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Pedagogia ·
Filosofia
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Onde aterrar Como se orientar politicamente no Antropoceno Este ensaio tem por objetivo aproveitar a ocasião da eleição de Donald Trump em 8 de novembro de 2016 para aproximar três fenômenos que os concentracionistas políticos identificaram ainda que nem sempre notem a relação entre os três deixando por isso de perceber a imensa energia política que poderia ser extraída dessa aproximação Este ensaio pode abordar esses fenômenos como sintomas de uma mesma situação histórica tudo ocorre como se uma parte importante das classes dirigentes que de modo um tanto vago chamamos de elites tivesse chegado à conclusão de que não há mais lugar suficiente na terra para elas e para o resto de seus habitantes O Reino Unido tenta se desvincular da Europa pagando o preço de dificuldades cada vez mais complexas Essa nova atração pelas fronteiras por parte dos que outrora haviam pregado seu sistemático desmantelamento já serve como indicativo do fim de um certo tipo de globalização Até pouco tempo atrás a questão da aterrissagem não se colocava aos povos que haviam decidido modernizar o planeta do American way of life do qual sabemos que muito em breve nove ou dez bilhões de humanos não poderão mais usufruir Migrações explosão de desigualdades e Novo Regime Climático tratase da mesma ameaça E por mais que a maior parte de nossos concidadãos subestime ou mesmo negue o que está acontecendo com a terra eles compreendem perfeitamente que a questão dos imigrantes ameaça seus sonhos de uma identidade garantida Até o momento tendo sido mobilizados e orientados pelos partidos ditos populistas eles compreenderam a mutação ecológica em apenas uma de suas dimensões ela obriga pessoas que não são consideradas bemvindas a cruzarem as fronteiras e por isso a resposta Ergam fronteiras intransponíveis e começamos a invasão Mas é a outra dimensão dessa mutação que eles ainda não compreenderam muito bem o Novo Regime Climático vem há tempos varrendo todas as fronteiras e nos expondo aos quatro ventos sem que haja meio de construirmos muros contra os invasores Se queremos defender o território a que pertencemos precisamos identificar também essas migrações sem forma e sem nação que chamamos de clima erosão poluição esgotamento de recursos destruição de habitats Mesmo bloqueando as fronteiras aos refugiados humanos nunca será possível impedir a passagem desses outros Então querer dizer que mais ninguém está em sua própria casa Exatamente Nenhuma soberania dos Estados no bloqueio das fronteiras pode mais fazer passar por política Mas isso se tudo estiver precisaremos então viver do lado de fora sem nenhuma proteção à mercê de todos os ventos misturados a toda a gente brigando por qualquer motivo sem mais garantia alguma deslocandonos permanentemente perdendo toda identidade todo conforto Quem consegue viver assim Ninguém é verdade Nem um pássaro nem uma célula nem um imigrante nem um capitalista Mesmo Diogenes tem direito a um barril um nômade à sua barraca um refugiado a seu asilo Nem por um segundo acredite naquele que defendem a exploração da imensidão dos mares assumindo riscos abandonando todas as proteções e que seguem apontando para o horizonte infinito da modernização para todos Esses bons samaritanos só correrão riscos se o seu próprio conforto estiver garantido Em vez de ouvir o que falam da boca para fora perceba o que eles trazem nas costas você verá reluzir o panqueques dourado cuidadosamente dobrado que os protege contra todos os perigos da existência O direito mais elementar é o de sentirse seguro e protegido sobretudo num momento em que as antigas proteções estão desaparecendo É esse o sentido da história que deve ser descoberto de que modo reconstituir as bordas os invólucros as proteções encontrar novamente uma base sólida considerando ao mesmo tempo o fim da globalização a amplitude das migrações e os limites impostos a soberania dos Estados a partir de agora confrontados com as mudanças climáticas Donna Haraway17 também há a palavra mundo seria realmente pena se pavir delas Há cinquenta anos o que chamamos de globalização corresponde de fato a dois fenômenos opostos que são sistematicamente confundidos Passar de um ponto de vista local a um ponto de vista global ou mundial deveria significar uma multiplicação dos pontos de vista o registro de um número maior de variedades a consideração de um maior número de seres de culturas de fenômenos de organismos e de pessoas No entanto hoje parece que globalizar significa exatamente o contrário do tal multiplicação O termo designa a ideia de que uma única visão completamente provinciana proposta por apenas algumas pessoas representando um número ínfimo de interesses limitada a alguns instrumentos de medida a certos padrões e formulários impôsse a todos e se espalhou por toda parte Não surpreende que ninguém mais saiba se devemos abraçar a globalização ou se devemos ao contrário lutar contra ela Se por globalizar entendemos a tarefa de multiplicar os pontos de vista para complexificar toda visão provinciana ou fechada adicionando novas variantes esse é um combate que merece ser travado mas se ao contrário tratase de reduzir o número de alternativas para a existência e os caminhos do mundo para o valor dos bens e os sentidos de Globo é preciso resistir com todas as forças à tal simplificação No fim das contas parece que quanto mais se globaliza mais se tem a impressão de possuir uma visão limitada Cada um de nós pode até aceitar deixar para trás seu pequeno pedaço É a defesa desse tipo de modernização que acaba definindo por contraste a preferência pelo local o apego ao solo a insistência num pertencimento às tradições a atenção à terra Tudo isso não mais como um conjunto de sentimentos legítimos mas como a expressão de uma nostalgia por posições arcaicas e obscurantistas Será que é possível fazer os que seguem entusiasmados com a globalizaçãomenos entenderem que é normal que é justo que é indispensável querer conservar manter garantir o pertencimento a uma terra a um lugar a um solo a uma comunidade a um espaço a um meio a um modo de vida a uma profissão a uma habilidade Reconhecer esses pertencimentos é justamente o que os mantém capazes de registrar mais diferenças mais pontos de vista e sobretudo de não reduzir sua quantidade Essas decisões que permitem relacionar 1 aquilo que desde os anos 1980 chamamos de desregulação ou desmantelamento do Estadoprovidência 2 aquilo que é conhecido desde os anos 2000 como negacionismo climático 22 e sobretudo 3 a extensão vertiginosa das desigualdades que testemunhamos há quarenta anos É mesmo de raiva que devemos falar se quisermos compreender a reação de desconfianca e de incompreensão diante de tamanho abandono e traição Desde os anos 1980 ou 1990 as elites percebendo que a festa tinha acabado viram que era preciso construir o mais rápido possível comunidades muradas para não ter de partilhar mais nada com as massas é sobretudo com as massas de cor que logo avançariam por todo o planeta uma vez que seriam expulsas de suas próprias casas é de se imaginar que os deixados para trás tenham igualmente percebido que se a globalização estava a esbofetear a deusa dará então eles também precisariam de muros de proteção A hipótese parece inversorsímil a ideia de denegação se assemblema demais a uma interpretação psicanalítica ou a uma teoria da conspiração Contudo ela se torna mais plausível se fizermos a suposição bastante razoável de que as pessoas rapidamente desconfiem quando esconde alguma coisa delas e se preparam para agir em resposta a isso A negação não é uma situação confortável Negar é mentir frequentemente e depois esquecer que mentiu mas constantemente lembrandose da mentira apesar de tudo Externamente Podemos nos perguntar o que tal confusão provoca às pessoas que caem nessas armadilhas Isso as deixa loucas O fato é que a negação intoxica tanto os que colocam em prática esse descalço quanto aqueles supostamente enganados por ela examinaremos a trapaça particular do trumpismo mais à frente A única diferença é que os superricos dos quais Trump é apenas um atravessador adicionam à sua fuga um outro crime imperdoável a negação compulsiva das ciências do clima Isso faz com que as demais pessoas tenham que se virar em meio a um navegueiro de desinformação sem que ninguém nunca lhes diga em momento algum que a modernização foi encerrada e que uma mudança de regime se tornou inevitável Se a chave para compreender a situação atual não se encontra na falta de inteligência é preciso procurála na forma dos territórios nos quais essa inteligência se manifesta Ora é justamente a que reside o problema existem hoje vários territórios incompatíveis uns com os outros Para simplificar suponhamos que até agora cada um dos que aceitavam se curvar ao projeto da modernização podia encontrar seu lugar nele graças a um vetor que grosso modo ia do local em direção ao Globo Era em direção ao Globo com um G maiúsculo que tudo caminhava havia Globo que projetava o horizonte ao mesmo tempo científico econômico moral o Globo da globalização mais Tratavase de um marco ao mesmo tempo espacial a cartografia e temporal a flecha do tempo lançada em direção ao futuro Esse Globo que arrebatou gerações por ser sinônimo de riqueza de emancipação de conhecimento e de acesso a uma vida confortável trazia como uma certa definição universal do humano A imensidão dos mares finalmente Enfim deixar o lar O universo infinito afinal Raros foram os que não ouviram esse chamado Podemos imaginar o entusiasmo que isso causou entre os que puderam se beneficiar ainda que não os surpreenda o horror que a globalização suscitou junto àqueles que ela foi destruindo pelo caminho O que era preciso abandonar para se modernizar era o Local Também com maiúscula para não ser confundido com algum habitat primordial específico com alguma terra ancestral algum solo de onde autóctones tenham surgido Não há nada de aborígene nada de nativo nada de primitivo nesse terreiro reinventado depois que a modernização extinguia as antigas pertenças É um Local por contraste Um antiGlobal Uma vez identificados esses dois polos é possível traçar um front de modernização pioneiro Esse se caracterizava pela injunção a modernizar demandandonos estar preparados para todos os sacrifícios deixar nossa província natal abandonar nossas tradições e mudar nossos hábitos caso quiséssemos avançar participar do movimento geral de desenvolvimento e enfim desfrutar do mundo Decreto estávamos divididos entre duas ordens contradictórias avançar rumo ao ideal de progresso ou recuar em direção às certezas antigas mas essa hesitação esse impasse no fim das contas nos vinha a calhar Assim como os parisienses fossem se orientar no curso do Rio Sena acompanhando a sequência dos números pares e ímpares de suas ruas nós sabemos não nulo curso da história
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Texto de pré-visualização
Onde aterrar Como se orientar politicamente no Antropoceno Este ensaio tem por objetivo aproveitar a ocasião da eleição de Donald Trump em 8 de novembro de 2016 para aproximar três fenômenos que os concentracionistas políticos identificaram ainda que nem sempre notem a relação entre os três deixando por isso de perceber a imensa energia política que poderia ser extraída dessa aproximação Este ensaio pode abordar esses fenômenos como sintomas de uma mesma situação histórica tudo ocorre como se uma parte importante das classes dirigentes que de modo um tanto vago chamamos de elites tivesse chegado à conclusão de que não há mais lugar suficiente na terra para elas e para o resto de seus habitantes O Reino Unido tenta se desvincular da Europa pagando o preço de dificuldades cada vez mais complexas Essa nova atração pelas fronteiras por parte dos que outrora haviam pregado seu sistemático desmantelamento já serve como indicativo do fim de um certo tipo de globalização Até pouco tempo atrás a questão da aterrissagem não se colocava aos povos que haviam decidido modernizar o planeta do American way of life do qual sabemos que muito em breve nove ou dez bilhões de humanos não poderão mais usufruir Migrações explosão de desigualdades e Novo Regime Climático tratase da mesma ameaça E por mais que a maior parte de nossos concidadãos subestime ou mesmo negue o que está acontecendo com a terra eles compreendem perfeitamente que a questão dos imigrantes ameaça seus sonhos de uma identidade garantida Até o momento tendo sido mobilizados e orientados pelos partidos ditos populistas eles compreenderam a mutação ecológica em apenas uma de suas dimensões ela obriga pessoas que não são consideradas bemvindas a cruzarem as fronteiras e por isso a resposta Ergam fronteiras intransponíveis e começamos a invasão Mas é a outra dimensão dessa mutação que eles ainda não compreenderam muito bem o Novo Regime Climático vem há tempos varrendo todas as fronteiras e nos expondo aos quatro ventos sem que haja meio de construirmos muros contra os invasores Se queremos defender o território a que pertencemos precisamos identificar também essas migrações sem forma e sem nação que chamamos de clima erosão poluição esgotamento de recursos destruição de habitats Mesmo bloqueando as fronteiras aos refugiados humanos nunca será possível impedir a passagem desses outros Então querer dizer que mais ninguém está em sua própria casa Exatamente Nenhuma soberania dos Estados no bloqueio das fronteiras pode mais fazer passar por política Mas isso se tudo estiver precisaremos então viver do lado de fora sem nenhuma proteção à mercê de todos os ventos misturados a toda a gente brigando por qualquer motivo sem mais garantia alguma deslocandonos permanentemente perdendo toda identidade todo conforto Quem consegue viver assim Ninguém é verdade Nem um pássaro nem uma célula nem um imigrante nem um capitalista Mesmo Diogenes tem direito a um barril um nômade à sua barraca um refugiado a seu asilo Nem por um segundo acredite naquele que defendem a exploração da imensidão dos mares assumindo riscos abandonando todas as proteções e que seguem apontando para o horizonte infinito da modernização para todos Esses bons samaritanos só correrão riscos se o seu próprio conforto estiver garantido Em vez de ouvir o que falam da boca para fora perceba o que eles trazem nas costas você verá reluzir o panqueques dourado cuidadosamente dobrado que os protege contra todos os perigos da existência O direito mais elementar é o de sentirse seguro e protegido sobretudo num momento em que as antigas proteções estão desaparecendo É esse o sentido da história que deve ser descoberto de que modo reconstituir as bordas os invólucros as proteções encontrar novamente uma base sólida considerando ao mesmo tempo o fim da globalização a amplitude das migrações e os limites impostos a soberania dos Estados a partir de agora confrontados com as mudanças climáticas Donna Haraway17 também há a palavra mundo seria realmente pena se pavir delas Há cinquenta anos o que chamamos de globalização corresponde de fato a dois fenômenos opostos que são sistematicamente confundidos Passar de um ponto de vista local a um ponto de vista global ou mundial deveria significar uma multiplicação dos pontos de vista o registro de um número maior de variedades a consideração de um maior número de seres de culturas de fenômenos de organismos e de pessoas No entanto hoje parece que globalizar significa exatamente o contrário do tal multiplicação O termo designa a ideia de que uma única visão completamente provinciana proposta por apenas algumas pessoas representando um número ínfimo de interesses limitada a alguns instrumentos de medida a certos padrões e formulários impôsse a todos e se espalhou por toda parte Não surpreende que ninguém mais saiba se devemos abraçar a globalização ou se devemos ao contrário lutar contra ela Se por globalizar entendemos a tarefa de multiplicar os pontos de vista para complexificar toda visão provinciana ou fechada adicionando novas variantes esse é um combate que merece ser travado mas se ao contrário tratase de reduzir o número de alternativas para a existência e os caminhos do mundo para o valor dos bens e os sentidos de Globo é preciso resistir com todas as forças à tal simplificação No fim das contas parece que quanto mais se globaliza mais se tem a impressão de possuir uma visão limitada Cada um de nós pode até aceitar deixar para trás seu pequeno pedaço É a defesa desse tipo de modernização que acaba definindo por contraste a preferência pelo local o apego ao solo a insistência num pertencimento às tradições a atenção à terra Tudo isso não mais como um conjunto de sentimentos legítimos mas como a expressão de uma nostalgia por posições arcaicas e obscurantistas Será que é possível fazer os que seguem entusiasmados com a globalizaçãomenos entenderem que é normal que é justo que é indispensável querer conservar manter garantir o pertencimento a uma terra a um lugar a um solo a uma comunidade a um espaço a um meio a um modo de vida a uma profissão a uma habilidade Reconhecer esses pertencimentos é justamente o que os mantém capazes de registrar mais diferenças mais pontos de vista e sobretudo de não reduzir sua quantidade Essas decisões que permitem relacionar 1 aquilo que desde os anos 1980 chamamos de desregulação ou desmantelamento do Estadoprovidência 2 aquilo que é conhecido desde os anos 2000 como negacionismo climático 22 e sobretudo 3 a extensão vertiginosa das desigualdades que testemunhamos há quarenta anos É mesmo de raiva que devemos falar se quisermos compreender a reação de desconfianca e de incompreensão diante de tamanho abandono e traição Desde os anos 1980 ou 1990 as elites percebendo que a festa tinha acabado viram que era preciso construir o mais rápido possível comunidades muradas para não ter de partilhar mais nada com as massas é sobretudo com as massas de cor que logo avançariam por todo o planeta uma vez que seriam expulsas de suas próprias casas é de se imaginar que os deixados para trás tenham igualmente percebido que se a globalização estava a esbofetear a deusa dará então eles também precisariam de muros de proteção A hipótese parece inversorsímil a ideia de denegação se assemblema demais a uma interpretação psicanalítica ou a uma teoria da conspiração Contudo ela se torna mais plausível se fizermos a suposição bastante razoável de que as pessoas rapidamente desconfiem quando esconde alguma coisa delas e se preparam para agir em resposta a isso A negação não é uma situação confortável Negar é mentir frequentemente e depois esquecer que mentiu mas constantemente lembrandose da mentira apesar de tudo Externamente Podemos nos perguntar o que tal confusão provoca às pessoas que caem nessas armadilhas Isso as deixa loucas O fato é que a negação intoxica tanto os que colocam em prática esse descalço quanto aqueles supostamente enganados por ela examinaremos a trapaça particular do trumpismo mais à frente A única diferença é que os superricos dos quais Trump é apenas um atravessador adicionam à sua fuga um outro crime imperdoável a negação compulsiva das ciências do clima Isso faz com que as demais pessoas tenham que se virar em meio a um navegueiro de desinformação sem que ninguém nunca lhes diga em momento algum que a modernização foi encerrada e que uma mudança de regime se tornou inevitável Se a chave para compreender a situação atual não se encontra na falta de inteligência é preciso procurála na forma dos territórios nos quais essa inteligência se manifesta Ora é justamente a que reside o problema existem hoje vários territórios incompatíveis uns com os outros Para simplificar suponhamos que até agora cada um dos que aceitavam se curvar ao projeto da modernização podia encontrar seu lugar nele graças a um vetor que grosso modo ia do local em direção ao Globo Era em direção ao Globo com um G maiúsculo que tudo caminhava havia Globo que projetava o horizonte ao mesmo tempo científico econômico moral o Globo da globalização mais Tratavase de um marco ao mesmo tempo espacial a cartografia e temporal a flecha do tempo lançada em direção ao futuro Esse Globo que arrebatou gerações por ser sinônimo de riqueza de emancipação de conhecimento e de acesso a uma vida confortável trazia como uma certa definição universal do humano A imensidão dos mares finalmente Enfim deixar o lar O universo infinito afinal Raros foram os que não ouviram esse chamado Podemos imaginar o entusiasmo que isso causou entre os que puderam se beneficiar ainda que não os surpreenda o horror que a globalização suscitou junto àqueles que ela foi destruindo pelo caminho O que era preciso abandonar para se modernizar era o Local Também com maiúscula para não ser confundido com algum habitat primordial específico com alguma terra ancestral algum solo de onde autóctones tenham surgido Não há nada de aborígene nada de nativo nada de primitivo nesse terreiro reinventado depois que a modernização extinguia as antigas pertenças É um Local por contraste Um antiGlobal Uma vez identificados esses dois polos é possível traçar um front de modernização pioneiro Esse se caracterizava pela injunção a modernizar demandandonos estar preparados para todos os sacrifícios deixar nossa província natal abandonar nossas tradições e mudar nossos hábitos caso quiséssemos avançar participar do movimento geral de desenvolvimento e enfim desfrutar do mundo Decreto estávamos divididos entre duas ordens contradictórias avançar rumo ao ideal de progresso ou recuar em direção às certezas antigas mas essa hesitação esse impasse no fim das contas nos vinha a calhar Assim como os parisienses fossem se orientar no curso do Rio Sena acompanhando a sequência dos números pares e ímpares de suas ruas nós sabemos não nulo curso da história