a associação de 3 três ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas ainda que informalmente com objetivo de obter direta ou indiretamente vantagem de qualquer natureza mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 quatro anos ou que sejam de caráter transnacional 30 EMENTA AÇÃO PENAL QUESTÕES DE ORDEM CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA IMPUTADO A PARLAMENTAR FEDERAL COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VERSUS COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI NORMA CONSTITUCIONAL ESPECIAL PREVALÊNCIA RENÚNCIA AO MANDATO ABUSO DE DIREITO NÃO RECONHECIMENTO EXTINÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF PARA JULGAMENTO REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU 1 O réu na qualidade de detentor do mandato de parlamentar federal detém prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal onde deve ser julgado pela imputação da prática de crime doloso contra a vida 2 A norma contida no art 5º XXXVIII da Constituição da República que garante a instituição do júri cede diante do disposto no art 102 I b da Lei Maior definidor da competência do Supremo Tribunal Federal dada a especialidade deste último Os crimes dolosos contra a vida estão abarcados pelo conceito de crimes comuns Precedentes da Corte 3 A renúncia do réu produz plenos efeitos no plano processual o que implica a declinação da competência do Supremo Tribunal Federal para o juízo criminal de primeiro grau Ausente o abuso de direito que os votos vencidos vislumbraram no ato 4 Autos encaminhados ao juízo atualmente competente Decisão Apreciando questão de ordem suscitada pelo Senhor Ministro Joaquim Barbosa Relator no sentido do prosseguimento da ação penal no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Cezar Peluso Carlos Britto e Eros Grau pediu vista dos autos a Senhora Ministra Cármen Lúcia Ausentes justificadamente os Senhores Ministros Celso de Mello Marco Aurélio Gilmar Mendes Ricardo Lewandowski e Menezes Direito Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie Plenário 05112007 Decisão Após o voto do Relator que resolvia a questão de ordem no sentido de que a competência do Tribunal do Júri cede diante da norma que fixa foro por prerrogativa de função no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Eros Grau e Carlos Britto pediu vista dos autos o Senhor Ministro Marco Aurélio Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie Plenário 07112007 Decisão O Tribunal à unanimidade afastou questão de ordem para firmar que a competência do Tribunal do Júri cede diante da norma que fixa foro por prerrogativa de função E relativamente à competência desta Casa ante a renúncia manifestada pelo parlamentar o Tribunal por maioria vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa Relator Cezar Peluso Carlos Britto e a Senhora Ministra Cármen Lúcia declinou da competência ao juízo criminal da Comarca de João PessoaPB Votou a Presidente Ministra Ellen Gracie Reajustou o voto proferido anteriormente o Senhor Ministro Eros Grau Revisor Plenário 05122007 31 Em que pese ser essa a nosso ver a melhor posição não está imune a críticas na medida em que tensiona com o princípio da identidade física do juiz art 399 2º do CPP 32 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 200 33 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe I processar e julgar originariamente b nas infrações penais comuns o Presidente da República o VicePresidente os membros do Congresso Nacional seus próprios Ministros e o ProcuradorGeral da República c nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica ressalvado o disposto no art 52 I os membros dos Tribunais Superiores os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente 34 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiça I processar e julgar originariamente a nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais 35 Como noticia PACELLI Curso de Processo Penal p 227 foi assim que decidiu o STF no HC 68846RJ em 09051995 no julgamento de ação penal proposta em face de crimes contra o INSS praticados por várias pessoas em concurso com um juiz de direito Juiz estadual acusado da prática de crimes previstos no art 109 da Constituição como sendo de competência da justiça federal quem deverá julgar o juiz e demais autores Entendeu o STF acertadamente que o juiz e demais agentes reunião pela conexão deveriam responder por todos os delitos no Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro A prerrogativa de foro do juiz prevalece sobre a regra geral da competência da justiça federal 36 Aproveitando o exemplo de PACELLI Curso de Processo Penal p 226227 situação complexa pode surgir quando tivermos um juiz estadual e um juiz federal acusados da prática do mesmo delito A continência exige a reunião de processos para julgamento simultâneo Quem julgará nesse caso Considerando que ambas as prerrogativas são igualmente constitucionais concordamos com o autor quando fundamenta no sentido da aplicação da Súmula n 122 do STJ com a prevalência da jurisdição federal sobre a estadual bem como pensamos nós a incidência do art 78 III do CPP Nessa linha pensamos que ambos deverão ser julgados no TRF Recordemos ainda que eventual conflito de competência surgido nesse caso entre o TJE e o TRF deverá ser resolvido pelo STJ 37 PROCESSO PENAL HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO DEPUTADO ESTADUAL FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TRIBUNAL DO JÚRI SIMETRIA CONSTITUCIONAL ABRANGÊNCIA DA PRERROGATIVA DE FORO NA EXPRESSÃO INVIOLABILIDADE E IMUNIDADE INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 721STF AOS DEPUTADOS ESTADUAIS EXTENSÃO DA GARANTIA DO ART 27 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ORDEM CONCEDIDA I Em matéria de competência penal o entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores é no sentido de que o foro por prerrogativa de função quando estabelecido na Constituição Federal prevalece mesmo em face da competência do Tribunal do Júri pois ambos encontramse disciplinados no mesmo diploma legislativo II De outro lado estabelecida a imunidade processual na Constituição do Estado esta competência não poderá prevalecer sobre a Carta Magna norma de grau hierárquico superior Inteligência da Súmula 721STF III A garantia do cidadão de ser julgado pelos seus pares perante o Tribunal do Júri prevalece sobre o foro especial por prerrogativa de função estabelecido em Constituição Estadual pois os direitos fundamentais inseridos no art 5º da Constituição Federal inalienáveis e indisponíveis não podem ser suprimidos nem mesmo pelo poder constituinte derivado pois alçado à condição de cláusula pétrea IV O verbete sumular n 721STF não conflita com a possibilidade de simetria que a Constituição Federal admite para a Organização da Justiça Estadual artigos 25 e 125 1º e nem com a aplicação extensiva do art 27 1º aos Deputados Estaduais em determinados temas particularmente no da inviolabilidade e da imunidade dos Deputados Federais V Abrangência da prerrogativa de cargo ou função na expressão inviolabilidade e imunidade art 27 1º da CF autorizando as Constituições Estaduais a estender aos Deputados Estaduais as mesmas imunidades e inviolabilidades aí compreendida a prerrogativa de foro VI Inaplicabilidade da Súmula 721STF aos Deputados Estaduais por extensão da garantia do art 27 1º da Constituição Federal VII Ordem concedida nos termos do voto do Relator HC 109941RJ Rel Min Gilson Dipp QUINTA TURMA julgado em 02122010 DJe 04042011 38 Inclusive assim já se manifestou o STF EMENTA Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2 Homicídio Competência do Tribunal do Júri para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida Art 5º XXXVIII d da Constituição Federal 3 Não prevalece na hipótese a norma constitucional estadual que atribui foro especial por prerrogativa de função a vereador para ser processado pelo Tribunal de Justiça 4 Matéria não enquadrável no art 125 1º da Carta Magna Cumpre observar ainda que a regra do art 29 X da Constituição Federal não compreende o vereador 5 Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento RHC 80477PI Relatora Min Néri da Silveira j 31102000 Órgão Julgador 2ª Turma Publicação DJ 04052001 39 Recordando que nos termos da Súmula n 714 o crime contra a honra de servidor público no exercício de suas funções poderá ser de ação penal pública condicionada à representação ou queixa Em ambos os casos se couber exceção da verdade e a autoridade pública tiver prerrogativa de foro deverá ela ser processada no respectivo tribunal 40 Cumpre apenas advertir que nos termos do art 2º da Lei n 9613 o processo e julgamento pelo crime de lavagem independerá do processo e julgamento do crime antecedente Contudo havendo processo em relação ao antecedente a conexão impõe a reunião de ambos para julgamento simultâneo 41 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 171 42 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 p 44 43 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal cit p 130 44 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal cit p 131 45 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial cit p 165 46 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial cit p 166 e ss 47 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal cit p 126 e ss 48 Sobre o tema vejamos algumas decisões HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO NULIDADES CITAÇÃO INVÁLIDA INOCORRÊNCIA TESTEMUNHA DE DEFESA ARROLADA E NÃO OUVIDA PRECLUSÃO PREJUÍZO À DEFESA NÃO COMPROVADO USO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DE TRIBUTO FEDERAL PARTICIPAÇÃO EM CERTAME LICITATÓRIO PROMOVIDO POR EMPRESA DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ESTADUAL INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR O DELITO AUSÊNCIA DE LESÃO A BENS SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO PRECEDENTES 1 2 3 4 Na hipótese o uso de falsa certidão negativa de débito de tributo federal com vistas à participação em concorrência pública da Companhia de Saneamento do Estado do Espírito Santo não causou prejuízo a ente federal mas sim potencial lesão ao interesse da referida empresa estadual de economia mista 5 Cabe à Justiça Estadual processar e julgar ação penal que cuida de crime de uso de certidões falsas perante autoridades estaduais ou municipais ainda que se trate de documento expedido pela União por não haver prejuízo a bens serviços ou interesses federais Súmula n 42 do STJ 6 Ordem parcialmente concedida para reconhecendo a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação penal declarar a nulidade ab initio do processocrime e por conseguinte determinar a remessa dos autos à Justiça Estadual STJ HC 29056ES Min Laurita Vaz Ainda esclarecendo a questão da competência da Justiça Federal para apurar os crimes cometidos contra a Caixa Econômica Federal Habeas Corpus Crime contra a Caixa Econômica Federal Condenação emanada da justiça local Incompetência Absoluta Invalidação do procedimento penal Ordem concedida A carta política ao definir a competência penal da justiça federal comum incluiu nas suas atribuições jurisdicionais dentre outras hipóteses os delitos cometidos contra bens serviços e interesses das empresas públicas federais A Caixa Econômica Federal que é ente revestido de paraestatalidade subsumese em função de explícita definição legal dl n 75969 a noção de empresa pública da União Incompetente assim ratione personae a justiça do estadomembro para processar e julgar crime de roubo cometido contra a Caixa Econômica Federal Disso resulta a nulidade absoluta da persecução penal instaurada contra o paciente a partir da denúncia inclusive oferecida pelo Ministério Público local STF HC 68020SP 1ª Turma Rel Min Celso de Mello DJU 26101990 grifo nosso 49 Se for homicídio culposo a competência será da justiça militar Assim caso o militar seja denunciado por homicídio doloso será julgado na justiça comum estadual no tribunal do júri Mas se em plenário ocorrer a desclassificação própria os jurados negarem o dolo na quesitação para homicídio culposo deverá o juiz presidente redistribuir o processo para a justiça militar estadual Isso porque a competência para julgar um militar que pratique um crime de homicídio culposo é da justiça especial que prevalece sobre a comum Aviso ao leitor A Compreensão Da Síntese Exige A Prévia Leitura Do Capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Jurisdição é tradicionalmente concebida como poderdever dizer o direito ao caso concreto mas para além disso é um direito fundamental uma garantia constitucional do cidadão de ser julgado por um juiz natural e imparcial Competência é a medida da jurisdição isto é um conjunto de regras que definem o limite ao poder jurisdicional criando condições de eficácia para a garantia da jurisdição juiz natural e imparcial condicionando seu exercício Princípios da Jurisdição a inércia b imparcialidade c juiz natural d indeclinabilidade 1 COMPETÊNCIA EM MATÉRIA PENAL Classificação A competência é regida por critérios de matéria pessoa e lugar O senso comum teórico costuma importando o regramento do processo civil considerar a competência em razão da matéria e pessoa como sendo absoluta e no que se refere ao lugar como relativa Sendo absoluta não se convalida jamais não haverá preclusão ou prorrogação e poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal em qualquer fase do processo Na competência relativa lugar deve ser arguida não pode ser reconhecida de ofício pelo réu no primeiro momento em que falar no processo resposta à acusação como regra sob pena de preclusão e prorrogação da competência Essa é a corrente ainda predominante Contudo nossa posição é diversa pensamos que jurisdição é garantia e que não pode ser esvaziada por critérios importados do processo civil Ademais o art 109 do CPP não faz nenhuma ressalva quanto a isso 2 DEFININDO A COMPETÊNCIA PENAL A PARTIR DE TRÊS PERGUNTAS 21 Qual é a Justiça e qual o órgão competente competência em razão da matéria e pessoa Para definição da justiça competente devese analisar a matéria começando pela mais restrita das justiças especiais justiça militar federal depois estadual e por fim a eleitoral para por exclusão chegar às justiças comuns primeiro a federal e finalmente a estadual mais residual de todas Para tanto é necessário saber a competência de cada uma das justiças Justiças Especiais 1 Justiça Militar Justiça Militar Federal art 124 da CB Crimes militares Justiça Militar Estadual art 125 4º da CB Crimes militares ser o agente militar do Estado Requisitos exigidos conduta tipificada no CPM Código Penal Militar situação do art 9º do CPM situação de interesse militar construção jurisprudencial Pode um civil ser julgado na Justiça Militar Na JMF sim desde que preenchidos os requisitos exigidos Já na JME não pois além dos requisitos exigidos deverá ser praticado por militar do Estado membro da polícia militar estadual polícia rodoviária estadual ou bombeiro Crime doloso contra a vida de civil tentado ou consumado Será de competência do Tribunal do Júri art 125 4º da CB ainda que praticado por militar em situação de atividade art 9º e exista interesse militar Se o militar for federal presente uma situação do art 109 da CB será Tribunal do Júri da Justiça Federal Súmulas importantes n 6 e n 53 do STJ 2 Justiça Eleitoral julga os crimes eleitorais previstos em lei art 121 da CB Código Eleitoral Problema crime eleitoral conexo com crime doloso contra vida Neste caso prevalece o entendimento de que haverá cisão o crime eleitoral será julgado na JE e o crime contra a vida no Tribunal do Júri Justiças Comuns 1 Justiça Federal situações previstas no art 109 inciso IV e seguintes da CB Prevalece sobre a justiça comum estadual art 78 III do CPP Súmula n 122 do STJ Nunca julga contravenções Súmula n 38 do STJ Crimes praticados em detrimento de empresas de economia mista Justiça Estadual Súmula n 42 do STJ Servidor público federal quando for vítima ou autor desde que propter officium é Justiça Federal Súmula n 147 do STJ Tráfico de entorpecentes Lei n 11343 Tráfico internacional Justiça Federal Tráfico interno Justiça Estadual Crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves competência da Justiça Federal exceto se for de competência da Justiça Militar art 109 IX da CB Crime ambiental regra geral Justiça Estadual Exceção quando presente uma das situações do art 109 da CB cuidado não se aplica o inciso XI que é para jurisdição cível como por exemplo os crimes ambientais praticados no interior de áreas de preservação ambiental parques eou reservas nacionais bem como nos casos do art 225 4º da CB Mas a matéria é controvertida Índio matéria também controvertida mas prevalece a aplicação da Súmula n 140 do STJ Crimes praticados fora do território nacional desde que presente uma situação de extraterritorialidade da lei penal art 7º do CP como regra será julgado na Justiça Estadual aplicandose o art 88 do CPP para definir o lugar Será de competência da Justiça Federal quando presente alguma das situações do art 109 da CB cuidado o inciso II não se aplica na jurisdição penal Tribunal do Júri art 74 do CPP situação do art 109 da CB JECrim Federal desde que presente uma das situações do art 109 da CB e o crime seja de menor potencial ofensivo nos termos da Lei n 909995 2 Justiça Estadual é a mais residual de todas somente julgando quando não for de competência de nenhuma das outras justiças Para definir o órgão julgador importante quando há prerrogativa de função STF STJ TRFs TJs Júri Júri Juiz Federal Juiz Estadual JECrim JECrim PRERROGATIVA DE FUNÇÃO pode modificar completamente os critérios de definição da competência Algumas pessoas em razão do cargo ou função desempenhada têm a prerrogativa de serem julgadas originariamente por determinados Tribunais Questão temporal Princípio da Atualidade do Exercício da Função a crime cometido antes da posse adquire prerrogativa quando assumir b crime cometido durante o exercício do cargo ou função o agente tem prerrogativa c crime cometido depois de cessado o exercício do cargo ou função cessa a prerrogativa e o processo é remetido para a justiça competente de primeiro grau Se o processo inicia e se desenvolve perante um juiz incompetente deve ser anulado desde o início Se ele inicia no juízo competente e depois surge uma causa modificadora da competência prerrogativa de função os atos praticados são válidos até ali Prerrogativas importantes previstas no art 102 I b e c da CB art 105 I a da CB art 96 III da CB art 108 I a da CB e art 29 X da CB Prerrogativa de Função versus Tribunal do Júri se alguém com prerrogativa de função prevista na Constituição cometer um crime doloso contra a vida competência do júri será julgado no Tribunal competente em razão da prerrogativa O júri órgão de primeiro grau perde no confronto com qualquer tribunal de segundo grau ou tribunal superior Essa regra não se aplica quando a prerrogativa não for estabelecida pela Constituição Federal ver Súmula n 721 do STF Prerrogativa de função conexãocontinência Tribunal do Júri matéria controvertida mas seguimos o entendimento de que haverá uma cisão processual Quem tem prerrogativa vai para o respectivo tribunal competente e o particular sem prerrogativa é julgado no Tribunal do Júri Súmulas importantes STF ns 245 704 702 721 STJ 208 e 209 Prerrogativa de Função para vítima de crime como regra não há qualquer alteração da competência pelo fato de a vítima ter prerrogativa de função Exceção quando se tratar de crime contra a honra em que o querelante autor tem prerrogativa de função e é oposta a exceção da verdade pelo querelado réu É a situação do art 85 do CPP em que a exceção da verdade será encaminhada para o tribunal que seria competente para julgar o detentor da prerrogativa de função 22 Qual é o foro competente Local Se em razão da natureza do crime e da qualidade do agente existência ou não de prerrogativa de função for de competência da justiça de primeiro grau devese definir qual é o foro competente a partir do disposto nos arts 70 e 71 ou ainda nos arts 88 a 90 do CPP Lugar do crimecrime plurilocal prevalece o entendimento de que o lugar da infração é aquele onde se esgotou o potencial lesivo ou ofensivo ainda que diverso daquele onde se consumou Vítima atropelada na cidade X é socorrida e falece na cidade Y local do crime para fins de competência será a cidade X onde se esgotou a agressão Crime continuadopermanente no caso do art 71 do CP aplicase a regra da prevenção art 71 do CPP Crime cometido no exterior aplicase a regra do art 88 do CPP Navios e aeronaves aplicamse as regras dos arts 89 e 90 do CPP Demais casos não resolvidos pelas regras dos arts 89 e 90 aplicase a prevenção art 91 Domicilio ou residência do réu é o último critério a ser usado quando não se souber o local do crime art 72 Ação penal de iniciativa privada art 73 do CPP é o único caso de eleição de foro do processo penal 23 Qual é a varajuízo Definido o foro pode haver mais de um juiz competente em razão de matéria pessoa e lugar situação em que se aplicará a regra de prevenção art 83 ou distribuição art 75 3 CAUSAS MODIFICADORAS DA COMPETÊNCIA CONEXÃO E CONTINÊNCIA Ambas implicam unidade de processo e julgamento ou seja julgamento in simultaneus processus sendo necessário definir quem são os agentes e onde os diferentes crimes serão julgados 31 Conexão prevista no art 76 do CPP exige sempre a prática de dois ou mais crimes Espécies art 76 I engloba três tipos de conexão a intersubjetiva ocasional ou por simultaneidade b intersubjetiva concursal c intersubjetiva por reciprocidade O art 76 II consagra a conexão objetiva ou teleológica e o inciso III a conexão probatória ou instrumental 32 Continência não existe pluralidade de crimes mas de pessoas art 77 I e II do CPP 33 Regras para definição da competência em caso de conexão ou continência é crime continuado Se for segue a regra do art 71 não sendo caso de crime continuado devemse resolver as seguintes questões para definir a justiça órgão foro e vara competentes em caso de conexão ou continência 1ª Algum dos crimes é de competência da Justiça Militar Se for militar cinde art 79 I Não sendo vamos para a próxima pergunta 2ª Algum dos crimes é eleitoral Se for a Justiça Eleitoral prevalece sobre as demais exceto a militar que cinde atraindoreunindo tudo na Justiça Eleitoral art 78 IV Não havendo segue para a próxima 3ª Algum dos agentes tem prerrogativa de função prevista na CF Neste caso reunir e aplicar art 78 III Cuidado com o júri divergência sobre reuniãocisão 4ª Não sendo de competência das justiças especiais algum dos crimes é de competência federal art 109 da Constituição Em caso positivo reúne tudo na Justiça Federal art 78 III e Súmula 122 do STJ que prevalece sobre a Justiça Estadual Não havendo crimes de competência da Justiça Federal o processo é de competência da Justiça Estadual residual 5ª Cuidado com a competência do Tribunal do Júri art 74 1º O júri prevalece sobre os órgãos de primeiro grau por força do art 78 I Logo reúne tudo no Tribunal do Júri vis attractiva 6ª Por fim quando houver conflito entre jurisdições órgãos de mesma categoria aplicase o inciso II do art 78 iniciando pela alínea a depois a b e finalmente a c Por tudo isso os incisos do art 78 devem ser lidos na seguinte ordem IV III I II a b c Crimes cometidos em várias cidades atentar para o art 82 do CPP que permite que o juiz de competência prevalente avoque os processos que corram perante outros juízes Cuidado sentença definitiva sentença recorrível Súmula 235 do STJ 4 CISÃO OBRIGATÓRIA E FACULTATIVA a separação cisão será obrigatória nos casos do art 79 e facultativa nas situações do art 80 do CPP 5 CRÍTICAS FINAIS A relativização da competência lugar é fruto da equivocada transmissão de categorias do processo civil sendo ainda criticáveis os institutos da prorrogatio fori e perpetuatio jurisdictionis pois prorroga ou perpetua o que é improrrogável Art 567 do CPP deve ser lido à luz da Constituição a partir da garantia de ser processado e julgado perante o juiz competente Por isso em caso de nulidade por incompetência do juiz o feito deve ser anulado desde o início ab initio Capítulo XI DAS QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES 1 Das Questões Prejudiciais As questões prejudiciais vêm previstas nos arts 92 e seguintes do CPP não sendo de competência do juiz penal decidir sobre elas mas apenas verificar o nível de prejudicialidade que elas têm em relação à decisão penal bem como decidir pela suspensão do processo penal até que elas sejam resolvidas na esfera cível tributária ou administrativa São prejudiciais exatamente porque exigem uma decisão prévia Para tanto é necessário que a solução da controvérsia afete a própria decisão sobre a existência do crime Cabe ao juiz analisar esse grau de prejudicialidade que deve ser em torno de uma questão séria e fundada sobre o estado civil das pessoas Em última análise a prova da existência do crime depende da solução na esfera cível dessa questão Nisso reside sua prejudicialidade na impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão A questão ainda que guarde estreitíssima relação com o estudo do objeto do processo penal geralmente é tratada na doutrina estrangeira como relação entre a jurisdição penal e outras jurisdições ou ainda como limites ou âmbito objetivo de ordem jurisdicional penal como prefere CORTES DOMINGUEZ1 Isso porque os fatos da vida não ocorrem respeitando os critérios e categorias abstratamente previstas pelo direito como adverte ARAGONESES ALONSO2 senão que sua complexidade permeia muitas vezes diferentes jurisdições Isso se reflete na natureza jurídica do instituto como se verá ao final Como explica LEONE3 existe uma tendência de concentração processual e de continuidade do processo atribuindo ao juiz da causa o máximo de poder para decidir sobre todas as questões suscitadas ou seja máxima expansión del poder jurisdiccional para resolver incidenter tantum as questões Parte dessa necessidade de reunião para julgamento simultâneo evitando decisões antagônicas sobre questões relacionadas entre si é resolvida através das regras da conexão Outra parte não abrangida pelas regras da conexão até porque envolve jurisdições diferentes e não apenas competências acabará sendo tratada nessa dimensão de prejudicialidade Assim há casos em que o juiz penal não pode decidir por mais que se aceite a expansão do poder jurisdicional Nesses casos a quem incumbe a decisão sobre a questão prejudicial Esse é um dos pontos a serem resolvidos Como explica TOURINHO FILHO4 o sistema brasileiro é misto pois há hipóteses em que o julgamento da prejudicial é do juízo penal em outros casos o juiz penal poderá aproveitar a decisão proferida na esfera cível e por fim há casos em que é de exclusiva competência do juízo cível a decisão Partindo disso as prejudiciais podem ser divididas em obrigatórias e facultativas A prejudicialidade obrigatória ocorre em situações em que a matéria objeto da controvérsia está completamente afastada alheia à esfera de atuação da jurisdição penal e que por sua relevância jurídica não pode ser objeto da expansão da jurisdição penal É o que ocorre no caso do art 92 em que a decisão sobre o estado civil das pessoas incumbe com exclusividade ao juízo cível Exemplo recorrente na doutrina até pela escassez de situações aplicáveis é o crime de bigamia art 235 do CP A constituição do crime de bigamia exige a existência de prévio casamento Da mesma forma não há que se falar em sonegação fiscal sem a constituição definitiva do débito ou seja sem o esgotamento das vias administrativas Tratase daquilo que o Direito Penal considera como elementar do tipo ou seja sem o qual o casamento anterior a conduta passa a ser atípica atipicidade absoluta Assim se em sede de defesa é arguida a nulidade ou inexistência do casamento anterior estado civil da pessoa o juiz penal deverá suspender o curso do processo penal até que na esfera cível seja a controvérsia dirimida por sentença transitada em julgado Essa decisão poderá ser proferida de ofício ou mediante expresso requerimento de qualquer das partes Durante essa suspensão poderá o juiz penal proceder a coleta da prova inquirição de testemunhas juntada de documentos etc e toda a instrução Destaquese ainda que a prescrição ficará suspensa como prevê o art 116 do Código Penal Art 116 Antes de passar em julgado a sentença final a prescrição não corre I enquanto não resolvida em outro processo questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime Noutra dimensão situamse as questões de prejudicialidade facultativa previstas no art 93 do CPP Art 93 Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior da competência do juízo cível e se neste houver sido proposta ação para resolvêla o juiz criminal poderá desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite suspender o curso do processo após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente Da previsão legal podemos extrair os requisitos da questão prejudicial facultativa 1 a questão deve versar sobre circunstância elementar relacionada à existência do crime 2 já existir ação civil sobre a matéria em andamento 3 deve versar sobre questão cível que não seja estado civil das pessoas e tampouco sobre direito cuja prova a lei civil limite 4 a questão deve ser de difícil solução Observados esses requisitos a ação penal que tenha por objeto a apuração de um delito de furto poderá ser suspensa quando tramitar no juízo cível ação na qual se discuta a posse ou propriedade da coisa móvel por exemplo Caberá ao juiz tendo em vista a necessária coerência da decisão judicial e observando esses requisitos determinar de ofício ou mediante requerimento de qualquer das partes a suspensão ou não do processo penal até que no juízo cível a questão seja resolvida Se decidir pela suspensão do processo penal deverá efetivála após a coleta da prova fixando o prazo dessa suspensão que poderá ser prorrogado Não há que se esquecer todavia o direito ao julgamento em um prazo razoável conforme anteriormente explicado Logo essa suspensão deve ser utilizada com suma prudência e sem perder de vista o direito fundamental previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Caso não decrete a suspensão o processo penal prosseguirá até o final do julgamento Grave prejuízo haverá caso exista incompatibilidade entre as decisões Dependendo do nível de incompatibilidade poderá a parte buscar via habeas corpus o trancamento do processo por atipicidade do fato Contudo se a questão for complexa e demandar uma análise mais detida cognição ampla o caminho a ser seguido será o da tortuosa e difícil revisão criminal nos termos do art 621 III do CPP Por fim quanto à natureza jurídica das questões prejudiciais estamos com LEONE5 quando aponta sua inegável vinculação com o mérito da causa afastando assim a natureza de condição da ação ou pressuposto processual para afirmar que ela se refere ao tema das relações entre jurisdições 2 Dos Processos Incidentes 21 Das Exceções Processuais Antes de analisar as exceções em espécie são necessários alguns esclarecimentos iniciais comuns a todas As exceções são formas de defesa indireta pois não atacam o núcleo do caso penal e na sistemática do CPP devem ser autuadas em apartado Determina o art 396A 1º que Art 396A Na resposta o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa oferecer documentos e justificações especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas qualificandoas e requerendo sua intimação quando necessário 1º A exceção será processada em apartado nos termos dos arts 95 a 112 deste Código Tradicionalmente e com clara inspiração em BÜLOW na clássica obra La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesales a doutrina costuma classificar as exceções em dilatórias ou peremptórias As exceções dilatórias são aquelas que não conduzem à extinção do processo senão que dilatam seu curso pela necessidade de resolução do ponto atacado Nessa linha situamse as exceções de suspeição ilegitimidade de parte e incompetência do juízo Tais questões apenas dilatam a discussão sem contudo conduzir à extinção do processo Noutra dimensão situamse as exceções peremptórias na medida em que uma vez acolhidas extinguem o processo São os casos de litispendência e coisa julgada A litispendência conduzirá inexoravelmente à extinção de um dos processos daí por que em que pese a possibilidade de uma dilação diante da necessidade de resolver quem é o juiz com competência prevalente ela é na verdade uma exceção peremptória Quanto à coisa julgada a situação é mais fácil e a extinção imediata desde que comprovada As exceções por sua natureza assumem um caráter de prejudicialidade em relação ao julgamento do mérito eis que exigem um julgamento anterior àquele de mérito Daí por que alguns preferem situar a questão numa dimensão de preliminar na medida em que etimologicamente o vocábulo preliminar vem do latim prefixo pre antes e liminaris algo que antecede de porta de entrada deixando em evidência seu caráter de porta de entrada em relação à questão de fundo mérito pela qual necessariamente devese passar no sentido de conhecer e decidir As exceções são essencialmente instrumentos de defesa Contudo como já advertia ESPÍNOLA FILHO6 nosso Código de Processo Penal rompe com essa estrutura ao permitir que elas sejam declaradas de ofício pelo juiz independente de serem dilatórias ou peremptórias As exceções processuais estão previstas no art 95 do CPP Art 95 Poderão ser opostas as exceções de I suspeição II incompetência de juízo III litispendência IV ilegitimidade de parte V coisa julgada Na sistemática do CPP existem dois tratamentos para as exceções um para a exceção de suspeição e outro para as demais exceções incompetência litispendência ilegitimidade e coisa julgada A exceção de suspeição por ter um tratamento especial será vista na continuação Quanto às demais exceções vigoram as seguintes regras podem ser opostas verbalmente ou por escrito devem ser apresentadas no prazo da resposta do acusado nos termos do art 396A 1º do CPP serão processadas em autos apartados e não suspenderão em regra o andamento do processo podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz em qualquer fase do processo Vejamos agora com mais detalhes cada uma das exceções 211 Exceção de Suspeição Determina o art 96 do CPP que a arguição de suspeição precederá a qualquer outra salvo quando fundada em motivo superveniente A suspeição cria um motivo para imediata cessação de toda interferência7 ou atuação daquela pessoa juiz promotor perito intérpretes serventuários ou funcionários da Justiça Tal sua relevância que ela precederá a toda e qualquer outra pois constitui uma questão a ser decidida imediatamente para só depois de resolvida haver a análise das demais A exceção de suspeição poderá ser oposta em relação ao julgador promotor perito intérpretes ou servidores da Justiça que tenham qualquer tipo de ingerência sobre aquele processo A questão é muito relevante pois envolve em última análise a própria credibilidade e legitimidade do sistema de administração da Justiça Os casos de suspeição e impedimento estão previstos nos arts 252 e ss Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que I tiver funcionado seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive como defensor ou advogado órgão do Ministério Público autoridade policial auxiliar da justiça ou perito II ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha III tiver funcionado como juiz de outra instância8 pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão IV ele próprio ou seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 253 Nos juízos coletivos não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes consanguíneos ou afins em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive Art 254 O juiz darseá por suspeito e se não o fizer poderá ser recusado por qualquer das partes I se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles II se ele seu cônjuge ascendente ou descendente estiver respondendo a processo por fato análogo sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia III se ele seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim até o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV se tiver aconselhado qualquer das partes V se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes VI se for sócio acionista ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade cessará pela dissolução do casamento que lhe tiver dado causa salvo sobrevindo descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes não funcionará como juiz o sogro o padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criála Iniciando pela suspeição do juiz cumpre destacar que ela poderá ser espontaneamente reconhecida de ofício portanto pelo juiz que o fará sempre de forma escrita e fundamentada art 93 IX da Constituição remetendo o feito imediatamente ao seu substituto intimandose as partes Não o fazendo o juiz qualquer das partes réu Ministério Público ou assistente da acusação poderá arguir a exceção de suspeição por escrito em petição assinada por ela ou por procurador com poderes especiais não bastando portanto a mera outorga de poderes feita quando do interrogatório A exceção deverá sempre ser fundamentada e instruída com a prova documental e indicação das testemunhas9 que a amparem Denominase excipiente aquela parte que faz a exceção e excepto o juiz objeto da exceção Diante dela um desses dois caminhos poderá tomar o juiz a Admitir a arguição suspendendo imediatamente o feito e declarandose suspeito Nesse caso juntará aos autos as provas produzidas e remeterá os autos ao substituto b Não admitir a exceção situação em que autuará em apartado a exceção dando sua resposta em três dias Poderá o juiz instruíla com documentos e também oferecer testemunhas determinando que os autos da exceção sejam remetidos ao tribunal a quem competir o julgamento Eventuais testemunhas arroladas serão ouvidas no tribunal10 pelo relator da exceção Considerando que a exceção tramita em autos apartados permitindo assim que o processo principal siga seu curso na origem pensamos que o excipiente poderá postular no tribunal que seja cautelarmente suspenso o seguimento do processo principal até o julgamento da exceção Isso porque o acolhimento da exceção acarretará a nulidade de todos os atos do processo conforme determina o art 101 do CPP sendo a suspensão uma salutar medida para evitarse um prejuízo processual muito maior depois com a anulação de todos os atos realizados Por outro lado caso seja denegada a exceção os prejuízos de uma eventual suspensão do trâmite do processo principal serão mínimos se comparados com aqueles gerados pela situação inversa Tal suspensão vem parcamente disciplinada no art 102 do CPP mas sua aplicação restritiva ou seja nos limites do texto conduz à mínima eficácia Daí por que pensamos que a suspensão deve considerar a relevância da matéria tratada e as graves consequências da não suspensão do processo principal sem limitarse a concordância ou não da parte contrária Inclusive a valer um mínimo de técnica processual é inegável que a suspensão é uma medida de natureza cautelar condicionada assim ao fumus boni iuris e ao periculum in mora11 Tal pedido e concessão deverá ser feito ao tribunal competente para o julgamento da exceção salvo no caso do art 102 em que caberá ao juiz a quo a decisão não sendo óbice a genérica disposição do art 111 do CPP Questão extremamente relevante mas pouco enfrentada pela doutrina e jurisprudência é a exceção de suspeição do juiz por violação da imparcialidade em virtude dos prejulgamentos Dada sua importância trataremos dela na continuação no próximo item Quanto à suspeição de promotores peritos intérpretes e serventuários da Justiça algumas questões devem ser destacadas O agente do Ministério Público poderá ser objeto de suspeição Os casos de suspeição e impedimento do Ministério Público estão previstos no art 258 do CPP complementado pelos arts 252 a 256 Art 258 Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive e a eles se estendem no que lhes for aplicável as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes Por se tratar de um órgão público sua atuação está vinculada aos princípios de legalidade e impessoalidade Contudo não há que se falar em imparcialidade da parte A exceção não tem por base a pseudoquebra da imparcialidade pois constitui uma aberração jurídica e semântica falar em imparcialidade do MP no processo penal A questão não é nova e já foi muito bem desvelada por CARNELUTTI12 ainda que muitos não tenham compreendido isso até hoje o que também não causa espanto considerando a quantidade de juristas que ainda falam em verdade real homem médio e coisas do gênero Como já explicamos não existe parte imparcial isso é uma construção equivocada e que não encontra qualquer amparo lógico ou semântico O MP é no processo penal uma parte artificialmente criada e construída para ser o contraditor natural do sujeito passivo retirando poderes do juiz para com isso criar condições de possibilidade para que se estabeleça uma estrutura dialética e um processo penal acusatório Na exata definição de WERNER GOLDSCHMIDT quanto mais parcial forem as partes mais imparcial é o juiz esse sim estruturado e constituído a partir da concepção jurídica de terzietàimparcialidade Sem esquecer ainda a precisa definição de GUARNIERI13 quando afirma que acreditar na imparcialidade do Ministério Público é uma ilusão A mesma ilusão de confiar ao lobo a melhor defesa do cordeiro Logo a suspeição do MP não tem por pressuposto a quebra da sua imparcialidade pois ele jamais foi concebido como parteimparcial notem a incompatibilidade semântica do termo A questão situase noutra dimensão Voltando à sistemática do CPP arguida a suspeição do Ministério Público caberá ao juiz decidir após ouvilo e produzir a prova eventualmente postulada Nada impede que o próprio promotorprocurador se dê por suspeito de ofício evitando assim grave prejuízo para o processo Considerando que ao juiz incumbe o papel de garantidor da máxima eficácia da Constituição e portanto do devido processo penal pensamos que a suspeição do Promotor ou Procurador da República também poderá ser suscitada pelo próprio juiz Nesse caso deverá instruir a exceção ouvindo o excepto e encaminhála ao respectivo Tribunal de Justiça ou Regional Federal a quem competirá o julgamento Então marquese a distinção quando a exceção de suspeição do MP for oposta pela defesa caberá ao juiz decidir por outro lado quando suscitada pelo juiz caberá ao tribunal o julgamento Por fim se acolhida a exceção os efeitos são aqueles previstos no art 101 ficarão nulos os atos do processo principal em que houver intervindo o promotorprocurador Muito cuidado devese ter em relação às nulidades por derivação de modo que devem ser anulados todos os atos praticados diretamente pelo promotorprocurador bem como todos aqueles em que ele tiver intervindo principalmente na instrução Para acima de qualquer frágil construção de economia processual ou instrumentalidade das formas está no processo penal a garantia constitucional do due process of law Também haverá exceção de suspeição de peritos intérpretes e serventuários da Justiça nos termos dos arts 105 274 e 281 do CPP Os casos de suspeição desses agentes são os mesmos previstos para os juízes nos arts 252 a 256 do CPP cuja leitura é imprescindível Em todos esses casos caberá ao juiz da causa decidir seguindo o mesmo procedimento anteriormente explicado Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito mas deverão elas declararse suspeitas quando ocorrer motivo legal prevê o art 107 do CPP A opção legal como sói ocorrer em tudo o que se relaciona ao inquérito policial é péssima Se o CPP cria um dever legal para que os policiais declaremse suspeitos obviamente deve haver um instrumento de controle do cumprimento desse dever Ou seja se a autoridade policial silenciar nada mais poderá ser feito o que constitui no mínimo uma aberração jurídica Entre os inúmeros equívocos doutrinários e jurisprudenciais que circundam o inquérito policial está a mais completa negação de eficácia do princípio da legalidade Ou seja ainda existem autores que defendem a superada ideia de que as nulidades do inquérito não contaminam o processo e que portanto lá não penetra o princípio da legalidade e toda a sistemática de garantias da Constituição É o inquérito verdadeira terra de ninguém onde não se deixa a Constituição efetivamente constituir Igualmente míope é a recorrente afirmação com maior ou menor pseudo cientificidade de que o inquérito é peça meramente informativa e que não serve para a formação da convicção do juiz quando da sentença O problema como já explicamos à exaustão é que os atos do inquérito não são atos de prova mas meros atos de investigação e que não podem ser utilizados na sentença mas que enquanto não se adotar o sistema de exclusão física eles continuarão contaminando o juiz Hoje no Brasil inúmeras pessoas são condenadas diariamente a partir dos elementos do inquérito pois os juízes e tribunais seguem recorrendo à fórmula mágica cotejando a prova policial com a judicial para condenar com base nos elementos da investigação preliminar Ademais não se pode esquecer que com base nos atos do inquérito policial podese privar uma pessoa de seus bens através das medidas assecuratórias e também de sua liberdade pessoal prisões cautelares Ou seja tiramos o eu e minhas circunstâncias diria Ortega y Gasset logo o todo Há que se tratar com mais seriedade técnica e menos reducionismo o inquérito policial entre outros para reconhecer a possibilidade de uma arguição para o juiz da suspeição da autoridade policial Enquanto a mudança legislativa e principalmente de mentalidade não vem essas questões acabam sendo tratadas de forma diluída no bojo dos habeas corpus e mandados de segurança impetrados para atacar os atos ilegais já praticados Às autoridades policiais aplicamse as mesmas causas de suspeição e impedimento que aos demais juízes promotores servidores peritos e intérpretes O problema é que o sistema não prevê um instrumento processual que dê eficácia a isso Em suma é completamente errada e ilegítima a vedação feita pelo CPP além de substancialmente inconstitucional por ir de encontro ao princípio do devido processo legal 212 Exceção de Suspeição por Violação da Garantia da Imparcialidade do Julgador e do Sistema Acusatório Poderes Instrutórios do Juiz e Prejulgamentos Inicialmente pensamos ser estéril a discussão sobre a taxatividade ou não do rol previsto no art 95 até porque remonta a uma racionalidade moderna e superada em que se busca a redução da complexidade criando uma ilusão de plenitude do sistema jurídico Situação bastante relevante e grave é a exceção de quebra da imparcialidade do julgador Ao não estar expressamente prevista acaba tendo de ser tratada no campo da suspeição conduzindo assim a uma nova problemática o rol do art 254 é taxativo Não não pode ser taxativo sob pena de absurdamente não admitirmos a mais importante de todas as exceções a falta de imparcialidade do julgador recordando que o Princípio Supremo do processo é a imparcialidade Feita essa ressalva vejamos o problema É cada dia mais frequente a assunção por parte de alguns julgadores de uma postura ideologicamente comprometida com o combate ao crime conduzindo a um abuso dos poderes investigatórios eou instrutórios que o CPP infelizmente consagra Nesse momento ferese de morte a estrutura dialética que constitui o processo e a imparcialidade que faz do juiz um juiz Ou seja é a imparcialidade que marca uma diferença fundante do processo Daí por que é ela o princípio supremo do processo penal ou civil que cai por terra quando o juiz deixa de ser juiz para ser um juizator ou inquisidor pois a relação que ele estabelece com a gestão da prova conduz a isso ainda que inconscientemente O instrumento processual adequado para resistir a isso é a exceção de suspeição pelos fundamentos que serão expostos a seguir complementados pelo que já explicamos acerca da imparcialidade do julgador As exceções devem ser arguidas pelos interessados na primeira oportunidade que falarem nos autos mas quando se trata de questão ligada ao devido processo legal no que toca à imparcialidade da jurisdição a suspeição ou impedimento ou incompatibilidade poderão ser reconhecidas mesmo após o trânsito em julgado da ação condenatória É que como prossegue o autor se cuida a toda evidência de matéria de ordem e interesse eminentemente públicos para muito além daquele das partes envolvidas no processo em que concretamente teria ocorrido a apontada causa14 Noutra dimensão considerando alguma divergência doutrinária acerca da tênue distinção entre suspeição e impedimento diante da péssima sistemática do CPP nessa matéria importa destacar que seja como for o que realmente importa é que em todas elas seja causa de suspeição seja de impedimento o que estará em risco é a imparcialidade do juiz colocando em risco o devido processo legal razão pela qual se permite às partes desde logo o afastamento do magistrado15 Ademais recordemos que o procedimento da exceção de impedimento art 112 do CPP por expressa determinação do Código de Processo Penal será o mesmo que aquele definido para a exceção de suspeição Logo ainda que se considere que os fatos narrados constituem impedimento e não propriamente suspeição não será esse o argumento que impedirá o conhecimento e acolhimento dessa exceção Noutra dimensão ainda que o art 254 do CPP não enumere a questão do prejulgamento como causa de exceção de suspeição existem precedentes jurisprudenciais no sentido de alargar a interpretação do art 254 do CPP na forma da ementa abaixo transcrita Embora se afirme que a enumeração do art 254 do Código de Processo Penal seja taxativa a imparcialidade do julgador é tão indispensável ao exercício da jurisdição que se deve admitir a interpretação extensiva e o emprego da analogia diante dos termos previstos no art 3º do Código de Processo Penal STJ REsp 6ª Turma Rel Vicente Leal 01102001 Rec Esp 200000049590 A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo do processo16 e como tal imprescindível para o seu normal desenvolvimento e obtenção do reparto judicial justo Sobre a base da imparcialidade está estruturado o processo como tipo heterônomo de reparto Aponta CARNELUTTI17 que el juicio es un mecanismo delicado como un aparato de relojería basta cambiar la posición de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequilibrado e comprometido Seguindo WERNER GOLDSCHMIDT18 o termo partial expressa a condição de parte na relação jurídica processual e por isso a impartialidade do julgador constitui uma consequência lógica da adoção da heterocomposição por meio da qual um terceiro impartial substitui a autonomia das partes Já a parcialidade significa um estado subjetivo emocional um estado anímico do julgador A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà19 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de JACINTO COUTINHO20 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz que dá inequívocos sinais de que já decidiu a causa Grave inconveniente reside em tais julgamentos a priori no sentido kantiano de antes da experiência na medida em que a decisão é tomada de forma precipitada antes da plena cognição do feito fulminando a própria dialética do processo e seu necessário contraditório Segundo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos principal fonte de inspiração da Corte Americana de Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário a contaminação resultante dos préjuízos conduz à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva Desde o caso Piersack de 1982 entendese que a subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto que conhece um determinado assunto e desse modo a sua falta de préjuízos Já a imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz encontrase em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade Em ambos os casos a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições Não basta estar subjetivamente protegido é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial é a visibilidade do afastamento Aqui encontramos o ponto nevrálgico da questão o juiz deve demonstrar equilíbrio e igualdade no tratamento das partes Deve essencialmente externar que está disposto a conhecer as teses apresentadas e as provas trazidas controlando e reservando a tomada de decisão para o momento oportuno a sentença É o que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos destaca como sendo a fundada preocupação com a aparência de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça A falta dessa visibilidade de imparcialidade afeta negativamente a confiança que os juízes e tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados especialmente na esfera penal Aqui se encontra o cerne da exceptio suspeicionis eis que quando a parte excipiente se depara com um julgador dotado de prejulgamentos já estabelecidos a faz saber o desenlace daquela contenda em que está envolvida antes mesmo do término da produção de provas Assim toda a prestação jurisdicional já está comprometida Em outros casos o prejuízo processual decorre do conteúdo de decisões interlocutórias geralmente no decreto de prisão preventiva em que o juiz desde logo demonstra os préjuízos Tratase de definir se o juiz tem condições de proceder ao que se chama de uma ideia sobre a pequena história do processo sem intensidade suficiente para condicionar ainda que inconscientemente e ainda que seja certeiramente a posição de afastamento interior que se exige para que comece e atue no processo Como aponta OLIVA SANTOS 21 essas ideias preconcebidas até podem ser corretas fruto de uma especial perspicácia e melhores qualidades intelectuais mas inclusive nesse caso não seria conveniente iniciar o processo penal com tal comprometimento subjetivo O processo penal transforma se apenas em encenação inútil e simbólica A hipótese acusatória já está previamente definida como verdadeira Como já advertiu CORDERO22 nesse cenário domina o primato dellipotesi sui fatti gerador de um quadri mentali paranoidi Ou seja o juiz já tomou a hipótese acusatória como verdadeira já decidiu e o resto do processo passa a ser uma mera encenação destinada a reforçar a decisão já tomada previamente A quebra do sistema acusatório também fica evidente eis que ao posicionar opinião favorável à tese de uma das partes antes até mesmo da fase probatória do processo o juízo excepto passa a figurar como portador do estandarte daqueles que produzem a prova contra o excipiente em questão Por fim remetendo ao que já escrevemos sobre a imparcialidade do juiz nunca é demais recordar que as decisões interlocutórias devem analisar o caso fundamentando a conclusão mas utilizando uma linguagem sóbria e comedida que externe a tranquilidade inerente de quem ainda não decidiu sem desconhecer que mesmo com todos esses cuidados ainda possa haver o prejulgamento Noutro extremo os excessos de linguagem demonstram os prejulgamentos e a adesão incondicional aos elementos probatórios que suportam a hipótese acusatória que desde logo já está sendo tomada como verdadeira Nesse caso o juiz deve ser declarado suspeito 213 Exceção de Incompetência Essa matéria está intimamente vinculada à questão da competência em matéria penal anteriormente analisada Assim recordando a sistemática do CPP a competência poderá ser considerada a partir da matéria pessoa e lugar sendo as duas primeiras consideradas absolutas e portanto passíveis de reconhecimento pelo juiz de ofício ou a requerimento das partes a qualquer tempo Quanto à incompetência em razão do lugar por ser considerada relativa deve ser arguida pela parte passiva pois o MP e o querelante já escolhem o lugar quando do oferecimento da denúncia havendo assim uma preclusão dessa matéria para eles no momento da resposta à acusação art 396A sob pena de preclusão e portanto prorrogatio fori Poderá ainda ser reconhecida pelo juiz de ofício nos termos do art 109 do CPP a qualquer tempo Em se tratando de competência absoluta não há que se falar em preclusão ou prorrogatio fori podendo a respectiva exceção de incompetência ser arguida a qualquer momento e em qualquer fase do processo Assim recebendo o juiz a denúncia ou queixa por julgarse competente em razão da matéria pessoa e lugar a exceção deve ser apresentada pela defesa na primeira oportunidade que se manifestar nos autos em regra na resposta escrita do art 396A Quando o próprio juiz entender não ser o competente declinará por isso é chamada declinatoria fori redistribuindo o feito para aquele que ele julgar ser o competente A exceção de incompetência poderá ser oposta pelo réu ou querelado bem como mediante invocação do Ministério Público nos crimes de ação penal privada em que esse órgão atua como fiscal da lei e não como autor23 Quanto ao processamento da exceção em linhas gerais a deverá ser oposta pela defesa b será por escrito ou se feita oralmente àquela forma será reduzida c deve ser apresentada no prazo da resposta à acusação ou no primeiro momento em que o rito permitir a manifestação da defesa técnica d será processada em autos apartados e não suspenderá o andamento do processo Oposta a exceção será ouvido o Ministério Público salvo quando ele é o proponente no caso de ação penal privada cabendo a seguir ao juiz proferir decisão Se julgar procedente a exceção declinará para o juiz que entenda ser o competente cabendo a ele ratificar os atos já praticados art 108 1º do CPP Dessa decisão caberá recurso em sentido estrito nos termos do art 581 II do CPP pela outra parte prejudicada acusador Devese considerar ainda nesse caso que o juiz que recebe o processo poderá se não concordar com a redistribuição suscitar o respectivo conflito negativo de competência ou jurisdição nos termos do art 113 e seguintes como será explicado na continuação Em não acolhendo a exceção afirmará sua competência e continuará presidindo o feito Infelizmente na sistemática do CPP a exceção não é remetida automaticamente para o respectivo tribunal Diante da ausência de recurso para atacar essa decisão denegatória poderá ser impetrado habeas corpus como instrumento de ataque colateral fundado na nulidade do processo por violação do devido processo legal e o direito ao juiz natural ou ainda deixar a matéria para ser objeto de arguição em preliminar da apelação quando da prolação da sentença final desfavorável 214 Exceção de Litispendência Inicialmente cumpre ressaltar a inadequação da expressão litispendência para o processo penal na medida em que resulta de uma transmissão mecânica de categorias do processo civil Como já explicado não existe lide no processo penal de modo que a noção de lides pendentes como definição de litispendência não nos serve24 Devese estruturar essa exceção a partir do conceito de acusações ou imputações repetidas igualmente pendentes de julgamento Tratase então de duplicidade de acusações em curso relativas ao mesmo réu pelo mesmo fato A litispendência então considerada na dimensão de imputação ou acusação repetida e pendente de julgamento no processo penal tem importância já na fase preliminar Isso porque não há que se admitir duas investigações preliminares tramitando em paralelo em diferentes órgãos em relação ao mesmo caso penal Com mais razão jamais se deve admitir o bis in idem duplicidade de acusações em relação ao mesmo fato aparentemente criminoso de modo que a exceção de litispendência conduzirá inexoravelmente à extinção de um dos feitos é uma exceção peremptória Permanecerá aquele cujo juiz tiver competência prevalente seja pela prevenção ou por qualquer dos critérios anteriormente expostos Para identificação da litispendência devese atentar para o fato natural que integra o caso penal bem como para o imputado Necessariamente deve haver pendência de duas acusações em relação ao mesmo fato natural ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em relação ao mesmo imputado Irrelevante no processo penal nesse caso a igualdade de partes pois o órgão acusador será sempre o mesmo Logo a relevância da análise está na legitimidade passiva o réu deve ser o mesmo nos dois processos Da mesma forma não há que se considerar o pedido como elemento identificador pois o pedido na ação processual penal é sempre igual de condenação25 Tal matéria poderá ser arguida sob a forma de exceção apresentada portanto na resposta à acusação sem nenhum impedimento a que seja impetrado habeas corpus para o trancamento do processo ou reconhecida de ofício a qualquer momento Como determina o CPP a exceção de litispendência seguirá o mesmo procedimento previsto para a exceção de incompetência com algumas especificidades a deverá ser oposta pela defesa pelo Ministério Público26 ou reconhecida de ofício a qualquer tempo b será por escrito ou se feita oralmente àquela forma será reduzida c não há prazo para essa exceção pois enquanto não for julgada a pretensão acusatória surgindo contra o mesmo réu pelo mesmo fato novo processo poderá ela ser arguida27 d será processada em autos apartados e não suspenderá o andamento do processo Se acolhida a exceção de litispendência o feito será extinto Dessa decisão caberá recurso em sentido estrito nos termos do art 581 III do CPP Em não sendo acolhida a exceção caberá à parte na ausência de previsão de recurso impetrar habeas corpus para o trancamento do processo instaurado em duplicidade 215 Exceção de Ilegitimidade de Parte Recordemos que a ação penal pública é de legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público Excepcionalmente poderá o ofendido ou seu representante legal em caso de inércia do MP ajuizar a ação penal privada subsidiária Fora desse caso em sendo oferecida uma queixacrime por parte da vítima em crime de ação penal pública deve o imputado opor a presente exceção Na prática forense por se tratar de manifesta ilegitimidade a via do habeas corpus para o trancamento do processo instaurado a partir da queixacrime é o caminho mais adequado até por sua celeridade Não obstante em tese nada impede a utilização da exceção de ilegitimidade tanto para atacar a ilegitimidade ad processum capacidade processual como também a ilegitimidade ad causam que nos remete à titularidade da ação conforme seja pública ou privada Inclusive devese considerar que o CPP não faz qualquer distinção entre elas nessa matéria ou mesmo quando no art 395 II disciplina a rejeição da acusação A ilegitimidade pode ser arguida pela parte passiva ou reconhecida pelo juiz a qualquer momento Quando reconhecida a ilegitimidade ad causam aquela relativa à titularidade da ação penal deverá o juiz rejeitar a denúncia ou queixa art 395 II do CPP ou caso já tenha sido recebida extinguir o feito sem julgamento do mérito Isso não impede que nova ação seja proposta desde que feita por parte legítima Em se tratando de ilegitimidade ad processum poderá igualmente ser arguida pela parte passiva ou reconhecida pelo juiz de ofício Nesse caso aplicase o disposto no art 568 do CPP Art 568 A nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser a todo tempo sanada mediante ratificação dos atos processuais Seguindo a sistemática das demais exceções poderá ser oposta verbalmente ou por escrito sendo no primeiro caso reduzida a termo Considerando que a ilegitimidade ativa conduz à nulidade absoluta não vemos qualquer possibilidade de fixação de um prazo preclusivo podendo assim ser aduzida a qualquer tempo Após a exceção apresentada pela defesa será dada vista para que o autor MP ou querelante se manifeste Como nas demais exceções será autuada em apartado Por fim se acolhida a exceção caberá o recurso em sentido estrito previsto no art 581 III do CPP Não sendo acolhida a exceção significa que o processo continuará com a parte ativa ilegítima E contra essa decisão não há previsão de recurso algum Daí por que caberá ao réu interpor habeas corpus art 648 VI do CPP para trancamento do processo por sua manifesta nulidade em virtude da ilegitimidade ativa Nada impede que a questão volte a ser ventilada em preliminar da apelação interposta contra a sentença condenatória ao final proferida 216 Exceção de Coisa Julgada Tratase de exceção peremptória pois se acolhida conduz à extinção do processo A exceção de coisa julgada terá por objeto a alegação de que o réu já foi definitivamente julgado condenado ou absolvido por aquele mesmo fato natural Deve haver identidade de sujeito passivo e fato entre o processo já encerrado e aquele que agora está em tramitação Como explica GÓMEZ ORBANEJA28 em posição compartilhada por ARAGONESES ALONSO a coisa julgada fica circunscrita subjetivamente pela identidade da pessoa do réu e objetivamente pela identidade do fato Como já explicamos ao tratar da litispendência cuja distinção fundamental é que na litispendência os dois processos estão tramitando ao passo que na exceção de coisa julgada um deles já foi definitivamente encerrado para identificação da duplicidade devese atentar para o fato natural que integra o caso penal bem como para o imputado Necessariamente deve haver uma nova acusação em relação ao mesmo fato natural29 ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em face do mesmo imputado que já foram objeto de processo anterior Novamente o que se busca é evitar um bis in idem de processos e de punições em relação ao mesmo fato Daí decorrem os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada Os limites objetivos dizem respeito ao fato natural objeto do processo e posterior sentença não interessando a qualificação jurídica que receba Como explica CORTÉS DOMINGUEZ30 o princípio do ne bis in idem é uma exigência da liberdade individual que impede que os mesmos fatos sejam processados repetidamente sendo indiferente que eles possam ser contemplados em ângulos penais formais e tecnicamente distintos Mas é importante compreender a vinculação entre os limites objetivos e os limites subjetivos da coisa julgada que vêm dados pela identidade do imputado ou imputados Ou seja impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Como explica MAIER31 para que a regra da coisa julgada funcione e produza seu efeito impeditivo característico a imputação tem de ser idêntica e isso somente ocorre quando tiver por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa Assim nada impede que outras pessoas sejam acusadas pelo mesmo fato seja porque se demonstrou a participação ou coautoria ou ainda porque o réu foi absolvido ou ainda que o réu seja novamente processado por outros fatos criminosos praticados Seguindo a clássica distinção a coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira Logo surge inicialmente a irrecorribilidade da decisão a preclusão coisa julgada formal e após a imutabilidade da decisão ou seja a produção exterior de seus efeitos coisa julgada material É a consagrada lição de LIEBMAN dos degraus da escada ou seja o primeiro degrau seria a produção da coisa julgada formal dentro do processo através da impossibilidade de novos recursos Superado o primeiro degrau pode a coisa julgada ser material atingindo o segundo degrau Nesse nível os efeitos vinculatórios da decisão extrapolam os limites do processo originário impedindo novos processos penais sobre o mesmo caso ou seja tendo por objeto o mesmo fato natural e o mesmo réu sendo assim imutável Explica ROXIN32 que com os conceitos de coisa julgada formal e material são descritos os diferentes efeitos da sentença sendo que a coisa julgada formal se refere à inimpugnabilidad de una decisión en el marco del mismo proceso denominado pelo autor efecto conclusivo ao passo que a coisa julgada material provoca que a causa definitivamente julgada não possa ser novamente objeto de outro procedimento pois o direito de perseguir penalmente está esgotado efeito impeditivo A coisa julgada no processo penal é peculiar pois somente produz sua plenitude de efeitos coisa soberanamente julgada quando a sentença for absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois nesses casos não se admite revisão criminal contra o réu ou pro societate ainda que surjam novas provas cabais da autoria e materialidade Tratase de uma opção democrática fortalecimento do indivíduo de cunho políticoprocessual de modo que uma vez transitada em julgado a sentença penal absolutória em nenhuma hipótese aquele réu poderá ser novamente acusado por aquele fato natural Já a sentença condenatória por ser passível de revisão criminal a qualquer tempo inclusive após a morte do réu art 623 do CPP jamais produzirá uma plena imutabilidade de seus efeitos Quando ocorre somente a coisa julgada formal dizse que houve preclusão já o trânsito em julgado conduz à coisa julgada material e somente se produz nos julgamentos de mérito As decisões de natureza processual como pronúncia impronúncia ou dependendo do caso de rejeição da denúncia art 395 do CPP por não implicarem análise de mérito somente conduzem à coisa julgada formal ou seja mera preclusão das vias recursais Mudando o enfoque quando estivermos diante de concurso formal material ou crime continuado a situação deve ser analisada à luz das regras de conexão ou continência conforme o caso para reunião e julgamento simultâneo Contudo quando os processos tramitarem em paralelo ou de forma sucessiva a soma concurso material ou unificação das penas concurso formal ou crime continuado deverá ocorrer na fase de execução penal art 82 Recordemos que tanto o concurso formal como o crime continuado são unidades delitivas por ficção normativa ou seja são um delito por ficção do direito penal pois são diferentes situações fáticas Assim se Mané mediante uma única ação praticar dois ou mais crimes nos termos do art 70 do Código Penal haverá continência art 77 II do CPP implicando julgamento simultâneo Contudo se por equívoco ou ausência de provas for ele acusado por apenas um dos crimes e após a sentença tanto faz condenatória ou absolutória forem descobertos os demais em relação a eles poderá o réu ser novamente processado pois não há identidade de fatos naturais para constituição da coisa julgada Se condenado a unificação das penas ocorrerá na fase de execução penal nos termos do art 82 do CPP Da mesma forma será o tratamento caso o réu seja processado por apenas um dos crimes e posteriormente vierem a ser descobertos outros praticados em continuidade delitiva ou concurso material Como são fatos diversos nada impedirá o nascimento de novo processo pois não há coisa julgada em relação a eles Não se desconhece a importância de uma análise específica para cada caso até porque tanto no crime continuado como no concurso formal dependendo do fundamento da sentença absolutória e do contexto probatório um novo processo por fato não incluído na acusação anterior pode ser completamente desnecessário Contudo isso será objeto de discussão noutra dimensão como falta de justa causa ou mesmo ausência de suficiente fumus commissi delicti Não se trata propriamente de coisa julgada pois o fato natural é diverso Quanto ao crime habitual em que sua constituição exige várias ações com uma unidade substancial de fatos caracterizada pela habitualidade há sim produção do efeito impeditivo da coisa julgada material Isoladamente os fatos são atípicos Daí por que se alguém for acusado de exercício ilegal da medicina art 282 do CP crime que exige a habitualidade para sua configuração e após a sentença penal condenatória transitar em julgado forem descobertos novos fatos ocorridos naquele mesmo período de tempo não poderá ser o agente novamente acusado O crime somente se configura se presente a habitualidade de modo que os fatos posteriormente descobertos mas ocorridos naquele mesmo período estão abrangidos pela punição Contudo se após a sentença o réu vier novamente a praticar habitualmente a conduta descrita no tipo esse novo conjunto de ações constituirá um novo crime não atingido pela coisa julgada Noutra dimensão devese analisar se a coisa julgada impede novo processo quando houver a produção posterior de resultado mais grave Por exemplo se A for acusado de tentativa de homicídio porque em determinado local e data desferiu tiros contra a vítima B não tendo o resultado morte se produzido por motivos alheios à sua vontade Se a vítima morrer em decorrência dos ferimentos e o réu ainda não tiver sido julgado deverá o Ministério Público promover o aditamento nos termos do art 384 do CPP Contudo quando sobrevier sentença transitada em julgado seja absolutória ou condenatória pensamos que a coisa julgada impedirá novo processo Haveria bis in idem em submeter o réu a novo processo e a exceção de coisa julgada deve ser oferecida pois há identidade substancial do fato natural e também do imputado Assim deve ser reconhecido o efeito impeditivo inerente à coisa julgada material pelos mesmos postulados de política processual que impedem revisão criminal pro societate e portanto contra o réu Do contrário estaria sendo criada uma situação de pendência na qual mesmo após o trânsito em julgado o réu poderia a qualquer tempo voltar a ser processado agora por delito consumado em caso de morte da vítima Os mesmos fundamentos da necessária estabilidade das decisões e de que as situações penais tenham uma solução definitiva fazem com que a coisa julgada produzida em relação ao delito tentado impeça novo processo em caso de posterior consumação Na mesma linha encontrase ainda a imutabilidade da sentença absolutória nula Como se verá ao tratar das nulidades a sentença penal absolutória mesmo que absolutamente nula uma vez transitada em julgado produz plenamente os efeitos da coisa julgada material não mais podendo ser alterada Por fim a coisa julgada poderá ser conhecida pelo juiz a qualquer tempo extinguindo o feito com a sua comprovação Não o sendo a exceção poderá ser arguida pela parte passiva no prazo da resposta à acusação do art 396A mas nada impede que o faça a qualquer tempo sendo processada em autos apartados nos termos do art 111 cc 396A 1º do CPP Da decisão que julgar procedente a exceção caberá recurso em sentido estrito art 581 III do CPP Em sendo reconhecida a coisa julgada de ofício pelo juiz o recurso cabível será a apelação art 593 II do CPP Sendo rejeitada a exceção de coisa julgada não caberá recurso algum Contudo nada impede que a parte interessada alegue a coisa julgada na preliminar do recurso de apelação interposto contra a sentença condenatória proferida em primeiro grau 22 Conflito de Jurisdição e de Competência Haverá conflito de jurisdição ou competência nos termos do art 114 do CPP quando Art 114 Haverá conflito de jurisdição I quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo fato criminoso II quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo junção ou separação de processos Haverá o conflito negativo de jurisdição ou de competência quando duas ou mais autoridades judiciárias se disserem igualmente incompetentes para o julgamento Será positivo o conflito quando dois juízes ou tribunais se acharem igualmente competentes para o julgamento do processo O conflito será de jurisdição quando ocorrer entre órgãos da jurisdição especial militar e eleitoral entre órgãos da jurisdição especial e comum federal ou estadual bem como entre órgãos da Justiça Comum Federal em relação a outro da Justiça Estadual Será de competência o conflito quando ocorrer entre órgãos julgadores pertencentes à mesma Justiça e vinculados ao mesmo tribunal Assim haverá conflito de jurisdição entre juiz eleitoral e juiz de direito ou entre juiz militar e um juiz federal por exemplo Também será de jurisdição o conflito entre juiz federal e juiz de direito estadual ou ainda entre juízes federais subordinados a diferentes Tribunais Regionais Federais Haverá conflito de competência quando for entre juízes de direito de diferentes cidades entre juiz e Tribunal do Júri entre juízes federais subordinados ao mesmo TRF etc Relevante nessa matéria é a definição do órgão competente para julgar o respectivo conflito positivo ou negativo que será sempre jurisdição superior àqueles entre os quais se estabeleceu o conflito Assim exemplificativamente se o conflito for entre juízes de direito estaduais competirá ao respectivo Tribunal de Justiça ao qual estão vinculados a decisão se forem juízes de diferentes estados caberá ao STJ o julgamento do conflito entre juízes federais caberá ao respectivo TRF ao qual eles estão vinculados mas se pertencerem a tribunais de regiões diferentes caberá ao STJ o julgamento do conflito Relevante ainda é o conflito positivo ou negativo de jurisdição que pode ocorrer entre um juiz de direito e um juiz federal Nesse caso caberá ao STJ o julgamento Inviável que o julgamento seja proferido pelo TJ pois a ele não está vinculado o juiz federal Na mesma dimensão também não poderá o conflito ser resolvido pelo TRF pois a ele não se vincula o juiz de direito Daí por que o órgão jurisdicional superior a ambos é o STJ cabendo a ele o julgamento do conflito Por fim ao lado dos conflitos de jurisdição e competência é possível ocorrer um conflito de atribuições entre autoridades administrativas como Ministério Público e Polícia Judiciária Nesses casos o conflito de poderes administrativos acabará sendo resolvido no âmbito da própria administração caso da polícia judiciária ou com a intervenção do poder jurisdicional 1 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ ValentínDerecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 236 2 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editora Rubí Artes Gráficas 1984 p 88 3 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa America 1963 v 1 p 300 e ss 4 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal São Paulo Saraiva v 2 p 548 5 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 340 6 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 2 p 252 7 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit p 253 8 Sobre essa situação interessante decisão do STF no HC 86963RJ Rel Min Joaquim Barbosa 12122006 HC 86963 publicado no Informativo do STF n 452 dezembro de 2006 IMPEDIMENTO DE MAGISTRADO E INSTÂNCIAS DIVERSAS O termo instância previsto no art 252 III do CPP Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no mesmo processo em que III tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão abrange as esferas administrativa e judicial Com base nesse entendimento a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática dos crimes de falsificação de documento público e de peculato que em julgamento de apelação criminal tivera como vogal o mesmo magistrado que anteriormente fora relator de recurso hierárquico por ele interposto em sede administrativa contra decisão que o demitira do cargo de serventuário da justiça v Informativo 432 Entendeuse violado o citado art 252 III do CPP em virtude do impedimento do magistrado Asseverouse que as considerações do desembargador no julgamento do recurso administrativo no mínimo tangenciaram o mérito da ação penal o que prenunciaria ao paciente que um dos votos de pronto lhe seria desfavorável Dessa forma restaria inobservado o princípio do devido processo legal Por fim salientouse que a presente hipótese seria semelhante àquela em que o magistrado na primeira instância não decide o mérito da ação penal mas adota medida que interfere na esfera jurídica do acusado vindo posteriormente a participar do julgamento no segundo grau de jurisdição HC deferido para declarando nulo o acórdão proferido determinar a realização de novo julgamento e ordenar a imediata soltura do paciente se por al não estiver preso 9 Quanto ao número de testemunhas TOURINHO FILHO Código de Processo Penal Comentado São Paulo Saraiva p 261 aponta para um limite de 3 que não poderia ser excedido Em que pese a razoabilidade da proposta há que se desvelar que tal limitação construída pelo autor não tem base legal na medida em que o CPP silencia completamente sobre a questão Assim baseados na experiência forense pensamos que a suspeição pode ser perfeitamente demonstrada com esse número de testemunhas Contudo nada impede que em situações excepcionais e complexas ele seja excedido pois não se pode limitar probatoriamente o reconhecimento de tão grave questão processual ainda mais sem expressa previsão legal Também não se pode olvidar do contraditório visto como igualdade de tratamento e oportunidades de modo que o mesmo número de testemunhas deve valer para excepto e excipiente Seria uma violenta afronta ao contraditório admitir que um deles arrolasse 5 testemunhas e o outro apenas 3 Há que se manter a simetria e paridade de tratamento 10 Eventualmente tais testemunhas poderão residir em cidades diversas daquela onde está situado o tribunal Nesse caso pensamos que poderá o relator aplicar por analogia o art 9º 1º da Lei n 8038 delegando a oitiva ao juiz da comarca onde resida a testemunha sempre tomando a cautela de que esse juiz não seja o mesmo objeto da exceção de suspeição ou seja o excepto por motivos evidentes 11 Tais conceitos fumus boni iuris e periculum in mora aqui são adequados pois efetivamente se trata de fumaça do direito arguido e dos graves prejuízos que a demora pode causar ao processo Inadequada é sua utilização nas prisões cautelares como explicaremos ao tratar dessa temática 12 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI Poner en su puesto al Ministerio Publico In Cuestiones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 211 e ss que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem Lecciones sobre el Proceso Penal v II p 99 CARNELUTTI explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar julgar e defender 13 GUARNIERI José Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México Jose M Cajica 1952 p 285 14 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 294 15 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 292 16 A expressão é de PEDRO ARAGONESES ALONSO na obra Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 127 17 Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonso México Episa 1997 p 342 18 No trabalho La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 e ss 19 Para FERRAJOLI Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 20 O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 11 21 Jueces Imparciales Fiscales Investigadores y nueva Reforma para la Vieja Crisis de la Justicia Penal Barcelona PPU 1998 p 30 44 e ss 22 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino Utet 1986 p 51 23 Daí por que não se deve admitir exceção de incompetência oposta pelo assistente do Ministério Público na medida em que se não é autorizada a medida para a parte principal MP não há que se aceitar sua interposição pela parte secundária ou acessória O campo de atuação do assistente vem primordialmente circunscrito pelo âmbito de atuação do MP de modo a não extrapolar os poderes da parte principal 24 Nesse erro incide entre outros FREDERICO MARQUES Elementos de Direito Processual Penal Campinas Bookseller 1996 v 2 p 244 ao afirmar que a litispendência é fenômeno resultante da apresentação de uma lide em juízo no processo penal tanto como no processo civil a litispendência consiste na pendência de aspirações e expectativas derivadas do litígio e também FERNANDO CAPEZ Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 São Paulo Saraiva 2006 p 379 Tratase de um erro bastante comum de quem pensa o processo penal desde a lente do processo civil desconsiderando assim sua especificidade e categorias jurídicas próprias 25 Assim equivocada a afirmação de CAPEZ op cit p 379 quando partindo do igualmente errôneo conceito de demanda afirma que os elementos que identificam a litispendência são pedido as partes em litígio e a causa de pedir Inclusive na continuação da exposição o próprio autor se contradiz ao afirmar em momento posterior agora sim com acerto que não importa também quem figura no polo ativo da ação penal tratandose do mesmo réu e do mesmo fato é cabível a exceção Por fim desconsidera que o pedido no processo penal assume uma dimensão completamente diferente e com muito menos relevância do que aquela que lhe é dada pelo processo civil 26 Na exceção de litispendência ao contrário do que ocorre com a exceção de incompetência não vemos qualquer óbice a que o Ministério Público tomando conhecimento da existência de outra acusação contra o mesmo réu pelo mesmo fato utilizea 27 Como adverte TOURINHO FILHO Código de Processo Penal Comentado cit v 1 p 282 28 GÓMEZ ORBANEJA Emilio HERCE QUEMADA Vicente Derecho Procesal Penal cit v II p 313 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal p 317 29 Aquilo que MAIER Julio B J Derecho Procesal Penal fundamentos 2 ed Buenos Aires Editorial Del Puerto 2002 v 1 p 606 chama de hecho como acontecimiento real circunscrito assim a um lugar e momento determinado 30 Com MORENO CATENA e GIMENO SENDRA na obra Derecho Procesal Penal cit p 626 31 MAIER Julio Derecho Procesal Penal cit p 606 32 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Trad Daniel Pastor e Gabriela Córdoba Buenos Aires Del Puerto 2000 p 434 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 QUESTÕES PREJUDICIAIS Questões Prejudiciais arts 92 e seguintes do CPP A prova da existência do crime depende de decisão prévia sobre uma questão controversa séria e fundada na esfera cível sobre o estado civil das pessoas A prejudicialidade reside nesta impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão Prejudicialidade obrigatória a existência do crime depende de prévia decisão de jurisdição extrapenal O processo penal será suspenso e a prescrição até que a controvérsia seja dirimida por sentença transitada em julgado art 116 Prejudicialidade facultativa o juiz poderá suspender o processo criminal quando a questão versar sobre circunstância ou elementar do crime que não seja estado civil das pessoas e tampouco sobre direito cuja prova a lei civil limite e de difícil solução 2 PROCESSOS INCIDENTES 21 Das Exceções Processuais Exceções são formas de defesa indireta que não atacam o núcleo do caso penal Estão previstas nos arts 95 a 112 do CPP e podem ser alegadas na resposta à acusação art 396A São autuadas em apartado podendo ser opostas por escrito ou verbalmente e como regra não suspendem o andamento do processo podendo ser conhecidas de ofício pelo juiz em qualquer fase do processo Podem ser opostas exceções de 211 Suspeição os casos de suspeiçãoimpedimento estão previstos nos arts 252 a 256 Acolhida o juiz suspende o feito e encaminha para outro juiz Não admitida será remetida ao tribunal que acolhendo determina a nulidade de todos os atos do processo art 101 Pode haver suspensão do feito art 102 Pode haver alegação de suspeição de membro do MP arts 258 252 a 256 e também de peritos intérpretes e serventuários da justiça arts 105 274 e 281 Não pode ser alegada suspeição de autoridades policiais mas deverão elas declararse suspeitas art 107 A exceção de suspeição do juiz por violação da imparcialidade não está expressamente definida mas o art 254 não é taxativo sendo admitida quando houver prejulgamento ou quebra da imparcialidade objetiva decorrente do ativismo judicial quando o juiz rompendo com a estrutura do sistema acusatório vai de ofício em busca de provas 212 Incompetência de juízo predomina o entendimento de que a competência em razão do lugar é relativa e deve ser alegada pelo réu na resposta à acusação sob pena de preclusão A competência em razão da pessoa e matéria é absoluta e pode ser conhecida inclusive de ofício e em qualquer fase do processo Se acolhida serão os autos encaminhados ao juiz competente Se rejeitada seguirá o processo e não há previsão de recurso 213 Litispendência quando há duplicidade de acusações contra o mesmo réu pelo mesmo fato Se acolhida o feito será extinto cabendo RSE art 581 III Não sendo acolhida não há recurso previsto podendo a parte impetrar HC para o trancamento do processo instaurado em duplicidade 214 Ilegitimidade de parte a exceção de ilegitimidade pode ser oposta pela defesa contra o acusador legitimidade ativa tanto para atacar a ilegitimidade ad processum capacidade processual como também ad causam remetenos para a titularidade da ação conforme seja pública ou privada Pode ser oposta pela defesa ou conhecida de ofício pelo juiz a qualquer momento Se acolhida caberá RSE art 581 III Não sendo acolhida não há previsão de recurso podendo ser interposto HC ou ventilada posteriormente em preliminar de apelação 215 Coisa julgada é uma exceção peremptória pois se acolhida conduz à extinção do processo É oposta quando o mesmo réu já foi julgado definitivamente pelo mesmo fato ne bis in idem A coisa julgada tem limites objetivos fato natural não interessando a qualificação jurídica e subjetivos identidade do imputado Poderá ser formal irrecorribilidade da decisão preclusão ou material imutabilidade da decisão produção exterior de seus efeitos sendo que a segunda pressupõe a primeira A coisa julgada no processo penal somente produz a plenitude de seus efeitos coisa soberanamente julgada em relação à sentença absolutória pois a sentença condenatória pode ser objeto de revisão criminal a qualquer tempo arts 621 e ss Pode ser alegada a qualquer tempo e também conhecida de ofício pelo juiz Se acolhida caberá RSE art 581 III Mas se for declarada de ofício caberá apelação art 592 II Se rejeitada não caberá recurso mas nada impede que seja impetrado HC ou alegada em preliminar de apelação 22 Conflito de jurisdição e competência está previsto no art 114 do CPP O conflito será de jurisdição quando ocorrer entre órgãos da jurisdição especial entre especial e comum ou entre órgãos da justiça comum federal ou estadual Será de competência quando ocorrer entre julgadores da mesma justiça vinculados ao mesmo tribunal O conflito será sempre resolvido por um órgão de jurisdição superior àqueles entre os quais se estabeleceu o conflito É possível o conflito de atribuições entre autoridades administrativas seja entre membros do Ministério Público da polícia ou entre MP e polícia judiciária Será negativo o conflito quando duas ou mais autoridades judiciárias se disserem incompetentes e positivo quando dois ou mais julgadores se acharem igualmente competentes para o julgamento do processo Capítulo XII TEORIA GERAL DA PROVA NO PROCESSO PENAL 1 Conceito e Função da Prova 11 O Ritual de Recognição O processo penal é um instrumento de retrospecção de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico Como ritual está destinado a instruir o julgador a proporcionar o conhecimento do juiz por meio da reconstrução histórica de um fato Nesse contexto as provas são os meios através dos quais se fará essa reconstrução do fato passado crime O tema probatório é sempre a afirmação de um fato passado não sendo as normas jurídicas como regra tema de prova por força do princípio iura novit curia1 Isso decorre do paradoxo temporal ínsito ao ritual judiciário um juiz julgando no presente hoje um homem e seu fato ocorrido num passado distante anteontem com base na prova colhida num passado próximo ontem e projetando efeitos pena para o futuro amanhã Assim como o fato jamais será real pois histórico o homem que praticou o fato não é o mesmo que está em julgamento e com certeza não será o mesmo que cumprirá essa pena e seu presente no futuro será um constante reviver o passado2 O processo penal inserido na complexidade do ritual judiciário busca fazer uma reconstrução aproximativa de um fato passado Através essencialmente das provas o processo pretende criar condições para que o juiz exerça sua atividade recognitiva a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença É a prova que permite a atividade recognoscitiva do juiz em relação ao fato histórico story of the case narrado na peça acusatória O processo penal e a prova nele admitida integram o que se poderia chamar de modos de construção do convencimento do julgador que formará sua convicção e legitimará o poder contido na sentença Assim a atividade do juiz é sempre recognitiva pois como define JACINTO COUTINHO a um juiz com jurisdição que não sabe mas que precisa saber dáse a missão de dizer o direito no caso concreto Daí por que o juiz é por essência um ignorante ele desconhece o fato e terá de conhecêlo através da prova Logo a prova para ele é sempre indireta A rigor a classificação entre provas diretas e indiretas é um desacerto pois como explica CORDERO3 excetuandose os delitos cometidos na sala de audiência4 todas as provas são indiretas pois consistem em signos do suposto fato Analisando a semiótica5 das provas verificase que as provas indiretas servem para através dos equivalentes sensíveis estabelecer se algo ocorreu6 As provas são signos do fato que se quer conhecer isto é uma relação semiótica configurável de diversos modos em que da correspondente análise surge a mais útil das possíveis classificações Instruere chegou a ser um verbo próprio da arquitetura significando construir edificar ordenar com método7 Trasladado ao Direito instruir corresponde à tarefa de recolher as provas que permitam uma aproximação do fato histórico Analisando o metabolismo do juízo histórico CORDERO8 afirma que os processos são máquinas retrospectivas que se dirigem a estabelecer se algo ocorreu e quem o realizou cabendo às partes formular hipóteses e ao juiz acolher a mais provável com estrita observância de determinadas normas trabalhando com base em um conhecimento empírico 12 Função Persuasiva da Prova Crença Fé e Captura Psíquica Nessa atividade a instrução preliminar ou processual e as provas nela colhidas são fundamentais para a seleção e eleição das hipóteses históricas aventadas9 As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das hipóteses com a finalidade de convencer o juiz função persuasiva10 Nesse mister persuasivo CORDERO aponta para uma palavrachave fé Os locutores pretendem ser acreditados e tudo o que dizem tem valor enquanto os destinatários crerem Os resultados dependem de variáveis relacionadas aos aspectos subjetivos e emocionais do ato de julgar crer fé O ritual judiciário está eivado de simbolismo sagrado As provas desempenham uma função ritual na medida em que são inseridas e chamadas a desempenhar um papel de destaque na complexidade do ritual judiciário Basta atentar para a arquitetura dos tribunais principalmente os mais antigos para verificar que são plágios das construções religiosas templos e igrejas com suas portas imensas estátuas por todos os lados crucifixo na sala de audiência pendendo sobre a cabeça do juiz etc Como se não bastasse os atores que ali circulam utilizam diversas expressões em latim e pasmem usam a toga preta Depois de tudo isso o depoente ainda presta o compromisso de dizer a verdade e em alguns sistemas presta o juramento colocando a mão no peito ou sobre a bíblia É todo um ritual de intimidação que reforça as relações de poder e de subordinação ao mesmo tempo em que deixa claro que o binômio crimepecado nunca foi superado No que se refere às provas o simbolismo também deve ser considerado na perspectiva da função persuasiva como atrativos para tentar uma captura psíquica CORDERO de quem está declarando e também dar maior credibilidade fé para quem julga Ademais como explica TARUFFO11 além da função persuasiva em relação ao julgador as provas servem para fazer crer que o processo penal determina a verdade dos fatos porque é útil que os cidadãos assim o pensem ainda que na realidade isso não suceda e quiçá precisamente porque na realidade essa tal verdade não pode ser obtida é que precisamos reforçar essa crença Mas para tanto o primeiro destinatário da crença é o juiz Com a costumeira precisão de seus conceitos ARAGONESES ALONSO12 nos ensina que o conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz É inafastável que o juiz elege versões entre os elementos fáticos apresentados e até o significado justo da norma Esse eleger também se expressa na valoração da prova crença e na própria axiologia incluindo a carga ideológica que faz da norma penal ou processual penal aplicável ao caso Em suma o processo penal tem uma finalidade retrospectiva em que através das provas pretendese criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado sendo que o saber decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença 2 Provas e Modos de Construção do Convencimento ReVisitando os Sistemas Processuais Ao longo da História diferentes modos de construção do convencimento ou da verdade para os que acreditam que o processo possa atingila foram admitidos pelo Direito Processual fazendo com que exista uma íntima relação e interação entre o regime legal das provas e o sistema processual adotado Até porque como bem explica JACINTO COUTINHO13 pelo conhecimento do fato tem um preço a ser pago pela democracia não avançar nos direitos e garantias individuais Isso demonstra ainda o acerto de GOLDSCHMIDT14 ao afirmar que a estrutura do processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua Constituição Partindo dessa experiência o predomínio de um ou outro sistema não é mais do que um trânsito do direito passado ao direito futuro Como afirmamos anteriormente o processo tem por finalidade buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova é erigida a espinha dorsal do processo penal estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores conforme ensina JACINTO COUTINHO15 Princípio dispositivo16 funda o sistema acusatório a gestão da prova está nas mãos das partes juizespectador Princípio inquisitivo a gestão da prova está nas mãos do julgador juizator inquisidor por isso ele funda um sistema inquisitório Não se pretende aqui definir os sistemas processuais senão recordar que a gestãoiniciativa probatória é fundante do próprio sistema e que atribuir a gestão e o poder de ter iniciativa probatória ao juiz funda um sistema inquisitório e como consequência afeta o próprio regime legal das provas Como explica CORDERO17 os processos inquisitórios são máquinas analíticas movidas por inesgotáveis curiosidades experimentais Isso retrata bem o substancialismo e a ausência de limites do sistema inquisitório que está por detrás da própria busca da mitológica e sempre inalcançável verdade real No processo penal inquisitório conta o resultado obtido condenação a qualquer custo ou de qualquer modo até porque quem vai atrás da prova e valora sua legalidade é o mesmo agente que ao final ainda irá julgar Não há nenhum exagero ao se afirmar que o sistema inquisitório busca um determinado resultado condenação Basta compreender como funciona sua lógica Ao atribuir poderes instrutórios a um juiz em qualquer fase18 operase o primato dellipotesi sui fatti gerador de quadri mentali paranoidi19 Isso significa que mentalmente e mesmo inconscientemente o juiz opera a partir do primado prevalência das hipóteses sobre os fatos porque como ele pode ir atrás da prova e vai decide primeiro definição da hipótese e depois vai atrás dos fatos prova que justificam a decisão que na verdade já foi tomada O juiz nesse cenário passa a fazer quadros mentais paranoicos Na certeira síntese de JACINTO COUTINHO20 abrese ao juiz a possibilidade de decidir antes e depois sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a sua versão isto é o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário ao qual toma como verdadeiro E como prova é crença fé obviamente ele crê no que buscou e produziu Na admissibilidade das provas também influi a opção pelo sistema acusatório ou inquisitório na medida em que intrinsecamente relacionado o trinômio admissibilidadelimitessistema adotado Basta atentar para a morfologia da admissão21 para constatar o quão íntima é a relação com o sistema processual vigente A admissão da prova incumbe ao juiz e no sistema inquisitório como a gestão da prova está igualmente nas mãos do juiz operase uma perigosíssima mescla entre aquisição da prova e sua admissão pois ambos os atos são feitos pela mesma pessoa Não existe a necessária separação entre o agente encarregado da aquisição e aquele que deve fazer o juízo de admissibilidade da prova no processo Quando um mesmo juiz vai atrás da prova é elementar que ele não pode valorar a licitude do próprio ato no momento da admissibilidade dessa mesma prova no processo contudo no sistema neoinquisitório como o nosso é assim que ocorre Foi exatamente isso que desacreditou o sistema inquisitório aponta GOLDSCHMIDT22 o erro psicológico de crer que uma mesma pessoa possa exercer funções antagônicas como acusar julgar e defender ou em termos probatórios ter iniciativa probatória realizar o juízo de admissibilidade e gerir sua produção A questão é de suma relevância quando compreendemos que o sistema processual brasileiro é neoinquisitório pois o art 156 e tantos outros atribui a iniciativa probatória ao juiz e que possui como agravante a prevenção como causa de fixação da competência de modo que o juizator da fase préprocessual será o mesmo que pela regra do art 83 do CPP irá atuar na fase processual admitindo portanto a prova que ele mesmo colheu Ao lado disso o sistema brasileiro admite algumas práticas probatórias absolutamente incompatíveis com um processo penal constitucional como os exames criminológicos os diagnósticos sobre a interioridade do agente como as pseudoavaliações sobre a personalidade a periculosidade etc e outras provas desse estilo Tratase de passatempos introspectivos neoinquisitoriais incompatíveis com um processo penal minimamente evoluído Classificamos de neoinquisitorial pois é uma inquisição reformada na medida em que ao manter a iniciativa probatória nas mãos do juiz observa o princípio inquisitivo que funda o sistema inquisitório Claro que não o modelo inquisitório historicamente concebido na sua pureza mas uma neoinquisição que coexiste com algumas características acessórias mais afins com o sistema acusatório como a publicidade oralidade defesa contraditório etc Não se trata de pósinquisitorial porque isso nos daria uma noção de superação do modelo anterior o que não é de todo verdade Já no sistema acusatório que se pretende o juiz mantém uma posição não meramente simbólica mas efetiva de alheamento terzietà em relação à arena das verdades onde as partes travam sua luta Isso porque ele assume uma posição de espectador sem iniciativa probatória Forma sua convicção através dos elementos probatórios trazidos ao processo pelas partes e não dos quais ele foi atrás Se no processo inquisitório explica CORDERO23 os inquisidores empreendem verdadeiras lutas contra o Diabo no processo acusatório o que se tem é uma pura operação técnica em que um resultado equivale ao outro tanto faz a condenação ou a absolvição ao contrário da lógica inquisitiva dirigida para a condenação O grande valor do processo acusatório está na justiça o que equivale a dizer no jogo limpo Literalmente afirma o autor que este modelo acusatório ideológicamente neutro reconoce un solo valor la justicia el juego limpio fair play Também GIMENO SENDRA24 para quem a função do processo penal não pode limitarse a aplicar o direito de penar pela simples razão de que também está destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente Assim o processo penal constitui um instrumento neutro da jurisdição cuja finalidade consiste tanto em atuar o poder de penar e a função punitiva como também em declarar de forma ordinária pela sentença ou restabelecer pontualmente a liberdade através do habeas corpus O direito à liberdade é um valor superior no ordenamento jurídico caput do art 5º da CB e inclusive ocupa graças à presunção de inocência uma posição preferente quando comparado ao poder de punir Esse é um aspecto que merece ser destacado até pela dificuldade de interiorização de seus postulados no processo penal um resultado equivale ao outro Significa o julgador aceitar que condenação ou absolvição são equivalentes axiológicos para o resultado do processo abandonando o ranço inquisitório de buscar a condenação até inconscientemente ou por força das metarregras que norteiam a atividade jurisdicional Não são raros os casos em que presenciamos julgadores tomados por um sentimento de fracasso diante da necessidade imperiosa de absolver como se a jurisdição só se efetivasse quando a sentença fosse condenatória Contribui para isso sem dúvida a expansão de um verdadeiro processo penal do inimigo25 que nega o réu como sujeito processual e por conseguinte todos os seus direitos e garantias fundamentais O processo penal do inimigo segue a mesma fórmula do simbolismo cada vez maior acrescentandose boas doses de utilitarismo aceleração antigarantista eficientismo que não se confunde com eficácia agravado pela perigosa mania dos tribunais de flexibilizar as formas processuais através da relativização das nulidades e consequente enfraquecimento das garantias do devido processo Aliada a esses fatores a imensa pressão midiática construída em torno de casos mais rumorosos onde se estabelecem verdadeiras campanhas demonizadoras lutas contra o diabo ou inimigo é o mesmo conduz a um clima propício para práticas inquisitórias Sem falar ainda na mitológica verdade real a seguir explicada que fortaleceu a cultura inquisitiva e implantou a ideia da necessidade de perseguição como meta principal do processo penal Claro que uma vez alcançado esse nível de maturidade jurídica poderíamos partir para uma nova etapa onde se daria a máxima eficácia à presunção de inocência juiz iniciando o processo penal convencido da inocência do réu Quando os juízes alcançarem esse grau de compreensão da garantia finalmente a carga probatória estará integralmente nas mãos do acusador de onde nunca deveria ter saído A presunção de inocência é uma barreira de contenção que somente superada pode legitimar uma condenação Exigiria inclusive uma resistência do próprio julgador na medida em que a prova da acusação deveria superar uma resistência natural de quem tem um convencimento inocência Mas isso seria querer um grau de compreensão do que seja conquista democrática e valor dos direitos fundamentais que dificilmente será alcançado Até lá já seria um avanço se compreendessem a equivalência axiológica entre condenação e absolvição Voltando para o processo acusatório existe um formalismo que deve ser sublinhado quanto menos espaço ocupa o órgão julgador juizespectador e não juizator tanto mais pesam os ritos não no sentido de procedimento mas sim de ritual e o valor da forma dos atos26 O ritual judiciário está constituído essencialmente por discursos e no sistema acusatório forma é garantia Como bem definiu OLIVEIRA27 não há que se confundir formalismos despidos de significados com significados revestidos de forma e emendamos não há que se transportar automaticamente categorias como a famigerada pas nullité sans grief do processo civil para o processo penal Forma é garantia e o estilo acusatório impõe severos rituais à palavra28 Inspirado na doutrina de JAMES GOLDSCHMIDT processo como situação jurídica a quem CORDERO define como última obra maestra de la ciencia procesal alemana afirma o autor que o processo é uma máquina verbal em contraste com o estilo inquisitório verdadeira máquina monologadora com seu automatismo teoricamente perfeito onde nada se deixa ao acaso pois se prevê tudo o que se préjulga No sistema inquisitório o instrutor trabalha solitário elabora hipóteses e as cultiva buscando as provas quando as descobre as colhe29 É um sistema que exclui os diálogos e quando muito monologam juiz e Ministério Público e essa simbiose entre o Ministério Público e o juiz com poderes instrutórios conduz a uma metástase inquisitorial30 Essas lições são fundamentais quando se trata de analisar o art 156 do CPP que absurdamente atribui poderes instrutórios ao juiz antes mesmo de haver processo fundando assim um sistema inquisitório substancialmente inconstitucional Nem mesmo entre os defensores dos poderes instrutórios do juiz com os quais não concordamos sublinhese o inciso I do art 156 do CPP foi bem recebido evidenciando o quão longe na trilha inquisitória o legislador foi na Lei n 116902008 Nessa linha ZILLI31 reconhece que indesejado entretanto é o poder inserto no inciso I do art 156 o qual permite a determinação de ofício mesmo antes de iniciada a ação penal da produção de provas antecipadas A previsão se mal conduzida pode levar o juiz ao perigoso terreno da atuação investigatória subvertendose assim o sentido de um processo penal de matriz acusatória Também SCHIETTI32 fazendo uma distinção entre o ativismo judicial no curso do processo por ele defendido e aquele previsto na nova redação do art 156 inciso I aponta que são impertinentes e atentatórias à imparcialidade e ao modelo acusatório as iniciativas judiciais tendentes a durante as investigações inquisitoriais e sem provocação do interessado buscar provas É elementar que atribuir poderes investigatórios ao juiz é violar de morte a garantia da imparcialidade sobre a qual se estruturam o processo penal e o sistema acusatório e ainda não existe qualquer possibilidade de bom uso de tais poderes pois eles somente serão invocados pelos inquisidores de plantão de quem da bondade sempre há que se duvidar Recordemos as palavras da Exposição de Motivos do Código Modelo de Processo Penal para Iberoamérica o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor33 São posturas incompatíveis Como bem pontuou GIACOMOLLI34 eventual erro na escolha da profissão não justifica o exercício ideológico de outra atividade Em síntese o sistema legal das provas varia conforme tenhamos um sistema inquisitório ou acusatório pois é a gestão da prova que funda o sistema Quando se atribuem poderes instrutórios ou investigatórios conforme a fase a um juiz criase a figura do juizator característico de modelos processuais inquisitórios ou neoinquisitórios como o nosso Por outro lado quando a gestão das provas está nas mãos das partes o juiz assume seu verdadeiro papel de espectador alheamento essencial para assegurar a imparcialidade e a estrutura do modelo processual acusatório Ademais o limite probatório também é dado pelo sistema processual Se por um lado o sistema inquisitório admite um substancialismo e uma relativização da garantia da forma em nome da verdade real inalcançável de outro o modelo acusatório pautase por um formalismo protetor respeitando a forma enquanto valor O grande valor do processo acusatório está no seu conteúdo ético externado no estrito respeito às regras do jogo forma e principalmente no fato de que condenação ou absolvição são equivalentes axiológicos para o resultado abandonando o ranço inquisitório de buscar a condenação 3 Principiologia da Prova Quando se está diante de uma lei processual penal como a nossa que remonta a uma racionalidade do final do século XIX início do século XX e que possui uma inspiração assumidamente fascista35 além de exalar um ranço autoritário os princípios constitucionais são imprescindíveis para através de uma releitura pelo foco constitucional tentar compatibilizála com as exigências atuais Tratase de uma complexa alquimia para que o CPP tente sobreviver a uma filtragem constitucional e isso somente é possível com a estrita observância dos seguintes princípios e garantias 31 Garantia da Jurisdição Distinção entre Atos de Investigação e Atos de Prova Considerando que a principal garantia que temos é a da jurisdição e como consectário lógico dela a de ser julgado com base na prova produzida dentro do processo com todas as garantias do due process of law é muito importante distinguir os atos verdadeiramente de prova daqueles meros atos de investigação produzidos na fase préprocessual Assim são atos de prova aqueles que 1 estão dirigidos a convencer o juiz de uma afirmação 2 estão a serviço do processo e integram o processo penal 3 dirigemse a formar a convicção do juiz para o julgamento final tutela de segurança 4 servem à sentença 5 exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação 6 são praticados ante o juiz que julgará o processo Substancialmente distintos os atos de investigação realizados na investigação preliminar 1 não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese 2 estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos 3 servem para formar um juízo de probabilidade e não a convicção do juiz para o julgamento 4 não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidas 5 servem para a formação da opinio delicti do acusador 6 não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento 7 também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação indiciamento e adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional 8 podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Partindo dessa distinção concluise facilmente que o inquérito policial somente gera atos de investigação e como tais de limitado valor probatório Seria um contrassenso outorgar maior valor a uma atividade realizada por um órgão administrativo muitas vezes sem nenhum contraditório ou possibilidade de defesa e ainda sob o manto do segredo Somente são considerados atos de prova e portanto aptos a fundamentarem a sentença aqueles praticados dentro do processo à luz da garantia da jurisdição e demais regras do devido processo penal 32 Presunção de Inocência A presunção de inocência foi motivo de burla por parte de VICENZO MANZINI para quem ela não passa de uma absurda teoria ideada pelo empirismo francês Partindo de uma premissa absurda MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade O raciocínio era o seguinte como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo não há o que justifique a proteção e a presunção de inocência Com base na doutrina de Manzini o próprio Código de Rocco de 1930 não consagrou a presunção de inocência pois era vista como um excesso de individualismo e garantismo Com razão CORDERO36 define MANZINI como xenófobo partidário da repressão defensor do glorioso passado inquisitório alheio a investigação do direito comparado para quem em seu exíguo opaco e fóbico universo mental filosofia significa vírus subversivo Isso é extremamente relevante se considerarmos que nosso atual Código de Processo Penal em sua Exposição de Motivos idolatra o Código de Rocco que por sua vez foi elaborado por ninguém menos que VICENZO MANZINI A consciência desse complexo contexto histórico é fundante de uma posição crítica e extremamente preocupada com os níveis de eficácia dos direitos fundamentais previstos na Constituição e de difícil implementação num Código como o nosso No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia Tal é sua relevância que AMILTON B de CARVALHO37 afirma que o Princípio da Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum é pressuposto para seguir Eros nesse momento histórico da condição humana A complexidade do conceito de presunção de inocência38 faz com que dito princípio atue em diferentes dimensões no processo penal Contudo a essência da presunção de inocência pode ser sintetizada na seguinte expressão dever de tratamento Esse dever de tratamento atua em duas dimensões interna e externa ao processo Dentro do processo a presunção de inocência implica um dever de tratamento por parte do juiz e do acusador que deverão efetivamente tratar o réu como inocente não abusando das medidas cautelares e principalmente não olvidando que a partir dela se atribui a carga da prova integralmente ao acusador em decorrência do dever de tratar o réu como inocente logo a presunção deve ser derrubada pelo acusador Na dimensão externa ao processo a presunção de inocência impõe limites à publicidade abusiva e à estigmatização do acusado diante do dever de tratálo como inocente Neste momento da exposição interessanos apenas a questão da carga da prova para empregar um léxico goldschmidtiano 33 Carga da Prova e In Dubio Pro Reo Quando o Réu Alega uma Causa de Exclusão da Ilicitude Ele Deve Provar A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente não lhe incumbe provar absolutamente nada Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador sem que o réu e muito menos o juiz tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução direito de silêncio nemo tenetur se detegere FERRAJOLI39 esclarece que a acusação tem a carga de descobrir hipóteses e provas e a defesa tem o direito não dever de contradizer com contrahipóteses e contraprovas O juiz que deve ter por hábito profissional a imparcialidade e a dúvida tem a tarefa de analisar todas as hipóteses aceitando a acusatória somente se estiver provada e não a aceitando se desmentida ou ainda que não desmentida não restar suficientemente provada É importante recordar que no processo penal não há distribuição de cargas probatórias a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória denúncia ou queixa mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência Erro crasso pode ser percebido quase que diariamente nos foros brasileiros sentenças e acórdãos fazendo uma absurda distribuição de cargas no processo penal tratando a questão da mesma forma que no processo civil Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na falta de provas da tese defensiva como se o réu tivesse que provar sua versão de negativa de autoria ou da presença de uma excludente O que podemos conceber como já explicamos ao tratar do pensamento de GOLDSCHMIDT é uma assunção de riscos A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória Assim quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance logo assunção do risco de uma sentença desfavorável Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio calcado no nemo tenetur se detegere Não gera um prejuízo processual pois não existe uma carga Contudo potencializa o risco de uma sentença condenatória Isso é inegável Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um prejuízo imediato e tampouco possui ela um dever de liberação A questão deslocase para a dimensão da distribuição do risco pela perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz O réu que cala assume o risco decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da veracidade de sua tese Com uma construção teórica um pouco distinta mas alcançando uma conclusão similar à nossa HUERTAS MARTIN40 afirma que no processo penal unicamente caberia se falar em carga da prova em sentido negativo não recai sobre o acusado em nenhum caso a carga de provar sua própria inocência que por outra parte se presume enquanto não exista uma atividade probatória suficiente de onde se possa depreender o contrário tradução nossa Interessante ainda é a afirmação de ILLUMINATI41 de que não há que se falar em carga da prova mas sim em regra de julgamento regla de juicio O processo penal define uma situação jurídica em que o problema da carga probatória é na realidade uma regra para o juiz proibindoo de condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente provada Ao lado da presunção de inocência como critério pragmático de solução da incerteza dúvida judicial o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada A única certeza exigida pelo processo penal referese à prova da autoria e da materialidade necessárias para que se prolate uma sentença condenatória Do contrário em não sendo alcançado esse grau de convencimento e liberação de cargas a absolvição é imperativa Isso porque ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua presunção até prova em contrário essa prova contrária deve aportála quem nega sua existência ao formular a acusação42 Tratase de estrita observância ao nulla accusatio sine probatione Devemos destacar que a primeira parte do art 156 do CPP deve ser lida à luz da garantia constitucional da inocência O dispositivo determina que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer Mas a primeira e principal alegação feita é a que consta na denúncia e aponta para a autoria e a materialidade logo incumbe ao MP o ônus total e intransferível de provar a existência do delito Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina e rançosa jurisprudência ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada excludente Nada mais equivocado principalmente se compreendido o dito até aqui A carga do acusador é de provar o alegado logo demonstrar que alguém autoria praticou um crime fato típico ilícito e culpável Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade a ilicitude e a culpabilidade e logicamente a inexistência das causas de justificação Essa é a regla de juicio ou seja a regra para o julgamento por parte do juiz No mesmo sentido GUARNIERI43 afirma categoricamente que incumbe a la acusación la prueba positiva no sólo de los hechos que constituyan el delito sino también de la inexistencia de los que le excluyan Explica JUAREZ TAVARES 44 ao tratar da complexidade que envolve o conceito de análise dialética do injusto que só haverá ilicitude quando esgotados todos os recursos em favor da prevalência da liberdade E como adverte o autor a operação mental que deve ser feita é exatamente inversa àquela que normalmente realiza a doutrina penal e advertimos nós também a processual penal Eis o pontochave em vez de perquirir se existe uma causa que exclua a antijuridicidade porque o tipo de injusto já a indicia o que constituiria uma presunção juris tantum de ilicitude devese partir de que só se autoriza a intervenção se não existir em favor do sujeito uma causa que autorize a conduta Isso porque o tipo penal não constitui indício da antijuridicidade mas uma etapa metodológica um requisito que deve ser perquirido para que a intervenção estatal possa efetivarse como adverte o autor Também chama a atenção para a influência da presunção de inocência uma preocupação rara entre os penalistas que erroneamente pensam que princípios como este não afetam o Direito Penal apenas o Processual É elementar que a presunção de inocência afeta a estrutura e as normas tanto do Direito Penal como também do Processual Penal Sempre atento ao primado da Constituição TAVARES 45 aponta que não se pode considerar indiciado o injusto pelo simples fato da realização do tipo antes que se esgote em favor do sujeito a análise das normas que possam autorizar sua conduta Então tanto pela compreensão da regra para o juiz como também pela dimensão de atribuição exclusiva da carga probatória ao acusador se o réu aduzir a existência de uma causa de exclusão da ilicitude cabe ao acusador provar que o fato é ilícito e que a causa não existe através de prova positiva46 Ao adotarmos a teoria do processo como situação jurídica de JAMES GOLDSCHMIDT entendemos que no processo penal o acusador inicia com uma imensa carga probatória constituída não apenas pelo ônus de provar o alegado autoria de um crime mas também pela necessidade de derrubar a presunção de inocência instituída pela Constituição Para chegar à sentença favorável acolhimento da tese acusatória sustentada ele deve aproveitar as chances do processo instrução etc para liberarse dessa carga À medida que o acusador vai demonstrando as afirmações feitas na inicial ele se libera da carga e ao mesmo tempo enfraquece a presunção inicial de inocência até chegar ao ponto de máxima liberação da carga e consequente desconstrução da presunção de inocência com a sentença penal condenatória Caso isso não ocorra a absolvição é um imperativo regra para o juiz Por fim outro aspecto que deve ser tratado neste momento é uma equivocada práxis de menor exigência probatória para os delitos de menor gravidade bastante difundida a partir da criação dos Juizados Especiais Criminais e que decorre também do baixo nível de qualidade da prestação jurisdicional lá efetivada Tratase de raciocínio rotineiramente empregado nos julgados vinculando o nível de exigência probatória à gravidade do delito de modo que para delitos de menor gravidade uma prova mais frágil serviria para amparar um juízo condenatório até porque a sanção penal seria mais branda Nada mais equivocado O nível de exigência probatória não varia Tratase de mais um resquício de práticas e de uma verdadeira racionalidade inquisitoriais ainda tão arraigadas no sistema contemporâneo e na forma de pensar de muitos daqueles que atuam no processo penal Não se pode relativizar a presunção de inocência e o in dubio pro reo a partir de uma pseudomenor gravidade do fato A proteção é processual e em relação ao exercício de poder corporificado na sentença condenatória e esse poder e consequente proteçãolimite não varia conforme a pena Tal erro histórico encontra definição naquilo que CORDERO47 chama de equação homeopática à plena probatio correspondem as penas ordinárias as semiplenae probationes implicam as penas diminuídas Essa era a lógica probatória do sistema inquisitório absolutamente incompatível por óbvio com o processo penal contemporâneo 34 In Dubio Pro Societate DesVelando um Ranço Inquisitório Importante destacar que a presunção de inocência e o in dubio pro reo não podem ser afastados no rito do Tribunal do Júri Ou seja além de não existir a mínima base constitucional para o in dubio pro societate quando da decisão de pronúncia é ele incompatível com a estrutura das cargas probatórias definida pela presunção de inocência A questão foi tratada com muito acerto por RANGEL48 que ao atacar tal construção afirma que o chamado princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito onde a dúvida não pode autorizar uma acusação colocando uma pessoa no banco dos réus O Ministério Público como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis não pode com base na dúvida manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal Com razão RANGEL destaca que não há nenhum dispositivo legal que autorize esse chamado princípio do in dubio pro societate O ônus da prova já dissemos é do Estado e não do investigado Por derradeiro enfrentando a questão na esfera do Tribunal do Júri segue o autor explicando que se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia sob o aspecto da autoria e materialidade não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado mandandoo a júri onde o sistema que impera lamentavelmente é o da íntima convicção A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação com base na dúvida Outro momento em que o famigerado in dubio pro societate cobra seu preço é na revisão criminal É lugarcomum o discurso de que nessa ação desconstitutiva incumbe ao réu a prova integral do fato modificativo sem que a revisão seja acolhida quando a questão não superar o campo da dúvida Essa problemática costuma aparecer quando o fundamento da revisão situase na dimensão probatória evidência dos autos novas provas de inocência depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos etc Nesses casos cumpre perguntar a onde está a previsão constitucional do tal in dubio pro societate b em que fase do processo e com base em que o réu perde a proteção constitucional c como justificar que no momento da decisão seja ela pelo juiz ou tribunal a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição mas essa mesma dúvida quando surgir apenas em sede de revisão criminal não autorize a absolvição d e se quando da decisão de primeiro grau ou mesmo em grau recursal mas antes do trânsito em julgado existir um contexto probatório que permita afastar a dúvida e alcançar um alto grau de probabilidade autorizador da condenação mas depois do trânsito em julgado surgir uma prova nova x que gere uma dúvida em relação ao suporte probatório existente por que devemos afastar o in dubio pro reo e como justificar que essa prova se tivesse sido conhecida quando da sentença implicaria absolvição mas agora porque estamos numa revisão criminal ela não mais serve para absolver Em suma nossa posição é a de que a sentença condenatória só pode manterse enquanto não surgir uma prova que crie uma dúvida fundada Logo o in dubio pro reo é um critério pragmático para solução da incerteza processual qualquer que seja a fase do processo em que ocorra O sistema probatório fundado a partir da presunção constitucional de inocência não admite nenhuma exceção procedimental inversão de ônus probatório ou frágeis construções inquisitoriais do estilo in dubio pro societate 35 Contraditório e Momentos da Prova O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade fundandose não mais sobre um juízo potestativo mas sobre o conflito disciplinado e ritualizado entre partes contrapostas a acusação expressão do interesse punitivo do Estado e a defesa expressão do interesse do acusado e da sociedade em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo O ato de contradizer 49 a versão afirmada na acusação enquanto declaração petitória é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mútuas das partes na forma dialética Por isso está intimamente relacionado com o princípio do audiatur et altera pars pois obriga que a reconstrução da pequena história do delito seja feita com base na versão da acusação vítima mas também com base no alegado pelo sujeito passivo O adágio está atrelado ao direito de audiência o qual o juiz deve conferir a ambas as partes sob pena de parcialidade Para W GOLDSCHMIDT 50 também serve para justificar a face igualitária da justiça pois quien presta audiencia a una parte igual favor debe a la otra O juiz deve dar ouvida a ambas as partes sob pena de parcialidade na medida em que conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido Considerando o que dissemos acerca do processo como jogo das chances e estratégias de que as partes podem lançar mão legitimamente no processo o sistema exige apenas que seja dada a oportunidade de fala Ou seja o contraditório é observado quando se criam as condições ideais de fala e oitiva da outra parte ainda que ela não queira utilizarse de tal faculdade até porque pode lançar mão do nemo tenetur se detegere51 O contraditório é uma nota característica do processo uma exigência política e mais do que isso confundese com a própria essência do processo Inspirado em ELIO FAZZALARI o conceito moderno de processo necessariamente deve envolver o procedimento e o contraditório sem o que não existe processo A interposição de alegações contrárias frente ao órgão jurisdicional a própria discussão explica GUASP52 não só é um eficaz instrumento técnico que utiliza o direito para obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo senão que se trata de verdadeira exigência de justiça que nenhum sistema de Administração de Justiça pode omitir É autêntica prescrição do direito natural dotada de inevitável conteúdo imperativo Talvez seja o princípio de direito natural mais característico entre todos os que fazem referência à Administração da Justiça Não podemos esquecer que Ministério Público e Defesa foram feitos para contraditaremse a ponto de CARNELUTTI53 afirmar que la loro contraddizione è necessária al giudice come lossigeno nellaria che respira Il dubbio è um passaggio obbligato sulla via della verità guai al giudice che non dubita Non tanto la possibilita quanto la effettività del contraddittorio sono una garanzia imprescindibile della istruzione Tanto più vale codesta garanzia quanto più siano equilibrate le forze dei due lottatori Numa visão contemporânea o contraditório engloba o direito das partes de debater perante o juiz mas não é suficiente que tenham a faculdade de ampla participação no processo é necessário também que o juiz participe intensamente não confundir com juizinquisidor ou com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz respondendo adequadamente às petições e requerimentos das partes fundamentando suas decisões inclusive as interlocutórias evitando atuações de ofício e as surpresas Ao sentenciar é crucial que observe a correlação acusaçãodefesasentença54 Contudo contraditório e direito de defesa são distintos pelo menos no plano teórico PELLEGRINI GRINOVER55 explica que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório No mesmo sentido LEONE56 faz a distinção e afirma que não se pode identificar contraditório e direito de defesa pois o último pode ser exercido sem que seja instaurado o contraditório Para o autor o contraditório consiste na participação contemporânea e contraposta de todas as partes no processo Ademais destaca que o contraditório é da essência da estrutura dialética sobre a qual deve estruturarse o processo penal Assim o contraditório deve ser visto basicamente como o direito de participar de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental A relevância da distinção reside na possibilidade de violar um deles sem a violação simultânea do outro com reflexos no sistema de nulidades dos atos processuais É possível cercear o direito de defesa pela limitação no uso de instrumentos processuais sem que necessariamente também ocorra violação do contraditório A situação inversa é teoricamente possível mas pouco comum pois em geral a ausência de comunicação gera a impossibilidade de defesa Destacamos que na teoria é facilmente apontável a distinção entre contraditório e direito de defesa Sem embargo ninguém pode omitir que o limite que separa ambos é tênue e na prática às vezes quase imperceptível Desse modo entendemos que não constitui pecado mortal afirmar que em muitos momentos processuais o contraditório e o direito de defesa se fundem e a distinção teórica fica isolada diante da realidade do processo Nessa linha parte da doutrina57 não faz uma distinção clara entre ambos chegando inclusive a afirmar que a defesa é um elemento do contraditório Os dois polos da garantia do contraditório são informação e reação A efetividade do contraditório no Estado Democrático de Direito está amparada no direito de informação e participação dos indivíduos na Administração de Justiça Para participar é imprescindível ter a informação A participação no processo se realiza por meio da reação vista como resistência à pretensão jurídica acusatória e não punitiva58 articulada e isso expressa a dificuldade prática em certos casos de distinguir entre a reação e o direito de defesa Assim o contraditório é essencialmente o direito de ser informado e de participar no processo É o conhecimento completo da acusação o direito de saber o que está ocorrendo no processo de ser comunicado de todos os atos processuais Como regra não pode haver segredo antítese para a defesa sob pena de violação ao contraditório Tratase contraditório e direito de defesa de direitos constitucionalmente assegurados no art 5º LV da CB Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes Especificamente em matéria probatória o contraditório deve ser rigorosamente observado nos quatro momentos da prova 1º Postulação denúncia ou resposta escrita contraditório está na possibilidade de também postular a prova em igualdade de oportunidades e condições 2 º Admissão pelo juiz contraditório e direito de defesa concretizamse na possibilidade de impugnar a decisão que admite a prova 3 º Produção instrução o contraditório manifestase na possibilidade de as partes participarem e assistirem a produção da prova 4 º Valoração na sentença o contraditório manifestase através do controle da racionalidade da decisão externada pela fundamentação que conduz à possibilidade de impugnação pela via recursal Sublinhese a imprescindibilidade do contraditório que deve permear todos os atos e momentos da prova Ademais contraditório é uma abertura necessária para evitar a manipulação da prova por parte do juiz ainda que inconscientemente Sua ausência além de constituir uma grave e insanável violação das regras do jogo forma enquanto garantia faz com que segundo CORDERO59 abramse as portas ao pensamento paranoide pois como dono do tabuleiro o juiz inquisidor dispõe das peças como lhe convém a inquisição é um mundo verbal semelhante ao onírico onde tempos lugares coisas pessoas e acontecimentos flutuam e se movem em quadros manipuláveis 36 Provas e Direito de Defesa o Nemo Tenetur se Detegere Em matéria probatória além do contraditório deve haver estrita observância do direito de defesa também presente nos quatro momentos anteriormente apontados tanto da defesa técnica como da defesa pessoal positiva ou negativa A defesa técnica obriga e garante a presença de defensor em todos os atos do processo principalmente em matéria probatória Não apenas a comunicação dos atos e oportunidade para que os exerça senão que a garantia da defesa também impõe a presença efetiva do defensor nos atos que integram a instrução sendo absolutamente ilegal a prática neoinquisitória de alguns prepotentes juízes que resolvem colher a prova sem a presença do réu e de seu defensor Nem o art 93 IX da Constituição nem o art 217 do CPP autorizam essa prática absurdamente ilegal A defesa técnica é indisponível e imprescindível decorre de uma esigenza di equilibrio funzionale60 entre defesa e acusação e também de uma acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal em igualdade de condições técnicas com o acusador Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo promotor policial ou mesmo juiz Pode existir uma dificuldade de compreender o resultado da atividade desenvolvida na investigação preliminar gerando absoluta intranquilidade e descontrole Ademais havendo uma prisão cautelar existirá uma impossibilidade física de atuar de forma efetiva Para FOSCHINI61 a defesa técnica é anche una esigenza della società perchè la regiudicanda penale implica non solo una responsabilità individuale ma anche una responsabilità della collettività sociale Prossegue o autor afirmando que limputato infatti alla stregua dei propri criteri potrebbe anche difendersi poco o non difendersi o addirittura ammettere la propria certamento negativo se alla stregua dei valori sociali tradotti nellordinamento giuridico è da ritenere che il fatto non constituisca reato o che non sai fonte di responsabilità ad es perchè constituisce unazione bellica o perchè commesso in stato di necessità Isso significa que a defesa técnica é uma exigência da sociedade porque o imputado pode a seu critério defenderse pouco ou mesmo não se defender mas isso não exclui o interesse da coletividade em uma verificação negativa no caso de o delito não constituir uma fonte de responsabilidade penal A estrutura dualística do processo expressase tanto na esfera individual como na social Assim defesa técnica é indisponível pois além de ser uma garantia do sujeito passivo existe um interesse coletivo na correta apuração do fato Tratase ainda de verdadeira condição de paridade de armas imprescindível para a concreta atuação do contraditório Inclusive fortalece a própria imparcialidade do juiz pois quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficará o julgador terzietà alheamento No mesmo sentido MORENO CATENA62 leciona que a defesa técnica atua também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual penal estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética processual e da igualdade das partes É na realidade uma satisfação alheia à vontade do sujeito passivo pois resulta de um imperativo de ordem pública contido no princípio do due process of law O Estado deve organizarse de modo a instituir um sistema de Serviço Público de Defesa tão bem estruturado como o Ministério Público com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor Assim como o Estado organiza um serviço de acusação tem o dever de criar um serviço público de defesa porque a tutela da inocência do imputado não é só um interesse individual mas social63 Já a defesa pessoal ou autodefesa é a possibilidade de o sujeito passivo resistir pessoalmente à pretensão acusatória seja através de atuações positivas ou negativas A autodefesa positiva deve ser compreendida como direito disponível do sujeito passivo de praticar atos declarar participar de acareações reconhecimentos submeterse a exames periciais etc A defesa pessoal negativa como o próprio nome diz estruturase a partir de uma recusa um não fazer É o direito de o imputado não fazer prova contra si mesmo podendo recusarse a praticar todo e qualquer ato probatório que entenda prejudicial à sua defesa direito de calar no interrogatório recusarse a participar de acareações reconhecimentos submeterse a exames periciais etc Contudo sublinhamos novamente a imensa restrição que o nemo tenetur se detegere sofreu com a promulgação da Lei n 126542012 que permite a extração compulsória de DNA do investigado Agora havendo necessidade para a investigação e autorização judicial poderá ser autorizada a extração compulsória de material genético do imputado para comprovação da autoria do crime não lhe assistindo mais o direito de não produzir prova contra si mesmo Trataremos novamente deste tema no Capítulo Das Provas em Espécie no tópico destinado a Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito 37 Valoração das Provas Sistema Legal de Provas Íntima Convicção e Livre Convencimento Motivado Sem pretender analisar a evolução histórica dos sistemas de valoração das provas faremos uma sumária exposição dos três mais relevantes No sistema legal de provas o legislador previa a priori a partir da experiência coletiva acumulada um sistema de valoração hierarquizada da prova estabelecendo uma tarifa probatória ou tabela de valoração das provas Era chamado de sistema legal de provas exatamente porque o valor vinha previamente definido em lei sem atentar para as especificidades de cada caso A confissão era considerada uma prova absoluta uma só testemunha não tinha valor etc Saltam aos olhos os graves inconvenientes de tal sistema na medida em que não permitia uma valoração da prova por parte do juiz que se via limitado a aferir segundo os critérios previamente definidos na lei sem espaço para sua sensibilidade ou eleições de significados a partir da especificidade do caso Na acertada síntese de BACILA64 tabelar significa cercear a capacidade de o julgador fazer uma análise mais inteligente no caso concreto É o medo da falha humana que fez com que este sistema falhasse como um todo Resquícios da estrutura lógica desse modelo podem ser observados no sistema brasileiro em que o art 158 do CPP exige que a prova nas infrações que deixam vestígios deve ser feita por exame de corpo de delito direto ou indireto não podendo suprilo a confissão do acusado É um exemplo de que a lógica do sistema legal de provas não foi completamente abandonada na medida em que existem limitações no espaço de decisão do juiz a partir de critérios previamente definidos pelo legislador na lei O princípio da íntima convicção surge como uma superação do modelo de prova tarifada ou tabelada O juiz não precisa fundamentar sua decisão e muito menos obedecer a critérios de avaliação das provas65 Estabelece aqui um rompimento com os limites estabelecidos pelo sistema anterior caindo no outro extremo o julgador está completamente livre para valorar a prova íntima convicção sem que sequer tenha de fundamentar sua decisão Para sair do positivismo do sistema anterior caiuse no excesso de discricionariedade e liberdade de julgamento em que o juiz decide sem demonstrar os argumentos e elementos que amparam e legitimam a decisão Evidentes os graves inconvenientes que traz esse sistema Contudo é adotado no Brasil até hoje no Tribunal do Júri onde os profanos julgam com plena liberdade sem qualquer critério probatório e sem a necessidade de motivar ou fundamentar suas decisões A íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento pois a supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da prova dos autos e até mesmo decidam contra a prova66 Isso significa um retrocesso ao direito penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu E tudo isso sem qualquer fundamentação A amplitude do mundo extraautos de que os jurados podem lançar mão sepulta qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar Como sistema intermediário em relação ao radicalismo dos dois anteriores o livre convencimento motivado ou persuasão racional é um importante princípio a sustentar a garantia da fundamentação das decisões judiciais estando previsto no art 157 do CPP Não existem limites e regras abstratas de valoração como no sistema legal de provas mas tampouco há a possibilidade de formar sua convicção sem fundamentála como na íntima convicção Cumpre então analisar mais detidamente o alcance dessa liberdade que o julgador tem para formar sua convicção Ela se refere à não submissão do juiz a interesses políticos econômicos ou mesmo à vontade da maioria A legitimidade do juiz não decorre do consenso tampouco da democracia formal senão do aspecto substancial da democracia que o legitima enquanto guardião da eficácia do sistema de garantias da Constituição na tutela do débil submetido ao processo Também decorre da própria ausência de um sistema de prova tarifada de modo que todas as provas são relativas nenhuma delas tem maior prestígio ou valor que as outras nem mesmo as provas técnicas a experiência já demonstrou que se deve ter cuidado com o endeusamento da tecnologia e da própria ciência Contudo essa liberdade não é plena na dimensão jurídicoprocessual pois como aponta LEONE67 não pode significar liberdade do juiz para substituir a prova e por conseguinte a crítica valoração dela por meras conjeturas ou por mais honesta que seja sua opinião Ainda que o juiz não esteja vinculado ou adstrito à vontade da maioria tampouco se deve avalizar uma decisão que reflita somente a opinião do juiz68 Daí a necessidade de que a decisão seja reconhecida como justa e por isso respeitada Não está legitimado o decisionismo por óbvio A convicção do julgador deve ainda respeito ao tempo do processo Não há que confundir economia processual com economia do seu próprio tempo ensina LEONE69 Não pode o juiz atropelar como vimos anteriormente a dinâmica da dialeticidade do processo cabendo a ele respeitar o tempo da acusação da defesa da prova e da própria maturação do ato decisório Deve o julgador ter a dúvida e a paciência de duvidar como hábito evitando ao máximo os juízos apriorísticos de inverossimilitude das circunstâncias ou fatos alegados Como sublinha LEONE70 la vida es demasiado variada demasiado rica en incógnitas en singularidades y hasta en rarezas para que pueda encerrársela en esquemas prefabricados a la realidad Em definitivo o livre convencimento é na verdade muito mais limitado do que livre E assim deve sêlo pois se trata de poder e no jogo democrático do processo todo poder tende a ser abusivo Por isso necessita de controle Não se pode pactuar com o decisionismo de um juiz que julgue conforme a sua consciência dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa STRECK Não se nega a subjetividade por elementar mas o juiz deve julgar conforme a prova e o sistema jurídico penal e processual penal demarcando o espaço decisório pela conformidade constitucional Voltaremos ao tema e para lá remetemos o leitor quando tratarmos das Decisões Judiciais 38 O Princípio da Identidade Física do Juiz Inovação inserida no CPP por força da Lei n 116902008 dispõe o art 399 2º o seguinte Art 399 Recebida a denúncia ou queixa o juiz designará dia e hora para a audiência ordenando a intimação do acusado de seu defensor do Ministério Público e se for o caso do querelante e do assistente 2º O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença grifo nosso Passa o sistema processual penal brasileiro a exigir que o mesmo juiz que colha a prova profira a sentença julgando o feito Para tanto a reforma nos procedimentos comuns ordinário e sumário veio no sentido de aglutinação de atos em uma única audiência onde a prova é produzida seguemse debates e sentença Determina o art 400 que Art 400 Na audiência de instrução e julgamento a ser realizada no prazo máximo de 60 sessenta dias procederseá à tomada de declarações do ofendido à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Código bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogandose em seguida o acusado 1º As provas serão produzidas numa só audiência podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes impertinentes ou protelatórias Após a coleta da prova ainda na mesma audiência serão realizados os debates orais e proferida a sentença Eventualmente se a complexidade do caso exigir os debates orais serão substituídos por memoriais A concentração dos atos necessários para a identidade física impõe que a instrução seja realizada em uma única audiência ou caso isso não seja possível em audiências realizadas em breve espaço de tempo O princípio da identidade física do juiz exige por decorrência lógica a observância dos subprincípios da oralidade concentração dos atos e imediatidade Foi seguindo essa lógica que se procedeu a alteração procedimental para criar condições de máxima eficácia dos subprincípios É um encadeamento sistêmico como define PORTANOVA 71 que começa com a necessidade de uma atuação direta e efetiva do juiz em relação à prova oralmente produzida sem que possa ser mediatizada através de interposta pessoa O princípio da identidade física traz vantagens e inconvenientes O juiz que presidiu a coleta da prova e teve contato direto com as testemunhas peritos vítimas e o imputado tem uma visão mais ampla do caso penal submetido a julgamento Essa é uma vantagem mas ao mesmo tempo pode ser um grave inconveniente Isso porque esse juiz pode estar contaminado seduzido pelos seus prejulgamentos e sem alheamento suficiente para ponderar a prova colhida e julgar com serenidade Esse pode ser um grave problema O princípio da identidade física afeta diretamente a maneira como o juiz sente a prova e os fatos reconstruídos no ritual recognitivo da instrução E isso pode ser positivo ou negativo Sem desconhecer os inconvenientes pensamos que as vantagens podem ser maiores na medida em que o processo penal é um instrumento no qual as partes lutam pela captura psíquica do juiz um ritual de recognição em que o importante é convencer o julgador Daí por que tudo pode ser em vão quando a decisão é proferida por alguém que não participou desse complexo ritual como ocorre nas sentenças proferidas por juízes que não participaram da coleta da prova PORTANOVA 72 também sublinha a vantagem do julgador que criou laços psicológicos com as partes e as testemunhas de modo que essas impressões podem contribuir para a melhor valoração da prova na sentença Constituem uma exceção ao princípio da identidade física as provas colhidas à distância tais como os depoimentos produzidos em outras comarcas através de carta precatória ou rogatória se for exterior Mas em que pese o referido dispositivo legal não fazer nenhuma exceção ao princípio da identidade física é recorrente a aplicação por parte dos tribunais da analogia com o art 132 do CPC que dispõe o seguinte Art 132 O juiz titular ou substituto que concluir a audiência julgará a lide salvo se estiver convocado licenciado afastado por qualquer motivo promovido ou aposentado casos em que passará os autos ao seu sucessor Parágrafo único Em qualquer hipótese o juiz que proferir a sentença se entender necessário poderá mandar repetir as provas já produzidas Dessarte por analogia consideram que não há violação do princípio da identidade física quando o juiz titular se afasta do processo no curso ou após a instrução por ter sido convocado licenciado afastado por qualquer motivo promovido ou aposentado situação em que o processo passará ao seu sucessor para conclusão da instrução se for o caso e prolação da sentença É aconselhável conforme a necessidade e complexidade da prova que o juiz determine a repetição da prova já produzida mas essa é uma faculdade do magistrado e não um direito subjetivo das partes 4 O Problema da Verdade no Processo Penal Aplicável aqui a célebre frase de JOSEPH GOEBBELS ministro de propaganda nazista de Hitler uma boa mentira repetida centenas de vezes acaba se tornando uma verdade e no caso do processo penal uma verdade real ou substancial Impressionante a crença nesse mito ardilosamente construído pelo substancialismo inquisitório e posteriormente repetido por muitos incautos e por outros nem tanto Quando se trata da prova no processo penal culminamos por discutir também que verdade foi buscada no processo Isso porque como explicamos anteriormente o processo penal é um modo de construção do convencimento do juiz fazendo com que as limitações imanentes à prova afetem a construção e os próprios limites desse convencimento Daí por que de nada serve lutar pela efetivação do modelo acusatório e a máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição quando tudo isso esbarra na atuação substancialista de quem busca uma inalcançável verdade real Mas tampouco representa algum avanço em termos de rigor científico a tal verdade processual ou a opção de CARNELUTTI pela certeza jurídica O ponto nevrálgico está na pretensão de verdade e o que isso representa em termos de estrutura do processo Mas para compreender esse complexo problema é necessária uma análise evolutiva que inicie pelo erro mais grosseiro a mitológica verdade real 41 Verdade Real Desconstruindo um Mito Forjado na Inquisição Rumo à Verdade Processual Quando se aborda a fundamentação das decisões judiciais em última análise está se discutindo também que verdade73 foi buscada e alcançada no ato decisório Eis aqui a relevância de desconstruir o mito da verdade real na medida em que é uma artimanha engendrada nos meandros da inquisição para justificar o substancialismo penal e o decisionismo processual utilitarismo típicos do sistema inquisitório Historicamente74 está demonstrado empiricamente que o processo penal sempre que buscou uma verdade mais material e consistente e com menos limites na atividade de busca produziu uma verdade de menor qualidade e com pior trato para o imputado Esse processo que não conhecia a ideia de limites admitindo inclusive a tortura levou mais gente a confessar não só delitos não cometidos mas também alguns impossíveis de serem realizados O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório com o interesse público cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades com sistemas políticos autoritários com a busca de uma verdade a qualquer custo chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos e com a figura do juizator inquisidor O maior inconveniente da verdade real foi ter criado uma cultura inquisitiva que acabou se disseminando por todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal A partir dela as práticas probatórias mais diversas estão autorizadas pela nobreza de seus propósitos a verdade Nessa linha sintetiza com acerto o autor que a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da ideia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição como meta principal do processo penal75 Noutra dimensão devemos sublinhar na esteira de FERRAJOLI76 que a verdade substancial ao ser perseguida fora das regras e controles e sobretudo de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação degenera o juízo de valor amplamente arbitrário de fato assim como o cognoscitivismo ético sobre o qual se embasa o substancialismo penal e resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal Dessarte há que se descobrir a origem e a finalidade do mito da verdade real nasce na inquisição e a partir daí é usada para justificar os atos abusivos do Estado na mesma lógica de que os fins justificam os meios Assim no processo penal só se legitimaria a verdade formal ou processual Tratase de uma verdade perseguida pelo modelo formalista como fundamento de uma condenação e que só pode ser alcançada mediante o respeito das regras precisas e relativas aos fatos e circunstâncias considerados como penalmente relevantes Relevante é a distinção entre a verdade construída no processo e fixada pelo juiz na sentença e a verdade científica ou histórica A primeira tem o juiz como investigador exclusivo77 ao passo que as demais não A competência para investigar esse fato histórico e julgar está fixada em lei como exclusividade para o juiz Logo uma vez alcançada essa decisão pela coisa julgada será em regra imutável78 Isso é grave principalmente quando em prejuízo do imputado Se na ciência toda teoria tem prazo de validade sendo verdadeira apenas até que outra demonstre sua falsidade no Direito o fenômeno é diverso e os prejuízos irreparáveis Daí a importância de um sistema de garantias que diminua ao máximo o risco de uma sentença injusta bem como possibilite um eficaz sistema de controle recursal Como explica FERRAJOLI79 a verdade processual não pretende ser a verdade Não é obtida mediante indagações inquisitivas alheias ao objeto processual mas sim condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e garantias da defesa A verdade formal é mais controlada quanto ao método de aquisição e mais reduzida quanto ao conteúdo informativo que qualquer hipotética verdade substancial Essa limitação se manifesta em 4 sentidos I a tese acusatória deve estar formulada segundo e conforme a norma II a acusação deve estar corroborada pela prova colhida através de técnicas normativamente preestabelecidas III deve ser sempre uma verdade passível de prova e oposição IV a dúvida falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõem a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual às hipóteses acusatórias O valor do formalismo está em presidir normativamente a indagação judicial protegendo a liberdade dos indivíduos contra a introdução de verdades substancialmente arbitrárias ou incontroláveis FERRAJOLI80 vai definir a verdade processual como uma verdade aproximativa aquela limitada por lo que sabemos e portanto sempre contingente e relativa Diferencia o autor a verdade processual fática da verdade processual jurídica A primeira é uma verdade histórica porque se refere a fatos passados Já a verdade processual jurídica é classificatória pois diz respeito à qualificação jurídica dos fatos passados a partir do rol de opções que as categorias jurídicas oferecem Essa distinção é relevante para definir como se dará a verificabilidade dessas proposições Os fatos passados não são passíveis de experiência direta senão verificados a partir de suas consequências de seus efeitos Tratase de interpretar os signos do passado deixados no presente O presente é experimentável O passado tem de ser provado Nessa atividade o juiz assemelhase ao historiador de modo que após um raciocínio indutivo chegará a uma conclusão que tem o valor de hipótese provável probabilidade Portanto quem fala em verdade real confunde o real com o maginário pois o crime é sempre um fato passado logo é história memória fantasia imaginação É sempre imaginário nunca é real Já a verdade processual jurídica está relacionada com a subsunção do fato à norma um procedimento classificatório A lógica aqui é dedutiva o conhecido silogismo que se realiza na sentença Claro que não se trata de mera adequação do fato à norma Permeia essa atividade uma série de variáveis de natureza axiológica inerentes à subjetividade específica do ato decisório até porque toda reconstrução de um fato histórico está eivada de contaminação decorrente da própria atividade seletiva desenvolvida Em suma a verdade real é impossível de ser obtida Não só porque a verdade é excessiva como se verá na continuação senão porque constitui um gravíssimo erro falar em real quando estamos diante de um fato passado histórico É o absurdo de equiparar o real ao imaginário O real só existe no presente O crime é um fato passado reconstruído no presente logo no campo da memória do imaginário A única coisa que ele não possui é um dado de realidade Mas desconstruir o mito da verdade real não é suficiente é necessário questionar também a verdade processual e principalmente a ambição de verdade 42 Desvelando o Mito da Verdade no Processo Penal Rumo à Assunção da Sentença como Ato de Convencimento mas sem Cair no Relativismo Cético e Incidir no Erro do Decisionismo Antes de expormos nossa posição cumpre explicar que existem em síntese três grandes linhas na discussão sobre a verdade e a função da prova no processo Partindo de TARUFFO81 vejamos a A primeira posição sustenta que as provas são uma espécie de nonsense ou algo que na realidade não existe e tampouco são um meio para determinar a verdade dos fatos É assim para todos os que pensam ser epistemologicamente ideologicamente ou por outros fatores impossível considerar que a verdade dos fatos é realmente estabelecida no processo de um modo racional Numa concepção irracionalista da decisão judicial não é possível atribuir qualquer significado à prova dos fatos O mesmo sucede no âmbito das ideologias para quem o processo não pode e não deve orientarse pela determinação da verdade Por fim assim também pensam os que consideram que o processo não é um instrumento idôneo para se alcançar a verdade diante do seu excesso epistêmico Nessa linha a verdade dos fatos passa a ser irrelevante ou ao menos contingencial para o processo No âmbito dessas teorias surge algumas vezes a ideia de que a prova tem uma função ritual Em síntese as provas não serviriam para determinar os fatos mas seus procedimentos como a cross examination constituiriam ritos destinados a reforçar na opinião pública o convencimento de que o sistema processual implementa e respeita valores positivos como a igualdade de armas a correção do litígio e a vitória de quem tem razão Assim a prova e seus respectivos procedimentos de obtenção seriam meios não orientados aos fins racionais internos ao processo mas sim para dar aparência de legitimidade racional a um mecanismo teatral na verdade ritual cuja função seria dissimular a realidade irracional e muitas vezes injusta das decisões judiciais Destaquese que TARUFFO ao rechaçar essa posição distorce alguns conceitos e faz um maniqueísmo com o qual não concordamos Mas a essência está correta É acertadíssima a afirmação final de que en ese sentido las pruebas servirían para hacer creer que el proceso determina la verdad de los hechos porque es útil que los ciudadanos lo piensen aunque en realidad eso no suceda y quizás precisamente porque en realidad eso no sucede Nessa linha realizadas algumas adequações em relação ao reducionismo do ritual é o nosso pensamento que vai complementado eis que compatível pela segunda concepção b A segunda concepção situa a prova no terreno da semiótica e das narrativas do processo A premissa fundamental é que o processo é uma situação situação jurídica GOLDSCHMIDT na qual se desenvolvem diálogos e se narram fatos Essas narrativas e diálogos melhor discursos têm relevância desde sua estrutura semiótica e linguística não sendo relevante a relação entre narrativa e realidade empírica Não existe uma determinação de veracidade ou melhor não é a verdade elemento fundante Cada prova é tomada como um fragmento da história o autor emprega a palavra story um pedaço da narrativa interessando pela dimensão linguística e semiótica do processo como uma das tantas ocorrências do debate As provas são utilizadas pelas partes para dar suporte à story of the case que cada advogado propõe ao juiz A decisão final é a adoção de uma ou outra das narrativas Fica excluída qualquer referência à veracidade das teses É em síntese uma função persuasiva da prova criticada pelo autor por uma suposta vagueza e incerteza de conceitos e limites Nessa dimensão dialógiconarrativa a única função que pode ser imputada à prova é a de avalizar a narrativa desenvolvida por um dos personagens do diálogo tornandoa idônea para ser assumida como própria por outro personagem o juiz TARUFFO ainda vinculado à razão moderna clássico racionalismo jurídico não admite essa corrente Elementar que superado o paradigma cartesiano assumida a subjetividade e o caráter inegável de ritual do processo judicial compreendese que o processo penal principalmente o acusatório é uma estrutura de discursos E o que o juiz faz ao final é exatamente a eleição dos significados de cada um deles para construção do seu sentença Daí por que nossa posição situase na coexistência dessas duas correntes c A terceira posição é o clássico discurso racionalista que defende a possibilidade de determinar a verdade no curso do processo Claro que seus adeptos se apressam em relativizar a verdade buscando abrigo na autista categoria de verdade judicial ou processual e acabam caindo no lugarcomum TARUFFO afirma que o termo provas faz referência sinteticamente ao conjunto de meios através dos quais aquela reconstrução dos fatos é elaborada verificada e confirmada como verdadeira Defende existir um nexo instrumental entre prova e verdade dos fatos constituindo nisso a base da concepção jurídica tradicional da prova Para tentar salvar a verdade judicial afirma que ela pode ter diferentes versões sem deixar de ser verdade em função da variação dos sistemas processuais e das opções epistemológicas Em outro momento confessa que só essa concepção é capaz de confirmar a ideologia legalracional da decisão judicial opção dele O maior inconveniente dessa posição é que estruturada desde o racionalismo moderno não consegue descolarse da noção de verdade para justificar a função da prova no processo Feita essa distinção pensamos que é o momento de retomando CARNELUTTI apenas como ponto de partida demonstrar que mesmo a verdade processual é igualmente inadequada Com razão CARNELUTTI quando dizia já em 1925 ser estéril a discussão a respeito de viger a verdade real material ou a verdade processual formal O problema é a verdade Para o autor inspirado em HEIDEGGER a verdade é inalcançável até porque a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós82 Além de inalcançável tampouco existem verdades absolutas como a própria ciência encarregouse de demonstrar pois todo o saber é datado e tem prazo de validade Einstein Uma teoria só vale até que outra venha para negála Logo a verdade está no todo e o todo é excessivo jamais pode ser alcançado pelo homem83 Então propõe CARNELUTTI o abandono da noção de verdade e sua substituição por certeza jurídica Mas isso resulta numa mera substituição por outra categoria igualmente excessiva certeza Com o atual nível de evolução da ciência especialmente da física quântica operouse o fim das certezas como definiu PRIGOGINE É chegado o momento de o direito reconhecer que a incerteza está tão arraigada nas diferentes dimensões da vida para tanto imprescindível a leitura da sociologia do risco especialmente em BECK que a discussão superou há muito o nível da certeza para situarse na probabilidade com forte tendência de rumar para a possibilidade ou ainda propensões Contudo não é nesse campo que opera o processo penal Nossa posição vai com CARNELUTTI até o abandono da verdade Dali em diante ele segue com a certeza categoria igualmente insatisfatória e nós propomos um giro no pensamento jurídico processual Retomemos a discussão no momento do abandono da verdade para construir nossa posição bem como demonstrar a relação dela com a construção dos modelos processuais inquisitório e acusatório Devemos considerar que o processo penal tem por finalidade através da prova fazer a reconstituição de um fato histórico crime e que a reconstrução de um fato histórico é sempre minimalista e imperfeita Não se trata de construir mas de reconstruir um fato passado no presente Ora basta isso para afirmar que não existe um dado de realidade para falar em verdade muito menos real É o absurdo de equiparar o real ao imaginário esquecendo que o passado só existe no imaginário na memória e que por isso jamais será real Sem falar que a flecha do tempo é irreversível de modo que o que foi real num fugaz presente nunca mais voltará a sêlo sempre necessária a leitura aqui de COMTESPONVILLE É preciso entender como aponta JACINTO COUTINHO84 que falar em processo é antes de tudo falar de atividade recognitiva de um juiz que não sabe mas que precisa saber Por isso se diz que o juiz é um ignorante pois ele ignora os fatos e necessita de alguém que tenha conhecimento do ocorrido cognitio para lhe permitir a recognitio É com certeza uma cognição bastante contaminada A título de ilustração pensemos na prova testemunhal mas poderia ser qualquer outra principal meio de prova utilizado no processo penal brasileiro graças à pobreza dos meios técnicos e à práxis policial Se imaginarmos a testemunha como o pintor encontramos em MERLEAUPONTY85 a lição magistral de que faltam ao olho condições de ver o mundo e faltam ao quadro condições de representar o mundo Isso porque ensina o autor a ideia de uma pintura universal de uma totalização da pintura de uma pintura inteiramente realizada é destituída de sentido Ainda que durasse milhões de anos para os pintores o mundo se permanecer mundo ainda estará por pintar findará sem ter sido acabado Ademais a verticalidade do homem o impede de conhecer a totalidade pois o mundo está em torno do homem e não diante dele Como animal vertical tem extrema dificuldade na percepção do horizontal Existe uma historicidade surda que avança no labirinto por desvios transgressões usurpação e pressões súbitas que impedem o pintor e a testemunha de retratar Isso não significa explica MERLEAUPONTY que o pintor não saiba o que quer mas sim que ele está aquém das metas e dos meios até pela impossibilidade de apreensão do todo e a verdade é o todo recordando CARNELUTTI O crime é história passado e como tal depende da memória de quem narra A fantasiacriação faz com que o narrador preencha os espaços em branco deixados na memória com as experiências verdadeiras mas decorrentes de outros acontecimentos A imaginação colore a memória com outros resíduos É o clássico exemplo do cubo podemos ver duas no máximo três faces O cubo só é real no imaginário86 pois somente assim se conhecem as seis faces Não há dúvida de que a imaginação não forma imagens mas deforma as cópias pragmáticas fornecidas pela percepção Isso sem considerar a intenção de deturpar pois parte da premissa da boa testemunha o que é uma ilusão Como não poderia deixar de ser o binômio tempovelocidade desempenha um relevante papel Não só pela memória que se perde com o passar do tempo mas também porque explica RUTH GAUER87 os acontecimentos desvanecemse perdemse pois já não há ideias em luta com os fatos Aparece então a negação do fato real Os acontecimentos não são apreendidos uma vez que as imagens não se fixam escapam pela fluidez da velocidade Em suma sob qualquer ângulo que se analise a questão o que se vê é um labirinto de subjetividade e contaminações que não permite atribuir ao processo a função de através da sentença revelar a verdade nem real nem processual pois o problema está na verdade Então pouca dúvida temos de que a verdade contém um excesso epistêmico principalmente para o processo melhor para o ritual judiciário Quando se argumenta que existe uma verdade da acusação outra da defesa e por fim outra que brota da sentença questionase quantas verdades contrapostas podem conviver legitimamente no processo penal E mais como admitir que a sentença seja uma outra verdade Em suma é verdade demais Ou de menos se pensarmos que quando tudo é verdade nada é verdade Existe uma insuperável incompatibilidade entre verdade e o paradoxo temporal ínsito ao ritual judiciário em que um juiz no presente julga um fato do passado gerando efeitos para o futuro O crime sempre é passado logo história fantasia imaginação Depende acima de tudo da memória Logo existe um obstáculo temporal insuperável para a tal verdade o fato de o crime ser sempre passado e depender da presentificação dos signos do passado da memória da fantasia e da imaginação Além disso o juiz no processo penal tem uma atividade similar à do historiador de modo que ele elimina dados consciente ou inconscientemente conserva outros o que nos conduz a questionar por que esses elementos são selecionados e também tem de conviver com uma infinidade de elementos fáticos que lhe são subtraídos quer pelas partes pois é elementar que elas trazem para o processo a parte da história do delito que lhes interessa algo similar ao antigo conceito de lide parcial de CARNELUTTI quer pela própria complexidade que não permite a apreensão do todo E tudo isso é feito dentro do ritual judiciário com seus limites e deformações A verdade na sentença é um mito enquanto revelação sagrada Daí a importância da compreensão do ritual judiciário com sua arquitetura eivada de estátuas a toga o latim a confissão atenuando a pena etc Ou seja o ritual e o seu caráter sacral reforça e presentifica o mito e sublinhese através dele o juiz passa a fazer parte do mito como alguém capaz de ser o portador da revelação É importante compreender que o rito e o ritual judiciário presentifica e reforça o mito da verdade O mito88 fundante do processo notoriamente o inquisitório é a verdade logo isso estrutura um ritual e um procedimento que dê conta dessa função Não sem razão vem todo o simbólico do sagrado no ritual judiciário arquitetura dos tribunais a toga o latim a confissão os juramentos etc para reforçar a crença de que a verdade é uma revelação sagrada Nesse contexto é necessário dotar o juiz de poderes instrutórios para que ele possa ir atrás de tudo aquilo que possa conduzir à revelação da sagrada verdade Como consequência fundase em nome da verdade um processo penal inquisitório com todos os graves inconvenientes que apontamos anteriormente quando explicamos os sistemas processuais No processo inquisitório antítese do acusatório reforçase o mito da verdade notoriamente a real e estruturase um procedimento que dá ao juiz a gestão da prova para ele atuar ativamente na busca da prova em nome de uma pseudoverdade Logo deixa de ser um procedimento em contraditório FAZZALARI No sistema acusatório a verdade não é fundante e não deve ser pois a luta pela captura psíquica do juiz pelo convencimento do julgador é das partes sem que ele tenha a missão de revelar uma verdade Logo com muito mais facilidade o processo acusatório assume a sentença como ato de crença de convencimento a partir da atividade probatória das partes dirigida ao juiz Essa luta de discursos para convencer o juiz marca a diferença do acusatório com o processo inquisitório À luz de tudo isso defendemos uma postura cética em relação à verdade no processo penal Mais negamos completamente a obtenção da verdade como função do processo ou adjetivo da sentença Não se nega que acidentalmente a sentença possa corresponder ao que ocorreu conceito de verdade como correspondente mas não se pode atribuir ao processo esse papel ou missão Não há mais como pretender justificar o injustificável nem mesmo por que aceitar o argumento de que ainda que não alcançável a verdade deve ser um horizonte utópico O pontochave é negar a verdade como função do processo até para fugir da armadilha do sistema inquisitório fundado na busca da verdade É uma ingenuidade que reflete a crença na onipotência do conhecimento jurídico moderno A equação até então éera razão moderna juiz ritual judiciário mito da verdade E o mito fundador da sentença e até do processo inquisitório é a verdade Daí por que desvelar é preciso inclusive para liberto da missão de revelador da verdade caminhar em direção ao processo penal acusatório e democrático Não se pode mais admitir que o processo penal sirva para fazer crer às pessoas que ele determina a verdade dos fatos Isso sempre serviu para legitimar o poder e buscar uma proteção para a razão moderna bem como reforçar o papel divino do juiz boca da lei Isso era e continua sendo útil porque é útil que os cidadãos assim o pensem ainda que na realidade isso não suceda e quiçá precisamente porque na realidade essa tal verdade não possa ser obtida é que se necessita reforçar a crença89 Ou seja a verdade no processo penal é inacessível mas conscientes disso eles montam uma estrutura que precisa legitimar a submissão ao poder através da afirmação de que a sentença e o juiz são portadores da revelação do sagrado verdade Esse é o engenho que não podemos mais tolerar pois também é pensado para negar a subjetividade e todos os diversos fatores psicológicos que afetam o ato de julgar persistindo no mundo onírico de um juiz foradomundo neutro boca da lei etc Então se não se pode afirmar que a sentença seja sempre reveladora da verdade ela é o quê Um ato de convencimento formado em contraditório e a partir do respeito às regras do devido processo Se isso coincidir com a verdade muito bem Importa é considerar que a verdade é contingencial e não fundante O juiz na sentença constrói pela via do contraditório a sua história do delito elegendo os significados que lhe parecem válidos dando uma demonstração inequívoca de crença O resultado final nem sempre é e não precisa ser a verdade mas sim o resultado do seu convencimento construído nos limites do contraditório e do devido processo penal Com a costumeira precisão de suas lições ARAGONESES ALONSO90 nos ensina que o conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz O determinante é convencer o juiz segundo as regras do devido processo penal É assim que funciona o sistema acusatório que liberto da verdade não permite que o juiz tenha atividade probatória recordemos o que já foi dito sobre os sistemas processuais Na instrução as provas nela colhidas são fundamentais para a seleção e eleição das hipóteses históricas aventadas91 As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das hipóteses com a finalidade de convencer o juiz função persuasiva92 Nesse mister persuasivo CORDERO aponta para uma palavrachave fé Os locutores pretendem ser acreditados e tudo o que dizem tem valor enquanto os destinatários crerem Os resultados dependem de variáveis relacionadas aos aspectos subjetivos e emocionais do ato de julgar crer fé As provas desempenham uma função ritual na medida em que inseridas e chamadas a desempenhar um papel de destaque na complexidade do ritual judiciário criando atrativos para tentar uma captura psíquica CORDERO93 de quem está declarando e também dar maior credibilidade fé para quem julga Em suma o processo penal tem uma finalidade retrospectiva em que através das provas produzidas em contraditório pretendese criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado As partes buscam sua captura psíquica para mantêlo em crença sendo que o saber decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença Ou seja o poder do juiz não precisa da verdade para se legitimar até porque sendo ela contingencial caso a sentença não corresponda à verdade o poder seria ilegítimo E isso não ocorre por quê Porque a legitimidade da decisão é dada pela estrita observância do contraditório e das regras do devido processo penal ao longo do ritual judiciário e não em nome de uma pseudoverdade nem sempre possível de ser obtida Logo diante do excesso epistêmico da verdade importa é o convencimento formado a partir do que está e ingressou legalmente no processo significa dizer com estrita observância das regras do due process of law vedandose por primário as provas ilícitas contra o réu e coisas do gênero regido pelo sistema acusatório devidamente evidenciado pela motivação da sentença para permitir o controle pela via recursal Por derradeiro já antecipandonos à crítica não estamos incidindo no erro do relativismo absurdo fruto do ceticismo extremado pois temos consciência de que isso abre um perigoso espaço para legitimar o decisionismo o que nos conduziria a um erro similar ao da verdade real Então é fundamental destacar que as regras do devido processo penal fundantes da instrumentalidade constitucional por nós defendida impõem os limites que devem impedir o decisionismo e o substancialismo Esse respeito às regras do jogo cria condições de possibilidade para o equilíbrio entre o relativismo cético e a mitológica verdade real Assim o processo não deixa de ser um método limitador e caminho necessário para a decisão Há que se encontrar o entrelugar onde se recuse a razão moderna e o dogmatismo oitocentista mas também o relativismo cético tipicamente pósmoderno Importante sublinhar nesse final que não negamos a verdade no processo penal Até porque seria um erro Negar a verdade é também pretender construir uma verdade que é falsa na sua essência Tampouco pensem que estamos negando a verdade e afirmando que a sentença diz uma mentira Elementar que não isso seria um reducionismo grosseiro como grosseira e errônea seria esse tipo de crítica à nossa posição O que propomos não é negar a verdade mas sim um deslocamento da discussão para outra dimensão onde a verdade é contingencial e não estruturante do processo Dessa forma não se nega a verdade mas tampouco a idolatramos evitando assim incidir no erro de dar ao processo a missão de revelar a verdade na sentença o que conduziria à matriz inquisitorial A verdade assim é contingencial e a legitimação da decisão se dá através da estrita observância do contraditório e das regras do devido processo São essas regras que estruturando o ritual judiciário devem proteger do decisionismo e também do outro extremo onde se situa o processo inquisitório e sua verdade real Para finalizar essa questão da verdade nada melhor que CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE94 A porta da verdade estava aberta mas só deixava passar meia pessoa de cada vez Assim não era possível atingir toda a verdade porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade E a segunda metade voltava igualmente com meio perfil E os meios perfis não coincidiam Arrebentaram a porta Derrubaram a porta Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos Era dividida em metades diferentes uma da outra Chegouse a discutir qual a metade mais bela Nenhuma das duas era totalmente bela E carecia optar Cada um optou conforme seu capricho sua ilusão sua miopia 43 Para Refletir A Íntima Relação entre Sistema Processual Inquisitório Gestão da Prova nas Mãos do Juiz e a Busca da Verdade A verdade no processo penal não pode ser vista como um objetivo a ser buscado a que custo muito menos como uma justificativa para as práticas invasivas e abusivas senão como um elemento contingente e até mesmo como um limite ao poder decisório do juiz A problemática busca da verdade no processo penal sempre caminhou junto com o poder especialmente com esse poder divino do juiz de revelar a verdade A verdade como revelação Essa estrutura fundou o sistema inquisitório que tanto devemos dele nos afastar Com CUNHA MARTINS95 compreendemos que a arquitetura do problema passa a contar com as seguintes plataformas uma determinada noção de processo uma determinada noção de sistema processual uma determinada noção de verdade enquanto elemento do sistema processual e uma determinada noção do modo como esse processofeitosistema elege os seus critérios de fundamentação É a íntima relação e interação entre processo sistema processual e busca ou não da verdade Essa ambição de verdade96 que nunca deixa de perigosamente rondar o processo penal deve ser limitada como limitado deve ser o poder ao qual ela adere para se realizar A ambição de verdade acaba por matar o contraditório e portanto o ponto nevrálgico do processo penal democrático e constitucional O Código Napoleônico de 1808 engendra um inteligente sistema bifásico em que a primeira fase investigação preliminar transcorre no sigilo da inquisição é o locus destinado a colher a prova do fato delitivo É ali que se faz o juízo dos fatos a reconstituição do passado a revelação da verdade dos fatos Esse é o momento crucial para definir a base fáticoprobatória sobre a qual irá se desenvolver o processo ou melhor a jurisdição na concepção tradicional e histórica de poder de dizer o direito Nessa estrutura brilhante digase de passagem o poder de revelar a verdade fática está nas mãos do inquisidor que a manipula no sigilo e no labor solitário da fase inquisitória pouco caso fazendo do contraditório inexistente aqui por suposto Quando se chega ao processo então ilusoriamente acusatório e contraditório a verdade histórica já foi definida Ao juiz cabe apenas aplicar o direito ao caso concreto dizer a lei juizbocadalei que deve incidir fazendo o famoso silogismo tão valioso para os modernos Por esse motivo a defesa do sistema misto é um engodo Nessa estrutura inquisitória o poder e o controle sobre a produção do saber não se veem diminuídos ou enfraquecidos pelo sistema acusatório que chega tarde demais quando todo o cenário já está montado Quando entra em cena o ingênuo julgador o cenário já está montado e o roteiro definido Então lhe são apresentadas a verdade histórica e o juízo de fato obtidos na fase inquisitória para que ele diga o direito aplicável ao caso O próprio contraditório passa a ser simbólico e não real e efetivo É exatamente esse o problema do inquérito policial brasileiro que ao integrar os autos do processo e poder ser utilizado como elemento de convencimento do julgador acaba por transformar o processo penal num jogo de cartas marcadas ou melhor dadas a critério do investigador Ingênuos são os juízes que com elas jogam sem darse conta disso A situação no Brasil é ainda mais grave na medida em que o sistema acusatório sequer chega na fase processual Sim pois o art 156 do CPP funda um sistema inquisitório ao atribuir ao juiz poderes instrutórios até mesmo na fase préprocessual É ainda necessário darse conta de que a gestão da prova está vinculada à noção de gestão do fato histórico e portanto deve estar nas mãos das partes Do contrário atribuindose ao juiz estamos incorrendo no erro psicológico da inquisição de permitirlhe reconstruir a história do crime da forma como lhe aprouver para justificar a decisão já tomada o já tratado primado das hipóteses sobre os fatos Permitir que o juiz seja o gestor do fato histórico é incorrer no mais grave dos erros aderir ao núcleo imantador do sistema inquisitório Pior é quando eles os juízes sequer se dão conta de quão genial e perverso por evidente é o engenho da inquisição que lhes faz agir como inquisidores sem se darem conta Isso quando não invocam a bondade bom para que e para quem A compreensão da insuficiência do sistema misto passa pelo desvelamento da ingênua ilusão de pensar que a pseudoacusatoriedade da fase processual dará conta de desfazer essa armadilha montada pela inquisição Esse sem dúvida é o grande golpe de cena do processo penal a que se refere Jacinto Coutinho Daí a importância de repensar a forma como é construído pelas partes em contraditório sistema acusatório ou dado sistema inquisitório o saber sobre o qual se funda o poder jurisdicional Cada vez mais estamos convictos de que o processo acusatório impõe um repensar a construção do saber jurisdicional desde a perspectiva do contraditório delimitando portanto o campo de exercício do poder Para tanto imprescindível que a gestão da prova esteja nas mãos das partes juizespectador e que para dar eficácia a esse princípio seja adotada a exclusão física dos autos do inquérito policial ou qualquer outra forma de investigação preliminar que se tenha garantindose assim a máxima originalidade do julgamento Para que o processo não seja apenas um golpe de cena com cenário e roteiro definidos pela inquisição préprocessual o juízo de fato deve ser feito originariamente no processo à luz do contraditório À fase préprocessual atribuise o importante papel de gerador de meros atos de investigação e não atos de prova de função endoprocedimental como anteriormente explicado Ficam no processo apenas as provas técnicas irrepetíveis e aquelas praticadas no incidente de produção antecipada que não pode ser fruto da iniciativa ex officio do juiz Enquanto não tivermos essa exclusão física aos juízes conscientes só lhes resta fazer o seguinte não ler o inquérito e por decorrência lógica não valorálo na sentença nem mesmo a título de cotejando Mas sublinhese o mais importante é juízes não leiam os autos do inquérito julguem a partir da prova colhida em contraditório E por fim vamos dar uma virada cultural abandonando essa cultura inquisitória tão arraigada Aos juízes não lhes compete o papel de inquisidores de guardiões da segurança pública e responsáveis pela limpeza social como muitos até inconscientemente pensam ser O papel do juiz no processo penal é de guardião da Constituição e da máxima eficácia dos direitos fundamentais do réu a ele submetido Daí por que não se lhes incumbe democraticamente a missão de reveladores da verdade Lutem contra essa ambição de verdade Julguem com tranquilidade com base na prova produzida no processo e absolvam sem culpa Por outro lado condenem é claro quando a prova produzida no processo for plena e disso estiverem realmente convencidos A dúvida deve dar lugar à absolvição não ao sofrimento Quem não for capaz de compreender isso está no lugar errado fazendo a coisa errada Do contrário seguiremos operando no onírico mundo de fantasias do processo penal brasileiro crendo ingenuamente que as coisas vão bem que o sistema misto é suficiente e que os juízes julgam com base na prova produzida no processo 5 Dos Limites à Atividade Probatória 51 Os Limites Extrapenais da Prova O art 155 parágrafo único do CPP expressa a existência de limites extrapenais da prova na medida em que remete à lei civil e exige que se observem as restrições que lá se fazem em relação à prova quanto ao estado das pessoas Diz o dispositivo legal que somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil Assim por exemplo para que incida a agravante do art 61 II e do CP deve haver a prova nos termos da lei civil de que o crime foi praticado contra ascendente descendente irmão ou cônjuge Tais circunstâncias de parentesco ou matrimônio devem ser provadas através da respectiva certidão de nascimento ou casamento conforme o caso Não se comprova o parentesco por prova testemunhal por exemplo de modo que na falta do documento civil respectivo não poderá tal circunstância ser provada de outro modo não incidindo portanto a agravante Na mesma linha a extinção da punibilidade por morte do agente somente pode ser declarada quando houver a prova civilmente prevista ou seja a certidão de óbito como prevê o art 62 do CPP e não poderia ser diferente a disciplina legal 52 Provas Nominadas e Inominadas Os sistemas processuais ao longo de sua evolução adotaram diferentes disciplinas em relação à taxatividade ou não dos meios de prova Na sistemática atual existe uma restrição inicial em relação aos limites da prova penal que vem imposto pela lei civil nos termos do art 155 do CPP anteriormente comentado Superada essa questão a pergunta agora é somente as provas previstas no CPP podem ser admitidas no processo penal O rol é taxativo Como regra sim é taxativo Entendemos que excepcionalmente e com determinados cuidados podem ser admitidos outros meios de prova não previstos no CPP Mas atentese com todo o cuidado necessário para não violar os limites constitucionais e processuais da prova sob pena de ilicitude ou ilegitimidade dessa prova conforme será explicado nos próximos itens Feita essa ressalva ao lado das provas nominadas previstas expressamente no CPP ou em legislação específica tais como a prova testemunhal documental acareações reconhecimentos interceptações telefônicas etc admitimos excepcionalmente a existência de outras inominadas não contempladas portanto na lei como a inspeção judicial Sobre as provas inominadas CORDERO97 defende a admissão de tudo aquilo que não for vedado afirmando que é admissível todo signo útil ao juízo histórico contanto que sua aquisição não viole proibições explícitas ou decorrentes do sistema de garantias Aceitase o reconhecimento olfativo sonoro táctil mas vedase a narcoanálise e o detector de mentira pois são cientificamente inadmissíveis além de violarem a dignidade98 do agente Partindo da compreensão de que somente podemos pensar em provas inominadas que estejam em estrita observância com os limites constitucionais e processuais da prova o processo penal excepcionalmente poderá admitir outros meios de demonstração de fatos ou circunstâncias não enumerados no CPP Isso em geral decorre da própria superação dos meios existentes na década de 40 quando entrou em vigor a legislação processual penal em vigor Se admitirmos que existam provas inominadas desde que observadas as regras de coleta admissão e produção em juízo e que outros importantes elementos de convicção possam ser obtidos com a utilização de outros sentidos que não o visual a questão passa a ter grande relevância Mas cuidado o fato de admitirmos as provas inominadas tampouco significa permitir que se burle a sistemática legal Assim não pode ser admitida uma prova disfarçada de inominada quando na realidade ela decorre de uma variação ilícita de outro ato estabelecido na lei processual penal cujas garantias não foram observadas Exemplo típico de prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia utilizado em muitos casos quando o réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal exercendo seu direito de silêncio nemo tenetur se detegere O reconhecimento fotográfico como explicaremos a seu tempo somente pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal nos termos do art 226 inciso I do CPP nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada Em suma como regra somente podem ser admitidas as provas tipificadas no CPP Excepcionalmente podem ser admitidas provas atípicas ou inominadas desde que não constituam subversão da forma estabelecida para uma prova nominada e ainda guardem estrita conformidade com as regras constitucionais e processuais atinentes à prova penal 53 Limites à Admissibilidade da Prova Emprestada e à Transferência de Provas Por prova emprestada entendese aquela obtida a partir de outra originariamente produzida em processo diverso Há que se distinguir as provas testemunhais e técnicas da mera prova documental Em relação à prova documental em que a parte se limita a fazer cópia de documento juntado em processo diverso para trasladálo ao processo atual não vemos maiores problemas Claro que estamos considerando documentos públicos ou particulares que não envolvam qualquer tipo de sigilo não se encaixando nessa situação cópias de extratos bancários documentos fiscais e outros protegidos até porque o traslado para outro processo implicaria um desvio da finalidade da prova A autorização judicial para quebra do sigilo bancário ou fiscal limitase ao processo em questão não os transformando em públicos para serem utilizados em outro processo criminal Feita essa ressalva como regra não há problema em utilizar documentos juntados em um processo para fazer prova em outro até porque não há qualquer prejuízo para a acusação ou defesa em havendo o tratamento deve ser diverso Questão complexa envolve a juntada de denúncias sentenças ou acórdãos proferidos em outros processos contra o mesmo réu Os inconvenientes situamse noutra dimensão na medida em que são documentos públicos e acessíveis A questão aqui é novamente a cultura inquisitória que ainda domina o ambiente jurídico O que se pretende na maior parte dos casos é mostrar a periculosidade do réu e sua propensão ao delito pior ainda quando argumentam em torno da personalidade voltada para o crime fomentando no juiz um verdadeiro direito penal de autor em oposição ao direito penal do fato para que o réu seja punido não pelo que eventualmente fez ou não naquele processo mas sim por sua conduta social vida pregressa e outras ilações do estilo Incumbe ao juiz considerar que tais documentos não interessam ao processo não contribuindo para averiguação daquele fato em julgamento e determinar o desentranhamento Inclusive invocando a lição de GOMES FILHO99 entendemos que existe um verdadeiro direito à exclusão das provas inadmissíveis impertinentes ou irrelevantes como o são essas que acabamos de referir Esse direito à exclusão é correlato ao direito à prova e serve como importante filtro para evitar o grave retrocesso de construir um processo penal para atender aos inquisitórios fins do direito penal do autor O instrumento adequado em não sendo atendido o pedido de desentranhamento é o Mandado de Segurança impetrado no tribunal com competência para revisar os atos daquele julgador de primeiro grau Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal conforme o coator seja juiz de direito ou juiz federal Quanto à prova testemunhal ou técnica tomada emprestada de processo diverso a limitação é insuperável Inicialmente cumpre perguntar por que trasladar uma prova testemunhal ou técnica de outro processo Porque existe um interesse probatório é a resposta comumente utilizada Pois bem eis aqui o primeiro obstáculo se realmente existisse tal interesse probatório ambos os processos deveriam ter sido reunidos para julgamento simultâneo por força da conexão probatória art 76 III do CPP se não o foram é porque a prova não tem essa importância comum Igualmente insuperável é o segundo aspecto a ser considerado a violação do contraditório e da ampla defesa dependendo do caso Não há como negar que a prova produzida em um processo está vinculada a um determinado fato e réu ou réus Daí por que ao ser trasladada automaticamente estáse esquecendo a especificidade do contexto fático que a prova pretende reconstruir É elementar que uma mesma prova sirva para reconstruir ainda que em parte é claro diferentes faces de um mesmo acontecimento Em outras palavras o diálogo que se estabelece com a prova é vinculado ao fato que se quer apurar ou negar Logo diferentes diálogos são estabelecidos com uma mesma prova quando se trata de apurar diferentes fatos É uma relação semiótica completamente diversa A prova emprestada desconsidera isso e causa sérios prejuízos para todos no processo penal 54 Limites Impostos ao Substancialismo Inquisitorial Obtenção de Prova de Crime Diverso Desvio da Vinculação Causal Princípio da Especialidade da Prova Questão muito complexa e nem sempre enfrentada com a devida profundidade diz respeito à inobservância da necessária vinculação causal que a prova deve guardar especialmente quando estamos diante de uma medida que restringe direitos fundamentais e portanto exige uma decisão judicial fundamentada É o caso da busca e apreensão de provas de um delito de tráfico de drogas em que também são apreendidos documentos relativos ao delito de sonegação fiscal ou a interceptação telefônica autorizada para a apuração de um determinado crime em que também surgem provas da prática de outro delito É válido esse desvio causal para que essa prova sirva para apuração de ambos os delitos Inicialmente é preciso compreender que o ato judicial que autoriza por exemplo a obtenção de informações bancárias fiscais ou telefônicas com o sacrifício do direito fundamental respectivo é plenamente vinculado e limitado Há todo um contexto jurídico e fático necessário para legitimar a medida que institui uma especialidade da medida Ou seja a excepcionalidade e lesividade de tais medidas exigem uma eficácia limitada de seus efeitos e mais ainda uma vinculação àquele processo Tratase de uma vinculação causal em que a autorização judicial para a obtenção da prova naturalmente vincula a utilização naquele processo e em relação àquele caso penal sendo assim ao mesmo tempo vinculada e vinculante Essa decisão ao mesmo tempo em que está vinculada ao pedido imposição do sistema acusatório é vinculante em relação ao material colhido pois a busca e apreensão interceptação telefônica quebra do sigilo bancário fiscal etc está restrita à apuração daquele crime que ensejou a decisão judicial Não há que se admitir o abuso do poder de polícia no cumprimento de medidas judicialmente determinadas e limitadas pois isso conduz à ilegalidade do excesso cometido Nessa linha ainda que faça um perigoso giro argumentativo ao tratar da criminalidade macroeconômica com o qual não concordamos PACELLI100 exemplifica a busca e apreensão para a busca de animais silvestres na qual os policiais passam a revirar as gavetas ou armários da residência Nesse caso posicionase o autor pela ilicitude das provas de infração penal que não estejam relacionadas com o mandado de busca e apreensão pois a ação policial fugiria do controle judicial configurando verdadeira ilegalidade por violação do domicílio no ponto em que para aquela finalidade o ingresso na residência não estaria autorizado Assim o chamado princípio da especialidade da prova situase numa linha de tensão com a chamada transferência de provas cuja discussão costuma aparecer no campo do Direito Penal econômico em que órgãos estatais como Receita Federal COAF BACEN etc fazem intercâmbio de documentos e provas A vinculação causal da prova especialidade é decorrência natural da adoção de um processo penal minimamente evoluído como forma de recusa ao substancialismo inquisitorial e às investigações abertas e indeterminadas Como decidiu o Tribunal Supremo da Espanha em 03101996 interpretando o art 579 da LECrim que disciplina a interceptação telefônica rige el llamado principio de especialidad que justifica la intervención solo al delito investigado Outro não pode ser o tratamento da prova que por limitar direitos fundamentais exige e impõe a reserva de jurisdição como garantia e limite ao exercício do poder Daí por que o problema situase a nosso juízo numa dimensão muito mais profunda Quando se desvia o foco da investigação de um fato certo e determinado para abranger qualquer tipo de ilícito que eventualmente tenha praticado o réu operase no campo do substancialismo inquisitorial Tratase de perquirir sem uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação o que resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal FERRAJOLI inserindose no referencial inquisitório o que constitui uma postura incompatível com os limites de um processo penal democrático e acusatório Constitui um absurdo obter por exemplo uma autorização judicial para realização de uma interceptação telefônica para apuração do delito de tráfico de substâncias entorpecentes e posteriormente utilizar esse material probatório para instauração de outro processo criminal pelo delito de sonegação fiscal Existe um ilegal desvio causal da prova autorizada para apuração de um crime e utilizada para punição de outro Tornase ainda mais grave a ilegalidade no exemplo citado se a prova for utilizada no segundo processo e este tiver sido instaurado para apuração do delito previsto no art 2º da Lei n 8137 apenado com detenção recordemos que o art 2º da Lei n 9296 veda a interceptação telefônica quando o fato for apenado com detenção Nem mesmo o CPP alemão StPO que não constitui nenhum exemplo de código democrático admite tal abertura Determina o 100b 5 que as informações pessoais obtidas pela intervenção telefônica somente podem ser utilizadas como prova em outro procedimento quando der elementos necessários para esclarecimento de um dos delitos constantes no taxativo rol do 100a Igualmente inadmissível é que seja determinada judicialmente a restrição de determinado direito fundamental do réu inviolabilidade do domicílio sigilo das comunicações telefônicas etc e essa prova venha a ser utilizada contra terceiros Imaginemos que em determinado processo seja autorizada a interceptação telefônica do réu A e na execução dessa medida venha a ser obtida uma conversa que incrimine um terceiro C por outro delito É válida essa prova em relação a C Em situação similar assim entendeu o STF 101 pois se a autorização judicial limitava o sigilo das comunicações de determinados réus permitindo a interceptação de suas conversas telefônicas parece nos óbvio que o sigilo de terceiros não está abrangido por essa medida pois a autorização judicial obviamente não os alcança Já constitui uma violência ilegítima mas inevitável diante da natureza do instrumento probatório empregado que terceiros tenham suas conversas com o réu gravadas Isso é inevitável compreendese Contudo é elementar que em relação a terceiros o produto dessa interceptação telefônica não possa ser utilizado pois viola a especialidade e vinculação da prova A questão assemelhase à da prova emprestada por nós rechaçada com a agravante de que normalmente referese a uma prova cuja obtenção tenciona direitos fundamentais exigindo assim autorização judicial Empregando raciocínio similar no âmbito da Cooperação Penal Internacional o princípio da especialidade é usado não no sentido estritamente probatório como estamos fazendo mas de forma parecida No Estatuto de Roma encontramos o princípio da especialidade no seu art 101 Art 101 Princípio da Especialidade 1 Um indivíduo entregue ao Tribunal em virtude do presente Estatuto não será processado punido ou detido por conduta anterior a sua entrega distinta da conduta que constitua a base dos crimes pelos quais houver sido entregue 2 O Tribunal poderá solicitar ao Estado que fez a entrega que o dispense do cumprimento dos requisitos estabelecidos no parágrafo 1º e se necessário fornecerá informações adicionais em conformidade com o artigo 91 Os Estadospartes estarão facultados a conferir essa dispensa ao Tribunal e deveriam procurar fazêlo Aqui a especialidade se refere à vinculação causal entre o crime que motivou a entrega do imputado ao tribunal e o julgamento a ser feito não podendo o tribunal processar por crime diverso daquele que tenha constituído a base causal do pedido A regra da especialidade102 também é adotada em matéria de extradição conforme dispõe o art 91 I da Lei n 681580 Ainda no campo da cooperação internacional é possível a invocação do princípio da especialidade da prova de modo que se a prova obtida através da cooperação foi pedida com fundamento em um determinado tipo penal corrupção sonegação fiscal etc não poderá ser utilizada para legitimar uma denúncia por tipo penal diverso Em suma essa é a nossa posição sem negar a possibilidade de que a prova obtida a partir do desvio causal sirva como starter da investigação do novo crime se preferir como notíciacrime103 sendo assim uma fonte de prova mas não como prova Não será a prova mas um elemento indiciário para o início da investigação de modo que nova investigação pode ser instaurada e novas buscas interceptações etc podem ser adotadas Mas a prova desse crime deve ser construída de forma autônoma Em que pese a maior parte da doutrina que trata do tema admitir que a prova obtida mediante desvio causal seja o starter de uma nova investigação há que se ponderar o seguinte se usarmos a prova obtida com desvio causal ainda que a título de conhecimento fortuito estaremos utilizando uma prova ilícita derivada Isso gera um paradoxo insuperável a prova é ilícita despida de valor probatório portanto em um processo mas valeria como notíciacrime em outro Ora partindo do Princípio da Legalidade a investigação tem que iniciar a partir de prova lícita e não de uma prova ilícita sob pena de contaminarmos todos os atos praticados na continuação Dessarte o tema é complexo e repleto de nuances exigindo muita cautela no trato Ainda noutra dimensão não há que se confundir o limite que defendemos com a possibilidade de prisãoapreensão em caso de flagrante delito ou mesmo de crime permanente até porque o flagrante é também permanente nesse caso Assim se ao ser realizada a busca e apreensão de documentos para apuração de um delito de evasão de divisas por exemplo forem encontradas armas ilegais ou drogas no local esses objetos poderão ser apreendidos sem qualquer problema pois constituem o próprio corpo de delito de outro crime Sublinhemos essa ressalva para evitar interpretações equivocadas da limitação causal que estamos defendendo Retomando o ponto principal da discussão existe outra posição diversa da nossa e que deve ser analisada com atenção Como cita SCARANCE FERNANDES104 ao tratar da interceptação telefônica mas o raciocínio pode ser empregado para outras provas parte da doutrina procura situar a questão num ponto médio admitindo a ilicitude por desvio do objeto da interceptação ou busca autorizada por exemplo mas considerando que nem toda prova obtida em relação a crime diverso daquele da autorização será ilícita Aponta o autor que essa corrente utiliza o critério da existência de nexo entre os dois crimes O critério do crime conexo até poderia ser adotado para permitir que a prova obtida a partir do desvio causal seja admitida desde que se refira a um crime conexo àquele que motivou o ato probatório busca e apreensão interceptação telefônica etc Contudo o problema passa a ser o seguinte o que se pode entender por crime conexo especificamente nessa matéria de especialidade da prova Serve a sistemática do art 76 do CPP Se considerarmos que a conexão implica reunião das infrações penais para julgamento simultâneo a prova passará a integrar o mesmo processo Logo se o caso penal de determinado processo é composto por dois crimes conexos ainda que a medida probatória restritiva de direitos fundamentais seja determinada para apurar apenas um dos crimes é inevitável que o material probatório ingresse no processo regido pelo princípio da comunhão da prova de modo que passará a ser prova do processo podendo ser utilizada por ambas as partes e em relação a todos os fatos lá apurados Nossa restrição diz respeito à abertura do conceito conexão na sistemática do CPP e aos eventuais abusos a que pode essa abertura dar azo Entre os incisos do art 76 do CPP por exemplo temos a chamada conexão probatória inciso III extremamente abrangente Nela o interesse probatório vai muito além de qualquer relação de prejudicialidade penal permitindo um amplo espaço de discricionariedade judicial Daí por que nesse ponto a leitura deve ser restritiva somente se admitindo o aproveitamento em casos de conexão evidente Na mesma linha leitura restritiva pensamos situarse a conexão objetiva ou teleológica do inciso II Outra espécie de conexão problemática nessa matéria é a intersubjetiva cujas modalidades estão no inciso I do CPP Como se percebe o núcleo imantador é além da pluralidade de crimes imprescindível para que se fale em conexão a existência de várias pessoas Ou seja a reunião se dá pela intersubjetividade Aqui a única conexão que pode interessar e ser admitida é a intersubjetiva concursal segunda modalidade do inciso I na qual há concurso de agentes para a prática de dois ou mais crimes Além de se reunirem os crimes também há reunião dos agentes tudo para simultaneidade de processo e julgamento Logo a busca e apreensão da casa de um dos corréus pode gerar material probatório em relação a todos reunidos por força do concurso de agentes Aqui precisamos abrir um parêntese seguindo essa linha quando dois ou mais agentes forem acusados pelo mesmo crime unidade delitiva haverá reunião de todos para julgamento simultâneo por força da continência art 77 I Portanto também a continência permite o desvio causal pois a prova obtida de um dos réus passará a integrar o processo no qual também figuram os corréus Recordemos e reforcemos nossa posição de que o terceiro não pode ser alcançado Mas no caso da conexão intersubjetiva concursal ou da continência do art 77 I o corréu não é terceiro mas sim parte no processo Por consequência a prova integrará o processo e poderá ser utilizada a favor ou contra ambos os réus Em suma há que se atentar para a vinculação causal da prova como forma de evitarse o substancialismo inquisitório e as investigações genéricas verdadeiros arrastões sem qualquer vinculação com a causa que os originou Todo ato judicial que autoriza por exemplo a obtenção de informações bancárias fiscais ou telefônicas com o sacrifício do direito fundamental respectivo é plenamente vinculado e limitado105 As regras da conexão podem ser admitidas como forma de relativizar o princípio da especialidade da prova mas exigem sempre uma leitura restritiva desse conceito bem como a demonstração da real existência dos elementos que a compõem O que não se pode tolerar é a fraude de etiquetas em que a conexão é engendrada para permitir o desvio da vinculação causal imposta pelo princípio da especialidade Ademais quando se trata de restrição de direitos fundamentais a leitura deve sempre ser restritiva e a aplicação devidamente legitimada pois não se presume a legitimidade da restrição todo o oposto A regra é a liberdade em sentido amplo ou seja el derecho al libre desarrollo de la personalidad sendo as formas de restrição exceções que devem sempre ser legitimadas e restritivamente aplicadas Por derradeiro respeitadas as ressalvas feitas em relação à conexão todo e qualquer desvio no nexo causal probatório conduz à ilicitude da prova por lesão do respectivo direito fundamental sigilo bancário inviolabilidade do domicílio sigilo das comunicações telefônicas etc como explicaremos a seguir 55 Limites à Licitude da Prova Distinção entre Prova Ilícita e Prova Ilegítima Intimamente relacionado com as questões anteriores especialmente a compreensão dos modos de construção do convencimento do juiz da eficácia da principiologia probatória e da superação do dogma da verdade real os limites à atividade probatória surgem como decorrência do nível de evolução do processo penal que conduz à valoração da forma dos atos processuais enquanto garantia a ser respeitada Assim a problemática em torno da prova ilícita e da prova ilegítima deve ser analisada nesse contexto Importante destacar novamente que não se podem fazer analogias ou transmissão mecânica das categorias do processo civil para o processo penal pois aqui partimos da inafastável premissa de que a forma dos atos é uma garantia na medida em que implica limitação ao exercício do poder estatal de perseguir e punir Portanto desde logo em que pesem as diversas manifestações do senso comum teórico e jurisprudencial devem ser repelidas as noções de prejuízo e finalidade que têm conduzido os tribunais brasileiros a absurdos níveis de relativização das nulidades e portanto das próprias regras e garantias do devido processo Feita essa ressalva introdutória passemos ao tema O cânon processual da admissibilidade pode ser sintetizado na seguinte negativa uma prova é admissível sempre que nenhuma norma a exclua106 CORDERO107 explica que existe uma relação de ato anterior a posterior Dessa forma a prova admitida deve ser produzida e a contrário senso somente pode ser admitida aquela prova que possa ser produzida No que se refere à contaminação uma prova ilicitamente admitida ainda que produzida segundo os cânones endoprocessuais será nula por derivação Por outro lado quando regularmente admitida mas com defeito na aquisição não haverá qualquer contaminação da decisão de admissão pois a contaminação não tem efeito retroativo que lhe permita alcançar o ato precedente Válida a admissão e defeituosa a produção repetese somente este último ato Já a problemática envolvendo a contaminação de outros atos probatórios será analisada na continuação A Constituição prevê no seu art 5º LVI que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos Estamos diante de uma norma geral que simplesmente menciona processo sem fazer qualquer distinção entre processo civil e penal exigindo assim uma interpretação adequada à especificidade do processo penal e às exigências das demais normas constitucionais que o disciplinam Inclusive nessa matéria a vedação absoluta deve em determinado caso ser relativizada como veremos na continuação Assim importantes limitações constitucionais ao direito à prova devem ser pontualizadas direito de intimidade inciso X inviolabilidade do domicílio inciso XI inviolabilidade do sigilo da correspondência e das telecomunicações inciso XII além da genérica inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos inciso LVI A Lei n 116902008 inseriu o tratamento da prova ilícita no Código de Processo Penal assim dispondo Art 157 São inadmissíveis devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais Devemse distinguir108 prova ilegal ilegítima e ilícita A prova ilegal109 é o gênero do qual são espécies a prova ilegítima e a prova ilícita Assim prova ilegítima quando ocorre a violação de uma regra de direito processual penal no momento da sua produção em juízo no processo A proibição tem natureza exclusivamente processual quando for imposta em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo110 Exemplo juntada fora do prazo prova unilateralmente produzida como o são as declarações escritas e sem contraditório etc prova ilícita é aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento da sua coleta anterior ou concomitante ao processo mas sempre exterior a este fora do processo Nesse caso explica MARIA THEREZA111 embora servindo de forma imediata também a interesses processuais é vista de maneira fundamental em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos independentemente do processo Em geral ocorre uma violação da intimidade privacidade ou dignidade exemplos interceptação telefônica ilegal quebra ilegal do sigilo bancário fiscal etc A questão é saber se uma prova legítima pois corretamente produzida no processo juntada no prazo etc mas ao mesmo tempo ilícita na medida em que houve a violação de uma norma de direito material ou da Constituição no momento de sua obtenção pode ser valorada pelo juiz no julgamento Infelizmente a redação do art 157 é confusa especialmente quando aponta que provas ilícitas seriam aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais Esse legais referese às normas materiais ou processuais Pensamos que apenas às normas materiais persistindo porque necessária a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas tendo o art 157 se ocupado das provas ilícitas obtidas em desconformidade com a Constituição ou leis materiais A rigor a prova ilegítima nem entra no processo ou se erroneamente admitida deve ser desentranhada Contudo quando a prova é produzida no processo com violação das normas processuais a ela atinentes a situação aproximase daquela questionada no parágrafo anterior cuja resposta vem dada pelas teorias a seguir analisadas A distinção112 é ainda mais relevante se considerarmos que as provas ilícitas inadmissíveis no processo portanto não são passíveis de repetição pois o vício vinculase ao momento em que foi obtida exterior ao processo Assim não havendo possibilidade de repetição devem as provas ilícitas ser desentranhadas dos autos e destruídas Noutra dimensão as provas ilegítimas em que o vício se dá na dimensão processual de ingresso ou produção há a possibilidade de repetição do ato Nesse caso o que foi feito com defeito pode ser refeito e portanto validado pela repetição 56 Teorias sobre a Admissibilidade das Provas Ilícitas Em ambos os casos o tratamento vem dado através de uma das seguintes posições chamadas de teorias das provas ilícitas mas que acabam servindo em determinados casos também às provas ilegítimas Em suma como bem sintetiza MARIA THEREZA ASSIS MOURA 113 são as seguintes posições que encontramos sobre o tema 561 Admissibilidade Processual da Prova Ilícita Para essa corrente a prova poderia ser admitida desde que não fosse vedada pelo ordenamento processual Não interessava a violação do direito material Para seus seguidores minoritários hoje o responsável pela prova ilícita poderia utilizála no processo respondendo em outro processo pela eventual violação da norma de direito material que poderia constituir um delito ou mesmo um ilícito civil Nessa linha CORDERO114 afirma que não interessa a violação de normas de direito material apenas a vedação processual Explica o autor que queda por decir cuándo una prueba es admisible y conviene decirlo por la negativa lo es siempre que ninguna norma la excluya Normas procesales claro está No importa que haya sido descubierta o establecida ilícitamente Un caso típico es la requisa no ordenada por el magistrado y realizada por la policía fuera de los casos previstos en el artículo 352 apartado 1 delito flagrante o evasión los que efectúan la requisa responden por el abuso CP art 609 pero si han decubierto cosas referentes al delito nada impide la convalidación del secuestro art 355 apdo 2 y lo hallado por ejemplo el arma homicida termina en los materiales destinados al debate art 431 letra f En el fondo es obvio hasta dónde las pruebas son admisibles fenómeno del proceso lo dicen reglas internas al sistema o sea procesales A crítica a essa corrente nasce exatamente dessa paradoxal situação criada um mesmo objeto diante da ilicitude com que foi obtido seria considerado como corpo de delito para ensejar a condenação de alguém e ao mesmo tempo seria perfeitamente válido para produzir efeitos no processo penal Como dito no Brasil hoje é uma posição que não encontra mais qualquer abrigo na jurisprudência 562 Inadmissibilidade Absoluta Defendem essa posição os que fazem uma leitura literal do art 5º LVI da Constituição onde está previsto que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos Tal teoria encontra eco principalmente nos casos em que na obtenção da prova ilícita são violados direitos constitucionalmente assegurados Partem ainda da premissa de que a vedação constitucional não admitiria exceção ou relativização É uma corrente que possui vários seguidores e que encontra algum abrigo na jurisprudência inclusive do STF A crítica é exatamente em relação à absolutização da vedação num momento em que a ciência desde a teoria da relatividade e o próprio direito constitucional negam o caráter absoluto de regras e direitos Para nós desde Einstein não há mais espaço para tais teorias que têm a pretensão de serem absolutas ainda mais quando é evidente que todo saber é datado e tem prazo de validade e principalmente que a Constituição como qualquer lei já nasce velha diante da incrível velocidade do ritmo social Logo a inadmissibilidade absoluta tem a absurda pretensão de conter uma razão universal e universalizante que poderia prescindir da ponderação exigida pela complexidade que envolve cada caso na sua especificidade 563 Admissibilidade da Prova Ilícita em Nome do Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade115 Para os seguidores dessa corrente a prova ilícita em certos casos tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido poderia ser admitida Abranda a proibição para admitir a prova ilícita em casos excepcionais e graves quando a obtenção e a admissão forem consideradas a única forma possível e razoável para proteger a outros valores fundamentais A intenção é evitar aqueles resultados repugnantes e flagrantemente injustos No Brasil é adotada com reservas sobretudo nas questões de direito de família Em matéria penal são raras as decisões que a adotam116 O perigo dessa teoria é imenso na medida em que o próprio conceito de proporcionalidade é constantemente manipulado e serve a qualquer senhor Basta ver a quantidade imensa de decisões e até de juristas que ainda operam no reducionismo binário do interesse público x interesse privado para justificar a restrição de direitos fundamentais e no caso até a condenação a partir da prevalência do interesse público É um imenso perigo grave retrocesso lançar mão desse tipo de conceito jurídico indeterminado e portanto manipulável para impor restrição de direitos fundamentais117 Recordemos que o processo penal é democratizado por força da Constituição e isso implica a revalorização do homem en toda la complicada red de las instituciones procesales que sólo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad el hombre118 E mais aqueles que ainda situam a discussão no campo público versus privado além de ignorarem a inaplicabilidade de tais categorias quando estamos diante de direitos fundamentais possuem uma visão autoritária do direito e equivocada do que seja sociedade e das respectivas categorias de interesse público coletivo etc Entendemos que sociedade deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência e não mais como um ente superior de que dependem os homens que o integram Inadmissível uma concepção antropomórfica na qual a sociedade é concebida como um ente gigantesco no qual os homens são meras células que lhe devem cega obediência Nossa atual Constituição e antes dela a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior essa visão antropomórfica que corresponde a um sistema penal autoritário119 Em suma no processo penal há que se compreender o conteúdo de sua instrumentalidade recusar tais construções 564 Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo Nesse caso a prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do réu Tratase da proporcionalidade pro reo em que a ponderação entre o direito de liberdade de um inocente prevalece sobre um eventual direito sacrificado na obtenção da prova dessa inocência Situação típica é aquela em que o réu injustamente acusado de um delito que não cometeu viola o direito à intimidade imagem inviolabilidade do domicílio das comunicações etc de alguém para obter uma prova de sua inocência Como explica GRECO FILHO120 uma prova obtida por meio ilícito mas que levaria à absolvição de um inocente teria de ser considerada porque a condenação de um inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admitida ainda que se sacrifique algum outro preceito legal Desnecessário argumentar que a condenação de um inocente fere de morte o valor justiça pois o princípio supremo é o da proteção dos inocentes no processo penal Ademais devese recordar que o réu estaria quando da obtenção ilícita da prova acobertado pelas excludentes da legítima defesa121 ou do estado de necessidade conforme o caso Também é perfeitamente sustentável a tese da inexigibilidade de conduta diversa excluindo agora a culpabilidade Tais excludentes afastariam a ilicitude da conduta e da própria prova legitimando seu uso no processo Na mesma linha RANGEL122 aponta o acerto da aplicação da chamada teoria da exclusão da ilicitude em que a conduta do réu ao obter a prova ilícita está amparada pelo direito causa de exclusão da ilicitude e portanto essa prova não pode mais ser considerada ilícita Assim por exemplo pode ser admitida a interceptação telefônica feita pelo próprio réu sem ordem judicial desde que destinada a fazer prova de sua inocência em processo criminal que busca sua condenação Ou ainda quando comete um delito de invasão de domicílio ou violação de correspondência para buscar elementos que demonstrem sua inocência estaria ao abrigo do estado de necessidade que excluiria a ilicitude de sua conduta e conduziria à admissão da prova Questão interessante que pode surgir é a seguinte se em determinado processo criminal admitese a prova ilícita porque benéfica ao réu proporcionalidade pro reo podese após utilizar essa prova para em outro processo penal punir terceiros Entendemos que não Essa prova ilícita que excepcionalmente está sendo admitida para evitar o absurdo que representa a condenação de um inocente não pode ser utilizada contra terceiro Ou seja a mesma prova que serviu para a absolvição do inocente não pode ser utilizada contra terceiro na medida em que em relação a ele essa prova é ilícita e assim deve ser tratada inadmissível portanto Não há nenhuma contradição nesse tratamento na medida em que a prova ilícita está sendo excepcionalmente admitida para evitar a injusta condenação de alguém proporcionalidade Essa admissão está vinculada a esse processo Não existe uma convalidação ou seja ela não se torna lícita para todos os efeitos senão que apenas é admitida em um determinado processo em que o réu que a obteve atua ao abrigo do estado de necessidade Ela segue sendo ilícita e portanto não pode ser utilizada em outro processo para condenar alguém sob pena de por via indireta admitirmos a prova ilícita contra o réu sim porque ele era terceiro no processo originário mas assume agora a posição de réu Tampouco pode ser invocada a proporcionalidade contra réu pelos motivos expostos na crítica à terceira corrente Em definitivo não pode ser utilizada contra terceiro pois frente a ele essa prova continua ilícita Com certeza diante das demais teorias expostas é a mais adequada ao processo penal e ao conteúdo de sua instrumentalidade na medida em que o processo penal é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição A jurisprudência não é pacífica mas há acórdãos acolhendo esse entendimento 57 Prova Ilícita por Derivação 571 O Princípio da Contaminação e sua Relativização Independent Source e Inevitable Discovery Definida a questão da admissibilidade ou não passemos ao problema da contaminação da prova ilícita sobre as demais Uma vez considerada ilícita a prova e não tendo sido ela admitida conforme as teorias anteriormente tratadas deve ser verificada a eventual contaminação que essa prova produziu em outras e até mesmo na sentença conforme exigência feita pelo art 573 1º do CPP Com o advento da Lei n 116902008 a problemática da contaminação foi assim disciplinada Art 157 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras 2º Considerase fonte independente aquela que por si só seguindo os trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível esta será inutilizada por decisão judicial facultado às partes acompanhar o incidente Desses enunciados extraemse algumas regras inadmissibilidade da prova derivada princípio da contaminação não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo de causalidade não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente daquela ilícita desentranhamento e inutilização da prova considerada ilícita Vejamos agora sucintamente algumas considerações sobre essas regras O princípio da contaminação tem sua origem no caso Silverthorne Lumber Co v United States em 1920 tendo a expressão fruits of the poisonous tree sido cunhada pelo Juiz Frankfurter da Corte Suprema no caso Nardone v United States em 1937 Na decisão afirmouse que proibir o uso direto de certos métodos mas não pôr limites a seu pleno uso indireto apenas provocaria o uso daqueles mesmos meios considerados incongruentes com padrões éticos e destrutivos da liberdade pessoal123 A lógica é muito clara ainda que a aplicação seja extremamente complexa de que se a árvore está envenenada os frutos que ela gera estarão igualmente contaminados por derivação Exemplo típico é a apreensão de objetos utilizados para a prática de um crime armas carros etc ou mesmo que constituam o corpo de delito e que tenham sido obtidos a partir da escuta telefônica ilegal ou através da violação de correspondência eletrônica Mesmo que a busca e apreensão seja regular com o mandado respectivo é um ato derivado do anterior ilícito Portanto contaminado está Voltando ao princípio da contaminação entendemos que o vício se transmite a todos os elementos probatórios obtidos a partir do ato maculado literalmente contaminandoos com a mesma intensidade Dessa forma devem ser desentranhados o ato originariamente viciado e todos os que dele derivem ou decorram pois igualmente ilícita é a prova que deles se obteve O maior inconveniente é a timidez com que os tribunais tratam da questão focando no nexo causal de forma bastante restritiva para verificar o alcance da contaminação Assim acabam tornando lícitas provas que estão contaminadas sob o argumento de que não está demonstrada claramente uma relação de causa e efeito Significa considerar que não existe conexão com a prova ilícita ou que essa conexão é tênue não se estabelecendo uma clara relação de causa e efeito Intimamente relacionada com a problemática em torno do nexo causal está a teoria da fonte independente Significa que as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas de outra maneira Falase no primeiro caso em independent source e no segundo na inevitable discovery Exemplo124 de aplicação da teoria da fonte independente independent source doctrine ocorreu no caso Murray v United States em 1988 em que policiais entraram ilegalmente em uma casa onde havia suspeita de tráfico ilícito de drogas e confirmaram a suspeita Posteriormente requereram um mandado judicial para busca e apreensão indicando apenas as suspeitas e sem mencionar que já haviam entrado na residência De posse do mandado realizaram a busca e apreenderam as drogas A Corte entendeu que a prova era válida e que não estava contaminada Isso porque no entendimento da Corte nesse caso o mandado de busca para justificar a segunda entrada seria obtido de qualquer forma apenas com os indícios iniciais Essa fonte era independente e préconstituída em relação à primeira entrada ilegal Já a exceção da descoberta inevitável inevitable discovery exception foi utilizada no caso Nix v Williams em 1984 para validarse a prova que poderia ser certamente obtida por qualquer outra forma No caso em julgamento125 o acusado havia matado uma criança e escondido seu corpo Foi realizada uma busca no município com 200 voluntários divididos em zonas de atuação Durante essa busca a polícia obteve ilegalmente a confissão do imputado o qual especificou o local onde havia ocultado o corpo tendo ele sido efetivamente encontrado no local indicado Contudo pela sistemática das buscas realizadas em poucas horas os voluntários também teriam encontrado o cadáver Logo a descoberta foi considerada inevitável e portanto válida a prova Em relação a essas teorias especialmente a última a Corte Suprema entendeu que a carga de provar que a descoberta era inevitável é inteiramente da acusação No Brasil o STF proferiu interessante decisão sobre a prova ilícita e especialmente sobre a independent source no julgamento do RHC 90376 RJ relator Min CELSO DE MELLO 2ª Turma julgado em 03042007126 No caso em comento em apertada síntese tratavase de uma busca e apreensão de materiais e equipamentos realizada em quarto de hotel sem o respectivo mandado judicial O STF entendeu que o quarto de hotel merece a mesma tutela de inviolabilidade que a casa art 5º XI da Constituição sendo ilícita a prova produzida sem a respectiva autorização judicial A seguir travouse a discussão acerca da contaminação dos atos subsequentes tendo o STF sustentado a necessidade de exclusão da prova originariamente ilícita e de todas aquelas posteriores que mesmo produzidas validamente estavam contaminadas pelo efeito da repercussão causal São igualmente ilícitos os elementos obtidos pelas autoridades estatais que somente a eles tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita Contudo e aqui se revela o problema da teoria da fonte independente se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita com esta não mantendo vinculação causal tais dados probatórios revelarseão plenamente admissíveis porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária Como construção teórica a tese da fonte independente e também do encontro inevitável é bastante clara e lógica mas revelase perversa quando depende da casuística e da subjetividade do julgador na medida em que recorre a conceitos vagos e imprecisos como o é a própria discussão em torno do nexo causal que geram um espaço impróprio para a discricionariedade judicial Ambas as teorias fonte independente e encontro inevitável atacam o nexo causal e servem para mitigar a teoria da contaminação restringindo ao máximo sua eficácia de modo que como sintetiza MARIA THEREZA127 se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada ou se esta derivar de fonte própria não fica contaminada e pode ser produzida em juízo O princípio da contaminação fruit of the poisonous tree constituiu um grande avanço no tratamento da prova ilícita mas que foi infelizmente atenuado a ponto de a matéria tornarse perigosamente casuística O tal raciocínio hipotético a ser desenvolvido para aferir se uma fonte é independente ou não conduz ao esvaziamento do princípio da contaminação Na mesma esteira ZILLI128 afirma que a operação proposta é perigosa podendo levar a um alargamento da tolerância judicial das provas derivadas desvirtuando o sentido da teoria da contaminação129 Assim predomina o entendimento nos tribunais superiores de que não se anula a condenação se a sentença não estiver fundada exclusivamente na prova ilícita Tampouco se anula a decisão condenatória em que pese existir uma prova ilícita se existirem outras provas lícitas aptas a fundamentar a condenação Por derradeiro a teoria da contaminação é bastante mitigada levada quase à ineficácia pela aplicação da teoria da fonte independente e suas variações Feita essa exposição do entendimento em vigor passemos à crítica 572 Visão Crítica Superando o Reducionismo Cartesiano O art 157 traz para o CPP alguma disciplina sobre as provas ilícitas A inovação que dará muita dor de cabeça para todos é a pouco clara disposição acerca do nexo causal que define a contaminação e ainda a chamada teoria da fonte independente Como regra são disposições vagas e imprecisas que recorrem a aberturas perigosas como trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal O que é isso Uma porta aberta para legitimar qualquer coisa que sirva à clara intenção de limitar ao máximo a eficácia do princípio da contaminação Mas tinha algo nesse projeto que representava uma grande evolução rumo ao desvelamento do infantil ou perverso cartesianismo vigente Era o 4º do art 157 cuja redação original era o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou o acórdão Quanto ao problema da contaminação do juiz que teve contato com a prova ilícita e que deveria ser impedido de julgar o veto ao 4º do art 157 deve ser analisado a partir de seus próprios fundamentos de que a exclusão desse juiz comprometeria a eficácia do processo penal gerando tumulto nas comarcas de juízo único Logo a contrário senso nas varas em que existam dois ou mais juízes não se justificaria a manutenção do juiz contaminado Não havendo o motivo apontado no veto não há mais o menor fundamento para erroneamente manter um juiz contaminado no processo proferindo sentença a partir da convicção formada com base na prova ilícita É óbvio que o juiz que conheceu a prova ilícita não pode julgar pois está contaminado Não basta desentranhar a prova devese desentranhar o juiz Mas para surpresa e decepção geral esse inciso foi vetado com uma pseudofundamentação calcada em risíveis argumentos No fundo venceu a ideologia punitivista e o substancialismo inquisitório daqueles que julgandose do bem não têm pudores em fazer o mal ao outro é claro custe o que custar A pergunta é isso é bom para quem Quem nos protege desse tipo de bondade A questão da contaminação da prova ilícita nos parece ser muito mais complexa do que costumeiramente tem sido tratada Iniciemos pela análise de duas premissas que nos parecem fundantes de qualquer posicionamento nessa matéria 1ª A noção de nexo causal em matéria de contaminação probatória exige uma análise séria e desapaixonada de modo que somente as provas absolutamente independentes podem permanecer 2ª O juiz que teve contato com a prova ilícita está contaminado e não pode julgar A primeira premissa exige uma mudança radical da leitura a partir da própria compreensão da instrumentalidade constitucional do processo penal A noção de nexo causal deve ser ampliada quando se trata de reconhecer a contaminação Ou seja até que se demonstre o contrário a prova produzida na continuação daquela ilícita deverá ser tida como contaminada desde que mantenha um mínimo de relação de causaefeito obviamente se ficar evidente a independência não há que se anularem as demais provas Isso significa uma inversão completa do tratamento do nexo causal em relação àquele empregado pelos tribunais em que a prova somente é anulada por derivação se ficar inequivocamente demonstrada a contaminação admitindose todo tipo de ginástica argumentativa para salvar a prova contaminada Defendemos exatamente o oposto salvo se ficar inequivocamente demonstrada a independência as provas subsequentes deverão ser anuladas por derivação É uma questão de respeito às regras do devido processo penal e principalmente dos valores em jogo Não se pode admitir que o processo penal vire um instrumento para legitimar a prática de atos ilegais por parte dos agentes do Estado isso é um absurdo E com certeza se não toda a imensa maioria das discussões travadas sobre a prova ilícita diz respeito a atos ilegais praticados por agentes do Estado E com isso não se pode pactuar Mas o problema vai além até porque a primeira premissa está intimamente relacionada com a segunda como se não bastasse a excessiva timidez mascarada no argumento do nexo causal a discussão em torno da contaminação desconsidera a questão nuclear do problema a cabeça do julgador E aqui grave erro foi o veto ao 4º do art 157 o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão A desconsideração de que se opera uma grave contaminação psicológica consciente ou inconsciente do julgador faz com que a discussão seja ainda mais reducionista Esse conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar130 deveria merecer atenção muito maior por parte dos juristas especialmente dos tribunais cuja postura até agora tem se pautado por uma visão positivista cartesiana até na medida em que separa emoção e razão o que se revela absolutamente equivocado no atual nível de evolução do processo Na mesma linha de redução do alcance da contaminação são comuns os acórdãos dos tribunais brasileiros que reconhecendo que no processo existe uma prova ilícita ou nulidade processual não anulam a sentença por entenderem que não ficou demonstrado que a decisão se baseou na prova ilícita Assim se o juiz não mencionou expressamente na fundamentação a prova demonstrando a importância na formação de sua convicção dificilmente a sentença será anulada Mais interessante ainda são as decisões131 que em que pese a prova ilícita existir e ter sido utilizada na sentença para condenação do réu argumentam subtraindo mentalmente aquela prova ilícita ainda subsistem elementos para justificar a condenação E assim mantêm a sentença condenatória avalizando as ilegalidades praticadas Não concordamos com o entendimento de que se no processo existir alguma prova ilícita a sentença condenatória somente será anulada se ficar demonstrado que ela se baseou exclusivamente nessa prova Tampouco podemos admitir a tal exclusão mental fruto de uma visão positivista e cartesiana como se o ato de julgar fosse algo compartimentalizado mecânico de que se pudesse excluir alguma peça sem comprometer o funcionamento do motor quando na verdade é todo o oposto A fundamentação nada mais é do que exercício retórico E mais recordemos que em processo penal forma é garantia e que essa conquista democrática não pode ser afastada sob pena de grave retrocesso O mais importante é o decidir que brota de um complexo conjunto de fatores psicológicos Assim a pergunta a ser feita é Quem nos garante que o juiz não está decidindo a partir da prova ilícita ainda que inconscientemente até porque a emoção é mais intensa e na fundamentação apenas cria uma blindagem argumentativa de que a decisão foi tomada com base na prova lícita A partir de uma reflexão sobre o alcance dessa pergunta parecenos que a questão inclusive do nexo causal deve ao menos ser tratada com muito mais cautela e compreensão de sua complexidade Em muitos casos a sentença deve ser anulada ainda que sequer mencione a prova ilícita pois não há nenhuma garantia de que a convicção foi formada exclusivamente a partir do material probatório válido A garantia da jurisdição vai muito além da mera presença de um juiz natural imparcial etc ela está relacionada com a qualidade da jurisdição A garantia de que alguém será julgado somente a partir da prova judicializada nada de condenações com base nos atos de investigação do inquérito policial132 e com plena observância de todas as regras do devido processo penal Sublinhamos o somente porque esse advérbio constitui na feliz definição de CORDERO133 um exorcismo verbal contra as espirais ad infinitum congênitas a fome desaforada da inquisição Daí por que não basta anular o processo e desentranhar a prova ilícita devese substituir o juiz do processo na medida em que sua permanência representa um imenso prejuízo que decorre dos pré juízos sequer é prejulgamento mas julgamento completo que ele fez Imaginese uma escuta telefônica que posteriormente vem a ser considerada ilícita por falha de algum requisito formal e a sentença anulada em grau recursal Basta remeter novamente ao mesmo juiz avisandolhe de que a prova deve ser desentranhada Elementar que não pois ele ao ter contato com a prova está contaminado e não pode julgar 6 A Produção Antecipada de Provas no Processo Penal Partindo da compreensão de que as regras do devido processo penal exigem que o julgamento recaia sobre provas e que somente são considerados atos de prova aqueles praticados em juízo é imprescindível tratar da produção antecipada de provas Frente ao risco de perecimento e o grave prejuízo que significa a perda irreparável de algum dos elementos recolhidos na investigação preliminar o processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente essa prova através de um incidente Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido como mero ato de investigação e posteriormente repetido em juízo para ter valor de prova poderá ser realizado uma só vez na fase préprocessual e com tais requisitos formais que lhe permitam ter o status de ato de prova isto é valorável na sentença ainda que não colhido na fase processual Infelizmente a matéria não está disciplinada no CPP mera menção no art 366 carecendo de limites de cabimento e forma de produção Diante da lacuna pensamos que o incidente de produção antecipada da prova somente pode ser admitido em casos extremos mas nunca de ofício pelo juiz em que se demonstra a fundada probabilidade de ser inviável a posterior repetição na fase processual da prova Ademais para justificála deve estar demonstrada a relevância da prova para a decisão da causa Em síntese são requisitos básicos a relevância e imprescindibilidade do seu conteúdo para a sentença b impossibilidade de sua repetição na fase processual amparado por indícios razoáveis do provável perecimento da prova Presentes tais requisitos o incidente deve ser praticado com a mais estrita observância do contraditório e direito de defesa Logo a prova antecipada deve ser produzida134 a em audiência pública salvo o segredo justificado pelo controle ordinário da publicidade dos atos processuais b o ato será presidido por um órgão jurisdicional nos sistemas de investigação policial e a cargo do MP presidirá o juiz garante c na presença dos sujeitos futuras partes e seus respectivos defensores d sujeitandose ao disposto para a produção da prova em juízo ou seja com os mesmos requisitos formais a que deveria obedecer o ato se realizado na fase processual e deve permitir o mesmo grau de intervenção a que teria direito o sujeito passivo se praticada no processo Dessa forma desde o ponto de vista do sujeito passivo está garantido o contraditório e o direito de defesa de modo que a prática antecipada da prova não supõe em princípio nenhum prejuízo Esses requisitos devem ser cumpridos para toda e qualquer modalidade de prova produzida antecipadamente No caso da prova testemunhal em que a falta de contato direto é mais relevante é importante que ela seja fielmente reproduzida utilizandose para isso os melhores meios disponíveis especialmente a filmagem e a gravação Diante da impossibilidade de repetir a reprodução deve ser a melhor possível Concluindo a produção antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional justificada por sua relevância e impossibilidade de repetição em juízo Sua eficácia estará condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade contraditório possibilidade de defesa e fiel reprodução na fase processual Por fim chamamos a atenção para a edição da Súmula n 455 do STJ com o seguinte verbete SÚMULA N 455 A decisão que determina a produção antecipada deve ser concretamente fundamentada não a justificando unicamente o mero decurso do tempo Reforça nossa posição de que a produção antecipada de provas é uma medida extrema que deve ser objeto de estrita fundamentação e que não pode basearse em argumentos vagos como o mero decurso do tempo Deve estar demonstrada sua necessidade e urgência 1 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 256 2 Pois uma função inerente à pena de prisão é obrigar a um constante reviver o passado no presente Devemos recordar ainda que o cárcere é um instrumento de caricaturização e potencialização de distintos aspectos da sociedade de modo que a dinâmica do tempo também vai extremarse no interior da instituição total levando ao que denominamos patologias de natureza temporal Isso significa em apertada síntese que o tempo de prisão é tempo de involução que a prisão gera uma total perda do referencial social de tempo pois a dinâmica intramuros é completamente desvinculada da vivida extramuros onde a sociedade atinge um nível absurdo de aceleração em total contraste com a inércia do apenado Existe uma clara defasagem entre o tempo social e o tempo do cárcere como bem percebeu MOSCONI Tiempo Social y Tiempo de Cárcel In BEIRAS Iñaki Rivera DOBON Juan Orgs Secuestros Institucionales y Dere chos Humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas Barcelona Bosch 1997 p 91103 A prisão possui um tempo mumificado pela instituição em contraste com a dinâmica e complexidade do exterior Assim essa ruptura de existências e significados de potencialidades identidades e perspectivas causa um sofrimento muito maior do que antigamente Isso exige um repensar a proporcionalidade e adequação da pena a partir de outro paradigma temporal aliado à velocidade do tempo externo e ao congelamento do tempo interno Não há dúvida de que o tempo da prisão é muito mais lento e longo do que há algum tempo O choque não está apenas no tempo subjetivo do apenado e no sofrimento mas também na inutilidade da pena diante do contraste com o tempo social É por isso que afirmamos que a pena de prisão é tempo de involução o apenado não sairá do cárcere em condições de acompanhar o tempo social pois está literalmente à margem por isso novamente marginalizado dessa dinâmica Eis aqui mais um elemento a evidenciar a falácia ressocializadora Com razão MOSCONI op cit quando conclui apontando a necessidade de reduzir ao máximo a duração da pena de prisão para evitar um prejuízo ainda maior A pena enquanto resposta à inadequação social é obsoleta e igualmente inadequada pois está em conflito com o pluralismo dinâmico da atual complexidade social Para o autor o tempo da prisão deverá pluralizarse e diferenciarse necessariamente inclusive com várias formas de experiência que abandonem qualquer resíduo ideológico ou rigidez preconcebida Ademais essa defasagem temporal se transforma em fonte de somatização e enfermidade de modo que o uso prolongado da instituição penitenciária somente poderá produzir novas patologias sociais daí novamente a necessidade de redução do tempo de duração da pena de prisão 3 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 2 p 3 4 Em casos assim em que o juiz tem a experiência direta do delito ele deixa de ser juiz e passa a ser testemunha ou vítima pois tal contaminação despojalhe das condições de necessário alheamento que o constituem juiz Ou seja o que constitui o juiz é a imparcialidade incompatível pois com o contato direto com o fato a ser julgado 5 A semiótica do grego semeiotiké é a ciência dos signos e sinais usados em comunicação Explica SAUSSURE que através do signo entidade psíquica de duas faces que cria uma relação entre um conceito significado e uma imagem acústica significante podemos conceber uma ciência que estude a vida dos sinais no seio da vida social envolvendo parte da psicologia social e por conseguinte da psicologia geral chamada de semiologia Tratase do estudo dos signos e das regras que os regem Os signos pertencem ao mundo da representação sendo compostos por significante a parte física do signo e pelo significado a parte mental o conceito A semiótica assim é a ciência dos signos ou seja do processo de significação ou representação na natureza e na cultura do conceito ou da ideia 6 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 11 7 Idem ibidem p 6 8 Idem ibidem v 2 p 7 9 Idem ibidem v 2 p 3 10 TARUFFO Michele La Prueba de los Hechos Madrid Trotta 2002 p 83 11 TARUFFO op cit p 81 12 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 251 13 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos 20012001 Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 177 14 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 67 15 Em diversos trabalhos mas especialmente no artigo Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 16 Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias para evitar perigosas e muitas vezes errôneas analogias com o processo civil que foram e são feitas até hoje Com uma justificada preocupação J GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 28 e ss destaca que a construção do modelo acusatório no processo penal deve ser distinta daquela aplicável ao processo civil uma concepção distinta do princípio dispositivo pois a situação jurídica da parte ativa é completamente diferente da do autor processo civil O Ministério Público não faz valer no processo penal um direito próprio e pede a sua adjudicação como o autor no processo civil senão que afirma o nascimento de um direito judicial de penar e exige o exercício deste direito que ao mesmo tempo representa um dever para o Estado titular do direito de penar e que realiza seu direito no processo não como parte mas como juiz Para compreender esse pensamento é imprescindível partir da premissa de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória ius ut procedatur A título de ilustração uma má interpretação do que seja o modelo acusatório e uma errada analogia com o processo civil leva alguns sistemas como o espanhol a permitir que a acusação peça uma determinada quantidade de pena x anos e mais errado ainda é pensar que esse pedido vincule o juiz Outro erro que diariamente vem sendo cometido é afirmar que a chamada justiça negociada plea negotiation é uma manifestação do modelo acusatório quando na verdade se trata de uma degeneração completa do processo penal e uma distorcida visão do que seja um processo de partes o sistema acusatório ou mesmo o verdadeiro objeto do processo penal 17 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 40 18 A crítica serve tanto para a atribuição de poderes instrutórios na fase processual como ocorre no art 156 como também quando ela é feita na fase préprocessual admitindo que o juiz pratique atos de investigação 19 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino Utet 1986 p 51 20 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro cit p 37 21 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 43 22 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 29 23 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 90 24 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 26 25 Fundado a partir das mesmas premissas contaminação do famigerado direito penal do inimigo defendido por Günter Jakobs e seguido por tantos outros incautos frágeis vítimas desse interesseiro e grosseiro maniqueísmo 26 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 88 27 OLIVEIRA Ana Sofia Schmidt de Resolução 052002 interrogatório online Parecer Boletim IBCCRIM São Paulo v 10 n 120 p 2 4 nov 2002 28 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 208 29 CORDERO op cit v 1 p 47 30 Idem ibidem p 322 31 ZILLI Marcos O Pomar e as Pragas Boletim do IBCCrim n 188 julho2008 p 2 32 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Com a palavra as partes Boletim do IBCCrim n 188 julho2008 p 18 33 Exposición de Motivos del Código Procesal Penal Modelo para Iberoamérica 34 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 86 35 Basta ler a Exposição de Motivos do CPP que idolatra o Código de Rocco para constatar isso Para além da mera citação do Código de Rocco a Exposição de Motivos contempla verdadeiras pérolas do estilo urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum O indivíduo principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídicopenal da vida em sociedade não pode invocar em face do Estado outras franquias ou imunidades O texto exala um profundo ranço autoritário incompatível com a democracia contemporânea e que exige uma imensa ginástica jurídica para tentar salvar algo de um código como o nosso 36 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 85 37 CARVALHO Amilton Bueno de Lei para quem In WUNDERLICH Alexandre coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 51 38 Estamos com CORDERO Procedimento Penal cit v 1 p 398 quando equipara as expressões presunção de inocência e não seja considerado culpado antes da sentença definitiva Para tanto utiliza a equivalência explícita de três famosas fórmulas art 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 everyone charged with a penal offence has the right to be presumed innocente until proved guilty art 2º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem Roma 1950 art 142 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos Nova York 1966 39 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 152 40 HUERTAS MARTIN Maria Isabel El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba Barcelona Bosch 1999 p 39 41 ILLUMINATI G La Presunzione dInocenza dellImputato p 107 Apud HUERTAS MARTIN op cit p 40 42 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 610 43 GUARNIERI Jose Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México José M Cajica 1952 p 305 44 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal 3 ed Belo Horizonte Del Rey 2003 p 166 45 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal cit p 166 46 Antes que algum incauto leitor pense que estamos exigindo a impossível prova negativa esclarecemos que não se trata disso Por exemplo se a defesa alega que o delito foi cometido ao abrigo da excludente da legítima defesa incumbe ao acusador provar que não houve a repulsa a uma injusta agressão logo provando que a agressão era justa ou que dita agressão não era atual ou iminente logo era passada ou futura que o réu não repeliu dita agressão usando moderadamente os meios necessários logo demonstrando o excesso enfim tratase de prova positiva que afaste a excludente 47 CORDERO Franco Procedimiento Penal v 2 cit p 273 48 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 79 49 A relação inafastável entre contraditório e o ato de contradizer explica por que J GOLDSCHMIDT utiliza como sinônimas as expressões ao definir como princípio de controvérsia o contradicción Sobre o tema vejase sua obra Derecho Procesal Civil cit p 82 50 GOLDSCHMIDT Werner La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 189 51 Direito de silêncio nada a temer por se deter 52 GUASP Jaime Administración de Justicia y Derechos de la Personalidad In ALONSO Pedro Aragoneses coord Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 182 e ss 53 CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli 1960 p 139 54 O conhecimento da acusação formulada nos leva à necessária correlação entre acusaçãodefesasentença A correlação fixa os limites da sentença e possibilita a resistência da parte passiva É importante destacar que o modelo acusatório não exige a vinculação do julgador à qualificação jurídica nem ao petitum das partes até porque ao acusador não incumbe pedir uma determinada pena pois a ele corresponde uma pretensão meramente acusatória ius ut procedatur Nesse sentido ARAGONESES MARTINEZ Del Principio Inquisitivo al Principio Dispositivo In XII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal p 1693 e 1698 sublinha que entender que la sentencia criminal debe guardar con la acusación la misma correlación que la sentencia civil con la demanda es una grave confusión entre el principio acusatorio con el dispositivo Como explica a autora como garantía esencial del moderno proceso penal debe dársele al acusado la posibilidad de ser oído respecto de todas y cada una de las cuestiones de trascendencia penal la calificación jurídica de los hechos el grado de participación y de ejecución la concurrencia de circunstancias eximentes atenuantes o agravantes de la responsabilidad etc A correlação exige que o julgamento recaia sobre o mesmo fato natural que integra a pretensão acusatória como seu elemento objetivo A correlação no processo penal está acima de tudo a serviço da defesa evitando o segredo e a surpresa 55 PELLEGRINI GRINOVER Ada SCARANCE FERNANDES Antonio e GOMES FILHO Antônio Magalhães As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 56 LEONE Giovanni Elementi di Diritto e Procedura Penale 5 ed Napoli Jovene 1981 p 212 57 Na esteira de MANZINI Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v 1 p 281 58 Isso porque seguimos a lição de JAMES GOLDSCHMIDT para quem o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva como entendia BINDING Sobre o tema consultese sua obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit 59 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 23 60 FOSCHINI Gaetano LImputato Milano Dott Q Giuffrè 1956 p 26 61 Idem ibidem p 27 e ss 62 La Defensa en el Proceso Penal p 112 63 GUARNIERI op cit p 116 64 BACILA Carlos Roberto Princípios de Avaliação das Provas no Processo Penal e as Garantias Fundamentais In BONATO Gilson Org Garantias Constitucionais e Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 100 65 BACILA op cit p 99 66 Basta que façam isso duas vezes Explicamos se alguém submetido a julgamento pelo tribunal do júri for condenado ou absolvido e entender que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos poderá apelar nos termos do art 593 III d do CPP Acolhido o recurso o Tribunal de Justiça determinará que o réu seja submetido a novo julgamento Contudo se nesse novo júri o réu for novamente condenado ou novamente absolvido e a decisão dos jurados for igualmente contrária à prova dos autos nada mais poderá ser feito pois o art 593 3º do CPP não permite nova apelação por esse motivo Logo se os profanos julgarem condenarem ou absolverem duas vezes contra a prova dos autos estará juridicamente avalizado o absurdo 67 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa America 1963 v II p 157 68 Idem ibidem p 158 69 Idem ibidem p 159 70 Idem ibidem p 159 71 PORTANOVA Rui Princípios do Processo Civil 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 1999 p 221 72 PORTANOVA op cit p 241 73 Sobre o tema recomendamos a leitura da obra de KHALED JR Salah H A Busca da Verdade no Processo Penal para além da ambição inquisitorial São Paulo Atlas 2013 74 IBÁÑEZ Perfecto Andrés Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada Granada n 2 1999 p 53 75 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 328 76 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 44 e ss 77 Idem ibidem p 57 78 Não desconhecemos a possibilidade da revisão criminal senão que somos bastante céticos em relação à sua eficácia real na medida em que seu cabimento é restrito aos casos previstos no art 621 do CPP Ademais na prática é bastante difícil obter êxito nesse tipo de ação desconstitutiva em virtude das limitações procedimentais e principalmente da imensa resistência por parte dos tribunais Isso tudo sem falar no famigerado in dubio pro societate absolutamente despido de suporte constitucional 79 Idem ibidem 80 Derecho y Razón cit p 50 81 O que segue é um resumo de Michele Taruffo La Prueba de los Hechos cit p 8087 82 CARNELUTTI Francesco Verità Dubbio e Certezza Rivista di Diritto Processuale v XX II serie 1965 p 49 83 CARNELUTTI Francesco Verità Dubbio e Certezza cit p 49 84 COUTINHO Jacinto Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário Ibero Americano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 175 e ss 85 MERLEAUPONTY Maurice O Olho e o Espírito Rio de Janeiro Grifo 1969 86 Sobre o tema DURAN Gilbert As Estruturas do Imaginário uma introdução à arquetipologia geral São Paulo Martins Fontes 1997 87 GAUER Ruth Falar em Tempo Viver o Tempo In GAUER Ruth m Chittó SILVA Mozart Linhares da Orgs TempoHistória Porto Alegre EDIPUCRS 1998 p 26 88 Nos limites da presente obra não há como aprofundar o estudo da antropologia de modo que remetemos o leitor para outras obras que poderão auxiliálo no estudo do mito e do rito LEVISTRAUSS Claude Mito e Significado Lisboa Edições 70 1987 LEVISTRAUSS Claude Mito e Linguagem Social Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1970 ELIADE Mircea Mito e Realidade São Paulo Perspectiva 2002 BARTHES Roland Mitologias São Paulo Difel 1980 PAZ Otávio Claude LéviStrauss ou o novo Festim de Esopo São Paulo Perspectiva 1977 SEGALEN Martine Ritos e Rituais Contemporâneos FGV 2002 e TURNER Victor W O Processo Ritual Petrópolis Vozes 1974 89 TARUFFO Michele La Prueba de los Hechos cit p 81 A posição é citada pelo autor mas não compartilhada por ele que se perfila entre aqueles que ainda acreditam na possibilidade de ser alcançada a verdade no processo 90 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 251 91 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 3 92 TARUFFO Michele La Prueba de los Hechos cit p 83 93 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 11 94 DRUMMOND DE ANDRADE Carlos Verdade In Corpo Novos Poemas Editora Record 95 O Ponto Cego do Direito p 82 96 Expressão que tomamos emprestada de KHALED JR Salah H A Busca da Verdade no Processo Penal para além da ambição inquisitorial cit 2013 97 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 98 Interessante exemplo de prova inominada mas que não pode ser aceita entre outros por violar a dignidade da pessoa humana nos traz a seguinte notícia UE CONDENA TESTES FALOMÉTRICOS PARA GAYS NA REPÚBLICA TCHECA Quem pedir asilo afirmando ser homossexual e por esse motivo perseguido em seu país de origem tem em alguns casos que passar por testes humilhantes na República Tcheca União Europeia critica agora o procedimento Nos assim chamados testes falométricos para gays requerentes de asilo na República Tcheca é acoplado ao candidato um aparelho que mede seu grau de estimulação sexual enquanto é obrigado a assistir vídeos pornôs heterossexuais Dessa forma as autoridades de imigração pretendem constatar se o solicitante é realmente homossexual ou se somente o afirma para obter asilo Caso mostre sinais de excitação seu pedido será possivelmente rejeitado À procura da verdade Ativistas tchecos de direitos humanos se mostram indignados Sabemos que aqui na República Tcheca este exame falométrico foi realizado até mesmo em casos em que os candidatos puderam comprovar através de documentos que eram por exemplo perseguidos no Irã devido a assim chamados atos imorais afirmou Martin Rozumek da organização de ajuda a refugiados OPU A agência de direitos fundamentais da União Europeia UE critica agora o fato de a República Tcheca ser o único país que aplica o controverso teste sexual A agência afirma que esse método não é confiável e que não leva a resultados evidentes Além disso tal ingerência na esfera íntima violaria os direitos humanos As acusações incomodaram o Ministério tcheco do Interior Entre 2008 e 2009 o exame teria sido aplicado menos de dez vezes explica Tomas Haismann responsável por questões de asilo e imigração no ministério Assim que a ONU nos criticou pela primeira vez paramos de realizar o teste Agora iremos ler o relatório da agência de direitos fundamentais da UE e tirar as devidas consequências Menos de dez testes Nos casos em que os testes foram aplicados os atingidos sempre deram seu aval por escrito assegurou o ministério tcheco O ministro do Interior Radek John afirmou até mesmo que os candidatos insistiram em fazer o exame Eles queriam provar de qualquer forma que eram realmente homossexuais John assumiu a pasta em julho último e desde então os testes não foram mais aplicados afirmou O caso veio à tona na Alemanha Um requerente de asilo iraniano fugiu da República Tcheca para a Alemanha após ser obrigado a fazer o teste Um tribunal do estado alemão de SchleswigHolstein rejeitou o pedido de recondução do requerente de asilo à República Tcheca alegando que o iraniano teria sido exposto a testes falométricos naquele país FONTE Deutsche Welle httpwwwdwdeuecondenatestes falomC3A9tricosparagaysnarepC3BAblicatchecaa6319792 Acesso em 18032013 99 GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1997 p 89 100 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 363364 Nossa reserva diz respeito ao fato de o autor fazer uma virada linguística para excluir dessa proteção a criminalidade organizada e macroeconômica Cita o exemplo da interceptação telefônica na qual é apurada a informação de outro crime e argumentando em torno dos perigos de que a teoria sirva para salvaguarda de atividades criminosas e também da excepcionalidade da interceptação telefônica conclui pela admissão dessa prova nesses casos Não concordamos com o tratamento diferenciado pois ele conduz a uma perigosa aproximação com o maniqueísmo e reducionismo do direito processual penal do inimigo cujas críticas são por todos conhecidas Também não supera a dicotomia ilusória e aparente entre garantias processuais versus repressão ao crime Como já explicamos no início deste trabalho elas devem coexistir ou seja respeitar as regras do jogo garantias processuais não significa e não se confunde com impunidade No que tange à excepcionalidade da interceptação telefônica infelizmente ela está muito longe de existir Atualmente a medida foi extremamente banalizada a ponto de primeiro haver a interceptação e depois a investigação Ou seja primeiro se grampeia e depois se pensa Por fim não aprofunda o autor em torno de que outro crime poderia ser alcançado pela medida Como explicamos há que se vedar essa extensão da prova por violar a necessária vinculação da medida Em casos excepcionais poderia ser admitida mas apenas em relação ao crime conexo conforme a problemática que explicaremos na continuação Esse limite crime conexo deve ser definido para não incidir no perigo da abertura conceitual que conduz à criação de espaços impróprios de discricionariedade judicial 101 Quebra de Sigilo Bancário e Direito à Intimidade O Tribunal por maioria deu parcial provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min Joaquim Barbosa relator proferida nos autos de inquérito instaurado para apurar a suposta prática dos crimes de quadrilha peculato lavagem de dinheiro gestão fraudulenta corrupção ativa e passiva e evasão de divisas pela qual deferira a quebra de sigilo bancário de conta de não residente da agravante utilizada por diversas pessoas físicas e jurídicas determinando a remessa de informações ao STF unicamente no que concerne aos dados dos titulares dos recursos movimentados na referida conta Entendeuse que em face do art 5º X da CF que protege o direito à intimidade à vida privada à honra e à imagem das pessoas a quebra do sigilo não poderia implicar devassa indiscriminada devendo circunscreverse aos nomes arrolados pelo Ministério Público como objeto de investigação no inquérito e estar devidamente justificada Recurso parcialmente provido para que fique autorizada a remessa relativa a duas pessoas físicas e uma pessoa jurídica deixando ao Ministério Público a via aberta para outros pedidos fundamentados Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa relator e Carlos Britto que negavam provimento ao recurso por considerar que o sigilo bancário apesar de constitucionalmente amparado não se reveste de caráter absoluto e pode ser afastado por ordem judicial desde que tal quebra seja concretamente necessária à apuração de fatos delituosos previamente investigados como no caso em que presentes fortes indícios da prática de ilícitos ressaltando ademais inexistir devassa haja vista que as informações cujo fornecimento a decisão agravada determina não incluem os valores movimentados grifo nosso 102 Nesse sentido entre as várias decisões proferidas pelo STF destacamos a seguinte Extradição 646extensão Rel Min Maurício Corrêa julgamento em 02091998 DJ de 02101998 PEDIDO DE EXTENSÃO DE EXTRADIÇÃO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE IMPUTAÇÃO DOS DELITOS DE RECEPTAÇÃO CONTRABANDO OU DESCAMINHO ESTELIONATO FALSIFICAÇÃO E SONEGAÇÃO FISCAL PRATICADOS ANTERIORMENTE AO PRIMEIRO PEDIDO MAS SÓ POSTERIORMENTE APURADOS PELO ESTADO REQUERENTE INEXIGIBILIDADE DE MANDADO DE PRISÃO O princípio da especialidade previsto expressamente na legislação de ambos os Países impede que o extraditado seja preso ou processado por fatos anteriores ao primeiro pedido art 91 I da Lei n 681580 e Código Penal eslovaco A prisão e o processo por outros delitos praticados pelo extraditado antes do primeiro pedido mas posteriormente apurados exigem autorização adicional do País requerido Por estas razões não se pode exigir que o pedido de extensão da extradição venha acompanhado de cópia de mandado de prisão arts 79 II e 80 caput da Lei n 681580 pois a lei não pode exigir que se faça aquilo que ela proíbe 103 Na Espanha sem excluir opiniões diversas mas minoritárias LÓPEZFRAGOSO citado na obra coletiva Ley de Enjuiciamiento Criminal y Ley del Jurado concordancias y comentarios a los procedimientos ordinario abreviado y ley del jurado com sua aplicación práctica p 407 esquematiza da seguinte forma o tratamento da problemática 1 se os fatos descobertos tiverem conexão art 17 da LECrim com os que são objeto da interceptação os descubrimientos ocasionales surtirão efeitos investigatórios e probatórios 2 se os fatos ocasionalmente conhecidos não tiverem essa conexão mas tiverem uma gravidade penal aparentemente suficiente para tolerar proporcionalmente sua adoção serão considerados meras notitia criminis para dar início às correspondentes investigações 104 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional São Paulo RT 1999 p 94 105 Não concordamos assim com a seguinte decisão do STJ ESCUTA TELEFÔNICA TERCEIRO MP DILIGÊNCIAS Desde que esteja relacionada com o fato criminoso investigado é lícita a prova de crime diverso obtida mediante a interceptação de ligações telefônicas de terceiro não arrolado na autorização judicial da escuta Outrossim é permitido ao MP conduzir diligências investigatórias para a coleta de elementos de convicção pois isso é um consectário lógico de sua própria função a de titular da ação penal LC n 7593 Precedentes citados HC 37693SC DJ 22112004 RHC 10974SP DJ 18032002 RHC 15351RS DJ 18102004 e HC 27145SP DJ 25082003 HC 33462DF Rel Min Laurita Vaz julgado em 27092005 A decisão peca por excessiva abertura sem vincular a prova sequer à demonstração de ser o crime conexo O risco dessa amplitude é admitir um substancialismo inquisitório em que se perquira sem qualquer limite objetivo ou subjetivo 106 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 107 Idem ibidem p 49 108 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha de A Ilicitude na Obtenção da Prova e sua Aferição Originais gentilmente cedidos pela autora 109 Também adota essa classificação SCARANCE FERNANDES Processo Penal Constitucional cit p 78 110 Conforme ASSIS MOURA op cit 111 Conforme ASSIS MOURA op cit 112 Conforme bem leciona Marcos ZILLI O Pomar e as Pragas cit p 2 113 ZILLI op cit 114 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 115 Importante destacar que não desconhecemos a divergência existente em torno da distinção ou não dos princípios da proporcionalidade Alemanha e razoabilidade Estados Unidos Contudo seguimos a corrente daqueles que como Suzana TOLEDO BARROS O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais Brasília Editora Brasília Jurídica 1996 não veem uma distinção nuclear relevante Sobre o tema e as diferentes posições teóricas leiase ainda SOUZA DE OLIVEIRA Fabio Correa Por uma Teoria dos Princípios O Princípio Constitucional da Razoabilidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 116 Noticia MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA op cit a existência de pelo menos duas decisões nessa linha proferidas pelo STJ a saber HC 3982 RSTJ 82322 e ss jun 1996 e HC 4138 RF 336394 outdez 1996 Em ambos os recursos foi relator o Ministro Adhemar Maciel 117 Eis dois casos em que se tentou fazer valer uma prova ilícita contra o réu em nome do interesse público e até da falaciosa verdade real tendo em ambos sido repelida a construção Da explícita proscrição da prova ilícita sem distinções quanto ao crime objeto do processo CF art 5º LVI resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca a qualquer custo da verdade real no processo consequente impertinência de apelarse ao princípio da proporcionalidade à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira para sobrepor à vedação constitucional da admissão da prova ilícita considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação HC 80949 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14122001 grifo nosso Objeção de princípio em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor com o fim de darlhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou em particular na de determinados crimes é que aí foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou em prejuízo se necessário da eficácia da persecução criminal pelos valores fundamentais da dignidade humana aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita De qualquer sorte salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência HC 79512 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 16052003 grifo nosso 118 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal Trad Faustino GutièrrezAlviz y Conradi Barcelona Bosch 1976 p 174 119 ZAFFARONI Eugenio Raúl e PIERANGELI José Henrique Manual de Direito Penal Brasileiro 2 ed São Paulo RT 1999 p 96 120 GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades p 112113 apud SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional cit p 81 121 Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há para essa utilização excludente da antijuridicidade Afastada a ilicitude de tal conduta a de por legítima defesa fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime é ela por via de consequência lícita e também consequentemente essa gravação não pode ser tida como prova ilícita para invocarse o artigo 5º LVI da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade art 5º X da Carta Magna HC 74678 Rel Min Moreira Alves DJ 15081997 122 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 431 123 Conforme PIEROBOM DE ÁVILA Thiago André Provas Ilícitas e Proporcionalidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 152 124 O exemplo é de PIEROBOM DE ÁVILA op cit p 154 125 PIEROBOM DE ÁVILA op cit p 158 126 EMENTA ILICITUDE DA PROVA INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA FRUITS OF THE POISONOUS TREE A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO Ninguém pode ser investigado denunciado ou condenado com base unicamente em provas ilícitas quer se trate de ilicitude originária quer se cuide de ilicitude por derivação Qualquer novo dado probatório ainda que produzido de modo válido em momento subsequente não pode apoiarse não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária A exclusão da prova originariamente ilícita ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do due process of law e a tornar mais intensa pelo banimento da prova ilicitamente obtida a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal Doutrina Precedentes A doutrina da ilicitude por derivação teoria dos frutos da árvore envenenada repudia por constitucionalmente inadmissíveis os meios probatórios que não obstante produzidos validamente em momento ulterior achamse afetados no entanto pelo vício gravíssimo da ilicitude originária que a eles se transmite contaminandoos por efeito de repercussão causal Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos pelo Poder Público em razão de anterior transgressão praticada originariamente pelos agentes da persecução penal que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar Revelamse inadmissíveis desse modo em decorrência da ilicitude por derivação os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita obtida como resultado da transgressão por agentes estatais de direitos e garantias constitucionais e legais cuja eficácia condicionante no plano do ordenamento positivo brasileiro traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos Se no entanto o órgão da persecução penal demonstrar que obteve legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita com esta não mantendo vinculação causal tais dados probatórios revelarseão plenamente admissíveis porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA AN INDEPENDENT SOURCE E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA DOUTRINA PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JURISPRUDÊNCIA COMPARADA A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA CASOS SILVERTHORNE LUMBER CO V UNITED STATES 1920 SEGURA V UNITED STATES 1984 NIX V WILLIAMS 1984 MURRAY V UNITED STATES 1988 vg Decisão A Turma por votação unânime deu provimento ao recurso ordinário nos termos do voto do Relator para restabelecer a sentença penal absolutória proferida nos autos do Processocrime 19980010827716 19ª Vara Criminal da Comarca do Rio de JaneiroRJ Ausente justificadamente neste julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes 2ª Turma 03042007 127 Op cit Importante destacar que a autora critica essa posição jurisprudencial advertindo que tal entendimento levado às últimas consequências tolheria a nosso ver inteiramente a eficácia da garantia constitucional É preciso ter muita cautela quando prova ilícita integrar o conjunto probatório 128 ZILLI Marcos O Pomar e as Pragas cit p 3 129 Nesse sentido a título de ilustração HC SIGILO TELEFÔNICO RENOVAÇÃO O paciente busca a anulação do processo alegando que a condenação seria baseada em prova ilícita Foi denunciado como incurso nos arts 12 e 14 da Lei n 63681976 em associação com outros dois réus Insurgese contra a quebra de seu sigilo telefônico o que afronta segundo ele o art 5º 1ª parte da Lei n 92961996 que estabelece o prazo máximo de quinze dias renovável por igual período para a interceptação telefônica A Turma denegou a ordem ao entendimento de que tal interceptação de fato não pode exceder os quinze dias Porém pode ser renovada por igual período não havendo qualquer restrição legal ao número de vezes em que possa ocorrer sua renovação desde que comprovada a necessidade A proclamação de nulidade do processo por prova ilícita se vincula à inexistência de outras provas capazes de confirmar autoria e materialidade em caso contrário deve ser mantido o decreto de mérito uma vez que fundado em outras provas HC 40637SP Rel Min Hélio Quaglia Barbosa j 06092005 grifo nosso 130 Nesse tema reputamos imprescindível a leitura pelo menos das obras de ALMEIDA PRADO Lídia Reis O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial Campinas Millenium 2003 e ZIMERMAN David A Influência dos Fatores Psicológicos Inconscientes na Decisão Jurisdicional In David Zimerman e Antônio Mathias Coltro Orgs Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica Campinas Millenium 2002 131 Entendemos que posições desse estilo devem ser revistas Por fim a jurisprudência da Corte é pacífica ao afirmar que não se anula condenação se a sentença condenatória não se apoia apenas na prova considerada ilícita Nesse sentido o decidido no HC 75611SP e no HC 82139BA AI 503617AgR Rel Min Carlos Velloso DJ 04032005 No mesmo sentido HC 84316 DJ 24082004 HC 77015 DJ 13111998 HC 76231 DJ 16101998 RHC 74807 DJ 20061997 HC 73461 DJ 13121996 HC 75497 DJ 09051993 132 Sobre o tema vejase a distinção que fizemos entre atos de prova e atos de investigação 133 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 47 134 Em alguns pontos baseamonos em VEGAS TORRES Jaime Presunción de Inocência y Prueba en el Proceso Penal Madrid La Ley p 96 e ss Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO O processo penal é um instrumento de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico máquina retrospectiva Cordero sendo as provas o meio através dos quais se fará essa reconstrução O juiz desempenha uma atividade recognitiva visto que é um ignorante ele ignora os fatos Sua cognitio se dará sempre de forma indireta mediante a prova testemunhal documental pericial etc Por meio das provas as partes buscam a captura psíquica do julgador O conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz O modo de construção do convencimento do juiz varia conforme se adote o sistema acusatório ou inquisitório pois no primeiro as partes produzem a prova em busca da formação do convencimento do juiz no segundo regido pelo princípio inquisitivo o juiz vai de ofício atrás da prova decidindo primeiro e buscando a seguir as provas que justificam a decisão já tomada primado das hipóteses sobre os fatos com inegável sacrifício da imparcialidade O modelo brasileiro é neoinquisitorial pois ao manter a iniciativa probatória nas mãos do juiz art 156 observa o princípio inquisitivo Considerando que a Constituição desenha um processo penal acusatório devese buscar a máxima conformidade constitucional afirmando a substancial inconstitucionalidade desses dispositivos que permitem a produção de provas de ofício pelo juiz 1 PRINCIPIOLOGIA DA PROVA 11 Garantia da Jurisdição significa o direito de ser julgado com base na prova produzida no processo em contraditório e perante o juiz natural com todas as garantias Neste ponto é fundamental compreender a distinção entre atos de investigação e atos de prova 12 Presunção de Inocência art 5º LVII da Constituição Decorre do nível de evolução civilizatória impondo um dever de tratamento que se manifesta na dimensão interna carga da prova nas mãos do acusador in dubio pro reo limitação da prisão cautelar e externa limite à publicidade abusiva e à estigmatização do imputado 13 In dubio pro reo no processo penal não há distribuição de cargas probatórias mas atribuição ao acusador que tem em mãos a carga integral de provar que alguém cometeu um crime É uma regra de julgamento para o juiz proibindoo de condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente provada nulla accusatio sine probatione Quando a defesa alega uma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade ou de atipicidade ainda existe uma parcela significativa da doutrina e jurisprudência sustentando que a carga da prova de excludente corresponderia à defesa Não é essa nossa posição entendemos que incumbe à acusação a prova positiva não só dos fatos que constituam o delito mas também da inexistência das causas de exclusão Quanto ao in dubio pro societate inexiste dispositivo legal ou constitucional que o recepcione 14 Contraditório e momento da prova é o direito de participar de todos os atos da instrução de manter uma contraposição em relação à acusação e de ser informado de todos os atos probatórios Engloba o direito de informação e reação O contraditório deve ser rigorosamente observado nos 4 momentos da prova a postulação b admissão c produção d valoração 15 Direito de defesa e o nemo tenetur se detegere a defesa técnica e pessoal também deve se fazer presente nos 4 momentos da prova A defesa técnica exercida por advogado é indisponível A defesa pessoal exercida pelo imputado é disponível e pode ser positiva fazerfalar ou negativa não fazercalar Grave problema encerra a Lei n 126542012 que permite a extração compulsória de DNA do acusado 16 Livre convencimento motivado os três principais sistemas de valoração da prova são A Sistema legal de provas em que o legislador fixa uma tabela de valoração das provas o peso de cada prova vem previsto em lei Com menor rigor é o art 158 do CPP que representa um resquício deste sistema O inconveniente do modelo é que retira a capacidade de valoração e avaliação do julgador caindo no erro de pretender uma objetividade matemática para a prova B Íntima convicção é a superação do modelo anterior mas caindo no outro extremo em que o julgador está completamente livre para valorar a prova e decidir É o erro do decisionismo permitindo uma decisão autoritária Ainda é adotado no Tribunal do Júri em que os jurados decidem por íntima convicção e sem fundamentar C Livre convencimento motivado ou persuasão racional é o modelo adotado art 157 do CPP Não há regras objetivas e critérios matemáticos de julgamento cabendo ao juiz formar sua convicção pela livre apreciação da prova sendo que nenhuma prova tem maior valor ou prestígio que as demais Todas são relativas Contudo não se pode cair no decisionismo A decisão do juiz ainda que liberta de tarifa probatória deve estar adstrita à prova válida lícita produzida em contraditório judicial bem como delimitada pela estrita legalidade Sobre o tema é importante complementar com o que explicaremos ao tratar das decisões judiciais 17 Identidade Física do Juiz prevista no art 399 2º do CPP segundo o qual o juiz que presidir a instrução deverá como regra ser o mesmo que irá proferir sentença Contudo tal regra passou a ser objeto de várias exceções por exemplo art 132 do CPC a ponto de enfraquecêlo substancialmente 2 PROBLEMA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL A visão de que o processo penal busca a mitológica verdade real é um ranço inquisitório superado há séculos Tratase de uma concepção vinculada ao sistema inquisitório e aos sistemas autoritários que em nome da busca da verdade legitimaram as maiores atrocidades que a história da humanidade conheceu Ademais é uma tese absurda na medida em que confunde o real com o imaginário pois o crime é sempre passado logo nunca é real É memória história imaginação É sempre imaginário nunca é real Superada a concepção de verdade real passouse a sustentar a existência de uma verdade processual condicionada pelos limites legais e do devido processo É a verdade possível de ser alcançada no processo É uma posição que tem muitos adeptos Nossa visão é mais crítica Seguindo Carnelutti pensamos que o problema está na verdade e não apenas no adjetivo que a ela se pretende unir real ou processual na medida em que a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós e demais para o processo A verdade contém um excesso epistêmico na perspectiva do processo Pensamos que a verdade não é fundante mas contingencial Não se trata de negar a verdade ou afirmar que a sentença é uma mentira Mas sim de retirar o peso da verdade do processo na medida em que a ambição de verdade é fundante de estruturas inquisitórias e do ativismo judicial juizator inquisidor Por isso sustentamos que as provas servem para obter dentro das regras do jogo o convencimento do juiz A sentença é um ato de convencimento de crença formado dentro do contraditório Não é a sentença ou o juiz o revelador da verdade senão que a decisão é uma manifestação do convencimento judicial formado em contraditório Se ela decisão corresponde ou se aproxima do que aconteceu ou não isso é contingencial não fundante ou legitimante O que legitima a decisão é o fato de ter sido construída em contraditório Fazzalari segundo as regras do devido processo penal Existe uma íntima relação entre sistema inquisitório gestão da prova nas mãos do juiz e a busca da verdade A ambição de verdade acaba por matar o contraditório e colocar o juiz na perspectiva do erro psicológico de acreditar que pode e deve buscar a prova e ainda julgar com imparcialidade O processo penal constitucional e acusatório impõe um afastamento do juiz da atividade probatória que é das partes juiz espectador e não ator concebendoo como destinatário da prova e do agir das partes na busca da sua captura psíquica convencimento 3 LIMITES À ATIVIDADE PROBATÓRIA 31 Limites extrapenais art 155 parágrafo único Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil assim por exemplo para incidir a agravante do art 61 II e do CP vg contra cônjuge é imprescindível a prova do matrimônio feita por meio de certidão de casamento 32 Provas Nominadas e Inominadas como regra o rol de provas do CPP é taxativo podendo excepcionalmente ser admitidos outros meios de prova não previstos desde que não violem os limites constitucionais e processuais da prova Não se pode admitir como inominada uma prova que constitua uma variação ilícita de outra prova prevista na lei processual penal exemplo o reconhecimento por fotografia 33 Prova emprestada e transferência de provas devese distinguir entre provas testemunhais técnicas e mera prova documental Transferir a prova testemunhal ou técnica de um processo para outro é bastante discutível na medida em que representa uma violação do contraditório e da ampla defesa pois a prova produzida em um processo está vinculada a um determinado caso penal e a determinada parte Já a transferência de documentos de um processo para outro inicialmente não representaria qualquer ilegalidade desde que não se trate de documentos protegidos por sigilo Mas a questão deve ser analisada em cada caso 34 Desvio Causal da Prova Princípio da Especialidade algumas provas implicam restrição de direitos fundamentais busca e apreensão quebra de sigilo bancário fiscal etc e exigem prévia autorização judicial para sua realização O problema surge quando há um desvio no nexo causal para que essa prova sirva para apuração de outro crime Entendemos que as medidas restritivas de direitos fundamentais são excepcionais e portanto vinculadas e limitadas A decisão judicial está vinculada ao pedido decorrente da investigação de um determinado delito e acaba por vincular a atividade policial que a cumprirá nos limites definidos sendo que o resultado está atrelado a determinado processo e caso penal respectivo É uma vinculação causal da prova Há um tensionamento entre o Princípio da Especialidade intervenção vinculada ao delito investigado e a transferência de provas entre processos Desta forma a prova obtida em situação de desvio causal seria no máximo admitida como starter de outra investigação fonte de prova e não prova Infelizmente a questão do compartilhamentotransferência de provas não está claramente disciplinada na lei e revelase bastante controvertida Situação diferente ocorre nos casos de crime permanente porte ilegal de armas ter em depósito substâncias entorpecentes ocultação de cadáveres etc em que predomina o entendimento de que não há desvio causal na medida em que a situação de flagrante permanente legitimaria o ato 35 Provas Ilícitas e Provas Ilegítimas Premissa básica forma é garantia e limite de poder Devemse observar as regras do devido processo sempre A violação da forma conduz à nulidadeilicitude da prova Prova Ilegítima é aquela que viola uma regra de direito processual no momento da sua produção em juízo no processo Ex juntada de prova fora do prazo após encerrada a instrução Prova Ilícita quando há violação de uma norma de direito material Código Civil Penal etc ou da Constituição no momento de sua coleta fora do processo Ex busca e apreensão em domicílio sem o respectivo mandado quebra ilegal de sigilo telefônico ou bancário confissão extraída mediante tortura ou ameaça etc 351 Teorias sobre a admissibilidade da prova ilícita art 157 do CPP a admissibilidade processual da prova ilícita posição superada que sustentava ser admissível a prova ilícita desde que legítima ou seja desde que observasse as regras do processo b inadmissibilidade absoluta decorre da literalidade do art 5º LVI da CB É uma corrente que encontra ainda muitos seguidores e decisões neste sentido A crítica que se faz a essa posição é a absolutização da vedação sem ponderar a gravidade ou as circunstâncias do caso c admissibilidade da prova ilícita em nome da proporcionalidade relativiza a posição anterior tomando como critério a lógica da ponderação proporcionalidade São poucas as decisões em matéria penal que a recepcionam A principal crítica reside na abertura conceitual da proporcionalidade permitindo manipulação discursiva para ser utilizada sem critério objetivo e claro Alberga o risco de decisionismo d admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo neste caso uma prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do réu Ademais o réu estaria acobertado pela legítima defesa ou estado de necessidade que são causas de exclusão da ilicitude da conduta Mas mesmo admitida naquele processo para defender um réu injustamente acusado não pode ser utilizada contra terceiros 36 Prova ilícita por derivação a redação dos 1º e 2º do art 157 estabelece as seguintes regras a inadmissibilidade da prova ilícita derivada princípio da contaminação b não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo causal c não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente daquela considerada ilícita d a prova ilícita deve ser desentranhada Vejamos agora as teorias da descoberta inevitável e da fonte independente Ambas atuam sobre o nexo causal e servem para mitigar o princípio da contaminação Teoria da fonte independente independent source doctrine é quando se demonstra que não há nexo causal entre as demais provas e aquela considerada ilícita A fonte de uma prova independente é geneticamente desvinculada da ilícita sendo portanto válida Não se estabelece um nexo de causa e efeito Teoria da descoberta inevitável inevitable discovery exception quando se demonstra que a prova poderia ser obtida por qualquer outra forma seria descoberta de outra maneira inevitavelmente Mas a carga de provar que a descoberta era inevitável é inteiramente da acusação CRÍTICA ambas as teorias recorrem a categorias vagas e manipuláveis gerando um perigoso alargamento da tolerância judicial em relação às provas ilícitas derivadas O maior inconveniente é a falta de critérios claros e precisos dando margem ao decisionismo espaços impróprios da discricionariedade judicial com os juízes e tribunais dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck Por fim é um grave erro manter o mesmo juiz no processo após ter sido reconhecida a ilicitude de uma prova na medida em que está contaminado e não pode mais julgar erro do cartesianismo 4 PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS quando na investigação preliminar surgir uma prova relevante e imprescindível que corra o risco de não poder ser repetida em juízo risco de perecimento deve ser colhida antecipadamente Não está disciplinada no CPP É uma medida excepcional e sua eficácia está condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade ser produzida na frente de um juiz preferencialmente o competente para o processo contraditório defesa e fiel reprodução na fase processual filmagem e gravação Capítulo XIII DAS PROVAS EM ESPÉCIE 1 Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito No sistema inquisitório o perito era o instrumento pensante do juiz subministravalhe conhecimentos Operase assim uma metamorfose do resíduo inquisitorial ao sistema acusatório o perito muda de identidade e se transforma em órgão útil para as partes antes que ao juiz Ele serve para aportar premissas necessárias para o debate acusatório1 Claro que isso não retira o valor probatório da perícia relativo como de todas as provas mas acima de tudo ele deve atender o interesse das partes antes que o do juiz Uma vez mais evidenciase que o caráter acusatório buscado no processo penal contemporâneo potencializa a atividade probatória das partes e restringe a iniciativa do juiz juizator nesse campo2 Assim a perícia subministra fundamentos para um conhecimento comum às partes e ao juiz sobre questões que estão fora da órbita do saber ordinário3 Quanto às perícias é importante afastar o endeusamento da ciência ainda com forte presença no Direito Como sublinhou DENTI4 o progresso da ciência não garante uma pesquisa imune a erros e seus métodos aceitos pela generalidade dos estudiosos em um determinado momento podem parecer errôneos no momento seguinte Tratase de uma afirmação inspirada numa das mais notórias bases do relativismo de Einstein e que devemos sempre recordar todo saber é datado e tem prazo de validade pois toda a teoria e conhecimento nasce para ser superada Assim nenhuma dúvida temos do valor do conhecimento científico mas não há que endeusálo com o absolutismo pois mesmo o saber científico é relativo e possui prazo de validade Dizemos isso para desde logo advertir que não existe a rainha das provas no processo penal e muito menos o é a prova pericial Uma prova pericial demonstra apenas um grau maior ou menor de probabilidade de um aspecto do delito que não se confunde com a prova de toda complexidade que envolve o fato Assim um exame de DNA feito a partir da comparação do material genético do réu A com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima demonstra apenas que aquele material coletado pertence ao réu Daí até provarse que o réu A violentou e matou a vítima existe uma distância imensa e que deve ser percorrida lançando mão de outros instrumentos probatórios Recordemos sempre a talvez mais lúcida passagem da exposição de motivos do CPP todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outras Também é importante recordar o disposto no art 182 do CPP Art 182 O juiz não ficará adstrito ao laudo podendo aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte Em suma o juízo feito pelo perito acerca do material examinado não vincula o julgador que continua livre para avaliar a perícia dentro do complexo contexto probatório formado por diferentes elementos de convicção O juiz é o peritus peritorum LEONE5 sem com isso admitir alguma presunçosa capacidade de onisciência por parte do julgador senão sua independência axiológica e ao mesmo tempo o correspondente dever de motivar6 sua decisão à luz da prova válida produzida no processo O perito por elementar não é meio de prova ou sujeito de prova sendo estéril senão descabida tal discussão É ele um auxiliar da Justiça na definição do Título VIII do CPP mas cuja produção laudo é sim um meio de prova A perícia explica LEONE7 é uma declaração técnica acerca de um elemento de prova A prova pericial é considerada uma prova técnica na medida em que sua produção exige o domínio de determinado saber técnico MORENO CATENA8 explica que o perito é uma pessoa com conhecimentos científicos ou artísticos dos quais o juiz por sua formação jurídica específica pode carecer É chamado para apreciar através das máximas da experiência próprias de sua especializada formação algum fato ou circunstância obtido anteriormente por outro meio de averiguação e que seja de interesse ou necessidade para a investigação ou processo O laudo na sistemática do CPP deve ser realizado por um perito oficial ou dois peritos nomeados como determina o art 159 do CPP e também a Súmula n 361 do STF Os peritos oficiais são servidores públicos de carreira devidamente concursados com conhecimento em determinada área havendo assim peritos médicos contadores químicos engenheiros etc Define o art 159 o seguinte Art 159 O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial portador de diploma de curso superior 1º Na falta de perito oficial o exame será realizado por 2 duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo 3º Serão facultadas ao Ministério Público ao assistente de acusação ao ofendido ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais sendo as partes intimadas desta decisão 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes quanto à perícia I requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 dez dias podendo apresentar as respostas em laudo complementar II indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência 6º Havendo requerimento das partes o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial que manterá sempre sua guarda e na presença de perito oficial para exame pelos assistentes salvo se for impossível a sua conservação 7º Tratandose de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado poderseá designar a atuação de mais de um perito oficial e a parte indicar mais de um assistente técnico Quando não houver perito oficial o exame deverá ser realizado por duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior escolhidas de preferência entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame como prevê o art 159 1º do CPP Nesse caso os peritos nomeados deverão prestar compromisso incorrendo inclusive nas sanções do art 342 do CP em caso de falsa perícia sanções também aplicáveis ao perito oficial O perito oficial ou os dois peritos nomeados deverão ter acesso ao lugar ou objeto a ser periciado e no prazo máximo de 10 dias podendo haver prorrogação em casos excepcionais art 160 parágrafo único do CPP deverão apresentar um laudo minucioso sobre o examinado bem como responderão os eventuais quesitos perguntas que lhes forem feitos pelo juiz MP ou querelante assistente da acusação e defesa Importante destacar que com o advento da Lei n 116902008 passou a admitirse no processo penal a figura do assistente técnico até então desconhecida Ainda que o 3º mencione que o ofendido possa formular quesitos e indicar assistente técnico não vislumbramos como processualmente isso possa ocorrer Para que a vítima possa atuar no processo é necessário que esteja devidamente habilitada como assistente da acusação postulando em juízo através de seu advogado Do contrário não tem capacidade postulatória e não poderá no processo requerer nada Assim além de formular quesitos para que o perito oficial ou os dois peritos nomeados responda poderão as partes indicar um assistente técnico que elaborará seu parecer Para tanto o material probatório que foi utilizado para a perícia será disponibilizado mediante requerimento das partes para que o assistente o examine e formule seu parecer Contudo esse material deverá ser disponibilizado no órgão oficial instituto geral de perícias instituto médico legal etc na presença do perito oficial Esse controle é para evitar a destruição manipulação ou uso inadequado do material probatório Quando os peritos forem nomeados caberá a eles definir o local em que o assistente técnico terá acesso ao material periciado O assistente técnico elabora seu parecer após o laudo apresentado pelo perito oficial ou pelos nomeados agindo com base no que foi por eles realizado Quando a perícia for complexa poderá o juiz nomear mais de um perito oficial e nesse caso a parte também poderá indicar mais de um assistente técnico havendo assim uma paridade Situações assim podem ocorrer quando a perícia exigir um conhecimento interdisciplinar em que uma junta de técnicos deve ser formada para uma análise mais completa do caso A qualidade da perícia depende em grande parte das condições em que estiver o lugar ou objeto a ser periciado Assim é imprescindível o cumprimento do disposto no art 6º do CPP especialmente o determinado no inciso I Art 6º I dirigirse ao local providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais Não por acaso esse é o primeiro inciso pois na prática esta deve ser a primeira providência a ser tomada pela polícia dirigirse ao local e isolálo Isso porque o local do crime será uma das principais fontes de informação para reconstruir a pequena história do delito e desse ato depende em grande parte o êxito da investigação Para efeito de exame do local do delito a autoridade policial providenciará imediatamente que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos oficiais ou nomeados para o ato que poderão instruir seus laudos com fotografias desenhos ou esquemas elucidativos art 164 registrando ainda no laudo as alterações do estado das coisas e a consequência dessas alterações na dinâmica dos fatos Por fim poderão as partes requerer a oitiva do perito oficial ou dos nomeados para esclarecer o laudo Para tanto devese atentar para o disposto no art 400 2º do CPP em que as partes deverão requerer a oitiva dos peritos que será realizada na audiência de instrução e julgamento O requerimento para a oitiva dos peritos deve ser realizado com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento nos termos do art 159 5º I do CPP 11 Contraditório e Direito de Defesa na Prova Pericial Como adverte GOMES FILHO9 é imperativa a incidência dos princípios constitucionais do contraditório e do direito de defesa na prova pericial de modo que a participação dos interessados é essencial também nesse tipo de prova seja através da possibilidade de crítica e pedidos de esclarecimento em relação aos laudos já apresentados seja pela formulação de quesitos antes da realização dos exames bem como com o advento da Lei n 116902008 indicar assistente técnico Sob inspiração de SCARANCE FERNANDES10 entendemos que assistem às partes os seguintes direitos em relação à prova pericial requerer sua produção apresentar quesitos com antecedência mínima de 10 dias da realização da perícia se possível pela natureza do ato acompanhar a colheita de elementos pelos peritos extração de sangue vestígios químicos no local etc manifestarse sobre a prova podendo requerer nova perícia sua complementação ou esclarecimento dos peritos indicar assistente técnico que elaborará parecer sobre a perícia realizada obter uma manifestação do juiz sobre a prova pericial realizada Com esses direitos em relação à prova pericial efetivase o contraditório e o direito de defesa havendo cerceamento e nulidade portanto quando injustificadamente lhe for negado 12 Perícia Particular Possibilidade de Contraprova Pericial Limitações da Fase PréProcessual Além da possibilidade de nomear assistente técnico que elaborará um parecer sobre a perícia oficial realizada nada impede11 que a parte interessada recorra a peritos particulares ou seja profissionais que possuam conhecimento técnico naquela área mas que não sejam peritos oficiais ou nomeados pelo juiz para fazer uma contraprova pericial Assim os peritos particulares poderão emitir pareceres técnicos que serão juntados ao processo como prova documental para serem avaliados pelo juiz Com isso havendo contradição entre a perícia oficial e a contraperícia particular poderá o juiz determinar a realização de uma nova perícia com outros profissionais que dê conta das contradições apontadas ou ainda aplicar o princípio do in dubio pro reo naquela matéria controvertida Situação sensível se apresenta na investigação preliminar anteriormente tratada em que o baixo nível de constitucionalização do inquérito aliado ao fato de que importantes provas periciais são feitas nessa fase até pela proximidade com o momento do delito conduz a uma perigosa negação de eficácia dos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa que como explicado anteriormente incidem também Daí por que seria razoável exigir que a autoridade policial quando da determinação da realização de perícias permitisse que o sujeito passivo12 pudesse requerer sua produção apresentar quesitos indicar assistente técnico se possível pela natureza do ato acompanhar a colheita de elementos pelos peritos extração de sangue vestígios químicos no local etc manifestarse sobre a prova podendo requerer nova perícia sua complementação ou esclarecimento dos peritos Tal participação no inquérito policial está perfeitamente autorizada não só pelos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa ambos com incidência nessa fase mas também pelo art 14 do CPP cabendo mandado de segurança contra o ato do delegado que injustificadamente recusar o pedido feito pela defesa Inclusive para aqueles que negam completamente a existência de contraditório e defesa no inquérito alegando que isso é fruto de interpretações excessivamente liberais pósConstituição recomendamos que se leia o art 14 vigente desde 1941 Contudo quando isso não for observado o que infelizmente é bastante comum pouco restará à defesa além de impugnar em juízo eventuais vícios formais da perícia e lutar pela repetição do ato o que nem sempre é possível à luz do contraditório 13 O Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto A mais importante das perícias é exatamente o exame de corpo de delito ou seja o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime portanto somente necessário nos crimes que deixam vestígios ou seja os crimes materiais13 O corpo de delito é composto pelos vestígios materiais deixados pelo crime É o cadáver que comprova a materialidade de um homicídio as lesões deixadas na vítima em relação ao crime de lesões corporais a coisa subtraída no crime de furto ou roubo a substância entorpecente no crime de tráfico de drogas o documento falso no crime de falsidade material ou ideológica etc Antes de tratar do tema devemos destacar que não se pode confundir o exame de corpo de delito com as perícias em geral O exame de corpo de delito é a perícia feita sobre os elementos que constituem a própria materialidade do crime Daí por que sua presença ou ausência afeta a prova da própria existência do crime e gera uma nulidade absoluta do processo art 564 III b Já as perícias em geral são feitas em outros elementos probatórios e sua presença ou ausência afetam apenas o convencimento do juiz sobre o crime Ou seja a falta de perícia no lugar do crime ou na arma utilizada não afeta sua materialidade existência O exame de corpo de delito diz respeito não apenas à materialidade do fato principal mas também às suas eventuais causas de aumento ou qualificadoras conforme o caso Nessa linha a título de exemplo verifiquese o disposto no art 171 do CPP Art 171 Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa ou por meio de escalada os peritos além de descrever os vestígios indicarão com que instrumentos por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado Assim sem que se efetive a respectiva perícia no lugar do crime para comprovação da qualificadora não poderá o réu ser condenado por essa figura típica mas apenas pelo tipo simples previsto no caput do art 155 considerando que o crime foi de furto Importante destacar que a confissão do acusado não é suficiente para comprovação da materialidade do delito sendo indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto sob pena de nulidade do processo art 564 III b do CPP Dizse que o exame de corpo de delito é direto quando a análise recai diretamente sobre o objeto ou seja quando se estabelece uma relação imediata entre o perito e aquilo que está sendo periciado O conhecimento é dado sem intermediações entre o perito e o conjunto de vestígios deixado pelo crime Essa é a regra a materialidade existência dos crimes que deixam vestígios deve ser comprovada através de exame de corpo de delito direto Mas em situações excepcionais em que o exame de corpo de delito direto é impossível de ser feito porque desapareceram os vestígios do crime o art 167 do CPP admite o chamado exame indireto O exame de corpo de delito indireto é uma exceção excepcionalíssima admitido quando os vestígios desapareceram e a prova testemunhal vai suprir a falta do exame direto Mas não só ela também pode haver a comprovação indireta através de filmagens fotografias14 gravações de áudio etc A rigor o exame indireto deveria corresponder à perícia feita pelos técnicos a partir de outros elementos que não o corpo de delito tais como depoimento de testemunhas fotografias filmagens etc Seria um laudo emitido a partir dessas informações Isso é tecnicamente o exame indireto Ocorre que na prática forense isso não é observado e o chamado exame indireto acaba sendo a produção de outras provas testemunhal fotografias etc para suprir a falta do exame direto Ou seja o chamado exame indireto não é tecnicamente um exame indireto senão o suprimento da falta de exame direto por outros meios de prova Tratase de se admitir que a materialidade de um delito seja demonstrada de outra forma Feita a ressalva analisemos o exame indireto A materialidade de um crime de roubo por exemplo se dá através da apreensão e avaliação dos objetos subtraídos Nesse caso o exame é direto Contudo se os autores do roubo venderem os objetos a um terceiro não identificado impossibilitando a apreensão da res ainda assim haverá a possibilidade de condenação por meio do exame dito indireto obtido através do conjunto probatório palavra da vítima prova testemunhal eventuais filmagens de circuito interno de TV etc Mas é importante destacar a regra é o exame direto sendo o indireto uma exceção Como muito bem sintetizou HASSAN CHOUKR15 cuja lição deve ser transcrita literalmente por representar exatamente o que pensamos deve ficar claro que a impossibilidade da realização do exame há de ser compreendida apenas pela inexistência de base material para a realização direta a dizer quando o exame não é realizado no momento oportuno pela desídia do Estado ou sua realização é imprestável pela falta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazêlo não há que onerar o réu com uma prova indireta em vez daquela que poderia ter sido imediatamente realizada grifo nosso Não deve ser admitida a banalização do exame indireto Assim quando a infração deixar vestígios sendo perfeitamente possível fazer o exame16 a prova testemunhal não pode suprir sua falta sob pena de nulidade art 564 III b Situação bastante complexa e que eventualmente ocupa os tribunais brasileiros é a impossibilidade de condenação pelo crime de homicídio quando não se encontra o cadáver da vítima corpo de delito A ocultação do cadáver muitas vezes levada a cabo pelo próprio autor do homicídio impossibilita o exame direto Contudo é predominante a jurisprudência brasileira no sentido de admitir o exame de corpo de delito indireto consubstanciado em prova testemunhal suficiente aliada em alguns casos à prova pericial feita em armas ou vestígios de sangue cabelos tecidos etc encontrados no local do crime ou até mesmo no carro utilizado pelo réu para transportar o corpo Nesse sentido entre outras17 citamos a seguinte decisão do STJ HC 33300RJ Rel Min Laurita Vaz 5ª Turma DJ 09052005 HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL JÚRI HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO EXAME DE CORPO DE DELITO NÃO REALIZADO PROVA TESTEMUNHAL SUPRIMENTO ART 167 DO CPP OFENSA AO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS TEORIA DAS NULIDADES PROCESSUAIS ARTS 563 E 565 DO CPP ARGUIÇÃO DE NULIDADE QUE NÃO APROVEITA AO RÉU AUSÊNCIA DE PREJUÍZO 1 A simples ausência de laudo de exame de corpo de delito da vítima não tem o condão de conduzir à conclusão de inexistência de provas da materialidade do crime se nos autos existem outros meios de prova capazes de convencer o julgador quanto à efetiva ocorrência do delito como se verifica na hipótese vertente Aplicação do art 167 do CPP Por fim existem crimes em que por sua própria natureza não se pode admitir o exame indireto em nenhuma hipótese E isso não tem absolutamente nenhuma relação com a gravidade do crime mas sim com sua natureza e o corpus delicti que o constituem É o que ocorre por exemplo nos delitos envolvendo substâncias entorpecentes Não é razoável um juízo condenatório pelo delito de tráfico de drogas sem o exame direto que comprove a natureza da substância por exemplo o princípio ativo tetrahidrocanabinol THC no caso da maconha Não bastam fotos ou depoimentos dizendo que a substância transportada por exemplo tinha cheiro e aspecto de maconha e que portanto era maconha A questão é técnica exige o exame químico sendo imprescindível o exame direto18 para verificar o princípio ativo Em suma concluindo esse tópico frisamos que nos crimes que deixam vestígios o exame de corpo de delito direto é imprescindível nos termos do art 158 Somente em situações excepcionais em que o exame direto é impossível de ser realizado por haverem desaparecido os vestígios é que se pode lançar mão do exame indireto prova testemunhal filmagens gravações etc nos termos do art 167 do CPP 14 Intervenções Corporais e os Limites Assegurados pelo Nemo Tenetur se Detegere A Extração Compulsória de Material Genético Alterações Introduzidas pela Lei n 126542012 Situação complexa é o ranço histórico de tratar o imputado seja ele réu ou mero suspeito ainda na fase préprocessual como um mero objeto de provas ou melhor o objeto do qual deve ser extraída a verdade que funda o processo inquisitório Com a superação dessa coisificação do réu e a assunção de seu status de sujeito de direito fundase o mais sagrado de todos os direitos o direito de não produzir prova contra si mesmo nada a temer por se deter nemo tenetur se detegere Desse verdadeiro princípio desdobramse importantes vertentes como o direito de silêncio e a autodefesa negativa Assim no processo penal contemporâneo com o nível de democratização alcançada o imputado pode perfeitamente recusarse a se submeter a intervenções corporais sem que dessa recusa nasça qualquer prejuízo jurídicoprocessual Essa é a premissa básica para discutirmos a problemática que será apresentada agora As provas genéticas desempenham um papel fundamental na moderna investigação preliminar e podem ser decisivas no momento de definir ou excluir a autoria de um delito Entretanto sua eficácia está condicionada em muitos casos a uma comparação entre o material encontrado e aquele a ser proporcionado pelo suspeito Não existe problema quando as células corporais necessárias para realizar vg uma investigação genética encontramse no próprio lugar dos fatos mostras de sangue cabelos pelos etc no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos Nesses casos poderão ser recolhidas normalmente utilizando os normais instrumentos jurídicos da investigação preliminar como a busca eou apreensão domiciliar ou pessoal Como aponta GÖSSEL19 a obtenção de células corporais na roupa do suspeito camisa manchada de sangue com cabelos ou a roupa interior com células de sêmen etc ou na sua casa por exemplo nas vestes mesmo que não utilizadas no momento do delito roupa de cama ou outros objetos de sua propriedade poderão ser obtidos sem problemas utilizando a busca eou apreensão previstas no art 240 e seguintes do CPP Portanto não há problema em obterse o material genético através da busca e apreensão de roupas travesseiros escova de cabelo e outros objetos do imputado e que possam ser encontrados em sua residência Da mesma forma havendo o consentimento do suspeito poderá ser realizada qualquer espécie de intervenção corporal pois o conteúdo da autodefesa é disponível e assim renunciável O problema está quando necessitamos obter as células corporais diretamente do organismo do sujeito passivo e este se recusa a fornecêlas Se no processo civil o problema pode ser resolvido por meio da inversão da carga da prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas no processo penal a situação é muito mais complexa pois existe um obstáculo insuperável o direito de não fazer prova contra si mesmo que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativo silêncio O sujeito passivo encontrase protegido pela presunção de inocência e a totalidade da carga probatória está nas mãos do acusador O direito de defesa especialmente sob o ponto de vista negativo não pode ser limitado principalmente porque a seu lado existe outro princípio básico muito bem apontado por CARNELUTTI20 a carga da prova da existência de todos os elementos positivos e a ausência dos elementos negativos do delito incumbe a quem acusa Por isso o sujeito passivo não pode ser compelido a auxiliar a acusação a liberarse de uma carga que não lhe incumbe Submeter o sujeito passivo a uma intervenção corporal sem seu consentimento é o mesmo que autorizar a tortura para obter a confissão no interrogatório quando o imputado cala ou seja um inequívoco retrocesso gerando assim uma prova ilícita Mas os direitos fundamentais não são absolutos e com o advento da Lei n 126542012 autorizou o legislador brasileiro a intervenção corporal sem o consentimento do imputado para obtenção de material genético TOLEDO BARROS21 explica que as normas que dispõem sobre os direitos fundamentais têm caráter principiológico atuando no campo das situações plausíveis e por isso os direitos fundamentais podem ser limitados pelo legislador ordinário A restrição pode darse de três formas distintas que a própria Constituição preveja a limitação de forma expressa que a Constituição outorgue o poder de restrição a uma norma ordinária que a Constituição não limite direta ou indiretamente o direito fundamental No nosso estudo sobre o tema interessa apenas o terceiro caso Explica a autora que existe a possibilidade de uma intervenção legislativa com caráter restritivo ainda que não exista outorga ou limitação constitucional Considera que os direitos fundamentais estabelecem posições jurídicas e por isso podem ser objeto de ponderação em caso de aparente conflito com outros direitos fundamentais Caberá ao órgão jurisdicional fazer a ponderação de bens e interesses para determinar a aplicação de um ou outro direito e por consequência limitar o alcance do direito sacrificado Na Espanha22 o Tribunal Constitucional STC 111981 adotou a Teoria de los Límites Innatos para explicar que frente a uma colisão de direitos devese ter em conta o conteúdo essencial de cada um deles e tratar de buscar sua coordenação evitando que um restrinja o outro porque a congruência e a completude são elementos essenciais do ordenamento jurídico Logo não existem conflitos de direitos fundamentais senão que uns devem prevalecer sobre outros É o que o Tribunal chamou de elasticidade dos direitos fundamentais segundo o interesse coletivo A ausência de estritos limites constitucionais para delimitar em que casos e como deve um direito fundamental prevalecer sobre outro outorga ao órgão jurisdicional esse poder de determinar ante um caso concreto como deve harmonizarse o sistema Em definitivo o direito fundamental poderia ser limitado por uma norma ordinária mas é imprescindível que exista uma norma processual penal que discipline a matéria Era neste ponto que esbarrava o sistema brasileiro Mas a situação foi substancialmente alterada com o advento da Lei n 126542012 que passou a disciplinar e autorizar a extração compulsória de material genético de forma similar ao disposto nos arts 171 do CPP português 244 e ss do CPP italiano e no 81 da StPO alemã Dispõe o 81 a da StPO que poderá ser determinada pelo juiz ou pelo Ministério Público em situação de urgência a extração de sangue sempre que seja de importância para o processo seja realizada por um meio segundo as regras do saber médico não exista nenhum perigo para a saúde do imputado O CPP português não dispõe acerca de nenhuma intervenção corporal específica senão que de forma genérica em seus arts 171 e 172 possibilita que mediante decisão da autoridade judicial competente sejam realizados exames em pessoas contra a sua vontade Também prevê o CPP italiano arts 244 e 245 que a intervenção será determinada por meio de uma decisão judicial motivada podendo ser efetuada por um médico assegurandose ao imputado a faculdade de ser assistido por uma pessoa de sua confiança e se realizará com respeito à dignidade e na medida do possível ao pudor de quem seja objeto da inspeção No Brasil a Lei n 12654 de 28 de maio de 2012 entrada em vigor dia 28 de novembro de 2012 prevê a coleta de material genético como forma de identificação criminal tendo mudado radicalmente a situação jurídica do sujeito passivo no processo penal acabando com o direito de não produzir prova contra si mesmo A nova lei altera dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 72101984 LEP que regula a Execução Penal Portanto em duas situações investigado e apenado o sujeito passivo está obrigado a submeterse a intervenção corporal voluntariamente ou mediante coerção para fornecimento de material genético Com isso fulminouse a tradição brasileira de respeitar o direito de defesa pessoal negativo nemo tenetur se detegere Em linhas gerais coletado o material será armazenado no banco de dados de perfis genéticos de onde poderá ser acessado pelas polícias estaduais eou federal mediante prévia autorização judicial A extração se dará de forma adequada e indolor e não poderá revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas exceto a determinação genética de gênero Os dados coletados integrarão o banco de dados de perfis genéticos assegurandose o sigilo dos dados Para fins probatórios o código genético será confrontado com as amostras de sangue saliva sêmen pelos etc encontradas no local do crime no corpo da vítima em armas ou vestes utilizadas para prática do delito por exemplo A partir da comparação será elaborado laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado que analisará a coincidência ou não A lei disciplina como dito antes duas situações distintas a do investigado e a do apenado A finalidade da coleta do material biológico será diferenciada para o investigado destinase a servir de prova para um caso concreto e determinado crime já ocorrido já em relação ao apenado a coleta se destina ao futuro a alimentar o banco de dados de perfis genéticos e servir de apuração para crimes que venham a ser praticados e cuja autoria seja desconhecida Vejamos cada caso 1 Suspeito do crime é inserido parágrafo único no art 5º da Lei n 12037 para prever a inclusão da coleta de material genético na situação descrita no art 3º IV ou seja quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa Aproveitou a novatio legis a abertura do inciso IV de modo que embora o suspeito apresente documento de identidade poderá ser feita a identificação criminal e a extração compulsória de material genético sempre que for essencial às investigações policiais e houver decisão judicial Ou seja poderá o juiz determinar a extração coercitiva de material genético de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa neste último caso não vemos necessidade de ser compulsória a extração A lei exige a concorrência de dois requisitos nesta situação a necessidade para as investigações ainda que a redação seja genérica subordinando apenas ao interesse da autoridade policial é necessário que o pedido venha fundamentado e efetivamente demonstrada no caso concreto a imprescindibilidade deste tipo de prova Considerando a gravidade da intervenção corporal e a restrição da esfera de privacidade do sujeito deverá a autoridade policial demonstrar a impossibilidade de obter a prova da autoria de outro modo constituindo a coleta de material genético a ultima ratio do sistema Não se pode tolerar uma banalização da intervenção corporal visto que representa uma grave violação da privacidade integridade física e dignidade da pessoa humana além de ferir de morte o direito de silêncio negativo direito de não produzir prova contra si mesmo Vários problemas brotam desta disciplina Inicia por recorrer a fórmula genérica e indeterminada de essencial às investigações policiais sem sequer definir em que tipos de crimes isso seria possível situação diversa daquela disciplinada para o apenado em que há um rol de crimes Dessarte basta uma boa retórica policial e uma dose de decisionismo judicial para que os abusos ocorram Como se não bastasse poderá o juiz atuar de ofício rasgando tudo o que se sabe acerca de sistema acusatório e imparcialidade A lei não diz e nem precisaria mas em caso de recusa do imputado em fornecer o material genético poderá a autoridade fazêlo compulsoriamente ou seja à força A única garantia é o emprego de técnica adequada e indolor A lei disciplina a retirada coercitiva porque voluntariamente sempre esteve autorizada e nem precisaria de qualquer disciplina legal integra o direito de defesa positivo b autorização judicial a matéria exige a reserva de jurisdição ou seja considerando que representa uma grave restrição de direitos fundamentais é necessária autorização judicial Portanto a decisão que autoriza a intervenção corporal deverá ser precedida de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público Infelizmente em mais uma grave violação do sistema acusatórioconstitucional e da própria estética de imparcialidade exigida do julgador permite a lei que a extração do DNA seja determinada de ofício pelo juiz É mais um sintoma da cultura inquisitória que ainda domina o processo penal brasileiro Existe ainda uma grave incompatibilidade do agir de ofício do juiz neste caso que é o requisito de necessidade para as investigações Ora se a investigação é levada a cabo pela polícia ou Ministério Público quem define a imprescindibilidade para a investigação é o investigador e não o juiz Ao juiz cabe julgar ou seja analisar o pedido e decidir e não tomar qualquer iniciativa investigatória ou imiscuirse em área que lhe é completamente estranha Portanto por qualquer ângulo que se analise é um erro a atuação de ofício do juiz nesta seara Diante do pedido de intervenção corporal para extração do DNA deverá o juiz decidir de forma fundamentada avaliando a real necessidade do ato bem como a impossibilidade de se constituir aquela prova por outro meio menos lesivo e gravoso Tratase de ponderar e justificar a necessidade e adequação da medida evitando sua banalização e distorção Sustentamos ainda a existência de uma vinculação causal Princípio da Especialidade ou seja a prova genética somente poderá ser utilizada naquele caso penal e o material poderá ser utilizado até a prescrição daquele crime Tanto há essa vinculação causal que o legislador define como limite de disponibilidade do material genético a prescrição do crime Ou seja o uso está relacionado a este crime e a disponibilidade temporalmente regulada pela prescrição ou a absolvição definitiva como explicaremos a seguir A nosso juízo portanto incidem aqui os limites do princípio da especialidade da prova limitando o nexo causal legitimante ao caso penal investigado Diversa é a situação do apenado submetido à extração compulsória de material genético onde se busca a constituição do banco de dados para o futuro de forma aberta e indeterminada Outro aspecto relevante é que a lei neste caso em que se tutela o interesse da investigação não define um rol de crimes nos quais poderia ser feita a extração de material genético ao contrário da situação jurídica do condenado em que há uma definição taxativa dos crimes Com isso abrese a possibilidade de que a intervenção ocorra em qualquer delito desde que necessário para comprovação da autoria exigindo por parte da autoridade judiciária suma cautela e estrita observância da proporcionalidade especialmente no viés de necessidade e adequação Não se pode pactuar com a banalização de tão grave medida restritiva de direitos fundamentais para delitos de pouca gravidade e complexidade probatória O fornecimento do material será feito de forma voluntária ou coercitiva Se o imputado se dispuser a fornecer o material genético será ele colhido e enviado para análise e armazenamento no banco de dados Se houver recusa poderá a autoridade policial empregar a força necessária para o cumprimento da ordem como sói ocorrer em situações assim Com o fim do direito de não produzir provas contra si está o suspeito compelido a submeterse a intervenção corporal assegurandose apenas que empregue uma técnica adequada e indolor Por fim é perfeitamente aplicável aqui por analogia o disposto no art 7º da Lei n 12037 no caso de não oferecimento da denúncia ou sua rejeição ou absolvição é facultado ao indiciado ou ao réu após o arquivamento definitivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo desde que apresente provas de sua identificação civil Significa dizer que rejeitada a denúncia em relação ao investigado ou absolvido sumariamente ou absolvido ao final do processo poderá o interessado não mais réu pois absolvido ou nem recebida a acusação em relação a ele solicitar a retirada do processo criminal da perícia que utilizou seu material genético e ainda a retirada do seu material genético e respectivos registros do banco de dados Não se justifica que nestas situações se constranja alguém a figurar eternamente no banco de dados genético Haveria uma absurda e indeterminada subordinação ao poder de polícia do Estado uma injustificável estigmatização violadora da presunção de inocência e demais direitos da personalidade Excetuase neste caso a situação do arquivamento pois a teor da Súmula 524 do STF a contrario sensu poderá ser proposta a ação penal em caso de novas provas Tal situação deve ser tratada à luz do novo art 7ºA da Lei n 12037 Quanto à extração de material genético do condenado por crime hediondo ou por crime doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa a situação é distinta Neste caso o material genético irá para o banco de dados visando ser usado como prova em relação a fatos futuros Aqui a intervenção corporal é obrigatória e não exige autorização judicial para obtenção apenas para o posterior acesso ao banco de dados A única restrição legal diz respeito a natureza do crime objeto da condenação Infelizmente parece que o legislador partiu de uma absurda presunção de periculosidade de todos os autores de determinados tipos penais abstratos Tratase de inequívoca discriminação e estigmatização desses condenados Optou o legislador por reestigmatizar os crimes hediondos e o chamado agora crime doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa O que é violência de natureza grave contra pessoa No mínimo crimes dolosos que resultem lesões graves gravíssimas ou morte da vítima Portanto violência real contra pessoa com resultado grave logo lesão grave gravíssima ou morte Mas antevemos uma grande discussão sobre os limites desta intervenção Ainda que a lei fale apenas em condenados considerando a gravidade da restrição de direitos fundamentais é imprescindível a existência de sentença condenatória transitada em julgado Não é proporcional e tampouco compatível com a presunção de inocência imporse tal medida em caso de sentença recorrível Uma vez colhido o material genético e incorporado ao banco de dados poderá ser acessado pela autoridade policial estadual ou federal mediante prévia autorização judicial Neste caso a lei não exige autorização judicial para a coleta do material mas sim para o acesso ao banco de dados Portanto para que a autoridade policial possa ter acesso aos dados genéticos do condenado e agora suspeito de novo delito deverá formular pedido fundamentado e demonstrar a imprescindibilidade deste tipo de prova Considerando a grave restrição de direitos fundamentais que representa esta prova somente poderá ser utilizada como ultima ratio quando demonstrada a impossibilidade de obter a prova da autoria de outro modo Por fim a lei não prevê por quanto tempo esses dados ficarão disponíveis neste caso Andou mal o legislador pois gera condições para um estigma de natureza perpétua Mas partindo de uma política de redução de danos no e do processo penal pensamos ser sustentável a aplicação por analogia do instituto da reabilitação arts 93 e ss do CP permitindose a retirada dos registros após decorridos dois anos do dia em que for extinta de qualquer modo a pena ou terminar sua execução Mas essa tese encontrará sérias resistências e tende a ser minoritária Uma vez coletado o material genético passará a integrar o banco de dados e poderá ser acessado por qualquer autoridade policial federal ou estadual mediante simples autorização judicial 15 Valor Probatório da Identificação do Perfil Genético É a Prova Técnica a Rainha das Provas Uma vez realizada a coleta de material genético e coincidindo com as amostras colhidas no local do crime terá essa prova técnica maior valor que as demais vg a testemunhal É definitiva Ou pode o juiz decidir contra o laudo O discurso científico é muito sedutor até porque em situação similar ao dogma religioso tem uma encantadora ambição de verdade Sob o manto do saber científico operase a construção de uma pseudoverdade com a pretensão de irrefutabilidade absolutamente incompatível com o processo penal e o convencimento do juiz formado a partir do contraditório e do conjunto probatório Não se nega o imenso valor do saber científico no campo probatório mas não existe a rainha das provas no processo penal Uma prova pericial como essa demonstra apenas um grau maior ou menor de probabilidade de um aspecto do delito que não se confunde com a prova de toda a complexidade que constitui o fato O exame de DNA por exemplo feito a partir da comparação do material genético do réu A com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima demonstra apenas que aquele material coletado pertence ao réu Daí até provar que o réu A violentou e matou a vítima existe uma distância que deve ser percorrida lançando mão de outros instrumentos probatórios Pode ainda ser estabelecida uma discussão sobre a validação científica dos métodos de análise ou seja discutir a validade dos testes a partir da natureza das amostras biológicas utilizadas por exemplo Não raras vezes as amostras são encontradas em superfícies não estéreis podendo sofrer danos após o contato com a luz solar microorganismos e solventes Isso pode levar a equívocos na interpretação Outro ponto fundamental é discutir o nexo causal ou seja como aquele material genético foi parar ali e até que ponto pode o réu ser responsabilizado penalmente pelo resultado pelo simples fato de ter estado com a vítima por exemplo Também não se pode desconsiderar a possibilidade de manipulação desta prova não apenas no sentido mais simples de falhas na cadeia de custódia da prova laudos falsos enxerto de provas etc mas também na possibilidade de fraudar o próprio DNA O conhecido periódico The New York Times 23 noticiou que cientistas israelenses divulgam em artigo a possibilidade de introduzir com certa facilidade em uma amostra qualquer de sangue ou saliva o código genético de qualquer pessoa a cujo perfil de DNA se tenha acesso sem que seja sequer necessário possuir uma amostra de seu material genético A notícia é bastante relevante no sentido de minar a infalibilidade com que são tratadas as evidências e provas baseadas em testes genéticos a partir dos procedimentos usuais de perícia forense E ainda as novas possibilidades de fraude que se abrem com o recurso a esta técnica podem aumentar os riscos potenciais do manejamento de informação genética com reflexos claros para a atual tendência à compilação de gigantescos bancos de dados genéticos Ainda que a questão esteja longe de qualquer pacificação pois estes estudos também estão sendo questionados não podemos esquecer que todo saber é datado e tem prazo de validade Uma teoria ou conhecimento reina até que venha outra teoria que a contrarie ou modifique Não sem razão a exposição de motivos do CPP é categórica todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que as outras Mais do que isso o juiz não está adstrito ao laudo podendo acolhêlo ou refutálo no todo ou em parte Do contrário teríamos a substituição do juiz pelo perito transformando o julgador num mero homologador de laudos e perícias algo absolutamente incompatível com a garantia da jurisdição e do devido processo penal Portanto o exame de DNA é muito importante e com certeza terá uma grande influência na formação da convicção do julgador mas é apenas mais uma prova sem qualquer supremacia jurídica sobre a prova testemunhal por exemplo Destarte duas lições são básicas nenhuma prova é absoluta ou terá por força de lei maior prestígio ou maior valor que as outras logo um exame de DNA que comprove a existência de material genético do réu no corpo da vítima não conduz inexoravelmente à sua condenação o juiz ou os jurados pode perfeitamente decidir contra o laudo isto é aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte art 182 pois vale o livre convencimento motivado e formado a partir do contexto probatório Em síntese a prova técnica por mais sedutor que possa parecer o discurso da verdade científica não é prova plena nem tem maior prestígio que as demais Deve ser analisada no contexto probatório e pode ser perfeitamente refutada no ato decisório 2 Interrogatório 21 A Defesa Pessoal Positiva Mesmo no interrogatório policial o imputado tem o direito de saber em que qualidade presta as declarações24 de estar acompanhado de advogado e ainda de reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao IP O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade A presença do defensor no momento das declarações do suspeito diante da autoridade judiciária ou policial é imprescindível pela agora expressa previsão no art 185 do CPP Art 185 O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária no curso do processo penal será qualificado e interrogado na presença de seu defensor constituído ou nomeado 1º O interrogatório do réu preso será realizado em sala própria no estabelecimento em que estiver recolhido desde que estejam garantidas a segurança do juiz do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato 2º Excepcionalmente o juiz por decisão fundamentada de ofício ou a requerimento das partes poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades I prevenir risco à segurança pública quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que por outra razão possa fugir durante o deslocamento II viabilizar a participação do réu no referido ato processual quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo por enfermidade ou outra circunstância pessoal III impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência nos termos do art 217 deste Código IV responder à gravíssima questão de ordem pública 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência as partes serão intimadas com 10 dez dias de antecedência 4º Antes do interrogatório por videoconferência o preso poderá acompanhar pelo mesmo sistema tecnológico a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts 400 411 e 531 deste Código 5º Em qualquer modalidade de interrogatório o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor se realizado por videoconferência fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum e entre este e o preso 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil 7º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos 1º e 2º deste artigo 8º Aplicase o disposto nos 2º 3º 4º e 5º deste artigo no que couber à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa como acareação reconhecimento de pessoas e coisas e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido 9º Na hipótese do 8º deste artigo fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor Como já afirmado agora não mais será o advogado um convidado de pedra senão que poderá participar ativamente do interrogatório Art 188 Após proceder ao interrogatório o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante Com relação ao valor probatório do interrogatório propugnamos por um modelo constitucional em que o interrogatório seja orientado pela presunção de inocência visto assim como o principal meio de exercício da autodefesa e que tem por isso a função de dar materialmente vida ao contraditório permitindo ao sujeito passivo refutar a imputação ou aduzir argumentos para justificar sua conduta25 Especificamente na investigação preliminar o interrogatório deve estar dirigido a verificar se existem ou não motivos suficientes para a abertura do processo criminal Dentro da lógica que orienta a fase pré processual a eventual confissão obtida nesse momento tem um valor endoprocedimental como típico ato de investigação e não ato de prova servindo apenas para justificar as medidas adotadas nesse momento e justificar o processo ou o não processo PELLEGRINI GRINOVER26 explica que através do interrogatório o juiz e a polícia pode tomar conhecimento de elementos úteis para a descoberta do delito mas não é para essa finalidade que o interrogatório está orientado Pode constituir fonte de prova mas não meio de prova Em outras palavras o interrogatório não serve para provar o fato mas para fornecer outros elementos de prova que possam conduzir à sua comprovação De qualquer forma é estéril aprofundar a discussão sobre a natureza jurídica do interrogatório como bem percebeu DUCLERC27 pois as alternativas meio de prova e meio de defesa não são excludentes senão que coexistem de forma inevitável Assim se de um lado potencializamos o caráter de meio de defesa não negamos que ele também acaba servindo como meio de prova até porque ingressa na complexidade do conjunto de fatores psicológicos que norteiam o sentire judicial materializado na sentença Noutra dimensão como explica LEONE28 o interrogatório também se destina a delimitar o âmbito da decisão do juiz no sentido de que ele não pode pronunciar uma decisão sobre um fato diferente do imputado Assim a correlação entre imputação e decisão se opera tanto no interior da instrução como também nas relações que se estabelecem entre a instrução e o julgamento e não apenas nessa segunda hipótese julgamento decisão Isso é fundamental para compreender que a correlação já se faz valer no momento do interrogatório e ao longo de toda a instrução A correlação na verdade não é apenas entre acusação e sentença mas entre acusação defesa instrução e sentença O interrogatório deve ser um ato espontâneo livre de pressões ou torturas físicas ou mentais Como consequência os métodos tocados por um certo charlatanismo como classifica GUARNIERI29 devem ser rejeitados no processo penal Assim não deve ser aceito o interrogatório mediante hipnose pois é um método tecnicamente inadequado e inclusive perigoso pois estando o hipnotizado disposto a aceitar qualquer sugestão direta ou indireta do hipnotizador não pode ser considerado digno de fé inclusive porque pode ser conduzido para qualquer sentido Também devem ser rechaçados por insuficientes e indignos de confiança os métodos químicos ou físicos No primeiro grupo encontramse os chamados soros da verdade que como explica GUARNIERI são barbitúricos injetados intravenosamente juntamente com outros estupefacientes anestésicos ou hipnóticos que provocam um estado de inibição no sujeito permitindo que o experto mediante a narcoanálise conheça o que nele existe de reprimido ou oculto Como método físico os detectores de mentira são aparelhos mecânicos que marcam o traçado do batimento cardíaco e da respiração e conforme o tempo de reação às perguntas dirigidas ao interrogando permitiriam assinalar as falsidades em que incorreu Conforme o intervalo das reações o experto poderia definir em linhas gerais um padrão de comportamento para as afirmações verdadeiras e outro para as supostas mentiras Ambos os métodos não são dignos de confiança e de credibilidade de modo que não podem ser aceitos como meios de prova juridicamente válidos Ademais são atividades que violam a garantia de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante prevista no art 5º II da CB O interrogatório deve ser encaminhado a permitir a defesa do sujeito passivo e por isso submetido a toda uma série de regras de lealdade processual30 que podem ser assim resumidas a deve ser realizado de forma imediata ou ao menos num prazo razoável após a prisão b presença de defensor sendolhe permitido entrevistarse prévia e reservadamente com o sujeito passivo c comunicação verbal não só das imputações mas também dos argumentos e resultados da investigação e que se oponham aos argumentos defensivos d proibição de qualquer promessa ou pressão direta ou indireta sobre o imputado para induzilo ao arrependimento ou a colaborar com a investigação e respeito ao direito de silêncio livre de pressões ou coações f tolerância com as interrupções que o sujeito passivo solicite fazer no curso do interrogatório especialmente para instruirse com o defensor g permitirlhe que indique elementos de prova que comprovem sua versão e diligenciar para sua apuração h negação de valor decisivo à confissão Quanto ao acusado menor com mais de 18 e menos de 21 anos a que se referia o art 194 do CPP esse tratamento foi completamente abandonado estando revogado assim o art 194 e diversos outros que tratem dessa forma a questão com o advento do novo Código Civil Assim como já explicamos anteriormente ao tratar da ação penal o agente com mais de 18 anos é plenamente capaz não se podendo mais exigir a presença de curador seja para o interrogatório ou qualquer outro ato processual 22 A Defesa Pessoal Negativa Direito de Silêncio O Nemo Tenetur se Detegere Como antítese à garantia do nemo tenetur se detegere CORDERO31 explica que na inquisição vigorava a fórmula do reus tenetur se detegere na medida em que o imputado era interrogado sob juramento e estava obrigado a descobrirse isto é sofria a intervenção corporal tortura para descobrir e eliminar a heresia que ocultava na sua alma32 até porque naquele marco cultural pessimista el animal humano nace culpable estando corrompido el mundo basta excavar en un punto culaquiera para que aflore el mal Tal racionalidade ainda que continue seduzindo alguns neoinquisidores de plantão é absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo O direito de silêncio está expressamente previsto no art 5º LXIII da CB o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado Parecenos inequívoco que o direito de silêncio se aplica tanto ao sujeito passivo preso como também ao que está em liberdade Contribui para isso o art 82 g da CADH onde se pode ler que toda pessoa logo presa ou em liberdade tem o direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declararse culpada Ao estar assegurado o direito de silêncio sem qualquer reserva na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos por lógica jurídica o sistema interno não pode atribuir ao seu exercício qualquer prejuízo Daí surgiu a alteração com bastante atraso registrese do art 186 do CPP que agora possui a seguinte redação Art 186 Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias passa a existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório Sublinhese do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado Como explica FERRAJOLI33 o princípio nemo tenetur se detegere é a primeira máxima do garantismo processual acusatório enunciada por Hobbes e recepcionada a partir do século XVII no Direito inglês Dele seguemse como corolários na lição de FERRAJOLI a a proibição da tortura espiritual como a obrigação de dizer a verdade b o direito de silêncio assim como a faculdade do imputado de faltar com a verdade nas suas respostas c a proibição pelo respeito devido à pessoa do imputado e pela inviolabilidade da sua consciência não só de arrancar a confissão com violência senão também de obtêla mediante manipulações psíquicas com drogas ou práticas hipnóticas d a consequente negação de papel decisivo das confissões e o direito do imputado de ser assistido por defensor no interrogatório para impedir abusos ou quaisquer violações das garantias processuais Destarte através do princípio do nemo tenetur se detegere o sujeito passivo não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminálo ou prejudicar sua defesa ressalvandose como explicado a extração de material genético Lei n 126542012 Especificamente no que tange ao exame de alcoolemia teste do bafômetro com as alterações inseridas pela Lei n 117052008 no Código de Trânsito há que se fazer um breve esclarecimento A nova política tolerância zero em relação à condução de veículo automotor sob influência de álcool sanciona administrativamente o condutor que se recusar a se submeter ao teste do bafômetro exame clínico ou de sangue Tratase de punir quem utilizar o direito de silêncio e de não produzir prova contra si mesmo Dois pontos devem ser esclarecidos a pensamos ser substancialmente inconstitucional tal sanção administrativa mas reconhecemos que nossa posição é minoritária b o exercício do direito de silêncio em nada prejudica o condutor no que tange à esfera penal ou seja o possível delito de dirigir embriagado art 306 do Código de Trânsito Com relação à sanção administrativa decorrente da recusa em submeterse ao exame de alcoolemia multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses pensamos que o argumento de substancial inconstitucionalidade encontrará muita resistência e as sanções serão aplicadas Completamente diversa é a situação penal Aqui a recusa não autoriza qualquer presunção e menos ainda punição O delito previsto no art 306 deverá ser apurado em devido processo penal onde caberá ao acusador fazer prova indireta da embriaguez e o exercício do direito de silêncio em nada prejudicará o acusado Feita essa ressalva continuemos Não é somente a legalidade estrita que deve nortear o processo penal e principalmente não é só ela que deve orientar a atuação dos órgãos públicos que nele intervêm desde a fase préprocessual com a atuação policial ministerial e jurisdicional até o trânsito em julgado e a própria execução da pena Ao lado dela é fundamental uma abertura para a dimensão substancial de validade das normas e do próprio proceder e a assunção de uma postura ética O Estado e seus agentes não só é uma reserva de legalidade mas principalmente é uma reserva ética Daí por que existem imperativos éticos não consagrados formalmente mas igualmente exigíveis que conduzem a uma necessária abertura conceitual do direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo Exemplo a ser seguido encontramos no art 63 do Codice di Procedura Penale da Itália Art 631 Se davanti allautorità giudiziaria o alla polizia giudiziaria una persona non impu7tata ovvero una persona non sottoposta alle indagini rende dichiarazioni dalle quali emergono indizi di reità a suo carico lautorità procedente ne interrompe lesame avvertendola che a seguito di tali dichiarazioni potranno essere svolte indagini nei suoi confronti e la invita a nominare un difensore Le precedenti dichiarazioni non possono essere utilizzate contro la persona che le há rese 2 Se la persona doveva essere sentita sin dallinizio in qualità di imputato o di persona sottoposta alle indagini le sue dichiarazioni non possono essere utilizzate Dessa forma o que se pretende evitar é que alguém não submetido à investigação ao declararse como testemunha por exemplo acabe por ter suas palavras utilizadas contra si mesmo Se de sua declaração emergirem indícios de culpabilidade sentido amplo a autoridade que está realizando o ato especialmente a policial dada a tradicional resistência ao sistema de garantias deve interrompêlo advertindoo de que a partir dali poderá utilizar seu direito de silêncio na medida em que suas palavras poderão dar origem a uma investigação contra si Imprescindível ainda é a nomeação de defensor e a garantia de que poderá entrevistarse reservadamente com ele antes de continuar a declarar analogia com o art 7º III da Lei n 8906 O dito nesse momento despido das garantias necessárias a quem é imputado não pode valer contra o declarante e tampouco justificar medidas cautelares pessoais ou outras decisões que de qualquer forma lhe prejudiquem E se dessas declarações obtidas sem o devido respeito ao direito de defesa incluindo o silêncio surgirem novas provas perfeitamente invocável a nulidade por derivação diante da manifesta contaminação Com isso o que se busca além de um mínimo de ética processual é a máxima eficácia do direito de silêncio pois de nada adianta assegurálo depois no processo ou investigação que decorreu da declaração quando o defeito está na origem de tudo até porque sempre haverá uma valoração sobre a declaração inicial ou ainda um juízo de desvalor diante da contradição entre ambas as declarações Em suma o direito de silêncio é uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório 23 Interrogatório do Corréu Separação Perguntas da Defesa do Corréu Repetição do Interrogatório No que tange à disciplina processual do ato cumpre destacar que havendo dois ou mais réus deverão eles ser interrogados separadamente como exige o art 191 do CPP Mas tanto a defesa como a acusação podem formular perguntas ao final Isso é manifestação do contraditório Nessa linha discutese a possibilidade de a defesa do corréu fazer perguntas no interrogatório Pensamos que principalmente se as teses defensivas forem colidentes deve o juiz permitir o contraditório pleno com o defensor do outro corréu também formulando perguntas ao final Ou seja deve o juiz admitir que o defensor do interrogando formule suas perguntas ao final mas também deve permitir que o advogado dos outros corréus o faça Contribui para essa exigência o fato de que à palavra do corréu é dado pela maioria da jurisprudência o valor probatório similar ao de prova testemunhal No mesmo sentido NUCCI34 sustenta que havendo delação quando um réu assume sua culpa e imputa também parte dela a outro corréu pode haver reperguntas do defensor do corréu delatado unicamente para aclarar pontos pertinentes à sua defesa Sugere ainda que o juiz assegure no interrogatório um momento adequado para que a outra defesa faça suas perguntas ou marque um novo interrogatório só para esse fim SCARANCE FERNANDES35 citando ainda GRINOVER explica que ofende à Constituição a proibição de reperguntas ao corréu que incriminem outro acusado Aduz corretamente que se a palavra de um acusado com relação aos demais é valorada como testemunho logo meio de prova é imprescindível o contraditório pois prova alguma pode ser colhida senão sob o pálio do contraditório Mais grave ainda é a situação do delator ou seja do corréu beneficiado pela delação premiada que ao assumir o papel de mais relevante testemunha da acusação ainda que tecnicamente não o seja é imprescindível estabelecerse o contraditório na sua oitiva com os demais corréus realizando perguntas Do contrário teremos um ato probatório nulo prova colhida ao arrepio do contraditório e ampla defesa e por consequência uma sentença absolutamente nula por derivação Problemática ainda no que tange à delação premiada é a possibilidade de utilização do direito de silêncio por parte do delator que está depondo Quando estiver depondo na condição de réu é inegável que está amparado pelo direito de silêncio e portanto não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz acusador ou demais corréus e que lhe possam prejudicar Mas em relação às perguntas que digam respeito às imputações que está fazendo o silêncio alegado deve ser considerado no sentido de desacreditar a versão incriminatória dos corréus É imprescindível muito cuidado por parte do juiz ao valorar essa prova pois não se pode esquecer que a delação nada mais é do que uma traição premiada em que o interesse do delator em se ver beneficiado costuma fazer com que ele atribua fatos falsos ou declare sobre acontecimentos que não presenciou com o inequívoco interesse de ver valorizada sua conduta e com isso negociar um benefício maior Contudo quando arrolado como testemunha da acusação36 não está protegido pelo direito de silêncio tendo o dever de responder a todas as perguntas como qualquer testemunha O art 196 permite que o interrogatório possa ser repetido a qualquer momento por iniciativa do juiz ou a pedido de qualquer das partes Até a reforma processual penal de 2008 tal possibilidade era muito importante na medida em que o interrogatório era o primeiro ato da instrução Agora com a reforma foi para seu devido lugar é o último ato da instrução Com isso o dispositivo perdeu muito de sua eficácia Mas continua vigendo e tem sido utilizado na transição do rito ordinário antigo para o novo De qualquer forma havendo necessidade o interrogatório pode ser repetido Por fim há que se recordar que o réu pode ter sido retirado da sala por força do disposto no art 217 não tendo assistido à coleta da prova testemunhal exigindo assim uma atenção especial do juiz em relação à situação criada O direito de defesa especialmente no seu viés de autodefesa deve ser observado quando é determinada a retirada do réu da sala de audiências com base no art 217 do CPP exigindo um especial cuidado para que o juiz não proceda imediatamente após a coleta da prova testemunhal ao interrogatório Ao réu é assegurado o direito a última palavra pressupondo sempre que tenha pleno conhecimento de todas as provas que foram produzidas contra si Desta forma se não presenciou algum depoimento porque foi determinada sua retirada da sala de audiências deverá o juiz garantirlhe acesso integral e pelo tempo que for necessário a esses depoimentos para somente após proceder ao interrogatório Neste sentido precisa é a assertiva de DEZEM37 de que deve o magistrado franquear o acesso aos termos de depoimentos das testemunhas para que apenas então o acusado possa ser interrogado Caso esse procedimento não seja efetivado e o interrogatório se dê sem o conhecimento do material probatório produzido sem a presença do acusado não se terá o interrogatório como meio de defesa desnaturandose sua natureza jurídica Na mesma linha desta problemática situase o interrogatório colhido por carta precatória que deverá ser instruída com todo o material probatório já colhido no juízo da causa ou em outras precatórias para só então com a ciência do réu de toda a prova produzida ser realizado o interrogatório 24 O Interrogatório por Videoconferência Até o advento da Lei n 119002009 prevalecia o entendimento da inconstitucionalidade da medida entre outros por ausência de previsão legal Mas o cenário mudou com a promulgação da Lei n 11900 de 8 de janeiro de 2009 que alterou o art 185 do CPP que passou a ter a seguinte redação Art 185 1º O interrogatório do réu preso será realizado em sala própria no estabelecimento em que estiver recolhido desde que estejam garantidas a segurança do juiz do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato 2º Excepcionalmente o juiz por decisão fundamentada de ofício ou a requerimento das partes poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades I prevenir risco à segurança pública quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que por outra razão possa fugir durante o deslocamento II viabilizar a participação do réu no referido ato processual quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo por enfermidade ou outra circunstância pessoal III impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência nos termos do art 217 deste Código IV responder à gravíssima questão de ordem pública 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência as partes serão intimadas com 10 dez dias de antecedência 4º Antes do interrogatório por videoconferência o preso poderá acompanhar pelo mesmo sistema tecnológico a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts 400 411 e 531 deste Código 5º Em qualquer modalidade de interrogatório o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor se realizado por videoconferência fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum e entre este e o preso 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil 7º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos 1º e 2º deste artigo 8º Aplicase o disposto nos 2º 3º 4º e 5º deste artigo no que couber à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa como acareação reconhecimento de pessoas e coisas e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido 9º Na hipótese do 8º deste artigo fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor NR O primeiro aspecto a ser abordado é o fato de o interrogatório por videoconferência ser uma medida excepcional somente aplicável nas hipóteses previstas no art 185 e para o interrogatório de réu preso não se justificando quando o imputado estiver em liberdade A regra conforme estabelecido no caput é que o interrogatório seja realizado no próprio estabelecimento prisional ou seja interrogatório presencial Para que o interrogatório seja realizado por videoconferência deve existir uma decisão judicial fundamentada da qual serão intimadas as partes com no mínimo 10 dias de antecedência Tratase de medida salutar para permitir o controle dos critérios de excepcionalidade e necessidade através das ações autônomas de impugnação do habeas corpus ou mandado de segurança conforme o caso e fundamentação Graves inconvenientes são as fórmulas abertas vagas e imprecisas utilizadas pelo legislador nos incisos do 2º do art 185 para definir os casos em que a oitiva por videoconferência estaria justificada A utilização de expressões como risco à segurança pública fundada suspeita relevante dificuldade e gravíssima questão de ordem pública cria indevidos espaços para o decisionismo e a abusiva discricionariedade judicial por serem expressões despidas de um referencial semântico claro Serão portanto aquilo que o juiz quiser que sejam O risco de abuso é evidente Com a mudança nos ritos sumário ordinário e do júri o interrogatório passou a ser o último ato da audiência de instrução e julgamento de modo que quando determinado o interrogatório por videoconferência do réu preso ele obviamente não poderá participar da instrução Eis um ponto importante quando se determina o interrogatório por videoconferência do réu preso ele não é conduzido à audiência e portanto é impedido de assistir a toda a instrução Mais do que lhe retirar a possibilidade de ser interrogado pessoalmente a medida impede sua participação em toda a instrução Esse grave prejuízo poderá ser atenuado quando interessante ironia não for observado o princípio da unidade da audiência de instrução e julgamento Somente assim o réu poderá participar e acompanhar alguns atos da instrução Do contrário quando a lei for cumprida e a audiência for única serlheá subtraída toda a possibilidade de participar do processo Portanto o 4º não cria nenhum benefício senão que estabelece o óbvio já que o preso não comparece à audiência e será interrogado por videoconferência o mínimo que se poderia fazer era permitirlhe acompanhar pelo monitor do computador a realização das oitivas O problema é como efetivar o contraditório e o direito de defesa nessas condições O 5º cria a entrevista prévia e reservada entre o réu e seu defensor também por videoconferência através de canais telefônicos reservados Ora não é necessário maior esforço para perceber os gravíssimos problemas gerados por essa sistemática Como confiar no caráter reservado dessa comunicação Com a banalização das escutas telefônicas não existe a menor possibilidade de confiar na bondade dos bons Pensar o contrário é ingenuidade Também existe uma duplicidade interessante há um defensor no presídio e um advogado na sala de audiência do fórum Mas e se o réu tem um advogado quem será o defensor que ficará no presídio acompanhandoo Um defensor público Mas isso é um absurdo de impor a presença de um defensor quando o imputado já possui um advogado constituído E o pior quem fica no presídio ao lado do preso não é o advogado mas sim um terceiro um defensor Esse paradoxo absurdo é uma tentativa de contornar um problema insolúvel da videoconferência onde fica o advogado do réu Na audiência com o juiz e o promotor mas longe de seu constituinte ou no presídio ao lado do preso mas longe e sem poder acompanhar efetivamente do juiz do promotor enfim da audiência Esse é um paradoxo inerente e insuperável da medida Por fim o 8º amplia substancialmente o campo de incidência da oitiva por videoconferência para abranger outros atos processuais que dependam da participação de pessoa presa que será ouvida como vítima ou testemunha bem como participar de acareação ou mesmo reconhecimento E ainda o novo 3º do art 222 vai além criando a possibilidade de oitiva de testemunhas residentes fora da comarca onde tramita o processo não mais por carta precatória mas também por videoconferência Enfim a medida foi criada com ampla abrangência para muito além do interrogatório online 3 Da Confissão A própria Exposição de Motivos do CPP ao falar sobre as provas diz categoricamente que a própria confissão do acusado não constitui fatalmente prova plena de sua culpabilidade Todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outra Em suma a confissão não é mais felizmente a rainha das provas como no processo inquisitório medieval Não deve mais ser buscada a todo custo pois seu valor é relativo e não goza de maior prestígio que as demais provas Como adverte HASSAN CHOUKR38 há que se fazer um ajustamento da confissão aos termos da Constituição e da CADH de modo que somente pode ser valorada a confissão feita com plena liberdade e autonomia do réu que ele tenha sido informado e compreendido substancialmente seus direitos constitucionais que ela tenha se produzido em juízo jurisdicionalizada e que tenha sido assistido por defensor técnico Com isso concordamos com o autor quando afirma que perdeu completamente o sentido a distinção entre confissão judicial e extrajudicial pois somente pode ser valorada a confissão feita em juízo Perdeu sentido assim o art 199 do CPP A confissão deve ser analisada no contexto probatório não de forma isolada mas sim em conjunto com a prova colhida de modo que sozinha não justifica um juízo condenatório39 mas por outro lado quando situada na mesma linha da prova produzida em conformidade e harmonia poderá ser valorada pelo juiz na sentença Devese insistir na necessidade de abandonarse o ranço inquisitório e a mentalidade nessa linha estruturada em que a confissão era considerada a rainha das provas pois o réu era portador de uma verdade que deveria ser extraída a qualquer custo No fundo a questão situavase e situase ainda no campo da culpa judaicocristã em que o réu deve confessar e arrependerse para assim buscar a remissão de seus pecados inclusive com a atenuação da pena art 65 III d do Código Penal Também é a confissão para o juiz a possibilidade de punir sem culpa É a possibilidade de fazer o mal através da pena sem culpa pois o herege confessou seus pecados Tudo isso deve ser abandonado rumo ao processo penal acusatórioconstitucional em que o interrogatório é acima de tudo um meio de defesa e a confissão apenas mais um elemento na axiologia probatória que somente pode ser considerado quando compatível e conforme o resto da prova produzida O art 198 do CPP deve ser lido à luz do direito constitucional de silêncio e em conformidade com a estrutura do devido processo Assim o silêncio não importará confissão e tampouco pode ser desvalorado pelo juiz Ou seja é substancialmente inconstitucional a última parte do referido artigo quando afirma que o silêncio do acusado poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz Não isso não sobrevive a uma filtragem constitucional Assim o silêncio não pode prejudicar em nenhuma hipótese o réu e tampouco pode ser utilizado como elemento para o convencimento do juiz Por fim apregoa o Código que a confissão é divisível e retratável A questão mais relevante diz respeito à confissão obtida na fase policial e posteriormente retratada em juízo Seguindo a linha de pensamento desenvolvida somente a confissão feita em juízo poderia ser utilizada no julgamento junto com as demais provas é claro Assim quando houver confissão na fase préprocessual e retratação na fase processual não existiu confissão alguma a ser valorada na sentença Advertimos contudo que ainda predomina o entendimento na jurisprudência de que o juiz pode formar seu convencimento a partir da confissão feita na fase policial o que nos parece um absurdo Mais absurdo ainda é o entendimento de que a confissão feita na fase policial vale como mais um elemento probatório para condenação do réu ainda que em juízo tenha se retratado mas a retratação afasta a incidência da atenuante Como a confissão policial pode valer como prova mas ao mesmo tempo não servir como causa de atenuação da pena ainda que assim disponha categoricamente o art 65 III d do Código Penal Eis a contradição Pensamos que ou a confissão policial quando o réu se retrata em juízo vale tanto em termos probatórios como também para atenuação da pena ou ela não vale nem como prova nem como atenuante O que não podemos admitir é essa construção híbrida vale para prejudicar mas não para beneficiar 4 Das Perguntas ao Ofendido Desenhar o papel da vítima no processo penal sempre foi uma tarefa das mais tormentosas Se de um lado pode ela ser portadora de diferentes tipos de intenções negativas vingança interesses escusos etc que podem contaminar o processo de outro não se pode deixála ao desabrigo e tampouco negar valor ao que sabe Na sistemática do CPP vítima ofendido não é considerada como testemunha tanto que merece tratamento diferenciado A vítima não presta compromisso de dizer a verdade e tampouco pode ser responsabilizada pelo delito de falso testemunho mas sim pelo crime de denunciação caluniosa art 339 do CP conforme o caso Também não é computada no limite numérico das testemunhas de modo que se estivermos diante de um delito apenado com detenção poderão ser arroladas como regra até cinco testemunhas pela acusação e igual quantidade pela defesa Nesse número não está incluída a vítima de modo que o MP poderá arrolar cinco testemunhas mais a vítima A vítima não pode negarse a comparecer para depor art 201 1º sob pena de condução inclusive na fase policial Poderá contudo pedir que o réu seja retirado da sala de audiências no momento em que for depor se a presença daquele influir no seu estado de ânimo ao depor art 217 por analogia Aplicase ainda por analogia o disposto nos arts 220 a 225 do CPP quando do depoimento da vítima Tampouco pode invocar direito de silêncio pois essa é uma garantia que apenas o imputado possui No seu depoimento poderão fazer perguntas tanto o acusador quanto os réus através de seus advogados A Lei n 116902008 alterou substancialmente o art 201 cuja redação passou a ser a seguinte Art 201 Sempre que possível o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração quem seja ou presuma ser o seu autor as provas que possa indicar tomandose por termo as suas declarações 1º Se intimado para esse fim deixar de comparecer sem motivo justo o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade 2º O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem 3º As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado admitindose por opção do ofendido o uso de meio eletrônico 4º Antes do início da audiência e durante a sua realização será reservado espaço separado para o ofendido 5º Se o juiz entender necessário poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar especialmente nas áreas psicossocial de assistência jurídica e de saúde a expensas do ofensor ou do Estado 6º O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade vida privada honra e imagem do ofendido podendo inclusive determinar o segredo de justiça em relação aos dados depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação O 2º estabelece que o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos à prisão ou liberdade do acusado Tratase de inovação pois até o advento da Lei n 11690 essa comunicação não existia e o ofendido para tomar conhecimento dos atos do processo deveria se habilitar como assistente da acusação O maior inconveniente é que esse tipo de comunicação servirá para aguçar eventuais atos de vingança Por outro lado a comunicação da sentença é importante principalmente para permitir o recurso do assistente da acusação não habilitado cujo prazo para interposição é de 15 dias art 598 parágrafo único do CPP Sublinhese que essa comunicação não se confunde com a intimação do assistente habilitado que por ser parte deverá ser intimado de todos os atos correndo da intimação o prazo de 5 dias para o recurso de apelação A vítima quando não estiver habilitada como assistente não é parte no processo e portanto não será intimada A inovação é essa comunicação da sentença que não altera em nada o prazo recursal do art 598 parágrafo único O 6º também representa uma inovação digna de nota Tratase de uma necessária proteção à intimidade vida privada honra e imagem da vítima podendo o juiz decretar o segredo de Justiça em relação aos dados que a identificam depoimentos prestados e demais informações relevantes Mas é importante frisar tal sigilo é para evitar sua exposição aos meios de comunicação Logo não existe qualquer tipo de segredo para as partes no processo seja acusador ou defesa É um típico caso de segredo no plano externo ou seja para os estranhos na expressão de VÉLEZ MARICONDE40 cujo objetivo é limitar a publicidade abusiva e o bizarro espetáculo dos meios de comunicação O ponto mais problemático é sem dúvida o valor probatório da palavra da vítima Devese considerar inicialmente que a vítima está contaminada pelo caso penal pois dele fez parte Isso acarreta interesses diretos nos mais diversos sentidos tanto para beneficiar o acusado por medo por exemplo como também para prejudicar um inocente vingança pelos mais diferentes motivos Para além desse comprometimento material em termos processuais a vítima não presta compromisso de dizer a verdade abrindose a porta para que minta impunemente Assim se no plano material está contaminada pois faz parte do fato criminoso e no processual não presta compromisso de dizer a verdade também não pratica o delito de falso testemunho é natural que a palavra da vítima tenha menor valor probatório e principalmente menor credibilidade por seu profundo comprometimento com o fato Logo apenas a palavra da vítima jamais poderá justificar uma sentença condenatória Mais do que ela vale o resto do contexto probatório e se não houver prova robusta para além da palavra da vítima não poderá o réu ser condenado Contudo a jurisprudência brasileira tem feito duas ressalvas crimes contra o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça roubo extorsão etc crimes sexuais Nesses casos considerando que tais crimes são praticados majoritariamente às escondidas na mais absoluta clandestinidade pouco resta em termos de prova do que a palavra da vítima e eventualmente a apreensão dos objetos com o réu no caso dos crimes patrimoniais ou a identificação de material genético nos crimes sexuais Nesses casos a palavra coerente e harmônica da vítima bem como a ausência de motivos que indicassem a existência de falsa imputação cotejada com o restante do conjunto probatório ainda que frágil têm sido aceitas pelos tribunais brasileiros para legitimar uma sentença condenatória Mas principalmente nos crimes sexuais o cuidado deve ser imenso Se de um lado não se pode desprezar a palavra da vítima até porque seria uma odiosa discriminação por outro não pode haver precipitação por parte do julgador pois a história judiciária desse país está eivada de imensas injustiças nesse terreno a recordar sempre entre centenas de outros o chamado Caso Escola Base em São Paulo 5 Da Prova Testemunhal Com as restrições técnicas que infelizmente a polícia judiciária brasileira em regra tem a prova testemunhal acaba por ser o principal meio de prova do nosso processo criminal Em que pese a imensa fragilidade e pouca credibilidade que tem ou deveria ter a prova testemunhal culmina por ser a base da imensa maioria das sentenças condenatórias ou absolutórias proferidas Quanto à ordem em que ocorrerá a inquirição no rito comum ordinário art 400 iniciase com a tomada de declarações do ofendido passandose em seguida à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa nessa ordem bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações reconhecimentos e por derradeiro com o interrogatório do acusado Nessa lógica quando a testemunha é arrolada pela acusação incumbe ao acusador fazer suas perguntas e após à defesa já em relação às testemunhas arroladas pela defesa incumbe a ela elaborar suas perguntas e após ao acusador Nenhuma regra é imposta ao juiz pode questionar qualquer testemunha a qualquer momento enquanto estiver esta depondo desde que o faça para complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos art 212 parágrafo único 51 A Polêmica em Torno do Art 212 e a Resistência da Cultura Inquisitória Com a Reforma Processual de 2008 o art 212 foi substancialmente alterado passando a ter a seguinte redação Art 212 As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente às testemunhas não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida Parágrafo único Sobre os pontos não esclarecidos o juiz poderá complementar a inquirição A mudança foi muito importante e adequada para conformar o CPP à estrutura acusatória desenhada na Constituição que como visto anteriormente ao tratarmos dos sistemas processuais retira do juiz o papel de protagonista da instrução Ao demarcar a separação das funções de acusar e julgar e principalmente atribuir a gestão da prova às partes o modelo acusatório redesenha o papel do juiz no processo penal não mais como juizator sistema inquisitório mas sim de juizespectador Tratase de atribuir a responsabilidade pela produção da prova às partes como efetivamente deve ser num processo penal acusatório e democrático Portanto o juiz deixa de ter o papel de protagonismo na realização das oitivas para ter uma função completiva subsidiária Não mais como no modelo anterior terá o juiz aquela postura proativa de fazer dezenas de perguntas esgotar a fonte probatória para só então passar a palavra às partes para que com o que sobrou complementar a inquirição Neste novo modelo o juiz abre a audiência compromissando ou não conforme o caso a testemunha e passa a palavra para a parte que a arrolou MP ou defesa Caberá à parte interessada na produção da prova efetivamente produzila sendo o juiz neste momento o fiscalizador do ato filtrando as perguntas ofensivas sem relação com o caso penal indutivas ou que já tenham sido respondidas pela testemunha Após caberá à outra parte fazer suas perguntas O juiz como regra questionará ao final perguntando apenas sobre os pontos relevantes não esclarecidos É claramente uma função completiva e não mais de protagonismo Sem embargo tal cenário está muito longe de colocar o juiz como uma samambaia na sala de audiência como chegaram a afirmar maldosamente alguns no pósreforma demonstrando a virulência típica daqueles adeptos da cultura inquisitória e resistentes à mudança alinhada ao sistema constitucional acusatório Nada disso O juiz preside o ato controlando a atuação das partes para que a prova seja produzida nos limites legais e do caso penal Ademais poderá fazer perguntas sim para complementar os pontos não esclarecidos Jamais se disse que o juiz não poderia perguntar para as testemunhas na audiência O ponto nevrálgico é poderá o juiz fazer perguntas para a testemunha mas não como protagonista da inquirição O mais difícil com certeza não é compreender a nova redação do artigo mas abandonar o ranço inquisitório que ainda domina o senso comum dos atores judiciários Gradativamente a jurisprudência dos tribunais vem se adequando à nova sistemática legal com alguma variação em relação às consequências desta violação para alguns nulidade absoluta para outros relativa41 Importanos neste tema o acerto da decisão ao afirmar a adoção do sistema de crossexamination com a assunção do papel de protagonismo das partes e subsidiário do juiz inclusive para garantia da imparcialidade do julgador e recordemos a íntima relação entre sistema acusatório e imparcialidade pois somente este modelo processual cria condições de eficácia da garantia da imparcialidade Noutra dimensão entendeu o STJ neste julgamento que a inversão da ordem de formulação das perguntas geraria uma nulidade relativa Mas em momento algum autorizouse o juiz a ter protagonismo na inquirição como no modelo anterior Todo o oposto basta ler os três primeiros pontos da ementa Na mesma linha de interpretação do art 212 mas reputando como absoluta a nulidade pela inversão da ordem de inquirição a decisão proferida pela 5ª Turma do STJ relatoria do Min FELIX FISCHER no HC 153140MG julgado em 1208201042 Neste caso além de reafirmar o papel subsidiário completivo da inquirição do juiz considerou o STJ como absoluta a nulidade pela inversão da ordem de formulação de perguntas Analisando a questão com absoluto acerto e rigor técnico está a excelente decisão proferida por maioria oriunda da 3ª Câmara Criminal do TJRS na Apelação n 70035510759 julgada em 14102010 que teve como relator do acórdão o Des NEREU GIACOMOLLI43 Mas é importante sublinhar ainda existe muita oscilação de humor na jurisprudência em relação ao tema Infelizmente tem predominado o entendimento de que a inversão conduziria a uma nulidade relativa exigindo a demonstração de prejuízo por parte da defesa Nesse sentido entre outros citamos trecho da ementa da decisão proferida pelo STJ no HC 151357 RJ 200902072901 Rel Min Og Fernandes julgamento em 2110201044 No mesmo sentido decidiu o STF no RHC 110623DF Rel Min Ricardo Lewandowski 13032012 em que a 2ª Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus no qual se pretendia fosse anulada audiência de instrução e julgamento em face de suposta inversão na ordem de perguntas formuladas às testemunhas em contrariedade ao que alude o art 212 do CPP As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida O Ministério Público Federal ora recorrente sustentava que a magistrada de 1º grau ao elaborar suas perguntas em primeiro lugar teria afrontado os princípios do devido processo legal do contraditório e da iniciativa daquele órgão para a ação penal pública além de causar constrangimento ilegal na liberdade de locomoção dos recorridos Asseverouse que conforme assentada jurisprudência deste Tribunal para o reconhecimento de eventual nulidade necessário demonstrarse o prejuízo por essa pretensa inversão no rito inaugurado por alteração no CPP o que não teria ocorrido Portanto há uma clara tendência em relativizar a nulidade decorrente da violação do art 212 tanto no STJ como no STF Situação distinta e mais grave se dá quando o Ministério Público não está na audiência e diante da ausência do acusador assume o juiz esse papel formulando as perguntas Neste caso mais do que protagonista o juiz assume uma postura substitutiva do acusador em flagrante incompatibilidade com o sistema acusatório a imparcialidade e a própria igualdade de armas Nesta situação a nulidade é inafastável como bem decidiu a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1259482 relator Min Marco Aurélio Bellizze O STJ anulou desde a audiência de instrução o processo contra um acusado de tráfico de drogas no qual o Ministério Público estava ausente na audiência e o juiz o substituiu formulando desde o início as perguntas Dessarte violou o caráter complementar da sua inquirição O processo já tinha sido anulado pelo TJRS por violação do art 212 e houve recurso do Ministério Público alegando que a nulidade é relativa e não teria ocorrido demonstração do prejuízo O Min Bellizze entendeu que a nulidade é relativa mas neste caso a inquirição pelo juiz não se deu em caráter complementar mas sim principal O descumprimento da ordem de inquirição do juiz não levou à nulidade mas a violação de seu caráter complementar diante da ausência do Promotor A sentença ainda condenou o réu com base nestas testemunhas arroladas pelo MP e para as quais o juiz formulou todas as perguntas Diante disso afirmou o Ministro que configura indisfarçável afronta ao sistema acusatório e evidencia o prejuízo efetivo O Ministro disse ainda que a anulação do processo não seria necessária caso a sentença condenatória tivesse se baseado em outros elementos de prova Fonte Assessoria de Imprensa do STJ em 18102011 Por último gostaríamos de destacar que a prova testemunhal é regida pelas regras da oralidade e imediatidade ou seja deve ser produzida oralmente e em audiência na frente do juiz que irá julgar regra da identidade física do juiz Portanto não se pode aceitar como válida a simples ratificação em juízo das declarações prestadas no inquérito Neste sentido é esclarecedora a decisão do STJ PROCESSO PENAL HABEAS CORPUS ROUBO AUDIÊNCIA DE TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO 1 ART 212 DO CPP ORDEM DAS PERGUNTAS MAGISTRADO QUE PERGUNTA PRIMEIRO NULIDADE RELATIVA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO ILEGALIDADE NÃO RECONHECIMENTO RESSALVA DE ENTENDIMENTO DA RELATORA 2 COLHEITA DE DEPOIMENTO LEITURA DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL RATIFICAÇÃO NULIDADE RECONHECIMENTO 1 O entendimento que prevaleceu nesta Corte é de que invertida a ordem de perguntas na colheita de prova testemunhal CPP art 212 redação conferida pela Lei n 116902008 temse caso de nulidade relativa a depender de demonstração de prejuízo o que não se apontou Ressalva de entendimento da Relatora 2 A produção da prova testemunhal é complexa envolvendo não só o fornecimento do relato oral mas também o filtro de credibilidade das informações apresentadas Assim não se mostra lícita a mera leitura pelo magistrado das declarações prestadas na fase inquisitória para que a testemunha em seguida ratifiquea 3 Ordem concedida para para anular a ação penal a partir da audiência de testemunhas de acusação a fim de que seja refeita a colheita da prova testemunhal mediante a regular realização das oitivas com a efetiva tomada de depoimento sem a mera reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial HC 183696 6ª Turma Rel Min Maria Thereza de Assis Moura DJe 27022012 A decisão é acertada pois partindo da necessária oralidade e imediação não se pode considerar lícita a mera leitura pelo juiz em audiência das declarações prestadas no inquérito para que a testemunha limitese a ratificar Isso não é produção de prova mas uma fraude processual Ainda no voto da relatora Min Maria Thereza de Assis Moura encontrase a seguinte lição O depoimento da testemunha ingressa nos autos de maneira oral de acordo com a própria dicção do Código de Processo Penal Art 203 A testemunha fará sob palavra de honra a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado devendo declarar seu nome sua idade seu estado e sua residência sua profissão lugar onde exerce sua atividade se é parente e em que grau de alguma das partes ou quais suas relações com qualquer delas e relatar o que souber explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliarse de sua credibilidade destaquei Deste comando retiramse em especial duas diretrizes A primeira ligada ao relato que será oral como reforça a regra do art 204 O depoimento será prestado oralmente não sendo permitido à testemunha trazêlo por escrito A segunda referese ao filtro de fidedignidade Tal peculiaridade relativa ao modo pelo qual a prova ingressa nos autos a meu sentir é a que foi maculada pelo modo como empreendida a instrução in casu O depoimento efetuado em sede policial é chancelado como judicial com uma simples confirmação Não há como se aferir penso credibilidade desta maneira E mais com a singela providência de ratificação estarseá a enfraquecer a norma do art 204 do CPP Por fim não podemos esquecer o magistério sempre autorizado de MAGALHÃES GOMES FILHO45 no sentido de que a observância ao contraditório na introdução da prova no processo assume seus contornos mais característicos em relação à inquirição das testemunhas pois se trata de prova de estrutura complexa em que se ressaltam dois componentes essenciais a narração do fato e o comportamento do depoente disso decorre a constatação de que a aquisição da prova não se limite à documentação de uma informação mas exige uma participação ativa de quem realiza a inquirição com o objetivo de se proceder concomitantemente a uma valoração sobre a idoneidade do testemunho 52 Quem Pode Ser Testemunha Restrições Recusas Proibições e Compromisso Contraditando a Testemunha Toda pessoa poderá ser testemunha afirma o art 202 do CPP Essa regra surge como recusa a discriminações historicamente existentes em relação a escravos mulheres e crianças ou ainda às chamadas pessoas de máreputação prostitutas drogados travestis condenados etc que ao longo da evolução do processo penal sofreram restrições em termos probatórios Da mesma forma não há que se falar em restrição ao depoimento dos policiais Eles podem depor sobre os fatos que presenciaram eou dos quais têm conhecimento sem qualquer impedimento Obviamente deverá o juiz ter muita cautela na valoração desses depoimentos na medida em que os policiais estão naturalmente contaminados pela atuação que tiveram na repressão e apuração do fato Além dos prejulgamentos e da imensa carga de fatores psicológicos associados à atividade desenvolvida é evidente que o envolvimento do policial com a investigação e prisões gera a necessidade de justificar e legitimar os atos e eventuais abusos praticados Assim não há uma restrição ou proibição de que o policial seja ouvido como testemunha senão que deverá o juiz ter muita cautela no momento de valorar esse depoimento A restrição não é em relação à possibilidade de depor mas sim ao momento de desvalorar esse depoimento Contudo é recorrente o Ministério Público arrolar como testemunhas apenas os policiais que participaram da operação e da elaboração do inquérito Busca com isso judicializar a palavra dos policiais para driblar a vedação de condenação exclusivamente art 155 do CPP com base nos elementos informativos colhidos na investigação Na continuação deparamonos com sentenças condenatórias em que são utilizados os elementos do inquérito e o depoimento dos policiais em juízo Isso é aceitável Claro que não No fundo é um golpe de cena um engodo pois a condenação se deu exclusivamente com base nos atos da fase préprocessual e no depoimento contaminado de seus agentes natural e profissionalmente comprometidos com o resultado por eles apontado violando o disposto no art 155 do CPP Portanto se não há impedimento para que os policiais deponham é elementar que não se pode condenar só com base nos seus atos de investigação e na justificação que fazem em audiência Continuemos Ao lado da regra geral de que toda pessoa poderá ser testemunha há que se fazer algumas observações O Código de Processo Penal ao referir pessoa46 está fazendo alusão à pessoa natural ao ser humano homem ou mulher Assim não há que se falar em pessoa jurídica como testemunha e para tanto sequer é preciso enfrentar a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica Quem depõe é uma pessoa natural ainda que o faça na qualidade de diretor sócio ou administrador de uma pessoa jurídica Não há a menor possibilidade de arrolarse a empresa como testemunha mas sim o empresário Como regra ninguém pode recusarse a depor Contudo prevê o art 206 do CPP que poderão recusarse a fazêlo o ascendente ou descendente o afim em linha reta o cônjuge ainda que desquitado o irmão e o pai a mãe ou o filho adotivo do acusado salvo quando não for possível por outro modo obterse ou integrarse a prova do fato e de suas circunstâncias O artigo constitui uma proteção para aquelas pessoas que em razão do parentesco e presumida proximidade não sejam obrigadas a depor A regra obviamente é coerente Contudo peca ao final quando define que esse direito de recusarse a depor não poderá ser exercido quando não for possível por outro modo obterse a prova do fato Isso cria situações constrangedoras e depoimentos despidos de qualquer credibilidade Exemplo típico é o do delito cometido no ambiente doméstico como no caso da mãe a que assiste a um filicídio onde o pai mata o próprio filho Obrigar essa mãe a depor é inútil Um depoimento voluntário é de grande valia mas de nada serve retirarlhe o direito de recusarse a depor Noutra dimensão estão as pessoas proibidas de depor Determina o art 207 do CPP que são proibidas de depor as pessoas que em razão de função ministério ofício ou profissão devam guardar segredo salvo se desobrigadas pela parte interessada quiserem dar o seu testemunho Aqui o objeto de tutela é o sigilo profissional reforçado pela proibição de que aqueles profissionais psiquiatra padre analista etc deponham sobre fatos envolvendo seus clientes réus no processo Por se tratar de um direito disponível excepciona o artigo permitindo que deponham desde que desobrigados pelo interessado Uma vez desobrigados pela parte interessada esses profissionais são obrigados a depor como qualquer testemunha Essa autorização para depor deve ser expressa exceto quando o profissional é arrolado como testemunha do próprio interessado situação em que a autorização é tácita decorrendo do próprio fato de ter sido arrolado como testemunha Quanto ao advogado deve ser considerado como alguém proibido de depor sobre aquilo de que teve conhecimento em razão de seu ofício nos termos do art 207 do CPP mas com um diferencial nem mesmo quando desobrigado pelo interessado ele pode depor Isso porque determina o art 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB Art 26 O advogado deve guardar sigilo mesmo em depoimento judicial sobre o que saiba em razão de seu ofício cabendo lhe recusarse a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte Assim a proibição decorre de imperativo ético da profissão e nem mesmo quando autorizado pelo interessado pode o advogado depor sobre os fatos de que teve conhecimento em processo no qual atuou ou deva atuar NUCCI47 adverte que a proibição dos juízes e promotores de depor em outro processo sobre os fatos de que tiveram conhecimento em razão da função logo colhido nos autos é indisponível pois existe um interesse público de que o magistrado e promotor preserve o sigilo profissional Assim mesmo que desobrigados pelo réu não poderão depor Mas isso não significa que juízes e promotores não possam ser testemunhas Eles poderão depor sobre fatos de que tenham conhecimento através de fontes externas ao feito logo extraautos estando contudo impedidos de atuarem profissionalmente por força dos arts 252 II e 258 do CPP Pertinente é a exigência de PACELLI48 de que deve ser levado em conta o nexo causal entre o conhecimento do fato criminoso e a relação profissional funcional ministerial etc mantida entre o acusado e a testemunha Significa que a proibição de depor fundase a partir de uma situação concreta e não hipotética ou genérica Assim além dos exemplos anteriormente referidos advogado analista psiquiatra etc pensamos que nos crimes de sonegação fiscal e demais delitos econômicos o contador da empresa independente do nome que a função receba também está proibido de depor Tratase aqui de analisar a atividade efetivamente exercida pela testemunha estabelecendose o nexo causal entre o crime fiscal ou econômico e o conhecimento profissional que a atividade proporciona É inadmissível que em um processo dessa natureza o contador seja obrigado a depor contra a empresa em decorrência dos conhecimentos obtidos pelo exercício de sua atividade profissional A situação é similar à do psiquiatra ou advogado São raras as decisões que analisam os limites do sigilo profissional imposto ao contador sendo relevante a proferida no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 17783SP 5ª Turma do STJ Rel Min FELIX FISCHER j 06042004 EMENTA PROCESSUAL PENAL TESTEMUNHA ESCUSA ART 207 DO CPP CONTADOR REALIZAÇÃO DE AUDITORIA QUESTÕES INTERNAS DA EMPRESA DEVER DE SIGILO I É possível a um contador prestar esclarecimentos sobre o método de realização de uma auditoria específica e o porquê das conclusões a que chegou sem que adentre a questões interna corporis da empresa auditada II Relevância do depoimento do experto porquanto os fatos por ele relatados em razão da feitura da auditoria é que levaram à instauração da persecutio criminis contra o recorrido diante da suposta prática de estelionato contra a empresa III Hipótese em que o acórdão recorrido resguardou o sigilo profissional em relação às questões internas da empresa contudo afastou a sua aplicação no tocante aos termos da perícia realizada Conclusões que levam na verdade a uma concessão parcial da segurança e não à sua denegação Recurso parcialmente provido É interessante que neste caso o contador ao qual se garantiu o sigilo profissional teria feito uma auditoria particular na empresa onde foi apurada a irregularidade praticada por um funcionário O contador atuou como perito particular e mesmo assim foi assegurada a proibição de depor art 207 em relação às questões internas da empresa de que teve conhecimento quando da análise dos dados contábeis e fiscais Portanto com muito mais razão o contador de uma empresa está proibido de depor sobre os fatos e informações contábeis e fiscais na medida em que somente teve acesso a tais dados em razão da profissão que exerce e da confiança estabelecida a partir da garantia do sigilo profissional Qual é a consequência de em que pese a proibição esse profissional depor Pensamos que se trata de uma prova ilícita com uma dupla ilegalidade violase a norma de direito material que impõe à profissão ofício ou função o sigilo e ao ser produzida em juízo descumprese a proibição imposta pela norma de direito processual Logo não pode ser valorada devendo ser desentranhada Caso isso não ocorra e a sentença condenatória a valore deverá a parte interessada arguir a nulidade em preliminar do recurso de apelação Para evitar repetições remetemos o leitor ao que foi explicado anteriormente sobre prova ilícita Sem esquecer que nenhuma nulidade ocorrerá se o profissional foi desobrigado pela parte interessada autorização expressa ou quando for arrolado como testemunha pelo próprio interessado Noutra dimensão o compromisso ou juramento a que alude o art 208 tem sua fórmula definida no art 203 quando define que a testemunha fará sob palavra de honra a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado Essa promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado constitui o compromisso É uma formalidade necessária ainda que não garanta por óbvio a veracidade do depoimento Trata se de mais um instrumento no complexo ritual de captura psíquica CORDERO que ocorre no processo de recognição instrução que atua numa dimensão simbólica Também devemos recordar que no Direito Penal alguma discussão ainda perdura sobre a necessidade do compromisso para a configuração do crime de falso testemunho art 342 do CP havendo parte da doutrina e da jurisprudência que somente aceita a prática desse delito quando a testemunha tiver sido formalmente compromissada Do contrário não há que se falar nesse delito Eis um efeito concreto do compromisso Determina o art 208 do CPP que não prestam compromisso de dizer a verdade sendo portanto meras testemunhas informantes os doentes e deficientes mentais os menores de 14 quatorze anos e as pessoas a que se refere o art 206 ascendente ou descendente o afim em linha reta o cônjuge ainda que desquitado o irmão e o pai a mãe ou o filho adotivo do acusado Essas pessoas não estão impedidas de depor contudo por não serem compromissadas suas declarações deverão ser vistas com reservas e menor credibilidade quando da valoração da prova na sentença Por fim prevê o art 214 a possibilidade de antes de iniciado o depoimento qualquer das partes contraditar a testemunha Tratase de uma forma de impugnar a testemunha apontando os motivos que a tornam suspeita ou indigna A contradita é um instrumento de controle da eficácia pelas partes das causas que geram a proibição art 207 ou impedem que a testemunha preste compromisso arts 208 e 206 Com essa impugnação deverá o juiz questionar a testemunha sobre a veracidade do arguido consignando tudo na ata da audiência A questão deverá ser resolvida em audiência com a exclusão da testemunha caso fique demonstrado que está ela proibida de depor ou com sua oitiva sem que preste compromisso nos casos dos arts 206 e 208 Daí por que é importante que a parte interessada na impugnação o faça antes de iniciado o depoimento e nesse momento apresente as eventuais provas da veracidade do alegado pois não há qualquer tipo de dilação probatória 53 Classificando as Testemunhas Caracteres do Testemunho Entre as diversas classificações possíveis à prova testemunhal destacamos 1 Testemunha presencial é aquela que teve contato direto com o fato presenciando os acontecimentos Sem dúvida é a testemunha mais útil para o processo 2 Testemunha indireta é aquela testemunha que nada presenciou mas ouviu falar do fato ou depõe sobre fatos acessórios HASSAN CHOUKR49 explica que a testemunha de ouvir dizer não está excluída do sistema probatório brasileiro sendo ouvida a critério do juiz o que constitui um erro pois se deve fortalecer o depoimento da testemunha presencial Pensamos que tais depoimentos devem ser valorados pelo juiz atendendo às restrições de sua cognição pois não se trata de uma testemunha presencial daí decorrendo um maior nível de desconhecimento do fato e portanto de contaminação 3 Informantes são aquelas pessoas que não prestam compromisso de dizer a verdade e portanto não podem responder pelo delito de falso testemunho até porque a rigor não são testemunhas mas meros informantes Por não prestarem compromisso não entram no limite numérico das testemunhas não sendo computadas Seu depoimento deve ser valorado com reservas conforme os motivos que lhes impeçam de ser compromissadas 4 Abonatórias as testemunhas abonatórias são aquelas pessoas que não presenciaram o fato e dele nada sabem por contato direto Servem para abonar a conduta social do réu tendo seu depoimento relevância na avaliação das circunstâncias do art 59 do CP Quando se tratar de alguma das pessoas previstas no art 206 não prestará compromisso de dizer a verdade A despeito da sua eficácia limitada as testemunhas abonatórias influem na aplicação da pena e devem ser ouvidas Constitui pensamos um ilegal cerceamento a prática de alguns juízes de limitar sua produção em juízo exigindo a substituição de seus depoimentos por declarações escritas o que acarreta a violação do contraditório por ser uma produção unilateral e fora da audiência e também da oralidade característica da prova testemunhal nos termos do art 204 do CPP 5 Testemunhas referidas são aquelas pessoas que foram mencionadas referidas por outras testemunhas que declaroudeclararam no seu depoimento a sua existência Logo elas não constavam no rol de testemunhas originariamente elencado Por terem sido citadas como sabedoras do ocorrido poderá melhor deverá o juiz ouvilas para melhor esclarecimento do fato Estabelece o art 209 1º que se ao juiz parecer conveniente serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem Deixa o Código a critério do juiz a valoração da necessidade e pertinência de ouvir a testemunha referida Sem embargo há que se analisar cada caso pois através do depoimento da testemunha originária podese ter noção da importância ou não da oitiva da pessoa referida Quando evidente essa relevância não deverá o juiz impedir a produção dessa prova Como aponta SCARANCE FERNANDES50 podemos extrair da sistemática do CPP três caracteres do testemunho oralidade determina o art 204 que os depoimentos deverão ser prestados oralmente não sendo permitido à testemunha trazêlo por escrito Está permitida entretanto a breve consulta a apontamentos principalmente quando a questão é mais complexa com vários fatos e agentes Constitui uma exceção a essa regra o disposto no art 221 1º do CPP51 que contudo deve ser uma prática desaconselhável52 pois ao permitir que essas pessoas deponham por escrito de forma unilateral e fora do processo violase a garantia da jurisdição e do contraditório pela impossibilidade de participação das partes na sua produção objetividade a objetividade está prevista no art 213 e exige uma abordagem crítica mais detida como faremos na continuação retrospectividade o delito é sempre um fato passado é história A testemunha narra hoje um fato presenciado no passado a partir da memória com todo peso de contaminação e fantasia que isso acarreta numa narrativa retrospectiva A atividade do juiz é recognitiva conhece através do conhecimento de outro e o papel da testemunha é o de narrador da historicidade do crime Não existe função prospectiva legítima no testemunho pois seu olhar só está autorizado quando voltado ao passado Daí por que não cabe à testemunha um papel de vidente nem exercícios de futurologia 54 A Ilusão de Objetividade do Testemunho Art 213 do CPP Com acerto CORDERO53 aponta que a objetividade do testemunho exigida pela norma processual art 213 do CPP é ilusória para quem considera a interioridade neuropsíquica na medida em que o aparato sensorial elege os possíveis estímulos que são codificados segundo os modelos relativos a cada indivíduo e as impressões integram uma experiência perceptiva cujos fantasmas variam muito no processo mnemônico memória E essa variação é ainda influenciada conforme a recordação seja espontânea ou solicitada principalmente diante da complexidade fática que envolve o ato de testemunhar em juízo fortissimamente marcado pelo ritual judiciário e sua simbologia As palavras que saem desse manipuladíssimo processo mental não raras vezes estão em absoluta dissonância com o fato histórico Se imaginarmos a testemunha como o pintor encontramos em MERLEAUPONTY54 a lição magistral de que falta ao olho condições de ver o mundo e falta ao quadro condições de representar o mundo Isso porque ensina o autor a ideia de uma pintura universal de uma totalização da pintura de uma pintura inteiramente realizada é destituída de sentido Ainda que durasse milhões de anos para os pintores o mundo se permanecer mundo ainda estará por pintar findará sem ter sido acabado Isso não significa explica MERLEAUPONTY que o pintor ou a testemunha em nosso caso não saiba o que quer mas sim que ele está aquém das metas e dos meios até pela impossibilidade de apreensão do todo Ademais a ideia de objetividade remonta ao equivocado dualismo cartesiano e à separação de mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção Especialmente com ANTÓNIO DAMÁSIO55 compreendemos o rompimento da separação cartesiana entre razão e sentimento operandose assim um fenômeno exatamente oposto àquele descrito por DESCARTES na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser O penso logo existo deve ser lido como existo e sinto logo penso num assumido anticartesianismo que recusa todo discurso científico incluindo o positivismo o mito da neutralidade da objetividade do observador em relação ao objeto etc baseado na separação entre emoção e razão O golpe final vem de um cânon antropológico o observador é parte integrante do objeto de estudo Logo uma testemunha assim como um antropólogo retratado por LAPLANTINE56 quando pretende uma neutralidade absoluta pensa ter recolhido fatos objetivos elimina dos resultados de sua pesquisa tudo o que contribui para a sua realização e apaga cuidadosamente as marcas de sua implicação pessoal no objeto de seu estudo é que ele corre o maior risco de afastarse do tipo de objetividade necessariamente aproximada e do modo de conhecimento específico de sua disciplina Se é necessário distinguir aquele que observa testemunha daquele ou daquilo que é observado é impensável dissociálos pois nunca somos testemunhas objetivas observando objetos e sim sujeitos observando outros sujeitos57 E ao final desse longo labirinto cognoscitivo a imagem mental se converte em palavra e novamente o resultado varia enormemente de locutor a locutor de sua capacidade de expressar o que viu ou melhor o que pensa que viu que não necessariamente corresponde ao ocorrido até porque o todo é demais para nós58 e de se fazer compreender E se o discurso não flui uma nova variável adquire grande relevância quem faz a inquirição E um novo campo se desvela para afastar ainda mais o testemunho da objetividade e obviamente de sua credibilidade Assim fica fácil compreender que o art 213 do CPP contém um obstáculo lógico evidente ao afirmar que o juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais salvo quando inseparáveis da narrativa do fato Eis uma assertiva tipicamente cartesiana superada como vimos pela impossibilidade de que exista uma narrativa do fato separada da apreciação pessoal A objetividade do testemunho deve ser conceituada a partir da assunção de sua impossibilidade reduzindo o conceito à necessidade de que o juiz procure filtrar os excessos de adjetivação e afirmativas de caráter manifestamente desvalorativo O que se pretende é um depoimento sem excessos valorativos sentimentais e muito menos um julgamento por parte da testemunha sobre o fato presenciado É o máximo que se pode tentar obter Isso nos dá uma pequena ideia da imensa dificuldade que encerra a questão da valoração da prova testemunhal Não existe nenhuma fórmula codificada que possa estabelecer até onde os testemunhos merecem crédito e isso contribui para a opção pelo princípio do livre convencimento motivado 55 Momento de Arrolar as Testemunhas Limites Numéricos Substituição e Desistência Pode o Assistente da Acusação Arrolar Testemunhas Oitiva por Carta Precatória e Rogatória As testemunhas devem ser arroladas no momento procedimental previsto sob pena de preclusão e recusa da produção de tal prova Assim as testemunhas da acusação devem necessariamente ser arroladas na denúncia crimes de ação penal de iniciativa pública ou na queixa ação penal de iniciativa privada conforme determina o art 41 do CPP No que se refere às testemunhas da defesa como regra devem ser arroladas na resposta escrita art 396A do CPP Na Lei n 11343 Lei de Tóxicos as testemunhas também devem ser arroladas na resposta escrita No Juizado Especial Criminal Lei n 9099 as testemunhas de defesa devem ser levadas diretamente à audiência de instrução e julgamento sem necessidade de prévia indicação portanto ou caso seja necessária a prévia intimação deverá o réu apresentar requerimento para intimação no mínimo 5 dias antes da realização dessa audiência art 78 1º da Lei n 9099 Devese atentar para o art 396A do CPP que passou a exigir que a defesa arrole suas testemunhas requerendo sua intimação quando necessário Até a reforma a regra era testemunha arrolada deveria ser intimada exceto se a parte expressamente dissesse que ela compareceria independente de intimação Isso mudou Uma leitura superficial conduziria à conclusão de que a defesa sempre deveria requerer expressamente a intimação sob pena de comprometerse a conduzir a testemunha E se não fizer esse pedido e no dia da audiência ninguém comparecer preclusa a via probatória Pensamos que não Isso porque não apenas o direito de ampla defesa impede que um processo tramite nessas condições senão porque o contraditório exige um tratamento igualitário Se o Ministério Público não está obrigado a pedir a intimação das testemunhas porque a defesa teria esse ônus Logo o tratamento igualitário conduz a que a regra siga sendo a mesma testemunha arrolada por qualquer das partes deverá ser intimada exceto se expressamente for dispensada a intimação Superado o momento procedimental definido a prova testemunhal não poderá mais ser requerida Contudo poderá a parte interessada invocar o art 209 do CPP sem contudo ter um verdadeiro direito público subjetivo de que tal prova seja produzida Tratase agora de faculdade do juiz No que se refere ao limite numérico temse por regra geral a crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade seguirá o rito comum ordinário podendo ser arroladas até oito testemunhas para cada parte não se computando as que não prestam compromisso e as referidas art 401 1º do CPP b crime cuja sanção máxima cominada for inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade seguirá o rito comum sumário podendo ser arroladas até cinco testemunhas para cada parte com as mesmas ressalvas do item anterior art 532 Há contudo exceções expressamente previstas em leis especiais como ocorre com a Lei n 11343 Lei de Tóxicos em que independente da pena o número de testemunhas é de apenas 5 cinco para cada parte No Tribunal do Júri na instrução primeira fase poderão ser ouvidas até 8 testemunhas para cada parte art 406 2º e 3º Contudo em plenário esse número é reduzido para 5 cinco nos termos dos art 422 do CPP Quanto à desistência da oitiva de testemunhas art 401 2º algumas considerações devem ser feitas As testemunhas uma vez arroladas são do processo e não mais da parte Daí por que até para evitar manobras fraudulentas não se deve admitir a possibilidade de desistência unilateral senão que necessariamente deve ser submetido ao contraditório o pedido de desistência e se não houver a concordância da outra parte não produz efeito Ainda que o 2º do art 401 afirme que a parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas tal dispositivo deve ser interpretado conforme a Constituição e a garantia do contraditório Em suma ainda que a parte possa desistir a qualquer tempo deverá o juiz dar vista para a outra parte e havendo discordância então e só nesse caso invocar o art 209 para ouvila Por exemplo se o Ministério Público arrola as testemunhas A B e C e posteriormente desiste da oitiva de A deverá o juiz intimar a defesa para que se manifeste Se concordar não se produzirá a coleta desse depoimento mas se insistir a testemunha deverá depor Isso porque a defesa poderá ter deixado de arrolar a testemunha A exatamente porque ela já tinha sido arrolada pela acusação Uma desistência unilateral seria muito prejudicial Quanto à aplicação do art 209 por indicação do art 401 2º também se devem fazer algumas considerações Inicialmente a matriz neoinquisitorial que infelizmente orienta nosso Código de Processo Penal estabelece no art 209 que o juiz poderá ouvir outras testemunhas além daquelas arroladas pelas partes Dessa disposição uma infeliz consagração do ativismo judicial tipicamente inquisitório extraem alguns autores e tribunais a possibilidade de o juiz ouvir testemunhas cujas partes tenham desistido de sua oitiva Tratase de uma leitura equivocada O art 209 não deveria ser aplicado mas se o for não admite interpretação extensiva O juiz poderia pois não concordamos com isso ouvir testemunhas não arroladas mas nunca testemunhas arroladas e posteriormente desistidas por ambas as partes Poderá sim utilizar o art 209 quando há desistência de uma parte e não existe concordância da outra Nesse caso o art 209 garante a eficácia do contraditório A substituição de testemunhas era uma possibilidade prevista no art 397 do CPP quando alguma das testemunhas não fosse encontrada Contudo a Lei n 11719 alterou substancialmente o procedimento estabelecendo na nova redação do artigo a possibilidade de absolvição sumária Analisando os demais dispositivos que disciplinam os procedimentos e também a prova testemunhal não se encontra previsão legal para a substituição Não se trata pensamos de mera omissão legislativa mas sim de uma decorrência da sistemática implantada que privilegiou a celeridade e a aglutinação dos atos em uma única audiência de modo que a substituição das testemunhas não encontradas prejudicaria a celeridade pretendida Mas impedir a substituição das testemunhas não encontradas desde que isso não constitua uma manobra para burlar a exigência dos arts 41 e 396A implica cerceamento de defesa ou limitação indevida do contraditório conforme o caso Para evitar isso devese permitir a substituição se possível antes da audiência de instrução e julgamento devendo a parte ser intimada quando do retorno do mandado Do contrário deve a audiência de instrução e julgamento ser suspensa permitindose a substituição da testemunha cuidando para não haver inversão na ordem das oitivas Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal noticiou Notícias do STF 23102008 que os ministros admitiram a substituição de testemunha não localizada no chamado Caso Mensalão Segundo informado os ministros entenderam que o ordenamento jurídico brasileiro admite a substituição de testemunha não localizada mesmo após a Lei n 117192008 tendo o Min Joaquim Barbosa destacado que não se pode concluir ter sido da vontade do legislador impedir eventuais substituições de testemunhas no curso da instrução criminal até porque não houve uma revogação direta expressa do antigo texto do artigo 397 mas sim uma reforma de capítulos inteiros do código por leis esparsas Prosseguiu explicando que não se pode imaginar que o processo guiado que deve estar para um provimento final que realmente resolva e pacifique a questão debatida exclua a possibilidade de substituição das testemunhas não encontradas por outras eventualmente existentes disse Por fim entendeu o Min Joaquim Barbosa que na hipótese pode ser aplicado o art 408 inciso III do Código de Processo Civil segundo o qual a parte só pode substituir a testemunha I que falecer II que por enfermidade não estiver em condições de depor III que tendo mudado de residência não for encontrada pelo oficial de justiça Assim em suma pensamos ser possível a substituição de testemunhas nos termos acima Outro questionamento pode surgir pode o assistente da acusação arrolar testemunhas Não pois é intempestivo tal pedido Ainda que o art 271 preveja que o assistente pode propor meios de prova isso não alcança a prova testemunhal por um detalhe muito importante o assistente somente pode ser admitido quando já houver uma acusação ou seja denúncia oferecida e recebida Logo o assistente ingressa no processo após o momento procedimental previsto para que o acusador arrole suas testemunhas que é na denúncia É assim intempestivo o pedido de oitiva de testemunhas por parte do assistente da acusação59 A única exceção diz respeito às testemunhas de plenário no rito do Tribunal do Júri em que o assistente já está habilitado e portanto poderia arrolálas Contudo nesse caso excepcional somente poderá fazêlo para complementar o rol do Ministério Público se ainda não houver completado o limite de 5 testemunhas Se o rol do Ministério Público já estiver completo não poderá o assistente indicar mais testemunhas de plenário Mudando o enfoque chamamos a atenção para o art 217 do CPP Art 217 Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido de modo que prejudique a verdade do depoimento fará a inquirição por videoconferência e somente na impossibilidade dessa forma determinará a retirada do réu prosseguindo na inquirição com a presença do seu defensor Parágrafo único A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo assim como os motivos que a determinaram A oitiva de vítima ou testemunha por videoconferência está autorizada mas em situações extremas Ou seja é uma medida excepcional e que deve ser utilizada com suma prudência pelo juiz e devidamente fundamentada expondo os motivos que efetivamente a exigiam De qualquer sorte com certeza pelos próximos anos a tendência será continuar simplesmente retirando o réu da sala até que se criem salas especiais nos foros criminais para realizar a videoconferência Mas quando o réu é retirado da sala de audiências com base no art 217 do CPP deve ter o juiz um especial cuidado não proceder imediatamente ao interrogatório Ao réu é assegurado o direito a última palavra pressupondo sempre que tenha pleno conhecimento de todas as provas que foram produzidas contra si Desta forma se não presenciou algum depoimento porque foi determinada sua retirada da sala de audiências deverá o juiz garantirlhe acesso integral e pelo tempo que for necessário a esses depoimentos para somente após proceder ao interrogatório Neste sentido repetimos a assertiva de DEZEM60 deve o magistrado franquear o acesso aos termos de depoimentos das testemunhas para que apenas então o acusado possa ser interrogado Caso esse procedimento não seja efetivado e o interrogatório se dê sem o conhecimento do material probatório produzido sem a presença do acusado não se terá o interrogatório como meio de defesa desnaturandose sua natureza jurídica Na mesma linha desta problemática situase o interrogatório colhido por carta precatória que deverá ser instruída com todo o material probatório já colhido no juízo da causa ou em outras precatórias para só então com a ciência do réu de toda a prova produzida ser realizado o interrogatório Feita essa ressalva continuemos As testemunhas residentes em outras comarcas serão ouvidas nas suas respectivas cidades por meio de carta precatória art 222 do CPP Art 222 A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência expedindose para esse fim carta precatória com prazo razoável intimadas as partes 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal 2º Findo o prazo marcado poderá realizarse o julgamento mas a todo tempo a precatória uma vez devolvida será junta aos autos 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real permitida a presença do defensor e podendo ser realizada inclusive durante a realização da audiência de instrução e julgamento NR Já as testemunhas residentes no exterior serão ouvidas por carta rogatória sendo necessário destacar a inovação inserida pela Lei n 119002009 no art 222 do CPP a saber Art 222A As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade arcando a parte requerente com os custos de envio Parágrafo único Aplicase às cartas rogatórias o disposto nos 1º e 2º do art 222 deste Código Exigese agora que a parte interessada demonstre previamente a imprescindibilidade da oitiva o que equivale a comprovar a pertinência e relevância para o caso penal em julgamento da prova postulada O risco de cerceamento na produção dessa prova é grande na medida em que a valoração dos critérios de utilidade e pertinência é atribuída ao juiz gerando inclusive um terreno fértil para os censuráveis prejulgamentos De qualquer forma o que se pretende impedir são as manobras procrastinatórias historicamente utilizadas para gerar grande atraso no julgamento o que é compreensível O problema é o risco concreto de cerceamento de defesa com o juiz filtrando a prova que a parte poderá ou não produzir Deverá ainda a parte passiva requerente arcar com os custos de envio exceto se beneficiada com a Justiça gratuita Novo desequilíbrio processual é gerado com essa exigência na medida em que não há custas processuais para o Ministério Público pois é o acusador estatal sendo um ônus exclusivo da defesa Logo o réu terá de pagar todas as despesas para que a carta rogatória seja cumprida ao passo que o Ministério Público está dispensado Por fim não há remissão ao 3º do art 222 logo incabível a realização por videoconferência 56 Falsas Memórias e os Perigos da Prova Testemunhal O Paradigmático Caso Escola Base A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo penal brasileiro e ao mesmo tempo o mais perigoso manipulável e pouco confiável Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo penal e do próprio ritual judiciário Diante dos limites desta obra pretendemos aqui apenas introduzir o leitor na perspectiva de um pensamento crítico e maduro que recuse a ingenuidade do senso comum teórico de muitos juristas ainda adeptos da razão moderna e que preferem em nome dessa crença alienarse da complexidade que marca as sociedades contemporâneas Entre as inúmeras variáveis que afetam a qualidade e confiabilidade da prova testemunhal propomos um recorte pouco comum na doutrina jurídica as falsas memórias As falsas memórias se diferenciam da mentira essencialmente porque nas primeiras o agente crê honestamente no que está relatando pois a sugestão é externa ou interna mas inconsciente chegando a sofrer com isso Já a mentira é um ato consciente em que a pessoa tem noção61 do seu espaço de criação e manipulação Ambos são perigosos para a credibilidade da prova testemunhal mas as falsas memórias são mais graves pois a testemunha ou vítima desliza no imaginário sem consciência disso Daí por que é mais difícil identificar uma falsa memória do que uma mentira ainda que ambas sejam extremamente prejudiciais ao processo É importante destacar que diferentemente do que se poderia pensar as imagens não são permanentemente retidas na memória62 sob a forma de miniaturas ou microfilmes tendo em vista que qualquer tipo de cópia geraria problemas de capacidade de armazenamento devido à imensa gama de conhecimentos adquiridos ao longo da vida É o que explica ANTÓNIO DAMÁSIO63 as imagens não são armazenadas sob forma de fotografias facsimilares de coisas de acontecimentos de palavras ou de frases O cérebro não arquiva fotografias Polaroid de pessoas objetos paisagens não armazena fitas magnéticas com música e fala não armazena filmes de cenas de nossa vida nem retém cartões com deixas ou mensagens de teleprompter do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida Se o cérebro fosse uma biblioteca esgotaríamos suas prateleiras à semelhança do que acontece nas bibliotecas Nessa complexidade inserese a questão da prova testemunhal e dos reconhecimentos pois em ambos os casos tudo gira em torno da falta de memória Provavelmente a maior autoridade nessa questão das falsas memórias na atualidade seja ELIZABETH LOFTUS64 cujo método revolucionou os estudos nessa área ao demonstrar a possibilidade de implantação das falsas memórias procedimento de sugestão de falsa informação Uma informação enganosa tem o potencial de criar uma memória falsa afetando nossa recordação e isso pode ocorrer até mesmo quando somos interrogados sugestivamente ou quando lemos e assistimos a diversas notícias sobre um fato ou evento de que tenhamos participado ou experimentado65 Em diversos experimentos LOFTUS e seus pesquisadores demonstraram que é possível implantar uma falsa memória de um evento que nunca ocorreu Mais do que mudar detalhes de uma memória o que não representa grande complexidade a autora demonstrou que é possível criar inteiramente uma falsa memória portanto de um evento que nunca ocorreu O estudo de perdido no shopping demonstra que é relativamente fácil implantar uma falsa memória de estar perdido chegando ao preocupante extremo de implantar uma falsa memória de ter sido molestado sexualmente na infância No primeiro caso foi montado um grupo de 24 indivíduos de idades variadas de 18 a 53 anos para tentarem recordar de eventos da infância que teriam sido contados aos pesquisadores por pais irmãos e outros parentes mais velhos Partindo daí foi confeccionada uma brochura pelos pesquisadores construindo um falso evento sobre um possível passeio ao shopping que comprovadamente nunca ocorreu onde o participante teria ficado perdido durante um período prolongado incluindo choro ajuda e consolo por uma mulher idosa e finalmente o reencontro com a família Após lerem o material foram submetidos a uma série de entrevistas para verificar o que recordavam Em suma sintetizando a experiência de LOFTUS ao final 29 dos participantes lembramse tanto parcialmente como totalmente do falso evento construído para eles Nas duas entrevistas seguintes 25 continuaram afirmando que eles lembravam do evento fictício Cita a autora as pesquisas de HYMAN também sobre a implantação de falsas memórias como a hospitalização à noite devido a uma febre alta e uma possível infecção de ouvido em que na primeira entrevista nenhum participante recordou o evento falso mas 20 disseram na segunda entrevista que se lembravam de algo sobre o evento falso Um dos participantes chegou ao extremo de lembrar de um médico uma enfermeira e de um amigo da igreja que veio visitálo Tudo fruto da implantação de uma falsa memória Ainda mais apavorantes são algumas técnicas terapêuticas empregadas no trato de vítimas de delitos sexuais ocorridos na infância O perigo está naquilo que LOFTUS chama de inflação da imaginação em que através de interrogatórios ou terapias utilizase de exercícios imagéticos para encorajar os praticantes a imaginar eventos infantis como forma de recuperar memórias supostamente escondidas As consequências de tais técnicas costumeiramente empregadas são trágicas A implantação da falsa memória é potencializada quando um membro da família afirma que o remoto incidente aconteceu Isso foi testado entre outros no caso perdidos no shopping e demonstrou que a confirmação do evento por uma pessoa é uma técnica poderosa para induzir a uma falsa memória Citando um estudo de KASSIN e COLLEGE ELIZABETH LOFTUS explica a grande influência que exerce uma falsa evidência na implantação de uma falsa memória Foram investigadas as reações de indivíduos inocentes acusados de terem danificado um computador apertando uma tecla errada Os participantes inocentes inicialmente negaram as acusações Contudo quando uma pessoa associada ao experimento disse que havia os visto executarem a ação muitos participantes assinaram a confissão absorvendo a culpa pelo ato Mais do que aceitarem a culpa por um crime que não cometeram chegaram a desenvolver recordações para apoiar esse sentimento de culpa A confusão sobre a origem da informação é um poderoso indutor da criação de falsas memórias e isso ocorre quando falsas recordações são construídas combinandose recordações verdadeiras como conteúdo das sugestões recebidas de outros explica a autora Mas é nos crimes sexuais o terreno mais perigoso da prova testemunhal e claro da palavra da vítima pois é mais fértil para implantação de uma falsa memória Os profissionais de saúde mental psicólogos psiquiatras analistas terapeutas etc têm um poder imenso de influenciar e induzir as recordações e eventos traumáticos Cita a autora que em 1986 Nadean Cool auxiliar de enfermagem de Wisconsin consultou um psiquiatra porque não conseguia lidar com as consequências de um acidente sofrido pela filha No tratamento foram utilizados pelo terapeuta técnicas de sugestão hipnose e outras Após algumas sessões explica LOFTUS Nadean se convenceu de que tinha sido usada na infância por uma seita satânica que a violentara a obrigara a manter relações sexuais com animais e a forçara a assistir ao assassinato de um amigo de 8 anos O psiquiatra acabou por fazêla acreditar que ela tinha mais de 120 personalidades em decorrência dos abusos sexuais e da violência sofridos quando criança Isso dá uma dimensão do que é possível criar em termos de falsas memórias e das graves consequências penais e processuais que elas podem gerar No caso narrado pela autora após compreender o que estava acontecendo a vítima processou o psiquiatra e em março de 1997 após cinco semanas de julgamento o caso foi resolvido fora do tribunal através do pagamento de uma indenização de 2 milhões e 400 mil dólares Situação similar também narrada por LOFTUS foi documentada em 1992 quando um terapeuta ajudou Beth Rutherford então com 22 anos a recordar que entre os 7 e os 14 anos havia sido violentada com regularidade pelo pai um pastor inclusive com a ajuda da mãe Recordou também a partir das técnicas de induzimento que havia ficado grávida duas vezes tendo realizado sozinha os abortos utilizando um cabide Finalmente exames médicos demonstraram que a jovem ainda era virgem e que nunca havia engravidado Ela processou o terapeuta e em 1996 recebeu 1 milhão de dólares de indenização Casos assim ocorrem com regularidade66 mas dificilmente são documentados e desmascarados Diferenciar lembranças verdadeiras de falsas é sempre muito difícil ocorrendo apenas quando se consegue demonstrar que os fatos contradizem às falsas lembranças Mas e nos demais casos As consequências são gravíssimas No Brasil ainda que não suficientemente estudado temos o paradigmático caso Escola Base em São Paulo que para além de demonstrar o despreparo de nossa polícia judiciária colocou na agenda pública a discussão sobre o papel da mídia sua postura aética e irresponsável bem como a mercantilização da violência e do medo Claro que muito ainda devese evoluir nessas duas dimensões preparo policial e responsabilidade midiática Em 199467 duas mães denunciam que seus filhos participavam de orgias sexuais organizadas pelos donos da Escola de Educação Infantil Base localizada no bairro da Aclimação em São Paulo Uma das mães disse que seu filho de 4 anos de idade lhe teria contado que havia tirado fotos em uma cama redonda que uma mulher adulta teria deitado nua sobre ele e lhe beijado A fantasia inicial toma contornos de rede de pedofilia e após um laudo não conclusivo sobre a violência sexual que o menino teria sofrido depois ficou demonstrado que tudo não passou de problemas intestinais é expedido um mandado de busca e apreensão que foi cumprido com irresponsável publicidade por parte da polícia Era o início de uma longa tragédia a que foram submetidos os donos da escola infantil A notícia correu o País e foi explorada de forma irresponsável senão criminosa por parte dos meios de comunicação encontrando no imaginário coletivo um terreno fértil para se alastrar até porque num país onde a cultura do medo é alimentada diariamente a possibilidade de que nossos filhos estejam sendo vítimas de abuso sexual na escola é o ápice do terror Chegouse ao extremo de em 31 de março um telejornal de penetração nacional noticiar o consumo de drogas e a possibilidade de contágio com o vírus da Aids Manchetes sensacionalistas inundavam o País Recorda DOMENICI68 títulos como Kombi era motel na escolinha do sexo Perua escolar levava crianças para orgia no maternal do sexo e Exame procura a Aids nos alunos da escolinha do sexo A revista Veja publicou em 6 de abril Uma escola de horrores Finalmente em junho de 1994 após o delegado ter sido afastado o inquérito policial foi arquivado pois nada foi demonstrado Ações de indenização contra o Estado de São Paulo pela absurda atuação policial e também contra diversos jornais e emissoras de televisão ainda tramitam nos tribunais superiores Para além dos graves erros cometidos pela polícia e pelos principais meios de comunicação do País evidenciase a implantação de falsas memórias nas duas crianças e também a manipulação dos depoimentos Impressiona a forma como foram conduzidos os depoimentos e a verdadeira indução ali operada As perguntas eram fechadas e induziam as respostas quase sempre dadas pela criança recordemos com 4 anos de idade através de monossílabos sim e não ou ainda respostas que consistiam na mera repetição da própria pergunta Naquele contexto onde a indução era constante e a pressão imensa é elementar que as duas crianças sob holofote fantasiavam e também buscavam corresponder às expectativas criadas pelos adultos e pelo contexto O caldo midiático criado e a desastrosa condução da investigação policial foram fundamentais para a inflação da imaginação das crianças e até das duas mães sendo que uma delas era a principal fonte de tudo A forma como foi conduzida a investigação policial especialmente na oitiva das crianças envolvidas serviu como um conjunto de exercícios imagéticos para alimentar as supostas vítimas As consequências foram trágicas Em outro processo69 Embargos Infringentes 70016395915 julgados pelo 3º Grupo Criminal do TJRS o réu foi acusado pelo delito de estupro reiteradas vezes Após a realização de exame de conjunção carnal constatando a virgindade da ofendida a investigação foi direcionada ao antigo delito de atentado violento ao pudor Descreveu a denúncia ter o denunciado colocado sem penetrar o pênis na vulva da vítima bem com obrigandoa a beijar seu órgão sexual Explica a autora que a menina vivia em um ambiente de promiscuidade sexual pois sua genitora se dedicava à prostituição e a menor frequentava a boate Daí advieram os estímulos erotizados inadequados à sua idade que acabaram contribuindo para a falsificação da memória Em juízo a menor descreveu a cobra colocada pelo réu em sua vagina tinha aproximadamente 120m era cinza com preto e branco tinha olhos mas não tinha boca tinha pés parecia uma lagartixa O pai encontrou a cobra enrolada no caule de uma árvore na frente de casa Ele desenrolou e passou a cobra na pexereca da depoente Em seguida a menina ainda sustentou ter o réu cortado a cobra em pedacinhos e preparado um risoto para ela comer Após criteriosa análise de todo o contexto fático no qual se inseriu a acusação conclui o tribunal pela inveracidade da imputação tendo o réu por maioria sido absolvido É um caso que demonstra claramente a existência de falsa memória infantil Na Apelação Crime 70017367020 julgada pela 5ª Câmara Criminal do TJRS na sessão do dia 27122006 foi mantida a absolvição do padrinho da suposta vítima por atentado violento ao pudor Explica DI GESU70 que as acusações começaram quando a menina de 8 anos assistia juntamente com sua mãe ao programa Globo Repórter o qual abordava a questão do abuso sexual contra crianças A vítima ficou impressionada com a história do pai que havia engravidado a própria filha e vivia maritalmente com ela Diante disso questionou se beijar na boca engravidava A mãe ficou nervosa e procurou esclarecer a questão e ao mesmo tempo procurou imputar a prática do delito a alguém Não incriminou o pai mas sim o padrinho da menor Como a genitora não conseguia falar sobre o assunto com a filha pediu para que esta escrevesse um bilhete contando o que havia ocorrido e num pedaço de papel a menina escreveu uma experiência de conotação sexual contudo ocorrida na creche onde estudava Lá as meninas teriam se beijado na boca e mostrado a bunda umas para as outras Além disso também teriam chamado os meninos e pegado no tico deles No bilhete não soube expressar se havia gostado ou não da experiência Esse fato não foi explorado na investigação somente o foi em juízo Associado a tudo isso descobriuse que a menina beijava o irmão na boca tinha visto acidentalmente um filme pornográfico na televisão a cabo bem como seu pai costumava andar nu pela casa Todo esse contexto foi fundamental para a decisão da causa pois ficou demonstrado que o ambiente era totalmente propício para a ocorrência das falsas memórias por indução da própria mãe da vítima a partir de uma experiência sexual vivenciada na escola Muita cautela devese ter diante do depoimento infantil especialmente nos crimes contra a liberdade sexual e mais ainda naqueles que não deixam vestígios em que a palavra da vítima acaba sendo a principal prova Não se trata de demonizar a palavra da vítima nada disso senão de acautelarse contra o endeusamento desta prova Devese com a maior amplitude possível trazer toda a complexidade do crime e das circunstâncias em que ele ocorreu para dentro do processo Algumas pessoas71 são mais suscetíveis à formação das falsas lembranças geralmente aquelas que sofreram algum tipo de traumatismo ou lapso de memória Contudo o terreno mais fértil é sem dúvida as crianças avaliadas como mais vulneráveis à sugestão Isto porque como explica a autora a tendência infantil é de justamente corresponder às expectativas do que deveria acontecer bem como às expectativas do adulto entrevistador Daí por que há um alerta geral para o depoimento infantil na medida em que72 a as crianças não estão acostumadas a fornecer narrativas sobre suas experiências b a passagem do tempo dificulta a recordação de eventos c há dificuldade de se reportar a informações sobre eventos que causem dor estresse ou vergonha d a criança raramente responde que não sabe e muda constantemente a resposta para agradar o adulto entrevistador A estrutura psíquica da criança é sabidamente mais frágil que a de um adulto sendo portanto mais facilmente violada ou contaminada sua memória Como explica PISA73 as crianças foram historicamente avaliadas como mais vulneráveis para a sugestão e aponta dois fatores a cognitivo ou autossugestão porque a criança desenvolve uma resposta segundo sua expectativa do que deveria acontecer b o desejo de se ajustar às expectativas ou pressões de um entrevistador A linguagem e o método do interrogador em situações assim são de grande relevância para preservação ou violação da memória da vítimatestemunha devendo por isso serem filmados todos os depoimentos prestados Buscase com isso avaliar principalmente o entrevistador Aponta ainda PISA74 que a memória não funciona como uma filmadora que grava a imagem e pode ser revista várias vezes Cada vez que recordamos interpretamos e agregamos ou suprimimos dados Daí por que na recuperação da memória de um evento distorções endógenas ou exógenas se produzirão As falsas memórias podem ser espontâneas ou autossugeridas ou ainda resultado de sugestão externa acidental ou deliberada Sempre recordando que a distorção consciente conduz à mentira As falsas memórias não são dominadas pelo agente e podem decorrer até mesmo de uma interpretação errada de um acontecimento Quanto às entrevistas realizadas com a vítimatestemunha por psicólogos psiquiatras e outros profissionais da área da saúde costumeiramente realizadas em processos que envolvam violência sexual devese atentar para dois fatores a necessidade de acompanhamento por parte de ambas as partes acusação e defesa vedandose completamente as entrevistas privadas por violação do contraditório75 e impossibilidade de controle b gravação de áudio e vídeo de todas as entrevistas e avaliações realizadas Finalizando devem os atores judiciários estar atentos para esse grave problema que ronda a prova testemunhal a palavra da vítima e os reconhecimentos buscando apurar técnicas de interrogatórios que reduzam a indução e facilitem a identificação das falsas memórias Por elementar o risco de tal problema jamais poderá ser eliminado O que se deve buscar são medidas de redução de danos com o abandono da cultura da prova testemunhal o emprego de técnicas não indutivas nos interrogatórios utilização de técnicas específicas nos interrogatórios de crianças vítimas ou testemunhas especialmente nos crimes sexuais a inserção de recursos tecnológicos gravação de áudio e vídeo de todos os depoimentos prestados para controle do tipo de interrogatório empregado e conhecimento científico na investigação preliminar Essas são algumas formas de reduzir os danos das falsas memórias no processo penal Sugeremse76 em síntese as seguintes medidas redutoras de danos 1 As contaminações a que está sujeita a prova penal podem ser minimizadas através da colheita da prova em um prazo razoável objetivando suavizar a influência do tempo esquecimento na memória 2 A adoção de técnicas de interrogatório e a entrevista cognitiva permitem a obtenção de informações quantitativa e qualitativamente superiores às entrevistas tradicionais altamente sugestivas 3 O objetivo é evitar a restrição das perguntas ou sua formulação de maneira tendenciosa por parte do entrevistador sugerindo o caminho mais adequado para a resposta 4 A gravação das entrevistas realizadas na fase préprocessual feitas por assistentes sociais e psicólogos permite ao juiz o acesso a um completo registro eletrônico da entrevista Isso possibilita ao julgador o conhecimento do modo como os questionamentos foram formulados bem como os estímulos produzidos nos entrevistados Assume especial importância não como indício de prova propriamente dito mas para que o magistrado aprecie como foi realizado o procedimento e que métodos foram utilizados a fim de avaliar o possível grau de contaminação dessa prova 5 Também é de grande valia que as entrevistas não explorem tão somente a versão acusatória É interessante que se faça uma abordagem de outros aspectos ofertados pelas vítimas pois é bastante comum que as vítimas crianças e adolescentes utilizem a acusação de abuso sexual para fazer cessar outras formas de violência física e psicológica Nesses casos a prisão do agressor pai ou padrasto representa o afastamento do lar Além disso denúncias de abuso sexual figuram como uma arma poderosa nas ações de separação ou divórcio em que há disputa pela guarda dos menores Como conclui a autora a prova testemunhal é sem dúvida o fator humanizante do processo e não pode ser abandonada mas somente através da inserção de novas tecnologias é que se poderão reduzir os danos decorrentes da baixa qualidade da prova produzida atualmente 6 Reconhecimento de Pessoas e Coisas 61 InObservância das Formalidades Legais Número de Pessoas e Semelhança Física O reconhecimento é um ato através do qual alguém é levado a analisar alguma pessoa ou coisa e recordando o que havia percebido em um determinado contexto compara as duas experiências77 Quando coincide a recordação empírica com essa nova experiência levada a cabo em audiência ou no inquérito policial ocorre o reconhecer Partimos da premissa de que é reconhecível tudo o que podemos perceber ou seja só é passível de ser reconhecido o que pode ser conhecido pelos sentidos Nessa linha o conhecimento por excelência é o visual assim previsto no CPP Contudo silencia o Código no que se refere ao reconhecimento que dependa de outros sentidos como o acústico olfativo ou táctil Carecemos de um dispositivo similar ao art 216 do Códice di Procedura Penale italiano que prevê Art 216 Altre Ricognizioni 1 Quando dispone la ricognizione di voci suoni o di quanto altro può essere oggetto di percezione sensoriale il giudice procede osservando le disposizioni dellart 213 que trata do reconhecimento de pessoas in quanto applicabili O reconhecimento de pessoas e coisas está previsto nos arts 226 e ss do CPP e pode ocorrer tanto na fase préprocessual como também processual O ponto de estrangulamento é o nível de inobservância por parte dos juízes e delegados da forma prevista no Código de Processo Penal Determina o art 226 Art 226 Quando houver necessidade de fazerse o reconhecimento de pessoa procederseá pela seguinte forma I a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida II a pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála III se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento por efeito de intimidação ou outra influência não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida a autoridade providenciará para que esta não veja aquela IV do ato de reconhecimento lavrarseá auto pormenorizado subscrito pela autoridade pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais Parágrafo único O disposto no n III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento Tratase de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e partindo da premissa de que em matéria processual penal forma é garantia não há espaço para informalidades judiciais Infelizmente prática bastante comum na praxe forense consiste em fazer reconhecimentos informais admitidos em nome do princípio do livre convencimento motivado É um absurdo quando um juiz questiona a testemunha ou vítima se reconhecem os réus ali presentes como sendo os autores do fato Essa simplificação arbitrária constitui um desprezo à formalidade do ato probatório atropelando as regras do devido processo e principalmente violando o direito de não fazer prova contra si mesmo Por mais que os tribunais brasileiros façam vista grossa para esse abuso argumentando às vezes em nome do livre convencimento do julgador a prática é ilegal e absurda78 É ato formal que visa a confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa O problema é a forma como é feito o reconhecimento Em audiência o código afasta apenas o inciso III que pode perfeitamente ser utilizado Logo não é reconhecimento quando o juiz simplesmente pede para a vítima virar e reconhecer o réu único presente e algemado pois descumpre a forma e é um ato induzido Contudo os juízes fazem a título de livre convencimento Tratase de um exemplo típico de violação de todas as regras processuais atinentes ao reconhecimento de pessoas mas bastante comum e aceito até porque quem tem a iniciativa probatória é quem a admite produção e valoração são feitos pela mesma pessoa o juiz Entendemos que tal prática constitui uma prova ilícita ou nula a exemplo do disposto no art 2133 do CPP italiano79 e que deve ser banida da prática forense e dos autos dos processos na medida em que viola o sistema acusatório gestão da prova nas mãos das partes quebra a igualdade de tratamento oportunidades e fulmina a imparcialidade constitui flagrante nulidade do ato na medida em que praticado em desconformidade com o modelo legal previsto e por fim nega eficácia ao direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo Em suma é uma teratologia judicial inadmissível80 Mas se feito reconhecimento com as devidas cautelas legais inclusive respeitando o direito do réu de não participar deverá o juiz ou autoridade policial se for o caso providenciar que o imputado seja colocado ao lado de outras pessoas fisicamente semelhantes Nesse ponto devese atentar para dois aspectos número de pessoas o Código é omisso nessa questão mas recomendase que o número não seja inferior a 5 cinco81 ou seja quatro pessoas mais o imputado82 para maior credibilidade do ato e redução da margem de erro semelhanças físicas questão crucial nesse ato é criar um cenário cujo nível de indução seja o menor possível daí por que deverá o juiz atentar para a formação de uma roda de reconhecimento com pessoas de características físicas similares estatura porte físico cor de cabelo e pele etc A questão da vestimenta também deverá ser observada pelo juiz para que não existam contrastes absurdos entre os participantes83 Tais cuidados longe de serem inúteis formalidades constituem condição de credibilidade do instrumento probatório refletindo na qualidade da tutela jurisdicional prestada e na própria confiabilidade do sistema judiciário de um país Quanto ao reconhecimento de coisas aplicase no que for cabível toda a explicação anteriormente feita Em geral fazse o reconhecimento de armas e demais objetos utilizados na prática do crime adequandose às formalidades do art 226 do CPP 62 Reconhecimento por Fotografia ImPossibilidade de Alteração das Características Físicas do Imputado Novas Tecnologias Noutra linha devese advertir que o fato de admitirmos as provas inominadas tampouco significa permitir que se burle a sistemática legal Assim não pode ser admitida uma prova rotulada de inominada quando na realidade ela decorre de uma variação ilícita de outro ato estabelecido na lei processual penal cujas garantias não foram observadas Exemplo típico de prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia utilizado em muitos casos quando o réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal exercendo seu direito de silêncio nemo tenetur se detegere O reconhecimento fotográfico somente pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal nos termos do art 226 inciso I do CPP nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada Assim o reconhecimento fotográfico pode decorrer de duas situações 1 É possível o reconhecimento de forma direta pois o imputado está presente e concorda é claro nesse caso o reconhecimento fotográfico é um ato preparatório do reconhecimento direto e substitui a descrição prevista no inciso I do art 226 do CPP Mas cuidado não se pode violar o direito de não produzir prova contra si mesmo Logo se o imputado não quiser se submeter ao reconhecimento não poderá ser feito o reconhecimento por fotografias sob pena de burlar a garantia constitucional bem como realizar o ato preparatório quando sabidamente não será realizado o ato final 2 Não é possível o reconhecimento direto pois o imputado está ausente considerando que se trata de prova preparatória para outro ato se esse ato posterior reconhecimento de pessoa não puder ser realizado não faz sentido o ato preparatório Ademais é importante destacar que a ausência do réu não conduz a uma perda do seu direito fundamental de não produzir prova contra si mesmo Dessa forma estando ausente não haverá o consentimento para o atofim e a realização do reconhecimento fotográfico de forma isolada implicaria contornar a garantia do não produzir prova contra si mesmo Quanto à identificação civil é importante a leitura da Lei n 120372009 que prevê a identificação datiloscópica e fotográfica daqueles agentes que não comprovem identificação civil carteira de identidade ou ainda nos demais casos previstos na referida Lei n 12037 Com base nesse diploma legal e mais alguma dose de manipulação na interpretação de seus dispositivos acabaram sendo ressuscitados os álbuns de identificação nas delegacias policiais brasileiras Em suma no que tange ao reconhecimento por fotografias somente poderá ser admitido como instrumentomeio substituindo a descrição prevista no art 226 I do CPP Nunca como ato probatório autônomo84 Mas a matéria não é pacífica e há decisões admitindo o reconhecimento por fotografia desde que seja observado o disposto no art 226 a questão a saber é como isso será feito85 Outra questão pouco discutida diz respeito à impossibilidade de alteração das características físicas do réu raspar a barba cortar o cabelo tingilo de outra cor etc86 vestirse com determinada roupa colocarse em determinada posição ficar de lado de costas deitado etc ou ainda falar ou emitir sons buscando maior aproximação daquilo visto ou ouvido pela vítima ou testemunha no cenário do crime A questão resolvese pela observância de uma das principais regras probatórias de nosso sistema respeitar o direito de silêncio e o de não produzir prova contra si mesmo que assistem ao réu Ele pode negarse a participar no todo ou em parte do ato sem que dessa recusa se presuma ou extraia qualquer consequência que lhe seja prejudicial nemo tenetur se detegere Por outro lado havendo a concordância válida e expressa do réu poderão ser praticados quaisquer dos atos acima citados A questão situase assim no campo do consentimento Por fim há que se considerar que ao tempo em que foi promulgado nosso CPP não existiam os meios científicos e técnicos de que dispomos atualmente Assim em que pese a lacuna devem ser admitidos no campo das perícias os exames de DNA dactiloscópicos87 e também alguns pouco conhecidos no Brasil como a palatoscopia estudo das rugosidades palatinais a queiloscopia estudo das impressões dos lábios marcas da mordida e características histológicas do dente e outros cujas modernas tecnologias e o conhecimento científico venham a desenvolver para auxiliar a identificação de pessoas Nessa linha o art 3492 do CPP italiano prevê que alla identificazione della persona nei cui confronti vengono svolte le indagini può procedersi anche eseguendo ove ocorra rilievi dattiloscopici fotografici e antropometrici nonché altri accertamenti notese que no final o legislador utiliza uma abertura conceitual algo como assim como outras formas de investigação Assim as formas de reconhecimento ou identificação do imputado que possam ser obtidas a partir de novas tecnologias inseremse no campo da prova pericial anteriormente analisada 63 Breve Problematização do Reconhecimento desde a Psicologia Judiciária Como visto anteriormente a prova testemunhal tem sua credibilidade seriamente afetada pela mentira e as falsas memórias Nessa mesma dimensão situase o reconhecimento do imputado cuja valoração probatória não pode desconsiderar esses fatores pois igualmente dependente da complexa variável memória Tomando por ponto de partida os estudos de REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ88 que necessariamente devem ser complementados pelas lições de LOFTUS89 devese considerar a existência de diversas variáveis que modulam a qualidade da identificação tais como o tempo de exposição da vítima ao crime e de contato com o agressor a gravidade do fato a questão da memória está intimamente relacionada com a emoção experimentada o intervalo de tempo entre o contato e a realização do reconhecimento as condições ambientais visibilidade aspectos geográficos etc as características físicas do agressor mais ou menos marcantes as condições psíquicas da vítima memória estresse nervosismo etc a natureza do delito com ou sem violência física grau de violência psicológica etc enfim todo um feixe de fatores que não podem ser desconsiderados A presença de arma distrai a atenção do sujeito de outros detalhes físicos importantes do autor do delito reduzindo a capacidade de reconhecimento O chamado efeito do foco na arma é decisivo para que a vítima não se fixe nas feições do agressor pois o fio condutor da relação de poder que ali se estabelece é a arma Assim tal variável deve ser considerada altamente prejudicial para um reconhecimento positivo especialmente nos crimes de roubo extorsão e outros delitos em que o contato agressorvítima seja mediado pelo uso de arma de fogo Também se devem considerar as expectativas da testemunha ou vítima pois as pessoas tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir Daí por que os estereótipos culturais como cor classe social sexo etc têm uma grande influência na percepção dos delitos fazendo com que as vítimas e testemunhas tenham uma tendência de reconhecer em função desses estereótipos exemplo típico ocorre nos crimes patrimoniais com violência roubo em que a raça e perfil socioeconômico são estruturantes de um verdadeiro estigma90 Ainda que o criminoso nato de LOMBROSO seja apenas um marco histórico da criminologia é inegável que ele habita o imaginário de muitos principalmente em países com profundos contrastes sociais baixo nível cultural e por consequência alto índice de violência urbana como o nosso Assim um dos estereótipos mais presentes apontam os autores é o de que lo que es hermoso es bueno Um rosto mais bonito e atraente possui aos olhos de muitos mais traços de uma conduta socialmente desejável e aceita do que uma cara feia Cicatrizes principalmente na face ou em lugares visíveis são consideradas anormais indicando uma conduta também anormal Elementar que tudo isso é um absurdo a nossos olhos mas basta que olhemos em volta para ver que tais pensamentos habitam o imaginário de muita gente Outra variável é a transferência inconsciente quando a testemunha ou vítima indica uma pessoa que viu em momento concomitante ou próximo àquele em que ocorreu o crime dentro do crime geralmente como autor Citam os autores91 o estudo de BUCKHOUT que simulou um roubo na frente de 141 estudantes e 7 semanas depois pediulhes que reconhecessem o assaltante em um grupo de 6 fotografias Sessenta por cento dos sujeitos realizaram uma identificação incorreta Entre eles 40 selecionaram uma pessoa que viram na cena do crime mas que era um inocente espectador LOFTUS obteve resultados similares em experiências do gênero O efeito compromisso GORENSTEIN y ELLSWORTH é definido quando ocorre uma identificação incorreta por exemplo quando a pessoa analisa muitas fotografias e elege erroneamente o sujeito e posteriormente realiza um reconhecimento pessoal Nesse caso o agente tende a persistir no erro advertindo os autores de que não se deve proceder ao reconhecimento pessoal depois do reconhecimento por fotografias pois há um risco muito grande de que ele mantenha o compromisso anterior ainda que tenha dúvidas Afirmam ainda que esto resulta muy peligroso dado que la policía en su pesquisa utiliza este tipo de estrategias con los testigos presenciales92 Muitas vezes antes da realização do reconhecimento pessoal a vítimatestemunha é convidada pela autoridade policial a examinar albuns de fotografia buscando já uma préidentificação do autor do fato O maior inconveniente está no efeito indutor disso ou seja estabelecese uma percepção precedente ou seja um préjuízo que acaba por contaminar o futuro reconhecimento pessoal Não há dúvida de que o reconhecimento por fotografia ou mesmo quando a mídia noticia os famosos retratos falados do suspeito contamina e compromete a memória de modo que essa ocorrência passada acaba por comprometer o futuro o reconhecimento pessoal havendo uma indução em erro Existe a formação de uma imagem mental da fotografia que culmina por comprometer o futuro reconhecimento pessoal Tratase de uma experiência visual comprometedora Portanto é censurável e deve ser evitado o reconhecimento por fotografia ainda que seja mero ato preparatório do reconhecimento pessoal dada a contaminação que pode gerar poluindo e deturpando a memória Ademais o reconhecimento pessoal também deve ter seu valor probatório mitigado pois evidente sua falta de credibilidade e fragilidade Elementar que a confiabilidade do reconhecimento também deve considerar a pressão policial ou judicial até mesmo manipulação e a inconsciente necessidade das pessoas de corresponder à expectativa criada principalmente quando o nível sociocultural da vítima ou testemunha não lhe dá suficiente autonomia psíquica para descolarse do desejo inconsciente de atender ou de não frustrar o pedido da autoridade paicensor Muitas pessoas creem que a polícia somente realiza um reconhecimento quando já tem um bom suspeito contribuindo para um reconhecimento positivo Mais grave ainda é a situação do reconhecimento feito em juízo pois nesse caso há a certeza da presença do acusado entre aquelas pessoas a serem reconhecidas MALPASS e DEVINE citados pelos autores realizaram uma simulação interessante Montado o reconhecimento foi informado aos presentes aqueles que deveriam proceder à identificação que o autor do delito estava provavelmente presente quando na verdade não estava Setenta e oito por cento dos sujeitos reconheceram erroneamente o agressor Mas quando avisaram que o autor podia não estar presente o índice de reconhecimento caiu para 33 Definitivamente a forma como é conduzido e montado o reconhecimento afeta o resultado final de forma muito relevante A situação é mais preocupante quando verificamos que a imensa parcela dos reconhecimentos no Brasil é feita sem a presença de advogado sem oportunidade de recusa por parte do imputado pois preso temporariamente ou até ilegalmente conduzido coercitivamente no interior de delegacias de polícia sem qualquer controle Não menos grave é a rotineira prática judicial de em audiência simplesmente perguntar à testemunhavítima a senhora reconhece o réu ali sentado como sendo o agressor O absurdo é total 64 RePensando o Reconhecimento Pessoal Necessidade de Redução de Danos Reconhecimento Sequencial Para além das ilegalidades costumeiramente realizadas no reconhecimento pessoal como anteriormente explicado é importante uma visão prospectiva mirando futuras reformas processuais Existem duas formas de reconhecimento pessoal simultâneo e sequencial Nosso Código de Processo Penal como visto optou pelo sistema simultâneo em que todos os membros são mostrados ao mesmo tempo Esse é o método mais sugestivo e perigoso Atualmente a psicologia judicial tem apontado para o reconhecimento sequencial como mais seguro e confiável Nesse modelo os suspeitos são apresentados um de cada vez Citando Lindasy e Wells WILLIAMS93 explica que no reconhecimento sequencial os suspeitos são apresentados um de cada vez e para cada um é solicitado à testemunha ou vítima que antes de ver o próximo suspeito responda se foi esse o autor do fato ou não Isso implica uma tomada de decisão por parte de quem está reconhecendo sem que saiba quantos participam do reconhecimento Diminuise assim o nível de indução e potencializase a qualidade do ato pois se no reconhecimento simultâneo a vítima ou testemunha faz um julgamento relativo no processo de tomada de decisão Wells 1984 isto é ela toma sua decisão julgando qual o membro mais semelhante ao culpado comparando os membros entre si no reconhecimento sequencial a testemunha faz um julgamento absoluto comparando cada membro do reconhecimento com a sua própria memória do culpado94 Devemse agregar ainda as variações de reconhecimento com suspeito presente e sem suspeito presente ou seja devese permitir que o reconhecimento seja feito de forma simultânea ou sequencial apenas com distratores pessoas que sabidamente não são autoras do crime O reconhecimento apenas com distratores sem autor presente evidencia como o sistema brasileiro atual é viciado pois tanto vítimas como testemunhas sabem que somente se procede ao reconhecimento quando existe um suspeito Essa précompreensão atua de forma indutiva encerrando graves índices de erro Aponta WILLIAMS que uma recente metaanálise com 25 estudos comparando reconhecimentos sequenciais e simultâneos indicou que o reconhecimento sequencial diminui a probabilidade de erro em quase metade nos estudos com o suspeito alvo ausente Steblay et al 2001 Assim uma cautela simples que deve ser incorporada à rotina de reconhecimentos pessoais tanto na fase policial como judicial ainda que mais eficiente na primeira é a de advertir a testemunha ou vítima de que o suspeito pode estar ou pode não estar presente Isso reduz a margem de erros de um reconhecimento feito a partir da précompreensão e indução ainda que endógena de que o suspeito está presente Mesmo sem qualquer alteração legislativa o que pode sim perfeitamente ser feito no sistema brasileiro é um teste de confiabilidade da testemunha ou vítima da seguinte forma apresentar primeiramente um reconhecimento somente com a presença de suspeitos distratores contudo não é dito a ela que será apresentado mais de um grupo de suspeitos Caso a testemunha faça alguma identificação nesse reconhecimento então ela pode ser descartada e caso a testemunha não faça nenhuma identificação no primeiro reconhecimento então pode ser dada continuidade ao procedimento apresentando o segundo reconhecimento com a presença do suspeito alvo Dados indicam que testemunhas que não fazem identificações no primeiro reconhecimento são muito mais confiáveis95 É um procedimento bastante simples e que pode ser perfeitamente incorporado ao método brasileiro de identificação sem a necessidade de qualquer alteração legislativa ou custo elevado A forma de atuar de quem coinduz o reconhecimento é fundamental Para além da possibilidade de criar falsas memórias falsos reconhecimentos de forma explícita também existe a indução involuntária através do comportamento verbal ou não verbal Sugerese assim que nos reconhecimentos feitos na fase policial o investigador do caso não esteja presente A pessoa que conduz o reconhecimento não pode fazer parte do grupo que realiza a investigação O que se pretende é criar condições para que a vítima ou testemunha sofra o menor nível de indução ou contaminação possível Quanto ao reconhecimento levado a efeito por crianças os problemas aqui são similares àqueles apontados anteriormente quando do estudo das falsas memórias Além da fragilidade psíquica há a necessidade de corresponder às expectativas criadas em torno do ato Como afirma WILLIAMS96 a performance do testemunho de crianças muito pequenas e longevos é significativamente pior do que o testemunho de adultos jovens Quando o culpado está presente no reconhecimento o testemunho de crianças é quase tão bom quanto o de adultos jovens Contudo quando o culpado está ausente no reconhecimento crianças têm taxas de falsa identificação mais altas do que os adultos jovens Pozzulo e Lindsay 1998 Em suma o problema das falsas memórias e dos falsos reconhecimentos é uma realidade inconteste que deve ser considerada pelos atores judiciários Por último de nada serve tamanha preocupação em bem realizar o reconhecimento pessoal quando previamente ao ato existe a excessiva exposição midiática com fotografias e imagens do suspeito Há nesse caso inegável prejuízo para o valor probatório do ato pois a indução é evidente Assim ao mesmo tempo em que se busca reduzir os danos processuais das falsas memórias na prova testemunhal e no reconhecimento pessoal há que se restringir a publicidade abusiva Pensamos estar seriamente comprometida a credibilidade e validade probatória do reconhecimento quando previamente ao ato há o induzimento decorrente da publicidade abusiva Daí a necessidade novamente evidenciada de dar um limite ao bizarro espetáculo midiático Nosso objetivo não é apontar soluções até porque não existem soluções simples para problemas complexos pois isso demandaria um amplo estudo interdisciplinar para muito além do saber jurídico mas problematizar para despertar a consciência do imenso perigo que encerra o reconhecimento pois da mesma forma que a prova testemunhal é de pouquíssima confiabilidade Devemos despertar do ingênuo sonho de que as coisas vão bem no processo penal brasileiro para através de mudanças legislativas ou mesmo através de pequenos cuidados perfeitamente incorporáveis ao formato existente buscaremse formas de redução dos danos e portanto redução da própria elevada cifra de injustiça 7 Reconstituição do Delito Reprodução Simulada A reconstituição do delito está prevista no art 7º do CPP inquérito policial mas não está disciplinada no Título VII do Código que se destina à disciplina Da Prova Isso gera uma lacuna pois o meio de prova está previsto logo é uma prova típica mas não regulado A também chamada reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o fato e tanto pode ser realizada na fase préprocessual como também em juízo nesse último caso sob a presidência do juiz Como sintetiza CORDERO97 a reconstituição dos fatos é útil quando surgem dúvidas sobre a compatibilidade de uma hipótese histórica com os marcos do fisicamente exigível ou aceitável A reconstituição possui dois limites normativos não contrariar a moralidade ou a ordem pública respeitar o direito de defesa do sujeito passivo O primeiro limite vem dado pelo art 7º que recorre a fórmulas jurídicas abertas como moralidade ou ainda a mais indeterminada de ordem pública Sobre eles já se escreveu o suficiente Apenas gostaríamos de destacar um aspecto pouco valorado pela doutrina Quando o CPP estabelece o limite da moralidade devemos considerar não só a moral pública mas também a inviolabilidade da honra e a imagem das pessoas um direito fundamental previsto no art 5º X da Constituição que também assiste ao sujeito passivo Dessa forma entendemos que o conceito de moralidade deve ser considerado a partir de um duplo aspecto público e privado sujeito passivo cabendo ao sujeito passivo impugnar a decisão da autoridade judiciária ou policial que determine a realização de uma reconstituição que ofenda a sua própria moralidade O segundo limite está na própria Constituição art 5º LV e na CADH que assegura no seu art 82g o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a declararse culpado O direito de não produzir prova já foi abordado quando tratamos do direito de defesa negativo Na falta de definição sobre a forma do ato devese ter especial cautela para que os princípios gerais da prova sejam plenamente assegurados Quando realizada na fase judicial é imprescindível a presença física do juiz acusador e defesa Somente assim haverá contraditório e direito de defesa eficazes É sempre recomendado ainda que não seja exigência legal que a reconstituição seja devidamente documentada através de uma ata circunstanciada contendo a descrição da atividade desenvolvida Também é importante que seja devidamente filmada pois se realizada na fase policial permitirá o controle e conhecimento por parte do juiz Quando feita na fase processual a filmagem permitirá uma melhor valoração no momento da sentença até porque é possível que o juiz sentenciante não seja o mesmo que presidiu o ato bem como na fase recursal para que o tribunal em sendo discutida a prova possa também valorála Importa assim documentar da melhor forma possível o ato para assegurar sua plena utilização pelas partes e controle posterior por parte do juiz ou tribunal Diante da lacuna legislativa é importante definir a forma bem como limites e garantias que o ato deve ter Ainda que não exista essa determinação expressa é imprescindível a prévia decisão sobre a produção da prova com indicação do dia hora e forma de realização Essa decisão tanto na fase policial como em juízo deve ser comunicada ao imputado permitindo assim o contraditório bem como assegurando seu direito de participar ou não do ato pois não se pode esquecer seu direito de não fazer prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere Certo andará o juiz que buscar a inspiração no art 150 do Código de Processo Penal português Art 150 1 Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma é admissível a sua reconstituição Esta consiste na reprodução tão fiel quanto possível das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo 2 O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto do dia hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação eventualmente com recursos a meios audiovisuais No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas 3 A publicidade da diligência deve na medida do possível ser evitada Na mesma linha dispõe o art 219 do Código de Processo Penal italiano 86 da StPO alemã e com mais detalhamento os arts 326 e seguintes da LECrim Espanha A rigor a inspeção ocular judicial não é tão complexa quanto a reconstituição e o CPP não regulamenta nenhuma delas na medida em que o ato busca apenas proporcionar o conhecimento direto do juiz em relação ao lugar do fato e não tanto do fato que teria ocorrido naquele lugar De qualquer forma além do contraditório devemse tomar as cautelas anteriormente referidas tanto para a mera inspeção ocular judicial como para a reconstituição Por fim pertinente a advertência de CORDERO98 se a reconstituição é feita quando há dúvidas sobre a possibilidade de que o crime tenha ocorrido de uma determinada forma o resultado positivo não demonstra que esse ato ocorreu mas apenas que era possível mas o resultado negativo decide a questão pois é impossível que tivesse ocorrido Ou seja a reconstituição demonstra que o crime poderia ter ocorrido daquela forma não que ocorreu assim pois essa possibilidade por si só não pode ser aceita como elemento fundante de uma condenação Há que se comprovar através de outros meios probatórios Contudo se a reconstituição demonstrar que fisicamente é impossível de ter ocorrido então a questão está decidida Daí por que a reconstrução negativa é muito mais útil pois se bem executadas acabam com hipóteses insustentáveis 8 Acareação A acareação que etimologicamente significa colocar cara a cara os acusados era um procedimento bastante utilizado pelos inquisidores como recorda CORDERO99 Está prevista no art 229 do CPP e será admitida entre os acusados entre acusados e testemunhas entre testemunhas entre acusado e vítima entre testemunha e vítima entre vítimas A acareação poderá ser realizada tanto na fase policial como judicial sempre se respeitando o direito do imputado de não participar do ato sempre que as declarações divergirem sobre fatos ou circunstâncias relevantes O ato deverá ser feito em audiência constando na ata a descrição das perguntas e respostas Para que a acareação seja feita devem concorrer os seguintes pressupostos100 a existência prévia de declarações ou seja que as pessoas que venham a participar da acareação tenham sido interrogadas antes b que entre as declarações exista divergência c que o fato ou circunstância que se pretende esclarecer seja relevante para o processo Na linha do que já explicamos sobre a função persuasiva da prova e a captura psíquica do julgador é patente que a acareação pode ser de grande valia para o convencimento do juiz pois representa a possibilidade de confrontar versões divergentes elegendo aquela que reputa mais verossímil Esse meio de prova não pode ser banalizado como adverte ESPÍNOLA FILHO101 não podendo o juiz ou autoridade policial submeter os inquiridos sempre que houver divergência entre suas declarações Somente se justifica quando o desacordo disser respeito a fatos e circunstâncias importantes ou seja pontos essenciais capazes de excluir ou modificar a acusação ou afetar a própria defesa na sua essência Ainda considerando nosso rechaço à iniciativa probatória do juiz e à necessidade de fortalecimento do sistema acusatório em que o juiz jamais pode assumir uma posição ativa ou seja é a recusa ao juiz ator a acareação deve depender de iniciativa das partes Não deve ser determinada de ofício pelo juiz até porque a dúvida impõe a absolvição jamais o autoriza a ir atrás da prova que obviamente seria para condenar pois se fosse para absolver não seria necessária a iniciativa probatória102 Nada impede que a acareação seja feita por precatória desde que as pessoas a acarear estejam no mesmo lugar mas fora da jurisdição do juiz onde tramita o processo Claro que nesse caso a falta de contato direto do juiz com as pessoas envolvidas diminui muito o caráter persuasivo mas ainda assim tem utilidade probatória na medida em que um dos envolvidos pode desdizerse Por fim chamamos a atenção para a crítica de PACELLI103 no sentido de que a acareação entre acusado e testemunhas pode se revelar sem sentido na medida em que as testemunhas prestam compromisso e o réu não tem qualquer compromisso com a verdade Mais complicada ainda pensamos pode ser a acareação entre acusado e vítima principalmente em delitos que envolvam violência ou grave ameaça Em ambos os casos não deve ser feito um juízo prematuro de recusa há que se ponderar as circunstâncias do caso concreto mas sem perder de vista a crítica pois é pertinente 9 Da Prova Documental 91 Conceito de Documento Abertura e Limites Conceituais O conceito de documento já foi bastante discutido no âmbito do Direito especialmente Civil e Penal mas para o processo penal documentos são quaisquer escritos instrumentos ou papéis públicos ou particulares como define o art 232 do CPP Diante da pobreza conceitual e da necessidade de permitir se a produção da prova há que se proceder uma abertura sem olvidar os limites da prova anteriormente referidos dessa categoria para fins processuais O art 164 do CPP português define documento como sendo a declaração sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico nos termos da lei penal O CPP italiano no seu art 234 prevê que poderá ser juntado ao processo scritti o di altri documenti che rappresentano fatti persone o cose mediante la fotografia la cinematografia la fonografia o qualsiasi altro mezzo Voltando para a sistemática do CPP brasileiro devemos trabalhar com a precisão de ARAGONESES ALONSO104 que partindo de GUASP ensinanos que a prova documental acaba por ser toda classe de objetos que tenham uma função probatória contanto que esses por sua índole sejam suscetíveis de ser levados ante a presença judicial isto é que documento é qualquer objeto móvel que dentro do processo possa ser utilizado como prova contrapondose neste sentido a prova de inspeção ocular que se pratica naqueles objetos que não possam ser incorporados ao processo Essa é uma definição perfeitamente aplicável ao sistema brasileiro Dessa maneira além de ser considerado documento qualquer escrito abrese a possibilidade da juntada de fitas de áudio vídeo fotografias tecidos e objetos móveis que fisicamente possam ser incorporados ao processo e que desempenhem uma função persuasiva probatória Em última análise ainda que não sejam documento no sentido estrito do termo acabam a ele se equiparando para fins de disciplina probatória objetos móveis que possam ser juntados ao processo que tenham uma função probatória Significa que tais objetos devem ser submetidos ao mesmo regime probatório dos documentos Sempre recordando o que já dissemos sobre os princípios gerais das provas não se pode fazer uma abertura conceitual para na verdade ludibriar as regras probatórias para inserir uma prova ilicitamente produzida ou ainda subverter a disciplina estabelecida para sua produção Nessa linha situamse os depoimentos de testemunhas colhidos fora do processo mesmo que feitos na presença de tabelião e simplesmente juntados ao processo Se o CPP prevê que a prova testemunhal tem de ser produzida em juízo à luz do contraditório de nada vale um depoimento colhido à margem da forma estabelecida Igualmente ilícita é a instrução paralela que às vezes é feita pelo Ministério Público com o auxílio ou não da polícia Explicamos Concluído o inquérito é remetido a juízo onde a denúncia é oferecida e o processo iniciado Paralelamente ao processo o Ministério Público continua colhendo depoimentos como se fosse possível uma sobrevida do inquérito policial após sua conclusão e remessa a juízo ludibriando assim a garantia da jurisdição pois é uma pretensa prova mas viciada por ser feita fora do processo quando neste obrigatoriamente deveria ter sido produzida e do contraditório pois elementar o caráter inquisitorial dado a esse proceder sem o comparecimento ou conhecimento do imputado Ao final da instrução processual o Ministério Público simplesmente junta como se documentos fossem diversos depoimentos colhidos nesse absurdo procedimento investigatório paralelo Tratase de uma prática ilegal e que não pode ser tolerada devendo ser imediatamente desentranhados 92 Momento da Juntada dos Documentos Exceções Cautelas ao Aplicar o Art 479 do CPP Quanto ao momento da juntada como regra os documentos podem ser juntados ao processo ou inquérito policial até o encerramento da instrução Há que se observar sempre a garantia do contraditório dando à outra parte a possibilidade de conhecer e impugnar Ainda que o CPP não o preveja e não é necessário diante do art 5º LV da Constituição sempre que o Ministério Público juntar um documento deverá o juiz dar vista para a defesa conhecer e manifestarse e a recíproca é verdadeira em um prazo razoável art 5º LXXVIII da Constituição A doutrina costuma sugerir usando o CPC por analogia o prazo de 5 dias mas nada impede que o prazo seja maior considerando a complexidade da questão trazida Exceção a essa regra está prevista no rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri art 479 do CPP Art 479 Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 três dias úteis dandose ciência à outra parte Parágrafo único Compreendese na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito bem como a exibição de vídeos gravações fotografias laudos quadros croqui ou qualquer outro meio assemelhado cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados Com tal dispositivo o que se pretende é evitar a prova surpresa no momento do plenário O Tribunal do Júri é um grande problema com uma especificidade que lhe torna extremamente sensível a começar pela decisão dos sete jurados que decidem sem qualquer fundamentação Daí por que a complexidade do seu ritual exige cuidados muito maiores do que aqueles que devemos ter nos julgamentos feitos por juiz singular Situação bastante problemática e que acabou se tornando comum na atualidade é a seguinte no curso do júri quando dos debates uma das partes postula ao juiz a utilização de um determinado documento que pelos mais variados motivos não pôde ser juntado com a antecedência legal de 3 dias O que fazem os juízes na sua maioria Questionam a outra parte se concorda com a produção Pronto está criado o problema Errou o juiz Nesse momento a parte adversa fica numa situação dificílima e que pode definitivamente comprometer o julgamento Se aceitar a produção estará em situação de desvantagem pela surpresa gerada que dependendo do conteúdo do documento será impossível de ser contraditado Está perdido o júri e uma grave injustiça pode se produzir Por outro lado se não aceitar a produção o estrago é ainda maior Basta que o adversário saiba explorar a curiosidade dos jurados fazendoos deslizar no imaginário para extrair de lá do imaginário lugar do logro portanto a decisão que pretende É até mais útil explorar o imaginário em torno do que não foi mostrado agravado pela recusa da outra parte logo se recusou é porque algo tinha para esconder do que trabalhar com a realidade do documento Isso é elementar basta saber lidar com a situação Daí por que das duas uma ou o juiz veda categoricamente a produção do documento sem questionar a outra parte para não comprometêla frente aos jurados e não permite qualquer menção a ele no julgamento ou verificando sua relevância dissolve o conselho de sentença determina a juntada do documento assegurando o necessário contraditório e após marca novo júri com novos jurados é claro sob pena de nulidade por violação da imparcialidade dos julgadores Assim relevante é a proibição do art 479 pois é uma garantia revestida de forma e firmeza devem demonstrar os juízes na sua aplicação evitando o comprometimento da outra parte com o ingênuo questionamento concorda com a leitura do documento Tal prática muitas vezes fundamentada na pseudogarantia do contraditório causa danos irreparáveis ao julgamento Por fim a juntada de documentos após a sentença é inviável pois implicaria supressão de um grau de jurisdição Mas isso não impede que seja produzida a prova até para demonstrar a falsidade do documento para posterior utilização em sede de revisão criminal como prevê o art 621 II 93 Autenticações Documentos em Língua Estrangeira Recusa ao Ativismo Judicial O que São PúblicasFormas Decorrência de termos um Código ultrapassado da década de 40 é para além de toda crítica feita termos de conviver com estruturas anacrônicas e instrumentos que não mais existem Por fotografia do documento leiase fotocópia que devidamente autenticada terá o mesmo valor do documento original Atualmente predomina o acertado entendimento de que as fotocópias não necessitam de autenticação exceto quando colocada em dúvida sua veracidade circunstância em que a parte interessada na produção dessa prova deverá providenciar os originais ou fotocópias autenticadas Quanto às cartas referidas no art 233 alguém ainda escreve cartas em plena era do email messenger e mensagens pelo celular destaquese a preexistência de um problema sua obtenção através da busca e apreensão Essa problemática será enfrentada na continuação quando tratarmos da busca e apreensão Dispõe o art 234 que o juiz quando tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou defesa providenciará de ofício sua juntada independentemente de qualquer requerimento das partes Novamente estamos diante do tão criticado juizator ou seja do ativismo probatório judicial que compromete seriamente a estrutura dialética do processo fulmina com o contraditório e com a própria imparcialidade do julgador E por favor não se argumente em torno da absurda verdade real Como já explicamos em diversos momentos ao longo desta obra não cabe ao juiz a iniciativa probatória no processo penal constitucionalacusatório Para evitar repetições remetemos o leitor ao que já foi dito sobre sistemas processuais imparcialidade e poderes instrutórios do juiz No que se refere a documentos em língua estrangeira podem ser eles imediatamente juntados mas é imprescindível que sejam traduzidos por tradutor juramentado Não havendo a tradução ou sendo ela objeto de impugnação deverá o juiz determinar que o faça um tradutor público Considerando que peritos e intérpretes são equiparados no art 281 não seria excesso que se observasse a regra geral das perícias prevista no art 159 do CPP nomeandose um tradutor público ou na sua falta duas pessoas idôneas e com reconhecido domínio do idioma Tal cautela especialmente quando o documento for de grande relevância para a constituição do crime como ocorre nas falsidades documentais ou prova de alguma de suas circunstâncias é sempre importante Os documentos da mesma forma que os objetos apreendidos poderão em regra ser restituídos quando não mais interessarem ao processo como preceitua o art 118 do CPP Por fim o que significa a expressão públicasformas prevista no art 237 Nada relevante apenas o resto anacrônico de um Código de 1940 ESPÍNOLA FILHO105 cuja obra é contemporânea a essas práticas explica que as públicasformas eram cópias literais avulsas de qualquer documento feito por oficial público Há décadas não se usam mais esses artifícios substituídos pelas fotocópias autenticadas 10 Dos Indícios Estabelece o art 239 que considerase indício a circunstância conhecida e provada que tendo relação com o fato autorize por indução concluirse a existência de outra ou outras circunstâncias Não há que se confundir indícios com provas ainda que toda prova seja um indício do que ocorreu106 ainda que o Código os tenha colocado dentro do Título VII muito menos quando se trata de valoração na sentença Ou seja ninguém pode ser condenado a partir de meros indícios senão que a presunção de inocência exige prova robusta para um decreto condenatório Pensar o contrário significa desprezar o sistema de direitos e garantias previstos na Constituição bem como situarse na contramão da evolução do processo penal perfilandose lado a lado com as práticas inquisitórias desenhadas por EYMERICH no famoso Directorium Inquisitorum Ademais o raciocínio dedutivo que suporta os indícios mostrase bastante superado como superada está a lógica cartesiana e o determinismo Então para que valem os indícios Para muito pouco É verdade que o CPP emprega a expressão indícios em diversos momentos mais especificamente nos arts 126 indícios veementes para o sequestro de bens 134 hipoteca legal 290 ao definir a perseguição do suspeito 312 para prisão preventiva e 413 pronúncia Contudo em todas elas o legislador emprega o termo indícios como uma prova menor um menor nível de verossimilhança Essa também é a acertada lição de DUCLERC107 afirmando que para decretar essas medidas o juiz não pode fazêlo de forma imotivada mas também não é preciso que tenha já em mãos um conjunto de informações que lhe permitiria exarar uma sentença condenatória Assim prossegue o autor a única diferença entre indícios e provas segundo pensamos tem a ver mesmo com menor ou maior grau de confiabilidade que os elementos de informação ofereçam ao juiz Por fim se os indícios de autoria justificam uma prisão cautelar na visão do senso comum teórico com a qual não concordamos ou um sequestro de bens pois a cognição é sumária e limitada ao fumus commissi delicti jamais legitimam uma sentença penal condenatória 11 Da Busca e da Apreensão 111 Distinção entre os Dois Institutos Finalidade Direitos Fundamentais Tensionados A sistemática do CPP não é tecnicamente a melhor pois mistura uma medida cautelar com meios de prova e ainda sob uma mesma designação dois institutos diversos busca de um lado e a apreensão de outro Contudo para seguir a estrutura do Código e facilitar o estudo vamos tratar da busca e da apreensão dentro deste capítulo cujo objeto são as provas em espécie Inicialmente há que se distinguir os dois institutos como bem ensina BASTOS PITOMBO108 Busca é uma medida instrumental109 meio de obtenção da prova que visa encontrar pessoas ou coisas Apreensão é uma medida cautelar probatória110 pois se destina à garantia da prova ato fim em relação à busca que é ato meio e ainda dependendo do caso para a própria restituição do bem ao seu legítimo dono111 assumindo assim uma feição de medida assecuratória Ainda não se pode deixar de lado que a apreensão decorra ela da busca ou não pode ainda atender a interesse assecuratório ou seja indisponibilizar o bem para posteriormente ser restituído à vítima São institutos diversos mas que foram tratados de forma unificada Nem sempre a busca gera a apreensão pois pode ocorrer que nada seja encontrado e nem sempre a apreensão decorre da busca pode haver a entrega voluntária do bem Feita essa distinção compreendese que a busca se destina a algo ou seja quem busca busca algo E esse algo será uma vez encontrado apreendido Logo a busca é uma medida instrumental cuja finalidade é encontrar objetos documentos cartas armas nos termos do art 240 com utilidade probatória Encontrado é o objeto apreendido para uma vez acautelado atender sua função probatória no processo A busca que pode ser domiciliar ou pessoal como se verá encontrase em constante tensão com os seguintes direitos fundamentais inviolabilidade do domicílio dignidade da pessoa humana intimidade e a vida privada incolumidade física e moral do indivíduo Mas os direitos fundamentais não são absolutos e podem ser restringidos A busca e apreensão trabalham nessa exceção da proteção constitucional São por isso medidas excepcionais Sempre recordando a magistral lição de JAMES GOLDSCHMIDT112 los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su politica estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Daí por que em uma Constituição democrática como a nossa há que se reconstruir o processo penal desde esse referencial calcado no respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão sem que isso se confunda com impunidade mas também sem jamais deixar escorregar para o abismo do estadodepolícia Ainda considerando a tensão gerada é importante recordar SARLET113 quando explica que a dignidade da pessoa humana é um valorguia não apenas os direitos fundamentais mas de toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional razão pela qual para muitos se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológicavalorativa Inclusive na hipótese de conflito entre princípios e direitos constitucionalmente assegurados destaca SARLET114 o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por justificar e até mesmo exigir a imposição de restrições a outros bens constitucionalmente protegidos Isso porque como explica o autor existe uma inegável primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito da arquitetura constitucional Dessarte não se deve pensar a busca e apreensão desconectada do direito fundamental da intimidade e vida privada art 5º X até porque a tutela do domicílio guarda uma conexão instrumental com esses direitos fundamentais e todos eles com o valor dignidade da pessoa humana Isso gera reflexos na eficácia dos limites legais estabelecidos para a busca e apreensão na medida em que não se tutela apenas o espaço físico ou a propriedade Também impõe entre outros limites à divulgação do material encontrado diga ele respeito ao fato investigado ou não Daí por que nessa matéria que deve ser pensada em conjunto com o que escrevemos sobre a investigação preliminar o sigilo externo é fundamental Não está autorizada a autoridade policial ou judicial a entrar no domicílio e expor a vida privada das pessoas senão apenas entrar e apreender objetos relacionados com a prova do delito Imprescindível então que a medida e seu resultado sejam mantidos em sigilo sem permitirse o bizarro espetáculo midiático tão prejudicial para a imagem e intimidade do imputado como também para a própria investigação Em se tratando de Direito Processual Penal e consequente restrição de direitos fundamentais como o é a inviolabilidade da casa a forma é garantia inarredável Há que se respeitar as regras do jogo Com acerto afirma BASTOS PITOMBO que a violação de direitos fundamentais no processo penal torna ineficaz eventual apreensão ou atos subsequentes ao encontro do que se procurou Assim o ato processual não pode produzir efeito Da ilicitude constitucional não pode advir licitude processual115 grifo nosso Por fim como bem adverte HINOJOSA SEGOVIA116 não se pode perder de vista o ideal de equilíbrio de ponderação entre os interesses em jogo através da incidência do princípio da proporcionalidade mas frisese no sentido de proibição de excesso de intervenção Tratase de ponderar a medida a partir de sua necessidade adequação e proporcionalidade em sentido estrito de modo que seja sempre uma medida excepcional não automática condicionada sempre às circunstâncias do caso concreto e proporcional ao fim que se persegue117 112 Momentos da Busca e da Apreensão Tanto a busca como a apreensão podem ocorrer no curso do inquérito policial ou durante o processo e excepcionalmente até na fase de execução da pena nos termos do art 145 da LEP A busca poderá ser domiciliar ou pessoal Iniciemos pela busca domiciliar prevista no art 240 1º do CPP que somente poderá ocorrer quando judicialmente autorizada Importante frisar a busca domiciliar somente poderá se realizar mediante mandado judicial118 sob pena de incorrer a autoridade policial no crime de abuso de autoridade Lei n 4898 e ser o resultado considerado prova ilícita O primeiro problema da busca domiciliar reside na expressão ambígua fundadas razões empregada no art 240 1º cuja abertura remete a um perigoso espaço de discricionariedade e subjetividade judicial Somente a consciência da gravidade e violência que significa a busca domiciliar permite compreender o nível de exigência que um juiz consciente deve ter ao decidir por uma medida dessa natureza Daí por que jamais poderá ser banalizada cabendo ao Poder Judiciário a posição de guardião dos direitos e garantias fundamentais filtrando os atos investigatórios cuja lesividade não esteja estritamente justificada Deve o juiz exigir a demonstração do fumus commissi delicti entendendose por tal uma prova da autoria e da materialidade com suficiente lastro fático para legitimar tão invasiva medida estatal A busca domiciliar deve estar previamente legitimada pela prova colhida e não ser o primeiro instrumento utilizado Para controle da observância desse requisito a fundamentação da decisão judicial é o segundo ponto a ser destacado Ao contrário do que se costuma ver a busca domiciliar não pode ser banalizada deve ter uma finalidade clara bem definida e estar previamente justificada pelos elementos da investigação preliminar 113 Da Busca Domiciliar Conceito de Casa Finalidade da Busca O primeiro problema que surge na análise da busca domiciliar é definir o que se entende por casa Tal conceito deve ser interpretado de forma ampla muito mais abrangente que o conceito do Código Civil brasileiro Assim deve abranger119 a habitação definitiva ou moradia transitória b casa própria alugada ou cedida c dependências da casa sendo cercadas gradeadas ou muradas pátio d qualquer compartimento habitado e aposento ocupado de habitação coletiva em pensões hotéis motéis120 etc f estabelecimentos comerciais e industriais fechados ao público g local onde se exerce atividade profissional não aberto ao público h barco trailer cabine de trem navio e barraca de acampamento i áreas comuns de condomínio vertical ou horizontal Ainda que a jurisprudência oscile bastante nesse tema a cabine de caminhão não tem merecido a proteção devida Claro estamos falando de transporte de longa distância e caminhões dotados de cabine com cama e espaço para o pernoite É interessante como se dá a proteção da casa para quartos de hotéis barcos e até para cabine de trem como se alguém viajasse em cabine de trem no Brasil mas não para a cabine de caminhão local onde os motoristas passam efetivamente mais tempo trabalhando e dormindo do que a maioria das pessoas passa em casa ou num quarto de hotel Assim segundo o entendimento majoritário a busca na cabine de um caminhão não necessita de mandado ainda que com isso não concordemos121 A busca domiciliar como especifica o Código de Processo Penal destinase a a Prender criminosos tratase aqui de buscar não para apreender mas sim para prender pessoas cuja prisão tenha sido previamente decretada O mandado de prisão por si só não autoriza o ingresso na casa de terceiros onde eventualmente o agente se esconda sendo necessária a duplicidade de mandados de prisão e de busca b Apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos as coisas achadas devem ser devolvidas ao seu legítimo proprietário ou entregues à autoridade policial sob pena de incorrer o agente nas sanções do art 169 do CP122 apropriação de coisa achada As coisas obtidas por meios criminosos por vezes confundemse com o próprio corpo de delito Assim as coisas subtraídas de alguém no crime de furto ou roubo quando há violência ou grave ameaça foram obtidas por meio criminoso devendo ser buscadas e apreendidas até para permitir a restituição a seu devido proprietário c Apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos o documento ou objeto que seja um falso material ou ideológico deve ser apreendido pois constitui o corpo de delito Também tipifica o Código Penal art 294 os petrechos de falsificação ou seja é crime a posse de instrumentos e objetos destinados à fabricação ou contrafação do falso Em ambos os casos está autorizada a busca e apreensão d Apreender armas e munições instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso claro que somente podem ser buscadas e apreendidas as armas e munições ilegais ou se legais tenham sido utilizadas para a prática de crime Mas não são apenas as armas utilizadas no crime que podem ser objeto de busca mas também instrumentos utilizados para sua prática como ferramentas carros disfarces computadores telefones celulares etc e Descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu a primeira parte é uma cláusula genérica onde os objetos devem ter uma conexão probatória com o crime Interessante ainda que seja de pouca eficácia prática é a possibilidade de busca no interesse da defesa do réu melhor seria imputado pois essa medida pode ser tomada na fase de investigação preliminar f Apreender cartas abertas ou não destinadas ao acusado ou em seu poder quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato o Código ainda está no tempo das cartas quando a problemática atual está por conta dos emails e messengers As cartas pela leitura do CPP podem ser objeto de busca judicialmente autorizada e assim defende a doutrina majoritária Contudo numa dimensão crítica e constitucional tal dispositivo não resiste a uma filtragem Nessa linha explica BASTOS PITOMBO123 que o art 5º XII da Constituição assegura a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal A Constituição excepciona apenas as comunicações telefônicas o último caso na expressão constitucional não a inviolabilidade de cartas e como não se admite analogia para ampliar a restrição de direitos fundamentais é inconstitucional essa medida Noutra dimensão autorizada que está a intervenção das comunicações de dados e telefônicas nenhum problema existe na apreensão judicialmente autorizada de computadores discos rígidos CDs contendo dados e mails etc g Apreender pessoas vítimas de crimes não se confunde com a prisão do imputado pois o dispositivo se refere à vítima logo será ela custodiada pelo Estado Na prática pouco uso tem esse dispositivo h Colher qualquer elemento de convicção típica cláusula genérica de perigosa abertura e indeterminação O problema é que dispositivos assim autorizam uma busca domiciliar sem um objetivo claramente definido dando espaço para o substancialismo inquisitorial e o autoritarismo judicial À luz da proteção constitucional do domicílio e da privacidade o mandado de busca deverá ser o mais específico possível evitando ao máximo as cláusulas genéricas ainda empregadas pelo CPP de 1941 Inclusive defendemos a ilegalidade da busca feita exclusivamente com base na alínea h pois implicaria inequívoca violação do art 5º incisos X e XI da Constituição Considerando a extensão do rol sua amplitude conceitual e a existência de cláusulas genéricas não vislumbramos possibilidade de interpretação extensiva ou mesmo analogias ainda mais em se tratando de medida restritiva de direitos fundamentais 114 Busca Domiciliar Consentimento do Morador Invalidade do Consentimento Dado por Preso Cautelar Busca em Caso de Flagrante Delito A busca domiciliar tem por pressupostos alternativos pois basta que um deles esteja presente a com consentimento válido do morador durante o dia ou noite b em caso de flagrante delito durante o dia ou noite c com ordem judicial somente durante o dia Os demais casos citados pela Constituição desastre e prestar socorro não se aplicam ao processo penal pois seria um contrassenso aceitar que a autoridade policial ingressasse numa residência a pretexto de prestar socorro e já aproveitar para fazer uma busca e apreender objetos e documentos que incriminem o imputado Com o consentimento válido do morador a autoridade policial poderá entrar na casa a qualquer hora do dia ou da noite e lá realizar a busca e posterior apreensão do que interessar ao processoinvestigação nos termos do art 240 mesmo sem mandado judicial Destaquese ainda que a qualquer momento pode o morador interromper o consentimento dado expulsando os agentes da autoridade de seu domicílio124 Esse consentimento deverá ser dado por pessoa capaz que compreenda perfeitamente o objeto do requerimento policial de forma expressa ainda que oralmente Situação essa que como adverte HINOJOSA SEGOVIA125 não ocorre quando se entrega um documento por escrito para um sujeito analfabeto ou estrangeiro que não compreenda a língua nacional A autoridade policial deve certificarse de que o sujeito que está autorizando o ingresso em sua residência tem plena consciência e compreensão do ato Inclusive considerando que o direito de silêncio inclui o de não produzir prova contra si mesmo de modo que ninguém está obrigado a consentir que a autoridade policial ingresse na sua residência sem mandado judicial é fundamental que o sujeito saiba as consequências que podem surgir dessa autorização Como dito esse consentimento deve ser expresso jamais presumido e prestado espontaneamente pelo agente Daí por que é nulo o consentimento e portanto a busca e eventual apreensão quando viciado como pode ocorrer quando os policiais não se identificam como tais induzindo o agente em erro126 Outra situação interessante surge quando o consentimento é dado por alguém que está submetido a uma prisão cautelar seja ela temporária ou preventiva Nesse caso perfeitamente aplicáveis aqui as lições contidas na Sentença do Tribunal Supremo da Espanha em 13 de junho de 1992127 no sentido de que o problema radica em saber se um detido ou preso está em condições de expressar sua vontade favoravelmente a busca e apreensão em razão precisamente da privação de liberdade a que está submetido o que conduziria a afirmar que se trata de uma vontade viciada por uma intimidação sui generis e dizemos sui generis porque o temor racional e fundado de sofrer um mal iminente e grave em sua pessoa e bens ou pessoa e bens de seu cônjuge descendentes ou ascendentes não nasce de um comportamento de quem formula o convite ou pedido de autorização para realizar a busca com o consentimento do agente senão da situação mesma de preso isto é de uma intimidação ambiental grifo nosso tradução nossa Corretíssima a decisão de modo que a busca e apreensão em domicílio de imputado cautelarmente preso somente pode ser realizada com mandado judicial pois é insuficiente o consentimento dado nessa situação por força da intimidação ambiental ou situacional a que está submetido o agente Acrescentese a isso o fato de que o direito de silêncio e de não produzir prova contra si mesmo reforça a proteção do domicílio estando todos eles à beira da ineficácia em caso de prisão do agente Ou seja a situação fática criada por força da prisão e a absoluta submissão do imputado ao poder estatal diluem as condições de possibilidade de pleno exercício de seus direitos fundamentais devendo mais do que nunca nesses casos ser colocado em dúvida senão invalidado qualquer tipo de consentimento ou confissão obtido no interior da cadeia ou delegacia de polícia Defender o contrário é ingenuidade de quem desconhece a realidade das delegacias e presídios brasileiros Ou mesmo manipulação discursiva de quem pactua com essa ilegítima violência institucionalizada Havendo flagrante delito art 302 do CPP poderá a autoridade policial ingressar na casa e proceder à busca dos elementos probatórios necessários Chamamos a atenção para os delitos permanentes em que o momento consumativo se prolonga no tempo pois nesses casos o flagrante é igualmente permanente art 303 Logo enquanto o delito estiver ocorrendo manter em depósito guardar ocultar etc poderá a autoridade policial proceder a busca a qualquer hora do dia ou da noite independente da existência de mandado judicial Apenas para esclarecer o flagrante permanente é aquele em que a infração está se consumando logo situação do art 302 I do CPP pois o agente está praticando o delito Jamais se pode falar em flagrante permanente nos demais casos do art 302 do CPP 115 Requisitos do Mandado de Busca A Ilegalidade da Busca Genérica A Busca em Escritórios de Advocacia Determina o art 243 que o mandado de busca deverá I indicar o mais precisamente possível a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador ou no caso de busca pessoal o nome da pessoa que terá de sofrêla ou os sinais que a identifiquem II mencionar o motivo e os fins da diligência III ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir 1º Se houver ordem de prisão constará do próprio texto do mandado de busca 2º Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado salvo quando constituir elemento do corpo de delito Por se tratar de uma grave violação de direitos fundamentais a busca deverá observar rigorosamente os limites formais estabelecidos para estar legitimada Até porque ontologicamente o que diferencia a busca de um crime patrimonial qualquer como furto ou até roubo praticado em uma residência Nada Em ambos existe a invasão do domicílio e a subtração de coisa alheia móvel A diferença se dá noutra dimensão na legitimidade ou ilegitimidade da violência praticada A busca é uma violência estatal legitimada mas que exige para isso a estrita observância das regras legais estabelecidas Então nessa matéria não há espaço para informalidades interpretações extensivas ou analogias A indicação da casa ou local onde a busca será realizada é imprescindível Não se justifica que a autoridade policial ou o MP postule a busca e apreensão como primeiro ato da investigação Não se busca para investigar senão que se investiga primeiro e só quando necessário postulase a busca e apreensão Logo inexiste justificativa para que uma busca seja genérica nesse requisito endereço correto Que primeiro a autoridade policial investigue e defina o que precisa buscar e onde Situação absurda que infelizmente tem se tornado comum são os mandados de busca e apreensão genéricos muitas vezes autorizando a diligência em quarteirões inteiros obviamente na periferia conjuntos residenciais ou mesmo nas favelas de tal ou qual vila Claro que os juízes somente expedem tais monstruosidades jurídicas quando se trata de barbarizar os clientes preferenciais do excludente sistema implantado aqueles para quem a proteção constitucional da casa e demais direitos fundamentais é ineficaz até porque favela e barraco não são casas e quem lá sobrevive não merece nenhuma proteção pois são os outros ou ainda a multidão de invisíveis É absolutamente inadmissível o mandado incerto vago ou genérico A determinação do varejamento ou da revista há de apontar de forma clara o local o motivo da procura e a finalidade bem como qual a autoridade judiciária que a expediu É importantíssima a indicação detalhada do motivo e os fins da diligência128 como determina o art 243 II do CPP É imprescindível para a validade do ato que o mandado de busca e apreensão e sua consequente execução tenha um foco claramente definido previamente Como ato decisório o mandado judicial deve ser devidamente fundamentado nos termos do art 93 IX da Constituição não bastando por elementar instrumentos padronizados ou formulários A decisão judicial que a decreta deve ser muito bem fundamentada apontando os elementos que a legitimam sua necessidade probatória e razões que amparam essa decisão A inobservância dessas regras conduz à ilicitude da prova obtida Como muito bem sintetiza BASTOS PITOMBO129 eventual resultado positivo da busca e da apreensão não torna válida decisão abusiva e ilegal Seguindo com a autora concluímos que mandado vazio é perigoso e difícil de debelarse Autoritário traz risco ínsito arraigado na forma Arbitrária e sem eficácia mostrase a busca que desatenda aos aludidos preceitos legais E sem serventia a apreensão dela decorrente Quanto ao motivo e fins da diligência exigese uma rigorosa fundamentação por parte da autoridade judiciária que a autoriza devendo para tanto apontar a necessidade e a finalidade da busca O motivo relacionase com a definição do fumus commissi delicti e a necessidade de obterse aquela prova para a investigação e posterior processo Exige ainda que não possa a prova ser obtida por outro meio menos violento devendo evidenciarse assim a imprescindibilidade da diligência Os fins da diligência impõem a clara definição de forma apriorística do que se busca Ou seja impedese a busca genérica de documentos e objetos Se possível deve ser delimitado o objeto ou objetos buscados para evitar um substancialismo inquisitório Se o que se busca é uma arma que se faça a busca direcionada para isso não estando a autoridade policial autorizada a buscar e apreender documentos cartas ou computadores Em muitos casos sabese de antemão o que se busca Logo que se defina Inclusive quando a busca é por documentos referentes a uma determinada pessoa mas que estão na posse de terceiros especialmente médicos psiquiatras psicólogos e até advogados explicaremos na continuação a busca em escritórios de advocacia o mandado deve ser estritamente delimitado e assim cumprido Explicamos Se estiver sendo investigada determinada pessoa cujos documentos estão em poder de um profissional a busca no consultório ou escritório deve limitarse a esses documentos referentes portanto apenas ao suspeito ou réu Não pode a autoridade apreender todos os documentos ou prontuários que o profissional detém pois isso seria uma ilegal violação da privacidade e intimidade de terceiros que nada têm a ver com o processo Imprescindível que o juiz tenha essa preocupação ao expedir o mandado advertindo expressamente os limites da atuação da autoridade policial Infelizmente o CPP contempla no art 240 1º e e h duas cláusulas genéricas que exigem uma restrição judicial até por imposição dos valores constitucionais em jogo Na alínea e prevê o Código que a busca pode ter por fim descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu Daí por que diante de um pedido de busca e apreensão deve o juiz restringir a finalidade do ato tendo por base a lógica correlação existente entre a natureza da infração e o tipo de prova Ou seja se a busca é pela arma utilizada no crime a apreensão de um computador não está na linha lógica da prova necessária para esse tipo de delito Assim somente os objetos verdadeiramente necessários e úteis à prova é que podem ser apreendidos Na segunda parte da alínea e abre o CPP a possibilidade de que a defesa peça uma busca e apreensão na casa de um terceiro desde que demonstre a necessidade do ato à luz da prova que se pretende produzir Tratase de medida pouco utilizada mas que em tese está perfeitamente autorizada Mas a pior abertura conceitual está no inciso h no qual se abre a possibilidade de que a autoridade policial ou o MP postule a busca e apreensão de qualquer elemento de convicção Pensamos que esse dispositivo não resiste a uma filtragem constitucional e não pode por si só justificar a busca A busca em Escritórios de Advocacia está prevista no art 243 2º do CPP É a apreensão de documentos em poder do defensor do acusado quando constituir elemento do corpo de delito Referese o Código aos casos em que o advogado é o depositário de documentos ou papéis que constituam a própria materialidade do crime vg no crime de falsidade material ou ideológica de documento público ou particular como também naqueles em que os documentos guardados são imprescindíveis para a comprovação do delito Mais grave ainda é a situação do advogado que guardar a arma do crime pois nesse caso além de sujeitarse a busca poderá incorrer nas sanções previstas na Lei n 108262003 Advirtase ainda que o STF julgando o mérito da ADIN 11278 em 17052006 declarou constitucional a exigência contida no art 7º II de que a busca e apreensão realizada em escritório de advocacia deva ser acompanhada de representante da OAB É importante esclarecer que tal exigência teve sua eficácia suspensa através de liminar concedida em 6 de outubro de 1994 mas por unanimidade quando do julgamento de mérito foi julgado improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade cassando portanto a liminar nessa parte Dessarte é necessário o acompanhamento do representante da OAB Infelizmente temse feito uma leitura restritiva dessa garantia com a autoridade policial munida do mandado judicial de busca simplesmente ligando para o representante da OAB já às portas de cumprir a ordem Com a pseudolegitimação decorrente da demora da chegada do representante da OAB a medida é cumprida sem observar a exigência legal burlando a prerrogativa funcional do advogado O problema da busca em Escritórios de Advocacia é que ela tem sido banalizada de forma perigosa muitas vezes com a encoberta intenção de intimidar ou mesmo humilhar e estigmatizar o profissional do que propriamente com fins realmente probatórios Elementar que não se pode confundir o advogado delinquente com o advogado do delinquente O primeiro por tornarse coautor ou partícipe está sujeito às mesmas medidas processuais e judiciais que seu cliente perdendo portanto as garantias inerentes à prerrogativa profissional Já o segundo desempenha um papel constitucional imprescindível para a correta Administração da Justiça Nisso fundamse as garantias e prerrogativas profissionais do advogado e que exigem respeito na mesma dimensão com que são respeitadas as prerrogativas dos juízes e membros do Ministério Público Não se pode esquecer ainda que a busca em escritório de advocacia significa a violação de mais um direito fundamental a ampla defesa prevista no art 5º LV da Constituição Afeta mais especificamente a garantia da defesa técnica que ao lado da defesa pessoal integralizam o direito de ampla defesa constitucionalmente assegurado 116 Busca Domiciliar Requisitos para o Cumprimento da Medida Judicial Dia e Noite Realização Pessoal da Busca pelo Juiz Violação do Sistema Acusatório Havendo mandado judicial de busca e apreensão ele somente poderá ser cumprido durante o dia É ilegal e viciado está o ato e seu resultado o cumprimento de ordem judicial à noite Isso conduz à discussão do que se entende por dia e noite em termos processuais Pensamos que o melhor nessa matéria é a aplicação analógica do art 172 do CPC sendo considerado noite o período compreendido entre 20h e 6h Logo o mandado judicial de busca deve ser cumprido entre 6h e 20h130 sendo que iniciado nesse marco temporal nada impede que se prolongue noite adentro O que importa é que o início do cumprimento do ato se dê nesse intervalo O que não se pode aceitar à luz dos direitos fundamentais tensionados é uma indeterminação tal que admita o cumprimento entre o alvorecer e o anoitecer131 pois isso abriria um perigoso espaço para arbitrariedades policiais bem como criaria um terreno fértil para infindáveis discussões em cada processo cuja busca se realizasse próxima a esses dois extremos Por anoitecer se entende o quê O pôr do sol basta E se o dia estiver nublado Quando se dá o amanhecer numa chuvosa manhã invernal na serra E a neblina como fica Enfim ficaríamos à mercê do que disser a autoridade policial É inconcebível tal abertura quando se trata de exercício de poder e restrição de direitos fundamentais sendo imperiosa a aplicação analógica para assegurar limites ao poder persecutório No mesmo sentido HINOJOSA SEGOVIA132 leciona que tendo em conta a variabilidade do final das horas diurnas luz do sol estações do ano localização geográfica e até costumes locais deixar tal valoração ao alvedrio da discricionariedade judicial quando da limitação de direitos fundamentais não é a melhor opção Daí por que sugere que tal definição deva ser sempre legalmente determinada a partir de critérios objetivos É isso o que buscamos suprir a lacuna legislativa do processo penal através da analogia com o art 172 do CPC Sem abrir mão de nossa postura crítica em relação ao emprego de analogias e à indevida utilização das categorias do processo civil no processo penal tratase de uma medida excepcional extrema mas necessária e adequada Nos termos do art 248 do CPP a busca como toda medida restritiva de direitos fundamentais deve ser realizada de forma menos invasiva ou prejudicial àquele que a suporta até porque ainda está sob a proteção da presunção de inocência sem esquecer dos demais direitos fundamentais já abordados Além das restrições de horário é necessário que a autoridade policial dê ciência ao morador apresentando e lendo o mandado dandolhe ainda oportunidade para que permita o acesso Ou seja a autoridade policial poderá arrombar a porta quando o morador não a abrir mas é necessário que se lhe permita franquear o acesso Não estando presente o morador ainda que a redação do Código não seja clara parecenos evidente que é imprescindível a presença de no mínimo duas testemunhas para validade da busca e respectiva apreensão Tratase de uma cautela necessária para a própria credibilidade e segurança dos policiais que cumprem a ordem Não sem razão exige o art 245 7º do CPP que duas testemunhas presenciais assinem o auto circunstanciado A diligência de busca e apreensão deverá sempre ser documentada através de relatório circunstanciado e pormenorizado elaborado pela autoridade que realizou o ato Não há espaço para informalidades O art 250 atualmente foi esvaziado pela ampla utilização das cartas precatórias ou seja com as novas tecnologias velocidade e diluição de fronteiras mandados de busca são deprecados entre cidades ou Estados da Federação com grande frequência sem falar na necessária cooperação existente entre as polícias e a ampla penetração da polícia federal Quanto ao art 241 algumas considerações devem ser feitas Após a Constituição de 1988 a busca e apreensão somente poderá ser realizada mediante prévia expedição de mandado por parte da autoridade judiciária competente determinação judicial diz a Constituição Assim não existe mais a possibilidade de a autoridade policial realizar pessoalmente a busca sem prévio mandado Em relação à formalização do ato é imprescindível que da busca resulte um relatório circunstanciado sendo ela exitosa caso em que também deverá haver o respectivo auto de apreensão dos objetos recolhidos ou não Não pode a autoridade policial realizar uma medida tão invasiva como essa sem plena formalização da diligência até porque às vezes pequenos detalhes podem ser úteis para a prova em juízo como a localização da coisa buscada as pessoas presentes e demais elementos que integraram o cenário do ato Quanto ao juiz pensamos que o tratamento é igual ou seja ainda que ele esteja presente na diligência deverá haver prévia expedição de mandado devidamente fundamentada essa decisão Existe ainda um diferencial importante Não cabe ao juiz na estrutura acusatória consagrada na Constituição realizar pessoalmente atos de natureza investigatória ou instrutória sob pena de grave retrocesso à figura do juizinquisidor fulminando a estrutura dialética o equilíbrio processual e principalmente a imparcialidade do julgador princípio supremo do processo recordando W GOLDSCHMIDT Dessarte é imprescindível a prévia e fundamentada expedição do mandado não a suprindo a presença física do juiz no ato o que a rigor não poderia acontecer pois não cabe ao juiz uma postura policialesca Por esses mesmos argumentos acrescidos do que dissemos anteriormente sobre o sistema acusatório e a imparcialidade do julgador é inconstitucional a busca e apreensão determinada ou realizada de ofício pelo juiz Tratase aqui de substancial invalidade da norma a exigir uma declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto que pode ser feita por qualquer tribunal ou juiz se fosse o caso pela via do controle difuso Caso a busca domiciliar seja ilegal além da contaminação da prova produzida poderão incorrer os agentes nas sanções do art 150 do CP ou art 3º b da Lei n 4898 que tipifica os delitos de abuso de autoridade 117 Apreensão Formalização do Ato Distinção entre Apreensão e Medidas Assecuratórias Sequestro e Arresto Ainda que possa haver busca sem apreensão quando o objeto não for encontrado e apreensão sem busca quando há a entrega voluntária ambos os institutos costumam guardar uma relação de meiofim É a apreensão que permitirá indisponibilizar a coisa com o fim de assegurála para o processo seja com fins probatórios ou mesmo para posterior restituição à vítima ou terceiro de boafé Quanto à metafísica natureza jurídica infelizmente uma concepção ainda tão arraigada no Direito como toda categorização esbarra na complexidade do instituto Ou seja a apreensão é suficientemente complexa para ser ao mesmo tempo um meio coercitivo de prova uma medida probatória e até mesmo uma medida cautelar real Tudo vai depender do caso concreto sem descartar a possibilidade de coexistência desses diferentes fins Daí por que é reducionista qualquer classificação fechada A apreensão dos objetos deve ser estritamente formalizada através de respectivo auto descritivo É fundamental a documentação do ato para permitir a correta utilização no processo daquele meio de prova ou ainda para permitir que a vítima terceiro de boafé ou até mesmo o imputado postule a sua restituição Por fim muito importante é não confundir o instituto da apreensão com as medidas assecuratórias previstas nos arts 125 a 144 especialmente o sequestro e arresto de bens móveis Voltaremos a essas questões ao tratar das medidas cautelares mas desde logo esclarecemos que a apreensão é sempre do objeto direto do crime ou seja do automóvel furtado roubado etc o sequestro de bens móveis do art 125 recai sobre todo e qualquer bem adquirido com os proventos da infração por exemplo sequestrase o carro adquirido com o dinheiro obtido no roubo de um banco as joias adquiridas com a venda de objetos anteriormente furtados etc o arresto do art 137 tem por objeto os bens móveis de origem lícita diversa do crime Assim no crime de homicídio por exemplo pode ser arrestado o automóvel do imputado tendo por fim resguardar os efeitos indenizatórios decorrentes da eventual sentença penal condenatória Exceção deve ser feita quando com os proventos da infração dinheiro eletrodomésticos etc o agente adquire coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito Exemplo com o dinheiro obtido no roubo ou com a venda dos objetos subtraídos o agente adquire substâncias entorpecentes cocaína maconha etc ou armas ilegais Nesse caso haverá apreensão do objeto ilícito Somente tendo presente essa distinção é possível compreender a confusa redação do art 132 do CPP quando diz que Art 132 Procederseá ao sequestro dos bens móveis se verificadas as condições previstas no art 126 não for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro Significa que caberá o sequestro quando não for caso de busca e apreensão ou seja quando o bem móvel é adquirido com os proventos da infração e portanto não é passível de busca e apreensão somente para objeto direto 118 O Problemático Desvio da Vinculação Causal Aplicação do Princípio da Especialidade da Prova Imaginese o caso em que é autorizada judicialmente a busca e apreensão de provas de um delito de tráfico de drogas mas também são apreendidos documentos relativos ao delito de sonegação fiscal É válido esse desvio causal para que essa prova sirva para apuração de ambos os delitos Inicialmente é preciso compreender que o ato judicial que autoriza a busca domiciliar é plenamente vinculado e limitado Há todo um contexto jurídico e fático necessário para legitimar a medida que institui uma especialidade de seus fins Ou seja a excepcionalidade e lesividade de tais medidas exigem uma eficácia limitada de seus efeitos e mais ainda uma vinculação àquele processo Tratase de uma vinculação causal em que a autorização judicial para a obtenção da prova naturalmente vincula a utilização naquele processo e em relação àquele caso penal sendo assim simultaneamente vinculada e vinculante Essa decisão ao mesmo tempo em que está vinculada ao pedido imposição do sistema acusatório é vinculante em relação ao material colhido pois a busca e apreensão interceptação telefônica quebra do sigilo bancário fiscal etc está restrita à apuração daquele crime que ensejou a decisão judicial Mas a questão é complexa sendo necessário para evitar repetições inúteis remeter o leitor para o tópico anterior onde tratamos dos Limites Impostos ao Substancialismo Inquisitorial Obtenção de Prova de Crime Diverso Desvio da Vinculação Causal Princípio da Especialidade da Prova 119 Da Busca Pessoal Vagueza Conceitual da Fundada Suspeita Busca em Automóveis Prescindibilidade de Mandado Possibilidades e Limites Busca Pessoal não se Confunde com Intervenção Corporal Ao lado da busca e apreensão domiciliar está a busca pessoal ou seja aquela que incide diretamente sob o corpo do agente Autoriza o art 240 2º que se proceda a busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior Assim a autoridade policial militar ou civil federal ou estadual poderá revistar o agente quando houver fundada suspeita Mas o que é fundada suspeita Uma cláusula genérica de conteúdo vago impreciso e indeterminado que remete à ampla e plena subjetividade e arbitrariedade do policial Pouco se tem manifestado a jurisprudência sobre o tema até mesmo pela dinâmica dos fatos que não permite uma pronta intervenção jurisdicional Mas é interessante a manifestação do STF no HC 81304 4Goiás da relatoria do Min Ilmar Galvão que determinou o arquivamento de termo circunstanciado realizado pela suposta prática do crime de desobediência O imputado negouse a submeterse a revista pessoal pela polícia militar tendo sido realizado termo circunstanciado Como apontou o Ministro a fundada suspeita prevista no art 244 do CPP não pode fundarse em parâmetros unicamente subjetivos exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista em face do constrangimento que causa Ausência no caso de elementos dessa natureza que não se pode ter configurado na alegação de que trajava o paciente blusão suscetível de esconder uma arma sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder Tratase de ranço autoritário de um Código de 1941 Assim por mais que se tente definir a fundada suspeita nada mais se faz que pura ilação teórica pois os policiais continuarão abordando quem e quando eles quiserem133 Elementar que os alvos são os clientes preferenciais do sistema por sua já conhecida seletividade Eventuais ruídos podem surgir quando se rompe a seletividade tradicional mas dificilmente se vai além de mero ruído Daí por que uma mudança legislativa é imprescindível para corrigir tais distorções Mas voltando ao mundo de fantasia do processo penal a busca pessoal somente poderia ser feita quando houver a fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou sem o porte regular ou ainda coisas achadas ou obtidas por meios criminosos instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos munições instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu apreender cartas abertas ou não destinadas ao acusado ou em seu poder quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato colher qualquer elemento de convicção Como se não bastasse a amplitude do dispositivo inclui ainda o legislador a alínea h dando uma abertura apavorante aos poderes de busca pessoal aos policiais A busca pessoal também vai legitimar a busca em automóveis não havendo qualquer necessidade de ordem judicial Assim a autoridade policial poderá proceder à revista pessoal e nos automóveis caminhões ônibus etc a qualquer hora do dia ou da noite sem a necessidade de mandado judicial bastando para tanto que alegue a fundada suspeita de que alguém possa estar ocultando quase que qualquer coisa Claro em tese há a possibilidade de o policial ser responsabilizado pelo crime de abuso de autoridade previsto na Lei n 4898 quando não houver fundada suspeita O problema é que ao darse tal abertura para o uso da autoridade fica extremamente difícil a demonstração de que houve abuso O que separa o uso do abuso quando há tal indefinição da lei O problema de medidas assim com amplo espaço para abusos poderia ser atenuado com maior rigor no preparo técnico dos policiais e principalmente efetivo controle da validade dos atos por parte dos juízes e tribunais Infelizmente nada disso ocorre e com ampla complacência dos julgadores os abusos são frequentes Não raras vezes os próprios juízes legitimam as buscas de arrastão e sem qualquer critério legítimo sob o argumento de que são meros dissabores justificados pelos altos índices de violência urbana claro até porque eles estão imunes a tais dissabores Outros ainda com precários subterfúgios discursivos recorrem à lógica de que os fins justificam a ilegalidade dos meios Reza ainda o art 249 que a busca pessoal em mulher deve ser realizada por outra mulher Nada mais natural ainda mais com os notórios abusos praticados nesse campo Mas o ranço autoritário do CPP relativiza até isso Art 249 A busca em mulher será feita por outra mulher se não importar retardamento ou prejuízo da diligência Basta que a autoridade policial executante da medida argumente que esperar até a chegada de outra mulher policial é claro implicaria retardamento ou prejuízo da diligência para que a pseudogarantia caia por terra Logo o caminho para a ineficácia do dispositivo é dado por ele mesmo Noutro campo a busca pessoal também está automaticamente autorizada quando realizada no bojo de uma busca domiciliar Essa disposição do art 244 é lógica e necessária para eficácia da própria busca domiciliar Aqui a situação é diferente pois foi judicialmente autorizada a busca domiciliar de modo que a revista dos presentes é englobada e imprescindível para a obtenção da prova buscada Ainda que não houvesse essa disposição expressa o art 240 2º h autorizaria a busca pessoal de quem na casa estivesse Por fim detalhe importante ocorre nos casos de tráfico de substância entorpecente em que o agente ingere a droga que irá transportar Será que a busca pessoal com o fim de apreender a substância pode autorizar uma intervenção corporal cirúrgica ou ministrando medicamento adequado para apreensão da substância Não salvo se houver o consentimento válido do agente Isso porque nesse caso a questão é deslocada para outra esfera a da intervenção corporal Como já explicamos anteriormente ao tratar do direito de silêncio e do nemo tenetur se detegere não existe a possibilidade de extração compulsória de fluidos sangue ou mesmo da substância entorpecente ingerida Não havendo consentimento e estando o agente cautelarmente preso deverá a autoridade aguardar até que ele naturalmente evacue expelindo de seu organismo a substância Claro que tal procedimento poderá ser abreviado se o imputado concordar com a ingestão de laxantes até para abreviar o inevitável e reduzir os riscos de rompimento dos invólucros onde a droga está acondicionada 12 Restituição das Coisas Apreendidas Perda e Confisco de Bens Questão intimamente relacionada com a apreensão de objetos é sua posterior restituição ou perda Dentro da lógica dos institutos a restituição pode ser estudada logo após a apreensão e a partir disso rompemos com a estrutura do Código de Processo Penal e criamos o fio condutor entre os arts 240 e ss com a restituição que está nos arts 118 a 124 do CPP Como explicado anteriormente ao longo da investigação preliminar processo ou mesmo execução pode haver a apreensão de coisas que interessem à prova ou mesmo à vítima ou terceiro de boafé que tenha sido prejudicado pelo delito Nesse tema há que se cotejar o art 118 do CPP com o art 91 do Código Penal Assim o art 118 lido a contrário senso permite a restituição das coisas que não interessem mais ao processo Mas essa regra deve ser lida em conjunto com o art 91 II do Código Penal Art 91 São efeitos da condenação I tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime II a perda em favor da União ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boafé a dos instrumentos do crime desde que consistam em coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito b do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso Logo duas variáveis iniciais devem ser ponderadas para que o objeto possa ou não ser restituído o interesse para o processo de cunho essencialmente probatório a natureza da coisa pois se for um instrumento cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito ou ainda noutra dimensão quando for produto do crime ou proveito auferido com o delito não haverá restituição A restituição pode ser pedida pelo terceiro de boafé ou até mesmo pelo imputado afetado pela apreensão sem perder de vista a natureza da coisa e a necessidade probatória Quando um carro moto carteira telefone ou qualquer objeto é furtado ou roubado por exemplo será ele objeto de apreensão pois é objeto direto do crime seu próprio corpo de delito Devidamente documentada a apreensão e avaliado o bem do valor econômico pois relevante para a dosimetria da pena poderá ele ser restituído à vítima pois não há necessidade processual de permanecer constrangido e tampouco é um objeto cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito Assume a restituição nesse caso uma eficácia reparadora do dano causado à vítima pelo delito Pode ocorrer que o bem apreendido seja algo cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito como uma substância entorpecente mas se o imputado ou o terceiro afetado tiver uma autorização para possuir a substância para fins de estudo pesquisa uso médico etc poderá ela ser restituída É o que ocorre no furto do consultório de um médico em que são subtraídos objetos e diversos medicamentos de venda restrita e uso controlado Estando o médico legitimado a possuir e armazenar tais medicamentos uma vez apreendidos poderão ser restituídos Especificamente nesse tema tóxicos deve ser lido o art 243 e seu parágrafo único da Constituição quando determina que Art 243 As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei Parágrafo único Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização controle prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias O art 243 e seu rigor devem ser reservados para os casos de tráfico de substâncias entorpecentes de modo que o pequeno cultivo destinado ao uso não justifica a perda da propriedade imóvel Deve haver um nexo com o delito de tráfico O parágrafo único contém uma abertura conceitual ao definir que todo e qualquer bem de valor econômico o que significa dizer qualquer coisa apreendido em decorrência do tráfico ilícito de drogas será confiscado mas isso não é automático e tampouco pode prescindir do devido processo Ou seja o confisco somente se efetiva após o devido processo penal como efeito da sentença penal condenatória transitada em julgado Situação bastante comum é a do automóvel ocupado por várias pessoas em que uma delas transporta uma quantidade tal de substâncias entorpecentes com a intenção de venda que se constitui o delito de tráfico O carro será apreendido e perdido em favor da União Depende Com acerto a jurisprudência tem feito uma interpretação restritiva do dispositivo de modo que o bem carro moto caminhão etc para ser confiscado deve ser utilizado com o fim específico de praticar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes A utilização isolada do bem sem uma destinação especial ou continuada não justifica o confisco Inclusive em processos dessa natureza em que são apreendidos veículos o próprio Laudo de Exame de Veículo Terrestre possui um item sobre alteração na estrutura original do veículo Tal quesito destinase a informar a existência de compartimentos ou qualquer outra alteração previamente preparada com a finalidade de ocultar produtos eou substâncias entorpecentes134 Assim não demonstrada essa especial destinação do bem seu nexo instrumental de uso para consecução do delito ou que tenha sido adquirido com recursos provenientes da atividade criminosa não há que se falar em confisco Mudando o enfoque quanto à arma apreendida seja porque estava no local onde foi realizada a busca seja porque foi utilizada no crime algumas considerações devem ser feitas Existem dois documentos distintos O registro da arma permite a sua propriedade lícita mas não sua utilização em vias públicas ou locais públicos O uso fica restrito ao domicílio do agente Já o porte pressupõe o registro e autoriza a pessoa a portar a arma junto ao corpo no carro etc em ambientes públicos É o que autoriza a circulação do agente armado fora da residência Assim pode ocorrer de alguém que tenha o registro da arma ser preso e a arma apreendida por portála em via pública sem a correspondente autorização porte ou ainda que a arma tenha sido apreendida porque foi utilizada na prática de um delito Em ambos os casos a propriedade é lícita e portanto quando não mais interessar ao processo poderá ser restituída ao agente ainda que ele tenha sido condenado Tratase de um instrumento do crime mas cuja propriedade está legitimada pelo registro Situação completamente diferente se daria caso a arma não fosse registrada pois inviabilizada estaria a restituição O pedido de restituição quando não houver dúvida sobre o direito de quem o fez pois perfeitamente demonstrada a propriedade lícita poderá ser concedido até mesmo pela autoridade policial Sempre será contudo certificado nos autos do inquérito Do contrário havendo a necessidade de uma cognição ou discussão mais apurada da questão deverá o pedido ser feito à autoridade judiciária ainda que na fase préprocessual a quem após a manifestação do Ministério Público caberá a decisão Não havendo mais a necessidade probatória e inexistindo dúvida sobre a legitimidade do proprietário os bens poderão ser restituídos Havendo dúvida o pedido de restituição será processado em autos apartados cabendo ao requerente no prazo de 5 dias demonstrar sua propriedade ou documentos que o autorizem a ter o objeto ou substância Quando a dúvida se estabelecer entre o terceiro de boafé e a vítima reclamante em torno de quem seja o verdadeiro dono o juiz deverá remeter as partes para o juízo cível como determina o art 120 4º do CPP determinando que o bem fique depositado até a resolução da questão Tratandose de coisas facilmente deterioráveis ou perecíveis serão elas avaliadas e vendidas em leilão público depositando se em juízo o valor apurado até que se defina quem é o legítimo proprietário 1 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 2 p 123 2 Idem ibidem p 123 3 Idem ibidem p 124 4 Citado por GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1997 p 155 5 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa America 1963 v 2 p 202 6 Para além do dever genérico de fundamentação no Brasil previsto no art 93 IX da Constituição o CPP português determina no art 1632 que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos deve aquele fundamentar a divergência 7 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 2 p 195 8 MORENO CATENA Victor et al Derecho Procesal Penal p 422 9 GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1999 p 157 10 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional p 76 11 Posição também compartilhada por SCARANCE FERNANDES na obra Processo Penal Constitucional cit p 76 12 O ideal seria o indiciado mas considerando que o indiciamento é geralmente postergado para o final com a clara intenção de subtrair os direitos inerentes a esse estado jurídico preferimos a categoria mais ampla de sujeito passivo incluindo aqui o já indiciado e o mero suspeito 13 Assim em se tratando de crimes formais ou de mera conduta tende a jurisprudência a não considerar necessário o exame de corpo de delito 14 HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL LESÃO CORPORAL GRAVE AUSÊNCIA DO EXAME DE CORPO DE DELITO EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE OUTRO ELEMENTO DE PROVA PROVA TESTEMUNHAL CAPAZ DE SUPRIR A REFERIDA AUSÊNCIA NULIDADE INOCORRÊNCIA A ausência de laudo pericial assinado por dois peritos não impede que seja reconhecida a materialidade das lesões Isso porque o art 158 do CPP prevê além do exame de corpo de delito direto o indireto que pode ser entre outros exame da ficha clínica do hospital que atendeu a vítima fotografias filmes atestados Nos delitos materiais a ausência do exame de corpo de delito pode ser suprida por outros meios de prova confissão prova testemunhal etc Precedentes Ordem denegada HC 37760RJ Ministro José Arnaldo da Fonseca 5ª Turma do STJ publicado no DJ 16112004 p 312 15 HASSANCHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 306 16 Nesse sentido FURTO TENTATIVA PROVA SUFICIENTE DA AUTORIA CONDENAÇÃO MANTIDA 1 ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO PERITOS POLICIAIS INVALIDADE DA PERÍCIA 2 CONCURSO DE AGENTES ISONOMIA COM A MAJORANTE DO ROUBO 3 READEQUAÇÃO DA PENA 4 EXCLUSÃO DA PENA DE MULTA IMPOSSIBILIDADE PRINCÍPIO DA INDERROGABILIDADE 5 SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS 1 A q ualificadora do rompimento de obstáculo à subtração da coisa exige exame pericial por ser ocorrência que deixa vestígios Inválido exame por falta de isenção dos peritos por serem policiais em razão da própria natureza de suas atividades Afastada a qualificadora Apelação Crime 70014649545 5ª Câmara Criminal Tribunal de Justiça do RS Relator Aramis Nassif julgado em 11102006 17 RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL PENAL HOMICÍDIO AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DO EXAME DE CORPO DE DELITO SUPRIMENTO AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS A PARTIR DAS DEMAIS PROVAS EXISTENTES NOS AUTOS RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO Trecho do Voto O exame de corpo de delito não é imprescindível tanto é assim que a própria lei adjetiva orienta como proceder em sua falta embora em verdade devase envidar todos os esforços possíveis para sua realização No caso em análise não houve desídia por parte da autoridade policial observandose que sempre se laborou no sentido da localização do corpo da vítima além de outras perícias Desde o início empreendeuse diligência com o fim de localizar o corpo de Alba seja na região de Campinas nos meses de fevereiro e maio de 1987 fls 58 e 83 seja no Estado de Mato Grosso do Sul nos meses de agosto de 1987 e junho de 1988 consoante os extensos e detalhados relatórios de fls 187195 e 392410 Em que pese todos os esforços nunca se localizou o corpo de Alba Entretanto a não localização do corpo da vítima ou da arma e consequente realização do exame pericial respectivo não acarreta a impossibilidade da persecutio criminis posto que sua falta conforme já frisado é suprida pela prova testemunhal e indiciária STJ REsp 618037SP Rel Min Arnaldo Esteves Lima DJU 10032006 18 Em sentido contrário ao nosso sublinhandose que se trata de situação muito peculiar TRÁFICO DE ENTORPECENTE EXAME TOXICOLÓGICO HIPÓTESE EM QUE ESSE EXAME PODE SER SUBSTITUÍDO PELA PROVA TESTEMUNHAL EMENDATIO LIBELLI Tráfico de entorpecente Quadrilha de policiais que subtraía substâncias entorpecentes de traficantes para comercialização e extorsão Impossibilidade óbvia do pretendido exame toxicológico cuja ausência é suprida pela prova testemunhal Precedente HC 78749 Desclassificação do crime de extorsão mediante sequestro para extorsão simples CP art 158 Hipótese de emendatio libelli e não de mutatio libelli HC indeferido RHC 83494 Relatora Min Ellen Gracie DJ 02042004 19 GÖSSEL KarlHeinz Las Investigaciones Genéticas como Objeto de Prueba en el Proceso Penal Revista del Ministerio Fiscal n 3 janeirojunho de 1996 p 147 20 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v II p 180 21 TOLEDO BARROS Suzana O Princípio da Proporcionalidade e o Controle da Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais Brasília Brasília Jurídica 1996 p 959 22 GIL HERNANDEZ Ángel Intervenciones Corporales y Derechos Fundamentales Madrid Colex 1995 p 26 e ss 23 Notícia publicada em 17082009 no site httpwwwnytimescom20090818science18dnahtml DNA EVIDENCE CAN BE FABRICATED SCIENTISTS SHOW By ANDREW POLLACK Published August 17 2009 Scientists in Israel have demonstrated that it is possible to fabricate DNA evidence undermining the credibility of what has been considered the gold standard of proof in criminal cases The scientists fabricated blood and saliva samples containing DNA from a person other than the donor of the blood and saliva They also showed that if they had access to a DNA profile in a database they could construct a sample of DNA to match that profile without obtaining any tissue from that person You can just engineer a crime scene said Dan Frumkin lead author of the paper which has been published online by the journal Forensic Science International Genetics Any biology undergraduate could perform this Dr Frumkin is a founder of Nucleix a company based in Tel Aviv that has developed a test to distinguish real DNA samples from fake ones that it hopes to sell to forensics laboratories The planting of fabricated DNA evidence at a crime scene is only one implication of the findings A potential invasion of personal privacy is another Using some of the same techniques it may be possible to scavenge anyones DNA from a discarded drinking cup or cigarette butt and turn it into a saliva sample that could be submitted to a genetic testing company that measures ancestry or the risk of getting various diseases Celebrities might have to fear genetic paparazzi said Gail H Javitt of the Genetics and Public Policy Center at Johns Hopkins University Tania Simoncelli science adviser to the American Civil Liberties Union said the findings were worrisome DNA is a lot easier to plant at a crime scene than fingerprints she said Were creating a criminal justice system that is increasingly relying on this technology John M Butler leader of the human identity testing project at the National Institute of Standards and Technology said he was impressed at how well they were able to fabricate the fake DNA profiles However he added I think your average criminal wouldnt be able to do something like that The scientists fabricated DNA samples two ways One required a real if tiny DNA sample perhaps from a strand of hair or drinking cup They amplified the tiny sample into a large quantity of DNA using a standard technique called whole genome amplification Of course a drinking cup or piece of hair might itself be left at a crime scene to frame someone but blood or saliva may be more believable The authors of the paper took blood from a woman and centrifuged it to remove the white cells which contain DNA To the remaining red cells they added DNA that had been amplified from a mans hair Since red cells do not contain DNA all of the genetic material in the blood sample was from the man The authors sent it to a leading American forensics laboratory which analyzed it as if it were a normal sample of a mans blood The other technique relied on DNA profiles stored in law enforcement databases as a series of numbers and letters corresponding to variations at 13 spots in a persons genome From a pooled sample of many peoples DNA the scientists cloned tiny DNA snippets representing the common variants at each spot creating a library of such snippets To prepare a DNA sample matching any profile they just mixed the proper snippets together They said that a library of 425 different DNA snippets would be enough to cover every conceivable profile Nucleixs test to tell if a sample has been fabricated relies on the fact that amplified DNA which would be used in either deception is not methylated meaning it lacks certain molecules that are attached to the DNA at specific points usually to inactivate genes 24 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É patente a violação do contraditório e da ampla defesa nesses casos 25 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 608 26 PELLEGRINI GRINOVER Ada Pareceres Processo Penal In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 343 e ss 27 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 2 p 252 28 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 2 p 252 29 GUARNIERI Jose Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Beraldo de Quirós México Jose M Cajica 1952 p 299 30 Em alguns pontos baseamonos em FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 608 31 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 22 32 Sobre o tema imprescindível a leitura do Directorium Inquisitorum escrito por NICOLAU EYMERICH em 1376 33 Derecho y Razón cit p 608 34 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado São Paulo RT 2006 p 446 35 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional cit p 72 36 Quando não houver a reunião de todos os réus no mesmo processo em que pese a conexão ou continência uma pessoa poderá ser arrolada como testemunha da acusação mascarando nesse caso sua verdadeira condição de corréu Explicamos melhor Um corréu jamais poderá ser ouvido como testemunha seja da acusação ou defesa Contudo quando os processos tramitam em paralelo com os réus A B e C sendo acusados no Processo 1234 e os réus M N e P no Processo 4567 poderá haver a delação premiada de um deles por exemplo do réu A No Processo 1234 A é corréu logo não é testemunha Sem embargo poderá ser arrolado como testemunha de acusação no Processo 4567 depondo como testemunha já que nesse processo ele não é formalmente réu 37 DEZEM Guilherme Madeira Produção da Prova Testemunhal e Interrogatório correlações necessárias Boletim do IBCCrim n 207 fevereiro de 2010 p 6 38 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial cit p 368 39 Questão tormentosa na história do processo penal é a confissão conduzindo sempre ao seguinte questionamento Por que um inocente confessa Ainda que o tema extrapole os limites do presente trabalho cumpre transcrever parte de um estudo divulgado no site wwwconjurcombr2012set08instituicaoestudaporquepessoasconfessamcrimesnaocometeram e que pode contribuir para a compreensão desta complexa problemática bem como advertir dos perigos da crença na confissão Um levantamento recente do Projeto Inocência revelou que de todos os prisioneiros libertados nos últimos anos com base em provas de DNA 25 foram presos porque se incriminaram fizeram confissões por escrito ou gravadas em fita cassete à polícia ou se declararam culpados Estudos de casos mostram que essas confissões não derivaram de conhecimento dos réus sobre o caso mas foram motivadas por influências externas Em princípio é difícil entender por que uma pessoa confessa um crime que não cometeu diz um artigo do Projeto Inocência Mas uma pesquisa psicológica forneceu algumas respostas Uma variedade de fatores pode contribuir para uma confissão falsa durante o interrogatório policial Os casos examinados no estudo mostram que há uma combinação dos seguintes fatores 1 pressão 2 coerção 3 embriaguez 4 capacidade reduzida 5 deficiência mental 6 desconhecimento da lei 7 medo de violência 8 sofrimento real infligido 9 ameaça de uma sentença mais dura 10 falta de compreensão da situação Algumas confissões falsas dizem os especialistas podem ser explicadas pelo estado mental do réu Confissões obtidas de crianças não são confiáveis diz o estudo do Projeto Inocência Crianças são facilmente manipuláveis E nem sempre têm noção clara do que está acontecendo Crianças e adolescentes são facilmente convencidas de que poderão voltar para casa assim que admitirem a culpa Pessoas com deficiência mental fazem confissões falsas porque de uma maneira geral são tentadas a conciliar e a concordar com autoridades especialmente as policiais Além disso os interrogadores policiais não têm qualquer tipo de treinamento para questionar suspeitos com deficiência mental Qualquer estado mental debilitado em razão de deficiência mental drogas bebidas alcoólicas pode provocar falsas admissões de culpa Adultos mentalmente capazes também fazem confissões falsas por uma variedade de fatores tais como excessiva duração do interrogatório exaustão ou pela falsa ideia de que se confessarem podem ser soltos e mais tarde provar sua inocência Seja qual for a idade a capacidade ou o estado mental das pessoas que confessam crimes que não cometeram normalmente elas têm a impressão comum a um certo ponto do processo de interrogatório de que a confissão será mais benéfica para elas do que continuar insistindo em suas inocências Algumas vezes investigadores usam táticas de interrogatório implacável que na prática equivalem à tortura ou chegam à beira da tortura Mas existem outras táticas menos abusivas fisicamente que também podem levar a confissões falsas Por exemplo alguns policiais altamente treinados em interrogatório convencidos da culpa do suspeito usam táticas tão persuasivas que uma pessoa inocente se sente compelida a confessar diz o artigo do Projeto Inocência O estudo mostrou que alguns suspeitos fizeram uma confissão falsa para evitar danos ou desconforto físico Outros são advertidos de que serão condenados com ou sem uma confissão e que a sentença será muito mais leve se confessarem Alguns são aconselhados a confessar porque essa seria a única maneira de evitar a pena de morte ou de prisão perpétua São muitos os casos de inocentes presos nos EUA Mas o Projeto Inocência elegeu o de Eddie Joe Lloyd o favorito para sua campanha para aperfeiçoar o sistema penal por duas razões Primeira a Promotoria de Detroit foi muito cooperativa com os advogados e com os estudantes de Direito que se empenhavam em provar a inocência de Lloyd reconhecendo as falhas de processo e se propondo a colaborar para desfazer um erro judicial A segunda razão é mais forte Depois de provada a inocência de Lloyd condenado graças a armações de policiais para levá lo a se incriminar a Polícia de Detroit pediu desculpas formais à família e prometeu que daí para a frente todos os interrogatórios policiais em casos que podem terminar em sentença de prisão perpétua seriam gravados em vídeo para serem apresentados nos tribunais Começou a fazer isso em 2006 Muitas jurisdições nos EUA seguiram o exemplo de Detroit 40 VÉLEZ MARICONDE Alfredo Derecho Procesal Penal 2 ed Buenos Aires Lerner 1969 v II p 393 41 Sublinhamos a decisão proferida pelo STJ 6ª Turma no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 27555PR da relatoria do Min OG FERNANDES julgado em 11052010 assim ementado PROCESSUAL PENAL RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS LEI N 1169008 INTERPRETAÇÃO DO ART 212 DO CPP INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS NULIDADE INOCORRÊNCIA 1 A Lei n 11690 de 9 de junho de 2008 alterou a redação do art 212 do Código de Processo Penal passandose a adotar o procedimento do direito norteamericano chamado crossexamination no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou facultada à parte contrária a seguir sua inquirição exame direto e cruzado e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização 2 A nova lei objetivou não somente simplificar a colheita de provas mas procurou principalmente garantir mais neutralidade ao magistrado e conferir maiores responsabilidades aos sujeitos parciais do processo penal que são na realidade os grandes interessados na produção da prova 3 No caso observase que o juiz de primeiro grau concedeu às partes a oportunidade de questionar as testemunhas diretamente A ausência dessa fórmula gera nulidade absoluta do ato pois se cuida de regramento jurídico cogente e de interesse público 4 Entretanto ainda que se admita que a nova redação do art 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas à luz de uma interpretação sistemática a não observância dessa regra pode gerar no máximo nulidade relativa por se tratar de simples inversão dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas ainda que subsidiariamente para o esclarecimento da verdade real sendo certo que aqui o interesse protegido é exclusivo das partes 5 Não se pode olvidar ainda o disposto no art 566 do CPP Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa 6 Recurso ordinário a que se nega provimento 42 PENAL E PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO ART 33 4º DA LEI 1134306 INVERSÃO NA ORDEM DE QUEM FORMULA AS PERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS ART 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 116902008 NULIDADE ABSOLUTA ALEGAÇÕES DE POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE PLEITOS PREJUDICADOS EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DE NULIDADE PROGRESSÃO DE REGIME FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 114642007 LAPSO TEMPORAL PARA PROGRESSÃO DE REGIME NA FRAÇÃO DE 25 I O art 212 do Código de Processo Penal com redação dada pela Lei n 1169008 determina que as perguntas serão formuladas diretamente pelas partes às testemunhas possibilitando ao magistrado caso entenda necessário complementar a inquirição acerca de pontos não esclarecidos II Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato consignando que o Juízo Singular incorreu em error in procedendo caracteriza constrangimento por ofensa ao devido processo legal sanável pela via do habeas corpus o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade HC 121216DF 5ª Turma Rel Min Jorge Mussi DJe de 01062009 no mesmo sentido HC 137091DF 5ª Turma Rel Min Arnaldo Esteves Lima DJe de 13102009 III Anulada a audiência de instrução e julgamento realizada em desconformidade com a previsão contida no art 212 do Código de Processo Penal bem como os atos subsequentes perdeu o objeto o presente writ no que tange aos pleitos referentes à possibilidade de suspensão condicional da pena e direito de recorrer em liberdade IV V VI VII VIII Ordem parcialmente concedida apenas para anular a audiência de instrução e julgamento realizada em desconformidade com a previsão contida no art 212 do Código de Processo Penal bem como os atos subsequentes determinando que outra seja realizada consoante as disposições do referido dispositivo 43 APELAÇÃO TRÁFICO DE DROGAS PRELIMINAR NULIDADE ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 1 A nova sistemática adotada à inquirição das testemunhas pela legislação processual brasileira através da Lei n 11690 de 9 de junho de 2008 alterou substancialmente a metodologia da colheita da prova testemunhal Além da ordem da inquirição das testemunhas primeiro as arroladas pela acusação e após as arroladas pela defesa houve importante modificação no que tange à ordem de formulação do questionamento A literalidade legal é clara encontrando suporte e aderência constitucional 2 Segundo essa nova sistemática as partes formulam as perguntas antes do magistrado diretamente à pessoa que estiver prestando o seu depoimento pois a parte que arrolou o depoente através da iniciativa das perguntas demonstrará o que pretende provar Após a parte adversa exercitará o contraditório na metodologia da inquirição formulando as perguntas de seu interesse Porém antes das perguntas das partes a vítima ou a testemunha poderá narrar livremente o que sabe acerca dos fatos Com isso se garantem o equilíbrio e o contraditório na formação da prova através de uma previsão clara e objetiva nos moldes do adversary system com regramento acerca das funções entre os sujeitos processuais 3 Primeiramente a parte demonstra o que pretende provar com a inquirição de determinado sujeito em seguida garantese o contraditório e por último o magistrado realiza a complementação na esteira da situação processual formada com as perguntas com o objetivo de esclarecer situações que a seu juízo não restaram claras Caminhase na esteira de um sistema democrático ético e limpo de processo penal fair play Evitamse os intentos inquisitoriais o assumir o lugar da parte a parcialização do sujeito encarregado do julgamento 4 A nova sistemática exige a presença do acusador e do defensor na audiência e deste efetividade sob pena de ofensa às garantias constitucionais Não se retira o comando da audiência e a valoração da prova ao magistrado na medida em que este continua controlando as perguntas pois a prova se destina a seu convencimento podendo formular questões suplementares ao final Essa é a nova metodologia legal inserida no devido processo constitucional em seu aspecto formal e substancial a ser observado PRELIMINAR ACOLHIDA MÉRITO PREJUDICADO 44 3 A Lei n 11690 de 9 de junho de 2008 alterou a redação do art 212 do Código de Processo Penal passandose a adotar o procedimento do Direito NorteAmericano chamado crossexamination no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou facultada à parte contrária a seguir sua inquirição exame direto e cruzado e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização 5 Entretanto ainda que se admita que a nova redação do art 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas à luz de uma interpretação sistemática a não observância dessa regra pode gerar no máximo nulidade relativa por se tratar de simples inversão dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas ainda que subsidiariamente para o esclarecimento da verdade real sendo certo que aqui o interesse protegido é exclusivo das partes 6 Não se pode olvidar ainda o disposto no art 566 do CPP não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa 45 MAGALHÃES GOMES FILHO Antonio Direito à Prova no Processo Penal pp 92 e ss 46 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado cit p 444 47 NUCCI op cit p 460 e 463 48 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 410 49 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal cit p 382 50 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional cit p 71 51 Art 221 O Presidente e o VicePresidente da República os senadores e deputados federais os ministros de Estado os governadores de Estados e Territórios os secretários de Estado os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais os membros do Poder Judiciário os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União dos Estados do Distrito Federal bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz 1º O Presidente e o VicePresidente da República os presidentes do Senado Federal da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito caso em que as perguntas formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz Ihes serão transmitidas por ofício grifo nosso 52 No mesmo sentido NUCCI op cit p 480 53 CORDERO Franco Op cit p 55 54 MERLEAUPONTY Maurice O Olho e o Espírito Rio de Janeiro Grifo 1969 55 DAMÁSIO António O Erro de Descartes São Paulo Companhia das Letras 1996 p 280 e ss 56 LAPLANTINE François Aprender Antropologia trad MarieAgnès Chauvel 15 reimpressão da primeira edição São Paulo Brasiliense 2003 p 169 e ss 57 Muito relevante para o Direito é a consciência de que como ensina LAPLANTINE op cit p 171 e ss a ideia de que se possa construir um objeto de observação independentemente do próprio observador provém na realidade de um modelo objetivista que foi o da física até o final do século XIX mas que os próprios físicos abandonaram há muito tempo É a crença de que é possível recortar objetos isolálos e objetivar um campo de estudo do qual o observador estaria ausente ou pelo menos substituível Esse modelo de objetividade por objetivação é sem dúvida pertinente quando se trata de medir ou pesar pouco importa neste caso que o observador tenha 25 ou 70 anos que seja africano ou europeu socialista ou conservador Não pode ser conveniente para compreender comportamentos humanos que veiculam sempre significações sentimentos e valores 58 Célebre lição de CARNELUTTI de que a verdade é inalcançável até porque a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós tão bem analisada por JACINTO COUTINHO Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 175 e ss 59 Ainda que não concordemos podese argumentar em torno da aplicabilidade do art 209 do CPP Dessa forma o assistente poderia justificando para convencer arrolar testemunhas que não integraram o rol originário do MP invocando a aplicação do art 209 do CPP para que o juiz as ouça utilizando essa faculdade Se indeferido o pedido nenhum cerceamento poderia ser alegado Apenas sugerese que não se invoque a absurda verdade real como argumento 60 DEZEM Guilherme Madeira Produção da Prova Testemunhal e Interrogatório correlações necessárias cit p 6 61 Em que pese ser essa uma afirmação dos autores citados pensamos que ela deve ser esclarecida até porque é um erro pensar as dimensões do consciente e do inconsciente como estanques compartimentalizadas A linha é tênue se não indefinida Também se deve compreender que a falsa memória pode nascer de uma confusão mental de uma informação inicial verdadeira mas que sofre uma poluição em decorrência de um processo de mistura com o imaginário gerando uma confusão de dados por parte do sujeito que passa a tomar como verdadeiro o fato distorcido 62 Tratando da ação e esquecimento e sua relevância penal nos casos de omissão de atividade devida JUAREZ TAVARES traz importantes lições sobre a memorização declarativa e a memorização procedimental bem como dos processos de esquecimento Sobre o tema consultese a obra Direito Penal da Negligência Uma Contribuição à Teoria do Crime Culposo 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 221224 63 O Erro de Descartes cit p 128129 64 Professora de Psicologia e Direito na Universidade de Washington é PhD em Psicologia com dezenas de trabalhos publicados sobre o tema Nessa breve apresentação utilizamos os seguintes trabalhos Criando falsas memórias Artigo publicado na Scientific American em setembro de 1997 tradução pode ser obtida no site wwwgeocitiescomathensacropolis6634falsamemoriahtm As falsas memórias Revista Viver Mente Cérebro 65 Nesse sentido também DI GESU Cristina Prova penal e Falsas Memórias Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 66 Entre outros sugerimos o estudo dos seguintes casos Caso Frank Lee Smith condenado à morte nos Estados Unidos pelo homicídio de Sandra Whitehead Caso MacMartin ocorrido nos anos 80 no subúrbio de Los Angeles onde os empregados da préescola Virginia MacMartin foram acusados de violentar sexualmente um menino de 2 anos e meio Caso Friedman também ocorrido nos anos 80 nos Estados Unidos dando origem ao documentário Capturing the Friedmans de 2003 Caso Orteu considerado o Chernobyl Judiciário francês cujo processo iniciou em 2000 Caso da Casa Pia um internato de Lisboa cujas notícias iniciam em 2002 divulgando que crianças e adolescentes que lá residiam haviam sofrido abusos sexuais por parte de pessoas influentes e até um exministro português 67 Sobre o tema consultese o trabalho de THIAGO DOMENICI no site httpescolabasesitesuolcombrreushtml e também o videodocumentário O Caso da Escola Base Imprescindível ainda a leitura da obra Caso Escola Base os abusos da imprensa do jornalista ALEX RIBEIRO 68 httpescolabasesitesuolcombrreushtml 69 Citado por DI GESU Cristina Prova Penal e Falsas Memórias cit p 122 70 Idem ibidem p 199 e ss 71 DI GESU op cit p 120 72 Idem ibidem p 124 73 PISA Osnilda Psicologia do Testemunho os riscos na inquirição de crianças Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de PósGraduação em Psicologia da PUCRS Lílian Milnitsky Stein orientadora Porto Alegre julho de 2006 p 15 e ss Esse mesmo trecho também pode ser encontrado na sentença proferida pela Juíza Osnilda Pisa que foi transcrita no Acórdão 70017367020 5ª Câmara Criminal do TJRS Rel Des Amilton Bueno de Carvalho julgado em 27 de dezembro de 2006 74 PISA Osnilda Op cit p 15 e ss 75 Imprescindível aqui a estrita observância das regras da prova pericial conforme explicado anteriormente Não se pode admitir como prova atípica um ato que na verdade mascara uma prova típica mas produzida com defeito violação da forma prescrita 76 Conforme DI GESU op cit p 172 e ss 77 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 106 78 Na Espanha la diligencia de reconocimiento en rueda está previsto nos arts 368 e ss da LECrim e é considerada uma prova típica da fase préprocessual sendo atipica e inidónea para ser practicada en el plenário o acto del juicio oral as primeiras sentenças do Tribunal Supremo nesse sentido são de 07121984 e 05031986 Argumentam que a identificação do acusado é uma função típica da investigação preliminar sem a qual não se pode produzir a acusação Por outro lado há uma preocupação muito grande e incrivelmente desconsiderada pelo sistema judiciário brasileiro de que a repetição dessa prova em juízo é extremamente problemática pois é praticamente inviável repetir em juízo a roda de reconhecimento com as mesmas pessoas que estavam presentes na fase preliminar Logo a única pessoa cuja presença estaria sendo repetida em ambos os atos seria o réu e isso constitui um inequívoco induzimento ao reconhecimento Na sentença de 24061991 o Tribunal Supremo da Espanha alertou ainda da dificuldade de repetir o reconhecimento quando da primeira vez foi realizado de forma incorreta pois existe el grave peligro de que la persona que en la primera ocasión reconoció mal porque la rueda estaba mal constituída siga reconociendo no al participe del hecho criminal sino a quien ya fue defectuosamente identificado Tais questões são da maior relevância mas nunca mereceram qualquer atenção por parte da doutrina ou jurisprudência brasileira Daí por que há uma errônea cultura de simplificação das formas que ao informalizar o ato reduz a esfera de garantias fundamentais 79 O ideal é a pena de nulidade mas pelo menos em não sendo adotada essa sistemática que seja sancionada como não tendo valor probatório nos termos do art 1474 do CPP português 80 Contrastando com o atraso de nossas práticas judiciárias o Codice di Procedura Penale italiano prevê no seu art 213 um verdadeiro procedimento preliminar ao reconhecimento Sob pena de nulidade cominada art 2133 deverá o juiz convidar a vítima ou testemunha a descrever a pessoa indicando todas suas características perguntando ainda se já fez o reconhecimento anteriormente ou se já a viu anteriormente através de fotografias ou imagens bem como se existe alguma circunstância que possa influir no reconhecimento exatamente igual está disposto no art 147 do CPP português claramente inspirado nesse ponto no italiano Todas as perguntas e respostas deverão ser consignadas na ata da audiência por expressa determinação legal art 2132 Só então dará início ao reconhecimento Tais requisitos também deveriam ser observados no sistema brasileiro até porque em sentido similar dispõe o art 226 I ainda que de forma não tão completa 81 Entre 5 e 9 participantes é o número sugerido por REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ no trabalho Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación In Psicologia e Investigación Judicial Madrid Fundación Universidad Empresa 1997 p 93 e ss a partir de diversos estudos realizados no campo da psicologia judicial 82 Em sentido diverso e de forma insatisfatória pensamos o Codice di Procedura Penale italiano prevê no art 2141 um mínimo de duas pessoas além do réu para realização do reconhecimento Reproduzindo o sistema italiano também dispõe dessa forma o CPP português no seu art 1472 83 Como adverte HUERTAS MARTIN Maria Isabel El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba Barcelona Bosch 1999 p 263 o Código de Processo Penal Militar espanhol prevê no seu art 1552 que se o delito foi cometido com a utilização de uniforme militar todos os participantes do reconhecimento deverão vestirse do mesmo modo Iguais cautelas também deveríamos adotar no sistema brasileiro para melhor qualidade do material probatório produzido 84 Devese considerar ainda a advertência de HUERTAS MARTIN op cit p 243 de que o reconhecimento fotográfico deve ter sempre escassa validade probatória pois a experiência judicial demonstra que é um instrumento com grande propensão a erros A situação é agravada quando a fotografia do suspeito passa a ser amplamente difundida pelos meios de comunicação criando um clima de induzimento extremamente perigoso prova disso é a quantidade de pessoas que após a divulgação passam a afirmar terem visto o agente ao mesmo tempo em lugares completamente distantes e diversos 85 PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS REVISÃO CRIMINAL FURTO QUALIFICADO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO EM SEDE POLICIAL INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES CONTIDAS NO ART 226 DO CPP RECONHECIMENTO PESSOAL FEITO EM JUÍZO IRREGULARIDADE SANADA SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA PRECEDENTES DO STJ E DO STF ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E NESSA EXTENSÃO DENEGADA 1 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a possibilidade de reconhecimento do acusado por meio fotográfico desde que observadas as formalidades contidas no art 226 do Código de Processo Penal 2 Eventual irregularidade cometida no inquérito policial restou sanada na fase judicial porquanto o juiz processante ao realizar o reconhecimento pessoal do acusado na audiência de inquirição de testemunhas o fez sob o crivo do contraditório e da ampla defesa 3 Não tendo a controvérsia relativa à alteração do regime de cumprimento de pena sido objeto de debate e julgamento por parte do Tribunal de origem o exame da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de habeas corpus ocasionaria indevida supressão de instância 4 Ordem parcialmente conhecida e nessa extensão denegada HC 136147SP Rel Min Arnaldo Esteves Lima 5ª Turma j 06102009 DJe 03112009 86 A título de curiosidade nunca como exemplo a ser seguido no processo penal alemão 81b da StPO existe a possibilidade de modificar o aspecto físico do imputado cortar barba cabelo para permitir a identificação bem como obrigálo a deixarse fotografar para os álbuns da polícia ROXIN citado por HUERTAS MARTIN El Sujeto Pasivo p 223 adverte que essas medidas devem ser proporcionais e não estão permitidas se a identidade pode ser investigada de outra maneira mais fácil o que não atenua muito o absurdo dessas medidas 87 Como aponta HUERTAS MARTIN El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba cit p 224225 a lofoscopia consiste no estudo das impressões provenientes de qualquer parte da epiderme podendo distinguirse três ramos principais a datiloscopia que se ocupa das impressões digitais dos dedos das mãos a quiroscopia que se centra na palma das mãos e por último a pelmatoscopia cujo objeto de estudo é a planta dos pés 88 REAL MARTINEZ Santiago FARIÑA RIVERA Francisca e ARCE FERNANDEZ Ramón Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación cit p 93 e ss 89 Imprescindível nesse tema consultar o que explicamos anteriormente sobre as falsas memórias e os estudos realizados por ELIZABETH LOFTUS 90 Infelizmente vivemos uma realidade social em que o racismo entre outros constitui uma metarregra a orientar todo o sistema jurídico penal desde a abordagem policial passando pelo reconhecimento da vítima até chegar no momento da sentença em que o juiz não raras vezes julga a partir dessa metarregra ainda que inconscientemente é claro É uma triste realidade da qual temos muito de que nos envergonhar Sobre o tema sugerimos a leitura de BACILA Carlos Roberto Estigmas Um Estudo sobre os Preconceitos Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 91 REAL MARTINEZ Santiago FARIÑA RIVERA Francisca e ARCE FERNANDEZ Ramón Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación cit p 93 e ss 92 REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ op cit p 99 93 WILLIAMS Anna Virginia Implicações Psicológicas no Reconhecimento de Suspeitos avaliando o efeito da emoção na memória de testemunhas oculares Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Psicologia Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Orientador Celito Francisco Mengarda 2003 94 WILLIAMS op cit 95 Idem ibidem 96 WILLIAMS op cit 97 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 115 98 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 115 99 Idem ibidem p 103 100 MORENO CATENA Victor et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 415 101 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 3 p 149 102 Imprescindível para compreensão dessa afirmação a leitura do que explicamos anteriormente sobre sistemas processuais e a crítica feita ao art 156 do CPP 103 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 426 104 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 278 105 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 3 p 173 106 Isso porque como explicamos ao tratar da verdade no processo penal o crime é sempre um fato passado que será parcialmente reconstruído no presente através da prova São signos do passado avaliados no presente Logo como explica CORDERO Procedimiento Penal cit v 2 p 21 en el significado amplio y menos útil indica cualquier signo toda prueba es indicio ya que viene de indico indicare est manifestare detegere patefacere en los idiomas modernos dinunziare dévoiler descubrir anzeigen to disclose 107 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal cit v 2 p 271 108 BASTOS PITOMBO Cleunice Da Busca e da Apreensão no Processo Penal 2 ed São Paulo RT 2005 p 102 e ss 109 No sentido de ato de investigação que compromete direitos fundamentais diligencias de averiguación y comprobación restrictivas de derechos fundamentales como prefere SARA ARAGONESES MARTINEZ na obra coletiva Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 368 No mesmo sentido de ato de investigação mas sem enfatizar a tensão estabelecida com os respectivos direitos fundamentais HINOJOSA SEGOVIA Rafael La Diligencia de Entrada y Registro en Lugar Errado en el Proceso Penal Madrid Edersa 1996 p 49 110 Aspecto destacado por ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 405 ao analisar la perquisición domiciliaria com uma clara característica de medida assecuratória cautelar da prova 111 É o que ocorre quando se apreende o objeto direto do crime isto é por exemplo a coisa alheia móvel subtraída no crime de furto ou roubo Uma vez apreendido o bem poderá ser restituído ao seu legítimo proprietário nos termos dos arts 118 e ss do CPP 112 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 67 113 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 74 114 Idem ibidem p 115 115 BASTOS PITOMBO op cit p 89 116 HINOJOSA SEGOVIA op cit p 53 117 São palavras de SARA ARAGONESES MARTINEZ Derecho Procesal Penal cit p 389 para as medidas cautelares pessoais mas perfeitamente aplicáveis à busca e apreensão 118 Salvo nos casos de crime permanente em que a situação de flagrância é igualmente permanente art 303 do CPP Assim havendo flagrante delito o art 5º XI da Constituição permite a realização da busca independentemente da existência de mandado judicial 119 BASTOS PITOMBO op cit p 71 e ss 120 Nesse sentido interessante a decisão proferida no RHC 90376 RJ Relatora Min CELSO DE MELLO julgado pela 2ª Turma em 03042007 Órgão Julgador 2ª Turma cuja parte da ementa transcrevemos abaixo EMENTA PROVA PENAL BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS CF ART 5º LVI ILICITUDE ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO INADMISSIBILIDADE BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA SEM MANDADO JUDICIAL EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO IMPOSSIBILIDADE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO QUARTO DE HOTEL DESDE QUE OCUPADO COMO CASA PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL MESMO EM SUA FASE PRÉPROCESSUAL CONCEITO DE CASA PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CF ART 5º XI E CP ART 150 4º II AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA COMO POR EXEMPLO OS QUARTOS DE HOTEL PENSÃO MOTEL E HOSPEDARIA DESDE QUE OCUPADOS NECESSIDADE EM TAL HIPÓTESE DE MANDADO JUDICIAL CF ART 5º XI IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR PROVA ILÍCITA INIDONEIDADE JURÍDICA RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA COMO QUARTOS DE HOTEL SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO DESDE QUE OCUPADO AO CONCEITO DE CASA CONSEQUENTE NECESSIDADE EM TAL HIPÓTESE DE MANDADO JUDICIAL RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL 121 Também defendendo a proteção do veículo destinado à habitação do indivíduo como ocorre com os trailers cabine de caminhão barcos entre outros grifo nosso está NUCCI Código de Processo Penal Comentado p 511 122 Art 169 Apropriarse alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro caso fortuito ou força da natureza Pena detenção de 1 mês a 1 ano ou multa Parágrafo único Na mesma pena incorre Apropriação de tesouro I quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria no todo ou em parte da quota a que tem direito o proprietário do prédio Apropriação de coisa achada II quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria total ou parcialmente deixando de restituíla ao dono ou legítimo possuidor ou de entregála à autoridade competente dentro no prazo de 15 quinze dias 123 BASTOS PITOMBO op cit p 122 124 NUCCI op cit p 523 125 Idem ibidem p 74 126 Assim já decidiu o Tribunal Constitucional espanhol na STC n 34193 cujo acerto da decisão é perfeitamente aplicável em nosso sistema 127 Citada por HINOJOSA SEGOVIA op cit p 7576 128 BASTOS PITOMBO Cleunice A Desfuncionalização da Busca e da Apreensão Boletim do IBCCrim n 151 junho de 2005 p 2 129 BASTOS PITOMBO A Desfuncionalização da Busca e da Apreensão op cit p 2 130 Interessante como alguns juízes utilizam mandado de busca e apreensão padrão um formulário previamente preparado e que muitas vezes repete a redação antiga do art 172 do CPC definindo que a busca deva ser realizada entre 7h e 19h A rigor em que pese a inadequação técnica nenhuma nulidade pode ser apontada pois os limites são mais estreitos que aqueles fixados na nova redação O que não pode ocorrer sob pena de nulidade é que o mandado contenha limites de tempo mais amplos autorizando o ingresso antes das 6h ou após as 20h 131 Como sustenta NUCCI op cit p 522 132 HINOJOSA SEGOVIA op cit p 121 133 Exemplo típico desses abusos são as buscas pessoais feitas em ônibus urbanos especialmente nas periferias vilas e favelas das grandes cidades brasileiras Como sustentar que em relação a 50 pessoas desconhecidas muitas retornando para casa após uma longa jornada de trabalho existe fundada suspeita de que alguém oculte armas coisas achadas por meios criminosos etc Como justificar que todos tenham que descer ficar de costas com braços e pernas abertos para serem revistados muitas vezes sob a mira de armas com nervosos dedos no gatilho Ora nada mais é do que uma atitude calcada nas metarregras do sistema punitivo especialmente nas revoltantes discriminações raciais econômicas e sociais Imaginese um arrastão policial desse tipo feito na saída do aeroporto de Brasília São Paulo ou qualquer outra capital Ou mesmo num badalado shopping center Impensável Até porque após tamanho suicídio político cairia toda a cúpula da segurança pública É assim que nasce a seletividade penal tão bem explicada pelo labeling approach 134 Nesse sentido RECURSO ESPECIAL TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES CONDENAÇÃO REGIME INTEGRAL FECHADO SUBSTITUIÇÃO DE PENA INAPLICABILIDADE DA LEI N 971498 CONFISCO DE BENS MOTOCICLETA NECESSIDADE DA UTILIZAÇÃO DO BEM PARA O FIM ESPECÍFICO DE PRATICAR O CRIME 1 A Lei dos Crimes Hediondos porque faz incompatíveis os delitos de que cuida com as penas restritivas de direitos exclui a incidência da Lei n 971498 modificativa da parte geral do Código Penal por força do artigo 12 do próprio diploma penal material brasileiro As regras gerais deste Código aplicamse aos fatos incriminados por lei especial se esta não dispuser de modo diverso 2 O artigo 34 da Lei 636876 com redação dada pela Lei 980499 é claro ao determinar como requisito para o confisco do bem que o mesmo seja destinado à prática do crime sendo insuficiente para o recolhimento sua utilização eventual na prática do ato criminoso 3 Recurso conhecido e provido parcialmente REsp 407461 Min Hamilton Carvalhido DJ 17022003 Mais específica é a seguinte decisão do TRF da 4ª Região na Apelação 200572000024239 Rel ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO j 03052006 INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA TRÁFICO DE DROGAS PERDIMENTO TERCEIRO DE BOAFÉ AUTOMÓVEL COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ENTREGA MEDIANTE CAUÇÃO 1 Em face do artigo 243 da Constituição Federal e do art 46 da Lei 1040902 temse entendido cabível o perdimento de bens desde que comprovado o nexo de instrumento uso do bem para a consecução do ilícito ou de causa aquisição com recursos provenientes da atividade criminosa com a prática do tráfico de drogas 2 Contudo tais dispositivos devem ser mitigados quando confrontados com direito de terceiro de boafé 3 In casu o bem foi adquirido pelo réu mediante contrato de financiamento com alienação fiduciária em favor de instituição financeira Diante disso e inexistindo qualquer elemento indicando a participação do Banco nas atividades ilícitas perpetradas revelase plenamente caracterizada a figura do terceiro de boafé 4 Como a entrada e os primeiros pagamentos da dívida foram possivelmente efetuados com recursos provenientes da atividade ilícita o bem deve ser restituído mediante a prestação de caução ao juízo para garantir eventual medida de adotada na decisão de mérito 5 A diferença entre o valor da venda e o total da dívida garantida pelo automóvel deverá ser cobrada pela instituição financeira junto ao devedor pelos meios admitidos em direito Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 PROVA PERICIAL E EXAME DE CORPO DE DELITO A prova pericial é uma prova técnica mediante a qual são trazidos ao processo conhecimentos que estão fora do saber ordinário Contudo todas as provas são relativas e o juiz não ficará adstrito ao laudo podendo aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte art 182 do CPP O laudo deve ser realizado por um perito oficial ou dois peritos nomeados art 159 Admitese a figura do assistente técnico indicado por qualquer das partes que elaborará seu parecer após o laudo apresentado pelo perito oficial Poderá ser requerida a oitiva do perito oficial ou nomeado para esclarecer o laudo art 400 2º do CPP 11 Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto Não confundir exame de corpo de delito espécie com as perícias em geral gênero Corpo de delito são os vestígios materiais deixados pelo crime Exame de corpo de delito é o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime necessário nos crimes materiais Exame direto é quando a análise recai diretamente sobre o objeto uma relação imediata entre o perito e aquilo que está sendo periciado Exame indireto quando impossível de ser feito o exame direto por haverem desaparecido os vestígios do crime a prova testemunhal filmagens fotografias áudios etc podem suprirlhe a falta A regra é o exame direto sendo o indireto uma excepcionalidade Confissão do acusado não é suficiente para comprovar a materialidade do crime sendo indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto art 158 12 Intervenções Corporais e Extração de Material Genético Lei n 126542012 Está constitucionalmente assegurado o direito de silêncio e o direito de não produzir prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere A Lei n 126452012 é objeto de muita controvérsia pois permite a extração compulsória de material genético violando o direito de não produzir prova contra si mesmo Tem dois campos de aplicação na investigação preliminar e na execução penal 121 Coleta de material genético na investigação a lei da identificação criminal Lei n 12037 foi alterada permitindo agora que além da identificação criminal coleta de digitais e foto seja coletado coercitivamente se houver recusa material genético do suspeito em qualquer crime quando houver a necessidade para a investigação qualquer que seja o crime crítica proporcionalidade desde que demonstrada a imprescindibilidade para a investigação b autorização judicial reserva de jurisdição cabendo ao juiz decidir de forma fundamentada demonstrando a estrita necessidade e proporcionalidade da medida invasiva bem como a impossibilidade de constituirse a prova por outro meio menos lesivo e gravoso 122 Coleta de material genético do condenado autoriza a coleta compulsória de material genético do condenado definitivamente por crime hediondo ou doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa Não é necessária autorização judicial para coleta mas sim para acesso ao banco de dados 123 Valor probatório todas as provas são relativas e nenhuma delas terá valor decisivo ou maior prestígio que as outras Exposição de Motivos do CPP O juiz também não está adstrito ao laudo art 182 2 INTERROGATÓRIO arts 185 a 196 Momento em que poderá ser exercido o direito de defesa pessoal positivo ou negativo silêncio Imprescindível a presença de defensor que poderá fazer perguntas É um meio de defesa por excelência mas também tem valor probatório Havendo dois ou mais réus o interrogatório será realizado separadamente A defesa do corréu pode fazer perguntas bem como a acusação O interrogatório poderá ser repetido a qualquer momento art 196 por iniciativa do juiz ou a pedido das partes O art 217 permite que o réu seja retirado da sala se o juiz verificar que sua presença pode causar humilhação temor ou constrangimento à vítima ou testemunha permanecendo na sala o defensor Interrogatório por videoconferência art 185 É medida excepcional em caso de réu preso assegurado o direito a entrevista prévia e reservada com o defensor 3 CONFISSÃO arts 197 a 200 Tem valor relativo é divisível e retratável O art 198 deverá ser lido à luz do direito constitucional de silêncio de modo que o exercício do direito de silêncio não pode ser utilizado em prejuízo do réu 4 PERGUNTAS AO OFENDIDO art 201 Vítima não presta compromisso de dizer a verdade não é computada no limite numérico das testemunhas e não pode negarse a comparecer tampouco tem direito de silêncio Poderá requerer que o réu seja retirado da sala art 217 Problemática é a questão do valor probatório da palavra da vítima Como regra tem menor credibilidade pois está diretamente contaminada pelo caso penal além de não prestar compromisso de dizer a verdade Contudo a jurisprudência tem ressalvado os casos de crimes sexuais ou contra o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça em que a palavra da vítima passa a ter maior valor De qualquer forma isoladamente jamais poderá justificar uma sentença condenatória 5 PROVA TESTEMUNHAL arts 202 a 228 Art 212 com a nova redação consagra a cross examination ou seja as perguntas diretamente feitas pelas partes às testemunhas assegurando o protagonismo da coleta da prova às partes na perspectiva do sistema acusatório constitucional em que a gestãoiniciativa probatória é das partes e não do juiz cabendo ao juiz a função de presidir o ato e ao final sobre os pontos não esclarecidos complementar a inquirição A função do juiz na audiência é a de presidir o ato mas sem protagonismo no que tange à coleta da prova testemunhal A inversão nesta ordem com o juiz iniciando as perguntas viola a regra do art 212 mas tal nulidade tem sido considerada como relativa pelo STJ posição com a qual não concordamos Toda pessoa poderá ser testemunha art 202 Como regra não poderá recusarse a depor Art 206 poderão recusarse a depor o ascendente descendente afim em linha reta cônjuge ainda que separado ou divorciado irmão pai mãe ou o filho adotivo salvo quando impossível obterse a prova por outro modo Estão proibidas de depor art 207 aquelas pessoas que em razão de função ministério ofício ou profissão devam guardar segredo salvo se desobrigadas pela parte interessada quiserem dar seu testemunho ex psiquiatra psicólogo advogado padre contador etc Deve haver nexo causal entre o conhecimento do fato criminoso e a relação profissional Compromisso art 208 com a fórmula do art 203 onde a testemunha se compromete a dizer a verdade do que souber sob o risco de em tese incorrer no crime de falso testemunho do art 342 do CP Não prestam compromisso art 208 São meros informantes os doentes e deficientes mentais os menores de 14 anos e as pessoas referidas pelo art 206 Contraditar testemunha art 214 É uma forma de impugnar a testemunha apontando os motivos que a tornam suspeita ou indigna Classificação das testemunhas presenciais indiretas informantes abonatórias e referidas Caracteres do testemunho oralidade objetividade e retrospectividade Momento de arrolar Limite numérico Substituiçãodesistência Assistente as testemunhas da acusação devem ser arroladas na denúncia ou queixa art 41 O assistente não pode arrolar testemunhas pois ingressa no processo após a denúncia ter sido recebida preclusão para ele As testemunhas de defesa são arroladas na resposta à acusação art 396A Limite numérico até 8 testemunhas para o rito ordinário até 5 para o rito sumário Não são computadas as testemunhas que não prestam compromisso a vítima e as referidas Rito do júri 8 testemunhas na primeira fase e até 5 em plenário art 422 Desistência art 401 2º não sendo possível a desistência unilateral violação do contraditório Substituição de testemunhas art 397 Falsas memórias é possível a implantação de falsas memórias em adultos e especialmente em crianças O procedimento de sugestão de falsa informação pode gerar uma falsa recordação na qual a testemunhavítima acredita honestamente que tal fato tenha ocorrido sem que isso corresponda à realidade Isso pode acontecer por autossugestão ou por fator externo indução Existe um alerta geral sobre o depoimento infantil pois as crianças não estão acostumadas a fornecer narrativas sobre suas experiências a passagem do tempo dificulta a recordação há dificuldade de se reportar a eventos que causem dor estresse ou vergonha a criança raramente responde que não sabe e muda de resposta para corresponder à expectativa criada pelo entrevistador 6 RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS arts 226 a 228 Ato através do qual alguém é levado a analisar alguma pessoa ou coisa com a finalidade de recordar um fato criminoso e verificar se coincide com a recordação empírica É um ato formal previsto no art 226 Pode ocorrer no inquérito policial eou no processo criminal O Código de Processo Penal é omisso em relação ao número mínimo de participantes recomendase que não seja inferior a 5 Devese ter cuidado para que o nível de indução seja o menor possível características físicas similares Reconhecimento por fotografia não é pacífica sua aceitação Recomendase que seja ato preparatório atomeio e não um fim em si mesmo Falso reconhecimento problemática decorrente das falsas memórias e dos processos de indução O reconhecimento pessoal é um meio de prova bastante sensível à indução e aos falsos reconhecimentos devendo por isso ser realizado com suma prudência e cautela e valorado pelo juiz com reservas em conjunto com as demais provas nunca com valor decisivo ou única prova para legitimar a sentença condenatória 7 RECONSTITUIÇÃO DO DELITO prevista no art 7º a reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o caso penal podendo ser realizada na fase de inquérito ou processo desde que não contrarie a moralidade ou ordem pública e seja respeitado o direito de defesa positivo e negativo do sujeito passivo 8 ACAREAÇÃO arts 229 e 230 Pode ser realizada na fase processual ou préprocessual e consiste em colocar cara a cara duas pessoas que tenham prestado declarações divergentes e relevantes 9 PROVA DOCUMENTAL arts 231 a 238 Entendese por documento toda classe de objetos que tenham uma função probatória tais como escritos fitas de áudio vídeo fotografias tecidos e objetos móveis que possam ser incorporados ao processo e que desempenhem uma função persuasiva Os documentos podem ser juntados a qualquer momento até o encerramento da instrução Tribunal do Júri documentos devem ser juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis 10 INDÍCIOS art 239 São provas de menor nível de confiabilidade de verossimilhança que podem justificar uma medida cautelar mas jamais uma sentença condenatória 11 DA BUSCA E APREENSÃO arts 240 a 250 A busca é uma medida instrumental meio de obtenção de prova Apreensão é uma medida cautelar probatória pois se destina à garantia da prova ou como medida assecuratória São institutos diversos mas tratados de forma unificada Ainda que normalmente seja realizada na fase de investigação pode ser feita no curso do processo ou na execução penal Tensiona os seguintes direitos fundamentais inviolabilidade do domicílio dignidade da pessoa humana intimidade e vida privada incolumidade física e moral do indivíduo 111 Busca domiciliar art 240 Amplitude do conceito de casa O mandado de busca deverá atentar para os requisitos formais art 243 Exige uma decisão judicial fundamentada e que descreva os motivos e os fins da diligência finalidade específica Art 5º XI da CF busca domiciliar poderá ser feita a durante o dia art 172 do CPC das 6h às 20h com consentimento válido do morador em caso de flagrante delito ou com ordem judicial b durante a noite com consentimento válido do morador ou em caso de flagrante delito Não pode ser realizada busca domiciliar com ordem judicial à noite depois das 20h e antes das 6h Tratase de ato formal do qual dever resultar um relatório circunstanciado Problema do desvio causal da provaprincípio da especialidade Crime permanente flagrante permanente Art 303 112 Busca pessoal art 240 2º Vagueza conceitual fundada suspeita Não é necessário mandado judicial consentimento ou situação de flagrância basta fundada suspeita Também poderá ser realizada no curso de uma busca domiciliar Busca em mulher art 249 será feita por mulher se não importar retardamento ou prejuízo da diligência Carros caminhões ônibus e demais veículos entram no conceito de busca pessoal independendo de autorização judicial 12 RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS arts 118 a 124 91 do CP e 243 da CF Como regra todos os bens apreendidos podem ser restituídos desde que a não interessem mais ao processo necessidade probatória b não sejam bens cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito ou ainda que não sejam produto de crime ou proveito auferido com o delito A restituição atende a dois interesses probatório ou reparador dos danos Pedido de restituição pode ser feito no curso do inquérito ou do processo Capítulo XIV SUJEITOS E PARTES DO PROCESSO A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS AO ACUSADO INATIVIDADE PROCESSUAL DO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO 1 Sujeitos Processuais e a Problemática em Torno da InExistência de Partes no Processo Penal No processo penal intervêm três sujeitos juiz acusador e réu Quando falamos de um processo de partes estamos fazendo alusão a um processo penal de partes conforme os limites e categorias jurídicas próprias do processo penal Acima de tudo o que se busca é reforçar a posição da parte passiva fortalecendo o sistema acusatório com o estabelecimento da igualdade de armas do contraditório e por fim com o abandono completo de todo e qualquer resíduo do verbo totalitário Em última análise significa o abandono completo da concepção do acusado como um objeto considerandose agora no seu devido lugar como parte no processo penal Tanto mais forte será sua posição quanto mais clara for a delimitação da esfera jurídica de cada parte pois somente assim poderá efetivarse o contraditório O fortalecimento da estrutura dialética do processo beneficia a todos os intervenientes e principalmente contribui para uma melhor Administração da Justiça Devemos destacar que no processo penal o elemento subjetivo determinante do objeto é exclusivamente a pessoa do acusado1 pois não vige a doutrina das três identidades da coisa julgada civil pois nem o pedido nem a identidade das partes acusadoras são essenciais para a pretensão e a coisa julgada 2 Do Acusado Citação Notificação e Intimação Como Manifestações do Direito Fundamental ao Contraditório e à Ampla Defesa Ausência Processual e Inadequação da Categoria Revelia Na fase préprocessual inquérito policial não há que se falar em acusado ou réu senão em suspeito ou indiciado caso já tenha ocorrido o indiciamento O status de acusado ou réu somente é adquirido com o oferecimento da denúncia ou queixa nesse caso também poderá se falar em querelado Contudo há que se esclarecer que o tratamento constitucional de acusados em geral previsto no art 5º LV da CF é suficientemente amplo para alcançar tanto o inquérito policial como o processo A expressão abrange um leque de situações com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal vinculada ao exercício da ação penal e com um claro intuito de proteger também o suspeito ou indiciado No mesmo sentido LAURIA TUCCI e CRUZ E TUCCI2 afirmam que percebese desde logo sem mínimo esforço de raciocínio que o nosso legislador constituinte pontuou no primeiro dos incisos transcritos a real diferença entre o conteúdo do processo civil cuja já verificada finalidade é a compositiva de litígios e o do processo penal em que pessoa física integrante da comunidade é indiciada acusada e até condenada pela prática de infração penal Mais adiante ainda referindose à proteção constitucional apontam que de modo também induvidoso reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes estendendo sua incidência expressamente aos procedimentos administrativos ora assim sendo se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento nele se encarta à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e consequentemente a de procedimento administrativopersecutório de instrução provisória destinado a preparar a ação penal que é o inquérito policial É importante destacar que quando falamos em contraditório na fase préprocessual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento da informação Isso porque em sentido estrito não pode existir contraditório no inquérito porque não existe uma situação jurídicoprocessual não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo Não havendo o exercício de uma pretensão acusatória não pode existir a resistência Sem embargo esse direito à informação importante faceta do contraditório adquire relevância na medida em que será através dele que será exercida a defesa Ora não é preciso maior capacidade de abstração para verificar que qualquer notíciacrime que impute um fato aparentemente delitivo a uma pessoa determinada constitui uma imputação no sentido jurídico de agressão capaz de gerar no plano processual uma resistência Foi isso que o legislador constitucional protegeu com a expressão acusados em geral notese bem o texto constitucional não fala simplesmente em acusados o que daria abrigo a uma leitura mais formalista mas sim em acusados em geral o que sem dúvida é muito mais amplo e protecionista Feito esse esclarecimento nos ocuparemos agora especificamente do chamamento e presença ou ausência do acusado no processo 21 A Comunicação dos Atos Processuais como Manifestação do Contraditório e da Ampla Defesa Ainda que pertencentes ao gênero comunicação dos atos processuais notificação intimação e citação do acusado são institutos distintos com diferentes finalidades e consequências Contudo o mais importante é que são todos instrumentos a serviço da eficácia dos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa Não se pode mais pensar a comunicação dos atos processuais de forma desconectada do contraditório na medida em que como explicamos anteriormente é ele o direito de ser informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental A efetividade do contraditório no Estado Democrático de Direito está amparada no direito de informação e participação dos indivíduos na Administração de Justiça Para participar é imprescindível ter a informação A participação no processo se realiza por meio da reação vista como resistência à pretensão jurídica acusatória articulada e isso expressa a dificuldade prática em certos casos de distinguir entre a reação e o direito de defesa Maior é a relevância da comunicação dos atos processuais se considerarmos que o processo é um procedimento em contraditório sendo essa a nota distintiva entre o processo judicial e os demais tipos de processo administrativo legislativos etc como explica FAZZALARI Na lição do autor3 lessenza stessa del contraddittorio esige che vi partecipino almeno due soggetti un interessato e un controinteressato sulluno dei quali latto finale è destinato a svolgere effetti favorevoli e sullaltro affetti pregiudizievoli A igualdade de oportunidades e de tratamento ao longo do processo é imposição do contraditório que por sua vez é fundante do próprio conceito de processo Fazendo um recorte na imensa gama de consequências que a concepção de FAZZALARI traz para o processo penal contemporâneo o controle das partes sobre os atos do juiz é de sua importância e nesse aspecto sublinha PLINIO GONÇALVES4 a publicidade e a comunicação a cientificação do ato processual às partes que é também garantia processual é de extrema relevância A função do juiz é assegurar o contraditório logo para isso deve ter uma postura ativa sem contudo jamais colocarse como contraditor Não existe contraditório com o juiz senão contraditório assegurado pelo juiz Nessa linha PLINIO GONÇALVES explica que as partes não se colocam em combate com o juiz nem este em contraditório com as partes Para finalizar pontualiza com acerto o autor5 a partir da doutrina de FAZZALARI O contraditório realizado entre as partes não exclui que o juiz participe atentamente do processo mas ao contrário o exige porquanto sendo o contraditório um princípio jurídico é necessário que o juiz a ele se atenha adote as providências necessárias para garantilo determine as medidas adequadas para assegurálo para fazêlo observar para observálo ele mesmo Logo tem o juiz um dever de informar e de garantir que a informação seja dada às partes6 para que elas querendo possam intervir Não há que se pensar na existência de um dever de intervenção das partes senão de possibilidade e dependendo da situação jurídica de carga ou assunção de riscos na linha goldschmidtiana por nós adotada e anteriormente explicada Assim para o contraditório é essencial a eficácia da comunicação processual revestida da forma de citação intimação ou notificação conforme o caso A falha na comunicação processual viola o contraditório e conduz à nulidade absoluta na concepção tradicional melhor um defeito que poderá ser sanável ou insanável conforme o momento em que seja reconhecido O direito de defesa ainda que distinto do contraditório como explicamos anteriormente está a ele umbilicalmente ligado pois o contraditório cria condições de possibilidade para a defesa se efetivar E ambos dependem da eficácia da comunicação dos atos processuais Eis a íntima relação entre eles Nesse sentido com acerto RANGEL aponta que a citação é direito e garantia fundamental do indivíduo conforme consagrado na Constituição Federal e inerente ao postulado do devido processo legal cf art 5º LIV cc LV pois não poderá haver processo judicial válido privando o indivíduo da sua liberdade de locomoção sem que se lhe dê o direito de defesa e de contraditar a acusação Compreendida assim a vinculação dessa matéria com a eficácia do direito fundamental do contraditório e da ampla defesa vejamos agora os atos em espécie 22 A Citação do Acusado Garantia do Prazo Razoável Requisitos e Espécies Citação por Carta Precatória e Rogatória Citação do Militar do Servidor Público e do Réu Preso A citação no processo penal é um ato da maior importância pois dela depende diretamente a eficácia do direito fundamental do contraditório e posteriormente da ampla defesa Também a teor do art 363 do CPP o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado Tratase de comunicação ao réu da existência de uma acusação dandolhe assim a informação que caracteriza o primeiro momento do contraditório A partir dessa informação criase a necessária condição de possibilidade para eficácia do direito de defesa pessoal e técnica Até o advento da Lei n 117192008 que alterou os procedimentos no processo penal o réu era citado para ser interrogado Atualmente a citação é a comunicação da existência de uma acusação para que ele responda por escrito no prazo de 10 dias art 396 É citação para responder à acusação e não mais para ser interrogado De qualquer forma em nada diminui a importância do ato pois segue sendo um momento crucial para o direito de defesa Então mais do que um mero chamamento do réu a juízo para defender se é a citação uma manifestação do próprio direito fundamental do contraditório Daí por que é a citação uma garantia para o réu solto ou preso acarretando a invalidade processual art 564 III e do CPP qualquer violação à forma prescrita Se o réu devidamente citado não apresentar a resposta escrita no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para oferecêla concedendolhe vista dos autos por 10 dias art 396A 2º Também é importante atentar para o novo procedimento comum ordinário ou sumário que prevê a audiência de instrução e julgamento em que após a produção da prova será o réu interrogado arts 400 e 531 do CPP Para esse ato será o réu intimado mas com suficiente antecedência de modo a permitir que o réu e seu defensor possam preparar a defesa técnica e pessoal pois o réu será interrogado Integra o direito de ser julgado em um prazo razoável art 5º LXXVIII da Constituição anteriormente analisado a vedação ao atropelo procedimental Estabelece o art 82 alínea c da Convenção Americana de Direitos Humanos que toda pessoa tem direito às seguintes garantias mínimas 221 Concessão ao Acusado do Tempo e dos Meios Adequados para a Preparação de sua Defesa Nisso se inscreve a proibição de intimarse o réu na véspera da data do interrogatório7 ou com poucos dias de antecedência em complexo e volumoso processo Devese atentar para a razoável antecedência do ato de modo a permitir o pleno conhecimento e adequada preparação de sua defesa Como insistimos desde o início desta obra há que se respeitar as regras do jogo e isso o respeito às regras não se confunde com impunidade Todo o oposto É condição de legitimidade do processo e da eventual pena Feita essa ressalva voltemos à citação A citação no processo penal deve ser feita através de mandado cumprido por oficial de justiça devendo constar os requisitos previstos nos arts 352 e 357 do CPP Quando o réu residir em local diverso daquele onde tramita o processo a citação será feita através de carta precatória arts 353 e 354 do CPP ou rogatória se cumprida em outro país arts 368 e 369 O réu é citado para apresentar resposta à acusação Não residindo na comarca onde se desenvolve o processo poderá ser posteriormente deprecado seu interrogatório Falandose de carta precatória devese esclarecer que a chamada precatória itinerante nada mais é do que a possibilidade de uma precatória expedida em Porto Alegre para ser cumprida em Curitiba por exemplo seja redirecionada para Londrina onde está o réu Isso porque recebendo a carta precatória o juiz de Curitiba verifica pela certidão do oficial de justiça por exemplo que o réu se mudou para Londrina Então para evitar a inútil burocracia de devolver para Porto Alegre a carta precatória sem cumprimento por estar o réu em Londrina ele simplesmente redireciona para aquela comarca Evitase assim o inútil retorno à origem para nova emissão Nenhum problema Nada impede ainda o uso de fax ou mesmo email que deverá ser devidamente impresso para integrar os autos para o ágil cumprimento da carta precatória O art 356 do CPP como outros tantos deve ser relido à luz do nível atual de evolução tecnológica de modo que não se pode mais falar em via telegráfica e reconhecimento de firma do juiz Quanto à citação por carta rogatória por estar sabidamente o acusado no estrangeiro destacamos que a Lei n 927196 alterou a redação original para estabelecer que o prazo prescricional será suspenso até o seu cumprimento na verdade devolução com o devido cumprimento E se não for o réu encontrado no exterior Devolvida a carta rogatória com esse fundamento entendemos que deverá o juiz proceder à citação do réu por edital na comarca onde tramita o processo e após com o seu não comparecimento suspender o processo e a prescrição nos termos do art 366 do CPP Não poderá diretamente suspender o processo pois exige o art 366 a prévia citação por edital o que constitui uma cautela razoável e que deverá ser observada ainda que a citação por edital tenha pouca eficácia Voltando à questão da citação feita por mandado aos requisitos dos arts 352 e 357 devese acrescentar mais um a cópia da denúncia ou queixa O contraditório visto em seu primeiro momento que é o da informação exige que o réu saiba previamente o inteiro teor da acusação e para tanto deve serlhe entregue uma cópia da peça acusatória Não basta a mera leitura por parte do oficial de justiça Peculiar é a citação do militar e do servidor público No caso do militar a citação deverá ser feita através do chefe do respectivo serviço determina o art 358 Contudo há que se considerar ainda o disposto no art 221 2º que aponta a necessidade de que seja feita uma requisição à autoridade superior São dois instrumentos distintos o mandado de citação do militar contendo todos os requisitos legais art 352 e um ofício requisitando o comparecimento do militar no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento Aqui deve ser feito um esclarecimento até o advento da Lei n 11719 o réu era citado para ser interrogado de modo que junto com a citação requisitavase o militar para comparecer no dia do interrogatório Agora o réu é citado para apresentar resposta à acusação Ainda não existe data para o interrogatório que somente será efetivado após a resposta apresentada pela defesa se não houver absolvição sumária ou mesmo rejeição pois pensamos que não existe preclusão para o juiz em relação à análise das condições da ação previstas no art 395 Então o que se faz é comunicar que o militar deverá comparecer no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento onde também será interrogado Essa exigência do CPP decorre do fato de a estrutura militar ser rigidamente hierarquizada de modo que para um militar ausentarse do quartel para comparecer no fórum deve ser liberado pelo seu superior Assim se não for feita a citação através da autoridade superior mas o militar comparecer nenhum problema Contudo se não comparecer porque não foi liberado posto que não houve a devida comunicação ao superior hierárquico a citação será considerada nula e deverá ser repetida Não poderá o réu ser prejudicado devendo o ato ser repetido Situação similar ocorre na citação do servidor público Determina o art 359 que haverá além da citação do réu a notificação do chefe de sua repartição Os motivos são os mesmos viabilizar a presença do réu em juízo Mas atualmente essa dupla comunicação tanto no caso do militar como também do servidor público pode ser um perigoso gerador de estigma É elementar que o simples fato de estar sendo processado já é gerador de estigma social e jurídico conduzindo a uma rotulação do servidor público ou militar no seu local de trabalho Se considerarmos que tal comunicação ocorre em qualquer processo criminal independente do tipo penal imputado compreendese que ela poderá gerar um grande constrangimento para o réu no seu local de trabalho Daí por que não se pode desconsiderar seu direito a que a comunicação não se realize Explicamos pode o servidor público ou militar preferir tirar férias no período em que for realizada a audiência de instrução e julgamento ou mesmo preferir por sua conta faltar ao dia de trabalho Tudo isso para evitar a exposição de seu caso penal aos colegas de trabalho Assim em nome do direito ao respeito a sua dignidade imagem e vida privada poderá o réu peticionar previamente ao juiz para que seja feita apenas a sua citação sem a comunicação ao chefe da repartição ou instituição militar Claro Nesse momento está ele assumindo a responsabilidade de comparecimento ao ato não podendo depois alegar o defeito processual por falta de comunicação ao chefe Não sendo feito o pedido ainda assim deverá o juiz tomar certas cautelas como sugere PACELLI8 para que na notificação ou requisição se militar conste apenas e unicamente a existência do compromisso do funcionário público ou militar sem maiores referências à imputação penal para que se preserve o direito à intimidade e privacidade do acusado Noutra dimensão a citação do réu preso deverá ser feita pessoalmente Impedese com isso a mera requisição para o diretor do estabelecimento prisional providenciar a condução do réu para audiência Independente da requisição para condução do preso medida meramente administrativa tem ele o direito de ser citado pessoalmente recebendo cópia da denúncia Se não apresentar a resposta à acusação no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para fazê lo nos termos do art 396A 2º do CPP O art 360 do CPP modificado pela Lei n 107922003 foi alterado para adequarse à Súmula n 351 do STF que afirmava é nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em que o juiz exerce sua jurisdição Se a citação por edital já é uma frágil ficção de baixíssima eficácia completamente absurda era a citação por edital de réu preso Ora como admitir que o Estado não tenha controle de seus presos a ponto de citar por edital quem está em lugar muito certo e sem a menor possibilidade de ocultarse Então o réu preso deve sempre ser citado pessoalmente não cabendo a simples requisição ou a citação por edital Nesse sentido HC PACIENTE PRESO REVELIA O paciente na data do interrogatório judicial encontravase preso por outro crime Logo não poderia o juízo processante sem informações do paradeiro do acusado no inquérito determinar a citação por edital do réu sem tomar providência no sentido de localizálo Súmula n 351STF Outrossim decretou sua revelia e a produção antecipada de provas Somente após a decretação da sua prisão preventiva é que a defesa deu notícia do paradeiro do paciente ao pleitear a revogação do decreto prisional e nulidade da citação por edital que indeferidos ocasionaram a impetração do writ originário A Turma concedeu a ordem para anular os atos processuais desde a citação por edital bem como revogar o decreto de prisão preventiva HC 111704MG Rel Min Laurita Vaz j 16102008 Por fim chamamos a atenção para o fato de que o mandado de citação pode ser cumprido em qualquer dia e hora não se aplicando aqui as restrições do CPC Não fez o Código de Processo Penal as restrições existentes no art 217 do CPC não cabendo aqui analogia para limitar o cumprimento do ato citatório Havendo em qualquer caso recusa por parte do réu em assinar o mandado deverá ser devidamente certificado pelo oficial de justiça 23 Citação Real e Ficta Edital A citação real é aquela feita através de mandado cumprido por meio de oficial de justiça que comunica ao réu pessoalmente do inteiro teor da acusação e de que deverá responder à acusação por escrito no prazo de 10 dias É a efetiva comunicação da existência da acusação com a entrega de cópia da denúncia ou queixa Também a citação deprecada feita através de carta precatória para outra comarca é uma forma de citação real pois será cumprida através de oficial de justiça que comunicará pessoalmente ao réu da imputação e do prazo para apresentar defesa escrita Quando a citação for solicitada a juiz de outro país onde se encontra o réu se realizará através de carta rogatória arts 783 a 786 do CPP A citação ficta é aquela realizada através de edital e somente poderá ser utilizada quando esgotadas todas as possibilidades de encontrarse o réu para realizarse a citação real Inclusive caso não seja encontrado é recomendável que se oficie a órgãos públicos como a Justiça Eleitoral ou mesmo privados como empresas de telefonia fornecimento de água e energia elétrica para verificar se em seus registros não consta algum endereço onde possa ser encontrado o réu Então primeiro deverá ser procurado o réu em todos os endereços constantes nos autos e nas informações obtidas e somente quando esgotadas as possibilidades de encontrálo o que deve ser devidamente certificado pelo oficial de justiça podese lançar mão do edital É inegável que a citação por edital é uma ficção descolada da realidade pois ninguém acorda de manhã e lê o diário oficial ou procura nos principais jornais para ver se está sendo citado em algum edital Daí por que ciente disso deve a citação ficta ser verdadeiramente a última forma de comunicação do ato processual9 O art 361 determina que se o réu não for encontrado será citado por edital com o prazo de 15 dias Esse dispositivo deve ser lido junto com o art 396 parágrafo único Art 396 Nos procedimentos ordinário e sumário oferecida a denúncia ou queixa o juiz se não a rejeitar liminarmente recebêlaá e ordenará a citação do acusado para responder à acusação por escrito no prazo de 10 dez dias Parágrafo único No caso de citação por edital o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído Significa dizer que o réu é citado para no prazo de 15 dias comparecer pessoalmente no cartório ou através de defensor constituído Comparecendo pessoalmente ou através de defensor com procuração será citado e comunicado do inteiro teor da acusação abrindose então o prazo de 10 dias para apresentar resposta escrita Assim esse prazo para defesa escrita somente começa a fluir após o comparecimento Se o réu não comparecer aplicase o disposto no art 366 a seguir abordado No que tange à citação por edital há que se ter presente um princípio básico tratase de uma ficção jurídica com baixíssimo nível de eficácia e que deve ser a última ratio do sistema Quanto ao art 363 do CPP também foi afetado pela Lei n 117192008 passando a ter a seguinte redação Art 363 O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado I revogado II revogado 1º Não sendo encontrado o acusado será procedida a citação por edital 2º VETADO 3º VETADO 4º Comparecendo o acusado citado por edital em qualquer tempo o processo observará o disposto nos arts 394 e seguintes deste Código A reforma nesse ponto andou bem pois excluiu uma disciplina legal superada que previa a citação por edital e em caso de guerra epidemia etc ou seja algo absolutamente inútil O caput incursiona por um terreno teóricodoutrinário para afirmar que o processo terá completada sua formação com a citação válida faltou dizer isso do acusado que não sendo encontrado será citado por edital Por outro lado comparecendo o réu citado por edital será observada a disciplina específica do rito a ser seguido pelo processo Isso porque se o réu havia sido citado por edital e não compareceu o processo está suspenso art 366 Logo será citado para apresentar resposta à acusação e posteriores atos conforme o processo siga o rito comum ordinário sumário ou especial Por fim considerando a excepcionalidade da citação por edital deve sempre ser providenciada a publicação na imprensa e sua afixação no átrio do foro Após deve ser certificada a afixação no foro e juntado o exemplar do jornal onde constem a página e a data da publicação art 365 parágrafo único A falta de um deles conduz ao defeito processual da citação 24 Citação com Hora Certa O art 362 do CPP foi modificado pela Lei n 117192008 e passou a ter a seguinte redação Art 362 Verificando que o réu se oculta para não ser citado o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa na forma estabelecida nos arts 227 a 229 da Lei n 5869 de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil Parágrafo único Completada a citação com hora certa se o acusado não comparecer serlheá nomeado defensor dativo Em que pese a resistência dos processualistas penais a Lei n 11719 trouxe numa infeliz transmissão de categorias do processo civil a chamada citação por hora certa para o processo penal brasileiro É uma forma extremamente perigosa de comunicação ao réu da existência de uma acusação Com razão DELMANTO JUNIOR10 aponta que a citação por hora certa por acabar ressuscitando a possibilidade de haver processo sem o conhecimento da acusação nomeandose defensor dativo com base em critérios subjetivos do oficial de justiça de que ele tem ciência da acusação A isso se acrescente o perigo de confiar a um oficial de justiça o poder e consequente abuso de determinar a situação de inatividade processual do acusado com as graves consequências que pode gerar É uma imensa responsabilidade que se deposita nas mãos de um oficial de justiça e que deve ser estritamente controlada pelo juiz eis que se presta a todo tipo de manobra fraudulenta ou mesmo para prejudicar o réu Deverá ter o juiz extrema cautela em aceitar uma certidão com esse conteúdo sendo aconselhável a repetição do ato e se houver alguma suspeita sobre a veracidade do conteúdo substituir o servidor Não sem razão a jurisprudência construída em torno da citação por hora certa no processo civil aponta para a relativização da fé pública do oficial de justiça na medida em que cede diante de prova em contrário11 Com muito mais razão no processo penal diante dos valores em jogo Feita essa advertência diante da expressa remissão vejamos a disciplina da citação por hora certa no Código de Processo Civil Art 227 Quando por três vezes o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência sem o encontrar deverá havendo suspeita de ocultação intimar a qualquer pessoa da família ou em sua falta a qualquer vizinho que no dia imediato voltará a fim de efetuar a citação na hora que designar Art 228 No dia e hora designados o oficial de justiça independentemente de novo despacho comparecerá ao domicílio ou residência do citando a fim de realizar a diligência 1º Se o citando não estiver presente o oficial de justiça procurará informarse das razões da ausência dando por feita a citação ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca 2º Da certidão da ocorrência o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou com qualquer vizinho conforme o caso declarandolhe o nome Art 229 Feita a citação com hora certa o escrivão enviará ao réu carta telegrama ou radiograma dandolhe de tudo ciência Além de dirigirse por no mínimo três vezes ao domicílio do réu é importante que o oficial de justiça realize essas diligências em horários diferentes De nada vale a procura realizada sempre no mesmo horário na medida em que pode corresponder ao horário de trabalho do réu que naquelas condições nunca será encontrado e isso não significa que esteja se ocultando ainda que assim possa interpretar o oficial de justiça Deverá o oficial de justiça fazer uma certidão pormenorizada indicando os dias horários e principalmente os fundamentos da suspeita de que o réu estivesse se ocultando Também deverá apontar o nome completo do familiar e o grau de parentesco ou do vizinho com o endereço dessa pessoa com quem fez contato Por fim deverá comprovar nos autos que foi enviada ao réu carta ou telegrama ainda existe radiograma dandolhe ciência de que foi citado O ideal é que essa comunicação seja feita por carta com aviso de recebimento onde conste cópia integral da denúncia ou queixa Não vemos como isso possa ser feito por telegrama de modo que no processo penal devese exigir a carta com aviso de recebimento onde conste cópia integral da denúncia ou queixa Todo o procedimento de realização da citação com hora certa deve ser certificado pelo oficial de justiça pormenorizadamente para permitir o posterior controle de legalidade do ato por parte do juiz Nenhuma dúvida temos de que a ausência desses requisitos formais conduz a grave defeito processual ou na classificação tradicional a uma nulidade absoluta do processo sendo errônea a exigência de demonstração de prejuízo Tratase de prejuízo presumido ou manifesto que não precisa ser demonstrado pelo réu Considerando o juiz como válida a citação com hora certa se o acusado não apresentar resposta escrita ou constituir defensor serlheá nomeado defensor dativo Eis aqui o grande perigo dessa forma de citação ressuscita a possibilidade de haver processo sem o conhecimento do acusado Cabe ao juiz o controle da legalidade e da real necessidade do ato Quando não é apresentada a resposta à acusação mas o réu constitui defensor sendo juntada a respectiva procuração a citação pode ser considerada como válida O problema surge quando realizada a citação com hora certa não existe a resposta escrita nem a constituição de defensor Nesse caso pensamos que o juiz deve ser muito cauteloso e o melhor caminho é determinar a citação por edital e persistindo a inatividade processual do imputado determinar a suspensão do processo e da prescrição nos termos do art 366 do CPP No mesmo sentido MARQUES DA SILVA 12 ao comentar o 2º do art 396A afirma que essa regra deve ser válida apenas para os casos em que a citação se deu pessoalmente Agiu mal o legislador ao não especificar a modalidade de citação pois caso o réu seja citado por edital não comparecer nem constituir defensor o juiz não irá nomear defensor para o réu e sim aplicar a regra do art 366 do CPP preservada na base do veto presidencial suspendese o processo e a prescrição até que o réu seja encontrado grifo nosso Quanto à citação por hora certa o referido autor vai além de nossa crítica para afirmar sua inconstitucionalidade pois violadora do direito à ampla defesa e ao contraditório Para além da duvidosa constitucionalidade pensamos que em caso de citação por hora certa devese ter extrema cautela citandose o réu por edital para após suspenderse o processo e a prescrição É uma cautela adequada diante do imenso retrocesso de terse um processo penal sem que o acusado tenha ciência da imputação ressuscitando o instituto da revelia que felizmente foi sepultado em 1996 quando a Lei n 9271 alterou a redação dos arts 366 e 367 do CPP 25 ReDefinindo Categorias Inatividade Processual Real e Ficta do Réu Ausência e Não Comparecimento réu não encontrado Compreendido isso podese falar como muito bem leciona DELMANTO JUNIOR13 de inatividade processual real ou ficta conceitos vinculados aos de citação real e ficta14 A inatividade processual real gera a situação de ausência do réu Dizse ausente o réu que tendo conhecimento da acusação pois devidamente citado citação real não apresenta sua resposta escrita à acusação nem constitui defensor Nesse caso deve o juiz aplicar o art 367 cc 396A 2º nomeando um defensor para oferecêla e determinando o prosseguimento do feito em seus ulteriores termos Já a inatividade processual ficta sucede na citação editalícia conduzindo à situação de não comparecimento Nesse caso fracassam as tentativas de citação real não se encontrando o acusado Lançase mão então da citação ficta por edital Passado o prazo de 15 dias o réu não comparece em cartório para ser citado e tampouco apresenta resposta escrita ou constitui defensor Essa é a situação de não comparecimento cujos efeitos estão previstos no art 366 suspendemse o processo e a prescrição Apenas para esclarecer o não comparecimento é um estado processual que somente se perfaz quando o réu não é encontrado para ser citado e não surte eficácia a citação editalícia Tanto a ausência como o não comparecimento não podem gerar qualquer tipo de punição ou sanção processual como explicaremos na continuação 26 Aplicação do Art 366 do CPP 261 Não Comparecimento Suspensão do Processo e da Prescrição Problemática O art 366 do CPP disciplina a situação processual do não comparecimento do acusado Art 366 Se o acusado citado por edital não comparecer nem constituir advogado ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e se for o caso decretar prisão preventiva nos termos do disposto no art 312 1º REVOGADO 2º REVOGADO Nesse caso procurase o acusado em todos os endereços constantes no processo para a realização da citação real através de mandado cumprido por oficial de justiça Não sendo encontrado o réu passase então para a citação editalícia após a qual sem que o réu apresente sua resposta escrita à acusação ou constitua defensor situação em que não apresenta a resposta escrita por estratégia defensiva operase a inatividade processual ficta ou seja é considerado como réu não encontrado nos termos do art 366 suspendendose o processo e a prescrição Antes de entrar na problemática do sistema binário adotado suspensão do processo e da prescrição sublinhese que o art 366 somente tem incidência quando após a citação editalícia o réu não comparece pessoalmente ou através de advogado constituído para ser cientificado do inteiro teor da acusação A expressão não comparecimento prevista nos arts 366 e 367 deve ser lida à luz das reformas levadas a cabo pela Lei n 117192008 Até então o réu era citado para ser interrogado Agora é citado para apresentar resposta à acusação Logo esse não comparecimento significa que no prazo fixado no edital o réu não comparece no fórum para tomar ciência da acusação Caso o imputado não compareça pessoalmente mas fizerse presente seu advogado devidamente constituído através de instrumento procuratório haverá a citação e abertura do prazo de 10 dias para apresentação de resposta à acusação Comparecendo pessoalmente deverá indicar seu defensor ou se não tiver condições econômicas de constituir um advogado postular que lhe seja nomeado um defensor Mas voltando ao não comparecimento do réu citado por edital a suspensão do processo nesse caso é um imperativo lógico uma conquista democrática sem dúvida de que ninguém pode ser processado sem que tenha conhecimento da existência da acusação Incrivelmente até 1996 ainda existia no Brasil a possibilidade de processos em estado de revelia ou seja sem que o acusado tivesse sido citado citação real Eram processos nitidamente inquisitórios ou melhor ainda mais inquisitório que o atual em que se nomeava um defensor inativo na verdade um convidado de pedra absolutamente inativo e impossibilitado de produzir prova O contraditório era meramente aparente um engodo A defesa pessoal inexistente e a defesa técnica muito deficiente Anos depois muitas vezes já com mandado de prisão expedido o réu era encontrado O tormentoso caminho da revisão criminal quase sempre não acolhida era muitas vezes o desfecho de graves injustiças O chamado princípio de audiência15 é fundamental para existência do contraditório e por conseguinte para terse verdadeiramente um processo judicial eis que pensado a partir do conceito de processo como procedimento em contraditório FAZZALARI Assim é exigência do contraditório de que ninguém possa ser condenado sem ser ouvido ou ao menos sem que se lhe tenham oportunizado condições reais de ser ouvido inatividade processual real Não é suficiente portanto a mera citação ficta para o desenvolvimento do processo Quando não citado o réu pessoalmente não pode o processo continuar A exceção a essa regra fica agora com a perigosa e problemática citação com hora certa que demanda uma cautela ainda maior por parte dos juízes que na dúvida em relação ao certificado pelo oficial de justiça deve citar o réu por edital No Brasil foi adotado o criticado sistema binário suspendendo o processo e a prescrição sem limite de tempo até que o réu compareça Com a alteração legislativa um grande acerto e um grande erro o acerto de suspender o processo e o erro de também suspender a prescrição agravado pela ausência de limite temporal dessa suspensão como se verá na continuação 2611 Aplicação Literal do Art 366 Suspendendo o Processo e a Prescrição por Tempo Indeterminado Recurso Cabível Em que pese as críticas à suspensão da prescrição por tempo indeterminado como se verá na continuação muitos juízes e tribunais seguem aplicando o disposto no art 366 Alguns ainda operando na lógica paleopositivista do é a lei logo não me resta outra alternativa que aplicála Claro que essa é uma posição completamente superada incompatível com a posição do juiz no sistema jurídico contemporâneo Mas há aqueles que seguindo o STF não veem nenhum problema na aplicação do art 36616 Assim o STF afirmou a constitucionalidade da suspensão da prescrição por prazo indeterminado entendendo que ela não se confunde com a imprescritibilidade na medida em que apenas condiciona a evento futuro e incerto Ademais entendeu que a legislação ordinária poderia criar outras hipóteses de imprescritibilidade para além daquelas enumeradas no art 5º XLII e XLIV da Constituição Por fim entendeu o relator que não cabe sujeitar o período de suspensão de que trata o art 366 ao tempo da prescrição em abstrato Com a devida vênia não podemos concordar com essa posição Pensamos que se trata sim de criar uma categoria de crimes imprescritíveis pois estabelece essa possibilidade ou seja de não ocorrer nunca a prescrição O condicionar a evento futuro e incerto significa assumir como possível a inocorrência da condição e portanto como possível e válida a imprescritibilidade Também não podemos aceitar que o legislador ordinário crie crimes imprescritíveis diante da taxatividade constitucional Não houve uma delegação da Constituição para que lei ordinária determinasse quais crimes seriam imprescritíveis como ocorreu noutra dimensão em relação aos crimes hediondos senão o claro estabelecimento de um rol Considerando a gravidade da medida no que tange à limitação de direitos fundamentais inviável tal abertura Mas além disso existem outros fundamentos para não aceitar a aplicação incondicional do art 366 do CPP como explicaremos na continuação Igualmente complicada é a inserção das decisões de a suspensão do processo e da prescrição b revogação dessa decisão c omissão na determinação do lapso suspensivo da prescrição Como se verá ao final o sistema recursal brasileiro é bastante confuso e impreciso As decisões apontadas não são propriamente terminativas ou com força de terminativa para autorizar o recurso de apelação Tampouco sugerimos o uso do Recurso em Sentido Estrito pois seu rol de aplicação é taxativo para a maioria da doutrina e jurisprudência e não contempla nenhuma das decisões acima apontadas Logo concordando com HASSAN CHOUKR17 viável a utilização da Correição Parcial para atacar qualquer das três decisões desde que demonstrado o error in procedendo por parte do juiz no caso concreto Ainda dependendo do caso concreto e do conteúdo da decisão em tese é viável a utilização das ações impugnativas do habeas corpus e do Mandado de Segurança sempre ressalvada a necessidade de análise específica do conteúdo da decisão atacada bem como da demonstração do cabimento dessas ações segundo suas condições legais Em suma há que se demonstrar e convencer do cabimento do meio utilizado pois não há previsão legal de recurso específico Em relação à omissão de fixação do prazo da suspensão considerando que o CPP efetivamente não o faz a situação recursal é ainda mais difícil até porque a rigor não há ilegalidade alguma A fundamentação deve ser construída e o cabimento do recurso também Nesse caso o melhor é lançar mão inicialmente dos embargos declaratórios diante da omissão em fixar um prazo de suspensão e após da correição parcial 2612 Crítica à Suspensão Indefinida da Prescrição Da Inconstitucionalidade à Ineficácia da Pena O Esquecimento Ameaçador mas Necessário A Prescrição como Direito ao Esquecimento Programado Em caso de não comparecimento do réu citado por edital o processo ficará suspenso até que ele seja encontrado sem qualquer previsão de limite de tempo Inicialmente há um obstáculo constitucional como suportar uma nova categoria de crimes imprescritíveis à margem da previsão constitucional art 5º incisos XLII e XLIV e que pode alcançar até a mais leve das infrações penais Inviável Significa ainda uma violação ao princípio da proporcionalidade sob o viés de proibição de excesso pois constitui sem dúvida um excesso punitivo gerado pela imprescritibilidade Ainda na dimensão constitucional violase o direito de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Na verdade há que se compreender o alcance desse direito fundamental pois ele fundase no direito que as pessoas têm de que suas questões cíveis ou os casos penais sejam resolvidos judicialmente em um prazo razoável sem dilações indevidas Daí por que entre as soluções compensatórias adotadas está a extinção do processo diante da demora judicial O poder punitivo estatal também está condicionado no tempo seja pela prescrição seja pela duração razoável do processo Existe um verdadeiro direito a que as questões sejam resolvidas ou o acusado perdoado O tempo do direito estruturase a partir de um ligardesligar ou seja ensina OST18 a memória liga o passado e o perdão desliga o passado a promessa liga o futuro e o requestionamento desliga o futuro O esquecimento é ameaçador mas absolutamente necessário até porque seu reverso a memória também possui essa natureza ambígua necessária e perigosa19 Não há sinal mais revelador de um Estado totalitário do que um tribunal que não esquece nada explica OST invocando a célebre frase de KAFKA em O Processo O esquecimento é necessário para desligar do passado e ligar com o futuro através da promessa Nisso reside a imprescindibilidade do instituto da prescrição para o Direito em todas as suas áreas O esquecimento é fundamental para o sistema jurídico pois sem ele não há felicidade não há serenidade não há esperança não há orgulho não poderia existir fruição do instante presente20 Eis o valor do esquecimentoapaziguamento21 Sem desligar do passado não se vive o presente É ao mesmo tempo aquisição de liberdade e extinção do direito ou poder de alguém A prescrição atua como limite ao exercício do poder mas acima de tudo porque existe um verdadeiro direito ao esquecimento Mais a prescrição é um esquecimento programado22 e necessário para o Direito Com acerto afirma OST23 que o direito ao esquecimento surge como uma das múltiplas facetas do direito ao respeito da vida privada Em termos processuais de forma mais rasteira enquanto estivermos voltados para o passado desengavetando processos velhos produzindo provas frágeis pois o tempo as enfraquece e gerando penas inúteis não teremos tempo de nos ocupar do presente Ocupados que estamos com o velho permitimos que o novo também fique velho aumentando a dilação indevida dos casos penais Eis porque a demora gera ainda mais demora Dessarte sob o ponto de vista processual criase uma situação absurda e insustentável como reabrir um processo 30 ou 40 anos depois do fato Criará o Poder Judiciário bunkers climatizados para armazenamento dos autos E a prova como será conservada E a prova testemunhal que ainda é o principal meio probatório no sistema brasileiro como será conservada Ou sempre se lançará mão da produção antecipada de provas24 desvirtuando o instituto que é um ilustre desconhecido do CPP basta ver a imensa lacuna legislativa e ferindo de morte o contraditório e o direito de defesa Por fim desde o Direito Penal vem o questionamento como justificar e legitimar uma pena aplicada muitos anos depois do fato Como explicamos em outra oportunidade em conjunto com GUSTAVO BADARÓ 25 o núcleo do problema da demora como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 451926 está em que quando se julga além do prazo razoável independentemente da causa da demora se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido e por isso a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição muito menos da falaciosa ressocialização Para os que acreditam no caráter ressocializador da pena privativa de liberdade como legitimála tantos anos depois do fato Imaginamos a situação de alguém que aos 20 anos de idade comete um delito qualquer e após o fato muda de cidade Constitui família emprego enfim vira um homem médio figura clássica da mitologia penal e passados 30 anos volta às origens e se descobre réu Reabrese o processo a prova já foi colhida antecipadamente e sem a sua presença e a sentença condenatória surge quase que naturalmente Como legitimar uma pena de prisão sob o argumento da ressocialização num caso assim Impossível Então existem pelo menos três obstáculos à dupla suspensão processo e prescrição de ordem constitucional processual e penal Afastada a possibilidade de uma suspensão por prazo indeterminado devese buscar um limite como se fará na continuação 2613 Em Busca do Limite à Suspensão da Prescrição As Diferentes Posições Teóricas e a Súmula 415 do STJ Pelos argumentos expostos é imperioso que se estabeleça o prazo de duração da suspensão da prescrição O ideal é uma urgente mudança legislativa outra pois a Lei n 117192008 não resolveu o problema mas na falta dela cabe ao juiz fazer a filtragem constitucional do art 366 e não simplesmente atuar como juizbocadalei ainda mais quando a lei é substancialmente inconstitucional Entre as várias posições teóricas que buscam limite temporal para a suspensão da prescrição ressalvando a posição do STF anteriormente tratada no sentido de que a suspensão da prescrição pode ser indeterminada tem prevalecido aquela que defende a suspensão pelo tempo correspondente ao da prescrição pelo máximo da pena em abstrato voltando a correr após esse lapso Ou seja não comparecendo o réu após a citação editalícia deverá ser suspenso o processo e a prescrição sendo essa última suspensa pelo período de tempo correspondente ao da prescrição pela pena em abstrato para tanto devese verificar a pena máxima do tipo penal e buscar no art 109 do CP o respectivo lapso prescricional Após esse período a prescrição voltaria a correr de novo Suspende primeiro por um período de tempo e depois permanece suspenso o processo mas volta a fluir a prescrição O principal argumento utilizado pelos defensores dessa posição era a redação inserida no Projeto 42072001 de Reforma do CPP cujo art 363 2º inciso I previa que não comparecendo o acusado citado por edital nem constituindo defensor ficaria suspenso o curso do prazo prescricional pelo correspondente ao da prescrição em abstrato do crime objeto da ação art 109 do Código Penal após recomeçará a fluir aquele Infelizmente tal dispositivo foi vetado quando da promulgação da Lei n 117192008 Mas seguindo essa tendência doutrinária e jurisprudencial o STJ editou em 09122009 a Súmula 415 com o seguinte verbete O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada Passou o STJ assim a sustentar uma posição contrária àquela firmada no STF de que não se pode admitir essa suspensão indefinida da prescrição por diversos motivos entre eles em síntese cria uma situação em que qualquer crime para além dos casos previstos expressamente na Constituição pode ser considerado imprescritível até mesmo as mais leves infrações penais violando ainda o princípio da proporcionalidade viola o direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição cria imensos problemas de natureza probatória pois ou a prova é inutilmente colhida muitos anos depois do fato fragilizada portanto pelo decurso do tempo ou então é produzida antecipadamente sem a presença do réu ferindo de morte o contraditório e a ampla defesa deslegitima completamente a pena eventualmente aplicada ao final em caso de condenação pois nenhuma das pseudo funções de prevenção geral especial e mesmo retributiva é possível quando passados muitos anos ou até décadas do fato Essa posição já vinha sendo adotada pelo STJ entre outros no seguinte julgado RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL PENAL AÇÃO PENAL NÃO ATENDIMENTO À CITAÇÃO EDITALÍCIA REVELIA SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO CURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL ART 366 DO CPP EXISTÊNCIA DE LIMITE PARA DURAÇÃO DO SOBRESTAMENTO PRAZO REGULADO PELO PREVISTO NO ART 109 DO CP CONSIDERADA A PENA MÁXIMA APLICADA AO DELITO DENUNCIADO PRESCRIÇÃO EVIDENCIADA PROVIMENTO 1 Consoante orientação pacificada nesta Corte o prazo máximo de suspensão do lapso prescricional na hipótese do art 366 do CPP não pode ultrapassar aquele previsto no art 109 do Código Penal considerada a pena máxima cominada ao delito denunciado sob pena de terse como permanente o sobrestamento tornando imprescritível a infração penal apurada 2 Lapso prescricional referente ao delito denunciado preenchido 3 Recurso provido para restabelecer a sentença de Primeiro Grau que declarou extinta a punibilidade do acusado pela prescrição da pretensão punitiva REsp 1113583MG Rel Min Jorge Mussi Assim a valer esse entendimento não comparecendo o réu após a citação editalícia deverá ser suspenso o processo e a prescrição sendo essa última suspensa pelo período de tempo correspondente ao da prescrição pela pena em abstrato para tanto devese verificar a pena máxima do tipo penal e buscar no art 109 do CP o respectivo lapso prescricional Após esse período a prescrição voltaria a correr de novo Ou seja suspende primeiro por um período de tempo e depois permanece suspenso o processo mas volta a fluir a prescrição Por exemplo diante de um processo por um crime de furto cuja pena máxima é 4 anos a prescrição se opera em 8 anos art 109 IV do CP Significa que se o réu não for encontrado o prazo prescricional e o processo ficará suspenso por 8 anos voltando a correr normalmente a partir do implemento deste prazo Portanto a efetiva extinção da punibilidade somente ocorrerá após 16 anos o que nos parece outro problema É quase o mesmo que estabelecer uma prescrição em dobro Outro exemplo se alguém estiver sendo processado por roubo art 157 do CP cuja pena é de 4 a 10 anos a prescrição em abstrato será regida pelo máximo da pena ou seja 10 anos Verificando o art 109 II do CP constatase que um delito cuja pena é 10 anos prescreve em 16 anos Logo nos primeiros 16 anos o processo e a prescrição ficam suspensos Após permanece suspenso o processo mas a prescrição recomeça a fluir computandose o tempo decorrido entre o recebimento da denúncia e a decisão que decretou a suspensão pelo não comparecimento do réu gerando então a prescrição quando totalizar 16 anos Chamamos a atenção todavia para a distinção entre interrupção e suspensão O prazo é inicialmente interrompido zerado portanto quando a denúncia é recebida Mas entre o recebimento da denúncia e o esgotamento da via editalícia podem se passar vários meses Com a decisão que aplica o art 366 operase uma suspensão da prescrição de modo que quando o prazo prescricional voltar a fluir após os primeiros 8 anos no exemplo acima devemos retomar a contagem considerando aqueles meses de tramitação inicial do processo Isso porque quando se suspende o prazo ele volta a correr pelo tempo restante ou seja considerase o período entre o recebimento da denúncia e a decisão que determinou a suspensão Em suma a Súmula 415 do STJ segue uma posição doutrinária majoritária mas está por enquanto em contrariedade com a linha definida pelo STF Contudo pensamos que esse ainda não é o melhor tratamento da questão Em nossa opinião a Súmula 415 não resolve o problema por ainda serem excessivos os prazos uma prescrição em dobro na realidade27 bem como incorre no erro de substituir a atividade legislativa abrindo espaço para o decisionismo É um imenso perigo quando um juiz ou tribunal acaba substituindo a própria atividade legislativa criando prazo onde não há espaço na lei para isso o que não se confunde com a salutar filtragem constitucional Uma situação é negarse validade substancial a uma lei afastando sua incidência Outra é afastar a incidência e criar um limite quando a lei não o faz e tampouco existe lacuna para autorizar tal recurso hermenêutico Mais do que isso a posição do STJ cria a possibilidade de lapsos excessivos para a extinção do feito até 40 anos incompatíveis com o direito ao processo penal no prazo razoável Daí por que uma nova mudança legislativa é necessária E nesse caso pensamos que o melhor é buscar inspiração na Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola que no seu Título VII arts 834 a 846 disciplina o procedimento contra réus ausentes e também o instituto da rebeldia a nossa antiga revelia Não sendo encontrado o réu é expedida a requisitória espécie de edital e não comparecendo suspendese o processo Até aqui igual ao nosso sistema A diferença está no fato de que a prescrição é interrompida com o início do processo não correndo mais Quando declarada a rebeldia ou seja o não comparecimento o prazo prescricional volta a correr art 114 do Código Penal espanhol Significa dizer que a declaração judicial de não comparecimento é um marco interruptivo da prescrição que começa a correr nesse momento podendo perfeitamente operarse durante a suspensão do processo Essa é uma boa opção e que poderia ser adotada pelo legislador brasileiro O risco de impunidade sempre existe mas há um ponto a ser considerado Os crimes graves que exigem uma maior preocupação em relação à impunidade possuem longos prazos prescricionais basta olhar os prazos do art 109 do nosso Código Penal para verse que a prescrição ocorrerá em 12 16 ou 20 anos nos crimes graves Quanto aos crimes de menor gravidade em que o prazo prescricional também é menor é melhor correr se o risco de eventual prescrição do que suportar o ônus de processos eternos e crimes imprescritíveis Em resumo pensamos que a solução virá apenas com uma mudança legislativa que trate da questão com mais acerto que não nos parece ser criar uma prescrição em dobro não descuidando dos complicadores constitucionais direito de ser julgado em prazo razoável processuais produção probatória e penais deslegitimação da pena aplicada muitos anos depois do fato Nossa sugestão para uma reforma legislativa é no seguinte sentido uma vez declarada a ausência operase uma interrupção do prazo prescricional ou seja zera e começa a correr de novo Nada de suspensão da prescrição apenas do processo A prescrição é interrompida quando recebida a denúncia art 117 I do CP e novamente interrompida com a decisão de ausência após a citação editalícia ineficaz Após o processo fica suspenso e a prescrição flui Tratase de prescrição pela pena em abstrato regida pela pena máxima definida no tipo penal que se implementará no prazo fixado no art 109 do CP 262 A Injustificável Exclusão de Incidência do Art 366 do CPP na Lei n 961398 nova redação dada pela Lei n 126832012 Noutra dimensão equivocada nos parece a linha seguida pelo art 2º 2º da Lei n 961398 com a nova redação dada pela Lei n 126832012 ao determinar que Art 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei 2º No processo por crime previsto nesta Lei não se aplica o disposto no art 366 do DecretoLei n 3689 de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital prosseguindo o feito até o julgamento com a nomeação de defensor dativo Significa um retrocesso com inegável violação da garantia do devido processo penal permitir que o processo prossiga seu curso quando o acusado não é encontrado para ser citado Para todo e qualquer crime quando o réu citado por edital o que pressupõe o esgotamento das tentativas de citação real não comparece e nem constitui defensor suspendemse o processo e a prescrição Por que no crime de lavagem de dinheiro isso não se aplica Por tratarse de criminalidade econômica Não se justifica tal tratamento diferenciado28 Esse tipo de discurso a la esquerda punitiva é tão disparatado quanto os maniqueístas interesseiros do direito penal do inimigo ou do zero tolerance cujas bases já foram refutadas no início deste trabalho Também não podemos aceitar o argumento de que o tratamento diferenciado justificase pela necessidade de se bloquear e confiscar os bens ilícitos conseguidos através da lavagem de dinheiro29 Não é essa uma justificativa plausível pelo simples fato de que as medidas assecuratórias também podem ser decretadas bastando a presença de seus requisitos Logo não é esse um argumento jurídico válido Ademais a própria Lei n 9613 com a nova redação da Lei n 126832012 estabelece no art 4 3º que nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens direitos ou valores sem prejuízo do disposto no 1º Ou seja a questão patrimonial é tratada noutra dimensão e não justifica o afastamento da incidência do art 366 do CPP Enfim representa uma quebra da isonomia de tratamento processual do imputado sem qualquer argumento legitimante sendo portanto de discutível constitucionalidade Contudo por dever de lealdade acadêmica destacamos que tal dispositivo foi mantido na alteração legislativa ocorrida em 2012 com a Lei n 12683 e é aplicado sem restrições pela maioria dos juízes e tribunais 263 Não Comparecimento Prisão Preventiva Produção Antecipada de Provas A Lei n 117192008 revogou os 1º e 2º do art 366 que disciplinava no 1º a produção antecipada de provas e no 2º que comparecendo o acusado citado por edital prosseguirá o processo em seus ulteriores termos Essa revogação em nada afeta a sistemática legal Interessanos agora a previsão do art 366 no sentido de que pode o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e se for o caso decretar prisão preventiva nos termos do disposto no art 312 mas isso não significa uma ampliação das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva30 Mais não existe prisão cautelar obrigatória e tampouco qualquer tipo de presunção de fuga que conduza automaticamente à legitimidade de uma medida cautelar pessoal Quando o artigo diz se for o caso está remetendo para os casos do art 312 não ampliando ou facilitando a adoção da excepcionalíssima prisão preventiva Em suma a inatividade processual ficta não autoriza por si só a decretação da prisão preventiva Há que se demonstrar e fundamentar com argumentos cognoscitivos robustos e suporte probatório real a necessidade da prisão preventiva em igualdade de condições com os demais casos do art 312 do CPP Melhor teria andado o legislador se não tivesse feito qualquer menção no art 366 à prisão preventiva Isso porque ao dizer que cabe a prisão preventiva se for o caso nos termos do art 312 nada mudou apenas confundiu Tratase de lembrança inteiramente desnecessária pois é elementar que a prisão preventiva sempre terá cabimento nos casos previstos em lei ou seja se presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis exigidos pelo art 312 E mais devese atentar para os limites do art 313 I ou seja com o advento da Lei n 124032011 que inseriu o novo regime jurídico da prisão cautelar não cabe prisão preventiva quando a pena máxima cominada ao crime for igual ou inferior a 4 anos Assim pensamos que o art 366 tem que ser lido à luz dos arts 312 e 313 só tendo cabimento essa prisão preventiva se presentes o fumus commissi delicti o periculum libertatis e a pena cominada for superior a 4 anos Do contrário haverá apenas a suspensão do processo e da prescrição sendo ilegal a decretação de prisão preventiva Quanto à produção antecipada de provas muita cautela Colher antecipadamente uma prova sem a presença do réu ou seu defensor sim pois a defesa dativa nesse caso é meramente simbólica sem qualquer eficácia real é uma flagrante violação da garantia do contraditório e por contaminação do direito de defesa ambos assegurados no art 5º LV da Constituição Daí por que o ideal é que a produção antecipada seja reservada para casos extremos em que a prova efetivamente é relevante e sofre risco real de perecimento Ainda nesse caso devemse tomar todas as cautelas para documentar da forma mais ampla possível incluindo gravações de áudio e vídeo31 Posteriormente foi editada a Súmula 455 do STJ com o seguinte verbete A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada não a justificando unicamente o mero decurso do tempo Reafirmou assim o STJ o entendimento de que a produção antecipada de provas em caso de citação por edital e posterior suspensão do processo e da prescrição é uma medida excepcional em que deve ser demonstrado concretamente o risco de a prova não poder ser produzida mais tarde no processo Apenas as provas relevantes e urgentes podem ter sua produção antecipada realizada não sendo suficientes afirmações genéricas sobre o risco de perecimento e tampouco a mera argumentação em torno do decurso de tempo em virtude da suspensão do processo Entre os processos que serviram de precedentes para a nova súmula está o HC 67672 cujo relator Min Arnaldo Esteves Lima considerou que não ficou demonstrado o risco de a prova ser produzida mais tarde no processo sendo insuficientes afirmações genéricas sobre o perigo Em outro precedente HC 111984 o relator Min Felix Fischer apontou que o art 366 deve ser interpretado levandose em conta o art 225 do CPP de modo que teria cabimento a antecipação quando demonstrado que a testemunha irá ausentarse seja idosa ou doente De qualquer forma prosseguiu o relator a produção antecipada de provas não é obrigatória ou automática devendo ser vista como uma exceção 27 Aplicação do Art 367 do CPP Ausência A Condução Coercitiva do art 260 do CPP Exigência de Ordem Judicial Fundamentada Noutra dimensão está o tratamento jurídicoprocessual do acusado ausente Art 367 O processo seguirá sem a presença do acusado que citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato deixar de comparecer sem motivo justificado ou no caso de mudança de residência não comunicar o novo endereço ao juízo Aqui o réu foi encontrado e citado pessoalmente e não oferece resposta à acusação o que equivale ao não comparecimento do sistema anterior de forma injustificada inatividade real O processo continua com seu defensor se houver um constituído ou mediante a nomeação de defensor dativo Então duas situações podem ocorrer partindo da premissa de que houve citação válida a o acusado não oferece resposta escrita à acusação no prazo legal e tampouco constitui defensor b o acusado constitui defensor mas não apresenta resposta escrita à acusação No primeiro caso deverá o juiz nomear um defensor para que no prazo de 10 dias apresente a resposta à acusação e prossiga na defesa do réu ausente ao longo de todo o processo que portanto seguirá sem a presença do imputado que foi validamente citado No segundo caso há defensor constituído mas não é apresentada a resposta à acusação Essa inatividade poderia perfeitamente ser considerada uma mera opção da defesa que por alguma estratégia prefere silenciar nesse momento Contudo o art 396A 2º determina que não apresentada a resposta no prazo legal ou se o acusado citado não constituir defensor o juiz nomeará defensor para oferecêla concedendolhe vista dos autos por 10 dez dias Assim essa defesa preliminar é obrigatória e se não apresentada no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para oferecêla Após o processo continuará ainda que ausente o réu Mesma solução será adotada quando no curso da instrução o réu é intimado e não comparece ou ainda uma vez citado muda de residência sem comunicar ao juízo não sendo mais encontrado Em todas essas situações o processo seguirá com a ausência do réu Mas devese compreender a presença do réu no processo é um direito que lhe assiste e não um dever processual não é portanto carga senão assunção de risco Não está o juiz legitimado a praticar qualquer tipo de ato de reprovação sendo completamente errada a decisão de decretar a revelia do réu ausente à instrução como se isso fosse constitutivo de um novo estado jurídicoprocessual ou tivesse algum efeito prejudicial ao imputado32 Situação diversa operase quando o réu estiver descumprindo alguma das condições impostas em sede de liberdade provisória pois entre elas pode estar o dever de comparecer a todos os atos do processo ou qualquer outra medida cautelar prevista no art 319 do CPP Nesse caso poderá haver quebramento da fiança ou mesmo ser considerado que houve o descumprimento da medida cautelar diversa de modo que o não comparecimento do réu implicará revogação da liberdade provisória com a decretação da prisão preventiva Não ocorrendo essas situações o não comparecimento do réu não conduzirá a nenhum tipo de punição processual exceto o fato de o processo continuar seu curso em sua ausência Tendo em vista a estrita relação com a matéria ora abordada é importante analisar a condução coercitiva prevista no art 260 do CPP Além de completamente absurda no nível de evolução democrática alcançado é substancialmente inconstitucional por violar as garantias da presunção de inocência e do direito de silêncio Ora mais do que nunca é preciso compreender que o estar presente no processo é um direito33 do acusado nunca um dever Considerando que o imputado não é objeto do processo e que não está obrigado a submeterse a qualquer tipo de ato probatório pois protegido pelo nemo tenetur se detegere sua presença física ou não é uma opção dele Há que se abandonar o ranço inquisitório em que o juiz inquisidor dispunha do corpo do herege para dele extrair a verdade real O acusado tem o direito de silêncio e de não se submeter a qualquer ato probatório logo está logicamente autorizado a não comparecer Infelizmente esse é um nível de evolução democrática e processual ainda não alcançado por muitos juízes e tribunais que ainda operam na lógica inquisitória determinando a condução do imputado que não comparece Mais grave ainda são aqueles que admitem que a polícia possa fazer a condução coercitiva de suspeitos Ora a condução coercitiva é uma espécie de detenção pois há uma inegável restrição da liberdade de alguém que se vê cerceado em sua liberdade de ir e vir A Constituição somente admite a restrição da liberdade em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de um juiz competente é claro Portanto a condução coercitiva seja para prestar declarações na polícia ou em juízo somente poderia ser concebida em que pese nossa discordância pois pensamos ser em qualquer caso substancialmente inconstitucional por violar as garantias da presunção de inocência e do direito de silêncio quando precedida de ordem judicial devidamente fundamentada 28 Inadequação da Categoria Revelia no Processo Penal O primeiro ponto a ser destacado é que pela enésima vez advertimos o leitor da inadequação de analogias com o processo civil em quase todos os casos em que é feita Logo devese redefinir algumas categorias nesse tema No processo penal não existe distribuição de cargas pois o réu ao ser constitucionalmente presumidamente inocente não tem qualquer dever de atividade processual Mais do que isso da sua inércia nenhum prejuízo jurídicoprocessual pode brotar Assim toda carga está nas mãos do acusador De outro lado é inegável que existe por parte do réu a assunção de riscos decorrentes de sua inércia Explicamos Quando surge uma chance sempre na linha do léxico goldschmidtiano nas diferentes situações processuais que podem ser probatória ou defensiva não se lhe atribui qualquer carga ou ônus senão riscos O não agir probatório do réu que pode se dar por exemplo no exercício do direito de silêncio recusa em participar de acareações reconhecimentos etc não conduz a nenhum tipo de punição processual ou presunção de culpa senão na assunção do risco decorrente da perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz Não existe um dever de agir para o imputado para que se lhe possa punir pela omissão Inclusive quando o art 367 do CPP permite que o processo prossiga sem a presença do réu citado essa omissão processual gera apenas risco Não se trata de prejuízo processual pois não existe uma carga de modo que não se pode presumir nada em sentido diverso da sua inocência Mas inegavelmente essa omissão gera um imenso risco decorrente da perda de diversas chances de manter o juiz em crença ou seja na crença de que ele imputado é inocente diante da atuação do acusador que fará tudo para afastar essa crença e obter o convencimento do juiz da verossimilhança da tese acusatória É disso que se fala em relação ao réu assunção de risco É completamente diferente do fenômeno do processo civil em que se operam verdadeiras distribuições de cargas e a decorrente necessidade de liberarse delas Com a modificação levada a cabo pela Lei n 927196 finalmente abandonouse a revelia e os absurdos processos penais sem réu presente em caso de inatividade processual ficta Atualmente não há que se falar em revelia no processo penal ou pelo menos não no sentido próprio do termo o que significa dizer que a utilização seria sempre imprópria e inadequada pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual A contumácia ou revelia como explica DELMANTO JUNIOR34 é carregada de conotação negativa extremamente pejorativa significando ultraje desdém ilícito rebeldia35 etc daí por que como afirma o autor sua aplicação afigurase por si só totalmente incompatível com a concepção de que não há como dissociar a inatividade do acusado de um lado do exercício dos direitos a ele constitucionalmente assegurados da ampla defesa e do silêncio de outro Não existe censura ou verdadeiro prejuízo jurídico em relação à conduta do réu que não comparece ao interrogatório ou não permite que se lhe extraia material genético para realização de perícia Não existe no processo penal revelia em sentido próprio A inatividade processual incluindo a omissão e a ausência não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica Não conduz a nenhuma presunção exceto a de inocência que continua inabalável Nada de presumirse a autoria porque o réu não compareceu Jamais Também se deve ponderar que admitir a revelia e seus efeitos conduziria a admitir um processo penal contumacial absolutamente incompatível com o processo penal contraditório36 assegurado no art 5º LV da Constituição e também no art 261 do CPP Art 261 Nenhum acusado ainda que ausente ou foragido será processado ou julgado sem defensor A presença da defesa técnica ainda que o acusado esteja ausente ou seja citado não comparece nem constitui defensor é uma imposição inarredável fruto da opção constitucional por um procedimento em contraditório que impede a produção dos efeitos da revelia Em suma por qualquer lado que se aborde a revelia e a contumácia são incompatíveis com o processo penal brasileiro Infelizmente por falta de rigor técnico é bastante comum a utilização pelos tribunais brasileiros do termo revelia quando na verdade estamos diante de mera ausência 29 Notificação e Intimação do Acusado Contagem de Prazos Quando se analisa o nosso CPP passa a ser repetitiva a crítica de falta de sistematização confusão de critérios e pouco rigor técnico Aqui mais uma vez essa crítica se faz necessária pois o Código emprega os termos notificação e intimação com pouco rigor levando a que alguns autores concluam pela unificação dos conceitos Nenhuma censura a essa posição Contudo pensamos ser necessário fazer a distinção conceitual pois o Direito Processual Penal não se resume ao que está codificado A notificação é a comunicação da existência de uma acusação gerando a chance no léxico goldschmidtiano de oferecimento de uma defesa prévia ao recebimento da denúncia O art 55 da Lei n 11343 estabelece que oferecida a denúncia o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia por escrito no prazo de 10 dez dias No mesmo sentido o art 514 do CPP determina no rito dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos que o juiz ordenará a notificação do acusado para responder por escrito dentro do prazo de 15 quinze dias A intimação é a comunicação de determinado ato processual feita ao acusado testemunha ou pessoas que devam tomar conhecimento do ato como peritos intérpretes e demais auxiliares da justiça Em relação aos últimos testemunhas e demais pessoas que participem do processo a intimação poderá revestir um caráter coercitivo verdadeiro dever de agir ou comparecer Tal dever ou carga inexiste em relação ao imputado pelos motivos já explicados anteriormente A Lei n 117192008 que instituiu o novo rito comum ordinário criou uma nova sistemática de comunicação dos atos processuais a o imputado é citado para apresentar resposta escrita à acusação art 396 b recebida a denúncia é o réu intimado para a audiência de instrução e julgamento onde também será interrogado Antes da alteração legislativa o imputado era citado para ser interrogado e depois intimado das audiências de instrução Agora a citação é para apresentar a resposta escrita à acusação A intimação das testemunhas peritos intérpretes etc deverá ser feita pessoalmente através do respectivo mandado art 370 Já quanto à intimação dos defensores o CPP faz uma distinção no tratamento a Defensor constituído poderá ser intimado através de publicação no Diário da Justiça ou órgão incumbido da publicação ou caso não exista a intimação poderá ser através de mandado ou via postal Também é recomendável a intimação através da via postal quando o advogado constituído possui escritório profissional em unidade da federação diversa daquela onde tramita o feito Tal cautela é muito importante pois esse defensor poderá não ter acesso ao diário da justiça daquele estado frustrando a comunicação do ato Se considerarmos que a eficácia da intimação é condição de possibilidade para o exercício do contraditório e do direito de defesa concluise que todos os cuidados são úteis para evitar um ato processual que venha a ser considerado posteriormente defeituoso com sério risco de nulidade b Defensor nomeado poderá ser de duas categorias defensor público ou dativo O defensor público será sempre intimado pessoalmente em igualdade de tratamento com o Ministério Público atendendo assim ao chamado princípio da pessoalidade por força do art 5º 5º da Lei n 106050 Contudo quando a defesa for levada a cabo por defensor dativo ou por entidade de assistência jurídica gratuita os serviços de assistência judiciária de muitas faculdades de Direito por exemplo não se aplica essa regra e a intimação poderá ser feita através do diário da justiça Também em relação a eles não se contam em dobro os prazos pois tal prerrogativa somente é aplicável à defensoria pública oficial Como bem aponta HASSAN CHOUKR37 esse entendimento infelizmente pacificado no Supremo Tribunal Federal entre outros vejase HC 75707SP criou uma absurda desigualdade de tratamento em relação a defensores que estão em igual situação processual Pior os serviços de defensoria gratuita não oficial prestam um serviço de imensa utilidade pública pois cumprem um encargo que é do Estado Logo diante da evidente equivalência de serviço prestado necessária a igualdade de tratamento processual Por fim chamamos a atenção de que os prazos processuais nos termos do art 798 do CPP correm em cartório sendo contínuos e peremptórios não se interrompendo por férias domingo ou feriados Uma vez iniciada sua contagem não serão interrompidos Nesse cômputo não se considera o dia da intimação ou seja excluise o dia em que se dá a comunicação do ato começando a fluir no dia seguinte se útil Logo se a intimação ocorreu numa sextafeira o prazo começa a correr na segundafeira e não no sábado Da mesma forma quando um prazo terminar no sábado domingo ou feriado será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil art 798 3º do CPP Também é muito importante compreender que no processo penal ao contrário do que ocorre no processo civil os prazos começam a fluir a partir da realização da comunicação processual e não da juntada aos autos do mandado de intimação Nessa linha corretamente dispõe a Súmula n 710 do STF No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou carta precatória ou de ordem Assim nada de analogias com o processo civil 3 Assistente da Acusação Nos crimes em que a iniciativa da ação penal é privada a vítima ou seu representante legal assume no processo penal o polo ativo como parte acusadora principal Contudo nos crimes em que a ação penal seja de iniciativa pública a denúncia será oferecida pelo Ministério Público a quem competirá promover privativamente38 a ação penal Mas o sistema processual penal brasileiro contempla a possibilidade de o ofendido ingressar no polo ativo ao lado do Ministério Público auxiliandoo na acusação e também fiscalizando sua atuação Vejamos agora o instituto do assistente de acusação 31 Natureza Jurídica Legitimidade Capacidade e Interesse Processual Pode o Assistente Recorrer para Buscar Aumento de Pena Crítica à Figura do Assistente da Acusação O assistente da acusação é uma parte secundária acessória contingencial pois o processo independe dele para existir e se desenvolver É assim recorrente dizerse que sua natureza jurídica é a de parte contingente secundária É uma parte mas não principal pois sua atividade processual é acessória em relação àquela desenvolvida pela parte principal que é o Ministério Público Quanto à legitimidade estabelece o art 268 do CPP que poderá intervir como assistente o ofendido ou representante legal ou na falta qualquer das pessoas mencionadas no art 31 quais sejam cônjuge ascendente descendente ou irmão Excepcionalmente admitese que órgãos ou entidades sejam assistentes da acusação mas os casos são taxativamente previstos em lei Nessa linha nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional a Lei n 7492 no seu art 26 parágrafo único estabelece que sem prejuízo do disposto no art 268 do CPP será admitida a assistência da Comissão de Valores Mobiliários CVM quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa autarquia e do Banco Central do Brasil quando fora daquela hipótese houver sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização Nos crimes contra as relações de consumo determinam os arts 80 cc 82 III e IV ambos da Lei n 8078 que poderão intervir como assistente do Ministério Público as entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta ainda que sem personalidade jurídica especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código de defesa do consumidor e também as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código dispensada a autorização assemblear Comungamos ainda do entendimento de que não caberá a intervenção de pessoa jurídica de direito público como assistente Inicialmente porque a figura do assistente da acusação é geneticamente problemática e deveria ser abolida do processo penal brasileiro como explicaremos ao final desse tópico Mas enquanto permanece os casos e as possibilidades de intervenção devem ser lidos de forma restritiva Nessa linha a regra é a de que somente a vítima pessoa física ou seu representante legal possam intervir como assistentes Excepcionalmente isso é relativizado e quando ocorre é de forma expressa Nesse sentido os casos anteriormente referidos nas Leis ns 7492 e 8078 Ademais não há que se esquecer de que se o crime for praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União Estado e Município a ação penal será de iniciativa pública Logo quem defende em juízo os interesses do órgão público afetado é o Ministério Público sendo sem sentido salvo para gerar desequilíbrio processual e contaminar o processo com o sentimento de vingança admitirse a assistência Do contrário teríamos de admitir que o Ministério Público é negligente na tutela do patrimônio público o que seria um contrassenso Noutra dimensão não há que se confundir o assistente com o advogado que o representa Assistente é a vítima seu ascendente descendente ou irmão mas em qualquer caso necessita de advogado para postular em juízo capacidade postulatória O interesse de agir como explicado anteriormente não pode ser pensado desde a ótica do processo civil No processo penal vigora o princípio da necessidade ou seja é o processo penal o caminho necessário para chegarse à pena Logo não há que se questionar sobre o interesse muito menos sob a ótica civilista da necessidade e utilidade do provimento pois ele é inerente à ação processual penal No Ministério Público tanto nos crimes de ação penal de sua iniciativa pública como nos crimes de iniciativa privada o interesse é inerente a quem tiver legitimidade para propor a ação pois não há outra forma de obter e efetivar a punição Sem embargo o assistente é uma parte secundária que não dá o starter procedimental e tampouco sua presença é necessária O ne procedat iudex officium se realiza através da atividade do Ministério Público e não do assistente da acusação pois o assistente somente poderá ingressar após a denúncia ter sido oferecida e admitida não sendo ele o responsável pela invocação da tutela jurisdicional Então o que justifica sua intervenção Que interesses lhe motivam Deixando os frágeis argumentos teóricos de lado como regra a assistência da acusação é motivada por sentimento de vingança eou interesse econômico Bastante frágil é a alegação de que o assistente está interessado em fazer ou contribuir para a justiça pois que conceito de justiça é esse que somente se conforma com uma sentença condenatória Falar em sentença justa nesse caso é recorrer a um conceito vago que oculta no fundo uma visão unilateral e vingativa pois a tal sentença justa somente existe quando condenatória Sim porque ninguém se habilita como assistente para postular a absolvição do acusado Quanto ao interesse econômico recordemos as explicações que fizemos ao tratar da ação civil ex delicti anteriormente Há situações em que uma mesma ação ou omissão gera efeitos nos dois civil ou penal ou três campos civil penal e administrativo O assistente ingressa no processo penal para buscar uma sentença penal condenatória que além de fixar um valor mínimo a título de indenização para a vítima art 387 IV com o trânsito em julgado irá constituir um título executivo judicial na esfera cível nos termos do art 475N II do CPC nova redação dada pela Lei n 112322005 Com a sentença penal condenatória a vítima do delito ou seu representante legal poderá ajuizar ação de execução na jurisdição cível buscando o pagamento do valor fixado na sentença penal a título de indenização art 63 parágrafo único cc 387 IV do CPP Se a vítima entender ser insuficiente esse valor poderá postular a liquidação do dano obtendo com isso o restante devido Não se pode esquecer que o art 387 IV determina que o juiz penal fixe o valor mínimo não impedindo que a vítima postule no juízo cível um valor maior sem que se discuta mais a causa de pedir mas apenas quanto deverá ser o complemento Art 63 Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promoverlhe a execução no juízo cível para o efeito da reparação do dano o ofendido seu representante legal ou seus herdeiros Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido Antes de obter o título executivo poderá o assistente dentro do processo penal buscar a indisponibilidade patrimonial do réu por meio das medidas assecuratórias previstas no art 125 e ss do CPP Esse interesse econômico também pode vir noutra dimensão buscar uma sentença condenatória para ser utilizada na Justiça do Trabalho Não raras vezes o que busca o assistente é uma condenação penal que possa ser utilizada para justificar a despedida com justa causa gerando profundos reflexos trabalhistas Outra discussão que brota nesse momento é a seguinte pode o assistente da acusação recorrer postulando aumento da pena aplicada Se for defendida a existência de um interesse puramente econômico não está o assistente autorizado a recorrer para pedir um aumento de pena pois seu interesse se satisfaz com a constituição do título executivo que brota da sentença penal condenatória independente do quantum de pena aplicada Assim o título executivo buscado estará constituído com uma condenação a 1 mês de pena ou a 20 anos é irrelevante Daí por que não cabe o recurso para mero aumento de pena Contudo há quem entenda que o assistente é um auxiliar da acusação buscando uma sentença justa39 Para os seguidores dessa corrente admitese que o assistente recorra quando o Ministério Público não o fizer para buscar a exasperação da pena O argumento é o de que o assistente teria interesse na punição adequada e suficiente do réu de modo que uma pena baixa não seria justa Com vênia aos que assim pensam não podemos concordar com essa posição Com razão POLASTRI40 quando afirma que não poderá recorrer para pedir aumento de pena uma vez que o interesse do assistente é sempre embasado na futura responsabilidade civil do agente no que se refere à reparação do dano sendo a aplicação da pena de interesse do Estadoadministração através do Ministério Público Mas nada impede que o assistente recorra apenas do valor indenizatório fixado na sentença penal Com as alterações levadas a cabo pela Lei n 117192008 deverá o juiz criminal na sentença condenatória fixar um valor mínimo a título de indenização para a vítima Desse valor pode perfeitamente recorrer o assistente da acusação Feitas essas considerações passemos às principais críticas feitas pela doutrina ao instituto da assistência A principal crítica que se faz à figura do assistente da acusação brota exatamente do interesse que lhe motiva sentimento de vingança e interesse econômico privado O sentimento de vingança gera uma contaminação que em nada contribui para um processo penal equilibrado e ético Essa afirmativa não significa qualquer menoscabo ou desprezo pela figura da vítima todo o oposto Apenas queremos chamar a atenção para o fato de que um processo penal com tal dose de contaminação é um grave retrocesso que dificulta a serena administração da justiça Noutra dimensão o interesse econômico deve ser satisfeito com plenitude mas não no processo penal A mistura de pretensões acusatória e indenizatória gera uma grave confusão lógica e principalmente um hibridismo bastante perigoso e problemático que pode conduzir a condenações penais disfarçadas de absolvições fáticas ou seja condenase alguém na esfera penal a uma pena irrisória multa ou restritiva de direitos muitas vezes por delitos insignificantes pois no fundo o que se quer satisfazer é a pretensão indenizatória Isso representa um desvirtuamento completo do sistema jurídico penal para a satisfação de algo que é completamente alheio a sua função O processo penal não pode ser desvirtuado para ser utilizado a tais fins por mais legítimos que sejam pois o instrumento é inadequado Na expressão de BETTIOL41 isso constitui a derrocada completa do processo penal que deixa de ser portador de justiça para se converter em simples instrumento de tutela de interesses privados Há que se colocar as coisas no seu devido lugar GÓMEZ ORBANEJA42 também há muito tempo apontava para o perigo da privatización del proceso penal que segundo o autor é completamente incompatível com sua verdadeira finalidade e com o próprio caráter estatal da pena Mas isso não significa que a vítima deva ficar desamparada senão que corresponde ao processo civil a efetiva missão de satisfazer seus interesses econômicos Não o processo penal Por fim poderseia questionar ainda a inconstitucionalidade do instituto na medida em que o art 129 I da Constituição é categórico ao afirmar que compete ao Ministério Público promover privativamente a ação penal pública na forma da lei A única exceção também constitucional ao poder privativo de promoção da ação penal pública está no art 5º LIX na chamada ação penal privada subsidiária ou substitutiva da pública nos termos e na forma anteriormente explicada Logo como não é possível assistente da acusação na ação penal de iniciativa privada pois ele é o autor principal e na pública a promoção é de atribuição privativa do Ministério Público não estaria recepcionada pelo texto constitucional a figura do assistente da acusação sendo ilegítima sua intervenção Nesse sentido também se posiciona POLASTRI LIMA43 afirmando que ao dispor a Lei Maior que a promoção da ação penal pública é privativa do Ministério Público para nós derrogado estaria o Código de Processo Penal no que tange aos dispositivos atinentes à assistência ao parquet face à manifesta incompatibilidade Apesar das críticas à figura do assistente da acusação tratase de intervenção admitida no sistema processual penal brasileiro pela maioria dos tribunais44 32 Corréu Não Pode Ser Assistente Risco de Tumulto e Manipulação Processual Determina o art 270 do CPP que o corréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público Tratase de uma regra necessária e lógica para evitar a confusão processual de ter se uma pessoa ocupando polos completamente antagônicos de auxiliar da acusação e réu ao mesmo tempo pois isso gera evidentes riscos de manipulações e fraudes Para melhor compreensão pensemos na seguinte situação os réus Júlio Fernando e Guilherme após roubarem um banco encontramse num local ermo para fazer a repartição dos ganhos Para obter um lucro maior Júlio e Fernando agridem Guilherme até acreditarem têlo matado Milagrosamente ele sobrevive Os processos pelo roubo e pela tentativa de homicídio são reunidos por força da conexão Uma vez unificados Guilherme poderá habilitarse como assistente do Ministério Público Não pois com a reunião dos processos ele é corréu coautor do delito de roubo e portanto incide a vedação do art 270 do CPP Contudo se a qualquer momento ele deixar de ser corréu por extinção da punibilidade absolvição definitiva etc cessa o impedimento e pode o agente recorrer como assistente não habilitado por exemplo 33 Momento de Ingresso do Assistente Iniciativa Probatória Pode o Assistente Arrolar Testemunhas Como o próprio nome indica o assistente auxilia a acusação logo é pressuposto de sua intervenção a existência de uma acusação pública formalizada denúncia Assim o pedido de habilitação como assistente somente pode ser feito após o recebimento da denúncia Ainda que com pouco rigor técnico o art 268 corrobora esse entendimento ao afirmar que em todos os termos da ação pública poderá intervir como assistente do Ministério Público o ofendido Na verdade o assistente pode intervir no processo nascido do exercício de ação penal de iniciativa pública e não na ação Não há intervenção na ação mas no processo Mas isso não significa que a vítima não possa intervir na investigação preliminar pois recordando o teor do art 14 do CPP ela poderá requerer qualquer diligência que será realizada ou não a critério da autoridade policial Contudo essa intervenção epidérmica não constitui assistência da acusação Recebida a denúncia poderá o ofendido requerer através de advogado devidamente constituído procuração sua habilitação como assistente para ingressar no processo Não está o assistente assim autorizado a recorrer da decisão que rejeita liminarmente a denúncia Já da decisão de absolvição sumária art 397 poderá o assistente recorrer se assim não o fizer o Ministério Público O recurso cabível no caso de absolvição sumária é o de apelação como também o é no caso de absolvição sumária no rito do Tribunal do Júri art 416 com base no art 593 II do CPP Quando o assistente não for a vítima mas sim o cônjuge ascendente descendente ou irmão art 268 cc art 261 além da procuração deverá o pedido vir instruído do respectivo documento que comprove esse vínculo O Ministério Público será ouvido previamente sobre a admissão do assistente art 272 mas o pedido somente será indeferido em caso de ilegitimidade ou falta de procuração Da decisão que admite ou não o assistente não caberá recurso determina o art 273 mas poderá ser impetrado Mandado de Segurança conforme o caso Mas ingressando no processo devese atentar para a expressão contida no art 269 de que o assistente receberá a causa no estado em que se achar O que significa isso Significa que o assistente não pode pleitear a repetição ou pretender a realização de atos cujo momento processual já tenha passado A intervenção do assistente é para os atos subsequentes ao seu ingresso nunca antecedentes a ele Nunca é retroativa Há que se ter muito cuidado com o art 271 quando por exemplo autoriza o assistente a propor meios de prova Pode o assistente arrolar testemunhas Não Como o assistente recebe o processo no estado em que se achar e sua intervenção somente é possível após o recebimento da denúncia não poderá arrolar testemunhas pois o momento processual para realização desse ato já ocorreu as testemunhas da acusação devem ser arroladas na denúncia Irrelevante portanto se o Ministério Público arrolou testemunhas em número inferior ao permitido pois o problema não se situa na quantidade mas sim na preclusão dessa via Para tentar superar esse obstáculo procedimental alguns autores recorrem a outro artifício defendem a possibilidade de que o assistente arrole suas testemunhas e postule ao juiz que as ouça como testemunhas do juízo nos termos do art 209 do CPP Eis um caminho que nos parece igualmente equivocado pois o art 209 não resiste a uma filtragem constitucional pois viola claramente as regras do sistema acusatório constitucionalmente assegurado Situação completamente distinta ocorre com as testemunhas de plenário nos crimes de competência do Tribunal do Júri Nesse caso as testemunhas que serão ouvidas no plenário de julgamento devem ser arroladas no prazo do art 422 Ainda que o artigo em questão não diga pensamos que a intimação deve ser estendida ao assistente uma vez que habilitado é parte no processo Contudo o limite máximo de 5 testemunhas de plenário que pode arrolar a acusação não pode ser ultrapassado de modo que ao assistente somente incumbe arrolar testemunhas se o MP não apresentar um rol completo Em suma não pode o assistente da acusação arrolar testemunhas exceto nos processos por crime de competência do Tribunal do Júri em que poderá arrolar testemunhas de plenário desde que somadas ao rol do MP não exceda o limite legal Sem embargo poderá propor outros meios de prova e participar da produção em juízo da prova testemunhal requerendo perguntas às testemunhas e vítimas Ao assistente é permitido juntar documentos e postular perícias sendo sempre ouvido previamente o Ministério Público E até quando poderá ser admitido o assistente Até o trânsito em julgado da decisão É possível assim que o assistente venha ao processo apenas para recorrer sendo tratado como assistente não habilitado A expressão não habilitado deve se entendida como não habilitado até a sentença pois mesmo nesse caso seu ingresso deverá ser feito através de duas peças processuais o pedido de habilitação como assistente devidamente instruído com procuração e a prova do parentesco ou matrimônio se for o caso a ser feito junto ao juízo a quo e em peça separada o respectivo recurso interposto Em se tratando de processo por crime de competência do Tribunal do Júri devese atentar para a regra do art 430 segundo o qual a intervenção do assistente no plenário de julgamento deverá ser requerida com antecedência pelo menos de 5 cinco dias salvo se já tiver sido admitido anteriormente Essa é uma regra para o assistente que ingressa no processo apenas para intervir em plenário pois se já estava habilitado não há necessidade desse requerimento 34 Assistente Habilitado e Não Habilitado Recursos que Pode Interpor Prazo Recursal O assistente da acusação deve sempre postular seu ingresso no processo demonstrando sua legitimidade para que possa intervir A rigor sempre haverá um pedido de habilitação mesmo quando ele vem apenas para recorrer Então a expressão assistente habilitado serve para designar aquele que ingressa no processo até a prolação da sentença de primeiro grau De outro lado quando o ofendido ingressa após a prolação da sentença como um terceiro interessado em recorrer é considerado assistente não habilitado Quando o ofendido ingressa no curso do processo assistente habilitado passa a ser intimado de todos os atos inclusive da sentença pois recebe o tratamento de parte Os atos que pode o assistente praticar estão descritos no art 271 Art 271 Ao assistente será permitido propor meios de prova requerer perguntas às testemunhas aditar o libelo45 e os articulados participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele próprio nos casos dos arts 584 1º e 598 1º O juiz ouvido o Ministério Público decidirá acerca da realização das provas propostas pelo assistente 2º O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente quando este intimado deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou do julgamento sem motivo de força maior devidamente comprovado É sempre importante destacar que o assistente intervém como parte secundária auxiliando a acusação feita pelo Ministério Público nunca agindo como parte principal ou opondose àquele Há que se considerar para além do disposto no art 271 que existem limites à produção probatória pelo assistente como enumera HASSAN CHOUKR46 a limitação probatória cabível às partes no processo com a inadmissibilidade das provas ilícitas b compatibilidade do meio de prova requerido com o momento procedimental em que ele adentrou ao processo pois ele recebe o processo no estado em que se encontra sem possibilidade de repetição de atos ou postulação de prova fora do prazo estabelecido como ocorre com a prova testemunhal c concordância do Ministério Público No que tange aos recursos a regra geral é o assistente somente pode recorrer se o Ministério Público não o fizer ou seja sua atividade recursal é supletiva Quando o Ministério Público recorre o assistente poderá apenas arrazoar junto conforme o tipo de recurso utilizado Mas o assistente somente pode recorrer da impronúncia e da sentença final Sim Também pode em caso de inércia do Ministério Público recorrer em sentido estrito da decisão que declara a extinção da punibilidade pela prescrição ou outra causa art 581 VIII cc art 584 2º apelar como assistente não habilitado da decisão que absolve sumariamente o imputado art 397 apelar da sentença absolutória condenatória para majorar o valor da indenização fixado na sentença ou declaratória de extinção da punibilidade proferida por juiz singular utilizar o recurso de embargos declaratórios quando a decisão impugnada contiver obscuridade ambiguidade contradição ou omissão arts 382 e 619 ingressar com recurso especial e extraordinário nos casos dos arts 584 1º e 598 do CPP como define a Súmula n 210 do STF47 Quanto ao prazo recursal a regra geral é o assistente habilitado é uma parte ainda que secundária e o prazo recursal será o mesmo do Ministério Público Para tanto há que se recordar que o assistente só recorre se o Ministério Público não o fizer e seu prazo começa a correr após o encerramento do prazo concedido ao MP Mas há que se considerar o seguinte se o assistente é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele se o assistente é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente Completamente diverso é o tratamento concedido ao assistente não habilitado que vem ao processo apenas para recorrer Vejamos o disposto no art 598 do CPP Art 598 Nos crimes de competência do Tribunal do Júri ou do juiz singular se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art 31 ainda que não se tenha habilitado como assistente poderá interpor apelação que não terá porém efeito suspensivo Parágrafo único O prazo para interposição desse recurso será de 15 quinze dias e correrá do dia em que terminar o do Ministério Público A primeira pergunta que surge é por que o assistente não habilitado possui um prazo três vezes maior que aquele concedido às partes para apelar ou recorrer em sentido estrito Exatamente porque ele não é parte não está no processo e não é intimado o prazo para interposição do recurso apelação ou recurso em sentido estrito será maior Detalhe importante o prazo de 15 dias é para interposição Uma vez interposto e admitido o recurso o prazo para as razões será aquele definido no art 600 em caso de apelação ou no art 588 para o recurso em sentido estrito Apenas para esclarecer essa regra do prazo de 15 dias para interposição também se aplica ao assistente não habilitado que recorre em sentido estrito da decisão de impronúncia ou declaratória de extinção da punibilidade pois o art 584 1º remete para a regra do art 598 E como se conta esse prazo visto que o assistente não habilitado não é intimado Nos termos do disposto na Súmula n 448 do STF ou seja começa a correr automaticamente após o transcurso do prazo do Ministério Público Em relação aos demais recursos anteriormente apontados embargos declaratórios recurso especial e extraordinário o assistente não habilitado deverá interpôlos nos seus respectivos prazos legais sem qualquer diferença no tratamento dado às partes 1 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTES DOMINGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 209 2 LAURIA TUCCI Rogério e CRUZ E TUCCI José Rogério Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional São Paulo RT 1993 p 25 e ss 3 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 86 4 PLINIO GONÇALVES Aroldo Técnica Processual e Teoria do Processo São Paulo Aidê 1992 p 122 5 Idem ibidem p 122123 6 Idem ibidem p 126 7 Interessante decisão foi proferida nessa matéria pela 5ª Câmara Criminal do TJRS no Acórdão 70019067545 da lavra do eminente Desembargador ARAMIS NASSIF onde o processo foi anulado pela não concessão de tempo razoável para a elaboração da tese defensiva No caso o réu foi citado no dia 07 e ouvido no segundo dia após a citação ou seja no dia 9 Entendeu a câmara à unanimidade que é necessário prazo razoável desde a citação até o ato de interrogatório para que além da ciência da acusação possa preparar a defesa inclusive elaborando a tese pessoal e mantendo contato com o defensor de sua preferência tudo em nome da ampla defesa constitucionalmente assegurada O voto foi no sentido de anular o interrogatório e por consequência o encerramento da instrução renovando aquele ato com observância das garantias constitucionais do processo Após devem ser reabertos os prazos dos arts 499 e 500 do CPP rito antigo bem como proferida nova sentença 8 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 577 9 Inclusive com razão DELMANTO JUNIOR Roberto Inatividade no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2004 p 152 defende que seja abolida do ordenamento processual penal a citação por edital Sugere entre outras medidas a mudança legislativa para que os oficiais de justiça fiquem permanentemente com os mandados de citação a serem cumpridos podendo realizála por exemplo em épocas de eleição com a efetiva colaboração da Justiça Eleitoral citando os acusados quando fossem votar 10 DELMANTO JUNIOR op cit p 155 11 NERY JUNIOR Nelson e ANDRADE NERY Rosa Maria Código de Processo Civil Comentado 7 ed São Paulo RT 2003 p 609 12 MARQUES DA SILVA Ivan Luís Reforma Processual Penal de 2008 São Paulo RT 2008 p 37 13 DELMANTO JUNIOR op cit p 66 242 e 243 Tratase de obra imprescindível para a compreensão da problemática abordada cuja profundidade extravasa os limites de nosso trabalho cujo objeto aqui é a inatividade processual do acusado Assim recomendase a leitura integral da obra de DELMANTO JUNIOR para melhor compreensão das diferentes dimensões da inatividade no processo penal não apenas em relação ao imputado senão também em relação ao acusador público ou privado 14 DELMANTO JUNIOR op cit p 242243 15 MUERZA ESPARZA Julio et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madri Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 153 16 Ainda que não concordemos com essa corrente é importante trazêla à colação para que o leitor conheça a posição do STF nessa matéria especialmente dos fundamentos externados no RE 4609711 julgado em 13022007 Relator Min SEPÚLVEDA PERTENCE RE 460971 Ementa e Acórdão 2 EMENTA I Controle incidente de inconstitucionalidade reserva de plenário CF art 97 Interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos mantendoa com relação a outros não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o art 97 da Constituição cf RE 184093 Moreira Alves DJ 05091997 II Citação por edital e revelia suspensão do processo e do curso do prazo prescricional por tempo indeterminado C Pr Penal art 366 com a redação da L 927196 1 Conforme assentou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ext 1042 19122006 Pertence a Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição por prazo indeterminado na hipótese do art 366 do C Pr Penal 2 A indeterminação do prazo da suspensão não constitui a rigor hipótese de imprescritibilidade não impede a retomada do curso da prescrição apenas a condiciona a um evento futuro e incerto situação substancialmente diversa da imprescritibilidade 3 Ademais a Constituição Federal se limita no art 5º XLII e XLIV a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição sem proibir em tese que a legislação ordinária criasse outras hipóteses 4 Não cabe nem mesmo sujeitar o período de suspensão de que trata o art 366 do C Pr Penal ao tempo da prescrição em abstrato pois do contrário o que se teria nessa hipótese seria uma causa de interrupção e não de suspensão 5 RE provido para excluir o limite temporal imposto à suspensão do curso da prescrição 17 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 562563 18 OST François O Tempo do Direito Lisboa Piaget 1999 19 Idem ibidem p 162 e ss 20 Idem ibidem p 163 21 Idem ibidem p 171 22 Idem ibidem p 178 23 Idem ibidem p 170 24 Não se pode desprezar o fato de os 1º e 2º do art 366 do CPP terem sido revogados pela Lei n 117192008 Assim não existe mais autorização legal para a produção antecipada de provas no caso de suspensão do processo pela incidência do art 366 25 BADARÓ Gustavo Henrique Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável Monografia apresentada à Comissão de PósGraduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1995 p 14 26 Es indudable y resulta obvio que cuando se juzga más allá de un plazo razonable cualquiera que sea la causa de la demora se está juzgando a un hombre distinto en sus circunstancias personales familiares y sociales por lo que la pena no cumple ni puede cumplir con exactitud las funciones de ejemplaridad y de reinserción social del culpable que son fines justificantes de la sanción como con fina sensibilidad dice la Sentencia de 2661992 Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas In COLOMER JuanLuis Gómez CUSSAC JoséLuis González Coords La Reforma de la Justicia Penal Publicações da Universitat Jaume I 1997 p 387 27 Mais coerente com o direito a razoável duração do processo é sem dúvida a posição de FAUZI HASSAN CHOUKR Código de Processo Penal cit p 560 que também tomando como parâmetro o art 109 do Código Penal emprega a pena mínima e não a máxima que leva a prazos excessivamente longos Aduz o autor com acerto que a opção pelo mínimo da pena é decorrência da necessária coerência que o tema deve guardar com a razoável duração do processo assegurada pela Convenção Americana de Direitos Humanos e desde a Emenda Constitucional 45 também está assegurada pelo art 5º LXXVIII da Constituição Essa é sem dúvida uma posição muito mais coerente com a Constituição tendo em vista o direito ao processo penal no prazo razoável 28 No mesmo sentido mas com um pouco mais de cometimento DELMANTO JUNIOR aponta a ilogicidade e consequente inaplicabilidade do art 2º 2º e também do art 4º 3º da Lei n 9613 29 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado São Paulo RT 2006 p 655 30 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR op cit p 161 Contraditória é a posição de NUCCI op cit p 603 quando afirma que a prisão preventiva não pode ser decretada automaticamente sem a constatação dos requisitos previstos no art 312 do CPP Na continuação infelizmente o autor nega sua própria afirmação ao dizer que se a citação por edital ocorreu justamente porque o acusado ocultase ou fugiu do distrito da culpa duas perigosas aberturas conceituais é natural que possa ser decretada a prisão cautelar Ao naturalizar a prisão cautelar na citação por edital em duas situações de excessiva abertura conceitual acaba por avalizar a banalização da prisão preventiva e praticamente negar a afirmativa inicial 31 Nesse sentido com acerto decidiu o STJ no RHC 21519DF Rel Min MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA julgado em 27092007 RMS REVELIA ANTECIPAÇÃO PROVA TESTEMUNHAL Na espécie o recorrente responde pelo crime tipificado no art 157 2º I e II do CP e citado por edital não compareceu ao interrogatório marcado pelo juiz Diante desse fato o Ministério Público requereu a suspensão do processo e do prazo prescricional bem como a produção antecipada da prova testemunhal e a prisão preventiva do recorrente Daí o RMS postulado pela Defensoria Pública alegando a ilegalidade da decisão quanto à colheita antecipada da prova testemunhal Para a Min Relatora causa constrangimento a decisão que aceita a produção antecipada de provas e se limita somente a justificála em torno da alegação de temporalidade da memória Ressalta que a regra do art 366 do CPP com a redação dada pela Lei n 92711996 afirma que a determinação da colheita antecipada de prova deve vir lastreada por motivação eficiente demonstração de urgência o que equivale mutatis mutandis a compreendêla na linha de comprovação do pressuposto cautelar do periculum in mora Assim a produção antecipada exige mais que presunções deve susterse por meio de efetiva evidência de sua necessidade e utilidade Com esse entendimento a Turma deu provimento ao recurso concedeu a ordem para impedir a produção antecipada da prova testemunhal sem prejuízo de nova determinação caso exista motivação a comprovar a urgência do procedimento Precedentes citados HC 57241SP DJ 09102006 e HC 76831SP DJ 03092007 RHC 21519DF Rel Min Maria Thereza de Assis Moura j 27092007 32 No mesmo sentido NUCCI Código de Processo Penal Comentando cit p 656 Mas convém sublinhar a posição contraditória e equivocada do autor quando linhas antes dessa afirmação ao tratar da ausência do réu diz que é seu direito de audiência e não obrigação de estar presente salvo motivo imperioso como ocorre por exemplo quando há necessidade de reconhecimento ou para qualificação Equivocase o autor nesse último trecho ao negar ao réu o direito de ausência em caso de reconhecimento ou qualificação Com essa afirmação despreza o autor a eficácia do nemo tenetur se detegere e o direito fundamental que o imputado tem de não fazer prova contra si mesmo É assegurado ao réu o direito de silêncio englobando nisso o direito de não participar de reconhecimentos acareações ou qualquer ato probatório que lhe possa ser prejudicial 33 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR op cit p 162 34 DELMANTO JUNIOR op cit p 71 35 Expressão essa rebeldia escolhida pelo legislador espanhol na Ley de Enjuiciamiento Criminal para definir a situação jurídica do réu que não comparece no processo penal quando chamado 36 Conforme DELMANTO JUNIOR op cit p 373 37 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal cit p 567 38 Sem esquecer a possibilidade de que a vítima em caso de inércia do Ministério Público ofereça a queixa subsidiária ou substitutiva nos termos do art 29 do CPP conforme explicamos anteriormente ao tratar da Ação Processual Penal 39 Nesse sentido RESP RECURSO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO O Processo penal complexo de relações jurídicas que têm por objetivo a aplicação da lei penal Não há partes pedido ou lide nos termos empregados no processo civil Juridicamente acusação e defesa conjugam esforços decorrência do contraditório e defesa ampla para esclarecimento da verdade real Ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal O assistente também interessado na averiguação da verdade substancial O interesse não se restringe à aquisição de título executório para reparação de perdas e danos O direito de recorrer não o fazendo o Ministério Público se dá quando a sentença absolveu o réu ou postulado aumento da pena A hipótese não se confunde com a justiça privada A vítima como o réu tem direito à decisão justa A pena por seu turno a medida jurídica do dano social decorrente do crime REsp 135549 Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO DJ 26101998 40 POLASTRI LIMA Marcellus Manual de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 468 41 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Trad Faustino GutiérrezAlviz y Conradi Barcelona Bosch 1976 p 285 42 GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosch 1951 v II p 231 43 POLASTRI LIMA op cit p 464 44 Mas existem exceções como essa decisão proferida no julgamento da Apelaçãocrime 70019477199 5ª Câmara do Tribunal de JustiçaRS Rel Desa GENACÉIA DA SILVA ALBERTON j 05102007 ESTELIONATO APELAÇÃO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO FALTA DE LEGITIMIDADE Frente à disposição nas matérias do art 109 inc I da Constituição Federal é de ser reconhecida a ausência de legitimidade do assistente de acusação para recorrer APELO NÃO CONHECIDO VOTO VENCIDO No corpo do voto da ilustre relatora extraise a seguinte lição que merece ser transcrita A posição do assistente de acusação é polêmica frente à Constituição Federal Atentese que devemos evitar a comparação extrema de institutos de direito processual civil com aqueles semelhantes pertencentes ao direito processual penal Em alguns casos as configurações são diferenciadas Porém a título de raciocínio é possível admitir que antes da Constituição Federal o assistente de acusação poderia ser equiparado ao assistente litisconsorcial no direito processual civil ou seja um colegitimado para agir caso houvesse inércia do Ministério Público na propositura da ação penal pública e até mesmo recorrer independentemente daquele Porém com o advento da Constituição Federal de 1988 tendo em vista o disposto no art 129 inciso I que confere como função institucional do Ministério Público promover privativamente ação penal pública o assistente de acusação assumiu uma posição um tanto diferenciada mais próxima à figura do assistente simples do direito processual civil Permanece no sistema processual penal a legitimidade da ação de iniciativa privada nos crimes de ação pública se não houver denúncia no prazo legal arts 100 3º do Código Penal e 29 do Código de Processo Penal Essa ação penal privada subsidiária da ação pública se constitui em garantia constitucional art 5º inciso LIX da Constituição Federal Nessa hipótese o ofendido ou seu representante legal e no caso de morte deste aqueles elencados no art 31 do Código de Processo Penal podem promover a ação penal privada substitutiva da ação pública Esses são exatamente os legitimados para atuarem como assistente de acusação art 268 do Código de Processo Penal E nessa hipótese não falamos em assistente de acusação e sim em autor da ação penal Portanto os sujeitos arrolados nos arts 30 e 31 do Código de Processo Penal têm legitimidade para agir ou apenas para intervir Quando proposta ação pelo Ministério Público o assistente de acusação em face da legitimidade exclusiva daquele órgão será mero assistente simples atuando como auxiliar do órgão de acusação Entendo por isso que não terá o assistente de acusação legitimidade para recorrer se o Ministério Público não o fizer Somente neste aspecto por uma questão técnica de interpretação à luz da Constituição Federal e do direito processual Voto por isso no sentido de não conhecer do recurso interposto pela assistente de acusação 45 A figura processual do libelo não foi recepcionada pela Lei n 116892008 que modificou o procedimento do Tribunal do Júri 46 HASSAN CHOUKR op cit p 454 47 Noutra dimensão a Súmula n 208 do STF estabelece que o assistente do Ministério Público não pode recorrer extraordinariamente de decisão concessiva de habeas corpus Aviso ao leitor A Compreensão Da Síntese Exige A Prévia Leitura Do Capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO No processo intervêm três sujeitos juiz acusado e réu e duas partes acusador e acusado A comunicação dos atos processuais está a serviço da eficácia do contraditório primeiro momento da informação e do direito de defesa Não existe contraditório com o juiz mas contraditório assegurado pelo juiz 1 CITAÇÃO arts 351 a 369 comunicação ao réu da existência de uma acusação assegurando o contraditório informação para com isso criar as condições necessárias para eficácia do direito de defesa pessoal e técnica A citação é feita através de mandado cumprido por oficial de justiça com os requisitos previstos nos arts 352 e 357 Se residir em local diverso será por carta precatória arts 353 e 354 ou rogatória arts 368 e 369 Citação do militar arts 358 e 221 2º requisição à autoridade superior Citação do funcionário público art 359 notifica o chefe da repartição Citação do réu preso além da requisição para condução do preso feita para o diretor do estabelecimento é necessária a citação pessoal do réu É nula a citação feita por edital de réu preso na mesma unidade Súmula n 351 do STF 11 Citação real feita por mandado cumprido por meio de oficial de justiça que comunica ao réu pessoalmente 12 Citação ficta realizada através de edital e somente pode ser utilizada quando esgotadas todas as possibilidades de realizarse a citação real 13 Citação com hora certa inserida pelo art 362 tem seus requisitos legais previstos nos arts 227 a 229 do CPC Feita a citação com hora certa será nomeado defensor dativo Crítica risco de ressuscitar a possibilidade de processo sem conhecimento do acusado Sugestão após a citação com hora certa se o acusado não comparecer fazer citação por edital e se persistir a inatividade aplicar o art 366 14 Inatividade do réu Ausência e Não Comparecimento Inatividade Processual real Ausência gera a situação de ausência onde o réu foi devidamente citado mas não apresentou resposta à acusação aplicase o art 367 cc o art 396A 2º Na ausência réu foi encontrado e citado pessoalmente mas depois não oferece resposta à acusação ou não comparece na instrução de forma injustificada O processo continua com seu defensor constituído ou dativo sem que o réu seja novamente comunicado dos demais atos do processo Estar presente no processo é um direito do réu nunca um dever exceto no caso de liberdade provisória em que foi imposta essa condição Inatividade Processual Ficta Não Comparecimento Nesse caso fracassaram todas as tentativas de citação real não se encontrando o acusado que é citado por edital e não comparece Aplicase o art 396 suspendendo o processo e a prescrição Esgotadas as tentativas de citação real e também não tendo eficácia a citação por edital suspendese o processo e a prescrição até que o réu compareça Posição do STF é constitucional a suspensão indefinida do processo e da prescrição Posição do STJ Súmula n 415 considerando que a prescrição fica suspensa tomando como critério a pena máxima cominada depois volta a fluir Determinada a suspensão do processo e da prescrição pode ser decretada a prisão preventiva desde que presentes os requisitos autorizadores e a necessidade da medida Não é uma nova hipótese de prisão preventiva e tampouco existe prisão cautelar obrigatória A produção antecipada de provas é uma medida excepcional pois coloca em risco o contraditório e o direito de defesa ver Súmula n 455 do STJ 15 Inadequação do conceito de revelia no processo penal é inadequado utilizarse o termo revelia no processo penal pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual ou inversão de carga probatória como no processo civil No processo penal não há distribuição de cargas probatórias mas mera atribuição ao acusador A revelia ou contumácia são categorias processuais carregadas de conotação negativa pejorativa punitiva inadequadas ao processo penal na medida em que não existe a produção de seus efeitos O não comparecimento do réu devidamente citado é uma mera ausência que poderá acarretar a sua não intimação para os próximos atos mas segue o dever de comunicação ao defensor imprescindibilidade da defesa técnica art 261 Não gera qualquer inversão de carga probatória e tampouco uma tramitação do processo sem defesa 2 NOTIFICAÇÃO E INTIMAÇÃO Há muita confusão de conceitos e pouco rigor técnico no CPP Notificação é a comunicação da existência de uma acusação gerando uma chance de oferecimento de defesa Após a reforma de 2008 em que o réu é citado para apresentar resposta à acusação estabeleceuse uma confusão entre os conceitos de notificação e citação Intimação é a comunicação de determinado ato processual feita ao acusado testemunha ou pessoa que deva tomar conhecimento do ato 3 CONTAGEM DE PRAZO art 798 são contínuos e peremptórios começando a correr da data do ato e não da juntada aos autos do mandado Súmula n 710 STF Prazos processuais se prorrogam quando terminarem em dias não úteis ao contrário dos prazos decadenciais que não se prorrogam como acontece com o direito de queixa ou representação 4 ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO arts 268 a 273 É uma parte contingente secundária Legitimidade art 268 cc o art 31 Interesse predominantemente econômico mas há quem admita que recorra para buscar aumento de pena Pode recorrer para buscar aumento do valor indenizatório Corréu não pode ser assistente risco de tumulto e manipulação processual art 270 Ingressa no processo após ter sido recebida a denúncia no estado em que o feito se encontra art 269 não podendo pedir repetição de atos já realizados e até o trânsito em julgado Pode propor meios de provas e participar de vários atos do processo art 271 Poderá recorrer mas devese atentar para a situação de estar ou não habilitado nos autos Pode o assistente arrolar testemunhas Entendemos que não pois ingressa após o recebimento da denúncia portanto a via está preclusa Para tentar contornar isso poderia ser invocado o art 209 problema do ativismo judicial 41 Assistente habilitado está no processo é parte secundária será intimado das decisões e poderá recorrer em sentido estrito ou apelar no mesmo prazo das demais partes ou seja em 5 dias 42 Assistente não habilitado não se habilitou não está no processo e por isso não é intimado dos atos e decisões Vem apenas para recorrer art 598 parágrafo único Terá o prazo de 15 dias para interpor o recurso em sentido estrito ou apelação Contagem do prazo Súmula n 448 do STF Capítulo XV PRISÕES CAUTELARES E LIBERDADE PROVISÓRIA A INEFICÁCIA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 1 Presunção de Inocência e Prisões Cautelares a Difícil Coexistência No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia É fruto da evolução civilizatória do processo penal Parafraseando GOLDSCHMIDT se o processo penal é o termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de uma Constituição a presunção de inocência é o ponto de maior tensão entre eles É um princípio fundamental de civilidade1 fruto de uma opção protetora do indivíduo ainda que para isso tenhase que pagar o preço da impunidade de algum culpável pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes sem exceção estejam protegidos Essa opção ideológica pois eleição de valor em se tratando de prisões cautelares é da maior relevância pois decorre da consciência de que o preço a ser pago pela prisão prematura e desnecessária de alguém inocente pois ainda não existe sentença definitiva é altíssimo ainda mais no medieval sistema carcerário brasileiro Em suma a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente que atua em duas dimensões interna ao processo e exterior a ele Na dimensão interna é um dever de tratamento imposto primeiramente ao juiz determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador pois se o réu é inocente não precisa provar nada e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição ainda na dimensão interna implica severas restrições ao abuso das prisões cautelares como prender alguém que não foi definitivamente condenado Externamente ao processo a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do réu Significa dizer que a presunção de inocência e também as garantias constitucionais da imagem dignidade e privacidade deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência Para tanto iniciaremos pela teoria geral das prisões cautelares definindo conceitos comuns e principalmente a principiologia que norteia o sistema cautelar pois é a eficácia desses princípios que gera condições de coexistência das prisões cautelares com a presunção de inocência Após então passaremos para as medidas em espécie e ao final veremos o instituto da liberdade provisória 2 Teoria das Prisões Cautelares Como identificou J GOLDSCHMIDT2 grave problema existe no paralelismo entre processo civil e processo penal principalmente quando são buscadas categorias e definições do processo civil e pretendese sua aplicação automática no processo penal Assim vemos alguns conceitos erroneamente utilizados pelo senso comum teórico e também jurisprudencial em torno do requisito e fundamentos da prisão bem como de seu objeto 21 Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora A Impropriedade desses Termos Categorias do Processo Penal Fumus Commissi Delicti e Periculum Libertatis As medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e como consequência a eficaz aplicação do poder de penar São medidas destinadas à tutela do processo Filiamonos à corrente doutrinária3 que defende seu caráter instrumental em que las medidas cautelares son pues actos que tienem por objeto garantizar el normal desarrollo del proceso y por tanto la eficaz aplicación del jus puniendi Este concepto confiere a las medidas cautelares la nota de instrumentalidad en cuanto son medios para alcanzar la doble finalidad arriba apuntada4 Delimitado o objeto das medidas cautelares é importante frisar nossa discordância5 em relação à doutrina tradicional que ao analisar o requisito e o fundamento das medidas cautelares identificaos com o fumus boni iuris e o periculum in mora seguindo assim as lições de CALAMANDREI em sua célebre obra Introduzione allo studio sistematico dei provedimenti cautelari6 De destacarse que o trabalho de CALAMANDREI é de excepcional qualidade e valia mas não se podem transportar alguns de seus conceitos para o processo penal de forma imediata e impensada como tem sido feito O equívoco consiste em buscar a aplicação literal da doutrina processual civil ao processo penal exatamente em um ponto em que devemos respeitar as categorias jurídicas próprias do processo penal pois não é possível tal analogia Constitui uma impropriedade jurídica e semântica afirmar que para a decretação de uma prisão cautelar é necessária a existência de fumus boni iuris Como se pode afirmar que o delito é a fumaça de bom direito Ora o delito é a negação do direito sua antítese No processo penal o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado mas sim de um fato aparentemente punível Logo o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é a existência do fumus commissi delicti enquanto probabilidade da ocorrência de um delito e não de um direito ou mais especificamente na sistemática do CPP a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Seguindo a mesma linha de CALAMANDREI a doutrina considera equivocadamente o periculum in mora como outro requisito das cautelares Em primeiro lugar o periculum não é requisito das medidas cautelares mas sim o seu fundamento Em segundo lugar a confusão aqui vai mais longe fruto de uma equivocada valoração do perigo decorrente da demora no sistema cautelar penal Para CALAMANDREI7 o periculum in mora é visto como o risco derivado do atraso inerente ao tempo que deve transcorrer até que recaia uma sentença definitiva no processo Tal conceito se ajusta perfeitamente às medidas cautelares reais em que a demora na prestação jurisdicional possibilita a dilapidação do patrimônio do acusado Sem embargo nas medidas coercitivas pessoais o risco assume outro caráter Aqui o fator determinante não é o tempo mas a situação de perigo criada pela conduta do imputado Falase nesses casos em risco de frustração da função punitiva fuga ou graves prejuízos ao processo em virtude da ausência do acusado ou no risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta em relação à coleta da prova O perigo não brota do lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo Não é o tempo que leva ao perecimento do objeto O risco no processo penal decorre da situação de liberdade do sujeito passivo Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o periculum in mora no processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do processo perigo de fuga destruição da prova em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo Logo o fundamento é um periculum libertatis enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado É necessário abandonar a doutrina civilista de CALAMANDREI para buscar conceitos próprios e que satisfaçam plenamente as necessidades do processo penal recordando sempre que as medidas cautelares são instrumentos a serviço do processo para tutela da prova ou para garantir a presença da parte passiva8 22 Medidas Cautelares e Não Processo Cautelar A sistemática do Código de Processo Penal não contempla a existência de ação cautelar até porque no processo penal inexiste um processo cautelar Daí por que não concordamos com essa categorização de ação cautelar penal dada por alguma doutrina O processo penal pode ser de conhecimento ou de execução inexistindo um verdadeiro processo penal cautelar Logo não havendo processo penal cautelar não há que se falar de ação cautelar Essa questão foi muito bem tratada por TUCCI9 que categoricamente refuta a possibilidade de uma ação cautelar concebendo apenas ações cognitivas e executivas O que se tem são medidas cautelares penais a serem tomadas no curso da investigação preliminar do processo de conhecimento e até mesmo no processo de execução As prisões cautelares sequestros de bens hipoteca legal e outras são meras medidas incidentais ainda que na fase préprocessual onde se cogitaria de um pseudocaráter preparatório em que não há o exercício de uma ação específica que gere um processo cautelar diferente do processo de conhecimento ou que possua uma ação penal autônoma Assim não há que se falar em processo cautelar mas em medidas cautelares 23 Inexistência de um Poder Geral de Cautela Ilegalidade das Medidas Cautelares Atípicas Até o advento da Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 o sistema cautelar brasileiro era morfologicamente bastante pobre resumindose à prisão cautelar ou liberdade provisória Diante disso começaram a surgir decisões que por exemplo revogando uma prisão preventiva impunham condições ao imputado tais como entrega de passaporte restrição de locomoção dever de informar viagens etc No mais das vezes tais medidas vinham decretadas a título de poder geral de cautela invocando o art 798 do CPC Sustentávamos antes da Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 a ilegalidade de tais medidas por completa ausência de previsão legal A situação agora mudou em parte pela consagração de medidas antes desconhecidas mas a impossibilidade de medidas atípicas permanece No processo civil explica CALAMANDREI10 é reconhecido o poder geral de cautela potere cautelare generale confiado aos juízes em virtude do qual eles podem sempre onde se manifeste a possibilidade de um dano que deriva do atraso de um procedimento principal providenciar de modo preventivo a eliminar o perigo utilizando a forma e o meio que considerem oportunos e apropriados ao caso Significa dizer que o juiz cível possui amplo poder de lançar mão de medidas de cunho acautelatório mesmo sendo atípicas as medidas para efetivar a tutela cautelar Tanto que o processo civil além das medidas de antecipação da tutela consagra um rol de medidas cautelares nominadas e a aceitação das medidas inominadas em nome do poder geral de cautela que confere o art 798 do CPC Mas isso só é possível no processo civil No processo penal não existem medidas cautelares inominadas e tampouco possui o juiz criminal um poder geral de cautela No processo penal forma é garantia Logo não há espaço para poderes gerais pois todo poder é estritamente vinculado a limites e à forma legal O processo penal é um instrumento limitador do poder punitivo estatal de modo que ele somente pode ser exercido e legitimado a partir do estrito respeito às regras do devido processo E nesse contexto o Princípio da Legalidade é fundante de todas as atividades desenvolvidas posto que o due process of law estruturase a partir da legalidade e emana daí seu poder A forma processual é ao mesmo tempo limite de poder e garantia para o réu É crucial para compreensão do tema o conceito de fattispecie giuridica processuale11 isto é o conceito de tipicidade processual e de tipo processual pois forma é garantia Isso mostra novamente a insustentabilidade de uma teoria unitária infelizmente tão arraigada na doutrina e jurisprudência brasileiras pois não existe conceito similar no processo civil Como todas as medidas cautelares pessoais ou patrimoniais implicam severas restrições na esfera dos direitos fundamentais do imputado exigem estrita observância do princípio da legalidade e da tipicidade do ato processual por consequência Não há a menor possibilidade de tolerarse restrição de direitos fundamentais a partir de analogias menos ainda com o processo civil como é a construção dos tais poderes gerais de cautela Toda e qualquer medida cautelar no processo penal somente pode ser utilizada quando prevista em lei legalidade estrita e observados seus requisitos legais no caso concreto E agora como ficou a situação Nossa crítica ao poder geral de cautela não se esvaziou com o advento da Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 pois ela apenas ampliou o rol de medidas cautelares sem jamais contemplar uma cláusula geral deixando ao livrearbítrio do juiz criar outras medidas além daquelas previstas em lei A Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 instituiu um modelo polimorfo em que o juiz poderá dispor de um leque de medidas substitutivas da prisão cautelar Portanto hoje estão autorizadas apenas as medidas previstas no art 319 e 320 ou seja um rol taxativo de medidas cautelares diversas da prisão Claro que medidas necessárias para a implantação da cautelar podem ser adotadas inclusive porque possuem previsão legal É o caso da entrega do passaporte agora previsto no art 320 Qualquer restrição fora desses limites é ilegal Segue o juiz ou tribunal atrelado ao rol de medidas previstas em lei não podendo criar outras medidas além daquelas previstas no ordenamento 3 Principiologia das Prisões Cautelares A base principiológica é estruturante e fundamental no estudo de qualquer instituto jurídico Especificamente nessa matéria prisões cautelares são os princípios que permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em julgado com a garantia da presunção de inocência Vejamos as notas características dos princípios orientadores do sistema cautelar 31 Jurisdicionalidade e Motivação Toda e qualquer prisão cautelar somente pode ser decretada por ordem judicial fundamentada A prisão em flagrante é uma medida précautelar uma precária detenção que pode ser feita por qualquer pessoa do povo ou autoridade policial Neste caso o controle jurisdicional se dá em momento imediatamente posterior com o juiz homologando ou relaxando a prisão e a continuação decretando a prisão preventiva ou concedendo liberdade provisória Em qualquer caso fundamentando sua decisão nos termos do art 93 IX da Constituição e do novel art 315 do CPP Art 315 A decisão que decretar substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada O princípio da jurisdicionalidade está intimamente relacionado com o due process of law Como prevê o art 5º LIV ninguém será ou melhor deveria ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal Portanto para haver privação de liberdade necessariamente deve preceder um processo nulla poena sine praevio iudicio isto é a prisão só pode ser após o processo No Brasil a jurisdicionalidade está consagrada no art 5º LXI da CB segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de crime militar Assim ninguém poderá ser preso por ordem de delegado de polícia promotor ou qualquer outra autoridade que não a judiciária juiz ou tribunal com competência para tanto Eventual ilegalidade deverá ser remediada pela via do habeas corpus nos termos do art 648 III do CPP A nova redação do art 283 assim determina Art 283 Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva No caso de prisão em flagrante a comunicação ao juiz ocorre em dois momentos imediatamente após a detenção e ao final da lavratura do auto de prisão em flagrante quando então todas as peças são encaminhadas ao juiz A rigor cotejando os princípios da jurisdicionalidade com a presunção de inocência a prisão cautelar seria completamente inadmissível Contudo o pensamento liberal clássico buscou sempre justificar a prisão cautelar e a violação de diversas garantias a partir da cruel necessidade Assim quando ela cumpre sua função instrumentalcautelar seria tolerada em nome da necessidade e da proporcionalidade Mas infelizmente a prisão cautelar é um instituto que sofreu uma grave degeneração que dificilmente será remediada por uma simples mudança legislativa como a presente O maior problema é cultural é a banalização de uma medida que era para ser excepcional 32 Contraditório Falar em contraditório em sede de medida cautelar há alguns anos era motivo de severa crítica senão heresia jurídica Mas ele é perfeitamente possível e sempre reclamamos sua incidência Obviamente quando possível e compatível com a medida a ser tomada Ainda que seja um ilustre desconhecido do sistema cautelar brasileiro o contraditório é muito importante e perfeitamente compatível com algumas situações de tutela cautelar Nossa sugestão sempre foi de que o detido fosse desde logo conduzido ao juiz que determinou a prisão para que após ouvilo interrogatório decida fundamentadamente se mantém ou não a prisão cautelar Através de um ato simples como esse o contraditório realmente teria sua eficácia de direito à audiência e provavelmente evitaria muitas prisões cautelares injustas e desnecessárias Ou ainda mesmo que a prisão se efetivasse haveria um mínimo de humanidade no tratamento dispensado ao detido na medida em que ao menos teria sido ouvido pelo juiz Para os operadores do Direito já imunizados pela insensibilidade isso pode não representar muito mas com certeza para quem está sofrendo a medida é um ato da maior relevância Não sem razão o art 8º1 da CADH determina que toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente Embora não tenha sido esse o caminho seguido pela Comissão e pela posterior Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 a evolução é inegável Estabelece agora o art 282 3º do CPP Art 282 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida o juiz ao receber o pedido de medida cautelar determinará a intimação da parte contrária acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias permanecendo os autos em juízo Talvez cause algum malestar o 3º do art 282 que permite um tímido contraditório com a intimação da parte contrária assim que receber o pedido de medida cautelar desde que isso não prejudique a eficácia ou urgência da medida Primeira ressalva diz respeito à parte contrária o que significa isso Ora ali deveria constar indiciado ou acusado pois ainda não se tem notícia de réu pedindo a prisão preventiva de promotores Portanto é intimação do imputado Mas intimação para quê Para uma audiência Apresentar resposta escrita O dispositivo não diz Pensamos que o ideal seria o juiz à luz do pedido de adoção de alguma medida cautelar intimar o imputado para uma audiência onde sob a égide da oralidade se efetivaria o contraditório e o direito de defesa na medida em que o acusador sustentaria os motivos de seu pedido e o réu de outro lado argumentaria sobre a falta de necessidade da medida seja por fragilidade do fumus commissi delicti ou do periculum libertatis Tal medida é muito importante e contribui para a melhor decisão do juiz No mínimo deverá o juiz conceder um prazo razoável para que a defesa se manifeste sobre o pedido e produza sua prova para após decidir Inclusive para efetivação do contraditório pode ser necessária a realização de audiência para coleta de prova testemunhal Evidente que isso não se aplica em caso de prisão preventiva fundada em risco de fuga sob pena de ineficácia da medida Nesse caso ainda que a nova sistemática legal nada mencione o ideal seria o juiz decretar a prisão e marcar imediatamente a realização de uma audiência em que o imputado já submetido à medida cautelar poderia demonstrar a desnecessidade da medida Não vemos qualquer óbice a que isso ocorra no novel sistema vigente Tal contraditório dependerá das circunstâncias do caso concreto sendo delimitado pela urgência ou risco concreto de ineficácia da medida Terá difícil aplicação mas não impossível nos pedidos de prisão preventiva fundados no risco de fuga mas nada impede que o juiz decrete a medida e faça o contraditório posterior como por nós sugerido no início ou seja com a condução do réususpeito a sua presença para que seja ouvido sobre os motivos do pedido Após decidirá pela manutenção ou não da prisão Também quando o pedido tiver por fundamento o risco de perecimento da prova especialmente nos casos em que ao réususpeito é atribuída conduta inadequada em relação a testemunhas como pressão ou ameaça Neste caso nada impede que o juiz oportunize o contraditório e após decida Mas pensamos que o maior espaço para o contraditório surgirá nos casos em que é pedida a substituição cumulação ou mesmo revogação da medida e decretação da preventiva A suspeita de descumprimento de quaisquer das condições impostas nas medidas cautelares diversas previstas no art 319 exigirá como regra o contraditório prévio a substituição cumulação ou mesmo revogação da medida É necessário agora e perfeitamente possível que o imputado possa contradizer eventual imputação de descumprimento das condições impostas antes que lhe seja decretada por exemplo uma grave prisão preventiva Por fim a inobservância desta garantia constitucional art 5º LV acarretará a nosso juízo a nulidade da substituição cumulação ou revogação da medida cautelar remediável pela via do habeas corpus 33 Provisionalidade Nas prisões cautelares a provisionalidade é um princípio básico pois são elas acima de tudo situacionais na medida em que tutelam uma situação fática Uma vez desaparecido o suporte fático legitimador da medida e corporificado no fumus commissi delicti eou no periculum libertatis deve cessar a prisão O desaparecimento de qualquer uma das fumaças impõe a imediata soltura do imputado na medida em que é exigida a presença concomitante de ambas requisito e fundamento para manutenção da prisão O TEDH atento a essa constante inobservância por parte de diversos Estados europeus decidiu em algumas ocasiões vg Caso Ringeisen que a prisão cautelar era excessiva não tanto por sua duração como um todo senão pela manutenção da custódia cautelar após o desaparecimento das razões que a justificavam O desprezo pela provisionalidade conduz a uma prisão cautelar ilegal não apenas pela falta de fundamento que a legitime mas também por indevida apropriação do tempo do imputado O princípio da provisionalidade está consagrado no art 282 4º e 5º do CPP in verbis Art 282 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas o juiz de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público de seu assistente ou do querelante poderá substituir a medida impor outra em cumulação ou em último caso decretar a prisão preventiva art 312 parágrafo único 5º O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituíla quando verificar a falta de motivo para que subsista bem como voltar a decretála se sobrevierem razões que a justifiquem Portanto a prisão preventiva ou quaisquer das medidas alternativas poderão ser revogadas ou substituídas a qualquer tempo no curso do processo ou não desde que desapareçam os motivos que as legitimam bem como poderão ser novamente decretadas desde que surja a necessidade periculum libertatis Sublinhese que a provisionalidade adquire novos contornos com a pluralidade de medidas cautelares agora recepcionadas pelo sistema processual de modo a permitir uma maior fluidez na lida por parte do juiz dessas várias medidas Está autorizada a substituição de medidas por outras mais brandas ou mais graves conforme a situação exigir bem como cumulação ou mesmo revogação no todo ou em parte Por fim interessa destacar a distinção feita no 4º do art 282 no que tange à postura do juiz A crítica fica por conta do equívoco de pensar estar legitimado o ativismo do juiz no curso do processo e na fase de investigação O atuar de ofício por parte do juiz deve estar vedado em qualquer fase da persecução criminal O problema está no ativismo e não na fase em que ele é adotado Como já explicamos à exaustão não é papel do juiz à luz do sistema acusatório constitucional do princípio da inércia da jurisdição e dos postulados de imparcialidade sair decretando prisões ou medidas cautelares de ofício Sim porque o que o dispositivo em tela permite é inclusive que o juiz decrete uma prisão preventiva de ofício seja pela conversão do flagrante em preventiva art 310 ou pela possibilidade de decretação de ofício no curso do processo art 311 sem prévio pedido e isso é absolutamente incompatível com os princípios anteriormente referidos 34 Provisoriedade Falta de Fixação do Prazo Máximo de Duração e do Reexame Periódico Obrigatório Distinto do princípio anterior a provisoriedade está relacionada ao fator tempo de modo que toda prisão cautelar deveria ser temporária de breve duração Manifestase assim na curta duração que deve ter a prisão cautelar até porque é apenas tutela de uma situação fática provisionalidade e não pode assumir contornos de pena antecipada Aqui reside um dos maiores problemas do sistema cautelar brasileiro a indeterminação Reina a absoluta indeterminação acerca da duração da prisão cautelar pois em momento algum foi disciplinada essa questão Excetuandose a prisão temporária cujo prazo máximo de duração está previsto em lei12 a prisão preventiva segue sendo absolutamente indeterminada podendo durar enquanto o juiz ou tribunal entender existir o periculum libertatis Ao longo da tramitação do PL 42082001 tentouse fixar um prazo máximo de duração da prisão cautelar inclusive sendo redigido o art 315A que determinava que a prisão preventiva terá duração máxima de 180 dias em cada grau de jurisdição exceto quando o investigado ou acusado tiver dado causa à demora Infelizmente o dispositivo que pretendia fixar prazo máximo de duração da prisão preventiva acabou vetado na Lei n 12403 e um problema histórico não foi resolvido A jurisprudência tentou sem grande sucesso construir limites globais a partir da soma dos prazos que compõem o procedimento aplicável ao caso Assim resumidamente se superados os tais 81 dias o imputado continuasse preso e o procedimento ordinário não estivesse concluído leiase sentença de 1º grau haveria excesso de prazo remediável pela via do habeas corpus art 648 II A liberdade em tese poderia ser restabelecida permitindose a continuação do processo Algumas decisões até admitiram considerar o excesso de prazo de forma isolada a partir da violação do limite estabelecido para a prática de algum ato específico ex a denúncia deverá ser oferecida no prazo máximo de 5 dias quando o imputado estiver preso de modo que superado esse limite sem a prática do ato a prisão seria ilegal A Lei n 117192008 estabeleceu que no rito comum ordinário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada em no máximo 60 dias sendo o rito sumário esse prazo cai para 30 dias No rito do Tribunal do Júri a Lei n 116892008 alterando o art 412 fixou o prazo de 90 dias para o encerramento da primeira fase São marcos que podem ser utilizados como indicativos de excesso de prazo em caso de prisão preventiva Contudo são prazos sem sanção logo com um grande risco de ineficácia Dessarte concretamente não existe nada em termos de limite temporal das prisões cautelares impondose uma urgente discussão em torno da matéria para que normativamente sejam estabelecidos prazos máximos de duração para as prisões cautelares a partir dos quais a segregação seja absolutamente ilegal Enquanto isso não acontecer os abusos continuam como no caso abaixo felizmente remediado pelo STJ no RHC 20566BA Rel Min MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA julgado em 1206200713 Em que pese no caso específico terse operado uma necessária reinterpretação da Súmula n 52 do STJ14 ela infelizmente continua em vigor Como já explicamos em outra oportunidade em coautoria com GUSTAVO BADARÓ15 a súmula cria um termo final anterior à prolação da sentença que é incompatível com o direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável fixado no art 5º LXXVIII da Constituição Esse encurtamento do termo final ou seja a adoção de um termo a quo anterior ao julgamento em primeiro grau é incompatível com o direito ao processo penal em prazo razoável assegurado pelo art 5º inc LXXVIII da Constituição O direito à razoável duração do processo não pode ser reduzido ao direito à razoável duração da instrução O término da instrução não põe fim ao processo adverte BADARÓ Encerrada a instrução ainda poderão ser realizadas diligências complementares deferidas pelo juiz memoriais substitutivos dos debates orais e finalmente o prazo para a sentença No mesmo sentido completamente superada está a Súmula n 21 do STJ cujo verbete é pronunciado o réu fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo da instrução Como sublinha BADARÓ16 o procedimento do júri somente termina com o julgamento em plenário e não com a decisão de pronúncia Pronunciado o acusado terá fim apenas a primeira fase do processo mas não todo o processo Não há por que excluir do cômputo do prazo razoável toda a segunda fase do procedimento do júri Assim o termo final do direito à razoável duração do processo no procedimento do Júri deverá ser o fim da sessão de julgamento pelo Tribunal Popular sendo inadmissível novamente criarse um termo final para fins de análise do prazo razoável antes da prolação da sentença É chegado o momento de serem canceladas as Súmulas ns 52 e 21 do STJ pois incompatíveis com o direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável Voltando ao problema brasileiro com a reforma operada pela Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 perdeuse uma grande oportunidade de resolver o problema da falta de definição em lei17 da duração máxima da prisão cautelar e também da previsão de uma sanção processual em caso de excesso imediata liberação do detido O limite aos excessos somente ocorrerá quando houver prazo com sanção Do contrário os abusos continuarão Por fim há que se lamentar a não inclusão do 7º do art 282 que instituía o dever de reexaminar a prisão preventiva decretada a cada 60 dias ou em prazo menor se a situação exigisse para avaliar fundamentadamente se persistiam os motivos que a ensejaram Perdeuse uma grande oportunidade de caminhar rumo à eficácia do direito ao processo penal no prazo razoável Uma lástima 35 Excepcionalidade Determina o art 282 6º Art 282 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar art 319 O dispositivo é importante e consagra a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado enfatizando a necessidade de análise sobre a adequação e suficiência das demais medidas cautelares Igualmente importante é o disposto no inciso II do art 310 a saber Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Grifamos Portanto prisão preventiva somente quando inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão aplicadas de forma isolada ou cumulativa Nesta linha o art 282 I determina que as medidas cautelares devem atentar para a necessidade para aplicação da lei penal para a investigação ou a instrução criminal e nos casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais O art 282 menciona os princípios da Necessidade e da Adequação no fundo tratase do Princípio da Proporcionalidade das medidas cautelares e não apenas da prisão cautelar mas comete o primeiro tropeço ao remeter a um fundamento não consagrado na reforma qual seja o risco de reiteração para evitar a prática de infrações penais O art 312 mantém infelizmente os mesmos 4 fundamentos da prisão cautelar garantia da ordem pública da ordem econômica da instrução e da aplicação da lei penal e não consagra o risco de reiteração ao qual faz referência o art 282 A expressão para evitar a prática de infrações penais é o chamado risco de reiteração fundamento recepcionado em outros sistemas processuais como explicaremos ao tratar da prisão preventiva mas desconhecido pelo nosso pois não aceitamos a manipulação discursiva feita em torno da prisão para garantia da ordem pública com vistas a abranger uma causa reiteração que ali não pode estar Feita essa ressalva continuemos Neste terreno excepcionalidade necessidade e proporcionalidade devem caminhar juntas Ademais a excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência constituindo um princípio fundamental de civilidade fazendo com que as prisões cautelares sejam efetivamente a ultima ratio do sistema reservadas para os casos mais graves tendo em vista o elevadíssimo custo que representam O grande problema é a massificação das cautelares levando ao que FERRAJOLI denomina crise e degeneração da prisão cautelar pelo mau uso No Brasil as prisões cautelares estão excessivamente banalizadas a ponto de primeiro se prender para depois ir atrás do suporte probatório que legitime a medida Ademais está consagrado o absurdo primado das hipóteses sobre os fatos pois se prende para investigar quando na verdade primeiro se deveria investigar diligenciar para somente após prender uma vez suficientemente demonstrados o fumus commissi delicti e o periculum libertatis Com razão FERRAJOLI18 afirma que a prisão cautelar é uma pena processual em que primeiro se castiga e depois se processa atuando com caráter de prevenção geral e especial e retribuição Ademais diz o autor se fosse verdade que elas não têm natureza punitiva deveriam ser cumpridas em instituições penais especiais com suficientes comodidades uma boa residência e não como é hoje em que o preso cautelar está em situação pior do que a do preso definitivo pois não tem regime semiaberto ou saídas temporárias Na lição de CARNELUTTI19 as exigências do processo penal são de tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente análoga ao de condenado É necessário algo mais para advertir que a prisão do imputado junto com sua submissão tem sem embargo um elevado custo O custo se paga desgraçadamente em moeda justiça quando o imputado em lugar de culpado é inocente e já sofreu como inocente uma medida análoga à pena não se esqueça de que se a prisão ajuda a impedir que o imputado realize manobras desonestas para criar falsas provas ou para destruir provas verdadeiras mais de uma vez prejudica a justiça porque ao contrário lhe impossibilita de buscar e de proporcionar provas úteis para que o juiz conheça a verdade A prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência porque podem curar o enfermo mas também pode ocasionarlhe um mal mais grave quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia e sobretudo com a anestesia geral a qual é um meio indispensável para o cirurgião mas ah se este abusa dela Infelizmente as prisões cautelares acabaram sendo inseridas na dinâmica da urgência desempenhado um relevantíssimo efeito sedante da opinião pública pela ilusão de justiça instantânea O simbólico da prisão imediata acaba sendo utilizado para construir uma falsa noção de eficiência do aparelho repressor estatal e da própria justiça Com isso o que foi concebido para ser excepcional tornase um instrumento de uso comum e ordinário desnaturandoo completamente Nessa teratológica alquimia sepultase a legitimidade das prisões cautelares Concluise portanto que o problema não é legislativo mas cultural Vejamos agora se o novo dispositivo terá força suficiente para romper com a cultura inquisitória e a banalização da prisão preventiva 36 Proporcionalidade Definido como o princípio dos princípios a proporcionalidade20 é o principal sustentáculo das prisões cautelares As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico do difícil equilíbrio entre dois interesses opostos sobre os quais gira o processo penal o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos21 O Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Deverá valorar se esses elementos justificam a gravidade das consequências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá sofrer o acusado Jamais uma medida cautelar poderá se converter em uma pena antecipada sob pena de flagrante violação à presunção de inocência Ainda que tenham origens diferentes razoabilidade Estados Unidos e proporcionalidade Alemanha guardam entre si uma relação de fungibilidade como explica SOUZA DE OLIVEIRA22 para quem o princípio pode ser classificado em razoabilidade interna e externa A primeira diz respeito à lógica do ato em si mesmo enquanto a segunda exige consonância com a Constituição Divide o autor ainda em três subprincípios adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito A adequação informa que a medida cautelar deve ser apta aos seus motivos e fins Logo se quaisquer das medidas previstas no art 319 do CPP se apresentar igualmente apta e menos onerosa para o imputado ela deve ser adotada reservando a prisão para os casos graves como ultima ratio do sistema Nesta linha recordemos o disposto no art 282 II Art 282 II adequação da medida à gravidade do crime circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado Assim deve o juiz atentar para a necessidade do caso concreto ponderando sempre gravidade do crime e suas circunstâncias bem como a situação pessoal do imputado em cotejo com as diversas medidas cautelares que estão a seu dispor no art 319 do CPP Assim deverá optar por aquela ou aquelas que melhor acautelem a situação reservando sempre a prisão preventiva para situações extremas É uma típica regra para o julgamento do juiz Contudo condições pessoais do indiciado ou acusado pode se mal utilizado abrir um perigoso espaço para um retrocesso ao direito penal do autor com o desvalor de antecedentes por exemplo para adotar medidas mais graves como a prisão preventiva Com certeza os adeptos do discurso punitivo e resistente às novas medidas alternativas utilizarão as condições pessoais do indiciado para determinar a prisão preventiva infelizmente Dessarte ainda que o juiz não deva desconsiderar as condições do caso concreto há que se ter muito cuidado especialmente pela via do controle da legalidadenecessidade da prisão por parte dos tribunais para não fazer um giro discursivo rumo ao superado direito penal do autor Ainda atento à tradicional falta de proporcionalidade no uso da prisão preventiva o art 283 1º determina Art 283 1º As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade Significa dizer que o juiz deve sempre atentar para a relação existente entre a eventual sanção cominada ao crime em tese praticado e àquela imposta em sede de medida cautelar para impedir que o imputado seja submetido a uma medida cautelar que se revele mais gravosa do que a sanção porventura aplicada ao final É inadmissível submeter alguém a uma prisão cautelar quando a sanção penal aplicada não se constitui em pena privativa de liberdade E mais deve ainda o juiz estar atento para evitar uma prisão cautelar em crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa em que a eventual pena aplicada terá de ser necessariamente substituída por pena restritiva de direitos Neste sentido certeiras são as palavras de BADARÓ23 quando sintetiza que deverá haver uma proporcionalidade entre a medida cautelar e a pena a ser aplicada O juiz deverá também verificar a probabilidade de que ao final se tenha que executar uma pena privativa de liberdade Se a prisão preventiva ou qualquer outra prisão cautelar for mais gravosa que a pena que se espera ser ao final imposta não será dotada do caráter de instrumentalidade e acessoriedade inerentes à tutela cautelar Mesmo no que diz respeito à provisoriedade não se pode admitir que a medida provisória seja mais severa que a medida definitiva que a irá substituir e que ela deve preservar A necessidade preconiza que a medida não deve exceder o imprescindível para a realização do resultado que almeja24 Relacionase assim com os princípios anteriores de provisoriedade e provisionalidade A proporcionalidade em sentido estrito significa o sopesamento dos bens em jogo cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação De um lado o imenso custo de submeter alguém que é presumidamente inocente a uma pena de prisão sem processo e sem sentença e de outro lado a necessidade da prisão e os elementos probatórios existentes Devese considerar a imprescindível incidência do princípio da proporcionalidade sempre conectado que está ao valor dignidade da pessoa humana quando da aplicação da prisão cautelar Em suma diante da polimorfologia do sistema cautelar e das diversas medidas alternativas previstas no art 319 deverá o juiz agir com muita ponderação lançando mão de medidas cautelares isoladas ou cumulativas e reservando a prisão preventiva como verdadeira última ferramenta do sistema Feitas essas considerações sobre a principiologia vejamos agora as prisões cautelares e a pré cautelaridade do flagrante em espécie 4 Da Prisão em Flagrante Medida de Natureza PréCautelar Análise das Espécies Requisitos e Defeitos Garantias Processuais e Constitucionais 41 Por que a Prisão em Flagrante não Pode Por Si Só Manter Alguém Preso Compreendendo sua PréCautelaridade A doutrina brasileira costuma classificar a prisão em flagrante prevista nos arts 301 e seguintes do CPP como medida cautelar Tratase de um equívoco a nosso ver que vem sendo repetido sem maior reflexão ao longo dos anos e que agora com a reforma processual de 2011 precisa ser revisado Como explica CARNELUTTI25 a noção de flagrância está diretamente relacionada a la llama que denota con certeza la combustión cuando se ve la llama es indudable que alguna cosa arde Essa chama que denota com certeza a existência de uma combustão coincide com a possibilidade para uma pessoa de comproválo mediante a prova direta Como sintetiza o mestre italiano a flagrância não é outra coisa que a visibilidade do delito26 Na mesma linha é a advertência de CORDERO27 no sentido de que o flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem no particípio capta a sincronia fatopercepção como uma qualidade do primeiro Essa certeza visual da prática do crime gera a obrigação para os órgãos públicos e a faculdade para os particulares de evitar a continuidade da ação delitiva podendo para tanto deter o autor E por que é dada essa permissão Exatamente porque existe a visibilidade do delito o fumus commissi delicti é patente e inequívoco e principalmente porque essa detenção deverá ser submetida ao crivo judicial no prazo máximo de 24h Determina o art 306 do CPP Art 306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente ao Ministério Público e a família do preso ou à pessoa por ele indicada 1º Em até 24 vinte e quatro horas após a realização da prisão será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e caso o autuado não informe o nome de seu advogado cópia integral para a Defensoria Pública 2º No mesmo prazo será entregue ao preso mediante recibo a nota de culpa assinada pela autoridade com o motivo da prisão o nome do condutor e os das testemunhas Precisamente porque o flagrante é uma medida precária mera detenção que não está dirigida a garantir o resultado final do processo é que pode ser praticado por um particular ou pela autoridade policial Com esse sistema o legislador consagrou o caráter précautelar da prisão em flagrante Como explica BANACLOCHE PALAO28 o flagrante ou la detención imputativa não é uma medida cautelar pessoal mas sim précautelar no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo mas apenas destinase a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar Por isso o autor afirma que é uma medida independente frisando o caráter instrumental e ao mesmo tempo autônomo do flagrante A instrumentalidade manifestase no fato de a prisão em flagrante ser um strumenti dello strumento29 da prisão preventiva ao passo que a autonomia explica as situações em que o flagrante não gera a prisão preventiva ou nos demais casos em que a prisão preventiva existe sem prévio flagrante Destaca o autor que a prisão em flagrante en ningún caso se dirige a asegurar ni la eventual ejecución de la pena ni tampoco la presencia del imputado en la fase decisoria del proceso Não é diversa a lição de FERRAIOLI e DALIA30 larresto in flagranza é uma Misure Pre Cautelari Personali A prisão em flagrante está justificada nos casos excepcionais de necessidade e urgência indicados taxativamente no art 302 do CPP e constitui uma forma de medida précautelar pessoal que se distingue da verdadeira medida cautelar pela sua absoluta precariedade Neste mesmo sentido FERRAIOLI e DALIA afirmam que as medidas précautelares são excepcionais de assoluta precarietà che le connota come iniziative di brevissima durata31 Tratando especificamente da prisão em flagrante a cargo da Polícia Judiciária apontam que essa extensão do poder de iniciativa précautelar significou a aceitação do risco de privação temporária da liberdade pessoal do cidadão por razão de ordem política O instituto fermo di polizia marcou um pesado desequilíbrio na relação autoridadeliberdade e por isso deve ser analisado com sumo cuidado em um Estado Democrático de Direito como o nosso Ainda que utilize uma denominação diferente a posição de CORDERO32 é igual a nossa Para o autor a prisão em flagrante é uma subcautela na medida em que serve de prelúdio preludio subcautelar para eventuais medidas coativas pessoais garantindo sua execução Na essência a compreensão do instituto é a mesma A prisão em flagrante é uma medida précautelar de natureza pessoal cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h onde cumprirá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão agora como preventiva ou não A instrumentalidade manifestase no fato de o flagrante ser um strumenti dello strumento33 a prisão preventiva ao passo que a autonomia explica as situações em que o flagrante não gera a prisão preventiva ou nos demais casos em que a prisão preventiva existe sem prévio flagrante Por isso qualquer pessoa ou a autoridade policial podem prender em flagrante sem ordem judicial Exatamente nesta linha está a nova redação do art 310 do CPP Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Com isso sepultamse de vez as absolutamente ilegais prisões em flagrante que perduravam por vários dias muitas vezes até a conclusão do inquérito policial sem a necessária decretação e fundamentação da prisão preventiva Assim o juiz em até 24h após a efetiva prisão deverá receber o auto de prisão em flagrante e decidir entre o relaxamento conversão fundamentada é óbvio em prisão preventiva enfrentando e motivando o fumus commissi delicti e o periculum libertatis decretação de outra medida cautelar alternativa à prisão preventiva ou concessão da liberdade provisória com ou sem fiança Não existirá mais e juridicamente nunca existiu o manterse alguém preso além das 24h sem uma decisão judicial fundamentada decretando a prisão preventiva E mais essa prisão preventiva a nosso juízo somente poderá ser decretada se houver um pedido do Ministério Público ou autoridade policial pois constitucionalmente é inconcebível que o juiz o faça de ofício Infelizmente o CPP segue tolerando a prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz insistindo no ranço inquisitório Então se estiver presente o periculum libertatis poderá o juiz decretar a prisão preventiva mas mesmo que se admita a prisão de ofício é imprescindível que seja fundamentada Caso não esteja presente o periculum libertatis para justificar a prisão preventiva ou não sendo ela necessária e proporcional deverá o juiz conceder a liberdade provisória mediante fiança ou sem fiança conforme o caso e ainda se necessário cumular com uma ou mais medidas cautelares previstas no art 319 Qualquer que seja o caso o que resulta absolutamente inadmissível é a simples manutenção da prisão em virtude da mera homologação da prisão em flagrante Logo ninguém pode permanecer preso sob o fundamento prisão em flagrante pois esse não é um título judicial suficiente A restrição da liberdade a título de prisão em flagrante não pode superar as 24h prazo máximo para que o auto de prisão em flagrante seja enviado para o juiz competente nos termos do art 306 1º do CPP Por fim destacamos o acerto da Resolução n 66 do Conselho Nacional de Justiça publicada em 27 de janeiro de 2009 cujo art 1º prevê o seguinte Art 1º Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá imediatamente ouvido o Ministério Público nas hipóteses legais fundamentar sobre I a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança quando a lei admitir II a manutenção da prisão quando presentes os pressupostos da prisão preventiva sempre por decisão fundamentada e observada a legislação pertinente ou III o relaxamento da prisão ilegal A Resolução vem ao encontro da nova redação do art 310 do CPP orientando desde antes da reforma a que os juízes recebendo o auto de prisão em flagrante manifestemse sobre a concessão ou não de liberdade provisória e em caso de necessidade de manutenção da segregação decretem a prisão preventiva fundamentadamente Também deverão agora com a nova redação do art 319 fundamentar a substituição por uma ou mais medidas cautelares alternativas 42 Espécies de Flagrante Análise do Art 302 do CPP A Lei n 12403 nada alterou esse tema e as situações de flagrância estão previstas no art 302 do CPP Art 302 Considerase em flagrante delito quem I está cometendo a infração penal II acaba de cometêla III é perseguido logo após pela autoridade pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração IV é encontrado logo depois com instrumentos armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração O flagrante do inciso I ocorre quando o agente é surpreendido cometendo o delito significa dizer praticando o verbo nuclear do tipo Inclusive a prisão nesse momento poderá dependendo do caso evitar a própria consumação Como explica CARNELUTTI34 a noção de flagrância está diretamente relacionada a la llama que denota con certeza la combustión cuando se ve la llama es indudable que alguna cosa arde Coincide com a possibilidade para uma pessoa de comproválo mediante a prova direta Como sintetiza o mestre italiano a flagrância não é outra coisa que a visibilidad del delito35 Na mesma linha argumentativa recordemos a expressão de CORDERO36 no sentido de que o flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem no particípio capta a sincronia fatopercepção como uma qualidade do primeiro A prisão em flagrante nesse caso é detentora de maior credibilidade Ocorre quando o agente é surpreendido durante o iter criminis praticando a conduta descrita no tipo penal sem contudo têlo percorrido integralmente É o caso em que o agente é preso enquanto subtrai a coisa alheia móvel 155 do CP ou ainda no crime de homicídio está agredindo a vítima com a intenção de matála ou seja está praticando o verbo nuclear do art 121 do CP etc No inciso II o agente é surpreendido quando acabou de cometer o delito quando já cessou a prática do verbo nuclear do tipo penal Mas nesse caso o delito ainda está crepitando na expressão de Carnelutti pois o agente cessou recentemente de praticar a conduta descrita no tipo penal É considerado ainda um flagrante próprio pois não há lapso temporal relevante entre a prática do crime no sentido indicado pelo seu verbo nuclear e a prisão Dependendo da situação o imediato socorro prestado à vítima ainda poderá evitar a consumação mas diferenciase da situação anterior na medida em que aqui ele já realizou a figura típica e a consumação já pode inclusive ter ocorrido As situações de flagrância previstas nos incisos III e IV são mais frágeis daí por que a doutrina nacional denominaas quaseflagrante ou flagrante impróprio Pensamos que essas denominações não são adequadas na medida em que traduzem a ideia de que não são flagrantes Dizer que é quase flagrante significa dizer que não é flagrante e isso é um erro pois na sistemática do CPP esses casos são flagrante delito Da mesma forma o adjetivo impróprio traduz um antagonismo com aqueles que seriam os próprios logo a rigor deveria ser utilizado no sentido de recusa o que também não corresponde à sistemática adotada pelo CPP Contudo em que pese nossa discordância empregamos essas denominações por estarem consagradas na doutrina nacional Esses flagrantes dos incisos III e IV são mais fracos mais frágeis sob o ponto de vista da legalidade Isso é consequência do afastamento do núcleo imantador que é a realização do tipo penal refletindo na fragilidade dos elementos que os legitimam caso em que aumenta a possibilidade de serem afastados pelo juiz no momento em que recebe o auto de prisão em flagrante O inciso III do art 302 consagra a possibilidade de prisão em flagrante quando o agente III é perseguido logo após pela autoridade pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração Exigese a conjugação de 3 fatores 1 perseguição requisito de atividade 2 logo após requisito temporal 3 situação que faça presumir a autoria elemento circunstancial O conceito de perseguição pode ser extraído do art 290 do CPP especialmente das alíneas a e b do parágrafo primeiro que definem o seguinte Art 290 1º Entenderseá que o executor vai em perseguição do réu quando a tendoo avistado for perseguindoo sem interrupção embora depois o tenha perdido de vista b sabendo por indícios ou informações fidedignas que o réu tenha passado há pouco tempo em tal ou qual direção pelo lugar em que o procure for no seu encalço Logo a perseguição exige uma continuidade em que perseguidor autoridade policial vítima ou qualquer pessoa vá ao encalço do suspeito ainda que nem sempre tenha o contato visual Devese considerar ainda a necessidade de que a perseguição inicie logo após o crime Esse segundo requisito temporal deve ser interpretado de forma restritiva sem que exista contudo um lapso definido na lei ou mesmo na jurisprudência Exigese um lapso mínimo a ser verificado diante da complexidade do caso concreto entre a prática do crime e o início da perseguição Reforça esse entendimento o fato de que a perseguição na dimensão processual somente é considerada quando há o contato visual inicial ou ao menos uma proximidade tal que permita à autoridade ir ao encalço do agente Elementar portanto que para a própria existência de uma perseguição com contato visual ou quase ela deve iniciar imediatamente após o delito Não existirá uma verdadeira perseguição se a autoridade policial por exemplo chegar ao local do delito 1 hora depois do fato Assim logo após é um pequeno intervalo um lapso exíguo entre a prática do crime e o início da perseguição Também não há que se confundir início com duração da perseguição O dispositivo legal exige que a perseguição inicie logo após o fato ainda que perdure por muitas horas Isso pode ocorrer por exemplo em um crime de roubo a banco em que acionada a polícia chega imediatamente ao local ainda a tempo de sair em perseguição dos assaltantes Essa perseguição não raras vezes envolve troca de veículos novos reféns cercos policiais etc fazendo com que a efetiva prisão ocorra por exemplo 30 horas depois do fato Ainda haverá prisão em flagrante nesse caso pois a perseguição iniciou logo após o crime e durou ininterruptamente todas essas horas culminando com a prisão dos agentes Em suma para existir a prisão em flagrante desse inciso III a perseguição deve iniciar poucos minutos após o fato ainda que perdure por várias horas Por fim o inciso exige que o perseguido seja preso em situação que faça presumir ser autor da infração A rigor a disposição é substancialmente inconstitucional pois à luz da presunção de inocência não se pode presumir a autoria senão que ela deve ser demonstrada e provada Infelizmente o controle da constitucionalidade das leis processuais penais é incipiente muito aquém do necessário para um Código da década de 40 Assim a nefasta presunção da autoria é extraída de elementos como estar na posse dos objetos subtraídos com a arma do crime mediante reconhecimento da vítima etc A última situação de flagrância está prevista no art 302 inciso IV Art 302 IV é encontrado logo depois com instrumentos armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração Esse é o flagrante mais fraco mais frágil e difícil de se legitimar Para sua ocorrência exigese a presença desses três elementos encontrar requisito de atividade logo depois requisito temporal presunção de autoria armas ou objetos do crime O primeiro requisito é que o agente seja encontrado Fazendo uma interpretação sistemática em relação aos incisos anteriores podese afirmar que esse encontrado deve ser causal e não casual É o encontrar de quem procurou perseguiu e depois perdendo o rastro segue buscando o agente Não se trata de um simples encontrar sem qualquer vinculação previamente estabelecida em relação ao delito Assim não há prisão em flagrante quando o agente que acabou de subtrair um veículo é detido por acaso em barreira rotineira da polícia ainda que esteja na posse do objeto furtado Isso porque não existiu um encontrar de quem procurou causal portanto Não significa que a conduta seja impunível nada disso O crime em tese existe Apenas não há uma situação de flagrância para justificar a prisão com esse título Cuidado nesse caso para não incorrer na equivocada interpretação de que haveria crime permanente de receptação e que portanto haveria flagrância Errado A receptação efetivamente é um crime permanente e que justifica a incidência do art 303 do CPP Não existe crime de receptação quando o próprio autor do furto está na posse dos objetos subtraídos A posse é o exaurimento impunível do crime de furto Quanto ao requisito temporal ainda que a doutrina costume identificar as expressões logo após e logo depois no sentido de que representam pequenos intervalos lapsos exíguos entre a prática do crime e o encontro ou o início da perseguição no caso do inciso III pensamos que as situações são distintas Realmente estão na mesma dimensão de exiguidade temporal Contudo para que exista a perseguição do inciso III o espaço de tempo deve ser realmente breve pois a própria perseguição exige o sair no encalço do agente preferencialmente com contato visual Logo para que isso seja possível o intervalo deve ser bastante exíguo Já o requisito temporal do inciso IV pode ser mais dilatado Isso porque o ato de encontrar é substancialmente distinto do de perseguir Para perseguir há que se estar próximo Já o encontrar permite um intervalo de tempo maior entre o crime e o encontro com o agente Basta pensar no seguinte exemplo uma quadrilha rouba um estabelecimento comercial e foge Para existir perseguição a polícia deve chegar poucos minutos após a saída do estabelecimento pois somente assim poderá efetivamente perseguir no sentido empregado pelo art 290 Caso isso não seja possível diante da demora com que a polícia chegou ao local do crime passamos para a situação prevista no inciso IV quando são montadas barreiras policiais nas saídas da cidade e vias de acesso àquele local onde o crime foi praticado buscando encontrar os agentes Haverá prisão em flagrante se os autores do delito forem interceptados em uma barreira policial encontrar causal com as armas do crime e o dinheiro subtraído ainda que isso ocorra muitas horas depois do crime Daí por que pensamos que a expressão logo depois representa um período mais elástico que excede aquele necessário para que se configure o logo após do inciso III Por fim sublinhamos que não estando configuradas as situações anteriormente analisadas e preenchidos os requisitos de cada uma a prisão em flagrante é ilegal e deve ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária competente Ainda que ilegal o flagrante nada impede que seja postulada pelo Ministério Público a prisão preventiva ou temporária se for o caso que poderá ser decretada pelo juiz desde que preenchidos os requisitos a seguir analisados 43 Flagrante em Crime Permanente A Problemática do Flagrante nos Crimes Habituais Além das situações de flagrância previstas no art 302 devese atentar para o disposto no art 303 in verbis Art 303 Nas infrações permanentes entendese o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência Como explica ROXIN37 delitos permanentes são aqueles em que o crime não está concluído com a realização do tipo senão que se mantém pela vontade delitiva do autor por tanto tempo como subsiste o estado antijurídico criado por ele mesmo E prossegue o autor afirmando que os crimes permanentes são em sua maioria delitos de mera atividade mas também podem ser delitos de resultado no caso em que um determinado resultado constantemente volte a realizarse de novo mantendose o estado antijurídico CIRINO DOS SANTOS38 esclarece que os tipos permanentes não se completam na produção de determinados estados porque a situação típica criada se prolonga no tempo conforme a vontade do autor como o sequestro ou cárcere privado art 148 a violação de domicílio art 150 em que a consumação já ocorre com a realização da ação típica mas permanece em estado de consumação enquanto dura a invasão da área protegida pelo tipo legal São ainda exemplos de crimes permanentes a ocultação de cadáver art 211 do CP receptação na modalidade ocultar art 180 do CP ocultação de bens direitos e valores art 1º da Lei n 961398 evasão de divisas na forma da manutenção de depósitos não informados no exterior art 22 parágrafo único da Lei n 749286 etc Em todos esses casos a consumação se prolonga no tempo fazendo com que exista um estado de flagrância igualmente prolongado Enquanto durar a permanência pode o agente ser preso em flagrante delito pois considerase que o agente está cometendo a infração penal nos termos em que prevê o inciso I do art 302 Assim a descoberta de um cadáver ocultado ou de bens e valores no caso do delito de lavagem autoriza a prisão em flagrante do agente pois é como se o crime estivesse sendo praticado naquele momento Da mesma forma enquanto o agente tiver em depósito ou guardar drogas para entregar a consumo ou fornecer art 33 da Lei n 113432006 haverá uma situação de flagrante permanente É importante recordar que o crime permanente estabelece uma relação com a questão da prisão em flagrante e por consequência com a própria busca domiciliar anteriormente tratada Isso porque como já explicamos enquanto o delito estiver ocorrendo manter em depósito guardar ocultar etc poderá a autoridade policial proceder à busca a qualquer hora do dia ou da noite independente da existência de mandado judicial art 5º XI da Constituição Noutra dimensão os crimes habituais exigem a prática reiterada e com habitualidade daquela conduta descrita no tipo Como sublinha BITENCOURT39 ao comentar o delito de curandeirismo um exemplo claro de crime habitual a habitualidade é imprescindível para a caracterização do delito em qualquer de suas modalidades devendo o agente agir com a vontade consciente de praticar reiteradamente qualquer das condutas descritas no tipo penal no caso art 284 do CP Outros exemplos de crimes habituais são a manutenção de casa de prostituição art 229 do CP e o exercício ilegal da medicina art 282 do CP É possível a prisão em flagrante por crime habitual A pergunta somente pode ser respondida a partir da compreensão da íntima relação que se estabelece entre flagrante e os conceitos jurídicopenais de tentativa e consumação Somente podemos afirmar que alguém está cometendo um delito ou que acabou de cometêlo recorrendo aos conceitos de tentativa e consumação do Direito Penal Em outras palavras é analisando o iter criminis que se verifica quando o agente inicia a prática do verbo nuclear do tipo e quando o realiza inteiramente Isso é fundamental para o conceito de flagrante delito Daí por que a polêmica antes de ser processual é penal A maioria dos penalistas não aceita a tentativa de crime habitual Nessa linha BITENCOURT40 explica que é inadmissível a tentativa em razão de a habitualidade ser característica dessa infração penal Somente a prática reiterada de atos que isoladamente constituem indiferente penal é que acaba configurando essa infração penal Logo nessa linha de pensamento é inviável definirse quando o agente está cometendo a infração ou quando acabou de cometêla pois um ato isolado é um indiferente penal Se a polícia surpreende alguém cometendo um ato de curandeirismo isso é atípico e portanto não há flagrante delito O crime somente existirá quando habitualmente ele exercer essa atividade Essa é a posição majoritária no sentido de que não existe possibilidade de prisão em flagrante por crime habitual Contudo devese ter presente a lição de ZAFFARONI e PIERANGELLI41 que em linha diversa sustentam que o critério da inadmissibilidade da tentativa é válido quando se entende o crime habitual como delito constituído de uma pluralidade necessária de condutas repetidas Porém argumentam os autores não é aceitável conceberse assim o crime habitual porque não só não haveria tentativa senão sequer também haveria consumação Quando estaria consumado o delito habitual Na segunda na terceira na décima repetição da mesma conduta Esta dificuldade levou a doutrina moderna a considerar o crime habitual como um tipo que contém um elemento subjetivo diferente do dolo ou seja o delito habitual ficaria consumado com o primeiro ato mas que além do dolo exige a habitualidade como elemento do animus do autor Seguindo esse raciocínio os autores posicionamse no sentido de que haveria tentativa de curandeirismo na conduta de quem havendo instalado um consultório médico sem diploma e sem licença está examinando um paciente ainda que sequer tenha receitado qualquer medicamento e possui outros pacientes na sala de espera Quando atender a todos estaria consumado o delito de modo que a interrupção do iter criminis nesse momento constituiria a tentativa do crime Aceitandose essa tese podese sustentar a legalidade da prisão em flagrante neste momento Do contrário a conduta seria atípica e o flagrante ilegal 44 ILegalidade dos Flagrantes Forjado Provocado Preparado Esperado e Protelado ou Diferido Conceitos e Distinções Prisão em Flagrante e Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada e Pública Condicionada à Representação O flagrante forjado existe quando é criada forjada uma situação fática de flagrância delitiva para tentar legitimar a prisão Criase uma situação de fato que é falsa Exemplo típico é o enxerto de substâncias entorpecentes ou armas para a partir dessa posse forjada falsamente criada realizar a prisão em flagrante do agente É portanto um flagrante ilegal até porque não existe crime O flagrante provocado também é ilegal e ocorre quando existe uma indução um estímulo para que o agente cometa um delito exatamente para ser preso Tratase daquilo que o Direito Penal chama de delito putativo por obra do agente provocador BITENCOURT42 explica que isso não passa de uma cilada uma encenação teatral em que o agente é impelido à prática de um delito por um agente provocador normalmente um policial ou alguém a seu serviço É o clássico exemplo do policial que se fazendo passar por usuário induz alguém a venderlhe a substância entorpecente para a partir do resultado desse estímulo realizar uma prisão em flagrante que será ilegal É uma provocação meticulosamente engendrada para fazer nascer em alguém a intenção viciada de praticar um delito com o fim de prendê lo Penalmente considerase que o agente não tem qualquer possibilidade de êxito aplicandose a regra do crime impossível art 17 do CP Art 17 Não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto é impossível consumarse o crime É portanto ilegal o flagrante provocado O flagrante preparado é ilegal pois também vinculado à existência de um crime impossível Aqui não há indução ou provocação senão que a preparação do flagrante é tão meticulosa e perfeita que em momento algum o bem jurídico tutelado é colocado em risco Aplicase nesse caso o disposto na Súmula n 145 do STF Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação Noutra dimensão o flagrante esperado exige muito cuidado e tem sua legalidade ou ilegalidade aferida no caso concreto pois dependendo da situação estaremos diante de um crime impossível aplicandose o que dissemos no flagrante preparado e a incidência da Súmula n 145 do STF Mas nem todo flagrante esperado é ilegal pois nem sempre haverá crime impossível Assim quando a polícia não induz ou instiga ninguém apenas colocase em campana vigilância e logra prender o agressor ou ladrão a prisão é válida e existe crime É o que ocorre na maioria das vezes em que a polícia de posse de uma informação se oculta e espera até que o delito esteja ocorrendo para realizar a prisão Não se trata de delito putativo ou de crime impossível Exemplo recorrente é quando a polícia tem a informação de que esse ou aquele estabelecimento comercial ou bancário será alvo de um roubo e colocase em posição de vigilância discreta e logra surpreender os criminosos Não há ineficácia absoluta do meio empregado ou absoluta impropriedade do objeto para falarse em crime impossível Existe o crime inclusive dependendo do caso a atuação policial poderá impedir a consumação havendo apenas tentativa e a prisão em flagrante é perfeitamente válida Por fim o flagrante protelado ou diferido ação controlada na terminologia da Lei está previsto nos arts 8º e 9º da Lei n 128502013 e se aplica somente nos casos de organização criminosa Art 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que se for o caso estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público 2º A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada 3º Até o encerramento da diligência o acesso aos autos será restrito ao juiz ao Ministério Público e ao delegado de polícia como forma de garantir o êxito das investigações 4º Ao término da diligência elaborarseá auto circunstanciado acerca da ação controlada Art 9º Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto objeto instrumento ou proveito do crime Tal dispositivo somente pode ser aplicado aos casos de organização criminosa e autoriza a polícia a retardar sua intervenção prisão em flagrante para realizarse em momento posterior por isso diferido mais adequado sob o ponto de vista da persecução penal É uma autorização legal para que a prisão em flagrante seja retardada ou protelada para outro momento que não aquele em que o agente está cometendo a infração penal excepcionando assim as regras contidas nos arts 301 e 302 I do CPP Retardase a prisão em flagrante a lei infelizmente não define limite temporal para por exemplo uma semana depois da prática do crime Com isso a polícia mantém o suspeito sob monitoramento para ter acesso aos demais membros da organização criminosa bem como apurar a prática de outros delitos No momento mais oportuno realiza a prisão em flagrante de todos os agentes Por exemplo diante de uma complexa organização criminosa que tem por objeto o roubo de cargas e posterior distribuição a uma rede de fornecedores a polícia deixa de prender aqueles agentes que cometeram o roubo no momento em que o estão praticando para monitorandoos descobrir o local em que a carga é escondida e o caminhão desmontado para ser vendido em um desmanche ilegal De posse dessas informações descobre ainda quem são os receptadores e quando tiver provas suficientes dos crimes e da estrutura da organização criminosa realiza a prisão em flagrante de todos os agentes A rigor não haveria prisão em flagrante daqueles que cometeram o roubo pois passados muitos dias da sua ocorrência sendo inaplicável qualquer dos incisos do art 302 Contudo diante da autorização contida no art 2º II está legitimado o flagrante retardado ou protelado Tratase por outro lado de uma situação bastante perigosa sob o ponto de vista dos direitos e garantias individuais pois abre a possibilidade de abusos e ilegalidades por parte da autoridade policial Daí por que se trata de medida excepcional e que deve ser objeto de rigoroso controle de legalidade por parte do Ministério Público e do juiz competente que deverá fixar os limites temporais para essa ação controlada bem como amplamente documentada com filmagem fotos e todos os meios que permitam controlar a legalidade da atuação policial Havendo dúvida deve o flagrante ser relaxado por ilegal sem prejuízo de eventual prisão preventiva em caso de estarem presentes seus requisitos que são completamente diversos daqueles que disciplinam a prisão em flagrante Ao término da diligência deverá ser elaborado um auto circunstanciado contendo toda a descrição da ação controlada Importante destacar a posição de BADARÓ43 que em linha diametralmente oposta nega que o flagrante diferido ou retardado seja uma nova modalidade de prisão Entende que há apenas uma autorização legal para que a autoridade policial e seus agentes que a princípio teriam a obrigação de efetuar a prisão em flagrante CPP art 310 2ª parte deixem de fazêlo com vistas a uma maior eficácia da investigação E ainda explica que obviamente a autoridade policial no momento posterior quando descobrir os elementos mais relevantes não poderá realizar a prisão em flagrante pelo ato pretérito que foi tolerado com vista à eficácia da investigação Adotar a tese defendida por BADARÓ que nos parece bastante razoável ainda mais diante da nebulosidade e liquefação do conceito de flagrante diferido bem como pela ausência de uma clara definição do limite temporal em que ele pode ocorrer em nada prejudicaria a eficácia do sistema penal repressivo A autoridade policial está autorizada apenas a deixar de proceder naquele exato momento para que possa obter maiores informações que deem um lastro probatório mais robusto para a investigação Depois disso o que deverá ser feito em caso de necessidade demonstrada é representar pela prisão temporária ou preventiva Com isso o flagrante diferido não constitui uma nova modalidade de prisão senão um instrumentomeio com vistas à eficácia da investigação A partir das informações obtidas pelo não agir da polícia naquele momento instrumentalizase o posterior pedido de prisão temporária ou preventiva Mudando o enfoque apenas para não deixar passar sem qualquer comentário vejamos a problemática teórica em torno da prisão em flagrante por delito de ação penal de iniciativa privada e também quando a iniciativa é pública mas condicionada à representação Tratase de uma questão que atualmente revestese de pouca relevância prática pois esses delitos na sua imensa maioria e a quase totalidade daqueles de iniciativa privada são considerados de menor potencial ofensivo abrangidos portanto pela Lei n 909995 Determina o art 69 parágrafo único da Lei n 9099 que ao autor do fato que após a lavratura do termo circunstanciado for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer não se imporá prisão em flagrante Logo não existe prisão em flagrante em crime de menor potencial ofensivo esvaziando a discussão muito mais teórica do que prática em torno dos crimes de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação Excepcionalmente diante de um crime de ação penal pública condicionada a representação em que existe prisão em flagrante obviamente não se aplica o prazo decadencial de 6 meses devendo ela ser feita no prazo máximo de 24h que rege a confecção e conclusão do auto de prisão em flagrante Se o inquérito tem início com o auto de prisão em flagrante e se esse mesmo inquérito não pode iniciar sem a representação art 5º IV é óbvio que ela tem de ser feita neste momento Inclusive pensamos que deve ser relaxada a prisão em flagrante caso não venha devidamente acompanhada da representação da vítima 45 Síntese do Procedimento Atos que Compõem o Auto de Prisão em Flagrante Imediatamente após a detenção deverá o preso ser apresentado à autoridade policial A demora injustificada poderá constituir o crime de abuso de autoridade Lei n 4898 em se tratando de agentes do Estado ou caso a prisão tenha sido realizada por particular estaremos diante em tese dos delitos de constrangimento ilegal art 146 ou sequestro e cárcere privado art 148 conforme o caso Apresentado o preso à autoridade policial estabelece o art 304 do CPP44 que deverá esta ouvir o condutor ou seja aquele que realizou a prisão e conduziu o detido Na continuação ouvirá as testemunhas que presenciaram os fatos eou a prisão e ao final interrogará o preso Tudo isso deverá ser formalizado e devidamente assinado pela autoridade e as respectivas pessoas que prestaram as declarações Não havendo testemunhas da infração é claro que a manutenção da prisão em flagrante é muito mais problemática mas isso não impede que em tese seja realizada Determina o art 304 2º que nesse caso deverão assinar pelo menos duas pessoas que tenham testemunhado a apresentação do preso à autoridade São por assim dizer meras testemunhas de apresentação pois nada sabem do fato criminoso ou do ato da prisão Ao final será ouvido o preso Quanto ao seu interrogatório aplicase tudo o que já dissemos anteriormente quando abordamos o interrogatório no capítulo das Das Provas em Espécie Cumpre recordar apenas a imprescindível presença de defensor que se lhe deve assegurar o direito de conversar reservadamente com o preso o direito de silêncio enfim plena observância do disposto no art 185 do CPP Quanto à possibilidade de o advogado ao final formular perguntas ao detido ou seja sobre a incidência ou não do art 188 no interrogatório policial não vemos qualquer empecilho Inicialmente porque existe sim direito de defesa no inquérito policial pessoal e técnica e também contraditório no seu primeiro momento de informação Claro que os níveis de eficácia desses direitos são muito menores do que aqueles alcançáveis no processo isso é elementar Como também é elementar que o art 5º LV da Constituição deve ser realizado potencializandose o pouco de defesa e contraditório existentes Daí por que não vemos qualquer problema de ordem teórica ou prática em permitir que ao final o advogado faça perguntas para complementar o depoimento do preso O interrogatório será reduzido a termo e assinado pelo imputado seu advogado e claro pela autoridade policial Se o preso se recusar a assinar ou estiver impossibilitado de fazêlo por qualquer motivo o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas de leitura ou seja que tenham assistido à leitura do depoimento do preso e demais peças na presença dele Ao final será dada ao preso a nota de culpa com o motivo da prisão o nome do condutor e os das testemunhas assinando ele o recibo respectivo Caso se recuse a assinar esse recibo da nota de culpa ou estiver impossibilitado de fazêlo novamente deverá o delegado lançar mão de duas testemunhas que assinem comprovando a entrega Formalizado e finalizado assim o auto de prisão em flagrante deverá ser imediatamente remetido ao juiz competente Destaquese por último a nova redação do art 322 do CPP em que a autoridade policial poderá conceder fiança imediatamente e antes de enviar o autor de prisão em flagrante para o juiz nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 quatro anos 46 Garantias Constitucionais e Legalidade da Prisão em Flagrante Análise do Art 306 do CPP Inicialmente devese dar eficácia às seguintes garantias constitucionais previstas no art 5º da Constituição que vinculam a própria validade da prisão em flagrante para além das regras processuais Art 5º LXI ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei LXII a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada LXIII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado LXIV o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial LXV a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária LXVI ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança A regra do inciso LXI restringe a possibilidade de prisão a dois casos excetuando os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar flagrante delito ordem judicial escrita e fundamentada Com isso sepultouse a chamada prisão para averiguações e coisas do gênero pois somente haverá prisão nos dois casos mencionados Recordemos ainda que a prisão em flagrante é précautelar e sua precariedade exige que o auto de prisão em flagrante seja encaminhado em até 24h para o juiz que então de forma escrita e fundamentada irá enfrentar a possibilidade de concessão de liberdade provisória com ou sem aplicação de medidas cautelares diversas art 310 cc 319 ou se necessário e houver pedido por parte do Ministério Público ou da polícia decretará a prisão preventiva Então a manutenção da prisão agora como preventiva exigirá uma decisão escrita e fundamentada do juiz O inciso LXII impõe uma importante formalidade que é a dupla comunicação da prisão que deverá ser imediatamente levada ao conhecimento do juiz competente e também à família do preso ou pessoa por ele indicada Além dessas garantias constitucionais é muito importante o disposto no art 306 do CPP Art 306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente ao Ministério Público e à família do preso ou a pessoa por ele indicada 1º Em até 24h vinte e quatro horas após a realização da prisão será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e caso o autuado não informe o nome de seu advogado cópia integral para a Defensoria Pública 2º No mesmo prazo será entregue ao preso mediante recibo a nota de culpa assinada pela autoridade com o motivo da prisão o nome do condutor e o das testemunhas A nova redação dada pela Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 inseriu a imediata comunicação da prisão também ao Ministério Público até para que possa acompanhar o desenrolar da situação e postular a prisão preventiva ou alguma outra medida cautelar diversa Mas é fundamental sublinhar a necessidade de que o juiz seja imediatamente comunicado da prisão isso pode ser feito por fax independente da hora e dia em que ocorrer bem como ao Ministério Público e a pessoa indicada pelo preso seja enviado ao juiz em até 24h45 depois da prisão o auto de prisão em flagrante completo no mesmo prazo caso o preso não indique um advogado que o acompanhe não basta a mera indicação de nome deverá estar efetivamente acompanhado deverá ser enviada cópia integral para a defensoria pública A inobservância dessa regra conduz à ilegalidade da prisão em flagrante cabendo ao juiz quando receber os autos e verificar que não houve a comunicação imediata ao juiz plantonista à família do preso e ao Ministério Público deixar de homologar o auto de prisão em flagrante relaxando a prisão por ilegalidade formal Igual postura deverá adotar quando verificar a inobservância do disposto nos incisos LXIII e LXIV relaxando a prisão em flagrante por ilegalidade Menciona ainda o art 306 que ao preso será dada nota de culpa nesse mesmo prazo máximo de 24h A nota de culpa explica ESPÍNOLA FILHO46 é uma grande conquista para desterrar o antigo segredo com que se oprimia o indiciado Tem como efeito tornar definido o motivo da prisão dando notícia da causa determinante de tal medida com a indicação dos elementos de acusação que a sustentam referindo os nomes dos condutores e testemunhas cujos depoimentos ampararam a realização do auto de prisão em flagrante Portanto dois momentos devem ser rigidamente observados a comunicação imediata da prisão ao juiz e demais pessoas indicadas no art 306 e a necessária conclusão do auto de prisão em flagrante expedição da nota de culpa e o encaminhamento para a autoridade judiciária em até 24h Tudo isso sob pena de ilegalidade formal da prisão em flagrante e consequente relaxamento 47 A Decisão Judicial Sobre o Auto de Prisão em Flagrante Aspectos Formais e Análise da Necessidade da Decretação da Prisão Preventiva Recebendo o auto de prisão em flagrante deverá o juiz proceder nos termos do art 310 ou seja 1º Momento analisar o aspecto formal do auto de prisão em flagrante bem como a legalidade ou ilegalidade do próprio flagrante através da análise dos requisitos do art 302 do CPP Se legal homologa se ilegal nos casos de flagrante forjado provocado etc deverá relaxála 2º Momento homologando a prisão em flagrante deverá sempre enfrentar a necessidade ou não da prisão preventiva a concessão da liberdade provisória com ou sem fiança e a eventual imposição de medida cautelar diversa No primeiro momento o que faz o juiz é avaliar a situação de flagrância se realmente ocorreu alguma das situações do art 302 ou 303 anteriormente analisados e ainda se todo o procedimento para elaboração do auto de prisão em flagrante foi devidamente desenvolvido especialmente no que tange à comunicação imediata da prisão ao juiz a entrega da nota de culpa ao preso e a remessa ao juízo no prazo de 24 horas É em última análise a fiscalização da efetivação do disposto no art 306 Superada a análise formal vem o ponto mais importante a decretação de alguma das medidas cautelares pessoais É importante recordar o que dissemos anteriormente sobre a précautelaridade da prisão em flagrante ou seja o flagrante não prende por si só e tampouco mantém alguém preso além das 24h necessárias para sua elaboração Logo para que o agente permaneça preso ou submetido a qualquer medida cautelar é imprescindível uma decisão judicial fundamentada Recordemos o teor do art 310 Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação A conversão da prisão em flagrante em preventiva não é automática e tampouco despida de fundamentação E mais a fundamentação deverá apontar além do fumus commissi delicti e o periculum libertatis os motivos pelos quais o juiz entendeu inadequadas e insuficientes as medidas cautelares diversas do art 319 cuja aplicação poderá ser isolada ou cumulativa O fumus commissi delicti não constitui o maior problema na medida em que o próprio flagrante já é a visibilidade do delito ou seja já constitui a verossimilhança de autoria e materialidade necessárias neste momento O ponto nevrálgico é a avaliação da existência de periculum libertatis ou seja a demonstração da existência de um perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo previsto no CPP como o risco para a ordem pública ordem econômica conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal São conceitos que pretendem designar situações fáticas cuja proteção se faz necessária constituindo assim o fundamento periculum libertatis sem o qual nenhuma prisão preventiva poderá ser decretada Tais situações para a decretação da prisão são alternativas e não cumulativas de modo que basta uma delas para justificarse a medida cautelar Qualquer que seja o fundamento da prisão é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis ou seja não bastam presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida Sem o periculum libertatis a prisão preventiva ou qualquer outra medida cautelar art 319 não poderá ser decretada ainda que se tenha a fumaça do crime Mas mesmo que se tenha uma situação de perigo a ser cautelarmente tutelado é imprescindível que o juiz o analise à luz dos princípios da necessidade excepcionalidade e proporcionalidade anteriormente explicados se não existe medida cautelar diversa que aplicada de forma isolada ou cumulativa se revele adequada e suficiente para tutelar a situação de perigo Com a nova redação do art 319 do CPP e a consagração de diversas medidas cautelares diversas da prisão preventiva deverá o juiz verificar se o risco apontado não pode ser tutelado por alguma delas Assim por exemplo se o risco apontado é o de fuga do agente poderá o juiz determinar cumulativamente pagamento de fiança comparecimento periódico em juízo até mesmo diariamente em situações excepcionais e proibição de ausentarse da comarca ou país com a respectiva entrega de passaporte art 319 IV cc art 320 Da mesma forma poderá determinar o pagamento de fiança e a submissão a monitoramento eletrônico ou mesmo monitoramento eletrônico com o dever de recolhimento domiciliar noturno art 319 V Enfim um leque de opções está ao alcance do juiz para tutelar o risco de liberdade do imputado devendo a prisão preventiva ser efetivamente reservada para situações de real excepcionalidade Por último vejamos a regra contida no art 310 parágrafo único Art 310 Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o preso praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decreto Lei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Tal regra já existia mas ocupava o caput do art 310 e vem na mesma linha do art 314 de que a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I II e III do art 23 do Código Penal ou seja ao abrigo de uma das causas de exclusão da ilicitude Não se pode exigir para tanto prova plena da excludente mas apenas uma fumaça suficiente sendo inclusive neste momento invocável o in dubio pro reo Considerando que a prisão preventiva é medida extremamente grave e último instrumento a ser utilizado havendo indícios mínimos de ter o agente cometido o delito em legítima defesa por exemplo não é necessária nem proporcional a prisão Tampouco pode ser decretada a prisão preventiva porque por exemplo a legítima defesa ou qualquer outra excludente não restou suficientemente provada Ao imputado não se lhe atribui qualquer carga probatória no processo penal sendo descabida a exigência de que ele prove que agiu ao abrigo da excludente Basta que exista a fumaça da excludente para enfraquecer a própria probabilidade da ocorrência de crime sendo incompatível com a prisão cautelar ainda que em sede de probabilidade todos esses elementos sejam objeto de análise e valoração por parte do juiz no momento de aplicar uma medida coercitiva de tamanha gravidade Por fim atendendo às peculiaridades do caso e à necessidade nada impede que o juiz conceda liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo como determina o dispositivo legal e cumule com uma medida cautelar diversa prevista no art 319 como proibição de ausentarse da comarca ou país dever de comparecimento periódico etc 48 A Separação dos Presos Provisórios e a Prisão em Flagrante de Militar Art 300 parágrafo único Estabelece o art 300 que os presos provisórios deverão ficar separados daqueles que já estiverem definitivamente condenados Não se trata de uma inovação propriamente mas sim de reforçar uma regra já existente desde 1984 na Lei de Execuções Penais e pouco observada É uma tentativa de dar eficácia a uma norma préexistente e que nunca funcionou No fundo deveríamos ter realmente casas prisionais distintas para presos cautelares e definitivamente condenados ou no mínimo alas e galerias completamente separadas para reduzir o nível de violência e submissão e ainda a negativa promiscuidade que se estabelece Mas uma regra verdadeiramente nova é a estabelecida no art 300 parágrafo único Art 300 Parágrafo único O militar preso em flagrante delito após a lavratura dos procedimentos legais será recolhido a quartel da instituição a que pertencer onde ficará preso à disposição das autoridades competentes Tendo em vista o gradativo esvaziamento da justiça militar nas últimas décadas limitandoa ao julgamento dos crimes militares praticados por militar nas situações do art 9º do Código Penal Militar e ainda exigindo a jurisprudência que seja demonstrado o peculiar interesse militar47 pensamos que essa regra só pode encontrar sentido nesta perspectiva Considerando que o dispositivo é completamente novo e estranho ao sistema processual vigente pensamos que a jurisprudência deverá definir os limites de aplicação da regra mas arriscamos a opinião no sentido de uma interpretação ampla ou seja de que o militar deverá ser recolhido ao quartel tanto nos crimes militares como também nos crimes comuns Quando o militar for preso em flagrante em razão de sua atividade propter oficium por crime de competência da justiça militar como a situação do desertor e do insubmisso apontado no artigo inequivocamente deverá ser recolhido ao quartel da instituição a que pertence Já nas situações de crimes comuns o recolhimento ao quartel é necessário para assegurar a integridade física do militar Colocar policiais militares em um estabelecimento penal comum é inviável Contudo é prematuro fazer uma afirmação categórica neste sentido cabendo aos tribunais brasileiros definirem os limites de incidência da norma 49 Refletindo sobre a Necessidade do Processo Ainda que Exista Prisão em Flagrante Contaminação da Evidência Alucinação e Ilusão de Certeza Como já explicamos o tempo e a aceleração norteiam nossas vidas e por consequência afetam o direito e nossa relação com ele É inevitável a comparação e insatisfação da dinâmica social com o tempo do direito conduzindo a uma busca incessante por mecanismos de aceleração do tempo do processo numa desesperada tentativa de aproximação com o imediatismo que vivemos Sempre que uma pessoa é surpreendida cometendo um delito art 302 I ou quando acabou de cometêlo art 302 II existe o que se chama de visibilidade ou seja uma certeza visual que decorre da constatação direta Os demais casos incisos III e IV são construções artificiais do processo penal e que na realidade estão fora do que realmente seja o flagrante Imediatamente a partir das imagens o sujeito tem certeza de que aquela pessoa cometeu um delito A partir disso surge automaticamente uma questão por que precisamos de um longo processo para discutir o que já está provado Será que o flagrante não autorizaria um juízo imediato Partindo da premissa de que o flagrante é a evidência a questão é definir a necessidade ou não de buscar uma verdade no processo ou ainda quais são os níveis de contaminação da evidência sobre a verdade A questão é complexa mas foi muito bem apresentada por RUI CUNHA e FERNANDO GIL48 para quem a evidência não basta para afirmação da verdade ainda que exista uma proximidade fortíssima entre verdade e evidência A verdade processual ou formal necessita desprenderse da evidência para ser construída Ela não é dada pela evidência senão que terá de ser descoberta no curso do processo Como explica FERNANDO GIL49 há na evidência um excesso epistêmico diante da posição do sujeito em face do conhecimento A evidência significa agora presentificação do sentido e da verdade como autossuficientes e autoposicionandose como sugere a expressão index sui Uma verdade índice de si mesma é excessiva por natureza Existe um claro caráter alucinatório na evidência que conduz a um contágio dela sobre a verdade Isso porque a verdade evidente é vista com os olhos da mente e não se pode dizer de outro modo E a evidência contagia a verdade na medida em que o desprendimento da evidência que falava há um instante nunca pode ser completo tal significaria que o sujeito deixaria de ser sujeito que a primeira pessoa se transformaria na terceira pessoa50 A questão nuclear é que a verdade deve ser construída não se constituindo apenas pela evidência Deve desprenderse da evidência relativizandoa e submetendoa a certas exigências A verdade exige certos critérios e a própria racionalidade critica a evidência pelo inerente caráter alucinatório e as projeções imaginárias que são vividas na atualidade do conhecer51 Há que distinguir na esteira de RUI CUNHA e FERNANDO GIL52 verdade da evidência e verdade da prova A primeira verdade da evidência é alheia à ideia de processo pois ela constitui o que se chama o desdobramento do sentido na indicação da própria verdade pondose por si Já a verdade da prova mais adequada à verdade processual necessita de dispositivos exteriores de avaliação e comprovação Isso porque trabalha de modo não alucinatório Aqui está a questão fundamental bem identificada pelos autores o processo e a prova nele colhida servem para de alguma maneira corrigir esse caráter alucinatório da evidência Logo o processo é um instrumento de correção do caráter alucinatório da evidência Devese considerar ainda que a convicção como o saber é datada Isso porque uma convicção hoje pode cair perfeitamente por terra amanhã quando repousarmos um olhar mais tranquilo e distante do acontecimento e da imagem Para ter uma verdade processual a evidência deve passar pelos filtros do processo somente resistindo se conseguir provar que não é uma ilusão uma fabricação ou uma alucinação Por isso o processo deve alcançar um alto grau de correção da alucinação inerente à evidência Maior cuidado devese ter ainda com a evidência midiática ou seja com as imagens captadas pelos meios de comunicação de um flagrante delito Essa exige maior cuidado porque a mídia como um todo e a imagem em específico possuem um imenso déficit de correção e por isso está muito mais próxima da evidência e da alucinação Não há dúvida de que existe ainda um sobrecusto alucinatório derivado do filtro do cronista que se interpõe entre o fato e o espectador a manipulação de imagens e os naturais interesses econômicos aferidos nos indicadores de audiência FERNANDO GIL destaca ainda que a mídia está com certeza fora da verdade da prova Não é apta a corrigir o caráter alucinatório da imagem gerada pela evidência senão que se contenta em excitar o afeto e a comover Segundo o autor tratase de uma patologia da pura retórica não da argumentação dialética ou da demonstração53 Em definitivo não há que se iludir com a evidência e tampouco deixála contaminar excessivamente a verdade que deve ser construída e buscada no processo verdadeiro instrumento de correção da alucinação e da comoção Para os autores o maior receio do garantismo é que o momento decisório assentimento do juiz onde ele aceita ou não as teses apresentadas ocorra cedo demais situandose assim ao nível da respectiva temporalidade O garantismo seria assim um sistema de limite de constrangimento à evidência na medida em que a submete ao tempo do processo com suas etapas de investigação acusação defesa e decisão Isso serve para evitar os juízos imediatos realizados ainda no calor da irracional emoção e contaminados pelo sentimento de vingança Como conclui FERNANDO GIL a verdade não tem pedra de toque Ou se quiser a sua única pedra de toque é a convicção não apressada54 Por tudo isso o flagrante não basta por si só É necessário que seja devidamente provado no processo segundo suas regras 410 Relação de Prejudicialidade Prestação de Socorro Art 301 da Lei n 950397 e Prisão em Flagrante Até a entrada em vigor da Lei n 124032011 o art 317 do CPP disciplinava a apresentação espontânea fator impeditivo da prisão em flagrante mas não de eventual prisão temporária ou preventiva Isso porque se o réu se apresentasse espontaneamente à autoridade policial narrando e reconhecendo a autoria de um fato criminoso muitas vezes desconhecido pela própria polícia não haveria motivo para lavrarse o auto de prisão em flagrante Tratavase de uma postura incompatível com a intenção de fugir ou ocultarse esvaziando os motivos da prisão em flagrante É uma incompatibilidade genética Não obstante com o advento da Lei n 124032011 os arts 317 e 318 foram revogados e agora esses dispositivos disciplinam a prisão domiciliar Assim o instituto da apresentação espontânea deixou formalmente de existir Mas havendo uma situação fática na qual o imputado se apresenta espontaneamente à polícia ainda que seja formalizada a prisão flagrante desde que exista uma das situações do art 302 anteriormente explicadas pensamos que tal circunstância deverá ser bem sopesada pelo juiz ao receber o auto de prisão em flagrante nos termos do art 310 do CPP Ou seja o fato de o imputado comparecer pessoalmente e espontaneamente à autoridade policial e reconhecer a prática de um crime recém ocorrido afasta completamente o periculum libertatis esvaziando o cabimento de eventual prisão preventiva No mesmo sentido não vislumbramos sentido em decretarse eventual prisão temporária Quanto às medidas cautelares diversas art 319 não podemos esquecer que são medidas substitutivas alternativas à prisão preventiva E se não cabe prisão preventiva não há sentido como regra em decretarse uma medida cautelar diversa Em síntese há uma incompatibilidade genética entre a apresentação espontânea e a prisão cautelar Por fim em se tratando de delito de trânsito interessanos o disposto no art 301 da Lei n 950397 Art 301 Ao condutor de veículo nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima não se imporá a prisão em flagrante nem se exigirá fiança se prestar pronto e integral socorro àquela Tratase de um estímulo para que as pessoas envolvidas em acidentes de trânsito prestem socorro à vítima sem receio de serem presas por isso É inteligente o dispositivo até porque estamos diante de um crime culposo onde sequer é possível a prisão preventiva não existe prisão preventiva em crime culposo pois exige o art 313 que o delito seja doloso Ademais a conduta do agente que presta socorro é geneticamente incompatível com o fundamento da existência da prisão em flagrante 5 Da Prisão Preventiva Do Senso Comum à Análise dos Defeitos Fisiológicos 51 Momentos da Prisão Preventiva Quem Pode Postular seu Decreto Ilegalidade da Prisão Preventiva Decretada de Ofício Violação do Sistema Acusatório e da Garantia da Imparcialidade do Julgador A prisão preventiva pode ser decretada no curso da investigação preliminar ou do processo inclusive após a sentença condenatória recorrível Ademais mesmo na fase recursal se houver necessidade real poderá ser decretada a prisão preventiva com fundamento na garantia da aplicação da lei penal A prisão preventiva somente pode ser decretada por juiz ou tribunal competente em decisão fundamentada a partir de prévio pedido expresso requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial Estabelece ainda o art 311 que caberá a prisão preventiva a partir de requerimento do querelante o que pode induzir o leitor em erro Não se pode esquecer do disposto no art 313 I ou seja do não cabimento de prisão preventiva quando a pena for igual ou inferior a 4 anos Portanto incompatível com os crimes em que cabe ação penal privada nos quais o apenamento é inferior ao exigido pelo art 313 I Então que querelante é esse Pensamos que só pode ser o querelante de ação penal privada subsidiária da pública art 29 do CPP em que a situação do querelante é similar àquela ocupada pelo Ministério Público que por inércia não está ali podendo perfeitamente requerer a prisão preventiva demonstrando seus fundamentos Infelizmente insiste o legislador brasileiro em permitir a prisão preventiva decretada de ofício sem suficiente compreensão e absorção das regras inerentes ao sistema acusatório constitucional e a própria garantia da imparcialidade do julgador A nova redação do art 311 não representou avanço significativo pois segue permitindo a prisão preventiva de ofício desde que no curso da ação penal O erro é duplo primeiro permitir a atuação de ofício juiz ator ranço inquisitório conforme exaustiva crítica feita e em segundo lugar por empregar a expressão no curso da ação penal quando tecnicamente o correto é no curso do processo Ação processual penal é um poder político constitucional de invocação da atividade jurisdicional que uma vez invocada e posta em movimento dá origem ao processo O que se move tem proceder é o processo e não a ação penal Nesta linha consultese a crítica que fizemos anteriormente ao igualmente errado trancamento da ação penal Talvez o maior problema do ativismo judicial é a violação da imparcialidade uma garantia que corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà55 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de JACINTO COUTINHO56 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor poderes investigatórios ou pior quando ele assume uma postura inquisitória decretando de ofício a prisão preventiva É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do inquisidor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Assim ao decretar uma prisão preventiva de ofício assume o juiz uma postura incompatível com aquela exigida pelo sistema acusatório e principalmente com a estética de afastamento que garante a imparcialidade Infelizmente com a histórica conivência dos tribunais brasileiros insiste o legislador em permitir a prisão preventiva decretada de ofício 52 Requisito da Prisão Preventiva Fumus Commissi Delicti Juízo de Probabilidade de Tipicidade Ilicitude e Culpabilidade Novamente evidenciase o equívoco da teoria geral do processo e a errônea transmissão das categorias do processo civil para o processo penal Como explicamos no início deste Capítulo é no mínimo inadequado falarse em fumus boni iuris e periculum in mora pois o fenômeno da prisão cautelar é completamente diverso das medidas cautelares do processo civil Compreendida a inadequação dos conceitos do processo civil vejamos agora o requisito e os fundamentos da prisão preventiva à luz das categorias jurídicas próprias do processo penal e do disposto no art 312 do CPP cujo caput infelizmente permaneceu inalterado na Reforma de 2011 Art 312 A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública da ordem econômica por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria Parágrafo único A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares art 282 4º O fumus commissi delicti é o requisito da prisão preventiva exigindose para sua decretação que existam prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Mas esse é um conceito por demais relevante para ficarmos apenas com a letra da lei que pouco diz exigindo uma interpretação sistemática e constitucional A fumaça da existência de um crime não significa juízo de certeza mas de probabilidade razoável57 A prisão preventiva deve ter por base la razonada atribución del hecho punible a una persona determinada58 É antes de tudo uma prognose sobre a questão de fundo59 uma metáfora que designa os sintomas de uma situação jurídica no léxico goldschmidtiano É simétrico ao fumus boni iuris do processo civil mas com ele não se confunde A identidade está na prognose não na essência do conceito O fumus commissi delicti exige a existência de sinais externos com suporte fático real extraídos dos atos de investigação levados a cabo em que por meio de um raciocínio lógico sério e desapaixonado permita deduzir com maior ou menor veemência a comissão de um delito cuja realização e consequências apresentam como responsável um sujeito concreto60 Para CARNELUTTI61 quando se diz que para emitir um mandado de prisão é necessário que existam indícios suficientes de culpabilidade não se está dizendo nada A proposição indícios suficientes não diz nada Como questiona o mestre italiano devem ser suficientes isso é óbvio mas para quê Sem indícios suficientes sequer uma acusação pode ser formulada Qual é o valor das provas de culpabilidade exigido para que o imputado possa ser detido Será aquele mesmo que é necessário para ser processado Para responder a essa indagação devese distinguir entre juízo de probabilidade e juízo de possibilidade posto que em sede de cautelar não se pode falar em juízo de certeza Seguindo a lição de CARNELUTTI62 existe possibilidade em lugar de probabilidade quando as razões favoráveis ou contrárias à hipótese são equivalentes O juízo de possibilidade prescinde da afirmação de um predomínio das razões positivas sobre as razões negativas ou viceversa Para o indiciamento seria suficiente um juízo de possibilidade posto que no curso do processo deve o Ministério Público provar de forma plena robusta a culpabilidade do réu Já para a denúncia ou queixa ser recebida entendemos que deve existir probabilidade do alegado A sentença condenatória ainda que seja um ato de convencimento do juiz somente se legitima quando calcada em um alto grau de probabilidade Caso contrário a absolvição é imperativa Para a decretação de uma prisão preventiva ou qualquer outra prisão cautelar diante do altíssimo custo que significa é necessário um juízo de probabilidade um predomínio das razões positivas Se a possibilidade basta para a imputação não pode bastar para a prisão preventiva pois o peso do processo agravase notavelmente sobre as costas do imputado A probabilidade significa a existência de uma fumaça densa a verossimilhança semelhante ao vero verdadeiro de todos os requisitos positivos e por consequência da inexistência de verossimilhança dos requisitos negativos do delito Interpretando as palavras de CARNELUTTI requisitos positivos do delito significam prova de que a conduta é aparentemente típica ilícita e culpável Além disso não podem existir requisitos negativos do delito ou seja não podem existir no mesmo nível de aparência causas de exclusão da ilicitude legítima defesa estado de necessidade etc ou de exclusão da culpabilidade inexigibilidade de conduta diversa erro de proibição etc No mesmo sentido CIRILO DE VARGAS 63 explica que no momento da análise sobre o pedido de prisão preventiva o juiz deve considerar que o crime é ação a que se juntam os atributos da tipicidade da ilicitude e da culpabilidade Logo não haverá prisão preventiva sem a prova desses três elementos bastaria no entanto que o juiz se convencesse da inexistência do dolo para não decretála Sem dúvida que a análise do elemento subjetivo do tipo é crucial até porque sua ausência conduz à atipicidade da conduta sem crime não há que se falar em prisão preventiva ou à desclassificação para o tipo culposo e não cabe prisão preventiva por crime culposo Logo a análise do dolo é fundamental Dessarte o primeiro ponto a ser demonstrado é a aparente tipicidade da conduta do autor Esse ato deve amoldarse perfeitamente a algum dos tipos previstos no Código Penal mesmo que a prova não seja plena pois o que se exige é a probabilidade e não a certeza Em síntese deverá o juiz analisar todos os elementos que integram o tipo penal ou seja conduta humana voluntária e dirigida a um fim presença de dolo ou culpa resultado nexo causal e tipicidade Mas não basta a tipicidade pois o conceito formal de crime exige a prática de um ato que além de típico seja também ilícito e culpável Deve existir uma fumaça densa de que a conduta é aparentemente típica aparentemente ilícita e aparentemente culpável É imprescindível que se demonstre que a conduta é provavelmente ilícita por ausência de suas causas de justificação bem como a provável existência dos elementos que integram a culpabilidade penal e a consequente ausência das causas de exclusão Mas como sublinha CIRILO DE VARGAS 64 se o fato não fosse típico por outra razão estranha ao dolo falharia a ilicitude sem possibilidade da custódia preventiva porque em matéria criminal a ilicitude é tipificada Especificamente no que se refere à ilicitude não se pode olvidar do disposto no art 314 do CPP em que havendo fumaça de que o agente praticou o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude não pode ser imposta a prisão preventiva sem prejuízo da imposição de medidas cautelares diversas da prisão art 319 Basta que exista a fumaça da excludente para enfraquecer a própria probabilidade da ocorrência de crime sendo incompatível com a prisão cautelar ainda que em sede de probabilidade todos esses elementos sejam objeto de análise e valoração por parte do juiz no momento de aplicar uma medida coercitiva de tamanha gravidade Para tanto é necessário que o pedido venha acompanhado de um mínimo de provas mas suficientes para demonstrar a autoria e a materialidade do delito e que a decisão judicial seja fundamentada Concluindo a prisão preventiva possui como requisito o fumus commissi delicti ou seja a probabilidade da ocorrência de um delito Na sistemática do Código de Processo Penal art 312 é a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Além do fumus commissi delicti a prisão preventiva exige uma situação de perigo ao normal desenvolvimento do processo representada pelo periculum libertatis como veremos na continuação 53 Fundamento da Prisão Preventiva Periculum Libertatis Análise a partir do Senso Comum Doutrinário e Jurisprudencial Analisaremos agora à luz do senso comum doutrinário e jurisprudencial as diferentes situações que constituem o periculum libertatis sublinhando que nossa crítica será feita depois Primeiro há que se construir para depois desconstruir Retomando o art 312 do CPP lá encontramos que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública da ordem econômica por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria Primeiro ponto a ser sublinhado a Lei n 124032011 não evoluiu em nada E mais representou inclusive um retrocesso à luz do Projeto de Lei n 42082001 originariamente apresentado cuja redação era muito melhor e abandonava as categorias ordem pública e ordem econômica Portanto considerando que nada mudou neste tema podemos perfeitamente empregar a doutrina e jurisprudência construída até então São conceitos que pretendem designar situações fáticas cuja proteção se faz necessária constituindo assim o fundamento periculum libertatis sem o qual nenhuma prisão preventiva poderá ser decretada Tais situações para a decretação da prisão são alternativas e não cumulativas de modo que basta uma delas para justificarse a medida cautelar Assim podese considerar que o periculum libertatis é o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo previsto no CPP como o risco para a ordem pública ordem econômica conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal Vejamos agora resumidamente cada uma das situações previstas no art 312 do CPP a Garantia da ordem pública por ser um conceito vago indeterminado prestase a qualquer senhor diante de uma maleabilidade conceitual apavorante como mostraremos no próximo item destinado à crítica Não sem razão por sua vagueza e abertura é o fundamento preferido até porque ninguém sabe ao certo o que quer dizer Nessa linha é recorrente a definição de risco para ordem pública como sinônimo de clamor público de crime que gera um abalo social uma comoção na comunidade que perturba a sua tranquilidade Alguns fazendo uma confusão de conceitos ainda mais grosseira invocam a gravidade65 ou brutalidade do delito como fundamento da prisão preventiva Também há quem recorra à credibilidade das instituições como fundamento legitimante da segregação no sentido de que se não houver a prisão o sistema de administração de justiça perderá credibilidade A prisão seria um antídoto para a omissão do Poder Judiciário Polícia e Ministério Público É prender para reafirmar a crença no aparelho estatal repressor Quanto à prisão cautelar para garantia da integridade física do imputado diante do risco de linchamento atualmente predomina o acertado entendimento de que é incabível Prender alguém para assegurar sua segurança revela um paradoxo insuperável e insustentável Por fim há aqueles que justificam a prisão preventiva em nome da credibilidade da justiça pois deixar solto o autor de um delito grave geraria um descrédito das instituições e ainda no risco de reiteração de condutas criminosas Esse último caso se daria quando ao agente fossem imputados diversos crimes de modo que a prisão impediria que voltasse a delinquir Com maior ou menor requinte as definições para garantia da ordem pública não fogem muito disso b Garantia da ordem econômica tal fundamento foi inserido no art 312 do CPP por força da Lei n 888494 Lei Antitruste para o fim de tutelar o risco decorrente daquelas condutas que levadas a cabo pelo agente afetam a tranquilidade e harmonia da ordem econômica seja pelo risco de reiteração de práticas que gerem perdas financeiras vultosas seja por colocar em perigo a credibilidade e o funcionamento do sistema financeiro ou mesmo o mercado de ações e valores Tal situação além da crítica que faremos ao final teve e tem pouquíssima utilização forense A magnitude da lesão prevista no art 30 da Lei n 7492 quando invocada em geral o é para justificar o abalo social da garantia da ordem pública vista no item anterior e não para tutelar a ordem econômica c Conveniência da instrução criminal tutela da prova é empregada quando houver risco efetivo para a instrução ou seja conveniência é um termo aberto e relacionado com ampla discricionariedade incompatível com o instituto da prisão preventiva pautada pela excepcionalidade necessidade e proporcionalidade sendo portanto um último instrumento a ser utilizado Feita essa ressalva a prisão preventiva para tutela da prova é uma medida tipicamente cautelar instrumental em relação ao instrumento processo Aqui o estado de liberdade do imputado coloca em risco a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do processo seja porque ele está destruindo documentos ou alterando o local do crime seja porque está ameaçando constrangendo ou subornando testemunhas vítimas ou peritos Também se invoca esse fundamento quando o imputado ameaça ou intimida o juiz ou promotor do feito tumultuando o regular andamento do processo Por fim não se justifica a prisão do imputado em nome da conveniência da instrução quando o que se pretende é prendêlo para ser interrogado ou forçálo a participar de algum ato probatório acareação reconhecimento etc Isso porque no primeiro caso interrogatório o sujeito passivo não é mais visto como um objeto de prova fazendo com que o interrogatório seja essencialmente um momento de defesa pessoal Logo absurdo prenderse alguém para assegurar o seu direito de defesa No segundo caso a prisão para obrigálo a participar de determinado ato probatório é também ilegal pois viola o direito de silêncio e principalmente o nemo tenetur se detegere Daí por que é incabível a prisão preventiva com esses fins em que pese o emprego por parte de alguns d Assegurar a aplicação da lei penal em última análise é a prisão para evitar que o imputado fuja tornando inócua a sentença penal por impossibilidade de aplicação da pena cominada O risco de fuga representa uma tutela tipicamente cautelar pois busca resguardar a eficácia da sentença e portanto do próprio processo O risco de fuga não pode ser presumido tem de estar fundado em circunstâncias concretas Não basta invocar a gravidade do delito ou a situação social favorável do réu É importante o julgador controlar a projeção mecanismo de defesa do ego para evitar decisões descoladas da realidade fática e atentar para o que realmente está demonstrado nos autos Explicamos é bastante comum que alguém tomando conhecimento de determinado crime praticado por esse ou aquele agente decida a partir da projeção isto é a partir da atribuição ao agente daquilo que está sentindo quando se coloca em situação similar Logo é comum juízes presumirem a fuga pois inconscientemente estão se identificando ficaridem com o imputado e a partir disso pensam da seguinte forma se eu estivesse no lugar dele tendo praticado esse crime e com as condições econômicas que tenho ele tem eu fugiria Ora por mais absurdo que isso pareça é bastante comum e recorrente A decisão é tomada a partir de ilações e projeções do juiz sem qualquer vínculo com a realidade fática e probatória Por fim sempre qualquer que seja o fundamento da prisão é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis ou seja não bastam presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida Toda decisão determinando a prisão do sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor jamais fruto de ilações ou criações fantasmagóricas de fuga ou de qualquer dos outros perigos Devese apresentar um fato claro determinado que justifique o periculum libertatis Por fim como bem explicou o Min EROS GRAU a custódia cautelar voltada à garantia da ordem pública não pode igualmente ser decretada com esteio em mera suposição vocábulo abundantemente usado na decisão que a decretou de que o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinquindo Seria indispensável também aí a indicação de elementos concretos que demonstrassem cabalmente a necessidade da medida extrema66 É imprescindível um juízo sério desapaixonado e acima de tudo calcado na prova existente nos autos A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter um primor de fundamentação não bastando a invocação genérica dos fundamentos legais Deve o juiz demonstrar com base na prova trazida aos autos a probabilidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Importante ainda recordar o art 312 parágrafo único em que a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares art 319 nos termos do art 282 4º do CPP As medidas cautelares diversas estabelecidas no art 319 são importantes alternativas à prisão preventiva mas pressupõem a observância de todas as condições estabelecidas Mas por outro lado mesmo em caso de descumprimento de alguma das condições decorrentes da medida cautelar diversa é fundamental o juiz atentar para a proporcionalidade no momento da modificaçãorevogação pois dependendo do caso a situação pode ser igualmente tutelada sem que se recorra a prisão preventiva Daí por que deve sempre preferir a cumulação de medidas ou adoção de outra mais grave reservando a prisão preventiva como ultima ratio do sistema 54 Análise dos Arts 313 e 314 do CPP Casos em que a Prisão Preventiva Pode ou Não ser Decretada Além da existência do fumus commissi delicti e do periculum libertatis a prisão preventiva somente poderá ser decretada nos crimes dolosos Não existe possibilidade de prisão preventiva em crime culposo ainda que se argumente em torno da existência de quaisquer dos requisitos do art 312 Isso porque para além do princípio da proporcionalidade o art 313 inicia por uma limitação estabelecida no inciso I crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 quatro anos Viola qualquer senso mínimo de proporcionalidade ou necessidade além do caráter excepcional da medida a imposição de prisão preventiva em crime culposo Além do fumus commissi delicti e do periculum libertatis deverá o juiz observar os limites de incidência da prisão preventiva que estão enumerados no art 313 do CPP e que serão agora analisados um a um Art 313 Nos termos do art 312 deste Código será admitida a decretação da prisão preventiva I nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 quatro anos COMENTÁRIO Não cabe prisão preventiva por crime culposo em nenhuma hipótese Sendo doloso o critério de proporcionalidade vem demarcado pela lei a pena máxima cominada deve ser superior a 4 anos Isso dá margem de plano ao seguinte questionamento e nos muitos tipos penais em que a pena máxima é igual a 4 anos e não superior como nos crimes de furto art 155 apropriação indébita art 168 contrabando ou descaminho art 334 e tantos outros O dispositivo é claro e não dá margem para interpretação extensiva sempre vedada em matéria penal Mas esse limite de pena do art 313 I não se aplica às medidas cautelares diversas do art 319 Recordemos a seguinte regra nos crimes dolosos cuja pena máxima é superior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis poderão ser utilizadas as medidas cautelares diversas ou se inadequadas e insuficientes a prisão preventiva nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis somente poderá haver decretação de medida cautelar diversa nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos em que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis e exista uma das situações dos incisos II ou III do art 313 poderá ser decretada medida cautelar diversa ou excepcionalmente a prisão preventiva nestes casos é imprescindível uma leitura sistêmica e principalmente à luz da proporcionalidade como explicaremos ao tratar desses incisos na continuação Ademais é importante sublinhar que o art 313 I do CPP apenas procurou estabelecer coerência e harmonia com o art 44 do Código Penal Com a Lei n 971498 a pena privativa de liberdade do réu condenado por crime cometido sem violência ou grave ameaça deve ser substituída por restritiva de direitos Ora se o réu nestes casos ainda que ao final do processo venha a ser condenado não será submetido a prisão como justificar uma prisão cautelar Como legitimar uma prisão preventiva nos casos em que ainda que condenado ao final o réu não será preso Foi para resolver esse grave paradoxo que o art 313 I estabeleceu esse limite de pena Portanto nada de novo apenas uma questão de sistematização e harmonização entre os Códigos Penal e Processual Penal Outra problemática se dará em relação ao concurso de crimes por exemplo furto e formação de quadrilha Pensamos que a jurisprudência se inclinará para uma solução similar àquela utilizada para definição da competência dos Juizados Especiais Criminais ou o cabimento da suspensão condicional do processo ou seja deve incidir o aumento de pena decorrente do concurso material formal ou crime continuado Nesta linha já sinalizam as Súmulas 723 do STF e 243 do STJ a saber SÚMULA N 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano SÚMULA N 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano Ainda que os limites de pena sejam completamente distintos os tribunais superiores já definiram a lógica a ser utilizada em situações similares ou seja no caso de concurso material de crimes somamse as penas máximas e no concurso formal ou crime continuado incide a causa de aumento no máximo e a de diminuição no mínimo Em qualquer caso se a pena máxima obtida for superior a 4 anos está cumprido este requisito Por derradeiro recordemos que o art 313 deve sempre ser conjugado com o art 312 de modo que ainda que tenha sido praticado um crime doloso com pena máxima superior a 4 anos sem a presença do fumus commissi delicti e do periculum libertatis não há que se falar em prisão preventiva mesmo que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis art 312 se o caso não se situar nos limites do art 313 não caberá prisão preventiva II se tiver sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado ressalvado o disposto no inciso I do caput do art 64 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal COMENTÁRIO tratase da situação do réu reincidente em crime doloso Infelizmente optou o legislador em seguir na linha de máxima estigmatização do reincidente em flagrante bis in idem Autorizar uma prisão preventiva com base exclusivamente no fato de ser o réu ou indiciado reincidente é uma interpretação equivocada É verdade que o STF no Recurso Extraordinário RE 453000 julgado em 04 de abril de 2013 afirmou a constitucionalidade da agravante da reincidência mas isso não basta por si só como fundamento de uma prisão preventiva O art 313 somente tem aplicação quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis do art 312 Pensarse uma prisão preventiva com base exclusivamente no fato de ser o agente reincidente poderia constituir uma violação do princípio da proporcionalidade Ademais levantaria o seguinte questionamento onde estaria o caráter cautelar dessa prisão Por último recordemos que os efeitos da reincidência cessam se entre a data do cumprimento da pena ou de sua extinção e o novo delito pelo qual se postula a prisão preventiva já tiverem passado 5 anos Dessarte pensamos que esse inciso de forma isolada não justifica a prisão preventiva III se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher criança adolescente idoso enfermo ou pessoa com deficiência para garantir a execução das medidas protetivas de urgência COMENTÁRIO Esse inciso foi além da redação anterior que havia sido inserido por força da Lei n 113402006 para incluir no caso de violência doméstica além da mulher a criança o adolescente o idoso o enfermo ou qualquer pessoa com deficiência mas sempre no contexto de coabitação da violência doméstica Cria o dispositivo uma espécie de vulnerabilidade doméstica em que a prisão preventiva é usada para dar eficácia à medida protetiva aplicada Mas o artigo precisa ser lido com cuidado ainda que as intenções de tutela sejam relevantes Em primeiro lugar não criou o legislador um novo caso de prisão preventiva ou seja um novo periculum libertatis pois para isso ocorrer a inserção deveria ter sido feita no art 312 definindo claramente qual é o risco que se pretende tutelar O segundo aspecto a ser considerado é a péssima sistemática da Lei n 11340 Por mais respeitável e necessária que fosse a intenção de proteger a mulher da violência doméstica infelizmente é uma lei tecnicamente mal elaborada pois mistura absurdamente matéria penal com questões civis criando uma monstruosidade jurídica A definição de violência doméstica e familiar contra a mulher prevista no art 7º da Lei é de uma vagueza apavorante com disposições genéricas alternativas e ambíguas Uma leitura apressada levaria à errada conclusão de que qualquer conduta que configure ameaça calúnia difamação ou injúria art 7º V da Lei n 11340 autorizaria a prisão preventiva pela incidência do art 313 III quando o juiz determinasse por exemplo a proibição de contato com a ofendida art 22 III b da Lei n 11340 Um absurdo No mesmo sentido RANGEL67 cita o exemplo da lesão corporal leve art 129 caput e 9º do CP para apontar o equívoco da Lei Infelizmente por mais nobre que fosse a intenção de tutelar a mulher que sofre violência doméstica a disciplina legal é péssima estabelecendose obstáculos sistêmicos insuperáveis para que se cogite da possibilidade de uma prisão preventiva só com base nesse inciso Como regra devemos estar diante de um crime doloso cuja pena seja superior a quatro anos adequação sistêmica ao inciso I Pensamos que quando muito estando presentes o fumus commissi delicti e alguma das situações de periculum libertatis do art 312 e sendo o crime doloso o inciso em questão somente serviria para reforçar o pedido e a decisão Mas para tanto devese analisar ainda qual foi a medida protetiva decretada para verificarse a adequação da prisão em relação a esse fim bem como a proporcionalidade Do contrário incabível a prisão preventiva a nosso juízo Parágrafo único Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecêla devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida COMENTÁRIO tratase uma inovação e que igualmente exige uma leitura cautelosa Para que seja decretada a prisão preventiva do imputado por haver dúvida em relação à identidade civil são imprescindíveis o fumus commissi delicti e o periculum libertatis Mais do que isso até por uma questão de proporcionalidade pensamos ser necessária uma interpretação sistemática à luz do inciso I do art 313 topograficamente situado antes como orientador dos demais para que se exija um crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos Impensável decretar uma preventiva com base neste parágrafo único em caso de crime culposo por exemplo Da mesma forma como regra incabível para crimes de menor gravidade em que sequer a preventiva seria possível Excepcionalmente atendendo a necessidade do caso poderia ser decretada essa prisão preventiva quando o agente fosse preso em flagrante por um delito de estelionato com uso de identidade falsa falsidade documental ou mesmo falsidade ideológica São situações em que existe uma dúvida fundada sobre a identidade civil até mesmo pelas características do delito perpetrado Também não se pode fazer uma leitura isolada do dispositivo sob pena de incidir no erro de pensar estar autorizada uma prisão preventiva para averiguações burlando inclusive os limites que a jurisprudência consagrou para impossibilitar a prisão temporária com base apenas isoladamente no inciso II do art 1 da Lei n 7960 Vislumbramos aqui um terreno fértil para abusos O problema é que o periculum libertatis no texto legal acaba sendo reduzido a uma presunção de perigo decorrente da falta de identidade civil devendo o imputado ser imediatamente colocado em liberdade após a identificação exceto se outra medida cautelar for cabível e necessária Por tudo isso pensamos que esse artigo deve ser interpretado em conjunto com o disposto na Lei n 120372009 que regulamentou a identificação criminal prevista no art 5º LVIII da Constituição A regra é que o civilmente identificado não seja submetido à identificação criminal ou seja nem datiloscópica nem fotográfica definindo a lei que a identificação civil pode ser atestada por qualquer dos seguintes documentos carteira de identidade carteira de trabalho carteira profissional passaporte carteira de identificação funcional outro documento público que permita a identificação do indiciado A lei equipara aos documentos civis os de identificação militares Não sendo apresentado qualquer desses documentos será o suspeito submetido à identificação criminal e dependendo do caso a prisão preventiva recordemos desde que observados os casos de cabimento Contudo estabelece o art 3º que mesmo apresentando o documento de identificação poderá ocorrer identificação criminal e portanto a prisão preventiva que estamos analisando quando I o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação II o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado III o indiciado portar documentos de identidade distintos com informações conflitantes entre si IV a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa V constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações VI o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais Destacamos a abertura feita pelo inciso IV que permite a identificação criminal do civilmente identificado quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais Portanto a identificação criminal ficará a critério do juiz bastando apenas uma maquiagem argumentativa para fundamentar a decisão Isso poderá servir como forma de negar eficácia ao direito de não produzir prova contra si mesmo quando por exemplo o imputado se recusa a fornecer suas digitais para confrontação com aquelas encontradas no local do delito Diante da recusa determina o juiz a identificação criminal e o material necessário para a perícia datiloscópica é extraído compulsoriamente burlando a garantia constitucional do nemo tenetur se detegere Igualmente censurável é a possibilidade de que tal ato seja determinado de ofício pelo juiz em censurável ativismo probatórioinvestigatório como já criticado tantas vezes ao longo desta obra Noutra dimensão é salutar a possibilidade de que a identificação criminal seja solicitada pela própria defesa mas não é caso de prisão preventiva por evidente como forma de evitar investigações e até prisões cautelares em relação a uma pessoa errada Não são raros os casos de perda de documentos que acabam sendo utilizados e falsificados por terceiros para a prática de delitos Tempos depois é expedido mandado de prisão em relação à pessoa errada pois o responsável pelo crime apresentou um documento falso A identificação datiloscópica eou por fotografia pode auxiliar a evitar situações dessa natureza A identificação criminal que inclui o processo datiloscópico e o fotográfico deverá ser feita da forma menos constrangedora possível art 4º e deverá ser juntada aos autos da comunicação da prisão em flagrante ou do inquérito policial ou outra forma de investigação art 5º não devendo ser mencionada em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória art 6º Em suma essa hipótese de prisão preventiva deve ser empregada com cuidado analisandose a situação à luz dos casos de identificação criminal previstos na Lei n 120372009 e cessando tão logo ela seja realizada Quanto ao art 314 determina o Código de Processo Penal que Art 314 A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I II e III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Se houver prova razoável de que o agente tenha praticado o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude tais como estado de necessidade legítima defesa estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito não caberá a prisão preventiva por ausência de fumaça de ilicitude na conduta Como explicamos anteriormente não se exige uma prova plena da excludente mas uma fumaça Inclusive diante da gravidade de uma prisão preventiva pensamos que a dúvida deve beneficiar o réu também neste momento incidindo sem problemas o in dubio pro reo 55 Análise Crítica do Periculum Libertatis Resistindo à Banalização do Mal Controle Judicial da Substancial Inconstitucionalidade da Prisão para Garantia da Ordem Pública e da Ordem Econômica Defeito Genético Como apontamos inicialmente o periculum libertatis no sistema brasileiro está previsto no art 312 do CPP traduzindo uma das seguintes situações tuteláveis ordem pública ordem econômica instrução criminal aplicação da lei penal Analisaremos agora os dois primeiros fundamentos garantia da ordem pública e da ordem econômica para demonstrar que em que pese a reforma operada pela Lei n 124032011 seguem sendo de discutível constitucionalidade Não sem razão na redação original do PL 42082001 o art 312 tinha sido completamente modificado Inclusive no parecer do Relator Deputado Ibrahim AbiAckel era destacado que são enunciadas com clareza as hipóteses de aplicação descumprimento revogação e substituição das medidas cautelares fugindo desse modo o projeto das causas indeterminadas como no caso da prisão preventiva a garantia da ordem pública e a garantia da ordem econômica substituídas por definições precisas das circunstâncias que a justificam Infelizmente ao longo da tramitação foi aprovada Emenda Substitutiva Global que resgatou o texto original de 1941 Os demais fundamentos conveniência da instrução e garantia da aplicação da lei penal são medidas verdadeiramente cautelares mas cuja banalização e distorção de conceitos exigem limitações como veremos no próximo tópico A primeira questão a ser enfrentada é qual é o objeto da prisão cautelar A resposta nos conduz ainda a sua finalidade e delimita naturalmente seu campo de incidência pois a prisão cautelar é ilegítima quando afastada de seu objeto e finalidade deixando de ser cautelar Nesse ponto sim podemos recorrer a CALAMANDREI68 segundo o qual nos procedimentos cautelares mais do que o objetivo de aplicar o direito material a finalidade imediata é assegurar a eficácia do procedimento definitivo esse sim tornará efetivo o direito material Isso porque la tutela cautelare è nei confronti del diritto sostanziale una tutela mediata più che a far giustizia serve a garantire lefficace funzionamento della giustizia Se tutti i provvedimenti giurisdizionali sono uno strumento del diritto sostanziale che attraverso essi si attua nei provvedimenti cautelari si riscontra una strumentalità qualificata ossi elevata per così dire al quadrato essi sono infatti immancabilmente un mezzo predisposto per la miglior riuscita del provvedimento definitivo che a sua volta è mezzo per lattuazione del diritto sono cioè in relazione alla finalità ultima della funzione giurisdizionale strumenti dello strumento69 Fica evidenciado assim que as medidas cautelares não se destinam a fazer justiça mas sim garantir o normal funcionamento da justiça através do respectivo processo penal de conhecimento Logo são instrumentos a serviço do instrumento processo por isso sua característica básica é a instrumentalidade qualificada ou ao quadrado É importante fixar esse conceito de instrumentalidade qualificada pois só é cautelar aquela medida que se destinar a esse fim servir ao processo de conhecimento E somente o que for verdadeiramente cautelar é constitucional Com DELMANTO JUNIOR70 acreditamos igualmente que a característica da instrumentalidade é ínsita à prisão cautelar na medida em que para não se confundir com pena só se justifica em função do bom andamento do processo penal e do resguardo da eficácia de eventual decreto condenatório Nesse momento evidenciase que as prisões preventivas para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares e portanto são substancialmente inconstitucionais Tratase de grave degeneração transformar uma medida processual em atividade tipicamente de polícia utilizandoas indevidamente como medidas de segurança pública A prisão preventiva para garantia da ordem pública ou econômica nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que marcam e legitimam esses provimentos Grave problema encerra ainda a prisão para garantia da ordem pública pois se trata de um conceito vago impreciso indeterminado e despido de qualquer referencial semântico Sua origem remonta a Alemanha na década de 30 período em que o nazifascismo buscava exatamente isso uma autorização geral e aberta para prender Até hoje ainda que de forma mais dissimulada tem servido a diferentes senhores adeptos dos discursos autoritários e utilitaristas que tão bem sabem utilizar dessas cláusulas genéricas e indeterminadas do Direito para fazer valer seus atos prepotentes O Direito especialmente o Penal agindo em nome do pai e por mandato explica MORAIS DA ROSA71 opera na subjetividade humana ditando a lei como capaz de manter o laço social e ainda faz a utilitária promessa de felicidade A palavra nesse contexto ganha um contorno transcendente o qual é preenchido na cadeia de significância e durante a história por diversos significantes dentre eles o divino a razão a força o Direito dos homens todos vendidos como neutros e capazes de designar uma ordem reguladora de condutas baseadas em interditos legitimando o uso da força para adequação do laço social O problema é que ainda com o autor ao se remeter para um lugar idealizado de referência indicado na origem por uma palavra configuram as máscaras inscritas no imaginário social que permitem o poder de seguir Nisso se inscreve a prisão para garantia da ordem pública infelizmente mantida pela Lei n 124032011 O art 312 contém uma anemia semântica explica MORAIS DA ROSA72 pois basta um pouco de conhecimento de estrutura linguística para construir artificialmente esses requisitos cuja falsificação é inverificável O grande problema é que uma vez decretada a prisão os argumentos falsificados pela construção linguística são inverificáveis e portanto irrefutáveis Se alguém é preso porque o juiz aponta a existência de risco de fuga uma vez efetivada a medida desaparece o pseudorisco sendo impossível refutar pois o argumento construído ou falsificado desaparece Para além disso o preenchimento semântico dos requisitos é completamente retórico O clamor público tão usado para fundamentar a prisão preventiva acaba se confundindo com a opinião pública ou melhor com a opinião publicada Há que se atentar para uma interessante manobra feita rotineiramente explorase midiaticamente um determinado fato uma das muitas operações com nomes sedutores o que não deixa de ser uma interessante manobra de marketing policial muitas vezes com proposital vazamento de informações gravações telefônicas e outras provas colhidas para colocar o fato na pauta pública de discussão a conhecida teoria do agendamento Explorado midiaticamente o pedido de prisão vem na continuação sob o argumento da necessidade de tutela da ordem pública pois existe um clamor social diante dos fatos Ou seja constróise midiaticamente o pressuposto da posterior prisão cautelar Na verdade a situação fática apontada nunca existiu tratase de argumento forjado Como aponta SANGUINÉ73 quando se argumenta com razões de exemplaridade de eficácia da prisão preventiva na luta contra a delinquência e para restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico aplacar o clamor público criado pelo delito etc que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à instituição na realidade se introduzem elementos estranhos à natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídicoconstitucional como da perspectiva políticocriminal Isso revela que a prisão preventiva cumpre funções reais preventivas gerais e especiais de pena antecipada incompatíveis com sua natureza Assume contornos de verdadeira pena antecipada violando o devido processo legal e a presunção de inocência SANGUINÉ74 explica que a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou ainda o clamor público acaba sendo utilizada com uma função de prevenção geral na medida em que o legislador pretende contribuir à segurança da sociedade porém deste modo se está desvirtuando por completo o verdadeiro sentido e natureza da prisão provisória ao atribuirlhe funções de prevenção que de nenhuma maneira está chamada a cumprir As funções de prevenção geral e especial e retribuição são exclusivas de uma pena que supõe um processo judicial válido e uma sentença transitada em julgado Jamais tais funções podem ser buscadas na via cautelar No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR75 afirma que é indisfarçável que nesses casos a prisão preventiva se distancia de seu caráter instrumental de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu resultado ínsito a toda e qualquer medida cautelar servindo de inaceitável instrumento de justiça sumária Em outros casos a prisão para garantia da ordem pública atende a uma dupla natureza76 pena antecipada e medida de segurança já que pretende isolar um sujeito supostamente perigoso É inconstitucional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social e por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança nem a prisão preventiva pode servir como pena antecipada e fins de prevenção nem o Estado enquanto reserva ética pode assumir esse papel vingativo Também a ordem pública ao ser confundida com o tal clamor público corre o risco da manipulação pelos meios de comunicação de massas fazendo com que a dita opinião pública não passe de mera opinião publicada com evidentes prejuízos para todos Obviamente que a prisão preventiva para garantia da ordem pública não é cautelar pois não tutela o processo sendo portanto flagrantemente inconstitucional até porque nessa matéria é imprescindível a estrita observância ao princípio da legalidade e da taxatividade Considerando a natureza dos direitos limitados liberdade e presunção de inocência é absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva in malan partem que amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformála em medida de segurança pública Também preocupante é a inadequada invocação do Princípio da Proporcionalidade não raras vezes fazendo uma ginástica discursiva para aplicálo onde não tem legítimo cabimento Neste tema é lúcida a análise do Min EROS GRAU no voto proferido no HC 950094SP p 44 e ss77 Portanto muita atenção para a manipulação discursiva feita em nome do Princípio da Proporcionalidade infelizmente a cada dia mais invocado pois ele não se presta legitimamente a esses fins punitivistas Quanto à prisão para garantia da ordem econômica igualmente criticável o fundamento Se o objetivo é perseguir a especulação financeira as transações fraudulentas e coisas do gênero o caminho passa pelas sanções à pessoa jurídica o direito administrativo sancionador as restrições comerciais mas jamais pela intervenção penal muito menos de uma prisão preventiva É manifesta a inadequação da prisão para garantia da ordem econômica pois já havia no art 30 da Lei n 7492 a previsão de decretação de prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada Mas para além disso em nada serviria a prisão para remediar ou diminuir a lesão econômica Muito mais útil seria o sequestro e a indisponibilidade dos bens78 pois dessa forma melhor se poderia tutelar a ordem financeira e também amenizar as perdas econômicas Da mesma forma é inegável que nesse tipo de crime o engessamento patrimonial é o melhor instrumento para evitar a reiteração de condutas Com acerto DELMANTO JUNIOR79 aponta que não resta dúvida de que nessas hipóteses a prisão provisória afastase por completo de sua natureza cautelar instrumental eou final transformandose em meio de prevenção especial e geral e portanto em punição antecipada uma vez que uma medida cautelar jamais pode ter como finalidade a punição e a ressocialização do acusado para que não mais infrinja a lei penal bem como o consequente desestímulo de outras pessoas ao cometimento de crimes semelhantes fins exclusivos da sanção criminal Quando se tutelam situações de perigo cujo objeto não é a prova ou a efetividade do processo risco de fuga como sucede na tutela da ordem pública e econômica a prisão cautelar se converte em medida de segurança Como define CORDERO80 é uma metamorfose pouco feliz pois a proteção dos interesses coletivos exige remédios ad hoc os híbridos custam mais do que produzem Em suma as prisões para garantia da ordem pública ou da ordem econômica possuem um defeito genético não são cautelares Portanto substancialmente inconstitucionais 56 Prisão para Garantia da Ordem Pública O Falacioso Argumento da Credibilidade ou Fragilidade das Instituições Risco de Reiteração Crítica Exercício de Vidência Contraponto Aceitação no Direito Comparado Muitas vezes a prisão preventiva vem fundada na cláusula genérica garantia da ordem pública mas tendo como recheio uma argumentação sobre a necessidade da segregação para o restabelecimento da credibilidade das instituições É uma falácia Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçadas por um delito nem a prisão é um instrumento apto para esse fim em caso de eventual necessidade de proteção Para além disso tratase de uma função metaprocessual incompatível com a natureza cautelar da medida Noutra dimensão é preocupante sob o ponto de vista das conquistas democráticas obtidas que a crença nas instituições jurídicas dependa da prisão de pessoas Quando os poderes públicos precisam lançar mão da prisão para legitimarse a doença é grave e anuncia um grave retrocesso para o estado policialesco e autoritário incompatível com o nível de civilidade alcançado No mais das vezes esse discurso é sintoma de que estamos diante de um juiz comprometido com a verdade ou seja alguém que julgandose do bem e não se discutem as boas intenções emprega uma cruzada contra os hereges abandonando o que há de mais digno na magistratura que é o papel de garantidor dos direitos fundamentais do imputado Como muito bem destacou o Min EROS GRAU81 o combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração não do Judiciário seja através da polícia como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição quanto do Ministério Público a quem compete privativamente promover a ação penal pública artigo 129 I grifo nosso No que tange à prisão preventiva em nome da ordem pública sob o argumento de risco de reiteração de delitos está se atendendo não ao processo penal mas sim a uma função de polícia do Estado completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito salvo para os casos de vidência e bola de cristal é flagrantemente inconstitucional pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros Recorda CARVALHO82 que uma das principais distinções entre o sistema inquisitório e o acusatório constitucional se manifesta no que diz respeito à existência de possibilidades de concreta refutação das hipóteses probatórias A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de perigo de reiteração bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro que nos proteja do que pode ou não vir a ocorrer Nem o direito penal menos ainda o processo está legitimado à pseudotutela do futuro que é aberto indeterminado imprevisível Além de inexistir um periculosômetro tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI é um argumento inquisitório pois irrefutável Como provar que amanhã se permanecer solto não cometerei um crime Uma prova impossível de ser feita tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei Tratase de recusar o papel de juízes videntes pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal Nesse sentido para finalizar cumpre trazer à colação os bemlançados argumentos da Quinta Câmara Criminal do TJRS no HC 70006140693 Rel Des Amilton Bueno de Carvalho j 23042003 HABEAS CORPUS PRISÃO PREVENTIVA REQUISITOS LEGAIS PRESUNÇÃO DE PERICULOSIDADE PELA PROBABILIDADE DE REINCIDÊNCIA INADMISSIBILIDADE A futurologia perigosista reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva que desde muito tem demonstrado seus efeitos nefastos excessos punitivos de regimes políticos totalitários estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais alvo do controle punitivo tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo onde o sujeito considerado como portador de uma perigosidade social da qual não pode subtrairse tornase presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social Grifo nosso A ordem pública requisito legal amplo aberto e carente de sólidos critérios de constatação fruto desta ideologia perigosista portanto antidemocrático facilmente enquadrável a qualquer situação é aqui genérica e abstratamente invocada mera repetição da lei já que nenhum dado fático objetivo e concreto há a sustentála Fundamento prisional genérico antigarantista insuficiente portanto A gravidade do delito por si só também não sustenta o cárcere extemporâneo ausente previsão constitucional e legal de prisão automática por qualquer espécie delitiva Necessária e sempre a presença dos requisitos legais ApelaçãoCrime 70006140693 j 12032003 À unanimidade concederam a ordem Feita a análise crítica não se desconhece que em situações efetivamente excepcionais a prisão cautelar sob o argumento do risco de reiteração é admitida no direito comparado Até por honestidade acadêmica não podemos subtrair tal informação do leitor Nessa linha o art 5032 da Ley de Enjuiciamiento Criminal Espanha admite a prisão quando houver motivos bastantes para crer responsável criminalmente a pessoa e o delito tenha pena máxima igual ou superior a 2 anos Para avaliar o risco de reiteração deverá ponderar as circunstâncias do fato a gravidade dos delitos que possam ser cometidos ou ainda quando as investigações apontarem que o imputado vem atuando em concurso com outra ou outras pessoas de forma organizada para a comissão de fatos delitivos ou realiza suas atividades delitivas com habitualidade Analisando a situação ARAGONESES MARTINEZ83 explica que a reforma da Ley de Enjuiciamiento Criminal LECrim ocorrida em 2003 suprimiu o alarma social e incorporou o risco de reiteração delitiva como causa da prisão cautelar Interessante que essa mudança legislativa foi imposição da Sentença do Tribunal Constitucional n 4700 e nessa decisão o Tribunal especificou os fins constitucionalmente legítimos da prisão provisória e entre eles incluiu como causa a prisão para evitar a reiteração delitiva mas sublinhou não se deve fundamentar em risco genérico que o imputado possa cometer outros crimes pois isso faria com que a prisão provisional respondesse a um fim punitivo ou de antecipação da pena Isso seria inconstitucional Segue ainda ARAGONESES MARTINEZ explicando que a prisão para evitar a reiteração delitiva deve situarse em um plano distinto tanto que a LECrim se refere a esse risco em um apartado distinto porque não tem finalidade cautelar senão que constitui uma medida de segurança prédelitiva medida de seguridad predelictual O art 274c do Códice di Procedura Penale italiano admite a prisão cautelar quando pela especificidade do fato e de suas circunstâncias bem como pela personalidade da pessoa investigada se possa deduzir desunta de comportamentos ou atos concretos ou dos antecedentes penais o concreto perigo de que o agente cometa grave delito com uso de arma ou de outra forma de violência pessoal ou crimes contra a ordem constitucional ou delito de criminalidade organizada ou da mesma espécie daquele que contra ele se procede Nesse último caso reiteração de crimes da mesma espécie a prisão somente pode ocorrer quando a pena máxima prevista para esses crimes não seja inferior a 4 anos O CPP português no seu art 204 depois de enumerar um amplo rol de medidas alternativas à prisão como também ocorre nos países anteriormente citados autoriza a prisão preventiva quando houver perigo em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa O Código de Processo Penal alemão StPO no seu 112a autoriza a detenção quando houver fundados motivos de que o agente tenha cometido repetida ou continuadamente delitos graves existe uma enumeração desses delitos na lei e se existem fatos que possam fundamentar a existência do perigo de que antes do processo ele possa cometer mais delitos relevantes de mesma espécie ou continue com a prática do mesmo delito Em que pese essas considerações pensamos que a excepcional e cruel necessidade deveria dar lugar não à prisão preventiva por risco de reiteração mas a outras medidas restritivas aplicadas no âmbito da liberdade provisória tais como monitoramento eletrônico prisão domiciliar ou proibição de permanência de ausência ou de contatos como previsto no art 319 57 Desconstruindo o Paradigma da Cruel Necessidade Forjado pelo Pensamento Liberal Clássico Alternativas à Prisão por Conveniência da Instrução Criminal e para o Risco para Aplicação da Lei Penal Esclarecido que a prisão para garantia da ordem pública ou econômica não possui natureza cautelar e que portanto tem uma discutível constitucionalidade cumpre agora analisar os fundamentos restantes tutela da instrução criminal e da aplicação da lei penal Essas são verdadeiramente cautelares na medida em que se destinam ao processo a assegurar o regular e eficaz funcionamento do processo penal A questão é saber se são realmente necessárias ou não O pensamento liberal clássico conviveu com as prisões cautelares a partir de um argumento básico verdadeira tábua de salvação a cruel necessidade de tais medidas Invocando o superado argumento de que os fins justificam os meios contentase em considerar o meio como um fenômeno natural que não precisa ser justificado mas apenas explicado e quando muito delimitado Antes de seguir repetindo essas lições sem maior reflexão devemos constantemente questionar será que realmente é necessária a prisão cautelar Com certeza após uma análise séria e criteriosa se não chegarmos a eliminar a base teórica até então vigente ao menos diminuiremos em muito a incidência dessa verdadeira pena antecipada Para tanto vejamos alguns aspectos raramente enfrentados pelo senso comum teórico Inicialmente devemos considerar que a tutela da prova não pode ser confundida com a de interrogar o imputado e obter sua confissão Em primeiro lugar porque numa visão acusatória ou ao menos não inquisitiva do processo o interrogatório é um direito de defesa e não serve para a acusação Não serve para adquirir provas de culpabilidade Ademais a confissão não pode ser usada em seu prejuízo e há muito deixou de ser a prova plena basta uma rápida leitura da exposição de motivos do CPP É o momento de superar a culpa judaicocristã que conduz ao confessa e arrependete de teus pecados para encontrar a salvação Para FERRAJOLI84 a prisão cautelar pode ser perfeitamente substituída pela mera detenção ou seja o traslado do sujeito passivo para ser colocado sob custódia do tribunal pelo tempo estritamente necessário para interrogálo e realizar as primeiras comprovações do fato inclusive utilizando o incidente de produção antecipada de provas desconhecido no Brasil Com isso esse isolamento não duraria mais do que horas ou no máximo dias mas jamais meses e anos e tampouco teria o impacto estigmatizante da prisão cautelar O suspeito ficaria isolado por um breve período até ser ouvido e realizadas as primeiras comprovações do fato inclusive com produção antecipada em incidente Após ser ouvido e produzida essa prova não há mais motivo para a segregação até porque o suspeito não poderá substancialmente alterar mais nada Mantêlo preso representa apenas constrangimento e cerceamento de defesa pois o detido tem suas possibilidades de defesa reduzidas ao extremo inclusive permitindo que a acusação e a vítima possam esses sim manipular a prova Ou por acaso o acusador público ou privado está imune a esse tipo de tentação No sistema acusatório o contraditório é essencial e o combate livre e aberto em igualdade de armas cai por terra com o acusado preso Sem falar que a prisão cautelar conduz a uma verdadeira presunção de culpabilidade extremamente prejudicial para o processo Também a tutela da prova deve caminhar no sentido de maior cientificidade da própria investigação e coleta de indícios Quanto mais eficientes forem a polícia científica e as técnicas de recolhimento de provas menor é o tempo necessário para a apuração do fato e menores são os riscos de manipulação ou destruição por parte do suspeito No mesmo sentido ARAGONESES MARTINEZ85 aponta que a utilidade da prisão cautelar para tutela da prova es menos convincente ya que las fuentes de prueba podrían conservarse estableciendo medidas tendentes a su aseguramiento o bien previendo la práctica anticipada de prueba Ou seja não se justifica prender para colher a prova senão que deve lançarse mão de medidas de produção antecipada de provas e não da prisão preventiva Inclusive como destaca a autora o Tribunal Constitucional espanhol na STC n 12895 declarou que en ningún caso puede perseguirse con la prisión provisional son fines de impulso de la instrucción sumarial propiciando la obtención de pruebas de declaraciones de los imputados etc A essa altura alguém pode estar se perguntando mas essa não é a realidade brasileira cuja atividade policial na imensa maioria dos casos não consegue superar o nível da coleta de depoimentos Ora até mesmo a coleta de depoimentos pode ser agilizada de forma bastante barata com a filmagem e gravação a partir das quais o risco de manipulação passa a ser mínimo O que não se pode continuar admitindo é que tenhamos que arcar com os custos da incompetência estatal e a mais absoluta falta de interesse em realmente resolver o problema Quanto mais se analisa a questão maior é o convencimento de que na realidade não existe necessidade mas mera conveniência para o Estado e com isso não pactuamos Outro argumento comumente empregado é o do medo da vítima e das testemunhas O argumento anterior segue sendo invocado Incumbe ao Estado as funções de segurança pública da vítima das testemunhas e de todos nós O processo penal não é o instrumento adequado sob pena de sepultarmos o Estado Democrático de Direito e todas suas conquistas Tampouco o Estado está realmente preocupado em proteger vítimas e testemunhas basta verificar como funcionam os programas de proteção para constatar que o que se protege não é a testemunha mas sim o testemunho Sequer conseguem disfarçar que a visão utilitarista também se dirige a vítimas e testemunhas Também não é como explicamos anteriormente função da prisão cautelar a prevenção geral e especial Essas são funções exclusivas da pena aplicada após o processo Isso tudo sem falar na necessidade de que exista prova suficiente dessa situação O periculum libertatis não se presume Tampouco pode ser fruto de ilações fantasmagóricas ou transtornos persecutórios Uma análise séria que racionalize os medos levará à conclusão de que na imensa maioria das prisões cautelares decretadas sob esse fundamento a prisão é ilegal pois não existe a situação fática legitimante da intervenção penal Em suma no que se refere à tutela da prova existem outras formas e instrumentos que permitam sua coleta segura com um custo social e para o imputado infinitamente menor que o de uma prisão cautelar Inclusive no que se refere ao risco para testemunhas e vítimas uma boa alternativa é o disposto nos incisos II III e V do art 319 a saber a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares a proibição de manter contato com pessoa determinada e o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga Além disso o monitoramento eletrônico art 319 IX também resolveria o problema com um custo social e econômico infinitamente menor No que se refere à prisão cautelar para tutela da aplicação da lei penal estamos diante de uma medida verdadeiramente cautelar Novamente a questão é saber se realmente existe a cruel necessidade a legitimála Recordemos que é absolutamente inconcebível qualquer hipótese de presunção de fuga até porque substancialmente inconstitucional frente à Presunção de Inocência Toda decisão determinando a prisão do sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor jamais fruto de ilações Devese apresentar um fato claro determinado que justifique o receio de evasão do réu Infelizmente muitos juízes olvidamse disso e com base em frágeis elementos tomam essa decisão tão séria e estigmatizante O risco deve apresentarse como um fato claro determinado que justifique o medo de evasão do acusado É imprescindível um juízo sério desapaixonado e acima de tudo racional O periculum libertatis não pode assumir um caráter quantitativo Ainda que seja inaceitável qualquer presunção de fuga muitos sustentam que o perigo de evasão aumenta à medida que aumenta a gravidade do fato imputado pois a futura pena a ser imposta será mais grave86 Outros preferem simplesmente invocar os rótulos como crime hediondo tráfico de substâncias entorpecentes crime organizado etc para decretarem prisões preventivas sem o menor fundamento ou demonstração da necessidade Pensamos ainda que tais rótulos também não justificam ou legitimam uma presunção de fuga sequer a gravidade do fato Qualquer que seja a situação é imperativo que existam elementos concretos para justificar uma decisão de qualidade um primor de singular e extraordinária fundamentação87 Existem outras formas menos onerosas de assegurar a presença do acusado proporcionais e adequadas à situação Em caso de violação desses deveres demonstrando a intenção de fugir teríamos uma prova válida e suficiente para se falar em prisão decorrente do perigo de fuga A presunção de inocência como aponta CARNELUTTI88 impõe ao juiz que presuma também a obediência do acusado ao chamamento do Estado e só em caso de quebra dessa presunção é que se pode falar em uma medida restritiva da liberdade Com acerto FERRAJOLI89 argumenta que a fuga é em geral causada mais pelo medo da prisão preventiva do que pela própria sentença até porque se esta for justa e proporcional não há por que temêla A desproporcionalidade sim é fator predominante para a fuga e isso é mais um problema do Direito Penal máximo Há séculos Voltaire já chamava a atenção para a dureza do procedimento criminal como causa da fuga Se um homem está acusado de um crime começamos por encerrálo em um calabouço horrível não permitindo que tenha comunicação com ninguém testemunhas depõem sem que ele assista Enfim toda uma carga como se já tivesse sido julgado culpado Concluía Voltaire Oh juízes quereis que o inocente acusado não escape pois facilitalhe os meios para defenderse Atualmente com as facilidades de uma sociedade informatizada e internacionalmente integrada com os atuais sistemas de vigilância o risco de fuga fica bastante reduzido Dessarte é imprescindível que o juiz saiba utilizar as medidas cautelares diversas previstas no art 319 especialmente aquelas constantes nos incisos I IV V e IX comparecimento periódico em juízo proibição de ausentarse da comarca ou país recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga e monitoração eletrônica Tais medidas cautelares diversas aplicadas de forma isolada ou cumulativa conforme a situação exija podem muito bem atingir o mesmo escopo sem o imenso custo social e individual de uma prisão preventiva Na mesma linha o uso das medidas assecuratórias que engessam o patrimônio do imputado muitas vezes com bloqueio de contas e aplicações inviabiliza qualquer possibilidade de fuga ainda mais quando essas medidas vão combinadas com aquelas enumeradas no parágrafo anterior Nenhuma dúvida existe de que sem uma boa disponibilidade financeira as chances de uma fuga com êxito são mínimas A prisão preventiva e todas as demais cautelares inseremse perfeitamente na lógica do sofrimento bem tratada por SCHIETTI90 segundo a qual a prisão cautelar é a possibilidade de impor imediatamente um mal uma punição exercer a violência contra quem praticou um delito ou seja é a reação violenta àquele que cometeu uma violência É nessa linha importante que a pessoa sofra na própria carne pelo mal que fez Ainda que seja perfeitamente compreensível como bem aponta o autor é uma lógica perversa e completamente equivocada que somente serve para gerar mais violência e degradação dos valores éticos mínimos para a coexistência social 58 Das Medidas Cautelares Diversas ou Medidas Alternativas à Prisão Preventiva 581 Requisito Fundamento e Limites de Incidência das Medidas Cautelares Diversas Sem dúvida a maior inovação da Lei n 124032011 ao lado da revitalização da fiança é a criação de uma polimorfologia cautelar ou seja o estabelecimento de medidas cautelares diversas da prisão nos termos do art 319 rompendo com o binômio prisãoliberdade até então vigente Importante sublinhar que não se trata de usar tais medidas quando não estiverem presentes os fundamentos da prisão preventiva Nada disso São medidas cautelares e portanto exigem a presença do fumus commissi delicti e do periculum libertatis não podendo sem eles serem impostas Inclusive se durante uma prisão preventiva desaparecer completamente o requisito eou fundamento deve o agente ser libertado sem a imposição de qualquer medida alternativa Em tese se alguém foi preso por exemplo para tutela da prova uma vez que essa foi colhida deverá o juiz conceder a liberdade plena pois desapareceu o fundamento da prisão preventiva A medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva mas em razão da proporcionalidade houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação Mas também terão cabimento nos crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos situações em que o art 313 I veda a prisão preventiva desde que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis E aqui reside nosso grande medo que ocorra uma utilização massiva e indevida da medida de controle Em nossa opinião ainda que o art 313 discipline os limites de aplicação da prisão preventiva também deverá ser utilizado como balizador nas medidas cautelares diversas não só por uma questão de coerência e harmonia do sistema cautelar imposto pela necessária interpretação sistêmica mas também pelo seu inegável caráter substitutivo art 282 6º do CPP Pensamos contudo que predominará o seguinte entendimento nos crimes dolosos cuja pena máxima é superior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis poderão ser utilizadas as medidas cautelares diversas ou se inadequadas e insuficientes a prisão preventiva nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis somente poderá haver decretação de medida cautelar diversa nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos em que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis e exista uma das situações dos incisos II ou III do art 313 poderá ser decretada medida cautelar diversa ou excepcionalmente a prisão preventiva As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo ou seja como alternativas à prisão cautelar reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado Logo ainda que as medidas cautelares possam ser aplicadas aos crimes cuja pena máxima seja inferior a 4 anos elas representam significativa restrição da liberdade e não podem ser banalizadas Em nome disso e da necessária proporcionalidade a nosso juízo é incabível qualquer das medidas cautelares diversas se por exemplo o crime for culposo Quanto ao limite de pena ainda que se afaste a incidência do art 313 para aplicálas a crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos não se tem como fugir dos princípios da excepcionalidade e proporcionalidade que pautam a aplicação de toda e qualquer medida cautelar E quando pode ser empregada a medida cautelar diversa a qualquer tempo no curso da investigação ou do processo quando se fizer necessária a medida de controle a qualquer tempo no curso da investigação ou do processo como medida alternativa à prisão preventiva já decretada e que se revele desproporcional ou desnecessária à luz da situação fática de perigo aplicada juntamente com a liberdade provisória no momento da homologação da prisão em flagrante pelo juiz como medida de contracautela alternativa à prisão em flagrante a qualquer tempo está permitida a cumulação das medidas alternativas quando se fizer necessário Mas cuidado eventuais medidas alternativas não podem ser banalizadas e servir para aumentar a intervenção penal de forma injustificada Tampouco podemos desprezar a gravidade das restrições que elas impõem Medidas como as de proibição de frequentar lugares de permanecer e similares implicam verdadeira pena de banimento na medida em que impõem ao imputado severas restrições ao seu direito de circulação e até mesmo de relacionamento social Portanto não são medidas de pouca gravidade O maior temor é que tais medidas sejam deturpadas não servindo efetivamente como redutoras de danos mas sim de expansão de controle O problema reside exatamente na banalização do controle de modo que condutas de pouca reprovabilidade penal e que até agora não ensejariam qualquer tipo de controle cautelar até pela desnecessidade passem a ser objeto de intensa incidência de restrições O que se busca com a reforma é reduzir o campo de incidência da prisão cautelar e não criar um maior espaço de controle estatal sobre a liberdade individual Último aspecto a ser observado é que as medidas cautelares diversas também estão submetidas aos princípios gerais das medidas cautelares dentro do que lhes for aplicável a saber jurisdicionalidade e motivação contraditório provisionalidade provisoriedade excepcionalidade proporcionalidade Para evitar repetições remetemos o leitor ao que dissemos anteriormente sobre esses princípios reforçando a importância de aplicálos com a máxima eficácia possível à luz da medida adotada no caso Novamente criticamos a falta de prazo máximo de duração das cautelares diversas a exemplo da prisão preventiva o que gerará graves abusos Caberá ao juiz observar o caráter situacional e quando não se fizer mais necessária eou proporcional a medida substituíla por outra menos onerosa ou mesmo revogála por inteiro 582 Espécies de Medidas Cautelares Diversas Vejamos agora cada uma das medidas cautelares diversas da prisão Art 319 São medidas cautelares diversas da prisão I comparecimento periódico em juízo no prazo e nas condições fixadas pelo juiz para informar e justificar atividades Comentário O dever de comparecimento periódico em juízo é uma medida consagrada nos sistemas português art 198 e italiano art 282 com a diferença de que em ambos é possibilitada a apresentação na polícia judiciária e il giudice fissa i giorni e le ore di presentazione tenendo conto dellattività lavorativa e del luogo di abitazione dellimputato Teria andado melhor o legislador se tivesse permitido ao juiz fixar dias e horas conforme a jornada de trabalho do imputado para não a prejudicar admitindo a apresentação na polícia mais próxima de seu domicílio O modelo brasileiro optou pelo total controle judiciário da medida desconsiderando a facilidade de aproveitar a estrutura policial afinal a polícia está em todos os lugares e também a maior eficácia do controle Quanto à periodicidade nos parece que a cautelar buscou inspiração na suspensão condicional do processo estabelecida no art 89 da Lei n 909995 com a diferença de ter deixado completamente em aberto a determinação da periodicidade Portanto poderá o juiz determinar o comparecimento mensal semanal ou até mesmo em situações extremas em que a necessidade de controle assim exija que o imputado compareça diariamente no fórum Evidentemente que o comparecimento diário é uma medida extremamente onerosa para o imputado e que deve ser utilizada em casos realmente extremos muito próximos daqueles que justificariam uma prisão preventiva Do contrário como regra geral o comparecimento deve ser mensal Esse comparecimento periódico também deve atentar para o horário da jornada de trabalho do imputado de modo a não prejudicála Toda medida cautelar deve pautarse pela menor danosidade possível inclusive no que tange à estigmatização social do imputado É uma medida que permite a um só tempo o controle da vida cotidiana e também certificarse do paradeiro do imputado91 servindo como instrumento para tutela da eficácia da aplicação da lei penal Chamamos a atenção para a distinção entre essa medida e o dever de comparecer a todos os atos do processo imposto na liberdade provisória do art 310 parágrafo único e principalmente para a nova redação do caput e incisos do art 310 Um é o dever de comparecer aos atos do processo e o outro em juízo O primeiro é para assegurar a presença do réu nos atos da instrução numa antiga visão que negava ao réu o direito de não ir Também buscava secundariamente controlar o risco de fuga mas de forma muito frágil Agora o que se busca é o controle da vida cotidiana do imputado sem qualquer relação com a instrução processual O foco é outro Até a Lei n 124032011 os textos estavam invertidos com o atual caput no parágrafo único e vice versa Ficou melhor agora pois as situações tuteladas no antigo parágrafo único eram muito mais amplas e de incidência recorrente não fazendo sentido o caput tratar de situações excepcionais e o parágrafo da regra geral Mas a mudança mais importante é a seguinte antes o texto do parágrafo único determinava que o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante deveria após ouvido o Ministério Público conceder liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo Vejam que a obrigação de comparecer a todos os atos do processo era uma imposição automaticamente vinculada à liberdade provisória e estava expressamente prevista até porque não existia a possibilidade legal de fixar um dever de comparecimento periódico em juízo como a atual redação do art 319 I Agora a situação é distinta O inciso III do art 310 determina que o juiz deverá fundamentadamente conceder liberdade provisória com ou sem fiança que pode ser cumulada com uma ou mais das medidas cautelares previstas no art 319 E lá no art 319 não consta o dever de comparecer a todos os atos do processo até porque se alcançou um nível de evolução democrática em que o direito de silêncio está atingindo o patamar de direito de não ir Ademais o imputado deixa de ser objeto de prova para ser sujeito do processo que pode ir ou não à instrução Portanto o juiz recebendo o auto de prisão em flagrante poderá conceder liberdade provisória cumulandoa ou não com uma ou mais medidas cautelares diversas inclusive o dever de comparecimento periódico em juízo e não aos atos do processo é diferente o dever de comparecimento somente tem aplicação no caso do parágrafo único do art 310 ou seja quando o réu agiu ao abrigo de alguma causa de exclusão da ilicitude Notese que o art 310 parágrafo único tem uma aplicação muito pontual e peculiar quando o réu é preso em flagrante delito mas aparentemente tenha agido ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude legítima defesa estado de necessidade etc Inclusive o art 314 estabelece que a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar ter o agente atuado nos termos do art 23 do CP Neste caso prevê o CPP exclusivamente a concessão de liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo sob pena de revogação Pensamos que diante da especificidade da situação jurídica tutelada e da redação do dispositivo não há possibilidade de cumulação da liberdade provisória com as medidas cautelares diversas do art 319 A única condição imposta para concessão da liberdade provisória é o dever de comparecimento a todos os atos do processo sem qualquer remissão ao art 319 como ocorre no inciso III E por outro lado no inciso III não há que se falar em dever de comparecimento a todos os atos do processo mas sim na cumulação com alguma das medidas do art 319 Vejamos se a jurisprudência atentará para essa questão II proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações Comentário A proibição de acesso ou frequência a determinados lugares também de uso recorrente no direito estrangeiro deve ser usada com muita prudência pois não pode constituir uma pena de banimento Dizse inclusive que tem ela um objetivo visivelmente profilático ou preventivo como define SCHIETTI92 pois busca evitar que a frequência do réu a determinados lugares possa criar condições favoráveis para que o agente pratique novos delitos de mesma natureza ou não É uma medida que encontrará ampla incidência em relação a imputados que por exemplo integrem torcidas organizadas e pratiquem atos violentos Ou ainda que habitualmente envolvamse em delitos em bares e boates ou mesmo em situações de violência doméstica A questão a saber é terá o Estado condições e meios de fiscalizar o cumprimento desta medida Cremos que não Por fim a medida nasce com um defeito genético sua discutível cautelaridade e portanto constitucionalidade Não se vislumbra tutela do processo ou de seu objeto aproximandose da problemática prisão preventiva para garantia da ordem pública dado seu caráter de prevenção especial manifesto III proibição de manter contato com pessoa determinada quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante Comentário A situação aqui é melhor circunscrita que a do inciso anterior na medida em que a proibição tem um objeto de tutela mais claro uma pessoa determinada em regra a vítima testemunha e até mesmo um coautor do crime mas sempre alguém devidamente individualizado Neste ponto é perfeitamente possível que a medida cumpra uma função cautelar de tutela da prova Inclusive a efetividade desta cautelar será mais concreta na medida em que a própria pessoa protegida se encarregará de denunciar eventual descumprimento da ordem Esperase contudo que os juízes tenham muita serenidade na avaliação de eventuais denúncias de descumprimento da medida evitando decisões precipitadas que poderiam conduzir à prisão preventiva em flagrante violação da proporcionalidade e necessidade Ademais antes de revogála devese preferir a cumulação com mais alguma das restrições do art 319 Por fim por exemplo se o imputado violar a proibição de contato e ameaçar a vítima a prisão poderá ser decretada sob o esse fundamento art 282 4º do CPP e não pela prática do crime de ameaça cujo limite de pena não autoriza IV proibição de ausentarse da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução Comentário É medida de cautelaridade evidente servindo assumidamente para tutela da prova e por via reflexa da própria eficácia da lei penal risco de fuga A redação original era melhor pois incluía para evitar fuga e não incluía a discricionariedade do conveniente Na tramitação legislativa o texto foi piorado pois se restringiu à tutela da prova o que poderá ser objeto de profunda discussão em casos concretos na medida em que colhida a prova desaparece a situação fática legitimadora A proibição de ausentarse da comarca ou país era muito mais adequada para tutela da eficácia da lei penal minorando o risco de fuga e podendo ser cumulada por exemplo com o dever de comparecimento periódico do inciso I O erro de limitarse assumidamente ao interesse probatório vai reduzir o campo de aplicação desta cautelar diversa Também não andou bem o legislador em incluir a conveniência da investigação ou instrução na medida em que abre um amplo espaço para exercício impróprio da discricionariedade judicial Melhor seria manter a redação original que exigia a necessidade e não mera conveniência Incorre ainda no erro de se inserir na perspectiva de obrigar o réu a estar disponível para servir de objeto de prova Vai na contramão do direito de não produzir prova contra si mesmo privilege against selfincrimination e da tendência em reconhecerse o direito de não ir inerente ao réu em processos penais democráticos que não mais o veem como objeto de prova mas sim sujeito processual Não vislumbramos fundamento legal em obrigar o réu a permanecer na comarca ou país em nome da conveniência ou necessidade para investigação ou instrução na medida em que pode usar o direito de silêncio em relação a qualquer ato probatório inclusive o reconhecimento pessoal Portanto a medida seria melhor utilizada para minorar o risco de fuga e não para tutela da prova cuja legitimidade é profundamente discutível mas infelizmente não foi esse o texto final aprovado E como não vemos espaço hermenêutico para por passe de mágica mudar de tutela da lei penal para tutela da prova a medida deve ser usada nos limites legais e não subvertida E nos limites legais é inadequada aos fins que se pretende Por fim poderá ser conciliada com o disposto no art 320 Art 320 A proibição de ausentarse do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional intimandose o indiciado ou acusado para entregar o passaporte no prazo de vinte e quatro horas Caberá ao juiz comunicar às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional intimandose o imputado para entregar o passaporte no prazo de 24 horas O descumprimento desta determinação será considerado como descumprimento da própria medida cautelar cabendo inclusive a decretação da prisão preventiva V recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o acusado tenha residência e trabalho fixos Comentário É uma medida cautelar que pode servir a diferentes fins desde minorar o risco de fuga ainda que com pouca eficácia tutela da prova já que o imputado ficará nos limites trabalhodomicílio e até mesmo escopos metacautelares e por isso censuráveis como prevenção especial e geral Ainda que fundada no senso de responsabilidade e autodisciplina do imputado a medida poderá vir cumulada com o monitoramento eletrônico por exemplo para assegurarlhe a máxima eficácia Da mesma forma poderá ela ser chamada como medida secundária para reforçar os incisos I e II por exemplo Em caso de cumulação de medidas cautelares diversas deverá o juiz atentar para a proporcionalidade evitando a excessiva gravosidade para o réu das restrições mantendose nos limites da necessidade e proporcionalidade A medida é também diversa daquela prevista nos arts 317 e 318 A prisão domiciliar decorre de motivos pessoais do agente de natureza humanitária diversa portanto da medida cautelar de recolhimento domiciliar previsto no art 319 V A primeira explica SCHIETTI93 aproximase mais de uma espécie de prisão preventiva atenuada impondo ao imputado o dever de manterse dentro de sua residência salvo autorização judicial enquanto a segunda é uma modalidade menos gravosa de manter alguém em regime de liberdade parcial permitindolhe que trabalhe durante o dia recolhendose ao domicílio apenas à noite ou nos períodos de folga VI suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais Comentário É medida extremamente gravosa e que deverá ser utilizada com suma prudência sendo inclusive de discutível constitucionalidade Não se tutela o processo ou seu objeto aproximandose tal medida a uma ilegal antecipação da função de prevenção especial da pena Pretende tutelar o risco de reiteração não recepcionado expressamente na redação final do art 312 mas constante no projeto originário daí talvez a incongruência Terá como campo de aplicação os crimes econômicos e aqueles praticados por servidores públicos no exercício da função ou seja propter officium sempre com vistas a impedir crimes futuros perigosa futurologia Não se descarta a utilização nos crimes ambientais como interdito de caráter preventivo Sempre deverá ser fundamentada a decisão que impõe tal medida apontando especificamente no que consiste o receio de reiteração e não se admitindo decisões genéricas ou formulárias Recordemos que o sistema cautelar brasileiro não consagra um prazo máximo de duração das medidas conduzindo a resultados gravíssimos para o imputado que se vê submetido por prazo indeterminado a severas restrições de direitos fundamentais O inciso em tela bem evidencia o imenso problema desta indeterminação temporal pois a suspensão do exercício de função pública e mais grave ainda da atividade de natureza econômica ou financeira poderá representar uma antecipação de pena e principalmente a morte econômica de pessoas e empresas por um lento processo de asfixia Por tudo isso pensamos que a medida é das mais gravosas e deve ser utilizada com extrema parcimônia VII internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável art 26 do Código Penal e houver risco de reiteração Comentário Mais uma inovação sem similar no modelo atual busca estabelecer uma espécie de medida de segurança cautelar para os casos de crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa por agente inimputável ou semiimputável Para tanto exigese crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa inimputabilidade ou semiimputabilidade demonstrada por perícia risco de reiteração criminosa Os requisitos são cumulativos e não alternativos Os problemas desta medida são de diferentes ordens a começar pela ausência de limitação de sua duração mesmo erro existente na prisão preventiva o que poderá gerar abusos O segundo inconveniente decorre desta perícia para demonstrar a inimputabilidade ou semi imputabilidade pelos riscos inerentes às avaliações psicológicas e o mais grave ao caráter retroativo com que é feita Ou seja os peritos dirão hoje se ao tempo da ação ou omissão o agente era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento Não é aferir isso no estado psíquico atual mas no passado quando da prática do crime o que constitui um imenso espaço impróprio para subjetividade do avaliador e portanto um grave risco Ademais considerando a urgência inerente às cautelares nem sempre haverá condições de se fazer um exame de insanidade como necessário e com isso acabaremos criando a situação do inimputável provisório para não dizer do louco temporário correndo o risco de depois no exame definitivo o diagnóstico ser diferente Podese pensar por analogia na perspectiva da Lei de Drogas Lei n 11343 em que se faz o laudo de constatação provisório para aferir se uma substância é aparentemente entorpecente com a finalidade de homologar a prisão em flagrante e até mesmo para o recebimento da denúncia exigindose no curso do processo o laudo de constatação definitiva para permitir a condenação Criase no art 319 VII diante da urgência da medida cautelar a possibilidade de um laudo de constatação provisória da inimputabilidade apto a ensejar a internação provisória Isso não está na lei mas a situação de urgência poderá conduzir a esse cenário O problema neste caso reside no fato de que avaliação posterior não é objetiva como no laudo toxicológico mas sim completamente subjetiva e irrefutável na medida em que se pretende avaliar a interioridade psíquica do agente impossível de ser constatada ou demonstrada empiricamente Revelase a temida fundição do discurso jurídico com o da psiquiatria gerando uma ditadura do modelo clínico com efeitos penais A situação é ainda mais preocupante se considerarmos as condições em que se encontram os manicômios judiciários onde não raras vezes o acusado entra imputável e sai completamente louco Outrossim não se pode desprezar a estigmatização e o rótulo de inimputável que o acusado recebe já neste laudo provisório culminando por determinar e engessar seu futuro posto que uma vez rotulado de doente mental dificilmente conseguirá se livrar deste estigma Ainda mais se considerarmos que se está sempre no campo indeterminável e incontrolável das avaliações sobre a interioridade do agente de modo que ao ser novamente avaliado já entrará com essa pecha de doente e será muito difícil reverter esse quadro aos olhos de um psiquiatra já condicionado pelo laudo anterior ainda que inconscientemente Em suma é uma medida muito perigosa Em terceiro lugar o dispositivo recorre à perigosa futurologia do risco de reiteração completamente subjetiva e impossível de ser aferida Em última análise a nosso juízo pode representar um grave retrocesso essa internação provisória do inimputável ou semiimputável pois significa a aplicação de medida de segurança cautelar fundada na periculosidade do agente É interessante essa categoria de louco temporário que deverá ter sua periculosidade aferida por algum periculosômetro Zaffaroni É um retrocesso ao discurso criminológico de propensão ao delito periculosidade enfim um reducionismo sociobiológico Devemos considerar que o semiimputável também será submetido à internação cautelar em manicômio judiciário ou similar quando ao final se condenado não será internado Recordemos que ao semiimputável é permitida a redução da pena de um a dois terços sem internação E mais poderá se beneficiar de um regime prisional menos gravoso em decorrência da redução da pena Por tudo isso deve atentar o magistrado para a necessária proporcionalidade entre a cautelar e a provável decisão definitiva para evitar excessos Noutra dimensão a internação provisória não pode ser desconectada do sistema cautelar de modo que mesmo sendo inimputável o agente é imprescindível a demonstração do fumus commissi delicti e do periculum libertatis aqui assumido como risco de reiteração nos mesmos termos anteriormente expostos Dessarte não se pode desconsiderar o disposto no art 314 de modo que o inimputável pode ter agido em legítima defesa ou estado de necessidade da mesma forma que alguém imputável e por isso não pode ser submetido à internação provisória como não poderia ser submetido à prisão preventiva se imputável fosse Igualmente aplicáveis nesta medida todos os princípios anteriormente expostos especialmente de excepcionalidade provisionalidade provisoriedade e proporcionalidade sem falar no contraditório prévio sempre que possível A internação provisória é situacional de modo que desaparecendo o suporte fático legitimador do perigo deve o imputado ser colocado em liberdade Na mesma linha não pode ter uma duração indeterminada em que pese a lacuna legal na definição dos prazos máximos de duração das medidas cautelares Por fim chamamos atenção para outra lacuna no tratamento legal não há distinção entre a inimputabilidade existente na época do fato e a superveniente que se opera no curso do processo Em linhas gerais o agente que ao tempo da ação ou omissão era inimputável ou semiimputável submetese ao processo criminal onde ao final é julgado e submetido se apurada sua responsabilidade penal à medida de segurança ou se semiimputável É a chamada absolvição imprópria art 386 parágrafo único inciso III do CPP Na inimputabilidade superveniente a doença mental somente se manifesta no curso do processo ou seja ao tempo da ação ou omissão o agente era imputável A inimputabilidade é posterior ao fato criminoso Neste caso determina o art 152 do CPP que o processo criminal seja suspenso até que o acusado se restabeleça O processo somente retomará seu curso se o acusado se restabelecer Aqui reside um grande problema pois muitas doenças mentais não são passíveis de cura mas apenas controláveis em maior ou menor grau com tratamento e uso de medicamentos Logo a rigor o processo ficará indefinidamente suspenso Nestes casos errou o legislador ao não conciliar a medida cautelar com os dois desdobramentos possíveis do processo principal e nos parece por elementar que não poderá existir uma internação provisóriadefinitiva Pensamos então que uma vez suspenso o processo porque a doença mental é superveniente deverá cessar a internação provisória Como muito em casos extremos poderá o juiz adotar outra medida cautelar alternativa monitoramento dever de comparecimento recolhimento domiciliar etc por mais um período de tempo mas que também não poderá ser indeterminada VIII fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial Comentário O instituto da fiança será objeto de análise em tópico específico na continuação para onde remetemos o leitor para evitar repetições IX monitoração eletrônica Comentário O monitoramento eletrônico é um dispositivo antigo desenvolvido na década de 60 pelo psicólogo americano Robert Schwitzgebel já com a finalidade de controle de pessoas envolvidas com crimes e consistia em um bloco de bateria e um transmissor capaz de emitir sinal para um receptor Em 1977 o juiz de Albuquerque Novo México Jack Love inspirado por um episódio da série homemaranha convenceu um perito em eletrônica a desenvolver um dispositivo similar de monitoramento tendo utilizado pela primeira vez em 1983 quando condenou o primeiro réu a usar o monitoramento eletrônico No final da década de 80 o monitoramento já estava sendo utilizado por outros presos e popularizouse na década de 90 em que lá havia mais de 95000 presos monitorados94 A popularização do sistema de posicionamento global GPS barateou muito a tecnologia empregada tornandose amplamente acessível e de baixo custo Atualmente é uma forma de controle empregada em vários países tanto como instrumento de tutela cautelar em qualquer fase da persecução criminal como também na execução penal auxiliando no controle do apenado nas diferentes fases do sistema progressivo de cumprimento da pena Neste novo dispositivo legal consagrase o monitoramento como medida cautelar em que a possibilidade de vigilância ininterrupta serve como tutela para o risco de fuga e a prática de novas infrações Ao permitir o permanente controle sob a circulação do acusado também serve de útil instrumento para dar eficácia às demais medidas cautelares diversas tais como a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares a proibição de ausentarse da comarca ou país e o recolhimento domiciliar Cumpre assim diferentes dimensões de tutela cautelar A cada dia a tecnologia aperfeiçoa o sistema de monitoramento por GPS diminuindo o tamanho dos aparelhos e o incômodo por eles gerado ao estarem fixados no corpo do réu Em que pese isso é uma medida de controle extremo que gera um grande controle sobre a intimidade do agente e que deve ser usada com seletividade por parte dos juízes A diminuição do tamanho dos aparelhos melhorou a portabilidade mas ainda assim por ser levado preso ao corpo seja como pulseira tornozeleira etc além do desconforto dá uma visibilidade do estigma do processo penal e do controle social exercido O monitoramento eletrônico é uma medida cautelar alternativa subordinada também ao fumus commissi delicti e principalmente à necessidade de controle que vem representada pelo periculum libertatis Seu uso por ser dos mais gravosos deve ser reservado para situações em que efetivamente se faça necessário tal nível de controle e em geral vem associado ao emprego de outra medida cautelar diversa como a proibição de ausentarse da comarca art 319 IV Em geral é utilizado para tutela do risco de fuga mas também poderá contribuir para a efetivação de outras medidas cautelares de tutela da prova tais como a proibição de manter contato com pessoa determinada exemplo típico da ameaça a testemunhas vítima etc ou mesmo de tutela da ordem pública quando concebida no viés de risco de reiteração Em suma é um instrumento bastante útil de controle mas que deve ser reservado para casos graves como último passo antes da decretação da prisão preventiva sob pena de sua banalização gerar um expansionismo ilegítimo de controle penal com sérios riscos à liberdade individual e à própria dignidade da pessoa humana 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título podendo ser cumulada com outras medidas cautelares Comentário Essa questão também será abordada quando do estudo da fiança em tópico específico na continuação 59 Da Prisão Cautelar Domiciliar Estabelecem os arts 317 e 318 a prisão cautelar domiciliar nos seguintes termos Art 317 A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência só podendo dela ausentar se com autorização judicial Art 318 Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for I maior de oitenta anos II extremamente debilitado por motivo de doença grave III imprescindível aos cuidados especiais de menor de seis anos de idade ou com deficiência IV gestante a partir do 7 sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco Parágrafo único Para a substituição o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo Foi um avanço tímido do legislador nesta matéria pois em que pese a ampliação dos casos em que pode ser utilizada e a recepção na morfologia cautelar poderia e deveria o legislador ter ido além ampliando ainda mais as situações de utilização Destacamos porém o endurecimento do tratamento em relação ao projeto originário no qual o limite de idade era de 70 anos agora passou para 80 anos e no inciso III constava pessoa imprescindível aos cuidados especiais de menor de 7 sete anos de idade agora passou para 6 anos Essa é uma prisão domiciliar por motivos pessoais do agente de natureza humanitária diversa portanto da medida cautelar de recolhimento domiciliar previsto no art 319 V A medida constante no art 319 V tem outra natureza pois lá o agente tem liberdade para durante o dia exercer suas atividades profissionais devendo recolherse ao domicílio apenas no período noturno e nos dias de folga A demonstração da existência da situação fática autorizadora da prisão domiciliar poderá ser feita pela via documental certidão de nascimento nos casos do inciso I e II ou perícia médica nos casos dos incisos II III última parte e IV Como as demais medidas cautelares é substitutiva da prisão preventiva estando portanto submetida aos mesmos requisitos e princípios 510 Decretação ou Manutenção da Prisão Preventiva quando da Sentença Penal Condenatória Recorrível ou da Decisão de Pronúncia Toda a polêmica construída em torno do art 594 do CPP95 caiu por terra com a vigência da Lei n 117192008 que simplesmente o revogou Agora com essa nova Reforma Parcial em 2011 Lei n 124032011 a situação ficou ainda mais clara na medida em que o sistema cautelar contempla apenas a prisão em flagrante como medida précautelar preparatória da prisão preventiva ou das medidas cautelares diversas a prisão temporária prevista na Lei n 796089 e aplicável somente na fase préprocessual nos termos previstos na lei referida a prisão preventiva que pode ser decretada em qualquer fase do inquérito ou do processo inclusive em sede recursal mantendose assim até a revogação substituição ou o trânsito em julgado da sentença quando se condenatória dará lugar à execução da pena Da mesma forma o art 393 do CPP96 não pode ser lido de forma isolada pois como bem sublinha NASSIF97 é visível a agressão ao estado de inocência do acusado a prisão antecipada ao trânsito em julgado da sentença Art 387 O juiz ao proferir sentença condenatória 1 O juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou se for o caso a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta Incluído pela Lei n 127362012 2 O tempo de prisão provisória de prisão administrativa ou de internação no Brasil ou no estrangeiro será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade Incluído pela Lei n 127362012 Assim na sentença condenatória o juiz deve fundamentadamente analisar a necessidade ou não de imposiçãomanutenção da prisão preventiva seguindo a lógica do art 312 risco de fuga O dispositivo legal faz alusão à outra medida cautelar remetendo agora para o art 319 do CPP e suas medidas cautelares diversas Significa que no momento da sentença penal condenatória o juiz pode substituir uma medida cautelar diversa por outra mais adequada cumulálas e até mesmo se a necessidade exigir decretar a prisão preventiva Por outro lado ainda que a sentença seja condenatória nada impede que o juiz substitua a prisão preventiva aplicada por uma medida cautelar diversa mais adequada principalmente quando houver uma acusação excessiva por vários delitos e que ao final não seja acolhida na íntegra provimento parcial com a condenação a apenas um crime por exemplo tendo o réu sido condenado a um delito de menor gravidade em que não mais se justifica a manutenção da prisão até pela desproporcionalidade Também representa uma importante evolução a disposição final do parágrafo único que definitivamente desconecta o conhecimento do recurso da discussão prisãoliberdade e eventual fuga Daí por que não há que se falar em deserção e portanto não conhecimento do recurso quando o réu fugir O recurso deve ser conhecido e apreciado Assim desconectados estão o direito de recorrer do réu e o poder de prender do Estado quando necessária a custódia cautelar sendo inadmissível a decisão que não conhece da apelação sob o argumento de que o réu fugiu ou não se recolheu para apelar Existe uma separação em que pese a natural conexão entre os temas fazendo com que de um lado esteja o direito ao duplo grau de jurisdição e de outro o direito de recorrer em liberdade São direitos distintos ainda que intimamente relacionados Compreendido que o direito de recorrer está desconectado da prisão cautelar vejamos agora como fica a problemática em torno do direito de permanecer ou não em liberdade Como ressalva SCHIETTI98 a evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a prisão decorrente da pronúncia ou de sentença penal condenatória recorrível somente não ofende o princípio da presunção de inocência se for devidamente demonstrada na fundamentação da sentença a necessidade da prisão cautelar Ou seja somente caberá a prisão nesse momento se for verdadeiramente cautelar Significa dizer que nesse momento da sentença vigora a lógica da prisão preventiva insculpida no art 312 do CPP Nessa linha com acerto ANDRADE MOREIRA99 conclui que a prisão será uma decorrência de uma sentença condenatória recorrível sempre que in casu fosse cabível a prisão preventiva contra o réu independentemente de sua condição pessoal de primário e de ter bons antecedentes ou seja o que definirá se o acusado aguardará preso ou em liberdade o julgamento final do processo é a comprovação da presença de um daqueles requisitos acima referidos Essa compreensão é evidente na medida em que não existe prisão obrigatória antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória Por outro lado o juiz pode determinar a prisão preventiva do réu condenado mas deve fundamentar e demonstrar na sentença a existência de periculum libertatis que nesse momento somente é concebido na sua última figura risco para a aplicação da lei penal pois não concebemos como cautelar a tutela da ordem públicaeconômica e tampouco se pode falar em tutela da prova pois já colhida Nenhuma discussão é necessária em torno do fumus commissi delicti pois já delineado na própria sentença penal condenatória na medida em que sem essa fumaça sequer condenado poderia ser o réu Quanto às demais figuras de periculum libertatis previstas no art 312 recordemos que as duas primeiras são substancialmente inconstitucionais e que o risco para a instrução já desapareceu na medida em que a instrução já se realizou Daí por que o único perigo possível é o de fuga E ele para justificar uma prisão preventiva deve ser concreto fundado em elementos probatórios suficientes Nada de projeções ou ilações por parte do julgador Compreendese então que os elementos primário e de bons antecedentes não têm nenhuma relevância para decidir entre recorrer em liberdade ou recorrer preso O que importa é a lógica cautelar desenhada pela prisão preventiva e seu art 312 Portanto o réu reincidente eou de maus antecedentes poderá recorrer em liberdade e o primário e de bons antecedentes poderá ser preso por força da sentença recorrível O que legitima a prisão é sua natureza cautelar e a existência de periculum libertatis aqui risco de fuga Assim se o réu respondeu a todo o processo em liberdade por ausência de necessidade da prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que recorra em liberdade Mas poderá ser preso preventivamente nesse momento Sim desde que o juiz fundamente a necessidade da prisão preventiva e demonstre a existência de real e concreto risco de fuga periculum libertatis Por outro lado se o réu permaneceu preso ao longo de todo o processo pois lhe foi decretada a prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que permaneça preso e assim exerça seu direito de recorrer cabendo ao juiz fundamentar que perdura a necessidade da prisão e persiste o periculum libertatis Não estamos dizendo que permanecer preso é algo obrigatório ou automático senão que se existiram motivos para ser decretada a prisão preventiva no curso do processo ou até mesmo na fase de inquérito e permanecer esse perigonecessidade a manutenção da prisão é decorrência natural Ou ainda também é aceitável a substituição da prisão preventiva por outra medida cautelar prevista no art 319 Mas o réu que estava preso poderá ser condenado e solto ou submetido a uma medida cautelar diversa Sim desde que desapareça ou seja minorada a situação de perigo Por exemplo se o réu foi preso preventivamente para tutela da prova com a sentença logo já foi colhida a prova desapareceu a situação de perigo que justificou a prisão preventiva devendo o agora condenado ser solto ou submetido a uma medida cautelar diversa mais adequada Também pode ocorrer de a acusação imputar a prática de dois delitos vg tráfico de substâncias entorpecentes art 33 da Lei n 11343 e associação para o tráfico art 35 da Lei n 11343 e requerer a decretação da prisão preventiva considerando a gravidade dos crimes e o risco de fuga Na sentença o réu é absolvido da primeira imputação tráfico de drogas e condenado pela segunda a uma pena de 3 anos substituída por pena restritiva de direitos nos termos do art 44 do CP É manifestamente desproporcional manter alguém preso preventivamente nessas condições Assim ainda que condenado deverá recorrer em liberdade cabendo ao juiz na sentença determinar a expedição do respectivo alvará de soltura ou no mínimo substituir a prisão preventiva por uma medida cautelar diversa menos gravosa No que se refere à Súmula n 9 do STJ100 também deve ser lida nessa sistemática Diz a súmula A exigência da prisão provisória para apelar não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência Em suma para decidir se o réu poderá recorrer em liberdade ou não se deve analisar a situação à luz do sistema cautelar e da real necessidade que a fundamenta periculum libertatis e legitima decretando se ou revogandose a prisão preventiva conforme o caso bem como lançando mão das medidas cautelares diversas adequadas que poderão ser revogadas aplicadas como substitutivas da prisão preventiva de forma isolada ou cumulativa Não é demais recordar que se o réu for absolvido deverá ser imediatamente colocado em liberdade se preso preventivamente ou ordenada a cessação das medidas cautelares diversas que estejam sendo aplicadas nos termos do art 386 parágrafo único incisos I e II do CPP E no caso da decisão de pronúncia O regramento da prisão neste momento processual está disciplinado pelo art 413 do CPP Art 413 O juiz fundamentadamente pronunciará o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação 1º A fundamentação da pronúncia limitarseá à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena 2º Se o crime for afiançável o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória 3º O juiz decidirá motivadamente no caso de manutenção revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e tratandose de acusado solto sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código A simples leitura evidencia que o art 413 inserese na mesma perspectiva da discussão anterior A prisão quando da decisão de pronúncia não é obrigatória como já o foi no passado estando subordinada ao fundamento e requisito que norteiam as prisões cautelares nos termos do art 312 do CPP Assim nenhuma relevância tem o fato de o agente ser primário ou reincidente senão que deverá o juiz fundamentar a necessidade da prisão cautelar demonstrando a existência do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Tudo o que dissemos no item anterior é inteiramente aplicável aqui de modo que havendo necessidade e preenchidos os requisitos legais poderá o juiz determinar a prisão preventiva do réu pronunciado ou mantêlo preso se assim já se encontrar Em qualquer caso deverá fundamentar a decisão Da mesma forma poderá manter aplicar substituir ou cumular as medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP conforme a necessidade do caso Não estando preenchidos os requisitos da prisão preventiva deverá o réu permanecer em liberdade com a aplicação de medida cautelar diversa ou não Tudo dependerá da existência ou não do fumus commissi delicti e do periculum libertatis No mesmo sentido situase a fiança medida de contracautela aplicada em conjunto com a liberdade provisória e que será analisada na continuação 511 Prisão Preventiva e Recursos Especial eou Extraordinário Inexistência de Prisão Obrigatória Ausência de Efeito Suspensivo e a Inadequada Transmissão de Categorias do Processo Civil A situação aqui é exatamente igual a que acabamos de tratar possibilidade ou não da prisão preventiva ou das medidas cautelares diversas conforme a lógica do sistema cautelar mas merece algumas considerações extras Uma vez proferida sentença o recurso de apelação será julgado pelo tribunal respectivo Nesse momento no que tange à prisão cautelar a questão foi enfrentada quando da análise do direito de recorrer em liberdade ou da possibilidade de ser preso independentemente da admissibilidade do recurso quando estiver presente o periculum libertatis da prisão preventiva Mas esgotada a jurisdição de segundo grau com o julgamento da apelação e dos decorrentes como embargos infringentes declaratórios etc é interposto pelo réu o recurso especial eou extraordinário conforme o caso Poderá continuar recorrendo em liberdade se assim está O problema posto pela redação do art 637 do CPP o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo foi substancialmente agravado pela Lei n 803890 que podendo resolver a questão só fez por piorar A famigerada lei ordinária com todo o peso etimológico da palavra incorreu em três gravíssimos erros 1º pretendeu disciplinar com igual tratamento para o processo civil e para o processo penal os recursos especial e extraordinário desprezando a especificidade da complexa fenomenologia do processo penal que em nada se assemelha ao processo civil 2º ainda que sancionada após a Constituição de 1988 dela se olvidou ou pouco caso fez desconsiderando a existência da presunção de inocência e da ampla defesa consagrando uma prisão obrigatória e sem o caráter cautelar exigido como requisito de legitimidade 3º tratou como efeito recursal devolutivo art 27 2º da Lei n 8038 uma situação processual que vai para muito além dessa frágil categoria do processo civil absolutamente inadequada por excessiva redução da complexidade para disciplinar o direito de recorrer em liberdade no processo penal É elementar que a problemática em torno do direito de recorrer em liberdade está para muito além da categoria efeito recursal tipicamente civilista e inadequada para o processo penal situandose noutra dimensão a da eficácia do direito fundamental da ampla defesa e da presunção de inocência Daí por que inexistindo prisão cautelar obrigatória como já foi explicado à exaustão não foi o art 637 recepcionado pela Constituição Quanto ao disposto no art 27 2º da Lei n 8038 é substancialmente inconstitucional devendo sua validade substancial ser afastada em sede de controle difuso Retomando toda a discussão estabelecida nos itens anteriores pensamos que aqui a situação é similar Não pode existir prisão obrigatória pelo simples fato de o tribunal de segundo grau ter proferido decisão A única opção de prisão é a preventiva do art 312 Havendo periculum libertatis que justifique a prisão preventiva ou a manutenção dela caso o réu já esteja preso assim poderá proceder o tribunal Do contrário tendo desaparecido a situação de perigo ou inexistindo ela especialmente quando o réu permaneceu em liberdade ao longo do processo impõese o direito de seguir recorrendo em liberdade enquanto não existir trânsito em julgado Da mesma forma poderá manter aplicar substituir ou cumular as medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP conforme a necessidade do caso O que não se admite é uma prisão cautelarobrigatória por absoluta ilegalidade Da mesma forma é um erro tratar a questão como mera ausência de efeito suspensivo pois é completamente inadmissível uma pena antecipada no processo penal Em que pese um passado de injustificada oscilação tudo indica que o Supremo Tribunal Federal caminha a passos largos nessa direção algo a ser seguido não por subserviência senão por acerto pelo Superior Tribunal de Justiça101 Entre os diversos acórdãos existentes pinçamos aquele proferido pelo STF 2ª Turma no HC 94408 Relator Min EROS GRAU julgado em 10022009102 Apenas para completar a análise jurisprudencial citamos a ementa de outra decisão muito relevante neste tema proferida no HC 96059 Relator Min CELSO DE MELLO 2ª Turma julgado em 10022009103 Com isso compreendese que a presunção de inocência e o direito de recorrer em liberdade abrangem os recursos especial e extraordinário com o abandono da prisão cautelar obrigatória de modo que sempre deverá ser analisada e fundamentada a eventual necessidade de prisão preventiva com base no periculum libertatis como medida excepcional Em outras palavras a liberdade até o trânsito em julgado é a regra mas a prisão preventiva ou as medidas cautelares diversas do art 319 poderão ser mantidas ou decretadas desde que necessárias à luz de seus requisitos legais 6 Da Prisão Temporária A prisão temporária não foi diretamente modificada pela Lei n 124032011 mas sublinhamos a importância do art 282 que se aplica a qualquer medida cautelar inclusive para a prisão temporária embora prevista em lei apartada Portanto a prisão temporária também passa a ser regida pelo art 282 especialmente nos seguintes pontos Art 282 As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observandose a I necessidade para aplicação da lei penal para a investigação ou a instrução criminal e nos casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais II adequação da medida à gravidade do crime circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado Significa o estabelecimento de novos parâmetros sobre os quais deve especial atenção o juiz ao decretar a prisão temporária necessidade e adequação Além de observar se a medida realmente é necessária para a investigação e a coleta dos elementos probatórios buscados deve verificar se a prisão temporária é adequada à finalidade apontada pela autoridade policial Em última análise estamos tratando da proporcionalidade da prisão que adquire especial relevância agora com o amplo rol de medidas cautelares diversas previstas no art 319 Deve o juiz verificar portanto se os objetivos buscados não podem ser alcançados por meio de medidas cautelares diversas e menos gravosas para o investigado É neste ponto um novo referencial definido pela Lei n 124032011 e que deve conduzir a uma mudança do tratamento judicial da prisão temporária Feita a ressalva continuemos A prisão temporária está prevista na Lei n 796089 e nasce logo após a promulgação da Constituição de 1988 atendendo à imensa pressão da polícia judiciária brasileira que teria ficado enfraquecida no novo contexto constitucional diante da perda de alguns importantes poderes entre eles o de prender para averiguações ou identificação dos suspeitos Há que se considerar que a cultura policial vigente naquele momento em que prisões policiais e até a busca e apreensão eram feitas sem a intervenção jurisdicional não concebia uma investigação policial sem que o suspeito estivesse completamente à disposição da polícia A pobreza dos meios de investigação da época fazia com que o suspeito fosse o principal objeto de prova Daí por que o que representava um grande avanço democrático foi interpretado pelos policiais como uma castração de suas funções A pressão foi tão grande que o Presidente José Sarney cedeu e em 21121989 foi institucionalizada a prisão para averiguações agora com o nome de prisão temporária como se existisse prisão perpétua Outro detalhe importante é que a prisão temporária possui um defeito genético foi criada pela Medida Provisória n 111 de 24 de novembro de 1989 O Poder Executivo violando o disposto no art 22 I da Constituição legislou sobre matéria processual penal e penal pois criou um novo tipo penal na Lei n 4898 através de medida provisória o que é manifestamente inconstitucional A posterior conversão da medida em lei não sana o vício de origem104 Mas como os juízes e tribunais brasileiros fizeram vista grossa para essa grave inconstitucionalidade a lei segue vigendo Então não se pode perder de vista que se trata de uma prisão cautelar para satisfazer o interesse da polícia pois sob o manto da imprescindibilidade para as investigações do inquérito o que se faz é permitir que a polícia disponha como bem entender do imputado Inclusive ao contrário da prisão preventiva em que o sujeito passivo fica em estabelecimento prisional e se a polícia quiser conduzilo para ser interrogado ou participar de algum ato de investigação deverá necessariamente solicitar autorização para o juiz a prisão temporária lhes dá plena autonomia inclusive para que o detido fique preso na própria delegacia de polícia Significa dizer que ele está 24h por dia à disposição de todo e qualquer tipo de pressão ou maustratos especialmente das ardilosas promessas do estilo confessa ou faz uma delação premiada que isso acaba De forma mais direta CIRILO DE VARGAS 105 afirma categoricamente Na prática durante dez dias e se for crime hediondo por até 60 dias o juiz está permitindo que um suspeito fique sujeito a toda sorte de maustratos Maustratos sim porque se não houvesse para a Polícia a necessidade deles por que requerer a prisão Preso por ordem judicial o cidadão está sujeito a suplícios que não deixam vestígios sendo de valia nenhuma o exame médico para constatar violências E prossegue se todo o dia sem exceção a mulher do preso requerer ao juiz o exame médico do marido É óbvio que ele denegaria A tortura está aí no dia a dia das delegacias e casas de detenção espalhadas pelo Brasil mas sem dúvida mudou de cara é muito mais psicológica do que física mas não por isso menos cruel e eficiente A prisão temporária cria todas as condições necessárias para se transformar em uma prisão para tortura psicológica pois o preso fica à disposição do inquisidor A prisão temporária é um importantíssimo instrumento na cultura inquisitória que ainda norteia a atividade policial em que a confissão e a colaboração são incessantemente buscadas Não se pode esquecer que a verdade escondese na alma do herege sendo ele o principal objeto da investigação Daí por que todo cuidado é pouco quando se pretender utilizar esse tipo de prisão cabendo aos juízes suma prudência e bastante comedimento ao lançar mão desse instituto até porque a cultura inquisitória de obter uma confissão a qualquer custo ainda domina a mentalidade policial brasileira fazendo com que métodos medievais ainda sejam usados e muita injustiça seja cometida 61 Duração da Prisão Temporária Prazo com Sanção Em que pese o defeito genético que contém ao menos a prisão temporária está controlada no tempo É a única prisão cautelar cujo prazo máximo de duração está previsto em lei Mais importante tratase de prazo com sanção ou seja findo o limite de tempo fixado na lei o imputado deve ser imediatamente posto em liberdade art 2º 7º da Lei n 796089 sob pena de configurarse o delito de abuso de autoridade art 4º I da Lei n 4898 Vejamos agora os principais aspectos da prisão temporária Será decretada pelo juiz garantia da jurisdicionalidade mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial Não poderá ser decretada de ofício pelo juiz Deverá sempre ser fundamentada a decisão como determinam o art 93 IX da Constituição e o art 2º 2º da Lei n 7960 demonstrando a necessidade da prisão temporária e a presença do requisito e fundamentos que a legitimam Os prazos de sua duração são até 5 dias prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade sendo crime hediondo o prazo poderá ser de 30 dias prorrogáveis por igual período fazendo com que a prisão temporária possa durar até 60 dias Essa possibilidade está prevista no art 2º 3º da Lei n 8072 Nada impede que o imputado seja posto em liberdade antes desses prazos pela própria autoridade policial sem intervenção judicial desde que não exista mais a necessidade da custódia tendo em vista o interesse da investigação Mas os prazos devem ser observados sendo completamente ilegal por exemplo a decisão judicial que decreta a prisão temporária por 7 dias pois excede o prazo e já antecipa uma prorrogação de ofício que sequer foi pedida e muito menos demonstrada O prazo é de até cinco dias Depois disso excepcionalmente havendo pedido expresso e fundamentado da autoridade policial poderá haver a prorrogação por mais 5 dias Noutro sentido concordamos com RANGEL106 de que nenhum problema existe se o juiz fixar uma prisão temporária pelo prazo de 3 dias ou sendo crime hediondo por 15 dias ainda que a Lei permita até 30 dias O prazo fixado em Lei é o máximo permitido sempre mirando a necessidade da investigação Cumprida essa finalidade em período menor deve o imputado ser imediatamente solto Então o juiz pode perfeitamente fixar um limite menor avaliando a necessidade apontada pela autoridade policial Muitas vezes havendo vários suspeitos com residências em diferentes cidades é pedida a prisão temporária junto com a busca e apreensão sendo a primeira uma forma de garantir a eficácia da segunda Não há motivo algum para que a prisão temporária tomando o caso do crime hediondo por exemplo dure mais do que 5 dias Logo para evitar abusos deverá o juiz fixar esse prazo cabendo à autoridade policial pedir e demonstrar eventual necessidade de prorrogação Devese assegurar a possibilidade de pedido de prorrogação em caso de extrema e comprovada necessidade até o limite global previsto na Lei n 7960 5 5 10 ou ainda se hediondo 30 30 60 de modo que se o pedido for de prisão temporária por 30 dias crime hediondo e o juiz fixar em 15 dias a autoridade policial poderá postular a prorrogação até o limite global de 60 dias Inclusive em se tratando de crime hediondo o melhor seria que os juízes fixassem um prazo de no máximo 15 dias ou até menos A prorrogação deveria vir através de pedido fundamentado permitindo ao juiz fazer um novo controle da necessidade da prisão e coibindo eventuais excessos Se estiver convencido da imprescindibilidade da prorrogação que o faça por mais 15 dias Convenhamos que 30 dias de prisão temporária é tempo mais do que suficiente para a medida cumprir o seu fim Inclusive com o advento da Lei n 124032011 e a inserção de um rol de medidas diversas à prisão pensamos que não se justifica uma prisão temporária por mais de 5 dias posto que após esse prazo poderá o juiz mediante invocação ou de ofício substituir essa prisão temporária por uma medida alternativa que igualmente permita o controle sobre o risco de fuga ou para a prova sem necessidade da prisão Em qualquer caso devese considerar ainda que a prisão temporária poderá dar lugar após o escoamento do seu prazo a uma prisão preventiva que como visto não possui prazo de duração Contudo em nenhuma hipótese poderá ser decretada a prisão temporária quando já estiver concluído o inquérito policial ou mesmo persistir se tiver sido decretada anteriormente após a conclusão da investigação 62 Especificidade do Caráter Cautelar Análise do Fumus Commissi Delicti e do Periculum Libertatis Crítica à Imprescindibilidade para as Investigações Policiais A prisão temporária possui uma cautelaridade voltada para a investigação preliminar e não para o processo Não cabe prisão temporária ou sua permanência quando já tiver sido concluído o inquérito policial Então se já houver processo ou apenas tiver sido oferecida a denúncia não pode permanecer a prisão temporária Tratase de uma prisão finalisticamente dirigida à investigação e que não sobrevive no curso do processo penal por desaparecimento de seu fundamento Encerrada a investigação preliminar não se pode mais cogitar de prisão temporária Compreendido isso para que seja decretada são necessários fumus commissi delicti e periculum libertatis nos seguintes termos O fumus commissi delicti está previsto no art 1º inciso III exigindo que existam fundadas razões de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes Na continuação a Lei n 7960 enumera 14 crimes que vão do homicídio doloso aos crimes contra o sistema financeiro É um rol bastante amplo e abrangente e importante frisar taxativo É pacífico que a prisão temporária por crime que não esteja previsto naquele rol do inciso III é completamente ilegal devendo imediatamente ser relaxada Assim é ilegal a prisão temporária por homicídio culposo estelionato apropriação indébita sonegação fiscal falsidade documental etc Devese sublinhar que a prisão temporária dirigese ao agente suspeito de autoria ou participação em um daqueles delitos sendo absurda sua utilização para prisão de testemunha vítima ascendente descendente cônjuge etc do suposto autor Por mais bizarro que isso possa parecer nesse país o rol de monstruosidades jurídicas é infindável havendo notícias de prisão temporária de testemunha que não comparece na delegacia de polícia e até da mãe de traficante foragido para forçar sua apresentação Não há que se olvidar que para a decretação da prisão já devem existir indícios razoáveis de autoria não se admitindo que se prenda para então buscar elementos de autoria e materialidade O periculum libertatis acaba sendo distorcido na prisão temporária para atender à imprescindibilidade para as investigações do inquérito Daí por que não é a liberdade do imputado o gerador do perigo que se quer tutelar senão que a investigação necessita da prisão ou ainda a liberdade é incompatível com o que necessita a investigação para esclarecer o fato Importante trazer à colação as sempre lúcidas palavras do Min EROS GRAU107 ainda que a citação seja longa quando explica que O controle difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá ser desenvolvido perquirindose necessidade e indispensabilidade da medida Daí que a primeira indagação a ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte em que e no que o corpo do suspeito é necessário à investigação Excluase desde logo a afirmação de que se prende para ouvir o detido Pois a Constituição garante a qualquer um o direito de permanecer calado art 5º n LXIII e o temos afirmado aqui exaustivamente o que faz com que a resposta à inquirição investigatória consubstancie uma faculdade Ora não se prende alguém para que exerça uma faculdade Sendo a privação da liberdade a mais grave das constrições que a alguém se pode impor é imperioso que o paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de evitála Se a investigação reclama a oitiva do suspeito que a tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas respondendoas o suspeito se quiser sem necessidade de prisão 31 Tampouco se pode acolher a prisão para impedir que provas sejam destruídas sem que o suspeito tenha dado qualquer motivo para que se afirme essa possibilidade Na dicção do Ministro CELSO DE MELLO para tanto é indispensável base empírica idônea 32 Não falta quem diga que a prisão temporária é às vezes a única punição que o suspeito sofre Mas prisão cautelar não é pena de sorte que a circunstância de ter sido ela o único constrangimento por ele suportado consubstanciará prova cabal de que não tendo sido condenado o acusado não merecia ser punido 33 Pior ainda é o argumento da agilização da investigação Pois antes de ser ágil é preciso que ela seja legal e necessária inexistindo qualquer outra via para o seu curso grifo nosso Esse é sem dúvida o ponto mais problemático da prisão temporária Não se pode admitir que uma prisão seja imprescindível para investigar um fato A polícia deve ter informações e condições técnicas para realizar a investigação preliminar sem depender da prisão do suspeito É importante não esquecer que o suspeito também está protegido pela presunção de inocência e principalmente pelo nemo tenetur se detegere ou seja não está ele obrigado a praticar nenhum ato de prova que lhe possa prejudicar Daí por que eventual recusa em submeterse a reconhecimentos acareações reconstituições etc deve ser respeitada pois constitucionalmente garantida jamais servindo de fundamento para a decretação da prisão temporária Infelizmente ainda existem juízes que decretam a prisão temporária porque o imputado não está colaborando com as investigações Isso é um absurdo Assim é ilegal a prisão temporária que com fundamento na imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial pretende disponibilizar o corpo do suspeito para que dele disponha a autoridade policial obrigandoo a participar de reconhecimentos reconstituições etc108 Há que se abandonar o ranço inquisitório em que o juiz inquisidor dispunha do corpo do herege para dele extrair a verdade real O suspeito e o acusado tem o direito de silêncio e de não participar de qualquer ato probatório logo está logicamente autorizado a não comparecer e obviamente a não colaborar com as investigações Infelizmente esse é um nível de evolução democrática e processual ainda não alcançado por muitos juízes e tribunais que ainda operam na lógica inquisitória autorizando esse tipo de prisão temporária completamente ilegal Há que se ter bem presente que a banalização das prisões cautelares da preventiva à prisão temporária decorre de exclusiva responsabilidade dos juízes pois em última análise nada disso pode ocorrer sem a sua expressa determinação e conivência Feita essa ressalva vamos a outro questionamento recorrente como deve ser a aplicação dos incisos do art 1º Será que pode ser decretada a prisão temporária com base apenas no inciso I E só com base no inciso II E só no III Não Por culpa da péssima sistemática da Lei n 7960 a melhor interpretação é a seguinte Os incisos devem ser interpretados em conjunto de modo que só pode haver prisão de alguém suspeito de ser autor ou partícipe de algum daqueles crimes cujo rol é taxativo e quando imprescindível para a investigação Logo sempre deve estar presente o inciso III Da mesma forma a necessidade da prisão está estampada no inciso I de modo que a tal imprescindibilidade para as investigações não pode faltar Contudo tanto o inciso I como o inciso III de forma isolada não justificam a prisão temporária somente quando combinados O inciso II indiciado sem residência fixa ou não fornecer elementos necessários para sua identificação é completamente contingencial ou seja sozinho não autoriza a prisão temporária e sua combinação apenas com o inciso I ou apenas com o inciso III não justifica a prisão temporária Mais do que isso o inciso II acaba sendo absorvido pela imprescindibilidade do inciso I sendo logicamente redundante Em suma a prisão temporária somente poderá ser decretada quando estiverem presentes as situações previstas nos incisos III e I109 A situação descrita no inciso II apenas reforça o fundamento da prisão logo pode haver prisão temporária pela conjugação dos três incisos Todas as demais combinações não autorizam a prisão temporária 7 Prisão Especial Especificidades da Forma de Cumprimento da Prisão Preventiva Inexistência de Prisão Administrativa e Prisão Civil A chamada prisão especial não é uma modalidade de prisão cautelar senão uma especial forma de cumprimento da prisão preventiva Algumas pessoas em razão do cargo ou função que ocupam da qualificação profissional ou mesmo pelo simples fato de terem exercido a função de jurado ou ainda ser um cidadão inscrito no Livro de Mérito gozam da prerrogativa de serem recolhidas a locais distintos da prisão comum Durante a longa tramitação do PL 42082001 que culminou com a Lei n 124032011 oscilouse da modificação à exclusão da prisão especial Inclusive às vésperas da votação na Câmara dos Deputados era tido como certa sua completa revogação com o estabelecimento de um novo critério fixado no art 295 Art 295 É proibida a concessão de prisão especial salvo a destinada à preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso assim reconhecida por decisão fundamentada da autoridade judicial ou no caso de prisão em flagrante ou cumprimento de mandado de prisão da autoridade policial encarregada do cumprimento da medida Mas não houve consenso na matéria até porque permaneceriam as prisões especiais previstas em outras leis como no caso da magistratura e dos membros do Ministério Público Por isso não houve alteração no tratamento da matéria e não se modificou o art 295 do CPP Antes de analisar o art 295 sublinhamos que a prisão especial é uma forma de cumprimento que somente se aplica ao réu submetido à prisão cautelar Após o trânsito em julgado não existe prisão especial e o agora condenado será submetido ao regime ordinário de cumprimento da pena conforme fixado na sentença Excepcionalmente dispõe o art 84 da Lei de Execuções Penais que o preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes e o preso que ao tempo do fato era funcionário da administração da justiça criminal ficará em dependência separada Mas isso não é propriamente uma prisão especial senão apenas uma separação de pessoas que por óbvios motivos de segurança da sua integridade precisam manterse separadas Assim prisão especial somente tem incidência enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Nessa linha dispõe o art 295 do CPP Art 295 Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial à disposição da autoridade competente quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva I os ministros de Estado II os governadores ou interventores de Estados ou Territórios o prefeito do Distrito Federal seus respectivos secretários os prefeitos municipais os vereadores e os chefes de Polícia III os membros do Parlamento Nacional do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados IV os cidadãos inscritos no Livro de Mérito V os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios VI os magistrados VII os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República VIII os ministros de confissão religiosa IX os ministros do Tribunal de Contas X os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função XI os delegados de polícia e os guardascivis dos Estados e Territórios ativos e inativos 1º A prisão especial prevista neste Código ou em outras leis consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento 3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo atendidos os requisitos de salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana 4º O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum Entre os casos de prisão especial pode gerar alguma dúvida a alteração do art 439 que agora possui a seguinte redação Art 439 O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral A inovação do artigo fica por conta da supressão da parte final onde se lia e assegurará prisão especial em caso de crime comum até o julgamento definitivo A pergunta é desapareceu a prisão especial para o jurado Pensamos que não pois a redação do art 295 não foi alterada e lá consta expressamente a prisão especial para o jurado O que provavelmente tenha ocorrido foi um vacilo do legislador pois até a véspera da votação do PL 4208 havia um consenso sobre a extinção da prisão especial e portanto haveria uma modificação radical no art 295 Nesta linha também teria que ser alterado o art 439 para supressão da parte final Ocorre que na última hora decidiuse pela manutenção da prisão especial e o art 295 ficou inalterado e esqueceram do art 439 que acabou sendo alterado Mas essa alteração não tem qualquer relevância pois apenas disciplinava e reforçava a possibilidade de prisão especial para o jurado Era uma duplicidade de regulamentação da matéria que agora passa a ser disciplinada apenas pelo art 295 do CPP Assim pensamos que permanece a prisão especial em sua amplitude originária inclusive para o jurado que tenha exercido efetivamente a função Os casos de prisão especial não se esgotam nesse rol havendo outras fontes normativas que a contemplam Entre elas destacamos o disposto no art 7º V da Lei n 8906 que assegura ao advogado o direito de ser recolhido à sala de Estado Maior e comodidades dignas a expressão assim reconhecidas pela OAB foi suspensa liminarmente pela ADIn 11278 Não havendo possibilidade de atenderse a essa exigência deve ao advogado ser assegurado o direito à prisão domiciliar essa garantia não foi afastada pela ADIn 11278 Contudo a questão não é tão simples A Lei n 102582001 afetou substancialmente a morfologia da prisão especial na medida em que inseriu cinco novos parágrafos no art 295 que acabaram por transformar a prisão especial em simples cela separada ou mesmo em alojamento coletivo Sem dúvida essa alteração acabou por derrogar a Lei n 525667 que previa a substituição por prisão domiciliar caso não houvesse um estabelecimento adequado ao recolhimento dos presos especiais No mínimo esvaziou a aplicabilidade dessa Lei Os tribunais brasileiros têm decidido sistematicamente na esteira da jurisprudência do STJ que ao preso especial não havendo estabelecimento específico e quase nunca há estaria garantido apenas o direito de ser recolhido em cela distinta da prisão comum Assim bastaria uma cela individual ou mesmo uma galeria ou ala onde somente estivessem presos especiais tudo dentro de uma prisão comum para que a garantia fosse satisfeita Quanto à prerrogativa do advogado ainda que a oscilação jurisprudencial seja uma marca genética o STF vem traçando um caminho diferenciado que como cita HASSAN CHOUKR110 inicia no HC 88702SP Rel Min CELSO DE MELLO julgado em 19092006 em que o STF decidiu que constitui direito público subjetivo do advogado decorrente da prerrogativa profissional o seu recolhimento em sala de EstadoMaior com instalações e comodidades condignas até o trânsito em julgado de decisão penal condenatória e em sua falta na comarca em prisão domiciliar Com base nesse entendimento a Turma por considerar que não se aplica aos advogados a Lei n 102582001 que alterou o art 295 do CPP eis que subsistente quanto a esses profissionais a prerrogativa inscrita no inciso V do art 7º da Lei n 890694 deferiu habeas corpus impetrado em favor de advogados recolhidos em cadeia pública estadual que não atendia ao dispositivo estatutário tornando definitiva medida cautelar anteriormente concedida a fim de assegurarlhes em face da comprovada ausência no local de sala de EstadoMaior o direito ao recolhimento e permanência em prisão domiciliar até o trânsito em julgado da sentença condenatória contra eles proferida grifo nosso Mas a decisão paradigmática nesse tema somente veio com a Reclamação 4535ES cujo Relator foi Min SEPÚLVEDA PERTENCE julgada pelo Tribunal Pleno em 07052007111 Importante ainda nessa matéria é o acórdão proferido da Reclamação n 5212 no qual o STF reafirmou esse entendimento Sublinhamos ainda a importância do instrumento utilizado para assegurar essa prerrogativa nas duas decisões Reclamação art 102 I l da Constituição que constitui uma via célere e eficiente para garantir a autoridade das decisões proferidas pelo STF112 Assim prevalece o entendimento do STF e aos advogados não se aplicam as restrições inseridas no art 295 do CPP de modo que ou ficam recolhidos à sala de EstadoMaior cuja definição também é dada pelo acórdão do STF na Reclamação 4535 ou na sua falta em regime de prisão domiciliar Encerrada discussão sobre a prisão especial vejamos agora a chamada prisão administrativa Originariamente estava prevista no art 319 do CPP substancialmente modificado pela Lei n 124032011 Se antes afirmávamos que a prisão administrativa não havia sido recepcionada pela Constituição agora com mais razão Nem existe mais no Código de Processo Penal Quanto à prisão civil anteriormente prevista no art 320 foi igualmente revogada pela Lei n 124032011 e não é mais regida pelo Código de Processo Penal Em suma não existe mais prisão administrativa e a prisão civil decretada por juiz cível competente somente tem lugar no caso de inadimplemento de obrigação alimentar não sendo regida pelo CPP 8 Liberdade Provisória O Novo Regime Jurídico da Fiança Não se pode iniciar a análise desse tema sem refletir sobre o fato de o Código de Processo Penal falar em liberdade provisória denotando a matriz autoritária que o informa Recordando GOLDSCHMIDT quando afirma que o processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua Constituição é elementar que tal tratamento corresponde a um sistema constitucional que felizmente não vigora mais Era uma época em que a prisão ao longo do processo era uma regra havendo inclusive a prisão preventiva obrigatória quando o crime tivesse pena de reclusão no máximo igual ou superior a 10 anos Nada interessava ou se questionava a prisão cautelar era obrigatória Daí por que a liberdade era provisória precária A situação começou a mudar com o advento da Lei n 641677 que inserindo o parágrafo único no art 310 do CPP ampliou substancialmente o espaço de liberdade no processo penal criando a possibilidade de o preso em flagrante permanecer solto pela ausência dos fundamentos da prisão preventiva Nova revolução operase ou deveria operarse com o advento da Constituição de 1988 cabendo ao processo penal ajustar seu termostato para conformarse à nova Carta Então hoje devese partir da premissa de que provisória deve ser a prisão cautelar A liberdade é a regra não necessitando ser legitimada e tampouco se deve admitir tão passivamente o emprego do adjetivo provisória quando do que se trata é de um valor dessa dimensão Feita essa ressalva vejamos a liberdade provisória e o novo regime jurídico da fiança uma das principais modificações feitas na Reforma Processual de 2011 Com a nova redação do art 319 foi estabelecido um sistema polimorfo com um amplo regime de liberdade provisória com diferentes níveis de vinculação ao processo estabelecendo um escalonamento gradativo em que no topo esteja a liberdade plena e gradativamente vaise descendo criando restrições à liberdade do réu no curso do processo através da imposição de medidas cautelares diversas como o dever de comparecer periodicamente pagar fiança proibição de frequentar determinados lugares obrigação de permanecer em outros nos horários estabelecidos proibição de ausentarse da comarca sem prévia autorização judicial monitoramento eletrônico recolhimento domiciliar noturno e quando nada disso se mostrar suficiente e adequado chegase à ultima ratio do sistema a prisão preventiva Dessa forma a liberdade provisória é uma medida alternativa de caráter substitutivo em relação à prisão preventiva que fica efetivamente reservada para os casos graves em que sua necessidade estaria legitimada 81 Definindo Categorias Relaxamento Revogação da Prisão Cautelar e Concessão da Liberdade Provisória Para compreensão dos conceitos façamos desde logo as distinções devidas113 1 Relaxamento da prisão em flagrante ou preventiva é sinônimo de ilegalidade da prisão aplicandose tanto à prisão em flagrante como também à preventiva Toda prisão cautelar ou pré cautelar flagrante que não atenda aos requisitos legais anteriormente analisados é ilegal e deve ser imediatamente relaxada art 5º LXV da CF com a consequente liberdade plena do agente Assim devese relaxar a prisão nos casos de flagrante forjado provocado e preparado prisão preventiva decretada por juiz incompetente ou de ofício a prisão automática ou obrigatória para apelar ou em virtude da decisão de pronúncia a prisão preventiva sem fundamentação a permanência de alguém preso a título de prisão em flagrante pois se trata de medida précautelar como explicado anteriormente etc Também é caso de relaxamento quando a ilegalidade é posterior como exemplifica BADARÓ114 citando o excesso de prazo da prisão preventiva 2 Revogação da prisão preventiva ou da medida cautelar diversa a revogação ocorre quando não mais subsistem os motivos que legitimaram a segregação ou a restrição imposta por meio de medida cautelar diversa art 319 Está intimamente vinculada com a provisionalidade das medidas cautelares ou seja com a marca genética de serem elas situacionais na medida em que tutelam uma situação fática de perigo Desaparecido o periculum libertatis que autorizou a prisão preventiva ou medida cautelar diversa cessa o suporte fático que a legitima devendo o juiz revogar a prisão ou medida cautelar e conceder a liberdade plena do agente Assim a revogação somente se opera em relação à prisão preventiva ou medida cautelar diversa não incidindo na medida pré cautelar da prisão em flagrante em relação a ele somente se fala em relaxamento ou concessão de liberdade provisória conforme o caso Contudo homologado o flagrante e decretada a prisão preventiva é cabível o pedido de revogação da prisão cautelar pelo desaparecimento do suporte fático apontado para sua decretação 3 Concessão de liberdade provisória com ou sem fiança disposta como uma medida cautelar na verdade uma contracautela alternativa à prisão preventiva nos termos do art 310 III do CPP No sistema brasileiro situase após a prisão em flagrante e antes da prisão preventiva como medida impeditiva da prisão cautelar Não é uma medida originária senão substitutiva da prisão em flagrante já efetivada É dela que iremos nos ocupar agora É a liberdade provisória uma forma de evitar que o agente preso em flagrante tenha sua detenção convertida em prisão preventiva Daí por que quando um juiz nega o pedido de liberdade provisória da defesa homologa a prisão em flagrante e decreta a prisão preventiva atendendo o requerimento do Ministério Público o habeas corpus impetrado será para obter a concessão de liberdade provisória que deveria ter sido concedida antes mas não o foi e não para revogação da prisão preventiva ou ainda para obter a substituição da prisão preventiva por uma medida cautelar diversa Quando a discussão situase em torno do art 310 II do CPP e a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e o argumento é o de que nunca houve o risco previsto no art 312 do CPP o habeas corpus busca a liberdade provisória ilegalmente negada Então é caso de concessão de liberdade provisória E quando há prisão em flagrante servindo de medida preparatória para a decretação da prisão preventiva e posteriormente esse fundamento periculum libertatis desaparece é caso de revogação ou de concessão de liberdade provisória É caso de revogação O desaparecimento do suporte fático da situação acautelatória que suporta a prisão preventiva periculum libertatis conduz à revogação da medida cautelar Logo desaparecido o risco de fuga o clamor social ou o perigo para a coleta da prova a instrução está encerrada por exemplo terá cabimento o pedido de revogação da prisão cautelar Da mesma forma quando não existe prisão em flagrante e com base na investigação preliminar e no pedido do Ministério Público o juiz decreta a prisão preventiva o habeas corpus interposto será para revogação da prisão e restabelecimento da liberdade plena Essa é uma distinção relevante e que não raras vezes costuma ser encoberta pelo confusionismo de conceitos Há que se ter um mínimo de atenção às categorias processuais principalmente diante do imbróglio normativo do CPP brasileiro Compreendido isso evidenciase que a liberdade provisória se estrutura diretamente sobre as bases da prisão em flagrante115 E como explicamos anteriormente a prisão em flagrante é précautelar preparatória de uma cautelar de verdade como a prisão preventiva de forma que a liberdade provisória inserese em linha direta de colisão com ela impedindoa Mas e se a liberdade provisória vinculase diretamente à prisão em flagrante como explicar o art 334 do CPP quando afirma que a fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória Porque a fiança pode ser aplicada a qualquer tempo como medida cautelar diversa assim estabelecida no art 319 VIII do CPP Na sistemática do art 319 a fiança adquire o status de medida autônoma da liberdade provisória e por isso pode ser aplicada em qualquer fase do processo 82 Regime Jurídico da Liberdade Provisória Com a Lei n 124032011 obtevese um sistema cautelar polimorfo com diferentes instrumentos e possibilidades jurídicas do tratamento do regime de liberdade provisória Sem olvidar que a liberdade provisória situase após a prisão em flagrante como alternativa à prisão preventiva pode ela ter o seguinte regime jurídico liberdade provisória com fiança liberdade provisória com fiança e outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP liberdade provisória sem fiança mas com a submissão às medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP liberdade provisória sem fiança mas com obrigação de comparecer a todos os atos do processo quando o agente praticar o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude art 310 parágrafo único A nova redação do art 310 é muito clara neste ponto Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Comecemos pelo fim O parágrafo único tutela uma situação muito peculiar em que o agente pratica o fato ao abrigo ainda que aparente de uma causa de exclusão da ilicitude caso em que não cabe a prisão preventiva art 314 Será então concedida liberdade provisória sem a exigência de fiança notese a diferença da redação do parágrafo em relação ao caput mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo Essa é neste caso específico a única obrigação que pode ser imposta ao imputado Analisemos agora o disposto no caput do art 310 Estando formalmente perfeita a prisão em flagrante será homologada do contrário é caso de relaxamento passando o juiz na continuação a verificar a necessidade da prisão preventiva ou a possibilidade de concessão de liberdade provisória com ou sem fiança cumulada ou não com alguma das medidas cautelares diversas do art 319 do CPP Nesta linha determina o art 321 Art 321 Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva o juiz deverá conceder liberdade provisória impondo se for o caso as medidas cautelares previstas no art 319 deste Código e observados os critérios constantes do art 282 deste Código Nesta perspectiva poderá o juiz conceder a liberdade provisória com fiança cujo valor será fixado nos termos do art 325 do CPP b liberdade provisória com fiança e outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP posto que a situação exige a maior restrição e controle da liberdade do réu c liberdade provisória sem fiança porque o réu não tem condições de pagála art 350 impondolhe as condições dos arts 327 e 328 e ainda se necessário de medida cautelar diversa isolada ou cumulada com outra medida prevista no art 319 do CPP Portanto diante do rol de medidas cautelares diversas previstas no art 319 amplas são as possibilidades de tutela sem que seja necessário recorrerse à prisão preventiva até porque não se pode olvidar o disposto no art 282 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar Por fim descumpridas quaisquer das condições impostas poderá o juiz impor mais alguma medida cautelar diversa mais gravosa ou em caso de real necessidade decretar a prisão preventiva Esse é o princípio da provisionalidade das medidas cautelares anteriormente explicado e para onde remetemos o leitor para evitar repetições 83 Da Fiança A fiança é uma contracautela uma garantia patrimonial caução real prestada pelo imputado e que se destina inicialmente ao pagamento das despesas processuais multa e indenização em caso de condenação mas também como fator inibidor da fuga Ou seja é a fiança considerando o elevado valor que pode atingir um elemento inibidor desestimulante da fuga do imputado garantindo assim a eficácia da aplicação da lei penal em caso de condenação Guarda por isso uma relação de proporcionalidade em relação à gravidade do crime e também em relação às possibilidades econômicas do imputado Neste sentido determina o art 336 Art 336 O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas da indenização do dano da prestação pecuniária e da multa se o réu for condenado Parágrafo único Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória art 110 do Código Penal Chama a atenção o disposto no parágrafo único do dispositivo no sentido de que se o réu for condenado mas tiver declarada extinta a punibilidade pela prescrição a fiança prestada continuará respondendo pelas custas processuais e indenização pelo dano Não vislumbramos como exigir prestação pecuniária e multa pois igualmente prescritas O Estado perde o poder de punir mas isso não isenta o réu das custas do processo e tampouco o exime da responsabilidade civil decorrente do delito Portanto no que tange ao dano considerando que as esferas de responsabilidade civil e penal são distintas e que a declaração de extinção da punibilidade não afeta a pretensão indenizatória está correta a previsão mas responderá apenas pelo dano fixado na sentença penal art 387 IV O instituto da fiança foi profundamente modificado na Reforma Processual de 2011 tendo agora um campo de atuação muito maior A fiança passa a ter duas dimensões de atuação aplicada no momento da concessão da liberdade provisória art 310 portanto como condição imposta neste momento e vinculada à liberdade provisória como medida cautelar diversa art 319 Nos termos do art 310 III anteriormente analisado o juiz recebendo o auto de prisão em flagrante poderá após sua homologação decretar a prisão preventiva ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança Neste momento tem uma característica mais clara de contracautela para evitar a decretação da prisão preventiva e vinculada à concessão da liberdade provisória Importante destacar que o art 310 é expresso conceder liberdade provisória com ou sem fiança Significa dizer que neste momento é possível homologar o flagrante e conceder liberdade provisória sem fiança pois não é a afiançabilidade condição sine qua non para a liberdade provisória E qual a relevância disso Para os crimes inafiançáveis Evidenciase que não existe prisão cautelarobrigatória e que o flagrante não prende por si só como já explicado de modo que mesmo sendo o crime hediondo ou qualquer outro inafiançável poderá o juiz conceder liberdade provisória sem fiança e mediante a imposição de uma ou mais medidas cautelares diversas conforme o caso Diante de um flagrante por crime inafiançável não estando presente o periculum libertatis da prisão preventiva ou ao menos não em nível suficiente para exigir a prisão preventiva poderá o juiz conceder a liberdade provisória sem fiança mas com medidas cautelares alternativas com suficiência para tutelar a situação fática de perigo Ainda que não se imponha fiança por ser inafiançável poderá o juiz lançar mão do monitoramento eletrônico e da proibição de ausentarse da comarca ou país por exemplo O que não se pode tolerar é simplesmente manter alguém preso por ser o crime inafiançável Não isso não pode ocorrer pois o sistema cautelar possui diversas alternativas para tutelar uma situação de perigo e não há possibilidade de execução antecipada de pena Superada essa questão vejamos a fiança do art 319 VIII assim estabelecida Art 319 VIII fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título podendo ser cumulada com outras medidas cautelares NR Situada no Capítulo das medidas cautelares diversas essa fiança tem outra estrutura Poderá ser aplicada a qualquer momento nos termos do art 334 Art 334 A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória Essa fiança poderá ser exigida inclusive como reforço da tutela cautelar no momento da sentença condenatória para garantir que o réu possa recorrer em liberdade diminuindo o risco de fuga fator inibidor Como as demais medidas cautelares diversas essa fiança pode ser aplicada de forma isolada ou cumulada com outra medida prevista no art 319 e tem como função precípua assegurar o comparecimento a atos do processo evitar obstrução do seu andamento ou em caso de resistência à ordem judicial Nos dois primeiros casos é manifesta a tutela do processo seja pelo viés de tutela da prova seja para assegurar a aplicação da lei penal Já a parte final do artigo foge a essa sistemática tendo uma finalidade punitiva ao exigir fiança de quem tenha resistido de forma injustificada à ordem judicial Primeiro ponto criticável é exatamente esse defeito genético ou seja onde está a cautelaridade desta medida Segundo aspecto é que o dispositivo parece criar uma terceira espécie de fiança ou seja temos a fiança aplicada junto com a liberdade provisória do art 310 a fiança como medida cautelar diversa art 310 VIII primeira parte e uma fiança punitiva art 310 VIII última parte Mas tudo isso sem uma sistemática clara Terceiro problema é a vagueza do dispositivo Podese exigir fiança em caso de descumprimento de qualquer ordem judicial Se o réu é intimado para participar de um reconhecimento pessoal e não comparece pode serlhe imposta essa fiança Se não comparece na audiência de instrução ainda que intimado pode ser imposta a fiança Dependendo da interpretação e da argumentação que se dê sim poderia ser imposta a fiança o que nos parece juridicamente absurdo Não só porque não existe cautelaridade alguma mas também porque se presta ao remeter para o adjetivo injustificada a manipulações e interpretações autoritárias que inclusive neguem o direito de silêncio do réu O que será uma resistência injustificada à ordem judicial Aquilo que o juiz que emitiu a ordem judicial disser que é pois a ele também caberá decidir sobre a fiança Portanto pensamos que essa fiança punitiva é de duvidosa constitucionalidade e deve ser usada quando muito para reforçar alguma medida cautelar imposta e descumprida tendo sua aplicação restrita ao descumprimento de alguma das cautelares diversas deste art 319 84 Valor Reforço Dispensa Destinação Cassação Quebramento e Perda da Fiança Vejamos agora sistematicamente esses pontos a VALOR Fixada em salários mínimos a fiança deve observar o binômio gravidade do delito e possibilidade econômica do agente nos termos dos arts 325 e 326 do CPP a saber Art 325 O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites I de 1 um a 100 cem salários mínimos quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade no grau máximo não for superior a 4 quatro anos II de 10 dez a 200 duzentos salários mínimos quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 quatro anos 1º Se assim recomendar a situação econômica do preso a fiança poderá ser I dispensada na forma do art 350 deste Código II reduzida até o máximo de 23 dois terços ou III aumentada em até 1000 mil vezes A Lei n 124032011 revitalizou a fiança e principalmente estabeleceu um vasto campo de aplicação e a possibilidade de fixação de valores elevados suficientes para à luz da gravidade do crime e das condições econômicas do imputado minimizar os riscos de fuga Valores elevados não apenas desestimulam a fuga mas principalmente criam uma situação econômica completamente desfavorável dificultando muito que o imputado tenha condições financeiras para fugir e se manter assim por longos períodos Ademais a fuga dará causa ao perdimento da integralidade do valor como se verá a continuação Dessarte ao mesmo tempo em que pode ser dispensada a fiança para aqueles imputados que não tiverem condições econômicas para suportála art 350 mas submetendoos a outras medidas cautelares do art 319 e também dos arts 327 e 328 conforme o caso ou reduzida em até 23 também poderá ter o valor aumentado em até mil vezes Com isso em situações graves e se o imputado tiver excepcionais condições econômicas a fiança poderia em tese ser fixada em 200000 salários mínimos ou seja uma cifra astronômica É claro que dificilmente se chegará a um valor desses mas existe a possibilidade jurídica de fixar uma fiança em limites econômicos que realmente tenham relevância para o imputado à luz da gravidade do crime e de sua riqueza Poderá consistir em depósito em dinheiro pedras objetos ou metais preciosos títulos da dívida pública federal estadual ou municipal ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar art 330 do CPP b QUEM PODE CONCEDER A fiança conforme as situações anteriormente explicadas poderá ser imposta em qualquer fase da investigação ou do processo até o trânsito em julgado tanto pela autoridade judicial com também policial A fiança imposta pela polícia está limitada pelo art 322 Art 322 A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 quatro anos Parágrafo único Nos demais casos a fiança será requerida ao juiz que decidirá em 48 quarenta e oito horas NR O campo de aplicação da fiança policial foi substancialmente ampliado pela Reforma Processual de 2011 cabendo ao Delegado de Polícia fixála em qualquer crime cuja pena máxima não exceda 4 anos Em caso de recusa ou demora injustificada por parte da autoridade policial em conceder a fiança aplica se o art 335 Art 335 Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança o preso ou alguém por ele poderá prestála mediante simples petição perante o juiz competente que decidirá em 48 quarenta e oito horas Havendo demora por parte da autoridade policial ou nos demais casos em que a pena máxima é superior a 4 anos caberá ao imputado solicitála ao juiz ou ainda mesmo que não solicite deverá a autoridade judiciária se manifestar sobre ela por força do art 310 do CPP c DISPENSA DE PAGAMENTO Se as condições econômicas do imputado forem desfavoráveis e ele não tiver condições de arcar com a fiança o art 350 autoriza o juiz a conceder a liberdade provisória sem o pagamento mas subordinando as condições dos arts 327 e 328 Art 350 Nos casos em que couber fiança o juiz verificando a situação econômica do preso poderá concederlhe liberdade provisória sujeitandoo às obrigações constantes dos arts 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares se for o caso Parágrafo único Se o beneficiado descumprir sem motivo justo qualquer das obrigações ou medidas impostas aplicarseá o disposto no 4º do art 282 deste Código Além das medidas do art 327 e 328 poderá o juiz aplicar outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 conforme a necessidade da situação d REFORÇO Nos termos do art 340 do CPP será exigido o reforço da fiança ou seja um acréscimo a ser pago pelo imputado quando I a autoridade tomar por engano fiança insuficiente II houver depreciação material ou perecimento dos bens caucionados III for inovada a classificação do delito nos termos dos arts 383 ou 384 para um crime mais grave São situações em que houve perda do valor econômico da fiança ou a verificação da sua insuficiência mas sem que o imputado tenha dado causa a esse perecimento Por esse motivo oportunizaselhe o reforço mas se não for feito acarretará a prisão e tornará a fiança sem efeito art 340 parágrafo único É claro que esse reforço deve observar a proporcionalidade e também o binômio gravidade do crime possibilidade econômica do imputado inclusive no que tange ao art 350 impossibilidade de pagamento e DESTINAÇÃO Se o réu for condenado e se apresentar para cumprir a pena imposta serlheá devolvido o valor dado em garantia abatendose o valor das custas multa e indenização aquela fixada na sentença penal Se absolvido a fiança é deixada sem efeito devolvendolhe todos os valores Neste sentido é importante a leitura dos arts 336 e 337 Art 336 O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas da indenização do dano da prestação pecuniária e da multa se o réu for condenado Parágrafo único Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória art 110 do Código Penal Art 337 Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal o valor que a constituir atualizado será restituído sem desconto salvo o disposto no parágrafo único do art 336 deste Código Quanto ao parágrafo único do art 336 repetimos a lição anterior no sentido de que se o réu for condenado mas tiver declarada extinta a punibilidade pela prescrição a fiança prestada continuará respondendo pelas custas processuais e indenização pelo dano Não vislumbramos como exigir prestação pecuniária e multa pois igualmente prescritas O Estado perde o poder de punir mas isso não isenta o réu das custas do processo e tampouco o exime da responsabilidade civil decorrente do delito Portanto no que tange ao dano considerando que as esferas de responsabilidade civil e penal são distintas e que a declaração de extinção da punibilidade não afeta a pretensão indenizatória está correta a previsão mas responderá apenas pelo dano fixado na sentença penal art 387 IV f CASSAÇÃO Quando incabível a fiança nos termos dos arts 338 e 339 deverá a fiança ser cassada e os valores ser devolvidos integralmente ao réu Não se impõe prisão automática pela cassação A situação fática deve ser avaliada à luz do sistema cautelar e se necessários e presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis poderá ser aplicada outra medida cautelar diversa de forma isolada ou cumulativa e em último caso decretada a prisão preventiva g QUEBRAMENTO A fiança será considerada quebrada quando Art 341 Julgarseá quebrada a fiança quando o acusado I regularmente intimado para ato do processo deixar de comparecer sem motivo justo II deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo III descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança IV resistir injustificadamente a ordem judicial V praticar nova infração penal dolosa O quebramento da fiança acarretará perda de metade do valor e caberá ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou em último caso decretar a prisão preventiva Dada a gravidade do quebramento da fiança deverá ser analisada com muita prudência pelo juiz que decidirá observando os critérios de necessidade e adequação reservando a prisão preventiva para situações extremas Inclusive a abertura conceitual contida nos incisos do art 341 exige interpretação restritiva sob pena de cairse no decisionismo autoritário Ademais os incisos IV e V podem se revelar claramente inconstitucionais no caso concreto por violar a presunção de inocência A mera prática de outra infração não pode justificar o quebramento da fiança pois manifesta seria a violação da presunção de inocência e conforme o caso inequívoca desproporcionalidade h CONSEQUÊNCIAS DO QUEBRAMENTO Conforme dispõe o art 343 Art 343 O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou se for o caso a decretação da prisão preventiva Como explicado no item anterior as consequência do quebramento da fiança são graves e deverá o juiz decidir de forma fundamentada sobre a imposição de outras medidas cautelares ou até mesmo em casos graves de prisão preventiva sempre observando a necessidade e adequação da medida i PERDA Está prevista no art 344 a saber Art 344 Entenderseá perdido na totalidade o valor da fiança se condenado o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta Como medida de contracautela a fiança serve para vincular o imputado ao processo e seu resultado final ou seja a aplicação da lei penal em caso de condenação Portanto se o condenado não se apresentar para cumprir a pena perderá o valor total da fiança e será preso 85 Crimes Inafiançáveis e Situações de Inafiançabilidade Ausência de Prisão Cautelar Obrigatória Concessão de Liberdade Provisória sem Fiança e com Imposição de Medidas Cautelares Diversas Ainda que a Constituição contenha um claro projeto penalizador e nisso houve um retrocesso civilizatório chegando ao extremo de resgatar a inafiançabilidade jamais nela foi contemplada a prisão cautelar obrigatória Concordamos com PACELLI116 quando afirma que a Constituição chegou absolutamente desatualizada em tema de liberdade provisória trazendo uma enorme perplexidade ao renovar ou ressuscitar a antiga expressão da inafiançabilidade cujo único significado era e ainda é para nós a impossibilidade de aplicação do regime de liberdade com fiança Mas repetimos jamais foi recepcionada a prisão cautelar obrigatória até porque não seria cautelar mas sim antecipação de pena absolutamente incompatível com a presunção de inocência e todo rol o de direitos fundamentais Novo paradoxo agora com nuance constitucional e se alguém for preso em flagrante por crime tido como inafiançável caberá liberdade provisória Sim elementar Do contrário haveria um duplo erro dar ao flagrante um poder e alcance que ele não tem pois não é uma medida cautelar senão précautelar e portanto precária e de outro lado estabelecer um regime de prisão obrigatória não cautelar que o sistema não comporta Logo deve o juiz analisar o disposto no art 310 do CPP e se presentes o requisito e fundamento da prisão preventiva decretála ou do contrário conceder ao agente liberdade provisória sem fiança e considerando a gravidade do fato determinar a aplicação de uma ou mais medidas cautelares diversas tais como monitoramento eletrônico restrição de circulação proibição de afastarse da comarca ou país etc Ademais ainda que a Constituição efetivamente defina crimes inafiançáveis art 5º XLIII o próprio texto constitucional consagra a liberdade provisória sem fiança no art 5º LXVI E mais a própria Constituição determina que ninguém será preso senão em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente Logo a fundamentação implica demonstração de necessidade da medida pois se fosse obrigatória seria um ato judicial automático sem a necessidade de qualquer fundamentação Isso sem falar na presunção de inocência incompatível com qualquer espécie de prisão obrigatória até porque sequer cautelar seria mas sim uma verdadeira pena antecipada Devese considerar assim que o juízo de necessidade da prisão cautelar é concreto pois implica análise de determinada situação fática pois é da essência das prisões cautelares o caráter de medidas situacionais O juízo de necessidade não admite uma valoração a priori no sentido kantiano de antes da experiência senão que demanda uma verificação in concreto E mais fiança e liberdade provisória são institutos distintos inclusive com a nova redação do art 319 consagrouse uma fiança autônoma que pode ser aplicada até o trânsito em julgado Portanto quando se veda a fiança não se proíbe necessariamente a concessão de liberdade provisória Esse é o ponto nevrálgico da questão A inafiançabilidade gera como consequências práticas a impossibilidade de concessão de liberdade provisória com fiança por parte da autoridade policial a liberdade provisória ficará sujeita à imposição de outras medidas cautelares diversas art 319 conforme a necessidade da situação No primeiro caso a decisão sobre a concessão da liberdade provisória é exclusiva do juiz nos termos do art 310 a quem caberá impor as medidas cautelares alternativas necessárias e adequadas ao caso Em qualquer situação a inafiançabilidade acaba por impor para concessão da liberdade provisória a submissão do imputado a uma ou mais medidas cautelares diversas mais gravosas do que a fiança entre aquelas previstas no art 319 do CPP Ou seja a inafiançabilidade veda apenas a concessão da liberdade provisória com fiança mas não a liberdade provisória vinculada a medidas cautelares diversas mais gravosas que o mero pagamento de fiança Compreendido isso encontramos as situações de inafiançabilidade nos arts 323 e 324 do CPP Art 323 Não será concedida fiança I nos crimes de racismo II nos crimes de tortura tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins terrorismo e nos definidos como crimes hediondos III nos crimes cometidos por grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático Art 324 Não será igualmente concedida fiança I aos que no mesmo processo tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido sem motivo justo qualquer das obrigações a que se referem os arts 327 e 328 deste Código II em caso de prisão civil ou militar III revogado IV quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva art 312 Com o advento da Lei n 124032011 operouse mais uma reforma processual parcial em que são aproveitados os artigos já existentes sua divisão temática e modificada apenas a redação Por esse motivo as situações de inafiançabilidade que deveriam estar no mesmo artigo acabam subdividas em dois sem qualquer lógica sistêmica Até a reforma de 2011 o art 323 considerava fatores objetivos de inafiançabilidade e o art 324 fatores subjetivos inerentes ao agente Agora isso não foi completamente observado e o art 324 mistura situações diversas No art 323 vislumbramos situações em que a inafiançabilidade é objetiva ou seja toma como critério definidor a natureza do delito seguindo o mandamento constitucional do art 5º incisos XLII XLIII e XLIV da Constituição Já o art 324 I é de natureza subjetiva vedando a fiança ao imputado que nesse mesmo processo em que ela foi concedida a tenha quebrado anteriormente ou infringido as obrigações dos arts 327 e 328 Significa dizer que o agente já tinha se beneficiado da liberdade provisória com fiança e nos termos do art 341 a regularmente intimado para ato do processo deixou de comparecer sem motivo justo b deliberadamente praticou ato de obstrução ao andamento do processo c descumpriu medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança d resistiu injustificadamente a ordem judicial e praticou nova infração penal dolosa Nestes casos ou será decretada a prisão preventiva ou será imposta uma medida cautelar mais gravosa na medida em que o imputado não só descumpriu as condições impostas mas também quebrou a confiança que lhe foi concedida A prisão civil do inciso II do art 324 atende a outra finalidade de caráter coercitivo para forçar o agente a pagar os alimentos devidos Portanto a concessão de fiança seria completamente contrária à natureza desta prisão pois geraria o paradoxo de o agente preferir pagar a fiança e continuar inadimplente com a prestação alimentar por exemplo Quanto à prisão do militar seja ela disciplinar ou não merece tratamento especial no Código Penal Militar e no Código de Processo Penal Militar daí a ressalva pois devem ser observados os regramentos lá constantes Por fim o inciso IV deve ser contextualizado no sentido de que se presentes o requisito e fundamento da prisão preventiva e sendo ela necessária não se concederá liberdade provisória com fiança A necessidade da prisão preventiva é incompatível com a fiança por elementar pois são situações excludentes Dessarte o fato de ser o crime inafiançável não acarreta por si só a prisão preventiva do agente Sempre deverá o juiz verificar a necessidade da prisão preventiva no caso concreto à luz de seus requisitos e fundamentos sem olvidar que a prisão somente pode ser aplicada quando as medidas cautelares diversas não forem suficientes e adequadas Fiança e liberdade provisória são institutos distintos de modo que quando se veda a fiança não se proíbe necessariamente a concessão de liberdade provisória que poderá ser concedida em conjunto com as medidas alternativas previstas no art 319 do CPP 86 Ilegalidade da Vedação à Concessão de Liberdade Provisória Possibilidade em Crimes Hediondos e Equiparados Nova Lei de Tóxicos Estatuto do Desarmamento e Lei n 9613 Lavagem de Dinheiro Com relação aos crimes hediondos até o advento da Lei n 114642007 havia uma restrição legal à concessão de liberdade provisória insculpida no art 2º II da Lei n 8072 Sempre houve divergência sobre a validade substancial de tal norma havendo para nós uma flagrante inconstitucionalidade O acerto da posição doutrinária que sempre resistiu a essa absurda vedação de liberdade provisória previsto na hedionda Lei n 8072 finalmente veio reconhecido pela mudança legislativa tardia é verdade da Lei n 11464 Agora tendo sido preso o agente em flagrante delito pode ser concedida a liberdade provisória nos crimes hediondos tortura tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e terrorismo Isso não significa que não se possa lançar mão da prisão preventiva nesses casos Nada disso A prisão preventiva poderá ser decretada desde que presentes seus pressupostos fumus commissi delicti e periculum libertatis e a real necessidade do contrário deverá o juiz conceder liberdade provisória mediante submissão do imputado às medidas cautelares diversas do art 319 conforme o caso Também foi afetada a Lei n 11343 pois seu art 44 que vedava a liberdade provisória nos crimes previstos nos arts 33 caput e 1º e 34 a 37 não mais subsiste diante da alteração legislativa contida na Lei n 11464 Essa questão foi definitivamente resolvida no HC 104339SP Rel Min Gilmar Mendes julgado em 10052012 Finalmente o STF declarou no dia 10 de maio de 2012 a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória ou seja a vedação de concessão contida no art 44 da Lei de Tóxicos Corretamente entendeu o STF que o legislador não pode restringir o poder de o juiz analisar a possibilidade de conceder ou não a liberdade provisória As discussões estabelecidas no julgamento evidenciaram que os ministros não admitem a possibilidade de uma lei vedar a concessão de liberdade provisória retirando a análise do periculum libertatis das mãos do juiz Segundo o relator Min Gilmar Mendes a inconstitucionalidade da norma reside no fato de que ela estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória onde a liberdade seria exceção em sentido oposto ao sistema de garantias da Constituição Além disso o Min Celso de Mello ressaltou que regras como essas transgridem o princípio da separação de Poderes Para o ministro o juiz tem o dever de aferir se estão presentes hipóteses que autorizam a liberdade Lewandowski concordou com Celso e afirmou que o princípio da presunção de inocência e a obrigatoriedade de fundamentação das ordens de prisão pela autoridade competente impedem que a lei proíba de saída a análise de liberdade provisória No julgamento os ministros deixaram claro que não se trata de impedir a decretação da prisão provisória quando necessário mas de não barrar a possibilidade de o juiz que é quem está atento aos fatos específicos do processo analisar se ela é ou não necessária Em última análise como sempre explicamos a decretação ou não da prisão preventiva em qualquer processo ou momento procedimental depende exclusivamente do aferimento da necessidade da prisão estimado pela conjugação do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Com relação ao Estatuto do Desarmamento Lei n 10826 o art 21 foi declarado inconstitucional pela ADIn 31121 em 02052007 acórdão publicado no DJ 26102007117 Portanto como já afirmávamos antes da ADIN 31121 a proibição de concessão de fiança e liberdade provisória é flagrantemente inconstitucional e o mesmo raciocínio deve ser aplicado a leis similares Por fim nessa mesma linha argumentativa situase nosso rechaço à vedação de liberdade provisória estabelecida no art 3º da Lei n 961398 que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens direitos e valores Tratase de restrição legislativa substancialmente inconstitucional pois limita a presunção de inocência através de um critério abstrato genérico e antecipado incompatível com a epistemologia do sistema de prisões cautelares Em outras palavras a presunção de inocência pode ser limitada mas não de forma a priori no sentido kantiano ou seja antes da experiência Há que se operar dentro da epistemologia das prisões cautelares fulcradas que estão na excepcionalidade e na concreta demonstração de seus pressupostos Assim como se afirma desde o advento da Lei n 8072 não há prisão cautelar obrigatória senão que se trata de medida excepcional cujos pressupostos e necessidade devem ser estritamente demonstrados no caso concreto Vedar a liberdade provisória é o mesmo absurdo de falarse em prisão cautelar obrigatória Assim se mesmo antes do advento da Lei n 11464 já não se aceitava a vedação da concessão da liberdade provisória agora reforçada está essa posição que acrescenta um novo argumento se cabe liberdade provisória para os crimes mais graves como os hediondos e equiparados como proibir sua concessão em relação a crimes menos graves como aqueles previstos na Lei n 9613 Elementar que não cabe mais tal vedação E mais como sublinha GOMES118 os institutos previstos na Lei n 11464 que sejam mais benéficos para o réu devem por evidente retroagir para beneficiálo Regra essa que não se aplica à progressão de regime pois a nova Lei exige um quantum superior àquele previsto no art 112 da LEP Explicamos o cumprimento diferenciado da pena 25 se primário e 35 se reincidente imposto aos crimes hediondos e equiparados somente é aplicável àqueles crimes praticados a partir do dia 29032007 Os réus que tenham praticado crimes hediondos ou equiparados antes dessa data independente de quando se inicie a execução que pode ser muito tempo depois deverão ter a progressão analisada com o cumprimento de 16 da pena regra geral do art 112 da LEP Por fim reforça nosso argumento o disposto no art 282 6 do CPP que expressamente consagra a prisão preventiva como ultima ratio do sistema cautelar oportunizando no art 319 um rol de medidas alternativas a serem impostas pelo juiz conforme a necessidade do caso 1 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 549 2 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 8 3 Atualmente pensamos ser esta a posição majoritária avalizada pela melhor doutrina seja na Espanha Sara Aragoneses PrietoCastro Herce Quemada Fairen Guillen entre outros ou na Itália Carnelutti Calamandrei 4 MARTINEZ Sara Aragoneses et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Editorial Centro de Estudios Ramon Areces 1996 p 387 5 No mesmo sentido recomendamos a leitura de Roberto Delmanto Junior na obra As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração Rio de Janeiro Renovar 2003 p 83 e 155 6 Publicada originariamente em Padova no ano de 1936 7 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari Pádova CEDAM 1936 p 18 8 Entre outros é por esse motivo que a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não possui natureza cautelar sendo portanto substancialmente inconstitucional 9 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 107 10 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari cit p 47 11 Conceito que foi bem tratado por GIOVANNI CONSO ao longo da obra Il Concetto e le Specie DInvalidità introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali Milano Dott A Giuffrè 1972 12 A prisão temporária está prevista na Lei n 796089 e determina que a segregação durará até 5 dias prorrogáveis por igual período Em se tratando de crime hediondo ou equiparado a prisão temporária poderá durar até 30 dias prorrogáveis por igual período nos termos da Lei n 8072 13 RHC PRISÃO PREVENTIVA SÚMULA N 52STJ A Turma deu provimento ao recurso em habeas corpus para que o recorrente preso há mais de três anos aguarde em liberdade o julgamento do processo mediante o compromisso de comparecer a todos os atos do processo para os quais for chamado Isso no entendimento de que ainda que encerrada a instrução é possível reconhecer o excesso de prazo diante da garantia da razoável duração do processo prevista no art 5º LXXVIII da CF1988 com a reinterpretação da Súmula n 52STJ à luz da EC 452004 14 Súmula n 52 Encerrada a instrução criminal fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo 15 BADARÓ Gustavo Henrique e LOPES JR Aury Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 110 e ss 16 Idem ibidem p 113 17 Na Espanha o Tribunal Constitucional STC n 17885 definiu que a duração deve ser tão somente a que se considere indispensável para conseguir a finalidade pela qual foi decretada No mesmo sentido também já tem decidido o Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos casos Weinhoff junho68 Neumeister junho68 Bezicheri out85 entre outros Para evitar abusos o art 174 da Constituição da Espanha dispõe que por lei irá se determinar o prazo máximo de duração da prisão provisória O regramento do dispositivo constitucional encontrase no art 504 da LECrim com a nova redação dada pela LO n 132003 que disciplina o prazo máximo de duração dessa medida cautelar levandose em consideração a pena abstratamente cominada no tipo penal incriminador Assim a prisão cautelar poderá durar no máximo até 1 ano se a pena cominada for até 3 anos até 2 anos se a pena cominada for superior a 3 anos É possível a prorrogação em situações excepcionais por mais 6 meses no primeiro caso e até 2 anos no segundo Se o imputado for condenado e recorrer da sentença a prisão cautelar poderá estenderse até o limite de metade da pena imposta Interessante ainda que se a prisão cautelar foi decretada para tutela da prova não poderá durar mais do que 6 meses Por fim atento ao direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável o legislador espanhol alterou a redação do art 507 para estabelecer que o recurso de apelação contra a decisão que decrete prorrogue ou negue o pedido de prisão provisória deverá ser julgado no prazo máximo de 30 dias Na Alemanha StPO 121 a regra geral é a de que a prisão provisória não possa durar mais de 6 meses salvo quando a especial dificuldade a extensão da investigação ou outro motivo importante não permitam prolatar a sentença e justifiquem a manutenção da prisão Em caso de prorrogação se poderá encomendar ao Tribunal Superior do Land que faça um exame sobre a necessidade de manutenção da prisão no máximo a cada 3 meses dever de revisar periodicamente Em Portugal o juiz tem a obrigação de revisar a cada 3 meses a medida cautelar decretada verificando se ainda permanecem os motivos e pressupostos que a autorizaram art 2131 Além disso se passados 6 meses da prisão ainda não tiver sido iniciado o processo com efetiva acusação o imputado deverá ser colocado em liberdade salvo situação de excepcional complexidade Também como regra geral o CPP português prevê que se passados 18 meses sem sentença ou 2 anos sem trânsito em julgado deve o acusado ser posto em liberdade salvo se a gravidade do delito ou sua complexidade justificar a ampliação do prazo Na Itália o CPP utiliza o critério de quantidade da pena em abstrato para determinar o tempo máximo de duração da prisão cautelar e para isso existe uma grande variedade de prazos conforme a gravidade do delito e a fase em que se encontra o processo É importante ressalvar que o legislador italiano determinou que os prazos devem ser considerados independentes e autônomos para cada fase do processo É óbvio que a duração fixada pode ser considerada dependendo do caso excessiva mas ao menos existe um referencial normativo para orientar a questão e até mesmo definir o objeto da discussão O que é inadmissível é a inexistência total de limites normativos como sucede no sistema brasileiro 18 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 776 e ss 19 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Santís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v II p 75 20 Dada sua relevância o princípio da proporcionalidade exigiria um amplo estudo que ultrapassa os limites do presente trabalho Até mesmo a questão terminológica proporcionalidade ou razoabilidade já seria motivo de debate Assim para o leitor interessado sugerimos que a leitura inicie pelos constitucionalistas que muito têm se dedicado ao tema especialmente de J J Gomes Canotilho Direito Constitucional e Teoria da Constituição e também de monografias específicas como as obras Por uma Teoria dos Princípios O Princípio Constitucional da Razoabilidade de Fabio Corrêa Souza de Oliveira e O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais de Suzana de Toledo Barros 21 MARTINEZ Sara Aragoneses et al Op cit p 389 22 SOUZA DE OLIVEIRA Fábio Corrêa Por uma Teoria dos Princípios O Princípio Constitucional da Razoabilidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 321 23 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 150152 24 SOUZA DE OLIVEIRA op cit p 321 25 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit t II p 77 26 Idem p 78 27 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Gerrero Bogotá Temis 2000 v 1 p 410 28 BANACLOCHE PALAO Julio La Libertad Personal y sus Limitaciones Madrid McGraw Hill 1996 p 292 29 Invocando aqui o consagrado conceito de strumentalità qualificata tão bem explicado por CALAMANDREI na obra Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 22 30 FERRAIOLI Marzia e DALIA Andrea Antonio Manuale di Diritto Processuale Penale Milano Cedam 1997 p 228 e ss 31 A título de ilustração vejamos a duração da prisão em flagrante em alguns outros países Na Espanha o detido em flagrante deverá ser apresentado ao juiz no prazo máximo de 24h art 496 da LECrim momento em que será convertida em prisión provisional ou será concedida a liberdade provisória A lei processual alemã StPO 128 determina que o detido deverá ser conduzido ao juiz do Amtsgericht em cuja jurisdição tenha ocorrido a detenção de imediato ou quando muito no dia seguinte a detenção Já o Codice de Procedura Penal italiano art 3863 determina que a polícia deverá colocar o detido à disposição do Ministério Público o mais rápido possível ou no máximo em 24h entregando junto o correspondente atestado policial Por fim em Portugal o art 254 a do CPP determina que no prazo máximo de 48h deverá ser efetivada a apresentação ao juiz que decidirá sobre a prisão cautelar aplicável após interrogar o detido e darlhe oportunidade de defesa art 281 da Constituição 32 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 408 33 Invocando aqui o consagrado conceito de strumentalità qualificata tão bem explicado por CALAMANDREI na obra Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 22 34 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit t II p 77 35 Idem ibidem p 78 36 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 410 37 ROXIN Claus Derecho Penal Parte General Tradução da 2ª edição por DiegoManuel Luzón Pena Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal Madrid Civitas 1997 p 329 38 CIRINO DOS SANTOS Juarez Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 112 39 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Penal São Paulo Saraiva 2006 v 4 p 281 40 Idem ibidem v 4 p 282 41 ZAFFARONI Eugenio Raul e PIERANGELLI José Henrique Da Tentativa 3 ed São Paulo RT 1992 p 59 42 BITENCOURT op cit v 1 p 409 43 BADARÓ op cit p 137138 44 Art 304 Apresentado o preso à autoridade competente ouvirá esta o condutor e colherá desde logo sua assinatura entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso Em seguida procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita colhendo após cada oitiva suas respectivas assinaturas lavrando a autoridade afinal o auto 1º Resultando das respostas fundadas a suspeita contra o conduzido a autoridade mandará recolhêlo à prisão exceto no caso de livrarse solto ou de prestar fiança e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo se para isso for competente se não o for enviará os autos à autoridade que o seja 2º A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante mas nesse caso com o condutor deverão assinálo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade 3º Quando o acusado se recusar a assinar não souber ou não puder fazêlo o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas que tenham ouvido sua leitura na presença deste 45 Não raras vezes assistese nas novelas e seriados brasileiros a absurda afirmação de que 24h após o crime ninguém poderá ser preso em flagrante Como bem lembra RANGEL op cit p 569 é comum a expressão fuja do flagrante e apareça 24 horas depois no sentido de que esse lapso impediria a prisão em flagrante delito Juridicamente isso não existe Uma pessoa pode ser presa por exemplo 72h depois do crime e ser flagrante delito desde que ocorra a perseguição prevista no art 302 III Por outro lado alguém pode ser encontrado 10h depois do crime e não ser uma situação de flagrante delito Em suma a crença popular é absolutamente infundada e decorre de uma má compreensão da antiga redação do art 306 O que deve ser feito em 24h sob pena de ilegalidade é a formalização do auto de prisão em flagrante e seu devido encaminhamento à autoridade judiciária competente 46 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 3 p 359 47 Sobre a competência da justiça militar estadual e federal consultese o capítulo específico desta obra 48 Entrevista conduzida por RUI CUNHA MARTINS com FERNANDO GIL acerca dos Modos da Verdade Revista de História das Ideias Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra v 23 2002 p 15 e ss 49 Idem ibidem 50 Idem ibidem 51 A construção é de FERNANDO GIL para quem tratase antes de uma projecção imaginária na evidência vivida na actualidade do conhecer e por isso falo de modo de doação no presente 52 Idem ibidem 53 Modos da Verdade Revista de História das Ideias p 24 54 FERNANDO GIL Modos da Verdade Revista de História das Ideias 2002 p 39 55 Para FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 56 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 11 57 O Código de Processo Penal da Alemanha StPO 112 exige que a pessoa seja fundadamente suspeita do fato delitivo e que exista um motivo para a prisão Isto é suspeita bem fundada alto grau de probabilidade de que o imputado tenha cometido o delito Além disso é necessário que existam como fundamento da prisão perigo de fuga de ocultação da prova gravidade do crime ou perigo de reiteração GÓMEZ COLOMER JuanLuis El Proceso Penal Alemán introducción y normas básicas Barcelona Bosh 1985 p 106 58 SENDRA Vicente Gimeno et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 481 59 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 404 60 ILLESCAS RUS AngelVicente Las Medidas Cautelares Personales en el Procedimiento Penal Revista de Derecho Procesal Madrid n 1 1995 p 66 61 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v 2 p 180 62 CARNELUTTI op cit p 181182 63 CIRILO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 1992 p 120 64 CIRILO DE VARGAS op cit p 120 65 A gravidade do delito por si só não pode justificar a prisão preventiva como reiteradamente vêm decidindo os tribunais superiores Entre as várias decisões citamos a seguinte PRISÃO PREVENTIVA TRÁFICO DE ENTOPERCENTES FUNDAMENTAÇÃO O preso em flagrante e acusado de tráfico de entorpecentes crime de natureza hedionda não pode ter seu pedido de liberdade provisória indeferido pela simples razão da gravidade do delito Necessário que a manutenção da prisão seja fundamentada em fatos que indiquem sua necessidade observados os requisitos previstos no art 312 do CPP Precedentes citados RHC 11631MG DJ 15102001 e HC 31230SP DJ 13092004 HC 39635DF Rel Min José Arnaldo da Fonseca julgado em 17022005 66 Trecho extraído do voto proferido pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 29 67 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 618 68 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 2122 69 A tutela cautelar é quando comparada com o direito material uma tutela mediata mais que fazer justiça serve para garantir o eficaz funcionamento da Justiça Se todos os provimentos jurisdicionais são instrumentos do direito material que através deles se atua nos provimentos cautelares encontrase uma instrumentalidade qualificada ou seja elevada por assim dizer ao quadrado esses são de fato infalivelmente um meio predisposto para melhor resultado do provimento definitivo que por sua vez é um meio para a atuação do direito material são portanto em relação à finalidade última da atividade jurisdicional instrumentos do instrumento Tradução nossa 70 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração Rio de Janeiro Renovar 2003 p 83 71 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 26 72 Idem ibidem p 139 73 SANGUINÉ Odone A Inconstitucionalidade do Clamor Público como Fundamento da Prisão Preventiva Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez n 10 p 114 74 Idem ibidem p 115 75 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração cit p 183 76 SANGUINÉ Odone op cit 77 Tenho criticado aqui e o fiz ainda recentemente ADPF 144 a banalização dos princípios entre aspas da proporcionalidade e da razoabilidade em especial do primeiro concebido como um princípio superior aplicável a todo e qualquer caso concreto o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de corrigir o legislador invadindo a competência deste O fato no entanto é que proporcionalidade e razoabilidade nem ao menos são princípios porque não reproduzem as suas características porém postulados normativos regras de interpretaçãoaplicação do direito No caso de que ora cogitamos esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual não há direitos absolutos E tal como tem sido em nosso tempo pronunciada dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional Deveras a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe sim mas não é absoluto porquanto não se aplica ao caso E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer de súditos cidadãos Diante do inquisidor não temos qualquer direito Ou melhor temos sim vários mas como nenhum deles é absoluto nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudirnos Primeiro essa gazua em seguida despencando sobre todos a pretexto da necessária atividade persecutória do Estado a supremacia do interesse público sobre o individual Essa premissa que se pretende prevaleça no Direito Administrativo não obstante mesmo lá sujeita a debate aqui impertinente não tem lugar em matéria penal e processual penal Esta Corte ensina HC 80263 relator Ministro ILMAR GALVÃO que a interpretação sistemática da Constituição leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar Essa é a proporcionalidade que se impõe em sede processual penal em caso de conflito de preceitos prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie grifo nosso 78 Também PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 519 79 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração cit p 192 80 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 405 81 Trecho extraído do voto proferido pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 35 82 CARVALHO Salo de Pena e Garantias uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 199 83 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael e TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed Madrid Ramon Areces 2007 p 407 84 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 776 e ss 85 ARAGONESES MARTINEZ Sara et al Derecho Procesal Penal 8 ed p 406 86 SENDRA Vicente Gimeno et al Op cit p 481 87 Na doutrina espanhola a partir das reiteradas decisões do Tribunal Constitucional está consagrada a expressão exquisita motivación sendo o adjetivo exquisita visto como de calidad de primor de singular y extraordinaria fundamentación Neste sentido AngelVicente Illescas op cit p 75 88 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v II p 71 89 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 776 e ss 90 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar Dramas Princípios e Alternativas Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 8 e ss 91 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 151 92 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 152 93 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 161 94 MARIATH Carlos Roberto Monitoramento Eletrônico liberdade vigiada p 4 Texto capturado em 14042011 no site httpportalmjgovbrmainaspView57DC54E22F7941219A55F51C56355C47 95 Art 594 O réu não poderá apelar sem recolherse à prisão ou prestar fiança salvo se for primário e de bons antecedentes assim reconhecido na sentença condenatória ou condenado por crime de que se livre solto 96 Art 393 São efeitos da sentença condenatória recorrível I ser o réu preso ou conservado na prisão assim nas infrações inafiançáveis como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança II ser o nome do réu lançado no rol dos culpados 97 NASSIF Aramis Sentença Penal O desvendar de Themis Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 19 98 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Garantias Processuais nos Recursos Criminais São Paulo Atlas 2002 p 152 99 ANDRADE MOREIRA Rômulo O artigo 594 do Código de Processo Penal Uma interpretação Conforme a Constituição In Direito Processual Penal Rio de Janeiro Forense 2003 p 48 100 A Súmula além de reduzir excessivamente a complexidade peca mesmo para os preservacionistas por uma grave falha não prevê a necessidade de fundamentação que demonstre a necessidade da prisão à luz da sistemática cautelar do art 312 do CPP 101 A começar pela urgente revogação da Súmula n 267 a interposição de recurso sem efeito suspensivo contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão A Súmula acaba por pseudolegitimar decisões absurdas de verdadeira prisão obrigatória sem fundamentação alguma expedidas pelos tribunais de justiça e tribunais regionais federais tão logo se esgotem os recursos ordinários Por outro lado é inútil pois é elementar que pode ser expedido mandado de prisão antes do trânsito em julgado basta que seja decretada a prisão preventiva Mas para isso é fundamental observarse os princípios e regras do sistema cautelar O mais importante a Súmula não diz 102 EMENTA HABEAS CORPUS INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA ART 5º LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ART 1º III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL 1 O art 637 do CPP estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória A Constituição do Brasil de 1988 definiu em seu art 5º inciso LVII que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 2 Daí que os preceitos veiculados pela Lei n 721084 além de adequados à ordem constitucional vigente sobrepõemse temporal e materialmente ao disposto no art 637 do CPP 3 A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar 4 A ampla defesa não se a pode visualizar de modo restrito Engloba todas as fases processuais inclusive as recursais de natureza extraordinária Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa também restrição do direito de defesa caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito do acusado de elidir essa pretensão 5 Prisão temporária restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar sem qualquer contemplação nos crimes hediondos exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva Na realidade quem está desejando punir demais no fundo no fundo está querendo fazer o mal se equipara um pouco ao próprio delinquente 6 A antecipação da execução penal ademais de incompatível com o texto da Constituição apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados não do processo penal A prestigiarse o princípio constitucional dizem os tribunais leiase STJ e STF serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos além do que ninguém mais será preso Eis o que poderia ser apontado como incitação à jurisprudência defensiva que no extremo reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais A comodidade a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço 7 No RE 482006 relator o Ministro Lewandowski quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional art 2º da Lei n 236461 que deu nova redação à Lei n 86952 o STF afirmou por unanimidade que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art 5º da Constituição do Brasil Isso porque disse o relator a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses estarseia validando verdadeira antecipação de pena sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação nada importando que haja previsão de devolução das diferenças em caso de absolvição Daí porque a Corte decidiu por unanimidade sonoramente no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1988 afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas 8 Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos Não perdem essa qualidade para se transformarem em objetos processuais São pessoas inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade art 1º III da Constituição do Brasil É inadmissível a sua exclusão social sem que sejam consideradas em quaisquer circunstâncias as singularidades de cada infração penal o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida HC 94408 Rel Min EROS GRAU 2ª Turma j 10022009 DJe059 DIVULG 26032009 PUBLIC 27032009 EMENT VOL0235403 PP00571 RT v 98 n 885 2009 p 493501 RF v 105 n 401 2009 p 572582 103 EMENTA HABEAS CORPUS CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL SUBSISTÊNCIA MESMO ASSIM DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO CULPABILIDADE CF ART 5º LVII RÉUS QUE PERMANECERAM SOLTOS DURANTE O PROCESSO RECONHECIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS ARTIGO 7º N 2 ACÓRDÃO QUE ORDENA A PRISÃO DOS CONDENADOS SEM QUALQUER MOTIVAÇÃO JUSTIFICADORA DA CONCRETA NECESSIDADE DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR DOS ORA PACIENTES AUSÊNCIA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS RE E RESP NÃO OBSTA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE DECRETABILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR POSSIBILIDADE DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS MENCIONADOS NO ART 312 DO CPP NECESSIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA EM CADA CASO DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO PEDIDO DEFERIDO A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL HC 96059 Rel Min CELSO DE MELLO 2ª Turma j 10022009 DJe064 DIVULG 02042009 PUBLIC 03042009 EMENT VOL 0235503 PP00628 LEXSTF v 31 n 364 2009 p 426441 104 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 640 105 CIRILO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais cit p 267 106 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 648 Ressalvese porém que o autor somente admite a fixação de um prazo menor quando houver a concordância do Ministério Público o que nos parece desnecessário Cabe ao juiz acolhendo parcialmente o pedido do Ministério Público fixar a duração da prisão temporária respeitando o limite máximo da lei e controlar os excessos 107 Trecho extraído do voto proferido pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 41 e ss 108 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR Inatividade no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2004 p 166 109 No mesmo sentido afirmando inclusive que o inciso II é redundante em relação ao inciso I Marcellus POLASTRI LIMA A Tutela Cautelar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 246 110 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 479 111 EMENTA I Reclamação alegação de afronta à autoridade da decisão plenária da ADIn 1127 17052006 red pacórdão Ministro Ricardo Lewandowski procedência 1 Reputase declaratória de inconstitucionalidade a decisão que embora sem o explicitar afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidila sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição 2 A decisão reclamada fundada na inconstitucionalidade do art 7 V do Estatuto dos Advogados indeferiu a transferência do reclamante Advogado preso preventivamente em cela da Polícia Federal para sala de Estado Maior e na falta desta a concessão de prisão domiciliar 3 No ponto dissentiu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1127 17052006 red p acórdão Ricardo Lewandowski quando se julgou constitucional o art 7º V do Estatuto dos Advogados na parte em que determina o recolhimento dos advogados em sala de Estado Maior e na sua falta em prisão domiciliar 4 Reclamação julgada procedente para que o reclamante seja recolhido em prisão domiciliar cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclamado salvo eventual transferência para sala de Estado Maior II Sala de EstadoMaior L 8906 art 7º V caracterização Precedente HC 81632 2ª T 20082002 Velloso RTJ 184640 1 Por EstadoMaior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organização militar Exército Marinha Aeronáutica Corpo de Bombeiros e Polícia Militar assim sendo sala de EstadoMaior é o compartimento de qualquer unidade militar que ainda que potencialmente possa por eles ser utilizado para exercer suas funções 2 A distinção que se deve fazer é que enquanto uma cela tem como finalidade típica o aprisionamento de alguém e por isso de regra contém grades uma sala apenas ocasionalmente é destinada para esse fim 3 De outro lado deve o local oferecer instalações e comodidades condignas ou seja condições adequadas de higiene e segurança Decisão O Tribunal por unanimidade julgou procedente a reclamação nos termos do voto do Relator Ausentes justificadamente a Senhora Ministra Ellen Gracie Presidente e o Senhor Ministro Carlos Britto Votou o Presidente Falou pelo reclamante o Dr Ronildo Lopes do Nascimento Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes VicePresidente Plenário 07052007 112 Reclamação Advogado Prerrogativa profissional de recolhimento em sala de Estado Maior Afronta ao decidido no julgamento da ação direta de Inconstitucionalidade n 1127 No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n 1127 este Supremo Tribunal reconheceu a constitucionalidade do art 7º inc V da Lei n 890694 declarando apenas a inconstitucionalidade da expressão assim reconhecidas pela OAB É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que há de ser deferida a prisão domiciliar aos advogados onde não exista na localidade sala com as características daquela prevista no art 7º inc V da Lei n 890694 enquanto não transitada em julgado a sentença penal condenatória Precedentes Rcl 5212 Rel Min Cármen Lúcia j 27032008 DJe 30052008 113 No mesmo sentido BADARÓ Direito Processual Penal cit t II p 164 114 BADARÓ op cit 115 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 79 116 Curso de Processo Penal cit p 447 117 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI 108262003 ESTATUTO DO DESARMAMENTO INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL AFASTADA INVASÃO DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DOS ESTADOS INOCORRÊNCIA DIREITO DE PROPRIEDADE INTROMISSÃO DO ESTADO NA ESFERA PRIVADA DESCARACTERIZADA PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO RECONHECIDA OBRIGAÇÃO DE RENOVAÇÃO PERIÓDICA DO REGISTRO DAS ARMAS DE FOGO DIREITO DE PROPRIEDADE ATO JURÍDICO PERFEITO E DIREITO ADQUIRIDO ALEGADAMENTE VIOLADOS ASSERTIVA IMPROCEDENTE LESÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL AFRONTA TAMBÉM AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE ARGUMENTOS NÃO ACOLHIDOS FIXAÇÃO DE IDADE MÍNIMA PARA A AQUISIÇÃO DE ARMA DE FOGO POSSIBILIDADE REALIZAÇÃO DE REFERENDO INCOMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL PREJUDICIALIDADE AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE QUANTO À PROIBIÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA I II III IV A proibição de estabelecimento de fiança para os delitos de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e de disparo de arma de fogo mostrase desarrazoada porquanto são crimes de mera conduta que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade V Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts 16 17 e 18 Inconstitucionalidade reconhecida visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente VI VII VIII IX Ação julgada procedente em parte para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do artigo 21 da Lei n 10826 de 22 de dezembro de 2003 118 GOMES Luiz Flávio Liberdade Provisória e Progressão de Regime nos Crimes Hediondos a nova Lei n 114642007 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal abrilmaio de 2007 p 87 Capítulo XVI DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS OU DAS MEDIDAS CAUTELARES REAIS 1 Explicações Iniciais Denominadas no Código de Processo Penal Medidas Assecuratórias encontramos um conjunto de medidas cautelares reais na medida em que buscam a tutela do processo assegurando a prova e ainda desempenham uma importante função de tutela do interesse econômico da vítima resguardando bens para uma futura ação civil ex delicti anteriormente explicada e também do Estado no que se refere à garantia do pagamento da pena pecuniária e custas processuais É evidente portanto seu caráter cautelar No Brasil durante muito tempo as medidas assecuratórias permaneceram em profundo repouso sem utilização tornandose ilustres desconhecidas nos foros criminais Mas isso é passado e na última década com a crescente expansão do direito penal econômico e tributário as medidas assecuratórias estão na pauta do dia Hoje a pirotecnia das megaoperações policiais com seus nomes marcantes uma interessante estratégia do marketing policial para além das sirenes e algemas conta com esse importante argumento indisponibilidade patrimonial Mais do que prender engessar o patrimônio dos suspeitos passou a ser uma grande notícia até porque esteticamente é embriagante ver no telejornal as mansões cinematográficas e os caríssimos carros importados que serão sequestrados1 Assim as medidas assecuratórias estão despertando do repouso dogmático para serem instrumentos de uso e abuso diário Na síntese de ARAGONESES MARTINEZ2 as medidas cautelares reais pretendem através da limitação da disponibilidade de bens assegurar a execução dos pronunciamentos patrimoniais de qualquer classe que possa incluir a sentença não só à restituição de coisas à reparação do dano e à indenização dos prejuízos mas também o pagamento da multa e custas processuais O sistema processual penal contempla medidas cautelares pessoais as prisões cautelares anteriormente estudadas que restringem a liberdade pessoal do sujeito passivo e também medidas cautelares reais ou patrimoniais pois incidem sobre bens móveis e imóveis do imputado gerando uma restrição da livre disposição de bens e valores com vistas à constituição da prova eou ressarcimento dos prejuízos sofridos pela vítima do delito Existe dependendo da medida o atendimento de um duplo interesse processualprobatório e patrimonial da vítima A busca e apreensão e a restituição de coisas apreendidas poderiam perfeitamente ser inseridas nesse rol pois também servem ao processo constituição da prova através da busca e apreensão bem como ao interesse da vítima a restituição do objeto direto do delito devidamente apreendido Contudo não foi essa a sistemática adotada pelo Código de Processo Penal que optou por situar a busca e apreensão no Título VII Da Prova Por esse motivo a medida foi por nós abordada no capítulo onde estamos as provas Da mesma forma eis que intimamente vinculada ao instituto da busca e da apreensão lá abordamos a restituição de coisas apreendidas Seguindo a sistemática do Código de Processo Penal veremos agora as seguintes medidas assecuratórias a sequestro de bens móveis b sequestro de bens imóveis c hipoteca legal de bens imóveis d arresto prévio de bens imóveis e arresto de bens móveis Como medidas cautelares que o são não se afastam dos princípios anteriormente referidos sendo aplicáveis aqui as garantias da jurisdicionalidade provisionalidade provisoriedade excepcionalidade e proporcionalidade Também exigem para sua decretação a demonstração do fumus commissi delicti e do periculum libertatis ainda que por se tratarem de medidas patrimoniais esses elementos adquiram um referencial conceitual um pouco distinto daquele que norteia o sistema das cautelares pessoais Cada uma das medidas possui a sua especificidade exigindo uma certa flexibilização dos conceitos a ponto de por sua estreita relação com as medidas cautelares do Direito Processual Civil não constituir uma impropriedade falarse em fumus boni iuris e periculum in mora Mas sublinhese isso em nada conflita com a crítica que fizemos anteriormente a tais conceitos pois em se tratando de medida cautelar pessoal leiase prisões cautelares é absolutamente inadequada a transmissão de categorias do processo civil Contudo nas medidas cautelares reais por sua estreita vinculação com o interesse patrimonial a ser satisfeito na esfera cível em sede de ação de indenização por exemplo a adoção dos conceitos fumus boni iuris e periculum in mora não constitui a mesma inadequação Inclusive em relação ao periculum in mora é ele ainda mais evidente na medida em que o perigo não decorre do estar em liberdade o agente senão das possibilidades de deterioração dos bens móveis ou imóveis alienações fraudulentas etc Logo efetivamente o perigo decorre da demora entre a medida cautelar e o provimento cível definitivo fazendo com que o bem indisponibilizado corra risco de perecimento Nesse sentido ARAGONESES MARTINEZ3 explica que como todo processo se desenvolve através de um procedimento é indiscutível que desde seu início até sua conclusão haverá um período de tempo de duração indeterminada que pode colocar em risco o êxito do processo de conhecimento ou de execução cível justificando em certos casos a restrição patrimonial Feitas essas ressalvas introdutórias vejamos agora as medidas assecuratórias em espécie 2 Do Sequestro de Bens Imóveis e Móveis 21 Requisito Legitimidade Procedimento Embargos do Imputado e de Terceiro O sequestro de bens é a primeira medida prevista no Código de Processo Penal e está regulada nos arts 125 a 133 Determina o art 125 que caberá o sequestro dos bens imóveis adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração ainda que já tenham sido transferidos a terceiro O primeiro aspecto a ser destacado é que a medida somente incide sobre os bens imóveis ou móveis adquiridos com os proventos da infração Não é uma restrição sobre todo o patrimônio do imputado senão apenas daqueles bens que foram comprados com as vantagens auferidas com o delito4 Logo jamais poderá o sequestro recair sobre bens preexistentes ou seja adquiridos pelo imputado antes da prática do crime Nesse caso podese cogitar de hipoteca legal ou arresto conforme o caso como explicaremos na continuação mas não em sequestro Na mesma linha o sequestro dos bens móveis previsto no art 132 cuja medida somente poderá recair sobre os bens adquiridos com as vantagens ou proventos do crime Assim quando alguém comete por exemplo um delito de estelionato e com o dinheiro obtido com a prática do crime adquire bens móveis ou imóveis poderão eles ser objeto de sequestro ficando indisponíveis até que a sentença transite em julgado e se condenatória serão leiloados Para sua decretação exige o art 126 do CPP a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens Tratase de uma expressão porosa como define HASSAN CHOUKR5 que encontrará sentido naquilo que quiser lhe dar o julgador com um imenso custo em termos de ineficácia de direitos fundamentais do réu Infelizmente nossa legislação está eivada de expressões abertas porosas de conteúdo vago impreciso e indeterminado que servem a qualquer senhor Pensamos que se deve recorrer às lições anteriores sobre o fumus commissi delicti mas vinculado agora à origem dos bens de modo que para a decretação do sequestro deve o autor do pedido autoridade policial Ministério Público ou assistente da acusação demonstrar a fumaça a probabilidade de que tenham eles sido adquiridos com os proventos do crime Assim é uma prova em dupla dimensão demonstrar a verossimilhança de autoria e materialidade do delito imputado e ainda de que os bens foram adquiridos com os proventos dessa suposta infração penal Eis aqui mais um aspecto fundamental incumbe ao requerente demonstrar o nexo causal ou seja que os bens que se pretende sequestrar foram adquiridos com os proventos do crime Do contrário a medida é descabida Infelizmente assistese por vezes juízes decretando o sequestro dos bens imóveis do réu atendendo a pedido do Ministério Público sem atentar para o fato de que não foram eles adquiridos com os supostos ganhos do crime pois preexistentes Se o réu já os possuía antes da prática do delito completamente descabido o sequestro Dependendo do caso poderá haver a hipoteca legal ou o arresto art 137 do CPP Mas não basta isso Deve ser demonstrado o periculum in mora aqui sim o fator tempo é o gerador do perigo de perecimento do objeto por parte do requerente bem como a necessidade da medida cautelar Não se pode esquecer que estamos diante de grave medida cautelar a exigir da observância dos princípios anteriormente referidos especialmente a excepcionalidade e proporcionalidade da medida Em última análise a real necessidade do sequestro deve ser demonstrada pelo requerente jamais se admitindo que se presuma o perigo de perecimento do bem ou ainda que o réu irá fraudar a futura execução A cognição nesse momento é sumária limitada a verossimilhança do alegado mas isso não significa que se possa presumir contra o réu a origem ilícita dos bens ou que ele irá dilapidálos em detrimento dos interesses patrimoniais da vítima Deve o pedido vir instruído com um lastro probatório mínimo mas suficiente que dê conta à luz do princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência do imenso constrangimento e prejuízos que gera para o imputado a indisponibilidade patrimonial Ao réu ou indiciado não se atribui qualquer carga probatória até porque a proteção da presunção de inocência afasta a possibilidade processual de exigirselhe que prove a origem lícita A carga probatória é inteiramente do acusador Contudo é elementar que se o período em que o bem foi adquirido antecede ao do ganho obtido com a infração ou ainda possui o imputado atividade lícita cujos ganhos são compatíveis com o seu patrimônio a medida não pode prosperar Da mesma forma devese ponderar o valor dos bens sequestrados e os ganhos supostamente obtidos com a atividade criminosa pois deve haver a necessária proporcionalidade Quanto à legitimidade o art 127 autoriza o sequestro decretado de ofício mediante requerimento do Ministério Público do ofendido6 o que nos conduz a admitir que o assistente da acusação possa fazêlo ou representação da autoridade policial Como já explicamos à exaustão pensamos ser substancialmente inconstitucional o sequestro decretado de ofício pelo juiz pois é absolutamente incompatível com o sistema acusatórioconstitucional Ademais viola a imparcialidade princípio supremo do processo Inadmissível assim o sequestro decretado pelo juiz de ofício Quanto à representação da autoridade policial pensamos que somente é admissível quando houver a concordância do Ministério Público titular da ação penal de iniciativa pública O sequestro pode ser decretado tanto na fase préprocessual ou seja no curso do inquérito policial como em qualquer fase do processo de conhecimento inclusive após a sentença condenatória mas antes do trânsito em julgado desde que demonstrada sua necessidade O pedido de sequestro será processado no juízo criminal em autos apartados mas apenso ao processo penal principal A medida somente poderá ser decretada pelo juiz criminal competente de modo que quando decretada antes da denúncia gera prevenção Quando decretada no curso do processo criminal tramitará em autos apartados mas vinculada ao processo criminal principal Realizado o sequestro se for de bens imóveis será providenciado o respectivo registro na matrícula do bem no Registro de Imóveis nos termos do art 167 I 5 da Lei n 601573 Quando o sequestro for de bens móveis como carros motos e caminhões deverá ser feita a comunicação ao órgão de trânsito respectivo para que conste a restrição no documento do veículo evitando assim que terceiros de boafé venham a adquirir o bem gravado Como instrumento de defesa poderá o imputado lançar mão dos embargos previstos no art 130 I do CPP quando o fundamento da sua inconformidade for a origem lícita dos bens Aqui o instituto mostra a hibridez com que foi concebido pois trata da questão como se processo civil fosse prevendo embargos e prova por parte do réu de que os bens não foram adquiridos com os proventos da infração Uma leitura mais restritiva poderia conduzir à conclusão de que os embargos do réu ou de terceiro teriam a fundamentação vinculada somente sendo conhecidos nos casos previstos no art 130 origem lícita quando os embargos forem do réu ou terem sido adquiridos de boafé quando opostos pelo terceiro adquirente Nada mais equivocado Valem aqui as garantias da ampla defesa e do devido processo legal arts 5º LV e LIV da Constituição de modo que tanto o réu como o terceiro adquirente podem aduzir outros argumentos defensivos que ataquem o núcleo legitimante da medida assecuratória seja na dimensão formal ou substancial Para esclarecer há três tipos de embargos como explica FEITOZA7 a embargos de terceiro senhor e possuidor8 interposto por aquele que foi prejudicado pelo sequestro do bem e que pretende demonstrar que os bens sequestrados não têm qualquer relação com o acusado ou com a infração penal pois recaíram sobre coisas pertencentes a terceiro estranho ao delito b embargos do imputado indiciado ou réu previsto no art 130 I sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da infração ou seja demonstrando a ausência dessa vinculação causal ou ainda qualquer outro fundamento que possa atacar a legalidade do sequestro c embargos do terceiro de boafé nesse caso a argumentação do terceiro está vinculada à demonstração de que os bens foram adquiridos a título oneroso pagandose o preço de mercado e que portanto agiu de boafé nos termos do art 130 II do CPP Importante sublinhar que não se aplica a proteção do bem de família quando o imóvel tiver sido adquirido com os proventos do crime Nesse sentido o art 3º VI da Lei n 8009 excepciona a impenhorabilidade do bem de família quando o bem imóvel tiver sido adquirido com produto de crime sonegandolhe assim a proteção legal Não existe prazo definido no CPP para os embargos do réu ou de terceiros o que gera sem dúvida uma perigosa lacuna Assim os embargos poderiam ser admitidos a qualquer tempo inclusive depois da sentença penal condenatória mas antes do trânsito em julgado Mais grave ainda é o disposto no parágrafo único do art 130 quando determina que não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória Situação complicada pois estabelece uma suspensão obrigatória dos embargos até o trânsito em julgado da sentença condenatória no processo de conhecimento A jurisprudência sem muito critério tem amenizado um pouco o rigor desse dispositivo mas não há um rumo bem definido nessa matéria Concordamos com TOURINHO FILHO9 quando sustenta que não se aplica a regra do art 130 do CPP aos embargos de terceiro senhor e possuidor ou seja àquele terceiro completamente estranho ao delito pois nesse caso os embargos devem ser julgados logo Isso porque em primeiro lugar o parágrafo único do art 130 guarda estreita relação com o caput e não com o art 129 onde estão previstos os embargos do terceiro senhor e possuidor e em segundo lugar seria manifestamente injusto e desproporcional que perdurasse a constrição em relação a alguém que nada tem a ver com o crime A decisão que decreta o sequestro deve ser fundamentada e dela caberá recurso de apelação nos termos do art 593 II do CPP Essa apelação é para atacar a decisão que decretou o sequestro Quando na sentença o juiz condena o réu e decreta o perdimento dos bens efeito do sequestro a apelação será única para impugnar a condenação e também o perdimento dos bens Não se nega ainda a possibilidade de ser impetrado Mandado de Segurança para atacar a decisão que decreta o sequestro de bens não a sentença condenatória especialmente quando houver urgência ou manifesta ilegalidade do ato coator Incabível por outro lado o uso de habeas corpus pois não se trata de tutela da liberdade de locomoção Além do réu também poderá o terceiro adquirente de boafé defenderse do sequestro que alcança o bem por ele adquirido Tratase de embargos de terceiro art 130 II do CPP cabendo a ele fazer prova de sua boafé Nada impede ainda que a esposa ou companheira do réu ingresse com embargos de terceiro para defesa de sua meação especialmente quando aduza que o bem foi adquirido antes da prática do delito e com o esforço comum do casal O sequestro ficará sem efeito será levantado quando decretado na fase préprocessual não for oferecida a ação penal no prazo de 60 sessenta dias art 131 I do CPP contado da data em que a medida se efetivar ou ainda se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu Considerando que se trata de medida restritiva de direitos fundamentais a leitura tem de ser cautelosa até porque é o poder punitivo que deve ser legitimado e estritamente regulado Daí por que pensamos que o marco inicial para o cômputo dos 60 dias é a data em que se efetivou a medida Não pode o imputado ficar à mercê das mazelas administrativas que se sucedem à decisão judicial como a demora no registro de imóveis por exemplo ou mesmo nas mãos do Ministério Público que a requereu quando a ele competir a realização de algum ato com vistas à eficácia da decisão judicial Assim o prazo de 60 dias para o oferecimento da denúncia ou queixa sob pena de levantamento do sequestro deve ser contado da data em que se efetivou a medida É ilógico fixar como marco inicial a intimação do Ministério Público ou querelante pois foi ele quem solicitou a medida tendo assim obviamente plena ciência do que está ocorrendo Ademais não raras vezes essa intimação nunca é realizada O pedido de sequestro feito no curso da investigação preliminar muitas vezes cumulado com o de prisão preventiva ou temporária também deve ser autuado em autos apartados Contudo nem sempre isso é feito e não raras vezes é postulada a restituição dos bens como se a medida constritiva fosse de apreensão Caberá à parte diante da falha procedimental do juiz requerer a regular autuação e após interpor os respectivos embargos postulando o levantamento do sequestro devendo o juiz decidir através de sentença da qual caberá recurso de apelação Quanto ao levantamento do sequestro por absolvição do réu diz o art 131 III que somente ocorrerá após a sentença absolutória ter transitado em julgado Contudo à luz do art 596 do CPP que impõe a imediata soltura do réu preso quando a sentença for absolutória ainda que dela recorra o Ministério Público pensamos que o levantamento do sequestro não pode ficar pendente do trânsito em julgado da sentença absolutória A absolvição do réu impõe a sua imediata soltura no sentido de que devem cessar todos os constrangimentos processuais até então impostos da prisão ao sequestro Não é lógico que o réu ao ser absolvido seja imediatamente solto mas permaneça com todos os seus bens indisponíveis Ora se foi absolvido não existe sustentabilidade jurídica para manutenção da medida assecuratória Quanto aos embargos de terceiro o sequestro será levantado quando além dos dois casos anteriormente citados não oferecimento da ação penal no prazo de 60 dias ou extinção da punibilidadeabsolvição ele prestar caução em valor suficiente para cobrir os efeitos da eventual sentença penal condenatória nos termos do art 91 II b do Código Penal Tratase de verdadeira contracautela em que o bem é liberado mas o interessado deixa uma garantia equivalente em juízo Com o trânsito em julgado da sentença condenatória os bens sequestrados serão leiloados para ressarcimento da vítima bem como pagamento das custas processuais e eventual pena pecuniária Como adverte FEITOZA PACHECO 10 o leilão será feito no próprio juízo penal ao contrário do que ocorre na hipoteca legal e no arresto em que os autos da medida assecuratória são enviados para o juízo cível onde tramita a ação civil ex delicti 22 Distinção entre Sequestro de Bens Móveis e a Busca e Apreensão A Confusa Redação do Art 132 do CPP Há que se fazer uma distinção muito importante entre o sequestro de bens móveis e a busca e apreensão Quando estivermos diante do objeto direto do crime muitas vezes constituindo o próprio corpo de delito a medida cabível será a busca e posterior apreensão do bem Assim o carro furtado ou roubado é apreendido pois constitui objeto direto do crime Já aqueles bens adquiridos com os proventos da infração ou com os lucros dela obtidos serão objeto de sequestro e não de apreensão Daí por que o carro comprado com o dinheiro obtido pelo tráfico de substâncias entorpecentes o lucro do roubo ou furto etc será sequestrado e não apreendido Contudo quando com o ganho obtido pelo delito o agente adquire objetos que constituam a própria materialidade de outro crime haverá apreensão e não sequestro Por exemplo se com o dinheiro obtido na venda do automóvel roubado o imputado compra cocaína a droga será apreendida pois constitui o próprio corpo de outro delito Outra situação que deve ser considerada é quando os bens subtraídos por exemplo são modificados ou transformados gerando bens diversos daqueles originariamente furtados ou roubados É o exemplo clássico do furto de joias que após serem derretidas e transformadas geram um novo bem Essa nova coisa móvel será apreendida ou sequestrada Será sequestrada pois já não se trata do objeto direto do delito senão de um novo bem obtido a partir daquele Não é a res originária senão uma nova obtida a partir da modificação ou transformação daquela Essa distinção explica a confusa redação do art 132 que em outras palavras quer dizer que caberá o sequestro dos bens móveis quando demonstrada sua proveniência ilícita ou seja tenham sido adquiridos com os proventos da infração sendo incabível portanto a busca e apreensão essa é a medida regulada no Capítulo XI do Título VII ou mais claramente nos arts 240 e ss Só cabe sequestro quando não couber busca e apreensão e viceversa pois a primeira recai sobre o produto indireto proventos do crime e a segunda sobre o produto direto o próprio corpo de delito 3 Hipoteca Legal e Arresto Prévio de Imóveis Bens de Origem Lícita A hipoteca legal de bens imóveis está prevista no art 134 do CPP e difere radicalmente do sequestro de imóveis que acabamos de analisar Isso porque o sequestro arts 125 a 133 somente poderá recair sobre os bens adquiridos com os proventos do crime logo de origem ilícita Já a hipoteca legal situase noutra dimensão pois conduz à constrição legal dos bens de origem lícita diversa do crime Esse é um ponto fundamental para compreender a distinção dos institutos Aqui essencialmente o que se tutela é o interesse patrimonial da vítima que pretende já no curso do processo criminal garantir os efeitos patrimoniais da eventual sentença penal condenatória Para tanto a parcela do patrimônio indisponibilizado tem origem lícita Não são produto direto do crime e tampouco foram adquiridos com os proventos da infração Visa assegurar a eficácia da ação civil ex delicti Inclusive tal medida tem plena aplicabilidade em relação a delitos que não geram ganho patrimonial algum ao réu Exemplo típico é o homicídio culposo ou doloso em que o crime não gera nenhum ganho patrimonial para o réu sendo descabido cogitarse o sequestro de bens Nesse caso o ascendente ou descendente da vítima poderá postular a indisponibilidade patrimonial do réu através da hipoteca de seus bens imóveis independente da origem que tenham Importa destacar que sequer a proteção legal do bem de família pode ser invocada pois a própria Lei n 8009 afasta a impenhorabilidade em seu art 3º VI Dispõe a Lei em tela que a impenhorabilidade não poderá ser arguida por ter sido adquirida com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento indenização ou perdimento de bens Quanto à legitimidade considerando que se atende a interesse patrimonial exclusivo da vítima é mais restrita Prevê o art 134 que a hipoteca legal poderá ser requerida pelo ofendido mas para isso ele deverá ingressar no processo como assistente da acusação Não há outra forma de no curso de um processo cuja ação penal é de iniciativa pública intervir o ofendido senão através do instituto da assistência da acusação Elementar que no caso de morte ou incapacidade do ofendido o pedido poderá ser feito pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão analogia com o art 31 do CPP Mas não contempla o Código de Processo Penal a possibilidade de a hipoteca legal ser decretada de ofício pelo juiz ou mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial Então como regra a hipoteca legal e também o arresto prévio deverá ser postulada pelo ofendido devidamente habilitado no processo como assistente da acusação Excepcionalmente o art 142 autoriza o Ministério Público a promover a hipoteca legal em dois casos a quando houver interesse da Fazenda Pública como ocorre por exemplo nos crimes de sonegação fiscal apropriação de contribuições previdenciárias etc b ou quando houver efetiva demonstração de pobreza do ofendido e ele requerer a intervenção do Ministério Público para postular a hipoteca legal Nesse último caso pobreza do ofendido sem negar a legitimidade do Ministério Público pensamos que tal tarefa deve incumbir à Defensoria Pública e que somente quando ela não estiver estruturada naquela comarca então justificada estaria a excepcional atuação do Ministério Público na tutela do interesse patrimonial privado do ofendido A hipoteca legal poderá ser requerida no curso da investigação preliminar em qualquer fase do processo de conhecimento O art 134 do CPP na confusão que faz ao mencionar indiciado e qualquer fase do processo sinaliza a possibilidade de a medida incidir antes mesmo de iniciado o processo criminal e com mais razão após seu início Tanto a hipoteca legal como também o arresto prévio de imóveis tramitarão em autos apartados mas sempre vinculados ao processo criminal O arresto prévio à especialização e inscrição da hipoteca legal dos imóveis está previsto no art 136 do CPP e constitui uma clara medida preparatória da hipoteca legal Isso porque a hipoteca legal é um procedimento complexo que demanda mais tempo Em situações excepcionais fazse o arresto prévio de forma imediata e no prazo de até 15 dias deve a parte interessada promover a inscrição da hipoteca legal no Registro de Imóveis Nesse prazo deverá ser ajuizado o pedido de inscrição e especialização da hipoteca sob pena de revogação da medida Contudo ajuizado o pedido a indisponibilidade do bem dura até que seja efetivada a inscrição da hipoteca legal De qualquer forma essa medida preparatória restringese ao campo de incidência da hipoteca legal ou seja bens imóveis de origem lícita desvinculados do delito Quanto ao procedimento o assistente da acusação demonstra a existência do fumus commissi delicti visto aqui como certeza da infração e indícios suficientes de autoria indica os prejuízos sofridos apontando valores e individualiza o bem imóvel sobre o qual irá recair a hipoteca legal art 135 Há que se observar o necessário contraditório e direito de defesa abrindose a oportunidade de o réu oferecer defesa especialmente para impugnar valores avaliações e outros fatos impeditivos da pretensão indenizatória Nesse sentido estabelece o art 135 3º do CPP o prazo de 2 dias que correrá em cartório Nada impede que à luz da complexidade do caso conceda o juiz um prazo maior desde que em igualdade de condições para ambas as partes Após autorizará ou não a inscrição da hipoteca no Registro de Imóveis medida indispensável para dar eficácia à constrição Poderá o réu ainda caucionar oferecendo uma contracautela suficiente para evitar a hipoteca legal Absolvido o réu ou extinta a punibilidade é cancelada a hipoteca legal Se condenado serão os autos remetidos ao juízo cível onde tramita a respectiva ação civil ex delicti para procederse à expropriação dos bens com vistas ao ressarcimento da vítima 4 Arresto de Bens Móveis Origem Lícita Art 137 do CPP A última medida assecuratória prevista no Código de Processo Penal é o arresto de bens móveis de origem lícita diversa do crime Ao contrário do sequestro de bens móveis aqui os bens não foram adquiridos com os proventos da infração senão que possuem origem diversa Dispõe o art 137 que se o imputado não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente para dar conta do ressarcimento patrimonial da vítima poderão ser arrestados os bens móveis suscetíveis de penhora nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis Essa última expressão do art 137 nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis atrela a presente medida ao pressuposto de origem lícita dos bens móveis Tudo o que dissemos sobre legitimidade e o procedimento da hipoteca legal é aplicável ao arresto de bens móveis que poderá ser postulado na investigação preliminar ou no curso do processo penal Por fim para bem distinguir as medidas assecuratórias vejamos o seguinte quadro Apreensão recai sobre o objeto direto do crime art 240 do CPP Sequestro bem móvel ou imóvel adquirido com os proventos do crime arts 125 a 133 do CPP Hipoteca Legal bens imóveis de origem lícita e diversa do delito arts 134 e 135 do CPP Arresto Prévio de Imóveis bens imóveis de origem lícita e diversa do delito É preparatório da hipoteca legal instrumentaliza a inscrição Art 136 do CPP Arresto Prévio de Móveis bens móveis de origem lícita tendo cabimento quando não houver bens imóveis para hipotecar ou forem insuficientes Art 137 do CPP 5 Medidas Cautelares Reais Demonstração da Necessidade e da Proporcionalidade Problemática Não Enfrentada Deixamos para o final desse capítulo uma questão fundamental e que não tem merecido a devida atenção por parte da doutrina e jurisprudência brasileira Tratase de considerar que as medidas assecuratórias são de natureza cautelar portanto submetidas à mesma lógica e principalmente exigência de efetiva necessidade como elemento legitimador da constrição patrimonial Não há como pensar as medidas assecuratórias fora do sistema cautelar ainda que existam algumas especificidades que obviamente as distinguem das medidas cautelares pessoais Nessa linha verificase que em todas elas deve haver a demonstração do fumus commissi delicti seja para comprovar que os bens foram adquiridos com os proventos do crime sequestro de móveis e imóveis ou para justificar a inscrição de hipoteca legal ou o arresto através da demonstração do dano decorrente do crime Assim é inafastável que a demonstração de que existem indícios razoáveis de autoria e materialidade de um crime constitui o requisito básico de qualquer medida assecuratória Mas é no fundamento que reside a maior problemática Se nas prisões cautelares devese considerar o periculum libertatis ou seja o perigo decorrente do estado de liberdade do imputado que justifica assim a necessidade da prisão nas medidas assecuratórias o perigo adquire outros contornos mais próximos do periculum in mora do Direito Processual Civil Isso porque as medidas assecuratórias têm por objeto um interesse indenizatório patrimonial e nitidamente civil Nos casos de sequestro em que a medida recai sobre os bens móveis ou imóveis adquiridos com os proventos da infração o foco da atenção do julgador acaba sendo a prova da origem ilícita Uma vez demonstrados o crime e o caminho percorrido até a aquisição dos bens o periculum passa a ser secundário impondose a indisponibilidade do patrimônio O ponto nuclear a exigir o máximo de atenção é o fumus commissi delicti Distinta é a situação da hipoteca legal e do arresto em que os bens são de origem diversa lícita e completamente desvinculados do crime É uma medida que incide sobre o patrimônio lícito do réu que será indisponibilizado para assegurar o pagamento das custas multa e a indenização resultado da ação civil ex delicti Aqui a situação é muito mais grave e o ponto nevrálgico é a demonstração do periculum libertatis É claro que deve haver a fumaça da prática do crime mas o ponto mais importante da decisão é a análise do perigo de dilapidação do patrimônio o risco de frustração da pretensão indenizatória Esse ponto pensamos não tem merecido a devida atenção por parte dos juízes e tribunais Incumbe ao acusador demonstrar efetivamente o risco de dilapidação do patrimônio do imputado com a intenção de fraudar o pagamento da indenização decorrente de eventual sentença condenatória Essa prova em geral não é feita e os juízes e tribunais desprezando o imenso custo que representa tal medida a decretam sem o necessário rigor na análise do fumus commissi delicti e do periculum in mora À luz da presunção de inocência não se pode presumir que o imputado irá fraudar a responsabilidade civil decorrente do delito como também não se pode presumir que vá fugir para decretar a prisão preventiva A presunção de inocência impõe que se presuma que o réu irá atender ao chamamento judicial e assumir sua eventual responsabilidade penal e civil Cabe ao acusador ou ao assistente da acusação demonstrar efetivamente a necessidade da medida Tratase de prova suficiente para dar conta do imenso custo da cautelar baseada em suporte fático real não fruto de presunções ou ilações despidas de base probatória verossímil Além disso recordando a principiologia cautelar deve o interessado demonstrar que a medida é proporcional Para tanto o dano tem de ser real concreto e permitir uma aferição uma avaliação ainda que provisória Partindo dessa avaliação é que deverá o juiz atentar para a proporcionalidade que deve guardar o arresto ou hipoteca legal É desproporcional arrestar eou hipotecar bens em valor superior àquele correspondente a sua eventual responsabilidade civil custas e multa Atento a isso BADARÓ11 sublinha que a medida não deve recair sobre todo o patrimônio mas apenas sobre a parte dele que poderá vir a ser especializada segundo a estimativa da responsabilidade e do valor dos imóveis sobre os quais incidirá a hipoteca legal Assim para definir o que poderá ser arrestado é necessário saber o que pode ser hipotecado A hipoteca legal deverá incidir concretamente sobre os bens na exata medida do que seja necessário para garantir a futura reparação do dano causado pelo delito Poderá bastar um ou alguns bens O ofendido ou o Ministério Público não poderá exorbitar fazendo inscrever mais bens do que os necessários cabendo a juiz verificar se o valor dos bens especializados não excede o valor estimado da responsabilidade grifo nosso A proporcionalidade impõe o sopesamento dos bens em jogo cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação Não se pode a partir de uma perigosa prognose de futura e incerta responsabilização civil engessar o patrimônio do imputado sem base probatória suficiente e necessária proporcionalidade ainda mais se considerarmos que ele já está passando por uma situação bastante difícil que é o de figurar como réu em processo penal Não se pode desmerecer o fato de que o imputado já passa por uma situação dificílima muitas vezes agravada pelo bizarro espetáculo midiático montado em torno das estrondosas operações policiais que conduz a perda de clientes fechamento de linhas de crédito perda do emprego enfim um empobrecimento generalizado do réu fruto do estigma gerado pela investigação e o processo penal Nesse contexto as medidas assecuratórias revestemse de uma gravidade ainda maior pois lhe impedem de dispor de seu patrimônio seja para alienar ou dar em garantia impossibilitandoo de ter liquidez para a própria subsistência Ainda que no final do processo criminal seja absolvido ou que os bens indisponibilizados sejam em valor muito superior a eventual responsabilidade civil em nível de endividamento e de penúria é muitas vezes irreversível Daí por que toda cautela é necessária no momento de utilizar as medidas assecuratórias sublinhando se a importância de prova do fumus commissi delicti e do periculum in mora e não se admitindo presunções contra o réu Deve ainda prevalecer a lógica da ponderação para que a medida cautelar incida sobre a menor parcela necessária do patrimônio do imputado 1 BADARÓ Gustavo Henrique A Lei 11435 de 28122006 e o Novo Arresto no Código de Processo Penal Boletim do IBCCrim n 172 de março de 2007 2 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael e TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed Madrid Ramon Areces 2007 p 429 3 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael e TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed cit p 393 4 BADARÓ no artigo A Lei 11435 de 28122006 e o Novo Arresto no Código de Processo Penal cit vai além ao explicar que o sequestro somente poderá incidir sobre bens que tenham relação com o próprio crime objeto da investigação ou da ação penal Diz o autor que não se pode sequestrar bens que integrem o patrimônio ilícito do acusado mas que tenham sido obtidos pela prática de um crime diverso daquele que é objeto do inquérito policial ou da ação penal em que se requereu a medida cautelar Está certo BADARÓ pois não pode a medida cautelar se afastar do princípio da especialidade já explicado no estudo da Prova Penal Assim não pode haver desvio causal na medida cautelar de sequestro pois ele somente poderá incidir sobre os bens adquiridos com os proventos do crime objeto daquele processo 5 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 278 6 Em tese não afasta o Código de Processo Penal a possibilidade de o querelante pedir o sequestro dos bens do querelado Contudo os casos de ação penal de iniciativa privada são restritos e em geral para crimes de menor gravidade Assim à luz dos princípios da proporcionalidade e excepcionalidade das medidas cautelares pensamos ser bastante difícil que se justifique o sequestro de bens nos delitos dessa natureza Mas se o caso concreto justificar nada impede a adoção de medidas assecuratórias 7 FEITOZA PACHECO Denílson Direito Processual Penal 3 ed Niterói Impetus 2005 p 1090 8 A expressão é também empregada por TOURINHO FILHO Processo Penal v 3 p 32 9 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal v 3 p 33 10 FEITOZA PACHECO op cit p 1091 11 BADARÓ Gustavo Henrique A Lei 11435 de 28122006 e o Novo Arresto no Código de Processo Penal cit Capítulo XVII MORFOLOGIA DOS PROCEDIMENTOS 1 Introdução Sumária ReCognição da Santa Trindade do Direito Processual Penal Antes de iniciar o estudo da morfologia dos procedimentos1 contemplados no sistema processual penal brasileiro e não apenas no Código de Processo Penal convém uma rápida recordação de que o Direito Processual Penal está erguido sobre o trinômio açãojurisdiçãoprocesso verdadeira Santa Trindade do Direito Processual No início desta obra tecemos considerações acerca das teorias da ação concluindo que a ação processual penal é um direito potestativo de acusar ius ut procedatur público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal Quanto à jurisdição para além da concepção tradicional de poderdever pensamos que no processo penal revestese do caráter de direito fundamental ou seja a garantia da jurisdição Isso também afeta a concepção de competência que além de limitála cria condições de eficácia para a própria garantia da jurisdição juiz natural e imparcial No que tange ao processo é importante que o leitor tenha presente a densa discussão em torno da sua natureza jurídica feita no início desta obra especialmente no que se refere à polêmica BÜLOW GOLDSCHMIDT ou às respectivas teorias de processo como relação jurídica e processo como situação jurídica Nesse tema nos perfilamos ao lado de James Goldschmidt diante das inadequações e insuficiências da tese de Bülow Daí por que em apertadíssima síntese concebemos o processo penal como um conjunto de situações processuais dinâmicas que dão origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas pelas quais as partes atravessam rumo a uma sentença favorável ou desfavorável conforme o aproveitamento das chances e liberação ou não de cargas e assunção de riscos Elementar que na concepção de processo além dos fatores políticoculturais influi definitivamente o sistema ou forma adotado acusatório ou inquisitório Cada um dos sistemas processuais inquisitório ou acusatório desenha um tipo de processo penal com inegável influência na morfologia dos procedimentos Na discussão em torno da função do processo mantendo coerência com a posição por nós defendida de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória construída desde a concepção de GUASP GOLDSCHMIDT e GÓMEZ ORBANEJA nunca na visão civilista de CARNELUTTI estamos com GUASP e FAIREN GUILLEN no sentido de que a função do processo penal é a satisfação jurídica das pretensões e resistências Não se nega ainda que o processo seja um complexo de atos sucessivos e coordenados tendentes a instrumentalizar o exercício da jurisdição como sintetizou TUCCI2 Os conceitos não se excluem senão que se completam Existem assim duas espécies de processo penal processo penal de conhecimento e processo penal de execução ou simplesmente execução penal Negamos como dito anteriormente a existência de um processo penal cautelar pois nosso sistema consagra apenas medidas cautelares inseridas no processo de conhecimento e dependendo da medida podem ser adotadas na fase préprocessual ou mesmo na execução penal Feitas essas rápidas considerações interessanos agora o estudo dos procedimentos Como adverte GIMENO SENDRA3 ainda que processo e procedimento tenham uma raiz etimológica comum procedere são conceitos fundamentalmente distintos O primeiro processo remete à existência de uma pretensão acusatória deduzida em juízo frente a um órgão jurisdicional estabelecendo situações jurídicoprocessuais dinâmicas que dão origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas pelas quais as partes atravessam rumo a uma sentença favorável ou desfavorável conforme o aproveitamento das chances e liberação ou não de cargas e assunção de riscos Noutra dimensão por procedimento entendese o lado formal da atuação judicial o conjunto de normas reguladoras do processo ou ainda o caminho iter ou itinerário que percorrem a pretensão acusatória e a resistência defensiva a fim de que obtenham a satisfação do órgão jurisdicional CORDERO4 recorda que rito remonta ao sânscrito ra ordenar dirigir em ordem computar de onde vem o latim reor pensar crer opinar julgar ratio razão ratus pensado calculado ou o grego reo cujo equivalente latino é fluo fluir correr palavras que trazem à mente a ideia de evolução ou desenvolvimento conforme o prescrito segundo uma forma Já o sufixo mentum esclarece TUCCI5 vem do grego menos que significa princípio de movimento vida força vital sendo to uma partícula expletiva Dessarte conclui o autor exprime o ato em seu modo de fazer e na forma em que é feito ou seja como ato regularmente formalizado O processo penal admite distintas relações configuráveis entre os atos fazendo com que o processo de conhecimento comporte diferentes ritos em função da natureza do delito ou mesmo da pessoa envolvida prerrogativa de função Há uma mecânica dos procedimentos6 pois ainda que todos iniciem com uma acusação e tenham como epílogo uma sentença existem variações na ordem ou na forma dos atos que integram esse itinerário iter E a dinâmica do processo melhor das situações jurídicas que o constituem estabelece uma temporalidade linear irreversível orientada ao futuro A regra é que o procedimento tenha um efeito progressivo sendo o regressivo uma exceção reservada para atender à necessidade de refazer o que foi feito com defeito ou seja repetição por defeito processual sanável vejase adiante o conceito de defeito sanável e insanável Existe ainda um nexo genético7 em que o ato posterior depende da prática de um antecedente de modo que da acusação depende todo o processo o debate oral ou escrito é o necessário prelúdio da sentença e principalmente os vícios do ato antecedente passam aos conseguintes Tal compreensão ainda que simples nem sempre é alcançada pois como veremos ao estudar as nulidades o princípio da contaminação não pode ser limitado da forma como a jurisprudência brasileira costuma fazêlo 2 Tentando Encontrar uma Ordem no Caos O processo penal brasileiro é uma verdadeira colcha de retalhos não só pela quantidade de leis especiais que orbitam em torno do núcleo codificado senão porque o próprio Código é constantemente medicado meros paliativos digase de passagem por reformas pontuais geradoras de graves dicotomias que só fazem por aumentar a inconsistência sistêmica e a metástase A falha está em não fazer uma anamnese séria do problema que uma vez compreendido exigiria uma reforma global e completa um novo Código de Processo Penal regido pelo sistema acusatório e em conformidade com a Constituição No tocante aos procedimentos ou ritos mais do que polimorfo o sistema processual brasileiro é caótico Para começar o Código de Processo Penal brasileiro comete um erro primário uma grave confusão entre processo e procedimento designando no seu Livro II Dos Processos em Espécie e na continuação Título I Do Processo Comum Título II Dos Processos Especiais e Título III Dos Processos de Competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação Desde quando existe Processo Comum ou Processo Especial Desde nunca com o perdão da resposta Mais do que falta de técnica processual é um erro injustificável misturar categorias como processo e procedimento Então o que é comum ou especial O procedimento o rito Não o processo que somente pode ser de conhecimento ou de execução Corrigindo esse erro histórico a Lei n 117192008 alterou substancialmente o Código de Processo Penal nessa matéria tendo o novo artigo 394 estabelecido o seguinte Art 394 O procedimento será comum ou especial 1º O procedimento comum será ordinário sumário ou sumaríssimo I ordinário quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade II sumário quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade III sumaríssimo para as infrações penais de menor potencial ofensivo na forma da lei 2º Aplicase a todos os processos o procedimento comum salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial 3º Nos processos de competência do Tribunal do Júri o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts 406 a 497 deste Código 4º As disposições dos arts 395 a 398 deste Código aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código 5º Aplicamse subsidiariamente aos procedimentos especial sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário Assim no Código de Processo Penal encontramos os seguintes ritos ou procedimentos RITO COMUM 1 Ordinário crime cuja pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos e está disciplinado nos arts 395 a 405 do CPP 2 Sumário crime cuja pena máxima cominada for inferior a 4 anos e superior a 2 pois se a pena máxima for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo e está disciplinado nos arts 531 a 538 do CPP 3 Sumaríssimo crime de menor potencial ofensivo pena máxima igual ou inferior a 2 anos está previsto no Código de Processo Penal mas disciplinado na Lei n 909995 a Lei n 113132006 apenas ampliou o conceito de menor potencial ofensivo sendo o rito sumaríssimo ou sumaríssimo como define a Lei disciplinado nos arts 77 a 83 além dos institutos da composição dos danos civis transação penal e suspensão condicional do processo respectivamente arts 74 76 e 89 da Lei n 9099 RITO ESPECIAL 1 Dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos art 513 a 518 do CPP 2 Dos crimes contra a honra arts 519 a 523 do CPP 3 Dos crimes contra a propriedade imaterial arts 524 a 530I do CPP e também a Lei n 927996 4 Rito dos crimes da competência do júri arts 406 a 497 do CPP Fora do Código de Processo Penal encontramos ainda entre outros os seguintes ritos especiais 1 Crimes falimentares Lei n 11101 2 Tóxicos Lei n 11343 3 Competência originária dos Tribunais Lei n 865893 que remete para a Lei n 8038 4 Abuso de autoridade Lei n 489865 5 Crimes Eleitorais Lei n 473765 6 Lavagem de Dinheiro Lei n 9613 segue o rito ordinário mas existem algumas peculiaridades previstas na referida Lei Diversos critérios orientam essa polimorfologia procedimental entre eles Gravidade do crime aqui foi adotada a quantidade de pena aplicada conforme acabamos de referir Natureza do delito partindo da natureza do bem jurídico tutelado estabelece o processo penal um rito especial para os crimes dolosos contra a vida arts 406 a 497 tóxicos Lei n 11343 honra arts 519 a 523 crimes falimentares Lei n 11101 entre outros Qualidade do agente isso explica o rito especial para os crimes praticados por servidores públicos e também aquele desenhado pela Lei n 8038 para os que gozam de prerrogativa de função Além desses critérios é imprescindível observar a seguinte regra o rito comum é subsidiário Ou seja primeiro devemos observar se existe um rito especial para aquele tipo de crime devendo ser adotado em caso de previsão legal Somente quando não houver rito especial então por exclusão será adotado o comum que poderá ser ordinário sumário ou sumaríssimo conforme a pena máxima fixada Por fim há que se recordar que forma é garantia de modo que os procedimentos são indisponíveis e constituem uma verdadeira garantia do réu Daí por que a regra deve ser a nulidade absoluta melhor dizendo um defeito sanável pela repetição de todo o processo em caso de inobservância do procedimento adequado Contudo a jurisprudência brasileira tem relativizado em quase tudo as nulidades Nessa linha prevalece o entendimento de que se for adotado o procedimento ordinário quando mais amplo em detrimento do especial não haveria prejuízo para a defesa e nenhuma nulidade ocorreria Também se deve ter muita cautela em caso de conexão ou continência pois conforme estudado além de modificar a competência também afeta o rito a ser utilizado Diante de crimes cujo julgamento é feito através de diferentes ritos muita cautela deve ser adotada Em geral o rito ordinário é mais amplo e pode ser o utilizado pois em nada prejudicaria as partes Contudo não pode haver a supressão de atos importantes ou mesmo a violação das regras da competência Por exemplo se alguém for acusado da prática de um crime doloso contra a vida de competência do Tribunal do Júri e ainda de um crime de roubo por exemplo o rito a ser adotado não poderá ser o ordinário Isso porque a competência do Tribunal do Júri atrai o julgamento de todos os crimes para aquele rito Se um servidor público comete um delito funcional e gozar de prerrogativa de foro o rito a ser adotado não é aquele especial do art 513 e ss do CPP mas sim o previsto na Lei n 8038 para os crimes de competência originária dos tribunais Enfim cada caso deve ser analisado com suma cautela Vejamos agora a morfologia dos procedimentos mais importantes 3 Análise da Morfologia dos Principais Procedimentos Considerando os diversos ritos previstos no Código de Processo Penal e em leis especiais bem como a falta de critérios para sua definição e especialmente a irrelevância da distinção entre ritos especiais e ordinários optamos por analisar apenas os mais relevantes deixando por último os procedimentos do Tribunal do Júri e o sumaríssimo do Juizado Especial Criminal Diante disso vamos abordar a morfologia dos seguintes ritos nessa ordem Ordinário Sumário Dos Crimes de Responsabilidade Funcional Dos Crimes Contra a Honra Da Lei de Tóxicos Rito Sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais Dos crimes de Competência do Tribunal do Júri 31 Rito Ordinário 311 Considerações Gerais Morfologia Quando Ocorre o Recebimento da Acusação Ou a Mesóclise da Discórdia O rito ordinário é destinado aos crimes cuja pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade estando previsto nos arts 395 a 405 do CPP Está estruturado da seguinte forma Uma dúvida que pode surgir diante da dúbia redação dada pela Lei n 117192008 é em relação ao momento em que o juiz recebe a denúncia ou queixa pois o art 396 afirma que o juiz se não rejeitar liminarmente a acusação recebêlaá e ordenará a citação do acusado para responder à acusação Após essa resposta o juiz pode absolver sumariamente o acusado ou dando continuidade ao processo designar dia e hora para audiência de instrução e julgamento O problema é que o art 399 menciona novamente o ato de receber a acusação gerando uma dúvida Afinal quando ocorre o recebimento da denúncia ou queixa A mesóclise da discórdia contida no art 396 não constava no Projeto de Lei n 42072001 e gerou grande surpresa e decepção ao ser inserida às vésperas da promulgação da nova Lei O projeto desenhava uma fase intermediária há muito reclamada pelos processualistas de modo que a admissão da acusação somente ocorreria após o oferecimento da defesa o ideal seria uma audiência regida pela oralidade Era um juízo prévio de admissibilidade da acusação para dar fim aos recebimentos automáticos de denúncias infundadas inserindo um mínimo de contraditório nesse importante momento procedimental Por isso o art 399 estabelece aqui foi mantida a redação do Projeto de 2001 que recebida a denúncia ou queixa demarcando que o recebimento da acusação deveria ocorrer no momento após a defesa escrita Mas infelizmente foi inserida no art 396 a mesóclise recebêlaá e mantevese a redação do Projeto no que se refere ao art 399 gerando uma dicotomia aparente dois recebimentos Com isso o recebimento da denúncia é imediato e ocorre nos termos do art 396 Esse é o marco interruptivo da prescrição e demarca o início do processo que se completa com a citação válida do réu art 363 Tanto que o réu é citado nesse momento para apresentar sua resposta e posteriormente intimado para audiência de instrução logo intimado também para o interrogatório que lá será realizado Ademais a absolvição sumária art 397 em que pese recorrer àquilo que consideramos serem as condições da ação processual penal pressupõe a existência do processo Como absolver antes do início do processo A absolvição mesmo sumária somente é possível após o recebimento da acusação Antes desse recebimento da acusação o que pode haver é rejeição não absolvição Quanto ao art 399 nada mais faz do que remeter para o recebimento anterior sendo a expressão recebida desnecessária Mas já que lá está deve ser interpretada como uma remissão ao recebimento já realizado e não uma nova decisão Em suma a mesóclise da discórdia demarca a manutenção do sistema de recebimento imediato da acusação antes do oferecimento da resposta da defesa É elementar que essa não era a melhor solução legislativa e todos os que acompanharam a tramitação do Projeto de Lei ficaram estupefatos com a inserção da mesóclise que nunca esteve no Projeto O modelo pretendido deveria prever um contraditório prévio ao recebimento da acusação com a decisão sendo proferida após a defesa escrita Mas infelizmente não foi essa a opção legislativa e como ensinam TRIBE e DORF8 não se pode incorrer no erro de pensar a Constituição e demais leis ordinárias como se fossem espelhos por meio do qual é possível enxergar aquilo que se tem vontade Em outras palavras há que se ter cuidado na interpretação da legislação ordinária para não olhála como um espelho a refletir a imagem que gostaríamos muito de ali ver Uma coisa é o que a lei diz a outra é aquilo que gostaríamos muito que ela dissesse mas não diz Mas isso não significa um apego incondicional à letra da lei pois a hermenêutica constitucional fornece instrumentos para superar essa substancial inconstitucionalidade desde que bem manejados ou seja o que não se pode fazer é simplesmente afirmar que o recebimento se dá no segundo momento quando a lei não diz isso porque se quer9 Superada essa questão vejamos agora uma síntese dos atos mais importantes do rito ordinário 1 Denúncia ou queixa conforme o crime a ação penal será de iniciativa pública ou privada sendo exercida através de denúncia ou queixa A acusação deverá preencher os requisitos do art 41 do CPP bem como estarem presentes as condições da ação sob pena de rejeição liminar art 395 Se recebida o juiz ordena a citação do acusado para responder à acusação por escrito no prazo de 10 dias 2 Rejeição liminar nos casos definidos no art 395 poderá o juiz rejeitar liminarmente a acusação como já explicamos anteriormente 3 Resposta à acusação regularmente citado deverá o réu apresentar resposta à acusação por escrito no prazo de 10 dias Tratase de peça obrigatória pois se não apresentada deverá o juiz nomear defensor para oferecêla É o momento em que o imputado poderá arguir defeitos ou nulidades se preferirem a terminologia clássica da denúncia ou queixa e alegar tudo o que interesse à sua defesa ou estrategicamente deixar de aduzir agora questões que prefira reservar para os debates finais juntar documentos indicar suas provas bem como arrolar testemunhas10 É nesse momento mas em peça separada que deverão ser opostas as exceções previstas no art 95 do CPP Voltamos a advertir que o 2º do art 396A deve ser reservado para os casos em que a citação se deu pessoalmente logo inaplicável nos casos de citação por edital ou por hora certa Assim somente quando o réu for citado pessoalmente e não apresentar resposta à acusação é que poderá o juiz nomear um defensor para realizar a defesa técnica e continuar a marcha do processo Do contrário deverá aplicar a regra do art 366 do CPP suspendendo o processo e a prescrição até que o réu seja encontrado 4 Absolvição Sumária após a resposta escrita abrese a possibilidade de o juiz absolver sumariamente o réu pondo fim ao processo quando existir manifesta causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade exceto a inimputabilidade pois nesse caso o processo continuará seu curso o fato narrado evidentemente não constituir crime atipicidade ou estiver extinta a punibilidade do agente prescrição decadência ou outra causa prevista no art 107 do CP ou lei extravagante Determina o art 397 do CPP Art 397 Após o cumprimento do disposto no art 396A e parágrafos deste Código o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente salvo inimputabilidade III que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou IV extinta a punibilidade do agente Os quatro incisos do art 397 nada mais fazem do que reproduzir duas condições da ação prática de fato aparentemente criminoso e punibilidade concreta Os incisos I e II causas de exclusão da ilicitude e culpabilidade são meros desdobramentos da condição prevista no inciso III fato narrado evidentemente não constitui crime Já o inciso IV é a conhecida condição da punibilidade concreta prevista no antigo art 43 II do CPP São questões intimamente vinculadas ao mérito ao elemento objetivo da pretensão acusatória e dizem respeito a interesse da defesa que como regra acabam sendo alegados e demonstrados depois na resposta preliminar do art 396A Não podemos deixar de registrar a perplexidade em relação ao inciso IV na medida em que constitui uma impropriedade absolver o agente porque está extinta a punibilidade Como absolver porque o delito está prescrito Ou absolver porque houve o pagamento integral do tributo devido no delito de sonegação fiscal No caso a decisão correta é a declaratória da extinção da punibilidade e não absolvição Infelizmente o legislador fez pouco caso das categorias do direito processual e misturou conceitos de modo que agora o juiz irá declarar a extinção da punibilidade e absolver sumariamente o réu com base no art 397 IV do CPP Feito esse esclarecimento continuemos Nada impede que uma vez negado o pedido de absolvição sumária a defesa impetre habeas corpus para obter o trancamento do processo penal e não da ação penal nos casos em que a prova da tese defensiva é préconstituída e muito robusta Questão problemática pode surgir quando após a resposta escrita o juiz se convencer de que não existe justa causa para propositura da ação penal Como essa hipótese não está prevista no art 397 como deverá proceder Como explicamos anteriormente pensamos que o juiz poderá desconstituir o ato de recebimento anulandoo para a seguir proferir uma decisão de rejeição liminar Isso porque não existe preclusão pro iudicato ou seja nada impede que o juiz desconstitua seu ato e a seguir pratique aquele juridicamente mais adequado E mais nada impede que o juiz após a resposta escrita se convença da ausência de alguma das condições da ação e rejeite a denúncia anteriormente recebida Pela ausência de preclusão para o juiz poderá ele perfeitamente realizar um novo juízo de prelibação à luz dos novos elementos trazidos evitando assim um processo natimorto sem suporte probatório e jurídico suficiente11 Por fim destacase que a decisão de absolvição sumária gera coisa julgada material tratamos disso no estudo das condições da ação Diante da complexidade e importância da audiência de instrução e julgamento iremos abordála em item separado na continuação 312 A Audiência de Instrução e Julgamento A audiência de instrução e julgamento é o principal ato do procedimento comum ordinário ou sumário pois é o momento da produção e coleta da prova seja ela testemunhal pericial ou documental e ao final proferida a decisão Partindo do princípio da identidade física do juiz em que aquele que presidiu a coleta da prova deve ser o mesmo que ao final julgue art 399 2º estabeleceu o legislador uma audiência onde toda a prova deve ser produzida Essa aglutinação de atos funciona em muitos processos simples com um ou poucos réus e um número reduzido de testemunhas para serem ouvidas mas é inviável em processos complexos onde haverá uma pluralidade de audiências Para esse ato serão as partes intimadas logo o réu é citado para apresentar resposta escrita e intimado para a instrução onde será interrogado e requisitado o acusado se estiver preso O art 400 determina que nessa audiência sejam ouvidos em primeiro lugar a vítima após as testemunhas arroladas pela acusação e defesa não pode haver inversão eventuais esclarecimentos dos peritos acareações e reconhecimento de pessoas e coisas finalizando com o interrogatório No que tange à oitiva dos peritos art 400 2º do CPP deverão as partes requerer a oitiva com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento nos termos do art 159 5º I do CPP Quanto à prova testemunhal em primeiro lugar devem ser ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e após as testemunhas indicadas pela defesa Como regra a inversão dessa ordem gera ato processual defeituoso insanável que conduz à nulidade mas isso não se aplica quando a inversão decorrer da expedição e cumprimento de carta precatória ou rogatória Importante sublinhar que as testemunhas 8 para cada parte não computadas as informantes e referidas são arroladas pelas partes mas não são da parte mas sim do processo Isso é muito importante para evitar uma leitura equivocada do art 401 2º quando afirma que a parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas ressalvado o disposto no art 209 deste código Mais do que a possibilidade de o juiz ouvir uma testemunha que a parte ou as partes tenham desistido é fundamental não olvidar que o princípio do contraditório é inafastável Daí por que não pode ser admitida uma desistência unilateral Se quem arrolou uma testemunha quer desistir da sua oitiva deverá o juiz intimar a outra parte para se manifestar e não havendo concordância deverá ser produzida a prova Isso evita surpresas e manipulações mas acima de tudo é uma imposição do contraditório e o direito à prova É importante destacar que o interrogatório finalmente foi colocado em seu devido lugar último ato da instrução É neste momento que o réu poderá exercer sua autodefesa positiva ou negativa direito de silêncio sendo obrigatória a presença do defensor ver arts 185 a 196 do CPP A oitiva de testemunhas por carta precatória ou rogatória não influi na ordem com que devem ser ouvidas as demais testemunhas logo não há inversão Contudo o interrogatório deve efetivamente ser o último ato Dessa forma não poderá ser realizado enquanto não retornarem todas as cartas precatórias expedidas Preocupante é a autorização contida no art 405 2º do CPP O parágrafo primeiro estabelece que sempre que possível o registro dos depoimentos do investigado indiciado ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética estenotipia digital ou técnica similar inclusive audiovisual destinada a obter maior fidelidade das informações Até aqui tudo bem tratase de inserir tecnologia no processo e tornar mais fidedigno o material colhido O problema está no parágrafo segundo no caso de registro por meio audiovisual será encaminhada às partes cópia do registro original sem necessidade de transcrição A inserção de tecnologia é bemvinda mas existem limites da administração da justiça e do ritual judiciário que devem ser respeitados Se uma audiência é gravada áudio e vídeo isso não pode excluir a necessária transcrição Os recursos não se excluem senão que se complementam Entregar ao final da audiência um CD é um grave erro que causará grande prejuízo para todos Quem juiz promotor advogados de defesa ou assistentes da acusação ficará horas e horas assistindo a depoimentos para elaborar memoriais ou mesmo um recurso de apelação E o duplo grau de jurisdição como fica Que desembargador fará isso antes de julgar um recurso Nenhum Elementar que essa pseudoagilidade cobre um preço impagável Dessarte parecenos que a transcrição é fundamental para assegurar o direito de defesa e do duplo grau de jurisdição A Lei n 117192008 desenhou um procedimento fundado na aglutinação de todos os atos de instrução numa mesma audiência Essa regra como dissemos no início é aplicável em processos simples mas inviável nos complexos que demandarão várias audiências seja pelo excessivo número de testemunhas ou porque ao final da instrução são postuladas e deferidas diligências O art 402 abre a possibilidade de as partes diante da prova produzida requererem diligências perícias oitiva de testemunhas referidas juntada de documentos etc cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução Nesse caso não haverá debate oral mas sim alegações finais por memorial no prazo sucessivo de 5 dias cabendo primeiro ao acusador apresentar suas alegações e após sucessivamente ou seja sem nova intimação a defesa ou defesas Os memoriais ou alegações finais orais constituem um momento crucial do processo onde cada uma das partes fará uma minuciosa análise do material probatório e fará sua última manifestação no processo Após elas os autos irão conclusos para sentença do juiz É a oportunidade de desenvolver as teses acusatória e defensiva nas dimensões fáticas e jurídicas buscando a captura psíquica do julgador As alegações finais defensivas podem arguir questões preliminares e de mérito fazendo ao final os respectivos pedidos Para a defesa é uma peça de suma importância e sua falta conduz à necessidade de feitura do ato recordando PONTES DE MIRANDA o que falta não foi feito e pois não pode ter defeito deve ser feito ou seja a sentença deve ser anulada e determinada a apresentação da defesa escrita com a repetição do ato decisório Na classificação tradicional estamos diante de uma nulidade absoluta À acusação incumbe analisar a prova colhida fundamentando a comprovação da autoria e da materialidade ou caso não tenham sido suficientemente demonstradas postular a absolvição do réu Em se tratando de ação penal de iniciativa privada é obrigatório o pedido expresso de condenação sob pena de perempção nos termos do art 60 III do CPP Deverá sempre a acusação apresentar primeiro sua peça bem como o assistente se houver manifestandose após a defesa Caso seja juntado algum documento novo nessa fase deverá o juiz oportunizar o contraditório para que a outra parte se manifeste Quando ao final da audiência de instrução não for postulada nenhuma diligência ou forem denegados pelo juiz eventuais pedidos seguese o disposto no art 403 com alegações finais orais pelo prazo de 20 minutos respectivamente pela acusação e defesa prorrogáveis por mais 10 minutos proferindo o juiz sentença na continuação Considerando a complexidade do caso ou o número excessivo de acusados poderão as partes requerer que as alegações finais orais sejam substituídas por memoriais que uma vez deferidos pelo juiz deverão ser apresentados no prazo de 5 dias sucessivos iniciando pela acusação Nesse caso deverá o juiz proferir sentença em 10 dias 32 Rito Sumário O rito sumário destinase ao processamento dos crimes cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 anos de pena privativa de liberdade estando disciplinado nos arts 531 a 538 do CPP Na verdade pouco difere do rito ordinário destacandose a redução do prazo de realização da audiência de instrução e julgamento que passa a ser realizada no prazo máximo de 30 dias enquanto no ordinário o prazo é de 60 dias e o número de testemunhas limitado no rito sumário a 5 enquanto no ordinário é permitido arrolar até 8 testemunhas O art 394 4º do CPP determina que as disposições dos arts 395 a 398 na verdade art 399 pois o art 398 foi revogado aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau Daí por que a morfologia do procedimento acaba sendo igual àquela existente no rito ordinário para onde remetemos o leitor para evitar repetições recordando Determina o art 531 Art 531 Na audiência de instrução e julgamento a ser realizada no prazo máximo de 30 trinta dias procederseá à tomada de declarações do ofendido se possível à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Código bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogandose em seguida o acusado e procedendose finalmente ao debate Notase a falta de previsão de pedido de diligências ao final da audiência como ocorre no rito ordinário art 402 e também de substituição dos memoriais por debates orais tudo numa tentativa de aceleração procedimental A despeito disso não vemos obstáculos a que esses atos sejam realizados quando no caso concreto a complexidade da prova e das circunstâncias fáticas assim o exigir O argumento de que isso implicaria uma ordinarização do procedimento é ao mesmo tempo procedente mas pífio Isso porque efetivamente as distinções entre os ritos são epidérmicas resumindose a mera aglutinação de atos Logo qualquer coisa implica ordinarização de modo que a crítica é improcedente O que não se pode tolerar é ainda mais atropelo Por fim o rito sumário somente será utilizado quando não for cabível o sumaríssimo previsto na Lei n 9099 portanto nos crimes cuja pena máxima cominada for inferior a 4 anos e superior a 2 pois se a pena máxima for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais 33 Rito Especial Crimes Praticados por Servidores Públicos Contra a Administração em Geral Estabelece o Código Penal no Título XI Capítulo I os crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral seguindose a tipificação das condutas nos arts 312 a 327 Para esses casos estabelecia o Código de Processo Penal um rito especial disposto nos arts 513 a 518 O rito especial somente se aplicava aos crimes funcionais próprios Sendo outro o crime praticado pelo servidor o rito a ser seguido não será esse sendo portanto inexigível a resposta preliminar prevista no art 514 do CPP Mas a Lei n 117192008 alterou substancialmente os procedimentos não tratando expressamente desse rito especial e criando uma dicotomia aparente na medida em que existe sobreposição de atos Até a alteração legislativa de 2008 o procedimento era igual ao ordinário antigo com uma única especificidade digna de nota a existência de uma defesa prévia Antes de o juiz receber a denúncia todos esses crimes são de ação penal de iniciativa pública incondicionada ou eventual queixa substitutiva em caso de inércia do MP o juiz ordenava a notificação do acusado para que apresentasse uma resposta preliminar escrita no prazo de 15 dias Após a defesa escrita decidia o juiz se recebia ou rejeitava a denúncia Se recebida a acusação seguiase então o rito ordinário conforme determina o art 518 do CPP Verificase que o principal diferencial resposta escrita antes do recebimento acabou sendo incorporado ao novo rito ordinário Então haverá duas respostas escritas Não Devemos harmonizar a sistemática antiga com a nova Pensamos que a solução vem dada pelo próprio art 394 4º que prevê Art 394 O procedimento será comum ou especial 4º As disposições dos arts 395 a 398 deste Código aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código Significa que houve uma ordinarização do procedimento especial que agora seguirá integralmente o rito ordinário com a seguinte morfologia Contudo advertirmos que a solução não é pacífica Entre outros GIACOMOLLI12 sustenta que se deve seguir o rito especial e após o ordinário como prevê o art 518 do CPP estabelecendose essa ritualística 1 Denúncia 2 Notificação do imputado para apresentar resposta preliminar 3 Resposta preliminar da defesa art 514 do CPP 4 Juiz decide se recebe ou rejeita a acusação 5 Recebendo a denúncia cita o réu para apresentar a resposta à acusação nos termos do art 396A do CPP ou seja a defesa prevista para o rito ordinário 6 Juiz decide se absolve sumariamente ou não art 397 7 Não absolvendo marca audiência de instrução e julgamento nos termos dos art 399 e ss do CPP Não divergimos dessa posição em que pese entendermos que a tendência seja a ordinarização mas sem dúvida a proposta de mesclar os ritos oportunizando duas defesas escritas em momentos e com objetos distintos pois a primeira busca a rejeição da acusação e a segunda a absolvição sumária é mais benigna para o réu e não acarretará qualquer nulidade na medida em que a atipicidade processual não traz consigo a violação de um princípio constitucional Superada essa questão é importante nesse procedimento atentar para os seguintes aspectos 1 O art 513 determinava que o julgamento competia aos juízes de direito ou juízes federais se houver alguma das situações do art 109 da Constituição logo não poderia haver julgamento por pretores ou pelo Juizado Especial Criminal Pensamos que essa exigência permanece 2 A resposta preliminar no prazo de 15 dias somente teria aplicação quando o crime praticado fosse afiançável Essa era a lição até o advento da Lei n 11719 A partir dela pensamos que sempre haverá resposta escrita mas nos termos do art 396 3 Outra problemática foi criada pela Súmula n 330 do STJ É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal na ação penal instruída por inquérito policial Equivocadíssima a posição externada pela Súmula O problema é antigo e já havia sido superado Nasce de uma leitura míope do art 513 do CPP quando menciona que a denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas Significa apenas que a denúncia pode ser oferecida sem prévio inquérito policial o que é óbvio diante da facultatividade dele desde que existam documentos que o supram Historicamente o art 513 é um erro Como explica FREDERICO MARQUES13 o referido dispositivo não passa de reprodução daquilo que dispunha o Código de Processo Criminal de 1832 mas com um importante detalhe naquela época 1832 não se admitia inquérito policial para crimes funcionais Daí por que como conclui o autor é incompreensível que os autores do Código de Processo Penal vigente não tenham atentado para isso inserindo uma norma obsoleta como a do art 513 que até em justificação fala sem nenhum propósito Agora pretender justificar a partir desse imbróglio que a resposta preliminar do art 514 é desnecessária quando a denúncia tiver por base um inquérito policial como afirma a Súmula n 330 do STJ é um disparate Com inquérito ou sem ele pensamos que a resposta preliminar nos termos do art 396 é necessária e constitui uma nulidade absoluta defeito processual insanável a supressão dessa garantia procedimental Com a adoção do procedimento ordinário a Súmula perdeu completamente seu objeto 4 O art 517 deve ser harmonizado com o novo rito ordinário de modo que antes da audiência de instrução e julgamento e após a apresentação da resposta escrita poderá o juiz absolver sumariamente o imputado desde que presente alguma das situações do art 397 do CPP Pensamos que a decisão de absolvição sumária é um instituto que pode ser aplicado em qualquer procedimento sem qualquer obstáculo No demais remetemos o leitor ao que explicamos sobre o rito ordinário e a audiência de instrução e julgamento 34 Rito Especial Crimes Contra a Honra Ainda que o Capítulo III do Título II do Código de Processo Penal fale em Do processo e do julgamento dos crimes de calúnia e injúria de competência do juiz singular é pacífico que também o delito de difamação segue o rito especial Tratase de um erro legislativo histórico que remonta à ausência no Código Penal de 1890 do crime de difamação era uma espécie de injúria Foi uma falha do legislador processual operar na lógica do Código Penal de 1890 sem considerar que também tramitava em paralelo o projeto do Código Penal de 1940 que tripartia os crimes contra a honra em calúnia injúria e difamação14 Outro aspecto superado é a menção à competência do juiz singular pois quando elaborado o CPP estava em vigor o Decreto n 277634 que previa o júri de imprensa para o julgamento dos crimes contra a honra praticados por meio de imprensa Hoje não existe mais esse órgão julgador Devese atentar ainda para os seguintes aspectos 1 Se o crime contra a honra for praticado através da imprensa devemos recordar que a Lei n 525067 foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1307 DF Portanto como regra terá o mesmo julgamento que qualquer outro crime contra a honra sendo a competência do JECrim exceto se exceder o limite de pena 2 Como regra a competência para processar e julgar os crimes contra a honra será do Juizado Especial Criminal pois a pena máxima é a do crime de calúnia e não supera 2 anos seguindo o rito lá disposto contudo havendo concurso material entre calúnia e difamação eou injúria será excedida a competência do JECrim devendo o processo seguir o rito estabelecido nos arts 519 e seguintes do CPP 3 Quando o crime contra a honra tiver como ofendido o Presidente da República ou Chefe de Governo estrangeiro a ação penal somente se procede mediante requisição do Ministro da Justiça sendo que esta não está submetida ao prazo de 6 meses da representação 4 Se o crime for contra a honra de servidor público propter officium aplicase a Súmula n 714 do STF legitimidade concorrente mediante queixa do ofendido ou denúncia do Ministério Público mas a ação nesse caso é condicionada à representação 5 O procedimento admite uma fase prévia de reconciliação art 520 do CPP mas deverá ser realizada na presença de seus advogados aqui é necessária uma redefinição teórica à luz do art 133 da Constituição implicando a extinção da punibilidade pela renúncia na verdade essa reconciliação situase entre a renúncia e o perdão mas como não está prevista no art 107 do Código Penal para que acarrete a extinção da punibilidade deve revestirse de uma das duas formas 6 Se o querelante devidamente intimado não comparecer sem justificativa na audiência de reconciliação haverá perempção art 60 III do CPP salvo se estiver presente seu advogado com procuração que contenha poderes especiais para renunciar ao direito de queixa situação em que não poderá o querelante ser punido com a perempção 7 Se a ausência for do querelado será irrelevante15 pois apenas denota sua intenção de não se reconciliar não se aplicando o disposto no art 367 do CPP 8 Quando o crime contra a honra for considerado de ação penal de iniciativa pública não haverá essa fase prévia de reconciliação pois indisponível a ação penal nesse caso também não é possível a retratação da representação quando vg o crime é praticado contra a honra de servidor público pois já oferecida a denúncia art 25 do CPP 9 Prevê o art 144 do CP o pedido de explicações que é facultativo e será sempre prévio ao início do processo penal com o intuito de esclarecer o conteúdo das alusões ou frases 10 Quando após as explicações for oferecida a queixa caberá ao juiz avaliar as justificativas apresentadas pelo agora querelado na sentença 11 A exceção da verdade é oponível nos crimes de calúnia art 138 3º do CP e difamação nessa última figura somente é admitida a exceptio veritatis quando o ofendido é servidor público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções art 139 parágrafo único do CP devendo ser apresentada no prazo da resposta escrita à acusação e aconselhase em peça distinta cabendo ao querelante a faculdade de contestar a exceção no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas para completar o máximo legal ou substituir aquelas arroladas na queixa 12 A exceção da verdade não tramita em autos apartados de modo que oposta e admitida será autuada no próprio processo e colhida a prova em conjunto decidindo o juiz ao final sobre o caso penal narrado na queixa e também nesse mesmo momento sobre a exceção da verdade 13 A exceção da verdade no crime de difamação pode ser fundada na notoriedade do fato imputado cabendo ao querelado essa prova 14 Quando o crime for contra a honra de alguém que possua prerrogativa de função oferecida exceção da verdade deve ela ser encaminhada ao tribunal competente para o julgamento da vítima querelante conforme explicamos ao tratar da competência e analisar o disposto no art 85 do CPP Destacamos contudo que muitas dúvidas pairam sobre o processamento da exceção da verdade no tribunal diante da lacuna legislativa Pensamos que o melhor procedimento é a apresentação da exceção junto com a resposta à acusação em primeiro grau Obedecendo ao disposto no art 523 do CPP deve o juiz abrir vista para manifestação do querelante contestação diz a lei no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas Após preenchidos os requisitos legais de admissibilidade cabimento legal da exceção da verdade e tempestividade deverá o juiz a quo processar a exceção em autos apartados e enviálos para o tribunal competente para o julgamento em razão da prerrogativa de função da vítima É importante destacar que a prova da exceção da verdade inclusive a testemunhal deverá ser produzida no tribunal e não no órgão de primeiro grau Caberá ao tribunal o processamento e julgamento da exceção da verdade incluindo a coleta da prova até mesmo por imposição do princípio da identidade física do juiz segundo o qual o órgão que assistir à coleta da prova deverá julgar logo incumbe ao tribunal providenciar a coleta da prova e posteriormente julgar a exceção 15 Frustrada a audiência de reconciliação e recebida a queixa ou denúncia seguirá o rito ordinário Sem perder de vista o que acabamos de explicar vejamos agora a morfologia desse procedimento especial A especificidade fica por conta da audiência de reconciliação que se exitosa dará fim ao processo Se inexitosa devese observar integralmente o rito ordinário com as possibilidades de rejeição liminar art 395 resposta escrita à acusação art 396 absolvição sumária art 397 e a audiência de instrução e julgamento 35 Rito Especial da Lei de Tóxicos Lei n 113432006 Questão extremamente complexa envolve a chamada Política Criminal de Drogas bem como os tipos penais decorrentes da ideologia criminalizadora adotada no Brasil Tais questões extravasam os limites do presente trabalho e não serão aqui abordadas Nós nos limitaremos à análise do procedimento instituído pela Lei sob o ponto de vista exclusivamente processual A nova Lei de Tóxicos substituindo as anteriores Leis n 636876 e 104092002 estabelece uma série de diretrizes que afetam não apenas o procedimento mas também a própria fase préprocessual inquérito policial Quanto à morfologia do procedimento é também marcada pela aglutinação de atos a ponto de a Lei desenhar um procedimento em tese composto de uma única audiência É um procedimento similar ao ordinário e ao sumário mas que foi legislativamente concebido antes da reforma de 2008 não tendo previsão da possibilidade de absolvição sumária e mantendo ainda o interrogatório como primeiro ato da instrução Por isso sustentamos que a Lei n 11343 deve contemplar os novos institutos inseridos pela reforma processual de 2008 com possibilidade de absolvição sumária após a resposta à acusação defesa escrita e principalmente deslocandose o interrogatório para o último ato da instrução Tal adequação é necessária à luz do disposto no art 394 4º e 5º do CPP que determinam aplicação dos novos dispositivos a todos os procedimentos de primeiro grau ainda que não regulados pelo CPP Partindo do art 48 da Lei n 11343 sublinhamos as seguintes especificidades 1 Se o crime é aquele previsto no art 28 ou no seu parágrafo primeiro adquirir guardar tiver em depósito transportar ou trouxer consigo semear cultivar ou colher para consumo pessoal eventual processo criminal será de competência do Juizado Especial Criminal não havendo sequer prisão em flagrante art 48 2º16 2 Quando o crime estiver previsto nos arts 33 a 39 excetuandose os delitos dos arts 33 3º e 38 que serão de competência do JECrim o rito adotado será o especial previsto nos arts 48 e ss da Lei n 11343 3 Para a prisão em flagrante é necessário laudo de constatação da natureza e quantidade da droga firmado por 1 perito oficial ou na falta deste por pessoa idônea art 50 1º 4 O inquérito poderá durar até 90 dias quando o indiciado estiver solto e 30 dias quando estiver preso tais prazos podem ser duplicados17 pelo juiz mediante pedido justificado da autoridade policial 5 Quando caracterizada a transnacionalidade do delito aqueles previstos nos arts 33 a 37 a competência será da Justiça Federal art 70 da Lei n 11343 6 Em qualquer fase da persecução tanto na fase preliminar como também no curso do processo admite a lei a figura do agente infiltrado e do flagrante diferido 7 Concluído o inquérito e enviado os autos em juízo terá o Ministério Público o prazo de 10 dias para requerer o arquivamento requisitar diligências ou oferecer denúncia arrolando até 5 testemunhas 8 Será oportunizado prazo de 10 dias para defesa prévia18 por escrito devendo neste ato serem arroladas as testemunhas de defesa até o máximo de cinco Após decidirá o juiz no prazo de 5 dias se recebe ou rejeita a denúncia ou determina diligências exames e perícias 9 Recebida a denúncia designará o juiz audiência de instrução e julgamento momento em que procederá ao interrogatório inquirição das testemunhas de acusação defesa debate oral e sentença em audiência ou no prazo de 10 dias Quanto ao laudo provisório firmado por apenas um perito nos termos do art 50 1º pensamos que poderá servir apenas para homologação do flagrante e recebimento da denúncia19 jamais para legitimar uma sentença condenatória Daí por que no curso do processo deverá ser elaborado um laudo definitivo por outro perito oficial ou duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior nos termos do art 159 do CPP Ainda que o art 50 2º disponha que o perito que elaborou o laudo provisório não está impedido de participar da elaboração do definitivo pensamos que esse não é o correto tratamento da questão Acertada é a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal e externada na Súmula n 361 segundo a qual é nulo o exame realizado por um só perito considerandose impedido o que tiver funcionado anteriormente na diligência de apreensão Pensamos que o laudo definitivo deve ser firmado por outro perito oficial nos termos do art 159 do CPP estando impedido de atuar aquele que firmou o laudo provisório Preocupante é o disposto no art 52 parágrafo único da Lei n 11343 ao permitir que o Ministério Público ofereça a denúncia e iniciese o processo penal enquanto diligências complementares são realizadas pela polícia judiciária Mais grave do que consagrar a instrução paralela onde o processo tramita em juízo enquanto simultaneamente a polícia segue investigando obviamente em sigilo e negado acesso e conhecimento por parte da defesa é a possibilidade de o resultado dessas novas investigações ser encaminhado ao juízo competente e ingressar no processo até 3 três dias antes da audiência de instrução e julgamento Quanto à prisão cautelar sublinhamos que o STF no HC 104339SP Rel Min Gilmar Mendes julgado em 10052012 declarou a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória ou seja a vedação de concessão contida no art 44 da Lei de Tóxicos Inclusive a nosso sentir além da flagrante inconstitucionalidade do pretendido regime de prisão cautelar obrigatória a alteração levada a cabo anteriormente através da Lei n 114642007 que modificou a Lei dos Crimes Hediondos Lei n 8072 já havia resolvido o problema Mas para aqueles que ainda não haviam se convencido pela mera autoridade do argumento eis o argumento de autoridadeCorretamente entendeu o STF que o legislador não pode restringir o poder de o juiz analisar a possibilidade de conceder ou não a liberdade provisória As discussões estabelecidas no julgamento evidenciaram que os ministros não admitem a possibilidade de uma lei vedar a concessão de liberdade provisória retirando a análise do periculum libertatis das mãos do juiz Segundo o relator Min Gilmar Mendes a inconstitucionalidade da norma reside no fato de que ela estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória onde a liberdade seria exceção em sentido oposto ao sistema de garantias da Constituição Além disso o Min Celso de Mello ressaltou que regras como essas transgridem o princípio da separação de Poderes Para o ministro o juiz tem o dever de aferir se estão presentes hipóteses que autorizam a liberdade Lewandowski concordou com Celso e afirmou que o princípio da presunção de inocência e a obrigatoriedade de fundamentação das ordens de prisão pela autoridade competente impedem que a lei proíba de saída a análise de liberdade provisória No julgamento os ministros deixaram claro que não se trata de impedir a decretação da prisão provisória quando necessário mas de não barrar a possibilidade de o juiz que é quem está atento aos fatos específicos do processo analisar se ela é ou não necessária Em última análise como sempre explicamos a decretação ou não da prisão preventiva em qualquer processo ou momento procedimental depende exclusivamente do aferimento da necessidade da prisão aferido pela conjugação do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Na dimensão patrimonial a Lei demonstra bastante preocupação em estimular o uso das medidas assecuratórias nos arts 60 a 64 Apenas complementamos com o disposto no art 243 da Constituição segundo o qual Art 243 As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei Parágrafo único Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização controle prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias Esse confisco de bens já foi tratado quando abordamos a restituição das coisas apreendidas para onde remetemos o leitor 36 Os Juizados Especiais Criminais JECrim e o Rito Sumaríssimo da Lei n 9099 361 Competência dos Juizados Especiais Criminais Estaduais e Federais Sem dúvida a Lei n 909995 representou um marco no processo penal brasileiro na medida em que rompendo com a estrutura tradicional de solução dos conflitos estabeleceu uma substancial mudança na ideologia até então vigente A adoção de medidas despenalizadoras e descarcerizadoras marcou um novo paradigma no tratamento da violência A autorização constitucional para tal giro vem dada pelo art 98 I da Constituição que previu a possibilidade de criação dos Juizados Especiais Criminais para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo Mas a Lei n 909995 não inovou apenas na criação dos Juizados Especiais Criminais JECrim Junto com eles outros institutos importantes foram inseridos no sistema processual penal brasileiro como a composição dos danos civis a transação penal e a suspensão condicional do processo que serão abordados a seu tempo Inicialmente o conceito de infrações penais de menor potencial ofensivo definido no art 61 da Lei n 9099 limitava o julgamento pelo JECrim dos crimes ou contravenções cuja pena máxima não fosse superior a 1 ano Em 2001 é instituído o JECrim no âmbito da Justiça Federal ampliando o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo para aqueles crimes cuja pena máxima não superasse 2 anos e retirando a vedação dos casos em que a lei preveja procedimento especial Isso gerou um paradoxo em relação à competência da justiça estadual que acabou sendo resolvido em 2006 Atualmente a redação do art 61 foi modificada pela Lei n 113132006 de modo que se consideram infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Não existe mais nenhuma restrição aos crimes a que a Lei preveja procedimento especial como na redação original da Lei n 9099 Quanto à competência do JECrim no âmbito federal como já explicamos na temática Competência em Matéria Penal é importante analisar o art 2º da Lei n 102592001 posteriormente alterada pela Lei n 11313 Art 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo respeitadas as regras de conexão e continência Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis A referida Lei apenas define a competência dos JECrims federais cabendo à Lei n 9099 disciplinar a estrutura funcionamento e institutos aplicáveis Para que um crime seja de competência dos JECrims federais deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da justiça federal logo que se encaixe numa daquelas situações previstas no art 109 da Constituição que o crime tenha uma pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JECrim federal do contrário é da justiça estadual É o que ocorre com o delito de dano contra o patrimônio da União ou qualquer crime praticado por ou contra servidor público federal no exercício de suas funções e cuja pena não seja superior a 2 anos tais como peculato culposo art 312 2º prevaricação art 319 condescendência criminosa art 320 advocacia administrativa art 321 resistência art 329 desobediência art 330 desacato art 331 entre outros No seu parágrafo único prevê a Lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JECrim e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JECrim mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Essa foi a mesma sistemática adotada posteriormente pela Lei n 113132006 que modificou o parágrafo único do art 60 da Lei n 909995 para determinar que na reunião de processos perante o juízo comum ou o Tribunal do Júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis Significa dizer é importante que isso fique bem claro que os institutos da transação penal e da composição dos danos civis não são privativos do JECrim devendo ser aplicados em qualquer processo que tramite no juízo comum ou no Tribunal do Júri sempre respeitado é claro o limite de pena máxima não superior a 2 anos Igual tratamento é dado desde sua origem à suspensão condicional do processo prevista no art 89 da Lei n 9099 que poderá ser ofertada no JECrim ou fora dele Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de ameaça e outro de homicídio haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito de ameaça art 147 cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se fosse outro delito que comportasse deveria ser permitida a composição dos danos O mesmo raciocínio aplicase ao JECrim federal 362 Limite de Pena e Competência do JECrim Causas de Aumento e de Diminuição de Pena Concurso de Crimes Material Formal e Continuado E se o crime for tentado ou existir uma causa de aumento da pena que extrapole o limite da competência do JECrim Como deve ser feito o controle do quantum de pena Considerando que o critério para definir a competência do JECrim é a quantidade de pena máxima cominada assume grande relevância a existência de causas de aumento ou diminuição da pena como a tentativa por exemplo bem como o concurso de crimes material formal ou continuidade delitiva Agravantes e atenuantes não influem no conceito de maior ou menor gravidade não incidindo como sustenta GIACOMOLLI20 Iniciemos pelas causas de aumento ou diminuição de pena Essas circunstâncias modificadoras podem estar previstas na parte geral ou especial do Código Penal e devem incidir para fins de aferição da menor potencialidade ofensiva do crime e como se busca a pena máxima 2 anos o cálculo deve ser da seguinte forma a incide a causa de aumento no máximo e a de diminuição no mínimo21 b o resultado dessa operação deve ser uma pena máxima não superior a 2 anos do contrário extrapola a competência do JECrim Sendo o crime tentado ainda que a pena máxima do tipo básico exceda 2 anos se com a redução de 13 redução mínima ela ficar dentro do patamar do JECrim deve lá ser julgado o crime Isso porque como explica BITENCOURT22 não se pode ignorar que a tentativa é um tipo penal ampliado um tipo penal aberto um tipo penal incompleto mas um tipo penal Havendo concurso de crimes devese ter muito cuidado tendo a jurisprudência inclinadose pelo seguinte tratamento a se o agente praticar dois ou mais crimes em concurso material devese somar as penas máximas em abstrato b sendo concurso formal ou crime continuado devese considerar o maior aumento sempre buscando a pena máxima Se após essa operação a pena permanecer no limite de 2 anos a competência é do JECrim do contrário não Esse raciocínio encontra abrigo nas Súmulas n 723 do STF23 e n 243 do STJ24 aplicadas por analogia pois tratam da suspensão condicional do processo por isso fazem menção à pena mínima quando aqui para definição da competência do JECrim utilizase a pena máxima Não se desconhece a divergência doutrinária em torno desse critério de definição da competência do JECrim soma das penas e incidência das causas de aumento Se de um lado existe uma forte tendência jurisprudencial em aplicar as regras acima expostas na doutrina a situação é diversa Estamos com GIACOMOLLI DUCLERC KARAM GRINOVER MAGALHÃES GOMES FILHO SCARANCE FERNANDES GOMES entre outros no sentido de que a no concurso material de crimes analisase a pena de cada um deles de forma isolada b sendo concurso formal ou crime continuado desprezase a causa de aumento trabalhando somente com a pena do tipo mais grave Tratase de seguir a lógica definida pelo legislador penal no art 119 do CP quando define o limite do poder punitivo de forma isolada para cada crime Assim segundo o dispositivo em questão no caso de concurso de crimes a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente Mas infelizmente tem prevalecido o primeiro critério reforçado pelas Súmulas n 723 do STF e n 243 do STJ Por fim sublinhese que tal regra da soma das penas não deve ser utilizada na aplicação dos institutos da transação penal e da composição dos danos civis realizados no JECrim ou fora dele Essa variação de tratamento decorre da nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 que dispôs o seguinte Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis Significa que se alguém cometer um delito de lesão corporal leve art 129 do CP pena de 3 meses a 1 ano conexo com um delito de homicídio doloso art 121 do CP pena de 6 a 20 anos será julgado no Tribunal do Júri Sem embargo as penas devem ser isoladas para fins de incidência dos institutos da composição dos danos civis e nesse caso da transação penal quando realizadas fora do JECrim Logo se aplicássemos a regra do concurso material somando as penas nenhum dos institutos teria possibilidade de incidência Mas diante da nova regra do parágrafo único do art 60 da Lei n 9099 poderá perfeitamente ser oferecida a transação penal em relação ao crime de lesões leves Se o agente cometer os crimes de calúnia art 138 do CP pena de 6 meses a 2 anos em concurso material com o delito de injúria art 140 do CP pena de 1 a 6 meses a soma das penas excede o limite de competência do JECrim Não obstante de forma isolada podem ser oferecidos os benefícios da transação penal e da composição dos danos civis 363 Composição dos Danos Civis e suas Consequências Atento à pretensão indenizatória da vítima a Lei n 9099 instituiu a composição dos danos civis nos arts 74 e 75 de modo que o acordo entre imputado e vítima com vistas à reparação dos danos decorrentes do delito gera um título executivo judicial Essa decisão homologatória é logicamente irrecorrível pois apenas chancela o acordo firmado não havendo gravame para sustentar um interesse juridicamente tutelável de recorrer Não obstante pode haver embargos declaratórios buscando o esclarecimento de obscuridade ambiguidade contradição ou omissão dessa decisão A composição dos danos civis poderá anteceder a fase processual ou ocorrer na audiência preliminar situação em que deverão se fazer presentes a vítima e o réu ambos acompanhados de advogado Seu principal efeito é acarretar a extinção da punibilidade pela renúncia do direito de queixa25 ou de representação impedindo a instauração do processocrime ou acarretando sua extinção caso seja feita na audiência preliminar Mas para isso é imprescindível que o delito praticado além de ter pena máxima igual ou inferior a 2 anos seja de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação sendo inviável se o delito for de ação penal de iniciativa pública incondicionada Com a nova redação do parágrafo único do art 60 a composição dos danos civis pode ser aplicada nos casos de reunião de processos por conexão ou continência seja no Tribunal do Júri ou no juízo comum Logo não está mais adstrita ao JECrim Sendo a infração de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada as partes poderão compor extrajudicialmente sobre o valor a ser pago sem a necessidade de ser realizada em juízo para acarretar a extinção da punibilidade Nesse caso sendo depois realizada a audiência preliminar qualquer meio de prova será admitido para comprovar a composição e acarretar a extinção do feito Caso não tenha ocorrido a composição extrajudicial na audiência preliminar caberá ao Juiz ou conciliador buscar a composição dos danos que se exitosa será homologada necessariamente pelo Juiz togado para que em sentença irrecorrível adquira a eficácia de título executivo judicial hábil a ensejar execução no Juízo Cível Assim teremos um duplo efeito na justiça criminal acarretará a extinção da punibilidade e na justiça civil adquirirá o status de título executivo judicial Não sendo possível o acordo à vítima será dada a oportunidade de exercer o direito de representação ou queixa sendo que no primeiro caso terá ainda o prazo de seis meses para fazêlo nos termos do art 38 do CPP No caso de ser a ação penal de iniciativa privada após a frustração da composição a regra será a feitura da queixa ainda que a Lei permita que seja feita oralmente não é essa a prática forense em que a imensa maioria das queixas são feitas por escrito seguindose então o rito sumaríssimo Como veremos frustrada a conciliação duas são as possibilidades se o crime é de ação penal de iniciativa privada poderá ou não a vítima oferecer a queixacrime se isso ocorrer ainda é possível que em audiência seja oferecida a transação penal se o crime é de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação a vítima poderá então representar ou não abrindose a possibilidade de o Ministério Público propor a transação penal ou se não aceita ou inviável oferecer a denúncia Para concluir interessante questão é colocada por BITENCOURT 26 ao analisar o art 74 da Lei n 9099 e o art 104 parágrafo único do Código Penal que diz textualmente não a implica renúncia tácita todavia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime E agora como resolver essa dicotomia aparente A solução apregoada é no sentido de que houve uma revogação tácita em relação ao Código Penal no que tange aos delitos de menor potencial lesivo da competência do Juizado continuando a vigência do dispositivo penal em relação às demais infrações não abrangidas pela Lei n 9099 364 Transação Penal A transação penal consistirá no oferecimento ao acusado por parte do Ministério Público de pena antecipada de multa ou restritiva de direitos Não há ainda oferecimento de denúncia Desde logo sublinhamos que predomina o entendimento de que a transação penal é um direito subjetivo do réu27 de modo que preenchidos os requisitos legais deve ser oportunizada ao acusado Ao Ministério Público como bem define PACELLI28 a discricionariedade é unicamente quanto à pena a ser proposta na transação restritiva de direitos ou multa nos termos do art 76 da Lei n 909995 grifo nosso O instituto também conduziu a uma relativização do princípio da obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública pois permite certa ponderação por parte do Ministério Público Não se trata de plena consagração dos princípios de oportunidade e conveniência na ação penal de iniciativa pública Muito longe disso É uma pequena relativização do dogma da obrigatoriedade de modo que preenchidos os requisitos legais deverá o Ministério Público ofertar a transação penal Dessa forma é recorrente a afirmação de que se trata de uma discricionariedade regrada Noutra dimensão é um poderdever Mas como acabamos de afirmar essa discricionariedade deve conviver com o direito público subjetivo do réu de modo que ao Ministério Público incumbe apenas verificar se estão preenchidos os requisitos e negociar sobre a pena cabível restritiva de direitos ou multa Não lhe compete o poder de decidir sobre o cabimento ou não da transação Importante sublinhar ainda que a transação penal não é uma alternativa ao pedido de arquivamento senão um instituto que somente terá aplicação quando houver fumus commissi delicti e o preenchimento das demais condições da ação processual penal Infelizmente no lugar onde mais deveria se realizar a filtragem processual com uma enxurrada de ações penais sendo rejeitadas é exatamente onde menos se controlam as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa O fato de o JECrim ter sua competência limitada às infrações penais de menor potencial ofensivo não dispensa a demonstração e análise das condições da ação especialmente a exigência de demonstração da fumaça do crime e da justa causa Ainda que se trate de crime de menor potencial ofensivo devese verificar se há relevância jurídicopenal na conduta Constatandose ser a conduta insignificante sob ponto de vista jurídicopenal deve a denúncia ou queixa ser rejeitada Da mesma forma se não vier instruída com um mínimo de elementos probatórios da tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma as condições da ação também são exigidas no Juizado Especial Criminal ainda que em geral os que lá atuam disso se tenham olvidado ou assim façam parecer pelo encobrimento gerado pelo utilitarismo estruturante do discurso da informalidade Voltando ao tema a transação penal deverá ser negociada 29 com o autor do fato até que se chegue ou não a um consenso Pela facilidade na exigibilidade e no cumprimento a pena de multa tem sido a medida mais adotada cabendo seu cálculo em diasmulta o critério orientador deverá ser o binômio gravidade do fato para fixar o número de dias e possibilidade econômica do réu para fixar o valor de cada diamulta Os pressupostos legais permissivos são extraídos da leitura do art 76 da Lei que veda a transação penal quando ficar comprovado I ter sido o autor da infração condenado pela prática de crime à pena privativa de liberdade por sentença definitiva COMENTÁRIO Tratou o legislador de vetar a transação penal para o imputado reincidente incidindo assim infelizmente no já consagrado bis in idem punitivo que reforça o estigma Não impede quando a condenação anterior for por contravenção penal e tampouco diferenciou o legislador se o crime anterior é doloso ou culposo nos parecendo claramente desproporcional o impedimento de transação penal quando a condenação anterior decorrer da prática de delito culposo II ter sido o agente beneficiado anteriormente no prazo de 5 cinco anos pela aplicação de pena restritiva ou multa nos termos deste artigo COMENTÁRIO Partindo do já conhecido lapso de 5 anos que demarca a reincidência art 64 I do CP busca a Lei n 9099 estabelecer uma espécie de período de prova onde o agente somente poderá se beneficiar da transação penal uma vez a cada cinco anos Nesse prazo de 5 anos nada se exige do imputado exceto o fato de que veladamente impõese um não voltar a delinquir Mas se voltar não poderá novamente transacionar III não indicarem os antecedentes a conduta social e a personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias ser necessária e suficiente a adoção da medida COMENTÁRIOS Esse é sem dúvida o requisito mais problemático de modo que para melhor compreensão vamos subdividilo a Repetiu o legislador os critérios que orientam a fixação do regime de cumprimento substituições e até de aplicação da pena nos termos dos arts 33 3º 44 III e 59 todos do Código Penal Negar se a transação penal pelo fato de ter o imputado maus antecedentes pode constituir uma violação da presunção de inocência Isso porque em relação ao fato anterior ou o agente foi condenado e já transitou em julgado será aplicado então o inciso I ou não foi definitivamente condenado de modo que vedar a transação penal sob esse argumento é violar a presunção constitucional de inocência b No que se refere à conduta social e personalidade do agente a situação é igualmente problemática Como já explicamos em outras ocasiões ambos os critérios são abertos indeterminados e refletem um superado direito penal do autor O que é uma conduta social adequada São os juízes capazes e estão legitimados a fazer um juízo dessa natureza Quais os parâmetros utilizáveis Como refutar esse desvalor Sob o argumento de conduta social inadequada ou desajustada não estariam sendo feitas graves discriminações a partir da classe social da conduta sexual ou mesmo praticando um velado racismo Daí por que é inadmissível um juízo de desvalor a partir de critérios tão vagos e indeterminados c Quanto à personalidade igualmente inviável tal juízo de desvalor Como já explicamos anteriormente toda e qualquer avaliação sobre a personalidade de alguém é inquisitiva visto estabelecer juízos sobre a interioridade do agente Também é autoritária devido às concepções naturalistas em relação ao sujeito autor do fato criminoso Tratase de efetivarse o superadíssimo direito penal do autor fruto da dificuldade em compreender o fenômeno da secularização e da cultura inquisitória que ainda dominam o processo penal brasileiro O diagnóstico acerca da personalidade é praticamente impossível de ser feito salvo para os casos de vidência e bola de cristal e não raras vezes demonstra um psicologismo rasteiro e reducionista até porque não possui o juiz conhecimento e condições de aferir a personalidade de alguém existem mais de 50 definições diferentes sobre personalidade menos ainda nessas condições O diagnóstico da personalidade é extremamente complexo e envolve histórico familiar entrevistas avaliações testes de percepção temática e até exames neurológicos e isso é absolutamente impossível de ser constatado nessas condições Não podemos admitir um juízo negativo sem fundamentação e base conceitual e metodológica Em suma o maior problema é o decisionismo o verdadeiro autoritarismo que encerra uma decisão dessa natureza que é substancialmente inconstitucional por grave violação dos direitos de defesa e contraditório pois não há possibilidade de refutação das hipóteses decisórias É um dado impossível de ser constatado empiricamente e tampouco demonstrável objetivamente para poder ser desvalorado Mas se o imputado preencher todas essas condições e a proposta for efetivada deverá o Juiz então homologar o acordo cabendo apelação dessa decisão Causa certa estranheza a previsão de recurso de uma decisão que na verdade apenas homologa um acordo que foi feito pelas partes Onde fica o gravame necessário para o recurso Pela lógica incabível o recurso Contudo pode ocorrer de alguma das condições da transação ser excessivamente gravosa para o agente de modo que ele aceita e recorre daquela parte do acordo que não lhe é razoável Não há consenso sobre as condições da transação mas para evitar a recusar e portanto preclusão dessa via consensual o agente aceita e recorre Por outro lado não há previsão de recurso para o caso de não homologação da transação penal oferecida pelo MP e aceita pelo imputado Situação difícil de suceder pois o papel do juiz não é compatível com tal protagonismo mas se ocorrer incumbirá às partes interessadas e cujo acordo foi desrespeitado pelo juiz lançar mão do Mandado de Segurança ou mesmo Correição Parcial Não se descarta ainda que o sujeito passivo utilize o habeas corpus pois a não homologação da transação penal oferecida e aceita poderá significar a submissão dele a um processo criminal que poderia ter sido evitado sendo evidente a ilegalidade dessa coação Quanto à natureza dessa sentença em que pese não ser condenatória senão homologatória possui eficácia executiva suficiente para constituirse em um título executivo judicial nos termos do art 475N do CPC A grande e única vantagem da transação penal é o fato de não gerar reincidência ou maus antecedentes apenas servindo para impedir que o acusado seja novamente beneficiado no prazo de cinco anos Não significa admissão de culpa ou assunção de responsabilidades Por fim caso não exista consenso não sendo possível a efetivação da transação penal o feito seguirá o rito sumaríssimo que será explicado adiante Não olvidemos ainda que com a nova redação do parágrafo único do art 6030 a transação penal pode ser aplicada nos casos de reunião de processos por conexão ou continência seja no Tribunal do Júri ou no juízo comum Logo não está mais adstrita ao JECrim 3641 E se o Ministério Público Não Oferecer a Transação Penal Se o Ministério Público não oferecer a transação quando cabível predomina o entendimento de que se deve aplicar por analogia o art 28 do CPP31 remetendose ao Procurador Geral Nesse sentido também dispõe a Súmula n 696 do STF cujo verbete é Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo mas se recusando o Promotor de Justiça a propôla o juiz dissentindo remeterá a questão ao ProcuradorGeral aplicandose por analogia o art 28 do Código de Processo Penal Em que pese ser esse o entendimento prevalente não nos parece hoje a melhor solução pois é excessivamente moroso e burocratizado O mais grave é o fato de atribuir a última palavra ao próprio Ministério Público retirando a eficácia do direito subjetivo do acusado Nega ainda a garantia da jurisdição na medida em que afasta do juiz o poder de assegurar a máxima eficácia do sistema de garantias do imputado Melhor andaria o já problemático JECrim se o juiz pudesse em caso de não oferecimento da transação penal por parte do Ministério Público acolher o pedido do imputado desde que preenchidos os requisitos legais é óbvio concedendo o direito postulado Não se trata sublinhese de atribuir ao juiz um papel de autor ou mesmo de juizator característica do sistema inquisitório e incompatível com o modelo constitucionalacusatório por nós defendido Nada disso A sistemática é outra O imputado postula o reconhecimento de um direito o direito à transação penal que lhe está sendo negado pelo Ministério Público e o juiz decide mediante invocação O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu ou seja sua verdadeira missão constitucional Sabemos que essa posição será criticada entre outros pelo fato de não se compatibilizar com a dinâmica de funcionamento da justiça consensual O argumento seria válido se normal e legítimo fosse o funcionamento da justiça consensual desenhado pela Lei n 9099 mas não é esse o caso O modelo possui graves degenerações e seu funcionamento está muito longe de ser considerado minimamente satisfatório Os argumentos de autonomia de vontade e consensualidade32 utilizados para criticar a substituição por parte do juiz da vontade do Ministério Público mostramse hoje absolutamente falaciosos e completamente descolados da realidade de funcionamento do JECrim Para evitar delongas remetemos o leitor para a crítica feita ao final desse tópico Também discordando do entendimento prevalente PACELLI 33 propõe que o controle seja feito pelo juiz em momento posterior ao oferecimento da denúncia Assim se o Ministério Público insistir na recusa em oferecer a transação penal quando cabível poderá o juiz rejeitar a denúncia por falta de justa causa ou mesmo por falta de interesse de agir sob o fundamento de que existe solução legal mais adequada ao fato e ao suposto autor É interessante a posição do autor e nos parece que a solução por ele proposta é válida sendo também muito melhor do que a aplicação do art 28 do CPP Por fim igual problema existe no caso da suspensão condicional do processo como veremos na continuação já antecipando que a solução será a mesma 3642 Cabimento da Transação Penal em Ação Penal de Iniciativa Privada Pode ser realizada a transação penal em delito de ação penal de iniciativa privada Uma primeira leitura do art 76 aponta para uma resposta negativa pois o dispositivo legal é claro ao falar que havendo representação ou tratandose de ação penal pública incondicionada não sendo caso de arquivamento o Ministério Público poderá propor Também é recorrente o argumento de que não poderia a vítima transacionar porque tal ato de disponibilidade parcial não se coadunaria com o papel de substituto processual Isso porque para os autores que sustentam a existência de uma substituição processual na ação penal de iniciativa privada o querelante em nome próprio exerceria a pretensão punitiva estatal ou seja demandaria em nome próprio um direito alheio nos moldes do Direito Processual Civil Essa concepção encerra um erro muito mais grave que é o de transmitir categorias do processo civil para o processo penal sem darse conta de que no processo penal o acusador não exerce pretensão punitiva alguma muito menos há substituição processual O acusador público ou privado é titular do ius ut procedatur ou seja o poder de proceder contra alguém Diverso é o poder punitivo que está nas mãos do Estadojuiz e que somente pode ser efetivado após o pleno exercício da pretensão acusatória e não punitiva Assim não vemos obstáculo algum a que a transação penal se opere na ação penal de iniciativa privada posição aliás que vem merecendo abrigo jurisprudencial nos últimos anos34 A jurisprudência atenuou o rigor do dispositivo e atualmente predomina o entendimento de que a transação penal poderá ser oferecida inclusive pelo Ministério Público que intervém em todos os termos da ação penal de iniciativa privada art 45 do CPP Apenas para sublinhar a transação penal nos crimes de ação penal de iniciativa privada se preenchidos os requisitos legais poderá ser proposta pelo querelante e caso ele não o faça será proposta pelo Ministério Público 3643 Descumprimento da Transação Penal Questão tormentosa é o não cumprimento da pena restritiva de direito ou o não pagamento da pena de multa fixada em sede de transação penal De plano deve ser rechaçada a ideia de que a pena de multa não paga possa ser convertida em privativa de liberdade Inicialmente seria um grave erro de pretender uma pena sem prévio processo sim pois sequer a denúncia foi oferecida mas o principal argumento é o da vedação do art 51 do Código Penal cuja nova redação impede tal conversão em pena privativa de liberdade O não pagamento faz com que o título seja convertido em dívida ativa a ser cobrada pelo Estado Assim ficou completamente sem sentido o art 85 da Lei n 9099 Até recentemente entendíamos na esteira da posição dominante no STJ que não poderia haver reinício do processo por falta de previsão legal pois não existe essa condição suspensiva A decisão homologatória faria coisa julgada formal e material impedindo que se volte a discutir o caso penal pois exaurida a prestação jurisdicional Se o imputado não cumprisse nada mais poderia ser feito na esfera penal Como gera título executivo judicial deve ser executado nos termos da lei processual civil A homologação da transação corresponde a uma sentença de mérito que transita em julgado Constitui título executivo a ser executado converte em dívida ativa nos termos do art 51 do CP35 Mas no RHC 29435 houve uma importante mudança de entendimento no STJ que passou a admitir o oferecimento de denúncia e o prosseguimento da ação penal em caso de descumprimento dos termos da transação penal homologada judicialmente36 Em suma tanto no STF37 como no STJ predomina o entendimento de que o descumprimento da transação penal autoriza a submissão do réu ao processo retomandose a possibilidade de o Ministério Público oferecer denúncia De qualquer forma é pacífico que não cabe conversão da transação penal em pena privativa de liberdade 365 Suspensão Condicional do Processo 3651 Considerações Introdutórias sobre a Suspensão Condicional do Processo Tendo em vista que a disciplina legal da suspensão condicional do processo está inteiramente contida no art 89 da Lei n 909995 e que faremos constantes remissões ao texto legal é necessário transcrevê lo integralmente desde logo Art 89 Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 um ano abrangidas ou não por esta Lei o Ministério Público ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo por 2 dois a 4 quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena art 77 do Código Penal 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor na presença do juiz este recebendo a denúncia poderá suspender o processo submetendo o acusado a período de prova sob as seguintes condições I reparação do dano salvo impossibilidade de fazêlo II proibição de frequentar determinados lugares III proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz IV comparecimento pessoal e obrigatório a juízo mensalmente para informar e justificar suas atividades 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado 3º A suspensão será revogada se no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar sem motivo justificado a reparação do dano 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado no curso do prazo por contravenção ou descumprir qualquer outra condição imposta 5º Expirado o prazo sem revogação o juiz declarará extinta a punibilidade 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo o processo prosseguirá em seus ulteriores termos Inicialmente se o acusado não aceitar a proposta de suspensão condicional do processo ou não for ela cabível o processo seguirá o rito sumaríssimo definido nos arts 77 e ss Feita essa ressalva vejamos o instituto Nos delitos em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano o Ministério Público ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo pelo período de dois a quatro anos desde que preenchidas pelo acusado certas condições Cumprido o período de provas o Juiz declarará extintos a punibilidade e por decorrência o processo O presente instituto não se confunde com a suspensão condicional da pena pois naquela há processo com sentença condenatória ficando apenas a execução da pena privativa de liberdade suspensa por um período Aqui é o processo que fica suspenso desde o início logo sem que exista uma sentença condenatória Durante o período de suspensão do processo o réu ficará sujeito ao cumprimento de certas obrigações estabelecidas pelo Juiz tais como de não se ausentar da comarca onde reside sem autorização reparar o dano causado comparecer mensalmente para justificar suas atividades e outras condições que lhe poderão ser estabelecidas O não cumprimento das obrigações impostas não acarretará sua prisão fazendo apenas com que o processo volte a tramitar a partir de onde parou Tratase de ato bilateral em que o Ministério Público oferece por escrito e na denúncia podendo ser em peça separada e o réu analisando as condições propostas aceita ou não Toda a transação deve ser feita em juízo e na presença do defensor do réu ainda que de forma oral e sem formalidade A nosso ver o Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal Pública não foi fulminado ainda mas foi mitigado Nos moldes tradicionais não poderia o Ministério Público dispor da ação penal não podendo dela desistir transigindo ou acordando Ao Ministério Público continua sendo vedada a desistência pura e simples da ação penal de iniciativa pública como é possível ao querelante na perempção da ação penal privada ou o perdão É a consagração do Princípio da Discricionariedade Regrada estando sempre sujeita ao controle judicial É importante sublinhar que presentes os pressupostos legais não poderá o Ministério Público deixar de oferecer a suspensão condicional do processo que poderá ser aceita ou não pelo réu Não se pode esquecer que a medida inserese na lógica do consenso não apenas no sentido de que o réu não é obrigado a aceitar a proposta mas também na perspectiva de que poderá negociar a duração e demais condições Ainda que o dispositivo legal mencione que o Ministério Público poderá propor isso não significa que seja uma faculdade do acusador Como categoricamente afirma GIACOMOLLI38 presentes os pressupostos legais a previsão abstrata se converte numa obrigatoriedade E ainda que presentes os requisitos legais o acusador está obrigado a negociar a suspensão condicional do processo devendo nas infrações de médio potencial ofensivo motivar sua negativa Não é assim disponível para o Ministério Público e tampouco pode transformarse em instrumento de arbítrio E se mesmo presentes os pressupostos legais o Ministério Público não o fizer Voltamos ao mesmo ponto explicado anteriormente quando analisamos a transação penal ou seja predomina o entendimento de que deverá o juiz aplicar o art 28 do CPP por analogia Nesse sentido novamente citamos a Súmula n 696 do STF cujo verbete é Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo mas se recusando o Promotor de Justiça a propô la o juiz dissentindo remeterá a questão ao ProcuradorGeral aplicandose por analogia o art 28 do Código de Processo Penal Em que pese ser esse o entendimento prevalente insistimos em nossa posição de que essa é uma solução excessivamente burocrática e fora da realidade diuturna dos foros brasileiros Ademais atribui a última palavra ao próprio Ministério Público retirando a eficácia do direito subjetivo do acusado Dessarte presentes os pressupostos legais e insistindo o Ministério Público na recusa em oferecer a suspensão condicional pensamos que a melhor solução é permitir que o juiz39 o faça acolhendo o pedido do imputado concedendo o direito postulado Novamente afirmamos que o fato de atribuirse ao juiz esse poder em nada viola o modelo constitucionalacusatório por nós defendido A sistemática é outra O imputado postula o reconhecimento de um direito suspensão condicional do processo que lhe está sendo negado pelo Ministério Público e o juiz decide mediante invocação O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu ou seja sua verdadeira missão constitucional Por fim elementar que a suspensão condicional do processo não equivale a uma condenação e tampouco implica admissão de culpa Inserese na perspectiva negocial sem qualquer juízo de desvalor sobre o mérito caso penal e uma vez cumpridas as condições impostas o processo é extinto como se nunca houvesse existido não gerando portanto reincidência ou maus antecedentes A sentença que suspende o processo não implica admissão de culpa por parte do réu tendo a natureza do nolo contendere que consiste numa forma de defesa em que o acusado não contesta a imputação mas não admite culpa nem proclama sua inocência40 3652 Alcance e Aplicação da Suspensão Condicional do Processo Cabimento em Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada Requisitos Momento de Oferecimento A suspensão condicional poderá ser proposta junto com a denúncia ou logo após esta desde que concorram os seguintes elementos a a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano b o delito seja da competência do Juizado Especial Criminal ou não c o acusado não esteja sendo processado criminalmente d não seja reincidente e preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal Para concessão da suspensão condicional do processo é imprescindível que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano sendo assim muito mais abrangente que a competência do Juizado Especial cuja limitação é pena máxima não superior a dois anos A pena a ser considerada é em abstrato não sendo possível fazer qualquer tipo de redução como a tentativa por exemplo Aplicase a todos os crimes de competência do Juizado bem como àqueles que estão fora da sua jurisdição como homicídio culposo aborto provocado pela gestante lesão corporal de natureza grave furto apropriação indébita estelionato receptação etc Duas súmulas devem ser recordadas pois são importantes nesse momento SÚMULA N 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano E ainda SÚMULA N 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano Assim havendo concurso de delitos devem incidir os respectivos aumentos de pena para verificarse o limite de aplicação da suspensão condicional pena mínima igual ou inferior a 1 ano Noutra dimensão é manifesta a autonomia da suspensão condicional do processo frente ao Juizado Especial pois será aplicada aos delitos cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano abrangidas ou não por essa Lei independente do rito Assim por exemplo tem plena aplicação na Justiça Eleitoral e os respectivos crimes eleitorais cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano No que se refere à Justiça Militar a suspensão condicional do processo foi inicialmente admitida Contudo a Lei n 983999 inseriu o art 90A que expressamente determina que as disposições desta Lei referese à Lei n 9099 não se aplicam no âmbito da Justiça Militar Logo categórica a vedação ainda que com ela não concordemos41 No que tange ao cabimento da suspensão condicional do processo em crimes cuja ação penal é de iniciativa privada no início da vigência da Lei n 9099 houve muita resistência A partir de uma interpretação meramente gramatical o artigo fala o Ministério Público ao oferecer a denúncia tanto a doutrina como também a jurisprudência afastavam a suspensão condicional nesses casos Contudo a situação mudou e atualmente predomina o entendimento de que é perfeitamente cabível a suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal de iniciativa privada sublinhandose todavia que cabe ao querelante o oferecimento pois é ele o titular do ius ut procedatur Ora como bem adverte BADARÓ42 é ilógico que a vítima possa renunciar antes de exercer a acusação e até perdoar no curso do processo mas não possa ofertar a suspensão condicional do processo Não se justifica à luz da estrutura em que se ergue a ação penal de iniciativa privada que a vítima tenha apenas duas opções extremas renúncia ou perdão abrindo mão de toda e qualquer resposta penal ou em outro extremo levar o processo até o final e lutar pela condenação do réu É compreensível e razoável que a vítima queira alguma resposta penal intermediária e até consensual ou menos litigiosa tal como oferece a suspensão condicional do processo em que o acusado fica obrigado ao cumprimento de determinadas condições a serem observadas no período de provas Mas e se o querelante em que pese estarem presentes os requisitos legais não oferecer a suspensão condicional do processo Aqui a discussão persiste pois não há como invocar o art 28 pois ele só tem aplicação quando a omissão é do Ministério Público Não havendo o oferecimento mas presentes os requisitos legais muitos autores defendem que nada pode ser feito Mas pensamos diferente Tratase de um direito público subjetivo do réu e se injustificadamente o querelante não propõe a suspensão condicional do processo caberá ao juiz fazêlo atuando como garantidor da máxima eficácia do sistema de garantias Não há nenhuma violação dos postulados do sistema acusatório tão defendidos por nós e tampouco qualquer contradição com as críticas que sempre fizemos em relação ao ativismo judicial juiz ator com iniciativa probatória É o juiz desempenhando seu papel constitucional de guardião dos direitos fundamentais do réu Em suma é cabível a suspensão condicional do processo em crimes de ação penal de iniciativa privada cabendo ao querelante o seu oferecimento Contudo se não for feita a proposta e estiverem presentes os requisitos legais defendemos que caberá ao juiz fazêlo Quanto aos demais requisitos vejamos agora que o acusado não esteja sendo processado criminalmente não seja reincidente preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal O simples fato de estar sendo processado criminalmente existência de outro processo não pode por si só justificar uma recusa em ofertar e conceder a suspensão condicional Há que se considerar além da proporcionalidade o postulado constitucional da presunção de inocência art 5º LVII da Constituição Negar a suspensão condicional sob o argumento de que o réu responde a outro ou outros processos significa punilo antes do julgamento final Viola portanto a presunção de inocência na medida em que gera consequências negativas juízo de desvalor ao réu que ainda não teve seu caso penal definitivamente julgado A reincidência é outro fator que não pode ser considerado de forma isolada pois implica um flagrante bis in idem Ademais não impede a concessão da suspensão condicional quando a condenação anterior foi a pena de multa art 77 1º do CP ou já tiver transcorrido mais de cinco anos em relação ao término do cumprimento da pena anterior art 64 I do CP Por fim requer a Lei n 9099 que o acusado preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal Vejamos Art 77 A execução da pena privativa de liberdade não superior a 2 dois anos poderá ser suspensa por 2 dois a 4 quatro anos desde que I o condenado não seja reincidente em crime doloso II a culpabilidade os antecedentes a conduta social e personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício III Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art 44 deste Código 1º A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício 2º Interessanos essencialmente o inciso II que remete aos mesmos vetores do art 59 do Código Penal e que norteiam a dosimetria da pena de modo que a culpabilidade os antecedentes a conduta social personalidade motivos e circunstâncias devem ser ponderados à luz do caso concreto A crítica é que esses são fatores que geram espaços impróprios de discricionariedade judicial com alto risco sendo aplicáveis aqui todas as críticas feitas em relação ao art 59 do Código Penal Quanto ao momento de oferecimento da suspensão condicional do processo o regular é que o seja quando do oferecimento da denúncia Contudo nada impede que seja oferecida no curso do processo especialmente quando houver alguma forma de desclassificação que crie condições anteriormente inexistentes não sendo o art 90 da Lei um argumento suficiente para limitar a aplicação do instituto Na mesma linha quando a sentença acolhe parcialmente a pretensão punitiva do MP afastando os crimes mais graves que seriam obstáculo à suspensão condicional deve essa ser ofertada Exemplo típico é a acusação por dois ou mais delitos que em razão do concurso não permite a suspensão condicional mas ao final do processo o réu é absolvido de algum dos crimes inicialmente imputados criando agora condições de ser oferecida a suspensão condicional Para dirimir qualquer dúvida sobre a possibilidade que acabamos de explicar foi editada a Súmula n 337 do STJ É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva Voltaremos a essa questão na continuação Inclusive caso a suspensão não seja ofertada quando cabível sobrevindo sentença condenatória deverá o tribunal recebendo o recurso anular a sentença por manifesto cerceamento de defesa devolvendo os autos à comarca de origem para que seja ofertada a suspensão Se aceita irá gerar seus efeitos Caso o réu não aceite nova decisão deverá ser proferida Essa duplicidade é perfeitamente compreensível pois o que não se pode tolerar é o desrespeito às regras do devido processo Ademais quando a defesa recorre alegando a nulidade da sentença pelo não oferecimento da suspensão condicional não está ela obrigada a aceitar com o provimento do recurso qualquer proposta e quaisquer condições oferecidas No mesmo sentido PACELLI43 afirma que nada impedirá em tese que o réu apelante recue em seus propósitos iniciais postos no recurso e não aceite os termos da suspensão então formulada afinal uma coisa é recorrer suscitando a nulidade pela ausência de proposta de suspensão e outra muito diferente é a concordância com quaisquer que sejam as condições oferecidas Mas não precisa e não deve a defesa esperar a sentença para alegar em apelação a nulidade pelo não oferecimento da suspensão condicional do processo na verdade defeito insanável da sentença E mesmo quando postulada e negado o oferecimento deverá a defesa atacar esse ato pela via do habeas corpus ou mesmo do Mandado de Segurança conforme a fundamentação a ser utilizada Quando o argumento for de nulidade pelo cerceamento de defesa art 648 VI do CPP configurandose uma coação ilegal viável o habeas corpus mas nada impede que seja utilizado o Mandado de Segurança cujo fundamento será a violação ao direito líquido e certo à concessão daquele direito subjetivo bem como de ter o devido processo penal 3653 Suspensão Condicional do Processo e a Desclassificação do Delito Aplicando a Súmula n 337 do STJ Inicialmente recordemos o enunciado da Súmula n 337 do STJ É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva A Súmula veio para resolver um problema antigo fruto de um duplo erro acusações abusivas e recebimentos imotivados praticamente automáticos das acusações por parte dos juízes As acusações abusivas aqui consideradas são aquelas em que há um excesso do poder de acusar cujos contornos acabam não se confirmando pela prova produzida no processo Isso pode ocorrer tanto nas queixascrimes como também nas denúncias oferecidas pelo Ministério Público Entre outros motivos as acusações abusivas podem ser utilizadas para evitar o julgamento pelo Juizado Especial Criminal ou para impedir o benefício da suspensão condicional do processo Esse abuso tanto pode ocorrer na manipulação dos fatos como também na imputação de um tipo penal mais grave do que o correspondente à conduta praticada Recorrentes por exemplo são as queixas pelos delitos de injúria difamação e calúnia em concurso material quando na verdade apenas um dos crimes efetivamente ocorreu O excesso no poder de acusar serve para impedir a tramitação pelo rito sumaríssimo da Lei n 9099 bem como o oferecimento de transação penal ou suspensão condicional do processo Mas sem dúvida parte da responsabilidade também deve ser atribuída aos juízes que burocraticamente limitamse a receber as acusações sem a devida análise e fundamentação Se houvesse uma filtragem ainda que mínima pois o pleno conhecimento deve ser reservado para a sentença muitas acusações infundadas já teriam ali o seu limite Da mesma forma a correção da tipificação já no momento de recebimento da acusação ou seja a incidência do art 383 nesse momento bem como o recebimento parcial da imputação evitaria muitas e graves injustiças diárias Tratase daquilo que GIACOMOLLI44 denomina necessidade de um iniciar ético do processo dando fim aos recebimentos automáticos da acusação de modo a permitir imediatamente a suspensão condicional do processo cuja acusação tentou evitar com o abuso do poder de acusar Assim se após a coleta da prova no momento da sentença evidenciase a prática de apenas um dos crimes deve o juiz verificar a possibilidade de que seja ofertada ao réu a suspensão condicional como prevê a Súmula n 337 do STJ O enunciado nada mais faz do que recepcionar o entendimento doutrinário majoritário de que havendo uma desclassificação do crime onde a nova definição permita a suspensão condicional do processo deve essa ser oferecida E isso pode ocorrer tanto em primeiro grau como no tribunal em sede de recurso Em primeiro grau a análise pelo juiz pode darse em dois momentos a quando da admissão da denúncia ou queixa caberá o recebimento parcial ou a correção da tipificação legal abusivamente feita pelo acusador de modo a permitir o oferecimento da suspensão condicional do processo b quando da sentença o tratamento poderá variar conforme o caso Se o réu foi acusado da prática de dois ou mais delitos poderá o juiz absolvêlo de um ou alguns deles e se o delito residual comportar a suspensão condicional deverá ela ser oferecida Importante ressalvar que em relação ao delito residual ao qual é possibilitada a suspensão condicional do processo não poderá o juiz condenar o réu Deverá limitarse a fazer o juízo de tipicidade da conduta sem analisar a ilicitude ou culpabilidade Verificando que a tipicidade é diversa daquela constante da acusação e cabível portanto a suspensão pela nova classificação jurídica do fato deve o juiz proferir uma decisão interlocutória sujeita ao controle pela via da apelação residual art 593 II do CPP45 Nesse último caso estamos diante de uma situação inédita no sistema brasileiro uma quebra do método clássico de proferir decisões como define GIACOMOLLI pois a natureza jurídica da suspensão condicional não permite que a sentença seja condenatória ou absolutória Não pode o juiz condenar o réu e então possibilitar a suspensão condicional pois esse instituto não se compatibiliza com a sentença condenatória46 Não se trata de condenar e suspender a pena senão de impedir a fixação da pena Logo suspensão condicional do processo e pena são institutos incompatíveis Por tudo isso operando a desclassificação deverá o juiz proferir uma decisão interlocutória definindo o novo tipo penal aparentemente praticado intimando o Ministério Público para que ofereça a suspensão condicional do processo Já em grau recursal quando a desclassificação é realizada pelo tribunal deve ser observado o seguinte a para não haver supressão do grau de jurisdição o tribunal em operando a desclassificação do crime ou absolvendo alguma das imputações de modo que o crime residual seja passível de suspensão condicional do processo deve remeter os autos para o juiz de primeiro grau intimar o Ministério Público para oferecer a suspensão condicional do processo b tendo o réu sido absolvido em primeiro grau e diante do recurso do Ministério Público o tribunal vislumbra possibilidade de acolhimento deverá proceder a definição do tipo penal cabível Se o juízo de tipicidade provável apontar para um crime em que a suspensão condicional do processo é viável deverá o tribunal determinar a remessa dos autos à origem juízo a quo para que lá seja oportunizada a suspensão Se não aceita os autos deverão retornar ao tribunal para que continue no julgamento do recurso analisando então o mérito c no caso de o tribunal suspender o julgamento do recurso para que em primeiro grau seja oferecida a suspensão condicional a posterior revogação por descumprimento das condições faz com que os autos retornem ao tribunal ad quem para que prossiga no julgamento do mérito do recurso 3654 O Período de Provas e o Cumprimento das Condições Causas de Revogação da Suspensão Condicional do Processo Sendo caso de concessão da suspensão condicional do processo ofertada e aceita pelo réu preenchidos os requisitos subjetivos caberá ao Juiz declarar a suspensão pelo período que foi objeto de negociação entre o Ministério Público e o réu obviamente dentro do limite legal que vai de dois a quatro anos bem como as condições a serem cumpridas igualmente negociadas nos limites legais Por se tratar de medida de caráter nitidamente transacional o ideal é que o Ministério Público e o réu cheguem a um consenso sobre um período proporcional cabendo ao juiz fiscalizar a transação para que o réu decida de forma consciente compreendendo a natureza do ato e suas consequências O período mínimo da suspensão é de 2 anos e o máximo de 4 anos A regra aqui é a da proporcionalidade entre o gravame decorrente da submissão ao período de provas e suas condições em relação ao fato aparentemente criminoso Ainda que a suspensão condicional não implique admissão de culpa e portanto não se equipare a uma condenação é inegável que ela possui um caráter punitivo Mesmo tendo um caráter negocial representa um ônus a ser suportado mediante sua aceitação é claro pelo imputado e deve guardar portanto proporcionalidade em relação ao fato e às condições pessoais do agente A regra deve ser a suspensão pelo período mínimo 2 anos Partindo desse prazo pode ser estabelecido conforme o caso um quantum superior mas sem excessos O prazo de 4 anos deve ser aplicado somente em situações excepcionalíssimas Para evitar um acordo excessivamente gravoso a única solução é não fazêlo cuidando para que fiquem consignados os motivos da recusa dando ênfase à desproporcionalidade entre o fato do autor e as condições propostas Tratase de decisão interlocutória mista de natureza não terminativa pois encerra a fase de conciliação sem terminar com o processo O recurso cabível será o de apelação por se tratar de decisão com força de definitiva que não se encontra no rol taxativo dos casos de recurso em sentido estrito A aplicação supletiva do Código de Processo Penal é imperativa Acolhido o recurso será dada chance de um acordo justo proporcional Durante o período de provas ficará o réu sujeito ao cumprimento de condições estabelecidas na decisão interlocutória que concedeu a suspensão estando elas enumeradas exemplificativamente nos incisos do 1º do art 89 inspirado que foi no sursis art 78 2º do CP Art 89 1º I reparação do dano salvo impossibilidade de fazêlo II proibição de frequentar determinados lugares III proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz IV comparecimento pessoal e obrigatório a juízo mensalmente para informar e justificar suas atividades 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado O 2º constitui uma abertura para que outras condições sejam estabelecidas mas sempre guardando adequação e proporcionalidade ao fato e às condições pessoais do acusado sendo que obviamente são inadmissíveis as condições que violem a dignidade imagem e honra do imputado Também não se pode esquecer que a suspensão condicional do processo não é uma pena e portanto não poderá ter esse caráter punitivo Não raras vezes nos deparamos com situações em que a proposta era excessivamente onerosa uma verdadeira pena sem processo Nessa linha nos parece absolutamente descabida a proposta de prestação de serviços à comunidade no período de provas Ora a PSC é uma pena restritiva de direitos e que somente tem lugar quando o réu é processado e ao final condenado Não pode ser imposta em sede de suspensão condicional do processo por constituir uma pena sem processo além de manifestamente desproporcional e desconectada dos fundamentos do instituto A condição de reparação do dano pode gerar problemas no final do período de provas pois nem sempre é possível sua efetivação especialmente quando depende da aceitação por parte da vítima Em que pese a questão ser analisada à luz das especificidades de cada caso devese ter como princípio básico de que basta a demonstração por parte do imputado de que buscou efetivamente realizar reparação do dano Daí porque quando se trata de reparar um dano patrimonial sofrido pela vítima se houver consenso e quitação a questão estará resolvida Mas o dever de reparar o dano não se confunde com a obrigação de aceitar uma exigência abusiva ou virar um instrumento de coação e excessos por parte da vítima Se existe uma ação cível de cunho indenizatório tramitando onde se discutem a responsabilidade civil eou o valor devido não há obstáculo algum a que se considere cumprida a suspensão condicional do processo A proibição de frequentar determinados lugares como as demais condições deve ser imposta quando adequada e necessária Pode ser um importante instrumento de controle de agentes que se envolvem em brigas de torcidas de futebol praticam delitos leves em bares boates e casas noturnas e coisas do gênero onde a proibição de frequentar esses locais serve inclusive para prevenir infrações futuras de mesma natureza ali praticadas A proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz é uma medida bastante onerosa e que deve ser utilizada com prudência para não equiparar o tratamento de quem não é culpado com aquele já condenado Deverão ter o juiz em que pese a medida ser ofertada pelo Ministério Público tratase de ato judicial sendo a última palavra do juiz e o Ministério Público um mínimo de bom senso e coerência para considerar as condições pessoais do imputado e o nível de onerosidade que lhe está sendo imposta Daí por que por exemplo se a atividade profissional exige que o imputado constantemente tenha que viajar inclusive para o exterior é completamente inadequado e descabido imporlhe uma proibição de ausentarse da comarca sem autorização do juiz Não se pode olvidar de que não estamos tratando com alguém condenado e que deva cumprir uma pena A situação é completamente diversa A suspensão condicional não pode inviabilizar a atividade profissional ou a vida pessoal do imputado Também a condição de comparecimento pessoal e obrigatório a juízo não precisa ser obrigatoriamente mensal Nada impede que se estabeleça um lapso maior diante das condições e especificidades do caso concreto O comparecimento se dá em cartório onde será feito o controle das apresentações não havendo um dia determinado senão que pelo menos uma vez ao longo de cada mês deverá o imputado comparecer no cartório ou secretaria da vara criminal respectiva Por fim outras condições poderão ser impostas desde que adequadas e proporcionais ao fato e às condições pessoais do imputado Cumpridas as condições impostas e superado o prazo fixado para o período de provas deverá ser decretada a extinção da punibilidade sem que gere o estigma de maus antecedentes ou da reincidência Essa é uma das grandes vantagens da suspensão condicional pois cumprido o período de provas o processo é extinto como se não tivesse existido Mas no curso do período de provas podem ocorrer situações fáticas que conduzam à revogação da suspensão condicional Partindo do disposto nos 3º e 4º do art 89 podemse dividir as causas de revogação em dois grupos47 a causas de revogação obrigatória ser o réu processado por outro crime no curso do período de provas ou não reparar sem justa causa o dano causado à vítima Nesses casos o Juiz deverá revogar o benefício prosseguindo o processo em seus ulteriores termos b causas de revogação facultativa ser o réu processado por contravenção no curso da suspensão condicional do processo ou não cumprir qualquer outra condição imposta Todavia ainda que a situação fática ocorrida insirase nas causas de revogação obrigatória não há revogação automática ou imotivada Deverá haver uma decisão judicial devidamente fundamentada devendo o juiz sempre conduzir a questão à luz da lógica da ponderação isto é a partir do princípio da proporcionalidade O simples fato de ser processado por outro crime não pode conduzir à revogação não só porque representa uma grave violação da garantia da presunção de inocência mas também porque pode ser uma medida desproporcional No primeiro caso o estar sendo processado não autoriza um tratamento estigmatizante a ponto de revogar a suspensão condicional antes mesmo de existir uma sentença transitada em julgado Tal postura representa tratar um mero acusado como se culpado fosse na medida em que se lhe impõem uma punição revogação da suspensão condicional do outro processo antes do julgamento definitivo Também pode ser uma medida desproporcional basta considerar o caso em que o novo delito é culposo O art 89 não faz qualquer distinção entre crime doloso ou culposo mas a proporcionalidade no trato da questão conduz a que a revogação somente possa ser considerada quando o delito superveniente for doloso Quanto à revogação da suspensão pela não reparação do dano causado à vítima devese considerar que Ela somente tem lugar quando no final do período de provas o agente sem qualquer justificativa aceitável não cumpre a condição A reparação do dano deve ser efetivada ao longo do período de provas não havendo um prazo dentro desse período para tanto Logo há que se esperar até o final do período de provas e caso não efetivada a reparação pode o juiz revogála Inexiste uma causa que justifique a não reparação do dano ou o motivo apresentado pelo réu não é considerado razoável pelo juiz A impossibilidade financeira arguida pelo réu deve vir instruída com elementos suficientes do nível de comprometimento patrimonial É pensamos uma situação similar à inexigibilidade de conduta diversa nos crimes fiscais em que não basta a mera alegação de crise financeira tudo deve ser demonstrado e provado Mas sem exageros Deve o juiz ter um mínimo de sentido da realidade na qual vive grande parte da população brasileira onde qualquer quantia por mínima que seja compromete definitivamente o orçamento doméstico Recordemos ainda que se a questão estiver sub judice ou seja vítima e réu estiverem litigando judicialmente sobre os valores não pode o juiz revogar a suspensão pois existe uma causa que justifica a não reparação na esfera penal Quanto às causas facultativas na verdade todas são é elementar que a mera acusação da prática de uma contravenção jamais poderá justificar uma revogação da suspensão seja pela manifesta violação da presunção de inocência seja pela desproporcionalidade Já em relação ao não cumprimento das demais condições impostas vale o que dissemos anteriormente deve haver uma ponderação séria e desapaixonada por parte do juiz Se o réu apresentar uma justificativa razoável à luz de suas condições pessoais e sociais e não das condições do juiz não deverá haver a revogação da suspensão condicional do processo Dessarte cumpridas todas as condições impostas e implementado o prazo determinado será declarada extinta a punibilidade Por fim chamamos a atenção para a seguinte situação e se após cumprido o período de provas se descobrir que o imputado não cumpriu efetivamente as condições como se deve proceder A posição do STF vem externada na AP 512 AgRBA Rel Min Ayres Britto 15032012 no sentido de que o benefício da suspensão condicional do processo pode ser revogado mesmo após o período de prova desde que motivado por fatos ocorridos até o seu término Ao reafirmar essa orientação o Plenário por maioria negou provimento a agravo regimental interposto de decisão proferida pelo Min Ayres Britto em sede de ação penal da qual foi relator que determinara a retomada da persecução penal contra deputado federal Entendia descumprida uma das condições estabelecidas pela justiça eleitoral para a suspensão condicional do processo o comparecimento mensal àquele juízo para informar e justificar suas atividades Assim entendeu o STF que a melhor interpretação do art 89 4º da Lei n 909995 levaria à conclusão de que não haveria óbice a que o juiz decidisse após o final do período de prova Reputouse que embora o instituto da suspensão condicional do processo constituísse importante medida despenalizadora estabelecida por questões de política criminal com o objetivo de possibilitar em casos previamente especificados que o processo não chegasse a iniciarse o acusado não soubera se valer do favor legal que lhe fora conferido sem demonstrar o necessário comprometimento em claro menoscabo da justiça Vencido o Min Marco Aurélio que provia o agravo regimental por entender que após o decurso do período de prova assinalado pelo juiz não seria mais possível a revogação da suspensão condicional do processo AP 512 AgRBA Rel Min Ayres Britto 15032012 Mas há um detalhe importante nesta decisão do STF havia passado o período de provas mas ainda não havia sido declarada a extinção da punibilidade do réu Isso permitiu a revogação da suspensão condicional do processo Diferente seria a situação a nosso entender e pelo que se depreende da leitura da decisão se já houvesse declaração de extinção da punibilidade Neste caso extinta a punibilidade nada mais se pode fazer Ou seja declarada extinta a punibilidade extinta está e não mais se poderá proceder contra o imputado 3655 Procedimento no Juizado Especial Criminal 36551 Fase Preliminar Alteração da Competência Quando o Acusado Não é Encontrado Demais Atos Em que pese a competência do JECrim estar prevista no art 98 I da Constituição a Lei n 9099 possui um curioso dispositivo que afasta a competência do JECrim quando o imputado não é encontrado para ser citado Determina o art 66 parágrafo único que não encontrado o acusado para ser citado o juiz encaminhará as peças existentes ao juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei Tratase de uma causa de alteração da competência que tem por fundamento o fato de não ter sido o réu encontrado Quando o acusado não é encontrado para ser citado determina o art 366 do CPP que se faça a citação por edital e não comparecendo o acusado nem constituindo defensor ficam suspensos o processo e o curso do prazo prescricional Situação diversa é a ausência prevista no art 367 do CPP em que o acusado é citado pessoalmente e não comparece Nesse caso o processo pode seguir seu curso sem a presença do réu Ambos os casos não podem ocorrer no JECrim e não sendo encontrado o réu para realização da citação real não poderá o juiz do JECrim determinar a citação por edital O processo deve ser redistribuído para que no juízo comum seja feita a citação por edital e caso não compareça seja determinada a suspensão do processo e da prescrição Pensamos que um pouco do rigor pode ser atenuado pois mesmo que o art 66 da Lei n 9099 fale em não encontrado o acusado para ser citado o que denota claramente a procura para realização da citação real há espaço para uma conduta diversa Em outras palavras não há nenhum empecilho exceto a limitada redação do artigo a que se faça no JECrim a citação por edital e somente após o não comparecimento do acusado sejam os autos remetidos para juízo comum Isso porque se o imputado comparece é melhor que o processo tramite no JECrim com aplicação de todos os seus institutos e o rito diferenciado48 Desta forma a partir de uma leitura sistemática não encontrado o acusado no processo sumaríssimo este deve ser citado por edital aplicandose a regra do art 366 do CPP nos processos de competência dos Juizados Especiais porque o parágrafo único foi revogado implicitamente Descabe pois declinar se em favor do Juízo Comum Dessarte voltando ao tema principal somente quando o réu é encontrado ou comparece à audiência preliminar o feito terá sua regular tramitação no JECrim Em relação aos delitos de menor potencial ofensivo não há inquérito policial devendo a autoridade tão logo tenha conhecimento da ocorrência lavrar termo circunstanciado encaminhandoo ao Juizado com o autor do fato e a vítima Se o crime praticado for de ação penal de iniciativa pública incondicionada a autoridade policial agirá de ofício ou mediante invocação remetendo o termo circunstanciado ao Juizado Sendo o delito de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação será esta necessária para a feitura desse termo Ocorre que tanto a notíciacrime como a representação não possuem forma rígida servindo como tal qualquer manifestação da vítima que demonstre a intenção de ver apurado o fato A nosso ver a notíciacrime feita na polícia pela vítima em crime de ação penal pública condicionada serve apenas para autorizar a expedição do termo circunstanciado a ser remetido ao Juizado não servindo para suprir a condição de procedibilidade pois o art 75 é claro ao determinar que após a proposta inexitosa de composição civil será dada a palavra ao ofendido para que este querendo exerça o direito de representação Significa dizer que a representação deve ser feita ou ao menos ratificada em juízo A nossa preocupação se atém na redação da Lei em confronto com a do art 5º 4º do Código de Processo Penal pois não pode haver atividade policial em delito de ação penal pública condicionada sem a manifestação da vítima De outro lado o próprio art 75 oportuniza após a inexitosa composição dos danos civis que a vítima represente oralmente deixando clara a ideia de que a autorização para a feitura do termo circunstanciado não supriu essa condição mas de qualquer modo não pode a autoridade policial agir totalmente de ofício tendo em vista a regra do CPP Assim entendemos que um ato não supre o outro nesse caso pois a manifestação do ofendido na fase policial servirá exclusivamente para possibilitar a expedição do termo circunstanciado sendo necessária a representação em juízo para que a ação penal inicie Se o delito praticado for de ação penal de iniciativa privada caberá ao ofendido fazer a notícia do fato requerendo a feitura do auto circunstanciado até porque de ofício entendemos que a autoridade policial não poderá agir em face do 5º do art 5º do CPP Feito o auto será este remetido ao Juizado onde será oportunizada a composição civil que se efetivada acarretará a extinção da punibilidade Caso não exista ajuste em relação aos danos deverá ser dada ao ofendido a possibilidade da feitura da queixa crime oral nos termos do art 77 3º Não há que se esquecer que atualmente predomina o entendimento de que a transação penal é cabível nesse tipo de ação penal de modo que poderá ser oferecida e aceita antes de a queixa ser recebida E ainda após o recebimento da queixa é possível a suspensão condicional do processo conforme explicado anteriormente Com relação à prisão em flagrante para além do disposto no parágrafo único do art 69 não se pode esquecer que estamos diante de delito de menor potencial ofensivo onde é incabível a prisão preventiva Daí por que mesmo que o flagrante fosse lavrado o que a Lei pretende evitar não cabe prisão preventiva diante da pouca gravidade do fato sendo sempre aplicável o disciplinado no art 310 parágrafo único do CPP A Lei n 9099 aumenta os casos de liberdade processual Em relação ao flagrante seguemse as regras do art 302 surgindo ao lado do art 310 do CPP a possibilidade de concederse uma liberdade provisória mais ampla ágil e menos gravosa para o réu que será o compromisso de comparecer ao Juizado sem pagamento de fiança De modo algum se aumentou o rol de situações passíveis de prisão cautelar pelo contrário buscouse ampliar a gama de opções que visam evitar a segregação É uma medida claramente descarcerizadora49 Voltando ao procedimento a realização imediata de audiência é uma utopia sendo sempre aprazada a audiência preliminar em que estarão presentes as partes materiais o Ministério Público e o Juiz As partes deverão se fazer acompanhar de advogado ou serlhesá nomeado um para o ato Para essa audiência as partes serão intimadas nos termos dos arts 66 67 e 68 com a observância dos princípios já referidos Nesse momento caberá ao Juiz a importante tarefa de ouvir a vítima e o acusado buscando dar às pessoas ali presentes a oportunidade de darem a sua versão dos fatos sem a formalidade do interrogatório ou inquirição da vítima Chamase a atenção para esse ato porque para as pessoas que ali comparecem muitas pela primeira vez em um fórum ele se reveste de grande expectativa e muitos conflitos podem ser resolvidos nesse momento É nessa audiência que poderá haver a simples conciliação entre as partes a composição dos danos civis ou mesmo a transação penal pondo fim ao procedimento Em síntese a fase preliminar iniciará com o termo circunstanciado feito pela polícia e enviado para o JECrim ou até mesmo feito no Juizado do qual decorrerá o aprazamento de uma audiência em que se buscará a composição civil a feitura ou não da representação e a transação penal Na maioria dos casos o feito encontrará seu fim nessa audiência Frustrados os mecanismos de consenso o feito prosseguirá seguindo o rito sumaríssimo 36552 Rito Sumaríssimo O rito sumaríssimo necessariamente pressupõe a fase preliminar na qual se esgotaram os mecanismos que buscam o consenso Inexitosas todas as tentativas anteriormente explicadas Eis a morfologia do procedimento Sendo a infração de ação penal de iniciativa pública caberá ao Ministério Público oferecer sua denúncia oralmente ou por escrito o que costuma ser a regra até porque se for oral deverá ser reduzida a termo Se a ação penal for de iniciativa privada a queixacrime poderá ser proposta sem esquecer que o prazo decadencial é de 6 meses art 38 do CPP Oferecida a denúncia ou queixa será o réu citado para a audiência de instrução e julgamento No mandado de citação deverá constar ainda a necessidade de fazerse o réu acompanhar de advogado bem como da prova testemunhal que pretende produzir Caso alguma das testemunhas da defesa necessite ser intimada deverá o defensor providenciar o requerimento cinco dias antes da realização dessa audiência Na audiência de instrução e julgamento presentes as partes deverá verificar o Juiz se já foi realizada a tentativa de conciliação e a transação penal Caso não tenham sido ainda realizadas deverá então propôlas A rigor isso não poderia ocorrer em face da redação do art 77 que pressupõe a frustração das tentativas de consenso Nos termos do art 81 da Lei n 9099 aberta a audiência deverá o juiz oportunizar que a defesa responda a acusação oralmente É o momento em que poderão ser arguidas quaisquer das causas de rejeição liminar art 395 do CPP ou de absolvição sumária art 397 do CPP pois nos termos do art 394 5º do CPP aplicamse ao procedimento sumaríssimo subsidiariamente as novas disposições do procedimento ordinário Assim poderá alegar a inépcia da inicial ou a falta de qualquer das condições da ação ou seja que o fato narrado evidentemente não constitui crime que está extinta a punibilidade há ilegitimidade de parte ou falta de justa causa Infelizmente onde maior deveria ser o filtro processual para evitar acusações infundadas é onde menos levam a sério as condições da ação processual penal Muitos processos inúteis e ilegítimos poderiam ser evitados se os juízes efetivamente analisassem as condições da ação mas não é essa a realidade forense O Juiz em decisão fundamentada art 93 IX da Constituição Federal receberá ou rejeitará a denúncia ou queixa Da decisão que rejeitar caberá recurso de apelação disciplinado no art 82 da Lei n 9099 Da decisão que recebe a acusação seguindo a mesma orientação do Código de Processo Penal não cabe recurso sendo o habeas corpus o único instrumento da defesa para trancar um processo infundado e não trancar a ação penal Recebida a peça acusatória iniciará o Juiz a instrução ouvindose a vítima as testemunhas arroladas pela acusação e após as testemunhas arroladas pela defesa O interrogatório do réu é o último ato da instrução e após ele será dada a palavra ao Ministério Público ou ao querelante se for o caso e após à defesa para que se efetive o debate oral A sentença da qual se dispensa o relatório será prolatada em audiência sendo as partes imediatamente intimadas Dessa decisão caberão embargos declaratórios eou apelação 36553 Recursos e Execução Como já foi mencionado caberá recurso de apelação da decisão que homologa a transação penal art 76 5º que rejeitar a denúncia ou queixa e logicamente da sentença final que condenar ou absolver o réu Em relação à decisão que negar a suspensão condicional do processo ou a transação penal o recurso cabível é o de apelação pois constitui decisões interlocutórias mistas com força de definitivas Ciente da decisão o Ministério Público ou o querelante se for o caso e o réu terão o prazo único de 10 dias para através de petição escrita apelar A Lei dispôs de forma diversa em relação ao prazo e à sistemática do recurso não havendo os dois momentos interposiçãorazões que caracterizam o sistema do código de processo penal No JECrim o prazo é único para interposição e juntada de razões Para fundamentar suas razões ou contrarrazões prevê o art 82 3º a possibilidade de as partes requererem a juntada da transcrição da gravação da fita magnética correspondente aos atos de instrução e julgamento Interposto o recurso será a parte recorrida intimada para contraarrazoar em igual prazo para após ser a apelação remetida à Turma competente As partes serão intimadas através da imprensa da data da sessão de julgamento Se a sentença contiver obscuridade contradição omissão ou dúvida será possível a interposição de Embargos Declaratórios por escrito ou oralmente sendo nesse caso reduzidos a termo O prazo será de 5 dias a contar da ciência da decisão Ao contrário do Código de Processo Penal ficaram as duas formas de Embargos Declaratórios disciplinadas no mesmo artigo O prazo é de cinco dias e não de dois como dispõe o CPP e os Embargos Declaratórios suspendem o prazo para interposição de outro recurso art 83 1º Em relação à execução da pena que será ou de multa ou a restritiva de direitos a Lei é clara A multa deverá ser paga na secretaria do Juizado após a expedição da guia de recolhimento e a intimação do réu Não paga a multa no prazo de 10 dias deverá ser inscrita em dívida pública nos termos do art 51 do Código Penal Da decisão proferida pelas Turmas Recursais do JECrim além da possibilidade de embargos declaratórios como explicado também é possível a interposição de Recurso Extraordinário para o STF nos casos em que tem cabimento art 102 III da CF Pela sistemática legal estabeleceuse um paradoxo curioso da decisão da turma recursal caberá Recurso Extraordinário mas não Recurso Especial Nesse sentido dispõe a Súmula n 203 do STJ a saber Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais E ainda a Súmula n 640 do STF É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal A interposição do Recurso Extraordinário será endereçada ao Presidente da Turma Recursal que fará o juízo de admissibilidade Se não for conhecido caberá Agravo em Recurso Extraordinário Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo posterior específico para os recursos onde explicamos mais detidamente essa matéria Por fim mais uma questão muito discutida é a seguinte quem julgará uma revisão criminal interposta contra decisão da Turma Recursal Existe uma imensa lacuna legal neste tema agravada pela peculiar estrutura recursal dos Juizados Especiais Criminais Pensamos que respeitando a regra da hierarquia jurisdicional onde a revisão criminal é sempre julgada por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a última decisão sustentamos que a competência será do Supremo Tribunal Federal Fortalece esse entendimento o fato de as Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF definirem que das decisões das turmas recursais somente será admitido recurso extraordinário para o STF Logo está sinalizado que o órgão superior será o STF e não o Tribunal de Justiça Tribunal Regional Federal ou STJ Tal conclusão pode gerar algum espanto inicial mas é a mais coerente com o sistema recursal do Juizado Especial Criminal e sua estrutura jurisdicional Mas o tema não é pacífico 37 Crítica ao Sistema de Justiça Negociada Para além das vantagens aparentes o Juizado Especial Criminal possui graves defeitos que não podem ser desconsiderados até para que futuros ajustes venham a ser feitos A garantia da jurisdição careceria de sentido se fosse possível sua fungibilidade A inderrogabilidade é garantia que decorre e assegura a eficácia da garantia da jurisdição no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade do juízo assegurando a todos o livre acesso ao processo e ao poder jurisdicional Nessa linha os modelos de justiça negociada e consensuada representam importante violação à garantia da inderrogabilidade do juízo A lógica da plea negotiation conduz a um afastamento do Estado juiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote o conflito A negotiation viola desde logo esse pressuposto fundamental pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal que erroneamente limitase a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal Com o advento da Lei n 909995 cujo campo de incidência foi substancialmente ampliado pela Lei n 10259 foi introduzida50 uma variação no modelo de reparto até então adotado no nosso processo penal a justiça negociada Para grande parte da doutrina brasileira uma inovação revolucionária ou perigoso retrocesso Contudo com o passar dos anos a criatura virouse contra o criador ou melhor mostrou sua verdadeira cara utilitarismo processual e a busca da máxima eficiência antigarantista Nossa crítica não se limita ao aspecto normativo da Lei n 9099 senão que vai à base epistemológica que a informa constando que o problema será potencializado com o aumento das chamadas zonas de consenso como já ocorreu com a Lei n 10259 Alertamos ainda que o nosso discurso parte da aceitação do sistema heterônomo de reparto por meio de uma instituição estatal imparcial e autônoma Parecenos que a discussão sobre autotutela autocomposição reparto heterônomo por terceiro parcial e heterocomposição já está há muito superada na doutrina processual51 da mesma forma que estão sepultadas as teorias de direito privado que buscavam explicar a natureza jurídica do processo a partir do contrato O pensamento que nos orienta é prospectivo olhamos para o futuro A situação atual já é preocupante mas pretendemos demonstrar através da crítica que a ampliação do campo de atuação da justiça consensuada será desastrosa para o processo penal Devemos recordar ainda o contexto social e econômico no qual ela se insere e foi gerada até porque o sistema penal não está num compartimento estanque imune aos movimentos sociais políticos e econômicos conforme explicamos nos capítulos anteriores onde tratamos da ideologia repressivista da lei e ordem e da eficiência antigarantista A lógica negocial transforma o processo penal num mercado persa no seu sentido mais depreciativo Constitui também verdadeira expressão do movimento da lei e ordem na medida em que contribui para a banalização do Direito Penal fomentando a panpenalização e o simbolismo repressor Quando todos defendem a intervenção penal mínima a Lei n 9099 vem para ressuscitar no imaginário social as contravenções penais e outros delitos de bagatela de mínima relevância social Por isso ela está inserida no movimento de banalização do Direito Penal e do processo penal A justiça negociada está atrelada à ideia de eficiência viés economicista de modo que as ações desenvolvidas devem ser eficientes para com isso chegarmos ao melhor resultado O resultado deve ser visto no contexto de exclusão social e penal O indivíduo já excluído socialmente por isso desviante deve ser objeto de uma ação efetiva para obterse o máximo e certo apenamento que corresponde à declaração de exclusão jurídica Se acrescentarmos a esse quadro o fator tempo tão importante no controle da produção até porque o deusmercado não pode esperar a eficiência passa a ser mais uma manifestação senão sinônimo de exclusão A premissa neoliberal de Estado mínimo também se reflete no campo processual na medida em que a intervenção jurisdicional também deve ser mínima na justiça negociada o Estado se afasta do conflito tanto no fator tempo duração do processo como também na ausência de um comprometimento maior por parte do julgador que passa a desempenhar um papel meramente burocrático É inegável que vivemos numa sociedade regida pela velocidade mas isso não nos obriga a tolerar o atropelo de direitos e garantias fundamentais característico dos juizados especiais A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas zonas de consenso também está sustentada em síntese por três argumentos básicos a estar conforme os princípios do modelo acusatório b resultar da adoção de um processo penal de partes c proporcionar celeridade na administração de justiça A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do modelo acusatório e do processo de partes é totalmente ideológica e mistificadora como qualificou FERRAJOLI52 para quem esse sistema é fruto de uma confusão entre o modelo teórico acusatório que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação na igualdade entre acusação e defesa na oralidade e publicidade do juízo e as características concretas do sistema acusatório americano algumas das quais como a discricionariedade da ação penal e o acordo não têm relação alguma com o modelo teórico O modelo acusatório exige principalmente que o juiz se mantenha alheio ao trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas tanto de imputação como de descargo A gestãoiniciativa probatória no modelo acusatório está nas mãos das partes esse é o princípio fundante do sistema Ademais há a radical separação entre as funções de acusarjulgar o processo deve ser predominantemente oral público com um procedimento contraditório e de trato igualitário das partes e não meros sujeitos Com relação à prova vigora o sistema do livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada A liberdade da parte passiva é a regra sendo a prisão cautelar uma exceção Assim é o sistema acusatório não derivando dele a justiça negociada A verdade consensuada que brota da negotiation é ilegítima FERRAJOLI53 lembra que nenhuma maioria pode fazer verdadeiro o que é falso ou falso o que é verdadeiro nem portanto legitimar com seu consenso uma condenação infundada por haver sido decidida sem provas Com isso surge o equívoco de querer aplicar o sistema negocial como se estivéssemos tratando de um ramo do Direito Privado Existem inclusive os que defendem uma privatização do processo penal partindo do Princípio Dispositivo do processo civil esquecendo de que o processo penal constitui um sistema com suas categorias jurídicas próprias e de que tal analogia além de nociva é inadequada Explica CARNELUTTI54 que existe uma diferença insuperável entre o Direito Civil e o Direito Penal en penal con la ley no se juega No Direito Civil as partes têm as mãos livres no Penal devem têlas atadas O primeiro pilar da função protetora do Direito Penal e Processual é o monopólio legal e jurisdicional da violência repressiva A justiça negociada viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade É a mais completa desvirtuação do juízo contraditório essencial para a própria existência de processo e se encaixa melhor com as práticas persuasórias permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo É transformar o processo penal em uma negociata no seu sentido mais depreciativo No sistema americano muitas negociações são realizadas nos gabinetes do Ministério Público sem publicidade prevalecendo o poder do mais forte acentuando a posição de superioridade do Parquet Explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE 55 que a plea bargaining nos Estados Unidos é responsável pela solução de 80 a 95 de todos os delitos Ademais as cifras citadas colocam em evidência que em oito ou nove de cada dez casos não existe nenhum contraditório No mesmo sentido o Juiz Federal dos Estados Unidos RUBÉN CASTILLO56 afirma que de todos os processos criminais iniciados mais de 90 nunca chegam a juízo pois a defesa acorda com o MP O que caracteriza o princípio do contraditório é exatamente o confronto claro público e antagônico entre as partes em igualdade de condições Essa importante conquista da evolução do Estado de Direito resulta ser a primeira vítima da justiça negociada que começa por sacrificar o contraditório e acaba por matar a igualdade de armas Que igualdade pode existir na relação do cidadão suspeito frente à prepotência da acusação que ao dispor do poder de negociar humilha e impõe suas condições e estipula o preço do negócio Em última análise o sistema de justiça negociada fundase sobre a base da categoria autonomia de vontade Uma base excessivamente porosa para não dizer falaciosa Como aponta PRADO57 os desníveis socioeconômicos ainda vivos na sociedade brasileira interditam a pretensão de garantir ao sujeito principalmente ao sujeito investigadoimputado condições de exercer plenamente suas potencialidades e pois posicionarse conscientemente diante da proposta de transação compreendendo seu largo alcance como instrumento de política criminal No que diz respeito à transação penal PRADO58 faz longo e criterioso trabalho de crítica demonstrando todos os inconvenientes do instituto e desvelando a falácia do discurso favorável à transação penal Bastaria reconhecer a gravíssima e insuperável violação do Princípio da Necessidade fundante e legitimante do processo penal contemporâneo para compreender que a transação penal é absolutamente ilegítima pois constitui a aplicação de uma pena sem prévio processo Põese por terra a garantia básica do nulla poena sine iudicio A transação penal não dispõe explica o autor de um verdadeiro procedimento jurisdicional conforme a noção de devido processo legal O pacto no processo penal é um perverso intercâmbio que transforma a acusação em um instrumento de pressão capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformarse em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao negócio O promotor disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito ainda que sem o menor fundamento A tal ponto pode chegar a degeneração do sistema que de forma clara e inequívoca o saber e a razão são substituídos pelo poder atribuído ao Ministério Público O processo ao final é transformado num lujo reservado sólo a quienes estén dispuestos a afrontar sus costes y sus riesgos59 Tampouco entendemos que o sistema negocial colabore para aumentar a credibilidade da justiça pois ninguém gosta de negociar sua inocência Não existe nada mais repugnante que ante frustrados protestos de inocência ter que decidir entre reconhecer uma culpa inexistente em troca de uma pena menor ou correr o risco de submeterse a um processo que será desde logo desigual É um poderoso estímulo negativo saber que terá de enfrentar um promotor cuja imparcialidade imposta por lei foi enterrada junto com a frustrada negociação e que acusará de forma desmedida inclusive obstaculizando a própria defesa Uma vez mais tem razão GUARNIERI quando afirma que acreditar na imparcialidade60 do Ministério Público é incidir no erro de confiar al lobo la mejor defensa del cordero No plano do direito material as bases do sistema caem por terra O nexo de casualidade entre delito pena e proporcionalidade da punição é sacrificado A pena não dependerá mais da gravidade do delito mas da habilidade negociadora da defesa e da discricionariedade da acusação Ainda conforme se viu no Brasil contribui para a banalização do sistema penal com todos os graves inconvenientes do Direito Penal máximo Em síntese tudo dependerá do espírito aventureiro do acusado e de seu poder de barganha O excessivo poder sem controle do Ministério Público e seu maior ou menor interesse no acordo fazem com que princípios como os da igualdade certeza e legalidade penal não passem de ideais historicamente conquistados e sepultados pela degeneração do atual sistema Tampouco sobrevivem nessas condições a presunção de inocência e o ônus probatório da acusação O processo penal passa a não ser mais o caminho necessário para a pena e com isso o status de inocente pode ser perdido muito antes do juízo e da sentença e principalmente sem que para isso a acusação tenha que provar seu alegado A superioridade do promotor acrescida do poder de transigir faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a segurança do mal menor de admitir uma culpa ainda que inexistente Os acusados que se recusam a aceitar a transação penal ou a suspensão condicional do processo são considerados incômodos e nocivos e sobre eles pesarão acusações mais graves O panorama é ainda mais assustador quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de uma maior eficiência Não podemos esquecer de que o mesmo juiz que preside a fase conciliatória com a vítima será o que frustradas a conciliação e a negociata com o MP julgará o processo Logo está claramente contaminado e será imenso o prejuízo causado pelo préjuízo Não há como controlar a imagem negativa que se formará no inconsciente do julgador pela frustração do acordo pela recusa do réu Dependendo do caso o argumentado e admitido na fase negocial acabará fulminando initio litis no inconsciente do juiz a própria presunção de inocência Criticando o sistema no Direito espanhol críticas perfeitamente aplicáveis ao nosso caso FAIREN GUILLEN61 assinala que o paradoxo maior está no fato de que um Estado que no momento segue um regime político que intervém em quase todas as esferas de atividade do cidadão funcione em sentido contrário abandonando o campo do Direito Público em benefício do interesse particular não se venha dizer agora ao cabo de mais de vinte anos de experiência do plea bargain nos Estados Unidos que o Ministério Público ao pactuar está sempre convencido dos motivos cívicos públicos admiráveis do acusado Também entendemos que a participação da vítima no processo penal não deve ser potencializada62 para evitar uma molesta contaminação pela sua carga vingativa Seria um retrocesso à autotutela e autocomposição questões já superadas pelos processualistas Não se pode esquecer de que a participação da vítima no processo penal em geral e no assistente da acusação em especial decorre de uma pretensão contingente ressarcimento eou reparação dos danos Isso acarreta uma perigosa contaminação de interesses privados em uma seara regida por outra lógica e princípios Desvirtua por completo todo o sistema jurídicoprocessual penal pois pretende a satisfação de uma pretensão completamente alheia a sua função estrutura e finalidade GÓMEZ ORBANEJA63 aponta para o inconveniente da privatización del proceso penal completamente incompatível com sua verdadeira finalidade e o caráter estatal da pena Não resta dúvida de que as vítimas em muitos casos especialmente através da assistência utilizam o processo penal como uma via mais cômoda econômica e eficiente para alcançar a satisfação pecuniária Ora para isso existe o processo civil Para finalizar possivelmente a única vantagem para os utilitaristas da justiça negociada seja a celeridade com que são realizados os acordos e com isso finalizados os processos ou sequer iniciados Sob o ponto de vista do utilitarismo judicial existe uma considerável economia de tempo e dinheiro Ou seja é um modelo antigarantista Também o argumento de que a estigmatização do acusado é menor não é de todo verdadeiro Em modelos como o nosso a rotulação se produz em massa na medida em que se banaliza o sistema penal ao ressuscitar e vivificar todo um rol de crimes de bagatela e de completa irrelevância social Há ainda os casos não raros em que um inocente admite a culpa inexistente para não correr o risco do processo Em síntese a justiça negociada não faz parte do modelo acusatório e tampouco pode ser considerada como uma exigência do processo penal de partes Resulta ser uma perigosa medida alternativa ao processo sepultando as diversas garantias obtidas ao longo de séculos de injustiças Ademais está intimamente relacionada ao afastamento do Estado imposto pelo modelo neoliberal e também com o movimento da lei e ordem eis que ressuscitou no imaginário coletivo um rol de condutas que não deveriam mais ser objeto de tutela penal no caso dos delitos de menor potencial ofensivo Contribui assim para a panpenalização Por derradeiro ainda que o campo de negociação previsto pela Lei n 9099 e no âmbito federal pela Lei n 10259 de 12 de julho de 2001 seja restrito a crítica justificase na medida em que os problemas já existem e podem ser potencializados em caso de ampliação da chamada zona de consenso Como explicamos no início o trabalho é prospectivo e está preocupado com os futuros problemas Se seguirmos nesse rumo ampliando o espaço da justiça negociada fulminaremos com a mais importante de todas as garantias o direito a um processo penal justo 38 Rito dos Crimes da Competência do Tribunal do Júri 381 Competência e Morfologia do Procedimento O Tribunal do Júri está previsto no art 5º XXXVIII assegurandose a a plenitude de defesa b o sigilo das votações c a soberania dos veredictos d a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida A disciplina legal do Tribunal do Júri está desenhada nos arts 406 a 497 do CPP tendo sido substancialmente alterada pela Lei n 116892008 Iniciando pela competência até porque os demais elementos serão analisados ao longo da exposição cumpre recordar o art 74 do CPP que define a competência do Tribunal do Júri de forma exaustiva Art 74 A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária salvo a competência privativa do Tribunal do Júri 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts 121 1º e 2º 122 parágrafo único 123 124 125 126 e 127 do Código Penal consumados ou tentados 2º Se iniciado o processo perante um juiz houver desclassificação para infração da competência de outro a este será remetido o processo salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro que em tal caso terá sua competência prorrogada 3º Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular observarseá o disposto no art 410 mas se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri a seu presidente caberá proferir a sentença art 492 2º A competência do júri é assim muito bem definida no art 74 1º de forma taxativa e sem admitir analogias ou interpretação extensiva Logo não serão julgados no Tribunal do Júri os crimes de latrocínio extorsão mediante sequestro e estupro com resultado morte e demais crimes em que se produz o resultado morte mas que não se inserem nos crimes contra a vida Essa competência originária não impede que o Tribunal do Júri julgue esses delitos ou qualquer outro tráfico de drogas porte ilegal de arma roubo latrocínio etc desde que seja conexo com um crime doloso contra a vida Para evitar repetições remetemos o leitor para o Capítulo X onde tratamos da jurisdição e da competência Quanto à morfologia o procedimento estruturase assim 382 O Procedimento Bifásico Análise dos Atos O procedimento do júri é claramente dividido em duas fases instrução preliminar e julgamento em plenário A instrução preliminar não se confunde com a investigação preliminar que é a fase préprocessual da qual o inquérito policial é a principal espécie A instrução preliminar pressupõe o recebimento da denúncia ou queixa e portanto o nascimento do processo Feita essa ressalva compreendese que a instrução preliminar é a fase compreendida entre o recebimento da denúncia ou queixa e a decisão de pronúncia irrecorrível A segunda fase do rito se inicia com a confirmação da pronúncia e vai até a decisão proferida no julgamento realizado no plenário do Tribunal do Júri Na nova morfologia do procedimento do júri a segunda fase ficou reduzida praticamente ao plenário Antes dele há um único momento procedimental relevante que é a possibilidade de as partes arrolarem as testemunhas de plenário Essas duas fases ocorrem essencialmente pelo divisor de águas que se estabelece na decisão de pronúncia impronúncia absolvição sumária ou desclassificação Tal decisão é tomada pelo juiz presidente do júri ou seja o juiz de direito ou federal titular daquela vara Nesse momento o juiz após a coleta da prova na instrução decide em linhas gerais se encaminha aquele caso penal para o julgamento pelo Tribunal do Júri composto por 7 jurados Dessarte na primeira fase ainda não existem jurados sendo toda a prova colhida na presença do juiz presidente togado que ao final decide entre enviar o réu para julgamento pelo Tribunal do Júri pronúncia ou não absolvição sumária impronúncia ou desclassificação Portanto o processo pode findar nessa primeira fase conforme a decisão do juiz os detalhes de cada tipo de decisão serão analisados na continuação A segunda fase somente se inicia se a decisão do juiz for de pronúncia tem por ápice procedimental o plenário e finaliza com a decisão proferida pelos jurados 3821 Primeira Fase Atos da Instrução Preliminar Após o inquérito policial que mesmo sendo facultativo acaba se transformando em regra nesse tipo de delito o Ministério Público poderá oferecer a denúncia no prazo legal de 5 dias se o imputado estiver preso ou de 15 dias se estiver em liberdade art 46 do CPP Superado esse prazo sem manifestação do Ministério Público configurase a inércia autorizadora de que a vítima ou quem tenha qualidade para representála ajuíze a queixacrime subsidiária prevista no art 29 do CPP Há que se ter cuidado especialmente os que iniciam o estudo do direito processual penal para não pensar que o processo nos crimes contra a vida somente pode se iniciar por denúncia do MP Claro que todos esses delitos são de ação penal de iniciativa pública incondicionada mas nada impede que em caso de inércia do MP art 29 do CPP a vítima em caso de tentativa é claro ou seu ascendente descendente cônjuge ou irmão art 31 possa ajuizar a queixa subsidiária Formulada a denúncia ou queixa subsidiária caberá ao juiz recebêla ou rejeitála nos casos do art 395 do CPP Recebendo citará o acusado para oferecer defesa escrita no prazo de 10 dias64 onde já deverá arrolar suas testemunhas 8 testemunhas por réu arguir todas as preliminares que entender cabível juntar documentos e postular suas provas Também é o momento de formular em autos apartados as exceções de incompetência suspeição e demais enumeradas nos arts 95 a 112 e já estudadas Essa defesa escrita é obrigatória e não sendo oferecida deverá o juiz nomear um defensor dativo para fazêla sob pena de nulidade dos atos posteriores Feita a defesa escrita será dada vista ao Ministério Público para manifestarse sobre eventuais exceções e preliminares alegadas pela defesa bem como tomar conhecimento de documentos e demais provas juntadas Essa previsão de vista com a determinação de que o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos 5 cinco dias gera uma possibilidade de réplica desequilibradora nesse caso da estrutura dialética do processo Com razão MARQUES critica essa manifestação da acusação depois da defesa trazendo à colação o julgamento proferido no HC 87926SP Rel Min Cezar Peluso j 20022008 onde se assentou que a sustentação oral do representante do Ministério Público sobretudo quando seja recorrente único deve sempre preceder à defesa sob pena de nulidade do julgamento Em última análise o que se tutela em nome do contraditório e da ampla defesa é o direito de a defesa sempre falar após a acusação ou seja com verdadeira resistência ao ataque Na estrutura vigente o acusador formula sua imputação ataque a defesa se manifesta resistência e abrese erroneamente a possibilidade de um novo ataque agora dirigido à defesa apresentada Evidenciase assim a violação ao disposto no art 5º LV da Constituição É evidente que o Ministério Público tem o direito de se manifestar sobre eventuais documentos juntados nesta fase mas para isso disporá de toda a instrução podendo fazêlo ao longo dela ou nos debates orais ao final realizados O que não se pode admitir adverte com acerto MARQUES65 é a ampliação do debate em torno das alegações da defesa permitindo que a acusação tenha prazo para livre manifestação no momento exatamente anterior à ida dos autos para decisão sobre as provas Na sistemática do direito processual penal não é lícito à acusação falar depois da defesa pois a violação dessa ordem importa quebra dos princípios constitucionais norteadores do devido processo legal conforme referido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal Em suma duas opções a o juiz apresentada a resposta da defesa designa a audiência de instrução afastando portanto a aplicação do art 409 b ou intima o Ministério Público com a expressa advertência de que poderá se manifestar exclusivamente sobre a licitudeilicitude dos documentos juntados Havendo ampliação do debate por parte do acusador sobre as alegações da defesa tal peça deverá ser desentranhada dos autos Superado esse momento deverá o juiz aprazar audiência de instrução para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e defesa bem como produzir as demais provas postuladas pelas partes A reforma pontual Lei n 116892008 pretendeu dar mais celeridade ao procedimento do Tribunal do Júri mas pecou pelo atropelo além de criar perigosas condições para o utilitarismo processual com o evidente sacrifício de direitos e garantias fundamentais Na linha de nossa crítica inseremse os parágrafos do art 411 que estabelecem que as provas deverão ser produzidas em uma só audiência abrindose a perigosa opção de o juiz indeferir aquelas provas que entender irrelevantes impertinentes ou protelatórias Além de abrir um perigoso e impróprio espaço para a discricionariedade judicial comete o grave erro de permitir que o juiz subtraia dos jurados os verdadeiramente competentes para o julgamento a possibilidade de conhecer determinadas provas Há que se ter presente a peculiaridade do júri onde os destinatários finais da prova são os jurados e não o juiz Daí por que além de incompetente é errôneo atribuir ao juiz o papel de filtro probatório pois aquilo por ele considerado irrelevante impertinente ou protelatório pode ser muito relevante muito pertinente e nada protelatório para os jurados Outro erro foi prever debates orais em processos complexos como costumeiramente o são aqueles decorrentes dos crimes contra a vida Encerrando a equivocada linha procedimental adotada o art 412 estabelece que o procedimento será concluído no prazo máximo de 90 noventa dias Além de o prazo ser incompatível com a tramitação média desse tipo de processo pecou o legislador por estabelecer um prazo sem sanção processual Como já explicamos de nada serve fixar um prazo se não houver previsão legal da respectiva sançãopunição em caso de descumprimento É elementar que prazo sem sanção é igual a ineficácia do dispositivo Quando muito poderá servir para sinalizar um eventual excesso de prazo na prisão cautelar mas ainda assim de forma casuística e bastante tímida Mas feita essa rápida crítica voltemos à audiência de instrução Nesse momento deverão ser ouvidas a vítima se possível é claro as testemunhas arroladas pela acusação e após pela defesa Não poderá haver inversão nessa ordem mas a jurisprudência já tem relativizado essa regra quando a defesa concorda com a inversão Ato contínuo serão ouvidos os peritos que prestarão os esclarecimentos acerca das eventuais provas periciais Recordemos que a Lei n 116902008 alterando a disciplina legal da prova estabeleceu que as perícias podem ser feitas por um único perito oficial ou por dois peritos nomeados bem como passou a admitir a figura do assistente técnico E qual é o momento de postular a oitiva dos peritos As testemunhas devem ser arroladas respectivamente na denúncia ou queixa e na defesa escrita Nesse momento pode ocorrer que eventuais perícias não tenham sido realizadas ainda se tornando inviável o pedido de esclarecimentos dos peritos Nessa linha o art 411 1º determina que os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz Então em que momento isso deve ocorrer Pensamos que a resposta vem dada pelo art 159 5º Art 159 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes quanto à perícia I requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 dez dias podendo apresentar as respostas em laudo complementar II indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência Assim a oitiva dos peritos deve ser requerida com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento Também nesse prazo podem ser apresentados os quesitos ou questões a serem esclarecidos pelos peritos Mas pela lógica uma opção exclui a outra de modo que a parte postula a oitiva do perito ou que responda os quesitosquestões Contudo não se deve ignorar que em casos complexos pode ser necessário que os peritos esclareçam as próprias respostas dadas aos quesitos Considerando o alto risco de cerceamento de defesa bem como da competência dos jurados e não do juiz para o julgamento não deve ser indeferido eventual pedido de oitiva dos peritos Após a oitiva dos peritos serão feitas as eventuais acareações nos termos dos arts 229 e 230 do CPP Encerrando a instrução é feito o interrogatório dos réus constituindo verdadeiramente o direito à última palavra Ainda nessa audiência encerrada a instrução poderá haver a mutatio libelli prevista no art 384 cabendo ao Ministério Público aditar a denúncia se houver prova de um fato novo como a consumação no caso de homicídio tentado ou mesmo o surgimento de prova de uma qualificadora que não estava na denúncia que conduza a nova definição jurídica do caso penal Com o aditamento interrompese essa audiência pois deverá o juiz dar vista à defesa pelo prazo de 5 dias oportunizando ainda que o Ministério Público e a defesa arrolem até 3 testemunhas Deverá ser designada nova data para realização da oitiva dessas testemunhas e novo interrogatório do réu É imprescindível a realização desse novo interrogatório art 384 2º pois se deve oportunizar ao acusado refutar essa nova imputação Mas não sendo caso de mutatio libelli a instrução será encerrada passandose para os debates orais 20 minutos para cada parte prorrogáveis por mais 10 Nada impede que o debate oral seja substituído por memorial atendendo a complexidade do caso A decisão será proferida pelo juiz nessa audiência ou em até 10 dias art 411 9º do CPP Recordemos que a Lei n 117192008 recepcionou no art 399 2º o princípio da identidade física do juiz de modo que aquele julgador que colher a prova e assistir aos debates deverá proferir a decisão de pronúncia impronúncia absolvição sumária ou desclassificação Vejamos agora essas 4 decisões possíveis de serem tomadas pelo juiz presidente nesse momento 38211 Decisão de Pronúncia Excesso de Linguagem O Problemático In Dubio Pro Societate Princípio da Correlação Crime Conexo Prisão Cautelar Intimação da Pronúncia A pronúncia decisão interlocutória mista está prevista no art 413 do CPP Art 413 O juiz fundamentadamente pronunciará o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação 1º A fundamentação da pronúncia limitarseá à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena 2º Se o crime for afiançável o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória 3º O juiz decidirá motivadamente no caso de manutenção revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e tratandose de acusado solto sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código A decisão de pronúncia marca o acolhimento provisório por parte do juiz da pretensão acusatória determinando que o réu seja submetido ao julgamento do Tribunal do Júri Preclusa a via recursal para impugnar a pronúncia iniciase a segunda fase plenário Tratase de uma decisão interlocutória mista não terminativa que deve preencher os requisitos do art 381 do CPP O recurso cabível para atacar a decisão de pronúncia é o recurso em sentido estrito previsto no art 581 IV do CPP É uma decisão que não produz coisa julgada material na medida em que pode haver desclassificação para outro crime quando do julgamento em plenário pelos jurados Faz sim coisa julgada formal pois uma vez preclusa a via recursal não poderá ser alterada exceto quando houver circunstância fática superveniente que altere a classificação do crime nos termos do art 421 1º do CPP Como explica ARAMIS NASSIF66 a pronúncia é a decisão que apenas verifica a admissibilidade da pretensão acusatória tal como feito quando do recebimento da denúncia mas e não é demasia dizer tratase de verdadeiro rerecebimento da denúncia agora qualificada pela instrução judicializada A pronúncia com a extinção do libelo antigo art 417 assume um papel muito importante pois demarca os limites da acusação a ser deduzida em plenário devendo nela constar a narração do fato criminoso e as eventuais circunstâncias qualificadoras e causas de aumento constantes na denúncia ou no eventual aditamento ou queixa subsidiária em caso de inércia do Ministério Público Assim as agravantes atenuantes e causas especiais de diminuição da pena não são objeto da pronúncia ficando reservadas para análise na sentença condenatória Como toda decisão judicial deve ser fundamentada Contudo por se tratar de uma decisão provisória em atípico procedimento bifásico no qual o órgão competente para o julgamento é o Tribunal do Júri e não o juiz presidente que profere a pronúncia a decisão é bastante peculiar Não pode o juiz condenar previamente o réu pois não é ele o competente para o julgamento Por outro lado especial cuidado deve ter o julgador na fundamentação para não contaminar os jurados que são facilmente influenciáveis pelas decisões proferidas por um juiz profissional e mais ainda por aquelas proferidas pelos tribunais Deve o juiz como determina o 1º do artigo anteriormente transcrito limitarse a indicar a existência do delito materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação Não pode o juiz afirmar a autoria ou a materialidade especialmente quando ela é negada pelo réu sob pena de induzir ao prejulgamento por parte dos jurados Deve restringirse a fazer um juízo de verossimilhança67 Não é a pronúncia o momento para realização de juízos de certeza ou pleno convencimento Nem deve o juiz externar suas certezas pois isso irá negativamente influenciar os jurados afetando a necessária independência que devem ter para julgar o processo Mais do que em qualquer outra decisão a linguagem empregada pelo juiz na pronúncia revestese da maior importância Deve ela ser sóbria comedida sem excessos de adjetivação sob pena de nulidade do ato decisório Nesse sentido entre outras decisões68 citamos o HC 85260RJ Relator Min SEPÚLVEDA PERTENCE julgado em 1502200569 O que se busca é assegurar a máxima originalidade do julgamento feito pelos jurados para que decidam com independência minimizando a influência dos argumentos e juízos de desvalor realizados pelo juiz presidente Ainda nessa linha de preocupação a Lei n 116892008 alterou completamente o rito do Tribunal do Júri inserindo no art 478 do CPP a proibição sob pena de nulidade de que as partes façam referência à decisão de pronúncia e às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação Com isso pretendese essencialmente evitar os excessos do juiz na pronúncia e principalmente o uso abusivo dessa decisão no plenário por parte do acusador Essa prática tão disseminada até então gerava gravíssimos prejuízos para a defesa pois a decisão de pronúncia e principalmente o acórdão confirmatório dela eram utilizados pelos acusadores como argumento de autoridade induzindo os jurados a afirmarem a autoria e a materialidade e por consequência condenarem o réu Contudo produzse um completo paradoxo quando verificamos essa acertada preocupação com uso abusivo da decisão de pronúncia e ao mesmo tempo o disposto no art 472 parágrafo único do CPP Art 472 Parágrafo único O jurado em seguida receberá cópias da pronúncia ou se for o caso das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo Ora não se permite que acusador e defesa façam alusão à pronúncia mas entregase cópia dela para os jurados E tem o jurado condições de compreender plenamente o que ali está Nem sempre E o pior não podem as partes explicarlhes a decisão Um paradoxo absurdo que só pode ser atenuado pela postura atenta e coerente do juiz presidente explicando de forma clara e cuidando ao máximo para não ser tendencioso eventuais dúvidas que os jurados possam ter em relação à decisão de pronúncia No mesmo sentido NASSIF70 critica que o legislativo reformador tenha deixado aberta a possibilidade de que o jurado possa sofrer a influência da linguagem imoderada da decisão o que vai exigir especial cuidado dos juízes no momento da pronunciação sem perder de vista que assim está repristinada toda a jurisprudência anterior que coibia a linguagem abusiva Noutra dimensão bastante problemático é o famigerado in dubio pro societate Segundo a doutrina tradicional neste momento decisório deve o juiz guiarse pelo interesse da sociedade em ver o réu submetido ao Tribunal do Júri de modo que havendo dúvida sobre sua responsabilidade penal deve ele ser pronunciado LEAL71 afirma que ela se norteia pelo princípio do in dubio pro societate ou seja na dúvida o juiz decide a favor da sociedade declinando o julgamento ao júri A jurisprudência brasileira está eivada de exemplos de aplicação do brocardo não raras vezes chegando até a censurar aqueles hereges que ousam divergir do pacífico entendimento Pois bem discordamos desse pacífico entendimento Questionamos inicialmente qual é a base constitucional do in dubio pro societate Nenhuma Não existe72 Por maior que seja o esforço discursivo em torno da soberania do júri tal princípio não consegue dar conta dessa missão Não há como aceitar tal expansão da soberania a ponto de negar a presunção constitucional de inocência A soberania diz respeito à competência e limites ao poder de revisar as decisões do júri Nada tem a ver com carga probatória Não se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas escondendose atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição para burocraticamente pronunciar réus enviandolhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco que representa o julgamento nesse complexo ritual judiciário Também é equivocado afirmarse que se não fosse assim a pronúncia já seria a condenação do réu A pronúncia é um juízo de probabilidade não definitivo até porque após ela quem efetivamente julgará são os jurados ou seja é outro julgamento a partir de outros elementos essencialmente aqueles trazidos no debate em plenário Portanto a pronúncia não vincula o julgamento e deve o juiz evitar o imenso risco de submeter alguém ao júri quando não houver elementos probatórios suficientes verossimilhança de autoria e materialidade A dúvida razoável não pode conduzir a pronúncia Nessa linha vale o in dubio pro reo para absolver sumariamente o réu que tiver agido ao abrigo da legítima defesa não apenas quando a excludente for estreme de dúvidas mas quando for verossímil a ponto de gerar a dúvida razoável impronunciar réus em que a autoria não esteja razoavelmente demonstrada desclassificar para crime culposo as abusivas acusações por homicídio doloso dolo eventual em acidentes de trânsito onde o acusador não fez prova robusta da presença do elemento subjetivo Perfilamse ao nosso lado negando o in dubio pro societate e defendendo a presunção de inocência entre outros RANGEL e BADARÓ Para RANGEL73 o princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito onde a dúvida não pode autorizar uma acusação colocando uma pessoa no banco dos réus O Ministério Público como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis não pode com base na dúvida manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal Com razão RANGEL destaca que não há nenhum dispositivo legal que autorize esse chamado princípio do in dubio pro societate O ônus da prova já dissemos é do Estado e não do investigado Por derradeiro enfrentando a questão na esfera do Tribunal do Júri segue o autor explicando que se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia sob o aspecto da autoria e materialidade não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado mandandoo a júri onde o sistema que impera lamentavelmente é o da íntima convicção A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação com base na dúvida GUSTAVO BADARÓ 74 explica que o art 409 atual 414 estabelece um critério de certeza o juiz se convencer da existência do crime Assim se houver dúvida sobre se há ou não prova da existência do crime o acusado deve ser impronunciado Já com relação à autoria o requisito legal não exige a certeza mas sim a probabilidade da autoria delitiva deve haver indícios suficientes de autoria É claro que o juiz não precisa ter certeza ou se convencer da autoria Mas se estiver em dúvida sobre se estão ou não presentes os indícios suficientes de autoria deverá impronunciar o acusado por não ter sido atendido o requisito legal Aplicase pois na pronúncia o in dubio pro reo grifo nosso Assim ainda que nossa posição seja por enquanto minoritária sob o ponto de vista de receptividade doutrinária e jurisprudencial insistimos em que nesse momento decisório aplicase a presunção de inocência e o in dubio pro reo Somente quando houver fortes elementos probatórios de autoria e materialidade probabilidade e alto grau de convencimento pode o juiz pronunciar Havendo dúvida razoável deverá impronunciar ou absolver sumariamente ou desclassificar a infração conforme o caso Voltando ao tema quando da pronúncia pode haver a exclusão de uma qualificadora ou causa de aumento da pena conforme o contexto probatório Se não existirem elementos suficientes para sustentar a qualificadora poderá o juiz pronunciar pela figura simples excluindo a qualificadora Há quem inclusive veja a possibilidade de uma impronúncia da qualificadora gerando uma pronúncia imprópria75 Isso porque em que pese a desclassificação da figura qualificada para o tipo simples existe pronúncia Também há que se atentar para o fato de que uma vez afastada a qualificadora o que resta excluído é a situação fática e não o nome jurídico Daí por que uma vez afastada a qualificadora mas pronunciado o réu não pode o Ministério Público ou querelante postular a sua inclusão em plenário sob o rótulo de agravante Isso ocorre porque muitas das qualificadoras nada mais são do que situações fáticas constitutivas de agravantes Logo uma vez excluída a qualificadora está afastada a situação fática não podendo o Ministério Público trocar o nome jurídico para querer agora seu reconhecimento com o título de agravante Apenas para esclarecer estamos falando em sustentar em plenário para que o juiz considere na sentença pois não se quesita a existência de agravantes ou atenuantes No mesmo sentido GIACOMOLLI76 esclarece que o afastamento da qualificadora na decisão de pronúncia impede a sustentação destas como agravantes por já terem recebido um juízo negativo Superada essa questão e pronunciado o réu deverá o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena Além da tipificação da conduta deverá o juiz decidir se também pronuncia as qualificadoras e causas de aumento de pena Para tanto além de prova razoável de sua existência é fundamental observarse o princípio da correlação entre acusaçãosentença de modo que somente poderá haver uma decisão sobre qualificadoras e causas de aumento de pena se existir a respectiva acusação Significa dizer que somente qualificadoras e causas de aumento que estejam descritas na denúncia ou queixa substitutiva ou tenham sido incluídas através de aditamento art 384 é que podem ser incluídas na pronúncia Sem isso estar na denúnciaqueixa ou aditamento é nula a decisão por ser ela ultra ou extra conforme o caso petita A pronúncia não examinará adverte NASSIF 77 agravantes ou atenuantes pois essas circunstâncias legais pressupõem a aplicação da pena e portanto o juízo condenatório que não é realizado nessa fase Ademais não são elas objeto de quesitação ainda que devam ser alegadas pelas partes em plenário pois o art 492 I b do CPP estabelece que as agravantes e atenuantes alegadas serão consideradas quando da prolação da sentença Quanto às minorantes devem elas ser alegadas em plenário pela defesa e serão quesitadas como disciplina o art 483 IV do CPP Assim no momento da pronúncia poderá o juiz a concordar com o fato narrado na denúncia e a classificação jurídica a ele atribuída situação em que irá pronunciar o réu nesses termos b sem modificar a descrição do fato contida na denúncia não há fato novo portanto poderá atribuir lhe uma definição jurídica diversa nos termos do art 418 cc art 383 do CPP mesmo que isso signifique sujeitar o acusado a pena mais grave mas a nova figura típica ainda é de competência do júri c sem modificar a descrição do fato contida na denúncia poderá atribuirlhe uma definição jurídica diversa nos termos do art 418 cc art 383 do CPP mesmo que signifique sujeitar o acusado a pena mais grave mas dando lugar a uma nova figura típica que não é mais da competência do Tribunal do Júri é a chamada desclassificação própria prevista no art 419 devendo os autos ser remetidos para o juiz competente por exemplo a desclassificação de homicídio para lesão corporal seguida de morte Importante é a leitura do art 411 3º que remete para o art 384 do CPP Assim quando for cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração não contida na acusação deverá o Ministério Público aditar a denúncia ouvindose após a defesa Não cabe mais ao juiz invocar a atuação do Ministério Público como na antiga sistemática do art 384 antes da Lei n 117192008 e tampouco pronunciar por crime mais grave sem o necessário aditamento Ainda nesse momento é possível que o juiz verifique a existência de indícios de autoria ou participação de outras pessoas não incluídas na acusação devendo pronunciar impronunciar absolver sumariamente ou desclassificar o acusado e determinar o retorno dos autos ao Ministério Público para decidir sobre denunciar pedir novas diligências ou o arquivamento das peças de informação Como menciona o art 41778 que trata dessa matéria é aplicável a cisão processual prevista no art 80 do CPP pois mesmo havendo continência a diferença das dinâmicas procedimentais entre um feito que já se encontra na fase de plenário e outro que irá iniciar impede a reunião para processamento simultâneo Pensamos que a mesma regra deve ser seguida quando for caso de conexão isto é com o surgimento de novos fatos delitivos conexos com aquele constante na denúncia O que fazer quando há mudança fática superveniente à pronúncia Devese utilizar o disposto no art 421 1º do CPP com a remessa dos autos ao Ministério Público para que promova o aditamento É o que ocorre por exemplo quando o réu é denunciado e pronunciado por tentativa de homicídio e a vítima após a pronúncia mas antes do plenário vem a falecer em razão das lesões sofridas Devese seguir a lógica do art 384 do CPP com o Ministério Público promovendo o aditamento a defesa se manifestando e após deverá o juiz proferir uma nova decisão de pronúncia E quanto ao crime conexo Quando existe algum delito conexo ao crime doloso contra a vida a regra é pronunciado o crime de competência do júri o conexo o seguirá Concordamos com NASSIF79 quando leciona que os crimes conexos aos da competência do júri não são objetos da pronúncia além dos estritos limites da declaração da conexidade Ou seja não faz o juiz uma valoração da prova da autoria e materialidade como o faz em relação ao crime prevalente doloso contra a vida do crime conexo Limitase a declarar sua conexidade e determinar o julgamento pelo júri juntamente com o crime prevalente Contudo não se desconhece a existência de corrente teórica em posição diversa exigindo que o juiz faça um juízo igual de admissibilidade da acusação quando da pronúncia em relação ao crime conexo Quando houver desclassificação do crime prevalente para outro que não é de competência do Tribunal do Júri o conexo também é redistribuído Se impronunciado ou absolvido sumariamente em relação ao crime doloso contra a vida o conexo é redistribuído para aquele juiz ou juizado competente para julgá lo Em suma quanto ao crime conexo é importante compreender que ele não poderá ser objeto de decisão condenatória ou absolutória nessa fase Ele seguirá o crime prevalente para o Tribunal do Júri em caso de pronúncia ou será redistribuído nos demais casos O conexo nunca é julgado nesse momento Assim denunciado o réu por homicídio doloso consumado e tráfico de substâncias entorpecentes por exemplo caberá ao juiz presidente decidir se pronuncia ou não o crime principal homicídio doloso Se pronunciar apenas menciona que o conexo também irá a julgamento Não lhe compete julgar o crime conexo seja para condenar ou absolver A competência do julgamento é do Tribunal do Júri Não havendo pronúncia pelo crime prevalente o conexo será redistribuído juntamente para manter a conexão ou se o principal for objeto de absolvição sumária ou impronúncia o crime conexo é redistribuído para o juiz competente para julgálo Não existe possibilidade de impronúncia ou absolvição sumária do crime conexo nesse momento Quanto à decretação ou revogação de prisão preventiva remetemos o leitor para o capítulo da Prisão Cautelar mas sublinhamos que o juiz deverá demonstrar a existência ou manutenção do periculum libertatis bem como a insuficiência e inadequação das medidas cautelares diversas art 319 Somente em casos de real necessidade e como último instrumento poderá ser decretada ou mantida a prisão preventiva Quanto à fiança remetemos a toda explicação feita anteriormente quando tratamos das medidas cautelares mas desde logo sublinhamos sua perfeita aplicação neste momento A intimação da pronúncia deverá ser feita pessoalmente ao acusado ao defensor nomeado e ao Ministério Público ao defensor constituído ao querelante e ao assistente da acusação a intimação será feita por nota de expediente como determina o art 370 1º do CPP não sendo encontrado o acusado que está em liberdade a intimação será feita por edital Essa última providência intimação por edital visa em conjunto com a possibilidade de o réu ser julgado sem estar presente na sessão do Tribunal do Júri art 457 agilizar os julgamentos Por fim chamamos a atenção para o disposto no art 421 Art 421 Preclusa a decisão de pronúncia os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri A questão a saber é pode ser realizado o júri na pendência de recurso especial ou extraordinário da pronúncia Pensamos que o espaço de interpretação do dispositivo é bastante limitado e não há como sustentar se há preclusão na pendência do julgamento de recurso Seria desconsiderar hermeneuticamente toda construção doutrinária e jurisprudencial existente milhares de páginas escritas e ter a pretensão de atribuir à preclusão um sentido novo quase um absurdo marco zero de interpretação Ora se ainda há recurso pendente de julgamento como falar que houve preclusão O argumento da falta de efeito suspensivo no recurso especial e extraordinário além de constituir um errôneo civilismo da teoria geral do processo tinha algum sentido antes da reforma processual de 2008 Mas não agora com a nova redação Não há preclusão da pronúncia na pendência de recurso sendo irrelevante a questão efeito recursal Em suma pensamos que não pode ser aprazado o julgamento pelo tribunal do júri enquanto não houver preclusão ou seja enquanto não forem julgados os recursos interpostos Neste sentido andou muito bem a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Rel Des Maria Helena Salcedo no julgamento do HC 00309720220108190000 HABEAS CORPUS Art 121 2 III e V do Código Penal Alegação de existência de constrangimento ilegal em razão de haver sido designado julgamento em plenário sem preclusão da decisão de pronúncia Existência de recurso interposto pela defesa perante o Supremo Tribunal Federal pendente de julgamento de Agravo de Instrumento Pedido de declaração de nulidade do ato que recebeu o libelo acusatório bem como aqueles subsequentes inclusive o de designação de sessão plenária de julgamento Procedência Nova redação conferida ao art 421 do Código de Processo Penal e que obsta o prosseguimento do feito Concessão da ordem para anular a decisão saneadora que designou data para o plenário do tribunal do júri devendo ser aguardado o trânsito em julgado do recurso defensivo interposto perante a corte constitucional para só após se for o caso haver designação de data para julgamento grifamos Portanto a preclusão da decisão de pronúncia pressupõe o esgotamento das vias recursais sendo inviável designarse data para julgamento enquanto não for julgado eventual recurso especial ou extraordinário 38212 Decisão de Impronúncia Problemática Situação de Incerteza A impronúncia é uma decisão terminativa pois encerra o processo sem julgamento de mérito sendo cabível o recurso de apelação art 593 II do CPP Está prevista no art 414 do CPP Art 414 Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação o juiz fundamentadamente impronunciará o acusado Parágrafo único Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova A impronúncia é proferida quando apesar da instrução não lograr o acusador demonstrar a verossimilhança da tese acusatória não havendo elementos suficientes de autoria e materialidade para a pronúncia Está assim em posição completamente oposta em relação à pronúncia80 É assim uma decisão terminativa que encerra o processo sem julgamento de mérito não havendo a produção de coisa julgada material pois o processo pode ser reaberto a qualquer tempo até a extinção da punibilidade desde que surjam novas provas Tal decisão não significa que o réu esteja absolvido pois em que pese não ser submetido ao Tribunal do Júri não está completamente livre da imputação Eis aqui o grande inconveniente da impronúncia gera um estado de incerteza Ao não decidir nada em favor do réu a impronúncia gera um estado de pendência de incerteza e insegurança processual O processo pode ser a qualquer momento reaberto desde que exista prova nova A situação somente é definitivamente resolvida quando houver a extinção da punibilidade ou seja a prescrição pela maior pena em abstrato o que pode representar 20 anos de espera O problema reside assim na possibilidade prevista no parágrafo único de o processo ser reaberto a qualquer tempo enquanto não estiver extinta a punibilidade se surgirem novas provas A impronúncia não resolve nada Gera um angustiante e ilegal estado de pendência pois o réu não está nem absolvido nem condenado E o que é pior pode voltar a ser processado pelo mesmo fato a qualquer momento Concordamos com RANGEL81 no sentido de que tal decisão não espelha o que de efetivo se quer dentro de um Estado Democrático de Direito ou seja que as decisões judiciais ponham um fim aos litígios decidindoos de forma meritória dando aos acusados e à sociedade segurança jurídica Tratase de uma decisão substancialmente inconstitucional e que viola quando de sua aplicação a presunção de inocência Se não há prova suficiente da existência do fato eou da autoria para autorizar a pronúncia e recordese nesse momento processual vigora a presunção de inocência e o in dubio pro reo a decisão deveria ser absolutória O que resulta por evidente inadmissível é colocar como define RANGEL o indivíduo no banco de reservas aguardando novas provas ou a extinção da punibilidade A impronúncia remonta a uma racionalidade tipicamente inquisitória em que o herege não deveria ser plenamente absolvido senão que como explica EYMERICH82 o inquisidor tomará cuidado para não declarar em sua sentença de absolvição que o acusado é inocente ou isento e sim esclarecer bastante que nada foi legitimamente provado contra ele desta forma se mais tarde trazido novamente diante do tribunal for indiciado por causa de qualquer crime possa ser condenado sem problemas apesar da sentença de absolvição Entendemos assim que o estado de pendência e de indefinição gerado pela impronúncia cria um terceiro gênero não recepcionado pela Constituição em que o réu não é nem inocente nem está condenado definitivamente É como se o Estado dissesse ainda não tenho provas suficientes mas um dia eu acho ou fabrico enquanto isso fica esperando A questão também deve ser tratada à luz do direito de ser julgado em um prazo razoável Não só o poder de acusar está condicionado no tempo senão também que o réu tem o direito de ver seu caso julgado A situação de incerteza prolonga a penaprocesso por um período de tempo absurdamente dilatado como será o da prescrição pela pena em abstrato nesses crimes deixando o réu à disposição do Estado em uma situação de eterna angústia e grave estigmatização social e jurídica Retornando à lógica inquisitorial a extinção da punibilidade tampouco resolve o grave problema criado não só porque constitui uma absurda demora jurisdicional mas também porque não o absolve plenamente Significa apenas que o réu foi suficientemente torturado e nada se conseguiu provar contra ele no mais puro estilo do Directorium Inquisitorum Aqui outra não poderá ser a solução adotada se não há prova suficiente para a pronúncia ou desclassificação o réu deveria ser absolvido com base no art 386 cujo inciso irá depender da situação concreta Não se descarta ainda dependendo da prova produzida e da situação específica do processo que o juiz absolva sumariamente nos termos do art 415 O que não se pode mais aceitar pacificamente é a impronúncia e o estado de incerteza que ela gera especialmente quando é possível uma solução mais adequada Quanto ao crime conexo ao prevalente impronunciado se não for de competência originária do júri não poderá ser objeto de qualquer decisão Deve ser redistribuído para o juiz singular competente ou para o Juizado Especial Criminal quando se tratar de infração de menor potencial ofensivo A título de curiosidade doutrinária pois o termo nunca foi consagrado no Código de Processo Penal mencionamos a denominada decisão de despronúncia explicada por ESPÍNOLA FILHO83 como sendo aquela tomada pelo tribunal que julgando um recurso interposto contra a decisão de pronúncia o acolhe e dá provimento para o fim de impronunciar o réu Assim o tribunal desconstitui a decisão de pronúncia e profere outra agora de impronúncia art 414 Existe portanto um desfazimento da pronúncia por parte do tribunal que anulando essa decisão profere outra de impronúncia Mas nada impede que o próprio juiz prolator da pronúncia em sede de retratação possível pois o recurso cabível da decisão de pronúncia é em sentido estrito onde existe a possibilidade de o juiz se retratar decida por acolher o recurso defensivo e impronunciar o réu sem esquecer que dessa nova decisão de impronúncia caberá recurso de apelação Daí o emprego do termo despronúncia 38213 Absolvição Sumária Própria e Imprópria Iniciemos pelo art 415 do CPP Art 415 O juiz fundamentadamente absolverá desde logo o acusado quando I provada a inexistência do fato II provado não ser ele autor ou partícipe do fato III o fato não constituir infração penal IV demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime Parágrafo único Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art 26 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal salvo quando esta for a única tese defensiva NR A absolvição sumária não é apenas uma decisão interlocutória mas sim uma verdadeira sentença com análise de mérito e que passou com o advento da Lei n 116892008 exatamente por ter essas características a ser impugnada pela via do recurso de apelação Também outra inovação relevante da referida lei foi a acertada extinção do recurso ex officio da sentença de absolvição sumária pois era uma teratologia processual completa um juiz decidir e recorrer da decisão que ele próprio proferiu sendo evidente sua ilegitimidade pois não parte interessada para recorrer e também a violação do sistema acusatório Também inovou a Lei n 11689 ao ampliar acertadamente os casos de absolvição sumária antes limitadas às causas de exclusão da ilicitude ou culpabilidade Os incisos I e II iniciam pela exigência de estar provadoa a inexistência do fato ou de que o réu não é autor ou partícipe do fato Tratase de situação que exige prova robusta que conduza ao pleno convencimento do juiz de que o fato não existiu em processo por homicídio consumado produzse prova cabal de que a vítima está viva por exemplo ou de que o réu não é autor ou partícipe Não se confunde portanto com não haver prova suficiente da autoria ou materialidade A exigência é de convencimento e não de dúvida do magistrado Já o inciso III permite a absolvição sumária quando o fato narrado não constitui infração penal Significa dizer que o fato é atípico Quando a questão envolver causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade o fundamento da absolvição sumária é o inciso IV Quanto ao inciso IV prevê a possibilidade de absolvição sumária quando estiver demonstrada a presença de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade recordando que as causas de exclusão da ilicitude estão previstas no art 23 Art 23 Não há crime quando o agente pratica o fato I em estado de necessidade II em legítima defesa III em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito Excesso punível Parágrafo único O agente em qualquer das hipóteses deste artigo responderá pelo excesso doloso ou culposo Quanto às causas de exclusão da culpabilidade inimputabilidade inexigibilidade de outra conduta estado de necessidade exculpante excesso de legítima defesa exculpante descriminantes putativas coação irresistível obediência hierárquica e o erro de proibição igualmente conduzem a absolvição sumária Precisamos sublinhar dois pontos No que tange à inimputabilidade o parágrafo único do art 415 faz uma importante distinção entre inimputável com tese defensiva e inimputável sem tese defensiva Quando o réu é inimputável nos termos do art 26 do Código Penal devidamente comprovado através do respectivo incidente art 149 e em que pese isso alega por exemplo que não é o autor ou partícipe ou que o fato não existiu ou que agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deverá o juiz analisar o caso seguindo as regras normais de julgamento ou seja como se o réu fosse imputável e portanto possível a pronúncia a impronúncia a desclassificação ou mesmo a absolvição sumária mas não fundada na inimputabilidade senão nas causas previstas no art 415 Aqui se o réu for absolvido sumariamente porque agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade não há que se falar em aplicação de medida de segurança Assim acertadamente assegurase ao inimputável o direito ao processo e ao julgamento pois pode ele ser absolvido sumariamente porque agiu ao abrigo da legítima defesa bem como ser impronunciado ou ainda ser submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri para que os jurados decidam sobre sua tese defensiva Finalmente se submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri e for acolhida a tese acusatória somente então deverá o juiz proferir uma sentença absolutória imprópria absolvendo e aplicando a medida de segurança art 386 parágrafo único inciso III Noutra dimensão quando o réu alega exclusivamente que praticou o ato em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado sendo portanto ao tempo da ação ou omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento deverá o juiz absolver sumariamente e aplicar medida de segurança ou seja uma absolvição sumária imprópria seguindo o disposto no art 386 parágrafo único inciso III Evidente que essa postura é censurável pois não apenas subtrai o caso penal do julgamento do júri como impõe uma medida de segurança o que é faticamente até mais grave do que a pena privativa de liberdade em evidente sentido de condenação No mesmo sentido NASSIF84 critica tal decisão na medida em que ela passa efetivamente por conclusão que se não fosse a doença mental seria de caráter condenatório Com isso temse a nítida impressão de que o juiz trai os limites que lhe são impostos na judicium accusationis e furta ao Conselho de Sentença a competência para o julgamento Conclui o autor no sentido de que o dispositivo é substancialmente inconstitucional pois afronta os princípios constitucionais da ampla defesa e do juiz natural pois retira do júri a competência para o julgamento Superada essa questão continuemos analisando a absolvição sumária Como na decisão de pronúncia mas aqui com mais ênfase o in dubio pro societate é amplamente invocado pelo senso comum teórico no que tange ao nível de exigência probatória É lugarcomum a afirmativa de que a absolvição sumária é uma sentença que somente pode ter lugar quando a prova da excludente for estreme de dúvidas85 cabal e plena Com isso o que se faz é reduzir o campo de incidência da absolvição sumária a casos excepcionalíssimos enviando a imensa maioria dos réus a julgamento pelo Tribunal do Júri Pensamos que novamente o in dubio pro societate deve ser afastado cabendo aos juízes situarem a questão noutro nível de exigência probatória mais próximo do in dubio pro reo e da presunção de inocência como defendemos anteriormente Novamente advertimos da insuficiência dos argumentos daqueles que defendendo o in dubio pro societate aduzem que uma postura diversa conduziria a que somente houvesse júri com réu pré condenado ou seja de que a aplicação do in dubio pro reo nessa fase faria com que os acusados que fossem pronunciados já estivessem previamente condenados pois afastada a dúvida Não é verdade A questão passa pelo sistema escalonado do processo penal que pode ser progressivo ou regressivo de culpabilidade sem qualquer problema O suspeito indiciado hoje não é necessariamente o acusado de amanhã nem o submetido a longa prisão preventiva será logicamente condenado Também há que se considerar o espaçotempo da decisão ou seja de um lado temos uma decisão proferida pelo juiz presidente a partir da prova colhida na primeira fase Se ele entender que deve pronunciar pois nem mesmo o in dubio pro reo autoriza a absolvição sumária impronúncia ou desclassificação em nada resta prejudicado ou influenciado o julgamento dos jurados pois decidem a partir de outro contexto No plenário quem julga não é mais o mesmo juiz presidente e uma nova situação processual é gerada a partir do debate e da prova eventualmente produzida naquele momento Então são outros julgadores decidindo a partir de outro cenário probatório ou ainda noutra situação jurídico processual Pensamos que devem os juízes assumir uma postura mais responsável e menos burocrática na condução dos processos submetidos a esse rito pois inegavelmente o júri representa um imenso risco para a administração da justiça Se não se pode desconsiderar a soberania constitucional do júri de um lado não se pode por outro fechar os olhos para essa realidade Mais grave ainda é não se dar conta de que o júri não é bem uma garantia do cidadão senão uma imposição pois o réu não pode escolher se quer ou não ser julgado por ele Em suma pensamos que os juízes devem exercer a partir da presunção constitucional de inocência e do decorrente in dubio pro reo um papel mais efetivo de filtro processual evitando submeter alguém a esse tipo de julgamento quando a prova autoriza outra medida como a absolvição sumária impronúncia ou desclassificação Por fim no que tange ao crime conexo que não é da competência originária do júri sendo o réu absolvido sumariamente deve ele ser redistribuído Não pode o juiz nesse momento também absolver sumariamente ou condenar pelo crime conexo Deve redistribuir para o juiz competente ou mesmo para o Juizado Especial Criminal se for o caso 38214 Desclassificação na Primeira Fase Própria e Imprópria e em Plenário Desclassificar é dar ao fato uma definição jurídica diversa tanto de um crime mais grave para outro menos grave mas também no sentido inverso pois desclassificar em termos processuais não significa necessariamente sair de um crime mais grave para outro menos grave A desclassificação poderá ocorrer na primeira fase ou em plenário conforme as respostas que os jurados derem aos quesitos Iniciaremos pela desclassificação feita pelo juiz presidente na primeira fase que vem regulada pelos seguintes dispositivos legais Art 418 O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação embora o acusado fique sujeito a pena mais grave Art 419 Quando o juiz se convencer em discordância com a acusação da existência de crime diverso dos referidos no 1º do art 74 deste Código e não for competente para o julgamento remeterá os autos ao juiz que o seja Parágrafo único Remetidos os autos do processo a outro juiz à disposição deste ficará o acusado preso Finalizando a primeira fase poderá o juiz concordar ou não com a classificação jurídica feita pelo Ministério Público aos fatos narrados na denúncia Quando não existe modificação da descrição do fato ou seja não existe fato novo a discussão limitase à incidência dos arts 418 e 383 do CPP É o exemplo tradicional de réu denunciado por infanticídio e que é pronunciado por homicídio ou viceversa Nesse caso operase uma desclassificação para outro crime que continua sendo de competência do júri de modo que o juiz desclassifica mas pronuncia Disso decorre a designação desclassificação imprópria Situação diversa é quando a desclassificação conduz a outra figura típica que não é de competência do júri É o caso do réu denunciado por tentativa de homicídio e pronunciado por lesão corporal um delito que não é da competência do júri Dizse nesse caso que há uma desclassificação própria Mas pode ocorrer que no curso da instrução surjam provas de elementares ou circunstâncias do crime não contidas na denúncia situação em que os arts 411 3º e 384 do CPP exigem que o Ministério Público promova o aditamento da denúncia para inclusão dessa circunstância fática pois não pode haver o pronunciamento judicial sem a consequente acusação sob pena de nulidade da decisão violação do princípio da correlação Quanto ao crime conexo havendo desclassificação ele sempre seguirá o crime prevalente Assim se houver desclassificação e pronúncia o conexo também vai a julgamento pelo Tribunal do Júri Já quando a desclassificação exclui da competência do júri pois o novo crime não se subsume àqueles previstos no art 74 3º o conexo seguirá o principal Não cabe de modo algum ao juiz presidente decidir sobre o crime conexo neste momento pois não é competente para tanto Em suma a desclassificação na primeira fase pode ser 1 Própria quando o juiz dá ao fato uma nova classificação jurídica excluindo da competência do júri Diz que o delito não é da competência do júri e com isso remete para o juiz singular Exemplo desclassifica de tentativa para lesões corporais ou de homicídio doloso para culposo O conexo segue o prevalente logo vai para o singular também pois não cabe ao juiz presidente do júri julgar o conexo naquele momento O recurso cabível para impugnar essa decisão é o recurso em sentido estrito art 581 II porque ele conclui pela incompetência do júri 2 Imprópria quando o juiz desclassifica mas o crime residual continua da competência do júri Ele desclassifica mas pronuncia Exemplo desclassifica de infanticídio para homicídio simples Como o novo crime continua na esfera de competência do Tribunal do Júri o juiz presidente desclassifica mas pronuncia O crime conexo segue o prevalente e também vai para o Tribunal do Júri Dessa decisão de pronúncia caberá o recurso em sentido estrito previsto no art 581 IV No que diz respeito à desclassificação própria o revogado art 410 do CPP previa que o juiz que recebesse o processo deveria reabrir ao acusado o prazo para defesa e indicação de testemunhas A nova redação do art 419 do CPP silencia Pensamos que o mais coerente é que seja reaberta a instrução possibilitandose às partes arrolarem testemunhas para que a prova seja colhida em relação a essa nova imputação até porque agora está consagrado o princípio da identidade física do juiz sendo necessário que esse novo julgador colha a prova Também aqui o in dubio pro societate é costumeiramente invocado para não fazer uma desclassificação que beneficiasse o réu Não concordamos e remetemos o leitor para os argumentos anteriormente externados sobre esse fato Quanto ao recurso cabível para impugnar a desclassificação feita na primeira fase devese utilizar o recurso em sentido estrito previsto no art 581 II pois estamos diante de decisão que conclui pela incompetência do Tribunal do Júri para o julgamento Já em plenário também pode haver desclassificação própria ou imprópria gerada pela resposta dada pelos jurados aos quesitos Conforme a tese sustentada em plenário pela defesa podem os jurados operar uma desclassificação alterando inclusive a competência para o julgamento Situação bastante comum é a tese de crime culposo ou negativa de dolo o que acaba dando no mesmo Há que se ter sempre presente que a competência do Tribunal do Júri é para o julgamento dos crimes dolosos tentados ou consumados contra a vida Se a resposta aos quesitos propostos negar que o agente tenha agido com dolo direto e eventual pois ambos devem ser quesitados haverá uma desclassificação própria que conduzirá ao afastamento da competência do Tribunal do Júri Outra situação de desclassificação em plenário é quando os jurados negam o quesito relativo à tentativa afastando assim sua competência para julgar o caso cabendo ao juiz presidente proferir sentença considerando ainda os institutos da Lei n 9099 se for cabível sua aplicação Já a desclassificação imprópria fica restrita aos casos em que é reconhecido o excesso culposo na excludente ou admitida a participação dolosamente distinta A principal distinção em relação à desclassificação própria é que aqui os jurados afirmam qual é o tipo penal residual e portanto firmam a competência e podem julgar o crime conexo Noutra linha na desclassificação própria os jurados não julgam o crime conexo que deverá seguir o prevalente competindo o julgamento ao juiz presidente e aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação própria do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença E com a desclassificação própria a pronúncia segue existindo como marco interruptivo da prescrição Durante muito tempo prevaleceu o entendimento de que com a desclassificação própria a pronúncia desapareceria como marco interruptivo da prescrição pois na verdade o crime nunca foi da competência do Tribunal do Júri e portanto não deveria ter sido pronunciado Mas com a publicação da Súmula n 191 do STJ o entendimento passou a ser em sentido inverso de que a pronúncia permanece como marco interruptivo da prescrição em que pese a desclassificação feita em plenário 3822 Segunda Fase Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário Relatório Crítica a que Qualquer Juiz Presida o Feito Alistamento dos Jurados Com a preclusão da decisão de pronúncia os autos serão encaminhados para o juiz presidente que determinará a intimação do Ministério Público ou do querelante se for caso de queixacrime subsidiária e da defesa para que no prazo de 5 dias apresentem o rol de testemunhas de plenário ou seja daquelas testemunhas que serão ouvidas no plenário do Tribunal do Júri Também poderão as partes juntar documentos e postular diligências que devem ser realizadas antes da sessão de julgamento A acusação e cada um dos réus poderão arrolar até 5 cinco testemunhas de plenário não importando se elas já foram ouvidas na primeira fase ou não Como o próprio nome diz são testemunhas de plenário portanto não se admite a indicação de testemunhas para serem ouvidas em outra comarca por carta precatória e menos ainda pode ser admitido o argumento de que esses depoimentos colhidos à distância seriam lidos em plenário convertendo essa ginástica jurídica em testemunhos de leitura em plenário Primeiro porque as testemunhas arroladas nesse momento são para serem ouvidas diante do conselho de sentença para que os jurados diretamente tomem contato com o depoimento em segundo lugar a mera leitura desse depoimento viola uma vez os princípios da imediação e da oralidade constitutivos da prova testemunhal Saneado o feito e realizadas as eventuais diligências postuladas deverá o juiz elaborar um relatório escrito do processo descrevendo todos os atos realizados até ali e determinar a inclusão do feito em pauta para julgamento pelo Tribunal do Júri Como adverte NASSIF86 esse relatório não poderá conter se de análise de prova e limitarseá a descrever sinteticamente as ocorrências no desenvolvimento do feito Portanto muita cautela deverá ter o juiz para não cometer excessos de linguagem ou fazer qualquer tipo de juízo de valor para não induzir os jurados O que fazer diante de um relatório elaborado em termos inadequados O grande problema é que não existe previsão de juntada prévia à sessão de julgamento impedindo portanto o controle pelas partes Mas por outro lado nada impede que assim proceda o juiz o que desde logo nos parece aconselhável A conformidade do dispositivo à Constituição aconselha a que em nome do contraditório o juiz dê conhecimento às partes com suficiente antecedência em relação à data do julgamento Se isso ocorrer e o relatório não for elaborado em termos adequados o Mandado de Segurança é o instrumento adequado para buscar o desentranhamento da peça e a elaboração de outra adequada aos fins a que se dirige que é o mero relato do iter procedimental Sendo o relatório apresentado somente no dia do julgamento caberá à defesa ou acusação prejudicada pela peça protestar imediatamente fazendo constar na ata dos trabalhos art 495 a alegação de nulidade que será utilizada como argumento para o posterior recurso preliminar de nulidade em que se buscará a nulidade de todo o julgamento Mudando o enfoque o art 424 recepciona infelizmente um equivocado entendimento já adotado em alguns Estados nas respectivas leis de organização judiciária de que um juiz que não é o presidente do Tribunal do Júri faça o preparo para julgamento e dependendo da estrutura local até mesmo decida pela pronúncia remetendo o processo após a preclusão dessa decisão para o juiz presidente do Tribunal do Júri Ora isso é um grave erro Elementar que não desconhecemos que os jurados são os competentes para proferir o julgamento sendo eles os juízes naturais mas esse argumento não pode legitimar a que qualquer juiz faça toda a instrução A garantia do juiz natural não se restringe à decisão tomada em plenário e aqui reside o grave reducionismo daqueles que chancelam tal prática Parecenos inegável que a garantia do juiz natural não nasce no plenário mas muito antes possuindo ainda uma dupla dimensão de um lado em relação ao juiz presidente e de outro em relação ao Tribunal do Júri Ou seja não se pode desconsiderar a relevância das decisões de pronúncia impronúncia desclassificação ou absolvição sumária pois elas efetivamente afetam gravemente o réu Ali se decide em muitos casos a sorte de ser absolvido sumariamente impronunciado ou obter uma desclassificação própria ou o azar de alguém ser pronunciado e submetido ao ritual do júri com todo o imenso risco que encerra Ademais há que se considerar que a nova sistemática do Código de Processo Penal consagrou o princípio da identidade física do juiz cuja redação do art 399 2º afirma que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença Ora existe o direito do réu de que o juiz que colha a prova decida sobre uma eventual absolvição sumária ou impronúncia que são decisões definitivas E mesmo se pronunciado que o seja pelo juiz competente que é o presidente do Tribunal do Júri e não qualquer juiz ou juizado87 Igualmente inaceitável é permitirse que um juizado colha toda a prova para que outro juiz o presidente simplesmente decida se pronuncia ou não o réu Pior ainda é admitir que o tal juizado ainda decida pela pronúncia Em suma entendemos que a competência constitucional do Tribunal do Júri a garantia do juiz natural e o princípio da identidade física do juiz não admitem tal prática Quanto ao alistamento dos jurados será feito nos termos dos arts 425 e 426 destacandose a proibição de que o cidadão que tenha integrado o conselho de sentença nos últimos 12 meses ou seja na lista anterior seja incluído na lista geral A função de tal proibição é ventilar o conselho de sentença e evitar a figura do jurado profissional que ano após ano participe dos julgamentos pois isso vai de encontro com o próprio fundamento legitimante do júri que pessoas do povo sem os vícios e cacoetes do ritual judiciário integrem o júri O cidadão que sistematicamente participa dos júris pode se transformar num mal jurado pois ele continua não tendo conhecimento de direito penal e processo penal mas pelas sucessivas participações é levado a ter a falsa impressão de que conhece o suficiente a ilusão de conhecimento Também visa diminuir a contaminação pelas constantes presenças nos julgamentos88 e a proximidade que isso possa trazer em relação ao promotor e advogados que lá costumam atuar Parte da crítica que ao final faremos à instituição do júri iniciase na seleção dos jurados pois aqui começa a ruir a tese de instituição democrática na medida em que como regra os jurados acabam por representar segmentos bem definidos da sociedade como servidores públicos aposentados donas de casa estudantes enfim aqueles cuja ocupação ou ausência de lhes permite perder um dia inteiro ou mais em um julgamento Nossa crítica não passou despercebida para MARQUES que mesmo defendendo a instituição com muita qualidade técnica registrese aponta que a desvalorização da Instituição do Júri começa pela forma como os juízes fazem a seleção dos jurados na medida em que há uma espécie de condescendência com as pessoas mais ocupadas aquelas que ocupam cargos mais importantes como os médicos os diretores das grandes empresas aqueles com situação social mais favorecida empresários celebridades etc culminando por vivificar a ideia absurda de que a tarefa de ser jurado deveria ficar reservada para pessoas que não tenham outra atividade mais importante ou dito de outro modo para aqueles que não têm outra coisa melhor para fazer na vida Sem dúvida esse problema deve merecer atenção para que o Tribunal do Júri efetivamente corresponda àquilo que dele se espera 38221 Do Desaforamento e Reaforamento Dilação Indevida e DeMora Jurisdicional Pedido de Imediata Realização do Julgamento Estabelece o art 427 o desaforamento nos seguintes termos Art 427 Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado o Tribunal a requerimento do Ministério Público do assistente do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região onde não existam aqueles motivos preferindose as mais próximas 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente 2º Sendo relevantes os motivos alegados o relator poderá determinar fundamentadamente a suspensão do julgamento pelo júri 3º Será ouvido o juiz presidente quando a medida não tiver sido por ele solicitada 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento não se admitirá o pedido de desaforamento salvo nesta última hipótese quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado Ainda que bastante difícil de ser obtido o desaforamento é uma medida extrema até porque representa uma violação da competência em razão do lugar no qual o processo é desaforado ou seja retirado do seu foro daquela comarca originariamente competente para julgálo e encaminhado para julgamento em outro foro comarca ou circunscrição judiciária caso a competência seja da justiça federal São quatro as hipóteses de desaforamento a Interesse da ordem pública confundese com o já conhecido interesse público ou seja uma fórmula genérica e indeterminada que encontra seu referencial semântico naquilo que o juiz ou tribunal quiser Inclusive abrange a falta de segurança para o acusado a demora indevida do art 428 e até mesmo a imparcialidade ou não existe um interesse de ordem pública sobre isso Ou seja é uma cláusula guardachuva Também aqui podem ser trazidas questões de clamor ou comoção social e até a inexistência de um local adequado para a realização do júri seja por inexistência comarcas pequenas ou mesmo por impossibilidade temporária obras construção de novo foro etc Também não vemos impedimento de que com base nesse fundamento seja desaforado o julgamento quando houver fundado receio em relação à segurança dos jurados e não apenas do réu como menciona o dispositivo seja por questões de arquitetura da sala de julgamento ou mesmo por falta de policiamento suficiente para garantia da tranquilidade do julgamento b Dúvida sobre a imparcialidade do júri é uma causa importante mas dificílima de ser comprovada e portanto admitida Se a suspeição por quebra da imparcialidade de um juiz de direito ou federal julgador perfeitamente individualizado portanto é rarissimamente reconhecida pelos tribunais pelos mais diversos motivos mas principalmente pelo sentimento corporativo e o protecionismo imaginese uma alegação genérica de quebra da imparcialidade de um grupo difuso de jurados Não significa que o problema não exista todo o oposto senão que é de difícil comprovação Em geral tal situação decorre do mimetismo midiático ou seja o estado de alucinação coletiva e contaminação psíquica portanto em decorrência do excesso de visibilidade e exploração dos meios de comunicação O bizarro espetáculo midiático e a publicidade abusiva em torno de casos graves ou que envolva pessoas influentes ou personalidades públicas fazem com que exista fundado receio de que o eventual conselho de sentença formado não tenha condições de julgar o caso penal com suficiente tranquilidade independência e estranhamento ou alheamento desde uma perspectiva de terzietà Diante disso proporcional à cautela que devem os tribunais ter ao julgar tal pedido para evitar uma molesta banalização da medida está a necessidade de ter sensibilidade e coragem para decidir pelo desaforamento quando houver uma dúvida razoável acerca da alegada imparcialidade Também se deve considerar nessa rubrica o sentimento e prejulgamento gerado não pelo crime em si mas pela pessoa sujeita ao julgamento ou seja como adverte ESPÍNOLA FILHO89 há que se distinguir o sentimento de repulsa que em geral acompanha o crime da animosidade existente contra a pessoa do réu autorizadora do desaforamento c A segurança do réu exigir o risco de linchamento ou mesmo de que atentem contra a vida do imputado é um fator a ser considerado seja pela falta de condições adequadas para a realização do júri com segurança seja pela falta de policiamento suficiente na comarca d Comprovado excesso de serviço essa causa de desaforamento está prevista no art 428 e vincula se à eficácia do direito de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Federal Determina o art 428 que Art 428 O desaforamento também poderá ser determinado em razão do comprovado excesso de serviço ouvidos o juiz presidente e a parte contrária se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 seis meses contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia 1º Para a contagem do prazo referido neste artigo não se computará o tempo de adiamentos diligências ou incidentes de interesse da defesa 2º Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri nas reuniões periódicas previstas para o exercício o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento A nova sistemática do Tribunal do Júri alinhada ao espírito de celeridade processual que marcou as reformas procedimentais reduziu o prazo para o desaforamento por demora judicial que era de 1 ano no revogado art 424 parágrafo único contado do recebimento do extinto libelo para 6 meses O comprovado excesso de serviço não mais justifica a demora jurisdicional pois não se pode confundir comprovado excesso de serviço com justificada demora O excesso comprovado não significa legítima dilação estabelecendo o dispositivo uma solução processual para o interessado retirar o processo daquele foro Não se pode mais aceitar como causa de justificação a sobrecarga de trabalho do órgão jurisdicional pois segundo já decidiu o Tribunal Europeu de Direitos Humanos no caso Bucholz é inconcebível TRANSFORMAR EM DEVIDO O INDEVIDO FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA Por fim ainda que não adote aqui a teoria dos 3 critérios é claro que o réu não pode dar causa à demora e depois reclamar pela demora ou seja não pode se beneficiar da sua própria torpeza Estabeleceu ainda o dispositivo o pedido de imediata realização do julgamento que não configura desaforamento É uma situação diversa e que merecia um tratamento em outro dispositivo pois não diz respeito ao deslocamento do julgamento para outra comarca senão simplesmente que o acusado seja imediatamente julgado diante da demora injustificada pois não há excesso de serviço ou uma quantidade de processos aguardando julgamento que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri nas reuniões previstas para o exercício Detalhe interessante apontado por BORGES DE MENDONÇA90 é que se o pedido de desaforamento for por excesso de serviço e dilação indevida superior a 6 meses conforme previsto no caput do dispositivo o Tribunal em não aceitando o argumento de excesso de serviço poderá determinar a imediata realização do julgamento 2º ainda que isso não tenha sido solicitado expressamente Ora se o Tribunal pode em nome da demora tomar a medida mais grave que é o desaforamento nada impede que profira uma decisão determinando o imediato julgamento naquela comarca Passando para a análise do processamento do pedido de desaforamento poderá a medida ser solicitada pelo Ministério Público querelante no caso de ação penal privada subsidiária assistente da acusação réu ou mesmo pelo juiz presidente de ofício diretamente ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal conforme o caso pois não compete tal decisão ao juiz de primeiro grau Não há previsão de dilação probatória para demonstrar as causas arguidas no pedido de desaforamento de modo que a prova deverá ser préconstituída Quando o pedido não for realizado pela defesa deverá ela obrigatoriamente ser ouvida sob pena de nulidade da própria decisão que determinar o desaforamento Nesse sentido acertadamente está posta a Súmula n 712 do STF SÚMULA N 712 do STF É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do Júri sem audiência da defesa Será ouvido o juiz da causa exceto é óbvio quando dele partir o pedido podendo o relator liminarmente suspender o julgamento pelo júri Essa medida liminar antecipatória da questão de fundo deve ser utilizada sem a timidez infelizmente reinante nos tribunais brasileiros De nada serve o desaforamento concedido após o julgamento Voltando ao 4º é acertada a vedação à admissibilidade do pedido de desaforamento enquanto não estiver preclusa pendência de recurso a decisão de pronúncia Somente quando admitida a acusação e pronunciado o réu sem recurso pendente é que se poderá formular o pedido de desaforamento Noutra dimensão infeliz é o restante da redação do 4º quando menciona quando efetivado o julgamento não se admitirá o pedido de desaforamento salvo nesta última hipótese quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado Razão assiste ao artigo em algumas situações segurança interesse público e demora mas esbarra no caso de dúvida sobre a imparcialidade do júri Nessa situação não existe a espécie de convalidação pregada Reconhecendo o tribunal que havia dúvida sobre a imparcialidade dos jurados há motivo mais do que suficiente para que o júri seja anulado A situação aqui é análoga àquela prevista no art 101 do CPP devendo ser adotada a mesma postura nulidade dos atos no caso do julgamento Voltando ao processamento uma vez acolhido o pedido de desaforamento prevê o dispositivo que preferencialmente o julgamento será transferido para uma comarca da mesma região preferindose entre elas as mais próximas o que especialmente nos casos de dúvida sobre a imparcialidade dos jurados pode não ser suficiente para a resolução do problema pois não impõe o afastamento estranhamento necessário Daí por que se a decisão for pelo desaforamento deve o tribunal adotar uma medida efetiva e não um mero paliativo despido de suficiente poder de distanciamento do foco do problema originador do pedido Inclusive em casos extremos se a competência for da Justiça Federal não vislumbramos nenhum óbice a que o júri seja desaforado para outro Estado desde que dentro da região de abrangência do respectivo Tribunal Regional Federal Sendo a competência da justiça estadual os limites do Tribunal de Justiça do Estado se impõem diante da necessidade de que os atos decisórios tomados pelo juiz presidente e pelo próprio conselho de sentença sejam submetidos ao controle do respectivo órgão de segundo grau competente Em sentido inverso não há como o Tribunal de Justiça da Bahia atendendo ao pedido do juiz de uma das varas do júri de Salvador determinar o desaforamento para Porto Alegre pois nenhuma ascensão e competência possui naquele Estado e sobre os juízes de lá Não se desconhece que o poder da mídia e sua abrangência territorial fazem com que em certos casos o ideal seja um desaforamento para o exterior mas isso tampouco é possível Dessarte há que se ter presente os limites legais do desaforamento e ponderálos à luz das necessidades do caso concreto sem medo contudo de encaminhar o caso penal para comarca longínqua o máximo possível atendendo as limitações territoriais Por fim o chamado reaforamento tem uma importância apenas teórica para servir de questãofora darealidade cada vez mais comum nos concursos públicos pois não se tem notícia da sua ocorrência com alguma frequência ainda que mínima o que não significa que nunca tenha ocorrido talvez algum caso possa ser encontrado numa arqueologia judiciária Uma vez desaforado o julgamento em tese seria possível um reaforamento ou seja um retorno ao foro de origem em decorrência do desaparecimento das circunstâncias que autorizaram o desaforamento desde que isso ocorra é óbvio antes da realização do júri Ainda que nunca tenha ocorrido nem mesmo em tese é tranquila sua aceitação Nessa linha ESPÍNOLA FILHO91 afirma que definitivos são os efeitos do desaforamento e assim se proscreve o reaforamento mesmo quando antes do julgamento tenham desaparecidas as causas que o determinaram 38222 Obrigatoriedade da Função de Jurado Isenção Alegação de Impedimento Recusa de Participar e Ausência na Sessão Serviço Alternativo Problemática O serviço do júri é obrigatório determina o art 436 sendo que nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia raça credo sexo profissão classe social ou econômica origem ou grau de instrução92 Essa obrigatoriedade somente é mitigada pelas causas de isenção estabelecidas no art 437 Art 437 Estão isentos do serviço do júri I o Presidente da República e os Ministros de Estado II os Governadores e seus respectivos Secretários III os membros do Congresso Nacional das Assembleias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais IV os Prefeitos Municipais V os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública VI os servidores do Poder Judiciário do Ministério Público e da Defensoria Pública VII as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública VIII os militares em serviço ativo IX os cidadãos maiores de 70 setenta anos que requeiram sua dispensa X aqueles que o requererem demonstrando justo impedimento Os nove primeiros incisos dizem respeito a funções públicas e atividades que por sua própria natureza são incompatíveis com o papel de jurado O inciso X é uma válvula de escape para atenuar o rigor da obrigatoriedade cabendo ao juiz o poder de decidir conforme o caso e o impedimento apresentado A Lei n 11689 definiu os serviços alternativos àqueles cidadãos que convocados para servir no júri recusarem alegando objeção de consciência A disciplina legal regulamenta o disposto no art 5º VIII da Constituição que determina que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei Tal dispositivo deve ser lido de forma combinada com o art 15 também da Constituição que estabelece a perda ou suspensão dos direitos políticos daquele que se recusar a cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa Com isso a recusa em cumprir a obrigação como jurado quando fundada em crença religiosa filosófica ou política não poderá dar lugar à perda ou suspensão de direitos políticos mas sim ao estabelecimento de serviço alternativo Contudo o não cumprimento desse serviço alternativo autorizará a aplicação da sanção do art 15 da Constituição O art 438 atribui ao juiz fixar o serviço alternativo quando o convocado alegar um impedimento por convicção religiosa filosófica ou política A disciplina legal é vaga deixando nas mãos do juiz definir a forma e a duração em que será prestado o serviço alternativo atendendo ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade Limitase o 1º do art 438 do CPP a dizer que o serviço alternativo será o exercício de caráter administrativo assistencial filantrópico ou mesmo produtivo no Poder Judiciário na Defensoria Pública no Ministério Público ou em entidade conveniada para esse fim A previsão é interessante mas faltou definir por quanto tempo será prestado esse serviço alternativo Será por um dia uma semana um mês enfim quanto tempo durará o serviço alternativo Pensamos que o serviço alternativo não poderá ser transformado numa punição implacável àquele que não aceita participar do Tribunal do Júri mas a ausência de previsão de limites como no direito penal ou seja pena mínima e máxima abre um espaço impróprio para o abuso judicial Além da lacuna legal no que tange à duração a nova sistemática estabeleceu uma contradição o convocado que injustificadamente se recusar a participar do júri será multado o valor será de 1 a 10 salários mínimos conforme as condições econômicas do jurado e após pagar a multa será liberado já aquele que alegar uma objeção de consciência e fundamentar sua recusa deverá prestar um serviço alternativo Assim para o convocado com melhores condições econômicas a simples recusa é mais benéfica do que ficar prestando serviços alternativos Essa mesma punição multa de 1 a 10 salários mínimos será aplicada ao jurado que sem causa legítima deixar de comparecer à sessão ou retirarse antes de ser dispensado pelo juiz presidente Por derradeiro e mais grave não vislumbramos possibilidade de aplicação sem violação da Constituição das punições previstas especialmente da suspensão de direitos políticos enquanto não prestados os serviços impostos Como admitir uma punição sem prévio processo Esse é um obstáculo intransponível na sistemática legal que prevê o dever de prestar um serviço de forma genérica e com prazo indeterminado e a pena de suspensão de direitos políticos sem a previsão de um prévio processo judicial Ora como admitir tão grave pena suspensão de direitos políticos sem prévio contraditório e defesa E como fazer isso sem um devido processo Daí por que pensamos ser inconstitucional a punição na medida em que viola as garantias inerentes ao devido processo 38223 A Sessão do Tribunal do Júri Constituição do Conselho de Sentença Direito de Não Comparecer Recusas e Cisão Instrução em Plenário Leitura de Peças e Proibições Uso de Algemas Debates A organização da sessão do Tribunal do Júri é detalhadamente prevista no CPP cabendo apenas mencionar alguns aspectos mais relevantes Na estrutura brasileira o Tribunal do Júri é composto por um juiz togado ou seja um juiz de direito ou juiz federal que presidirá os trabalhos e mais 25 vinte e cinco jurados que participarão das sessões Desses 25 jurados serão sorteados em cada julgamento 7 pessoas para constituir o conselho de sentença estando os demais dispensados pelo juiz presidente após a escolha As situações de impedimento estão enumeradas no art 448 somandose a elas as causas de impedimento suspeição e as incompatibilidades previstas para os juízes togados Ao lado delas estão os casos em que os jurados estão proibidos de constituir o conselho de sentença nos termos do art 449 I tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo independentemente da causa determinante do julgamento posterior II no caso do concurso de pessoas houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado III tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado Diante de uma situação dessas caberá ao jurado declinála quando sorteado ou ainda poderá ser recusado por qualquer das partes de forma motivada não se computando portanto no limite das recusas imotivadas Finalmente está consagrado o direito de não comparecer ou seja o réu em liberdade que foi devidamente intimado para a sessão do júri pode sem qualquer prejuízo jurídico não comparecer no seu julgamento art 457 No mesmo sentido dispõe o art 457 2º do CPP em relação ao réu preso que poderá pedir a dispensa de comparecimento tendo o legislador tomado a cautela de exigir que tal pedido seja subscrito pelo réu e seu defensor A conjunção aditiva e não deixa dúvidas de que devem concorrer as duas assinaturas para evitar futuras alegações de nulidade e também eventuais prejuízos para a defesa pessoal eou técnica conforme o caso De outra banda quando o réu preso não for conduzido não usou portanto o direito de não ir o julgamento deverá ser adiado para evitar graves prejuízos para sua defesa O direito de não comparecer é uma decorrência lógica do direito de silêncio e do nemo tenetur se detegere mas que infelizmente não vinha merecendo o devido respeito e tratamento Indo além dessa conquista estamos sustentando93 que o direito de não ir deve ser reconhecido por analogia em todo e qualquer ato processual ou préprocessual não apenas no júri mas especialmente na fase policial em CPIs e também no próprio interrogatório judicial Por que submeter alguém ao ritual degradante e humilhante de ser interrogado por uma CPI ou mesmo de comparecer na delegacia de polícia ou fórum quando irá utilizar o direito de silêncio É a nosso ver insustentável a dicotomia estabelecida pelo senso comum teórico quando afirmam que o réu ou imputado tem o direito de silêncio mas não o direito de não ir Isso é uma contradição total e uma punição ilegítima Na sessão de julgamento deverá o juiz presidente verificar se a urna contém as cédulas dos 25 jurados sorteados e determinará que o escrivão proceda à chamada deles Não é necessário que todos compareçam pois com pelo menos 15 jurados os trabalhos serão instalados e realizado o julgamento Do contrário serão sorteados tantos suplentes quantos necessários e designada nova data para a sessão Desses 25 jurados ou no mínimo 15 serão extraídos os 7 que irão compor o conselho de sentença Uma vez sorteados vige o princípio da incomunicabilidade entre os jurados e com outras pessoas impedindose a manifestação de opinião sobre o processo sob pena de exclusão do Conselho de sentença e multa A cada jurado sorteado deverá o juiz ler seu nome podendo a defesa e depois dela o Ministério Público recusar o jurado sorteado Duas são as espécies de recusa recusa motivada por suspeição impedimento incompatibilidade e proibição sem qualquer limite numérico cabendo ao juiz decidir no ato sobre a procedência ou não da alegação recusa imotivada limitada a 3 para cada parte É uma recusa peremptória sem necessidade de fundamentar o porquê de determinado jurado não ser admitido No modelo brasileiro não existe uma entrevista com os jurados em que os advogados e promotores poderiam ter um contato maior com eles buscando traçar o perfil social econômico e mesmo psicológico ainda que superficial é claro Então no mais das vezes a recusa é puramente instintiva Havendo dois ou mais réus as recusas poderão ser feitas por um único defensor O problema é quando cada réu através de seu respectivo defensor exerce o direito de recusa em descompasso com o corréu Estabelece o art 469 1º que a separação dos julgamentos somente ocorrerá se em razão das recusas não sincronizadas não for obtido o número mínimo de 7 sete jurados para compor o conselho de sentença Significa que se após o exercício de todas as recusas houver um consenso em torno de sete jurados haverá júri com os dois réus Do contrário operase a cisão É importante esclarecer até para romper com a estrutura do pensamento forjado no modelo anterior que havendo corréus a recusa de qualquer deles exclui aquele jurado Ou seja jurado recusado por qualquer dos réus está fora do conselho de sentença Isso com certeza irá gerar uma série de problemas o chamado estouro de urna na medida em que se tivermos apenas 15 jurados presentes e dois réus para serem julgados o exercício do direito de recusa imotivada de cada um 3 para cada réu logo 6 na soma deixará um universo de apenas 9 jurados Se o Ministério Público também recusar 3 outros jurados sobrarão apenas 6 pessoas número insuficiente para formação do conselho de sentença Se em razão das recusas motivadas eou imotivadas não houver o número mínimo para formação do conselho de sentença 7 jurados o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido após sorteados os suplentes necessários Nesse caso entendemos haverá cisão e na próxima reunião será julgado apenas um dos réus preferencialmente aquele a quem foi atribuída a autoria do fato ou em caso de coautoria terá preferência de ser julgado o acusado que estiver preso em caso de prisão de ambos aquele que estiver há mais tempo preso e permanecendo o empate aquele que tiver sido pronunciado primeiro valendo aqui para desempate aquele em que primeiro se operou a preclusão da decisão de pronúncia Mas se houver o número mínimo de jurados o Conselho de Sentença será formado procedendo então ao juramento através da fórmula estabelecida no art 472 Tratase de nada mais do que uma fórmula ritual simbólica em que os jurados prometem julgar com imparcialidade e decidir de acordo com sua consciência e os ditames da justiça É de certo modo um instrumento de captura psíquica em que se busca fortalecer o compromisso dos jurados em julgar com a seriedade e comprometimento que a função exige Após receberão os jurados cópias da pronúncia e eventuais acórdãos posteriores que a confirmaram94 e o relatório elaborado pelo juiz onde constará a descrição dos principais atos do processo Sobre o relatório para evitar repetições remetemos o leitor para o tópico anterior quando tratamos Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário e da problemática que o envolve Iniciase então a instrução em plenário disciplinada nos arts 473 a 475 através da qual as partes tomarão as declarações da vítima se possível e tiver sido arrolada bem como das testemunhas de plenário arroladas pela acusação e defesa Em relação à oitiva da vítima e demais testemunhas arroladas pela acusação a inquirição deve ser feita inicialmente pelo Ministério Público e eventual assistente e após pela defesa Já na oitiva das testemunhas arroladas pela defesa cabe a ela formular as perguntas antes da acusação O papel do juiz presidente é completamente secundário não tendo ele o protagonismo inquisitório do sistema anterior no qual o juiz fazia a inquirsição e após deixava o que sobrasse para as partes Nessa linha devese ter presente ainda o disposto no art 212 do CPP norma geral a orientar a produção da prova testemunhal que estabelece o seguinte Art 212 As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida Parágrafo único Sobre os pontos não esclarecidos o juiz poderá complementar a inquirição Então o papel do juiz mais do que nunca é subsidiário Sua principal missão é evitar a indução e eventuais constrangimentos que promotor e advogado de defesa venham a praticar em relação à testemunha Já os jurados verdadeiros juízes do caso penal poderão formular perguntas através do juiz presidente que exercerá o papel de mediador para evitar que o jurado acabe deixando transparecer algum juízo de valor externando sua posição sobre a responsabilidade penal do réu Se isso acontecer nada mais restará ao juiz do que dissolver o conselho de sentença e marcar novo júri estando esse jurado impedido de atuar por evidente Em plenário poderá ser realizada uma instrução plena com oitiva de testemunhas acareações reconhecimento de pessoas e coisas e o esclarecimento dos peritos Assim deveria funcionar o júri prova produzida na frente dos jurados Infelizmente a instrução em plenário é uma exceção A regra é a patologia prova produzida na primeira fase diante do juiz presidente e mera leitura de peças em plenário Quanto à leitura de peças andou bem a reforma pois somente permitiu a leitura das peças referentes às provas colhidas por carta precatória e às cautelares antecipadas ou não repetíveis Com isso atenua se o imenso enfado que era ouvir horas e horas de leitura de depoimentos em geral com resultados pífios não em virtude da inutilidade probatória dos atos senão em decorrência do erro metodológico Ora se a prova serve para a captura psíquica do julgador nada mais inútil do que ficar horas e horas lendo peças O que se conseguia com isso era um desligamento psíquico total Agora com a restrição das peças passíveis de leitura incumbe às partes no tempo que possuem para o debate ler e referir o que acharem necessário Mas isso impõe uma boa estratégia e administração do tempo Sem embargo existem algumas peças que não podem ser objeto de leitura e tampouco de utilização nos debates orais como a decisão de pronúncia e posteriores confirmatórias e a determinação judicial do uso de algemas art 478 Também não podem ser lidos os documentos que não tiverem sido juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis art 479 Voltando à instrução após a coleta da prova será o acusado interrogado se estiver presente pois como vimos élhe assegurado o direito de não ir Mas se estiver presente será interrogado nos termos dos arts 185 e ss do CPP com a peculiaridade de que os jurados poderão formular perguntas por intermédio do juiz presidente O uso de algemas em plenário foi finalmente disciplinado no júri pois ali mais do que em qualquer outro julgamento o fato de o réu estar algemado gerava um imenso prejuízo para a defesa Para um jurado a imagem do réu entrando e permanecendo algemado durante o julgamento literalmente valia mais do que mil palavras que pudesse a defesa proferir para tentar desfazer essa estética de culpado Entrar algemado no mais das vezes é o mesmo que entrar condenado Por isso o art 474 3º determina que 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes Assim o uso de algemas passa a ser excepcionalíssimo e a decisão que determina a permanência do acusado algemado deve ser fundamentada como determina a Súmula Vinculante n 11 do STF Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excepcionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado Sublinhese que a Súmula Vinculante teve como caso penal originário o HC 91952 no qual se anulou o julgamento pelo Tribunal do Júri de réu que permaneceu todo o tempo algemado sem justificativa que legitimasse tal fato Concluída a instrução o último ato será sempre o interrogatório do réu iniciamse os debates cabendo inicialmente à acusação e após à defesa o tempo de 1 hora e 30 minutos para exporem suas teses Após concedese o prazo de 1h de réplica acusação e outro tanto para tréplica pela defesa Importante destacar que predomina amplamente o entendimento de que a defesa somente poderá fazer uso da tréplica se houver réplica por parte do acusador Do contrário o júri se encerra com os debates iniciais de 1 hora e 30 minutos para cada parte Sérios problemas terá o advogado de defesa se não for capaz de expor claramente suas teses na primeira fase dos debates deixando o restante para a tréplica Isso porque se o acusador perceber essa falha e não optar por fazer a réplica os debates serão encerrados e não haverá mais oportunidade para a defesa falar Contudo em que pese ser majoritário o entendimento questionamos Por que não pode haver tréplica sem réplica Qual a base legal desta tradição do júri brasileiro de que somente haverá tréplica se o Ministério Público decidir ir para réplica Deixar ao poder discricionário do acusador não é uma quebra da igualdade Uma fragilização do contraditório Não viola a garantia constitucional da plenitude de defesa A despeito de majoritário entendimento em sentido diverso pensamos que há uma violação inequívoca do devido processo Como explica MARQUES95 uma das poucas vozes a se levantar contra essa tradição é uma prática bastante frequente essa de o acusador dispensar a réplica por entender que a defesa não teve êxito na exposição da tese ou seja há uma situação indevida de superioridade do acusador incompatível com o atual estágio do processo penal especialmente em um sistema regido pelo direito ao júri com plenitude de defesa Prossegue o autor explicando que não há justificativa para o acusador deter o poder de dizer o procedimento em prejuízo da defesa pois no embate das teses a acusação poderá usar da faculdade da réplica quando entender que isto é importante para a melhor apreensão da tese acusatória A defesa por outro lado não dispõe da mesma prerrogativa Com esta situação o acusador sabe desde o início do debate como dirigir sua sustentação pois pode contar ou não com a ampliação do tempo A defesa ao contrário sempre deve estar preparada para atuar com menos tempo de exposição aos jurados pois só pode contar com o período destinado à primeira manifestação sendo temerário fazer o trabalho de Plenário já contando com o prosseguimento dos debates O direito à tréplica depende da vontade de quem acusa Por quê É injustificada a concessão desta prerrogativa para o acusador diante do princípio da paridade de armas que deve reger o processo penal e diante da possibilidade de manipulação antiética do tempo de debate Caso a acusação esteja satisfeita não há necessidade de fazer uso do tempo complementar de debate A defesa por outro lado poderá sentir a necessidade de continuar a exposição da tese não devendo ser impedida de utilizar o tempo para o esclarecimento de pontos ainda obscuros ou não explicados na primeira parte Feita essa ressalva continuemos Existindo mais de um acusador presença de assistente da acusação por exemplo ou mais de um defensor deverão combinar entre si a distribuição do tempo cabendo ao juiz na falta de acordo decidir pela divisão proporcional Esclarecemos96 que havendo concurso de agentes se forem julgados todos ou mais de um deles na mesma oportunidade cada parte terá direito a mais uma hora totalizando assim duas horas e trinta minutos a réplica e a tréplica sofrerão acréscimo do dobro do tempo previsto perfazendo um total de duas horas para cada parte Voltamos a mencionar a proibição sob pena de nulidade do julgamento de que as partes nos debates façam referência I à decisão de pronúncia às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado II ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo Por fim regulamentando os debates o art 480 determina que as partes e os jurados poderão a qualquer momento por meio do juiz presidente pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça lida ou citada Isso pode ser feito através de aparte e visa garantir o controle da transparência e fidelidade da fundamentação exposta Os apartes integram a própria essência dos debates no tribunal do júri mas quando empregados de forma abusiva ou mesmo deselegante prejudicam o julgamento na medida em que cerceiam a defesa ou a acusação conforme o caso devendo ser utilizados com prudência pois se mal empregados podem acabar prejudicando quem o fez e educação A nova sistemática legal traçou alguns limites até então inexistentes a acusação a defesa e os jurados poderão a qualquer momento e por intermédio do juiz presidente pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça lida ou citada art 480 caberá ao juiz presidente conceder até 3 minutos para cada aparte requerido que serão acrescidos ao tempo de quem estava com a palavra art 497 XII do CPP No primeiro caso o simples pedido de indicação da folha dos autos onde se encontra a peça referida não é propriamente um aparte e portanto não gera acréscimo de tempo ao final Já os apartes propriamente ditos podem ser de duas espécies97 consentidos pela parte neste caso a intervenção é direta sem a intermediação do juiz tendo o orador consentido na manifestação Neste caso existe um consentimento do orador em relação à intervenção e não há que se falar em acréscimo de tempo ao final autorizados pelo juiz ocorre quando não há a concordância do orador em conceder a interrupção cabendo ao juiz decidir sobre a pertinência ou não do aparte Se considerar fundado o aparte concederá a palavra à outra parte controlando o tempo da exposição pois ele não poderá exceder a 3 minutos Neste caso deverá acrescentar 3 minutos ao tempo do orador ao final por cada aparte autorizado Também poderão os jurados sempre por intermédio do juiz presidente solicitar que as partes esclareçam questões fáticas por eles alegadas sempre tomando a cautela de não externar qualquer juízo de valor que demonstre prejulgamento ou a tendência de decidir desta ou daquela forma pois vigora a incomunicabilidade dos jurados e o sigilo das votações A qualquer momento os jurados podem ter acesso aos autos e aos instrumentos do crime devendo solicitar ao juiz presidente Concluídos os debates indagará o presidente se os jurados estão aptos a julgar ou se necessitam de algum esclarecimento As dúvidas sobre questões fáticas pois eles não decidem sobre questões jurídicas ainda que no mais das vezes essa distinção seja bastante tênue serão sanadas pelo juiz presidente que deverá ter muita cautela nas explicações para esclarecer sem induzir 38224 Juntada de Documentos para Utilização em Plenário Antecedência Mínima O Problema das Manobras e Surpresas Ainda durante o julgamento não será permitida a leitura de documento jornais outros escritos vídeos gravações fotografias laudos quadros croquis ou qualquer outro meio assemelhado que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 dias úteis dandose ciência à outra parte Tal medida é fundamental para evitar a surpresa e consequente violação do contraditório e direito de defesa quando produzido pela acusação sem a ciência prévia do réu Não existe no júri brasileiro a possibilidade hollywoodiana de no último momento do julgamento surgir uma testemunhachave ou um documento da maior relevância que dê um giro total no caso Não há espaço para surpresas e golpes cênicos do estilo E como deve proceder o juiz quando for postulada a utilização em plenário de documento que não tenha sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 dias Poderá ele consultar a parte adversa sobre a concordância ou não em que seja utilizado o documento Imaginemos a seguinte situação bastante comum digase de passagem no momento dos debates a acusação ou defesa tanto faz saca um documento novo pode ser uma carta uma certidão fita de áudio ou vídeo ou mesmo um laudo médico e argumenta que não pôde juntar no prazo legal porque somente agora ele lhe chegou às mãos A outra parte assiste surpresa a tal cena como também curiosos se põem os jurados E o juiz em momento de rara infelicidade virase para a parte adversa surpreendida e perguntalhe Doutor alguma oposição a que seja utilizado tal documento Pronto o problemaão está criado Se ele aceitar a utilização do documento novo estará em situação de desvantagem até porque impossibilitado de fazer uma análise mais detida e acurada e principalmente de fazer uma contraprova A surpresa gera uma insuperável situação de desvantagem processual que poderá comprometer todo o julgamento Mas e se ele não aceitar Estará resolvido o problema Claro que não até agravase o quadro A parte impossibilitada de produzir o documento lançará mão de uma arma muito mais poderosa melhor até do que o próprio documento novo a curiosidade e o desejo dos jurados Bastará saber aguçar o desejo para obter um resultado muito melhor até porque fomentando a curiosidade e o desejo dos jurados poderá fazerlhes deslizar pelo imaginário e aí a situação será muito melhor para ele e a desvantagem para a outra parte insuperável Não é preciso mostrar o documento basta um pouco de habilidade cênica e um mínimo de capacidade para induzir os jurados à abstração e ao campo do imaginário para obter um excelente resultado Como resolver essa situação Com um juiz bem preparado e firme que imediatamente proíba a utilização do documento novo com base no art 479 sem deixar à parte adversa qualquer decisão pois isso geraria um imenso prejuízo aos olhos dos jurados Além disso deve proibir terminantemente qualquer menção ou exploração do documento cuja juntada não se deu no prazo devido Também poderá o juiz diante da relevância do documento para o processo adotar um outro caminho igualmente correto dissolver o conselho de sentença determinar a juntada do documento e vista para a outra parte Após marcará novo julgamento em que obviamente não poderão funcionar os jurados que tiverem integrado esse conselho de sentença Aplicase nesse caso o disposto no art 481 do CPP Art 481 Se a verificação de qualquer fato reconhecida como essencial para o julgamento da causa não puder ser realizada imediatamente o juiz presidente dissolverá o Conselho ordenando a realização das diligências entendidas necessárias Parágrafo único Se a diligência consistir na produção de prova pericial o juiz presidente desde logo nomeará perito e formulará quesitos facultando às partes também formulálos e indicar assistentes técnicos no prazo de 5 cinco dias São as únicas opções que o juiz tem Do contrário em não procedendo assim talvez não exista outra opção à parte surpreendida do que simplesmente abandonar o plenário forçando um novo julgamento Sim pois se ficar e concordar a surpresa lhe prejudicará de forma imensurável se ficar e não concordar com a produção a outra parte lançará mão do estímulo psíquico dos jurados levandoos a imaginar o que não podem ver com igualmente imensuráveis prejuízos Então não lhe resta outra alternativa ir embora Principalmente quando se trata do defensor que se vê surpreendido por tal manobra da acusação não há outra forma de assegurar a máxima eficácia do direito de defesa do réu Elementar que essa é uma situação extremamente sensível de altíssimo risco e grande responsabilidade principalmente para o advogado Além de eventuais problemas com o réu terá ele que contar no mais das vezes com o apoio da OAB Mas com certeza somente assim estará assegurando a eficácia do direito a ampla defesa 38225 Considerações Sobre os Quesitos Teses Defensivas Desclassificação Própria e Imprópria Concluídos os debates e feitos os esclarecimentos necessários passase para o momento em que serão formuladas as perguntas e proferida a votação decidindose o caso penal Com o advento da Lei n 116892008 a pronúncia e decisões confirmatórias posteriores passa a ser a principal fonte dos quesitos agora substancialmente simplificados As agravantes e atenuantes não serão objeto de quesitação mas devem ser objeto do debate para que possam ser valoradas na eventual sentença condenatória Se alegada alguma agravante pela acusação ou atenuante pela defesa caberá ao juiz presidente em caso de condenação ou desclassificação decidir sobre a incidência e a influência na dosimetria Sublinhamos que não existe mais a obrigatoriedade de formularse um quesito genérico relativo à existência de atenuantes como na sistemática antiga Como determina o art 482 do CPP somente podem ser quesitadas as matérias de fato jamais conceitos jurídicos como culpa dolo consumação tentativa etc e as perguntas devem ser redigidas em proposições afirmativas simples e distintas A clareza e precisão das perguntas são fundamentais para a compreensão dos jurados devendo ser anulado o julgamento cuja quesitação não siga essa regra Quanto à ordem dos quesitos devese seguir o disposto no art 483 Art 483 Os quesitos serão formulados na seguinte ordem indagando sobre I a materialidade do fato II a autoria ou participação III se o acusado deve ser absolvido IV se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa V se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação O primeiro quesito obrigatoriamente deverá versar sobre a materialidade do fato que se confunde com a própria existência da seguinte forma 1º no dia tal às tantas horas na rua X FULANO DE TAL foi atingido por disparos de arma de fogo sofrendo as lesões descritas no auto de necropsia da fl 10 que causaram a sua morte A resposta positiva de mais de 3 jurados ou seja no mínimo 4 para utilizar a fórmula do 1º do art 483 a esse quesito afirma a existência do fato e autoriza a formulação dos demais quesitos A resposta negativa por parte de 4 jurados ou mais conduz à imediata absolvição do réu encerrandose a votação e o julgamento Quando a defesa alegar a inexistência do nexo causal98 art 13 1º do Código Penal a questão poderá ser resolvida com a recusa a esse primeiro quesito como também aqui será decidida a causa penal quando a tese defensiva for de inexistência do fato Afirmada a existência do fato devese quesitar a autoria 2º o réu MANÉ DE TAL desferiu os tiros referidos no quesito anterior Se a acusação for por participação o quesito sofrerá a seguinte variação O réu MANÉ DE TAL concorreu para a morte da vítima desferindo tiros No que se refere à participação reputamos nulo o chamado quesito genérico através do qual sem individualizarse a imputação questionase se o réu concorreu de qualquer modo para o resultado Tratase de uma fórmula aberta e indeterminada que causa gravíssimo cerceamento de defesa pela abrangência da imputação além de violar o princípio da culpabilidade pois não individualiza a conduta do réu Um tal substancialismo acusatório permite a condenação por qualquer fato pois conduz a uma ampliação absurda da responsabilidade para muito além dos limites do direito penal Assim sempre se deve individualizar a conduta e a forma de participação no crime explicitandose por exemplo se o réu participou desferindo tiros Também refutando o quesito da participação de qualquer modo GIACOMOLLI99 adverte que é função da pronúncia individualizar a conduta específica de cada imputado e sendo ela a fonte primária da quesitação não pode o juiz em plenário fazer a formulação genérica Dessarte não se pode admitir que os jurados sejam questionados se o réu participou desferindo tiros e diante da negativa formular um novo quesito perguntando se ele concorreu de qualquer modo para o crime pois isso é o mesmo que fazer uma imputação vaga e genérica além de induzir os jurados pela insistência na tese acusatória É quase como dizer condenem por isso ou por aquilo ou ainda por qualquer outra coisa que vocês queiram o que importa é condenar Feita esta ressalva continuemos A resposta positiva por parte de 4 jurados ou mais implica o reconhecimento de que o réu é autor coautor ou partícipe do fato A resposta negativa conduz à imediata absolvição Daí por que quando a tese defensiva for de negativa de autoria por exemplo o julgamento terá nesse quesito seu ponto nevrálgico pois a resposta positiva conduz à condenação com os quesitos seguintes apenas versando sobre causas de diminuição qualificadoras ou causas de aumento de pena e a negativa encerra o julgamento com a absolvição do acusado O terceiro quesito somente será formulado quando os jurados responderem afirmativamente aos dois anteriores materialidade e autoria sendo proposto da seguinte forma como previsto no art 483 2º 3º O jurado absolve o acusado Esse quesito é a principal simplificação operada pela Lei n 116892008 pois ele engloba todas as teses defensivas exceto a desclassificação que será tratada na continuação não mais havendo o desdobramento em diversos quesitos para decidirse sobre a existência ou não da causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade eventualmente alegada Agora a tese defensiva é decidida neste terceiro quesito sem que se formule uma ou mais perguntas sobre a legítima defesa por exemplo como no sistema anterior Apenas para reforçar o afirmado mesmo que a defesa alegue que o réu agiu ao abrigo da legítima defesa e alternativamente que não lhe era exigível naquelas circunstâncias uma conduta diversa deverá o juiz formular um único quesito o jurado absolve o acusado Apenas isso nada mais Qualquer que seja a tese defensiva abrangida ou não pelo 3º quesito sempre deverá o juiz formular esse quesito genérico da absolvição É pois um quesito obrigatório Superada essa questão respondido de forma positiva por 4 ou mais jurados está o réu absolvido dessa imputação Se houver crime conexo será quesitado na continuação Do contrário estará encerrado o julgamento Se os jurados responderem de forma negativa estará condenado o réu pois rechaçada sua tese defensiva Passase então para a formulação dos quesitos relativos às eventuais causas de diminuição da pena qualificadoras ou causas de aumento da pena Contudo esse terceiro quesito não será formulado nesse momento quando a tese defensiva for no sentido da desclassificação da ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação Assim estabelece o art 483 4º e 5º 4º Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular será formulado quesito a respeito para ser respondido após o 2º segundo ou 3º terceiro quesito conforme o caso 5º Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito sendo este da competência do Tribunal do Júri o juiz formulará quesito acerca destas questões para ser respondido após o segundo quesito Bastante recorrente é a tese de crime culposo ou negativa de dolo sustentando que o agente não quis nem assumiu o risco de causar o resultado morte sendo ele fruto de sua falta de cuidado objetivo logo crime culposo A admissão por parte dos jurados dessa versão defensiva conduz à desclassificação própria pois recordemos a competência do Tribunal do Júri é restrita aos crimes dolosos contra a vida não lhes competindo julgar o delito de homicídio culposo Tal tese defensiva deve ser objeto de quesitação após os dois primeiros quesitos materialidade a autoria anteriormente explicados sendo formulado o questionamento da seguinte forma 3º o réu MANÉ DE TAL quis ou assumiu o risco de produzir a morte da vítima A tese de crime culposo somente é acolhida quando os jurados negam que o autor tenha agido com dolo portanto devese quesitar o dolo direto quis o resultado e também o dolo eventual assumiu o risco A resposta sim por 4 ou mais jurados a esses quesitos implica condenação pelo crime doloso ou pelo menos o afastamento dessa tese cabendo a formulação dos quesitos relativos às demais se houver Se os jurados responderem não haverá a desclassificação própria cabendo ao juiz presidente continuar no julgamento e aplicar se for o caso os institutos da Lei n 9099 Não se desconhece a histórica divergência teórica sobre esse quesito havendo autores100 que sustentam a seguinte fórmula para esse quesito 3º o réu MANÉ DE TAL causou o resultado descrito no primeiro quesito de forma culposa ou seja não intencional Contudo não pensamos ser a melhor forma não só porque não abrange as duas modalidades de dolo direto e eventual como também é confusa pois introduz um conceito jurídico culpa que é desconhecido pelos jurados que não raras vezes confundem a culpa elemento normativo do tipo com a responsabilidade penal ou a culpabilidade São conceitos completamente diversos e cuja confusão poderá levar a um resultado absurdo Por derradeiro quesitar culpa esbarra na regra do art 482 do CPP que determina claramente que o conselho de sentença será quesitado sobre matéria de fato Logo vedada está a quesitação de conceitos jurídicos como o de culpa Mas é preciso advertir há um ponto bastante discutível quando a tese defensiva é de desclassificação quando se formula o quesito genérico da absolvição Encontramos duas posições jurisprudenciais a Formulase o quesito genérico da absolvição antes da tese defensiva de desclassificação o problema é que neste caso os jurados ainda não firmaram a competência pois não afirmaram a existência do dolo Não poderia portanto absolver o acusado b Formulase o quesito genérico depois da tese da desclassificação mas se os jurados desclassificaram retiraram o caso penal da competência do júri e portanto não poderiam responder o quesito genérico da absolvição até porque estariam absolvendo quando não mais possuem competência para isso Logo não se faria o quesito genérico da absolvição O problema processual nasce neste ponto pois não seria feito o quesito genérico da absolvição que é obrigatório Não há ainda paz conceitual neste terreno Nossa sugestão é a de que se faça primeiro o quesito referente à desclassificação própria e se desclassificarem ainda assim será elaborado o quesito obrigatório da absolvição Se os jurados responderem não ao quesito genérico da absolvição considerase a desclassificação operada no quesito anterior A vantagem é que não se deixa de formular um quesito que é obrigatório e ainda se permite que os jurados absolvam se quiserem ou seja podem negar a desclassificação e absolver ou desclassificar e absolver Quando for negada a desclassificação não há problema sempre será formulado a continuação o quesito obrigatório da absolvição Outra causa de desclassificação própria é a inexistência de tentativa que nada mais representa do que uma negativa de dolo sendo quesitada tal tese após os dois primeiros quesitos da seguinte forma 3º assim agindo o réu MANÉ DE TAL deu início ao ato de matar a vítima que não se consumou por circunstâncias alheais à sua vontade Se 4 ou mais jurados responderem sim estarão reconhecendo a figura tentada dolosa portanto cabendo ao juiz prosseguir formulando o quarto quesito o jurado absolve o acusado para finalizar o julgamento Apenas para que fique bem claro SEMPRE deverá o juiz formular o quesito genérico da absolvição o jurado absolve o acusado após os quesitos referentes à desclassificação pois os jurados ainda assim podem absolver o réu Mesmo quando a tese defensiva é a desclassificação se os jurados negarem o respectivo quesito deve ser feito o quesito obrigatório da absolvição Em sentido diverso se os jurados acolherem a tese defensiva e responderem não a esse terceiro quesito estarão afastando sua competência havendo assim a desclassificação própria Caberá então ao juiz presidente julgar o feito diante da desclassificação realizada Não se pode olvidar de que com a desclassificação própria em qualquer de seus casos o feito passará às mãos do juiz presidente a quem competirá o julgamento do caso penal e se houver crime conexo que não seja doloso contra a vida porque se for será julgado pelo júri também ao juiz presidente do Tribunal do Júri competirá o julgamento aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença A chamada desclassificação imprópria operada em plenário ocorre em dois casos excesso culposo na excludente e participação dolosamente distinta No modelo antigo quando os jurados eram quesitados sobre a legítima defesa deveriam responder a uma série de perguntas entre elas se o réu usou moderadamente dos meios necessários para repelir a injusta agressão Nesse momento se os jurados respondessem não estavam reconhecendo a existência do excesso Quesitavase então se o excesso foi doloso antigo art 484 III Se dissessem sim estava o réu condenado pelo excesso doloso Se a resposta majoritária fosse não para o dolo direto e também o eventual quesitavase se o excesso foi culposo Se dissessem sim ocorria a chamada desclassificação imprópria a resposta não significava que o excesso era impunível sendo o réu absolvido pela legítima defesa A relevância da desclassificação imprópria era em relação ao crime conexo pois se entendia que o júri havia firmado sua competência e por conseguinte deveria julgar o crime conexo que seria objeto de quesitação Com a nova sistemática de quesitação implantada pela Lei n 116892008 o modelo foi substancialmente simplificado não havendo mais a necessidade de desdobrarse a legítima defesa em uma série de quesitos Assim a tese do excesso culposo é sempre subsidiária em relação à principal da excludente Devemse elaborar os dois primeiros quesitos materialidade e autoria e após o terceiro quesito genérico da defesa o jurado absolve o acusado Mas para que se fale em excesso da legítima defesa seja ele doloso ou culposo é fundamental que os jurados reconheçam ter existido a legítima defesa ou seja somente se pode falar em excesso se o agente inicialmente estava ao abrigo da excludente A nova sistemática legal ao simplificar o sistema de quesitação como um todo acabou por criar novas complicações pontuais Entre elas essa como quesitar excesso na excludente se a excludente não é mais quesitada havendo apenas o quesito genérico da absolvição Eis um problema sério Se o réu for absolvido nada mais será perguntado e o julgamento está encerrado Mas se negado quesito genérico da absolvição e alguma das partes sustentou em plenário a tese do excesso seja ele culposo ou doloso pensamos que a melhor solução será o juiz elaborar o seguinte quesito 4º o réu MANÉ DE TAL excedeu por imprudência imperícia ou negligência os limites da legítima defesa A resposta sim reconhece o excesso culposo e indica a prática do crime de homicídio culposo Contudo como os jurados não são competentes para julgar um crime culposo haverá uma desclassificação imprópria pois eles já indicaram qual é o tipo praticado Com a desclassificação caberá ao juiz presidente apenas condenar o réu pelo crime culposo apontado A relevância prática da desclassificação imprópria é que os jurados firmam sua competência e portanto seguem competentes para julgar os eventuais crimes conexos Essa é a principal distinção em relação à outra modalidade de desclassificação pois na desclassificação própria o júri não firma sua competência e por isso não julga o crime conexo na desclassificação imprópria o júri define qual é o crime praticado juízo positivo da tipicidade firmando sua competência e portanto julga o crime conexo A resposta não significa que houve excesso doloso e assim deverá o réu responder pelo crime doloso resultante do excesso como regra sendo o resultado morte será por homicídio doloso Portanto não há necessidade de quesitarse o excesso doloso pois ele se dá por exclusão Ou seja a resposta sim desclassifica de forma imprópria transferindo o julgamento para o juiz presidente e com a resposta não estará o réu condenado pelo crime doloso Quanto à desclassificação imprópria pelo reconhecimento de participação dolosamente distinta ocorrerá quando havendo concurso de agentes um deles sustentar ter querido participar de crime menos grave Serão formulados os dois primeiros quesitos materialidade e participação e também o terceiro quesito genérico de defesa o jurado absolve o acusado Somente se negado esse terceiro quesito pois se acolhido o réu estará absolvido é que deverá o juiz formular o 4º quesito específico para a participação dolosamente distinta 4º o réu MANÉ DE TAL quis participar de crime menos grave qual seja lesão corporal Se os jurados responderem sim haverá uma desclassificação imprópria passando o julgamento para o juiz presidente mas já com a afirmação do tipo penal praticado Há desclassificação porque o júri não é competente para julgar originariamente um crime de lesão corporal Contudo por terem feito um juízo positivo de tipicidade o júri segue competente para o julgamento de eventual crime conexo Se a resposta for não significa o afastamento da tese defensiva da participação dolosamente distinta e portanto a condenação do réu nos termos da acusação Continuando a análise dos quesitos não sendo o réu absolvido e nem operada a desclassificação está o réu condenado Passase então para a análise dos incisos IV e V do art 483 Art 483 IV se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa V se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação Na sistemática legal uma vez condenado o réu seguese a quesitação questionando a causa de diminuição de pena se alegada pela defesa é óbvio No delito de homicídio a figura privilegiada vem prevista no art 121 1º do Código Penal 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço A causa de diminuição da pena deverá ser quesitada após a condenação do réu ou seja após afirmada a materialidade autoria e rechaçadas as teses defensivas nos seguintes termos O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima Se os jurados responderem sim caberá ao juiz na dosimetria fazer a respectiva diminuição da pena sendo que o pode reduzir a pena constante no artigo diz respeito ao quantum da redução que poderá variar conforme as circunstâncias do caso Não poderá o juiz uma vez reconhecida a causa de diminuição deixar de levála em consideração Mas se a resposta for não significa que os jurados afastaram a tese defensiva e a causa de diminuição da pena não poderá incidir na dosimetria Quanto às qualificadoras eou causas de aumento de pena devem elas estar expressamente reconhecidas na pronúncia ou decisões posteriores Recordemos ainda que é possível a figura do homicídio qualificadoprivilegiado desde que a qualificadora seja de ordem objetiva inviável portanto a concorrência da privilegiadora com as qualificadoras do motivo fútil ou torpe por exemplo Advirtase que uma vez afastada a qualificadora na pronúncia o que resta excluído é a situação fática e não o nome jurídico Daí por que uma vez afastada a qualificadora mas pronunciado o réu não pode o Ministério Público ou querelante postular a sua inclusão em plenário sob o rótulo de agravante Isso ocorre porque muitas das qualificadoras nada mais são do que situações fáticas constitutivas de agravantes Logo uma vez excluída a qualificadora está afastada a situação fática não podendo o Ministério Público trocar o nome jurídico para querer agora seu reconhecimento com o título de agravante Quanto à forma de quesitar a qualificadora vejamos alguns exemplos O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime por motivo torpe O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime por motivo fútil O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime à traição O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime usando de recurso que tornou impossível a defesa da vítima Acolhida a qualificadora por 4 ou mais jurados deverá o juiz iniciar a dosimetria da pena pelos limites da figura qualificada 12 a 30 anos Por fim havendo mais de um réu as perguntas devem ser formuladas em séries distintas uma para cada réu A mesma sistemática deve ser adotada quando o réu é acusado de mais de um crime mas sempre iniciando pelo prevalente ou seja aquele que é de competência originária do júri crime doloso tentado ou consumado contra a vida Isso porque é necessário que o júri firme a competência julgando o crime prevalente isto é condenando ou absolvendo o réu para só então poder julgar o crime conexo 38226 Da Sentença Condenatória e Absolutória Problemas em Torno dos Efeitos Civis A Prisão Preventiva Todas as ocorrências do julgamento deverão constar na ata dos trabalhos prevista nos arts 494 a 496 Sublinhamos que todas as nulidades seja na instrução em plenário debates ou quesitação deverão obrigatoriamente constar nessa ata da reunião sob pena de conforme o caso preclusão No que tange às nulidades dos quesitos por se tratar de nulidade absoluta não é imprescindível que o protesto conste em ata ainda que isso seja recomendável pois não há preclusão Nesse sentido importante a leitura do art 564 parágrafo único do CPP Finalizado o júri caberá ao juiz presidente proferir a sentença nos limites do que foi decidido pelo conselho de sentença observando a regra geral do art 381 do CPP mas também o disposto nos arts 492 e 493 Art 492 Em seguida o presidente proferirá sentença que I no caso de condenação a fixará a penabase b considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates c imporá os aumentos ou diminuições da pena em atenção às causas admitidas pelo júri d observará as demais disposições do art 387 deste Código e mandará o acusado recolherse ou recomendáloá à prisão em que se encontra se presentes os requisitos da prisão preventiva f estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação II no caso de absolvição a mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso b revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas c imporá se for o caso a medida de segurança cabível 1º Se houver desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida aplicandose quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo o disposto nos arts 69 e seguintes da Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 2º Em caso de desclassificação o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri aplicandose no que couber o disposto no 1º deste artigo Art 493 A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento Assim três são as possibilidades condenação absolvição e desclassificação Vejamos agora os principais aspectos de cada uma Em caso de condenação do réu caberá ao juiz realizar a dosimetria da pena a partir das diretrizes do art 59 do Código Penal e do art 492 do CPP fixando a penabase e na segunda fase as atenuantes e agravantes Recordemos que as atenuantes e agravantes não são quesitadas mas sustentadas pelas partes nos debates Portanto não existe mais a necessidade de formulação do quesito genérico da presença de atenuantes não tendo aplicação neste ponto a Súmula n 156 do STF101 Já as causas de aumento e diminuição da pena serão quesitadas nos termos do art 483 do CPP e uma vez reconhecidas devem ser consideradas pelo juiz na dosimetria A alínea d remete ao art 387 o que seria razoável e lógico O problema está na nova redação do art 387 que em seu inciso IV determina que a sentença condenatória fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido Como já explicamos a fixação de valores a título indenizatório na sentença penal condenatória constitui uma errônea privatização do processo penal misturando pretensões de diversas naturezas O problema agravase no Tribunal do Júri não só pela complexidade fática que geralmente envolve esses fatos mas também pela própria especificidade do ritual judiciário ali estabelecido Como poderá o réu realizar uma defesa eficiente em plenário e ainda ocuparse de fazer a defesa cível para evitar uma condenação a título indenizatório em valores excessivos e desproporcionais Além de ser completamente inviável há ainda um outro complicador para quem deverá dirigir sua argumentação Para o juiz ou para os jurados Mas os jurados serão quesitados sobre valores indenizatórios Não os jurados não decidem sobre isso Então como conciliar uma defesa penal dirigida aos jurados e no mesmo debate sustentar questões patrimoniais para o juiz É absolutamente inviável Ademais pela complexidade que envolve a indenização em crimes contra a vida não há condições processuais para no processo penal discutilas com as mínimas condições probatórias e jurídicas Pior ainda em plenário Sem falar que no júri incumbe ao conselho de sentença a decisão e não há previsão de que eles decidam sobre a indenização e seu valor Sequer quesitados são sobre o dever de indenizar Então das duas uma ou aceitamos que o juiz fixe indevidamente um valor indenizatório em caso de sentença condenatória sem as mínimas possibilidades de defesa e usurpando o poder decisório do conselho de sentença ou simplesmente negamos validade substancial ao art 387 IV do CPP nos processos submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri Ficamos com essa última opção devendo o juiz limitarse ao que foi decidido pelos jurados sem fixar qualquer valor a título indenizatório Essa posição de não fixar na sentença penal qualquer valor a título de indenização de um lado assegura o direito de defesa do réu e o respeito à soberania da decisão dos jurados e de outro não impede que a vítima ou seu representante legal munido da sentença penal condenatória transitada em julgado promova a liquidação e execução cível nos termos do art 63 do CPP cc art 475N II do CPC Especial atenção merece o art 492 I e pois deverá o juiz nesse momento em que profere a sentença condenatória decidir sobre a manutenção da prisão preventiva decretada soltura ou manutenção do estado de liberdade Em última análise decidir sobre o direito de o réu recorrer ou não em liberdade recordando que não há que se falar em decretação da prisão preventiva ou manutenção dela em caso de absolvição pois o recurso de apelação da sentença absolutória não tem efeito suspensivo sendo imperativa a imediata soltura do réu preso ou sua manutenção em liberdade O problema surge com a condenação O tema foi tratado no Capítulo II desta obra quando analisamos a prisão cautelar e suas modalidades Contudo cumpre agora destacar o seguinte ponto E se o réu utilizar o direito de não ir ao júri caberá a decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal Pensamos que como regra não Se o réu aguardou todo o julgamento em liberdade pois inexistente o periculum libertatis o decreto de prisão nesse momento constitui uma violação reflexa ou indireta do direito de não ir ao julgamento Significa extrair do exercício do direito subjetivo do réu uma consequência negativa ilegítima Dessarte não pode o juiz decretar a prisão preventiva neste momento sob o argumento de que o réu se permanecer solto irá fugir e portanto frustrar a aplicação da lei penal No fundo o que está conduzindo a decisão do juiz é o fato de o réu não ter comparecido ao julgamento e motivado até pela frustração do caráter pedagógico que ele supõe poder dar ao ritual judiciário assim decide para satisfazer o desejo punitivo recalcado Há que se desvelar a retórica judicial para buscar no discurso velado o real motivo da prisão Sendo a real motivação a pura ausência do réu no plenário é absolutamente ilegal a prisão preventiva O periculum libertatis como explicado no Capítulo II não pode ser presumido deve ser efetivamente demonstrado Tampouco pode ser fruto de ilações do juiz ou ter um caráter quase vingativo Acima de tudo há que se compreender que o não comparecimento do réu é legítimo e portanto não faz nascer o periculum libertatis Não se pode extrair de uma ausência autorizada uma presunção de risco para aplicação da lei penal risco de fuga A alínea f art 492 I determina ainda que o juiz ao proferir a sentença condenatória estabeleça os efeitos genéricos e específicos da condenação Tratase com essa definição de dar eficácia ao disposto nos arts 91 e 92 do Código Penal102 Conforme o caso deverá o juiz fundamentar a perda dos instrumentos utilizados para a prática do delito desde que sejam ilícitos por si próprios bem como dos bens e valores auferidos com a prática do crime e ainda a perda do cargo função ou mandato eletivo a incapacidade para o exercício do pátrio poder e a inabilitação para dirigir veículos quando utilizados como meio para a prática do crime No caso de absolvição devemos recordar que sendo afastada a tese defensiva e reconhecida a inimputabilidade do réu deverá o juiz absolver e aplicar medida de segurança proferindo uma absolvição imprópria Não sendo esse o caso a sentença absolutória faz cessar toda e qualquer constrição que recaia sobre o acusado ou seu patrimônio devendo ele ser imediatamente posto em liberdade e cessadas as medidas assecuratórias eventualmente decretadas Contudo mais um dos problemas do Tribunal do Júri está na definição dos efeitos civis da sentença penal absolutória Como os jurados não fundamentam suas decisões a situação é bastante complicada pois como já explicamos dependendo do fundamento a absolvição criminal pode ou não fazer coisa julgada no cível Dessarte o fato de os jurados não fundamentarem suas decisões complica muito o mister de definir os efeitos civis da sentença penal condenatória Pensamos que diante da impossibilidade de saber por exemplo se os jurados estão absolvendo porque está provada a inexistência do fato ou porque não há prova da existência do fato deve prevalecer o in dubio pro reo A distinção nesses casos é tênue mas gera efeitos civis completamente diversos e não há como sustentar essas duas teses com clara distinção A defesa dirá que o fato não existiu e tudo se resolverá no primeiro quesito Da mesma forma em relação à autoria Na medida em que não há como precisar o conteúdo da decisão dos jurados é razoável partirse para uma interpretação mais benéfica103 ao réu seguindo toda a lógica do sistema penal tanto no campo probatório com o in dubio pro reo mas também hermenêutico com a vedação de analogia in malam partem Mas para que tudo isso funcione bem é fundamental que os juízes ao prolatarem as sentenças absolutórias tenham essa questão presente indicando assim o inciso correto Do contrário infelizmente abrese a porta para a ação civil ex delicti ainda que absolvido o réu Por fim vejamos a desclassificação Com a desclassificação própria em qualquer de seus casos o feito passará às mãos do juiz presidente a quem competirá o julgamento do caso penal condenando ou absolvendo o réu e se houver crime conexo que não seja doloso contra a vida porque se for será julgado pelo júri também ao juiz presidente do Tribunal do Júri competirá o julgamento aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença Nesses casos a sentença do juiz presidente segue a regra geral das sentenças penais nos termos dos arts 381 e 387 conforme o caso sem perder de vista o disposto nos 1º e 2º do art 492 Já na desclassificação imprópria os jurados indicam qual é o tipo penal praticado cabendo ao juiz presidente apenas condenar o réu pelo crime apontado A relevância prática da desclassificação imprópria é que os jurados firmam sua competência e portanto seguem competentes para julgar os eventuais crimes conexos Em todos os casos deve o juiz presidente atentar para o determinado no 1º quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela Lei como infração penal de menor potencial ofensivo deverá o juiz observar o disposto nos arts 69 e seguintes da Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 Por derradeiro a sentença deverá sempre ser lida em plenário pelo juiz presidente antes de encerrada a sessão de julgamento 39 Crítica ao Tribunal do Júri da Falta de Fundamentação das Decisões à Negação da Jurisdição Como explica FERRAJOLI104 o Tribunal do Júri desempenhou um importante papel na superação do sistema inquisitório tendo o pensamento liberal clássico assumido a defesa do modelo de juiz cidadão em contraste com os horrores da inquisição Mas o tempo passa e os referenciais mudam Para valorar a figura do juiz profissional em confronto com a dos juízes leigos não são adequados os critérios do século passado ou melhor retrasado invocados com algum acerto naquele momento mas completamente superados na atualidade Um dos graves problemas para a evolução de um determinado campo do saber é o repouso dogmático Quando não se estuda mais e não se questiona as verdades absolutas O Tribunal do Júri é um dos temas em que a doutrina nacional desfruta de um longo repouso dogmático pois há anos ninguém ousa questionar mais sua necessidade e legitimidade É verdade que o Tribunal do Júri é cláusula pétrea da Constituição art 5º XXXVIII mas isso não desautoriza a crítica até porque podemos sim questionar a legitimidade de tal instituição para estar na Constituição Ademais recordemos que o art 5º XXXVIII consagra o júri mas com a organização que lhe der a lei Ou seja remete a disciplina de sua estrutura à lei ordinária permitindo uma ampla e substancial reforma para além da realizada em 2008 destaquese desde que assegurados o sigilo das votações a plenitude de defesa a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida Abrese assim um amplo espaço para reestruturálo já que a extinção pura e simples como desejamos dependeria de alteração na Constituição Para além de tais limites importa aqui contribuir para a formação de uma visão crítica fundamental para compreensão e aperfeiçoamento do júri Um dos primeiros argumentos invocados pelos defensores do júri é o de que se trata de uma instituição democrática Não se trata aqui de iniciar uma longuíssima discussão do que seja democracia mas com certeza o fato de sete jurados aleatoriamente escolhidos participarem de um julgamento é uma leitura bastante reducionista do que seja democracia A tal participação popular é apenas um elemento dentro da complexa concepção de democracia que por si só não funda absolutamente nada em termos de conceito Democracia é algo muito mais complexo para ser reduzido na sua dimensão meramente formal representativa Seu maior valor está na dimensão substancial enquanto sistema políticocultural que valoriza o indivíduo em todo feixe de relações que ele mantém com o Estado e com outros indivíduos É fortalecimento e valorização do débil no processo penal o réu na dimensão substancial do conceito E o fortalecimento do indivíduo no processo penal se dá em duas dimensões potencializando sua posição e condições de fala no processo penal através de contraditório e ampla defesa reais e efetivos e na garantia de ser julgado por um juiz natural e em posição de alheamento terzietà Noutra dimensão apontase para a legitimidade dos jurados na medida em que são eleitos como se isso fosse suficiente Ora o que legitima a atuação dos juízes não é o fato de serem eleitos entre seus pares democracia formal mas sim a posição de garantidores da eficácia do sistema de garantias da Constituição democracia substancial Ademais de nada serve um juiz eleito se não lhe damos as garantias orgânicas da magistratura e exigimos que assuma sua função de garantidor Os jurados tampouco possuem a representatividade democrática necessária ainda que se analisasse numa dimensão formal de democracia na medida em que são membros de segmentos bem definidos funcionários públicos aposentados donas de casa estudantes enfim não há uma representatividade com suficiência democrática Argumentase ainda em torno da independência dos jurados Grave equívoco Os jurados estão muito mais suscetíveis a pressões e influências políticas econômicas e principalmente midiática na medida em que carecem das garantias orgânicas da magistratura A independência destaca FERRAJOLI deve ser vista enquanto exterioridade ao sistema político e num sentido mais geral como a exterioridade a todo sistema de poderes A legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição e não da vontade da maioria O juiz assume uma nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional e o seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais É uma legitimidade democrática fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial e não meramente formal Ademais eles não são juízes senão que estão temporária e precariamente investidos carecendo por evidente das necessárias garantias orgânicas que suportam a independência A falta de profissionalismo de estrutura psicológica aliados ao mais completo desconhecimento do processo e de processo são graves inconvenientes do Tribunal do Júri Não se trata de idolatrar o juiz togado muito longe disso senão de compreender a questão a partir de um mínimo de seriedade científica imprescindível para o desempenho do ato de julgar Os jurados carecem de conhecimento legal e dogmático mínimo para a realização dos diversos juízos axiológicos que envolvem a análise da norma penal e processual aplicável ao caso bem como uma razoável valoração da prova É o grave paradoxo apontado por FAIREN GUILLEN105 un juez lego ignorante de la Ley no puede aplicar un texto de la Ley porque no la conoce O próprio ato decisório exige uma prévia cognição e compreensão da complexidade jurídica sendo inadmissível o empirismo rasteiro empregado pelo júri Outro grave problema referese ao aspecto probatório espinha dorsal do processo penal Na sistemática brasileira a prova é colhida na primeira fase diante do juiz presidente mas na ausência dos jurados Em plenário até pode ser produzida alguma prova mas a prática demonstra que essa é uma raríssima exceção A regra geral é a realização de mera leitura de peças com acusação e defesa explorando a prova já produzida e subtraindo dos jurados a possibilidade do contato direto com testemunhas e outros meios de provas e como muito haverá interrogatório no final sem esquecer do necessário direito de não comparecer ou de comparecer e manter o direito de silêncio O julgamento resumese a folhas mortas Os jurados desconhecem o Direito e o próprio processo na medida em que se limitam ao trazido pelo debate ainda que em tese tenham acesso a todo o processo como se o todo fosse apreensível realmente estivesse no processo e esse processo fosse realmente de conhecimento dos jurados Outra garantia fundamental que cai por terra no Tribunal do Júri é o direito de ser julgado a partir da prova judicializada Em diversas oportunidades106 explicamos a distinção entre atos de investigação realizados no inquérito policial e atos de prova produzidos em juízo na fase processual ressaltando a importância de que a valoração que encerra o julgamento recaia sobre os atos verdadeiramente de prova devidamente judicializados e colhidos ao abrigo do contraditório e da ampla defesa A garantia da originalidade107 decorre da função endoprocedimental dos atos da investigação que possuem eficácia interna à fase para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no curso da investigação Para tanto defendemos a adoção do sistema de exclusão física do inquérito policial108 buscando evitar a contaminação do julgador pelos atos de investigação praticados na fase inquisitória do inquérito policial portanto em segredo sem defesa ou contraditório e não judicializado Em que pese o sistema brasileiro não excluir o inquérito policial de dentro dos autos do processo de conhecimento é sabido que uma sentença penal condenatória não pode ampararse exclusivamente nos elementos colhidos na fase inquisitorial O relativo controle da observância de tal garantia dáse através da fundamentação exarada na sentença Contudo no Tribunal do Júri qualquer esperança de ser julgado a partir da prova judicializada cai por terra na medida em que não existe a exclusão física dos autos do inquérito e tampouco há vedação de que se utilize em plenário os elementos da fase inquisitorial inclusive o julgamento pode travarse exclusivamente em torno dos atos do inquérito policial Para completar o triste cenário os jurados julgam por livre convencimento imotivado sem qualquer distinção entre atos de investigação e atos de prova O golpe fatal no júri está na absoluta falta de motivação do ato decisório A motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Como define IBÁÑEZ109 o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicaçãoexplicação um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional A decisão dos jurados é absolutamente ilegítima porque carecedora de motivação Não há a menor justificação fundamentação para seus atos Tratase de puro arbítrio no mais absoluto predomínio do poder sobre a razão E poder sem razão é prepotência A situação é ainda mais grave se considerarmos que a liberdade de convencimento imotivado é tão ampla que permite o julgamento a partir de elementos que não estão no processo A íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu E tudo isso sem qualquer fundamentação A amplitude do mundo extraautos de que os jurados podem lançar mão sepulta qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar Nem mesmo o catalão NICOLAU EYMERICH o mais duro dos inquisidores no famoso Directorium Inquisitorum elaborado em 1376 posteriormente ampliado por Francisco de la Peña em 1578 imaginou um poder de julgar tão amplo e ilimitado A supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da prova dos autos Imaginemos um julgamento realizado no Tribunal do Júri cuja decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos condenatória ou absolutória Há recurso de apelação com base no art 593 III d do CPP que uma vez provido pelo Tribunal conduz à realização de novo júri consequência da aplicação da primeira parte do 3º do art 593 Esse novo júri será composto por outros jurados mas como o espetáculo será realizado pelos mesmos atores em cima do mesmo roteiro e no mesmo cenário a chance de o resultado final ser igual é imensa E nesse novo júri a decisão é igual à anteriormente prolatada e portanto novamente divorciada da prova dos autos Duas decisões iguais em manifesta dissociação com o contexto probatório Poderá haver então novo recurso aduzindo que novamente os jurados decidiram contra a prova dos autos Não pois a última parte do 3º do art 593 veda expressamente essa possibilidade Logo se no segundo júri eles decidirem novamente contra a prova dos autos não caberá recurso algum Os jurados podem então decidir completamente fora da prova dos autos sem que nada possa ser feito Possuem o poder de tornar o quadrado redondo com plena tolerância dos Tribunais e do senso comum teórico que se limitam a argumentar fragilmente com a tal supremacia do júri como se essa fosse uma verdade absoluta inquestionável e insuperável Interessante ainda como um dos principais pilares em comum do Direito Penal e do processo penal cai por terra sem quem ninguém o proteja O in dubio pro reo é premissa hermenêutica inafastável do Direito Penal e no campo processual juntamente com a presunção de inocência norteador da axiologia probatória Ao mesmo tempo informa a interpretação da norma penal e a valoração da prova no campo processual Quando os jurados decidem pela condenação do réu por 4x3 está evidenciada a dúvida em sentido processual Significa dizer que existe apenas 5714 de consenso de convencimento Questionase alguém admite ir para a cadeia com 5714 de convencimento Elementar que não A sentença condenatória exige prova robusta alto grau de probabilidade de convencimento algo incompatível com um julgamento por 4x3 Ou seja ninguém poderia ser condenado por 4x3 mas isso ocorre diuturnamente no Tribunal do Júri pois lá como diz o jargão forense o in dubio pro reo passa a ser lido pelos jurados como in dubio pau no reo Perdeu a Comissão que levou a cabo a reforma do júri Lei n 11689 uma grande chance de atenuar esse grave problema Deveria ter alterado o número mas não o fez infelizmente de jurados para 9 jurados com a exigência de votação mínima para condenar de 6 votos logo para absolver vale 5x4 ou ainda para 11 jurados com no mínimo 7 jurados votando sim para haver condenação de modo que para absolver pode ser 6 a 5 Uma terceira solução para esse problema talvez até mais adequada foi proposta por MOREIRA DE OLIVEIRA110 sem contudo ter merecido a atenção devida Sugeriu o ilustre professor que o número de jurados passasse para 8 ou seja um número par de integrantes que impediria soluções duvidosas como as que ocorrem atualmente pois em caso de empate teríamos a configuração da dúvida favorecedora da absolvição pois argumentos acusatórios e defensivos não lograram obter maioria utilizandose aqui o art 615 1º do CPP por analogia Com essa simples modificação sugerida pelo autor havendo oito jurados alguém somente seria condenado se houvesse no mínimo dois votos de diferença isto é cinco contra três Com isso se conferiria maior certeza e seriedade a uma solução condenatória pois se reduziria a possibilidade de erro cometido por um só jurado Estamos plenamente de acordo o número par de jurados 8 resolveria esse problema pois a condenação somente ocorreria com uma diferença de no mínimo dois votos O aumento do número de jurados é imprescindível não apenas para dar uma maior representatividade do corpo social no conselho de sentença mas principalmente para a máxima eficácia do direito constitucional de defesa Mas não é apenas no plenário que o in dubio pro reo é abandonado Ao final da primeira fase o juiz presidente poderá tomar uma dessas quatro decisões absolver sumariamente desclassificar impronunciar ou pronunciar O problema não está na decisão em si mas no princípio que irá orientar a valoração da prova nesse momento A imensa maioria dos autores e tribunais segue repetindo que nessa fase à luz da soberania do júri novamente o argumento de autoridade mas completamente vazio de sentido o juiz deve guiarse pelo in dubio pro societate A pergunta é qual a base constitucional desse princípio Nenhuma pois ele não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e não pode coexistir com a única presunção constitucionalmente consagrada a presunção de inocência e o in dubio pro reo Como já afirmamos anteriormente por maior que seja o esforço discursivo em torno da soberania do júri tal princípio não consegue dar conta dessa missão Não há como aceitar uma tal expansão da soberania a ponto de negar a presunção constitucional de inocência A soberania diz respeito a competência e limites ao poder de revisar as decisões do júri Nada tem a ver com carga probatória Também foi um erro quando da reforma pontual manterse a decisão de impronúncia que como explicamos anteriormente gera um estado de pendência em que o réu não está condenado nem absolvido É como dissemos antes substancialmente inconstitucional por violar a presunção de inocência Por fim deve ser enfrentada a questão da falibilidade que também está presente nos julgamentos levados a cabo por juízes togados o que é elementar Contudo não é necessário maior esforço para verificar que a margem de erro injustiça é infinitamente maior no julgamento realizado por pessoas que ignoram o direito em debate e a própria prova da situação fática em torno da qual gira o julgamento e como se não bastasse são detentoras do poder de decidir de capa a capa e mesmo fora da capa do processo sem qualquer fundamentação Os juízes e tribunais também erram e muito mas para isso existe todo um sistema de garantias e instrumentos limitadores do poder que reduzem os espaços impróprios da discricionariedade judicial mas não eliminam é claro A fertilidade do terreno da injustiça é completamente diversa É como querer comparar a margem de erro de um obstetra e sua equipe numa avançada estrutura hospitalar de uma grande capital com a de uma parteira isolada em plena selva amazônica É óbvio que o risco está sempre presente mas com certeza a probabilidade de sua efetivação é bastante diversa E se a parteira em plena selva amazônica é útil e necessária diante das inafastáveis circunstâncias o mesmo não se pode dizer do Tribunal do Júri instituição perfeitamente prescindível Com certeza é bastante sedutor o discurso manipulado em torno do saber do homem simples mas é demagógico e busca apenas desviar o eixo da discussão Quando refutamos a necessidade desse tipo de participação do homem simples111 não o fazemos por arrogância científica ou desprezo do saber decorrente da experiência como certamente argumentarão os defensores do júri senão que deixamos o populismo de lado para definir as diferentes dimensões da participação112 do homem na distribuição da justiça O chamado Princípio de Justiça Profissional é considerado imprescindível para a correta administração da justiça tendo sido inclusive objeto de análise e aprovação no I Congreso Nacional de Derecho Procesal e posteriormente no II Congreso Iberoamericano y Filipino de Derecho Procesal113 É a forma mais eficiente de não chegar hasta el extremo de poner la administración humana de la justicia en ese extremo de un sí o un no emitidos por un ignorante del Derecho114 Naquela ocasião ARAGONESES ALONSO115 explicou que a complexidade do Direito Positivo nos levou a establecer un primer principio el de que si las resoluciones de los organismos jurisdiccionales han de basarse en la ley el órgano jurisdiccional no puede en modo alguno estar encarnado en un lego pois o problema de se as decisões podem ser justas sem ser legais é extremamente complexo A equidade encerra problemas e dificuldades muito maiores que a mera legalidade não permitindo que o jurado decida quando sequer compreende a dimensão da própria legalidade E os argumentos contrários ao júri seguem numa lista interminável116 e o que é mais grave inabaláveis pelos frágeis argumentos dos defensores da instituição Pensamos que administração de justiça pode prescindir do Tribunal do Júri mas considerando a consagração constitucional o que impediria a extinção pura e simples é crucial que se façam profundas alterações estruturais 1 Expressão cunhada por CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 1 p 332 e que tomamos emprestada para o estudo das formas ou espécies de procedimentos 2 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 161 3 GIMENO SENDRA José Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 180 4 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 6 5 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 232 6 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 328 7 Idem ibidem 8 TRIBE Laurence e DORF Michael Hermenêutica Constitucional Belo Horizonte Del Rey 2007 p 3 9 Dessarte somos favoráveis à proposta de MIRANDA COUTINHO e GIAMBERARDINO COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda e GIAMBERARDINO André Ribeiro Legalidade e Reformas Parciais do CPP a excrescência da relativização das regras e princípios constitucionais Texto original gentilmente cedido pelos autores que fazem uma interessante e correta análise do problema para sustentar em síntese o seguinte o contraditório prévio constante no Projeto estava em conformidade com a exigência constitucional e também com o princípio de isonomia em relação a outros procedimentos que o preveem tais como a Lei n 8038 e a Lei n 11343 A solução para a questão está na declaração de inconstitucionalidade ou se assim não se entender numa interpretação conforme a Constituição ou mesmo numa nulidade parcial sem redução de texto A inconstitucionalidade manifestase na violação ao sistema constitucional principiológico do direito de ação que cobra o contraditório prévio como também à imparcialidade do julgador o duplo juízo sobre a ação conduz ao prejulgamento no primeiro momento A solução vem através da interpretação conforme a Constituição prosseguem os autores entendendose que onde se disse citação e diante dos postulados constitucionais só se pode tomar por sentido a notificação sob pena de inconstitucionalidade Assim no texto lerseia ordenará a notificação do acusado para responder à acusação por escrito no prazo de 10 dias Mas isso não resolve o problema senão apenas supera o primeiro obstáculo Ainda sobrevive a infeliz mesóclise Quanto a ela o ataque deve ser pela via da nulidade parcial sem redução de texto buscandose a abdução de sentido Ou seja não há redução de texto mas sim um afastamento de sentido deixandose intacto o preceito O sentido afastado é o de admissibilidade da ação penal Com isso a mesóclise sinaliza o juízo de admissibilidade mas não um juízo de admissibilidade da ação penal É um recebimento precário pois fundado na mera aparência podendo o juiz rejeitar liminarmente quando flagrante a falta das condições da ação ou inépcia da denúncia ou queixa A construção é adequada e permite uma conformação com o modelo constitucional em que o contraditório e o direito de defesa são fundantes do processo penal Daí por que nossa evidente concordância Contudo não é dessa forma que juízes e tribunais vêm atuando pois por ora seguem recebendo a denúncia ou queixa no primeiro momento Mas ficam a ressalva e a esperança de que a Constituição seja levada a sério para corrigir um grave erro legislativo 10 Recordando a regra geral do limite numérico rito ordinário 8 testemunhas rito sumário 5 testemunhas para cada parte não se computando as que não prestam compromisso e as referidas Outro aspecto muito importante é o fato de o artigo em questão exigir que a defesa arrole suas testemunhas requerendo sua intimação quando necessário Até a reforma a regra era testemunha arrolada deveria ser intimada exceto se a parte expressamente dissesse que ela compareceria independente de intimação Isso mudou Uma leitura superficial conduziria à conclusão de que a defesa sempre deveria requerer expressamente a intimação sob pena de comprometerse a conduzir a testemunha E se não fizer esse pedido e no dia da audiência ninguém comparecer preclusa a via probatória Pensamos que não Isso porque não apenas o direito à ampla defesa impede que um processo tramite nessas condições senão porque o contraditório exige um tratamento igualitário Se o Ministério Público não está obrigado a pedir a intimação das testemunhas por que a defesa teria esse ônus Logo o tratamento igualitário conduz a que a regra siga sendo a mesma testemunha arrolada por qualquer das partes deverá ser intimada exceto se expressamente for dispensada a intimação 11 PENAL PROCESSO PENAL NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL LEI 117192008 IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA LEI 813790 SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA LEI 1068403 ART 9º FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO ARTS 299 E 304 CP ABSORÇÃO DENÚNCIA REJEIÇÃO 1 A Lei 1171908 inovou o processo penal ao introduzir a possibilidade de absolvição sumária do réu Em sendo assim tornouse perfeitamente factível que o Juiz reveja a decisão pela qual recebeu a denúncia para rejeitála em seguida quando sua convicção é modificada por algum elemento trazido pela defesa em sua resposta escrita grifamos 2 3 4 Não há justa causa para continuidade da presente persecução penal pois o crime de uso e documento falso foi absorvido pelo delito tributário Lei n 813790 e este teve suspensa a pretensão punitiva nos termos do art 9º caput e 1º da Lei 1068403 em razão do parcelamento do crédito tributário 5 Recurso em sentido estrito não provido TRF1 RSE 200838000151631 3ª Turma Rel Juiz Tourinho Neto j 15022011 eDJF1 28022011 p 64 12 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 63 13 FREDERICO MARQUES José Elementos de Direito Processual Penal Campinas Bookseller 1996 v 3 p 342 14 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 82 Também explica esse erro histórico TOURINHO FILHO Processo Penal v 4 p 147 15 Não podemos concordar com TOURINHO FILHO op cit p 216 quando afirma que o não comparecimento do querelado autoriza a aplicação do art 260 do CPP e a sua condução coercitiva Completamente descabida a medida pois o sujeito passivo não pode ser compelido a participar da tentativa de reconciliação Também não concordamos com o autor quando pretende transformar um mero ato procedimental em condição de procedibilidade A audiência de reconciliação não é uma condição para o exercício da ação penal até porque ocorre exatamente após o seu exercício Já foi exercida a ação e colocada em movimento a jurisdição O que se tem agora é um mero ato procedimental 16 Como advertem RANGEL e BACILA Comentários Penais e Processuais Penais à Lei de Drogas Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 184 isso não impede todavia que o usuárioconsumidor seja conduzido à presença da autoridade judicial o que não é a regra pois os juízes do JECrim não estão disponíveis 24h por dia em todo o Brasil para dar conta dessa demanda ou policial para verificação de sua responsabilidade penal isto é se o crime praticado é o previsto no art 28 ou aquele descrito no art 33 por exemplo 17 Ao prever a possibilidade de o inquérito policial perdurar por até 180 dias consagra a lei a violação do direito de ser julgado em um prazo razoável Recordemos que o fato de a lei interna prever um prazo não significa automaticamente a validade e a legitimidade da demora Deve o juiz ou tribunal proceder no caso concreto à necessária filtragem constitucional verificando à luz do art 5º LXXVIII da Constituição a invalidade substancial do art 51 da Lei n 11343 18 Quanto à ausência de defesa preliminar vejamos essa interessante decisão proferida pelo STJ no HC n 99605SP Rel originário Min Hamilton Carvalhido Rel para acórdão Min Paulo Gallotti julgado em 1352008 NULIDADE ABSOLUTA DEFESA PRELIMINAR A Turma ao prosseguir o julgamento mediante o voto de desempate do Min Nilson Naves entendeu que a inobservância do procedimento disposto no art 38 da revogada Lei n 104092002 gera nulidade de caráter absoluto que não preclui nem é sanável Ela pode ser arguida a qualquer tempo mesmo somente após o trânsito em julgado de sentença condenatória sem necessidade de que se fale em prova do prejuízo O Min Hamilton Carvalhido vencido juntamente com a Min Maria Thereza de Assis Moura entende que a tardia alegação de nulidade só feita após o trânsito em julgado apenas intensifica a necessidade da demonstração do prejuízo pois sem isso a resposta preliminar que essencialmente é forma de oposição ao recebimento da acusatória inicial transformase em mero formalismo inócuo e sem sentido não seria muito afirmar que a edição da sentença condenatória torna preclusa a questão salvo quando sobejarem questões não apreciadas pela Justiça idôneas à rejeição da denúncia 19 RANGEL e BACILA op cit p 196 apontam que o laudo prévio provisório é uma condição de procedibilidade da ação penal nesses delitos não podendo a denúncia ser recebida sem ele 20 GIACOMOLLI Nereu Juizados Especiais Criminais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 45 21 Em sentido contrário GIACOMOLLI Juizados Especiais Criminais cit p 44 sustenta que deve ser feito o cálculo de forma que mais favoreça o autor do fato ou seja aumentar em grau mínimo e diminuir no grau máximo Isso porque para o autor ainda não há elementos para se determinar o quantum de aumento ou de diminuição o que dependeria de dilação probatória Sustenta ainda que o cálculo inverso poderia gerar uma situação incongruente na medida em que a desconsideração da baixa lesividade pode não se confirmar ao final 22 BITENCOURT Cezar Roberto Juizados Especiais Criminais Federais São Paulo Saraiva 2003 p 70 23 SÚMULA N 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano 24 SÚMULA N 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano 25 A Lei n 9099 não resolve o problema que pode ocorrer quando forem 2 ou mais os autores do delito e a composição ocorrer apenas em relação a um deles CASTANHO DE CARVALHO e PRADO Lei dos Juizados Especiais Criminais Comentada e Anotada 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 131 afirma que nesse caso devese recorrer ao disposto no art 49 do CPP no sentido de que em nome do princípio da indivisibilidade a renúncia ao direito de queixa ou de representação em relação a um dos acusados a todos se estenderá Significa dizer que a composição dos danos por parte de um dos acusados conduz à extinção da punibilidade pela renúncia de todos Pensamos ainda que a mesma solução deve ser adotada em relação à ação penal pública condicionada à representação operandose a extinção da punibilidade de todos em caso de composição integral dos danos civis por parte de um dos réus Mas chamamos a atenção para a falta de consenso nessa matéria havendo autores entre eles MAGALHÃES GOMES FILHO SCARANCE FERNANDES LUIZ FLÁVIO GOMES e PELLEGRINI GRINOVER na obra coletiva Juizados Especiais Criminais São Paulo RT 1995 p 133 sustentando que a renúncia e consequente extinção da punibilidade somente opera em relação ao que transacionar Quanto aos demais poderá a vítima oferecer a queixa ou representar exceto se a reparação dos danos sofridos pela vítima for integral situação em que haverá renúncia tácita e extinção da punibilidade em relação a todos 26 Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão p 71 27 Em sentido contrário PRADO Geraldo Elementos para uma Análise Crítica da Transação Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 160 e ss 28 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed p 575 29 Apenas para sublinhar que essa pseudonegociação será objeto de crítica ao final deste tópico 30 Art 60 Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou tribunal do júri decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis 31 Art 28 Se o órgão do Ministério Público ao invés de apresentar a denúncia requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação o juiz no caso de considerar improcedentes as razões invocadas fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procuradorgeral e este oferecerá a denúncia designará outro órgão do Ministério Público para oferecê la ou insistirá no pedido de arquivamento ao qual só então estará o juiz obrigado a atender 32 Expostos entre outros por PELLEGRINI GRINOVER et al na obra coletiva Juizados Especiais Criminais cit p 141 e ss Esses argumentos já nos seduziram no passado quando a Lei n 9099 entrou em vigor Atualmente com o desvelamento da falácia da justiça negociada cuja crítica faremos ao final esses argumentos ruíram completamente 33 PACELLI DE OLIVEIRA op cit p 575 34 Entre outros citamos a seguinte decisão do STJ 5ª Turma RHC 17006PA Relator Ministro GILSON DIPP j 02062005 CRIMINAL RHC DIFAMAÇÃO INJÚRIA INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO QUEIXACRIME APRESENTADA PERANTE O JUÍZO FEDERAL LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA MODIFICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DADA AO ART 61 DA LEI 909995 APLICABILIDADE DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA REFERIDA LEI NORMA PENAL OU MISTA IRRETROATIVIDADE DAS NORMAS PROCESSUAIS COMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO COMUM PARA A EVENTUAL APLICAÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA LEI 909995 RECURSO PROVIDO Deve ser anulada a decisão que recebeu a queixacrime apresentada em desfavor do recorrente a fim de que sejam aplicados se for o caso os institutos despenalizadores da Lei n 909995 inclusive a transação penal XI Recurso provido nos termos do voto do Relator grifo nosso 35 Nesse sentido entre outros DESCUMPRIMENTO TRANSAÇÃO PENAL DENÚNCIA Ao prosseguir o julgamento a Turma reafirmou que o descumprimento da transação penal art 76 da Lei n 90991995 na hipótese consubstanciada na obrigação de prestar serviços à comunidade não permite ao Ministério Público oferecer denúncia pois a sentença homologatória da transação encerra o procedimento e faz coisa julgada formal e material Precedentes citados REsp 172981SP DJ 02081999 e REsp 172951SP DJ 31051999 REsp 450535SP Rel originário Min Fernando Gonçalves Rel para acórdão Min Hamilton Carvalhido art 52 IV b do RISTJ julgado em 24022005 Ainda TRANSAÇÃO PENAL DESCUMPRIMENTO ACORDO A Turma concedeu a ordem e reiterou o entendimento segundo o qual não cabe o oferecimento de denúncia tanto no caso de não pagamento da pena de multa substitutiva quanto no de aplicação da pena restritiva de direito de prestação pecuniária resultantes de transação HC 60941MG Rel Min Hamilton Carvalhido julgado em 21092006 36 PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGAÇÃO PELO JUÍZO ARTIGO 76 DA LEI 90991995 POSTERIOR PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL ANTE O DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DO ACORDO POSSIBILIDADE AUSÊNCIA DE OFENSA A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO DESPROVIMENTO DO RECURSO 1 No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidouse o entendimento no sentido de que a sentença homologatória da transação penal possui eficácia de coisa julgada formal e material o que a torna definitiva motivo pelo qual não seria possível a posterior instauração de ação penal quando descumprido o acordo homologado judicialmente 2 Contudo o Supremo Tribunal Federal ao examinar o RE 602072RS cuja repercussão geral foi reconhecida entendeu de modo diverso assentando a possibilidade de ajuizamento de ação penal quando descumpridas as condições estabelecidas em transação penal 3 Embora a aludida decisão ainda que de reconhecida repercussão geral seja desprovida de qualquer caráter vinculante é certo que se trata de posicionamento adotado pela unanimidade dos integrantes da Suprema Corte órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e portanto dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte 4 Recurso improvido RHC 29435RJ 5ª Turma do STJ Rel Min Jorge Mussi j 18102011 37 Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado no julgamento do Recurso Extraordinário 602072 no qual foi reconhecida repercussão geral EMENTA AÇÃO PENAL Juizados Especiais Criminais Transação penal Art 76 da Lei n 909995 Condições não cumpridas Propositura de ação penal Possibilidade Jurisprudência reafirmada Repercussão geral reconhecida Recurso extraordinário improvido Aplicação do art 543B 3º do CPC Não fere os preceitos constitucionais a propositura de ação penal em decorrência do não cumprimento das condições estabelecidas em transação penal RE 602072 QORG Rel Min Cezar Peluso j 19112009 DJe035 Divulg 25022010 Public 26022010 Ement vol0239110 PP02155 LEXSTF v 32 n 375 2010 p 451456 RJTJRS v 45 n 277 2010 p 3336 38 GIACOMOLLI Nereu Juizados Especiais Criminais cit p 192 39 No mesmo sentido GIACOMOLLI Juizados Especiais Criminais cit p 190 que sustenta a possibilidade de o juiz conceder a suspensão condicional em caso de recusa injustificada do Ministério Público mediante pedido da defesa ou mesmo de ofício op cit p 197 40 É a posição de GRINOVER SCARANCE MAGALHÃES e GOMES op cit p 191 41 Superada a confusão kelseniana de atribuir plena validade a toda norma existente na medida em que se deve buscar para além da validade formal uma análise da sua validade substancial filtragem constitucional é perfeitamente discutível a inconstitucionalidade dessa vedação na medida em que restringe princípios e regras constitucionais o juizado especial criminal e seus institutos para os delitos de menor potencial ofensivo excepcionando onde a Constituição não o faz Tampouco pensamos que o argumento de que a estrutura e hierarquia militar seriam incompatíveis com os institutos da Lei n 9099 dê conta dessa manifesta incompatibilidade constitucional ainda mais se ponderarmos os valores democráticos atualmente consagrados Em última análise nenhuma lei infraconstitucional pode subtrairse à necessária conformidade constitucional e a ela o art 90A não resiste Sobre o tema consultese a acertada exposição de MARIA LUCIA KARAM na obra Juizados Especiais Criminais Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 42 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 121 43 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 528 44 GIACOMOLLI Nereu Os Efeitos da Súmula 337 do STJ no Processo Penal Boletim do IBCCrim n 186 maio2008 45 No mesmo sentido GIACOMOLLI Os Efeitos da Súmula 337 do STJ no Processo Penal cit 46 Concordamos com GIACOMOLLI op cit quando afirma que se o magistrado enfrentar o mérito em situação em que é cabível a suspensão condicional do processo o ato sentencial padece de vício insanável em razão do cerceamento da ampla defesa e da quebra da presunção de inocência Tratase de uma nulidade absoluta que pode ser conhecida inclusive de ofício a qualquer tempo 47 BITENCOURT Cezar Roberto Juizados Especiais Criminais cit p 123 e ss 48 Sobre o tema consultese Aplicase o art 366 do CPP nos Juizados Especiais Criminais escrito em coautoria com ALEXANDRE MORAIS DA ROSA e publicado no Boletim do IBCCrim n 220 março de 2011 p 13 49 GOMES Luiz Flávio Suspensão condicional do processo penal um novo modelo consensual de justiça criminal Lei 9099 de 26995 São Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 88 50 Cuidado estamos dizendo que é a introdução da lógica da plea negotiation e não que se trata de verdadeira plea bargaining do sistema norteamericano pois esta é mais ampla permitindo que acusador e acusado façam amplo acordo sobre os fatos sua qualificação jurídica e as consequências penais Mas sem dúvida a introdução da lógica negocial é um importante passo nessa direção e nisso reside a crítica prospectiva que fizemos 51 Sobre o reparto e a axiosofia da justiça consultese a obra de WERNER GOLDSCHMIDT Dikelogía La Ciencia de La Justicia Buenos Aires Depalma 1986 Ainda como leituras imprescindíveis para abordar o tema ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 e ALCALÁZAMORA Y CASTILHO Niceto Proceso Autocomposición y Autodefensa México 1947 52 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 747 53 Idem Derechos y Garantias la ley del más débil Trad Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi Madrid Trotta 1999 p 27 54 La Equidad en el Juicio Penal para la reforma de la corte de asises In Cuestiones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 292 55 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 484 e ss 56 Na palestra Garantias en el seno del Proceso Penal USA proferida no curso Investigar Acusar Juzgar também publicada na Revista Otrosí n 141 p 30 e ss 57 PRADO Geraldo Elementos para uma Análise Crítica da Transação Penal cit p 224 58 Idem ibidem 59 FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 748 60 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI Poner en su Puesto al Ministerio Publico In Cuestiones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 211 e ss que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem Lecciones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Bosch 1950 v 2 p 99 CARNELUTTI explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar julgar e defender 61 No prólogo da obra La Reforma Procesal Penal 19881992 In Estudios de Derecho Procesal Civil Penal y Constitucional Madrid Edersa 1992 p XXXV 62 Somos contrários inclusive à figura do assistente da acusação pelos mesmos motivos 63 GÓMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosch 1951 v II p 231 64 Com razão Jader MARQUES Tribunal do Júri Considerações Críticas à Lei 1168908 Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 37 convida à reflexão sobre o prazo de 10 dias para resposta que é inferior ao de 15 dias concedido para a defesa preliminar no processo penal para o funcionário público e inferior ao prazo para a contestação no processo civil Como aponta o autor a cada alteração dos Códigos Processuais perdese a oportunidade de uma uniformização dos prazos o que evitaria a enorme variedade existente nos diversos ramos do direito 65 MARQUES Jader Tribunal do Júri Considerações Críticas à Lei 1168908 cit p 45 66 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 56 67 Tampouco deve o juiz presidente fazer referência aos atos de investigação realizados no inquérito policial Como já explicamos é crucial compreender a distinção entre atos de prova e atos de investigação para não mais incorrer no grave erro de invocar aquilo feito na fase préprocessual para justificar a pronúncia ou qualquer outra decisão interlocutória proferida no curso do processo ou ainda mais grave na sentença final Os atos de investigação esgotam sua eficácia probatória com a admissão da denúncia ou queixa pois sua função é endoprocedimental 68 Conforme noticiou o STF em 14082007 transcrevemos integralmente o trecho a seguir A Segunda Turma deferiu por unanimidade o pedido de Habeas Corpus HC n 88514 requerido pela defesa de três réus de Santa Catarina contra ato da juíza responsável pela sentença de pronúncia em processo de crime doloso intencional contra a vida Para o ministro Celso de Mello relator do HC a magistrada se excedeu ao declarar que o homicídio foi praticado pelos réus desrespeitando os limites que devem pautar a atividade jurisdicional No pedido de habeas consta que a magistrada declarou que são veementes os indícios da autoria do delito e a um exame acurado das provas colhidas na instrução tudo demonstra serem os réus os autores do crime e que toda a prova converge no sentido de indicar que os réus ao dispararem contra a vítima o fizeram de modo inesperado colhendoo desatento e subtraindolhe a oportunidade de defenderse sendo portanto inafastável a qualificadora de surpresa descrita na denúncia De acordo com Celso de Mello a jurisprudência do STF adverte que o magistrado ao proferir a sentença de pronúncia não deve convertêla de um mero juízo fundado de suspeita em um inadmissível juízo de certeza pois nesses casos a eloquência acusatória de que se reveste o decreto de pronúncia constitui claro exemplo de ofensa aos limites que juridicamente devem restringir a atuação processual do magistrado e dos tribunais no momento da prolação desse ato decisório que encerra no procedimento penal escalonado do júri a fase do iuditio accusationis juízo de acusação O relator acrescentou que a juíza ao dar por comprovada existência de dolo intenso certamente irá influir sobre o ânimo dos jurados podendo até mesmo inibilos quando confrontados com a eventual alegação de negativa de autoria sustentada pela defesa dos réus Com o deferimento do habeas fica invalidada a pronúncia dos três réus e todos os atos a ela posteriores 69 EMENTA Pronúncia nulidade por excesso de eloquência acusatória 1 É inadmissível conforme a jurisprudência consolidada do STF a pronúncia cuja fundamentação extrapola a demonstração da concorrência dos seus pressupostos legais CPrPen art 408 e assume com afirmações apodíticas e minudência no cotejo analítico da prova a versão acusatória ou rejeita peremptoriamente a da defesa vg HC 68606 180691 Celso RTJ 1361215 HC 69133 240392 Celso RTJ 140917 HC 73126 270296 Sanches DJ 170596 RHC 77044 260598 Pertence DJ 070898 2 O que reclama prova no juízo da pronúncia é a existência do crime não a autoria para a qual basta a concorrência de indícios que portanto o juiz deve cingirse a indicar 3 No caso as expressões utilizadas pelo órgão prolator do acórdão confirmatório da sentença de pronúncia no que concerne à autoria dos delitos não se revelam compatíveis com a dupla exigência de sobriedade e de comedimento a que os magistrados e Tribunais sob pena de ilegítima influência sobre o ânimo dos jurados devem submeter se quando praticam o ato culminante do judicium accusationis RT 522361 70 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 58 71 LEAL Saulo Brum Júri Popular 4 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 31 72 Nesse sentido ainda que se refira a outro procedimento e momento procedimental é importante trazer à colação a decisão proferida pelo STJ no HC 175639AC Rel Min Maria Thereza de Assis Moura julgado em 20032012 Neste caso a denúncia foi parcialmente rejeitada pelo juiz singular quanto a alguns dos denunciados por crime de roubo circunstanciado e quadrilha baseando a rejeição no fato de a denúncia ter sido amparada em delação posteriormente tida por viciada o que caracteriza a fragilidade das provas e a falta de justa causa O tribunal a quo em sede recursal determinou o recebimento da denúncia sob o argumento de que havendo indícios de autoria e materialidade mesmo na dúvida quanto à participação dos corréus deve vigorar o princípio in dubio pro societate A Turma entendeu que tal princípio não possui amparo legal nem decorre da lógica do sistema processual penal brasileiro pois a sujeição ao juízo penal por si só já representa um gravame Assim é imperioso que haja razoável grau de convicção para a submissão do indivíduo aos rigores persecutórios não devendo se iniciar uma ação penal carente de justa causa Nesses termos a Turma restabeleceu a decisão de primeiro grau Precedentes citados do STF HC 95068 DJe 1552009 HC 107263 DJe 592011 e HC 90094 DJe 682010 do STJ HC 147105SP DJe 1532010 e HC 84579PI DJe 3152010 HC 175639AC Rel Min Maria Thereza de Assis Moura julgado em 2032012 grifamos 73 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 79 74 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 26 75 LEAL Saulo Brum Júri Popular cit p 67 76 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal considerações críticas cit p 92 77 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 60 78 Com razão GIACOMOLLI Reformas do Processo Penal considerações críticas cit p 86 critica a matriz inquisitorial que informa o art 417 do CPP ao permitir que o julgador explicitamente exerça a função institucional do Ministério Público ofendendo o art 129 I da CF É do Ministério Público a função de acusar de exercer privativamente a ação processual penal pública O aditamento é ato voluntário do acusador e ao magistrado é vedado exercer as funções da autoridade policial ou do Ministério Público bem como adiantar seus veredictos Concordamos que não cabe ao juiz invocar o Ministério Público para que adite ou faça nova acusação senão que o órgão acusador como parte que é tem conhecimento de tudo o que ocorre no processo e deve agir na defesa de seu interesse processual Noutra dimensão regido pelo princípio da inércia está o julgador Quando subvertese essa estrutura na perspectiva do ativismo judicial fundase um processo inquisitório incompatível como o modelo acusatórioconstitucional 79 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 63 80 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 29 81 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 10 ed p 541 82 EYMERICH Nicolau Manual dos Inquisidores Brasília Rosa dos Tempos 1993 p 150151 83 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v IV p 263 84 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 71 85 Entre outros LEAL op cit p 91 86 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 79 87 Nessa linha equivocadíssima a nosso sentir a decisão abaixo do Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA PROCESSADO PELO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NULIDADE NÃO OCORRÊNCIA LIBERDADE PROVISÓRIA CRIME HEDIONDO IMPOSSIBILIDADE ORDEM DENEGADA Ressalvada a competência do Júri para julgamento de crime doloso contra a vida seu processamento até a fase de pronúncia poderá ser pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em atenção à Lei 1134006 HC 73161SC 5ª Turma Rel Des Jane Silva convocada j 29082007 88 No mesmo sentido GIACOMOLLI op cit p 94 89 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 4 p 339 90 BORGES DE MENDONÇA Andrey Nova Reforma do Código de Processo Penal São Paulo Método 2008 p 48 91 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 4 p 342 92 Pensamos todavia que grau de instrução pressupõe logicamente alguma instrução Daí por que o analfabeto não poderá ser jurado pois a ausência de instrução não lhe permitirá sequer ler o relatório feito pelo juiz bem como as demais peças processuais e documentos apresentados impossibilitando assim sua participação no julgamento 93 No mesmo sentido Jader MARQUES Tribunal do Júri considerações críticas à Lei 1168908 cit p 111 afirma que se o réu por sua vontade pode deixar de ir ao julgamento em processo da competência do Tribunal do Júri tal hipótese deve estenderse a todos os demais casos sendo opcional a presença do acusado aos atos processuais em quaisquer tipos de procedimentos inclusive durante a investigação preliminar 94 E aqui se estabelece um interessante paradoxo os leigos recebem a decisão de pronúncia e acórdão confirmatório mas as partes não podem fazer menção a esses atos no debate art 478 Logo os leigos recebem algo que não compreendem pois são decisões técnicas e tampouco podem as partes explicar o que ali consta Somos favoráveis à proibição da exploração nos debates da decisão de pronúncia e acórdãos posteriores mas não achamos uma boa solução entregar essas decisões para os jurados Bastava o relatório do juiz 95 MARQUES Jader A Réplica e a Tréplica nos Debates do Tribunal do Júri Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal n 52 outnov 2008 96 Conforme explica NASSIF op cit p 122 97 No mesmo sentido RANGEL op cit p 643 98 Em sentido diverso NASSIF op cit p 144 sugere que tal tese seja perguntada após o segundo quesito ou seja indagase sobre a materialidade e autoria e após sobre o nexo causal apenas se for tese defensiva do contrário entendese que o nexo foi reconhecido no primeiro quesito 99 GIACOMOLLI Nereu José Reformas do Processo Penal cit p 102 100 Entre outros GOMES Luiz Flávio CUNHA Rogério Sanches e PINTO Ronaldo Batista Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito São Paulo RT 2008 p 222 101 Súmula n 156 do STF É absoluta a nulidade do julgamento pelo júri por falta de quesito obrigatório 102 Assim dispõe o Código Penal Efeitos genéricos e específicos Art 91 São efeitos da condenação I tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime II a perda em favor da União ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boafé a dos instrumentos do crime desde que consistam em coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito b do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso Art 92 São também efeitos da condenação I a perda de cargo função pública ou mandato eletivo a quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública b quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 quatro anos nos demais casos II a incapacidade para o exercício do pátrio poder tutela ou curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra filho tutelado ou curatelado III a inabilitação para dirigir veículo quando utilizado como meio para a prática de crime doloso Parágrafo único Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos devendo ser motivadamente declarados na sentença 103 No mesmo sentido RANGEL Direito Processual Penal 15 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 556 104 Derecho y Razón cit p 577 105 FAIREN GUILLEN Víctor El Jurado Madrid Marcial Pons 1997 p 57 106 Entre outras consultese nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal publicada pela Editora Lumen Juris 107 O objetivo é a máxima originalità do processo penal como explicam FERRAIOLI e DALIA na obra Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 568 e ss 108 LOPES JR Aury Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 209 e ss 109 IBÁÑEZ Andrés Perfecto Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada Granada n 2 1999 p 59 110 MOREIRA DE OLIVEIRA Marco Aurélio Costa O Número Ímpar de Jurados Material original gentilmente cedido pelo autor 111 Que deve ser um parente não muito distante do famoso homem médio figura folclórica da dogmática penal e que bem reflete a utilidade dos conceitos vagos de conteúdo impreciso e indeterminado para as manipulações interpretativas e subversões axiológicas 112 Ou ainda quando se argumenta da importância para a democracia de termos jurados eleitos exigir que ao embarcar num voo façase uma eleição para ver quem vai comandar a aeronave É óbvio que essa democracia ninguém quer e nem por isso somos adeptos do autoritarismo 113 Como informa ARAGONESES ALONSO Proceso y Derecho Procesal cit p 155 114 FAIREN GUILLEN Víctor El Jurado cit p 57 115 Conforme consta nas Actas del I Congreso Nacional de Derecho Procesal publicadas em Madri no ano de 1950 especialmente nas páginas 223 e 224 116 Que dizer então do sistema de votação dos famigerados quesitos Tratase de uma fonte inesgotável de nulidades processuais e de produção de graves injustiças A complexidade do nosso sistema de quesitação precisa ser urgentemente revisada Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Importância do trinômio açãojurisdiçãoprocesso Ação é um direito potestativo de acusar ius ut procedatur público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal Jurisdição para além do poderdever dizer o direito é um direito fundamental uma garantia de que ninguém será processado ou condenado senão pelo juiz natural e imparcial dentro do devido processo Sobre processo é importante recordar as três principais teorias já explicadas processo como relação jurídica Bülow processo como situação jurídica Goldschmidt e processo como procedimento em contraditório Fazzalari O processo penal pode ser de conhecimento ou de execução inexistindo um processo cautelar senão meras medidas cautelares Procedimento é o caminho ou itinerário composto de uma sequência de atos previstos em lei no qual cada um dos atos está ligado ao outro nexo genético sendo todos realizados em contraditório Fazzalari até o provimento final do juiz O processo penal admite distintas relações configuráveis entre os atos de modo que o processo de conhecimento comporta diferentes ritos procedimentos O rito poderá ser comum ou especial Forma é garantia e limite de poder Como regra os procedimentos e sua estrutura são indisponíveis sendo absoluta a nulidade por inobservância das regras procedimentais A jurisprudência contudo tem admitido a adoção do procedimento ordinário ordinarização procedimental em detrimento de outro especial por ser ele mais amplo desde que não viole o direito de defesa e tampouco subtraia a competência constitucional do Tribunal do Júri por exemplo São ritos comuns previstos no CPP a ordinário crime cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos arts 395 a 405 b sumário crimes cuja pena máxima seja inferior a 4 anos e superior a 2 anos arts 531 a 538 c sumaríssimo crimes de menor potencial ofensivo pena máxima igual ou inferior a 2 anos Lei n 909995 São ritos especiais previstos no CPP a responsabilidade dos funcionários públicos arts 513 a 518 b crimes contra a honra arts 519 a 523 c propriedade imaterial arts 524 a 530 I d Tribunal do Júri arts 406 a 497 Fora do Código de Processo Penal existem outros ritos especiais para crimes falimentares Lei n 11101 tóxicos Lei n 11343 competência originária dos tribunais Lei n 8038 abuso de autoridade Lei n 4898 crimes eleitorais Lei n 4737 lavagem de dinheiro Lei n 9613 entre outros Critérios utilizados para definição do procedimento gravidade do crime natureza do delito qualidade do agente 1 RITO ORDINÁRIO previsto nos arts 395 a 405 É destinado aos crimes cuja pena máxima cominada seja igual ou superior a 4 anos Morfologia do procedimento Denúncia ou queixa prazo de 5 dias réu preso ou 15 dias réu solto art 46 queixa prazo decadencial de 6 meses art 38 Devem estar presentes as condições da ação e também observar o art 41 sob pena de inépcia Momento de arrolar testemunhas até 8 por réufato art 401 Juiz recebe ou rejeita art 395 Resposta à acusação prazo de 10 dias art 396A Momento de arrolar testemunhas até 8 por réufato e apresentar exceções Essa defesa é imprescindível se não for apresentada será nomeado defensor dativo Absolvição sumária art 397 gera coisa julgada formal e material Pode o juiz rejeitar a denúncia ou queixa neste momento após já ter recebido por falta de justa causa hipótese não prevista no art 397 Entendemos que sim pois não há preclusão pro iudicato neste tema e ele pode desconstituir o recebimento proferindo uma nova decisão de rejeição Audiência de instrução e julgamento a ser realizada no prazo de 60 dias prazo sem sanção será como regra uma audiência única art 400 Sequência de atos Oitiva da vítima testemunha de acusação testemunha de defesa peritos acareações reconhecimentos interrogatório diligências art 402 debates orais ou memoriais sentença 2 RITO SUMÁRIO crimes cuja pena máxima é inferior a 4 anos e superior a 2 anos se for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo do JECrim Arts 531 a 538 do CPP Difere do rito ordinário na redução do prazo máximo de realização da audiência de instrução e julgamento 30 dias enquanto no ordinário é 60 no número de testemunhas até 5 testemunhas e pela inexistência das diligências do art 402 Morfologia do rito Audiência de instrução e julgamento art 531 a ser realizada no prazo de 30 dias prazo sem sanção será como regra uma audiência única Sequência de atos Oitiva da vítima testemunha de acusação testemunha de defesa peritos acareações reconhecimentos interrogatório debates orais ou memoriais sentença 3 RITO ESPECIAL Crimes praticados por servidores públicos contra a administração Previsto nos arts 513 a 518 Sustentamos a ordinarização do procedimento mas há divergência e autores afirmando a existência de duas respostas escritas à acusação arts 514 396A Morfologia Peculiaridades procedimentais julgamento por juiz de direito sempre haverá resposta à acusação problemática do art 513 e da Súmula n 330 do STJ com inquérito ou sem ele independentemente de ser afiançável ou não 4 RITO ESPECIAL Crimes contra a honra arts 519 a 523 Morfologia do procedimento como regra segue o rito sumaríssimo do JECrim explicado adiante mas quando não for de competência do Juizado seguirá o seguinte rito Peculiaridades Procedimentais além da calúnia e injúria também se aplica à difamação lei de imprensa foi declarada inconstitucional como regra os crimes contra a honra serão julgados no Juizado Especial Criminal pois a pena máxima é inferior a 2 anos exceto se houver concurso de crimes em que a soma ou aumento das penas exceda o limite da competência do JECrim situação em que será aplicado o rito especial dos arts 519 a 523 se o crime for praticado contra a honra do Presidente da República procedese mediante requisição do Ministro da Justiça não há prazo decadencial neste caso aplicase a Súmula n 714 do STF quando o crime for contra a honra de servidor público no exercício das funções propter officium que estabelece ser a legitimidade concorrente queixa ou representação fase prévia de reconciliação exceto se a ação penal for pública art 520 na presença dos advogados gerando extinção da punibilidade pela renúncia se exitosa ausência do querelante pode acarretar perempção art 60 III exceto se presente o advogado devidamente constituído pedido de explicações art 144 do CP é facultativo e será prévio ao exercício da ação penal a exceção da verdade cabe em relação à calúnia e difamação quando o ofendido for servidor público É apresentada no prazo da resposta à acusação Quando oposta em relação à pessoa detentora de prerrogativa de função querelante deve a exceção ser encaminhada ao respectivo tribunal 5 RITO ESPECIAL DA LEI DE TÓXICOS Morfologia da Lei n 11343 Problemática Considerando que a Lei de Tóxicos é anterior à reforma de 2008 bem como o disposto no art 394 4º e 5º do CPP estabeleceuse uma problemática seguir o rito da lei de tóxicos ou adequar à reforma de 2008 Entre as posições encontradas adotamos a tese da necessidade de adequação à reforma deslocandose o interrogatório para o último ato da instrução e admitindo a absolvição sumária após a resposta à acusação Peculiaridades procedimentais analisar a pena do tipo penal pois pode ser de competência do JECrim vg arts 28 parágrafo único 33 3º 38 da Lei n 11343 laudo de constatação provisória firmado por um perito suficiente para homologação do flagrante e recebimento da denúncia laudo definitivo imprescindível para condenação quando caracterizada a transnacionalidade internacionalidade do delito a competência é da justiça federal 6 RITO SUMARÍSSIMO LEI N 909995 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS 61 Competência do JECrim infrações penais de menor potencial ofensivo pena máxima não superior a 2 anos Justiça estadual ou federal desde que presente alguma situação do art 109 da CF Problemática no caso de concurso de crimes formal material ou continuado Há duas posições a aplicamse por analogia as Súmulas n 723 do STF e n 243 do STJ somamse as penas máximas em caso de concurso material ou considerase o maior aumento de pena em caso de concurso formal ou crime continuado b analisamse as penas de forma isolada no concurso material não se somam as penas e desprezase o aumento decorrente no concurso formal ou na continuidade delitiva Aplicase o art 119 do CPP e também a nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 62 Rito Sumaríssimo no JECrim 63 INSTITUTOS PROCESSUAIS 631 Composição dos Danos Civis arts 74 e 75 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena máxima seja igual ou inferior a 2 anos Só cabe em ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada a representação O acordo pode ser feito extrajudicialmente ou na audiência preliminar Acarreta a extinção da punibilidade pela renúncia ao direito de queixa ou de representação e gera um título executivo judicial A nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 permite a composição fora do JECrim quando for adotado outro rito em razão da conexão ou continência neste caso será oferecida só em relação ao crime cuja pena máxima é igual ou inferior a 2 anos 632 Transação Penal art 76 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena máxima seja igual ou inferior a 2 anos Ato bilateral devendo ser aceita pela defesa Com a nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 permitese a transação penal fora do JECrim quando for adotado outro rito em razão da conexão ou continência neste caso será oferecida só em relação ao crime cuja pena máxima é igual ou inferior a 2 anos É um direito público subjetivo do réu e consiste na aplicação antecipada de pena de multa ou restritiva de direitos Pode ser oferecida uma vez a cada 5 anos Não gera reincidência ou maus antecedentes Caso o MP não ofereça mas presentes os requisitos parte da doutrina sustenta que deve ser aplicada a Súmula n 696 do STF por analogia art 28 do CPP Mas há divergências e nosso entendimento é de que poderá o juiz oferecer Cabe transação penal na ação penal de iniciativa privada inclusive pelo Ministério Público se o querelante se recusar a fazêlo Descumprida a transação penal predomina o entendimento de que o Ministério Público poderá retomar o feito e oferecer denúncia 633 Suspensão Condicional do Processo art 89 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a 1 ano É um ato bilateral devendo haver aceitação do réu Limite de pena mínima igual ou inferior a 1 ano e concurso de crimes formal material e continuidade aplicamse as Súmulas n 243 do STJ e n 723 do STF Acarreta a suspensão do processo por 2 a 4 anos durante o qual deverá o réu cumprir determinadas condições gerando a extinção da punibilidade ao final não gera reincidência nem maus antecedentes É direito público subjetivo do réu Se preenchidas as condições não for oferecida Súmula n 696 do STF art 28 do CPP Mas nosso entendimento é de que poderá ser oferecida pelo juiz visto que direito do acusado Também tem cabimento nos crimes de ação penal privada Súmula n 337 do STJ cabe suspensão condicional após a denúncia quando houver desclassificação ou condenação parcial Se isso acontecer em grau recursal devem os autos voltar à origem para oferecimento sob pena de supressão de grau de jurisdição Descumpridas as condições durante o período de provas o processo retomará seu curso Se após cumprido o período de provas mas antes da extinção da punibilidade se descobrir que não houve cumprimento das condições impostas pode haver revogação da suspensão e retomada do processo 64 RECURSOS Da rejeição da denúncia ou queixa e da sentença apelação no prazo de 10 dias art 82 Embargos de declaração prazo de 5 dias suspende prazo da apelação É possível Recurso Extraordinário para o STF nos casos em que tem cabimento art 102 III da CF mas não cabe Recurso Especial Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF Revisão Criminal será julgada pelo STF 65 CRÍTICAS AO SISTEMA DE JUSTIÇA NEGOCIADA Várias são as críticas feitas ao sistema de justiça negocial e também à estrutura e funcionamento dos Juizados Especiais Criminais e seus institutos 7 RITO DOS CRIMES DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI Previsão constitucional art 5º XXXVIII da CF assegurandose a plenitude de defesa sigilo das votações soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida tentados ou consumados art 74 do CPP 71 MORFOLOGIA DO PROCEDIMENTO Debates 1h30min para acusação igual tempo para defesa Poderá haver réplica 1h e tréplica 1h Havendo dois ou mais réus aumentase 1 hora no tempo da acusação e 1 hora no da defesa réplica 2h e tréplica 2h 72 DECISÕES DE PRONÚNCIA IMPRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E DESCLASSIFICAÇÃO 721 Pronúncia art 413 quando o juiz se convencer da materialidade e de indícios suficientes de autoria ou participação É uma decisão interlocutória mista não terminativa atacável pelo recurso em sentido estrito art 581 IV que não faz coisa julgada material Inclui qualificadoras e causas de aumento não decide sobre agravantes atenuantes ou causas de diminuição da pena A linguagem empregada na decisão de pronúncia deverá ser sóbria comedida e sem excessos limitandose a fazer um juízo de verossimilhança para evitar a contaminação dos jurados Não podem as partes em plenário fazer referência à decisão de pronúncia e posteriores art 478 do CPP Mas os jurados recebem cópia da pronúncia art 472 parágrafo único In dubio pro societate É uma questão problemática pois parte da doutrina ainda sustenta que na fase da pronúncia deve o juiz orientarse por esse princípio pronunciando o réu mesmo em caso de dúvida Contudo tal posição é criticável pois não há suporte constitucional ou legal para o referido princípio apenas para o in dubio pro reo que brota da presunção constitucional de inocência O tema é controvertido Pronúncia imprópria é quando o juiz pronuncia o réu pelo crime mas impronuncia pela qualificadora Afastada a qualificadora neste momento não pode a mesma situação fática ser alegada em plenário para que o juiz considere na sentença a título de agravante pois o que se excluiu foi a situação fática Crime conexo pronunciado o crime doloso contra a vida o crime conexo o seguirá quando da redistribuição Não pode o conexo ser objeto de sentença condenatória ou absolutória Preclusão da Pronúncia art 421 não pode ser realizado o júri na pendência de recurso mesmo que ele não tenha efeito suspensivo 722 Impronúncia art 414 Decisão terminativa que encerra o processo sem julgamento de mérito porque o juiz não se convenceu da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação não havendo produção de coisa julgada material poderá haver nova acusação enquanto não estiver extinta a punibilidade Desta decisão caberá apelação art 416 É criticada substancial inconstitucionalidade porque gera um estado de pendência de incerteza de indefinição Crime conexo se não for de competência do júri será redistribuído para o juízo competente Não é objeto de decisão neste momento Despronúncia termo empregado por Espínola Filho para designar aquela tomada pelo tribunal que julgando recurso interposto contra uma decisão de pronúncia dá provimento para impronunciar o réu seria uma desconstituição da decisão de pronúncia 723 Absolvição Sumária art 415 Verdadeira sentença de mérito que faz coisa julgada material impugnável por apelação art 416 Entre os casos de absolvição sumária problemática é a situação do inimputável art 415 parágrafo único devendose distinguir inimputável com tese defensiva e inimputável sem tese defensiva No primeiro caso com tese defensiva deverá ser processualmente tratado como se imputável fosse até a sentença Logo pode ser pronunciado impronunciado absolvido sumariamente sem medida de segurança ou desclassificado Somente ao final se acolhida a tese acusatória no plenário do júri é que será proferida a sentença de absolvição imprópria com medida de segurança Diferente é o inimputável sem tese defensiva neste caso deverá o juiz absolver sumariamente e aplicar medida de segurança In dubio pro societate persiste a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da incidência deste princípio no momento de aferir se é caso ou não de absolvição sumária Como já explicado pensamos que tal adágio latino não tem base constitucional e que se aplica o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência in dubio pro reo Crime conexo não pode ser julgado neste momento devendo ser redistribuído exceto se de competência do júri 724 Desclassificação Própria e Imprópria arts 418 e 419 do CPP Desclassificar é dar ao fato uma definição jurídica diversa podendo ocorrer na primeira fase ou em plenário Na primeira fase Desclassificação Própria quando o juiz dá uma definição jurídica diversa que exclui da competência do júri vg de tentativa para lesões de doloso para culposo etc O processo é redistribuído e o conexo vai junto Desta decisão caberá recurso em sentido estrito art 581 II Desclassificação Imprópria o crime residual continua sendo de competência do júri ele desclassifica mas pronuncia Exemplo de infanticídio para homicídio simples O conexo segue o prevalente ou seja vai para o júri Desta decisão que será de pronúncia caberá recurso em sentido estrito art 581 IV In dubio pro societate persiste a divergência doutrinária e jurisprudencial anteriormente explicada Desclassificação em Plenário também pode ser própria ou imprópria mas decorre da forma como os jurados respondem aos quesitos É própria quando os jurados negam a tentativa ou negam o dolo direto e eventual afastando a competência do júri e cabendo ao juiz presidente proferir a decisão O conexo segue o prevalente sendo julgado pelo juiz presidente Já na desclassificação imprópria restrita aos casos de excesso culposo na excludente ou quando admitida a participação dolosamente distinta entendese que os jurados firmaram a competência e podem julgar o crime conexo Desclassificação própria em plenário e prescrição a pronúncia segue como marco interruptivo ver Súmula 191 do STJ 73 JULGAMENTO EM PLENÁRIO na sessão de julgamento será feita a chamada dos 25 jurados devendo comparecer no mínimo 15 jurados arts 462 a 464 serão sorteados 7 que irão compor o conselho de sentença As partes podem fazer 3 recusas imotivadas art 468 e recusas motivadas sem limite art 471 Os jurados prestarão compromisso art 472 e receberão cópia da pronúncia e do relatório do processo art 472 parágrafo único Instrução em plenário oitiva vítima testemunhas arroladas pela acusação defesa acareações reconhecimentos de pessoas e coisas leitura de peças somente de prova colhida por carta precatória ou cautelares antecipadas art 473 3º e finalmente o interrogatório do réu em plenário direito de não comparecer art 457 Debates 1h30min para acusação igual tempo para defesa art 477 Havendo mais de um acusado aumentase em 1h o tempo de acusação e defesa Réplica em 1h e tréplica em igual tempo Havendo mais de um acusado duplicase o tempo 2h da réplica e tréplica Não pode fazer referência nos debates à decisão de pronúncia e posteriores que a confirmaram uso de algemas silêncio do acusado no interrogatório ou ausência de interrogatório por falta de requerimento art 478 Leitura de documentos devem ser juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis Não se admite surpresa Arts 479 e 481 Quesitos art 483 Decisão definida a partir de no mínimo 4 votos 1º Materialidade no dia tal às tantas horas na rua X Fulano de Tal foi atingido por disparos de arma de fogo sofrendo as lesões descritas no auto de necropsia da fl 10 que causaram a sua morte SIM afirma a existência do fato NÃO absolve o réu se essa for a tese defensiva senão o juiz pode repetir o quesito art 490 2º AutoriaParticipação o réu Mané de Tal desferiu os tiros referidos no quesito anterior SIM afirma autoria NÃO absolve o réu por negativa de autoriaparticipação se essa for a tese defensiva senão o juiz repete o quesito art 490 3º Quesito genérico da absolvição é obrigatório sob pena de nulidade absoluta Súmula 156 do STF O jurado absolve o acusado SIM está absolvido NÃO está condenado Se condenado passase à formulação dos quesitos relativos às eventuais causas de diminuição da pena qualificadoras ou causas de aumento da pena art 483 IV e V TESE DEFENSIVA DESCLASSIFICAÇÃO Ver art 483 4º e 5º DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME CULPOSO não se quesita culpa pois é um conceito jurídico e o júri tampouco tem competência para julgar crime culposo Quesitase sobre o dolo direto e eventual sendo que a recusa conduz à desclassificação própria Mas há divergências e autores sustentando a possibilidade de quesitar a culpa imprudência imperícia ou negligência Após a quesitação será proferida a sentença pelo juiz condenatória ou absolutória conforme o decidido pelos jurados arts 492 e 493 Capítulo XVIII DECISÕES JUDICIAIS E SUA NECESSÁRIA MOTIVAÇÃO SUPERANDO O PARADIGMA CARTESIANO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO CONGRUÊNCIA COISA JULGADA 1 Dikelogía La Ciencia de la Justicia Iniciamos com essa homenagem a WERNER GOLDSCHMIDT cuja obra La Ciencia de la Justicia Dikelogía escrita em 1958 Madrid editorial Aguilar somente reeditada em 1986 Buenos Aires Depalma serviu de inspiração para essa introdução pois de forma muito peculiar o filho de James Goldschmidt genial processualista alemão propõe um debate em torno da justiça não só pela perspectiva axiológica mas também axiosófica1 A justiça como tema de uma ciência própria dikelogía é uma proposta complexa que parte de uma interessante afirmação La ciencia de la justicia es una ciencia nueva que trata de un tema viejo su denominación como dikelogía es un nombre viejo con sentido nuevo2 Explica o autor que a palavra dikelogía pode ser encontrada na obra de Altusio de 1617 que não a utiliza para o conceito de uma ciência da justiça senão denomina assim uma enciclopédia do direito positivo O jurisconsulto romano Ulpiano na filosofia estoica define justiça como a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu contemplando nessa descrição de justiça o hábito volitivo e intelectual de valoração estimando de modo positivo e negativo Justiça é virtude e é valor Mas também é um tema ético Partindo disso Werner GOLDSCHMIDT desenha em sua obra as diferentes formas de reparto sem descuidar do princípio supremo da justiça el principio supremo de la justicia estatuye la liberdad del desarrollo de la personalidad E ainda La justicia protege al individuo contra toda influencia que ponga en peligro su libertad de desarrollar su personalidad3 Isso coloca o pensamento do autor judeu alemão cuja família peregrinou pela Espanha fugindo da perseguição nazista até o exílio definitivo na América do Sul em íntima conexão com o humanismo e a tolerância valores tão exaltados em sua obra Esses princípios aponta ARAGONESES ALONSO4 tendem a construir um Estado Democrático de Direito en el que se reconoce que la dignidad de la persona los derechos inviolables que le son inherentes el libre desarrollo de la pesonalidad el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del ordem político e de la paz social Não sem razão ainda que com variações na fórmula as principais constituições europeias asseguram o direito fundamental al libre desarrollo de la personalidad Sob sua inspiração até pelo profícuo convívio ARAGONESES ALONSO5 afirma que incluso tiene el Estado el deber de proteger al propio delincuente pues esto también es una forma de garantizar el libre desarrollo de la personalidad que es la función de la justicia E por que a referência à Diké Afinal a deusa da justiça não é Themis ou Témis Na mitologia grecoromana explica OST6 Zeus sobrevive à ira de seu pai Kronos Deustempo graças à esperteza de Reia sua mãe que o esconde numa gruta para não ser devorado como seus irmãos pois Kronos após tomar o lugar de seu pai tratou de fugir da profecia de que um de seus filhos o destronaria como ele tinha feito anteriormente cortando os testículos de seu pai com uma foice tendo o cuidado de devorálos assim que sua mulher Reia os punha no mundo Dessa vez para salvar a cria Reia entrega ao esposo uma pedra envolta em faixas para que ele a devore Chegando à idade adulta Zeus encabeçou uma revolta e pôs fim ao reino de Kronos enviandoo para o Tártaro As filhas de Zeus e Témis também se encontra com a grafia Têmis ou Themis chamavamse Thallô Auxô e Carpô três nomes que evocam as ideias de germinar crescer e fortificar Mas na vertente política denominavamse Eunomia Diké e Eirénè isto é a disciplina a justiça e a paz Como bem explica ALMEIDA PRADO7 Têmis era uma deusa matriarcal reflexo de uma época em que as mulheres eram depositárias da sabedoria da comunidade e os homens se entregavam à arte da guerra filha de Gaia Terra e Urano Céu irmã das Eríneas que também protegiam a ordem social Têmis é a deusa da justiça divina personificando a Lei e a organização do Universo É uma matriz mitologêmica de onde partiram todas as deusas da Justiça Já Diké ou Astreia filha de Zeus e Têmis irmã da verdade é a justiça do caso concreto a portadora do Direito que ela traz do Olimpo para a Terra Não sem razão segue a autora o ato de julgar se diz dikazein Diké era simbolizada no início com uma balança na mão esquerda à qual se adicionou mais tarde a espada A venda nos olhos é muito posterior para representar o caráter abstrato da justiça Assim a deusa da justiça do caso concreto e portanto personificadora do julgar é Diké Daí por que mais um acerto na expressão dikelogía O ato de julgar e todo o complexo ritual judiciário não é algo que possa ser pensado exclusivamente desde o Direito pois precisa dialogar em igualdade de condições com a Filosofia Também não é um tema puramente filosófico porque além de jurídico é antropológico pois nosso juiz é um sernomundo que jamais partirá de um grau zero de compreensão ou significação inserido que está na circularidade hermenêutica Para além disso muito além é o juiz um filho da flecha do tempo dromologicamente pensada com Virilio e outros de uma sociedade em busca de valores Prigogine e Morin Unese ou fundese a essa liga científica a psicanálise pois acima de tudo estamos diante do sentire de um juiznomundo que precisa julgar outro sujeito e o faz através da linguagem Até mesmo a neurociência é chamada ao profícuo diálogo pois não se pode mais insistir no erro de Descartes parafraseando António Damásio e não há ponto final aqui nem poderia haver Dessarte ainda que dessas questões não se tenha ocupado expressamente Werner Goldschmidt pensamos que a denominação dikelogía bem expressa a complexa ciência da justiça que se deve construir pois não vem dada por nenhum manual ou tratado jurídico filosófico antropológico etc senão que se situa no entrelugar no entreconceito que somente pela via da interdisciplinaridade é possível alcançarse um grau mínimo de compreensão Nessa perspectiva deve ser pensado a ato decisório pluridimensional e complexo pois melhor do que qualquer outro ato judicial dá representatividade e realidade à justiça A função dessa breve introdução é o convite à reflexão e a salutar recusa ao monólogo científico jurídico ou não e aos excessivos reducionismos da complexidade costumeiramente feitos nesse tema 2 Controle da Racionalidade das Decisões e Legitimação do Poder Para o controle da eficácia do contraditório e do direito de defesa bem como de que existe prova suficiente para sepultar a presunção de inocência é fundamental que as decisões judiciais sentenças e decisões interlocutórias estejam suficientemente motivadas Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder premissa fundante de um processo penal democrático Nesta linha está expressamente consagrada no art 93 IX da CB No modelo constitucional não se admite nenhuma imposição de pena sem que se produza a comissão de um delito sem que ele esteja previamente tipificado por lei sem que exista necessidade de sua proibição e punição sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros sem o caráter exterior ou material da ação criminosa sem a imputabilidade e culpabilidade do autor e sem que tudo isso seja verificado através de uma prova empírica levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público contraditório com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido Explica FERRAJOLI que el modelo penal garantista equivale a un sistema de minimización del poder y de maximización del saber judicial en cuanto condiciona la validez de las decisiones a la verdad empírica y lógicamente controlable de sus motivaciones8 O juízo penal e toda a atividade jurisdicional é um saberpoder uma combinação de conhecimento veritas e de decisão auctoritas Com esse entrelaçamento quanto maior é o poder menor é o saber e viceversa No modelo ideal de jurisdição tal como foi concebido por Montesquieu o poder é nulo No modelo autoritarista totalmente rechaçado na atualidade o ponto nevrálgico está exatamente no oposto ou seja na predominância do poder sobre o saber e a quase eliminação das formas de controle da racionalidade O processo está destinado a comprovar se um determinado ato humano ocorreu na realidade empírica Com isso o saber enquanto obtenção de conhecimento sobre o fato é o fim a que se destina o processo que deverá ser um instrumento eficaz para sua obtenção Claro tudo isso sem incorrer no erro de crer na mitológica verdade real A dimensão do poder considerado como coação que afeta o sujeito passivo da atuação processual necessário para atingir esse saber tem de ocupar um lugar secundário e permanecer sujeito a regras muito estritas presididas pelos princípios da necessidade e respeito aos direitos fundamentais e proporcionalidade racionalidade na relação meiofim FERRAJOLI defende não só a humanização do poder mas também uma importante inversão do paradigma clássico eis que agora o saber deve predominar O poder somente está legitimado quando calcado no saber judicial de modo que não mais se legitima por si mesmo Isso significa uma verdadeira revolução cultural como define IBÁÑEZ9 por parte dos operadores jurídicos e dos atores processuais Nesse contexto a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Como define IBÁÑEZ10 o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicaçãoexplicação um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional Quando se fala em racionalidade e razão é importantíssimo destacar que concepção estamos dando à deusa razão Não se trata da razão no sentido cartesiano que separa a mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção Isso sugere que pensar e ter consciência de pensar são os verdadeiros substratos de existir pois Descartes via o ato de pensar como uma atividade separada do corpo desvinculando a coisa pensante do corpo não pensante11 O erro está na separação abissal entre o corpo e a mente12 Essa racionalidade queremos transcender na esteira de ANTÓNIO DAMÁSIO Demonstrou o renomado neurologista na célebre obra O Erro de Descartes13 após a observação de pacientes que tiveram removidas partes do cérebro responsáveis pelo sentimento e a emoção que a racionalidade é incompleta e resulta seriamente prejudicada quando não existe nenhuma ligação com o sentimento Para o autor o fenômeno é exatamente oposto àquele descrito por Descartes na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser É o erro de considerar como muitos ainda o fazem que a mente pode ser perfeitamente explicada em termos de fenômenos cerebrais deixando de lado o resto do organismo e o meio ambiente físico e social É a prática médica de tratar do corpo sem se preocupar com as consequências psicológicas das doenças do corpo fechando os olhos ainda para o efeito inverso dos conflitos psicológicos no corpo A questão interessanos e muito não só porque desvela diversos mitos mas principalmente porque quando os seres humanos não conseguem ver a tragédia inerente à existência consciente sentemse menos impelidos a fazer algo para minimizála e podem mostrar menos respeito pelo valor da vida Talvez a coisa mais indispensável que possamos fazer no nosso dia a dia enquanto seres humanos seja recordar a nós próprios e aos outros a complexidade fragilidade finitude e singularidade que nos caracteriza14 Não existe racionalidade sem sentimento emoção daí a importância de assumir a parcela inegável de subjetividade no ato decisório Também isso contribui para desvelar a hipocrisia do discurso paleo positivista da neutralidade do juiz além de evidenciar que o enfoque legalista paleopositivismo não é outra coisa que um mecanismo de defesa que o julgador lança mão para não introjetar sua sombra15 Como explicamos anteriormente não basta ter um juiz devemos atentar a serviço de quem e do que ele está É também nessa linha que FERRAJOLI16 desenvolve as noções de estrita jurisdicionalidade e mera jurisdicionalidade Ao primeiro caso corresponde o modelo processual garantista cognoscitivo orientado pela averiguação da verdade processual empiricamente controlável e controlada Ao segundo corresponde o modelo decisionista substancialista dirigido à descoberta de uma verdade substancial e global fundada essencialmente em valorações éticas políticas morais que vão mais além da prova processualizada Por fim como aponta FERNANDO GIL17 não há que se dar excessiva importância à argumentação e à sua teoria embora se deva reconhecer a importância da dialética argumentativa a pretensão de dissolver a ideia de prova na ideia de argumentação é de todo inaceitável Não corresponde a qualquer realidade Em síntese o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos não basta apenas boa argumentação submetidos ao contraditório e refutáveis A fundamentação das decisões é instrumento de controle da racionalidade e principalmente de limite ao poder e nisso reside o núcleo da garantia Permite ainda aferir que verdade brota do processo evitando assim o substancialismo da mitológica verdade real Ademais é crucial que a fundamentação seja construída a partir dos atos de prova devidamente submetidos a jurisdicionalidade e contraditório Em última análise é a motivação das decisões judiciais um dos principais instrumentos de controle do decisionismo e de proteção contra o juiz solipsista STRECK a seguir tratado 21 Invalidade Substancial da Norma e o Controle Judicial Com o advento da Constituição de 1988 muitos dispositivos do atual CPP não resistem à necessária passagem pelo filtro constitucional Ou para tanto exigem um considerável esforço de adaptação do intérprete Recordando a lição de BOBBIO18 com a constitucionalização dos direitos naturais o tradicional conflito entre o direito positivo e o direito natural e entre o positivismo jurídico e o jus naturalismo perdeu grande parte do seu significado O anterior contraste entre a lei positiva e a lei natural transformouse em divergência entre o que o direito é e o que o direito deve ser no interior do ordenamento jurídico ou ainda nas palavras de FERRAJOLI o conflito agora está centrado no binômio efetividade e normatividade à luz da principiologia constitucional Mais do que nunca o Código de Processo Penal exige uma constante adaptação e necessárias correções para que seus dispositivos possam ser aplicados Nessa tarefa é crucial o papel do Poder Judiciário O juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor que não pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados como no superado modelo positivista Nessa tarefa o juiz não pode confundir vigência com validade pois só assim poderá identificar a substancial invalidade de uma determinada lei processual que não sobreviveu ao filtro constitucional de validade Ensina FERRAJOLI19 que o grande erro está em identificar os planos da existência vigência com o da validade A simples vigência de uma norma na dogmática tradicional conduz à validade e isso é um grave equívoco Devemos analisar a validade sob dois aspectos formal e substancial As normas substanciais dizem respeito ao significado à própria substância do direito Aqui entram os princípios como fator limitador e vinculante da atividade legislativa Assim uma norma que viola o princípio da jurisdicionalidade ou do contraditório vg por mais que tenha validade formal ou vigência existência pode ser inválida e como tal suscetível de anulação por confrontar uma norma substancial sobre sua produção Como explica FERRAJOLI20 a existência de normas inválidas pode ser facilmente compreendida com a mera distinção entre duas dimensões a regularidade ou legitimidade das normas que se pode chamar de vigência ou existência dizendo respeito à forma do ato normativo e depende da conformidade ou correspondência com normas formais sobre sua produção b validade propriamente dita ou em se tratando de leis a constitucionalidade que ao contrário tem a ver com seu significado ou conteúdo e que depende da coerência com as normas substanciais de sua produção São conceitos assimétricos e independentes entre si A vigência guarda relação com a forma dos atos normativos é uma questão de subsunção ou correspondência entre seus atos produtivos e as normas que regulam sua formação legalidade do aspecto formal do processo legislativo A validade referese ao seu significado é uma questão de coerência ou compatibilidade das normas produzidas com as de caráter substancial sobre sua produção FERRAJOLI21 identifica duas classes de normas sobre a produção jurídica 1 Formais condicionam a validade e também dão a dimensão formal da democracia política pois se referem ao quem e ao como das decisões São garantidas pelas normas que disciplinam as formas das decisões assegurando com elas a expressão da vontade da maioria 2 Material referese à democracia substancial posto que relacionada ao que não se pode decidir ou deva ser decidido por qualquer maioria e está garantida pelas normas substanciais que regulam a substância e o significado das mesmas decisões vinculandoas sob pena de invalidade ao respeito aos direitos fundamentais e demais princípios axiológicos estabelecidos pela Constituição Os direitos fundamentais configuram vínculos negativos gerados pelos direitos de liberdade que nenhuma maioria pode violar e os vínculos positivos gerados pelos direitos sociais que nenhuma maioria pode deixar de satisfazer Os direitos fundamentais são garantidos para todos e estão fora do campo de disponibilidade do mercado e da política formando o que FERRAJOLI22 classifica como esfera do indecidível que e do indecidível que não Com isso ainda que sumariamente definimos que a norma processual penal ou penal possui uma dimensão formal e outra substancial A primeira significa a observância do regular processo legislativo de sua elaboração e lhe atribui apenas a vigência e validade formal No modelo constitucional a validade da norma já não é um dogma associado à mera existência formal da lei senão uma qualidade contingente da mesma ligada à coerência de seus significados com a Constituição coerência mais ou menos opinável e sempre remetida à valoração do juiz Interessanos pois sua dimensão substancial verificando se ela ainda que existente possui quando de sua aplicação uma validade substancial ou seja se guarda coerência e estrita observância com os direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos Mais do que a filtragem constitucional deve o juiz atentar para o controle da convencionalidade das leis ordinárias ou seja se o CPP o CP ou qualquer lei ordinária não está em conflito com a Convenção Americana de Direitos Humanos O controle judicial da convencionalidade tão bem explicado por MAZZUOLI23 pode se dar pela via difusa ou concentrada merecendo especial atenção a via difusa pois exigível de qualquer juiz ou tribunal No RE 466343SP e no HC 87585TO o STF firmou posição por maioria apertada determinando que a CADH tem valor supralegal ou seja está situada acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Contudo estamos com Valerio MAZZUOLI e o Min CELSO DE MELLO que sustentam posição diversa no sentido de que tal tratado tem índole e nível constitucional por força do art 5º 2º da CF Inobstante a divergência coincidem as posições no sentido de que a CADH é um paradigma de controle da produção e aplicação normativa doméstica incumbindo aos juízes e tribunais ao aplicar o CPP ou qualquer lei ordinária verificar se está em conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos pois a Constituição não é mais o único referencial de controle das leis odinárias Enfim uma análise muito mais abrangente e que supera o mero legalismo É nesse terreno que o jurista e o juiz devem trabalhar 22 A Superação do Dogma da Completude Jurídica Quem nos Protege da Bondade dos Bons24 Verificada a vigência de uma norma dimensão formal cumpre indagar se ainda assim é possível haver lacunas e conflitos internos dicotomias As antinomias e lacunas do sistema são perfeitamente possíveis e nisso reside seu maior mérito pois uma perfeita coerência e plenitude só podem ocorrer em um Estado absoluto onde qualquer norma existente é válida simplesmente porque foi produzida de acordo com as formas estabelecidas pelo ordenamento O dogma da completude jurídica está há muito superado BOBBIO25 ensina que a escola da exegese já foi abandonada e substituída pela escola científica O caráter peculiar da escola da exegese é a admiração incondicional pela obra realizada pelo legislador através da codificação uma confiança cega na suficiência das leis a crença de que os códigos uma vez promulgados bastamse completamente a si próprios isto é sem lacunas É a ilusão de que no sistema não há nada a acrescentar ou retirar e de que não existem conflitos O dogma da completude cai por terra quando verificamos que o sistema está eivado de lacunas e de conflitos internos antinomias Compreendase que todo saber é datado e possui um prazo de validade ensinou EINSTEIN Com os códigos e as leis ocorre o mesmo pois são manifestações de um saber circunscrito num determinado espaçotempo Portanto envelhecem e ficam em desacordo com os novos valores sociais vigentes Ademais não há mais espaço para o juiz paleopositivista boca da lei A possibilidade do direito inválido ou lacunoso a divergência entre normatividade e efetividade entre o deverser e o ser do direito é condição prévia tanto do Estado Constitucional de Direito quanto da própria dimensão substancial da democracia bem como a superação do papel do juiz como mero aplicador da lei O papel do juiz no processo penal constitucional é o de alguém que deve fazer a filtragem constitucional e eleger os significados válidos da norma e das versões trazidas pelas partes fazendo constantemente juízos de valor Com isso não só demonstramos a existência de uma dimensão substancial da norma como também que a mera vigência é insuficiente na medida em que o sistema está eivado de lacunas e principalmente de dicotomias Com propriedade MORAIS DA ROSA26 explica que os cavaleiros da prometida plenitude a partir dessas crenças congregam em si o poder de dizer o que é bom para os demais mortais neuróticos por excelência pois precisam preencher sua falta com algo surgindo daí um objeto de amor capaz de fazer amar ao chefe censurador tido como necessário para o laço social Portanto o amor mantém a crença pela palavra do poder a qual será objeto de amor Nessa linha compreendese que o objeto de amor submissão e obediência portanto além da lei passa pelo paitribunal e ainda à palavra autorizada lugar historicamente ocupado pelo senso comum teórico não raras vezes autênticos cavaleiros da prometida e desejada plenitude Essa ambição quase infantil por segurança e plenitude contribui para a constituição do juiz infalível como substituto do pai capaz de determinar com pleno acerto o que é justo e o que é injusto Mas também por outro lado cria todas as condições necessárias para o desenvolvimento de patologias judiciais pois empurra o juiz para o lugar de semideus com a agravante da crença na bondade dos bons Preciosa é a lição de MARQUES NETO27 quando explica que uma vez perguntei quem nos protege da bondade dos bons Do ponto de vista do cidadão comum nada nos garante a priori que nas mãos do Juiz estamos em boas mãos mesmo que essas mãos sejam boas É elementar que a administração da justiça não pode depender da bondade do bom senso ou de qualquer outro tipo de abertura axiológica desse estilo para legitimar o exercício do poder Novamente despontam as regras do devido processo como ponto crucial da discussão especialmente no que tange à legitimação do poder exercido em tão complexo ritual Defendendo a hermenêutica constitucional e a interpretação teoricamente demarcada PEREIRA LEAL28 sustenta que o decidir não mais pode escorrer do cérebro de um julgador privilegiado que guardasse um sentir sapiente por juízos de justiça e segurança que só ele pudesse com seus pares aferir induzir ou deduzir transmitir e aplicar Nessa linha além da necessária conformidade constitucional deve o juiz estrito respeito às regras do jogo e aos valores em jogo especialmente no processo penal em que o due process of law adquire um valor inegociável O problema aponta COUTINHO29 é saber o que é a bondade para ele Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes e neste diapasão os exemplos multiplicamse Em um lugar tão vago por outro lado aparecem facilmente os conhecidos justiceiros sempre lotados de bondade em geral querendo o bem dos condenados e antes o da sociedade Em realidade há aí puro narcisismo gente lutando contra seus próprios fantasmas Nada garante então que a sua bondade responde à exigência de legitimidade que deve fluir do interesse da maioria Neste momento por elementar é possível indagar também aqui dependendo da hipótese quem nos salva da bondade dos bons na feliz conclusão algures de Agostinho Ramalho Marques Neto A situação é ainda mais grave quando compreendemos que a crença nas leis racionais e na bondade do julgador atinge seu ápice com teóricos vinculados ao verbo autoritário como JAKOBS e seu funcionalismo direito penal do inimigo e outras construções teóricas que fazem a perigosíssima viragem linguística e discursiva para deslocar a noção de bem jurídico para a norma racional criando um discurso que legitima a punição pela necessidade de manterreforçar a confiança na lei e no sistema jurídicopenal Cometem assim o gravíssimo erro entre outros de matar o caráter antropológico do Direito Penal negando ao mesmo tempo a subjetividade e o diferente Como se não bastasse geralmente esse discurso vem nos sedutores invólucros da garantia da ordem pública supremacia do interesse coletivo e outras fórmulas que nada mais fazem do que pegar carona na crença na bondade dos bons Resta questionar sempre bom para quêquem 23 À Guisa de Conclusões Provisórias Rompendo o Paradigma Cartesiano e Assumindo a Subjetividade no Ato de Julgar Mas Sem Cair no Decisionismo O juiz assume uma nova posição30 no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um ainda que para isso tenha de adotar uma posição contrária à opinião da maioria Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas lícitas e suficientes Não há mais espaço para o juiz exegeta paleopositivista e burocrata fiel seguidor do senso comum teórico dos juristas31 E acima de tudo está superada a mera subsunção à lei penal ou processual penal deve o juiz operar sobre a principiologia constitucional Dessarte impõese uma postura mais corajosa por parte dos juízes e tribunais em matéria penal Julgadores conscientes de que seu poder só está legitimado enquanto guardiões da eficácia do sistema de garantias previsto na Constituição Nessa linha em havendo leis atos normativos lato sensu incompatíveis com a principiologia constitucional é tarefa do Poder Judiciário expungilos do ordenamento ou em determinados casos efetuar a adaptaçãocorreção de tais atos normativos vivificandoos tornandoos aptos a serem aplicados pelos operadores jurídicos32 Ademais como já apontamos anteriormente a norma nasce com a pretensão de obrigar o futuro ou seja ela antecipa o futuro e busca libertarse com isso da dúvida Ao tentar prever um mundo que ainda não existe ambição prospectiva as normas jurídicas tropeçam num obstáculo epistemológico com altíssimo risco de um doloroso tombo Incumbe ao juiz superar esse obstáculo epistemológico e evitar o tombo pois quando da aplicação da norma o direito deve sair desse mundo destemporalizado para amoldarse à realidade social ou seja como aponta MESSUTI33 voltar à dimensão temporal de que havia se separado Tratase de verificar se a norma destemporalizada é adequada à dimensão temporal em que irá incidir justo quando da sua incidência Como bem identificou MESSUTI34 toda lei contém uma inevitável disparidade em relação à atividade concreta porque tem um caráter universal Por isso e não há por que ter pudores em afirmar que a lei é quase sempre defeituosa mas não porque o seja em si mesma e sim porque pretende regular a realidade do mundo humano que é sempre imprevisível e relativo basta recordar a teoria da Relatividade Uma pura e simples aplicação da lei pode ser viável porque sua completude é impossível Permeia ainda essa atividade uma série de variáveis de natureza axiológica inerentes à subjetividade específica do ato decisório até porque toda reconstrução de um fato histórico está eivada de contaminação decorrente da própria atividade seletiva desenvolvida É chegado o momento de assumir a subjetividade e principalmente os riscos a ela inerentes e compreender recordando as lições de ANTÓNIO DAMÁSIO que a racionalidade é incompleta e resulta seriamente prejudicada quando não existe nenhuma ligação com o sentimento O dualismo cartesiano separa a mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção O erro está na separação abissal entre o corpo e a mente35 É essa a racionalidade que queremos transcender na esteira de ANTÓNIO DAMÁSIO e dos presentes estudos sobre neurociência e também neuropsicanálise Para o autor o fenômeno é exatamente oposto àquele descrito por Descartes na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser O penso logo existo deve ser lido como existo e sinto logo penso num assumido anticartesianismo É a recusa a todo discurso científico incluindo o positivismo o mito da neutralidade etc baseado na separação entre emoção sentire e razão A questão interessanos e muito porque quando os seres humanos não conseguem ver a tragédia inerente à existência consciente sentemse menos impelidos a fazer algo para minimizála e podem mostrar menos respeito pelo valor da vida Talvez a coisa mais indispensável que possamos fazer no nosso dia a dia enquanto seres humanos seja recordar a nós próprios e aos outros a complexidade fragilidade finitude e singularidade que nos caracteriza36 A sentença é fruto do convencimento do juiz formado em contraditório no processo e segundo suas regras Não se desconhece portanto que sentença venha de sententia que por sua vez vem de sententiando gerúndio do verbo sentire ensejando a ideia de que por meio dela o juiz experimente uma emoção uma intuição emocional37 Mais do que isso ele sente e declara o que sente38 A sentença sublinha BOSCHI39 é mais do que o resultado do simples ajustamento da lei à fattispecie mas como objeto cultural é uma obra humana impregnada de valores e de ideologias enfim uma criação da inteligência e da vontade do juiz como bem declarou Couture que integra o rol de seus deveres institucionais e funcionais Mas não se pode reduzir a sentença a um mero ato de sentir nada disso Para muito além dessa dimensão de subjetividade estão os limites constitucionais e processuais para formação do convencimento do juiz e ainda o demarcado espaço interpretativo Não se pode jamais adverte com muito acerto STRECK40 permitir que o juiz possa dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa ou seja há limites na formação da decisão e no espaço constitucional de interpretação É claro que o juiz é um sernomundo logo sua compreensão sobre o caso penal e a incidência da norma é resultado de toda uma imensa complexidade que envolve os fatores subjetivos que afetam a sua própria percepção do mundo Não existe possibilidade de um ponto zero de compreensão diante da gama de valores preconceitos estigmas préjuízos aspectos subjetivos etc que concorrem no ato de julgar logo sentir e eleger significados Na feliz expressão de MORAIS DA ROSA41 a sentença penal é consequência de uma verdadeira bricolagem de significantes com toda a extensão que a expressão exige desde uma dimensão psicanalítica O juiz na sentença atua como um intérprete da regra legal que sempre necessita de uma atribuição de sentido A lei diz o que o intérprete diz que a lei diz QUEIROZ com toda carga ideológica que o sujeito traz consigo nessa simbiose que se estabelece mas sem que se tolere a completa desconsideração por parte do juiz dos limites de interpretação espaço de decisão espaço de interpretação A compreensão do sentido linguístico adverte QUEIROZ42 não constituiu um fenômeno puramente receptivo pois implica inevitavelmente a autocompreensão do próprio sujeito que realiza a compreensão fazendo surgir o direito histórico concreto Há que se compreender para além de toda pompa acadêmica que rodeia o conceito o que significa e representa o círculo hermenêutico com a preocupação de clareza que QUEIROZ43 teve ao tratar do assunto Interpretar uma norma jurídica é acima de tudo uma tarefa de compreensão e atribuiçãoeleição de significados Não se trata de um método que cartesianamente conduza ao resultado final melhor ainda se previsível O juiz é um intérprete da lei e dos fatos no sentido de que incumbe a ele eleger os significados válidos da lei e das teses apresentadas De outra forma com a interpretação não se extraem sentidos da lei mas sentidos lhes são atribuídos por meio da interpretação44 E no que reside a circularidade do processo hermenêutico No fato de a interpretação de uma norma realizarse por meio de um processo circular de compreensão em que entre o texto e o intérprete o juiz se estabelece uma mútua referência45 A circularidade está na ausência de dicotomização entre texto e intérprete ou seja entre sujeito e objeto Toda e qualquer eleição dos significados da lei ou das teses apresentadas no processo está inserida na circularidade hermenêutica no sentido de que o juiz jamais fará uma eleição neutra Todo o oposto A interpretação será sempre fruto de uma complexa gama de précompreensões de préjuízos pois o intérprete sempre leva consigo uma compreensão prévia daquilo que quer compreender quando empreende a leitura do texto46 Somente assim podemos compreender que um mesmo texto legal ou um mesmo contexto probatório permita diferentes eleições de significados ou interpretações Tudo decorre do conjunto de experiências do intérprete enquanto sernomundo Na síntese de QUEIROZ47 a interpretação à semelhança da fotografia varia conforme não apenas as imagens que se veem e se contemplam mas também conforme a ciência ou a insciência a maturidade ou a imaturidade a arrogância ou a humildade de quem interpreta ou fotografa pois o homemjuiz ao pretender julgar o processo conforme a lei julga também conforme os seus medos as suas pretensões e os seus sentimentos a sua vocação ou o seu alheamento a sua grandeza ou a sua pequenez julga enfim segundo a sua sensibilidade A interpretação é uma fotografia da alma do intérprete sem que isso signifique um retorno à equivocada filosofia da consciência sublinhese Em alguns casos a norma pode apresentar vários significados cabendo ao juiz proceder a uma interpretação conforme a Constituição atendendo ao que CANOTILHO48 chama de princípio da prevalência da Constituição optando pelo sentido que apresente uma conformidade constitucional Como complemento a essa técnica interpretativa49 pode ser utilizada a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto verdadeira técnica de decisão judicial50 através da qual diante de uma lei ou ato normativo o intérprete juiz ou tribunal exclui alguma ou algumas de suas interpretações possíveis e que se revestem de substancial inconstitucionalidade Isso ocorre a partir do que CANOTILHO51 chama de espaço de decisão espaço de interpretação aberto a várias propostas interpretativas umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas e outras em desconformidade com ela É a abdução de sentido empregada por exemplo em relação à mesóclise contida no art 396 do CPP anteriormente explicada quando tratamos do rito ordinário Dessa forma ao mesmo tempo em que se preserva a existência da lei sem alterála gramaticalmente princípio da conservação de normas impedese sua aplicação injusta negandose validade ao significado substancialmente inconstitucional Tratase ainda de lançar mão concomitantemente do poder de controle difuso da constitucionalidade através do qual um juiz pode e deve analisar a constitucionalidade substancial da norma a partir da incidência no caso concreto Nesse contexto a Constituição e principalmente seus princípios e os Princípios Gerais do Direito são cruciais até porque o sistema penal deve passar pelo filtro constitucional Tudo deve se conformar à Constituição Os princípios especialmente os constitucionais são normas fundamentais ou gerais do sistema São a essência da norma eis que dela emergem São frutos de uma generalização sucessiva BOBBIO52 é categórico Para mim não há dúvida os princípios gerais são normas como todas as outras E dá o seu clássico exemplo se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos através de um procedimento de generalização sucessiva não se vê por que não devam ser normas também eles se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais e não flores ou estrelas Em segundo lugar a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas isto é função de regular um caso Evidenciase uma vez mais a importância do papel assumido pelo julgador A sujeição do juiz à lei explica FERRAJOLI53 já não é como no velho paradigma positivista sujeição à letra da lei qualquer que seja seu significado mas sim uma sujeição à lei enquanto válida isto é conforme a Constituição Claro que tal eleição e atribuição de significados devem obedecer a certos limites que vão dos limites da Constituição aos próprios limites semânticos e da reserva legal A questão perene passa a ser assumir a subjetividade e superar o dogma da completude lógica de um lado e de outro não cair no outro extremo no decisionismo em que o juiz julgue como bem entender com incontrolável discricionariedade Ou ainda de que modo é possível construir um discurso capaz de dar conta de tais perplexidades sem cair em decisionismos ativismos judiciais e discricionariedades por parte dos juízes54 Essa é verdadeiramente uma questão perene para os hermeneutas a busca incessante pelo equilíbrio entre os extremos Nessa mesma linha TRIBE e DORF55 ao explicar como não ler a Constituição sinalizam a cautela que se deve ter na hermenêutica constitucional para não incorrer no erro de pensar que a Constituição é simplesmente um espelho por meio do qual é possível enxergar aquilo que se tem vontade Com os autores compreendemos que não se pode usar o texto constitucional como pretexto para dizer aquilo que bem entendermos ou ainda para dizer aquilo de que gostaríamos muito que a Constituição dissesse mas que ela não diz Da mesma forma há que se ter o mesmo cuidado na interpretação da legislação ordinária para não olhála como um espelho a refletir a imagem que gostaríamos muito de ali ver Uma coisa é o que a lei diz a outra é aquilo que gostaríamos muito de que ela dissesse mas não diz COUTINHO56 atento ao problema também explica que a norma é produto da interpretação do intérprete mas a norma criada porém não pode dizer qualquer coisa quiçá em uma bela conclusão metafísica Há todavia de se ter um marco onde a assertiva não seja tão só retórica Daí por que como assevera o autor o que se delimita ao Poder Judiciário é a verificação da adequação possível ou seja se a norma criada pelo intérprete não escapa da regra e assim do raio de alcance da estrutura linguística do enunciado das suas palavras57 Isso não significa um retorno ao paleopositivismo e o amor incondicional à letra da lei Nada disso Há que se buscar na hermenêutica constitucional os instrumentos necessários para efetivar a filtragem constitucional a conformidade da lei ordinária à Constituição mas sem que isso descambe para o decisionismo ou o relativismo absurdo É necessária muita maturidade científica para conseguir fazer o esforço honesto na leitura da Constituição e da legislação ordinária desde que filtrada é claro para chegar a uma interpretação que nem sempre é do nosso agrado sem que isso signifique uma postura de ingênuo conformismo É inafastável que o juiz elege versões entre os elementos fáticos apresentados e o significado justo da norma Não se pode esquecer que a consciência plena é ilusória58 e que a influência do inconsciente do julgador no momento do ato decisório perpassa a decisão e não tem sentido manter uma venda nos olhos para fazer de conta que o problema não existe59 Mas isso não autoriza o decisionismo com o juiz dizendo o que bem entende da norma ou da prova o espelho de TRIBE e DORF ou o juiz dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa STRECK Somente está legitimado o convencimento judicial formado a partir do que está e ingressou legalmente no processo significa dizer com estrita observância das regras do due process of law vedandose por primário as provas ilícitas contra o réu e coisas do gênero regido pelo sistema acusatório devidamente evidenciado pela motivação da sentença para permitir o controle pela via recursal Para não incidir no erro do decisionismo insistese na estrita observância das regras do devido processo penal fundantes da instrumentalidade constitucional O respeito às regras do jogo e a necessária filtragem constitucional criam condições de possibilidade para o equilíbrio entre os dois extremos paleopositivismo e decisionismo E mais não se pode a partir da equivocada filosofia da consciência deixar que a atribuição de sentido decorra unicamente da cabeça do juiz ou seja não se pode depender apenas da consciência do julgador ou mesmo de um livre convencimento Não pode ele decidir de acordo com a sua consciência e em completo desprezo por exemplo de toda produção dogmática e jurisprudencial em torno de determinado conceito jurídico Imaginese o absurdo da decisão que dissesse não concordo com o sistema trifásico de aplicação da pena do art 59 do CP e desenvolvi meu próprio critério Típico decisionismo ilegal que não raras vezes se vislumbra com maior ou menor grau em algumas decisões O sistema de administração da justiça não pode depender exclusivamente da consciência ou da bondade do julgador Daí a importância dos limites do espaço decisório interpretativo que vem dado pela estrita observância das regras do devido processo penal e de toda a principiologia constitucional aplicável ao julgamento criminal A decisão tem que ser construída no processo penal em contraditório e demarcada pelo limite da legalidade leiase respeito às regras do jogo Não pode ser apenas um decido conforme a minha consciência Isso seria perfilarse na superada dimensão da filosofia da consciência e avalizar um perigosíssimo e ilegal decisionismo PEREIRA LEAL60 criticando a escola instrumentalista especialmente Cândido Dinamarco explica que não se pode mais colocar a jurisdição como centro do sistema eis o erro senão que se deve fazer uma opção pelo direito democrático abandonando a ideia de ser o plano da decisão exclusivo do decididor juiz senão que a decisão deve ser construída como resultante vinculada à estrutura procedimental regida pelo processo constitucionalizado sem esquecer que o autor se situa na linha de FAZZALARI de que o processo é um procedimento em contraditório Daí por que não se pode mais conceber o processo como um mero espaço de exercício de poder de instrumento da jurisdição Conclui com precisão PEREIRA LEAL61 que a legitimidade da decisão está no procedimento para se tomar essa decisão se confundindo procedimento e processo Daí por que o devido processo penal constitucional adquire o status de garantia insuprimível pois nenhuma decisão seria constitucionalmente válida e eficaz se não preparada em status de devido processo legal porquanto uma vez produzida em âmbito de exclusivo juízo judicacional não poderia se garantir em validade e eficácia pela discursiva condição estatal do direito democrático A legitimidade da decisão só ocorre em fundamentos procedimentais processualizados porque o PROCESSO como direito de primeira geração instituição jurídica constituinte e constituída de produção de direitos subsequentes é direito fundamental de eficiência autodeterminativa da comunidade jurídica que se fiscaliza renovase e se confirma pelos princípios processuais discursivos da isonomia ampla defesa e contraditório ainda que nas estruturas procedimentais encaminhadoras das vontades jurídicas não sejam pretendidas resoluções de conflitos62 Em suma a decisão judicial somente é válida e eficaz quando construída processualmente no espaço jurídico discursivo da condicionalidade estatal expressa na estrutura procedimental devido processo legal legitimadora de sua prolatação63 Assim o processo não deixa de ser um método limitador e caminho necessário para a decisão Há que se encontrar o entrelugar onde se recuse a razão moderna e o dogmatismo oitocentista mas também o relativismo cético tipicamente pósmoderno Pensamos que a legitimação da decisão se dá através da estrita observância das regras do devido processo São essas regras que estruturando o ritual judiciário devem proteger do decisionismo e também do outro extremo onde se situa o dogma da completude jurídica e o paleopositivismo 3 Decisão Penal Análise dos Aspectos Formais Após uma sumária cognição da complexidade do ato decisório vejamos agora o aspecto formal dogmático devidamente resignificado pelo anteriormente exposto Portanto não há que se desconectarem as temáticas Para GOLDSCHMIDT64 o ponto central dos atos judiciais são as sentenças resoluciones constituindo declarações de vontade emitidas pelo juiz com o fim de determinar o que estima justo É injusta a sentença que reconhece como direito o que não é na realidade e isso sempre conduz a uma aplicação inadequada do direito Assim a sentença é resultado de uma atividade mental e em consequência pode ser justa ou injusta sententia iniqua e uma expressão da vontade e do poder do juiz Em linhas gerais a sentença injusta decorre65 de um erro ontológico fruto de uma observação errônea dos fatos objeto do debate ou da prova produzida sendo portanto um erro na percepção da faticidade narrada eou demonstrada através da prova de um erro nomológico derivado da errônea aplicaçãointerpretação das normas jurídicas ou seu desconhecimento total ou parcial bem como da falta de compromisso hermenêutico constitucional aplicando indistintamente leis ordinárias sem a necessária filtragem constitucional Aqui também se inserem os erros de procedimento na condução do feito pelo juiz Tais erros serão atacáveis através do respectivo recurso tratados na continuação ensejando a manifestação de um órgão jurisdicional hierarquicamente superior que reexaminará a questão Mais circunscrito ao campo penal NASSIF66 com a precisão conceitual que o caracteriza define a sentença como o ato de reduzir a um espaço documentado estrito oficial praticado por juiz competente toda a gama de circunstâncias e emoções visíveis e descritíveis informadas com as garantias constitucionais do processo ocorrentes em um fato praticado com necessária intervenção humana que a lei traduz como crime para o efeito de confirmar ou desconstituir impondo sanções legais o estado de inocência do cidadãoacusado A necessidade de reduzir a um espaço documentado decorre da forma escrita do processo penal brasileiro e mesmo com o emprego de modernas tecnologias a sentença continuará sendo reduzida a escrito não só para que as partes dela tenham pleno conhecimento mas também para assegurar a eficácia do duplo grau de jurisdição Tradicionalmente no Brasil a doutrina67 costuma classificar os atos jurisdicionais nas seguintes categorias 1 Despachos de mero expediente são atos meramente ordenatórios sem cunho decisório e que não causam prejuízo para acusação ou defesa sendo portanto irrecorríveis Nesta categoria entram os despachos de juntese intimese dêse vista e congêneres 2 Decisões 21 Interlocutórias simples pouco mais do que um despacho de mero expediente já possui um mínimo de caráter decisório e gera gravame para uma das partes Como regra não cabe recurso dessa decisão salvo expressa disposição legal sem negarse contudo a possibilidade de utilização das ações impugnativas como habeas corpus e mandado de segurança conforme o caso São exemplos decisão que recebe a denúncia ou queixa indefere o pedido de habilitação como assistente da acusação etc 22 Interlocutórias mistas também consideradas como decisões com força de definitiva possuem cunho decisório e geram gravame ou prejuízo para a parte atingida Encerram o processo sem julgamento do mérito ou finalizam uma etapa do procedimento por isso podem ser terminativas ou não Como regra não há produção de coisa julgada material e são atacáveis pela via do recurso em sentido estrito mas há exceções em que a lei prevê o recurso de apelação Nessa categoria inseremse as decisões de rejeição da denúncia ou queixa pronúncia não terminativa impronúncia decisão terminativa atacável pela apelação art 593 II do CPP desclassificação a decisão que acolhe a exceção de coisa julgada ou litispendência etc 3 Sentenças as sentenças no processo penal poderão ter eficácia condenatória absolutória própria ou imprópria absolve mas aplica medida de segurança ou declaratória da extinção da punibilidade São atos jurisdicionais por excelência com pleno cunho decisório e que geram prejuízo para a parte atingida Como regra o recurso cabível é o de apelação São exemplos as sentenças penais condenatórias absolutórias a absolvição sumária tanto nos procedimentos comuns ordinário e sumário como também no rito do tribunal do júri art 415 e a declaratória da extinção da punibilidade pela concessão do perdão judicial ou prescrição por exemplo Excetuandose os despachos de mero expediente as decisões e sentenças devem ser fundamentadas sob pena de nulidade As sentenças em geral são fundamentadas a contento ainda que não se concorde com os termos e as premissas O grande problema são as decisões interlocutórias inter locus no meio do caminho no curso do procedimento especialmente aquelas que implicam restrição de direitos e garantias fundamentais tais como as decisões que decretam a busca e apreensão a interceptação telefônica e a decretação da prisão cautelar Nesses casos impõese severo gravame a alguém sem em grande parte dos casos uma fundamentação suficiente para legitimar tal violência estatal Ontologicamente estar preso cautelarmente ou definitivamente é igual quando não é mais grave a situação gerada pela prisão cautelar mas substancialmente distintas são as decisões e principalmente a qualidade das decisões Diariamente são geradas situações fáticas gravíssimas como a prisão cautelar com pífia fundamentação e isso é inadmissível A sentença no processo penal é o ato jurisdicional por antonomásia uma resolução judicial paradigmática à qual se encaminha todo o processo68 Somente a sentença resolve com plenitude acerca do objeto do processo penal que como vimos anteriormente é a pretensão acusatória cujo elemento objetivo é o caso penal A sentença pode ser definida69 ainda como aquele ato jurisdicional que põe fim ao processo pronunciandose sobre os fatos que integram seu objeto e sobre a participação do imputado neles impondose uma pena ou absolvendoo como manifestação do poder jurisdicional atribuída ao Estado O dever de fundamentar a sentença foi exposto no início deste capítulo cabendo agora verificar a estrutura externa como preceitua o art 381 Art 381 A sentença conterá I os nomes das partes ou quando não possível as indicações necessárias para identificálas II a exposição sucinta da acusação e da defesa III a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão IV a indicação dos artigos de lei aplicados V o dispositivo VI a data e a assinatura do juiz Partindo desses requisitos a sentença acaba estruturandose em três partes relatório em que são indicados os nomes das partes devidamente identificadas e a descrição objetiva dos acontecimentos do processo em geral remetendo para a morfologia do procedimento motivação ponto nevrálgico da sentença em que o juiz deve analisar e enfrentar a totalidade sob pena de nulidade das teses acusatórias e defensivas demonstrando os motivos que o levam a decidir dessa ou daquela forma A motivação dáse em duas dimensões fática e jurídica Na primeira procede o juiz à valoração da prova e dos fatos reservando para a segunda a fundamentação em torno das teses jurídicas adotadas e também o enfrentamento das teses jurídicas alegadas mas refutadas Por fim sendo a sentença condenatória deverá o juiz manifestarse sobre a responsabilidade civil do réu fixando o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido dispositivo finalizando a sentença é na parte dispositiva que se afirmará a absolvição indicando o inciso do art 386 aplicável ou em caso de condenação será feita a dosimetria da pena à luz dos arts 59 e 68 do CP e 387 do CPP A estrutura da sentença em três partes independe de ser ela condenatória ou absolutória pois em ambos os casos deve conter o relatório a motivação e o dispositivo Claro que o dispositivo da sentença condenatória é mais complexo na medida em que ali é realizada a dosimetria da pena mas em ambas as espécies de sentença há dispositivo Mesmo na sentença absolutória e com mais razão na condenatória deverá o juiz analisar todas as teses acusatórias e defensivas sob pena de violar a regra da correlação e gerar uma sentença nula Analisaremos a seguir alguns aspectos da sentença condenatória pois a absolutória tem por principal problemática os eventuais efeitos civis que dela ainda podem decorrer anteriormente explicados Sendo a sentença condenatória deverá observar o disposto no art 387 do CPP Art 387 O juiz ao proferir sentença condenatória I mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código Penal e cuja existência reconhecer II mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena de acordo com o disposto nos arts 59 e 60 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal III aplicará as penas de acordo com essas conclusões IV fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido V atenderá quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança ao disposto no Título XI deste Livro VI determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará o jornal em que será feita a publicação art 73 1º do Código Penal 1º O juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou se for o caso a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta Incluído pela Lei n 127362012 2º O tempo de prisão provisória de prisão administrativa ou de internação no Brasil ou no estrangeiro será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade Incluído pela Lei n 127362012 Quanto aos incisos I II e III devem ser lidos em conjunto com as regras estabelecidas no art 59 e ss do Código Penal que disciplinam a dosimetria da pena O inciso IV é uma inovação introduzida pela Lei n 117192008 que alterou a sistemática brasileira para permitir a cumulação da pretensão acusatória com outra de natureza indenizatória Nessa linha o parágrafo único do art 63 nova redação também modificado pela Lei n 11719 passou a estabelecer que transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido Como decorrência dessas modificações agora na sentença penal condenatória o juiz já deverá fixar um valor mínimo a título de indenização pelos prejuízos sofridos pela vítima que não impede que ela postule no cível uma complementação Mas para que o juiz penal possa fixar um valor mínimo para reparação dos danos na sentença é fundamental que 1 exista um pedido expresso na inicial acusatória de condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo para reparação dos danos causados sob pena de flagrante violação do princípio da correlação 2 portanto não poderá o juiz fixar um valor indenizatório se não houve pedido sob pena de nulidade por incongruência da sentença 3 a questão da reparação dos danos deve ser submetida ao contraditório e assegurada a ampla defesa do réu 4 somente é cabível tal condenação em relação aos fatos ocorridos após a vigência da Lei n 117192008 sob pena de ilegal atribuição de efeito retroativo a uma lei penal mais grave como explicado anteriormente ao tratarmos da Lei Processual Penal no Tempo Do contrário não pode haver tal condenação70 Não se pode esquecer ainda que a pretensão indenizatória é de natureza privada e exclusiva da vítima Logo como adverte GIACOMOLLI71 a vítima tem plena disponibilidade podendo manifestar interesse em que não seja arbitrado na esfera criminal pois já ingressou no juízo cível ou nele pretende discutir o an debeatur e o quantum debeatur A indenização está na esfera de disponibilidade do interessado cabendo portanto renúncia e transação motivo por que ao magistrado é vedado arbitrar qualquer valor reparatório se houver manifestação nesse sentido O inciso V está revogado pois não existe mais a aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança desde a reforma da parte geral do Código Penal de 1984 Também o inciso VI ficou sem sentido pois não existe mais essa previsão no art 73 do Código Penal O parágrafo único inserido pela Lei n 117192008 substitui o problemático art 594 do CPP disciplinando a manutenção ou imposição de prisão preventiva neste momento sem qualquer prejuízo a que se conheça da apelação eventualmente interposta Isso porque durante décadas se discutiu sobre o direito de apelar em liberdade e a eventual necessidade de recolherse o réu à prisão para recorrer Nos últimos anos a matéria já havia se pacificado com a absoluta separação das questões pois de um lado está a necessidade ou não da prisão cautelar e de outro completamente desconectado o direito de recorrer Para evitar longas repetições remetemos o leitor para nossos escritos anteriores sobre a prisão cautelar 4 Princípio da Congruência ou Correlação na Sentença Penal 41 A Imutabilidade da Pretensão Acusatória Recordando o Objeto do Processo Penal Além do estudo dos princípios constitucionais do contraditório ampla defesa e também das regras do sistema acusatório como veremos na continuação a correlação vinculase ao objeto do processo penal Como já explicamos no início desta obra o objeto do processo penal é a pretensão acusatória importante compreender esse conceito já explicado O exercício da pretensão acusatória com todos os seus elementos é a acusação fundamental para se aferir se é a sentença incongruente no processo penal pois é ela quem demarca os limites da decisão jurisdicional O objeto do processo penal é a pretensão acusatória vista como a faculdade de solicitar a tutela jurisdicional afirmando a existência de um delito para ver ao final concretizado o poder punitivo estatal pelo juiz através de uma pena ou medida de segurança O titular da pretensão acusatória será o Ministério Público ou o particular Ao acusador público ou privado corresponde apenas o poder de invocação acusação pois o Estado é o titular soberano do poder de punir que será exercido no processo penal através do juiz e não do Ministério Público e muito menos do acusador privado A compreensão da complexa estrutura do objeto do processo penal é fundamental para o estudo do princípio ou regra da correlação como também o é para a compreensão dos limites do sistema acusatório Também demarca o campo de incidência da coisa julgada e da litispendência Seguindo a mesma linha de raciocínio BADARÓ72 é preciso ao explicar que o objeto do processo penal está ligado à imputação que consiste na formulação da pretensão processual penal conceito esse compatível com nossa posição isto é o fato enquadrável em um tipo penal que se atribui a alguém e que deve permanecer imutável ao longo do processo pois o objeto da sentença tem de ser o mesmo objeto da imputação Assim a sentença não pode ter em consideração algo diverso ou que não faça parte da imputação A regra geral é a imutabilidade do objeto do processo penal Na mesma linha de pensamento MALAN73 relacionando objeto com sistema processual afirmando que o processo de feição acusatória se caracteriza por ser tendencialmente rígido pois essa rigidez decorre da garantia da vinculação temática do juiz Desvela o autor uma importante relação entre a rigidez do objeto e o sistema acusatório em que o juiz espectador não tem a gestão da prova e tampouco invade o elemento objetivo da pretensão para alterálo Além disso a garantia da imparcialidade encontra condições de possibilidade de eficácia no sistema acusatório mas para tanto é necessário que o juiz se abstenha de ampliar ou restringir a pretensão acusatória modificação do objeto julgandoa nos seus limites o que não o impede obviamente de acolhêla no todo ou em parte na sentença diante da prova produzida Mas como toda regra há que se relativizála e assim o faz o processo penal através dos institutos da emendatio libelli e mutatio libelli previstos nos arts 383 e 384 do CPP Mas e esse é o ponto nevrálgico para realizar qualquer modificação é imprescindível observarse os princípios da inércia e sua vinculação ao sistema acusatório da jurisdição do direito de defesa e principalmente do contraditório como veremos na continuação 42 Princípio da Correlação ou Congruência Princípios Informadores A Importância do Contraditório e do Sistema Acusatório Fazendo alguns ajustes pois o autor estava se referindo ao processo civil nos serve o conceito de ARAGONESES ALONSO74 por congruência deve entenderse aquele princípio normativo dirigido a delimitar as faculdades resolutórias do órgão jurisdicional pelo qual deve existir identidade entre a decisão e o debatido oportunamente pelas partes No estudo da correlação é fundamental a leitura conjugada com os princípios processuais do contraditório e ampla defesa mas também com o que já explicamos acerca do sistema acusatório pois vinculase com o princípio da inércia da jurisdição ne procedat iudex ex officio A regra da correlação ou congruência somente tem razão de ser em um sistema acusatório pois é um mecanismo que concretiza na dinâmica do processo penal os princípios constitucionais citados especialmente o contraditório que somente encontra condições de existência no sistema acusatório Grande parte dos problemas em torno da correlação no sistema processual penal brasileiro decorrem do fato de nosso modelo ser neoinquisitório A estrutura do CPP está alicerçada na matriz inquisitória pois a gestão da prova está nas mãos do juiz basta uma rápida leitura do art 156 e tantos outros que conduzem ao ativismo judicial tipicamente inquisitório mas sempre devemos recordar o modelo constitucional é acusatório Diante desse conflito não há outra opção a ser seguida que não a luta pela prevalência da Constituição e da filtragem constitucional Ainda por imposição do sistema acusatórioconstitucional deve o juiz manterse em inércia só atuando quando invocado pelas partes e na medida da invocação Como já explicamos a inércia é fundante da jurisdição ne procedat iudex ex officio e ainda garantidora da eficácia do sistema acusatório que por sua vez assegura o contraditório Quando o juiz assume uma postura ativa agindo de ofício na busca da prova na decretação de medidas cautelares como infelizmente autoriza o art 156 ainda que substancialmente inconstitucional fulmina numa só tacada a estrutura acusatória o contraditório a ampla defesa e o princípio supremo do processo a imparcialidade do julgador Como adverte BADARÓ75 do ne procedat iudex ex officio deriva que o juiz não pode prover sem que haja um pedido e como consequência daí decorre outro princípio o juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A inércia da jurisdição é fundamental pois sobre ela se estruturam diversos institutos do processo penal além do próprio sistema acusatórioconstitucional de modo que a decisão desconectada do que foi objeto da imputação gera uma sentença incongruente Quanto ao contraditório igualmente relacionado com o princípio da correlação pois o binômio informaçãoreação deve pautar o campo decisório não podendo o juiz decidir sobre questões que não foram debatidas pelas partes no processo Crucial nesta questão é compreender que o contraditório deve incidir sobre as questões de fato e de direito como bem aponta BADARÓ76 não havendo mais espaço constitucional para continuarmos mutilando o contraditório em nome de uma equivocada leitura do adágio narra mihi factum dabo tibi ius Não há mais razão no marco do processo penal constitucional para aceitarse a exclusão das questões de direito do princípio da correlação havendo uma imperiosa necessidade de relerse o art 383 como explicaremos a seu tempo com a consciência de que o contraditório também sobre elas incide Até porque essa lógica binária de questão de fato questão de direito na complexidade contemporânea não é nada clara ou seja as questões se misturam e coexistem não se excluem sendo reducionismo operarse na lógica binária A distinção é tênue senão inexistente Destacamos no conceito de ARAGONESES ALONSO anteriormente citado a necessidade de identidade entre a decisão e o que foi debatido pois para além do que foi pedido há que se ter sempre presente o necessário contraditório e a defesa Logo é reducionismo pensar o princípio da correlação ou congruência no binômio acusaçãosentença pois não se pode admitir a decisão acerca de matéria não submetida ao contraditório Portanto os limites da decisão vêm demarcados por uma dupla dimensão acusação e contraditório Do contraditório nascem as condições de possibilidade do exercício do direito de defesa outra regra de ouro a constituir o due process of law Assim quando falamos em defesa neste momento não o fazemos no sentido estrito de direito de defesa distinto do contraditório por suposto mas sim no sentido mais amplo do todo integrando o contraditório e o direito de defesa Quanto ao direito de defesa é obviamente atingido pela sentença incongruente pois subtrai do réu a possibilidade de defenderse daquilo que foi objeto da decisão mas que não estava na acusação Essa surpresa gera um inegável estado de indefesa com evidente prejuízo para aqueles que ainda operam na lógica do prejuízo para decretação das nulidades processuais O direito de defesa ainda que distinto mantém uma íntima correlação com o contraditório devendo a acusação ser clara e individualizada para permitir a defesa Mas de nada servem essas regras em torno da imputação se o juiz modificar no curso do processo as questões de fato ou de direito gerando a surpresa e a situação de evidente cerceamento de defesa pois o réu não se defendeu desse fato novo ou dessa nova qualificação jurídica por exemplo Apenas para não gerar confusão explicamos que o direito de defesa é obviamente afetado pela sentença incongruente mas a regra da correlação não se funda apenas sobre ele Ou seja não está a congruência ou correlação a serviço exclusivamente da defesa mas também do contraditório e do sistema acusatório Como explica LEONE77 o interrogatório também se destina a delimitar o âmbito da decisão do juiz no sentido de que ele não pode pronunciar uma decisão sobre um fato diferente do imputado Assim a correção entre imputação e decisão se opera tanto no interior da instrução quanto nas relações que se estabelecem entre a instrução e o julgamento e não apenas nessa segunda hipótese julgamento decisão Isso é fundamental para compreenderse que a correlação já se faz valer no momento do interrogatório e ao longo de toda a instrução A correlação na verdade não é apenas entre acusação e sentença mas entre acusação defesa instrução e sentença É possível assim alterarse a pretensão acusatória especialmente seu elemento objetivo mas desde que exista estrita observância do contraditório para evitar surpresas e permitir a eficácia do direito de defesa Dessarte é evidente a incompatibilidade do contraditório e do sistema acusatório com o ativismo judicial ou seja com o juiz agindo de ofício nessa modificação da pretensão acusatória 43 A Complexa Problemática da Emendatio Libelli Art 383 do CPP Para Além do Insuportável Reducionismo do Axioma Narra Mihi Factum Dabo Tibi Ius Rompendo os Grilhões Axiomáticos Iniciemos pela leitura do art 383 que estabelece a emendatio libelli Art 383 O juiz sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa poderá atribuirlhe definição jurídica diversa ainda que em consequência tenha de aplicar pena mais grave 1º Se em consequência de definição jurídica diversa houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo o juiz procederá de acordo com o disposto na lei 2º Tratandose de infração da competência de outro juízo a este serão encaminhados os autos Primeiro aspecto a ser destacado é que a emendatio libelli não se ocupa de fatos novos surgidos na instrução mas sim de fatos que integram a acusação e que devem ser objeto de uma mutação na definição jurídica O segundo problema está na conjugação do conceito descrição do fato e a possibilidade de o juiz atribuirlhe definição jurídica diversa Infelizmente o senso comum teórico segue afirmando que o réu se defende dos fatos de modo que a emendatio libelli seria uma mera correção na tipificação que o juiz poderia fazer nos termos do art 383 sem qualquer outra preocupação Em parte da doutrina nacional infelizmente é comum encontrarmos afirmações assim no processo penal o réu se defende de fatos sendo irrelevante a classificação jurídica constante na denúncia ou queixa Tratase de aplicação pura do brocado jura novit curia pois se o juiz conhece o direito basta narrarlhe os fatos narra mihi factum dabo tibi ius78 Tal postura peca por reducionismo da complexidade ainda atrelada a uma concepção simplista do processo penal incompatível com seu nível de evolução e dos cânones constitucionais contemporâneos Ademais em muitos casos a correção na tipificação legal decorre na essência do desvelamento de nova situação fática como sói ocorrer vg na mudança de crime doloso para culposo Infelizmente temos de reconhecer que essa postura de que não existe qualquer prejuízo para a defesa na mudança da definição jurídica é a predominante nos tribunais brasileiros Mas o problema é muito mais sério e a crítica fundamental Analisando a necessária correlação entre acusação e sentença SCARANCE FERNANDES79 acertadamente destaca que na realidade o acusado não se defende como normalmente se afirma somente do fato descrito mas também da classificação a ele dada pelo órgão acusatório MALAN80 apontando a necessidade de qualificação jurídica do fato inserida no art 41 do CPP e a consequente inépcia da inicial pela ausência conclui que na contramão de remansosa jurisprudência que o réu se defende tão somente de fatos e sim de fatos qualificados juridicamente GIACOMOLLI81 vai além da crítica para afirmar categoricamente não encontra suporte no devido processo legal o art 383 do CPP Dessarte não se pode mais fazer uma leitura superficial do art 383 do CPP e principalmente desconectada da principiologia constitucional É elementar que o réu se defende do fato e ao mesmo tempo incumbe ao defensor também debruçar se sobre os limites semânticos do tipo possíveis causas de exclusão da tipicidade ilicitude culpabilidade e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal É óbvio que a defesa trabalha com maior ou menor intensidade dependendo do delito nos limites da imputação penal considerando a tipificação como a pedra angular em que irá desenvolver suas teses O conceito de fato para o Direito Penal e para o processo penal também é relevante pois82 o fato para o direito processual penal confundese com o fato concreto ou seja aquele acontecimento da vida real e indivisível o fato para o direito penal relacionase com o tipo penal abstrato ou seja aquela descrição hipotética feita pelo legislador e que constitui o tipo penal Essa distinção será útil para analisarse em que medida é possível a alteração do fato sem que isso conduza a uma mutação da pretensão acusatória objeto do processo penal A acusação imputação deve ser clara e individualizados os fatos e a participação de cada réu Mas não podemos esquecer que a qualificação jurídica do fato também é elemento imprescindível da acusação pois assim determina o art 41 ao categoricamente exigir que a denúncia ou queixa contenha a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo a classificação do crime e quando necessário o rol das testemunhas Com isso evidenciase que o fato processual é mais amplo que o fato penal pois abrange o acontecimento naturalístico com todas as suas circunstâncias e também a classificação do crime exigência do art 41 ou seja fato processual fato natural fato penal A maior abrangência conceitual faz com que mudanças fáticas irrelevantes para o Direito Penal sejam totalmente relevantes para a definição do fato processual exigindo cuidados para que se produza a mutação sem gerar uma sentença incongruente A costumeiramente tratada como mera correção da tipificação legal não é tão inofensiva assim pois modifica o fato penal e por conseguinte o fato processual Um dado acidental para o tipo penal como a existência de uma agravante por exemplo é muito relevante para o fato processual afetando diretamente o objeto do processo penal Da mesma forma elementos completamente irrelevantes para o Direito Penal podem ser da maior importância para o fato processual e a sentença basta ver que para o Direito Penal é típica a conduta de matar alguém pouco importando se com essa ou aquela arma neste ou naquele dia ou local Contudo ninguém diria ser irrelevante para a correlação acusaçãosentença o fato de a vítima ter morrido hoje ou um mês antes no Rio de Janeiro ou em São Paulo a tiros ou facadas Evidenciase que tais alterações ainda que irrelevantes para o fato penal são de grande significado probatório podendo sua prova representar a absolvição ou condenação do réu Essas são questões fáticas absolutamente determinantes na imputação na produção da prova no debate e na sentença Enfim para o contraditório e o próprio desfecho do processo Mais grave nos parece a situação quando a denúncia descreve no bojo da acusação vários fatos mas não faz a devida capitulação legal de algum deles e ainda assim o juiz julga e condena o réu Na verdade estamos diante de uma denúncia inepta pois não descreve o fato e faz a devida classificação do crime como exige o art 41 não cabendo a condenação em relação a ele Seguindo o estudo se mudanças no fato processual podem ser irrelevantes para o direito penal o sentido inverso não é verdadeiro Como explica BADARÓ83 a alteração do fato que se mostre relevante penalmente sempre o será para o processo penal visto não ser possível condenar alguém sem que o fato concreto imputado apresente todos os elementos que abstratamente integram o tipo penal salvo é claro na hipótese de eliminação de um determinado dado fático que implique atipicidade relativa As chamadas questões de direito estão intimamente vinculadas ao fato penal e portanto estão abrangidas pelo conceito de fato processual devendo o juiz ainda que o art 383 não exija oportunizar às partes que se manifestem sobre a possibilidade ou não de uma modificação na qualificação jurídica No mesmo sentido BADARÓ84 é enfático não há previsão legal em nosso ordenamento nesse sentido mas o princípio do contraditório assim o exige MALAN também se posiciona nessa linha advertindo que embora o art 383 não determine expressamente devese abrir vista às partes para manifestação após a aplicação da emendatio libelli Ademais não há que se esquecer que a distinção entre questões de fato e questões de direito é bastante tênue chegando à inexistência em situações complexas Tampouco nos parece adequada a expressão questões de direito quando do que se trata é de crime logo a própria antítese do direito Isso é mais um fruto da teoria geral do processo equivocada por essência Então melhor é tratar da questão na dimensão de fato penal e fato processual penal em que como explicamos alterações na dimensão material acarretam inegavelmente reflexos no campo processual85 Dessarte ainda que o Código não exija a Constituição o faz existindo um verdadeiro dever do juiz de provocar o prévio contraditório entre as partes sobre qualquer questão que apresente relevância decisória seja ela processual ou de mérito de fato ou de direito prejudicial ou preliminar O desrespeito ao contraditório sobre as questões de direito expõe as partes ao perigo de uma sentença de surpresa86 e como veremos nula Problemas ainda podem surgir em relação à iniciativa da ação penal diante do novo tipo penal resultante da emendatio libelli art 383 nos seguintes termos a Se a nova capitulação legal importar delito ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada a representação e já tiverem passados os 6 meses do prazo legal haverá decadência Não há que se falar em início do prazo decadencial alegando que somente agora a vítima veio a saber quem era o autor Aqui não houve alteração do fato natural sabendo a vítima desde sempre quem era o autor O problema foi exclusivamente de tipificação legal e como o prazo decadencial não se interrompe ou suspende em nenhum caso a decadência terá se operado Não haverá outra decisão possível que não a declaratória da extinção da punibilidade b Em sentido inverso quando o processo inicia através de queixacrime feita pelo ofendido e o juiz procede a emendatio libelli resultando em um tipo penal cuja ação é de iniciativa pública o processo originário deverá ser extinto por manifesta ilegitimidade ativa Mas isso não impede que o Ministério Público ofereça denúncia exceto se já tiver se operado a prescrição o que é muito pouco provável Sendo a ação penal condicionada à representação não há que se falar em decadência ou qualquer outro obstáculo ao exercício da acusação pelo Ministério Público Isso porque como explicamos ao tratar da ação processual penal a representação é uma manifestação de vontade da vítima despida de formalismo que se contenta com a mera notíciacrime Portanto com muito mais razão quando a vítima faz uma queixacrime Em outras palavras a queixacrime ajuizada no prazo legal supre a representação cuja necessidade nasceu com a nova tipificação decorrente da emendatio libelli Mas devese ter muita cautela nessa matéria pois a mera redução do fato na sentença em razão da falta de provas de sua ocorrência não gera uma sentença incongruente pois existem casos de desclassificação que não exigem a mutatio libelli Explicamos se não existe alteração do objeto especificamente do elemento objetivo pois a sentença se limitou a julgar o fato imputado e apenas existem elementos que a instrução não comprovou a ocorrência não há problemas Exemplos87 1 Quando é imputada a prática de peculato a alguém e no curso da instrução comprovase que o agente não é servidor público Nesse caso é perfeitamente possível ao juiz condenar o réu por apropriação indébita independentemente de qualquer aditamento exatamente porque não houve alteração do fato narrado na acusação 2 A denúncia atribui a alguém a prática de um crime de roubo pois teria subtraído para si determinada coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça No curso da instrução comprovase a autoria e a subtração mas não logra a acusação demonstrar a ocorrência de violência ou grave ameaça Nesse caso está o juiz autorizado a condenar por furto sem prévia manifestação das partes Em ambos os casos não houve na sentença decisão incongruente mas apenas uma redução da imputação por ausência de provas E como o tipo penal era decomponível possível a condenação por outro delito pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa Para sintetizar a existe alteração processual e penalmente relevante situação em que o aditamento é imprescindível nos termos do art 384 b a alteração é apenas do fato processual sendo penalmente irrelevantes as mutações mas imprescindível a mutatio libelli c não há alteração do fato processual apenas na dimensão da tipificação legal sendo aplicável a emendatio libelli nos termos do art 383 do CPP mas com a exigência de contraditório prévio em relação às questões de direito Noutra dimensão não há incongruência quando ao réu são imputados dois delitos e a sentença condena por um e absolve pelo outro Assim se ao réu é atribuída a prática dos crimes de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro e no curso da instrução não consegue o Ministério Público provar que o réu ocultou ou dissimulou a natureza origem localização disposição movimentação ou propriedade de bens direitos ou valores provenientes da infração penal art 1º da Lei n 9613 com a nova redação dada pela Lei n 126832012 nenhum problema existe na sentença que condena pela sonegação fiscal e absolve pela lavagem de bens direitos e valores Em suma Infelizmente ainda predomina o entendimento da mera correção da tipificação e portanto da aplicação literal do art 383 sem uma análise aprofundada da questão e da necessária conformidade constitucional Portanto a exigência de contraditório aqui sustentada ainda encontra muita resistência no senso comum teórico e jurisprudencial Mas pensamos o processo penal brasileiro não pode mais tolerar a aplicação acrítica do reducionismo contido nos axiomas jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius pois o fato processual abrange a qualificação jurídica e o réu não se defende apenas dos fatos mas também da tipificação atribuída pelo acusador A garantia do contraditório art 5º LV da Constituição impõe a vedação da surpresa pois incompatível com o direito a informação clara e determinada do caso penal em julgamento No que tange ao reducionista argumento de que se trata de mera correção da tipificação adverte GERALDO PRADO88 que supor que o Ministério Público não saiba qualificar juridicamente os fatos apurados na investigação preliminar é estar em rota de colisão com a realidade Ora não se está lidando com um mero burocrata tecnólogo de ensino médio Todo o oposto Ou então teremos de afirmar que ali estão profissionais incompetentes para a função o que obviamente não é o caso Eventuais pontos de vista desde uma perspectiva fática eou jurídica diferentes são inevitáveis mas para isso deverá o juiz alterar a qualificação jurídica ouvidos o acusador e o réu Ainda que a mutatio libelli não seja imprescindível nesses casos pois não existe um fato novo impõese que o juiz atente para a garantia do contraditório e ainda que dispense o aditamento pelo menos oportunize às partes que se manifestem previamente sobre a possível nova tipificação legal atribuível aos fatos ou no mínimo que tenham oportunizada vista para conhecimento e manifestação após a emendatio libelli Por tudo isso um desses dois caminhos deve ser adotado a consultar previamente as partes em nome do princípio constitucional do contraditório89 em que as partes são convidadas a esclarecer o juiz sobre a possível reclassificação do fato b ou se não houver a consulta prévia devem as partes ser intimadas após a emendatio libelli para que em nome do contraditório conheçam e se manifestem sobre a nova classificação jurídica do fato Qualquer das duas possibilidades em que pese sermos adeptos da primeira ameniza ou evita a violação do contraditório O que não se pode mais fazer é a aplicação literal do art 383 sem a necessária conformidade constitucional 44 É Possível Aplicar o Art 383 Quando do Recebimento da Denúncia Iniciemos pelo questionamento de MALAN90 é razoável que a parte acusadora possa impor à Defesa a sua tipificação sem qualquer possibilidade de o juiz mesmo discordando dela se manifestar até o momento da sentença Pensamos que isso não é razoável sem desconsiderar que se trata de uma questão bastante complexa A redação do art 383 não veda expressamente mas situa o instituto no Título destinado à sentença o que numa interpretação sistemática conduziria a limitar sua aplicação a esse momento Por outro lado uma correção a priori literalmente no sentido kantiano de antes da experiência da imputação colocaria em risco a imparcialidade do julgador na medida em que estaria fazendo um pré juízo com o consequente prejuízo do caso penal e ainda afastando a eficácia da presunção de inocência Com tudo isso estamos de acordo Contudo há que se considerar que atualmente existe muito abuso do poder de acusar aproximativo aponta GIACOMOLLI91 do fenômeno da overcharging do sistema de common law acusação excessiva com a finalidade de obter uma vantagem processual ou seja um bom acordo Sintoma disso é o acúmulo de casos em que após a produção da prova houve desclassificação ou improcedência da acusação Numa dimensão patológica é cada vez mais comum vermos nos fóruns acusações visivelmente abusivas com a clara intenção de estigmatizar Muitas vezes fazem verdadeiras manobras de ilusionismo jurídico para por exemplo denunciar por homicídio doloso dolo eventual qualificado recurso que impossibilitou a defesa da vítima o condutor de um automóvel que dirigia em velocidade excessiva ou estava embriagado por exemplo É elementar que estamos diante de um crime grave mas jamais nem por mágica acusatória podemos transformar um homicídio culposo culpa grave consciente até se quiserem em doloso e qualificado Esse absurdo serve para quêm Para criar o rótulo de crime hediondo com toda a carga que isso representa Sem falar no que representa o deslocamento de competência para o Tribunal do Júri com o imenso risco que representa e constitui essa forma de administração da injustiça Em outras situações para afastar do Juizado Especial e de seus institutos mais benéficos Ou ainda para desde logo criar a imagem com todo significado psicanalítico que isso representa em relação ao juiz É o que ocorre ainda na acusação por tráfico quando é evidente que se trata de posse para consumo receptação dolosa quando é claramente culposa ou ainda tipos qualificados em situações em que a qualificadora inequivocamente não é aplicável Portanto ainda que não seja pacífico sustentamos a possibilidade de aplicação do art 383 no momento do recebimento da denúncia com o natural contraditório em relação a essa nova classificação jurídica do fato que já se dará na resposta à acusação Inclusive quanto mais cedo for aplicado o art 383 melhor adverte PRADO pois só assim se garante a máxima eficácia do contraditório e da estrutura acusatória do sistema processual Além da rejeição parcial perfeitamente possível cabe ao juiz em situações excepcionais como essas em que está evidente o abuso acusatório proferir uma decisão de recebo parcialmente a denúncia não pelo delito de homicídio doloso mas sim de homicídio culposo por exemplo Da mesma forma recebo a denúncia mas afasto desde logo a qualificadora por ausência de justa causa em relação a ela As condições da ação devem estar presentes em relação a todos os delitos imputados e no caso de tipo penal qualificado imprescindível a demonstração de fumus commissi delicti em relação à qualificadora Sem isso não se pode denunciar e tampouco o juiz receber No mesmo sentido DUCLERC92 analisa com muito acerto a problemática e como nós advertindo quanto aos riscos reconhece ainda que em alguns casos pode não haver exatamente uma tipificação equivocada mas apenas a carência de justa causa para algumas circunstâncias ou elementares ou qualificadoras que uma vez afastadas poderiam reduzir a acusação a um tipo subsidiário ou a forma simples de um tipo qualificado Se na instrução inclusive for produzida a prova necessária para o tipo qualificado nada impede que se faça o aditamento nos termos do art 384 Assim preferimos correr o risco de um aditamento para incluir uma circunstância ou elementar inicialmente afastada pois naquele momento não existia o mínimo de provas exigido do que trabalhar com o binário reducionista de receber como está ou rejeitar toda a acusação Em suma em que pesem os argumentos expostos no início contrários à aplicação do art 383 do CPP quando do recebimento da denúncia pensamos que nos casos e pelos fundamentos anteriormente expostos há que se admitir tão excepcional medida diante do custo imensamente maior de admitirse uma acusação claramente abusiva 45 Mutatio Libelli Art 384 do CPP O Problema da Definição Jurídica Mais Favorável ao Réu e a Ausência de Aditamento Situação completamente diversa vem disciplinada no art 384 denominada mutatio libelli nos seguintes termos Art 384 Encerrada a instrução probatória se entender cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 cinco dias se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública reduzindose a termo o aditamento quando feito oralmente 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento aplicase o art 28 deste Código 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento 3º Aplicamse as disposições dos 1º e 2º do art 383 ao caput deste artigo 4º Havendo aditamento cada parte poderá arrolar até 3 três testemunhas no prazo de 5 cinco dias ficando o juiz na sentença adstrito aos termos do aditamento 5º Não recebido o aditamento o processo prosseguirá Com o advento da Lei n 117192008 houve uma profunda modificação na sistemática do art 384 do CPP especialmente na correção de um erro histórico que atribuía ao juiz a invocação do Ministério Público Agora corrigida essa falha incumbe exclusivamente ao acusador proceder a mutatio libelli em que pese a previsão contida no 1º de que o juiz poderá aplicar o art 28 enviando o feito ao procuradorgeral caso o promotor fique inerte A aplicação do art 28 é bastante burocrática e não se revela na prática uma boa solução Daí por que dificilmente será utilizada até porque são raríssimos os casos em que os juízes ao receber o pedido de arquivamento lançam mão do art 28 do CPP Para além disso o parágrafo primeiro revelase substancialmente inconstitucional pois é manifesta a violação das regras do sistema acusatório com a utilização do art 28 do CPP No mesmo sentido GIACOMOLLI93 afirma que o art 384 1º do CPP não encontra suporte constitucional e há indevida utilização do art 28 do CPP quando o magistrado o utiliza para fazer um alargamento da acusação O campo de incidência do art 384 é distinto daquele previsto para o art 383 pois aqui existe um fato processual novo ou seja nenhuma dúvida ou discussão se estabelece em torno do binômio fato penalfato processual ou ainda questões de fato e questões de direito A nova definição jurídica decorre da produção de prova de uma elementar ou circunstância não contida da acusação Recordemos que elementar explica GRECO94 são dados essenciais à figura típica sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta não há crime portanto ou relativa É relativa a atipicidade quando pela ausência ou afastamento de uma elementar ocorre a desclassificação para outra figura típica como por exemplo cita o autor o afastamento da elementar funcionário público na imputação de peculato furto art 312 do CP subsiste o delito de furto art 155 Nesse caso específico o afastamento dessa elementar contida na denúncia permite a condenação por furto sem a necessidade de mutatio libelli pois o fato está completamente descrito na denúncia e simplesmente há uma emendatio libelli art 383 sem necessidade de aditamento Há apenas uma redução da imputação por ausência de provas e como o tipo penal era decomponível possível a condenação por outro delito pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa Já as circunstâncias são elementos acessórios satelitários em relação ao tipo penal afetando apenas a dosimetria da pena É o caso das circunstâncias agravantes ou atenuantes que sem afetar a essência do delito influem na aplicação da pena A mutatio libelli seria possível uma vez encerrada a instrução mas algumas considerações devem ser feitas Na nova sistemática estabelecida pela Lei n 117192008 a instrução é una sendo toda feita em uma única audiência Logo é razoável que o aditamento ocorra após o encerramento dessa audiência pois é da prova ali produzida que surge o fato novo Contudo se não for possível manter a unidade da instrução o que é bastante comum com diversas audiências sendo realizadas não vemos nenhum impedimento a que o aditamento seja feito nesse interregno antes do encerramento Isso inclusive facilitaria a própria instrução A iniciativa é exclusiva do Ministério Público e a queixa a que faz menção o artigo não é a originária mas sim a queixa subsidiária art 29 do CPP aquela situação excepcional em que o ofendido em crime de ação penal de iniciativa pública pode propor a queixa diante da inércia do parquet Mas a ação é de iniciativa pública e não perde esse status de modo que o Ministério Público pode retomar a titularidade a qualquer momento inclusive para fazer o aditamento O prazo para o aditamento é de 5 dias teoricamente contados do encerramento da instrução Contudo nos novos ritos ordinário e sumário não há condições para a concessão desse prazo pois encerrada a instrução passase para os debates orais e sentença Logo no momento previsto pelo art 402 ou seja no final da audiência o Ministério Público deverá requerer a abertura do prazo de 5 dias para oferecer o aditamento sob pena de não mais poder fazêlo Mas feito o aditamento será objeto de análise pelo juiz nos mesmos termos em que o é a denúncia podendo ser recebido ou rejeitado nos termos do art 395 do CPP Nesse ato deverá o Ministério Público arrolar até 3 testemunhas O 2º estabelece que ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento Em que pese a redação não ser das melhores pensamos que o juiz deverá abrir o prazo de 5 dias para manifestação escrita da defesa e somente após a resposta da defesa decidir entre receber ou rejeitar o aditamento Quando o Código diz ouvido o defensor e admitido o aditamento está afirmando que primeiro haverá a resposta da defesa e depois a decisão de recebimento e somente se recebido será designada a continuação da audiência com a oitiva das testemunhas arroladas no aditamento e na defesa ao aditamento bem como se procederá ao novo interrogatório do acusado seguindose debates orais e julgamento Notase claramente uma preocupação em não violar o contraditório e o direito de defesa regras cruciais nessa matéria Em relação à nova definição jurídica do fato deverá estar o juiz atento para a possibilidade de suspensão condicional do processo ou redistribuição para outro juiz em caso de alteração da competência É o que pode ocorrer no caso de denúncia por latrocínio e na instrução surgirem fatos novos que indicam a prática de homicídio doloso situação em que o feito será redistribuído para a respectiva vara do Tribunal do Júri E no caso de nova definição jurídica do fato que seja mais favorável ao réu pode o Juiz decidir nessa linha sem prévio aditamento do Ministério Público É uma situação complexa e que surgiu com a nova redação do art 384 Lei n 117192008 que deixou inteiramente nas mãos do Ministério Público a mutatio libelli aditando se quiser Em relação ao sistema anterior andou bem o legislador ao retirar do juiz a iniciativa de invocar o acusador para fazer o aditamento Contudo pode surgir esse problema e se a mutação do fato processual beneficia a defesa e o Ministério Público silencia como deve proceder o juiz Por exemplo o fato descreve uma receptação dolosa e a instrução traz novos elementos fáticos que afastam o dolo mas permitem a punição a título culposo pois demonstrado que o réu não sabia que eram objetos oriundos de crime mas havia uma desproporção entre o valor e o preço que lhe permitia atingir essa consciência Pode o juiz por exemplo condenar por receptação culposa sem prévio aditamento do MP Pensamos que não e para isso sugerimos as seguintes opções diante da inércia do MP o juiz aplica o art 28 solução com a qual não concordamos nos termos do art 384 1º situação em que com o aditamento poderá julgar o crime culposo não havendo o aditamento ou ainda aplicado o art 28 insiste o Ministério Público no não aditamento e afastada a figura dolosa pelo contexto probatório deverá o juiz absolver o réu pois não está demonstrada a tese acusatória Com certeza essa segunda posição irá gerar alguma perplexidade mas é a única processualmente válida pois condenar o imputado por crime culposo é proferir uma sentença incongruente nula portanto Como já explicado anteriormente a regra da correlação não pode ser violada apenas porque aparentemente é mais benigna para o réu Ela está a serviço do contraditório e do sistema acusatório não podendo o juiz alterar de ofício a pretensão acusatória sem grave sacrifício das regras do devido processo penal Evidenciase a maior responsabilidade com que deve agir o Ministério Público titular da pretensão acusatória na nova sistemática sob pena de ser ele o responsabilizado pelas eventuais reclamações de que essa decisão seria geradora de impunidade O que não se pode é violar as regras do devido processo para sanar a negligência e o despreparo do acusador Por fim no estudo do art 384 não se pode esquecer da Súmula n 453 do STF cujo teor é Não se aplicam à segunda instância o art 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa Mesmo tendo sido alterado substancialmente o art 384 a Súmula pode continuar sendo aplicada pois efetivamente não pode haver mutatio libelli em segundo grau sob pena de supressão da jurisdição de primeiro grau Ou seja não há possibilidade de aditamento e inclusão de fato novo após a sentença porque isso violaria todas as regras do devido processo penal na medida em que geraria uma imputação e eventual condenação sem o prévio processo e sem a garantia do juiz natural Na mesma linha o art 617 não recepciona a aplicação do art 384 em grau recursal Infelizmente predomina o entendimento de que o art 383 pode ser aplicado em grau recursal sem qualquer restrição opondose a tudo o que dissemos sobre a emendatio libelli e a necessidade de contraditório 46 Mutações de Crime Doloso para Culposo Consumado para Tentado Autor para Partícipe e ViceVersa Necessidade de Mutatio Libelli Vejamos agora algumas modificações que costumam ocorrer no objeto do processo penal e a forma como devem ser tratadas As alterações feitas na imputação em torno dos elementos subjetivo dolo e normativo culpa afetam a regra da correlação Pensamos que sim pois em regra influem no campo processualprobatório ou seja ambos são objetos de descrição na acusação e exigem a produção de prova para sua confirmaçãonegação A mutação da acusação de doloso para culposo ou viceversa decorre de fatos apurados na instrução ou seja de circunstâncias fáticas das quais está o juiz autorizado a extrair uma decisão neste ou naquele sentido A recusa ao decisionismo faz com que o juiz tenha de fundamentar sua decisão pelo crime culposo ou doloso em cima de prova produzida no processo e ainda refutável pelas partes exigência do contraditório e do sistema acusatório A rigor não cabe a modificação de tipo doloso para tipo culposo sem mutatio libelli com vimos no exemplo anterior da receptação ou ao menos a possibilidade de as partes previamente serem informadas dessa hipótese para que se manifestem sobre a possível desclassificação Ainda que a desclassificação de crime doloso para culposo possa não representar prejuízo95 para a defesa há que se ponderar dois aspectos Primeiro o aparente benefício para o réu pode esvairse se considerarmos que ele foi condenado por uma imputação diversa da qual não se defendeu e principalmente deveria terse permitido defesa em relação ao próprio crime culposo Não há porque conformarse com essa pseudovantagem se considerarmos que o réu tem o direito de se defender da imputação de crime culposo e dela ser absolvido Talvez se lhe tivesse sido oportunizada essa defesa sequer por crime culposo teria sido condenado Há que se ter muito cuidado com o argumento de que toda desclassificação é mais benéfica para o réu e que portanto inexiste prejuízo bem como de que a alteração de doloso para culposo é apenas correção da tipificação legal Tratase de elementos subjetivo e normativo do tipo respectivamente que implicam sim alteração da situação fática Neste sentido é interessante e acertada a seguinte decisão Ementa APELAÇÃO CRIME RECEPTAÇÃO DOLOSA PEDIDO MINISTERIAL DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FORMA CULPOSA PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA MUTATIO LIBELLI VEDADA Uma vez denunciado o réu por receptação dolosa e tendo o agente ministerial titular da ação penal art 129 I CF atuante nesta instância pleiteado a desclassificação para a receptação culposa cujas elementares não estão descritas na denúncia bem como diante da vedação da mutatio libelli neste grau de jurisdição imperativa a absolvição sob pena de ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a sentença o que tornaria a decisão nula porque ultra petita APELAÇÃO DEFENSIVA PROVIDA APELO MINISTERIAL PREJUDICADO POR MAIORIA Apelação Crime 70051607018 5ª Câmara Criminal TJRS Rel Francesco Conti julgado em 30012013 Contudo nossa posição é minoritária96 Como explica OLIVA SANTOS 97 ainda que o resultado seja em aparência favorável ao acusado o certo é que se lhe estaria condenando com a mudança da tipificação sem que tenha tido a oportunidade de oporse Ou seja na essência há violação do contraditório e cerceamento de defesa Logo há que se ter muita cautela nesse terreno e evitar reducionismos excessivos da problemática Em segundo lugar porque o critério fundante da correlação não é o direito de defesa ainda que seja muito importante mas sim o contraditório como bem se preocupou em explicar BADARÓ98 A regra da correlação é antes de tudo uma imposição do contraditório para assegurar o direito de informação e participação das partes como fator legitimante da própria função jurisdicional Basta recordar a síntese de FAZZALARI processo como procedimento em contraditório sendo a decisão construída neste espaço do contraditório pleno A tese defensiva é uma resistência à pretensão acusatória não alterando portanto o objeto mas com ele mantendo uma relação de oposição Sem embargo a tese defensiva determina a relevância ou irrelevância processual de um dado fático que integra o objeto do processo Na mudança de crime consumado para tentado e viceversa tampouco existe uma mera correção da tipificação legal na medida em que estamos diante de situações fáticas completamente diversas que inexoravelmente conduzem à alteração do fato processual e portanto do objeto do processo Em qualquer dos casos imperiosa é a observância do art 384 do CPP sem o que não poderá haver sentença condenatória99 BADARÓ100 chama a atenção ainda para uma mudança que em geral passa despercebida pelos juízes e tribunais a alteração de autor para partícipe e viceversa Ao contrário do senso comum novamente não estamos diante de uma relação de menormaior ou menosmais senão de situações fáticas distintas O fato de o réu ter sido denunciado como autor do delito e posteriormente condenado como partícipe em nada representa uma vantagem ou situação processual legítima É uma mudança que somente pode decorrer de alteração do fato processual exigindo o procedimento previsto no art 384 do CPP sob pena de julgamento extra petita Em suma pensamos que o juiz não pode condenar o imputado alterando as circunstâncias instrumentais modais temporais ou espaciais do delito sem darlhe ampla possibilidade de defesa em relação a esse fato diverso daquele imputado inicialmente101 Mesmo que aparentemente a desclassificação de crime doloso para culposo por exemplo não gere prejuízo para o direito de defesa essa leitura é superficial e desconsidera que o réu também tem o direito de se defender e inclusive ser absolvido da prática do crime culposo Daí por que fundamental a mutatio libelli Situação completamente distinta ocorre quando há apenas uma redução da imputação por ausência de provas e sendo o tipo penal decomponível possível a condenação por outro delito sem a necessidade de aditamento não é caso de mutatio libelli pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa De todas as formas devese dar ouvido à advertência de MALAN102 Caso esteja em dúvida se o fato naturalístico sofreu ou não alteração deve resolvêla a favor da modificação propiciando ao réu a maior amplitude defensiva possível por injunção do princípio universal do favor rei E se o Ministério Público não fizer a mutatio libelli como fica Voltamos à explicação dada no exemplo da receptação culposa ou o juiz aplica o art 28 nos termos do art 384 1º situação em que com o aditamento poderá julgar o crime culposo ou não havendo o aditamento ou ainda aplicado o art 28 insiste o Ministério Público no não aditamento e afastada a figura dolosa pelo contexto probatório deverá o juiz absolver o réu pois não está demonstrada a tese acusatória nos limites da pretensão acusatória Particularmente preferimos não utilizar o art 384 1º que remete para o art 28 pois representa uma violação às regras do sistema acusatório A regra da correlação é garantia de eficácia do contraditório e não pode ser violada apenas porque aparentemente é mais benigna para o réu Ela está a serviço do contraditório e do sistema acusatório não podendo o juiz alterar de ofício a pretensão acusatória sem grave sacrifício das regras do devido processo penal 47 As Sentenças Incongruentes As Classes de Incongruência Nulidade Quando o juiz modifica o fato processual sem observar as regras anteriormente abordadas estamos diante de uma sentença incongruente cujas classes de incongruência103 podem assim ser classificadas104 a incongruência por extra petita Quando o juiz julgar fora do que foi imputado ao réu atua de ofício violando o contraditório e o sistema acusatório Dependendo do caso poderá ainda haver a violação do direito de defesa mas ele é contingencial em relação à configuração da nulidade É uma sentença extra petita aquela em que o juiz sem prévio aditamento do Ministério Público altera o objeto do processo penal ou mais especificamente diante de uma mudança do fato processual não respeita o necessário contraditório e a regra do art 384 do CPP Um exemplo típico de sentença extra petita é a acusação por receptação dolosa e a condenação do réu por receptação culposa sem prévio aditamento do MP Observese que a relação não é de menor a maior pois dolo e culpa não são dois níveis do mesmo elemento senão conceitos completamente distintos e que alteram o fato processual Não é mera alteração da tipificação senão o reconhecimento de uma situação fática diversa daquela descrita na acusação b incongruência por citra petita É quando a sentença fica aquém do que foi pedido não havendo a necessária manifestação judicial acerca da integralidade da pretensão acusatória O juiz dentro do livre convencimento motivado pode condenar ou absolver o réu de toda ou de parte da imputação mas não pode deixar de julgar qualquer dos fatos alegados É incongruente a sentença citra petita que condena o réu pela figura simples sem justificar o afastamento da qualificadora No mesmo erro incide o juiz que diante de vários fatos imputados ao réu condena ou absolve por apenas um ou alguns deles sem julgar a totalidade da acusação Essa violação da regra da correlação demonstra novamente que o instituto está essencialmente a serviço do contraditório e do sistema acusatório pois a sentença será anulada ainda que não tenha ocorrido qualquer prejuízo para a defesa Elementar que para tanto deverá haver recurso do órgão acusador A violação da regra da correlação conduz à nulidade absoluta nos seguintes termos quando a sentença é citra petita o juiz julga menos do que deveria em relação à imputação violando o disposto no art 5º LV da Constituição e gerando a nulidade prevista no art 564 III m do CPP no caso de sentença extra petita o juiz julga fora da imputação violando os arts 5º LV e 129 I da Constituição causando a nulidade prevista no art 564 III a do CPP pois está condenando sem denúncia em relação àquele fato Quanto à extensão da nulidade na sentença em decorrência da violação da regra da correlação há que se analisar caso a caso pois nem sempre a nulidade será total Isso porque se vários são os fatos imputados é perfeitamente possível que o juiz julgue alguns com plena correção e por exemplo apenas em relação a um dos fatos decida extra ou citra petita Nesse caso a nulidade da sentença é parcial e restrita ao fato processual em que se operou a incongruência Em qualquer caso há que se verificar o nível de contaminação 48 Poderia o Juiz Condenar Quando o Ministério Público Requerer a Absolvição O Eterno Retorno ao Estudo do Objeto do Processo Penal e a Necessária Conformidade Constitucional A Violação da Regra da Correlação Questão recorrente ao se tratar da sentença penal condenatória é o disposto no art 385 do CPP que dispõe o seguinte Art 385 Nos crimes de ação pública o juiz poderá proferir sentença condenatória ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição bem como reconhecer agravantes embora nenhuma tenha sido alegada Partindo da construção dogmática do objeto do processo penal com GOLDSCHMIDT verificamos que nos crimes de ação penal de iniciativa pública o Estado realiza dois direitos distintos acusar e punir por meio de dois órgãos diferentes Ministério Público e Julgador Essa duplicidade do Estado como acusador e julgador é uma imposição do sistema acusatório separação das tarefas de acusar e julgar O Ministério Público é o titular da pretensão acusatória e sem o seu pleno exercício não se abre a possibilidade de o Estado exercer o poder de punir visto que se trata de um poder condicionado O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP mediante o exercício da pretensão acusatória Logo o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória isto é o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém Como consequência não pode o juiz condenar sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo Então recordando que GOLDSCHMIDT afirma que o poder judicial de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para que se possa aplicar a pena e mais do que isso é um poder condicionado à existência de uma acusação Essa construção é inexorável se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da Constituição Significa dizer aqui está um elemento fundante do sistema acusatório Portanto viola o sistema acusatório constitucional a regra prevista no art 385 do CPP que prevê a possibilidade de o juiz condenar ainda que o Ministério Público peça a absolvição Também representa uma clara violação do Princípio da Necessidade do Processo Penal fazendo com que a punição não esteja legitimada pela prévia e integral acusação ou melhor ainda pleno exercício da pretensão acusatória Ademais aponta PRADO105 há violação da garantia do contraditório pois esse direito fundamental é imperativo para validade da sentença Como o juiz não pode fundamentar sua decisão condenatória em provas ou argumentos que não tenham sido objeto de contraditório é nula a sentença condenatória proferida quando a acusação opina pela absolvição O fundamento da nulidade é a violação do contraditório artigo 5º inciso LV da Constituição da República grifo nosso Igualmente grave e nula a sentença é a previsão feita na última parte do art 385 do CPP poderá o juiz reconhecer agravantes embora nenhuma tenha sido alegada na acusação Aqui sequer invocação existe Menos ainda exercício integral da pretensão acusatória para legitimar a punição Pior ainda está o juiz literalmente acusando de ofício para poder ele mesmo condenar Ferido de morte está ainda o princípio constitucional do contraditório art 5º LV da Constituição da República Além disso avocará um poder que ele juiz não tem e não deve ter Ferido de morte está o sistema acusatório Violado ainda o princípio supremo do processo 106 a imparcialidade Como consequência fulminados estão a estrutura dialética do processo a igualdade das partes o contraditório etc Tampouco se pode defender o art 385 invocando a mitológica verdade real que já foi por nós suficientemente desconstruída sendo desnecessário repetir os argumentos Dificilmente essa matéria é levada à discussão nos tribunais brasileiros e mais raro ainda é que tratem da problemática de forma adequada ou seja para além do reducionismo do está na lei e basta Daí por que é louvável a decisão proferida pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no RSE 10024057025769001 Rel Des Alexandre Victor de Carvalho publicada em 27102009 EMENTA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS DECRETA DA PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM ALEGAÇÕES FINAIS VINCULAÇÃO DO JULGADOR SISTEMA ACUSATÓRIO I Deve ser decretada a absolvição quando em alegações finais do Ministério Público houver pedido nesse sentido pois neste caso haveria ausência de pretensão acusatória a ser eventualmente acolhida pelo julgador II O sistema acusatório sustentase no princípio dialético que rege um processo de sujeitos cujas funções são absolutamente distintas a de julgamento de acusação e a de defesa O juiz terceiro imparcial é inerte diante da atuação acusatória bem como se afasta da gestão das provas que está cargo das partes O desenvolvimento da jurisdição depende da atuação do acusador que a invoca e só se realiza validade diante da atuação do defensor III Afirmase que se o juiz condena mesmo diante do pedido de absolvição elaborado pelo Ministério Público em alegações finais está seguramente atuando sem necessária provocação portanto confundindose com a figura do acusador e ainda decidindo sem o cumprimento do contraditório IV A vinculação do julgador ao pedido de absolvição feito em alegações finais pelo Ministério Público é decorrência do sistema acusatório preservando a separação entre as funções enquanto que a possibilidade de condenação mesmo diante do espaço vazio deixado pelo acusador caracteriza o julgador inquisidor cujo convencimento não está limitado pelo contraditório ao contrário é decididamente parcial ao ponto de substituir o órgão acusador fazendo subsistir uma pretensão abandonada pelo Ministério Público A decisão analisou com rara sabedoria o problema calcandose com acerto no trinômio pretensão acusatória sistema acusatório contraditório na mesma linha da fundamentação anteriormente exposta Dessa forma pedida a absolvição pelo Ministério Público necessariamente a sentença deve ser absolutória pois na verdade o acusador está deixando de exercer sua pretensão acusatória impossibilitando assim a efetivação do poder condicionado de penar Por último a sentença que condena o réu e de ofício inclui agravantes não alegadas pelo Ministério Público é nula por incongruente Além de violar o sistema acusatório o contraditório e o direito de defesa a aplicação do art 385 é absolutamente incompatível com a pretensão acusatória objeto do processo penal Está ainda em linha de colidência com o disposto no art 41 do CPP que como vimos determina que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias E o que são agravantes senão circunstâncias do delito Como se verá na continuação a sentença que reconhece agravantes não alegadas pelo Ministério Público é extra petita pois se descola da imputação para ir de ofício além da acusação violando numa só tacada as regras da correlação do contraditório e do sistema acusatório Ademais constitui uma modificação indevida do objeto do processo penal Diante da inércia da jurisdição crucial para o sistema acusatório e a garantia da imparcialidade decorrente do ne procedat iudex ex officio não pode o juiz prover sem que haja um pedido e como consequência daí decorre outro princípio o juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A inclusão por parte do juiz de agravantes que não estavam na imputação representa uma indevida modificação no fato processual Portanto inaplicável o art 385 do CPP e quando utilizado conduz a uma grave nulidade da sentença 5 Coisa Julgada Formal e Material Para o estudo da coisa julgada vamos resgatar aqui algumas explicações feitas quando do estudo da exceção de coisa julgada pedindo vênia pela necessária repetição Coisa julgada em sentido literal explica LEONE107 significa cosa sobre la cual ha recaído la decisión del juez expresa por tanto una entidad pasada fija firme en el tiempo a la cual corresponde en clave de actualidad la cosa que debe ser juzgada por eso algunos contraponen a la cosa juzgada la cosa que debe ser juzgada Na essência coisa julgada significa decisão imutável e irrevogável significa imutabilidade do mandamento que nasce da sentença108 Para além disso é uma garantia individual prevista no art 5º XXXVI da Constituição estabelecida para assegurar o ne bis in idem ou seja a garantia de que ninguém será julgado novamente pelo mesmo fato Também mereceu disciplina na Convenção Americana de Direitos Humanos cujo art 84 é categórico o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos Portanto a coisa julgada atua em uma dupla dimensão constitucional como garantia individual e processual preclusão e imutabilidade da decisão Em qualquer das duas dimensões no processo penal eis mais um fundamento da inadequação da teoria geral do processo a coisa julgada está posta a serviço do réu ou seja uma garantia do cidadão submetido ao processo penal É a coisa julgada uma construção artificial do Direito seja por exigência política ou de pacificação social mas sempre um artifício a serviço do cidadão evitando que seja novamente processado pelo mesmo fato em outro processo ou seja reexaminado no mesmo processo COUTURE109 explica que la cosa juzgada es en resumen una exigencia política y no propiamente jurídica no es de razón natural sino de exigencia práctica Daí por que no processo penal somente se permite a revisão criminal quando favorável ao réu logo o reexame relativizador da coisa julgada somente se opera pro reo Portanto sublinhese qualquer mitigação dos efeitos da coisa julgada somente poder ser feita em favor da defesa110 Por isso somente a sentença penal absolutória faz coisa soberanamente julgada na medida em que a sentença condenatória pode ser a qualquer momento revista através da revisão criminal Seguindo a clássica distinção a coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira Primeiramente a decisão é irrecorrível ou tornase preclusa coisa julgada formal e após vem a imutabilidade da decisão ou seja a produção exterior de seus efeitos coisa julgada material Quando não há análise e julgamento sobre o mérito ou seja sobre o fato processual ou caso penal a decisão faz coisa julgada formal mas não produz coisa julgada material ou seja é imutável no próprio processo após a fluência do prazo sem a interposição de recurso ou pela denegação do eventual recurso interposto é claro sem que exista a produção exterior de seus efeitos Por outro lado quando há uma sentença de mérito em que se julga efetivamente o caso penal condenando ou absolvendo o réu existe coisa julgada formal no primeiro momento imutabilidade interna ou endoprocedimental e após produzse a coisa julgada material com a imutabilidade dos efeitos da sentença Também as decisões declaratórias de extinção da punibilidade prescrição perdão etc produzem coisa julgada formal e material fulminando o poder punitivo estatal e impedindo novo processo ou o seu reexame É a consagrada lição de LIEBMAN111 de que a coisa julgada não é o efeito ou um efeito da sentença mas uma qualidade e um modo de ser e de manifestarse de seus efeitos É algo que se agrega a tais efeitos para qualificálos e reforçálos em um sentido bem determinado Não há que se confundir uma qualidade dos efeitos da sentença com um efeito autônomo dela e nisto consiste a autoridade da coisa julgada que se pode precisamente definir como a imutabilidade do mandamento proveniente da sentença Não se identifica com a definitividade ou intangibilidade do ato que pronuncia o mandamento é em câmbio uma qualidade especial mais intensa e mais profunda que afeta o ato e inclusive seu conteúdo e o torna desse modo imutável não só no seu aspecto formal mas também dos efeitos desse mesmo ato Seguindo o autor a coisa julgada formal e material pode ser pensada como os degraus da escada ou seja o primeiro degrau seria a produção da coisa julgada formal dentro do processo através da impossibilidade de novos recursos Superado o primeiro degrau pode a coisa julgada ser material atingir o segundo degrau nível em que os efeitos vinculatórios da decisão extrapolam os limites do processo originário impedindo novos processos penais sobre o mesmo caso ou seja tendo como objeto o mesmo fato natural e o mesmo réu sendo assim imutável A coisa julgada serve para que um processo alcance uma certeza básica para o cumprimento a irrevogabilidade dimensão interna ou efeito intraprocessual de um lado e de outro a eficácia frente a eventuais discussões posteriores em torno do que foi resolvido no processo112 dimensão externa Explica ROXIN113 que com os conceitos de coisa julgada formal e material são descritos os diferentes efeitos melhor qualidade da sentença sendo que a coisa julgada formal se refere a inimpugnabilidad de uma decisión en el marco del mismo proceso denominado pelo autor efecto conclusivo ao passo que a coisa julgada material provoca que a causa definitivamente julgada não possa ser novamente objeto de outro procedimento pois o direito de perseguir penalmente está esgotado efeito impeditivo A coisa julgada no processo penal é peculiar pois somente produz sua plenitude de efeitos coisa soberanamente julgada quando a sentença for absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois nesses casos não se admite revisão criminal contra o réu ou pro societate ainda que surjam novas provas cabais da autoria e materialidade114 Tratase de uma opção democrática fortalecimento do indivíduo de cunho políticoprocessual de modo que uma vez transitada em julgado a sentença penal absolutória em nenhuma hipótese aquele réu poderá ser novamente acusado por aquele fato natural A coisa julgada no processo penal é essencialmente uma garantia do réu somente atingindo máxima eficácia na sentença absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade Já a sentença condenatória por ser passível de revisão criminal a qualquer tempo inclusive após a morte do réu art 623 do CPP jamais produzirá uma plena imutabilidade de seus efeitos Quando ocorre somente a coisa julgada formal dizse que houve preclusão já o trânsito em julgado conduz à coisa julgada material e somente se produz nos julgamentos de mérito As decisões de natureza processual como pronúncia impronúncia ou dependendo do caso de rejeição da denúncia art 395 do CPP por não implicarem análise de mérito somente conduzem a coisa julgada formal ou seja mera preclusão das vias recursais 51 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada Os limites objetivos dizem respeito ao fato natural objeto do processo e posterior sentença não interessando a qualificação jurídica que receba Como explica CORTÉS DOMÍNGUEZ115 o princípio do ne bis in idem é uma exigência da liberdade individual que impede que os mesmos fatos sejam processados repetidamente sendo indiferente que eles possam ser contemplados desde distintos ângulos penais formais e tecnicamente distintos É importante ressaltar que na coisa julgada o foco é diferente da problemática vista na correlação Lá importava o conceito de fato processual englobando o fato penal e o natural Aqui a situação é distinta pois ainda que se possa falar em fato processual o que realmente importa é o fato natural Para os limites da coisa julgada interessa a complexidade fática decidida independentemente da definição jurídica que receba pois o que se busca é evitar que o réu seja acusado de um determinado fato cuja definição jurídica foi recusada pelo juiz que o absolveu no final Pode o acusador fazer uma nova acusação tendo como objeto o mesmo fato natural mas com diferente tipificação Não pois existe coisa julgada Assim evidenciase que a coisa julgada busca proteger o réu do bis in idem ou seja nova acusação pelo mesmo fato ainda que diverso seja o nome jurídico a ele atribuído Então não existe contradição agora com a exposição anterior Lá na correlação a situação é diversa Assim recordemos que fato processual fato penal fato natural Mas no estudo da coisa julgada o ponto nevrálgico é o fato natural e o imputado Como decorrência a coisa julgada proíbe que exista uma nova acusação em relação ao mesmo fato natural116 ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em face do mesmo imputado que já foram objeto de processo anterior Novamente o que se busca é evitar um bis in idem de processos e de punições em relação ao mesmo fato Dessarte essa impossibilidade de que alguém venha a ser novamente processado pelo mesmo fato é considerado o efeito negativo da coisa julgada Noutra dimensão estão os limites subjetivos da coisa julgada Como explica GÓMEZ ORBANEJA em posição compartilhada por ARAGONESES ALONSO117 a coisa julgada fica circunscrita subjetivamente pela identidade da pessoa do réu e objetivamente pela identidade do fato É importante compreender a vinculação entre os limites objetivos com os limites subjetivos da coisa julgada que vêm dados pela identidade do imputado ou imputados Ou seja impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Como explica MAIER118 para que a regra da coisa julgada funcione e produza seu efeito impeditivo característico a imputação tem de ser idêntica e isso somente ocorre quando tiver por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa Assim nada impede que outras pessoas sejam acusadas pelo mesmo fato seja porque se demonstrou a participação ou coautoria ou ainda porque o réu foi absolvido ou ainda que o réu seja novamente processado por outros fatos criminosos praticados 52 Algumas Questões em Torno da Abrangência dos Limites da Coisa Julgada Circunstâncias e Elementares não Contidas na Denúncia O Problema do Concurso de Crimes Concurso Formal Material e Crime Continuado Crime Habitual Consumação Posterior do Crime Tentado O efeito negativo da coisa julgada a impedir uma nova acusação por aquele fato está intimamente relacionado com o objeto do processo penal e representa uma continuação da imutabilidade do objeto do processo penal como anteriormente explicamos no princípio da correlação mas possui uma abrangência maior pois todo o fato deve ser imputado na acusação Não há que se esquecer que a ação penal de iniciativa pública regese pelo princípio da obrigatoriedade e indisponibilidade não podendo o Ministério Público por sua conveniência deixar fatos de fora da denúncia Como explica BADARÓ119 ao se julgar a imputação ainda que todo o fato naturalístico não tenha sido imputado a coisa julgada irá se formar sobre o acontecimento da vida em sua inteireza o que impedirá a nova imputação sobre o mesmo fato No mesmo sentido PACELLI120 trabalha com a realidade histórica para chegar à mesma conclusão pois se está permitido ao Ministério Público fazer o aditamento da denúncia a qualquer tempo não o fazendo também serão alcançados pela coisa julgada os fatos não aditados pois o que faz coisa julgada no juízo criminal é fato tal como efetivamente realizado independentemente do acerto ou equívoco na sua imputação O afetado pela coisa julgada é o fato natural com todas as suas circunstâncias eou elementares tenham sido ou não incluídas na acusação Daí por que se alguém é acusado de furto porque subtraiu determinada coisa alheia móvel de outrem e no curso da instrução surgem provas de que teria ocorrido o emprego de violência deverá o Ministério Público realizar o aditamento nos termos do art 384 Mas não o fazendo estará essa elementar abrangida pela coisa julgada não podendo haver nova acusação ainda que pelo delito de roubo e tampouco uma nova ação penal em que se impute apenas a lesão corporal não incluída no processo anterior Essa elementar violência sempre integrou o fato natural e por erro do Ministério Público não foi objeto da acusação ou aditamento mas isso não tem nenhuma relevância pois em relação a ela também haverá imutabilidade Evidenciase uma vez mais a responsabilidade que deve ter o acusador ao formular a imputação e fazer ou omitir o aditamento necessário Situação interessante ocorreu no julgamento pelo STF do HC 84525MG Rel Min Carlos Velloso j 16112004121 em que entendeu o STF que não havia coisa julgada nesse caso em que houve a extinção da punibilidade pela morte do autor do delito com base em certidão de óbito falsa permitindo se assim fosse retomado o processo Argumentou o ilustre relator que a decisão que reconheceu a extinção da punibilidade é meramente declaratória e portanto não poderia subsistir se o seu pressuposto fosse falso Em última análise o Supremo Tribunal fez uma opção ponderou a garantia da coisa julgada de um lado e o fato de o réu estar se beneficiando de sua conduta ilícita de outro e optou pelo sacrifício da coisa julgada Bastante perigosa sem dúvida essa relativização da garantia constitucional que esperamos não seja banalizada sob pena de esvaziamento de importante conquista democrática e até civilizatória Outros problemas podem surgir ainda em decorrência do concurso de delitos Quando há concurso formal crime continuado ou concurso material devese ter muita cautela na análise do fato natural e a eventual omissão da imputação Por exemplo se Mané mediante uma única ação praticar dois ou mais crimes nos termos do art 70 do Código Penal haverá continência art 77 II do CPP implicando julgamento simultâneo Contudo se por equívoco ou ausência de provas for ele acusado por apenas um dos crimes e após a sentença tanto faz condenatória ou absolutória forem descobertos os demais em relação a eles poderá o réu ser novamente processado A solução é polêmica Há quem defenda que sim pois não há identidade de fatos naturais para constituição da coisa julgada Se condenado a unificação das penas ocorrerá na fase de execução penal nos termos do art 82 do CPP Contudo pensamos que não O concurso formal art 70 do CP ocorre quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes idênticos ou não aplicandose a mais grave das penas cabíveis com o aumento de um sexto até a metade Essa regra não se aplica se os crimes são dolosos e resultam de desígnios autônomos haverá concurso material nesse caso Tratase a exemplo da continuidade delitiva a seguir explicada de uma ficção legal com vistas a beneficiar o réu cuja desconsideração em sede da falta de proteção pela via da coisa julgada conduziria ao esvaziamento de toda legitimação penal construída Assim se mediante uma única ação culposa Mané atropela 4 pessoas que caminhavam pela margem de uma rodovia mas a denúncia descreve apenas 3 dos crimes não poderá após a sentença transitar em julgado ser novamente processado em relação ao fato não abrangido pela denúncia122 Como explica CORDERO123 deve o Ministério Público apresentar a acusação com o fato e todas as suas circunstâncias ou seja que aduza tudo o que se pode apresentar O sistema exclui processos parciais como seriam os julgamentos distintos sobre delitos concorrentes em um só episódio determinado pela conduta Em síntese una vez el hecho es juzgado todas sus circunstancias lo son igualmente No mesmo sentido ARMENTA DEU 124 é enfática parece claro que se no primeiro processo não se apreciou o concurso apresentandose a ação punível como subsumível apenas em um tipo penal a coisa julgada protegerá de outro processo no qual se tipificam os fatos de forma distinta mas em concurso com aquele Situação igualmente difícil é a definição do alcance da coisa julgada no caso de continuidade delitiva LEONE125 faz uma distinção entre os delitos cometidos antes da persecução penal incluindo a fase pré processual e que não foram objeto da acusação e sentença mas que integraram aquela continuidade delitiva e aquelas condutas praticadas após o agente ter conhecimento da atuação estatal investigação ou processo Em relação a esse último caso afirma que se esgota o desígnio inicial ao que se vinculam os fatos deduzidos no processo Ou seja não há produção da coisa julgada em relação a eles Distinto é o cenário quando existem condutas praticadas no mesmo período de tempo abrangido pela continuidade mas que não foram objeto da acusação Assim suponhamos que alguém seja condenado por furto continuado por subtrair veículos na mesma cidade nos meses de janeiro fevereiro abril e junho de 2011 Após o trânsito em julgado da decisão é oferecida denúncia referente a furto de veículos nos meses de março e maio daquele mesmo ano 2011 Se esses fatos tivessem sido incluídos na denúncia anterior teriam sido julgados da mesma forma ou seja como crime continuado Estão abrangidos pela coisa julgada Pensamos que sim A continuidade delitiva é uma unidade delitiva por ficção normativa ou seja nos termos do art 71 do CP aplicase a pena de um só dos crimes ainda que tenham sido várias as ações ou omissões praticando assim dois ou mais crimes da mesma espécie se idênticas ou a mais grave se diversas aumentandose a pena de um sexto a dois terços Esse tratamento diferenciado e mais benigno ao réu é o que funda a existência do crime continuado e não pode ser fraudado pelo simples argumento de que algum ou alguns dos fatos integrantes daquela cadeia fática não foram objeto da acusação Ao acusador tomando por base os mecanismos de investigação à disposição do Estado incumbe oferecer a acusação por todas as condutas praticadas até porque a ação penal é obrigatória e indivisível Como aponta LEONE126 si el delito continuado es un instituto inspirado en sentimientos de equidad a favor del reo tendiente a evitar la aplicación del rigor del concurso al dejarse independientes las dos acciones se vendría a disolver la sustancia el fundamento y la finalidad de él y se caería en los excesos de la teoría anteriormente examinada No mesmo sentido por nós defendido mas indo além na dimensão temporal ARMENTA DEU 127 sustenta que no crime continuado a coisa julgada abarca todos os comportamentos homogêneos desde a primeira ação contemplada no primeiro processo até o momento preclusivo de aportação dos fatos nesse mesmo processo ou seja até a sentença Ainda invocando as lições de GÓMEZ ORBANEJA leciona CORTÉS DOMÍNGUEZ128 que desde o ponto de vista do Direito Processual e dos limites objetivos da coisa julgada devese sustentar que ela afeta não só todos os fatos que foram objeto da acusação e processo senão também a todos aqueles realizados com anterioridade ao processo ainda que não tiverem sido objeto da acusação e tivessem sido descobertos posteriormente Quanto ao crime habitual em que sua constituição exige várias ações com uma unidade substancial de fatos caracterizada pela habitualidade há sim produção do efeito impeditivo da coisa julgada material Isoladamente os fatos são atípicos Daí por que se alguém for acusado de exercício ilegal da medicina art 282 do CP crime que exige a habitualidade para sua configuração e após a sentença penal condenatória transitar em julgado forem descobertos novos fatos ocorridos naquele mesmo período de tempo não poderá ser o agente novamente acusado O crime somente se configura se presente a habitualidade de modo que os fatos posteriormente descobertos mas ocorridos naquele mesmo período estão abrangidos pela punição ARMENTA DEU129 explica que no crime habitual considerando que são várias as ações que se castigam em uma unidade substancial de fato a coisa julgada afeta todos os fatos que possam constituir objeto da habitualidade Também do crime habitual se ocupou LEONE130 afirmando que as outras ações de mesma índole descobertas posteriormente mas realizadas no mesmo período de tempo e contra o mesmo sujeito passivo ao constituir um fragmento do fato complexo julgado não serão suscetíveis de novo julgamento Mas segue o autor en cabio un hecho distinto no hay razón para precluir el ejercicio de una nueva acción penal así si se descubriesen otras acciones cometidas en tiempo más remoto y muy separadas cronológicamente del hecho juzgado Assim se após a sentença o réu vier novamente a praticar habitualmente a conduta descrita no tipo esse novo conjunto de ações constituirá um novo crime não atingido pela coisa julgada Também não está alcançado pela coisa julgada o exercício de outro conjunto de crimes cometidos anteriormente e que por si só constituam um crime habitual Em suma em linhas gerais a eficácia da coisa julgada em relação aos crimes habituais recebe o mesmo tratamento da continuidade delitiva Completamente diferente é o tratamento em caso de concurso material pois aqui não há que se falar em eficácia da coisa julgada Poderá o réu ser novamente processado pelos fatos não incluídos na primeira acusação pois completamente distintos Noutra dimensão devese analisar se a coisa julgada impede novo processo quando houver a produção posterior de resultado mais grave Por exemplo se A for acusado de tentativa de homicídio porque em determinado local e data desferiu tiros contra a vítima B não tendo o resultado morte se produzido por motivos alheios à sua vontade Se a vítima morrer em decorrência dos ferimentos e o réu ainda não tiver sido julgado deverá o Ministério Público promover o aditamento nos termos do art 384 do CPP Contudo quando sobrevier sentença transitada em julgado seja absolutória ou condenatória pensamos que a coisa julgada impedirá novo processo Haveria bis in idem submeter o réu a novo processo e a exceção de coisa julgada deve ser oferecida pois há identidade substancial do fato natural e também do imputado Assim deve ser reconhecido o efeito impeditivo inerente à coisa julgada material pelos mesmos postulados de política processual que impedem revisão criminal pro societate e portanto contra o réu Do contrário estaria sendo criada uma situação de pendência em que mesmo após o trânsito em julgado o réu poderia a qualquer tempo voltar a ser processado agora por delito consumado em caso de morte da vítima Os mesmos fundamentos de necessária estabilidade das decisões e de que as situações penais tenham uma solução definitiva fazem com que a coisa julgada produzida em relação ao delito tentado impeça novo processo em caso de posterior consumação Na mesma linha encontrase ainda a imutabilidade da sentença absolutória nula Como se verá ao tratar das nulidades a sentença penal absolutória mesmo que absolutamente nula uma vez transitada em julgado produz plenamente os efeitos da coisa julgada material não mais podendo ser alterada Por fim a coisa julgada poderá ser conhecida pelo juiz a qualquer tempo extinguindo o feito com a sua comprovação Não o sendo a exceção poderá ser arguida pela parte passiva no prazo da resposta à acusação do art 396A mas nada impede que o faça a qualquer tempo sendo processada em autos apartados nos termos do art 111 cc 396A 1º do CPP Da decisão que julgar procedente a exceção caberá Recurso em Sentido Estrito art 581 III do CPP Em sendo reconhecida a coisa julgada de ofício pelo juiz o recurso cabível será apelação art 593 II do CPP Sendo rejeitada a exceção de coisa julgada não caberá recurso algum Contudo nada impede que a parte interessada alegue a coisa julgada na preliminar do recurso de apelação interposto contra a sentença condenatória proferida em primeiro grau 1 Explica o autor que dentro da teoria dos valores devese distinguir entre axiologia e axiosofia A axiologia tem por objeto a estrutura formal do reino dos valores a delimitação de cada valor a relação entre os diversos valores assim como as leis formais que governam cada valor A axiosofia em troca enfoca os conteúdos dos valores A axiologia é referida a valores a axiosofia é estimativa Op cit p 18 e ss 2 GOLDSCHMIDT Werner La Ciencia de la Justicia Dikelogía Buenos Aires Depalma 1986 prólogo 3 La Ciencia de la Justicia Dikelogía cit p 189 4 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 28 5 Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 7 e ss 6 OST François O Tempo do Direito Lisboa Piaget 1999 p 9 e ss 7 ALMEIDA PRADO Lidia Reis O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial Campinas Millenium 2003 p 124 8 FERRAJOLI Derecho y Razón Teoria del Garantismo Penal 2 ed Madri Trotta 1997 p 22 e ss 9 Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada Granada n 2 1999 p 55 10 Idem ibidem p 59 11 DAMÁSIO António O Erro de Descartes São Paulo Companhia das Letras 1996 p 279 12 Idem ibidem p 280 13 Por tudo conferir ANTÓNIO DAMÁSIO O Erro de Descartes op cit 14 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 282 15 Cf ALMEIDA PRADO Lídia Reis O Juiz e a Emoção cit p 110 A expressão sombra está empregada no sentido de lado esquecido desvalorizado ou reprimido Sobre o tema consultese o que explicamos anteriormente no tópico A toga e a figura humana do julgador no ritual judiciário da dependência à patologia 16 Derecho y Razón teoría del garantismo penal 2 ed Madrid Trotta 1999 p 540 17 Entrevista conduzida por RUI CUNHA MARTINS com FERNANDO GIL acerca dos Modos da Verdade Revista de História das Ideias Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra v 23 2002 p 15 e ss 18 No prólogo da obra de Ferrajoli p 17 19 Derechos y Garantias la ley del más débil Madrid Trotta 1999 p 21 20 Idem ibidem 21 Derechos y Garantias la ley del más débil cit p 23 22 Idem ibidem p 24 23 MAZZUOLI Valerio de Oliveira O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis 3 ed São Paulo RT 2013 24 Tomamos emprestada a enigmática pergunta de Agostinho Ramalho Marques Neto O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática o juiz cidadão Revista da ANAMATRA São Paulo n 21 p 3050 1994 25 Teoria do Ordenamento Jurídico Trad Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Brasília Polis 1991 p 119 e ss 26 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 24 27 MARQUES NETO Agostinho Ramalho O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática o juiz cidadão Revista da ANAMATRA São Paulo n 21 p 3050 1994 28 PEREIRA LEAL Rosemiro Teoria Processual da Decisão Jurídica São Paulo Landy 2002 p 14 29 MIRANDA COUTINHO Jacinto Nelson Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os Operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 188 30 SILVA FRANCO Alberto O Juiz e o Modelo Garantista Doutrina do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais disponível no site do Instituto wwwibccrimcombr em março de 1998 31 A expressão é de WARAT apud STRECK e bem retrata o conjunto de crenças e valores do discurso manualístico que impregna nossos tribunais Valores e conceitos são repetidos ao longo de anos sem maior questionamento ou reflexão por parte dos operadores jurídicos retratando um perigosíssimo conformismo Exemplo típico dessa postura repetidora do saber comum é a paixão arrebatadora por parte de alguns juízes pelos repertórios de jurisprudência Invocar a jurisprudência pacífica reiteradas decisões de tal tribunal etc é considerado por eles como fundamentação Como explica STRECK Lenio Luiz Tribunal do Júri 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 1998 p 51 com esse tipo de procedimento são ignorados o contexto histórico e social no qual estão inseridos os atores jurídicos acusado vítima juiz promotor advogado etc bem como não se indaga e tampouco se pesquisa a circunstância da qual emergiu a ementa jurisprudencial utilizada Afinal de contas se a jurisprudência torrencialmente vem decidindo que ou a doutrina pacificamente entende que o que resta fazer Consequência disso é que o processo de interpretação da lei passa a ser um jogo de cartas marcadas Ainda se acredita na ficção da vontade do legislador do espírito do legislador da vontade da norma 32 STRECK Lenio Luiz A Aplicação dos Princípios Constitucionais Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 204 33 MESSUTI Ana O Tempo como Pena São Paulo RT 2003 p 43 34 Idem ibidem 35 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 280 36 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 282 37 Citado por ALMEIDA PRADO Lídia Reis O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial cit p 14 38 BRUM Nilo Bairros de Requisitos Retóricos da Sentença Penal São Paulo Revista dos Tribunais 1980 p 7 39 BOSCHI José Antônio Paganella A Sentença Penal Revista de Estudos Criminais n 5 Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 65 40 Seria reducionismo citar alguma passagem pontual de Lenio STRECK pois não daria a real dimensão do seu pensamento Daí por que é imprescindível a leitura integral entre outras da obra O que é Isto Decido conforme a minha consciência Porto Alegre Livraria do Advogado 41 Imprescindível a leitura da obra Sentença Penal a bricolage de significantes de ALEXANDRE MORAIS DA ROSA publicada pela Editora Lumen Juris 42 QUEIROZ Paulo Direito Penal parte geral 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 52 43 Remetemos à clara e precisa exposição feita por PAULO QUEIROZ na obra Direito Penal cit p 51 e ss 44 Idem ibidem p 64 45 QUEIROZ Paulo Direito Penal cit p 52 46 Idem ibidem 47 Idem ibidem p 55 48 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional 6 ed Coimbra Almedina 1996 p 229 49 Sempre recordando que essa é uma obra assumidamente introdutória e que não tem por objeto o estudo de toda a complexa principiologia constitucional ou mesmo de hermenêutica 50 MORAES Alexandre Direito Constitucional 13 ed São Paulo Atlas 2003 p 47 e ss 51 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional cit p 230 52 Teoria do Ordenamento Jurídico cit p 158 53 Derechos y Garantías la ley del más débil cit p 26 54 STRECK Lenio na Apresentação da obra Hermenêutica Constitucional de Laurence Tribe e Michael Dorf publicada pela Editora Del Rey 2007 p XV 55 TRIBE Laurence e DORF Michael Hermenêutica Constitucional Belo Horizonte Del Rey 2007 p 3 56 COUTINHO Jacinto Nelson Dogmática Crítica e Limites Linguísticos da Lei In Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Martonio Montalverne Barreto Lima Orgs Diálogos Constitucionais Rio de Janeiro Renovar 2006 p 225232 57 COUTINHO Jacinto Nelson Dogmática Crítica e Limites Linguísticos da Lei cit p 225232 58 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes cit p 277 59 COUTINHO Jacinto Nelson A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 p 143 60 PEREIRA LEAL op cit p 6869 61 Idem ibidem p 85 62 Idem ibidem p 124 63 PEREIRA LEAL op cit p 125 64 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 300301 65 Idem ibidem p 301 66 NASSIF Aramis Sentença Penal O Desvelar de Themis Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p XXI 67 Entre outros TOURINHO FILHO op cit v 4 p 239 68 OLIVA SANTOS Andrés et al Derecho Procesal Penal 8 ed p 547 69 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 264 70 Neste sentido muito bem decidiu o STJ no REsp 1185542RS Rel Ministro GILSON DIPP 5ª Turma julgado em 14042011 DJe 16052011 PENAL RECURSO ESPECIAL HOMICÍDIO REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA ART 387 IV DO CPP PEDIDO FORMAL E OPORTUNIDADE DE PRODUÇÃO DE CONTRAPROVA AUSÊNCIA OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA RECURSO DESPROVIDO I O art 387 IV do Código de Processo Penal na redação dada pela Lei 11719 de 20 de junho de 2008 estabelece que o Juiz ao proferir sentença condenatória fixará um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido II Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a aplicação do valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima porque a questão não foi debatida nos autos III Se a questão não foi submetida ao contraditório tendo sido questionada em embargos de declaração após a prolação da sentença condenatória sem que tenha sido dada oportunidade ao réu de se defender ou produzir contraprova há ofensa ao princípio da ampla defesa IV Recurso desprovido 71 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 111 72 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença São Paulo RT 2001 p 87 73 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 114 74 ARAGONESES ALONSO Pedro Sentencias Congruentes Pretensión Oposición y Fallo Madrid Aguilar 1957 p 87 75 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 37 76 Idem ibidem p 32 77 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1963 v 2 p 252 78 CAPEZ Fernando Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva p 424 79 SCARANCE FERNANDES Antonio A Mudança do Fato ou da Classificação no Novo Procedimento do Júri Boletim do IBCCrim n 188 julho2008 p 6 80 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 178 81 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 107 82 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 113 83 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 130 84 Idem ibidem p 163 85 Muito interessante e inspirador é o sistema espanhol cujo art 733 da LECrim e art 7883 no procedimiento abreviado chega ao extremo cuidado de disciplinar a fórmula a ser empregada pelo julgador Artículo 733 Si juzgando por el resultado de las pruebas entendiere el Tribunal que el hecho justiciable ha sido calificado con manifiesto error podrá el Presidente emplear la siguiente fórmula Sin que sea visto prejuzgar el fallo definitivo sobre la conclusiones de la acusación y la defensa el Tribunal desea que el Fiscal y los defensores del procesado o los defensores de las partes cuando fuesen varias le ilustren acerca de si el hecho justiciable constituye el delito de o si existe la circunstancia eximente de responsabilidad a que se refiere el número del artículo del Código Penal Esta facultad excepcional de que el Tribunal usará con moderación no se extiende a las causas por delitos que sólo pueden perseguirse a instancia de parte ni tampoco es aplicable a los errores que hayan podido cometerse en los escritos de calificación así respecto de la apreciación de las circunstancias atenuantes y agravantes como en cuanto a la partición de cada uno de los procesados en la ejecución del delito público que sea materia de juicio Si el Fiscal o cualquiera de los defensores de las partes indicaren que no están suficientemente preparados para discutir la cuestión propuesta por el Presidente se suspenderá la sesión hasta el siguiente día É o chamado planteamiento de la tesis em que o tribunal manifesta a intenção de que as partes lhe ilustrem acerca da possibilidade de o fato constituir outro delito diverso daquele constante na imputação Como explica OLIVA SANTOS Derecho Procesal Penal p 556 el planteamiento de las tesis suscita la oportunidad de defenderse y de debatir contradictoriamente aquello que por no hallarse en las calificaciones no se hubiera tenido ocasión de defender y debatir Lo que se aduce en favor de la concreta postura aquí impugnada es nada menos que el denominado principio acusatorio A preocupação é no sentido de que as partes possam trazer suas alegações para melhor ilustrar o julgador da situação jurídica pois o que aqui se discute é exatamente a possibilidade de alteração na tipificação legal Não há perda da imparcialidade por parte do juiz quando faz o questionamento planteamiento pois não há prejulgamento senão apenas uma possibilidade ventilada ou seja um horizonte decisório desvelado e compartilhado honestamente com as partes através do contraditório Pensamos que na essência não na plenitude esse é um procedimento perfeitamente utilizável no sistema brasileiro sem a necessidade de qualquer alteração legislativa Ventilada a hipótese de nova definição jurídica do fato pelo juiz ou tribunal pois lá o julgamento em primeiro grau é colegiado devem as partes se manifestar sobre a hipótese ventilada Não está o juiz vinculado a essa nova classificação jurídica suscitada podendo julgar nos estritos limites da pretensão acusatória originalmente formulada ou da nova tese Em nome da máxima eficácia do contraditório não se pode inclusive descartar a necessidade de eventual dilação probatória conforme o caso com provas e contraprovas sendo produzidas Por outro lado se mesmo com o planteamiento o Ministério Público insistir em manter a acusação nos termos originários não cabe ao juiz modificar a tipificação legal Somente assim haverá a máxima eficácia do contraditório e demais regras do devido processo penal 86 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 34 87 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 136 88 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 149 89 Situação similar ao planteamiento de la tesis do sistema espanhol anteriormente explicado 90 MALAN Diogo A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 189 91 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 67 92 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 1 2 ed p 250 93 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 108 94 GRECO Rogério Curso de Direito Penal 6 ed Rio de Janeiro Impetus 2007 v 1 p 179 95 Utilizando o argumento da ausência de prejuízo para a defesa com o qual não concordamos está a decisão do STJ proferida no RHC 18100ES 6ª Turma Rel Min PAULO GALLOTTI j 06122007 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS DENÚNCIA POR ESTELIONATO ADITAMENTO PECULATO CONDENAÇÃO PELO CRIME MENOS GRAVE EMENDATIO LIBELLI DEFESA DOS FATOS NARRADOS INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO 1 O aditamento à denúncia limitouse a acrescentar que a paciente tinha conhecimento de ser a corré funcionária pública possibilitando a caracterização do peculato descrito no art 312 do Código Penal que comina sanção mais grave que o estelionato previsto no art 171 3º do mesmo diploma referido anteriormente na inicial acusatória 2 Não restando caracterizado ao final o peculato por falta de provas de que a corré apropriouse de bem de que tinha a posse em razão do cargo levando à desclassificação do crime para o de estelionato e não tendo sido alterada com o aditamento a descrição dos fatos criminosos não é de falar em mutatio libelli 3 É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte de que o réu se defende dos fatos narrados na denúncia não da capitulação legal a eles emprestada 4 Não é de reconhecer qualquer prejuízo à paciente se ela pôde se defender amplamente do fato criminoso que lhe foi imputado e ao final foi condenada como incursa no art 171 3º do Código Penal que prevê pena inferior à do art 312 daquele diploma legal 5 Recurso a que se nega provimento 96 Por honestidade científica citamos o entendimento diverso daquele por nós defendido e com o qual não concordamos mas sustentado pelo STF no RHC 85623SP 1ª Turma Rel Min CARLOS BRITTO j 07062005 EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS RECORRENTE DENUNCIADA PELO CRIME DE PECULATO DOLOSO CAPUT DO ART 312 DO CP E CONDENADA POR PECULATO CULPOSO 2º DO ART 312 DO CP ALEGADA OCORRÊNCIA DE MUTATIO LIBELLI ART 384 DO CPP E NÃO DE EMENDATIO LIBELLI ART 383 DO CPP PRETENDIDA ABERTURA DE VISTA À DEFESA AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À CONDENADA Registrase hipótese da mutatio libelli sempre que durante a instrução criminal restar evidenciada a prática de ilícito cujos dados elementares do tipo não foram descritos nem sequer de modo implícito na peça da denúncia Em casos tais é de se oportunizar aos acusados a impugnação também de novos dados factuais em homenagem à garantia constitucional da ampla defesa Ocorre emendatio libelli quando os fatos descritos na denúncia são iguais aos considerados na sentença diferindo apenas a qualificação jurídica sobre eles incidente Caso em que não se cogita de nova abertura de vista à defesa pois o réu deve se defender dos fatos que lhe são imputados e não das respectivas definições jurídicas Inocorre mutatio libelli se os fatos narrados na denúncia e contra as quais se defendeu a recorrente são os mesmos considerados pela sentença condenatória limitandose a divergência ao elemento subjetivo do tipo culpa dolo Não é de se anular ato que desclassifica a infração imputada à acusada para lhe atribuir delito menos grave Aplicação da parêmia pas de nullité sans grief art 563 do CPP Recurso desprovido 97 OLIVA SANTOS Andres et al Derecho Procesal Penal cit p 562 98 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 125127 99 Em sentido diverso do nosso mas que citamos para conhecimento do leitor EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus Defesa de todos os réus feita pelos mesmos advogados Cerceamento de defesa não configurado diante da inexistência de antagonismo entre as versões dos corréus e pelo fato de nas alegações finais ter sido a conduta do recorrente analisada separadamente Inocorrência de nulidade na ausência de reperguntas por parte da defesa pois tal procedimento é faculdade processual da parte não tendo o condão de macular o processo Desistência das testemunhas de defesa que não implicou em qualquer vício já que as alegações finais basearamse pormenorizadamente na prova produzida Sentença que condenou os réus por crime consumado e não tentado como postulado na denúncia Caso de ementatio libelli e não de mutatio libelli Aplicação do art 383 do CPP Recurso ordinário improvido RHC n 80998MS 1ª Turma do STF Rel Ministra Ellen Gracie j 21082001 100 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 220 101 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 133 102 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 110 103 ARAGONESES ALONSO Pedro Sentencias Congruentes Pretensión Oposición y Fallo cit p 88 e ss 104 Não incluímos no processo penal a sentença ultra petita porque pensamos ser uma categoria inadequada até porque absorvida pela extra petita Não há como o juiz julgar ultra petita sem decidir fora do que foi pedido isto porque o além do pedido no processo penal significa uma mutação no fato processual uma alteração fática Um exemplo apontado pela doutrina como sendo de decisão ultra petita é o seguinte a denúncia imputa ao réu a prática do delito de lesões corporais leves e o juiz sem aditamento procede à condenação por lesões corporais graves Existe uma decisão além do pedido Não a decisão é diversa da imputação Não se trata de uma relação de minusplus pois a lesão grave é um fato penal distinto Não é apenas um mais sentença do que foi pedido senão uma sentença fora do que foi pedido que reconheceu uma alteração fática lesão grave sem o correspondente pedido 105 PRADO Geraldo Sistema Acusatório cit p 116117 106 A expressão é de ARAGONESES ALONSO na obra Proceso y Derecho Procesal cit p 127 107 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1963 v 3 p 320 108 Idem ibidem p 321 109 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil 3 ed Buenos Aires Depalma 1990 p 407 110 DUCLERC Elmir Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 488 111 LIEBMAN Enrico Tullio Efficacia ed Autorità della Sentenza Milano 1962 p 6 e ss 112 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 273 113 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Buenos Aires Del Puerto 2000 p 434 114 Partindo de uma premissa distinta pois defende que o fenômeno da coisa julgada é idêntico no processo civil e no processo penal Ada PELLEGRINI GRINOVER Eficácia e Autoridade da Sentença Penal São Paulo RT 1978 p 56 sustenta que não há diversidade ontológica da coisa julgada na sentença condenatória em relação à absolutória senão apenas uma regulamentação diversa da rescindibilidade 115 Com MORENO CATENA e GIMENO SENDRA na obra Derecho Procesal Penal cit p 626 116 Aquilo que MAIER Derecho Procesal Penal v 1 p 606 chama de hecho como acontecimiento real circunscrito assim a um lugar e momento determinado 117 GÓMEZ ORBANEJA Emilio Derecho Procesal v II p 313 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 317 118 MAIER Julio Derecho Procesal Penal cit p 606 119 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 152 120 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed p 510 121 EMENTA PENAL PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE AMPARADA EM CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA DECRETO QUE DETERMINA O DESARQUIVAMENTO DA AÇÃO PENAL INOCORRÊNCIA DE REVISÃO PRO SOCIETATE E DE OFENSA À COISA JULGADA FUNDAMENTAÇÃO ART 93 IX DA CF I A decisão que com base em certidão de óbito falsa julga extinta a punibilidade do réu pode ser revogada dado que não gera coisa julgada em sentido estrito II Nos colegiados os votos que acompanham o posicionamento do relator sem tecer novas considerações entendemse terem adotado a mesma fundamentação III Acórdão devidamente fundamentado IV HC indeferido 122 Não se descarta que no caso concreto a coisa julgada não alcance o fato criminoso que não foi objeto de acusação mas que se afigura como substancialmente mais grave do que aqueles apurados no processo originário sob pena de se produzir flagrante desproporcionalidade Ademais é a pena do crime mais grave que norteia a dosimetria de modo que se ele não foi incluído no processo não há como sustentar sua absorção no concurso formal 123 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v II p 439 124 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 125 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 358 e ss 126 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 362 Advertimos que essa é uma posição citada pelo autor mas não é por ele adotada 127 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 128 CORTÉS DOMINGUEZ Valentin MORENO CATENA Victor e GIMENO SENDRA Vicente Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 626 129 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 130 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 353 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Dikelogía a ciência da justiça Werner Goldschmidt propõe um debate em torno da justiça nas perspectivas axiológica e axiosófica Alude à deusa Dikè que na mitologia grecoromana é filha de Zeus e Themis irmã da verdade é a justiça do caso concreto que ela traz do Olimpo para a Terra Themis é a deusa da justiça divina personificando a Lei e a organização do Universo é uma matriz mitologênica de onde partiram todas as deusas da justiça Motivação das decisões judiciais serve para controle da racionalidade das decisões judiciais e legitimação do poder exercido O poder judicial somente está legitimado quando exercido conforme as regras do devido processo enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos submetidos ao contraditório e refutáveis Invalidade substancial da norma superada a identificação dos planos da vigência existência com validade distinguese entre as dimensões de validade formal e material Na dimensão formal uma norma existe e é formalmente válida quando observado o regular processo legislativo de sua elaboração Mais relevante e encarregado aos juízes e tribunais está o controle da validade material ou seja a verificação quando de sua aplicação ao caso concreto da conformidade constitucional Significa verificar se no momento da aplicação de determinada norma ao caso não está sendo violado nenhum princípio constitucional ou mesmo a Convenção Americana de Direitos Humanos também é imprescindível fazer um controle judicial da convencionalidade da lei Superação do dogma da completude lógica e o risco do decisionismo superada a concepção de que o sistema jurídico é completo e despido de lacunas e conflitos bem como de que o simples fato de uma lei existir lhe outorgaria automaticamente plena validade abandonase a visão do juiz boca da lei Deve ser assumida a subjetividade no ato de julgar superação do cartesianismo abandonando a ingênua crença de que a decisão judicial é um puro ato de razão O juiz deixa de ser visto como um simples aplicador da lei ao caso concreto para assumir sua dimensão constitucional de quem deve fazer a filtragem constitucional das leis e também eleger os significados válidos da norma fazendo ainda o indispensável juízo de valor sobre as versões trazidas pelas partes ao processo Por outro lado não se pode cair no erro do decisionismo ou seja no outro extremo Não se pode reduzir a sentença a um mero ato de sentir bem como tolerar que o juiz decida apenas conforme a sua consciência pois isso conduziria à ditadura da subjetividade O ato decisório deve ser construído em contraditório segundo as regras do devido processo e vinculado à prova produzida atentando ainda para o espaço constitucional de interpretação os limites semânticos e o próprio princípio da legalidade É a luta pela redução dos espaços impróprios da discricionariedade judicial impedindose que o juiz diga qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck O decisionismo é sinônimo de autoritarismo de decisão ilegítima Eis a questão perene para os hermeneutas a busca incessante pelo equilíbrio entre os extremos 1 ASPECTOS FORMAIS DA DECISÃO os atos jurisdicionais podem ser classificados em a despachos de mero expediente sem cunho decisório e irrecorríveis b decisões interlocutórias simples com mínimo caráter decisório e como regra irrecorríveis c decisões interlocutórias mistas com cunho decisório encerrando o processo sem julgamento do mérito ou finalizando uma etapa do procedimento em regra atacáveis pelo RSE mas há exceções em que cabe apelação d sentenças que podem ser absolutórias próprias ou impróprias aplica medida de segurança condenatórias ou declaratórias sendo em regra impugnáveis pela apelação 2 ESTRUTURA EXTERNA DA SENTENÇA art 381 estruturase em três partes relatório motivação e dispositivo A sentença condenatória deve observar ainda o disposto no art 387 Na sentença condenatória também pode ser fixado um valor indenizatório mínimo desde que exista pedido e observância do contraditório 3 PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO intimamente relacionado com o princípio acusatório e para assegurar a imparcialidade do juiz e o pleno contraditório o espaço decisório está demarcado pela acusação e seu pedido O juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A regra geral é a imutabilidade do objeto do processo penal ou seja da pretensão acusatória Para realizar qualquer modificação devem ser observados os arts 383 emendatio libelli e 384 mutatio libelli Predomina neste tema o a nosso ver superado brocardo narra mihi factum dabo tibi ius segundo o qual o réu se defende dos fatos aduzidos na acusação e não da capitulação jurídica Essa posição é criticável pois desconsidera que o réu também se defende da imputação jurídica tanto que obrigatoriamente deve constar da denúncia ou queixa art 41 IMPORTANTE neste tema é crucial compreender fato natural acontecimento da vida fato penal tipo penal fato processual fato natural fato penal 31 Emendatio Libelli art 383 Neste caso não existem fatos novos mas sim uma mera correção da tipificação legal Não há aditamento agindo o juiz de ofício quando da sentença Para os que defendem a tese de que o réu se defende dos fatos o juiz poderia atribuir uma definição jurídica diversa ainda que em consequência tenha de aplicar uma pena mais grave O conceito de fato processual é imprescindível neste tema evidenciando que sua amplitude conceitual faz com que eventuais mudanças fáticas irrelevantes para o direito penal sejam totalmente relevantes para a definição do fato processual exigindo cuidados para que se produza a mutação sem gerar uma sentença incongruente A costumeiramente tratada como mera correção da tipificação legal não é tão inofensiva assim pois modifica o fato penal e por conseguinte o fato processual A crítica é feita em três dimensões a é reducionista e equivocada a visão de que o réu se defende somente dos fatos pois a ampla defesa também se ocupa da tipificação legal havendo flagrante cerceamento a posterior modificação feita somente na sentença b na maioria das situações em que se usa a emendatio libelli não se trata de mera correção da tipificação mas sim de desvelamento de nova situação fática a exigir aditamento e mutatio libelli como sói ocorrer na mudança de crime doloso para culposo etc c tratase de instituto que não resiste a uma filtragem constitucional pois viola as regras do devido processo penal especialmente no que tange ao princípio acusatório ampla defesa contraditório e princípio da correlação Mera redução da imputação por ausência de provas quando o tipo penal é decomponível o afastamento de uma elementar por falta de provas conduz a atipicidade relativa estando o juiz autorizado a condenar ou absolver pelo crime residual sem necessidade de aditamento ou contraditório pois já se efetivou Exemplos de roubo para furto de peculatofurto para furto etc Não se aplica essa regra na mudança dolosoculposo pois não se trata de mera redução da imputação senão desvelamento de nova situação fática que exige mutatio libelli Conciliando a emendatio libelli com a Constituição para isso dois caminhos podem ser seguidos pelo juiz a consultar previamente as partes em nome do princípio constitucional do contraditório acerca da possível reclassificação do fato a exemplo del planteamiento de la tesis do sistema espanhol b intimar as partes após a emendatio para que em nome do contraditório conheçam e se manifestem sobre a nova classificação jurídica do fato É claro que tais cautelas o aproximariam da mutatio libelli do art 384 mas esse é um caminho inafastável diante das exigências do devido processo penal Por isso estamos alinhados com aqueles que pregam a extinção de tal instituto É possível aplicar o art 383 quando do recebimento da denúncia Em que pese a divergência existente pensamos que excepcionalmente e com vistas a corrigir uma acusação claramente abusiva pode ser admitida a emendatio no início do processo 32 Mutatio Libelli art 384 Ao contrário da situação anterior agora existe um fato processual novo houve a produção de prova de uma elementar ou circunstância não contida na acusação É imprescindível o aditamento feito no prazo de 5 dias assegurando o contraditório e produção de novas provas até 3 testemunhas e novo interrogatório Problema o art 384 1º prevê a aplicação do art 28 quando não há aditamento e o juiz discorda Tal dispositivo é criticado por violar o sistema acusatório a inércia da jurisdição e a imparcialidade do julgador Nova definição jurídica do fato mais favorável ao réu e a inércia do MP considerando que o aditamento é imprescindível em caso de inércia do MP será estabelecida uma situação complexa É o que ocorre na mudança dolosoculposo Não se trata de mera redução da imputação nem simples correção da tipificação A condenação por crime culposo não é uma vantagem para o réu pois ele não se defendeu desta nova imputação violação do contraditório e ampla defesa Exemplo denúncia imputa a prática de receptação dolosa e a instrução demonstra novos elementos fáticos de conduta culposa Não pode o juiz condenar por receptação culposa sem prévio aditamento sentença nula por incongruência Ou o juiz absolve o réu porque não comprovada a tese acusatória nossa posição ou aplica o art 384 1º cc o art 28 do CPP Súmula n 453 do STF não se aplica a mutatio libelli em segundo grau sob pena de supressão de instância e violação do contraditório Contudo a emendatio libelli mera correção da tipificação legal tem sido admitida Mutação de crime doloso para culposo consumado para tentado autor para partícipe são situações em que pensamos ser imprescindível a mutatio libelli com aditamento e contraditório sob pena de incongruência ainda que a decisão seja aparentemente melhor para o réu Contudo o tema não é pacífico e predominam os julgados no sentido de admitir emendatio libelli sem aditamento e contraditório portanto Poderia o juiz condenar quando o MP pedir absolvição Em que pese a redação do art 385 pensamos que ele é substancialmente inconstitucional por flagrante violação do princípio acusatório Ademais representaria uma inequívoca violação do princípio da correlação condenação sem pedido e da imparcialidade do juiz além de ser incompatível com o objeto do processo penal pretensão acusatória O juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido 4 COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL a coisa julgada é uma garantia constitucional art 5º XXXVI da CF e também processual garantindo que ninguém será julgado novamente pelo mesmo fato ne bis in idem É a imutabilidade do mandamento proveniente da decisão não é um efeito mas uma qualidade e um modo de ser e de manifestarse de seus efeitos Somente haverá coisa julgada plena ou soberanamente julgada em relação à sentença penal absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois a condenatória pode ser modificada a qualquer tempo mas em casos restritos através da revisão criminal arts 621 e ss A coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira 41 Coisa julgada formal é o primeiro momento ou degrau da escada quando a decisão é irrecorrível ou tornase preclusa imutabilidade interna Não há análise e julgamento do mérito caso penal 42 Coisa julgada material pressupõe a formal é o segundo degrau da escada Há julgamento de mérito havendo a produção exterior de seus efeitos impedindo novos processos sobre o mesmo caso penal 43 Limites objetivos e subjetivos os limites objetivos dizem respeito ao fato natural não interessando a qualificação jurídica que receba não confundir com o fato processual que orienta a correlação Dizse efeito negativo da coisa julgada a impossibilidade de alguém ser novamente processado pelo mesmo fato Já os limites subjetivos dizem respeito à identidade do imputado Assim ambos os limites constituem a impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Capítulo XIX ATOS PROCESSUAIS DEFEITUOSOS E A CRISE DA TEORIA DAS INVALIDADES NULIDADES A FORMA COMO GARANTIA 1 Introdução Meras Irregularidades e Atos Inexistentes Questão tormentosa para qualquer ator judiciário comprometido com a Constituição é o instituto das invalidades no processo penal ou melhor a prática de atos processuais defeituosos cuja casuística dificulta sobremaneira o estabelecimento de uma estrutura teórica dotada de suficiência para dar conta de tamanha complexidade Mais grave revelase a situação quando cotejada com as absurdas relativizações diariamente feitas por tribunais e juízes muitas vezes meros repetidores do senso comum teórico calcados na equivocada premissa da teoria geral do processo Pior é a situação daqueles que partem da teoria do ato jurídico ou seja da matriz conceitual do direito material Código Civil o que se revela completamente descabido até porque no processo a nulidade de um ato depende sempre de reconhecimento através de decisão judicial o que não sucede no direito privado em que o ato nulo não produz qualquer efeito pois a ineficácia é automática Não pensamos ser adequado estruturar uma teoria das invalidades processuais desde a analogia com a concepção do direito material cuja dimensão estática estabelece uma absoluta e insuperável contradição com a dinâmica do processo além de não incorporar a problemática da contaminação dos atos supervenientes É uma permissão tão desfocada como aquela que há mais de um século concebia o processo como o direito material em movimento sem reconhecerlhe a inequívoca autonomia fenomenológica Em suma uma concepção completamente superada O Código de Processo Penal brasileiro em nada auxilia essa difícil missão não só pelo baixo nível de conformidade constitucional desse diploma de 1941 mas principalmente pela falta de sistemática legal Não podemos deixar de novamente criticar o sistema de reformas pontuais no processo penal pois a inconsistência sistêmica novamente se manifesta quando analisamos a teoria das invalidades processuais Houve uma profunda reforma nos procedimentos mas por exemplo mantevese a redação originária do art 564 e ss do CPP E o Tribunal do Júri cujo novo rito é completamente distinto do anterior como é possível lidar com os novos problemas na superada estrutura legal vigente Evidente a necessidade de uma urgente adequação Mas tirando a inconsistência sistêmica gerada pelas reformas pontuais essa não é uma prerrogativa do Direito brasileiro pois existe atualmente uma crisis del concetto dinvalidità afirma GIOVANNI CONSO1 fruto de tudo aquilo a que acabamos de nos referir e agravada pela dependência do tema às variações de humor da jurisprudência que oscila ao vento dos movimentos repressivistas A jurisprudência brasileira nessa matéria é caótica fruto de uma má sistemática legal e da indevida importação de categorias do processo civil absolutamente inadequadas para o processo penal Isso é fruto daquilo que BINDER chamou de superficialização da teoria geral do processo que costuma construir categorias comuns distantes das razões de política processual e acrescentamos incompatíveis com a especificidade do processo penal que exige respeito a suas categorias jurídicas próprias Também existe ainda uma grande oscilação do humor jurisprudencial sensível que é aos influxos sociais e às pressões dos discursos repressivistas em voga Contribui para o caos a polissemia conceitual que impede qualquer tentativa de paz dogmática em torno do tema Em geral a doutrina costuma adotar essas 4 categorias meras irregularidades nulidades relativas nulidades absolutas inexistência As irregularidades são concebidas como defeitos de mínima relevância para o processo que em nada afetam a validade do ato Os atos irregulares são aqueles em que o defeito não compromete a eficácia do princípio constitucional ou processual que ele tutela sendo portanto uma mera irregularidade formal sem consequências relevantes Igual tratamento deve ser dado aos atos de natureza contingencial secundária e que não estão a serviço de um princípio processualconstitucional senão que são meramente ordenatórios e despidos de maior significado Diariamente ocorrem centenas de falhas materiais irrelevantes como erros na grafia do nome do réu que não impedem sua identificação na comunicação dos atos processuais denúncias oferecidas fora do prazo legal juízes que não cumprem os prazos estabelecidos para a prática dos atos judiciais e situações congêneres que não maculam sua validade Isso constitui uma mera irregularidade sem qualquer relevância para a situação processual Em um segundo patamar estão os atos processuais realizados com defeito em que o princípio constitucional ou processual tutelado é atingido Aqui existe uma lesão principiológica que compromete a regularidade processual dando lugar à discussão em torno do caráter absoluto ou relativo da nulidade na doutrina tradicional ou naquilo que chamamos de ato defeituoso sanável ou insanável Considerando a complexidade dessas categorias veremos na continuação em tópicos específicos Noutro extremo está o plano da inexistência teoricamente concebido como a falta e não como defeito ainda que muitos confundam defeito com falta de elemento essencial para o ato que sequer permite que ele ingresse no mundo jurídico ou ainda o suporte fático é insuficiente para que ele ingresse no mundo jurídico São considerados não atos ou fantasmas verbais para CORDERO2 em que não se discute a validadeinvalidade pois a inexistência constitui um problema que antecede qualquer consideração sobre o plano da validade3 Inclusive o ato inexistente em tese prescinde de declaração judicial Se na dimensão teórica a inexistência possui alguma relevância o mesmo não se pode dizer no dia a dia forense Quando alguém viu uma sentença firmada por uma pessoa que não é juiz Ou uma sentença sem dispositivo Tratase de situações que habitam apenas o ambiente manualístico sem qualquer dado de realidade Mas se for esse o caso estamos diante de um ato inexistente E mais é óbvio que o ato inexistente somente será assim considerado quando houver uma manifestação judicial que o declare Imaginese alguém preso em decorrência de uma sentença juridicamente inexistente mas com existência suficiente para leválo ao cárcere que resolve por si só sair da cadeia afinal o ato é inexistente Ou então teremos de ter carcereiros com poderes mediúnicos para sem qualquer decisão judicial sobre o tema atingirem essa consciência por meio de contato com a deusa Diké Esse é o problema do autismo jurídico desconectarse do mundo para mergulhar nas suas categorias mágicas No passado alguma discussão surgiu em torno da suposta inexistência dos atos praticados por juiz absolutamente incompetente Atualmente a questão é como não poderia deixar de ser tratada no campo das invalidades processuais ou na doutrina tradicional como nulidade absoluta Em suma pouca relevância prática existe no campo da inexistência Assim seguindo a proposta desta obra abordaremos a temática à luz do senso comum teórico e jurisprudencial nulidade absoluta e relativa fazendo após nossa crítica e sugestões mas sem qualquer pretensão de completude pois mais do que em qualquer outro instituto do processo penal aqui reina a casuística 2 Nulidades Absolutas e Relativas Construção dos Conceitos a Partir do Senso Comum Teórico e Jurisprudencial 21 Nulidades Absolutas Definição É recorrente a classificação das nulidades em absolutas e relativas sendo as primeiras definidas como aquelas em que ocorre uma violação de norma cogente que tutela interesse público ou existe a violação de princípio constitucional pode ser declarada de ofício ou mediante invocação da parte interessada o prejuízo e o não atingimento dos fins são presumidos é insanável não se convalida e tampouco é convalidada pela preclusão ou trânsito em julgado Com relação a esse último item sublinhamos que a sentença condenatória ainda que transitada em julgado pode ser revisada a qualquer tempo já a sentença absolutória transitada em julgado faz coisa soberanamente julgada não podendo ser revisada ainda que o processo seja nulo Como adverte LEONE4 también las nulidades absolutas están sometidas a un límite temporal en orden a la deducibilidad y denunciabilidad de ellas y ese límite es la cosa juzgada La fuerza preclusiva de la cosa juzgada es indicada por algunos como una sanatoria general de la nulidad absoluta Como regra das nulidades absolutas a gravidade da atipicidade processual conduz à anulação do ato independentemente de qualquer alegação da parte interessada podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz ou em qualquer grau de jurisdição Sendo alegada pela parte não necessita demonstração do prejuízo pois manifesto ou presumido como preferem alguns Os exemplos costumam conduzir à violação de princípios constitucionais especialmente o direito de defesa e o contraditório Nessa linha é nulo o processo sem defensor a ausência de alegações finais ou dos debates orais quando ocorre colidência de teses entre réus diferentes mas com um mesmo advogado a perícia feita por um único perito não oficial etc Também entra no campo das nulidades absolutas a sentença e todos os atos proferida por juiz absolutamente incompetente como vimos no estudo da competência 22 Nulidades Relativas Definição Quando o defeito do ato processual não for tão grave como no caso anterior caberá à parte interessada postular o reconhecimento da nulidade e segundo o senso comum arraigado demonstrar o prejuízo processual sofrido Ademais se não alegar a nulidade no momento adequado operase a convalidação pela preclusão LEONE5 define as nulidades relativas como aquelas que só podem ser deduzidas pela parte que tenha interesse na observância da disposição violada não sendo reconhecíveis de ofício e são sanáveis Em linhas gerais definese a nulidade relativa a partir dos seguintes aspectos viola uma norma que tutela um interesse essencialmente da parte ou seja um interesse privado não pode ser conhecida de ofício dependendo da postulação da parte interessada convalida com a preclusão a parte deve demonstrar o prejuízo sofrido Nessa modalidade segundo o senso comum teórico não havendo a arguição no momento oportuno ou não havendo demonstração do efetivo prejuízo para a parte que o alegou não haverá a nulidade do ato É elementar que as nulidades relativas acabaram se transformando em um importante instrumento a serviço do utilitarismo e do punitivismo pois é recorrente a manipulação discursiva para tratar como mera nulidade relativa àquilo que é inequivocamente uma nulidade absoluta Ou seja a categoria de nulidade relativa é uma fraude processual a serviço do punitivismo Já faremos a crítica 23 A Superação da Estrutura Legal Vigente Nulidades Cominadas e Não Cominadas Arts 564 566 e 571 do CPP A doutrina costuma dizer que o art 564 é exemplificativo e que deve ser lido junto com o art 572 que define as nulidades relativas pois se consideram sanadas Partindo disso alguns autores6 arriscam afirmar que existe nulidade absoluta nas situações descritas no art 564 incisos I II e III letras a b c e primeira parte f i j k l m n o e p e relativas àquelas previstas no art 564 III d e e segunda parte g e h e inciso IV Não estamos tão seguros assim nesse tema Pensamos que o art 564 é atualmente imprestável para qualquer tentativa de definição precisa em termos de invalidade processual além de incorrer no erro de pretender estabelecer um rol de nulidades cominadas Como muito serve de indicativo a apontar atos que merecem uma atenção maior em relação ao risco de defeitos A jurisprudência muda constantemente de humor nessa matéria sendo extremamente arriscado definir a priori os casos de nulidade absoluta ou relativa a partir da estrutura do CPP Advertimos ainda quanto ao erro cometido na redação do art 564 e de tantos outros dispositivo que se inicia afirmando que a nulidade ocorrerá nos seguintes casos como se a nulidade do ato fosse automática pela mera adequação ao previsto na lei o que não é verdade Todo e qualquer ato defeituoso somente será elevado à categoria de nulo quando for verificada a violação do princípio por ele assegurado e não for passível de ser sanado pela repetição Mas não basta isso é necessária uma decisão judicial que reconheça a nulidade Então nulidade só existe após uma decisão judicial Outro erro diz respeito à inequívoca pretensão do CPP de 1941 de estabelecer um rol de nulidades cominadas que não é atenuado pela tentativa de alguma doutrina de salválo argumentando que o rol seria exemplificativo Errado Tratase de uma clara tentativa de estabelecer um rol de nulidades cominadas A classificação das nulidades em cominadas e não cominadas é infeliz pois incide no erro da presunção de completude e legalidade das normas processuais penais Significa crer na possibilidade de uma definição a priori antes da experiência de algo que é essencialmente casuístico Mas o pior é a possibilidade de fecharse os olhos para situações de grave ilegalidade que ao não estarem previstas na lei permanecerão inalteradas no processo comprometendoo Assim contribui para a impossibilidade de taxatividade nessa matéria o fato de a teoria das nulidades estar umbilicalmente vinculada à oxigenação constitucional do processo penal Não há como pensarse um sistema de nulidade desconectado do sistema de garantias da Constituição de modo que a simbiose é constante e incompatível com uma taxatividade na lei ordinária Elementar ainda que a tipicidade do ato processual não se confunde com taxatividade das nulidades ou nulidades cominadas O ponto nevrálgico nessa matéria é que nenhum defeito pode ser considerado sanável ou insanável sem uma análise concreta e à luz da principiologia constitucional Daí por que qualquer tentativa de definição a priori é extremamente perigosa e reducionista Isso por si só já fulmina a eficácia do art 564 do CPP Existe ainda uma confusão de conceitos em diversos momentos como por exemplo no inciso II nulidade por ilegitimidade de parte Ora a ilegitimidade de parte ativa conduz a nulidade da peça acusatória quando não a rejeição nos termos do art 395 II por falta de condição da ação legitimidade Já a ilegitimidade passiva também condição da ação igualmente conduz à rejeição mas em geral confundese com o mérito autoria do delito sendo objeto de análise na sentença Quando ao final do processo convencese o juiz de que o réu não é o autor do fato deverá proferir uma sentença absolutória e não anulatória Isso demonstra o confusionismo que impera nessa matéria Por fim diversas alíneas do inciso III ficaram completamente ilhadas com o passar dos anos e as sucessivas reformas por exemplo não existe mais processo penal iniciando por portaria ou auto de prisão em flagrante alínea a a falta de exame de corpo de delito conduz à absolvição por ausência de materialidade e não propriamente uma nulidade alínea b o maior de 18 anos é plenamente capaz não existindo mais a figura do curador alínea c não existe mais libelo ou contrariedade bem como o Tribunal do Júri foi completamente reformado pela Lei n 11689 deixando sem sentido diversas alíneas desse inciso III Chamamos a atenção ainda para o art 566 que revela um ranço inquisitório completamente superado ao estabelecer a verdade substancial ou real como critério para não reconhecimento da invalidade processual quando se sabe da absoluta imprestabilidade jurídica e científica deste conceito Por fim também o art 571 ficou seriamente prejudicado pela Lei n 11719 que alterou substancialmente os procedimentos eliminando a estrutura anterior das alegações finais escritas dos arts 406 e 500 Como apontamos anteriormente as reformas pontuais geram esse tipo de incoerência sistêmica além de criar uma colcha de retalhos em que por exemplo modificamse substancialmente os ritos e não se altera a disciplina legal das invalidades Isso só serve para agravar ainda mais as dificuldades que o tema apresenta 24 Teoria do Prejuízo e Finalidade do Ato Cláusulas Genéricas Manipulação Discursiva Crítica Iniciemos pelo art 563 do CPP Art 563 Nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa Desde uma perspectiva teórica é correto afirmarse que as formas processuais representam tão somente um instrumento para a correta aplicação do direito sendo assim a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador só deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quando a própria finalidade do ato pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício7 Considerando a instrumentalidade inerente ao processo em que seus atos são meios e não fins em si mesmo a cada dia tomam mais força os princípios do prejuízo e do inatingimento dos atos oriundo do processo civil O ato só será decretado nulo se causar prejuízo e não atingir o fim previsto O problema está na manipulação feita em torno dessa concepção por parte de quem julga que encontra um terreno fértil para legitimar o que bem entender Basta começar pelo seguinte questionamento o que se entende por finalidade do ato Nós pensamos que a finalidade do ato processual cuja lei prevê uma forma é dar eficácia ao princípio constitucional que ali se efetiva Logo a forma é uma garantia de que haverá condições para a efetivação do princípio constitucional nela contido Mas é bastante comum encontrarmos decisões que fazendo uma manipulação discursiva partem da falaciosa premissa da verdade substancial art 566 por exemplo para legitimar um ato defeituoso cujo defeito impede a eficácia do princípio constitucional que está por detrás dele sob esse argumento o fim do processo é a verdade substancial o que é isso e portanto ainda que defeituoso o processo atingiu seu fim que com certeza será uma sentença condenatória Muito preocupante são os juízes que pensam ter um compromiso personal con la verdad8 muitas vezes guardiões da moral e dos bons costumes que no fundo crendose do bem quem nos protege dessa bondade não passam de inquisidores Nada mais fazem do que com maior ou menor requinte retórico operar na lógica de que os fins justificam os meios Quando se trabalha na dimensão de finalidade do ato ou do processo devese considerar que não estamos diante de um conceito sobre o qual paire uma paz dogmática Todo o oposto tratase de terreno de tensão constante sofrendo forte influxo ideológico Daí o perigo de lidarse com categorias dessa natureza para distinguir nulidade absoluta ou relativa Quanto ao prejuízo ou melhor à ausência dele como critério para distinção entre nulidades absolutas e relativas igualmente problemático e impreciso gerando amplo espaço de manipulação Não é um critério adequado mas vejamos alguns aspectos O primeiro problema surge novamente na equivocada transmissão de categorias do processo civil para o processo penal O fenômeno da relativização das nulidades absolutas do processo civil está sendo utilizado e manipulado para no processo penal negarse eficácia ao sistema constitucional de garantias Ainda que não concordemos com a classificação dos atos defeituosos em nulidades absolutas e relativas importa destacar que a relativização implica negação de eficácia aos princípios constitucionais do processo penal A título de ausência de prejuízo ou atingimento do fim os tribunais brasileiros diariamente atropelam direitos e garantias fundamentais com uma postura utilitarista e que esconde no fundo uma manipulação discursiva Muitos são os julgados em se invoca o pomposo mas inadequado ao processo penal pas nullité sans grief desprezandose que a violação da forma processual implica grave lesão ao princípio constitucional que ela tutela constituindo um defeito processual insanável ou uma nulidade absoluta se preferirem O que importa é que a nulidade deve ser reconhecida e determinada a ineficácia do ato Além da imprecisão em torno do que seja prejuízo há um agravamento no trato da questão no momento em que se exige que a parte prejudicada geralmente a defesa por evidente faça prova dele Como se faz essa prova Ou ainda o que se entende por prejuízo Somente a partir disso é que passamos para a dimensão mais problemática como demonstrálo Não é necessário maior esforço para compreender que uma nulidade somente será absoluta se o julgador juiz ou tribunal quiser e esse tipo de incerteza é absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo Acerca do princípio do prejuízo inserto no art 563 do CPP é precisa a lição de COUTINHO9 de que prejuízo em sendo um conceito indeterminado como tantos outros dos quais está prenhe a nossa legislação processual penal vai encontrar seu referencial semântico naquilo que entender o julgador e aí não é difícil perceber manuseando as compilações de julgados que não raro expressam decisões teratológicas grifo nosso Pensamos que a premissa inicial é no processo penal forma é garantia Se há um modelo ou uma forma prevista em lei e que foi desrespeitado o lógico é que tal atipicidade gere prejuízo sob pena de se admitir que o legislador criou uma formalidade por puro amor à forma despida de maior sentido Nenhuma dúvida temos de que nas nulidades absolutas o prejuízo é evidente sendo desnecessária qualquer demonstração de sua existência Ainda que não concordemos com essa distinção nulidades absolutas e relativas temos de reconhecer que ela é de uso recorrente e portanto com ela tentar lidar Partindo do que aí está e mais especificamente da teoria do prejuízo pensamos que há somente uma saída em conformidade com o sistema de garantias da Constituição não incumbirá ao réu a carga probatória de um tal prejuízo Ou seja não é a parte que alega a nulidade que deverá demonstrar que o ato atípico lhe causou prejuízo senão que o juiz para manter a eficácia do ato deverá expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse a sua finalidade ou tenha sido devidamente sanado Tratase de uma inversão de sinais de liberação dessa carga probatória por parte da defesa que nunca poderá têla e atribuição ao juiz que deverá demonstrar a devida convalidação do ato para legitimar sua validade e permanência no processo No mesmo sentido precisa é a lição de BADARÓ10 que começa corretamente afirmando que se há um modelo ou uma forma prevista em lei que foi desrespeitada o normal é que tal atipicidade gere prejuízo sob pena de se admitir que o legislador estabeleceu uma formalidade absolutamente inútil Evidente que eventualmente segue BADARÓ11 a violação de uma forma pode não gerar prejuízo mas não é necessária a demonstração do prejuízo pois o correto é o inverso a eficácia do ato ficará na dependência da demonstração de que a atipicidade não causou prejuízo algum Ou seja não é a parte que alega a nulidade que deverá demonstrar que o ato atípico lhe causou prejuízo Será o juiz que para manter a eficácia do ato deverá expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse sua finalidade Somente a partir dessa inversão de sinais é que a teoria do prejuízo poderá ser utilizada sob pena de grave violação do sistema de garantias constitucionais que fundam o devido processo penal O que não se pode mais admitir frisese é que atos processuais sejam praticados com evidente violação de princípios constitucionais sem a necessária repetição com vistas ao restabelecimento do princípio violado e os tribunais chancelem tais ilegalidades fazendo uma manipulação discursiva em torno de uma categoria do processo civil inadequadamente importada para o processo penal 3 Análise a Partir das Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal e da Necessária Eficácia do Sistema de Garantias da Constituição 31 Crítica à Classificação em Nulidades Absolutas e Relativas A morfologia das nulidades subdividindoas em nulidades absolutas e relativas é inadequada para o processo penal na medida em que parte de uma matriz de direito material civil e a estrutura dos atos jurídicos Na dimensão processual a dinâmica da situação jurídica e principalmente dos valores em jogo não recomendam tal importação de categorias principalmente porque vêm com uma dupla contaminação de um lado do direito civil e a estrutura dos atos jurídicos e de outro do direito processual civil com suas especificidades distintas daquelas existentes no processo penal Em especial a categoria das nulidades relativas por exemplo é imprestável para o processo penal pois possui um gravíssimo vício de origem nasce e se desenvolve no direito civil com a teoria dos atos anuláveis e nulos com uma incompatibilidade epistemológica insuperável Depois é transplantada para o processo civil o que em nada atenua essa incompatibilidade Resta saber como aplicar uma estrutura de nulidade relativa nascida e desenvolvida no âmbito do direito material civil no processo penal Essa é uma pergunta que deve ser respondida por aqueles que defendem e diariamente deixam de reconhecer a invalidade de processos e de atos processuais cometendo graves injustiças por legitimar atos ilícitos sim pois caminham lado a lado os campos do válidoinválido e lícitoilícito sob o pífio argumento de que se trata de uma nulidade relativa Ou seja puro argumento de autoridade sem qualquer autoridade no argumento Outro grave problema dessa classificação é a pouca clareza e até confusão de conceitos Por exemplo afirmarse que no processo penal existem formas que tutelam um interesse da parte privado é o erro de não compreender que no processo penal especialmente em relação ao réu todos os atos são definidos a partir de interesses públicos pois estamos diante de formas que tutelam direitos fundamentais assegurados na Constituição e nos Tratados firmados pelo País Não há espaço para essa frágil dicotomização públicoprivado Aqui se lida com direitos fundamentais A distinção entre normas que tutelam interesse da parte e outras que dizem respeito a interesses públicos tropeça na desconsideração da especificidade do processo penal onde não há espaço normativo privado Erroneamente alguns pensam que as normas que tutelam o interesse do réu seriam uma dimensão privada para exigir demonstração de prejuízo A proteção do réu é pública porque públicos são os direitos e as garantias constitucionais que o tutelam Na mesma linha vai nossa crítica em relação ao argumento de que as chamadas nulidades relativas não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz Errado O juiz no processo penal atua como o garantidor da eficácia do sistema de garantias constitucionais de modo que não só pode como deve zelar pela formagarantia A qualquer momento independentemente de postulação da defesa ele pode verificar que determinado ato defeituoso lesa ou coloca em risco direito fundamental e determinar a repetição para sanar A teoria do prejuízo e o requintado pas nullité sans grief só servem para agravar a crise do sistema de invalidades processuais pois se alguma garantia existe na chamada nulidade absoluta tudo cai por terra com a inadequada relativização operada diariamente pelos tribunais brasileiros Importante nos referirmos ao esvaziamento de sentidos do art 564 do CPP Para que serve Ali estão defeitos sanáveis ou apenas insanáveis Na doutrina tradicional ali estão apenas nulidades relativas Absolutas Nenhuma das opções anteriores Enfim o art 564 em nada contribui até porque a categoria de nulidades cominadas está completamente superada Em suma pensamos que a distinção entre nulidade absolutarelativa é equivocada e que o sistema de invalidades processuais deve partir sempre da matriz constitucional estruturandose a partir do conceito de ato processual defeituoso que poderá ser sanável ou insanável sempre mirando a estrutura de garantias da Constituição Somente o ato defeituoso insanável dará lugar ao decreto judicial de nulidade e por consequência de ineficácia ou impossibilidade de valoração probatória Portanto na morfologia tradicional o conceito de nulidade relativa tem pouca ou nenhuma prestabilidade na medida em que somente as nulidades absolutas darão lugar à ineficácia do ato Significa dizer que exclusivamente o ato defeituoso em que houver efetiva lesão ao princípio constitucional que o funda e ainda for impossível a repetição será objeto de decisão judicial de nulidade e por consequência de ineficácia Evidenciase assim que nulidade mesmo só existirá nos casos de atipicidade insanável e relevante Por isso pouco diz o conceito de nulidade relativa O que importa é a conjunção dos conceitos de defeito e possibilidadeimpossibilidade de saneamento pela repetição 32 A Serviço de Quem Está o Sistema de Garantias da Constituição A Tipicidade do Ato Processual A Forma como Garantia Convalidação Nulidade Não é Sanção Adequada é a afirmação de BINDER12 de que as formas são a garantia que assegura o cumprimento de um princípio determinado ou do conjunto deles sem esquecer de que o processo penal é um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da Constituição GOLDSCHMIDT logo a eficácia das regras do devido processo penal e da própria Constituição em última análise está atrelada ao sistema de nulidades Eis a importância e dimensão do tema Mas a serviço de quem está o sistema de garantias da Constituição Somente uma resposta adequada a essa pergunta permitirá compreender uma teoria das invalidades processuais construída a partir da matriz constitucional A forma processual é ao mesmo tempo limite de poder e garantia para o réu Um sistema de invalidades somente pode ser construído a partir da consciência desse binômio limitação do podergarantia pois são as duas forças em constante tensão no processo penal O processo penal é um instrumento de limitação do poder punitivo do Estado impondo severos limites ao exercício desse poder e também regras formais para o seu exercício É a forma um limite ao poder estatal Mas ao mesmo tempo a forma é uma garantia para o imputado em situação similar ao princípio da legalidade do direito penal O sistema de nulidades está a serviço do réu pois o sistema de garantias constitucionais assim se estrutura como mecanismo de tutela daquele submetido ao exercício do poder A debilidade do réu no processo é estrutural e não econômica como já explicamos anteriormente pois não existem direitos fundamentais do Estado ou da sociedade em seu conjunto esses são direitos individuais Nesse complexo ritual como já falamos diversas vezes o sistema de garantias da constituição é o núcleo imantador e legitimador de todas as atividades desenvolvidas naquilo que concebemos como a instrumentalidade constitucional do processo penal é dizer um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição Somente a compreensão dessa estrutura permite atingir a consciência de que o sistema de invalidades processuais fundase na tutela do interesse processual do imputado Toda a teoria dos atos defeituosos tem como objetivo nuclear assegurar o devido processo penal para o imputado O exercício da pretensão acusatória ius ut procedatur como direito potestativo deve ser limitado e não garantido O poder deve ser limitado e legitimado pela estrita observância das regras do processo O sistema de garantias constitucionais está a serviço do imputado e da defesa não da acusação Não se trata de discurso de impunidade ou de coitadismo como algum reducionista de plantão poderá dizer senão de uma complexa estrutura de poder onde para punir devese garantir Excepcionalmente diante da inesgotável capacidade dos atores judiciários em produzir monstruosidades jurídicas nos processos pode surgir alguma situação em que a violação de um princípio constitucional legitime o Ministério Público a buscar o reconhecimento da ineficácia do ato nulidade Imaginese um processo em que ocorra uma grave violação do contraditório não se intimando o acusador público para a audiência de instrução e julgamento A prova é colhida a defesa se manifesta ao final não existe debate mas monólogo pois o promotor não está presente eis que não intimado e o juiz profere sentença É manifesta a existência de um defeito insanável que deverá dar lugar a uma decisão anulatória de todo o processo com a necessária repetição dos atos e desentranhamento daqueles feitos com defeito Patologias judiciárias dessa natureza legitimam o Ministério Público a postular o reconhecimento da invalidade processual mas sempre que houver a violação da base principiológica da Constituição Assimilada a base epistemológica da teoria da invalidade no processo penal percebese que o conceito de convalidação como decorrência da preclusão é inadequado Convalidação como o tornar válido pelo decurso do tempo é um conceito inadequado para o processo penal pois aqui não existe preclusão no sentido civilista para o réu e como o sistema de nulidades se estrutura a partir do sistema de garantias constitucionais fundado portanto na tutela do interesse processual do imputado o conceito perde sentido Mas a convalidação pela prática de outros atos que compensando o defeito deram eficácia ao princípio constitucionalmente violado isso pode ocorrer Nesse caso é melhor falarse em saneamento para não incorrer no erro conceitual anteriormente exposto CORDERO13 metaforicamente aponta que o ato inválido é um detrito mas pode ser que mesmo assim ele sirva ao metabolismo jurídico mediante algum saneamento Em outras palavras aquilo que faltou para que o ato defeituoso pudesse garantir a eficácia do princípio constitucional é obtido a partir da prática de outro ato que sanando o anterior restabelece a eficácia principiológica pretendida Os exemplos são variados mas pensemos na citação pessoal nula por erro de endereço constante no mandado judicial Se o processo se desenvolver assim mesmo estaremos diante de um defeito que irá contaminar todos os demais atos do processo Contudo a citação pessoal inexitosa deu lugar à citação ficta por edital e nesse caso o imputado comparece O ato anterior defeituoso foi sanado pela prática de outros atos posteriores que restabeleceram o princípio inicialmente lesado Em suma convalidação vinculada à ideia de preclusão é inadequada para o processo penal poderá haver sim o saneamento pela repetição ou prática de outros atos que supram a inicial lesão ao princípio constitucional Voltando à ideia central deste tópico retomemos o seguinte somente a compreensão dos valores em jogo e da complexidade do ritual judiciário no processo penal bem como a serviço de quem está o sistema de garantias constitucionais permitirá reconstruir a teoria da invalidade dos atos processuais Nessa linha o art 565 ao estabelecer o chamado princípio do interesse deve ser repensado à luz do que explicamos ou seja o interesse tutelado é do imputado Portanto não cabe anularse um processo por defeito salvo se houver pedido da defesa ou isso for feito em seu benefício de ofício pelo Tribunal Excepcionalmente quando a violação de princípio constitucional afetar gravemente o acusador estará legitimado o Ministério Público a pleitear o reconhecimento judicial da invalidade Compreendido isso continuemos Importante no processo penal é a fattispecie giuridica processuale CONSO isto é o conceito de tipicidade processual e de tipo processual pois forma é garantia Isso mostra a insustentabilidade de uma teoria unitária infelizmente tão arraigada na doutrina e jurisprudência brasileiras pois não existe conceito similar no processo civil Mas quando se fala em tipicidade processual há que se fazer uma advertência não estamos fazendo alusão ao sistema de nulidades cominadas ou taxatividade Nada disso O modelo de nulidades cominadas é equivocado porque pretende que a lei descreva todos os defeitos que devem ser tratados na dimensão de nulidade Ou seja seria nulo apenas aquilo que a lei preveja Isso é um erro que desconsidera a casuística e a própria complexidade das situações processuais criadas Não é disso que estamos falando ao tratar de tipicidade processual mas sim do fato de que se a norma descreve a forma como um determinado ato processual que deva ser praticado a inobservância dessa forma conduz a um sinal de alerta pois ali pode estar sendo violado um princípio que conduzirá à decretação de nulidade e ineficácia do ato Portanto não é do adágio pas de nullité sans texte que estamos tratando Também é importante esclarecer já de início que nulidade não é sanção pois como explica CONSO la sanzione è un quid che si aggiunge come reazione ad un comportamento valutato sfavorevolmente anzi vietato dallordinamento è più precisamente leffetto tipico che lordinamento ricollega allintegrazine degli schemi di illecito14 A sanção é uma reação ao comportamento vedado pelo ordenamento portanto é um efeito Já a nulidade conduz à falta de efeito ou seja à ineficácia do ato Logo se pensarmos nulidade como sanção isso pressupõe necessariamente a produção de um efeito Mas não é esse o tratamento dado à nulidade pois ela conduz à falta de efeito do ato Portanto pensar as nulidades como uma sanção seria o mesmo que afirmar ser um efeito a falta de efeito Daí por que ocorre um esvaziamento do conceito de sanção e sobretudo uma confusão entre dois planos formalmente diversos Na mesma linha TOVO e MARQUES TOVO15 afirmam que ao contrário de grande parte da doutrina brasileira nulidade não é sanção pois nulidadevalidade são qualidades do ato jurídico conforme ele se apresente perfeito ou não Sanção por outro lado é consequência objetiva nunca uma qualidade da coisa Então explicam os autores não se pode chamar a nulidade de sanção pois ela não é uma consequência objetiva Consequência objetiva é a ineficácia do ato de modo que a imperfeição jurídica defeito pode tornar o processo no todo ou em parte ineficaz Compreendido isso continuemos A estrutura do sistema de nulidades está inexoravelmente relacionada ao grau de efetivação das regras do devido processo penal e do próprio sistema acusatório Também é afetada pela compreensão que se tem acerca da função persuasiva da prova no processo penal que volta a se relacionar com os sistemas processuais e a discussão sobre a verdade pois se superarmos o mito da verdade e assumirmos a sentença como ato de convencimento do juiz ainda mais cuidado com as formas processuais se deve ter De nada serve um sistema constitucional de garantias se no processo penal não se dá a tutela devida aos princípios constitucionais isso significa dizer a eficácia da proteção depende diretamente do sistema de nulidades Com isso temse uma imediata percepção da complexidade que está por detrás do sistema de nulidades muitas vezes olvidada em decisões e doutrinas restritas à superficialidade das categorias de nulidade absoluta e relativa anteriormente expostas Cada um dos princípios anteriormente referidos encontra no processo uma forma que o garanta A observância dessas formas não é um fim mas um meio para assegurar o cumprimento dos princípios16 Acertada é a síntese de SCHMIDT17 não confundir formalismos despidos de significados com significados revestidos de forma Nada de amor à forma pela forma em si mesma senão pelo que ela significa em termos de eficácia de direitos fundamentais ou seja existem significados que se revestem de formas processuais e que são da maior relevância Há que se entender que el cumplimiento de esas formas no es de ninguna manera el fin sino el medio para asegurar el cumplimiento de los principios18 Desse modo o sistema de invalidades processuais deve ser erguido a partir da Constituição mais especificamente dos 5 princípios que fundam a instrumentalidade constitucional do processo penal 1 Jurisdicionalidade 2 Garantia do sistema acusatório 3 Presunção de inocência 4 Contraditório e ampla defesa 5 Motivação das Decisões Judiciais Recordemos que todos esses princípios foram analisados no início desta obra para onde remetemos o leitor pois cada um deles possui um amplo espectro de função protetiva Assim a garantia da jurisdição abrange a imparcialidade do julgador o direito ao juiz natural e também ao juiz competente por exemplo Já o sistema acusatório intimamente relacionado que está com a garantia da jurisdição e a imparcialidade do julgador define o lugar em que deve estar o juiz na situação processual vedando se a iniciativa probatória por exemplo prevista no art 156 I do CPP A presunção de inocência como dever de tratamento que o é não permite que o juiz atribua ao réu carga probatória estando ainda intimamente vinculada ao in dubio pro reo Contraditório e direito de defesa provavelmente sejam os princípios mais lesados pelos atos defeituosos sendo amplíssimos seus campos de incidência Por fim a motivação das decisões além de gerar a nulidade da sentença imotivada também está a serviço do controle da própria legalidade da decisão Assim o objetivo é restaurar o princípio afetado e não restabelecer a forma por puro amor à forma Quando um ato é realizado em desconformidade com o modelo legal ele gera risco de ineficácia do princípio constitucional que naquela forma se efetiva que deve ser aferida no caso concreto e em caso de real lesão deve a nulidade ser decretada retirandose os efeitos do ato defeituoso e repetindoo com vistas à eficácia do princípio lesado Então a forma processual garante o princípio constitucional Quando vg o Código de Processo Penal estabelece a forma do interrogatório no art 18519 e seguintes nada mais faz do que garantir a eficácia do direito constitucional de defesa previsto no art 5º LV da Constituição A nulidade serve assim para dar eficácia ao princípio contido naquela forma Anulase o ato sacando lhe os efeitos para a seguir repetilo segundo a forma legal mas sempre de modo a garantir a eficácia do princípio constitucional que está por detrás dele Não se pode esquecer de que a epistemologia da incerteza e o risco inerente ao processo fazem com que a única segurança possível seja aquela que brota do estrito respeito às regras do jogo il processo come giuoco CALAMANDREI ou seja a luta é pela eficácia do sistema de garantias da Constituição e pela observância das formas processuais que o assegura Dessa premissa devemos pensar o sistema de invalidades processuais 33 RePensando Categorias a Partir dos Conceitos de Ato Defeituoso Sanável ou Insanável Sistema de Garantias Constitucionais Quando o Feito com Defeito tem de ser Refeito Os conceitos de validadeinvalidade estão a indicar desde um ponto de vista de oposição um fenômeno que apresenta um duplo aspecto explica CONSO20 constatazione della corrispondenza o della non corrispondenza di un comportamento ad un modello da seguire produzione o non produzione in seguito a tale comportamento degli effetti ricollegati dallordinamento al suddetto modello Talvez seja melhor utilizar os conceitos de ato defeituoso sanável ou insanável pois são le due categorie fondamentali di atti imperfetti atti insanabili e atti sanabili21 Iniciemos por uma passagem genial de PONTES DE MIRANDA22 que traça um verdadeiro topoi nessa matéria Defeito não é falta O que falta não foi feito O que foi feito mas tem defeito existe O que não foi feito não existe e pois não pode ter defeito O que foi feito para que falte há primeiro de ser desfeito Primeiro ponto a ser destacado é a expressão defeito exatamente para significar aquilo que foi feito com defeito ou seja defeito com violação às regras do processo e em desacordo com o tipo processual penal Marca ainda a separação entre os planos da existência e validade pois defeito não é falta inexistência ou seja falta é o que não foi feito o que foi feito não pode ser tratado como falta pois existe O nulo é a negação da validade não é negação da existência Mesmo porque se pressupôs o existente tanto que nulo e não nulo existem23 O ato inexistente não foi feito e portanto não pode ter defeito pois defeito pressupõe ter sido feito logo existência O ato inexistente falta para ter defeito primeiro deve ser feito A essa regra devese incluir outra o que foi feito com defeito existe e pois deve ser refeito Eis a premissa a forma dos atos processuais serve à tutela de um princípio Diante de um ato defeituoso devese perquirir se a eficácia do princípio foi tolhida ou não na medida em que o ato defeituoso pode ainda assim não violar o princípio constitucional que ele tutela A questão aqui não se reduz ao costumeiramente tratado como princípio do prejuízo senão de ir ao princípio constitucional e verificar o nível de eficácia atingido Certo está BINDER24 debe quedar claro que la nulidad nunca se declara a favor de la ley sino siempre para proteger un interés concreto que ha sido dañado E esse interesse concreto que foi lesado é aferido pela interlocução com o princípio que a forma garante Importante sublinhar que não se devem utilizar no processo penal os critérios de prejuízo e finalidade do ato ou instrumentalidade das formas anteriormente criticados O sistema regese por outro referencial eficácia ou ineficácia do princípio constitucional que a forma tutela A discussão sobre a insuficiente eficácia do princípio deve pautarse por duas regras 1 na dúvida sempre se deve operar a favor rei ou seja acolhendo a irresignação da defesa 2 não havendo dúvida mas sim divergência entre o alegado pela defesa e a interpretação dada pelo juiz vale a regra da inversão de sinais incumbe ao juiz fundamentar por que a atipicidade não impediu a eficácia do princípio constitucional tutelado E se o ato defeituoso prejudicou a eficácia do sistema de garantias da Constituição o que deve ser feito Ou seja o que foi feito como defeito pode ser refeito E com a repetição obtémse a eficácia principiológica pretendida Duas possibilidades surgem a o ato pode ser refeito sem defeito sendo que isso é suficiente para obterse a eficácia desejada do princípio constitucional violado b a repetição não é possível ou não é suficiente para obterse a eficácia principiológica desejada No primeiro caso estamos diante de um defeito sanável O ato deverá ser refeito com plena observância da tipicidade processual prevista não sendo necessária a decretação da nulidade No segundo caso o defeito é insanável não havendo nada mais a ser feito para restabelecer a regularidade do processo sendo a decretação da nulidade com a respectiva ineficácia e desentranhamento das peças o único caminho possível Com isso verificase que a divisão em nulidades absolutas e relativas não é o melhor caminho pois na teoria dos atos defeituosos o ponto crucial é o binômio violação do princípio constitucional que a forma tutela possibilidade ou não de saneamento pela repetição sempre com vistas à eficácia do princípio nuclear A violação da forma do ato processual gera um ato defeituoso e a grande questão é saber se esse defeito constitui a violação do princípio constitucional ali representado ou não Se houver a violação partese para uma segunda dimensão do problema há possibilidade de saneamento pela repetição Ou seja há como restabelecer o princípio lesado Se possível deve ser refeito o ato pois o que foi feito com defeito deve ser refeito Mas e se não for possível sanar pela repetição Então deve ser decretada a nulidade com a retirada da eficácia do ato inclusive com o desentranhamento das peças respectivas O descumprimento da principiologia que informa o sistema de garantias gera um defeito insanável uma nulidade e como consequência a privação de seus efeitos Dessarte somente ocorrerá uma nulidade quando tivermos um ato defeituoso insanável e que será por essa razão decretado nulo Com a decretação da nulidade devese conforme o caso decidir pela privação dos efeitos ou a proibição de valoração probatória Em qualquer dos dois casos pensamos ser o desentranhamento uma medida imprescindível para a redução dos danos ao processo do ato defeituoso Em caso de ato processual de natureza probatória mais do que o desentranhamento da prova devese desentranhar o juiz Como já explicamos anteriormente há que se superar o reducionismo cartesiano para compreender que o juiz que teve contato com a prova ilícita ou com o ato processual defeituoso que gerou uma prova ilegítima por violação de regra processual não pode julgar pois está contaminado Sobre o tema remetemos o leitor para o que dissemos sobre as provas ilícitas A nulidade assim é uma medida extrema a ultima ratio na defesa do devido processo25 penal mas isto deve ser considerado com muita cautela para não radicalizar o principio di conservazione degli atti imperfetti CONSO como tem sido feito sem a determinação de sanar o sanável e decretar a nulidade em relação àquilo que for insanável Por derradeiro não esqueçam o sistema de invalidades processuais está a serviço do réu Tipicidade processual é garantia do imputado pois o poder estatal não precisa ser garantido senão controlado e limitado 34 Princípio da Contaminação Defeito por Derivação A Indevida Redução da Complexidade Arts 573 e 567 do CPP Estabelece o art 573 Art 573 Os atos cuja nulidade não tiver sido sanada na forma dos artigos anteriores serão renovados ou retificados 1º A nulidade de um ato uma vez declarada causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência 2º O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende Daqui se extrai o princípio da contaminação bastante óbvio mas objeto das leituras mais reducionistas que se possam imaginar para fazer valer o utilitarismo processual e a matriz inquisitória do CPP Comecemos por FAZZALARI que dentro de sua concepção de processo como procedimento em contraditório evidencia que o processo tal como o procedimento é identificado em função do ato final Dessa forma uno dei requisiti di validità e di efficacia di quellatto consiste appunto in ciò che esso sia lepilogo di un regolare processo talché il vizio in cui sincorra nel compimento di una delle attività preparatorie e che no sia riparato dallulteriore corso finisce con linficiare passando da un atto allaltro del processo quello finale26 Ou seja o vício no cumprimento de uma das atividades preparatórias em que não seja reparado na continuação no curso do processo acaba contaminado pela ineficácia passando de um ato a outro até o ato final pois um dos requisitos de validade e eficácia do ato final consiste em que ele seja o epílogo de um processo regular A compreensão da complexidade que envolve as diferentes situações processuais surgidas GOLDSCHMIDT27 e da inegável vinculação e prejudicialidade entre elas evidencia o erro daqueles que pretendem limitar a contaminação dos atos anteriores em relação aos posteriores e principalmente ao ato final sentença Todos os atos do procedimento visam ao provimento final de modo que um ato inválido deverá ter sua eficácia neutralizada como igualmente deverá ser neutralizada a eficácia do ato final sentença quando ele não tiver sido precedido da sequência de atos determinados pela lei ou seja aponta FAZZALARI28 il regime di validità ed efficacia di ciascun atto del procedimento e di quello finale risente della regolarità o irregolarità dellatto che lo precede e influisce sulla validità e sullefficacia dellatto e degli atti dipendenti che seguono quello finale compreso Na visão do autor a validade e eficácia de cada ato do procedimento e principalmente daquele ato final sentença estão em relação de dependência quanto à regularidade ou irregularidade do ato que o precede e ainda influi sobre a validade e eficácia dos atos dependentes que o seguem inclusive a sentença ato final Recordando PEREIRA LEAL29 legitimidade da decisão está no procedimento para se tomar essa decisão se confundindo procedimento e processo Nessa linha o devido processo penal constitucional adquire o status de garantia insuprimível pois nenhuma decisão seria constitucionalmente válida e eficaz se não preparada em status de devido processo legal porquanto uma vez produzida em âmbito de exclusivo juízo judicacional não poderia se garantir em validade e eficácia pela discursiva condição estatal do direito democrático Não é diferente a posição de BOSCHI30 quando afirma que cada procedimento é regido por termos e atos específicos os quais reunidos dão aquele sentido de totalidade isto é de harmonia entre as partes que formam o todo fazendo com que a validade do processo esteja sempre na dependência da tipicidade dos ritos procedimentais expressão que indica respeito ao prazo à forma e ao momento apropriado para a sua prática pelos sujeitos legitimados Nenhuma dúvida pode existir de que a violação às formas processuais estabelecidas pelo devido processo penal conduz inexoravelmente à repetição refazer o feito com defeito ou em caso de defeito insanável decretarse a nulidade do ato decisório e do próprio processo Os atos processuais pressupõem que durante o processo venha a criarse certa situação jurídica que somente pode constituirse de forma válida se válidos foram os atos que a precederam como condicionante será em relação aos atos que na sequência venham a precedêlos Infelizmente a jurisprudência brasileira é pródiga em pecar pela excessiva redução da complexidade da situação jurídica processual valorando isoladamente os atos atípicos sem considerar a vinculação de todos com o ato final bem como a relação inevitável no mais das vezes de prejudicialidade pela contaminação em relação aos que o seguem inclusive o ato final que todos miram que é a sentença Por fim se compreendida a complexidade da contaminação em relação à situação jurídica processual podemos falar então do disposto no art 567 que como explicamos deve ser lido à luz da Constituição Diz o dispositivo Art 567 A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios devendo o processo quando for declarada a nulidade ser remetido ao juiz competente Quer dizer então que se o processo tramitar perante um juiz incompetente uma vez reconhecida a incompetência pelo respectivo tribunal será remetido a outro juiz agora competente e anulada apenas a sentença Claro que não Atualmente consagrada que está a garantia do juiz natural e do devido processo legal uma vez reconhecida a incompetência do juiz deve ser anulado o ato decisório e principalmente todo o processo A anulação deve ser ab initio Não basta o juiz competente proferir uma nova sentença A garantia da jurisdição incluindo o juiz natural e do devido processo impõe que todo processo e todos os seus atos sejam praticados na frente do juiz natural competente e de forma válida Essas garantias não nascem na sentença mas no momento em que se inicia o processo com o recebimento da acusação Logo desde o início o réu tem a garantia de que todos os atos sejam praticados por um juiz competente Não é a mera garantia de prolação da sentença mas de jurisdição 35 Atos Defeituosos no Inquérito Policial Novamente a Excessiva Redução de Complexidade a Serviço da Cultura Inquisitória Existe uma grave contradição na valoração da relação inquéritoprocesso Quando se quer justificar o valor probatório das diligências policiais argumentase que a teor do art 12 do CPP o IP acompanha a denúncia ou queixa e com isso passa a formar parte do processo e dos elementos sobre os quais o juiz pode formar seu convencimento Por outro lado quando existem nulidades do IP alegase que elas são irrelevantes pois o inquérito não é parte constitutiva do processo31 A primeira questão que surge é o inquérito é parte do processo O problema aqui está uma vez mais num duplo aspecto o erro de manter o inquérito policial dentro do processo por não se adotar o critério de exclusão e o de valorar os atos de investigação como atos de prova Dentro desse panorama que é a nossa realidade se os juízes entendem que as peças do IP podem ser valoradas na sentença ainda que sob a fórmula de cotejada com a prova judicializada para não violar o disposto no art 155 do CPP estão com isso logicamente reconhecendo que o IP é parte integrante do processo Logo se integra o processo é para todos os efeitos inclusive para contaminar as provas processuais que de alguma forma derivem ou tenham por base os elementos do inquérito O que não pode existir é dois pesos e duas medidas como querem alguns afirmando que as irregularidades formais do IP são irrelevantes pois não alcançam o processo e por outro lado defendendo que as diligências policiais podem ser valoradas na sentença pois os atos do IP integram o processo e existe uma presunção de veracidade32 das diligências policiais A única forma de sanar um ato defeituoso do inquérito é repetindo o ato no processo caso contrário não só aquela diligência é nula ineficácia e desentranhamento como também contaminará a sentença que valorar esse ato de investigação nulo E mais se o juiz realmente fizer um exame da denúncia e do inquérito visto como suporte probatório mínimo da ação penal e verificar que foram praticadas diligências sem observar as garantias devidas deverá manifestarse decretando a nulidade da atuação e determinando a sua exclusão dos autos Ato contínuo deverá ainda verificar se aquele ato não contaminou outros pois nesse caso também deverão ser retirados dos autos Somente após isso é que poderá decidir se recebe ou não a ação penal Receberá a denúncia se mesmo com a exclusão da diligência nula ainda restarem elementos válidos e não contaminados que permitam concluir que existe em grau de probabilidade o fumus commissi delicti33 Caso contrário ausência de suporte probatório válido seja pela falta de outros elementos haja vista a exclusão ou pela contaminação dos demais deverá rejeitar a denúncia ou queixa com base no art 395 III falta de justa causa É um ônus do acusador demonstrar validamente a probabilidade de que aquela pessoa tenha cometido o delito que se lhe imputa é dizer prova da provável existência de um fato típico ilícito e culpável O que não pode ocorrer sob nenhum argumento é a conivência do juiz com um ato defeituoso contido no inquérito sem a devida repetição do ato sobre o qual ele deverá se manifestar de ofício como são vg todas aquelas que violem os direitos constitucionalmente assegurados ao sujeito passivo dentre eles o contraditório e a ampla defesa art 5º LV da CB Ademais como aponta SIQUEIRA DE LIMA34 ainda que na fase de persecutio criminis as autoridades envolvidas no apuratório devem primar pelo estrito cumprimento da legalidade dos atos praticados vez que a Constituição no seu art 5º LVI proíbe no processo as provas obtidas por meios ilícitos de onde pode concluirse que as afirmações feitas alhures de que o inquérito policial sendo mera peça informativa não atinge a ação penal com seus vícios não encontram respaldo na ordem jurídica Em se tratando de provas ilícitas acolhendose a doutrina da contaminação necessariamente teremos de reconhecer que devem ser consideradas ilícitas independentemente do momento em que foram produzidas35 Como muito bem destacou o Min Celso de Mello no julgamento do HC 73271SP publicado no DJ de 04101996 p 37100 a unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias legais e constitucionais cuja inobservância pelos agentes do Estado além de eventualmente induzirlhes a responsabilidade penal por abuso de poder pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial grifo nosso Nesse sentido vejamos alguns exemplos dentre muitos outros que podem surgir no caso concreto a interrogatório reconhecimento pessoal intervenções corporais acareações reconstituição do crime e todos os atos probatórios em que não se oportuniza e respeita o direito de silêncio do indiciado nemo tenetur se detegere b a realização do interrogatório policial sem a presença de defensor c não assegurar a plenitude da defesa pessoal autodefesa d prova obtida através da interceptação das comunicações telefônicas quebra do sigilo bancário etc sem a devida observância das normas atinentes à matéria Quanto às provas ilicitamente obtidas eis que houve violação do domicílio art 5º XI da CF das comunicações telefônicas art 5º XII da CF regulamentado pela Lei n 929696 mediante tortura ou maustratos art 5º III da CF através da violação da intimidade art 5º X da CF etc necessariamente devem ser excluídas do processo assim como as provas que por derivação estiverem contaminadas Em todos os casos o ato deverá ser repetido em juízo quando possível e determinada a exclusão física das respectivas peças nulas e derivadas Tampouco entendemos que a irrepetibilidade da prova nula seja um argumento válido para mantêla nos autos Se a prova é irrepetível com mais razão devem ser observados todos os requisitos formais que a lei exige para a sua produção E mais do que isso deveria ter sido praticada através do incidente de produção antecipada de provas ante o juiz e com todas as garantias para a defesa Destarte o rançoso discurso de que as irregularidades do inquérito não contaminam o processo deve ser visto com muita cautela pois pensamos em sentido diametralmente oposto exigindose do juiz uma diligência tal na condução do processo que o leve a verificar se no curso do IP não foi cometida alguma nulidade Verificada esta o ato deverá ser repetido ou excluída a respectiva peça que o materializa sob pena de contaminação dos atos que dele derivem Caso o ato não seja repetido ainda que por impossibilidade sua valoração na sentença ensejará a nulidade do processo 1 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità Introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali Milano Dott A Giuffrè 1972 p 3 e ss 2 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v II p 413 3 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE na obra As Nulidades no Processo Penal 8 ed p 22 4 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 v 1 p 713714 5 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 714 6 Entre outros BADARÓ op cit p 181 7 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 31 8 A expressão é de BINDER op cit p 62 9 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 p 44 10 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 189 11 Idem ibidem p 190 12 BINDER Alberto B El Incumplimiento de las Formas Procesales Buenos Aires AdHoc 2000 p 56 13 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 410 14 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità Introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali cit p 63 15 TOVO Paulo Cláudio e MARQUES TOVO João Batista Nulidades no Processo Penal Brasileiro Novo enfoque e comentário Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 45 16 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 72 17 SCHMIDT Ana Sofia Resolução 0502 Interrogatório online Boletim do IBCCrim n 120 novembro2002 18 BINDER op cit p 72 19 Art 185 O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária no curso do processo penal será qualificado e interrogado na presença de seu defensor constituído ou nomeado 20 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità Introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali cit p 10 21 Idem ibidem p 39 22 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado das Ações Campinas Bookseller 1999 v IV p 4243 23 Idem ibidem p 43 24 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 29 25 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 92 26 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova Cedam 1996 p 90 27 É importante destacar que a leitura conjunta de GOLDSCHMIDT com FAZZALARI é harmônica pois são evidentes a influência do mestre alemão sobre o processualista italiano crítico do vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale op cit p 75 e a construção que faz das posições subjetivas possíveis de serem extraídas ao longo do procedimento e ainda por exemplo na definição das categorias de situação jurídica processual e situação jurídica substancial 28 FAZZALARI op cit p 80 29 PEREIRA LEAL Rosemiro Teoria Processual da Decisão Jurídica São Paulo Landy 2002 p 85 30 BOSCHI José Antonio Paganella Nulidades In Marcus Vinicius Boschi Org Código de Processo Penal Comentado Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 443 31 ESPÍNOLA FILHO Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v I p 260 32 E destacamos não existe tal presunção de veracidade e tampouco tem suporte legal Vide o que dissemos sobre o valor probatório dos atos do inquérito policial 33 Assim já decidiu o STF no RHC 74807MT Rel Min Mauricio Correa publicado no DJ do dia 20061997 p 28507 Julgamento 2241997 2ª Turma EMENTA Recurso de Habeas Corpus Crimes Societários Sonegação Fiscal Prova Ilícita Violação de Sigilo Bancário Coexistência de Prova Lícita e Autônoma Inépcia da Denúncia Ausência de Caracterização 1 A prova ilícita caracterizada pela violação de sigilo bancário sem autorização judicial não sendo a única mencionada na denúncia não compromete a validade das demais provas que por ela não contaminadas e delas não decorrentes integram o conjunto probatório 2 Cuidandose de diligência acerca de emissão de notas frias não se pode vedar à Receita Federal o exercício da fiscalização através do exame dos livros contábeis e fiscais da empresa que as emitiu cabendo ao juiz natural do processo formar a sua convicção sobre se a hipótese comporta ou não conluio entre os titulares das empresas contratante e contratada em detrimento do erário 3 Não estando a denúncia respaldada exclusivamente em provas obtidas por meios ilícitos que devem ser desentranhadas dos autos não há por que se declarar a sua inépcia porquanto remanesce prova lícita e autônoma não contaminada pelo vício de inconstitucionalidade Votação unânime Resultado Improvido grifo nosso 34 SIQUEIRA DE LIMA Arnaldo Vícios do Inquérito Maculam a Ação Penal Boletim do IBCCrim n 82 setembro de 1999 p 10 35 No mesmo sentido conclui SIQUEIRA DE LIMA op cit Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 CORRENTE TRADICIONAL Partindo da a nosso ver equivocada analogia com o processo civil tradicionalmente a doutrinajurisprudência brasileira tem classificado os atos processuais defeituosos nas seguintes categorias Meras irregularidades defeitos de mínima relevância que em nada afetam a validade do ato Nulidade relativa viola uma norma que tutela um interesse essencialmente da parte não pode ser conhecida de ofício convalida com a preclusão precisa ser alegada no primeiro momento procedimental o interessado deverá demonstrar prejuízo art 563 Nulidade absoluta violação de norma cogente que tutela interesse público ou princípio constitucional pode ser declarada de ofício ou mediante invocação do interessado o prejuízo é presumido é insanável e não se convalida pela preclusão Inexistência é a falta e não o defeito de um ato ou seja é um não ato quando o suporte fático é insuficiente para que ele ingresse no mundo jurídico 2 CORRENTE CONSTITUCIONALPROCESSUAL PENAL Partindo da necessária constitucionalização do direito processual penal e principalmente da recusa à teoria geral do processo e consequente observância das categorias jurídicas próprias do direito processual penal vejamos como se estrutura a teoria das invalidades processuais Premissa básica forma é garantia Se existe uma forma processual é porque a tipicidade é uma garantia e a atipicidade uma ilegalidade As nulidades estão a serviço da eficácia do sistema de garantias da Constituição A observância da forma não é um fim mas um meio para assegurar o cumprimento dos princípios constitucionais A teoria do prejuízo pas de nullité sans grief é uma errônea transmissão de categorias do processo civil Tratase de um conceito genérico aberto e indeterminado que vai encontrar referencial semântico naquilo que entender o julgador albergando assim o risco do decisionismo Ademais atribuir ao réu a carga de demonstração do prejuízo é incompatível com o sistema de garantias da Constituição colidindo com o devido processo penal Teoria da Inversão de Sinais ainda que não concordemos com a teoria do prejuízo concordaríamos com sua aplicação desde que houvesse uma inversão de sinais ou seja desincumbir o réu da carga probatória do prejuízo atribuindoa ao juiz Significa dizer que a eficácia do ato nulo ficará na dependência da demonstração de que a atipicidade não causou prejuízo algum Cabe ao juiz para manter a eficácia do ato expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse sua finalidade e não ao acusado Convalidação e preclusão o conceito de convalidação das nulidades relativas como decorrência da preclusão é inadequado para o processo penal pois não se admite à luz do interesse sempre público em jogo que algo se torne válido pelo simples decurso de tempo Noutra dimensão poderá haver saneamento pela repetição ou prática de outros atos que supram a inicial lesão ao princípio constitucional Crítica à classificação de nulidades absolutas e relativas é uma distinção inadequada que tem matriz no direito civil e na estrutura dos atos jurídicos incompatível com o processo penal A forma processual serve para dar eficácia aos direitos fundamentais e não atua no espaço normativo privado direito civilprocessual civil A categoria nulidade relativa é inadequada para o processo penal pois utiliza uma categoria interesse despida de significado RePensando Categorias Ato defeituoso sanável ou insanável A forma dos atos processuais serve à tutela de um princípio constitucional Diante de um ato defeituoso devese perquirir se a eficácia do princípio foi tolhida ou não A divergência sobre a ineficácia violada deve ser resolvida através da teoria da inversão de sinais Concluindose que houve a prática de um ato defeituoso duas possibilidades surgem a defeito sanável o ato pode ser refeito sem defeito resgatando a eficácia do princípio constitucional violado resolvese pela repetição b defeito insanável o ato não pode ser repetido ou isso não é suficiente para obterse a eficácia principiológica situação em que deverá ser decretada a nulidade decidindose pela privação de efeitos do ato ou a proibição de valoração probatória conforme o caso 3 PRINCÍPIO DA CONTAMINAÇÃO arts 573 e 567 A nulidade de um ato uma vez declarada causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência O problema está na aplicação excessivamente restritiva deste princípio Sustentamos com Fazzalari que todos os atos do procedimento miram o provimento final sentença e estão geneticamente vinculados de modo que existe uma relação de dependência quanto à regularidade ou irregularidade do ato que o precede e ainda influi sobre a eficácia dos atos que o seguem Art 567 à luz da garantia do juiz natural e do devido processo o art 567 tem que ser lido em conformidade com a Constituição de modo que a incompetência do juiz como regra anula todo o processo e não apenas o ato decisório Tratamos deste tema no capítulo da Jurisdição e Competência para onde remetemos o leitor 4 ATOS DEFEITUOSOS NO INQUÉRITO POLICIAL Constituiu reducionismo afirmar que os atos irregulares do inquérito não contaminam o processo Como os autos do inquérito e as provas lá produzidas passam a integrar o processo eventuais nulidades contaminam os atos seguintes o processo e até a sentença Os atos defeituosos devem ser repetidos sem o defeito sanar pela repetição ou na sua impossibilidade excluídos dos autos proibição de valoração probatória para evitar a contaminação Capítulo XX TEORIA DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL OU AS REGRAS PARA O JUÍZO SOBRE O JUÍZO 1 Introdução Fundamentos Conceitos e Natureza Jurídica A partir do momento em que se estabelece o processo como um sistema heterônomo de reparto com um terceiro imparcial como poderes decisórios supraordenado às partes e portanto ocupando uma posição fundante da estrutura dialética actum trium personarum Búlgaro nasce como consequência lógica a necessidade de permitirse o reexame daquela decisão O fundamento do sistema recursal gira em torno de dois argumentos falibilidade humana e inconformidade do prejudicado até porque consciente da falibilidade do julgador A possibilidade de revisão das decisões surge explica ZANOIDE DE MORAES1 numa primeira aproximação como forma de se melhorarem os provimentos jurisdicionais através de nova apreciação do problema inicialmente discutido Logo o fundamento dos recursos passa sintetiza HINOJOSA SEGOVIA2 pelo reconhecimento da falibilidade humana pois se considera que os juízes podem errar ao aplicar ou interpretar a lei processual ou material sendo conveniente se não imprescindível que as partes tenham a possibilidade de solicitar no próprio processo que a decisão proferida seja modificada ou pelo mesmo órgão jurisdicional que a elaborou ou por um órgão superior colegiado e mais experiente como garantia de uma melhor ponderação das questões Outro argumento importante é o da ampliação da visibilidadesobre o processo Os recursos permitem uma visibilidade compartilhada uma multiplicidade de olhares ao julgar como bem destaca POZZEBON3 Essa ampliação de visibilidade também contribui para uma ampliação da legitimidade e reforça a confiabilidade das decisões E principalmente a existência dos recursos obedece a razões não de política legislativa senão de índole constitucional na medida em que representam desdobramentos do devido processo e do direito de defesa Quanto ao conceito vejamos sumariamente a lição de alguns clássicos do direito processual penal ARAGONESES ALONSO4 entende que recurso é o ato de parte por meio do qual se solicita a modificação de uma resolução judicial que produziu um gravame ao recorrente no mesmo processo em que aquela foi ditada LEONE5 define como um remédio jurídico atribuído às partes e em casos particulares a sujeitos que não tenham participado no processo com o caráter de parte a fim de remover uma desvantagem proveniente de uma decisão judicial CARNELUTTI6 com a peculiar leitura do fenômeno processual que sempre o caracterizou trata dos recursos na dimensão de la crítica a la decisión explicando que etimologicamente criticar não significa outra coisa que julgar e o uso deste vocábulo tende a significar aquele juízo particular que tem por objeto outro juízo isto é o juízo sobre o juízo e dessa maneira um juízo elevado à segunda potência Essa ideia de juicio sobre el juicio é muito interessante desde que bem compreendida pois quando o autor emprega a expressão juízo juicio o faz no sentido amplo de julgamento ou seja do conjunto de atos que integram o processo e o julgamento sentido estrito e não apenas na dimensão deste último Assim juízo não significa ato decisório senão toda a matéria trazida ao processo e que compõe o julgamento GOLDSCHMIDT7 sustenta que os recursos são os meios jurídicos processuais concedidos às partes aos afetados imediatamente pela resolução judicial para impugnar uma resolução judicial que não é formalmente definitiva ausência de coisa julgada formal ante um tribunal superior efeito devolutivo e que suspendem os efeitos da coisa julgada efeito suspensivo Todo recurso supõe como fundamento jurídico a existência de um gravame prejuízo da parte isto é uma diferença injustificada desfavorável para ela entre sua pretensão ou resistência e o que foi concedido pela resolução que impugna Preciso também é o conceito dado por DALIA e FERRAIOLI8 de que la impugnazione è il rimedio che in casi tassativi la legge accorda a determinati soggetti per rimuovere gli effetti pregiudizievoli di un provvedimento giurisdizionale che ritengano ingiusto o illegitimo Para finalizar essa rápida revisão conceitual MANZINI9 define os recursos como atividades processuais que determinam uma nova fase do mesmo procedimento através da qual se controla ou se renova o juízo anterior As impugnações determinam de ordinário a subdivisão do processo em graus como consequência do julgamento de primeiro grau podem seguir os juízos de segundo grau apelação e de terceiro grau cassação Desse rápido apanhado podemos extrair um conjunto de elementos comuns que contribuem para a compreensão do que sejam os recursos a é ato de parte portanto não é recurso a atividade de ofício do juiz senão um mero reexame completamente dispensável a nosso ver b a parte recorrente deve ter sofrido um gravame um prejuízo c é um direito que deve ser exercido no mesmo processo ou seja não instaura o recurso uma nova situação jurídicoprocessual senão que constitui desdobramento ou nova fase do mesmo processo que gerou a decisão impugnada d a decisão deve ser recorrível portanto não pode terse operado a coisa julgada ainda que formal e estabelece um julgamento sobre o julgamento ou seja o juízo sobre o juízo de CARNELUTTI f permite que outro órgão jurisdicional superior hierarquicamente modifique a decisão anulandoa ou reformandoa no todo ou em parte Assim o conceito de recurso vinculase à ideia de ser um meio processual através do qual a parte que sofreu o gravame solicita a modificação no todo ou em parte ou a anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado no mesmo processo em que ela foi proferida Excepcionalmente o recurso pode não ser um ato de parte senão do ofendido que venha ao processo como assistente não habilitado exclusivamente para recorrer O que não se pode admitir é tratar como recurso em sentido próprio os chamados reexames necessários no nosso sistema ainda denominados recurso de ofício previstos no art 574 do CPP Quanto à natureza jurídica dos recursos devese ter presente a distinção entre eles e as ações autônomas de impugnação revisão criminal habeas corpus e mandado de segurança pois ao contrário delas os recursos não são ações processuais penais não instaurando uma nova situação jurídica processual Os recursos são uma continuidade da pretensão acusatória ou da resistência defensiva conforme a titularidade de quem o exerça Assim o recurso interposto pelo Ministério Público não instaura uma nova situação jurídica processual um novo processo senão que constitui uma continuidade do exercício da pretensão acusatória Quanto à defesa o recurso é um importante instrumento de resistência na busca de uma sentença favorável Isso porque é o processo um instrumento de satisfação jurídica de pretensões e resistências de modo que enquanto não houver o provimento jurisdicional definitivo o trânsito em julgado o que se tem é a utilização de instrumentos legais para obtenção da sentença favorável pretendida por cada uma das partes A própria etimologia do vocábulo recursus remete à noção de retomar o curso jamais à de estabelecer um novo curso10 Em suma o poder de recorrer é um desdobramento da pretensão acusatória ou para outros autores do direito de ação ou de defesa resistência não constituindo um novum iudicium senão que se desenvolvem na mesma situação jurídica originária isto é um desdobramento do processo existente 2 O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição Direito Fundamental InAplicabilidade nos Casos de Competência Originária dos Tribunais O princípio do duplo grau de jurisdição traz na sua essência o direito fundamental de o prejudicado pela decisão poder submeter o caso penal a outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior na estrutura da administração da justiça Além de garantir a revisão da decisão de primeiro grau também compreende a proibição de que o tribunal ad quem11 conheça além daquilo que foi discutido em primeiro grau ou seja é um impedimento à supressão de instância12 Ainda que existam algumas bemintencionadas tentativas de extraílo de outros princípios da Constituição como o direito de defesa e o próprio devido processo não foi o duplo grau expressamente consagrado pela Carta de 1988 Mas essa discussão perdeu muito do seu fundamento com o art 82 letra h da Convenção Americana de Direitos Humanos que expressamente assegura o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior Os direitos e as garantias previstos na CADH13 passaram a integrar o rol dos direitos fundamentais a teor do art 5º 2º da Constituição sendo portanto autoaplicáveis art 5º 1º da CF Logo nenhuma dúvida paira em torno da existência no sistema brasileiro do direito ao duplo grau de jurisdição Recordemos contudo que a posição atual do STF sobre o tema HC 87585TO é a de que a CADH ingressa no sistema jurídico interno com status supralegal ou seja acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Problema concreto surge nos crimes que por decorrência da prerrogativa de função do agente são julgados originariamente pelos tribunais É o caso de um deputado estadual que cometa um delito de homicídio que como vimos no estudo da competência será julgado pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado Dessa decisão poderá a parte prejudicada interpor apenas recurso especial STJ eou recurso extraordinário STF com uma série de restrições para sua admissibilidade e principalmente restritos à discussão de matéria de direito Não há mais espaço para discussão sobre o mérito ou mesmo a prova não confundir com a discussão permitida sobre o regime legal da prova E se o agente for um Ministro de Estado cujo julgamento é originariamente atribuído ao Supremo Tribunal Federal art 102 I c da Constituição como se dará o duplo grau de jurisdição Não haverá Há nesses casos um completo esvaziamento da garantia do duplo grau de jurisdição em benefício da prerrogativa funcional e do julgamento originário por um órgão colegiado Mas isso é constitucional Prevalece o entendimento de que a Constituição não consagra expressamente o duplo grau de jurisdição mas sim os casos em que haverá julgamento originário pelos tribunais podendo haver portanto uma restrição à garantia que decorre da CADH cujo caráter supralegal a coloca abaixo da Constituição Ademais ainda que o duplo grau fosse consagrado no texto constitucional poderia haver a supressão ou limitação pelo próprio sistema constitucional FERREIRA MENDES14 explica que o próprio modelo jurisdicional positivado na Constituição afasta a possibilidade de aplicação geral do princípio do duplo grau de jurisdição Prossegue o autor esclarecendo que se a Constituição consagra a competência originária de determinado órgão judicial e não define o cabimento de recurso ordinário não se pode cogitar de um direito ao duplo grau de jurisdição seja por força de lei seja por força do disposto em tratados e convenções internacionais Importante esclarecer na lição acima que quando o autor se refere ao não cabimento de recurso ordinário está fazendo alusão à categoria doutrinária de recurso ordinário ou seja àqueles meios de impugnação que têm por objeto provocar um novo exame total ou parcial do caso penal alcançando tanto as matérias de direito como também fáticas Logo quando o imputado é julgado originariamente por um tribunal eventual recurso será extraordinário na medida em que os tribunais superiores somente podem entrar no exame da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão inferior ou seja um juízo limitado ao aspecto jurídico da decisão impugnada Sobre tais conceitos remetemos o leitor ao próximo tópico no qual analisaremos com mais profundidade Por fim destacamos a tendência de fortalecer a decisão de primeiro grau restringindo a matéria recursal às questões de direito mas para que isso se implemente é imprescindível que um julgamento seja realizado por órgão colegiado já na instância originária É o caso do modelo espanhol em que os delitos graves são de competência em primeiro grau conforme o caso da Audiencia Provincial ou da Sala de lo Penal de la Audiencia Nacional ambos órgãos colegiados Dessa decisão somente cabe recurso de Cassação que está limitado ao exame unicamente da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão jurisdicional inferior colegiado de maneira a limitar o reexame ao aspecto jurídico da sentença impugnada15 ARMENTA DEU16 em lição também aplicável ao nosso modelo explica que as limitações à segunda instância são legítimas desde o ponto de vista da adequação constitucional pois a norma fundamental prescreve a revisibilidade das sentenças penais condenatórias o que não significa exatamente a constitucionalização da segunda instância penal pois dita exigência se satisfaz também mediante um recurso extraordinário ou seja limitado à discussão de matéria de direito como o de cassação Inclusive a vigência dos princípios de imediação e oralidade é pilar fundamental do juízo penal e a plena análise das questões fáticas em segundo grau gera uma indesejável condicionante que é o fato de a prova ser praticada no julgamento de primeiro grau com o órgão ad quem fazendo um juízo de apreciação mediata17 ou seja através de materiais escritos e sem o contato do julgador com a prova Em suma havendo órgão colegiado em primeiro grau pode existir restrição recursal mas jamais restrição recursal com julgamento monocrático em primeiro grau juiz singular 3 Classificando os Recursos Ordinários e Extraordinários Totais e Parciais Fundamentação Livre ou Vinculada Verticais e Horizontais Voluntários e Obrigatórios Crítica ao Recurso de Ofício Doutrinariamente os recursos podem ser classificados em dois grandes grupos18 Recursos ordinários são aqueles que têm por objeto provocar um novo exame total ou parcial do caso penal já decidido em primeira instância por um órgão superior ad quem alcançando tanto as matérias de direito como também fáticas com possibilidade de decisão sobre a determinação dos fatos sua tipicidade a prova dosimetria da pena etc Exemplo típico de recurso ordinário é a apelação do art 593 do CPP Recursos extraordinários onde os tribunais superiores entram no exame unicamente da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão inferior sendo assim um juízo limitado ao aspecto jurídico da decisão impugnada Em última análise limitam a discussão a questões de direito expressamente previstas em lei São exemplos o recurso especial art 105 III da Constituição e o recurso extraordinário art 102 III da Constituição Citamos essa classificação porque consagrada na doutrina processual mas preferimos não adotála para evitar confusões especialmente para aqueles que iniciam o estudo pois o sistema brasileiro prevê como espécies recursos com esses mesmos nomes Assim quando falarmos em recurso extraordinário estaremos fazendo alusão àquele previsto no art 102 inciso III da Constituição e por recurso ordinário o previsto no art 102 II da Constituição Compreendido isso sigamos Os recursos ainda podem ser classificados19 tomando por base a extensão da matéria impugnada em totais ou parciais recursos totais são aqueles em que a parte utiliza sua faculdade de impugnar toda a matéria permitida ou seja plena impugnação de todo o campo legalmente reexaminável Exemplo típico é o recurso de apelação total por excelência pois permite ampla discussão sobre a matéria fática e jurídica assim tendo procedido a parte recursos parciais nesse caso a parte interessada utiliza de parte de sua faculdade de impugnação ainda que a lei lhe permitisse ampla rediscussão de todas as questões decididas Quando o réu é condenado por exemplo pela prática de um crime sem violência ou grave ameaça a uma pena inferior a 4 anos mas que não foi substituída indevidamente por pena restritiva de direitos poderá apelar de toda ou de parte da decisão Se optar por discutir exclusivamente a recusa por parte do juiz em substituir a pena abrindo mão de buscar o reexame da prova e da própria condenação estará fazendo um recurso parcial Quanto às restrições na fundamentação os recursos podem ser de fundamentação livre ou vinculada recurso de fundamentação livre confundese com os recursos ordinários e totais pois a lei não restringe a fundamentação a ser utilizada no recurso permitindo assim que a parte recorra de todas as questões fáticas e de direito Novamente é a apelação o melhor exemplo recurso de fundamentação vinculada em sentido oposto aqui a própria lei limita a matéria que pode ser impugnada definindo em que limites se deve dar a fundamentação São exemplos o recurso em sentido estrito em que a fundamentação fica vinculada à situação jurídica definida no inciso e os recursos extraordinário e especial em que o fundamento do recurso fica restrito à matéria definida no dispositivo legal por exemplo no recurso especial a interposição com base no art 103 III a limita a fundamentação à demonstração de que a decisão contrariou tratado ou lei federal ou negou lhe vigência conforme o caso Também são um recurso de fundamentação vinculada os embargos infringentes em que a limitação vem dada não pela lei mas pela matéria objeto do voto vencido Ou seja a fundamentação dos embargos infringentes está limitada e circunscrita pelo voto vencido não podendo ir além dele ou melhor do objeto da divergência Atendendo ao grau hierárquico os recursos podem ser horizontais ou verticais20 recursos horizontais são aqueles que se resolvem pelo mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida sendo portanto pouco eficazes por razões psicológicas facilmente compreensíveis Exemplo de recurso horizontal são os embargos declaratórios em que a decisão incumbe ao mesmo órgão que o proferiu O recurso em sentido estrito é misto na medida em que no primeiro momento ele é horizontal permitindo que o juiz que proferiu a decisão se retrate ou não subindo em caso de manutenção da decisão proferida vertical recursos verticais resolvemse pelo Tribunal Superior àquele órgão jurisdicional que proferiu a decisão São exemplos a apelação recurso extraordinário especial embargos infringentes etc Alguma doutrina ainda classifica os recursos em voluntários e obrigatórios ou de ofício Voluntários são todos os recursos que dependem da manifestação da parte interessada que poderá recorrer ou não no todo ou em parte da decisão Excetuando os casos previstos no art 574 recursos obrigatórios todos os demais são voluntários Os recursos obrigatórios também chamados reexame necessário ou recursos de ofício estão previstos no art 574 do CPP nos seguintes termos Art 574 Os recursos serão voluntários excetuandose os seguintes casos em que deverão ser interpostos de ofício pelo juiz I da sentença que conceder habeas corpus II da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena nos termos do art 411 A esses dois casos devese acrescentar um terceiro que é o recurso de ofício da decisão que concede a reabilitação como determina o art 746 do CPP Nesses casos enquanto não houver o reexame da decisão pelo respectivo tribunal não há o trânsito em julgado da decisão sendo portanto uma condição de eficácia da sentença21 Vejamos agora a crítica aos chamados recursos de ofício Inicialmente recordemos que o conceito de recurso está vinculado à ideia de ser um remédio processual da parte que sofreu o gravame portanto juiz não é parte e tampouco sofre gravame por sua própria decisão É manifesta a ilegitimidade e a falta de interesse do juiz em recorrer da decisão que ele mesmo proferiu Ademais sequer recurso pode ser considerado Interessante reparar também como funciona um Código de matriz nitidamente inquisitória e punitivista como o nosso só existe recurso de ofício de decisões que beneficiam o réu Impressiona a escancarada forma de controle por parte dos órgãos jurisdicionais superiores das decisões proferidas em primeiro grau que beneficiem o imputado pois é obrigatório submeter ao reexame do tribunal enquanto isso não acontecer não há trânsito em julgado recordemos as decisões que concedem habeas corpus mas não o são as que decretam a prisão temporária ou preventiva a que absolve sumariamente o réu mas não há reexame necessário da decisão de pronúncia nem da sentença condenatória e a que concede a reabilitação Estamos diante de um ranço autoritário incompatível com o processo penal democrático com a constitucional independência dos juízes e até mesmo com o contraditório pois estabelece uma forma desigual de tratamento processual das partes Também constitui uma indevida incursão do juiz num campo que não lhe pertence qual seja da iniciativa acusatória Se considerarmos o recurso como uma extensão do direito de ação ou a continuidade do exercício da pretensão acusatória é manifesta a inconstitucionalidade do recurso de ofício na medida em que incompatível com o art 129 I da Constituição Incumbe privativamente ao Ministério Público promover a ação penal pública Portanto nessas decisões o recurso da mesma forma que a ação penal pública é de iniciativa privativa do Ministério Público Excepcionalmente poderseia admitir que o assistente da acusação em caso de inércia do Ministério Público recorresse da decisão que absolve sumariamente o réu das demais não há um interesse juridicamente tutelável mas jamais que o faça o juiz de ofício22 Em suma a crítica ao recurso de ofício pode ser assim elaborada crítica genérica falta legitimidade e interesse ao juiz Ademais viola o sistema acusatório pois é ativismo judicial contra o réu já que é recurso obrigatório de decisões que o beneficiam ou seja é um controle em relação a tudo o que possa beneficiar o réu Ademais o art 129 I da Constituição atribui ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública de modo que tal recurso depende de iniciativa do MP crítica específica ao art 574 II houve revogação tácita pois a O art 411 não trata mais da absolvição sumária b Os casos de absolvição sumária foram ampliados haveria reexame necessário só nesses dois casos Nos demais casos de absolvição sumária não Não faz sentido c A reforma de 2008 mudou o art 411 para 415 e já estabeleceu expressamente no art 416 que o recurso cabível é apelação Logo em 2008 muda e já estabelece expressamente que é apelação Se o legislador quisesse manter o recurso de ofício teria contemplado expressamente no art 416 e modificado o art 574 II Logo temos como tacitamente revogado o art 574 II e substancialmente inconstitucionais os demais casos de recurso de ofício por violação ao disposto no art 129 I da CF e da estrutura acusatóriaconstitucional do processo penal Contudo a matéria não é pacífica e os juízes continuam recorrendo de ofício nos casos dos arts 574 e 746 do CPP e os tribunais com raras e meritórias exceções conhecendo e julgando23 Finalizando a análise das várias classificações possíveis aos recursos esclarecemos que essas categorias podem se combinar eis que não são excludentes de modo que o recurso de apelação por exemplo será um recurso ordinário total ou parcial se for o caso de fundamentação livre vertical e voluntário O recurso em sentido estrito RSE é uma forma de impugnação cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei havendo uma variação conforme a fundamentação legal apontada Tomemos como exemplo o RSE interposto com base no art 581 II decisão que reconhecer a incompetência do juízo É um recurso extraordinário discutese apenas a questão de direito total dentro da matéria submetida a reexame não confundir com devolução de toda a matéria de um recurso ordinário de fundamentação vinculada discutese apenas a incompetência do juízo e horizontal no primeiro momento subindo para o respectivo tribunal em caso de manutenção da decisão vertical 4 Efeitos Devolutivo e Suspensivo Conceitos e Crítica Inadequação de Categorias Diante dos Valores em Jogo no Processo Penal Tradicionalmente aos recursos no processo penal são atribuídos efeitos nos moldes do processo civil de caráter devolutivo e suspensivo Não há que se desconsiderar que todo e qualquer recurso impede que a decisão faça coisa julgada formal e portanto também material Mas além desse efeito impeditivo da coisa julgada os recursos podem ter os seguintes efeitos 1 DEVOLUTIVO a interposição de um recurso explica MANZINI24 devolve total ou parcialmente o julgamento el juicio relativo a providência impugnada à competência funcional do juiz ou tribunal definido Toda a impugnação produz o efeito devolutivo mas este pode ser mais ou menos completo segundo o recurso se refira a toda decisão ou somente a alguma parte dela Mas o efeito devolutivo tem algumas nuances que exigem uma subdivisão 11 Interativos ou regressivos são aqueles recursos em que se atribui ao próprio juiz que ditou a decisão reexaminála ou seja regressa para o mesmo juiz É o caso dos embargos declaratórios em que incumbe ao juiz que proferiu a sentença ou câmaraturma criminal em caso de acórdão decidir novamente esclarecendo a contradição ambiguidade obscuridade ou omissão Não há além dos embargos declaratórios outro recurso com efeito regressivo 12 Reiterativos ou devolutivos são os devolutivos propriamente ditos que necessariamente devolvem o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem ou seja para um órgão superior àquele que proferiu a decisão Exemplo típico é o recurso de apelação em que caberá ao tribunal reexaminar a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau Também possuem esse efeito os embargos infringentes recurso ordinário recurso extraordinário e recurso especial 13 Misto nesse caso há efeito duplo pois permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e caso a mantenha o recurso será remetido para o tribunal ad quem Ou seja o recurso é regressivo no primeiro momento e caso o juiz não reforme sua decisão passa a ter o efeito devolutivo propriamente dito com o recurso subindo para o tribunal ad quem O recurso em sentido estrito é um exemplo desse efeito recursal Também o agravo da execução previsto no art 197 da LEP na medida em que predomina o entendimento de que seu processamento segue aquele previsto para o recurso em sentido estrito Mas antes de verificarmos o efeito suspensivo é importante compreender que o efeito devolutivo propriamente dito tem alguns limites e regras de extensão Quanto à extensão a devolução da matéria para o conhecimento do tribunal é limitada pela matéria impugnada pelo recorrente ou ainda pela natureza do recurso classificação dos recursos em ordinário ou extraordinário sendo a Total quando pode devolver o conhecimento de todas as questões discutidas no processo como sucede no recurso de apelação b Parcial nesse caso a devolução da matéria está como regra limitada ao que foi alegado pela parte interessada É o exemplo do recurso de apelação em que a defesa impugna apenas um determinado aspecto da sentença como pode ser a apelação em relação ao regime inicial de cumprimento O tribunal só conhece dessa matéria Mas há uma importante exceção à limitação da devolução eventuais nulidades absolutas que beneficiem a defesa podem ser reconhecidas de ofício ainda que ninguém as tenha alegado c Recursos extraordinários nessas modalidades de recurso a impugnação fica restrita a questões de direito não havendo a devolução da análise da matéria fática Além disso tal modalidade de recurso possui uma fundamentação legal expressa ou seja somente cabe nos casos em que a lei o admitir Exemplos Recurso Extraordinário e Recurso Especial Ainda no que tange ao efeito devolutivo é importante o estudo do princípio tantum devolutum quantum appellatum a seguir analisado e para onde remetemos o leitor 2 SUSPENSIVO por efeito suspensivo se entende aquele obstáculo legal a que a sentença proferida possa surtir todos os seus efeitos antes do trânsito em julgado Tal efeito determina a impossibilidade de executarse a resolução judicial recorrida Como regra os recursos proferidos contra a sentença penal condenatória devem ter efeito suspensivo assegurandose ao réu o direito de recorrer em liberdade e assim permanecer até o trânsito em julgado Isso porque no processo penal a liberdade é a regra e a prisão uma exceção Mas isso não impede a prisão do imputado nesse momento pois como veremos bastará a existência fundamentada de periculum libertatis art 312 para que o réu seja preso Já a apelação interposta contra a sentença penal absolutória nunca terá efeito suspensivo pois como determina o art 596 A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto imediatamente em liberdade Em suma o efeito suspensivo como o próprio nome diz suspende o mandamento contido na sentença sendo que a regra é a manutenção do réu em liberdade Daí por que na sentença absolutória deve o réu ser posto imediatamente em liberdade ainda que exista recurso da acusação pois esse recurso não terá efeito suspensivo mas meramente devolutivo Mas a ausência de efeito suspensivo não se manifesta apenas em relação à prisão cautelar senão que atinge todas as medidas coercitivas que incidem sobre o réu ou seu patrimônio Como consequência a absolvição conduz ao levantamento de toda e qualquer medida assecuratória sequestro arresto ou hipoteca legal e também à restituição dos bens apreendidos exceto se por sua natureza sejam ilícitos por si mesmos Em suma os efeitos da absolvição são plenos e não são suspensos pela eventual apelação interposta pelo acusador Já o recurso contra a sentença condenatória poderá ou não ter efeito suspensivo cabendo analisar nesse momento a partir da lógica do sistema cautelar ou seja se houver necessidade demonstrada pelo periculum libertatis nos termos do art 312 do CPP poderá o juiz determinar a prisão ou ali manter aquele que já se encontre preso Nesse caso não estará atribuindo efeito suspensivo ao recurso defensivo interposto contra a sentença penal condenatória Mas devese ter muito cuidado com o efeito suspensivo ou melhor sua ausência no caso de recurso contra decisão condenatória Muito mais do que a categoria processual de efeito recursal o que está em jogo é a eficácia da garantia constitucional da presunção de inocência E aqui reside nossa crítica especialmente nos recursos Especial e Extraordinário como veremos ao tratar dos recursos em espécie 5 Regras Específicas do Sistema Recursal Compreendida a incidência dos Princípios do Processo Penal na fase recursal vejamos agora as regras específicas do sistema recursal Não é aqui o momento de fazer uma profunda análise entre Princípios e Regras25 senão que partindo do conceito de ÁVILA26 concebemos as regras como normas imediatamente descritivas primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos O conceito de regra recursal é fundamental na medida em que determina a adoção da conduta descrita sem perder de vista a fidelidade aos princípios do processo penal anteriormente explicados que são axiologicamente sobrejacentes e sem olvidar da necessária manutenção de fidelidade em relação à finalidade desses mesmos princípios superiores Ademais essas regras são normas descritivas com pretensão de abrangência e decidibilidade que exigem a correspondência da conduta praticada em relação à finalidade que lhes dá suporte Em última análise nesse conjunto de regras encontraremos verdadeiras regras para o juízo do juiz ou seja regras para o tribunal observar no momento do julgamento dos recursos 51 Fungibilidade A Fungibilidade está prevista no art 579 do CPP nos seguintes termos Art 579 Salvo a hipótese de máfé a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro Parágrafo único Se o juiz desde logo reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte mandará processálo de acordo com o rito do recurso cabível Significa que o sistema recursal permite que um recurso errado seja conhecido no lugar de outro correto a partir de uma noção de substitutividade de um recurso por outro Mas esse princípio não legitima o conhecimento de qualquer recurso errado no lugar de outro correto Para isso o art 579 prevê que um recurso poderá ser conhecido por outro desde que afastada a máfé do recorrente O conceito de máfé é aberto indeterminado permitindo ampla manipulação conceitual Tampouco soluciona o problema invocar o erro grosseiro para caracterizar a máfé ou mesmo o pacífico entendimento jurisprudencial sobre o cabimento de determinado recurso mas em geral é com base nesses dois fatores erro grosseiro e ausência de divergência jurisprudencial que os tribunais pautam a aplicação da fungibilidade Em geral temse admitido a fungibilidade entre Apelação e Recurso em Sentido Estrito porque nem sempre os casos de interposição de um e outro permitem sem sombra de dúvida a escolha do recurso correto mas principalmente porque é possível a interposição do recurso errado mas dentro do prazo de interposição do correto Esse é outro aspecto costumeiramente invocado na jurisprudência importante a ser considerado no momento de aplicar a regra da fungibilidade ainda que o recurso seja errado deve ser interposto com tempestividade em relação ao correto Essa construção é um grande limitador da eficácia da fungibilidade com a qual não concordamos pois pensamos que não é razoável nem realista O normal é que a parte interponha o recurso que julgue ser o correto no prazo que a lei lhe determina Exigir outra conduta é ilógico mas infelizmente é assim que muitos tribunais ainda tratam da matéria Pensamos que a fungibilidade deve ter maior eficácia27 afastandose sua aplicação apenas quando escancaradamente a parte estiver usando um recurso manifestamente errado para remediar a perda do prazo do recurso correto Pode ser invocado princípio da fungibilidade na divergência no prazo de interposição do recurso extraordinário com agravo e no agravo em recurso especial Entendemos que sim e que o art 579 exige uma releitura especialmente no que tange à hipótese de máfé Tradicionalmente afirmavase que a máfé era o erro grosseiro o proceder doloso E principalmente muitos exigiam para invocação da fungibilidade que o recurso errado fosse interposto no prazo do recurso correto Ora essa é uma limitação excessiva e até mesmo contraditória com o proceder honesto da parte Quem acredita honestamente que é um recurso quando na verdade é outro orientase pelo prazo do recurso que crê ser o correto por elementar Portanto além de o art 579 não exigir a interposição no prazo do recurso correto para aplicação da fungibilidade a máfé deve ser demonstrada e nunca presumida Devese considerar o agir intencional doloso destinado a burlar o sistema recursal O erro grosseiro é aquele que constitui um equívoco injustificável fruto de um profundo desconhecimento das leis processuais e sobre uma questão que não exista qualquer dúvida interpretativa28 É uma afronta literal à lei e à dogmática processual consolidada Em sentido diverso quando não houver paz conceitual sob o cabimento de um recurso ou outro a divergência deve operar prórecurso Por fim com alguma boa vontade é possível aplicarse a fungibilidade nas ações de impugnação com o mandado de segurança sendo conhecido como habeas corpus e viceversa 52 Unirrecorribilidade Determina o art 593 4º do CPP que quando cabível a apelação não poderá ser usado o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra Significa dizer que a apelação absorve a matéria do recurso em sentido estrito sendo mais abrangente que ele Mais do que isso a regra impõe que uma decisão seja impugnável por apenas um recurso Por exemplo se uma sentença penal condena o réu a uma pena de 2 anos de reclusão e nega a suspensão condicional da pena A parte interessada deverá interpor apenas o recurso de apelação e não apelação recurso em sentido estrito pois da decisão que denega o sursis em tese cabe RSE art 581 XI Ainda que o recurso seja parcial limitado a postular o reexame apenas da não concessão da suspensão condicional da pena deverá o réu interpor apenas o recurso de apelação e não recurso em sentido estrito Tratase de um recurso contra uma sentença condenatória apelável portanto Ainda que a impugnação seja limitada a determinado aspecto da sentença não deixa de ser um recurso contra uma sentença penal condenatória logo apelação ainda que parcial pois limitada a discutir apenas parte dela Em suma a unirrecorribilidade tem por base o seguinte princípio contra uma decisão caberá apenas um recurso Mas essa regra possui uma exceção recurso especial e recurso extraordinário Um acórdão pode violar simultaneamente uma lei federal e também a Constituição Nesse caso para evitar a preclusão deverá a parte interessada interpor no mesmo prazo de 15 dias os dois recursos especial e extraordinário ainda que o último fique sobrestado aguardando o julgamento do primeiro 53 Motivação dos Recursos Todo e qualquer recurso deve ser fundamentado expondo as questões de fato eou de direito que o sustentam Mesmo a apelação em que o art 601 admite a subida com as razões ou sem elas tem sido objeto de uma releitura constitucional de modo que em nome da ampla defesa e do contraditório os tribunais têm determinado o retorno dos autos à comarca de origem para que sejam apresentadas as razões inclusive com a nomeação de defensor dativo para apresentálas se não o fizer o constituído Além da ampla defesa a ausência de razões também viola o contraditório porque sem elas não tem a outra parte condições plenas de contraarrazoar Por isso os tribunais ultimamente têm determinado que os autos baixem em diligências para que o defensor ofereça as razões ou seja nomeado um dativo para isso 54 Proibição da Reformatio in Pejus e a Permissão da Reformatio in Mellius Problemática em Relação aos Julgamentos Proferidos pelo Tribunal do Júri No processo penal está sempre permitida a reforma da decisão para melhorar a situação jurídica do réu inclusive com o reconhecimento de ofício e a qualquer momento de nulidades processuais que beneficiem o réu Mas não pode o tribunal reconhecer nulidade contra o réu que não tenha sido arguida no recurso da acusação Súmula n 160 do STF Assim diante de um recurso do Ministério Público sem recurso da defesa o tribunal pode acolher o pedido do MP manter a decisão e denegar o pedido ou ainda de ofício negar provimento ao pedido do MP e melhorar a situação jurídica do réu ainda que ele não tenha recorrido Por outro lado está vedada a reforma para pior ou seja diante de um recurso da defesa não pode o tribunal piorar a situação jurídica do imputado Portanto diante de um exclusivo recurso da defesa o tribunal pode dar provimento no todo ou em parte ou manter intacta a decisão de primeiro grau Em nenhuma hipótese pode piorar a situação do réu exceto é óbvio se também houver recurso do acusador Nesse sentido determina o art 617 do CPP Art 617 O tribunal câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts 383 386 e 38729 no que for aplicável não podendo porém ser agravada a pena quando somente o réu houver apelado da sentença Também está vedada a reformatio in pejus indireta dissimulada como pode ocorrer no seguinte caso o juiz condena o réu a uma pena de 4 anos de reclusão por determinado delito Em grau recursal o tribunal acolhendo a apelação da defesa anula a sentença por terse baseado em prova ilícita determinando o desentranhamento e a repetição do ato Na nova sentença o réu é condenado a uma pena de 5 anos de reclusão Tratase de uma reformatio in pejus indireta que conduzirá a nova nulidade da sentença É indireta porque a piora na situação do réu não foi causada diretamente pelo tribunal julgando o recurso Mas sem dúvida o tratamento mais grave foi efeito do acolhimento do recurso da defesa Situação complexa surge na aplicação do princípio da ne reformatio in pejus nos julgamentos do Tribunal do Júri pois também regidos pelo princípio da soberania dos julgamentos Tradicionalmente a situação era tratada inclusive por nós em edições anteriores da seguinte forma Supondo que o réu tenha sido condenado por homicídio simples a uma pena de 6 anos de reclusão Inconformado apela com base no art 593 III d do CPP Provido o apelo é submetido a novo julgamento pelo júri Neste novo julgamento poderia a pena ser superior à anterior 6 anos Não pois isso constituiria uma reformatio in pejus Logo a segunda decisão seria nula cabendo uma nova apelação agora fundada na letra b devendo o tribunal ad quem retificar a pena para o patamar anterior Mas no mesmo exemplo poderia o réu no novo júri ser condenado por homicídio qualificado a uma pena de 12 anos Sim poderia seria a resposta tradicional pois não haveria reformatio in pejus indireta na medida em que se o réu foi pronunciado por homicídio qualificado e no primeiro júri é negada a qualificadora e condenado por homicídio simples no novo júri o julgamento é inteiramente repetido Os novos jurados são soberanos para decidir Portanto como a qualificadora foi reconhecida na pronúncia ela será novamente quesitada e os jurados podem reconhecêla Não haveria reformatio in pejus pois o julgamento seria inteiramente repetido e os jurados soberanos na sua decisão Mas esse entendimento deve ser revisado principalmente após a decisão proferida pela 2ª Turma do STF no HC 895441 julgado em 1404200930 Segundo explica o Min CEZAR PELUSO no corpo do voto condutor que julgava situação similar àquela anteriormente narrada a proibição de reforma para pior inspirada no art 617 do Código de Processo Penal não comporta exceção alguma que a convalide ou legitime ainda quando indireta tal como se caracterizou no caso Se de um lado a Constituição da República no art 5º inc XXXVIII letra c proclama a instituição do júri e a soberania de seus veredictos de outro assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes inc LV do art 5º Para o relator tais princípios são cláusulas elementares do devido processo e devem ser interpretados à luz do critério da chamada concordância prática de modo que no conflito de princípios deve ser adotada uma solução que otimize a realização de todos eles mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum Partindo da unidade orgânica e da integridade axiológica da Constituição deve haver uma coexistência harmônica dos bens tutelados sem predomínio teórico de uns sobre outros Em suma segundo o voto a regra constitucional da soberania dos veredictos em nada impede a incidência da vedação da reformatio in peius indireta pois esta não lhe impõe àquela limitações de qualquer ordem nem tampouco despoja os jurados da liberdade de julgar a pretensão punitiva nos termos em que a formule a pronúncia Por todos esses argumentos entendeu o STF por reformar a decisão fixando a pena do paciente que havia sido condenado pelo júri por homicídio doloso tendo o juiz fixado a pena em 12 anos regime fechado em 6 anos limite imposto pelo julgamento anterior no qual havia o réu sido condenado por homicídio simples Ou seja manteve o STF a condenação pelo homicídio qualificado mas fixou a pena igual àquela do julgamento anterior para evitar a reformatio in pejus indireta No mesmo sentido vai a jurisprudência do STJ31 Concordamos integralmente com a decisão mas parecenos que o caminho percorrido na fundamentação é outro melhor enfrentado por RABELO32 em trabalho sobre o tema Parte RABELO da necessária constitucionalização do processo penal sendo portanto inadequada a afirmação de que o princípio da ne reformatio in pejus seja infraconstitucional Estáse diante de um princípio constitucional implícito decorrente do princípio da ampla defesa e do devido processo legal art 5º LV da CB Portanto a resolução da questão prossegue o autor não pode mais se dar com base no critério hierárquico pois agora se está diante de dois princípios constitucionais fundamentais mas deve ser solucionada no âmbito da ponderação de princípios E aqui está o diferencial da fundamentação RABELO esclarece que não haveria necessidade de se falar em colisão de princípios constitucionais como fez o STF na decisão analisada senão uma exegese contextualizada do princípio da soberania dos veredictos situando seu círculo hermenêutico dentro de um contexto protetivo do acusado Em outros termos devese entender o princípio da soberania dos veredictos como garantia constitucional do acusado e não dos jurados33 Eis o melhor trato da questão No momento em que o legislador constituinte situa o instituto do Tribunal do Júri na dimensão de direito fundamental da pessoa não se pode desconectar deste círculo hermenêutico de modo que todos os princípios e regras do tribunal do júri devem ser trabalhados no contexto de proteção dos direitos individuais do imputado inclusive a soberania dos julgamentos e a garantia da ne reformatio in pejus Do contrário teria o legislador inserido apenas uma norma de competência como o fez com a justiça militar eleitoral federal etc no capítulo que dispõe sobre o Poder Judiciário Obviamente sendo o júri e todas suas regras instrumentos a serviço da eficácia do sistema de proteção da Constituição não pode qualquer delas com a soberania das decisões ser utilizada em seu prejuízo Por fim conclui com acerto RABELO se o princípio da soberania dos veredictos fosse compreendido dessa maneira por certo não haveria necessidade de se falar em sua colisão com o princípio da ne reformatio in pejus nas hipóteses de cassação das decisões do tribunal do júri O que ocorreria é a não incidência do princípio da soberania dos veredictos contra o acusado uma vez que se trata de princípiogarantia do réu de crimes dolosos contra a vida O resultado prático é o mesmo da decisão do STF mas com fundamento teórico diverso e mais adequado pensamos Destarte o que deve ficar claro é diante de recurso exclusivo da defesa vedase que no novo julgamento o resultado seja pior do que aquele proferido no julgamento anterior independente de ter havido o reconhecimento de qualificadora anteriormente afastada 55 Tantum Devolutum Quantum Appellatum Em matéria recursal vinculada ao efeito devolutivo está a regra do tantum devolutum quantum appellatum que em linhas gerais significa que tanto se devolve quanto se apela ou seja ao tribunal é devolvido o conhecimento da matéria objeto do recurso É uma espécie de correlação recursal mas que sofre muitas mitigações pelas especificidades do processo penal Vinculase aos limites do efeito devolutivo mas que no processo penal encontra um campo limitado de incidência pois deve ser pensado à luz da vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da reformatio in mellius o que faz com que acabe sendo bastante relativizado A devolução da matéria pela via do recurso está regida essencialmente pela vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da in mellius Frente a um recurso exclusivo do MP pode o tribunal acolhêlo para condenar o réu absolvido aumentar sua pena etc Mas também pode o tribunal absolver ou mesmo diminuir a pena ainda que a defesa não tenha recorrido até porque pode a qualquer tempo conceder habeas corpus de ofício Ou seja o tantum devolutum quantum appellatum é acima de tudo uma limitação recursal ao acusador Também nos chamados recursos com fundamento vinculado a devolução da matéria está limitada como ocorre nos recursos especial e extraordinário em que não pode o tribunal ir além da matéria contida no fundamento legal invocado Mas ainda nesses casos devemos recordar que as nulidades absolutas podem ser conhecidas a qualquer tempo ainda que a parte não alegue e assim pode fazer o tribunal desde que a favor do réu ex officio 56 Irrecorribilidade dos Despachos de Mero Expediente e das Decisões Interlocutórias Simples Afirmar que a regra é a irrecorribilidade das decisões interlocutórias o que é recorrente na doutrina é insuficiente pois no modelo brasileiro mesmo as decisões interlocutórias são classificadas em simples ou mistas sendo essas últimas recorríveis Também peca por não incluir os despachos de mero expediente efetivamente irrecorríveis Por tudo isso ampliamos a regra para refletir o seu conteúdo Os despachos de mero expediente são de caráter ordenatório sem cunho decisório e que não causam gravame sendo portanto irrecorríveis O problema está nas decisões interlocutórias simples em que existe um mínimo de poder decisório e muitas vezes causam um gravame para a parte atingida A irrecorribilidade dessas decisões é a regra excetuandose os casos expressamente previstos no art 581 do CPP ou seja os casos em que há previsão de recurso em sentido estrito Logo se determinada decisão interlocutória é irrecorrível não há que se falar em preclusão podendo a parte interessada alegar a questão no debate oral final do procedimento e como preliminar no recurso de apelação Situação distinta ocorre nos casos em que há recurso previsto para a decisão interlocutória em que existe preclusão da matéria se não for interposto o recurso adequado e no prazo legal Exemplos se não recorro da decisão de pronúncia não posso alegar um vício dela na apelação depois do Tribunal do Júri Por outro lado a decisão que recebe a denúncia ou queixa é irrecorrível Logo não há preclusão podendo eventual inépcia ser alegada na resposta à acusação nos debates orais e até como preliminar da apelação em caso de sentença penal condenatória Para finalizar é fundamental destacar que a regra da irrecorribilidade dos despachos de mero expediente e das decisões interlocutórias simples possui uma exceção os embargos declaratórios Como explicaremos no próximo capítulo ao tratarmos dos recursos em espécie os embargos de declaração sempre podem ser interpostos ainda que a decisão seja em tese irrecorrível Isso porque às partes é assegurado o direito de compreender a decisão judicial e ver nela tratadas todas as questões ventiladas e que a originaram Assim à regra da irrecorribilidade sempre se devem excepcionar os embargos declaratórios 57 Complementaridade Recursal Significa a possibilidade de complementação do recurso em razão de modificação superveniente na fundamentação da decisão Como regra o recurso é interposto e juntadas no prazo legal as razões que o fundamentam Contudo imaginemos que de determinada sentença a defesa interponha o recurso de apelação e o Ministério Público no mesmo prazo apresente embargos declaratórios Se a defesa apresentar suas razões antes do julgamento dos embargos declaratórios e houver alguma mudança substancial na fundamentação ou mesmo na decisão efeito modificativo deverá serlhe oportunizado prazo para complementar suas razões diante das inovações surgidas Também não vislumbramos qualquer óbice à aceitação dos chamados memoriais aditivos com caráter complementar apresentados pela defesa junto ao tribunal Nesse caso após a apresentação do recurso das razões e das contrarrazões pode a defesa antes do julgamento apresentar memorial para cada desembargador ou ministro integrante da Câmara ou Turma que irá apreciar o recurso Nesse memorial nada impede que sejam complementados ou acrescentados fundamentos jurídicos ou fáticos se for o caso mas com base na prova dos autos Não há violação do contraditório porque também o Ministério Público a ele terá acesso com anterioridade ao julgamento podendo na sua manifestação oral realizada na sessão de julgamento fazer o contraponto que entender necessário e cabível 58 InDisponibilidade dos Recursos Considerando que os recursos são uma continuidade da situação jurídicoprocessual há que se fazer a análise da indisponibilidade dos recursos para o acusador à luz da natureza da ação processual penal Em se tratando de crime de ação processual penal de iniciativa privada regida pela disponibilidade o querelante poderá a qualquer momento desistir do recurso que haja interposto arcando ele com as custas processuais ou renunciar ao que ainda não interpôs Em sendo a ação penal de iniciativa pública a situação é completamente distinta incidindo no caso a regra contida no art 576 do CPP a saber Art 576 O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto O Ministério Público não está obrigado a recorrer da decisão ou sentença mas se o fizer não poderá desistir do recurso pois a ação penal é indisponível como indisponível será o recurso Quanto à renúncia recordando que se renuncia ao que ainda não foi feito desistese do que já foi feito não poderá fazêlo expressamente o Ministério Público mas nada impede a renúncia tácita pelo transcurso in albis do prazo recursal Quanto ao imputado poderá haver a desistência do recurso desde que seja um ato consensual do réu e de seu defensor Havendo a desistência de um deles sem a concordância do outro deve prevalecer a ampla defesa com a manutenção do recurso até porque é vedada a reformatio in pejus Igual tratamento merece a renúncia Assim caso o defensor junte uma petição desistindo do recurso interposto o mais seguro é providenciar a intimação pessoal do réu para que se manifeste no prazo fixado Havendo a concordância expressa temse a desistência do recurso Do contrário deve seguir sua tramitação Para finalizar é importante o disposto na Súmula n 705 do STF a renúncia do réu ao direito de apelação manifestada sem a assistência do defensor não impede o conhecimento da apelação por este interposta E também na Súmula n 708 do STF é nulo o julgamento da apelação se após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor o réu não foi previamente intimado para constituir outro 59 Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos Estabelece o art 580 do CPP Art 580 No caso de concurso de agentes Código Penal art 2534 a decisão do recurso interposto por um dos réus se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal aproveitará aos outros Muitos autores denominam Efeito Extensivo dos Recursos mas na realidade não se trata propriamente de um efeito35 dos recursos senão de uma extensão para outros réus que não recorreram por isso uma extensão subjetiva dos efeitos dos recursos ou seja dos efeitos da decisão proferida no julgamento do recurso BADARÓ36 explica que não se trata de extensão do recurso mas de extensão da decisão proferida no julgamento do recurso Se houvesse extensão do recurso o corréu que não recorreu seria intimado a apresentar razões poderia fazer sustentação oral recorrer da decisão proferida no julgamento do recurso etc Entretanto nada disto ocorre Tratase de uma situação excepcional em que um réu não recorrente pode ser beneficiado pela decisão proferida no recurso interposto pelo corréu desde que não diga respeito a circunstâncias de caráter pessoal Eis aqui mais uma regra que relativiza o tantum devolutum quantum appellatum pois permitese que o tribunal decida em relação a quem sequer recorreu ou seja nada se devolveu em relação àquele réu Tal situação pode suceder por exemplo quando apenas um dos réus recorre da sentença condenatória e o tribunal apreciando esse recurso decide pela atipicidade da conduta por todos praticada Tratase de uma circunstância que não é de caráter pessoal aproveitando a todos os que não recorreram pois um mesmo fato não pode ser como regra atípico para um réu e típico para outro na mesma situação mas que apenas não recorreu Situação diversa é quando o tribunal reconhece por exemplo a atenuante da menoridade relativa do réu apelante negada pela sentença Tratase de circunstância pessoal que não aproveita aos demais corréus exceto se algum deles também for menor e não lhe tiver sido atenuada a pena Como explica MANZINI37 convém prevenir a possibilidade de que em um mesmo processo a sentença adquira a autoridade de coisa julgada em relação a algum dos imputados e seja reformada ou anulada em relação a outros sem que a diversidade de tratamento esteja justificada pela diferença das condições subjetivas desses mesmos imputados Convém destacar ainda que a extensão subjetiva jamais se dá quando o recurso é do acusador ou seja se o Ministério Público recorrer da decisão apenas em relação a um dos corréus o acolhimento desse recurso não alcançará os demais que não foram dele objeto de impugnação Por fim a regra da extensão subjetiva dos efeitos dos recursos também pode ser aplicada nas ações autônomas de impugnação sendo costumeira sua invocação em sede de habeas corpus mandado de segurança e mesmo na revisão criminal Importa é manter a isonomia de tratamento jurídico para réus que estejam na mesma situação jurídicoprocessual evitando decisões conflitantes e tutela injustamente diferenciada 6 Interposição Tempestividade Preparo na Ação Penal de Iniciativa Privada Deserção Na análise específica de cada recurso voltaremos a tratar dos detalhes da interposição e dos prazos recursais cabendo neste momento fazer uma rápida introdução Como regra geral os recursos são interpostos por escrito em petição mas excepcionalmente poderão ser feitos por termo nos autos A regra contida no art 578 O recurso será interposto por petição ou por termo nos autos assinado pelo recorrente ou por seu representante permite que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita termo nos autos E por que a possibilidade de interposição por termo nos autos Para facilitar o acesso das partes ao recurso de apelação e também ao recurso em sentido estrito especialmente da defesa técnica e do próprio réu Imaginese a situação de um réu preso e com defensor dativo É muito importante a permissão legal de que o próprio réu interponha o recurso de apelação contra a sentença que o condenou mas para fazer isso havia que se simplificar o modo de interposição Por isso é acertada a sistemática brasileira em que o réu pode ao ser intimado da sentença condenatória escrever de próprio punho desejo recorrer Basta isso ou qualquer manifestação nesse sentido Inclusive poderá o oficial de justiça questionar se o réu deseja apelar e diante da resposta positiva certificar no mandado Basta isso Temse como interposto o recurso Deverá o juiz intimar o defensor constituído ou dativo para que apresente as razões no prazo legal sob pena de em não o fazendo ser nomeado outro defensor para fazê lo Como regra a interposição por termo nos autos somente é possível nos recursos que possuem dois momentos distintos no seu processamento ou seja um de interposição e outro com as razões São os casos da apelação e do recurso em sentido estrito em que a parte possui o prazo de 5 dias para interposição e outro para apresentação das razões Somente o primeiro momento poderá ser feito por termo nos autos devendo a motivação ser apresentada em petição escrita juntada ao processo Não há assim como se fazer a interposição por termo nos autos de um recurso extraordinário ou especial pois se constituem em uma única peça interposição razões A tempestividade significa que o recurso foi interposto no prazo legal ou seja apresentado a tempo Tratase de um requisito fundamental pois o recurso intempestivo não é sequer conhecido admitido muito menos apreciado Os prazos recursais são fatais e peremptórios sendo sua contagem regida pelo art 798 do CPP Art 798 Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios não se interrompendo por férias domingo ou dia feriado 1º Não se computará no prazo o dia do começo incluindose porém o do vencimento 2º A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão será porém considerado findo o prazo ainda que omitida aquela formalidade se feita a prova do dia em que começou a correr 3º O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerarseá prorrogado até o dia útil imediato 4º Não correrão os prazos se houver impedimento do juiz força maior ou obstáculo judicial oposto pela parte contrária 5º Salvo os casos expressos os prazos correrão a da intimação b da audiência ou sessão em que for proferida a decisão se a ela estiver presente a parte c do dia em que a parte manifestar nos autos ciência inequívoca da sentença ou despacho Em se tratando de sentença a regra é que sejam intimados o réu e seu defensor contandose o prazo da última intimação ou seja da data em que o oficial de justiça assim certificar ter realizado o ato É importante destacar que no processo penal os prazos contamse a partir da realização da intimação e não da juntada aos autos do respectivo mandado como ocorre no processo civil Nessa matéria interessam ainda as Súmulas ns 310 e 710 do STF a saber Súmula n 310 do STF Quando a intimação tiver lugar na sextafeira ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia o prazo judicial terá início na segundafeira imediata salvo se não houver expediente caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir Súmula n 710 do STF No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem Importante esclarecer que nos recursos em que o processamento se dá em dois momentos apelação e recurso em sentido estrito a tempestividade é aferida pelo momento da interposição sendo a apresentação fora do prazo legal das razões uma mera irregularidade Não se pode olvidar que a Lei n 787189 modificando a Lei n 106050 assim dispôs Art 1º O art 5º da Lei n 1060 de 5 de fevereiro de 1950 fica acrescido de um parágrafo numerado como 5º com a seguinte redação Art 5º 5º Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida o Defensor Público ou quem exerça cargo equivalente será intimado pessoalmente de todos os atos do processo em ambas as Instâncias contandoselhes em dobro todos os prazos Com isso os membros da Defensoria Pública dos Estados possuem a importante prerrogativa de serem pessoalmente intimados de todos os atos do processo inclusive no segundo grau concedendolhes em dobro todos os prazos incluindo os recursais Tratase de medida salutar e imprescindível para assegurar a ampla defesa daqueles que além de serem clientes preferenciais do sistema penal seletivo por excelência não possuem condições econômicas para arcar com os custos de um defensor privado Nos recursos de apelação e em sentido estrito em que se concede um prazo para interposição e outro para apresentação das razões a melhor leitura do dispositivo suprarreferido é aquela que concede o dobro do prazo em ambos os atos ou seja 10 dias para interposição e 16 dias para razões no caso da apelação e 10 dias para interposição e 4 dias para apresentação das razões no caso do recurso em sentido estrito Além de tempestivo o recurso nos crimes de ação penal de iniciativa privada deverá ser previamente preparado ou seja deverá o recorrente pagar as custas judiciais previstas para que aquele possa ser julgado sob pena de deserção Nesse tema imprescindível a leitura do art 806 do CPP Art 806 Salvo o caso do art 32 nas ações intentadas mediante queixa nenhum ato ou diligência se realizará sem que seja depositada em cartório a importância das custas 1º Igualmente nenhum ato requerido no interesse da defesa será realizado sem o prévio pagamento das custas salvo se o acusado for pobre 2º A falta do pagamento das custas nos prazos fixados em lei ou marcados pelo juiz importará renúncia à diligência requerida ou deserção do recurso interposto 3º A falta de qualquer prova ou diligência que deixe de realizarse em virtude do não pagamento de custas não implicará a nulidade do processo se a prova de pobreza do acusado só posteriormente foi feita grifo nosso O não pagamento das despesas recursais por parte do recorrente seja querelante ou querelado conduz à deserção do recurso interposto ou seja o recurso não será sequer conhecido Tratase de uma questão impeditiva do julgamento do recurso A deserção em última análise é uma punição processual pelo não pagamento das custas legalmente devidas pelo recorrente O recorrido que irá simplesmente contraarrazoar o recurso interposto pela outra parte não está submetido ao pagamento de qualquer importância Em que momento deverá ser feito o preparo O 2º do art 806 determina que o pagamento das custas deverá ser feito no prazo fixado em lei ou marcado pelo juiz Especificamente no que tange ao preparo dos recursos não há prazo fixado em lei Portanto deverá o juiz recebendo a petição de interposição ou termo nos autos intimar o recorrente para recolher as custas e fixar um prazo razoável para tanto sendo normalmente estabelecido o prazo de 5 dias Ao contrário do que sustenta alguma doutrina com a qual não concordamos não existe lacuna alguma sendo absolutamente inadequada qualquer analogia com o Código de Processo Civil nessa matéria O Código de Processo Penal é claro custas no prazo fixado em lei ou na sua falta no prazo marcado pelo juiz Logo em matéria recursal cabe ao juiz fixar o prazo e determinar a intimação do recorrente para efetuar o recolhimento Não raras vezes os juízes por desconhecimento ou equívoco até porque não existe preparo na ação penal de iniciativa pública o que gera alguma confusão recebem o recurso e determinam o seu processamento Chegando no tribunal ad quem constatase a falta de preparo É caso de deserção Evidente que não Deverá o relator baixar os autos em diligência para que o juízo a quo intime o recorrente para recolher as custas e fixe um prazo razoável Após voltam os autos para continuar o julgamento do recurso Sendo a parte recorrente querelante ou querelado pobre poderá pleitear a dispensa do pagamento das custas processuais art 32 do CPP realizando assim todos os atos processuais e respectivos recursos sem o pagamento de qualquer importância Deve ser lida ainda a Súmula n 187 do STJ Súmula n 187 do STJ É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça quando o recorrente não recolhe na origem a importância das despesas de remessa e retorno dos autos Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas dessa modalidade de ação penal Dessarte a deserção é uma punição processual nas ações penais de iniciativa privada ao recorrente que não pagou as custas processuais e tampouco obteve o benefício da justiça gratuita Destacamos que antigamente havia outro caso de deserção em caso de fuga previsto no art 595 Contudo o art 595 foi revogado Noutra dimensão pensamos que a deserção pelo não pagamento de custas na ação penal de iniciativa privada é de discutível constitucionalidade na medida em que limita o acesso ao duplo grau de jurisdição e quando o recurso é do querelado réu restringese indevidamente o direito de defesa Não conhecer de um recurso defensivo por não pagamento de custas processuais no processo penal é inadmissível Estabelece ainda um paradoxo em relação à ação penal de iniciativa pública em que não há qualquer possibilidade de deserção seja porque o recurso é da acusação MP ou da defesa Logo por que o réu em crime de ação penal de iniciativa pública pode recorrer sem pagar nada e na ação penal de iniciativa privada não O direito de defesa e de acesso à jurisdição é igual Qual o fundamento da deserção 7 Requisitos Objetivos e Subjetivos dos Recursos Crítica à Transposição das Condições da Ação e Pressupostos Processuais Há alguma paz conceitual no sentido de que os recursos não estabelecem uma nova situação jurídica ou relação jurídica para os seguidores de Bülow senão que constituem um desdobramento ou fase do próprio processo já existente Não é e nem poderia ser um novo processo ou um novum iudicium É como vimos uma continuidade do exercício da pretensão acusatória ou da resistência defensiva conforme o caso Diante disso por que fazer a transposição das condições da ação para a fase recursal se não existe uma nova ação Se os recursos não constituem um novo processo e não existe o exercício de uma ação processual penal como falar em condições da ação Da mesma forma que existem medidas cautelares e não um processo cautelar os recursos não constituem um novo processo senão uma fase dentro do processo logo não há que se falar em condições da ação Recordemos que ação é um poder político constitucional de invocação do poder jurisdicional e que uma vez exercido dá lugar à jurisdição e ao processo A ação se esgotou com o seu exercício e admissão Depois disso o que se tem é processo Daí por que não existe trancamento da ação O que se tranca é o processo Então como se falar em transposição das categorias da ação processual penal depois que já se tem até sentença A ação é a mesma que originou o processo no qual os recursos estabelecem apenas uma nova fase Logo as condições da ação podem perfeitamente integrar o mérito recursal que não se confunde com o mérito do processo sendo objeto de discussão na dimensão de preliminares no recurso Isso está correto Mas não existe nova exigência de condições da ação senão que apenas se permite revisar a decisão anterior sobre elas A distinção é evidente Uma coisa é permitir rediscutir a decisão que admitiu a acusação outra completamente diversa é exigir novamente as condições da ação como pressuposto para a admissão do recurso A situação é agravada pela transposição das categorias do processo civil para o processo penal agudizando a crise de conceitos Como explicamos é inadequada a importação das categorias interesse e possibilidade jurídica do pedido para o processo penal na medida em que o interesse sucumbe diante dos fundamentos do princípio da necessidade Contudo na dimensão recursal é correta a discussão em torno do interesse Ou seja como condição da ação o interesse é um conceito inadequado mas como requisito dos recursos perfeitamente aplicável como veremos Já em relação à possibilidade jurídica do pedido não resiste a uma análise superficial pois é evidente a impropriedade como condição da ação e igualmente como requisito dos recursos Sem qualquer pretensão de exaustão vejamos o tratamento desta temática na doutrina estrangeira ARMENTA DEU 38 utiliza a expressão requisitos gerais dos recursos enumerandoos competência funcional do órgão que conhece do recurso legitimidade gravame que a decisão seja recorrível e que o recurso seja tempestivo HINOJOSA SEGOVIA39 fala em pressupostos dos recursos quais sejam decisão recorrível existência de gravame ou prejuízo e inexistência de coisa julgada resolución no sea firme MANZINI40 analisa as condições de tempo modo as renúncias e os efeitos recursais ROXIN41 aborda os pressupostos de admissibilidade dos recursos apenas na dúplice dimensão de legitimidade e gravame Partindo dessas considerações preferimos situar a questão na dimensão de requisitos recursais e não de condições ou pressupostos pois não se trata de novo processo Dessarte os requisitos dos recursos podem ser objetivos ou subjetivos 1 Requisitos objetivos a cabimento e adequação b tempestividade c preparo apenas nos casos em que a ação penal é de iniciativa privada 2 Requisitos subjetivos a legitimidade b existência de um gravame interesse Os requisitos de cabimento e adequação são distintos como se verá mas dada a íntima relação e interação entre eles nada impede que sejam analisados em conjunto como preferimos O requisito objetivo primevo de qualquer recurso é o seu cabimento no sentido de pressupor a inexistência de uma decisão imutável e irrevogável A existência de coisa julgada formal é um fator impeditivo da admissão de um recurso na medida em que constitui o efeito conclusivo do processo ROXIN Portanto um recurso somente é cabível se houver uma decisão recorrível Intimamente relacionada ao cabimento está a adequação no sentido de ser eleito pela parte interessada o meio de impugnação adequado para atacar aquela decisão específica Adequação assim é a compatibilidade entre a decisão proferida e o recurso interposto para impugnála Portanto é manifestamente inadequado o recurso em sentido estrito que pretender impugnar uma sentença penal condenatória por exemplo pois recurso cabível e adequado é a apelação É na dimensão da adequação que incide o Princípio da Fungibilidade Recursal relativizandoa em casos excepcionais conforme já explicado Significa dizer que excepcionalmente pode ser aceito o recurso inadequado como se adequado fosse desde que não exista erro grosseiro e seja respeitada a tempestividade do recurso correto Mas a adequação também abrange a regularidade formal da interposição dos recursos de modo que não basta a correta eleição do recurso deve a parte corretamente interpôlo Há que se observar estritamente a forma e os formalismos exigidos pela Lei para o recurso escolhido sob pena de sequer ser conhecido Assim a faculdade disposta no art 578 do CPP que admite a interposição por petição ou termo nos autos e não sabendo ou não podendo o réu assinar o nome o termo será assinado por alguém a seu rogo na presença de duas testemunhas só é aplicável aos recursos interpostos em primeiro grau Não é correta a interposição de um recurso extraordinário por exemplo por termo nos autos ou ainda neste mesmo recurso de uma mera petição de interposição sem a respectiva fundamentação Não será ainda conhecido o recurso exceto nos casos de apelação e recurso em sentido estrito em que a Lei expressamente prevê que as razões serão apresentadas num segundo momento que não venha acompanhado de toda sua fundamentação Significa dizer que a correta interposição somente se dará se todos os requisitos formais forem observados Em suma a adequação vinculase à eleição pela parte interessada do recurso correto e também à correta interposição para impugnarse a decisão desfavorável Superada essa questão o recurso deve ser tempestivo ou seja interposto no prazo legal Cada recurso tem a sua disciplina em relação à forma de interposição e ao prazo legal concedido para tanto Nos recursos em que a interposição se dá num momento e a apresentação das razões em outro como no caso da apelação e do recurso em sentido estrito a tempestividade do recurso referese ao primeiro momento ou seja o da interposição sendo uma mera irregularidade a apresentação extemporânea das razões Já nos demais recursos em que no mesmo prazo e momento é feita a interposição e são apresentadas as razões não há essa distinção Exemplos são os embargos infringentes recurso extraordinário recurso especial etc Recordemos que os prazos processuais nos termos do art 798 do CPP correm em cartório sendo contínuos e peremptórios não se interrompendo por férias domingos ou feriados Uma vez iniciada sua contagem não serão interrompidos Nesse cômputo não se considera o dia da intimação ou seja exclui se o dia em que se dá a comunicação do ato começando a fluir no dia seguinte se útil Logo se a intimação ocorreu numa sextafeira o prazo começa a correr na segundafeira e não no sábado Da mesma forma quando um prazo terminar no sábado domingo ou feriado será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil art 798 3º do CPP É importante sublinhar que no processo penal os prazos contamse da data da realização da intimação ainda que diverso seja o momento da juntada do respectivo mandado Ou seja o prazo começa a fluir no primeiro dia útil após a efetivação da intimação e não da juntada do mandado aos autos como ocorre no processo civil Nessa linha corretamente dispõe a Súmula n 710 do STF No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou carta precatória ou de ordem Nos casos em que a intimação da decisão é feita na pessoa do réu e também do seu defensor os prazos contamse do último ato ou seja da certificação da última intimação realizada De qualquer forma diante do caráter peremptório dos prazos processuais especialmente em matéria recursal não se devem correr riscos nem abusar da sorte Para o advogado ou promotor diligente todo prazo acaba um dia antes daquele estabelecido pela Lei Ademais remetemos o leitor ao dito anteriormente sobre a tempestividade e a intimação em matéria recursal A esses requisitos objetivos gerais há que se acrescentar o preparo específico para os recursos nos processos instaurados a partir de ação penal de iniciativa privada O pagamento das despesas recursais é um requisito cujo descumprimento conduz à deserção como já explicado Ao lado dos requisitos objetivos acima explicados devese analisar a presença dos requisitos subjetivos a saber legitimação e existência de um gravame A legitimação recursal é um pressuposto do interesse em impugnar leciona ZANOIDE DE MORAES42 pois não se pode conceber um interesse recursal penal que não possua antes uma pessoa que o porte Deve ser vista a partir da situação jurídica instaurada em que se define quem ocupa a parte passiva e ativa No polo passivo do processo penal está o acusado ou seja aquele sob o qual pende a acusação da prática de um fato delitivo Já no polo ativo a situação varia conforme a iniciativa atribuída pela Lei para o exercício da ação processual penal Nos delitos de ação penal de iniciativa pública a legitimidade é do Ministério Público para formular a acusação e também para recorrer Nos delitos de ação penal de iniciativa privada a legitimidade ativa é da vítima ou de seu representante legal estando ela igualmente legitimada para recorrer daquelas decisões que a prejudiquem Portanto os legitimados a recorrer são as partes ativa ou passiva do processo Mas neste tema é importante recordar a figura do assistente da acusação pois ele também tem legitimidade para recorrer Como define o art 268 do CPP poderá intervir como assistente o ofendido ou representante legal ou na falta qualquer das pessoas mencionadas no art 31 quais sejam cônjuge ascendente descendente ou irmão Em que pese já termos explicado isso no início desta obra recordemos que o assistente somente pode recorrer se o Ministério Público não o fizer Ou seja sua atividade recursal é supletiva Quando o Ministério Público recorre o assistente poderá apenas arrazoar junto conforme o tipo de recurso utilizado Também recordemos que em relação ao prazo recursal a regra geral é o assistente habilitado é uma parte ainda que secundária e o prazo recursal será o mesmo do Ministério Público Para tanto há que se recordar que o assistente só recorre se o Ministério Público não o fizer e seu prazo começa a correr após o encerramento do prazo concedido ao MP Mas há que se considerar o seguinte se o assistente é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele se o assistente é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente Completamente diverso é o tratamento concedido ao assistente não habilitado que vem ao processo apenas para recorrer e nos termos do art 598 do CPP possui o prazo de 15 dias para interpor o recurso de apelação ou em sentido estrito Em relação aos demais recursos anteriormente apontados embargos declaratórios recurso especial e extraordinário o assistente não habilitado deverá interpôlos nos seus respectivos prazos legais sem qualquer diferença no tratamento dado às partes O recorrente deve ainda ter interesse ou seja deve existir um gravame gerado pela decisão impugnada Inspirados em GOLDSCHMIDT entendemos que todo recurso supõe como fundamento jurídico a existência de um gravame prejuízo para a parte recorrente isto é uma diferença injustificada na perspectiva de quem recorre é claro desfavorável para ela entre sua pretensão ou resistência no caso do réu e o que foi reconhecido e concedido na sentença impugnada Cabe ao recorrente alegar o prejuízo para que o recurso seja conhecido e deve motiválo de forma legal para que seja fundado Na análise da existência do gravame devese atender à totalidade dos efeitos da decisão impugnada incluindo os acessórios Na doutrina brasileira tradicionalmente a discussão situase no campo do interesse e mais especificamente no binômio adequação e necessidade ou utilidade A adequação como já explicamos é uma categoria autônoma que não se confunde com o interesse ainda que mantenha íntima relação e interação Portanto podese situar o interesse nos dois binômios interessenecessidade e interesseutilidade43 Na primeira dimensão o recurso deve figurar como um meio necessário para se alcançar o resultado esperado ou seja o interesse está na exigência de se lançar mão do recurso para atingir o resultado prático que o recorrente tem em vista44 Quanto ao interesseutilidade para os defensores dessa concepção exige uma ótica antes prospectiva que retrospectiva no sentido de dar ênfase à utilidade concebida como o proveito que a futura decisão seja capaz de propiciar ao recorrente e não apenas na dimensão retrospectiva ou seja no contraste entre a situação da sentença e a expectativa das partes45 Ademais o interesse ad impugnare deve ser visto desde uma dimensão jurídica e não psíquica ou moral por exemplo de modo que o gravame situase na dimensão de prejuízo jurídico e não de um prejuízo de qualquer outra natureza Assim por exemplo a apelação interposta pela defesa em face de uma sentença absolutória pode ser conhecida ou não conforme se demonstre um interesse juridicamente tutelável ou não Se o apelo tem por fundamento a pretensão de modificação da capitulação legal da sentença absolutória para inibir os efeitos de uma ação civil ex delicti estamos diante de um interesse manifesto É o caso de o réu ter sido absolvido com base no art 386 inciso II não haver prova da existência do fato que não impede a ação civil ex delicti quando toda a resistência defesa foi no sentido de sustentar estar provada a inexistência do fato inciso I do art 386 Logo o eventual acolhimento do recurso conduzirá a uma nova decisão que diminui o prejuízo gravame causado pela sentença Noutra dimensão inexiste interesse na apelação de réu absolvido que pretende apenas o reconhecimento de alguma tese jurídica que em nada afeta os efeitos principais ou secundários da sentença Tratarseia de um recurso movido por outros interesses que não aqueles juridicamente tutelados pelo sistema recursal até porque não existe a demonstração de um gravame que possa ser juridicamente eliminado ou reduzido Tratase do pregiudizio che il titolare del potere di impugnare lamenta in concreto in relazione ad uma pronuncia astrattamente impugnabile È il pregiudizio che il soggetto lamenta a far scattare la molla dellinteresse allesercizio in concreto della genérica potestà di impugnazione46 Dessarte o interesse está vinculado ao prejuízo ao gravame que o titular do poder de impugnar íntima correlação com a legitimação sofre no caso concreto É o prejuízo a mola propulsora do interesse ao exercício do direito de recorrer O poder de impugnar não é genérico ou incontrolável senão o reconhecimento de um poder relacionado a um efetivo interesse no controle da decisão judicial 8 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito Em matéria recursal estabelecese um duplo juízo de admissão do recurso a juízo de admissibilidade ou de prelibação em que se analisam os requisitos objetivos e subjetivos dos recursos ou seja o atendimento às exigências legais para que o recurso seja conhecido ou não conhecido significa admitido ou não sem análise neste momento do mérito b juízo de mérito recursal uma vez admitido o recurso logo pressupõe o conhecimento admissão no momento anterior passa o tribunal ad quem para a análise do seu objeto ou seja do mérito do recurso em que poderá dar provimento ou negar provimento ao pedido no recurso Explica ZANOIDE DE MORAES47 que nada mais natural que o julgador ao apreciar o recurso interposto primeiro analise algumas questões prévias e referentes ao procedimento e ao direito de impugnar para somente depois julgar o mérito do recurso Assim um recurso pode ser conhecido ou não conhecido e somente se conhecido provido ou desprovido no todo ou em parte Essa distinção é ainda relevante para definir qual decisão irá valer a partir desse momento a do juízo a quo ou o acórdão do tribunal ad quem Quando o recurso não é conhecido a decisão impugnada proferida pelo juízo a quo segue com plena eficácia já quando o recurso é conhecido essa nova decisão irá substituir a anterior Ainda que desprovido o recurso é a nova decisão proferida pelo juízo ad quem que passa a ter eficácia definindo se como marco para as próximas impugnações Inclusive em sede de posterior habeas corpus a decisão proferida pelo juízo ad quem que conheceu e proveu ou não o recurso pautará a questão da competência Nenhuma dúvida existe de que o juízo de mérito é feito pelo tribunal ad quem mas e o juízo de admissibilidade onde é feito Inicialmente no juízo a quo onde é interposto o recurso Mas esse é um juízo de admissibilidade extremamente superficial e que não vincula o tribunal ad quem ou seja mesmo que o juízo a quo não conheça do recurso poderá o tribunal conhecer e prover Em sentido inverso a admissão pelo juízo a quo não assegura que o recurso será conhecido pelo tribunal ad quem Como regra deverá o juízo a quo especialmente quando de primeiro grau admitir e determinar a subida do recurso interposto Excepcionalmente quando o recurso for manifestamente a incabível ou inadequado como por exemplo o recurso que impugne um despacho de mero expediente ou uma decisão interlocutória simples irrecorrível b ou intempestivo como a apelação interposta no 6º dia após a última intimação c ou for caso de deserção pois devidamente intimado o recorrente não recolheu as custas necessárias preparo na ação penal de iniciativa privada d ou interposto por parte ilegítima como um terceiro que pretenda ingressar como assistente da acusação sem demonstrar o vínculo exigido pelo art 268 do CPP e ou for manifesta a falta de interesse recursal pela ausência de gravame Tratase de um juízo superficial em torno dos requisitos objetivos cabimento adequação tempestividade e preparo e subjetivos legitimidade e gravame Havendo dúvida sobre essas situações deverá o juiz determinar a subida do recurso cabendo ao tribunal ad quem reexaminálas para conhecer ou não do recurso Em nenhum caso poderá o juízo a quo fazer a análise e valoração do mérito do recurso O juízo de mérito é exclusivo do tribunal ad quem Situação completamente diversa na qual o juízo de admissibilidade feito no tribunal a quo é extremamente rígido encontramos nos recursos especial e extraordinário em que como regra os Tribunais de Justiça dos estados e os Tribunais Regionais federais fazem uma poderosa filtragem dificultando ao máximo a subida dos recursos Tratase para além das questões teóricas de uma medida de política judiciária em que em matéria penal a regra é dificultar ao máximo o prosseguimento desses recursos um verdadeiro filtro diante da sobrecarga dos tribunais superiores Mais interessante ainda é que muitas vezes existe uma clara preocupação em decidir sem prequestionar a matéria para evitarse o acesso aos Tribunais Superiores e o mesmo tribunal que decide com essa preocupação é o que a seguir irá novamente colocar empecilho ao prosseguimento do recurso especialextraordinário quando do juízo de inadmissibilidade Infelizmente ao invés de aumentarse a capacidade desses tribunais para dar conta da demanda limitase o acesso a eles Daí por que atualmente especialmente no que tange aos recursos da defesa o tratamento é completamente diverso em se tratando de recurso do Ministério Público basta pesquisar para constatar a regra é o não prosseguimento sendo o recurso de agravo de instrumento art 28 da Lei n 803890 a via de ataque à decisão que não admite o recurso especial ou extraordinário como se verá em tópico específico 9 Para Refletir O DesCabimento da Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau Nos últimos anos tem tomado força com razão a discussão em torno da ilegitimidade da intervenção do Ministério Público em segundo grau quando do julgamento dos recursos interpostos pela defesa ou pelo próprio Ministério Público de primeiro grau com críticas partindo inclusive de ilustres membros do parquet a exemplo de Paulo QUEIROZ Elmir DUCLERC Rogério SCHIETTI e outros E razão lhes assiste Como explicaremos na continuação todos os recursos interpostos devem ser fundamentados e assegurado o contraditório com a parte recorrida apresentando suas contrarrazões Nisto se estabelece a necessária dialética exigida pelo processo penal Uma vez que o recurso seja admitido pelo juiz a quo e remetido para o respectivo tribunal dáse uma peculiar intervenção do Ministério Público que na híbrida e malformada posição de parecerista manifestase acompanhando ou não o colega de primeiro grau Ou seja há uma dupla manifestação do Ministério Público sendo a última delas sustentada ainda oralmente em sessão E o mais incrível não raras vezes temse em sessão uma manifestação oral distinta das duas anteriores Não menos curioso é assistir a um procurador em sessão ler o parecer da lavra de outro procurador e após oralmente divergir Para quem assiste desde fora desse cenário é inevitável que não se questione tal esquizofrenia do ritual O ponto de partida desse confusionismo é a equivocada construção de parte imparcial do Ministério Público no processo penal Se lá no processo civil tal concepção é compatível com a fenomenologia do processo aqui no processo penal não o é São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI48 que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem CARNELUTTI49 explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inutil y hasta molesta duplicidad Para GOLDSCHMIDT50 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar julgar e defender Parte imparcial é um monstro de duas cabeças No processo penal o MP não é e nunca foi uma parte imparcial até porque se é parte jamais seria imparcial A imparcialidade é atributo do juiz pois ele não é parte Além de ser um erro histórico daqueles que não compreenderam ainda que o Ministério Público nasce por exigência do sistema acusatório para ser um contraditor natural do sujeito passivo é também uma violência semântica de um par que pretende ser ímpar ao mesmo tempo Logo seria o mesmo que tentar reduzir a quadratura ao círculo na célebre crítica de CARNELUTTI Ademais tal construção desconsidera ou desconhece que o Ministério Público é uma parte artificialmente construída para ser o contraditor natural do sujeito passivo e que nasce na superação do sistema inquisitório como uma forma de retirar poderes do juiz instrutorinquisidor Portanto construído para ser parte e assegurar a imparcialidade do juiz o único verdadeiramente concebido para ser imparcial A estrutura acusatória necessita de uma parte para que o juiz não o seja ou ainda quanto maior for a parcialidade das partes mais garantida está a imparcialidade do juiz o único que verdadeiramente deve ser imparcial É a construção do Ministério Público como parte imprescindível para que se tenha um processo penal acusatório e um juiz imparcial e por consequência não há nenhum desprestígio em assumirse a parcialidade da parte acusadora Quando o Ministério Público postula ou opina pela absolvição não o faz por imparcialidade e tampouco por dispor da ação penal ou do recurso senão que como agente público está obrigado à estrita observância dos princípios da objetividade impessoalidade e principalmente legalidade Logo é absolutamente ilegal acusar sem que estejam presentes as condições da ação especialmente o fumus commissi delicti Com isso evidenciase a equivocada premissa da qual partem aqueles que sustentam a imparcialidade do Ministério Público de segundo grau para dar pareceres nos recursos Noutra dimensão a intervenção do Ministério Público em segundo grau também estaria justificada através da absurda dicotomia entre autor e fiscal da lei em que o procurador que atua no tribunal além de ter o superatributo de ser imparcial que faltaria ao colega de primeiro grau estaria desempenhando outra função Nesse ponto é importante trazer à discussão a análise certeira de QUEIROZ51 quando afirma que a distinção entre autor e fiscal da lei apesar de tradicional e recorrente é infundada porque pressupõe dualidade onde existe ou deve existir unidade Com efeito por ser instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado CF art 127 sua missão constitucional em todos os processos em que intervém é sempre a mesma independentemente de quem a represente Promotor Procurador etc e da entidade ou grau de jurisdição juízo tribunal conselhos etc em que atue Além disso por ser a instituição unaindivisível não parece razoável que possa se fazer representar autonomamente por mais de um membro num só e mesmo processo não raro para repisar os mesmos argumentos Aliás exatamente por isso ninguém propõe que na primeira instância ou nas ações penais originárias atuem dois PromotoresProcuradores um como autor da ação penal outro como fiscal da lei E ainda prossegue com acerto QUEIROZ52 Quando em juízo ser fiscal da lei e ser parte significam uma só e mesma coisa o Ministério Público quando é fiscal da lei é parte quando é parte é fiscal da lei ou seja fiscal da Constituição Por tudo isso é que parece insustentável a intervenção do Ministério Público em segundo grau nas ações penais apenas como custos legis posição inclusive que não raro ofende o contraditório e a amplitude da defesa No futuro a atuação do MP como parecerista deve ser abolida se é que de fato foi recepcionada pela Constituição Portanto além de constituir um grave erro que parte da equivocada construção de parte imparcial no processo penal a intervenção do Ministério Público em segundo grau constitui ainda um perigoso desequilíbrio na situação processual recursal violando a garantia constitucional do contraditório No processo penal a intervenção do Ministério Público em segundo grau é completamente descabida e deve ser repensada 1 ZANOIDE DE MORAES Mauricio Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2000 p 26 2 HINOJOSA SEGOVIA Rafael et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de estudios Ramón Areces 1996 p 598 3 POZZEBON Fabrício Dreyer de Avila A Ampliação da Visibilidade nos Julgamentos Criminais In Criminologia e Sistemas Jurídicos Penais Contemporâneos 2 ed Porto Alegre EDIPUCRS 2011 v 2 p 232 a 247 4 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 527 5 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 t III p 4 6 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Bosch 1950 t IV p 102 7 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Barcelona Labor 1936 p 398399 8 DALIA Andrea Antonio e FERRAIOLI Marzia Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 661 9 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v V p 4 10 Em sentido diverso GUASP e ARAGONESES ALONSO Derecho Procesal Civil Madrid Civitas 1998 t II p 551557 sustentam que os recursos instauram um novo processo ou seja que a impugnação processual é autônoma e se converte em um verdadeiro processo Para os autores mediante a impugnação processual o processo principal não é simplesmente continuado senão que desaparece para deixar em seu lugar outro processo distinto ainda que ligado ao anterior A impugnação do processo não é uma continuação do processo principal por outros meios posto que o processo de impugnação tem caráter autônomo é um processo independente com seu regime jurídico peculiar isto é com seus requisitos procedimento e efeitos distintos das correspondentes categorias do processo a que se referem Ainda que autônomo um verdadeiro processo especial guarda conexão com o principal Em outra passagem ao tratar da apelação os autores afirmam quanto à natureza jurídica que la apelación se afirma como verdadero recurso y en consecuencia como un proceso autónomo e independiente no parte del proceso principal en que se produce la resolución recurrida La doctrina dominante ve no obstante en el recurso de apelación una continuación del litigio primitivo y trata de diferenciar en este sentido la apelación como recurso de las llamadas acciones impugnativas autónomas que rompen la unidad procesal Mas esta configuración de los recursos como ingredientes del proceso principal de cuyos resutados se recurre no puede ser admitida dada la diferencia de régimen jurídico entre unos y otros procesos y especialmente dada la distinción de objeto que existe entre el proceso primitivo y el proceso de impugnación en el que la pretensión no es la inicial sino la subseguinte que reclama la eliminación y sustitución de la resolución impugnada E prosseguem explicando que se pode conceber a apelação e demais recursos não como uma repetição do processo anterior senão como uma revisión del mismo isto é como uma depuração de seus resultados por métodos autônomos que levam portanto não a um novo juízo senão a uma revisio prioris instantiae Para esta concepção na apelação não se reiteram os trâmites do processo principal senão que se seguem outros distintos que têm por objeto comprovar a exatitude ou inexatitude dos resultados obtidos no processo originário Isto repercute apontam ARAGONESES ALONSO e GUASP no regime jurídico da apelação visto que para essa concepção revisora a referência aos trâmites do processo primitivo não é uma pauta obrigatória e somente se tem em vista o resultado que se trata precisamente de revisar Por isso em matéria de instrução e ordenação processual não há aqui uma identificação senão diferenciação do processo recorrido e do recurso Mas essa é uma posição isolada e com a qual não concordamos 11 Para esclarecer aqueles que iniciam o estudo de Direito Processual Penal chamase de órgão ou juiz a quo para referir aquele que proferiu a decisão e tribunal ad quem para o órgão jurisdicional superior a quem compete o julgamento do recurso 12 No mesmo sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 23 13 O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969 através do Decreto n 678 de 6 de novembro de 1992 14 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 497 15 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 529 16 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal p 289 17 Conforme ARMENTA DEU op cit p 290 18 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 528 19 Cf GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal 5 ed São Paulo RT 2008 p 31 e ss 20 Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 34 21 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit t V p 11 22 Nesse sentido vai o bemlançado voto da lavra do Des NEREU GIACOMOLLI REABILITAÇÃO RECURSO DE OFÍCIO ARTIGO 746 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 1 Com o advento da Constituição Federal de 1988 a qual atribuiu o exercício da ação penal pública ao Ministério Público não mais subsiste o denominado recurso de ofício Preservase o princípio acusatório na medida em que o recurso inserese dentro do desdobramento do exercício da ação ou da afirmação de pretensão Não nasce um novo processo é uma nova fase processual NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO Recurso de Ofício 70009438805 Rel Des Nereu José Giacomolli 7ª Câmara Criminal TJRS 09112004 Ainda também não conhecendo do recurso de ofício REABILITAÇÃO RECURSO EX OFFICIO A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 129 inc I que a iniciativa da ação penal é privativa do Ministério Público restando revogado o art 746 do Código de Processo Penal que determinava que o juiz prolator da sentença que concedeu reabilitação criminal recorresse ex officio da decisão Recurso não conhecido Recurso de Ofício 70018818914 Rel Des Genacéia da Silva Alberton 5ª Câmara Criminal TJRS 11042007 23 RESP ABSOLVIÇÃO INIMPUTABILIDADE REEXAME NECESSÁRIO ACÓRDÃO QUE NÃO CONHECE DO RECURSO DE OFÍCIO PROCEDIMENTO QUE NÃO FOI REVOGADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988 O denominado recurso de ofício previsto no art 574 do Código de Processo Penal por ser mero procedimento para conferir o efeito da coisa julgada e não recurso propriamente dito não restou revogado pela nova ordem constitucional que confere ao ministério público a titularidade exclusiva da ação penal pública Recurso provido para cassar o acórdão recorrido e determinar o julgamento do mérito do recurso encaminhado ex officio REsp 767535PA Rel Min Maria Thereza de Assis Moura 6ª Turma julgado em 11122009 DJe 1º022010 24 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE sustentam que dentro da matéria impugnada são plenos os poderes instrutórios do tribunal ainda que os códigos somente se refiram a eles para certos recursos ex art 616 CPP Salientese que nada disso importará em supressão do primeiro grau de jurisdição uma vez que o juiz a quo decidiu a causa com base no material instrutório que entendeu suficiente Recursos no Processo Penal cit p 53 25 Sobre o tema entre outros é imprescindível a leitura de ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4 ed São Paulo Malheiros 2005 26 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos cit p 78 27 No mesmo sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 40 explicam que é exatamente neste caso em que a parte interpõe o recurso impróprio dentro de seu prazo cabível mas fora do previsto para a interposição do recurso cabível que a regra da fungibilidade deveria ser aplicada E continuam afirmando que entendemos que para a subsistência do princípio em sua inteireza deveria haver aproveitamento do recurso impróprio mesmo quando interposto fora do prazo do cabível como hoje se entende para o processo civil Mas o art 579 CPP que ainda exclui o princípio na hipótese de máfé impõe a manutenção de critérios antigos parece então poderse concluir que se houver realmente incerteza quanto ao recurso adequado seja pelo próprio sistema seja por controvérsias doutrinárias ou jurisprudenciais o recurso impróprio pode ser aproveitado mesmo se interposto fora do prazo do cabível Mas se essa dúvida não existir a interposição de um recurso por outro dentro do prazo maior será claro indício de máfé 28 BADARÓ Gustavo Henrique Ivahy O Agravo Cabível contra Decisão Denegatória de Recurso Especial e Extraordinário em uma Recente Decisão do STF e os Limites da Fungibilidade Recursal Boletim do IBCCrim n 230 janeiro2012 p 2 29 Importante destacar que o dispositivo não faz alusão ao art 384 pois está vedada a mutatio libelli em segundo grau na medida em que implicaria supressão de um grau de jurisdição além da violação do contraditório e da ampla defesa 30 AÇÃO PENAL Homicídio doloso Tribunal do Júri Três julgamentos da mesma causa Reconhecimento da legítima defesa com excesso no segundo julgamento Condenação do réu à pena de 6 seis anos de reclusão em regime semiaberto Interposição de recurso exclusivo da defesa Provimento para cassar a decisão anterior Condenação do réu por homicídio qualificado à pena de 12 doze anos de reclusão em regime integralmente fechado no terceiro julgamento Aplicação de pena mais grave Inadmissibilidade Reformatio in pejus indireta Caracterização Reconhecimento de outros fatos ou circunstâncias não ventilados no julgamento anterior Irrelevância Violação consequente do justo processo da lei due process of law nas cláusulas do contraditório e da ampla defesa Proibição compatível com a regra constitucional da soberania relativa dos veredictos HC concedido para restabelecer a pena menor Ofensa ao art 5º incs LIV LV e LVII da CF Inteligência dos arts 617 e 626 do CPP Anulados o julgamento pelo tribunal do júri e a correspondente sentença condenatória transitada em julgado para a acusação não pode o acusado na renovação do julgamento vir a ser condenado a pena maior do que a imposta na sentença anulada ainda que com base em circunstância não ventilada no julgamento anterior 31 HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER 1 CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA SEGUNDO JULGAMENTO ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE HOMICÍDIO RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO DECISÃO DOS JURADOS CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS 2 TERCEIRO JULGAMENTO CONDENAÇÃO PELOS DOIS TIPOS PENAIS RECURSO DA DEFESA VEDAÇÃO LEGAL A UM SEGUNDO RECURSO PELO MESMO FUNDAMENTO 3 CONDENAÇÃO FINAL SUPERIOR À IMPOSTA NO PRIMEIRO JULGAMENTO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA 4 ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA 1 Se o recurso interposto pela defesa apresenta a mesma alegação do que foi interposto pela acusação já julgado e provido pelo Tribunal estadual de que a sentença condenatória foi contrária à prova dos autos o último encontra óbice no art 593 3º do Código de Processo Penal que veda a interposição de uma segunda apelação por igual motivo Precedentes 3 Havendo um primeiro julgamento com recurso exclusivo da defesa e um terceiro com recurso exclusivo da acusação e o Tribunal do Júri em decisão soberana condenar a paciente exatamente pelos mesmos tipos penais o quantum da reprimenda deve respeitar os limites impostos na primeira condenação da qual somente a defesa recorreu sob pena de configurar reformatio in pejus indireta 4 Ordem parcialmente concedida STJ Rel Min Marco Aurélio Bellizze 5ª Turma julgado em 27032012 E ainda HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO CONDENAÇÃO NO JÚRI POPULAR APELAÇÃO REDUÇÃO DA REPRIMENDA NOVO JULGAMENTO IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO CORPORAL SUPERIOR IMPOSSIBILIDADE PRINCÍPIO QUE VEDA A REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA 1 Os princípios da plenitude de defesa e da soberania dos veredictos devem ser compatibilizados de modo que em segundo julgamento os jurados tenham liberdade de decidir a causa conforme suas convicções sem que isso venha a agravar a situação do acusado quando apenas este recorra 2 Nesse contexto ao proceder à dosimetria da pena o Magistrado fica impedido de aplicar sanção superior ao primeiro julgamento se o segundo foi provocado exclusivamente pela defesa 3 No caso em decorrência de protesto por novo júri recurso à época existente o Juiz presidente aplicou pena superior àquela alcançada no primeiro julgamento o que contraria o princípio que veda a reformatio in pejus indireta 4 Ordem concedida com o intuito de determinar ao Juízo das execuções que proceda a novo cálculo de pena considerando a sanção de 33 trinta e três anos 7 sete meses e 6 seis dias de reclusão a ser cumprida inicialmente no regime fechado HC 205616SP Rel Min Og Fernandes 6ª Turma julgado em 12062012 DJe 27062012 32 RABELO Galvão O Princípio da Ne Reformatio in Pejus Indireta nas Decisões do Tribunal do Júri Boletim do IBCCrim n 203 outubro de 2009 p 1618 33 Idem ibidem p 17 34 A referência diz respeito ao dispositivo original do Código Penal de 1940 tendo sido alterado com a reforma de 1984 mas mantida a redação no Código de Processo Penal Assim o dispositivo aludido é o atual art 29 do Código Penal 35 Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 57 36 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 207 37 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit t V p 12 38 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 279 39 HINOJOSA SEGOVIA Rafael et al Derecho Procesal Penal cit p 597 40 MANZINI Vicenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit v V p 40 e ss 41 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Buenos Aires Del Puerto 2000 p 447448 42 ZANOIDE DE MORAES Mauricio Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit p 400 43 Esses conceitos de interesseadequação interesseutilidade e interessenecessidade foram objeto de percuciente análise e crítica por parte de ZANOIDE DE MORAES Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit que sem dúvida extrapolam os limites do presente trabalho Constrói o autor um adequado conceito de interesse recursal penal no Capítulo III de sua obra que sem dúvida exige uma reflexão detida e para onde remetemos o leitor que queira ou necessite aprofundar o estudo nesta temática 44 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 81 45 Idem ibidem p 83 46 DALIA Andrea Antonio e FERRAIOLI Marzia Manuale di Diritto Processuale Penale cit p 668 47 ZANOIDE DE MORAES Maurício Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit p 47 48 Poner en su Puesto al Ministerio Publico In Cuestiones sobre el Proceso Penal Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 211 e ss 49 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v 2 p 99 50 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 51 QUEIROZ Paulo Crítica da Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau Originais gentilmente cedidos pelo autor Também está disponível no site wwwpauloqueiroznet 52 QUEIROZ Paulo Crítica da Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau Originais gentilmente cedidos pelo autor Também está disponível no site wwwpauloqueiroznet Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 CONCEITO DE RECURSO meio processual através do qual a parte que sofreu um gravame postula a modificação no todo ou em parte ou a anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado no mesmo processo em que ela foi proferida 2 NATUREZA JURÍDICA o recurso é uma continuidade do processo um retomar o curso o desdobramento da pretensão acusatória ou da resistência defesa na mesma situação jurídica originária É um desdobramento do processo existente e não um novo processo 3 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA o princípio do duplo grau assegura o direito de que o prejudicado pela decisão possa submetêla à análise de outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior Não foi expressamente consagrado pela Constituição mas está no art 82 h da CADH que segundo o STF tem status supralegal ou seja acima das leis ordinárias mas abaixo da CF Quando existe prerrogativa de função há severas restrições a essa garantia Contudo predomina o entendimento de que a Constituição pode restringir a garantia do duplo grau de jurisdição e assim o faz quando fixa os casos de julgamento originário pelos tribunais 4 CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS existem diferentes formas e categorias para classificar os recursos sendo as principais recursos ordinários ou extraordinários conforme permitam a discussão das questões de fato e direito ou apenas de direito recursos totais ou parciais conforme a extensão da matéria impugnada recursos de fundamentação livre ou vinculada atendendo a existência ou não de restrição legal da fundamentação do recurso recursos horizontais ou verticais segundo eles sejam julgados pelo mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão ou por órgão superior recursos voluntários ou obrigatórios conforme dependam de manifestação da parte interessada ou exijam um reexame obrigatório essa modalidade é criticável 5 EFEITOS devolutivo regressivo reiterativo ou misto e suspensivo Efeito devolutivo atendendo ao tantum devolutum quantum appellatum diz respeito ao quanto se devolve da matéria total ou parcial e a quem será devolvido o conhecimento regressivo mesmo órgão reiterativo tribunal ad quem misto regressivo no primeiro momento e reiterativo depois Efeito suspensivo determina a possibilidade ou impossibilidade de a decisão surtir todos os seus efeitos antes do trânsito em julgado O recurso da sentença absolutória nunca terá efeito suspensivo Já em relação à sentença condenatória diz respeito ao direito de recorrer ou não em liberdade estando a discussão fundida com as regras da prisão cautelar especialmente a necessidade ou não da prisão preventiva Diz respeito à eficácia ou ineficácia da presunção constitucional de inocência 6 REGRAS DO SISTEMA RECURSAL Fungibilidade art 579 possibilidade de um recurso errado ser conhecido no lugar de outro correto Substitutividade de um recurso por outro Não será admitida a fungibilidade quando houver máfé erro grosseiro Outra exigência que o recurso errado seja interposto dentro do prazo do correto essa exigência é criticável Unirrecorribilidade art 593 4º ou seja que a apelação absorve a matéria do recurso em sentido estrito Como regra diante de uma decisão somente caberá a interposição de um recurso de cada vez Exceção recurso especial e recurso extraordinário em que será simultânea Motivação assim como as decisões os recursos têm de ser motivados fundamentados Proibição da Reformatio in Pejus e a permissão da Reformatio in Mellius art 617 e Súmula n 160 do STF Está vedada a reforma para pior ou seja diante de exclusivo recurso da defesa não pode o tribunal piorar a situação jurídica do imputado Por outro lado sempre será permitida a reforma da decisão para melhorar a situação jurídica do réu inclusive quando ele não recorre Problemática é a situação da reformatio in pejus indireta nos julgamentos pelo Tribunal do Júri em que diante de um recurso exclusivo da defesa e a submissão a novo julgamento o resultado não pode ser pior do que o do primeiro júri independentemente de ter havido o reconhecimento de qualificadora antes afastada Tantum devolutum quantum appellatum tanto se devolve quanto se apela É uma limitação imposta pelo efeito devolutivo Mas diante da autorização da reformatio in mellius esse princípio acaba sendo uma limitação recursal ao acusador Irrecorribilidade dos despachos e das decisões interlocutórias simples tais decisões não geram gravame e não contemplam recurso Exceção embargos declaratórios que sempre têm cabimento diante de uma decisão qualquer que seja ou despacho omissa ambígua contraditória ou obscura Complementaridade Recursal havendo modificação superveniente na fundamentação da decisão pode haver a complementação das razões recursais Tampouco existe óbice aos memoriais aditivos apresentados nos tribunais para complementação da fundamentação jurídica ou mesmo fática desde que a prova já esteja nos autos InDisponibilidade dos Recursos na ação penal pública o MP não está obrigado a recorrer mas uma vez interposto o recurso não pode dele desistir art 576 Na ação penal de iniciativa privada o querelante poderá desistir a qualquer momento pois disponível Quanto ao recurso da defesa recomendase que a desistência ou renúncia seja firmada pelo réu e seu defensor Súmulas ns 705 e 708 do STF Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos art 580 Significa a possibilidade de extensão dos efeitos da decisão favorável proferida no julgamento do recurso aos demais réus que não recorreram mas em situação jurídica idêntica desde que não se baseie em motivos de caráter pessoal vg menoridade etc 7 INTERPOSIÇÃO TEMPESTIVIDADE PREPARO DESERÇÃO Interposição pode ser por escrito em petição ou quando a lei admite apelação e RSE por termo nos autos Tempestividade art 798 Prazos fatais e peremptórios Contagem da data da intimação e não da juntada Súmulas ns 310 e 710 do STF Prazo em dobro para defensoria pública Preparo é o pagamento das custas recursais somente exigível nas ações penais de iniciativa privada sob pena de deserção art 806 Súmula n 187 do STJ Não existe mais deserção por fuga do réu que apelou 8 REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS 1 Requisitos objetivos a cabimento decisão recorrível e inexistência de preclusão e adequação compatibilidade do recurso usado com a decisão atacada b tempestividade c preparo apenas na ação penal privada 2 Requisitos subjetivos a legitimidade acusador réu e assistente da acusação b existência de gravameinteresse recursal Capítulo XXI DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL ESPÉCIES 1 Do Recurso em Sentido Estrito O recurso em sentido estrito está destinado a impugnar determinadas decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo penal sendo uma figura desconhecida no direito comparado especialmente no que tange à peculiar designação Inclusive se aprovado o Projeto de Lei n 42062001 o recurso em sentido estrito será substituído pela figura do agravo que poderá ser retido ou de instrumento Tratase de uma forma de impugnação cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei podendo ser ordinário ou extraordinário conforme a fundamentação legal apontada Explicamos no caso da decisão de pronúncia o recurso em sentido estrito permite ampla discussão sobre toda a prova produzida principalmente quando o pretendido é a impronúncia ou mesmo a absolvição sumária Nesse caso pode ser classificado como um recurso ordinário Diversa é a situação do recurso em sentido estrito interposto com base no art 581 II decisão que reconhece a incompetência do juízo Nesse caso estamos diante de um recurso extraordinário discute se apenas a questão de direito de fundamentação vinculada discutese apenas a incompetência do juízo e horizontal no primeiro momento subindo para o respectivo tribunal em caso de manutenção da decisão vertical 11 Requisitos Objetivos e Subjetivos do Recurso em Sentido Estrito Buscando sistematizar a abordagem dos recursos em espécie iniciemos pelo estudo dos requisitos recursais objetivos e subjetivos conforme categorias definidas no Capítulo anterior 111 Requisitos Objetivos Cabimento Adequação Tempestividade e Preparo 1111 Cabimento e Adequação Iniciando a análise dos requisitos objetivos recordemos que o cabimento é a exigência de que inexista uma decisão imutável e irrevogável ou seja não se tenha operado a coisa julgada formal Uma decisão é recorrível porque não preclusa estando intimamente relacionada com a adequação na medida em que além de cabível deve o recurso ser adequado Quanto à adequação vista como a compatibilidade entre a decisão proferida e a impugnação eleita pela parte o recurso em sentido estrito somente pode ser interposto nos casos taxativamente previstos no art 581 do CPP ou excepcionalmente em leis especiais Na sistemática do CPP o recurso em sentido estrito está limitado à impugnação das decisões previstas no art 581 não se admitindo em outros casos até porque a apelação do art 593 II é residual ao prever que caberá apelação das decisões definitivas ou com força de definitivas proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior ou seja nos casos em que não couber recurso em sentido estrito Vejamos agora os casos em que o recurso em sentido estrito é o meio adequado para a impugnação comentandoos brevemente sem prejuízo da previsão contida em leis especiais Art 581 Caberá recurso no sentido estrito da decisão despacho ou sentença COMENTÁRIO O recurso em sentido estrito é por excelência um meio de impugnação das decisões interlocutórias ou seja das decisões cabendo excepcionalmente em relação às sentenças como a que concede ou denega o habeas corpus Contudo é absolutamente inadequada a expressão despacho contida no caput do art 581 na medida em que os despachos são irrecorríveis I que não receber a denúncia ou a queixa COMENTÁRIO A decisão que recebe a denúncia ou queixa é como regra irrecorrível mas cabe habeas corpus como se verá mas diferente é a situação da decisão que não receber a denúncia ou queixa Melhor teria andado o legislador se tivesse estabelecido a seguinte redação para esse inciso que rejeitar a denúncia ou queixa O fato de o inciso utilizar a expressão não receber alimentou por décadas uma profunda discussão em torno da distinção entre as decisões de rejeição e não recebimento Atualmente com a reforma processual de 2008 desapareceu essa polêmica pois a nova redação do art 395 do CPP abrange os anteriores casos de rejeição e não recebimento sob uma mesma disciplina rejeição liminar Assim caberá recurso em sentido estrito da decisão que rejeitar a denúncia ou queixa nos termos do art 395 do CPP ou seja quando a denúncia ou queixa I for manifestamente inepta II faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou III faltar justa causa para o exercício da ação penal Todos esses casos já foram explicados anteriormente Também é recorrível em sentido estrito a decisão que rejeitar o aditamento próprio real ou pessoal feito no curso do processo na medida em que equivale a uma nova acusação apenas feita no mesmo processo em virtude de conexão ou continência que impõe o julgamento simultâneo No que diz respeito ao aditamento impróprio em que não se acrescenta fato novo ou sujeito apenas se corrige alguma falha da denúncia retificando dados relativos ao fato não vemos possibilidade de recurso em sentido estrito na medida em que a rejeição a essa correção não possui a mesma carga decisória daquela que rejeita a acusação Ou seja a rejeição do aditamento será recorrível quando for similar a rejeição à denúncia e para isso o aditamento deve ser próprio incluindo fatos novos ou novos réus ao processo Ademais a rejeição à mera correção de dados fáticos irrelevantes da denúncia não gera o necessário gravame para justificar o recurso II que concluir pela incompetência do juízo COMENTÁRIO A decisão que concluir pela incompetência do juízo proferida pelo próprio juiz exceto nos autos da exceção de incompetência ou mesmo a qualquer momento do procedimento pelo juiz de ofício ou a requerimento de qualquer das partes será recorrível em sentido estrito vejase o disposto nos arts 108 e 109 do CPP Contudo quando a decisão for proferida nos autos da exceção de incompetência o fundamento legal do recurso em sentido estrito é o próximo inciso III e não o presente Aqui a incompetência é reconhecida pelo juiz nos autos do processo com ou sem invocação das partes mas sem que exista um incidente específico No fundo eventual equívoco em torno dos incisos II e III é absolutamente irrelevante pois o recurso é o mesmo Também adequado o recurso em sentido estrito fundado nesse inciso para impugnar a decisão de desclassificação própria proferida na primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri pelo juiz presidente Tratase de uma decisão que indiretamente conclui pela incompetência do júri subtraindo a matéria do seu julgamento Cabível assim o recurso em sentido estrito III que julgar procedentes as exceções salvo a de suspeição COMENTÁRIO As exceções estão previstas no art 95 e ss do CPP litispendência coisa julgada e ilegitimidade de parte e já foram por nós comentadas mas cumpre esclarecer que será admissível o recurso em sentido estrito para impugnar a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que acolher uma das exceções opostas exceto como expressamente prevê o inciso a de suspeição que será irrecorrível Não se trata por óbvio da decisão proferida por tribunal que conhecendo da exceção acolhea O recurso em sentido estrito somente tem cabimento quando utilizado para impugnar decisões de primeiro grau IV que pronunciar o réu COMENTÁRIO Até a reforma de 2008 o recurso em sentido estrito era utilizado para impugnar as decisões de pronúncia impronúncia e absolvição sumária Após o advento da Lei n 116892008 caberá recurso em sentido estrito apenas da decisão de pronúncia proferida nos termos do art 413 do CPP isto é quando o juiz admite a acusação porque convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria encaminhando o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri A pronúncia é uma decisão interlocutória mista não terminativa que encerra a primeira fase do rito do Tribunal do Júri Já a decisão de impronúncia art 414 do CPP é terminativa encerrando o processo sem julgamento de mérito e impugnável pela via da apelação art 593 II do CPP A absolvição sumária art 415 do CPP deixou com a reforma de 2008 de ser impugnável pelo recurso em sentido estrito estando revogado o inciso VI do art 581 que a previa no rol de casos em que poderia ser utilizado esse recurso E andou bem o legislador pois a absolvição sumária é uma verdadeira sentença com análise de mérito e que inadequadamente estava sendo tratada como interlocutória mista Com isso passou a ser impugnada pela via da apelação Também foi extinto o recurso ex officio da sentença de absolvição sumária cabendo apelação a ser interposta pela parte interessada na reforma da sentença V que conceder negar arbitrar cassar ou julgar inidônea a fiança indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogála conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante COMENTÁRIO Tratase em todas as situações dispostas no inciso de decisões interlocutórias simples proferidas pelo juiz de primeiro grau ao decidir sobre o status libertatis do imputado A Lei 12403 revigorou o instituto da fiança agora com amplo espaço de utilização e plena aplicabilidade prática Em geral essa via de impugnação tem sido utilizada pelo Ministério Público para atacar a decisão que denega o pedido de prisão preventiva revoga concede liberdade provisória ou relaxa a prisão em flagrante Para a defesa as decisões que negam cassam ou julgam inidônea a fiança em geral são atacadas por habeas corpus não apenas porque costumam implicar a prisão cautelar do imputado mas principalmente pela celeridade e a possibilidade de concessão de medida liminar que somente o habeas corpus possui VI que absolver o réu nos casos do art 411 Revogado pela Lei n 11689 de 2008 COMENTÁRIO Esse inciso foi revogado pela Lei n 11689 que instituiu o novo rito para os crimes de competência do Tribunal do Júri estabelecendo que a decisão que absolve sumariamente o réu art 415 do CPP é impugnável pela via da apelação e não mais por recurso em sentido estrito Tratase de verdadeira sentença com análise de mérito que deve ser objeto de recurso de apelação Ademais a referida Lei extinguiu o recurso ex officio desta decisão VII que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor COMENTÁRIO A decisão proferida pelo juiz de primeiro grau que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor é impugnável pelo recurso em sentido estrito ainda que na prática a via do habeas corpus seja a escolhida pois mais célere e eficaz Inobstante recordemos que a fiança será considerada quebrada quando o imputado devidamente intimado para ato do inquérito ou do processo não comparecer sem justificativa arts 327 e 341 não cumprir com as condições impostas no art 328 e finalmente quando na vigência da fiança cometer outra infração art 341 Como consequência do quebramento o réu perderá metade do valor e será preso O perdimento do valor dado em garantia ocorre nos casos do art 344 ou seja quando o réu é condenado definitivamente e não se apresenta à prisão Em todos esses casos a imposição da prisão do imputado conduz ao uso recorrente do habeas corpus esvaziando a utilidade do recurso em sentido estrito nestes casos ainda que perfeitamente cabível compreendase VIII que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade COMENTÁRIO Tratase de verdadeira decisão declaratória de extinção da punibilidade cujos casos de ocorrência estão previstos no art 107 do Código Penal e também em leis esparsas Como regra esse recurso será utilizado pelo Ministério Público ou pelo assistente da acusação pois considerase que não há para a defesa uma gravame interesse que legitime sua utilização A absolvição sumária do art 397 do CPP merece uma análise em separado pois como regra é atacável pelo recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do Recurso em Sentido Estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Assim a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 IV é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Por fim quando a decisão for proferida no curso da execução criminal o recurso cabível é o agravo da execução previsto no art 197 da LEP IX que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade COMENTÁRIO É uma situação oposta à anterior na medida em que geralmente é a defesa que postula o reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade que não é reconhecida pelo juiz de primeiro grau Dessa decisão é o recurso em sentido estrito o meio adequado para a impugnação X que conceder ou negar a ordem de habeas corpus COMENTÁRIO Compreendase que nesse caso o habeas corpus foi impetrado em primeiro grau geralmente para atacar ato coator emanado de autoridade policial mas outros casos são possíveis como se explicará na continuação quando abordarmos o writ e foi concedido ou negado No primeiro caso caberá ao Ministério Público manejar o recurso em sentido estrito pois único interessado na reforma da decisão Já na denegação da ordem poderá o interessado recorrer em sentido estrito ou o que normalmente se faz impetrar novo habeas corpus agora para o órgão de segundo grau competente tendo por base o ato coator emanado do juiz a quo XI que conceder negar ou revogar a suspensão condicional da pena COMENTÁRIO Nos dois primeiros casos concessão ou denegação a decisão poderá ser proferida no bojo da sentença penal condenatória ou na fase de execução penal Neste último caso o recurso adequado é o agravo da execução previsto no art 197 da LEP Lei de Execuções Penais Lei n 721084 Já quando proferida no contexto de uma sentença condenatória o recurso cabível é a apelação parcial e não o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra só da parte que concedeu ou negou a suspensão condicional da pena como prevê o art 593 4º do CPP Por último a decisão que revoga a suspensão condicional da pena é sempre proferida na fase de execução penal sendo o agravo da execução a forma adequada de impugnação Em suma concluise que com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu sua eficácia XII que conceder negar ou revogar livramento condicional COMENTÁRIO Tratase de decisão proferida no âmbito do processo de execução penal impugnável pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu completamente sua eficácia XIII que anular o processo da instrução criminal no todo ou em parte COMENTÁRIO Incumbe ao juiz mais do que às partes velar pela regularidade do processo evitando a prática de atos defeituosos que possam acarretar uma futura decretação de nulidade ou mesmo que tenham que ser repetidos Quando o juiz de ofício ou mediante invocação de qualquer das partes verificar que um determinado ato processual foi praticado com defeito e que essa violação da forma prejudicou a eficácia do princípio constitucional tutelado deverá analisar se a o ato pode ser refeito sem defeito sendo que isso é suficiente para obterse a eficácia desejada do princípio constitucional violado ou b a repetição não é possível ou não é suficiente para obterse a eficácia principiológica desejada No primeiro caso estamos diante de um defeito sanável O ato deverá ser refeito com plena observância da tipicidade processual prevista não sendo necessária a decretação da nulidade No segundo caso o defeito é insanável não havendo nada mais a ser feito para restabelecer a regularidade do processo sendo a decretação da nulidade com a respectiva ineficácia e o desentranhamento das peças o único caminho possível Essa distinção é fundamental pois o recurso em sentido estrito somente poderá ser utilizado no segundo caso quando efetivamente há a decretação da nulidade A mera constatação da prática de um ato defeituoso com a determinação de repetição saneamento não é passível de recurso em sentido estrito Quanto à extensão da contaminação é irrelevante para fins recursais pois a nulidade total ou parcial é igualmente impugnável O caráter total ou parcial da anulação pode por outro lado constituir o próprio mérito do recurso na medida em que a parte por exemplo sustentar que não houve a contaminação dos atos posteriores Mas isso é a fundamentação do recurso e não um requisito do recurso Por outro lado é irrecorrível a decisão que não acolhe o pedido de decretação da nulidade ou mesmo de repetição do ato defeituoso Nestes casos duas opções se abrem ao interessado a buscar pela via do habeas corpus o reconhecimento da nulidade pretendida no tribunal ad quem b alegála novamente em sede de debates orais ou memoriais e em caso de não acolhimento na sentença suscitar a questão em preliminar do recurso de apelação Para complementar remetemos o leitor à explicação que fizemos no Capítulo destinado aos Atos Processuais Defeituosos XIV que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir COMENTÁRIO O alistamento dos jurados está previsto nos arts 425 e 426 do CPP sendo que a lista geral será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e poderá ser alterada de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro Dessa decisão que incluir ou excluir jurado da lista geral caberá recurso em sentido estrito determinando o art 586 parágrafo único que o prazo da impugnação apenas nesse caso será de 20 dias contado da data da publicação definitiva da lista de jurados que ocorre até o dia 10 de novembro XV que denegar a apelação ou a julgar deserta COMENTÁRIO Caberá recurso em sentido estrito em duas situações distintas mas previstas no mesmo inciso a Decisão que denegar a apelação nesse caso o juiz a quo não permitiu que a apelação subisse para o tribunal ou seja no juízo de admissibilidade feito em primeiro grau entendeu o juiz ser a apelação descabida inadequada intempestiva haver ilegitimidade da parte recorrente ou inexistir gravame Significa dizer que no juízo de admissibilidade do recurso de apelação entendeu o juiz a quo não estar presente algum dos requisitos objetivos ou subjetivos do recurso Dessa decisão denegatória poderá o recorrente utilizar o recurso em sentido estrito para postular inicialmente no juízo a quo a retratação da decisão ou em não o fazendo que seja o recurso encaminhado ao tribunal ad quem que reexaminará a decisão denegatória É importante compreender que o tribunal reexaminará apenas o juízo de admissibilidade reformandoo e por consequência determinando a subida da apelação ou mantendoo Não é feito um juízo sobre o mérito do recurso de apelação impedido de subir mas apenas sobre a decisão que não o admitiu b Decisão que julgar deserta a apelação com a revogação do art 595 do CPP a deserção ficou restrita a ausência de preparo pagamento das custas recursais Em que pese alguma discussão a respeito segue sendo aplicada Portanto caberá recurso em sentido estrito da decisão proferida pelo juiz de primeiro grau a quo que em sede de juízo de admissibilidade afirmar a inexistência do requisito objetivo do preparo Nesse caso como ocorre no item anterior o tribunal ad quem limitarseá a reexaminar o juízo de inadmissibilidade feito pelo juiz de primeiro grau Não há juízo sobre o mérito da apelação mas apenas se ela deve subir para ser apreciada pelo tribunal ou não Mas se o juízo a quo além de não admitir a apelação também obstar o prosseguimento do recurso em sentido estrito além da correição parcial se for manifesto o erro ou tumulto praticado pelo juiz é possível a utilização da carta testemunhável prevista no art 639 do CPP XVI que ordenar a suspensão do processo em virtude de questão prejudicial COMENTÁRIO As questões prejudiciais vêm previstas nos arts 92 e seguintes do CPP não sendo de competência do juiz penal decidir sobre elas mas apenas verificar o nível de prejudicialidade que elas têm em relação à decisão penal bem como decidir pela suspensão do processo penal até que elas sejam resolvidas na esfera cível tributária ou administrativa São prejudiciais exatamente porque exigem uma decisão prévia Para tanto é necessário que a solução da controvérsia afete a própria decisão sobre a existência do crime Cabe ao juiz analisar esse grau de prejudicialidade que deve ser em torno de uma questão séria e fundada sobre o estado civil das pessoas Em última análise a prova da existência do crime depende da solução na esfera cível dessa questão Nisso reside sua prejudicialidade na impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão O recurso em sentido estrito desse inciso XVI tem por objeto impugnar a decisão que determinou a suspensão do processo penal até que ela seja resolvida em outra esfera jurisdicional As questões prejudiciais podem ser divididas em obrigatórias e facultativas e foram tratadas anteriormente XVII que decidir sobre a unificação de penas COMENTÁRIO Tratase de decisão proferida no âmbito do processo de execução penal impugnável pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu completamente sua eficácia XVIII que decidir o incidente de falsidade COMENTÁRIO Estabelece o art 145 do CPP e seguintes que sendo arguida por escrito a falsidade de um documento constante nos autos deverá o juiz mandar autuar em apartado a impugnação ouvindo a parte contrária que no prazo de 48h oferecerá resposta Reconhecida a falsidade documental por decisão irrecorrível mandará o juiz desentranhála dos autos remetendo a seguir para o Ministério Público tomar as medidas que entender cabíveis Se não acolhida a alegação de falsidade do documento permanecerá ele nos autos surtindo todos os efeitos probatórios O recurso em sentido estrito é o meio de impugnação adequado para atacar a decisão proferida neste incidente independentemente de sua natureza XIX que decretar medida de segurança depois de transitar a sentença em julgado XX que impuser medida de segurança por transgressão de outra XXI que mantiver ou substituir a medida de segurança nos casos do art 774 XXII que revogar a medida de segurança XXIII que deixar de revogar a medida de segurança nos casos em que a lei admita a revogação XXIV que converter a multa em detenção ou em prisão simples COMENTÁRIO Tratase de decisões proferidas no âmbito do processo de execução penal impugnáveis pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 os incisos acima perderam completamente sua eficácia Em relação ao inciso XXIV além de essa decisão ser proferida no curso da execução penal o que já deslocaria o cabimento e a adequação para o agravo da LEP o atual art 51 do Código Penal não mais admite a conversão da multa originária em detenção ou prisão simples Em síntese o dispositivo legal perdeu completamente o sentido 1112 Tempestividade e Preparo Quanto ao requisito temporal o recurso em sentido estrito deve observar os seguintes prazos cinco dias para interposição art 586 do CPP dois dias para apresentação das razões art 588 do CPP A essa regra devemse acrescentar duas exceções 20 dias para recorrer da decisão que incluir ou excluir jurado na lista geral art 581 XIV do CPP 15 dias para interposição e 2 dias para razões quando a impugnação é feita pelo assistente da acusação não habilitado arts 584 1º cc 598 parágrafo único do CPP Como ocorre na apelação o recurso em sentido estrito se desenvolve em dois momentos distintos um para interposição onde se afere a tempestividade e outro para apresentação das razões mas sublinhamos a tempestividade é a exigência de interposição no prazo de 5 dias a contar da intimação da decisão A apresentação das razões fora do prazo fixado dois dias é mera irregularidade que não prejudica a admissão do recurso O recurso em sentido estrito pode ser interposto por petição ou por termo nos autos art 578 do CPP permitindose assim que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita ou seja termo nos autos Também é importante recordar a faculdade disposta na Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Para evitar repetições remetemos o leitor ao explicado anteriormente sobre interposição tempestividade e preparo Por fim no que tange ao assistente da acusação ele pode ser habilitado nos autos quando então será intimado de todos os atos e poderá recorrer caso não o faça o Ministério Público no prazo de 5 dias não habilitado situação em que por não participar do processo não será intimado das decisões tendo por isso o prazo de 15 dias para interpor o recurso em sentido estrito arts 584 1º cc 598 parágrafo único do CPP Mas o assistente habilitado ou não somente poderá recorrer em sentido estrito da decisão que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade nos termos do art 584 1º cc art 581 VIII do CPP pois esta decisão impede a formação do título executivo que lhe move conforme explicamos anteriormente ao tratar do assistente da acusação A outra hipótese prevista até a reforma processual de 2008 era para impugnar a decisão de impronúncia que agora é passível de apelação e não mais recurso em sentido estrito Permanece a possibilidade de o assistente impugnar a decisão de impronúncia mas agora sob a forma da apelação como estudaremos a seguir Ademais poderá o assistente habilitado ou não recorrer em sentido estrito na hipótese prevista no inciso XV pois é natural que podendo ele apelar exista a possibilidade de recorrer em sentido estrito para impugnar a decisão que denegou a apelação Não seria razoável lhe permitir recorrer e não lhe assegurar uma via para impugnar a decisão que não admitisse seu recurso1 Por fim quanto ao preparo recordemos que é um requisito somente exigível nos processos em que a ação penal é de iniciativa privada cabendo ao recorrente pagar as custas recursais para que o recurso em sentido estrito seja julgado sob pena de deserção Como vimos anteriormente o preparo deve ser feito art 806 2º do CPP no prazo fixado pelo juiz a quo Cabe ao juízo de primeiro grau recebendo a interposição do recurso fixar o prazo para efetivação do preparo e determinar a intimação do recorrente para efetuar o recolhimento sob pena de deserção 112 Requisitos Subjetivos Legitimação e Gravame A legitimação para recorrer em sentido estrito segue a regra geral do art 577 ou seja Art 577 O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público ou pelo querelante ou pelo réu seu procurador ou seu defensor Ao lado deles figura ainda o assistente da acusação habilitado ou não que poderá recorrer da decisão que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade Quanto ao gravame aplicase integralmente todo o que já foi dito na teoria geral dos recursos 12 Efeitos do Recurso em Sentido Estrito No que diz respeito ao efeito devolutivo o recurso em sentido estrito caracterizase por ser misto ou seja há efeito duplo pois permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e caso a mantenha o recurso será remetido para o tribunal ad quem É portanto um recurso de caráter regressivo no primeiro momento e caso o juiz não reforme sua decisão passa a ter o efeito devolutivo propriamente dito com o recurso subindo para o tribunal ad quem Já em relação ao efeito suspensivo devese analisar o regramento legal Art 584 Os recursos terão efeito suspensivo nos casos de perda da fiança de concessão de livramento condicional e dos ns XV XVII e XXIV do art 581 1º 2º O recurso da pronúncia suspenderá tão somente o julgamento 3º O recurso do despacho que julgar quebrada a fiança suspenderá unicamente o efeito de perda da metade do seu valor Assim suspendemse os efeitos da decisão uma vez interposto o recurso em sentido estrito e admitido pelo juiz a quo que a decretar a perda da fiança b conceder livramento condicional c denegar a apelação d julgar deserta a apelação O recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia suspenderá apenas o julgamento Pensamos que o art 584 2º deve ser lido à luz do disposto no art 421 cuja redação é posterior que determina preclusa a decisão de pronúncia os autos serão encaminhados ao juiz presidente do tribunal do júri Portanto interposto o RSE da decisão de pronúncia o feito deverá ser suspenso E o mais importante da decisão proferida pelo Tribunal se for interposto Recurso Especial ou Recurso Extraordinário deve o feito permanecer suspenso Isso porque como determina o art 421 somente após a preclusão da pronúncia os autos serão enviados ao juiz presidente para continuidade e posterior aprazamento do júri E não se diga que o fato de o Recurso Especial e Extraordinário não ter efeito suspensivo levaria a conclusão diferente pois isso seria um errôneo civilismo da teoria geral do processo A nova redação do art 421 do CPP exige a preclusão da decisão de pronúncia para a continuidade do feito logo é imprescindível o esgotamento das vias recursais Não há como sustentarse que existe preclusão na pendência de recursosob pena de pretender atribuir à preclusão um sentido completamente novo um marco zero de interpretação desconsiderando hermeneuticamente toda construção doutrinária e jurisprudencial existente Processualmente seria um absurdo Dando continuidade o 3º preceitua que o recurso da decisão não é um despacho como diz o dispositivo que julgar quebrada a fiança suspenderá apenas o efeito de perda da metade do seu valor Ou seja não suspende o mais importante que é o mandamento de prisão Daí por que juntamente com o recurso em sentido estrito deverá a defesa buscar no habeas corpus a pretendida manutenção do estado de liberdade Quanto ao art 585 perdeu completamente o sentido com a nova redação dada ao art 413 2º e 3º do CPP bem como pelos fundamentos já expostos no Capítulo destinado às prisões cautelares 13 Aspectos Relevantes do Procedimento Efeitos Uma vez interposto por petição ou termo nos autos o recurso em sentido estrito poderá subir nos próprios autos ou por instrumento conforme prevê o art 583 do CPP Art 583 Subirão nos próprios autos os recursos I quando interpostos de ofício II nos casos do art 581 I III IV VI VIII e X III quando o recurso não prejudicar o andamento do processo Parágrafo único O recurso da pronúncia subirá em traslado quando havendo dois ou mais réus qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido ainda intimados da pronúncia Quanto ao inciso I remetemos o leitor à crítica feita à falta de legitimidade e interesse bem como à não recepção do recurso de ofício pela Constituição Federal O inciso II afirma que subirá nos próprios autos o recurso em sentido estrito que impugnar as seguintes decisões a que não receber a denúncia ou a queixa b que julgar procedentes as exceções salvo a de suspeição c que pronunciar o réu exceto se houver dois ou mais acusados e qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido intimados da pronúncia casos em que subirá por instrumento para não prejudicar a tramitação do feito e até o julgamento pelo júri daqueles réus que se conformarem com a pronúncia d o inciso VI foi revogado pela Lei n 116892008 pois agora a sentença de absolvição sumária é atacável pela apelação e não mais pelo recurso em sentido estrito e que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade f que conceder ou negar a ordem de habeas corpus O inciso III abre a possibilidade de que outras decisões impugnáveis pelo recurso em sentido estrito possam também subir nos próprios autos desde que não prejudique o andamento do processo Nos demais casos em que o recurso subirá por instrumento deverá a parte recorrente indicar as peças do processo que pretenda traslado ou seja quais petições e decisões entende necessário fotocopiar para formar os autos que subirão ao tribunal com o recurso Existem peças que a parte indica e outras que são necessárias como determina o art 587 parágrafo único do CPP São peças obrigatórias a a decisão recorrida b a certidão da intimação da parte recorrente para aferir a tempestividade do recurso c e obviamente o termo de interposição caso não seja interposto por petição Além das obrigatórias e das indicadas pelas partes poderá o juiz determinar que integrem o instrumento todas as peças que julgar necessárias art 589 A petição de interposição e as razões são peças que logicamente sempre integrarão o instrumento da mesma forma que as contrarrazões do recorrido Na prática o instrumento não é preparado pelo cartório ou secretaria como estabelece o CPP e tampouco adianta o recorrente apenas indicar as peças Diante da institucionalizada falta de recursos materiais humanos de boa vontade etc deverá o interessado pegar os autos em carga e providenciar todas as cópias já as anexando às razões do recurso sob pena de ver sua impugnação amargar meses parada na prateleira do cartório Interposto tempestivamente o recurso em sentido estrito apresentadas as razões e formado o instrumento com a resposta do recorrido ou sem ela sendo o réu deverá o juiz nomear defensor dativo para apresentála em nome da eficácia da ampla defesa os autos serão conclusos ao juiz que proferiu a decisão efeito regressivo para que a mantenha ou reforme Neste sentido estabelece o art 589 do CPP Art 589 Com a resposta do recorrido ou sem ela será o recurso concluso ao juiz que dentro de dois dias reformará ou sustentará o seu despacho mandando instruir o recurso com os traslados que lhe parecerem necessários Parágrafo único Se o juiz reformar o despacho recorrido a parte contrária por simples petição poderá recorrer da nova decisão se couber recurso não sendo mais lícito ao juiz modificála Neste caso independentemente de novos arrazoados subirá o recurso nos próprios autos ou em traslado Exige atenção a sistemática do parágrafo único pois se o juiz se retratar e reformar a decisão impugnada haverá uma inversão do gravame cabendo à parte até então não prejudicada mas que com a retratação o foi recorrer dessa nova decisão por simples petição não sendo mais lícito ao juiz modificála Nesse caso sem qualquer complemento da fundamentação das partes o recurso subirá nos próprios autos ou em traslado conforme o caso Essa simples petição é uma peculiar forma de recorrer da nova decisão devendo a parte ali já fazer a fundamentação que julgar necessária pois não haverá outra oportunidade E qual o prazo para que a parte agora prejudicada apresente essa simples petição O CPP não define mas é lógico darse o mesmo tratamento dispensado ao recurso ou seja 5 dias Essa simples petição deve ser apresentada em até 5 dias da data em que a parte prejudicada for intimada da retratação do juiz Mas o ponto nevrálgico dessa sistemática é o seguinte esse novo recurso por simples petição somente terá cabimento se a nova decisão for recorrível Do contrário não cabe a impugnação Vejamos o seguinte exemplo o réu é denunciado pelo delito de sonegação fiscal art 1º da Lei n 813790 e o juiz rejeita a acusação por falta de condição da ação punibilidade concreta nos termos do art 395 II do CPP posto que a Receita Federal informou que o imputado parcelou o débito Lei n 10684 Inconformado o Ministério Público Federal interpõe recurso em sentido estrito art 581 I do CPP alegando em síntese que o parcelamento autoriza apenas a suspensão do processo penal mas não a rejeição da denúncia pois não há o pagamento integral para que exista a extinção da punibilidade Em sede de retratação o juiz acolhe o recurso do Ministério Público e recebe a denúncia Nesse momento operase uma inversão de gravame e nasce para o réu um interesse recursal inexistente até então Perguntase poderá o imputado por simples petição recorrer dessa nova decisão conforme disposto no art 589 parágrafo único Não A nova decisão é irrecorrível Não se admite recurso em sentido estrito apelação ou qualquer outro recurso da decisão que recebe a denúncia Nada impede porém que o imputado impetre habeas corpus buscando o trancamento do processo ou ao menos sua suspensão Mas recurso não cabe Por fim importante ainda nesta temática a Súmula n 707 do STF a saber SÚMULA N 707 do STF Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia não a suprindo a nomeação de defensor dativo Tratase de exigência da maior importância na medida em que somente assim irá se assegurar a eficácia do contraditório 2 Do Recurso de Apelação Na visão de DALIA e FERRAIOLI2 lappello è il mezzo di impugnazione ordinário che consente ad un giudice di grado superiore di rivedere in forma critica il giudizio pronunciato dal giudice di primo grado É um meio de impugnação ordinário por excelência podendo ser total ou parcial que autoriza um órgão jurisdicional de grau superior a revisar de forma crítica o julgamento realizado em primeiro grau O revisar de forma crítica deve ser compreendido na mesma perspectiva de CARNELUTTI anteriormente referida de que os recursos são la crítica a la decisión posto que etimologicamente criticar não significa outra coisa que julgar e o uso deste vocábulo tende a significar aquele juízo particular que tem por objeto outro juízo isto é o juízo sobre o juízo e dessa maneira um juízo elevado à segunda potência Essa ideia de juicio sobre el juicio é muito interessante pois quando o autor emprega a expressão juízo juicio o faz no sentido amplo de julgamento ou seja do conjunto de atos que integram o processo e o julgamento sentido estrito e não apenas na dimensão deste último Assim juízo não significa ato decisório senão toda a matéria trazida ao processo e que compõe o julgamento Tratase de uma concepção adequadíssima ao recurso de apelação pois a apelação instaura o segundo grau permitindo um nova fase de conhecimento do mérito naquilo que FAZZALARI chama de princípio do duplo grau de cognição do mérito doppio grado di cognizione di merito3 pois ao juízo da apelação podem ser devolvidas as mesmas questões feitas hinc et inde em primeiro grau efeito devolutivo do apelo mas não podem ser feitas demandas novas vedação de mutatio libelli em segundo grau É a apelação um recurso ordinário total ou parcial conforme o caso de fundamentação livre vertical e voluntário que se destina a impugnar uma decisão de primeiro grau devolvendo ao tribunal ad quem o poder de revisar integralmente o julgamento em sentido amplo e não apenas de decisão feito pelo juiz a quo 21 Requisitos Objetivos e Subjetivos da Apelação Seguindo a mesma sistemática de abordagem anteriormente feita iniciemos o estudo da apelação a partir de seus requisitos objetivos e após subjetivos 211 Requisitos Objetivos e Subjetivos 2111 Cabimento e Adequação O cabimento como visto é a exigência de que inexista uma decisão imutável e irrevogável ou seja não se tenha operado a coisa julgada formal Uma decisão é apelável porque não preclusa Já a adequação vista como a correção do meio de impugnação eleito pela parte interessada também abrange a regularidade formal da interposição do recurso Assim iniciemos pelas regras atinentes à interposição do recurso de apelação para na continuação analisar os casos em que é cabível o apelo A apelação pode ser interposta de duas formas a termo nos autos b ou por petição É a mesma sistemática anteriormente explicada no recurso em sentido estrito somente autorizada porque a apelação como o RSE é um recurso que possui dois momentos distintos o primeiro é o da interposição que poderá ser por petição ou termo nos autos e após o recebimento abrese então a possibilidade de apresentação das razões que fundamentam o apelo O recurso de apelação encontra no art 593 do CPP a previsão legal das hipóteses de cabimento que serão comentadas uma a uma para facilitar a compreensão Art 593 Caberá apelação no prazo de 5 cinco dias COMENTÁRIO Esse prazo de 5 dias referese à interposição e é com base nele que se afirma ou não a tempestividade do recurso Como se verá na continuação esse prazo poderá ser de 15 dias quando o recorrente for o assistente da acusação não habilitado I das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular COMENTÁRIO O recurso de apelação é uma forma de impugnação das decisões de primeiro grau que poderão ser proferidas pelo juiz singular ou pelo juizpresidente do Tribunal do Júri O inciso I dirigese às sentenças de condenação absolvição absolvição imprópria que absolve e aplica medida de segurança e absolvição sumária do rito do Tribunal do Júri art 415 do CPP Já a absolvição sumária do art 397 do CPP merece uma análise em separado pois como regra é atacável pelo recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do Recurso em Sentido Estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Assim a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 IV é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Sendo caso de recurso em sentido estrito mas a parte interpôs apelação considerando que o prazo de interposição é o mesmo pensamos ser perfeitamente invocável o princípio da fungibilidade anteriormente explicado Superada essa questão advertimos ao iniciante no estudo do processo penal que a expressão sentença definitiva não significa trânsito em julgado pois a apelação pressupõe para seu cabimento a inexistência de coisa julgada formal Portanto por sentença definitiva compreendase a sentença não transitada em julgado que ponha fim ao processo com julgamento de mérito diferenciandose assim das decisões interlocutórias Por fim não se pode esquecer da regra contida no art 593 4º Quando cabível a apelação não poderá ser usado o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra Assim se no bojo de uma sentença condenatória for negado o sursis e o réu pretender recorrer apenas deste ponto da sentença o recurso cabível é a apelação parcial e não o recurso em sentido estrito do art 581 XI pois ainda que exista expressa previsão no art 581 estamos diante de uma sentença condenatória e não de uma decisão interlocutória Importa pois a natureza do ato decisório neste tema Mesmo que a parte impugnada da sentença seja isoladamente considerada passível de recurso em sentido estrito não se pode esquecer que o ato decisório como um todo constitui uma sentença condenatória apelável portanto II das decisões definitivas ou com força de definitivas proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior COMENTÁRIO Neste inciso II abrese a cláusula geral da apelação fazendo com que os casos de recurso em sentido estrito sejam taxativos e aquilo que lá não estiver previsto encontra abrigo neste inciso II do art 593 A peculiar estrutura legislativa brasileira fez com que a apelação acabasse se transformando num recurso residual em relação ao recurso em sentido estrito na medida em que expressamente estabelece que caberá apelação nos casos não previstos no Capítulo anterior E o que se entende por decisão definitiva ou com força de definitiva Sem dúvida mais uma criação do confuso sistema legislativo brasileiro Lecionase que tais decisões correspondem àquelas que têm cunho decisório e geram gravame ou prejuízo para a parte atingida encerrando o processo sem julgamento do mérito ou finalizando uma etapa do procedimento Por isso podem ser terminativas ou não Como regra não há produção de coisa julgada material e são atacáveis pela via do recurso em sentido estrito sendo a apelação residual ou seja quando a decisão definitiva ou com força de definitiva for proferida por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior Interessamnos as decisões interlocutórias mistas que não integram o rol do art 581 em que o recurso cabível será a apelação residual do art 593 II do CPP São exemplos de decisões interlocutórias mistas ou seja decisões definitivas ou com força de definitiva proferidas por juiz singular impugnáveis pela apelação do art 593 II a decisão que decreta a perempção em qualquer dos casos do art 60 do CPP b impronúncia c decisão que acolhe a exceção de coisa julgada ou litispendência d decisão proferida em sede de medidas assecuratórias tais como as que decretam o sequestro de bens hipoteca legal arresto indeferem o pedido de levantamento da medida assecuratória etc Em suma esse inciso prevê uma apelação residual em relação aos casos atacáveis ordinariamente por recurso em sentido estrito quando estivermos diante de uma decisão interlocutória mista decisão definitiva ou com força de definitiva que encerre o processo sem julgamento do mérito finalize uma etapa do procedimento ou finalize um procedimento apartado como as medidas assecuratórias por exemplo III das decisões do Tribunal do Júri quando COMENTÁRIO Desde logo devese atentar que o inciso III e suas alíneas dirigese exclusivamente às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não sendo aplicável às decisões proferidas por juiz singular É uma fundamentação exclusiva do apelo contra a decisão do Tribunal do Júri A apelação às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri é vinculada ou seja deve a parte indicar já na petição de interposição qual é o fundamento legal do recurso ou seja em que alínea ou alíneas se funda o recurso Esse critério também irá definir o efeito devolutivo da apelação ou seja o tantum devolutum quantum appellatum Nesse tema é importante atentar para o disposto na Súmula n 713 do STF SÚMULA N 713 O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição Significa dizer que se a apelação foi interposta indicando o art 593 III a ainda que na fundamentação seja alegado que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos alínea d o tribunal deverá limitarse a prover ou não o pedido de nulidade Mas pensamos que essa regra deve ser relativizada4 principalmente quando a situação for inversa ou seja interposição com base na alínea d e na fundamentação do recurso houver uma preliminar de nulidade ocorrida em plenário Nesse caso considerando que os defeitos insanáveis nulidades absolutas não precluem e que podem ser conhecidos até mesmo de ofício e a qualquer momento deve o tribunal decidir pela decretação de nulidade se for o caso Outra manobra processual comumente utilizada por advogados e promotores é indicar na interposição as quatro alíneas deste inciso deixando o campo aberto para nas razões circunscrever o apelo a uma duas ou mesmo às três fundamentações legais Nenhuma irregularidade há nisso ainda que não seja de boa técnica processual Mas sem dúvida às vezes a situação é complexa e o exíguo prazo de interposição está por findar de modo que é melhor lançar mão de um apelo amplo ainda que não seja de boa técnica processual que assegure o direito de recorrer sem restrições Os limites da devolução serão dados nesse caso pelas razões e não pela petição de interposição a ocorrer nulidade posterior à pronúncia COMENTÁRIO Como vimos anteriormente ao examinar a morfologia dos procedimentos a decisão de pronúncia uma vez preclusa encerra a primeira fase do rito do Tribunal do Júri Todas as nulidades atos processuais defeituosos que ocorrerem até a pronúncia devem ser arguidas no debate oral que as antecede E se o defeito surgir na decisão de pronúncia o recurso a ser utilizado é o recurso em sentido estrito com base no art 581 IV do CPP e não a apelação aqui estudada O apelo fundado nesta alínea a tem por base os atos defeituosos praticados após a preclusão da decisão de pronúncia e mais comumente em plenário Considerando que a segunda fase se resume à preparação do julgamento e ao plenário o principal campo de incidência das nulidades acaba sendo o momento do julgamento em plenário Entre outros citamos os seguintes casos mais comuns de nulidade sobre esses temas remetemos o leitor para o anteriormente explicado sobre o rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri a juntada de documentos fora do prazo estipulado no art 479 participação de jurado impedido inversão da ordem de oitiva das testemunhas de plenário produção em plenário de prova ilícita uso injustificado de algemas durante o julgamento referências durante os debates à decisão de pronúncia ou posteriores que julgaram admissível a acusação referências durante os debates ao silêncio do acusado em seu prejuízo e o mais recorrente defeitos na formulação dos quesitos Havendo a prática de um ato defeituoso no plenário deverá a parte prejudicada fazer constar na ata do julgamento a descrição pormenorizada do ocorrido sob pena de não conseguir em grau recursal o reconhecimento da invalidade Mais do que uma mera preclusão como equivocadamente a questão costuma ser tratada a inércia do interessado inviabiliza a demonstração em grau recursal da existência do ato defeituoso Considerando que nos debates como o próprio nome indica impera a oralidade é imprescindível que sejam reduzidas a escrito na ata do julgamento todas as nulidades ocorridas para que uma vez consignadas criem condições de possibilidade do recurso Eventualmente se o ato defeituoso for documentado de outra forma que não através da ata de julgamento o recurso poderá ser conhecido e provido ou não Excepcionalmente poderá ser reconhecido o defeito insanável ocorrido antes da pronúncia desde que se trate de grave violação à garantia constitucional e portanto não sujeito ao regime da preclusão categoria com a qual não concordamos conforme explicado anteriormente ao tratarmos dos atos defeituosos mas ainda de uso recorrente pelos tribunais brasileiros Nesse sentido BADARÓ5 sustenta que as nulidades absolutas anteriores à pronúncia também poderão ser alegadas pelo acusado e reconhecidas pelo tribunal ad quem no julgamento da apelação não havendo que se cogitar de sanatória pela preclusão do direito de alegálas Se o tribunal ad quem der provimento ao apelo deverá determinar a repetição do julgamento pois como explicamos anteriormente se o ato foi feito com defeito deve ser refeito Portanto repetição do ato e se foi anterior ao julgamento deve ele também ser repetido pois contaminado b for a sentença do juizpresidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados COMENTÁRIO Há que se compreender que no rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri o julgamento é feito pelos jurados que decidem o caso penal cabendo ao juiz apenas realizar a dosimetria da pena em caso de condenação Neste momento pode a sentença do juizpresidente incorrer em dois tipos de error in judicando decidir contra lei expressa ou decidir de forma contrária à decisão dos jurados A expressão decidir contra lei expressa remete a uma amplíssima discussão acerca da superação do dogma da completude lógica da lei e da própria matriz positivista Também permitiria uma vasta problematização no que tange à decisão que aparentemente contra lege realiza uma filtragem constitucional para negar validade substancial à lei Também poderíamos fazer uma incursão pelo terreno sempre pantanoso da distinção entre lei e norma e principalmente o espaço decisório existente entre a lei e o direito Em suma uma vasta problemática que remonta à perene questão da impossibilidade de decidir contra lei expressa que não nos incumbe e não pretendemos fazer neste ponto pois foge completamente do objeto da presente obra Daremos por précompreendidas essas questões O decidir contra lei expressa deve ser compreendido numa dimensão bem mais rasteira de erro grave e primário na aplicação da lei penal ou processual penal nos casos de desclassificação ao caso penal Situase no campo do decisionismo ilegítimo da decisão arbitrária São exemplos de decisões contra lei expressa apeláveis com base neste fundamento legal a a sentença substitui a pena aplicada pelo homicídio doloso por prestação de serviços à comunidade em desacordo com os limites do art 44 do CP b fixar o regime fechado para o réu primário condenado a uma pena inferior a 8 anos c decidir sobre o crime conexo sem submetêlo a julgamento pelo júri d quesitar sobre o crime conexo de competência não originária do júri logo após uma desclassificação própria e não quesitar o crime conexo após uma desclassificação imprópria etc Eventualmente a discussão em torno do regime de cumprimento da pena erroneamente fixado pode gerar dúvida sobre a incidência da alínea b ou c Não vislumbramos qualquer obstáculo a que o recurso seja conhecido e julgado pois realmente o limite nessa matéria nem sempre é tão claro sendo por isso perfeitamente aplicável o princípio da fungibilidade recursal No segundo caso a sentença do juizpresidente está em conflito com a decisão proferida pelos jurados ou seja não observa os limites dados pela decisão dos jurados ao responderem os quesitos É uma peculiar espécie de incongruência Ainda que como longamente explicado anteriormente a congruência ou correlação se estabeleça entre acusaçãosentença não vemos qualquer obstáculo a que se desenhe uma regra de congruênciacorrelação entre decisão do júri e sentença do juizpresidente pois também teremos sentenças citra extra ou ultra petita No Tribunal do Júri a decisão dos jurados demarca o espaço decisório do juizpresidente de modo que a sentença incongruente é nula pois viola o disposto no art 5º XXXVIII da Constituição que assegura a soberania dos veredictos e a competência do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida São alguns exemplos de sentença incongruente a os jurados absolvem o réu e o juiz profere uma sentença condenatória fixando a pena e viceversa b o júri condena por homicídio qualificado e o juiz realiza a dosimetria considerando a pena do homicídio simples c o júri reconhece uma privilegiadora e o juiz não faz a respectiva redução da pena d os jurados acolhem a tese defensiva de desclassificação de homicídio doloso para culposo e o juiz condena o réu por homicídio doloso e os jurados acolhem a tese de crime tentado e o juiz profere sentença condenatória por crime consumado etc Situação completamente distinta sucede quando em plenário ocorre uma desclassificação própria anteriormente explicada em que os jurados negam a competência do júri para realizar o julgamento passando todo o poder decisório para o juizpresidente Igual situação ainda que com reflexos distintos em relação ao crime conexo também se opera na desclassificação imprópria Em ambos os casos a decisão é proferida pelo juizpresidente e o recurso cabível será a apelação do art 593 I e não a deste inciso III pois estamos diante de uma sentença condenatória ou absolutória proferida por juiz singular Acolhendo o apelo fundado nesta alínea b deverá o tribunal ad quem proceder à retificação da sentença sem necessidade de repetição do julgamento Neste sentido determina o art 593 1º do CPP Art 593 1º Se a sentença do juizpresidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos o tribunal ad quem fará a devida retificação É um defeito que pode ser sanado pelo órgão de segundo grau sem que a nulidade precise ser reconhecida e anulado o julgamento bastando a retificação Tampouco existe violação à soberania das decisões do júri pois o tribunal está retificando um erro do juiz e não modificando a decisão dos jurados Inclusive na segunda hipótese o que o tribunal faz é exatamente o oposto corrigir a sentença incongruente do juiz que não respeitou os limites da decisão do júri c houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança COMENTÁRIO Nesta alínea o campo do apelo está circunscrito aos defeitos na aplicação da pena ou da medida de segurança A sentença é congruente mas existe um defeito na dosimetria da pena Duas são as dimensões a Erro na aplicação da pena tratase de aplicação incorreta da pena ou defeitos na utilização do sistema trifásico empregado para a dosimetria da pena Por erro na aplicação da pena entendese a violação das regras atinentes à realização da dosimetria e fixação da pena como por exemplo redução da pena pela incidência de atenuantes para limites inferiores ao mínimo legal na segunda fase6 tendo os jurados reconhecido uma qualificadora iniciar a dosimetria pela pena do homicídio simples enfim toda e qualquer inobservância das regras contidas nos arts 59 67 e 68 do CP Esse erro também poderá ser material ou seja matemático fruto de somas ou diminuições equivocadas da pena b Injustiça na aplicação da pena a expressão empregada pelo legislador é genérica e imprecisa inadequada até O que se entende por injusta aplicação da pena Das diversas respostas possíveis extraise um denominador comum a subjetividade Sem pretender resolver o problema da abertura conceitual pensamos que a aplicação de uma pena desproporcional é a face mais visível e evidente da injusta aplicação da pena Nesse universo de sentidos pensamos que talvez o lugarcomum seja a desproporcionalidade na aplicação da pena Mas essa desproporcionalidade não decorre de falha aritmética do juiz como no caso anterior mas sim da desproporcionalidade na ponderação das circunstâncias do crime O problema aqui está na perspectiva axiológica É por exemplo injusta a pena em que o juiz inicia a fixação da penabase pelo termo médio sem que as circunstâncias judiciais do art 59 do CP sejam inteiramente desfavoráveis ao réu A desproporcionalidade é evidente Da mesma forma é desproporcional a incidência de uma causa de aumento no seu limite máximo sem que existam circunstâncias concretas que autorizem o exasperamento Por fim a discussão sobre a existência ou não de prova sobre a agravante ou atenuante aplicada ou afastada situase nesta alínea ou seja injustiça na aplicação da pena Não estamos fazendo referência apenas ao quantum da incidência mas sim à prova da existência ou não da própria agravante ou atenuante Toda essa discussão situase nesta alínea pois diz respeito à aplicação da pena Toda essa argumentação empregase com as devidas adequações no caso da medida de segurança errônea ou injustamente aplicada Se o tribunal der provimento à impugnação fundada nesta alínea c retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança sem que o julgamento pelo Tribunal do Júri seja renovado Por derradeiro advertimos que a discussão sobre a existência ou não da qualificadora pacificouse no sentido de aplicação da alínea d a seguir tratada Antigamente entendiase que a apelação cujo objeto fosse a discussão sobre a existênciainexistência de provas da qualificadora deveria ser proposta com base nesta letra c pois diria respeito apenas à injustiça na aplicação da pena Atualmente prevalece o entendimento de que o fundamento desta apelação deve ser a letra d pois a qualificadora é elementar do crime é um tipo novo nova pena etc e não uma mera circunstância de aumento da pena E qual é a relevância desta problemática Imensa pois a nos termos do 2º do art 593 a apelação com fundamento no n III c deste artigo o tribunal ad quem se lhe der provimento retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança b situação completamente diversa ocorre quando a apelação é interposta com base no n III d deste artigo decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos pois nesse caso se o tribunal der provimento ao recurso sujeitará o réu a novo julgamento Assim prevalece atualmente o entendimento de que o apelo que tiver como fundamento a incidência ou não de qualificadora deverá ser interposto e julgado com base na alínea d renovandose o júri em caso de provimento d for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos COMENTÁRIO Com a nova sistemática do Tribunal do Júri e principalmente a inserção do quesito genérico da absolvição obrigatório estabeleceuse um novo problema Será que ainda tem cabimento a apelação por ser a decisão manifestamente contrária à prova quando o réu é absolvido ou condenado com base na votação do quesito o jurado absolve o acusado Já há quem sustente a inaplicabilidade do art 593 III d diante da nova sistemática do júri sob o argumento de que esse quesito genérico permite que o jurado mais do que antes exerça uma plena e livre convicção no ato de julgar podendo absolver ou condenar por qualquer motivo tal como piedade ou compaixão Tratase de permitirlhe absolver por suas próprias razões mesmo que elas não encontrem amparo na prova objetivamente produzida nos autos Como sintetiza REZENDE7 não há decisão absolutória calcada no terceiro quesito que seja manifestamente contrária à prova dos autos já que ela não reflete a resposta a um quesito de fato mas sim a vontade livre dos jurados sem mais qualquer compromisso pela nova sistemática legal com a prova produzida no processo Precisamos considerar que o recurso com base na letra d deve seguir sendo admitido contra a decisão condenatória a impossibilidade seria só em relação a sua utilização para impugnar a decisão absolutória Isso porque com a inserção do quesito genérico da absolvição o réu pode ser legitimamente absolvido por qualquer motivo inclusive metajurídico Portanto uma vez absolvido não poderia ser conhecido o recurso do MP com base na letra d na medida em que está autorizada a absolvição manifestamente contra a prova dos autos Como dito com o quesito genérico da absolvição os jurados podem decidir com base em qualquer elemento ou critério Contudo segue com plena aplicação o recurso fundado na letra d quando a sentença é condenatória Isso porque não existe um quesito genérico da condenação nem poderia existir por elementar Para condenar estão os jurados adstritos e vinculados à prova dos autos de modo que a condenação manifestamente contrária à prova dos autos pode e deve ser impugnada com base no art 593 III d Não se trata aqui como podem alegar alguns de maxigarantismo mas de regras elementares do devido processo penal Sublinhese o que a reforma de 2008 inseriu foi um quesito genérico para absolver por qualquer motivo não para condenar Portanto a sentença condenatória somente pode ser admitida quando amparada pela prova Por tudo isso pensamos que a apelação fundada na letra d somente pode ser conhecida e admitida ou não quando oposta pela defesa diante de uma sentença penal condenatória Mas a questão é nova e está longe de ser pacífica Feita essa ressalva em relação à admissibilidade ou não do dispositivo vamos analisálo mais detidamente pois segue sendo majoritariamente aplicado Tratase do fundamento que permite a impugnação das decisões condenatórias ou absolutórias do Tribunal do Júri estabelecendo a discussão sobre a inadequação da decisão em relação ao contexto probatório É a única possibilidade de buscarse em grau recursal um reexame do caso penal decidido em primeira instância como um verdadeiro recurso ordinário pois as alíneas anteriores restringem a discussão unicamente à aplicação da norma jurídica Mas um novo problema surge o dogma da soberania das decisões do júri Isso faz com que o espaço decisório do tribunal ad quem seja reduzido a ponto de a jurisprudência brasileira pautarse pela manutenção do resultado do julgamento somente acolhendo o apelo quando a decisão for absolutamente dissociada da prova sem a menor base probatória Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE8 lecionam que é constante a afirmação de que a decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela inteiramente destituída de qualquer apoio no processo completamente divorciada dos elementos probatórios que não encontra enfim amparo em nenhuma versão resultante da prova Recordemos que quando a irresignação disser respeito à decisão do júri que reconheceu uma qualificadora ou negou sua ocorrência o apelo terá por fundamento esta letra d devendo a parte interessada demonstrar que a decisão dos jurados acerca da qualificadora era manifestamente contrária à prova dos autos Podese argumentar ainda que o legislador empregou a expressão decisão manifestamente contrária à prova dos autos para definir o nível de ilegitimidade exigido para que a decisão do júri seja desconstituída Não basta que a decisão seja apenas contrária à prova dos autos ela deve ser evidentemente inequivocamente contrária à prova A soberania das decisões do júri impede que o tribunal ad quem considere que os jurados não optaram pela melhor decisão entre as duas possíveis Não lhe cabe fazer esse controle Apenas quando uma decisão não for desde uma perspectiva probatória possível é que está o tribunal autorizado a cassar a decisão do júri determinando a realização de um novo julgamento Essas são as definições e concepções pacíficas na doutrina e jurisprudência brasileira sobre a alínea d Vejamos agora o outro lado da moeda Consultando os vastos repertórios jurisprudenciais disponíveis sobre o tema é impressionante o discurso que lhes permeia especialmente quando se trata de apelação defensiva em que o réu foi condenado com base em frágeis provas mas nem assim se dá provimento à impugnação Nesses julgamentos o nível de exigência para acolher o apelo beira as raias do absurdo pois se exige uma decisão a tal ponto desconectada do processo que somente em situações surreais isso ocorreria Considerando que o processo por essência apresenta duas versões antagônicas sempre haverá como sustentar a existência de alguma prova para legitimar a decisão especialmente quando condenatória Convenhamos que uma decisão efetivamente sem nenhum amparo probatório não habita o campo real do processo até porque se não houvesse nenhum suporte probatório à tese acusatória por exemplo o processo jamais teria nascido E se admitida a denúncia ou seria o réu absolvido sumariamente ou impronunciado Ainda que não se queira reconhecer esse conjunto de fatores cria uma situação ambígua nebulosa com amplo espaço de imprópria discricionariedade decisória por parte do tribunal ad quem deixando as partes à mercê de um novo decisionismo agora disfarçado É elementar que sempre haverá um mínimo de provas para qualquer lado que se queira olhar E para reduzir o problema estão os princípios que regem as provas especialmente o in dubio pro reo a exigir para condenar que a prova deve ser robusta com alto grau de verossimilhança Do contrário a absolvição se impõe Mas no Tribunal do Júri as coisas não funcionam assim primeiro porque os jurados julgam por íntima e arbitrária convicção não fundamentando sequer e após em grau recursal porque se abre a possibilidade de o tribunal decidir como bem entender bastando usar uma boa retórica para legitimar sua decisão E nem é preciso tanto exercício argumentativo assim basta recorrer ao dogma da supremacia do júri e da exigência de uma decisão manifestamente contrária à prova dos autos e negar provimento ao recurso E quando o tribunal quiser prover o apelo afirma que a decisão é na sua visão manifestamente contrária à prova dos autos e submete o réu a novo julgamento A abertura da fórmula legal permite ao tribunal decidir como bem entender basta um mínimo de manipulação discursiva Tudo isso evidencia uma vez mais a problemática estrutura do júri brasileiro pois não efetiva a garantia constitucional do in dubio pro reo contida na presunção constitucional de inocência9 No Tribunal do Júri o réu pode ser condenado a partir de uma prova frágil e ilhada no contexto probatório e seu recurso não será admitido mesmo com uma prova amplamente favorável à sua tese defensiva pois a decisão dos jurados não é absolutamente desconectada da prova dos autos Aqui abandonase a exigência de prova plena e cabal para a condenação pois uma frágil prova da tese acusatória justifica a manutenção da condenação contrariando tudo que o processo penal democrático ergueu Quanto ao argumento da soberania das decisões do júri invocado como dogma absoluto pelos passionais defensores do júri devese fazer um importante questionamento e o igualmente fundamental direito à presunção de inocência Como resolver esse conflito Não é pretensão desta obra fazer um estudo sobre a colisão em sentido amplo ou em sentido estrito de direitos fundamentais mas essa questão sequer é ventilada pelos tribunais e pela doutrina processual penal brasileira nesse tema Primeiro devese reconhecer o problema e a impossibilidade de um tratamento reducionista como tem sido dado até então para após buscar a solução desse conflito aparente que nos parece passa pelo estudo das diferentes propostas que orbitam em torno do Princípio da Unidade da Constituição Neste sentido MENDES10 leciona que as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios que é instituído na e pela própria Constituição Partindo disso diferentes soluções são propostas pelos constitucionalistas11 sendo as principais aquelas que sustentam em síntese o estabelecimento de uma hierarquia de direitos fundamentais passando pela precedência dos valores relativos às pessoas sobre os valores de índole material o recurso à concordância prática até chegar à posição adotada pela Corte Constitucional alemã do estabelecimento de uma ponderação de bens tendo em vista o caso concreto isto é uma recusa à fixação a priori de uma hierarquia precisa entre direitos individuais e outros constitucionalmente consagrados A ponderação deve ser feita a partir das circunstâncias do caso penal concreto Importanos mais do que apontar soluções alertar para o problema que sequer é ventilado voltamos a dizer pelo senso comum teórico e jurisprudencial brasileiro O que não se pode continuar fazendo é fechar os olhos para o conflito entre a soberania do júri e a presunção de inocência do réu sem falar na ampla defesa devido processo fundamentação das decisões etc Tampouco se pode aceitar o reducionista argumento da prevalência sem limites da soberania do júri que não encontra nenhum fundamento de hermenêutica constitucional que o legitime Em suma essa sistemática recursal somada à estrutura do Tribunal do Júri brasileiro cria um terreno fértil para uma patológica administração da justiça Feita essa rápida crítica continuemos Mas se o recurso interposto com base na letra d for provido qual será a consequência A resposta vem dada pelo art 593 3º do CPP 3º Se a apelação se fundar no n III d deste artigo e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos darlheá provimento para sujeitar o réu a novo julgamento não se admite porém pelo mesmo motivo segunda apelação Portanto provido o recurso com esse fundamento será desconstituída a decisão determinandose a realização de um novo julgamento pelo Tribunal do Júri com outros jurados é óbvio Neste sentido é acertado o enunciado contido na Súmula n 206 do STF SÚMULA N 206 do STF É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo Portanto nesse novo júri nenhum dos jurados anteriores poderá novamente compor o conselho de sentença pois se pretende a máxima originalidade do julgamento e imparcialidade dos julgadores Supondo que o réu tenha sido condenado por homicídio simples a uma pena de 6 anos de reclusão inconformado apela com base no art 593 III d do CPP Provido o apelo é submetido a novo julgamento pelo júri Nesse novo julgamento pode ocorrer o seguinte a é novamente condenado b há uma desclassificação desde que seja essa uma tese da defesa c ou é absolvido Se o réu for novamente condenado pode a pena ser superior à anterior 6 anos Não pois isso constituiria uma reformatio in pejus Logo a segunda decisão seria nula cabendo uma nova apelação agora fundada na letra b devendo o tribunal ad quem retificar a pena para o patamar anterior Ainda no mesmo exemplo poderia o réu no novo júri ser condenado por homicídio qualificado a uma pena de 12 anos Cuidado com este caso pois poderá ser interpretado como reformatio in pejus principalmente após a decisão proferida pelo STF no HC 895441 Para evitar longa repetição remetemos o leitor para o Capítulo anterior quando explicamos as Regras Específicas do Sistema Recursal e a Proibição da Reformatio in Pejus E se o réu for absolvido ou desclassificada a infração poderá o Ministério Público apelar com base nesta letra d argumentando que essa nova decisão é manifestamente contrária à prova dos autos Antes de responder vejamos novamente o que diz o art 593 3º com especial atenção à última parte do dispositivo 3º Se a apelação se fundar no n III d deste artigo e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos darlheá provimento para sujeitar o réu a novo julgamento não se admite porém pelo mesmo motivo segunda apelação O ponto nevrálgico resumese então à seguinte pergunta o que significa mesmo motivo a que alude o 3º Depois de muito vacilo jurisprudencial pacificouse o correto entendimento de que a expressão mesmo motivo significa novo recurso com base na letra d Ou seja mesmo motivo é utilizar duas vezes a mesma fundamentação legal do recurso alínea b É irrelevante a tese defensiva sustentada Assim se no primeiro júri o réu alega que agiu em legítima defesa e foi absolvido mas o Ministério Público inconformado apela com base nesta letra d Provido o recurso é o réu submetido a novo julgamento em que é novamente absolvido mas agora com uma tese de inexigibilidade de conduta diversa Pode o Ministério Público novamente recorrer com base na letra d argumentando que a nova decisão é mais até do que a anterior manifestamente contrária à prova dos autos Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo Ademais como o réu é absolvido com base no quesito genérico o jurado absolve o acusado não há como identificar sequer se a tese sustentada foi acolhida ou se a absolvição ocorreu por outro motivo E se o réu é absolvido o Ministério Público apela com base na letra d e o tribunal acolhe o pedido determinando a realização de novo júri ocasião em que o réu é condenado Pode a defesa apelar com base na alínea d argumentando que essa nova decisão é manifestamente contrária à prova dos autos e que não incide o impedimento contido no 3º pois é a primeira vez que o réu recorre com este fundamento Não O dispositivo impede uma segunda apelação com base nesse fundamento independentemente de quem tenha recorrido Ademais existe um obstáculo lógico como julgando um mesmo caso penal ambas as decisões absolutória e condenatória podem ser manifestamente contrárias à prova dos autos Ou ainda que prova é essa que não autoriza absolver ou condenar Como uma mesma prova pode ser completamente incompatível com a absolvição e a condenação ao mesmo tempo A questão aqui é de lógica probatória Em suma 1 Júri absolve MP recorre com base na letra d novo júri réu novamente absolvido MP pode apelar com base na letra d Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo 2 Júri absolve MP recorre com base na letra d novo júri réu é condenado pode a defesa recorrer com base na letra d Não É ilógico que a mesma prova seja manifestamente contrária à decisão absolutória e condenatória 3 Júri condena defesa recorre com base na letra d novo júri réu novamente condenado cabe nova apelação com base na letra d Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo 4 Júri condena defesa recorre com base na letra d novo júri réu absolvido cabe apelação por parte do MP com base na letra d Não é ilógico Nada impede portanto que após o novo júri a defesa ou a acusação apelem desde que o façam com base nas letras a b ou c Não com fundamento na letra d A restrição à segunda apelação existe somente em relação à letra d Para finalizar recordemos mais um grave paradoxo que a estrutura do júri brasileiro estabelece como alegar que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos se não temos a mais remota ideia dos motivos que levaram os sete profanos a julgar dessa forma A absoluta falta de fundamentação do ato decisório faz com que o ato de recorrer seja um exercício quase mediúnico sem falar que a decisão no mais das vezes sequer tem por base a prova Negar isso é desconhecer que a íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu E tudo isso sem qualquer fundamentação Mais grave ainda é a autorização legal como já explicamos ao tratar do júri para que os jurados decidam completamente fora da prova dos autos Imaginemos um julgamento realizado no Tribunal do Júri cuja decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos condenatória ou absolutória Há recurso de apelação com base no art 593 III d do CPP que uma vez provido pelo Tribunal conduz à realização de novo júri consequência da aplicação da primeira parte do 3º do art 593 Esse novo júri será composto por outros jurados mas como o espetáculo será realizado pelos mesmos atores em cima do mesmo roteiro e no mesmo cenário a chance de o resultado final ser igual é imensa E nesse novo júri a decisão é igual à anteriormente prolatada e portanto novamente divorciada da prova dos autos Duas decisões iguais em manifesta dissociação com o contexto probatório Poderá haver então novo recurso aduzindo que novamente os jurados decidiram contra a prova dos autos Não pois a última parte do 3º do art 593 veda expressamente essa possibilidade Logo se no segundo júri eles decidirem novamente contra a prova dos autos não caberá recurso algum Assim os jurados podem decidir completamente fora da prova dos autos sem que nada possa ser feito Eles têm o poder de tornar o quadrado redondo com plena tolerância dos Tribunais e do senso comum teórico que se limitam a argumentar fragilmente com a tal supremacia do júri como se essa fosse uma verdade absoluta inquestionável e insuperável 2112 Tempestividade Legitimidade Gravame Preparo Processamento da Apelação A tempestividade do recurso de apelação se verifica pela petição de interposição ou do dia em que for feita a manifestação oral certificada nos autos termo A juntada extemporânea das razões é considerada mera irregularidade Importa é a interposição tempestiva O prazo para interposição da apelação é de 5 dias sem esquecer a Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Quanto à legitimidade estão autorizados a interpor a apelação o Ministério Público ou querelante na ação penal de iniciativa privada o réu ou seu defensor art 577 e o assistente da acusação Recordemos ainda a figura do assistente da acusação cuja legitimidade para recorrer está consagrada no art 598 do CPP12 que pode ser habilitado nos autos quando então será intimado de todos os atos e poderá recorrer caso não o faça o Ministério Público no prazo de 5 dias não habilitado situação em que por não participar do processo não será intimado das decisões tendo por isso o prazo de 15 dias para apelar art 598 parágrafo único do CPP E como se faz a contagem desse prazo do assistente Nos termos da Súmula n 448 do STF que determina o seguinte o prazo para o assistente recorrer supletivamente começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público Partindo dessa regra diferentes situações podem ocorrer a se o assistente habilitado é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele b se o assistente habilitado é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente à intimação c se o assistente não está habilitado ele não é intimado da sentença e terá o prazo de 15 dias para interpor a apelação contados do dia em que terminar o prazo do Ministério Público Outros aspectos importantes da figura do assistente da acusação já foram abordados anteriormente quando explicamos as regras gerais dos recursos para onde remetemos o leitor a fim de evitar repetições Além da legitimidade outro requisito recursal é a existência de gravame ou seja a parte recorrente deverá ter interesse recursal conforme já explicado no Capítulo anterior e para onde remetemos o leitor Também se recorde a discussão em torno do interesse recursal do assistente para apelar de uma sentença condenatória buscando o aumento da pena em que sustentamos a falta de interesse recursal nesse caso Antes de analisarmos o processamento da apelação vejamos a questão do preparo Como também já foi explicado além de tempestiva a apelação nos crimes de ação penal de iniciativa privada deverá ser previamente preparada ou seja deverá o recorrente pagar as custas judiciais previstas para que a impugnação possa ser conhecida e julgada sob pena de deserção Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas desta modalidade de ação penal Vejamos agora alguns aspectos do processamento da apelação Uma vez interposto o recurso de apelação deverá o juiz a quo fazer o juízo de admissibilidade anteriormente explicado recebendo ou não o recurso Se não admitir o apelo esta decisão será impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 XV também já comentado Admitido o recurso vejamos o disposto no art 600 do CPP Art 600 Assinado o termo de apelação o apelante e depois dele o apelado terão o prazo de oito dias cada um para oferecer razões salvo nos processos de contravenção em que o prazo será de três dias 1º Se houver assistente este arrazoará no prazo de três dias após o Ministério Público 2º Se a ação penal for movida pela parte ofendida o Ministério Público terá vista dos autos no prazo do parágrafo anterior 3º Quando forem dois ou mais os apelantes ou apelados os prazos serão comuns 4º Se o apelante declarar na petição ou no termo ao interpor a apelação que deseja arrazoar na superior instância serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes observados os prazos legais notificadas as partes pela publicação oficial Admitido o apelo deverá o juiz determinar a intimação do recorrente se for o réu na pessoa do seu defensor constituído ou dativo para que no prazo de 8 dias apresente a fundamentação do recurso ou seja as razões recursais A exceção feita às contravenções foi tacitamente revogada na medida em que todas as contravenções são julgadas no Juizado Especial Criminal que dispõe de regra própria em matéria recursal pois a Lei n 9099 prevê o recurso de apelação com o prazo único de 10 dias Recordemos pois isso já foi explicado no Capítulo anterior que a apelação poderá ser total ou parcial ou seja impugnar toda a sentença ou apenas parte dela Nesse sentido dispõe o art 599 do CPP Art 599 As apelações poderão ser interpostas quer em relação a todo o julgado quer em relação a parte dele No 1º concedese o prazo de 3 dias para o assistente arrazoar após o Ministério Público Aqui a situação é diferente daquela anteriormente explicada pois não se trata de recurso interposto pelo assistente senão de apelo apresentado pelo Ministério Público Neste caso em que o MP recorre o assistente não pode recorrer mas apenas arrazoar junto ou seja apresentar razões recursais complementares àquelas apresentadas pelo Ministério Público Quando a apelação for de decisão proferida pelo Tribunal do Júri art 593 III recordemos que as razões do assistente ficam limitadas ao fundamento legal eleito pelo Ministério Público quando da interposição ou seja a alínea definida na petição ou termo de interposição O 2º destinase à ação penal de iniciativa privada em que o Ministério Público acompanha toda a tramitação e a quem caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo como define o art 45 do CPP A questão do prazo comum prevista no 3º é objeto de crítica pois quando são vários réus essa sistemática implica um sério inconveniente que é a impossibilidade de carga dos autos que ficarão em cartório mas principalmente quebra o tratamento igualitário entre acusador e réus De qualquer forma infelizmente prevalece o entendimento da aplicação literal do dispositivo O 4º é de grande importância e utilidade prática Poderá o apelante interpor o recurso e nesta petição declarar que irá apresentar suas razões no tribunal ad quem Distribuído o apelo caberá ao relator do feito recebendo os autos determinar a intimação do recorrente para que lá apresente sua fundamentação no prazo legal o mesmo prazo de 8 dias anteriormente comentado Tratase de faculdade somente oferecida ao réu ou querelado e ao querelante ação penal de iniciativa privada Não está autorizado o Ministério Público a apresentar razões na superior instância até porque não está legitimado e capacitado o promotor de primeiro grau a atuar perante tribunais E qual a vantagem de arrazoar no tribunal Além de dispor de mais tempo para preparar as razões a principal vantagem é saber quem irá julgar o apelo ou ainda com quem se está falando É muito importante apresentar as razões já sabendo quem será o relator e em que câmara ou turma será julgado o recurso pois esse é um ponto fundamental quando se tem presente a função persuasória da atividade das partes em relação ao julgador Para isso é fundamental conhecer o perfil dos julgadores como decide aquela câmara ou turma que precedentes existem sobre as questões debatidas etc Infelizmente se aprovado o Projeto de Lei que reforma a parte recursal esta faculdade desaparece Vejamos agora o disposto no art 601 Art 601 Findos os prazos para razões os autos serão remetidos à instância superior com as razões ou sem elas no prazo de 5 cinco dias salvo no caso do art 603 segunda parte em que o prazo será de trinta dias 1º Se houver mais de um réu e não houverem todos sido julgados ou não tiverem todos apelado caberá ao apelante promover extração do traslado dos autos o qual deverá ser remetido à instância superior no prazo de trinta dias contado da data da entrega das últimas razões de apelação ou do vencimento do prazo para a apresentação das do apelado 2º As despesas do traslado correrão por conta de quem o solicitar salvo se o pedido for de réu pobre ou do Ministério Público Nesse dispositivo chamamos a atenção para a possibilidade de a apelação subir para o tribunal ad quem com as razões ou sem elas Essa sistemática cumpriu uma importante missão que foi a de criar a possibilidade de o réu preso ou solto mas especialmente ao preso ao ser intimado da sentença escrever no verso quero apelar ou qualquer outra manifestação inequívoca de sua vontade de recorrer Basta isso para que o recurso seja interposto Eis uma forma de interposição por termo nos autos A partir disso era o defensor intimado para apresentar razões e em muitos casos ele não o fazia O recurso prosseguia sem as razões e devolvia integralmente a matéria ao tribunal ad quem Mas após a Constituição e especialmente nos últimos anos o art 601 tem sido objeto de uma correta releitura constitucional de modo que em nome da ampla defesa e do contraditório os tribunais têm determinado o retorno dos autos à comarca de origem para que sejam apresentadas as razões inclusive com a nomeação de defensor dativo para apresentálas se não o fizer o constituído Além da ampla defesa a ausência de razões também viola o contraditório porque sem elas não tem a outra parte condições plenas de contraarrazoar Por isso os tribunais ultimamente têm determinado que os autos baixem em diligências para que o defensor ofereça as razões ou seja nomeado um dativo para isso Essa é sem dúvida uma medida acertada que melhor conforma o dispositivo à Constituição E o Ministério Público pode interpor o recurso e não apresentar as razões Evidente que não Pensamos que essa situação é inconcebível pois viola ao mesmo tempo a regra recursal da Motivação dos Recursos e também o contraditório e o direito de defesa pois como contraarrazoar um recurso sem razões Diante de tal situação a primeira opção é o tribunal ad quem recebendo o apelo sem as razões do acusador devolver os autos à comarca de origem para que seja pessoalmente intimado o representante do parquet para apresentar suas razões Após isso entendemos que em respeito à ampla defesa e ao contraditório deverá à defesa ser novamente oportunizada a apresentação de contrarrazões mesmo que já o tenha feito pois somente agora poderá efetivamente rebater as razões do recurso Por esse motivo é inadmissível processarse o recurso sem razões e com o parecer do Ministério Público de segundo grau considerarse sanada a falha Errado isso produz inadmissível cerceamento de defesa e violação do contraditório Outra opção mais adequada pensamos é o tribunal não conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público sem razões por violação da regra da motivação dos recursos do contraditório e do direito de defesa Ademais não está demonstrado o interesse recursal na medida em que inexiste fundamentação hábil a evidenciar o gravame A solução assim é o não conhecimento do recurso da acusação despido de fundamentação Não concordamos com tese sustentada por algum setor da doutrina no sentido de que haveria uma desistência por parte do promotorprocurador que não apresentasse as razões recursais Essa posição ainda que sedutora esbarra nos princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade inerentes à ação penal de iniciativa pública e consubstanciados expressamente no art 576 do CPP13 Não vislumbramos argumentos que justifiquem uma tal ginástica hermenêutica para negar vigência a tais princípios nem ao dispositivo apontado Daí por que tampouco vemos necessidade de tal construção na medida em que caberá ao tribunal não conhecer do recurso como explicamos no parágrafo anterior Por fim uma dúvida que pode surgir é podem ser juntados documentos novos nas razões eou contrarrazões do apelo TOURINHO FILHO não vê qualquer óbice ressalvando que se os documentos forem juntados nas contrarrazões deverá o juiz determinar que o apelante se manifeste sobre eles Quando apresentados pelo apelante o recorrido terá acesso naturalmente quando lhe for dada vista para contrarrazões Somos obrigados a concordar até porque o art 616 do CPP infelizmente permite alguns poderes instrutórios ao tribunal ad quem Contudo manifestamos a preocupação com a estrita observância do contraditório e advertimos para o grave risco de supressão de instância pois é inegável que a juntada de novas provas após a sentença constitui uma subtração de elementos probatórios do juiz a quo 22 Efeitos Devolutivo e Suspensivo O Direito de Apelar em Liberdade A apelação sempre terá efeito devolutivo propriamente dito ou reiterativo na medida em que necessariamente devolve o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem ou seja para um órgão superior àquele que proferiu a decisão É tipicamente um juízo sobre o juízo recordando a expressão de CARNELUTTI em que caberá ao tribunal reexaminar no todo ou em parte conforme a apelação seja total ou parcial a critério do recorrente a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau A regra do tantum devolutum quantum appellatum define que ao tribunal é devolvido o conhecimento da matéria objeto do recurso Mas essa regra tem um campo limitado de incidência pois deve ser pensado à luz da vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da reformatio in mellius o que faz com que acabe sendo bastante relativizado A devolução da matéria pela via do recurso está regida essencialmente pela vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da in mellius Frente a um recurso exclusivo do MP pode o tribunal acolhê lo para condenar o réu absolvido aumentar sua pena etc Mas também pode o tribunal absolver ou mesmo diminuir a pena ainda que a defesa não tenha recorrido até porque pode a qualquer tempo conceder habeas corpus de ofício Por isso afirmamos que o tantum devolutum quantum appellatum é acima de tudo uma limitação recursal ao acusador Não se olvide ainda que nos casos do art 593 III a extensão da devolução está delineada pela alínea indicada na petição de interposição conforme explicado Também recordemos que as nulidades absolutas defeito insanável podem ser conhecidas a qualquer momento em qualquer grau de jurisdição independentemente de invocação Por fim há casos em que mesmo sendo o recurso parcial extensão a modificação da parte impugnada conduz necessária e logicamente à revisão de outras matérias decididas na sentença Quando por exemplo o réu recorre exclusivamente da pena aplicada na sentença condenatória postulando a redução o tribunal em acolhendo esta impugnação e dependendo do quanto da diminuição estará obrigado a revisar também o regime de cumprimento da pena ou a possibilidade de substituição art 44 do CP mesmo que nada disso tenha sido impugnado Outra situação interessante sucede quando o réu é condenado por dois delitos interpõe a apelação requerendo a absolvição de ambos e o tribunal dá parcial provimento absolvendoo de um deles Diante do delito residual dependendo da pena cominada no tipo e preenchidos os demais requisitos do art 89 da Lei n 909995 poderá ser caso de aplicação da Súmula n 337 do STJ com a remessa dos autos para o juiz de primeiro grau intimar o Ministério Público para oferecer a suspensão condicional do processo Tudo isso independente de qualquer pedido na apelação É uma extensão necessária do efeito devolutivo No que se refere ao chamado efeito suspensivo tratase de um obstáculo a que a sentença possa produzir todos os seus efeitos antes que o recurso seja julgado afetando diretamente o estado de liberdade do réu A apelação interposta contra a sentença penal absolutória nunca terá efeito suspensivo pois como determina o art 596 A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto imediatamente em liberdade É importante que o dispositivo seja lido em conformidade com a Constituição e não restritivamente como eventualmente ainda insistem alguns tribunais A sentença absolutória restabelece na sua totalidade o status libertatis do acusado não apenas no sentido de assegurar a sua liberdade de ir vir e ficar mas também na esfera da liberdade pessoal em sentido amplo em toda a extensão atingida pelo processo Portanto diante de uma sentença absolutória além da imediata determinação de restabelecimento da liberdade do réu eventualmente submetido à prisão cautelar devem cessar também todas as medidas assecuratórias ou patrimoniais determinadas no curso do processo penal pois implicam restrição da sua esfera de liberdade pessoal Essa posição foi recepcionada pela reforma processual penal de 2008 cuja nova redação do art 386 especialmente seu parágrafo único determina o seguinte Art 386 O juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva desde que reconheça I estar provada a inexistência do fato II não haver prova da existência do fato III não constituir o fato infração penal IV estar provado que o réu não concorreu para a infração penal V não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal VI existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena arts 20 21 22 23 26 e 1º do art 28 todos do Código Penal ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência VII não existir prova suficiente para a condenação Parágrafo único Na sentença absolutória o juiz I mandará se for o caso pôr o réu em liberdade II ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas grifo nosso III aplicará medida de segurança se cabível Logo está mais do que evidente que com a absolvição além da imediata concessão de liberdade ao réu devem cessar as medidas assecuratórias sendo portanto ilegal a manutenção vg do sequestro sobre bens do acusado absolvido pois não cabe efeito suspensivo do mandamento libertatório contido na sentença Portanto absolvido o réu devem cessar todas as medidas restritivas de natureza pessoal ou patrimonial que tenham sido decretadas e a apelação interposta pela acusação não terá o condão de suspender esse mandado liberatório contido na sentença decorrência da ausência de efeito suspensivo art 596 Quanto ao disposto no parágrafo único do art 596 temse como revogado pois a reforma da parte geral do Código Penal levada a cabo em 1984 extinguiu a medida de segurança provisória Noutra dimensão em caso de sentença condenatória o apelo poderá ter efeito suspensivo ou não melhor dizendo poderá ao réu ser assegurado o direito de apelar em liberdade ou não A Lei n 117192008 revogou acertadamente o problemático art 594 do CPP conforme explicado anteriormente quando abordamos as prisões cautelares cuja parte da exposição somos obrigados a repetir para facilitar a compreensão do leitor Iniciemos pela nova redação do parágrafo primeiro do art 387 do CPP que passou a disciplinar a matéria Art 387 O juiz ao proferir sentença condenatória 1º O juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou se for o caso a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta Incluído pela Lei n 127362012 2º O tempo de prisão provisória de prisão administrativa ou de internação no Brasil ou no estrangeiro será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade O mal chamado efeito suspensivo é na verdade o direito de recorrer em liberdade ou não que deve ser objeto de decisão pelo juiz na sentença Neste momento o juiz deve fundamentadamente analisar a necessidade ou não de imposiçãomanutenção da prisão preventiva ou das medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP Não existe prisão obrigatória antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória de modo que a manutenção ou eventual decretação de prisão preventiva deverá observar a estrita necessidade da medida conforme explicado anteriormente quando tratamos das medidas cautelares A sentença deverá fundamentar e demonstrar a existência de periculum libertatis e principalmente a insuficiência e inadequação das medidas cautelares diversas Nenhuma discussão é necessária em torno do fumus commissi delicti pois já delineado na própria sentença penal condenatória na medida em que sem essa fumaça sequer condenado poderia ser o réu O juiz para justificar uma prisão preventiva deve fundamentar o periculum libertatis em elementos probatórios suficientes Nada de projeções ou ilações por parte do julgador Apenas para melhor compreensão do leitor recordemos que a se o réu respondeu a todo o processo em liberdade por ausência de necessidade da prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que recorra em liberdade b poderá ser preso nesse momento Sim desde que o juiz fundamente a necessidade da prisão preventiva e demonstre a existência de real e concreto risco de fuga periculum libertatis c se o réu permaneceu preso ao longo de todo o processo pois lhe foi decretada a prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que permaneça preso e assim exerça seu direito de recorrer cabendo ao juiz fundamentar que perdura a necessidade da prisão e persiste o periculum libertatis d mas o réu que estava preso poderá ser condenado e solto Sim desde que desapareça a situação de perigo Por exemplo se o réu foi preso preventivamente para tutela da prova com a sentença logo já foi colhida a prova desapareceu a situação de perigo que justificou a prisão preventiva devendo o agora condenado ser solto ou ainda se as medidas cautelares diversas art 319 se revelarem adequadas e suficientes Para finalizar ainda que não seja propriamente um efeito recursal é pertinente sublinhar a possibilidade da extensão subjetiva dos efeitos da apelação nos termos do art 580 do CPP com vistas a permitir o aproveitamento da decisão proferida no recurso interposto por um dos réus desde que fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal aos outros corréus pressupondo a existência de concurso de agentes é claro Mas tal extensão não poderá ocorrer quando o recurso é do Ministério Público pois seu apelo ficará limitado ao réu objeto da impugnação Seria inconcebível por exemplo que um corréu absolvido e que não tenha tido sua parte da decisão impugnada na apelação viesse a ser posteriormente condenado por extensão Seria o mesmo que condenar alguém que não foi objeto de uma acusação formal 3 Embargos Infringentes e Embargos de Nulidade O Capítulo V do Código de Processo Penal é intitulado Do Processo e do Julgamento dos Recursos em Sentido Estrito e das Apelações nos Tribunais de Apelação definindo claramente que as regras a seguir tratadas dizem respeito ao julgamento apenas destas duas espécies de impugnações Neste contexto prevê o art 609 Art 609 Os recursos apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça câmaras ou turmas criminais de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária Parágrafo único Quando não for unânime a decisão de segunda instância desfavorável ao réu admitemse embargos infringentes e de nulidade que poderão ser opostos dentro de 10 dez dias a contar da publicação de acórdão na forma do art 613 Se o desacordo for parcial os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência Interessanos conforme destacado o disposto no parágrafo único do art 609 pois ali se encerra toda a disciplina existente sobre os recursos de Embargos Infringentes e de Nulidade conforme o caso Iniciemos pela nomenclatura utilizada pelo Código embargos infringentes e de nulidade São dois recursos atentese para a conjunção aditiva e com o mesmo tratamento legal e sistemática de processamento mas com uma distinção de conteúdo e também em relação às consequências de eventual acolhimento a nos embargos infringentes o voto vencido tem por objeto da divergência uma questão de fundo de mérito que poderá levar à absolvição redução da pena substituição por outra pena etc b nos embargos de nulidade o voto vencido diverge em relação a questões exclusivamente processuais ou seja às condições da ação ou mesmo às nulidades processuais tendo como consequência se acolhidos a nulidade da sentença ou mesmo de todo o processo É uma diferença que se situa na distinção formaconteúdo ou seja preliminares e mérito mas também no que tange às consequências do acolhimento pois no primeiro caso a decisão atacada é anulada e no segundo procedese à sua revisão no todo ou em parte sem anulála Logo quando o objeto da divergência se situar numa questão de fundo como a absolvição do réu ou a redução da pena em que o voto vencido decidia neste sentido caberão embargos infringentes Já quando o voto vencido for no sentido de acolher uma preliminar de nulidade ou de incompetência do juízo por exemplo caberão embargos de nulidade Mas os tribunais brasileiros nunca tiveram maior rigor no tratamento desses dois recursos equiparandoos para todos os fins numa espécie de fungibilidade institucionalizada e automatizada Em nome disso os defensores empregam os embargos infringentes para todos os fins e os tribunais não cobram qualquer rigor conceitual Na doutrina é comum sustentarse que a dualidade de recursos é meramente aparente e que o recurso é um só sendo que a distinção não possui maior significação prática14 Ainda que não concordemos com a tese de que o recurso seja um só ou de que a distinção seja meramente de nomenclatura importa é que o recurso seja conhecido e julgado Portanto até pela clara incidência do princípio da fungibilidade o recurso deve ser conhecido e apreciado desde que preenchidos os demais requisitos é óbvio independentemente do nome que se lhe dê Antes de analisar os requisitos recursais esclarecemos que os embargos serão sempre julgados por um órgão jurisdicional superior àquele que proferiu a decisão ainda que isso ocorra dentro do mesmo tribunal Logo as apelações recursos em sentido estrito ou agravos em execução serão julgados pelas Câmaras Criminais na justiça estadual ou nas Turmas Criminais justiça federal Dessa decisão não unânime favorável à defesa caberão embargos infringentes ou de nulidade conforme o caso para o órgão jurisdicional superior a saber os Grupos Criminais Tribunais de Justiça dos Estados ou Seção Criminal no âmbito dos Tribunais Regionais Federais Como regra os Regimentos Internos dos Tribunais preveem que o relator dos embargos não seja o mesmo relator da apelação ou recurso em sentido estrito o que nos parece imprescindível sob pena de grave violação da imparcialidade do órgão julgador 31 Requisitos Objetivos e Subjetivos Recordando que os requisitos objetivos são cabimento e adequação tempestividade preparo apenas nos casos em que a ação penal é de iniciativa privada e que os requisitos subjetivos são legitimidade e existência de um gravame interesse vejamos essas categorias à luz dos embargos infringentes e de nulidade No que tange ao cabimento dois aspectos são fundamentais para compreensão desta impugnação 1º é um recurso que somente tem cabimento para impugnar uma decisão não unânime proferida por tribunal no julgamento de uma apelação recurso em sentido estrito ou agravo em execução 2º é um recurso exclusivo da defesa pois exige uma decisão não unânime desfavorável ao réu ou seja há um voto divergente a favor da tese defensiva no todo ou em parte Assim incabíveis os embargos infringentes e de nulidade da decisão não unânime proferida por turmas recursais reunidas ainda que julgando a apelação de uma decisão dos Juizados Especiais Criminais As turmas recursais não são consideradas tribunais ou seja órgãos de segundo grau na acepção utilizada pelo Código de Processo Penal15 A decisão deve ser proferida no julgamento de apelação ou recurso em sentido estrito não cabendo embargos infringentes e de nulidade portanto das decisões não unânimes proferidas no julgamento de habeas corpus embargos declaratórios revisão criminal etc Quanto ao agravo em execução tratase de recurso que segue o mesmo processamento do recurso em sentido estrito havendo inclusive muitas decisões anteriormente atacáveis pelo RSE e que com o advento da LEP passaram a ser impugnáveis pelo agravo previsto no art 197 da Lei n 721084 Por esse motivo sustentamos a possibilidade dos embargos da decisão não unânime desfavorável ao réu proferida no julgamento de um agravo em execução penal A divergência se dá na decisão e não na fundamentação Se no julgamento de uma apelação dois desembargadores mantiverem a condenação com base em determinada prova e o terceiro divergir na valoração probatória mas igualmente condenar apenas com base noutros elementos não há que se falar em embargos infringentes Da mesma forma analisandose uma preliminar de nulidade contida na apelação defensiva dois julgadores a afastarem por inexistência de lesão ao direito fundamental ali efetivado e o terceiro a rechaçar invocando o princípio da instrumentalidade das formas são descabidos os embargos de nulidade Importa é a divergência que implique diferença na decisão como ocorre no julgamento em que a dois desembargadores mantêm a sentença condenatória e o terceiro absolve o réu b dois denegam a preliminar de nulidade e o terceiro a acolhe para anular a sentença c dois não conhecem a apelação por intempestiva e o terceiro desembargador entendendo tempestivamente interposto conhece do recurso d dois julgadores mantêm a pena interposta ou aumentam se o recurso foi do Ministério Público e o terceiro vota pelo redimensionamento da dosimetria diminuindo a pena aplicada Nesses casos há uma divergência na decisão que comporta os embargos infringentes ou de nulidade conforme a situação concreta Devese atentar ainda que com a reforma processual de 2008 cabe ao juiz na sentença condenatória fixar o valor da indenização a ser paga pelo réu Portanto em grau recursal ainda que mantida a condenação penal são perfeitamente possíveis os embargos infringentes quando o voto vencido for favorável ao réu no sentido de diminuir o valor da indenização Tratase de embargos infringentes cujo objeto estará circunscrito exclusivamente ao quantum da indenização pois esta é a divergência decisória existente Além de cabível o recuso deve ser adequadamente interposto ou seja por petição não se admitindo a interposição por termo nos autos na medida em que as razões já devem acompanhar a interposição O prazo de interposição dos embargos infringentes e também dos embargos de nulidade é de 10 dias contados da publicação do acórdão através do órgão oficial Esse prazo é único para interposição e razões Não há nessa via impugnativa os dois momentos anteriormente vistos na apelação e no recurso em sentido estrito em que a parte interpunha o recurso no prazo de 5 dias e depois era intimada para apresentação das razões Aqui nos embargos tudo ocorre no mesmo momento e no mesmo prazo de 10 dias não se conhecendo do recurso interposto sem razões Tampouco existe possibilidade de arrazoar no tribunal até porque já se está no tribunal Quanto ao preparo como já explicado é exigível nos processos iniciados por ação penal de iniciativa privada havendo deserção pelo não pagamento das custas recursais Contudo em se tratando de embargos infringentes e de nulidade prevalece o entendimento de que não é necessário preparo bastando aquele feito para a apelação Isso porque se trata de um desdobramento da apelação somente possível em razão da ausência de unanimidade na decisão Nesse sentido por exemplo dispõe o art 261 do Regimento Interno do TRF da 3ª Região Mas advertimos deve sempre ser consultado o Regimento Interno do respectivo tribunal pois essa matéria não está disciplinada no Código de Processo Penal No que tange à legitimidade é exclusiva da defesa Não devem ser conhecidos os embargos infringentes ou de nulidade interpostos pelo Ministério Público ou pelo assistente da acusação pois são partes ilegítimas ex vi legis para utilizar esse recurso que é privativo da defesa Há quem sustente a possibilidade de o Ministério Público recorrer a favor do réu o que nos parece uma situação anômala e extraordinária injustificável no processo penal de cunho acusatório Mas se realmente for em benefício do réu desde que o defensor fique omisso e a gravidade da situação exigir em tese não há obstáculos em ser conhecido o recurso Mas apenas em casos extraordinários e quando inequivocamente o que se busca é fazer valer um voto vencido realmente favorável ao imputado Por fim quanto ao gravame está diretamente relacionado à existência de um voto divergente favorável à defesa Decorre do interesse do réu em fazer valer no órgão superior a decisão minoritária que lhe era favorável no todo ou em parte Portanto existe interesse recursal ainda que o voto vencido acolha uma pequena parcela do pedido da defesa ou seja ainda que mínima a vantagem jurídica que aquele provimento possa lhe ocasionar como pode ser uma pequena redução da pena privativa de liberdade da pena de multa aplicada mudança de regime e até mesmo uma ínfima diminuição do valor indenizatório fixado na sentença condenatória proferida pelo juiz a quo Importa aqui é a existência de uma vantagem jurídica de uma melhoria da situação jurídica do réu que o voto vencido poderia lhe proporcionar 32 O Problema da Divergência Parcial Interposição Simultânea do Recurso Especial e Extraordinário Considerando que os recursos especial e extraordinário pressupõem como se verá um esgotamento das vias ordinárias de impugnação alguns problemas podem surgir quando couberem embargos com uma dupla fundamentação impugnando questões formais nulidades e também de mérito infringentes Como ficará o prazo de interposição dos recursos especial e extraordinário Haverá interposição simultânea ou sucessiva A matéria não é pacífica e ainda há divergência entre o tratamento dado pelos tribunais de justiça dos Estados em relação àquele adotado pelos tribunais regionais federais É disso que iremos tratar agora partindo do seguinte exemplo o réu condenado interpõe apelação sustentando em preliminar a nulidade do processo e no mérito postula a absolvição pela fragilidade da prova produzida O tribunal por 3 x 0 decide no sentido de desacolher a preliminar arguida e no mérito por 2 x 1 nega provimento ao apelo o voto vencido absolvia o réu Como deverá proceder a defesa Deverá o réu interpor os embargos infringentes em relação à questão de mérito decidida de forma não unânime para tentar fazer valer o voto vencido no sentido da absolvição É fundamental esgotar todas as questões antes de ingressar com os recursos especialextraordinário E quanto à preliminar de nulidade denegada à unanimidade Deverá interpor o recurso especial eou extraordinário conforme a fundamentação e o caso concreto no prazo de 15 dias da publicação do acórdão ou poderá aguardar a decisão dos embargos infringentes para então utilizar esses recursos O Código de Processo Penal é completamente omisso nesta matéria dando margem a perigosas interpretações e muita insegurança para os defensores Não são raros os tribunais de justiça justiça estadual que ainda entendem pela necessidade de interposição simultânea nesse caso sob pena de preclusão e consequente intempestividade dos recursos especialextraordinário interpostos após o julgamento dos embargos infringentes Ou seja deverá a parte interpor em 10 dias da publicação do acórdão os embargos infringentes em relação à decisão não unânime e em 15 dias da publicação do acórdão os recursos especialextraordinário cabíveis em relação à preliminar unanimemente denegada Não poderá aguardar o julgamento dos embargos infringentes para então apresentar os recursos especialextraordinário sob pena de intempestividade Os recursos especialextraordinário serão distribuídos mas o juízo de admissibilidade ficará reservado para um momento posterior ou seja após o julgamento dos embargos infringentes Significa dizer que o defensor deverá apresentar os recursos neste momento mas o tribunal somente os apreciará após o julgamento denegatório dos embargos Em sentido diverso no âmbito da Justiça Federal os tribunais regionais federais têm tratado de forma mais adequada a matéria Nessa esfera prevalece o entendimento de que os embargos infringentes e também os embargos de nulidade suspendem o prazo de interposição dos demais recursos Assim no caso analisado a defesa deverá apresentar os embargos infringentes e somente após a publicação do acórdão que denegar os embargos começará a fluir o prazo de 15 dias para os recursos especialextraordinário Invocam ainda a nova redação do art 498 do CPC que determina que o prazo dos recursos especial e extraordinário somente começará a correr após o julgamento dos embargos infringentes No mesmo sentido os arts 238 5º e 6º16 cc 246 5º todos do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinam o sobrestamento do feito até a intimação do julgamento dos embargos infringentes No sentido de aplicação do art 498 do CPC com o recurso especial sendo interposto apenas após17 o julgamento dos embargos é interessante a seguinte decisão proferida pelo STJ EMBARGOS INFRINGENTES RESP INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA A Turma desproveu o recurso ao entendimento de que em se tratando de aferir a prematuridade ou não do REsp no caso de interposição simultânea de embargos infringentes aplicase o art 498 do CPC sendo inviável o seu conhecimento Outrossim não conhecidos os embargos infringentes e de nulidade não há interrupção do prazo para a interposição de REsp para ataque dos fundamentos do acórdão proferido em apelação que depois integrou os embargos declaratórios subsequentes Caberia conhecerse da irresignação quanto aos fundamentos impugnados no acórdão recorrido no referente ao não conhecimento dos embargos infringentes dada a situação na qual foi manejado votovencido que não era inteiramente favorável ao réu Precedentes citados AgRg no REsp 767545MG DJ 10042006 AgRg no REsp 688172RS DJ 20062005 AgRg no Ag 641118RJ DJ 21032005 e REsp 445447DF DJ 30062004 REsp 785679MG Rel Min Felix Fischer j 22082006 Além da desnecessidade de interposição simultânea conforme sustentamos a decisão adverte para outro aspecto interessante e preocupante não sendo conhecidos os embargos infringentes e de nulidade não há interrupção do prazo para interposição do recurso especial É bastante temerária essa posição na medida em que a defesa não pode interpor o recurso especial antes do julgamento dos embargos mas se eles não forem conhecidos já terá escoado o prazo para o recurso especial Nesse ponto especificamente divergimos da posição adotada neste julgamento pois entendemos que independentemente de serem conhecidos ou não os embargos infringentes e de nulidade haverá a interrupção do prazo para outros recursos A situação é similar àquela já pacificada nos embargos declaratórios que também interrompem o prazo para os demais recursos independentemente de serem os embargos conhecidos ou não Essa é a posição que nos parece mais acertada Na mesma linha de interposição sucessiva BADARÓ18 explica que diante da omissão do CPP há que se buscar o correto tratamento dado pelo CPC após a reforma de 2001 Lei n 10352 de modo que se até a reforma todos os recursos deveriam ser interpostos simultaneamente após a mudança legislativa primeiro deverão ser opostos os embargos infringentes e após o julgamento destes iniciase o prazo dos recursos especial e extraordinário Voltando ao exemplo anterior se tivéssemos as seguintes decisões a O tribunal por 2 x 1 decide no sentido de desacolher a preliminar arguida como a existência de um voto vencido que acolhia o pedido para o fim de anular a sentença e o processo e no mérito por 3 x 0 nega provimento ao apelo b O tribunal por 2 x 1 decide no sentido de desacolher a preliminar arguida como a existência de um voto vencido que acolhia o pedido para o fim de anular a sentença e o processo e no mérito por 2 x 1 nega provimento ao apelo o voto vencido absolvia o réu Como deverá proceder a defesa No primeiro caso em relação à preliminar cabem embargos de nulidade tendo como objeto o voto vencido que decidia pela anulação da sentença e do processo Após a decisão deste recurso conforme o caso poderá a parte impugnar pela via dos recursos especial e extraordinário No mérito a decisão foi unânime logo não há que se falar em embargos infringentes Considerando a limitação existente para os recursos especial e extraordinário nada poderia ser feito nessa dimensão salvo alguma excepcionalidade que justificasse a interposição de tais recursos Isso porque essas impugnações não permitem a rediscussão de matéria probatória Na segunda situação cabem embargos infringentes e de nulidade mas numa única peça Deverá a parte interpor um único recurso uma única peça processual onde fundamentará nos limites dos votos vencidos acerca da nulidade e também do mérito Caberá ao Grupo ou Seção Criminal conforme a competência seja da justiça estadual ou federal apreciar primeiramente a preliminar decidida de forma não unânime e se denegado o recurso neste ponto julgar a questão de mérito objeto da divergência Tudo nos limites da divergência tanto a questão da nulidade como também do mérito absolvição 33 Efeitos Devolutivo e Suspensivo No que se refere à extensão é um recurso limitado ao ponto da divergência nem mais nem menos Portanto a fundamentação está vinculada à divergência O efeito é devolutivo propriamente dito incumbindo ao órgão jurisdicional superior o julgamento da impugnação sem possibilidade de reexame pelo mesmo colegiado Na justiça estadual os embargos serão julgados pelo Grupo Criminal do respectivo Tribunal de Justiça na Justiça Federal pela Seção Criminal do Tribunal Regional Federal correspondente O fato de os mesmos desembargadores integrantes da Câmara ou Turma Criminal integrarem o órgão colegiado superior Grupo ou Seção e a possibilidade de modificarem suas posições não atribui aos embargos o efeito regressivo Isso porque não há a devolução da matéria para o mesmo órgão tampouco a possibilidade de retratação pelo mesmo julgador Estamos diante de um novo órgão jurisdicional hierarquicamente superior cuja composição é distinta e mais ampla que o colegiado que proferiu a decisão impugnada Como regra o Grupo Criminal é a reunião de duas Câmaras Criminais entre elas aquela de onde foi emanada a decisão No âmbito dos Tribunais Regionais Federais cada Seção Criminal é composta pelos desembargadores federais de duas Turmas Criminais sendo uma delas aquela onde a decisão não unânime foi proferida Portanto são órgãos distintos e com uma composição um colegiado mais amplo Portanto não há efeito regressivo mas sim devolutivo propriamente dito ou reiterativo para um órgão ad quem Advertimos que essa estrutura que acabamos de explicar poderá sofrer alterações de tribunal para tribunal na medida em que se trata de organização interna Por isso sugerimos sempre que seja consultado o respectivo Regimento Interno do Tribunal e também se houver o Código de Organização Judiciária COJE A extensão da matéria devolvida é limitada ao objeto da divergência que poderá ser exclusivamente jurídico no caso dos embargos de nulidade ou fáticoprobatório em se tratando de embargos infringentes Importa frisar que de nada adiantará uma ampla fundamentação da defesa acerca de questões que não foram objeto da divergência pois o julgamento ficará adstrito aos limites da divergência contidos no voto vencido Quanto ao efeito suspensivo como já explicado os embargos infringentes e de nulidade interrompem e não suspendem logo o prazo começa a fluir por inteiro o prazo para interposição de qualquer outro recurso e em relação à possibilidade de continuar a recorrer em liberdade vale a regra geral ou seja seguese a epistemologia cautelar Significa dizer que incidem aqui todas as regras anteriormente expostas sobre o sistema cautelar e o periculum libertatis Mais do que efeito recursal o que está em jogo é a eficácia da presunção de inocência e como ainda não há trânsito em julgado a regra é a liberdade Por fim perfeitamente possível a extensão subjetiva dos efeitos do recurso nos termos do art 580 do CPP conforme anteriormente explicado Se dois réus forem condenados pela prática de determinada conduta e no julgamento da apelação de ambos ou de apenas um deles há um voto vencido que os absolvia por atipicidade da conduta mesmo que apenas um dos réus interponha os embargos infringentes se acolhido aproveitará a todos Estaremos diante de uma circunstância que não é de caráter pessoal aproveitando a todos os que não recorreram pois um mesmo fato não pode ser como regra atípico para um réu e típico para outro na mesma situação Aplicável assim o art 580 do CPP 4 Embargos Declaratórios A garantia da jurisdição e principalmente da motivação das decisões judiciais não se contenta com qualquer decisão ou com a presença de qualquer juiz Como vimos ao longo desta obra em diversas oportunidades importa a qualidade da jurisdição e a qualidade da decisão Portanto o ato decisório deve revestirse de qualidades mínimas para ser legítimo Entre elas estão obviamente a clareza a coerência a lógica e a exaustividade da decisão A decisão deve ser passível de ser compreendida por elementar sob pena de tornarse um mero rebusqueio inútil de teses jurídicas sem nenhum valor ou utilidade Da mesma forma que a acusação deve ser clara coerente e lógica sob pena de inépcia e rejeição liminar a decisão deve revestirse desses mesmos atributos infelizmente para o direito processual não existem sentenças ineptas A exaustividade da decisão significa que é dever do juiz analisar e decidir acerca de todas as teses acusatórias e defensivas acolhendoas ou não mas sempre enfrentando e fundamentando cada uma sob pena de omissão e dependendo da gravidade gerar um ato defeituoso insanável nulo portanto Os embargos declaratórios servem para impugnar o ato decisório que não cumpra esses requisitos mínimos permitindo que o juiz esclareça e até supra eventuais omissões Mais do que isso são os embargos declaratórios instrumentos a serviço da eficácia da garantia da motivação das decisões judiciais pois as partes têm o direito fundamental de saber o que o juiz decidiu como e por que O Código de Processo Penal estabelece o recurso de embargos declaratórios com uma fundamentação legal diversa conforme se trate de embargos de decisão de primeiro grau ou acórdão proferido por tribunal No fundo o recurso é o mesmo É importante esclarecer que o juiz ao proferir uma sentença esgota sua jurisdição Somente com o advento de um recurso que tenha efeito regressivo se lhe oportuniza reexaminála Essa é uma das características básicas dos embargos declaratórios Contudo eventuais erros materiais da sentença meras correções podem ser feitos pelo juiz ou tribunal independente da interposição dos embargos declaratórios mas em caráter excepcional e sem que representem um reexame ou nova decisão Não há que se confundir a excepcional faculdade de corrigir erros materiais com o poder de refazer a sentença Para impugnar as decisões proferidas por juiz singular primeiro grau portanto estabelece o art 382 do CPP Art 382 Qualquer das partes poderá no prazo de 2 dois dias pedir ao juiz que declare a sentença sempre que nela houver obscuridade ambiguidade contradição ou omissão Em se tratando de acórdãos proferidos por tribunais os embargos declaratórios estão previstos nos arts 619 e 620 do CPP Art 619 Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação câmaras ou turmas poderão ser opostos embargos de declaração no prazo de dois dias contados da sua publicação quando houver na sentença ambiguidade obscuridade contradição ou omissão Art 620 Os embargos de declaração serão deduzidos em requerimento de que constem os pontos em que o acórdão é ambíguo obscuro contraditório ou omisso 1º O requerimento será apresentado pelo relator e julgado independentemente de revisão na primeira sessão 2º Se não preenchidas as condições enumeradas neste artigo o relator indeferirá desde logo o requerimento A rigor os embargos de declaração servem apenas para que o órgão julgador declare esclareça a decisão não para que ele volte a decidir retratese ou modifique o decidido ainda que isso possa excepcionalmente acontecer como se verá a seguir Vejamos agora os requisitos recursais e os efeitos que essa impugnação pode ter 41 Requisitos Objetivos e Subjetivos Partindo da estrutura recursal de requisitos objetivos cabimento e adequação tempestividade e preparo e subjetivos legitimidade e existência de um gravame vejamos essas categorias à luz dos embargos declaratórios Quanto ao cabimento os embargos de declaração servirão para impugnar a um ato decisório judicial seja ele sentença decisão interlocutória ou acórdão mesmo que irrecorrível b que tal ato decisório contenha uma obscuridade ambiguidade contradição ou omissão Todo ato judicial que tenha um caráter decisório ainda que mínimo é passível de embargos declaratórios mesmo que seja considerado irrecorrível como sucede com as decisões interlocutórias simples Pode parecer contraditório dizer decisão irrecorrível mas impugnável por embargos de declaração mas não o é A garantia constitucional da motivação das decisões judiciais e a própria legitimidade do exercício do poder jurisdicional no curso do processo penal impõem a clareza e possibilidade de compreensão dessas decisões sejam elas recorríveis ou não O que está em discussão é o direito das partes de saberem o que e por que tal ou qual decisão foi tomada Portanto toda e qualquer decisão ainda que dita irrecorrível pode ser objeto de embargos declaratórios Não se concebe a possibilidade de qualquer ato jurisdicional incompreensível independentemente de sua natureza Mas para tanto é necessário que essa decisão contenha a obscuridade no sentido de ser difícil de entender confusa enigmática vaga19 b ambiguidade é aquela decisão que se pode tomar em mais de um sentido é equívoca indeterminada imprecisa ou incerta20 c contradição é a decisão que contém um conflito de ideias uma dicotomia uma incompatibilidade entre as teses expostas ou entre as teses e o dispositivo Contraditório aqui é empregado no sentido de ilogicidade da própria decisão em que a fundamentação não conduz à conclusão ou a fundamentação é incompatível em si mesma d ou omissão tratase da falta juridicamente relevante ou seja a falta de enfrentamento de todas as teses acusatórias ou defensivas sejam fáticas ou jurídicas ou ainda de valoração da prova produzida no processo Nas decisões interlocutórias proferidas no curso da instrução a omissão pode existir em relação aos pedidos de diligências e provas postulados pelas partes e não decididos pelo juiz Nem sempre existe um limite claro entre esses conceitos devendo ser evitado o excessivo formalismo e preciosismo Excepcionalmente como veremos na continuação os embargos de declaração poderão ser utilizados para fins de prequestionamento da matéria a ser impugnada pela via do recurso especial ou extraordinário principalmente quando a decisão for omissa no enfrentamento da violação de norma constitucional ou federal ou negativa de vigência como se verá a seu tempo Os embargos de declaração devem ser opostos por escrito com as razões inclusas em que a parte demonstre o ponto a ser aclarado A exceção a essa regra fica por conta dos Juizados Especiais Criminais em que o art 83 da Lei n 909995 possibilita a interposição dos embargos declaratórios oralmente ou por escrito e também amplia o prazo que será de 5 dias Como regra o prazo é de 2 dois dias tanto para os embargos interpostos contra decisão de primeiro grau como também junto aos tribunais Esse prazo é contado da data da intimação do despacho ou decisão para os embargos apresentados em primeiro grau ou da publicação do acórdão quando interpostos nos tribunais Excepcionalmente como visto no âmbito dos Juizados Especiais Criminais esse prazo é de 5 dias Como regra não existe preparo para os embargos declaratórios mesmo sendo a ação penal de iniciativa privada mas é sempre aconselhável consultarse o Regimento Interno do respectivo tribunal e o Código de Organização Judiciária já que o Código de Processo Penal é omisso nesta matéria No que tange aos requisitos subjetivos estão legitimados a embargar o Ministério Público assistente da acusação o querelante e o réu ou querelado O gravame é inerente ao fato de se ter uma manifestação jurisdicional ambígua obscura contraditória ou omissa Não há prejuízo mais evidente do que estar submetido a uma decisão incompreensível ou incompleta O interesse recursal está vinculado à ineficácia da garantia da motivação das decisões judiciais 42 Efeitos Devolutivo Suspensivo e Modificativo Infringentes Os embargos declaratórios têm efeito interativo ou regressivo pois atribuem ao próprio juiz ou tribunal que ditou a decisão o poder de reexaminála ou seja regressa para o mesmo órgão decisório Incumbe ao juiz que proferiu a sentença ou câmaraturma criminal em caso de acórdão decidir novamente esclarecendo a contradição ambiguidade obscuridade ou omissão Como regra não há uma modificação na decisão mas apenas a declaração de seu conteúdo incompreensível Por esse motivo em tese nada impede que existam embargos declaratórios sucessivos ou seja interpostos mais de uma vez em relação à mesma decisão Excepcionalmente em casos complexos pode ser que a nova decisão ainda não esclareça completamente os pontos omissos obscuros ambíguos ou contraditórios cabendo portanto a renovação dos embargos declaratórios Mas essa é uma situação excepcional Quanto ao efeito suspensivo na verdade os embargos declaratórios interrompem o prazo para interposição de qualquer outro recurso desde que a decisão seja recorrível é claro Não se trata de suspender mas sim de interromper o prazo dos demais recursos na medida em que deverá fluir por inteiro Neste ponto após longa divergência doutrinária a questão pacificouse no sentido da aplicação analógica do art 538 do CPC diante da omissão do CPP com a interrupção dos prazos recursais Ainda que os embargos não sejam conhecidos ou providos temse como interrompido o prazo de qualquer outro recurso que vise impugnar aquela decisão Não há como ser diferente nem condicionar a interrupção ao provimento do recurso Tampouco o processo penal admite casuísmos ou seja deixar a critério do juiz ou tribunal a interrupção ou não do prazo A disciplina legal deve ser clara e pragmática para evitarse cerceamento de defesa ou injustas preclusões Em se tratando de prazo recursal como os demais prazos processuais a definição deve ser metajudicial não cabendo a juízes ou tribunais a definição mas sim à lei processual A única exceção que pensamos deva ser feita a essa regra é no caso de embargos declaratórios sucessivos e manifestamente infundados e protelatórios Assim por exemplo diante de uma decisão a parte interpõe embargos de declaração e após a nova manifestação judicial sucedemse embargos declaratórios manifestamente infundados Nesse caso pensamos em relação à segunda impugnação sendo ela manifestamente infundada e não conhecidos os embargos não há que se falar em interrupção do prazo recursal Mas cuidado em se tratando de Juizado Especial Criminal o art 83 2º da Lei n 909995 estabelece expressamente que os embargos de declaração suspendem o prazo para interposição de outros recursos Com isso por exemplo se intimada da sentença a parte apresentar os embargos de declaração no segundo dia esse tempo dois dias será computado na contagem do prazo do recurso de apelação a ser interposto após o julgamento dos embargos Logo considerando que o prazo para interpor a apelação é de 10 dias art 82 1º da Lei n 909995 restarão apenas 8 dias para recorrer Nos demais casos fora da competência do JECrim a interrupção faz com que o prazo comece por inteiro após o julgamento dos embargos declaratórios ou seja no exemplo anterior a parte teria os 5 dias previstos no art 593 do CPP para apelar Ainda na dimensão de efeito recursal muito interessante são os efeitos infringentes ou modificativos que podem adquirir os embargos de declaração ainda que sem previsão legal Os embargos declaratórios não têm uma função modificativa mas meramente esclarecedora declarando o conteúdo não compreendido da decisão Excepcionalmente quando há grave omissão ou contradição o esclarecimento conduz inexoravelmente à modificação da decisão caracterizando assim os efeitos modificativos ou infringentes Tratase de uma modificação da decisão por imposição lógica como sucede por exemplo na sentença condenatória que fixa a pena em 2 anos de detenção por um delito cometido sem violência ou grave ameaça e determina a expedição de mandado de prisão por negar o direito de apelar em liberdade O réu antes da apelação interpõe embargos declaratórios alegando uma grave omissão o não enfrentamento da possibilidade de substituição da pena nos termos do art 44 do CP O juiz acolhendo o pedido declara o ponto omisso e com isso modifica substancialmente a sentença na medida em que substitui a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos Ainda diante da nova decisão reconhece o direito de o réu apelar em liberdade pois manifestamente desproporcional decretarse a prisão preventiva diante de uma sentença que determinou a prestação de serviços à comunidade Mas há casos em que a modificação é mais profunda especialmente quando há contradição entre a fundamentação e a decisão ou grave omissão em que a decisão dos embargos de declaração acaba por modificar completamente a natureza da sentença Imaginese uma decisão que na fundamentação e análise da prova afirme a autoria e materialidade tomando o caminho da condenação Contudo inexplicavelmente o dispositivo absolve o réu O Ministério Público apresenta embargos de declaração apontando a grave contradição entre a fundamentação e o dispositivo Se acolhidos os embargos haverá claramente efeitos modificativos ou infringentes pois o juiz deverá refazer o dispositivo com a respectiva dosimetria e proferindo uma sentença condenatória Como regra uma vez interpostos os embargos de declaração não há contraditório ou seja não há manifestação da outra parte apenas do juiz Contudo quando houver possibilidade de radical modificação na decisão efeitos modificativos ou infringentes que possa inclusive inverter o gravame como no exemplo anterior é aconselhável que o juiz determine a intimação da parte contrária que poderá ser afetada pela nova decisão proferida para que apresente contrarrazões21 Tratase de uma medida salutar com vistas a dar eficácia ao contraditório e que em nada prejudica a celeridade do recurso e do processo Inclusive em caso de sentença se uma das partes interpõe os embargos declaratórios e a outra não recorre pois satisfeita com o decidido havendo modificação da decisão pela admissão dos embargos nasce o direito de recorrer da outra parte a partir dessa decisão nova Nesse caso os efeitos modificativos dos embargos fazem com que a parte inicialmente não sucumbente passe a sêlo nascendo ali seu interesse recursal O prazo para eventuais recursos dessa nova decisão nasce com a intimação Ou seja a interrupção do prazo recursal operada com a interposição dos embargos declaratórios a todas as partes aproveita e não apenas ao que embargou Isso decorre inclusive da possibilidade de uma inversão do gravame em decorrência dos efeitos modificativos E caso já tenha a parte recorrido com a inversão do gravame deverá serlhe oportunizado novo prazo para razões em nome da regra da complementaridade dos recursos Em suma os efeitos modificativos são excepcionais e exigem especial atenção com a eficácia do contraditório diante da possibilidade de inversão do gravame 5 Do Agravo em Execução Penal Verificada no curso do processo a efetiva existência do delito e proferida sentença penal condenatória iniciase a execução penal em que o poder estatal de penar será levado a cabo Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória está constituído o título executivo Contudo o problema não está terminado ao contrário iniciase mais uma problemática fase do já doloroso processo penal definida por CARNELUTTI22 como expiación de la pena considerado como o conjunto de atos processuais que se verificam depois de haver passado em julgado a sentença condenatória O processo de execução é atividade que exige na sua plenitude a atuação jurisdicional A instrumentalidade inerente ao processo está fundada na tutela judiciária dos direitos subjetivos do sentenciado e também voltada para a efetividade do comando concreto emergente da sentença23 É importante destacar que atualmente o grande problema do processo penal está nos seus dois extremos no inquérito policial e na execução da pena Ambos administrativos e inquisitivos deixando o sujeito passivo em completo abandono sendo tratado com objeto e sem as mínimas garantias A LEP Lei de Execuções Penais é notadamente inquisitiva já nos primeiros passos da execução pois a jurisdição executiva inicia de ofício com a expedição da carta de guia pelo juiz Na continuação atribui ao juiz ampla possibilidade de atuar ex officio predomina a forma escrita dos atos o contraditório e o direito de defesa são bastante limitados defesa técnica e por derradeiro a própria coisa julgada pode ser violada Em definitivo o processo de execução concebido pela LEP é inquisitivo incompatível com a matriz democráticogarantista e portanto acusatória da nossa Constituição Como bem aponta MORENO CATENA24 parece que a submissão do condenado à execução leva como lógica e iniludível consequência a privação de toda possibilidade de intervir nas atividades que nela se realizam ou de oporse a ela como se o Estado se convertesse em um ser onipotente frente ao condenado devendo este padecer qualquer atividade ou restrição em seus direitos ainda que resulte arbitrária ou excessiva olvidando a estrita sujeição da execução ao princípio da legalidade Nada mais equivocado O apenado não perde o direito de defesa técnica e essa restrição na prática forense de uma das manifestações capitais do direito de defesa se não do direito mesmo em toda sua extensão carece de qualquer justificação à luz de seu reconhecimento como norma fundamental25 Talvez o ponto nevrálgico da ausência de defesa técnica venha da frágil justificativa de que o preso tem plena capacidade postulatória art 41 XIV da LEP É uma falácia que serve apenas para acobertar o imenso prejuízo que ele sofre pelo abandono O preso não deve ter capacidade postulatória porque isso é uma falsa vantagem Ele tem de ter isso sim um defensor pois a defesa técnica é imprescindível e indisponível Tal situação é agravada ao extremo quando cotejada com o mofado discurso de que na execução todos são advogados do preso juízes promotores servidores etc Existe sem dúvida o que CARNELUTTI26 define como reviviscencia del proceso de cognición durante la ejecución penal isto é ainda que no curso de um processo de execução existem situações incidentes que levam necessariamente a uma atividade cognoscitiva e posteriormente decisória Tudo isso dentro do processo de execução Uma espécie de contaminação na jurisdição executiva por parte da jurisdição decisória É exatamente nesses momentos que temos os incidentes da execução que exigem a intervenção de todos os princípios constitucionais aplicáveis ao processo de conhecimento No art 2º da LEP encontramos a determinação de que a jurisdição será exercida no processo de execução pelos juízes e tribunais da justiça ordinária Na continuação o art 3º estabelece que ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei o que nos leva a invocar na Constituição a garantia do due process of law consagrada no art 5º LIV Categórico o art 65 estabelece que a execução penal competirá ao juiz indicado na lei local de organização judiciária e na sua ausência ao da sentença Destaquese na sua ausência a execução será de competência do juiz da sentença e não de autoridade administrativa Não há espaço para o ente administrativo presidir a execução Por derradeiro encontramos no art 194 a consagração do procedimento judicial que se desenvolverá perante o Juízo da Execução Nenhuma dúvida existe de que a LEP consagra ao menos normativamente o procedimento jurisdicional E não poderia ser diferente Com razão HINOJOSA SEGOVIA27 ao apontar que existe uma inequívoca tendencia a la jurisdiccionalización de la ejecución de las penas privativas de libertad até mesmo por uma exigência das Regras Mínimas do Conselho da Europa aprovadas pela Resolução de 19 de janeiro de 1973 que no seu art 562 recomenda el respeto a los derechos individuales de los reclusos e en particular la legalidad de la ejecución de las penas deberá estar asegurada por el control ejercido conforme a la Reglamentación nacional por una autoridad judicial o cualquier otra autoridad administrativa legalmente habilitada para visitar a los reclusos y no perteneciente a la Administración Penitenciaria grifo nosso É inadmissível abrirse mão da garantia da jurisdição quando da execução da pena Devemos destacar que a LEP consagra uma série de incidentes que exigem a pronta intervenção jurisdicional inerentes a um modelo progressivo Nessa linha ao lado do sursis e do livramento condicional encontramos a progressão de regimes fechado semiaberto e aberto a regressão a remição pelo trabalho saídas temporárias aplicação de normas posteriores mais benéficas detração soma ou unificação de penas aplicaçãosubstituição por medida de segurança etc O acompanhamento por parte do órgão jurisdicional deve ser permanente e intenso Devese acima de tudo buscar o mais amplo acesso à justiça E se o juiz é o garantidor da eficácia do sistema de garantias da Constituição ao não se ter acesso a ele é negada ao preso a eficácia da proteção constitucional Em última análise se lhe negam os direitos fundamentais Caberá ao juiz também estar atento para eliminar os abusos durante este processo e pronto para resolver as controvérsias sobre a execução do julgado seus limites e possibilidades e a respeito da tutela dos inúmeros interesses jurídicos do condenado28 Um dos grandes equívocos da práxis penitenciária é o de considerar que alguém por ter sido condenado e estar preso perdeu seus demais direitos constitucionais além é claro do direito de ir e vir Voltaremos ao tema ao tratarmos da garantia da jurisdição Na mesma linha AGOSTINHO BENETI29 argumenta que a execução penal só pode ser levada a cabo com estrita observância das garantias próprias do Estado de Direito e portanto deve realizarse por intermédio da atividade jurisdicional Para o autor não seria de rigor lógico assegurar a imparcialidade apenas no julgamento da acusação no processo de conhecimento e não garantir na execução idêntica imparcialidade Não se olvide que como já se disse a pena vive na execução Mas a garantia da jurisdição na execução penal não estaria completa se as decisões proferidas nos diversos incidentes lá existentes fossem inatacáveis Significa dizer ainda que mesmo em sede de execução criminal há que se garantir o duplo grau de jurisdição Nessa linha a Lei de Execuções Penais LEP Lei n 721084 prevê no seu art 197 o seguinte Art 197 Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo sem efeito suspensivo Infelizmente a isso se resume a disciplina legal do agravo em execução penal Após alguma oscilação jurisprudencial pacificouse corretamente o entendimento de que esse agravo deverá seguir o processamento do recurso em sentido estrito anteriormente estudado e previsto nos arts 581 a 592 do CPP A postura é correta na medida em que os incidentes da execução penal são resolvidos por meio de decisões interlocutórias sendo o recurso em sentido estrito a impugnação mais adequada Vejamos agora os requisitos recursais objetivos e subjetivos 51 Requisitos Objetivos e Subjetivos Iniciandose pelos requisitos objetivos de cabimento e adequação cumpre explicar que o agravo em execução destinase a impugnar as decisões interlocutórias tomadas no curso da execução criminal como por exemplo a que nega ou concede a progressão de regime determina a regressão de regime concede ou denega o pedido de livramento condicional a que homologa um Procedimento Administrativo Disciplinar e determina a regressão de regime ou perda dos dias remidos que nega o pedido de saídas temporárias concede ou denega o pedido de indulto comutação remição etc Ao contrário do que ocorre no recurso em sentido estrito não há um rol taxativo de decisões impugnáveis pela via do agravo em execução importando a existência de uma decisão interlocutória que gere um gravame para o réu ou da qual discorde o Ministério Público Em linhas gerais os incidentes da execução criminal devem ser objeto de uma decisão jurisdicional e esta decisão poderá ser impugnada pela via do agravo Esse recurso poderá ser interposto por petição ou por termo nos autos art 578 do CPP permitindo se assim que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita ou seja termo nos autos Mas diante da realidade da execução penal a interposição por termo nos autos dificilmente ocorre A regra é a interposição por petição No que diz respeito à tempestividade o agravo é regido pelos seguintes prazos 5 dias para interposição art 586 do CPP 2 dias para apresentação das razões art 588 do CPP Como ocorre com o recurso em sentido estrito o agravo em execução se desenvolve em dois momentos distintos um para interposição em que se afere a tempestividade e outro para apresentação das razões mas sublinhamos a tempestividade é a exigência de interposição no prazo de 5 dias a contar da intimação da decisão A apresentação das razões fora do prazo fixado 2 dias é mera irregularidade que não prejudica a admissão do recurso Também é importante recordar a faculdade disposta na Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Para evitar repetições remetemos o leitor ao explicado anteriormente sobre interposição tempestividade e preparo Não há que se falar em preparo no agravo em execução não apenas porque inexiste previsão legal sobre as custas deste recurso mas também porque já se esgotou o processo de conhecimento em que se iniciado pela ação penal de iniciativa privada obrigaria ao pagamento das custas Em sede de execução criminal não há que se falar em custas processuais ou recursais Ingressando nos requisitos recursais subjetivos cumpre esclarecer que a legitimação para agravar é do Ministério Público defensor ou apenado até porque na execução atribuise ao preso a capacidade de postular em juízo o que constitui um absurdo na medida em que o correto é terse um serviço de defensoria pública suficientemente forte e bem estruturado para acabar com essa falácia de que na execução todos são advogados do apenado quando na verdade ninguém o é Quanto ao interesse recursal está vinculado à existência de um gravame um prejuízo jurídico decorrente da denegação de um pedido ou mesmo do estabelecimento de uma situação mais gravosa como pode ser a regressão de regime ou a perda dos dias remidos em virtude de um PAD procedimento administrativo disciplinar 52 Aspectos Procedimentais Formação do Instrumento e Efeito Regressivo O agravo em execução subirá por instrumento devendo a parte recorrente indicar as peças do Processo de Execução Criminal PEC que pretenda traslado ou seja quais petições e decisões entende necessário fotocopiar para formar os autos que subirão ao tribunal com o recurso Existem peças que a parte indica e outras que são necessárias como determina o art 587 parágrafo único do CPP São peças obrigatórias a a decisão recorrida b a certidão da intimação da parte recorrente para aferir a tempestividade do recurso c e obviamente o termo de interposição caso não seja interposto por petição Além das obrigatórias e das indicadas pelas partes poderá o juiz determinar que integrem o instrumento todas as peças que julgar necessárias art 589 A petição de interposição e as razões são peças que logicamente sempre integrarão o instrumento da mesma forma que as contrarrazões do recorrido Na prática o instrumento não é preparado pelo cartório ou secretaria como estabelece o CPP e tampouco adianta o recorrente apenas indicar as peças Diante da institucionalizada falta de recursos materiais humanos de boa vontade etc deverá o interessado pegar os autos em carga e providenciar todas as cópias já as anexando às razões do recurso sob pena de ver sua impugnação amargar meses parada na prateleira do cartório Interposto tempestivamente o agravo em execução apresentadas as razões e formado o instrumento com a resposta do recorrido ou sem ela sendo o apenado deverá o juiz nomear defensor dativo para apresentála em nome da eficácia da ampla defesa os autos serão conclusos ao juiz que proferiu a decisão efeito regressivo para que a mantenha ou reforme Nesse sentido é o que estabelece o art 589 do CPP Exige atenção a sistemática do parágrafo único pois se o juiz da execução se retratar e reformar a decisão impugnada haverá uma inversão do gravame cabendo à parte até então não prejudicada mas que com a retratação o foi recorrer dessa nova decisão por simples petição não sendo mais lícito ao juiz modificála Nesse caso sem qualquer complemento da fundamentação das partes o recurso subirá nos próprios autos ou em traslado conforme o caso Essa simples petição é uma peculiar forma de recorrer da nova decisão devendo a parte ali já fazer a fundamentação que julgar necessária pois não haverá outra oportunidade E qual o prazo para que a parte agora prejudicada apresente essa simples petição O CPP não define mas é lógico darse o mesmo tratamento dispensado ao recurso ou seja 5 dias Essa simples petição deve ser apresentada em até 5 dias da data em que a parte prejudicada for intimada da retratação do juiz Ao contrário do que ocorre no recurso em sentido estrito em que a simples petição somente será possível se a nova decisão for recorrível no agravo esse problema não existe Isso porque não há um rol taxativo de decisões impugnáveis pelo agravo em execução diversamente da sistemática do RSE Portanto havendo retratação sempre será possível que a parte prejudicada recorra dessa nova decisão por simples petição 53 Efeito Devolutivo e Suspensivo O agravo em execução criminal tem efeito misto ou seja regressivo no primeiro momento devolução ao juiz a quo e devolutivo propriamente dito no segundo momento quando o juiz não exerce o juízo de retratação e o agravo é remetido ao tribunal ad quem O fato de o agravo não ter efeito suspensivo faz com que muitas vezes seja interposto habeas corpus para evitar ou sanar a grave coação ilegal que o apenado sofre ou pode vir a sofrer Isso porque em geral os incidentes da execução giram em torno da possibilidade ou não de progressão regressão livramento condicional obtenção de indulto comutação unificação de penas etc ou seja questões diretamente ligadas ao estado de liberdade ou ausência de do apenado cuja urgência não é compatível com um recurso despido de efeito suspensivo Mas alguns tribunais muitas vezes alheios à realidade medieval do sistema carcerário brasileiro adotando uma postura formalista e burocrática não conhecem do habeas corpus diante da existência de recurso específico agravo Daí por que especialmente a defesa se vê compelida a lançar mão dos dois instrumentos de forma simultânea habeas corpus e agravo em execução Se o primeiro for conhecido e quem sabe até a liminar concedida esvazia o objeto do segundo Do contrário em não sendo conhecido o writ o agravo já está tramitando diminuindo o tempo de espera do apenado por uma decisão 6 Da Carta Testemunhável De origem lusitana como explicam GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE30 a carta testemunhável remonta ao tempo do Império e servia para evitar que os juízes se ocultassem para não receber os recursos ou determinassem ao escrivão que não lhes desse andamento Nestes casos o recorrente comparecia em cartório acompanhado de duas testemunhas e relatava o que estava sucedendo ao escrivão manifestando sua intenção de recorrer Caso o escrivão admitisse a veracidade dos fatos narrados fornecendo atestado a respeito o problema ficava solucionado Em caso de relutância do escrivão o recorrente comparecia ao tribunal com as duas testemunhas Sem dúvida um instrumento processual bastante curioso não apenas no nome mas que atualmente tem pouca utilidade prática e revelase bastante anacrônico desconectado da realidade do processo penal e da administração da justiça contemporânea Mas ainda está em vigor sendo disciplinado nos arts 639 a 646 do CPP Iniciemos pelo art 639 Art 639 Darseá carta testemunhável I da decisão que denegar o recurso II da que admitindo embora o recurso obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem Eis os casos em que a carta testemunhável tem cabimento servindo basicamente para permitir que o recurso seja finalmente enviado ao tribunal ad quem seguindo lá sua tramitação Mas qual ou quais recursos Apenas o recurso em sentido estrito e o agravo em execução Isso porque a carta testemunhável é um recurso subsidiário somente podendo ser utilizado se não houver um recurso específico para a decisão denegatória Por exemplo em se tratando de apelação a denegação é impugnável por recurso em sentido estrito art 581 XV sendo denegada a subida de recurso especial ou extraordinário caberá agravo de instrumento a seguir explicado No que se refere à forma de interposição vejamos o que determina o art 640 do CPP Art 640 A carta testemunhável será requerida ao escrivão ou ao secretário do tribunal conforme o caso nas quarenta e oito horas seguintes ao despacho que denegar o recurso indicando o requerente as peças do processo que deverão ser trasladadas Ainda que o CPP não o diga entendemos que a carta testemunhável deverá ser requerida ao escrivão por escrito logo petição dirigida ao escrivão e não ao juiz no prazo de 2 dias ainda que o dispositivo estabeleça 48h os prazos não são contados em horas portanto vale a regra dos 2 dias indicando as peças formação do instrumento Esse prazo é contado da data da intimação da decisão que denegou o recurso ou obstou o seu seguimento Quanto à legitimidade está vinculada àquela necessária para a interposição do recurso originário para o qual foi denegado o prosseguimento logo Ministério Público assistente da acusação ou o defensor do imputado Quanto ao interesse está vinculado à existência do gravame inerente ao fato de a parte ser prejudicada pelo não prosseguimento de seu recurso independentemente do motivo indicado pelo juiz Não há que se falar em preparo para a carta testemunhável até porque é um recurso destinado a levar ao órgão ad quem o conhecimento de uma decisão que denegou um outro recurso Assim eventuais custas recursais se existentes dizem respeito ao recurso originário cujo prosseguimento foi denegado O procedimento segue nos termos do art 641 Art 641 O escrivão ou o secretário do tribunal dará recibo da petição à parte e no prazo máximo de cinco dias no caso de recurso no sentido estrito ou de sessenta dias no caso de recurso extraordinário fará entrega da carta devidamente conferida e concertada Assim feita a petição e indicadas as peças deverá o escrivão ou secretário do tribunal no prazo de 5 dias entregar o instrumento ao recorrente A menção que o dispositivo legal faz ao recurso extraordinário perdeu sentido com a nova disciplina estabelecida pela Lei n 8038 Como o art 643 remete para os arts 588 a 592 do CPP o procedimento a ser seguido será o mesmo do recurso em sentido estrito ou seja deverá o recorrente apresentar razões no prazo de 2 dias após intimase o recorrido para contrarrazões no mesmo prazo indo os autos conclusos para que o juiz se retrate e receba o recurso determinando sua subida ou mantenha sua decisão Neste último caso sobe o instrumento Nesse último caso estabelece o art 644 que o tribunal câmara ou turma a que competir o julgamento da carta se desta tomar conhecimento mandará processar o recurso ou se estiver suficientemente instruída decidirá logo de meritis Com isso o tribunal ad quem poderá desde logo decidir o mérito do recurso que teve seu prosseguimento denegado Por fim a carta testemunhável tem efeito devolutivo misto regressivo no primeiro momento e devolutivo propriamente dito no segundo e não terá efeito suspensivo por expressa vedação do art 646 do CPP 7 Dos Recursos Especial e Extraordinário Os recursos especial e extraordinário são meios de impugnação de natureza extraordinária na medida em que respectivamente o Superior Tribunal de Justiça STJ e o Supremo Tribunal Federal STF não reexaminam todo o julgamento senão que se limitam ao aspecto jurídico da decisão impugnada ou seja à discussão das questões de direito expressamente previstas em lei São por isso recursos de fundamentação vinculada posto que a matéria discutida fica limitada àqueles expressamente previstos na Constituição Quanto à discussão em torno da prova ou seja de questões de fato em ambos os recursos isso está vedado Assim dispõem as Súmulas n 07 do STJ e n 279 do STF SÚMULA N 07 do STJ A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial SÚMULA N 279 do STF Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário Mas essa limitação deve ser bem compreendida pois o que se veda é a rediscussão da axiologia da prova em relação ao caso penal mas não o regime legal das provas Portanto a violação de regras processuais atinentes à prova dos princípios das provas a utilização de prova ilícita a prova ilícita por derivação a atribuição de carga probatória ao réu enfim as questões legais acerca da prova são passíveis de recurso especial Nem sempre a distinção entre questões de fato e questões de direito é tão cartesiana na realidade é uma distinção tênue e complexa O que ambas as Súmulas vedam é o simples reexame da prova o que não impede portanto a discussão sobre a qualificação jurídica dos fatos ou seja o juízo de tipicidade realizado pelo tribunal a quo no caso concreto A discussão situase na incidência ou não da norma penal no caso em julgamento a interpretação dada e os limites semânticos do tipo É claro que a prova questão de fato é o pano de fundo da discussão mas não o objeto dela Portanto admissível o recurso especial Exemplo desta situação se dá no recurso especial do acórdão que manteve a pronúncia por homicídio doloso eventual em um crime de trânsito quando a tese defensiva é de crime culposo31 A distinção entre questão de fato e questão de direito nesse caso é bastante tênue pois não há como circunscrever a discussão ao conceito jurídico de dolo e culpa sem incursionar na prova do fato Mudando o enfoque ambos os recursos destinamse a impugnar as decisões proferidas em única nos casos de competência originária dos tribunais ou última instância constituindose em ultima ratio do sistema recursal que sempre pressupõem o exaurimento das vias recursais ordinárias Neste sentido exige a Súmula n 281 do STF SÚMULA N 281 do STF É inadmissível o recurso extraordinário quando couber na justiça de origem recurso ordinário da decisão impugnada Tal exigência serve para ambos os recursos pois também o especial não tem cabimento quando a matéria não tiver esgotado os recursos ordinários Considerando que os recursos especial e extraordinário têm diversos pontos em comum faremos uma análise conjunta destacando quando necessário as especificidades de cada um deles 71 Requisitos Objetivos e Subjetivos O cabimento e a adequação dos recursos especial e extraordinário são distintos sendo necessária uma análise ainda que sumária de cada caso a partir da disciplina constitucional da matéria Iniciemos pelo recurso especial e após o extraordinário 711 Cabimento e Adequação no Recurso Especial O recurso especial tem seus casos de cabimento expressamente previstos no art 105 III da Constituição a saber III julgar em recurso especial as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida COMENTÁRIO O recurso especial será julgado pelo Superior Tribunal de Justiça após uma decisão em única ou última instância pelos tribunais de justiça dos Estados do Distrito Federal e Territórios ou dos tribunais regionais federais O julgamento em única instância a que se refere o dispositivo diz respeito aos casos em que esses tribunais têm competência originária porque o réu possui prerrogativa de função ou existe a reunião em razão da conexão ou continência Nesses casos da decisão tomada pelo tribunal caberá apenas recurso especial ou extraordinário conforme o caso Já a menção feita pelo dispositivo à decisão em última instância significa que o processo foi julgado em primeiro grau e após foram esgotados todos os recursos ordinários apelação embargos infringentes e de nulidade embargos declaratórios etc Decisão em última instância pressupõe o esgotamento de todos os recursos no respectivo Tribunal Estadual ou Regional Federal pois só então se abre a possibilidade do recurso especial Sublinhese por fim o disposto na Súmula n 203 do STJ Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais É uma situação diversa daquela estabelecida para o recurso extraordinário em que a Súmula n 640 do STF dispõe que é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal a contrariar tratado ou lei federal ou negarlhes vigência COMENTÁRIO O primeiro caso de cabimento de recurso especial dáse quando a decisão do tribunal a quo for contrária a algum tratado internacional ou lei federal Código Penal Código de Processo Penal Lei de Execuções Penais etc ou ainda negarlhes vigência no sentido de não aplicar dispositivo legal previsto em lei federal ou tratado Dessarte é o recurso especial um instrumento de tutela e controle da aplicação da legislação infraconstitucional ao passo que a tutela da Constituição corresponde ao Supremo Tribunal Federal É recorrente a interposição de recurso especial por não observância ou não aplicação o que significa negar vigência de formas processuais ou seja a prática de atos judiciais ao longo do processo que são contrários às regras procedimentais ou probatórias Isso se equipara à negativa de vigência de lei federal Se a defesa por exemplo arguir a existência de um defeito insanável em sede de preliminar de apelação postulando o reconhecimento da nulidade e o tribunal não der provimento a esse pedido em tese poderá ingressar com recurso especial discutindo exclusivamente essa questão jurídica violação de norma federal ou negativa de vigência conforme o caso Em última análise não foi devidamente observada a legislação infraconstitucional ou a disciplina contida em tratados internacionais no momento da aplicação do direito ao caso concreto Contudo não se pode desconsiderar o que dissemos anteriormente sobre o ato decisório e a eleição de significados da norma bem como a inevitável interpretação da lei que deve ser feita neste momento Daí por que a contrariedade à lei federal ou tratado internacional acaba por ser uma questão hermenêutica e mais do que isso de conformidade ou não entre a interpretação e aplicação feita pelo tribunal a quo em relação à posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça Razão assiste a PACELLI32 quando afirma que a contrariedade à lei federal termina por se revelar então apenas como uma contrariedade ao entendimento que tem o Superior Tribunal de Justiça sobre o conteúdo de determinada norma legal Quanto aos tratados internacionais de direitos humanos uma ressalva deve ser feita Os tratados internacionais de direitos humanos quando ratificados gozam de evidente prevalência sobre a legislação ordinária pois como explica MENDES33 não se pode negar que a reforma também acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes conferindolhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico Portanto tratado devidamente aprovado nos termos do art 5º 3º da Constituição tem status de emenda constitucional sendo objeto de recurso extraordinário junto ao STF Superada essa questão subsiste outra problemática e os tratados de direitos humanos mais especificamente a Convenção Americana de Direitos Humanos que é anterior à Emenda Constitucional 45 quando for violada será objeto de recurso especial STJ ou extraordinário STF A questão é polêmica e novamente nos remete para a discussão acerca da receptividade da CADH No RE 466343SP e no HC 87585TO o STF firmou posição por maioria apertada que a CADH tem valor supralegal ou seja está situada acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Contudo estamos com VALERIO MAZZUOLI e o Min CELSO DE MELLO que sustentam posição diversa no sentido de que tal tratado tem índole e nível constitucional por força do art 5º 2º da CF Inobstante a divergência coincidem as posições no sentido de que a CADH é um paradigma de controle da produção e aplicação normativa doméstica estando acima das leis ordinárias cujo controle de validade está a cargo do STJ Portanto sustentamos que a decisão que viole normas e princípios contidos na Convenção Americana de Direitos Humanos deve ser impugnada através do recurso extraordinário junto ao STF34 b julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal COMENTÁRIO Não vislumbramos aplicação no processo penal desse dispositivo mas se for o caso é o controle pela via do recurso especial de uma decisão que considerar válido um ato do poder executivo governo local sobre o qual exista uma divergência de interpretação no confronto com a disciplina contida em uma lei federal c dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal COMENTÁRIO Nesse caso um Tribunal Estadual ou Regional Federal diverge da interpretação dada por outro Tribunal Estadual ou Regional Federal em relação a um mesmo dispositivo legal Não se dá essa hipótese de cabimento quando a divergência é interna ou seja dentro do mesmo tribunal Nesta linha estabelece a Súmula n 13 do STJ SÚMULA N 13 do STJ A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial Portanto a divergência deve estabelecerse entre tribunais distintos sendo irrelevante se estaduais ou regionais federais Não se trata de divergência de teses jurídicas ou de fundamentação mas de decisão Importa é a decisão que ao aplicar a lei federal gera a divergência Exercerá o Superior Tribunal de Justiça a tutela da legislação infraconstitucional uniformizando a divergência jurisprudencial em torno de uma lei federal Novamente o que se tem é uma problemática de natureza hermenêutica em que dois tribunais dão a uma mesma lei federal diferentes interpretações e aplicações ou de não aplicação Caberá ao STJ a última palavra sinalizando o sentido a ser dado à norma pondo fim à divergência jurisprudencial Neste sentido vejamos a Súmula n 83 do STJ SÚMULA N 83 do STJ Não se conhece do recurso especial pela divergência quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida Quanto à interposição do recurso especial com base nesta alínea devese atentar para o disposto no art 26 parágrafo único da Lei n 803890 Art 26 Parágrafo único Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão ou indicação do número e da página do jornal oficial ou do repertório autorizado de jurisprudência que o houver publicado A não observância desse requisito conduzirá ao não conhecimento do recurso especial É importante que o recorrente além de mencionar e demonstrar a existência do acórdão divergente explicite a divergência transcrevendo e comparando as ementas e o núcleo da fundamentação de cada acórdão Não basta alegar a divergência há que se explicitar e analisar os pontos em que as interpretações tencionam 712 Cabimento e Adequação no Recurso Extraordinário O recurso extraordinário tem seus casos de cabimento expressamente previstos no art 102 III da Constituição a saber III julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida COMENTÁRIO O recurso extraordinário será julgado pelo Supremo Tribunal Federal após uma decisão em única ou última instância pelos tribunais de justiça dos Estados do Distrito Federal e Territórios ou dos tribunais regionais federais e ainda após o julgamento do recurso especial por parte do STJ se cabível O julgamento em única instância a que se refere o dispositivo diz respeito aos casos em que esses tribunais estaduais ou regionais federais ou o Superior Tribunal de Justiça têm competência originária porque o réu possui prerrogativa de função ou existe a reunião em razão da conexão ou continência Já a menção feita pelo dispositivo à decisão em última instância significa que o processo foi julgado em primeiro grau e após foram esgotados todos os recursos ordinários apelação embargos infringentes e de nulidade embargos declaratórios etc e também o recurso especial se cabível Decisão em última instância pressupõe o esgotamento de todos os recursos no respectivo Tribunal Estadual ou Regional Federal ou STJ pois só então se abre a possibilidade do recurso extraordinário Quanto às decisões das turmas recursais do Juizado Especial Criminal a Súmula n 640 do STF dispõe que é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal Ao contrário do recurso especial que exige causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios o recurso extraordinário não menciona tribunais permitindo assim a interpretação dada pela Súmula mencionada do cabimento em relação à decisão proferida por turma recursal É possível ainda que um mesmo acórdão viole normas infraconstitucionais e também constitucionais devendo ser interpostos ambos especial e extraordinário simultaneamente Nesse caso será julgado primeiro o recurso especial ficando o extraordinário sobrestado e caso não seja prejudicado será julgado após a decisão proferida pelo STJ no recurso especial35 a contrariar dispositivo desta Constituição COMENTÁRIO Um dos fundamentos mais utilizados na interposição do recurso extraordinário é exatamente este o de que a decisão do tribunal a quo é contrária a dispositivo constitucional mais especificamente a princípio constitucional aplicável ao direito processual penal e penal Exerce o recurso extraordinário a função de tutela e controle da aplicação da Constituição Um obstáculo ao conhecimento do recurso extraordinário é o fato de o Supremo Tribunal Federal ter posição firmada no sentido de que a contrariedade ao dispositivo constitucional deve ser clara uma ofensa direta e frontal não ensejando o recurso extraordinário uma contrariedade reflexa36 Como bem apontou o Min CEZAR PELUSO no AIAgR 208260PA DJe 1º022008 não se admite recurso extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que irradiandose de má interpretação aplicação ou até inobservância de normas infraconstitucionais seria apenas indireta à Constituição da República37 Se antes de se violar uma norma constitucional há o descumprimento direto de um dispositivo infraconstitucional a tendência é a discussão encerrarse em sede de recurso especial principalmente quando a ofensa à Constituição é reflexa ou decorre da interpretação de princípio constitucional Por esse motivo muitos recursos extraordinários fundados na alegação de nulidade por violação de princípio constitucional contraditório ampla defesa etc sequer são conhecidos pois antes da violação constitucional operase o descumprimento ou não de uma norma infraconstitucional como o Código de Processo Penal por exemplo A discussão acaba por esgotarse no âmbito do recurso especial sem que sequer tenha seguimento o recurso extraordinário Uma questão nova e que dará margem a muita discussão é a prova ilícita Até a reforma de 2008 a ilegalidade da prova ilícita estava exclusivamente prevista no art 5º LVI da Constituição ensejando recurso extraordinário por violação direta e frontal à Constituição Contudo após a reforma de 2008 a disciplina da prova ilícita foi inserida no Código de Processo Penal mais especificamente no art 157 do CPP Portanto a partir de então a discussão sobre a ilicitude ou não da prova e demais problemáticas em torno deste tema será sempre objeto de recurso especial pois antes da alegada violação da norma constitucional existe o obstáculo da discussão no âmbito da norma federal a ser feito pelo STJ Será muito difícil terse conhecido um recurso extraordinário nesta questão após a reforma de 2008 pois a ofensa à Constituição nunca será direta e frontal Mas o que é uma ofensa direta e frontal à Constituição Quando uma decisão é contrária à Constituição Podese escrever um tratado de hermenêutica constitucional sobre essa questão mas em se tratando de recurso extraordinário devemos ser mais pragmáticos ou realistas se preferirem Quando há um Tribunal Constitucional e a ele se pretende ascender pela via recursal o que realmente importa são os cases a jurisprudência construída por aquele tribunal na interpretação da Constituição e na definição de seus limites de incidência Em última análise conscientes do aparente reducionismo que isso possa conter a Constituição diz o que o Supremo Tribunal Federal disser que ela diz Após tudo o que se disse sobre a ofensa direta à Constituição e os diversos acórdãos colacionados a decisão abaixo estabelece um interessante contraste Recurso extraordinário Princípios da legalidade e do devido processo legal Normas legais Cabimento A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação comum Daí a insubsistência da tese de que a ofensa à Carta da República suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal Caso a caso compete ao Supremo apreciar a matéria distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada com procedência a transgressão a texto do Diploma Maior muito embora se torne necessário até mesmo partirse do que previsto na legislação comum Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito o da legalidade e o do devido processo legal com a garantia da ampla defesa sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais Embargos declaratórios Objeto Vício de procedimento Persistência Devido processo legal Os embargos declaratórios visam ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional Cumpre julgálos com espírito de compreensão Deixando de ser afastada omissão temse o vício de procedimento a desaguar em nulidade Nulidade Artigo 249 do Código de Processo Civil Colegiado Julgamento de fundo O vício na arte de proceder início à declaração de nulidade que no entanto é sobrepujada pela possibilidade de julgarse o mérito a favor da parte a quem aproveitaria o reconhecimento da pecha cabendo ao Colegiado o olhar flexível quanto à aplicação da regra processual a homenagear a razão RE 428991 Rel Min Marco Aurélio j 26082008 DJe 31102008 A decisão é irretocável mas contrasta com diversas outras proferidas pelo STF no sentido do não conhecimento levando à inevitável conclusão de que uma ofensa é direta e frontal à Constituição para fins de recurso extraordinário quando o Supremo assim o entender A prática diária nos tribunais conduz a essa conclusão com as vantagens e inconvenientes que isso representa É o preço a ser pago em termos de administração da justiça por ter um tribunal com uma missão de tutela e uniformização da interpretação da Constituição Não se desconsidera a fundamental importância da doutrina na construção de novas interpretações da Constituição e modificação dos entendimentos jurisprudenciais existentes Mas é fundamental na dimensão do processo penal e na utilização do recurso extraordinário conhecer e saber manejar a jurisprudência e os precedentes do STF Por fim aqui deve ser retomada a discussão sobre o recurso cabível em caso de decisão que viola tratado internacional de direitos humanos especialmente a Convenção Americana de Direitos Humanos A decisão que viola a CADH deve ser impugnada pelo recurso extraordinário e não pelo recurso especial pois diante do disposto nos 2º e 3º do art 5º da Constituição tem natureza materialmente constitucional embora formalmente suas normas não sejam constitucionais por não terem sido aprovadas pelo quorum previsto para as emendas constitucionais De qualquer forma do ponto de vista do conflito de normas é de se destacar que toda e qualquer norma infraconstitucional que está em confronto com a CADH será destituída de eficácia posto que inconstitucional Mesmo que se entenda que os tratados estão acima da legislação infraconstitucional mas não gozam de status de norma constitucional supralegal parece evidente que o controle não pode mais ser feito pelo STJ através de recurso especial mas apenas pelo Supremo Tribunal Federal Para evitar repetições remetemos o leitor para a explicação anteriormente feita no recurso especial Portanto sustentamos que a decisão que viole normas e princípios contidos na Convenção Americana de Direitos Humanos deve ser impugnada através do recurso extraordinário b declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal COMENTÁRIO É missão precípua do STF a tutela da Constituição e portanto o controle sobre as decisões judiciais emanadas pelos demais tribunais que declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal Sempre que algum Tribunal de Justiça regional federal ou mesmo o STJ declarar a inconstitucionalidade de uma lei federal é cabível o controle por parte do STF pela via do recurso extraordinário O controle direto da constitucionalidade é privativo do STF mas todos os tribunais e juízes podem fazer o controle difuso no julgamento de um caso penal No que se refere aos tribunais não se pode esquecer do art 97 da Constituição Art 97 Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público Mas nem sempre essa regra é observada até porque os recursos de hermenêutica constitucional são amplíssimos permitindo que quem os saiba manejar disponha de um vasto espaço de argumentação para realizar a filtragem constitucional tergiversando a chamada reserva de plenário Para amenizar isso o STF editou a Súmula Vinculante n 10 que assim dispõe Súmula Vinculante n 10 Viola a cláusula de reserva de plenário CF art 97 a decisão de órgão fracionário de tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo do poder público afasta a sua incidência no todo ou em parte Dessarte a decisão de qualquer órgão fracionado Câmara Grupo Turma ou Seção Criminal de tribunal que declare a inconstitucionalidade de uma lei federal sem observar o disposto no art 97 e na Súmula Vinculante n 10 abre a possibilidade de Reclamação diretamente para o STF É recorrente que órgãos fracionados de tribunais fazendo interessantes construções hermenêuticas afastem a incidência de dispositivos federais a partir da substancial inconstitucionalidade declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e outros recursos especialmente de institutos como a reincidência o assistente da acusação e outros Em geral essas decisões não fazem uma declaração de inconstitucionalidade de forma expressa mas afastam a incidência não aplicando uma lei federal argumentando em torno da inconstitucionalidade Em suma havendo a declaração de inconstitucionalidade de lei ou tratado pelos tribunais nos termos do art 97 da CF caberá recurso extraordinário quando um órgão fracionado negar vigência à lei federal sem observar a reserva de plenário do art 97 da CF caberá Reclamação art 102 I l da Constituição diretamente ao STF c julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição COMENTÁRIO A declaração de constitucionalidade de lei local em face da Constituição é submetida a controle pelo STF pela via do recurso extraordinário Mas não vislumbramos aplicação desta alínea na esfera penal diante da competência privativa da União para legislar sobre matéria penal e processual penal art 22 I da Constituição d julgar válida lei local contestada em face de lei federal COMENTÁRIO Vale o mesmo argumento da alínea anterior 713 Demais Requisitos Recursais Tempestividade Preparo Legitimidade e Interesse Recursal Gravame Ambos os recursos especial e extraordinário devem ser interpostos por petição no prazo de 15 dias já devidamente instruídos com as razões nos termos do art 26 da Lei n 803890 Art 26 Os recursos extraordinário e especial nos casos previstos na Constituição Federal serão interpostos no prazo comum de 15 quinze dias perante o Presidente do Tribunal recorrido em petições distintas que conterão I exposição do fato e do direito II a demonstração do cabimento do recurso interposto III as razões do pedido de reforma da decisão recorrida Parágrafo único Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão ou indicação do número e da página do jornal oficial ou do repertório autorizado de jurisprudência que o houver publicado Interposto o recurso com observância do disposto nos incisos I II e III será aberto o prazo de 15 dias para contrarrazões Sendo interpostos simultaneamente os recursos especial e extraordinário e admitidos serão enviados ao STJ e após o julgamento do recurso especial se não tiver esvaziado o objeto do recurso extraordinário será então enviado ao STF Nesta matéria é importante analisar o disposto nos 4º 5º e 6º do art 27 da Lei n 8038 Art 27 Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada será intimado o recorrido abrindoselhe vista pelo prazo de 15 quinze dias para apresentar contrarrazões 1º Findo esse prazo serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso no prazo de cinco dias 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo 3º Admitidos os recursos os autos serão imediatamente remetidos ao Superior Tribunal de Justiça 4º Concluído o julgamento do recurso especial serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do recurso extraordinário se este não estiver prejudicado 5º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial daquele em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal para julgar o extraordinário 6º No caso de parágrafo anterior se o relator do recurso extraordinário em despacho irrecorrível não o considerar prejudicial devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça para o julgamento do recurso especial Ainda na questão da tempestividade é bastante curiosa a decisão proferida pelo STF38 em que se considerou intempestivo o recurso interposto antes de aberto o prazo recursal dandolhe igual tratamento àquele apresentado após o decurso do prazo É uma peculiar interpretação do que seja intempestividade que sem dúvida contrasta com um reclame geral pela celeridade processual Quando todos clamam por julgamentos no prazo razoável é sem dúvida curioso que se puna o diligente advogado que conhecendo da decisão que é desfavorável ao seu constituinte interponha o recurso antecipandose à intimação da decisão que sabidamente tarda em demasia Qual o prejuízo disso para a regular administração da justiça Ou para a parte recorrida Nenhum Continuemos Em se tratando de ação penal de iniciativa privada é exigido o preparo tanto para o recurso especial quanto para o extraordinário exceto se a parte recorrente obteve a dispensa do pagamento das custas art 32 do CPP Neste sentido recordemos a Súmula n 187 do STJ Súmula n 187 do STJ É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça quando o recorrente não recolhe na origem a importância das despesas de remessa e retorno dos autos Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas desta modalidade de ação penal Assim não se efetivando o pagamento das custas recursais haverá a deserção ou seja uma punição processual que impedirá que o recurso seja sequer conhecido Em relação à legitimidade ambos os recursos podem ser interpostos pelo Ministério Público querelante assistente da acusação nos casos dos arts 584 1º e 598 do CPP ou pelo réu através de seu defensor Por fim quanto ao interesse recursal o gravame devese atender à totalidade dos efeitos da decisão impugnada incluindo os acessórios de modo que o recurso é o caminho necessário para que a parte atinja o resultado desejado Especificamente em relação aos recursos especial e extraordinário por serem meios extraordinários de impugnação o interesse é ex vi legis ou seja decorre da simples violação por parte da decisão a lei federal tratado ou à Constituição Significa dizer que o prejuízo é inerente à violação em si mesma ou seja é evidente manifesto presumido até O fato de a decisão ser contrária à lei federal tratado ou à Constituição já constitui o gravame que dá corpo ao interesse ad impugnare Nada mais é necessário ser demonstrado pelo recorrente em relação a esse requisito recursal 72 A Exigência do Prequestionamento Um requisito recursal específico dos meios de impugnação ora analisado é o prequestionamento sem o qual eles sequer são conhecidos Considerando que os recursos especial e extraordinário não se destinam ao exame originário de questões senão ao reexame das questões jurídicas já arguidas pelas partes é imprescindível que o recorrente já as tenha previamente ventilado Equívoco bastante comum nesta temática é afirmarse que basta a parte interessada prequestionar a matéria Na realidade o recorrente ventila suscita a problemática mas o prequestionamento é feito pelo Tribunal no acórdão MORAES39 explica que a configuração do prequestionamento pressupõe o debate e a decisão prévios sobre o tema jurídico versado no recurso Portanto é imprescindível que o tribunal a quo tenha se manifestado sobre a questão constitucional ou federal emitindo um juízo de valor sobre o tema Prossegue ainda o autor40 fazendo um importante esclarecimento na relação destes recursos com os embargos declaratórios com finalidade de prequestionamento apontando duas hipóteses possíveis 1ª houve o prequestionamento a arguição pela parte porém o acórdão do tribunal recorrido não analisou a questão constitucional ou federal levantada havendo a necessidade dos embargos declaratórios para que se esgotem os meios ordinários de análise dessa questão 2ª quando a violação à norma constitucional ou federal surgir no próprio acórdão da Corte recorrida situação em que a parte prejudicada deverá interpor embargos declaratórios para de forma inicial começar o debate sobre a questão constitucional ou federal violada Existe assim uma necessidade de debate e decisão prévios sobre as respectivas violações nos recursos especial e extraordinário Compreendase ademais que quando se afirma que os recursos especial e extraordinário pressupõem o esgotamento das vias ordinárias de impugnação significa o esgotamento do debate sobre a questão constitucional ou federal Neste sentido afirma a Súmula n 211 do STJ SÚMULA N 211 Inadmissível recurso especial quanto à questão que a despeito da oposição de embargos declaratórios não foi apreciada pelo Tribunal a quo Neste sentido é farta a jurisprudência do STF41 Não é suficiente que a parte ventile portanto a violação da norma constitucional ou federal a questão deve ter sido decidida pelo tribunal a quo e caso isso não seja feito deve a parte interpor os embargos declaratórios para forçar a manifestação sobre a violação alegada Também é importante que a parte prejudicada por uma decisão judicial desde o primeiro momento suscite a violação da norma federal ou constitucional induzindo à manifestação do juiz ou tribunal O prequestionamento pode ainda ser classificado em EXPLÍCITO quando o acórdão recorrido expressamente claramente enfrenta a questão federal ou constitucional arguida IMPLÍCITO quando o tribunal recorrido decide sem enfrentar claramente expressamente a questão federal ou constitucional ventilada Nesse caso muitas vezes o tribunal a quo dilui a problemática ao longo da fundamentação sem enfrentamento expresso Infelizmente isso tem sido usado por muitos tribunais para dificultar ou mesmo impedir que a decisão seja impugnável pelos recursos especial ou extraordinário Ainda que sujeito a oscilações de humor a jurisprudência do STF tem indicado que a Corte só admite o prequestionamento explícito42 Já no STJ diversos são os acórdãos que admitem o prequestionamento implícito denotando um pouco mais de flexibilidade que o STF nesta questão Em termos práticos supondo que a decisão de primeiro grau viole a Constituição e ou a lei federal deverá a parte postular já na apelação que caso seja mantida a decisão estarão sendo violados os artigos tais e tais a respeito dos quais fica requerida a expressa manifestação para fins de prequestionamento Quando o recorrente é a outra parte devese atentar para as contrarrazões onde o recorrido deve argumentar que caso a sentença seja alterada serão violados tais e tais artigos sobre os quais se requer a manifestação do tribunal Em qualquer dos casos acima quando não há manifestação do tribunal deve a parte interpor embargos declaratórios para assegurar o prequestionamento ou seja o esgotamento das vias impugnativas E se o interesse recursal nascer apenas do acórdão Suponhamos que ao longo do processo tudo tenha tramitado em ordem A sentença não viola a lei federal ou a Constituição portanto não há que se falar em prequestionamento até porque a parte ainda não tem recurso especial ou extraordinário Mas e se o interesse nasce do acórdão que julgando a apelação viola uma lei federal ou a Constituição Nesse caso deverá a parte prejudicada ingressar com embargos declaratórios para explicitar o prequestionamento e forçar a manifestação 73 A Demonstração da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Reprodução em Múltiplos Feitos Por força da Emenda Constitucional 45 foi alterado o art 102 3º da Constituição que passou a exigir que no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso nos termos da lei a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso somente podendo recusála pela manifestação de dois terços de seus membros A matéria foi então regulamentada pela Lei n 114182006 que alterou o art 543 do CPC mantendo a infeliz tradição de manter o recurso extraordinário e também o especial dialogando apenas com o processo civil obrigando o processo penal tal qual a fábula da Cenerentola trazida no início desta obra a ter de utilizar as roupas sempre de tamanho inadequado velhas da irmã Também foi editada a Emenda Regimental n 21 de 30 de abril de 2007 para definir no plano interno a análise e julgamento A exigência da repercussão geral conforme informa o próprio STF43 tem as seguintes finalidades a firmar o papel do STF como Corte Constitucional e não como instância recursal b ensejar que o STF só analise questões relevantes para a ordem constitucional cuja solução extrapole o interesse subjetivo das partes c fazer com que o STF decida uma única vez cada questão constitucional não se pronunciando em outros processos com idêntica matéria Tratase de um eficiente instrumento de filtragem para redução da demanda posto que é um requisito de admissibilidade de todos os recursos extraordinários inclusive em matéria penal sem o qual a impugnação sequer é admitida Como afirmou a Ministra Ellen Gracie na questão de ordem em Ação Cautelar AC 2177 decidida em 12112008 a repercussão geral foi criada para que a Casa não fosse mais obrigada a se manifestar centenas de vezes sobre a mesma matéria a repercussão geral possibilitou após a inclusão do feito no Plenário Virtual tanto o sobrestamento dos demais processos que versem sobre aquele tema como a aplicação pelos tribunais a quo da decisão emanada do Supremo Tribunal Federal aos demais recursos A repercussão geral deve ser demonstrada através de uma preliminar formal cabendo a verificação da sua existência concorrentemente ao tribunal a quo e ao STF mas a análise da repercussão geral é de competência exclusiva do STF No Agravo de Instrumento n 66456744 o Relator Min Sepúlveda Pertence suscitou questão de ordem ao Plenário do STF sobre a aplicação da repercussão geral em matéria criminal e também a possibilidade de o tribunal de origem fazer o juízo de admissibilidade com base neste requisito À unanimidade o STF entendeu que a exigência da preliminar formal e fundamentada sobre a repercussão geral vale para os recursos extraordinários contra decisões cuja intimação tenha ocorrido a partir da data de publicação da Emenda Regimental n 21 qual seja 3 de maio de 2007 Os demais recursos cuja intimação tenha ocorrido antes desta data não se submetem ao requisito da repercussão geral e continuam sendo decididos normalmente como até então Ao tribunal de origem cumpre verificar apenas a existência de preliminar formal de repercussão geral posto que a análise desta é de competência exclusiva do STF Ainda na referida decisão afirmou o STF 6 Nem há falar em uma imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário em matéria criminal porque em jogo de regra a liberdade de locomoção o RE busca preservar a autoridade e a uniformidade da inteligência da Constituição o que se reforça com a necessidade de repercussão geral das questões constitucionais nele versadas assim entendidas aquelas que ultrapassem os interesses subjetivos da causa CPrCivil art 543A 1º incluído pela L 1141806 7 Para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção por remotas que sejam há sempre a garantia constitucional do habeas corpus CF art 5º LXVIII Na questão de ordem em Ação Cautelar AC 2177 decidida em 12112008 o STF por maioria de votos entendeu que compete ao tribunal onde foi interposto o RE conhecer e julgar ação cautelar podendo conferir efeito suspensivo quando for reconhecida repercussão geral sobre a questão e sobrestado recurso extraordinário admitido ou não na origem Por consequência o STF considerouse incompetente para analisar a matéria e determinou a devolução dos autos ao STJ vencidos os ministros Marco Aurélio e Carmen Lúcia Antunes Rocha Anteriormente para a concessão de efeito suspensivo pela Suprema Corte era necessário que o recurso extraordinário fosse admitido ou que o agravo de instrumento fosse provido no caso de juízo negativo de admissibilidade Sobre o tema o Supremo editou as Súmulas 634 e 635 Mas como frisou a relatora Ministra Ellen Gracie considerou de extrema relevância que o Supremo reafirme o seu posicionamento nas Súmulas 634 e 635 quanto à competência de todos os tribunais e turmas recursais de origem para analisar pedidos cautelares decorrentes da interposição de recursos extraordinários mesmo após o sobrestamento introduzido pelo artigo 543B parágrafo 1º do CPC e pelo artigo 328A do Regimento Interno do STF E advertiu Estamos ainda construindo o instituto da repercussão geral É um instituto novo que vai nos causar surpresas aqui e ali com fatos novos demandas e necessidades das partes que irão surgindo de modo que essa construção jurisprudencial nos permite nesta hipótese avançarmos um pouco mais e sinalizarmos qual é a orientação do Tribunal nessa matéria disse a relatora Ela lembrou que uma vez reconhecida a repercussão geral a competência cautelar é sempre do tribunal de origem O art 543A do CPC define que para efeito da repercussão geral será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico político social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos da causa cabendo ao recorrente a demonstração desses fatores em preliminar formal Importante sublinhar que sempre haverá repercussão geral quando o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal Nestes casos a repercussão geral deve ser formulada através de preliminar demonstrando o recorrente de forma clara e analítica a contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante presumindose a partir disso a repercussão geral Em última análise nesse caso a carga é de demonstrar a contrariedade e não a repercussão que será presumida Se a Turma admitir a existência da repercussão geral por no mínimo 4 votos ficará dispensada a remessa do recurso ao plenário cabendo à Turma proceder ao julgamento do recurso extraordinário analisando as demais condições de admissibilidade e o mérito recursal Se for negada a repercussão geral45 o recurso não será admitido e a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica que serão indeferidos liminarmente salvo se o STF decidir por revisar sua posição sobre a questão Além de constituirse um novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário a repercussão geral também inovou na forma como é analisada manifestação por meio eletrônico dos demais ministros Conforme disciplina o art 323 e ss do Regimento Interno do STF alterado pela Emenda Regimental n 21 de 30 de abril de 2007 quando não for caso de inadmissibilidade do recurso extraordinário por outra razão ausência de prequestionamento etc o relator submeterá por meio eletrônico aos demais ministros cópia da sua manifestação sobre a existência ou não da repercussão geral exceto quando o recurso versar sobre questão cuja repercussão já foi reconhecida ou impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante Abrese então o prazo de 20 dias para que os demais ministros por meio eletrônico manifestemse sobre a questão da repercussão geral É adotada uma interessante solução processual para a violação deste prazo razoável decorridos os 20 dias sem manifestações suficientes para recusa do recurso reputarseá existente a repercussão geral Com a manifestação dos demais ministros se reconhecida a repercussão geral será julgado o recurso se negada será formalizada a decisão de recusa que é irrecorrível e valerá para todos os recursos sobre questão idêntica sendo comunicada à Presidência do Tribunal para que divulgue mediante publicação no Diário da Justiça Eletrônico sob a rubrica Repercussão Geral no item específico das decisões do plenário Quando a recusa é feita pela Presidência do Tribunal em sede de préadmissibilidade art 327 do RISTF ou pelo próprio relator desta decisão caberá agravo não se confundindo com a decisão irrecorrível proferida pela maioria da Turma anteriormente explicada Outra inovação é a possibilidade de a Presidência do STF ou qualquer relator de recurso extraordinário entender que o recurso possa reproduzirse em múltiplos feitos nos termos do art 543B do CPC comunicando o fato aos tribunais a quo Na mesma linha disciplina o art 328 do RISTF de modo que protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzirse em múltiplos feitos a Presidência do Tribunal ou o relator de ofício ou a requerimento da parte interessada comunicará o fato aos tribunais ou turmas de Juizado Especial a fim de ser observado o disposto no art 543B do CPC podendo pedirlhes informações que deverão ser prestadas em 5 dias e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica E ainda quando se verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia a Presidência do Tribunal ou o relator selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou às turmas de Juizado Especial de origem para aplicação dos parágrafos do art 543B do CPC 74 Efeito Devolutivo e Suspensivo Um Reducionismo a Ser Superado Prisão Automática nos Recursos Especial e Extraordinário por Ausência de Efeito Suspensivo Ambos os recursos possuem efeito reiterativo ou devolutivo propriamente dito eis que devolvem o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem superior àquele que proferiu a decisão Quanto à ausência de efeito suspensivo nos recursos especial e extraordinário a questão é mais complexa O problema posto pela redação do art 637 do CPP o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo foi substancialmente agravado pela Lei n 803890 que podendo resolver a questão só fez por piorar pois 1º pretendeu disciplinar com igual tratamento para o processo civil e para o processo penal os recursos especial e extraordinário desprezando a especificidade da complexa fenomenologia do processo penal que em nada se assemelha ao processo civil 2º ainda que sancionada após a Constituição de 1988 dela se olvidou ou pouco caso fez desconsiderando a existência da presunção de inocência e da ampla defesa consagrando uma prisão obrigatória e sem o caráter cautelar exigido como requisito de legitimidade 3º tratou como efeito recursal devolutivo art 27 2º da Lei n 8038 uma situação processual que vai para muito além dessa frágil categoria do processo civil absolutamente inadequada por excessiva redução da complexidade para disciplinar o direito de recorrer em liberdade no processo penal Antes de enfrentar a questão nuclear efeito recursal versus presunção de inocência é importante ler a decisão proferida pelo STF na AC 2798 ED46 cujo relator foi o Min CELSO DE MELLO que didaticamente aponta 4 pressupostos a serem observados Portanto antes da discussão sobre o efeito recursal o recurso extraordinário igual tratamento é dado ao recurso especial deve ter sido admitido no tribunal a quo sem o que não há que se falar ainda em jurisdição do STF e tampouco em efeito suspensivo Mas além disso deve estar evidenciada a tempestividade o prequestionamento explícito e a demonstração da ofensa direta e imediata ao texto constitucional A tudo isso acrescentese a novel necessidade de demonstração da repercussão geral analisada no item anterior Cumpridos esses requisitos ainda se exige a verossimilhança fumus boni iuris do alegado pela parte ou seja do mérito recursal Somente se superados esses obstáculos discute se o periculum in mora Se todos esses pressupostos são adequados para o processo civil no processo penal a situação deve ser diferente ou ao menos relativizado o rigor destas exigências São meramente indicativos mas é claro que antes de se falar em efeito suspensivo deve o recurso extraordinário ter sido admitido ser tempestivo demonstrar ainda que em grau de probabilidade o prequestionamento a ofensa direta à Constituição e a repercussão geral Após abrese a discussão sobre o efeito suspensivo Pensamos que a problemática em torno do direito de recorrer em liberdade está para muito além da categoria efeito recursal tipicamente civilista e inadequada para o processo penal situandose noutra dimensão a da eficácia do direito fundamental da ampla defesa e da presunção de inocência Daí por que se deve fazer nesse momento uma leitura da situação fática à luz da epistemologia cautelar do art 312 Havendo periculum libertatis que justifique a prisão preventiva ou a manutenção dela caso o réu já esteja preso assim poderá proceder o tribunal Do contrário tendo desaparecido a situação de perigo ou inexistindo ela especialmente quando o réu permaneceu em liberdade ao longo do processo impõese o direito de seguir recorrendo em liberdade enquanto não existir trânsito em julgado Tratar a questão como mera ausência de efeito suspensivo é processual e constitucionalmente um absurdo pois é completamente inadmissível uma pena antecipada Poucos são os autores que no processo penal superando o reducionismo da categoria efeito recursal enfrentam a problemática efetivamente à luz da presunção de inocência Mais raro ainda é o correto tratamento por parte dos tribunais que muitas vezes logo após o julgamento da apelação ou dos embargos infringentes já expedem mandado de prisão Isso quando o réu não é preso na própria sessão de julgamento especialmente nos casos em que a ação penal é de competência originária dos tribunais Não se questiona nada nem a necessidade da prisão cautelar ou a ineficácia da presunção de inocência prendese porque daquela decisão caberá apenas recurso especial ou extraordinário ambos sem efeito suspensivo E isso é um absurdo Mas há exceções Novamente citamos a decisão proferida pelo STF 2ª Turma no HC 94408 Relator Min EROS GRAU julgado em 10022009 como a referência a ser seguida47 Para evitar mais citações remetemos o leitor para as excelentes decisões proferidas pelo STF na 2ª Turma HC 96059 Rel Min CELSO DE MELLO julgado em 10022009 HC 91232 Rel Min Eros GRAU publicado em 07122007 e também da mesma relatoria proferida em 02092008 no HC 854176RS Em definitivo pensamos que o direito de o réu aguardar o julgamento do recurso especial ou extraordinário em liberdade está numa dimensão completamente distinta daquela tradicionalmente colocada desde uma equivocada perspectiva de teoria geral do processo pois não se legitima uma prisão pelo simples fato de o recurso não ter efeito suspensivo O ponto nevrálgico da questão é completamente diverso há periculum libertatis ou seja a necessidade real e concreta da prisão cautelar Toda discussão deve centrarse na epistemologia cautelar ou seja havendo real necessidade da prisão preventiva especificamente o periculum libertatis deve o tribunal decretála ou mantêla caso já exista enquanto se aguarda o julgamento do recurso especial ou extraordinário imposto Não havendo periculum libertatis ou tendo ele desaparecido deve prevalecer o valor liberdade O que não se pode admitir é uma prisão obrigatória antes do trânsito em julgado sob o reducionista argumento de que o recurso não possui efeito suspensivo Essa prisão não é cautelar e portanto inegavelmente é inconstitucional Também correta é a lição de CORTÉS DOMÍNGUEZ48 de que hay que tener en cuenta que el problema del efecto suspensivo del recurso de apelación contra estas resoluciones debe estudiarse en el proceso penal con una perspectiva distinta a como el problema es estudiado por ejemplo en el proceso civil E segue explicando que o problema é outro isto é se se deve ou não tutelar o direito à liberdade ou se deve prevalecer o direito do Estado de assegurarse de uma possível condenação e isso em qualquer caso é independente da interposição do recurso O problema enfim no es referible a los efectos del recurso sino a incidencia de otros puntos más importantes y generales como el derecho a la libertad la presunción de inocencia y sus manifestaciones49 Mas diante da resistência existente qual é o instrumento processual adequado para assegurarse o direito de aguardar o julgamento do recurso especial ou extraordinário em liberdade Pensamos que é o habeas corpus pois evidente a coação ilegal Inobstante o Superior Tribunal de Justiça50 vem entendendo reiteradamente que o meio adequado é a medida cautelar inominada prevista no art 798 do CPC e não o habeas corpus como já se tinha entendido Assim ainda que não nos pareça correto pois tendose o habeas corpus por que se utilizar de uma medida do processo civil em se tratando de Recurso Especial a matéria segue sendo tratada na dimensão de efeito recursal impondose a utilização da medida cautelar inominada do Processo Civil Já no Supremo Tribunal Federal o tratamento é diferente mais acorde com o processo penal na medida em que além de predominar o entendimento de que não pode existir pena antecipada prisão automática admitese o habeas corpus como remédio adequado para manter o status libertatis do imputado Sequer no STF se cogita da tal cautelar inominada sendo pacífico o entendimento de que é o habeas corpus o instrumento processual adequado para manterse o estado de liberdade do réu que interpôs recurso extraordinário 75 Do Recurso Extraordinário com Agravo Do Agravo em Recurso Especial Como explicado os diversos requisitos dos recursos especial e extraordinário são duplamente valorados primeiro no juízo de préadmissibilidade feito no tribunal a quo e se admitido novamente são analisados no respectivo Tribunal STJ ou STF Para a decisão que não admite denega a subida os recursos feita pelo tribunal de origem caberá Agravo de Instrumento sendo denominado recurso extraordinário com agravo ou do agravo em recurso especial conforme a espécie de recurso que teve sua subida denegada É o agravo de instrumento um recurso que se destina a permitir o processamento a subida do recurso especial ou extraordinário barrado no juízo de préadmissibilidade feito no tribunal de origem que não poderá negar seguimento ao agravo Neste sentido determina a Súmula n 727 do STF SÚMULA N 727 Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos Juizados Especiais Tem cabimento portanto para impugnar a decisão denegatória do recurso especial ou extraordinário feito pela Presidência do tribunal a quo devendo ser interposto por petição e subindo nos próprios autos A matéria era disciplinada pelo art 28 da Lei n 8038 sendo o recurso interposto no prazo de 5 dias e em autos apartados devia a parte indicar as peças para o traslado Mas com o advento da Lei n 12322 de 9 de setembro de 2010 o agravo foi substancialmente alterado O agravo interposto contra a decisão que denega o Recurso Extraordinário está disciplinado ainda nas Resoluções 450 e 451 do STF que instituiu a nova categoria do Recurso Extraordinário com Agravo dispondo ainda expressamente que a Lei n 123222010 tem aplicação em matéria penal e processual penal Como aponta BADARÓ51 a Resolução 4512010 do STF leva à conclusão de que a Lei n 123222010 revogou tacitamente o caput e os 1º a 4º do art 28 da Lei n 803890 que dispunham sobre a interposição e o processamento do agravo contra a decisão denegatória de recurso extraordinário e também do especial bem como o 5º do mesmo dispositivo que disciplinava o agravo contra a decisão denegatória de tal recurso Quanto ao Recurso Especial o STJ emitiu a Resolução 710 em 9 de dezembro de 2010 criando a classe processual de agravo em recurso especial Contudo ao contrário do STF o Superior Tribunal de Justiça não dispôs expressamente sobre a aplicação do novo agravo em matéria penal Em que pese a omissão pensamos que não há motivo para qualquer divergência devendo a nova sistemática estabelecida na Lei n 123222010 ser integralmente aplicada ao Recurso Especial Não haveria qualquer lógica em regulamentar de forma diferente dois recursos que merecem uma disciplina uniforme e homogênea como também adverte BADARÓ Em última análise os agravos seriam meros desdobramentos dos recursos constitucionais que ressalvada sua especificidade de cabimento possuem simetria de tratamento legal Feitas essas ressalvas a matéria é agora regulada pelo art 544 do CPC Art 544 Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial caberá agravo nos próprios autos no prazo de 10 dez dias 1º O agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido 3º O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10 dez dias oferecer resposta Em seguida os autos serão remetidos à superior instância observandose o disposto no art 543 deste Código e no que couber na Lei 11672 de 8 de maio de 2008 4º No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça o julgamento do agravo obedecerá ao disposto no respectivo regimento interno podendo o relator I não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada II conhecer do agravo para a negarlhe provimento se correta a decisão que não admitiu o recurso b negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal c dar provimento ao recurso se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal Art 545 Da decisão do relator que não conhecer do agravo negarlhe provimento ou decidir desde logo o recurso não admitido na origem caberá agravo no prazo de 5 cinco dias ao órgão competente observado o disposto nos 1º e 2º do art 557 Questão problemática é qual é o prazo para interposição Nas primeiras edições desta obra logo após o advento da nova lei posicionamonos no sentido de que o prazo seria de 10 dias para interposição Quanto à Súmula n 699 do STF que dispunha sobre o prazo de 5 dias para interposição pensávamos na esteira de BADARÓ52 que deveria ser cancelada pelo STF pois inaplicável Mas somos obrigados a revisar nossa posição O STF pacificou o entendimento de que o prazo para interposição de agravo quando o recurso extraordinário não for admitido em matéria penal é de 5 dias previsto no art 28 da Lei n 803890 Em caso de matéria cível esse prazo é de 10 dias como estabelece a Lei n 123222010 Segundo o Min DIAS TOFFOLI a Resolução STF 4512010 estaria induzindo as partes em erro na medida em que afirma categoricamente que a alteração promovida pela Lei n 123222010 também se aplica aos recursos extraordinários e agravos que versem sobre matéria penal e processual penal O entendimento do STF é o de que a nova lei do agravo não revogou o prazo estabelecido para a matéria criminal na lei anterior Lei n 803890 A decisão entretanto não foi unânime Os ministros Dias Toffoli relator Gilmar Mendes e Celso de Mello divergiram desse entendimento porque consideram que a nova lei do agravo unificou em 10 dias os prazos para os recursos cíveis e criminais O presidente do STF ministro Cezar Peluso reconheceu que a falta de referência específica quanto ao prazo no texto da resolução pode de fato ter gerado dúvidas na comunidade jurídica mas ressaltou que a interpretação de atos normativos deve ser muito cuidadosa Peluso ressaltou que a Súmula n 699 permanece em vigor Esta súmula estabelece que o prazo para interposição de agravo em processo penal é de cinco dias de acordo com a Lei n 803890 não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei n 895094 ao Código de Processo Civil Assim diante da posição assumida pelo STF pensamos que o agravo tanto no recurso especial como também no extraordinário deverá ser interposto no prazo de 5 dias Considerando essa divergência em relação ao prazo pode ser invocado o princípio da fungibilidade Entendemos que sim e que o art 579 exige uma releitura O erro grosseiro é aquele que constitui um equívoco injustificável fruto de um profundo desconhecimento das leis processuais e sobre uma questão que não exista qualquer dúvida interpretativa53 É uma afronta literal à lei e à dogmática processual consolidada Em sentido diverso quando não houver paz conceitual sob o cabimento de um recurso ou outro a divergência deve operar prórecurso É o que ocorre no presente caso em que não há consenso doutrinário tampouco no próprio STF Muito menos exigível que o recurso errado seja interposto no prazo do recurso correto pois como explicamos anteriormente ao tratar dos princípios recursais essa é uma limitação excessiva e até mesmo contraditória com o proceder honesto da parte Quem acredita honestamente que é um recurso quando na verdade é outro orientase pelo prazo do recurso que crê ser o correto por elementar Portanto além de o art 579 não exigir a interposição no prazo do recurso correto para aplicação da fungilidade a máfé deve ser demonstrada e nunca presumida Devese considerar o agir intencional doloso destinado a burlar o sistema recursal É importante comprovar a tempestividade do agravo de instrumento e também do recurso especial ou extraordinário denegado ou seja a certidão da decisão que gerou a impugnação pela via do recurso especial ou extraordinário Considerando ainda que a nova sistemática de processamento do agravo determina a subida nos próprios autos pensamos que também deverá ser cancelada a Súmula n 288 do STF que dispunha sobre as peças que deveriam ser trasladadas O disposto no 1º um agravo para cada recurso não admitido é uma consequência lógica da nova sistemática na medida em que subindo o recurso nos próprios autos necessariamente deverá ser feito um agravo para cada processo Interposto o recurso deve o agravado ser intimado para apresentar suas contrarrazões no prazo de 10 dias subindo os autos à superior instância Pensamos que os autos deverão subir com a resposta do agravado ou sem ela No tribunal ad quem o agravo de instrumento uma vez distribuído poderá ser objeto de decisão monocrática isto é pelo relator sem levar ao órgão colegiado que desde logo poderá não conhecer do agravo quando for ele manifestamente inadmissível ou não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada O juízo de inadmissibilidade neste caso é em relação ao agravo e não ao recurso extraordinário ou especial que será analisado a seguir Destacamos ainda o disposto na Súmula n 287 do STF negase provimento ao agravo quando a deficiência na sua fundamentação ou na do recurso extraordinário não permitir a exata compreensão da controvérsia Desta decisão do relator que não conheceu do agravo caberá novo agravo no prazo de 5 dias conforme disposto no art 545 do CPC a ser julgado pela respectiva Turma Se não for esta a situação o relator poderá conhecer do agravo para negarlhe seguimento quando estiver correta a decisão do tribunal a quo que não admitiu o recurso especial ou extraordinário ou negarlhe seguimento quando o recurso especial ou extraordinário estiver prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal Por fim poderá o relator dar provimento ao agravo se o acórdão que não admitiu o recurso extraordinário ou especial estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal Neste caso considerando que o recurso subiu nos próprios autos deverá conhecer do mérito do recurso especial ou extraordinário Destas decisões que conhece e nega seguimento ou der provimento ao agravo caberá novo agravo no prazo de 5 dias conforme disposto no art 545 do CPC que será julgado pela Turma que teria competência para julgar o recurso especial ou extraordinário conforme o caso Quanto aos efeitos o agravo possui efeito devolutivo propriamente dito com a devolução ao STJ ou STF do conhecimento do juízo de admissibilidade do respectivo recurso com um diferencial a possibilidade de conhecerse através do agravo do mérito do recurso especial ou extraordinário que teve seu seguimento denegado Não se confunde com o efeito regressivo ausente neste recurso pois o agravo de instrumento não permite juízo de retratação pelo tribunal a quo No que tange ao efeito suspensivo assim como os recursos especial e extraordinário não o terá o agravo de instrumento Contudo remetendo o leitor à problemática discutida no item anterior é possível buscarse a garantia da manutenção do estado de liberdade pela via do habeas corpus ou mesmo da medida cautelar inominada STJ A situação aqui é similar àquela discutida no âmbito dos recursos especial e extraordinário deslocando a questão para a dimensão da eficácia da presunção de inocência Sendo interposto o agravo de instrumento e admitido pelo relator no tribunal ad quem podese perfeitamente buscar o efeito suspensivo pela via processual adequada Mais difícil será a obtenção do efeito suspensivo quando o agravo não é admitido sendo essa decisão impugnada por novo agravo Contudo devese atentar para o caso concreto não cabendo estabelecer aqui uma regra absoluta eis que sempre será necessário analisar a necessidade ou não da custódia cautelar a partir da sistemática anteriormente explicada quando tratamos da prisão preventiva Por fim quanto à aplicação no tempo da nova sistemática prevista na Lei n 123222010 pensamos que predominará o entendimento de que a lei que irá reger o recurso é a lei do momento em que foi proferida a decisão recorrida54 portanto para as decisões denegatórias de recurso especial ou extraordinário proferidas após 08122010 pois a vacatio legis foi de 90 dias 1 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 184 2 DALIA Andrea Antonio e FERRAIOLI Marzia Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 685 3 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 154 4 HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO TRIBUNAL DO JÚRI SENTENÇA CONDENATÓRIA APELAÇÃO AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS ALÍNEAS QUE FUNDAMENTAM O RECURSO MERA IRREGULARIDADE SUPRIMENTO NAS RAZÕES RECURSAIS SÚMULA 713STF 1 É consabido que a apelação interposta contra decisão proferida pelo Tribunal do Júri tem caráter restritivo sendo inviável a atribuição de amplo efeito devolutivo próprio do recurso de apelação contra decisão proferida pelo juízo singular art 593 I do CPP 2 Configura mera irregularidade a falta de indicação dos dispositivos legais em que se apoia o termo da apelação interposta pela defesa contra decisão do Tribunal do Júri Não há empecilho no conhecimento do recurso desde que nas razões se encontrem os fundamentos que ensejaram o apelo e as pretensões da parte estejam perfeitamente delineadas precedentes do STJ e do STF 3 No caso a defesa no momento da interposição da apelação conquanto não tenha indicado expressamente as alíneas requereu a apresentação das razões com base no art 600 4º do Código de Processo Penal e após ser intimada apresentou tempestivamente as razões das quais fez constar expressamente os limites em que interposto o recurso Daí por que não comporta a invocação da Súmula 713STF como justificativa para não se conhecer na origem da apelação 4 Ordem concedida para determinar que o Tribunal a quo conheça da apelação interposta em favor do paciente julgandoa como entender de direito HC 149966RS Rel Min Sebastião Reis Júnior 6ª Turma julgado em 18102012 DJe 19112012 5 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 218 6 Ainda que sejamos favoráveis à possibilidade de redução da pena na segunda fase abaixo do mínimo essa é uma posição isolada Prevalece nesse tema o entendimento da Súmula n 231 do STJ cuja ementa é A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal 7 REZENDE Guilherme Madi Júri decisão absolutória e recurso da acusação por manifesta contrariedade à prova dos autos descabimento Boletim do IBCCrim n 207 fevereiro de 2010 p 14 8 Op cit p 123 9 Interessante é o tratamento dado pelo art 846 bis c da LECrim Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola que prevê na alínea e o seguinte fundamento para apelação das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri Tribunal del jurado e que se hubiese vulnerado el derecho a la presunción de inocencia porque atendida la prueba practicada en un juicio carece de toda base razonable la condena impuesta Tratase de um recurso exclusivo da defesa e portanto somente pode ser interposto quando a sentença seja condenatória Como explica CORTÉS DOMÍNGUEZ et al Derecho Procesal Penal p 665 é uma possibilidade de o tribunal revisar a valoração da prova realizada pelos jurados de natureza fiscalizadora não tanto do resultado valoratório da prova senão da utilização deste resultado para impor a pena Em outras palavras segue o autor se do resultado valoratório se deduz a inocência e não a culpabilidade estamos diante de um caso típico de aplicação deste recurso pois a conclusão que se extrai desta valoração da prova não é razoável 10 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 114 11 Uma síntese com a respectiva crítica é fornecida por MENDES na obra anteriormente citada p 343346 12 Art 598 Nos crimes de competência do Tribunal do Júri ou do juiz singular se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art 31 ainda que não se tenha habilitado como assistente poderá interpor apelação que não terá porém efeito suspensivo Parágrafo único O prazo para interposição desse recurso será de quinze dias e correrá do dia em que terminar o do Ministério Público 13 Art 576 O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto 14 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 215 15 No mesmo sentido RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 788 BADARÓ Direito Processual Penal t II cit p 246 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 217 16 Sobre o recurso especial Art 238 Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada será intimado o recorrido abrindoselhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar contrarrazões 1º 2º 3º 4º 5º Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime e forem interpostos embargos infringentes o prazo para recurso especial relativamente ao julgamento unânime ficará sobrestado até a intimação da decisão dos embargos 6º Quando não forem interpostos embargos infringentes o prazo relativo à parte unânime da decisão terá como dia de início aquele em que transitar em julgado a decisão por maioria de votos E sobre o recurso extraordinário Art 246 Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada será intimado o recorrido abrindoselhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar contrarrazões 1º 2º 3º 4º 5º Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime e forem interpostos embargos infringentes o prazo para recurso extraordinário relativamente ao julgamento unânime ficará sobrestado até a intimação da decisão dos embargos 6º Quanto não forem interpostos embargos infringentes o prazo relativo à parte unânime da decisão terá como dia de início aquele em que transitar em julgado a decisão por maioria de votos 17 PROCESSUAL PENAL RECURSO ESPECIAL ART 12 CAPUT CC ART 18 INCISOS I E III AMBOS DA LEI 636876 ANTIGA LEI DE TÓXICOS INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS INFRINGENTES SIMULTANEAMENTE A RECURSO ESPECIAL IMPOSSIBILIDADE ART 498 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL CC ART 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Em se tratando de aferição da prematuridade ou não do recurso especial quando ocorrida a hipótese na origem de interposição simultânea de embargos infringentes devese observar a regra inscrita no art 498 do Código de Processo Civil Precedentes Recurso não conhecido REsp 1000643MG Rel Min Felix Fischer 5ª Turma julgado em 03022009 DJe 23032009 E ainda AGRAVO REGIMENTAL PROCESSO PENAL EMBARGOS INFRINGENTES INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA RATIFICAÇÃO NECESSIDADE 1 Esta Corte firmou compreensão no sentido de que em casos de interposição simultânea de recursos desafiando acórdão não unânime deve o recorrente após o julgamento dos embargos infringentes ratificar os termos do apelo especial anteriormente interposto ou apresentar novo recurso 2 Agravo regimental a que se nega provimento AgRg no REsp 886523RS Rel Min Haroldo Rodrigues Desembargador convocado do TJCE 6ª Turma julgado em 02032010 DJe 29032010 18 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 247 19 Socorremonos do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 3 ed 2004 20 Idem 21 No mesmo sentido entre outros GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 232 22 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires EJEA 1950 v 4 p 191 23 PELLEGRINI GRINOVER Ada A Exigência de Jurisdicionalização da Execução na América Latina In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 259 24 MORENO CATENA Victor GIMENO SENDRA Vicente e CORTES DOMINGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 888 e ss 25 MORENO CATENA Victor Op cit p 888 26 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v 2 p 274 27 HINOJOSA SEGOVIA Rafael OLIVA SANTOS Andrés ARAGONESES MARTINEZ Sara MUERZA ESPARZA Julio e TOME GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 762 28 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Penais 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 270 29 AGOSTINHO BENETI Sidnei Execução Penal São Paulo Saraiva 1996 p 67 30 Recursos no Processo Penal cit p 209 31 Como ocorreu por exemplo na decisão abaixo ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO DOLO EVENTUAL IN DUBIO PRO SOCIETATE DESCABIMENTO A Turma proveu o recurso ao entendimento de que inexiste o dolo eventual no acidente causado por motorista que no estado de embriaguez dirigia de madrugada seu veículo com excesso de velocidade Descaracterizado o princípio in dubio pro societate Desclassificada a conduta do réu para a forma culposa por falta de elemento convincente a caracterizar a prática do homicídio doloso arts 18 I e II e 121 caput do Código Penal cc art 302 da Lei n 95031997 Precedente citado REsp 765593RS DJ 19122005 REsp 705416SC Rel Min Paulo Medina j 23052006 32 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 720 33 MENDES COELHO e BRANCO Curso de Direito Constitucional cit p 696 34 Ainda que se trate de HC é interessante a decisão abaixo DIREITO PROCESSUAL HABEAS CORPUS PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF CONCESSÃO DA ORDEM 1 A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da inadmissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional 2 Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos art 11 e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica art 7º 7 ratificados sem reserva pelo Brasil no ano de 1992 A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico estando abaixo da Constituição porém acima da legislação interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação 3 Na atualidade a única hipótese de prisão civil no Direito brasileiro é a do devedor de alimentos O art 5º 2º da Carta Magna expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte O Pacto de São José da Costa Rica entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos expressamente só admite no seu bojo a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e consequentemente não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel 4 Habeas corpus concedido HC 95967MS Rel Min Ellen Gracie 2ª Turma STF julgado em 11112008 35 A decisão proferida pelo STF no RE 589896AgR Rel Min CELSO DE MELLO julgado em 16092008 destaca essa questão O recurso extraordinário e o recurso especial são institutos de direito processual constitucional Tratase de modalidades excepcionais de impugnação recursal com domínios temáticos próprios que lhes foram constitucionalmente reservados Assentandose o acórdão emanado de Tribunal inferior em duplo fundamento e tendo em vista a plena autonomia e a inteira suficiência daquele de caráter infraconstitucional mostrase inadmissível o recurso extraordinário em tal contexto Súmula 283STF eis que a decisão contra a qual se insurge o apelo extremo revelase impregnada de condições suficientes para subsistir autonomamente considerada de um lado a preclusão que se operou em relação ao fundamento de índole meramente legal e de outro a irreversibilidade que resulta dessa específica situação processual RE 589896AgR Rel Min Celso de Mello j 16092008 DJe 24102008 E ainda prejudicando até mesmo o julgamento do recurso especial se não houve a interposição simultânea do extraordinário quando cabível é claro É inadmissível o recurso especial se a decisão recorrida contém fundamento constitucional suficiente e não tiver sido interposto o recurso extraordinário simultâneo AI 155895AgR Rel Min Sepúlveda Pertence j 30111993 DJ 20051994 36 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 271 37 EMENTA DIREITO PENAL AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO DISPARO DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS ART 212 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL INVERSÃO NA ORDEM DE INQUIRIÇÃO VIOLAÇÃO REFLEXA 1 Sobressai a natureza infraconstitucional da controvérsia relativa à inversão na ordem de oitiva de testemunhas em descumprimento ao art 212 do Código de Processo Penal 2 Inviável o Recurso Extraordinário quando a alegada ofensa à Constituição Federal se existente seria meramente indireta ou reflexa a depender de interpretação da legislação infraconstitucional Precedentes 3 Agravo regimental conhecido e não provido ARE 742224 AgR Rel Min Rosa Weber 1ª Turma julgado em 18062013 Acórdão eletrônico DJe148 Divulg 31072013 Public 1º082013 EMENTA DIREITO PENAL AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO HOMICÍDIOS QUALIFICADOS PRONÚNCIA MANUTENÇÃO DAS QUALIFICADORAS AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO REEXAME DE FATOS E PROVAS DA CAUSA 1 O fato de a decisão impugnada ser contrária aos interesses da parte não configura ofensa ao disposto no art 93 IX da Constituição Federal 2 Inviável o recurso extraordinário quando a alegada ofensa à Constituição Federal se existente seria meramente indireta ou reflexa a depender de interpretação da legislação infraconstitucional Precedentes 3 O recurso extraordinário não se presta para o reexame de fatos e provas da causa Súmula 279STF 4 Agravo regimental conhecido e não provido ARE 737821 AgR Rel Min Rosa Weber 1ª Turma julgado em 11062013 Processo eletrônico DJe123 Divulg 26062013 Public 27062013 EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO PENAL 1 AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AO ART 93 INC IX DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA 2 DOSIMETRIA DA PENA MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO ARE 728096 AgR Rel Min Cármen Lúcia 2ª Turma julgado em 12032013 Processo eletrônico DJe061 Divulg 03042013 Public 04042013 38 E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO EXTEMPORANEIDADE DE ANTERIORES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO IMPUGNAÇÃO RECURSAL PREMATURA DEDUZIDA EM DATA ANTERIOR À DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO RECURSO IMPROVIDO A intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras que se antecipam à publicação dos acórdãos quanto decorrer de oposições tardias que se registram após o decurso dos prazos recursais Em qualquer das duas situações impugnação prematura ou oposição tardia a consequência de ordem processual é uma só o não conhecimento do recurso por efeito de sua extemporânea interposição A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido que a simples notícia do julgamento além de não dar início à fluência do prazo recursal também não legitima a prematura interposição de recurso por absoluta falta de objeto Precedentes AI 823070 AgRsegundoEDED Rel Min Celso de Mello 2ª Turma julgado em 08052012 Acórdão eletrônico DJe114 Divulg 12062012 Public 13062012 39 MORAES Alexandre de Constituição do Brasil Interpretada São Paulo Atlas 2002 p 1401 40 Idem ibidem 41 Ementa ADMINISTRATIVO PENAL E PROCESSUAL PENAL AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIME DE DESERÇÃO ART 187 DO CPM DEMISSÃO AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL ART 323 DO RISTF CC ART 102 III 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PREQUESTIONAMENTO INOCORRÊNCIA SÚMULAS 282 E 356 DO STF AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO 1 A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade art 323 do RISTF 2 Consectariamente quando a ofensa for reflexa ou mesmo quando a violação for constitucional mas necessária a análise de fatos e provas não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso art 102 III 3º da CF 3 O prequestionamento explícito da questão constitucional é requisito indispensável à admissão do recurso extraordinário sendo certo que eventual omissão do acórdão recorrido reclama embargos de declaração 4 As Súmulas 282 e 356 do STF dispõem respectivamente verbis É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada e O ponto omisso da decisão sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios não pode ser objeto de recurso extraordinário por faltar o requisito do prequestionamento 5 Agravo regimental a que se nega provimento RE 642382 AgR Rel Min Luiz Fux 1ª Turma julgado em 04092012 Acórdão eletrônico DJe186 Divulg 20092012 Public 21092012 EMENTA Agravo regimental em recurso extraordinário Prequestionamento COFINS Isenção concedida pela Lei Complementar n 7091 Constitucionalidade da revogação pela Lei Ordinária n 943096 Modulação dos efeitos Impossibilidade Precedentes 1 Pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o prequestionamento para o recurso extraordinário não exige que o preceito constitucional invocado pela recorrente tenha sido explicitamente tratado pelo acórdão sendo necessário entretanto que este tenha versado inequivocamente sobre a matéria objeto da norma que nele se contenha 2 Constitucionalidade da revogação pelo artigo 56 da Lei n 943096 da isenção para o recolhimento da COFINS concedida na forma do artigo 6º inciso II da Lei Complementar n 7091 às sociedades civis prestadoras de serviços de profissão legalmente regulamentada 3 Impossibilidade de modulação dos efeitos dessa decisão 4 Agravo regimental desprovido RE 540578 AgR Rel Min Dias Toffoli 1ª Turma julgado em 15122009 DJe022 DIVULG 04022010 PUBLIC 05022010 EMENT VOL0238805 PP00921 42 Mas há acórdãos admitindo o prequestionamento implícito Recurso extraordinário e prequestionamento O prequestionamento para o RE não reclama que o preceito constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão mas é necessário que este tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha o que ocorreu no caso AI 297742AgR Rel Min Sepúlveda Pertence j 25062007 DJ 10082007 43 Conforme documento do Gabinete Extraordinário de Assuntos Institucionais do STF disponível no site wwwstfjusbr de onde foram extraídas diversas informações aqui transcritas 44 EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO CRIMINAL AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSOS DE CORTES DIVERSAS VIOLAÇÃO AOS ARTS 5º XXXV LIV LV E 93 IX DA CONSTITUIÇÃO MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL OFENSA INDIRETA CONTRARIEDADE AO ART 93 IX DA LEI FUNDAMENTAL ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO AGRAVO IMPROVIDO I O acórdão recorrido do Tribunal a quo nada mais fez do que aplicar o entendimento afirmado pelo Plenário desta Corte nos autos das Reclamações 7547SP e 7569SP II Foi acertada a decisão que negou seguimento ao apelo extremo interposto pelo ora agravante por estar em conformidade com o que decidido por este Tribunal no RE 598365MG Rel Min Ayres Britto que por unanimidade recusou o recurso extraordinário ante a ausência de repercussão geral sobre os pressupostos de admissibilidade de recursos de Cortes diversas por não se tratar de matéria constitucional Decisão que vale para todos os recursos sobre matéria idêntica consoante determinam os arts 326 e 327 1º do RISTF e o art 543A 5º do CPC introduzido pela Lei 114182006 III A jurisprudência desta Corte fixouse no sentido de que a afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal da ampla defesa e do contraditório da motivação dos atos decisórios dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional se dependente de reexame prévio de normas infraconstitucionais seria indireta ou reflexa Precedentes IV A exigência do art 93 IX da Constituição não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada O que se busca é que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu convencimento V Agravo regimental improvido AI 819102 AgR Rel Min Ricardo Lewandowski 1ª Turma julgado em 23032011 DJe068 DIVULG 08042011 PUBLIC 11042011 EMENT VOL0250003 PP 00668 45 Como adverte MENDES op cit p 960 há a necessidade da manifestação expressa de pelo menos 8 oito ministros recusando a repercussão geral para que seja reputada a sua inexistência art 102 3º da Constituição 46 E M E N T A AÇÃO CAUTELAR INOMINADA RECURSO EXTRAORDINÁRIO AINDA NÃO ADMITIDO PRETENDIDA OUTORGA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA INADMISSIBILIDADE PROCEDIMENTO EXTINTO RECURSO IMPROVIDO PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS À OUTORGA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA A RECURSO EXTRAORDINÁRIO A concessão de medida cautelar pelo Supremo Tribunal Federal quando requerida na perspectiva de recurso extraordinário interposto pela parte interessada supõe para legitimarse a conjugação necessária dos seguintes requisitos a que tenha sido instaurada a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de origem ou resultante do provimento do recurso de agravo b que o recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual caracterizada dentre outras pelas notas da tempestividade do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição c que a postulação de direito material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica e d que se demonstre objetivamente a ocorrência de situação configuradora do periculum in mora Precedentes Ausente o necessário juízo positivo de admissibilidade RTJ 110458 RTJ 112957 RTJ 140756 RTJ 172419 revelase inviável a outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário e também ao agravo de instrumento deduzido contra a decisão que negou processamento ao apelo extremo Precedentes AC 2798 ED Rel Min Celso de Mello 2ª Turma julgado em 15032011 PROCESSO ELETRÔNICO DJe070 DIVULG 12042011 PUBLIC 13042011 47 EMENTA HABEAS CORPUS INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA ART 5º LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ART 1º III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL 1 O art 637 do CPP estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória A Constituição do Brasil de 1988 definiu em seu art 5º inciso LVII que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 2 Daí que os preceitos veiculados pela Lei n 721084 além de adequados à ordem constitucional vigente sobrepõemse temporal e materialmente ao disposto no art 637 do CPP 3 A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar 4 A ampla defesa não se a pode visualizar de modo restrito Engloba todas as fases processuais inclusive as recursais de natureza extraordinária Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa também restrição do direito de defesa caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito do acusado de elidir essa pretensão 5 Prisão temporária restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar sem qualquer contemplação nos crimes hediondos exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva Na realidade quem está desejando punir demais no fundo no fundo está querendo fazer o mal se equipara um pouco ao próprio delinquente 6 A antecipação da execução penal ademais de incompatível com o texto da Constituição apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados não do processo penal A prestigiarse o princípio constitucional dizem os tribunais leiase STJ e STF serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos além do que ninguém mais será preso Eis o que poderia ser apontado como incitação à jurisprudência defensiva que no extremo reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais A comodidade a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço 7 No RE 482006 relator o Ministro Lewandowski quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional art 2º da Lei n 236461 que deu nova redação à Lei n 86952 o STF afirmou por unanimidade que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art 5º da Constituição do Brasil Isso porque disse o relator a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses estarseia validando verdadeira antecipação de pena sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação nada importando que haja previsão de devolução das diferenças em caso de absolvição Daí porque a Corte decidiu por unanimidade sonoramente no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1988 afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas 8 Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos Não perdem essa qualidade para se transformarem em objetos processuais São pessoas inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade art 1º III da Constituição do Brasil É inadmissível a sua exclusão social sem que sejam consideradas em quaisquer circunstâncias as singularidades de cada infração penal o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida HC 94408 Rel Min Eros Grau 2ª Turma j 10022009 DJe059 Divulg 26032009 Public 27032009 Ement VOL0235403 p 00571 RT v 98 n 885 2009 p 493501 RF v 105 n 401 2009 p 572582 48 CORTÉS DOMÍNGUEZ Valentín et al Derecho Procesal Penal cit p 637 49 Idem ibidem p 638 50 AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS TORTURA AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO PRETENSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO IMPOSSIBILIDADE VIA IMPRÓPRIA 1 É assente na jurisprudência desta Corte de Justiça que o habeas corpus não é a via adequada para dar efeito suspensivo a agravo interposto contra decisão que não recebe o recurso especial ou recurso extraordinário tendo em vista que este pedido normalmente é veiculado por medida cautelar inominada e só é acolhido em casos excepcionais PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE CONHECIMENTO DO PRESENTE WRIT COMO MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INOVAÇÃO DE TESE JURÍDICA QUE NÃO FOI DEDUZIDA NA INICIAL DO WRIT IMPOSSIBILIDADE 1 É inadmissível a apreciação em sede de agravo regimental de tese que não foi alegada na inicial do remédio constitucional pois à parte é vedado inovar pedidos quando da interposição do regimental SUPERVENIÊNCIA DE JULGAMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO TRÂNSITO EM JULGADO PERDA DO INTERESSE RECURSAL RECURSO IMPROVIDO 1 Diante da superveniência do julgamento do agravo de instrumento interposto a que se pretendia a concessão de efeito suspensivo transitando em julgado a decisão resta evidente a falta de interesse recursal no agravo regimental aforado 2 Agravo regimental improvido AgRg no HC 172334MG Rel Min Jorge Mussi 5ª Turma julgado em 26022013 DJe 19032013 51 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Um Novo Agravo contra Decisão que Não Admite Recurso Especial e Extraordinário no Processo Penal Reflexos da Lei 12322 de 9 de setembro de 2010 no Processo Penal Originais gentilmente cedidos pelo autor aguardando publicação no Boletim do IBCCrim janeirofevereiro de 2011 52 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Um Novo Agravo contra Decisão que Não Admite Recurso Especial e Extraordinário no Processo Penal Reflexos da Lei 12322 de 9 de setembro de 2010 no Processo Penal Originais gentilmente cedidos pelo autor aguardando publicação no Boletim do IBCCrim janeirofevereiro de 2011 53 BADARÓ Gustavo Henrique Ivahy O Agravo Cabível contra Decisão Denegatória de Recurso Especial e Extraordinário em uma Recente Decisão do STF e os Limites da Fungibilidade Recursal Boletim do IBCCrim n 230 janeiro 2012 p 2 54 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Um Novo Agravo contra Decisão que Não Admite Recurso Especial e Extraordinário no Processo Penal Reflexos da Lei 12322 de 9 de setembro de 2010 no Processo Penal Originais gentilmente cedidos pelo autor aguardando publicação no Boletim do IBCCrim janeirofevereiro de 2011 Aviso Ao leitor A Compreensão Da Síntese Exige A Prévia Leitura Do Capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO arts 581592 11 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento e adequação tem cabimento nos casos previstos no art 581 cujo rol é taxativo Os incisos XVII XIX XX XXI XXII XXIII e XXIV perderam eficácia com o advento da LEP Interposição por petição ou termo nos autos Tempestividade 5 dias para interposição art 586 e 2 dias para razões art 588 Assistente 5 dias habilitado 15 dias não habilitado Preparo tem cabimento nas ações penais privadas art 806 12 REQUISITOS SUBJETIVOS Legitimidade art 577 e gravameprejuízo 13 EFEITOS efeito devolutivo misto regressivo e depois reiterativo ou devolutivo propriamente dito Efeito suspensivo nos casos previstos art 584 14 ASPECTOS DO PROCEDIMENTO pode subir nos próprios autos art 583 ou por instrumento demais casos sendo que o instrumento deverá conter as peças obrigatórias art 587 parágrafo único e as indicadas pelas partes e o juiz art 589 2 APELAÇÃO arts 593603 21 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento e adequação pode ser interposta por petição ou termo nos autos nos casos previstos no art 593 Art 593 II é residual em relação à taxatividade do RSE cabendo em relação às decisões interlocutórias mistas não abrangidas pelo art 581 Art 593 III o inciso III dirigese exclusivamente às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri Nas alíneas a e d se acolhido o recurso a consequência será a realização de novo júri Nas alíneas b e c acolhendo o recurso o tribunal faz a retificação se enviar a novo júri Art 593 3º decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela completamente dissociada da prova dos autos sem qualquer apoio no processo O que se entende por mesmo motivo Significa novo recurso com base na letra d sendo irrelevante a tese sustentada Tempestividade 5 dias para interposição art 593 e 8 dias para razões Assistente 5 dias habilitado 15 dias não habilitado Preparo exigese nas ações penais privadas 22 REQUISITOS SUBJETIVOS legitimidade art 577 e gravameprejuízo 23 EFEITOS devolutivo total ou parcial e suspensivo apelação de sentença absolutória nunca tem efeito suspensivo art 596 Quanto ao direito de recorrer em liberdade art 387 1º deve ser analisado à luz do sistema cautelar e das regras da prisão preventiva arts 311 e ss 3 EMBARGOS INFRINGENTES E EMBARGOS DE NULIDADE art 609 parágrafo único Embargos Infringentes voto vencido tem por objeto da divergência uma questão de mérito Embargos de Nulidade voto vencido tem por objeto divergência sobre questão processual 31 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento contra decisão não unânime proferida por tribunal no julgamento de apelação RSE ou agravo em execução É recurso exclusivo da defesa Está limitado ao objeto da divergência demarcado pelos limites do voto vencido Adequação deve ser interposto por petição acompanhada das razões circunscritas ao objeto da divergência Tempestividade prazo de 10 dias único para interposição e razões Preparo predomina entendimento de que não é necessário nem mesmo nas ações penais privadas bastando o preparo feito para a apelação 32 REQUISITOS SUBJETIVOS é um recurso exclusivo da defesa Quanto ao gravame deve haver um voto divergente favorável à defesa que represente uma vantagem jurídica se acolhido 33 EFEITOS Devolutivo devolve a discussão nos limites do voto vencido Suspensivo como regra interrompem o prazo de interposição de outros recursos mas há divergência como explicado a seguir 34 PROBLEMA DA DIVERGÊNCIA PARCIAL E A INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE RESP EOU RE Existem dois entendimentos jurisprudenciais sendo que Predomina nas justiças estaduais o entendimento de que deve haver interposição simultânea ou seja embargos infringentes em relação a divergência de mérito e REsp eou RE no prazo de 15 dias da publicação do acórdão em relação às preliminares denegadas à unanimidade Justiça Federal predomina o entendimento de que a interposição é sucessiva nos termos do art 498 do CPC ou seja primeiro esgotase toda a matéria de embargos infringentesnulidade e somente depois abrese a possibilidade de REsp eou RE 4 EMBARGOS DECLARATÓRIOS 41 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento Podem ser utilizados em relação a qualquer decisão inclusive interlocutória ou despacho desde que contenha omissão obscuridade contradição ou ambiguidade Arts 382 decisões de 1º grau 619 e 620 decisões de tribunais Excepcionalmente podem ter efeitos modificativos e podem ser utilizados para fins de prequestionamento nos recursos especial e extraordinário Adequação interpostos por petição contendo as razões Tempestividade 2 dias No JECrim 5 dias art 83 da Lei n 909995 Preparo não se exige 42 REQUISITOS SUBJETIVOS estão legitimadas as partes ativa passiva e assistente da acusação O interesse recursal vinculase à ineficácia da garantia da motivação das decisões 43 EFEITOS possuem efeito regressivo devolvendo para o mesmo órgão prolator Excepcionalmente poderão ter efeitos modificativos ou infringentes Como regra interrompem o prazo para interposição de outros recursos Exceção JECrim art 83 2º da Lei n 909995 em que o efeito é suspensivo 5 AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL art 197 da LEP Segue o mesmo procedimento e requisitos do RSE 51 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento decisões interlocutórias tomadas no curso da execução criminal Adequação pode ser interposto por petição ou termo nos autos Tempestividade 5 dias para interposição e 2 dias para razões Preparo não se exige 52 REQUISITOS SUBJETIVOS estão legitimados o MP defensor ou réu O gravame decorre do prejuízo pela concessão ou denegação do pedido feito na execução penal 53 EFEITOS efeito devolutivo misto regressivo e depois reiterativo ou devolutivo propriamente dito Não possui efeito suspensivo 6 CARTA TESTEMUNHÁVEL arts 639 a 646 61 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento impugnar a decisão que denegou o prosseguimento a recurso em sentido estrito ou agravo em execução ou obstaculizou sua subida Adequação recurso interposto por petição Tempestividade 2 dias Preparo não se exige 62 REQUISITOS SUBJETIVOS legitimidade vinculada àquela necessária para interposição do recurso originário a que foi denegado o prosseguimento Interesse gravame pelo não prosseguimento do recurso 63 EFEITOS devolutivo misto 7 RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO Recurso Especial Recurso Extraordinário Órgão julgador Superior Tribunal de Justiça Supremo Tribunal Federal Cabimento Art 105 III da Constituição julgar em recurso especial as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida ver Súmula n 203 do STJ a contrariar tratado ou lei federal ou negarlhes vigência b julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal inaplicável na esfera penal c der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal art 26 da Lei n 8038 e Súmulas 13 e 83 do STJ Art 102 III da Constituição julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida ver Súmulas ns 281 e 640 do STF a contrariar dispositivo desta Constituição a ofensa tem que ser direta se antes violar o CPP não cabe RE b declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ver Súmula Vinculante n 10 c julgar válidos lei ou ato de governo local contestados em face desta Constituição d julgar válida lei local contestada em face de lei federal Objeto Tutela da Legislação Infraconstitucional Tutela da Constituição Disciplina Legal Lei n 8038 e Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça Lei n 8038 e Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal Prazo de interposição 15 dias art 26 da Lei n 8038 15 dias art 26 da Lei n 8038 Prequestionamento Há decisões aceitando o prequestionamento implícito É exigido prequestionamento explícito como regra Súmula n 211 Repercussão Geral Não é exigida É exigida a demonstração através de preliminar formal art 102 3º da CB Possibilidade de reexame de fato ou prova Não é permitido Súmula n 7 do STJ Não é permitido Súmula n 279 do STF Exaurimento da via recursal ordinária Devem ser esgotados os recursos ordinários Devem ser esgotados os recursos ordinários Juízo de admissibilidade Há uma dupla filtragem primeiramente no tribunal de origem a quo e se admitido o recurso novo exame é feito no STJ Há uma dupla filtragem primeiramente no tribunal de origem a quo e se admitido o recurso novo exame é feito no STF Legitimidade Ministério Público assistente da acusação querelante e o réu Ministério Público assistente da acusação querelante e o réu Preparo Exigese preparo Súmula n 187 do STJ Exigese preparo Efeitos Devolutivo propriamente dito Ausência de efeito suspensivo art 27 2º da Lei n 8038 Contudo o STJ tem relativizado essa regra para admitir que o acusado recorra em liberdade Devolutivo propriamente dito Ausência de efeito suspensivo art 27 2º da Lei n 8038 Contudo o STF tem relativizado essa regra para admitir que o acusado recorra em liberdade Instrumento para obter o efeito suspensivo Medida Cautelar Inominada art 798 do CPC Habeas Corpus Recurso contra a decisão que nega seguimento Agravo em Recurso Especial Lei n 123222010 e art 544 do CPC Prazo 5 dias Súmula n 699 STF Resolução 0710 do STJ Recurso Extraordinário com Agravo Lei n 123222010 e art 544 do CPC Prazo 5 dias Súmula n 699 STF Resoluções 450 e 451 do STF Capítulo XXII AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO REVISÃO CRIMINAL HABEAS CORPUS MANDADO DE SEGURANÇA Após a sumária análise dos recursos no processo penal vejamos agora as chamadas ações de impugnação que não constituem recursos senão ações autônomas com diferentes finalidades e campos de atuação A revisão criminal e o habeas corpus estão erroneamente posicionados na estrutura do Código de Processo Penal no Título II Dos recursos em geral mas isso não significa que sejam recursos Como veremos são ações de impugnação não se subordinam aos requisitos recursais anteriormente analisados e tampouco exigem uma decisão não transitada em julgado como nos recursos na medida em que podem atacar até mesmo uma sentença com trânsito em julgado formal e material Feita a ressalva vejamos as ações de impugnação 1 Revisão Criminal A revisão criminal ainda que tratada pelo Código de Processo Penal juntamente com os recursos é uma ação de impugnação de competência originária dos tribunais não é recurso É um típico caso de equivocada organização topográfica como define CORDERO1 Tratase de um meio extraordinário de impugnação não submetida a prazos que se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado exercendo por vezes papel similar ao de uma ação de anulação ou constitutiva negativa no léxico ponteano sem se ver obstaculizada pela coisa julgada CORTÉS DOMÍNGUEZ2 tratando del proceso de revisión do sistema espanhol equivalente a nossa revisão criminal define como uma ação independente que dá lugar a um processo cuja finalidade é rescindir sentenças condenatórios transitadas em julgado e injustas A revisão criminal situase numa linha de tensão entre a segurança jurídica instituída pela imutabilidade da coisa julgada e a necessidade de desconstituíla em nome do valor justiça Se de um lado estão os fundamentos jurídicos políticos e sociais da coisa julgada de outro está a necessidade de relativização deste mito em nome das exigências da liberdade individual Em última análise sublinha CORTÉS DOMÍNGUEZ3 com acerto o legislador se viu obrigado a solucionar o terrível problema que supõe considerar que um mecanismo como o da coisa julgada que está pensado como meio de segurança apto a conseguir a justiça pode em outras ocasiões ser um elemento que proporcione situações clamorosamente injustas Por tudo isso a revisão criminal é uma medida excepcional cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei 11 Cabimento Análise do art 621 do CPP Vejamos agora as situações previstas no art 621 do CPP esclarecendo que a revisão criminal pode ser proposta para desconstituir sentenças de juízes singulares ou do Tribunal do Júri bem como acórdãos proferidos pelos tribunais Durante muito tempo se discutiu o cabimento da revisão criminal em relação às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri diante da soberania desta decisão mas atualmente a questão corretamente se pacificou no sentido da plena possibilidade da revisão criminal A revisão pode ter como objeto uma sentença condenatória ou absolutória imprópria ou acórdão condenatório ou absolutório impróprio isso porque quando o réu é absolvido em primeiro grau e o Ministério Público apela sendo acolhido o recurso a decisão condenatória objeto da revisão criminal é o acórdão proferido pelo tribunal e não a sentença absolutória do juiz Art 621 A revisão dos processos findos será admitida COMENTÁRIO A expressão processos findos deve ser interpretada no sentido de existência de uma sentença ou acórdão penal condenatório transitado em julgado São dois os pressupostos da revisão criminal existência de uma sentença penal condenatória ou absolutória imprópria art 386 parágrafo único III do CPP e que esta sentença tenha transitado em julgado A sentença a qual se pretende revisar deve ser condenatória ou absolutória imprópria aquela em que se aplica medida de segurança ao réu inimputável que inegavelmente possui um caráter condenatório Inclusive a situação gerada pela medida de segurança é em geral mais grave até do que a daquele submetido à pena privativa de liberdade diante da situação de incerteza e indeterminação inerente à medida de segurança Tampouco existe progressão de regime trabalho externo etc Mas não se admite a revisão criminal quando a sentença é absolutória propriamente dita ou absolvição sumária não havendo um interesse juridicamente tutelável nestes casos ainda que se argumente em torno da mudança do fundamento da absolvição A excepcionalidade da revisão criminal faz com que os casos em que ela é admitida sejam taxativamente previstos sem possibilidade de ampliação deste rol no qual não se encaixam as situações de absolvição Contribui ainda para essa exegese o disposto no art 625 1º do CPP de que o requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos O modelo brasileiro ainda não admite a chamada revisão criminal pro societate ou seja a revisão das sentenças absolutórias o que constituiria uma autêntica reformatio in pejus Mas como veremos ao final deste Capítulo se aprovado o Projeto de Lei n 42062001 a nova redação do art 621 irá contemplar três hipóteses de revisão criminal de sentenças absolutórias mudando radicalmente o cenário e rompendo com uma longa tradição de ter na revisão criminal um instrumento de proteção do réu contra sentenças injustas I quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos COMENTÁRIO São duas as situações previstas aqui em que a sentença condenatória ou absolutória imprópria é contrária a Ao texto expresso da lei penal o que significa uma contrariedade em relação à lei penal mas também processual penal à Constituição ou qualquer outro ato normativo que tenha sido empregado como fundamento da sentença condenatória como as leis completivas empregadas na aplicação de uma lei penal em branco portarias etc Incorre no mesmo fundamento a sentença penal que incidir em erro na subsunção dos fatos à lei penal ou seja na tipificação legal como pode ser a condenação por peculato de alguém que não era funcionário público4 Ademais nulidades absolutas também podem ser conhecidas na revisão criminal por imposição do art 626 do CPP que ao permitir ao tribunal anular a sentença ou acórdão está reconhecendo expressamente a existência de mais de uma causa para sua impetração Portanto é possível a revisão criminal sob o argumento de nulidade pois significa dizer que a decisão judicial é contrária ao texto expresso da lei e com esse fundamento deve ser ajuizada Não se pode esquecer que o art 626 estabelece que julgando procedente a revisão o tribunal poderá alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo Portanto é a existência de nulidade um fundamento jurídico válido para a revisão criminal A revisão criminal com base neste fundamento decisão contrária a texto expresso de lei situase acima de tudo na dimensão de conflito hermenêutico na qual o que se discute é a eleição dos significados da norma e o sentido a ela dado pelo juiz ou tribunal quando se trata de acórdão condenatório que proferiu a decisão em relação aos julgadores da revisão criminal Há portanto uma reabertura da discussão quanto à mais adequada interpretação do direito 5 naquele caso penal em julgamento Questão interessante é a impossibilidade de revisão criminal por ser a decisão contrária ao novo entendimento jurisprudencial mais benigno Longe de ser pacífico o entendimento concordamos com essa possibilidade desde que a mudança seja efetiva e em relação a entendimento jurisprudencial pacífico e relevante Significa dizer uma mudança efetiva de entendimento um rompimento de paradigma algo similar ao que ocorreu por exemplo em relação à inconstitucionalidade do regime integralmente fechado para os crimes hediondos Assim como a nova lei penal mais benigna tem efeito retroativo a mudança radical no entendimento jurisprudencial que beneficie o réu também deve ter o mesmo efeito sendo cabível a revisão criminal para sua obtenção Nesta linha há uma interessante decisão proferida pelo 4º Grupo Criminal do TJRS na RevCrim 70 002 052 959 Rel Des Tupinambá Pinto de Azevedo julgado em 27042001 que reconheceu a retroatividade da decisão penal mais benigna6 Na mesma linha GIACOMOLLI7 argumenta que a aplicação da jurisprudência mais favorável nas mesmas hipóteses da incidência da lex mitior incluise na limitação do ius puniendi pois ao jurisdicionado não se pode retirar a confiança de que receberá dos magistrados uma igualdade de tratamento diante da mesma situação fática Proibir a retroatividade da jurisprudência como afirmou Hassemer suporia a paralisação de sua função de recriação da lei observandose situações em que a comunidade jurídica tem um conhecimento maior do conteúdo da jurisprudência penal que da lei penal confiando em sua aplicação Mas essa construção ainda goza de pouca aceitação b À evidência dos autos atuando na dimensão da contrariedade entre a decisão condenatória e o contexto probatório Aqui a reabertura da discussão situase na dimensão probatória e não apenas jurídica como no caso anterior Ainda que o senso comum teórico e jurisprudencial costume afirmar que a contrariedade deve ser frontal completamente divorciada dos elementos probatórios do processo para evitar uma nova valoração da prova enfraquecendo o livre convencimento do juiz pensamos que a questão exige uma leitura mais ampla O ato de julgar como visto em capítulos anteriores desta obra é bastante complexo e impregnado de subjetividade incompatível com a tradicional visão cartesiana Portanto quando o tribunal julga uma revisão criminal está inexoravelmente revalorando a prova e comparandoa com a decisão do juiz E neste momento é ingenuidade desconsiderar que cada desembargador acaba rejulgando o caso penal e se não concordar com a valoração feita pelo juiz bastará uma boa retórica para transformar uma divergência de sentire em uma contrariedade frontal entre a sentença e o contexto probatório Não vemos como negar que neste momento ocorre verdadeiramente um juízo sobre o juízo do juiz de modo que o tribunal julgador da revisão criminal acaba por reavaliar o caso penal Seria patológico que um desembargador ao julgar uma revisão criminal dissesse eu não vejo prova suficiente para condenar e teria absolvido mas como existe alguma prova a amparar a tese acusatória até porque sempre existe alguma prova sob pena de a denúncia nem ser recebida tenho que manter a injusta condenação Ora isso seria um contrassenso Contribui para a posição tradicional com raras exceções o famigerado in dubio pro societate com a equivocada exigência de que o réu deve fazer prova integral do fato modificativo sem que a revisão seja acolhida quando a questão não superar o campo da dúvida Essa problemática costuma aparecer quando o fundamento da revisão situase na dimensão probatória evidência dos autos novas provas de inocência depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos etc Nesses casos cumpre perguntar a Onde está a previsão constitucional do tal in dubio pro societate b Em que fase do processo e com base em que o réu perde a proteção constitucional c Como justificar que no momento da decisão seja ela pelo juiz ou tribunal a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição mas essa mesma dúvida quando surgir apenas em sede de revisão criminal não autoriza a absolvição d E se quando da decisão de primeiro grau ou mesmo em grau recursal mas antes do trânsito em julgado existir um contexto probatório que permita afastar a dúvida e alcançar um alto grau de probabilidade autorizador da condenação mas depois do trânsito em julgado surgir uma prova nova x que gere uma dúvida em relação ao suporte probatório existente por que devemos afastar o in dubio pro reo e Como justificar que essa prova se tivesse sido conhecida quando da sentença implicaria absolvição mas agora porque estamos numa revisão criminal ela não mais serve para absolver Em suma nossa posição é a de que a sentença condenatória só pode manterse quando não houver uma dúvida fundada seja pela prova existente nos autos seja pelo surgimento de novas provas Logo o in dubio pro reo é um critério pragmático para solução da incerteza processual qualquer que seja a fase do processo em que ocorra O sistema probatório fundado a partir da presunção constitucional de inocência não admite nenhuma exceção procedimental inversão de ônus probatório ou frágeis construções inquisitoriais do estilo in dubio pro societate Portanto ainda que tradicionalmente somente a sentença condenatória frontalmente contrária à evidência dos autos seja passível de ser revisada pensamos que o processo penal democrático e conforme à Constituição não mais admite tal reducionismo II quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos COMENTÁRIO É uma situação típica de caso judicial penalmente viciado8 ou seja a decisão acerca do caso penal está contaminada pois se baseou em depoimentos exames ou documentos falsos portanto o vício é de natureza penal na medida em que essas falsidades constituem crimes autônomos Essa prova penalmente viciada acaba por contaminar a sentença que deve ser rescindida Similar fundamento prevê entre outras legislações a Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola cujo art 9543 estabelece como sendo caso de revisión a condenação fundada em provas obtidas mediante delito cuja prática se comprove posteriormente mediante sentença irrecorrível No modelo brasileiro o legislador empregou a expressão comprovadamente falsos dando maior flexibilidade na medida em que não exige que o crime de falsidade tenha sido criminalmente punido Claro que se isto tiver ocorrido maior probabilidade de êxito terá a revisão A comprovação do falso poderá ser feita no curso da própria revisão criminal ainda que os tribunais brasileiros em geral não admitam uma cognição plenária no curso desta ação exigindo uma prova pré constituída Mas a falsidade poderá ser feita através da ação declaratória da falsidade documental na esfera cível e eventualmente pela via da ação cautelar de justificação fundada no art 861 do CPC mas distribuída e julgada numa vara criminal Devese atentar ainda para a exigência de a sentença condenatória se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos definindo a necessidade de demonstração do nexo causal isto é de que a prova falsa serviu de fundamento para a sentença condenatória A questão é bastante complexa como explicamos anteriormente ao tratar da contaminação da prova ilícita de modo que a jurisprudência cartesianamente a nosso ver tem tratado do nexo causal É elementar que a falsidade completamente periférica e irrelevante em termos probatórios não vai justificar a revisão criminal Mas por outro lado também não se pode cair no relativismo extremo em que uma boa manipulação discursiva sempre vai dizer que excluindo mentalmente a prova falsa ainda subsistem elementos para condenar Porque querendo sempre sobrará prova para condenar basta uma boa retórica Portanto não se pode exigir que a sentença gire exclusivamente em torno da prova falsa até porque em geral isso não ocorre na medida em que os juízes analisam o contexto probatório Basta que a prova falsa tenha relevância no julgamento do caso penal para que a nosso ver deva ser acolhida a revisão Não precisa ser a prova decisiva basta que tenha relevância que influa razoavelmente na decisão para que o vício deva ser reconhecido Mas infelizmente aqui estamos diante de mais um espaço discursivo manipulável Por fim esclarecemos9 que a sentença que se baseou em prova ilícita será impugnável pela revisão criminal fundada no inciso I pois a sentença é contrária a texto expresso da lei III quando após a sentença se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena COMENTÁRIO Sobre o conceito de novas provas esclarece CORDERO10 são novas porque não haviam sido introduzidas no processo sejam preexistentes ou supervenientes também consideramos novas as provas as que tenham sido aduzidas mas que tenha ficado de fora da decisão como às vezes ocorre Portanto numa interpretação mais ampla o conceito de novas provas não pode ficar limitado àquelas desconhecidas e que surgiram depois do processo Também é considerada prova nova a preexistente não introduzida no processo ou mesmo aquela que ingressou nos autos mas que não foi valorada Ademais o conceito de novas provas está a abarcar o fato novo na medida em que esse fato novo se processualize através de uma atividade probatória e com isso influa decisivamente no julgamento Essa prova nova não precisa necessariamente ser apta a produzir a absolvição havendo a possibilidade de ela influir na redução da pena aplicada E como se judicializa essa prova nova Em tese é possível fazêlo no curso da revisão ainda que os tribunais não costumem ter boa vontade em produzir essa prova de modo que o melhor caminho é produzir judicialmente essa prova em primeiro grau através da cautelar de justificação prevista no art 860 e ss do CPC distribuída sem prevenção entre as varas criminais da comarca onde se pretende sua produção Por fim prevalece o entendimento de que a prova nova deve ter valor decisivo não bastando aquela que só debilite a prova do processo revidendo ou que cause dúvida no espírito dos julgadores11 Como já explicado anteriormente não concordamos com esta posição que infelizmente ainda tem como equivocada premissa assumida ou não o não recepcionado in dubio pro societate de modo a exigir uma prova cabal produzida pelo réu de sua inocência A incompatibilidade constitucional e mesmo democrática de tal posição é evidente Entendemos que se a prova nova for apta a gerar uma dúvida razoável à luz do in dubio pro reo que segue valendo o acolhimento da revisão é imperativo Não incumbe ao réu em nenhum momento e em nenhuma fase ter de provar cabalmente sua inocência senão que a dúvida razoável sempre o beneficia por inafastável epistemologia do processo penal 12 Prazo Legitimidade Procedimento No que diz respeito ao prazo para interposição da revisão criminal determina o art 622 Art 622 A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo antes da extinção da pena ou após Parágrafo único Não será admissível a reiteração do pedido salvo se fundado em novas provas Portanto não há prazo para interposição da revisão criminal A revisão pode ser postulada durante o cumprimento da pena ou até mesmo após o seu término ou seja após a extinção da pena Contudo há que se atentar para a impossibilidade de revisão criminal quando há extinção da punibilidade antes da sentença pois nesse caso não existe uma sentença penal condenatória para ser revisada Portanto se no curso do processo é extinta a punibilidade pela prescrição ou qualquer outra causa a decisão proferida é declaratória da extinção da punibilidade e não condenatória Portanto inviável a revisão criminal nesse caso A restrição contida no parágrafo único deve vista com atenção pois o que não se admite é uma repetição da mesma ação ou seja o mesmo réu fazendo o mesmo pedido de revisão do mesmo caso penal Portanto onde houver uma alteração em torno destes elementos estaremos diante de uma nova ação sendo incabível a restrição do parágrafo único Da mesma forma não se aplica a restrição quando o pedido estiver fundado em novas provas Em relação à legitimidade prevê o art 623 que a revisão criminal poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou no caso de morte do réu pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão Sobre a possibilidade de o Ministério Público interpor a revisão criminal para além da polêmica doutrinária e jurisprudencial existente pensamos ser uma patologia processual Não se discutem aqui os nobres motivos que podem motivar um promotor ou procurador a ingressar com a revisão criminal senão que desde uma compreensão da estrutura dialética do processo actum trium personarum e do que seja um sistema acusatório é uma distorção total Não vislumbramos como possa uma parte artificialmente criada para ser o contraditor natural do sujeito passivo recordemos sempre do absurdo de falarse de uma parteimparcial no processo penal ter legitimidade para a ação de revisão criminal a favor do réu para desconstituir uma sentença penal condenatória que somente se produziu porque houve uma acusação levada a cabo pelo mesmo Ministério Público uno e indivisível Não é necessário maior esforço para ver a manifesta ilegitimidade do Ministério Público Ainda que se argumente em torno da miserável condição econômica do réu nada justifica O que sim deve ser feito é fortalecerse a defensoria pública Aqui está o ponto nevrálgico da questão para tutela do réu devese fortalecer o seu lugar de fala potencializar a sua condição de obtenção da tutela jurisdicional e não sacrificar o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo legitimando que o acusador o defenda Portanto a nosso juízo é manifesta a ilegitimidade do Ministério Público para ingressar com a revisão criminal Antes de analisar o procedimento é necessário esclarecer que a competência para o julgamento da revisão criminal é sempre dos tribunais mais especificamente do próprio tribunal que proferiu a última decisão naquele processo mas sempre por outro órgão Assim podem ocorrer as seguintes situações a O réu é condenado e da sentença não há recurso transitando em julgado A revisão criminal será julgada pelo respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal Justiça Federal que seria competente para o julgamento de uma eventual apelação b O réu é condenado e apela tendo o tribunal mantido a condenação Com o trânsito em julgado a revisão criminal será ajuizada no mesmo tribunal que julgou a apelação mas pelo Grupo Criminal TJ ou Seção Criminal TRF e não pela Câmara ou Turma Criminal que julgou a apelação c O réu é absolvido tendo o Ministério Público apelado O tribunal acolhe o recurso e condena o réu Com o trânsito em julgado a revisão criminal será distribuída no mesmo tribunal que proferiu o acórdão condenatório mas para outro órgão d A revisão criminal será julgada no STF ou no STJ quando buscar a desconstituição das decisões proferidas por esses tribunais Mas cuidado o fato de ter havido RESP ou REXT não significa que a revisão será para o STJ ou o STF Isso só ocorrerá quando o fundamento da revisão criminal coincidir com aquele discutido em sede de recurso extraordinário ou especial porque nesse caso a decisão sobre a matéria revisada foi decidida por eles Portanto quando o objeto do recurso especial não acolhido por exemplo foi a alegação de que a decisão violou lei federal e a revisão criminal está fundada na existência de novas provas da inocência do réu a competência para o julgamento será do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que julgou a apelação ou seja quem por último se manifestou sobre o caso penal mérito Nesse sentido vejamos o art 624 do CPP Art 624 As revisões criminais serão processadas e julgadas I pelo Supremo Tribunal Federal quanto às condenações por ele proferidas II pelo Tribunal Federal de Recursos Tribunais de Justiça ou de Alçada nos demais casos 1º No Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Federal de Recursos o processo e julgamento obedecerão ao que for estabelecido no respectivo regimento interno 2º Nos Tribunais de Justiça ou de Alçada o julgamento será efetuado pelas câmaras ou turmas criminais reunidas em sessão conjunta quando houver mais de uma e no caso contrário pelo tribunal pleno 3º Nos tribunais onde houver quatro ou mais câmaras ou turmas criminais poderão ser constituídos dois ou mais grupos de câmaras ou turmas para o julgamento de revisão obedecido o que for estabelecido no respectivo regimento interno Mas nesta matéria é fundamental consultar o Regimento Interno do respectivo tribunal pois lá também se encontram regras da organização interna que afetam a competência E quem julgará uma revisão criminal interposta contra decisão da Turma Recursal Existe uma imensa lacuna legal neste tema agravada pela peculiar estrutura recursal dos Juizados Especiais Criminais Respeitando a regra da hierarquia jurisdicional onde a revisão criminal é sempre julgada por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a última decisão sustentamos que a competência será do Supremo Tribunal Federal Fortalece esse entendimento o fato de as Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF definirem que das decisões das Turmas Recursais somente será admitido recurso extraordinário para o STF Logo está sinalizado que o órgão superior será o STF e não o Tribunal de Justiça o Tribunal Regional Federal ou o STJ Tal conclusão pode gerar algum espanto inicial mas é a mais coerente com o sistema recursal do Juizado Especial Criminal e sua estrutura jurisdicional Mas o tema não é pacífico Em qualquer caso determina o art 625 que a revisão criminal não poderá ter como relator o mesmo relator que anteriormente tenha atuado no julgamento da apelação ou outro recurso Importante neste ponto é a leitura do art 625 do CPP Art 625 O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo 1º O requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos 2º O relator poderá determinar que se apensem os autos originais se daí não advier dificuldade à execução normal da sentença 3º Se o relator julgar insuficientemente instruído o pedido e inconveniente ao interesse da justiça que se apensem os autos originais indeferiloá in limine dando recurso para as câmaras reunidas ou para o tribunal conforme o caso art 624 parágrafo único 4º Interposto o recurso por petição e independentemente de termo o relator apresentará o processo em mesa para o julgamento e o relatará sem tomar parte na discussão 5º Se o requerimento não for indeferido in limine abrirseá vista dos autos ao procuradorgeral que dará parecer no prazo de dez dias Em seguida examinados os autos sucessivamente em igual prazo pelo relator e revisor julgarseá o pedido na sessão que o presidente designar A revisão criminal deve ser instruída com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias para a comprovação do alegado Sugerese sempre que seja anexada cópia integral do processo ou que se solicite o apensamento dos autos originais pois isso é fundamental para o julgamento da revisão Não sendo anexada cópia do processo o relator poderá determinar o apensamento dos autos originais mas é claro que isso gera um atraso no julgamento que pode ser evitado pela parte Não há que se falar em efeito devolutivo ou suspensivo pois revisão criminal não é recurso Obviamente estando o réu em liberdade não é necessário recolherse à prisão para ingressar com a revisão Em situações excepcionais estando o réu preso e sendo fortes os elementos contidos na inicial poderá o relator conceder habeas corpus de ofício art 654 2º para que o condenado aguarde em liberdade o julgamento da revisão criminal Noutra dimensão também já se admitiu a conversão de habeas corpus em revisão criminal na medida em que o writ pretendia desconstituir uma sentença transitada em julgado e exigia uma cognição ampla que excedia os limites do habeas corpus Neste sentido consultese o REsp 158028 Rel Min Luiz Vicente Cernicchiaro j 19031998 em que se lê que a fungibilidade dos recursos é admissível Resulta da natureza instrumental do processo Nada impede outrossim uma ação ser escolhida como outra O HC é uma ação constitucionalizada visa a fazer cessar ou impedir que ocorra ofensa ao direito de liberdade A revisão criminal também é ação não obstante a colocação no CPP 13 Limites da Decisão Proferida na Revisão Criminal Da Indenização Acolhida a revisão criminal o tribunal poderá nos termos do art 626 do CPP Art 626 Julgando procedente a revisão o tribunal poderá alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo Parágrafo único De qualquer maneira não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista Art 627 A absolvição implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação devendo o tribunal se for caso impor a medida de segurança cabível Considerando que a revisão criminal é uma ação de impugnação de caráter excepcional somente admissível em favor do réu nada impede que se produza uma decisão ultra petita ou seja não se aplicam aqui os rigores do princípio da congruência anteriormente estudado de modo que o tribunal pode absolver o réu ainda que o pedido tenha sido de anulação do processo ou apenas uma diminuição da pena O único limite intransponível é o da vedação da reformatio in pejus contido no parágrafo único do art 626 de modo que em nenhuma hipótese poderá ser agravada a situação jurídica do autor Quando a decisão for de anulação o feito com defeito deverá ser refeito de modo que o processo a extensão dependerá da contaminação terá nova tramitação e decisão Não poderá esta nova decisão ser mais grave que a anterior sob pena de constituir uma reformatio in pejus indireta Devese considerar também a possível ocorrência da prescrição pois a sentença condenatória desaparece como marco interruptivo e dependendo da contaminação até o recebimento da denúncia poderá ser desconstituído Por alterar a classificação da infração entendase a aplicação do art 383 do CPP ou seja a emendatio libelli uma mera correção da tipificação legal desde que não seja prejudicial à defesa vedação da reformatio in pejus Situação mais complexa diz respeito à mutatio libelli art 384 do CPP na medida em que implicaria alteração da situação fática contida na acusação Ao contrário do sustentado em edições anteriores estamos revisando nossa posição no sentido da impossibilidade de aplicação da mutatio libelli em sede de revisão criminal Não se pode admitir a inclusão de fatos novos após a sentença nem mesmo pela via do aditamento como aditar após a sentença pois em qualquer situação seria evidente a supressão de instância e principalmente a violação do contraditório e no segundo momento do direito de defesa Sedutora pode ser a proposta de mutatio libelli a favor do réu mas entendemos ser agora igualmente inadmissível não só por violar o contraditório e o direito de defesa mas também o próprio sistema acusatório na medida em que o tribunal estaria assumindo indevidamente o comando da pretensão acusatória Destarte se o tribunal ao conhecer a revisão criminal verificar a necessidade de dar ao fato uma definição jurídica diversa em decorrência da prova existente nos autos de elemento ou circunstância não contida na acusação e portanto não valorada e decidida na sentença não haverá alternativa deverá absolver o réu E repetimos ainda que aparentemente a mutatio libelli seja a favor do réu como ocorre vg na desclassificação de crime doloso para culposo pois é um pseudobenefício enganoso portanto posto que alberga uma grave violação do contraditório e demais princípios do devido processo penal É portanto uma condenação ilegítima ainda Para melhor compreensão da questão evitando molestas repetições remetemos o leitor para as lições anteriores sobre a decisão penal em que tratamos da Correlação e da complexa problemática em torno da emendatio libelli e da mutatio libelli Por fim invocável neste tema a Súmula n 453 do STF não se aplicam à segunda instância o art 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa A Súmula n 453 além de ser aplicável à revisão criminal segue em vigor pois plenamente compatível com a nova redação dada ao art 384 pela Reforma Processual de 2008 Nenhum óbice existe para que o tribunal possa alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri de modo que a soberania das decisões do júri deve ceder diante do interesse maior de corrigir uma decisão injusta Esclarecemos que o tribunal julgando a revisão poderá absolver o autor sem a necessidade de novo júri12 que somente ocorrerá quando houver a anulação do processo em que todo ou parte do processo deverá ser repetido Denegado o pedido de revisão poderá o condenado interpor embargos declaratórios recurso especial e extraordinário se cabíveis Poderá em caso de decisão denegatória não unânime interpor embargos infringentes Não pois os embargos infringentes somente têm cabimento nas decisões não unânimes proferidas no julgamento de apelação e recurso em sentido estrito Por fim havendo pedido expresso na revisão criminal o tribunal acolhendoa poderá reconhecer o direito a uma indenização pelos prejuízos sofridos como estabelece o art 630 Art 630 O tribunal se o interessado o requerer poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos 1º Por essa indenização que será liquidada no juízo cível responderá a União se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território ou o Estado se o tiver sido pela respectiva justiça 2º A indenização não será devida a se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder b se a acusação houver sido meramente privada A responsabilidade do Estado é objetiva como estabelece o art 37 6º da Constituição sendo também indenizável o erro judiciário como estabelece o art 5º LXXV LXXV o Estado indenizará o condenado por erro judiciário assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença Como explica MENDES13 a responsabilidade objetiva do Estado exige três requisitos para sua configuração ação atribuível ao Estado dano causado a terceiro nexo de causalidade entre eles Como ocorre em outras atividades do Estado em que às vezes o conceito de nexo causal é alargado ao extremo gerando uma banalização e indevida aplicação da teoria da responsabilidade objetiva a situação aqui exige uma análise à luz do caso concreto A ação danosa atribuível ao Estado decorre do ato decisório pois é ele o gerador da condenação que por si só já representa um dano O nexo causal nesta situação é menos problemático Neste contexto o 2º do art 630 não foi recepcionado pela Constituição não se justificando mais a exclusão da responsabilidade naqueles casos O fato de a ação penal ser de iniciativa privada não exime a responsabilidade do Estado pois o ato danoso é a decisão proferida pelo juiz ou seja a responsabilidade decorre não da acusação mas pelo julgamento errôneo Quanto ao disposto na alínea a se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder a situação pode ser mais complexa até porque há entendimentos divergentes em torno dos limites da responsabilidade objetiva do Estado mormente quando o fato danoso decorre de culpa ou dolo da própria vítima nesse caso o réu no processo constituindose a culpa exclusiva da vítima uma causa de exclusão da responsabilidade do Estado Em relação à confissão por exemplo permanece íntegra a responsabilidade do Estado até porque a confissão não é prova plena da responsabilidade penal e não autoriza por si só a condenação de modo que nesse caso não haverá culpa exclusiva do réu Em suma a questão da responsabilidade objetiva do Estado está atrelada à existência de um erro na administração da justiça devendo ser analisada caso a caso não mais se justificando a exclusão a priori das hipóteses previstas na alínea a 2 Habeas Corpus 21 Uma ReLeitura Histórica do Habeas Corpus os Antecedentes do Direito Aragonês Para introduzir o estudo do habeas corpus é importante fazer uma breve análise do aspecto histórico mas desde outra perspectiva diversa daquela costumeiramente apontada pelo senso comum teórico pois pensamos que a origem do writ não está restrita ao Habeas Corpus Act de 1679 na Inglaterra Existe outro antecedente ainda mais antigo e praticamente ignorado pela doutrina brasileira la manifestación de personas de la corona de aragón na Espanha Como explica FAIREN GUILLEN14 em numerosos trabalhos que dedicou ao tema bem como na própria Exposição de Motivos da LO 61984 espanhola o habeas corpus é uma instituição própria do Direito anglosaxão mas não se pode ocultar sem embargo sua raiz no Direito histórico espanhol em que conta com antecedentes remotos como o denominado recurso de manifestación de personas do Reino de Aragão e as referências sobre os pressupostos das prisões ilegais contidas no Distrito de Vizcaya e outros ordenamentos distritais assim como com os antecedentes mais próximos nas Constituições de 1869 e 1876 que regulavam o procedimento ainda que não adotando nenhuma denominação específica Inclusive em relação à recepção do habeas corpus pela Constituição espanhola de 1978 FAIREN GUILLEN afirma que el legislador hubiera hecho mucho mejor en reinstituir la vieja manifestación criminal de personas que en importar el habeas corpus y nada menos que con rango constitucional Error gravísimo15 Para GIMENO SENDRA16 a Lei Orgânica espanhola n 061984 é uma inovação mas não uma novidade pois muito anterior a ela e inclusive ao habeas corpus inglês instaurado mediante o Habeas Corpus Act de 1679 já existia na Coroa de Aragão durante o período de 14281592 o procedimento de manifestación de personas Era na realidade um procedimento rápido submetido ao regime da ação popular que transcorria ante uma jurisdição muito próxima à atual constitucional a da Justiça de Aragão Esse instrumento servia para17 a Possibilitar que o detido fosse trasladado do cárcere para a casa de los manifestados de Zaragoza ou outro domicílio mediante um regime similar à atual liberdade provisória b Prevenir ou reprimir as detenções ilegais cometidas por qualquer autoridade posto que sobre todas elas inclusive do próprio Rei alçavase a jurisdição da Justiça de Aragão Para RAMÓN SORIANO18 a manifestación de personas era um processo com uma dupla função Na primeira etapa tratavase de um procedimento cautelar para assegurar a dignidade da pessoa detida dos possíveis maustratos e sevícias perpetradas pelas autoridades Na segunda fase convertiase em um procedimento de cognição plenária em que o caso penal era inteiramente discutido De todos os recursos distritais aragoneses apresenta uma maior afinidade com a manifestación de personas a chamada firma de derecho que consistia em um mandamento de inibição ditado pela Justiça Maior de Aragão ou seus funcionários contra a atuação dos juízes funcionários ou pessoas privadas A firma de derecho podia ordenar a inibição de uma atuação futura possível recebia então o nome de agravios futuros ou bem de uma atuação já consumada e nesse caso se chamava firma de agravios hechos Existiam ademais outros tipos de firmas de derecho comuns ou casuais possessórias ou titulares de apelação etc dando lugar a um enorme casuísmo jurídico para suprir as lacunas surgidas no confronto entre direito à liberdade e a segurança social A firma de derechos y agravios futuros o temidos era um importante instrumento de proteção que existia na Justiça de Aragão e que sem motivo não foi mais consagrado nas sucessivas modificações legislativas Poderia ser utilizado em um momento anterior à manifestación de las personas provocando a inibição de uma autoridade ou juiz na possível prisão arbitrária de uma pessoa19 tipicamente preventivo Não resta dúvida de que os instrumentos da justiça de Aragão eram de alcance e eficácia muito superiores ao atual habeas corpus espanhol A firma de derechos y agravios futuros o temidos era um instrumento de proteção que poderia ser utilizado antes que ocorresse a prisão arbitrária como o salvo conduto do habeas corpus brasileiro e principalmente poderia ser interposto contra uma decisão judicial incrivelmente o atual habeas corpus espanhol não permite que seja interposto contra ato judicial Ademais a própria manifestación de personas utilizada na restrição de liberdade arbitrária já perpetrada poderia ser utilizada contra qualquer pessoa pública inclusive o Rei como assinala FAIREN GUILLEN20 ou privada que tivesse sob seu poder outra ou outras ameaçadas de tortura ou já esta em prática para que a apresentasse las pusiesen de manifiesto ante a Justicia o Lugarteniente Em sentido contrário outra parte da doutrina sustenta que a verdadeira existência e consagração do habeas corpus foi alcançada no Direito anglosaxão que inspirou os demais países Afirmam que o legislador espanhol não manteve uma unidade temporal do instrumento posto que se extinguiu em 1592 e não regressou nunca mais ao ordenamento espanhol Por fim seu regresso não foi como merecia pois não se deu uma natural evolução mas sim um retrocesso A apontada instituição aragonesa que possuía duplo caráter civil e penal e cujos precedentes romanos vinham separados e sem unidade temporal não é historicamente precedente direto do habeas corpus inglês posto que não há entre eles relações imediatas21 A natureza jurídica do habeas corpus hoje concebida é distinta da manifestación de personas O Direito aragonês possuía um interdito de homine libero exhibiendo distinto do habeas corpus que é uma ação constitucional No século XVII a luta pela liberdade se inicia de novo na Inglaterra com a Petition of rights pois as ordens de habeas corpus eram denegadas a todo momento até que surgiu o Habeas Corpus Act em 167922 no reinado de Carlos II sendo considerado pelos ingleses como uma nova Carta Magna Assim foi obtida a eficácia do writ of habeas corpus para a liberação de pessoas ilegalmente detidas e fazer cessar toda restrição ilegal da liberdade pessoal23 Todavia esse writ of habeas corpus somente era expedido quando a pessoa era acusada de praticar um crime não tendo aplicação nos demais casos de prisões ilegais Em 1816 surgiu outro Habeas Corpus Act alargando o anterior possibilitando que sua atuação fosse mais ampla na defesa imediata da liberdade pessoal Como aponta FAIREN GUILLEN24 o mais importante do Act de 1816 foi a extensão do habeas corpus à esfera penal No Brasil o habeas corpus foi introduzido em 1832 como meio para cessar a restrição ilegal da liberdade Em 1871 se deu uma importante alteração no Código de Processo Criminal ampliando o campo de atuação do habeas corpus para garantir as pessoas que estivessem simplesmente ameaçadas em sua liberdade de locomoção ambulatória Era a consagração do habeas corpus preventivo que sequer existia na Inglaterra Em definitivo entendemos que os principais antecedentes históricos do habeas corpus estão inicialmente no Direito aragonês um importantíssimo marco histórico e posteriormente no Direito inglês no qual alcançou sua consagração Cumpre assinalar que o antecedente inglês somente logrou tal importância porque a manifestación de personas se extinguiu em 1592 e a falta de continuidade gerou uma lacuna histórica que posteriormente beneficiaria o instrumento inglês Não obstante sem dúvida ambos são marcos históricos que foram decisivos para o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito e na proteção da liberdade individual frente à prisão ilegal 22 Antecedentes Históricos no Brasil e Considerações Iniciais Desde o ponto de vista da ciência do direito como explica PONTES DE MIRANDA25 o remédio jurídicoprocessual como direito constitucional havia chegado depois quando já existia a pretensão e o direito à liberdade física No Brasil antes do habeas corpus existia o interdito de libero homine exhibiendo que alcançava a reparação do constrangimento ilegal da liberdade física O habeas corpus foi introduzido no sistema jurídico brasileiro26 a partir do modelo inglês em 183227 no Código de Processo Criminal que em seu art 340 previa que Todo cidadão que considere que ele ou outra pessoa sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem o direito a solicitar uma ordem de habeas corpus em seu favor Na Constituição de 1891 o habeas corpus foi consagrado como um instrumento processual de fundamental importância para a proteção da liberdade de locomoção ambulatória Desde então vem sendo mantido em todas as Constituições Inicialmente no Brasil existia o habeas corpus liberatório para proteger a liberdade de locomoção jus manendi ambulandi eundi viniendi ultro citroque Em 1871 Lei n 20331871 foi alterada a Lei Processual de 1832 e introduzido o habeas corpus preventivo para os casos em que o cidadão estivesse ameaçado na iminência de sofrer uma restrição ilegal em sua liberdade Era a consagração do habeas corpus preventivo sequer consagrado na Inglaterra28 Como explica PONTES DE MIRANDA29 habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o Tribunal concedia dirigido aos que tivessem em seu poder a guarda do corpo do detido O mandamento era Toma habeas vem de habeo habere que significa exibir trazer tomar etc o corpo do detido e venha submeter o homem e o caso ao Tribunal Tal é a importância do instrumento não só no plano jurídicoprocessual como também no campo social que PONTES DE MIRANDA30 afirmava já em 1916 que o writ possuía uma extraordinária função coordenadora e legalizante que contribuía de forma decisiva para o desenvolvimento social e político do País impedindo inclusive a exploração da classe social baixa pelo coronelismo que para isso contava com o auxílio da polícia e das autoridades políticas Atualmente o habeas corpus está previsto no art 5º LXVIII da CF concederseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Também está contemplado no Código de Processo Penal arts 647 e seguintes 23 Natureza Jurídica e a Problemática em Torno da Limitação da Cognição O habeas corpus brasileiro está previsto no CPP no Livro III destinado às nulidades e aos recursos em geral Sua posição na estrutura da Lei como recurso constitui mais um típico caso de equivocada organização topográfica como define CORDERO31 Compreendido o erro do legislador consideramos o habeas corpus como uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental e com status constitucional Devese definila como uma ação e não como um recurso e mais especificamente como uma ação mandamental ou um remédio processual mandamental remedial mandatory writ como prefere PONTES DE MIRANDA32 Tal ação está potenciada pela Constituição e se encaminha a obter um mandado dirigido a outro órgão do Estado por meio da sentença judicial33 Convém salientar que quando dizemos que tem força mandamental predominante não estamos excluindo as demais cargas da sentença declaratória constitutiva condenatória e executiva senão que evidenciamos o predomínio do mandamento sobre todas as demais Tratase de uma ação de procedimento sumário pois a cognição é limitada Questão bastante relevante em sede de HC é a impossibilidade de dilação probatória argumento usado de forma recorrente pelos tribunais para não conhecer do writ que exija ampla discussão probatória Esse argumento tem sido inclusive distorcido de modo a ser um dos principais filtros obstaculizadores do conhecimento do HC nos tribunais brasileiros Até certo ponto o argumento está correto pois se trata de uma ação de cognição sumária que não permite dilação ou ampla discussão probatória Mas por outro lado não se pode confundir dilação probatória com análise da prova préconstituída A sumarização da cognição impede que se pretenda produzir prova em sede de habeas corpus ou mesmo obter uma decisão que exija a mesma profundidade da cognição do processo de conhecimento ou seja aquela necessária para se alcançar a sentença de mérito O que não se pode é pretender o exaurimento da análise probatória nos estritos limites do HC Noutra dimensão é perfeitamente possível a análise da prova préconstituída independente da complexidade da questão O fato de ser o processo complexo constituído por vários volumes e milhares de páginas não é obstáculo ao conhecimento do HC Se para se demonstrar a ilegalidade de uma interceptação telefônica por exemplo e por conseguinte a nulidade da prova for necessário analisar e valorar centenas de conversas milhares de páginas deve o HC ser conhecido e provido ou desprovido conforme o caso A complexidade das teses jurídicas discutidas e a consequente análise de documentos ou provas já constituídas não são obstáculos para o HC Da mesma forma quando se pretende o trancamento do processo e não da ação como já explicado por falta de justa causa ou outra condição da ação está permitida a ampla análise e valoração da prova já constituída nos autos Não há que se confundir sumariedade na cognição com superficialidade da discussão O HC não permite que se produza prova ou se faça uma cognição plenária exauriente com juízo de fundo da questão Mas de modo algum significa que somente questões epidérmicas ou de superficialidade formal possam ser objeto do writ No mesmo sentido sustenta FISCHER34 que é de suma importância não se confundir a possibilidade obrigatoriedade da análise das provas préconstituídas que embasam eventual pleito de habeas corpus com a aí sim inaceitável dilação probatória na sumária sede de cognição do writ Significa que se houver provas fora de dúvidas cuja análise mesmo que detalhada complexa seja essencial para o acolhimento da pretensão liminar ou final objeto do habeas corpus deve o Poder Judiciário incursionar nos seus exames para exarar conclusões positivas ou negativas acerca da pretensão defensiva Existe a possibilidade de uma medida liminar in limine litis construída jurisprudencialmente com natureza cautelar e que possibilita ao juiz uma intervenção imediata baseada na verossimilhança da ilegalidade do ato e no perigo derivado do dano inerente à demora da prestação jurisdicional ordinária A medida liminar tanto no habeas corpus preventivo como no liberatório ou sucessivo está incluída entre as tutelas provvedimento cautelares que CALAMANDREI35 classificou como antecipatórias da decisão final anticipazioni di provvedimento definitivo Para isso poderseão utilizar os modernos meios de comunicação como o telefone fax e email O writ e a expressão inglesa significa exatamente um mandamento judicial36 pode ser interposto contra ato de um particular autoridade pública policial Ministério Público juiz tribunal e inclusive contra sentença transitada em julgado em que não é possível utilizarse qualquer recurso Para isso é imprescindível que se ofenda ilegalmente o direito de liberdade Em definitivo o habeas corpus no Brasil pode ser utilizado como instrumento de collateral attack Atendido seu objeto e especiais características a doutrina costuma denominálo de remédio heroico destinado a garantir o direito fundamental à liberdade individual Quando se destina a atacar uma ilegalidade já consumada um constrangimento ilegal já praticado denominase habeas corpus liberatório sua função é de liberar Também é possível utilizarse ainda que a detenção ou o constrangimento não haja sido praticado em uma situação de iminência ou ameaça Nesse caso denominase habeas corpus preventivo 24 Objeto O art 647 demonstra o alcance da medida ao determinar que será concedido habeas corpus sempre que alguém sofra ou se encontre na iminência de sofrer violência ou coação ilegal em sua liberdade de ir e vir salvo nos casos de punição disciplinar militar A única restrição da lei é com relação às punições disciplinares impostas pelas forças armadas entretanto isso atualmente já vem sofrendo uma nova leitura frente à nova Constituição que não fez tal previsão O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já vêm decidindo em diversos casos que é possível o uso do writ contra punições disciplinares Nesse caso o julgador deverá analisar todos os aspectos formais da medida pois se trata de um ato administrativo sujeito ao controle judicial O habeas corpus brasileiro é uma ação de natureza mandamental com status constitucional que cumpre com plena eficácia sua função de proteção da liberdade de locomoção dos cidadãos frente aos atos abusivos do Estado em suas mais diversas formas inclusive contra atos jurisdicionais e coisa julgada A efetiva defesa dos direitos individuais é um dos pilares para a existência do Estado de Direito e para isso é imprescindível que existam instrumentos processuais de fácil acesso realmente céleres e eficazes Nunca é demais sublinhar que o processo penal e o habeas corpus em especial são instrumentos a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo submetido ao poder estatal A forma aqui é garantia mas garantia do indivíduo Daí por que é censurável o formalismo às avessas apregoado por muitos juízes e tribunais para cercear a eficácia e o alcance do habeas corpus quando deveria ser todo o oposto É preocupante o desprezo com que muitas vezes os tribunais lidam com o tempo do outro tardando semanas quando não meses em decidir sobre a liberdade alheia como se o tempo intramuros não fosse demasiado doloroso e cruel assusta quando nos deparamos com julgadores que afirmam ter por princípio não conceder liminares ou ainda que sempre pede informações para estabelecer um contraditório com o juiz da causa como se isso existisse quando se opera uma verdadeira inversão probatória exigindo que o réu preso faça prova ou melhor alivie a carga probatória do Ministério Público ao arrepio da presunção de inocência Enfim há que se ter plena consciência da função do alcance e do papel que o habeas corpus desempenha em um Estado Democrático de Direito para não tolerar retrocessos civilizatórios como infelizmente às vezes ocorre Vejamos na continuação algumas coações ilegais amparáveis pelo habeas corpus 25 Cabimento Análise dos arts 647 e 648 do CPP Habeas Corpus Preventivo e Liberatório Para facilitar a compreensão vejamos os casos em que tem cabimento o habeas corpus seguindo a sistemática do Código de Processo Penal Art 647 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir salvo nos casos de punição disciplinar COMENTÁRIO A ação destinase a garantir o direito fundamental à liberdade individual de ir e vir liberdade deambulatória Quando se destina a atacar uma ilegalidade já consumada um constrangimento ilegal já praticado denominase habeas corpus liberatório sua função é de liberar da coação ilegal Mas o writ também pode ser empregado para evitar a violência ou coação ilegal em uma situação de iminência ou ameaça Nesse caso denominase habeas corpus preventivo É importante sublinhar que a jurisprudência prevalente inclusive no STF é no sentido de que não terá seguimento o habeas corpus quando a coação ilegal não afetar diretamente a liberdade de ir e vir Neste sentido entre outros estão as Súmulas ns 693 e 695 do STF SÚMULA N 693 Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada SÚMULA N 695 Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade Portanto ainda que as eventuais especificidades do caso concreto levem o tribunal julgador a conhecer do writ sem um risco direto à liberdade o que reputamos um acerto é importante na medida do possível demonstrar que a coação ilegal afeta a liberdade deambulatória sem interpretar isoladamente os incisos do art 648 No mesmo sentido MENDES37 esclarece ainda que o STF tem admitido o habeas corpus nos casos de quebra de sigilo fiscal e bancário quando seu destino é o de fazer prova em procedimento penal pois referidas quebras de sigilo têm a possibilidade de resultar em constrangimento à liberdade do investigado Art 648 A coação considerarseá ilegal I quando não houver justa causa COMENTÁRIO A coação é ilegal quando não possui um suporte jurídico legitimante quando não tem um motivo um amparo legal É o caso de uma prisão realizada sem ordem judicial e sem uma situação de flagrância quando é determinada a condução para extração compulsória de material genético do réu etc Também se considera ausente a justa causa quando é decretada a prisão cautelar sem suficiente fumus commissi delicti ou periculum libertatis que devem estar suficientemente demonstrados para justificar a medida Radical mudança no sistema cautelar ocorreu com a Lei n 124032011 anteriormente comentada quando tratamos da prisão preventiva e liberdade provisória e para onde remetemos o leitor pois são conceitos fundamentais para o estudo do habeas corpus O novo regime jurídico da prisão processual principalmente o alargamento dos casos de fiança e o estabelecimento de um amplo rol de medidas cautelares diversas art 319 deu margem a novas postulações Entre elas está a desnecessidade ou desproporcionalidade da prisão preventiva decretada onde pela via do habeas corpus podese postular sua substituição por uma ou mais medidas cautelares diversas art 319 Recordemos que a prisão preventiva é a ultima ratio do sistema somente sendo utilizável quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar art 282 6º cc art 319 Em caso de prisão em flagrante a nova redação do art 310 consagra seu caráter précautelar onde o flagrante não prende por si só rompendo assim com uma equivocadíssima prática judicial Agora diante da prisão em flagrante o juiz deverá Art 310 I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Parágrafo único Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação grifamos Portanto o juiz para manter a prisão deverá decretar a prisão preventiva e fundamentar Mais do que isso deverá demonstrar a inadequação e insuficiência das medidas cautelares diversas Noutra dimensão também é possível a impetração de habeas corpus quando o juiz decretar uma medida cautelar diversa e não fundamentar a existência de fumus commissi delicti e periculum libertatis E aqui reside um problema crucial está havendo uma banalização e automatização na aplicação das medidas cautelares diversas sem qualquer fundamentação acerca da necessidade da restrição da liberdade Toda e qualquer medida cautelar seja ela uma prisão preventiva ou uma medida cautelar diversa art 319 exige a demonstração da sua necessidade ou seja do periculum libertatis do art 312 Não existe medida cautelar obrigatória automática ou desconectada da real necessidade da limitação imposta Não apenas a prisão cautelar constitui um constrangimento mas também a existência de inquérito policial e com mais evidência de um processo penal em face de alguém imputado de modo que tais violências devem estar legitimadas deve haver uma causa legal que justifique Partindo da antítese PONTES DE MIRANDA38 explica que a justa causa significa a existência de uma norma jurídica que determina uma sanção contra a liberdade deambulatória É uma causa que segundo o Direito seria suficiente para que a coação não seja ilegal Se não existe o suporte fático tatbestand para a incidência da norma jurídica de direito penal ou privado prisão civil por dívida alimentar não há justa causa Também o suporte fático contido na imputação ou ação penal que justifica o ato deve estar amparado por uma prova razoável Dessarte quando absolutamente infundado o processo ou o inquérito pois a conduta é manifestamente atípica está evidenciada uma causa de justificação está extinta a punibilidade pela prescrição ou qualquer outra causa por exemplo há uma coação ilegal que pode ser sanada pela via do habeas corpus geralmente utilizado para o trancamento do processo não da ação Em definitivo como assinala ESPÍNOLA FILHO39 a coação para ser legal exige certos requisitos e sua ausência constitui a ilegalidade Conforme a ilegalidade o habeas corpus terá uma determinada eficácia concessão de liberdade trancamento do processo reconhecimento do direito a prisão especial anulação de um ato processual etc Destaquese por fim que o writ é uma ação que constitui um processo de cognição sumária limitada40 portanto em que não se permite uma ampla e plena discussão sobre a ilegalidade devendo ela ser evidente comprovada por prova préconstituída Por esse motivo salvo situações excepcionais é inútil argumentar em torno da ausência de fumus commissi delicti para a prisão cautelar por exemplo pois a discussão sobre serem ou não suficientes os indícios de autoria e materialidade exige como regra uma incursão no contexto fático probatório inviável nos limites da cognição do habeas corpus II quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei COMENTÁRIO O excesso de prazo das prisões cautelares sempre foi um tema recorrente em matéria de habeas corpus Pensamos contudo que a questão assume uma nova dimensão com a inovação introduzida no art 5º LXXVIII da Constituição Daí por que a temática deve ser lida à luz de nossa exposição anterior sobre o direito de ser julgado em um prazo razoável cujos conceitos são fundamentais neste momento e para onde remetemos o leitor Também abordamos amplamente essa temática nos capítulos anteriores quando discorremos sobre as prisões cautelares de modo que agora nossa exposição será bastante breve A demora na prestação jurisdicional constitui um dos mais antigos problemas da administração da justiça O núcleo do problema da demora como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 451941 está em que quando se julga além do prazo razoável independentemente da causa da demora se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido e por isso a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição muito menos da falaciosa reinserção social Sem falar no imensurável custo de uma prisão cautelar indevida ou excessivamente longa Como explicamos anteriormente a doutrina dos três critérios é um referencial recorrente neste terreno cujos três fatores analisados são complexidade do caso a atividade processual do interessado imputado a conduta das autoridades judiciárias Em síntese o art 5º LXXVIII da Constituição incluído pela Emenda Constitucional 45 adotou a doutrina do não prazo fazendo como que exista uma indefinição de critérios e conceitos Nessa vagueza cremos que quatro deverão ser os referenciais adotados pelos Tribunais brasileiros a exemplo do que já acontece nos TEDH e na CADH complexidade do caso atividade processual do interessado imputado que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria demora a conduta das autoridades judiciárias como um todo polícia Ministério Público juízes servidores etc princípio da proporcionalidade Com relação às prisões cautelares imprescindível ponderarse a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito à pena fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação Infelizmente esse foi um dos graves problemas não resolvidos pela Lei n 124032011 Continuamos sem a definição legal do prazo máximo de duração da prisão preventiva e isso é inadmissível Em suma pensamos que a questão do excesso de prazo da prisão cautelar deve em sede de habeas corpus inserirse na perspectiva da violação do direito de ser julgado em um prazo razoável a partir dos aspectos anteriormente analisados Ademais ainda que não esteja cautelarmente preso o réu ou já tenha sido solto pensamos que o habeas corpus possa ser utilizado como instrumento processual capaz de dar eficácia ao direito fundamental previsto no art 5º LXXVIII da Constituição buscando através dele um mandamento expedido pelo Tribunal para que o julgador originário cesse imediatamente a dilação indevida ou estabelecendo um prazo exíguo para que assim proceda diante da inexistência no sistema brasileiro de uma solução processual extintiva Dessa forma fica evidente que a dilação indevida nas suas diferentes dimensões constitui um constrangimento ilegal atacável pela via do writ III quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazêlo COMENTÁRIO A prisão cautelar deve ser decretada por ordem judicial emanada de um juiz natural e competente sob pena de grave ilegalidade Da mesma forma o processo penal e todas as diferentes coações realizadas no seu curso somente estão legitimados quando estivermos diante de um juiz competente Assim é ilegal a prisão preventiva decretada por um juiz estadual quando a competência para o julgamento do processo e a decisão sobre a prisão por evidente é atribuída à justiça federal A competência aqui se emprega no sentido estrito ou seja relacionado à autoridade judiciária e não policial ou administrativa que não possuem competência mas atribuições Portanto nenhuma ilegalidade existe na prisão em flagrante realizada pela Polícia Federal por exemplo em um crime de competência da justiça estadual até porque a prisão em flagrante pode ser realizada por qualquer pessoa e viceversa IV quando houver cessado o motivo que autorizou a coação COMENTÁRIO A coação ilegal seja ela prisão cautelar ou outra forma de exercício do poder estatal deve estar legitimada juridicamente e para isso deve haver um suporte fático que preencha os requisitos legais Deve haver uma situação fática que legitime a coação Portanto uma vez desaparecido esse suporte fático cessa o motivo que autorizou e legitimou a coação Campo tradicional de utilização de HC com esse fundamento é o das prisões cautelares que como explicado anteriormente são situacionais Significa dizer que o periculum libertatis consubstanciase numa situação fática de perigo que desaparecida retira o suporte legitimante da prisão Portanto quando alguém está preso preventivamente sob o fundamento de risco para a instrução criminal uma vez colhida a prova desapareceu a situação fática legitimadora da prisão sendo ilegal a coação a partir de então Na mesma linha quando o periculum libertatis enfraquece é perfeitamente possível a substituição da prisão preventiva por uma medida cautelar diversa art 319 pois houve uma alteração do suporte fático legitimante Ademais recordemos que a prisão preventiva exige a demonstração da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas Qualquer alteração fática superveniente que inverta essa equação autoriza o pedido de substituição da prisão por uma medida cautelar diversa V quando não for alguém admitido a prestar fiança nos casos em que a lei a autoriza COMENTÁRIO O instituto da fiança já foi explicado anteriormente sendo desnecessária qualquer repetição Como atualmente a fiança possui um campo bastante amplo de incidência com valores substancialmente elevados podendo chegar a 200 mil salários mínimos o que poderá ocorrer é o arbitramento de um valor excessivo impagável pelo imputado na sua situação econômica Assim pensamos que esse dispositivo deve ter uma leitura alargada tendo cabimento o HC no caso em que não é oferecida a fiança e cabível mas também nos casos em que o valor arbitrado é excessivo equivalendose ao não oferecimento Pensamos que toda e qualquer medida cautelar diversa deve ter condições de possibilidade de ser cumprida Do contrário não atende sua missão e equiparase a uma recusa imotivada Portanto uma fiança de valor desproporcional impossível de ser cumprida pelo imputado equiparase a uma recusa injustificada em concedêla Ou seja uma flagrante ilegalidade sanável pela via do HC cabendo ao tribunal readequála a patamares razoáveis VI quando o processo for manifestamente nulo COMENTÁRIO A prática de atos processuais defeituosos retira a legitimidade do exercício do poder estatal pois forma é garantia e requisito de legalidade da coação Como as invalidades processuais já foram tratadas em capítulo anterior para evitar repetições para lá remetemos o leitor Partimos então da compreensão dos conceitos anteriormente estabelecidos para apontar o HC como uma ação destinada a reconhecer a nulidade e seus efeitos decorrentes A invalidade processual pode surgir no curso do processo e ser imediatamente impugnada pelo writ ou mesmo após o trânsito em julgado na medida em que sendo o defeito insanável nulidade absoluta não há que se falar em preclusão ou convalidação podendo ser interposto o HC a qualquer tempo A expressão manifestamente nulo é apontada pelo senso comum teórico como indicativo de que a nulidade deve ser evidente clara inequívoca até porque a cognição sumária do HC não permitiria qualquer dilação probatória Vemos essa posição com alguma reserva até porque a discussão acerca dos atos processuais defeituosos está situada na dimensão jurídica de violação da tipicidade do ato processual que não demanda qualquer produção de prova ou seja demonstração de complexa situação fática Tratase de problemática em torno do princípio da legalidade da conformidade do ato praticado com o modelo legal estabelecido e a eficácia ou ineficácia do princípio constitucional ali efetivado ou não em caso de defeito O que se percebe infelizmente é uma manipulação em torno da expressão manifestamente que está a indicar a existência de um defeito insanável para tergiversar uma complexa discussão teórica e não fática A complexidade jurídica da questão posta não justifica a denegação do HC pois o que está vedado é a plena cognição sobre os fatos uma dilação probatória sobre fatos é elementar e nunca o enfrentamento de teses jurídicas por mais complexas e profundas que sejam Por fim o feito com defeito deve ser refeito assim dispondo o art 652 do CPP Art 652 Se o habeas corpus for concedido em virtude de nulidade do processo este será renovado VII quando extinta a punibilidade COMENTÁRIO As causas de extinção da punibilidade estão previstas no art 107 do CP e em leis especiais Quando presentes retiram o poder punitivo do Estado e como decorrência do princípio da necessidade não havendo poder punitivo a ser reconhecido na sentença não está legitimada qualquer atuação estatal seja a abertura de inquérito policial exercício da acusação desenvolvimento do processo prisão cautelar medidas cautelares etc Dessarte quando já estiver em curso a coação o HC liberatório é o instrumento adequado para o trancamento do inquérito ou do processo não se esqueça de que não existe trancamento de ação penal com a consequente liberação do paciente de toda e qualquer restrição que esteja sofrendo inclusive patrimonial medidas assecuratórias 251 O Habeas Corpus como Instrumento de Collateral Attack O alcance do writ não só se limita aos casos de prisão pois também pode ser utilizado como instrumento para o collateral attack possibilitando que seja uma via alternativa de ataque aos atos judiciais e inclusive contra a sentença transitada em julgado Tanto pode ser utilizado no inquérito policial como também na instrução A primeira decisão judicial que pode ser atacada pelo habeas corpus é a que recebe a ação penal seja ela denúncia em caso de ação penal pública cujo titular é o Ministério Público ou queixacrime delitos de ação penal privada em que o titular é o ofendido Assim pode o habeas corpus ser utilizado para trancar o processo e não a ação mas em casos excepcionais em que é facilmente constatável a ausência das condições da ação recordando prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade e justa causa sem que se possa pretender uma ampla discussão probatória pois a cognição aqui é sumária A previsão legal de tal medida encontrase no art 648 I do CPP pois não existe uma justa causa genericamente considerada para o processo nesses casos Sem embargo existem no processo penal outros atos que inclusive sem determinar a prisão do acusado podem ser considerados como coação ilegal É o caso de uma decisão judicial de intervenção corporal em que se viola um direito fundamental do acusado vejase o que dissemos anteriormente sobre o direito de silêncio e os limites para as intervenções corporais quando se opera a prescrição em meio ao processo e o juiz não determina sua extinção quando não obstante a existência de uma nulidade absoluta o processo segue tramitando etc Não se pode confundir a limitação da cognição do HC em que não se admite a dilação probatória com a discussão sobre a legalidade de uma prova perfeitamente admissível em sede de HC Nesta linha a discussão sobre a licitude ou ilicitude de uma prova pode ser objeto de habeas corpus inclusive é recorrente o uso para discussão dos limites da interceptação telefônica Interessante decisão foi proferida pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 138301 Rel Min Og Fernandes através da qual se determinou que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais analisasse a alegação de nulidade de interceptação telefônica apresentada pela defesa de um homem preso cautelarmente O ministro Og Fernandes afirmou que há constrangimento ilegal no acórdão do TJMG uma vez que o mérito da legalidade da quebra do sigilo telefônico não foi analisado Além disso no caso concreto observou o ministro a prisão cautelar do paciente justificaria o uso do habeas corpus O TJMG negou a ordem entendendo que não seria o meio apropriado para análise da questão Como disse o Min Og Fernandes a análise da legalidade da quebra do sigilo era válida através desse instrumentoAssim em que pese haver uma clara tendência por parte dos tribunais em restringir o campo de incidência do HC é perfeitamente possível a discussão sobre o regime legal da prova produzida no processo através do writ Devese destacar que pela via do habeas corpus se pode inclusive realizar o controle difuso da constitucionalidade42 de uma norma Com o habeas corpus pode ser exercido o controle indireto é dizer arguir e obter a declaração de inconstitucionalidade de uma norma ante qualquer juiz Os juízes de primeiro grau podem conhecer da alegação de inconstitucionalidade pela via de exceção através de uma alegação da defesa recordemos que para os tribunais deve ser observada a reserva de plenário prevista no art 97 da CF88 segundo o qual somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público Mas todo esse alcance do habeas corpus vem sendo paulatinamente combatido pelos tribunais superiores que abarrotados de writs estão gradativamente cerceando seu alcance e utilização São cada dia mais comuns decisões que não conhecem do habeas corpus substitutivo de recurso especial ou extraordinário Existe uma forte tendência de limitar o habeas corpus aos casos em que realmente há restrição da liberdade individual não o conhecendo quando substitutivo recursal 252 O Habeas Corpus Contra Ato de Particular É possível a utilização do writ contra ato de particular seja pessoa física ou jurídica é evidente que eventual responsabilidade penal pela ilegalidade recairá sobre as pessoas físicas responsáveis pela empresa O ponto nevrálgico está em definir os casos em que se deve simplesmente chamar a polícia e quando deve ser interposto o habeas corpus Situações assim podem ocorrer nos casos de restrições de liberdade realizadas por seitas religiosas estabelecimentos hospitalares não concedendo alta do paciente até que a conta seja paga internações de doentes mentais ou de dependentes químicos em clínicas contra sua vontade internações de idosos contra sua vontade por parte da família em clínicas geriátricas etc43 São situações em que a ilegalidade da detenção nem sempre é evidente a ponto de bastar a intervenção policial Na explicação de ORTELLS RAMOS44 si el acto de privación o restricción de la libertad carece de toda apariencia de legalidad el medio de protección indicado no es el habeas corpus sino la autotutela y las actuaciones de los poderes públicos en caso de delito art 13 LECrim dar protección a los perjudicados Nos casos em que não se pode fazer um juízo apriorístico sobre a ilegalidade do ato a ponto de a intervenção policial ser suficiente o writ constitucional será o instrumento adequado Mas isso nos conduz a outro problema o habeas corpus é uma ação que instaura um processo de cognição sumária Existe uma limitação na cognição que exige o emprego das técnicas de sumarização horizontal e vertical impedindo o julgador de fazer uma ampla análise da questão fática plano horizontal prova do fato e jurídica plano vertical Daí por que em se tratando de internações compulsórias de incapazes dependentes químicos e situações similares a discussão acerca da legalidade do ato pode exigir uma ampla cognição e produção de prova não sendo o habeas corpus o instrumento processual adequado Sem embargo obviamente não há mais espaço para regras absolutas e em situações extremas podese admitir o writ especialmente quando a as condições em que estiver o detido sejam desumanas colocando em risco sua integridade situação em que se poderá inclusive apurar eventual prática de outro delito b em que pese a sumariedade do habeas corpus possa o juiz ou tribunal se convencer da ilegalidade da detenção Significa dizer que não obstante a limitação probatória a prova produzida baste para o convencimento do julgador Nos demais casos em que é exigida uma ampla discussão e análise da prova o writ não é a via adequada cabendo ao interessado buscar na esfera cível alguma outra medida até mesmo cautelar reservando a tutela exauriente para a ação principal processual 253 Habeas Corpus Preventivo A utilização mais recorrente do habeas corpus é para atacar um ato ilegal já praticado ou que está em curso sendo realizado cujos efeitos são atuais Mas desde a Constituição de 1871 o sistema brasileiro consagra o habeas corpus preventivo como uma medida que busca evitar a prática iminente de uma coação ilegal Como explica CALAMANDREI45 na tutela jurisdicional preventiva o interesse não surge do dano senão dal pericolo di un danno giuridico A tutela não atua a posteriori do dano como produto da lesão ao direito senão que se opera a priori para evitar o dano que possa derivar da lesão a um direito quando existe uma ameaça ainda não realizada Existe portanto interesse juridicamente tutelável antes da lesão ao direito pelo simples fato de que a lesão seja previsível próxima e provável Para isso está o habeas corpus preventivo O art 647 do CPP prevê que a ação possa ser utilizada sempre que alguém sofra ou se encontre na iminência de sofrer uma violência ou coação ilegal No mesmo sentido o art 5º LXVIII da Constituição estabelece que LXVIII concederseá habeascorpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder A iminência do constrangimento ilegal deve ser valorada em grau de probabilidade um juízo de verossimilhança não se podendo exigir certeza pois esta somente será possível com a consumação do ato que se pretende evitar Acolhido o habeas corpus preventivo será emitido um mandamento judicial de salvoconduto46 dirigido à autoridade apontada como provável autora da ilegalidade para que não pratique o ato coator ou a conduta ilegal Em última análise o habeas corpus preventivo atua no momento imediatamente anterior à efetivação da coação ilegal protegendo o paciente e impedindo que a ilegalidade se produza Como explica MANZINI47 o salvoconduto tem sua origem no período da inquisição para facilitar a apresentação do imputado quod tuto possit venire ad se praesentandum48 e valia por um certo tempo mas também podia ser concedido por tempo indeterminado Garantia ao beneficiado a vida liberdade e a disposição de seus bens sendo sua concessão subordinada à condição quod non vagetur per plateas el loca publica quia sic dignitas Magistratus et iustitiae exigere videtur49 No modelo brasileiro o HC preventivo não goza de disciplina legal está previsto mas não disciplinado não havendo clara definição de limites e duração do salvoconduto Infelizmente é de difícil obtenção até porque os tribunais em regra são bastante comedidos econômicos no que se refere à concessão de medidas de proteção da liberdade individual Ainda mais na dimensão preventiva Um exemplo típico de utilização do habeas corpus preventivo é contra ato coator praticado em CPI Comissão Parlamentar de Inquérito pois não raras vezes réus em processo criminal são intimados a depor como informantes ou testemunhas em CPI que busca apurar os mesmos fatos pelos quais ele já responde a processo criminal ou é investigado em inquérito policial Uma vez circunscrita sua posição de imputado não pode ser ouvido como testemunha ou informante pois essa é uma manobra ilegal para subtrairlhe os direitos inerentes à posição de sujeito passivo entre eles o direito de silêncio e de estar acompanhado de advogado Em diversas oportunidades já foram realizadas manobras circenses em Assembleias Legislativas e mesmo no Congresso Nacional com a prisão em flagrante de réus que utilizaram o direito de silêncio em flagrante ilegalidade e afronta ao direito constitucional de silêncio Para evitar tais espetáculos o habeas corpus preventivo apresentase como instrumento processual adequado para assegurar tais direitos e também o de não ser preso pelo crime de desobediência no caso de exercer o direito de silêncio Quanto à competência para julgar o HC a regra é a seguinte CPI instaurada em Assembleia Legislativa o writ será interposto no Tribunal de Justiça do respectivo Estado CPI instaurada no âmbito do Congresso Nacional a competência para julgamento é do STF50 Importante compreender que o habeas corpus é o remédio adequado porque se pretende a tutela de direito fundamental do réu cuja violação conduzirá à restrição ilegal de sua liberdade Se a pretensão fosse apenas de fazer valer alguma prerrogativa funcional do advogado como ter acesso aos autos por exemplo assegurada na Lei n 8906 a via correta é o Mandado de Segurança 26 Competência Legitimidade Procedimento O habeas corpus é sempre postulado a uma autoridade judiciária superior com poder para desconstituir o ato coator tido como ilegal É interposto em órgão hierarquicamente superior ao responsável pelo constrangimento ilegal havendo assim no que tange à competência para o processamento do HC a observância além da territorialidade do princípio da hierarquia51 Em algumas situações é difícil precisar quem é a autoridade coatora e quem é apenas o executor da ordem Nestes casos existe uma regra básica de fundamental importância nenhum habeas corpus será denegado por ter sido impetrado frente a autoridade judiciária incompetente Estabelece o art 649 Art 649 O juiz ou o tribunal dentro dos limites da sua jurisdição fará passar imediatamente a ordem impetrada nos casos em que tenha cabimento seja qual for a autoridade coatora Com isso os juízes e tribunais têm o dever de corrigir o endereçamento do writ que por erro tenha sido distribuído para a autoridade competente Aos juízes estaduais ou federais conforme o caso incumbe o julgamento do HC que tenha como coator um particular autoridade policial ou administrativa e demais agentes submetidos à jurisdição de primeiro grau Destaquese que quando a ação é impetrada em primeiro grau o art 574 I do CPP prevê a necessidade de recurso de ofício da sentença que conceder o habeas corpus mas não daquela que o denegar Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo anterior quando tratamos dos recursos e fizemos uma crítica ao recurso de ofício pois entre outros argumentos são manifestas a ilegitimidade e a falta de interesse recursal Para desconstituir um ato ou decisão proferida por juiz o HC deverá ser impetrado no Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal conforme seja um juiz de direito ou juiz federal e assim sucessivamente para o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal O STF somente julga o habeas corpus nos casos de sua competência originária prerrogativa de função ou quando o ato coator emanar de um Tribunal Superior STJ TSE STM e TST52 Na dimensão dos Juizados Especiais Criminais a situação sempre foi problemática Quando o coator é o juiz atuante no juizado o HC será julgado pela respectiva turma recursal Contudo a situação é diferente quando o ato coator emana de turma recursal Juizado Especial Criminal em que o tema suscita controvérsias De um lado encontramos a Súmula n 690 do STF a saber SÚMULA N 690 Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais Com isso o HC seria julgado diretamente no STF num verdadeiro salto na organização escalonada do Poder Judiciário Mas após a edição da Súmula que segue vigendo houve uma alteração do entendimento como se vê na decisão abaixo HC contra Ato de Turma Recursal e TJ Aplicando a recente orientação firmada pelo Plenário no julgamento do HC 86834SP j em 2382006 v Informativo 437 no sentido de que compete aos tribunais de justiça processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de turma recursal de juizado especial criminal a Turma resolvendo questão de ordem tornou sem efeito o início do julgamento e determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Tratase na espécie de writ impetrado contra decisão de turma recursal que mantivera a condenação do paciente pela prática do delito de porte ilegal de arma Lei n 943797 art 10 caput cuja penabase fora majorada em razão da existência de inquéritos e ações penais em curso HC 86009 QODF Rel Min Carlos Britto j 29082006 Ainda importante decisão em sentido diverso do disposto na Súmula 690 COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS DEFINIÇÃO A competência para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos paciente e impetrante COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS ATO DE TURMA RECURSAL Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos nos crimes comuns e nos de responsabilidade à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal incumbe a cada qual conforme o caso julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS LIMINAR Uma vez ocorrida a declinação da competência cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida acauteladora ficando a manutenção ou não a critério do órgão competente HC 86834 Rel Min Marco Aurélio Tribunal Pleno julgado em 23082006 DJ 09032007 PP00026 EMENT VOL0226702 PP00242 RJSP v 55 n 354 2007 p 175184 LEXSTF v 29 n 341 2007 p 350365 Assim ao que tudo indica caminhamos no sentido da superação da Súmula n 690 de modo que o HC impetrado contra ato da turma recursal seja julgado no respectivo Tribunal de Justiça do Estado ou Tribunal Regional Federal se a decisão é de turma recursal de JEC federal E se a autoridade coatora for um Promotor de Justiça ou Procurador da República a quem competirá o julgamento do habeas corpus Ao respectivo tribunal ao qual estas autoridades estão sob jurisdição ou seja o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal conforme o caso A competência para o julgamento do HC deve considerar também a que tribunal está submetida a autoridade coatora ou ainda que tribunal julga eventual crime praticado pela autoridade coatora No caso dos membros do Ministério Público estão submetidos ao julgamento pelo respectivo tribunal cabendo também a esse tribunal portanto o julgamento do writ Quanto à legitimidade o habeas corpus poderá ser interposto por qualquer pessoa em seu próprio benefício ou de terceiro Também poderá fazêlo o Ministério Público e obviamente o advogado do paciente não sendo necessária procuração O HC é um atributo da personalidade em que qualquer pessoa independentemente de habilitação capacidade política civil processual sexo idade nacionalidade e inclusive estado mental pode utilizar Não se faz qualquer limitação nem aquelas necessárias para atuar no processo em geral legitimación ad causam y ad processum ou capacidade civil Mas e a pessoa jurídica pode figurar como paciente da coação ilegal quando lhe é imputada a prática de um crime ambiental Poderá ser impetrante nesse caso Ainda existe certa resistência por parte da jurisprudência nacional em admitir que a pessoa jurídica possa ser pacienteimpetrante em habeas corpus pelo fato de não sofrer coação em sua liberdade de locomoção Contudo esse entendimento deve ser revisado pois é completamente inadequado às novas situações jurídicopenais criadas pela Lei n 960598 O primeiro aspecto a ser considerado é que a teoria da dupla imputação segundo a qual é viável a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física que age com elemento subjetivo próprio REsp 564960SC 5ª Turma rel Ministro Gilson Dipp DJ 13062005 Portanto se poderia o HC ser interposto somente em nome da pessoa física corré para em sendo concedida a ordem requerer posteriormente a extensão de seus efeitos à pessoa jurídica nada mais coerente do que por uma questão de efetividade autorizála desde logo a figurar como impetrante eou paciente Noutra dimensão é absolutamente ilógico admitir que a pessoa jurídica figure no polo passivo de uma ação penal e ao mesmo tempo negarlhe legitimidade para utilizar o habeas corpus como instrumento processual destinado a fazer cessar uma coação ilegal collateral attack Por que teria a pessoa jurídica que suportar o ônus de um processo penal nulo ou inútil Pode ser ré mas não está legitimada a resistir a uma imputação ilegal É flagrante a incongruência e a inadequação da tese que nega à pessoa jurídica legitimidade para impetração do habeas corpus Com muito acerto no HC 92921BA o Ministro Ricardo Lewandowski afirma que o sistema penal não está plenamente aparelhado para reconhecer a responsabilidade penal da pessoal jurídica pois inexistem instrumentos legislativos estudos doutrinários ou precedentes jurisprudenciais aptos a colocála em prática sobretudo de modo consentâneo com as garantias do processo penal E prossegue o Ministro Ricardo Lewandowski afirmando que entendo viável a interposição de habeas corpus para sanar eventual ilegalidade ou abuso de poder originados de ação penal em que figure no polo passivo pessoa jurídica sobretudo tendo em conta a falta de adequação do sistema processual à nova realidade apresentada pela criminalização das ações praticadas por tais entes Em outras palavras a responsabilidade penal da pessoa jurídica para ser aplicada exige alargamento de alguns conceitos tradicionalmente empregados na seara criminal a exemplo da culpabilidade estendendose a elas também as medidas assecuratórias como o habeas corpus Portanto em sendo a pessoa jurídica ré em processocrime está a nosso sentir plenamente autorizada a impetrar HC ou figurar como paciente em writ interposto por outra pessoa Superada essa questão prossigamos Os juízes e tribunais podem de ofício conceder HC quando verificarem no curso de um processo que alguém sofre ou está na iminência de sofrer uma coação ilegal Neste sentido estabelece o art 654 do CPP Art 654 O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa em seu favor ou de outrem bem como pelo Ministério Público 1º A petição de habeas corpus conterá a o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência coação ou ameaça b a declaração da espécie de constrangimento ou em caso de simples ameaça de coação as razões em que funda o seu temor c a assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo quando não souber ou não puder escrever e a designação das respectivas residências 2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal A petição deverá ser distribuída em 3 vias uma original e duas cópias Uma cópia será enviada para a autoridade coatora para o pedido de informações e a outra servirá de protocolo do impetrante Endereçada sempre ao órgão superior àquele apontado como coator como veremos na continuação a petição do habeas corpus deve indicar claramente Paciente quem sofre o ato coator ou está na iminência de sofrêlo Impetrante quando quem impetra o HC é outra pessoa que não o paciente Autoridade coatora é a autoridade que determinou a prática do ato ilegal Impetradoa é a autoridade para a qual foi distribuído o HC seja juiz ou tribunal Detentor é a pessoa que detém o paciente quando distinta da autoridade coatora podendo ser o Diretor do Presídio ou estabelecimento prisional onde o paciente está preso A petição deverá descrever a situação fática e apontar no que consiste a ilegalidade da coação ou seja os fundamentos jurídicos que amparam o habeas corpus Quando interposto por advogado exigese que a inicial siga os requisitos mínimos de clareza e fundamentação de qualquer peça processual devendo ser instruída com cópia integral do processo ou ao menos das principais peças É recomendável que o habeas corpus seja bem instruído para dar celeridade ao julgamento Diverso é o tratamento do writ interposto pelo próprio paciente geralmente preso em que são relativizados os requisitos formais em nome do interesse na tutela da liberdade individual Além de certa relativização das formas se a petição não contiver os requisitos necessários o juiz ou tribunal deverá segundo o art 662 determinar que o impetrante a complemente Recebido o HC deverá a autoridade manifestarse sobre o pedido de liminar O pedido de informações uma prática disseminada em primeiro grau e também nos tribunais está previsto no art 662 Art 662 Se a petição contiver os requisitos do art 654 1º o presidente se necessário requisitará da autoridade indicada como coatora informações por escrito Faltando porém qualquer daqueles requisitos o presidente mandará preenchêlo logo que lhe for apresentada a petição Mas algumas considerações devem ser feitas a o pedido de informações está previsto para o HC julgado em tribunais sendo descabido para a ação de competência dos juízes de primeiro grau b o pedido de informações deve ser formulado se necessário portanto a regra é que o HC que preencha os requisitos do art 654 seja despachado sem a manifestação do juiz coator c quando o writ vier instruído com cópia integral do processo e preencher os requisitos formais não há necessidade alguma do pedido de informações Portanto a praxe judiciária de não se manifestar sobre o pedido de liminar antes que venham as informações da autoridade coatora é causa de uma indevida dilação ilegítima e arbitrária que prolonga a submissão do paciente ao constrangimento ilegal impugnado Eventuais informações de caráter meramente complementar não podem prejudicar a célere tramitação que o HC exige O pedido de informações como a expressão evidencia é um relato objetivo e circunstanciado do estado do processo Por elementar não existe contraditório com o juiz o que seria um completo absurdo processual nem deve a autoridade coatora fazer uma defesa do seu ato Juiz não é parte não havendo contraditório ou possibilidade de manifestação que extrapole os estreitos limites da prestação objetiva das informações solicitadas Quando o habeas corpus é de competência dos juízes de primeiro grau o procedimento está previsto no art 656 Art 656 Recebida a petição de habeas corpus o juiz se julgar necessário e estiver preso o paciente mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar Parágrafo único Em caso de desobediência será expedido mandado de prisão contra o detentor que será processado na forma da lei e o juiz providenciará para que o paciente seja tirado da prisão e apresentado em juízo Art 657 Se o paciente estiver preso nenhum motivo escusará a sua apresentação salvo I grave enfermidade do paciente II não estar ele sob a guarda da pessoa a quem se atribui a detenção III se o comparecimento não tiver sido determinado pelo juiz ou pelo tribunal Parágrafo único O juiz poderá ir ao local em que o paciente se encontrar se este não puder ser apresentado por motivo de doença A apresentação imediata do preso ao juiz é uma medida salutar além de como lembra PONTES DE MIRANDA53 relacionarse com o próprio nome da ação que iniciava pela fórmula trazer o corpo Deveria ser uma regra para o writ que tramita em primeiro grau O Código de Processo Penal não prevê a intervenção do Ministério Público e como adverte PONTES DE MIRANDA54 quaisquer diligências que ao juiz pareçam inúteis ou supérfluas devem ser dispensadas inclusive a oitiva do Ministério Público para não retardar a decisão Nos tribunais a intervenção do MP costuma ser disciplinada nos regimentos internos e não deve como sói ocorrer ser uma causa de atraso no julgamento do habeas corpus Infelizmente quando negada a liminar o habeas corpus costuma ter uma tramitação demasiadamente lenta nos tribunais brasileiros pois se aguardam as informações depois os autos vão para manifestação do Ministério Público e como via de regra as Câmaras e Turmas Criminais reúnemse apenas uma vez por semana ou a cada duas semanas em alguns casos a demora na manifestação do parquet pode representar uma demora de semanas no julgamento Se considerarmos que o MP também se manifesta na sessão quando finalmente é julgado o writ há uma inútil duplicidade contribuidora para a indevida dilação no julgamento A situação foi agravada pela emissão da Súmula n 691 do STF que estabelece SÚMULA N 691 Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar Com isso pretende a Súmula impedir novo HC ajuizado após a denegação de medida liminar em habeas corpus Negada uma liminar a valer a Súmula não caberia novo HC para outro tribunal enquanto não fosse julgado o mérito no tribunal de origem Infelizmente a aplicação da Súmula tem feito com que diariamente os impetrantes e pacientes de habeas corpus sofram com a demora no julgamento do mérito e o impedimento de buscar no Tribunal Superior o reconhecimento da ilegalidade Ainda que alguma relativização ao rigor da Súmula já tenha sido feita a regra é sua aplicação A situação gerada é bastante problemática e não é raro que o paciente tenha que ajuizar um novo habeas corpus no Tribunal Superior não para ver reconhecida a ilegalidade a que está sendo submetido mas apenas para obter um peculiar mandamento a ordem de que o tribunal de origem julgue sem mais demora o mérito do HC originário que após a denegação da liminar aguarda meses às vezes anos para ser julgado Só assim o impetrante poderá prosseguir ingressando com novo HC no Tribunal Superior55 A Súmula continua em vigor ainda que seu rigor tenha sido atenuado pelo STF nos casos em que a ilegalidade é flagrante56 Retomando a análise do procedimento há dois momentos decisórios a Decisão sobre a concessão ou não da medida liminar in limine litis impetrado e recebido o habeas corpus o juiz ou tribunal competente analisará a verossimilhança da fundamentação fática e jurídica da ação e se houver pedido decidirá acerca da medida liminar postulada Tratase de uma decisão interlocutória de natureza cautelar em que devem ser demonstrados o fumus boni iuris e o periculum in mora57 do alegado Advertimos contudo que é recorrente a denegação da liminar quando ela se confundir com o mérito do habeas corpus sob o argumento de que não há cautelaridade mas antecipação de tutela é o caso do pedido liminar de liberdade e no mérito a procedência do HC e igual pedido de liberdade A concessão ou denegação da medida liminar postulada pelo juiz ou relator quando o habeas corpus tramita em tribunais não encerra a ação pois ainda haverá uma manifestação sobre o mérito em que a liminar poderá ser concedida quando negada inicialmente mantida quando concedida ou cassada foi concedida mas no mérito ao ser julgado o habeas corpus é cassada e é negado provimento ao pedido b Decisão final sentença ou acórdão concedida ou não a medida liminar ou não postulada após as informações e manifestação do Ministério Público deverá o juiz proferir sentença ou o tribunal julgar o habeas corpus que será levado em mesa pelo relator para julgamento pelo órgão colegiado Nesse julgamento poderá ser acolhido o pedido ou denegado no todo ou em parte Quando houver sido concedida a medida liminar será ela confirmada ou cassada conforme a sentença seja de procedência ou não A eficácia preponderante da sentença de procedência é mandamental58 No julgamento do habeas corpus pelos tribunais está permitida a sustentação oral pelo impetrante mas um sério obstáculo da praxis judiciária é o fato de não haver intimação da data da sessão de julgamento sob o argumento de que a urgência exige que a ação seja levada em mesa sem ser incluída na pauta de julgamento Isso acarreta sérios prejuízos para o impetrante e o paciente na medida em que impede o acompanhamento e a sustentação oral na sessão de julgamento Ainda que o cerceamento de defesa e a violação do contraditório na dimensão do direito à informação e comunicação dos atos processuais sejam evidentes essa prática é recorrente e infelizmente tolerada Contudo já há decisões anulando o julgamento de habeas corpus quando havendo pedido expresso de sustentação oral e portanto de intimação da data da sessão a sessão é realizada sem prévia comunicação ao impetrante59 Mas em sentido oposto argumentase a ausência de nulidade com base na Súmula n 431 do STF que assim dispõe É nulo o julgamento de recurso criminal na segunda instância sem prévia intimação ou publicação da pauta salvo em habeas corpus Pensamos que a Súmula deve ser revisada e que o melhor entendimento é pela necessidade de intimação da data do julgamento especialmente quando o impetrante manifestar o desejo de proferir sustentação oral 27 Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus O recurso ordinário é um meio de impugnar as decisões denegatórias ou de não conhecimento do habeas corpus sendo julgado pelo STF quando a decisão denegatória ou de não conhecimento é proferida em única instância pelo STJ nos termos do art 102 II a da Constituição pelo STJ quando a decisão denegatória ou de não conhecimento do habeas corpus for proferida em única ou última instância pelos tribunais de justiça ou tribunais regionais federais conforme estabelece o art 105 II a da Constituição Há uma sutil diferença na definição da competência no STF a competência é para julgar o recurso ordinário quando o habeas corpus foi denegado em única instância pelo STJ Ou seja é um caso em que a competência originária para julgamento do HC é do STJ como por exemplo o writ interposto por um agente público com prerrogativa de função art 105 I a da Constituição Já o STJ julga o recurso ordinário quando o habeas corpus foi denegado pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal em única prerrogativa de função ou última instância logo pode ser um HC contra ato coator de juiz por exemplo Isso conduz a outro detalhe importante se a decisão denegatória é do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal cabe recurso ordinário para o STJ Mas se ao invés de interpor o recurso ordinário é impetrado um novo habeas corpus no STJ não é caso de julgamento em única instância portanto não caberá recurso ordinário para o STF pois não está contemplado Caberá se for o caso recurso extraordinário para o STF Ainda no mesmo caso se da decisão denegatória proferida pelo Tribunal de Justiça ou Regional Federal for apresentado o recurso ordinário uma vez negado provimento ao recurso pelo STJ caberá apenas se for o caso recurso extraordinário Mas não se descarta a impetração de novo HC tendo em vista que o STJ passa a ser o coator A Constituição apenas prevê o cabimento do recurso e a competência para julgálo O processamento está disposto na Lei n 803890 nos arts 30 a 32 Art 30 O recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça das decisões denegatórias de Habeas Corpus proferidas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal será interposto no prazo de 5 cinco dias com as razões do pedido de reforma Art 31 Distribuído o recurso a Secretaria imediatamente fará os autos com vista ao Ministério Público pelo prazo de 2 dois dias Parágrafo único Conclusos os autos ao relator este submeterá o feito a julgamento independentemente de pauta Art 32 Será aplicado no que couber ao processo e julgamento do recurso o disposto com relação ao pedido originário de Habeas Corpus O prazo de interposição é de 5 dias devendo as razões acompanhar o recurso Antiga divergência sobre o prazo acabou resolvida pela Súmula n 319 do STF SÚMULA N 319 O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal em habeas corpus ou mandado de segurança é de cinco dias Como já apontado mas é importante reforçar somente tem cabimento das decisões denegatórias de HC abrangendo também as decisões de não conhecimento No que tange à legitimidade é um recurso exclusivo da defesa devendo ser interposto pelo paciente através de seu advogado Ainda que o writ possa ser interposto por qualquer pessoa o recurso ordinário deverá ser subscrito por advogado Contudo como já decidido pelo STF no HC 863078 não há necessidade de procuração até porque o writ não a exige Em relação ao preparo é inexigível pois não há pagamento de custas mormente por ser um recurso da denegação de habeas corpus uma ação constitucional sem custo Não há que se confundir o recurso ordinário constitucional com os recursos especial e extraordinário de modo que não se exige prequestionamento ou a demonstração da repercussão geral Nada disso é exigido no recurso ordinário60 Deverá ser interposto por escrito e o efeito é devolutivo mas limitado à matéria ventilada no habeas corpus Quanto ao procedimento em síntese No STJ diante de uma decisão denegatória do habeas corpus no TRF ou TJ o recurso ordinário é interposto no prazo de 5 dias petição acompanhada das razões no tribunal de origem Admitido é enviado ao STJ onde é distribuído e designado relator que dará vista ao MP e após será pautado para julgamento no qual caberá sustentação oral STF quando interposto no STF será dirigido ao Presidente do Tribunal que proferiu a decisão no prazo de 5 dias com as razões Admitido no tribunal de origem se nega prosseguimento cabe agravo regimental subirá o recurso ordinário com o HC anexo Distribuído no STF será designado relator que dará vista ao MP e após será levado a julgamento pela Turma cabendo sustentação oral A ausência de efeito suspensivo bem como a tramitação mais lenta eis que um recurso faz com que o Recurso Ordinário imponha um grande ônus para o acusado preso Por isso durante muito tempo esteve jogado ao ostracismo sendo substituído pela interposição de novo HC Mas nos últimos anos tem se fortalecido o entendimento especialmente no STJ de não conhecer de HC substitutivo de Recurso Ordinário Tratase de um movimento de filtragem jurisdicional diante da avalanche de HCs diariamente interpostos no STJ Por tal motivo destacamos que atualmente tem predominado essa postura de não admitir HC substitutivo de Recurso Ordinário Não sem razão na prática forense é comum verse após a denegação do HC por um TJ ou TRF a interposição de Recurso Ordinário para atender o rigor formal do STJ e também novo HC argumentando a urgência diante da existência de prisão na esperança de que o writ seja conhecido e provido Já no STF a situação começa a mudar com as restrições em torno da impetração de HC substitutivo sendo relativizadas Mas a situação ainda é polêmica e além de gerar insegurança cria um terreno fértil para o decisionismo 3 Mandado de Segurança em Matéria Penal 31 Considerações Prévias O mandado de segurança é um instrumento processual sem similar nos demais países Como disse ALCALÁZAMORA Y CASTILLO 61 es un tema cien por cien brasileño acaso entre los de índole jurídica el más brasileño de todos Concebido como instrumento processual ação e não recurso destinado a proteger os interesses do indivíduo contra as ilegalidades praticadas pelos agentes públicos Como explica CIRILO DE VARGAS62 com a república foram muitas as tentativas de introduzir um instrumento capaz de reparar ou impedir os abusos administrativos sem obter êxito Somente com a Constituição de 1934 sob a influência da Revolução de 1930 foi contemplado o instrumento processualconstitucional A Constituição de 1937 não o recepcionou ainda que se tivesse mantido na legislação ordinária A partir da Carta de 1946 o mandado de segurança sempre foi recepcionado expressamente pelas Constituições brasileiras Atualmente está previsto no art 5º LXIX da Constituição sendo concebido como uma ação constitucional nos seguintes termos LXIX concederseá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeascorpus ou habeasdata quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público Sua regulamentação encontrase na Lei n 12016 de 7 de agosto de 2009 em que será abordada na continuação mas desde logo transcrevemos o art 1º Art 1º Concederseá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data sempre que ilegalmente ou com abuso de poder qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrêla por parte de autoridade seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça Situase portanto na lacuna deixada pelo habeas corpus na tutela de direito líquido e certo sem vincularse à existência de uma restrição de liberdade quando o responsável pela ilegalidade for uma autoridade pública Ao estudioso atento chama a atenção o nome jurídico mais especificamente o primeiro substantivo como bem questionado por ALCALÁZAMORA Y CASTILLO63 Por que mandado e não ação Porque o legislador brasileiro pretendeu reforçar a ideia de imperatividade pois na concepção tão bem explorada por PONTES DE MIRANDA é uma típica ação de mandamento Atendendo à finalidade que é chamado a satisfazer no mandado de segurança importa mais a ordem fazer ou não fazer e o correlativo acatamento que a argumentação que a ela conduza ou mesmo o convencimento dos destinatários64 32 Natureza Jurídica É uma ação mandamental um mandamus com status constitucional que se encaminha a obter uma ordem judicial dirigida a outro órgão do Estado por meio de uma sentença65 O mandado de segurança desde a perspectiva de utilização no processo penal amplia a esfera de proteção não alcançada pelo habeas corpus constituindose um instrumento processualconstitucional colocado à disposição de toda pessoa física ou jurídica para proteção de um direito individual ou coletivo mas que não esteja protegido por habeas corpus ou habeas data que foi lesado ou ameaçado de lesão por um ato de autoridade independentemente de sua categoria ou função Além da previsão constitucional está disciplinado especialmente na Lei n 120162009 Para o processo penal é uma ação destinada à tutela de direito subjetivo individual por meio de um mandamento por isso é denominado de mandamus judicial que tem por objetivo impedir ou corrigir a ilegalidade Em linhas gerais invalida o ato ou omissão ilegal da autoridade pública ou suprime seus efeitos Quando se dirige contra um ato judicial apesar de assumir contornos de uma via de impugnação com função de recurso tratase de uma ação autônoma de impugnação66 Para PONTES DE MIRANDA67 o mandado de segurança é uma ação e remédio jurídicoprocessual para a proteção de qualquer direito de origem constitucional ou legal patrimonial ou não que não seja objeto de tutela pelo remédio jurídicoprocessual do habeas corpus Acolhida a ação e instaurado o processo terá cognição sumária e rito especial Predomina o entendimento de que é uma ação civil ainda que distribuída numa vara criminal para impugnar um ato afeto ao processo penal seguindo o procedimento e o sistema recursal do processo civil O mandado de segurança admite uma decisão liminar initio litis de natureza cautelar anticipazioni di provvedimento definitivo que exige para sua concessão a demonstração de fumus boni iuris e periculum in mora68 Deve o autor demonstrar a verossimilhança do direito líquido e certo violado pelo ato da autoridade e o perigo de um dano grave e irreparável ou de difícil reparação que pode surgir com a demora na prestação da tutela jurisdicional O mandado de segurança também admite a figura preventiva com base no interesse que decorre dal pericolo di un danno giuridico nos mesmos moldes anteriormente explicados no habeas corpus 33 Objeto e Cabimento Direito Líquido e Certo O objeto do mandamus são os atos ações ou omissões ilegais do poder público e seus agentes que prejudiquem ou atentem contra um direito líquido e certo que não seja sanável pelo habeas corpus ou habeas data Por isso seu campo de aplicação é determinado por exclusão69 nos termos do art 5º Art 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar I de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução II de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo III de decisão judicial transitada em julgado A Lei n 120162009 incorporou a consolidada orientação jurisprudencial no sentido da impossibilidade de mandado de segurança contra ato administrativo de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução pois se entende que nesse caso há um meio próprio e efetivo de impugnação Também não se admite mandado de segurança contra ato judicial do qual caiba recurso com efeito suspensivo apto a impedir a ilegalidade A vedação do mandado de segurança contra lei em tese não foi incorporada ao texto da Lei n 12016 mas pensamos que seguirá sendo invocada pelos tribunais brasileiros pois se considera inepta para provocar lesão a direito líquido e certo em observância à Súmula n 266 do STF enquanto estiver em vigor Tampouco se admite o mandamus contra decisão transitada em julgado situação a ser remediada pela revisão criminal ou até mesmo pelo habeas corpus Com essa vedação expressa fulminase a pretensão desde sempre infundada de se criar pela via do MS uma possibilidade de revisão criminal pro societate70 Por ato de autoridade71 se entende toda manifestação por ação ou omissão do poder público ou de quem atua em seu nome por delegação de poder que no exercício de suas funções cause uma lesão ilegal a um direito individual A ação se dirige contra o mandante a autoridade com poder decisório que ocupa uma posição superior na hierarquia de mando ou aquela que tenha praticado o ato impugnado executante Neste sentido é importante a disposição contida no art 6º 3º da Lei n 120162009 Art 6º 3º Considerase autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática A definição da autoridade coatora é fundamental para a definição da competência para o julgamento do mandado de segurança Ainda que cabível em tese contra ato de particular no exercício de atividade delegada em matéria penal o mandado de segurança costuma ser utilizado contra atos da polícia judiciária juízes ou tribunais e membros do Ministério Público Sem embargo prevê o art 1º 1º da Lei n 12016 que 1º Equiparamse às autoridades para os efeitos desta Lei os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público somente no que disser respeito a essas atribuições Seguindo o entendimento consolidado na jurisprudência a Lei n 12016 admite o mandamus contra ato judicial pois configura ato de autoridade desde que não exista um recurso específico para impugnação ou não possua ele efeito suspensivo Assim ainda que já viesse sendo minorada pensamos não ter mais eficácia a Súmula n 267 do STF pois inegavelmente cabe o mandado de segurança contra o ato jurisdicional ilegal não amparado por recurso com efeito suspensivo Além da ausência de efeito suspensivo para o cabimento do mandado de segurança é necessário que o ato jurisdicional contenha manifesta ilegalidade ou abuso de poder a ofender direito líquido e certo apurável sem necessidade de dilação probatória72 Também por importação do processo civil o mandado de segurança pode ser admitido para conceder efeito suspensivo a recurso que não o possui como no caso de Agravo em Execução Penal A interposição é simultânea do recurso cabível e do mandado de segurança através do qual se busca a concessão do efeito suspensivo Há situações em que o recurso cabível não tem o condão de evitar o dano irreparável bem como é manifesta a ilegalidade do ato jurisdicional atacado Havendo risco de que o tribunal não conheça do mandado de segurança exatamente por haver recurso previsto a melhor solução é a interposição simultânea A urgência justifica o mandamus que se concedido esvazia o objeto do recurso mas se não conhecido não conduz à preclusão pois o recurso previsto em lei foi interposto Ainda no que se refere ao cabimento sublinhamos que após um longo histórico de banalização do habeas corpus os tribunais brasileiros vêm gradativamente reconduzindo cada instrumento a seus limites de cabimento reservando o HC para os casos em que há risco efetivo para a liberdade de ir e vir e os demais residualmente ao mandado de segurança Exemplo típico é a negativa por parte da autoridade policial em conceder vista ao advogado dos autos do inquérito policial Durante muito tempo o habeas corpus foi utilizado para esse fim Atualmente predomina o entendimento acertadamente de que se trata de violação de direito líquido e certo a ser tutelada pelo mandado de segurança até porque não se trata de lesão ao direito de ir e vir Contudo é importante sublinhar sustentamos a possibilidade do Mandado de Segurança nesse caso em nome da maior eficácia e celeridade da prestação jurisdicional pois com o advento da Súmula Vinculante n 14 do STF a recusa em dar vista e amplo acesso ao inquérito policial a rigor dá causa à Reclamação prevista no art 102 I l da Constituição a ser ajuizada diretamente no STF Então para que fique claro a recusa por parte da autoridade policial ou judicial em dar acesso ao advogado dos autos do inquérito permite Reclamação diretamente no STF contudo tendo em vista as dificuldades que isso pode encerrar no caso concreto é perfeitamente viável a utilização do Mandado de Segurança inclusive com a invocação da Súmula Vinculante n 14 e que terá imensa possibilidade de êxito imediato O que sim não nos parece correto é utilizar o habeas corpus pelas razões já expostas Outros casos de cabimento do mandado de segurança a título de ilustração são a negativa da autoridade policial em realizar diligências solicitadas pelo indiciado nos termos do art 14 do CPP b da decisão que indefere o pedido de habilitação como assistente da acusação c nas medidas assecuratórias de sequestro e arresto de bens d para atacar a decisão que indefere o pedido de restituição de bem apreendido etc Para a tutela das prerrogativas funcionais do advogado asseguradas na Lei n 8906 o instrumento adequado é o mandado de segurança pois representa a violação de direito líquido e certo Da mesma forma cabe o mandado de segurança contra ato de CPI Comissão Parlamentar de Inquérito que não respeita as prerrogativas funcionais de advogado Por outro lado quando o que se busca é a garantia do direito de silêncio autodefesa negativa do imputado costumeiramente violado no âmbito das CPIs o caminho a ser seguido é o do habeas corpus Para evitar repetições remetemos o leitor para o tópico anterior onde tratamos do HC Mudando o enfoque a expressão direito líquido e certo significa o direito que se apresenta manifesto em sua existência delimitado em sua extensão e apto a ser exercido no momento da interposição do mandamus É o direito evidente claro cuja existência é patente e está amparado por lei devendo estar presentes todos os requisitos e condições necessárias para seu exercício sem que existam causas suspensivas ou condições não cumpridas73 Na dimensão processual explica GRINOVER74 a expressão deve ser entendida como um direito que possa ser comprovado por forma documental que se possa demonstrar de forma apriorística sem dilação probatória até porque não existe instrução Exige portanto prova préconstituída Através do mandado de segurança também se pode exercer o controle difuso da constitucionalidade de uma lei da mesma forma e com os mesmos fundamentos do controle exercido por meio do habeas corpus anteriormente explicado 34 Legitimidade Ativa e Passiva Competência A legitimação ativa será do impetrante titular do direito violado que pode ser uma pessoa física ou jurídica não se pode esquecer a possibilidade de uma pessoa jurídica sofrer a prática de um ato coator no bojo de investigação ou processo criminal por crime ambiental e à diferença do habeas corpus o mandado de segurança segue a regra geral de capacidade e legitimidade das ações civis exigindo a assistência de advogado com procuração para sua impetração O Ministério Público parte ativa e titular da ação penal de iniciativa pública poderá impetrar mandado de segurança na defesa de sua pretensão acusatória Inclusive tendo em vista que o habeas corpus é um instrumento de uso exclusivo da defesa o mandado de segurança é um importante instrumento processual para que o Ministério Público possa impugnar decisões judiciais contrárias a seu interesse e que não possuam recurso com efeito suspensivo quando há manifesta ilegalidade violadora de direito líquido e certo Sendo impetrado o mandado de segurança pelo MP é obrigatória a intervenção do réu como determina a Súmula n 701 do STF SÚMULA N 701 do STF No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal é obrigatória a citação do réu como litisconsórcio passivo Já na legitimidade passiva o impetrado é a autoridade que pratica o ato impugnado ou da qual emane a ordem para sua prática art 6º 3º da Lei n 12016 Tendo em vista a complexidade da estrutura administrativa do Estado conforme o caso o erro no endereçamento da ação não deve conduzir à imediata denegação da petição Atendendo à necessidade de eficácia da tutela dos direitos individuais bem como de obter a tutela jurisdicional pretendida entendemos recomendável que o juiz ou tribunal corrija e determine a remessa ao órgão competente É importante destacar que não se admite mandado de segurança contra ato de particular ao contrário do habeas corpus como visto anteriormente Quanto à competência será definida segundo a categoria da autoridade pública em face da qual se interpõe o mandado de segurança Tratase de um sistema escalonado no qual o mandamus deve ser interposto junto ao juiz ou tribunal competente para julgar os atos daquela autoridade É um sistema similar àquele anteriormente explicado no habeas corpus Em linhas gerais ato coator da autoridade policial estadual mandado de segurança impetrado para o juiz de direito ato da polícia federal competência do juiz federal ato coator de juiz de direito ou federal competência do Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal respectivos e destes para o STJ e após STF 35 Breves Considerações sobre o Procedimento O procedimento é de cognição sumária e não existe instrução probatória por isso o direito deve ser certo patente e determinado A prova dos fatos e do direito deve ser préconstituída e a petição deverá ser instruída com todos os documentos necessários para comprovar o direito e a ilegalidade alegados devendo ser subscrita por advogado devidamente constituído Se o impetrante necessitar de documentos que estejam em poder da autoridade coatora poderá solicitar ao juiz ou tribunal que na própria notificação para que preste informações conste a determinação de apresentação desse documento em original ou cópia autêntica Quando outra for a autoridade detentora do documento poderá o juiz ordenar preliminarmente por ofício a exibição do documento cópia autêntica no prazo de 10 dias art 6º 1º O exercício da ação de mandado de segurança está submetido ao prazo decadencial de 120 dias contados da data em que o sujeito tomar conhecimento oficial do ato ilegal art 23 da Lei n 12016 O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento da constitucionalidade deste prazo através da Súmula n 632 a saber SÚMULA N 632 do STF É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança A inicial deverá indicar a autoridade coatora descrever os fatos e a fundamentação jurídica demonstrando o direito líquido e certo violado e de que forma se deu esta violação Deve ser apresentada em duas vias além daquela destinada ao protocolo ambas instruídas com os documentos que acompanham o mandamus A inicial deverá preencher os requisitos exigidos pelo CPC e também indicar além da autoridade coatora a pessoa jurídica que esta integra à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições conforme o caso Ao contrário do habeas corpus o mandado de segurança tem valor da causa será o valor de alçada e paga custas processuais exceto em caso de assistência judiciária gratuita mas não há condenação ao pagamento de honorários advocatícios mas isso não impede a condenação por litigância de máfé Recebido o mandado de segurança e não sendo caso de indeferimento imediato art 10 o juiz determinará art 7º I que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial enviandolhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos a fim de que no prazo de 10 dez dias preste as informações II que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada enviandolhe cópia da inicial sem documentos para que querendo ingresse no feito III que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso seja finalmente deferida sendo facultado exigir do impetrante caução fiança ou depósito com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica As informações a serem prestadas no mandado de segurança são similares àquelas existentes no habeas corpus devendo ser feitas de forma clara e objetiva fornecendo os documentos que julgue necessários para demonstração da legalidade do ato pois não existe posterior atividade probatória Neste mesmo momento inicial initio litis deverá o juiz se manifestar sobre eventual pedido de medida liminar que tem natureza cautelar e está submetida à demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora A medida liminar consiste em um mandamento judicial para que a autoridade pratique um determinado ato quando a coação for por omissão ou cesse a atividade ilegal e terá validade até a sentença que julgar o mérito do mandado de segurança Contudo como qualquer medida liminar poderá ser cassada a qualquer momento pois é medida provisional por excelência através de decisão judicial fundamentada Sendo denegada a liminar postulada o processo seguirá seu curso com as informações e posterior julgamento do mérito na sentença Se com as informações vierem documentos novos em nome do contraditório deverá o juiz dar vista para que o impetrante se manifeste Estabelece ainda o art 8º que será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando concedida a medida o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover por mais de 3 três dias úteis os atos e as diligências que lhe cumprirem Evitamse com isso eventuais medidas protelatórias que visem à perpetuação da medida liminar O Ministério Público será ouvido mas terá o prazo improrrogável de 10 dias para manifestação sob pena de em não o fazendo os autos irem conclusos para o juiz decidir Significa dizer que com ou sem o parecer do Ministério Público deverá o juiz proferir sentença em até 30 dias A sentença poderá acolher o pedido ou denegálo devendo cassar a liminar eventualmente concedida caso a sentença negue provimento ao pedido ou confirmála com a procedência Sendo interposto em tribunal a decisão sobre a liminar caberá ao relator que após as informações submeterá o mandado de segurança a julgamento pelo órgão colegiado Por ser considerado uma ação de natureza civil o sistema recursal será aquele previsto no Código de Processo Civil de modo que concedida ou denegada a liminar caberá agravo de instrumento nos termos estabelecidos no Código de Processo Civil Da sentença que concede ou denega a segurança caberá apelação sendo que concedida a segurança a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição reexame necessário da matéria Não cabem contudo embargos infringentes art 25 Sendo o mandado de segurança julgado em tribunal desta decisão se denegatória caberá recurso ordinário art 105 II a da Constituição para o STJ e conforme o caso recurso ordinário para o STF art 102 II a da Constituição O prazo para interposição deste recurso é de 15 dias e não 5 dias como no habeas corpus Quando acolhido o mandado de segurança não caberá recurso ordinário mas apenas recursos especial e extraordinário desde que preenchidos os requisitos legais Alterada a situação fática poderá ser interposto novo mandado de segurança 1 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v 2 p 447 2 CORTES DOMINGUEZ Valentín MORENO CATENA Victor e GIMENO SENDRA Vicente Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 692 3 Idem ibidem 4 BADARÓ Gustavo Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 299 5 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed cit p 731 6 Sobre o tema entre outros recomendase a leitura de Tupinambá Pinto de AZEVEDO Retroatividade Erga Omnes da Decisão Penal Benigna In Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Prof Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 7 GIACOMOLLI Nereu A Irretroatividade da Lei n 1146407 requisitos temporais à progressão de regime nos crimes hediondos Disponível no site wwwgiacomollicom 8 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 449 9 Na esteira de BADARÓ op cit p 300 e também de GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 319 10 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 448 11 Entre outros GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 321 12 Neste sentido é interessante a decisão proferida pela 5ª Turma do STJ RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL PENAL CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA TRIBUNAL DO JÚRI CONDENAÇÃO REVISÃO CRIMINAL ABSOLVIÇÃO POSSIBILIDADE DIREITO DE LIBERDADE PREVALÊNCIA SOBRE A SOBERANIA DOS VEREDICTOS E COISA JULGADA RECURSO MINISTERIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO 1 É possível em sede de revisão criminal a absolvição por parte do Tribunal de Justiça de réu condenado pelo Tribunal do Júri 2 Em homenagem ao princípio hermenêutico da unidade da Constituição as normas constitucionais não podem ser interpretadas de forma isolada mas como preceitos integrados num sistema unitário de modo a garantir a convivência de valores colidentes não existindo princípios absolutos no ordenamento jurídico vigente 3 Diante do conflito entre a garantia da soberania dos veredictos e o direito de liberdade ambos sujeitos à tutela constitucional cabe conferir prevalência a este considerandose a repugnância que causa a condenação de um inocente por erro judiciário 4 Não há falar em violação à garantia constitucional da soberania dos veredictos por uma ação revisional que existe exclusivamente para flexibilizar uma outra garantia de mesma solidez qual seja a segurança jurídica da Coisa Julgada 5 Em uma análise sistemática do instituto da revisão criminal observase que entre as prerrogativas oferecidas ao Juízo de Revisão está expressamente colocada a possibilidade de absolvição do réu enquanto a determinação de novo julgamento seria consectário lógico da anulação do processo 6 Recurso a que se nega provimento REsp 964978SP Min Adilson Vieira Macabu Desembargador Convocado do TJRJ Julgado em 14082012 13 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 845 14 Fazemos especial referência aos artigos publicados na obra La Reforma Procesal Penal 19881992 In Estudios de Derecho Procesal Civil Penal y Constitucional Madrid Edersa 1992 p 473 e ss 15 La Reforma Procesal Penal 19881992 cit p 610 16 El Proceso de Habeas Corpus Madri Tecnos 1985 p 39 17 SORIANO Ramón El Derecho de Habeas Corpus Madrid Publicaciones del Congreso de los Diputados 1986 p 39 18 Idem ibidem p 33 19 SORIANO Ramón Op cit p 38 20 La Reforma Procesal Penal 19881992 cit p 568 21 TEJERA Diego Vicente El Habeas Corpus Apud LOPEZMUÑOZ Y LARRAZ na obra citada p 25 22 Esse seria o marco histórico por excelência Com anterioridade a ele FAIREN GUILLEN La Reforma Procesal Penal 19881992 cit p 561 explica que na primeira parte do século XIII a expressão habeas corpus constituía uma fórmula processual civil uma ordem de trazer fisicamente alguém a um Tribunal A finalidade era de assegurar a presença física dessa pessoa perante um Tribunal possivelmente mediante uma ordem do Tribunal a um sheriff não estava ligada com uma recuperação da liberdade de movimentos Como explica o autor existiram três writs medievais mais vinculados à ideia de recuperar a liberdade que essas formas de habeas corpus os de homine replegiando e de mainprize para assegurar uma liberdade sob fiança durante o processo e o de odio et atia para obter uma liberdade na fase de prétrial e em determinadas circunstâncias de um preso acusado de homicídio 23 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal 26 ed São Paulo Saraiva 2004 v IV p 402 24 La Reforma Procesal Penal 19881992 cit p 567 25 História e Prática do HabeasCorpus 4 ed Rio de Janeiro Borsoi 1961 p 23 26 Sobre a história do habeas corpus não só no Brasil mas também na Inglaterra e Estados Unidos consultese magistral obra de PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus 27 Explica PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 128 que o habeas corpus é uma pretensão ação e remédio A pretensão existe desde 1830 prevista no Código Criminal arts 183188 A ação e o remédio desde 1832 no Código de Processo Criminal 28 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal cit p 403 29 História e Prática do HabeasCorpus cit p 21 30 História e Prática do HabeasCorpus cit p 176 31 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 447 32 História e Prática do HabeasCorpus cit p 328 e ss 33 Como explica J GOLDSCHMIDT ao definir a ação mandamental em sua obra Derecho Procesal Civil p 113 34 FISCHER Douglas Recursos Habeas Corpus e Mandado de Segurança no Processo Penal 2 ed Porto Alegre Verbo Jurídico 2009 p 255 35 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari Padova CEDAM 1936 p 38 Também GRINOVER A Tutela Preventiva das Liberdades HabeasCorpus e Mandado de Segurança Revista AJURIS n 22 p 114 36 Como explica PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 329 evidente que os juristas ingleses não conheciam a classificação quinária de constante quinze das ações e sentenças mas sua terminologia e precisão em falar em mandatory remedies demonstra que já lhes chamava a atenção a força mandamental de certas sentenças 37 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional cit p 525 38 História e Prática do Habeas Corpus cit p 468 e ss 39 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v VII p 171 e ss 40 Mas é claro que há um espaço conceitual que permite a discricionariedade judicial e se o tribunal quiser conhece habeas corpus normalmente fulminados por demandar uma discussão mais profunda 41 Es indudable y resulta obvio que cuando se juzga más allá de un plazo razonable cualquiera que sea la causa de la demora se está juzgando a un hombre distinto en sus circunstancias personales familiares y sociales por lo que la pena no cumple ni puede cumplir con exactitud las funciones de ejemplaridad y de reinserción social del culpable que son fines justificantes de la sanción como con fina sensibilidad dice la Sentencia de 2661992 apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas In COLOMER JuanLuis Gómez CUSSAC JoséLuis González Coords La Reforma de la Justicia Penal Publicações da Universitat Jaume I 1997 p 387 42 Também sobre o tema PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 490 43 Nesse sentido há interessante decisão do STJ CONSTITUCIONAL PROCESSUAL PENAL CONSTRANGIMENTO ILEGAL RESTRIÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO ATO DE PARTICULAR HABEAS CORPUS ADMISSIBILIDADE O HABEAS CORPUS É AÇÃO CONSTITUCIONAL DESTINADA A GARANTIR O DIREITO DE LOCOMOÇÃO EM FACE DE AMEAÇA OU DE EFETIVA VIOLAÇÃO POR ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER DO TEOR DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL PERTINENTE ART 5º LXVIII EXSURGE O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE ADMITIRSE O USO DA GARANTIA INCLUSIVE NA HIPÓTESE EM QUE A ILEGALIDADE PROVENHA DE ATO DE PARTICULAR NÃO SE EXIGINDO QUE O CONSTRANGIMENTO SEJA EXERCIDO POR AGENTE DO PODER PUBLICO RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO RHC 4120RJ Rel Min Anselmo Santiago Rel p Acórdão Min Vicente Leal 6ª Turma julgado em 29041996 DJ 17061996 p 21517 44 ORTELLS RAMOS Manuel et al Derecho Jurisdiccional proceso penal Barcelona Bosh 1996 p 451 45 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimienti Cautelari cit p 16 e ss 46 Do latim salvus conductos 47 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmerica 1951 v I p 63 Especialmente na nota de rodapé n 199 48 Que todos possam vir com segurança para se apresentar 49 De que não ande vagando por praças e lugares públicos pois assim entende exigir a dignidade do magistrado e da Justiça 50 Comissão Parlamentar de Inquérito Competência originária do Supremo Tribunal Federal Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar em sede originária mandados de segurança e habeas corpus impetrados contra Comissões Parlamentares de Inquérito constituídas no âmbito do Congresso Nacional ou no de qualquer de suas Casas É que a Comissão Parlamentar de Inquérito enquanto projeção orgânica do Poder Legislativo da União nada mais é senão a longa manus do próprio Congresso Nacional ou das Casas que o compõem sujeitandose em consequência em tema de mandado de segurança ou de habeas corpus ao controle jurisdicional originário do Supremo Tribunal Federal CF art 102 I d e i MS 23452 Rel Min Celso de Mello j 16091999 DJ 12052000 51 PONTES DE MIRANDA Francisco C História e Prática do HabeasCorpus cit p 502 52 Após o advento da EC n 221999 não mais compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente habeas corpus impetrado contra ato emanado de Tribunal que não se qualifica constitucionalmente como Tribunal Superior A locução constitucional Tribunais Superiores abrange na organização judiciária brasileira apenas o Tribunal Superior Eleitoral o Superior Tribunal de Justiça o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal Militar HC 85838ED Rel Min Celso de Mello j 31052005 DJ 23092005 No mesmo sentido HC 88132 Rel Min Sepúlveda Pertence j 04042006 DJ 02062006 53 História e Prática do HabeasCorpus cit p 516 54 Idem ibidem p 519 55 Habeas corpus Writ impetrado no Superior Tribunal de Justiça Demora no julgamento Direito à razoável duração do processo Natureza mesma do habeas corpus Primazia sobre qualquer outra ação Ordem concedida O habeas corpus é a via processual que tutela especificamente a liberdade de locomoção bem jurídico mais fortemente protegido por uma dada ação constitucional O direito a razoável duração do processo do ângulo do indivíduo transmutase em tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário Direito esse a que corresponde o dever estatal de julgar No habeas corpus o dever de decidir se marca por um tônus de presteza máxima Assiste ao Supremo Tribunal Federal determinar aos Tribunais Superiores o julgamento de mérito de habeas corpus se entender irrazoável a demora no julgamento Isso é claro sempre que o impetrante se desincumbir do seu dever processual de préconstituir a prova de que se encontra padecente de violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder inciso LXVIII do art 5º da Constituição Federal Ordem concedida para que a autoridade impetrada apresente em mesa na primeira sessão da Turma em que oficia o writ ali ajuizado HC 91041 Rel p o ac Min Carlos Britto j 05062007 DJ 17082007 56 Necessário temperamento da Súmula 691 deste Supremo para que não se negue a aplicação do art 5º inc XXXV da Constituição da República Não se há negar jurisdição ao que reclama prestação do Poder Judiciário menos ainda deste Supremo Tribunal quando se afigure ilegalidade flagrante HC 89681 Rel Min Cármen Lúcia j 21112006 DJ 02022007 E ainda O Tribunal concedeu habeas corpus impetrado contra ato do STJ que em decisão monocrática indeferira idêntica medida lá impetrada para confirmar liminares que revogaram as prisões temporárias e preventivas decretadas contra os pacientes bem assim as extensões deferidas aos corréus Preliminarmente o Tribunal reconheceu sua competência para o julgamento do feito superando o Enunciado 691 da sua Súmula por vislumbrar patente ilegalidade no caso Em seguida afastou por maioria a alegação do Ministério Público de que teria ocorrido prejuízo do habeas corpus que formalizado sob o ângulo preventivo não poderia tornarse liberatório Considerouse que a conversão da natureza da impetração seria possível sobretudo ante a pretensão inicialmente formulada neste writ de se impedir em sentido amplo a expedição de ato constritivo em desfavor dos pacientes com base nas mesmas investigações HC 95009 Rel Min Eros Grau j 06112008 Informativo 527 57 Essas categorias são adequadas para fundamentar o pedido de liminar em habeas corpus pois é evidente sua natureza cautelar similar aqui ao processo civil Não há portanto nenhuma contradição com a crítica que fizemos anteriormente ao tratar da prisão cautelar em que se deve argumentar em torno do fumus commissi delicti e do periculum libertatis 58 PONTES DE MIRANDA Francisco C História e Prática do HabeasCorpus cit p 531 59 HABEAS CORPUS SUSTENTAÇÃO ORAL INTIMAÇÃO NULIDADE Tratase de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário em que se alega entre outras coisas a falta de intimação do impetrante para a sustentação oral embora o pedido se encontrasse expresso nos autos Assim deveria ser nulo o acórdão que manteve a instauração de ação penal em desfavor dos ora pacientes A Turma concedeu a ordem ao entendimento de que havendo o pedido de sustentação oral é imprescindível seja dada ciência ao impetrante da data em que será colocado o feito em mesa para julgamento ressaltando que a referida ciência pode ser feita até por meio de informação disponibilizada no sistema informatizado de acompanhamento processual Precedentes citados do STF HC 92290SP DJ 30112007 HC 93101SP DJ 22022008 do STJ HC 88869MG DJ 03122007 HC 93557AM Rel Min Arnaldo Esteves Lima j 19022008 60 Não se sujeita o recurso ordinário de habeas corpus nem a petição substitutiva dele ao requisito do prequestionamento na decisão impugnada para o conhecimento deste basta que a coação seja imputável ao órgão de gradação jurisdicional inferior o que tanto ocorre quando esse haja examinado e repelido a ilegalidade aventada quanto se omite de decidir sobre a alegação do impetrante ou sobre matéria sobre a qual no âmbito de conhecimento da causa a ele devolvida se devesse pronunciar de ofício Precedentes A omissão sobre um fundamento posto é em si mesmo uma coação e o tribunal superior considerando evidenciado o constrangimento ilegal pode fazêlo cessar de imediato e não devolver o tema ao tribunal omisso HC 87639 Rel Min Sepúlveda Pertence j 11042006 DJ 05052006 61 El Mandato de Seguridad Brasileño Visto por un Extranjero In Estudios de Teoria General e Historia del Proceso México UNAM 1974 t II p 637 e ss 62 CIRILO DE VARGAS Juarez CIRILLO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 1992 p 271 63 El Mandato de Seguridad Brasileño Visto por un Extranjero cit t II p 642 e ss O autor no entanto não aceita a classificação de ação de mandamento 64 Idem ibidem p 644 65 Como explica J GOLDSCHMIDT ao definir la acción de mandamiento na obra Derecho Procesal Civil Barcelona Labor 1936 p 113 66 GRINOVER Ada Pellegrini Mandado de Segurança Contra Ato Jurisdicional Penal In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 289 67 Comentários a Constituição de 1967 t V p 355 e ss Apud CIRILO DE VARGAS op cit p 272 68 Por se tratar de uma ação de natureza civil e não penal justificase a adoção das categorias fumus boni iuris e periculum in mora até porque efetivamente o que se deve demonstrar neste momento é a fumaça de bom direito e o risco de lesão a esse direito decorrentes da demora na prestação do provimento definitivo O que não se pode é operar nesta lógica ao tratar das prisões cautelares pois nesse caso tais categorias são imprestáveis 69 GRINOVER Mandado de Segurança contra Ato Jurisdicional Penal cit p 287 70 Mas é importante advertir cresce a pressão para que futuras reformas pontuais ou não do CPP contemplem a possibilidade de revisão criminal pro societate em alguns casos Neste sentido destacamos a proposta de inclusão dos seguintes incisos no art 621 do CPP PL 42062001 Art 621 V se verificar que foi dada por prevaricação concussão ou corrupção do juiz ou com participação de membro do Ministério Público ou Autoridade Policial de forma a influenciar na decisão V quando proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente IV quando a absolvição fundarse em prova comprovadamente falsa enquanto não extinta a punibilidade NR 71 Conforme LOPES MEIRELLES Mandado de Segurança Ação Popular Ação Civil Pública Mandado de Injunção Habeas Data 13 ed São Paulo RT 1991 p 10 e ss 72 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 398 73 LOPES MEIRELLES Hely Mandado de Segurança Ação Popular Ação Civil Pública Mandado de Injunção Habeas Data cit p 13 e ss 74 GRINOVER Ada Pellegrini Mandado de Segurança contra Ato Jurisdicional Penal cit p 286 Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 REVISÃO CRIMINAL é uma ação de impugnação de natureza desconstitutiva não submetida a prazos e que se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado estando prevista nos arts 621 a 631 11 CABIMENTO contra acórdão ou sentença condenatória ou absolutória imprópria com trânsito em julgado nos casos previstos no art 621 a contrária ao texto expresso da lei penal processual penal ou da Constituição b contrária à prova dos autos contrariedade frontal completamente divorciada do contexto probatório polêmica aplicação do in dubio pro societate c decisão que se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos sendo que esta prova deve ser préconstituida pode ser usada a ação cautelar de justificação art 861 do CPC d quando após a sentença se descobrirem novas provas de inocência ou circunstância que autorize a diminuição da pena sendo que essa prova nova pode ser tanto a que surgiu após o processo como também a preexistente que não ingressou nos autos excepcionalmente pode ser uma prova que estava no processo mas não foi valorada na decisão Pode ser utilizada a ação cautelar de justificação para coleta É polêmica a aplicação do in dubio pro societate 12 PRAZO LEGITIMIDADE PROCEDIMENTO LIMITES Prazo art 622 não tem prazo para interposição podendo ser feita até mesmo após o cumprimento integral da pena ou a morte do réu art 623 Legitimidade art 623 próprio réu seu defensor ou em caso de morte pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão Competência órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão Limites arts 626627 Acolhendo vedada a reformatio in pejus poderá o tribunal alterar a classificação do crime absolver o réu reduzir a pena ou anular o processo inclusive nos julgamentos proferidos pelo Tribunal do Júri É possível requerer o reconhecimento do direito a indenização art 630 2 HABEAS CORPUS Art 5º LXVIII da CF e arts 647 a 667 É uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental e com status constitucional Possui procedimento sumário e cognição limitada impossibilidade de dilação probatória mas está autorizada a análise de prova préconstituída independentemente da complexidade da questão jurídica tratada Pode ser preventivo ou liberatório 21 CABIMENTO arts 647 a 648 a quando não houver justa causa para a prisão ou ação penal não houver suficiente fumus commissi delicti ou periculum libertatis para justificar a prisão Excepcionalmente o HC pode ser usado para trancar o processo e não a ação quando manifestamente não houver condição da ação penal ver as condições da ação anteriormente explicadas b excesso de prazo da prisão cautelar problemática da falta de prazo máximo de duração da prisão preventiva prazosanção ineficácia c prisão cautelar decretada por autoridade incompetente d quando houver cessado o motivo que autorizou a coação desaparecimento do periculum libertatis ou da situação fática que justificava a prisão preventiva e quando não for concedida fiança nos casos em que a lei autoriza f processo manifestamente nulo neste caso o objeto do HC não é uma prisão ilegal mas um processo ilegal onde se busca o reconhecimento da ilicitude de uma prova por exemplo ou nulidade de ato Típica utilização do HC como instrumento de ataque processual collateral attack que não se restringe aos casos de prisão ilegal g quando estiver extinta a punibilidade cabendo o HC inclusive para trancamento de inquérito policial ou processo penal Admitese HC contra ato de particular quando a ilegalidade da restrição da liberdade não for manifesta a ponto de autorizar a imediata intervenção policial 22 COMPETÊNCIA LEGITIMIDADE PROCEDIMENTO O HC é sempre impetrado a uma autoridade judiciária superior com poder para desconstituir o ato coator Princípio da hierarquia Dever de corrigir o endereçamento art 649 Juizados Especiais Criminais Súmula n 690 do STF competência do STF Mas há divergências e julgados no sentido de ser competente o TJ ou TRF conforme o caso Autoridade Coatora for Promotor ou Procurador da República competência do TJ ou TRF Legitimidade para interpor qualquer pessoa em seu benefício ou de terceiro sem restrições Pessoa Jurídica pode impetrar Há divergência havendo julgados admitindo somente Mandado de Segurança Contudo como já decidido pelo STF entendemos que se a pessoa jurídica pode ser acusada pela prática de um crime ambiental poderá utilizar o HC como instrumento de ataque processual Os juízes e tribunais podem conceder HC de ofício art 654 2º Momentos decisórios a decisão liminar observar a restrição do uso de HC contra liminar Súmula n 691 do STF b decisão final 23 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS arts 102 II a e 105 II a da CF e Lei n 8038 arts 30 a 32 Destinado a impugnar decisões denegatórias ou de não conhecimento do HC Prazo 5 dias Súmula n 319 do STF Legitimidade recurso exclusivo da defesa Preparo não se exige Efeito devolutivo não tem efeito suspensivo Problemática tendência jurisprudencial STJ de não conhecimento do HC substitutivo de recurso ordinário 3 MANDADO DE SEGURANÇA Art 5º LXIX da CF e Lei n 120162009 Tratase de uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental para proteção de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data Segue rito especial e tem cognição sumária exigindo prova préconstituída Ato de autoridade toda manifestação ação ou omissão do poder público que cause lesão ilegal a um direito fundamental Direito líquido e certo é aquele manifesto evidente cuja existência é patente e está amparado por lei Que pode ser comprovado sem dilação probatória Legitimidade ativa titular do direito violado defesa ou acusação MP podendo ser uma pessoa física ou jurídica exemplo do crime ambiental Legitimidade passiva autoridade coatora não se admite contra ato de particular Competência deve ser interposto perante a autoridade judiciária com competência para desconstituir o ato coator princípio da hierarquia Prazo o MS está submetido ao prazo decadencial de 120 dias Súmula n 632 do STF Tem valor da causa de alçada e paga custas exceto se concedida assistência judiciária gratuita Tem dois momentos decisórios liminar e mérito seguindo o sistema recursal do direito processual civil CPC

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