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Metodologia da Pesquisa

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PARA ANALISAREM E SERVIR DE REFERÊNCIA PARA PESQUISAREM A RESPEITO DO TEMA Construyendo entornos seguros desde la perspectiva de género PARTE 2 2 Un entorno visible Sara Ortiz Escalante Visibilidad de las mujeres en los medios de comunicación O trecho abaixo é parte da minha dissertação onde analisei um recorte da cidade de Florianópolis sob a perspectiva da visibilidade e representatividade 42 IMAGENS DE MULHERES Conforme mencionado em passagem anterior a proposta inicial era analisar o Largo da Alfândega no que se relaciona com uso e apropriação do espaço público por mulheres mas em decorrência da revitalização em curso foi necessário rearranjar os recortes da pesquisa As mulheres que utilizavam a praça do Largo em diversas atividades observadas na fase aproximação reconhecimento e que seriam incorporadas à análise também precisaram rearranjarse espacial e socialmente Tiveram que encontrar outros apoios para descansar sentarse à sombra ou aguardar alguém Homens e mulheres que utilizavam a praça da Alfândega como ponto para venda de produtos transferiramse ou foram transferidos para a Rua Conselheiro Mafra em frente à Casa da Alfândega Inicialmente lamentamos não realizar a análise conforme planejado pois os vários tapumes que cercavam o Largo da Alfândega geraram um espaço negativo em lugar tão significativo1 No entanto ainda durante a análise empírica fase aproximação geral percebemos que a barreira aparentemente intransponível formada pelo painel branco cinza era utilizada para registrar a passagem daqueles que não puderam ocupar aquela parte da cidade por algum 1 Citação que faz alusão à interferência dos tapumes que cercavam o espaço público do Largo da Alfândega na paisagem do centro da cidade de Florianópolis tempo Dessa forma ao realizarmos a caminhada de reconhecimento e investigação no entorno do tapume identificamos diversos registros que indicavam a presença de mulheres nomes imagens frases de empoderamento entre outros fato que nos orientou à análise de visibilidade física e simbólica ESCALANTE 2011 materializadas no lugar como registros pictóricos sobre o tapume Parte das experimentações que realizamos aproximação de reconhecimento foram ações comunicadas e organizadas com o auxílio das redes sociais2 No entanto foi necessário a presença dos corpos para legitimar as ações e por isso alguns atos aconteceram em espaço público com a realização de caminhadas pelo centro da cidade Os pontos de encontro destas ações foram a escadaria da Catedral e Palco Democrático localizado no Largo da Alfândega Nesta pesquisa o Largo da Alfândega foi investigado de forma ampla e ofereceu elementos para diversas análises que relacionaramse ao uso do espaço público por mulheres Somadas às abordagens mencionadas anteriormente este espaço mesmo cercado por tapumes influenciava a dinâmica socioespacial existente no lugar pois forçava os pedestres a optarem por novas rotas e alterava os fluxos na região interferindo diretamente na dinâmica diária de parte das mulheres vendedoras ambulantes entrevistadas Por isso do ponto de vista do espaço o Largo da Alfândega poderia ser dividido em três setores principais e conforme o interesse da análise ser subdividido O primeiro setor do lado oeste junto ao Mercado Público concentrava diversos bancos alguns à sombra de árvores e outros mais próximos da Casa da Alfândega e Rua Conselheiro Mafra O segundo setor compreendia a Casa da Alfândega e o monumento em homenagem às rendeiras os Bilros organizados numa composição piramidal com aproximadamente 3 metros de altura No terceiro setor encontravase o espaço reservado para eventos com o antigo coreto renomeado após a revitalização de 2017 como Palco Democrático e mais próximo à Rua Conselheiro Mafra encontravase a área reservada para a feiralivre 2 Canal de comunicação online utilizado para contatar pessoas e divulgar eventos conhecimentos e saberes Figura 1 Largo da Alfândega setores para análise Fonte Google Maps edição da autora Predominava uma certa tranquilidade na praça da Alfândega que era eventualmente interrompida por alguém que caminhava apressado em direção ao Terminal Urbano Mesmo assim a ambiência que caracterizava o lugar parecia ser gerada pela desaceleração de quem fazia uso dos equipamentos e setores da praça Diversas pessoas se apoiavam em bancos existentes na praça mas prevalecia a presença de mulheres acompanhadas por outras mulheres ou crianças Os ambulantes interagiam com quem demonstrava interesse por seus produtos Os hippies que vendiam bijuterias posicionavam se próximos à Rua Conselheiro Mafra e Rua Deodoro e dividiam o espaço com quem fazia uso dos bancos existentes naquele lugar Turistas circulavam pelo local acessavam o Mercado Público avaliavam as peças dos hippies mas eram os nativos que completavam a ambiência deste lugar Dificilmente encontramos mulheres sozinhas na praça da Alfândega e as poucas que assim estavam eram mais jovens e pareciam esperar alguém normalmente de pé enquanto desviavam sua atenção aos aparelhos celulares Raramente sentavamse em bancos Tentouse dedicar especial atenção à estas mulheres desacompanhadas no intuito de analisar sua percepção de segurança em espaço público no entanto pareciam receber alguma mensagem em seus telefones e rapidamente seguiam em outra direção o que frustrava a tentativa de avaliação De modo geral de acordo com os critérios apontados no manual Construyendo entornos seguros desde la perspectiva de género ESCALANTE 2011 a configuração espacial e os aspectos sociais tornavam a antiga praça da Alfândega um lugar seguro para as mulheres com exceção da região onde estavam localizados os bancos sob as copas das árvores Neste lugar existiam elementos que bloqueavam os ângulos de visão de quem sentavase em bancos ou circulava pelo entorno e nesta parte da praça por conta da falta de visibilidade que possibilita ver e ser vista ou escolher uma rota de fuga se for necessário o espaço público apresenta aspectos físicos que o caracterizam como inseguro ao uso das mulheres Vale destacar que são as mulheres quem mais utilizam os bancos disponíveis em espaço público Geralmente esperam por alguém ou descansam à sombra quando possível Sara Ortiz Escalante é socióloga e responsável pela análise do conceito de visibilidade apresentado no manual Construyendo entornos seguros desde la perspectiva de género 2011 A abordagem atribui ao conceito de visibilidade dois aspectos de análise o aspecto físico e aplicável que corresponde às intervenções que podem ser planejadas e aplicadas em espaços públicos e que contribuem para a percepção de segurança das mulheres e das pessoas de modo geral O outro aspecto é associado às representações simbólicas e sociais das mulheres Escalante 2011 defende que a valorização social e simbólica das mulheres parte da utilização de imagens não sexualizadas em anúncios publicitários e expostas na cidade em outdoors por exemplo pois imagens estereotipadas do corpo feminino objetificado contribuem para a sensação de insegurança e perpetuação das desigualdades e discriminações das mulheres A autora complementa que algumas mensagens ao invés de empoderálas apresentam uma visão protecionista constituída a partir da imagem indefesa e de fragilidade da mulher associada ao domínio doméstico a esfera privada da sociedade Tomese como exemplo a campanha do metrô de São Paulo contra o assédio que estimulava as mulheres a denunciar os assédios e agressões Entre as imagens divulgadas em cartazes afixados no metrô destacavase a imagem de três homens e a frase você não está sozinha nos levando a entender que para acessar a cidade a mulher precisa de proteção e não de autonomia e respeito enfatizando a necessidade do uso de imagens não estereotipadas a fim de fortalecer a representatividade das mulheres Figura 21 Cartaz divulgado no Metrô de São Paulo Fonte Blog da Raquel Rolnik Raquel Rolnik 2016 afirma que a sociedade por meio de estereótipos promove esse comportamento ora de submissão ora de abuso em face das mulheres tratandoa como quem não pertence ao espaço público Os estereótipos culturais que autorizam e promovem um comportamento abusivo de homens em relação ao corpo das mulheres A estes se associa também outro estereótipo forte em relação ao próprio espaço urbano a casa o lar é o lugar feminino por excelência reino da domesticidade espaço conhecido e confinado enquanto a rua espaço público do inesperado fortuito e desconhecido é o lugar da masculinidade Mulheres podem ultrapassar essas fronteiras desde que estejam acompanhadas por homens seus namorados companheiros maridos irmãos ou parentes Mulheres sozinhas circulando nas ruas em determinados horários e locais estão fora de lugar Outro aspecto que aponta a invisibilidade das mulheres na cidade é a falta de representatividade na nomeação de ruas praças bibliotecas ou outros pontos e equipamentos públicos fator que demonstra o descaso com a representatividade feminina em espaços públicos Na região central de Florianópolis apenas a Rua Anita Garibaldi homenageia uma mulher e por um breve período a Rua João Pinto foi nominada como Rua Augusta VAZ 1990 De forma complementar o apontamento de Muxí 2006 destaca a importância da representatividade em todas as categorias da sociedade na expectativa de que haja a possibilidade de incluirse à pauta as necessidades das mulheres No entanto segundo destaca a autora 2006 p 70 não há garantias de que sejam atendidas El desafío es construir um espacio sin género ni orden patriarcal por lo tanto sin jerarquías un espacio para visibilizar las diferencias un espacio de todos y todas en igualdad de valoración de miradas saberes y experiencias Resignificar la construcción de nuestras ciudades a partir de la experiencia que del mundo tengan hombres y mujeres dos maneras de enunciar uma realidade única Teixeira e Moreira 2012 p 156 ao analisarem os espaços de sociabilidade no centro de Florianópolis em especial o Largo da Alfândega e o monumento em homenagem às rendeiras os Bilros concluem que Na parte frontal do Largo estão colocados um lago e uma obra de arte em homenagem a arte da renda de bilros Para além do belo trabalho de arte executado mas pela referência à memória simbólica do lugar um motivo ligado à sua condição marítimoportuária talvez fosse mais adequado fazendo jus ao caráter monumental do Prédio da Alfândega e do Porto que ali havia Tal composição estaria mais condizente com a linguagem que deve ser expressa na imagem de um monumento que no entender de Choay 2001 17 trata de tocar pela emoção uma memória viva grifo nosso Entendemos as justificativas apresentadas pelos pesquisadores amparadas em texto de Choay 2001 entretanto percebese em seu texto a falta de valorização à representatividade da produção cultural intelectual e histórica relacionada às rendeiras e que apesar da crítica contribuem para a formação da identidade de Florianópolis De acordo com uma das premissas deste trabalho compreender como as mulheres se apropriam do espaço público em seu cotidiano entendemos que ao representar a arte as rendeiras e os bilros o monumento materializa a imagem feminina associada ao fabrico das rendas e o transfere para o espaço público assim como propõe Escalante 2011 Sabese que em menor quantidade homens também tecem as rendas no entanto é uma atividade cultural atribuída às mulheres originalmente realizada nos ambientes domésticos A luta por visibilidade das mulheres também diz respeito ao reconhecimento de práticas associadas à reprodução o que inclui a confecção de rendas e por isso a importância de visibilizálas devido a representatividade e importância simbólica para a questão da visibilidade da mulher Figura 22 Largo da Alfândega e Bilros Fonte Site da Prefeitura de Florianópolis O monumento com o Bilros não foi preservado no novo projeto de revitalização do Largo da Alfândega entregue no início de 2020 As diretrizes para o novo projeto definidas pelo IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional solicitaram que a Casa da Alfândega fosse mais valorizada O conceito de praça seca utilizado no projeto prioriza a visibilidade e o controle visual inclusive destacando e integrando a paisagem do entorno do Largo da Alfândega Embora o monumento aos bilros tenha sido demolido outro elemento em homenagem às rendeiras foi incorporado o pergolado metálico que representa as rendas de Bilros Tramoia localizada na parte sudeste da praça O arquiteto César Floriano um dos responsáveis pelo projeto explica que O conceito adotado foi de espaço público enquanto lugar de vivência urbana e obra de Arte Pública Como referência trabalhamos a imagem das ondas do mar e a renda de Bilrros Tramóia como imagem dominante Quanto ao contexto partimos do lugar e seus usos como a feira e vendas de artesanato e cerâmica como elementos fortes explicou o arquiteto NSCTOTAL 2020 A intervenção no Largo compõe um plano de revitalização do centro de Florianópolis que visa a integração de todos os espaços do centro a qualificação para o uso noturno e a valorização da cultura e da história de Florianópolis tornando o lugar atrativo aos que quiserem utilizálo A divulgação em mídias digitais como o site NSCTOTAL 2020 sobre a revitalização e a promessa de melhorias para o entorno foram publicadas de forma entusiasmada mesmo com os atrasos decorrentes da localização de sítios arqueológicos no local a revitalização prometia melhorias significativas para o lugar Após centenas de obras entregues no Super Dezembro a Prefeitura Municipal de Florianópolis vai entregar no próximo sábado 8 a reforma do Largo da Alfândega que faz parte da revitalização do Centro Histórico e é uma das obras mais esperadas pelos florianopolitanos Essa reforma é um marco para o resgate e a valorização das raízes do nosso povo O Largo da Alfândega tem um valor histórico e é uma importante área de passagem e de convívio do Centro de Florianópolis servindo como ponto de encontro e como palco para manifestações culturais e populares Por isso investimos recursos e força de trabalho tendo o cuidado de manter características históricas afirma o prefeito da capital A cultura açoriana será lembrada por uma estrutura metálica de construção pioneira no Brasil com uma cobertura de 450 metros quadrados simulando uma toalha de renda de bilro em homenagem às tradicionais rendeiras da cidade A ideia é que a cobertura crie uma sombra rendada no chão e nas pessoas que estiverem debaixo dela É uma obra que vai resgatar a memória e a autoestima de nossa gente por se tratar de um espaço democrático com a cara e a alma da cidade O novo Largo da Alfândega faz parte do processo de revitalização do Centro Histórico de Florianópolis e juntamente com o Mercado Público a Praça XV de Novembro o Palácio Cruz e Sousa a Casa de Câmara e Cadeia e a Catedral Metropolitana deve atrair mais pessoas para aquela região do Centro também à noite e aos fins de semana enfatiza o secretário de infraestrutura habitação e saneamento de Florianópolis Além da reforma da praça o entorno da Casa da Alfândega também está sendo revitalizado Trechos das ruas Deodoro Conselheiro Mafra Trajano e Arcipreste Paiva foram nivelados após retirada do paver e estão recebendo nova pavimentação em paralelepípedos A rua Deodoro também vai receber calçadas acessíveis No novo projeto para o Largo da Alfândega a representatividade das rendeiras aparece em destaque na composição com o pergolado metálico enfatizando a importância simbólica das rendeiras para a identidade da cidade de Florianópolis O cercamento do Largo com o tapume agora acinzentado transferiu as atividades desempenhadas no interior da praça para o entorno sobrecarregando o trecho da Rua Conselheiro Mafra entre as ruas Deodoro e Trajano Figura 23 Projeto do Largo da Alfândega 2020 Fonte ND Figura 2 Cobertura Metálica em homenagem às Rendeiras Fonte NSCTOTAL Foto Leonardo SousaPMF Figura 3 Vista aérea do Largo da Alfândega durante a revitalização 2020 Fonte ARQSCCOM Foto Leonardo SouzaPMF Durante a aproximação empírica que permeou as atividades desta pesquisa ao analisar o entorno do Largo da Alfândega foi possível identificar que o tapume estava sendo utilizado para a fixação de mensagens e imagens Nomes frases de empoderamento xingamentos contatos para frete contatos para cartomante e a imagem de uma mulher Nesse espaço negativo em um lugar tão significativo em frente ao acesso leste do Mercado Público nos deparamos com a imagem de uma mulher em um cartaz colado sobre o tapume Intitulado Floripa em 3x43 o lambe reproduzia a imagem de uma mulher em homenagem aos 346 anos da cidade de Florianópolis Tratavase da instalação artística que retratou a imagem de anônimos e personalidades que constituem a identidade de Florianópolis Sem identificação a imagem da ilustre desconhecida serviu como dispositivo para a identificação de outras imagens de mulheres no centro de Florianópolis importantes para o fortalecimento e representatividade da mulher em espaço público Afastados cerca de 300 metros na Rua Conselheiro Mafra colados ao tapume identificamos outros lambes com imagens de mulheres e de homens que compunham a mesma instalação Figura 26 Imagem de Mulheres 1 Fonte Google Maps 3 Intervenção e exposição artística em comemoração aos 346 anos de Florianópolis Figura 27 Imagem de Mulheres 2 Fonte Elaborado pela autora A imagem de uma mulher Figura 27 que poderia ser a minha imagem ou qualquer outra mulher que circula pelo centro da cidade de Florianópolis é sinal de que as referências simbólicas e sociais começam a incorporar a representatividade abordada por Escalante 2011 Outras imagens marcavam o território e ascenderam representatividades interseccionais raça classe idade entre outros visibilizavam as diferenças tão diversas e que marcam os corpos e os muros das cidades registrando nas superfícies sua passagem histórica Figura 4 Imagem de Mulheres 3 Fonte Elaborado pela autora Figura 5 Imagem de Mulheres 4 Fonte Elaborado pela autora Figura 6 Imagem de Mulheres 5 Fonte Elaborado pela autora Figura 31 Imagem de Mulheres 6 Fonte Elaborado pela autora Figura 32 Imagem de Mulheres 7 Fonte Elaborado pela autora Figura 33 Imagem de Mulheres 8 Fonte Elaborado pela autora Figura 34 Imagem de Mulheres 9 Fonte Elaborado pela autora No text to extract 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X A MULHER NO ESPAÇO PÚBLICO UMA REFLEXÃO ACERCA DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEO E DA NÃO PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO Clarice Fernandes Rodrigues Resumo Diante dos desafios enfrentados pelo planejamento urbano contemporâneo fica evidente a necessidade de se pensar diferentes formas de planejar a cidade através de um urbanismo mais inclusivo e perceptivo O território nacional foi genericamente construído como espaço enquanto valor de troca em detrimento do espaço enquanto valor de uso como resultante disso a cidade se torna impessoal acessada somente sob sua faceta mercadológica deixando dúvidas quanto a real legitimidade do planejamento que insiste em manter uma lógica racionalista e tecnocrata com lapsos de participação social sempre favorável à acumulação do capital Pouco se fala sobre um planejamento urbano voltado para a perspectiva de gênero sendo as mulheres historicamente excluídas da produção do espaço urbano desde o advento das cidades exclusão essa que se mantém hoje adaptada a uma sociedade patriarcal hierarquizada e capitalista Essa exclusão é refletida em espaços de insegurança e vulnerabilidade que moldam a forma com que as mulheres vivenciam e se apropriam das cidades O debate em questão é uma forma de afirmar a importância de incorporar na produção do campo da Arquitetura e do Urbanismo soluções para as especificidades das vivências de grupos sociais vulnerabilizados marcando a necessidade de incluir mulheres no planejamento das cidades como agentes transformadoras e usuárias do espaço urbano Palavraschave gênero espaço urbano espaço público mulher planejamento urbano Planejamento urbano contemporâneo Ana Fani Alessandri Carlos inicia seu texto A lógica do planejamento versus a dialética do mundo traçando os três grandes desafios do planejamento urbano contemporâneo O primeiro seria pensar como para além de problemas imediatos localizados em espaços sociais específicos planejar tendo em vista o futuro sobre as estruturas dadas e articulando os impactos territoriais de determinadas ações Por exemplo como estabelecer melhorias sanitárias e viárias em um assentamento precário sem implicar ali efeitos especulativos que possam causar evasão dessa população local Ou como gerir medidas municipais de grande escala como a construção de um porto de um condomínio de luxo ou a abertura de uma cava de mineração que se produzem reações e impactos diretos em outros municípios 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X O segundo desafio seria como adequar o planejamento ao que aparece como novo na conjuntura atual a latente troca de hegemonia do capital industrial pelo capital financeiro que intensifica a cidade como objeto de especulação espremendo o espaço público entre rotatórias e estacionamentos estabelecendo espaços de convívio dentro de espaços privados como os shoppings centers intensificando a setorização social da cidade fazendo da gestão urbana uma gestão de mercado de finanças urbanas E por outro lado a presença do povo se manifestando nas ruas reivindicando a ação do Estado em fazer valer o direito à cidade O terceiro seria o exercício crítico diante o fato de que após 50 anos de planejamento e ação estatal as desigualdades sociais permanecem Fani tece um par de dúvidas a respeito deste terceiro desafio Será que o planejamento tem a potência na sociedade capitalista que se fundamenta exatamente na desigualdade de superar sua própria condição inicial visto que o planejamento sua orientação e realização como ação e política de classe está na origem das contradições vividas num país dependente como o Brasil Até que ponto não seria possível pensar exatamente o contrário isto é as contradições vividas são acentuadas pelas ações planificadoras orientadas pelo crescimento visando ao e reforçando o poder de classe CARLOS 2014 p27 E pondera Na realidade é possível afirmar que as ações nas ruas e os movimentos sociais colocam em xeque o planejamento da cidade por meio do questionamento da orientação das políticas espaciais dirigidas pelo processo de valorização do capital em detrimento da realização da vida Essa perspectiva nos desafia a pensar o modo como se atualiza o conteúdo e a forma da alienação no mundo moderno e com isso as condições objetivas e subjetivas nas quais a vida urbana se realiza apontando as formas de provaçãoprivatização CARLOS 2014 p27 O capitalismo é antes de tudo um fenômeno social um dispositivo de arranjo social logo suas crises são fenômenos igualmente sociais O tecnocratismo hegemônico na gestão do capital é o maior agravante de seu potencial e de sua ação socialmente e ambientalmente inconsequente que ao se reproduzir aprofundase extrema concentração de renda aumento do desemprego deterioração do emprego formal e fome por exemplo são os desdobramentos de uma história anunciada CARLOS 2014 p28 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X O território nacional foi genericamente construído como espaço enquanto valor de troca em detrimento do espaço enquanto valor de uso como resultante disso a cidade se torna impessoal acessada somente sob sua faceta mercadológica A extensão do capitalismo imprime uma nova velocidade às mudanças apoiada numa aliança entre os setores econômicos e o Estado que por sua vez assume importância fundamental para a organização de um espaço voltado prioritariamente às exigências da reprodução econômica Tal amálgama propicia a construção da infraestrutura física a criação de instrumentos fiscais e a política monetária para que a valorização do capital como fonte de crescimento se realize superando suas próprias crises daí o papel importante do planejamento para o desenvolvimento da economia sob o fundamento neoliberal Nesta orientação a terra e o solo urbano passam a ter um novo significado são em si fonte de valorização orientando as políticas públicas que afetam diretamente o uso do espaço e portanto sua reprodução CARLOS 2014 p30 Dessa forma as pressões do capital na cidade se dão de forma genérica fazendo valer seus valores mundializados em todos os setores de sua estrutura fragmentária Essas pressões atacam diretamente a morfologia da cidade transformando seus espaços localizando novas centralidades gentrificando localizando os setores sociais e estabelecendo suas identidades condomínios fechados conjuntos do Minha Casa Minha Vida faixa 1 favelas bairros de classe média etc externo a um eixo de valor de consumo o espaço público vai sendo gradativamente sufocado seja pela privatização seja pelo abandono das gestões urbanas As constantes mudanças culminam no eclipse da rua promovido pelo modelo rodoviarista na deterioração e no empobrecimento dos espaços públicos e com eles do próprio sentido do espaço público degradando ou inviabilizando as relações entre os cidadãos CARLOS 2014 p31 Nesta perspectiva o planejamento restabelece a eficiência econômica da cidade no movimento de acumulação CARLOS 2014 p35 A sociedade empobrecida tende a reduzirse a signos o corpo ao olhar o habitante a espectador CARLOS 2014 p34 Essa pressão exercida pelo capital sobre a cidade e o cidadão que se reforça na constante substituição do valor de uso pelo valor de troca se sustenta em uma passividade cuidadosamente controlada CARLOS 2014 p33 como resultante dessa alienação o cidadão passa a observar a cidade com estranhamento e já não se reconhece plenamente diante do espaço mutante 4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X Essa conjuntura aponta duas perspectivas de encarar o espaço urbano a do plano da lógica racionalista que encara a cidade como mundo inerte sobre a prancheta e opera sobre dados estatísticas projeções e simulações sem uma realidade pressuposta sintetizando e codificando o espaço e um espaço sem espessura subordinando as relações sociais às manipulações quantitativas Desse modo ele representa a vitória da ordem calculada na racionalidade lógica sobre as possibilidades de transformação social numa ação política que redefine e cria fronteiras no espaço como desdobramento da propriedade separando o vivido do concebido que sustenta a ação política CARLOS 2014 p37 Outra perspectiva seria a das práticas sociais a do plano da dialética protagonizada pelos movimentos sociais e também pelas manifestações que a eles não aceitam apenas o convite do Estado dos bem intencionados para participar residualmente da gestão e assim manifestandose institucionalmente de forma consentida eles querem decidir sobre a totalidade da gestão Querem decidir como participar como orientar a ação portadora de um projeto social restituidora de direitos b questionam as alianças políticas em jogo apontando a necessidade de um projeto possívelimpossível no sentido em que este não se realiza no aqui e agora portanto no tempo presente nem se volta para solucionar urgências mas passando por essas necessidades imediatas orientam o futuro c sua existência aponta a necessidade de algo mais amplo e profundo um projeto cujo conteúdo aponte para realização do humano fundamento da construção real do direito a cidade numa escala temporal que diz respeito ao futuro sendo assim um projeto necessário para orientar o presente em direção a um futuro outro A realização do fim da alienação requer o fim da cidade tal qual construída ao longo do processo histórico CARLOS 2014 p37 Diante dessas duas perspectivas levantadas por Fani fica a dúvida quanto à real legitimidade do planejamento contemporâneo que insiste em manter uma lógica racionalista com lapsos de participação social sempre em detrimento do crescimento do capital É necessário se pensar diferentes formas de planejar a cidade Jane Jacobs 2009 entra já em 1967 com a discussão de um urbanismo mais inclusivo e perceptivo onde ela defende que é preciso observar a cidade em todos os seus detalhes e procurar trabalhar na escala do pedestre Jacobs 2009 defende que o mais importante é haver um plano geral com base na realidade social ambiental e econômica mas que é preciso ainda haver planos parciais planos especiais e estudos detalhados para que finalmente o projeto seja desenvolvido e executado 5 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X Esse novo urbanismo inclusivo deve desenvolver capacidades de e modos diversos preparados para atender a todo o espectro social incluindo os mais frágeis e excluídos das atuais formas de planejamento Dizer sobre os mais frágeis significa mais amplamente as pessoas de classe social baixa mais especificamente as crianças as pessoas com deficiência os idosos e sobre tudo as mulheres que como veremos mais adiante são excluídas da produção do espaço urbano desde o advento das cidades Exclusão essa que se mantêm até hoje adaptada a uma sociedade patriarcal hierarquizada e capitalista A mulher no planejamento da cidade Os modos de produção do espaço urbano historicamente desconsideram as mulheres Isso pode ser facilmente verificado com uma breve retomada histórica do processo de urbanização da civilização humana O modelo de urbanização romano considerado um dos melhores do mediterrâneo López 2014 teve seu conceito de espaço público e de compartilhamento idealizado e concebido pelo e para o gênero masculino O homem ficaria responsável pelo sustento de sua família ao mesmo tempo em que se engajava politicamente e garantia a segurança do território familiar enquanto a mulher permaneceria em seu ambiente doméstico protegida dos possíveis perigos que poderiam atingila caso desbravasse os alémmuros deste território familiar Nas cidades gregas as relações sociais aconteciam em espaços identificados em função do gênero masculino o desenrolar das tarefas políticas a gestão dos negócios a realização de ofícios e desempenhos sacerdotais só poderiam ser consolidadas em espaços públicos concedidos aos homens livres Inclusive as atividades lúdicas como os espetáculos circenses as corridas de cavalos e as lutas de gladiadores As áreas exclusivamente femininas raramente se expressavam nas estruturas da cidade antiga com a única exceção de templos dedicados à uma deusa que recebia algumas mulheres mães durante alguns dias do ano quando eram celebradas festas para honrar à sua divindade Mesmo assim esses templos femininos se encontravam nas periferias das cidades enquanto os templos de divindades masculinas se localizavam no centro 6 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X Os fóruns em praças públicas que os gregos denominavam ágora onde os cidadãos se reuniam em assembleias à deliberarem sobre suas demandas também eram frequentados apenas por homens Em torno dessa praça pública ficavam grandes edifícios destinados aos deuses de cunho político judiciário e econômico onde somente os homens teriam acesso A divisão públicoprivada nesta perspectiva de gênero nos espaços da cidade antiga pode ser renomeada públicodoméstica Enquanto as mulheres permaneciam a maior parte do tempo dentro de suas casas os homens estavam autorizados e nesta perspectiva excludente aptos a frequentar o espaço exterior ao da residência Dando um salto na história pensando sobre esse modelo de urbanização podese considerar que apesar de ter sofrido algumas mudanças a questão da subordinação da mulher e de sua ausência na produção do espaço urbano continua muito pequena quando não nula podendo ser esse o fator crucial que explica como são diferentes as formas de apropriação do espaço urbano entre os homens e as mulheres Mildred Warner professora de planejamento urbano na Universidade de Cornell nos Estados Unidos levanta a questão sobre um planejamento mais inclusivo Se perguntar uma mulher se sentiria segura andando aqui à noite e obter uma resposta positiva provavelmente significa que a maioria das pessoas se sentiria confortável usando aquele espaço Mulheres podem ser usadas como um termômetro para a segurança e outras prioridades em planejamento Warner apud Vieira 2016 p17 Estupros altos índices de feminicídio desvalorização profissional assédio objetificação do corpo responsabilidade pelo papel reprodutivo e falta de representatividade nas diversas instâncias são apenas algumas das questões que as mulheres enfrentam diariamente fatores que geram cada vez mais insegurança e vulnerabilidade e que acabam moldando a forma com que as mulheres vivenciam e se apropriam da cidade Por exemplo uma mulher nem sempre escolhe um trajeto de deslocamento urbano pela sua distância mas também pela sensação de segurança que esse caminho proporciona Quando há falta de iluminação pouco movimento e falta de visibilidade pontos cegos é bem provável que a mulher mude seu percurso mesmo que isso signifique andar mais Nesse sentido o desenho urbano 7 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X afeta diretamente a vida das mulheres ao propor ou não soluções que evitem esse tipo de configuração espacial segregante A mulher acaba moldando seus comportamentos a partir de imposições de um espaço produzido pelos homens e para os homens dessa forma é importante que o Planejamento Urbano e os projetos de Espaços Públicos reconheçam essa segregação de gênero e sempre que possível norteiem suas decisões de projeto sob a perspectiva feminina tendo como objetivo o acesso de mulheres à cidade Quando construímos ambientes urbanos a partir de perspectivas privilegiadas ao longo da história violamos a ideia de cidades para todos Os direitos e necessidades do público feminino devem ser contemplados no planejamento das nossas cidades e para que isso ocorra a participação das mulheres em todas as etapas do processo deve ser ativa A presença delas na política governanças locais associações de moradores e entre tomadores de decisão é fundamental para que suas vozes sejam ouvidas e suas necessidades representadas COURB Brasil 2016 No Brasil essa luta pelo envolvimento da mulher nos espaços e decisões públicas não é algo recente segundo Lucia Avelar em seu texto A mulher no espaço público brasileiro AVELAR sem data acontece desde as mulheres que reivindicaram e lutaram pelo direito ao voto concedido até então exclusivamente aos homens proprietários de terras e com renda estipulada luta essa se estendeu até a década de 1930 em seguida com algumas mulheres que se organizaram em formato de federação na década de 1950 que ampliaram as reivindicações por direitos iguais as mulheres que se envolveram em movimentos de esquerda nas ditaduras do continente os sempre presentes movimentos de mulheres nas periferias urbanas e ainda a abertura de participação e o aumento da representação dos movimentos feministas É importante deixar clara a perspectiva feminista tratada aqui para isso utilizo como referência Silvia Federicci em seu ensaio O feminismo e as políticas do comum em uma era de acumulação primitiva de 2014 Essa perspectiva se refere a um ponto de partida formado pela luta contra a discriminação sexual e pelas lutas sobre o trabalho reprodutivo1 que nas palavras de Linebaug2 é 1 O trabalho reprodutivo engloba todo o trabalho realizado na esfera privada e familiar como os cuidados com crianças adultos dependentes e pessoas doentes Esse trabalho quase sempre não é pago e bastante desvalorizado sendo geralmente desempenhado pelas mulheres O trabalho produtivo é todo aquele que resulta na produção de bens e serviços com valor econômico no mercado realizado na esfera pública e profissional 2 Silvia Federicci usa como referência A Carta Magna Manifesto de Peter Linebaugh LINEBAUGH Peter The Carta Magna Manifesto Liberties ands Commons dor All Berkley Universiti of California Press 2007 8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X a pedra angular sobre a qual se constrói a sociedade e a partir da qual deve ser analisada toda organização social FEDERICCI 2014 p147 A discussão do feminismo nesse caso deve entrar em pelo menos dois âmbitos na questão da produção das cidades o econômico uma vez que as mulheres compõem o grande corpo produtivo do capital sendo maioria logo a matriz da força de trabalho e na questão das mulheres como protagonistas da revolução da reforma urbana e das transformações da sociedade pois para romper com toda essa lógica do espaço é preciso romper com o machismo uma vez que o patriarcado é o que dá fôlego ao sistema capitalista e consequentemente ao sucateamento da vida urbana As Mulheres e o Comum Diante da proposta de pensar uma cidade sob a perspectiva de um planejamento feminista talvez a noção de comum proposta por Silvia Federicci possa nos ajudar a pensar as possibilidades do feminino na produção de outros arranjos sociais Por exemplo o que constitui o comum Os exemplos são abundantes Temos ar água e terras comuns os bens digitais e serviços comuns Também se descrevem com frequência como comuns os direitos adquiridos por exemplo as pensões da previdência social do mesmo modo que se reúnem nessa denominação os idiomas as bibliotecas e as produções coletivas de culturas antigas FEDERICCI 2014 p 147 O comum é o bem material ou imaterial é o contrário à propriedade privada não se manifesta como o espaço público que seria o correlato da propriedade privada mas se manifesta como contrário à própria dicotomia públicoprivado O comum se manifesta em um lugar dicotômico a esta dicotomia específica publicoprivado Da mesma forma estabelece uma relação que não encontra correlato nem no estado nem no capital estabelecendo assim uma relação dicotômica com o que seria o Estadocapital David Harvey em seu livro Cidades Rebeldes Do direito à cidade à revolução urbana reitera essa questão quando disserta sobre o espaço público estatal estes espaços e bens públicos urbanos sempre foram uma questão de poder de Estado e administração pública e esses espaços e bens não constituem necessariamente um comum HARVEY 2014 p 143 Na grande maioria das vezes esses investimentos públicos estão vinculados a algo que se assemelha ao comum mas que têm sua comunalidade encerrada ou parcialmente encerrada ao promover rentismos patrimoniais a proprietários de terras financeiristas e empreiteiras HARVEY 2014 O comum é o contrário dessa dualidade chamada públicoprivada ele está em outra 9 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X instância um terceiro lugar um lugar pressuposto anterior à noção de propriedade privada que foge dos radares da economia monetária e mercantil FEDERICCI 2014 Comum vem de comunidade mas é importante entender essa comunidade não como uma realidade fechada em grupos com interesses exclusivos como aquelas baseadas na religião A comunidade citada aqui é entendida como um tipo de relação baseada nos princípios de cooperação e de responsabilidade FEDERICCI 2014 entre as pessoas e em relação aos bens comuns Um bom exemplo dado por Federicci é um movimento que criou hortas urbanas nos Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990 graças à iniciativa de imigrantes Essa produção de consumo para a vizinhança foge dos padrões comerciais e desperta sobre o fato de podermos nós mesmos ter controle sobre nossa produção alimentar além de estreitar os laços e expandir os espaços de encontro e socialização entre as pessoas Estas comunidades se organizam através da produção e reprodução destes comuns urbanos Para entrar nessa perspectiva feminista da visão de comum é necessário reconhecer que as mulheres sempre foram as principais sujeitas do trabalho reprodutivo e por isso estariam mais comprometidas com a defesa do comum por dependerem mais dele que os homens para se libertarem das amarras do processo de acumulação capitalista Federicci cita vários exemplos de acontecimentos que elas demonstraram estar à frente nos interesses da coletividade e de difundir os laços de apoio mútuo sendo representantes do combate ao processo de mercantilização total da natureza As mulheres são as agricultoras de subsistência do planeta Na África produzem 80 dos alimentos que a população consome apesar dos esforços do Banco Mundial e de outras agências internacionais para convencêlas a dedicar seus esforços aos cultivos comerciais FEDERICCI 2014 p 151 na Índia as mulheres têm lutado para recuperar as matas degradadas e proteger as árvores unindo esforços para expulsar os madeireiros e bloquear operações de mineração e de construção de represas FEDERICCI 2014 p 152 Os tontines como são chamados em algumas regiões da África são sistemas bancários desenvolvidos por mulheres autônomas e autogestionadas que sob diferentes denominações proporcionam dinheiro a grupos e indivíduos que não têm acesso aos bancos e que funcionam exclusivamente na base da confiança FEDERICCI 2014 p 152 10 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X No Brasil as mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra MST ao conquistarem a direito de manteremse nas terras ocupadas pelo movimento organizam a construção das casas de forma a manter a lógica dos trabalhos compartilhados lavar e cozinhar juntas Elas se organizam de forma a revezaremse e fazerem turnos com os homens assim como faziam durante a luta nos assentamentos Elas também se organizam de forma a cuidarem umas das outras protegendose e socorrendo as companheiras que tenham sofrido algum tipo de agressão por parte dos homens Federicci coloca a mulher como sendo a célula comum da família Essa família que a tempos faz da mulher uma espécie de prisioneira doméstica vem como uma base das novas formas coletivas de reprodução e reitera Hoje em dia tanto para as mulheres como para os homens é crucial dar um passo e reconectar nossa realidade com essa parte da história para desmantelar a arquitetura de gênero em nossas vidas e reconstruir nossos lares e nossas vidas comuns FEDERICCI 2014 p 157 Conclusão A crítica apontada aqui se inicia na estrutura do planejamento contemporâneo como um todo mostrando falhas de um processo que além de tudo exclui as mulheres Tal exclusão se dá na não visibilidade de ações que já estão presentes a tempos mas que não são vistas ouvidas e valorizadas Trazer o conceito de comum sob a perspectiva feminista nos faz enxergar algumas dessas ações Está profundamente esculpido em nossa consciência que as mulheres foram designadas como o comum dos homens como uma fonte de riqueza e serviços colocados à sua disposição do mesmo modo como os capitalistas se apropriaram da natureza Mas citando Dolores Hayden a reorganização do trabalho reprodutivo e consequentemente a reorganização da estrutura domiciliar e do espaço público não é uma questão de identidade é uma questão de trabalho e poderíamos acrescentar uma questão de poder segurança e proteção Hayden 1986 p 230 Afirmar que as mulheres devem tomar as rédeas na coletivização do trabalho reprodutivo e da estruturação das moradias não significa naturalizar o trabalho doméstico como uma vocação feminina É rejeitar a obliteração das experiências coletivas do conhecimento e das lutas que as mulheres acumularam em relação ao trabalho reprodutivo e cuja a história é parte essencial de nossa resistência ao capitalismo FEDERICI 2014 p157 Fica a dúvida como inserir as mulheres no planejamento das cidades de forma que elas tenham a oportunidade de se tornarem protagonistas do processo em todas as instâncias Terezinha de Oliveira Gonzaga 2011 destaca que 11 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X o Estado deve incorporar em sua estrutura espaços para materialização dessas políticas públicas criando ou aparelhando melhor organismos específicos que tratem dessas questões como coordenadorias da mulher secretarias ministérios e programas específicos em todas as secretarias GONZAGA 2011 p 56 Porém acabamos por cair mais uma vez nas questões relacionadas à crise instaurada pelas práticas do planejamento urbano atual e na necessidade das tais novas formas de planejar Finalizo o raciocínio sem uma solução exata mas com mais uma dúvida Como efetivar o planejamento de modo a superar a sua crise interna através do feminismo Seria possível Referências AVELAR Lúcia A mulher no espaço público brasileiro Sem data Disponível em academiaedu10654249AMulhernoespaC3A7opC3BAblicobrasileiro Acessado em 5 Ago 2016 CARLOS Ana Fani Alessandri A lógica do planejamento versus a dialética do mundo In LIMONAD Ester CASTRO Edna Um novo planejamento para um novo Brasil Rio de Janeiro Letra Capital 2014 pp 2539 COURB Brasil Mulheres no espaço urbano como fazer cidades melhores para elas ArchDaily Brasil 04 Jul 2016 Disponível em httpwwwarchdailycombrbr790741mulheresnoespaco urbanocomofazercidadesmelhoresparaelas Acessado em 5 Ago 2016 FEDERICI Silvia O feminismo e as políticas do comum em uma era de acumulação primitiva Feminismo economia e política debater para a construção da igualdade e autonomia das mulheres Renata Moreno Org São Paulo SOF Sempreviva Organização Feminista 2014 pp 145158 GONZAGA Terezinha de Oliveira A cidade e a arquitetura também mulher planejamento urbano projetos arquitetônicos e gênero São Paulo Annablume 2011 HARVEY David Cidades Rebeldes do direito à cidade à revolução urbana São Paulo Martins Fontes 2014 JACOBS Jane Morte e vida de grandes cidades 2ª edição São Paulo Martins Fontes 2009 LÓPEZ Rosa M Cid Espacyo e genero em La Antigüedad La ciudad de Roma Xornadas Muller e Urbanismo Universidad de Vigo Espanha Outubro 2014 PECCINI Isabela Rapizo Cidade Substantivo Feminino As desigualdades de gênero e o espaço público não vivenciado pela mulher Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro Julho 2016 SANTORO Paula F Gênero e Planejamento territorial uma aproximação Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais Caxambu 2008 12 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 ISSN 2179510X TAVARES Rossana Brandão Indiferença à Diferença espaços urbanos de resistência na perspectiva das desigualdades de gênero Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Urbanismo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2015 VIEIRA Lara Pita Manul de táticas urbanas emergentes sob a perspectiva de gênero Trabalho Final de Graduação Universidade de Brasília 2016 Women in the public space a reflection on the process of contemporary urbanization and the non participation of women in the production of space Astract In view of the challenges faced by contemporary urban planning the need to think about different ways of planning a city through a more inclusive and perceptive urbanism is evident National territory was generically built as exchangevalue space in detriment of usevalue space As a result cities become impersonal accessed only under its market aspect leaving doubts in what regards the legitimacy of such planning which insists in following a rationalist and technocratic logic with lapses of social participation always in favor of capital accumulation Urban planning under a gender perspective is rarely discussed women being historically excluded from the production of urban space since the advent of cities Such exclusion continues up to this very day adapted to a patriarchal hierarchical and capitalist societies This exclusion shows itself as insecure and vulnerable urban spaces that shape the way women experience and own cities The discussion presented here is wat to state the importance of incorporating solutions for the specific needs of vulnerable social groups in the field of Architecture and Urbanism marking the need to include women as shapers and users of the urban space Keywords gender urban space public space woman urban planning 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS PENHA MARA FERNANDES NADER A SUTILEZA DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NA NOMENCLATURA DOS LOGRADOUROS PÚBLICOS VITÓRIA ES 19702000 VITÓRIA 2007 2 PENHA MARA FERNANDES NADER A SUTILEZA DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NA NOMENCLATURA DOS LOGRADOUROS PÚBLICOS VITÓRIA ES 19702000 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito básico para a obtenção de grau de Mestre em História na área de concentração em História Social das Relações Políticas Orientadora Profa Dra Maria Beatriz Nader VITÓRIA 2007 3 PENHA MARA FERNANDES NADER A SUTILEZA DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NA NOMENCLATURA DOS LOGRADOUROS PÚBLICOS VITÓRIA ES 19702000 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito básico para a obtenção de grau de Mestre em História na área de concentração em História Social das Relações Políticas Aprovada em de de 2007 COMISSÃO EXAMINADORA Profa Dra Maria Beatriz Nader Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora Profa Dra Lúcia Helena Pereira da Silva Universidade Severino Sombra do Rio de Janeiro Prof Dr Sebastião Pimentel Franco Universidade Federal do Espírito Santo Prof Dr Gilvan Ventura da Silva Universidade Federal do Espírito Santo Profª Maria da Penha Smarzaro Siqueira Universidade Federal do Espírito Santo suplente 4 À filha Melissa Nader Lobo minha alegria maior À minha avó Arminda Martins Fernandes in memorian À minha mãe Aysle Martins Fernandes Nader e ao meu pai Délio Simão Nader in memorian Às mulheres capixabas 5 AGRADECIMENTOS À minha família especialmente à mãe Aysle Martins Fernandes Nader por ter me proporcionado todas as condições necessárias para que eu concluísse este trabalho À Professora Doutora Maria Beatriz Nader por ter aceitado meu projeto de pesquisa e ter acreditado que poderia se tornar realidade A todos os as professoresas do Mestrado Ao Professor Doutor Gilvan Ventura por todas as sugestões e colaborações proporcionadas na banca de qualificação Ao Professor Doutor Sebastião Pimentel que além de qualificar a pesquisa mostrouse sempre disponível a colaborar e me incentivar em todos os momentos Às amigas especialmente Erineusa Maria Silva e Elda Alvarenga pelo apoio e sugestões dadas Ao Fórum de Mulheres do Espírito Santo pela compreensão de minha ausência À Câmara Municipal de Vitória pelo apoio desde o início da pesquisa A todas as pessoas que colaboraram direta ou indiretamente para o desenvolvimento e finalização desta dissertação 6 RESUMO O movimento feminista como um movimento social que surge em reação à prática social discriminatória denunciou diversas formas de tratamento diferenciado contra as mulheres e influenciou mudanças na sociedade lutando por transformações na forma como o poder é exercido A segunda onda do movimento feminista no Brasil que surgiu num ambiente de forte contestação ao Regime Militar e aos valores tradicionais coincide com o período de mudanças em Vitória decorrentes do processo de industrialização que alteraram substancialmente o perfil econômico político social e cultural da sociedade vitoriense O presente trabalho revela o caráter sutil da discriminação de gênero na nomenclatura dos logradouros públicos do município de Vitória capital do Estado do Espírito Santo na medida em que os nomes escolhidos pelo poder público para denominar as ruas as avenidas e demais logradouros portanto para ganharem a posteridade são predominantemente os de homens encobrindo um preconceito significativo despojando a mulher da memória da cidade O Poder Público Municipal Prefeitura e Câmara de Vereadores possui a prerrogativa legal de nomear os logradouros das cidades mas nem sempre ele considera a devida parcimônia entre nomes de homens e mulheres na hora de escolher quem receberá o tributo A homenagem póstuma como um sinal de reconhecimentos de méritos não escapa ao quadro mais geral de discriminação sistemática de gênero que caracteriza a sociedade que adotou e mantém esta tradição universal As mulheres são pouco lembradas com seus nomes nos logradouros como se elas não fossem dignas de recebimento dessa homenagem O conceito de gênero fundamental para discutir as desigualdades entre os homens e as mulheres evidencia que essas desigualdades não são naturais mas produto e processo das relações sociais e culturais construídas historicamente e permeadas por relações de poder Palavraschaves movimento feminista gênero logradouros públicos 7 ABSTRACT The feminist movement as a social movement reacting to the discriminatory social practices has denounced several forms of diferent treatment against women and influenced several changes in society struggling towards changes in the way power is imposed The second wave of the feminist movement in Brazil was constructed in an environment of strong dispute with the Military System and with the traditional values and matches the period of changes in Vitória resulting form the industrialization process that substantially changed the economic political social and cultural profile of the Vitória society This paper discloses the subtle character of the gender discrimination in the naming of public places in Vitória Municipality which is the capital of the State of Espírito Santo as the names picked for the streets avenues and other places therefore to remam for posterity are prevailingly mans names covering a signiflcant bias as it keeps women away from the city history and city memory lhe Municipal Public Power Mayor Ship and Representatives have the legal power to name the city places however not always they consider the due proportion between names of men and women at the time of choosing who will be granted the tribute lhe posthumous homage as a sign of merít acknowledgement is not far from the general picture of systematic discrimination of genders that characterizes the socíety that adopted and keeps this universal tradition Women are not welI remembered by their names in places as if women were not worthy of receiving such a homage lhe gender concept crucial to discuss unbalances between men and women evidences that they are not natural however product and process in the social and cultural relations historically built and permeated by power relations Key words feminist movement gender public places 8 LISTA DE SIGLAS CCA Cruzada Cívica do Alistamento CEBS Comunidades Eclesiais de Base CIM Centro de Integração da Mulher CUT Central Única dos Trabalhadores ECT Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos FBPF Federação Brasileira para o Progresso Feminino FECATA Federação Capixaba de Teatro Amador FESPF Federação EspíritoSantense para o Progresso Feminino GEM Grupo de Estudos da Mulher ONG Organização NãoGovernamental ONU Organização das Nações Unidas PAISM Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher PEA População Economicamente Ativa PIB Produto Interno Bruto PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro SINDIBANCÁRIOS Sindicato dos Bancários SINDIUPES Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo SINDISAÚDE Sindicato dos Trabalhadores da Saúde Pública do Espírito Santo TVT Tevê dos Trabalhadores UFES Universidade Federal do Espírito Santo 9 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Percentual de nomes de mulheres e de homens nos logradouros públicos de Vitória 71 Gráfico 2 Diferenciação da denominação de logradouros com nomes de pessoas e outros nomes Vitória 1970 à 2000 73 Gráfico 3 Homenageados nos logradouros públicos de Vitória antes de 1970 e de 1970 a 2000 75 Gráfico 4 Crescimento das homenagens às mulheres por década 1940 a 2000 76 Gráfico 5 Nomes de homens e de mulheres homenageados nos logradouros públicos Vitória 1970 a 2000 78 Gráfico 6 Profissões encontradas nas justificativas dos projetos de lei de logradouros públicos Vitória 1970 a 2000 80 Gráfico 7 Percentual de mulheres casadas em comparação com outros estados civis não identificados citadas nas justificativas dos projetos de lei de logradouros Vitória Décadas de 1980 a 2000 85 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 1 HISTÓRIA FEMINISMO E GÊNERO 20 11 MOVIMENTO FEMINISTA E GÊNERO ASPECTOS TEÓRICOS 20 12 O MOVIMENTO FEMINISTA NO BRASIL E SUAS REPERCUSSÕES EM VITÓRIA 29 13 AS MULHERES CAPIXABAS FEMINISMO POLÍTICA E TRABALHO 35 2 TOPONÍMIA MEMÓRIA E PODER REGISTROS PARA SEREM LEMBRADOS 46 21 MEMÓRIA E PODER 47 22 A TOPONÍMIA E A CIDADE DE VITÓRIA 55 23 TOPONÍMIA E PODER EM VITÓRIA 66 3 A SUTILEZA DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO 70 31 DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NOS LOGRADOUROS PÚBLICOS DE VITÓRIA 70 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 93 5 REFERÊNCIAS 98 11 INTRODUÇÃO Esta pesquisa assentase na investigação da relação existente entre a discriminação de gênero e a nomenclatura de logradouros públicos1 não obstante a aparente distância entre os dois assuntos É um trabalho onde a interface gênerologradouros levada a um exame científico revela de forma inequívoca uma discriminação sutil contra as mulheres na sociedade Um simples olhar ao redor de nossas moradias e bairros é capaz de revelar o predomínio de nomes masculinos batizando ruas avenidas praças e outros logradouros públicos na cidade de Vitória capital do Estado do Espírito Santo E sendo este batismo uma tradição para homenagear pessoas que sejam merecedoras do tributo é como se o poder público da cidade estimasse que os homens têm a preferência na indicação da denominação dos logradouros Apesar dos avanços conquistados na longa jornada das mulheres por seus direitos a discriminação contra elas ainda pode ser verificada nas mais diversas dimensões da vida social As discriminações são bastante visíveis e por isto mesmo até mais enfrentadas e combatidas Nesse plano estão por exemplo as relacionadas às questões econômicas como a que persiste em manter a maioria dos homens recebendo salários superiores aos das mulheres simplesmente por serem homens É como se a natureza biológica justificasse a desigualdade mas sua explicação reside na esfera cultural2 Contudo há os casos em que a discriminação aparece não tão explicitamente e apresentase de forma astuta capciosa quase que imperceptível Deslindar a 1 Logradouro Público é a denominação genérica de locais de uso comum destinado ao trânsito ou permanência de pedestres ou veículos do tipo rua avenida praça parque viaduto beco calçada travessa ponte escadaria alameda passarela e áreas verdes de propriedade pública municipal 2 Para Simone de Beauvoir ninguém nasce mulher tornase mulher Assim como ninguém nasce homem tornase homem a partir de contextos sociais determinados que estabelecem atitudes e posturas consideradas masculinas ou femininas 12 discriminação mais sutil menos visível ao senso comum é o propósito desta dissertação Preliminarmente portanto está a constatação da precária quantidade de nomes de mulheres nos logradouros públicos da capital do Estado do Espírito Santo onde vivo e trabalho Está constatado também que a escolha da nomenclatura de logradouros públicos da forma como ela se dá é mais um modo de reprodução da discriminação de gênero entre tantos outros existentes abertos ou encobertos em nossa sociedade E por que residiria aí mais uma forma de reprodução da discriminação Ora os nomes são dados aos logradouros por causa da necessidade de se identificar devidamente os lugares naturais ou construídos que pertencem a todos e dos quais todos são usuários A escolha é definida e oficializada pelo poder público de Vitória Prefeitura Municipal e Câmara Municipal que tem esta prerrogativa legal delegada nas eleições pelos homens e mulheres que ele representa Se não fosse a tradição de nomeálos os logradouros públicos poderiam ser distingüidos apenas por números ou outra representação simbólica despersonalizada que cumprisse a mesma finalidade A questão é que a nomenclatura dos logradouros públicos está ligada também a uma pedagógica homenagem às pessoas que aos olhos de quem detém o poder são julgadas dignas do tributo nesse caso homens são a maioria E é esse um costume existente em todas as sociedades conhecidas desde tempos imemoriais Inserida como tradição universal a prática de se dar nomes de pessoas aos logradouros públicos tem a sua história como sinal de um reconhecimento de méritos O problema é que a escolha do nome do logradouro não escapa do quadro de discriminação sistemática de gênero que caracteriza a sociedade que adotou e mantém a tradição De modo geral é como se a população das cidades aceitasse que suas mulheres não fiquem como credoras do reconhecimento A explicação para essa desconsideração em relação à mulher pôde ser resgatada pelo estudo da nomenclatura de logradouros da cidade de Vitória que esta pesquisa explora e relaciona com a problemática de gênero A pesquisa da toponímia feminina remeterá ao próprio movimento feminista que é obviamente uma ação social possuidora também de uma história própria Lidase 13 portanto com fenômeno resultante das ações da sociedade A investigação empreendida neste trabalho buscou a conexão entre as duas trajetórias históricas a da toponímia e a do movimento feminista para analisar a pronunciada valorização do masculino sobre o feminino e as suas implicações na reprodução da discriminação de gênero Sendo a história dos topônimos uma tradição social de dar nomes aos lugares e o movimento feminista também resultante da ação da sociedade a pesquisa voltouse para a investigação do encontro desses dois campos até agora somente estudados de forma independente Esse é o caminho que se apresentou como o mais adequado para alcançar os fins pretendidos por esta dissertação Inicialmente a pretensão era de apenas realizar uma confrontação quantitativa entre nomes masculinos e femininos em todos os logradouros públicos de Vitória Por certo um levantamento de tal ordem já exibiria números conclusivos mostrando a desproporcional predominância de nomes de homens Entretanto a partir de aulas consultas e debates sob a orientação da professora doutora Maria Beatriz Nader do Programa de Mestrado em História Social das Relações Políticas evidenciouse a importância de um estudo mais profundo que fosse capaz de alcançar no plano teórico e também no trabalho de pesquisa de campo o maior número de elementos que explicassem com rigor científico os fenômenos ali implicados O conceito de gênero fundamental para discutir as desigualdades entre os homens e as mulheres permitiu que fosse abandonada a altivez que justificava as diferenças e suas repercussões nos direitos pelas características biológicas deixando evidente que essas diferenças fossem construídas historicamente como produto das relações sociais e culturais Logo por ser fundamental para discutir as desigualdades sociais entre homens e mulheres o tema gênero foi tomado como pano de fundo do presente trabalho Como categoria de análise histórica o conceito de gênero fornece à pesquisa o campo privilegiado onde se articula o poder E a dimensão de poder que o conceito de gênero provisiona ajudará a identificar que também na denominação de logradouros públicos se localiza uma forma pouco conhecida de reprodução da 14 discriminação de mulheres na cidade de Vitória no período escolhido para esta pesquisa O recorte histórico 1970 a 2000 permite colher as repercussões das principais ações empreendidas pela segunda onda do movimento feminista no Brasil que surgiu num ambiente de forte contestação ao Regime Militar e aos valores tradicionais que propiciava o aparecimento de novas formas de organização O movimento feminista aqui será aceito como intermediário entre um e outro momento da história da nomenclatura dos logradouros públicos da capital capixaba Os anos 1970 coincidem com mudanças de maior impacto na cidade de Vitória decorrentes do processo de industrialização que alteraram substancialmente o perfil econômico político social e cultural da sociedade capixaba e dos municípios circunvizinhos que formam a região metropolitana Foi aquele um processo de crescimento acelerado no último estado da Região Sudeste que ainda não havia alcançado sua etapa industrializante Com sua economia muito dependente das atividades cafeeiras o Espírito Santo que sofrera abalos com a erradicação do produto passava a necessitar de novas perspectivas E essas se materializaram na instalação dos megaprojetos industriais atraídos pela logística capixaba favorável até então inexplorada O novo modelo de desenvolvimento imposto de fora para dentro produziu como era de se esperar enormes impactos sociais Entre eles a maior migração interna da história do Espírito Santo no sentido campocidade passando a capital a ser o principal destino de um contingente sem precedentes de pessoas numa época em que ainda não havia condições razoáveis para isso Contudo logo o Produto Interno Bruto PIB do Espírito Santo se multiplicaria com a economia gerando milhares de novos postos de trabalho e ocupações Porém as demandas sociais manterseiam crescentes sempre num ritmo superior à capacidade de absorvêlas Vitória de uma cidade de médio porte nascida ao redor de um pequeno porto logo passaria a acumular os inúmeros problemas próprios dos centros urbanos modernos Esgotada a capacidade de aumentar a área física da cidade com os aterros na ilha os bairros espraiaramse para a região norte levados pela especulação imobiliária 15 Uma classe média empregada nas grandes empresas passou a demandar melhores serviços públicos e moradias enquanto as classes populares foram sendo compelidas às moradias inadequadas num acidentado processo de ocupação desordenada A cidade ficou desmedida O governo do Estado do Espírito Santo e a Prefeitura Municipal de Vitória precisaram se equipar a fim de dar conta das necessidades crescentes Novas avenidas ruas e becos foram abertos e praças escadarias e pontes foram construídas A cidade precisou instituir uma estrutura legisferante com códigos de postura e todo o aparato legal que pudesse disciplinar o funcionamento dos espaços de convivência inclusive estabelecendo critérios para a nomenclatura dos logradouros públicos A representação política alterouse inapelavelmente depois de 1985 quando os capixabas passaram a escolher por meio do voto o seu prefeito3 Os vereadores por uma maior proximidade com a população pela necessidade do voto vivenciaram um novo cenário social influenciado pela atuação dos movimentos sociais entre eles o movimento feminista que protagonizou uma mudança radical no comportamento das mulheres e por conseqüência da sociedade A ação dos movimentos sociais pode redefinir os valores usados como referência mais adequada para o julgamento de quem é merecedor de uma homenagem e isso pode variar com o tempo e as circunstâncias Esse fenômeno influenciou os vereadores quando da escolha da denominação de logradouros ao forçar um ajustamento a esse novo cenário o qual coincidia com a proximidade de encerramento de um milênio e a chegada de um novo Mesmo um levantamento superficial feito na Prefeitura Municipal de Vitória é bastante para constatar a desigualdade de gênero nesse que é certamente o mais popular tributo conferido a uma pessoa que eventualmente tenha contribuído para a construção da cidade A importância de ter um logradouro público conhecido pelo seu nome transcende a própria pessoa do homenageado porque a história de uma cidade pode ser contada até mesmo a partir da nomenclatura de seus logradouros pois esses são também lugares de memória As pessoas homenageadas ficam 3 Durante o Regime Militar os prefeitos eram nomeados pelo governador A prerrogativa de voltarem a ser eleitos pelo voto direto junto com os vereadores para um mandato de quatro anos só seria restabelecida em 1985 16 inscritas na história de sua comunidade como uma referência de uma determinada época Os nomes dos logradouros revelam o que numa dada sociedade é estimado como merecedor da homenagem e o que parece digno de um agraciamento Portanto o nome do beneficiado é projetado para o futuro ao mesmo tempo em que também pode contribuir para explicar o passado O movimento feminista que aparece como uma reação à prática social discriminatória terá nesse caso sua intervenção percebida Como um movimento que objetiva a valorização e reconhecimento do papel feminino na formação da sociedade ele permitirá que se lhe extraia o saldo de sua intervenção no que diz respeito à nomenclatura dos logradouros públicos Entre outras ações o movimento feminista denunciou diversas formas de discriminação contra as mulheres e forneceu contribuições que influenciaram mudanças na vida de mulheres em muitos países do mundo inclusive no Brasil O feminismo surgiu exatamente em decorrência da existência desta discriminação social lutando por mudanças na forma como o poder é exercício e como ele promove a reprodução das discriminações Assim sendo a pesquisa vai identificar e analisar como se traduziu a discriminação de gênero no ato de poder político e social de definir os nomes dos logradouros públicos numa cidade importante como a capital do Estado do Espírito Santo E isto será feito considerando o movimento feminista como elemento capaz de exercer influência junto às instâncias do poder político Para isso o primeiro capítulo estuda o movimento feminista como um dos movimentos sociais e políticos mundiais e suas repercussões na vida das mulheres Nesta etapa encontrarseá o desenvolvimento do conceito de gênero como uma categoria de analise histórica e entendido como parte constituinte das relações sociais e uma forma de dar significado às relações de poder Ainda o capítulo mostra o movimento feminista no Brasil desde a sua gênese até o momento em que passou a exercer influência no rompimento de padrões tradicionais e autoritários 17 consolidados historicamente na sociedade brasileira Em sua trajetória o movimento destacase de forma importante na consolidação da democracia para que muitas conquistas pudessem ser alcançadas não só para inserir as mulheres no mercado de trabalho mas também para tornálas visíveis na sociedade em geral No regime democrático a luta emancipacionista feminina ganhou mais desenvoltura e maturidade permitindo inclusive que na fase de institucionalização da democracia muitos direitos da mulher brasileira fossem fixados na nova Constituição Federal Também são contextualizadas a cidade de Vitória e as inúmeras mudanças sociais advindas do processo de industrialização e da urbanização a partir dos anos 1970 São lembradas as ações empreendidas pelas mulheres em Vitória na sua luta pelos direitos sociais e políticos e os desafios colocados na agenda do nascente movimento feminista capixaba O segundo capítulo discute os aspectos conceituais da toponímia e sua relação com a tradição universal de perenizar personalidades que de alguma forma prestaram serviços relevantes à sociedade ou são percebidas pelos que detêm o poder como tendo realizado tais feitos Discorre sobre a elevada importância dessas obras notórias e coletivas erguidas pelo poder público Descreve o processo institucional da atividade de dar nomes aos logradouros prevista nos códigos de posturas municipais nos regimentos internos do Poder Legislativo em seus vários níveis No caso da capital capixaba será analisado o dispositivo que estabelece os critérios para a definição da nomenclatura exatamente por entender que ele é um instrumento revelador da discriminação O terceiro capítulo verifica o impacto do movimento feminista sobre a nomeação dos logradouros públicos analisando os aspectos legais da questão e sua possível interferência no ato do poder de nomear os logradouros públicos de Vitória Utiliza dados de diversas informações levantadas no trabalho de campo da investigação empreendida A pretensão é a de mostrar que a política de denominação de logradouros foi influenciada pelo Movimento Feminista no período delimitado para a pesquisa 1970 até 2000 Primeiro no que se refere à mudança quantitativa dos nomes femininos nos logradouros Houve 100 de aumento de logradouros com 18 nomes de mulheres Depois em relação à mudança das justificativas dos projetos de lei no que se refere à descrição do perfil das mulheres homenageadas A relevância do tema está no papel que a presente pesquisa cumprirá suprindo lacunas bibliográficas relativas ao enfoque proposto Sendo assim este trabalho abre espaço para que novas investigações sejam feitas sobre a relação da nomenclatura dos logradouros da cidade de Vitória com a questão de gênero em outros municípios estados e até mesmo no país O trabalho poderá contribuir também para outras pesquisas sobre os diversos tipos de discriminações sutis não menos danosas à causa da emancipação feminina A produção científica sobre gênero e também sobre logradouros tem crescido muito embora ainda em distintos domínios do conhecimento acadêmico O vazio está situado exatamente numa abordagem que pondere a relação entre os dois temas do ponto de vista histórico Pesquisas anteriores envolvendo a relação entre ambos os assuntos também não são conhecidas Além disso esta pesquisa poderá favorecer uma maior conscientização social acerca da escolha de nomenclatura de um logradouro qualquer na medida em que se entender que o ato de denominar logradouros como uma atividade política e social reproduz a discriminação de gênero Todas as cidades do mundo possuem seus logradouros e eles repercutem na vida das pessoas das mais variadas maneiras forjam a identidade de uma cidade dão racionalidade logística e permitem que seus moradores vejamse diante de si próprios e de sua história As autoridades municipais prefeitos e vereadores que possuem a prerrogativa legal para as denominações nem sempre consideram a necessária parcimônia com a qual possam contemplar com justeza homens e mulheres que eventualmente tenham protagonizado a edificação da cidade Se o conteúdo da honraria é portanto a recompensa questionase a quantidade e a qualidade desse reconhecimento no que diz respeito à eqüidade aplicada entre homens e mulheres 19 Os logradouros públicos são conhecidos e reconhecidos por seus nomes próprios O costume de darlhes nomes de pessoas faz parte de uma cultura quase que universal de homenagear indivíduos pelo que contribuíram para a construção do lugar como um tributo aos protagonistas sociais As cidades seguem crescendo erguendo novos espaços públicos que recebem respectivas denominações mas poucos se apercebem dos efeitos dessa tradição e muito menos se dão conta que os dispositivos legais existentes para definir as nomenclaturas podem muito bem deixar de ser discriminatórios 20 1 HISTÓRIA FEMINISMO E GÊNERO 11 MOVIMENTO FEMINISTA E GÊNERO ASPECTOS TEÓRICOS Durante o século XIX movimentos revolucionários e reivindicatórios de inúmeros países do mundo incorporaram mulheres que projetaram publicamente sua luta por direitos sociais Tanto os homens como as mulheres da classe operária ganharam força ao longo do processo de construção das organizações sindicais realizando protestos e greves por melhores condições de trabalho e de vida O direito ao voto é um exemplo desta luta Por muito tempo restrito aos homens o sufrágio universal também foi uma luta ardorosa das mulheres Teve início em 1848 nos Estados Unidos e se estendeu por mais de sete décadas até colher resultados Em fins do século XIX as mulheres já ocupavam na economia o setor terciário como o trabalho em escritórios lojas e serviços em centrais telefônicas e profissões assistenciais apesar de o aumento do setor ter sido uma das maiores tendências do século XX em todo o Ocidente segundo Hobsbawm4 Esse autor ressalta que no século XX o papel impressionantemente maior desempenhado pelas mulheres e sobretudo pelas mulheres casadas na sociedade foi a grande mudança que afetou a classe operária e outros setores das sociedades desenvolvidas Ressalta também que dois fatores formaram o pano de fundo para o reflorescimento dos movimentos feministas nos países ocidentais a partir da segunda metade do século XX que são a entrada das mulheres casadas mães em sua maioria no mercado de trabalho e a expansão da educação superior5 Em um ambiente de forte contestação ao sistema capitalista e aos valores tradicionais surge por volta de 1965 a segunda onda do feminismo conhecido como neofeminismo reforçado por novas formas de organização social 4 HOBSBAWM Eric Era dos extremos o breve século XX 19141991 Tradução de Marcos Santarrita São Paulo Companhia das Letras 1995 p 304 5 HOBSBAWM1995 p 305 21 Conjuntamente diversas modalidades do movimento social tais como hippies negros homossexuais e mulheres ao questionarem o modelo dominante estabelecido acabaram por criar um novo clima cultural político e comportamental6 Toda essa efervescência social deu origem a revolução cultural no sentido mais amplo de uma revolução ou seja no lazer e nas artes comerciais Partilhando desta assertiva Gohn7 ressalta que os movimentos sociais geraram varias inovações nas esfera públicas e privada além de contribuírem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e política Observase que essas contribuições ajudam nas análises de períodos de média e longa duração histórica sempre observando os ciclos de protestos delineados As organizações de mulheres em busca de igualdade social política e econômica explodem nos Estados Unidos que logo passam a influenciar mulheres de toda a Europa Essas organizações trazem consigo a inadiável e desafiante tomada de consciência de todas as formas de opressão do pósguerra até os nossos dias e o repúdio das reformas lentas e graduais O neofeminismo grosso modo pode ser entendido como reação à subordinação imposta pelo homem à mulher Grupos neofeministas surgiram fixando alguns pontos fundamentais unificadores como por exemplo a recusa de que a pessoa humana homem ou mulher possa ser identificada por seu sexo sem considerar os condicionamentos culturais o domínio ou gestão do próprio corpo e o reconhecimento do trabalho da mulher em qualquer atividade na indústria ou no comércio 8 Este novo momento do feminismo denunciou toda forma de opressão e discriminação contra as mulheres e os mecanismos de sua subordinação à família mostrando que o pessoal também deve e pode ser político A separação da vida entre esfera privada e esfera pública foi apontada como um dos pilares fundamentais da opressão das mulheres no capitalismo9 6 FARIA Nalu Org Sexualidade e gênero uma abordagem feminista São Paulo SOF Sempreviva Organização Feminista 1998 7 GOHN Maria da Glória Teorias dos movimentos sociais paradigmas clássicos e contemporâneos São Paulo Loyola 2006 8 BUSSOLA Carlo O feminismo história de uma ideologia moderna Vitória Revista de Cultura p 59 a 60 Ufes 1985 9 FARIA 1998 22 As reivindicações do feminismo por igualdade de direitos relativos à condição da mulher como por exemplo direito ao aborto direitos reprodutivos sexualidade saúde trabalho doméstico e relações trabalhistas englobavam também a luta pelo poder E questionando as relações sociais estabelecidas na sociedade as mulheres exigiam mudanças nas condições em que o poder era exercido Ficava claro portanto que as desigualdades sociais foram sendo construídas culturalmente em diferentes sociedades e períodos históricos É notório que muitas reivindicações foram alcançadas mesmo persistindo desigualdades não somente de gênero mas também de classe raçaetnia e geração As conquistas muito embora ainda não assegurem direitos sociais e políticos à totalidade das mulheres foram frutos da resistência e da luta de inúmeras delas Essas últimas colocaramse à frente de seu tempo e com firmeza enfrentaram a ideologia machista muitas vezes doando as próprias vidas A ideologia machista é utilizada para caracterizar atos físicos ou verbais por meio dos quais se manifesta de forma vulgar o sexismo subjacente à estrutura social É um conjunto de leis normas e atitudes sócioculturais cuja finalidade explícita ou implícita tem sido produzir manter e perpetuar a escravidão e submissão da mulher em todos os níveis sexual procriativo laboral e afetivo10 Complementando tal pensamento Bússola11 entende que o machismo também pode ser visto como o modo de agir sentir e atuar atribuindo ao homem a supremacia física moral e intelectual sobre a mulher garantindolhe o poder político social e econômico O feminismo no entanto não se coloca como antônimo do machismo buscando a supremacia das mulheres sobre os homens mas sim como revela Bússola 12 visa pura e simplesmente à destruição do poder machista que há milênios subjuga as mulheres O feminismo tornouse um movimento publicamente visível que se revela em todas as esferas nas quais hajam mulheres e busca romper com os modelos políticos 10 Dicionário ideológico feminista Vitoria Sal Ed Icaria España1991 11 Bússola 1985 12 Bússola1985 p 59 23 tradicionais e autoritários que definem como política somente ações da esfera pública Isto porque procura superar as formas de organização tradicionalmente masculinas e revela que as relações interpessoais são permeadas por componentes de poder e hierarquia Uma das características do movimento feminista é a auto organização das mulheres em grupos e múltiplas frentes que se mobilizam para reivindicar direitos sociais e políticos promover debates pesquisas cursos campanhas além de formação de editoras especializadas manifestações culturais e inúmeras formas práticas de expressão do movimento13 A construção de uma teoria feminista foi tomando seus primeiros contornos no final da década de 1960 A partir desse período outras frentes de luta foram incorporadas às reivindicações feministas como as raízes culturais das desigualdades sociais Começaram por questionar a naturalização das desigualdades sociais baseada nas diferenças biológicas que camufla a hierarquia de poder dos homens sobre as mulheres na sociedade As raízes da opressão das mulheres e a hierarquia sexual passaram a ser vistas como frutos de relações sociais construídas ao longo do tempo e por isso passíveis de transformação É com essa força política e enorme potencial de transformação social que o feminismo tomou força como um movimento de massas Tornouse um movimento que incentivou estudos e pesquisas dos mais diversos campos e organizações que desenvolveram inúmeras atividades como debates grupos de trabalho palestras cursos e publicações além de campanhas e mobilizações de milhares de mulheres que fizeram reivindicações específicas em diversos países Nas universidades inúmeras temáticas antes não pesquisadas foram incorporadas como novos objetos pela Nova História colocando as mulheres como protagonistas da história e não mais como meras coadjuvantes Martins14 afirma que não se tratava de fazer uma história das mulheres como fruto do movimento feminista mas buscavase o aprimoramento teóricometodológico 13 ALVES Branca Moreira e Pitanguy Jacqueline O que é feminismo São Paulo Brasiliense 1983 14 MARTINS Ismênia de Lima Apresentação In SAMARA Eni de Mesquita Gênero em debate trajetórias e perspectivas na historiografia contemporânea São Paulo EDUC 1997 p 710 24 para recuperar os mecanismos das relações sociais entre os sexos Na produção desses trabalhos a mulher passou então a marcar uma presença mais pronunciada nas pesquisas históricas só que ainda numa perspectiva globalizante como se todas elas fossem iguais A partir dos anos 1970 a pesquisadora Soihet15 começa a questionar a homogeneidade das mulheres destacando que o modelo de mulher da família patriarcal focalizava somente as da classe dominante e não a totalidade existente na sociedade Havia mulheres negras e mulheres brancas pobres havia mulheres trabalhadoras e todas eram diferentes entre si pelas suas crenças por sua condição social e etnia Soihet destaca a atenção à diversidade da categoria mulheres em toda sua amplitude opondose a generalizações e fazendo emergir novos objetos de pesquisa Mas não só ocorreram tentativas teóricas no sentido de explicar a diversidade entre as mulheres Começaram também a surgir estudos sobre as desigualdades persistentes entre homens e mulheres em diversas sociedades nos últimos anos Joan Scott16 pioneira na formulação do conceito de gênero como categoria de análise histórica empreendeu esforços no sentido de compreender as desigualdades entre os gêneros De acordo com ela o surgimento do termo gênero divulgado inicialmente pelas feministas inglesas e norteamericanas veio garantir o reconhecimento político desse campo de pesquisa e os estudos passaram a ser denominados estudos de gênero Logo os estudos de gênero se revelaram de grande seriedade científica neutralidade em relação à política e principalmente recuperavase a experiência conjunta de homens e mulheres em toda sua complexidade afirma Martins17 15 SOIHET R Historia Mulheres Gênero Contribuições para um debate In AGUIAR N Gênero e ciências humanas Rio de Janeiro Record Rosa dos Tempos 1997 16 SCOTT1990 Gênero uma categoria útil de analise histórica In Educação e realidade Porto Alegre1625221990 17 MARTINS 1997 25 Este raciocínio também é desenvolvido por Scott18 na formulação de seu conceito de gênero Para ela a lógica da oposição binária que hierarquiza homens e mulheres como pares opostos que não se relacionam entre si de inúmeras formas expressa uma visão de antagonismo sexual como algo fixo imutável natural e eterno além de adotar a existência de uma condição feminina universal Por ser gênero um termo relacional possibilita a desconstrução da oposição binária sem contudo diluir a discriminação e opressão sofrida pelas mulheres Mas o conceito de gênero permite qualificar minuciosamente percepções de discriminação As teorias vigentes até então davam ênfase apenas às distinções biológicas entre os sexos para explicar as desigualdades entre os homens e as mulheres E os estudos de gênero se colocavam contrários ao determinismo biológico que se limitava à condição sexual dizendo respeito não somente ao processo de identificação sexual mas também considerando os aspectos socialmente construídos Como um conceito científico equivalente ao de classe e de etnia gênero foi se firmando como uma categoria importante de análise histórica contribuindo para analisar as relações entre a subordinação das mulheres e as transformações sociais e políticas Muitas vezes o conceito de gênero é confundido com o feminismo Entretanto o feminismo é um movimento social espontâneo que existe independentemente das pesquisadoras sejam elas feministas ou não O conceito de gênero que nunca foi consenso entre as feministas19 só pode ser compreendido a partir da relação estabelecida socialmente entre os homens e as mulheres Gênero é um conceito que colaborou para enriquecer o feminismo enquanto movimento social e político Faria e Nobre20 argumentam que Esse conceito coloca claramente o ser mulher e 18 SCOTT 1990 19 As feministas francesas por exemplo defendem a terminologia sexo ao invés de gênero pois este traria em seu bojo a dimensão social e não apenas a dimensão biológica considerando que o próprio biológico é determinado pelo condicionamento social SILVA Alice Inês de O Abelhinhas numa diligente colméia domesticidade e imaginário feminino na década de cinqüenta In COSTA Albertina de O BRUSCHINI Cristina orgs Rebeldia e submissão estudos sobre a condição feminina São Paulo Vértice Editora Revista dos Tribunais Fundação Carlos Chagas1989 20 FARIA Nalu NOBRE Míriam Cidadania para mulheres In XVIII CONGRESSO ESTADUAL DOS TABALHADORES EM EDUCAÇÃO PÚBLICA DO ESPÍRITO SANTO E CONGRESSO ESTATUTÁRIO 111995 Vitória Sindiupes 1995 p 2930 26 ser homem como uma construção social a partir do que é estabelecido como masculino e feminino e dos papéis sociais destinados a cada um deles Logo os símbolos as representações as normas e valores sociais ou seja os pensamentos e as práticas cotidianas elaboradas pelas sociedades de acordo com as diferenças sexuais não devem ser identificadas como naturais por serem parte constituinte das relações sociais de poder As construções do que é ser homem e do que é ser mulher em cada sociedade não são fixas nem imutáveis Do mesmo modo entendese que as relações sociais entre os homens e as mulheres estão em constante movimento sofrendo transformações e influências de diferentes experiências em qualquer tempo histórico e cultural De acordo com Scott21 gênero tornouse uma categoria útil de análise histórica articulandose às categorias etnia e classe e pode ajudar na construção de uma nova perspectiva de como pensar e fazer a história da humanidade Nesse sentido estudar gênero contribui para se compreender melhor que a divisão de papéis sociais entre homens e mulheres é determinada por outros fatores que não só o biológico Logo gênero e sexo não possuem o mesmo significado Ao sexo está implícita a condição natural de macho e fêmea que diferencia os seres apenas por seus órgãos sexuais E ao gênero que vai além do determinismo biológico está implícita a abrangência do aspecto social das relações entre mulheres e homens O conceito de gênero desenvolvido por Scott22 dividese em duas partes diversas e subconjuntas mas que devem ser diferenciadas analiticamente sendo que o núcleo principal deve repousar na integração das duas proposições o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder 21 SCOTT Joan Gênero uma categoria útil de análise histórica Mulher e realidade mulher e educação Porto Alegre v 16 n2 p 22 juldez 1990 22 SCOTT 1990 27 Saffioti23 também observa que o gênero é relacional pois atravessa a identidade do homem e da mulher ao mesmo tempo que a constrói Isto evidencia que os valores e comportamentos aprendidos e reproduzidos pelos homens e pelas mulheres são adquiridos desde o nascimento ou até mesmo anteriormente ainda no útero da mãe A educação recebida pelos agentes socializadores como a família a escola e a igreja caracterizam o sexo feminino como frágil meigo passivo submisso e o sexo masculino como forte ativo viril e ousado Por eles as meninas devem aprender desde cedo que o lugar que mais lhes compete é o privado enquanto os meninos aprendem a lidar muito cedo e com mais desenvoltura com tudo que seja público Os próprios brinquedos divididos por sexo refletem essa realidade bonecas casinha vassoura fogão ferro ou seja brinquedos que reproduzem a casa o privado para as meninas enquanto carro bola skate pipa entre outros que são mais apropriados para se brincar fora de casa na rua no público para os meninos Esse imaginário que vai sendo construído sobre o lugar que meninos e meninas devem ocupar na sociedade delineiamse de forma rígida e absoluta A sociedade delimita os espaços em que a mulher e o homem devem interagir ou atuar em razão dos papéis sociais exercidos e esperados por cada um24 A situação de desigualdade social que ainda a maioria das mulheres vive em relação aos homens é encoberta justamente por essa naturalização do social como se fosse um destino para elas25 Gênero portanto desvenda concepções consideradas deterministas e também preconceituosas em relação a diferentes situações vividas pelas mulheres Por outro lado gênero também pode ser utilizado para analisar as transformações sociais e políticas e as relações de subordinação das próprias mulheres na sociedade 23 SAFIOTTI Heleith I B O poder do macho 4 ed São Paulo Moderna 1987 Coleção Polêmica Sobre o assunto ver também NADER Maria Beatriz Mulher do destino biológico ao destino social Vitória Edufes 1997 24 NADER Maria Beatriz Papéis sociais Revista Dimensões 25 SAFFIOTI 1987 28 A forma de definição e articulação dos interesses de gênero que são definidos e articulados dentro das instituições políticas sugerem sinais para se entender as relações entre a mulher e a política26 Embora haja a identificação de que as várias abordagens empregadas para a compreensão de gênero tenha limitações teóricas tornase importante destacar que todas elas trouxeram contribuições fundamentais para o aprofundamento dos estudos de gênero Saffioti27 destaca classe gênero e raça como eixos que estruturam contraditoriamente a sociedade e não operam separadamente de modo isolado mas numa correlação de forças num movimento construído nas relações sociais e históricas O estudo de SouzaLobo28 sobre a análise da relação classegênero evidencia que essas relações apresentamse de maneiras variadas em diferentes contextos históricos e que as relações de classe são sexuadas e transversais assim como são classistas as relações sexuais Logo os sujeitos tanto individuais como coletivos são concomitantemente produto e produtores das relações sociais que são permeadas por redes de poder 26 Sobre o assunto ver ALVAREZ Sônia In CAMACHO Thimoteo Mulher trabalho e poder o machismo nas relações de gênero da UFES Vitória Edufes 1997 27 SAFIOTTI 1997 28 SOUZALOBO Elizabeth A classe operária tem dois sexos trabalho dominação e resistência São Paulo Brasiliense 1991 29 12 O MOVIMENTO FEMINISTA NO BRASIL E SUAS REPERCUSSÕES EM VITÓRIA Enquanto a Europa e os Estados Unidos nos anos 1960 e 1970 apresentavam um cenário propício ao surgimento de movimentos sociais29 relacionado a toda a efervescência política de revolução de costumes e de renovação cultural no Brasil inaugurouse a ditadura militar com o golpe de 1964 A repressão a cassação de direitos políticos as mortes a censura os desaparecimentos as prisões e o exílio político marcaram notadamente o período que se seguiu ao golpe político Foi nesse contexto que surgiu e se desenvolveu o movimento feminista brasileiro30 Na modernização acelerada promovida pela ditadura militar no Brasil eclodiu uma enérgica cultura de resistência expressa na crítica política ao sistema Os vínculos tradicionais e a estrutura da família nuclear foram desestabilizados as mulheres entram maciçamente no mercado de trabalho questionam as diversas formas da dominação patriarcal e lutam pelo direito à cidadania O movimento feminista adquiriu expressão questionando também os códigos da sexualidade feminina e a sociedade de consumo que impunha modelos preestabelecidos de comportamento às mulheres31 De acordo com Pinto32 o feminismo iniciado pelas mulheres da Europa e Estados Unidos na metade do século XIX influenciou as mulheres latinoamericanas e brasileiras no início do século XX Cabe destacar que embora o auge do movimento 29 De acordo com GOHN movimentos sociais são ações sóciopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país criando um campo político de força social na sociedade civil As ações se estruturam a partir de um repertório criado sobre temas e problemas em conflitos legítimos e disputas vivenciadas pelo grupo na sociedade As ações desenvolvem um processo social e políticocultural que cria uma identidade coletiva para o movimentos a partir dos interesses comuns Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticas compartilhadas pelo grupo em espaços coletivos nãoinstitucionalizados GOHN Maria da Glória Teorias dos Movimentos Sociais paradigmas clássicos e contemporâneos São Paulo Loyola 2006 p 252 30 PINTO Céli Regina Jardim Uma história do feminismo no Brasil São Paulo Editora Perseu Abramo 2003 Coleção História do Povo Brasileiro 31 Nesse processo outras organizações como o movimento negro e o de homossexuais surgiram incorporando novas demandas e exigências aos padrões dominantes da sociedade RAGO MargarethOs feminismos no Brasil Labrys Estudos Feministas n3 janeirojulho 2003 p 26 32 PINTO 2003 30 feminista brasileiro tenha se consolidado na década de 1970 a resistência e rebeldia das mulheres brasileiras é anterior a esse período como podem ser verificadas em diversos estudos e pesquisas de diferentes períodos da História do Brasil Para Blay a atuação das mulheres pode ser comprovada no processo abolicionista na luta pela República e em vários momentos da crise política33 A participação feminina durante todo o século XX se destacou na luta pelo direito ao voto e em amplos movimentos populares pela melhoria da qualidade de vida O voto segundo Hanner34 é um instrumento de progresso social e um símbolo dos direitos de cidadania e nas primeiras décadas daquele século o sentimento cada vez maior da necessidade do voto das mulheres foi propiciado em muitas cidades pela expansão dos empregos como o serviço público os bancos o comércio e a educação primária Nessa primeira fase do movimento feminista brasileiro o voto foi uma das mais importantes vitórias alcançadas Mesmo com todas as fragilidades a sociedade brasileira revelava sua inquietação dando os primeiros sinais de organização tanto de membros da elite como da classe operária 35 Embora o movimento feminino brasileiro por direitos políticos tenha sido considerado mais conservador ele cumpriu um papel preponderante e ajudou a elevar o nível de consciência das mulheres de classe média em relação a seus problemas Num mundo em constante transformação colaborando para legitimar outras atividades que não só as domésticas Também contribuiu na preparação do caminho para outras organizações constituídas após 1945 com a queda do governo de Getúlio Vargas e do Estado Novo36 No longo período compreendido entre o golpe de 1937 e as primeiras manifestações nos anos 1970 o movimento feminista passou por um refluxo em que embora sob 33 BLAY Eva Alterman Mulheres e movimentos sociais urbanos no Brasil anistia custo de vida e creches Mulher Hoje Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1980 Vol 26 34 HANNER June Edith Emancipação do sexo feminino a luta pelo direito da mulher no Brasil 18501940 Florianópolis Editora Mulheres Santa Cruz do Sul Edunic 2003 35 PINTO 2003 36 HANNER 2003 31 um sistema ditatorial as mulheres cumpriram um papel no mundo público e desenvolveram ações como o movimento contra a alta do custo de vida37 Nessa época o Brasil vivia seu processo de industrialização com uma conseqüente urbanização e intensificação de lutas sociais As mulheres participaram juntamente com estudantes e trabalhadores dos movimentos mais gerais pela cidadania pela redução da jornada e melhores condições de trabalho No Brasil o golpe de 1964 viria modificar todo o cenário político econômico social e administrativo do país passando o Estado a interferir totalmente no novo modelo econômico agora industrializante e vantajoso para as multinacionais O milagre econômico visava incentivar as exportações e não mais atender o mercado interno brasileiro38 Para alcançar os objetivos propostos pelos militares diversas medidas foram adotadas no sentido de controlar e reprimir manifestações populares contra o Regime A participação popular que crescia lutando incansavelmente pela igualdade social pela liberdade de agir e pensar e por melhores condições de vida e de trabalho foi duramente atacada As perseguições políticas torturas infiltrações mortes exílio e implantação de inúmeros atos institucionais tinham o intuito de aniquilar qualquer forma de contestação ao plano dos militares Em resposta surgiram vários grupos de resistência e dentre eles a presença feminina foi marcante seja nos movimentos contra a carestia nos clubes de mães no movimento pela anistia dentre outros Mas se por um lado havia o reconhecimento da luta específica por outro os grupos organizados tinham plena consciência de que a desigualdade social era um problema que não podia ficar de fora de qualquer luta específica O movimento feminista ainda que permeado por fragilidades internas e perseguições políticas conseguiu incomodar os poderes 37 É importante destacar que no final da década de 1940 e início de 1950 o movimento de mulheres contra a carestia e por melhorias nos postos de saúde na educação nas creches e nos serviços públicos não pode ser considerado feminista em sua formação ou propósitos pelo fato de que não se lutava por mudanças estruturais na sociedade 38 FRANCO Sebastião Pimentel HEES Regina Rodrigues A República e o Espírito Santo Vitória Multiplicidade 2003 32 estabelecidos tanto o regime militar como os próprios homens da esquerda39 Ao questionar a separação da vida entre uma esfera pública e uma esfera privada um dos pilares fundamentais da opressão das mulheres no capitalismo o feminismo mostrou que o pessoal também é político ao denunciar a opressão das mulheres e os mecanismos de sua subordinação na família40 Na luta pelo fim do Regime Militar as mulheres alcançaram visibilidade e uma ampla articulação pela defesa de direitos e proposições políticas à Assembléia Constituinte de 1988 Tomaram várias iniciativas organizando movimentos de luta por creche contra a carestia moradia escolas habitação denúncias públicas da violência sexista assim como edição de jornais e revistas abordando diversos temas relativos à condição da mulher como por exemplo a questão do aborto direitos reprodutivos sexualidade saúde trabalho doméstico e relações trabalhistas Também foram organizados grupos de estudo e debates sobre a questão da mulher e relações de gênero tanto em partidos políticos sindicatos e centrais sindicais como nas universidades e bairros de periferia até a formulação de políticas públicas e conquista de organismos governamentais para implementação das reivindicações das mulheres nos serviços públicos Além do que desempenharam um papel importante na articulação dos primeiros passos para a anistia aos presos perseguidos políticos pelo Regime Militar Foram organizados inúmeros encontros e congressos de mulheres estabelecendo se como um espaço de discussão e elaboração de uma teoria para o feminismo que ora surgia Na luta pela redemocratização do país as feministas sob a perspectiva marxista colocavamse na vanguarda revolucionária das mulheres articulandose para fora e adquirindo legitimidade Em meados da década de 1970 as feministas incluíram em suas bandeiras de luta a denúncia da dominação sexista existente dentro dos próprios partidos de esquerda 39 FRANCO 2003 40 FARIA Nalu Org Sexualidade e gênero uma abordagem feminista São Paulo SOF 1998 Coleção Cadernos Sempreviva 33 nos sindicatos e demais grupos políticos Com uma referência ideológica marxista muitas questionavam as relações de poder entre os gêneros que estavam estabelecidas dentro dos partidos dos quais participavam As mulheres trabalhadoras pobres a partir do estabelecimento de estratégias e táticas do movimento tornaramse sua preocupação fundamental Fundaramse jornais como o Brasil Mulher 197580 em Londrina e o Nós Mulheres 197678 da Associação de Mulheres de São Paulo com o intuito de conscientizar as trabalhadoras de seus direitos trabalhistas O feminismo naquele momento procurou mostrar que a dimensão feminina estava presente em todas as questões pautadas pelos líderes e partidos políticos As feministas numa estratégia de reconhecimento político e social apropriaramse do conceito de classe e da linguagem masculina fosse ela marxista ou liberal para poderem ser aceitas na esfera pública Mas apesar de todos os esforços somente na década de 1980 surgiu e se desenvolveu o chamado feminismo acadêmico ancorado no Departamento de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas em São Paulo e em pesquisas de Educação e Ciências Humanas em diversas universidades brasileiras despontando alguns Núcleos de Pesquisa em Estudos da Mulher Por outro lado novas conquistas foram sendo alcançadas como a criação de Delegacias Especializadas da Mulher DEAM e a criação pelo Ministério da Saúde do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher Paism envolvendo planejamento familiar sexualidade e aborto Além disso a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher cumpriu um papel importante na conquista de direitos assegurados na Constituição de 198841 Tanto nos anos 1980 quanto nos 1990 o movimento feminista brasileiro obteve avanços principalmente em relação à entrada de mulheres no aparato estatal e no aprofundamento das discussões sobre saúde e violência contra a mulher42 Mas foi naquela última década que surgiram novas formas de se pensar o movimento afirma Pinto43 quando diz que houve uma dissociação entre o pensamento feminista e o próprio movimento A profissionalização do movimento pelas Organizações Não 41 PINTO 2003 42 RAGO 2003 43 PINTO 2003 34 Governamentais ONGs que publicamente se tornaram a mais expressiva manifestação do feminismo A autora destaca a importância dessas instituições como uma nova forma de atuação política mas por outro lado aponta seus limites na medida em que as mesmas são guiadas pela agenda das fundações internacionais para institucionalização e recebimento de recursos Além disso alerta sobre uma tendência de volta ao feminismo bemcomportado que pode estar nascendo com a crescente profissionalização das feministas via Ongs Assim é possível inferir que o movimento feminista que contribuiu de maneira significativa para que a sociedade reavaliasse os significados e as práticas da cidadania e da participação das mulheres na história do país foi um movimento social articulador de novas práticas políticas que se configuraram por trajetóprias únicas e particulares nos estados cidades ou comunidades transformando comportamentos e dando visibilidade política às mulheres Tanto no Brasil como nos Estados Unidos os anos 1990 representaram a criação das condições necessárias para que as reivindicações e demandas do feminismo e também de outros movimentos identitários fossem incorporadas por amplos setores dos discursos políticos Há indícios significativos de um novo tipo de postura e de uma mudança de comportamento frente a essas demandas Uma vitória dos movimentos sociais é o consenso de que não é mais legítimo tratar mulheres negros e homossexuais como seres inferiores e objetos de ridicularização Avanços significativos também podem ser notados nas relações de trabalho nas quais atualmente existe a possibilidade de as autoridades policiais e judiciais darem ouvidos às reclamações legais Os direitos da mulher também ocuparam os discursos políticos tornandose tema das propostas de candidatos tanto à Presidência da República quanto às câmaras municipais Esses exemplos de mudança de comportamento dos políticos em campanhas eleitorais são parte das conquistas do movimento feminista difuso na sociedade fruto do movimento organizado após anos de militância das mulheres brasileiras O movimento de modo geral conquistou ações que privilegiaram a reflexão política acerca do papel feminino na sociedade possibilitando a construção de novas estratégias de mudança para superar as desigualdades que envolvem os gêneros 35 13 AS MULHERES CAPIXABAS FEMINISMO POLÍTICA E TRABALHO As ações do movimento feminista no Brasil e as idéias feministas internacionais também repercutiram e encontraram o apoio de inúmeras mulheres capixabas que traduziram em ações empreendidas ainda no início do século XX por direitos sociais e políticos Tal como acontecia na época fora do Estado as ações das mulheres capixabas também não chegaram a questionar propriamente as bases da opressão machista Embora a discriminação daquele tempo fosse bem maior que nos tempos atuais as preocupações existentes nos primórdios do movimento feminista em Vitória tinham outra escala de prioridade Mesmo cercadas por limitações as ações das mulheres capixabas podem ser analisadas a partir do comportamento de Maria Stella de Novaes44 Historiadora e pesquisadora da cultura do Espírito Santo nos anos de 1920 ela já denunciava as dificuldades de acesso das mulheres à educação assim como sua exclusão das instâncias de poder As severas restrições impostas à entrada da mulher na vida pública eram o grande desafio colocado na agenda do nascente movimento feminista capixaba O que seguramente mais se pode destacar na intervenção de Novaes no processo de inserção feminina na educação são seus estudos sobre as mulheres embora sua 44 Maria Stella de Novaes nasceu em Campos no Estado do Rio de Janeiro em 18 de agosto de 1894 e viveu em Vitória Estado do Espírito Santo Fez o curso de normalista no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora Colégio do Carmo na capital e a partir de então começou a diversificar seus estudos Após freqüentar cursos de Ciências Naturais no Museu Nacional Rio de Janeiro voltou a Vitória para lecionar Pedagogia Álgebra e História no Colégio do Carmo Foi também professora na Escola Normal D Pedro II além de ser a primeira catedrática de ensino secundário no Brasil prestando concurso para História Natural Física e Química para o Ginásio Espírito Santo em 1925 Questionava publicamente a nãoaceitação de mulheres em muitas instituições intelectuais entre elas a Academia EspíritoSantense de Letras tendo sido membro da Federação pelo Progresso Feminino 36 própria militância tenha sido importante e digna de menção45 Foi membro da Federação Brasileira para o Progresso Feminino FBPF considerada nacionalmente a mais importante organização dos direitos da mulher da década de 1920 A FBPF cumpriu um importante papel na campanha pelo voto feminino no Brasil que logo repercutiu no Espírito Santo Novaes também foi a primeira mulher a integrar com destaque o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo composto majoritariamente por homens Dentre sua obra destacase A mulher na História do Espírito Santo46 publicada em 1999 na qual figuram mulheres que tiveram algum tipo de destaque na História do Estado desde o período colonial As mulheres foram situadas num contexto históricosocial o que permitiu que se pudessem conferir aspectos da vida cotidiana daquele tempo Assim Novaes não deixou que passassem despercebidos elementos interessantes como a moda do século XIX e XX modinhas populares culinária casamentos nascimentos vida no lar as primeiras escolas e professoras O desenvolvimento da educação feminina segundo Novaes47 foi fundamental para a mulher capixaba conquistar posições em diversos setores do serviço público no magistério na enfermagem e nas atividades profissionais liberais Também o desempenho de vanguarda dessas mulheres não passou despercebida como são os casos da primeira funcionária concursada do Banco do Brasil da primeira catedrática do ensino secundário e da primeira páraquedista brasileira Para Novaes 1999 na década de 1920 as mulheres espíritosantenses firmaram seus passos rumo ao domínio das letras e o fizeram denunciando as dificuldades e obstáculos que estavam fadadas a enfrentar frente aos seus próprios conterrâneos A autora faz referência ao trabalho de João Calazans jornalista do Jornal do Comércio de Vitória que publicara em 1927 uma notícia intitulada A atual intelectualidade feminina capixaba enumerando diversas expressões como Guilly 45 Sobre o assunto ver LEITE Juçara Luzia Natureza Folclore e História a obra de Maria Stella de Novaes e a historiografia espíritosantense no século XX Tese de Doutorado Universidade de São Paulo 2002 p 282 46 Esta obra escrita por volta de 1950 teve dificuldades de edição e por isso só foi publicada 18 anos depois do falecimento da autora NOVAES Maria Stella de A mulher na história do Espírito Santo história e folclore Vitória Edufes Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo Secretaria Municipal de Cultura 1999 47 NOVAES 1999 37 Furtado Bandeira autora da obra Esmaltes e camafeus Ilza Etienne Dessaune cronista que usava o pseudônimo de Flor da Sombra na revista Vida Capixaba Haydée Nicolussi autora do livro Festa na sombra e a professora Carolina Pickler que publicou partes de Escolas maternais Na opinião de Novaes a largada do movimento feminista no Espírito Santo foi um banquete promovido em homenagem à Adalgisa Fonseca que superando os empecilhos existentes conseguiu formarse em Medicina48 Contudo a primeira ação política propriamente dita do movimento feminista capixaba veio com a campanha nacional em favor do direito ao voto da mulher brasileira Mas as mulheres capixabas tiveram que enfrentar os políticos do estado que atuavam tanto na Câmara como no Senado e se dividiram em torno da questão Representante do Espírito Santo o então deputado Muniz Freire contrapunhase alegando que a reivindicação era uma aspiração anárquica e imoral e que a entrada das mulheres na vida pública levaria à concorrência entre os sexos49 Além dos políticos elas tiveram que enfrentar figuras ilustres na vida social que ficaram polarizadas entre favoráveis e contrárias ao voto feminino Desafiando a ordem Emiliana Viana Emery capixaba do município de Alegre foi a primeira a entrar nos registros eleitorais Sua inscrição realizouse a 15 de julho de 1929 de acordo com a sentença do advogado Aloísio Adérito de Menezes juiz daquela Comarca50 O senador espíritosantense Manuel Monjardim juntamente com Juvenal Lamartine considerado o paladino da emancipação política de metade da população no Brasil Lopes Gonçalves e Aristides Rocha defendiam o voto feminino Finalmente pelo Código Eleitoral de 1932 Decreto de 24 de fevereiro de 1932 após o II Congresso Internacional Feminista o voto tornouse extensivo a todas as mulheres do Brasil51 48 As mulheres capixabas resolveram homenageála oferecendo um banquete de cinqüenta talheres banquete exclusivamente feminino uma festa original e significativa quanto ao estilo naquele tempo no Brasil e talvez na América do Sul Falaram Sílvia Meireles da Silva Santos em nome das promotoras da festa e a homenageada agradecendolhes Ver NOVAES 1999 49 BLAY Eva Alterman Mulher e estado São Paulo Universidade de São Paulo 1988 p 14 mimeo 50 Idem 51 NOVAES 1999 38 Logo foi iniciado o alistamento eleitoral e em janeiro de 1933 um grupo de mulheres capixabas fundou a Federação EspíritoSantense pelo Progresso Feminino FESPF cujo principal objetivo era o alistamento para o voto sem compromisso partidário Com o intuito de incentivar o voto das mulheres foi criada a Cruzada Cívica do Alistamento CCA Vinte e cinco mulheres presenciaram a fundação da CCA realizada no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo dentre elas as que iriam compor a sua diretoria Sílvia Meireles da Silva Santos presidente Judith Leão Castelo vicepresidente Indá Soares Casanova secretária Maria Stella de Novaes tesoureira e Júlia Lacourt Pena oradora52 Em consonância com a Federação no Rio de Janeiro a CCA capixaba lutou para que o voto feminino fosse mantido pela Constituição Federal de 1936 assim como para que não se criassem empecilhos ao trabalho da mulher tanto nas fábricas como no serviço público e nos escritórios Endereçou aos parlamentares em 18 de fevereiro de 1934 uma carta circular que tratava da declaração geral da igualdade política jurídica e econômica entre os sexos Contudo somente na década de 1950 Judith Leão Castelo Ribeiro capixaba do município de Serra viria a se integrar ao pleito eleitoral Foi a primeira deputada estadual do Espírito Santo e exerceu seu mandato de 1951 a 196253 Tornase importante destacar que nas primeiras décadas do século XX a segregação sexual do trabalho era ainda uma constante e a ocupação de determinados setores do mercado reproduzia a discriminação de gênero Nader54 citando o magistério como um locus da discriminação entre os sexos afirma que essa profissão era considerada naturalmente feminina porque culturalmente reproduzia as atividades desenvolvidas pela mulher nos espaços domésticos Para a autora isso era apenas para os primeiros anos escolares porque se a mulher sonhasse em estudar ou lecionar no magistério secundário ou superior teria que 52 Novaes 1999 53 RIANI Lourência A mulher na política capixaba Vitória Universidade Federal do Espírito Santo 1994 54 NADER Maria Beatriz Mudanças econômicas e relações conjugais novos paradigmas na relação mulher e casamento Vitória ES 19702000 2003 318 f Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo São Paulo 2003 39 lutar muito enfrentar preconceitos de toda ordem Essa experiência foi vivida por Maria Stella de Novaes que em 1923 foi vítima de preconceitos quando candidatou se ao concurso da Escola Normal do Estado para lecionar Física Química e História Natural Classificada e nomeada em março de 1925 após críticas e descrenças tornouse a primeira mulher catedrática do Ginásio em todo o Brasil Ainda de acordo com Nader as mulheres capixabas sempre souberam aproveitar as oportunidades que iam surgindo com a modernidade contrariando o imaginário social de cada período Muitas mulheres conseguiram avançar nos estudos indo além do primário ou fazendo cursos preparatórios no intuito de ocupar vagas no mercado de trabalho atuando em funções auxiliares na indústria e no comércio Em Vitória até a década de 1950 o ramo de serviços era pouco diversificado e as mulheres tinham poucas oportunidades para conseguir seu próprio sustento e conquistar gradativamente sua independência econômica Nessa época criouse a Escola de Enfermagem e o curso de Assistência Social possibilitando a criação de centros e obras sociais em diversos municípios e bairros de Vitória55 Também nessa década ocorreu a criação da Universidade Federal do Espírito Santo56 Ufes que marcou profundamente a sociedade capixaba Segundo Valle57 a criação da Ufes cumpriu um papel fundamental para que as mulheres pudessem finalmente ter oportunidades e ampliar seu leque de conhecimentos e possibilidades de trabalho O ambiente cultural internacional da década de 1960 exerceu poderosa influência no Brasil e também no Espírito Santo especialmente em Vitória Bilich58 considera que nos anos 1960 a revolução cultural que ocorreu no mundo ocidental foi um marco 55 NADER 2003 56 A UFES foi foi fundada em 1954 e se localiza na cidade de Vitória 57 VALLE Eurípedes Queiroz do O estado do Espírito Santo e os espíritosantenses Dados fatos e curiosidades os 10 mais 3 edVitóriasn1971 58 BILICH Jeanne As múltiplas trincheiras de Amylton de Almeida o cinema como mundo a arte como universo Vitória GSA Gráfica e Editora 2005 40 cronológico um verdadeiro divisor de águas da segunda metade do século XX cuja influência iria se espraiar pelas décadas seguintes com inúmeros desdobramentos nos campos social político e econômico59 De acordo com Colbari60 o Estado do Espírito Santo apresentase no final da década de 1970 como o lugar da idade de ouro dos movimentos sociais eou movimentos populares cuja contribuição foi decisiva para a renovação sindical e políticopartidária Para os segmentos sociais era o início do rico processo de organização e participação política que marcou significativas mudanças na vida social capixaba Em meio ao surgimento de grandes movimentos populares surge em 1983 o Centro de Integração da Mulher CIM Uma manifestação pública contra a violência realizada no dia 8 de fevereiro de 1985 no centro de Vitória articulada pela deputada Rose de Freitas do Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB e o Sindicato dos Jornalistas marcou a atuação do CIM O protesto contou com o apoio além dos parentes das vítimas de violência de alguns políticos e de diversas entidades como a Federação Capixaba de Teatro Amador Fecata Associação dos Escritores Associação dos Artistas Plásticos Sindicato das Assistentes Sociais e da população em geral dandolhe visibilidade pública e alcançando a mídia nacional61 A partir daí várias entidades feministas começaram a se organizar nos bairros e o elemento aglutinador foi o conjunto de mulheres que atuavam nas Comunidades Eclesiais de Base CEBs De acordo com Martins62 nesse período surgiram a Coordenação de Mulheres de Vila Velha o Grupo de Mulheres de Viana as Mulheres Autônomas Organizadas o Grupo de Mulheres da Periferia as Mulheres Unidas de São Pedro a Associação das Mulheres Unidas da Serra Associação das Mulheres da Serra Buscando Libertação a Associação das Mulheres Trabalhadoras 59 Em meio ao caldeirão de mudanças libertárias nesses anos a liberação sexual feminina eclodiu irreversivelmente com o advento da pílula anticoncepcional que proporcionou à mulher o controle sobre a procriação e o prazer sem risco Esse fenômeno iria transformar a vida das mulheres nas décadas posteriores colocando em cheque instituições sociais e valores morais pregados pela família e a Igreja Sobre o assunto ver BILICH 2005 60 COLBARI Antonia Cenas do movimento sindical capixaba o passado recente e os desafios atuais In Prefeitura Municipal de Vitória Escritos de Vitória n16 Movimentos sociais Vitória Secretaria de Cultura e Turismo 1996 p 1343 61 Idem 62 MARTINS Edna Calabrez O brilho da metade do céu In Prefeitura Municipal de Vitória Escritos de Vitória n16 Movimentos sociais Vitória Secretaria de Cultura e Turismo 1996 p 5763 41 do Espírito Santo a União Cachoeirense de Mulheres a União Popular de Mulheres de São Mateus e as Mulheres Trabalhadoras Rurais da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Também foram criadas comissões ou coletivos de mulheres em alguns sindicatos como o Sindicato dosas Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Espírito Santo Sindiupes Sindicato dos Bancários Sindibancários Sindicato dos Trabalhadores da Saúde Sindisaúde entre outros Nessa mesma época na Rádio Gazeta AM iniciouse o programa Mulher que tratava de temas como saúde educação mercado de trabalho entre outros assuntos de interesse feminino Também foi criado no Jornal da Cidade uma coluna intitulada De Mulher para Mulher com o objetivo de levar às mulheres capixabas temas e debates recentes que marcavam o período De acordo com Soares63 o fim do regime ditatorial coincidiu com o declínio da ênfase às diferenças sexuais e a oposição entre homem e mulher que evoluiu para atitudes mais maduras como a necessidade de se debater questões de interesse feminino também nos partidos políticos nos sindicatos e nos movimentos comunitários Outras mudanças no feminismo capixaba foram as formas de comemoração do Dia Internacional da Mulher incorporando outros segmentos sociais nas lutas de emancipação das mulheres antes com predominância feminina de classe média substituídas por trabalhos nos bairros As reivindicações foram ampliadas para desigualdade socioeconômica desemprego carestia redução salarial participação política creches e violência64 Também a sindicalização de categorias profissionais hegemonicamente ocupadas por mulheres como professoras assistentes sociais e enfermeiras fortaleceram as denúncias contra as discriminações incluindo as denúncias de violência física contra as mulheres 63 SOARES Renato Viana Retrato Escrito A reconstrução da imagem dasosprofessorases através da mídia impressa 19451995 Vitória ITB 2005 p 315 Ver exemplo dessa fase em LINDENBERG Maria Alice A vida da mulher casada agora é objeto de pesquisa Jornal A Gazeta Caderno 2 Vitória 29 jun1984 p 1 64 Sobre o assunto ver MONTENEGRO Ana Ser ou não ser feminista Recife Guararapes 1981 p 5961 42 Contudo Martins infere que somente na década de 1990 é que houve em Vitória certo amadurecimento das organizações feministas65 Precisamente em 1995 realizouse a Conferência Internacional da Mulher promovida pela Organização das Nações Unidas ONU em Beijing na China Participaram onze mulheres capixabas A conseqüência foi a elaboração da Plataforma de Ação da qual o Brasil é signatário reunindo ações concretas para eliminar os obstáculos à efetiva participação das mulheres bem como o tráfico e a violência em favor da igualdade de direitos entre mulheres e homens e por justiça e paz O Fórum Estadual de Mulheres congregando a maioria das organizações feministas do Estado tornouse o principal interlocutor entre os grupos de mulheres e as instituições públicas Sua atuação juntamente com a Comissão Estadual de Mulheres da Central Única dos Trabalhadoresas marca o movimento feminista em Vitória principalmente no que se refere às manifestações do Dia Internacional da Mulher As feministas capixabas historicamente mantiveram uma estreita relação com as feministas de renome nacional e até internacional participando de Congressos e Encontros Feministas tal como na Conferência Internacional da Mulher promovida pela Organização das Nações Unidas ONU realizada em BeijingChina em 199566 O intercâmbio favoreceu a circulação de informações e o implemento das deliberações cabíveis a cada período As sindicalistas por exemplo destacaramse formando coletivos de mulheres trabalhadoras em suas respectivas categorias publicando jornais específicos sobre a temática da mulher desenvolvendo pesquisas reproduzindo e produzindo vídeos proferindo palestras seminários cursos de formação em relações de gênero realizando debates e encontros Tudo isso contribuiu para que um número cada vez maior de dirigentes sindicais de categorias importantes como professoresas e bancáriosas por exemplo se sensibilizassem para a questão da discriminação de gênero até mesmo nos eventos culturais promovidos pelas entidades sindicais Também o poder público Câmaras Municipais Assembléia Legislativa e Governo 65 MARTINS 1996 66 Onze capixabas participaram do evento 43 Estadual encontrase cada vez mais permeável às preocupações relativas a gênero em razão da luta feminista e da eleição de algumas mulheres assim como homens sensíveis às questões das mulheres na busca por políticas públicas específicas Também foram empreendidas pelas sindicalistas a partir da criação da Comissão Nacional sobre a Questão da Mulher Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores CNQMTCUT ações como a campanha Cidadania igualdade de oportunidades na vida no trabalho e no movimento sindical que teve forte repercussão em Vitória e em todo o Estado seminários regionais sobre a valorização do trabalho feminino a elaboração de uma cartilha para orientar o desenvolvimento dos trabalhos nos sindicatos cartazes adesivos e vídeo sobre as mulheres trabalhadoras transmitidos pela Tevê dos Trabalhadores TVT O principal objetivo da campanha era sensibilizar o movimento sindical para a necessidade da luta pela eliminação das desigualdades salariais e de qualificação profissional entre homens e mulheres e sensibilizar as trabalhadoras para a sua condição de gênero no mercado de trabalho e sua participação sindical Além da preocupação com as desigualdades no mercado de trabalho o combate à violência contra a mulher também fazia parte das reivindicações das feministas devido aos exorbitantes casos de violência ameaças de morte agressões físicas e estupros que ocorriam nas cidades No sentido de cobrar ações políticas do Estado do Espírito Santo o Conselho Estadual da Mulher formado por vinte e duas integrantes representando as Secretarias de Governo e o movimento organizado no dia 22 de novembro de 1995 lançou a campanha de combate à violência contra a mulher envolvendo várias ações de caráter permanente como palestras distribuição de cartilhas cartazes e outdoors Em 1997 em comemoração ao Dia 8 de março foi entregue ao então governador Vítor Buaiz o documento Estratégias de Igualdade um plano de ação que reunia propostas concretas para o cumprimento das resoluções aprovadas na Conferência Mundial Plataforma de Ação realizada na China em 1995 44 Dividido em oito temas67 que tratavam de reivindicações de melhoria de vida para toda a população o documento também foi entregue ao então presidente Fernando Henrique Cardoso O movimento feminista capixaba também construiu plataformas de ação para candidatos e candidatas buscando convencer as mulheres da importância de se candidatar Em 1998 as feministas participaram ativamente das eleições embora segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral no Espírito Santo não tenha sido preenchida a cota mínima de mulheres68 A conquista da política de cotas para as mulheres nos espaços de poder somente foi possível com a consolidação da democracia no Brasil Foi um passo importante dentre as inúmeras tentativas de superação das desigualdades69 Mesmo assim o movimento feminista capixaba continuou a reivindicar novos espaços na política e expandiu enormemente o entendimento sobre a função da mesma O interesse de milhares de mulheres não apenas auxiliou na abordagem de 67 Os temas são combate à pobreza reivindica facilidade de acesso a financiamentos para microempresas ou cooperativas e para compra de casa própria pleiteia a obrigatoriedade de instalação de creches para crianças de até seis anos de idade em empresas com mais de cem funcionários acesso ao poder defende a cota mínima de 30 de candidatas mulheres por partidos políticos também nas eleições estaduais e federais já que a lei só é válida para eleições municipais saúde reivindica a descriminalização do aborto e instalação de unidades públicas conforme o Código Penal prevenção e combate à violência solicita agilidade no Congresso para que o estupro transformese em crime contra a pessoa pois ele é considerado crime contra os costumes com penas mais brandas educação reinvidica prioridade para mães adolescentes nas bolsas de estudo e vagas nos cursos noturnos meios de comunicação propõe a criação de uma central que noticiasse em jornais revistas rádios e televisões informações sobre as mulheres mecanismos institucionais recomenda a criação de Conselhos dos Direitos da Mulher em todo o país e pelo menos uma coordenadoria em cada município e direitos humanos o plano dá ênfase aos programas de combate ao trabalho infantil à pornografia infantojuvenil e ao abuso sexual Publicação do Fórum Estadual de MulheresES Estratégias de Igualdade Vitória 1997 68 Foram 24 candidatas à Assembléia Legislativa e 292 candidatos do sexo masculino perfazendo um percentual de somente 759 Para a Câmara Federal foram onze candidatas representando 1447 de mulheres dos 65 candidatos 69 JONAS Eline Participação Políticas e Empoderamento das Mulheres ir além da política de cotas a mixitude e a democracia paritária In Presença da Mulher São Paulo Anita Garibaldi Ano XVI N 472004 45 problemas vitais para a sociedade como um todo mas também a expandir a perspectiva sobre as possibilidades da cidadania e das relações de gênero Pistas importantes para o alcance dessas possibilidades são oferecidas quando se observa a sutileza do movimento feminista sobre a ação dos políticos capixabas Questões foram levantadas a respeito da presença feminina nos trabalhos comunitários na expansão do ativismo nos conselhos partidários e da inserção da mulher no mercado de trabalho com o intuito de se melhorar as práticas políticas desenvolvidas pelo poder público O ambiente democrático que se instalou no país após o fim da Ditadura Militar propiciou ao movimento feminista influenciar as decisões do poder legislativo que após tantos anos de repressão se tornou receptivo às reivindicações da sociedade organizada E em Vitória as atividades femininas que se constituíram em formas políticas importantes em si mesmas basicamente nãoeleitorais mas classificadas como comportamento coletivo puderam exercer alguma pressão sobre as organizações dominantes propiciando uma ampliação da compreensão sobre a importância da mulher na sociedade Contudo observase que as desigualdades de gênero permanecem em vários aspectos das decisões políticas do poder legislativo apesar da visibilidade que o movimento feminista conferiu às mulheres capixabas após os anos 1970 2 TOPONÍMIA MEMÓRIA E PODER REGISTROS PARA SEREM LEMBRADOS Apesar de os avanços e as conquistas femininas se darem em vários setores sociais proporcionados prioritariamente pelo movimento feminista de modo geral nos 46 últimos 30 anos do século XX alguns fenômenos sociais ainda ficaram sob a influência de atitudes que permeiam o comportamento e os valores sociais masculinos A divisão das tarefas domésticas e o cuidado com as crianças por exemplo ainda ficarão por muito tempo sob a responsabilidade das mulheres E fora do lar também esta cultura não sofreria abalos relevantes E este é o caso do já arraigado costume que permite a predominância de nomes de personagens masculinos nos logradouros70 de Vitória em que está implícita a conservação da discriminação feminina no ato de se eleger um personagem masculino na perpetuação da memória histórica da população capixaba Muitos são os personagens masculinos da sociedade local que estão presentes na história e na memória do povo por meio dos logradouros públicos da cidade A história da toponímia71 de Vitória não mostra muitos nomes de personalidades femininas batizando os logradouros Como uma ciência multidisciplinar a toponímia também permite que se possa averiguar por meio da compreensão do sentido dos nomes dos logradouros públicos de Vitória uma confirmação da discriminação de gênero no ato de poder da escolha das pessoas a serem homenageadas A prática de nomear os logradouros está inteiramente ligada à memória de uma cidade Assim toda a rede de nomes distribuídos nos logradouros de uma cidade forma um conjunto de dados para a composição da sua própria memória Mas estes nomes não são escolhidos fora do alcance do sistema de poder local Ao contrário reflete a correlação de forças que o mantém 70 Logradouro referese à denominação genérica de locais de uso comum destinados ao trânsito ou permanência de pedestres ou veículos Ele pode ser uma rua avenida praça parque viaduto beco calçada travessa ponte escadaria alameda passarela e áreas verdes de propriedade pública municipal Com a universalização da urbanização foram entrando em sua totalidade na esfera das obras públicas Por isso no Brasil praticamente não se desvincula o logradouro da sua variedade pública porque os termos acabaram se tornando seu sinônimo Os logradouros privados por serem também obras de uso coletivo no Brasil são generalizados como condomínios porém não públicos 71 Do grego topos lugar e onyma nome a Toponímia é a ciência que estuda o significado dos nomes dos lugares acidentes geográficos povoações logradouros cidades estados e países A toponímia é o estudo lingüístico histórico geográfico e arqueológico dos nomes de lugares 47 21 MEMÓRIA E PODER As classes sociais que protagonizam a luta pelo poder não se descuidam da importância que a recordação ou o esquecimento possuem como elemento de disputa A memória coletiva tanto como a individual pode ser manipulada e censurada voluntária ou involuntariamente Le Goff lembra que tornaremse senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes dos grupos dos indivíduos que dominaram ou dominam as sociedades históricas até mesmo os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva72 Concebendo os monumentos como algo similar aos documentos que tecem a memória coletiva e esta na sua forma científica sendo a própria história para o autor monumentodocumento é tudo aquilo que pode evocar o passado perpetuar a recordação como se fossem atos escritos No viés desse raciocínio o logradouro é obra feita para transcender a sua dimensão meramente física e uma vez criado deve também conter em si elementos simbólicos projetados para a posteridade É assim que a obra deixa de ser uma construção com fins estritamente utilitários para agregar valor como um monumento reverencial Mesmo antes da existência da escrita os agrupamentos humanos tinham formas próprias para manter viva a memória coletiva a fim de que ficassem preservados os conhecimentos sobre a idade e origem do grupo o prestígio das famílias dominantes e os segredos das fórmulas da magia religiosa Depois já na civilização da Mesopotâmia vieram monumentos na forma de colunas obeliscos lápides e outros por meio dos quais se pretendeu imortalizar os feitos reais e mesmo as homenagens fúnebres Ao longo dos tempos as civilizações espalhadas por todos os cantos do mundo empreenderam diferentes ações no sentido de assegurar e desenvolver a criatividade no ofício de salvaguardar as lembranças e recordações A denominação 72 GOFF Jacques Lê História e Memória 3 ed São Paulo Editora da Unicamp 1994 p 426 48 de logradouros é uma dessas formas diferentes de preservação da memória de um povo mesmo que ainda persistam práticas sociais de cunho conservador e perpetuador de desigualdades No Brasil por exemplo a tradição lusitana de denominar lugares com nomes de origem religiosa de personalidades ou de acontecimentos históricos chegou junto com o colonizador No ato de descobrimento das terras americanas pelos portugueses o primeiro monte avistado no sul da Bahia recebeu o nome de Monte Pascoal porque foi tomado como uma homenagem ao período da Páscoa celebrado pelos cristãos Os primeiros nomes recebidos pelo Brasil sofreram a influência religiosa Ilha de Vera Cruz Terra de Santa Cruz ou simplesmente Vera Cruz lavrado pelo escrivão Pero Vaz de Caminha sobre o nascimento das terras encontradas73 O poder de influência da Igreja se fez sentir em inúmeros lugares que igualmente receberam denominações religiosas o que acabou por se constituir numa tradição também brasileira Assim como se pode notar na nomenclatura de alguns estados brasileiros como São Paulo74 e Espírito Santo também se pode perceber a tradição de nomear municípios com nomes religiosos Só no Estado do Espírito Santo para citar alguns se encontram São Mateus Barra de São Francisco Anchieta Divino São Lourenço Santa Tereza Santa Leopoldina Santa Maria de Jetibá São Roque do Canaã São José do Calçado Bom Jesus do Norte e São Domingos do Norte A própria capitania do Espírito Santo quando o primeiro donatário Vasco Fernandes Coutinho aportou com sua caravela Glória no dia 23 de maio de 1535 recebeu esse nome em homenagem ao dia dedicado à terceira Pessoa da Santíssima Trindade75 Cabe destacar que diferentemente de outras capitanias como São Tomé Porto Seguro Ilhéus Itamaracá SantAna São Vicente que desapareceram 73 MORAES Neida Lúcia Espírito Santo histórias de suas lutas e conquistas Vitória Artgraf 2002 p 24 74 CAMARGO Luís Soares de História das ruas de São Paulo Grupo Plamarc Disponível em wwwdicionarioderuascombr Acesso em 24 jun 2006 A denominação da maior cidade brasileira São Paulo fundada em 25 de janeiro de 1554 é um tributo ao dia dedicado ao apóstolo Paulo Tratase de um costume ibérico refletindo o poder e a influência da Igreja Católica nas ações dos colonizadores portugueses 75 Sobre o assunto ver depoimento do Professor e Escritor Francisco Aurélio RibeiroIn Tratado Descritivo do Brasil em 1587 5 ed São Paulo CEN Brasília IN2 1987 p 22 49 ou então se tornaram apenas cidades a capitania do Espírito Santo manteve seu nome original quando se tornou província e depois estado76 Também a tradição de denominar logradouros com nomes de pessoas chama atenção e tornouse costume No caso do Espírito Santo alguns municípios homenageiam figuras históricas locais e até do exterior como Afonso Cláudio Alfredo Chaves Atílio Vivacqua Colatina Domingos Martins Jerônimo Monteiro Muniz Freire Pedro Canário Presidente Kennedy entre outros É importante destacar que dos 78 municípios do Estado do Espírito Santo apenas um tem nome feminino Colatina e é uma homenagem à esposa de Moniz Freire que foi governador do estado77 O que quer dizer que a homenagem não é à mulher por seus méritos e sim pelo fato de ela ter sido esposa de um personagem histórico Os nomes dados aos logradouros mais importantes em sua maioria são de pessoas que foram ligadas ao poder como presidentes governadores barões generais coronéis deputados próceres da representação política ou do poder Assim firmouse a tradição de se denominar logradouros com nomes extraídos da História História e poder estão presentes e até se confundem na formação de qualquer sociedade inclusive na brasileira Foucault78 revela que as manifestações de poder podem ser encontradas em todas as relações sociais por ser o poder resultado dessas relações O poder não é uma coisa não é um lugar não é algo que exista na natureza e para o autor ele não existe independente das relações sociais Logo é uma prática social e existem formas de exercício do poder que se desenvolvem paralelamente ao poder exercido diretamente pelo Estado Essas formas denominadas como micropoderes não deixam de estar articuladas 76 RIBEIRO Francisco Aurélio Pobre Vasco Jornal A Gazeta 20 de fevereiro de 2007 77 Moniz Freire era presidente estadual quando a vila de Colatina foi batizada como uma homenagem à sua esposa 78 FOUCAULT Michel Microfísica do poder Rio de Janeiro Edições Graal1988 50 ao Estado pois cumprem o papel de garantir a sua atuação e sua sustentação O poder na opinião do autor partiria do Estado para se prolongar até os mais baixos escalões da sociedade penetrando e se reproduzindo valendose de infinitesimais técnicas e mecanismos O poder teria uma existência própria e formas específicas Não há limites ou fronteiras para o poder porque ele não existe O que existe são práticas ou relações de poder onde ele é exercido é efetuado e funciona como uma máquina social disseminada por toda a estrutura da sociedade da qual ninguém consegue escapar O poder é luta é disputa é relação de força Mas Foucault tenta mostrar que não somente pela força pela repressão o poder pode ser exercido e diz que O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não mas que de fato ele permeia produz coisas induz ao prazer forma saber produz discurso Devese considerálo como uma força produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir79 Neste sentido as relações de poder podem ser encontradas nas mais diversas práticas sociais mesmo onde menos se poderia encontrálas Exemplo disso são os nomes de logradouros públicos de Vitória aqui estudados na perspectiva de estarem permeados por relações de poder exibindo a supremacia do homem em relação à mulher A existência do elemento de poder está no ato de escolha da nomenclatura Esse ato está de tal forma revestido de poder que é capaz de reproduzir uma desigualdade de gênero Não somente pela desfavorável quantidade de logradouros com nomes de mulheres frente ao elevado número conferido aos nomes masculinos mas também pela qualidade e valor dos próprios logradouros na vida da cidade que no caso de Vitória é bastante manifesto Para citar exemplos se aponta as principais avenidas ruas e praças que portam nomes de homens e ligados à história como as avenidas Jerônimo Monteiro Fernando Ferrari Américo Buaiz Adalberto Simão Nader Dante Michelini 79 Idem p 8 51 Mascarenhas de Moraes e Serafim Derenzi consideradas essenciais para o fluxo viário e atividades comerciais Da mesma forma se observa os nomes das praças Getúlio Vargas Costa Pereira João Clímaco Misael Penna e Ubaldo Ramalhete endereços tradicionais do centro histórico da cidade e das pontes Florentino Avidos Cinco Pontes e Castelo Mendonça Terceira Ponte que ligam a Ilha de Vitória ao continente brasileiro Uma importante reflexão acerca do poder histórico é feita por Balandier80 quando afirma que em todas as sociedades em diversos espaços e tempos o poder é um jogo dramático Nesse sentido o poder político comanda o real através do imaginário pois somente sob a força ou a violência não é possível conservar o poder Outros atributos como o cerimonial a manipulação de símbolos a produção de imagens são necessários para que o poder se realize e se conserve No caso específico da denominação de logradouros os nomes das pessoas ficam publicamente afixados em placas inscrevendose e perenizandose na história de sua cidade A escolha da nomenclatura dos logradouros públicos de uma determinada cidade não deixa de sacralizar os agraciados A sacralização segundo Balandier permeia o poder político em todas as sociedades até mesmo as contemporâneas pois o que está em jogo é uma herança pela qual o poder mantém os privilégios adquiridos Logo ressalta o poder procura sempre se inscrever no tempo e se pereniza através de obras que escapam à precariedade e dão à memória coletiva uma parte de sua materialidade81 Dessa forma a pretensão do poder é inscreverse definitivamente na história utilizandose de artifícios dos mais sutis Segundo o autor O poder revelase como algo colocado igualmente a serviço de todos mas é o guardião das desigualdades e de sua ordem revelase como produto da razão e da vontade coletiva mas é também filho do acontecimento procede do direito mas é ao mesmo tempo o gerador de um direito que assegura sua própria defesa 82 80 BALANDIER G O Poder em cena Brasília Universidade de Brasília1982 81 Idem 1982 p 242 82 BALANDIER 1982 p 121 52 Daí depreendese que Balandier 1982 entende o poder como elemento que pode perpetuar as desigualdades não obstante sua pretensão de se colocar a serviço de todos ou de ser visto como tal Os logradouros públicos são de todos Porém a masculinização de sua nomenclatura é a sua outra face a que expressa a guarda da ordem discriminatória A prática de dar nomes de pessoas aos logradouros fomentou uma tradição que ganhou tanta importância para a preservação de uma ordem favorável aos homens que eles os logradouros deixaram de ser simples equipamentos úteis à comunidade para se transformar em monumentos83 Nesse sentido Choay 2001 p 1784 diz que tudo que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer com que outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos sacrifícios ritos ou crenças chamarseá monumento O modo de atuar sobre a memória consiste na especificidade do monumento Mas não é a invocação de um passado qualquer Ao contrário ele é localizado e selecionado para fins vitais pois pode contribuir diretamente para a preservação da identidade nacional étnica ou familiar Seguindo esse raciocínio é possível dizer que o monumento cumpre a função de tentar combater a angústia da morte e do aniquilamento assegurando acalmando tranqüilizando conjurando o ser no tempo Em todas as sociedades dotadas ou não de escrita em todos os continentes sob múltiplas formas o monumento está presente assemelhandose a um universo cultural Inferese portanto que os logradouros públicos também são monumentos que rememoram realizações das pessoas que um dia contribuíram para a construção de uma localidade Também o monumento pode ser considerado como algo que remete ao desejo de perenização das sociedades no tempo de perpetuação da memória expressando 83 CHOAY Françoise A alegoria do patrimônio São Paulo Estação LiberdadeEditora Unesp 2001 Monumento no sentido original do termo trazido por Choay 2001 p 17 vindo do latim monumentum derivado de momere advertir lembrar aquilo que traz à lembrança alguma coisa Assim o autor destaca como essencial a natureza afetiva do propósito do monumento não se trata de apresentar de dar uma informação neutra mas de tocar pela emoção uma memória viva 84 Idem 2001 53 que o monumento tem como característica a perpetuação voluntária ou involuntária das sociedades históricas85 Os monumentos como um registro da memória possuem uma íntima relação com a cidade É na cidade segundo Várzea86 que o monumento é disposto para ser cultuado pois sobre ela exerce a sua autoridade A autora discute aí a relação entre os monumentos e a sociedade relação na qual o monumento aparece como um documento uma mensagem mnemônica Além de serem expressões artísticas os monumentos adquirem valor na esfera pública e seu sentido está na relação social considerando o caráter tanto documental como histórico Assim também acontece com a nomenclatura de logradouros pois logo que a placa com o nome de alguém é afixada nas ruas ficando publicamente visível adquire o seu próprio valor documental e histórico As pessoas agraciadas ao receberem do poder público as homenagens com a edificação de monumentos acabam por revelar o caráter da própria sociedade em que elas viveram Daí a possibilidade de se contar a história de qualquer lugar do mundo a partir da história dos seus logradouros As figuras agraciadas em cuja honra se erguem monumentos históricos e culturais são supostamente as merecedoras da representação Um traço comum em toda parte de todo o mundo é a predominância de pessoas públicas personalidades importantes e de destaque como os reis imperadores e políticos emprestando seus nomes próprios aos monumentos É uma característica presente em praticamente todas as sociedades Não há lugar no mundo que não tenha nome ou que pelo menos seja conhecido por alguma referência particularíssima O mundo é completamente palmilhado O surgimento das vilas e pequenas cidades chegando aos grandes conglomerados urbanos produziu a necessidade de identificação formal dos locais com 85 LE GOFF Jacques DocumentoMonumento In História e Memória Campinas Unicamp 1992 p 424 86 VÁRZEA Mariana Nunes Pereira Mulheres de bronze Dissertação Mestrado em História Social da Cultura Rio de Janeiro Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio 1995 54 denominações específicas e se possível inconfundível Estão multiplicadas por milhares ruas avenidas pontes praças travessas e outros logradouros O logradouro público por ser uma obra notória dificilmente se desvincula da sua natureza monumentalizante tanto para quem fica como responsável pela sua edificação como para quem ele pode servir de homenagem com sua denominação A nomenclatura de logradouros é adotada como uma forma importante de perenizar personalidades que de alguma forma prestaram serviços relevantes à sociedade conforme o entendimento dos que detêm o poder de fazer isso Pretende ser um reconhecimento e uma homenagem à dedicação de uma pessoa que em vida contribuiu para o bemestar e o desenvolvimento coletivo Este agraciamento coletivo e único perpetua o nome do beneficiado tornandoo sujeito histórico protagonista da história de seu tempo honraria que alcança os seus familiares O nome e o sobrenome dessa pessoa passam a fazer parte da memória coletiva da cidade E o que o homenageado representou em vida é incorporado à identidade da comunidade a qual ele serviu para receber o tributo Os homenageados com nomes nos inúmeros logradouros públicos são em seu conjunto a própria memória dos feitos e realizações da comunidade que ali se vê diante de si mesma Se a memória é um processo vivido conduzido por grupos vivos em evolução permanente e vulnerável a todas as manipulações como afirma Nora87 logo o logradouro é também um lugar de memória Permite a comunidade testemunhar seu próprio percurso ao ver seu passado presente nos bens que usa coletivamente A denominação do logradouro mais ainda permite que as pessoas agraciadas tenham seus nomes nas correspondências dos correios em anúncios comerciais nas listas telefônicas nas referências feitas pela imprensa enfim em tudo aquilo que passa a integrar o cotidiano da comunidade Passam mesmo a fazer parte da vida das pessoas 87 NORA M e P In DALÉSSIO Márcia Mansor Memória Leituras de M e P Nora Revista Brasileira de História São Paulo p 971031992 p 101 55 2 2 A TOPONÍMIA E A CIDADE DE VITÓRIA A cidade de Vitória seguindo a tradição lusitana de denominação dos lugares com origem religiosa teve seu primeiro batismo como Ilha de Santo Antônio o santo do dia em 13 de junho de 1535 Vasco Fernandes Coutinho havia desembarcado no continente mas não poderia deixar de notar a maior ilha do arquipélago e recorrer ao costume que trouxera da Europa para definir a denominação da sua posse Mas o que marcaria o início da conquista efetiva e povoamento da ilha de Santo Antonio foi sua doação para Duarte de Lemos através de uma Carta Régia assinada por D João III em 8 de janeiro de 154988 Doada em sesmaria a ilha Grande que está da barra de Vitória para dentro que se chama de Santo Antônio a qual a ilha dou fora forra e isenta para si e todos os seus herdeiros e descendentes89 Vasco Fernandes Coutinho transferia assim a sede da povoação que criara para a Vila Nova em anteposição à antiga Vila Velha90 Enquanto não ganhavam nomes definitivos os lugares da capitania ficavam conhecidos pelos nomes de seus proprietários pois estes detinham prerrogativa de determinar a nomenclatura A descrição de Gabriel Soares de Souza sobre o trecho do litoral onde foi erigida a capitania do Espírito Santo é uma comprovação da prática dos colonizadores de identificar os lugares pelos nomes dos seus respectivos proprietários A primeira ilha que está nesta barra se chama de D Jorge hoje Ilha do Boi e mais para dentro está outra que se diz de Valentim Nunes hoje Ilha do Frade mais para cima está a Ilha de Anna Vaz mais avante está o Ilhéu da Viúva e no cabo desta a Ilha de Duarte de Lemos hoje Ilha de Vitória onde está assentada a Vila do Espírito Santo a qual se edificou no tempo da guerra dos Goitacás que se apertaram muito com os povoadores de Villa Velha91 Embora exista uma versão de domínio público de que essa ilha já possuísse um 88 SANTOS NEVES Luiz Guilherme Doação da Ilha de Vitória Vitória Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo 2002 89 Idem p 10 90 Logo depois a ilha então denominada Vila Nova passou a ser conhecida pelo nome do próprio sesmeiro Duarte de Lemos Foi na Rua José Marcelino na Cidade Alta que nasceu o primeiro pouso capixaba o monumento mais antigo de Vitória Com a política oficial de preservação dos bens históricos no país Iniciada em 1937 a capela é tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional em 1946 91 MORAES 2002 p 5657 56 nome Ilha do Mel de origem tupi não existem registros confiáveis de que isso fosse verdadeiro92 A cidade inicialmente teve seu nome de origem religiosa Ilha de Santo Antônio várias vezes foi substituído93 Não há unanimidade de opiniões sobre a origem do nome Vitória Sabese que em 8 de setembro de 1558 o nome Vitória substituiu o de Vila Nova em homenagem a um acontecimento histórico importante do ponto de vista do colonizador a vitória sobre a população indígena que nela habitava A ocupação urbana de Vitória era praticamente insignificante e com feições nitidamente coloniais características que perduraram na cidade durante aproximadamente quatrocentos anos Várias foram as causas de uma transformação tão lenta de sua inexpressiva urbanização Entre elas são lembradas as dificuldades com ataques constantes de índios a ocorrência de epidemias causando inúmeras mortes e redução do ânimo dos sobreviventes os parcos recursos à disposição dos governantes o isolamento da capitania em relação ao restante do país a dificuldade ao acesso de mercadorias por mar a expulsão dos jesuítas em meados do século XVIII prejudicando a agricultura e a paz com os índios entre outras A toponímia capixaba no período quinhentista é análoga à toponímia de diversos estados brasileiros como São Paulo por exemplo Na obra de DICK 199366 é analisada a seqüência temporal da toponímia paulistana ressaltando que no quinhentismo os nomes dos rios e caminhos reais eram denominados majoritariamente com influência indígena dos tupi Em Vitória a toponímia tupi pode ser observada desde o início da colonização e muitos desses nomes foram preservados mesmo depois de séculos Para se ter uma idéia de acordo com Serafim Leite em 1552 Duarte de Lemos doou terrenos à Companhia de Jesus94 Este nome de origem tupi do bairro Jucutuquara percorrera até os dias atuais e Jucuitaquera significa em tupi pássaro do buraco da pedra 92 Idem 93 MONJARDIM Adelpho Vitória física geografia história e geologia 2 ed Vitória PMV Secretaria Municipal de Cultura e Turismo1995 94 SANTOS NEVES 2002 57 De maneira geral verificase que desde o primeiro século de colonização existe uma tendência de nomes predominantemente de origem indígena Afinal o colonizador ainda não conhecia bem o terreno onde estava e necessitada do conhecimento do nativo que por sua vez já tinha boa parte dos lugares devidamente denominados À medida que os portugueses foram se apossando do território conquistado ele ia renomeando os lugares sempre valorizando a aplicação de denominações de natureza religiosa Ao controlar o espaço apoderouse da toponímia capixaba Uma outra tradição em curso ainda mais universalizada era a de homenagear pessoas que se fizeram importantes até ali As figuras históricas passaram a dividir com os santos e divindades a nomenclatura dos lugares inclusive dos logradouros A imposição da nomenclatura dos brancos sobre a já existente dada pelos índios é parte integrante do processo de formação da nossa toponímia De acordo com Moraes95 os brancos com sua superioridade tecnológica impuseram aos índios sua língua religião e costumes Contudo sempre estiveram sujeitos à influência indígena que marcou de forma indelével a formação da sociedade brasileira Para a autora os topônimos de origem indígena crivaram a língua portuguesa com nomes de cidades nomes de ruas acidentes geográficos alimentos entre outros Como a denominação de lugares não deixa de ser objeto de manipulações e de poder qualquer opção pode se transformar numa controvérsia sobretudo em fases de transição de um costume para outro É ilustrativo o que se deu com o Padre Afonso Brás96 o primeiro jesuíta a chegar ao Espírito Santo Brás era também arquiteto e construiu em 1551 o Colégio São Tiago o primeiro do Espírito Santo Ergueu uma grande casa e igreja com mesmo nome local que abrigaria um seminário por mais de duzentos anos período em que ficou como a principal 95 MORAES Neida Lúcia Espírito Santo histórias de suas lutas e conquistas Vitória Artgraf 2002 p 68 96 O Padre Afonso Brás nasceu em 1524 em Portugal e veio para o Brasil na segunda leva dos jesuítas em 1550 Com ele se inicia verdadeiramente a vida urbana na Vila Faleceu no Rio de Janeiro em 1610 Sobre o assunto ver DERENZI Luiz Serafim História do Palácio Anchieta Secretaria de Educação e Cultura Divisão de Cultura Estado do Espírito Santo 58 referência capixaba de educação O espaço privilegiado dessa obra serviria por muito tempo também para outras atividades inclusive as políticas de administração do Espírito Santo e mesmo depois na época provincial e republicana De acordo com Balestrero97 o pioneiro Padre Afonso Brás depois de tantos e relevantes serviços prestados ao início da colonização capixaba não foi recompensado como merecia pelo povo capixaba como iniciador de nossa catequese representada pelo Colégio de onde se irradiaram todas as luzes que iluminaram nosso progresso através dos séculos Segundo o autor a única homenagem que havia sido ofertada ao padre era a denominação da praça que fica ao lado do edifício construído por ele A praça Afonso Brás viraria praça João Clímaco e os motivos foram as influências das idéias adiantadas então fermentadas nos espíritos contra os jesuítas que eles diziam terem apenas procurado enriquecer à custa do seu apostolado afirma Novaes Para Balestrero esse ato de poder foi uma ingratidão sobre a memória daqueles que em um ou outro setor de atividades se sacrificaram pela causa coletiva e lamenta o fato de os dois primeiros apóstolos da nossa civilização Afonso Brás e Brás Lourenço serem nomes de apenas dois logradouros secundários o mesmo ocorrendo com outros eminentes homens públicos humanitários clínicos parlamentares dos mais renomados e políticos de real prestígio pertencentes a ilustres famílias capixabas que não possuem um logradouro em Vitória com seu nome98 Os registros feitos por Balestrero e Novaes confirmam que vem de longe a idéia de que a nomenclatura de logradouros se constitui em uma forma de perpetuação da memória e é um registro para ser lembrado Um logradouro devidamente nomeado é de fato um documento histórico é monumento é memória e é também um elemento a mais no processo cultural de aprendizado para as futuras gerações Ao contrário de São Paulo onde os estudos da toponímia estão mais avançados em Vitória não é possível observar com mais precisão os períodos que podem ser 97 BALESTRERO Herivaldo Lopes A obra dos jesuítas no Espírito Santo Sinopse Histórica Viana Estado do Espítio Santo1979 p 25 98 Idem 59 considerados como formadores da nomenclatura dos logradouros De acordo com Dick99 o setecentismo paulistano foi marcado pela decadência das bandeiras e retorno dos sertanistas Com isso as nomenclaturas espontâneas retiradas de elementos ambientais descritivos e associativos com inspiração religiosa histórica e étnica passaram a predominar No século XIX marcado por transformações e inúmeras modificações nas cidades o surgimento da Cidade Nova provocou a evolução da nomenclatura impondo um conjunto de nomes substituindo a maioria da designação mameluca Por seu turno Vitória devido às peculiaridades regionais desde a colonização até o século XIX ficou restrita às áreas centrais Essas eram compostas por 17 zonas ou bairros a saber Praia Comprida Santo Antônio Moscoso Forte São João Capixaba Jucutuquara Cidade de Palha atual Vila Rubim Maruípe Muxinga Mulembá Gurigica casario de Caratoíra Constantino Bomba Suá e as ilhas de Santa Maria e do Príncipe Excetuando o centro local que deu origem à cidade muitos desses bairros surgiram sem o mínimo planejamento e infraestrutura100 Foram feitos aterros e loteamentos para que pudessem ser oferecidas as possibilidades de habitação Não raramente a população foi lançada à ocupação de espaços absolutamente inadequados à moradia e a um mínimo de organização institucional como no caso das favelas de palafitas que caracterizaram Vitória Elton101 revela que não havia em Vitória nenhum sistema de regulamentação ou de serviço de emplacamento de logradouros até o ano de 1888 As ruas becos escadarias e demais logradouros não possuíam indicações e tampouco denominação oficial A própria população muitas vezes improvisava nomes para os logradouros a fim de melhor se orientar e firmar pontos de referência na cidade A chegada da Corte Portuguesa ao Brasil em 1808 foi um fator preponderante para que se tomassem medidas no sentido de se denominar ruas e numerar casas em 99 DICK Maria Vicentina P do Amaral A ciranda dos nomes na toponímia de São Paulo Cadernos de História 1993 p 6171 100 ELTON Elmo Logradouros antigos de Vitória Vitória Instituto Jones dos Santos Neves 1987 101 ELTON 1987 60 todo o Brasil Em São Paulo por exemplo isto se deu a partir de 1809 pelo ofício do ouvidor da comarca que determinava aos vereadores que registrassem as denominações das ruas em placas e numerassem as casas Caso isto não fosse realizado não seria possível controlar o pagamento das taxas e os impostos cobrados aos moradores As denominações populares em sua maioria foram sendo substituídas pelas nomenclaturas instituídas pelo governo municipal É claro que o próprio crescimento das cidades por si impôs essa necessidade Entretanto segundo uma outra motivação que se fez imperativa foi a necessidade da cobrança de impostos e um controle mais efetivo da população por parte do governo102 Na cidade de Vitória em 1854 a Câmara Municipal tomou medidas para que as casas da cidade fossem enumeradas e as ruas nominadas com identificação nas esquinas Tais procedimentos foram iniciados em 1857 Contudo somente em 1888 quando Américo Fernandes Cunha e Manuel Antunes Gomes propuseram pessoalmente na sessão da Câmara Municipal o emplacamento e numeração das ruas e prédios da cidade realizouse efetivamente o serviço Porém a exigência de que se colocassem placas em todas as ruas becos travessas e cais somente foi implementado com o Decreto nº 65 de 8 de julho de 1899 Os proprietários dos prédios urbanos deveriam pagar 5000 cinco mil réis pela numeração de seus imóveis mas ainda assim nem todos os logradouros públicos oficiais receberam denominações103 Importante ressaltar que no governo de Moniz Freire 18921896 foi elaborado o primeiro plano de urbanização da cidade de Vitória pelo engenheiro sanitarista carioca Saturnino de Brito O projeto conhecido como Novo Arrabalde104 previa a ocupação da região nordeste da ilha que compreendia os bairros Praia do Canto Praia do Suá Praia de Santa Helena Bento Ferreira e Jucutuquara A meta era sextuplicar a área ocupada de Vitória e visava transformar a capital no maior centro 102 CAMARGO Luis Soares História das ruas de São Paulo Grupo Plamarc Disponível em wwwdicionarioderuascombr Acesso em 24 jun 2006 103 ELTON Elmo Logradouros antigos de Vitória Vitória Instituto Jones dos Santos Neves1986 104 O projeto conhecido como o Novo Arrabalde tinha paralelo à sua meta a idéia de ordem e de progresso influenciado pelo positivismo da época Confirmando a influência nesse projeto urbanístico constava uma importante avenida com seu nome préestabelecido Ordem e Progresso O segundo projeto de urbanização de Vitória denominado Vitória do Futuro só viria após 100 anos em 1996 Sobre o assunto ver CAMPO JÚNIOR Carlos Teixeira de O novo arrabalde Vitória PMV Secretaria Municipal de Cultura e Turismo 1996 61 populacional e comercial do Estado Entretanto o Novo Arrabalde não foi colocado em prática em seus primeiros anos ficando relegado a um segundo plano ou seja foi engavetado por sucessivos governos que não o consideravam importante e por isso avaliavam mais razoável urbanizar as áreas centrais da cidade que já possuíam uma infraestrutura mínima Somente em 1938 na gestão do Prefeito Américo Poli Monjardim é que muitos logradouros passariam a receber denominações Era uma época na qual a nomenclatura preferencial privilegiava personalidades ligadas à política local e acidentes geográficos do estado do Espírito Santo Contudo não se afastou por completo a tradição anterior de se recorrer aos nomes de santos santas pessoas públicas e palavras indígenas para batizar bairros novos Por este tempo o centro de Vitória passava por uma remodelação com as ruas antigas sendo alargadas e novas ruas abertas Boa parte das construções de estilo colonial que predominavam no antigo centro foram demolidas As avenidas ganhavam pavimentação e surgiam os edifícios públicos mercados os primeiros conjuntos habitacionais e teatro105 O período de 1900 a 1940 foi marcado pela realização de inúmeras obras que seriam responsáveis pela expansão ao sul do centro da cidade rumo ao bairro Santo Antônio e ao norte na direção de Jucutuquara Praia do Suá e Praia do Canto Outras realizações nesse mesmo período são importantes destacar a formação do tecido urbano da capital como início da implantação do projeto Novo Arrabalde obras de aparelhamento do Porto de Vitória para exportação do café implantação dos serviços de água drenagem e limpeza pública inúmeros aterros retificação e ampliação das ruas do núcleo antigo de Vitória instalação do bonde elétrico com a ampliação da linha ligando Santo Antônio até Praia do Suá e a implantação da linha circular ligando a cidade alta à baixa além da construção da Ponte Florentino Avidos ligando Vitória à Ilha do Príncipe e ao Continente 105 SALETTO Nara Trabalhadores nacionais e imigrantes no Espírito Santo 18881930 Vitória Edufes1996 62 De 1940 a 1960 verificase a ocupação do maciço central da região de Santo Antônio com a formação do bairro Santa Tereza Paralelamente promoveramse aterros importantes para a ocupação urbana que avançava sobre o mar Contudo não havia uma estrutura de códigos e outras legislações regulatórias que pudessem manter um funcionamento satisfatório das atividades da cidade em pleno crescimento O Código Tributário de 24 de abril de 1954 não era específico pois além de definir normas para a denominação de logradouros também versava sobre obras e posturas E o único instrumento com o qual contava a Prefeitura de Vitória durante as transformações que vinham ocorrendo na capital e logo se tornou superado já que não dava conta de regular as múltiplas atividades de uma cidade que construía e modernizava seu equipamento portuário principal escoadouro da economia cafeeira do Estado do Espírito Santo Em primeiro de agosto de 1959 contudo o artigo 66 do Código passaria por uma modificação No que diz respeito aos logradouros impôs condicionamentos às nomenclaturas ao estabelecer sob nenhum pretexto se darão a qualquer logradouro público nomes de pessoas vivas nem será permitida a substituição de denominação dada por lei A alteração também passou a prever que as novas denominações respeitariam tanto quanto possível a tradição local tendo preferência para denominação sobre quaisquer outros vocábulos tupiguaranis Código Tributário 1954 O Código de 1954 permaneceu durante muito tempo sem que nova legislação alterasse a delimitação de nomes de logradouros apenas para pessoas já falecidas106 Esse dispositivo é a indicação de que antes desse Código era da própria população a iniciativa de nomear as ruas possuindo sempre o nome escolhido algum significado que se tornasse referência ou era homenagem às pessoas ainda vivas e convivendo em seu meio Exemplo disso citase a atual Escadaria Bárbara Lindenberg que no seculo XVII ao tempo do Colégio dos 106 É interessante ressaltar que o ato de dar nomes de pessoas aos logradouros exige uma pequena biografia por escrito como justificativa e é acompanhada de uma defesa oral na tribuna onde o vereador autor da propositura recorre a uma retórica contendo certa dramaticidade a fim de convencer a comunidade e o conjunto dos vereadores de que de fato aquela pessoa agraciada é merecedora da homenagem 63 Jesuítas chamouse Ladeira Padre Inácio fundador da Companhia de Jesus Depois mudou de nome para Ladeira das Colunas e após a visita de D Pedro II ao Espírito Santo em 1860 passou a se chamar Ladeira do Imperador Embora tenha novamente mudado de nome para Bárbara Lindenberg segundo Elton107 o povo continua a chamarlhe de Escadaria do Palácio Pacheco na obra Os Dias Antigos reforça essa assertiva quando cita a Rua Santa Casa como uma indicação do logradouro onde situavase a Santa Casa de Misericórdia Tudo o mais era uma vegetação cerrada a cobrir os morros que cercavam a capital além do mar que trazia as suas águas por todo o Moscoso inundando o mangue que se estendia até o Quartel e a rua do norte espalhandose ainda até a rua da Santa Casa108 A ocupação da parte continental de Vitória onde foram instalados o Aeroporto e o complexo portuário de Tubarão ocorreu entre os anos de 1960 e 1970 Foram criados os bairros Goiabeiras Bairro de Fátima e Jardim da Penha e houve a implantação dos Grandes Projetos Industriais que trouxeram para Vitória a administração de indústrias do porte da Companhia Siderúrgica de Tubarão e a ampliação da Companhia Vale do Rio Doce Nesse processo a região continental norte da ilha foi sendo estruturada como nos moldes do Novo Arrabalde A ampliação do Porto de Tubarão possibilitou a criação de infraestrutura para a urbanização da região norte da cidade até então despovoada109 A implementação dos Grandes Projetos Industriais após os anos 1970 além de marcar uma nova fase no ciclo de expansão industrial capixaba teve um grande impacto econômico social e ambiental em todo Estado e não somente na região metropolitana conhecida por Grande Vitória110 Contudo a cidade de Vitória foi a localização que maior impacto sofreu uma vez que recebeu milhares de pessoas que vieram de outras localidades do estado e de 107 ELTON 1986 108 PACHECO Renato José Costa Os dias antigos Vitória EdufesSecretaria Municipal de Cultura1998 p 15 109 NADER 2003 110 FRANCO Sebastião Pimentel HEES Regina Rodriques A República e o Espírito Santo Vitória Multiplicidade 2003 64 outras regiões do país para trabalhar no mercado que se abria com a implementação dos grandes projetos além de novos bairros que foram surgindo para abrigálas Dependente secular da monocultura e da exportação do café em menos de uma década passa a se integrar ao desenvolvimento nacional e internacional desenvolvendo uma nova dinâmica industrial ligada a investimentos estaduais e estrangeiros potencializando uma diversificação econômica Vitória continuou se expandindo destacandose a ocupação do lado leste do maciço central da Ilha sendo ampliados os bairros Joana Darc São Cristóvão Tabuazeiro e Fradinhos Também vários aterros foram concluídos inclusive o que ligou a capital à Ilha do Príncipe onde foi instalada a nova rodoviária e feita a construção da segunda ligação da ilha ao continente Surgem também o loteamento Floresta da Ilha e São Pedro I As Ilhas do Boi e do Frade foram incorporadas ao tecido urbano da cidade e dáse a abertura do loteamento Mata da Praia e a ocupação de áreas no limite sul do Aeroporto Os traços rurais da capital foram em curto período perdendo suas características com a elevada migração que contribuiu para o proliferamento de favelas e outros problemas sociais urbanos111 A migração rural composta de pessoas desempregadas e de mãodeobra desqualificada aglomerouse em áreas periféricas sem o mínimo de infraestrutura necessária a uma vida digna gerando concentração de pobreza e desassistência pública A população do município iria duplicar os seus 159 mil habitantes de 1970 com a criação dos bairros Nova Palestina Resistência Redenção aglomerados da Grande São Pedro Grande Resistência Grande Vitória Estrelinha Inhanguetá e Nossa Senhora Aparecida completando a parte insular da capital capixaba fechando o anel em torno do maciço central Além dessa região popular surge paralelamente o bairro Maria Ortiz na parte continental da cidade e se ampliam os bairros Jardim da Penha República Goiabeiras e Jardim Camburi Todo este adensamento populacional passou a demandar do poder público urgentes ações de serviços e 111 SIQUEIRA Maria da Penha Smarzaro Industrialização e empobrecimento urbano o caso da Grande Vitória 19501980 Vitória Edusp2002 Sobre o assunto ver também BANCK Geert Dilemas e símbolos estudos sobre a cultura política do Espírito Santo Cadernos de História Vitória Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo n13 p19251998 65 obras Novos bairros ensejaram novas ruas avenidas praças e demais logradouros que se multiplicaram às centenas E novamente aí se repetiria o processo toponímico primeiro os nomes dos lugares são fixados informalmente pela população que os convertem em referência de localização e depois com a ação organizada do poder público passam a ser formalmente denominados com a utilização de nomes de pessoas julgadas importantes para tal fim Como uma imposição do ordenamento urbano que se fazia premente foram tantos os logradouros batizados que isso se transformou numa das principais ocupações dos vereadores Sobretudo no período que compreendeu o Regime Militar fase em que foram limitadas as prerrogativas dos edis levandoos à dedicação desta atribuição legal 66 23 TOPONÍMIA E PODER EM VITÓRIA O Poder Executivo Municipal é o órgão que decide a escolha da nomenclatura dos logradouros e com o crescimento urbano esse serviço ganha relevo como um dos mais importantes da municipalidade Tão importante que a definição do nome do logradouro público se dá na forma de uma lei ordinária debatida votada e aprovada na Câmara Municipal Isto está previsto na principal legislação do município que é a Lei Orgânica de Vitória Elaborada através de um processo constituído em 1990 na seqüência da feitura das constituições federal e estadual a Carta Magna Municipal dá aos vereadores e ao prefeito a prerrogativa para definirem os nomes novos e mudarem os já existentes O processo legislativo na Câmara Municipal é todo previsto em seu Regimento Interno que disciplina do início ao final a tramitação da matéria que vai resultar no nome dos logradouros O processo é iniciado por um projeto de lei normalmente proposto por um dos 15 vereadores da capital capixaba Também o prefeito pode enviar mensagem à Casa de Leis fazendo a propositura Uma outra forma está prevista na Lei Orgânica de 5 de abril de 1990 em seu artigo 92 que trata dos projetos de iniciativa popular112 Apresentado o projeto com seu texto enquadrado nas normas regimentais inclusive com a justificativa assinada pelo autor ou autores a matéria começa a tramitar Inicialmente o projeto é lido no horário de leitura dos expedientes que chegaram a Câmara Municipal e despachado pelo presidente da sessão à Comissão de Constituição e Justiça Lá é escolhido um vereador para relatálo e seu parecer deve tratar exclusivamente da constitucionalidade ou não da proposição Esse parecer fica sujeito a emendas que podem ser apresentadas por outros integrantes da comissão Dentro dos prazos estabelecidos para a tramitação do projeto dentro da comissão ele é finalmente submetido à votação 112 Lei Orgânica do Município de Vitória SUBSEÇÃO IV Da Iniciativa Popular p 38 Art 92 Fica assegurada a iniciativa popular na elaboração de leis através de proposta subscrita por no mínimo cinco por cento do eleitorado da cidade região ou bairro conforme a abrangência da proposição 1 Os projetos de iniciativa popular deverão ser apreciados pelo Legislativo no prazo de sessenta dias a contar da data de sua entrega ao Legislativo 2 Fica garantido o acesso das organizações patrocinadoras da iniciativa popular de lei ao Plenário e Comissão da Câmara de vereadores com direito a voz durante a tramitação do projeto 67 Aprovada a constitucionalidade do projeto com o nome de um logradouro no âmbito da Comissão de Constituição de Justiça este segue imediatamente para a Comissão de Finanças a fim de verificar se haverá ou não custo para a sua implementação A Constituição Federal113 proíbe que vereadores legislem sobre matéria que implique em aumento de despesas para o erário114 O mesmo procedimento se dá nessa comissão e de lá o projeto vai para a pauta de votação aguardando sua vez de ir ao plenário junto com outras dezenas de proposituras em tramitação O autor do projeto pode pedir Regime de Urgência mas há necessidade para subscrição de metade dos vereadores No caso de aprovada a urgência a matéria ganha prioridade sobre os demais projetos e entra logo na ordem do dia momento em que é finalmente levada ao debate e votação Mesmo quando já está em debate no plenário a proposta pode sofrer emendas cujos pareceres são colhidos com a suspensão dos trabalhos Aprovado o projeto propondo nome para um logradouro a matéria vai ao Prefeito que pode sancionar ou vetar o projeto Em ambos os casos a matéria volta à Câmara Municipal que fica com a incumbência de manter ou rejeitar a ação aposta pelo prefeito A última etapa é a publicação da aprovação no órgão oficial do Município e concluída a fase legisferante caberá à Prefeitura as providências que se seguem entre elas a de comunicar à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ECT a decisão tomada Comumente os autores dos projetos tomam a iniciativa de procurar familiares dos homenageados para comunicar a aprovação da matéria Noutros casos os autores vão até a comunidade beneficiada para confraternizar com o atendimento da demanda Os projetos dessa natureza que mais centralizam debates são aqueles que dizem respeito à mudança de nomes de logradouros ação que nunca dispensa polêmica Muitas vezes também é a própria comunidade que toma a iniciativa de definir antecipadamente o nome de um logradouro geralmente agraciando um antigo morador do lugar A reivindicação é então encaminhada à Câmara Municipal para que a idéia se transforme numa lei 113 Art 61 parágrafo 1º inciso II alínea b 114 De fato há uma pequena despesa no caso com os custos das placas Mas no texto da proposição não há nada que trate da sua afixação e trabalho que está às expensas da Prefeitura 68 As sugestões para a denominação de um logradouro podem partir das mais variadas fontes Às vezes são entidades diversas que realizam lobbies junto aos edis ora para homenagear um ecologista ora para tributar um atleta renomado ou um antigo militante de causas populares e sociais Há casos inclusive de procura de vereadores para homenagear alguém sem que ainda exista o próprio logradouro para isto A questão da nomenclatura de logradouros públicos diz respeito também ao tema da cidadania da qual está virtualmente excluído quem não tem seu endereço reconhecido e oficializado pois a falta de identificação dos logradouros públicos deixa o cidadão desprotegido principalmente os das áreas de morro e periferia quando seu imóvel não é localizado115 Não se consegue viver sem um endereço e têlo é tão fundamental que na carência de um formalmente constituído as pessoas improvisam uma alternativa De acordo com a Sedur quando o poder público fica ausente nesse caso a própria comunidade se organiza para arranjar uma solução mas isto acaba gerando bancos de dados diferentes em variados órgãos A denominação oficiosa tem dificuldades para ser reconhecida e pode resultar em prejuízo para a cidade como um todo Portanto estabelecer formalmente os endereços chega a ser prioridade das administrações Em Vitória por exemplo foi executado o projeto Endereço Cidadão em 2000 objetivando especificamente oficializar a numeração dos imóveis do município e nome dos logradouros públicos Para este fim uma empresa especializada foi contratada para a implementação da sinalização de toda a cidade Pelo contrato coube à empresa a concessão de uso de área pública para exploração do serviço de fornecimento instalação e manutenção do posteamento com as devidas placas indicativas oficiais dos logradouros A contrapartida foi a liberação para a exploração de publicidade pela referida empresa e é por isso que os nomes dos logradouros passaram a serem vistos ao lado de apelos publicitários em vistosas placas de identificação A empresa contratada afixou nos locais adequados placas mais destacadas que na prática deram maior projeção às pessoas homenageadas em sua maioria homens 115 Disponível em wwwvitoriaesgovbr Acesso em 17 mar 2006 Sedur Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Vitória 69 Até o ano 2000 Vitória contava com 1499 logradouros oficialmente nomeados sendo que destes 1155 eram com nomes de homens e apenas 256 com nomes de mulheres Outros 88 não tinham nomes de pessoas Já a população da cidade era composta por 5290 de mulheres contra 4709 de homens116 116 NADER 2003 70 3 A SUTILEZA DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO 31 DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NOS LOGRADOUROS PÚBLICOS DE VITÓRIA Nas três ultimas décadas do século XX as transformações na sociedade brasileira e particularmente na sociedade capixaba foram tantas que para muitos não fica fácil imaginar como era a época anterior Contribuíram para essas mudanças os mais diversos fatores entre eles a ação de inúmeros movimentos sociais organizados O movimento feminista por exemplo introduziu o debate sobre a autonomia das mulheres e do seu potencial de decidir e de escolher bem como foi importante para estimular denúncias das diferentes formas de violência contra as mulheres Além disso o movimento feminista enfrentou não só o comportamento masculino de agressão permanente às mulheres tratadas como um objeto de posse mas também a cultura machista expressa na forma de piadas cantadas assédio humilhações e estupro117 O movimento feminista como movimento social organizado produziu impactos em inúmeros setores da sociedade seja denunciando a opressão das mulheres e os mecanismos de sua subordinação na família assim como defendeu o direito feminino de expressar o seu desejo sexual inclusive separando o entendimento do que vem a ser maternidade e sexualidade O movimento feminista também transformou a vida das mulheres num processo de contínua busca por uma sociedade justa e democrática Embora muitos avanços possam ser registrados na longa luta das mulheres por emancipação ainda é possível observar que permanecem em nossa sociedade muitas discriminações de gênero sendo que algumas delas continuam encobertas 117 FARIA Nalu Org Sexualidade e gênero uma abordagem feminista São Paulo Sempreviva Organização Feminista SOF 1998 71 Neste sentido Bruschini e Sorj118 advertem que é preciso desvelar os sutis mecanismos sociais que estabelecem relações de gênero hierárquicas marcadas pela desigualdade Para esse fim são necessárias doses de muita perspicácia para perceber e desvendar cada discriminação que ainda permaneça encoberta E nesse sentido constatase uma discriminação não tão manifesta mas nem por isto menos importante que é o ato de nomear um logradouro público nas cidades Passando ao exame do banco de dados oficiais colhidos junto aos poderes públicos relativos ao período de 1970 a 2000 verificouse que o município de Vitória capital do Espírito Santo contava com 1499 logradouros públicos oficiais Deste total de logradouros 116377 possuíam nomes de homens e apenas 239 17 possuíam nomes de mulheres Os outros 976 não possuem nomes de pessoas Ao se observar a discrepância entre os nomes de homens e de mulheres nos logradouros públicos da cidade de Vitória até o ano 2000 constatase que os primeiros somam um percentual de 77 e as segundas compõem 17 Assim sendo por essa disparidade fica explicitada uma discriminação contra as mulheres pois há uma subrepresentação de seus nomes se comparados à pronunciada maioria de nomes de homens conforme se pode observar no gráfico 1 Gráfico 1 Percentual de nomes de mulheres e de homens nos logradouros públicos de Vitória 118 BRUSCHINI Cristina SORJ Bila Novos olhares mulheres e relações de gênero no Brasil São Paulo Marco Zero Fundação Carlos Chagas 1994 Nomes de Homens 77 Nomes de Mulheres 17 Outros Nomes 6 72 Boa parte dos logradouros foi denominada sob a vigência do Código de Posturas de 1954119 que não continha qualquer dispositivo explicitamente contrário aos nomes femininos Mas ele e também os que o sucederam jamais levaram em conta cuidados que fossem capazes de permitir que os nomes de mulheres fossem justapostos em igualdade de condições com os de homens Essa necessidade se imporia caso houvesse no conjunto da sociedade vozes que reclamassem uma legislação criteriosa quanto à questão de gênero De fato o Código de 1954 limitou se a poucas exigências num único artigo e um parágrafo Art 66 A denominação de logradouros públicos será determinada em lei e sua inscrição farseá obrigatoriamente por meio de placas afixadas em local conveniente Parágrafo Único Sob nenhum pretexto se darão as ruas praças avenidas ou jardins públicos nomes de pessoas vivas Contudo uma modificação no Código feita em 1959120 começou a estabelecer que nas novas denominações passariam a ser respeitadas tanto quanto possível as tradições locais dandose preferência para as denominações aos vocábulos tupi guaranis Aqui se observa a presença de um dispositivo legal que garantirá a manutenção da herança lingüística nativa como uma necessidade de preservação de valores culturais importantes É a lei sendo instrumentalizada para salvaguardar um patrimônio então ameaçado de desaparecer numa sociedade em mudanças A ausência de um mecanismo legal dessa natureza em relação à questão de gênero nunca foi objeto de preocupação dos legisladores apesar de a flagrante disparidade na quantidade de nomes masculinos em comparação com os femininos Ou seja mesmo sendo mais comum a prática de nomear os logradouros com nomes de pessoas a preocupação com a discriminação de gênero não esteve na mesma escala em que se verificou a apreensão relacionada à justa preservação da nomenclatura tupiguarani O gráfico 2 demonstra a superioridade dos nomes de pessoas sobre os outros 119 Lei n 351 de 2441954 capítulo 1 seção IV 120 Lei n 822 de 181959 73 Gráfico 2 Diferenciação da denominação de logradouros com nomes de pessoas e outros nomes Vitória 1970 à 2000 Os dados são a confirmação da tradição de nomear os logradouros com nomes de pessoas que no caso de Vitória alcança um percentual de 87 contra 13 para os outros vocábulos Ao se identificar a pequena representatividade de nomes de mulheres nos logradouros de Vitória antes de 1970 é presumível supor que essa esteja relacionada com o fato de os políticos serem à época quase que exclusivamente homens e que enxergavam especialmente em outros homens os méritos que justificassem a homenagem Inferese então que os logradouros por serem locais públicos culturalmente seriam de forma simbólica representados mais adequadamente por nomes de homens Afinal seriam eles a personificação do mundo público e do poder A esfera pública está de tal forma revestida de masculinidade que para penetrála a mulher fica sujeita a um processo de deturpação da condição feminina É que se percebe a aplicação de critérios masculinos para avaliar se as mulheres realmente são ou não merecedoras da homenagem 87 13 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Porcentagem Nomes de Pessoas Outros Nomes Denominação de Logradouros 74 Hunner adverte que se existe uma invisibilidade das mulheres na esfera pública devese questionar até que ponto esta esfera é realmente significativa ou o que essas atividades irradiaram sobre os papéis das mulheres na sociedade Para a autora é preciso investigar a gama total de experiência de vida das mulheres como por exemplo suas atividades suas funções seus problemas suas percepções e seus valores E que se deve ampliar a visão de que a história das mulheres seja exclusivamente uma história de protestos ou uma história de contribuidoras baseadas em mulheres famosas121 Compreendendo os logradouros públicos como lugares de memória remetemos à consideração da autora122 se toma o pensamento de Hunner quando afirma que os homens enquanto transmissores da cultura na sociedade incluindo aí o registro histórico veicularam aquilo que consideravam e julgaram importante Por outro lado a autora discorre que na medida em que os homens devotam maiores esforços à investigação da transmissão e ao exercício do poder as mulheres continuam a serem ignoradas historicamente negligenciadas sujeitas aos esteriótipos que perpetuam conceitos sobre a realidade elaborados por um grupo masculino dominante meras representações ou percepções de um construto parcial como se fosse a complexa totalidade social Esse juízo se aplica bem às mulheres de grandes feitos sem que no entanto houvesse por parte dos que detêm o poder o devido reconhecimento pelo menos no que se pudesse traduzir em nomes de logradouros na cidade de Vitória Mesmo assim não deixaria de ser uma tentativa de se encontrar mulheres que se ajustassem às categorias já existentes na história123 Até a década de 1970 as mulheres eram bem menos homenageadas com seus nomes nos logradouros em relação às três décadas posteriores conforme mostra o gráfico 3 121 HUNNER June E Emancipação do sexo feminino a luta pelo direito da mulher no Brasil 1850 1940 FlorianópolisEditora Mulheres Santa Cruz do Sul Edunic 2003 122 Idem 2003 p 14 123 Segundo Hunner Idem p 19 esta abordagem é relativa às mulheres de grandes feitos excepcionais do que a massa de mulheres na história 75 Gráfico 3 Homenageados nos logradouros públicos de Vitória antes de 1970 e de 1970 a 2000 Uma série de fatores poderia justificar a baixa representatividade de nomes de mulheres nos logradouros A cultura tradicional contudo é a que mais chama a tenção uma vez que socializa diferentemente meninos e meninas e porque de modo geral associa o homem ao público e a mulher ao privado às estruturas familiares rígidas e hierarquizadas e à cultura e aos costumes da sociedade brasileira que sempre impuseram às mulheres dificuldades em conciliar vida pública e vida privada Além disso a maioria das mulheres da geração anterior aos anos de 1970 não teve oportunidade de estudar apresentando níveis de analfabetismo superiores aos masculinos124 Essa época corresponde a um período em que a mulher capixaba ainda não havia entrado em massa no mercado de trabalho nem havia uma tendência crescente de promulgação de leis sobre logradouros públicos com nomes de mulheres O gráfico abaixo mostra que somente após os anos de 1970 dobrou o número de logradouros públicos com nomes de mulheres em relação aos 30 anos anteriores o que demonstra que a política de escolha de nomenclatura de 124 IBGE 2006 Síntese dos Indicadores Sociais 2006 Rio de Janeiro Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística p152 89 9 2 75 18 7 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Porcentagem Antes de 1970 1970 a 2000 Ano Nomes de Homens Nomes de Mulheres Outros Nomes 76 logradouros a partir desses anos homenageou um número maior de mulheres capixabas Gráfico 4 Crescimento das homenagens às mulheres por década 1940 a 2000 O aumento de logradouros vitorienses cujas nomenclaturas homenageiam mulheres pode estar relacionado diretamente à visibilidade que as mulheres ganharam com o impulso ao ingresso feminino no mercado de trabalho a partir dos anos 1970 Este impulso é fruto de uma combinação de fatores dentre os quais se destaca o aumento da escolaridade das mulheres o acesso aos métodos anticoncepcionais e mudanças nos valores relativos aos papéis e ao espaço destinado às mulheres fenômenos conquistados com as lutas do movimento feminista Contudo a maior presença de mulheres exercendo atividades produtivas no espaço público e o crescente nível de escolaridade superior ao masculino não foram capazes de reverter desigualdades na esfera do trabalho A partir do momento em que as mulheres conseguem empregarse no mercado de trabalho elas concentramse em espaços bastante diferentes daqueles ocupados pelos homens As mulheres são maioria entre as empregadas domésticas trabalhadoras na produção para o próprio consumo ou nãoremuneradas e servidoras públicas enquanto os homens se encontram proporcionalmente mais presentes na condição de empregados com ou sem carteira assinada trabalhadores que atuam por conta 0 100 200 300 400 500 600 1940 1950 1960 1970 1980 2000 Ano Década Freqüência 77 própria e empregadores125 Puppim126 revela que a força de trabalho masculina e feminina não se equaliza por outros fatores que não só o econômico como gênero e etnia Mesmo com o crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho brasileiro segundo o IBGE acerca da População Economicamente Ativa PEA feminina passando de 146 em 1950 para 387 em 1989 verificase uma sub representação de mulheres nos cargos de comando direção e gerência Esta comparação sobre o mercado de trabalho e o acesso minoritário de nomes de mulheres nos logradouros públicos da cidade de Vitória se justifica na medida em que considerado o tipo de logradouros onde as mulheres estão mais representadas na cidade algumas diferenças são evidentes Do total de ruas127 com nomes de pessoas encontradas no período de 1970 a 2000 141 homenageiam mulheres e 859 homenageiam homens As escadarias128 contam com 22 de nomes de mulheres e 776 de nomes de homens As praças129 e becos130 apresentam divisão próxima à anterior com percentual em torno de 20 para as mulheres e de 80 para homens A menor distribuição de nomes que homenageiam homens e mulheres é a das avenidas131 que contam com apenas 530 de nomes de mulheres e 9470 de homens Tal dado mostra que há uma maior discriminação quando se trata de um logradouro de maior importância para o comércio e o fluxo de pessoas e veículos como é o caso das grandes avenidas nas quais os homenageados desfrutam de prestígio equivalente à distinção conferida pelo endereço 125 Revista da II Conferência Nacional de Política para as Mulheres Textos e roteiros de discussão Conferências Municipais eou Regionais e Conferências Estaduais de Políticas para as Mulheres Secretaria Especial de Política para as Mulheres Governo Federal 2007 p 13 126 PUPPIN Andréa Mulheres em cargos de comando In BRUSCHINI Cristina SORJ Bila Novos olhares mulheres e relações de gênero no Brasil São Paulo Marco Zero Fundação Carlos Chagas 1994 p 13 Conforme dados de 1991 nos 300 maiores grupos privados nacionais somente 347 de mulheres ocupam cargos executivos de topo O percentual cai para 094 se consideradas as maiores estatais brasileiras e reduzse para 048 entre as 40 maiores corporações estrangeiras 127 RUA logradouro público destinado à via de rolamento de veículos com uma faixa por direção de tráfego 128 ESCADARIA via de pedestre em forma de degraus que dá acesso a áreas elevadas morros 129 PRAÇA espaço livre de uso público destinado ao lazer e convívio social entre pessoas de uma comunidade 130 BECO via de pedestre originada de ocupação irregular 131 AVENIDA via de rolamento de veículos que tem pelo menos duas faixas por direção de tráfego 78 Gráfico 5 Nomes de homens e de mulheres homenageados nos logradouros públicos Vitória 1970 a 2000 A ocorrência pode ser comprovada no exame das principais avenidas da capital Nelas de fato existem nomes femininos porém de motivação religiosa Três avenidas mais populares da cidade de Vitória são tributos a santidades católicas tais como Avenida Nossa Senhora da Vitória Avenida Nossa Senhora da Penha e Avenida Nossa Senhora dos Navegantes Logo do conjunto das maiores avenidas da cidade de Vitória três são tributos à santidades católicas e não propriamente à mulheres capixabas Conforme exposto nos capítulos anteriores os logradouros são nomeados por leis municipais cujos projetos seguem toda uma tramitação regulada pelo Código de Posturas e pelo Regimento Interno da Câmara Municipal Cada projeto deve conter obrigatoriamente e por escrito a sua devida justificativa na qual o autor da mensagem destaca os predicados da pessoa homenageada a fim de comprovar de forma convincente a justeza da sua proposição Nesse ponto o vereador ou o prefeito se esmera em salientar o que julga serem qualidades notórias da pessoa homenageada São raríssimas às contestações aos atributos expostos pelos autores em seus projetos nomeando logradouros pois tal 86 14 78 22 80 20 95 5 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Porcentagem Ruas Escadarias Praças e Becos Avenidas Logradouros com Nomes de Pessoas Nomes de Homens Nomes de Mulheres 79 procedimento é sempre recebido como uma manifestação de deselegância com os pares Por isso as justificativas dos projetos de lei proporcionam um levantamento qualitativo no que se refere às mudanças na sociedade vitoriense advindas do movimento feminista pois nelas está revelada a visão de sociedade de cada época À medida que as conquistas feministas foram se consolidando se percebe que a cada década ocorre um aumento do número de logradouros vitorienses com nomes de mulheres Certamente esse aumento se vincula à ininterrupta entrada das mulheres no mercado de trabalho aberto pela industrialização ocorrida no Estado após os anos de 1970 Mas numa análise das biografias das mulheres homenageadas com seus nomes nos logradouros vitorienses se constata que o movimento feminista interferiu não somente no aumento quantitativo mas principalmente na mudança simbólica dos atributos exigidos para se considerar uma mulher digna de uma homenagem como essa Nas décadas de 1970 1980 e 1990 os dados demonstram que a justificativa mais recorrente oferecida pelos vereadores da cidade de Vitória para homenagear as mulheres colocando seus nomes nos logradouros foi a condição de trabalhadora das homenageadas A maioria das trabalhadoras encontradas atua na área do magistério o que evidencia ser o magistério não apenas uma porta de entrada para as mulheres no mercado de trabalho mas também objeto de reverência para todos que pretendiam distinguir as mulheres que julgavam socialmente importantes 80 Gráfico 6 Profissões encontradas nas justificativas dos projetos de lei de logradouros públicos Vitória 1970 a 2000 Contudo por muito tempo esse tipo de valorização exprimia a idéia de que a função da professora não passava de algo complementar à função maternal da mulher Segundo Soares inicialmente o Estado do Espírito Santo pretendia que o trabalho do professor fosse missão e renúncia a Igreja um sacerdócio leigo e os empresários queriam a docilidade e dedicação que evitasse qualquer tensão para o rendoso negócio de difusão do conhecimento no ambiente escolar132 Essa associação entre professora e mãe era realçada justamente para adicionar ainda mais importância social à docente Por outro lado Silva133 ao dissertar sobre a feminização do magistério diz que a entrada das mulheres nesta profissão não foi uma doação do espaço dada pelos homens 132 SOARES Renato Viana Retrato Escrito a reconstrução da imagem dasos professorases através da mídia impressa 19451995 Vitória ITB 2005 p 45 133 SILVA Erineusa Maria As relações de gênero no magistérioa imagem da feminizaçãoVitória Edufes 2002 55 15 30 60 40 60 40 0 10 20 30 40 50 60 70 Porcentagem 1970 1980 1990 Ano Década Professora Filantropia Outras 81 Tampouco as mulheres ficaram satisfeitas ou concordaram pacificamente com a desvalorização salarial Ao contrário as mulheres representavam uma força social com potencialidade de imprimir mudanças na sociedade Prova disso está no fato de que as professoras primárias desde o final da década de 1950 já reivindicavam de forma organizada através da União das Professoras Primárias do Espírito Santo Uppes melhores condições de trabalho infraestrutura e tiveram que enfrentar e resistir estrategicamente a todo tipo de dificuldades como a distância e as péssimas condições do local de trabalho a resistência da família entre outros para garantir seu espaço no mercado de trabalho No entanto nas justificativas utilizadas pelos vereadores do período pesquisado não foi possível verificar predicados indicando ousadia força perseverança luta coragem e persistência que seriam próprios de uma jovem que sai de casa para morar longe da família vai para o interior do Estado onde tem que andar quilômetros a cavalo e em estradas de chão para trabalhar se sujeitando a toda sorte de intempéries e receber seu salário somente no final do ano letivo A natureza penosa da atividade do magistério de certa forma era incluída nas justificativas dos projetos homenageando professoras mas nenhuma menção se fazia à sua resistência e ao sacrifício pessoal imposto As justificativas passam a impressão de que os vereadores enxergavam nisso uma abnegação inerente às mulheres da educação pública algo parecido com sacerdócio Em sua pesquisa sobre a representação da mulher nos livros didáticos Pinto134 revela que de uma maneira geral nos textos e nas ilustrações dos livros há uma predominância de associação da mulher ao homem sobressaindo a imagem da mulher restrita ao espaço privado de cunho familiar como o casamento e as atividades domésticas Para a autora essa imagem fortalece a idéia de ausência das mulheres dos processos históricos predominando assim 134 PINTO Andréia Márcia A representação da mulher nos livros didáticos de História Dissertação Mestrado em História Programa de PósGraduação em Educação PPGE Universidade Federal do Espírito Santo Vitória Ufes 2001 181f 82 a imagem masculina do homem forte detentor do poder que participa ativamente da história ou quando são apresentadas o são freqüentemente associadas à idéia de sujeição em relação ao poder masculino reservando se à mulher o total esvaziamento de sua participação135 De tal modo na década de 1970 era comum o vereador justificar a propositura de uma homenagem desenhando um perfil da mulher do magistério vinculado à filantropia conforme se pode verificar abaixo foi professora prestou grande colaboração no aprimoramento dos conhecimentos de nosso povo sempre procurou prestar ajuda aos mais humildes colaborando sempre espontaneamente para as obras de filantropia A concepção de que a profissão de professora era uma vocação naturalmente ligada à maternidade e que nisso havia até algo de celestial também pode ser encontrada na justificativas que se segue Fez do templo sagrado da escola o relicário de suas aspirações nele pregou as suas doutrinas profissionais para jovens que depois já homens feitos em cursos superiores ou desenvolvendo atividades na vida pública os acompanhava nos noticiários relembrando datas e fatos de sua vida escolar e exultando de alegria nos seus triunfos A sua obra bendita teve repercussão até fora do Estado Esse é um relevante exemplo para relevar os lugares e os papéis sociais prescritos para os homens e para as mulheres A elas caberia ministrar a educação para depois acompanhar pela televisão e nos jornais o sucesso e o poder dos homens na vida pública Belotti136 em sua obra Educar para a submissão descreve como os meninos e as meninas vão desde o útero da mãe sendo educados para exercerem diferentes papéis na sociedade Segundo a autora durante milênios o homem foi o detentor do poder não suporta o pensamento de que este acabará com o fim de sua vida quer transmitilo a um outro ser semelhante a ele Quem tem o poder cobrese de prestígio erguese como um símbolo tem o direito e o dever de realizarse ao máximo dele se espera que se torne um indivíduo e é considerado por aquilo que há de ser Já das meninas ainda segundo a autora esperase que se tornem um objeto e são consideradas por aquilo que irá dar prevendo a renúncia pessoal para que o outro persiga o poder Além do que instituições como a escola também podem reproduzir 135 Preservase o nome do vereador e da homenageada privilegiando os perfis objetos da demonstração da mudança 136 BELOTTI Elena Gianini Educar para a submissão Tradução de Ephraim Ferreira Alves Petrópolis Vozes 1985 83 esses papéis utilizandose de jogos brincadeiras literaturas e histórias infantis que perpetuam uma imagem das mulheres de forma esteriotipada Disso se depreende que por mais que as mulheres tenham conquistado espaço no mundo do trabalho e apresentem níveis de escolaridade superiores ao dos homens permanece uma imagem feminina não condizente com a realidade Logo observase que nas justificativas dos projetos de lei sobre logradouros públicos também estão ali reproduzidos os papéis sociais esperados para um e outro sexo Diante do exposto se verifica que na década de 1970 as leis que nomeavam logradouros com nomes de mulheres homenagearam dentre as profissões citadas majoritariamente as professoras perfazendo num total de 55 justamente porque essas já estavam no mundo público Porém se pode encontrar outras profissões que também foram contempladas tais como comerciantes musicistas domésticas costureiras além de mulheres ocupadas nos ramos hoteleiro e imobiliário somando 30 Já as mulheres ligadas à filantropia totalizam 15 Precisamente em 1979 uma lei inusitada de autoria do vereador Claudionor Lopes Pereira viria confirmar que a mulher importante era exatamente a professora Sob o número 10079 a lei estabelecia que no bairro Maria Ortiz137 situado na região da Grande Goiabeiras todas as ruas deveriam ter nomes de professores de Vitória já falecidos A justificativa apresentada pelo edil é autoexplicativa O que se pretende através do presente projeto de lei é disciplinar o procedimento do legislador de modo a se agrupar num só Bairro e nas suas respectivas ruas o nome de pessoas que prestaram serviços relevantes à comunidade no difícil mister de educar Pela sua significativa contribuição a classe de professores na qual se destacaram as mais luminosas culturas tornouse merecedora da homenagem que ora se presta Esta matéria 137 A mulher homenageada Maria Ortiz que dá nome ao bairro teria nascido em Vitória a 14 de setembro de 1603 filha dos imigrantes espanhóis Juan Orty y Ortiz e Carolina Darico No imaginário capixaba ela ocupa lugar de destaque compondo com Domingos Martins 17811817 Caboclo Bernardo 18591914 e outros além do próprio Vasco Fernandes Coutinho c14951561 uma espécie de Panteão de Heróis A heroína em 1625 contava com 21 anos de idade quando ocorre a invasão holandesa em solo capixaba Reconhecendo o valor da ação uma carta ao Governador Geral Diogo Luiz de Oliveira em junho de 1625 assim relata Na repulsa dos invasores audaciosos é de justiça destacar a atitude de uma jovem moça que astuciosamente retardou o acesso dos invasores à parte alta da vila por eles visada permitindo assim que organizássemos com os homens e elementos de que dispúnhamos a defesa da sede Essa jovem se tornou para todos nós um exemplo vivo de decisão coragem e amor à terra A ela devemos esse valioso serviço sem o qual a nossa tarefa seria muito mais difícil e penosa O seu entusiasmo decidido fez vibrar o dos próprios soldados paisanos e populares na defesa e perseguição do invasor audaz e traiçoeiro Fonte Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo nº 57 2003 84 ensejará aos nossos dignos pares a oportunidade de reverenciar a memória saudosa e querida de sua inesquecível professora ou de seu inesquecível professor que sempre foram autênticos abnegados e idealistas porque infelizmente no Brasil ser mestre é renunciar à fortuna e se entregar a uma vida obscura Esse projeto rezava em seu artigo 1º que os logradouros somente poderiam receber denominação oficial de pessoas que tivessem prestado serviço ao Magistério Público na função de professor Em 1992 esta lei seria revogada Contudo a partir da exposição podese concluir que ela influenciou no aumento de logradouros de Vitória com nomes de mulheres já que o magistério é composto majoritariamente por mulheres Entre os especialistas e os que trabalham na administração das escolas as mulheres representavam 882 do magistério capixaba em 1991 Outra forma utilizada pelos vereadores para reforçar a importância da homenageada é acrescentar o estado civil ou a filiação da mulher A maioria das justificativas da década de 1970 contém o nome ou do pai ou do marido ou até dos filhos Residiu cerca de 60 anos naquela região onde ainda moça se dedicou de corpo e alma à vida do campo Essa extinta senhora de bom coração humilde exemplar esposa amiga dos humildes católica fervorosa Filha de e de foi juntamente com seu esposo Do feliz matrimônio nasceram os filhos e todos dignificando a sociedade 85 Gráfico 7 Percentual de mulheres casadas em comparação com outros estados civis não identificados citadas nas justificativas dos projetos de lei de logradouros Vitória Décadas de 1980 a 2000 Destacamse sobremaneira as qualidades relativas ao casamento e à maternidade Pessoa boníssima de excelentes virtudes embora jovem mãe de família exemplar esposa dedicada e de excelente contato com seus vizinhos Ela pela imensidão de seu amor tinha um pouco de Deus pela constância de sua dedicação aos seus e ao próximo tinha um pouco de anjo Agia com todas as forças de sua juventude soube enriquecer de felicidade todos aqueles que amou Deixou a vida muito cedo mas na eternidade deverá ter uma auréola de todos os bemaventurados Além disso as justificativas salientavam as qualidades maternais familiares e filantrópicas Ou todas elas acopladas conforme se depreende do arrazoado abaixo passou pela vida distribuindo bondade cultivando amizades e amando seus semelhantes Casada com fulano de tal teve desta feliz união matrimonial os seguintes filhos deixando um vácuo no coração dos muitos que admiravam o seu labor constante a permanente disposição em ajudar os menos favorecidos pela sorte predicados herdados pelos filhos e netos Para que as obras de filantropia de Dona possam ser lembradas e seus exemplos assimilados pelas gerações futuras julgamos justo a homenagem que se deseja prestar perpetuando o seu nome em uma das ruas de Vitória As qualidades ou predicados considerados importantes às mulheres diferemse bastante das exigidas ou esperadas nas justificativas para nomear logradouros com nomes de homens Nessas são reforçadas as qualidades relacionadas ao mundo público principalmente relacionadas ao trabalho desenvolvido por ele Geralmente 99 1 60 40 10 90 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Porcentagem 1970 1980 1990 Ano Década Casada Não Identificado 86 citase o nome da empresa ou do local o qual trabalhou como podemos verificar na justificativa abaixo Há a necessidade de perpetuar o nome do Sr pelo muito que fez pela nossa cidade Trabalhou 30 anos na onde se aposentou Interventor do Sindicato do membro da Campanha da vacina contra a tuberculose Expresidente do Centro Espírita reconhecido de utilidade pública por Lei Municipal Entretanto na década de 1980 após o auge do movimento feminista no Brasil já é possível verificar algumas mudanças Das profissões encontradas junto às homenageadas embora a maioria continuasse a ser professora 60 deparase também com profissões 40 antes não mencionadas tais como funcionária pública municipal e federal atriz cirurgiã dentista enfermeira poetisa nutricionista e parlamentar Além disso se encontra mudanças no que se refere estado civil de 1980 40 não foram identificadas nem como casadas nem como solteiras Por isso se pode inferir que com as transformações do comportamento feminino primeiro em relação ao trabalho e depois em relação ao casamento houve uma nova forma de qualificar a mulher que recebia o tributo138 Logo o fato de as mulheres terem adentrado ao mercado de trabalho proporcionou diferentes conceitos a elas pois se pode reconhecêlas pela sua qualificação profissional Embora continue presente nas justificativas da década de 1980 qualidades como mãe amorosa abnegada amizade bondade honestidade honradez dedicação paz fé fervorosa e espírito humanitário é possível encontrar novos predicados consonantes com as mudanças que a cidade de Vitória vinha passando como por exemplo primeira moradora do bairro prestou relevantes serviços à comunidade mulher mais idosa do bairro mulher batalhadora que enfrentou todo tipo de dificuldade para criar seus oito filhos especialista dedicada à sua profissão desbravadora do bairro participou da Academia Brasileira de Letras entre outros 138 A mudança de comportamento na sociedade vitoriense foi percebida por Nader 2003 ao identificar que as mulheres profissionalizadas mudaram a forma de se relacionar com o casamento 87 As justificativas apresentadas naquela década também indicam uma crescente participação das mulheres nos movimentos sociais principalmente nas associações de moradores dos bairros que se debatiam por melhorias urbanas Além de ser uma das primeiras moradoras do bairro sempre se destacou pelas ações comunitárias pela sua atenção e dedicação aos demais moradores como também na defesa intransigente de todas as reivindicações dos residentes ali as quais resultaram sempre em melhorias para o seu bemestar Nessa época se começa a utilização por moradores de bairros de abaixo assinados139 A partir dos anos de 1980 os projetos são acrescidos de listas de abaixoassinados dos moradores dos bairros que desejam homenagear as mulheres para sugerir aos vereadores nomes para os logradouros A participação feminina nos centros comunitários e noutras entidades de bairros favoreceu objetivamente as mulheres como pode se observar na justificação abaixo Um abaixoassinado que segue em anexo ao presente dá mostra do quanto foi estimada e exprime o desejo de significativas pessoas integrantes daquela comunidade que nutrem o mais profundo desejo de verem o seu nome eternizado numa das Ruas onde os mais chegados tiveram a felicidade de conviver ao seu lado Era um momento de afirmação do movimento popular que ia abrir caminho para que um maior número de mulheres fossem homenageadas com seus nomes nos logradouros da cidade Assim o exame da questão na década de 1980 mostra que se deram ao mesmo tempo o aumento da presença do movimento popular nas definições de nomes para os logradouros e um maior espaço para a sugestão de homenagens às mulheres Era o resultado do envolvimento nos assuntos comunitários e o desempenho da atuação em novos setores que não somente a esfera privada já podia ser traduzido como um reconhecimento público da participação da mulher na história da cidade 139 A partir dos anos de 1980 os projetos são acrescidos de listas de abaixoassinado dos moradores dos bairros que desejam homenagear as mulheres 88 Nos anos de 1990 as professoras permaneceriam sendo as mais homenageadas e ocuparam um total de 60 dos logradouros batizados com nomes de mulheres enquanto outra profissões outras profissões manterseiam na faixa dos 40 Entre essas havia costureiras secretárias médicas benzedeiras parteiras e até uma oficialtenente da polícia A diversidade de profissões era o reflexo da variedade de ofertas ensejadas pelo mercado de trabalho numa cidade que não parava de se desenvolver Ao mesmo tempo caía em desuso a não referência 90 ao estado civil da mulher nas justificativas dos projetos na década de 1990 revelando apenas 10 de mulheres casadas Além disso as justificativas também recaíam em relação ao desempenho da homenageada enquanto militante das causas sociais dandose ênfase à participação feminina na história do bairro Dona participou ativamente de toda a história de desenvolvimento deste bairro assim como pessoa de ligação e união entre todas as vertentes políticas do bairro A partir do desenvolvimento da cidade de Vitória a necessidade de se dar nomes aos logradouros tornouse quase que uma obrigação pois todos os moradores precisavam saber o nome da rua onde moravam e o número de suas casas e muitos deles não tinham essa informação oficializada Um fato que aparentemente é tão simples atualmente mas não ter uma rua oficializada causava grandes transtornos para a vida da comunidade poucas décadas atrás Talvez seja por isto que durante o período pesquisado 1970 a 2000 em que o crescimento da cidade coincide com a implantação dos grandes projetos industriais os vereadores dedicaramse tanto a dar nomes aos logradouros por uma necessidade legal e para facilitar a vida de todos que ali residiam Tal fato pode ser percebido na seguinte propositura Justificase o presente projeto de Lei considerando a importância da denominação oficial porque os moradores sentemse prejudicados em relação aos Correios Intimações Judiciais e demais serviços que se faz necessário à Comunidade 89 Vale ressaltar que um dos projetos com mais farta justificativa pleno de dados biográficos e curriculares incluindo até uma foto de corpo inteiro foi o de uma professora negra que fora homenageada Tanto esmero e riqueza de dados para justificar a homenagem a esta mulher mais parece um esforço adicional no sentido de não deixar dúvidas perante as razões da homenagem O empenho na descrição da sua competência técnica chama a atenção porque pode sugerir a existência de uma discriminação ainda maior sobretudo se for levada em conta a quantidade de mulheres negras homenageadas nos logradouros Mesmo que nos projetos de lei pesquisados não haja referência à etnia da pessoa homenageada porque raras são as vezes em que é possível ver uma foto em anexo podese inferir que as mulheres negras sejam menos ainda homenageadas do que as mulheres brancas140 A discriminação e o preconceito de acordo com Munanga141 são transformados em armas ideológicas para legitimar e justificar a exterminação a exploração e a exclusão de segmentos importantes da sociedade Também é desse período a consolidação de reivindicações das mulheres como a criação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher142 de autoria da vereadora Gilsa Barcellos 19881992 militante feminista que atuava como uma das porta vozes das reivindicações feministas da época O Conselho diretamente ligado ao Gabinete do Prefeito de Vitória foi criado com a finalidade de formular e promover políticas governamentais medidas e ações para a garantia dos direitos da mulher A participação feminina nas Câmaras Municipais tem sido mais freqüente do que nas esferas estadual e federal e são mulheres ligadas ao magistério às comunidades sendo que algumas são profissionais liberais Embora certamente exista todo um conjunto de razões que expliquem a atual inclinação da mulher 140 A idéia de raça aqui desenvolvida se constitui como uma construção social Segundo Silvério com raras exceções raça contemporaneamente tem sido entendida enquanto um constructo social não se referindo a qualquer categoria biológica SILVÉRIO Valter R 2003 O papel das ações afirmativas em contextos racializados algumas anotações sobre o debate brasileiro In SILVA Petronilha BG Org Educação e Ações Afirmativas Entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica Brasília INEP Brasília p 5777 Da mesma forma os homens negros devem ser menos homenageados com seus nomes nos logradouros públicos que os homens brancos Neste caso a discriminação não seria somente de gênero mas também de raça 141 MUNANGA KabengeleAs facetas de um racismo silenciado In SCHWARCZ Lilia M QUEIROZ Renato S Orgs Raça e diversidade São Paulo Edusp 1996 p 213214 142 Lei n 3992 90 capixaba para vereança da capital a facilidade para conciliar o trabalho exigido pela investidura política com as responsabilidades da atividade doméstica143 das quais a mulher parece ter grande dificuldade para se desvencilhar pode ser uma motivação em especial a ser salientada Obviamente outras causas podem ser mencionadas para justificar as limitadas possibilidades para a mulher aspirar postos políticos de maior autoridade Uma delas não deixa de ser a exigência de possuir bases eleitorais bem distribuídas pelo estado afora o que implicaria num estreito relacionamento político com prefeitos e outros líderes municipais em sua maioria homens integrantes de um tradicional sistema políticopartidário que só recentemente começou a incorporar preocupações relacionadas à questão de gênero Assim no período que vai de 1970 até o ano 2000 pela Câmara de Vitória passaram as professoras Etta de Assis Elizabeth Osório e Maria Ignez Pfister as líderes comunitárias Gilsa Barcellos e Neuzinha de Oliveira e a advogada Luzia Toledo esta profissional liberal e solteira seria depois viceprefeita deputada estadual senadora e secretária estadual De acordo com Tabak144 além de empiricamente comprovado que as mulheres estão em geral subrepresentadas nos órgãos de poder a proporção feminina não corresponde jamais ao peso relativo da população feminina De fato há um progressivo aumento da representação feminina Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral145 de 1932 a 1982 foram eleitas 31 mulheres para a Câmara dos Deputados A partir de 1986 foram eleitas 116 Deputadas Federais sendo que em 1986 26 mulheres em 1990 29 em 1994 32 e em 1998 29 No que se refere à eleição de senadoras apenas oito mulheres foram eleitas duas para o período 19911995 4 para o de 19951999 Para as Assembléias Legislativas Estaduais os números indicam uma situação semelhante de 1946 e 1982 foram eleitas um total de 111 Deputadas Estaduais A partir das eleições 1982 o número quase triplica pois foram eleitas um total de 276 Deputadas 31 em 1986 58 em 1990 80 em 1994 e 107 em 1998 143 PINHEIRO Ana Alice Costa A participação da mulher nas eleições de novembro de 1982 na Bahia In Encontro Anual da Ancops 7 Águas de São Pedro 1983 mimeo 144 TABAK Fanny A década da mulher como forma de participação e pressão política avaliação e balanço In Encontro anual da Ancops 9 Rio de Janeiro 1985 p 2 mimeo 145 Disponível em httpwwwtsegovbrinternetindexhtml Acesso em 18 mar 2006 91 Nas eleições proporcionais também vem aumentando o número de vereadoras eleitas Nas eleição de 1992 foram eleitas 3964 vereadoras o que representava cerca de 8 do total de vereadores eleitos Nas eleições realizadas em 1996 o número de mulheres eleitas é de 6598 representando cerca de 12 do total Já nas eleições de 2000 o número de vereadoras eleitas foi o de 7001 o que também equivale à cerca de 12 do total dos eleitos A realidade da incipiente participação das mulheres na política encontrada em Vitória é um quadro que se generaliza em toda a região metropolitana do país Segundo Riane146 a presença das mulheres nos Executivos Municipais da Grande Vitória pouco se modificou no decorrer das eleições de 1982 1988 e 1992 chegando à conclusão de que ainda é débil a participação feminina nestas instâncias Embora todos os municípios metropolitanos tenham sempre apresentado candidatas elas não conseguiram se eleger para os cargos de Prefeita e vice dos municípios da região metropolitana da capital capixaba A exceção ficou para o menor município Viana que teve uma prefeita eleita assim mesmo por causa de uma condição muito especial ela figurava como vice na chapa do pai que renunciou depois da posse permitindo que a filha cumprisse o mandado e se reelegesse De acordo com a autora nas câmaras municipais da Grande Vitória houve um crescimento progressivo do numero de vereadoras Em 1982 foram eleitas três mulheres representando 428 Em 1988 elegeramse seis mulheres representando 619 perfazendo um crescimento de 50 E em 1992 foram eleitas oito candidatas significando 88 significando um aumento de cinco vereadoras entre os anos de 1982 e 1992 No entanto no que se refere à nomenclatura de logradouros não se constata a mesma proporção entre o aumento do número de mulheres homenageadas e a quantidade de representação feminina na Câmara Municipal até porque a cidade de Vitória ainda não incorporou em sua história política uma tradição que dê relevo à igualdade de gênero em postos de poder 146 RIANI Lourência A mulher na política capixaba Graduação Trabalho de conclusão de curso Vitória Universidade Federal do Espírito Santo Departamento de Serviço Social 1994 156p 92 A ínfima representação feminina eleita para a Câmara Municipal da Capital nas últimas décadas pode atestar esta realidade Em 1982 na capital foram eleitas duas mulheres 1053 e 17 homens 8947 Em 1988 foram eleitas duas mulheres 952 e 19 homens 9048 E em 1992 apenas uma mulher 476 conseguiu se eleger enquanto 20 homens 9524 foram eleitos Este quadro vai de encontro ao aumento significativo da participação da sociedade organizada na sugestão de nomenclaturas fato que merece ser destacado sobretudo se for considerado o expressivo aumento de 20 nas justificativas contidas nos projetos de nomes de logradouros da década de 1990 que valorizavam a mulher engajada socialmente nsid5 93 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma cidade com diminuta quantidade de nomes de mulheres inscritos em seus logradouros públicos concorre objetivamente para a reprodução da discriminação de gênero A metade feminina da população fica obscurecida como se não tivesse participado da construção da cidade ou na melhor das hipóteses como se tivesse ocupado um papel secundário na obra A subestimação do papel da mulher é tão flagrante que Luisa Grinalda que por quatro anos governou como donatária a Capitania do Espírito Santo não tem sequer um logradouro em sua homenagem147 Vitória uma cidade secular das mais antigas do Brasil tem boa parte da sua história entendida a partir dos nomes de homens que figuram nas placas de identificação afixadas nos logradouros nomes eternizados como personagens que protagonizaram sua epopéia O resultado desta pesquisa comprovou que dobrou o número de nomes de mulheres em logradouros públicos da cidade de Vitória após os anos 1970 levando em conta o período anterior Mesmo assim este crescimento ainda não expressa o fim da subrepresentação feminina em relação à quantidade de nomes de homens Ao lado da inferioridade numérica de logradouros públicos com nomes de mulheres somase também a superioridade masculina no que diz respeito ao porte e importância desses perante a população Isto é há de fato uma subrepresentação feminina nos logradouros cujos endereços possuem mais valor no mercado imobiliário como as avenidas e ruas mais valorizadas e prestigiadas da cidade batizadas com nomes de personagens masculinos 147 Em 1589 com a morte do donatário Vasco Fernandes Coutinho Filho sucedeulhe no Governo da Capitania sua viúva Luísa Grinalda O casal não tinha filhos para seguir a linha de sucessão Dessa maneira uma mulher herdou o posto e nomeou como adjunto o capitão Miguel Azeredo Luísa Grinalda assumiu a Capitânia em 1589 e governou durante quatro anos até 1593 quando perdeu o cargo em uma disputa judicial para o parente mais próximo de Vasco Fernandes Coutinho Filho MORAES Neida Lúcia A Saga do Espírito santo Das Caravelas ao século XXI Disponível em httpwwwseculodiariocombrseculo2000seculo03jeanneindex2htm Acesso em 12 mar 2007 94 No que concerne à legislação apesar de a escolha da nomenclatura de logradouros públicos ser mais uma forma de discriminação de gênero nem por isto percebese que a atuação do movimento feminista em Vitória foi suficientemente vigorosa para alterar os critérios definidos em lei para nomeálos A razão pode estar no fato de que até agora não se tenha dado ao caso a devida importância Até porque provavelmente não se tenha ainda identificado a discriminação contida no ato de poder de escolher os nomes dos logradouros Examinandose as Justificativas item exigido pela legislação que disciplina a feitura e tramitação dos projetosdelei a influência da ação do movimento feminista é encontrada É a razão pela qual se podem explicar alterações carregadas de elementos valorizando a mulher ao abordar a biografia da homenageada que não mais se esmeram em destacar a afinidade das mulheres com as prendas domésticas ou algo deste estereótipo feminino Na busca de apoio à sua propositura o autor do projeto até excede na ênfase da mulher dedicada às atividades fora do lar no ambiente público e social Concluise portanto que o movimento feminista exerceu a sua autoridade na forma com a qual os vereadores e prefeitos passaram a biografar as mulheres salientando qualidades próprias da mulher moderna livre do arquétipo tradicional Tal como ela passou a ser enxergada também nos diversos ambientes da vida social no mesmo período influenciados de maneira geral pelo processo de mudança de valores e comportamentos da sociedade capixaba A política capixaba por sua vez não haveria de ficar indiferente a toda mudança ocorrida e de algum modo responderia com mudança de atitude A partir do momento em que a discriminação é constatada cientificamente impõe se obrigatoriamente a sua superação a fim de que seja resguardado o preceito de igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações nos termos da Constituição Federal148 Esta superação poderia se dar com uma emenda à 148 homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos da Constituição Federal Art 5º Inciso I 95 legislação pertinente que se traduza num dispositivo legal afirmativo dos direitos femininos em Vitória As fontes das quais esta dissertação se serviu foram oficiais e encontradas junto aos poderes municipais Câmara Municipal e Prefeitura Municipal Entretanto para o tipo de levantamento proposto considerouse apenas os logradouros nomeáveis tradicionalmente entre os milhares que existem em Vitória O esforço para reunir corretamente os dados colhidos nestas fontes primárias revelou que ainda é precário o zelo dispensado à feitura de leis municipais tão importantes para a memória da cidade Antes de ser esta uma crítica às limitações deste serviço público querse aqui salientar a ausência de uma biografia razoável dos nomes de homens e mulheres com os quais se batizou os milhares de logradouros da capital capixaba Por isto a impressão que fica é a de que o perfil do homenageado importa menos do que a capacidade do autor da propositura em ver aprovada e efetivada a homenagem com os votos dos seus pares A pesquisa foi realizada em Vitória mas como se trata de uma tradição universal ela poderá agora ser aceita como uma referência para que também em outros municípios capixabas e brasileiros possam ser desenvolvidos novos trabalhos que contribuam para mensurar a valorização que se dá às mulheres munícipes e identificar motivações históricas que condicionam alguns costumes O processo para nomear logradouros é semelhante em todos os municípios do Brasil e é quase que um privilégio consuetudinário dos vereadores e prefeitos a atribuição para tal fim Levantar discussões nesta direção é estabelecer mais um vínculo ligando a problemática de gênero ao cotidiano e a vida da cidade A natureza da proposta trabalhada indica que pode ser muito vasto o terreno onde estão situadas as discriminações que são menos visíveis do que aquelas que se dão no mercado de trabalho e outros domínios igualmente freqüentados pela maioria dos pesquisadores da vida social O movimento feminista evidentemente cumpre o papel de eleger os temas mais compatíveis para serem tratados numa ou noutra conjuntura levando em conta a correlação de forças que se apresenta nos diferentes momentos Mas a discriminação de gênero como qualquer fenômeno 96 social tem suas razões históricas e estas não estão necessariamente hierarquizadas em gradações de importância Os projetos de lei para denominar logradouros são considerados pela mídia pouco importantes e popularmente conhecidos como cobradágua pois não mordem nem tiram pedaços A subestimação com a qual se trata este tema explicase pela ausência de uma cultura valorizativa da memória de preservação da identidade e da história de uma cidade que logo vai completar cinco séculos Talvez a carência de trabalhos atualizados sobre os logradouros de Vitória esteja ligada à escassa bibliografia a respeito do tema Daí a imperiosa necessidade de mais incursões acadêmicas nesta direção a fim de que se transponha a lacuna existente hoje facilitando eventuais consultas pelas futuras gerações de pesquisadores Ruas avenidas praças e demais logradouros são ordenados como uma necessidade para identificar e localizar o endereço das pessoas empresas hospitais repartições públicas etc O endereço certo e sabido não é uma exigência apenas para a comodidade segurança ou logística É acima de tudo uma questão ligada à própria cidadania E não há rua avenida praça beco alameda e escadaria sem nome próprio legalizado ou apenas conhecido como tal Por isto é um equívoco a subestimação dada comumente aos logradouros e seus nomes Não existe cidadania plena para quem não dispõe de seu próprio endereço Finalmente podese acrescentar ao saldo que ficou da atuação do movimento feminista no período pesquisado com o aumento dos nomes de mulheres nos logradouros públicos de Vitória Algo muito importante mas não mais do que a alteração que se verificou nos procedimentos dos vereadores e prefeitos que exerceram mandatos nesta quadra Aqueles que possuíam a prerrogativa legal para o exercício do poder de dar nomes aos logradouros públicos passaram a justificar suas indicações com argumentos bem mais compatíveis com toda uma realidade permeada pela obra do movimento feminista durante o processo de industrialização da capital capixaba Mesmo assim parece que a persistente sub representação 97 está aí a revelar que as mulheres continuam menos reconhecidas e valorizadas do que se pretenderia como ideal para uma época de modernização e urbanização149 A precária coleção de nomes de mulheres nos logradouros não afeta somente uma compreensão deturpada sobre o caminho percorrido pelos capixabas em sua saga para erguer a capital com todas as qualidades dela conhecidas mas também constrói uma imagem inapropriada para com as futuras gerações da importância do papel que as mulheres exerceram nesse processo 149 Segundo Hunner 2003 p 15 a história dos últimos séculos seja na América Latina na Europa nos Estados Unidos ou de qualquer outra parte do mundo ainda tem sido escrita geralmente como se os importantes processos de industrialização urbanização e até de reprodução da população acontecessem aparentemente sem a participação ou mesmo a presença do sexo feminino 98 5 REFERÊNCIAS AGUIAR Neuma Gênero e ciências humanas Rio de Janeiro Record Rosa dos Tempos 1997 ALVES Branca Moreira e PITANGUY Jacqueline O que é feminismo São Paulo Brasiliense 1983 ALICE Ana Gênero poder e empoderamento das mulheres Caderno da CNTE Educação no combate à discriminação Dia Internacional da Mulher 2002 ÁRIES Philippe DUBY Georges História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 1992 v4 BALCAO Nilde Discriminação de gênero e omissão sindical CUT espaço de mulheres e de homens São Paulo p 916 abr1993 BEAUVOIR Simone de O segundo sexo São Paulo Difel1960 BELOTTI Elena Gianini Educar para a submissão Petrópolis Vozes1985 BLAY Eva Alterman Mulher e estado São Paulo Universidade de São Paulo 1988 14 mimeo Mulheres e Movimentos Sociais Urbanos no Brasil anistia custo de vida e creches Mulher Hoje Vol 26 Rio de Janeiro Civilização Brasileira1980 BILICH Jeanne As múltiplas trincheiras de Amylton de Almeida o cinema como mundo a arte como universo Vitória GSA Gráfica e Editora 2005 BRUSCHINI Cristina Org Rebeldia e submissão estudos sobre a condição feminina São Paulo Vértice Editora Revista dos Tribunais Fundação Carlos Chagas1989 SORJ Bila Novos olhares mulheres e relações de gênero no Brasil São Paulo Marco Zero Fundação Carlos Chagas 1994 99 BÚSSOLA Carlo O feminismo história de uma ideologia moderna Vitória Revista de CulturaUFES 1985 CAMACHO Thimoteo Mulher trabalho e poder o machismo nas relações de gênero da UFES Vitória EDUFES 1997 CHOAY Françoise A alegoria do patrimônio São Paulo Estação Liberdade Editora Unesp 2001 COLBARI Antonia Cenas do movimento sindical capixaba o passado recente e os desafios atuais In Escritos de Vitória movimentos sociais Vitória Secretaria de Cultura e Turismo n16 p 1343 1996 Dicionário ideológico feminista Vitoria Sal Ed Icaria España1991 Disponível em creatividadfeministaorgpalabrasclavemachismo Acesso em 18 jun 2006 FARIA Nalu NOBRE Míriam Cidadania para mulheres In XVIII Congresso Estadual dos Tabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo e Congresso Estatutário 11 1995 Vitória Anais Vitória SINDIUPES 1995 p 28 30 FARIA Nalu Org Sexualidade e gênero uma abordagem feminista São Paulo SOF Sempreviva Organização Feminista 1998 FOUCAULT Michel Microfísica do poder Rio de Janeiro Edições Graal2003 FRANCO Sebastião Pimentel HEES Regina Rodrigues A República e o Espírito Santo Vitória Multiplicidade 2003 HUNNER June Edith Emancipação do sexo feminino a luta pelo direito da mulher no Brasil 18501940 Florianópolis Editora Mulheres Santa Cruz do Sul Edunic 2003 HOBSBAWM Eric Era dos extremos o breve século XX 19141991 São Paulo Companhia das Letras 1995 Informativo da Comissão de Mulheres do Sindiupes CUT Boletim da Mulher CUT 1996 a 2006 100 Informativo do Sindicato dos BancáriosES Mulher 24 horas 1997 à 2006 Informativo do Fórum Estadual de Mulheres do Espírito Santo 8 de Março Dia Internacional da Mulher Março de 2003 LE GOFF Jacques História e memória 3 ed São Paulo Editora da Unicamp 1994 LE GOFF Jacques DocumentoMonumento In História e memória Campinas Ed Unicamp1992 LEITE Juçara Luzia Natureza folclore e história a obra de Maria Stella de Novaes e a historiografia espíritosantense no século XX Tese de Doutorado São Paulo Universidade de São Paulo 2002 MARTINS Ismênia de Lima Apresentação In SAMARA Eni de Mesquita Gênero em debate trajetórias e perspectivas na historiografia contemporânea São Paulo EDUC 1997 MARTINS Edna Calabrez O brilho da metade do céu In Escritos de Vitória movimentos sociais Vitória Secretaria de Cultura e Turismo n16 p 5763 1996 MUNANGA Kabengele As facetas de um racismo silenciado In SCHWARCZ Lilia M QUEIROZ Renato S Orgs Raça e diversidade São Paulo Edusp 1996 p 21329 NADER Maria Beatriz Mudanças econômicas e relações conjugais novos paradigmas na relação mulher e casamento Vitória ES 19702000 2003 318 f Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo São Paulo 2003 NADER Maria Beatriz Mulher do destino biológico ao destino social 2 ed Vitória EDUFES 2001 MORAES Neida Lúcia A Saga do Espírito santo Das Caravelas ao século XXI Disponível em httpwwwseculodiariocombrseculo2000seculo03jeanneindex2htm Acesso em 18 mr 2006 101 NOVAES Maria Stella de A mulher na História do Espírito Santo história e folclore Vitória EDUFES Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo Secretaria Municipal de Cultura 1999 PINHEIRO Ana Alice Costa A participação da mulher nas eleições de novembro de 1982 na Bahia In Encontro Anual da Ancops 7 Águas de São Pedro 1983 mimeo PINTO Andréia Márcia A representação da mulher nos livros didáticos de História Dissertação Mestrado em História Programa de PósGraduação em Educação PPGE Universidade Federal do Espírito Santo Vitória Ufes 2001 181f PINTO Céli Regina Jardim Uma história do feminismo no Brasil São Paulo Perseu Abramo 2003 Coleção História do Povo Brasileiro RAGO Margareth O feminismo no Brasil Labrys estudos feministas n3 janjul 2003 Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo IHGES nº 57 Vitória 2003 RIANI Lourência A mulher na política capixaba Vitória Universidade Federal do Espírito Santo Departamento de Serviço Social1994 156p Trabalho de conclusão de curso ROCHA Gilda Imigração estrangeira no Espírito Santo Vitória se 2000 ROCHA Haroldo Correa MORANDI Angela Maria Cafeicultura e grande indústria a transição no Espírito Santo 19551985 Vitória FCAA 1991 SAFFIOTI Heleith I B O poder do macho 4 ed São Paulo Moderna 1987 Coleção Polêmica SCHAYDER José Pontes História do Espírito Santo uma abordagem didática e atualizada 15322002 Campinas Companhia da Escola 2002 SCOTT Joan Gênero uma categoria útil de análise histórica In Mulher e realidade mulher e educação Porto Alegre v 16 n2 juldez 1990 102 História das mulheres In BURKE Peter Org A escrita da história novas perspectivas 2 ed São Paulo UNESP 1992 p 6395 SILVA Alice Inês de O e Abelhinhas numa dilgente colméia domesticidade e imaginário feminino na década de cinqüenta In COSTA Albertina de O SILVA Erineusa Maria As relações de gênero no magistério a imagem da feminização Vitória Edufes 2002 SIQUEIRA Maria da Penha Smarzaro Industrialização e empobrecimento urbano o caso da Grande Vitória 19501980 Vitória EDUSP2002 SILVÉRIO Valter R O papel das ações afirmativas em contextos racializados algumas anotações sobre o debate brasileiro In SILVA Petronilha BG Org Educação e Ações Afirmativas Entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica Brasília INEP 2003 SOUZALOBO Elizabeth A classe operária tem dois sexos trabalho dominação e resistência São Paulo Brasiliense 1991 TABAK Fanny A década da mulher como forma de participação e pressão política avaliação e balanço In Encontro Anual da Ancops 91985 Rio de Janeiro 1985 mimeo UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Biblioteca Central Normalização e apresentação de trabalhos científicos e acadêmicos guia para alunos professores e pesquisadores da UFES Universidade Federal do Espírito Santo Vitória A Biblioteca 7 ed rev amp 2006 VÁRZEA Mariana Nunes Pereira Mulheres de bronze Dissertação Mestrado em História Social da Cultura Rio de Janeiro Poontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio 1995 VIANNA Cláudia Educação e gênero parceria necessária para a qualidade do ensino In Coordenadoria Especial da Mulher Secretaria Municipal de Educação Gênero e educação caderno de apoio para a educadora e o educador São Paulo 2003 FICHA DE LEITURA A SUTILEZA DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NA NOMENCLATURA DOS LOGRADOUROS PÚBLICOS VITÓRIA ES 19702000 REFERÊNCIA COMPLETA NADER Penha Mara de Fernandes A SUTILEZA DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NA NOMENCLATURA DOS LOGRADOUROS PÚBLICOS VITÓRIA ES 19702000 Vitória 2007 PALAVRACHAVE Movimento feminista gênero logradouros públicos IDEIA CENTRAL A dissertação levanta a temática da homenagem póstuma sendo como um sinal de reconhecimentos de méritos não escapa ao quadro mais geral de discriminação sistemática de gênero que caracteriza a sociedade que adotou e mantém esta tradição universal Destacando que as mulheres são pouco lembradas com seus nomes nos logradouros como se elas não fossem dignas de recebimento dessa homenagem RESUMO O estudo foi realizado em Vitória mas representa boa parte dos logradouros nacionais e até mesmo internacionais porém pôde destacar que uma cidade com diminuta quantidade de nomes de mulheres inscritos em seus logradouros públicos concorre objetivamente para a reprodução da discriminação de gênero A metade feminina da população fica obscurecida como se não tivesse participado da construção da cidade ou na melhor das hipóteses como se tivesse ocupado um papel secundário na obra Um destaque feito pela autora foi o de que Vitória uma cidade secular das mais antigas do Brasil tem boa parte da sua história entendida a partir dos nomes de homens que figuram nas placas de identificação afixadas nos logradouros nomes eternizados como personagens que protagonizaram sua epopeia As análises feitas no estudo puderam afirmar que além da inferioridade numérica de logradouros públicos com nomes de mulheres existe também a superioridade masculina no que diz respeito ao porte e importância desses perante a população Porém uma conquista importante analisada é a de que o movimento feminista exerceu a sua autoridade na forma com a qual os vereadores e prefeitos passaram a biografar as mulheres salientando qualidades próprias da mulher moderna livre do arquétipo tradicional Tal como ela passou a ser enxergada também nos diversos ambientes da vida social no mesmo período influenciados de maneira geral pelo processo de mudança de valores e comportamentos da sociedade capixaba A partir do momento em que a discriminação é constatada cientificamente impõese obrigatoriamente a sua superação a fim de que seja resguardado o preceito de igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações nos termos da Constituição Federal RELAÇÃO COM A PROPOSTA DO TRABALHO Carregando uma visão feminista a dissertação levantou um fator importante e pouco notado na sociedade que se trata da falta da representatividade feminina na homenagem feita a mulheres em logradouros Mesmo que o trabalho esteja voltado apenas para a realidade da cidade de Vitória compactua com a realidade de todo o país Assim como o projeto busca ressaltar a importância da instauração da igualdade de mulheres e homens nos termos da Constituição Federal em aspectos que dizem respeito inclusive a homenagens feitas pela cidade lembrando que as evoluções e conquistas não foram obtidas através de um único gênero FICHA DE LEITURA A MULHER NO ESPAÇO PÚBLICO UMA REFLEXÃO ACERCA DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEO E DA NÃO PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO REFERÊNCIA COMPLETA RODRIGUES Clarice Fernandes A MULHER NO ESPAÇO PÚBLICO UMA REFLEXÃO ACERCA DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEO E DA NÃO PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 13th Womens Worlds Congress Anais Eletrônicos Florianópolis 2017 PALAVRACHAVE Gênero espaço urbano espaço público mulher planejamento urbano IDEIA CENTRAL O artigo levanta um debate com o objetivo de afirmar a importância de incorporar na produção do campo da Arquitetura e do Urbanismo soluções para as especificidades das vivências de grupos sociais vulnerabilizados com foco na necessidade de incluir mulheres no planejamento das cidades como agentes transformadoras e usuárias do espaço urbano RESUMO A crítica apontada no texto é voltada inicialmente para a estrutura do planejamento contemporâneo como um todo mostrando falhas de um processo que conta com a exclusão das mulheres Essa exclusão citada no texto se dá na não visibilidade de ações que já estão presentes a tempos mas que não são vistas ouvidas e valorizadas Trazer o conceito de comum sob a perspectiva feminista nos faz enxergar algumas dessas ações Esses tópicos foram levantados no decorrer do artigo favorecendo o entendimento dessa visão facilitando a compreensão do leitor sobre a temática Para entrar nessa perspectiva feminista da visão de comum de acordo com a autora é necessário reconhecer que as mulheres sempre foram as principais sujeitas do trabalho reprodutivo e por isso estariam mais comprometidas com a defesa do comum por dependerem mais dele que os homens para se libertarem das amarras do processo de acumulação capitalista Por fim é mantido a seguinte questão apesar das pontuações realizadas ao decorrer do texto como inserir as mulheres no planejamento das cidades de forma que elas tenham a oportunidade de se tornarem protagonistas do processo em todas as instâncias RELAÇÃO COM A PROPOSTA DO TRABALHO O texto ressalta as características voltadas para o patriarcado e a exclusão das mulheres no campo de arquitetura e urbanismo ressaltando à falta de componentes que abranjam a minoria em vista que a visão feminina dessa estruturação seria mais voltada para o coletivo que uma visão que busca favorecer apenas os padrões de necessidade ditas masculinas e colocar este padrão como o normal para a sociedade em geral mesmo que exclua outras perspectivas Como o projeto é voltado para o empoderamento feminino a relação com o texto é bem grande em vista que ambos buscam soluções para um inserimento das mulheres no desenvolvimento social como um urbanismo mais inclusivo e perceptivo