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R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O LegadO éticO e universaLista dO direitO rOmanO THE ETHICAL AND UNIVERSALIST LEGACY OF ROMAN LAW Carlos Alexandre Böttcher Resumo A contribuição da Ética grega sobretudo da escola estoica no Direito Romano é relevante destacandose os praecepta iuris de Ulpiano Prosseguese com a análise da atuação do pretor na aplicação do direito de forma universal fundado na fides e na aequitas criando um novo sistema ius honorarium Por fim analisa se o universalismo do Direito Romano a partir da elaboração do conceito de Ius Romanum Concluise a relevância do estudo do Direito Romano nessa concepção ética e universalista para a formação dos juristas modernos Palavraschave Direito Romano Ética Estoicismo Praecepta iuris Pretor Ius Honorarium Universalismo Ius Romanum Abstract The contribution of the Ancient Greek Ethics mainly from the Stoicism was important under Roman Law vg the Ulpians praecepta iuris The praetors action in an universal law incidence that was based on fides and aequitas After a creation of a new system ius honorarium Roman Laws universalism is analysed from the elaboration of the concept of Ius Romanum The paper presents a conclusion about the importance of studying Roman Law in its ethical and universalist view in the formation of the modern jurists Keywords Roman Law Ethics Estoicism Praecepta iuris Praetor Ius Honorarium Universalism Ius Romanum 1 Introdução O Direito Romano é permeado de matrizes éticas que têm sido olvidadas por muitos estudiosos Grande parte de tais caracteres presentes no Direito Romano tem origem no pensamento filosófico grego sobretudo no estoicismo Ao lado dos escritos dos jurisconsultos romanos em que denotamos traços da ética também a constatamos na atuação do pretor Enquanto principal magistrado romano incumbido da administração da justiça o pretor ensejou a criação do denominado Juiz de Direito em São Paulo Doutor e Mestre em Direito Civil História do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Especialista em Direito Romano pela Università di Roma La Sapienza Itália R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 156 Carlos Alexandre Böttcher ius honorarium que representou notável evolução na superação do formalismo do ius civile O caráter inovador do direito honorário baseado nas ideias de fides e aequitas aliado aos substratos filosóficos gregos contribuiu para o reconhecimento do universalismo do direito romano Tal caráter universalista é imbuído de conteúdo indiscutivelmente ético do qual o estudo do Direito Romano tratou de apartarse desde seu denominado renascimento com a criação das Universidades a partir de final do século XI Embora o tema seja complexo e comporte estudo mais pormenorizado as singelas linhas que se seguem visam a oferecer uma análise inicial dessas questões 2 Ética Grega e Estoicismo A partir da expansão pelo Mediterrâneo Roma paulatinamente tornouse centro espiritual do mundo1 As influências das ideias gregas no Direito Romano não podem ser excluídas em qualquer de suas fases mas se fizeram notar mais claramente a partir do final da segunda guerra púnica Esse período da jurisprudência romana é denominado helenístico2 Partindo de uma base eminentemente moral de princípios de justiça o Direito Romano impõese às várias populações do Império introduzindo e difundindo no mundo um ordenamento social e jurídico que é acima de tudo moral3 Além da adoção da dialética na jurisprudência romana notamse influências da ética grega no Direito Romano sobretudo do estoicismo Segundo a tradição no ano de 300 aC aproximadamente Zenão de Cítio 336335 aC 264263 aC fundou a sua escola filosófica em Atenas no Pórtico pintado Stoà poikíle razão por que seus seguidores foram conhecidos como estoicos De sua obra e dos primeiros estoicos como Cleanto 3040322322 aC e Crisipo de Solis 28178 20805 restaram apenas fragmentos Embora não haja uma visão unitária dos postulados da escola mas sim variação de posicionamentos dos diversos autores podem 1 Na segunda metade do século IV aC quando se estava definindo a nova forma políticoconstitucional romana com a equiparação das ordens patrícia e plebeia e com a nova estrutura social surgem os sinais de uma diversa estrutura econômica que se consolida no século III aC caracterizada sobretudo pelo desenvolvimento do comércio conforme SERRAO F Diritto privato economia e società nella storia di Roma Napoli Jovene 2006 p 98137 2 SCHULZ F History of roman legal science Oxford Clarendon 1946 p 38 Referido autor classifica a iurisprudentia romana em quatro períodos arcaico helenístico clássico e burocrático 3 DI ACCADIA C M D Storia della filosofia filosofia greca romana e medievale Milano Garzanti 1947 v 1 p 104 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 157 ser extraídos alguns elementos comuns4 Característica fundamental das filosofias pós aristotélicas como o estoicismo é a prevalência do aspecto moral A ética estoica foi amplamente difundida em Roma a partir de Panécio em meados do século II aC Teve como expoentes romanos Cícero5 Sêneca Epiteto e Marco Aurélio A ética dos estoicos é substancialmente uma teoria do uso prático da razão com o fim de estabelecer o acordo entre ela e a natureza A natureza é a ordem racional perfeita e necessária que é o destino ou o próprio Deus E a ação que se projeta conforme a ordem racional é o dever Portanto a ética estoica é fundamentalmente uma ética do dever e a noção do dever tornase pela primeira vez a ideia fundamental da ética Porém o dever não é o bem O bem começa a existir quando a escolha aconselhada pelo dever é repetida e consolidada mantendo sempre sua conformidade com a natureza até se tornar no homem uma disposição uniforme e constante ou seja uma virtude a qual é verdadeiramente o único bem Além dos bens virtudes existem outras coisas que são dignas de serem escolhidas Para indicar o conjunto desses bens e coisas os estoicos adotaram a palavra valor axia6 Para o estoicismo a ordem racional do mundo dirige tanto a vida de cada indivíduo como da comunidade humana O que se denomina justiça é a ação nesta comunidade da mesma razão divina A lei inspirada na razão divina é a lei natural da comunidade humana ou seja uma lei superior àquelas reconhecidas pelos diversos povos da terra perfeita e portanto não suscetível de correções ou melhoramentos Se única é a lei que governa a humanidade una é a comunidade humana O homem que se conforma à lei é cidadão do mundo cosmopolita7 Além do estoicismo a doutrina epicurista também exerceu influências em Roma Com efeito a escola não deve ser reduzida a uma visão meramente hedonista à medida que o prazer surge como base e justificação da solidariedade entre todos os homens8 4 ABBAGNANO N Storia della filosofia la filosofia antica dalle origini al neoplatonismo Milano TEA 1995 v 1 p 205206 GREGOIRE F Les grandes doctrines morales Paris Presses Universitaires 1955 p 3537 VIRIEUXREYMOND A Pour connâitre la pensée des Stoiciens Paris Bordas 1976 p 7089 WENLEY R M Stoicism and its Influence Trad esp El estoicismo y su influencia Buenos Aires Nova 1948 p 3582 5 Embora Cícero seja considerado eclético e não exclusivamente estoico por grande parte dos autores 6 ABBAGNANO N Storia cit p 215219 7 ABBAGNANO N Storia cit p 218219 8 MEWALDT J O pensamento de Epicuro São Paulo Íris 1960 p 1336 e ABBAGNANO N Storia cit p 227229 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 158 Carlos Alexandre Böttcher 3 Influências da Ética Grega no Direito Romano Vejamos pois como esse substrato ético fazia parte do Direito Romano a partir de alguns textos de Ulpiano9 extraídos do Digesto D111pr Ulp 1 inst Iuri operam daturum prius nosse oportet unde nomen iuris descendat Est autem a iustitia appellatum nam ut eleganter Celsus definit ius est ars boni et aequi10 Reportandose à definição de Celso11 Ulpiano define o direito como a arte do bom e do justo Tratase da única definição romana de ius A partir dela podemos inferir a estreita correlação entre o direito e a ética constantemente afastada nos tempos atuais A noção do bonum aequum12 na definição do direito também é repetida por Paulo13 O enunciado de Celso repetido e venerado durante séculos é silenciado entre os modernos que o consideram vazio ou perigoso Porém apesar da simplicidade o pensamento de Celso enuncia uma verdadeira descoberta na ciência do direito talvez a única verdadeiramente científica porque tem valor eterno e universal14 O fragmento seguinte define a Justiça D 1110pr Ulp 1 reg Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi15 9 A atividade literária de Ulpiano desenvolvese provavelmente entre 212 e 222 antes de sua participação mais intensa no aparato imperial na época de Alexandre Severo conforme TALAMANCA M org Lineamenti di storia del diritto romano 2 ed Milano Giuffrè 1989 p 451 10 É necessário que aquele que há de se dedicar ao direito saiba primeiramente de onde provém o nome ius É pois oriundo de iustitia De fato como Celso define elegantemente direito é a arte do bom e do justo 11 Celso fez parte do conselho do imperador Adriano Sobre o jurista confirase MAYERMALY T v Publius Iuventius Celsius RE 3 1969 p 31 12 No livro V 10 da Ética a Nicômaco Aristóteles analisa as relações entre justiça e equidade epieikeias concluindo que são a mesma coisa e que ambas são boas embora a equidade seja melhor Para Aristóteles a equidade é a retificação da justiça legal no caso concreto porque há casos não previstos pelo legislador e sua natureza essencial é a retificação da lei quando é lacunosa devido a sua generalidade 13 D1111 Paul 14 ad Sab ius pluribus modis dicitur uno modo cum id quod semper aequum ac bonum est ius dicitur ut est ius naturale o direito pode ser dito de muitos modos um dos quais quando é chamado direito aquilo que é sempre equitativo e bom como o direito natural 14 BIONDI B Arte y Ciencia del Derecho Barcelona Ariel 1953 p 126127 15 Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito Segundo COMPARATO F K Ética direito moral e religião no direito moderno 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2008 p 119 120 tal definição consistia na verdade um lugarcomum na cultura grega sendo a expressão equivalente encontrada no início da República de Platão A definição de justiça é uma das principais questões da Filosofia do Direito cuja problemática não é o escopo do presente trabalho Para exposição sobre a justiça R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 159 No texto seguinte na disposição do Digesto estão descritos os praecepta iuris Tais preceitos constituem os princípios fundamentais do Direito D 11101 Ulp 1 reg Iuris praecepta sunt haec honeste vivere alterum non laedere suum cuique tribuere16 Existem muitas divergências entre os autores no sentido de identificar o correto significado dos preceitos indicados por Ulpiano Há quem negue o caráter jurídico do honeste vivere limitandoo à esfera exclusivamente moral Hugo Donelo um dos grandes expoentes da Escola Culta ou Humanista do Direito Romano séc XVI justifica o fragmento mostrando que a verdadeira base dos preceitos jurídicos está no honeste vivere razão por que o homem tendo obrigação de viver de modo justo na sociedade precisa obedecer aos preceitos da moral nas suas relações com os semelhantes17 Colocado esse preceito em primeiro plano também há divergência quanto ao real significado dos demais Para Savigny com alterum non laedere quis Ulpiano atender ao respeito devido aos direitos absolutos ou originários que são os direitos fundamentais ao passo que com suum cuique tribuere teve em vista o respeito aos direitos relativos ou adquiridos Donelo por sua vez acreditava que alterum non laedere abrangia as regras atinentes aos direitos das pessoas e suum cuique tribuere referiase ao direito das coisas Outros autores como Warnkoening por sua vez contrapõem o aspecto negativo e positivo dos direitos obrigação geral negativa por parte de todas as pessoas que compõem a sociedade no sentido de respeito ao direito de outrem e obrigação positiva que se exerce pela prática de certos atos18 Em que pesem as divergências de opinião é importante que se reconheça a matriz ética dos preceitos O honeste vivere consubstancia a moral estoica que considera a virtude como bem supremo e único bonum honestum A virtude é imposta por todo o Universo O honesto é o único e maior bem19 enquanto grande princípio ético em especial confirase a obra citada p 525529 16 Os preceitos do direito são estes viver honestamente não lesar a outrem dar a cada um o que é seu 17 Conforme PORCHAT R Curso elementar de direito romano 2 ed São Paulo Melhoramentos 1937 v 1 p 113 18 PORCHAT R Curso cit p 115117 O próprio autor compartilha esta última opinião 19 Cic de off 335 itemque si ad honestatem nati sumus eaque aut sola expetenta est ut Zenoni visum est aut certe omni pondere gravior habenda quam reliqua omnia quod Aristoteli placet necesse est quod honestum sit id esse aut solum aut summum bonum por isso se nascemos para a honestidade e somente isso é desejável como quer Zenão ou pelo menos deve preferilo acima de qualquer outra coisa como diz Aristóteles necessariamente a honestidade é o único e maior bem R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 160 Carlos Alexandre Böttcher O alterum non laedere consubstancia a filosofia de Epicuro que considera o Direito como o produto de um pacto de utilidade concluído pelos homens com o escopo de não se ofenderem uns aos outros O terceiro preceito suum cuique tribuere resume as ideias de Pitágoras Sócrates Platão e principalmente Aristóteles acerca do justo e do injusto20 Esses princípios fundamentais são gerais e eternos mas as aplicações concretas são infinitas e mutáveis O mérito dos romanos não consiste em terem formulado esses preceitos mas sim terem deduzido deles normas precisas de conduta segundo as exigências sociais que paulatinamente se apresentavam Nesse processo contínuo de aplicação e desenvolvimento encontrase a lição perene da jurisprudência romana que partindo sempre de poucos preceitos fundamentais tomados da realidade própria das coisas conseguiu constituir esse ordenamento21 Em suma os princípios da civilização jurídica ocidental são ainda esses e fundamentam como no tempo dos romanos a convivência pacífica dos homens22 Os tria praecepta iuris têm caráter universal e constituem diretivas de qualquer ordenamento jurídico23 Há quem reforce os fundamentos platônicos nas ideias de iustitia e praecepta iuris de Ulpiano24 Ulpiano também é visto como precursor dos direitos humanos à medida que expõe o Direito Romano com base na visão de que todos homens nascem livres e iguais e que todos têm dignidade25 4 O Pretor romano e o ius honorarium Expostas brevemente as influências da ética grega no Direito Romano vejamos a importância do pretor romano e do seu ius honorarium 20 Nesse sentido CARLE G La vita del diritto Torino Fratelli Bocca 1890 MENDES J Ensaios de Philosophia do Direito São Paulo Duprat C 1903 p 140142 e PORCHAT R Curso cit p 117 Outrossim vide nota 13 supra 21 BIONDI B Arte cit p 139140 22 Neste sentido LABRUNA L Matrici romanistiche del diritto attuale Napoli Jovene 1999 p 9 23 Neste sentido BIONDI BGiustiniano in Iura 16 1965 p 8 24 Neste sentido PETRAK M The Platonic foundations of the definition of justice in the classical Roman law In BARBARIC Damir Org Platon über das Gute und die Gerechtigkeit Würzburg Königshausen Neumann 2005 p 183190 25 Nesse sentido HONORÉ T Ulpian pioneer of human rights 2 ed Oxford University Press 2002 p 76 Para o autor esses três valores liberdade igualdade e dignidade são os elementos essenciais do que hoje denominamos Direitos Humanos e ainda prossegue aduzindo que Ulpian is the first lawyer who can given the scale of his work and its influence properly count as the pioneer of the human rights movement Ainda que a teoria do autor possa ser objeto de críticas mostrase relevante esse enfoque do Direito Romano R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 161 Segundo a historiografia tradicional romana26 o pretor foi criado em 367 aC pelas Leges Liciniae Sextiae como resultado do compromisso entre patrícios e plebeus em que o os primeiros rendiamse aos últimos admitindo que um dos cônsules fosse plebeu ao passo que os plebeus admitiam que os patrícios elegessem um só pretor incumbido de administrar o direito na cidade27 Embora essa versão acerca da introdução do pretor seja objeto de controvérsias28 o fato é que o pretor urbano e posteriormente o pretor peregrino criado em 242 aC vieram a especializarse na administração da justiça dando margem à criação de direitos distintos daqueles do tradicional ius civile aplicável inicialmente apenas aos cidadãos romanos O papel do pretor na criação do direito é recrudescido pela expansão de Roma pelo Mediterrâneo à medida que havia necessidade de disciplinar as novas relações mercantis decorrentes do intenso tráfico de mercadorias e as relações entre os vários indivíduos das diversas províncias29 A natureza distinta do novo direito que emergia da função criadora do pretor era reconhecida pelos próprios juristas romanos como se infere da definição de Papiniano D 1171 Pap 2 def Ius praetorium est quod praetores introduxerunt adiuvandi vel supplendi vel corrigendi iuris civilis gratia propter utilitatem publicam Quod et honorarium dicitur ad honorem praetorum sic nominatum30 Supplere significa a introdução de uma nova disciplina normativa onde o ius civile não previa nenhuma como na concessão de ações ou interditos no processo formular Adiuvare por sua vez consiste na previsão de tutela mais eficaz para casos já disciplinados pelo ius civile Corrigere implica atuação do pretor no âmbito interno da 26 Os fatos que antecederam a disputa entre as ordens patrícia e plebeia que culminaram com a legislação em questão são narrados por Tito Lívio Ab urbe condita 634511 635610 63849 64248 64210 27 Liv 64211 venit cum tamen per dictatorem conditionibus sedatae discordiae sunt concessumque ab nobilitate plebi de consule plebeio a plebe nobilitati de praetore uno qui ius in urbe diceret ex Patribus creando o ditador oferece as condições que apaziguam as discórdias a nobreza permite um cônsul plebeu ao povo e o povo permite um pretor encarregado de administrar a justiça à nobreza e eleito entre os patrícios 28 Para detalhamento acerca das controvérsias e indicação bibliográfica vejase o nosso História da Magistratura o pretor no direito romano São Paulo LCTE 2011 29 Vide nota 2 supra 30 Direito pretoriano é aquele que os pretores introduziram a fim de auxiliar suprir ou corrigir o direito civil ius civile por causa de uma utilidade pública Também é chamado de honorário sendo assim denominado em razão da honra dos pretores honor R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 162 Carlos Alexandre Böttcher normatização civilística eliminando aspectos insatisfatórios o que ocorria normalmente com a denegação da ação ou concessão de exceptio31 Além da fides32 assumida pelo pretor como princípio diretivo que lhe permitia o nivelamento das duas ordens existentes ius civile e ius gentium sua atuação era fundamentada na aequitas ou bonum aequum A aequitas considerada como base do ius preparava e fornecia ao Direito a matéria que brota com o movimento perene de uma fonte viva qual seja a vida do povo A aequitas tem um fundamento desencadeado pela própria natureza em cada relacionamento humano identificandose com a experiência comum e com o conjunto de institutos naturais e intelectuais que constituem uma espécie de sabedoria prática empírica Deste modo era natural que o aequum bonum fosse reconhecido como o fundamento imediato e geral para a administração da justiça33 A aequitas pretoriana representa portanto a atuação prática e real de um alto ideal de justiça em relação ao caso concreto34 Ius civile e ius honorarium são caracterizados como ordenamentos jurídicos distintos sendo contrapostos em diversos aspectos dentre os quais o conteúdo Enquanto o primeiro é constituído pelo antigo direito dos romanos ius Quiritium no segundo são reconhecidos prevalentemente institutos de ius gentium considerados comum a todos os povos35 A fusão de ambos os ordenamentos veio a ocorrer com a prática judiciária sem atuação direta do legislador36 Em suma o pretor enquanto intérprete da consciência mais atual de seu tempo e regido pela cooperação dos juristas elaborou um direito que com o mais alto grau de ponderação e de perfeição técnica acoplava a máxima elasticidade e capacidade de renovação direito esse que está entre as criações mais originais e elevadas do gênio romano37 31 TALAMANCA M Org Lineamenti cit p 162163 Para o autor porém a classificação de Papiniano tem função meramente descritiva não sendo sempre prática a fixação da relação de uma ou outra função 32 A fides é definida como manter a palavra dada fit quod dicitur ou seja o vínculo à palavra dada o sentirse ligado à própria declaração conforme SCHULZ F Prinzipien des römischen Rechts MünchenLeipzig Duncker Humboldt 1934 p 151155 Cícero mencionava a fides como aquilo que havia de mais santo na vida Verr II 336 fidem sanctissimam in vita qui putat e como fundamento da justiça de off 1725 fundamentum autem est iustitiae fides id est dictorum conventorumque constantia et veritas fundamento da justiça é a fides ou seja a observância e sinceridade dos compromissos e acordos 33 RICCOBONO S La definizione del iusal tempo di Adriano BIDR 5354 1948 p 2021 34 DE MARTINO F Individualismo e diritto romano privato Torino Giappichelli 1999 p 47 35 BETTI E La creazione del diritto nella iurisdictio del pretore romano Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda nel XXV anno del suo insegnamento Padova CEDAM 1927 p 3640 36 RICCOBONO S La fusione del ius civilee del ius praetoriumin unico ordinamento Archiv für Rechts und Wissenchaftsphilosophie Festschrift Zitelmann 16 1922 p 503521 Labeo 35 1989 p 215232 37 BETTI E La creazione cit p 190 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 163 5 O Universalismo do Direito Romano O caráter supranacional do Direito Romano já era percebido pelos romanos que distinguiam seu próprio direito daquele comum a todos povos Na obra filosófica de Cícero podemos extrair a ideia de que um único Direito mantém a sociedade humana unida38 A hominum societas deve ser entendida como a comunidade humana universal39 à medida que Cícero ressalta a necessidade de respeito não apenas aos cidadãos mas também aos estrangeiros sob pena de ser destruída a sociedade comum do gênero humano40 Também podemos antever a existência da noção de interesse comum a todos homens41 Pois bem o ius gentium42 fundado naquilo que de universal e humano apresentam a vida social e as suas exigências é um vasto sistema jurídico aplicável ad omnes gentes naquelas relações em que a consciência social não apenas permanece indiferente mas reclama disciplina unitária A tendência ao universalismo é constante O universalismo deve ser encontrado no próprio caráter universal do pensamento jurídico romano visto que baseado na natureza entendida essa como realidade humana Não sendo imutável em uma fórmula definitiva permitia uma contínua adequação do Direito alterando de acordo com a realidade O ius naturale apesar do fundamento teológico acolhido por Justiniano não é sistema rígido mas sim uma orientação que fundada na naturalis ratio guia o desenvolvimento e as transformações do direito positivo A universalidade do ius naturale implica adaptação e não exclui particularismo no tempo e no espaço43 Essa ilação pode ser extraída da definição do ius civile de Ulpiano D 116pr Ulp 1 inst 38 Cic leg 142 est enim unum ius quo deuincta est hominum societas et quod lex constituit una quae lex est recta ratio imperandi atque prohibendi Quam qui ignorat is est iniustus siue est illa scripta uspiam siue nusquam há pois um só direito ao qual a sociedade humana é fortemente unida e uma só lei o institui que é a reta razão de ordenar e proibir Quer seja escrita ou não aquele que a ignora é o injusto 39 Neste sentido COMPARATO F K Ética cit p 489 40 Cic off 328 qui autem civium rationem dicunt habendam exterorum negant ii dirimunt communem humani generis societatem qua sublata beneficentia liberalitas bonitas iustitia funditus tollitur porém aqueles que admitem esse respeito pelos cidadãos mas o negam para os estrangeiros destroem a sociedade humana e junto dela a beneficência a liberalidade a bondade e a justiça 41 Cic off 326 ergo unum debet esse omnibus propositum ut eadem sit utilitas uniuscuisque et universorum quam si ad se quisque rapiet dissolvetur omnis humana consortio portanto cada qual deve ter um propósito em todas as coisas que o interesse de cada um e de todos seja o mesmo pois se tomar para si dissolvese a comunidade humana 42 Uma das definições de ius gentium é aquela encontrada em D119 Gai 1 inst quod vero naturalis ratio inter omnes homines constituit id apud omnes peraeque custoditur vocaturque ius gentium quasi quo iure omnes gentes utuntur mas o direito que a razão natural constituiu entre todos homens o qual é do mesmo modo protegido entre todos chamase direito das gentes como o direito que todos povos utilizam 43 BIONDI B Giustiniano cit p 58 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 164 Carlos Alexandre Böttcher Ius civile est quod neque in totum a naturali vel gentium recedit nec per omnia ei servit itaque cum aliquid addimus vel detrahimus iuri communi ius proprium id est civile efficimus D1161 Ulp 1 inst Hoc igitur ius nostrum constat aut ex scripto aut sine scripto ut apud graecos twn nomwn oi men eggrafoi oi de agrafoi44 Observase pois que encontramos a constatação de que o ius civile enquanto direito positivo e específico de cada povo em determinado momento não diverge no todo do ius gentium ou do ius naturale e nem coincide com eles em todas as coisas45 A par dessa distinção tem sido objeto de construção teórica o conceito de Ius Romanum Referido conceito de Ius Romanum não é próprio da jurisprudência clássica mas sim da legislação imperial a partir de Diocleciano O conceito vem a ser aperfeiçoado por Justiniano que também utiliza as expressões Romanae leges e Romana sanctio como instrumentos de uma concepção universalista do Direito Nesse sentido o direito é claramente distinto da própria aplicação e o Ius Romanum vem a compreender o ius naturale ius gentium e ius civile46 Destarte temse Ius Romanum como um sistema histórico representando a síntese conceitual de uma complexa construção dogmática das quais as constituições Deo auctore47 e Tanta48 de Justiniano apresentam resumidamente os aspectos pessoais espaciais e temporais De fato na codificação de Justiniano verificamos as seguintes orientações reforço do uso do conceito de Ius Romanum acentuação dos aspectos espaciais do sistema jurídico na sua universalidade eliminação dos conceitos de peregrinus e Latinus e transformação do conceito de ius Quiritium renovação do conceito de Ius gentium49 No tocante ao primeiro aspecto Ius Romanum é usado como conceito superior relativo a uma realidade universal com o objetivo de evidenciar a continuidade facilitar a unidade e 44 D 116 pr Direito Civil é o que não diverge no todo do direito natural ou do direito das gentes nem coincide em todas as coisas Então quando acrescentamos ou subtraímos algo do direito comum produzimos um direito próprio ou seja um direito civil D116 portanto este nosso direito é composto ou por escrito ou não como se diz entre os gregos das normas enquanto umas são escritas outras não são escritas 45 Neste sentido BIONDI B Giustiniano cit p 78 46 CATALANO P Diritto e persone I Torino Giappichelli 1990 p 9091 47 Nome pelo qual ficou conhecida a Constituição de Justiniano que justifica a concepção do Digesto De Conceptione Digestorum 48 Nome pelo qual ficou conhecida a Constituição de Justiniano que justifica a confirmação do Digesto De Confirmatione Digestorum 49 CATALANO P Diritto cit p 7885 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 165 coerência universalizar e projetar no futuro os iura populi Romani Referido conceito une o passado e o futuro do Direito tendencial ou potencialmente universal que teve início com a fundação da urbs Roma Deo auctore 1 assinalando o momento em que a validade desse direito é sancionada in omne aevum Tanta 2350 Modernamente desenvolveuse a tendência de considerar o Direito Romano como direito morto distinguindose direito romano e tradição romanística51 Contudo subsistem concepções que afirmam a vigência do Direito Romano mesmo posteriormente às codificações nacionais52 Para compreender pois a amplitude do Direito Romano é necessário que se evite representálo em termos de ordenamento efetivo ou estatal mas sim considerá lo como um conjunto de realidades e valores cuja identificação cabe normalmente ao jurista A continuidade e a resistência do Direito Romano comportam mesmo atualmente a utilização de novos instrumentos conceituais em permanente conexão com a parte mais importante do conjunto que é o seu início53 6 Conclusão Nesse breve estudo vimos como a Filosofia grega sobretudo estoicista exerceu influência no Direito Romano contribuindo com seu substrato ético em certas concepções dos juristas romanos dentre as quais os praecepta iuris de Ulpiano Também vimos como o pretor romano ao fundar sua atuação na fides e na aequitas criou um novo direito ius honorarium apto a ser aplicado de forma universal Prosseguindo também analisamos a ideia de universalismo do Direito romano a partir da noção de ius gentium e a elaboração do conceito de Ius Romanum Relacionando esses três tópicos podemos extrair algumas conclusões O absoluto isolamento entre Direito e Moral que recrudesceu com o positivismo jurídico e cujos efeitos se mostram ainda muito presentes nos nossos dias deve ser objeto de revisão 50 CATALANO P Diritto cit p 79 No artigo Diritto morale e religione nella prospettiva dello ius Romanum in Roma e America Diritto Romano Comune Rivista di Diritto dellIntegrazione e Unificazione del Diritto in Europa e in America Latina n 1 Roma 1996 p 3 o autor aduz que o ius Romanum constitui um sistema no qual religio mos e ius estão profundamente compenetrados não tendo o sistema romano seja o précristão seja o cristão conhecido o isolamento Isolierung do direito em relação à moral e à religião O isolamento do direito da religião e da moral é resultado da formação dos Estados modernos e das assim chamadas revoluções burguesas 51 Essa é a opinião de ORESTANO R Introduzione allo studio storico del diritto romano Torino Giappichelli 1963 p 514ss criticada por CATALANO P Diritto cit p 79 e 91 52 Nesse sentido podese citar Lobo A S C Curso de direito romano Brasília Senado Federal 2006 cujo livro terceiro é intitulado Influência Universal do Direito Romano 53 CATALANO P Diritto cit p 96 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 166 Carlos Alexandre Böttcher De fato não podemos conceber o Direito como conjunto de regras meramente formais e desprovidas de qualquer conteúdo ético ou moral Nesse contexto sobressaise a relevância do estudo do Direito Romano que deve ser concebido acima de tudo como um conjunto de valores de conteúdo ético e de aplicação universal E tal caráter universal do Direito Romano mantém sua permanente atualidade e importância para a formação humanística do jurista Por conseguinte podemos concluir que a tentativa de recuperação dessa noção universalista do Direito Romano e de seu conteúdo ético são tarefas fundamentais dos juristas do mundo de hoje o qual assiste ao recrudescimento de conflitos das mais diversas formas colocando em risco não apenas a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais mas também a própria sobrevivência pacífica da humanidade São Paulo junho de 2010 revisto em 2013 Referências ABBAGNANO Nicola Storia della filosofia la filosofia antica dalle origini al neoplatonismo Milano TEA 1995 v 1 BETTI Emilio La creazione del diritto nella iurisdictio del pretore romano In Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda nel XXV anno del suo insegnamento Padova CEDAM 1927 BIONDI Biondo Arte y Ciencia del derecho Barcelona Ariel 1953 Giustiniano Iura n 16 1965 BÖTTCHER Carlos Alexandre História da magistratura o pretor no direito romano São Paulo LCTE 2011 CARLE Giuseppe La vita del diritto Torino Fratelli Bocca 1890 CATALANO Pierangelo Diritto e persone I Torino Giappichelli 1990 Diritto morale e religione nella prospettiva dello ius Romanum in Roma e America Diritto Romano Comune Rivista di Diritto dellIntegrazione e Unificazione del Diritto in Europa e in America Latina Roma n 1 1996 COMPARATO Fábio Konder Ética direito moral e religião no direito moderno 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2008 DE MARTINO Francesco Individualismo e diritto romano privato Torino Giappichelli 1999 DI ACCADIA C Motzo Storia della filosofia filosofia greca romana e medievale Milano Garzanti 1947 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 167 GREGOIRE François Les grandes doctrines morales Paris Presses Universitaires 1955 HONORÉ Tony Ulpian pioneer of human rights 2 ed Oxford University Press 2002 LABRUNA Luigi Matrici romanistiche del diritto attuale Napoli Jovene 1999 LOBO Abelardo Saraiva da Cunha Curso de direito romano Brasília Senado Federal 2006 MAYERMALY Theo V Publius Iuventius Celsius RE n 3 1969 MENDES José Ensaios de philosophia do direito São Paulo Duprat C 1903 MEWALDT Johannes O pensamento de Epicuro São Paulo Íris 1960 ORESTANO Riccardo Introduzione allo studio storico del diritto romano Torino Giappichelli 1963 PETRAK Marko The Platonic foundations of the definition of justice in the classical Roman law In BARBARIC Damir Org Platon über das Gute und die Gerechtigkeit Würzburg Königshausen Neumann 2005 PORCHAT Reynaldo Curso elementar de direito romano 2 ed São Paulo Melhoramentos 1937 v 1 RICCOBONO Salvatore La definizione del iusal tempo di Adriano BIDR p 5354 1948 La fusione del ius civilee del ius praetoriumin único ordinamento Archiv für Rechts und Wissenchaftsphilosophie Festschrift Zitelmann 16 1922 Labeo 35 1989 SCHULZ Fritz History of roman legal science Oxford Clarendon 1946 Prinzipien des römischen rechts MünchenLeipzig Duncker Humboldt 1934 SERRAO Feliciano Diritto privato economina e societá nella storia di Roma Napoli Jovene 2006 TALAMANCA Mario Org Lineamenti di storia del diritto romano 2 ed Milano Giuffrè 1989 VIRIEUXREYMOND Antoinette Pour connâitre la pensée des stoiciens Paris Bordas 1976 WENLEY R M Stoicism and its Influence Trad esp El Estoicismo y su influencia Buenos Aires Nova 1948

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R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O LegadO éticO e universaLista dO direitO rOmanO THE ETHICAL AND UNIVERSALIST LEGACY OF ROMAN LAW Carlos Alexandre Böttcher Resumo A contribuição da Ética grega sobretudo da escola estoica no Direito Romano é relevante destacandose os praecepta iuris de Ulpiano Prosseguese com a análise da atuação do pretor na aplicação do direito de forma universal fundado na fides e na aequitas criando um novo sistema ius honorarium Por fim analisa se o universalismo do Direito Romano a partir da elaboração do conceito de Ius Romanum Concluise a relevância do estudo do Direito Romano nessa concepção ética e universalista para a formação dos juristas modernos Palavraschave Direito Romano Ética Estoicismo Praecepta iuris Pretor Ius Honorarium Universalismo Ius Romanum Abstract The contribution of the Ancient Greek Ethics mainly from the Stoicism was important under Roman Law vg the Ulpians praecepta iuris The praetors action in an universal law incidence that was based on fides and aequitas After a creation of a new system ius honorarium Roman Laws universalism is analysed from the elaboration of the concept of Ius Romanum The paper presents a conclusion about the importance of studying Roman Law in its ethical and universalist view in the formation of the modern jurists Keywords Roman Law Ethics Estoicism Praecepta iuris Praetor Ius Honorarium Universalism Ius Romanum 1 Introdução O Direito Romano é permeado de matrizes éticas que têm sido olvidadas por muitos estudiosos Grande parte de tais caracteres presentes no Direito Romano tem origem no pensamento filosófico grego sobretudo no estoicismo Ao lado dos escritos dos jurisconsultos romanos em que denotamos traços da ética também a constatamos na atuação do pretor Enquanto principal magistrado romano incumbido da administração da justiça o pretor ensejou a criação do denominado Juiz de Direito em São Paulo Doutor e Mestre em Direito Civil História do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Especialista em Direito Romano pela Università di Roma La Sapienza Itália R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 156 Carlos Alexandre Böttcher ius honorarium que representou notável evolução na superação do formalismo do ius civile O caráter inovador do direito honorário baseado nas ideias de fides e aequitas aliado aos substratos filosóficos gregos contribuiu para o reconhecimento do universalismo do direito romano Tal caráter universalista é imbuído de conteúdo indiscutivelmente ético do qual o estudo do Direito Romano tratou de apartarse desde seu denominado renascimento com a criação das Universidades a partir de final do século XI Embora o tema seja complexo e comporte estudo mais pormenorizado as singelas linhas que se seguem visam a oferecer uma análise inicial dessas questões 2 Ética Grega e Estoicismo A partir da expansão pelo Mediterrâneo Roma paulatinamente tornouse centro espiritual do mundo1 As influências das ideias gregas no Direito Romano não podem ser excluídas em qualquer de suas fases mas se fizeram notar mais claramente a partir do final da segunda guerra púnica Esse período da jurisprudência romana é denominado helenístico2 Partindo de uma base eminentemente moral de princípios de justiça o Direito Romano impõese às várias populações do Império introduzindo e difundindo no mundo um ordenamento social e jurídico que é acima de tudo moral3 Além da adoção da dialética na jurisprudência romana notamse influências da ética grega no Direito Romano sobretudo do estoicismo Segundo a tradição no ano de 300 aC aproximadamente Zenão de Cítio 336335 aC 264263 aC fundou a sua escola filosófica em Atenas no Pórtico pintado Stoà poikíle razão por que seus seguidores foram conhecidos como estoicos De sua obra e dos primeiros estoicos como Cleanto 3040322322 aC e Crisipo de Solis 28178 20805 restaram apenas fragmentos Embora não haja uma visão unitária dos postulados da escola mas sim variação de posicionamentos dos diversos autores podem 1 Na segunda metade do século IV aC quando se estava definindo a nova forma políticoconstitucional romana com a equiparação das ordens patrícia e plebeia e com a nova estrutura social surgem os sinais de uma diversa estrutura econômica que se consolida no século III aC caracterizada sobretudo pelo desenvolvimento do comércio conforme SERRAO F Diritto privato economia e società nella storia di Roma Napoli Jovene 2006 p 98137 2 SCHULZ F History of roman legal science Oxford Clarendon 1946 p 38 Referido autor classifica a iurisprudentia romana em quatro períodos arcaico helenístico clássico e burocrático 3 DI ACCADIA C M D Storia della filosofia filosofia greca romana e medievale Milano Garzanti 1947 v 1 p 104 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 157 ser extraídos alguns elementos comuns4 Característica fundamental das filosofias pós aristotélicas como o estoicismo é a prevalência do aspecto moral A ética estoica foi amplamente difundida em Roma a partir de Panécio em meados do século II aC Teve como expoentes romanos Cícero5 Sêneca Epiteto e Marco Aurélio A ética dos estoicos é substancialmente uma teoria do uso prático da razão com o fim de estabelecer o acordo entre ela e a natureza A natureza é a ordem racional perfeita e necessária que é o destino ou o próprio Deus E a ação que se projeta conforme a ordem racional é o dever Portanto a ética estoica é fundamentalmente uma ética do dever e a noção do dever tornase pela primeira vez a ideia fundamental da ética Porém o dever não é o bem O bem começa a existir quando a escolha aconselhada pelo dever é repetida e consolidada mantendo sempre sua conformidade com a natureza até se tornar no homem uma disposição uniforme e constante ou seja uma virtude a qual é verdadeiramente o único bem Além dos bens virtudes existem outras coisas que são dignas de serem escolhidas Para indicar o conjunto desses bens e coisas os estoicos adotaram a palavra valor axia6 Para o estoicismo a ordem racional do mundo dirige tanto a vida de cada indivíduo como da comunidade humana O que se denomina justiça é a ação nesta comunidade da mesma razão divina A lei inspirada na razão divina é a lei natural da comunidade humana ou seja uma lei superior àquelas reconhecidas pelos diversos povos da terra perfeita e portanto não suscetível de correções ou melhoramentos Se única é a lei que governa a humanidade una é a comunidade humana O homem que se conforma à lei é cidadão do mundo cosmopolita7 Além do estoicismo a doutrina epicurista também exerceu influências em Roma Com efeito a escola não deve ser reduzida a uma visão meramente hedonista à medida que o prazer surge como base e justificação da solidariedade entre todos os homens8 4 ABBAGNANO N Storia della filosofia la filosofia antica dalle origini al neoplatonismo Milano TEA 1995 v 1 p 205206 GREGOIRE F Les grandes doctrines morales Paris Presses Universitaires 1955 p 3537 VIRIEUXREYMOND A Pour connâitre la pensée des Stoiciens Paris Bordas 1976 p 7089 WENLEY R M Stoicism and its Influence Trad esp El estoicismo y su influencia Buenos Aires Nova 1948 p 3582 5 Embora Cícero seja considerado eclético e não exclusivamente estoico por grande parte dos autores 6 ABBAGNANO N Storia cit p 215219 7 ABBAGNANO N Storia cit p 218219 8 MEWALDT J O pensamento de Epicuro São Paulo Íris 1960 p 1336 e ABBAGNANO N Storia cit p 227229 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 158 Carlos Alexandre Böttcher 3 Influências da Ética Grega no Direito Romano Vejamos pois como esse substrato ético fazia parte do Direito Romano a partir de alguns textos de Ulpiano9 extraídos do Digesto D111pr Ulp 1 inst Iuri operam daturum prius nosse oportet unde nomen iuris descendat Est autem a iustitia appellatum nam ut eleganter Celsus definit ius est ars boni et aequi10 Reportandose à definição de Celso11 Ulpiano define o direito como a arte do bom e do justo Tratase da única definição romana de ius A partir dela podemos inferir a estreita correlação entre o direito e a ética constantemente afastada nos tempos atuais A noção do bonum aequum12 na definição do direito também é repetida por Paulo13 O enunciado de Celso repetido e venerado durante séculos é silenciado entre os modernos que o consideram vazio ou perigoso Porém apesar da simplicidade o pensamento de Celso enuncia uma verdadeira descoberta na ciência do direito talvez a única verdadeiramente científica porque tem valor eterno e universal14 O fragmento seguinte define a Justiça D 1110pr Ulp 1 reg Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi15 9 A atividade literária de Ulpiano desenvolvese provavelmente entre 212 e 222 antes de sua participação mais intensa no aparato imperial na época de Alexandre Severo conforme TALAMANCA M org Lineamenti di storia del diritto romano 2 ed Milano Giuffrè 1989 p 451 10 É necessário que aquele que há de se dedicar ao direito saiba primeiramente de onde provém o nome ius É pois oriundo de iustitia De fato como Celso define elegantemente direito é a arte do bom e do justo 11 Celso fez parte do conselho do imperador Adriano Sobre o jurista confirase MAYERMALY T v Publius Iuventius Celsius RE 3 1969 p 31 12 No livro V 10 da Ética a Nicômaco Aristóteles analisa as relações entre justiça e equidade epieikeias concluindo que são a mesma coisa e que ambas são boas embora a equidade seja melhor Para Aristóteles a equidade é a retificação da justiça legal no caso concreto porque há casos não previstos pelo legislador e sua natureza essencial é a retificação da lei quando é lacunosa devido a sua generalidade 13 D1111 Paul 14 ad Sab ius pluribus modis dicitur uno modo cum id quod semper aequum ac bonum est ius dicitur ut est ius naturale o direito pode ser dito de muitos modos um dos quais quando é chamado direito aquilo que é sempre equitativo e bom como o direito natural 14 BIONDI B Arte y Ciencia del Derecho Barcelona Ariel 1953 p 126127 15 Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito Segundo COMPARATO F K Ética direito moral e religião no direito moderno 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2008 p 119 120 tal definição consistia na verdade um lugarcomum na cultura grega sendo a expressão equivalente encontrada no início da República de Platão A definição de justiça é uma das principais questões da Filosofia do Direito cuja problemática não é o escopo do presente trabalho Para exposição sobre a justiça R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 159 No texto seguinte na disposição do Digesto estão descritos os praecepta iuris Tais preceitos constituem os princípios fundamentais do Direito D 11101 Ulp 1 reg Iuris praecepta sunt haec honeste vivere alterum non laedere suum cuique tribuere16 Existem muitas divergências entre os autores no sentido de identificar o correto significado dos preceitos indicados por Ulpiano Há quem negue o caráter jurídico do honeste vivere limitandoo à esfera exclusivamente moral Hugo Donelo um dos grandes expoentes da Escola Culta ou Humanista do Direito Romano séc XVI justifica o fragmento mostrando que a verdadeira base dos preceitos jurídicos está no honeste vivere razão por que o homem tendo obrigação de viver de modo justo na sociedade precisa obedecer aos preceitos da moral nas suas relações com os semelhantes17 Colocado esse preceito em primeiro plano também há divergência quanto ao real significado dos demais Para Savigny com alterum non laedere quis Ulpiano atender ao respeito devido aos direitos absolutos ou originários que são os direitos fundamentais ao passo que com suum cuique tribuere teve em vista o respeito aos direitos relativos ou adquiridos Donelo por sua vez acreditava que alterum non laedere abrangia as regras atinentes aos direitos das pessoas e suum cuique tribuere referiase ao direito das coisas Outros autores como Warnkoening por sua vez contrapõem o aspecto negativo e positivo dos direitos obrigação geral negativa por parte de todas as pessoas que compõem a sociedade no sentido de respeito ao direito de outrem e obrigação positiva que se exerce pela prática de certos atos18 Em que pesem as divergências de opinião é importante que se reconheça a matriz ética dos preceitos O honeste vivere consubstancia a moral estoica que considera a virtude como bem supremo e único bonum honestum A virtude é imposta por todo o Universo O honesto é o único e maior bem19 enquanto grande princípio ético em especial confirase a obra citada p 525529 16 Os preceitos do direito são estes viver honestamente não lesar a outrem dar a cada um o que é seu 17 Conforme PORCHAT R Curso elementar de direito romano 2 ed São Paulo Melhoramentos 1937 v 1 p 113 18 PORCHAT R Curso cit p 115117 O próprio autor compartilha esta última opinião 19 Cic de off 335 itemque si ad honestatem nati sumus eaque aut sola expetenta est ut Zenoni visum est aut certe omni pondere gravior habenda quam reliqua omnia quod Aristoteli placet necesse est quod honestum sit id esse aut solum aut summum bonum por isso se nascemos para a honestidade e somente isso é desejável como quer Zenão ou pelo menos deve preferilo acima de qualquer outra coisa como diz Aristóteles necessariamente a honestidade é o único e maior bem R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 160 Carlos Alexandre Böttcher O alterum non laedere consubstancia a filosofia de Epicuro que considera o Direito como o produto de um pacto de utilidade concluído pelos homens com o escopo de não se ofenderem uns aos outros O terceiro preceito suum cuique tribuere resume as ideias de Pitágoras Sócrates Platão e principalmente Aristóteles acerca do justo e do injusto20 Esses princípios fundamentais são gerais e eternos mas as aplicações concretas são infinitas e mutáveis O mérito dos romanos não consiste em terem formulado esses preceitos mas sim terem deduzido deles normas precisas de conduta segundo as exigências sociais que paulatinamente se apresentavam Nesse processo contínuo de aplicação e desenvolvimento encontrase a lição perene da jurisprudência romana que partindo sempre de poucos preceitos fundamentais tomados da realidade própria das coisas conseguiu constituir esse ordenamento21 Em suma os princípios da civilização jurídica ocidental são ainda esses e fundamentam como no tempo dos romanos a convivência pacífica dos homens22 Os tria praecepta iuris têm caráter universal e constituem diretivas de qualquer ordenamento jurídico23 Há quem reforce os fundamentos platônicos nas ideias de iustitia e praecepta iuris de Ulpiano24 Ulpiano também é visto como precursor dos direitos humanos à medida que expõe o Direito Romano com base na visão de que todos homens nascem livres e iguais e que todos têm dignidade25 4 O Pretor romano e o ius honorarium Expostas brevemente as influências da ética grega no Direito Romano vejamos a importância do pretor romano e do seu ius honorarium 20 Nesse sentido CARLE G La vita del diritto Torino Fratelli Bocca 1890 MENDES J Ensaios de Philosophia do Direito São Paulo Duprat C 1903 p 140142 e PORCHAT R Curso cit p 117 Outrossim vide nota 13 supra 21 BIONDI B Arte cit p 139140 22 Neste sentido LABRUNA L Matrici romanistiche del diritto attuale Napoli Jovene 1999 p 9 23 Neste sentido BIONDI BGiustiniano in Iura 16 1965 p 8 24 Neste sentido PETRAK M The Platonic foundations of the definition of justice in the classical Roman law In BARBARIC Damir Org Platon über das Gute und die Gerechtigkeit Würzburg Königshausen Neumann 2005 p 183190 25 Nesse sentido HONORÉ T Ulpian pioneer of human rights 2 ed Oxford University Press 2002 p 76 Para o autor esses três valores liberdade igualdade e dignidade são os elementos essenciais do que hoje denominamos Direitos Humanos e ainda prossegue aduzindo que Ulpian is the first lawyer who can given the scale of his work and its influence properly count as the pioneer of the human rights movement Ainda que a teoria do autor possa ser objeto de críticas mostrase relevante esse enfoque do Direito Romano R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 161 Segundo a historiografia tradicional romana26 o pretor foi criado em 367 aC pelas Leges Liciniae Sextiae como resultado do compromisso entre patrícios e plebeus em que o os primeiros rendiamse aos últimos admitindo que um dos cônsules fosse plebeu ao passo que os plebeus admitiam que os patrícios elegessem um só pretor incumbido de administrar o direito na cidade27 Embora essa versão acerca da introdução do pretor seja objeto de controvérsias28 o fato é que o pretor urbano e posteriormente o pretor peregrino criado em 242 aC vieram a especializarse na administração da justiça dando margem à criação de direitos distintos daqueles do tradicional ius civile aplicável inicialmente apenas aos cidadãos romanos O papel do pretor na criação do direito é recrudescido pela expansão de Roma pelo Mediterrâneo à medida que havia necessidade de disciplinar as novas relações mercantis decorrentes do intenso tráfico de mercadorias e as relações entre os vários indivíduos das diversas províncias29 A natureza distinta do novo direito que emergia da função criadora do pretor era reconhecida pelos próprios juristas romanos como se infere da definição de Papiniano D 1171 Pap 2 def Ius praetorium est quod praetores introduxerunt adiuvandi vel supplendi vel corrigendi iuris civilis gratia propter utilitatem publicam Quod et honorarium dicitur ad honorem praetorum sic nominatum30 Supplere significa a introdução de uma nova disciplina normativa onde o ius civile não previa nenhuma como na concessão de ações ou interditos no processo formular Adiuvare por sua vez consiste na previsão de tutela mais eficaz para casos já disciplinados pelo ius civile Corrigere implica atuação do pretor no âmbito interno da 26 Os fatos que antecederam a disputa entre as ordens patrícia e plebeia que culminaram com a legislação em questão são narrados por Tito Lívio Ab urbe condita 634511 635610 63849 64248 64210 27 Liv 64211 venit cum tamen per dictatorem conditionibus sedatae discordiae sunt concessumque ab nobilitate plebi de consule plebeio a plebe nobilitati de praetore uno qui ius in urbe diceret ex Patribus creando o ditador oferece as condições que apaziguam as discórdias a nobreza permite um cônsul plebeu ao povo e o povo permite um pretor encarregado de administrar a justiça à nobreza e eleito entre os patrícios 28 Para detalhamento acerca das controvérsias e indicação bibliográfica vejase o nosso História da Magistratura o pretor no direito romano São Paulo LCTE 2011 29 Vide nota 2 supra 30 Direito pretoriano é aquele que os pretores introduziram a fim de auxiliar suprir ou corrigir o direito civil ius civile por causa de uma utilidade pública Também é chamado de honorário sendo assim denominado em razão da honra dos pretores honor R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 162 Carlos Alexandre Böttcher normatização civilística eliminando aspectos insatisfatórios o que ocorria normalmente com a denegação da ação ou concessão de exceptio31 Além da fides32 assumida pelo pretor como princípio diretivo que lhe permitia o nivelamento das duas ordens existentes ius civile e ius gentium sua atuação era fundamentada na aequitas ou bonum aequum A aequitas considerada como base do ius preparava e fornecia ao Direito a matéria que brota com o movimento perene de uma fonte viva qual seja a vida do povo A aequitas tem um fundamento desencadeado pela própria natureza em cada relacionamento humano identificandose com a experiência comum e com o conjunto de institutos naturais e intelectuais que constituem uma espécie de sabedoria prática empírica Deste modo era natural que o aequum bonum fosse reconhecido como o fundamento imediato e geral para a administração da justiça33 A aequitas pretoriana representa portanto a atuação prática e real de um alto ideal de justiça em relação ao caso concreto34 Ius civile e ius honorarium são caracterizados como ordenamentos jurídicos distintos sendo contrapostos em diversos aspectos dentre os quais o conteúdo Enquanto o primeiro é constituído pelo antigo direito dos romanos ius Quiritium no segundo são reconhecidos prevalentemente institutos de ius gentium considerados comum a todos os povos35 A fusão de ambos os ordenamentos veio a ocorrer com a prática judiciária sem atuação direta do legislador36 Em suma o pretor enquanto intérprete da consciência mais atual de seu tempo e regido pela cooperação dos juristas elaborou um direito que com o mais alto grau de ponderação e de perfeição técnica acoplava a máxima elasticidade e capacidade de renovação direito esse que está entre as criações mais originais e elevadas do gênio romano37 31 TALAMANCA M Org Lineamenti cit p 162163 Para o autor porém a classificação de Papiniano tem função meramente descritiva não sendo sempre prática a fixação da relação de uma ou outra função 32 A fides é definida como manter a palavra dada fit quod dicitur ou seja o vínculo à palavra dada o sentirse ligado à própria declaração conforme SCHULZ F Prinzipien des römischen Rechts MünchenLeipzig Duncker Humboldt 1934 p 151155 Cícero mencionava a fides como aquilo que havia de mais santo na vida Verr II 336 fidem sanctissimam in vita qui putat e como fundamento da justiça de off 1725 fundamentum autem est iustitiae fides id est dictorum conventorumque constantia et veritas fundamento da justiça é a fides ou seja a observância e sinceridade dos compromissos e acordos 33 RICCOBONO S La definizione del iusal tempo di Adriano BIDR 5354 1948 p 2021 34 DE MARTINO F Individualismo e diritto romano privato Torino Giappichelli 1999 p 47 35 BETTI E La creazione del diritto nella iurisdictio del pretore romano Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda nel XXV anno del suo insegnamento Padova CEDAM 1927 p 3640 36 RICCOBONO S La fusione del ius civilee del ius praetoriumin unico ordinamento Archiv für Rechts und Wissenchaftsphilosophie Festschrift Zitelmann 16 1922 p 503521 Labeo 35 1989 p 215232 37 BETTI E La creazione cit p 190 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 163 5 O Universalismo do Direito Romano O caráter supranacional do Direito Romano já era percebido pelos romanos que distinguiam seu próprio direito daquele comum a todos povos Na obra filosófica de Cícero podemos extrair a ideia de que um único Direito mantém a sociedade humana unida38 A hominum societas deve ser entendida como a comunidade humana universal39 à medida que Cícero ressalta a necessidade de respeito não apenas aos cidadãos mas também aos estrangeiros sob pena de ser destruída a sociedade comum do gênero humano40 Também podemos antever a existência da noção de interesse comum a todos homens41 Pois bem o ius gentium42 fundado naquilo que de universal e humano apresentam a vida social e as suas exigências é um vasto sistema jurídico aplicável ad omnes gentes naquelas relações em que a consciência social não apenas permanece indiferente mas reclama disciplina unitária A tendência ao universalismo é constante O universalismo deve ser encontrado no próprio caráter universal do pensamento jurídico romano visto que baseado na natureza entendida essa como realidade humana Não sendo imutável em uma fórmula definitiva permitia uma contínua adequação do Direito alterando de acordo com a realidade O ius naturale apesar do fundamento teológico acolhido por Justiniano não é sistema rígido mas sim uma orientação que fundada na naturalis ratio guia o desenvolvimento e as transformações do direito positivo A universalidade do ius naturale implica adaptação e não exclui particularismo no tempo e no espaço43 Essa ilação pode ser extraída da definição do ius civile de Ulpiano D 116pr Ulp 1 inst 38 Cic leg 142 est enim unum ius quo deuincta est hominum societas et quod lex constituit una quae lex est recta ratio imperandi atque prohibendi Quam qui ignorat is est iniustus siue est illa scripta uspiam siue nusquam há pois um só direito ao qual a sociedade humana é fortemente unida e uma só lei o institui que é a reta razão de ordenar e proibir Quer seja escrita ou não aquele que a ignora é o injusto 39 Neste sentido COMPARATO F K Ética cit p 489 40 Cic off 328 qui autem civium rationem dicunt habendam exterorum negant ii dirimunt communem humani generis societatem qua sublata beneficentia liberalitas bonitas iustitia funditus tollitur porém aqueles que admitem esse respeito pelos cidadãos mas o negam para os estrangeiros destroem a sociedade humana e junto dela a beneficência a liberalidade a bondade e a justiça 41 Cic off 326 ergo unum debet esse omnibus propositum ut eadem sit utilitas uniuscuisque et universorum quam si ad se quisque rapiet dissolvetur omnis humana consortio portanto cada qual deve ter um propósito em todas as coisas que o interesse de cada um e de todos seja o mesmo pois se tomar para si dissolvese a comunidade humana 42 Uma das definições de ius gentium é aquela encontrada em D119 Gai 1 inst quod vero naturalis ratio inter omnes homines constituit id apud omnes peraeque custoditur vocaturque ius gentium quasi quo iure omnes gentes utuntur mas o direito que a razão natural constituiu entre todos homens o qual é do mesmo modo protegido entre todos chamase direito das gentes como o direito que todos povos utilizam 43 BIONDI B Giustiniano cit p 58 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 164 Carlos Alexandre Böttcher Ius civile est quod neque in totum a naturali vel gentium recedit nec per omnia ei servit itaque cum aliquid addimus vel detrahimus iuri communi ius proprium id est civile efficimus D1161 Ulp 1 inst Hoc igitur ius nostrum constat aut ex scripto aut sine scripto ut apud graecos twn nomwn oi men eggrafoi oi de agrafoi44 Observase pois que encontramos a constatação de que o ius civile enquanto direito positivo e específico de cada povo em determinado momento não diverge no todo do ius gentium ou do ius naturale e nem coincide com eles em todas as coisas45 A par dessa distinção tem sido objeto de construção teórica o conceito de Ius Romanum Referido conceito de Ius Romanum não é próprio da jurisprudência clássica mas sim da legislação imperial a partir de Diocleciano O conceito vem a ser aperfeiçoado por Justiniano que também utiliza as expressões Romanae leges e Romana sanctio como instrumentos de uma concepção universalista do Direito Nesse sentido o direito é claramente distinto da própria aplicação e o Ius Romanum vem a compreender o ius naturale ius gentium e ius civile46 Destarte temse Ius Romanum como um sistema histórico representando a síntese conceitual de uma complexa construção dogmática das quais as constituições Deo auctore47 e Tanta48 de Justiniano apresentam resumidamente os aspectos pessoais espaciais e temporais De fato na codificação de Justiniano verificamos as seguintes orientações reforço do uso do conceito de Ius Romanum acentuação dos aspectos espaciais do sistema jurídico na sua universalidade eliminação dos conceitos de peregrinus e Latinus e transformação do conceito de ius Quiritium renovação do conceito de Ius gentium49 No tocante ao primeiro aspecto Ius Romanum é usado como conceito superior relativo a uma realidade universal com o objetivo de evidenciar a continuidade facilitar a unidade e 44 D 116 pr Direito Civil é o que não diverge no todo do direito natural ou do direito das gentes nem coincide em todas as coisas Então quando acrescentamos ou subtraímos algo do direito comum produzimos um direito próprio ou seja um direito civil D116 portanto este nosso direito é composto ou por escrito ou não como se diz entre os gregos das normas enquanto umas são escritas outras não são escritas 45 Neste sentido BIONDI B Giustiniano cit p 78 46 CATALANO P Diritto e persone I Torino Giappichelli 1990 p 9091 47 Nome pelo qual ficou conhecida a Constituição de Justiniano que justifica a concepção do Digesto De Conceptione Digestorum 48 Nome pelo qual ficou conhecida a Constituição de Justiniano que justifica a confirmação do Digesto De Confirmatione Digestorum 49 CATALANO P Diritto cit p 7885 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 165 coerência universalizar e projetar no futuro os iura populi Romani Referido conceito une o passado e o futuro do Direito tendencial ou potencialmente universal que teve início com a fundação da urbs Roma Deo auctore 1 assinalando o momento em que a validade desse direito é sancionada in omne aevum Tanta 2350 Modernamente desenvolveuse a tendência de considerar o Direito Romano como direito morto distinguindose direito romano e tradição romanística51 Contudo subsistem concepções que afirmam a vigência do Direito Romano mesmo posteriormente às codificações nacionais52 Para compreender pois a amplitude do Direito Romano é necessário que se evite representálo em termos de ordenamento efetivo ou estatal mas sim considerá lo como um conjunto de realidades e valores cuja identificação cabe normalmente ao jurista A continuidade e a resistência do Direito Romano comportam mesmo atualmente a utilização de novos instrumentos conceituais em permanente conexão com a parte mais importante do conjunto que é o seu início53 6 Conclusão Nesse breve estudo vimos como a Filosofia grega sobretudo estoicista exerceu influência no Direito Romano contribuindo com seu substrato ético em certas concepções dos juristas romanos dentre as quais os praecepta iuris de Ulpiano Também vimos como o pretor romano ao fundar sua atuação na fides e na aequitas criou um novo direito ius honorarium apto a ser aplicado de forma universal Prosseguindo também analisamos a ideia de universalismo do Direito romano a partir da noção de ius gentium e a elaboração do conceito de Ius Romanum Relacionando esses três tópicos podemos extrair algumas conclusões O absoluto isolamento entre Direito e Moral que recrudesceu com o positivismo jurídico e cujos efeitos se mostram ainda muito presentes nos nossos dias deve ser objeto de revisão 50 CATALANO P Diritto cit p 79 No artigo Diritto morale e religione nella prospettiva dello ius Romanum in Roma e America Diritto Romano Comune Rivista di Diritto dellIntegrazione e Unificazione del Diritto in Europa e in America Latina n 1 Roma 1996 p 3 o autor aduz que o ius Romanum constitui um sistema no qual religio mos e ius estão profundamente compenetrados não tendo o sistema romano seja o précristão seja o cristão conhecido o isolamento Isolierung do direito em relação à moral e à religião O isolamento do direito da religião e da moral é resultado da formação dos Estados modernos e das assim chamadas revoluções burguesas 51 Essa é a opinião de ORESTANO R Introduzione allo studio storico del diritto romano Torino Giappichelli 1963 p 514ss criticada por CATALANO P Diritto cit p 79 e 91 52 Nesse sentido podese citar Lobo A S C Curso de direito romano Brasília Senado Federal 2006 cujo livro terceiro é intitulado Influência Universal do Direito Romano 53 CATALANO P Diritto cit p 96 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 166 Carlos Alexandre Böttcher De fato não podemos conceber o Direito como conjunto de regras meramente formais e desprovidas de qualquer conteúdo ético ou moral Nesse contexto sobressaise a relevância do estudo do Direito Romano que deve ser concebido acima de tudo como um conjunto de valores de conteúdo ético e de aplicação universal E tal caráter universal do Direito Romano mantém sua permanente atualidade e importância para a formação humanística do jurista Por conseguinte podemos concluir que a tentativa de recuperação dessa noção universalista do Direito Romano e de seu conteúdo ético são tarefas fundamentais dos juristas do mundo de hoje o qual assiste ao recrudescimento de conflitos das mais diversas formas colocando em risco não apenas a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais mas também a própria sobrevivência pacífica da humanidade São Paulo junho de 2010 revisto em 2013 Referências ABBAGNANO Nicola Storia della filosofia la filosofia antica dalle origini al neoplatonismo Milano TEA 1995 v 1 BETTI Emilio La creazione del diritto nella iurisdictio del pretore romano In Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda nel XXV anno del suo insegnamento Padova CEDAM 1927 BIONDI Biondo Arte y Ciencia del derecho Barcelona Ariel 1953 Giustiniano Iura n 16 1965 BÖTTCHER Carlos Alexandre História da magistratura o pretor no direito romano São Paulo LCTE 2011 CARLE Giuseppe La vita del diritto Torino Fratelli Bocca 1890 CATALANO Pierangelo Diritto e persone I Torino Giappichelli 1990 Diritto morale e religione nella prospettiva dello ius Romanum in Roma e America Diritto Romano Comune Rivista di Diritto dellIntegrazione e Unificazione del Diritto in Europa e in America Latina Roma n 1 1996 COMPARATO Fábio Konder Ética direito moral e religião no direito moderno 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2008 DE MARTINO Francesco Individualismo e diritto romano privato Torino Giappichelli 1999 DI ACCADIA C Motzo Storia della filosofia filosofia greca romana e medievale Milano Garzanti 1947 R Fac Dir Univ São Paulo v 108 p 155 167 jandez 2013 O legado ético e universalista do Direito Romano 167 GREGOIRE François Les grandes doctrines morales Paris Presses Universitaires 1955 HONORÉ Tony Ulpian pioneer of human rights 2 ed Oxford University Press 2002 LABRUNA Luigi Matrici romanistiche del diritto attuale Napoli Jovene 1999 LOBO Abelardo Saraiva da Cunha Curso de direito romano Brasília Senado Federal 2006 MAYERMALY Theo V Publius Iuventius Celsius RE n 3 1969 MENDES José Ensaios de philosophia do direito São Paulo Duprat C 1903 MEWALDT Johannes O pensamento de Epicuro São Paulo Íris 1960 ORESTANO Riccardo Introduzione allo studio storico del diritto romano Torino Giappichelli 1963 PETRAK Marko The Platonic foundations of the definition of justice in the classical Roman law In BARBARIC Damir Org Platon über das Gute und die Gerechtigkeit Würzburg Königshausen Neumann 2005 PORCHAT Reynaldo Curso elementar de direito romano 2 ed São Paulo Melhoramentos 1937 v 1 RICCOBONO Salvatore La definizione del iusal tempo di Adriano BIDR p 5354 1948 La fusione del ius civilee del ius praetoriumin único ordinamento Archiv für Rechts und Wissenchaftsphilosophie Festschrift Zitelmann 16 1922 Labeo 35 1989 SCHULZ Fritz History of roman legal science Oxford Clarendon 1946 Prinzipien des römischen rechts MünchenLeipzig Duncker Humboldt 1934 SERRAO Feliciano Diritto privato economina e societá nella storia di Roma Napoli Jovene 2006 TALAMANCA Mario Org Lineamenti di storia del diritto romano 2 ed Milano Giuffrè 1989 VIRIEUXREYMOND Antoinette Pour connâitre la pensée des stoiciens Paris Bordas 1976 WENLEY R M Stoicism and its Influence Trad esp El Estoicismo y su influencia Buenos Aires Nova 1948

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