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Direito ·

Direito Constitucional

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29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL RELATOR MIN AYRES BRITTO REQTES PROCURADORGERAL DA REPÚBLICA REQDOAS PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADVAS ADVOGADOGERAL DA UNIÃO REQDOAS CONGRESSO NACIONAL INTDOAS CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTDOAS CENTRO DE DIREITO HUMANOS CDH ADVAS ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTDOAS MOVIMENTO EM PROL DA VIDA MOVITAE ADVAS LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO INTDOAS ANIS INSTITUTO DE BIOÉTICA DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADVAS DONNE PISCO E OUTROS ADVAS JOELSON DIAS INTDOAS CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL CNBB ADVAS IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS CONSTITUCIONAL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI DE BIOSSEGURANÇA IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART 5a DA LEI Nº 11105 DE 24 DE MARÇO DE 2005 LEI DE BIOSSEGURANÇA PESQUISAS COM CÉLULAS TRONCO EMBRIONÁRIAS INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULASTRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO I O CONHECIMENTO CIENTÍFICO A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULASTRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE jp ADI 3510 DF CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA As célulastronco embrionárias são células contidas num agrupamento de outras encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocisto ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino Embriões a que se chega por efeito de manipulação humana em ambiente extracorpóreo porquanto produzidos laboratorialmente ou in vitro e não espontaneamente ou in vida Não cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora a pesquisa com célulastronco adultas e aquela incidente sobre célulastronco embrionárias A certeza científicotecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro pois ambos são mutuamente complementares II LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULASTRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS E O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL A pesquisa científica com célulastronco embrionárias autorizada pela Lei n 111052005 objetiva o enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que severamente limitam atormentam infelicitam desesperam e não raras vezes degradam a vida de expressivo contingente populacional ilustrativamente atrofias espinhais progressivas distrofias musculares a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica as neuropatías e as doenças do neurônio motor A escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião in vitro porém a mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio Isto no âmbito de um ordenamento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica a liberdade a segurança o bemestar o desenvolvimento a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade mais que tudo fraterna O que já ADI 3510 DF significa incorporar o advento do constitucionalismo fraternal às relações humanas a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade em benefício da saúde e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria natureza Contexto de solidária compassiva ou fraternal legalidade que longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões in vitro significa apreço e reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam Inexistência de ofensas ao direito à vida e da dignidade da pessoa humana pois a pesquisa com célulastronco embrionárias inviáveis biologicamente ou para os fins a que se destinam significa a celebração solidária da vida e alento aos que se acham à margem do exercício concreto e inalienável dos direitos à felicidade e do viver com dignidade Ministro Celso de Mello III A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉIMPLANTO O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa porque nativiva teoria natalista em contraposição às teorias concepcionista ou da personalidade condicional E quando se reporta a direitos da pessoa humana e até dos direitos e garantias individuais como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduopessoa que se faz destinatário dos direitos fundamentais à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade como direito à saúde e ao planejamento familiar Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária A potencialidade de algo para ADI 3510 DF se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertála infraconstitucionalmente contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica Mas as três realidades não se confundem o embrião é o embrião o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana Donde não existir pessoa humana embrionária mas embrião de pessoa humana O embrião referido na Lei de Biossegurança in vitro apenas não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum O embrião préimplanto é um bem a ser protegido mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição IV AS PESQUISAS COM CÉLULASTRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO MATÉRIA ESTRANHA À PRESENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE É constitucional a proposição de que toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano claro mas nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana em se tratando de experimento in vitro Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro pelo menos enquanto o ovócito óvulo já fecundado não for introduzido no colo do útero feminino O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado in vitro é para o embrião insuscetível de progressão reprodutiva Isto sem prejuízo do reconhecimento de que o zigoto assim extracorporalmente produzido e também extracorporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano Não porém ser humano em estado de embrião A Lei de Biossegurança não veicula autorização para ADI 3510 DF extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio ou nele já fixado Não se cuida de interromper gravidez humana pois dela aqui não se pode cogitar A controvérsia constitucional em exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto Ministro Celso de Mello V OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AUTONOMIA DA VONTADE AO PLANEJAMENTO FAMILIAR E À MATERNIDADE A decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição rotula como direito ao planejamento familiar fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável A conjugação constitucional da laicidade do Estado e do primado da autonomia da vontade privada nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa A opção do casal por um processo in vitro de fecundação artificial de óvulos é implícito direito de idêntica matriz constitucional sem acarretar para esse casal o dever jurídico do aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se revelem geneticamente viáveis O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana opera por modo binário o que propicia a base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou in vitro De uma parte para aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à liberdade preâmbulo da Constituição e seu art 5º aqui entendida como autonomia de vontade De outra banda para contemplar os porvindouros componentes da unidade familiar se por eles optar o casal com planejadas condições de bemestar e assistência físicoafetiva art 226 da CF Mais exatamente planejamento familiar que fruto da livre decisão do casal é fundado nos princípios da dignidade da pessoa ADI 3510 DF humana e da paternidade responsável 7º desse emblemático artigo constitucional de nº 226 0 recurso a processos de fertilização artificial não implica o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher de todos os óvulos afinal fecundados Não existe tal dever inciso II do art 5a da CF porque incompatível com o próprio instituto do planejamento familiar na citada perspectiva da paternidade responsável Imposição além do mais que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante em contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art 5a da Constituição Para que ao embrião in vitro fosse reconhecido o pleno direito à vida necessário seria reconhecer a ele o direito a um útero Proposição não autorizada pela Constituição VI DIREITO À SAÚDE COMO COROLÁRIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA O 4º do art 199 da Constituição versante sobre pesquisas com substâncias humanas para fins terapêuticos faz parte da seção normativa dedicada à SAÚDE Seção II do Capítulo II do Título VIII Direito à saúde positivado como um dos primeiros dos direitos sociais de natureza fundamental art 6º da CF e também como o primeiro dos direitos constitutivos da seguridade social cabeça do artigo constitucional de nº 194 Saúde que é direito de todos e dever do Estado caput do art 196 da Constituição garantida mediante ações e serviços de pronto qualificados como de relevância pública parte inicial do art 197 A Lei de Biossegurança como instrumento de encontro do direito à saúde com a própria Ciência No caso ciências médicas biológicas e correlatas diretamente postas pela Constituição a serviço desse bem inestimável do indivíduo que é a sua própria higidez físicomental VII O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO CIENTÍFICA E A LEI DE BIOSSEGURANÇA COMO DENSIFICARÃO DESSA ADI 3510 DF LIBERDADE O termo ciência enquanto atividade individual faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana inciso IX do art 5º da CF Liberdade de expressão que se afigura como clássico direito constitucionalcivil ou genuíno direito de personalidade Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica até como signo de vida coletiva civilizada Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capítulo para prestigiála por modo superlativo capítulo de nº IV do título VIII A regra de que O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico a pesquisa e a capacitação tecnológicas art 218 caput é de logo complementada com o preceito 1º do mesmo art 218 que autoriza a edição de normas como a constante do art 5º da Lei de Biossegurança A compatibilização da liberdade de expressão científica com os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos os indivíduos Assegurada sempre a dignidade da pessoa humana a Constituição Federal dota o bloco normativo posto no art 5º da Lei 111052005 do necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica Ministra Cármen Lúcia VIII SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE BIOSSEGURANÇA NA CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM CÉLULASTRONCO EMBRIONÁRIAS A Lei de Biossegurança caracterizase como regração legal a salvo da mácula do açodamento da insuficiência protetiva ou do vício da arbitrariedade em matéria tão religiosa filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área da medicina e da genética humana Tratase de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana ou que tenha potencialidade para tanto A Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se ADI 3510 DF refere mas nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o significado que elas portam no âmbito das ciências médicas e biológicas IX IMPROCEDENCIA DA AÇÃO Afastase o uso da técnica de interpretação conforme para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Biossegurança exuberância regratória ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com célulastronco embrionárias Inexistência dos pressupostos para a aplicação da técnica da interpretação conforme a Constituição porquanto a norma impugnada não padece de polissemia ou de plurissignificatidade Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente improcedente A C Ó R D Ã O Vistos relatados e discutidos estes autos acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar improcedente a ação direta o que fazem nos termos do voto do relator e por maioria de votos em sessão presidida pelo Ministro Gilmar Mendes na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas Vencidos parcialmente em diferentes extensões os Ministros Menezes Direito Ricardo Lewandowski Eros Grau Cezar Peluso e o Presidente Brasília 29 de maio de 2008 05032008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL RELATOR HIN AYRES BRITTO REQTES PROCURADORGERAL DA REPÚBLICA REQDOAS PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADVAS ADVOGADOGERAL DA UNIÃO REQDOAS CONGRESSO NACIONAL INTDOAS CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTDOAS CENTRO DE DIREITO HUMANOS CDH ADV AS ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTDO AS MOVIMENTO EM PROL DA VIDA MOVITAE ADVAS LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO INTDOAS ANIS INSTITUTO DE BIOÉTICA DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADVAS DONNE PISCO E OUTROS ADVAS JOELSON DIAS INTDOAS CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL CNBB ADV AS IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS R E L A T Ó R I O O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO RELATOR Cuidase de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo então ProcuradorGeral da República Dr Cláudio Lemos Fonteles tendo por alvo o artigo 5a da Lei Federal nº 11105 Lei da Biossegurança de 24 de março de 2005 Artigo assim integralmente redigido Art 5o É permitida para fins de pesquisa e terapia a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento atendidas as seguintes condições I sejam embriões inviáveis ou ADI 3510 DF II sejam embriões congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação desta Lei ou que já congelados na data da publicação desta Lei depois de completarem 3 três anos contados a partir da data de congelamento 1º Em qualquer caso é necessário o consentimento dos genitores 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art 15 da Lei nº 9434 de 4 de fevereiro de 1997 2 O autor da ação argumenta que os d i s p o s i t i v o s impugnados contrariam a inviolabilidade do direito à vida porque o embrião humano é vida humana e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito que radica na preservação da dignidade da pessoa humana f l 1 2 3 Em seqüência o s u b s c r i t o r da p e t i ç ã o i n i c i a l s u s t e n t a que a a vida humana acontece na e a partir da fecundação desenvolvendose continuamente b o zigoto c o n s t i t u í d o por uma única c é l u l a é um ser humano embrionário c é no momento da fecundação que a mulher engravida acolhendo o zigoto e lhe ADI 3510 DF propiciando um ambiente próprio para o seu desenvolvimento d a pesquisa com célulastronco adultas é objetiva e certamente mais promissora do que a pesquisa com célulastronco embrionárias 4 De sua parte e em sede de informações fls 82115 o Presidente da República defende a constitucionalidade do texto impugnado Para tanto acata por inteiro peça jurídica da autoria do professor e advogado público Rafaelo Abritta Peça que também mereceu a irrestrita adesão do ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa então Advogado Geral da União e da qual extraio o seguinte e conclusivo trecho com fulcro no direito à saúde e no direito de livre expressão da atividade cientifica a permissão para utilização de material embrionário em vias de descarte para fins de pesquisa e terapia consubstanciase em valores amparados constitucionalmente fl 115 A mesma conclusão registrese a que chegou o Congresso Nacional em suas informações de fls 221245 5 Não é todavia como pensa o atual Chefe do Ministério Público Federal Dr Antônio Fernando de Souza que atuando na condição de fiscal do Direito custos juris concluiu pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais sob a alça de mira da presente ação direta Assim procedeu mediante aprovação de parecer da lavra do mesmo professor Cláudio Fonteles ADI 3510 DF 6 Prossigo para anotar que admiti no processo na posição de amigos da Corte amici curiae as seguintes entidades da sociedade civil brasileira CONECTAS DIREITOS HUMANOS CENTRO DE DIREITO HUMANOS CDH MOVIMENTO EM PROL DA VIDA MOVITAE INSTITUTO DE BIOÉTICA DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ANIS além da CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL CNBB Entidades de saliente representatividade social e por isso mesmo postadas como subjetivação dos princípios constitucionais do pluralismo genericamente cultural preâmbulo da Constituição e especificamente político inciso V do art 1º da nossa Lei Maior O que certamente contribuirá para o adensamento do teor de legitimidade da decisão a ser proferida na presente ADIN Estou a dizer decisão colegiada tão mais legítima quanto precedida da coleta de opiniões dos mais respeitáveis membros da comunidade científica brasileira no tema 7 Não é tudo Convencido de que a matéria centralmente versada nesta ação direta de inconstitucionalidade é de tal relevância social que passa a dizer respeito a toda a humanidade determinei a realização de audiência pública esse notável mecanismo constitucional de democracia direta ou participativa O que fiz por provocação do mesmíssimo professor Cláudio FonteLes e com base no 1o do artigo 9º da Lei nº 986899 mesmo sabendo que se tratava de ADI 3510 DF experiência inédita em toda a trajetória deste Supremo Tribunal Federal1 Dandose que no dia e local adrede marcados 22 vinte e duas das mais acatadas autoridades científicas brasileiras subiram à tribuna para discorrer sobre os temas agitados nas peças jurídicas de origem e desenvolvimento da ação constitucional que nos cabe julgar Do que foi lavrada a extensa ata de f l s devidamente reproduzida para o conhecimento dos senhores ministros desta nossa Corte Constitucional e Suprema Instância Judiciária Reprodução que se fez acompanhar da gravação de sons e imagens de todo o desenrolar da audiência cuja duração foi em torno de 8 horas 8 Pois bem da reprodução gráfica auditiva e visual dessa tão alongada quanto substanciosa audiência pública o que afinal se percebe é a configuração de duas nítidas correntes de opinião Correntes que assim me parecem delineadas I uma deixando de reconhecer às célulastronco embrionárias virtualidades ao menos para fins de terapia humana superiores às das célulastronco adultas Mesma corrente que atribui ao embrião uma progressiva função de 1 Art 9º 1º da Lei nº 986899 Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos poderá o relator requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para em audiência pública ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria ADI 3510 DF autoconstitutividade que o torna protagonista central do seu processo de hominização se comparado com o útero feminino cujo papel é de coadjuvante na condição de habitat ninho ou ambiente daquele além de fonte supridora de alimento Argumentando sobremais que a retirada das célulastronco de um determinado embrião in vitro destrói a unidade o personalizado conjunto celular em que ele consiste O que já corresponde à prática de um mal disfarçado aborto pois até mesmo no produto da concepção em laboratório já existe uma criatura ou organismo humano que é de ser visto como se fosse aquele que surge e se desenvolve no corpo da mulher gestante Criatura ou organismo ressaltese que não irrompe como um simples projeto ou ua mera promessa de pessoa humana somente existente de fato quando ultimados com êxito os trabalho de parto Não Para esse bloco de pensamento estou a interpretálo a pessoa humana é mais que individualidade protraída ou adiada para o marco factual do parto feminino A pessoa humana em sua individualidade genética e especificidade ôntica já existe no próprio instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino Coincidindo então concepção e personalidade qualidade de quem é pessoa pouco importando o processo ADI 3510 DF em que tal concepção ocorra se artificial ou in vitro se natural ou in vida 0 que se diferencia em tema de configuração da pessoa humana é tãosomente uma quadra existencial da outra Isto porque a primeira quadra se inicia com a concepção e dura enquanto durar a gestação feminina compreendida esta como um processo contínuo porque abrangente de todas as fases de vida humana pré natal A segunda quadra a começar quando termina o parto desde que realizado com êxito já dissemos porque aí já se tem um ser humano nativivo Mas em ambos os estádios ou etapas do processo a pessoa humana já existe e é merecedora da mesma atenção da mesma reverência da mesma proteção jurídica Numa síntese a idéia do zigoto ou óvulo feminino já fecundado como simples embrião de uma pessoa humana é reducionista porque o certo mesmo é vêlo como um ser humano embrionário Uma pessoa no seu estádio de embrião portanto e não um embrião a caminho de ser pessoa II a outra corrente de opinião é a que investe entusiasticamente nos experimentos científicos com célulastronco extraídas ou retiradas de embriões humanos Células tidas como de maior plasticidade ou superior versatilidade para se transformar em todos ou quase todos ADI 3510 DF os tecidos humanos substituindoos ou regenerandoos nos respectivos órgãos e sistemas Espécie de apogeu da investigação biológica e da terapia humana descortinando um futuro de intenso brilho para os justos anseios de qualidade e duração da vida humana Bloco de pensamento que não padece de dores morais ou de incômodos de consciência porque para ele o embrião in vitro é uma realidade do mundo do ser algo vivo sim que se põe como o lógico início da vida humana mas nem em tudo e por tudo igual ao embrião que irrompe e evolui nas entranhas de ua mulher Sendo que mesmo a evolução desse último tipo de embrião ou zigoto para o estado de feto somente alcança a dimensão das incipientes características físicas e neurais da pessoa humana com a meticulosa colaboração do útero e do tempo Não no instante puro e simples da concepção abruptamente mas por uma engenhosa metamorfose ou laboriosa parceria do embrião do útero e do correr dos dias O útero passando a liderar todo o complexo processo de gradual conformação de urna nova individualidade antropomórfica com seus desdobramentos éticoespirituais valendose ele útero feminino é a leitura que faço nas entrelinhas das explanações em foco de sua tão mais antiga quanto insondável experiência afetivoracional com o cérebro da ADI 3510 DF gestante Quiçá com o próprio cosmo que subjacente à cientificidade das observações acerca do papel de liderança do útero materno transparece como que uma aura de exaltação da mulher e principalmente da mulhermãe ou em vias de sêlo como portadora de um sexto sentido existencial já situado nos domínios do inefável ou do indizível Domínios que a própria Ciência parece condenada a nem confirmar nem desconfirmar porque já pertencentes àquela esfera ôntica de que o gênio de William Shakespeare procurou dar conta com a célebre sentença de que Entre o céu e a terra há muito mais coisa do que supõe a nossa vã filosofia Hamlet anos de 16001601 Ato I Cena V 9 Para ilustrar melhor essa dicotomia de visão dos temas que nos cabe examinar à luz do Direito especialmente do Direito Constitucional brasileiro transcrevo parte da explanação de duas das referidas autoridades que pessoalmente assomaram à tribuna por ocasião da sobredita audiência pública a Drª Mayana Zatz professora de genética da Universidade de São Paulo e a Drª Lenise Aparecida Martins Garcia professora do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília Disse a primeira cientista Pesquisar células embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto É muito importante ADI 3510 DF que isso fique bem claro No aborto temos uma vida no útero que só será interrompida por intervenção humana enquanto que no embrião congelado não há vida se não houver intervenção humana É preciso haver intervenção humana para a formação do embrião porque aquele casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também para inserir no útero E esses embriões nunca serão inseridos no útero É muito importante que se entenda a diferença 10 Já a Drª Lenise Garcia são de Sua Excelência as seguintes palavras Nosso grupo traz o embasamento científico para afirmarmos gue a vida humana começa na fecundação tal como está colocado na solicitação da Procuradoria Já estão definidas aí as características genéticas desse indivíduo já está definido se é homem ou mulher nesse primeiro momento Tudo já está definido neste primeiro momento da fecundação Já estão definidas eventuais doenças genéticas Também já estarão aí as tendências herdadas o dom para a música pintura poesia Tudo já está ali na primeira célula formada O zigoto de Mozart já tinha dom para a música e Drummond para a poesia Tudo já está lá É um ser humano irrepetível 11 À derradeira confirmo o que j á estava suposto na marcação da audiência em que e s t e Supremo Tribunal Federal abriu suas portas para dialogar com c i e n t i s t a s não pertencentes à área j u r í d i c a o ADI 3510 DF tema central da presente ADIN é salientemente multidisciplinar na medida em que objeto de estudo de numerosos setores do saber humano formal como o Direito a filosofia a religião a ética a antropologia e as ciências médicas e biológicas notadamente a genética e a embriologia suscitando vimos debates tão subjetivamente empenhados quanto objetivamente valiosos porém de conclusões descoincidentes não só de um para outro ramo de conhecimento como no próprio interior de cada um deles Mas debates vocalizados registrese em arejada atmosfera de urbanidade e uníssono reconhecimento da intrínseca dignidade da vida em qualquer dos seus estádios Inequívoca demonstração da unidade de formação humanitária de todos quantos acorreram ao chamamento deste Supremo Tribunal Federal para colaborar na prolação de um julgado que seja qual for o seu conteúdo se revestirá de caráter histórico Isto pela envergadura multiplamente constitucional do tema e seu mais vivo interesse pelos meios científicos de todo o mundo desde 1998 ano em que a equipe do biólogo norteamericano James Thomson isolou pela primeira vez células tronco embrionárias conseguindo cultiválas em laboratório 12 É o relatório 05032008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO Relator De partida assento a legitimidade do Procurador Geral da República para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade porque tal legitimidade processual ativa procede da melhor fonte de positividade a Constituição Federal pelo inciso VI do seu art 103 Como também consigno a adequação da via eleita por se tratar de pedido que põe em suposta situação de incompatibilidade vertical com a Magna Carta dispositivos genéricos impessoais e abstratos de lei federal O que provoca a incidência da parte inicial da alínea a do inciso I do art 102 da Constituição 14 No mérito e conforme relatado a presente ação direta de inconstitucionalidade é manejada para se contrapor a todos os dispositivos do art 5ª Lei Federal nº 11105 de 24 de março de 2005 popularizada como Lei de Biossegurança Dispositivos que torno a transcrever para um mais demorado passar de olhos sobre as suas questionadas inovações Eilos Art 5º É permitida para fins de pesquisa e terapia a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento atendidas as seguintes condições I sejam embriões inviáveis ou II sejam embriões congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação desta Lei ou que já congelados na data da publicação desta Lei depois de completarem 3 três anos contados a partir da data de congelamento 1º Em qualquer caso é necessário o consentimento dos genitores 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art 15 da Lei nº 9434 de 4 de fevereiro de 1997 Comprar ou vender tecidos órgãos ou partes do corpo humano pena reclusão de três a oito anos e multa de 200 a 360 diasmulta 15 Vêse então que os textos normativos em causa se distribuem por quatro individualizados r e l a t o s ou núcleos deônticos a saber I a parte inicial do artigo autorizando para fins de pesquisa científica e tratamento médico o uso de uma tipologia de células humanas as célulastronco embrionárias que são células contidas num agrupamento de outras encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias opinião que não é unânime porque outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocito ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino Mas embriões a que se chega por efeito de manipulação humana porquanto produzidos laboratorialmente ou in vitro e não espontaneamente ou in vida Noutro falar embriões que resultam do processo tecnológico de retirada de óvulos do corpo feminino assim multiplamente produzidos por efeito de injeção de hormônios para já em ambiente extra corpóreo submetêlos a penetração por espermatozóides masculinos Mais ainda pesquisa científica e terapia humana em paralelo àquelas que se vêm fazendo com células tronco adultas na perspectiva da descoberta de mais eficazes meios de cura de graves doenças e traumas do ser humano Meios que a literatura especializada estuda e comenta por esta forma 0 principal foco atual de interesse da terapia celular é a medicina regenerativa em que se busca a substituição de células ou tecidos lesados senescentes ou perdidos para restaurar sua função Isso explica a atenção que desperta porque as moléstias que são alvos desses tratamentos constituem causas de morte e de morbidade das sociedades modernas como as doenças cardíacas diabete melito câncer pneumopatias e doenças genéticas1 II a parte final do mesmo artigo 5º mais os seus incisos de I a II e 1º estabelecendo as seguintes e cumulativas condições para o efetivo desencadear das citadas pesquisas com célulastronco embrionárias a o nãoaproveitamento para fim reprodutivo por livre decisão do casal óbvio de qualquer dos embriões empiricamente viáveis b a empírica nãoviabilidade desse ou daquele embrião enquanto matériaprima da reprodução humana como explica a antropóloga Débora Diniz professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero 0 diagnóstico de inviabilidade do embrião constitui procedimento médico seguro e atesta a impossibilidade de o embrião se desenvolver Mesmo que um embrião inviável venha a ser transferido para um útero não se desenvolverá em uma futura criança 0 único destino possível para eles 1 Texto de Marco Antonio Zago inserido na coletânea Célulastronco a nova é o congelamento permanente o descarte ou a pesquisa científica² c que se trate de embriões congelados há pelo menos 3 anos da data da publicação da lei ou que já efetivamente congelados nessa data venham a complementar aquele mesmo tempo de 3 anos Marco temporal em que se dá por finda interpreto quer a disposição do casal para o aproveitamento reprodutivo do material biológico até então mantido in vitro quer a obrigação do respectivo armazenamento pelas clínicas de fertilização artificial quer enfim a certeza da íntegra permanência das qualidades biológicoreprodutivas dos embriões em estado de congelamento d o consentimento do casaldoador para que o material genético dele advindo seja deslocado da sua originária destinação procriadora para as investigações de natureza científica e finalidade terapêuticohumana III o obrigatório encaminhamento de todos os projetos do gênero para exame de mérito por parte dos competentes comitês de ética e pesquisa medida que se revela como um nítido compromisso da lei com exigências de caráter bioético Mas encaminhamento a ser feito pelos serviços de saúde e instituições de pesquisas justamente com fronteira da medicina Atheneu editora p 110 ano de 2006 2 Em O STF e as célulastronco jornal Correio Braziliense coluna Opinião edição de 29 de fevereiro de 2008 célulastronco embrionárias o que redunda na formação também obrigatória de um tão específico quanto controlado banco de dados Banco esse inibidor do aleatório descarte do material biológico não utilizado nem reclamado pelos respectivos doadores IV por último a proibição de toda espécie de comercialização do material coletado cujo desrespeito é equiparado ao crime de Comprar ou vender tecidos órgãos ou partes do corpo humano art 15 caput da Lei 9434 de 4 de fevereiro de 1997 Vedação que também ostenta uma clara finalidade ética ou de submissão da própria Ciência a imperativos dessa nova ramificação da filosofia que é a bioética e dessa mais recente disciplina jurídica em que se constitui o chamado biodireito ver no particular o livro Reprodução Assistida Aspectos do Biodireito e da Bioética da autoria de Roberto Wider desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Lúmen Júris Editora ano de 2007 16 Daqui se infere é a minha leitura cuidarse de regração legal a salvo da mácula do açodamento ou dos vícios da esdruxularia e da arbitrariedade em matéria tão religiosa filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área da medicina e da genética humana Ao inverso penso t r a t a r s e de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana ou que tenha potencialidade para tanto ainda que assumida ou configurada do lado de fora do corpo feminino caso do embrião in vitro Noutro dizer o que se tem no a r t 5º da Lei de Biossegurança é todo um bem concatenado bloco normativo que debaixo de explícitas cumulativas e razoáveis condições de incidência favorece a propulsão de linhas de pesquisa científica das supostas propriedades terapêuticas de células extraídas dessa heterodoxa realidade que é o embrião humano ín vitro3 17 Com mais clareza talvez o que temos sob exame de validade constitucional é todo um necessário adequado e proporcional conjunto de normas sobre a realização de pesquisas no campo da medicina celular ou regenerativa em paralelo àquelas que se vêm desenvolvendo com outras fontes de célulastronco humanas porém adultas de que servem de amostra as situadas no cordão umbilical no líquido amniótico na medula óssea no sangue da menstruação em células de gordura e até mesmo na pele ou epiderme ³ Lêse em Luís Roberto Barroso que A fertilização in vitro é um método de reprodução assistida destinado a superar a infertilidade conjugal A fecundação é feita em laboratório utilizandose o sêmen doado e os óvulos obtidos mediante aspiração folicular A prática médica consolidada é retirarem diversos óvulos para serem fecundados simultaneamente Implantamse de dois a três embriões fecundados no útero da mãe e o remanescente é congelado nota de rodapé da p 2 do memorial assinado em data de 3 de março de 2008 a mais nova das descobertas com potencialidades que se anuncia como próximas daquelas que são inerentes às célulastronco embrionárias conforme se vê de ampla matéria que a Editora Três fez publicar na revista semanal ISTO É de nº 1987 ano 30 em data de 28 de novembro de 2007 pp 9094 Por conseguinte linhas de pesquisa que não invalidam outras porque a essas outras vêm se somar em prol do mesmo objetivo de enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que severamente limitam atormentam infelicitam desesperam e não raras vezes degradam a vida de expressivo contingente populacional ilustrativamente atrofias espinhais progressivas distrofias musculares a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica as reuropatias e as doenças do neurônio motor além das precedentemente indicadas Contingente em torno de 5 milhões somente para contabilizar os brasileiros que sofrem de algumas doenças genéticas graves segundo dados levantados pela Revista Época edição de 29 de abril de 2007 pp 1317 E quanto aos portadores de diabetes em nosso País a projeção do seu número varia de 10 a 15 milhões segundo elementos que Luis Roberto Barroso p 9 de sua petição em nome da MOVITAE Movimento em Prol da Vida aponta como oriundos da seguinte fonte Nardi Doenças Genéticas gênicas cromossômicas complexas p 209226 18 Ainda assim ponderadamente posto a meu juízo é todo esse bloco normativo do art 5a da Lei de Biossegurança que se vê tachado de contrariar por modo frontal o Magno Texto Republicano Entendimento que vai ao ponto de contrabater a própria abertura ou receptividade da lei para a tese de que as célulastronco embrionárias são dotadas de maior versatilidade para orientadamente em laboratório se converter em qualquer dos 216 tipos de célula do corpo humano revista Veja Editora Abril edição 2050 ano 41 nº9 p 11 de sorte a mais eficazmente recompor a higidez da função de órgãos e sistemas da pessoa humana Equivale a dizer a presente ADIN consubstancia expressa reação até mesmo à abertura da Lei de Biossegurança para a idéia de que célulastronco embrionárias constituem tipologia celular que acena com melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais em situações de anomalias ou graves incômodos genéticos adquiridos ou em conseqüência de acidentes 19 Falo pessoas físicas ou naturais devo explicar para abranger tãosomente aquelas que sobrevivem ao parto feminino e por isso mesmo contempladas com o atributo a que o art 2º do Código Civil Brasileiro chama de personalidade civil l i t e r i s A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro Donde a interpretação de que é preciso vida pósparto para o ganho de uma personalidade perante o Direito teoria natalista portanto em oposição às teorias da personalidade condicional e da concepcionista Mas personalidade como predicado ou apanágio de quem é pessoa numa dimensão biográfica mais que simplesmente biológica segundo este preciso testemunho intelectual do publicista José Afonso da Silva Vida no texto constitucional art 5º caput não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante autoatividade funcional peculiar à matéria orgânica mas na sua acepção biográfica mais compreensiva 4 20 Se é assim ou seja cogitandose de personalidade numa dimensão biográfica penso que se está a falar do indivíduo já empírica ou numericamente agregado à espécie animalhumana isto é já contabilizável como efetiva unidade ou exteriorizada parcela do gênero humano Indivíduo então perceptível a olho nu e que tem sua história de vida incontornavelmente interativa Múltipla e incessantemente relacional Por isso que definido como membro dessa ou daquela sociedade civil e nominalizado sujeito perante o Direito Sujeito que não precisa mais do que de sua própria faticidade como nativivo para instantaneamente se tornar um rematado centro de imputação jurídica Logo sujeito capaz de adquirir direitos em seu próprio nome além de preenchidas certas condições de tempo e de sanidade mental também em nome próprio contrair voluntariamente obrigações e se pôr como endereçado de normas que já signifiquem imposição de deveres propriamente 0 que só pode acontecer a partir do nascimento com vida renovese a proposição 21 Com efeito é para o indivíduo assim biograficamente qualificado que as leis dispõem sobre o seu nominalizado registro em cartório cartório de registro civil das pessoas naturais e lhe conferem uma nacionalidade Indivíduopessoa conseguintemente a se dotar de toda uma gradativa formação moral e espiritual esta última segundo uma cosmovisão não exatamente darwiniana ou evolutiva do ser humano porém criacionista ou divina prisma em que Deus é tido como a nascente e ao mesmo tempo a embocadura de toda a corrente de vida de qualquer dos personalizados seres humanos Com o que se tem a seguinte e ainda provisória definição jurídica vida humana já revestida do atributo da personal idade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte 22 Avanço no raciocínio para assentar que essa reserva de personalidade civil ou biográfica para o nativivo em nada se contrapõe aos comandos da Constituição É que a nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana prénatal Quando fala da dignidade da pessoa 4 Em Curso de Direito Constitucional Positivo 20ª edição p 196 Malheiros humana inciso III do art 1º é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial biográfico moral e espiritual o Estado é confessionalmente leigo sem dúvida mas há referência textual à figura de Deus no preâmbulo dela mesma Constituição E quando se reporta a direitos da pessoa humana alínea b do inciso VII do art 34 livre exercício dos direitos individuais inciso III do art 85 e até dos direitos e garantias individuais como cláusula pétrea inciso IV do 4a do art 60 está falando de direitos e garantias do indivíduopessoa Gente Alguém De nacionalidade brasileira ou então estrangeira mas sempre um ser humano já nascido e que se faz destinatário dos direitos fundamentais à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade art 5º Tanto é assim que ela mesma Constituição faz expresso uso do adjetivo residentes no País não em útero materno e menos ainda em tubo de ensaio ou em placa de Petri além de complementar a referência do seu art 5º aos brasileiros para dizer que eles se alocam em duas categorias a dos brasileiros natos na explícita acepção de nascidos conforme as alíneas a b e c do inciso I do art 12 e brasileiros naturalizados a pressupor formal manifestação de vontade a teor das alíneas a b do inciso II do mesmo art 12 Editores 2001 23 Isto mesmo é de se dizer das vezes tantas em que o Magno Texto Republicano fala da criança como no art 227 e seus lº 3º inciso VII 4º e 7º porque o faz na invariável significação de indivíduo ou criatura humana que já conseguiu ultrapassar a fronteira da vida tãosomente intrauterina Assim como faz o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei Federal nº 8069 de 13 de julho de 1990 conforme este elucidativo texto Art 2º Considerase criança para os efeitos desta Lei a pessoa até 12 doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 doze e 18 dezoito anos de idade Pelo que somente é tido como criança quem ainda não alcançou 12 anos de idade a contar do primeiro dia de vida extrauterina Desconsiderado que fica todo o tempo em que se viveu em estado de embrião e feto 24 Numa primeira síntese então é de se concluir que a Constituição Federal não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa porque nativiva e nessa condição dotada de compostura física ou natural É como dizer a inviolabilidade de que trata o artigo 5 é exclusivamente reportante a um já personalizado indivíduo o inviolável é para o Direito o que o sagrado é para a religião E como se trata de uma Constituição que sobre o início da vida humana é de um silêncio de morte permitome o trocadilho a questão não reside exatamente em se determinar o início da vida do homo sapiens mas em saber que aspectos ou momentos dessa vida estão validamente protegidos pelo Direito infraconstitucional e em que medida Precisamente como esclareceu Débora Diniz na mencionada audiência pública verbis Quando a vida humana tem início O que é vida humana Essas perguntas contêm um enunciado que remete à regressão infinita as células humanas no óvulo antes da fecundação assim como em um óvulo fecundado em um embrião em um feto em uma criança ou em um adulto 0 ciclo interminável de geração da vida humana envolve células humanas e não humanas a tal ponto que descrevemos o fenômeno biológico como reprodução e não simplesmente como produção da vida humana Isso não impede que nosso ordenamento jurídico e moral possa reconhecer alguns estágios da Biologia humana como passíveis de maior proteção do que outros É o caso por exemplo de um cadáver humano protegido por nosso ordenamento No entanto não há como comparar as proteções jurídicas e éticas oferecidas a uma pessoa adulta com as de um cadáver Portanto considerar o marco da fecundação como suficiente para o reconhecimento do embrião como detentor de todas as proteções jurídicas e éticas disponíveis a alguém após o nascimento implica assumir que primeiro a fecundação expressaria não apenas um marco simbólico na reprodução humana mas a resumiria euristicamente uma tese de cunho essencialmente metafísico Segundo haveria uma continuidade entre óvulo fecundado e futura pessoa mas não entre óvulo não fecundado e outras formas de vida celular humana Terceiro na ausência de úteros artificiais a potencialidade embrionária de vir a se desenvolver intraútero pressuporia o dever de uma mulher à gestação como forma a garantir a potencialidade da implantação Quarto a potencialidade embrionária de vir a se desenvolver intraútero deveria ser garantida por um princípio constitucional do direito à vida f l s 11181119 25 Convergentemente essa constatação de que o Direito protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano é o próprio fio condutor de todo o pensamento de Ronald Dworkin constitucionalista norteamericano exposto ao longo das 347 páginas do seu livro Domínio da Vida Editora Martins Fontes São Paulo 2003 Proteção que vai aumentando à medida que a tais etapas do evolver da criatura humana vaise adensando a carga de investimento nela investimento natural ou da própria natureza investimento pessoal dos genitores e familiares É o que se poderia chamar de tutela jurídica proporcional ao tamanho desse investimento simultaneamente natural e pessoal dado que também se faz proporcionalmente maior a cada etapa de vida humana a carga de frustração com a falência ou bancarrota do respectivo processo a curva ascendente de expectativas somente se transmuta em descendente com a chegada da v e l h i c e Confirase e s t a e l u c i d a t i v a passagem Como afirmei acreditamos que uma vida humana bemsucedida segue um certo curso natural Começa com o simples desenvolvimento biológico a concepção o desenvolvimento do feto e a primeira infância e depois prossegue pela educação e pelas escolhas sociais e individuais e culminando na capacidade de estabelecer relações e alcançar os mais variados objetivos Depois de um período de vida normal termina com a morte natural O desperdício dos investimentos criativos naturais e humanos que constituem a história de uma vida normal ocorre quando essa progressão normal se vê frustrada pela morte prematura ou não Quanto lamentável isso é porém o tamanho da frustração depende da fase da vida em que ocorre pois a frustração é maior se a morte ocorrer depois que a pessoa tiver feito um investimento pessoal significativo em sua própria vida e menor se ocorrer depois que algum investimento tiver sido substancialmente concretizado ou tão substancialmente concretizado quanto poderia ter sido p 122 26 Sucede que este o fiat lux da controvérsia a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento Transcendência ou irradiação para alcançar já no plano das leis infraconstitucionais a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que deságüe justamente no individuo pessoa Caso do embrião e do feto segundo a humanitária diretriz de que a eminência da embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifica a tutela das respectivas etapas Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei para colocar a salvo desde a concepção os direitos do nascituro do latim nasciturus que são direitos de quem se encontre a caminho do nascimento Se se prefere considerado o fato de que o fenômeno da concepção já não é exclusivamente intracorpóreo direitos para cujo desfrute se faz necessário um vínculo operacional entre a fertilização do óvulo feminino e a virtualidade para avançar na trilha do nascimento Pois essa aptidão para avançar concretamente na trilha do nascimento é que vai corresponder ao conceito legal de nascituro Categoria exclusivamente jurídica porquanto nãoversada pelas ciências médicas e biológicas e assim conceituada pelo civilista Sílvio Rodrigues in Direito Civil ano de 2001 p 36 Nascituro é o ser já concebido mas que ainda se encontra no ventre materno 27 Igual proteção jurídica se encontra no relato do 3º do art 9º da Lei 943497 segundo o qual É vedado à gestante dispor de tecidos órgãos ou partes de seu corpo vivo exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à saúde do feto negritos à parte Além é claro da norma penal de criminalização do aborto arts 123 a 127 do Decretolei nº 2848 de 7 de dezembro de 1940 com as exceções dos incisos I e II do art 128 a saber se não há outro meio de salvar a vida da gestante aborto terapêutico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou quando incapaz de seu representante legal aborto sentimental ou compassivo Dupla referência legal ao vocábulo gestante para evidenciar que o bem jurídico a tutelar contra o aborto é um organismo ou entidade prénatal quer em estado embrionário quer em estado fetal mas sempre no interior do corpo feminino Não em placa de Petri cilindro metálico ou qualquer outro recipiente mecânico de embriões que não precisaram de intercurso sexual para eclodir 28 Não que a vedação do aborto signifique o reconhecimento legal de que em toda gravidez humana já esteja pressuposta a presença de pelo menos duas pessoas a da mulher grávida e a do ser em gestação Se a interpretação fosse essa então as duas exceções dos incisos I e II do art 128 do Código Penal seriam inconstitucionais sabido que a alínea a do inciso XLVII do art5º da Magna Carta Federal proíbe a pena de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do art 84 XIX 0 que traduz essa vedação do aborto não é outra coisa senão o Direito Penal brasileiro a reconhecer que apesar de nenhuma realidade ou forma de vida pré natal ser uma pessoa física ou natural ainda assim fazse portadora de uma dignidade que importa reconhecer e proteger Reconhecer e proteger aclarese nas condições e limites da legislação ordinária mesma devido ao mutismo da Constituição quanto ao início da vida humana Mas um mutismo hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária ou usual até porque segundo recorda Sérgio da Silva Mendes houve tentativa de se embutir na Lei Maior da República a proteção ao ser humano desde a sua concepção É o que o que noticiam os anais da Assembléia Nacional Constituinte de 19861987 assim invocados por ele Sérgio da Silva Mendes mestre em Direito e doutorando em filosofia pela Universidade Gama Filho RJ 0 positivismológico apela para os métodos tradicionais de interpretação entre eles o da vontade do legislador A averiguação se não vinculante ao menos conduz a hermenêutica sobre caminhos objetiváveis A primeira sugestão na Constituinte acerca da matéria foi feita no capítulo DA FAMÍLIA com a seguinte preocupação sugere normas de proteção à vida desde sua concepção5 Sugestão de nº 421 de 7 de abril de 1987 feita pelo 5 Refirome ao texto ainda inédito que Sérgio da Silva Mendes escreveu sob o então parlamentar Carlos Virgílio porém avaliada como não convincente o bastante para figurar no corpo normativo da Constituição 29 Não estou a ajuizar senão isto a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertálo infraconstitucionalmente contra tentativas esdrúxulas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica Mas as três realidades não se confundem o embrião é o embrião o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos É o produto final dessa metamorfose 0 sufixo grego meta a significar aqui ua mudança tal de estado que implica um ir além de si mesmo para se tornar um outro ser Tal como se dá entre a planta e a semente a chuva e a nuvem a borboleta e a crisálida a crisálida e a lagarta e ninguém afirma que a semente já seja a planta a nuvem a chuva a lagarta a crisálida a crisálida a borboleta O elemento anterior como que tendo de se imolar para o nascimento do posterior Donde não existir pessoa humana embrionária mas embrião de pessoa humana passando necessariamente por essa entidade a que chamamos feto Este e o embrião a merecer tutela infraconstitucional por derivação da tutela que a própria Constituição dispensa à pessoa título de 0 CONSTITUINTE A CONSTITUIÇÃO E A INVIABILIDADE GENÉTICA DO POSITIVISMO LÓGICO elaborado com base no banco de dados da nossa última Assembléia Nacional Constituinte disponível no site do Senado Federal humana propriamente dita Essa pessoa humana agora sim que tanto é parte do todo social quanto um todo à parte Parte de algo e um algo à parte Um microcosmo então a se pôr como a medida de todas as coisas na sempre atual proposição filosófica de Protágoras 485410 aC e a servir de inspiração para os compositores brasileiros TomZé e Ana Carolina afirmarem que O homem é sozinho a casa da humanidade E Fernando Pessoa dizer no imortal poema TABACARIA Não sou nada Nunca serei nada Não posso querer ser nada À parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo 30 Por este visual das coisas não se nega que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino Um gameta masculino com seus 23 cromossomos a se fundir com um gameta feminino também portador de igual número de cromossomos para a formação da unitária célula em que o zigoto consiste Tal como se dá com a desconcertante aritmética do amor um mais um igual a um segundo figuração que se atribui à inspirada pena de Jean Paul Sartre 31 Não pode ser diferente Não há outra matériaprima da vida humana ou diverso modo pelo qual esse tipo de vida animal possa começar já em virtude de um intercurso sexual já em virtude de um ensaio ou cultura em laboratório Afinal o zigoto enquanto primeira fase do embrião humano é isso mesmo o germe de todas as demais células do hominídeo por isso que na sua fase de partida é chamado de célulaovo ou célulamãe em português e de célulamadre em castelhano Realidade seminal que encerra o nosso mais rudimentar ou originário ponto de partida Sem embargo esse insubstituível início de vida é uma realidade distinta daquela constitutiva da pessoa física ou natural não por efeito de uma unânime ou sequer majoritária convicção metafísica esfera cognitiva em que o assunto parece condenado à aporia ou indecidibilidade mas porque assim é que preceitua o Ordenamento Jurídico Brasileiro Convenhamos Deus fecunda a madrugada para o parto diário do sol mas nem a madrugada é o sol nem o sol é a madrugada Não há processo judicial contencioso sem um pedido inicial de prolação de sentença ou acórdão mas nenhum acórdão ou sentença judicial se confunde com aquele originário pedido Cada coisa tem o seu momento ou a sua etapa de ser exclusivamente ela no âmbito de um processo que o Direito pode valorar por um modo tal que o respectivo clímax no caso a pessoa humana apareça como substante em si mesmo Espécie de efeito sem causa normativamente falando ou positivação de uma fundamental dicotomia entre dois planos de realidade o da vida humana intrauterina e o da vida para além dos escaninhos do útero materno tudo perfeitamente de acordo com a festejada proposição kelseniana de que o Direito tem a propriedade de construir suas próprias realidades6 32 Verdade que a Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se refere Nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o significado que elas portam no âmbito justamente das ciências médicas e biológicas Significado que desponta no glossário que se lê às pp 1819 da coletânea que a editora Atheneu fez publicar no recente ano de 2006 com o nome de CélulasTronco A Nova Fronteira de Medicina já o dissemos em nota de rodapé sob a coordenação dos professores Marco Antonio Zago e Dimas Tadeu Covas7 Glossário que reproduzo nos seguintes verbetes Célulatronco embrionária Tipo de célula tronco pluripotente capaz de originar todos os tecidos 6 Kelsen Hans Teoria Pura do Direito 4ª edição págs 269273 7 Marco Antonio Zago membro titular da Academia Brasileira de Ciências é professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de São Paulo e coordenador do Centro de Terapia Celular de Ribeirão Preto além de diretor científico do Hemocentro de Ribeirão Preto Já o segundo coordenador Dimas Tadeu Covas é professorassociado de Clínica médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo além de de um indivíduo adulto que cresce in vitro na forma de linhagens celulares derivadas de embriões humanos Célulatronco adulta Tipo de célulatronco obtida de tecidos após a fase embrionária feto recém nascido adulto As célulastronco adultas até agora isoladas em humanos são tecidoespecíficas ou seja têm capacidade de diferenciação limitada a um único tipo de tecido ou a alguns poucos tecidos relacionados Embrião O ser humano nas primeiras fases de desenvolvimento isto é do fim da segunda até o final da oitava semana quando termina a morfogênese geral Feto Organismo humano em desenvolvimento no período que vai da nona semana de gestação ao nascimento 33 Retomo a t a r e f a de dissecar a l e i para deixar ainda mais explicitado que os embriões a que ela se r e f e r e são aqueles derivados de uma f e r t i l i z a ç ã o que se obtém sem o conúbio ou acasalamento humano Fora da relação sexual Do lado externo do corpo da mulher então e do lado de dentro de provetas ou tubos de ensaio F e r t i l i z a ç ã o in vitro tanto na expressão vocabular do pesquisador do Centro de Terapia Celular de Ribeirão Preto e diretorpresidente do diploma legal quanto das ciências médicas e biológicas no curso de procedimentos de procriação humana assistida Numa frase concepção artificial ou em laboratório ainda numa quadra em que deixam de coincidir os fenômenos da fecundação de um determinado óvulo e a respectiva gravidez humana A primeira já existente a fecundação mas não a segunda a gravidez Logo particularizado caso de um embrião que além de produzido sem cópula humana não se faz acompanhar de uma concreta gestação feminina Donde a proposição de que se toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana Situação em que também deixam de coincidir concepção e nascituro pelo menos enquanto o ovócito óvulo já fecundado não for introduzido no colo do útero feminino 34 Acontece insistimos na anotação que o emprego de tais célulastronco embrionárias para os fins da Lei de Biossegurança tem entre os seus requisitos a expressa autorização do casal produtor do espermatozóide e do óvulo afinal fecundado Fecundado em laboratório ou por um modo artificial também já foi ressaltado mas sem que os respectivos doadores se disponham a assumilos como experimento de procriação própria ou alheia Pelo que não se cuida de interromper gravidez humana pois assim como nenhuma mulher se acha mais ou menos grávida a gravidez é Hemocentro de Ribeiro Preto radical no sentido de que ou já é fato consumado ou dela não se pode cogitar também assim nenhum espécime feminino engravida à distância Por controle remoto o embrião do lado de lá do corpo em tubo de ensaio ou coisa que o valha e a gravidez do lado de cá da mulher Com o que deixa de haver o pressuposto de incidência das normas penais criminalizadoras do aborto até porque positivadas em época 1940 muito anterior às teorias e técnicas de fertilização humana in vitro 35 Nesse ritmo argumentativo digase bem mais não se trata sequer de interrromper uma producente trajetória extrauterina do material constituído e acondicionado em tubo de ensaio simplesmente porque esse modo de irromper em laboratório e permanecer confinado in vitro é para o embrião insuscetível de progressão reprodutiva Impossível de um reprodutivo desenvolvimento contínuo ao contrário data venia da afirmação textualmente feita na petição inicial da presente ação Equivale a dizer o zigoto assim extracorporalmente produzido e também extra corporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária que em termos de uma hipotética gestação humana corresponde ao ditado popular de que uma andorinha só não faz verão Pois o certo é que à falta do húmus ou da constitutiva ambiência orgânica do corpo feminino o óvulo já fecundado mas em estado de congelamento estaca na sua própria linha de partida genética Não tem como alcançar a fase que na mulher grávida corresponde àquela nidação que já é a antesala do feto Mas é embrião que conserva pelo menos durante algum tempo a t o t i p o t ê n c i a para se d i f e r e n c i a r em outro tecido inclusive neurônios que nenhuma célulatronco adulta parece d e t e r Daí o sentido irrecusavelmente instrumental ou u t i l i t á r i o da Lei de Biossegurança em sede c i e n t í f i c o t e r a p ê u t i c a melhor compreendido a p a r t i r das seguintes lucubrações de Marco Antonio Zago ainda uma vez citado 8 Apesar da grande diversidade de células que podem ser reconhecidas em tecidos adultos todas derivam de uma única célulaovo após a fecundação de um óvulo por um espermatozóide Essa única célula tem pois a propriedade de formar todos os tecidos do indivíduo adulto Inicialmente essa célula totipotente dividese formando células idênticas mas muito precocemente na formação do embrião os diferentes grupos celulares vão adquirindo características especializadas e ao mesmo tempo vão restringindo sua capacidade de diferenciação ob c i t pp 3 e 4 sem destaque no original 6 Lêse em Cláudio Fonteies A vida humana é dinamismo essencial inesgotável p 1 A vida humana é dinamismo essencial Na fecundação união do espermatozói de com o óvulo e a partir da fecundação a célula autônoma zigoto que assim surge por movimento de dinamismo próprio independente de qualquer interferência da mãe ou do pai realiza a sua própria constituição bipartindose quadripartindose no segundo dia no terceiro dia e assim por diante 36 Convém repetir com ligeiro acréscimo de idéias 0 embrião viável viável para reprodução humana lógico desde que obtido por manipulação humana e depois aprisionado in vitro empaca nos primeiros degraus do que seria sua evolução genética Isto por se achar impossibilitado de experimentar as metamorfoses de nominização que adviriam de sua eventual nidação Nidação como sabido que já é a fase de implantação do zigoto no endométrio ou parede do útero na perspectiva de sua mutação em feto Dandose que no materno e criativo aconchego do útero o processo reprodutivo é da espécie evolutiva ou de progressivo fazimento de uma nova pessoa humana ao passo que lá na gélida solidão do confinamento in vitro o que se tem é um quadro geneticamente contido do embrião ou pior ainda um processo que tende a ser estacionáriodegenerativo se considerada uma das possibilidades biológicas com que a própria lei trabalhou o risco da gradativa perda da capacidade reprodutiva e quiçá da potipotência do embrião que ultrapassa um certo período de congelamento congelamento que se faz entre três e cinco dias da fecundação Donde em boa medida as seguintes declarações dos doutores Ricardo Ribeiro dos Santos e Patrícia Helena Lucas Pranke respectivamente fls 963 e 929 A técnica do congelamento degrada os embriões diminui a viabilidade desses embriões para o implante para dar um ser vivo completo A viabilidade de embriões congelados há mais de três anos é muito baixa Praticamente nula Teoricamente podemos dizer que em alguns casos como na categoria D o próprio congelamento acaba por destruir o embrião do ponto de vista da viabilidade de ele se transformar em embrião Para pesquisa as células estão vivas então para pesquisa esses embriões são viáveis mas não para a fecundação 37 Afirmese pois e de uma vez por todas que a Lei de Biossegurança não veicula autorização para extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio ou nele já fixado Não é isso O que autoriza a lei é um procedimento externacorporis pinçar de embrião ou embriões humanos obtidos artificialmente e acondicionados in vitro células que presumivelmente dotadas de potência máxima para se diferenciar em outras células e até produzir cópias idênticas a si mesmas fenômeno da autoreplicação poderiam experimentar com o tempo o risco de u a mutação redutora dessa capacidade ímpar Com o que transitariam do nãoaproveitamento reprodutivo para a sua relativa descaracterização como tecido potipotente e daí para o descarte puro e simples como dejeto clínico ou hospitalar Dejeto tanto mais numericamente incontrolável quanto inexistentes os referidos bancos de dados sobre as atividades de reprodução humana assistida e seus produtos finais9 38 Se a realidade é essa ou seja se o tipo de embrião a que se refere a lei não precisa da cópula humana nem do corpo feminino para acontecer como entidade biológica ou material genético embrião que nem saiu de dentro da mulher nem no corpo feminino vai ser introduzido penso que uma pergunta se impõe ao equacionamento jurídico da controvérsia nodular que permeia o presente feito Ei la há base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou in vitro Casal que não consegue procriar pelo método convencional do coito Respondo que sim e é sem nenhuma hesitação que o faço 39 Deveras os artigos 226 e seguintes da Constituição brasileira dispõem que o homem e a mulher seja pelo casamento civil seja pela união estável são as células formadoras dessa fundamental instituição que atende pelo nome de família Família de pronto qualificada como base da sociedade e merecedora da proteção especial do Estado caput do artigo 226 Família ainda que se expande com a chegada dos filhos referidos 12 vezes ora por 9 De se registrar que a presente ação direta não impugna o descarte puro e simples de embriões não aproveitados no respectivo procedimento A impugnação é quanto ao emprego de células em pesquisa científica e terapia humana forma direta ora por forma indireta nos artigos constitucionais de nºs 226 227 e 229 Mas que não deixa de existir quando formada apenas por um dos pais e seus descendentes 4º do art 226 situação em que passa a receber a alcunha de monoparental Sucedendo que nesse mesmo conjunto normativo o Magno Texto Federal passa a dispor sobre a figura do planejamento familiar Mais exatamente planejamento familiar que fruto da livre decisão do casal é fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável 7º desse emblemático artigo 226 negritos à parte Donde a intelecção de que I dispor sobre o tamanho de sua família e possibilidade de sustentála materialmente tanto quanto de assistila física e amorosamente é modalidade de decisão a ser tomada pelo casal Mas decisão tão voluntária quanto responsavelmente tomada tendo como primeiro e explícito suporte o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana inciso III do art 5º II princípio fundamental da dignidade da pessoa humana esse que opera por modo binário ou dual De uma parte para aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à liberdade preâmbulo da Constituição e seu art 5º aqui entendida como autonomia de vontade ou esfera de privacidade decisória De outra banda para contemplar os porvindouros componentes da unidade familiar se por eles optar o casal com planejadas condições de bemestar e assistência físicoafetiva 40 Dáse que essa figura jurídicoconstitucional do planejamento familiar para o exercício de uma paternidade responsável é ainda servida pela parte final do dispositivo sob comento inciso 7º do artigo 226 que impõe ao Estado o dever de propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito direito ao planejamento familiar com paternidade responsável repisese vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas original sem destaque 41 O que agora se tem por conseguinte já é o Poder Público tão proibido de se contrapor à autonomia de vontade decisória do casal quanto obrigado a se postar como aparelho de suprimento dos meios educacionais e científicos para o mais desembaraçado e eficaz desfrute daquela situação jurídica ativa ou direito público subjetivo a um planejamento familiar que se volte para a concreta assunção da mais responsável paternidade Sendo certo que I a fertilização in vitro é peculiarizado meio ou recurso científico a serviço da ampliação da família como entidade digna da especial proteção do Estado base que é de toda a sociedade II não importa para o Direito o processo pelo qual se viabilize a fertilização do óvulo feminino se natural o processo se artificial O que importa é possibilitar ao casal superar os percalços de sua concreta infertilidade e assim contribuir para a perpetuação da espécie humana Experimentando de conseguinte o êxtase do amoradois na paternidade responsável 42 Uma segunda pergunta ainda me parece imprescindível para a formatação do equacionamento jurídicoconstitucional da presente ação Formulaa nos seguintes termos se é legítimo o apelo do casal a processos de assistida procriação humana in vitro fica ele obrigado ao aproveitamento reprodutivo de todos os óvulos eventualmente fecundados Mais claramente falando o recurso a processos de fertilização artificial implica o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher produtora dos óvulos afinal fecundados Todos eles Mesmo que sejam 5 6 10 Pergunta que se impõe já se vê pela consideração de que os procedimentos de procriação assistida não têm como deixar de experimentar todos os óvulos eventualmente produzidos pela doadora e delas retirados no curso de um mesmo período mensal após indução por injeções de hormônios Coleta e experimento que se impõem para evitar novas práticas invasivas incômodas custosas arriscadas do corpo da mulher em curto espaço de tempo 43 Minha resposta no ponto é rotundamente negativa Não existe esse dever do casal seja porque não imposto por nenhuma lei brasileira ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei reza o inciso II do art 5º da Constituição Federal seja porque incompatível com o próprio instituto do planejamento familiar na citada perspectiva da paternidade responsável Planejamento que só pode significar a projeção de um número de filhos pari passu com as possibilidades econômicofinanceiras do casal e sua disponibilidade de tempo e afeto para educálos na senda do que a Constituição mesma sintetiza com esta enfática proclamação axiológica A educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho sem negrito e sublinha no texto original 44 Recolocando a idéia planejamento familiar que se traduza em paternidade responsável é entre outras coisas a projeção de uma prole em número compatível com as efetivas possibilidades materiais e disponibilidades físicoamorosas dos pais Tudo para que eles os pais sem jamais perder de vista o horizonte axiológico do citado art 205 da Constituição ainda possam concretizar um outro conjunto de desígnios igualmente constitucionais o conjunto do artigo 227 impositivo do dever de assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária além de colocálos a salvo de toda de toda forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão 45 Tudo isto em verdade tenho como inexcedível modelo jurídico de planejamento familiar para o concreto exercício de uma paternidade ou procriação responsável Modelo concebido diretamente pela Constituição brasileira de que este Supremo Tribunal Federal é o guardiãomor Despontando claro que se trata de paradigma perfeitamente rimado com a tese de que não se pode compelir nenhum casal ao pleno aproveitamento de todos os embriões sobejantes excedentários dos respectivos propósitos reprodutivos Até porque tal aproveitamento à revelia do casal seria extremamente perigoso para a vida da mulher que passasse pela desdita de uma compulsiva nidação de grande número de embriões a gestante a ter que aceitar verdadeira ninhada de filhos de uma só vez Imposição além do mais que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante em contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art 5º da Constituição l i t e r i s ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante Sem meias palavras tal nidação compulsória corresponderia a impor às mulheres a tirania patriarcal de ter que gerar filhos para os seus maridos ou companheiros na contramão do notável avanço cultural que se contém na máxima de que o grau de civilização de um povo se mede pelo grau de liberdade da mulher Charles Fourier 46 Por outro aspecto importa reconhecer que na base dessa ausência do dever legal de aproveitamento de grande quantidade de embriões in vitro está o fato de que tais embriões não mantêm com as pessoas de cujo material biológico provieram o mesmo vínculo de proximidade física e afetividade que sói acontecer com o zigoto convencional Vale dizer a identidade física psicológica e amorosa do casal especialmente a identidade da mulher é compreensivelmente maior com o zigoto in natura ou nãoartificial Com o corpo que se vai formando no interior de outro corpo de maneira a criar para a gestante falo a partir do que ordinariamente ocorre nas gestações voluntárias toda uma diáfana atmosfera de expectativas sonhos planos desejos risos cuidados sustos apreensões e dores que a poeta Adriene Rich assim traduziu em relato da professora Catharine MackKinnon da Faculdade de Direito de Michigan A criança que trago comigo durante nove meses não pode ser definida nem como eu nem como nãoeu 47 É o trecho que se divisa às pp 77 do mencionado livro Domínio da Vida Mesma página em que o próprio Dworkin retoma o testemunho de Adriene Rich para dizer que Ao ignorar a natureza única da relação entre a mulher grávida e o feto negligenciar a perspectiva da mãe e comparar sua situação à do proprietário de um imóvel ou à de uma mulher ligada a um violinista a afirmação da privacidade obscurece em particular o especial papel criativo da mulher durante a gravidez Seu feto não está meramente dentro dela como poderia estar um objeto inanimado ou alguma coisa viva mas estranha que tivesse sido transplantada para o seu corpo É dela e é dela mais do que de qualquer outra pessoa porque é porque ela fez com que se tornasse vivo Ela já fez um intenso investimento físico e emocional nele diferente do que qualquer outra pessoa possa ter feito inclusive o pai por causa dessas ligações físicas e emocionais é tão errado dizer que o feto está separado dela quanto dizer que não está 48 Realmente o feto é organismo que para continuar vivo precisa da continuidade da vida da gestante Não subsiste por conta própria senão por um átimo Cresce dentro de um corpo que também cresce com ele Pulsa em par com outra pulsação e respira igualmente a dois Não sabe o que é solidão porque desmente a lei da Física de que dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo espaço Se desde os seus primeiros sinais de formação neural já reconhece a voz e o riso de quem o transporta e alimenta quem o transporta e alimenta fica para sempre com o seu retrato sentimental na parede do útero Impossível esquecêlo Se o homem esgota o seu constitutivo papel na formação de um novo ser com o ato em si da produção do sêmen fecundante a mulher não exaure esse papel com a produção do óvulo fecundado Esse ovócito ou célulaovo é apenas o início de uma trajetória intestina que tanto pode dar no esplendor da vida cá de fora passando pelo útero naturalmente como acabar na escuridão de uma urna mortuária o absoluto e terrível colapso da luz na precisa metáfora do mesmo Ronald Dworkin página 280 do seu precioso livro Se a partir de um certo período de vida o feto experimenta o que os teólogos chamam de animação ou presença da alma essa alma juntase à da parturiente para um tipo de coabitação tão inescapável quanto aquela de ordem corporal Duas almas vizinhas de porta no interior de uma só casa maternal Não dá então pra fazer comparação com um tipo de embrião que tem sua dignidade intrínseca reafirmese mas embrião irrompido à distância e que nenhuma chance tem de se aproximar daquela que o tornaria um filho e ele a ela mãe Proximidade que seria até bem mais do que um estar ali do lado fisicamente para se tornar um estar aqui por dentro amorosamente Mas um dentro tão misteriosamente incomensurável quanto intimista que ser voluntariamente mãe é esse dom de fazer o seu ventre do tamanho do mundo e no entanto colocar esse mundo na palma da sua mão 49 Entendase bem o vislumbre da maternidade como realização de um projeto de vida é o ponto mais estratégico de toda a trajetória humana É ele que verdadeiramente assegura a consciente busca da perpetuação da espécie Por isso que nesse preciso lapso temporal a gestante ama a sua criatura com as forças todas do seu extático ser Ama na totalidade do seu coração e da sua mente dos seus órgãos e vísceras instintos e sensações Monumentaliza por tal forma esse amor que se torna a encarnação dele 0 amor a tomar o lugar dela gestante arrebatandoa de si mesma no curso de um processo em que já não há senão o amor a comandar objetivamente as coisas e a fluir por conta própria Sem divisão Sem ninguém no comando Livre de qualquer vontade em sentido psicológico assim como acontece com a circulação do sangue em nossas veias e a corrente dos rios em direção da sua sempre receptiva embocadura o rio se entrega ao mar por inteiro e a cada instante e ainda agradecido por viver assim de se entregar 50 São dois fenômenos concomitantes ou compresentes mas de caráter distinto Um é a gestação em si como elemento ou objetivo dado da natureza Investimento que a natureza faz em um novo exemplar do mais refinado espécime do mundo animal que é o ser humano Outro é a maternidade consentida como subjetivo dado do mais profundo benquerer Investimento que uma criatura humana faz em outra planejada ou assumidamente e que o Direito sobrevalora como expressão da paternidade responsável 7º do art 226 da Constituição relembrese Ali um criativo investimento de ordem física Aqui um criativo investimento de ordem ao mesmo tempo física psicológica e afetiva Anímica verdadeiramente 51 Passa por este ponto de inflexão hermenêutica certamente uma das razões pelas quais o sempre lúcido ministro Celso de Mello assentou que a presente ADIN é a causa mais importante da história deste Supremo Tribunal Federal ao que se sabe é a primeira vez que um Tribunal Constitucional enfrenta a questão do uso científicoterapéutico de célulastronco embrionárias Causa cujo desfecho é de interesse de toda a humanidade Causa ou processo que torna mais que todos os outros esta nossa Corte Constitucional uma casa de fazer destino Pois o que está em debate é mais que a natureza da concepção ou do biológico início do homo sapiens Mais do que a precisa conceituação jurídica de pessoa humana da procriação responsável e dos valores constitucionais da saúde e da liberdade de expressão científica Tudo isso é multo muito mesmo porém ainda não é tudo É também preciso pôr como alvo da nossa investigação de Direito Positivo a natureza mesma da maternidade Essa disposição de gerar um novo ser dentro de si que é total disponibilidade para acolhêlo como parte essencial de uma família e de toda a existência categoria inda maior que a de sociedade Pelo que a interpretação do Direito não tem como deixar de valorála como a parte mais criativa de todo o processo gestacional 0 hermeneuta a se render à evidência de que maternidade assumida e amor absoluto se interpenetram para agir como elemento complementar da formação psicofísica e anímica de uma nova criatura envolvendoa na mais arejada atmosfera de empatia com o mundo cá de fora nas barrigas ditas de aluguel por exemplo é de se presumir que a gestação não se faça acompanhar da maternidade como categoria de um estruturante benquerer Tirante claro situações em que a própria natureza é que incide em anomalias ou desvarios falhando no aporte de sua peculiar contribuição para a saúde físicomental de um ser em estado prénatal 52 É o que tenho como suficiente para numa segunda síntese formular os seguintes juízos de validade constitucional I a decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição rotula como direito ao planejamento familiar fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável II a opção do casal por um processo in vitro de fecundação de óvulos é implícito direito de idêntica matriz constitucional sem acarretar para ele o dever jurídico do aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se revelem geneticamente viáveis 53 Remarco a tessitura do raciocínio se todo casal tem o direito de procriar se esse direito pode passar por sucessivos testes de fecundação in vitro se é da contingência do cultivo ou testes in vitro a produção de embriões em número superior à disposição do casal para aproveitálos procriativamente se não existe enfim o dever legal do casal quanto a esse cabal aproveitamento genético então as alternativas que restavam à Lei de Biossegurança eram somente estas a primeira condenar os embriões à perpetuidade da pena de prisão em congelados tubos de ensaio a segunda deixar que os estabelecimentos médicos de procriação assistida prosseguissem em sua faina de jogar no lixo tudo quanto fosse embrião nãorequestado para o fim de procriação humana a terceira opção estaria exatamente na autorização que fez o art 5º da Lei Mas uma autorização que se fez debaixo de judiciosos parâmetros sem cujo atendimento o embrião in vitro passa a gozar de inviolabilidade ontológica até então não explicitamente assegurada por nenhum diploma legal pensase mais na autorização que a lei veiculou do que no modo necessário adequado e proporcional como o fez Por isso que o chanceler professor e jurista Celso Lafer encaminhou carta à ministra Ellen Gracie presidente desta nossa Corte para sustentar que os controles estabelecidos pela Lei de Biossegurança conciliam adequadamente os valores envolvidos possibilitando os avanços da ciência em defesa da vida e o respeito aos padrões éticos de nossa sociedade 54 Há mais o que dizer Tratase de uma opção legal que segue na mesma trilha da comentada Lei 943497 pois o fato é que um e outro diploma normativo se dessedentaram na mesma fonte o 4º do art 199 da Constituição Federal assim literalmente posto A 1ei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos tecidos e substâncias para fins de transplante pesquisa e tratamento bem como a coleta processamento e transfusão de sangue e seus derivados vedado todo tipo de comercialização 55 Providencial regra constitucional essa que sob inspiração nitidamente fraternal ou solidária transfere para a lei ordinária a possibilidade de sair em socorro daquilo que mais importa para cada indivíduo a preservação de sua própria saúde primeira das condições de qualificação e continuidade de sua vida Regra constitucional que abarca no seu raio pessoal de incidência assim doadores vivos como pessoas já falecidas Por isso que a Lei nº 9434 na parte que interessa ao desfecho desta causa dispôs que a morte encefálica é o marco da cessação da vida de qualquer pessoa física ou natural Ele o cérebro humano comparecendo como divisor de águas isto é aquela pessoa que preserva as suas funções neurais permanece viva para o Direito Quem já não o consegue transpõe de vez as fronteiras desta vida de aquémtúmulo como certa feita disse Guimarães Rosa Confirase o texto legal A retirada post mortem de tecidos órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina art 3 caput 56 O paralelo com o art 5º Lei de Biossegurança é perfeito Respeitados que sejam os pressupostos de aplicabilidade desta última lei o embrião ali referido não é jamais uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova Faltamlhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro humano em gestação Numa palavra não há cérebro Nem concluído nem em formação Pessoa humana por conseqüência não existe nem mesmo como potencialidade Pelo que não se pode sequer cogitar da distinção aristotélica entre ato e potência porque se o embrião in vitro é algo valioso por si mesmo se permanecer assim inescapavelmente confinado é algo que jamais será alguém Não tem como atrair para sua causa a essencial configuração jurídica da maternidade nem se dotar do substrato neural que no fundo é a razão de ser da atribuição de uma personalidade jurídica ao nativivo 57 0 paralelo é mesmo este diante da constatação médica de morte encefálica a lei dá por finda a personalidade humana decretando e simultaneamente executando a pena capital de tudo o mais A vida tãosó e irreversivelmente assegurada por aparelhos já não conta porque definitivamente apartada da pessoa a que pertencia a pessoa já se foi juridicamente enquanto a vida exclusivamente induzida teima em ficar E já não conta pela inescondível realidade de que não há pessoa humana sem o aparato neural que lhe dá acesso às complexas funções do sentimento e do pensar cogito ergo sum sentenciou Descartes da consciência e da memorização das sensações e até do instinto de quem quer que se eleve ao ponto ômega de toda a escala animal que é o caso do ser humano Donde até mesmo se presumir que sem ele aparato neural a própria alma já não tem como cumprir as funções e finalidades a que se preordenou como hóspede desse ou daquele corpo humano10 Em suma e já agora não mais por modo conceitualmente provisório porém definitivo vida humana já rematadamente adornada com o atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral 10 Enquanto Santo Agostinho século V dC se declarava inseguro quanto à existência da alma desde o momento da concepção Santo Tomás de Aquino século XIII dC afirmava categoricamente que o feto não tem uma alma i n t e l e c t u a l ou racional no momento em que é concebido mas que a adquire em algum momento posterior quarenta dias no caso de um feto masculino segundo a doutrina católica t r a d i c i o n a l e mais tarde no caso de um feto feminino Dworkin ob c i t pp 5556 Disse mais Ronald Dworkin sobre o autor da Suma Teológica As idéias de Santo Tomás sobre o desenvolvimento do feto que ele foi buscar em A r i s t ó t e l e s eram extraordinariamente prescientes em alguns aspectos O santo entendeu que o embrião não é uma criança extremamente pequena mas plenamente formada que simplesmente aumenta de tamanho até o nascimento como concluíram alguns c i e n t i s t a s posteriores utilizandose de microscópios primitivos mas sim um organismo que primeiro se desenvolve ao longo de um estágio essencialmente vegetativo entrando a seguir em um estágio em que já estão presentes o i n t e l e c t o e a razão pp 5657 58 Já diante de um embrião rigorosamente situado nos marcos do art 5º da Lei de Biossegurança o que se tem Uma vida vegetativa que se antecipa a do cérebro 0 cérebro ainda não chegou a maternidade também não nenhum dos dois vai chegar nunca mas nem por isso algo oriundo da fusão do material coletado em dois seres humanos deixa de existir no interior de cilíndricos e congelados tubos de ensaio Não deixa de existir pulsantemente o ser das coi sas é o movimen to assentou Heráclito mas sem a menor possibilidade de caminhar na transformadora direção de uma pessoa natural A única trilha que se lhe abre é a do desperdício do seu acreditado poder de recuperar a saúde e até salvar a vida de pessoas agora sim tão cerebradas quanto em carne e ossor músculos sangue nervos e cartilagens a repartir com familiares médicos e amigos as limitações dores e desesperanças de uma vida que muitas vezes tem tudo para ser venturosa e que não é Donde a inevitabilidade da conclusão de que a escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião in vitro menos ainda um frio assassinato porém ua mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio Um olhar mais atento para os explícitos dizeres de um ordenamento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica a liberdade a segurança o bemestar o desenvolvimento a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade mais que tudo fraterna 0 que já significa incorporar às imperecíveis conquistas do constitucionalismo liberal e social o advento do constitucionalismo fraternal tendo por finalidade específica ou valor fundante a integração comunitária Que é vida em comunidade de comum unidade a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade Trajetória do Constitucionalismo que bem se retrata no inciso I do art 3º da nossa Constituição verbis Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil I construir uma sociedade livre justa e solidária 59 Como o juiz não deve se resignar em ser uma traça ou ácaro de processo mas um ser do mundoabro as minhas vistas para o cotidiano existencial do País e o que se me depara Pessoas como Isabel Fillardis fundadora de duas ONGs e conhecida atriz da Rede Globo de Televisão a falar assim da síndrome neurológica de que padece o seu filhinho Jamal de quatro anos de idade 0 Jamal tem West uma síndrome neurológica degenerativa que provoca crises compulsivas capazes de destruir áreas do cérebro Quando você se depara com uma questão como essa a primeira preocupação vai além do diagnóstico o pai quer saber se o filho vai morrer ou será dado como louco Ele chegou a ter 15 crises num dia Comecei uma corrida contra o tempo até achar a medicação própria para interromper as crises Esse é um tempo de incerteza que no nosso caso perdurou pelos dois primeiros anos de vida É impossível não questionar a vida Correio Braziliense Revista do Correio 27 de janeiro de 2008 ano 3 número 141 p 32 60 Assim também o conhecido jornalista e escritor Diogo Mainardi a prestar depoimento sobre um pequeno filho com paralisia cerebral Leiase A paralisia cerebral é uma anomalia motora Meu filho anda errado pega errado fala errado Quando é para soltar um músculo ele contrai Quando é para contrair ele solta O cérebro dá uma ordem o corpo desobedece É o motim do corpo contra o cérebro E depois de descrever os duros testes de fisioterapia a que sua criança tem que se submeter arremata o testemunho com esta frase em que a profundidade poética só não é maior do que a profundidade amorosa Meu filho nunca se interessou por trens elétricos Mas ele tem um Grande Botão Vermelho conectado em mim Ele me liga e desliga quando quer E me faz mudar de trilho soltar fumaça apitar revista Veja editora Abril 7 de março de 2007 p 115 61 Chego a uma terceira síntese parcial se à lei ordinária é permitido fazer coincidir a morte encefálica com a cessação da vida de uma dada pessoa humana se já está assim positivamente regrado que a morte encefálica é o preciso ponto terminal da personalizada existência humana a justificar a remoção de órgãos tecidos e partes do corpo ainda fisicamente pulsante para fins de transplante pesquisa e tratamento se enfim o embrião humano a que se reporta o art 5º da Lei de Biossegurança constitui se num ente absolutamente incapaz de qualquer resquício de vida encefálica então a afirmação de incompatibilidade deste último diploma legal com a Constituição é de ser plena e prontamente rechaçada É afirmativa inteiramente órfã de suporte jurídico positivo sem embargo da inquestionável pureza de propósitos e da franca honestidade intelectual dos que a fazem 62 Como se não bastasse toda essa fundamentação em desfavor da procedência da ADIN sob judice trago à ribalta mais uma invocação de ordem constitucional É que o referido 4º do art 199 da Constituição faz parte não por acaso da seção normativa dedicada à SAÚDE Seção II do Capítulo II do Título VIII Saúde já precedentemente positivada como o primeiro dos direitos sociais de natureza fundamental a teor do art 6º e também como o primeiro dos direitos constitutivos da seguridade social conforme a cabeça do artigo constitucional de nº 194 Mais ainda saúde que é direito de todos e dever do Estado caput do art 196 da Constituição garantida mediante ações e serviços de pronto qualificados como de relevância pública parte inicial do art 197 Com o que se tem o mais venturoso dos encontros entre esse direito à saúde e a própria Ciência No caso ciências médicas biológicas e correlatas diretamente postas pela Constituição a serviço desse bem inestimável do indivíduo que é a sua própria higidez físicomental Sendo de todo importante pontuar que o termo ciência já agora por qualquer de suas modalidades e enquanto atividade individual também faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana Confirase Art 5º IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação 63 E aqui devo pontuar que essa liberdade de expressão é clássico direito constitucionalcivil ou genuíno direito de personalidade oponível sobretudo ao próprio Estado por corresponder à vocação de certas pessoas para qualquer das quatro atividades listadas Vocação para misteres a um só tempo qualificadores do indivíduo e de toda a coletividade Por isso que exigentes do máximo de proteção jurídica até como signo de vida em comum civilizada Alto padrão de cultura jurídica de um povo 64 Acresce que o substantivo expressão especificamente referido à atividade científica é vocábulo que se orna dos seguintes significados primeiramente a liberdade de tessitura ou de elaboração do conhecimento científico em si depois disso igual liberdade de promover a respectiva enunciação para além das fronteiras do puro psiquismo desse ou daquele sujeito cognoscente Vale dizer direito que implica um objetivo subir à tona ou vir a lume de tudo quanto pesquisado testado e comprovado em sede de investigação científica 65 Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que a Constituição mesma abre todo um destacado capítulo para dela Ciência cuidar por modo superlativamente prezável É o capítulo de nº IV do título VIII que principia com a peregrina regra de que O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico a pesquisa e a capacitação tecnológicas art 218 caput Regra de logo complementada com um preceito 1 do mesmo art 218 que tem tudo a ver com a autorização de que trata a cabeça do art 5º da Lei de Biossegurança pois assim redigido A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado tendo em vista o bem público e o progresso das ciências 66 Sem maior esforço mental percebese nessas duas novas passagens normativas o mais forte compromisso da Constituiçãocidadã para com a Ciência enquanto ordem de conhecimento que se eleva à dimensão de sistema ou seja conjunto ordenado de um saber tão metodicamente obtido quanto objetivamente demonstrável 0 oposto portanto do conhecimento aleatório vulgar arbitrário ou por qualquer forma insuscetível de objetiva comprovação 67 Temse neste lanço a clara compreensão de que o patamar do conhecimento científico já corresponde ao mais elevado estádio do desenvolvimento mental do ser humano A deliberada busca da supremacia em si da argumentação e dos processos lógicos Não me impressiona o argumento de autoridade mas isto sim a autoridade do argumento ajuizou Descartes porquanto superador de todo obscurantismo toda superstição todo preconceito todo sectarismo O que favorece o alcance de superiores padrões de autonomia científicotecnológica do nosso País numa quadra histórica em que o novo eldorado já é unanimemente etiquetado como era do conhecimento 68 Era do conhecimento ajuntese em benefício da saúde humana e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria natureza num contexto de solidária compassiva ou fraternal legalidade que longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões in vitro significa apreço e reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam nas ânsias de um infortúnio que muitas vezes lhes parece maior que a ciência dos homens e a própria vontade de Deus Donde a lancinante pergunta que fez uma garotinha brasileira de três anos paraplégica segundo relato da geneticista Mayana Zatz por gue não abrem um buraco em minhas costas e põem dentro dele uma pilha uma bateria para que eu possa andar como as minhas bonecas 69 Pergunta cuja carga de pungente perplexidade nos impele à formulação de outras inquirições já situadas nos altiplanos de uma reflexão que nos cabe fazer com toda maturidade deixar de atalhada ou mais rapidamente contribuir para devolver pessoas assim à plenitude da vida não soaria aos médicos geneticistas e embriologistas como desumana omissão de socorro Um triste concluir que no coração do Direito brasileiro já se instalou de vez o monstro da indiferença Otto Lara Resende Um atestado ou mesmo confissão de que o nosso Ordenamento Jurídico deixa de se colocar do lado dos gue sofrem para se postar do lado do sofrimento Ou por outra devolver à plenitude da vida pessoas que tanto sonham com pilhas nas costas não seria abrir para elas a fascinante experiência de um novo parto Um heterodoxo parto pelos heterodoxos caminhos de uma célulatronco embrionária que a Lei de Biossegurança pôs à disposição da ciência Disponibilizando para ela Ciência o que talvez seja o produto de sua mais requintada criação para fins humanitários e num contexto familiar de legítimo nãoaproveitamento de embriões in vitro Situação em que se possibilita ao próprio embrião cumprir sua destinação de servir à espécie humana Senão pela forja de uma vida estalando de nova porque não mais possível mas pela alternativa estrada do conferir sentido a milhões de vidas preexistentes Pugnando pela subtração de todas elas às tenazes de ua morte muitas vezes tão iminente quanto nãonatural Morte não natural que é por definição a mais radical contraposição da vida Essa vida de aquémtúmulo que bem pode ser uma dança uma festa uma celebração 70 É assim ao influxo desse olhar póspositivista sobre o Direito brasileiro olhar conciliatório do nosso Ordenamento com os imperativos de ética humanista e justiça material que chego à fase da definitiva prolação do meu voto Fazendoo acresço às três sínteses anteriores estes dois outros fundamentos constitucionais do direito à saúde e à livre expressão da atividade científica para julgar como de fato julgo totalmente improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade Não sem antes pedir todas as vênias deste mundo aos que pensam diferentemente seja por convicção jurídica ética ou filosófica seja por artigo de fé É como voto 05032008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL E X P L I C A Ç Ã O O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Senhora Presidente não proferirei ainda o meu voto mas se Vossa Excelência e o Tribunal me permitirem desejo fazer um breve registro a propósito do voto do eminente Relator Ministro CARLOS BRITTO O Supremo Tribunal Federal acaba de ouvir um voto antológico digno de constar dos anais da história desta Corte Suprema e que honra profundamente o seu ilustre prolator o eminente Ministro CARLOS BRITTO cuja decisão será certamente lembrada não apenas pelas presentes mas também pelas futuras gerações O notável voto que acabamos de ouvir representa na verdade a aurora de um novo tempo impregnado de esperança para aqueles abatidos pela angústia da incerteza Significa a celebração solidária da vida e da liberdade Restaura em todos nós a certeza de que milhões de pessoas não mais sucumbirão à desesperança e à amarga frustração de não poderem superar os obstáculos gerados por Jv ADI 3510 DF patologías gravíssimas irreversíveis e incuráveis até o presente momento Em uma palavra Senhora Presidente o luminoso voto proferido pelo eminente Ministro CARLOS BRITTO se acolhido por esta Suprema Corte permitirá a esses milhões de brasileiros hoje postos à margem da vida o exercício concreto de um direito básico e inalienável o direito à busca da felicidade e o de viver com dignidade de que ninguém absolutamente ninguém pode ser privado É este o registro Senhora Presidente que não poderia deixar de fazer depois de ouvir o magnífico voto proferido pelo Ministro CARLOS BRITTO 05032008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL VISTA O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO Senhora Presidente como disse o Ministro Celso de Mello acabamos de ouvir um precioso voto substantivo na qualidade e na informação Também conforme disse Sua Excelência a matéria é extremamente controvertida é matéria de alta complexidade O dever da Suprema Corte de um país quando tem de julgar temas dessa natureza é fazer uma reflexão profunda com tempo com a análise dos autos para que possam ser sopesados todos os argumentos apresentados incluída no caso a audiência pública realizada São essas as razões pelas quais insistindo no aplauso que faço ao magnífico voto do Ministro Carlos Britto secundando as palavras do nosso Decano peço vênia para Sua Excelência para ter vista dos autos 05032008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL VOTO Apartes A Sra Ministra Ellen Gracie Presidente Peço licença ao Ministro Carlos Alberto Direito se o Tribunal assim me permitir para desde logo adiantar o meu voto O Senhor Ministro Marco Aurélio Com alguma tristeza porque Vossa Excelência acaba de sinalizar que procede o que veiculado pela imprensa no sentido de que talvez nos deixe nos próximos dias A Sra Ministra Ellen Gracie Presidente Não Ministro Marco Aurélio em absoluto O motivo que me leva a adiantar o meu voto o Ministro Carlos Alberto Direito o compreenderá perfeitamente é muito pragmático Esta ação direta ingressou no Tribunal no dia 30 de maio de 2005 São portanto passados quase três anos independente da gestão que deu ao processo o eminente Relator o qual fez criteriosamente todas as diligências necessárias inclusive uma muito divulgada audiência pública onde tiveram oportunidade de se manifestar cientistas de um lado e de outro Inobstante tudo isso o processo hoje em julgamento será trazido por Sua Excelência tenho certeza em breve O Sr Ministro Menezes Direito Se Vossa Excelência me permite há inclusive o aspecto particular de não ter sido deferida medida cautelar Portanto não há nenhum óbice quanto ao prosseguimento do processo independentemente de qualquer pedido de vista à Suprema Corte ADI 3510DF A Sra Ministra Ellen Gracie Presidente Inobstante a inexistência de uma medida liminar é de conhecimento geral que as pesquisas se não foram paralisadas sofreram um sensível desestímulo durante esse período Tenho certeza de que Vossa Excelência com a sua diligência trará o processo dentro em breve No entanto esta cadeira me traz infelizmente a tarefa de rememorar aos Colegas que temos na fila para serem chamados a julgamento por este Plenário nada menos que 565 outros processos Desse modo peço novamente escusas ao Ministro Carlos Alberto Direito e aos Colegas para adiantar o meu voto no sentido de acompanhar o eminente Relator Tenho algumas razões do meu convencimento e as farei juntar posteriormente que coincidem em larga medida com as que foram brilhantemente desenvolvidas pelo Ministro Carlos Britto Afirmo em síntese nessas linhas que a Casa não foi chamada a decidir sobre a correção ou superioridade de uma corrente científica ou tecnológica sobre as demais Volto a frisar pois já o disse em outra ocasião que não somos uma academia de ciências O que nos cabe fazer e essa é a província a nós atribuída pela Constituição é contrastar o artigo 5o da Lei n 11105 com os princípios e normas da Constituição Federal Com todas as vénias ao ilustre proponente da ação o ProcuradorGeral da República agora com uma outra identidade pessoal e aos ilustres juristas que secundam a sua posição não constato vício de inconstitucionalidade na referida norma Não se lhe pode opor segundo entendo a garantia da dignidade da pessoa humana artigo 1º inciso III nem a garantia de inviolabilidade da vida pois conforme acredito o pré embrião não acolhido no seu ninho natural de desenvolvimento o útero não se classifica como pessoa A ordem jurídica nacional atribui a qualificação de pessoa ao nascido com vida Por outro lado o préembrião ou ao menos aqueles de que aqui tratamos ou seja os inviáveis e destinados ao descarte também não se enquadra na condição de nascituro pois a esse a própria denominação o esclarece bem se pressupõe a ADI 3510 DF possibilidade a probabilidade de vir a nascer o que não acontece com esses embriões inviáveis ou destinados ao descarte Faço referência também neste voto à regulamentação da matéria tal como ela se deu na GrãBretanha após um extenso debate científico E verifico que a norma brasileira e a sua regulamentação cercam a utilização de células embrionárias das cautelas necessárias a evitar a sua utilização viciosa Por essas razões que estarão bem explicitadas nas palavras que escrevi concluo pela improcedência da ação conforme o voto do Relator 05032008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL V O T O A Senhora Ministra Ellen Gracie Presidente Senhores Ministros é indiscutível o fato de que a propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade pela delicadeza do tema nela trazido gerou como há muito não se via um leque sui generis de expectativas quanto à provável atuação deste Supremo Tribunal Federal no caso ora posto Equivocamse aqueles que enxergaram nesta Corte a figura de um árbitro responsável por proclamar a vitória incontestável dessa ou daquela corrente científica filosófica religiosa moral ou ética sobre todas as demais Essa seria certamente uma tarefa digna de Sísifo Conforme visto ficou sobejamente demonstrada a existência nas diferentes áreas do saber de numerosos entendimentos tão respeitáveis quanto antagônicos no que se refere à especificação do momento exato do surgimento da pessoa humana Buscaramse neste Tribunal a meu ver respostas que nem mesmo os constituintes originário e reformador propuseram se a dar Não há por certo uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal Não somos uma Academia de Ciências A introdução no ordenamento jurídico pátrio de qualquer dos vários marcos propostos pela Ciência deverá ser um exclusivo exercício de opção legislativa passível obviamente de controle quanto a sua conformidade com a Carta de 1988 ADI 3510 DF 2 Por ora cabe a esta Casa averiguar a harmonia do artigo 5 da Lei 11105 de 24032005 Lei de Biossegurança com o disposto no texto constitucional vigente Para tal intento foram apontados na presente ação como parâmetros de verificação mais evidentes o fundamento da dignidade da pessoa humana art 1º III a garantia da inviolabilidade do direito à vida art 5 caput o direito à livre expressão da atividade científica art 5o IX o direito à saúde art 6o o dever do Estado de propiciar de maneira igualitária ações e serviços para promoção proteção e recuperação da saúde art 196 e de promover e incentivar o desenvolvimento científico a pesquisa e a capacitação tecnológica art 218 caput Não há como negar que o legislador brasileiro representante da vontade popular deu resposta a uma inquietante realidade que não mereceu maiores considerações na peça inicial da presente ação direta A fertilização in vitro como técnica de reprodução humana assistida tem ajudado desde o nascimento da britânica Louise Brown há quase trinta anos a realizar o sonho de milhares de casais com dificuldade ou completa impossibilidade de conceber filhos pelo método natural Porém a utilização desse procedimento gera inevitavelmente o surgimento de embriões excedentes muitos deles inviáveis que são descartados ou congelados por tempo indefinido sem a menor perspectiva de que venham a ser implantados em algum órgão uterino e prossigam na formação de uma pessoa humana Penso que o debate sobre a utilização dos embriões humanos nas pesquisas de célulastronco deveria estar necessariamente precedido do questionamento sobre a aceitação desse excedente de óvulos fertilizados como um custo necessário à superação da infertilidade Todavia conforme registrado nas manifestações juntadas aos autos essa relevantíssima questão sobre os ADI 3510DF procedimentos de reprodução assistida apesar da tramitação de alguns projetos de lei nunca foi objeto de regulamentação pelo Congresso Nacional havendo nessa matéria tãosomente uma resolução do Conselho Federal de Medicina Resolução 1358 de 11111992 Recordese que a primeira brasileira fruto de uma fertilização in vitro nasceu em 7 de outubro de 1984 Portanto esse era o cenário fático e lacunoso com o qual se deparou o legislador brasileiro em 2005 quando foi chamado a deliberar sobre a utilização desses mesmos embriões humanos inviáveis ou já há muito tempo criopreservados nas promissoras pesquisas científicas das célulastronco já desenvolvidas em diversas e avançadas linhas nos mais importantes países do mundo 3 No Reino Unido o Human Fertilisation and Embrilogy Act legislação reguladora dos procedimentos de reprodução assistida e das pesquisas embriológica e genética naquele país foi aprovada pelo Parlamento britânico em 1990 após amplo debate social político e científico iniciado em 1982 O referido Diploma permitiu a manipulação científica dos embriões oriundos da fertilização in vitro desde que não transcorridos 14 dias contados do momento da fecundação Conforme demonstrou Letícia da Nóbrega Cesarino no artigo Nas fronteiras do humano os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões1 esse limite temporal presente na lei britânica teve como razão a prevalência do entendimento de que antes do décimo quarto dia haveria uma inadequação no uso da terminologia embrião por existir até o final dessa etapa inicial apenas uma massa de células indiferenciadas geradas pela fertilização do óvulo Segundo essa conceituação somente após esse estágio préembrionário com duração de 14 dias é que surge o embrião como uma estrutura propriamente individual com 1 o aparecimento da linha primitiva que é a estrutura da qual se 1 CESARINO Letícia Nas fronteiras do humano os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões Mana v 13 n 2 Rio de Janeiro out 2007 ADI 3510DF originará a coluna vertebral 2 a perda da capacidade de divisão e de fusão do embrião e 3 a separação do conjunto celular que formará o feto daquele outro que gerará os anexos embrionários como a placenta e o cordão umbilical Tais ocorrências coincidem com a nidação ou seja o momento no qual o embrião se fixaria na parede do útero Essa formulação científica que diferencia o pré ernbrião do embrião coincide com o pensamento de Edward O Wilson que ao discorrer na aclamada obra On Human Nature2 sobre o instante imediatamente posterior à fecundação do óvulo humano assim asseverou verbis The newly fertilized egg a corpuscle one twohundredth of an inch in diameter is not a human being It is a set of instructions sent floating into the cavity of the womb Enfolded within its spherical nucleus are an estimated 250 thousand or more pairs of genes of which fifty thousand will direct the assembly of the proteins and the remainder will regulate their rates of development After the egg penetrates the bloodengorged wall of the uterus it divides again and again The expanding masses of daughter cells fold and crease into ridges loops and layers Then shifting like some magical kaleidoscope they selfassemble into the fetus a precise configutation of blood vessels nerves and other complex tissues A professora Letícia Cesarino acima referida corroborando pensamento de Michael Mulkay conclui que a agregação deste conjunto de fatos na nova categoria préembrião permitiu assim remover o objeto da experimentação científica do escopo do discurso moral para inserilo num universo técnico 4 No Brasil após inclusão em projeto que objetivava a urgente regulamentação do processo de liberação dos 2 WILSON Edward Osborne On Human Nature Cambridge Massachusetts Harvard University Press Tenth printing 1998 p 53 ADI 3510DF organismos geneticamente modificados surge o art 5o da Lei 111052005 que autoriza o manejo das célulastronco embrionárias de uma maneira restrita com a precaução sempre recomendada nos primeiros passos dados nos terrenos ainda pouco conhecidos e explorados A primeira restrição imposta diz respeito à indicação do uso das células embrionárias exclusivamente nas atividades de pesquisa e de terapia Outra limitação relevante é a definição de qual universo de embriões humanos poderão ser utilizados somente aqueles que produzidos por fertilização in vitro técnica de reprodução humana assistida não são aproveitados no respectivo tratamento Fica clara portanto a opção legislativa em dar uma destinação mais nobre aos embriões excedentes fadados ao perecimento Por outro lado fica afastada do ordenamento brasileiro qualquer possibilidade de fertilização de óvulos humanos com o objetivo imediato de produção de material biológico para o desenvolvimento de pesquisas sejam elas quais forem Além de excedentes no procedimento de fertilização in viiro os embriões de uso permitido ainda deverão estar dentre aqueles considerados inviáveis para o desenvolvimento seguro de uma nova pessoa ou congelados há mais de três anos Presente assim a fixação de um lapso temporal razoável que leva em conta tanto a possibilidade dos genitores optarem por uma nova e futura implantação do embrião congelado quanto a improbabilidade de sua utilização para esse mesmo fim após decorrido um triênio de congelamento As restrições não param por aí É preciso ainda para que os embriões possam ser regularmente destinados à pesquisa o expresso consentimento dos genitores e que os projetos das instituições e serviços de saúde candidatos ao recebimento das célulastronco embrionárias sejam anteriormente apreciados e aprovados pelos respectivos comitês de ética em pesquisa ADI 3510DF Salientese que a Lei de Biossegurança reconhecendo a dignidade do material nela tratado e o elevado grau de reprovação social na sua incorreta manipulação categorizou como crime a comercialização do embrião humano com base na lei de doação de órgãos art 5o 3o bem como a sua utilização fora dos moldes previstos no referido artigo 5o Tipificou ainda como delito penal a prática da engenharia genética em célula geminal zigoto ou embrião humano e a clonagem humana arts 6o 25 e 26 5 Assim por verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no tratamento normativo dado à matéria aqui exaustivamente debatida não vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de préembriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas de célulastronco que não teriam outro destino que não o descarte Aliás mesmo que não adotada a concepção acima comentada que demonstra a distinção entre a condição do pré embrião massa indiferenciada de células da qual um ser humano pode ou não emergir e do embrião propriamente dito unidade biológica detentora de vida humana individualizada destaco a plena aplicabilidade no presente caso do princípio utilitarista segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o mínimo de sacrifício possível O aproveitamento nas pesquisas científicas com célulastronco dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos A improbabilidade da utilização desses préembriões absoluta no caso dos inviáveis e altamente previsível na hipótese dos congelados há mais de três anos na geração de novos seres humanos também afasta a alegação de violação ao direito à vida 6 Ante todo o exposto julgo improcedente o pedido formulado na presente ação direta de inconstitucionalidade E como voto PLENÁRIO EXTRATO DE ATA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 PROCED DISTRITO FEDERAL RELATOR MIN CARLOS BRITTO REQTES PROCURADORGERAL DA REPÚBLICA REQDOAS PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADVAS ADVOGADOGERAL DA UNIÃO REQDOAS CONGRESSO NACIONAL INTDO AS CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTDOAS CENTRO DE DIREITO HUMANOS CDH ADVAS ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTDOAS MOVIMENTO EM PROL DA VIDA MOVITAE ADVAS LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO INTDOAS ANIS INSTITUTO DE BIOÉTICA DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADVAS DONNE PISCO E OUTROS ADVAS JOELSON DIAS INTDOAS CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL CNBB ADVAS IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS Decisão Após os votos do Senhor Ministro Carlos Britto relator e da Senhora Ministra Ellen Gracie Presidente julgando improcedente a ação direta pediu vista dos autos o Senhor Ministro Menezes Direito Falaram pelo Ministério Público Federal o ProcuradorGeral da República Dr Antônio Fernando Barros e Silva de Souza pelo amicus curiae Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB o Professor Ives Gandra da Silva Martins pela AdvocaciaGeral da União o Ministro José Antônio Dias Toffoli pelo requerido Congresso Nacional o Dr Leonardo Mundim pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos CDH o Dr Oscar Vilhena Vieira e pelos amici curiae Movimento em Prol da Vida MOVITAE e ANIS Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero o Professor Luís Roberto Barroso Plenário 05032008 Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello Marco Aurélio Gilmar Mendes Cezar Peluso Carlos Britto Joaquim Barbosa Eros Grau Ricardo Lewandowski Cármen Lúcia e Menezes Direito ProcuradorGeral da República Dr Antônio Fernando Barros e Silva de Souza Luiz Tomimatsu Secretário 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 351041 DISTRITO FEDERAL VOTO VISTA O EXMO SR MINISTRO MENEZES DIREITO Ao pedir vista deste processo para melhor estudar e refletir sobre tema da mais alta relevância para a vida nacional como é de praxe nesta Suprema Corte lendo e ouvindo tudo quanto se disse em seguida na melhor expressão de nossa sociedade plural lembreime de Arthur Schopenhauer Nascido em 1788 no mesmo ano que Kant escreveu a sua fundamental Crítica da Razão Prática o filósofo de Dantzig ensinou Pois o que alguém é para si mesmo o que o acompanha na solidão e ninguém lhe pode dar ou retirar é manifestamente para ele mais essencial que tudo quanto puder possuir ou ser aos olhos dos outros Aforismos para a sabedoria da vida São Paulo Martins Fontes 2002 págs 89 Tenho certeza de que é esse o sentimento dos Juízes desta Suprema Corte do Brasil neste e em todos os feitos que são submetidos ao seu julgamento Tratase de Ação Direta ajuizada pelo ProcuradorGeral da República apontando a inconstitucionalidade do art 5o caput e parágrafos da Lei n 11105 de 24 de março de 2005 que tem a redação que se segue Art 5e É permitida para fins de pesquisa e terapia a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento atendidas as seguintes condições I sejam embriões inviáveis ou II sejam embriões congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação desta Lei ou que já congelados na data da publicação desta Lei depois de completarem 3 três anos contados a partir da data de congelamento ADI 3510DF 1 Em qualquer caso é necessário o consentimento dos genitores 2º instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art 15 da Lei n0 9434 de 4 de fevereiro de 1997 Sustenta que violariam o disposto nos arts 1o e 5o da Constituição da República notadamente as garantias da inviolabilidade do direito à vida e à dignidade da pessoa humana com a redação a seguir transcrita Art 1o A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos I a soberania II a cidadania III a dignidade da pessoa humana Art 5o Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes O núcleo da impugnação é a afirmação de que a vida humana acontece na e a partir da fecundação fl 3 e que portanto a utilização do embrião para retirada de célulastronco com sua conseqüente destruição importaria na violação do direito à vida Questiona ainda a importância das pesquisas com célulastronco embrionárias diante dos avanços muito mais promissores da pesquisa científica com célulastronco adultas do que com embrionárias e solicita a designação de audiência pública para oitiva de especialistas que apresenta Manifestaramse nos autos o Senhor Presidente da República por meio da AdvocaciaGeral da União o Congresso Nacional e a ProcuradoriaGeral da ADI 3510 DF República Também foram recebidas as manifestações das seguintes entidades todas admitidas como amici curiae CONECTAS Direitos Humanos Centro de Direitos Humanos CDH Movimento em Prol da Vida MOVITAE ANIS Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero e CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil Atendendo à sugestão formulada pela ProcuradoriaGeral da República o eminente Ministro Carlos Britto Relator convocou uma audiência pública fls 448449 designada para o dia 2042007 que contou com a participação de diversos especialistas no tema tratado nesta ação indicados pela autora e pelos defensores da lei Em sua manifestação fls 82 a 115 o Senhor Presidente da República sustenta que o caso requer uma interpretação própria para o termo vida na Constituição destacada de sua conceituação biológica antropológica religiosa física química ou médica fazendo alusão ao caso julgado no HC n 82424 em que se interpretou o vocábulo raça de forma diversa de sua acepção científica Em seguida menciona a situação do nascituro que segundo Washington de Barros Monteiro seria mera pessoa em potencial mas distinto do embrião que não esteja implantado no ventre materno que não pode ser tido como um fato futuro e certo Compara também a cessação da vida na morte cerebral com a ausência dessa atividade no embrião para concluir que não comporta debater também se existe ou não vida humana a ser protegida pelo Direito nos embriões uma vez que a tutela jurídica pátria como visto recai sobre a vida da pessoa humana Quanto à dignidade da pessoa humana afirma que a própria terminologia empregada no principio afasta per si a possibilidade do enquadramento almejado Vejase O princípio da dignidade da pessoa humana protege inquestionavelmente o ser humano enquanto considerado como pessoa humana ou seja o ser humano detentor de personalidade jurídica Cuida ainda da natureza do embrião como pessoa em potencial cujo ADI 3510DF estatuto jurídico deve distinguirse daquele baseado na personalidade e da potencialidade das pesquisas com célulastronco pedindo o reconhecimento da constitucionalidade da Lei Por sua vez o Congresso Nacional fls 222 a 245 defendeu a constitucionalidade da lei destacando os seguintes pontos i a possibilidade de que os direitos constitucionais sejam conformados pelo legislador não sendo diferente o caso do direito à vida citando o art 128 do Código Penal e ii a autorização por parte do Estado para uso de técnicas de eliminação do embrião antes da ocorrência da nidação representada nos atos que disciplinam o uso do DIU Dispositivo IntraUterino e da Pílula do Dia Seguinte Descreveu o que é atualmente feito com embriões e a superioridade das célulastronco embrionárias para as pesquisas terapêuticas em relação às célulastronco adultas Em sentido contrário a ProcuradoríaGeral da República reforçando os argumentos da inicial ofereceu parecer fls 357 a 380 com a ementa que se segue Ementa 1 O conceito jurídico do início da vida não se esgota no campo do direito civil 2 O direito civil parte do sistema jurídico ordenado dado o caráter de regulação interpessoal no plano familiar sucessório e negocial que lhe é próprio com coerência estabelece no nascimento com vida da pessoa a aptidão a que as relações interpessoais aconteçam 3 O direito constitucional também ocupase do tema vida em perspectiva diversa e fundamental porque ao exigir sua proteção como inviolável expressamente no artigo 5o caput considera a vida em si e convoca o Supremo Tribunal a definir o momento do início da vida 4 A petição inicial dessa ação calcada exclusivamente em fundamentos de ordem científica sustenta que a vida há desde a fecundação para que se preserve sua inviolabilidade 5 Não há pois enfoques contraditórios enquanto no plano do direito constitucional considerase a vida em si para protegêla desde a fecundação no enfoque do direito civil o nascimento com vida é que enseja aconteçam as relações interpessoais considerações outras 6 Pela procedência do pleito ADI 3510 DF Incluído em pauta o julgamento da presente ação foi designado para o dia 532008 Nessa ocasião após o relatório sustentaram oralmente o Senhor ProcuradorGeral da República a CNBB a AdvocaciaGeral da União o Congresso Nacional e os amici curiae Votou o douto Ministro Carlos Britto pela improcedência do pedido Gostaria de registrar desde logo minha maior admiração pelo belo voto proferido a revelar por inteiro sua sensibilidade humanismo e cultura Entendeu o eminente Relator i sobre o conjunto normativo da Lei n 111052005 16 Daqui se infere é a minha leitura cuidarse de regração legal a salvo da mácula do açodamento ou dos vícios da esdruxularia e da arbitrariedade em matéria tão religiosa filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área da medicina e da genética humana Ao inverso penso tratarse de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana ou que tenha potencialidade para tanto ainda que assumida ou configurada do lado de fora do corpo feminino caso do embrião in vitro grifouse ii sobre a argumentação da autora no que se refere ao questionamento da eficiência do tratamento com célulastronco 18 Entendimento que vai ao ponto de contrabater a própria abertura ou receptividade da lei para a tese de que as célulastronco embrionárias são dotadas de maior versatilidade para orientadamente em laboratório se converter em qualquer dos 216 tipos de célula do corpo humano revista Veja Editora Abril edição 2050 ano 41 n9 p 11 de sorte a mais eficazmente recompor a higidez da função de órgãos e sistemas da pessoa humana Equivale a dizer a presente ADIN consubstancia expressa reação até mesmo à abertura da Lei de Biossegurança para a idéia de que células tronco embrionárias constituem tipologia celular que acena com melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais em situações de anomalias ou graves incômodos genéticos adquiridos ou em conseqüência de acidentes grifouse iii sobre a relação entre personalidade e nascimento ou vida ADI 3510DF biográfica 19 Falo pessoas físicas ou naturais devo explicar para abranger tãosomente aquelas que sobrevivem ao parto feminino e por isso mesmo contempladas com o atributo a que o art 2o do Código Civil Brasileiro chama de personalidade civil Uteris A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro Donde a interpretação de que é preciso vida pôsparto para o ganho de uma personalidade perante o Direito teoria natatista portanto em oposição às teorias da personalidade condicional e da concepcionista Mas personalidade como predicado ou apanágio de quem é pessoa numa dimensão biográfica mais que simplesmente biológica segundo este preciso testemunho intelectual do publicista José Afonso da Silva Vida no texto constitucional art 5o caput não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante autoatividade funcional peculiar à matéria orgânica mas na sua acepção biográfica mais compreensiva iv sobre a relação entre vida biográfica e a proteção constitucional 22 Avanço no raciocínio para assentar que essa reserva de personalidade civil ou biográfica para o nativivo em nada se contrapõe aos comandos da Constituição É que a nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana prénatal Quando fala da dignidade da pessoa humana inciso III do art 1o é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial biográfico moral e espiritual o Estado é confessionalmente leigo sem dúvida mas há referência textual à figura de Deus no preâmbulo dela mesma Constituição E quando se reporta a direitos da pessoa humana alínea b do inciso VII do art 34 livre exercício dos direitos individuais inciso III do art 85 e até dos direitos e garantias individuais como cláusula pétrea inciso IV do 4o do art 60 está falando de direitos e garantias do indivíduopessoa Gente Alguém De nacionalidade brasileira ou então estrangeira mas sempre um ser humano já nascido e que se faz destinatário dos direitos fundamentais à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade art 5o Tanto é assim que ela mesma Constituição faz expresso uso do adjetivo residentes no País não em útero materno e menos ainda em tubo de ensaio ou em placa ADI 3510DF de Petri além de complementar a referência do seu art 5o aos brasileiros para dizer que eles se alocam em duas categorias a dos brasileiros natos na explícita acepção de nascidos conforme as alíneas a b e c do inciso I do art 12 e brasileiros naturalizados a pressupor formal manifestação de vontade a teor das alíneas a b do inciso II do mesmo art 12 23 Isto mesmo é de se dizer das vezes tantas em que o Magno Texto Republicano fala da criança como no art 227 e seus 1 3o inciso VII 4o e 7 porque o faz na invariável significação de indivíduo ou criatura humana que já conseguiu ultrapassar a fronteira da vida tãosomente intrauterina Assim como faz o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei Federal n 8069 de 13 de julho de 1990 conforme este elucidativo texto Art 2o Considerase criança para os efeitos desta Lei a pessoa até 12 doze anos de idade incompletos e adolescentes aquela entre 12 doze e 18 dezoito anos de idade Pelo que somente só é tido como criança quem ainda não alcançou 12 anos de idade a contar do primeiro dia de vida extrauterina Desconsiderado que fica todo o tempo em que se viveu em estado de embrião e feto 24 Numa primeira síntese então é de se concluir que a Constituição Federai não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa porque nativiva e nessa condição dotada de compostura física ou natural É como dizer a inviolabilidade de que trata o artigo 5o é exclusivamente reportante a um já personalizado indivíduo o inviolável é para o Direito o que o sagrado é para a religião v sobre a existência de graus diversos de proteção do ser humano 25 Convergentemente essa constatação de que o Direito protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano é o próprio fio condutor de todo o pensamento de Ronald Dworkin constitucionalista norteamericano exposto ao longo das 347 páginas do seu livro Dominio da Vida Editora Martins Fontes São Paulo 2003 Proteção que vai aumentando à medida que a tais etapas do evolver da criatura humana vaise adensando a carga de investimento nela investimento natural ou da própria natureza investimento pessoal dos genitores e familiares ADI 3510DF É o que se poderia chamar de tutela jurídica proporcional ao tamanho desse investimento simultaneamente natural e pessoal dado que também se faz proporcionalmente maior a cada etapa de vida humana a carga de frustração com a falência ou bancarrota do respectivo processo a curva ascendente de expectativas somente se transmuta em descendente com a chegada da velhice vi sobre o alcance do principio da dignidade da pessoa humana este sim base para o reconhecimento de algum grau de proteção ao embrião e ao feto 26 Sucede que este o fiat lux da controvérsia a dignidade da pessoa humana é principio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento Transcendência ou irradiação para alcançar já no plano das leis infraconstitucionais a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que desagüe justamente no indivíduopessoa Caso do embrião e do feto segundo a humanitária diretriz de que a eminência da embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifica a tutela das respectivas etapas Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei para colocar a salvo desde a concepção os direitos do nascituro do latim nasciturus que são direitos de quem se encontre a caminho do nascimento Se se prefere considerado o fato de que o fenômeno da concepção já não é exclusivamente intracorpóreo direitos para cujo desfrute se faz necessário um vínculo operacional entre a fertilização do óvulo feminino e a virtualidade para avançar na trilha do nascimento Pois essa aptidão para avançar concretamente na trilha do nascimento é que vai corresponder ao conceito legal de nascituro Categoria exclusivamente jurídica porquanto nãoversada pelas ciências médicas e biológicas e assim conceituada pelo civilista Sílvio Rodrigues in Direito Civil ano de 2001 p 36 Nascituro é o ser já concebido mas que ainda se encontra no ventre materno vii sobre esclarecendo o reconhecimento de algum grau de proteção ao embrião e ao feto mas desde que no interior do corpo feminino 27 igual proteção jurídica se encontra no relato do 3o do art 9o da Lei 943497 segundo o qual É vedado à gestante dispor de tecidos órgãos ou partes de seu corpo vivo exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à saúde do feto negritos à parte Além é ADI 3510 DF claro da norma penal de criminalização do aborto arts 123 a 127 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 com as exceções dos incisos I e II do art 128 a saber se não há outro meio de salvar a vida da gestante aborto terapêutico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou quando incapaz de seu representante legal aborto sentimental ou compassivo Dupla referência legal ao vocábulo gestante para evidenciar que o bem jurídico a tutelar contra o aborto é um organismo ou entidade prénatal quer em estado embrionário quer em estado fetal mas sempre no interior do corpo feminino Não em placa de Petri cilindro metálico ou qualquer outro recipiente mecânico de embriões que não precisaram de intercurso sexual para eclodir viii sobre a proteção infraconstitucional do feto confirmando a incidência do princípio da dignidade da pessoa humana e a inaplicabilidade da norma constitucional 28 Não que a vedação do aborto signifique o reconhecimento legal de que em toda gravidez humana já esteja pressuposta a presença de pelo menos duas pessoas a da mulher grávida e a do ser em gestação Se a interpretação fosse essa então as duas exceções dos incisos I e II do art 128 do Código Penal seriam inconstitucionais sabido que a alínea a do inciso XLVII do art5 da Magna Carta Federal proíbe a pena de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do art 84 XIX O que traduz essa vedação do aborto não é outra coisa senão o Direito Penal brasileiro a reconhecer que apesar de nenhuma realidade ou forma de vida prénatal ser uma pessoa física ou natural ainda assim fazse portadora de uma dignidade que importa reconhecer e proteger Reconhecer e proteger aclarese nas condições e limites da legislação ordinária mesma devido ao mutismo da Constituição quanto ao início da vida humana ix sobre mais uma vez confirmando a fonte infraconstitucional da proteção do embrião e do feto suas distinções com a pessoa humana e o caráter metamorfico da passagem de uma a outra fase 29 Não estou a ajuizar senão isto a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertálo infraconstitucionalmente contra tentativas esdrúxulas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica Mas as três realidades não se confundem o embrião é o embrião o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana Esta não se antecipa à ADI 3510 DF metamorfose dos outros dois organismos É o produto final dessa metamorfose O sufixo grego meta a significar aqui ua mudança tal de estado que implica um ir além de si mesmo para se tomar um outro ser Tal como se dá entre a planta e a semente a chuva e a nuvem a borboleta e a crisálida a crisálida e a lagarta e ninguém afirma que a semente já seja a planta a nuvem a chuva a lagarta a crisálida a crisálida a borboleta O elemento anterior como que tendo de se imolar para o nascimento do posterior Donde não existir pessoa humana embrionária mas embrião de pessoa humana passando necessariamente por essa entidade a que chamamos feto Este é o embrião a merecer tutela infraconstitucional por derivação da tutela que a própria Constituição dispensa à pessoa humana propriamente dita x sobre o início da vida 30 Por este visual das coisas não se nega que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino 31 Não pode ser diferente Não há outra matériaprima da vida humana ou diverso modo pelo qual esse tipo de vida animal possa começar já em virtude de um intercurso sexual já em virtude de um ensaio ou cultura em laboratório Afinal o zigoto enquanto primeira fase do embrião humano é isso mesmo o germe de todas as demais células do hominídeo por isso que na sua fase de partida é chamado de célulaovo ou célulamãe em português e de célulamadre em castelhano Realidade seminal que encerra o nosso mais rudimentar ou originário ponto de partida Sem embargo esse insubstituível início de vida é uma realidade distinta daquela constitutiva da pessoa física ou natural xi sobre a distinção entre os embriões referidos na lei e o embrião introduzido no útero feminino 33 Retomo a tarefa de dissecar a lei para deixar ainda mais explicitado que os embriões a que ela se refere são aqueles derivados de uma fertilização que se obtém sem o conúbio ou acasalamento humano Fora da relação sexual Do lado externo do corpo da mulher então e do lado de dentro de provetas ou tubos de ensaio Fertilização in vitro tanto na expressão vocabular do diploma legal quanto das ciências médicas e biológicas no curso de procedimentos de procriação humana assistida Numa frase concepção ADI 3510 DF artificial ou em laboratório ainda numa quadra em que deixam de coincidir os fenômenos da fecundação de um determinado óvulo e a respectiva gravidez humana A primeira já existente a fecundação mas não a segunda a gravidez Logo particularizado caso de um embrião que além de produzido sem cópula humana não se faz acompanhar de uma concreta gestação feminina Donde a proposição de que se toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana Situação em que também deixam de coincidir concepção e nascituro pelo menos enquanto o ovocito óvulo já fecundado não for introduzido no colo do útero feminino 35 Nesse ritmo argumentativo digase bem mais não se trata sequer de interrromper uma producente trajetória extrauterina do material constituído e acondicionado em tubo de ensaio simplesmente porque esse modo de irromper em laboratório e permanecer confinado in vitro é para o embrião insuscetível de progressão reprodutiva Impossível de um reprodutivo desenvolvimento contínuo ao contrário data venia da afirmação textualmente feita na petição inicial da presente ação Equivale a dizer o zigoto assim extra corporalmente produzido e também extracorporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária que em termos de uma hipotética gestação humana corresponde ao ditado popular de que uma andorinha só não faz verão Pois o certo é que à falta do húmus ou da constitutiva ambiência orgânica do corpo feminino o óvulo já fecundado mas em estado de congelamento estaca na sua própria linha de partida genética Não tem como alcançar a fase que na mulher grávida corresponde àquela nidação quejá é a antesala do feto xii sobre o caráter utilitário da Lei em razão da totipotencialidade conservada pelos embriões nela referidos na seqüência do texto anterior Mas é embrião que conserva pelo menos durante algum tempo a totipotência para se diferenciar em outro tecido inclusive neurônios que nenhuma célulatronco adulta parece deter Daí o sentido irrecusavelmente instrumental ou utilitário da Lei de Biossegurança em sede científicoterapéutica melhor compreendido a partir das seguintes lucubrações de Marco Antonio Zago ainda uma vez citado Apesar da grande diversidade de células que podem ser reconhecidas em tecidos adultos todas derivam de uma única célulaovo após a fecundação de ADI 3510 DF um óvulo por um espermatozóide Essa única célula tem pois a propriedade de formar todos os tecidos do indivíduo adulto Inicialmente essa célula totipotente dividese formando células idênticas mas muito precocemente na formação do embrião os diferentes grupos celulares vão adquirindo características especializadas e ao mesmo tempo vão restringindo sua capacidade de diferenciação xiii sobre a constitucionalidade e a legalidade das técnicas de inseminação in vitro para reconhecêlas 38 Se a realidade é essa ou seja se o tipo de embrião a que se refere a lei não precisa da cópula humana nem do corpo feminino para acontecer como entidade biológica ou material genético embrião que nem saiu de dentro da mulher nem no corpo feminino vai ser introduzido penso que uma pergunta se impõe ao equacionamento jurídico da controvérsia nodular que permeia o presente feito Eila há base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou in vitro Casal que não consegue procriar pelo método convencional do coito Respondo que sim e é sem nenhuma hesitação que o faço xiv sobre a inexistência de um hipotético dever de introdução dos óvulos fecundados oriundos de processo de fertilização in vitro 42 Uma segunda pergunta ainda me parece imprescindível para a formatação do equacionamento jurídico constitucional da presente ação Formulaa nos seguintes termos se é legítimo o apelo do casal a processos de assistida procriação humana in vitro fica ele obrigado ao aproveitamento reprodutivo de todos os óvulos eventualmente fecundados Mais claramente falando o recurso a processos de fertilização artificial implica o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher produtora dos óvulos afinal fecundados Todos eles Mesmo que sejam 5 6 10 Pergunta que se impõe já se vê pela consideração de que os procedimentos de procriação assistida não têm como deixar de experimentar todos os óvulos eventualmente produzidos pela doadora e delas retirados no curso de um mesmo período mensal apôs indução por injeções de hormônios Coleta e experimento que se impõem para evitar novas práticas invasivas incômodas custosas arriscadas do corpo da mulher em curto espaço de tempo ADI 3510DF 43 Minha resposta no ponto é rotundamente negativa Não existe esse dever do casal seja porque não imposto por nenhuma lei brasileira ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei reza o inciso II do art 5o da Constituição Federal seja porque incompatível com o próprio instituto do planejamento familiar na citada perspectiva da paternidade responsável Planejamento que só pode significar a projeção de um número de filhos pari passu com as possibilidades econômico financeiras do casal e sua disponibilidade de tempo e afeto para educá los na senda do que a Constituição mesma sintetiza com esta enfática proclamação axiológica A educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho sem negrito e sublinha no texto original xv sobre mais uma vez a distinção entre os embriões referidos na lei e o embrião introduzido no útero feminino 56 Respeitados que sejam os pressupostos de aplicabilidade desta última lei o embrião ali referido não é jamais uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova Faltamlhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro humano em gestação Numa palavra não há cérebro Nem concluído nem em formação Pessoa humana por conseqüência não existe nem mesmo como potencialidade Pelo que não se pode sequer cogitar da distinção aristotélica entre ato e potência porque se o embrião in vitro é algo valioso por si mesmo se permanecer assim inescapavelmente confinado é algo que jamais será alguém Não tem como atrair para sua causa a essencial configuração jurídica da maternidade nem se dotar do substrato neural que no fundo é a razão de ser da atribuição de uma personalidade jurídica ao nativivo xvi ainda sobre o início da vida humana 57 O paralelo é mesmo este diante da constatação médica de morte encefálica a lei dá por finda a personalidade humana decretando e simultaneamente executando a pena capital de tudo o mais A vida tãosó e irreversivelmente assegurada por aparelhos já não conta porque definitivamente apartada da pessoa a que pertencia a pessoa já se foi juridicamente enquanto a vida exclusivamente induzida teima em ficar E já não conta pela inescondível realidade de que não há pessoa humana sem o aparato neural que lhe dá acesso às ADI 3510DF complexas funções do sentimento e do pensar cogito ergo sum sentenciou Descartes da consciência e da memorização das sensações e até do instinto de quem quer que se eleve ao ponto ômega de toda a escala animal que é o caso do ser humano Donde até mesmo se presumir que sem ele aparato neural a própria alma já não tem como cumprir as funções e finalidades a que se preordenou como hóspede desse ou daquele corpo humano Em suma e á agora não mais por modo conceitualmente provisório porém definitivo vida humana já rematadamente adornada com o atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral 58 Já diante de um embrião rigorosamente situado nos marcos do art 5o da Lei de Biossegurança o que se tem Uma vida vegetativa que se antecipa a do cérebro O cérebro ainda não chegou a maternidade também não nenhum dos dois vai chegar nunca mas nem por isso algo oriundo da fusão do material coletado em dois seres humanos deixa de existir no interior de cilíndricos e congelados tubos de ensaio Não deixa de existir pulsantemente o ser das coisas é o movimento assentou Heráclito mas sem a menor possibilidade de caminhar na transformadora direção de uma pessoa natural xvii sobre mais uma vez a utilidade da solução dada pela Lei ao embrião de que trata na seqüência do número 58 A única trilha que se lhe abre é a do desperdicio do seu acreditado poder de recuperar a saúde e até salvar a vida de pessoas agora sim tão cerebradas quanto em carne e ossor músculos sangue nervos e cartilagens a repartir com familiares médicos e amigos as limitações dores e desesperanças de uma vida que muitas vezes tem tudo para ser venturosa e que não é Donde a inevitabilidade da conclusão de que a escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião in vitro menos ainda um frio assassinato porém ua mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio Um olhar mais atento para os explícitos dizeres de um ordenamento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica a liberdade a segurança o bemestar o desenvolvimento a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade mais que tudo fraterna O que já significa incorporar às imperecíveis conquistas do constitucionalismo liberal e social o advento do constitucionalismo fraternal tendo por finalidade específica ou valor fundante a integração comunitária Que é vida em comunidade de comum unidade a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de ADI 3510DF transbordante solidariedade Trajetória do Constitucionalismo que bem se retrata no inciso I do art 3o da nossa Constituição verbis Art 3 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil I construir uma sociedade livre justa e solidária xviii sobre o direito de expressão dos cientistas através das pesquisas e o respectivo incentivo público 62 Sendo de todo importante pontuar que o termo ciência já agora por qualquer de suas modalidades e enquanto atividade individual também faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana Confirase Art 5o IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação 63 E aqui devo pontuar que essa liberdade de expressão é clássico direito constitucionalcivil ou genuíno direito de personalidade oponível sobretudo ao próprio Estado por corresponder à vocação de certas pessoas para qualquer das quatro atividades listadas Vocação para misteres a um só tempo qualificadores do indivíduo e de toda a coletividade Por isso que exigentes do máximo de proteção jurídica até como signo de vida em comum civilizada Alto padrão de cultura jurídica de um povo 65 Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que a Constituição mesma abre todo um destacado capítulo para dela Ciência cuidar por modo superlativamente prezável É o capítulo de n IV do título VIII que principia com a peregrina regra de que O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico a pesquisa e a capacitação tecnológicas art 218 caput Regra de logo complementada com um preceito 1o do mesmo art 218 que tem tudo a ver com a autorização de que trata a cabeça do art 5o da Lei de Biossegurança pois assim redigidoA pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado tendo em vista o bem público e o progresso das ciências O tema como sabido é relevante e pioneiro Pedi vista para melhor ADI 3510 DF examinálo Impunhase conhecer o cenário em que se desenvolvem as pesquisas que estão sendo realizadas Tenhase ainda presente que em matéria de ciência e tecnologia os avanços são tão significativos que as afirmações feitas em um momento logo em seguida podem estar ultrapassadas A questão submetida ao julgamento desta Suprema Corte sem dúvida está em um plano de relevância que exige uma prudente reflexão que cada Juiz no íntimo de sua consciência deve realizar Por outro lado não se há de diminuir a diversidade que apresenta apontando soluções e caminhos que bem revelam a essência da sociedade plural que todos devemos respeitar e estimular Não foi por outra razão que escrevi em trabalho acadêmico que uma compreensão do homem na dimensão de corpo e alma distante da idéia de ser apenas uma energia que se esgota no seu corpo deve preceder á resposta da pergunta sobre para que devem servir as descobertas cientificas e tecnológicas E mais ainda essa concepção do ser do homem permite que entendamos melhor que cada descoberta científica e tecnológica é o resultado de um longo processo de amadurecimento composto de passos e passos de evolução que muitas vezes levam a vida inteira expondo o homem a sacrifícios inúteis em síntese desrespeitando aquele valor infinito da vida Vejase que as bactérias não foram descobertas por um cientista mas sim por um dono de armarinho o holandês Antony Van Leeuwenhoek no século XVII e ganhou o mundo porque Regnier de Graaf seu compatriota médico e anatomista que descobriu o ponto gerador de óvulos no ovário escreveu ao Secretário da Sociedade Real de Londres que Leeuwenhoek havia construído um microscópio que podia enxergar objetos muito pequenos e dessa descoberta até a primeira observação do médico inglês John Tyndall com seus tubos de ensaio sobre a luta entre as bactérias e o mofo o Penicillium cerca de dois séculos se passaram e ainda daí até Alexander Fleming perceber que os estafilococos não cresciam em torno do mofo dando origem aos antibióticos termo criado por Selman Waksman o descobridor da estreptomicina mais cerca de trinta anos se foram passando pelo desastre de Robert Koch o notável médico alemão descobridor do bacilo da tuberculose que em decorrência do apressado anúncio de uma vacina provocou a morte de centenas de pacientes Página 16 ADI 3510DF Estudos de direito público e privado Rio de Janeiro RENOVAR 2005 pág 288 O mesmo se diga com relação à descoberta do código genético a partir do cientista americano Ross Granville Harrison que descobriu no início do século XX que a fibra nervosa procedia da propria célula nervosa inaugurando a era da cultura dos tecidos opcitpág 289 Neste julgamento penso que deve ficar claro que não se trata aqui de buscar uma definição científica de determinado evento fazendo uma declaração de princípios de natureza religiosa canônica Não se pode pôr a questão sob esse ângulo Tratase ao contrário de decidir uma questão sob o ângulo jurídico o que não afasta a necessidade de buscar perspectiva interdisciplinar considerando valores apropriados que não se esgotam em um só segmento do conhecimento humano Vale lembrar nesse passo a eterna lição de Santo Tomás de Aquino sobre a verdade no intelecto e nas coisas na ordem em que se relacionam com o intelecto divino Summa theologica Tratado de Deus uno tradução do Padre Raimundo Suarez OP BAC Madrid 1964 págs 633 a 651 A partir dessa visão de mundo que prestigia a diversidade e a pluralidade as instituições políticas e sociais devem se organizar para estabelecer com respeito e dignidade uma regular interação entre os homens Nunca é demais repetir o magistério do Chief Justice Holmes no caso Lochner vs New York 1905 assinalando que a Constituição destinase a pessoas de pontos de vista fundamentalmente diversos e que a circunstância de considerarmos algumas opiniões naturais e familiares ou inovadoras e mesmo escandalosas não pode influenciar nosso julgamento na questão sobre se a lei que as corporifica conflita com a Constituição Francis Fukuyama e Franco Furger acentuaram que cientistas enquanto cientistas não têm qualquer autoridade especial para fazer julgamentos éticos ou políticos acerca dos limites das pesquisas científicas Dados são dados mesmo quando obtidos através de experimentos deliberadamente infecciosos com agentes biológicos fatais em testes clínicos aleatórios como foi feito por cientistas nazistas os resultados são sempre significativos Praticamente todos os cientistas americanos defendem a existência de regras para proteger seres humano como objeto de ADI 3510DF pesquisas Eles assim fazem entretanto não em sua capacidade como cientistas mas como cidadãos agentes morais crentes religiosos ou simplesmente como seres humanos Beyond bioethics a proposal for modernizing the regulation of human biotechnologies Washington Paul H Nitze School Advanced International Studies 2006 pág 42 tradução livre O que há de se determinar é se a Lei que autoriza a utilização de célulastronco extraídas de embriões humanos destinados à geração da vida intenção primeira dos genitores é ou não compatível com a proteção dispensada ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana pelas normas constitucionais E tudo porque se alega de um lado que a simples manipulação de embriões humanos para a pesquisa atentaria contra essa dignidade e de outro que para serem obtidas as célulastronco embrionárias dependeriam da destruição do embrião O que a Suprema Corte do Brasil está desafiando não é portanto uma questão religiosa É uma questão jurídica posta no plano da interpretação constitucional A religião pertence à intimidade do ser do homem e todos nós devemos abrir nossos corações com humildade e grandeza para proclamar nossa fé no mais íntegro respeito moral pela pluralidade que é marca indissociável das sociedades livres Tentar estabelecer a ideologização da ciência ou enxergar obscurantismo nos que crêem e defendem sua fé é indigno desse trânsito da história da humanidade É por essa razão que devemos pôr com toda claridade que estamos julgando o alcance constitucional da proteção á vida e à dignidade da pessoa humana A beleza do tema está bem posta no diálogo epistolar entre o Cardeal Carlo Maria Martini e Umberto Eco Em que crêem os que não crêem Record 2002 Na correspondência trocada em junho de 1995 Umberto Eco pergunta Quando tem início a vida humana pág 31 E responde afirmando que todos já consideram como ser humano o recém nascido ainda ligado ao cordão umbilical De quanto é possível retroceder Se a vida e a humanidade já estão no sêmen ou até mesmo no programa genético podemos considerar que o desperdício do sêmen é um delito comparável ao homicídio págs 3132 Prossegue lembrando as posições de Tertuliano Santo Agostinho e Santo Tomás em torno do momento em que a alma é ADI 3510DF transmitida E depois de anotar que o nãocrente também se coloca o problema assevera que talvez estejamos condenados a saber apenas que existe um processo que seu resultado final é o milagre do recémnascido e que o momento em que se teria o direito de intervir nesse processo e em que não seria mais lícito fazêlo não pode ser esclarecido nem discutido Logo tanto não tomar jamais tal decisão quanto tomála é um risco pelo qual a mãe responde apenas ou diante de Deus ou diante do tribunal da própria consciência e da humanidade pág 33 E faz a terrível advertência O senhor sabe que tais questões não implicam somente uma reflexão sobre o aborto mas uma série dramática de questões novíssimas como por exemplo a engenharia genética e a bioética discutidas hoje por todos crentes ou não Como se posiciona o teólogo diante do criacionismo clássico hoje pág 33 para terminar Definir o que seja e onde tem início a vida é questão que está em jogo a nossa vida Colocarme estas questões é um duro peso moral intelectual e emotivo creia para mim também pág 34 A resposta do Cardeal Martini mostra a complexidade do tema O senhor se refere justamente às sutis reflexões de Tomás sobre as diversas fases do desenvolvimento do vivente Não sou filósofo nem biólogo e não quero adentrarme em tais questões Mas todos sabemos que hoje se conhece melhor o dinamismo do desenvolvimento humano e a clareza de suas determinações genéticas a partir de um ponto que pelo menos teoricamente pode ser precisado A partir da concepção nasce de fato um ser novo Novo significa diverso dos dois elementos que unindose o formaram Tal ser inicia um processo de desenvolvimento que o levará a tornarse aquela criança coisa maravilhosa milagre natural ao qual se deve aderir É este o ser de que se trata desde o início Há uma continuidade na identidade págs 3839 E aduz O senhor conclui dizendo definir o que é e onde tem início a vida é questão em que está em jogo a nossa vida Estou de acordo pelo menos sobre o que é e já dei minha resposta O onde pode continuar misterioso mas está submetido ao valor do o que é Quando alguma coisa tem valor supremo merece supremo respeito É daí que precisamos partir para qualquer casuística dos casoslimite que será sempre árdua de enfrentar mas que partindo desse ponto jamais será enfrentada com leviandade pág 40 ADI 3510DF Creio que é importante pelo menos para o desenvolvimento do meu raciocínio compreender o processo e as técnicas de fertilização in vitro de seus produtos e subprodutos e das linhas básicas de pesquisa com célulastronco embrionárias A chamada fertilização in vitro FIV é hoje juntamente com a inseminação artificial a principal terapia para a infertilidade de casais em virtude de fatores mecânicos endometriose subfertilidade masculina e outras causas não detectadas Em síntese podese dizer que ambas envolvem a substituição da relação sexual Enquanto a inseminação artificial se limita a reproduzir em condições otimizadas porém no próprio corpo da mulher a ejaculação a fertilização in vitro envolve a substituição de toda a biomecânica relativa à fecundação ejaculação migração dos espermatozóides determinação natural do espermatozóide fecundador e penetração do espermatozóide no óvulo por uma manipulação físicoquímica dos gametas em cultura O processo pode ser descrito nas seguintes etapas i a mulher é submetida a uma estimulação hormonal dos folículos ovarianos de modo a produzir uma ovulação múltipla ii os óvulos produzidos pela mulher são aspirados sob monitorização ecográfica via transvaginal iii os óvulos são incubados e mantidos em cultura por cerca de quatro horas iv o esperma do homem é colhido e manipulado para a seleção de espermatozóides v os óvulos são fertilizados com os espermatozóides selecionados vi os óvulos fertilizados embriões são observados e selecionados para implantação vii os embriões selecionados são implantados no útero da mulher viii os embriões excedentes e em boas condições são congelados Disponível em httpwwwclinicadalecombrfertilizacao in vitrohtm httpwwwbebedeprovetacomtransferenciahtm e httpwwwarquivoshelliscombr revista03O3O6O7O3030607ahellis01pdf Acesso em 4abr2008 Na verdade a denominação fertilização in vitro encobre duas grandes técnicas utilizadas nas clínicas de reprodução assistida a fertilização in vitro convencional e a ICSI sigla em inglês para Intracytoplasmic Sperm Injection Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide Na primeira o laboratório coloca os ADI 3510DF espermatozóides selecionados no mesmo meio de cultura dos óvulos e a fecundação ocorre à semelhança do que se dá no corpo da mulher na segunda um único espermatozóide é escolhido e então injetado através de um micromanipulador diretamente no interior do óvulo Com a superestimulação dos folículos ovarianos chegase a produzir até 15 quinze óvulos por ciclo embora normalmente obtenhamse de 5 a 10 Todos os óvulos produzidos são tratados da forma convencional ou com a ICSI sendo que 70 deles são fertilizados com sucesso Considerando que para evitar o risco de gravidez múltipla um máximo de 4 quatro embriões é implantado item I6 das Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida baixadas pela Resolução n 13581992 do CFM Conselho Federal de Medicina não é raro haver embriões excedentes óvulos fertilizados com sucesso e que não podem ser implantados Estes embriões excedentes podem ser divididos em três grupos embriões de boa qualidade de média qualidade e embriões inviáveis para fins de reprodução Os de alta qualidade e os de média qualidade considerados viáveis para fins de reprodução são em geral congelados para aproveitamento futuro é comum a paciente não engravidar em um ciclo vindo a tentar novamente a gravidez com os embriões que foram congelados ou simplesmente desejar um segundo filho se a primeira tentativa foi bem sucedida Os inviáveis são simplesmente descartados como lixo biológico BACZKOWSKI et al Methods of embryo scoring in in vitro fertilization in Reproductive Biology v 4 n 1 págs 5 a 22 No Brasil não é diferente a despeito da proibição constante de norma deontológica Item V 2 das Normas Éticas Para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida Resolução n 13581992 do Conselho Federal de Medicina Daí se vê a importância dos métodos de classificação embrionária na fertilização in vitro porque é através deles que se determina o destino dos embriões produzidos O critério mais comum é o morfológico e abrange o exame do aspecto do embrião nas fases de zigoto de suas primeiras divisões e de blastocisto ADI 3510DF Na fase do zigoto assim chamado o óvulo imediatamente após a fecundação e antes de suas primeiras divisões o estudo de Van Blerkom encontrou relação entre as taxas de gravidez e a simetria e dimensões do pronúcleo e também o número e a localização dos nucléolos Scott e Tesarik se dedicaram à formulação de critérios classificatórios baseados nesses dados cf SCOTT et al Morphology of human pronuclear embryos is positively related to blastocyst development and implantation in Human Reproduction v 15 2000 págs 2394 a 2403 TESARIK et al Embryos with high implantation potential after intracytoplasmic sperm injection can be recognized by a simple noninvasive examination of pronuclear morphology in Human Reproduction v 15 2000 pégs 1396 a 1399 Nas primeiras divisões do embrião 24 a 28 horas após a inseminação FIV ou ICSI a observação se volta para a simetria a fragmentação e o número de células Um embrião considerado de boa qualidade para fins de reprodução deve ter pelo menos 4 células blastômeros no segundo dia e 8 no terceiro Há critérios com quatro e cinco graduações No Brasil Donadio e outros Caracterização da inviabilidade evolutiva de embriões visando doações para pesquisa de células tronco in Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia 2005 2711 66571 adotam um critério de 4 graduações A B C e D conforme os embriões sejam respectivamente aqueles simétricos e sem fragmentação assimétricos ou com até 25 de fragmentação com 25 a 50 do seu volume ocupado por fragmentos e aqueles com 50 ou mais de fragmentação A página da Clínica Magarinos Torres mostra critério similar com fotografias Disponível em httpwwwbebedeprovetacomtransferenciahtm Por sua vez o trabalho de Veeck Atlas of human gametes and conceptuses 1988 é exemplo de critério com 5 graduações que também se vale do tamanho dos blastômeros Por fim o embrião na fase de blastocisto cerca de 4 ou 5 dias após a fecundação apresenta características peculiares como a formação de uma massa central e uma concentração periférica de células e em conseqüência a sua análise morfológica pode utilizar outras observações como a dureza do trofectoderma e a compactação Nesse sentido Garner e outros Blastocyst score affects implantation ADI 3510 DF and pregnancy outcome towards a single blastocyst transfer in Fertility and Sterility 73 pegs 1155 a 1158 propõem uma classificação que leva em conta a massa central ICM inner cell mass o número de células no trofectoderma e a compactação do blastocisto Ainda que esses critérios tenham sido desenvolvidos para serem utilizados de forma autônoma é praxe das clínicas de fertilização a sua conjugação como forma de obter uma seleção mais rígida Mais recentemente os especialistas têm dedicado atenção à velocidade de divisão do zigoto critério que tem se mostrado bastante promissor para se chegar a uma identificação precisa de viabilidade VAN MONTFOORT et al Early cleavage is a valuable addition to existing embryo selection parameters a study using single embryo transfers in Human Reproduction v 19 2004 págs 2103 a 2108 TERRIOU et al Relationship between even early cleavage and day 2 embryo score and assessment of their predictive value for pregnancy in Reproductive Biomedicine Online v14 2007 págs 294 a 299 E essa identificação precisa da viabilidade é exatamente a meta dos profissionais da reprodução assistida uma meta que está cada vez mais próxima e que possibilitará que se alcance a gravidez com a transferência de um único embrião evitandose os riscos e as inconveniências da gravidez gemelar ou múltipla Não é difícil perceber todavia que com a maior precisão na identificação da viabilidade e com a possibilidade da transferência de apenas um único embrião para o útero da paciente um número ainda maior que o atualmente existente de embriões estará fadado ao congelamento a não ser que os métodos de obtenção de óvulos sejam igualmente otimizados Esse prognóstico não é animador porquanto indica aumento futuro do número de embriões em criogenia e em conseqüência do número de embriões desviados de seu destino original Em paralelo às próprias técnicas de reprodução assistida um outro serviço é oferecido rotineiramente pelas clínicas do ramo o diagnóstico genético pré implantação A PGD da sigla em inglês para Reimplantation Genetio Diagnosis é ADI 3510DF uma técnica que permite extrair uma única ou duas células de um embrião gerado in vitro de modo a submetêla a um teste genético que é capaz de identificar algumas anomalias todas cromossomiais e normalmente relacionadas com a formação dos gametas isso sem a destruição do embrião A técnica é utilizada no embrião que se encontra em suas primeiras divisões quando suas poucas células são chamadas de blastômeros Para fins de diagnóstico e quando não submetida a um exame na própria clinica de reprodução a célula é desidratada e enviada em uma placa para o laboratório de análise No padrão atual é possível identificar vários tipos de anomalias como monoploidias 23 cromossomos em lugar de 46 cromossomos pluriploidias triploidias 69 cromossomos em lugar de 46 e tetraploidias 92 cromossomos em lugar de 46 e aneuploidias Estas ao contrário das demais e talvez por não envolverem alterações numéricas em todos os pares de cromossomos não impedem o nascimento com vida e geram indivíduos com síndromes bem identificadas As mais comuns e que podem ser diagnosticadas através da PGD são a monossomia do cromossomo sexual e que leva à síndrome de Turner presente apenas o item X nascem apenas indivíduos do sexo feminino e as trissomias Estas são i a trissomia do cromossomo 13 síndrome de Edwards ii a trissomia do cromossomo 18 síndrome de Patau iii a trissomia do cromossomo 21 síndrome de Down e iv as trissomias do cromossomo sexual a a sindrome de Klinefelter cromossomo sexual XXY e b a presença de um cromossomo sexual com a composição XXX A página da autoridade inglesa responsável pela regulamentação das clínicas de reprodução e da pesquisa com embriões Human Fertilisation and Embriology Authority HFEA mostra uma lista de 63 tipos de anomalias genéticas identificáveis através de PGD Os métodos utilizados para o exame do blastômero são o PCR do inglês Polimerase Chain Reaction que permite a replicação de uma seqüência de DNA para análise e o FISH do inglês Fluorescence in situ Hibridization no qual os cromossomos são marcados com reagentes luminescentes É claro que a adoção dessa técnica não deixa margem a ilusão Se os ADI 3510 DF embriões cujo diagnóstico é negativo são implantados e nascerão com a certeza de que não sofrerão das anomalias pesquisadas é certo que aqueles cujo diagnóstico é positivo não serão escolhidos para implantação Pior serão na grande maioria dos casos simplesmente descartados É a realidade da seleção genética um grande fantasma da manipulação de embriões As técnicas de manipulação de gametas e embriões desenvolvidas nas clínicas de reprodução assistida permitem atualmente a realização de diversos procedimentos de intervenção no processo de reprodução e desenvolvimento humanos dos quais a seleção genética possibilitada pelo diagnóstico préimplantação é apenas um dos mais simples É hoje possível por exemplo a clonagem por divisão artificialmente provocada de embriões a clonagem por intermédio da transferência do núcleo de uma célula somática humana para um óvulo humano a clonagem por meio da transferência do núcleo de uma célula somática humana para um óvulo animal sendo os dois últimos processos variações do procedimento chamado SCNT somatic cell nuclear transfer o transplante pro nuclear transferência do pronúcleo de um óvulo fertilizado para um óvulo de terceiro cujo núcleo foi retirado a partenogênese de um óvulo humano a criação artificial de quimeras através da conjugação de blastômeros obtidos de diferentes embriões a ginogênese transplante pronuclear utilizando apenas o núcleo da mãe e a androgênese transplante pronuclear utilizando apenas o núcleo do pai cf AUSTRALIAN GOVERNMENT NATIONAL HEALTH AND RESEARCH COUNCIL Human Embryo A Biological Definition 2005 págs16 a 19 O estudo de Fukuyama e Furger reporta o caso de um casal que concebeu três filhos com a técnica da cocultura pela qual o óvulo fertilizado in vitro foi cultivado por vários dias em tecido animal o que provavelmente terá transferido material genético animal para as crianças Outro experimento envolveu a produção artificial de uma quimera humana através da fusão de blastômeros de dois embriões um masculino e outro feminino O teste segundo o autor do estudo visava demonstrar a possibilidade de uma correção genética mas foi considerado um engodo opcit pág 87 ADI 3510DF Tudo isso mostra que a experimentação científica parece não se conter em limites autoimpostos As repercussões do uso prático dessas técnicas transbordam do plano jurídico e das dificuldades de identificação parental para atingir o marco definidor da espécie humana com conseqüências sequer imaginadas É claro que para o cientista no recôndito de sua curiosidade intelectual aberto a experiências de toda ordem o ideal é a ausência de qualquer tipo de limitação para o desenvolvimento de suas pesquisas Mas é preciso não esquecer que ao lado da ciência biológica e das demais ciências exatas outras ciências interagem no existir do homem É o que ocorre com a filosofia a ética o direito A interação dessas ciências é que enseja a plenitude da vida humana Por essa razão é que muitos estudos são dedicados hoje à bioética considerandose necessariamente que a descoberta de hoje será ultrapassada no futuro se nós admitirmos ao contrário de muitos filósofos a divisão do tempo fora da existência do tempo presente Ademais as limitações éticas ou filosóficas não significam redução da liberdade de pesquisar Ao reverso podem significar confiança ilimitada na capacidade dos cientistas de alcançar resultados com menor risco relevando que a redução do risco é imperativa quando se trata de vida humana a partir da união dos cromossomos ou se assim preferirmos a partir da necessidade de assegurar a dignidade humana Quando o decreto regulamentar da lei sob exame menciona por exemplo a qualificação da inviabilidade do embrião com alterações genéticas ou alterações morfológicas abre campo minado para a eugenia que sob nenhum aspecto pode ser tolerada Admitir que as clínicas de reprodução assistida sejam as responsáveis pela identificação das alterações genéticas e morfológicas para descartar os embriões equivale a investilas de poder absoluto sobre o que pode ou não desenvolverse autonomamente até o nascimento com vida Esse poder certamente não nos pertence O conceito de célulastronco não é objeto de controvérsias na comunidade científica podendo ser adotada a definição dada pelo National Institute of Health órgão governamental americano responsável pelas políticas federais de saúde são células não especializadas que têm a faculdade de se renovar mediante ADI 3510DF um processo autônomo de divisão e se caracterizam pela possibilidade de sob certas condições fisiológicas ou experimentais transformaremse em células de função especializada como células cardíacas ou produtoras de insulina Stem cell basics Disponível em httpstemcellsnihgovinfobasicsbasics1asp Acesso em 6mar2008 O conceito é fundamentalmente o mesmo do Glossário da International Society for Stem Cell Research ISSCR Células que têm a dupla capacidade de se autorenovar produzir mais célulastronco por divisão celular e de se transformarem em células maduras e especializadas Disponível em httpwwwisscrorgpublicglossaryhtmstem Acesso em 7mar2008 E também da European Molecular Biology Organisation EMBO CélulaTronco Célula que pode produzir continuamente célulasfílhas idênticas e tem a capacidade de produzir célulasfílhas com diferentes e mais específicas propriedades cf SMITH Austin A glossary for stem cell biology in Stem Cell Research Status Prospects Prerequisites EMBO 2006 pág 75 Dois são os tipos de célulastronco de acordo com sua origem ou fonte as célulastronco embrionarias e as célulastronco adultas Estas é importante que se diga são extraídas de tecidos já desenvolvidos como a pele sangue intestinos e músculos e também do cordão umbilical Têm sido assim chamadas exatamente para diferenciálas das célulastronco embrionárias obtidas de embriões Quanto às últimas vale anotar que são obtidas de embriões oriundos de processos de fertilização assistida e não de fertilização natural Vale transcrever a definição do NIH no já citado Stem Cell Basics mostrando que as célulastronco embrionárias são derivadas de embriões Mais precisamente célulastronco embrionárias são derivadas de embriões que se desenvolveram de óvulos fertilizados in vitro em uma clínica de fertilização in vitro e posteriormente doados para fins de pesquisa com o consentimento informado dos doadores Elas não são derivadas de óvulos fertilizados no corpo de uma mulher Os ADI 3510DF embriões dos quais derivam as célulastronco embrionárias têm em regra cinco ou seis dias de existência e são uma microscópica bola de células chamada blastocisto Disponível em httpstemcellsnihgovinfobasicsbasics3asp Acesso em 7mar2008 Na Enciclopédia Eletrônica Medline Plus as célulastronco embrionárias são obtidas tanto de fetos abortados quanto de óvulos fertilizados decorrentes da fertilização in vitro FIV Elas são úteis para finalidades médicas e de pesquisa pois são capazes de produzir células para quase todos os tecidos do corpo As células tronco adultas por sua vez não são tão versáteis para fins de pesquisa por serem específicas de certos tipos de célula como as sanguíneas intestinais epidérmicas e as musculares Disponível em httpwwwnlmnihgovmedlineplusencyarticle007120htm Acesso em 7mar2008 E no Glossário do ISSCR as célulastronco adultas são encontradas em diferentes tecidos do organismo adulto desenvolvido e que permanecem em um estado de não especialização Essas células podem gerar células especializadas do tecido do qual foram obtidas ou seja uma célulatronco cardíaca pode gerar uma célula de função muscular cardíaca mas ainda não está claro se podem gerar todos os tipos de célula do corpo As célulastronco embrionárias segundo o Glossário são células derivadas do aglomerado interior de células do blastocisto Uma célulatronco embrionária é autorenovável pode se autoreplicar pluripotente pode formar todos os tipos de célula encontrados no corpo e em tese imortal Disponível em httpwwwisscrorgpublicglossaryhtmstem Acesso em 7mar 2008 A obtenção da primeira linhagem de célulastronco de embrião humano em 1998 é atribuída a James Thomson e sua equipe THOMSOM et al Embryonic stem cell lines derived from human blastocysts in Science v 282 1998 A fonte das células das quais derivaram as linhagens obtidas é o embrião na fase de blastocisto quatro ou cinco dias após a fertilização O método para obtenção é derivado daquele utilizado em camundongos desde 1981 e é descrito com detalhes no requerimento da patente ao Registro de Patentes dos Estados Unidos da América envolvendo a extração de parte da massa central celular ICM inner cell mass do blastocisto Claim Item 9 United States ADI 3510DF Patents Office appl n 09106390 2661998 Com isso o trofectoderma é removido e o embrião é desagregado destruído Esse é o método comumente utilizado para a obtenção de célulastronco embrionárias Podese dizer que é o método padrão e através dele é que foi obtida a grande maioria das linhagens atualmente disponíveis Por isso é que a obtenção de célulastronco embrionárias é associada à destruição do embrião Como se vê a principal diferença apontada entre as célulastronco embrionárias e as adultas no que se refere a sua capacidade terapêutica reside na flexibilidade ou plasticidade O art 3o da Lei n 111052005 sob exame indica essa característica ao conceituar as célulastronco embrionárias como células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer organismo Sem sombra de dúvida há praticamente um consenso quanto às expectativas despertadas pelas célulastronco embrionárias mas é bom deixar claro que a promessa a elas atribuída não tem pelo menos ainda garantia de concretização Nesse sentido o respeitado cientista Stevens Rehen em entrevista concedida ao Instituto Virtual de CélulasTronco acredita ser precoce qualquer sugestão de aplicação terapêutica de célulastronco embrionárias humanas Disponível em httpwwwivctorgindexphpoptioncomcontenttaskviewid38Itemid2 Acesso em 26mai 2008 São pertinentes as palavras do Deputado da Assembléia Nacional francesa PierreLouis Fagniez ao assinalar que as célulastronco adultas as célulastronco embrionárias e a clonagem terapêutica são incontestavelmente os grandes personagens da pesquisa atual Eles cativam a sociedade e alimentam um imaginário que fascina os homens desde a Antigüidade o da regeneração caminho para a imortalidade Um grande prêmio literário não foi atribuído a um romance que versava justamente sobre o tema da clonagem As pesquisas nesse domínio bastante sensível suscitam reações passionais constituídas de esperança e de angústias Chamadas a revolucionar a medicina regenerativa elas poderiam levar a terapias de um novo século Mas predições não são antevisões ainda que verossimilhantes é bem difícil de antecipar seus resultados A razão e a emoção se misturam sempre ADI 3510 DF confundindo os argumentos que derivam de verdades científicas ou meras convicções Cellules souches et choix éthiques rapport au premier ministre pág 5 grifou se É importante afirmar e reafirmar que a qualidade das pesquisas com célulastronco embrionárias para a investigação científica não pode ser desconsiderada Nem nos cabe fazer sob nenhum ângulo avaliações científicas sobre o assunto Isso quer dizer no meu entender que a comparação entre as duas fontes de célulastronco não é argumento a ser considerado para o julgamento da presente ação Muito menos a tentativa de desqualificação da pesquisa com célulastronco embrionárias considerando que os cientistas trabalham com a perspectiva de melhores resultados com esse tipo celular O que se examina repitase é se o método de obtenção dessas células através da destruição do embrião pode ser admitido A menção comparativa das célulastronco diante do estado atual das pesquisas com cada um de seus tipos releva apenas para o cumprimento do dever de esclarecimento que entendo necessário no desenvolvimento do meu raciocínio Um levantamento das últimas notícias publicadas em páginas especializadas da internet como Publimed Nature New Scientist e BioMedicine mostra que algumas pesquisas com célulastronco adultas já resultam em determinadas terapias enquanto que as pesquisas com célulastronco embrionárias humanas mesmo que bastante promissoras ainda se encontram até mesmo pelo curto tempo de existência em fase inicial No caso de célulastronco adultas além do transplante de medula óssea que serve para combater a leucemia e os linfomas já se noticiam resultados ainda que modestos no tratamento de algumas doenças cardíacas foi o que constatou o Dr Richard K Burt da Faculdade Feinberg de Medicina da Northwestern University ao analisar centenas de estudos realizados entre janeiro de 1997 e dezembro de 2007 dos quais 323 avaliaram viabilidade e toxicidade e 69 avaliaram resultados em pacientes Em 17 estudos envolvendo 1002 pacientes que sofreram ataques cardíacos 16 deles com 493 pacientes mostraram evidências sugerindo que o ADI 3510DF transplante de célulastronco adultas levou a modestas melhoras na função cardíaca Disponível em httpwwwbiomedicineorgmedicinenews1AdultStemCellsHelp ThoseWithlmmuneDisordersHeartDisease127981 v tb The Journal of American Medical Association v 299 n 8 de 27 de fevereiro de 2008 No Brasil o Dr Julio César Voltarelli defensor das pesquisas com célulastronco embrionárias avança no tratamento do diabetes mellitus como ele mesmo teve a oportunidade de registrar na audiência pública de 2042007 Além dele e dentre outros a o Dr Adalberto Luiz Rosa na Universidade de São Paulo unidade de Ribeirão Preto investiga a utilização de célulastronco derivadas de medula óssea na reparação de tecidos ósseos b o Dr Alfredo de Miranda Góes na Universidade Federal de Minas Gerais UFMG tenta promover a Osteogênese usando células tronco mesenquimais humanas c no Centro de Pesquisa Gonçalo Muniz da FIOCRUZ buscase a terapia com célulastronco de medula óssea em indivíduos portadores de mielopatia associada à infecção por HTLV1 e de traumatismo agudo d na Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN o Dr Clodomiro Alves Júnior tenta a diferenciação a adesão e a proliferação de célulastronco de cordão umbilical em biomateriais com superfícies modificadas e o Dr Hans Jurgen Fernando Dohmann pesquisa no PROCEP Centra de Ensino e Pesquisa do PróCardíaco o transplante autólogo de células mononuclears da medula óssea angiogênese na cardiopatia isquêmica f o Dr Ibsen Bellini Coimbra tenta a indução de condrogênese a partir de célulastronco de cordão umbilical g na PUC do Rio Grande do Sul o Dr Jaderson Costa Dacosta busca o transplante de célulastronco da medula óssea para tratamento do processo neurodegenerativo induzido por epilepsia enquanto o Dr Jefferson Luis Braga da Silva tenta a utilização de célulastronco adultas no tratamento de cicatrizes queloidianas e de lesões nervosas periféricas h o Dr Ricardo Ribeiro dos Santos da FIOCRUZ trabalha com célulastronco adultas do fígado com vistas à reparação de tecidos desse órgão i a Dra Maria Eugênia Leite Duarte na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ tenta utilizar célulastronco mesenquimais no reparo da osteonecrose e reconstrução de perdas ósseas e j também relacionada a cardiopatias a pesquisa de Renato Abdala Karam Kalil ADI 3510 DF transplante autólogo de célulastronco da medula na miocardiopatia dilatada não isquêmica Instituto de Cardiologia do Rio Grande do SulFundação Universitária de Cardiologia ICFUC A imprensa noticiou há poucos dias que cientistas da PUC do Paraná em parceria com a Santa Casa de Misericórdia de Curitiba e a Fundação Oswaldo Cruz do Rio conseguiram criar vasos capilares através do uso de célulastronco adultas extraídas do cordão umbilical O Estado de São Paulo edição de 1452008 pág A47 No que concerne às célulastronco embrionárias em um dos artigos mais citados pelos estudiosos na área biotécnica os autores dão conta de que no período entre 111998 e 31122005 315 trezentos e quinze relatos de pesquisas com essas células foram publicados dos quais 28 diziam respeito à sua diferenciação em células ou tecidos especializados enquanto outros 275 à sua caracterização molecular Outros 33 relacionavamse à derivação de linhagens ou ao desenvolvimento de melhores técnicas de cultura GUHR Anke et al Current state of human embryonic stem cell research an overview of cell lines and their use in experimental work Stem Cells 2006 As notícias acerca de pesquisas com célulastronco embrionárias extraídas da página BioMedicine em 1332008 confirmam esse quadro anunciando experimentos em fase de testes que podem levar a terapias para inibir melanomas curar a diabetes tendo sido criadas células producentes de insulina tratar derrames reparação do tecido muscular cardíaco recriar cartilagem e contra a catarata exemplos foram retirados da página BioMedicineorg Disponível em httpnewsbio medicineorqmedicineaspsStem20Cell20ResearchwStem20Cellpaqe1i 1 No Brasil atualmente são desenvolvidas as seguintes pesquisas relacionadas com célulastronco embrionárias humanas a no Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras e na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ o Dr Antonio Carlos Campos de Carvalho busca mecanismos de diferenciação e uso terapêutico b na Universidade Federal de Goiás a Dra Lídia Andreu Guillo testa o ADI 3510DF uso de nanopartículas magnéticas na expansão in vitro dessas células c a Dra Lygia Pereira no Laboratório de Genética Molecular da Universidade de São Paulo USP tenta estabelecer novas linhagens d também na USP a Dra Mari Cleide Sogayar testa o uso de célulastronco embrionárias no reparo de lesões em doenças degenerativas diabetes hepatopatias neuropatias lesões ósseas e lesões renais e e no Rio de Janeiro o Dr Stevens Kastrup Rehen no Laboratório de Neurogênese e Diferenciação Celular da UFRJ busca o controle da aneuploidia e a diferenciação neural Aliás é importante que se registre o empenho e a seriedade dos respeitados pesquisadores que atuam na Universidade Federal do Rio de Janeiro vencendo dificuldades materiais como o próprio Dr Stevens e os Doutores Radovan Borojevic e Cláudia Maria de Castro Batista PósDoutora em Neurociências pela Universidade de Toronto Canadá e responsável pelo estudo de célulastronco neurais em modelos pré clínicos e em doenças neurodegenerativas Muito importante é o registro da descoberta de Shinya Yamanaka cientista da Universidade de Kioto Japão Ele conseguiu em novembro de 2007 transformar célulastronco adultas em células de caráter pluripotente ou seja equiparáveis às célulastronco embrionárias através do que se chamou de reprogramação celular um método alternativo que vem sendo considerado bastante promissor e capaz de suplantar como fonte de célulastronco pluripotentes o método corrente Algum tempo depois cientistas americanos igualaram o feito um deles o próprio Dr James Thomson Embora ambos afirmem que ainda levará certo tempo para que essas células possam ser usadas da mesma forma que as célulasembrionarias James Thomson que confessou ter sempre se preocupado com as implicações éticas das pesquisas com embriões prevê que daqui a uma década isso a problemática das pesquisas com célulastronco embrionárias será apenas uma histórica nota de rodapé A propósito das descobertas o Dr Ian Wilmut criador da ovelha Dolly acabou declarando que iria abandonaras pesquisas com transferência nuclear para se dedicar à reprogramação celular De todos os modos não é razoável como já acentuei sob nenhum ADI 3510DF ângulo desqualificar a qualidade das célulastronco embrionárias reconhecidas cientificamente como de maior espectro para as pesquisas com objetivo terapêutico A circunstância de oferecerem maior risco carcinogênico do que as célulastronco adultas não quer dizer que estas não sejam suscetíveis de riscos assemelhados A questão portanto está assentada no plano científico a cargo dos pesquisadores não nos cabendo analisar ou avaliar No atual contexto os avanços e resultados diariamente obtidos nas pesquisas com célulastronco adultas e embrionárias ora aumentam ora reduzem as diferenças entre um e outro tipo e por conseguinte as suas reais possibilidades de aplicação terapêutica Por isso segundo boa parte dos cientistas ainda não seria interessante abandonar uma ou outra linha de pesquisa Permanece então no presente estado da ciência uma divisão intransponível que subjaz a este julgamento para serem obtidas as célulastronco embrionárias segundo o método adotado como padrão o embrião humano é destruído o que é inaceitável para muitos Do debate que vem sendo travado em praticamente todo o mundo ocidental colhemse argumentos de diferentes naturezas favoráveis e contrários às pesquisas com embriões em geral e com célulastronco embrionárias em particular Os argumentos favoráveis às pesquisas são geralmente i o custo da destruição do embrião é coberto pelos benefícios a serem obtidos ii o embrião não é apenas um aglomerado de células mas não tem o mesmo valor que o ser humano vivo ou mesmo o feto iii considerando que são embriões excedentes de um processo de FIV e seriam de toda sorte destruídos seu aproveitamento nas pesquisas só traria benefícios iv as célulastronco embrionárias são mais flexíveis que as célulastronco adultas ADI 3510DF Por sua vez os argumentos contrários às pesquisas amparamse i na premissa de que o óvulo fecundado embrião exatamente por ser totipotente e poder gerar um ser humano integral e completo já é vida humana ii na existência de métodos alternativos de pesquisa que dispensariam a destruição do embrião iii na existência de insubsistências nas pesquisas com células tronco embrionárias iv na superestimação das potencialidades dessas pesquisas No meu entendimento a valoração do embrião é crucial para o debate De fato a se entender que não tem nenhum valor especial pelo menos um valor diverso do que aquele de um conjunto de células em cultura todos os empecilhos éticos desapareceriam A conclusão não é muito diversa se a medida desse valor supera a de um grupo de células mas não alcança aquela de um ser humano formado ou mesmo de um feto Sua destruição nessa visão não passaria da eliminação de um material biológico É essa por exemplo a visão de Fukuyama e Furger quando anotam que nós não partimos de uma posição próvida Nós acreditamos que os embriões humanos têm um status moral intermediário Eles não são moralmente equivalentes aos recémnascidos a destruição de um embrião para nós não se compara a um homicídio opcit págs 4445 O problema ganha corpo e substância quando se entende que o embrião tem um valor idêntico ao de um ser humano já nascido Jürgen Habermas como de hábito estuda em profundidade esse tema merecendo destacado o trecho que exibe a polaridade que o assunto provoca Um lado descreve o embrião no estágio prematuro de desenvolvimento como um amontoado de células e o confronta com a pessoa do recémnascido a quem primeiramente compete a dignidade ADI 3510DF humana no sentido estritamente moral O outro lado considera a fertilização do óvulo humano como o início relevante de um processo de desenvolvimento já individualizado e controlado por si próprio Segundo essa concepção todo exemplar biologicamente determinável da espécie deve ser considerado como uma pessoa em potencial e como um portador de direitos fundamentais O Futuro da natureza humana São Paulo Martins Fontes 2004 pág 44 Uma alegoria filosófica bem antiga tornase apropriada neste tema o Paradoxo Sorites atribuído ao filófoso de Mégara Eubulides de Mileto e popularizado pelos estóicos talvez inspirado por Zenão de Eléia também referido por Aristóteles que autoriza um questionamento sobre a fluidez dos conceitos Um grão de areia forma um monte de areia Dois grãos Três Um milhão Talvez sim Indagase então em que momento a adição de um único grão de areia origina o monte Os problemas que se encaixam nesse paradoxo podem ser geralmente resolvidos adotandose uma convenção E é isso que muitos se propõem a fazer com base em alguns eventos bem identificados durante o processo de reprodução humana blastocisto formação da linha primitiva nidação movimento nascimento etc Em Roe vs Wade Justice Harry Blackmun adotou uma dessas convenções Não para determinar o início da vida mas para estabelecer em que momento passaria a existir um direito do feto à vida inviolável mesmo em contraste com o direito da mãe De certa forma foi o que fez o douto Ministro Carlos Britto ao comparar a vida do embrião preservado em laboratório com a vida do embrião implantado no útero de uma mulher e a vida de um recémnascido vida biográfica para não reconhecer ao primeiro um direito absoluto à sua preservação Leiase as três realidades não se confundem o embrião é o embrião o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos É o produto final dessa metamorfose grifos originais A idéia da metamorfose contudo é desafiada pelos que valorizam o ADI 3510DF embrião Um dos principais argumentos em contrário é amparado em estudos que indicam haver diversos estágios contínuos no processo de desenvolvimento embrionário e fetal não sendo possível isolar as etapas e portanto considerar algumas mais importantes que outras Essa visão não seria assim fruto de uma crença ou de um dogma mas de uma inferência lógica a partir dos dados que informam o processo de reprodução humana Nessa linha fixar um marco por convenção ao meu sentir não passaria de uma escolha arbitrária A dificuldade do problema fica clara quando são analisadas as decisões tomadas pelos diversos países do mundo sobre o tema o que mostra sua universalidade e sua desvinculação da dogmática religiosa O dissenso em escala global impediu que a Organização das Nações Unidas ONU regulamentasse as pesquisas com célulastronco embrionárias limitandose a divulgar em 832005 uma declaração sobre a clonagem humana que foi rejeitada por diversos países dentre os quais o Brasil por conta da alegada ambigüidade do termo vida humana que poderia impedir a clonagem terapêutica método adotado por algumas nações e do qual deriva segundo muitos um organismo em nada diferente de um embrião Declaração das Nações Unidas sobre Clonagem Humana 59a Assembléia Geral 82a Reunião item 150 Disponível em httpdaccessddsunorgdocUNDOCGENN0449306PDFN0449306pdf OpenEement A União Européia não fugiu ao debate mas tampouco obteve o consenso de seus membros quanto a uma posição única e por decisão de 2542007 deixou os estadosmembros livres para autorizar ou proibir as pesquisas com células tronco embrionárias o que se interpretou como estímulo ao desenvolvimento de pesquisas inovadoras cf Le Monde edição de 2742007 Assim a Europa se divide exatamente entre os países que proíbem e os que autorizam as pesquisas com célulastronco embrionárias sendo que estes últimos praticam diferenciados graus de intervenção na respectiva regulamentação ADI 3510DF Alinhamse entre os países que proíbem as pesquisas a Alemanha a Itália a Áustria e a Polônia Cellules souches et choix éthiques pág 1403 e Beyond bioethics a proposal for modernizing the regulation of human biotechnologies Também httpwwwmbbnetumneduscmaphtml Na Alemanha a proibição é a regra mas excepcionalmente é admitida a importação e a utilização de célulastronco embrionárias desde que i tais células tronco tenham sido obtidas até determinada data no país de origem de acordo com a legislação respectiva e tenham sido preservadas em cultura ou por meio de métodos criogênicos a data limite prevista originalmente era a de 1 o de janeiro de 2002 tendo sido revista recentemente para 1o de maio de 2007 Parlamentares Alemães Diminuem Restrições Sobre CélulasTronco O Estado de São Paulo 1142008 ii os embriões dos quais se originaram tenham sido obtidos através de fertilização in vitro conduzida por médico e com o propósito de induzir a gravidez não servindo mais a esse fim por razões inerentes ao próprio embrião iii nenhum pagamento ou outra vantagem patrimonial tenha sido prometido em troca da doação desses embriões iv a pesquisa seja aprovada pela agência competente mediante análise da descrição do projeto e da compatibilidade de suas razões científicas com o objetivo de a gerar conhecimento em pesquisa básica ou b desenvolver métodos diagnósticos preventivos ou terapêuticos a serem aplicados a seres humanos v o objeto da pesquisa já tenha esgotado todos os meios envolvendo células animais ou experimentos com animais vi o conhecimento científico a ser obtido não possa ser alcançado senão através do uso de célulastronco embrionárias vii tais célulastronco sejam aquelas registradas em um registro público cientificamente reconhecido mantido por agências governamentais ou agências autorizadas pelo respectivo governo e viii receba a aprovação de um comitê ético Stem Cell Act Stammzellgesetz StZG 28 de junho de 2002 A autorização ainda pode ser concedida por tempo limitado De acordo com a Lei de Proteção ao Embrião de 1 o de janeiro de 1991 Gesetz Zum Schutz Von Embryonem só é permitida a fertilização de três óvulos por ciclo e também não se permite a implantação de mais de três embriões ADI 3510DF A legislação alemã foi novamente submetida ao Parlamento neste ano tendo sido elaborados quatro modelos básicos de regulamentação o que mantinha o modelo atual o que previa a liberação de todas as pesquisas e formas de manipulação do embrião o que buscava a proibição integral e finalmente o que foi aprovado contendo apenas uma extensão do termo final de congelamento dos embriões admitidos para pesquisa Germany eases stem cell restrictions deutsche welle Disponível em httpwwwdwworlddedwarticle0325955600htmlmacaen kalenderblatttopthemaenglisch347rdf Acesso em 11abr 2008 A França através de lei de 6 de agosto de 2004 Lei n 2004800 Relative à la Bioéthique adotou uma interessante posição Embora mantendo o princípio de proibição de pesquisas com célulastronco embrionárias estabelecido desde a Lei de Saúde Pública de 1994 concedeu uma permissão temporária uma moratória de 5 cinco anos contada da data de publicação do decreto regulamentar de 722006 ou seja até 2011 Até lá as pesquisas dependem dos seguintes requisitos i devem se dar a partir de embriões oriundos de FIV para fins de procriação que não sejam mais objeto de um projeto parental ii devem se destinar a projetos terapêuticos significativos iii não podem ser substituíveis por métodos alternativos de eficácia comparável e iv devem ser autorizadas pela ABM Agence de la Biomédecine após ouvido o conselho de orientação Cellules souches et choix éthiques págs 174175 Agence de la Biomédecine página na Internet httpwwwagence biomedecinefrfrindexaspx Dentre os países que autorizam a pesquisa destacamse na Europa a GrãBretanha a Bélgica e a Suécia A GrãBretanha regula as pesquisas com célulastronco embrionárias desde 1990 com a edição do Human Fertilisation and Embriology Act HFE 111c e Anexo 2 3 sobressaindose por já não proibir sequer a clonagem terapéutica e a criação de embriões para fins de pesquisa Exerce papel fundamental no sistema britânico a autoridade criada pelo HFE Human Fertilisation and Embriology Authority HFEA Suas principais ADI 3510DF atribuições são i conceder licenças para fiscalizar as clínicas de reprodução assistida que utilizem de processos de fertlização in vitro FIV ii conceder licenças para funcionamento dos centros de pesquisa com embriões humanos e fiscalizálos iii conceder licenças e fiscalizar os bancos de estocagem de gametas e embriões iv manter um registro de doadores de gametas tratamentos de fertilização e crianças nascidas desses tratamentos e v elaborar um código de conduta a ser observado pelas clínicas de reprodução assistida e centros de pesquisa Existem rigorosos controles de acompanhamento relatórios periódicos devem ser enviados às autoridades de seis em seis meses de necessidade as pesquisas não serão autorizadas por exemplo se podem ser substituídas por aquelas com célulastronco de animais ou adultas e de objetivos as pesquisas devem buscar a implementação de técnicas de tratamento de esterilidade ou de diagnóstico de doenças hereditárias o conhecimento relativo a abortos espontâneos o desenvolvimento de técnicas de contracepção mais eficazes e de detecção de anomalias cromossômicas hereditárias o conhecimento do desenvolvimento dos embriões e o tratamento de doenças graves Anexo 2 32 A despeito da liberalidade do legislador que admite até mesmo a fertilização de óvulo animal com esperma humano Anexo 2 11f e 35 as proibições não deixam de ser enumeradas demonstrando a preocupação com o sempre real e iminente perigo de utilização indevida do material de pesquisa Assim por exemplo i introduzir no útero de uma mulher um embrião que não seja humano ou gametas que não sejam humanos ii guardar ou manipular embriões após o aparecimento da linha primitiva 14 dias e iii substituir o núcleo celular de um embrião com o núcleo de outro embrião ou de outra pessoa 33 Atualmente está em discussão no Parlamento uma revisão do HFE apelidada de Human Fertilisation and Embriology Bill que pretende ampliar ainda mais as possibilidades de pesquisa com embriões Uma das mais destacadas envolve a criação de embriões híbridos DNA humano em citoplasma de vaca para lidar com a escassez de célulastronco para pesquisa ensejando a criação de novas linhagens Disponível em httpservicesparliamentukbills200708humanfertilisationandembryologyhtml ADI 3510DF A Suécia também se destaca ao permitir desde 1991 as pesquisas diretamente com os próprios embriões também até o seu 14 dia de existência e vedada sua implantação e a partir de 2005 com as célulastronco embrionárias desde que autorizadas por um comitê ético que determina antes de cada pesquisa um estudo sobre seus benefícios e riscos Cellules souches et choix éthiques pág137 A Espanha que em 2003 editou uma lei que restringia as pesquisas com embriões que já estivessem congelados até aquele ano editou em 26 de maio de 2006 a Ley sobre Técnicas de Reproducción Humana Asistida levantando essas restrições e deixando aos pais biológicos a decisão sobre sua utilização Esse país foi mais além e se juntou à GrãBretanha Suécia e Bélgica na lista de países que admitem a clonagem terapêutica Interessante é a preocupação no sentido de que e tratamiento deberá evitar la gestación múltiple la práctica de la reducción embrionaria y la generación de preembriones supernumerarios limitando a implantação a 3 três préembriões considerados os óvulos fecundados com até 14 dias de existencia A imposição da lei anterior que limitava a fecundação a um máximo de 3 três ovócitos por ciclo foi retirada Na Bélgica a lei de 11 de maio de 2003 loi relative à la recherche sur les embryons in vitro admitiu a pesquisa com embriões em cultura desde que i tenha objetivo terapêutico ou de contribuição para o conhecimento em matéria de fertilidade de esterilidade ou de formação de órgãos e tecidos ii seja baseada nos conhecimentos científicos mais atualizados e satisfaça as exigências de uma metodologia correta de pesquisa científica iii seja efetuada em um laboratório autorizado ligado a um programa universitário de medicina reprodutiva iv seja supervisionada por um médico especialista ou um doutor em ciências v os embriões tenham até 14 quatorze dias de existência sem congelamento e vi não existam outros métodos de pesquisa alternativos com eficácia comparável Exigese ainda o consentimento prévio dos doadores A criação de embriões in vitro somente é autorizada se o objetivo da pesquisa não for alcançável com os embriões excedentes Disponível em httpwwwstaatsbladclipbelois20030528loi2003022592html Em Portugal a Lei n 322006 de 26 de julho permitiu através de seu ADI 3510DF art 9o as pesquisas com embriões sempre que observadas as condições ali estabelecidas como a proibição da criação de embriões e da investigação científica para fins outros que não a prevenção o diagnóstico ou a terapia de embriões aperfeiçoamento das técnicas de reprodução assistida e para a constituição de bancos de célulastronco para transplante ou quaisquer outras finalidades terapêuticas O uso de embriões para pesquisa somente será admitido se for razoável esperar que resulte em benefício para a humanidade A pesquisa de todo modo deverá ser previamente apreciada e aprovada pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida Nos Estados Unidos como se sabe os estados federados estão livres para baixar suas próprias políticas havendo restrição apenas no que se refere ao financiamento público federal Nessa linha proíbem quaisquer pesquisas envolvendo embriões os Estados da Flórida Louisiana Maine Michigan Minnesota Dakota do Norte Pensilvânia e Dakota do Sul Permitemnas com exceção da transferência celular os Estados de Arkansas Indiana New Hampshire e Virgínia Além desses e permitindo a transferência celular os Estados da Califórnia Connecticut Illinois Iowa Maryland Massachussets Missouri Nova Jersey e Rhode Island Financiamentos públicos são expressamente proibidos nos Estados do Arizona Geórgia Michigan Missouri e Nebraska e permitidos na Califórnia Connecticut Illinois Maryland Nova Jersey Ohio e Virgínia Disponível em httpwwwhinxtongrouporgusamaphtml Há registro de que a Califórnia tenha aprovado um investimento total de três bilhões de dólares nas pesquisas com célulastronco embrionárias Disponível em httpwwwmbbnetumneduscmaphtml O Canadá editou em 29 de março de 2004 um ato Assisted Reproduction Act que autoriza as pesquisas com embriões e que também impõe alguns requisitos destacandose a exigência de consentimento informado Disponível em httpwwwhcscgccahlvsreprodindexehtml Na Ásia Japão China Coréia do Sul e Cingapura autorizam tanto a pesquisa com embriões quanto a clonagem terapêutica sendo que no primeiro apenas uma instituição a Universidade de Kioto através de seu Stem Cell Research ADI 3510DF Center está autorizada a produzir linhagens de célulastronco embrionárias A Austrália por fim adota um critério chamado por Fukuyama e Furger op cit de autoregulamentação regulamentada pág 153 que autoriza a pesquisa com embriões mas restringe uma série de técnicas O que se verifica no direito comparado é que há preocupação não apenas quanto à definição do estatuto do embrião mas também quanto às conseqüências do progresso das técnicas de manipulação genética e celular especialmente aquelas relacionadas ao uso de gametas e de embriões Questões como seleção de sexo comercialização de gametas e embriões diagnóstico genético préimplantação clonagem reprodutiva aperfeiçoamento genético cisão de embriões criação de embriões para fins de pesquisa e experimentos com quimeras mostram que há um universo de possibilidades e riscos que não pode ser desprezado Será possível deixar de enxergar a gravidade do cenário montado por exemplo pelas técnicas de diagnóstico genético de embriões em que se torna possível selecionar geneticamente aqueles que mereçam seguir adiante descartando os demais porque portadores de defeito genético Isso quer dizer que é possível descartar aqueles embriões em que se diagnostica a trissomia do cromossomo 21 como se os portadores da Síndrome de Down não tivessem o direito de viver A busca da eugenia da raça pura do ser humano programado em laboratórios não é certamente um ideal para a humanidade Ao contrário a diversidade que torna iguais os desiguais e transplanta a noção de igualdade para o tratamento jurídico dos desiguais como iguais na sua diversidade é um valor ético que não pode ser menosprezado Observo desde logo que na lei brasileira sob exame não existe nenhum protocolo para orientar os procedimentos que são hoje integralmente liberados ensejando os grandes riscos da má utilização que os contemporâneos do século XX já viveram enlouquecidos pela purificação racial na pior perspectiva para a grandeza infinita do ser do homem Página 43 ADI 3510DF Não me parece que esse cenário que estamos vendo autorize a simplificação do controle de constitucionalidade que agora examinamos Com todo o maior respeito aos que entendem em contrário na minha compreensão não é possível declararse simplesmente constitucional ou inconstitucional uma lei que desafia a ciência e diz diretamente com o futuro da humanidade Será razoável acreditar que a ciência tudo pode e que por isso não se há de impor limites sem falar naqueles limites éticos que são essenciais à convivência social Será que devemos pôr no plano mais geral de absoluta liberdade das pesquisas do poder dito incontrastável da ciência ou da proibição terminante delas a catalogar os que se alinham na primeira como vanguardistas e os que se encontram na segunda como obscurantistas Será que devemos fechar nossos olhos para os que na dor no sofrimento na angústia juntam a fé para que um caminho seja descoberto curando os enfermos que estão próximos de nós Será que devemos nessa hora liberar uma paixão sem prover uma razão Respondo sem o ceticismo de David Hume que não Ao revés a impaciência deve ceder à tolerância com o tempo para buscar convergências que nos permitam encontrar iluminados amanheceres Estou convencido de que este tema que nos ocupa põe em evidência a necessidade de criar mecanismos adequados de controle uma limitação no campo das pesquisas que avancem sobre o genoma humano Limites não apenas decorrentes do medo do desconhecido do temor de nossa própria irresponsabilidade Limites que não se originem somente de uma ponderação de benefícios e riscos como parece ter ocorrido em grande parte do mundo ocidental mas que decorram de uma escolha ética livre e responsável consciente de nossa imperfeição Uma consciência que paradoxalmente terá vindo à tona apenas em virtude de nosso próprio progresso de nosso caminhar incessante na busca da perfeição Nesse sentido tenho como preciso o magistério de Hans Jonas ao afirmar que os novos tipos e limites do agir exigem uma ética de previsão e responsabilidade compatível com esses limites que seja tão nova quanto as situações ADI 3510DF com as quais ela tem de lidar O homo faber aplica sua arte sobre si mesmo e se habilita a refabricar inventivamente o inventor e confeccionador de todo o resto Essa culminação de seus poderes que pode muito bem significar a subjugação do homem esse mais recente emprego da arte sobre a natureza desafia o último esforço do pensamento ético que antes nunca precisou visualizar alternativas de escolha para o que se considerava serem as características definitivas da constituição humana JONAS Hans O Princípio responsabilidade Rio de Janeiro Editora PUC 2006 pág 57 E avançou afirmando que o homem quer tomar em suas mãos a sua própria evolução a fim de não meramente conservar a espécie em sua integridade mas de melhorála e modificála segundo seu próprio projeto Saber se temos o direito de fazêlo se somos qualificados para esse papel criador tal é a pergunta mais séria que se pode fazer ao homem que se encontra subitamente de posse de um poder tão grande diante do destino op cit pág 61 O ponto que se deve relevar agora e sempre é que a biologia o desenvolvimento das pesquisas que mexem com a vida humana a dignidade do ser do homem tudo isso deve necessariamente estar subordinado a valores éticos Estes valores devem prevalecer sobre os argumentos meramente utilitaristas ou sobre aqueles que pretendem tornar ilimitada a busca científica Não foi outro propósito que levou Edgar Morin a advertir que a ciência aventura desinteressada cai nas malhas dos interesses econômicos a ciência aventura apolítica tomase refém das forças políticas em primeiro lugar pelo Estado Foi muito difícil por muito tempo conceber que a ciência identificada à razão ao progresso ao bem podia ser profundamente ambivalente em sua natureza Os espíritos formados por um modo de conhecimento que repudia a complexidade logo a ambivalência não conseguem conceber a ambivalência inerente à atividade científica em que conhecimento e manipulação são as duas faces um mesmo processo Como a ciência moderna pela própria natureza é indiferente a qualquer consideração ética estranha à ética do conhecimento e à ética do respeito às regras do jogo científico há uma cegueira de muitos cientistas em relação aos problemas éticos postos pela atividade científica Essa cegueira é criada por um processo de cegamento inerente ao conhecimento ADI 3510DF objetivo Husserl numa célebre conferência feita há 70 anos sobre a crise da ciência européia mostrou que havia uma mancha cega no objetivismo científico era a mancha da consciência de si O Método 6 Ética Editora Sulina 2005 págs 70 a 72 É claro que os cientistas não são apenas cientistas Eles exercem suas atividades a partir de uma condição de cidadãos e cidadãs pais e mães de família maridos e esposas filhos e filhas muitos com suas próprias convicções morais e até mesmo religiosas É isso que pode colocálos em condições éticas de discutir seus próprios limites ou a ausência deles nunca a sua posição de cientistas A questão das relações entre ética e ciência não é nova Os iluministas Hume e Kant no século XVIII procuraram sentar as bases de uma moral secular livre de conotação religiosa A idéia central era a de a moral não decorrer da mera experiência porque esta apenas nos fornece o ser jamais o deverser Kant escreveu no seu clássico Fundamentação da Metafísica dos Costumes 1785 que a moral não é um fato mas uma exigência da vontade humana livre Isso faz com que a moral seja uma exigência racional embora sem experiências confirmadoras Como assinala o Prof Júlio Cabrera da Universidade de Brasília UnB em texto não publicado mesmo em um cenário onde a totalidade da comunidade concordasse por exemplo com práticas segregacionistas baseadas na raça uma única pessoa que se manifestasse contra poderia estar representando a exigência racional mesmo se opondo à totalidade da evidência factual Uma verdade epistêmica ou uma certeza moral não dependem diretamente do clamor unânime das comunidades empíricas por mais insistente que tal clamor possa ser Já no século XX o austríaco Ludwig Wittgenstein Tratactus Logico Philosophicus aforismo 652 resgata esse motivo iluminista e afirma que mesmo que todos os problemas científicos fossem resolvidos o problema do sentido da vida humana permaneceria o mesmo Em nossos dias o alemão KarlOtto Apel retoma o tema kantiano de a impossibilidade moral fundarse na experiência para pôr a exigência moral na era da ciência Necessidade dificuldade e possibilidade de uma fundamentação filosófica da ética na época da ciência 1980 Para ele seguindo os passos de Kant a própria idéia de objetividade científica pressupõe um ethos ou ADI 3510DF seja uma perspectiva filosófica sobre o real que sempre pode ser discutida e não simplesmente aceita como dogma De fato o tema central da segunda crítica kantiana deveria ser levado em consideração nessa época quase totalmente dominada pelas éticas utilitaristas instrumentalistas e de resultados Assim toda a atitude diante da finitude da dor e da morte deveria ser repensada do ponto de vista da criação de valores dos seres humanos em lugar de serem vistas apenas como problemas técnicos segundo a visão dominante dos especialistas em saúde Disso resulta que todos os argumentos técnicos em favor da manipulação genética e experimental em geral não são relevantes por si mesmos sem uma aguda e nada ingênua ponderação pragmática do que os humanos com o poder de experimentar serão capazes de fazer em um mundo onde muitas idéias aceitáveis no plano semântico transformamse no plano da pragmática em oportunidades de manipulação de grandes fontes de renda espaços de comercialização e de deturpação de valores Tratando das relações entre ciência ética e direito Catherine Puigelier e Jerry SainteRose anotaram sobre duas tentações contrárias à natureza do direito Uma incitando a ignorar os dados novos da ciência fundando as respostas apenas sobre o peso da tradição o que é inútil inoportuno e mesmo perigoso A outra tentação inversa leva a inclinarse passivamente diante das façanhas da ciência confundindo normas científicas e normas jurídicas tirando estas daquelas pela só leitura de uma realidade constatemente renovada Juge et progrès scientifique in Science Éthique et Droit Paris Odile Jacob 2007 pág 280 É necessário considerar também que a ciência na área biológica apresenta inovações em espaços de tempo a cada vez mais curtos O que é problemático hoje amanhã já não é mais o que parece intransponível tornase superado rapidamente o que é complexo tornase simples e assim por diante Os meios disponíveis aos cientistas acarretam uma tal modificação na estrutura dos conceitos que há permanente substituição de uma dúvida por outra E assim se há de reconhecer que inexistem certezas salvo aquelas que estão no campo dos valores éticos porque estes sim são revestidos da certeza do ser do homem na projeção de sua natureza pouco relevando que sejamos materialistas ou crentes Vejase por ADI 3510DF exemplo as anotações dos padres dominicanos sobre as Questões 118 e 119 de Tomás de Aquino na Suma Teológica em que se reconhece a evolução da embriologia a partir da antiga embriologia escolástica a ponto de refutarse a frase de Aristóteles que afirmanza ter o sêmen alma em potência Summa theologica tratado do governo divino do mundo versão e introdução do Padre Jesus Valbuena OP BAC Madrid 1959 págs 10411042 Por outro lado é indiscutível que a partir da descoberta do código genético a pesquisa científica alcançou resultados significativos O avanço da ciência nesse campo traduz a expectativa de aumentar o nível de invasão científica no mistério da vida E a discussão que pode alcançar tanto representa esperança quanto preocupação Esperança porquanto as pessoas humanas buscam expandir o seu tempo de vida com a cura das doenças e a redução do sofrimento que são sem dúvida mananciais de felicidade Claro que tantas doenças ainda permanecem embora muitas pesquisas há muitos anos estejam em andamento sem nenhuma solução desde um simples resfriado até o flagelo da AIDS Isso está a revelar que a morte é uma certeza da vida e a ciência por mais valiosa que seja não é o absoluto para afastála E a discussão alcança a preocupação porque é necessário estabelecer padrões éticos os únicos fortes o bastante para impedir riscos severos que toda a humanidade não deseja mais correr A manipulação genética e a produção da raça pura no fantasma da geração artificial da vida são perigosas sombras para o existir do homem Esperança e preocupação andam juntas e devem renascer para a promoção do homem todo e de todos os homens sob a regência de valores éticos que não se confundem com a fé ato de vontade que cada qual nas sociedades democráticas deve professar com alegria e convicção Pareceme necessário para enfrentar a questão da constitucionalidade do art 5o da Lei n 111052005 adotar posição clara sobre o início da vida sem o que será impossível definir a proteção constitucional que se invoca A idéia de metamorfose lembrada pelo culto Ministro Carlos Britto não pode na minha avaliação ser colocada em paralelo com a de potencialidade Não ADI 3510DF segundo Aristóteles O que contribui para causar dificuldade quanto a esse termo é que o estagirita costuma usar muitos exemplos que acabam sendo mal interpretados e usados fora de seu contexto fazendo com a que a potência seja incorretamente tomada por uma mera possibilidade Tenhase presente o comentário de Julián Marías mostrando em Aristóteles a divisão do ser segundo a potência e o ato ao dizer que um ente pode ser atualmente ou apenas uma possibilidade Uma árvore pode ser uma árvore atual ou uma árvore em possibilidade por exemplo uma semente A semente é uma árvore mas em potência como a criança é um homem ou o pequeno grande Mas é preciso ter em mente duas coisas em primeiro lugar não existe uma potência em abstrato uma potência é sempre uma potência para um ato isto é a semente tem potência para ser carvalho mas não para ser cavalo nem sequer pinheiro por exemplo isso quer dizer como afirma Aristóteles que o ato é anterior ontologicamente à potência como a potência é potência de um ato determinado o ato já está presente na própria potencialidade História da filosofia Martins Fontes 2004 pág 75 Além disso o termo ÕúvauiÇ dínamis pode ser encontrado em uma dupla conotação Uma como fonte de mudança de algo ou de si mesmo um movimento Outra e esta sim a potencialidade como um fator de atualização um ato Essa distinção é bem fixada pela Filosofia Assim José Ferrater Mora assinala que como é típico do Estagirita acumulamse os significados e os exemplos Ainda aí sem prejuízo são várias as significações de potência Sobretudo existem duas Segundo uma a potência é o poder que tem uma coisa de produzir uma mudança em outra coisa Segundo outra a potência é a potencialidade residente em uma coisa de passar a outro estado Esta última significação é a que Aristóteles considera como a mais importante em sua metafísica Dicionário de filosofia T II Buenos Aires Ed Sul Americana 1971 pág 459 O mesmo indica Nicola Abbagnano mostrando que o conceito implica uma ambigüidade fundamental porque pode ser entendido A como possibilidade B como preformação e portanto predeterminação ou preexistência do atual Dicionário de filosofia São Paulo Ed Mestre Jou 1970 pág 751 Para a ADI 3510DF Stanford Encyclopedia of Philosophy a dínamis nesse sentido não é o poder de algo para produzir uma mudança mas uma capacidade de estar em um estágio diferente e mais completo Disponível em httpwwwscienceuvanIseopentriesaristotlemetaphysicsActPot O texto de Anne FagotLargeault Embriões CélulasTronco e Terapias Celulares Questões Filosóficas e Antropológicas in Revista de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo 18a ed 2004 pág 234 mencionado pelo Ministro Carlos Britto na minha avaliação revela essa dificuldade conceitual entre as duas conotações de potência É que não tenho por compatível na perspectiva aristotélica a afirmação de que a atualização é promovida por outrem de fora A atualização na verdade está no próprio ente É ato próprio independente Isso quer dizer que o embrião mesmo in vitro não se reduz a algo que depende de uma interferência externa para a sua transformação como a madeira ou o mármore caso em que de fato nada obrigaria a essa atualização O embrião não é um objeto de transformação mas o sujeito de sua própria atualização A fertilização in vitro não lhe retira a potência mas apenas o meio em que no atual estado da ciência pode se atualizar Penso que o próprio Aristóteles revelou o alcance dos dois sentidos deixando clara a diferença A escolha adequada de um trecho da Metafísica onde os dois sentidos são abordados permite uma fácil distinção entre um e outro 7 É necessário contudo distinguir quando uma coisa particular existe em potência e quando não uma vez que ela não existe a qualquer tempo e em todo tempo Por exemplo é a terra potencialmente um homem Não exceto quando já se tomou sêmen e talvez nem mesmo nessa ocasião tal como nem tudo pode ser curado pela medicina ou até mesmo pelo acaso havendo algum tipo definido de coisa que disso é capaz sendo isso o que é saudável em potência A definição daquilo que como um produto do pensamento vem a existir em ato a partir da potência existente é que quando foi desejado se não houve o impedimento de qualquer influência externa instaurase e a condição no caso do paciente isto é na pessoa que está sendo curada é que nela nada deve obstar o processo Assim também uma casa existe em potência se nada na coisa que sofre a ação isto é na matéria a impede de vir a ser uma casa e se não há ADI 3510DF nada que tenha que ser acrescentado ou subtraído ou alterado isso é potencialmente uma casa E analogamente em todos os demais casos nos quais o princípio gerador é externo E em todos os casos em que o princípio gerador está contido na própria coisa uma coisa é em potência uma outra quando se nada externo o impede tomarse por si mesma a outra Por exemplo o sêmen não é ainda em potência um ser humano pois necessita adicionalmente sofrer uma alteração em algum outro meio Mas quando devido ao seu próprio principio gerador chegou a reunir os atributos necessários nesse estado é então um ser humano em potência ao passo que no estado anterior necessitava de um outro princípio tal como a terra não é ainda potencialmente uma estátua porque precisa sofrer uma mudança antes de tornarse bronze Metafísica Bauru EDIPRO 2006 pág 236 Essa perspectiva aristotélica por exemplo contraria a afirmação de que o fato de estar o embrião in vitro posto que valioso por si mesmo se assim permanecer jamais será alguém De fato Aristóteles tem serventia para afastar essa idéia de que o embrião congelado não será alguém fora da recepção uterina É possível dizer o contrário ou seja quando há a fecundação ele já é e se há interrupção do que é aí sim ele não será Ele já é ser porque foi gerado para ser não para não ser O embrião não é ente que se transmuda para além de sua essência É o próprio ser em potência e sobretudo em essência em ininterrupta atualização que em seus primeiros estágios e mesmo em cultura é representada por suas sucessivas divisões Como bem expõe Aristóteles a atualização somente deixará de se verificar se algo externo se interpuser ao processo O desenvolvimento do embrião é contínuo e progressivo Nesse sentido a intervenção do Dr Dalton Luiz de Paula Ramos na audiência pública fl 1063 ao afirmar que o desenvolvimento do embrião é progressivo porque se oferecermos a ele as condições necessárias o amparo a acolhida de que precisa ele sempre passará para o estágio seguinte Ultrapassada uma etapa de desenvolvimento passa em condições norvais à etapa seguinte sem regressos evoluções que vão compor uma biografia O coração e o sistema circulatório existem porque estão presentes no Página 51 ADI 3510DF embrião em potência os movimentos somente são possíveis porque os membros já existem na essência do embrião assim como as propriedades da fala e tudo o mais que forma e caracteriza o ser humano relacional Da mesma forma a estrutura neural existe porque há no embrião em potência Dizer o contrário na minha avaliação é contrariar a própria natureza das coisas Procurase achar abrigo com relação ao tema que está em julgamento na legislação sobre a morte cerebral Mas embora o nascer e o morrer sejam processos da existência humana não creio que se deva confundilos De todos os modos poucos se dão conta da enorme controvérsia em torno do diagnóstico de morte cerebral a partir da introdução do termo coma dépassé coma irreversível introduzido por MoIlaret e Goulon em 1959 Basta ler o estudo oriundo da Clínica Mayo advertindo para erros de diagnóstico de morte cerebral diante de circunstâncias outras que não são reconhecidas como a hipotermia ou a intoxicação por drogas WIJDICKS Eelco FM The diagnosis of brain death Department of Neurology Neurological Intensive Care No Brasil a Lei n 9434 de 1997 atribuiu ao Conselho Federal de Medicina a definição dos critérios para diagnóstico da morte encefálica E este regulou a matéria com a Resolução n 1480 de 1997 estabelecendo que a morte cerebral deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa reconhecida art 3 com os parâmetros clínicos assim definidos coma aperceptivo com ausência de atividade motora supraespinal e apnéia e mencionando exames complementares a serem observados Vêse portanto que esses passos adiante no domínio científico da vida e da morte não são dados sem o estabelecimento de regras com a previsão possível na melhor dimensão da humildade do cientista no trato desse mistério Aliás a utilização da analogia entre vida cerebral e morte cerebral não é mais que a representação de uma posição preconcebida acerca da dualidade do homem no corpo e no pensamento Essa dualidade implícita na herança cartesiana deve porém ser superada O homem é complexo mas uno Sua compreensão exige uma visão que não o divida como assinalou Edgar Morin a compreensão Página 52 ADI 3510DF complexa do ser humano não aceita reduzir o outro a um único aspecto e o considera na sua multidimensionalidade op cit pág 114 Outra coisa é dizer que o homem reúne um complexo de sistemas Como escrevi em outra oportunidade sendo indivíduos sem dúvida existe uma massa corporal de células geradas de outros indivíduos da mesma espécie animal Enquanto células todos são também energia e a massa corporal vive e se mantém porque diversos sistemas de células geradas da reunião de gametas são produzidos a partir do momento em que ocorre a chamada fecundação e dão origem aos órgãos que mantêm o funcionamento sistêmico do corpo Antônio Damásio no livro O Erro de Descartes tratando de organismos corpos e cérebros escreve que qualquer que seja a questão que possamos levantar sobre quem somos e por que somos como somos uma coisa é certa somos organismos vivos complexos com um corpo propriamente dito corpo para abreviar e com um sistema nervoso cérebro para abreviar possuindo o organismo uma estrutura e miríades de componentes com numerosos órgãos combinados em sistemas Estudos de direito público e privado págs 286287 A questão em torno da natureza do embrião autoriza desafiar desde logo a comparação que se procura fazer entre o embrião gerado em processo de fertilização in vitro e o embrião implantado no útero ao argumento de que sem este não há vida possível Essa interessante visão do problema está bem enunciada com claridade notável pela séria respeitada e reconhecida pesquisadora Patrícia Pranke Professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e sócia fundadora do Instituto de Pesquisa com Células in O Terceiro Elemento da Vida texto ainda não publicado Neste precioso trabalho acadêmico ela escreve que a implantação e conseqüente gestação só ocorre graças às moléculas que existem no útero A gravidez é a sintonia entre o embrião e o próprio útero da mulher A ovulação prepara o útero para receber o embrião Tanto que se o embrião gerado in vitro crescido até o quinto dia não for introduzido no corpo feminino enquanto organicamente o útero estiver preparado e for introduzido no organismo da mulher dias mais tarde a implantação não ocorre Ou seja aquele embrião só tem a potencialidade de se transformar em um bebê se for introduzido no útero em condições favoráveis de ADI 3510DF implantação o que de forma natural só ocorre em sincronismo com o processo da ovulação ou se artificialmente o endométrio materno for preparado Isso ocorre apenas durante a janela de implantação em que todas as condições estão adequadas para receber aquele embrião Afora essa condição o embrião mesmo introduzido no organismo materno não tem como ser implantado Então não basta apenas colocar o embrião no organismo materno Ele tem que estar lá no momento em que o útero está preparado para recebêlo E isso ocorre quando seu endométrio está secretando uma série de fatores que poderão interagir com o embrião para ajudar na sua implantação e transformação Novamente reforçase a idéia de que sem as dezenas de moléculas envolvidas no processo não há como um embrião ter a potencialidade de se tornar ser humano Todavia com o maior respeito e admiração que tenho pela Professora Patrícia Pranke entendo que essa posição inovadora deixa ainda mais nítida a distinção conceituai entre potência e possibilidade que como antes procurei mostrar considero conceitos diversos A possibilidade traz em seu âmago o seu próprio opósito já que uma possibilidade é sempre e ao mesmo tempo uma impossibilidade o que não se dá com a potência Esta não encerra em si a sua negação e só não resulta em ato se como visto um impedimento externo se interpõe Mas mesmo um impedimento externo não é capaz de privar o ser de sua potência e conseqüentemente de sua essência Pode apenas impedir a sua atualização E é esse empecilho que se constitui em artifício contrário à natureza e à essência do ser É importante lembrar que a produção dos embriões nos processos de fertilização in vitro é orientada teleologicamente Não é lícita a fertilização in vitro para fins outros que não os da reprodução Mesmo gerados através de um procedimento artificial o destino dos embriões fertilizados in vitro é a implantação no útero Uma vez criados é essa a sua vocação natural Sua potência assim em nada difere da potência encontrada naqueles embriões engendrados pela reprodução sexuada Página 54 ADI 3510DF Revelase aqui segundo entendo um desvio de perspectiva Dizse que o normal é que os embriões produzidos na fertilização in vitro e não utilizados nunca venham a nascer como se o curso natural a ser seguido fosse esse Esquecese de que quando gerados foram gerados para a vida pelo que a implantação é o seu destino Por terem sido criados artificialmente dependem de que algo seja feito também artificialmente para que voltem ao seu destino natural sem o que não se dará a sua atualização Isso confere ao destino dos embriões não implantados por escolha médica uma aparência de processo regular como não há interferência de cientistas após o congelamento desses embriões fica parecendo que o seu confinamento é o seu destino natural o que contribui para facilitar a escolha ao meu sentir apressada entre essa sina dita inútil e a sua utilidade com sua destruição para pesquisa Esse ponto de vista turva a visão do fim essencial do embrião a geração da vida humana seja ela natural seja ela artificial Isso não é um artifício como alguns parecem sustentar ou um desvio na trajetória do confinamento é o ato que compensa a geração nãonatural do embrião o resgate de sua natureza Toda ação que não se volta para esse fim impede a sua atualização O congelamento digase não é irreversível porque não põe termo definitivo á atualização A destruição do embrião por seu turno é impedimento externo que corta o seu desenvolvimento tiralhe a vida Ele deixa por isso de ter um vir a ser A vida humana é a vida de um organismo autônomo com movimento e projeto próprios que evolui de acordo com um programa contido em si mesmo e que pode ser executado independentemente de impulsos externos Chama a atenção o descuido com que se invoca Tomás de Aquino neste tema no ponto em que se afirma o reconhecimento do ser somente após a animação O problema não é tão simples quanto parece o que de resto é característico de tudo aquilo que diga respeito ao Doutor Angélico como já alertava Chesterton Se de fato ele entendia que a animação se dava algum tempo após a fecundação quarenta ou noventa dias conforme o sexo isso dizia respeito à alma racional ao entendimento As outras faculdades vegetativa e sensitiva vinham anteriormente decorentes da Página 55 ADI 3510DF matéria germinal como bem anota Jesus Valbuena OP em seus comentários sobre o Tratado do Governo Divino do Mundo op cit págs 10421043 Digase que em se tratando de embriologia o que foi já não é daí o cuidado de Padre Jesus Valbuena ao encerrar a introdução às Questões 118 e 119 do Tratado com a lembrança da frase de Agostinho de Hipona Não sei se poderei chegar a saber quando começa o homem a viver no seio materno op cit pág 1044 Tudo isso só demonstra a potência totipotência presente no embrião desde o início e sua constante atualização Mesmo assim a se comparar o momento da animação racional e a formação do sistema nervoso o gênio de São Tomás não impediu que chegasse incrivelmente perto da cronologia moderna do desenvolvimento do embrião E como sustenta Stephen J Heaney Professor de Filosofia da Universidade Saint Paul Minnesota se tivesse os conhecimentos hoje disponíveis ele teria revisto seu entendimento para reconhecer a animação desde o momento da fecundação Disponível em httpstudentorqsvanderbiltedusflThomistFertilizationhtm Acesso em 27mar 2008 A embriologia moderna dispõe de conhecimentos extraordinários e um dos mais importantes textos de referência do mundo nessa área adotado em inúmeras faculdades de medicina o de Moore e Persauit ensina que o desenvolvimento humano se inicia exatamente na fecundação Embriologia clínica Rio de Janeiro Elsevier 7a ed 2004 No mesmo sentido Jan Langman Medical embryology Baltimore Williams and Wilkins 3a ed 1975 pág 3 e Bruce M Carlson Pattens foundations of embryology N York McGrawHill 6a ed 1996 pág 3 Assim também sustenta o Doutor Gerson CottaPereira destacado médico patologista Chefe do Serviço de Imunoquímica e Histoquímica da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro em trabalho ainda não publicado e no qual descreve detalhadamente o processo de reprodução O Exato Momento em que se inicia a Vida Humana e a Terapia com as CélulasTronco Não se trata portanto de um problema de regressão infinita como foi mencionado na audiência pública Em alusão à sua conhecida alegoria o rio de Página 56 ADI 3510DF Heraclito é diferente em cada mergulho mas não deixa de ser o próprio em sua essência No seu Ensaio Sobre o Homem Ernst Cassirer já lembrava que ao tratar do problema da vida orgânica precisamos antes e acima de tudo livrarnos daquilo que Whitehead chamou de preconceito da localização simples O organismo nunca está localizado em um único instante Em sua vida três modos de tempo passado presente e futuro formam um todo que não pode ser dividido em seus elementos individuais Le présent est chargé du passé et gros de lavenir disse Leibniz Não podemos descrever o estado momentâneo de um organismo sem levar em consideração a sua história e sem referilo a um estado futuro para o qual este estado é apenas um ponto de passagem Martins Fontes São Paulo 2001 pág 86 O embrião é desde a fecundação mais precisamente desde a união dos núcleos do óvulo e do espermatozóide um indivíduo um representante da espécie humana com toda a carga genética DNA que será a mesma do feto do recém nascido da criança do adolescente do adulto do velho Não há diferença ontológica entre essas fases que justifique a algumas a proteção de sua continuidade e a outras não Como escreveu Vincent Bourget o uso do termo zigoto usualmente aplicado da fecundação às primeiras mitoses o de blástula gástrula feto aplicado quando os principais órgãos já estão constituídos ou seja por volta da 7a semana ou da 13º de acordo com a obra tem apenas um valor de baliza para o observador e tampouco tem um alcance ontológico não se trata de modo algum de por meio desses termos designar a emergência de um novo ser mas de um simples balizamento fenomenológico em um mesmo indivíduo Ser em gestação Trad Nicolás Nyimi Campanário São Paulo 2002 pág 54 A individualidade decorre de sua distinção com o meio em que vive e de sua autonomia principalmente de seu projeto de individuação de seu desenvolvimento de sua renovação e atualização através de uma atividade orientada por um programa o programa genético o que implica conseqüências importantes referentes à maneira de conceber a individualidade e portanto também o estatuto do embrião op cit pág 27 E não se diga que a individualidade não se sustenta por conta da ADI 3510DF possibilidade de formação de gêmeos univitelinos através de divisão espontânea porque isso equivale a sustentar que algo que é não é mais apenas porque pode deixar de sêlo Esse argumento apenas reforça a tese que defende a proteção do embrião Se essa proteção é devida àquele que pode se tornar um sujeito de direitos o que se dirá daquele que pode se tornar dois Há uma dificuldade lógica a desafiar o raciocínio que coloca marcos temporais no desenvolvimento do embrião para fixar o início da vida após a fecundação É que se de um lado reconhece haver vida no embrião mas uma vida ainda não humana para a qual não caberia a proteção do direito constitucional à vida de outro entende não haver pessoa personalidade no embrião mas lhe reconhece a proteção da dignidade da pessoa humana Com todo respeito essa engenhosa solução é compartilhada por boa parte do mundo ocidental para justificar a violação do embrião um estatuto intermediário fundado em uma dignidade também intermediária geralmente associada à ausência de capacidade moral ou racional Curiosamente esse fundamento foi adotado a partir da obra de um dos principais defensores da ética relacional Kant Ao mesmo tempo em que nos legou a famosa segunda formulação do imperativo categórico à qual se deve uma importante base da bioética age de tal maneira que uses a tua humanidade tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio ele não se preocupou em definir o que seria essa humanidade ensejando o reconhecimento por parte de alguns da racionalidade como fundamento único e exclusivo da condição humana Vejase o que escreveu Susan M Shell seres humanos têm dignidade para Kant porque eles são capazes de agir moralmente Mas essa capacidade só pode ser realizada dialeticamente através de nossas interações pragmáticas com o mundo Kants concept of human dignity in human dignity and bioethics essays comissioned by the presidents council on bioethics Washington 2008 pág 347 Aliouse a essa interpretação de Kant a consolidação e a legitimação do critério para constatação da morte a partir da ausência de impulsos elétricos no cérebro ADI 3510 DF morte cerebral Foi essa construção que acabou levando à conclusão do relatório Warnock e á fixação do termo inicial da proteção ao embrião no 15 dia de existência Baseandose na constatação da Embriologia no sentido de que a estrutura neural não se forma antes do 14 dia de existência do embrião o relatório do Comitê presidido pela filósofa inglesa Mary Warnock a pedido do Secretário de Saúde britânico entendeu que até essa data não poderia haver indício de atividade racional Conseqüentemente até essa data o embrião poderia ser objeto de pesquisas esse foi na verdade o segundo relatório Warnock já que a ilustre acadêmica de Oxford já presidira um grupo que discutiu os rumos da educação na GrãBretanha em 1978 O marco do 14 dia como já se viu veio a ser adotado por diversas legislações Com a morte hoje reconhecida por convenção ao término da atividade cerebral o homem perde a vida mas não a sua dignidade Essa dignidade seria contudo uma dignidade reduzida que protege o corpo o nome e outros atributos da pessoa humana mas não impede sua violação em casos específicos Analogamente dizse o embrião que ainda não desenvolveu uma mínima capacidade racional sabe se lá quando isso se dá também mereceria uma proteção diminuída mas ainda uma proteção fundada exatamente em uma dignidade atinente à sua condição de futuro ser racional Esse seria em suma com todas as vénias devidas por conta da necessária redução o discurso filosófico do estatuto intermediário do embrião O que talvez não se queira perceber é que essa solução foi idealizada por meio de uma analogia com situações obrigatoriamente relacionadas à morte ou seja com situações em que não há mais vida Existe a dignidade nessas situações porque nelas se reconhece a dignidade que passou a merecer a pessoa em vida Não se trata de uma dignidade do cadáver ou do nome do morto por si sós A dignidade é a dignidade do corpo da pessoa que era viva e que morreu A dignidade é a dignidade do nome da pessoa que era viva e que morreu Apenas por isso se fala enganosamente em transbordamento É um transbordamento de efeitos não de causas No caso do embrião a se seguir essa linha nenhuma dignidade poderia ADI 3510DF ser reconhecida pois nenhuma dignidade teria sido ainda conquistada o que afastaria qualquer tipo de escrúpulo quanto ao seu uso Na verdade não há dignidade autônoma isto é não há dignidade da pessoa humana desligada da vida humana Mesmo os defensores do estatuto intermédio do embrião reconhecem essa vinculação embora lidem com uma vida qualificada de racional moral Toda essa discussão aponta para a inadequação da dignidade da pessoa humana como fundamento para a proteção do embrião porque repitase se a vida racional é que justifica o reconhecimento da dignidade não há motivo para reconhecer dignidade no embrião A construção do estatuto intermédio do embrião capitaneada sobretudo pelos filósofos dos países da Common Law acaba revelando uma indevida aplicação do belo conceito de dignidade da pessoa humana a tanto custo desenvolvido pelo direito romanogermânico A constatação é simples Sem vida não há dignidade e a dignidade é uma exigência da vida humana Logo o estatuto intermédio do embrião conduz a uma contradição pois enquanto o reconhecimento do direito á dignidade depende de um transbordamento para o direito à vida não se pede mais que reconhecêlo sobre o que está vivo É pois a vida que regulará a proteção merecida pelo embrião Não me parece razoável afirmar que a vida sem personalidade não é vida humana como se a personalidade é que atribuísse a condição de vida e não que fosse um atributo dela A pessoa do art 2o do Código Civil é tão somente uma sombra na caverna das legislações O ser que a projeta é que merece a atenção do jurista É de se perguntar se o mutismo e a surdez da sombra se a sua forma distorcida é que definirão o tratamento a ser dado à sua realidade Na verdade o direito à vida tem extensão abrangente que enlaça a dignidade da pessoa humana justificandoa O embrião é vida vida humana Uma vida que se caracteriza pelo movimento de seu próprio e autónomo desenvolvimento representado nas suas seguidas divisões nas suas clivagens O embrião já traz em si toda a carga genética do futuro ser que ADI 3510 DF originará E mais traz em si o próprio patrimônio genético da humanidade toda a sua potencialidade e toda a sua diversidade sem a qual nenhum homem teria chegado até aqui hoje pelo que sua destruição é muito mais até que a interrupção de uma vida é o descarte da diversidade da nossa própria origem da base que nos sustenta como espécie Doris Lessing em Shikasta muito antes do Nobel descreve uma bela imagem dessa conscientização E essa é a questão essa é sempre a questão que eles tinham que lembrar que toda criança tem a capacidade de ser tudo Uma criança era um milagre uma maravilha Uma criança detinha toda a história da raça humana que se estendia para trás para trás muito além do que eles podiam imaginar Isso mesmo que esta aqui a pequena Otilie tinha na essência de seu corpo e de seu pensamento tudo aquilo que já tinha acontecido com cada pessoa da humanidade Assim como uma fatia de pão carrega em si a essência de todos os grãos de trigo que o formaram misturados a todos os grãos da colheita e a essência do solo em que cresceu também esta criança continha e foi gerada por todas as colheitas da humanidade Lembremse disso lembremse como se homens descessem daquela pequena estrela logo ali brilhando acima daquelas árvores escuras sim aquela mesmo E de repente trouxessem para esta pobre aldeia tão castigada pela privação e pelo sofrimento coisas boas e esperança Lembremse que esta criança não é o que parece é mais é tudo e traz consigo ou em si todo o passado e todo o futuro lembremse Canopus in argos archives Shikasta v1 New York Vintage 1992 págs 167168 Mas a conclusão pela existência de vida no embrião e o reconhecimento nele de uma natureza humana não pode significar ainda a solução da questão posta a julgamento Ao contrário do que ocorreria a partir da desqualificação ontológica do embrião a solução na minha linha de raciocínio não se extrai in abstracto de forma automática ou seja não é porque se reconhece a qualidade da vida humana no embrião que se concluirá necessariamente pela procedência ou improcedência da presente ação É que se deve apurar em sede constitucional o alcance da garantia da inviolabilidade do direito à vida e da dignidade da pessoa humana A doutrina do Direito Constitucional dá conta de que o direito à vida ADI 3510DF comporta duas acepções o direito de permanecer vivo v por exemplo José Afonso da Silva Comentário Contextual à Constituição São Paulo Malherios 4a ed S Paulo 2007 pág 66 J Cretell a Jr Comentários à Constituição de 1988 Rio de Janeiro Forense Universitária 1988 pág 183 e Alexandre de Moraes Constituição da República Federativa do Brasil Interpretada S Paulo Atlas 7a ed 2003 págs 108 a 111 e o direito á subsistência idem com exceção de José Afonso da Silva De fato só permanece vivo aquele que o é Ora se o embrião como se viu é vida e vida humana a decorrência lógica é que a Constituição o protege Não há termos inúteis na Constituição Estatuída a inviolabilidade do direito à vida fica claro que o constituinte dos oitenta pretendeu evitar o aviltamento desse direito fundamental A essa conclusão chegou mestre José Afonso da Silva Vida no texto constitucional art 5 caput não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto atividade funcional peculiar à matéria orgânica mas sua acepção biográfica mais compreensiva Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico que se transfoma incessantemente sem perder sua própria identidade É mais um processo processo vital que se instaura com a concepção ou geminação vegetal transforma se progride mantendo sua identidade até que mude de qualidade deixando então de ser vida para ser morte Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida Comentário contextual à Constituição pág 38 É preciso assinalar que o Pacto de San Jose da Costa Rica tratado ao qual o Brasil aderiu e que tem fundamentado diversas decisões desta Suprema Corte simplesmente garantiu desde 1969 a proteção da vida desde a concepção artigo 4o 1 Uma vez esclarecido que o embrião está protegido pela garantia prevista na Constituição há que se determinar em seguida se todo o texto do art 5o da Lei n 1110505 encobre uma violação da vida do embrião e portanto da norma constitucional que assegura a inviolabilidade do direito à vida Vale dizer há que se verificar se todas as formas de obtenção de célulastronco embrionárias atentam contra ADI 3510DF a vida do embrião Do dispositivo atacado decorre que a utilização de célulastronco embrionárias humanas é autorizada desde que 1 venham a ser objeto de pesquisa ou meio de terapia 2 sejam obtidas de embriões humanos que 2a tenham sido produzidos por fertilização in vitro e 2b não tenham sido utilizados no respectivo procedimento e 2c apresentem qualquer das seguintes condições 2Ci sejam inviáveis 2Cii estejam congelados há três anos ou mais na data da publicação da Lei n 1110505 2832005 ou 2Ciii estando congelados na data da publicação da Lei n 1110505 2832005 tenham completado três anos de congelamento e ainda 3 haja em qualquer caso consentimento dos genitores desses embriões Assim todos os embriões enumerados pela Lei como fonte de células tronco embrionárias devem ter sido produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento A partir daí podem ser alternativamente a embriões já congelados na data da publicação da Lei há mais de três anos b embriões já congelados na data da publicação da Lei que tenham completado três anos de congelamento ou c embriões inviáveis Nenhum embrião congelado após a data da entrada em vigor da lei poderá ser fonte de célulastronco Os embriões congelados são embriões preteridos para a implantação no útero da paciente Já foi visto que no procedimento de fertilização in vitro somente ADI 3510DF pode ser implantado um máximo de 4 quatro óvulos fecundados embriões sendo normal haver embriões excedentes que longe de serem inviáveis podem ser utilizados em uma nova tentativa de implantação ou para a geração de outro filho como acontece com relativa freqüência Disponível em httpwwwbebedeprovetacomtransferenciahtm httpwwwclinicadalecombrfertilizacao invitrohtm e httpwwwarquivoshelliscombr revista03 03060703 030607 ahellis 0lpdfi Acesso em 4abr 2008 Daí advém que os embriões submetidos a congelamento são embriões com vida e não é o próprio congelamento que lhes retira tal condição ainda que existam registros de queda nas taxas de nascimento como mostram Donadio e outros que apontam uma queda média de 10 pontos percentuais no índice de implantação após o congelamento opcit Tampouco lhes retira essa condição o fato de estarem congelados há mais de três anos Há inúmeros registros de nascimentos relacionados a embriões congelados há cinco oito e até treze anos Disponível em Folha de São Paulo edição de 2232008 httpvejaabrilcombr220306p 114html httpwwwfolhapecornbrfolhapescsegundaaspdata edicao822006mat15041 e httpwwwivfnetivfwoman gives birth after embryo frozen for 13 yearso 1537enhtml Segundo o artigo de Tummon e outros Frozenthawed embryo transfer and live birth longterm followup after one oocyte retrieval embriões descongelados representaram 39 de nascimentos com vida 249 em 639 A sobrevivência após o descongelamento alcançou um índice de 95 2129 de 2247 Disponível em httpwwwsciencedirectcomscienceobArticleURLudiB6T6K 4K18VWK5user10rdoc1fmtorigsearchsortdviewcacctC000050221 version1urlVersion0userid10md5362ecb3f0e331380b7f1fff7d008d5c8 Sendo assim concluise que os embriões congelados a que se refere o inciso II do art 5o da Lei n 111052005 são embriões com vida O método de extração de célulastronco embrionárias que acarrete a sua destruição violará na minha compreensão o direito à vida de que cuida o caput do art 5o da Constituição da República No ponto exato em que o autoriza a lei é inconstitucional É preciso considerar que a fertilização in vitro é realizada jáse disse ADI 3510DF com o objetivo da geração de uma vida Não foi destinada à pesquisa científica pura ou terapêutica É claro que o argumento utilitarista valoriza o eventual descarte o jogar fora dos embriões fertilizados in vitro e não utilizados pelos genitores Assim se estes não pretendem mais utilizar a fecundação que procuraram então podem autorizar que sejam usados para a pesquisa O argumento é poderoso em duas frentes A primeira diz com a mobilização de pessoas portadoras de patologias para as quais se promete a cura A segunda com a inutilidade de manterse o congelamento indefinidamente Quanto à primeira frente não me parece correta E assim é pelo simples fato de não ser possível prometer cura quando ainda não se tem dados científicos disponíveis que autorizem essa conclusão O processo é longo e isso deve ser reconhecido mesmo para as pesquisas com célulastronco adultas Por outro lado é preciso compreender e acolher as angústias das pessoas que padecem de patologias alcançadas pelo descortinar das pesquisas tanto com célulastronco embrionárias quanto com célulastronco adultas A esperança é viva e devemos tudo fazer para tornála realidade De fato essa é a razão pela qual afirmei antes e reafirmo agora que não se está pretendendo enxergar solução que não seja aquela capaz de tornar real a esperança de trazer para a prática a teoria de abrir o dom da vida pelo pensar e agir do homem preservandose esse mesmo dom para os que vão nascer É assim o mais belo encontro entre o que é e o que está sendo E por isso mesmo é que merece destacado que no Brasil ainda este ano existe forte possibilidade de o sistema público de saúde oferecer tratamento oriundo dessas célulastronco adultas para portadores de algumas patologias cardiomiopatia dilatada cardiopatia chagásica cardiopatia isquêmica e infarto agudo do miocárdio Esse objetivo consta do Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias EMRTCC um dos maiores estudos do mundo envolvendo a avaliação da eficácia do implante autólogo de células tronco de medula óssea e que já se encontra em sua fase final previstas para o segundo semestre deste ano a análise e a divulgação dos resultados Disponível em httpportalsaudegovbrportalaplicacoesnoticiasnoticias detalhecfmco seq noticia13034 e httpwwwinclrjsaudegovbrinclcelulatroncolaboratorioasp Acesso em 5mai ADI 3510DF 2008 Quanto à segunda frente não é o fato de existir o congelamento que alivia a questão de modo a simplificála ao ponto de afirmar que se o que foi fecundado não for usado para gerar uma vida então deixe isso para a manipulação dos cientistas Ora nenhum de nós pode ter o poder de manipular ao seu talante o que foi fecundado para ser vida É como se nós déssemos aos cientistas desse ramo uma carta branca para fazer da genética um campo aberto para a sua curiosidade científica É claro que devemos estimular o conhecimento de como uma célulatronco embrionária se transforma em um tecido do fígado e outra no pâncreas e outra no pulmão Mas é imperativo que isso seja feito com apropriado controle sem causar a morte do que é vida Esse domínio da ciência deve também considerar a ética e a filosofia ciências que são inerentes à existência do homem e ao equilíbrio da humanidade Creio que a razão nos autoriza a afirmar respeitando com a mesma dignidade que todos os contrários devem exigir uns dos outros que assim deve ser feito E ainda assim é porque este é um campo em que não há certezas tantas são as interrogações que nos invadem a cada passo adiante Não merecem consideração portanto os argumentos utilitaristas que se assentam no aproveitamento de embriões fertilizados in vitro e que serão descartados E desse modo entendo pela simples razão de que não há de se sacrificar o meio para privilegiar o fim Todas as vezes que a humanidade fica cega na busca de resultados resvala para a deformidade Isso precisa ser repelido O princípio da ponderação entre meio e fim resulta sempre na afirmação de que os fins não justificam os meios Por isso é que devemos retornar à questão jurídica que estamos examinando Simplificar a solução pela justificativa utilitarista é criar para a humanidade opções que esmagam a dignidade da pessoa humana Se pelo bem praticamos o mal se para salvar uma vida negamos outra ficará sem salvação o homem que estará aguardando a sua vez de ser sacrificado Os cientistas sejam os da área médica sejam os da área biológica sejam os da área jurídica não podem diante de seus compromissos com o futuro da humanidade cair no abismo do utilitarismo As opções que fazemos no mundo científico não serão exitosas pelos resultados que alcançarmos se esses resultados ADI 3510 DF ferirem valores éticos que não são contingentes Para viver com esses valores será necessário muitas vezes morrer por eles Assim para sermos dignos da vida devemos valorizar a vida Essa valorização da vida é que nos torna responsáveis para abraçar aqueles que esperam renascer para a plenitude com a cura de suas patologias E essa responsabilidade é que nos faz encontrar a saúde sem sacrificar a vida E a ciência em todos os seus níveis deverá construir esse caminho na melhor expectativa de fazer o bem a partir do bem e não a partir do mal Esse caminho já está aberto A própria ciência apresenta método alternativo de extração de célulastronco de embriões com vida que não resulta necessariamente em sua destruição Conseqüentemente não viola o direito fundamental à vida Tratase da extração de uma única ou no máximo duas células blastômeros de um embrião com oito células através de uma punção celular Essa extração é realizada rotineiramente no processo de fertilização in vitro para possibilitar o diagnóstico préimplantação que investiga através de uma única célula do embrião se ele é portador de alguma anomalia genética Nesse procedimento se o diagnóstico é negativo o embrião é implantado e pode nascer como tem ocorrido ordinariamente com vida e saúde tanto as informações colhidas por correio eletrônico do Professor Luiz Fernando Dale Médico Especialista em Reprodução Humana pela Universidade de Paris V quanto as conclusões da Sociedade Européia para Reprodução Humana e Embriologia ESHRE dão conta de que o diagnóstico préimplantação não acarreta mais riscos do que o processo de fertilização in vitro por meio de ICSI HARPER et al ESHRE PGD consortium data collection VII cycles from january to december 2004 with pregnancy followup to October 2005 in Human Reproduction v 23 2008 págs 741 a 755 Já se levantou grande objeção a essa técnica de extração de células tronco baseada na totipotência que geralmente se reconhecia nas primeiras células do embrião Nesse sentido por ter a capacidade de gerar um indivíduo completo o blastômero extraído seria um verdadeiro embrião pelo que seu uso para gerar uma ADI 3510 DF linhagem de célulastronco atentaria contra a sua vida da mesma maneira que o método padrão na fase de blastocisto Essa objeção está contudo superada É que a pesquisa realizada pela Doutora Magdalena ZernickaGoetz identificou as duas primeiras células do embrião através de coloração e constatou que cada uma gerava um tipo diverso de tecido permitindo a conclusão de que mesmo nessa fase já há uma nítida especialização das células não podendo ser reconhecida a totipotência senão no zigoto PEARSON Helen Developmental biology your destiny from day one in Nature 418 págs 1415jul 2002 Digase que a possibilidade de extração de uma única ou duas células tronco de um embrião sem destruilo já constava de estudos de 2005 como informaram Eric Scott Sills Tackumi A Takeuchi Noriko Tanaka Quennie V Neri e Gianpero D Palermo cf Identification and isolation of embryonic stem cells in reproductive endocrinology theoretical protocols for conservation of human embryos derived from in vitro fertilization Blastômeros obtidos para PGD são geralmente fixados e processados com fluoretos de cromo para a detecção de aneuploídias através de análise parcial do cariótipo ainda que o processo tenha recentemente evoluído para permitir testes para desordens especificas via PCR e para a amplificação do genoma de uma única célula através de deslocamento múltiplo amplificado Esse processo altera irreversivelmente o blastômero destinado para PGD a viabilidade dessa célula é sacrificada em prol da obtenção de informações genéticas essenciais Todavia presumindo que dois blastômeros distintos sejam extraídos por uma biópsia para PGD e desde que na ausência de mosaicismo cada blastômero detenha potencial para se tomar um organismo completo existe a possibilidade de que um dos blastômeros extraídos possa ser mantido em cultura para a produção de célulastronco embrionárias E a geração de célulastronco a partir dessa fonte foi confirmada pelos trabalhos de Strelchenko STRELCHENKO N et al Moruladerived human embryonic stem cells reproductive biomedicine online 96 623629 2004 Klimanskaya KLIMANSKAYA et al Human embryonic stem cell lines derived from ADI 3510DF single blastomeres Nature 444481485 2006 estes citados no Relatório Alternative Sources of Human Embryonic Stem Cells The Presidents Council on Bioethics e Robert Lanza CHUNG et al Human embryonic stem cell lines generated without embryo destruction in Nature 22 113117 2008 Lanza mostra que a eficiência desse método é comparável àquela do método que envolve a destruição do embrião 20 dos embriões dando origem a linhagens bem como que as características das linhagens obtidas em nada se diferenciam daquelas obtidas da massa celular interior ICM inner cell mass do blastocisto tendo as três camadas germinais sido identificadas Um levantamento feito por iniciativa da autoridade inglesa responsável pela regulamentação das pesquisas com embriões HFEA Human Fertilisation and Embryonic Authority dá conta de que a equipe de Robert Lanza obteve 5 cinco linhagens de célulastronco embrionárias humanas ao mesmo tempo que os embriões continuaram a se desenvolver mas concluiu que ainda seriam necessários mais estudos para mostrar o bom desenvolvimento do embrião sujeito à biópsia RICHERS Helen Alternatives to embryonic stem cells HFEA The Scientific and Clinical Advances Group Disponível em httpwwwhfeagovukdocs20080221 SCAG paper Alternatives ES cellspdf De fato o estudo menciona a adoção de um método similar ao do diagnóstico préimplantação e portanto nãoidêntíco o que poderia levar à conclusão de que a diferença poderia acarretar mais riscos ao embrião do que aqueles gerados por diagnósticos préimplantação Para esclarecer esse ponto entramos em contato direto com o Professor Lanza Na resposta este confirmou que o método de retirada da célula do embrião é o mesmo utilizado nos diagnósticos préimplantação e por isso o risco ao embrião é mínimo Disse ainda não haver diferença de custo ou de eficiência Mesmo diante da ressalva de que seriam necessários mais estudos mostrando que os embriões que sofrem essa intervenção se desenvolvem normalmente e a despeito de ainda não ser adotado como método regular de obtenção de célulastronco humanas o método de Lanza serve para demonstrar que é possível ADI 3510DF compatibilizar a Lei com a Constituição abrindo espaço para a pesquisa sem atentar contra a vida do embrião Diante dos nascimentos saudáveis após o diagnóstico préimplantação especulase que os genitores não estariam dispostos a correr riscos autorizando a extração de um blastômero de um embrião sobre o qual não pairasse uma razoável probabilidade de anomalia genética A Lei contudo trata de embriões congelados por pelo menos três anos e de embriões inviáveis Assim se a lei presume que os pais autorizariam a destruição mesma desses embriões por que não autorizar a retirada de uma única célula sem ferilo De todo modo ainda que não haja risco maior para o embrião e anote se que qualquer procedimento em matéria médica envolve sempre algum risco ainda que risco mínimo é preciso averiguar eventual ofensa à sua dignidade que não é reduzida pelo só fato de estar o embrião congelado ou ser inviável A extração de um blastômero para fins de produção de uma linhagem de célulastronco não deixaria de constituir uma utilização do embrião como meio para o atingimento de um fim o que faz lembrar a censura de Kant Há que se ponderar todavia se essa não é uma visão equivocada Não se trata de um embrião produzido apenas para a extração de célulastronco e ao contrário do método padrão essa extração não resultará na sua destruição o que não inviabiliza os fins naturalmente concebidos para ele Após a extração que pode ser comparada à doação de uma célula epitelial ou de qualquer outro tecido renovável e ainda à doação de um órgão como o rim o embrião poderá cumprir seu destino natural isto é a implantação e o nascimento De acordo com o padrão que a Lei n 111052005 pretendeu estabelecer no Brasil outra fonte de célulastronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia é o embrião dito inviável A Lei contudo não o define pelo que talvez fosse o caso de deixar tal definição à ciência Ocorre que a ciência não encontra ainda uma conceituação precisa Esse termo em verdade foi adotado e tem sido utilizado principalmente por ADI 3510DF profissionais envolvidos com os processos de reprodução assistida e tem servido para designar o embrião inadequado para fins de reprodução ou seja aquele que tem menos chance não só de nascer mas de vir à luz como um indivíduo saudável Assim é que não há um padrão ou um protocolo rígido para a identificação desse embrião inviável Diversos critérios são hoje aceitos e costumam ser aplicados em paralelo em uma mesma clínica ou laboratório São em geral visuais velocidade da divisãoclivagem emparelhamento de núcleos integridade do citoplasma e da membrana envoltória Há muitos conceitos utilizados pelo direito que são emprestados da linguagem corrente e também de outras ciências sem que alterem seu significado preciso Afinal são necessários para a formulação de uma regra precisa hora animal rio e aluvião por exemplo têm os exatos significados do colóquio e da técnica A matemática é essencial No direito das obrigações na regra do concursu partes fiunt e no direito das sucessões quando da sucessão por representação a aritmética da divisão e as frações são conceitos naturalmente aplicados Outros termos contudo mesmo sendo idênticos aos utilizados em outras esferas do conhecimento geram conceitos bem mais restritos e até bem mais distintos Esse fenômeno da apreensão de um termo lingüístico pelo direito e sua anexação aos domínios de sua ciência com uma nada rara emancipação ou independência da filologia tem grande importância quando se trata de um termo com mais de um significado e que vem a ser apreciado no âmbito constitucional Um deles pode ser perfeitamente compatível com o conjunto de normas constitucionais enquanto que o outro não Embora a Lei não tenha definido o conceito de inviabilidade o Decreto n 55912005 o fez no art 3o O termo inviabilidade portanto é um termo incorporado pelo direito positivado e diante de seu confronto com a Constituição exige investigação hermenêutica para determinar se pode ser utilizado com seu significado original da ADI 3510DF origem técnicocientífica da medicina reprodutiva ou se requer uma interpretação diversa ou ainda se pode ser utilizado com um ou alguns de seus significados originais embora não com outros Na linha do Decreto n 55912005 embriões inviáveis são aqueles que i apresentam alterações genéticas comprovadas por diagnóstico prémplantacional conforme normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde ii sofreram ausência espontânea de clivagem após um período superior a vinte e quatro horas ou iii apresentam alterações morfológicas que comprometem o seu pleno desenvolvimento Cabe determinar portanto se a extração de célulastronco desses embriões atenta contra a inviolabilidade do direito à vida É bom enfatizar que a inviabilidade de que trata o Decreto não é relacionada à ausência de vida Como visto o Poder Executivo parece ter incorporado o conceito extraído da técnica de fertilização in vitro que repitase diz respeito à probabilidade de gerar o nascimento de um indivíduo saudável da espécie humana Esse conceito não reflete uma preocupação com a condição atual de vida do embrião E por isso merece reparo Vejamos Independentemente das normas a serem baixadas pelo Ministério da Saúde embriões com alterações genéticas não são por óbvio embriões sem vida e sem chances de subsistirem por si mesmos Na rotina das clínicas de reprodução assistida como visto são aqueles que submetidos a um diagnóstico préimplantação recebem um resultado positivo quanto á presença de determinada alteração genética especialmente quanto às trissomias e às anomalias do cromossomo sexual Para as clínicas de reprodução assistida não interessa a sua implantação não interessa o seu nascimento Seu destino é o descarte ou nas clínicas que obedecem às regras deontológicas o congelamento Não há nenhuma distinção entre esses embriões e aqueles classificados como bons para implantação Esses embriões são submetidos ao teste genético exatamente porque foram considerados viáveis para a implantação Uma vez implantados têm as mesmas chances de ADI 3510DF alcançarem gravidez e nascimento Deve ficar claro que o diagnóstico préimplantação não inviabiliza o embrião e muito menos lhe retira a vida tanto é assim que se o diagnóstico é negativo ele é implantado no útero da paciente e pode vir a nascer como ocorre com freqüência Nesse caso então também incide a proteção constitucional A extração de célulastronco desses embriões com a sua destruição atenta contra o direito à vida Outra característica da inviabilidade segundo o Decreto seria a do embrião que apresenta alterações morfológicas que comprometem seu pleno desenvolvimento Como já visto a observação da morfologia dos embriões permite a sua classificação conforme graus de viabilidade Aos graus mais elevados está associada uma alta taxa de sucesso na gravidez e aos mais baixos taxas muitas vezes irrisórias Em verdade há no que diz respeito a estes uma baixa ou baixíssima viabilidade de gravidez e nascimento Pelo critério de Donadio e outros opcit os embriões de classe A B C e D apresentam índices de implantação de 28 25 12 e 6 respectivamente Uma baixa ou baixíssima viabilidade não é contudo o mesmo que nenhuma Inviabilidade propriamente não há A inviolabilidade do direito à vida não admite que a possibilidade de alguns embriões tornaremse inviáveis justifique o sacrifício dos demais A inviolabilidade do direito à vida não admite nem mesmo que a possibilidade de muitos deles se tornarem inviáveis justifique o sacrifício dos remanescentes Aqui também vislumbro inconstitucionalidade Por fim o Decreto regulamentar menciona embriões que espontaneamente deixaram de se dividir após um período superior a vinte e quatro horas A clivagem para o embrião é o reflexo de seu desenvolvimento de sua atualização Deixar de clivar equivale a deixar de se desenvolver Os embriões referidos na parte média do inciso XIII do art 3o do Decreto n 55912005 são aqueles que perderam a capacidade de se dividir que não mais apresentam uma potência de atualização de movimento e desenvolvimento Perderam ADI 3510DF portanto a sua essência Deixaram de ser Quanto a estes não se vislumbra haver violação do direito à vida acaso deles se extraiam célulastronco São em verdade embriões sem condições de ir adiante São insubsistentes por si mesmos A obtenção deles de célulastronco para pesquisa e terapia seria a título de comparação como a extração de órgão de alguém já morto E não se diga que o embrião imobilizado em termos de divisão não seja fonte de célulastronco pois a própria legislação o colocou entre elas já em 2005 Desde então a perspectiva de extração de célulastronco aptas para a constituição de uma linhagem se consolida A partir da proposta de Donald Landry e Howard Zucker a comunidade científica passou a considerar essa nova fonte Diziam os autores Aproximadamente 60 dos embriões gerados da fertilização in vitro deixam de atender aos critérios de viabilidade e são recusados para fins de transferência para o útero A inviabilidade definida como a incapacidade de chegar ao nascimento difere da morte orgânica todos os embriões mortos são é claro inviáveis mas muitos embriões inviáveis ainda não estão mortos O critério morfológico de inviabilidade inclui clivagem anormal perda de células e do material citoplasmático Mas é o critério functional ausência de clivagem após 24 horas que mesmo não contendo em si a prova de irreversibilidade melhor se adequa A ausência de clivagem geralmente reflete graves anormalidades genéticas mas e esse é o ponto crucial nem todas as células de embriões estagnados precisam estar anormais para que a estagnação ocorra Embryonic death and the creation of human embryonic stem cells in The Journal of Clinical Investigation v 114 n9 Disponível em httpwwwjciorg11491184content typeabstract Acesso em 13mar 2008 A idéia por detrás do trabalho de Landry e Zucker não é complexa para entendimento O embrião é mais que a soma de suas células Assim um embrião sem vida não é somente um embrião cuja totalidade de células esteja sem vida sendo possível encontrar células ainda vivas célulastronco E o critério para identificar essa situação é um critério funcional a ausência de clivagem O estudo foi citado no já referido relatório Alternative Sources of ADI 3510DF Human Embryonic Stem Cells de maio de 2005 como uma das fontes alternativas de célulastronco embrionárias Essa e outras alternativas como a extração de células tronco na fase de blastômero sem prejudicar o desenvolvimento do embrião foram analisadas pelo relatório que buscou sua aceitação ética e sua factibitidade A proposta de Landry e Zucker foi considerada promissora mas foram levantadas dúvidas quanto à definição de um marco objetivo para determinar a morte do embrião e a real possibilidade de obtenção de células apropriadas para gerar linhagens que poderiam apresentar as mesmas dificuldades do método de Lanza Uma das relatoras Janet Rowley esclareceu em palavras que refletem bem o interesse da comunidade científica apenas pela exploração da fonte de células tronco embrionárias que se mostre mais acessível que seria estranho deixar grande número de embriões indesejados porém normais morrerem e ao mesmo tempo pedir aos cientistas que fizessem enormes esforços para extrair células de embriões potencialmente normais mas também potencialmente anormais apenas dentre aqueles descongelados que deixaram espontaneamente de se dividir op cit pág 21 O relatório porém e conforme anotado é de maio de 2005 e desde então muitos progressos foram feitos no que se refere a essa alternativa Já em 2006 Landry e Zucker realizaram novo estudo agora com a contribuição de Mark Sauer Michael Reznik e Lauren Wiebw buscando encontrar exatamente um critério objetivo para o reconhecimento da interrupção de clivagem O trabalho envolveu a observação de um total de 142 embriões classificados como inviáveis pelo Centro de Reprodução da Universidade de Columbia e que no seu 5o quinto dia de existência foram caracterizados como hipocelulares Nenhum deles se desenvolveu mais Concluíram os autores que com base nesses dados propomos que a hipocelularidade e a falta de compactação no seu 5º dia de existência constituam um conjunto de critérios para diagnóstico de uma interrupção irreversível do desenvolvimento do embrião humano e que em correspondência direta com o paradigma da morte encefálica seja ADI 3510 DF suficiente para diagnosticar a morte O embrião humano que se enquadre nesse critério morreu como um organismo ainda que algumas células individualmente continuem vivas Hypocellularity and absence of compaction as criteria for embryonic death in Regenarative Medicine 1 3 págs 367 a 371 Também em 2006 urn grupo formado por Xin Zhang Petra Stojkovic Stefan Przyborski Michael Cooke lyle Armstrong Majlinda Lako e Miodrag Stojkovic demonstrou que embriões com seu desenvolvimento estagnado também são fontes de célulastronco No estudo os cientistas relatam Muitas linhagens de célulastronco embrionárias humanas foram obtidas até hoje e muitas delas já foram derivadas de embriões classificados como de baixa qualidade Até aqui a maioria derivou de massa celular interna ICM inner cell mass ou de mórulas ou blastôcitos de diferentes qualidades com 4 a 8 dias de existência Este estudo descreve pela primeira vez a derivação de linhagens de célulastronco embrionárias humanas de mórulas de alta e baixa qualidade assim como de embriões que pararam de se desenvolver Nós demonstramos que esses embriões que nunca alcançaram a fase de mórula ou blastocisto e são normalmente tidos por mortos têm um potencial de proliferação e podem ser utilizados para a derivação de célulastronco embrionárias humanas sob condições apropriadas de cultura Derivation of human embryonic stem cells from developing and arrested embryos publicado no periódico eletrônico Stem Cells em 21 de setembro de 2006 Disponível em wwwstemcellscom Acesso em 18mar 2008 Em termos científicos essa não é em comparação com o embrião excedente e mesmo com o embrião considerado inviável com 5 dias na forma de blastocisto a fonte primeira e privilegiada de célulastronco embrionárias Isso é o que mostra o grupo capitaneado por Paul Lerou Akiko Yabuch Hongguang Huo Ayumu Takeuchi Jéssica Shea Tina Cimini Tan Ince Elizabeth Ginsburg Catherine Racowski e George Daley ao afirmar em seu estudo Em analogia às regras utilizadas para obter órgãos vitais para transplante após a morte cerebral tem se defendido que embriões organicamente mortos definidos por uma estagnação irreversível da divisão celular são fontes aceitáveis de cétulastronco embrionárias ADI 3510DF Alguns dos embriões de baixa qualidade insensíveis para uso clínico no terceiro dia após a fertilização cessaram sua divisão celular todavia nossos dados indicam que esses embriões são uma fonte pobre de linhagens de célulastronco embrionárias Em contraste embriões de baixa qualidade que chegaram até o estágio de blastocisto são uma robusta fonte de linhagens normais de célulastronco embrionárias Human embryonic stem cell derivation from poor quality embryos in Nature Biotechnology fevereiro de 2008 v 26 n 2 Curiosamente nesse estudo contudo a única linhagem de células tronco embrionárias humanas derivadas de um embrião de 3 três dias e inviável para fins da clínica de reprodução assistida resultou exatamente de um espécime de 6 células com desenvolvimento estagnado Esse fato foi anotado em contato que fizemos diretamente com o próprio Landry e registrado em seu mais recente estudo em conjunto com Svetlana Gavrilov Robert Prossert Imran Khaltd Joanne MacDonald Mark Sauer e Virginia Papaioannou Esse trabalho ainda não publicado demonstra para além de que os embriões com desenvolvimento estagnado no sexto dia ED6 não tornam a se dividir que estes são uma rica fonte de células tronco embrionárias humanas Foram examinados 227 embriões considerados inviáveis pelo centro de reprodução da Universidade de Columbia dos quais 79 foram escolhidos aleatoriamente para permanecerem em cultura de modo a verificar seu eventual desenvolvimento que não ocorreu Os outros 148 embriões passaram por uma contagem de células dos quais 20 se encontravam totalmente desintegrados Dos 128 restantes 22 17 não tinham células vivas 103 80 apresentaram entre 1 e 32 células vivas enquanto que 3 menos de 3 tinham mars de 32 células vivas o que permitiu a conclusão Aqui nós mostramos que embriões estagnados não retomam seu desenvolvimento normal durante um período prolongado de cultura ainda que a maior parte deles contenha um número substancial de células vivas no 6o dia de existência ED6 72 têm mais de 1 célula viável 47 têm mais de 5 células viáveis indicando que esses embriões inviáveis poderiam ser uma rica fonte de células viáveis para fins de geração de linhagens de célulastronco embrionárias Irreversibly arrested nonviable organismically dead ADI 3510DF human embryos as a source of viable cells for human embryonic stem cell hESC derivation Confrontada com estudos como os de Lanza e LandryZucker a comunidade científica geralmente não valoriza a obtenção das célulastronco assim obtidas sustentando que não são confiáveis por ainda não terem sido replicados por outros grupos E depois de não lhes dedicar mais que um relance volta os olhos para o método Thomson e nele persiste É claro esse é o método padrão Mas isso não quer dizer que não seja viável a utilização dos métodos abertos pelas pesquisas de Lanza e LandryZucker O desenvolvimento das pesquisas nessa área é que vai autorizar a evolução do método e sua prática como meio de obtenção de célulastronco embrionárias O que merece relevado é a circunstância de o método possibilitar o avanço da ciência nessa área sem comprometer a vida e sem malferir a dignidade da pessoa humana Por isso ao contrário do que se dá com um simples programa de computador a escolha dos métodos a serem praticados não pode ser deixada a cargo de usuários interessados apenas na eficácia e no custobenefício Isso é que compatibiliza o método com a disciplina constitucional Assim os métodos Lanza e LandryZucker tal qual o de Yamanaka e qualquer outro que não acarrete a morte do embrião podem ser admitidos pela Constituição brasileira por cumprirem o objetivo de estimular a pesquisa em área sensível para o desenvolvimento da humanidade sem o sacrifício da vida valor que deve ser respeitado e preservado Nessa direção apontou o Dr Rao Mahendra renomado pesquisador americano em recente estudo sobre as fontes alternativas de célulastronco embrionárias ou pluripotentes Concluímos com um pensamento que para alguns pode parecer herético talvez as restrições impostas pela administração Bush tenham servido a um resultado positivo intencional ou não por levar a um desenvolvimento de alternativas inovadoras Mais ainda talvez tanto cidadãos quanto cientistas estejam mais preparados para essas inovações A ciência ofereceu mais de uma possível solução para o dilema ético que envolve as pesquisas com célulastronco Agora é hora ADI 3510DF de incentivar os criativos desenvolvimentos nas pesquisas que se verificaram em diversas frentes e de receber aqueles dentre nossos colegas que conseguiram sozinhos e com reduzidos recursos esses avanços Por outro lado tornase relevante assinalar que não é possível manter nessa área uma autorização independente de qualquer controle estatal centralizado seja no que diz com a fiscalização das clínicas de reprodução assistida seja no desenvolvimento das pesquisas com relação às célulastronco Não foram tomados nem mesmo os mais óbvios cuidados no trato de um procedimento tão delicado cujos desvios éticos oferecem gravíssimos riscos de manipulação da espécie humana e de utilização indevida do mais importante objeto da pesquisa científica na atualidade É fácil perceber que o art 5º foi inserido em lei que originariamente não se destinava a cuidar das pesquisas com célulastronco embrionárias Tudo isso enseja a sua disciplina através da interpretação constitucional em suas diversas modalidades De nada adianta a existência de comitês éticos nas universidades se não existir um sistema único nacional capaz de concentrar os dados e estabelecer registros apropriados para fiscalização autorização e controle do que está sendo feito a exemplo do que ocorre na grande maioria dos países que já estão desenvolvendo essas pesquisas E isso quer dizer também impedir a mercantilização que pode como em qualquer setor dominar essa área crítica para o próprio fortalecimento da humanidade Como todos sabem a disputa por patentes nesse segmento é assustadora e os recursos financeiros envolvidos são enormes Não se pode na minha compreensão pôr essa complexa questão em termos tão simplistas como aqueles que opõem radicais de toda posição E não é fácil reconhecer esse fato É necessário evitar qualquer tipo de fundamentalismo Seria por exemplo o dizer da Antigüidade em que a garantia do solo fértil ou da colheita abundante exigia a oferta de presentes aos deuses E o maior deles era o sacrifício de uma vida humana que abriria as portas petas quais adentraria a abundância BLAINEY Geoffrey Uma breve história do mundo Fundamento 2a ed 2007 pág 38 Esse simplismo que a história da humanidade conhece repetese exaustivamente de tempos em tempos e serve de alerta para que o crescimento humano do mundo não ADI 3510 DF se faça com preço que sacrifique a natureza humana Em nosso caso a perspectiva do uso de célulastronco embrionárias a partir dos embriões ditos inviáveis ou daqueles congelados nas clínicas de reprodução assistida não pode sob nenhum pretexto resvalar para o absoluto sem a preservação da vida Impõese estabelecer padrão ético que nem deixe de considerar a bem aventurança da pesquisa seja para fins puramente científicos seja para fins terapêuticos nem deixe de privilegiar a importância do destino desejado pelos genitores ao procurar a continuidade biológica por meio da fertilização in vitro O que se há de buscar é a preservação da vida e da dignidade do homem assim a integridade da vida que nascerá se não sofrer interrupção natural ou provocada e a possibilidade de avançar na descoberta do próprio mistério da vida De tudo o que foi exposto até aqui são duas as conclusões a que forçosamente se chega i há uma urgente necessidade de controle da atividade das clínicas de reprodução assistida especialmente no que se refere aos procedimentos de fertilização in vitro em geral e aos diagnósticos préimplantacionais e ii as pesquisas com célulastronco embrionárias são importantes e não merecem ser obstadas observados limites e controles e desde que não causem a destruição do embrião vida humana protegida pela Constituição Federal O que causa perplexidade e mais do que perplexidade representa fonte de grande preocupação é que a origem das pesquisas com célulastronco embrionárias nos termos da lei brasileira está nas clínicas de fertilização in vitro que operam independentemente da seriedade de seus respeitáveis profissionais sem nenhuma fiscalização ou controle Vejase que a ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária não fiscaliza nem controla as clínicas salvo quanto aos aspectos físicos das instalações Mas não há nenhum sistema organizado de supervisão do processo com cadastro de embriões e registros adequados incluída a identificação genética assim por exemplo nos diversos casos em que são realizados os diagnósticos préimplantação De fato com a Resolução n 33 de 2006 da Diretoria Colegiada da ANVISA os chamados Bancos de Células e Tecidos Germinativos BCTG assim ADI 3510 DF entendidos como todos os estabelecimentos que possuam em seu poder gametas e embriões neles incluídas as clínicas que guardam os embriões congelados devem informar semestralmente dados como i quantidades de sêmen oócitos e embriões congelados ii tempo de congelamento iii taxa de fertilização iv taxa de clivagem v procedimentos adotados e vi processos de classificação de embriões ou préembriões o que já é alguma coisa No entanto segundo informação da própria agência através de sua Gerência Geral de Sangue Outros Tecidos Células e Órgãos GGSTO ainda não foi possível até o dia 1042008 obter informações consolidadas sobre os serviços dessas clínicas até porque as vigilâncias sanitárias estaduais e municipais ainda estão sendo capacitadas para a fiscalização Apenas no dia 12 de maio deste ano é que a Agência baixou a Resolução n 29 pretendendo organizar um banco de dados sobre os embriões em poder dos Bancos de Células e Tecidos Germinativos a ser alimentado pelos próprios bancos com obrigatoriedade somente após o prazo de 60 sessenta dias Vêse portanto que atualmente não há nenhum controle Tampouco há norma legal que proíba ou impeça a realização de procedimentos inadmitidos em diversos ordenamentos como a fertilização para fins não reprodutivos o uso do diagnóstico préimplantação para seleção de sexo a destruição de embriões considerados inviáveis a geração de grande número de zigotos a redução embrionária etc Muito menos se vê algum tipo de controle e reprimenda a procedimentos que põem em risco os limites da própria espécie humana como a clonagem reprodutiva a transferência nuclear o transplante pronuclear a fabricação de quimeras a conjugação de tecidos humanos e animais tudo isso com conseqüências ainda não vislumbradas A já citada Resolução n 13581992 do Conselho Federal de Medicina serve como uma boa orientação ao estabelecer para a comunidade médica Normas Éticas Para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida Mas é pouco A realidade mostra que o Conselho por suas limitações materiais e por suas próprias atribuições tem agido reativamente por meio de sanções de ordem profissional E o ADI 3510 DF que é preciso é uma ação preventiva fiscalizadora Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 90 de autoria do Senador Lúcio Alcântara Apensados a ele estão os Projetos de Lei nºs 28551997 46642001 62962002 1202003 20612003 48892005 56242005 e 30672008 este último de autoria do Deputado José Aristodemo Pinotti que também estabelece algumas condições para a pesquisa com célulastronco ao propor a alteração do próprio art 5o da Lei n 111052005 O Projeto de Lei n 90 contudo é de 1999 e recebeu parecer desfavorável do Relator na Câmara dos Deputados PL nº 11842003 Deputado Colbert Martins Aguardase sua apreciação na Câmara para que seja novamente submetido ao Senado Federal A existência de um grande número de proposições legislativas sobre o tema da reprodução assistida é indicio mais que suficiente para demonstrar a necessidade de regulamentação desse setor da atividade médica As inúmeras possibilidades propiciadas pela fertilização in vitro e os grandes riscos daí decorrentes exigem que o Estado se faça presente Impõese por isso fixar limites que ao mesmo tempo em que ensejem o desenvolvimento científico nesse tema e a manutenção de terapias eficazes para a infertilidade do casal estabeleçam um nível de segurança adequado para as futuras gerações e um grau mais elevado de respeito ao ser humano em todas as suas fases Entendese que esse nível e esse grau seriam alcançados através de um procedimento de fertilização in vitro que mesmo não obrigando a transferência de todos os embriões produzidos observasse as seguintes regras i emprego apenas para fins reprodutivos ii emprego somente na ausência de outras técnicas aptas para solucionar o problema da infertilidade iii proibição de seleção de sexo iv emprego de ICSI apenas quando ineficaz a fertilização através da aproximação dos gametas v limitação do número de óvulos a serem fertilizados vi limitação do uso do diagnóstico préimplantação restringindoo para investigação de determinadas anomalias com vistas à cura vii limitação do número de embriões a serem transferidos viii proibição de redução embrionária ix proibição de descarte de embriões independentemente de sua viabilidade morfologia ou qualquer outro critério de classificação x proibição de ADI 3510 DF comercialização de embriões e xi proibição de doação de embriões salvo daqueles estagnados e registrados em registro único constituído para esse fim com abrangência nacional e somente para pesquisa básica voltada para o estudo dos processos de diferenciação celular e pesquisa com fins terapêuticos que tenham sido aprovadas por órgão com abrangência nacional sempre com o consentimento livre e informado dos genitores de acordo com as normas de deontologia médica adotadas mundialmente e a supervisão de médico especializado Se a autorização para utilização de célulastronco embrionárias deve alcançar apenas aquelas que preservem a vida do embrião não será admitida a obtenção de célulastronco de embriões congelados de embriões com alterações genéticas ou de embriões com alterações morfológicas quer comprometam ou não o seu desenvolvimento pelo método Thomson ou seja pela aspiração de células da massa central interna do blastocisto Pelo uso desse método somente poderia ser admitida a obtenção de célulastronco de embriões estagnados assim entendidos aqueles que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período de observação que permita caracterizar a irreversibilidade da estagnação de acordo com normas especiais estabelecidas pelo Ministério da Saúde Neste caso não se agride a vida do embrião porque esses embriões são insubsistentes por si mesmos já não vivem Em qualquer hipótese sempre com o prévio e expresso consentimento informado por escrito dos genitores poderão ser utilizadas para pesquisa e terapia nas condições adiante definidas para estas e desde que não ameaçada a sobrevivência do embrião célulastronco obtidas de blastômeros assegurada a restituição do embrião ao meio de conservação em que se encontrava anteriormente para fins de reprodução assistida O crime previsto no art 24 da Lei n 1110505 inclui a autorização para utilização de embriões humanos em desacordo com as condições estabelecidas na lei alcançando na minha compreensão os responsáveis pela autorização e pela fiscalização ADI 3510DF As investigações com célulastronco embrionárias repitase devem se limitar à pesquisa básica voltada para o estudo dos processos de diferenciação celular e à pesquisa com fins terapêuticos devem ser autorizadas por órgão federal integrado por equipe multidisciplinar composta por membros com larga experiência inclusive em pesquisa nos ramos da medicina da biologia e da química além de outras áreas do saber como o direito a sociologia a teologia a ética e a matemática devem ser supervisionadas por especialistas com comprovada experiência nos métodos de manipulação dessas células e devem ser devidamente registradas e autorizadas pelo mencionado órgão federal Anotese que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança CTNBio por sua composição e competência foi constituida com vistas à regulação ao acompanhamento e à autorização das atividades relacionadas a organismos geneticamente modificados OGM e seus derivados dentre os quais não se incluem os embriões humanos e as célulastronco embrionárias humanas art 3o 1o Lei n 111052005 Destaco que até a presente data apenas o grupo da Doutora Lygia Pereira séria respeitada e destacada professora da Universidade de São Paulo tentou a derivação de linhagens de célulastronco embrionárias no Brasil Destarte com as razões acima deduzidas julgo procedente em parte a ação direta de inconstitucionalidade para nos termos que se seguem 1 no caput do art 5o declarar parcialmente a inconstitucionalidade sem redução de texto para que seja entendido que as célulastronco embrionárias sejam obtidas sem a destruição do embrião e as pesquisas devidamente aprovadas e fiscalizadas peio Ministério da Saúde com a participação de especialistas de diversas áreas do conhecimento entendendose as expressões pesquisa e terapia como pesquisa básica voltada para o estudo dos processos de diferenciação celular e pesquisa com fins terapêuticos 2 ainda no caput do art 5º declarar parcialmente a inconstitucionalidade sem redução de texto para que a fertilização in vitro seja entendida como modalidade terapêutica para cura da infertilidade do casal devendo ADI 3510DF ser empregada para fins reprodutivos na ausência de outras técnicas proibida a seleção de sexo ou de características genéticas realizada a fertilização de um máximo de quatro óvulos por cicio e igual limite na transferência com proibição de redução embrionária vedado o descarte de embriões independentemente de sua viabilidade morfologia ou qualquer outro critério de classificação tudo devidamente submetido ao controle e à fiscalização do Ministério da Saúde 3 no inciso I declarar parcialmente a inconstitucionalidade sem redução de texto para que a expressão embriões inviáveis seja considerada como referente àqueles insubsistentes por si mesmos assim os que comprovadamente de acordo com as normas técnicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde com a participação de especialistas em diversas áreas do conhecimento tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período no mínimo superior a vinte e quatro horas não havendo com relação a estes restrição quanto ao método de obtenção das célulastronco 4 no inciso II declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto para que sejam considerados os embriões congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação da Lei n 111052005 ou que já congelados na data de publicação da Lei n 111052005 depois de completarem 3 três anos de congelamento dos quais com consentimento informado prévio e expresso dos genitores por escrito somente poderão ser retiradas célulastronco por método que não cause a sua destruição 5 no 1o declarar parcialmente a inconstitucionalidade sem redução de texto para que seja entendido que o consentimento é um consentimento informado prévio e expresso por escrito dos genitores e 6 no 2 declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto para que seja entendido que as instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter previamente seus projetos também à aprovação do Ministério da Saúde presente o crime do art 24 da Lei n 1110505 na autorização para a utilização de embriões em desacordo com o que estabelece a lei nos termos da interpretação acolhida neste ADI 3510DF voto Por fim tornase necessário examinar a aplicação do art 27 da Lei n 98681999 que autoriza a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade É que já estão em curso diversas pesquisas com célulastronco já obtidas por pesquisadores brasileiros Para preservar o andamento dessas pesquisas entendo necessário modular os efeitos da declaração parcial de inconstitucionalidade a partir da data deste julgamento 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO Presidente uma explicitação apenas quanto ao alcance do voto de Sua Excelência Pelo que percebi haveria no bojo a própria criação de um tipo penal pela decisão do Tribunal O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO Ministro Celso de Mello inserido ante o cancelamento do aparte por Sua Excelência foi O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE Está se estendendo ao artigo 27 O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO Não Talvez tenha me explicitado mal O que eu estou dizendo é que o artigo 24 que tem essa tipificação deve considerar também para os efeitos do que está previsto no próprio artigo 5º que esses autores da autorização e fiscalização sejam alcançados Foi só isso que eu disse O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Na verdade Sua Excelência está propondo mediante interpretação que não é objeto da ação do artigo 27 uma modalidade de controle da interpretação Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasilO documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacao sob o número 522121 307 ADI 3510 DF 2 de constitucionalidade do artigo 5º Noutras palavras ele está recorrendo à interpretação de outro artigo para assegurar uma limitação inerente ao alcance da declaração de inconstitucionalidade que reconhece Não está julgando o artigo 27 mas o artigo 5º O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO Mas com conseqüências penais Porque pelo que percebi o artigo 5º somente contempla um tipo penal se houver a comercialização Quer dizer passaríamos a ter o tipo penal pelo nãorespeito à decisão do Tribunal quanto à interpretação conforme Poderíamos chegar a esse ponto O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO Ministro Celso de Mello inserido ante o cancelamento do aparte por Sua Excelência e não é uma cláusula em branco O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR E o artigo 25 também porque apenas a prática de engenharia genética em célula germinal humana zigoto humano ou embrião humano Aqui sim O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro eu ponderaria à Corte e não apenas porque o voto de Sua Excelência foi além de erudito e brilhante alentado que deixássemos todas essas considerações para depois de todos terminarem os votos Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasilO documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacao sob o número 522121 308 ADI 3510 DF 3 porque se avançarmos intervenções e pedidos de esclarecimentos a cada voto não vamos sair daqui antes de uma semana Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasilO documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacao sob o número 522121 309 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL CONFIRMAÇÃO DE VOTO O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR Senhor Presidente a lei agora impugnada autoriza o uso de célulastronco embrionárias produzidas in vitro ou seja em vidro para fins de pesquisa científica e tratamento médico Relembro ela porta as seguintes condições para as pesquisas Primeira o não aproveitamento para fim reprodutivo do embrião congelado in vitro não aproveitamento por livre decisão do casal Segunda que o embrião se caracterize pela sua inviabilidade reprodutiva ou seja ele já não detenha a capacidade de clivagem ou de reprodução celular numa progressão verdadeiramente geométrica Terceira que esteja congelado o embrião há pelo menos três anos da data da publicação da lei ou que já efetivamente congelado nessa data venha a completar três anos No particular a lei é de eficácia exaurida porque os três anos de congelamento já decorreram em qualquer das duas situações do inciso II ADI 3510 DF E finalmente quarta condição o consentimento do casaldoador do material genético biológico é preciso o consentimento expresso do casaldoador Além disso a lei estabelece a obrigatoriedade de encaminhamento de todos os projetos de pesquisas com célulastronco aos comitês de ética e pesquisa respectivos que funcionam basicamente nas universidades federais e veda tipificando como crime a comercialização do material biológico No art 6º a lei toma outras cautelas ou sobrecautelas como por exemplo proibir a prática de engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADNARN natural ou recombinante A engenharia genética é proibida também no inciso III do art 6º com célula germinal humana zigoto humano e embrião humano Vai além a lei A lei proíbe no inciso IV do art 6a a clonagem humana Senhor Presidente eu disse em meu voto e repito a Constituição Federal não faz de qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa a vida de alguém de um indivíduo já adornado da personalidade civil Vale dizer nessa perspectiva que tenho como rigorosamente constitucional a vida humana ou a pessoa humana se ADI 3510 DF define como o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral Fui muito criticado por essa definição mas as pessoas que criticavam invariavelmente mutilavam o meu conceito Em todas as críticas a esse conceito eu pude verificar isso A pessoa humana o individuo biográfico o ser humano adornado de personalidade civil é o fenômeno que transcorre do nascimento com vida à morte cerebral Muito bem eu disse isso porque eu tentei fugir de uma perspectiva analítica teológica ou filosófica ou mesmo científica mais aprofundada uma vez que esse terreno nos leva a uma discussão interminável Nós vamos nos perder no infinito dado que há correntes ponderáveis consistentes de opinião em um sentido e de opinião em outro sentido Eu também tentei evitar dizer que as célulastronco embrionárias são mais promissoras para a Medicina do que as célulastronco adultas porque também há opiniões ponderáveis nos dois sentidos Recentemente um dos vencedores do prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia aqui no Brasil Oliver Smithies prestou depoimentos dizendo que o debate sobre o uso de célulastronco embrionárias humanas em pesquisa tomou o rumo errado Ou seja uma coisa não inviabiliza a outra As duas são pesquisas válidas e podem ADI 3510 DF caminhar pari passu Falou sobre o Supremo Tribunal Federal dizendo o seguinte Gostaria que o Supremo Tribunal Federal pensasse em célulastronco de modo diferente Imagine que eu seja um jovem morto num acidente de carro Há partes do meu corpo que ainda são úteis e podem ser dadas a outras pessoas para manter suas vidas Então parte de mim vive em outra pessoa Se uma célula tronco embrionária é feita para terapia aquele embrião não é morto vale dizer não há destruição aquele embrião dá vida a outra pessoa Quer dizer é um prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia deixando claro que o que se chama de destruição do embrião não é senão em verdade o resgate de uma perspectiva de vida em uma terceira pessoa dentro de uma filosofia rigorosamente fraternal ou solidária Se aquele embrião não tem a menor chance de entrar no útero feminino não é redundante dizer isso que ele seja aproveitado para outros fins de terapia e assim servir à humanidade O que se extrai dessas iniciais considerações é o seguinte a Constituição no art 1º inciso III fala sim de dignidade da pessoa humana mas ela já se autoexplica dignidade da pessoa ou de um ser dotado de personalidade porque só a pessoa humana detém personalidade A personalidade é um atributo da pessoa humana Quando a Constituição no art 5a fala Dos Direitos e Garantias Fundamentais inclusive da vida diz que assegura tais direitos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ADI 3510 DF Ora a toda evidência um embrião não é um brasileiro Ele não tem nacionalidade E enquanto permanecer ali in vitro fora do útero materno sem possibilidade de nidação ele jamais vai ganhar uma nacionalidade Também não é um estrangeiro Esta categoria de brasileiro e de estrangeiro como condição para gozo Dos Direitos e Garantias Fundamentais essa condição para o embrião é um indiferente jurídico 0 embrião jamais vai alcançar o status de brasileiro ou de estrangeiro Para que o embrião tenha direito à vida nos termos da Constituição é preciso reconhecer a ele o direito a um útero E o embrião tem direito a um útero Claro que não Eu estou falando do embrião in vitro daquele embrião produzido sem ato sexual sem acasalamento sem conúbio que não é produzido pela natureza mas produzido pelo homem Não é só a natureza que produz o homem o homem produz cientificamente o homem Quer dizer é um embrião que não saiu de nenhuma mulher O que saiu do corpo da mulher foi um singelo óvulo desfecundado até então Não saiu de nenhum homem também 0 que saiu do homem foi um jato um jorro de espermatozóides Esse embrião in vitro jamais entrará nos termos da lei no corpo de uma mulher Nem saiu do corpo feminino nem vai entrar Não há nidação não há gravidez não há maternidade no sentido que eu expus não há cérebro É isso o que está causando perplexidade aos juristas de uma maneira geral É que nós estamos lidando com uma realidade ADI 3510 DP absolutamente insimilar É um embrião que não corresponde jamais ao conceito de nascituro Não há nascituro muito menos alma É de se supor que a alma vem ao mundo para cumprir uma função e ela é inteligente o suficiente para não ficar confinada em um vidrinho sob a forma de embrião De maneira que à luz da Constituição a vida não pode começar senão por um embrião e que o embrião humano é portanto o início de toda a vida Daí não se pode derivar extrair o raciocínio de que embrião é pessoa humana Ele é um bem a proteger juridicamente É um interesse juridicamente protegido mas à luz da Constituição não é uma pessoa Até porque Senhor Presidente nos trabalhos constituintes houve três propostas para se proteger o embrião para se proteger o ser humano desde a concepção uma proposta da então Deputada Rita Camata do então Deputado Carlos Virgílio e da então Deputada Sandra Cavalcanti nos capítulos Da Saúde e Da Família Todas as três propostas foram rejeitadas A Comissão de Constituição e Justiça remeteu o tema para a lei ordinária 0 Código Civil diz efetivamente que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro art 2º do Código Civil Ora sem o ímã do útero sem a vis atrativa do útero ADI 3510 DF sem o húmus do útero não há nascituro Não há como alguém nascer do lado de fora dessa entidade mágica que é o útero humano Feminino Então derivar do raciocínio de que não há vida humana que não comece pelo embrião a afirmativa de que o embrião já é uma pessoa não procede Não é correto Não se pode confundir embrião de pessoa com pessoa embrionária Não existe pessoa embrionária mas simples embrião de pessoa humana Não incorramos na falácia indutiva de que falava David Hume ou seja as premissas não autorizam a conclusão Depois a Constituição no art 6o faz da saúde um direito fundamental E nós sabemos quantos cadeirantes estão à espera das pesquisas com célulastronco embrionárias e sabemos o que significa o Supremo Tribunal Federal cortar toda essa expectativa esse alento ainda que a eficácia do tratamento só ocorra daqui a cinco seis sete oito anos não interessa É preciso recomeçar o processo que foi estancado há três anos E a saúde é um direito fundamental que está no art 6a da Constituição Não pode esperar Mas não é só A Constituição também no art 5a inciso IX diz é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação Ou seja a inviolabilidade não é para o embrião ia vitro mas para a atividade científica em si Aliás a Constituição ADI 3510 DF prestigia tanto a liberdade acadêmica a liberdade de cátedra a liberdade de pesquisa a liberdade científica enfim que abriu todo um capítulo com o nome de Da Ciência e Tecnologia Como se não bastasse isso Senhor Presidente Olha não estou falando de filosofia nem teologia nem de ciência pura nem de pesquisa básica estou falando da Constituição brasileira Estou desfilando pela passarela da Constituição de ponta a ponta para na Constituição buscar os fundamentos de meu voto porque como disse a ministra Ellen Gracie no seu luminoso voto na primeira assentada o que nos cabe é dar uma resposta jurídica constitucional para a questão que nos é posta Porque no plano do direito não devemos nos perder no infinito das discussões Há um ponto de partida e há um ponto de chegada A Constituição diz no art 226 7 com todas as letras em alto e bom som Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana Agora sim a Constituição diz dignidade da pessoa humana Não é por ilação não é por abstração não é por uma construção cerebrina estou lendo o texto e da paternidade responsável o planejamento familiar é livre decisão do casal ADI 3510 DF Ou seja a dignidade da pessoa humana também se manifesta na liberdade decisóriofamiliar Planejar o número de filhos a quantidade de filhos a possibilidade de assistilos afetiva e materialmente tudo isso é matéria regrada pela Constituição com este emblemático nome de paternidade responsável O planejamento familiar responsável é liberdade direito fundamental do casal Como se fosse pouco a Constituição arremata o seu discurso por esta forma competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos Daí a reprodução assistida daí a produção do embrião in vitro em placa de Petri Enfim diz a Constituição para o exercício desse direito E vai além Não fica nisso não vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas Então quando uma sentença aditiva é proposta fico preocupado porque me remeto para essa parte final do dispositivo constitucional vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas ADI 3510 DF Essa liberdade científica signo de evolução ou de status civilizatório avançado e de consolidação do processo democrático está numa pesquisa recentemente feita pela ANIS dando conta de que Vossas Excelências devem ter recebido o memorial dos vinte e cinco Estados com nível de desenvolvimento tecnológico comparado ao Brasil vinte e quatro fazem pesquisas com células tronco embrionárias O estudo desenvolvido sob os auspícios do Ministério da Saúde abrangeu vinte e cinco países nos quais se concentram isso é muito importante mais da metade da população do planeta Noventa por cento das publicações científicas e onde se encontram presentes todas as principais religiões praticadas no mundo cristianismo judaísmo islamismo budismo e hinduísmo Nele se constatou que um único país a Itália proíbe as pesquisas outros dois apresentam restrições que não impedem sua realização os Estados Unidos onde se limita o financiamento por parte do governo federal mas não dos Estados que têm investido maciçamente e a Alemanha que proíbe a utilização de embriões produzidos em seu território mas não a importação ou seja não a importação de linhagens embrionárias Fiz uma pesquisa sobre essa lei italiana e constatei que ela de tão detalhista praticamente engessa a ciência Impõe metodologias rigorosas e especificação de procedimentos e definições ADI 3510 DF técnicocietíficas nela própria na lei e o fato é que tudo isso foi objeto de declaração de inconstitucionalidade por três tribunais italianos quer dizer é uma lei que peca por excesso Estamos a falar de uma lei brasileira supostamente defeituosa por insuficiência regratória e temos na Itália um caso absolutamente inverso em que a lei exatamente por engessar a ciência e trabalhar com conceitos que a própria ciência vai produzindo à medida que as novas tecnologias e o redimensionamento de novos quadros mentais vão surgindo sofreu um contraponto por parte de três tribunais o de Cagliari o de Firenze e o de Lazio na Sentença 398 datada de 31 de outubro de 2007 e depositada em 21 de janeiro de 2008 Essas decisões suspenderam dispositivos da lei que vedavam a verificação de má formação genética do embrião antes do implante e a limitação em três do número de embriões fecundados com a obrigatoriedade de implante imediato deles ou seja obrigando as mulheres a engravidarem Tudo isso os tribunais decidiram com base na Constituição italiana que se aproxima muito da nossa Diz a Carta italiana Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei Diz mais a saúde é direito fundamental do indivíduo Logo alei não pode em nenhum caso atentar contra a dignidade da pessoa humana Por isso que diante do risco ou do perigo de excesso do poder do legislador consignaram os tribunais não há um direito 11 ADI 3510 DF absoluto do embrião frente ao da dona ou mulher que o abrigue É que os italianos vivenciaram recentemente o que estamos experimentando aqui nesta sessão Estáse a propor aqui uma sentença de caráter aditivo mesclada com interpretação conforme para dotar a lei brasileira de uma exuberância regratória que em matéria científica e de saúde já foi considerada inconstitucional pela Corte italiana depois a proposta de interpretação conforme pressupõe todos nós sabemos uma polissemia uma plurissignificatividade do texto legal sob exame que não me parece própria do artigo sob análise Pelo que não tenho como cabível para o caso a técnica de interpretação conforme a Constituição Senhor Presidente concluo dizendo que nossa Constituição legitimadora da Lei de Biossegurança só merece elogios A lei em si não é de bioinsegurança vamos atentar bem para as coisas Ao contrário a lei é de biossegurança Conforme disse o ministro Celso Lafer chanceler tão respeitado por todos nós que é um jusfilósofo de reconhecido peso científico no Brasil e no mundo a lei fez adequadamente a ponderação de interesses e de valores pelo seu art 5a que estamos examinando e está ancorada numa Constituição da mais enxuta contemporaneidade Tenho para mim que em matéria de saúde em matéria de ciência em matéria de dignidade da pessoa humana e liberdade do casal para procriar a seu modo e tempo a nossa Constituição ADI 3510 DF homenageou dois luminares do pensamento ocidental O primeiro foi Goethe que morreu dizendo luz mais luz ainda e o segundo foi Victor Hugo dizendo o seguinte nada é tão irresistível quanto a força de uma ideia cujo tempo chegou E a Medicina Celular ou Regenerativa encontrou nas palavras precisas de Dráuzio Varella também acatado médico brasileiro a seguinte emissão de juízo com a qual termino minha intervenção O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO Senhor Presidente só queria registrar com todo respeito que eu não vou redargüir as observações feitas pelo meu eminente querido amigo Carlos Britto incluída a questão técnica que nós todos o Ministro Carlos Britto sabe que se estamos sentados aqui a conhecemos razoavelmente bem em respeito ao tempo dos Colegas e ao adiantado da hora mas presto também as minhas homenagens ao Ministro Carlos Britto O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR Senhor Presidente renovo meu juízo de louvor ao voto proferido pelo ministro Carlos Alberto Menezes É que o ordenamento jurídico é assim mesmo Ele se vaza numa estrutura de linguagem Estamos aqui dissentindo no plano das ideias mas sem nenhum confronto de ordem pessoal Finalmente Dráuzio Varella disse o seguinte ADI 3510 DF Ninguém se engane a Medicina celular ou regenerativa vai cumprir no século XXI a mesma função revolucionária que o antibiótico cumpriu no século XX 14 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL E X P L I C A Ç Ã O O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE Senhores Ministros terminamos mais uma vez uma parte desta sessão mais uma assentada memorável Gostaria ao encerrar esta parte da sessão de registrar a importância deste debate e a importância inclusive do pedido de vista previsto regimentalmente e também no Código de Processo Civil Não podemos olvidar que a jurisdição constitucional legitimase democraticamente pela reflexão e pela argumentação produzidas segundo a racionalidade própria das normas e procedimentos que conduzem os julgamentos Trago à tona as lições de Robert Alexy para afirmar que o parlamento representa o cidadão políticamente o tribunal constitucional argumentativamente É o que nós estamos a fazer aqui A sociedade brasileira só tem a ganhar com a produção de um debate qualificado argumentativamente com a reflexão pormenorizada com o julgamento rigoroso por parte desta Corte 2 8 0 5 2 0 0 8 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3 5 1 0 0 DISTRITO FEDERAL ANTECIPAÇÃO AO VOTO A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA Senhor Presidente sejam de cumprimento as minhas primeiras palavras ao eminente MinistroRelator que na assentada inicial e hoje ainda ao concluir pela total improcedencia da presente ação apresentou um primoroso pronunciamento Hoje na seqüência do julgamento o insigne Ministro Menezes Direito igualmente apresentou um voto elaborado profundo e tal como o MinistroRelator debruçase sobre as questões aqui trazidas com percuciência e rigor e demonstra inclusive a necessidade desses estudos que se fazem após a apresentação de dados tão sérios como os que foram feitos na assentada inicial pelo eminente MinistroRelator Por isso inicio cumprimentando esses votos pronunciados pelos nobres Pares que já apresentaram as suas manifestações Gostaria de pedir licença a Vossa Excelência antes de adentrar os fundamentos do voto que proferirei para muito breve fazer algumas observações preliminares para pontuar muito breve como disse alguns itens importantes que não se referem apenas a uma postura relativa a este julgamento mas a um dado institucional que se torna penso relevante acentuar em face de todo o grande necessário positivo e muito democrático debate havido na sociedade sobre a matéria discutida nesta ação 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL V O T O A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA Senhor Presidente como observações preliminares e antes de adentrar nos fundamentos do voto que proferirei em seguida gostaria de pontuar brevemente alguns itens importantes e que não se referem apenas a uma postura relativa a este julgamento mas a um dado institucional que se torna penso relevante acentuar em face de todo o grande necessário positivo e democrático debate havido na sociedade sobre a matéria discutida nesta ação Tais observações preambulares Senhor Presidente façoas para realçar notas que no trânsito democrático das idéias amplamente divulgadas sobre a matéria objeto da presente ação devem ser perfeitamente interpretadas e acreditadas segundo as balizas que conduzem os julgamentos por este Supremo Tribunal A matéria de que aqui se cuida tem traços que a distinguem daquelas que comumente são trazidas a este Supremo Tribunal donde a enorme gama de opinamentos legítimos seja realçado de todos e que poderiam eventualmente fazer supor que a condução das idéias e definições desta Casa seguiriam opções forjadas segundo fatores momentâneos externos Por isso é que enfatizo que as manifestações sobre as idéias relativas à questão do uso das células tronco embrionárias em pesquisa são legítimas e desejáveis Afinal pesquisa científica diz com a vida com a dignidade da vida com a saúde com a liberdade de pesquisar de se informar de ser informado de consentir ou não com os procedimentos a partir dos resultados obtidos com as pesquisas Logo diz respeito diretamente a todos e todos têm o legítimo e democrático interesse e direito de se manifestar Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser 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iniciais Senhor Presidente a minha preocupação com as expectativas que parece ter sido suscitadas na sociedade quanto aos efeitos práticos e imediatos deste julgamento A esperança é um direito natural que as pessoas têm e que não podem perder para continuar a ter força para lutar pelo que cada um e todos mais precisam Mas não se há confundir a esperança de cura com a ilusão de uma imediata cura Nem está no Direito nem neste Tribunal nem no resultado desta ação o bálsamo curador de quem mais precisa dos efeitos de novas terapias que têm grande chance de poderem surgir em algum tempo ainda não precisado pela ciência se as pesquisas liberadas chegarem aos resultados hoje esperados pela comunidade científica dedicada ao tema Mas que nem se use desta ação para impedir as pesquisas nem para falsear ilusões que não podem ser garantidas agora a quem quer que seja conforme a unânime opinião das pessoas sérias e responsáveis que trabalham com a matéria versada neste processo Faço questão de realçar este ponto Senhor Presidente porque temo que a palavra pela qual se afirma e faz realizar o Direito possa vir a ser utilizada para iludir legítimas esperanças dos que dependem de soluções Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 327 ADI 3510 DF 3 sérias e que se quer benéficas aos que mais diretamente dependem do êxito das pesquisas para sofrimentos que a só natureza sem a mão do homem não pode curar Teço tais observações Senhor Presidente porque assisti a divulgações das mais diversas fontes e dos mais diferentes matizes que poderiam ser lidos ouvidos e até vistos como se a solução desta causa fosse o passaporte faltante para a salvação imediata daqueles que padecem de males que poderão vir a ser sanados ou diminuídos em seus efeitos pelo êxito de pesquisas científicas da medicina regenerativa Entretanto isso é uma promessa mas é certo que não ocorrerá amanhã qualquer que seja o resultado deste julgamento Poderá é certo haver um amanhã para aqueles que padecem de males dependentes do êxito que se espera a partir das pesquisas com células tronco embrionárias Ilusão não é esperança E como enfatiza Sophia de Mello Breyner com fúria e raiva acuso o demagogo que se promove à sombra da palavra e da palavra faz poder e jogo São demagogos Senhor Presidente todos os que se valem da palavra para enganar os que querem mais ainda os que precisam acreditar para persistir em suas lutas para viver ou para não morrer Por isso tanto mais inaceitável a oferta fácil de falsas ilusões que não podem ser honradas e que não ajuda a que se mantenham as esperanças necessárias reitero para que as pessoas não desanimem e persistam a acreditar que haverá de haver soluções para os seus dilemas Finalmente Senhor Presidente e ainda como observação preliminar a se tomar não apenas quanto a esse mas em relação a qualquer julgamento de controle abstrato de constitucionalidade preocupame o que foi aqui afirmado por um dos ótimos advogados que assomaram a tribuna na inicial desse julgamento Segundo o que anotei nas alegações lançadas da tribuna afirmou um dos eminentes procuradores que no presente julgamento não teria muito a fazer este Supremo Tribunal pois não haveria um vazio legislativo sobre a matéria A questão resumirseia na indagação que poderia ser assim traduzida que legitimidade teria o Poder Judiciário Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 328 ADI 3510 DF 4 para afirmar inconstitucional uma lei que o Poder Legislativo votou o povo quer e a comunidade científica apóia No Estado Democrático de Direito os Poderes constituídos desempenham a competência que lhes é determinada pela Constituição Não é exercício de poder é cumprimento de dever Ademais não imagino que um cidadão democrata cogite querer um juizPilatos dois mil anos depois de Cristo ter sido crucificado porque o povo assim queria Emoção não faz direito que é razão transformada em escolha jurídica Quantos Cristos a humanidade já não entregou segundo emoções populares momentâneas E quem garante quem será o próximo que poderá sofrer uma injustiça evitada pelo que o leigo às vezes considera ou apelida ser apenas uma firula legal Anotava Hamilton em O Federalista que a independência dos juízes é igualmente necessária à defesa da Constituição e dos direitos individuais contra os efeitos daquelas perturbações que através das intrigas dos astuciosos ou da influência de determinadas conjunturas algumas vezes envenenam o povo e que embora o povo rapidamente se recupere após ser beminformado e refletir melhor tendem entrementes a provocar inovações perigosas no governo e graves opressões sobre a parcela minoritária da comunidade é fácil imaginar que será necessária uma forte dose de retidão por parte dos juízes para cumprirem seus deveres como guardiões da Constituição se as invasões do legislativo tiverem sido instigadas pela maioria da comunidade HAMILTON MADISON E JAY O Federalista Tradução de Heitor Almeida Herrera Brasília Ed Universidade de Brasília 1984 p 580 É com o só compromisso com a Constituição que há de atuar esse Supremo Tribunal neste como em qualquer outro julgamento O juiz fazse escravo da Constituição para garantir a liberdade que ao jurisdicionado nela é assegurado Passo então Senhor Presidente aos fundamentos do meu voto No mérito Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 329 ADI 3510 DF 5 1 Nesta ação direta de inconstitucionalidade põese em questão a validade constitucional do art 5º e seus parágrafos da Lei n 11105 de 2452005 que dispõe Art 5o É permitida para fins de pesquisa e terapia a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento atendidas as seguintes condições I sejam embriões inviáveis ou II sejam embriões congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação desta Lei ou que já congelados na data da publicação desta Lei depois de completarem 3 três anos contados a partir da data de congelamento 1o Em qualquer caso é necessário o consentimento dos genitores 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art 15 da Lei no 9434 de 4 de fevereiro de 1997 2 O ProcuradorGeral da República autor da ação afirma que seriam inconstitucionais aqueles dispositivos e que a tese central desta petição afirma que a vida humana acontece na e a partir da fecundação A partir de marco assim exposto segundo o qual o óvulo fecundado o embrião em seus primeiros momentos seria vida humana cujo uso para pesquisa e terapia nos termos dos dispositivos legais questionados configuraria agressão ao direito à vida nos termos constitucionalmente postos no art 5º da Constituição brasileira o ProcuradorGeral da Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 330 ADI 3510 DF 6 República afirma ser o zigoto constituído por uma única célula biologicamente um indivíduo único e irrepetível fl Sem mais conclui ele que ao permitir o uso dos embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nos termos dos incs I e II do art 5º da Lei n 111052005 com o consentimento dos genitores e sem fins comerciais o que é constitucional e legalmente proibido as normas em foco ofenderiam o princípio da dignidade da pessoa humana art 1º inc III da Constituição e a inviolabilidade do direito à vida art 5º 3 A indagação posta ao exame deste Supremo Tribunal marcouse por densa manifestação da comunidade científica de comunidade acadêmicas e religiosas e da opinião pública nesta preponderando a legítima presença daqueles que se vêem como potencialmente beneficiários de resultados das pesquisas que se poderão levar a efeito se o dispositivo legal se mantiver íntegro nos termos positivados Cogitouse e divulgouse que a ação teria o condão de transferir a este Supremo Tribunal a obrigação de afirmar quando começa a vida Para o específico fim de se ter a resposta à questão de saber se são ou não constitucionalmente válidas as normas enfocadas na presente ação tenho que se há de afirmarem os princípios constitucionais e a sua aplicação ao caso sem que se tenha necessariamente de afirmar juridicamente o momento de início da vida para os fins de garantia de direitos ao embrião ou ao feto Não que essa não seja uma questão que não tenha de vir a ser enfrentada por este Supremo Tribunal Apenas para o desate da indagação feita na presente ação tenho como mister ponderaremse os princípios constitucionais que haveriam de ter sido respeitados pelo legislador e verificar se o foram caso em que a norma jurídica é constitucionalmente válida ou não A lei de biossegurança e a ética constitucional vigente Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 331 ADI 3510 DF 7 4 A lei n 111052005 cuida de múltiplas matérias O único dispositivo argüido como inválido constitucionalmente pelo Procurador Geral da República como antes transcrito foi o art 5º e seus parágrafos que cuidam especificamente da utilização para fins de pesquisa e terapia de célulastronco obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e que não utilizados no respectivo procedimento a dizer não tendo sido implantados no útero materno podem servir àqueles objetivos mediante o consentimento dos genitores e desde que não se voltem à comercialização do material biológico Os embriões a que se referem os dispositivos são apenas aqueles tidos pela lei como inviáveis art 5º inc I ou congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação da Lei ou que já congelados na data da publicação da Lei depois de completarem 3 três anos contados a partir da data de congelamento 5 Temse pois nas normas havidas no art 5º e seus parágrafos da Lei n 111052005 que a Objeto do procedimento legalmente permitido há de ser a1 embriões produzidos in vitro art 5º caput a2 embriões inviáveis ou congelados há três anos ou mais na data da publicação da lei ou que já congelados naquela data venham a completar três anos contados a partir da data do congelamento art 5º incs I e II b São fins únicos da utilização de célulastronco embrionárias a pesquisa e a terapia art 5º caput c São condições para a utilização legalmente permitida c1 o consentimento dos genitores art 5º 1º c2 a aprovação prévia do comitê de ética da entidade pesquisadora art 5º 2º Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 332 ADI 3510 DF 8 d São vedações legais expressas não apenas no art 5º questionado mas também no art 6º daquele mesmo diploma legal d1 a comercialização de embriões células ou tecidos art 5º 3º d2 a engenharia genética em célula germinal humana zigoto e embrião art 6º inc III d3 a clonagem humana art 6º inc IV 6 O caput do art 5º da Lei n 11105 dispõe ser permitida a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizadas no respectivo procedimento para duas finalidades pesquisa e terapia 7 Há que se distinguirem pois as finalidades pesquisa e terapia para o específico objetivo de se analisar a validade constitucional da norma posta em exame Especialmente porque os princípios constitucionais relativos à liberdade de pesquisa aliamse mas não se confundem com aqueles que informam o legislador infraconstitucional na questão relativa à utilização de terapias 8 A ética constitucional vigente afirma o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana do que decorre a impossibilidade de utilização da espécie humana em qualquer caso e meio para fins comerciais eugênicos ou experimentais 9 Ao escrever antes do advento da Lei n 111052005 sobre o tema acentuava que Não há determinismo ou definitividade no sofrimento do ser humano Nem se há de admitir o sofrer pelo sofrer O homem existe para ser feliz Quer ser feliz Tudo o que tolhe limita dificulta ou impede este estágio de realização humana pode conduzir à indignidade da pessoa Paralelamente o que alargue as humanas condições tende a ser benéfico à dignidade Por isto o direito há de cuidar da vida do homem com a indisponibilidade que o caracteriza com a integridade que a assegura com a liberdade que a humaniza com a responsabilidade que a Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 333 ADI 3510 DF 9 possibilita Enfim a dignidade humana não pode ser elemento de mínima concessão Cabe ao direito assegurar que assim se cumpra Mas esta garantia não se restringe a uma competência estatal há que se converter em compromisso social Na medida em que a ciência deixou de ser fechada e estática e passou a ser aberta e dinâmica e a atuar não apenas para sarar os homens mas para transformálos ou até mesmo permitir a sua vida e a sua morte em formatos forjados em laboratórios a ciência passou a constituir um fator de determinação social até mesmo de organização políticosocial pelo que passou a ser paralela e necessariamente objeto de cuidados jurídicos É que a organização social legitimase pelo pleno atendimento dos direitos humanos os quais não podem ser sonegados menosprezados ou desprestigiados em benefício de novos comportamentos que venham a ser adotados ainda que sob o signo da melhoria das condições de vida de algumas pessoas A ciência não pode sozinha legitimarse como fonte nova e exclusiva da organização sóciopolítica nem pode pretender que a dignidade humana seja subtraída de sua matricial importância e primado sobre todos os outros princípios que se põem na base da ordem segundo a qual se organiza a sociedade contemporânea O desenvolvimento cientifico e tecnológico não podem ser negados ou impedidos nem é o que se propõe por ser ele elemento de melhoria das condições humanas O que não se pode admitir é que o direito deixe de considerar este novo quadro científico que faz valer os seus conhecimentos sobre o homem sobre o seu corpo a sua vida psíquica e o seu espírito Chamarse à responsabilidade de todos e de cada um não é suficiente para garantir o pleno respeito à liberdade dos homens menos ainda para assegurar a dignidade humana A fragmentação do corpo humano a venda de órgãos ou de maneira mais geral a comercialização do corpo humano esquartejado em vida e dissecado como se fossem objetos soltos de um quadro e que em certos casos pode não trazer mal imediato e direto à saúde do comerciante de si mesmo pode agradar ao negociador do laboratório e permitir o uso que até mesmo beneficie uma outra pessoa mas agride fragorosamente o princípio da dignidade da pessoa humana não podendo ser aceita menos ainda deixada ao exclusivo cuidado particular ou de particulares Desconhecer que o negócio de embriões a sua venda a concepção para o uso posterior de Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 334 ADI 3510 DF 10 embriões indesejados como seres em fase de formação buscados apenas como bem a ser manipulado para fins cumpríveis por laboratórios é desatender as funções primárias dos Estados e das sociedades de proteger o princípio da dignidade humana que não se pode render a lucros materiais ou imateriais dos pesquisadores ou médicos encarregados dos procedimentosO direito à vida digna Belo Horizonte Fórum p 82 O estudo das normas questionadas na presente ação patenteia entretanto a preocupação do legislador em atender quanto à pesquisa de um lado a liberdade de permitila e de outro os limites que a compatibilizam com os princípios constitucionais na forma acima exposta pelo que se há de analisar as assertivas do ProcuradorGeral da República na peça inicial da presente ação com todos os contornos postos na Lei aí incluídas as vedações expressas em outras normas daquele diploma e que se compõem com o estatuído no art 5º e seus parágrafos objeto da presente ação Desta composição é que se conclui o quadro legal estabelecido e que guarda consonância com os princípios constitucionais aí incluído primacialmente o da dignidade da pessoa humana Quanto à permissão para fins de terapia da utilização das células tronco embrionárias também há que se compatibilizar por meio de rigorosa interpretação o quanto posto na lei questionada com os princípios constitucionais vigentes De pronto cumpre realçar a distinção entre tratamento cuja remissão constitucional é expressa como forma de acesso aos cuidados com a saúde direito fundamental da pessoa art 6º 199 4º da Constituição e terapia Palavras geralmente tomadas como sinônimas a terapia pode ser tida como a adoção de práticas e procedimentos que conduzam a formas de tratamento Entretanto há terapias experimentais o que poderia indicar se adotado aquele conteúdo normativo sem o conformar aos princípios constitucionais que também nestes e para estes casos estaria a lei validando a imediata utilização de embriões e o que é mais a utilização Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 335 ADI 3510 DF 11 das pessoas submetidas a tais procedimentos Terapias feitas a título de experimentação com o uso do ser humano não se compatibilizam com os princípios da ética constitucional em especial com o princípio da dignidade da pessoa humana E neste caso nem tanto pela utilização dos embriões mas porque se utilizariam pessoas como verdadeiras cobaias serventes que seriam à experimentação de técnicas ainda sem qualquer amparo em bases científicas e resultados concretos obtidos nas pesquisas A literalidade do texto do art 5º caput da Lei examinada na referência ali feita à utilização permitida de célulastronco embrionárias para fins de terapia poderia conduzir à equívoca conclusão de que ela estaria agora ou desde a vigência da norma autorizada Ocorre que não há pesquisa sobre célulastronco embrionárias terminadas ou assentadas em sólidas bases científicas que pudessem admitir tal conclusão Em curso há apenas uma década tais pesquisas não podem ainda ser consideradas validadas para fins de utilização como terapia quando então não se teria tratamento mas mera experimentação com seres humanos E é isso que não se compatibiliza com o princípio da dignidade da pessoa humana Repitase não por causa da utilização das célulastronco embrionárias da natureza de que ela se dote em face do ordenamento jurídico pessoa ou não mas pela singela circunstância de que a sua utilização seria no corpo daquele que precisa de qualquer alternativa para buscar viver ou para não se deixar morrer entregandose a experimentos ainda não completados em suas fases de viabilização e utilização nos seres humanos Daí a necessidade de se interpretar a norma quanto à terapia como dotandose de conteúdo estrito e coerente com a regra constitucional que assegura o direito ao tratamento A terapia como forma de tratamento a partir de bases e resultados científicos consolidados e aceitos pelos órgãos e instituições competentes impede assim a autooferta do paciente como experimentação com animal nobre o que não há de ser tido como compatível com a dignidade humana Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 336 ADI 3510 DF 12 Célulastronco embrionárias e princípios constitucionais inviolabilidade da vida e dignidade da pessoa humana 10 As célulastronco embrionárias imaturas primitivas e pluri ou totipotentes produzidas em laboratórios é que são portanto objeto do dispositivo legal posto em questão Essas células são consideradas no atual estágio da pesquisa científica potencialmente aptas a gerar quaisquer tecidos do organismo humano permitindo a renovação das células linfóides e mielóides e assim a produção de células diferenciadas no tecido sanguíneo É essa aptidão potencial das célulastronco embrionárias não repetida nas célulastronco adultas havidas no organismo desenvolvido que distingue e valoriza as primeiras e tornaas especialmente atrativas para a pesquisa a partir da qual possam surgir novos tratamentos disponibilizados para o bem e a dignidade do ser humano Podendo tornarse diferentes tecidos do organismo são elas que podem conduzir a novos patamares de pesquisa em benefício de todas as pessoas em especial das que padeçam de doenças degenerativas mal de Alzheimer mal de Parkinson esclerose múltipla diabetes distúrbios cardiovasculares dentre outras E não são poucas as pessoas que sofrem destes males e que têm nas pesquisas a possibilidade conquanto ainda não a certeza de poder resgatar a sua condição de saúde ou ao menos de melhoria das condições para o viver digno Afirmouse nas razões de apoiamento à tese de inconstitucionalidade do art 5º e seus parágrafos da Lei n 111052005 argüida pelo ProcuradorGeral da República que não haveria motivo para se admitir o uso de célulastronco embrionárias controvertido em razão de ponderações éticas uma vez que a utilização de célulastronco adultas demonstraria a igual condição dessas àquelas Não é o que a pesquisa científica até aqui levada a efeito mostra a célulatronco embrionária tem a possibilidade de gerar todos os tecidos de Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 337 ADI 3510 DF 13 um indivíduo adulto Portanto ao menos no plano das perspectivas das pesquisas até o presente essa célula poderia originar todos os tipos de tecidos razão pela qual ela é denominada totipotente ou pluripotente Em face desta sua característica a célulatronco embrionária não pode ainda ser substituída sendo grande a expectativa suscitada de poder vir a ser aproveitada nos procedimentos reparatórios de tecidos devido àquela sua qualidade pois implantada no tecido lesado ela se diferenciaria em células específicas do mesmo tecido recuperandoo É certo que o seu controle de diferenciação ainda não está completamente estudado pois em diversos estudos feitos deuse a formação de teratomas tecidos não funcionais anômalos Daí a importância da pesquisa com esse tipo celular para a conclusão sobre o processo de diferenciação quando essas células são implantadas em tecidos hospedeiros Diferentemente do que foi carreado aos autos quanto às células tronco adultas não há dados científicos a mostrar poderem elas ser utilizadas para que se transformem em neurônios o que é necessário para que se tenha o tratamento de doenças denegerativas O seu aproveitamento é assegurado em tratamentos para doenças do sangue como leucemia e talassemia sendo comuns os procedimentos que delas se valem para a recuperação de músculo e ossos Com mais de três décadas de pesquisa as célulastronco adultas são utilizadas frequentemente nos procedimentos voltados à renegeração daqueles tecidos No Brasil a Rede Sarah por exemplo utiliza célulatronco adulta mesenquimal para o reparo de tecidos que acometem o aparelho locomotor ossos e músculos há mais de dez anos Mas elas não se transformam em neurônios portanto não servem para reabilitação de problemas neurológicos como lesão cerebral medular paraplegia tetraplegia e doenças neurodenegerativas como por exemplo mal de Alzheimer Parkinson miopatias neuropatias periféricas dentre outras Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 338 ADI 3510 DF 14 A alegação portanto de que haveria desnecessidade de continuação das pesquisas com célulastronco embrionárias para se dar cumprimento aos princípios e regras constitucionais relativas ao direito à saúde e à dignidade da vida humana não tem embasamento científico De resto cumpre realçar que a lei em causa não está excluindo a utilização das célulastronco adultas em pesquisa e nesse caso até mesmo nas terapias já conhecidas e em outras novas que possam vir a sêlo Não se cuidam de linhas de pesquisa e utilização em tratamento excludentes as que se referem às célulastronco adultas e às célulastronco embrionárias Antes elas devem ser auxiliares para o benefício de quem necessite do tratamento com que pode ser acudido o doente conforme o seu caso e a sua necessidade 11 Temse na peça inicial da ação que a vida humana acontece na e a partir da fecundação a vida humana é contínuo desenvolver seestabelecidas tais premissas o artigo 5º e parágrafos da Lei n 11105 de 24 de março de 2005 por certo inobserva a inviolabilidade do direito à vida porque o embrião é vida humana e faz ruir o fundamento maior do Estado democrático de direito que radica na preservação da dignidade da pessoa humana 12 Quanto a ser a utilização de célulastronco embrionárias uma forma de violação do direito à vida talvez conviesse se partir do que significa a violabilidade e o seu contrário vedado constitucionalmente em relação ao direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade art 5º caput da Constituição brasileira1 Violar tem o sentido de infringir com violência transgredir ou ofender o que posto pelo direito A inviolabilidade do direito à vida que o ProcuradorGeral da República põe como estando descumprido pelo art 5º e parágrafos da Lei n 111052005 não pode ser interpretada a partir da idéia de direito absoluto Todo princípio de direito haverá de ser interpretado e aplicado de forma ponderada segundo os termos postos nos sistema Como acentuado pelo Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 339 ADI 3510 DF 15 ProcuradorGeral da República em sua petição dignidade humana é princípio e esse se aplica na ponderação necessária para que o sistema possa ser integralmente acatado Mesmo o direito à vida haverá de ser interpretado e aplicado com a observação da sua ponderação em relação a outros que igualmente se põem para a perfeita sincronia e dinâmica do sistema constitucional Tanto é assim que o ordenamento jurídico brasileiro comporta desde 1940 a figura lícita do aborto nos casos em que seja necessário o procedimento para garantir a sobrevivência da gestante e quando decorrer de estupro art 128 incs I e II do Código Penal Comentando aquelas normas penais referentes ao aborto terapêutico e ao aborto necessário acentuava Nelson Hungria que o aborto terapêutico foi resolvido pelo nosso legislador penal com critérios de política criminal e não com princípios da religião católica Tratase de um caso especialmente destacado de estado de necessidade Muito antes da Reforma quando a religião católica era a religião do Estado e não sofria contrastes já o direito secular não vacilava em admitir a impunidade do aborto terapêutico A palavra de Santo Tomás de Aquino de que innocentes nullo pacto occidere licet não teve repercussão na lei social que é editada para o plano terreno e não para a Civitas Dei Do ponto de vista humanosocial é despropósito sacrificar a gestante e o feto quando aquela pode ser salva com sacrifício deste Semelhante absurdo não passou despercebido ao padre Agostinho Gemelli o maior sábio que a Igreja possui na atualidade e no Congresso Obstétrico reunido em Milão no ano de 1931 explicou ele interpretando a encíclica Casti Connubit que era permitido o aborto indireto isto é conseqüente à ministração de meios terapêuticos sem intenção positiva de eliminar o feto ainda que este venha a morrer ou ser expulso prematuramente Ora esse apelo ao aborto indireto é apenas uma acomodação com o céu um expediente ardilosamente excogitado para conciliar escrúpulos religiosos com a imperativa necessidade prática Tanto vale querer um resultado quanto assumir o risco de produzilo Comentários ao Código Penal Rio de Janeiro Forense 1958 v V p 3078 Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 340 ADI 3510 DF 16 De pronto se registre que o presente caso nada tem a ver com o aborto que é interrupção da gravidez Na hipótese prevista na lei em foco não há gravidez logo não se há cogitar sequer longiquamente da questão do aborto A citação aproveitada acima portanto tem o condão exclusivo de demarcar o estatuto jurídicoconstitucional do direito à vida e sua aplicação a situações diferentes A inviolabilidade do direito à vida constitucionalmente positivada é nos termos precisos de José Afonso da Silva uma determinante normativa como objeto da garantia em que o artigo definido revela o conteúdo intrínseco dos direitos enunciados valendo dizer que eles contêm em si a qualidade essencial de serem invioláveis Não é a Constituição que lhes confere a inviolabilidade ela reconhece essa qualificação conceitual préconstitucional e por isso preordena disposições e mecanismos que a asseguremComentário contextual à Constituição São Paulo Malheiros 2007 p 65 Ao reconhecer a Constituição ser inviolável o direito à vida expressa ela em todo o seu texto e no contexto traçado em torno dos direitos fundamentais outros direitos como o da liberdade e o da saúde que tornam possível a efetivação daquele primeiro Há de se interpretarem todos eles para se concluir sobre a validade constitucional ou não do art 5º e seus parágrafos da Lei n 111052005 O art 5º inc IX e art 218 da Constituição brasileira e o art 5º da Lei n 111052005 13 Ao fixar a liberdade de pesquisar cientificamente de informar e de ser informado sobre as pesquisas científicas e seus resultados sobre usufruir deles quando positivos segundo padrões éticos que se afinem com os princípios democráticos a Constituição garante a efetivação do direto à vida digna propiciando que vivam melhor aqueles que por qualquer adversidade não podem contar com a plena condição de saúde física psíquica e mental Põemse na esteira destes princípios as normas contidas Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 341 ADI 3510 DF 17 no art 5º e parágrafos da Lei n 11105 pelo que não há discordância entre o que neles contido e o que afirmado constitucionalmente A Constituição garante não apenas o direito à vida mas assegura a liberdade para que o ser humano dela disponha liberdade para se dar ao viver digno Não se há falar apenas em dignidade da vida para a célula tronco embrionária substância humana que no caso em foco não será transformada em vida sem igual resguardo e respeito àquele princípio aos que buscam precisam e contam com novos saberes legítimos saberes para a possibilidade de melhor viver ou até mesmo de apenas viver Possibilitar que alguém tenha esperança e possa lutar para viver compõe a dignidade da vida daquele que se compromete com o princípio em sua largueza maior com a existência digna para a espécie humana 14 Preceituam os arts 5º inc IX e 218 da Constituição brasileira Art 5º IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença Art 218 O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico a pesquisa e a capacitação tecnológicas 1º A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado tendo em vista o bem público e o progresso das ciências A liberdade de expressão da atividade intelectual e científica é considerada um dos fundamentos constitucionais do art 5º da Lei n 1110505 Bem assim o desenvolvimento científico e a pesquisa que podem servir à melhoria das condições de vida para todos A compatibilização de tais regras com os princípios magnos do sistema aí assegurada sempre e em todo e qualquer caso a dignidade humana dotaas do necessário fundamento constitucional de modo a não se reconhecer nelas qualquer eiva a inválidálas Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 342 ADI 3510 DF 18 Não há violação do direito à vida na garantia da pesquisa com célulastronco embrionárias menos ainda porque o cuidado legislativo deixou ao pesquisador e quando vier a ser o caso ao cientista ou ao médico responsável pelo tratamento com o que da pesquisa advier a exclusiva utilização de célulastronco embrionárias inviáveis ou congeladas há mais de três anos Se elas não se dão a viver porque não serão objeto de implantação no útero materno ou por inviáveis ou por terem sido congeladas além do tempo previsto na norma legal não há que se falar nem em vida nem em direito que pudesse ser violado Liberdade de pesquisa com célulastronco embrionárias e o direito à vida 14 Alguns dos amici curiae fazem a defesa da tese de inconstitucionalidade das normas questionadas pelo ProcuradorGeral da República com base no art 4º do Pacto de São José de Costa Rica tratado de direitos humanos firmado pelo Brasil segundo o qual Artigo 4º Direito à vida 1 Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela lei e em geral desde o momento da concepção Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente Se de um lado é garantido o direito à vida e para os defensores da tese sustentada na peça inicial desta ação haverá inconstitucionalidade nas normas questionadas exatamente porque essa garantia vale desde a concepção e o embrião já seria vida garantida em sua inviolabilidade e não poderia então ser destruído de outro lado aquela norma pactuada internacionalmente há de receber interpretação a partir de todos os seus termos nos quais se contém proibição de que alguém possa dela ser privado arbitrariamente Dáse que a lei e o arbítrio são incompossíveis e no caso agora analisado não se cuida do segundo arbítrio exatamente porque os termos da norma legal apreciada firmam o sentido contrário a abuso levado a efeito pela pesquisa com os embriões Nem se há de afirmar que haveria arbítrio no aproveitamento de célulastronco embrionárias porque ali se tem uma substância humana que se propõe seja utilizada para a Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 343 ADI 3510 DF 19 dignificação da vida daqueles que se podem ver tratados com os procedimentos a que podem dar ensejo as pesquisas feitas A sua utilização conformase aos cuidados e condições definidas na lei pelo que de arbítrio não se há de falar aqui O embasamento constitucional neste caso parece incontestável 15 Dispõe o art 199 4º da Constituição brasileira Art 199 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos tecidos e substâncias humanas para fins de transplante pesquisa e tratamento bem como a coleta processamento e transfusão de sangue e seus derivados sendo vedado todo tipo de comercialização A célulatronco embrionária mencionada na Lei n 111052005 tem exatamente a natureza de substância humana Logo não apenas não haveria incompatibilidade entre a norma constitucional e a norma legal questionada como ainda se poderia afirmar que a lei cuida de um fator humano que não mais pode ser utilizado para os fins a que inicialmente ele se destinou pois os incisos I e II do art 5º daquele diploma legal estabelecem que será permitido pesquisa e terapia com célulastronco embrionárias inviáveis ou congeladas no período legalmente assinalado O período de três anos de congelamento registrese é aquele que determina um marco após o qual a viabilidade do procedimento de implante da célula tronco embrionária tornase pequena As clínicas de reprodução assistida dispõem de estatísticas apresentadas em trabalhos divulgados cientificamente a comprovar que após o triênio a chance de o embrião se viabilizar é baixa Apesar de congelado as membranas tendem a oxidar se não lhes garantindo o resultado desejado A substância humana aqui considerada consiste no que se denominou embrião ou célulatronco embrionária que tem origem após a fecundação de um óvulo por um espermatozóide com a formação da célula ovo que contém em Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 344 ADI 3510 DF 20 seu núcleo 46 cromossomos sendo 23 originários do espermatozóide e os outros 23 do óvulo Essa célula substância genética é resultado da junção de outras duas células humanas e tem a finalidade de gerar todos os tecidos de um indivíduo adulto devido a sua pluripotencialidade Nessa condição resultado do que acima asseverado podese dizer que essa matriz humana há ser tida como uma das substâncias humanas que a Constituição permite possam ser manipuladas com vistas ao progresso científico da humanidade e à melhoria da qualidade de vida dos povos respeitados como é óbvio os demais princípios constitucionais afirmados e que se compatibilizam com o quanto posto naquela norma constitucional O art 225 1º inc II da Constituição brasileira estabelece o princípio da solidariedade entre as gerações como forma de garantir a dignidade da existência humana quer dizer não apenas a dignidade do vivente agora mas a dignidade do viver e a possibilidade de tal condição perseverar para quem vier depois Reza aquele artigo Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações 1º Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público II preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético Concebido como direito social fundamental do homem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está inserido em um contexto Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 345 ADI 3510 DF 21 constitucional segundo o qual ao Estado brasileiro compete atuar de modo a assegurar a sua efetividade Para tanto como assevera José Afonso da Silva no 1º do art 225 da Constituição da República foram estatuídos instrumentos de garantia da efetividade do direito enunciado no caput que não se tratam de normas simplesmente processuais meramente formais pois nelas aspectos normativos integradores do princípio revelado no caput se manifestam através de sua instrumentalidade São normas instrumentais da eficácia do princípio mas também são normas que outorgam direitos e impõem deveres Comentário Contextual à Constituição 4 ed São Paulo Malheiros 2006 p 838 As normas impugnadas na presente ação direta de inconstitucionalidade dão cumprimento à determinação de que se preserve a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e se fiscalizem as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético Daí a importância em se afirmar que as pesquisas e o tratamento devem pautarse pelos princípios da necessidade segundo o qual deve haver comprovação real de que o experimento científico a ser realizado no material genético humano é necessário para o conhecimento a saúde e a qualidade de vidas humanas da integridade do patrimônio genético proibindose a manipulação em genes humanos voltada para mudanças na composição do material genético com o fim de melhorar determinadas características fenotípicas da avaliação prévia dos potenciais e benefícios a serem alcançados e ainda o princípio do conhecimento informado que impõe a garantia de manifestação da vontade livre e espontânea das pessoas envolvidas com a divulgação de informações precisas sobre as causas efeitos e possíveis conseqüências da intervenção científica Dignidade humana e utilização de célulastronco embrionárias Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 346 ADI 3510 DF 22 16 Afirmase que a dignidade da pessoa humana teria sido contrariada pelas normas legais em exame porque a permissão do uso de célulastronco embrionárias mesmo que inviáveis e congeladas há mais de três anos agrediria o direito à vida digna pois nelas vida já se contém Há que se cuidar de sempre e sempre respeitar e resguardar o princípio da dignidade da pessoa humana Nem se cogita do contrário em qualquer situação Mas há que se compreender esse princípio para o fim de se esclarecer se estaria ele sendo agravado na espécie em pauta e como aplicálo em face das múltiplas possibilidades abertas por exemplo pela liberdade humana que com as suas pesquisas científicas podem conduzir à melhoria de sua condição o que é uma forma de dignificação da vida 17 Todos os homens têm garantida a vida digna Constituição do Brasil art 1º inc III Diferentemente do texto colhido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada pela Organização das Nações Unidas de 1948 em cujo art 1o se contém que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade a Constituição da República brasileira de 1988 estabelece que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes Todos os homens expressão adotada pela Organização das Nações Unidas significa cada um e todos os humanos do planeta os quais haverão de ser considerados em sua condição de seres que já nascem dotados de liberdade e igualdade em dignidade e direitos O que se verbaliza ali é a certeza do direito que a condição humana assegura a todos os que compõem a sociedade dos homens Contrariamente ao que a história perversamente demonstrou existir homem Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 347 ADI 3510 DF 23 versus homem diferenciandose um e outro em situação de submissão e de imposição de uns sobre outros aos mais fracos imputandose status infra humano a Declaração estatui para todas as sociedades que o homem tem status fundamental jurídico e político que o faz ser dignificado em seus direitos fundamentais pela sua só natureza A humanidade afirmada no caso daquele documento com o nascimento faz reconhecerse e assegurarse o status de liberdade e igualdade em dignidade e direitos a todos os homens A Constituição da República brasileira que se refere não apenas a todos os homens mas a todos os que traduzam a expressão do humano deixa mesmo em aberto a questão do momento em que se titularizam os direitos fundamentais É que a Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas afirma que todos os homens nascem livres A liberdade e o direito à igualdade em dignidade e direitos afirmase segundo o quanto ali se expressa com o nascimento É bem certo que as Declarações que se sucederam e se agregaram àquele primeiro documento da ONU estenderam a condição de humanidade e de segurança dos direitos fundamentais a momentos antecedentes ao nascimento por exemplo e em especial a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da UNESCO de 1998 mas o que se tem é que a titularidade dos direitos fundamentais não pode ser questionada em sua integridade e eficácia a partir da humana condição havida com o nascimento Não se tem portanto que a condição de ser humano não anteceda o nascimento nem que o Direito não atente e garanta estes momentos anteriores ao nascimento Mas buscase afirmar que com o nascimento as legislações não podem questionar ou regulamentar a condição de cada um e de todos os direitos que a humanidade do ser lhe garante Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 348 ADI 3510 DF 24 No Brasil a titularidade do direito que é de todos havido em sua positivação no art 5o da Constituição da República expressa a que todos os homens tal como se tem também na fórmula da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU são sujeitos dos direitos fundamentais b que não apenas aos seres humanos se estende o princípio da igualdade jurídica mas até mesmo aos seres criados no direito pessoas jurídicas c que não apenas os brasileiros e estrangeiros previstos expressamente no dispositivo são titulares dos direitos fundamentais assegurados pelo Estado nacional mas que todos os seres humanos titularizam tais direitos porque o artigo tem de ser considerado em sua sistematização e no 2o do mesmo art 5o se contém que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte Podese afirmar portanto que todas as pessoas são titulares de direitos fundamentais O que é solucionado pela norma constitucional brasileira com o termo todos com a qual se inicia o texto do art 5o da Lei Fundamental da República no sentido da extensão ou da compreensão de todos os membros da família humana não é bastante a resolver a questão posta na presente ação Persiste a controvérsia sobre a interpretação a ser conferidas aos termos ali contidos quanto ao momento a partir do qual cada pessoa humana titulariza o direito vale dizer se se tem esta condição humana apenas a partir do nascimento ou se se tem este estatuto antes mesmo deste fato Dotase de importância este ponto porque se todos são os que compõem a humanidade desde a concepção do ser que passaria a potencializar a condição de pessoa humana então o direito à vida constitucionalmente afirmado o que se contém também em documentos jurídicos internacionais declaratórios de direitos humanos estendese ao instante inicial da existência e não pode ser descuidado pelo Estado e pela sociedade Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 349 ADI 3510 DF 25 18 O ponto salientado na questão posta na petição inicial desta ação estaria pois na formulação expressa pelo ProcuradorGeral da República em se concluir se o embrião é pessoa e se em face de tal qualificação estaria vedada constitucionalmente a utilização dos embriões produzidos in vitro De se observar que mesmo que seja negativa a resposta quanto à personalidade antes do nascimento não se desapega do Estado a condição de titular de obrigações em relação ao embrião e ao feto nem se teria a ser negativa a resposta àquela questão que a humanidade não reconhecesse importância ou necessidade de cuidados específicos e dotasse de estatuto jurídico próprio o embrião e o feto Mas a resposta àquela questão altera o tratamento do tema e a forma de se dar direcionamento normativo específico aos direitos reconhecidos aos diretamente interessados na questão da concepção fecundação gestação e nascimentos dos seres humanos Dizse aqui diretamente interessados porque todos os seres do planeta são interessados em qualquer ser novo que desponta e potencializa uma existência O que muda em cada sistema jurídico é somente a forma de se cuidar do tema Como o direito à vida não se dota constitucionalmente de conteúdo hermético ou identificado em sua integralidade pela expressão normativa conferiuse no caso brasileiro à sociedade a maturação do seu entendimento sobre questões relativas ao nascimento como por exemplo a que se refere ao estatuto do embrião e do feto antes do nascimento observadas como é certo as restrições limites e garantias que a legislação de direito internacional estabelece nos casos em que o Brasil seja parte no tratado ou signatário do acordo ou convenção Ao legislador infraconstitucional conferiuse a competência para estabelecer o cuidado com as pesquisas incluídas aquelas que decorressem da remoção de órgãos tecidos e substâncias humanas E é nessas que se incluem os embriões como matrizes de que poderia decorrer a vida mas que para essa não segue pela sua não implantação no útero de uma mulher como antes enfatizado Para garantir a existência digna o direito constitucional assegura os direitos que a liberdade humana constrói para a dignificação permanente Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 350 ADI 3510 DF 26 das condições do viver E é aí que as pesquisas científicas possibilitam não apenas o exercício da liberdade mas o sentido da libertação que as descobertas e criações podem trazer para todos os homens A utilização de célulastronco embrionárias para pesquisa e após o seu resultado consolidado o seu aproveitamento em tratamentos voltados à recuperação da saúde não agridem a dignidade humana constitucionalmente assegurada Antes valorizaa O grão tem de morrer para germinar Se a célulatronco embrionária nas condições previstas nas normas agora analisadas não vierem a ser implantadas no útero de uma mulher serão elas descartadas Dito de forma direta e objetiva e ainda que certamente mais dura o seu destino seria o lixo Estaríamos não apenas criando um lixo genético como o que é igualmente gravíssimo estaríamos negando àqueles embriões a possibilidade de se lhes garantir hoje pela pesquisa o aproveitamento para a dignidade da vida A sua utilização é uma forma de saber para a vida transcendendose o saber da vida que com outros objetos se alcança Conhecer para ser Essa a natureza da pesquisa científica com célulastronco embrionárias que não afronta mas busca diversamente ampliar as possibilidades de dignificação de todas as vidas Escrevi em outra ocasião que a Justiça somente é passível de concretizarse tornarse diaadia de cada pessoa se a dignidade for atendida em sua plenitude em relação à humanidade Afinal toda forma de aviltamento ou de degradação do ser humano incluídas aquelas que decorrem de dados da natureza doente fazse injusta com a aspiração humana de viver bem e tentar ser feliz E toda injustiça é indigna e sendo assim desumana A dignidade é mais um dado jurídico que uma construção acabada no direito porque se firma e se afirma no sentimento de justiça que domina o pensamento e a busca de cada povo para realizar as suas vocações e necessidades Podese mesmo afirmar que ainda que um dado sistema normativo não concebesse em sua expressão a dignidade humana como fundamento da ordem Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 351 ADI 3510 DF 27 jurídica ela continuaria a prevalecer e a informar o direito positivo na atual quadratura histórica Mais ainda podese mesmo acentuar que a dignidade da pessoa humana contémse explícita em todo sistema constitucional no qual os direitos fundamentais sejam reconhecidos e garantidos mesmo que não ganhem nele expressão afirmativa e direta Tal como agora concebidos aceitos e interpretados aqueles partem do homem e para ele convergem e a pessoa humana e a sua dignidade não são concebidos como categorias jurídicas distintas2 Logo onde aquela é considerada direito fundamental tida como centro de direitos igualmente essa é aceita como base de todo o ordenamento e incluído como pólo central emanador de conseqüências jurídicas A dignidade distinguese de outros elementos conceituais de que se compõe o Direito até porque esse traz em si a idéia da relação e toda relação impõe o sentido do partilhamento conjugação e limitação Diversamente disso contudo a dignidade não é partida partilhada ou compartilhada em seu conceito e em sua experimentação Mostrase no olhar que o homem volta a si mesmo no trato que a si confere e no cuidado que ao outro despende A dignidade mostrase numa postura na vida e numa compostura na convivência Por isso a referência comum hoje à dignidade na morte no processo que a ela conduz e no procedimento que se adota perante o sofrimento que pode precedêla E se diz mesmo que a vida é justa ou injusta quando trata de tal ou qual forma alguém sujeito a experiências que não são consideradas compatíveis com o que suporta o homem com dignidade Para Kant o grande filósofo da dignidade3 a pessoa o homem é um fim nunca um meio como tal sujeito de fins e que é um fim em si deve tratar a si mesmo e ao outro Aquele filósofo distinguiu no mundo o que tem um preço e o que tem uma dignidade O preço é conferido àquilo que se pode aquilatar avaliar até mesmo para a sua substituição ou troca por outra de igual valor e cuidado daí porque há uma relatividade deste elemento ou bem uma vez que ele é um meio de que se há valer para se obter uma finalidade definida Sendo meio pode ser rendido por outro de Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 352 ADI 3510 DF 28 igual valor e forma suprindose de idêntico modo a precisão a realizar o fim almejado O que é uma dignidade não tem valoração é pois valor absoluto Pela sua condição sobrepõe à mensuração não se dá a ser meio porque não é substituível dispondo de uma qualidade intrínseca que o faz sobreporse a qualquer medida ou critério de fixação de preço O preço é possível ao que é meio porque lhe é exterior e relaciona se com a forma do que é apreçado a dignidade é impossível de ser avaliada medida e apreçada porque é fim e contémse no interior do elemento sobre o qual se expressa relacionase ela como a essência do que é considerado por isso não se oferece à medida convertida ou configurada como preço De conceito filosófico que é em sua fonte e em sua concepção moral a princípio jurídico a dignidade da pessoa humana tornouse uma forma nova de o Direito considerar o homem e o que dele com ele e por ele se pode fazer numa sociedade política Por força da juridicização daquele conceito o próprio Direito foi repensado reelaborado e diversamente aplicadas foram as suas normas especialmente pelos Tribunais Constitucionais Na espécie em apreço a célulatronco embrionária põese na legislação examinada como uma dignidade não havendo como se lhe atribuir um preço Ao contrário A busca tão apaixonada dos pesquisadores pela manutenção de liberdade de pesquisa com ela é exatamente por ser cada uma delas insubstituível e por isso na compreensão da dignidade que lhe é dado conferir e realizar põese ao cuidado do cientista para realizar o único fim agora para ela vislumbrada não implantável no útero como se terá tornado Até porque se assim não fosse não seria ela aproveitável para os fins previstos na lei 19 Toda pessoa humana é digna A humanidade mesma tem uma dignidade contida na ética da espécie Essa singularidade fundamental e Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 353 ADI 3510 DF 29 insubstituível é ínsita à condição do ser humano qualificao nessa categoria e o põe acima de qualquer indagação Como as práticas contemporâneas demonstram que o ser humano e não apenas o ser já dotado de personalidade vale dizer a pessoa humana pode ser objeto de comércio ou de interesse do mercado coube ao Direito impedir que isto seja factível e exercitável pela negociação de embriões pelo aluguel de úteros para fecundações tendentes a não se completarem em gestações mas apenas para fornecer material humano tecidos órgãos ou substâncias serventes a pesquisas e estudos muitas vezes levados a cabo para cumprirem interesses de lucro de empresas específicas 20 Mas é atenta a tudo isso que legislação brasileira em especial a de que agora se cuida estabelece a necessidade de controle e fiscalização das pesquisas e procedimentos efetivados com célulastronco adultas ou embrionárias por órgãos e instituições responsáveis pela avaliação do cumprimento dos princípios éticos art 5º 3º da Lei n 11105 É bem certo que esse dispositivo não deixa suficientemente claro e afirmado o rigor do controle determinado naquelas normas para a constituição e o desempenho das atividades destes comitês de ética e pesquisa Porém não se tem apenas por isso uma inconstitucionalidade a ser declarada Talvez se pudesse afirmar declaração de déficit de constitucionalidade pois o atendimento do disposto no art 225 1º inc II que outorga ao poder público o dever de fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético reclama maior severidade no regramento das formas de controle das instituições de pesquisa e dos serviços de saúde que as realizem Mas esta competência é conferida ao Congresso Nacional no qual já tramita o Projeto de Lei n de 2008 apresentado pelo Deputado José Aristodemo Pinotti que busca estabelecer maior rigor legislativo na matéria Naquele projeto se definem condições para a habilitação das Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 354 ADI 3510 DF 30 instituições especificamente voltadas às pesquisas mencionadas no caput do art 5º da Lei n 111052005 e da autorização especial a ser concedida pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CONEP A aprovação daquele ou de outro projeto que restrinja e torne mais seguros os mecanismos de controle de ética nas pesquisas e nos tratamentos com célulastronco obviamente suprirão aquele déficit de constitucionalidade e tornarão mais seguros os direitos constitucionalmente afirmados Estes dados encarecem o resguardo pretendido quanto à observância dos princípios da responsabilidade ética que há de marcar tais pesquisas e futuramente as terapias que vierem a poder ser adotadas em benefício de doentes Atendese aqui não apenas o que se contém na Constituição brasileira mas também ao quanto determinado em normas internacionalmente fixadas Assim é que a Declaração dos Direitos sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da UNESCO estabeleceu em seus arts 10 e 11 que Artigo 10 Nenhuma pesquisa ou suas aplicações relacionadas ao genoma humano particularmente nos campos da biologia da genética e da medicina deve prevalecer sobre o respeito aos direitos humanos às liberdades fundamentais e à dignidade humana dos indivíduos ou quando for aplicável de grupos humanos Artigo 11 Práticas contrárias à dignidade humana tais como a clonagem de seres humanos não devem ser permitidas Estados e organizações internacionais competentes são chamados a cooperar na identificação de tais práticas e a tomar em nível nacional ou internacional as medidas necessárias para assegurar o respeito aos princípios estabelecidos na presente Declaração O direito à vida digna Belo Horizonte Ed Fórum 2004 os 55 e segs Como acentuado antes a Lei n 111052005 cuidou de estabelecer limites e condições às pesquisas que impedem a desobediência de tais princípios de modo a deixar a salvo de qualquer prática conduta que Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 355 ADI 3510 DF 31 pudesse ultrapassar ou afrontar os direitos fundamentais constitucionalmente tutelados 21 O direito à vida expresso ou não nos textos fundamentais nos quais ele se articulava em tempos pretéritos garantia a intangibilidade do existir não da existência mais que a garantia da vida em sua configuração ampla e especialmente em sua condicionante humana plena íntegra e intangível que é dada exatamente pela dignidade Os desastres humanos das guerras especialmente ao que assistiu o mundo no período da Segunda Grande Guerra como antes mencionado trouxe primeiro a dignidade da pessoa humana para o mundo do Direito como uma contingência que marcava a essência do próprio sistema sóciopolítico a ser traduzido no sistema jurídico Agora a tecnociência amplia a dimensão do princípio e o enfatiza para a dignidade da espécie humana dignidade que se faz assim da humanidade de todos e de cada um dos homens Quando retorna com novo conteúdo e contornos fundamentais no Direito contemporâneo o uso da palavra dignidade referindose à pessoa humana ganha significado inédito qual seja passa a respeitar à integridade à intangibilidade e à inviolabilidade do ser humano não apenas tomados tais atributos em sua dimensão física mas em todas as dimensões existenciais nas quais se contém a sua humanidade que o lança para muito além do meramente físico 22 A Carta das Nações Unidas de 1945 traz em seu preâmbulo a referência à dignidade da pessoa humana afirmandose que nós os povos das Nações Unidas resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes no espaço da nossa vida trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem na dignidade e no valor do ser humano na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres assim como nas nações grandes e pequenas Em idêntica linha a Declaração dos Direitos do Homem elaborada pela ONU em 1948 inicia o seu preâmbulo afirmando que considerando que o Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 356 ADI 3510 DF 32 reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo Mais uma vez pois põese no frontispício de uma declaração o valor que centraliza a idéia mesma de justiça própria e inafastável numa convivência política E no art 1o daquela Declaração se tem que Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos São dotados de razão e de consciência e devem agir uns para com os outros num espírito de fraternidade4 A dignidade da pessoa humana passa a ser pois encarecida sobre qualquer outra idéia a embasar as formulações jurídicas do pós2a Grande Guerra e acentuase como valor supremo no qual se contém mesmo a essência do direito que se projeta e se elabora a partir de então Sendo valor supremo e fundamental a dignidade humana é transformada em princípio de direito a integrar os sistemas constitucionais preparados e promulgados alterandose com essa entronização do valor e a sua elevação à categoria de princípio jurídico fundamental a substância mesma do quanto constitucionalmente construído Como a Declaração dos Direitos do Homem da ONU tornouse vertente de muitos dos textos constitucionais subseqüentes na parte relativa àqueles direitos foram eles formulados de maneira a expressar tal como ali se fizera aquele enunciado como princípio fundante dos direitos fundamentais e da própria ordem política 23 Ultrapassouse assim o direito à vida com o conteúdo que se adotara desde os textos constitucionais setecentistas reformulandose e fortalecendose essa definição jurídica agora sob o influxo de um núcleo de direito muito mais amplo do quanto antes se tivera Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 357 ADI 3510 DF 33 O limite positivo e negativo de atuação do Estado e das autoridades que o representam passou a ser base de todas as definições e de todos os caminhos interpretativos dos direitos fundamentais a partir do entendimento ali esposado e tornado de acatamento obrigatório porque constituído em normaprincípio matriz do constitucionalismo contemporâneo exatamente o da dignidade da pessoa humana Aliás o princípio da dignidade da pessoa humana tornouse então valor fundante do sistema no qual se alberga como espinha dorsal da elaboração normativa exatamente os direitos fundamentais do homem Aquele princípio converteuse pois no coração do patrimônio jurídicomoral da pessoa humana estampado nos direitos fundamentais acolhidos e assegurados na forma posta no sistema constitucional de cada povo 24 A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana não retrata apenas uma modificação parcial dos textos fundamentais dos Estados contemporâneos Antes traduzse ali um novo momento do Direito Constitucional o qual tem a sua vertente no valor supremo da pessoa humana considerada em sua dignidade incontornável inquestionável e impositiva é uma nova concepção de Constituição pois a partir do acolhimento daquele valor tornado princípio em seu sistema de normas fundamentais mudouse o modelo jurídicoconstitucional que passa então de um paradigma de preceitos antes vigente para um figurino normativo de princípios Antes estabeleciamse modelos de comportamentos impostos ou defesos para a ação do Estado e para a conduta dos indivíduos Tais modelos continhamse nos preceitos constitucionais que os estabeleciam de maneira contingente Agora estatuemse princípios que informam os preceitos constitucionais ou legais a partir dos quais e para a concretização dos quais se dão a realizar os fins postos como próprios pelo povo no seu sistema fundamental Transformada a formulação básica da Constituição temse como critério de interpretação a finalidade que o povo busca concretizar com a adoção do sistema positivo Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 358 ADI 3510 DF 34 25 A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana modifica assim em sua raiz toda a construção jurídica ele impregna toda a elaboração do Direito porque elemento fundante da ordem constitucionalizada e posta na base do sistema Logo a dignidade da pessoa humana é princípio havido como superprincípio constitucional aquele no qual se fundam todas as escolhas políticas estratificadas no modelo de Direito plasmado na formulação textual da Constituição No inciso III do art 1º da Constituição brasileira ele é posto como fundamento da própria organização política do Estado Democrático de Direito nos termos do qual se estrutura e se dá a desenvolver legitimamente a República Federativa do Brasil5 A expressão daquele princípio como fundamento do Estado brasileiro significa pois que esse existe para o homem para assegurar condições políticas sociais econômicas e jurídicas que permitam que ele atinja os seus fins que o seu fim é o homem e esse é fim em si mesmo quer dizer como sujeito de dignidade de razão digna e superiormente posta acima de todos os bens e coisas inclusive do próprio Estado É esse acatamento pleno ao princípio que torna legítimas as condutas estatais as suas ações e as suas opções Mais que à pessoa humana os sistemas constitucionais e as declarações internacionais de direitos humanos nas últimas décadas passaram a considerar a dignidade da espécie humana como princípio Quer dizer o conteúdo daquele princípio estendeuse para além do indivíduo e a intangibilidade e indisponibilidade da vida passaram a considerar cada um e todos como antes realçado Daí que relativamente às pesquisas e aos procedimentos médicos da embriologia ou dos tratamentos de doentes deles dependentes a ética e o direito passaram a considerar o princípio da dignidade humana de cada um dos diretamente interessados e do seu enlaçamento a todos os outros que convivem na mesma aventura humana E até mesmo para os da espécie que vierem depois Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 359 ADI 3510 DF 35 A espécie humana é agora constitucionalmente tomada em sua integralidade pelo que alguns direitos fundamentais são considerados em sua potencialidade quer dizer em relação aos efeitos que poderá carrear para as gerações futuras neste sentido o art 225 caput da Constituição da República brasileira por exemplo no plano do direito internacional art 1o da Declaração Universal sobre o Genoma e os Direitos Humanos também o item 6 da Declaração da Conferência de ONU no Ambiente Humano de Estocolmo de 1972 dentre outros A espécie humana há que ser pois respeitada em sua dignidade manifestada em cada um e em todos os homens porque a condição digna de ser membro desta espécie toca todos e cada qual dos que a compõem6 Por isto é que as Constituições mais recentes mencionam a humanidade como o ponto que se busca atingir no respeito aos direitos Significa que o princípio constitucional da dignidade humana estendese além de cada pessoa considerando todos os seres humanos os que compõem a espécie dotamse de humanidade ainda quando o direito sequer ainda reconheça ou reconheça precariamente tal como se tem na fórmula da Convenção Nacional de Ética francesa de pessoa humana em potencial a personalidade É o que se dá com o embrião e com o morto que não dispõe das condições necessárias para titularizar a personalidade em direito pelo menos em todas as legislações vigentes hoje no mundo mas que compõem a humanidade e são protegidos pelo direito pela sua situação de representação da humanidade7 Daí a adoção pelos sistemas jurídicos contemporâneos aí incluído o brasileiro do princípio da solidariedade entre gerações que impõe a uma geração que ela se comprometa com quem vier depois art 225 da Constituição brasileira A expressão constitucional da dignidade da espécie humana é o realce mais óbvio e denso daquele princípio que se faz mais amplo do que a vida Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 360 ADI 3510 DF 36 humana digna daí porque algumas Constituições como a brasileira referemse à existência digna chegando a ser observado antes que haja a vida livre dotada de autonomia o que o embrião e o feto não têm e depois que a vida já se fez passar mas que pode permanecer como substrato jurídico para a tutela por meio de utilização de órgãos que vivem em outros e até mesmo quando o cérebro pára e o coração persiste em suas batidas Daí também porque o saber científico que somente poderá atingir resultados concretos em benefício da espécie humana se persistir em sua labuta de maneira livre e responsável compõe o complexo de dados que tornam efetiva a dignificação do viver Portanto a garantia de sua continuidade não agride tal como posto nas normas em foco antes permite que se venha a realizar o princípio constitucional 26 Intangível e inviolável a dignidade humana não permite desconhecer o que a liberdade pode possibilitar em termos de dignificação do homem E por isso mesmo é que também em ocasião anterior salientei que como o direito não pode deixar de considerar o direito à vida digna como o direito fundamental excelente aquele que se sobrepõe axiologicamente a qualquer outro e que informa o sistema constitucional e infraconstitucional de modo determinante em toda a sua extensão não se há de desconsiderar a bioética para o cuidado normativo dos novos realces a serem dados aos princípios que estão na base da concretização daquele direito a saber o da liberdade o da igualdade e o da responsabilidade As questões biomédicas tangenciam assim diretamente o princípio da dignidade humana porque consideram o homem em seu físico e em sua psique pelo que a proteção dos direitos humanos há que lhe conformar a quadratura normativa Da normatividade que a bioética patrocinou desde o início dos anos 70 com esta denominação e compreensão objetiva até o domínio jurídico da matéria houve uma trajetória que fez entronizar o tema das questões morais do direito à vida digna nos textos normativojurídicos e na Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 361 ADI 3510 DF 37 doutrina tendo conduzido alguns doutrinadores a apelidarem mesmo novidadeiramente de biodireito o tratamento sistêmico da matéria e a sua aplicação8 Bioética e biodireito têm o seu fundamento na Constituição É a constitucionalização do direito à vida e a ênfase no princípio matricial e substantivo da dignidade humana que asseguram o fundamento da intangibilidade da sacralidade da inviolabilidade e da responsabilidade da vida do ser humano É este fundamento que haverá de ser considerado pelas normas doutrinas decisões jurisprudenciais e práticas de qualquer natureza incluídas as biomédicas particulares que atinem à vida humana A utilização das célulastronco embrionárias não aproveitadas no procedimento de implantação travada assim para a sua potencial transformação em vida futura de alguém poderá ter o destino da indignidade que é a sua remessa ao lixo E o mais nobre e o mais grave lixo de substância humana O seu aproveitamento guardado o respeito às condições afirmadas na legislação enfocada permite a dignificação da célulatronco embrionária que não será então descartada antes será transformada em matéria dada à vida 27 Reafirmese que a liberdade princípio constitucional por excelência inerente à vida digna não é um gesto ou um momento mas um processo A biomedicina há de se comprometer mais do que com a liberdade com a libertação do ser humano Sem a possibilidade de pesquisar e transformar para melhorar o homem em suas condições de fragilidade e de dor o homem seria um ser dado à escravidão de sua própria prisão física psíquica e mental O que a liberdade de saber que se expressa na liberdade da pesquisa garante é a possibilidade de libertação do homem de seus limites e a regeneração não apenas de suas condições físicas mas a recuperação de condições que o dignifiquem em seu status de membro da família humana com Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 362 ADI 3510 DF 38 a qual tem compromissos especialmente o de continuar a viver para cumprir os seus papéis com os outros Se a pesquisa pode e quando a pesquisa chegará a resultados buscados com as célulastronco embrionárias talvez ainda dependa de um longo caminhar O que não se há é deixar de lhe garantir o andar porque cada passo dado pode ser em direção à melhoria e à dignificação da espécie humana tudo nos termos dos valores que animam os princípios constitucionais E neste sentido é que concluo que a legislação posta aqui em questão não se desarvora da Constituição nem se afasta do princípio da dignidade da pessoa humana O princípio da justiça aliada ao da liberdade responsável do homem no caso em especial do pesquisador do cientista assim como de qualquer outro ser humano fazem valer a autonomia e os benefícios que os resultados das pesquisas podem levar aos que mais carentes de seus resultados estejam Reafirmo então que o princípio da dignidade humana não se atém a quem seja ou não pessoa mas o que é constitucionalmente garantido no sistema é o dever do Estado e da sociedade de criarem condições para uma existência digna observados os limites da ética constitucional acolhida no sistema vigente À parte o que antes acentuei de que as célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e inviáveis ou congelados há mais de três anos dos marcos temporais fixados na lei serão destruídas se não forem aproveitadas na forma ali estabelecida devese enfatizar que a dignidade informa o direito à existência art 170 pondose a claro que o direito pensa o futuro não se apega ao passado pensa o que se dá a ser e não o que se põe para o não ser As célulastronco embrionárias não utilizadas no procedimento para o que se deu a fertilização voltamse ao não ser a dizer põemse ao Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 363 ADI 3510 DF 39 descarte e à destruição pois é o respeito à liberdade do casal que assegura a opção pelo seu não uso ou a prática médica que aconselha o seu não aproveitamento Direito ao saber direito de pesquisa direito de se informar e de ser informado 27 Afirma o ProcuradorGeral da República em Memorial oferecido que a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei 11105 significa tão somente o impedimento de uma e única linha de pesquisa aquela que se vale de embriões humanos Permanece amplíssimo o horizonte de pesquisas com as chamadas células tronco adultas nome esse adultas inadequado visto que o cordão umbilical é fonte de pesquisa nessa diretriz Duas observações cabem nesse passo a primeira é a de que atalhar embaraçar ou impedir qualquer linha de pesquisa se jurídica e eticamente válida for significa aí sim um constrangimento constitucionalmente inadmissível ao direito à vida digna à saúde e à liberdade de pesquisar de informar e de ser informado sobre as possibilidades que a vida pode vir a oferecer a depender dos resultados científicos A segunda é a de que conforme comprovam numerosos estudos expostos na audiência pública ocorrida no curso desta ação e nos trabalhos apresentados pelos interessados das duas correntes contrárias de pensamento sobre o tema aqui cuidado a pesquisa com célulastronco embrionárias abre possibilidades não obtidas com qualquer outra sequer com as célulastronco adultas porque essas não dispõem das características de totipotência que naquelas se contém como antes acentuado A potencialidade terapêutica das célulastronco embrionárias decorrente da plasticidade que as caracteriza não há de ser impedida porque se estaria a estancar o que sequer é plenamente conhecido nos resultados possíveis para a dignidade da espécie humana A pesquisa com célulastronco embrionárias não é certeza de resultados terapêuticos promissores Mas a não pesquisa é a certeza da Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 364 ADI 3510 DF 40 ausência de resultados pois sem a tentativa não há a conquista no campo científico Também em outra ocasião acentuei o cuidado que há de se ter com as pesquisas científicas a fim de que a ética não seja desrespeitada e assim a dignidade da espécie humana não seja ferida Dizia então ser certo que a liberdade humana compreende a liberdade de pesquisas e de avanços tecnocientíficos tais como os que estão se dando com rapidez inédita no campo da medicina E tentar reprimir a pesquisa científica que pode ser conduzida no sentido do benefício da humanidade da descoberta de formas consagradoras de melhoria das condições de vida das pessoas é tarefa não apenas inglória mas também nefasta no que concerne à vedação dos caminhos que podem conduzir ao aperfeiçoamento e à melhoria das condições de saúde do homem O medo que persiste é a desumanização das técnicas e das conseqüências de sua utilização para a humanidade Ao lado da dignidade humana há que se enfatizar a responsabilidade de todos uns em relação aos outros e em relação às gerações presentes e futuras o que determina a busca de equilíbrio na equação liberdade de pesquisaliberdade individual A experimentação feita com o corpo da pessoa pode atingir a integridade humana que o faz um ser muito além do meramente físico Os direitos humanos fortalecemse pois como fator garantidor da humanidade contra a manipulação genética que pode eliminar a individualidade a singularidade a diversidade que se consagra na espécie humana e a torna viva contínua e plural em sua dinâmica Daí a ênfase a ser posta no direito de obter informações que podem ser conduzidas para o benefício das pessoas por meio das pesquisas levadas a efeito na forma legalmente prevista a fim de que o saber para a vida não esgote o saber da vida A Constituição brasileira garante a toda pessoa humana o direito de se informar e de ser informado sobre o que diga respeito aos seus direitos E em especial há de se reconhecer e garantir tal direito àqueles que estão em situação de sofrimento para além da dor de viver que Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 365 ADI 3510 DF 41 faz parte da aventura humana e que podem ter a esperança de superar tal situação por novos conhecimentos científicos Não se há negar o direito das pessoas de ver prosperarem as condições para que a tanto se chegue e que do melhor resultado possam os que carecem dele se aproveitar para submissão aos tratamentos que amainem as adversidades físicas psíquicas ou mentais que provoquem o sofrer 28 Nem se afirme que a Constituição impede que os doadores do material genético não disponham de autonomia para consentir sobre o aproveitamento das célulastronco embrionárias por delas não ser dono Também não se pretenda que a liberdade daquela substância humana em estado de congelamento seja superior à daqueles que a ele deram origem e que verão nas condições legalmente estipuladas uma de duas alternativas o descarte do material ou a sua utilização para o que poderá vir a ser o bem da vida por meio da pesquisa e quando sobrevierem os resultados científicos consolidados do tratamento que a partir de então se terá As possibilidades vislumbradas nos resultados das pesquisas com boas perspectivas de chegarem a bom termo somente puderam chegar a esse estágio de momentos promissores porque até aqui houve a permissão de se prosseguir com liberdade e responsabilidade na busca de melhorias benéficas ao ser humano Disso decorre que pode até ser que a discussão que aqui se põe possa ser superada por outras possibilidades até agora não vislumbradas Mas isso somente a continuidade das pesquisas livremente levadas a efeito vai demonstrar donde a imperiosidade de seu prosseguimento livre e responsável Voltada à utilidade para o ser humano dúvida não me fica dever prevalecer tal permissão legal quanto ao aproveitamento daquela substância humana em pesquisas e quando o momento chegar em tratamentos que tenham como base resultados científicos consolidados ressalva feita como antes anotei a que não se prestem as pessoas a meras experimentações A importância deste debate está em que nele se enfatiza e se decide sobre a liberdade com responsabilidade ética da pesquisa científica pois Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 366 ADI 3510 DF 42 sem ela o ser humano poderia ter impedido o seu desenvolvimento e a melhoria de suas condições de vida E é em nome dele que se há de assegurar a pesquisa científica livre ética e responsável para a garantia da dignidade da vida Conclusão Indagava Norberto Bobbio se a história em si mesma tem um sentido a história enquanto sucessão de eventos tais como são narrados pelos historiadores A história tem apenas o sentido que nós em cada ocasião concreta de acordo com a oportunidade com nossos desejos e nossas esperanças atribuímos a ela E portanto não tem um único sentido Concluo com Kant O progresso para ele não era necessário Era apenas possível Ele criticava os políticos por não terem confiança na virtude e na força da motivação moral bem como por viverem repetindo que o mundo foi sempre assim como o vemos hoje Desse modo retardavam propositalmente os meios que poderiam assegurar o progresso para o melhor Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade já estamos demasiadamente atrasados Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade com nossa indolência com nosso ceticismo Não temos muito tempo a perder BOBBIO Norberto A era dos direitos Rio de Janeiro Campus 1992 p64 A ciência que pode matar é certo também pode salvar é mais certo ainda E se o direito ajusta o que a ciência pode melhor oferecer para que viva melhor àquele que mais precisa do seu resultado não há razões constitucionais a impor o entrave desse buscar para a dignificação da espécie humana Creio que a utilização da célulatronco embrionária para a pesquisa e conforme o seu resultado para o tratamento indicado a partir de terapias consolidadas nos termos da ética constitucional e da razão médica honesta não apenas não viola o direito à vida Antes torna parte da existência humana o que vida não seria dispondo para os que esperam pelo tratamento a possibilidade real de uma nova realidade de vida Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 367 ADI 3510 DF 43 Pelo exposto voto no sentido de julgar improcedente a presente ação para considerar válidos os dispositivos questionados a saber o art 5º e parágrafos da Lei n 111052005 1 Preceitua o art 5º caput da Constituição do Brasil Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes 2 En France la majorité de la doctrine juridique continue à affirmer que la personne humaine cest le sujet de droits Cest lêtre à qui le droit objetctif accorde des droits subjectifs réunis en un patrimoine Or lindividu humain nest pas nécessairement sujet de droit Il le drevient et il ne bénéficie de cette qualité que si elle lui est attribuée par le droit positif lequel peut en subordonner lattribution aux conditions quil définit lui même Si la remarque de Virally est incontestable en droit positif elle signifie que le sujet de droits est une catégorie indépendante de la notion de dignité de la personnne humaine Les droits nen découlent pas mais bien du droit positif qui résulte du bom plaisir du Prince roi assemblée peuple ou dictateur Lêtre humiansujet de droit est un ayantdroit La dignité na rien à voir dans ce concept En positivisme strict elle est strictement inutile Le juriste est ainsi conduit à refuser le débat le plus fondamental de notre époque BORRELLA François Le concept de dignité de la personne humaine In PEDROT Philippe op cit p 33 3 Kant est le témoin par excellence de cette révolution copernicienne qui fait désormais tourner lunivers moral autour du sujet Ce qui organise as réflexion morale ce nest pas la référence au bien commun au bonheur mais la volonté pure como principe suprême de la moralité Dans les fondements de la métaphysique des moeurs Kant met ainsi le principe de dignité infiniment au dessus de tout prixPEDROT Philippe Op cit XVI Fosse correto ou melhor diríamos aceitável aquele entendimento e terseia de considerar jurídico que o direito não tem como único e necessário fim o homem que o poder não emana do povo senão que da boa vontade do poderoso de ocasião Todos estes dados contudo não são postulados mas axiomas jurídicos 4 A Organização das Nações Unidas proclamou também em 9 de dezembro de 1975 a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes estabelecendo em seu artigo 3o que As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito por sua dignidade humana As pessoas deficientes qualquer que seja a origem natureza e gravidade de suas deficiências têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadão da mesma idade o que implica antes de tudo o direito de desfrutar uma vida decente tão normal e plena quanto possível Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 368 ADI 3510 DF 44 5 Com base naquele princípio conforme observado acima o Direito formula as normas infraconstitucionais e os tribunais pátrios consideram todos os casos que tenham como fundamento a aplicação ou a sua negativa Nesse sentido por exemplo o Supremo Tribunal Federal vem reforçando a fundamentalidade daquele princípio STF Pleno HC nº 703895São Paulo Rel Min Celso de Mello j 23071994 A simples referência normativa à tortura constante da descrição típica consubstanciada no artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente exterioriza um universo conceitual impregnado de noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas identificam as condutas aviltantes que traduzem na concreção de sua prática o gesto ominoso de ofensa à dignidade da pessoa humana A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos pois reflete enquanto prática ilegítima imoral e abusiva um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e até mesmo a suprimir a dignidade a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado de maneira indisponível pelo ordenamento positivo O Brasil ao tipificar o crime de tortura contra crianças ou adolescentes revelouse fiel aos compromissos que assumiu na ordem internacional especialmente àqueles decorrentes da Convenção de Nova York sobre os Direitos da Criança 1990 da Convenção contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU 1984 da Convenção Interamericana contra a Tortura concluída em Cartagena 1985 e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica formulada no âmbito da OEA 1969 IF114 MT INTERVENCAO FEDERAL Relator Ministro NERI DA SILVEIRA Publicação DJ 270996 p 36154 Julgamento 13031991 Tribunal Pleno EMENTA Intervenção Federal 2 Representação do ProcuradorGeral da República pleiteando intervenção federal no Estado de Mato Grosso para assegurar a observância dos direitos da pessoa humana em face de fato criminoso praticado com extrema crueldade a indicar a inexistência de condição mínima no Estado para assegurar o respeito ao primordial direito da pessoa humana que é o direito à vida Fato ocorrido em Matupá localidade distante cerca de 700 km de Cuiabá 3 Constituição arts 34 VII letra b e 36 III 4 Representação que merece conhecida por seu fundamento alegação de inobservância pelo Estadomembro do princípio constitucional sensível previsto no art 34 VII alínea b da Constituição de 1988 quanto aos direitos da pessoa humana Legitimidade ativa do ProcuradorGeral da República Constituição art 36 III 5 Hipótese em que estão em causa direitos da pessoa humana em sua compreensão mais ampla revelandose impotentes as autoridades policiais locais para manter a segurança de três presos que acabaram subtraídos de sua proteção por populares revoltados pelo crime que lhes era imputado sendo mortos com requintes de crueldade 6 Intervenção Federal e restrição à autonomia do Estadomembro Princípio federativo Excepcionalidade da medida interventiva Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 369 ADI 3510 DF 45 7 No caso concreto o Estado de Mato Grosso segundo as informações está procedendo à apuração do crime Instaurouse de imediato inquérito policial 6 É de Jürgen Habermas a lição segundo a qual Nos conceptions de la vie humanine antépersonnelle et la manière que nous avons de nous y rapporter constituent pour ainsi dire pour la morale raisonnable des sujets des droits de lhomme um environnement stabilisateur du point dune éthique de lespèce um contexto denchâssement quil ne faut pas briser si lón veut éviter que la morale ellemême ne se mette à dérape À cet égard nous sommes appelés à distinguer la dignité de la vie humaine et la dignité humaine que le droit garantit pour toute personne une distinction qui dailleurs se reflète dans la phénoménologie du rapport charge démotions et de sentiments que nous avons au mortsHABERMAS Jürgen Lavenir de la nature humaineParis Gallimard 202 p 102 7 Ronald Dworkin salienta a sacralidade da dignidade da vida construindo vasto e fecundo trabalho sobre o seu domínio no qual expõe que A segunda afirmação que se pode fazer mediante o uso da conhecida retórica é muito diferente a vida humana tem um valor intrínseco e inato a vida humana é sagrada em si mesma o caráter sagrado da vida humana começa quando sua vida biológica se inicia ainda antes de que a criatura à qual essa vida é intrínseca tenha movimento sensação interesses ou direitos próprios Se as grandes batalhas sobre o aborto e a eutanásia são realmente travadas em nome do valor intrínseco e cósmico da vida humana como acredito que o sejam então essas batalhas têm ao menos uma natureza quase religiosa e não chega a surpreender que muitas pessoas acreditem que o aborto e a eutanásia sejam profundamente condenáveis e ao mesmo tempo que não cabe ao governo tentar estigmatizálos com a força bruta das leis penaisDWORKIN Ronald Op cit p18 8 Começam a aparecer títulos de trabalhos sobre biodireito acentuandose neles o conteúdo pertinente ao cuidado jusprivatista do direito à vida em sua conotação biológica o direito de escolher o momento da própria morte o direito de ter ou não um filho em momento em que ele não é desejado aguardado o direito de dar um fim à própria vida mesmo que para tanto se necessite de auxilio de terceiro o direito de escolher em laboratório o filho que se deseja ter dentre outros O biodireito seria na concepção dos que se valem deste termo um ramo do direito civil Afinal o fundamento constitucional do direito à vida digna constitucionalmente protegido é a liberdade E é no exercício dos direitos individuais livres que a pessoa leva a sua vida expressando aqueles direitos da forma que melhor lhe pareça possível para se fazer feliz Como o direito civil é que cuida do exercício particular do direito daqueles que se exercem entre particulares no espaço de sua vida privado o biodireito seria uma via aberta a partir do cuidado com a vida sob aquela ótica privada Por isto é que a partir da constitucionalização de alguns dos vislumbres do direito à vida temse a situação do denominado biodireito em alguns recantos estanques do direito pensandose mesmo numa autonomia ou numa dogmática do biodireito Ainda é cedo para tanto mas é bem certo que da bioética ao biodireito já há um caminho palmilhado Tão logo a legislação de um Estado ou da normativização no plano internacional sobre os temas do direito à vida digna se põem questões novas surgem a serem cuidadas pela doutrina e pela jurisprudência Em alguns Estados como a França por exemplo autores costumam marcar até a data da chegada ao outro lado da ponte da bioética ao biodireito tal como se vê com Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 370 ADI 3510 DF 46 a fala de JeanJacques Israel segundo o qual on est donc depuis fin juillet 1994 passé de la bioéthique à um biodroit ISRAEL JeanJacques Droits de libertes fondamentaux Paris Librairie General de Droit et de Jurisprudence 1998 p 365 Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n 220022001 de 24082001 que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICPBrasil O documento pode ser acessado no endereço eletrônico httpwwwstfjusbrportalautenticacaoautenticarDocumentoasp sob o número 566622 371 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL ANTECIPAÇÃO AO VOTO O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI Senhor Presidente gostaria inicialmente de cumprimentar os eminentes Colegas que me precederam no voto o brilhante voto proferido pelo ilustre Ministro Carlos Ayres Britto o voto objetivo proferido pela eminente Ministra Ellen Gracie o aprofundado estudo que o Ministro Carlos Alberto Menezes de Direito fez sobre o tema também agora o denso voto do ponto de vista jurídico sobretudo da ilustre Ministra Cármen Lúcia mas peço vênia também inicialmente para louvar de modo especial o pedido de vista do eminente Ministro Carlos Alberto Direito em especial a presteza com que ele devolveu o seu voto vertical e que me permitiu aprofundar as reflexões sobre este tormentoso tema ora sob análise que traz profundos questionamentos no âmbito da Filosofia da Medicina do Direito e outros campos do saber humano Senhor Presidente o meu voto está dividido em quinze tópicos O primeiro diz respeito ao relatório que todos nós já ADI 3510 DF conhecemos e peço licença para não 1er e o último tópico mais curto é exatamente a parte dispositiva do meu pronunciamento Inicio Senhor Presidente com o segundo tópico do meu voto que se intitula Célulastronco Embrionárias em que faço algumas reflexões sobre o tema do ponto de vista científico E digo o seguinte O novo milênio trouxe consigo a promessa de enormes avanços no campo das ciências biomédicas lê voto escrito 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL V O T O O Sr Ministro RICARDO LEWANDOWSKI 1 BREVE RELATÓRIO Tratase de ação direta ajuizada pelo ProcuradorGeral da República à época doutor Cláudio Fontelles na qual se busca a declaração de inconstitucionalidade do art 5a da Lei 11105 de 24 de março de 2005 denominada Lei de Biosegurança O referido diploma legal segundo o seu art Iº estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção o cultivo a produção a manipulação o transporte a transferência a importação o armazenamento a pesquisa a comercialização o consumo a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados e seus derivados tendo como estímulo o avanço científico na área de biosegurança e biotecnologia a proteção à vida e à saúde humana animal vegetal e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente ADI 3510 DF Os dispositivos impugnados versam sobre a utilizacão para fins de pesquisa e terapia de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por meio de fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento Eis o teor do texto legal atacado Art 5s É permitida para fins de pesquisa e terapia a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vi tro e não utilizados no respectivo procedimento atendidas as seguintes condições I sejam embriões inviáveis ou II sejam embriões congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação desta Lei ou que já congelados na data da publicação desta Lei depois de completarem 3 três anos contados a partir da data de conge1amento 1ª Em qualquer caso é necessário o consentimento dos genitores 2a Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos a apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa 3a É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art 15 da Lei no 9434 de 4 de fevereiro de 1997 ADI 3510 DF De acordo com o autor o dispositivo impugnado viola o art 1º III que consagra o princípio da dignidade humana e o art 5º caput que garante o direito à vida ambos da Constituição Federal fl 2 2 CÉLULASTRONCO EMBRIONÁRIAS HUMANAS O novo milênio trouxe consigo a promessa de enormes avanços no campo das ciências biomédicas com destaque para a conclusão do seqüenciamento do genoma humano a descoberta de novos medicamentos e o emprego de terapias genéticas por meio das chamadas célulastronco embrionárias humanas uma linhagem celular autorenovadora que teria o potencial de reproduzir todas as células e todos os tecidos do corpo1 Com isso seria possível à Medicina superar a mera interrupção do avanço de doenças agudas ou crônicas obtida com tratamentos convencionais para lograr a restauração de funções orgânicas perdidas como no caso de lesões nos tecidos cardíacos ou cerebrais causadas por hemorragias coágulos sanguíneos ou outros processos traumáticos2 1 OKARMA Thomas B As célulastronco embrionárias humanas elementos básicos sobre a tecnologia e suas aplicações médicas In HOLLAND Suzanne LEBACQZ Karen e ZOLOTH Laurie Coords As célulastronco embrionárias humanas em debate São Paulo Loyola 2006 p3 2 Idem pp 34 ADI 3510 DF As célulastronco embrionárias de que trata esta ADI são aquelas obtidas a partir da fertilização in vitro primacialmente um método de reprodução assistida que objetiva superar a infertilidade de casais mediante uma fecundação extracorpórea3 A técnica consiste grosso modo na aspiração mediante laparoscopia de alguns oócitos 4 da cavidade abdominal feminina os quais são transferidos do corpo da mulher para um tubo de ensaio ou uma placa de Petri que contêm um meio de cultura adicionandose a seguir os espermatozóides Após a clivagem celular dos zigotos5 monitorada através de um microscópio mais precisamente quando a divisão tenha produzido de quatro a oito células eles são transladados para o útero vìa canal cervical Segundo sugerem alguns pesquisadores as célulastronco embrionárias não sofreriam as limitações das célulastronco somáticas retiradas de um organismo já formado as quais somente poderiam reproduzir determinados tipos de tecidos enquanto 3 Cf MOORE Keith L e PERSAUD TVN Embriologia Clínica 5ª ed Rio de Janeiro GuanabaraKoogan sd p 32 4 MELLO Romário de Araújo Embriologia Humana São Paulo Atheneu 2000 p 7 define o oócito ou ovócito da seguinte maneira Célula feminina animal em processo de meiose durante a ovulogênese 5 MOORE Keith L e PERSAUD TVN op cit p 13 definem o zigoto como o resultado da união de um gameta feminino ou óvulo e um gameta masculino ou espermatozóide correspondendo ao primeiro estágio do desenvolvimento humano logo após a fertilização e que já contém já os cromossomos e genes unidades de informação genética do pai e da mãe ADI 3510 DF aquelas ao revés teriam o potencial de formar toda e qualquer célula humana em razão do que são chamadas de pluripotentes6 Essas verdadeiras supercélulas resultam da divisão do óvulo humano fertilizado em células distintas os chamados blastômeros7 que permitem a formação de um organismo completo totalmente novo motivo pelo qual são tidas como totipotentes8 Nesse estágio as células em processo de divisão formam uma esfera oca que recebe o nome de blastocisto9 Para a obtenção das célulastronco embrionárias cultivadas in vitro destróise a capa externa do blastocisto que formaria a placenta caso fosse implantado no útero cultivandose a sua massa celular interior10 Outra fonte com potencial análogo é o tecido gonadal de fetos abortados11 6 COCHARD Larry R Atlas de Embriologia Humana de Netter Porto Alegre ARTMED 2003 p 44 define pluripotência da seguinte maneira Capacidade das células do blastocisto e do embrião inicial para diferenciaremse em muitas linhas celulares mas não no indivíduo todo 7 De acordo com MOORE Keith L e PERSAUD TVN op cit p 32 cerca de trinta horas após a fertilização o zigoto vai se dividindo em blastômeros os quais mudam de forma e se alinham constituindo uma esfera compacta de células denominada mórula 8 COCHARD Larry R opcit p 45 define cotipotência como Capacidade de uma célula de se diferenciar em qualquer tipo de célula e assim formar um novo organismo ou regenerar qualquer parte do organismo 9 Idem p 43 em que consta a definição de blastocisto Bola de células preenchida de fluído que consiste de uma massa interna de células destinada a tornarse embrião e um trofoblasto externo que será a membrana envolvente córion e a contribuição embrionáriafetal para a placenta 10 DONADIO Nilson e DONADIO Nika Fernandes Reprodução laboratorialmente assistida In PIATO Sebastião Coord Ginecologia diagnóstico e tratamento São Paulo Manole 2008 p238 explicam a técnica Inicialmente os embriões ADI 3510 DP O embrião obtido por meio de fertilização extra corpórea antes da implantação é submetido a uma inspeção sob o microscópio quanto aos aspectos morfológicos e funcionais para que se possa constatar suas chances de sobrevivência no interior útero receptor Também é possível aplicar nas células embrionárias obtidas em laboratório a técnica conhecida como Diagnóstico Genético Préimplantacional DGPI em que se r e t i r a uma ou duas células dos zigotos submetendoas à biópsia para verificar se a futura criança possui anomalias genéticas causadoras de doenças como síndrome de Down hemofilia fibrose cística doença de Tay Sachs dentre outras 1 2 Sem embargo das auspiciosas promessas reveladas pelas pesquisas com célulastronco embrionárias elas têm sido objeto de acirradas controvérsias quer porque a obtenção desse material genético exige a destruição de um organismo vivo decorrente da fertilização de gametas humanos mesmo que segundo alguns esse devem atingir estágio de blastocisto para após a digestão da zona perlúcida e destruição do trofoblasto obter a massa celular interna que cultivada em feeder layers de fibroblastos de embriões de ratos inativados por irradiação dariam origem às célulastronco Acrescentam ainda que trabalhos mais recentes apontam para a possibilidade da utilização de fibroblastos de placenta humana 11 Introdução In HOLLAND Suzanne LEBACQZ Karen e ZOLOTH Laurie Coords As célulastronco embrionárias humanas em debate São Paulo Loyola 2006 p XVI 12 Cf MELLO Romário de Araújo op cit pp 4849 Vtambém DONADIO Nilson e DONADIO Nika Fernandes opcit pp 237238 ADI 3510 DF conjunto primordial de células não constitua uma pessoa no sentido moral ou jurídico da palavra quer porque podem levar se livres de qualquer controle a resultados desconhecidos colocando em risco a própria existência da espécie humana tal como hoje a conhecemos Essas pesquisas com efeito ensejam profundas interrogações acerca da natureza e do fim da vida humana dos limites da manipulação do patrimônio genético da humanidade e ainda do significado de nossa existência coletiva13 3 REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS ACERCA DA CIÊNCIA A propósito das interrogações suscitadas pelas pesquisas genéticas convém assentar que a ciência e a tecnologia embora tenham de um modo geral ao longo de sua história trazido progresso e bemestar às pessoas não constituem atividades neutras nem inócuas quanto aos seus motivos e resultados Elas tampouco detêm o monopólio da verdade da razão ou da objetividade valores de resto também cultivados por outras áreas do conhecimento humano 13 Cf Introdução In HOLLAND Suzanne LELACQZ Karen e ZOLOTH Laurie opcit p XVII ADI 3510 DF Digase aliás que a fé no progresso ilimitado da ciência e da técnica bem como a crença em sua benignidade intrínseca representam uma herança do Iluminismo no fundo um racionalismo naturalista que veio a lume no auge da prevalência do paradigma físicomatemático cultivado no Século das Luzes dentre outros por Voltaire DAlembert Diderot Rousseau DHolbach como instrumento para a superação dos preconceitos e superstições ainda remanescentes do medievo Esse legado foi potencializado no século XIX pelo naturalismo evolucionismo e positivismo de Spencer Darwin e Comte respectivamente ou seja por um bando de idéias novas nas palavras de Sílvio Romero as quais na época tomaram conta do País e do mundo14 Mas já no início do século XX uma malaise generalizada uma sensação de malestar vago e indefinido um sentimento de fin dune époque começa a tomar conta do mundo refletindo em grande medida o desencanto das pessoas com a civilização centrada na tecnologia e um certo ceticismo quanto à visão panglossiana então prevalente segundo a qual scientia omnia vincit No plano filosófico uma de suas expressões mais significativas foi o existencialismo de Heidegger Jaspers 14 Cf CRUZ COSTA João Contribuição à história das idéias no Brasil 2ª ed São Paulo Civilização Brasileira 1967 p 98 ADI 3510 DP MerleauPonty e Sartre legatário de um lado da angústia vital kierkegaardiana e de outro da fenomenologia de Edmund Husserl Deste último em especial o existencialismo hauriu a primazia que emprestou à Lebenswelt isto é ao mundo da vida apartado dos mundos abstratamente construídos pelas ciências e por aquilo que intitulou de naturalismo ingênuo Nesse sentido é muito significativa sua afirmação de que a ciência da natureza como toda a ciência em geral designa uma atividade humana menschliche Leistung a saber a dos cientistas que cooperam entre si explicando que sob este aspecto pertence como todos os processos espirituais ao círculo dos fatos que devem ser explicados pelas ciências do espírito 15 Não é preciso fazer um grande esforço intelectual nem mergulhar profundamente no passado para listar os malefícios que decorreram do uso indevido ou equívocado da ciência e do instrumental técnico por ela desenvolvido Basta lembrar as atrocidades cometidas nas duas Guerras Mundiais o efeito estufa motivado pela queima de combustíveis fósseis a contaminação do solo dos rios e dos oceanos fruto da industrialização desenfreada o buraco na camada de ozônio que circunda a Terra provocado pelo uso descontrolado dos clorofluorcarbonetos CFCs 15 Cf HUSSERL Edmund A crise da humanidade européia e a filosofia 3a ed Porto Alegre EDIUFRS 2008 p 64 ADI 3510 DF empregados em equipamentos de refrigeração o acidente ocorrido na usina nuclear de Chernobyl no norte da Ucrânia resultante do emprego descuidado da energia atômica as deformidades causadas em crianças cujas mães tomaram o analgésico e antinflamatório Talidomida etc A ciência e a tecnologia é escusado dizer nascem e prosperam em um dado contexto social refletindo portanto uma determinada visão de mundo historicamente situada como revelou de forma pioneira a crítica marxiana 16 Para esta o conhecimento científico equiparase a uma ideologia pois abriga valores e interesses nem sempre percebidos ou tornados explícitos por seus protagonistas 1 7 Ideologia compreendida como o fenômeno em que as idéias e representações elaboradas pelos homens a partir de suas circunstâncias são tidas como o próprio real embora 16 V MARX Karl e ENGELS Friederich A ideologia alemã Crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach B Bauer e Stirner e do socialismo alemão em seus diferentes profetas 18451846 São Paulo Boitempo Editorial especialmente pp2939 17 Nesse sentido KOROBKIN Russell Stem cell century law and policy for a breaktrough technology New Haven Yale University Press 2007 p 4 assenta Claro as pesquisas com célulastronco embrionárias têm a t r a í d o enorme interesse nos Estados Unidos e internacionalmente não apenas em razão de seu potencial c i e n t í f i c o e médico mas também por suas promessas comerciais Previsões de mercado para tecnologias desenvolvidas a p a r t i r de célulastronco variam dos relativamente modestos US 100 milhões até os mais otimistas US 10 bilhões em 2010 tradução l i v r e ADI 3510 DF constituam meros signos que não coincidem necessariamente com os dados do mundo concreto18 Essa é também a linha trilhada pela crítica gramciana para a qual não obstante todos os esforços dos cientistas a ciência jamais se apresenta como uma noção objetiva ela aparece sempre revestida por uma ideologia e concretamente a ciência é a união do fato objetivo com uma hipótese ou um sistema de hipóteses que supera o mero fato objetivo19 Jürgen Habermas em ensaio escrito sobre o tema por ocasião do septuagésimo aniversário de Herbert Marcuse renova a reflexão sobre as bases epistemológicas da ciência e da tecnologia salientando também o seu caráter intrinsecamente ideológico20 Nesse trabalho demonstra que a visão cientificista e tecnocrática do mundo não apenas abriga interesses não raro bastante concretos e nem sempre aparentes mas logrou penetrar como ideologia de fundo também na consciência da massa despolitizada da população e desenvolver uma força legitimadora Segundo ele tal ideologia acaba por afastar a autocompreensão 18 V sobre o Cerna LOWY Michael Método dialético e teoria política 2ªed São Paulo Paz e Terra 1978 pp 929 19 GRAMCI Antonio Concepção Dialética da História 2ª ed São Paulo Civilização Brasileira 1972 p 71 20 HABERMAS Jürgen Técnica e Ciência como Ideologia Lisboa Edições 70 2006 pp 45 a 92 ADI 3510 DF culturalmente determinada de um mundo social da vida que passa a ser substituída pela autocoisificação dos homens 21 Para Habermas essa ideologia um tanto vítrea hoje dominante que faz da ciência um feitiço é mais irresistível e de maior alcance do que as ideologias de tipo antigo 22 E embora não leve a uma completa anulação de conexão ética ela promove a repressão da eticidade como categoria das relações vitais em geral 23 Tal preocupação com um mundo totalmente administrado com uma completa robotização dos seres humanos foi o Leitmotiv que animou a Escola de Frankfurt à qual pertenceram não apenas Habermas e Marcuse como também Theodor Adorno Walter Benjamin Max Horkheimer e outros Horkheimer um dos principais idealizadores da denominada Teoria Crítica dedicouse a desconstruir o que chamou de razão instrumental que leva segundo ele à autodestruição da própria razão e ao fim do indivíduo porquanto prioriza critérios de eficácia na escolha dos meios para atingir 21 Idem p 74 22 Idem pp 80 a 82 23 Idem loc cit ADI 3510 DF fins sejam eles quais forem Nesse sentido afirma Uma ciência que em sua autonomia imaginária se satisfaz em considerar a práxis à qual serve e na qual está inserida como o seu Além e se contenta com a separação entre pensamento e ação já renunciou à humanidade 24 0 fenômeno da coisificação das pessoas mencionado por Habermas já havia sido descrito antes por Georg Lukács pensador e militante político húngaro que aprofundou o conceito de reificação segundo o qual as relações sociais e a própria subjetividade humana vão se identificando paulatinamente com o caráter inanimado das mercadorias num processo denominado de alienação em que a pessoa se afasta de sua real natureza tornandose estranha a si mesma25 É por isso que incumbe aos homens enquanto seres racionais e morais sobretudo nesse estágio de evolução da humanidade em que a própria vida no planeta se encontra ameaçada estabelecer os limites éticos e jurídicos à atuação da ciência e da tecnologia explicitando e valorando os interesses que existem por detrás delas para assim escapar à coisificação ou 24 HORKHEIMER Max Teoria tradicional e teoria crítica In Os Pensadores vol XLVIII São Paulo Victor Civita 1973 p 162 25 Cf LUKÁCS Georg História e consciência de classe estudos de dialética marxista Porto Escorpião 1974 pp 97 a 126 ADI 3510 DF reificação de que falam Habermas e Lukács na qual as pessoas de sujeitos dessas atividades passam a constituir meros objetos das mesmas 4 AVANÇOS CIENTÍFICOS E DIREITOS DE QUARTA GERAÇÃO Em sede acadêmica tive oportunidade de afirmar que o reconhecimento dos direitos econômicos sociais e culturais no século XIX conhecidos como de segunda geração com destaque para o direito ao trabalho à previdência social à sindicalização e à greve ao lado dos direitos individuais de primeira geração em particular o direito à vida à liberdade à propriedade e à participação política positivados na centúria imediatamente anterior não esgotou a produção legislativa no campo dos direitos fundamentais26 Sim porque com a explosão demográfica as guerras mundiais as agressões ao meio ambiente a competição econômica internacional em suma com a globalização dos problemas do homem sobretudo a partir da segunda metade do século XX surgiu uma nova classe de direitos que se convencionou chamar de direitos de 26 Cf LEWANDOWSKI Enrique Ricardo Formação da Doutrina dos Direitos Humanos In Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo vol 98 2003 ADI 3510 DF solidariedade ou de fraternidade ou ainda de direitos de terceira geração27 Tais direitos sucedem no tempo os direitos resultantes das revoluções liberais do século XVIII e os direitos decorrentes das agitações operárias do século XIX Dentre eles sobressaem o direito à paz à autodeterminação dos povos ao desenvolvimento à proteção do meio ambiente e do patrimônio comum da humanidade etc Esses direitos desenvolveramse mais do que nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados em especial no plano do Direito Internacional28 Atualmente assentei eu já se cogita de direitos de quarta geração decorrentes de novas carências enfrentadas pelos seres humanos especialmente em razão do avanço da tecnologia da informação e da bioengenharia Assim é que hoje buscase proteção contra as manipulações genéticas antevistas por Aldous Huxley em seu livro Admirável Mundo Novo 1930 as quais permitem por exemplo criar clones humanos e de animais e em tese até mesmo sejame permitido o argumento ad terrorem centauros minotauros e sátiros além de outros seres fantásticos imaginados pela Mitologia Grega ou contra a invasão da 27 Idem loccit 28 Idem loc cit ADI 3510 DF privacidade a massificação e o totalitarismo prenunciados por George Orwell em sua obra 1984 1949 ou ainda contra a anônima e tentacular burocracia estatal e privada prevista por Franz Kafka em seu romance O Processo 191529 Pedi vênia acima para empregar um argumento à primeira vista ad terrorem mas o fato é que lei federal suíça datada de 18 de dezembro de 1998 que disciplina a reprodução humana assistida proíbe expressamente em seu art 35 1 a criação de clones quimeras ou híbridos vedação reproduzida e ampliada no projeto de lei daquele país sobre a pesquisa com células embrionárias atualmente em discussão no parlamento30 Tratase com efeito de uma possibilidade real Ainda recentemente a imprensa deu conta de que na Universidade de Newcastle no Reino Unido pesquisadores lograram fundir material genético humano com células de bovinos resultando num embrião híbrido cytoplasmatic hybrid alegadamente com o objetivo de 29 ídem loecit 30 Loi fédérale relative a la recherche sur les embryons surnuméraires et sur les cellules souches embryonnaires Art 3 1 c Il est interdit de créer um clone une chimère ou un hybride art 36 al 1 de la loi du 18 de décembre de 1998 sur la procréation médicalement assistée de produire de celules souches embryonnaires à partir dun clone dune chimère ou dun hybride ou dutilliser telles cellules ADI 3510 DF desenvolver novas célulastronco para o tratamento de doenças degenerativas 31 5 BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS NO PLANO INTERNACIONAL Os enormes avanços logrados pela ciência no campo da genética e da biotecnologia nas últimas décadas despertaram a preocupação da comunidade internacional que entendeu ser necessário sem prejuízo da liberdade de pesquisa estabelecer balizas éticas e jurídicas de âmbito universal quanto aos seus fins resultados e procedimentos Nesse sentido a 33a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura UNESCO aprovou em 19 de outubro de 2005 por unanimidade após intensos debates a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos que pretende constituir um marco inspirador de políticas leis e padrões éticos no setor para os 191 paísesmembros da ONU A minuta do documento foi redigida pelo Comitê Internacional de Bioética da UNESCO estabelecido em 1993 o qual é integrado por 31 Cf Folha de São Paulo 2 de abril de 2008 A 16 V também http wwwguardiancoukscience2008apr02medicalresearchethicsofscience Acesso em 030408 ADI 3510 DF 36 especialistas independentes que examinam as conseqüências éticas das atividades científicas em especial no âmbito da proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana Essa Declaração invoca como fundamentos além de outros textos normativos de abrangência internacional e regional a Declaração Universal dos Direitos do Homem 1948 a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos 1997 a Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos 2003 a Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com as Gerações Futuras 1997 a Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial sobre Princípios Éticos para a Pesquisa Biomédica envolvendo Sujeitos Humanos 1964 emendada em 1975 1989 1993 1996 2000 e 2002 as Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos do Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas 1982 emendadas em 1993 e 2002 o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos 1966 e a Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa 1997 A Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos um dos documentos mais avançados no gênero é especialmente enfática no tocante ao respeito que deve merecer o ADI 3510 DF genoma humano definido como patrimônio da humanidade por constituir a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade art 1 Por isso assinala o documento a pesquisa o tratamento ou o diagnóstico que afetem o genoma humano devem ser realizados apenas após avaliação rigorosa e prévia dos riscos e benefícios neles implicados e em conformidade com quaisquer outras exigências da legislação nacional art 5 Os valores e princípios da Declaração sobre o Genoma Humano e da Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa foram expressamente incorporadas pela Declaração Iberoamericana sobre Ética e Genética de 1996 elaborada em Manzanillo e revisada em Buenos Aires dois anos depois que contou com a participação de representes do Brasil cujo texto enfatiza que o desenvolvimento científico e tecnológico no campo da genética humana deve ser feito levando em consideração o respeito à dignidade à identidade e à integridade humanas e aos direitos humanos reafirmados nos documentos jurídicos internacionais Do Preâmbulo da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO consta que ela deriva da capacidade ADI 3510 DF única dos seres humanos de refletir sobre sua própria existência e sobre o seu meio ambiente bem como de especular sobre os rápidos avanços na ciência e na tecnologia que progressivamente afetam nossa compreensão da vida e a vida em si resultando em uma forte exigência de uma resposta global para as implicações éticas de tais desenvolvimentos Os signatários do documento reconhecem ainda em suas considerações exordiais que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na ciência e suas aplicações devem ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana e no cumprimento e respeito universais pelos direitos humanos e liberdades fundamentais Por essas razões entendem s e r necessário e oportuno que a comunidade internacional declare os princípios universais que proporcionarão uma base para a resposta da humanidade aos sempre crescentes dilemas e controvérsias que a ciência e a tecnologia apresentam à espécie humana e ao meio ambiente Dentre os objetivos listados no art 2 desse diploma internacional cumpre ressaltar aquele estabelecido em seu item iv qual seja reconhecer a importância da liberdade de pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos ADI 3510 DF científicos e tecnológicos evidenciando ao mesmo tempo a necessidade de que tais pesquisas ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e respeitem a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais Por outro lado dos varios princípios arrolados na Declaração merecem especial destaque os mencionados nos arts 3 e 4 O primeiro assenta que a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade afirmando ainda que os interesses e o bemestar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade Já o segundo que incorpora os fundamentos da tradicional ética hipocrática consigna que os benefícios diretos e indiretos a pacientes sujeitos de pesquisas e outros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível a tais indivíduos deve ser minimizado quando se trate de aplicação e avanço do conhecimento científico das práticas médicas e tecnologias associadas grifei Visando a dar concreção aos valores e princípios que integram a Declaração o art 22 a consigna o seguinte 0s Estados devem tomar todas as medidas adequadas de caráter legislativo administrativo ou de qualquer outra natureza e ADI 3510 DF aqui incluemse evidentemente as de caráter judicial de modo a implementar os princípios estabelecidos na presente Declaração em conformidade com o direito internacional e com os direitos humanos O Brasil pois como membro da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura e signatário da Declaração elaborada sob seus auspícios está obrigado a dar concreção a seus preceitos no âmbito dos três poderes que integram sua estrutura estatal sob pena de negar conseqüência jurídica à manifestação de vontade formal e solene que exteriorizou no âmbito internacional Em outras palavras a produção legislativa a atividade administrativa e a prestação jurisdicional no campo da genética e da biotecnologia em nosso País devem amoldarse aos princípios e regras estabelecidas naquele texto jurídico internacional sobretudo quanto ao respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos e garantias fundamentais valores de resto acolhidos com prodigalidade pela Constituição de 1988 6 CONSIDERAÇÕES SOBRE O INÍCIO E A PROTEÇÃO DA VIDA ADI 3510 DF Múltiplas posições podem ser assumidas no tocante ao exato momento em que se inicia a vida dependendo das convicções filosóficas religiosas ou científicas daqueles que se debruçam sobre a questão32 Para os materialistas a vida resumese a um fato da natureza experimentalmente verificável ao passo que para a maioria dos crentes ela representa um dom divino transmitido aos seres humanos no momento da concepção Talvez não seja o Judiciário o foro adequado para debater esse tormentoso tema visto não estar aparelhado e nem vocacionado para entreter discussões que no fundo têm um caráter eminentemente metafísico com relação às quais as instituições acadêmicas e as escolas de teologia com certeza encontramse melhor preparadas No campo da ciência alguns entendem que a vida começa apenas no momento da implantação do embrião no útero materno ou seja depois do sétimo ou sexto dia da concepção constituindo antes desse momento um mero aglomerado de células da espécie 32 V sobre as diferentes visões r e l i g i o s a s e l a i c a s DORFF E l l i o t N A pesquisa com célulastronco uma perspectiva judaica FARLEY Margareth A Concepções católicas romanas sobre as pesquisas com célulastronco embrionárias humanas MEILAENDER Gilbert Algumas reflexões p r o t e s t a n t e s YOUNG Ernlé W D Questões é t i c a s uma perspectiva secular In HOLLAND Suzanne LEBACQZ Karen e ZOLOTH Laurie op c i t ADI 3510 DF biológica humana33 Já outros acreditam que o embrião somente se transforma numa pessoa a partir do décimo quarto dia É que até então não se poderia falar em individuo humano propriamente dito pois existe a possibilidade de que um indivíduo se converta em dois ou mais ou de que dois ou mais indivíduos se convertam em um34 Outros sustentam ainda que o embrião somente adquire subjetividade no momento em que é formado o sistema nervoso central permitindo a percepção do prazer e da dor ou quando se estrutura o córtex cerebral epicentro da racionalidade Estes últimos defendem a tese do paralelismo entre a morte cerebral e a vida cerebral como marcos cruciais da existência humana35 A convicção pessoal acerca do início da vida ademais pode variar em função da perspectiva gnoseológica adotada pelo observador que chega a conclusões distintas dependendo da ótica que adote com relação ao fenômeno sincrônica se o compreende como um conjunto de fatos coincidentes no tempo diacrônica se o considera em sua evolução temporal O começo da existência humana pode também ser estudado sob o prisma de lógicas distintas baseadas quer no raciocínio 33 Para as distintas posições sobre o tema no campo científico v PALAZZANI Laura O debate sobre célulastronco na Itália problemas biojurídicos e desenvolvimento normativo In MARTÍNEZ Julio Luis op cit pp 172175 34 Idem p 173 35 Idem loc cit ADI 3510 DF analítico quer no dialético Essas duas lógicas historicamente trilharam caminhos paralelos e como regra contrapostos36 Na analítica predomina o exame das proposições e o sistema silogístico de argumentação ao passo que na dialética buscase a grande síntese a partir do jogo dos opostos em constante evolução Dialéticos e analíticos em geral não se entendem pois empregam liguagens com sintaxes diferentes A dialética tem origem em Heráclito e Platão a analítica em Parmênides e Aristóteles A primeira foi cultivada por Plotino Proclo e em parte por Santo Agostinho na Antigüidade No período medieval Johannes Scotus Eurígena e a Escola de Chartres bem como outros filósofos neoplatônicos debruçaramse sobre ela Viuse estudada no Renascimento por Nicolaus Cusanus Ficino e Giordano Bruno Na Modernidade foi empregada por Espinosa Schelling Hegel e Marx dentre outros Lamark Darwin e quase todos os grandes biólogos contemporâneos como Richard Dawkins e Stephen Jay Gould adotaramna igualmente como substrato metodológico Inclusive os renomados físicos da atualidade a exemplo de Stephen Hawking com suas teses sobre os 36 Para uma visão histórica das distintas lógicas e de seus conceitos básicos aproveitados neste texto cf CIRNELIMA Carlos Roberto Dialética para principiantes 3ª ed São Leopoldo UNISINOS 2005 ADI 3510 DF buracos negros e a teoria do Big Bang podem ser considerados neoplatônicos Já a lógica analítica foi na Idade Média desenvolvida por Alberto Magno São Tomás de Aquino Duns Scotus e Guilherme de Ockham passando na era Moderna por Descartes Leibnitz Kant Frege e Wittgenstein 0 raciocínio analítico ganhou espaço predominando na lógica matemática e física contemporâneas disciplinas que se fizeram credoras das idéias de Galilei Copernico Newton e Einstein No plano puramente jurídicopositivo há fortes razões para adotarse a tese de que a vida tem início a partir da concepção Dentre outras porque a Convenção Americana de Direitos Humanos o denominado Pacto de San José da Costa Rica aprovado em 22 de novembro de 1969 e ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 2002 ingressou no ordenamento legal pátrio não como simples lei ordinária mas como regra de caráter supralegal ou até mesmo como norma dotada de dignidade constitucional segundo recente entendimento expressado por magistrados desta Suprema Corte De fato em notável voto proferido na sessão de 12 de março do corrente no HC 87585TO o Ministro Celso de Mello ADI 3510 DF defendeu com o brilhantismo que lhe é peculiar o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos E em não menos substancioso voto o Ministro Gilmar Mendes no RE 466343SP de relatoria do Ministro Cezar Peluso cujo julgamento ainda não foi concluído sufragou a tese de que os tratados nesse campo teriam a estatura de direito supralegal ou seja estariam hierarquicamente acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Tudo indica pelas manifestações exteriorizadas por vários Ministros ao longo daqueles julgamentos que o STF caminha no sentido de ampliar o valor que vinha conferindo aos textos internacionais relativos ao tema atribuindolhes uma classificação no mínimo superior às normas que integram a legislação comum A se levar às últimas conseqüências tal raciocínio qual seja o da prevalência dos tratados internacionais de direitos humanos sobre as leis ordinárias não há como deixar de concluir concessa venia que a vida do ponto de vista estritamente vista legal começa na concepção ou seja a partir do encontro do espermatozóide com o óvulo Isso porque o art 4 1 da Convenção Americana de Direitos Humanos sem cuidar da implantação ou não do óocito fecundado em um útero humano até porque à época de sua aprovação não se cogitava ainda da técnica da fertilização ADI 3510 DF extracorpórea estabelece tout court o seguinte Toda a pessoa tem direito que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela lei e em geral desde a concepção grifei Ainda que se queira relativizar a força desse comando em face da expressão em geral nele abrigada tal locução não afasta a idéia de que para os efeitos legais a vida começa na concepção iniciada quer in utero quer in vitro podendo a lei do Estado signatário da Convenção deixar eventualmente de protegê la em situações excepcionais caso outros valores estejam em jogo Um exemplo típico consiste na exclusão da antijuridicidade do chamado aborto necessário contemplada no art 128 I do Código Penal Brasileiro que corresponde àquele praticado por médico quando não há outro meio de salvar a vida da gestante Daí seguese a meu ver que esse conceito jurídico abrigado em um tratado internacional de direitos humanos regulamente subscrito e ratificado pelo País a saber de que a vida começa na concepção não é abalado data venia pelo raciocínio arrimado fundamentalmente no Código Civil segundo o qual a legislação pátria somente ampararia o nascituro isto é o ser aninhado no útero materno garantindolhe a proteção do Estado antes mesmo do nascimento ADI 3510 DF É possível porém que no plano meramente fático e sob uma ótica dialética a vida assim como a morte ao invés de constituir um evento delimitado no tempo corresponda a um processo que se desenvolve por etapas Mas ainda que se considere o zigoto que jaz em um tubo de ensaio ou numa placa de Petri apenas um ser humano em construção uma pessoa in fieri uma vida em formação não há como deixar de conferirlhe um tratamento digno atualmente reivindicado até para as cobaias de laboratório Isso porque como sublinha Laura Palazzani a negação do estatuto pessoal do embrião não equivale à negação de toda obrigação de respeito e tutela 3 7 Ademais lembra Silmara Almeida a melhor doutrina encaminhase no sentido de reconhecer que as células embrionárias mesmo no estágio préimplantacional apresentam uma inegável natureza humana individua substantia rationalis naturae no dizer de Boécio38 De fato atualmente prevalece na comunidade científica e no meio jurídico dos países desenvolvidos como se verá a seguir a idéia de que os embriões qualquer que seja o seu estágio de desenvolvimento e não 3 PALAZZANI Laura op cit p 176 38 CHINELATO e ALMEIDA Silmara JA Tutela Civil do Nascituro São Paulo Saraiva 2000 p 162 ADI 3510 DF importando onde tenham sido gerados merecem ser tratados de forma digna Não obstante esse entendimento penso que a discussão travada nestes autos não deve limitarse a saber se os embriões merecem ou não ser tratados de forma condigna ou se possuem ou não direitos subjetivos na fase préimplantacional ou ainda se são ou não dotados de vida antes de sua introdução em um útero humano Creio que o debate deve centrarse no direito à vida entrevisto como um bem coletivo pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como um todo sobretudo tendo em conta os riscos potenciais que decorrem da manipulação do código genético humano Sim porque em se tratando do direito à vida que compreende por excelência o direito à saúde aqui também considerado um valor transindividual a convicção de que todos os homens têm um destino comum pois todos estão no mesmo barco tornou impossível a existência de riscos estritamente individuais como notam Sueli Dallari e Daisy Ventura39 39 DALLARI Sueli Gandolfi e VENTURA Deisy de Freitas Lima Princípio da precaução dever do Estado ou protecionismo disfarçado In São Paulo em Perspectiva vol 16 nº 2 São Paulo abriljunho 2002 ADI 3510 DF Nessa linha alguns pensadores contemporâneos dentre os quais o sociólogo Zigmunt Bauman desenvolveram a idéia de que atualmente vivemos numa sociedade de risco Risk Society em que como observa Ulrich Beck o reconhecimento da imprevisibil idade das ameaças provocadas pelo desenvolvimento técnicoindustrial exige a autoreflexão em relação às bases da coesão social e o exame das convenções e dos fundamentos predominantes da racionalidade 40 Assim cumpre partir do pressuposto de que o direito à vida bem essencial da pessoa humana sem o qual sequer é possível cogitar de outros direitos não pode ser encarado ao menos para o efeito da discussão que ora se trava sob uma perspectiva meramente individual devendo ao revés ser pensado como um direito comum a todos os seres humanos que encontra desdobramento inclusive e especialmente no plano da saúde pública De fato analisar essa magna questão tãosomente sob a perspectiva de um eventual direito à vida dos zigotos produzidos in vitro considerados de per si pode levar data venia a 40 BECK Ulrich A reinvenção da política rumo a uma teoria da modernização reflexiva In BECK Ulrich GIDDENS Anthony e LASH Scott Modernização reflexiva política tradição e estética na ordem social moderna São Paulo UNESP 1997 p 19 ADI 3510 DF posições maniqueístas contra ou a favor da vida contra ou a favor das pesquisas científicas desviando a discussão de seu foco principal que segundo penso deve centrarse na extensão em que se permitirá a manipulação ainda que revestida das melhores intenções do patrimônio genético dos seres humanos tema a meu ver de transcendental importância 7 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO NO CAMPO DA SAÚDE PÚBLICA Quando se cogita da preservação da vida numa escala mais ampla ou seja no plano coletivo não apenas nacional mas inclusive planetário vem à baila o chamado princípio da precaução que hoje norteia as condutas de todos aqueles que atuam no campo da proteção do meio ambiente e da saúde pública Ainda que não expressamente formulado encontra abrigo nos arts 196 e 225 de nossa Constituição 0 princípio da precaução foi explicitado de forma pioneira na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992 da qual resultou a Agenda 21 que em seu item 15 estabeleceu que diante de uma ameaça de danos graves ou irreversíveis a ausência de ADI 3510 DF certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas viáveis para prevenir a degradação ambiental 0 referido principio foi mais tarde ampliado na reunião levada a efeito em Wingspread sede da Johnson Foundation em Racine Estado de Wisconsin nos EUA no mês de janeiro de 1998 com a participação de cientistas juristas legisladores e ambientalistas cuja Declaração final consigna Quando uma atividade enseja ameaças de danos ao meioambiente ou à saúde humana medidas de precaução devem ser tomadas mesmo que algumas relações de causa e efeito não forem estabelecidas cientificamente Dentre os principais elementos que integram tal princípio figuram i a precaução diante de incertezas científicas ii a exploração de alternativas a ações potencialmente prejudiciais inclusive a da nãoação iii a transferência do ônus da prova aos seus proponentes e não às vítimas ou possíveis vítimas e iv o emprego de processos democráticos de decisão e acompanhamento dessas ações com destaque para o direito subjetivo ao consentimento informado ADI 3510 DF Esse novo paradigma emerge da constatação de que a evolução científica traz consigo riscos imprevisíveis os quais estão a exigir uma reformulação das práticas e procedimentos tradicionalmente adotados nesse campo Isso porque como registra Cristiane Derani é preciso considerar não só o risco de determinada atividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade41 Com efeito avançando para além da antiga ótica de recomposição de eventuais prejuízos o princípio da precaução não se compraz apenas com a caracterização do dano a ser compensado pois ele abriga a convicção de que existem comportamentos que devem ser proibidos sancionados e punidos42 Em outras palavras não basta determinar o montante da indenização pois existem danos que não têm preço43 41 DERANI Cristiane Direito ambiental econômico São Paulo Max Limonad 1997 p 167 42 DALLARI Sueli Gandolfi e VENTURA Deisy de Freitas Lima opcit loc cit 43 Idem loc cit ADI 3510 DF Não se trata evidentemente de exigir uma total abstenção no tocante a ações que envolvam eventual risco de maneira a levar à paralisia do desenvolvimento científico ou tecnológico Cuidase ao contrário de exigir em situações de risco potencial desconhecido a busca de soluções que permitam agir com segurança transmudando o risco potencial seja em risco conhecido seja ao menos em risco potencial fundado44 Isso implica a necessidade de alterarse profundamente os processos decisórios levados a efeito no âmbito dessa importante área do saber humano a começar pela ampliação do círculo de pessoas credenciadas a participar dos mesmos dotando as de todas as informações necessárias e indispensáveis das grandes decisões públicas ou privadas que possam afetar a segurança das pessoas 45 Isso porque o princípio de precaução impõe uma obrigação de vigilância tanto para preparar a decisão quanto para acompanhar suas conseqüências46 É por essas razões que a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO enfatiza no art 18 c 44 Idem loccit 45 Idem loc cit 46 Idem loc cit ADI 3510 DF que se deve nesse setor do conhecimento promover oportunidades para o debate público pluralista buscandose a manifestação de todas as opiniões relevantes 8 O POSTULADO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A q u e s t ã o sob exame pode e deve s e r a i n d a a n a l i s a d a sob o prisma da d i g n i d a d e da p e s s o a humana que c o n s t i t u i o n ú c l e o a x i o l ó g i c o de todas as d e c l a r a ç õ e s e t r a t a d o s de p r o t e ç ã o dos d i r e i t o s fundamentais v i g e n t e s no p l a n o i n t e r n a c i o n a l a s s i m como da grande m a i o r i a dos t e x t o s l e g a i s que t r a t a m do tema no âmbito i n t e r n o dos E s t a d o s Mas é p r e c i s o t e r em mente como advertem Gomes C a n o t i l h o e V i t a l Moreira que a d i g n i d a d e da p e s s o a humana não pode s e r r e d u z i d a simplesmente à defesa dos direitos pessoais tradicionais esquecendoa nos casos de direitos sociais ou invocála para construir uma teoria do núcleo da personalidade individual ignorandoa quando se trate de garantir as bases da existência humana47 47 CANOTILHO JJ e MOREIRA Vital Constituição da Republica Portuguesa Anotada 3ª ed Coimbra Coimbra Editora 1984 pp 5859 ADI 3510 DF Claro porque em sendo a dignidade humana a própria matriz unificadora dos direitos fundamentais a começar do direito à vida não pode ela ser considerada apenas um bem jurídico atribuído à determinada pessoa enquanto indivíduo mas deve ser tratada também e especialmente como um valor que diz respeito à coletividade em que esta se encontra integrada Entre nós convém salientar a dignidade humana não só constitui o cerne dos direitos fundamentais como configura igualmente um dos pilares da própria República conforme consigna de modo solene o art 1º III da vigente Carta Magna Daí cuidarse de um valor que transcende a pessoa compreendida como ente individual consubstanciando verdadeiro parâmetro ético de observância obrigatória em todas as interações sociais É que como assinala Ingo Wolfgang Sarlet a dignidade humana implica também em ultima ratio por força de sua dimensão intersubjetiva a existência de um dever geral de respeito por parte de todos os integrantes da comunidade de pessoas para com os demais e para além disso até mesmo um dever das pessoas para consigo mesmas48 48 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2004 p 114 ADI 3510 DF A dignidade da pessoa humana nesse sentido corresponde a urna baliza axiológica que deve reger as relações entre governantes e governados administradores e administrados empregados e empregadores pais e filhos professores e alunos médicos e pacientes advogados e clientes fornecedores e consumidores etc Cumpre ressaltar porém que a dignidade da pessoa humana na qualidade de núcleo essencial da Carta de 1988 ou seja enquanto valor que ostenta a maior hierarquia em nosso ordenamento jurídico do ponto de vista axiológico não se resume apenas a um imperativo de natureza ética ou moral mas configura um enunciado dotado de plena eficácia jurídica achandose ademais refletido em diversas normas de caráter positivo formal e materialmente constitucionais Esse enunciado com efeito não apenas empresta significado a diferentes dispositivos da Carta Magna sobretudo àqueles que tratam dos direitos fundamentais em sentido estrito como também encontra menção expressa em vários outros artigos disseminados em seu texto Por exemplo quando estabelece no art 170 que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna ou no art 226 6º que o planejamento ADI 3510 DF familiar fundase nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável ou ainda no art 227 caput que a criança e o adolescente têm com absoluta prioridade dentre outros o direito à dignidade e ao respeito Comandos desse jaez enfatiza José Afonso da Silva têm lugar em nossa Constituição não como meros enunciados formais mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana49 Não se afigura ocioso ademais lembrar que é possível deduzir desse preceito básico direitos fundamentais autônomos não explicitados no texto constitucional seja por sua inegável densidade conceitual seja por força do que dispõe o art 5º 2 da Lei Maior50 Assim toda e qualquer a produção normativa deverá estar alicerçada nesse fundamento Em outras palavras a nenhuma norma será conferida validade quando contrariar esse valorfonte que na lição de Miguel Reale é aquele do qual emergem todos os valores 49 SILVA José Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 27ª ed São Paulo Malheiros 2006 p 108 50 Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte ADI 3510 DF os quais somente não perdem sua força imperativa e sua eficácia enguanto não se desligam da raiz de que promanam51 Qual seria então o seu conteúdo Para além do belo interesse filosófico da pergunta é necessário fixar em face do caso sob exame o que significa dignidade da pessoa humana para que se possa na seqüência responder se a norma impugnada nesta ação direta de inconstitucionalidade vulnera ou não esse valor essencial mesmo porque lembra Reale toda a interpretação jurídica é de natureza axiológica isto é pressupõe a valoração objetivada na proposição normativa52 Mas para tanto primeiro será preciso estabelecer a sua natureza jurídica Humberto DÁvila com arrimo nas idéias de Karl Larenz Ronald Dworkin e Robert Alexy dentre outros distingue três modalidades de normas jurídicas as regras os princípios e os postulados53 As primeiras correspondem a comandos que determinam condutas obrigatórias permitidas ou proibidas Já as segundas estabelecem condutas necessárias para a consecução de determinados fins Os postulados por sua vez consubstanciam verdadeiras 51 REALE Miguel 0 Estado Democrático de Direito e o conflito de ideologia 2 ed São Paulo Saraiva 1999 p 18 52 REALE Miguel O Direito como experiência Introdução à epistemologia jurídica São Paulo Saraiva 1968 p 251 53 Cf ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos 5ª ed São Paulo Malheiros 2006 especialmente quanto aos postulados pp 121166 ADI 3510 DF metanormas isto é normas que estabelecem a maneira pela qual outras normas devem ser aplicadas A partir dessa classificação é possível definir a dignidade da pessoa humana como um postulado normativo ou seja uma metanorma que confere significado aos direitos fundamentais sobretudo ao direito à vida considerado aqui como já assinalado não apenas sob a ótica individual mas encarado especialmente sob um prisma coletivo E para que se possa apreender o conteúdo desse postulado é preciso reportarse àquilo que a doutrina alemã denomina de Menschenbild ou seja a imagem de pessoa que se encontra descrita de modo amplo no texto constitucional54 Helena Regina Lobo da Costa amparada em Konrad Hesse assenta que a imagem da pessoa delineada em nossa Constituição é a de um ser humano portador de direitos individuais coletivos e sociais de nacionalidade e de direitos políticos que lhe garantem espaço para o exercício livre de sua personalidade sem ignorar que esta pessoa existe em relação com os demais Mitsein 54 Cf COSTA Helena Regina Lobo da A dignidade da pessoa humana e as teorias da prevenção geral positiva Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 2003 p 21 ADI 3510 DF em oposição a Selbstsein existir isoladamente 55 Essa pessoa prossegue ela deverá portanto ser compreendida sempre em sua dupla acepção como ens individuale e ens sociale56 Colho das decisões do Supremo Tribunal Federal dois exemplos de aplicação do postulado da dignidade humana como metanorma O primeiro é aquele em que a Corte ampliou a garantia constitucional do devido processo legal para nela abarcar o rito processual previsto para os crimes relacionados a entorpecentes 57 Nesse caso a Menschenbild empregada correspondia ao ens individuale retratando um ser humano dotado do direito de verse processado em rigoroso cumprimento do princípio da legalidade Já no segundo exemplo a referida imagem assumiu os contornos de ens sociale na medida em que foi construída a partir do confronto do indivíduo com o outro Cuidase de decisão que entendeu ser impenhorável o imóvel residencial do devedor a pressupor portanto um credor enquanto instrumento garantidor de sua subsistência pessoal bem como a de seus familiares Ou seja o direito à propriedade naquele caso foi reconfigurado 55 Idem loccit 56 Idem p 22 57 RE 515427 Rel Min Gilmar Mendes ADI 3510 DF tendo corno fundamento a metanorma da dignidade da pessoa humana considerada em sua dimensão social58 Diante dessas considerações entendo que o fulcro da discussão ora submetida a esta Suprema Corte não se restringe meramente ao estatuto jurídico do embrião gerado in vitro ou das célulastronco que dele podem ser extraídas devendo abranger para muito além desse estreito horizonte a disciplina das pesquisas genéticas e das ações de todos os seus protagonistas sejam eles doadores de gametas receptores de óvulos fertilizados médicos ou cientistas tendo como parâmetro a dignidade humana enquanto valor fundante do texto constitucional 9 CÉLULAS EMBRIONÁRIAS HUMANAS NO DIREITO COMPARADO Examinando o tema à luz da legislação francesa Brigitte Mintier observa que o direito positivo francês faz uma distinção entre pessoas e coisas59 Enquadramse na primeira categoria os indivíduos e os grupos de indivíduos que adquirem personalidade jurídica ao preencherem determinados requisitos legais Já os 58 RE 439003 Rel Min Eros Grau 59 MINTIER Brigitte Feuillet Célulastronco embrionárias e o direito francês In MARTÍNES Julio Luis op cit pp 146147 ADI 3510 DF animais são considerados coisas Os integrantes de ambas as categorias porém são merecedores de proteção legal E explica Os animais são juridicamente coisas e no entanto são objeto de medidas protetoras Existe de qualquer modo uma diferença essencial as pessoas são sujeitos de direito enquanto as coisas são objetos de direito Portanto é inevitável que esta diferenciação conduza a uma maior proteção para as pessoas 60 Mais adiante assenta ela que sem embargo da relativa indefinição sobre o status jurídico do óvulo fecundado in vitro a legislação francesa regulamenta a maior parte das práticas efetuadas com embriões humanos Isso permite concluir que à falta de textos específicos sobre as células embrionárias o estatuto do embrião parece aplicável a essas células 6 2 Quer dizer ainda que não gozem de amparo integral à semelhança do que ocorre com uma pessoa os embriões e as células embrionárias na França são protegidos pela lei Veelke Derckx estudando a legislação dos Países Baixos revela que lá entendese que os direitos subjetivos são 60 Idem p 147 61 Idem pp 147149 ADI 3510 DF adquiridos no momento do nascimento da pessoa62 E embora um embrião com base nesse raciocínio não seja sujeito de direitos ainda assim é considerado digno de proteção63 Isso porque o direito sanitário daquele país baseiase na teoria da proteção jurídica progressiva segundo a qual há um incremento gradativo no nível de proteção do embrião em função de seu grau de desenvolvimento64 Aduz ainda que a lei dos embriões a qual estabelece os limites ao uso que pode ser feito dos gametas e dos embriões parte da dignidade humana e do princípio do respeito à vida em geral65 Tais paradigmas segundo explica somente podem ser atalhados quando se deve outorgar um valor superior a outros valores como o bemestar da futura criança a cura de doenças ou o benefício para a saúde e o bemestar de casais estéreis66 Já a posição doutrinal majoritária na Alemanha refletida no direito positivo e na jurisprudência daquele país defende que o embrião já é sujeito ou na medida em que a dignidade não é considerada um direito subjetivo mas antes um 62 Veelke DERCKX Veelke Célulastronco legislação e doutrina nos Países Baixos In MARTÍNES Julio Luis op cit p163 63 Idem loc cit 64 Idem loc cit 65 Idem loc cit 66 Idem pp 163164 ADI 3510 DF princípio fundamental constitucional que ele é ao menos beneficiado pelo princípio da garantia da dignidade humana como informa Walter von Plattenberg67 Mesmo aqueles que entendem que o embrião não possui direitos subjetivos acrescenta não negam que ele quer se encontre in utero quer in vitro representa num bem que tem de ser objeto de proteção legal ou que no mínimo é dotado de um prédireito fundamental Grundrechtsanwarschaft68 Nesse mesmo sentido o Human Embryo Research Panel dos Estados Unidos da América instado a pronunciarse sobre o tema embora haja rejeitado a tese de que o conjunto de células resultante da fertilização in vitro tenha o estatuto moral e a fortiori legal equivalente ao de uma pessoa consignou num relatório elaborado em 1994 que o embrião humano faz jus a uma séria consideração moral como forma de vida humana em desenvolvimento69 E como conseqüência desse entendimento que foi alvo de muitas críticas por sua pretensa ambivalência sugeriu que se demonstrasse pelos embriões o adequado respeito consubstanciado na limitação do período de sua existência até o 67 PLATTENBERG Walther von Célulastronco legislação jurisprudência e doutrina na Alemanha In MARTÍNES opcit p 202 68 Idem loc cit 69 PARENS Erik A ética e política de pesquisa com célulastronco embrionárias In HOLLAND Suzanne LEBACQZ Karen e ZOLOTH Laurie op cit p 42 ADI 3510 DF qual se faz pesquisa com eles e na restrição dos propósitos para cuja consecução podem ser usados70 Comentando as decisões da Corte Constitucional da Espanha sobre o assunto especialmente as de nº 531985 e nº 1161999 José Miguel RuizCalderón assenta que para esta não existe titularidade do direito subjetivo à vida propriamente dito antes do nascimento No entanto entende que deflui dos julgados daquela Corte que o bem Jurídico vida deve ser protegido a partir do momento em que há uma vida humana não necessariamente pessoal com uma proteção que não seja tão insignificante que produza de fato uma desproteção completa na fase de vida prénatal grifei 71 10 LIMITES À PRODUÇÃO E MANIPULAÇÃO DE EMBRIÕES O caput do art 5a da Lei de Biosegurança impugnado nesta ação direta de inconstitucionalidade considerada a técnica deficiente com que foi redigido a rigor não veda a geração de embriões humanos exclusivamente para a pesquisa Também não impõe 70 Idem p 43 71 RUIZCALDERÓN José Miguel Serrano Sobre regulação da pesquisa com células tronco clonagem de embriões humanos e utilização de embriões congelados excedentes da FIV na Espanha In MARTÍNES Julio Luis op cit p 5 ADI 3510 DF nenhum limite numérico à sua produção nem estabelece qualquer restrição temporal à manipulação destes Simplesmente permite a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento Tampouco existe qualquer referência expressa a tais questões nas exigências listadas nos dois incisos e três parágrafos do referido dispositivo para a extração de célulastronco de embriões humanos Nada impede com efeito numa interpretação literal do artigo atacado que se produza em laboratório tantos embriões quantos sejam requisitados pelos pesquisadores Por razões análogas é que a National Bioethics Advisory Comission dos Estados Unidos num relatório produzido em 1999 sobre o assunto descartou dentre as possíveis fontes de obtenção de células tronco os embriões criados unicamente para finalidade de pesquisa por meio da fertilização in vitro 72 A mencionada Comissão ademais preocupouse com a questão de uma possível mercadificação nessa área ressaltando ser necessário informar de modo mais amplo possível os casais doadores de material genético a fim de evitar a potencial coerção pelos médicos ou 72 HOLLAND Suzanne Para além do embrião uma avaliação feminista do debate sobre célulastronco embrionárias In HOLLAND Suzanne LEBACQZ Karen e ZOLOTH Laurie op cit p 84 ADI 3510 DF pelas clínicas de fertilidade que poderiam verse tentados a incentivar a superprodução de oócitos e de embriões73 Da mesma forma o Convênio sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa veda a geração de embriões humanos com fins de pesquisa art 18 2 proibição adotada pela maioria dos países do continente Nos Países Baixos por exemplo tal prática é interditada salvo se realizada para fins de reprodução assistida74 Na França o Código de Saúde Pública somente admite a criação de embriões in vitro no marco da reprodução assistida vedandose a sua produção com fins comerciais ou industriais e inclusive com fins de estudo pesquisa ou experimentação75 De outra parte uma das leis francesas que regula o assunto datada de 29 de julho de 1994 estabelece que os embriões concebidos fora do corpo humano e sempre nos limites da reprodução assistida somente podem ser destruídos quando deixam de responder a um projeto de procriação e não puderem ser acolhidos por outro casal 76 73 Idem p 88 74 Veelke DERCKX Veelke op cit pp164165 75 Mintier Brigitte Feuilletle op cit p 147148 referindose aos arts L 21412378 do CSPub 76 Idem p 149 art 9º da lei ADI 3510 DF Também na Alemanha a Lei de proteção do embrião Embryonenschutzgesetz que pretendeu refletir a opção da Constituição em favor da dignidade humana e da vida conforme von Plattenberg veda a fertilização de um oócito com fim outro que não o de possibilitar a gravidez da mulher do qual ele provém 11 razão pela qual estaria proibido produzir embriões excedentes 77 No mesmo ciclo reprodutivo continua podem ser fecundados no máximo três oócitos para implantação 1 4 15 o que na prática eliminou o debate sobre os embriões extranumerários ao contrário do ocorrido em outros países78 Nesse sentido informa que no final de 2000 o registro oficial de fertilização in vitro acusava a existência de 71 embriões dos quais segundo foi comunicado ao governo alemão no começo do ano seguinte apenas 15 aproximadamente eram excedentes79 Na Espanha ao contrário a vagueza com que Lei 351988 tratou do tema ensejou uma superprodução de embriões os quais acabaram sendo congelados em grande número atingindo segundo 77 PLATTENBERG Walter von op cit p 206 78 Idem p 206207 79 Idem p 207 ADI 3510 DF algumas estimativas a cifra de 30 mil 80 O governo espanhol então confrontado com um verdadeiro fait accompli viuse obrigado a editar a Lei 452003 para regular a matéria limitando a três os oócitos que podem ser implantados na mulher em um mesmo ciclo reprodutivo Na Exposição de Motivos dessa nova Lei o Rei Juan Carlos I interessantemente fez consignar que os 15 anos de vigência do primeiro diploma legal que regulou a reprodução assistida acabaram dando lugar a situações de certa insegurança jurídica e a problemas de considerável dimensão ética e sanitária dos quais a mais importante seria a acumulação de um elevado número de préembriões humanos excedentes cujo destino ainda está sem definição81 Isso não obstante a alteração promovida no Código Penal Espanhol em 1995 estabelecendo severas sanções em seu art 160 2 para agueles que fecundem óvulos humanos com qualquer fim distinto da procriação humana 82 80 Cf RUIZCALDERÓN José Miguel Serrano opcit p 233 81 Extraído da Exposição de Motivos da Lei 452003 que faz expressa menção a trechos do informe da Comissão Nacional de Reprodução Humana Assistida da Espanha datado de 2000 dentre os quais destaco os seguintes 1 aunque desde el punto de vista técnico la disponibilidad de más preembriones aumenta la possibilidada de procreación no es menos cierto que el elevado número de preembriones congelados sugiere que frecuentemente no es necessário obtener tantos e 2no es deseable la acumulación de preembriones congelados cuyo destino y posible utilización para la procreación puede provocar graves problemas de responsabilidad social 82 Artículo 160 2 Serán castigados con pena de prisión de uno a cinco años e inabilitación especial para empleo o cargo público profesión u oficio de seis a ADI 3510 DF Em seguida outros diplomas foram promulgados na Espanha para aperfeiçoar ainda mais a disciplina da matéria em especial os experimentos científicos com células embrionárias humanas sendo a última delas a Lei 142007 que no art 33 1 para dirimir eventuais dúvidas que porventura ainda pudessem subsistir proibiu em termos taxativos a geração de préembriões e embriões humanos exclusivamente para pesquisa83 Na Alemanha além do citado diploma normativo editou se ainda a Lei das célulastronco Stammzellgezetz inspirada igualmente na proteção da vida e no respeito ao princípio da dignidade humana art 1 que admite a importação de célulastronco embrionárias para fins de pesquisa sujeitandoa embora a diversas condições dentre as quais a de que tenham sido fruto de uma FIV realizada para uma gestação além de exigir que haja certeza de que os embriões resultantes não seriam mais empregados para tal fim84 Da mesma maneira na Suíça e no Canadá está proibida a produção de células embrionárias apenas para utilização em 10 años quienes fecunden óvulos humanos com cualquier fin distinto a la procreación humana 83 Artículo 33 1 Se proíbe la constitución de preembriones y embriones humanos exclusivamente com fines de experimentación 84 Cf PLATTENBERG Walter von op cit p 210 ADI 3510 DF pesquisas as quais somente podem valerse daquelas que sobejam dos procedimentos de fecundação assistida estando elas ainda submetidas a diversas restrições tais como a prévia autorização das autoridades competentes e a anuência do casal doador85 No Brasil o único diploma normativo que regula as técnicas de reprodução assistida in vitro é a Resolução 135892 do Conselho Federal de Medicina a qual busca segundo os seus consideranda compatibilizar o uso dessas técnicas com os princípios da ética médica O item I 5 da Resolução proíbe a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana E o item I 6 estabelece que o número ideal de oócitos e préembriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade Daí concluise que das técnicas de reprodução assistida devem resultar num plano ideal apenas os óocitos ou préembriões indispensáveis para que determinada paciente seja fecundada 85 ALLISON Christine Rothmayr e LESPÉRANCE Audrey Courts and the Biotechnology Revolution Policymaking in Canada the USA and Switzerland Trabalho apresentado em junho de 2006 na Conferencia Anual da CPSA r e a l i z a d a na Universidade de York em Toronto Canadá ADI 3510 DF Outro aspecto digno de nota é que a Resolução somente faz alusão a óocitos e préembriões jamais mencionando embriões como o faz a Lei impugnada Em outras palavras o diploma normativo do CFM estabelece ainda que implicitamente um limite temporal para a manipulação do concepto86 de forma consentânea com a Embriologia que distingue três fases evolutivas do ser humano em gestação 1 um período de divisão celular ou préembrionário que abrange a primeira e segunda semana após a fertilização 2 um período embrionário que vai da segunda a oitava semana 3 e um período fetal que se estende da nona à trigésima oitava semana87 Nesse sentido e isso tem a meu ver importância crucial a Resolução do CFM estabelece taxativamente no item VI 3 o seguinte O tempo máximo de desenvolvimento de pré embriões in vitro será de 14 dias É o que também estabelece a Lei espanhola 142006 que alterou a Lei 452005 acima mencionada definindo o préembrião como aquele que resulta da fertilização in vitro e que é constituído por um grupo de células 86 COCHARD Larry R op cit p 43 explica que concepto significa Todos os produtos da fertilização incluindo o embrião âmnio cório saco vitelínico alantóide e cordão umbilical 87 Cf COCHARD Larry R op cit p21 ADI 3510 DF decorrentes da divisão progressiva do oócito até o 14º dia a p a r t i r da fecundação88 Interessantemente mesmo aqueles que defendem com ardor as pesquisas com embriões humanos concordam em limitar no tempo a sua manipulação fixando o prazo máximo de duas semanas para a extração das célulastronco mediante a destruição dos respectivos invólucros externos como se verificou das audiências públicas realizadas no STF89 É que no início da terceira semana de desenvolvimento do oócito fertilizado começa o período embrionário propriamente dito caracterizado pela formação da linha primitiva da notocorda e de três camadas germinativas a partir das quais todos os tecidos e órgãos são formados90 Nesse momento com efeito iniciase o processo de gastrulação 9 1 no qual se dá a formação do sistema nervoso do coração da placenta do cordão umbilical e do celoma intra embrionário cavidades corpóreas 92 88 Artículo 1 2 A los efectos de esta Ley se entiende por preembrión el embrión in vitro constituido por el grupo de células resultantes de la división progresiva del ovócito desde que es fecundado hasta 14 dias más tarde 89 Transcrição dos debates no STF p 9 passim 90 MOORE Keith e PERSAUD TVN o p c i t p 5 1 91 Segundo COCHARD Larry R op cit p 70 corresponde à produção do mesoderma intraembrionário na terceira semana que torna o disco embrionário bilaminar em um disco trilaminar gástrula 92 Cf COCHARD Larry R op cit p 57 ADI 3510 DF Ocorre que a depender apenas do que dispõe a Lei de Biosegurança a rigor nada obsta que os embriões humanos sejam manipulados sem qualquer limite temporal Com efeito se a sobrevivência de embriões fora do corpo humano para além de uns poucos dias preservados em um meio de cultura apropriado mostrarse tecnicamente viável a redação do art 5º caput não obstará a extração de célulastronco em qualquer fase de seu desenvolvimento ficando até mesmo franqueada a manipulação daqueles que por qualquer motivo tenham sido retirados ou expelidos do útero no qual foram implantados Penso portanto que à luz da legislação comparada e em especial da Resolução do CFM sobre a reprodução assistida que o art 5º caput da Lei de Biosegurança precisa ser harmonizado com o postulado da dignidade da pessoa humana e com o direito à vida compreendidos na acepção que lhes conferi acima Não se trata evidentemente de interpretar a norma impugnada com base no direito estrangeiro ou com outra de hierarquia inferior isto é de confrontar uma lei em face de uma resolução o que seria de flagrante atecnia Cuidase ao contrário de extrair a partir da disciplina que o mundo civilizado e a corporação médica brasileira emprestam ao tema o ADI 3510 DF conteúdo éticonormativo dos comandos constitucionais que regem a espécie em particular o constante do art 226 6º da Carta Magna o qual estabelece que o planejamento familiar arrimase nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável grifei 11 SIGNIFICADO DE INVIABILIDADE DOS EMBRIÕES Outro aspecto relevante para o exame da constitucionalidade da norma impugnada é a total indeterminação do conceito de inviável que figura no inciso I do art 5º da Lei de Biosegurança a partir do qual será definido o destino do embrião gerado in vitro Com efeito a redação do referido dispositivo permite que lhe seja conferida a mais elástica das interpretações ao arbítrio do médico do biólogo do geneticista ou mesmo do técnico de laboratório encarregado da realização do diagnóstico préimplantacional A título de confronto ressalto que a Stammzellgezetz alemã é muito rigorosa no tocante ao critério de aproveitamento dos embriões para as pesquisas vedando o seu uso caso tenham sido descartados por razões inerentes às célulastronco como ADI 3510 DF por doenças pretendendose com isso rejeitar todo o apoio a PID diagnóstico préimplantacional ou qualquer vontade eugênica93 É que como explica von Plattenberg o tema suscita profundas emoções porquanto a experimentação com célulastronco e o diagnóstico préimplantacional exemplificam um perigo de criação seletiva genética de eugênia na qual o homem colocase a si mesmo à disposição para a suposta melhoria de sua espécie por meios técnicos94 Na Espanha por sua vez a Comissão Nacional de Reprodução Assistida no já citado relatório de 200095 estabeleceu que o significado de nãoviável aplicado aos embriões é de índole biológica no sentido de que não sejam aptos para iniciar ou continuar o processo de divisão celular96 É a mesma conclusão a que chega o acima mencionado José Miguel RuizCalderón o qual afirma que não podem ser considerados legalmente inviáveis os embriões crioconservados que por diversos motivos ou circunstâncias pessoais ou sociais relacionados aos progenitores não podem ser destinados à reprodução inviabilidade funcional pois seria contrário ao 93 Idem loccit 94 Cf PLATTENBERG Walter von op cit p 214 95 V nota de rodapé nº 81 96 Cf RUIZCALDERÓN José Miguel op cit p 230 ADI 3510 DF espírito e à letra da lei independentemente do juízo que mereça essa consideração Também não se mostra admissível diz ele deixar a definição de inviabilidade ao alvedrio exclusivo do pesquisador permitindo que decida livremente sobre a possibilidade de o embrião continuar ou não o seu desenvolvimento no meio adequado porquanto isso tornaria supérflua a limitação protetora da l e i 9 7 Já na França embora o diagnóstico prénatal e o pré implantacional sejam lícitos este último sofre rigorosa restrição uma vez que é admitido apenas se um médico certifica que o casal por sua situação familiar tem grandes probabilidades de procriar um filho vítima de uma doença genética especialmente grave reconhecida como incurável no momento do diagnóstico98 Com efeito não obstante constitua o diagnóstico pré implantacional um valioso instrumento para detectar a presença de anomalias genéticas ou a possibilidade de desenvolvimento de moléstias graves incuráveis que podem comprometer o embrião durante a gestação ou mesmo após o seu nascimento tratase de uma metodologia que suscita inúmeros questionamentos éticos e jurídicos pois como adverte Renata da Rocha temse verificado 97 Idem pp 229230 98 Cf MINTIER Brigitte Feilletle op cit p148 arts L 123115 do CSPub ADI 3510 DF que tal prática vem sendo utilizada como um meio para a escolha de determinados traços genéticos como por exemplo a escolha do sexo do bebê a cor de sua pele o seu coeficiente intelectual entre outros atributos99 Essa técnica permite que sejam descartados isto é deixem de ser implantados no útero receptor e tenham outro destino não apenas os embriões considerados anormais ou defeituosos mas também aqueles tidos como indesejáveis por razões de preferência de caráter absolutamente subjetivo seja da equipe médica seja dos genitores Por isso mostrase válida a preocupação externada por Stella Maris Martínez a qual chama atenção para o perigo representado pela possibilidade de estabelecerse uma espécie de controle de qualidade dos embriões incompatível com o Estado Democrático de Direito cujo cerne é o respeito à dignidade humana que impede taxativamente todo tipo de discriminação grifei100 99 ROCHA Renata da O Direito à vida e a pesquisa com célulastronco limites éticos e jurídicos Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 52 100 Apud ROCHA Renata da opcit loc cit ADI 3510 DF Pelos mesmos motivos é que a supra referida Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina do Conselho da Europa proíbe no art 11 qualquer forma de discriminação decorrente do patrimônio genético de uma pessoa Também a Declaração Universal sobre o Genoma Humano é taxativa nesse sentido ao estampar no art 6 que ninguém poderá ser discriminado com base em suas características genéticas de forma que viole ou tenha o efeito de violar os direitos humanos as liberdades fundamentais e a dignidade humana Atento a essas questões o Congresso dos Estados Unidos acaba de aprovar o Genetic Information Nondiscrimination Act que proíbe a discriminação de pessoas com base em seus dados genéticos pelos empregadores ou por parte das seguradoras Na exposição de motivos o novo diploma legal consigna que atualmente algumas anomalias genéticas são associadas a determinados grupos raciais ou étnicos sabendose também que certos indivíduos em virtude da conformação de seus genes estão mais propensos a desenvolver dadas enfermidades ensejando eventual discriminação ou estigmatização por aqueles que detêm tais informações101 101 CF httpwwwcongressorgcongressorgheadlinesttnews2 Acesso em 010508 ADI 3510 DF Entre nós a disciplina desse importantíssimo aspecto da Lei de Biosegurança foi relegado a um mero decreto complementado por instruções normativas das autoridades sanitárias regras por definição mutáveis ad libitum de seus editores sem qualquer intervenção dos representantes da cidadania congregados no Parlamento Mesmo assim cumpre registrar que o Decreto 5591 de 22 de novembro de 2005 em seu art 3º XIII o qual regulamenta dispositivos da Lei 111052005 prudentemente define os embriões inviáveis como aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré implantacional conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde que tiverem seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior de vinte e quatro horas a partir da fertilização in vitro ou com alterações que comprometam o pleno desenvolvimento do embrião 12 CRITÉRIOS PARA O USO DE EMBRIÕES CRIOPRESERVADOS O inciso II do art 5º também apresenta problemas do ponto de vista de sua constitucionalidade em especial quando examinado sob o prisma do princípio da isonomia estampado no art 5º II da Carta Magna o qual se arrima no postulado da dignidade da pessoa humana e tem como uma de suas vertentes o axioma da não ADI 3510 DF discriminação Sua interpretação há de fazerse no sentido que lhe dá Celso Antônio Bandeira de Mello ou seja o de um comando que determina que haja uma correlação lógica entre o elemento distintivo e o tratamento dispensado102 Mais especificamente se o tratamento diverso outorgado a uns for justificável por existir correlação lógica entre o fator de discrímen tomado em conta e o regramento que lhe deu a norma ou a conduta são compatíveis com o princípio da igualdade se pelo contrário inexistir esta relação de congruência lógica ou o que ainda seria mais flagrante se nem ao menos houvesse um fator de discrímen identificável a norma ou a conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade103 Na mesma linha ensina Canotilho que o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária explicitando que há uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica a não se basear num fundamento sério b não tiver um sentido legítimo e c estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável104 102 Cf MELLO Celso Antônio Bandeira de Compostura jurídica do Princípio de Igualdade In Revista de Direito Administrativo e Constitucional v 3 n 11 janmar 2003 p 27 103 Idem p 24 104 CANOTILHO JJ Gomes Direito Constitucional Coimbra Almedina 1991 p 577 ADI 3510 DF No caso sob exame o discrímem empregado pelo legislador para permitir a destruição de embriões a partir dos três anos de congelamento afigurase infundado sem sentido e destituído de justificativa razoável pois não há qualquer explicação lógica para conferirse tratamento diferenciado aos embriões tendo em conta apenas os distintos estágios de criopreservação em que se encontram Cuidase data venia de uma decisão arbitrária que como tal repugna ao Direito Com efeito a explicação que se colhe da resposta a essa questão apresentada no debate público levado a efeito nesta Suprema Corte a saber a de que tal prazo nada teria a ver com a viabilidade dos embriões mas constitui apenas um lapso temporal para que o casal tenha certeza se porventura quiser doar aqueles embriões para pesquisa105 Tal motivação ao que consta acolhida pelos legisladores apequenase e deslegitimase ante a informação de cientistas segundo a qual embriões com muito mais tempo de congelamento até mesmo após treze anos de criopreservação teriam logrado sobreviver hígidos e 105 Transcrição dos debates no STF pp 113 e 219220 ADI 3510 DF se transformado em crianças saudáveis depois de sua implantação no útero receptor106 Essa seríssima preocupação encontra guarida no item V 2 da Resolução do CFM que é taxativo ao estabelecer que o número total de préembriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes para que se decida quantos préembriões serão transferidos a fresco devendo o excedente ser criopreservado não podendo ser descartado ou destruído grifei A propósito em profundo e abrangente estudo sobre o tema que veio a lume em dezembro de 2005 a Comissão de Bioética de RheinlandPfaltz do Ministério da Justiça daquela unidade da Federação alemã recomendou aos legisladores que garantissem aos embriões que não pudessem ser implantados no útero das respectivas mães genéticas ou seja aos extranumerários como alternativa preferencial à sua destruição a chance de sobreviverem no corpo de uma mulher que se disponha a adotá los107 106 Idem p 223 107 Fortplanzungmedizin und Embryonenschutz Medizinische ethische und rechtliche Gesichspunkte zum Revisonsbedarf von Embryonenschutz und Stammzellgresets Bericht der BioethikKommission des Landes RheinlandPfaltz vom 12 Dezember 2005 pp 54 These 4 e 112 Empfelung 5 ADI 3510 DF O critério para a utilização de embriões criopreservados em pesquisas pois há de compatibilizarse com a definição de inviabilidade acima proposta Quer dizer enquanto tiverem potencial de vida ou por outra enquanto for possível implantá los no útero da mãe de que provieram os oócitos fertilizados ou no ventre de mulheres inférteis para as quais possam ser doados a destruição de embriões congelados a meu sentir afigurase contrária aos valores fundantes da ordem constitucional Quem deu azo à produção de embriões excedentes assepticamente denominados de extranumerários há de arcar com o ônus não só moral e jurídico mas também econômico quando for o caso de preservá los até que se revelem inviáveis para a implantação in anima nobi1e Nesse aspecto causa espécie do ponto de vista ético a lógica de cunho puramente voluntarista existente por detrás da resposta oferecida à pergunta por mim formulada quando da audiência pública realizada nesta Suprema Corte no tocante ao destino dos embriões congelados segundo a qual sua utilização nas pesquisas estaria sujeita ao exclusivo alvedrio dos assim chamados genitores108 O pragmatismo extremado de que se reveste tal solução pareceme deveras assustador Lembro a propósito a 108 Transcrição dos debates no STF p 219 ADI 3510 DF observação de Horkheimer acima transcrita para quem a ciência que entroniza a práxis separando o pensamento da ação já renunciou à humanidade Aliás esse tipo de ética fundada em critérios de utilidade que avalia a conduta humana com base apenas em seus resultados foi superiormente refutada por Kant já no século XVIII ao argumento de que o valor moral de uma ação não reside no efeito que dela se espera mas num bem supremo e incondicionado para o qual a vontade de um ser racional deve convergir109 Isso porque para o filósofo de Königsberg a utilidade constitui um predicado das coisas e não do homem que existe como um fim em si mesmo razão pela qual é defeso subordinálo como simples meio ao arbítrio de quem quer que seja110 Cumpre registrar por oportuno que alguns estudos recentes apontam para a possibilidade de extrairse uma ou duas células dos zigotos produzidos in vitro para a obtenção de célulastronco sem danificálos ou com um risco mínimo de que isso aconteça à semelhança do que ocorre com o diagnóstico pré 109 Cf KANT Immanuel Fundamental Principles of the Metaphysics of Morals New York Dover Publications 2005 p17 110 Idem pp 27 e segs ADI 3510 DF implantacional111 Caso tal método se revele efetivamente viável nada impede seja ele empregado em experimentos voltados à cura de doenças desde que observados os parâmetros éticos e legais pertinentes 13 NECESSIDADE DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO Também não se mostra compatível a meu ver com o postulado da dignidade humana o mero consentimento a simples anuência dos genitores isto é dos cedentes de material genético a que se refere o 1º do art 5º desacompanhada de maiores esclarecimentos e formalidades para viabilizar a realização de pesquisas com células embrionárias Isso porque atualmente as regras deontológicas que regem os experimentos com pessoas universalmente adotadas baseiamse na doutrina do consentimento livre e informado em atenção aos princípios da liberdade e da autonomia humanas o qual deve ser exteriorizado prévia e expressamente por todos aqueles que se submetem a cirurgias e procedimentos de risco ou experimentais que sejam doadores de órgãos e de tecidos ou que 111httpwwwnaturecomstemcells20070706070614fullstemcells200728htmle Acesso em 120508 ADI 3510 DF se sujeitam a pesquisas científicas112 Não basta pois para esse efeito um trivial sim um banal de acordo ou um singelo xis que alguns logravam e ainda logram extorquir dos ágrafos semiletrados ou hiposuficientes de outra natureza para fraudarlhes a vontade Aliás em se tratando de experimentos médicos de vanguarda observa Henning Rosenau o dever de informar há de ser ainda mais abrangente do que no caso de terapias padronizadas visto que implicam um risco ampliado cuja natureza e extensão pode não ser claramente compreendido a seu tempo113 É preciso que a pessoa da qual se pretende obter o consentimento esteja ciente e consciente de todas as conseqüências éticas jurídicas sociais e materiais que dele decorrerão bem como das possíveis alternativas além de estar absolutamente livre de quaisquer constrangimentos sejam eles físicos morais psicológicos ou econômicos E mais cumpre que o consentimento possa ser retirado ou reformulado a qualquer tempo sem nenhuma conseqüência para quem o deu 112 ROSENAU Henning Legal Prerequisites for Clinical Trials under the Revised Declaration of Helsinki and the European Convention on Human Rigths In European Journal of Health Law 7 105121 2000 113 Idem p 108 ADI 3510 DF É o que dispõe o art 16 2 da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos verbis A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio livre expresso e esclarecido consentimento do indivíduo envolvido A informação deve ser adequada fornecida de uma forma compreensível e incluir os procedimentos para a retirada do consentimento 0 consentimento pode ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer hora e por qualquer razão sem acarretar qualquer desvantagem ou preconceito As questões envolvidas no consentimento em se tratando de células embrionárias humanas como é evidente não são simples Vejase o que dispõe nesse sentido a Resolução do CFM no item V 3 sobre o tema No momento da criopreservação os cônjuges ou companheiros deverão expressar sua vontade por escrito quanto ao destino que será dado aos préembriões criopreservados em caso de divórcio doenças graves ou de falecimentos de um deles ou de ambos e quando desejam doálos É preciso portanto informar aos doadores de material genético com precisão e lealdade acerca do que ocorrerá com os embriões destinados às pesquisas bem como as possíveis alternativas à sua destruição inclusive a possibilidade de sua ADI 3510 DF doação a casais inférteis Russel Korobkin insuspeito defensor das pesquisas com célulastronco embrionárias humanas inclusive entende que os pesquisadores devem revelar eventuais interesses financeiros envolvidos nos experimentos que desenvolvem 114 T a i s e s c l a r e c i m e n t o s p o r p a r t e de médicos p e s q u i s a d o r e s i n s t i t u i ç õ e s e s e r v i ç o s de saúde assim como a a n u ê n c i a dos g e n i t o r e s a que s e r e f e r e a L e i s o b exame d e v e r ã o s e r e x t e r i o r i z a d o s sempre de maneira e x p l í c i t a e m e d i a n t e a t o f o r m a l 1 4 INDEPENDÊNCIA E PLURALISMO DOS COMITÊS DE ÉTICA Não s e m o s t r a também segundo p e n s o c o n v e n i e n t e e nem j u r í d i c o p e r m i t i r que p r o j e t o s de p e s q u i s a e d e t e r a p i a com c é l u l a s t r o n c o e m b r i o n á r i a s humanas sejam e x c l u s i v a m e n t e a p r o v a d a s p e l o s comitês de é t i c a d a s p r ó p r i a s i n s t i t u i ç õ e s e s e r v i ç o s de saúde r e s p o n s á v e i s p o r s u a r e a l i z a ç ã o a t e o r do que s u g e r e o 2 a do a r t 5 º a q u i a t a c a d o É que s e j a m e p e r m i t i d o o r e c u r s o a uma conhecida parêmia romana e com o devido r e s p e i t o que os c i e n t i s t a s merecem l u p u s non curat numerum ovium 114 Opcit p 165 a proper understanding of the autonomy principle underlying the doctrine of informed consent requires that they disclose their incentives to potential subjects so that those individuals may incorporate that information into their decision making process ADI 3510 DF Caso prevaleça essa orientação de muito pouca valia serão à evidência as recomendações exaradas na Resolução 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde para regular as atividades dos comitês de ética de um semnúmero de clínicas de fertilização assistida e institutos de pesquisa que proliferarão no País dentre os quais sobressairão apenas alguns poucos de indisputada idoneidade ligados a universidades e instituições médicas de maior renome Como se viu acima nos países desenvolvidos as pesquisas com célulastronco embrionárias humanas são rigorosamente controladas pelas autoridades Nesse sentido acrescento que no Reino Unido o Human Fertilization and Embriology Act admite as pesquisas com embriões subordinadoas todavia a severos controles Segundo a lei britânica qualquer projeto que envolva a criação o uso ou a conservação de embriões humanos criados por fertilização in vitro tem de ser autorizado pela Human Fertilization and Embriology Authority constituindo delito punido com pena de até dez anos de prisão a realização de experimentos sem as devida permissão115 115 Cf PLOMER Aurora Direito ética e política em relação à pesquisa com célulastronco no Reino Unido e nos Estados Unidos In MARTÍNEZ Julio Luis op cit p 128 ADI 3510 DF A Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos de seu turno cujos preceitos como já se disse o Brasil está obrigado a observar no tocante à tomada de decisões nesse campo estabelece no art 18 c que é preciso promover oportunidades para o debate público pluralista buscandose a manifestação de todas as opiniões relevantes E especificamente quanto aos comitês de ética consigna no art 19 que estes precisam ser independentes multidisciplinares e pluralistas Ademais devem ser instituídos mantidos e apoiados em nível adequado com o fim de i avaliar questões éticas legais científicas e sociais relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos ii prestar aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas iii avaliar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos formular recomendações e contribuir para a elaboração de diretrizes iv promover o debate a educação a conscientização do público e o engajamento com a bioética grifei Da experiência do direito comparado e da legislação internacional seguese que não é razoável nem conveniente permitir que os próprios interessados nas pesquisas tomem todas as ADI 3510 DF decisões nessa importante área da ciência segundo os seus próprios desígnios sem a fiscalização das autoridades públicas e de representantes da comunidade 15 PARTE DISPOSITIVA DO VOTO Em face de todo o exposto pelo meu voto julgo procedente em parte a presente ação direta de inconstitucionalidade para sem redução de texto conferir a seguinte interpretação aos dispositivos abaixo discriminados com exclusão de qualquer outra i art 5º caput as pesquisas com célulastronco embrionárias somente poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo após o início do processo de clivagem celular sobejantes de fertilizações in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de zigotos estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres inférteis ii inc I do art 5º o conceito de inviável compreende apenas os embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período ADI 3510 DF superior a vinte e quatro horas contados da fertilização dos oócitos iii inc II do art 5º as pesquisas com embriões humanos congelados são admitidas desde que não sejam destruídos nem tenham o seu potencial de desenvolvimento comprometido iv 1º do art 5º a realização de pesquisas com as célulastronco embrionárias exige o consentimento livre e informado dos genitores formalmente exteriorizado v 2º do art 5º os projetos de experimentação com embriões humanos além de aprovados pelos comitês de ética das instituições de pesquisa e serviços de saúde por eles responsáveis devem ser submetidos à prévia autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados na Lei 11105 de 24 de março de 2005 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO Eros Grau Acompanhei atentamente a leitura do voto do relator e agora o voto do Ministro Carlos Alberto Direito da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Lewandowski O espaço de tempo que passou desde o voto do Ministro Carlos Britto permitiunos ponderar prudentemente argumentos bem assim o acesso a textos e esclarecimentos isentos de emoção O pedido de vista feito pelo Ministro Carlos Alberto Direito foi sábio Sem esse espaço de tempo necessário ao exercício da reflexão própria à phronesis eu não teria logrado alinhar as razões que conformam o voto que passo a formular O tempo é indispensável ao exercício da prudência ainda que isso cause transtorno aos interessados mais estouvados Consumiremos na prolação de nossos votos as horas necessárias ao correto desempenho do nosso ofício Nobre ofício em especial quando diante de matéria dotada de complexidade qual a de que ora cogitamos Não há nem deve haver limitação de tempo para a prolação de nossos votos Estou certo de que falo neste momento por toda a Corte que aqui está para prestar acatamento à Constituição não à comodidade dos interessados Tenho reiteradamente insistido em que o intérprete do direito não se limita a compreender textos que participam do mundo do dever ser há de interpretar também a realidade os movimentos dos fatores reais do poder compreender o momento histórico no qual as normas da Constituição e as demais infraconstitucionais são ADI 3510 DF produzidas vale dizer o momento da passagem da dimensão textual para a dimensão normativa Forças sociais manifestaramse intensamente de modo mesmo impertinente algumas delas em relação à matéria objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade Estou convencido de que ao contrário do que se afirmou mais de uma vez o debate instalado ao redor do que dispõe a Lei n 11105 não opõe ciência e religião porém religião e religião Alguns dos que assumem o lugar de quem fala e diz pela Ciência são portadores de mais certezas do que os líderes religiosos mais conspícuos Portamse alguns deles com arrogância que nega a própria Ciência como que supondo que todos inclusive os que cá estão fossernos parvos Como todas as academias de ciência são favoráveis às pesquisas de que ora se cuida já está decidido Nada mais teríamos nós a deliberar Mesmo porque a imaginar que as impedíssemos estaríamos a opor obstáculo à cura imediata de doenças A promessa é de que declarada a constitucionalidade dos preceitos ora sindicados algumas semanas ou meses após todas as curas serão logradas Típica indução a erro mediante artifício retórico É necessário sopitarmos as expansões de infalibilidade de quem substitui a razão científica por inesgotável fé na Ciência transformandoa em expressão de fanatismo religioso Nem seria preciso no exercício da prudência que nos cabe levantarmos o véu que algo oculta sob o discurso que se diz ser científico Quais interesses aí se manifestam na escala que vai das patentes até o biopoder Há um tom críptico nessas expansões e faço uso aqui do vocábulo com toda a sua carga de ambigüidade que cumpre afastarmos ADI 3 510 DF A amplitude do mercado no âmbito do qual tais interesses predominam referiuse há pouco o Ministro Ricardo Lewandowski Não nos iludamos levantado o véu o que há sob ele não obstante é verdade as melhores intenções de grande número dos que acompanham este julgamento é o mercado 2 A esta Corte incumbe no caso controlar a constitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei n 1110505 Estamos preparados para decidir a esse respeito A decisão que vier a ser aqui afirmada será conformada pelas précompreensões de cada um dos seus membros pois a compreensão escapa ao âmbito da ciência O compreender é algo existencial consubstanciando experiência O que se compreende no caso da interpretação do direito é um objeto que não pode ser conhecido independentemente de um sujeito 0 processo de interpretação dos textos normativos encontra na précompreensão seu momento inicial a partir do qual ganha dinamismo um movimento circular que compõe o círculo hermenêutico Decidiremos sob sentimentos herdados da nossa história pessoal sentimentos éticos e mais ainda em cada um de modo diverso de ordem religiosa para afirmar ou negar Porém a fundamentação da decisão contemplada em cada voto será literalmente jurídica Sopitamos as expansões de infalibilidade atentos às observações de Gadamer toda interpretação correta tem de proteger se contra a arbitrariedade das ocorrências e contra a limitação dos hábitos imperceptíveis do pensar orientando seu olhar à coisa mesma que para o filólogo são textos com sentido que por sua vez tratam de coisas o deixarse determinar pela coisa mesma é assim a tarefa primeira constante e última do intérprete Protegido contra todas as arbitrariedades retóricas e as demais de ordem múltipla e variada especialmente as ADI 3 510 DF criptoeconômicas deixome determinar pela matéria objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade o direito à vida e a dignidade da pessoa humana arts 1º I I I e 5º caput da Constituição do Brasil 3 O artigo 1º da Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas 1 estabelece que as pessoas considerãose como nascidas apenas formadas no ventre materno a Lei lhesconserva seus direitos de sucessão para o tempo do nascimento2 O novo Código Civil brasileiro define em seu artigo 2º que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro A proteção ao nascituro era já assegurada pelo direito justinianeu No Brasil prevista nas Ordenações Filipinas 3 e Afonsinas4 foi definitiva e expressamente consagrada no a r t 4 do Código Civil de 1916 Recorro a Clóvis5 Realmente se o nascituro é considerado sujeito de direito se a l e i civil lhe confere um curador se a lei criminal o protege comminando penas contra a provocação do aborto a lógica exige que se lhe reconheça o caráter de pessoa 1 Typographia Universal de Laemmert Rio de Janeiro 1957 2 Reproduzo a ortografia do o r i g i n a l 3 Livro I I I Título 18 7 4 Livro I I I Título 36 7 5 Citado por CARVALHO SANTOS in Código Civil b r a s i l e i r o interpretado c i t pág 246 ADI 3510DF O nascituro não apenas é protegido pela ordem jurídica a sua dignidade humana preexistindo ao fato do nascimento mas é também titular de direitos adquiridos Diz Pontes de Miranda6 No intervalo entre a concepção e o nascimento os direitos que se constituíram têm sujeito apenas não se sabe qual seja Os nascituros podem receber doações art 542 do Código Civil figurar em disposições testamentárias art 1799 do Código Civil e mesmo ser adotados art 1621 do Código Civil 4 A ele assegurados direitos não tenho dúvida em afirmar que o nascituro vale dizer o embrião apenas formado no ventre materno é pessoa Como está no artigo 16 do Esboço de Teixeira de Freitas7 todos os entes suscetíveis de aquisição de direitos são pessoas A capacidade de exercício de direitos que lhe respeitam enquanto personalidade jurídica apenas está sujeita à condição suspensiva do nascimento de modo que qual se lê em um texto de Cristiane Avancini Alves8 o vocábulo pessoa presente no artigo 2º do Código Civil denota ser humano O nascituro vale dizer o embrião faz parte do gênero humano Recomendese aos publicistas que não transitam pelo direito privado também a leitura v g do artigo 1798 do Código Civil 1egitimamse a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão O embrião insisto neste ponto faz parte do gênero humano já é uma parcela da humanidade Daí que a proteção da sua dignidade é garantida pela Constituição que lhe assegura ainda o 6 Tratado de direito privado tomo I Campinas Bookseller 1999 p 234 7 Código Civil Esboço Ministério da Justiça Brasília 1983 pág 9 8 Embrião humano proposição de um estatuto jurídico no direito privado brasileiro in Novos direitos Mauro Nicolau Júnior org Juruá Curitiba 2007 pp 80 e SS ADI 3510DF direito à vida A autonomia do embrião manifestase de maneira especial na medida em que sua única opção é nascer Mas é autonomia Há no aborto destruição da vida 5 Bastam as razões que acabo de alinhar para encaminhar a conclusão de que a utilização de célulastronco obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento afronta o direito à vida e a dignidade da pessoa humana Não tenho a menor dúvida a pesquisa em e com embriões humanos e conseqüente destruição afronta o direito à vida e a dignidade da pessoa humana Temo contudo que essas razões não conduzam à convicção de que os textos normativos objeto da presente ação direta sejam inconstitucionais Explicome 6 O nome embrião conota no contexto da frase que acabo de pronunciar a pesquisa em e com embriões humanos afronta o direito à vida e a dignidade da pessoa humana um ser em processo de desenvolvimento vital vale dizer um ser vivente vida movimento Sucede que esse mesmo nome embrião poderá em diversos contextos estar a conotar outros significados pois as palavras são potencialmente ambíguas e imprecisas É que as linguagens consubstanciam sistemas ou conjuntos de símbolos convencionais isso importando em não exista nenhuma relação necessária entre as palavras de um lado e os objetos circunstâncias fatos ou acontecimentos de outro em relação aos quais as palavras cumprem suas múltiplas funções Há mais de vinte ADI 3510DF anos9 venho referindo para exemplificar o que diz Shakespeare na voz poética de Julieta Whats in a name That wich we call a rose by any other name would smell as sweet10 Nomina non sunt conseguentia rerum de modo que a mesma palavra conota em contextos diversos sentidos distintos O significado de cada uma delas há de ser discernido sempre no quadro do jogo de linguagem no qual elas apareçam Dizendoo de outro modo no seu contexto de uso 7 O vocábulo embrião aponta em estado de dicionário ser humano durante as primeiras semanas de desenvolvimento intra uterino Não obstante nada impede dele se lance mão com menor precisão deliberadamente ou não de forma imprecisa ou em sentido figurativo No contexto do artigo 5º da Lei n 1110505 embrião é óvulo fecundado fora de um útero A partir desses óvulos fecundados fertilizados in vitro é que são obtidas as célulastronco embrionárias referidas no preceito leal Para logo se vê destarte que aí no texto legal embrião não corresponde a um ser em processo de desenvolvimento vital em um útero Embrião é aí no texto legal óvulo fecundado congelado isto é paralisado à margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo Lembrese de que vida é movimento Nesses óvulos fecundados não há ainda vida humana Nos embriões tomo o vocábulo em sentido corrente sim neles há processo vital em curso O embrião é o que é porque 9 Vide meu Direito conceitos e normas jurídicas Editora Revista dos Tribunais São Paulo 1988 pág 57 Retomei o exemplo em meu Ensaio e discurso sobre a interpretaçãoaplicação do direito 4º edição Malheiros Editores São Paulo 2006 pág 222 10 Ato II cena II ADI 3 510DF abrigado em um útero A palavra grega ethos de onde provem pelo latim ética porta entre outros sentidos o de estadia habitual local familiar morada como se pode ver no Dicionário Grego de Bailly11 Daí diremos exercendo liberdade de imagem de que o filólogo não dispõe desde o ponto de vista da raiz do vocábulo ética que o útero é a morada da vida e que apenas no âmbito desta morada que é o local familiar do embrião surge efetivamente a vida É lá que se dá e só lá a necessária estadia da vida anterior ao nascimento 8 Não há vida humana no óvulo fecundado fora de um útero que o artigo 5 da Lei n 1110505 chama de embrião A vida estancou nesses óvulos Houve a fecundação mas o processo de desenvolvimento vital não é desencadeado Por isso não tem sentido cogitarmos em relação a esses embriões do texto do artigo 5º da Lei n 1110505 nem de vida humana a ser protegida nem de dignidade atribuível a alguma pessoa humana 9 Dirseá ainda por outro lado que o topos da dignidade da pessoa humana pode ser tomado para afirmarmos coisas distintas inclusive antagônicas Mas uma delas seria assim a utilização de óvulo fecundado congelado há mais de três anos com a prévia autorização dos que viriam a serem pais do embrião que poderia dele decorrer é adequada à afirmação da dignidade da pessoa humana na medida em que potencialmente permitirá a evolução dos métodos de tratamento médico do ser humano e o aprimoramento da sua qualidade de vida Dictionnaire arec francais Hachette Paris ADI 3510 DF 10 A linha de raciocínio jurídico que venho desdobrando levame a concluir pela constitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei n 1110505 Mas isso não se deve afirmar de modo singelo sem qualquer outra consideração Cumpre a esta Corte enfatizar a circunstância de pesquisa e terapia a que refere esse artigo 5º não poderem em coerência com a Constituição ser praticadas de modo irrestrito A ela se impõe estabelecer alguns limites Seja para que se impeça a manipulação genética seja para que não se abra um precedente na decisão que aqui vier a ser tomada para o aborto Há nítida distinção entre a destruição da vida no aborto e o que pode vir a ser a construção da vida na pesquisa em torno das células tronco Essa construção há de ser empreendida com enorme cautela além do que esse artigo 5º deixa em aberto questões cuja solução à margem dele poderá resultar incompatível com a ordem jurídica concreta instalada pela nossa Constituição 11 Não nos cabe senão o controle da constitucionalidade das leis Tenho reagido incisivamente a qualquer experiência de controle da proporcionalidade ou razoabilidade delas à prática das quais não estamos habilitados E também não nos cabe a censura do legislador salvo nos casos em que a constitucionalidade de qualquer ato normativo estiver em pauta O fato no entanto é que a amplitude da permissão veiculada pelos preceitos que se examina no bojo da presente ADI permissão concedida sob mínimas reservas incompatibilizaa com o bloco de constitucionalidade delineado pelo Supremo Tribunal Federal no quanto tem decidido no conjunto de suas deliberações em termos de atribuição de força normativa à Constituição Pois a Constituição ADI 3 5 1 0 D F do Brasil não é apenas o conjuntosistema de normas situado na pirâmide de hierarquia das normas imediatamente abaixo da norma fundamental A Constituição do Brasil é a representação mais elevada no plano do direito positivo de uma ordem concreta anterior ao direi to pos to pelo Estado ordem concreta que arranca de um direito pressuposto e expressa a visibilidade de um nomos Daí que o caráter aberto da ação direta de inconstitucionalidade nos autorizaria a declarar a inconstitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei n 11105 por afronta à totalidade normativa que a Constituição é ou em outros termos por agressão ao bloco de constitucionalidade ao qual linhas acima referi 0 risco da manipulação genética o temor de que estejamos próximos à completa reificação da vida posta à mercê dos desígnios e princípios sem princípios do mercado isso nos conduziria à declaração dessa inconstitucionalidade 12 Não é recomendável contudo que tais riscos sejam dessa forma combatidos A prudência indica dêse ao mal o tratamento a que Tomás de Aquino faz alusão na Segunda Parte da Segunda Parte questão 10 artigo 11 da Suma Teológica12 ao cuidar dos ritos dos infiéis O governo humano deriva do governo divino e o deve imitar Deus porém ainda que seja onipotente e sumamente bom permite que aconteçam alguns males no universo que poderia impedir para que não suceda que uma vez supressos suprimamse também grandes bens ou sigamse males piores Assim também no governo humano os que governam toleram com razão certos males para que alguns bens não sejam impedidos ou não sucedam males piores como diz Agostinho Suprime as meretrizes da sociedade humana e perturbarás tudo com a libidinagem Assim pois ainda que os infiéis pequem em seus ritos 12 Volume V Edições Loyola São Paulo 2004 pág 173 ADI 3 510 DF eles podem ser tolerados ou por causa do bem que deles provém ou por algum mal evitado O mal no caso e digo mal entre aspas esse mal a amplitude da permissão veiculada pelo preceito legal há de ser combatido mediante a prolação por esta Corte de decisão aditiva visando a superar a incompletude o vocábulo está incorporado ao vernáculo do artigo 5º e parágrafos da Lei n 1110505 Notese bem que a decisão aditiva acrescenta novo sentido normativo à lei a fim de que determinado preceito legal seja depurado adequado aos padrões da constitucionalidade A esta Corte não cabe acrescentar nada à Constituição como já se fez indevidamente digoo com as vênias de estilo ainda que não espontâneas ainda que não partam do meu íntimo como indevidamente foi feito no julgamento do MS 26602 A decisão aditiva incorpora preceito novo à legislação infraconstitucional para salvandoa de inconstitucionalidade mantêla em coerência com o bloco de constitucionalidade Algo é acrescentado ao preceito legal a Constituição permanecendo intocada intocável Ao contrário porque a decisão aditiva como que captura o preceito legal trazendoo para o âmbito da constitucionalidade a força normativa da Constituição é afirmada nessas decisões Declaro a constitucionalidade do disposto no artigo 5º e parágrafos da Lei n 1110505 estabelecendo no entanto em termos aditivos os seguintes requisitos a serem atendidos na aplicação dos preceitos ADI 3510 DF i pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo 5º serão empreendidas unicamente se previamente autorizadas por comitê de ética e pesquisa do Ministério da Saúde não apenas das próprias instituições de pesquisa e serviços de saúde como disposto no 2º do artigo 5º ii a fertilização in vitro referida no caput do artigo 5º corresponde à terapia da infertilidade humana adotada exclusivamente para fim de reprodução humana em qualquer caso proibida a seleção genética admitindose a fertilização de um numero máximo de quatro óvulos por ciclo e a transferência para o útero da paciente de um número máximo de quatro óvulos fecundados por ciclo a redução e o descarte de óvulos fecundados são vedados iii a obtenção de célulastronco a partir de óvulos fecundados ou embriões humanos produzidos por fertilização na dicção do artigo 5o caput será admitida somente quando dela não decorrer a sua destruição salvo quando se trate de óvulos fecundados inviáveis assim considerados exclusivamente aqueles cujo desenvolvimento tenha cessado por ausência não induzida de divisão após período superior a vinte e quatro horas nessa hipótese poderá ser praticado qualquer método de extração de célulastronco 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA Senhor Presidente como já ficou amplamente assentado na sessão precedente e nesta sessão discutese no presente caso a permissão para a pesquisa cientifica a partir da utilização de célulastronco embrionárias na forma estabelecida no art 5o da lei de Biossegurança lei federal 111012005 Delimito assim a questão posta nos autos porque não vejo a discussão sob a perspectiva de uma eventual fixação por esta Corte do momento do inicio da vida Como ficou demonstrado nos autos e nos debates nem mesmo a ciência está apta a afirmar com precisão o momento exato em que a vida se inicia ou ainda que há vida E creio que a eventual definição desse momento biológico por si só não seria suficiente para solucionar adequadamente a importante questão posta nos autos que se restringe à possibilidade de utilização de célulastronco embrionárias em pesquisas cientificas no Brasil Com efeito o ponto nodal da presente ação direta a meu sentir consiste em verificar se a exceção legal à tutela conferida ao direito à vida pela nossa Constituição Federal de ADI 3510 DF 1988 é legítima Em outras palavras se a opção do legislador ordinário consubstanciada no art 5o da lei 111052006 está ou não em consonância com os ditames da Constituição Federal Conforme acentuei em outra oportunidade a tutela da vida humana experimenta graus diferenciados As diversas fases do ciclo vital desde a fecundação do óvulo com a posterior gestação o nascimento o desenvolvimento e finalmente a morte do ser humano recebem do ordenamento regimes jurídicos diferenciados Não é por outra razão que a lei distingue inclusive com penas diversas os crimes de aborto de infanticídio e de homicídio HC 84025 Em outras palavras segundo nosso ordenamento jurídico o direito à vida e a tutela do direito à vida são dois aspectos de um mesmo direito o qual como todo direito fundamental não é absoluto nem hierarquicamente superior a qualquer outro direito fundamental Por essa razão insisto não é o caso de se tentar delimitar aqui quando a vida tem início Cumpre sim verificar se a exceção á tutela ao direito à vida tal como disposta no art 5o da lei 111052006 ora atacado atende aos princípios estabelecidos na Constituição Federal del988 E a resposta a meu sentir é positiva Em primeiro lugar no que se refere ao dispositivo objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade ADI 3510 DF objetivo da lei é bem claro regulamentar a pesquisa científica que utiliza célulastronco embrionárias Essa lei conforme amplamente demonstrado nos autos e na audiência pública realizada em 2007 sobre o tema foi fruto de debate social no âmbito próprio de discussão de questões dessa natureza que é o Congresso Nacional Este ao ponderar entre as várias faces de um mesmo direito o direito à vida optou por aquela que alia a proteção da vida num sentido mais amplo e coletivo com o desenvolvimento cientifico dentro de determinadas balizas Esclareço a finalidade da lei foi regulamentar e permitir o uso de célulastronco embrionárias em pesquisas científicas Pesquisas estas que buscam tratamento e cura para inúmeras doenças hoje tidas por incuráveis Há milhares de pessoas no Brasil que sofrem dessas doenças e que poderiam ter uma qualidade de vida melhor ou mesmo poderiam ter de volta sua saúde se médicos e cientistas através de pesquisas sérias utilizando também célulastronco embrionárias puderem ter a oportunidade de encontrar tratamentos eficazes para essas doenças Contudo descobrir novas formas de tratamento exige trabalho árduo dedicação perseverança enfim exige tempo e recursos para pesquisa A ciência não traz respostas rápidas Entender o processo de formação do ser humano é tarefa hercúlea ADI 3510 DF a ser desenvolvida por grupos de todos os povos e em todos os lugares do mundo em prol de toda a humanidade Os estudos existentes a respeito das célulastronco embrionárias e de sua potencialidade são recentes e aparentemente promissores Em outros termos temos de um lado a tutela dos direitos do embrião fruto de técnicas de fertilização in vitro inviáveis ou congelados por desinteresse dos genitores em implantálos no útero e de outro o direito à vida de milhares de crianças adultos e idosos portadores das mais variadas doenças ainda sem tratamento e sem cura Nessa ponderação de valores referentes ao mesmo principio inviolabilidade da vida o legislador brasileiro deu primazia à vertente apta a trazer benefícios de expressão coletiva de preservação do direito à vida num espectro mais amplo levando em consideração toda a sociedade beneficiária direta dos futuros resultados dessas pesquisas Em segundo lugar é importante que se diga o dispositivo impugnado traz apenas uma permissão para que se utilizem célulastronco embrionárias decorrentes de processos de fertilização in vitro em pesquisas cientificas Tratase portanto de uma faculdade outorgada por lei a todas as pessoas E essa permissão legal é rigorosamente condicionada à conjugação ADI 3510 DF de três fatores 1 que se trate de embrião inviável ou embrião congelado há mais de três anos 2 que haja o consentimento expresso dos genitores e 3 que a doação seja gratuita proibição da venda de embriões Ademais o art 24 da lei 111052005 criminaliza a utilização de embriões humanos em desacordo com o que dispõe o artigo 5o da mesma lei ora atacado Da análise do texto legal portanto resulta cristalino que não é todo e qualquer embrião que poderá ser objeto de pesquisa cientifica assim como não há obrigação alguma a que os genitores doem os seus embriões para a pesquisa E o mais importante é terminantemente vedada a criação de embriões destinados à pesquisa Nesse ponto creio que a lei respeita três primados fundamentais da República Federativa do Brasil inseridos na Constituição Federal a laicidade do Estado Brasileiro art 19 I da CF88 traduzida também no respeito à liberdade de crença e religião art 5 VI o respeito à liberdade na sua vertente da autonomia privada art 5o caput e o respeito à liberdade de expressão da atividade intelectual e científica art 5o IX Com efeito como sabemos com a instalação da República firmouse entre nós a separação entre a Igreja e o ADI 3510 DF Estado através do Decreto de 7 de janeiro de 1890 e em seguida com a Constituição de 1891 Na Constituição de 1988 o artigo 19 I estabelece que Art 19 É vedado à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municipios I estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionálos embaraçarlhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público Ademais o artigo 5o VI da Constituição de 1988 garante a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos Assim convivem em nossa sociedade os mais diversos credos e práticas religiosas E todos os praticantes e seguidores das mais diversas religiões têm o direito de ver suas convicções religiosas respeitadas Por outro lado e valendome das palavras de Daniel Sarmento entendo que a autonomia privada representa um dos componentes primordiais da liberdade tal como vista pelo pensamento jurídicopolítico moderno Esta autonomia significa o poder do sujeito de autoregulamentar seus próprios i n t e r e s s e s de autogoverno de uma esfera jurídica e tem como matriz a concepção de ser humano como agente moral dotado de razão ADI 3510 DF capaz de decidir o que é bom ou ruim para si e que deve ter liberdade para guiarse de acordo com estas escolhas desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores relevantes da comunidade Ela importa o reconhecimento que cabe a cada pessoa e não ao Estado ou a qualquer outra instituição pública ou privada o poder de decidir os rumos de sua própria vida desde que isto não implique em lesão a direitos alheios Esta é uma idéia essencial ao princípio da dignidade da pessoa humana que na expressão de Canotilho baseiase no princípio antrópico que acolhe a idéia prémoderna e moderna da dignitashominis pico della Mirandola ou seja do indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projecto espiritual A conjugação da laicidade do Estado e do primado da autonomia privada conduz a uma importante conclusão os genitores dos embriões produzidos por fertilização in vitro têm a sua liberdade de escolha ou seja a sua autonomia privada e as suas convicções morais e religiosas respeitadas pelo dispositivo ora impugnado Ninguém poderá obrigálos a agir de forma contrária aos seus interesses aos seus sentimentos às suas idéias aos seus valores à sua religião e à sua própria convicção acerca do momento em que a vida começa Preservamse ADI 3510 DF portanto a esfera íntima reservada à crença das pessoas e o seu sagrado direito à liberdade A meu sentir portanto a regulamentação do uso das célulastronco embrionárias mediante uma lei que preserva a autonomia privada dentro de parâmetros objetivos prédefinidos não padece do vicio de inconstitucionalidade argüido Muito pelo contrário tendo em vista a gravidade da utilização de embriões humanos em pesquisas cientificas ou pesquisas de qualquer outra natureza é imprescindível que o legislador estabeleça os parâmetros adequados à proteção da autonomia privada e ao desenvolvimento responsável da ciência no país mediante mecanismos eficazes de fiscalização dessas pesquisas Nesse sentido o dispositivo atacado concretiza o princípio da liberdade de expressão da atividade científica que consiste nas palavras de José Afonso da Silva na atividade destinada a construir ciência tomado o termo no sentido da disciplina do espírito que estabelece resultados e princípios rigorosos segundo as regras da causalidade ou oposição à Arte que executa suas criações sob o império da livre inspiração e da disciplina do espírito que se infere num sistema de verdades gerais verificáveis utilizando hipóteses como proposições provisoriamente necessárias para orientar as investigações ADI 3510 DF Gostaria de lembrar ainda que muitos países vêm enfrentando ou já enfrentaram essa questão da pesquisa com célulastronco embrionárias A Inglaterra inicialmente regulamentou o tema através do Human Fertilization and Embryology Act 1990 Chapter 37 permitindo a pesquisa científica utilizando embriões com até 14 dias2 Na França em 1994 o Conselho Constitucional foi chamado a apreciar a constitucionalidade da Loi relative au respect du corps humain e da Loi relative au don et à lutilisation des éléments et produits du corps humain à lassistance médicale à la procréation et au diagnostic prénatal e considerou ambas compatíveis com a Constituição do país i 1 Comentário Contextual à Constituição p 9899 2 Activities governed by the Act 3 Prohibitions in connection with embryos 1 No person shall a bring about the creation of an embryo or b keep or use an embryo except in pursuance of a licence 2 No person shall place in a woman a a live embryo other than a human embryo or b any live gametes other than human gametes 3 A licence cannot authorise a keeping or using an embryo after the appearance of the primitive streak b placing an embryo in any animal lc keeping or using an embryo in any circumstances in which regulations prohibit its keeping or use or d replacing a nucleus of a cell of an embryo with a nucleus taken from a cell of any person embryo or subsequent development of an embryo 4 For the purposes of subsection 3 a above the primitive streak is to be taken to have appeared in an embryo not later than the end of the period of 14 days beginning with the day when the gametes are mixed not counting any time during which the embryo is stored ADI 3510 DF A Espanha através da lei 452003 que entrou em vigor em 2005 passou a permitir a doação de embriões excedentes para pesquisas cientificas desde que haja o consentimento dos genitores Disposición final primera A Bélgica regulamentou o tema em 11 de maio de 2003 permitindo a pesquisa com embriões decorrentes de processos de fertilização in vitro desde que a pesquisa tenha um objetivo terapêutico ou vise ao avanço dos conhecimentos em matéria de fertilidade de esterilidade de greffes dorgane ou de tissus de prevenção ou tratamento de doenças que seja baseada nos mais recentes conhecimentos científicos e satisfaça às exigências de uma metodologia correta de pesquisa cientifica que seja feita dentro de um laboratório ligado a um programa universitário de medicina reprodutiva ou genética humana e dentro de circunstâncias materiais e técnicas adaptadas que seja realizada sob a supervisão de um médico especialista ou um doutor em ciências e por pessoas qualificadas que seja realizada com embriões que tenham até 14 dias de desenvolvimento periodo de congelamento não incluído e que não exista outro método de pesquisa alternativa de eficácia comparável art 3 o ADI 3510 DF De todo modo é p r o i b i d a a c r i a ç ã o de embriões in vitro p a r a f i n s de p e s q u i s a a r t 4 3 A Suíça também regulamentou o tema em 2003 a t r a v é s da Loi f é d é r a l e r e l a t i v e à l a recherche sur l ê s c e l l u l e s souches embryonnaires LRCS Em seu a r t i g o 3 o a l e i p r o í b e a produção de embriões p a r a f i n s de p e s q u i s a Enfim e s s e s são apenas alguns exemplos c o l h i d o s do d i r e i t o comparado que demonstram a preocupação dos p a í s e s europeus com a p e s q u i s a envolvendo c é l u l a s t r o n c o e m b r i o n á r i a s Vêse que as l e g i s l a ç õ e s e s t r a n g e i r a s têm ao menos t r ê s pontos 3 Art 3 La recherche sur les embryons in vitro est autorisée si toutes les conditions de la présente loi sont remplies et notamment si 1º elle a un objectif thérapeutique ou vise lavancement des connaissances en matière de f e r t i l i t é de s t é r i l i t é de greffes dorgane ou de tissus de prévention ou de traitement de maladies 2 elle est basée sur les connaissances scientifiques les plus récentes et satisfait aux exigences dune méthodologie correcte de la recherche scientifique 3 elle est effectuée dans un laboratoire agréé lié à un programme universitaire de soins de médecine reproductive ou de génétique humaine et dans les circonstances matérielles et techniques adaptées la recherche décrite dans les programmes de soins de la médecine reproductive non universitaire ne peut être exécutée quaprès la conclusion dune convention sinscrivant dans un programme de soins de la médecine reproductive universitaire cette convention prévoit que lavis tel que décrit à 1 article 7 est rendu par le comité local déthique de linstitution universitaire 4 elle est réalisée sous le contrôle dun médecin spécialiste ou dun docteur en sciences et par des personnes possédant les qualifications requises 5 elle est exécutée sur un embryon au cours des 14 premiers jours du développement période de congélation non incluse 6 il nexiste pas de méthode de recherche alternative ayant une efficacité comparable Art 4 1er La constitution des embryons in vitro à des fins de recherche est interdite sauf si lobjectif de la recherche ne peut être atteint par la recherche sur les embryons surnuméraires et pour autant que les conditions de la présente loi soient remplies ADI 3510 DF embriões sejam utilizados em pesquisas que visem ao bemcomum o segundo que sejam utilizados apenas embriões excedentes dos processos de fertilização in vitro o que em outras palavras significa a proibição de que sejam criados embriões para este fim e por último que haja o consentimento expresso dos genitores Nessa ordem de idéias pareceme que a legislação brasileira segue os critérios mínimos que têm sido exigidos por outros países que permitem a pesquisa envolvendo célulastronco embrionárias Ademais creio que a existência de autorização expressa para pesquisa em diversos países no mundo certamente nos levará mais cedo ou mais tarde a outro dilema ético se o Brasil proibir a pesquisa com essas célulastronco poderemos futuramente admitir que os tratamentos derivados de pesquisas feitas em outros países sejam aplicados no país Em outras palavras não aceitaremos que os embriões brasileiros dentro dos limites objetivos fixados na lei de biossegurança sejam objeto de pesquisa no país por ofensa ao direito à vida mas aceitaremos no futuro os tratamentos que podem beneficiar milhares de pessoas decorrentes de pesquisas feitas com embriões de outras nacionalidades ADI 3510 DF Por fim julgo importante fazer uma última observação lateral A pesquisa envolvendo seres humanos sejam eles embriões fetos bebês crianças adultos ou idosos deve ser pautada pelos mais rigorosos critérios tanto no momento em que a pesquisa é autorizada como durante o desenvolvimento dos trabalhos No direito comparado o papel de fiscalização das pesquisas com seres humanos é desempenhado com qualidade pelos Comitês ou Conselhos de Bioética órgãos multidisciplinares compostos por diversos integrantes da sociedade cuja missão é avaliar autorizar e fiscalizar as pesquisas envolvendo seres humanos Sem um Conselho ou Comitê sério e responsável comprometido com a preservação da sociedade e o desenvolvimento da ciência correse o risco da banalização da pesquisa envolvendo seres humanos Vivemos um momento histórico da mais ampla significação e não digo isso apenas em relação a este julgamento De fato a evolução da humanidade era seus múltiplos aspectos requer respostas éticas diferentes dos modelos outrora construidos sobre teorias filosóficas teológicas e cientificas fundamentadas numa visão de mundo e de ser humano agora aparentemente ultrapassada Ultrapassada não porque eram teorias ruins mas porque a sociedade evoluiu e surgiram questionamentos para os quais elas não se aplicam a contento ADI 3510 DF Assim o melhor caminho para a proteção do direito à vida em seus diversos e diferentes graus é uma legislação consciente e a existência de órgãos dotados de competência técnica e normativa para implementála fiscalizando efetivamente a pesquisa cientifica no país A proibição tout court da pesquisa no presente caso significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e para os eventuais benefícios que dele podem advir bem como significa dar uma resposta ética unilateral para uma problemática que envolve tantas questões éticas e tão diversas áreas do saber e da sociedade Essa Corte em de seu papel de guardiã da Constituição Federal e dos direitos e garantias fundamentais tem o dever de proteger a democracia a liberdade de crença religiosa e a liberdade de investigação científica A meu sentir pedindo vénia aos que pensam de maneira diferente creio que a permissão para a pesquisa cientifica tal como disposta na lei ora atacada não padece de inconstitucionalidade Do exposto senhor Presidente acompanho o brilhante voto do ministro Relator e daqueles que o acompanharam e julgo totalmente improcedente o pedido 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL VOTO O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO 1 Está a Corte diante da delicada e grave tarefa de decidir se deve mantida à luz da Constituição da República a autorização dada pela Lei nº 11105 de 24 de março de 2005 no art 5s e para fins de pesquisa e terapia sob determinadas condições ao uso de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro Alega a demandante a ProcuradoriaGeral da República em substância que tal autorização violaria o direito à vida e à dignidade da pessoa humana objetos respectivos do art 5a caput e do art 1 a inc Ill da Constituição Federal A gravidade e a delicadeza da tarefa vêm não apenas da já em si algo complexa questão jurídicoconstitucional da causa mas também do conflito que lhe subjaz de opiniões sobre os progressos e expectativas da engenharia genética e das técnicas de fertilização artificial de um lado e de outro das justas inquietações que despertando a temática em relação à dignidade da pessoa humana e ao futuro da humanidade evocam como ADI 3510DF paradigma perturbador do potencial escatológico da tecnologia1 os rumos dramáticos em que se transviaram os estudos sobre a fissão nuclear E conflito exacerbado senão deturpado em boa medida pelo contraste de posições que cada uma a seu feitio não conseguem desvencilharse da forte carga de irracionalidade sobre assunto que toca as profundezas mais obscuras do psiquismo e do espírito humano 1 Refutação dos argumentos impertinentes 2 Antes de entrar a expor meu pensamento sobre a questão central da causa gostaria de não apenas por intuitiva necessidade de método e de coerência lógicojurídica senão também em homenagem a todos os ilustres interlocutores deste nobre diálogo refutar posto que com brevidade dentre os principais argumentos apresentados por ambas as correntes aqueles que com o devido respeito me parecem menos sólidos ou consistentes e como tais irrelevantes para a decisão 21 Em primeiro lugar embora reconheça dê lugar a comparação ilustrativa tenho por insuficiente a analogia retórica que se intenta estabelecer entre os momentos da chamada morte encefálica e a contrario sensu do início 1 A expressão é tomada a HANS JONAS que sintetizando toda a preocupação inspiradora de sua notável obra advertiu Ante el potencial casi escatológico de nuestros procesos técnicos la ignorancia de las consecuencias últimas será en sí misma razón suficiente para una moderación ADI 3510DF da vida o qual se daria com a neurulação ou estágio de esboço do sistema nervoso2 A opção legislativa tomada pelo art 3º da Lei federal nº 9434 de 19973 pela morte encefálica como marco relevante do diagnóstico de óbito para fins de transplante ou tratamento bem como sua regulamentação por via da Resolução do Conselho Federal de Medicina CFM n 148097 baseiase na técnica normativooperacional da ficção jurídica que reproduz mera convenção embora não despida de fundamentos médicocientíficos É que ninguém disputa que o ser humano vítima de morte cerebral não está deveras biologicamente morto4 O fim da vida é determinado nesse caso menos por injunções intransponíveis de natureza biológica do que por específicas razões de conveniência social e política concernentes ao aproveitamento de tecidos e órgãos para transplante e doação com o manifesto propósito de salvar vidas alheias e reduzir os custos materiais e emocionais da manutenção de uma vida responsable que es lo mejor tras la posesión de ia sabiduría El princípio de responsabilidad 2ª ed Barcelona Herder 2004 trad Javier Mª Fernández Retenaga p 56 2 Argumento da AGU fls 87 3 Art 3º A retirada post mortem de tecidos órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina 4 LUÍS P VILLARREAL Professor de Biologia Molecular e Bioquímica da Universidade da Califórnia em Irvine EUA explica de modo singelo o status da morte cerebral La vida también puede entenderse como una propiedad emergente a partir de un conjunto de elementos inertes La vida y la conciencia constituyen ejemplos de sistemas complejos emergentes Ambos requieren un nivel crítico de complejidad o interacción para alcanzar sus respectivos estados Una neurona por sí sola no posee consciência para ello se necesita la complejidad del cerebro entero Incluso un cerebro humano Intacto puede estar vivo y carecer de consciência es decir en estado de muerte cerebral Tienen vida los virus In Investigación y Ciencia Edición Española de Scientific American n 341 feb 2005 gn ADI 3510DF em estado vegetativo sob prognóstico fechado Não é este o lugar para discutir a bondade ou a validez dessa concepção normativa5 22 Em segundo lugar em absoluto não vem ao caso nem releva em nada a circunstância ou a eventualidade de para experimentos científicos de finalidades terapêuticas as pesquisas com célulastronco adultas CTA se prefigurarem mais ou menos promissoras ou frutíferas do que aquelas voltadas para as célulastronco embrionárias CTE Os objetos teóricos de pesquisas não traçam caminhos mutuamente excludentes Considerandose que ao propósito nenhuma das tecnologias conhecidas demonstrou cabal suficiência no sentido de esgotar as potencialidades científico terapêuticas fica desde logo claro que o estudo com as CTE é de todo em todo adequado e recomendável na medida em que pode contribuir para promoção de objetivos e valores constitucionais legítimos que são o direito à vida à dignidade à saúde e à liberdade de investigação científica E porque é decisiva para a ciência a consideração de sua velocidade ou aspecto temporal aparece ainda como manifestamente importante até porque como há de verse não sacrifica nenhum princípio jurídico nem direito algum sobretudo os que protegem a vida e a dignidade humanas para realização daqueloutras altas finalidades com a intensidade e amplitude desejáveis 5 Sobre a necessidade de prudência jurídica no tema cf ASCENSÃO José Oliveira A terminalidade da vida ín GUSTAVO TEPEDINO e LUIZ EDSON FACHIN coord O Direito e o ADI 3510DF 23 Tampouco têm peso aqui recursos hermenêuticos tendentes a interpretar a Constituição da República à luz de normas subalternas Os conceitos de vida e de pessoa enquanto constituam dados necessários da quaestio iuris da causa devem ser reconstruídos senão que construídos nos supremos limites materiais do ordenamento constitucional Tal é a razão óbvia por que já a nada serviria a postura dogmática que debaixo do pretexto da relatividade dos direitos constitucionais pretende graduar o direito à vida com a régua impertinente de que como nos termos do direito positivo o crime de homicídio tem pena maior que a prevista para o delito de aborto então teriam menor dignidade jurídicoconstitucional a vida intrauterina e a fortiori as células embrionárias O erro aqui é agravado e pouco sutil As normas penais não valoram de modo diverso na cominação de penas em cada tipo o bem jurídico da vida em estado hipotético de violação mas sim a reprovabilidade de cada conduta típica segundo as modalidades e as circunstâncias da ação humana violadora Cuidase aí de nítida orientação de política normativocriminal que em nada deprecia o eminente grau de dignidade e tutela que a Constituição da República reserva ao chamado direito à vida que é antes o pressuposto ou condição transcendental da existência de todos os direitos subjetivos Para vêlo em toda a nitidez basta atentar na própria figura do homicídio cujas penas variam em função de diversos fatores objetivos e subjetivos inerentes por exemplo às hipóteses de aumento ou diminuição de tempo Rio Renovar 2008 p 157158 nº 2 ADI 3510 DF qualificação etc6 A ninguém terá jamais ocorrido que para o ordenamento jurídico valha menos a vida de uma vítima de homicídio simples do que a de alguém morto em emboscada Mas expressivo ainda é o caso o infanticídio art 123 do Código Penal que em termos de sacrifício do bem jurídico tutelado em nada difere do homicídio art 121 do Código Penal mas em razão de condições subjetivas especialíssimas estado puerperal da mãe tem pena em abstrato consideravelmente mais branda sem isso signifique para a ordem jurídica sobretudo a constitucional que a vida do infante valha menos do que a de qualquer outra pessoa7 Poderseia objetar que neste segundo exemplo a diferença de penas decorre da menor capacidade de compreensão do agente Mas a despeito de ser inconseqüente em si a objeção outros casos há em que a cominação da pena está relacionada com a ponderação de elementos objetivos do fato criminoso como se dá v g com o furto de veículo automotor que transportado para outro Estado induz pena abstrata máxima no dobro art 155 do Código Penal O bem jurídico atingido e seu valor juridicopatrimonial são exatamente os mesmos mas são diversas as penas porque diversos os graus de desvalor normativo das condutas típicas 6 Citese por exemplo a agravante de o agente ter cometido o crime contra criança maior de 60 sessenta anos enfermo ou mulher gràvida art 61 inc Il h Aliás como no aborto a capacidade de reação do feto é nula a legislação penal poderia até ter previsto pena maior que a aplicável ao homicídio sem que isso significasse demérito da vida das pessoas 7 Esse é no entanto o argumento incorreto no ponto da CONECTAS que comparando a pena do homicídio com a do aborto sugere haja em relação à vida da pessoa destinada a nascer uma valoração pela metade de seu valor fls 158 A ilação tirada de forma automática entre o valor da pena e o valor do bem jurídico tutelado não colhe ADI 3510DF Daí se tira que a pena cominada embora guarde certo nexo lógico com o bem jurídico objeto da tutela criminal nem sempre é diretamente proporciona ao valor normativo deste por perceptível necessidade de concretização de justiça como sucede estritamente à fixação teórica das penas dos crimes de aborto e de homicídio cuja diversidade de modo e em sentido algum se presta a sustentar peregrina teoria de que o direito à vida seria suscetível de graduações axiológicas no seu status jurídico de fundante valor objetivo constitucional Por razões até mais graves e intuitivas que por isso não merecem senão notas de rodapé parece nesse sentido não menos estéril e ilegítima a invocação de categorias da dogmática e do direito civil como por exemplo remissão às idéias de nascituro8 de nascimento com vida e de personalidade jurídica9 todas as quais estão impregnadas de vício metodológico radical e absoluto que à moda de pecado original as invalida todas enquanto mal disfarçadas tentativas de inverter a ordem escalonada das normas que se estrutura a partir da Constituição da República 8 A AGU chega a conclusão correta empregando contudo raciocínio que se não remete à Constituição É verdade que há diferença entre vida intrauterina e embriões nãoimplantados ou congelados mas isso não decorre da incerteza do nascimento relacionada à idéia de nascituro ser humano já concebido cujo nascimento se espera como fato futuro e certo fls 111 Deriva sim do não enquadramento dos últimos em nenhum conceito aceitável de vida 9 É inócua a afirmação da CGU às fls 116 só tem direitos quem tem personalidade porque o material embrionário pode não ser sujeito de direitos mas é objeto de proteção jurídica ADI 3510 DF 24 Artificial forçosa e como tai imprestável é a proposta de equiparação ou analogia entre os procedimentos envolvidos nas pesquisas de células embrionárias e prática abortiva A caracterização do crime de aborto tem por pressuposto necessário a preexistência de vida intrauterina isto é de gravidez pois a gestação é circunstância elementar do tipo penal arts 124 e ss do Código Penal Ora abstraindose por ora a questão de existir ou não vida no embrião congelado não há como nem por onde imaginarse delito de aborto sem gestante Quem seria a gestante na hipótese das pesquisas Os tanques de nitrogênio líquido Essa conclusão cristalina e irrefutável não permite a ninguém de bom senso descobrir afinidades entre aborto e pesquisa científica com células embrionárias congeladas nem sequer no plano da crítica extrajurídica como o advertiu a insuspeita MAYANA ZATZ Pesquisar células embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto E muito importante que isso fique bem claro No aborto temos uma vida no útero que só será interrompida por intervenção humana enquanto que no embrião congelado não há vida se não houver intervenção humana E preciso haver intervenção humana para a formação do embrião porque aquele casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também para inserir no útero E esses embriões nunca serão inseridos no útero10 25 Não colhe ademais por representar verdadeiro contrasenso o argumento ad terrorem centrado na possível tendência à comercialização de ADI 3510DF embriões que se desencadearia por conta da declaração de constitucionalidade da lei de biossegurança Esta veda expressamente a mercantilização de embriões excedentários11 tipificandoa como crime art 5a 3ª e mediante a previsão de outras medidas de controle ainda que algo tímidas na sua literalidade mas bastantes na sua força latente para justificar e exigir a atuação efetiva dos órgãos e instituições responsáveis por sua observância concorre para inibir atividades abusivas clandestinas que de outro modo poderiam ser ignoradas pela indiferença oficial sob pretexto de vácuo legislativo As conseqüências práticas supostas pela disciplina normativa e por sua correta interpretação conforme à Constituição da República desacreditam o argumento pois transportam as pesquisas científicas para o campo delimitado da licitude jurídica recobrindo de legitimidade e responsabilidade assim o trabalho dos pesquisadores como as fontes de financiamento e investimento que já não pré excluem os estímulos e recursos públicos A ausência de lei é que incentivaria experimentos abstrusos antiéticos ou abusivos à sombra de uma clandestinidade que conquanto inevitável na medida da natural incontinência humana o Estado já não pode tolerar sob o domínio de normas cogentes 26 Estou por fim em que engenhosas referências à noção de paternidade responsável servem apenas à justificação dos procedimentos de fertilização in vitro IVF e de um de seus efeitos colaterais que é a produção de ADI 3510DF excedentes embrionários Cuidase de questão prévia mas autônoma que não guarda vínculo direto com a solução do problema jurídicoconstitucional agora submetido à Corte II A ausência de vida nos embriões humanos congelados 3 Há em tese alguns convenhamos predicar a todos eles à míngua de outro mais preciso e curial este termo teóricos sujeitos de direito à vida por considerar no quadro da causa um é o embrião congelado outro o embrião implantado e o feto e por fim o ser humano criança ou adulto que porta plenamente os atributos a cuja coexistência a ordem constitucional atribui a qualidade de pessoa A pergunta nevrálgica a que deve a Corte responder é se a tutela constitucional da vida se aplica na integralidade do seu alcance à classe dos embriões e mais especificamente à dos embriões inviáveis e aos crioconservados Meu esforço está em perquirir se existe diferença de graus de proteção constitucional a que façam jus de um lado as pessoas dotadas de vida atual e em plenitude e de outro os embriões E começo por identificar em ambos esses conjuntos de organismos o predicado da humanidade mas somente no primeiro consigo discernir à luz de todos os critérios discretivos disponíveis a presença de vida Por isso o único ponto de semelhança que as características e as distinções biológicas me autorizam a encontrar no plano da 11 1A expressão com o neologismo consta do art 1597 inc IV do vigente Código Civil 11 A expressão com o neologismo consta do art 1597 inc IV do vigente Código Civil ADI 3510DF ordem jurídica entre um embrião congelado e um adulto é que esse participa em grau primitivo dos requisitos da proteção à dignidade humana deste e apenas isso É o que me proponho a demonstrar 4 Antes de declinar o extenso rol de direitos fundamentais do art 5º cujo caput assegura o direito à vida a Constituição da República enuncia seus princípios fundantes no art 1º fazendo constar do inc Ill a dignidade da pessoa humana Harmonizamse todas estas disposições pois o vocábulo vida constante do art 5º não pode dissociarse do pressuposto de sua condição humana Quando se refere a todos brasileiros e estrangeiros aqui residentes que são iguais perante a lei a Constituição cuida a toda a evidência de seres humanos viventes Desta indiscutível premissa segundo a qual a vida objeto da larga e genérica tutela constitucional é apenas a vida da pessoa humana derivam duas teóricas linhas de raciocínio conducentes ambas ao reconhecimento de permissão constitucional para pesquisas com célulastronco embrionárias a primeira baseiase em que o embrião não é ou não é ainda pessoa a outra concebe que no embrião congelado ou inservível não há vida atual E tais posições não são contraditórias pois basta seja admitida a consistência lógicojurídica de uma delas para terse por legítima a conclusão de constitucionalidade da norma ora impugnada Como para efeito da ampla e integral tutela outorgada da Constituição da República deve haver vida e vida ADI 3510DF de pessoa humana a falta de qualquer um dos componentes desta conjunção invalida o fundamento básico da demanda Há argumentos respeitáveis na posição dos que sustentam que embriões isolados não se caracterizam nem definem como pessoas É por exemplo a formulação da AGU segundo a qual a ofensa à dignidade da pessoa humana exige a existência da pessoa humana hipótese que não se configura em relação ao embrião in vitro12 e ainda a do amicus curiae MOVITAE que ao afirmar não ser o embrião uma pessoa 13 invoca esta lição do Prof ANTONIO JUNQUEIRA AZEVEDO Do embrião pré implantatóno resultante de processos de fecundação assistida ou até mesmo de clonagem constituído artificialmente e que ainda está fora do ventre materno por não estar integrado no fluxo vital contínuo da natureza humana é difícil dizer que se trata de pessoa humana É verdade que por se tratar da vida em geral e especialmente da vida humana potencial nenhuma atividade gratuitamente destruidora é moralmente admissível mas no nosso entendimento aí já não se trata do princípio da intangibilidade da vida humana tratase da proteção menos forte à vida em geral14 Na mesma direção CLAUS ROXIN inclinase a reconhecer certa forma de vida ao embrião ao tempo em que lhe nega porém condição análoga à do homem nascido por considerálo apenas uma forma prévia de pessoa É inquestionável que com a união do óvulo e do espermatozóide surge uma forma de vida que já carrega em si todas as disposições para tornarse um homem futuro Daí deduzo que um tal embrião tem de 12 fls 114 13 p 18 da manifestação data de 30092005 14 Caracterização da dignidade da pessoa humana Revista dos Tribunais São Paulo v 91 n 797 p 21 mar2002 ADI 3510DF participar em até certo grau na proteção e na dignidade do homem já nascido Por outro lado pareceme igualmente inquestionável que o embrião seja somente uma forma prévia ainda muito pouco desenvolvida do homem que não pode gozar da mesma proteção que o homem nascido ainda mais enquanto o embrião se encontrar fora do corpo da mãe15 De minha parte estou convencido de que o atributo de humanidade já está presente tanto no embrião quanto nas demais fases do desenvolvimento da criatura Mais do que o caráter e o sentido elementar da identidade da matériaprima de que um e outro se compõem o embrião em si constitui como depositário dos ainda misteriosos princípios da vida mais que procriação a reprodução ou a multiplicação enquanto prolongamento mesmo das pessoas que lhe dão origem e como tal não pode deixar de ter a mesma natureza biológica e de compartilhar da mesma suprema dignidade moral e jurídica do ser humano Essa é aliás a razão por que não é lícito reservarlhe tratamento menos respeitoso sequer no campo jurídico As divergências toleráveis ao propósito essas concernem e restringemse ao problema de sua caracterização em termos absolutos ou relativos como pessoa pois a despeito de o código genético completo enquanto conjunto das disposições suficientes para sob certa condição externa se desenvolver e transformar em ser humano autônomo já estar inscrito no embrião não se pode reduzir a complexidade da pessoa humana como organismo vivo e sobretudo como sujeito de direito ao aspecto puramente 15 A proteção da vida humana através do direito penai Trad Luís Greco Disponível em www mundojuridicoadvbrcgibinuploaoVtexto808doc acesso em 31032008 gn ADI 3510 DF biológico de sua mera completude ou perfeição genética encravada na célebre escada torcida em forma helicoidal 16 Nesta sede onde pretensas concepções científicas e posturas racionais se confundem menos no enunciado das teses contrastantes do que na profundeza das motivações inconscientes com a adesão apaixonada das crenças religiosas é preciso renunciar a toda busca de consenso e de pontos de vista comuns até porque como verdadeiros atos de fé não se acomodam a testes de refutabilidade nem prometem conclusões seguras para a solução da causa Menos discutível ou quem sabe menos incerto pareceme a via da indagação dos critérios perante os quais se pode reconhecer com o nível de certeza postulado pela resposta jurídica que embriões congelados não têm vida suscetível de tutela na acepção do ordenamento constitucional17 5 E para tanto tampouco é mister disputar aqui a respeito do momento exato em que começa a vida pela mesmíssima razão de que por mais convergentes e sedutoras que sejam as proposições revestidas de aparente autoridade científica esta é também seara de opiniões e teorias controversas 16 TELLES JR Goffredo da Silva A Folha Dobrada lembranças de um estudante Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 p 850 17 É evidente que existindo vida de pessoa humana sob qualquer forma e manifestação deve ser protegida pelo ordenamento É o caso p ex dos fetos sadios ou anencéfalos das pessoas que por infortúnio sejam vítimas de deformidades das mais leves às mais teratológicas e ainda daquelas em estado terminal todas dignas do maior respeito e proteção constitucionais Assim também é o caso dos embriões implantados Não porém dos simples embriões isolados que posto corporifiquem patrimônio genético humano não têm vida no sentido e como objeto da tutela constitucional ADI 3510 DF que incapazes de ser refutadas guardam o estatuto lógico das profissões de fé A decisão seria muito provavelmente arbitrária Para efeito do meu raciocínio é suficiente partir de uma epítrope figurada na concessão retórica de que o início da vida ocorra deveras no preciso instante da fecundação entendida esta no estrito significado biológico do mero fato objetivo da junção dos gametas abstraída a circunstância de se perfazer ou não no ventre de alguma mulher ou alhures Noutras palavras assumamos esta premissa como verdadeira consoante o fez o eminente Ministro Relator18 e concordemos integralmente com a assertiva da CNBB segundo a qual está cientificamente comprovado que a vida começa com o zigoto Cientificamente a vida começa com a concepção 19 Nessa moldura lógica pressuposta a pergunta decisiva está em saber se a idéia de que a vida tem início na fecundação qualquer que seja o focus onde aconteça é capaz de legitimar juízo de inconstitucionalidade da norma contestada sob o fundamento e a inferência imediata de que a correspondente autorização de pesquisas com embriões ofenderia o primado constitucional da tutela da vida humana Ou vista doutro ângulo saber se a tese proposta de reconhecimento da licitude constitucional de experimentos científico terapéuticos com célulastronco embrionárias subordinados a rigorosos 18 Está no voto do Min CARLOS BRITTO p 22 não se nega que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino Não pode ser diferente Não há outra matériaprima da vida humana 19 p 16 do memoriai datado de 14042007 Grifos nossos ADI 3510DF expedientes de controle e garantias legais não estaria comprometida pela admissão daquele postulado É de todo em todo negativa a resposta A primeira objeção mas talvez a menos grave é que desconsiderando o fator concorrente da presença e do papel decisivos do útero materno na cadeia causal essa difusa concepção sobre o ponto histórico absoluto do início da vida deveria na prática sob pena de grosseira e perceptível contradição levar necessariamente à mesma conclusão de franca ilegitimidade constitucional da corriqueira produção de múltiplos embriões para fins reprodutivos não obstante dirigida ao elevado fim dessa particular modalidade de procriação assistida que é a fertilização extracorpórea cujo processo médicocientífico gera incontáveis embriões excedentes condenados todos a congelamento prolongado ou a destruição imediata que quase ninguém recrimina Pouco se dá que esse resultado invariável a sobra de embriões represente conseqüência da particular necessidade de produção múltipla ditada pela observação científica e empírica de todos os riscos de fracasso envolvidos nas práticas e experimentos dos processos de fecundação para tratamento de infertilidade O fato incontornável é que se têm por lícitos quando menos naturais ou até moralmente legítimos a formação e o estoque de uma multidão sempre crescente de embriões excedentários Mais que isso tal práxis é sob pretexto de servir de boa garantia à eficácia das técnicas de fertilização em laboratório tolerada senão até justificada pela assombrosa indiferença de ADI 3510 DF quase todos os que sustentando ser o embrião como entidade a se portador de vida nos mesmíssimos termos em que a têm o feto e o homem nascido e como tal merecedor de igual valoração ética e tutela constitucional não lhe costumam opor nenhum reparo de ordem moral nem jurídica Mas não podem negar que se trata de produção descontrolada de embriões sem préstimo que não têm ao perecimento certo destino alternativo compatível com a grandeza e a dignidade reservadas ao ser humano ao qual os equiparam na raiz da sua concepção ideológica Se de regra aos defensores dessa concepção não parece eticamente censurável nem insultuosa à Constituição da República antes a muitos se lhes afigura prática legítima a produção de tantos embriões predestinados a longa crioconservação ou a pronta destruição consentida embora escusada peias exigências técnicas e finalidade médicoreprodutiva do processo em que se dá não lhes poderia aparecer inconstitucional nem censurável que a lei tenha previsto a esses embriões sorte diversa evidentemente útil e nobre que é a de se prestarem a objeto de promissoras investigações científicas em proveito da raça humana cuja subsistência integridade e aperfeiçoamento na história é o alvo último das preocupações da Constituição e de todo o ordenamento jurídico Sobre trairlhes de modo inconsciente as convicções declaradas deixando entrever que admitem no fundo a licitude do sacrifício dos embriões excedentários como procedimento natural em relação a matéria humana dotada de certa dignidade ética mas carente de vida plena tamanha incoerência dos ADI 3510DF defensores da teoria da vida embrionária já lhes desacredita a tese ou deprecia a crença Manter congelado ou logo destruir organismo que já tenha vida em plenitude seria tão ou mais indigno e repulsivo do que destinálo a frutuosas pesquisas científicas a bem da humanidade Daí porque vergandose talvez à recôndita certeza de que célulastronco embrionárias isoladas não contêm vida no rigoroso sentido biológico e jurídicoconstitucional da palavra não condena a requerente em nenhum passo de sua atuação na causa a produção necessariamente ilimitada nem o anunciado e rotineiro sacrifício de embriões excedentes Nem pleiteia tampouco o que seria o mais conspícuo disparate de obrigar a conserválos congelados ad aeternum ou de submetêlos despoticamente a implantação sistemática em úteros de mulheres mediante aplicação simultânea de vis corporalis e de vis compulsiva em prática inconcebível e degradante que aviltaria a dignidade humana Nisso guarda coerência Mas não posso deixar de insistir na inexplicável contradição em que se enreda essa atitude a qual como signo do antagonismo irracional às pesquisas condena a destruição das células embrionárias excedentes para fim de desenvolvimento de experiências científicas com propósitos terapêuticos mas aquiesce ao seu inútil sacrifício no descarte final inexorável como se em ambos os casos não houvera aniquilação ilícita da mesma vida pressuposta ADI 3510 DF Convém referir e discutir neste ponto com RUSSEL KOROBKIN20 duas posturas que pretendendo validar a cerrada oposição às pesquisas com as células embrionárias sintetizam de algum modo as concepções comuns de que o blastócito constitui equivalente moral de pessoa e como tal predica nos planos ético e jurídico o mesmo indiscutível valor que impede sejam ambos submetidos a experimentos científicos sobretudo capazes de destruição A primeira sustenta que blastócitos e pessoas são idênticos nas qualidades que lhes atribuiriam e justificariam a mesma dignidade moral e o conseqüente tratamento jurídico A segunda afirma que conquanto se diferenciem das pessoas sob importantes aspectos os blastócitos guardam o potencial de se transformarem em pessoas donde gozarem do mesmo estatuto moral e jurídico destas É certo que salvo o caso de gêmeos idênticos cada blastócito contém ativo um genoma humano único Mas o reconhecimento da posse desse material genético de pessoa não é suficiente para lhe fundar e estender idêntico valor moral e jurídico É que há hoje ao propósito relativo consenso científico de que a presença de alguma estrutura de neurônios que exige transcurso de certo tempo no processo é requisito mínimo indispensável para induzir o status moral de uma pessoa Ora cinco dias depois da fertilização o blastócito não tem nenhuma capacidade de interagir com o mundo exterior nem de experimentar afetos de modo que não pode sob esse ponto de vista 20 Stem cell century New Haven and London Yale University Press 2007 p 2934 ADI 3510 DF equipararse em valor ao ser humano do qual só apresenta uma característica que é o DNA Por outro lado o termo potencialidade assume no segundo argumento conotação muito mais larga do que pode semanticamente suportar pois como expressão de propriedade conceitual implica a idéia de aptidão de tornarse algo mais por si mesmo sem intervenção ou assistência externa self actualizability ou já de elevado grau de probabilidade de tornarse algo mais likelihood Mas fertilizado em laboratório o blastócito não tem nem uma coisa nem outra assim porque precisa ser transplantado para útero de mulher para adquirir tal potência ou capacidade como porque não passando segundo as estatísticas de vinte a quarenta por cento suas chances de bom sucesso na implantação uterina é muito baixo o nível de probabilidade de transformação De mais a mais e esta é incisiva objeção de KOROBKIN igual potencialidade poderia ser reconhecida com todas as conseqüências éticas e jurídicas ao esperma e ao óvulo humanos If a fivedayold in vitro blastocyst is inviolate because of its potential understood without any bounds to develop into a human life it is hards to say why each individual egg or sperm cell does not have the same potential and therefore deserve the same consideration Under appropriate conditions with help from humans and with a fair bit of luck these cells which also possess human DNA also have the potential to develop into a person If SCNT one day makes the cloning of humans possible then it might also become literally true that every human cell of any type will have the potential to develop into a person but it seems quite a stretch to think that this potential would render the destruction of any individual cell a moral transgression or that the value of a single skin cell should be considered comparable to the value of a person21 ADI 3510DF Se um blastócito in vitro de cinco dias e inviolável em virtude do seu potencial compreendido sem qualquer limite de desenvolvimento em uma vida humana é dificultoso dizer por que cada ovo ou célula de esperma individualmente nao tenha o mesmo potencial e portanto merece a mesma consideração Sob condições apropriadas com ajuda de humanos e com um pouco de sorte essas células que também possuem DNA humano da mesma forma tem o potencial para desenvolverse em uma pessoa Se uma SCNT22 transferência do núcleo de célula somática um dia tomar a clonagem de humanos possível então também seria literalmente verdadeiro que toda célula humana de qualquer tipo terá o potencial de se desenvolver em uma pessoa mas parece quase exagerado pensar que este potencial faria com que a destruição de qualquer célula individual fosse uma transgressão moral ou que o valor de uma única célula epitelial deveria ser considerado comparável ao valor de uma pessoa Como se vê o argumento prova demais Em suma a potência ou potencialidade que deveras existe no zigoto enquanto capacidade para se modificar de tal forma que possa perfazer todas as determinações do programa de um ciclo vital que ainda se mantêm apenas virtuais deve entendida em sentido mais restrito que não basta para a identificar ou definir como vida prénatal nem para reivindicarlhe à substância por equivalência ou analogia o estatuto éticojurídico de pessoa 6 Não é tudo porém A condição de embrião congelado não se deixa envolver nem abraçar pelo próprio conceito de vida que compondo o substrato de opiniões dominantes em diversos setores das ciências físicas e da própria filosofia deve ser recolhida pela reflexão dogmática e peía inteligência do ordenamento jurídico ainda que a título de verdade provisória mas como única 22 Somatic cell nuclear transfer Tecnologia utilizada para clonagem ADI 3510 DF disponível no estágio atual do conhecimento para julgar e decidir à luz de critérios não arbitrários a questão posta de constitucionalidade Não convém aqui deixar de acentuar a relativa submissão da ordem jurídica às visões e juízos científicos da realidade sobre a qual deve operar Qualsiasi scelta di ordine giuridico dovrebbe presupporre una considerazione obiettiva della realtà sulla quale vorrebbe incidere In particolare risulterebbe contraddittoria per il diritto in quanto strumento do organizzazione sociale la pretesa di descrivere secondo esigenze precostituite le situazioni di fatto nei confronti delle quali sia di volta in volta chiamato ad operare Se ciò è vero non può in alcun modo configurarsi rispetto al nostro tema un concetto giuridico autonomo di vita prenatale Il diritto piuttosto deve giustificare razionalmente le modalità del suo attegiarsi rispetto alla tutela della vita humana intendendo quesultima quale dato preesistente alla elaborazione normativa In questa propettiva sarà necessario muovere dalla definizione della vita offerta dalla biologia per poi considerare se possano ritemersi fondate altre nozioni di esistenza umana e se eventualmente ad esse invece che al paradigma biologico debba rifersi lordinamento giuridico 23 Nenhum dos muitos e ilustres cientistas ouvidos de um modo ou noutro nesta causa favoráveis ou contrários à promoção de pesquisas com célulastronco de embriões negou que o fenômeno vida se apresenta e define em substância tipicamente como processo Dos debates relevo sobretudo dentre os ferrenhos opositores das investigações que LENISE MARTINS GARCIA para descrever a idéia básica de vida aludiu à existência de diferentes fases do ciclo da vida reconhecendolhe caráter cinético e concordando em que para o embrião humano ir à frente ele precisa estar no 23 EUSEBI Luciano La tutela penale della vita prenatale Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale Milão fase 3 p 10631064 lugliosettembre 1988 23 EUSEBI Luciano La tutela penale della vita prenatale Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale Milão fase 3 p 10631064 lugliosettembre 1988 ADI 3510DF útero precisa ser implantado24 CLÁUDIA DE CASTRO BATISTA asseverou textualmente que a vida humana é um processo contínuo coordenado e progressivo A partir da fecundação do óvulo com o espermatozóide acontece logo em seguida a primeira divisão e assim consecutivamente Portanto é a fecundação que permite que o desenvolvimento seja disparado e prossiga por si mesmo 25 ANTÔNIO JOSÉ EÇA também adversário das pesquisas acentuou que a vida igualmente se dá através de um processo que se inicia no momento da concepção 26 Foi ainda mais incisiva ELIZABETH KIPMAN CERQUEIRA ao advertir que ser vivo é aquele que tem um início segue processos até a sua morte É aquele ser que tem um início a partir de seu próprio potencial da sua ipseidade da sua imanência daquilo que lhe é próprio desenvolvese num programa recebido através de um material genético 27 E logo mais adiante referiuse à vida como processo de autoconstrução e de autodesenvolvimento ontogênese 28 E por não alongar escólios em vão ANTONIO CAMPOS DE CARVALHO condensa as opiniões de igual conteúdo notando não pretendo discutir a questão sobre a origem da vida Conforme dito por vários colegas que me precederam tanto a favor quanto contra as pesquisas com célulastronco embrionárias humanas entendo que a vida é um contínuo 29 24 Transcrição dos debates p 59 Todas as referências e citações dos cientistas que intervieram na audiência pública de 20042007 têm por fonte essa transcrição 25 Ibid p 6466 26 Ibid p 103 27 Ibid p 108 28 Ibid p 112 29 Ibid p 194 ADI 3510 DF A convergência dos cientistas sobretudo da área biológica quanto à identificação da vida como processo ou fenômeno dinâmico é reflexo do que já tinham percebido os filósofos dentre cujas opiniões transcrevo por todos a de intelectual que é dos mais isentos no quadro da causa Il y a maintenait une classe de corps particulièrement intéressants et qui semble supérieurs à tous les autres ce sont les corps vivants depuis le plus humble microganisme jusquà lorganisme humain Une propriété les distingue de tous les autres corps cest quils se meuvent euxmêmes le sens comum à cause de cela admet en eux une âme ou principe de vie irréductible à nimporte quels facteurs ou éléments physicochimiques30 Temos agora uma classe de corpos particularmente interessantes e que parecem superiores a todos os outros sao os corpos vivos desde o mais humilde microrganismo até o organismo humano Uma propriedade os distingue de todos os outros corpos é que se movem por si mesmos por causa disso o senso comum admite neles uma alma ou princípio de vida irredutível a qualquer fator ou elemento físicoquímico 31 A natureza ou essência da vida como sucessão de eventos foi também percebida pelo nobre Min Relator CARLOS BRITO que nos regalou com expressiva descrição dos diferentes momentos e etapas da vida que se aninham no âmbito de um processo 32 E é ao propósito insuspeita a manifestação da CNBB que talvez o mais ardoroso dos amici curiae antagonistas dos experimentos não 30 MARITAIN Jacques Eléments de philosophie Tomo I Paris Pierre Tequi 1994 p 118119 nº 40 Grifos do original No mesmo sentido entre nós GOFFREDO TELLES JUNIOR diz A vida a vida em si mesma que é É evidente que a palavra vida enquanto palavra é um símbolo como todas as palavras Portanto essa palavra pode ser usada para simbolizar as manifestações a que o pensador levado por suas próprias tendências espirituais quiser atribuir o nome vida No campo rigoroso da ciência porém a palava vida como logo aprendi tem sentido restrito Ela designa não o movimento mas uma forma particular do movimento Op cit P 844 Grifos nossos 31 Introdução geral à filosofia trad Ilza das Neves e Heloísa de Oliveira Penteado 7ª ed Rio Agir 1966 p 111 nfº40 32 Seu voto p 23 ADI 3510DF destoa dessa percepção científica comum ao sustentar que o embrião é um ser humano que por força da lei natural continuará a crescer amadurecer envelhecer e morrer segundo o ritmo de tempo concedido a cada um 33 Como substantivo inerente aos humanos e a outras espécies a vida em qualquer de suas manifestações típicas se propõe desde logo ao espírito como sucessão unitária e permanente de mudanças ou continuo processarse que distingue dos entes inanimados os chamados seres vivos Do ponto de vista biológico que é o que mais de perto interessa e serve à construção do correlato conceito jurídicoconstitucional não só a formação e o desenvolvimento do embrião humano podem ser considerados um processo gradual contínuo e coordenado desde o momento da fertilização34 mas a própria vida enquanto fenômeno inteligível se reduz a essa idéia e postula igual conceito Como acentua outra opinião não menos isenta provinda aqui de notável jurista è oggi ampiamente riconscìuto che sotto il profilo biologico lunico salto qualitativo riferibile alla trasmissione della vita avviene allatto della fecondazione Infatti nel momento in cui il gamete machile penetra nellovulo femminile dando luogo al ed sistema genomico si producono modificazioni molecolari tipiche della formazione di una nuova vita con le quali si instaura un processo destinato a svolgerei senza soluzione di continuità e senza necessita di ulteriori stimoli esterni35 33 fls 868 34 CLÁUDIA BATISTA Transcrição p 70 35 EUSEBI Luciano op cit p 1064 Grifos nossos ADI 3510 DF Como se vê logo todas as referências científicas e filosóficas à noção genérica de processo compreendido como sucessão contínua de mudanças de acordo com diretriz unitária de desenvolvimento autônomo para caracterizar em teoria e identificar em concreto a vida radicamse em última instância na idéia de movimento cujo princípio causal está no próprio movente que por conseqüência se define como vivo Noutras palavras não há vida no ser que não tenha ou ainda não tenha capacidade de moverse por si mesmo isto é sem necessidade de intervenção a qualquer título de força condição ou estímulo externo É o que me permito denominar aqui capacidade de movimento autógeno E isso não o têm os embriões congelados cuja situação é só equiparável à de etapa inicial de processo que se suspendeu ou interrompeu antes de adquirir certa condição objetiva necessária capaz de lhe ativar a potência de promover com autonomia uma seqüência de eventos que biológicos significam no caso a unidade permanente do ciclo vital que individualiza cada subjetividade humana Mas não é esse algo simples mas esclarecedor critério discretivo da qualidade do movimento autógeno adotado pela biologia e pela filosofia para caracterizar os seres vivos ou para na sua falta excluir de modo absoluto a existência de vida que leva a negála aos embriões congelados Em situações empíricas de emergência nas quais a necessidade de resposta não deixa tempo a racionalizações compreendido o vocábulo aqui no significado próprio de mecanismo psicológico de defesa que cria um conjunto de explicações ADI 3510 DF alternativas e logicamente satisfatórias mas todas falsas para justificar atitude angustiante cujas verdadeiras motivações não conhece ou inconscientemente não aceita as pessoas surpreendemse com reações prontas que revelam extraordinário discernimento dessa diferença que parece custosa É o que demonstra ainda KOROBKIN The intuition that a blastocyst lacks the moral value of a person is vividly demonstrated with the following hypothetica Imagine that a fire starts in a fertility clinic and you must choose between saving a Petri dish containing two blastocysts and a fiveyearold child Is there any question that you should and would save the chid The appropriate answer to the question is just as obvious if the blastocysts would be destroyed by the fire and the chid only injured The reason is that the child possesses not only human DNA but also such qualities as sentience consciousness emotions the ability to interact with the environment and the capacity to experience pain Contrast this with a different hypothetical Imagine that you must choose between saving a fiveyearold child and a twenty five yearold adult in a fire Here it is far from obvious that you either should or would choose the twentyfiveyearold If you did choose to save the adult it almost certainly would not be because she is at a more advanced stage in human development Beyond some point a humans developmental stage is irrelevant to her moral worth But prior to some point the developmental stage does matter The precise location of that point is difficult to determine but it is less difficult to recognize that blastocysts have not reached it36 A intuição de que um blastócito é desprovido do valor moral de uma pessoa é vividamente demonstrado pela seguinte hipótese Imagine que incendio tenha início em uma clínica de fertilização e você deva escolher entre salvar uma placa de Petri que contem dois blastócitos e uma criança de cinco anos Há alguma dúvida de que você deveria salvar a criança e a salvaria A resposta apropriada a esta questão é igualmente óbvia se os blastócitos fossem destruídos pelo fogo e a criança somente ferida A razão ê que a criança possui não somente DNA humano mas também características tais como sensitividade consciência emoções a habilidade de interagir com o ambiente e a capacidade de sentir dor ADI 3510DF Compare isso com hipótese diferente Imagine que você deva escolher entre salvar de incêndio uma criança de cinco anos e um adulto de vinte e cinco anos Neste caso está longe de ser óbvio que você deveria escolher ou escolheria o adulto de vinte e cinco anos Se você escolhesse salvar o adulto quase certamente não seria porque este se encontra em um estágio mais avançado do desenvolvimento humano Além de certo ponto o estágio de desenvolvimento humano é irrelevante para seu valor moral Mas antes deste o estágio de desenvolvimento é significativo A precisa localização deste ponto é difícil de se determinar mas é menos difícil reconhecer que um blastócito não o alcançou 7 A demandante professa que a vida se dá na e a partir da fecundação porque a vida humana é um contínuo desenvolverse37 E invocando a ciência chama o embrião de agente do seu próprio desenvolvimento entendido este sob a expressão de fluxo irreversível de eventos biológicos ao longo do tempo que só para com a morte38 E assevera que a célulaovo apresenta desenvolvimento contínuo porque o zigoto constituído por uma única célula imediatamente produz proteínas e enzimas humanas é totipotente vale dizer capacitase ele próprio ser humano embrionário a formar todos os tecidos constituindose um ser humano único e irrepetível Ora de um lado tais afirmações não dizem absolutamente nada a respeito do autodesenvolverse como ato ou processo em curso pois tãosó reconhecem aos embriões a potência que nos estritos termos e limites semânticos tolerados no confronto com a hipótese pode atualizarse ou não na 37 Afirmação aliás prontamente repelida pelo Min Rel CARLOS BRITTO que considerou com acerto a meu juízo o embrião confinado in vitro Insuscetível de progressão reprodutiva p 27 do voto isto é incapaz por si só de desencadear o desenvolvimento contínuo do ciclo vital fls 3 e 5 ADI 3510DF cadeia autônoma de transformações biológicas em que se traduz o fenômeno da vida De outro lado deixam transparecer o que me parece grave desconsideração ou depreciação da função biológica e da correspondente condição jurídiconormativa que no quadro das indagações sobre o fato da nidificação desempenha o útero da mulher reduzido na inicial às expressões literais de mero ambiente adequado e de simples fonte de nutrientes necessarios ao desenvolvimento do embrião39 Se por pressuposição vida é processo temse de concluir sem erro como já antecipei que no caso das célulastronco embrionárias congeladas o ciclo subjetivo de mudanças iniciado no momento da concepção foi suspenso ou interrompido antes de lhes sobrevir a condição objetiva de inserção no útero sem a qual não adquirem a capacidade de desenvolvimento singular autônomo que tipifica a existência de vida em cada uma Ninguém tem dúvida de que sem esse fato objetivo futuro e incerto da introdução do embrião em útero de mulher o processo não retoma o curso geneticamente programado e pois não chega ao estágio em que pode atualizarse a potência vital naquele contida Logo a fixação do óvulo fecundado na parede uterina é condição sine qua non de seu desenvolvimento ulterior e como tal constitui critério de definição do início da vida concebida como processo ou projeto Nele está longe de ser coadjuvante ou secundário o papel causal representado pela participação do útero ou antes de todo o corpo feminino que como agente de ADI 3510 DF complexas e ainda mal conhecidas interações físicas biológicas e psicológicas com o feto algumas das quais decisivas à conformação da sua irrepetível estrutura unitária de pessoa dada à luz aparece como elemento intrinsecamente constitutivo da vida humana A mulher não é como a proveta apenas um locus de procriação Esta é aliás uma das muitas razões por que já sustentei alhures que a vida intrauterina é também valor constitucional proeminente40 O prognóstico ou a profecia de contínuo desenvolvimento do ciclo vital não convém destarte à realidade biológica dos embriões congelados que desde o instante do congelamento deixam de regerse pela lei natural que lhes seria imanente 8 Todas essas razões segundo as quais os embriões isolados não são já do ponto de vista biológico portadores de vida atual nem podem equipararse ou equivaler a pessoas in fieri ou perfeitas sequer no plano moral não vejo como nem por onde a regra impugnada que lhes dá análogo valor e qualificação ao incorporálos na experiência jurídica e autorizarlhes a destruição em experiências científicas de finalidades terapêuticas mutile ou ofenda o chamado direito à vida objeto da tutela constitucional Os embriões humanos ditos excedentários não são enquanto tais sujeitos de direito à vida nem guardam sequer expectativa desse direito 39 fls 5 40 In ADPF nº 54 QO j 27042005 ADI 3510 DF Até que seja implantado carece o embrião extracorpóreo do impulso que brotando apenas da conjugação das forças acolhedoras do ventre feminino lhe reinfunde o sopro que perfaz a vida Antes da superveniência dessa condição objetiva a qual independendo das aptidões virtuais inscritas no programa genético do embrião pode ou não implementarse não há lugar para excogitação de paternidade em senso jurídico próprio mas genérico senão apenas de poder jurídico de disposição dos doadores sobre o material fertilizado O casal que forneceu os gametas para a formação do zigoto possui relativa mas indiscutível disponibilidade jurídica sobre ele41 E é este a meu aviso o ponto nodal da causa cuja pretensão tende no fundo a subtrair ou a mutilar esse poder jurídico de disposição dos casais sobre os embriões que não é negado nem contestado por ninguém quando exercido com o propósito de determinarlhes o destino de reprodução de congelamento ou de descarte E deveras tal poder inerente à liberdade e ao domínio plenos que o ordenamento jurídico sempre reconheceu às pessoas sobre a produção e o uso das suas células reprodutivas presentes no esperma e no óvulo ninguém o pode contestar ou negar sem claro e gravíssimo insulto à dignidade humana 41 Como afirmei no julgamento da ADPF nº 54MC no instante em que o transformássemos o feto anencéfalo em objeto do poder de disposição alheia essa vida se tornaria coisa res porque só coisa em Direito é objeto de disponibilidade jurídica das pessoas Ser humano é sujeito de direito Naquela hipótese tratavase de vida plena posto que prénatal nesta cuida se de algo sobre o qual o ordenamento jurídico franqueia disponibilidade de um lado e de outro determina proteção Pode até não sem abuso ou perigo ser chamada de res mas res especialíssima matériaprima da vida enquanto metaforicamente assimilável ao barro pó da terra ou solo adamah em hebraico de que fala a tradição judaicocristã no Antigo Testamento Gen 27 ADI 3510DF Ora assente que a natureza do estatuto moral e jurídico do embrião isolado não muda segundo o destino prescrito pelo casal que o gerou porque guarda em qualquer hipótese decisória a mesma elevada dignidade ética e jurídica de sua origem e do seu papel primordial na instauração de todo processo que se converte em vida humana então não se encontra fundamento algum nem puramente lógico biológico nem jurídico para sob pretexto de violação dessa dignidade espoliar o casal do mesmo poder jurídico de dispor de suas célulastronco embrionárias para pesquisas científicas de cunho terapêutico tal como pode licitamente fazêlo para fins não tão nobres ou para sorte de todo inútil como de as congelar sem limite ou destruir sem proveito A restrição preconizada é arbitrária ou supersticiosa Tal irracionalidade que está em distinguir posições substancialmente jurídicas idênticas sem razão palpável é que a meu aviso compromete sem remédio a tese da demanda Respeitadas as condições legais prevalece no tema sem óbice nem limitação constitucional a plena autonomia jurídica da vontade dos genitores para na destinação das células tronco embrionárias adotar qualquer das alternativas que a lei contempla ou o ordenamento não veda quais sejam implantação doação para adoção congelamento destruição por descarte ou doação para pesquisas científicas de finalidade exclusivamente terapêutica 9 Não me impressiona nem perturba a objeção de que à luz dessa liberdade jurídica poderia conceberse a vida em úteros artificiais criados pelo ADI 3510DF inventivo engenho humano Este tenebroso e hipotético cenário merece da consciência universal e de todas as ordens jurídicas a mais veemente repulsa porque supõe admitir a reificação dos embriões e do processo mesmo de reprodução em lucubração de todo em todo incompatível com a intangibilidade ética e constitucional da dignidade humana Se houvera viabilidade técnica e possibilidade prática de vida humana exógena independente da intervenção do útero sua produção seria ética e juridicamente reprovável não apenas por sua perversidade intrínseca mas também porque aviltaria senão que aniquilaria a mulher não só como pessoa mas sobretudo como figura e função maternas essenciais à sobrevivência da espécie e como tal corromperia nosso senso de civilização e aprestaria o colapso da humanidade Em suma seria prática manifestamente alheia ao limites conceituais e ao alcance do poder jurídico de disposição garantido aos genitores A mesma conclusão aplicase ao receio de risco que não é próximo nem real de se classificar as pessoas entre aquelas que são normais aquelas que são adequadas e inadequadas à nossa sociedade42 A resposta à indagação teórica de LENISE GARCIA se detecto uma doença genética em um embrião eliminarei esse embrião não pode deixar de ser ainda nos quadrantes do ordenamento jurídico insofismavelmente negativa Tratase de mera conjectura que remetendose a práticas históricas hoje de todo em todo condenáveis inauguradas em Esparta e retomadas pelo regime nazista esbarra ADI 3510DF desde logo em proibição expressa da lei e na reprovação última da Constituição a ambas as quais repugna qualquer projeto eugênico 10 Convém aliás não perder de vista o objeto específico da questão de constitucionalidade da norma impugnada cuja autorização de uso adscrevese a embriões já congelados à data de publicação da Lei43 com três anos completos ou por completar de congelamento após esse termo ou ainda já inservíveis que como tais não foram nem serão nunca implantados e por conseguinte não gerarão seres humanos E seu uso lícito devo adiantar e frisar é à luz da Constituição restrito a pesquisas e experimentos científicos preordenados exclusivamente a desenvolvimento de terapias Nenhum tipo de experiência eugênica é aí admitido donde a nítida diferença entre material congelado de que se cogita na causa e célulastronco embrionárias já implantadas ou que devam sêlo em algum corpo feminino No caso o blastócito pode ser utilizado para gerar linhagens celulares jamais para propiciar manipulação ou sondagem genética e posterior inserção em útero Por isso cogita a lei apenas de embriões produzidos mediante técnica de fertilização in vitro e notese a conjunção não utilizados no respectivo procedimento E isso significa com toda a clareza possível que os embriões destinados à pesquisa porque satisfeitas todas as condições previstas no caput incisos e parágrafos do art 5º da Lei não foram nem nunca ADI 3510DF poderão ser usados para implantação A par dos embriões inservíveis que jamais seriam implantados em razão de suas anomalias genéticas ou deformidades morfológicas44 têmse os antigos com mais de três anos de congelamento Também embriões congelados há menos tempo a rigor já se ressentiriam de presunção de aproveitabilidade reprodutiva Mas aquele prazo foi estabelecido por legítimo alvitre políticolegislativo que considerou não só aspectos científicos ligados a exigências de um termo de provável serventia genéticoreprodutiva mas também fatores de ordem sociológica e psicológica relacionados à necessidade de tempo para amadurecimento da decisão dos provedores de gametas que detêm o poder de disposição jurídica sobre o material genético que constitui prolongamento das suas próprias pessoas Como o que está em jogo pois não é somente a probabilidade de bom sucesso da fertilização são irrelevantes as referências feitas algures45 a casos aliás conhecidos nos meios científicos de pessoas sadias geradas a partir de embriões congelados havia mais de três anos precisamente sete48 e até doze anos47 Eventual certeza científica de que embriões com mais de três 43 Até os cientistas contrários às pesquisas com CTE como LENISE GARCIA admitem que a Lei tentou evitar justamente que se façam embriões especificamente para serem usados em pesquisas porque isso abre todo um campo para comércio de embriões p 223 44 Cf as considerações de PATRÍCIA PRANKE especialmente p 17 e ss O Decreto regulamentar nº 5591 de 22 de novembro de 2005 define como inviáveis os embriões com alterações genéticas que tenham o desenvolvimento interrompido por falta espontânea de clivagem após vinte e quatro horas da fertilização in vitro e os que apresentem modificações morfológicas que lhes comprometam o pleno desenvolvimento art 3o inc XIII 45 Eg no pronunciamento de ALICE TEIXEIRA FERREIRA p 76 46 id ibid 47 RODOLFO ACATAUASSU NUNES p 133 ADI 3510 DF anos de preservação criogênica não sejam sempre inviáveis embora apresentem sobremaneira aumentadas as possibilidades de anomalias e malformações não é razão definitiva nem suficiente contra a realização de pesquisas com CTE Não obstante embriões antigos ou ainda inviáveis possam tecnicamente gerar pessoas seu uso em pesquisas está sempre condicionado à autorização dos provedores dos gametas que como se viu têm relativa disponibilidade jurídica sobre o produto da concepção antes de sua introdução no útero Assim na hipótese concreta não há dúvida de que o consentimento informado dos genitores emitido na esfera desse poder jurídico implica autêntica automática e irrevogável renúncia à faculdade de produzirem vida a partir do material genético de que dispuseram A doação para fins de pesquisa é numa metáfora processual verdadeira preclusão lógica do poder de gerar filhos com os embriões doados Em suma com o ato de doação perdem aquele poder jurídico 11 A manterem alguma coerência os opositores das pesquisas com célulastronco embrionárias deveriam ademais conceder que as próprias técnicas de fertilização artificial são do ângulo das suas premissas em tudo e por tudo inaceitáveis48 48 Diz LYGIA PEREIRA Aceitamos as gerações desses embriões no dia em que aceitamos as técnicas de fertilização in vitro É inerente dessas técnicas a produção de um número excedente ou peto menos descontrolado desses embriões esses embriões sobram pp 174 175 Já LENISE GARCIA assevera que o marco ético era que eies nunca deveriam ter sido ADI 3510DF Já que seu argumento é baseado num principio não poderiam justificar a criação artificial de embriões e dos conseqüentes seres humanos por via de raciocínio instrumental mediante cálculo entre meios e fins tendo em vista o objetivo da procriação Afirmar subentender ou supor que para gerar vida humana a manipulação é moral e juridicamente admissível mas quando se trate de empregar embriões em pesquisas que podem salvar vidas seja a prática condenável contradiz o princípio mesmo que alegam defender O desvio da ordem natural das coisas é exatamente o mesmo em ambos as hipóteses De modo que sob sua ótica não faria sentido permitir que o ser humano pudesse ousar criar a vida49 E esta é mais uma das contradições em que se enleiam e perdem até porque é agora marginal e sem nenhuma ressonância a crítica indiscriminada da produção extracorpórea de embriões a cujo respeito sintetiza CLAUS ROXIN Não se questiona a legitimidade de um tal procedimento Afinal o embrião não é lesionado mas conduzido a seu destino natural uma vez que após a sua implantação no corpo da mãe o embrião se desenvolve naturalmente até tomarse um homem50 congelados e o foram sem que a legislação brasileira tenha qualquer definição a respeito A verdade é que a reprodução assistida no Brasil está num vácuo legar p 224 Daí a subordinação legal do uso do embrião em pesquisas à forma pela qual foi esse concebido e ao estado em que se encontra em dado momento no caso congelado 49 Essa posição é coerentemente defendida pela Igreja Católica no documento rispetto della vita umana nascente e la dignità della procreazione istruzione della congregazione per la dottrina della fede 1987 donum vitae que condena a IVF de acordo com o MOVITAE p 22 de sua manifestação 50 Op cit p Grifos nossos ADI 3510DF Não custa insistir em que o só início do processo como etapa estancada e destacada não é ainda o processo em ato que revela e define a vida Esta não pode reconduzirse ao estágio inaugural do processo que foi suspenso ou interrompido por uma causa artificial nem se pode dizer que o uso de embriões em pesquisas equivalha a destruir a vida enquanto indébita interferência externa no curso natural de seu desenvolvimento programado O processo é aí interrompido ou suspenso pelo congelamento de modo tão artificial quanto aquele mediante o qual começou pela fertilização in vitro51 Somente uma condição objetiva futura e incerta consistente na introdução do embrião no útero materno pode dar impulso à concretização da vida como movimento autógeno Só essa intervenção de fator externo de certo modo antinatural no contexto e aviada pelas mesmas mãos que fundiram os gametas no laboratório e os armazenaram em receptáculo criogènico é capaz de promover a coexistência do embrião com a entidade que o transformará aí sim em vida o útero materno52 Em síntese ou a vida decorre da concepção natural 51 A Resolução n 13581992 do CFM cuida da matéria No que toca à criopreservaçáo de embriões dispõe V CRIOPRESERVAÇÁO DE GAMETAS OU PRÉEMBRIÕES 1 As clínicas centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides óvulos e préembriões 2 O número total de préembriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes para que se decida quantos préembriões serão transferidos a fresco devendo o excedente ser criopreservado não podendo ser descartado ou destruído 3 No momento da criopreservaçáo os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade por escrito quanto ao destino que será dado aos préembriões criopreservados em caso de divórcio doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos e quando desejam doálos 52 Não se está a defender aqui a teoria do início da vida na nidação O 14º dia ó apenas o momento que marca o princípio da formação de órgãos diferenciados Não é o prazo em si que confere a dignidade constitucional de pessoa humana mas um contexto claro de existência de vida no qual é imprescindível a associação com o útero Os embriões congelados ainda que já datem de cinco dias não gozam da mesma proteção franqueada às pessoas suposto tenham certa dose de dignidade constitucional ADI 3510 DF em que há um continuum definidor da existência de processo vital em ato ou seu impulso fica subordinado a certa condição por realizar53 12 Estou consciente de que tal postura introduz ou desperta e não apenas perante nosso ordenamento alguns sérios problemas jurídicos paralelos relacionados com métodos contraceptivoabortivos designadamente a chamada pílula do dia seguinte e o dispositivo intrauterino DIU54 Tais questões não concernem à causa mas não há como não reconhecer aqui que essas técnicas provocam interrupção do fluxo contínuo do ciclo vital que deixa de seguir o curso autônomo geneticamente predeterminado da evolução de uma subjetividade singular Mais importante no caso do que fixar um ponto arbitrário na linha do tempo para situar o preciso momento do início da vida é discernir à luz das premissas postas três fatos incontestáveis e decisivos que se não verifica a fluência necessária para caracterização da vida como movimento autógeno i que a origem da matériaprima genética considerada é sua concepção in vitro ii que tampouco se dá interrupção do curso da vida porque antes de este começar no ventre materno lhe adveio a suspensão do processo pelo congelamento Aliás não custa repetir que nas pesquisas em questão todos absolutamente todos os embriões foram criados como resultado de 53 Como bem notou na audiência pública MAYANA ZATZ a fecundação é uma condição necessária mas não suficiente para o embrião se desenvolver p 08 ADI 3510DF manipulação genética pelo homem Essa manipulação não contestada pela requerente teve como objetivo imediato a procriação mas dadas as características da fertilização in vitro que recomenda a produção de mais embriões55 do que os efetivamente implantados dos quais aliás nem todos serão bemsucedidos houve a formação de um contingente excedente de embriões os supranumerários É deles e apenas deles de que se trata III Os embriões humanos ostentam dignidade constitucional embora em grau diverso daquele conferido à vida das pessoas humanas 13 Pesame no passo seguinte de meu raciocínio divergir do eminente Min Relator no ponto em que S Exª proclama que a proteção normativa dos embriões residiria no nível infraconstitucional56 parecendo nisso admitir de maneira implícita possibilidade de cenário diverso no qual pudera faltarlhes essa mesma tutela Prefiro confrontar a lei impugnada com a Constituição porque como já antecipei entendo provenha diretamente dela ainda que em grau ou predicamento mais reduzido em comparação com os das pessoas o substrato 54 Sobre a questão na Itália p ex cf EUSEBI Luciano op cit p 10711072 55 Além da redução dos custos dos ciclos de recolocação de embriões no futuro procurase contornar o fator estatístico que indica entre nós taxas de bom sucesso de 28 a fresco ou menos na hipótese de congelamento na obtenção de gestação cf PATRÍCIA PRANKE p 17 e ss 56 Mesma opinião tem a CONECTAS neste caso são as leis ordinárias em ponderação legislativa que dispõem sobre a suposta vida de embrião congelado e dimensionam a sua proteção a Lei de Biossegurança reconhece que mesmo que tais embriões não estejam sujeitos a mesma proteção constitucional do direito à vida confería ao feto ou a pessoa já nascida tratase de material sujeito a alguma proteção Não bastaria ao legislador apenas ADI 3510DF jurídico para o reconhecimento e garantia de específica tutela dos embriões dada sua dignidade própria de matriz da vida humana Noutras palavras estou em que os embriões devem ser tratados com certa dignidade por força de retilínea imposição constitucional E o fundamento intuitivo desta convicção é a dimensão constitucional da dignidade da pessoa humana art 1 a III enquanto supremo valor ético e jurídico de que posto não cheguem a constituir equivalente moral de pessoa compartilham os embriões na medida e na condição privilegiada de única matériaprima capaz de como prolongamento re produzir e multiplicar os seres humanos perpetuandoIhes a espécie 14 Porque embriões congelados não têm vida atual suscetível de proteção jurídica plena art 5º caput eliminálos não constitui em princípio crime nem ato ilícito menos grave Mas este juízo abstrato não dispensa o intérprete de apurar se em qualquer hipótese independente do fim a que se predestine está sempre a salvo a compatibilidade entre o tipo de destruição de embriões excedentes ou inaproveitáveis e a dignidade e o estatuto jurídico constitucionais de que se revestem Nesta como em outras tantas questões jurídicas é preciso discernir Para reinfundirlhes a embriões isolados o impulso vital que transforme em ato sua totipotência é preciso implantálos em útero feminino Ora assim no caso de desembaraço puro e simples de célulastronco relativizar a proteção jurídica da vida e da dignidade da célulatronco embrionária para autorizar fazerse qualquer coisa com tais células fls 157160 ADI 3510DF embrionárias como no de seu sacrifício em experimento científico de finalidade terapêutica a implantação jamais se dará porque já tecnicamente impossível ou inviável ou porque não desejada ou não consentida pelos genitores57 É certo a meu aviso que nem todo tratamento ou destinação última de células embrionárias se harmonizam com o grau de valor ético e de tutela constitucional que se lhes devem reconhecer assumindo em algumas hipóteses como as de clonagem projetos eugênicos e engenharia genética a natureza criminosa de severos atentados à dignidade humana mas nelas não se pode incluir o descarte de embriões congelados Por mais paradoxal que à primeira vista se revele o raciocínio não sofre porque em si o embrião que não pode vindicar sequer expectativa de direito à vida é deveras protegido pelo ordenamento jurídico mas tal proteção lhe não assegura direito subjetivo de evoluir e de nascer Doutro modo fora mister descobrir ou inventar absurda obrigação jurídica de gerar filhos com inconcebível recurso a métodos de forçada fertilização em massa Ora bem se o despretensioso e rotineiro descarte de embriões congelados como ato que não traz benefício algum à sociedade é autorizado pela ordem constitucional a fortiori éo seu emprego em pesquisas científicas dirigidas exclusivamente ao desenvolvimento de terapias Cabe aqui estoutra 57 Pode e verdade ocorrer implantação em caso da adoção de embriões mas esse caminho está igualmente subordinado à deliberação dos genitores porque tal possibilidade teórica lhes não subtrai nem reduz o poder decisório Ademais embora se sugira utopicamente que seria preferível a alternativa da adoção de embriões como sustentaram da tribuna a CNBB e a PGR estas entidades não têm dados para se contrapor ao fato estatisticamente comprovado da baixíssima aceitação social dessa prática ADI 3510DF opinião de KLAUS ROXIN invocada com toda a pertinência por um dos amici curiae enquanto um embrião destruído nao cria qualquer valor positivo um embrião que não possa mais ser salvo e que seja sacrificado para fins de pesquisas pode contribuir consideravelmente para a futura cura de doenças graves Quem renuncia a esta possibilidade não serve à vida mas a lesiona58 15 A legislação infraconstitucional posta sobre o tema à qual os críticos lhe não regateiam os atributos de prudência e moderação59 cerca de eficientes e compreensíveis cuidados o manejo desse nobre material genético aliás em reverente e linear submissão às exigências constitucionais Vedalhe a comercialização Proíbe a produção intencional de embriões para pesquisas Obriga as instituições e serviços de saúde a obter autorização dos respectivos comitês de ética e pesquisa Tipifica como crime punível com detenção de um a três anos e multa o uso de embriões em desacordo com o disposto no art 5º Pune com penas de reclusão ainda mais acerbas a engenharia genética em material genético ou embrião humanos art 25 bem como a clonagem humana art 26 A racionalidade da lei inspirase também em outros valores de estatura constitucional em particular o amplo direito à vida com dignidade daqueles cuja saúde sobretudo física depende de tratamentos que possam 58 CONECTAS fls 163 59 MOVITAE p 06 de sua manifestação ADI 3510DF eventualmente60 resultar das pesquisas com célulastronco embrionárias61 É o caso também da admissibilidade da doação de embriões para adoção reprodutiva e do rigoroso controle biossanitário de seu descarte Daí aliás se infere logo que sob nenhum aspecto esta causa envolve conflito de normas ou de princípios constitucionais nem por conseguinte necessidade de recurso ao critério mediador da proporcionalidade cuja invocação de todo modo em caso de algum contraste hipotético ou aparente não excluiria à lei as qualificações de adequada62 necessária63 e proporcional em sentido estrito64 60 Não se vê propósito em indagar acerca da suficiência ou não das pesquisas com células tronco adultas CTA pois tratandose de argumento prático practical reasoning basta que a rotina contida na premissa conjectural no caso as pesquisas com CTE possa contribuir para a conclusão prática proposta ou seja fomentála promovêla no sentido do verbo alemão fördern cf Virgílio Afonso da Silva 2002 p 36 Utilizamos a expressão contribui para ou lomenta a fim de dar conta das mais variadas concepções sobre como uma ação pode colaborar para a consecução da meta Seja necessária indispensável ou apenas aumente o grau de probabilidade de o agente conseguir atingir o fim será uma justificativa para a ação SILVA NETO Paulo Penteado de Faria E Estratégias argumentativas em tomo da política de cotas elementos de lógica informal e teoria da argumentação Dissertação Mestrado em Filosofia Brasília UnB 2007 pp 4250 Por isso não releva saber quais célulastronco adultas ou embrionárias estejam em etapas mais avançadas de pesquisas ou abram mais vastos horizontes terapêuticos Como ambas contribuem para a persecução de um fim prestigiado pela Constituição sem ferirlhe outras normas ou princípios reputamse ambas adequadas perdendo todo o sentido a discussão sobre a superioridade técnica de uma sobre outra 61 Aliás do ponto de vista constitucional o direito de uma família a ter filho não ó maior nem mais nobre do que o de um doente a ter esperanças de salvar a vida ou aplacar o sofrimento por meio do desenvolvimento de terapia para seus males 62 Cf nota nº 54 supra 63 Porque conquanto sejam também adequadas as pesquisas com CTA não parecem elas representar expediente capaz de promover com igual amplitudee traduzida aqui pela velocidade plasticidade e versatilidade das CTE a realização dos mesmos bens jurídicos 64Insisto em que não há colisão alguma de princípios ou regras Mas se a houvera a limitação do direito à suposta vida dos embriões que estes não têm como penso estar demonstrado ou ao grau de sua dignidade ética e constitucional seria suficientemente justificada pelo resguardo do direito à vida e à dignidade de todas as pessoas suscetíveis de serem beneficiadas pelos resultados das pesquisas aliada à promoção da saúde e à livre expressão científica ADI 3510DF 16 Mas o direito posto e aqui se confirma uma das minhas divergências mais relevantes com o brilhante voto do ilustre Min Relator não poderia a meu ver ser diferente Se a lei subalterna não previsse nos significados emergentes dos textos normativos interpretados à luz da Constituição estratégias eficazes para resguardo da dignidade imanente aos embriões seria inconstitucional 18 E nesse contexto é mister extrairlhe ainda com apoio na técnica da chamada interpretação conforme todas as garantias inerentes à intangibilidade constitucional do genoma humano na sua expressão e valor de programa hereditário que identifica caracteriza e distingue na sua irredutível singularidade toda pessoa humana sobretudo no plano prático das limitações necessárias das pesquisas científicas e da regulamentação de um sistema de atribuição e controle de responsabilidades sem as quais não se passa dos apelos dos princípios gerais à instauração de uma práxis consentânea E a primeira e mais importante dedução respeita à inteligência das expressões para fins de pesquisa e terapia e pesquisa ou terapia constantes do capute do 2º da lei cujo único significado normativo afeiçoado ao disposto no art 6º III que proíbe engenharia genética em célula germinal zigoto e embrião humanos art 6º III e à própria Constituição que não toleraria degradação destes organismos é de autorização exclusiva de uso de células tronco embrionárias em pesquisas para fins exclusivamente terapêuticos Para ser mais claro e preciso nem a Constituição nem a lei permitem produção de ADI 3510DF embriões humanos por fertilização in vitro senão para fins reprodutivos no âmbito de tratamento de infertilidade nem tampouco o uso de excedentes em pesquisas ou intervenções genéticas que não sejam de caráter exclusivamente terapêutico a A segunda observação está em que não obstante haja a lei instituído para fiscalização e controle das múltiplas atividades regulamentadas incidentes sobre os chamados organismos geneticamente modificados OGM o Conselho Nacional de Biossegurança CNBS a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança CTNBio e as Comissões Internas de Biossegurança CIBios além de prever a atuação de órgãos e entidades de registro e fiscalização como os Ministérios da Saúde da Agricultura e do Meio Ambiente relegou os deveres substantivos dessa tremenda responsabilidade quando tratou das pesquisas com CTE apenas aos comitês de ética e pesquisa CEP das respectivas instituições e serviços de saúde art 5º 2º Esses comitês cuja pontual disciplina em vigor consta da Resolução ne 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde são formados por pelo menos sete profissionais das mais variadas áreas saúde ciências exatas e humanas juristas teólogos sociólogos filósofos bioeticístas e no mínimo por um representante dos usuários da instituição ou do serviço Embora lhe ressalte a heterogeneidade disciplinar e a respectiva autonomia prevendo em tese sua independência itens VII5 e VII12 estatui a Resolução no item VII9 que a composição de cada CEP deverá ser definida a critério da instituição ADI 3510 DF Tal regra envolve quando menos sério risco de ocorrência daquilo que a teoria econômica denomina problema de agência65 ou seja grave conflito de interesses que compromete a independência da entidade enquanto instância imediata responsável pela garantia de rigorosa observância das gravíssimas restrições de ordem constitucional e legal das pesquisas autorizadas Na reconstituição desse quadro deficiente a possibilidade real de dominação ou subjugação dos comitês pelas instituições e serviços não pode ser ignorada nem subestimada A incerteza ou omissão da lei ao propósito apesar de não afrontar no sentido etimológico da palavra a Constituição da República deixa de atenderlhe a uma exigência essencial à eficácia prática da tutela outorgada às célulastronco embrionárias porque por si só é inoperante a qualificação teórica de antijuridicidade de certos comportamentos Como já se acentuou na Itália à falta de normas penais expressas sobre o assunto Iimportanza della riflessione sullantigiuridicità attuale di determinate condotte pur in assenza di corrispondenti norme sanzionatone non va transcurata La nuda antigiuridicità infatti non è priva di riflessi pratici66 17 Ora as célulastronco embrionárias não são OGM art 3a 19 donde as pesquisas e experimentos que as tomem por objeto não se sujeitam a 65 JOSEPH STIGLITZ resume assim a teoria the principalagent problem is simply the familiar problem of how one person gets another to do what he wants ensuring that the tatters behavior conforms with the formers whishes Economics of the public sector 3rd ed New York WW Norton 1999 p 202203 Na hipótese o problema é precisamente o oposto já que não há relação de mandato o grande risco é o de ocorrer subordinação dos CEP que se tomariam agentes das instituições em lugar de manter a altivez e a independência reclamadas O alinhamento de interesses neste caso é ostensivamente deletério para todo o distema ADI 3510DF controle direto do CNBS da CTNBio nem da CIBio Qual então a solução viável reclamada por injunção constitucional Não pode ser a de os submeter a essas instituições porque sua composição e tarefas são outras nem a de esta Corte criar por si órgão congênere porque carece da competência de legislador positivo para condicionar a validade da lei A legislação vigente precisa ajustarse no ponto aos ditames constitucionais para que compreenda no alcance de normas mais severas e peremptórias todos os responsáveis pelo efetivo controle que pretende seja exercido sobretudo pelo Estado de modo bastante próximo67 Isto exige edição de lei específica para cominação de responsabilidade criminal ou interpretação que não excluísse das hipóteses legais da lei vigente à primeira vista só imputável aos pesquisadores os integrantes dos comitês de ética e pesquisa Não sendo possível no âmbito da função jurisdicional nem a criação de normas nem tal extensão hermenêutica em matéria criminal será preciso acentuar perante a ordem constituída a responsabilidade penal dos membros dos comitês de ética CEPs e da própria Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CONEPMS nos termos do art 319 do Código Penal sob pena de ficar dúvida sobre a existência de instrumentos de intimidação ou inibição legal com força suficiente para acomodando as normas à Constituição refrear a tendência à lassidão ou à estudada passividade no controle das pesquisas É 66 EUSEBI Luciano op cit p 1060 87 Acertado a respeito o diagnóstico do SENADO FEDERAL o único caminho eficaz do Estado nesse campo é a regulamentação com o objetivo de prevenir abusos e arroubos desnecessários bem como assegurar a observância de normas éticas fls 240 E não menos ADI 3510DF que os membros dos comitês estão obrigados a a revisar os protocolos de pesquisa para os aprovar até sob condições ou não b acompanhar o desenvolvimento dos projetos c receber denúncia de abusos e irregularidades fazendo instaurar sindicância a respeito e decidindo sobre a continuidade modificação ou suspensão da pesquisa item VII13 letras a b d f e g E os da Comissão Nacional de Ética têm dever de aprovar e acompanhar os protocolos nas áreas temáticas de genética e de reprodução humanas provendo normas específicas no campo da ética em pesquisa bem como de rever responsabilidades proibir ou interromper pesquisas definitiva ou temporariamente item VIII4 letras c d e f E considerando que todos são para esses efeitos reputados servidores públicos lato sensu submetemse àquele tipo penal art 319 do Código Penal mas sem prejuízo de incorrerem nas penas dos delitos previstos nos arts 24 25 e 26 da Lei nº 111052005 por omissão imprópria quando dolosamente deixarem de agir de acordo com tais deveres b Dada a superlativa magnitude dos bens jurídicos envolvidos na causa todos conexos com primado da dignidade da pessoa humana e das suas expressões genéticas cujo imperativo de integridade radica na Constituição mais do que conveniente seria mister que o Parlamento logo transformasse todas as formas de inadimplemento de tão graves deveres em tipos penais autônomos com cominação de penas severas c sensata a sugestão de que a fiscalização deva ser exercida também pelo Ministério da Saúde pelo Conselho Nacional de Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ADI 3510DF Também tenho por indispensável submeter as atividades de pesquisas ao crivo reforçado de outros órgãos de controle e fiscalização estatal declarandolhes expressa e inequivocamente a submissão dos trabalhos como da tribuna sugeriu a advocacia do Senado Federal ao Ministério da Saúde o Conselho Nacional de Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária na forma que venha a ser regulamentada em prazo que delibere a Corte d 18 Diante do exposto julgo improcedente a ação direta de inconstitucionalidade ressaltando porém que dou interpretação conforme à Constituição aos artigos relativos aos embriões na legislação impugnada para os fins já declarados a b e d 28052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL EXPLICAÇÃO O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR Ministro Cezar Peluso fui citado por Vossa Excelência ainda há pouco quanto a arrancar da Constituição a dignidade do embrião ou de uma vida intrauterina Eu disse o seguinte em meu voto Sucede que este é o fiat lux da controvérsia a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento Transcendência ou irradiação para alcançar já no plano das leis infraconstitucionais a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que desagüe justamente no indivíduopessoa Apenas conforme Vossa Excelência entendi que o embrião in vitro nas condições da lei jamais vai desaguar no indivíduopessoa mas acredito que a Constituição em última análise é o fundamento de validade dessas leis protetivas de toda e qualquer vida início de vida seja intrauterinamente seja extra uterinamente com essa ressalva que Vossa Excelência vem fazendo desde o início do seu judicioso voto PLENÁRIO EXTRATO DE ATA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 PROCED DISTRITO FEDERAL RELATOR MIN CARLOS BRITTO REQTES PROCURADORGERAL DA REPÚBLICA REQDOAS PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADVAS ADVOGADOGERAL DA UNIÃO REQDOAS CONGRESSO NACIONAL INTDOAS CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTDOAS CENTRO DE DIREITO HUMANOS CDH ADVAS ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTDOAS MOVIMENTO EM PROL DA VIDA MOVITAE ADVAS LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO INTDOAS ANIS INSTITUTO DE BIOÉTICA DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADVAS DONNE PISCO E OUTROS ADVAS JOELSON DIAS INTDOAS CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL CNBB ADVAS IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS Decisão Após os votos do Senhor Ministro Carlos Britto relator e da Senhora Ministra Ellen Gracie Presidente julgando improcedente a ação direta pediu vista dos autos o Senhor Ministro Menezes Direito Falaram pelo Ministério Público Federal o ProcuradorGeraL da Republica Dr Antônio Fernando Barros e Silva de Souza pelo amicus curiae Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB o Professor Ives Gandra da Silva Martins pela AdvocaciaGeraL da União o Ministro José Antônio Dias Toffoli pelo requerido Congresso Nacional o Dr Leonardo Mundim pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos CDH o Dr Oscar Vilhena Vieira e pelos amici curiae Movimento em Prol da Vida MOVITAE e ANIS Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero o Professor Luís Roberto Barroso Plenário 05032008 Decisão Após os votos dos Senhores Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski julgando parcialmente procedente a ação direta dos votos da Senhora Ministra Cármen Lúcia e do Senhor Ministro Joaquim Barbosa julgandoa improcedente e dos votos dos Senhores Ministros Eros Grau e Cezar Peluso julgandoa improcedente com ressalvas nos termos de seus votos o julgamento foi suspenso Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes Plenário 28052008 Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello Marco Aurélio Ellen Gracie Cezar Peluso Carlos Britto Joaquim Barbosa Ricardo Lewandowski Eros Grau Cármen Lúcia e Menezes Direito ProcuradorGeral da República Dr Antonio Fernando Barros e Silva de Souza Luiz Tomimatsu Secretário 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL À revisão de aparte do Sr Ministro Gilmar Mendes Presidente E S C L A R E C I M E N T O O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Senhor Presidente embora a rigor isto fosse absolutamente desnecessário pareceme que conviria deixar esclarecida alguma coisa a respeito do julgamento que ontem foi suspenso Eu li entre envergonhado e de certo modo entristecido nos jornais da minha terra dos quais sou assinante há muitos anos notícias sobre o julgamento e em particular sobre o meu voto as quais me justificaram fundado temor de haverem induzido a opinião pública em erro grave Decerto nenhuma de ambas as notícias foi inspirada por propósito menos nobre porque evidentemente não o posso supor a nenhum jornalista mas sem dúvida alguma decorreu de equívoco eu diria quase inescusável Os que fizeram referências ao teor do meu voto ou não me ouviram ou se me ouviram não me entenderam ADI 3510DF O meu voto não contém nenhuma ressalva às pesquisas E a conclusão dele de improcedencia da ação apenas enuncia duas coisas primeiro a responsabilidade dos membros dos comitês de ética coisa que está na lei e nesse passo acentua a responsabilidade criminal dos respectivos membros E em segundo lugar acena para a necessidade de que exista órgão que aprove a nomeação dos membros dos comitês Apenas isto De modo que Sr Presidente gostaria ficasse constando esse registro por não subsistir dúvida a respeito do conteúdo e da extensão de meu voto O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE Na verdade como já tivemos oportunidade de observar os votos ontem proferidos e aí falouse em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto bem como em julgamento pela improcedencia com adições Vossa Excelência inclusive fez na verdade apelo ao legislador na parte final do seu voto Isso tudo levou a alguma dificuldade de interpretação Mas isso vai ser devidamente esclarecido no momento da proclamação se for o caso 2 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL C O N F I R M A Ç Ã O DE V O T O A Sra Ministra Ellen Gracie Senhor Presidente embora já tenha manifestado voto numa assentada anterior gostaria de roubar alguns minutos do tempo dos colegas para até em respeito aos votos brilhantes produzidos na assentada de ontem fazer algumas brevíssimas observações justificando o fato por que não posso desta vez infelizmente acompanhar a divergência tão bemenunciada pelo meu colega Ministro Menezes Direito Entendo Sr Presidente que a proposição final do voto de Sua Excelência praticamente produz uma adulteração da norma contida no art 5o pelo acrescentamento de tais e tantas condicionantes que eliminam a sua força normativa Por isso lamento não poder acompanhar Sua Excelência na adição destas condicionantes até porque segundo entendo aí estaríamos excedendo e muito ao mandato que é conferido a este Supremo Tribunal Federal No mais Sr Presidente faço também um reparo no quanto diz respeito a toda a construção que de certa maneira foi acompanhada nos votos dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau para o estabelecimento dessas condicionantes Salvo equívoco meu esta construção vem baseada em informação de um cientista que acredita possível e terá feito pesquisas nesse sentido que se extraiam células sem eliminação do blastocisto Se não me engano Ministro Menezes Direito porque não tive acesso a essa documentação científica creio que é um trabalho único e não publicado portanto não submetido à comunidade científica internacional Sabemos que esses trabalhos geralmente exigem uma ampla discussão para que afinal possam ser adotados como norma geral e difundidos ADI 3510 DF Recentemente houve exatamente nesta matéria de célulastronco umas pesquisas realizadas por cientistas coreanos que depois creio eu tiveram que retroceder das suas afirmações originárias porque foram contestadas pela comunidade científica internacional Assim sendo Sr Presidente são essas as razões pelas quais prefiro no caso apoiarme nas afirmações feitas pela séria comunidade científica brasileira em sua grande maioria muito embora especialmente o Relator tenha tido o grande cuidado de contrastar posições através de um criterioso trabalho inclusive com uma audiência pública a qual se desenrolou durante o dia todo e da qual todos nós embora não pudéssemos estar presentes fisicamente recebemos cópias mediante gravação de vídeo e som Então Sr Presidente mais uma vez pedindo vênia e louvando o brilhante voto dos Ministros Menezes Direito Ricardo Lewandowski e Eros Grau reafirmo a posição anteriormente manifestada pela ausência de qualquer inconstitucionalidade na norma 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL ESCLARECIMENTO O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI Senhor Presidente peço a palavra Apenas uma brevíssima observação já que a eminente Ministra Ellen Gracie fez alusão e agradeço a alusão que fez às condicionantes que eu teria aposto em meu voto Na verdade dei uma interpretação conforme a lei Mas ainda que tivesse colocado algumas condicionantes gostaria apenas de ponderar que esta Corte nos últimos tempos tem estabelecido às diversas leis que examinam condicionantes quase que adentrando ao campo do legislador no concernente a algumas atividades Por exemplo no caso da lei de greve dos servidores públicos em que nós condicionamos contra o meu voto aliás a atividade da greve no serviço público Em outro caso também no da fidelidade partidária Em conjunto com o Tribunal Superior Eleitoral esta Casa entendeu de estabelecer uma série de condicionantes ao direito de mudar de partido ADI 3510 DF Nós estamos numa nova fase do Supremo Tribunal Federal em que esta Casa assume um novo protagonismo Então pareceume adequado no caso das célulastronco também estabelecer algumas condicionantes para o exercício da atividade de pesquisa realmente importantes para o avanço do conhecimento nesse campo no Brasil exatamente por entender que essa lei é extremamente vaga e foi formulada data venia de forma tecnicamente imprecisa 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL À revisão de aparte da Ministra Ellen Gracie ESCLARECIMENTO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO Senhor Presidente eu tenho sempre desde que aqui cheguei o maior respeito a maior admiração e o maior carinho pelos meus eminentes Colegas E tenho procurado ao longo do tempo dar o testemunho desta certeza de que cada um de nós quando a esta Casa comparece o faz na mesma perspectiva daquele diálogo que teve Santo Agostinho com seu filho Adeodato quando alguém fala ou ele pretende aprender ou pretende ensinar E eu tenho sempre aqui me posto na posição de aprender continuamente Lamento muito embora compreenda que a eminente Ministra Ellen Gracie que antecipou o seu voto na sessão era que pedi vista não tenha tido a oportunidade de acompanhar detalhadamente o voto que proferi Não seria eu leviano de trazer a esta Corte alguma informação de natureza científica que não estivesse embasada em lastro de pesquisa com todo o cuidado com toda a tranqüilidade e com toda a certeza possível em matéria de ciência Procurei ontem tomando até tempo demasiado da Corte fundamentar o meu voto na perspectiva que me pareceu mais correta E compreendo que a Ministra Ellen Gracie diante daquela fundamentação tenha sentido necessidade de complementar as razões do voto que apresentou na primeira sessão Todavia peço licença a Sua Excelência para repelir de maneira muito enérgica mas com muito afeto qualquer afirmação que possa ter levantado dúvida no que concerne à informação científica que trouxe não apenas dos cientistas com os quais eu tive o privilégio de contactar pessoalmente como de igual modo daqueles que lamentavelmente só mesmo por via de comunicação eu pude também contactar Mas sem dúvida eu terei enorme prazer em ceder à eminente Ministra Ellen Gracie o meu voto para que Sua Excelência possa constatar que a alternativa que propus não foi uma alternativa que existisse apenas numa perspectiva de probabilidade Foi uma alternativa que existe em concreto com pesquisas realizadas com resultados constatados se bem que como todos os resultados de ciência tenha eu destacado e até mesmo procurado listar os esforços que foram realizados nesta matéria com resultados que se vão confirmando ao longo do tempo Mas sob nenhum aspecto por isso usei a expressão repelir energicamente pude trazer a esta Corte em respeito até mesmo aos seus Membros qualquer informação que não estivesse embasada criteriosamente nos dados que obtive Por fim ainda pedindo desculpas por tomar o tempo desta Corte mas mantendome fiel à posição que adotei entendo que ela está lastreada suficientemente e que não necessita de maior explanação Todos aqueles que desejarem certamente terão acesso ao voto que proferi sempre respeitando como o faço as posições contrárias porque esta Corte não pode ter a pretensão de decidir sempre à unanimidade Não me preocupam sob nenhum ângulo e de nenhuma forma as interpretações que possam surgir a respeito do voto de cada um de nós seja pela imprensa seja pelos cientistas seja pelos advogados porque isso faz parte do jogo democrático faz parte da sociedade plural E nós temos necessariamente obrigação moral para não dizer uma obrigação ética que é superior de respeitar essas opiniões de respeitar essas interpretações porque é através dessas interpretações e dessas opiniões que nós vamos construindo uma sociedade mais livre mais justa na qual as pessoas possam realizar na integralidade da sua natureza a bemaventurança desse dom da vida Portanto Senhor Presidente era apenas esse registro que gostaria de fazer no alvorecer desta sessão Agradeço a Vossa Excelência A SRA MINISTRA ELLEN GRACIE Senhor Presidente sem mais tomar o tempo do Plenário mas creio que comecei a minha manifestação exatamente dizendo que lamentava não poder aderir à divergência inaugurada pelo Ministro Carlos Alberto Direito cujo voto de forma alguma tentei desqualificar Creio que Sua Excelência haverá de me fazer justiça Apenas mencionei o fato de que pareceume assim a estrutura das condicionantes colocadas por Vossa Excelência partia do pressuposto de que existe essa possibilidade possibilidade esta de utilização sem destriuição do blastocisto E Vossa Excelência prestei muita atenção ao voto de Vossa Excelência até comparava este fato à doação de órgãos Então esta possibilidade que ao que me parece salvo melhor juízo é utilizada por apenas um único grupo de cientistas no mundo inteiro poderá no futuro quem sabe com o desenvolvimento da ciência com o desenvolvimento destas pesquisas cuja continuidade talvez a Casa hoje autorize venha a se tornar prevalecente Mas no momento é apenas a pesquisa realizada por um único grupo de cientistas O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO Vossa Excelência me perdoe mais uma vez não é não São duas as hipóteses que foram postas e talvez Vossa Excelência não tenha acompanhado as duas hipóteses Eu me referi primeiro ao conceito de embrião inviável e utilizei este conceito num dos termos postos pelo decreto regulamentar Quanto ao outro eu fiz referência à utilidade possível que é realizada pelas diversas clínicas de reprodução assistida no que concerne ao diagnóstico pré implantacional E isso não é realizado nem por um nem por dois cientistas é realizado por todas as clínicas de reprodução assistida como objeto do processo normal de diagnóstico pré implantacional Mas é certo Senhor Presidente que não convém agora reabrirmos esta discussão porque ela está estampada no voto Eu apenas fiz o registro diante da complementação do voto da eminente Ministra Ellen Gracie nesta sessão mas certamente Sua Excelência terá oportunidade de 1er na integralidade o meu voto e certamente haverá de compreender como é normal nos dissensos a posição que adotei Obs Texto sem revisão do Exmo Sr Ministro Menezes Direito 3º do artigo 96 do RISTF com a redação dada pela Emenda Regimental nº 26 de 22 de outubro de 2008 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO Antes de tudo registro a valia do pedido de vista formulado pelo ministro Menezes Direito Permitiu a reflexão maior sobre o tema ensejando já agora o término do julgamento A iniciativa mostrouse regimental e harmônica com o interesse coletivo no que repousa na segurança dos pronunciamentos do Supremo porquanto decidida a matéria não há órgão judicante capaz de revisála Quanto ao voto de Sua Excelência sempre vejo com restrições a denominada interpretação conforme à Constituição É que há o risco de a tal titulo redesenharse a norma em exame assumindo o Supremo contrariando e não protegendo a Constituição Federal o papel de legislador positivo Em síntese a interpretação conforme pressupõe texto normativo ambíguo a sugerir portanto mais de uma interpretação e ditame constitucional cujo alcance se mostra incontroverso Essas premissas não se fazem presentes Também não cabe ao Supremo ao julgar fazer recomendações Não é órgão de aconselhamento Em processo como este de duas uma ou declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade total ou parcial do ato normativo abstrato atacado Nestes praticamente dezoito anos de Tribunal jamais ADI 3510 DF presenciei consideradas as diversas composições a adoção desse critério a conclusão de julgamento no sentido de recomendar esta ou aquela providência seja ao Poder Legislativo seja ao Executivo em substituição de todo extravagante Para efeito de documentação transcrevo o artigo da Lei nº 111052005 Lei de Biossegurança atacado por meio desta ação direta de inconstitucionalidade Art 5o É permitida para fins de pesquisa e terapia a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento atendidas as seguintes condições I sejam embriões inviáveis ou II sejam embriões congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação desta Lei ou que já congelados na data da publicação desta Lei depois de completarem 3 três anos contados a partir da data de congelamento 1º Em qualquer caso é necessário o consentimento dos genitores 2 Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art 15 da Lei nº 9434 de 4 de fevereiro de 1997 Pinço do dispositivo impugnado certos requisitos para a realização da pesquisa e da terapia mediante o uso de células tronco embrionárias ADI 3510 DF 1 Haver embriões humanos produzidos por fertilização in vitro não utilizados 2 Tratarse de embriões inviáveis ou estarem os embriões congelados há três anos ou mais na data da publicação da lei ou se já congelados em tal data após completarem três anos de congelamento 3 Existir o consentimento daqueles que forneceram o material 4 Submeterem as instituições de pesquisa e serviços de saúde os respectivos projetos com vistas à aprovação a comitês de ética em pesquisa 5 Não ocorrer a comercialização do material biológico configurado no caso de inobservância da lei tipo penal Ante tais requisitos cabe indagar simplesmente onde reside a ofensa do citado artigo 5º à Carta Federal a ponto de levar à declaração de inconstitucionalidade Mas até mesmo em respeito a ópticas diversas à atuação do então ProcuradorGeral da República Dr Cláudio Fonteles ao ajuizar esta ação cumpre a análise do tema Devemse colocar em segundo plano paixões de toda ordem de maneira a buscar a prevalência dos princípios constitucionais Opiniões estranhas ao Direito por si sós não podem prevalecer pouco importando o apego a elas por aqueles que as veiculam 0 contexto apreciado há de ser técnicojurídico valendo ADI 3510 DF notar que declaração de inconstitucionalidade pressupõe sempre conflito flagrante da norma com o Diploma Maior sob pena de relativizarse o campo de disponibilidade sob o ângulo da conveniência do legislador eleito pelo povo e que em nome deste exerce o poder legiferante Os fatores conveniência e oportunidade mostramse em regra neutros quando se cuida de crivo quanto à constitucionalidade de certa lei e não de medida provisória Somente em situações extremas nas quais surge ao primeiro exame a falta de proporcionalidade podese adentrar o âmbito do subjetivismo e exercer a glosa No caso a lei foi aprovada mediante placar acachapante 96 dos Senadores e 85 dos Deputados votaram a favor o que sinaliza a razoabilidade No tocante à questão do início da vida não existe balizamento que escape da perspectiva simplesmente opinativa É possível adotar vários enfoques a saber a o da concepção b o da ligação do feto à parede do útero c o da formação das características individuais do feto d o da percepção pela mãe dos primeiros movimentos e o da viabilidade em termos de persistência da gravidez f o do nascimento ADI 3510 DF Os filósofos da antigüidade e Santo Agostinho revelaram ópticas diversas1 Aqueles acreditavam que o embrião ou o feto não se mostrava formado senão após quarenta dias da concepção no caso masculino e entre oitenta e noventa dias no caso feminino O pensamento de Aristóteles derivava da teoria dos três estágios da vida vegetal animal e racional O estágio vegetal era alcançado na concepção o animal na animação quando incorporada a alma e o racional logo após o nascimento com vida Essa teoria passou a ser aceita pelos primeiros pensadores cristãos O debate teológico refletiuse nos escritos de Santo Agostinho que traçava distinção entre embryo inanimatus quando não presente a alma e embryo animatus portanto o já animado Tal enfoque acreditase teria origem na interpretação emprestada a versículo do livro bíblico Êxodo cuja autoria é atribuída a Moisés Êxodo 2122 Se alguns homens brigarem e um f e r i r uma mulher grávida e for causa de que aborte não resultando porém outro dano este certamente será multado conforme o que lhe impuser o marido da mulher e pagará segundo o a r b í t r i o dos juízes Êxodo 2123 mas se r e s u l t a r dano então darás vida por vida Êxodo 2124 olho por olho dente por dente mão por mão pé por pé Êxodo 2125 queimadura por queimadura ferida por ferida golpe por golpe Notase que haveria punição diferente para a hipótese de aborto se comparada à ocorrência de outro dano O certo é que se 1 Roe v Wade 410 US 113 133 1973 hipót ese ADI 3510 DF encontra nos escritos de Santo Agostinho a visão de que poderes humanos não podem determinar o ponto durante o desenvolvimento do feto em que a mudança crítica ocorre ou seja o feto adquire a alma Houvesse a necessidade de abordar tema que não está em pauta o aborto poderseia citar a possibilidade de sobrevivência do feto inconfundível com o embrião sob o ângulo científico Nessa perspectiva a Suprema Corte americana no controverso caso Roe versus Wade decidido em 1973 estabeleceu que a viabilidade se dá a partir de vinte e oito semanas podendo ocorrer até com vinte e quatro semanas Em síntese para efeito de proteção da vida em potencial a Suprema Corte americana assentou que o ponto revelador de interesse obrigatório a ser protegido surge com a capacidade do feto de sobreviver fora do útero Considerou sim a presença do interesse em garantir a saúde materna antes desse período autorizando a realização do aborto apenas nos três primeiros meses de gravidez pois a partir desse momento a intervenção fazse mais perigosa que o próprio parto Vale frisar que esse precedente tornou irrelevante a discussão na América sobre a constitucionalidade da pesquisa em célulastronco em face de suposta transgressão ao direito à vida havendo tãosomente questionamentos sobre o financiamento público federal em tal campo No caso concreto não está envolvida a denominada viabilidade Em primeiro lugar o artigo 5º da Lei nº 111052005 2 Id p 162163 ADI 3510 DF versa sobre o uso de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro não cogitando de aproveitamento daqueles fecundados naturalmente no útero Em segundo lugar a lei contendo inúmeras cláusulas acauteladoras e até mesmo proibitivas como é o caso da referente à clonagem condiciona a pesquisa a embriões não utilizáveis no procedimento de inseminação É bem explícita ao considerar apenas os inviáveis e os congelados há três anos ao prever o consentimento dos fornecedores dos óvulos e dos espermatozóides e ao proibir a comercialização versando diversos tipos penais A viabilidade ou não diz diretamente com a capacidade de desenvolverse a ponto de surgir um ser humano Ora estáse diante de quadro peculiar a afastar tal resultado Levem em conta para tanto a existência do embrião in vitro e não no útero e mais a constatação da inviabilidade de uso considerada a destinação inicial Somase a essa limitação o necessario consentimento daqueles que forneceram o material os elementos ficando assim descartada seja sob o ângulo da utilidade seja sob o da vontade do casal a possibilidade de implantação no útero Vale dizer que na prática ocorre a fecundação de vários óvulos mantendose banco próprio para fazer frente ao insucesso da inseminação Verificandose o contrário e a realide de temse mostrado extremada no que gerados gêmeos trigêmeos quadrigêmeos os óvulos que sobejam acabam desprezados dandose ADI 3510 DF lhes o destino do lixo já que dificilmente quem de direito delibera por implantálos em terceira pessoa Então quer pela passagem do tempo sob o estado de congelados quer considerada a decisão dos que forneceram o material os embriões jamais virão a se desenvolver jamais se transformarão em feto jamais desaguarão no nascimento A propósito expressivas são as palavras do biólogo David Baltimore ganhador de prêmio Nobel ao emitir opinião sobre a discussão ora submetida a este Tribunal Não sei falar a respeito do aspecto jurídico do assunto mas do ponto de vista científico é uma discussão sem sentido Afinal os embriões humanos foram descartados porque o casal já teve o número de filhos que queria ou por qualquer outra razão 0 fato é que os embriões serão destruídos de qualquer modo A questão é saber se serão destruídos fazendo o bem a outras pessoas ou não A meu ver a resposta é óbvia3 No tocante ao aspecto constitucional e considerado o direito à vida expressouse José Afonso da Silva para quem as pesquisas não podem ser interrompidas4 Não intentaremos dar uma definição disto que se chama vida porque é aqui que se corre o grave risco de ingressar no campo da metafísica suprareal que não nos levará a nada Mas alguma palavra há de ser dita sobre esse ser que é objeto de direito fundamental Vida no texto constitucional art 5 a caput não será considerada apenas no seu sentido biológico mas na sua acepção biográfica mais compreensiva Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade É mais um processo processo vital que se instaura com a concepção ou germinação vegetel transformase progride mantendo sua identidade até que muda de qualidade deixando então de ser vida para ser morte Tudo que 1 Veja Páginas amarelas Editora Abril edição 2062 ano 41 nº 21 28 de maio de 2008 SILVA José Afonso A questão das célulastronco embrionárias Jornal Folha de S Paulo 21 de março de 2008 ADI 3510 DF interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida5 Cito este trecho de José Afonso da Silva para revelar o descompasso entre a situação concreta versada no artigo em comento da Lei de Biossegurança e aquela outra que pode resultar sem interferências estranhas em uma vida No enfoque biológico o inicio da vida pressupõe não só a fecundação do óvulo pelo espermatozóide como também a viabilidade antes referida e essa inexiste sem a presença do que se entende por gravidez ou seja gestação humana Assentar que a Constituição protege a vida de forma geral inclusive a uterina em qualquer fase já é controvertido a exemplo dos permitidos aborto terapêutico ou o decorrente de opção legal após estupro o que se dirá quando se trata de fecundação in vi tro já sabidamente sob o ângulo técnico e legal incapaz de desaguar em nascimento É que não há a unidade biológica a pressupor sempre o desenvolvimento do embrião do feto no útero da futura mãe A personalidade jurídica a possibilidade de considerarse o surgimento de direitos depende do nascimento com vida e portanto o desenlace próprio à gravidez à deformidade que digo sublime vir o fruto desta última separado do ventre materno a proceder à denominada troca oxicarbônica com o meio ambiente Por isso mesmo o próreitor de graduação da Universidade Federal de São 5 SILVA José Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo 29ª ed revista e atualizada São Paulo Malheiros 2007 p 197 I ADI 3510 DF Paulo e presidente da Federação de Sociedade de Biologia Experimental o médico Luiz Eugenio Mello ressaltou Um embrião produzido em laboratório sem condições para implantação em um útero de uma mulher ou nos termos da lei um embrião inviável que seria descartável não é uma pessoa humana Se de um lado é possível dizer que a criminalização do aborto compele a grávida a gerar o filho concebido concebido naturalmente mesmo contra a respectiva vontade ficando com isso enfatizado na legislação de regência o interesse do nascituro de outro não se pode imaginar estejam os fornecedores dos óvulos e dos espermatozóides obrigados a dar conseqüências a esses atos chegando a forçar a mulher a gerar todos os embriões fecundados artificialmente potencializando a mais não poder o ato de vontade inicial Caminhar em tal sentido isso para não se levar em conta o destino dos óvulos fecundados que tenham sobejado ao êxito da inseminação é transformar a mulher em verdadeira incubadora é contrariarse o planejamento familiar assegurado na Constituição Em síntese aqui não se trata de questionar a possibilidade de obrigar uma pessoa a gestante a ficar fisicamente conectada a outra tema a ser discutido sob o ângulo constitucional oportunamente mas de definir o destino dos óvulos fecundados que fatalmente seriam destruídos e que podem e devem ser aproveitados na tentativa sempre inesgotável de progresso da humanidade 6 MELLO Luiz Eugenio Entre células e pessoas a vida humana Jornal Folha de S Paulo lº de marca de 2008 ADI 3510 DF Vale notar ainda que no campo da doação de órgãos inexiste base na Carta Federal ou em lei que compila os pais a fazêla para salvar a vida dos filhos Contrapõese à visão avessa à utilização dos embriões in vitro dado da maior importância considerado até mesmo predicado que transparece em desuso a solidariedade É fundamento da República a dignidade da pessoa humana Ora o que previsto no artigo 5a da Lei nº 111052005 objetiva acima de tudo avançar no campo científico para preservar esse fundamento para devolver às pessoas acometidas de enfermidade ou às vítimas de acidentes uma vida útil razoavelmente satisfatória No mundo científico é voz corrente que as célulastronco não são substituíveis para efeito de pesquisa por célulastronco adultas uma vez que estas últimas não se prestam a gerar tecidos nervosos a formar neurônios Então doenças neuromusculares e o tratamento da medula de alguém que ficou paraplégico ou tetraplégico bem como de acometidos por Parkinson não terão possibilidade de serem alcançados pela pesquisa a partir de célulastronco adultas Confiram a entrevista da bióloga Mayana Zatz a seguir referida Em outras palavras os valores cotejados não possuem a mesma envergadura surgindo triste paradoxo no que ante material biológico que terá repito destino único o lixo seja proibida a utilização para salvar vidas Quanto preconceito quanto egoísmo ADI 3510 DF fazendo lembrar Vieira no Sermão da QuintaFeira da Quaresma em 1669 A cegueira que cega cerrando os olhos não é a maior cegueira a que cega deixando os olhos abertos essa é a mais cega de todas Sob esse aspecto fazse necessário ter presente passagem de obra de Márcio Fabri dos Anjos A ética não se nutre simplesmente da ordem colocada mas de objetivos e finalidades segundo os quais a ordem se refaz para garantir o processo humano7 A óptica dos contrários às pesquisas não merece prosperar distanciandose de noção humanísticoracional Sob o ângulo prático sob o ângulo do tratamento igualitário tão próprio a sociedade que se diga democrática a conclusão sobre a inconstitucionalidade do artigo 5a em análise prejudicará justamente aqueles que não têm condições de buscar em outro centro no qual verificado o sucesso de pesquisas com célulastronco o tratamento necessário Será que tudo isso interessa à sociedade brasileira Trago para ilustrar informações sobre o assunto relativamente a diversos países cujos nomes estão em ordem alfabética veiculadas em sítios na internet 8 7 ANJOS Márcio Fabridos Ética e clonagem humana na questão dos paradigmas in P e s s i n i Leo BARCHIFONTAINE Christian Paulo de orgs Fundamentos da Bioética São Paulo Paulus 1996 p 126 8 Informações obtidas nos sítios eletrônicos do Jornal Herald Tribune e Wikipedia confirmadas no sitio eletrônico da The International Society for Stem Cell Research ISSCR Endereços eletrônicos abaixo Bas no ítio abai a ADI 3510 DP África do Sul Permite todas as pesquisas com embriões inclusive a clonagem terapêutica É o único país africano com legislação a respeito Alemanha Permite a pesquisa com linhagens de células tronco existentes e sua importação mas proíbe a destruição de embriões Austrália Lei aprovada em Dezembro de 2006 permite o clone terapêutico a união do DNA de células da pele em ovos para produzir célulastronco também conhecidas como células mestre capazes de produzir todos os tecidos do corpo humano Os embriões clonados não podem ser implantados no útero e precisam ser destruídos em 14 dias Em 2002 o Parlamento autorizou os cientistas a extraírem célulastronco de embriões divididos para fertilização in vitro mas baniu a clonagem de células China Permite todas as pesquisas com embriões inclusive a clonagem terapêutica Cingapura 0 país se proclamou como um centro internacional para a pesquisa em célulastronco atraindo cientistas de diversas partes do mundo incluindo os cientistas britânicos que clonaram a ovelha Dolly São fornecidos incentivos robustos para a pesquisa em célulastronco incluindo a clonagem de embriões humanos Coréia do Sul Permite todas as pesquisas com embriões inclusive a clonagem terapêutica Espanha Em maio de 2006 o Parlamento votou para expandir o número de embriões disponíveis para a pesquisa em célulastronco de forma a incluir qualquer congelado até 14 dias da concepção Antes os pesquisadores apenas poderiam usar os embriões congelados anteriormente a Julho de 2003 A lei também permite aos pais de crianças com doenças incuráveis a conceberem novos embriões e escolherem um saudável para servir como doador de tecidos em casos em que todos os demais tratamentos falharam Estados unidos Proíbe a aplicação de verbas do governo federal a qualquer pesquisa envolvendo embriões humanos a exceção é feita para 19 linhagens de célulastronco derivadas antes da aprovação da lei norteamericana Mas Estados como a Califórnia permitem e patrocinam esse tipo de pesquisa inclusive a clonagem terapêutica França Não tem legislação específica mas permite a pesquisa com linhagens existentes de célulastronco embrionárias e com embriões de descarte httpwwwihtcomarticlesap20061207asiaASGENAustraliaStem CellGlancephp Acessado em 19 de maio de 2008 httpptwikipediaorgwikiCC3A91ulatronco acessado em 19 de maio de 2008 httpwwwisscrorgpublicregionsindexcfm acessado em 27 de maio de 2008 ADI 3510 DF Índia Proíbe a clonagem terapêutica mas permite as outras pesquisas I s r a e l Permite todas as pesquisas com embriões inclusive a clonagem terapêutica I t á l i a Proíbe totalmente qualquer tipo de pesquisa com célulastronco embrionárias humanas e sua importação Japão Permite todas as pesquisas com embriões inclusive a clonagem terapêutica Mas a burocracia para obtenção de licença de pesquisa é tão grande que limita o número de pesquisas México Único país latinoamericano além do Brasil que possui l e i permitindo o uso de embriões A l e i mexicana é mais l i b e r a l do que a b r a s i l e i r a já que permite a criação de embriões para pesquisa Reino Unido Tem uma das legislações mais l i b e r a i s do mundo e permite a clonagem terapêutica Rússia Permite todas as pesquisas com embriões inclusive a clonagem terapêutica Suíça Os e l e i t o r e s aprovaram a pesquisa em célula tronco embrionária mediante um referendo nacional ocorrido em Novembro de 2004 autorizando apenas o uso de célulastronco embrionárias não u t i l i z a d a s em processo de f e r t i l i z a ç ã o in vitro A l e i proíbe a clonagem humana e a criação de embriões para a pesquisa em célulastronco Turquia Permite pesquisas e uso de embriões de descarte mas proíbe a clonagem terapêutica como o B r a s i l No Brasil pesquisa efetuada em janeiro último pelo Instituto Ibope revelou o pensamento da população e este deve ser sopesado neste julgamento O índice dos que se manifestaram em apoio ao uso de célulastronco embrionárias desconsiderada a parcela dos que não opinaram chegou a 959 Relembro o que consignei no exame da Questão de Ordem na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 548DF quando o Plenário veio a mitigar a medida acauteladora deferida que 9 Pesquisa IBOPECDD Ibope Inteligência JOB 1102008 janeiro de 2008 Base de cálcalo 1963 entrevistadas desconsiderando a parcela de pessoas que não concorda e nem discorda não sabe dizer e não respondeu ADI 3510 DF implicara o afastamento da glosa penal quanto à gestante e ao pessoal médico no caso de interrupção de gravidez de feto anencéfalo A questão a p a r t i r de l 9 de julho de 2004 data em que concedida a medida acauteladora no processo movimentou como não tinha acontecido jamais com qualquer tema submetido ao Judiciário salvo agora relativamente à possibilidade de pesquisa em célulastronco os mais diversos segmentos da sociedade b r a s i l e i r a Muitos foram os artigos publicados pró e contra o pedido formulado variando as opiniões conforme as concepções técnicas r e l i g i o s a s e morais Tal como nas cortes constitucionais estrangeiras o tema alusivo à vida seja qual for o â n g u l o o da pena c a p i t a l o do aborto o da eutanásia e o da interrupção da gravidez ante a deformidade inafastável inviabilizadora da própria vida vem sendo alvo no Brasil de enorme expectativa Frisei que os olhos da nação voltavamse ao Supremo Tribunal Federal e permanecem voltados e este há de se pronunciar quer em um sentido quer em outro evitando a insegurança j u r í d i c a a grande perplexidade que advém de teses díspares sobre a matéria Lembrei que a História é impiedosa não poupando posturas reveladoras de atos omissivos Cumpre a esta Corte a guarda da Constituição Federal e a estará implementando a todos os títulos sob as mais diversas ópticas vindo a julgar improcedente o pleito formulado nesta ação direta de inconstitucionalidade mantendo a esperança sem a qual a vida do homem tornase inócua Bem o disse a próreitora de pesquisa e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo professora Mayana Zatz ao ressaltar que A terapia com célulastronco pode ser considerada como o futuro da medicina regenerativa Entre as áreas m a i s promissoras está o tratamento para diabetes doenças neuromusculares como as d i s t r o f i a s musculares progressivas e a doença de Parkinson Com as célulastronco também se podará promover a regeneração de tecidos lesionadas por c u s a s não h e r e d i t á r i a s como acidentes ou pelo câncer I 0 10 Veja Páginas Amarelas Editora abril edição 2050 ano 41 ne 9 5 de março de 2008 ADI 3510 DF Então que se aguarde o amanhã não se apagando a luz que no Brasil surgiu com a Lei nº 111052005 Acompanho o relator ministro Carlos Ayres Britto e os que o seguiram no voto proferido e julgo improcedente o pedido formulado na inicial assentando a harmonia do artigo 5a da lei atacada com a Constituição Federal notadamente com os artigos 1 e 5o da Carta e com o principio da razoabilidade 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Em quase 40 anos de atuação na área jurídica primeiro como membro do Ministério Público paulista e agora como Juiz do Supremo Tribunal Federal nunca participei de um processo que se revestisse da magnitude que assume o presente julgamento Este julgamento que é efetivamente histórico eis que nele estamos a discutir o alcance e o sentido da vida e da morte revela que o Direito em nosso País estruturado sob a égide de um Estado laico secular e democrático é capaz de conferir dignidade às experiências da vida e aos mistérios insondáveis da morte possibilitando assim que esta Suprema Corte supere os graves desafios representados pelos dilemas éticos e jurídicos resultantes do progresso da ciência e do desenvolvimento da biotecnologia o que permitirá ao Tribunal no caso em análise proferir decisão impregnada da mais elevada transcendência porque motivada pelo exame de temas instigantes que nos estimulam a julgar esta controvérsia a partir da perspectiva emancipatória dos direitos humanos Ressalto a importância do pedido de vista formulado pelo eminente Ministro MENEZES DIREITO cujo voto rico denso e ADI 3510 DF finamente elaborado e porque dissentindo do pronunciamento do eminente Ministro CARLOS BRITTO permitiu aos Juízes desta Suprema Corte ampla reflexão e análise responsável sobre as várias questões suscitadas pelo exame do pedido formulado pelo Senhor ProcuradorGeral da República Destaco ainda Senhor Presidente a excelência dos magníficos votos proferidos pelos eminentes Senhores Ministros que me precederam CARLOS BRITTO ELLEN GRACIE MENEZES DIREITO CÁRMEN LÚCIA RICARDO LEWANDOWSKI EROS GRAU JOAQUIM BARBOSA CEZAR PELUSO e MARCO AURÉLIO que fundados em estudos sérios e apoiados em muita reflexão revelaram idéias respeitabilíssimas e exprimiram a visão de mundo que os orientaram na formulação de suas decisões Relembrando o saudoso Ministro LUIZ CALLOTTI e considerando o alto significado da decisão a ser tomada por esta Suprema Corte tenho presente a grave advertência por ele então lançada de que em casos emblemáticos como este o Supremo Tribunal Federal ao proferir o seu julgamento poderá ser ele próprio julgado pela Nação RTJ 63299 312 ÍTALO CALVINO em suas Seis Propostas para o Próximo Milênio p 72 1990 Companhia das Letras formula observação que ADI 3510 DF me parece apropriada para iluminar o caminho e alimentar a reflexão de todos os que participam deste julgamento Não me interessa aqui indagar se as origens dessa epidemia devam ser pesquisadas na política na ideologia na uniformidade burocrática na homogeneização das mass media ou na difusão acadêmica de uma cultura média O que me interessa são as possibilidades de salvação grifei Daí porque o eminente Professor JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO Problemas jurídicos da Reprodução Assistida in Revista Forense vol 32880 e seguintes tendo presente o desenvolvimento da ciência assinala que nos sentimos no direito de reformular o sistema porque o direito é fato norma e valor Alterado radicalmente o fato a norma não pode deixar de sofrer alteração à luz dos valores Não questiono a sacralidade e a inviolabilidade do direito à vida Reconheço ainda para além da adesão a quaisquer artigos de fé que o direito à vida revestese em sua significação mais profunda de um sentido de inegável fundamentalidade não importando os modelos políticos sociais ou jurídicos que disciplinem a organização dos Estados pois qualquer que seja o contexto histórico em que nos situemos o valor incomparável da ADI 3510 DF pessoa humana representará sempre o núcleo fundante e eticamente legitimador dos ordenamentos estatais Ressalto ainda por irrecusável a essencialidade que assume em nosso sistema jurídico como fator estruturante do ordenamento estatal a dignidade da pessoa humana Com efeito o postulado da dignidade da pessoa humana considerada a centralidade desse princípio essencial CF art 1º III representa significativo vetor interpretativo verdadeiro valorfonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e traduz de modo expressivo um dos fundamentos em que se assenta entre nós a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo É certo ainda que a presente controvérsia jurídica mesmo que impregnada de evidente interdisciplinaridade temática não pode nem deve ser reconhecida como uma disputa entre Estado e Igreja entre poder secular e poder espiritual entre fé e razão entre princípios jurídicos e postulados teológicos Na realidade o debate em torno da utilização das célulastronco embrionárias não pode ser reduzido à dimensão de uma ADI 3510 DF litigiosidade entre o poder temporal e o poder espiritual pois o sistema jurídico brasileiro estabelece desde o histórico Decreto 119A de 07011890 elaborado por RUI BARBOSA e DEMETRIO RIBEIRO então membros do Governo Provisório da República a separação entre Estado e Igreja com afastamento do modelo imperial consagrado na Carta monárquica de 1824 que proclamava o catolicismo como religião oficial do Estado brasileiro Todos sabemos que a laicidade traduz desde 1890 um postulado essencial da organização institucional do Estado brasileiro representando nesse contexto uma decisão política fundamental adotada pelos Fundadores da República cuja opção consideradas as circunstâncias históricas então presentes teve era perspectiva a desgastante experiência proporcionada pela Carta Política do Império do Brasil notadamente aquela resultante do gravíssimo conflito que se instaurou entre o Estado monárquico brasileiro e a Igreja Católica Romana a conhecida Questão Religiosa ou controvérsia epíscopomaçônica 18721875 que opôs o trono imperial ao altar católico A laicidade do Estado enquanto princípio fundamental da ordem constitucional brasileira que impõe a separação entre ADI 3510 DF Igreja e Estado não só reconhece a todos a liberdade de religião consistente no direito de professar ou de não professar qualquer confissão religiosa como assegura absoluta igualdade dos cidadãos em matéria de crença garantindo ainda às pessoas plena liberdade de consciência e de culto O conteúdo material da liberdade religiosa compreende na abrangência de seu significado a liberdade de crença que traduz uma das projeções da liberdade de consciência a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa que representam valores intrinsecamente vinculados e necessários à própria configuração da idéia de democracia cuja noção se alimenta continuamente dentre outros fatores relevantes do respeito ao pluralismo Nesse contexto e considerado o delineamento constitucional da matéria em nosso sistema jurídico impõese como elemento viabilizador da liberdade religiosa a separação institucional entre Estado e Igreja a significar portanto que no Estado laico como o é o Estado brasileiro haverá sempre uma clara e precisa demarcação de domínios próprios de atuação e de incidência do poder civil ou secular e do poder religioso ou espiritual de tal modo que a escolha ou não de uma fé religiosa ADI 3510 DF revelese questão de ordem estritamente privada vedada no ponto qualquer interferência estatal proibido ainda ao Estado o exercício de sua atividade com apoio em princípios teológicos ou em razões de ordem confessional ou ainda em artigos de fé sendo irrelevante em face da exigência constitucional de laicidade do Estado que se trate de dogmas consagrados por determinada religião considerada hegemônica no meio social sob pena de concepções de certa denominação religiosa transformaremse inconstitucionalmente em critério definidor das decisões estatais e da formulação e execução de políticas governamentais O fato irrecusável é que nesta República laica fundada em bases democráticas o Direito não se submete à religião e as autoridades incumbidas de aplicálo devem despojarse de précompreensões era matéria confessional em ordem a não fazer repercutir sobre o processo de poder quando no exercício de suas funções qualquer que seja o domínio de sua incidência as suas próprias convicções religiosas Vale referir neste ponto o preciso magistério de DANIEL SARMENTO Legalização do Aborto e Constituição in Nos Limites da Vida Aborto Clonagem Humana e Eutanásia sob a ADI 3510 DF Perspectiva dos Direitos Humanos p 0351 p 2627 2007 Lumen Juris A Constituição de 88 não se limitou a proclamar como direito fundamental a liberdade de religião art 5a inciso VI Ela foi além consagrando no seu art 19 inciso I o princípio da laicidade do Estado que impõe aos poderes públicos uma posição de absoluta neutralidade em relação às diversas concepções religiosas A laicidade do Estado levada a sério não se esgota na vedação de adoção explícita pelo governo de determinada religião nem tampouco na proibição de apoio ou privilégio público a qualquer confissão Ela vai além e envolve a pretensão republicana de delimitar espaços próprios e inconfundíveis para o poder político e para a fé No Estado laico a fé é questão privada Já o poder político exercido pelo Estado na esfera pública deve basearse em razões igualmente públicas ou seja em razões cuja possibi1idade de aceitação pelo público em gera1 independa de convicções religiosas ou metafísicas particulares A laicidade do Estado não se compadece com o exercício da autoridade pública com fundamento em dogmas de fé ainda que professados pela religião majoritária pois ela impõe aos poderes estatais uma postura de imparcialidade e eqüidistância em relação às diferentes crenças religiosas cosmovisões e concepções morais que lhes são subjacentes Com efeito uma das características essenciais das sociedades contemporâneas é o pluralismo Dentro de um mesmo Estado existem pessoas que abraçam religiões diferentes ou que não adotam nenhuma que professam ideologias distintas que têm concepções morais filosóficas díspares ou até antagônicas E hoje entendese que o Estado deve respeitar estas escolhas e orientações de vida nao lhe sendo permitido usar do seu aparato repressivo nem mesmo do seu poder simbólico para coagir o cidadão a adequar sua conduta às concepções hegemônicas na sociedade nem tampouco para estigmatizar os outsiders ADI 3510 DF Como expressou a Corte Constitucional alemã na decisão em que considerou inconstitucional a colocação de crucifixos em salas de aula de escolas públicas um Estado no qual membros de várias ou até conflituosas convicções religiosas ou ideológicas devam viver juntos só pode garantir a coexistência pacífica se se mantiver neutro em matéria de crença religiosa A força numérica ou importância social da comunidade religiosa não tem qualquer relevância O princípio majoritário não é outra coisa senão a transplantação para o cenário político institucional da idéia de intrínseca igualdade entre os indivíduos Mas as pessoas só são tratadas como iguais quando o Estado demonstra por elas o mesmo respeito e consideração E não há respeito e consideração quando se busca impingir determinado comportamento ao cidadão não por razões públicas que ele possa aceitar através de um juízo racional mas por motivações ligadas a alguma doutrina religiosa ou filosófica com a qual ele não comungue nem tenha de comungar grifei Em matéria confessional portanto o Estado brasileiro há de se manter em posição de estrita neutralidade axiológica em ordem a preservar em favor dos cidadãos a integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa Não podemos ignorar que as liberdades públicas do pensamento são prerrogativas constitucionais essenciais cujo respeito efetivo por parte do Estado e de seus agentes qualificase como pressuposto necessário à própria legitimação substancial do regime democrático A livre expressão e divulgação de idéias não deve ser impedida pelo Estado especialmente se se considerar que o ADI 3510 DF pluralismo de idéias enquanto fundamento desta República revelase subjacente à própria concepção do Estado democrático de direito consoante prescreve o art 1a da Constituição do Brasil Na verdade a nossa Lei Fundamental proclama em norma plenamente compatível com a natureza democrática do regime político que hoje caracteriza o Estado brasileiro a liberdade de manifestação do pensamento assegurando em conseqüência a livre expressão e transmissão de idéias inclusive aquelas de caráter religioso ou as de índole nãoconfessional sem a possibi1idade de qualquer interferência prévia do aparelho estatal seja para favorecer seja para coarctar o exercício da liberdade religiosa O Estado não tem nem pode ter interesses confessionais Ao Estado é indiferente o conteúdo das idéias religiosas que eventualmente venham a circular e a ser pregadas por qualquer grupo confessional mesmo porque não é lícito ao Poder Público interditálas ou censurálas sem incorrer caso assim venha a agir em inaceitável interferência em domínio naturalmente estranho às atividades estatais É por essa razão Senhor Presidente que cabe destacar a relevantíssima circunstância de que no contexto de uma sociedade ADI 3510 DF fundada em bases democráticas tornase imperioso reconhecer que temas de caráter teológico ou concepções de índole filosófica que busquem atribuir densidade teórica a idéias propagadas pelos seguidores de qualquer fé religiosa estão necessariamente fora do alcance do poder censório do Estado sob pena de gravíssima frustração e aniquilação da liberdade constitucional de crença e de disseminação sempre legítima das mensagens inerentes às doutrinas confessionais em geral A separação constitucional entre Estado e Igreja desse modo além de impedir que o Poder Público tenha preferência ou guarde hostilidade em relação a qualquer denominação religiosa objetiva resguardar duas 2 posições que se revestem de absoluta importância 1 assegurar de um lado aos cidadãos a liberdade religiosa e a prática de seu exercício e 2 obstar de outro que grupos fundamentalistas se apropriem do aparelho de Estado para com apoio em convicções ou em razões de ordem confessional impor aos demais cidadãos a observância de princípios teológicos e de diretrizes religiosas Daí porque esta Suprema Corte não pode resolver qualquer controvérsia como a que ora se examina sob uma ADI 3510 DF perspectiva de índole confessional tal como acertadamente assinalou o eminente Relator da causa O único criterio a ser utilizado portanto na solução da controvérsia ora ero exame é aquele que se fundamenta no texto da Constituição e das leis da República e que se revela informado por razões de ordem eminentemente social e de natureza pública estimuladas pela necessidade de desenvolvimento das pesquisas científicas em nosso país em ordem a viabílizar o domínio de técnicas que permitam o manejo e a utilização de terapias celulares com célulastronco embrionárias destinadas ao tratamento de doenças ou de alterações degenerativas Tenho para mim considerados os aspectos que venho de referir que se mostra relevante rememorar neste ponto alguns fragmentos que compõem documento elaborado por Grupo de Trabalho designado pela Academia Brasileira de Ciências constituído pelos Professores Doutores MAYANA ZATZ do Instituto de Biociências da USP MARCO ANTONIO ZAGO da Faculdade de Medicina da USP e ANTONIO CARLOS CAMPOS DE CARVALHO do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro O ProcuradorGeral da República interpôs perante o Supremo Tribunal Federal a ADI 3510 impugnando o artigo 5a e parágrafos da Lei nº 11105 de 24 de março ADI 3510 DF de 2005 Sua tese central é que a vida humana acontece na e a partir da fecundação sustentando que o referi do preceito desrespeita a invioiabi1idade do direito à vida e a dignidade da pessoa humana Para apoiar essa conclusão o ProcuradorGeral toma por base argumentos da biologia da embriologia e da medicina fundamentandose em opiniões que sustentam que existe evidência científica de que a a vida individual iniciase com a fecundação b a pesquisa com célulastronco adultas é mais promissora do que a pesquisa com célulastronco embrionárias c a existência na Alemanha de uma lei de proteção do embrião que proíbe a derivação de linhagens de célulastronco embrionárias embora permita a pesquisa com células da mesma natureza que sejam importadas O Grupo de Trabalho designado pela Academia Brasileira de Ciências decidiu pois restringir sua atenção a esses três tópicos retro citados abstendose de analisar em profundidade a grande potencialidade dessas células para pesquisa médica e biológica e para terapêutica de doenças humanas Início da vida individual 1 Não se trata propriamente do momento do início da vida individual mas sim em que momento do ciclo vital a sociedade decide dar ao ente biológico o status de indivíduo pleno ou potencial que passa então a merecer do Estado a proteção de sua integridade Essa não é uma questão científica biológica mas sim filosófica e moral definida arbitrariamente pela legislação de cada país em consonância com os costumes cultura da população É de esperar pois que seja variável segundo o local e o tempo Por analogia o mesmo ocorre com a morte A definição do momento da morte individual varia segundo a evolução da medicina O conceito de morte cerebral por exemplo que permite r e t i r a r órgãos de um indivíduo cujo coração e pulmão estejam funcionando é bastante recente na história da humanidade 3 É certo que o início do desenvolvimento embrionário ocorre com a fecundação Neste ponto formase um novo genoma pela fusão de metade do patrimônio genético materno e metade paterna No entanto essa ADI 3510 DF célula ovo e mesmo o blastocisto que daí deriva está muito longe de ser algo semelhante a um ser humano Contrariamente ao argumento do Dr Demerval Brandão inserido na ADI 3510 O processo vaise desenvolvendo suavemente sem saltos sem nenhuma mudança qualitativa há enormes diferenças qualitativas entre esse conjunto de células e o organismo adulto Em particular esse conjunto de células está muito longe de ter qualquer primórdio de atividade neural que caracteriza os animais evoluídos e está muito distante ainda do momento em que terá qualquer início de atividade cerebral superior que caracteriza os animais mais evoluídos Tratase de um conjunto de células que do ponto de vista biológico não se distingue de uma cultura ou uma colônia de células de animais ou plantas Sua característica mais importante é a de poder em condições apropriadas dar origem a todos os diferentes tecidos que compõem o organismo adulto Mais especificamente se houver condições adequadas de implantação em útero elas podem dar origem a um feto e eventualmente a um indivíduo adulto 4 Por isso a potencialidade de um embrião dar origem a um indivíduo está limitada irremediavelmente por uma condição sine qua non a implantação in utero Podese afirmar pois que o ovo fecundado ou embrião em fase inicial de desenvolvimento somente poderá ser considerado um ser humano em potencial se tiver a possibilidade de ser implantado em útero Um ovo ou embrião que não tem a possibilidade de ser implantado em útero não é um ser humano potencial A necessidade de pesquisas com célulastronco embrionárias Há necessidade de pesquisas com célulastronco embrionárias Não basta utilizar células troncoadultas 1 Dentre os argumentos apresentados na ADIN 3510 o ProcuradorGeral da República usa declarações do Professor GarciaOlmo que induzem a uma falsa idéia de que as terapias com células troncoadultas já teriam alcançado a comprovação científica de sua eficácia é necessário enfatizar que a única forma de tratamento com célulastronco adultas de eficiência comprovada e amplamente utilizada em medicina é o transplante de célulastronco hematopoéticas popularmente conhecida como transplante de medula óssea Todas as demais ADI 3510 DF terapias com célulastronco adultas são ainda experimentais o que significa dizer que se encontram em fase de pesquisa para atestar sua segurança exeqüibilidade ou eficácia As evidências científicas atualmente disponíveis não permitem afirmar que o transplante de célulastronco adultas de medula óssea trará benefícios para pacientes portadores de outras doenças além daquelas que hoje são tratadas regularmente com transplante de medula óssea 2 Do mesmo modo é necessária extrema cautela na interpretação dos resultados obtidos pelo grupo da Professora Catherine Verfaillie que teria identificado uma diminuta população de célulastronco da medula óssea adulta com propriedades semelhantes às das célulastronco embrionárias A destacar inicialmente o contraditório de que para validar esta descoberta seria necessário estudar as célulastronco embrionárias humanas objeto da contestação feita pela presente ADI 3 Obviamente os cientistas brasileiros como outros de vários países continuam pesquisas buscando isolar um tipo de célulatronco pluripotencial semelhante à célulatronco embrionária em adultos A posição das sociedades científicas e dos órgãos de financiamento à pesquisa é de apoiar essas investigações mas no momento não há evidências de que esse tipo celular exista em quantidade e com características que permita substituir as célulastronco embrionárias Em vista do volume de trabalho já investido nesta área parecenos que as perspectivas não são otimistas 4 As célulastronco embrionárias têm uma pluripotencialidade que é inconteste e aceita por todos os cientistas que trabalham na área Em contraste há intenso debate na comunidade científica sobre o grau de plasticidade ou seja sua capacidade de diferenciarse em outros tecidos de células troncoadultas de qualquer origem medula óssea cordão umbilical tecido adiposo entre outras Alguns poucos grupos de pesquisa relataram a existência de célulastronco adultas pluripotentes enguanto outros hoje majoritários contestam a existência destas células É neste cenário contraditório que a questão da pesquisa com célulastronco embrionárias precisa ser considerada e devemos novamente destacar que mesmo para comprovar a suposta pluripotencialidade das célulastronco adultas ADI 3510 DF será necessário e indispensável pesquisar com as célulastronco embrionárias grifei Em torno da matéria em exame Senhor Presidente há um dado da realidade sumamente importante que evidencia que as célulastronco embrionárias possuem genes estáveis ordinariamente insuscetíveis de sofrer alterações bioquímicas no curso do processo terapêutico e que por efeito de seu potencial ilimitado permitem inúmeras aplicações notadamente no tratamento de acidentes vasculares cerebrais de diabetes de doença de Alzheimer do mal de Parkinson do reparo de tecidos lesados de traumas na medula espinhal dentre outras gravíssimas patologias Notese portanto que este Supremo Tribunal Federal deve sustentar o seu julgamento em razões eminentemente nãoreligiosas considerada a realidade de que o Estado brasileiro fundado no pluralismo de idéias e apoiado em bases democráticas qualificase como uma República essencialmente laica e nãoconfessional para que não se repita uma vez mais o gravíssimo erro histórico em que incidiu em 1633 o Tribunal do Santo Ofício que constrangeu Galileu Galilei eppur si muove sob pena de condenação à morte na fogueira a repudiar as suas afirmações cientificamente corretas a propósito do sistema 16 ADI 3510 DF heliocêntrico reputadas incompatíveis com a Bíblia pelas autoridades e teólogos da Igreja de Roma A controvérsia constitucional ora em exame também não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto pois como bem destacou a ilustre Professora MAYANA ZATZ Pesquisar células embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto É muito importante que isso fique bem claro No aborto temos uma vida no útero que só será interrompida por intervenção humana enquanto que no embrião congelado não há vida se não houver intervenção humana É preciso haver intervenção humana para a formação do embrião porque aquele casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também para inserir no útero E esses embriões nunca serão inseridos no útero É muito importante que se entenda a diferença grifei Ainda que assim alguns não entendam penso Senhor Presidente que este julgamento impõe a meu juízo dentre outros temas grave reflexão sobre a bioética do começo da vida em face até mesmo da própria secularização dos valores envolvidos neste processo ADI 3510 DF É interessante observar neste ponto que são diversas as abordagens em torno da formulação de um conceito substantivo sobre a definição bioética do momento exato em que o ser humano se inaugura como ente MIGUEL KOTTOW Bioética del Comienzo de la vida Cuántas veces comienza la vida humana in Simpósio Bioética nº 2 vol 9 2001 Tornase correto assinalar em conseqüência que vários podem ser os inícios da vida humana tal seja a opção que se faça por qualquer das formulações teóricas ou teses que buscam estabelecer conceitos bioéticos sobre o início da vida individual A esse respeito e consideradas as diversas propostas sobre o tema em exame há diferentes teses científicas que discutem cada qual com argumentos próprios o início da vida destacandose dentre essas várias abordagens como observa LETÍCIA DA NÓBREGA CESARINO Nas Fronteiras do humano os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões as seguintes Tese Marco Inicial Fundamentos Biológicos Fertilização Com a fecundação há a Genética encontro do óvulo com formação de estrutura o espermatozóide celular com código genético único ADI 3510 DF 14º dia completase O embrião configurase a nidação fixação do como estrutura embrião na parede do propriamente individual Embriológica útero e a formação não pode se dividir em da linha primitiva dois ou mais nem se estrutura que dará fundir com outro Além origem à coluna disso diferenciase das vertebral estruturas celulares que formarão os anexos embrionários 8ª semana Baseada no mesmo aparecimento das argumento da morte primeiras estruturas cerebral assim como a que darão origem ao vida só termina com a Neurológica sistema nervoso parada dos sinais central SNC neurológicos ela começa com o aparecimento das estruturas nervosas 20a semana completa eou de seus sinais a formação do SNC per se Entre a 20ª e a 24ª Principal fundamentação semanas completa a d a d e c i s ã o d a Suprema Ecológica formação dos pulmões Corte norteamericana última estrutura vital autorizando o aborto a ficar pronta referese à capacidade potencial do feto de sobreviver autonomamente fora do útero Supõe a continuidade do processo biológico no qual a vida é concebida Gradualista Não há como um ciclo Neste sentido a formação de um indivíduo começa com a dos gametas de seus pais ainda no útero das avós ADI 3510 DF As divergências a propósito da definição do início da vida não se registram apenas no campo científico mas se projetam por igual no domínio filosófico e no âmbito das religiões como o evidencia um estudo altamente informativo sobre a questão em análise O primeiro instante realizado por ELIZA MUTO e LEANDRO NARLOCH A história da vida Saber onde começa a vida é uma pergunta antiga Tão velha quanto a arte de perguntar a questão despertou o interesse por exemplo do grego Platão um dos pais da filosofia Em seu livro República Platão defendeu a interrupção da gestação em todas as mulheres que engravidassem após os 40 anos Por trás da afirmação estava a idéia de que casais deveriam gerar filhos para o Estado durante um determinado período Mas quando a mulher chegasse a idade avançada essa função cessava e a indicação era clara o aborto Para Platão não havia problema ético algum nesse ato Ele acreditava que a alma entrava no corpo apenas no momento do nascimento As idéias do filósofo grego repercutiram durante séculos Estavam por trás de alguns conceitos que nortearam a ciência na Roma antiga onde a interrupção da gravidez era considerada 1egal e moralmente aceitável Sêneca um dos filósofos mais importantes da época contou que era comum mulheres induzirem o aborto com o objetivo de preservar a beleza do corpo Além disso quando um habitante de Roma se opunha ao aborto era para obedecer à vontade do pai que não queria ser privado de um filho a quem ele tinha direito A tolerância ao aborto não queria dizer que as sociedades clássicas estavam livres de polêmicas semelhantes às que enfrentamos hoje Contemporâneo e pupilo de Platão Aristóteles afirmava que o feto tinha sim vida E estabelecia até a data do início o primeiro movimento no útero materno No feto do sexo masculino essa manifestação aconteceria no 40º dia de gestação No feminino apenas no 90º dia Aristóteles acreditava que as mulheres eram física e intelectualmente inferiores aos homens e por isso se ADI 3510 DF desenvolviam mais lentamente Como naquela época não era possível determinar o sexo do feto o pensamento aristotélico defendia que o aborto deveria ser permitido apenas até o 40º dia da gestação A teoria do grego Aristóteles sobreviveu cristianismo adentro Foi encampada por teólogos fundamentais do catolicismo como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho e acabou alçada a tese oficial da Igreja para o surgimento da vida E assim foi por um bom tempo até o ano de 1588 quando o papa Sixto 5º condenou a interrupção da gravidez sob pena de excomunhão Nascia aí a condenação do Vaticano ao aborto O sucessor de Sixto Gregório 9º voltou atrás na lei e determinou que o embrião não formado não poderia ser considerado ser humano e portanto abortar era diferente de cometer um homicídio Essa visão perdurou até 1869 no papado de Pio 9 quando a igreja novamente mudou de posição Foi a solução encontrada para responder à pergunta que até hoje perturba quando começa a vida Como cientistas e teólogos não conseguiam concordar sobre o momento exato Pio 9º decidiu que o correto seria não correr riscos e proteger o ser humano a partir da hipótese mais precoce ou seja a da concepção na união do óvulo com o espermatozóide A opinião atual do Vaticano sobre o aborto no entanto só seria consolidada com a decisão dos teólogos de que o primeiro instante de vida ocorre no momento da concepção e que portanto o zigoto deveria ser considerado um ser humano independente de seus pais A vida desde o momento de sua concepção no útero materno possui essencialmente o mesmo valor e merece respeito como em qualquer estágio da existência É inadmissível a sua interrupção afirma dom Rafael Llano Cifuentes presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB O catolicismo é das únicas grandes religiões do planeta a afirmar que a vida começa no momento da fecundação e a equiparar qualquer aborto ao homicídio O judaísmo e o budismo por exemplo admitem a interrupção da gravidez em casos como o de risco de vida para a mãe Isso mostra que a idéia de vida e a importância que damos a ela variam de acordo com culturas e épocas Até séculos atrás eram apenas as ADI 3510 DF crenças religiosas e hábitos culturais que davam as respostas a esse debate cheio de possibilidades Hoje a ciência tem muito mais a dizer sobre o início da vida A ciência explica 0 astrônomo Galileu Galilei 15541642 passou a vida fugindo da Igreja por causa de seus estudos de astronomia Ironicamente sem uma de suas invenções o telescópio fundamental para a criação do microscópio a Igreja não teria como fundamentar a tese de que a vida começa já na união do óvulo com o espermatozóide Foi somente no século 11 após a invenção do aparelho que os cientistas começaram a entender melhor o segredo da vida Até então ninguém sabia que o sêmen carregava espermatozóides Mais tarde por volta de 1870 os pesquisadores comprovaram que aqueles espermatozóides corriam até o óvulo o fecundavam e 9 meses depois você sabe Foi uma descoberta revolucionária Fez os cientistas e religiosos da época deduzir que a vida começa com a criação de um indivíduo geneticamente único ou seja no momento da fertilização É quando os genes originários de duas fontes se combinam para formar um indivíduo único com um conjunto diferente de genes Hoje sabemos que não existe um momento único em que acontece a fecundação O encontro do óvulo com o espermatozóide não é instantâneo Em um primeiro momento o espermatozóide penetra no óvulo deixando sua cauda para fora Horas depois o espermatozóide já está dentro do óvulo mas os dois ainda são coisas distintas Atualmente os pesquisadores preferem enxergar a fertilização como um processo que ocorre em um período de 12 a 24 horas afirma o biólogo americano Scott Gilbert no livro Biologia do Desenvolvimento Além disso são necessárias outras 24 horas para que os cromossomos contidos no espermatozóide se encontrem com os cromossomos do óvulo A teoria da fecundação como início de vida sofre um abalo quando se leva em consideração que o embrião pode dar origem a dois ou mais embriões até 14 ou 15 dias após a fertilização Como uma pessoa pode surgir na fecundação se depois ela se transforma em 2 ADI 3510 DF ou 3 indivíduos E tem mais complicação É bem provável que o embrião nunca passe de um amontoado de células Depois de fecundado numa das trompas ele precisa percorrer um longo caminho até se fixar na parede do útero Estimase que mais de 50 dos óvulos fertilizados não tenham sucesso nessa missão e sejam abortados espontaneamente expelidos com a menstruação Além dessa visão conhecida como genética há pelo menos outras 4 grandes correntes científicas que apontam uma linha divisória para o início da vida Uma delas estabelece que a vida humana se origina na gastrulação estágio que ocorre no início da 3ª semana de gravidez depois que o embrião formado por 3 camadas distintas de células chega ao útero da mãe Nesse ponto o embrião que é menor que uma cabeça de alfinete é um indivíduo único que não pode mais dar origem a duas ou mais pessoas Ou seja a partir desse momento ele seria um ser humano Com base nessa visão muitos médicos e ativistas defendem o uso da pílula do dia seguinte medicação que dificulta o encontro do espermatozóide com o óvulo ou caso a fecundação tenha ocorrido provoca descamações no útero que impedem a fixação do zigoto Para os que brigam pelo o direito do embrião à vida a pílula do dia seguinte equivale a uma arma carregada Para complicar ainda mais ha uma terceira corrente científica defendendo que para saber o que é vida basta entender o que é morte E países como o Brasil e os EUA definem a morte como a ausência de ondas cerebrais A vida começaria portanto com o aparecimento dos primeiros sinais de atividade cerebral E quando eles surgem Bem isso é outra polêmica Existem duas hipóteses para a resposta A primeira diz que já na 8ª semana de gravidez o embrião do tamanho de uma jabuticaba possui versões primitivas de todos os sistemas de órgãos básicos do corpo humano incluindo o sistema nervoso Na 5ª semana os primeiros neurônios começam a aparecer na 6ª semana as primeiras sinapses podem ser reconhecidas e com 75 semanas o embrião apresenta os primeiros reflexos em resposta a estímulos Assim na 8ª semana o feto que já tem as feições faciais mais ou menos definidas com mãos pés e dedinhos tem um circuito básico de 3 neurônios a base de um sistema nervoso necessário para o pensamento racional ADI 3510 DF A segunda hipótese aponta para a 20ª semana quando a mulher consegue sentir os primeiros movimentos do feto capaz de se sentar de pernas cruzadas chutar dar cotoveladas e até fazer caretas É nessa fase que o tálamo a central de distribuição de sinais sensoriais dentro do cérebro está pronto Se a menor dessas previsões a de 8 semanas for a correta mais da metade dos abortos feitos nos EUA não interrompem vidas Segundo o instituto americano Allan Guttmacher ong especializada em estudos sobre o aborto 59 dos abortos legais acontecem antes da 9ª semana Apesar da discordância em relação ao momento exato do início da vida humana os defensores da visão neurológica querem dizer a mesma coisa somente quando as primeiras conexões neurais são estabelecidas no córtex cerebral do feto ele se torna um ser humano Depois a formação dessas vias neurais resultará na aquisição da humanidade E essa opinião também é partilhada por alguns teólogos cristãos como Joseph Fletcher um dos pioneiros no campo da bioética nos EUA Fletcher acreditava que para se falar em ser humano é preciso se falar em critérios de humanidade como autoconsciência comunicação expressão da subjetividade e racionalidade diz o filósofo e teólogo João Batistiolle da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 1 Visão genética A vida humana começa na fertilização quando espermatozóide e óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com um conjunto genético único Assim é criado um novo indivíduo um ser humano com direitos iguais aos de qualquer outro É também a opinião oficial da Igreja Católica 2 Visão embriológica A vida começa na 3ª semana de gravidez quando é estabelecida a individualidade humana Isso porque até 12 dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas É essa idéia que justifica o uso da pílula do dia seguinte e contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de gravidez ADI 3510 DF 3 visão neurológica O mesmo princípio da morte vale para a vida Ou seja se a vida termina quando cessa a atividade elétrica no cérebro ela começa quando o feto apresenta atividade cerebral igual à de uma pessoa O problema é que essa data não é consensual Alguns cientistas dizem haver esses sinais cerebrais já na 8a semana Outros na 20a 4 Visão ecológica A capacidade de sobreviver fora do útero é que faz do feto um ser independente e determina o início da vida Médicos consideram que um bebê prematuro só se mantém vivo se tiver pulmões prontos o que acontece entre a 20 a e a 24a semana de gravidez Foi o critério adotado pela Suprema Corte dos EUA na decisão que autorizou o direito do aborto 5 Visão metabólica Afirma que a discussão sobre o começo da vida humana é irrelevante uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início Para essa corrente espermatozóides e óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa Além disso o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve ter um marco inaugural 1 Catolicismo A vida começa na concepção quando o óvulo é fertilizado formando um ser humano pleno e não é um ser humano em potencial Por mais de uma vez o papa Bento 16 reafirmou a posição da Igreja contra o aborto e a manipulação de embriões Segundo o papa o ato de negar o dom da vida de suprimir ou manipular a vida que nasce é contrário ao amor humano 2 Judaísmo A vida começa apenas no 40a dia quando acreditamos que o feto começa a adquirir forma humana diz o rabino Shamai de São Paulo Antes disso a interrupção da gravidez não é considerada homicídio Dessa forma o judaísmo permite a pesquisa com células tronco e o aborto quando a gravidez envolve risco de vida para a mãe ou resulta de estupro ADI 3510 DF 3 Islamismo O início da vida acontece quando a alma é soprada por Alá no feto cerca de 120 dias após a fecundação Mas há estudiosos que acreditam que a vida tem início na concepção Os muçulmanos condenam o aborto mas muitos aceitam a prática principalmente quando há risco para a vida da mãe E tendem a apoiar o estudo com célulastronco embrionárias 4 Budismo A vida é um processo contínuo e ininterrupto Não começa na união de óvulo e espermatozoide mas está presente em tudo o que existe nossos pais e avós as plantas os animais e até a água No budismo os seres humanos são apenas uma forma de vida que depende de várias outras Entre as correntes budistas não há consenso sobre aborto e pesquisas com embriões 5 Hinduísmo Alma e matéria se encontram na fecundação e é aí que começa a vida E como o embrião possui uma alma deve ser tratado como humano Na questão do aborto hindus escolhem a ação menos prejudicial a todos os envolvidos a mãe o pai o feto e a sociedade Assim em geral se opõem à interrupção da gravidez menos em casos que colocam em risco a vida da mãe grifei Vejase portanto de todo o quadro ora exposto que são diversas as teorias científicas que buscam estabelecer a definição bioética do início da vida o que permite ao intérprete necessariamente desvinculado de razões de natureza confessional ou religiosa optar por aquela concepção que mais se ajuste ao interesse público que atenda as exigências sociais de desenvolvimento da pesquisa científica e que promova o bemestar da coletividade objetivandose com tal orientação conferir sentido ADI 3510 DF real ao princípio da dignidade da pessoa humana e atribuir densidade concreta às proclamações constitucionais que reconhecem como prerrogativas básicas de qualquer pessoa o direito à vida e o direito à saúde Como largamente reconhecido no curso deste julgamento a Constituição da República proclama a inviolabilidade do direito à vida art 5º caput embora o texto constitucional não veicule qualquer conceito normativo de vida humana e muito menos defina o termo inicial e o termo final da existência da pessoa humana o que abre espaço ao legislador para dispor validamente sobre essa relevantíssima questão A vida e a morte na realidade qualificamse como conceitos indeterminados Dai porque a legislação ordinária brasileira já em 1997 definiu o conceito de morte afastandose da antiga noção segundo a qual vita in motu est Como se sabe a Lei nº 943497 que dispõe sobre a remoção de órgãos tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante estabelece em seu art 3º caput como marco final da vida o momento em que se dá a morte encefálica ao prever que a retirada post mortem de tecidos órgãos e partes do corpo humano ADI 3510 DF destinados ao transplante deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica grifei A atividade cerebral referência legal para a constatação da existência da vida humana pode também a contrario sensu servir de marco definidor do início da vida revelandose critério objetivo para afastar a alegação de que a utilização de célulastronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia obtidas de embriões produzidos por fertilização in vitro transgrediria o postulado que assegura a inviolabilidade do direito à vida As célulastronco embrionárias são passíveis de utilização em pesquisas realizadas até um dado limite temporal em que ainda não se tenha iniciado o processo de formação do sistema nervoso central Nessa perspectiva o art 5º da Lei de Biossegurança não ofende o ordenamento constitucional eis que a extração das célulastronco embrionárias ocorre antes do início da formação do sistema nervoso ADI 3510 DF Inexiste até esse momento a figura da pessoa ou de um ser humano potencial como advertem os cientistas que compuseram o Grupo de Trabalho constituído pela Academia Brasileira de Ciências para examinar a matéria em análise enfatizando que a potencialidade de um embrião dar origem a um indivíduo está limitada irremediavelmente por uma condição sine qua non a implantação in utero Podese afirmar pois que o ovo fecundado ou embrião em fase inicial de desenvolvimento somente poderá ser considerado um ser humano em potencial se tiver a possibilidade de ser implantado em útero Um ovo ou embrião que não tem a possibi1idade de ser implantado em útero não é um ser humano potencial grifei É por isso Senhor Presidente que não vislumbro paridade ontológica no plano normativo entre o embrião que se ache nas condições fixadas pelo art 5º da Lei de Biossegurança e a pessoa nascida ressaltando como o faz PIERANGELO CATALANO da Universidade de Roma que A pandectística e a civilística européias eliminaram conceitualmente a concretitude da relação naturalística entre qui in utero est e homo v Revista de Direito Civil vol 459 ADI 3510 DF É importante destacar neste ponto trecho do douto voto proferido pela eminente Ministra ELLEN GRACIE no qual Sua Excelência com muita propriedade enfocou a matéria em exame A professora Letícia Cesarino acima referida corroborando pensamento de Michael Mulkay conclui que a agregação deste conjunto de fatos na nova categoria préembrião permitiu assim remover o objeto da experimentação científica do escopo do discurso moral para inserilo num universo técnico 4 No Brasil após inclusão em projeto que objetivava a urgente regulamentação do processo de liberação dos organismos geneticamente modificados surge o art 5º da Lei 111052005 que autoriza o manejo das célulastronco embrionárias de uma maneira restrita com a precaução sempre recomendada nos primeiros passos dados nos terrenos ainda pouco conhecidos e explorados A primeira restrição imposta diz respeito à indicação do uso das células embrionárias exclusivamente nas atividades de pesquisa e de terapia Outra limitação relevante é a definição de qual universo de embriões humanos poderão ser utilizados somente aqueles que produzidos por fertilização in vitro técnica de reprodução humana assistida não são aproveitados no respectivo tratamento Fica clara portanto a opção legislativa em dar uma destinação mais nobre aos embriões excedentes fadados ao perecimento Por outro lado fica afastada do ordenamento brasileiro qualquer possibilidade de fertilização de óvulos humanos com o objetivo imediato de produção de material biológico para o desenvolvimento de pesquisas sejam elas quais forem Além de excedentes no procedimento de fertilização in vitro os embriões de uso permitido ainda deverão estar dentre aqueles considerados inviáveis para o desenvolvimento seguro de uma nova pessoa ou congelados há mais de três anos Presente assim a fixação de um 1apso temporal razoável que leva em conta tanto a possibilidade dos genitores optarem por uma nova e futura implantação do embrião congelado quanto a improbabilidade ADI 3510 DF de sua utilização para esse mesmo fim após decorrido um triênio de congelamento As restrições não param por aí É preciso ainda para que os embriões possam ser regularmente destinados à pesquisa o expresso consentimento dos genitores e que os projetos das instituições e serviços de saúde candidatos ao recebimento das célulastronco embrionárias sejam anteriormente apreciados e aprovados pelos respectivos comitês de ética em pesquisa Salientese que a Lei de Biossegurança reconhecendo a dignidade do material nela tratado e o elevado grau de reprovação social na sua incorreta manipulação categorizou como crime a comercialização do embrião humano com base na 1ei de doação de órgãos art 5º 3º bem como a sua utilização fora dos moldes previstos no referido artigo 5º Tipificou ainda como delito penal a prática da engenharia genética em célula geminal zigoto ou embrião humano e a clonagem humana arts 6º 25 e 26 5 Assim por verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no tratamento normativo dado à matéria aqui exaustivamente debatida não vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de préembriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas de célulastronco que não teriam outro destino que não o descarte Aliás mesmo que não adotada a concepção acima comentada que demonstra a distinção entre a condição do préembrião massa indiferenciada de células da qual um ser humano pode ou não emergir e do embrião propriamente dito unidade biológica detentora de vida humana individualizada destaco a plena aplicabilidade no presente caso do princípio utilitarista segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o mínimo de sacrifício possível 0 aproveitamento nas pesquisas científicas com célulastronco dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos A improbabilidade da utilização desses préembriões absoluta no caso dos inviáveis e altamente previsível na hipótese dos congelados há mais de três anos na geração de novos seres humanos também afasta a alegação de violação ao direito à vida grifei ADI 3510 DF Nem se diga que o texto normativo inscrito no art 5º da Lei de Biossegurança que permite para fins de pesquisa e terapia a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões produzidos por fertilização in vitro e a interpretação que o eminente Relator da causa deu a essa regra legal representariam ofensa ao dever de proteção que incumbe ao Estado em matéria de defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana Não se põe em debate presente referido contexto a questão concernente à proteção insuficiente uma das dimensões em que se projeta o postulado da proporcionalidade pois a existência de tensão dialética resultante do antagonismo entre valores constitucionais impregnados de igual eficácia e autoridade torna viável a utilização da técnica da ponderação concreta de direitos revestidos da mesma estatura Como se sabe a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais como aqueles concernentes à inviolabilidade do direito à vida à plenitude da liberdade de pesquisa científica cujo desenvolvimento propicie a cura e a recuperação de pessoas afetadas por patologias graves e irreversíveis e ao respeito à dignidade da pessoa humana há de resultar da utilização pelo Poder Judiciário de critérios que lhe ADI 3510 DF permitam ponderar e avaliar hic et nunc em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta qual deva ser o direito a preponderar no caso considerada a situação de conflito ocorrente desde que no entanto a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais tal como adverte o magistério da doutrina DANIEL SARMENTO A Ponderação de Interesses na Constituição Federal p 193203 Conclusão itens ns 1 e 2 2000 Lumen Juris LUÍS ROBERTO BARROSO Temas de Direito Constitucional tomo 1363366 2001 Renovar JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 p 220224 item n 2 1987 Almedina FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ Direito à Intimidade Liberdade de Imprensa Danos por Publicação de Notícias in Constituição Federal de 1988 Dez Anos 19881998 p 230231 item n 5 1999 Editora Juarez de Oliveira J J GOMES CANOTILHO Direito Constitucional p 661 item n 3 5ª ed 1991 Almedina EDILSON PEREIRA DE FARIAS Colisão de Direitos p 94101 item n 83 1996 Fabris Editor WILSON ANTÔNIO STEINMETZ Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade p 139172 2001 Livraria do Advogado Editora SUZANA DE TOLEDO BARROS O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais p 216 Conclusão 2a ed 2000 Brasília Jurídica ADI 3510 DF Tenho para mim desse modo Senhor Presidente e estabelecidas tais premissas que a questão pertinente ao direito à vida admite a possibilidade de ele próprio constituir objeto de ponderação por parte do Estado considerada a relevantíssima circunstância ocorrente na espécie de que se põem em relação de conflito com esse mesmo direito interesses existenciais tituularizados por milhões de pessoas afetadas por patologias graves e irreversíveis cuja superação pode ser conseguida com a liberação que se impõe como uma exigência de ordem ética e de caráter jurídico das pesquisas cientificas com célulastronco embrionárias Há um ponto que merece registro especial Refirome ao fato de que ao longo do processo constituinte de que resultou a vigente Constituição Federal foram oferecidas diversas Emendas objetivando estabelecer a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção Tais Emendas no entanto não lograram aprovação como se vê não apenas dos Anais da Assembléia Nacional Constituinte como notadamente do próprio texto inscrito no caput do art 5º de nossa Lei Fundamental ADI 3510 DF É certo que a Convenção Americana de Direitos Humanos ao estabelecer a inviolabilidade do direito à vida proclama em seu Art 4º 1º que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela lei e em geral desde o momento da concepção grifei A Declaração Americana de Direitos e Deveres da Pessoa Humana no entanto promulgada na IX Conferência Internacional dos Estados Americanos em Bogotá em 1948 referese genericamente em seu Artigo I ao d i r e i t o à vida sem qualquer menção ao instante da concepção Também o Pacto Internacional das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos 1966 em seu Artigo 6º 1º reconhece de maneira geral igualmente sem qualquer referência ao momento da concepção a inviolabilidade do direito à vida Vêse desse modo que esses dois últimos documentos internacionais que precederam a promulgação do Pacto de São José da Costa Rica não incorporaram a noção de que o direito à vida existe desde o momento da concepção Foi por essa razão que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao examinar o caso Baby Boy Resolução nº 2381 ADI 3510 DF advertiu que a inserção no Art 4º 1º do Pacto de São José da Costa Rica da cláusula em geral tem implicações substancialmente diversas daquelas que resultariam se constasse desse mesmo Artigo a expressão nele inexistente desde o momento da concepção a significar portanto como se reconheceu em referido processo Resolução nº 2381 Caso 2141 que a Convenção Americana de Direitos Humanos não acolheu nem estabeleceu um conceito absoluto do direito à vida desde o momento da concepção É importante conferir nesse específico ponto o que resolveu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos 30 A la luz de los antecedentes expuestos queda en claro que la interpretación que adjudican los peticionarios de la definición del derecho a la vida formulada por la Convención Americana es incorrecta La adición de la frase en general desde el momento de la concepción no significa que quienes formularon la Convención tuviesen la intención de modificar el concepto de derecho a la vida que prevaleció en Bogotá cuando aprobaron la Declaración Americana Las implicaciones jurídicas de la cláusula en general desde el momento de la concepción son substancialmente diferentes de las de la cláusula más corta desde el momento de la concepción que aparace repetida muchas veces en el documento de los peticionarios grifei Disso resulta a clara possibilidade como registra o Código Penal brasileiro ao permitir a prática do aborto em duas situações excepcionais gravidez resultante de abuso sexual e ADI 3510 DF gestação que põe em risco a vida da mulher de o legislador ordinário mesmo em face da Convenção Americana de Direitos Humanos dispor validamente sobre a utilização de embriões excedentários para fins de pesquisa e terapia tal como o fez no ora questionado art 5º da Lei de Biossegurança Concluo o meu voto Senhor Presidente E ao fazêlo registro o caráter histórico deste memorável julgamento seguramente o mais importante de todos os que o Supremo Tribunal Federal já realizou Também desejo destacar a excelência e a solidez de todos os votos aqui proferidos dentre eles o do eminente Relator e o do eminente Ministro MENEZES DIREITO que instaurou com brilhante fundamentação a divergência no exame da presente causa Peço vênia no entanto para acompanhar integralmente o douto voto que proferiu o Ministro CARLOS BRITTO Relator deste processo cuja decisão como salientei na assentada anterior deste julgamento será certamente lembrada não apenas pelas presentes mas também pelas futuras gerações Esse notável voto representa na verdade a aurora de um novo tempo impregnado de esperança para aqueles abatidos pela angústia da incerteza Significa a celebração solidária da vida e da liberdade ADI 3510 DF Restaura em todos nós a convicção de que milhões de pessoas não mais sucumbirão à desesperança e à amarga frustração de não poderem superar os obstáculos gerados por patologias gravíssimas que são até o presente momento irreversíveis e incuráveis Em uma palavra Senhor Presidente o luminoso voto proferido pelo eminente Ministro CARLOS BRITTO permitirá a esses milhões de brasileiros que hoje sofrem e que se acham postos à margem da vida o exercício concreto de certos direitos básicos e inalienáveis dentre os quais avultam por sua inquestionável transcendência o direito à busca da felicidade e o direito de viver com dignidade que constituem prerrogativas essenciais de que ninguém absolutamente ninguém pode ser privado Com estas considerações peço vênia para julgar improcedente sem qualquer restrição a presente ação direta e confirmar a plena validade constitucional do art 5º da Lei de Biossegurança É o meu voto 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR Se Vossa Excelência me permite exatamente porque há vários inícios da vida não é possível uma pacificação no campo filosófico científico religioso disse no meu voto que como o marco ou a referência que nos interessa é a Constituição sobre o início da vida a Constituição é de um silêncio de morte Ou seja ela nada dispõe sobre o início da vida O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE De qualquer forma o debate no Direito Comparado tem permitido eu ouvi ontem essa observação do Ministro Carlos Britto e fiquei calado mas já não resisto É verdade que se nós acompanharmos o debate no Direito Comparado sobre o aborto Ontem os Ministros Menezes Direito e Cezar Peluso fizeram considerações inclusive sobre a necessidade de um dever de proteção que levasse a uma regulação penal sobre esses temas E esse debate surgiu por exemplo na Alemanha na decisão exatamente do primeiro caso do aborto O fato é que os textos constitucionais e em geral no mundo todo se nós compararmos não tratam claramente da questão São raros os textos que eventualmente falam no momento inicial da vida Talvez a Constituição da Irlanda uma ou outra referência Em ADI 3510 DF geral falase no direito à vida Mas aqui é uma questão extremamente sensível e que demanda cuidados em razão da consideração sobre a dignidade humana Por isso é que talvez Ministro Carlos Britto nós não devêssemos formalizar muito esse debate nem atrair para este caso que estamos a decidir outro tipo de decisão Por exemplo nós não estamos nos pronunciando sobre o aborto 0 SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO É uma questão como ressaltei em voto ainda espero enfrentála neste Plenário aberta O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE Sim porque se começarmos a dizer a priori e Vossa Excelência fez inclusive referência à nacionalidade como um critério quer dizer são marcos tradicionais Agora isso tem um significado que por exemplo tem levado a legislação a eventualmente criminalizar tal fato com determinados critérios nos vários países tendo em vista o valor da vida humana O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO Agora com este julgamento o campo estará aplainado para a matéria vir novamente a Plenário 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL DEBATE O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR O Brasil também nessa conferência diplomática se opôs à redação originária para que ficasse como efetivamente ficou a ressalva do em geral Ou seja em regra exatamente para remeter essa matéria a legislação de cada Estado soberano O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR É da conferência diplomática que aprovou a Convenção Americana O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI Vossa Excelência me permite um aparte O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI Acho que nós não temos nenhuma discordância sob esse aspecto porque eu expressamente em meu voto consignei que essa expressão em geral permite que se excepcione a proteção que se deve em princípio dar de forma absoluta à vida desde o momento da concepção Por isso ADI 3510 DF assentei que o Código Penal brasileiro no artigo 128 I permita o aborto necessário afastando a antijuridicidade Depois outro aspecto que gostaria de salientar é exatamente isto o Pacto de São José da Costa Rica embora aprovado em 1969 ingressou no ordenamento jurídico pátrio em 2002 portanto tornouse lei interna O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI De qualquer maneira a data é muito próxima mas isso mostra que em data recentíssima posterior inclusive a essas convenções internacionais o Congresso Nacional internalizou transformou em lei esse dispositivo com essa exceção que fiz questão de salientar Mas em meu voto disse exatamente o seguinte é possível que se excepcione esse valor absoluto quando outros valores estejam em jogo e no caso fiz uma ponderação de valores O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI Nesse ponto estou absolutamente concorde com Vossa Excelência AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES Presidente Senhores Ministros cabe a mim na qualidade de Presidente desta Corte a difícil tarefa de votar por último num julgamento que ficou marcado desde seu início pelas profundas reflexões de todos que intervieram no debate Os pronunciamentos dos senhores advogados do Ministério Público dos amici curiae e dos diversos cientistas e expertos assim como os votos magistrais de Vossas Excelências fizeram desta Corte um foro de argumentação e de reflexão com eco na coletividade e nas instituições democráticas Assim o que posso dizer é que este Tribunal encerra mais um julgamento que certamente representará um marco em nossa jurisprudência constitucional Chamado a se pronunciar sobre um tema tão delicado o da constitucionalidade das pesquisas científicas com célulastronco embrionárias um assunto que é ético jurídico e moralmente conflituoso em qualquer sociedade construída culturalmente com lastro nos valores fundamentais da vida e da dignidade humana o Supremo Tribunal Federal profere uma decisão que demonstra seu austero compromisso com a defesa dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito 0 julgamento desta ADI nº 3510 dedicadamente conduzido pelo Ministro Carlos Brítto constitui uma eloquente demonstração de que a Jurisdição Constitucional não pode tergiversar diante de assuntos polêmicos envolvidos pelo debate entre religião e ciência ADI 3510 DP É em momentos como este que podemos perceber despidos de qualquer dúvida relevante que a aparente onipotência ou o caráter contramajoritário do Tribunal Constitucional em face do legislador democrático não pode configurar subterfúgio para restringir as competências da Jurisdição na resolução de questões socialmente relevantes e axiologicamente carregadas de valores fundamentalmente contrapostos Delimitar o âmbito de proteção do direito fundamental à vida e à dignidade humana e decidir questões relacionadas ao aborto à eutanásia e à utilização de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia são de fato tarefas que transcendem os limites do jurídico e envolvem argumentos de moral política e religião que vêm sendo debatidos há séculos sem que se chegue a um consenso mínimo sobre uma resposta supostamente correta para todos Apesar dessa constatação dentro de sua competência de dar a última palavra sobre quais direitos a Constituição protege as Cortes Constitucionais quando chamadas a decidir sobre tais controvérsias têm exercido suas funções com exemplar desenvoltura sem que isso tenha causado qualquer ruptura do ponto de vista institucional e democrático Importantes questões nas sociedades contemporâneas têm sido decididas não pelos representantes do povo reunidos no parlamento mas pelos Tribunais Constitucionais Cito a título exemplificativo a famosa decisão da Suprema Corte norte americana no caso Roe vs Wade assim como as decisões do Tribunal Constitucional alemão nos casos sobre o aborto BVerfGE 39 1 1975 BverfGE 88 203 1993 Muito se comentou a respeito do equívoco de um modelo que permite que juízes influenciados por suas próprias convicções ADI 3510 DF morais e religiosas dêem a última palavra a respeito de grandes questões filosóficas como a de quando começa a vida Lembro em contraargumento as palavras de Ronald Dworkin que na realidade norteamericana ressaltou o fato de que os Estados Unidos são uma sociedade mais justa do que teriam sido se seus direitos constitucionais tivessem sido confiados à consciência de instituições majoritárias1 Em nossa realidade o Supremo Tribunal Federal vem decidindo questões importantes como a recente afirmação do valor da fidelidade partidária MS n 26602 26603 e 26604 sem que se possa cogitar de que tais questões teriam sido melhor decididas por instituições majoritárias e que assim teriam maior legitimidade democrática Certamente a alternativa da atitude passiva de self restraint ou em certos casos de greater restraint utilizando a expressão de Garcia de Enterria2 teriam sido mais prejudiciais ou menos benéficas para a nossa democracia O Supremo Tribunal Federal demonstra com este julgamento que pode sim ser uma Casa do povo tal qual o parlamento Um lugar onde os diversos anseios sociais e o pluralismo político ético e religioso encontram guarida nos debates procedimental e argumentativamente organizados em normas previamente estabelecidas As audiências públicas nas quais são ouvidos os expertos sobre a matéria em debate a intervenção dos amici curiae com suas contribuições jurídica e socialmente relevantes assim como a 1 DWORKIN Ronald 0 império do direito São Paulo Martins Fontes 1999 p 426 2 GARCIA DE ENTERRÍA Eduardo Justicia Constitucional la doctrina prospectiva en la declaración de ineficacia de las leyes inconstitucionales In Revista de Direito Público n 92 outdez de 1989 p 14 intervenção do Ministério Público como representante de toda a sociedade perante o Tribunal e das advocacias pública e privada na defesa de seus interesses fazem desta Corte também um espaço democrático Um espaço aberto à reflexão e à argumentação jurídica e moral com ampla repercussão na coletividade e nas instituições democráticas Ressalto neste ponto que tal como nos ensina Robert Alexy o parlamento representa o cidadão politicamente o tribunal constitucional argumentativamente Cito nesse sentido a íntegra do raciocínio do filósofo e constitucionalista alemão 0 princípio fundamental Todo poder estatal originase do povo exige compreender não só o parlamento mas também o tribunal constitucional como representação do povo A representação ocorre decerto de modo diferente O parlamento representa o cidadão politicamente o tribunal argumentativamente Com isso deve ser dito que a representação do povo pelo tribunal constitucional tem um caráter mais idealistico do que aquela pelo parlamento A vida cotidiana do funcionamento parlamentar oculta o perigo de que maiorias se imponham desconsideradamente emoções determinem o acontecimento dinheiro e relações de poder dominem e simplesmente sejam cometidas faltas graves Um tribunal constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo senão em nome do povo contra seus representantes políticos Ele não só faz valer negativamente que o processo político segundo critérios jurídicohumanos e jurídicofundamentais fracassou mas também exige positivamente que os cidadãos aprovem os argumentos do tribunal se eles aceitarem um discurso jurídicoconstitucional racional A representação argumentativa dá certo quando o tribunal constitucional é aceito como instância de reflexão do processo político Isso é o caso quando os argumentos do tribunal encontram eco na coletividade e nas instituições políticas conduzem a reflexões e discussões que resultam em convencimentos examinados Se um processo de reflexão entre coletividade legislador e tribunal constitucional se estabiliza duradouramente pode ser falado de uma institucionalização que deu certo dos direitos do homem no estado ADI 3510 DF constitucional democrático Direitos fundamentais e democracia estão reconciliados3 O debate democrático produzido no Congresso Nacional por ocasião da votação e aprovação da Lei nº 111052005 especificamente de seu artigo 5º não se encerrou naquela casa parlamentar Renovado por provocação do Ministério Público o debate sobre a utilização de célulastronco para fins de pesquisa científica reproduziuse nesta Corte com intensidade ainda maior com a nota distintiva da racionalidade argumentativa e procedimental própria de uma Jurisdição Constitucional Não há como negar portanto a legitimidade democrática da decisão que aqui tomamos hoje Feitas essas breves considerações preliminares passo à estruturação da análise que faço da controvérsia constitucional após muito refletir sobre o assunto O voto que profiro parte de uma constatação básica temos uma questão específica posta em julgamento a constitucionalidade da utilização de célulastronco embrionárias para fins de pesquisa científica e para decidila não precisamos adentrar em temáticas relacionadas aos marcos inicial e final da vida humana para fins de proteção jurídica São questões transcendentais que pairam no imaginário humano desde tempos imemoriais e que nunca foram resolvidas sequer com relativo consenso Ciência religião e filosofia construíram sua própria história em torno de conceitos e concepções sobre o que é a vida quando ela começa e como deve ser ela protegida Com todo o desenvolvimento do pensamento e do conhecimento humano não é possível vislumbrar qualquer resposta 3 ALEXY Robert Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático Para a relação entre direitos do homem direitos fundanentais democracia e jurisdição ADI 3510 DF racionalmente aceitável de forma universal seja pela ciência ou pela religião seja pela filosofia ou pelo imaginário popular Se podemos tirar alguma lição das múltiplas teorias e concepções e de todo o infindável debate que se produziu sobre temas como o aborto a eutanásia e as pesquisas com embriões humanos é que não existem respostas moralmente corretas e universalmente aceitáveis sobre tais questões Independentemente da concepção que se tenha sobre o termo inicial da vida não se pode perder de vista e isso parece ser indubitável diante de qualquer posicionamento que se adote sobre o tema que em qualquer hipótese há um elemento vital digno de proteção jurídica Muitas vezes passa despercebido nos debates que não é preciso reconhecer em algo um sujeito de direitos para dotarlhe de proteção jurídica indisponível Nesse sentido são elucidativas as lições de Jürgen Habermas Nessa controvérsia fracassa toda tentativa de alcançar uma descrição ideologicamente neutra e portanto sem prejulgamento do status moral da vida humana prematura que seja aceitável para todos os cidadãos de uma sociedade secular Um lado descreve o embrião no estágio prematuro de desenvolvimento como um amontoado de células e o confronta com a pessoa do recémnascido a quem primeiramente compete a dignidade humana no sentido estritamente moral 0 outro lado considera a fertilização do óvulo humano como o início relevante de um processo de desenvolvimento já individualizado e controlado por si próprio Segundo essa concepção todo exemplar biologicamente determinável da espécie deve ser considerado como uma pessoa potencial e como um portador de direitos fundamentais Ambos os lados constitucional Trad Luís Afonso Heck In Revista Direito Administrativo Rio de Janeiro 217 5566 julset 1999 ADI 3510 DF parecem não se dar conta de que algo pode ser considerado como indisponível ainda que não receba o status de um sujeito de direitos que nos termos da constituição é portador de direitos fundamentais inalienáveis Indisponível não é apenas aquilo que a dignidade humana tem Nossa disponibilidade pode ser privada de alguma coisa por bons motivos morais sem por isso ser intangível no sentido dos direitos fundamentais em vigor de forma irrestrita e absoluta que são direitos constitutivos da dignidade humana conforme o artigo 1º da Constituição4 Mesmo entre aqueles que consideram que antes do nascimento com vida não há especificamente um sujeito de direitos fundamentais não é possível negar que na fase prénatal há um elemento vital digno de proteção Assim a questão não está em saber quando como e de que forma a vida humana tem início ou fim mas como o Estado deve atuar na proteção desse organismo prénatal diante das novas tecnologias cujos resultados o próprio homem não pode prever Trago à tona as lições de Hans Jonas para afirmar que o Estado deve atuar segundo o princípio responsabilidade5 As novas tecnologias ensejaram uma mudança radical na capacidade do homem de transformar seu próprio mundo e nessa perspectiva por em risco sua própria existência E o homem tornou se objeto da própria técnica Como assevera Hans Jonas o homo faber aplica sua arte sobre si mesmo e se habilita a refabricar inventivamente o inventor e confeccionador de todo o resto6 4 HABERMAS Jürgen O futuro na natureza humana São Paulo Martins Fontes 2004 p 44 5 JONAS Hans O princípio responsabilidade Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica Trad Marijane Lisboa Luis Barros Montez Rio de Janeiro Contraponto 2006 6 JONAS Hans O princípio responsabilidade Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica Trad Marijane Lisboa Luis Barros Montez Rio de Janeiro Contraponto 2006 p 57 ADI 3510 DF O homo faber erguese diante do homo sapiens A manipulação genética um sonho ambicioso do homo faber de controlar sua própria evolução demonstra a necessidade de uma nova ética do agir humano uma ética de responsabilidade 0 princípio responsabilidade ensina Hans Jonas contrapõe a tarefa mais modesta que obriga ao temor e ao respeito conservar incólume para o homem na persistente dubiedade de sua liberdade que nenhuma mudança das circunstâncias poderá suprimir seu mundo e sua essência contra os abusos de seu poder7 Independentemente dos conceitos e concepções religiosas e científicas a respeito do início da vida é indubitável que existe consenso a respeito da necessidade de que os avanços tecnológicos e científicos que tenham o próprio homem como objeto sejam regulados pelo Estado com base no princípio responsabilidade Não se trata de criar obstáculos aos avanços da medicina e da biotecnologia cujos benefícios para a humanidade são patentes Os depoimentos de renomados cientistas na audiência pública realizada nesta ADI n 3510 nos apresentam um futuro promissor em tema de pesquisas com células tronco originadas do embrião humano A história nos ensinou que é toda a humanidade que sai perdendo diante de tentativas sempre frustradas de barrar o progresso científico e tecnológico Nas felizes palavras de Hans Jonas 0 que vale a pena reter no caso da ciência e da técnica em especial depois da sua simbiose é que se há uma história de êxito essa é a história de ambas um êxito contínuo condicionado por uma lógica interna e portanto prometendo seguir assim no futuro Não 7 JONAS Hans 0 princípio responsabilidade Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica Trad Marijane Lisboa Luis Barros Montez Rio de Janeiro Contraponto 2006 p 23 I ADI 3510 DF creio que se possa dizer o mesmo de nenhum outro esforço humano que se alongue pelo tempo8 À utopia do progresso científico não obstante devese contrapor o princípio responsabilidade não como obstáculo ou retrocesso mas como exigência de uma nova ética para o agir humano uma ética de responsabilidade proporcional à amplitude do poder do homem e de sua técnica Essa ética de responsabilidade implica assim uma espécie de humildade não no sentido de pequenez mas em decorrência da excessiva grandeza do poder do homem Como bem assevera Hans Jonas em vista do potencial quase escatológico dos nossos processos técnicos o próprio desconhecimento das conseqüências últimas é motivo para uma contenção responsável9 Ao princípio esperança Prinzip Hoffnung de Ernst Bloch10 portanto contrapõese o princípio responsabilidade Prinzip Verantwortung de Hans Jonas11 Como tenho afirmado em outras ocasiões com base nas lições do Professor Peter Haberle a Constituição de 1988 ao incorporar tanto o princípioresponsabilidade Hans Jonas como o 8 JONAS Hans 0 princípio responsabilidade Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica Trad Marijane Lisboa Luis Barros Montez Rio de Janeiro Contraponto 2006 p 271272 9 JONAS Hans O princípio responsabilidade Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica Trad Marijane Lisboa Luis Barros Montez Rio de Janeiro Contraponto 2006 p 6364 10 BLOCH Ernst O princípio esperança Trad Nélio Schneider Rio de Janeiro Contraponto 2005 11JONAS Hans O princípio responsabilidade Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica Trad Marijane Lisboa Luis Barros Montez Rio de Janeiro Contraponto 2006 ADI 3510 DF princípioesperança Ernst Bloch permite que nossa evolução constitucional ocorra entre a ratio e a emotio12 O certo é que o ser humano diante das novas tecnologias deve atuar de acordo com uma ética de responsabilidade Portanto a questão está em saber se a Lei n 11105 de 24 de março de 2005 regula as pesquisas científicas com células tronco embrionárias com a prudência exigida por um tema ética e juridicamente complexo que envolve diretamente a própria identidade humana A questão assim envolve uma análise segundo parâmetros de proporcionalidade A Lei n 11105 de 24 de março de 2005 estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam Organismos Geneticamente Modificados OGM e seus derivados Em seu artigo preambular a própria lei estabelece as diretrizes que constituem o lastro de suas normas o estímulo e o avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia a proteção à vida e à saúde humana animal e vegetal e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente Em todo o corpo da lei o art 5a é destinado à regulamentação da utilização para fins de pesquisa de células tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro Assim dispõe o referido artigo o qual constitui em sua integralidade o objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade Art 5º É permitida para fins de pesquisa e terapia a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de 12 HÄBERLE Peter El Estado Constitucional Universidad Autónoma de México 2001 p 7 Trad Héctor FixFierro México DF 10 ADI 3510 DF embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento atendidas as seguintes condições I sejam embriões inviáveis ou II sejam embriões congelados há 3 três anos ou mais na data da publicação desta Lei ou que já congelados na data da publicação desta Lei depois de completarem 3 três anos contados a partir da data de congelamento 1º Em qualquer caso é necessário o consentimento dos genitores 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art 15 da Lei n 9434 de 4 de fevereiro de 1997 É possível perceber que a lei inegavelmente foi cuidadosa na regulamentação de alguns pontos ao exigir que as pesquisas sejam realizadas apenas com embriões humanos ditos inviáveis sempre mediante o consentimento dos genitores e com aprovação prévia dos projetos por comitês de ética ficando proibida a comercialização do material biológico utilizado O que causa perplexidade por outro lado é perceber que no Brasil a regulamentação de um tema tão sério que envolve profundas e infindáveis discussões sobre aspectos éticos nas pesquisas científicas seja realizada por um e apenas um artigo A vaguidade da lei deixou a cargo do Poder Executivo a regulamentação do tema que o fez por meio dos arts 63 a 67 do Decreto n 5 591 de 22 de novembro de 2 005 O referido decreto ainda contém remissões normativas a atos administrativos específicos 11 ADI 3510 DF de órgãos como o Ministerio da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária A primeira impressão não há dúvida é de que a lei é deficiente na regulamentação do tema e por isso pode violar o princípio da proporcionalidade não como proibição de excesso Übermassverbot mas como proibição de proteção deficiente Untermassverbot Como é sabido os direitos fundamentais se caracterizam não apenas por seu aspecto subjetivo mas também por uma feição objetiva que os tornam verdadeiros mandatos normativos direcionados ao Estado A dimensão objetiva dos direitos fundamentais legitima a idéia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa Abwehrrecht mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros Schutzpflicht des Staats13 A forma como esse dever será satisfeito constitui muitas vezes tarefa dos órgãos estatais que dispõem de alguma liberdade de conformação14 Não raras vezes a ordem constitucional identifica o dever de proteção e define a forma de sua realização A jurisprudência da Corte Constitucional alemã acabou por consolidar entendimento no sentido de que do significado objetivo dos direitos fundamentais resulta o dever do Estado não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção desses direitos mas também ¹³ HESSE Konrad Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland 16 ed Heidelberg 1988 p 155156 12 ADI 3510 DF de proteger tais direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros15 Essa interpretação da Corte Constitucional empresta sem dúvida uma nova dimensão aos direitos fundamentais fazendo com que o Estado evolua da posição de adversário para uma função de guardião desses direitos16 É fácil ver que a idéia de um dever genérico de proteção fundado nos direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos sobre toda a ordem jurídica17 Assim ainda que não se reconheça em todos os casos uma pretensão subjetiva contra o Estado temse inequivocamente a identificação de um dever deste de tomar todas as providências necessárias para a realização ou concretização dos direitos fundamentais18 Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção Eingriffsverbote expressando também um postulado de proteção Schutzgebote Utilizandose da expressão de Canaris podese dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso Übermassverbote mas ¹4 HESSE Konrad Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland cit p 156 15 Cf a propósito BverfGE 39 1 e s 46 160 164 49 89 140 e s 53 50 57 e s 56 54 78 66 39 61 77 170 229 s 77 381 402 e s ver também DIETLEIN Johannes Die Lehre von den grundrechtlichen Schutzpflichten Berlin 1991 p 18 16 Cf a propósito DIETELEIN Johannes Die Lehre von den grundrechtlichen Schutzpflichten cit p 17 e s von MÜNCH Ingo GrundgesetzKommentar Kommentar zu Vorbemerkung Art 119 Nº22 ¹8von MÜNCH Ingo GrundgesetzKommentar cit 13 ADI 3510 DF também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela Untermassverbote19 Nos termos da doutrina e com base na jurisprudência da Corte Constitucional alemã podese estabelecer a seguinte classificação do dever de proteção20 a dever de proibição Verbotspflicht consistente no dever de se proibir uma determinada conduta b dever de segurança Sicherheitspflicht que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de medidas diversas c dever de evitar riscos Risikopflicht que autoriza o Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico Discutiuse intensamente se haveria um direito subjetivo à observância do dever de proteção ou em outros termos se haveria um direito fundamental à proteção A Corte Constitucional acabou por reconhecer esse direito enfatizando que a nãoobservância de um dever de proteção corresponde a uma lesão do direito fundamental previsto no a r t 2 II da Lei Fundamental21 Assim na dogmática alemã é conhecida a diferenciação entre o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso Ubermassverbot e como proibição de proteção deficiente 19CANARIS ClausWilhelm Grundrechtswirkungen und Verhältnismässigkeitsprinzip in der r i c h t e r l i c h e n Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts uS 1989 p 161 163 I 20 RICHTER Ingo SCHUPPERT Gunnar Polke Casebook Verfassukgsrecht 3 ed München 1996 p 3536 21 Cf BVerfGE 77 170 214 ver também RICHTER Ingo SCHUPPERT Gunnar Polke Casebook Verfassungsrecht p 3637 14 ADI 3510 DF Untermassverbot No primeiro caso o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais como proibições de intervenção No segundo a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela Canaris imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada22 O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção23 Na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão a utilização do princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente pode ser encontrada na segunda decisão sobre o aborto BverfGE 88 203 1993 O Bundesverfassungsgericht assim se pronunciou O Estado para cumprir com seu dever de proteção deve empregar medidas suficientes de caráter normativo e material que levem a alcançar atendendo à contraposição de bens jurídicos a uma proteção adequada e como tal efetiva proibição de insuficiência É tarefa do legislador determinar detalhadamente o tipo e a extensão da proteção A Constituição fixa a proteção 22 Uma transposição sem modificações do estrito princípio da proporcionalidade como foi desenvolvido no contexto da proibição de excesso para a concretização da proibição de insuficiência não é pois aceitável ainda que evidentemente também aqui considerações de proporcionalidade desempenhem um papel tal como em todas as soluções de ponderação CANARIS ClausWilhelm Direitos Fundamentais e Direito Privado Coimbra Almedina 2003 23 Cf BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales Madrid Centro de Estudios Políticos y Constitucionales 2003 p 798 e segs 15 ADI 3510 DF como meta não detalhando porém sua configuração No entanto o legislador deve observar a proibição de insuficiência Considerandose bens jurídicos contrapostos necessária se faz uma proteção adequada Decisivo é que a proteção seja eficiente como tal As medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes para uma proteção adequada e eficiente e além disso basearse em cuidadosas averiguações de fatos e avaliações racionalmente sustentáveis Uma análise comparativa do art 5a da Lei n 111052005 com a legislação de outros países sobre o mesmo assunto pode demonstrar que de fato não se trata apenas de uma impressão inicial a lei brasileira é deficiente no tratamento normativo das pesquisas com células tronco e portanto não está em consonância com o princípio da proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente Untermassverbot ALEMANHA Na Alemanha editouse lei específica a denominada Stammzellgesetz StZG sobre a importação e a utilização das célulastronco embrionárias em pesquisas científicas A regulação da atividade científica com célulastronco é restritiva e inclui 1 limitações importantes quanto às células tronco embrionárias passíveis de importação e utilização em pesquisa 4º 2 restrições às pesquisas que podem utilizar célulastronco embrionárias 5 iii a necessidade de aprovação prévia de cada pesquisa 6º iv a instituição de agência competente 7º e comissão de ética de especialistas 8º para apreciar e conceder as autorizações prévias 3 infrações penais 13 e administrativas 14 pertinentes e 4 a exigência de relatório 16 ADI 3510 DF periódico com os resultados das experiencias envolvendo células tronco tanto embrionárias quanto adultas 15 Destaquese que a legislação alemã permite apenas as pesquisas com linhas de célulastronco consolidadas do exterior Portanto é expressamente proibida a produção de linhas de células tronco na própria Alemanha tornandose imprescindível a importação de embriões para fins de pesquisa A lei permite a importação apenas de embriões formados antes de 1º de janeiro de 2002 desde que na conformidade da legislação do país exportador Esse marco temporal foi recentemente alterado pelo Bundestag em 1142008 fixandose novo marco em 1º de maio de 2007 Além disso somente podem ser utilizados embriões em pesquisa 1 fecundados in vitro 2 com o objetivo de assistir a gravidez e 3 descartados por razões não fundadas em características inerentes aos embriões Mais importante a lei alemã exige que as pesquisas com células tronco embrionárias sejam motivadas por elevados objetivos hochrangigen Forschungszielen ou sejam destinadas ao desenvolvimento de procedimentos terapêuticos de diagnóstico ou de prevenção aplicados a seres humanos com cláusula de subsidiariedade Isto é só podem ser realizadas pesquisas quando todas as hipóteses foram exaustivamente testadas com células de animais ou em experiências com animais e somente podem ser realizadas com célulastronco embrionárias 5 Abs 2 StZG 1 7 ADI 3510 DF Trabalhos de pesquisas com célulastronco embrionárias somente podem ser realizadas se cientificamente demonstrado que 2 Segundo o estado da Ciência e da Técnica a as hipóteses previstas no projeto de pesquisa foram testadas tanto quanto possível com modelos in vitro com células de animais ou em experimentos com animais e b o conhecimento científico a ser obtido pelo projeto de pesquisa em apreço não tenha expectativa de ser alcançado utilizando outras células além das célulastronco embrionárias Forschungsarbeiten an embryonalen Stammzellen dürfen nur durchgeführt werden wenn wissenschaftlich begründet darlegt ist dass 2 nach dem anerkannten Stand von Wissenschaft und Technik a die im Forschungsvorhaben vorgesehen Fragesteillungen so weit wie möglich bereits in In vitroModel1en mit tierischen Zellen oder in Tierversuchung vorgeklärt worden sind und b der mit dem Forschungsvorhaben angestrebte wissenschaftliche Erkenntnisgewinn sich voraussichtlich nur mit embryonalen Stammzellen erreichen lässt Ressaltese que a legislação alemã institui não só um órgão administrativo competente Zuständige Behörde ligado ao Ministério da Saúde para conceder as licenças prévias como cria Comissão de Ética Central para Pesquisa com célulastronco Zentrale Ethikkommission für Stammzellenforschung formada por expertos em medicina biologia ética e teologia Em suma a legislação alemã é extremamente restritiva da atividade científica que tenha por objeto embriões humanos Os constantes debates entre cientistas religiosos e entes da sociedade civil a respeito da necessidade de relativização dos rigores da lei ainda não levaram a qualquer solução legislativa mais significativa no sentido da mudança das regras estabelecidas ADI 3510 DF Apesar das reivindicações de cientistas quanto a mudanças na legislação sobre as pesquisas com célulastronco há consenso sobre a necessidade de se regular rigidamente essas pesquisas afastandose qualquer possibilidade de abusos e transgressões cujas conseqüências não é possível prever AUSTRÁLIA Na Austrália a questão é regulada pelo Research Involving Human Embryos Act 2002 alterado pelo Prohibition of Human Cloning for Reproduction and the Regulation of Human Embryo Research Amendment Act 2006 Segundo a regulação australiana permitese apenas a utilização de célulastronco embrionarias inviáveis not suitable Definese expressamente que a viabilidade do embrião seja determinada com base na sua aptidão biológica para implantação biological fitness for implantation Section 10 2 d i Nesse caso instituise também órgão que emite licenças prévias para as pesquisas envolvendo célulastronco embrionárias Embryo Research Licensing Committee of the National Health and Medical Research Council Outrossim dispõese especificamente sobre as formas válidas de obtenção de consentimento dos responsáveis pelos embriões do quais serão derivadas as célulastronco Section 21 3 a Além disso há preocupação específica com as pesquisas que podem danificar ou destruir embriões nas quais somente podem 19 ADI 3510 DF ser utilizados embriões criados até 542002 Sections 21 3 b e 24 3 Por outro lado a lei australiana determina que a licença seja limitada a um número específico de embriões que serão utilizados para alcançar os objetivos da pesquisa Section 21 4 a além de prever assim com na legislação alemã cláusula de subsidiariedade nos seguintes termos 4 Na decisão sobre a emissão de licença o Órgão de Licença NHMRC precisa considerar o seguinte b a possibilidade de significativo avanço no conhecimento ou melhoria nas tecnologias para tratamento propostos no requerimento como resultado no uso do excesso de embriões para reprodução assistida outros embriões ou óvulos humanos que não poderiam razoavelmente ser alcançados por outros meios In deciding whether to issue the licence the NHMRC Licensing Committee must have regard to the following b the likelihood of significant advance in knowledge or improvement in technologies for treatment as a result of the use of excess ART embryos other embryos or human eggs proposed in the application which could not reasonably be achieved by other means Como se vê também a legislação autraliana estabelece uma cláusula de subsidiariedade como condição para a permissão de pesquisas com célulastronco Em outros termos a utilização de célulastronco apenas é permitida para fins de pesquisa se e somente se não existirem ou não sejam suficientes ou adequados outros meios científicos para o alcance dos objetivos da pesquisa Essa cláusula de subsidiariedade atende ao postulado da proporcionalidade e da precaução na utilização de novas tecnologias 20 ADI 3510 DF cujo conhecimento humano ainda não é exaustivo Tratase enfim de um corolário do princípio da responsabilidade FRANÇA Na França a Agence de la Biomédicine passou a expedir autorizações para pesquisas com células embrionárias humanas recherches sur 1 embryon et les cel1ules souches embryonnaires humaines desde 2007 com base no Decreto n 2006121 de 6 de fevereiro de 2006 que modificou o Código de Saúde Pública Décret n 2006121 du 6 février 2006 relatif à la recherche sur lembryon et sur les cellules embryonnaires et modifiant le code de la santé publique Naquele país portanto as pesquisas com células embrionárias humanas são permitidas tendo em vista razões de progresso terapêutico pour des progrès thérapeutiques majeurs porém são objeto de ampla e rigorosa regulamentação Em primeiro lugar as pesquisas com células embrionárias são permitidas apenas com vistas ao tratamento de doenças particularmente graves ou incuráveis e apenas são autorizadas pela agência de biomedicina por um período máximo de 5 anos Art R 21511 Sont notamment susceptibles de permettre des progrès thérapeutiques majeurs au sens de larticle L 21515 les recherches sur lembryon et les cellules embryonnaires poursuivant une visée thérapeutique pour le traitement de maladies particulièrement graves ou incurables ainsi que le traitement des affections de 1embryon ou du foetus Art R 21512 Le directeur général de lagence de la biomédecine peut autoriser un protocole de recherche sur 1 embryon ou sur 1es cel1ules embryonnai res après ADI 3510 DF avis du conseil dorientation pour une durée déterminée qui ne peut excéder cinq ans Ademais as pesquisas somente são autorizadas após o consentimento prévio do casal genitor ou de membro sobrevivente do casal Art R 215119 Le directeur général de 1agence de la biomedecine autorise la conservation de cellules souches embryonnaires après avis du conseil dorientation pour une durée déterminée qui ne peut exceder cinq ans A Lei de Bioética de 6 de agosto de 2004 já autorizava as referidas pesquisas mas em caráter subsidiário Ou seja também a lei francesa dispõe de uma cláusula de subsidiariedade segundo a qual serão permitidas as pesquisas com células embrionárias tão somente nos casos em que os progressos terapêuticos almejados não puderem ser alcançados por um método alternativo de eficácia comparável no meio cientifico Art L 21515 Par dérogation au premier alinéa et pour une période limitée à cinq ans à compter de la publication du décret en Conseil dEtat prévu à 1article L 21518 les recherches peuvent être autorisées sur 1embryon at les cellules embryonnaires lorsquelles sont susceptibles de permettre des progrès thérapeutiques majeurs et à la condition de ne pouvoir être poursuivies par une méthode alternative defficacité comparable en létat des connaissances scientifiques ESPANHA A Lei n 14 de 3 de julho de 2007 que regula a pesquisa biomédica já em seu preâmbulo ressalta que os avanços cientificos e os procedimentos e ferramentas utilizados para a1cançálos geram importantes incertezas éticas e jurídicas que devem ser 22 ADI 3510 DF convenientemente reguladas com o equilíbrio e a prudência que exige um tema tão complexo que afeta de maneira tão direta a identidade do ser humano A referida lei que veio complementar as previsões da Lei n14 de 26 de maio de 2006 sobre técnicas de reprodução humana assistida é bastante abrangente e está estruturada em 90 artigos quinze capítulos oito títulos ademais das disposições adicionais transitórias derrogatórias e finais Já em seu título I estabelece um catálogo de princípios e garantias para a proteção dos direitos da pessoa humana e dos bens jurídicos implicados na investigação biomédica recorrendo a uma relação precisa para estabelecer os limites do princípio da liberdade de pesquisa na defesa da dignidade e da identidade do ser humano Assim em conformidade com a concepção de proteção da vida humana já assentada na jurisprudência espanhola Sentenças 531985 2121996 e 1161999 a lei proíbe expressamente a constituição de préerabriões e embriões humanos exclusivamente com a finalidade de experimentação mas permite a utilização de qualquer técnica de obtenção de célulastronco embrionárias humanas com fins terapêuticos ou de pesquisa que não comporte a criação de um pré embrião ou embrião exclusivamente com esse fim Estabelece o art 28 da referida Lei que os embriões humanos que tenham perdido sua capacidade de desenvolvimento biológico bem como os embriões ou fetos humanos mortos poderão ser doados para fins de pesquisa biomédica ou outros fins diagnósticos terapêuticos farmacológicos clínicos ou cirúrgicos 23 ADI 3510 DF A promoção da pesquisa biomédica atenderá a critérios de qualidade eficácia e igualdade de oportunidades e qualquer pesquisa deverá ser cientificamente justificada além de cumprir critérios de qualidade científica art 10 A realização de pesquisa sobre uma pessoa requererá seu consentimento expresso e por escrito ou de seu representante legal e prévia informação sobre as conseqüências e riscos que poderão acarretar a sua saúde Art58 Ademais a pesquisa em seres humanos somente poderá realizarse quando inexistente alternativa de eficácia comparável cláusula de subsidiariedade e não deverá implicar para o ser humano riscos e moléstias desproporcionais aos potenciais benefícios que poderão ser obtidos Artículo 14 Principios generales1 La investigación en seres humanos sólo podrá llevarse a cabo en ausencia de una alternativa de eficácia comparable 2 La investigación no deberá implicar para el ser humano riesgos y molestias desproporcionados en relación con los beneficios potenciales que se puedan obtener MÉXICO A Lei Geral de Saúde do México de 7 de fevereiro de 1984 última alteração publicada em 18122007 prevê em seu artigo 100 que a pesquisa em seres humanos deverá adaptarse a princípios científicos e éticos a justificar a pesquisa especialmente no que se refere à sua possível contribuição para a solução de problemas de saúde e do desenvolvimento de novos campos da ciência médica ADI 3510 DF Também se requer para a realização de pesquisa o consentimento expresso e por escrito do sujeito fonte além de prévia informação sobre as conseqüências e riscos que poderão advir à sua saúde E o México igualmente adota a exemplo dos demais países referidos acima Alemanha Austrália França e Espanha cláusula de subsidiariedade ao deixar expresso que tais pesquisas somente poderão efetuarse quando o conhecimento que se pretende produzir não possa ser obtido por outro método idôneo Art 100 II XX Podrá rea1izarse sólo cuando el conocimiento que se pretenda producir no pueda obtenerse por otro método idoneo A INTERPRETAÇÃO DO ART 5º DA LEI Nº 111052005 COM EFEITOS ADITIVOS Como se pode constatar a legislação de outros países é extremamente rigorosa e portanto responsável na regulamentação do tema das pesquisas científicas com embriões humanos Efetuada a comparação é impossível negar a deficiência da lei brasileira na regulamentação desse tema É importante ressaltar que a legislação brasileira sequer prevê qualquer norma para regular as atividades desenvolvidas pelas clínicas de fertilização in vitro Daí a origem dos bancos de embriões congelados sem qualquer destinação específica Inserido no curso do processo legislativo numa lei que trata de tema distinto o dos Organismos Geneticamente Modificados OGM denominados transgênicos o art 5º da Lei nº 111052005 visa preencher essa lacuna destinando à pesquisa e à terapia os embriões humanos congelados há mais de três anos na data da ADI 3510 DF publicação da lei Assim é possível perceber em primeiro lugar que enquanto no direito comparado a regulamentação do tema é realizada por leis específicas destinadas a regular em sua inteireza esse assunto tão complexo no Brasil inseriuse um único artigo numa lei destinada a tratar de tema distinto Um artigo que deixa de abordar aspectos essenciais ao tratamento responsável do tema Ressalto a estrutura da lei espanhola com 90 artigos quinze capítulos oito títulos ademais das disposições adicionais transitórias derrogatórias e finais Em seu preâmbulo a lei espanhola é enfática ao afirmar que os avanços científicos e os procedimentos e ferramentas utilizados para alcançálos geram importantes incertezas éticas e jurídicas que devem ser convenientemente reguladas com o equilíbrio e a prudência que exige um tema tão complexo que afeta de maneira tão direta a identidade do ser humano A lei brasileira numa lacuna contundente estabelece apenas que as instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa Deixa a lei nesse aspecto de instituir um imprescindível Comitê Central de Ética devidamente regulamentado A legislação germânica por exemplo institui não só um órgão administrativo competente Zuständige Behörde ligado ao Ministério da Saúde para conceder as licenças prévias como cria Comissão de Ética Central para Pesquisa com célulastronco Zentrale Ethikkommission für Stammzellenforschung formada por expertos em medicina biologia ética e teologia ADI 3510 DF Além disso é importante observar que a legislação no direito comparado sem exceção estabelece de forma expressa uma cláusula de subsidiariedade no sentido de permitir as pesquisas com embriões humanos apenas nas hipóteses em que outros meios científicos não se demonstrarem adequados para os mesmos fins A lei brasileira deveria conter dispositivo explícito nesse sentido como forma de um tratamento responsável sobre o tema Os avanços da biotecnologia já indicam a possibilidade de que célulastronco totipotentes sejam originadas de células do tecido epitelial e do cordão umbilical As pesquisas com célulastronco adultas têm demonstrado grandes avanços O desenvolvimento desses meios alternativos pode tornar desnecessária a utilização de embriões humanos e portanto afastar pelo menos em parte o debate sobre as questões éticas e morais que envolvem tais pesquisas Assim a existência de outros métodos científicos igualmente adequados e menos gravosos torna a utilização de embriões humanos em pesquisas uma alternativa científica contrária ao princípio da proporcionalidade O art 5º da Lei nº 111052005 é portanto deficiente em diversos aspectos na regulamentação do tema das pesquisas com célulastronco A declaração de sua inconstitucionalidade com a conseqüente pronúncia de sua nulidade total por outro lado pode causar um indesejado vácuo normativo mais danoso à ordem jurídica e social do que a manutenção de sua vigência Não seria o caso de declaração total de inconstitucionalidade ademais pois é possível preservar o texto do dispositivo desde que seja interpretado em conformidade com a ADI 3510 DF Constituição ainda que isso implique numa típica sentença de perfil aditivo Nesse sentido a técnica da interpretação conforme a Constituição pode oferecer uma alternativa viável Há muito se vale o Supremo Tribunal Federal da interpretação conforme à Constituição24 Consoante a prática vigente limitase o Tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição25 O resultado da interpretação normalmente é incorporado de forma resumida na parte dispositiva da decisão26 Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal porém a interpretação conforme à Constituição conhece limites Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador A interpretação conforme à Constituição é por isso apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo com mudança radical da própria concepção original do legislador27 Assim a prática demonstra que o Tribunal não confere maior significado à chamada intenção do legislador ou evita investigála se a interpretação conforme à Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto28 24 Rp 948 Rel Min Moreira Alves RTJ 82556 Rp 1100 R T J 115 993 e s ²5 Cf a propósito Rp 1454 Rel Min Octavio Callotti RTJ 125997 25 Cf a propósito Rp 1389 Rel Min Oscar Corrêa RTJ 126514 Rp 1454 Rel Min Octavio Gallotti RTJ 125997 Rp 1399 Rel Min Aldir Passarinho DJ 9 set 1988 27 ADIn 2405RS Rel Min Carlos Britto DJ 17022006 ADIn 1344ES Rel Min Joaquim Barbosa DJ 19042006 RP 1417DF Rel Min Moreira Alves DJ 15041988 ADIn 3046SP Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 28052004 28 Rp 1454 Rel Min Octavio Gallotti RTJ 125997 Rp 1389 Rel Min Oscar Corrêa RTJ 126514 Rp 1399 Rel Min Aldir Passarinho DJ 9 set 1988 ADI 3510 DF Muitas vezes porém esses limites não se apresentam claros e são difíceis de definir Como todo tipo de linguagem os textos normativos normalmente padecem de certa indeterminação semântica sendo passíveis de múltiplas interpretações Assim é possível entender como o faz Rui Medeiros que a problemática dos limites da interpretação conforme à Constituição está indissociavelmente ligada ao tema dos limites da interpretação em geral 29 A eliminação ou fixação pelo Tribunal de determinados sentidos normativos do texto quase sempre tem o condão de alterar ainda que minimamente o sentido normativo original determinado pelo legislador Por isso muitas vezes a interpretação conforme levada a efeito pelo Tribunal pode transformarse numa decisão modificativa dos sentidos originais do texto A experiência das Cortes Constitucionais européias destacandose nesse sentido a Corte Costituzionale italiana30 bem demonstra que em certos casos o recurso às decisões interpretativas com efeitos modificativos ou corretivos da norma constitui a única solução viável para que a Corte Constitucional enfrente a inconstitucionalidade existente no caso concreto sem ter que recorrer a subterfúgios indesejáveis e soluções simplistas como a declaração de inconstitucionalidade total ou no caso de esta trazer conseqüências drásticas para a segurança jurídica e o interesse social a opção pelo mero nãoconhecimento da ação 29 MEDEIROS Rui A decisão de inconstitucionalidade Os autores o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei Lisboa Universidade Católica Editora 1999 p 301 30 Cf MARTÍN DE LA VEGA Augusto La sentencia constitucional en Italia Madrid Centro de Estudios Políticos y Constitucionales 2003 ADI 3510 DF Sobre o tema é digno de n o t a o estudo de J o a q u í n Brage Camazano31 do qual c i t o a s e g u i r a l g u n s t r e c h o s La raíz esencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de sentencias de la constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable con una u otra denominación y con unas u otras particularidades por cualquier órgano de la constitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción en especial si no seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa pero hoy ampliamente superada concepción de Kelsen del TC como una suerte de legislador negativo Si alguna vez los tribunales constitucionales fueron legisladores negativos sea como sea hoy es obvio que ya no lo son y justamente el rico arsenal sentenciador de que disponen para fiscalizar la constitucionalidad de la Ley más allá del planteamiento demasiado simple constitucionalidad inconstitucionalidad es un elemento más y de importancia que viene a poner de relieve hasta qué punto es así Y es que como Fernández Segado destaca la praxis de los tribunales constitucionales no ha hecho sino avanzar en esta dirección de la superación de la idea de los mismos como legisladores negativos certificando así la quiebra del modelo kelseniano del legislador negativo C e r t a s modalidades a t í p i c a s de d e c i s ã o no c o n t r o l e de c o n s t i t u c i o n a l i d a d e decorrem p o r t a n t o de uma n e c e s s i d a d e p r á t i c a comum a q u a l q u e r j u r i s d i ç ã o c o n s t i t u c i o n a l Assim o r e c u r s o a t é c n i c a s inovadoras de c o n t r o l e da c o n s t i t u c i o n a l i d a d e das l e i s e dos a t o s normativos em g e r a l tem s i d o cada vez mais comum na r e a l i d a d e do d i r e i t o comparado na qual os t r i b u n a i s não e s t ã o mais a f e i t o s às s o l u ç õ e s o r t o d o x a s da d e c l a r a ç ã o de n u l i d a d e t o t a l ou de mera d e c i s ã o de improcedência da ação com a c o n s e q ü e n t e d e c l a r a ç ã o de c o n s t i t u c i o n a l i d a d e Além das muito conhecidas t é c n i c a s de i n t e r p r e t a ç ã o conforme à C o n s t i t u i ç ã o d e c l a r a ç ã o de n u l i d a d e p a r c i a l sem redução 31CAMAZANO Joaquín Brage Interpretación constitucional declaraciones de inconstitucionalidad y arsenal sentenciador un sucinto inventario de algunas sentencias atípicas en Eduardo Ferrer Macgregor ed La interpretación constitucional Porrúa México 2005 en prensa ADI 3510 DF de texto ou da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade aferição da lei ainda constitucional e do apelo ao legislador são também muito utilizadas as técnicas de limitação ou restrição de efeitos da decisão o que possibilita a declaração de inconstitucionalidade com efeitos pro futuro a partir da decisão ou de outro momento que venha a ser determinado pelo tribunal Nesse contexto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem evoluído significativamente nos últimos anos sobretudo a partir do advento da Lei nº 986899 cujo art 27 abre ao Tribunal uma nova via para a mitigação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade A prática tem demonstrado que essas novas técnicas de decisão têm guarida também no âmbito do controle difuso de constitucionalidade32 Uma breve análise retrospectiva da prática dos Tribunais Constitucionais e de nosso Supremo Tribunal Federal bem demonstra que a ampla utilização dessas decisões comumente denominadas atípicas as converteram em modalidades típicas de decisão no controle de constitucionalidade de forma que o debate atual não deve mais estar centrado na admissibilidade de tais decisões mas nos limites que elas devem respeitar O Supremo Tribunal Federal quase sempre imbuído do dogma kelseniano do legislador negativo costuma adotar uma posição de seifrestraint ao se deparar com situações em que a interpretação conforme possa descambar para uma decisão interpretativa corretiva da lei33 Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal 32 RE 197917SP Rel Min Maurício Corrêa DJ 752004 33 ADIn 2405 RS Rel Min Carlos Britto DJ 17022006 ADIn 1344 ES Rel Min Moreira Alves DJ 19041996 RP 1417 DF Rel Min Moreira Alves DJ 15041988 ADI 3510 DF no entanto é possível verificar que em muitos casos a Corte não se atenta para os limites sempre imprecisos entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador34 No recente julgamento conjunto das ADIn 1105 e 1127 ambas de relatoria do Min Marco Aurélio o Tribunal ao conferir interpretação conforme a Constituição a vários dispositivos do Estatuto da Advocacia Lei nº 890694 acabou adicionandolhes novo conteúdo normativo convolando a decisão em verdadeira interpretação corretiva da lei35 Em outros vários casos mais antigos36 também é possível verificar que o Tribunal a pretexto de dar interpretação conforme a Constituição a determinados dispositivos acabou proferindo o que a doutrina constitucional amparada na prática da Corte Constitucional italiana tem denominado de decisões manipulativas de efeitos aditivos37 Tais sentenças de perfil aditivo foram proferidas por esta Corte nos recentes julgamentos dos MS nºs 26602 Rel Min Eros Grau 26603 Rel Min Celso de Mello e 26604 Rel Min Cármen Lúcia em que afirmamos o valor da fidelidade partidária assim como 34 ADI 3324 ADI 3046 ADI 2652 ADI 1946 ADI 2209 ADI 2596 ADI 2332 ADI 2084 ADI 1797 ADI 2087 ADI 1668 ADI 1344 ADI 2405 ADI 1105 ADI 1127 35 ADIn 1105DF e ADIn 1127 DF rel orig Min Marco Aurélio rel p o acórdão Min Ricardo Lewandowski 36 ADI 3324 ADI 3046 ADI 2652 ADI 1946 ADI 2209 ADI 2596 ADI 2332 ADI 2084 ADI 1797 ADI 2087 ADI 1668 ADI 1344 ADI 2405 ADI 1105 ADI 1127 37 Sobre a difusa terminologia utilizada vide MORAIS Carlos Blanco de Justiça Constitucional Tomo II 0 contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio Coimbra Coimbra Editora 2005 p 238 e ss MARTÍN DE LA VEGA Augusto La sentencia constitucional en Italia Madrid Centro de Estudios Políticos y Constitucionales 2003 DÍAZ REVORIO Francisco Javier Las sentencias interpretativas del Tribunal Constitucional Valladolid Lex Nova 2001 LÓPEZ BOFILL Héctor Decisiones interpretativas en el control de constitucionalidad de la ley Valencia Tirant lo Blanch 2004 no também recente julgamento a respeito do direito fundamental de greve dos servidores públicos MI n 708 de minha relatoria MI nºs 607 e 712 Rel Min Eros Grau Outra não foi a fórmula encontrada pelo Tribunal para solver a questão da inconstitucionalidade da denominada cláusula de barreira instituída pelo art 13 da Lei nº 9096 no julgamento das ADI nºs 1351 e 1354 Rel Min Marco Aurélio Sobre a evolução da Jurisdição Constitucional brasileira em tema de decisões manipulativas o constitucionalista português Blanco de Morais fez a seguinte análise o fato é que a Justiça Constitucional brasileira deu onze anos volvidos sobre a aprovação da Constituição de 1988 um importante passo no plano da suavização do regime típico da nulidade com efeitos absolutos através do alargamento dos efeitos manipulativos das decisões de inconstitucionalidade Sensivelmente desde 2004 parecem também ter começado a emergir com maior pragnância decisões jurisdicionais com efeitos aditivos Tal parece ter sido o caso de uma acção directa de inconstitucionalidade a ADIn 3105 a qual se afigura como uma sentença demolitória com efeitos aditivos Esta eliminou com fundamento na violação do princípio da igualdade uma norma restritiva que de acordo com o entendimento do Relator reduziria arbitrariamente para algumas pessoas pertencentes à classe dos servidores públicos o alcance de um regime de imunidade tributária que a todos aproveitaria Dessa eliminação resultou automaticamente a aplicação aos referidos trabalhadores inactivos de um regime de imunidade contributiva que abrangia as demais categorias de servidores públicos Em futuro próximo o Tribunal voltará a se deparar com o problema no julgamento da ADPF n 54 Rel Min Marco Aurélio que discute a constitucionalidade da criminalização dos abortos de fetos anencéfalos Caso o Tribunal decida pela procedência da ação dando interpretação conforme aos arts 124 a 128 do Código Penal invariavelmente proferirá uma típica decisão manipulativa com eficácia aditiva ADI 3510 DF Ao rejeitar a questão de ordem levantada pelo Procurador Geral da República o Tribunal admitiu a possibilidade de ao julgar o mérito da ADPF n 54 atuar como verdadeiro legislador positivo acrescentando mais uma excludente de punibilidade no caso do feto padecer de anencefalia ao crime de aborto Portanto é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais européias A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade por omissão que muitas vezes causa entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto constitucional O presente caso oferece uma oportunidade para que o Tribunal avance nesse sentido 0 vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de declaração de inconstitucionalidadenulidade dos dispositivos normativos impugnados torna necessária uma solução diferenciada uma decisão que exerça uma função reparadora ou como esclarece Blanco de Morais de restauração corretiva da ordem jurídica afetada pela decisão de inconstitucionalidade38 Seguindo a linha de raciocínio até aqui delineada devese conferir ao art 5º uma interpretação em conformidade com o princípio responsabilidade tendo como parâmetro de aferição o 38 Segundo Blanco de Morais às clássicas funções de valoração declaração do valor negativo do acto inconstitucional pacificação força de caso julgado da decisão de inconstitucionalidade e ordenação força erga omnes da decisão de inconstitucionalidade juntarseia também a função de reparação ou de restauração corretiva da ordem jurídica afectada pela decisão de inconstitucionalidade MORAIS Carlos Blanco de Justiça Constitucional Tomo II O contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio Coimbra Coimbra Editora 2005 p 262263 ADI 3510 DF princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente Untermassverbot Conforme analisado a lei viola o princípio da proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente Untermassverbot ao deixar de instituir um órgão central para análise aprovação e autorização das pesquisas e terapia com célulastronco originadas do embrião humano O art 5º da Lei nº 111052005 deve ser interpretado no sentido de que a permissão da pesquisa e terapia com célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro deve ser condicionada à previa aprovação e autorização por Comitê Órgão Central de Ética e Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde Entendo portanto que essa interpretação com conteúdo aditivo pode atender ao princípio da proporcionalidade e dessa forma ao princípio responsabilidade Assim julgo improcedente a ação para declarar a constitucionalidade do art 5º seus incisos e parágrafos da Lei nº 111052005 desde que seja interpretado no sentido de que a permissão da pesquisa e terapia com célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro deve ser condicionada à prévia autorização e aprovação por Comitê Órgão Central de Ética e Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 DISTRITO FEDERAL À r e v i s ã o de a p a r t e do Senhor M i n i s t r o Gilmar Mendes P r e s i d e n t e PROPOSTA O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Senhor Presidente Vossa Excelência me permite Antes de Vossa Excelência anunciar o resultado do julgamento no penúltimo item do meu voto cuja leitura na noite de ontem ocasionou na mídia alguns equívocos de interpretação havia eu advertido logo na introdução daquele tópico que tinha de escapar à alternativa de reconhecer insuficiência à lei em termos de proteção da dignidade devida aos embriões como matriz da espécie humana ou de suprindo a insuficiência mediante interpretação declarar a constitucionalidade da norma e a necessidade de algumas providências que entendi e continuo a entender imanentes ao alcance do art 5º Não vou insistir agora até porque Vossa Excelência já o fez brilhante e exaustivamente em relação à deficiência da lei justificando interpretação conforme ou eficácia aditiva para que seja preservada na execução da ADI 3510 DF mesma lei a tutela constitucional devida aos embriões O problema não está em que à Corte nem a mim em particular seja agradável criar entraves burocráticos como se as hipóteses e soluções que o Tribunal avente tivessem tão indigna finalidade Eu duvido que tratese dos cientistas tratese da própria estrutura orgânica do Governo mantenham alguma incerteza sobre a necessidade de um sistema de operacionalização para cumprimento da lei Tanto não o têm que o Conselho Nacional de Saúde baixou inúmeras resoluções sobre o as sunto e provavelmente baixará outras tantas quanto no curso dos trabalhos se mostrarem necessárias segundo as exigências do rigoroso controle ético das pesquisas Eu já havia acenado Senhor Presidente para a necessidade de se reconhecer a um órgão de cúpula a responsabilidade final pelo funcionamento do sistema e pela preservação dessas exigências éticas advertindo que não caberia à luz da função jurisdicional estrita ao Tribunal criar órgão congênere E confesso entre ontem e hoje fui alertado pelos próprios cientistas que têm acompanhado de perto este julgamento de existirem já normas capazes de ADI 3510 DF solucionar o problema daquela deficiência legislativa sem a criação de qualquer outro órgão De modo que pelo menos do meu ponto de vista com o devido respeito e acompanhando Vossa Excelência em relação a isso pressuposta a necessidade absoluta da existência de órgão central independente e responsável por todo o sistema de pesquisas verifiquei em disposição expressa do Decreto nº 55912005 designadamente o parágrafo 2º do artigo 63 que regulamenta o art 5º o seguinte texto Art 63 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa na forma de resolução do Conselho Nacional de Saúde Foi aí portanto atribuído ao Conselho Nacional de Saúde o poder regulamentar sobre o controle dos projetos de pesquisa E no exercício dessa competência regulamentar o Conselho baixou duas resoluções que a meu ver resolvem todos os problemas correlacionados com aquela deficiência da ADI 3510DF lei pois a Resolução nº 19696 do Conselho Nacional de Saúde já criou ao lado da institucionalização se assim se pode dizer dos Comitês de Ética a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CONEP atribuindolhe dentre outras as seguintes gravíssimas competências poder deliberativo normativo e educativo sobre todo o sistema de controle das pesquisas Vou ser explícito lendolhe aqui o item VIII VIII COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA CONEPMS A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CONEPMS é uma instância colegiada de natureza consultiva deliberativa normativa educativa independente vinculada ao Conselho Nacional de Saúde Entre as atribuições específicas que lhe deu a Resolução está o seguinte no item VIII4 VIII4 Atribuições da CONEP Compete à CONEPMS o exame dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos bem como a adequação e atualização das normas atinentes A CONEPMS consultará a sociedade sempre que julgar necessário cabendolhe entre outras as seguintes atribuições E aí discrimina outras atribuições das quais relevo duas pertinentes à matéria de que estamos tratando ADI 3510 DF VIII4 d prover normas específicas no campo da ética em pesquisa inclusive nas áreas temáticas especiais bem como recomendações para aplicação das mesmas f rever responsabilidades proibir ou interromper pesquisas definitiva ou temporariamente podendo requisitar protocolos para revisão ética inclusive os já aprovados pelo CEP Ora daí se tiraria desde logo que a CONEP tem por força dessa regulamentação legal todos os poderes que de certo modo a mim me parecem suficientes para autuação como órgão central independente responsável pela supervisão e operacionalidade de todo sistema de pesquisas E aqui é que aventei a necessidade de esse órgão suprir a deficiência não tanto da lei imediatamente mas da sua regulamentação quanto aos Comitês de Ética Por quê Porque a Resolução nº 196 atribui às instituições e instituições aí normalmente são universidades não apenas universidades públicas mas também particulares e aos serviços de saúde tanto públicos como privados a realização das pesquisas e a criação dos Comitês de Ética aos quais os protocolos devem ser necessariamente submetidos E proclama a independência e a autonomia desses comitês como não poderia deixar de ser mas como ficou ADI 3510DF consignado em meu voto permite em tese o chamado problema de agência isto é abre possibilidade de conflito de interesses É que sendo a própria instituição interessada na realização dos projetos que tem poder de nomear os membros dos comitês sem nenhum controle externo pode acontecer e evidentemente não estou fazendo a respeito nenhuma profecia e até duvido de que venha isso a acontecer que a nomeação desses membros fraude os limites decorrentes das exigências constitucionais do controle ético das pesquisas Noutras palavras é possível em tese nomearse comissão de membros antecipadamente comprometidos com pesquisas que se desviem dos limites éticos reclamados pelo ordenamento O que é preciso portanto para garantir a autonomia e a independência dos comitês É preciso que haja e nesse caso deve têlo a CONEP a meu ver poder jurídico de um órgão superior central do sistema para aprovar ou rejeitar os nomes indicados pelas instituições para comporem os Comitês de Ética Nesse caso recorro à Resolução nº 3402004 do Conselho Nacional de Saúde que estatui IV1 As pesquisas da área genética humana devem ser submetidas à apreciação do CEP e quando for o caso da CONEP como protocolos ADI 3510DF completos de acordo com o capítulo VI da Resolução CNS Nº19696 não sendo aceitos como emenda adendo ou subestudo de protocolo de outra área devendo ainda incluir Em seguida no item VI1 prescreve VI1 Cabe ao CEP conforme disposto no capítulo VII da Resolução CNS Nº 19696 a análise dos projetos de pesquisa assumindo co responsabilidade que eu já havia enunciado no meu voto no que diz respeito aos aspectos éticos VI3 Cabe á CONEP a aprovação final das pesquisas em genética humana que incluam a envio para o exterior de material genético ou qualquer material biológico humano para obtenção de material genético b armazenamento de material biológico ou dados genéticos humanos no exterior e no País quando de forma conveniada com instituições estrangeiras ou em instituições comerciais c alterações da estrutura genética de células humanas para utilização in vivo d pesquisas na área da genética da reprodução humana reprogenética e pesquisas em genética do comportamento e f pesquisas em que esteja prevista a dissociação irreversível dos dados dos sujeitos de pesquisa E mais no item VI4 VI 4 Nos casos previstos no item VI 3 acima o CEP deverá examinar o protocolo elaborar o parecer consubstanciado e enviar ambos à CONEP com a documentação completa conforme a Resolução CNS No 19696 itens ADI 3510DF VII 13 a e b e VIII 4c1 O pesquisador deve ser informado que deverá aguardar o parecer da CONEP para início da execução do projeto Em suma é a própria Resolução que atribui à CONEP poder decisório último sobre todo o sistema O SR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE Na verdade Ministro Cezar Peluso estou acompanhando nesse aspecto a manifestação dos Ministros Carlos Alberto Direito Ricardo Lewandowski Eros Grau e a de Vossa Excelência que também já havia pontuado a respeito desse órgão central O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Eu simplesmente queria ressaltar porque Vossa Excelência como foi o último a manifestarse sobre o assunto lhe deu certo relevo sem demérito algum às valiosas opiniões dos eminentes Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski Senhor Presidente estou propondo enfim que a Corte enuncie como interpretação conforme que a CONEP é o órgão último responsável pelo sistema e que entre suas atribuições está também a de aprovar ou rejeitar os nomes indicados para composição dos Comitês de Ética ADI 3510DF Para que não fique dúvida nenhuma nos registros proponho de modo bem claro que se reconheça à CONEP a posição de órgão central responsável do ponto de vista ético pelas pesquisas com todas as competências a que já me referi e com a que me parece implícita a de poder aprovar ou rejeitar os nomes indicados para composição dos Comitês de Ética E com isso não erguemos nenhum entrave à pronta execução da lei porque não se sugere criação de nenhum órgão que este já existe E não vai nisto transtorno burocrático a burocracia orgânica aliás necessária já existe Estamos apenas declarando a necessidade de cumprimento de certas cautelas indispensáveis à prevenção dos riscos da tecnologia em si imitando nesse ponto todos os países civilizados que aprovaram e disciplinaram as pesquisas O voto de Vossa Excelência que foi o último bem fez recapitulação de todos os argumentos da necessidade da existência desse órgão central Senhor Presidente estou submetendo à Corte pedindo vênia mais uma vez aos eminentes Ministros e a Vossa Excelência todas essas considerações porque integrem o sentido da nossa decisão 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL EXPLICAÇÃO O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Senhor Presidente pela ordem no julgamento da presente ação direta formouse uma maioria absoluta há seis votos que julgam improcedente a ação e dos quais resulta um julgamento meramente declaratório porque rejeita a pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo Senhor ProcuradorGeral da República Os seis votos proferidos não estabelecem qualquer tipo de restrição às pesquisas em torno das célulastronco embrionárias O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro por que seis votos O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Seis votos considerados nesse cômputo os votos do Ministro AYRES BRITTO Relator da Ministra CÁRMEN LÚCIA do Ministro JOAQUIM BARBOSA da Ministra ELLEN GRACIE do Ministro MARCO AURÉLIO e do meu próprio voto ADI 3510 DF O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro por que Vossa Excelência me está excluindo Julguei a ação improcedente O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Não Vossa Excelência na verdade julgou parcialmente procedente esta ação direta porque dá à regra legal impugnada interpretação conforme É da técnica do Supremo Tribunal Federal que a interpretação conforme resulte em declaração de inconstitucionalidade parcial O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro pura discussão léxica sobre assunto secundário não há em meu voto nenhuma restrição à constitucionalidade da lei nem às pesquisas O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Há sim Ministro Vossa Excelência na verdade aceita em parte a impugnação pois admite a imposição de restrição às pesquisas científicas sobre célulastronco embrionárias o que é rejeitada expressamente pelos seis 6 votos que compõem a maioria Na realidade Senhor Ministro CEZAR PELUSO há seis votos que simplesmente rejeitam sem quaisquer adições sem quaisquer restrições sem quaisquer condicionamentos sem qualquer exortação sem qualquer apelo as limitações às pesquisas científicas ADI 3510 DF admitidas pelos cinco 5 eminentes Ministros que compõem a minoria O fato é que a utilização plenamente legítima da técnica da interpretação conforme pode levar sim ao exercício concreto das três possíveis funções propiciadas por essa técnica de decisão 1 função de escolha entre várias soluções 2 função de correção dos sentidos literais possíveis da regra legal e 3 função de revisão da lei No caso com a declaração de improcedência e há seis votos que compõem a maioria absoluta declarando a improcedência da presente ação direta não há que se cogitar de exortação ou de apelo ao legislador de correção de revisão do texto legal ora em exame O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR Nem de insuficiência normativa Nada O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Não há necessidade nenhuma de regulamentação adicional Ministro Nenhuma Não precisa sobrevir nada O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Então não há necessidade de proclamação alguma mesmo porque a maioria não propõe Ela dispõe ADI 3510 DF O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Por que Vossa Excelência não acha inerente ao sistema a necessidade de controle O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Os seis votos proferidos entendem que não há déficit de regulamentação na norma do art 5a do diploma legislativo em questão O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Vossa Excelência está achando que isso é questão de conveniência Não é tratase de coisa própria do sistema O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Entendemos que o art 5º da Lei de Biossegurança em sua integralidade está em plena conformidade com a Constituição não precisando sofrer qualquer tipo de interpretação conforme ou de interpretação corretiva reducionista expansiva ou aditiva O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro Vossa Excelência gastou uma hora para falar isso que a lei perante a Constituição não precisa de nada Juntando todas as horas tudo que falamos foi inútil ADI 3510 DF O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Não A responsabilidade de cada juiz no desempenho da função de controle de constitucionalidade a gravidade do problema e a alta responsabilidade de que se acham investidos os magistrados desta Suprema Corte tudo isso impunha ampla reflexão sim e a prolação de votos muito bem fundamentados como o de Vossa Excelência Ocorre no entanto que o entendimento de Vossa Excelência não prevaleceu Vossa Excelência está em posição minoritária A verdade é esta ainda que declarando improcedente a ação no fundo Vossa Excelência está julgandoa parcialmente procedente em face da interpretação conforme que propõe O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR Sem meias palavras é isso mesmo Excelência O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO A esta altura eu estava achando que eram inúteis O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Não são inúteis O AdvogadoGeral da União está aqui presente Os membros do Congresso Nacional estão ouvindo e assistindo a este julgamento Certamente adotarão na esfera de competência de cada um dos Poderes as providências que julgarem pertinentes ADI 3510 DF O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro não queremos que eles adotem nada O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO E isso não é realmente necessário segundo os seis 6 que compõem a maioria pois esses seis 6 votos ao julgarem improcedente esta ação direta liberaram sem qualquer restrição a pesquisa científica em torno das célulastronco embrionárias O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO RELATOR E com isso se respeita o princípio da majoritariedade que é incito à democracia O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro não terminou o julgamento Se houvesse já coisa julgada não estava aqui a falar inutilmente O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO O julgamento está sendo concluído e a não ser que algum Ministro que componha a maioria reconsidere a sua anterior posição há de prevalecer por evidente a decisão que julga improcedente sem qualquer restrição ou limitação a presente ação direta de inconstitucionalidade ADI 3510 DF O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro já disse outro dia ao Ministro Marco Aurélio e agora vou repetir a Vossa Excelência estou fazendo uma ponderação Se Vossa Excelência não a aceita diga que não aceita e acabou O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO É respeitabilíssima a ponderação de Vossa Excelência Não questiono o seu direito de fazêlo Tecnicamente contudo a proclamação neste caso só pode ser uma o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente por maioria de seis 6 votos esta ação direta O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Ministro é distinção formal léxica O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Já está regulada A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA Há um projeto de lei do Deputado Pinotti exatamente sobre a CONEP 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL À revisão de aparte do Senhor Ministro Celso de Mello EXPLICAÇÃO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO Senhor Presidente se Vossa Excelência e também os Ministros Celso de Mello e Cezar Peluso me permitirem vou falar porque sou voto vencido na parte relativa ao mérito da ação fiz questão de explicitar em longa fundamentação diante da relevância da matéria e também secundei a opinião manifestada pelo Ministro Cezar Peluso desde o seu voto com relação a essa preocupação Mas realmente se nenhum dos Colegas que votaram nesse sentido reformular o voto é evidente que o resultado é pela improcedência integral da ação com os votos vencidos daqueles que de uma maneira ou de outra acrescentam esta ou aquela restrição De todos os modos se Vossa Excelência ainda me permitir gostaria de acrescentar e o Ministro Cezar Peluso foi bastante preciso que esta Comissão Nacional de Ética tecnicamente tem de alcançar também essas pesquisas independentemente de qualquer manifestação que possa ser feita pela Suprema Corte porque conforme mostrou o Ministro Peluso quer seja a ação como agora nós estamos julgando totalmente improcedente pela maioria dos Membros desta Suprema Corte quer ela seja procedente em parte quer ela seja pela interpretação conforme quer ela seja pela interpretação sem redução de texto em qualquer circunstância que seja a técnica que se adote a manifestação majoritária foi no sentido de que prevalece a integralidade do artigo 5o Agora essa integralidade do artigo 5º que há de permanecer mantidos os votos que já foram proferidos não significa que essas pesquisas escapem necessariamente a esse controle da comissão nacional de ética A meu sentir seja qual for o resultado da Suprema Corte hoje essas pesquisas devem restar submetidas a este controle porque explicitado na própria resolução Por outro lado como disse o eminente Ministro Celso do Mello desde o voto que proferi chamei a atenção de que havia diversos projetos de lei na Câmara e no Senado com esse objetivo e certamente esses projetos poderão mudar acrescentar ou retirar qualquer um desses aspectos Concluo dizendo que acompanho às completas o voto de Vossa Excelência igualmente o voto proferido pelo Ministro Peluso nesta parte mas saliento que na minha concepção independentemente do resultado mantidos os votos pela improcedência da ação esse Comitê Nacional de Ética terá eficácia também para essas pesquisas O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO O do Deputado Pinotti é só o último que foi apresentado e foi apenso O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO Eu apenas queria se Vossa Excelência me permitisse completar Na minha perspectiva estou dando essa interpretação e me parece consentânea com a realidade do julgamento porque quando votei eu já a inclui necessariamente na mesma linha dos votos posteriores dos Ministros Peluso e Gilmar Mendes Apenas estou entendendo que seria preferível que nós explicitássemos mas esse não é o entendimento da maioria 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL À revisão de apartes dos Senhores Ministros Carlos Britto Celso de Mello e Gilmar MendesPresidente E X P L I C A Ç Ã O O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Folgo muito em ouvir e sempre o faço com grande prazer e aprendo sempre o que disse o Ministro Celso de Mello porque Sua Excelência me deu agora um fundamento mais imediato para sustentar minha posição que é apenas a de de clarar isto é deixar claro Por quê Porque se há um sistema óbvio o que custa ao Tribunal tornar claro que o sistema existe E por que tornálo claro Porque há teoricamente possibilidade de revogação das resoluções em pontos que atinjam a necessidade da existência desse órgão central O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO Para nós a lei é suficiente O SENHOR MINISTRO CEZAR PELOSO Excelência se a lei fosse suficiente não existiria tribunal ADI 3510 DF O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO Não mas nós já decidimos por seis a cinco A lei é suficiente O SENHOR MINISTRO CEZAR PELOSO E nós não teríamos passado aqui bons dois dias a discutirlhe a matéria se a lei fosse suficiente O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO E a resolução é excelente É de excelente qualidade O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Pois é É apenas isso o que eu quero que se declare Excelência O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO Mas não precisamos declarar Não faz parte da inicial Não faz parte do pedido O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Excelência quero só deixar claro De clarar O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO E sabe por que mais Eu quero evitar é que a Corte assuma eventual e implicitamente e aí sim gerando dificuldades de 2 ADI 3510DF interpretação a postura formal de que o sistema pode ser irresponsável O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Não Ótimo É isso o que eu quero que se declare Excelência É ótimo O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Há um sistema institucionalizado de monitoramento de vigilância de fiscalização O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Pois é isso o que eu quero que se declare O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Mas isso não depende de qualquer declaração desta Suprema Corte pois conforme diz o eminente Ministro MENEZES DIREITO tal sistema já existe O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Excelência tudo o que existe pode ser declarado O que não se pode declarar é só o que não existe 3 ADI 3510DF O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Ministro PELUSO há seis votos no entanto que entendem sem sentido a declaração que Vossa Excelência pretende ver proclamada porque esses seis 6 Juízes deste Supremo Tribunal que compõem a maioria julgam totalmente improcedente esta ação direta O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Seis oito dez votos O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Seis votos que constituem a maioria absoluta que se revelam decisivos na definição do presente julgamento O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Excelência estamos discutindo palavras diante de uma realidade que exige clareza sobretudo O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Pareceme que não há déficit de clareza não há déficit de regulamentação Ao contrário efetuado o julgamento seis votos julgam pura e simplesmente improcedente a ação direta e nada mais 4 ADI 3510 DF propõem É isso que se aguarda que o eminente Presidente proclame a prevalência do voto majoritário Apenas isso O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Sim Excelência que mal há em deixálo claro O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Os seis votos que julgam improcedente esta ação direta são extremamente claros Nada há portanto a esclarecer O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Excelência ontem eu declarei várias coisas os jornais publicaram outras hoje Ontem deixei claras várias coisas O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Mas então quid Eu estou julgando improcedente a ação O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO Sem explicitação O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Não declarando 5 ADI 3510DF O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE É evidente que neste caso quando nós que formamos a minoria estamos a dizer claramente que deve haver um Comitê Central de Ética o fazemos dizendo que isso deve integrar o próprio conceito no plano legal Agora há e o Ministro Peluso trouxe inclusive essa resolução a qual não havia sido objeto de discussão anteriormente providências nesse sentido Porém o Ministro Peluso está propondo que essa idéia da resolução integre o próprio conceito o próprio elemento central da decisão O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO Claro O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE Sua Excelência reconhece A SRA MINISTRA ELLEN GRACIE Todos compreendemos O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE Isso está devidamente esclarecido mas é claro que já há decisão do Tribunal no sentido da improcedência 6 29052008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3510 DISTRITO FEDERAL E X P L I C A Ç Ã O O SENHOR MINISTRO EROS GRAU Senhor Presidente peço lhe que encerre e proclame a decisão Este Tribunal hoje deu lições de serenidade Aqui ninguém perde ninguém ganha Faço parte da minoria que está preocupada com aspectos que parecem extremamente sérios O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO A maioria também revela igual preocupação O SENHOR MINISTRO EROS GRAU Eu creio que sim Quero deixar bem claro que os Colegas sobretudo os mais antigos devem ensinarme a ter serenidade a não me exaltar Nós demos uma lição de reflexão hoje Aqui não há individualidade nenhuma Eu me considero integrado nesse todo e não preciso provar nada a ninguém No dia em que cheguei a esta Corte venci toda e qualquer individualidade todo e qualquer impulso no sentido de tomar a minha singularidade como motivo determinante de qualquer ação minha Queria pedir a Vossa Excelência que encerre Já sabemos o resultado que para mim não foi 6 a 5 Houve uma decisão do ADI 3510 DF Tribunal do qual eu faço parte e não sou senão um pedaço deste Tribunal De modo que é inútil é descabido Não precisamos ficar discutindo quem ganhou quem perdeu Quem ganhou foi o Tribunal todo Este deve ser um momento de serenidade e se Vossa Excelência me permitir vou me arrogar a circunstância de ser o mais velho porque sou o mais velho dos onze Rogo em nome da celeridade que Vossa Excelência encerre a sessão O SR MINISTRO CEZAR PELUSO Em seguida infelizmente sou eu O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO Ministro Celso de Mello Vossa Excelência me perdoe só para acentuar como Vossa Excelência sabe que muitas vezes o voto vencido de hoje é o voto vencedor de amanhã O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO E disso há eminente Ministro MENEZES DIREITO exemplos históricos ocorridos nesta própria Suprema Corte A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA Senhor Presidente eu não sou célulatronco mas estou me congelando aqui ADI 3510 DF A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA Não sei se eu vou ser aproveitada ou jogada fora mas por via das dúvidas aumente a temperatura O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES PRESIDENTE Senhores Ministros tivemos a oportunidade de fazer debates extremamentes profícuos intensos sobre várias questões Tivemos algumas perplexidades inclusive já na proclamação ontem por conta dessa dificuldade agora apontada pelo Ministro Celso de Mello quanto ao próprio conceito de declaração parcial sem redução de texto ou interpretação conforme Eu tenho procurado fazer um distinguishing entre as duas categorias dizendo que quando há declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto nós eliminamos um sentido normativo ou uma aplicação Em geral nesses casos nós também nos filiamos à corrente daqueles que julgam improcedente com um dado sentido mas isso não está claro Se formos pesquisar na jurisprudência do Tribunal encontraremos manifestações de toda índole de toda ordem O que interessa é que o Tribunal por maioria nos termos do voto do Relator Ministro Carlos Britto julgou improcedente a Ação 3510 PLENÁRIO EXTRATO DE ATA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 35100 PROCED DISTRITO FEDERAL RELATOR MIN CARLOS BRITTO REQTES PROCURADORGERAL DA REPÚBLICA REQDOAS PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADVAS ADVOGADOGERAL DA UNIÃO REQDOAS CONGRESSO NACIONAL INTDOAS CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTDOAS CENTRO DE DIREITO HUMANOS CDH ADVAS ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTDOAS MOVIMENTO EM PROL DA VIDA MOVITAE ADVAS LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO INTDOAS ANIS INSTITUTO DE BIOÉTICA DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADVAS DONNE PISCO E OUTROS ADVAS JOELSON DIAS INTDOAS CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL CNBB ADVAS IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS Decisão Após os votos do Senhor Ministro Carlos Britto relator e da Senhora Ministra Ellen Gracie Presidente julgando improcedente a ação direta pediu vista dos autos o Senhor Ministro Menezes Direito Falaram pelo Ministério Público Federal o ProcuradorGeral da República Dr Antônio Fernando Barros e Silva de Souza pelo amicus curiae Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB o Professor Ives Gandra da Silva Martins pela AdvocaciaGeral da União o Ministro José Antônio Dias Toffoli pelo requerido Congresso Nacional o Dr Leonardo Mundim pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos CDH o Dr Oscar Vilhena Vieira e pelos amici curiae Movimento em Prol da Vida MOVITAE e ANIS Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero o Professor Luís Roberto Barroso Plenário 05032008 Decisão Após os votos dos Senhores Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski julgando parcialmente procedente a ação direta dos votos da Senhora Ministra Cármen Lúcia e do Senhor Ministro Joaquim Barbosa julgandoa improcedente e dos votos dos Senhores Ministros Eros Grau e Cezar Peluso julgandoa improcedente com ressalvas nos termos de seus votos o julgamento foi suspenso Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes Plenário 28052008 Decisão Prosseguindo no julgamento o Tribunal por maioria e nos termos do voto do relator julgou improcedente a ação direta vencidos parcialmente em diferentes extensões os Senhores Ministros Menezes Direito Ricardo Lewandowski Eros Grau Cezar Peluso e o Presidente Ministro Gilmar Mendes Plenário 29052008 Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello Marco Aurélio Ellen Gracie Cezar Peluso Carlos Britto Joaquim Barbosa Ricardo Lewandowski Eros Grau Cármen Lúcia e Menezes Direito ProcuradorGeral da República Dr Antônio Fernando Barros e Silva de Souza Luiz Tomimatsu Secretário STF 102002