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Gragoatá Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Bethania Mariani Recebido 10 mar 2008 Aprovado 27 abr 2008 Resumo O objetivo deste texto é apresentar características do presente lingüístico do Brasil e de Moçambique tendo em vista a memória histórica constitutiva das duas formações sociais em sua dimensão lingüística Palavraschave Colonização lingüística Polí tica de línguas Brasil Moçambique Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 72 Sil y a une histoire des langues elle constitue donc un chapitre de lhistoire des sociétés ou mieux le versant linguistique de lhistoire des sociétés Et si lon considère ce qui nest guère original que la violence est la grande accoucheuse de lhistoire alors cette violence affecte aussi lhistoire des langues LouisJean Calvet 1 História e história das línguas De modo contundente a historiadora Isabel Castro Henri ques 2004 assinala a urgência em se realizar uma releitura do lugar ocupado pela África na historiografia ocidental bem como na construção de sua própria história Na tradição histórica do período colonial sobretudo entre os séculos XV e XVII recusava se aos colonizados a atribuição de uma sociabilidade pois aos olhos dos europeus faltavamlhes traços do que se compreendia na época como civilização religião cristã poder centralizado e aparato jurídico e isso alimentava o imaginário europeu sobre uma pretensa baixa capacidade intelectual associada a uma preguiça irremediável Como mostra a historiadora as transformações sociais e políticas da Europa com o incremento das relações econômicas capitalistas a partir do século XIX exigiram alterações no mo delo colonial africano e ao mesmo tempo direcionaram uma mudança no modo como o europeu se significava nessa história mas não alteraram substancialmente a imagem dos africanos no imaginário ocidental No século XIX de explorador cruel a filantropo o europeu passa a legislar o fim da escravatura e do tráfico negreiro mas fecha os olhos ao contrabando que se mantinha a despeito das novas leis além disso resquícios do anatomismo desenvolvido no século XVIII asseguravam a exclusão dos negros de seus critérios de beleza e caráter para incluílos no paradigma da feiúra e da selvageria No período póscolonial o reconhecimento das diferenças e das necessidades decorrentes dessas diferenças dentre as quais as marcas dessa memória colonial esbarra ainda na des qualificação das sociedades africanas e no nãoreconhecimento da alteridade A historiadora afirma A insensibilidade portuguesa como aliás européia que não pode deixar de surpreender devese a um preconceito que não está ainda morto na sociedade portuguesa contemporânea os africanos são naturalmente escravos e estão naturalmente destinados a ser os servidores dos brancos e dos portugueses em particular A violência do preconceito reforçado pelo in ventário dos caracteres somáticos cor da pele tipo de cabelo odor e maneira de falar ainda não abandonou a sociedade portuguesa explicando a marginalização violenta a que estão votadas as comunidades imigrantes africanas HENRIQUES 2004 p 28 Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 73 Na história colonial do Brasil a violência contra os indí genas também foi assegurada em nome de uma ideologia do déficit religioso e jurídico De modo tão contundente quanto o da historiadora portuguesa os antropólogos Darcy ribeiro e Carlos Moreira Neto 1992 referemse ao passado da formação social brasileira e ao presente ainda tributário desse passado descrevendo ao povo multitudinário que trabalha para produzir o que não come nem usa e sim o que é requerido dele por seus amos foram milhões de índios de negros e de brancos ontem escravos hoje assalariados O Brasil nunca existiu para si próprio na busca da prosperidade e da felicidade de seu povo Existiu e existe é para servir servil e explorado ao mercado mundial que ajudou a montar com montanhas de açúcar de ouro de café de minério e de soja RIBEIRO MOREIRA NEto 1992 p 1516 o que mais chama a atenção nas análises da historiadora e dos antropólogos é a permanência ainda nos dias de hoje desse imaginário de deficiência e subserviência produzido no período colonial Ou seja a violência simbólica e econômica permanece no período póscolonial produzindo seus efeitos de controle e exclusão sobretudo sobre os povos africanos Quando nos debruçamos sobre a história das línguas em uma situação de colonização lingüística quando tomamos as línguas em seu percurso como objeto simbólico elemento constitutivo de identidade nacional podemos perceber esses efeitos No período das descobertas as línguas não européias são consideradas dificultosas defeituosas sem racionalidade a já mencionada ideologia do déficit portanto é constitutiva do modo como as línguas eram significadas sem f l e r letras que designam a fé a lei e o rei no caso das línguas indígenas brasileiras e sem racionalidade no caso das línguas africanas do Congo que não possuíam nomes próprios nos moldes europeus MarIaNI 2004 2007a 2007b Não há processo colonizador que não tenha passado pelo acontecimento lingüístico que resulta da imposição violenta da língua do colonizador uma imposição que confronta línguas com funcionamentos e memórias sociais distintas e que acaba por produzir ao longo do contato lingüístico e social a emer gência de um lugar enunciativo diferenciado e determinado em relação à constituição da língua nacional ORLANDI 1993 A atribuição de sentidos para a língua nacional ou para as línguas nacionais não se realiza senão em relação a uma memória he terogênea na qual o mesmoabriga no entanto um outro um diferentehistórico que o constitui ainda que na aparência do mesmo ORLANDI 2002 p 23 Neste texto para refletir sobre algumas características do presente lingüístico do Brasil e de Moçambique tendo em vista Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 74 essa memória histórica constitutiva das duas formações sociais em sua dimensão lingüística serão consideradas duas vertentes a legislação referente à política de línguas e as relações nem sempre muito visíveis entre as línguas e a política econômica Inicialmente apresento um estudo comparativo sobre a legisla ção portuguesa referente ao uso do português nas colônias Em seguida tendo em vista o período póscolonial discussões sobre a descolonização lingüística ORLANDI 2007 e sobre a situa ção histórica atual desses dois países trabalho com as insólitas relações entre lingüística e economia visando problematizar o valor econômico das línguas 2 Língua de colonização e legislação colonial Teorizar sobre a passagem do Português como língua de colonização para língua nacional e teorizar sobre a internacio nalização das línguas indígenas brasileiras e africanas após os processos de descolonização considerando como pano de fundo os efeitos da violência simbólica da colonização lingüística bem como a heterogeneidade lingüística constitutiva das nações é discutir a trajetória sóciopolítica das línguas e das idéias lin güísticas é discutir também a história do sempre conflituoso percurso da construção de identidades lingüísticas nacionais por um lado e dos conflitos políticolingüísticos internacionais por outro Com a colonização lingüística inevitavelmente há o início de um enorme trabalho nas línguas um trabalho posto em prática pelos sujeitos Melhor dizendo os sujeitos são tomados por esse trabalho são tomados pelas línguas em confronto estão inscritos em um território que se constrói discursivamente nessa heterogeneidade lingüística Por mais que as políticas de línguas visem administrar os conflitos nenhum planejamento garante um controle total As línguas se tocam enlaçam fo nemas e prosódia deslocam sentidos fazem surgir palavras modificam suas gramáticas etc Ao ser observado por estudio sos esse processo lingüístico é descrito e tais descrições valem como intervenções pontuais elaboração de listas de palavras ou elaboração de instrumentos lingüísticos1 como gramáticas dicionários e cartilhas Materiais fabricados para aprisionamento da opacidade e da fluidez linguageira Para as nações que resultam do fato da colonização a ques tão lingüística geralmente inscrevese em uma de três ordens contraditórias cada qual com suas marcas específicas de inclu são e exclusão dos sentidos de língua nacional a que acolhe a língua do colonizador colocandose como tributária dela a que rejeita essa língua do colonizador em nome de um nacionalismo lingüístico e a que de modo crítico considera que não há como falar em língua nacional ou em línguas nacionais sem conside 1 Conforme Auroux em seu conceito de gra matização processo de descrição e posterior instrumentalização de uma língua com base na gramática e no dicioná rio duas tecnologias ou instrumentos lingüís ticos que alteraram as relações entre as línguas 1992 p 52 65 Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 75 rar a memória históricopolítica da língua de colonização em confronto com outras línguas A colonização do Brasil e de territórios africanos não se efetuou da mesma forma assim como os processos de indepen dência também não seguiram os mesmos caminhos Além do espaço temporal de mais de um século entre a independência do Brasil 1822 e a de Moçambique 1975 há que se considerar também a política lingüística portuguesa que se efetivou dife rentemente em relação às colônias Essas diferenças porém não impedem uma comparação da trajetória da política de línguas organizada por Portugal durante o período colonial e os efeitos decorrentes dessas políticas durante a descolonização Da mesma maneira guardadas as inúmeras diferenças históricas é inte ressante apresentar e comparar as políticas lingüísticas internas observadas por Brasil e Moçambique após a independência No que diz respeito ao período colonial um primeiro as pecto a ser considerado é a imposição dos sentidos que legitimam a língua portuguesa como língua do poder real frente às línguas indígenas e africanas 2 Como língua de colonização a Língua Portuguesa se impõe também como uma língua que já tem uma escrita uma literatura gramáticas e dicionários elementos que asseguram a permanência de uma memória do português submisso ao rei e ao catolicismo No silêncio decorrente da colonização a im posição de uma língua camufla a heterogeneidade lingüística e contribui para a construção de um efeito homogeneizador que repercute ainda hoje no modo como se concebe a língua nacional no Brasil em angola e em Moçambique guardadas as diferenças históricas Ao ser levada para além mar a Língua Portuguesa funciona como um dos símbolos do império e o esforço em catequizar e civilizar os indígenas nada mais era senão incluílos nos moldes da civilização européia provendo aquilo que supostamente estaria faltando para esta inclusão uma estrutura jurídico administrativa uma autoridade governamental uma religião e uma língua comum Na conquista da África as línguas locais permaneceram em sua imensa maioria sem descrições gramaticais consistentes pois Portugal só passou a investir de fato em suas possessões africanas inclusive promovendo expedições e a fixação na terra a partir de meados do século XIX ALEXANDRE DIAS 1998 Praticamente não houve investimento na descrição e no estudo lingüístico e tampouco investimento econômico Apenas no final do século XIX é que Portugal passou a legislar questões relativas à educação e às línguas como forma de garantir a posse da terra Nas terras do Brasil ao contrário em função mesmo da colonização e dos interesses comerciais e catequéticos algumas 2 Lembremos que desde o século XV aproxima damente a língua por tuguesa e a maioria das línguas européias se en contram em um mesmo patamar de auto e inter sustentação político ideológica mantendose hierarquicamente em uma posição similar em função de serem línguas nacionais a serviço de um poder real centrali zado organizado e sus tentado juridicamente a partir desse período histórico as línguas das nações européias já estão consolidadas e regularizadas já pos suem escrita já estão gramatizadas já são ensinadas em escolas já são usadas na literatura e no registro jurídico No caso português as sim como em relação às demais línguas essa relação línguanação uma vez constituída tornase um emblema da real ordem sócio política e isso produz efeitos tanto em termos de uma política interna quanto externa Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 76 línguas indígenas foram estudadas e tornaramse objeto de co nhecimento na forma de listas de vocábulos e de gramáticas Foi o caso sobretudo da língua Tupinambá extensamente falada no litoral posteriormente chamada genericamente de Língua Geral que foi gramatizada pelos jesuítas e largamente utilizada nas aldeias e nas fazendas por bandeirantes mulheres e crianças brancas negros escravizados e índios de outras nações Através de Cartas Régias a coroa portuguesa buscou admi nistrar as lutas entre as línguas exigindo dos missionários o uso do português apesar de aceitar que a catequese fosse realizada na língua geral ou em outra língua indígena ao longo do tem po a imposição do português tornouse necessária e precisando funcionar em termos pragmáticos como uma unidade lingüística fundamental para o estabelecimento de uma comunicação pre tendida entre o rei e seus súditos de além mar Assim a política de línguas controversa e submetida aos interesses catequéticos se encerra no século XVIII quando é promulgado o Diretório dos Índios 1758 uma ordem real que promove a expulsão dos jesuítas a interdição da Língua Geral e a obrigatoriedade do uso da Língua Portuguesa a língua do Príncipe nas aldeias e em todo o território Quando ocorre a independência do Brasil em 1822 a presença da Língua Portuguesa é fato consolidado em todo o território Sinteticamente apresentamos no quadro abaixo essa alter nância da legislação portuguesa referente à questão lingüística no Brasil LEGISLAÇÃO COLONIALPOLÍTICA COLONIAL Brasil 1625 1667 1701 1722 1727 Cartas e Leis Régias Catequese ora em Português ora em Língua Geral 03051758 Diretório dos Índios Proibição do uso da Língua Geral obrigatoriedade do uso e do ensino da Língua Portuguesa 17081758 alvará de confirmação do Diretório dos Índios Proibição do uso da Língua Geral obrigatoriedade do uso e do ensino da Língua Portuguesa 12051798 Extinção do Diretório Manutenção do uso e do ensino sistemático do Português Na África mais especificamente em Moçambique a situ ação é bem diferente como já observamos em outras reflexões MARIANI 2007a 2007b Para discutir a questão lingüística é necessário retomar um pouco mais da história do império português e de sua política de ultramar para compreendermos a eleição da Língua Portuguesa como língua nacional em Mo çambique após as guerras de independência Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 77 A expressão império português é importante porque aponta para as tentativas portuguesas de garantir a permanência utópica do projeto de um império transcontinental multicultural e multilingüístico Se recuamos um pouco mais no tempo vemos que a futura questão da descolonização da África portuguesa se inicia no final do século XIX com a Conferência de Berlim 15111884 a 26021885 que determinou dentre outros as pectos políticos a partilha da África pelas potências européias a partir de regras internacionais uniformes para ocupação do território Com a conferência de Berlim os direitos históricos de posse da terra em função dos descobrimentos dos séculos XV e XVI passam para segundo plano em detrimento do que se cha mou de ocupação efetiva Essa questão política é determinante no modo como Portugal passa a administrar seu território que inclui as colônias de ultramar E isso só poderia ser realizado com uma nacionalização e conseqüente homogeneização desse multiculturalismo e multi lingüismo colonial algo ainda não realizado O século XIX foi marcado por um investimento mínimo em educação e conse qüentemente no ensino de Língua Portuguesa nunca se permitiu que a educação fosse além de um nível mí nimo muito baixo isto para não por em perigo os privilégios conquistados uma elite africana muito reduzida era educada com um único fim apoiar a hegemonia portuguesa e servir de intermediária entre a administração colonial e a população africana FERREIRA 1977 p 61 Ainda segundo Ferreira em 1845 e em 1869 foi organiza do um novo sistema educacional o qual definia os diferentes tipos de educação a serem ministrados a africanos e europeus FERREIRA 1977 p 63 Mais para o final do século escolas missionárias católicas e protestantes voltadas para a catequese dos indígenas ensinavam valendose para tanto ora da língua africana ora do português ora do inglês Do final do século XIX até a proclamação da República Portuguesa em 1910 a administração das colônias vai sofrendo pressão no sentido de definir juridicamente o estatuto dos indíge nas e dos assimilados sem abrir mão do domínio imperial3 Com o advento da República cessou o financiamento das missões católicas Em seu lugar eram enviados agentes da civilização ou seja professores que tinham de possuir um curso completo para professores de instrução primária e possuir alguns conhe cimentos das línguas locais FERREIRA 1977 p 67 Ao longo da segunda década do século XX controvérsias em torno do tipo de educação geral e lingüística em particular a ser ministrada aos indígenas tomaram conta da administração portuguesa Em 1921 por exemplo houve a proibição do uso das línguas africanas nas escolas exceto no exercício da evangelização e 3 Segundo inúmeros his toriadores como Hen riques mencionada no início desse texto uma das maiores contradi ções vivenciadas pelos portugueses referese à manutenção do trabalho escravo até o final dos anos 20 Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 78 nos momentos iniciais do ensino do português O objetivo era a integração a assimilação Por outro lado como diz Ribeiro Thomaz 2001 a busca de nacionalização das colônias no império português ultramarino acabou por constituir uma crise na própria nação portuguesa ao longo do século XX sobretudo no contexto do regime auto ritário salazarista Esse império português que se sustenta politicamente no governo autoritário de Salazar afirmase juridicamente no território ultramarino com base no Ato Colonial 1930 na Carta Orgânica do Império Colonial 1933 e no Estatuto Político Civil e Criminal dos Indígenas Decreto 16473 Vale a pena destacar dois artigos dessa legislação o artigo 1º da Carta Orgânica do Império Colonial Português define as colônias como parte inte grante do território da nação o artigo 2o do Ato colonial afirma ser da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam exercendo também influência moral que lhes é adscrita pelo Padroado do Oriente THOMAZ 2001 p 46 Um dos principais aspectos desse conjunto de textos jurídi cos foi o de propor um discurso de nacionalização das colônias de modo a organizar uma política de inclusão econômica e cul tural ou seja esse discurso jurídico criou uma estrutura legal e administrativa de modo a incluir os indígenas para integrá los na civilização européia Esse discurso jurídico referese aos habitantes das colônias africanas afirmando sua mentalidade de primitivos e a necessidade de diminuir a distância de es tado civilizatório entre eles e os portugueses Aos habitantes das colônias é facultado ascender ao estatuto de assimilado com um alvará de cidadania aquele indígena que assumis se incorporasse as práticas culturais sociais e lingüísticas de Portugal No entanto nunca houve um número expressivo de assimilados o Estatuto do Missionário4 por sua vez desde 1941 objeti vava fazer dos indígenas verdadeiros portugueses na cultura e na língua conforme se pode ler em seus artigos Nas escolas é obrigatório o ensino e o uso da língua portuguesa Fora das escolas os missionários e os auxiliares usarão também a língua portuguesa No ensino da religião pode porém ser livremente usada a língua indígena Estatuto do Missionário artigo 69o Com essa política de inclusão visavase a um aportuguesamento lingüístico Esse regime de indigenato vigorou até 1961 na Guiné em angola e em Moçambique e em Moçambique não provocou o efeito pretendido A essa política geral civilizatória associada a uma visível política de línguas vinculase de um lado para consumo nas colônias um conjunto de estímulos pedagógicos em termos do 4 os princípios do Es tatuto são reafirmados inúmeras vezes como se pode ler nas afirma ções de um Ministro do Ultramar nos anos cinqüenta por um lado acelerar o processo de assimilação ou apor tuguesamento integral dos nativos por outro contribuir para a me lhoria da sua situaçào material adestrandoos para uma melhor atuac ção na vida económica apud FERREIRA 1977 p 75 Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 79 ensino de Língua Portuguesa e por outro para consumo interno a criação de institutos e sociedades com objetivo de valorizar e difundir o português para além de Portugal Na África porém para além dos problemas administrativos e políticos a resistên cia faziase forte Assimilados ou não com política de línguas mais forte ou não o fato é que as línguas permaneceram sendo faladas cantadas e transmitidas através de gerações com base em narrativas orais A seguir também organizado na forma de quadro é apre sentado um conjunto dessas leis resultantes de uma política de línguas para o estímulo da Língua Portuguesa LEGISLAÇÃO COLONIALPOLÍTICA COLONIAL África 1845 Decreto Ultramar Ensino primário oficial 08031918 Decreto 5239 Ensino em língua indígena ou português 24121919 Decreto 6322 Obrigatoriedade do ensino da Língua Portuguesa Proibição do uso de outra língua européia que não a portuguesa 1930 Ato Colonial artigo 2o é essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam exercendo também influência moral que lhes é adscrita pelo Padroado do oriente 1933 Carta Orgânica do Império Colonial art 1o as colônias são parte integrante da Nação portuguesa 05041941 DecretoLei 31207 Estatuto do Mis sionário Nas escolas é obrigatório o ensino da língua portuguesa Fora das escolas os missionários e auxiliares usarão a lín gua portuguesa No ensino da religião pode porém ser livremente usada a língua indígena 20051954 Decretolei 39666 Estatuto do Indigenato 06091961 Decretolei 43893 abolição do Estatuto do Indigenato 27061963 Lei LXXX Porta ria 2119 Lei Orgânica de Ultramar que prevê que nas escolas primárias é autoriza do o emprego do idioma local como instrumento de ensino da LP 1964 Reforma do ensino para o Ultramar Criação da classe préprimária Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 80 Essa legislação se fez acompanhar por incentivos culturais e pela organização de instituições cuja missão era justamente a da difusão da Língua Portuguesa nas colônias e também em outros países como se pode observar no quadro abaixo INSTITUIÇõES E ALGUNS PROGRAMAS PARA DIFUSÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA 1925 Portugal Instituto de Cultura e Língua Portuguesa ICALP Apoio financeiro a leitorados portugueses em universidades estrangeiras 1931 academia de Ciências de Lisboa objetivos estimular o enriquecimento do pensamento da literatura da língua e demais formas de cultura nacional prestar assistência ao Governo como órgão consultor em questões científicas e lingüísticas de interesse nacional preservar e aperfeiçoar a língua portuguesa em coordenação com a Academia Brasileira de Letras e instituições similares dos países de expressão portuguesa 14111949 Sociedade da Língua Portuguesa SLP Objetivo investigação difusão e defesa da Língua Portuguesa Em síntese apesar das motivações históricas e políticas diferenciadas apesar da distância de praticamente dois séculos tanto o Diretório dos Índios 1757 quanto o Ato Colonial 1930 estão inseridos em uma mesma filiação ideológica funcionan do como acontecimentos discursivos decisivos no que tange à questão lingüística e à imposição da Língua Portuguesa nas colônias No silenciamento lingüístico inerente à colonização a imposição de uma língua única camufla a heterogeneidade e contribui para a construção de um efeito homogeneizador que repercute ainda hoje no modo como se concebe a língua nacional em países colonizados guardadas as diferenças sociais políti cas e históricas As línguas indígenas e as africanas significam assim no silêncio que lhes foi imposto Silenciadas durante a co lonização condenadas a não pertencer a um aparelho de línguas porque não foram gramatizadas e não fizeram parte do aparato escolar essas línguas somente após a independência começam a ter seu estatuto alterado A luta pela hegemonia da Língua Portuguesa permanece mesmo após as independências Portugal promove um discur so pró unidade lingüística com suas excolônias discurso esse marcado pelo termo lusofonia e por atividades acadêmicas pedagógicas e políticas que procuram sustentar uma idéia de Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 81 unidade na diversidade À circulação desse discurso contrapõe se um outro assentado em diferenças lingüísticas e históricas que legitimam uma posição diferenciada em termos da constru ção de sentidos o português como língua nacional 3 As línguas na descolonização 31 Brasil No Brasil a questão lingüística colocada logo após a inde pendência referiase a uma controvérsia nem sempre colocada de modo explícito até porque ela apresentava muitos aspectos a serem considerados a pertinência ou não do emprego da língua metropolitana do modo como ela era empregada na Europa a necessidade ou impossibilidade de utilização da língua da an tiga matriz com uma escrita uma gramática uma prosódia e uma literatura de alguma forma impostas pelo excolonizador como língua nacional de uma nação independente e ainda a aceitação ou não da presença das línguas indígenas e africanas na língua falada Sendo esse momento conveniente politicamente para descartar o pensamento de uma unidade lingüística absoluta já que se engendra uma autonomia incipiente formulamse as perguntas Até que ponto seria possível expressar as especi ficidades de uma nação recémindependente com a língua do colonizador É o Estado que engendra a língua e a nação ou ao contrário uma línguanação tem precedência sobre um Estado nação Acontecimentos posteriores à Independência como as discussões na Assembléia Constituinte de 1823 sobre o nome da língua falada no Brasil independente as férreas disputas entre José de Alencar e puristas sobre como falar o português o surgimento das primeiras gramáticas brasileiras inaugurando um lugar de autoria de um saber gramatical apontam para essa intrínseca e complexa relação entre língua e nação a constituição outorgada em 1824 não menciona a língua que se fala no Brasil deixando em aberto no âmbito legal o nome da língua oficial Nessa constituição definese o que é o império do Brasil e definese quem são os cidadãos mas não se define nem se menciona qual é a língua falada pelos cidadãos desse império Seria a língua algo tão óbvio que não precisasse ser mencionado na Constituição ela própria escrita nesta lín gua Esse primeiro texto de nossa história constitucional é bom lembrar vigorou até a proclamação da república ou seja teve a duração de 65 anos Ora a ambigüidade jurídica aponta para uma ambigüi dade semântica pelo menos para alguns letrados qual seria a língua nacional A que se refere a expressão língua nacional MARIANI JOBIM 2007 Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 82 As discussões do XIX trazem à tona posições sócio históricas reveladoras de certo modo do próprio processo de ressignificação de uma língua de colonização quando em contato com outras línguas De um ponto de vista discursivo compreendese que a língua portuguesa ao atravessar o atlântico e adentrar as terras da colônia sem dúvida irá sofrer modificações em sua estrutura mas irá sobretudo historicizarse de modo diferente passando a ser uma língua cuja memória já não é mais apenas aquela rela cionada à história portuguesa o contato com outras línguas e o fato de ser falada por sujeitos nascidos na colônia impregnam a língua usada no Brasil com um sentimento de identidade outro não mais português Sua legitimação como língua nacional no Brasil portanto passa por injunções que a historicizam de modo diferenciado essa língua portuguesa já não é mais a mesma que se continua falando em Portugal Por outro lado não há como silenciar totalmente a memória portuguesa gerando esse efeito contraditório falase a mesma língua e ao mesmo tempo falase outra língua Acontecimentos posteriores à proclamação da república como a fundação da Academia Brasileira de Letras o início de reformas ortográficas a política lingüística de Vargas durante a II Guerra ou ainda as recentes polêmicas em torno do projeto de lei do deputado Aldo Rebelo enfim esses e tantos outros acontecimentos que direta ou indiretamente funcionam como políticas de língua5 exemplificam como a questão da defesa da unidade língüística que carrega consigo a construção da evi dência de uma língua única não está separada da constituição do Estado e da sociedade nacional Não está separada também de uma visão homogeneizadora da língua falada no Brasil seja ela chamada de Língua Portuguesa Portuguêsbrasileiro ou Língua Brasileira conforme as distintas ideologias sobre a língua nacional Em 1935 e em 1946 a questão da denominação retorna na forma de projetos de lei e resoluções jurídicas DIAS 1996 mostrando o quanto demandas políticodiscursivas de fixação de uma língua nacional e de um nacionalismo lingüístico per maneciam atuais e atuantes Se por um lado a atribuição do determinante portuguesa não parece constituir problema para alguns políticos acadêmicos e intelectuais por outro lado como atribuir o determinante brasileira a uma língua de colonização em uma nação que se moderniza Falar na língua nacional como língua brasileira era defender a idéia de uma língua comum produzindo como efeito a aglutinação de indivíduos de um mesmo território sem que se colocasse em causa a participação desses indivíduos na nação DIaS 1996 p 75 ou seja estava em jogo a inclusão ou não da população indígena como cidadãos com seus direitos e deveres 5 adotamos como orlan di 2002 p 94 as expres sões política de línguas e política lingüística como equivalentes Si nalizamos também o uso de política de línguas em Pêcheux 1981 2004 Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 83 Na significação dessa unidade lingüística nacional só muito recentemente com a Constituição Federal de 1988 os povos indígenas sobreviventes e as 180 línguas indígenas ainda faladas passaram a ser reconhecidos como parte integrante do Estado Diz o artigo 231 que são reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições tal reconhecimento por outro lado não encontra um respaldo em termos de uma política permanente e incentivadora voltada para o estudo das línguas A ausência de tal política porém não impede um crescente estudo das línguas indígenas brasileiras e sua crescente gramatização vem possibilitando o incremento de uma educação escolar bilíngüe que não apaga as diferenças culturais Hoje em dia já se fala e já se escreve que o Brasil é um país plurilíngüe pois integra em seu território línguas indígenas línguas africanas e línguas oriundas de ondas imigratórias6 Por outro lado na constituição de 1988 também não se menciona a língua nacional os artigos do capítulo III Da Nacio nalidade silenciam sobre a língua falada pelos brasileiros natos aqueles nascidos no Brasil Novamente podese perguntar seria assim tão óbvio que a língua nacional e oficial é uma só E o que dizer da heterogeneidade lingüística constitutiva da nação 32 Moçambique retomando a proposta de comparação com o que se pas sou na colonização africana no século XX é bom recordar que entre 1974 e novembro de 1975 o império colonial português se desfaz e dele surgem cinco novos Estados nacionais que se vão constituir na contradição aberta entre o passado colonial e um futuro incerto e fruto das guerras de libertação ENDERS 1977 Em termos comparativos dessa trajetória póscolonial a história lingüística de Moçambique apresenta aspectos bas tante diferenciados do que se passou no Brasil pois o fato de a Língua Portuguesa ter sido elevada ao posto de língua oficial pelos revolucionários não garantiu seu uso em todo o território nem sua hegemonia de fato Assim como o que ocorreu no Brasil até meados do século XIX nas colônias africanas apenas uma pequena elite oriunda da realeza recebeu educação escolar junto com os colonizadores portugueses Por outro lado sobretudo em Moçambique a diversidade lingüística mantevese muito forte uma vez que a Língua Portuguesa era falada por uma elite muito restrita retomando questões que já discuti anteriormente Ma RIANI 2007a nas colônias africanas a segregação entre colo nizadores e colonizados foi mais radical e mantevese durante o século XX Desta forma mesmo sob o domínio oficial da língua portuguesa a diversidade lingüística mantevese muito forte 6 Vejase por exemplo entrevista concedida por Monica Saavedra e publicada no Boletim da FAPERJ de 24042005 observese também que em São Gabriel da Cachoeira no Alto Rio Negro Amazonas foi promulgada uma lei que oficializou três línguas indígenas o que sig nifica que tais línguas podem ser ensinadas e usadas no discurso jurídico no jornalístico etc Ou ainda as refle xões teóricas e analíticas que o grupo História das Idéias Lingüísti cas no Brasil vem reali zando sobre a questão lingüís tica no Brasil cujos resultados podem ser consultados na En ciclopédia de Línguas httpwwwlabeurb u n ica mpbrelb também os trabalhos da comissão Machado de Assis no MEC e do Instituto de Investiga ção e Desenvolvimento em Política Lingüística IPOL são exemplos de lugares institucionais que discutem a hetero geneidade lingüística no território brasileiro Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 84 A elite colonizadora apesar de ter sido educada para preencher papéis da administração colonial foi aos poucos rebelando se contra o colonialismo e usando o português como língua da rebelião E foi em português que após a independência lutouse pela preservação da diversidade lingüística existente ao mesmo tempo em que se elegia a Língua Portuguesa como língua nacional e oficial em função do seu papel internacional Não se questionava na época a decisão política tomada uma decisão que figura juridicamente ainda hoje no décimo artigo da Constituição de modo seco e direto a língua portuguesa é a língua oficial Observese que a defesa das demais línguas nacionais vem garantida no artigo nono da Constituição um artigo que fala em valorização dessas línguas como patrimônio da cultura e da educação e ainda afirma que o Estado promove seu incremento e uso como línguas veiculares da identidade moçambicana Nessa gestão do plurilingüismo com a língua portuguesa buscase organizar questões práticas assegurar o poder do Estado e a unidade nacional e questões simbólicas afirmar um nacionalismo que não supõe uma subserviência aos ditames coloniais que defendiam um monolingüismo com base na língua de colonização Em Moçambique em 1983 08 anos após a independência a Secretaria de Estado da Cultura emitia sua palavra oficial ao mesmo tempo legitimando a escolha do português como língua oficial e apontando para uma diferenciação relativa ao seu papel anterior de língua de colonização A moçambicanização é a forma de nos apropriarmos do Português O Português falado em Moçambique háde ne cessariamente transformarse e distanciarse do Português de Portugal porque a realidade moçambicana à partida diferente da de Portugal tem seu próprio curso de desenvolvimento apud GONÇALVES 2005 p 229 É no quadro deste processo que se pode considerar como afirma Perpétua Gonçalves professora da Universidade Eduardo Mondlane em Maputo Moçambique que a história da língua portuguesa em África data de há cerca de cem anos este período não pode ser tomado como um continuum homogeneo visto que as independências nacionais representam uma quase ruptura na dinâmica que esta língua tinha nos países africanos no período colonial GONÇALVES 2005 p 224 atualmente mais de 30 anos após os primeiros passos em direção à construção do Estado e das discussões em torno da língua oficial de Moçambique é interessante trazer o depoimento do escritor moçambicano Mia Couto proferido em congresso na UERJ em 2005 Diz Mia Couto Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 85 falase hoje mais português em Moçambique que se falava na altura da Independência O governo moçambicano fez mais pela língua portuguesa que os 500 anos de colonização Em 1975 ano da Independência Nacional mais de 60 por cento dos moçambicanos não falavam português Trinta anos depois existem ainda 40 por cento de moçambicanos que não falam português Mesmo os que têm essa competência fazemno como segunda língua Hoje cerca de 7 por cento dos moçam bicanos tem o português como língua materna Nas cidades porém este número já é de quase 20 por cento COUTO 2007 p 19 E prossegue o escritor o meu país é assim um território de muitas nações e muitas línguas mais de vinte diferentes idiomas O idioma portu guês é a língua de uma dessas nações um território cultural inventado por negros urbanos mestiços indianos e brancos Sendo minoritário e circunscrito às cidades esse grupo ocupa lugares chaves nos destinos políticos e na definição daquilo que se entende por moçambicanidade a língua portuguesa não é ainda língua de Moçambique Estáse exercendo sim como a língua da moçambicanidade COUTO 2007 p 20 E que Língua Portuguesa é essa que é falada Gonçalves 2005 aponta para a ilusão de se supor uma unidade e uma homogeneidade no português falado nesses novos estados na cionais sobretudo em Moçambique Tanto quanto sei este conjunto as Variedades Africanas do Português VAPS nomenclatura utilizada por pesquisado res europeus é estabelecido com base em critérios externos geográficos e lingüísticos de acordo com os quais as VAPs são agrupadas num conjunto único por se terem formado no mesmo continente africano a partir da mesma variedade de língua o Português europeu Na verdade ao estabelecermos este conjunto estamos a dar continuidade à tradição filológica portuguesa e brasileira GONÇALVES 2005 p 225 resistindo e contrapondose a essa perspectiva a pesqui sadora propõe uma série de encaminhamentos dentre os quais a proposta de fazer uma periodicização da Língua Portuguesa em Moçambique que leve em consideração as etapas da coloni zação e da política de independência A recusa da designação Variedades do Português Africano ou simplesmente Português Africano representa uma forma de resistência aos discursos de exclusão que ainda circulam sobre a África É um gesto de resistência com a proposta de outras formas de teorizar sobre as línguas nos dias de hoje pois a teorização lingüística existente com suas formas simplificadas de designar estão inseridas em um imaginário de superioridade do português europeu frente a uma variedade que se significa como dialetal À guisa de conclusão provisória posso aqui indicar que apesar das diferenças históricas é possível traçar uma analogia Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 86 das questões levantadas por escritores e lingüistas moçam bicanos na atualidade com discussões travadas por políticos intelectuais escritores e pesquisadores no Brasil desde 1822 e mais recentemente por lingüistas e analistas de discurso que se colocam em uma posição teórica diferenciada frente às línguas de colonização Nesse sentido ainda há muito o que se conversar 4 Quanto custa ser índio no Brasil Retomo essa provocativa pergunta de Daniel Munduruku título de um depoimento dado na UERJ em 2005 para finalizar esse texto pensando nas relações nem sempre óbvias ou visíveis das línguas com os sistemas econômicos Falando do lugar de umas das mais expressivas lideranças indígenas brasileiras Daniel afirma que com sua pergunta queria problematizar hábitos de pensamento vigentes em uma socie dade materialista pois nesta nossa sociedade alguém só tem finalidade se tiver um valor uma utilidade MUNDURUKU 2007 p 52 Refraseando sua própria pergunta ele diz Talvez a pergunta não seja quanto custa ser índio mas quanto custa ser um brasileiro filho dessa terra idolatrada salve salve MUNDURUKU 2007 p 52 Fazendo uma analogia e considerando as relações eco nômicas globalizadas que além de promover a manutenção do imaginário da inferioridade das excolônias hoje países de terceiro mundo promovem novos tipos de desigualdades sociais e simbólicas podemos perguntar quanto custa ser falante de português E quanto custa ser falante de munduruku Ou de alguma dessas vinte línguas nacionais moçambicanas Frente ao inglês considerado cada vez mais língua global qual o custo da defesa e manutenção de um nacionalismo plurilíngüe Essas perguntas embora estranhas para um lingüista apontam para problemas que precisam ser enfrentados princi palmente nas nações que passaram pela colonização Nos dias de hoje qualquer formulação de uma política de línguas e de defesa dos direitos lingüísticos dos sujeitos deveria levar em consideração a questão sócioeconômica Abstract We aim to present some specific traces of Brazils and Moçambiques linguistic reality while at the same time taking into consideration the historical memory that grounds the linguistic dimension of both societies Keywords Linguistic colonization Linguistic policies Brazil Mozambique Da colonização lingüística portuguesa à economia neoliberal nações plurilíngües Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 87 Referências ALEXANDRE Valentim DIAS Jill O império africano 18251890 v X Lisboa Estampa 1998 Coleção Nova História da Expansão Portuguesa AUROUX Sylvain A revolução tecnológica da gramatização Cam pinas SP Ed da UNICAMP 1992 CALVET LouisJean La guerre des langues et les politiques linguis tiques Paris Hachette Littératures 1999 COUTO Mia Três fantasmas mudos para um orador lusoafô nico In VALENTE André Org Língua portuguesa e identidade marcas culturais Rio de Janeiro Caetés 2007 p 1135 DIAS Luís Francisco Os sentidos do idioma nacional as bases enunciativas do nacionalismo lingüístico no Brasil Campinas SP Pontes 1996 ENDErS armelle História da África lusófona Sintra Inquérito 1977 FERREIRA Eduardo de Sousa O fim de uma era o colonialismo português em África Lisboa Livraria Sá da Costa 1977 FERREIRA Maria José Simões de Brito Lopes A lusofonia e a política da língua e da cultura a cooperação com os países afri canos lusófonos 1996 Dissertação Mestrado em relações InterculturaisUniversidade Aberta Lisboa 1996 Com orien tação de Carlos Reis e Eduardo Marçal Grilo GONÇALVES Perpétua A formação de variedades africanas do português argumentos para uma abordagem multidimensional In MorEIra adriano et al A língua portuguesa presente e fu turo Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2005 p 223242 HENRIQUES Isabel Castro Os pilares da diferença relações PortugalÁfrica séculos XVXX Lisboa Centro de História Caleidoscópio Universidade Nova de Lisboa 2004 MarIaNI Bethania Colonização lingüística Campinas SP Pon tes 2004 Língua portuguesa políticas de línguas e formação de estados nacionais notas sobre lusofonia In PONTES Geral do ALMEIDA Claudia Org Relações literárias internacionais lusofonia e francofonia Rio de Janeiro Casa Doze de Letras UERJ EDUFF 2007a p 234254 Quando as línguas eram corpos sobre a colonização lingüística portuguesa na África e no Brasil In ORLANDI Eni org Política lingüística no Brasil Campinas SP Pontes 2007b p 83113 MARIANI Bethânia JOBIM José Luís A questão da língua nacional e a literatura póscolonial no Brasil In PoNtES Ge raldo ALMEIDA Claudia Org Relações literárias internacionais Gragoatá Bethania Mariani Niterói n 24 p 7188 1 sem 2008 88 lusofonia e francofonia Rio de Janeiro Casa Doze de Letras UERJ EDUFF 2007b p 4061 MUNDURUKU Daniel Quanto custa ser índio no Brasil In VALENTE André Org Língua portuguesa e identidade marcas culturais Rio de Janeiro Caetés 2007 p 4952 OLIVEIRA Gilvan Müller de Org Declaração universal dos direitos lingüísticos Florianópolis IPOL Mercado das Letras Campinas SP Associação de Leitura do Brasil 2003 ORLANDI Eni Processo de descolonização lingüística e luso fonia Línguas e Instrumentos Lingüísticos Campinas SP 2007 Terra à vista discursos do confronto velho e novo mundo São Paulo Ed da Unicamp 1990 RIBEIRO Darcy MOREIRA NETO Carlos de Araújo A fundação do Brasil testemunhos 15001700 Petrópolis RJ Vozes 1992 THOMAZ Omar Ribeiro O bom povo português usos e costu mes daquém e dalém mar Mana Estudos de Antropologia Social Publication of the Programa de PósGraduação em Antropologia Social PPGAS Rio de Janeiro v 7 n 1 Apr 2001