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Direitos Humanos

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DIREITOS HUMANOS,\nCIDADA NIA\nE GLOBALIZAÇÃO\n\nJ. A. LINDGREN ALVES\n\nNot the loss of specific rights, then, but the loss of a community willing and able to guarantee any rights whatsoever, has been the calamity which has befallen ever-increasing numbers of people. Hannah Arendt\n\nO fenômeno da globalização, entre os muitos efeitos que acarretam, tem provocado alterações profundas nas ideias de soberania e cidadania vigentes do mundo ocidental desde a Revolução Francesa. Esta já modificara ambos os conceitos, antes prevalecentes na versão absolutista, ao transferir a titularidade da soberania do monarca para os cidadãos, detentores de direitos. A modificação atual é, porém, mais radical.\nNão tanto porque a globalização tende a deslocar a soberania para entidades políticas supranacionais, mas porque os agentes econômicos transnacionais e as tecnologias da comunicação instantânea praticamente inviabilizam seu exercício. Ao inviabilizar o exercício da soberania, a globalização incontrolada engendrou o risco de anular a cidadania e, com ela, os direitos humanos. É preciso, portanto, encontrar meios de resgatar a cidadania ainda modificada, para que a convivência humana não retorne aos modelos hobbesianos, seja o da \"lei da selva\", do homem como lobo do homem, seja o da solução absolutista, esmagadora dos direitos. Os recursos contemporâneos de maneira distorcida, devidamente reenfocados em sua indivisibilidade.\n\nO CONCEITO DA CIDADANIA\n\nDesde que o absolutismo foi superado nos estados modernos, os conceitos de soberania e cidadania são vinculados à ideia de direitos\n\nhumanos. Enquanto outros elementos, como a localidade, a identidade e a história comum, influem na construção da nacionalidade, a noção de cidadania reporta-se à Nação como espaço de realização individual e coletiva, politicamente organizada no Estado soberano, nacional ou plurinacional (a Suíça, por exemplo), como entidade garantidora dos direitos e do Direito. Obviamente isso não quer dizer que os direitos fundamentais tenham sido inteiramente respeitados, nem que todos os habitantes: de um Estado qualquer tenham alguma vez vivido em perfeita harmonia. Significa que o Estado, administrado por representantes da própria cidadania, para levar seus nacionais a guerra, para estabelecer-lhes normas coercitivas ou para cobrar-lhes impostos, assumiu o compromisso de assegurar seus direitos.\n\nAo proclamar, em 1789, a declaração de direitos de maior repercussão na História até a adoção pela ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Assembléia Nacional Francesa definiu a cidadania a seu modo no título do documento, \"Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão\", ou seja: todo homem, como expressão da espécie, tem direitos inerentes à sua natureza humana, que são, porém, exercidos no contexto da cidadania. Com linguagem e efeitos universalizantes, a declaração da França revolucionária redefiniu também a soberania estatal, estabelecendo, em seu Artigo 2º, \"o objetivo de toda associação política é a preservar os direitos naturais e inalienáveis do homem\" (a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão) e no Artigo 3º, \"a soberania reside, portanto, na nação\".\n\nAté mesmo a crítica marxista ao Estado e ao Direito subentende a vinculação entre cidadania e direitos humanos. As reservas de Marx aos \"direitos burgueses\" consagrados nas declarações norte-americanas e francesa do século XVIII prendem-se à percepção de que, ao protegerem a propriedade privada como um atributo natural e inalienável, elas estabeleciam uma igualdade jurídica meramente formal, legitimando a exploração capitalista do proletariado. A cidadania política seria, pois, a seu ver, um artifício do capitalismo para administrar a mais-valia em territórios estanques, ocultando a luta de classes, resolveu somente pela revolução proletária, necessariamente internacionalista.\n\nAs análises não-marxistas mais influentes da vinculação entre a cidadania e os direitos humanos advêm de T. H. Marshall, desde o final da década de 40 (a primeira edição de Citizenship and Social Class é de 1950 e aprofundadas idéias expostas em conferência em 1949). Com base nas experiências britânica e norte-americana por ele examinadas mais de perto, os três elementos articular dos da cidadania moderna seriam os direitos civis,\n\n os direitos políticos e os direitos sociais, historicamente conquistados nessa ordem: os civis no século XVIII, os políticos no século XIX e os sociais no século XX. Diferentemente do entendimento marxista, os direitos civis e os direitos políticos não são, para Marshall e para a social-democracia clássica, dissimulações falsamente igualitaristas; são, ao contrário, instrumentos legais de luta para a conquista dos direitos econômicos e sociais sem recurso à revolução.\n\nEmbora com relação a governos autoritários, no final do Século XX como o Século das Luzes, as primeiras preocupações se voltam naturalmente para a obtenção das liberdades civis e políticas, nos países de regime democrático o entendimento hoje predominante no movimento em prol dos direitos humanos parece aproximar-se bastante da interpretação de Marshall! (ainda que não-formulada explicitamente nesses termos): os direitos humanos não abolem nem negam a ideia de luta de classes, mas são importantes para atenuar os malefícios sociais do capitalismo incontrolado. A atuação se obtém pela expansão do conceito de direitos fundamentais e inalienáveis das tradicionais \"liberdades burguesas\": os direitos \"de primeira geração\", que exigiram do Estado apenas \"prestações negativas\" - de forma a abranger também os direitos econômicos e sociais ou direitos \"de segunda geração\", pelos quais o Estado passa a ter obrigação de garantir \"prestações positivas\" para a garantia do acesso à remuneração justa e equitativa, da proteção social, da educação gratuita, particular na esfera da saúde.\n\nEm rápidas pinceladas, esse é o quadro em que se desenvolve a cidadania no Estado constitucional moderno. Ele se acha consagrado, desde 1948, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que entroniza no mesmo nível os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todo ser humano. Esse é o quadro que inspira os esforços contemporâneos nacionais - não apenas brasileiros, mas de qualquer sociedade democrática consciente (embora a doutrina jurídica norte-americana ainda relute em aceitar a ideia de direitos econômicos e sociais) - para a plena observância dos direitos humanos. Esse não é, porém, o quadro predominante no cenário internacional. O QUADRO JURÍDICO INTERNACIONAL\n\nPela ótica estrita dos direitos humanos, muitos autores entendem que sua asseveração internacional percorreu caminho inverso observa- 188\n\ndo por Marshall. Tendo em conta que a Organização Internacional do Trabalho - OIT remonta a Liga das Nações (1919), antecedendo as Nações Unidas e a Declaração Universal, os direitos sociais teriam precedido temporariamente os direitos civis e políticos. O entendimento pode ser correto – embora não seja claro na doutrina se os direitos trabalhistas, inclusive o direito de constituir organizações sindicais e o direito à greve, são propriamente direitos sociais ou liberdades civis. Mas não é dado tantas dificuldades empíricas do tema, nos tempos pretéritos e atuais.\n \nDesde que afirmamos como tema legítimo da agenda internacional, entre os propostos das Nações Unidas, os direitos humanos sempre padeceram de desequilíbrios em seu tratamento, em favor dos direitos “de primeira geração”. A essencialidade de todos os direitos e liberdades fundamentais, conquanto evidente na igual importância atribuída pela Declaração Universal a todos os direitos por ela relacionados, nunca se traduziu com adequação no próprio Direito Internacional dos Direitos Humanos. Os dois pactos de 1966, um sobre direitos civis e políticos e outro sobre direitos econômicos, sociais e culturais, que dariam natureza jurídica obrigatória aos dispositivos da Declaração Universal, ainda que aprovados pela ONU simultaneamente (e sem abranger o direito à propriedade), eram profundamente diferentes em termos de mecanismos de proteção. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispunha do início de um comitê de partes independentes encarregado de monitorar a implementação de suas disposições, capacitado para acolher queixas individuais (conforme seu Protocolo Facultativo). Esse comitê é, sintomaticamente, denominado “Comitê dos Direitos Humanos”. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não dispunha originalmente de mecanismo supervisor assembleado. Somente em 1985 o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas decidiu estabelecer um comitê de partes para examinar os relatórios nacionais dos Estados-partes, formalmente idêntico a seu homólogo do outro pacto, mas sem capacitado para acolher comunicações individuais. A própria denominação dos dois comitês põe em relevo a diferença de nível atribuída dos direitos protegidos por cada um: o novo “Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” não denota no nome o fado de que esses direitos, tanto quanto os civis e políticos, também são inalienáveis e fundamentais.\n\nEm função desse desequilíbrio, sempre agravado pelas atenções internacionais voltadas mais para as violações de direitos civis e políticos do que para a situação dos direitos econômicos e sociais, os países em desen- 189\nvolvimento, com apoio dos antigos países socialistas, insistiam na necessidade de reafirmar a indivisibilidade de todos os direitos humanos. Ela foi reafirmada pela ONU inúmeras vezes, em resoluções e documentos vários. O problema que acompanha essa insistência justa se encontra no fato de ela ter sido, e ainda ser, postulada com particular veemência por países que violam deliberadamente os direitos civis e políticos de seus cidadãos com a alegação de que sua preocupação primeira é com o desenvolvimento e com os direitos econômicos e sociais. A alegação é comprovadamente absurda: o desenvolvimento entendido como simples crescimento econômico nunca de per se garante direitos, nem civis e políticos, nem econômicos e sociais. Como explicitava Marshall e a experiência confirma, os direitos civis e políticos são instrumentos legais importantes para a conquista da cidadania social. Sem elas a economia do Estado até pode crescer, e de muitos tem realmente crescido, sem que esse “desenvolvimento” traga benefícios ao conjunto da cidadania.\n\nO QUADRO PÓS-GUERRA FRIA\n\nQuando a Guerra Fria terminou, em fins de 1989, no episódio simbólico da queda do muro de Berlim, acreditou-se que o mundo havia entrado numa democratização irreversível (a obra mais significativa do período foi o célebre ensaio de Francis Fukuyama sobre o fim da História, bastante controverso). Foi exatamente esse cenário que abriu caminho para a convocação pelas Nações Unidas da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena em 1993.\n\nA conferência de Viena foi importante para a resolução de dificuldades conceituais que sempre envolveram os direitos humanos, como a questão de sua universalidade; a da legitimidade do monitoramento internacional de violações; a da inter-relação entre os direitos humanos, o desenvolvimento e a democracia; a do direito ao desenvolvimento e e da interdependência de todos os direitos fundamentais. A declaração de Viena, com suas recomendações programáticas, constituiu o documento mais abrangente sobre a matéria na esfera internacional, com uma característica inédita: adotada consensualmente por representantes de todos os Estados de um mundo já sem colônias, sua validade não pode ser contestada como fruto do imperialismo (o que era possível dizer-se até então, com alguma lógica, na Declaração Universal de 1948, aprovada pelo voto de 48 países independentes e 8 abstenções, numa época em que a maioria da população extraordinária vivia em colônias do Ocidente, sem representação na ONU). 190\n\nEnvolvendo 171 estados, cerca de 1000 organizações não-governamentais e um total de mais de 10 mil indivíduos, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos teve efeito decisivo para a disseminação, em escala planetária, dos direitos humanos no discurso contemporâneo. Por mais que os governos criticados defendam-se como podem, inclusive com invocação de particularismos políticos-culturais e com alegações de que a abordagem internacional desses direitos é atentatória à soberania nacional, ou – o que é a mesma coisa dita de outra maneira – como violação de princípio da não-intervenção em assuntos internos (formalmente vigentes nas relações interestatais desde os Tratados de Westfália de 1648, e consagrados entre os princípios das Nações Unidas, na artigo 2º, parágrafo 7º, de sua carta), esses argumentos são agora, no mínimo, contraditórios com o assentimento dado pelos representantes dos mesmos Estados à Declaração de Viena. A universalização do discurso político dos direitos humanos – útil, em qualquer circunstância, para a popularização da ideia de tais direitos – não se coduna, porém, com o fenômeno da globalização em curso e com o discurso que a impulsiona nos moldes atuais. Incorre, por isso, no risco de desviar-se, perdendo as características de abrangência e equilíbrio que haviam levado ao consenso de 1993.\n\nO fenômeno mais marcante do mundo Pós-Guerra Fria é, sem dúvida, a aceleração do processo de globalização econômica. De fato, a situação estratégica planetária tinha conformação bipolar, com os ideais liberal e comunista em competição existencial, e a ideia de que direitos não-comerciais eram recurso protetivo dos Estados, aceito como necessário à defesa da soberania. O Estado-providência era forte, nos países desenvolvidos, sobretudo porque dificultava a contaminação das respectivas populações pela utopia antagônica. Com o fim da bipolaridade estratégica e da competição ideológica entre o liberalismo capitalista e o comunismo, a ideologia que se impôs em escala planetária não foi, entretanto, a democracia baseada na Welfare State, justificando até mesmo pela filosofia lockeana1. Foi a do laissez faire absoluto, com a alegação de que a liberdade de mercado levaria à liberdade política e à democracia. Eticamente justificou-se, dessa forma, o investimento econômico macio em países de regimes autoritários, neles aceitando a substituição das DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E GLOBALIZAÇÃO\n191\nliberdades civis e políticas pelo crescimento econômico como problema a ser resolvido pela \"mão invisível do mercado\". Por outro lado, nos países de sistema democrático, não somente as proteções mercadológicas, transeuntes e previdenciárias passaram a ser objetadas em nome da modernidade, mas a própria noção do Estado-providência tornou-se condenada como inepta à competitividade, num momento em que o desemprego era aksi alvo falha... E com essas premissas ideológicas que a globalização se tem acelerado em ritmo vertiginoso.\nO problema para a democracia embutido no credo ultraliberal ora dominante é que, dentro do quadro jurídico-político conhecido até agora, os direitos humanos somente se realizam em sua indivisibilidade dentro de territórios nacionais e com as instituições do Estado-providência. Sem as prestações positivas necessárias, oferecidas por tais instituições como garantias de subsistência à população, a cidadania, na acepção de Marshall, é uma cidadania incompleta, assemblável àquela crítica por Marx. Os direitos humanos, hoje difundidos no planeta, acabam por parecer-se aquilo que, na cidadania democrática, eles se propõem combater: um discurso legítimo de iniquidades que se agravam por efeito da própria globalização.\nCENTRALIZAÇÃO E FRAGMENTAÇÃO\nA globalização incontrolada tem provocado tendências contrárias e centrífugas, apenas aparentemente antagônicas. O estabelecimento da economia-mundo como tendência centrípeta não unifica nada. Engendra, ao contrário, divisões continuamente acentuadas na esfera social e uma dispersão cultural enorme disfarçada no fato de que todos os povos agora, quando podem, vestem calças jeans, comem hamburgers, ouvem e... rock and roll e querem ver filmes de Steven Spielberg.\nPela ótica econômico-social, o fenômeno derivado mais visível é a emergência de duas classes que extrapolam limites territoriais: a dos globalizados (aqueles abarcados positivamente pela globalização) e a dos excluídos (mais de três quartos da humanidade). Essa divisão é sensível em nível internacional e dentro das sociedades nacionais. Os globalizados de todos os rincões têm ou aspiram a padrões de consumo de Primeiro Mundo. 192\nOs excluídos (da globalização e do mercado) aspiram tão somente a condições mínimas de sobrevivência e, se não puderem contar com o direito inalienável à segurança social, são marginalizados da sociedade.\nEm nível internacional, o agravamento da distância entre países ricos e pobres vem sendo denunciado em todos os relatórios de organizações intergovernamentais. Dos dados amplamente divulgados vale a pena recordar alguns mais ilustrativos. Segundo os Relatórios sobre o Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD -, em 1962, os 20% mais ricos da população mundial tinham recursos 30 vezes superiores aos 20% mais pobres. Em 1994 esse diferencial passara a ser de 60 vezes e em 1997, de 74 vezes. Em 1997, os recursos acumulados de 600 milhões de pessoas dos países menos desenvolvidos não alcançavam a fortuna somada dos três maiores bilionários. Para uma comparação mais próxima, inteligível em nossa própria pele, as 400 maiores fortunas individuais dos Estados Unidos, listadas anualmente pela revista Forbes, acumulam atualmente um total bastante superior ao PIB do Brasil: 1 trilhão de dólares (contra os nossos 800 bilhões; em 1997, reduzidos em 1998 e, previsivelmente, em 1999). Enquanto quase todo o resto do mundo enfrenta situações agravadas, a quantidade de milhões norte-americanos, com fortunas cada vez mais imponentes, vem acumulando acentuadamente; contra 1,3 milhões de famílias com renda líquida superior a US $ 1 milhão em 1989, o número quadruplicar nos próximos 10 anos. DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E GLOBALIZAÇÃO\n193\nNão é porém somente nos países em desenvolvimento que se concentra a exclusão social. Mais de 100 milhões de pessoas sofrem privações nas sociedades mais ricas. Os Estados Unidos, com a maior renda média dos países desenvolvidos, têm, segundo o PNUD, a maior população abaixo da linha de pobreza: 17% do total.7 Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, acrescenta que a União Europeia tem atualmente 50 milhões de desempregados e 15 milhões de habitantes em condições miseráveis. A diferença entre eles e os pobres do Terceiro Mundo já não está mais enfrentadas. A faixa de pobreza nos Estados Unidos é tão mais elevada que, segundo o Banco Mundial, 81% da população global contam com uma renda que naquele país seria suficiente apenas para um regime de sub-alimentação. Na Europa ocidental, além disso, mais do que nos Estados Unidos, as proteções sociais mínimas do Estado-providência em defesa da cidadania perderam-se e transnacionalizam na União Europeia -contra os preceitos do credo que delas se propõe desfazer. Os globalizados de qualquer região tendem a saudar a globalização incontrolada com entusiasmo. Nas sociedades ricas, alguns segmentos solidamente \"incluídos\" de empresários e trabalhadores especializados em tecnologia de ponta são os verdadeiros sujeitos da globalização, os efeitos colaterais são sentidos principalmente no incomodo da imigração aumentada, ou na ansiedade provocada pela oscilação de bolsa quando há crises em países emergentes. Os incómodos são controlados, conforme o caso, com barreiras quantitativas ou de outra ordem a entrada de imigrantes não-qualificados e pela reiteração das aplicações financeiras para mercados mais promissores no momento, enquanto ao mesmo tempo as consciências com a prática da filantropia (descontada no imposto de renda). As chamadas interações de efeitos potencialmente nocivos e de emprego a exclusão do consumidor – esforços ainda sem manilha ou marginalização social, tudo o que pode implicar em termos de miséria, violência e criminalidade, sobretudo em países que não conseguem oferecer compensações previdenciárias ou outras alternativas de subsistência. Para a criminalidade comum, observada com maior frequência entre as camadas mais pobres (também pelo lado das vítimas), a saída dos Estados Unidos (que algumas pessoas de boa fé parecem ter a intenção de copiar alhures) tem sido a repressão rigorosa, com a intolerância punitiva. transformada em plataforma eleitoral unânime. A reclusão prisional passa a ser a regra para qualquer comportamento delitivo, levando muitas vezes a um sentimento absurdo. Pela regra imperativa dos three strikes (três golpes) vigente na Califórnia, há, nesse Estado mais rico da mais opulenta Federação, indivíduos em situações que lembram a do Jean Valjean de Victor Hugo. Duas vezes reincidentes no mesmo delito, ou com três situações variadas, cumprem penas mínimas de 25 anos até a de prisão perpétua todos os delinquentes violentos ou não, sejam homicidas contumazes não-condenados à morte, sejam pessoas marginalizadas que furtam comida, cidadãos normalmente ordeiros que dirigem seus carros após ingestão de bebida, pequenos traficantes ou portadores de maconha9 (os estrangeiros, legais ou ilegais, são em seguida deportados, quando a pena não é de prisão perpétua). Como recursos econômicos não faltam para esses fins, os Estados Unidos têm hoje a maior população carcerária do mundo: quase 2 milhões de prisioneiros, segundo informações do Departamento de Justiça, após estes anos consecutivos de redução nos números totais e relativos de delitos graves.[10] Daf a interpretação de Zygmunt Bauman de que, nas sociedades pós-modernas do capitalismo globalizado, mas do que no período clássico analisado por Foucault, o problema da exclusão social tende a ser resolvido pelo encarceramento, agora sem objetivos de punição e de recuperação.[11] Em quase todas as sociedades, un vasto segmento populacional, na tradicional sociedade civil (que abrange tanto os trabalhadores formalmente empregados, sobretudo do Primeiro Mundo) usufruiu de alguns benefícios da globalização. Viaja-se hoje muito mais do que antes; \n\n9 Segundo recentemente noticiado, 88% das prisões registradas nacionalmente em conexão com drogas em 1998 teriam sido por posse e não por tráfico de maconha (Reuters, 1988 por arrests reaz record; most for possession\", San Francisco Examiner, 18/10/99). \n10 Com 12,5 milhos de delitos graves registrados em 1998, o número da assassinatos, estupras, assaltos, roubos violentos e furto, inclusive de veículos, nos Estados Unidos, foi inferior em 5,3% ao de 1997, 14% a 1994 e 20% a 1989 (Mark Helm, \"Murder rate lowest in three decades - scorching crime drop for 7th straight year\", ibid). É interessante notar que as autoridades federais, quando o resultado não se decepcionam, explicam-no sobreduto por razões demográficas (envelhecimento do grupo nascido não baby boom, entre 1946 e 1964, correspondente a 25% da população), não pelo crescimento econômico do país, nem pelo rigor repressivo. O anúncio constante da população carcerária deve ser reconhecido na teorização da campanha de \"guerra às drogas\". \n11 Zygmunt Bauman, Globalization - The Human Consequences, New York, Columbia University Press, 1998, pp. 103-127. O encarceramento dos excluídos, como recurso desenvolvido e penalizado, pode ser uma armadilha natural do auto-confinamento dos ricos, em sociedades crescentemente inseguras.